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Rodrigo Duarte org O BELO AUTÔNOMO Textos clássicos de estética 2ª edição revista e ampliada O Belo Autônomo O Belo Autônomo Textos clássicos de estética 2ª edição revista e ampliada 1ª edição publicada pela Editora UFMG Organizador Rodrigo Duarte FILO FILOestética Prefáci Prefácio à 1ª o à 1ª ediçã edição 19 o 1998 98 Rodrigo Du Rodrigo Duarte arte Esta seleção de textos pretende suprir uma falta facilmente detectável quando se trata de buscar material didático para cursos introdutórios de Estética e Filosofia da Arte seja de graduação seja de pósgraduação Já existem em Português bons manuais srcinais e traduções que por um lado facultam sobre o assunto uma boa visão panorâmica por outro não permitem o aprofundamento que só um contato direto com as fontes do pensamento estético ocidental pode oferecer E o visível crescimento do interesse por Estética no Brasil nos últimos anos já determinou por si só a ampliação e o aprofundamento do patamar de apropriação hermenêuticofilosófica da arte e esse processo não dá sinais de estar prestes a estancar A seleção dos textos obedeceu ao critério de importância e centralidade para a sucessão temporal e um possível encadeamento das ideias estéticas sem descurar sua relação com a forma específica de encarar o fenômeno artístico vivenciada por cada período histórico Isso acabou por determinar uma certa carência de textos da Antiguidade e da Idade Média períodos em que aind não havia uma clara distinção entre o que entendemos por bela arte e o simples ofício ou artesanato e uma profusão de textos da Idade Moderna para cá De fato a partir desse período grande filósofos se interessam por e escrevem diligentemente sobre aquilo que poderíamos chamar ascensão e queda da bela arte Ascensão porque começa a ocorrer aí o que hoje chamamos de autonomia da arte seu deslindamento da tutela de instâncias extraestéticas por exemplo clero e nobreza processo que determinou a percepção de uma especificidade e independência no fenômeno estético nunca antes experienciada queda porque tal processo veio se dirigindo a uma situação como a presente em que a contrapartida de uma liberdade de criação quase ilimitada por parte do artista é a incerteza quanto à sua sobrevivência numa sociedade em que seu produto é mais uma mercadoria entre milhões de outras Finalmente o autor destas linhas não esconde que nos casos em que não pôde haver um critério objetivo de desempate quanto à inclusão de dois textos de igual relevância optouse por aquele de sua preferência pessoal o que esperase não deve ser empecilho para o alcance dos objetivos propostos Optouse por conservar as notas de rodapé constantes nas edições srcinais em português se acréscimo de outras de modo que as existentes são do próprio autor quando não há indicação ou do editor da publicação original designada por NE entre parênteses ou do tradutor designada po NT entre parênteses A reunião destes textos só se tornou possível graças à compreensão das editoras detentoras dos direitos de tradução dos trechos aqui transcritos com exceção das traduções especialmente feitas para esta publicação que gentilmente autorizaram sua reprodução Agradeço a Mara Marley Santo Sales pela digitação dos textos e a Romero Alves Freitas e a Verlaine Freitas pelas traduções do trechos de Schelling e Schiller respectivamente A Verlaine Freitas agradeço também de forma especial pela competente assessoria prestada na organização definitiva do material apresentado Agradecimentos especiais devem ser também dirigidos à CAPES que através de seu Programa d Apoio à Integração GraduaçãoPósGraduação PROIN tornou possível a edição desta antologia em forma de livro Esperando que este livro cumpra da melhor maneira possível o objetivo almejado que é o de prestar apoio ao ensino e à pesquisa desta que é uma das mais fascinantes disciplinas filosóficas a estética agradeço também a todas as pessoas que indiretamente ajudaram eou estimularam na consecução do trabalho que ora trazemos ao público Belo Horizonte outubro de 1996 Prefácio à 2ª e Prefácio à 2ª edição dição Rodrigo Du Rodrigo Duarte arte É indescritível a satisfação de quase quinze anos depois da publicação da 1ª edição de O Belo utônomo presenciar o surgimento desta 2ª edição sensivelmente melhorada e ampliada com a inclusão de novos textos e de novas traduções para textos que já figuravam na versão anterior A primeira edição pode ser vista como extremamente bemsucedida já que disponibilizando ao público uma seleção de textos fundamentais da estética e da filosofia da arte supriu uma importante lacuna no mercado editorial brasileiro Um indício desse fato é que num curto espaço de tempo considerando a média das publicações de filosofia no Brasil a tiragem inicial se esgotou e por razões alheias à minha vontade foi bastante difícil se chegar ao ponto em que agora estamos de poder apresentar a segunda edição A principal delas é que a primeira edição fazia parte de um projeto pedagógico financiado pela CAPES e enquanto tal teve facilitada a incorporação d traduções reconhecidas dos textos por mim selecionados mediante a autorização dos detentores dos seus direitos tendo em vista exatamente o caráter didático da publicação Naquela época não era possível prever que haveria uma demanda tão significativa do livro de norte a sul do País e quando isso se tornou patente com o rápido esgotamento da primeira edição ficou claro também que a transformação do projeto pedagógico inicial numa publicação com características mais comerciais se é que se pode empregar a expressão nesse caso exigiria uma recolocação das condições de negociação de direitos autorais das traduções ou em alguns casos também dos próprios textos já que alguns dos autores representados no livro faleceram em data comparativamente recente Esse impasse só começou a se resolver quando a Editora Crisálida resolveu enfrentar todos o desafios implícitos na realização desse projeto com destaque para João Gabriel Alves Domingos que se dedicou durante meses a fio a deslindar os entraves para produzir esta segunda edição de O elo Autônomo É interessante registrar que mais do que nunca o projeto adquiriu feições de uma obra coletiva já que a incorporação de novos textos ou de novas traduções para textos já constantes na primeira edição significou a agregação de pessoas que dela não haviam participado tais como Daniel Pucciarelli William Mattioli e Ernani Chaves Além disso a oportunidade de repensar a su ampliação com a inclusão de textos inexistentes na versão anterior 1 deu margem a que as pessoas envolvidas no projeto opinassem sobre as possíveis modificações a serem introduzidas o que só me aumentou minha satisfação em pensar queO Belo Autônomo mais do que nunca deixou de ser um projeto mais pessoal para se tornar o de um coletivo concernido com o cultivo e a divulgação da estética filosófica neste País Belo Horizonte março de 2012 1 Se por um lado contamos com autores inéditos em relação à edição anterior Sigmund Freud Walter Benjamin Gilles Deleuze Vilé Flusser Benedito Nunes cujo texto foi gentilmente sugerido por Maíra Nassif e Arthur Danto por outro é preciso registrar retirada contra nossa vontade por questões relativas aos direitos autorais de dois autores fundamentais Martin Heidegger e Mauric MerleauPonty Platão Platão A república A república Livro Livro III de A repúbli III de A república ca22 Platão 427 aC347 aC Platão 427 aC347 aC Tradução Carlos Alberto Nunes Quais seriam as consequências éticopolíticas em aceitar na cidade uma presença autônoma de um discurso orientado pela produção do falso Se conferimos valor à verdade não podemos conceder uma completa autonomia ao poeta ou seja àquele cujo discurso persegue não o srcinal mas a imitação Por isso para nosso uso teremos de recorrer a um poeta ou contador de histórias mais austero e menos divertido que corresponda aos nossos desígnios só imite o estilo moderado e se restrinja na sua exposição a copiar os modelos que desde o início estabelecemos por lei quando nos dispusemos a educar nossos soldados Ainda atual o problema é deve haver uma completa autonomia da arte em relação à ética e à política No trecho de A República por volta de 380 aC de Platão 427 aC347 aC lemos a famosa passagem em qu ocorre a expulsão do poeta da cidade Temas Temas política ética ontologia poesia 2 PLATÃO A República Belém Editora da Universidade do Pará 2000 p145163 Agradecemos à EDUFPA por autorizar utilização do texto Daí precisarmos acabar com essas histórias que podem deixar nossos jovens levianos e maus Evidentemente respondeu E agora continuei que outra forma de discurso ainda falta analisar para vermos como deve ou não deve ser enunciado Já assentamos como precisam ser tratados os deuses os demônios os heróis e os que demoram no Hades Perfeitamente Então o que ainda falta diz respeito aos homens não é verdade Sem dúvida Mas não nos será possível amigo pôr isso presentemente em ordem Porque seríamos obrigados a dizer segundo creio que a respeito dos homens tanto os poetas como os oradores cometem os mais graves erros quando afirmam terem sido felizes muitos homens injustos e infelizes muitos justos que a injustiça é proveitosa quando não descoberta e que a ustiça por sua vez implica dano próprio e vantagem alheia Teríamos de proibirlhes tudo isso e recomendarlhes que cantem e digam justamente o contrário não te parece É assim mesmo que penso disse Mais uma vez que admites estar eu com a razão neste ponto terei de concluir que ficaste també de acordo comigo a respeito do que há muito procuramos Conclusão muito certa acrescentou Se devemos ou não falar dessa maneira a respeito dos homens é o que só decidiremos quando descobrirmos o que seja a justiça e como pode ela ser naturalmente útil a quem a possui pouco importando a conta em que é tida essa pessoa É muito verdadeiro disse VI A respeito do assunto é quanto basta Agora acho que devemos considerar o estilo para determinarmos por maneira completa como deve ser o conteúdo e a forma Então falou Adimanto Não entendo o que queres dizer com isso Mas é preciso que entendas lhe repliquei Talvez me faça compreender melhor da seguinte maneira tudo o que os mitólogos e os poetas contam não é um relato de fatos passados presentes ou futuros Que mais poderia ser perguntou E não conseguem esse desiderato ou por simples exposição ou por imitação ou por ambos os modos ao mesmo tempo A tal respeito respondeu precisaria explicação mais particularizada Pelo que vejo lhe falei sou um professor caricato e nada claro Vou proceder como os indivíduos que não sabem falar em vez de considerar a questão em seu conjunto tomarei apenas uma parte para mostrarte o que pretendo Dizme uma coisa não sabes como começa a Ilíada o versos em que o poeta conta como Crises pediu a Agamémnone que lhe libertasse a filha e como este se zangou e o outro por não haver alcançado o que desejava apelou para o deus contra os Aquivos Perfeitamente Sabes portanto que até ao verso Implora aos Aquivos presentes sem exceção mas mormente aos Atridas que povos conduzem quem fala é o poeta o qual não procura levar nossa atenção para outra parte nem se esforça por parecer que não é ele mas outra pessoa que está com a palavra Porém logo a seguir discorre como se ele fosse o próprio Crises e lança mão de todos os meios para convencernos de que não é Homero que parece falar mas o velho sacerdote Do mesmo modo procedeu em quase todo o resto de sua narrativa ao contarnos o que se passou em Ílio e em Ítaca como também em toda a Odisseia Isso mesmo disse Há narração por conseguinte nos dois casos tanto na reprodução das falas das personagens como nas partes intermédias Como não Mas quando nos dirige qualquer fala como sendo de outra pessoa não poderemos dizer que se esforça para deixar sua linguagem tanto quanto possível parecida com a da pessoa por ele mesmo anunciada antes que nos iria falar É o que diremos sem dúvida Ora imitar alguém ou pela palavra ou pelo gesto não é representar a pessoa imitada Sem dúvida Sendo assim num caso como esse ao que parece tanto Homero como os demais poeta procedem em suas narrativas por imitação Perfeitamente Mas se o poeta nunca se ocultasse toda a sua narrativa dispensaria a imitação E para que não nos venhas dizer mais uma vez que não compreendes como possa ser isso vou explicarte Se depois de haver contado que Crises viera com o resgate da filha e suplicara aos Aquivos principalmente aos dois Atridas continuasse Homero a falar não como se ele fosse Crises porém sempre como Homero fica sabendo que não se trataria de imitação mas de uma exposição simples Seria mais o menos deste modo não vou falar em verso pois não sou poeta Ao chegar o sacerdote fez votos para que os deuses lhes concedessem tomar incólumes Troia e suplicou que lhe entregassem a filha a troco de resgate e em atenção aos deuses A essas palavras todos os Aquivos assentiram com demonstração de reverência apenas Agamémnone se encolerizou e lhe deu ordem para retirarse e não mais voltar à sua presença pois não lhe serviriam de amparo nem o cetro nem as ínfulas sagradas do deus Antes de serlhe a filha libertada declarou envelheceria com ele em Argos Mandou que se fosse embora e deixasse de importunálo caso quisessem voltar salvo para casa Ao ouvir essas palavras o velho atemorizouse e se afastou sem dizer nada Mas quando se achou longe do acampamento orou instantemente a Apolo invocandoo por todos os seus nomes e pedindo que se alguma vez se agradara dos templos por ele construídos e das gratas vítimas que lhe sacrificara lembrado agora disso vingasse nos Aquivos as lágrimas por ele derramadas Desse modo meu caro sem nenhuma imitação é que se faz uma narração simples Compreendo disse VII Então continuei deves também compreender que segue precisamente o processo opost quem omite as palavras insertas pelo poeta entre os discursos e deixa apenas o diálogo Compreendo também isso respondeu é assim que se passa na tragédia Apanhaste bem a questão lhe repliquei estando eu certo de que vou mostrarte agora o que antes não me fora possível a saber que a poesia e a mitologia podem constar inteiramente de imitação tal como se dá na tragédia e na comédia conforme disseste ou apenas da exposição do poeta Os melhores exemplos desse tipo de composição encontrarás nos ditirambos há uma terceira modalidade em que se dá a combinação dos dois processos é o que se verifica na epopeia e em muitas outras formas de poesia se é que me fiz compreender Entendo agora perfeitamente disse o que querias significar Procura então recordarte também do que afirmamos antes que o conteúdo já estava esclarecido mas faltava examinar a maneira de tratálo Sim recordome Isso justamente é o que eu dizia que precisávamos decidir se permitiríamos ao poeta apresentarnos as suas narrativas só por meio da imitação ou se poderia imitar numas partes e deixar de fazêlo noutras e quais seriam elas ou se qualquer modalidade de imitação lhe seria proibida Palpitame respondeu que desejas esclarecer se devemos ou não permitir em nossa cidade a tragédia e a comédia Talvez lhe respondi talvez até mesmo mais do que isso Por enquanto eu próprio o ignoro Teremos de caminhar por onde soprar a brisa do argumento É muito certo o que dizer observou Considera também Adimanto se nossos guardas devem ou não devem ser imitadores Não fa parte do que foi dito antes que cada um só pode sairse bem em uma única profissão não em muitas e que se experimentar as forças em várias a um só tempo fracassará totalmente e não se distinguirá em nenhuma Quem o duvidará E não é também o que se observa com a imitação Poderá a mesma pessoa imitar muitas coisa tão bem como uma só É claro que não Dificilmente portanto conseguirá alguém exercer ao mesmo tempo com eficiência funções importantes ou ser um bom imitador de muitas coisas pois nem mesmo as duas imitações que tão próximas parecem uma da outra podem ser praticadas com êxito por uma só pessoa é o exemplo dos autores de comédias e de tragédias Não disseste neste momento que ambas eram imitação Disse e tens razão em achar que a mesma pessoa não pode sairse bem nas duas Como não poderá ser ao mesmo tempo rapsodo e ator Exato E também não são os mesmos os atores de tragédias e de comédias Tudo isso é imitação não te parece Imitação A natureza humana Adimanto se me afigura dividida em pedacinhos ainda menores de forma que é impossível a qualquer pessoa imitar bem muitas coisas ou fazer as próprias coisas que a imitação reproduz É muito certo observou VIII Se quisermos portanto manter de pé a primeira proposição a saber que os nosso guardas dispensados de qualquer outra ocupação se dedicariam exclusivamente à liberdade da cidade sem empreenderem senão o que tendesse para esse fim será preciso que não façam nada mais nem imitem coisa alguma No caso porém de imitarem deverão fazêlo desde a meninice o que lhes convier para se tornarem corajosos temperantes santos livres e tudo o mais do mesmo gênero não devendo praticar nem procurar imitar o que não for nobre nem qualquer modalidade de torpeza para que por meio de imitação não venham a encontrar prazer na realidade Já não observaste que a imitação quando começada em tenra idade e prolongada por muito tempo se transforma em hábito e se torna uma segunda natureza passando para o corpo para a voz e até para a própria inteligência Sem dúvida respondeu Não admitiremos portanto continuei que os jovens de que cuidamos com o propósito de fazer deles cidadãos de bem por isso mesmo que são homens imitem as mulheres tanto novas como velhas ou seja no ato de insultar qualquer delas o marido ou quando alguma se ponha a rivalizar com os deuses por pura jactância isso quando estão felizes ou na infelicidade quando se entregam ao choro e a lamentações Uma mulher doente ou amorosa ou em trabalho de parto é o que nunca lhe permitiremos Tens toda a razão disse Nem escravos e escravas que realizam ocupações servis Isso também não Nem ainda indivíduos maus e pusilânimes que fazem precisamente o contrário do que determinamos troca de insultos zombarias de uns para os outros e palavras obscenas quer quando sóbrios quer quando embriagados e tudo o mais com que por atos ou palavras a si mesmos desagradam ou aos companheiros Quer parecerme também que não devem habituarse a imitar a linguagem ou as ações dos loucos É evidente que terão de conhecer pessoas más e insanas de ambos os sexos porém não devem fazer nem imitar o que elas fazem É muito certo disse Mais um exemplo continuei o trabalho de ferreiro ou de qualquer outro artífice de remadores de trirremes ou de seus comandantes e tudo o mais que se relaciona com essas atividades não deverá também ser imitado Como fora possível respondeu se não lhes é permitido ocuparse com qualquer outra profissão E o seguinte cavalos a relinchar touros a mugir rios murmurantes e o ruído do mar ou o barulho do trovão e tudo o mais do mesmo gênero será para imitar Foilhes proibido ser loucos ou imitar as ações dos loucos Se bem compreendo prossegui o que queres dizer há uma modalidade de estilo narrativo em que poderá exprimirse o indivíduo de verdadeiro valor sempre que tiver o que dizer como há outra que difere inteiramente dela e a que se atém em sua exposição quem por dotes naturais e educação for o oposto do primeiro Quais são perguntou Sou de parecer continuei que quando o indivíduo equilibrado tem de reproduzir no decurso de sua exposição algum dito ou gesto de homem de bem esforçase por falar como se fosse essa mesma pessoa e não se envergonha de imitála principalmente quando a imitação disser respeito a algum ato de firmeza e sabedoria que lhe seja atribuído com menor disposição e mais raramente o imitará quando o vir cambaleante por efeito de doença ou do amor ou mesmo por embriaguez ou qualquer outra infelicidade Quando tiver de haverse com quem não for digno dele não se resolverá a imitar seriamente uma pessoa inferior ou só o fará de passagem numa ou noutra ação meritória Sim terá de envergonharse a uma por não ter o hábito de imitar gente dessa laia à outra porque lhe repugna forçar a sua natureza em moldes inferiores despreza do fundo da alma semelhante procedimento a não ser como brinquedo É natural replicou IX Sendo assim adotará um modo de narração semelhante ao que há pouco nos referimos quando tratamos dos versos de Homero vindo a participar sua exposição dos dois processos a imitação e a narração simples porém a primeira como parte mínima numa narrativa longa Ou não terá sentido o que eu disse Tem muito até assim é que precisará ser o expositor por nós idealizado Nessas condições continuei quanto mais aquém desse ideal ficar o narrador maior quantidade de coisas imitará sem nada considerar indigno de si próprio de forma que procurará imitar tudo com o maior empenho e na presença de todo o mundo não apenas o a que há momentos nos referimos o trovão o barulho dos ventos e da saraiva o chiar dos eixos e das polias como também o som das trombetas das flautas das gaitas e dos demais instrumentos a voz dos cães das ovelhas e dos pássaros Desse modo toda a sua exposição constará simplesmente da imitação de vozes e de gestos com o mínimo possível de narração Necessariamente terá de ser assim Daí ter eu dito que há duas maneiras de narrar Sem dúvida Uma delas só em grau muito reduzido permite modificações uma vez alcançada a harmonia e o ritmo convenientes o bom expositor manterá sempre o mesmo estilo da harmonia inicial que aliás não admite variações de vulto Vale o mesmo com relação ao ritmo É muito certo o que disseste respondeu E com respeito à outra modalidade Ao contrário da primeira não exigirá todas as harmonias e todos os ritmos se tiver de ser feita a exposição como é preciso que o seja por isso mesmo que abrange toda sorte de modificações Exatamente Ora os poetas e de modo geral as pessoas que expõem alguma coisa por meio da palavra não se valem de um ou outro desses modos de expressão ou da combinação de ambos Necessariamente disse Então como faremos perguntei Admitiremos na cidade todos os gêneros ou um só dos gêneros puros ou a mistura dos dois Se prevalecer minha maneira de pensar disse apenas um dos puros o que imita as pessoas moderadas No entanto Adimanto o estilo misto é bem interessante e muito do gosto das crianças e de seus preceptores o que também se observa com a grande maioria do povo É muito interessante realmente Mas sem dúvida observei irás dizer que esse estilo não convém à nossa cidade por não haver entre nós homens duplos nem múltiplos visto ter cada pessoa apenas uma ocupação Não convém de fato Eis a razão de somente nessa cidade verificarmos que o sapateiro é exclusivamente sapateiro não piloto com o conhecimento de sapateiro o lavrador é só lavrador não juiz com conhecimento de agricultura como é apenas combatente o guerreiro sem ser comerciante que entenda de arte bélica e assim com tudo o mais É muito certo disse Nessas condições se viesse à nossa cidade algum indivíduo dotado da habilidade de assumir várias formas e de imitar todas as coisas e se propusesse a fazer uma demonstração pessoal com seu poema nós o reverenciaríamos como a um ser sagrado admirável e divertido mas lhe diríamos que em nossa cidade não há ninguém como ele nem é conveniente haver e depois de ungirlhe a cabeça com mirra e de adornálo com fitas de lã o poríamos no rumo de qualquer outra cidade Para nosso uso teremos de recorrer a um poeta ou contador de histórias mais austero e menos divertido que corresponda aos nossos desígnios só imite o estilo moderado e se restrinja na sua exposição a copiar os modelos que desde o início estabelecemos por lei quando nos dispusemos a educar nossos soldados Sim respondeu é o que faríamos se tivéssemos poder para tanto E com isso meu caro continuei quer parecerme que esgotamos a parte da música relativa aos discursos e às fábulas pois já tratamos do conteúdo e da forma É também o que eu penso disse X Agora prossegui só nos resta tratar do canto e da melodia Sem dúvida A esse respeito por coerência com o que ficou exposto todo o mundo descobrirá de pronto o que é preciso dizer e como devem ser ambos Pondose a rir falou Glauco Receio muito Sócrates que esse Todo o mundo não me abranja Neste momento pelo menos não saberei dizer como ambos devem ser apesar de fazer minhas conjecturas De qualquer forma lhe disse desde já podes afirmar com segurança que uma canção se compõe de três partes texto melodia e ritmo Isso é verdade respondeu Com relação às palavras não há diferença entre elas e as que não são cantadas pois de qualquer modo todas terão de ser enunciadas segundo os princípios de que já tratamos não é verdade Exato O ritmo e a melodia terão de acompanhar as palavras Sem dúvida Mas já dissemos acima que não temos necessidade de queixas e lamentações em nosso texto É fato Quais são as harmonias tristes És músico achaste portanto em condições de enumerálas A lidiana mista disse a lidiana aguda e outras do mesmo estilo Essas então lhe falei serão excluídas por inúteis até mesmo para mulheres que terão de ser moderadas quanto mais para homens Perfeitamente A embriaguez também é imprópria para os guardas a moleza e a indolência Como não E quais são as harmonias moles e usadas nos banquetes São denominadas moles disse a ioniana e uma variedade lidiana E essas amigo poderão ser de alguma utilidade para guerreiros De jeito nenhum respondeu Mas ao que parece só te sobraram a dórica e a frígica De harmonia nada entendo lhe falei mas restanos a modalidade indicada para imitar como convém a voz e a expressão do indivíduo que se comporta virilmente na guerra ou em qualquer situação difícil e que ao perceber em perigo sua causa seja para ir de encontro a ferimentos e à morte seja quando se vê a braços com qualquer outra infelicidade persevera no seu posto e enfrenta resoluto a sorte adversa Reservemos a outra para ser por ele usada em tempo de paz na execução de qualquer ato espontâneo não porém violento mas nas atividades cotidianas quando insiste junto de alguém ou procura convencêlo nas súplicas dirigidas a Deus ou na doutrinação e admoestação de qualquer pessoa ou pelo contrário quando se mostra sensível a pedidos lições ou advertências de terceiros de acordo com os quais pauta o seu proceder sem revelar orgulho e em todas as circunstâncias se comporta com modéstia e sabedoria sempre satisfeito com os resultados obtidos Essas duas modalidades de harmonia a violenta e a voluntária são as mais adequadas para imitar a linguagem da infelicidade e da felicidade da sabedoria e da bravura com essas é que precisamos ficar As que resolveste conservar me disse são justamente as duas a que há pouco me referi Por isso mesmo observei não precisaremos empregar em nossas canções e melodias instrumentos de muitas cordas e capazes de todas as tonalidades Acho também que não Sendo assim não precisaremos sustentar fabricantes de triângulos e de harpas ou de instrumentos outros de muitas cordas capazes de todas as harmonias Pareceme que não E agora admitirás na cidade fabricantes ou tocadores de flauta Não é a flauta o instrumento d maior quantidade de sons não passando de simples imitação dela os instrumentos de muitas harmonias É evidente respondeu Restamte por conseguinte observei para uso na cidade apenas a lira e a cítara e para os pastores do campo uma espécie de flauta de Pan Pelo menos é a conclusão a que nos leva nosso argumento Aliás meu caro amigo lhe repliquei não faremos nada de extraordinário preferindo Apolo e os instrumentos de Apolo a Mársias com os dele Não por Zeus me disse essa também é a minha maneira de pensar Pelo cão continuei sem o percebermos expungimos outra vez nossa cidade das delícias de que há momentos a acusávamos E o fizemos com sabedoria observou XI Então lhe falei prossigamos em nosso trabalho de expurgo Depois das harmonias segues naturalmente o que diz respeito aos ritmos não devemos procurar ritmos variados nem metros de toda a espécie mas apenas determinar quais são os ritmos próprios para exprimir a vida bem regulada e corajosa e uma vez descobertos adaptar o metro e a melodia às palavras não o contrário o texto ao metro e à melodia Como fizeste com as harmonias a ti é que compete dizer quais são esses ritmos Por Zeus replicou não sei o que diga O que por observação própria poderei adiantar é que h três formas fundamentais na composição dos metros como há quatro nas dos sons de que se srcinam todas as harmonias Mas quais sejam as que imitam estas ou aquelas formas particulares da vida é que não saberei dizer A esse respeito observei depois consultaremos Damão para saber quais movimentos são indicados à baixeza à insolência à insânia e a outras variedades e que ritmos devem ser reservados para as qualidades contrárias Tenho vaga ideia de que certa vez ele me falou de um ritmo composto a que deu o nome de enóplio de um dáctilo de um heroico que dispunha não sei como igualando as subidas e as quedas para terminarem em longas e curtas falou também se não me engano de um iambo e de um tal troqueu aos quais atribuía quantidades longas e curtas Se mal não me lembro e alguns desses metros ele criticava ou elogiava tanto a medida como o ritmo ou talvez mesmo a combinação dos dois Mas como disse deixemos essa parte para Damão destrinçar semelhante assunto é matéria que exige muito tempo não te parece Muito por Zeus Uma coisa no entanto saberás distinguir que a aparência graciosa ou desgraciosa é sempre decorrência do ritmo ou de sua falta Como não Mas a presença e a falta de ritmo resultam da boa ou da ruim maneira de falar respectivamente valendo o mesmo para a harmonia e a falta de harmonia a estar certo o que dissemos há pouco que o ritmo e a harmonia é que têm de regularse pelas palavras não o inverso as palavras pelo ritmo e pela harmonia Sem dúvida respondeu estes é que terão de acompanhar o discurso E a respeito da maneira de falar perguntei e do seu próprio conteúdo não dependem da disposição da alma É evidente E tudo o mais não depende do discurso Sim Desse modo a beleza do estilo a harmonia a graça e o ritmo decorrem da simplicidade da alma não no sentido com que eufemisticamente designamos a tolice mas no verdadeiro do caráter ornado de beleza e bondade É muito certo disse Assim de todos os modos deverão os moços esforçarse por adquirir essas qualidades se quiserem cumprir bem sua missão É o que terão sem dúvida de fazer Cheia delas está a pintura e todos os trabalhos dessa natureza a arte do tecelão a do bordador e a do arquiteto bem como a manufatura de objetos em geral a estrutura dos corpos e o conjunto das plantas em tudo se nota proporção ou desgraciosidade A falta de graça de ritmo ou de harmonia é parente próxima da linguagem viciosa e dos maus costumes assim como seus contrários o são das qualidades opostas a ponderação e a retidão de conduta irmãs e cópias fiéis Muitíssimo certo respondeu XII Mas teremos de restringir nossa vigilância apenas aos poetas para obrigálos a s apresentar em suas composições modelos de bons costumes sem o que deverão absterse de compor entre nós ou precisaremos estender aos demais artistas essa fiscalização para impedilos de representar o vício a intemperança a baixeza a indecência tanto na pintura da vida como na das construções e em todos os trabalhos dos artesãos ficando proibido de exercer sua atividade entre nós quem não puder obedecer a essas determinações É de temer que venham a crescer os guardas no meio de imagens do vício como num pasto nocivo em que colham e ingiram pequenas porém reiteradas doses de veneno das mais variadas espécies do que resulta causarem na alma imperceptivelmente dano irreparável Não só devemos procurar os artistas felizmente dotados e capazes de descobrir por toda a parte o rastro do belo e do gracioso para que nossos jovens à maneira dos moradores de lugares sadios tirem vantagem de tudo e que apenas as impressões de coisas belas lhes possam atingir os olhos ou os ouvidos tal como se dá com a brisa benéfica que sopra de uma região salubre e os levem desde a infância insensivelmente a amar e imitar os belos discursos e a se harmonizarem com eles Não poderiam ser educados disse por maneira mais bela E não é nisso precisamente Glauco continuei que consiste a superioridade da educação musical por calarem fundo na alma o ritmo e a harmonia e aderirem nela fortemente E porque servem de veículo ao decoro não deixam honesta a alma sempre que for bem orientada a educação Caso contrário o oposto é o que se observa E também pelo fato de perceber com acuidade que nesse domínio desfruta de educação adequada o que é falho menos belo nas obras de arte ou nas da natureza e com malestar justificado por esse fato passa a elogiar as coisas belas e a acolhêlas alegremente na alma para delas alimentarse e tornarse nobre e bom e a censurar com toda a ustiça o feio dedicandolhe ódio nos anos em que ainda careça de entendimento para compreender a razão do fato mas uma vez chegada a razão darlheá as boas vindas com tanto maior alegria por se lhe ter tornado familiar em todo o processo de sua educação Eu pelo menos disse considero essas precisamente as vantagens da educação musical O mesmo acontece continuei quando aprendemos a ler pois só nos tornamos fortes depois de sabermos distinguir as letras apesar de serem poucas em todas as combinações em que elas ocorrem sem desprezálas por insignificantes quer ocupem grande quer pequeno espaço como se não fossem dignas de consideração e nos esforçamos por compreendêlas onde quer que apareçam visto não haver jeito de chegarmos a ser bons leitores sem passarmos por essa fase inicial do estudo É muito certo E não é também verdade que não reconheceremos as imagens das letras quer nos apareçam na água quer no espelho se não conhecermos antes as próprias letras por ser tudo isso objeto da mesma arte e do mesmo estudo Exatamente Ora bem Do mesmo modo pelos deuses o que digo é que nunca poderemos tornarno músicos nem nós nem os guardas cuja educação vai ficar a nosso cargo antes de sabermos distinguir as formas da temperança da coragem da liberdade da generosidade e de todas as outras virtudes suas irmãs bem como as de seus contrários onde quer que nos surjam e de reconhecer que são elas mesmas que ali se encontram elas e suas imagens sem desprezar nenhuma nem nas pequenas nem nas grandes manifestações por admitirmos que todas elas fazem parte da mesma arte e do mesmo estudo Necessariamente observou Continuemos lhe falei Quando se der a ocorrência de belos traços da alma que correspondam e se harmonizem com um exterior impecável por participarem do mesmo modelo fundamental não constituirá isso o mais belo espetáculo para quem tiver olhos de ver O mais belo sem dúvida Porém o mais belo é também o mais amável não é verdade Como não Logo os indivíduos mais perfeitos sob esse aspecto terão de ser amados do músico não o sendo por seu lado os dissonantes Não o serão respondeu máxime se se tratar de algum defeito da alma porque se for apenas do corpo essa pessoa saberá dar o devido desconto e se esforçará por amálo Compreendo lhe disse é que tens ou já tiveste algum amado nessas condições com o que só posso concordar contigo Mas dizme uma coisa haverá alguma afinidade entre a temperança e o abuso do prazer Como poderia haver respondeu se o prazer perturba a alma tanto quanto a dor E com relação à virtude em geral De forma alguma Não E com a arrogância e a incontinência Sim com essas muitíssima afinidade E seria capaz de citar um prazer maior e mais violento do que o prazer do amor Não respondeu nem mais furioso Ao passo que o verdadeiro amor e amante da sabedoria e da beleza temperante e músico ao mesmo tempo Sem dúvida respondeu Assim não deverá aproximarse do verdadeiro amor nem a loucura nem o que tiver afinidade com a incontinência É muito certo Logo esse prazer também não deverá aproximarse do amor como não devem ter o menor contato com aquele o amante e o amado ligados por legítima afeição Sim por Zeus disse não deverá aproximarse De tudo isso podemos concluir que terás de estabelecer por lei na cidade por nós fundada que o amante só deverá beijar o amado conviver com ele ou tocar nele como se se tratasse de um filho por amor ao belo e assim mesmo somente de alcançar o seu consentimento em tudo o mais as relações com o jovem a quem se afeiçoou nunca devem dar aso à suspeita de que foram além desse limite caso contrário será tido na conta de indivíduo grosseiro e carente de educação musical De inteiro acordo respondeu E agora perguntei não te parece que chegamos ao fim de nossa exposição sobre a música Pelo menos terminou onde deveria terminar pois a música deve acabar no amor ao belo Aristóteles Aristóteles Poética Poética Poética Poética33 Aristóte Aristóteles 384 les 384 aC322 aC aC322 aC Tradução udoro de Souza Se abordamos a fruição de uma obra devemos também analisar a sua estrutura narrativa Por exemplo como e quais eventos podem ser imitados pela poesia E o que distingue a tragédia da comédia Quais elementos da tragédia são responsáveis pela produção de efeitos emotivos singulares em seu espectador É pois a Tragédia imitação de uma ação de caráter elevado completa e de certa extensão em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes do drama imitação que se efetua não por narrativa mas mediante atores e que suscitando o terror e a piedade tem por efeito a purificação dessas emoções No trecho da Poética 335 aC de Aristóteles 384 aC322 aC apresentado a seguir ao leitor lemo sobre temas perenes na reflexão estética como a mímesis a relação da filosofia com a arte e a catharsis Temas Temas drama tragédia comédiacatharsis mímesis 3 ARISTÓTELES Poética Capítulo I ao XII Ars Poetica Editora 1981 p 1763 Agradecemos à Editora Ars Poetica por autorizar utilização do texto Poesia é Poesia é imi imitação Espécies de tação Espécies de poesia imita poesia imitativa tiva classificad classificadas seg as segund undo o o o meio da imita meio da imitação ção 1 Falemos da poesia dela mesma e das suas espécies da efetividade de cada uma delas da composição que se deve dar aos Mitos se quisermos que o poema resulte perfeito e ainda de quantos e quais os elementos de cada espécie e semelhantemente de tudo quanto pertence a esta indagação começando como é natural pelas coisas primeiras 2 A Epopeia a Tragédia assim como a poesia ditirâmbica e a maior parte da aulética e da citarística todas são em geral imitações Diferem porém umas das outras por três aspectos ou porque imitam por meios diversos ou porque imitam objetos diversos ou porque imitam por modos diversos e não da mesma maneira 3 Pois tal como há os que imitam muitas coisas exprimindose com cores e figuras por arte ou por costume assim acontece nas sobreditas artes na verdade todas elas imitam com o ritmo a linguagem e a harmonia usando estes elementos separada ou conjuntamente Por exemplo só de harmonia e ritmo usam a aulética e a citarística e quaisquer outras artes congêneres como a siríngica com o ritmo e sem harmonia imita a arte dos dançarinos porque também estes por ritmos gesticulados imitam caracteres afetos e ações 4 Mas a Epopeia e a arte que apenas recorre ao simples verbo quer metrificado quer não e quando metrificado misturando metros entre si diversos ou servindose de uma só espécie métrica eis uma arte que até hoje permaneceu inominada Efetivamente não temos denominador comum que designe os mimos de Sófron e de Xenarco os diálogos socráticos e quaisquer outras composiçõe imitativas executadas mediante trímetros jâmbicos ou versos elegíacos ou outros versos que tais Porém ajuntando à palavra poeta o nome de uma só espécie métrica aconteceu denominaremse a uns de poetas elegíacos a outros de poetas épicos designandoos assim não pela imitação praticada mas unicamente pelo metro usado 5 Dessa maneira se alguém compuser em verso um tratado de medicina ou de física esse será vulgarmente chamado poeta na verdade porém nada há de comum entre Homero e Empédocles não ser a metrificação aquele merece o nome de poeta e este o de fisiólogo mais que o de poeta Pelo mesmo motivo se alguém fizer obra de imitação ainda que misture versos de todas as espécies como o fez Querémon noCentauro que é uma rapsódia tecida de toda a casta de metros nem por isso se lhe deve recusar o nome de poeta 6 Fiquem assim determinadas as distinções que tínhamos de estabelecer Poesias há contudo que usam de todos os meios sobreditos isto é de ritmo 25 canto e metro como a poesia dos ditirambos e dos nomos a Tragédia e a Comédia só com uma diferença as duas primeiras servem se juntamente dos três meios e as outras de cada um por sua vez Tais são as diferenças entre as artes quanto aos meios de imitação IIII Espécies de poesia imitativa classificadas segundo o objeto da Espécies de poesia imitativa classificadas segundo o objeto da imitação imitação 7 Mas como os imitadores imitam homens que praticam alguma ação e estes necessariamente são indivíduos de elevada ou de baixa índole porque a variedade dos caracteres só se encontra nessas diferenças e quanto a caráter todos os homens se distinguem pelo vício ou pela virtude necessariamente também sucederá que os poetas imitam homens melhores piores ou iguais a nós 5 como o fazem os pintores Polignoto representava os homens superiores Pauson inferiores Dionísio representavaos semelhantes a nós Ora é claro que cada uma das imitações referida contém essas mesmas diferenças e que cada uma delas há de variar na imitação de coisas diversas dessa maneira 8 Porque tanto na dança como na aulética e na citarística pode haver tal diferença e assim também nos gêneros poéticos que usam como meio a linguagem em prosa ou em verso sem música Homero imitou homens superiores Cleofão semelhantes Hegêmon de Taso o primeiro que escreveu paródias e Nicócares autor da Delíada imitaram homens inferiores E a mesma diversidade se encontra nos ditirambos e nos nomos como o mostram Arga Timóteo e Filóxeno nos Ciclopes 9 Pois a mesma diferença separa a Tragédia da Comédia procura esta imitar os homen piores e aquela melhores do que eles ordinariamente são IIIIII Espécies de poesia imitativa classificadas segundo o modo da Espécies de poesia imitativa classificadas segundo o modo da imitação narrativa mista dramática Etimologia de drama e imitação narrativa mista dramática Etimologia de drama e Comédia Comédia 10 Há ainda uma terceira diferença entre as espécies de poesias imitativas a qual consiste no modo como se efetua a imitação Efetivamente com os mesmos objetos quer na forma narrativa assumindo a personalidade de outros como o faz Homero ou na própria pessoa sem mudar nunca quer mediante todas as pessoas imitadas operando e agindo elas mesmas Consiste pois a imitação nessas três diferenças como ao princípio dissemos a saber segundo os meios os objetos e o modo Por isso num sentido é a imitação de Sófocles a mesma que a de Homero porque ambo imitam pessoas de caráter elevado e noutro sentido é a mesma que a de Aristófanes pois ambos imitam pessoas que agem e obram diretamente 11 Daí o sustentarem alguns que tais composições se denominamdramas pelo fato de se imitaremagentes dróntas Por isso também os Dórios para si reclamam a invenção da Tragédia e da Comédia a da Comédia pretendemna os megarenses tanto os da metrópole do tempo d democracia como os da Sicília porque lá viveu Epicarmo que foi muito anterior a Quiônidas Magnes e da Tragédia também se dão por inventores alguns dos dórios que habitam o Peloponeso dizem eles que na sua linguagem chamamkômai às aldeias que os atenienses denominamdêmoi e que os comediantes não derivam seu nome dekomázein mas sim de andarem de aldeia em aldeia kómas por não serem tolerados na cidade e dizem também que usam o verbodrân para 1448b significar o fazer ao passo que os atenienses empregam o termo práttein 12 Damos por dito tudo que se refere a quantas e quais sejam as diferenças da imitação poética IV IV Origem Origem da p da poesia Causas oesia Causas História d História da poesia a poesia trágica e c trágica e côm ômica ica 13 Ao que parece duas causas e ambas naturais geraram a poesia O imitar é congênito no homem e nisso difere dos outros viventes pois de todos é ele o mais imitador e por imitação aprende as primeiras noções e os homens se comprazem no imitado 14 Sinal disso é o que acontece na experiência nós contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância por exemplo as representações de animais ferozes e de cadáveres Causa é que o aprender não só muito apraz aos filósofos mas também igualmente aos demais homens se bem que menos participem dele Efetivamente tal é o motivo por que se deleitam perante as imagens olhandoas aprendem e discorrem sobre o que seja cada uma delas e dirão por exemplo este tal Porque se suceder que alguém não tenha visto o srcinal nenhum prazer lhe advirá da imagem como imitada mas tãosomente da execução da cor ou qualquer outra causa da mesma espécie 15 Sendo pois a imitação própria da nossa natureza e a harmonia e o ritmo porque é evidente que os metros são partes do ritmo os que ao princípio foram mais naturalmente propensos para tais coisas pouco a pouco deram srcem à poesia procedendo desde os mais toscos improvisos 16 A poesia tomou diferentes formas segundo a diversa índole particular dos poetas Os de mais alto ânimo imitam as ações nobres e das mais nobres personagens e os de mais baixas inclinações voltaramse para as ações ignóbeis compondo estes vitupérios e aqueles hinos e encômios Não podemos é certo citar poemas desse gênero dos poetas que viveram antes de Homero se bem que verossimilmente muitos tenham existido mas a começar em Homero temos o argites e outros poemas semelhantes nos quais por mais apto se introduziu o metro jâmbico que ainda hoje assim se denomina porque nesse metro se injuriavam iámbizon De modo que entre os antigos uns foram poetas em verso heroico outros o foram em verso jâmbico 17 Mas Homero tal como foi supremo poeta no gênero sério pois se distingue não só pel excelência como pela feição dramática das suas imitações assim também foi o primeiro que traçou as linhas fundamentais da Comédia dramatizando não o vitupério mas o ridículo Na verdade o argites tem a mesma analogia com a Comédia que têm a Ilíada e a Odisseia com a Tragédia 18 Vindas à luz a Tragédia e a Comédia os poetas conforme a própria índole os atraía para este ou aquele gênero de poesia uns em vez de jambos escreveram Comédias outros em lugar de Epopeias compuseram Tragédias por serem estas últimas formas mais estimáveis do que as primeiras 19 Examinar depois se nas formas trágicas a poesia austera atinge ou não atinge a perfeição do gênero quer a consideremos em si mesma quer no que respeita ao espetáculo isso seria outra questão 20 Mas nascida de um princípio improvisado tanto a Tragédia como a Comédia a Tragédia dos solistas do ditirambo a Comédia dos solistas dos cantos fálicos composições essas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades a Tragédia pouco a pouco foi evoluindo à medida que se desenvolvia tudo quanto nela se manifestava até que passadas muitas transformações a Tragédia se deteve logo que atingiu a sua forma natural Ésquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o número dos atores diminuiu a importância do coro e fez do diálogo protagonista Sófocles introduziu três atores e a cenografia Quanto à grandeza tarde adquiriu a Tragédia o seu alto estilo só quando se afastou dos argumentos breves e da elocução grotesca isto é do elemento satírico Quanto ao metro substituiu o tetrâmetro trocaico pelo trímetro jâmbico Com efeito os poeta usaram primeiro o tetrâmetro porque as suas composições eram satíricas e mais afins à dança mas quando se desenvolveu o diálogo o engenho natural logo encontrou o metro adequado pois o jambo é o metro que mais se conforma ao ritmo natural da linguagem corrente demonstrao o fato de muitas vezes proferirmos jambos na conversação e só raramente hexâmetros quando nos elevamos acima do tom comum 21 Quanto ao número de episódios e outros ornamentos que se haja acrescentado a cada parte consideremos o assunto tratado muito laborioso seria discorrer sobre tudo isso em pormenor VV A Comédia evolução do gênero Comparação da Tragédia com a A Comédia evolução do gênero Comparação da Tragédia com a Epopeia Epopeia 22 A Comédia é como dissemos imitação de homens inferiores não todavia quanto a toda a espécie de vícios mas só quanto àquela parte do torpe que é o ridículo O ridículo é apenas certo defeito torpeza anódina e inocente que bem o demonstra por exemplo a máscara cômica que sendo feia e disforme não tem expressão de dor 23 Se as transformações da Tragédia e seus autores nos são conhecidas as da Comédia pelo contrário estão ocultas pois que delas se não cuidou desde o início só passado muito tempo o arconte concedeu o coro da Comédia que outrora era constituído por voluntários E também só depois que teve a Comédia alguma forma é que achamos memória dos que se dizem autores dela Não se sabe portanto quem introduziu máscaras prólogo número de atores e outras coisas semelhantes A composição de argumentos é prática oriunda da Sicília e os primeiros poetas cômicos teriam sido Epicarmo e Fórmide dos atenienses foi Crates o primeiro que abandonada poesia jâmbica inventou diálogos e argumentos de caráter universal 24 A Epopeia e a Tragédia concordam somente em serem ambas imitação de homens superiores em verso mas difere a Epopeia da Tragédia pelo seu metro único e a forma narrativa E também na extensão porque a Tragédia procura o mais que é possível caber dentro de um período do sol ou pouco excedêlo porém a Epopeia não tem limite ide tempo e nisso diferem ainda que a Tragédia ao princípio igualmente fosse ilimitada no tempo como os poemas épicos 25 Quanto às partes constitutivas algumas são as mesmas na Tragédia e na Epopeia outras são só próprias da Tragédia Por isso quem quer que seja capaz de julgar da qualidade e dos defeitos da Tragédia tão bom juiz será da Epopeia Porque todas as partes da poesia épica se encontram n Tragédia mas nem todas as da poesia trágica intervêm na Epopeia VI VI Definição de Tragédia P Definição de Tragédia Parte artes ou s ou elem elementos essenciais entos essenciais 26 Da imitação em hexâmetros e da Comédia trataremos depois agora vamos falar da Tragédia dando da sua essência a definição que resulta de quanto precedentemente dissemos 27 É pois a Tragédia imitação de uma ação de caráter elevado completa e de certa extensão e linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes do drama imitação que se efetua não por narrativa mas mediante atores e que suscitando o terror e a piedade tem por efeito a purificação dessas emoções 28 Digo ornamentada a linguagem que tem ritmo harmonia e canto e o servirse separadamente de cada uma das espécies de ornamentos significa que algumas partes da Tragédia adotam só o verso outras também o canto 29 Como essa imitação é executada por atores em primeiro lugar o espetáculo cênico há de ser necessariamente uma das partes da Tragédia e depois a Melopeia e a elocução pois estes são os meios pelos quais os atores efetuam a imitação Por elocução entendo a mesma composição métrica e por Melopeia aquilo cujo efeito a todos é manifesto 30 E como a Tragédia é a imitação de uma ação e se executa mediante personagens que agem e que diversamente se apresentam conforme o próprio caráter e pensamento porque é segundo estas diferenças de caráter e pensamento que nós qualificamos as ações daí vem por consequência o serem duas as causas naturais que determinam as ações pensamento e caráter e nas ações assim determinadas tem srcem a boa ou má fortuna dos homens Ora o Mito é imitação de ações e po Mito entendo a composição dos atos por caráter o que nos faz dizer das personagens que elas têm tal ou tal qualidade e por pensamento tudo quanto digam as personagens para demonstrar o quer que seja ou para manifestar sua decisão 31 É portanto necessário que sejam seis as partes da Tragédia que constituam a sua qualidade designadamente Mito caráter elocução pensamento espetáculo e Melopéia De sorte que quanto aos meios com que se imita são duas quanto ao modo por que se imita é uma só e quanto aos objetos que se imitam são três e além dessas partes não há mais nenhuma Pode dizerse que de todos esses elementos não poucos poetas se serviram com efeito todas as Tragédias comportam espetáculo caracteres Mito Melopeia elocução e pensamento 32 Porém o elemento mais importante é a trama dos fatos pois a Tragédia não é imitação de homens mas de ações e de vida de felicidade e infelicidade mas felicidade ou infelicidade reside na ação e a própria finalidade da vida é uma ação não uma qualidade Ora os homens possuem tal ou tal qualidade conformemente ao caráter mas são bem ou malaventurados pelas ações que praticam Daqui se segue que na Tragédia não agem as personagens para imitar caracteres mas assumem caracteres para efetuar certas ações por isso as ações e o Mito constituem a finalidade da Tragédia e a finalidade é de tudo o que mais importa 33 Sem ação não poderia haver Tragédia mas poderia havêla sem caracteres As Tragédias da maior parte dos modernos não têm caracteres e em geral há muitos poetas dessa espécie Também entre os pintores assim é Zêuxis comparado com Polignoto porque Polignoto é excelente pintor d caracteres e a pintura de Zêuxis não apresenta caráter nenhum 34 Se por conseguinte alguém ordenar discursos em que se exprimam caracteres por be executados que sejam os pensamentos e as elocuções nem por isso haverá logrado o efeito trágico muito melhor o conseguirá a Tragédia que mais parcimoniosamente usar desses meios tendo no entanto o Mito ou a trama dos fatos Ajuntemos a isso que os principais meios por que a Tragédia move os ânimos também fazem parte do Mito refirome a Peripécias e Reconhecimentos Outr sinal da superioridade do Mito se mostra em que os principiantes melhores efeitos conseguem e elocuções e caracteres do que no entrecho das ações é o que se nota em quase todos os poetas antigos 35 Portanto o Mito é o princípio e como que a alma da Tragédia só depois vêm os caracteres Algo semelhante se verifica na pintura se alguém aplicasse confusamente as mais belas cores a sua obra não nos comprazeria tanto como se apenas houvesse esboçado uma figura em branco A Tragédia é por conseguinte imitação de uma ação e através dela principalmente imitação de agentes 36 Terceiro elemento da Tragédia é o pensamento consiste em poder dizer sobre tal assunto o que lhe é inerente e a esse convém Na eloquência o pensamento é regulado pela política e pela oratória efetivamente nos antigos poetas as personagens falavam a linguagem do cidadão e nos modernos falam a do orador Caráter é o que revela certa decisão ou em caso de dúvida o fi preferido ou evitado por isso não têm caráter os discursos do indivíduo em que de qualquer modo se não revele o fim para que tende ou o qual repele Pensamento é aquilo em que a pessoa demonstra que algo é ou não é ou enuncia uma sentença geral 37 Quarto entre os elementos literários é a elocução Como disse denomino elocução o enunciado dos pensamentos por meio das palavras enunciado este que tem a mesma efetividade em verso ou em prosa 38 Das restantes partes a Melopeia é o principal ornamento 39 Quanto ao espetáculo cênico decerto que é o mais emocionante mas também é o menos artístico e menos próprio da poesia Na verdade mesmo sem representação e sem atores pode a Tragédia manifestar seus efeitos além disso a realização de um bom espetáculo mais depende do cenógrafo que do poeta VI VIII Estrutura do Estrutura do Mito trágico O Mito com Mito trágico O Mito como ser vivente o ser vivente 40 Assim determinados os elementos da Tragédia digamos agora qual deve ser a composição dos atos pois é essa parte na Tragédia a primeira e a mais importante 41 Já ficou assente que a Tragédia é imitação de uma ação completa constituindo um todo que tem certa grandeza porque pode haver um todo que não tenha grandeza 42 Todo é aquilo que tem princípio meio e fim Princípio é o que não contém em si mesmo o que quer que siga necessariamente outra coisa e que pelo contrário tem depois de si algo com que está ou estará necessariamente unido Fim ao invés é o que naturalmente sucede a outra coisa por necessidade ou porque assim acontece na maioria dos casos e que depois de si nada tem Meio é o que está depois de alguma coisa e tem outra depois de si 43 É necessário portanto que os Mitos bem compostos não comecem nem terminem ao acaso mas que se conformem aos mencionados princípios 44 Além disto o belo ser vivente ou o que quer que se componha de partes não só deve ter essas partes ordenadas mas também uma grandeza que não seja qualquer Porque o belo consiste na grandeza e na ordem e portanto um organismo vivente pequeníssimo não poderia ser belo pois a visão é confusa quando se olha por tempo quase imperceptível e também não seria belo grandíssimo porque faltaria a visão do conjunto escapando à vista dos espectadores a unidade e a totalidade imaginese por exemplo um animal de dez mil estádios Pelo que tal como os corpos e organismos viventes devem possuir uma grandeza e esta bem perceptível como um todo assim também os Mitos devem ter uma extensão bem apreensível pela memória 45 Determinar o limite prático dessa extensão tendo em conta as circunstâncias dos concursos dramáticos e a impressão no público tal não é o mister da arte poética pois se houvesse que pôr em cena cem Tragédias em um só concurso dramático o tempo teria de ser regulado pela clepsidra como dizem que se fazia antigamente Porém o limite imposto pela própria natureza das coisas é o seguinte desde que se possa apreender o conjunto uma Tragédia tanto mais bela será quanto mais extensa Dando uma definição mais simples podemos dizer que o limite suficiente de uma Tragédia é o que permite que nas ações uma após outra sucedidas conformemente à verossimilhança e à necessidade se dê o transe da infelicidade à felicidade ou da felicidade à infelicidade VIII VIII Unidade de ação unidade histórica e unidade poética Unidade de ação unidade histórica e unidade poética 46 Uno é o Mito mas não por se referir a uma só pessoa como creem alguns pois há muito acontecimentos e infinitamente vários respeitantes a um só indivíduo entre os quais não é possível estabelecer unidade alguma Muitas são as ações que uma pessoa pode praticar mas nem por isso elas constituem uma ação una 47 Assim parece que tenham errado todos os poetas que compuseram uma Heracleida ou uma Teseida ou outros poemas que tais por entenderem que sendo Héracles um só todas as ações haviam de constituir uma unidade 48 Porém Homero assim como se distingue em tudo o mais também parece ter visto bem fosse por arte ou por engenho natural pois ao compor a Odisseia não poetou todos os sucessos da vida de Ulisses por exemplo o ter sido ferido no Parnaso e o simularse louco no momento em que se reuni o exército Porque de haver acontecido uma dessas coisas não se seguia necessária e verossimilmente que a outra houvesse de acontecer mas compôs em torno de uma ação una a Odisseia una no sentido que damos a essa palavra e de modo semelhante a Ilíada 49 Por conseguinte tal como é necessário que nas demais artes miméticas una seja a imitação quando o seja de um objeto uno assim também o Mito porque é imitação de ações deve imitar as que sejam unas e completas e todos os acontecimentos se devem suceder em conexão tal que uma vez suprimido ou deslocado um deles também se confunda ou mude a ordem do todo Pois não faz parte de um todo o que quer seja quer não seja não altera esse todo IX IX Poesia e história Mito trágico e Mito tradicional Particular e Poesia e história Mito trágico e Mito tradicional Particular e uni universal Pieda versal Piedade e terr de e terror Surpreendente e m or Surpreendente e maravilhoso aravilhoso 50 Pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício de poeta narrar o que aconteceu é sim o de representar o que poderia acontecer quer dizer o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade Com efeito não diferem o historiador e o poeta por escrevere verso ou prosa pois que bem poderiam ser postos em verso as obras de Heródoto e nem por isso deixariam de ser história se fossem em verso o que eram em prosa diferem sim em que diz um as coisas que sucederam e outro as que poderiam suceder Por isso a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a história pois refere aquela principalmente o universal e esta o particular Por referirse ao universal entendo eu atribuir a um indivíduo de determinada natureza pensamentos e ações que por liame de necessidade e verossimilhança convêm a tal natureza e ao universal assim entendido visa a poesia ainda que dê nomes às suas personagens particular pelo contrário é o que fez Alcibíades ou o que lhe aconteceu 51 Quanto à Comédia já ficou demonstrado esse caráter universal da poesia porque o comediógrafos compondo a fábula segundo a verossimilhança atribuem depois às personagens os nomes que lhes parecem e não fazem como os poetas jâmbicos que se referem a indivíduos particulares 52 Mas na Tragédia mantêmse os nomes já existentes A razão é a seguinte o que é possível é plausível ora enquanto as coisas não acontecem não estamos dispostos a crer que elas sejam possíveis mas é claro que são possíveis aquelas que aconteceram pois não teriam acontecido se não fossem possíveis 53 Todavia sucede também que em algumas Tragédias são conhecidos os nomes de uma ou duas personagens sendo os outros inventados em outras Tragédias nenhum nome é conhecido como no nteu de Aragão em que são fictícios tanto os nomes como os fatos o que não impede que igualmente agrade Pelo que não é necessário seguir à risca os Mitos tradicionais donde são extraídas as nossas Tragédias pois seria ridícula fidelidade tal quando é certo que ainda as coisas conhecidas são conhecidas de poucos e contudo agradam elas a todos igualmente 54 Daqui claramente se segue que o poeta deve ser mais fabulador que versificador porque ele é poeta pela imitação e porque imita ações E ainda que lhe aconteça fazer uso de sucessos reais nem por isso deixa de ser poeta pois nada impede que algumas das coisas que realmente acontecem sejam por natureza verossímeis e possíveis e por isso mesmo venha o poeta a ser o autor delas 55 Dos Mitos e ações simples os episódicos são os piores Digo episódico o Mito em que relação entre um e outro episódio não é necessária nem verossímil Tais são os Mitos de maus poetas por imperícia deles e às vezes de bons poetas por condescendência com os atores É que para compor partes declamatórias chegam a forçar a fábula para além dos próprios limites e a romper o nexo da ação 56 Como porém a Tragédia não só é imitação de uma ação completa como também de casos que suscitam o terror e a piedade e essas emoções se manifestam principalmente quando se nos deparam ações paradoxais e perante casos semelhantes maior é o espanto que ante os feitos do acaso e da fortuna porque ainda entre os eventos fortuitos mais maravilhosos parecem os que se nos afiguram acontecidos de propósito tal é por exemplo o caso da estátua de Mítis em Argos que matou caindolhe em cima o próprio causador da morte de Mítis no momento em que a olhava pois fatos semelhantes não parecem devidos ao mero acaso daqui se segue serem indubitavelmente os melhores os Mitos assim concebidos XX Mitos simples e complexo Reconhecimento e Peripécia Mitos simples e complexo Reconhecimento e Peripécia 57 Dos Mitos uns são simples outros complexos porque tal distinção existe por natureza entre as ações que eles imitam 58 Chamo ação simples aquela que sendo una e coerente do modo acima determinado efetua a mutação de fortuna sem Peripécia ou Reconhecimento ação complexa denomino aquela em que a mudança se faz pelo Reconhecimento ou pela Peripécia ou por ambos conjuntamente 59 É porém necessário que a Peripécia e o Reconhecimento surjam da própria estrutura intern do Mito de sorte que venham a resultar dos sucessos antecedente ou necessária ou verossimilmente Porque é muito diverso acontecer uma coisa por causa de outra ou acontecer meramente depois de outra XI XI Elem Elementos qu entos qualitativos alitativos do do Mito com Mito complexo plexo Rec Reconhecim onhecimento e ento e Peripécia Peripécia 60 Peripécia é a mutação dos sucessos no contrário efetuada do modo como dissemos e essa inversão deve produzirse também o dissemos verossímil e necessariamente Assim no Édipo o mensageiro que viera no propósito de tranquilizar o rei e de libertálo do terror que sentia nas suas relações com a mãe descobrindo quem ele era causou o efeito contrário e no Linceu sendo Linceu levado para a morte e seguindoo Danau para o matar acontece o oposto este morre e aquele fica salvo 61 O Reconhecimento como indica o próprio significado da palavra é a passagem do ignora ao conhecer que se faz para amizade ou inimizade das personagens que estão destinadas para a dita ou para a desdita 62 A mais bela de todas as formas de Reconhecimento é a que se dá juntamente com a Peripécia como por exemplo no Édipo E outras há ainda referentes a objetos inanimados quaisquer que sejam eles e também constitui Reconhecimento o haver ou não haver praticado uma ação Mas é primeira forma aquela que melhor corresponde à essência do Mito e da ação porque o Reconhecimento com Peripécia suscitará terror e piedade e nós mostramos que a Tragédia é imitação de ações que despertam tais sentimentos E demais a boa ou má fortuna resulta naturalmente de tais ações 63 Posto que o Reconhecimento é reconhecimento de pessoas pode acontecer que ele ocorr apenas numa pessoa a respeito da outra quando uma das duas fica sabendo quem seja esta outra 5 noutros casos ao invés dáse o Reconhecimento entre ambas as personagens Assim Ifigênia foi reconhecida por Orestes pelo envio da carta mas para que ela o reconhecesse a ele foi mister outro Reconhecimento 64 São estas duas das partes do Mito Peripécia 10 e Reconhecimento Terceira é Catástrofe Que sejam a Peripécia e o Reconhecimento já o dissemos A Catástrofe é uma açã perniciosa e dolorosa como o são as mortes em cena as dores veementes os ferimentos e mais casos semelhantes Plotino Plotino Sobre o belo Sobre o belo Sobre o belo Sobre o belo Enéad Enéada I 6 a I 644 Plotino 205 dC270 dC Plotino 205 dC270 dC Tradução mael Quiles Qual é a causa por que os corpos parecem belos à nossa vista e de que nosso ouvido sinta inclinação aos sons belos Por que tudo imediatamente ligado à alma é de alguma maneira belo Todas as coisas belas o são por uma mesma e única beleza ou a beleza do corpo é diversa da beleza dos outros seres Em que consistem essa ou essas belezas Tais questões serão abordadas no texto apresentado agora ao leitor publicado em 270 dC nas Enéadas Sobre o Belo I6 Em suma Plotino 205 dC 270 dC procura responder o que pretendemos dizer quando afirmamos que algo é belo abordando o tema sob a sua reflexão peculiar ao neoplatonismo acerca das formas inteligíveis Será simplesmente a simetria ou a capacidade de agradar aos sentidos o critério para decidirmos sobre a beleza de algo Temas Temas ontologia neoplatonismo epistemologia 4 PLOTINO Sobre o belo Enéada I 6 In A alma a beleza e a contemplação São Paulo Associação Palas Athena 1981 p 54 62 Agradecemos à Associação Palas Athena por autorizar a utilização do texto 1 Quase sempre percebemos o belo com a vista Com o ouvido também percebemos n combinação de palavras e em toda classe de música porque as melodias e os ritmos são belos E se nos elevamos a um plano superior à sensação encontramos hábitos ações caracteres e até ciências e virtudes belas Há além disso outra beleza mais elevada que essas Nossa discussão elucidáloá Qual é a causa por que os corpos parecem belos à nossa vista e de que nosso ouvido sinta inclinação aos sons belos Por que tudo imediatamente ligado à alma é de alguma maneira belo Todas as coisas belas o são por uma mesma e única beleza ou a beleza do corpo é diversa da beleza dos outros seres Em que consistem essa ou essas belezas Em alguns seres os corpos por exemplo a beleza não resulta dos próprios elementos substanciais senão de uma participação noutros é algo identificado a sua natureza tal ou qual por exemplo a virtude Os corpos com efeito algumas vezes nos parecem belos e outras não como se ser corpo fosse coisa diferente de ser belo Em que consiste esse ser belo que habita os corpos É o primeiro que devemos investigar Que é isso que faz os olhos dos espectadores e atrai para si com a sedução e o deleite de sua contemplação Se conseguirmos determinálo talvez nos sirva logo como ponto de apoio para estudar outros casos É voz comum generalizamos que a beleza visível é fruto da mútua simetria das partes entre si e em relação ao todo unida à vistosidade das cores de maneira que neste caso e universalmente em todos os casos ser belo é ser simétrico e proporcionado De ser verdadeira tal suposição seguirse ia necessariamente que nada simples seria formoso unicamente o composto poderia sêlo e que a beleza seria privilégio do todo enquanto que as partes careceriam dela tendo estas como exclusiva finalidade o uniremse no todo que por elas seria belo Porém se o todo é belo as partes também o serão porque a beleza não é algo que resulta da agregação de elementos feitos senão que compenetra todas as partes Além disso segundo essa opinião teria de admitirse que as belas cores o mesmo se diga da luz do Sol caem fora do âmbito da beleza pois sendo simples não podem possuir uma beleza fundada em simetria E como explicar seia a beleza que há no ouro ou de onde procederia a que contemplamos num relâmpago que fulgura na noite Nos sons encontramos a mesma dificuldade os simples não teriam valor contudo muitas vezes cada um dos que formam um conjunto formoso é em si mesmo formoso E se a isto se agrega que o mesmo rosto conservando idêntica simetria aparece algumas vezes formoso e outras não como negar que a beleza consiste em algo mais que a simetria e que a simetria é bela por outra coisa E passandose aos belos hábitos e às belas concepções mentais se quisesse encontrar a causa de sua beleza na simetria quem defenderia que há simetria nos belos hábitos ou nas leis nas matemáticas ou nas ciências Que sentido haveria falar então de teoremas simétricos entre si Acaso são mutuamente coerentes Porém entre concepções não formosas também h correspondência e coerência por exemplo que o domínio racional de si mesmo é uma ingenuidade está de acordo e coincide com que a justiça é uma candidez generosa ambas as proposições são entre si coerentes Beleza da alma é a virtude beleza num sentido muito mais real que as outras das quais antes falávamos e que significaria falar nela de partes simétricas Porque embora fossem múltiplas as partes da alma não seriam simétricas como as magnitudes ou os números Com efeito que proporção regeria a combinação ou mistura das partes da alma ou das concepções científicas Fora disso que formosura poderia haver na inteligência pura5 2 Retomemos pois o problema determinando antes de tudo em que consiste a beleza dos corpos É algo que apenas se apresenta se faz perceptível e move a alma a pronunciar seu verbo como se intelectualmente se compenetrasse com ele Há um reconhecimento uma recepção e de certa maneira uma integração da alma com ele Em troca ante o feio a alma se intranquiliza sente repugnância e distanciase como se não harmonizasse nem se assemelhasse com ele Digamos em consequência que a alma por gozar da natureza da qual goza e por estar e continuidade com a essência que na escala dos seres lhe é superior regozija ao contemplar seres de seu mesmo gênero ou que são vestígios de seu mesmo gênero Ante eles em êxtase de entusiasmo surpreendese atraios em sua direção e lembrase de si mesma e do que lhe é próprio Mas que semelhanças têm as formosuras deste mundo com as do outro E se alguma semelhança têm concedamos que tenham de que depende a beleza de umas e outras Segundo meu parecer da participação de uma ideia6 Porque tudo o que naturalmente está destinado a receber uma ideia e uma forma se fica privado dela e não participa de sua ideia exemplar é feio e fica fora do plano divino nisso consiste a feiúra absoluta Assim resulta também feio o que não está dominado por uma forma e um exemplo devido a ter a matéria recebido incompletamente a informação da ideia Porque a ideia que se introduz nele é o que constitui ao ser múltiplo em sua unidade fazendoo coerente e levandoo a um acabamento harmônico pela totalização do equilíbrio de suas partes sendo ela uma temse de ser também informado por ela no grau de unidade que é capaz de receber o múltiplo E a beleza não se entrega ao ser até que este se unifique porém ao entregarse penetra tanto no conjunto quanto nas partes a não ser quando se encontra com um ser uno e homogêneo pois em tal caso penetra todo o conjunto com uma mesma formosura Seria como se uma potência natural procedendo como procedem os métodos técnicos embelezasse uma casa com suas partes no primeiro caso e uma só pedra no segundo Por conseguinte a formosura corpórea brota da comunicação de um exemplar ideal vindo dos deuses 3 Para reconhecer essa beleza temos na alma uma faculdade especialmente ordenada a ela e embora toda a alma colabore na formação do juízo estético com todo o fundamental dele é obra dessa faculdade E quiçá tal capacidade de estimação encontrase na alma graças a que ela mesma acomodase à sua própria ideia e assim podese servir dela em seu juízo como nós nos servimos de uma régua para verificar uma reta Porém em que forma a beleza corpórea responde à beleza que é anterior ao corpo Em que forma o arquiteto faz corresponder à ideia interior da casa a casa extramental para poder afirmar que é bela É que a casa extramental se se faz abstração das pedras é a ideia íntima que se dividiu na massa exterior da matéria e que apesar de seu ser indivisível mostrase em partes múltiplas Da mesma maneira quando a sensação capta a ideia que nos corpos une e domina a natureza adversa e informe e uma forma que sobressai entre as demais luminosa e vitoriosamente percebe com um só golpe de vista a multiplicidade dispersa e a orienta e a reduz à simples unidade mental pondoa assim em harmonia coerente e simpática ressonância com o mental É o que acontece quando um homem de bem vê aparecer a doçura num jovem como um vestígio de virtude que responde à verdadeira virtude inferior A formosura simples da cor provém de uma forma e da presença de uma luz incorpórea exemplar e ideia que domina a obscuridade da matéria Por isso exceção única entre todos os corpos o fogo é belo em si mesmo por ser o que detém a categoria de ideia entre os elementos Ele com efeito está situado num plano superior é o mais ligeiro de todos os corpos por ser o mais próximo ao incorpóreo está ilhado e não recebe em si os outros elementos enquanto que os outros o acolhem porque os outros podem esquentarse mas ele não se pode esfriar e ele possui primitivamente a cor enquanto que os outros recebem dele a ideia da cor O fogo resplandece e brilha porque é ideia e o que lhe é inferior quando sua luminosidade não o faz perceptível deixa de ser formoso porque não participa absolutamente da ideia da cor E quanto às harmonias são as que estão ocultas nos sons as que causam as manifestadas e faze assim com que a alma tome consciência do belo fazendoa encontrar algo idêntico a si num sujeito diferente Disso seguese que as harmonias sensíveis estão medidas por números que se regem não por qualquer proporção senão pela que exige a submissão à ação dominadora da ideia7 E isso é o que há de dizer sobre a beleza no sensível essa beleza que é de certa maneira imagem e sombra fugidia de outra parte que embeleza a matéria ao vir refugiarse nela e que ao transfigurarse deixanos maravilhados 4 Agora abandonando a sensação em seu plano inferior devemos ascender à contemplação dessas belezas mais elevadas que escapam ao âmbito da percepção sensitiva as que a alma intui e expressa sem órgão algum Porém assim como são incapazes de falar sobre as belezas sensíveis os que não as viram ou não as perceberam como belas é o que acontece aos que nasceram cegos da mesma maneira ninguém é capaz de falar sobre os belos hábitos a não ser aquele que acolheu em si sua beleza a das ciências e a das outras coisas semelhantes E é impossível que fale sobre o resplendor da virtude aquele que não imagina a beleza do rosto da justiça ou do domínio racional de si mesmo ou aquele que não sabe que nem a estrela da manhã nem a da tarde são tão belas quanto elaPara contemplar tudo isso é mister que a alma possua o órgão que tal intuição requer poré quando chega a contemplálo não pode percebêlo sem ficar maravilhada e arrebatada de admiração muito mais veemente que no caso anterior porque agora já toma contato com realidades Essas são com efeito as emoções que ante qualquer objeto belo hão de se experimentar inevitavelmente admiração agradável surpresa desejo amor e enlevo prazenteiro Tais emoções podemse experimentar e de fato as experimentam ante os objetos visíveis falando em geral todas as almas a experimentam porém de maneira especial as que estão mais enamoradas desses objetos o mesmo que acontece com a beleza corpórea todos a veem mas nem todos são igualmente sensíveis à sua excitação e há alguns designamolos com o nome deenamorados que a percebem de maneira privilegiada 5 Temos também de estudar o que labora o amor nas coisas não sensíveis Que é o que experimentais frente aos hábitos que se catalogam como formosos ou frente aos caracteres belos e às maneiras de proceder conformes à razão em geral frente aos atos e hábitos virtuosos e frente à beleza das almas Que experimentais ao contemplar vossa mesma beleza interior Quão intensa ebriedade sentis e que veemente ânsia de conviver convosco despojandovos de vossos corpos É o que sentem os verdadeiros enamorados E qual é o objeto dessas emoções Não uma figura ou uma cor ou uma magnitude é a alma que não tem cor e que está adornada com o sábio domínio de si mesma e o brilho das outras virtudes coisas todas que carecem de cor Vós as experimentais quando descobris em vós mesmos ou contemplais em outro a grandeza da alma um caráter justo um imaculado domínio próprio o valor de um rosto enérgico a venerabilidade e o pudor que se transfigura num modo de operar sereno e imperturbável e sobretudo ao vos encontrardes ante o resplendor da inteligência plasmada à imagem de Deus Tendo pois inclinação e amor a todas essas coisas em que sentido as chamamos belas Porque elas o são manifestamente e qualquer um que as veja afirmará que elas são as verdadeiras realidades Porém que são essas realidades Belas sem dúvida embora a razão deseje ainda saber o que elas são para ser à alma amável Que é pois isso que brilha sobre todas as virtudes como uma luz Querem oporselhe a fealdades da alma para deterse em seus contrários Porque seria talvez útil ao objeto de nossa investigação saber o que é fealdade e por que ela se manifesta Suponhamos pois uma alma feia intemperante e injusta ela está cheia de numerosos desejos e da maior turbação temerosa invejosa por sua mesquinhez pensa bem porém não pensa senão nos objetos mortais e daqui embaixo sempre oblíqua inclinada aos prazeres vivendo da vida das paixões corporais encontra seu prazer na fealdade Não diremos que essa mesma feiura lhe sobrevém como um mal adquirido que a mancha a torna impura e a mescla de grandes males 6 Pois como diz um antigo pensamento a temperança o valor e toda virtude e mesmo a prudência são purificações Por isso os mistérios dizem com palavras encobertas que o ser não purificado embora no Hades8 será colocado num lamaçal porque o impuro por sua maldade ama esses lugares imundos como se comprazem os suínos cujos corpos são impuros Em que consistirá pois a verdadeira temperança senão em manterse separado dos prazeres do corpo e ainda em fugir deles porque são impuros e impróprios de um ser puro O valor consiste em não temer a morte e como a morte é a separação da alma e do corpo não temerá essa separação aquele que deseja estar separado do corpo A magnanimidade é o desprezo das coisas daqui embaixo A prudência é o pensamento que se separa das coisas daqui embaixo conduzindo a alma para cima A alma purificada vem a tornarse como uma forma uma razão tornase toda incorpórea e intelectiva e pertence inteira ao divino onde está a fonte da beleza e de onde vêm todas as coisas do mesmo gênero da alma Reduzida à inteligência é a alma muito mais bela E a inteligência e aquilo que com ela vem é para a alma uma beleza própria e não estranha porque então ela é só alma Por isso se diz com razão que o bem e a beleza da alma consistem em se fazerem semelhantes a Deus porque de Deus vem o belo e tudo o que constitui o domínio da realidade Porém a beleza uma realidade verdadeira e a fealdade uma natureza diferente desta realidade É a mesma coisa a que primitivamente é feia e má e assim também é a mesma coisa a que é boa e bela ou a que é o Bem e a Beleza Temse de procurar pois por meios parecidos o belo e o bem o feio e o mau Devese estabelecer desde um princípio que o belo é também o bem desse bem a inteligência tira imediatamente sua beleza e a alma é bela pela inteligência as outras belezas a das ações e a das ocupações provêm de que a alma lhes imprime sua forma Esta faz também tudo que chamamos os corpos sendo algo divino e como uma parte da beleza faz belas todas as coisas que toca e que domina enquanto lhes é possível participar da beleza 7 É necessário pois remontarse novamente em direção ao Bem em direção ao qual tende tod alma Se alguém já o viu sabe o que quero dizer e em que sentido ele é belo Como bem é desejado e o desejo tende em direção a ele porém só o alcançam aqueles que sobem em direção à região superior voltamse para ele e se despojam das vestes de que se cobriram ao descer à maneira dos que sobem em direção aos santuários dos templos devem purificarse deixar suas vestes antigas e subir nus até que havendo abandonado nessa subida tudo aquilo que é estranho a Deus veemse a si sós em sua solidão sua simplicidade e sua pureza Para ele que é o ser do qual tudo depende e direção ao qual tudo olha por ele que é o ser a vida e o pensamento porque ele é causa da vida da inteligência e do ser Caso se o veja que amores e que desejos não se sentirá querendo unirse a ele e com que prazer não se o admirará Porque aquele que não o viu ainda pode tender em sua direção como a um bem porém aquele que o viu é a ele que pode amálo por sua beleza e por estar pleno de espanto e de prazer e permanecer num estupor benéfico amálo com um verdadeiro amor com desejos ardentes escarnecerse dos outros amores e desprezar em seguida as pretensas belezas isso é o que experimentam todos aqueles que encontraram as formas divinas ou demoníacas e já não mais admitem a beleza dos outros corpos Que cremos que experimentaria se vissem o bem em si em toda sua pureza e não como aquele que está sentindo o peso da carne e do corpo senão como aquele que para ser inteiramente puro está acima da terra e do céu Todas as outras belezas são adquiridas mescladas e de nenhuma maneira primitivas elas provêm dele Se pois vêse aquele que provê de beleza a todas as coisas porém que a dá permanecendo em si mesmo e que não recebe nada de ninguém em si se se permanece nessa contemplação gozando dele que beleza faltarlheá ainda Porque é ele a verdadeira e a primeira beleza que embeleza seus próprios amantes e os faz dignos de serem amados Aqui impõese à alma a luta maior e suprema e na qual deve realizar seu máximo esforço a fi de não se privar de participar da melhor das visões se a alma logra alcançálo é feliz graças a essa visão de felicidade Aquele que não a encontra é o verdadeiro desgraçado Porque o que não encontra belas as cores ou os corpos não é mais desgraçado que o que não tem o poder as magistraturas ou a realeza O verdadeiro e o único desgraçado é aquele que não descobre o belo para obtêlo é necessário deixar de lado os reinos e a dominação de toda a terra do mar e do céu e graças a esse abandono e a esse desprezo pode voltarse em direção a ele para vêlo 8 Qual é pois esse modo de visão Qual é o meio Como se verá essa beleza imensa que permanece de certa maneira no interior dos santuários e que não se adianta para fora para deixarse ver pelos profanos Que aquele que possa vá e a siga até sua intimidade que abandone a visão dos olhos e não se volte para o resplendor dos corpos que admirava antes Porque se se veem as belezas corporais não se tem de correr até elas e sim saber que elas são imagens vestígios e sombras É necessário fugir em direção a essa beleza da qual elas são imagens Se se corre em direção a elas para alcançálas como se fossem reais fazse como o homem que quis captar sua bela imagem refletida sobre as águas como uma fábula o dá a entender segundo creio tendose afogado na profunda corrente desapareceu O mesmo se diga daquele que está apagado à beleza dos corpos e não a abandona não são os corpos e sim sua alma a que se irá afogar nas profundezas escuras e funestas à inteligência e ele viverá nas sombras morando cego no Hades Fujamos pois em direção à nossa querida pátria eis aqui o verdadeiro conselho que se nos poderia dar Mas qual é a essa fuga Como subir Como Ulisses que escapou segundo se diz do encantamentos de Circe e de Calipso ou seja que não consentiu em ficar com elas apesar do prazeres dos olhos e de todas as belezas sensíveis que encontrava Nossa pátria é o lugar de onde viemos e nosso pai está lá em cima Quais são pois essa viagem e essa fuga Não devemos fugir com os pés porque nossos passos nos levam sempre de uma parte da terra a outra não se tem de preparar tampouco nenhuma barraca e nenhum navio e sim deixar de olhar e fechando os olhos mudar essa maneira de ver por outra e despertar essa faculdade que todo mundo possui mas da qual poucos fazem uso 9 E qual é esse olho interior Em seu despertar ele não pode ver os objetos brilhantes necessário acostumar a própria alma a ver primeiro as ocupações belas depois as obras belas não as que executam as artes e sim as dos homens de bem Logo é necessário ver a alma daqueles que realizam as obras belas Como se pode ver essa beleza da alma boa Voltate a ti mesmo e olha se tu não vês todavia a beleza em ti faze como o escultor de uma estátua que deve ser bela toma uma parte esculpea polea e vai ensaiando até que tires linhas belas do mármore Como aquele tira o supérfluo endireita o que é oblíquo limpa o que está obscuro para tornálo brilhante e não cesses de esculpir tua própria estátua até que o resplendor divino da virtude se manifeste até que vejas a temperança sentada sobre um trono sagrado Tu és já isso É isso que tu vês aí É isso o que tu viste um comércio puro um trato puro sem nenhum obstáculo à tua unificação sem que nada estranho esteja mesclado interiormente a ti mesmo És tu todo inteiro uma luz verdadeira não uma luz de dimensão ou de formas mensuráveis que pode diminuir ou aumentar indefinidamente em magnitude senão uma luz que carece em absoluto de medida porque ela é superior a toda medida e quantidade Tu te vês nesse estado Então te tornaste uma visão tem confiança em ti embora permanecendo aqui hás subido ao alto e não tens necessidade de guia Fixa seu olhar e contempla Porque esse olho só é o que pode ver a grande beleza Porém se vai contemplar as manchas do vício sem estar limpo ou se é débil tem pouca força para ver os objetos muito brilhantes e não vê nada ainda que se o ponha na presença de um objeto que pode ser visto Porque é necessário que o olho se faça semelhante e parecido com o objeto visto para poder contemplálo Jamais veria um olho o Sol sem haverse tornado semelhante ao Sol nenhuma alm veria o belo sem ser bela Que tudo se faça pois primeiro divino e belo se se quer contemplar a Deus e ao belo Que se vá primeiro remontandose até a inteligência e se saberá que nela todas a ideias são belas e se confessará que ali está a beleza a saber as ideias por elas que são os produtos e a essência da inteligência existem todas as belezas O que está além da beleza chamamos a natureza de Bem o belo está colocado frente a ela 9 Assim numa expressão de conjunto diremos que o primeiro é o belo porém se se querem dividir os inteligíveis terseá de distinguir o belo que é lugar das ideias do Bem que está além do belo e que é sua fonte e seu princípio Ou colocarseia o Bem e o belo num mesmo princípio Em todo caso belo está no inteligível 5 Em toda esta passagem Plotino desenvolveu uma crítica profunda da teoria estoica da beleza segundo os estoicos a beleza consist essencialmente na simetria e proporção entre as partes de um corpo resulta assim a beleza algo próprio do mundo material e por elas devemos julgar o mundo inteligível Plotino demonstra que a ordem superior é inversa a beleza é essencialmente algo inteligível e dessa ordem superior descende o mundo corpóreo 6 Solução evidentemente platônica Porém Plotino vai matizála com elementos aristotélicos já que a ideia ou exemplar penetra o corpo como a forma penetra a matéria os termos aristotélicos formar e informar são familiares a Plotino 7 É verdadeiramente surpreendente a síntese a que chegou Plotino conjugando elementos da tradição filosófica grega dentro d ambiente platônico da teoria das ideias e da participação faz conviver também a riqueza aristotélica da forma e a atrevida teoria pitagórica da harmonia constituída pelos números como essência inteligível do mundo material 8 No outro mundo para onde vão os que morrem 9 A natureza do Bem Tomás de Tomás de Aq Aquino uino Contra gentios e S Contra gentios e Suma te uma teológica ológica Contra gentios e Suma teológica Contra gentios e Suma teológica10 10 Tomás de Aquino 12251274 Tomás de Aquino 12251274 Tradução odrigo Duarte É possível que o belo esteja em contradição com o bom Tomás de Aquino 1225 1274 é categórico não Porque belo é a mesma coisa que o bom Além disso se a beleza está submetida necessariamente à avaliação dos sentidos é porque os sentidos capazes de avaliála a visão e a audição são aqueles diretamente relacionados à razão O presente texto aborda tais questões colocandoas em relação ao corpo teórico apresentado naSuma Teológica entre 1265 e 1274 e em Contra Gentiles 1264 ou seja tratase de um autor para o qual a arte deve também ser pensada à luz da reflexão teológica Temas Temas moral teologia 10 Fonte TOMÁS DE AQUINOContra Gen tiles Paris P Lethielleux 1954 TOMÁS DE AQUINOSomme théologique Paris Louis Vivés 1863 I Trechos de Contra gentios I Trechos de Contra gentios 1 Do cap X Como o bem é causa do mal Aparece portanto com evidência como na ordem natural o bem é causa do mal apenas acidentalmente E ocorre o mesmo no domínio da arte A arte imita de fato a natureza em seu movimento e os defeitos podem ser encontrados tanto em uma parte quanto em outra Na ordem moral parece que é diferente O mal moral com efeito não parece ser a resultante de um pormenor já que a fraqueza apaga totalmente ou pelo menos diminui o mal moral A fraqueza não merece a pena adequada ao pecado mas antes a misericórdia e o esquecimento O vício na ordem moral é algo de voluntário e não de necessário 2 Cap XXXVI Como a felicidade não se encontra na arte É evidente que a felicidade não se encontra na arte O conhecimento próprio à arte é ele próprio prático ele é portanto conexo a um fim e não pode ser um fim último Os objetos fabricados são os fins da atividade artística eles não podem ser o fim último da vida humana já que bem ao contrário somos o seu fim tudo está de fato a serviço do homem Não é possível portanto que o agir próprio à arte seja a felicidade última do homem 3 Do cap LXIV Como por sua providência Deus governa o mundo O mesmo ocorre numa arte da qual o objeto é um fim qualquer ele preside e impõe suas leis a todos os meios próprios a esse fim Assim o civil comanda o militar o militar a montaria e a navegação o arsenal Já que todos os seres são orientados à bondade divina como a seu fim é necessário que Deus no qual se encontra principalmente essa bondade como substancialmente possuída aderida e amada por ele tem o governo do mundo inteiro 4 Do cap LXV Como Deus conserva as coisas no ser A toda obra de arte está suposta a obra da natureza e paralelamente a essa a obra de Deus criador pois a matéria da obra de arte vem da natureza e essa de Deus por meio da criação Mas o que se fabrica se mantém no ser graças à resistência como a casa graças à dureza de seus tijolos Toda a natureza é portanto conservada no ser pela virtude divina 5 Do cap LXXXVIII Como Deus governa as outras criaturas pelas criatur inteligentes Nas potências hierarquizadas essa governa a outra que melhor sabe a razão do movimento Nó constatamos por exemplo no domínio das artes que aquela que tem a razão do fim e na qual a obra inteira encontra seu sentido dirige e comanda essa outra que nada faz senão realizar a obra Por isso a arte da navegação comanda a da construção de embarcações aquela que dá a forma comanda aquela que prepara a matéria Quanto aos instrumentos que não sabem a razão do movimento eles são simplesmente vagos Já que só as criaturas inteligentes podem conhecer as razões da orde criada é pois sua tarefa dirigir e comandar as outras criaturas Do cap CXI Como as criaturas racionais estão submissas à divina providênci segundo um regime particular Essas criaturas intelectuais e racionais rd de fato superam as outras criaturas pela perfeição de sua natureza e dignidade de seu fim pela perfeição de sua natureza porque só a criatura racional é dona de seus atos ela se move livremente as outras são mais movidas do que movem por suas operações próprias Pela dignidade do seu fim só mesmo a criatura racional por sua operação o conhecimento e o amor de Deus diz respeito ao fim último do universo As outras criaturas lhes dizem respeito apenas por uma certa participação em sua semelhança Portanto toda forma de atividade varia com o fim ao qual se propõe e os elementos próprios da operação uma arte é exercida diversamente de acordo com o propósito assinalado e a matéria trabalhada assim o médico aplica tratamentos diferentes se se trata de curar uma doença ou de consolidar uma saúde é diferente ainda de acordo com a diferença dos temperamentos E como no governo da cidade a ordem deve dobrar às diversas condições dos assuntos em questão e dos fins utilizáveis legislase diferentemente em vista de preparar soldados para a guerra e artesãos para o bom sucesso de seu ofício II Trec II Trechos da S hos da Suma uma teoló teológica gica IIª parte questão XXVII artigo 1 Belo é a mesma coisa que o bom ele não se difere a não ser racionalmente Como o bom é o que os seres desejam ele tem essa coisa particular sobre a qual repousa o apetite Mas a noção do belo indica que o apetite repousa no seu aspecto ou no seu conhecimento Quais são também os sentidos que se relacionam ao belo Aqueles que são particularmente as faculdades de conhecer a saber a visão e o ouvido que são como que os ministros da razão Dizemos belas visões belos sons mas não atribuímos a beleza às coisas que recaem sob o paladar o olfato e o tato Não dizemos nem sabores graciosos nem belos odores Vêse então que o belo acresce ao bom a ideia de relação com a virtude cognitiva de um modo que se chama bom o que apraz por si mesmo e que se diz belo daquilo que apraz à percepção IIª parte questão CXLV artigo II Honesto é a mesma coisa que o belo Parece que o honesto não é a mesma coisa que o belo 1 Sendo o honesto uma coisa que se deseja por si mesma tem seu assento na vontade Ora o belo é antes de tudo algo que apraz Ele não se confundiria então com o honesto 2 A beleza exige uma certa claridade que se relaciona à glória O honesto ao contrário se relaciona à honra que é diferente da glória como já dissemos quest CIII art I Assim o honest difere também do belo 3 O honesto é a mesma coisa que a virtude Ora há uma beleza contrária à virtude segundo palavra de Ezequiel XVI Porque tivestes confiança em tua beleza prevaricastes em seu nome Portanto o honesto não a mesma coisa que o belo Mas São Paulo IConrinth XII diz que o que há de desonesto em nós reclama uma honestidad maior enquanto o que há de honesto não tem carecimento Ora ele chama aqui de desonestos os membros pudicos e honestos os membros belos Então a honestidade e a beleza parecem ser a mesma coisa Conclusão não há diferença entre o honesto e o belo espiritual Segundo S Dionísio De Div Nom IV a beleza exige a claridade com as proporções justas Pois se diz que Deus é belo por causa de sua perfeita harmonia e de sua claridade Do mesmo modo a beleza do corpo consiste na justa proporção dos seus membros e na claridade da pele A beleza espiritual consiste em que a vida do homem quer dizer suas ações sejam bem proporcionadas segundo a claridade ou a luz espiritual da razão Ora é o honesto ie a virtude que regula todas as coisas humanas de acordo com a razão É por isso que o honesto não é outra coisa que o belo espiritual Também S Agostinho LibLXXXIII Quaest quest XXX diz chamo honestidade beleza inteligível que denominamos propriamente espiritual Ele acrescenta que há muitas belezas visíveis que são menos corretamente chamadas de honestas Respondo aos argumentos 1 É a vista do bem que subleva o apetite Pois o que se vê de belo nele é considerado como conveniente e bom segundo essa palavra de S Dionísio que o belo e o bom são amados por todos É porque desejamos o honesto em virtude de sua beleza espiritual Também Cícero De Offic diz que se se pudesse ver com os olhos a própria forma e como que a face do honesto essa vista excitaria segundo a palavra de Platão os admiráveis amores da sabedoria 2 A glória é o efeito da honra pois é a honra ou o louvor que torna um homem ilustre aos olhos dos seus concidadãos Se igualmente o que é honorífico é a mesma coisa que o que é glorioso o honesto é o mesmo que o belo 3 Tratase aqui da beleza corporal ainda que a beleza espiritual possa ser também a ocasião de nossa prevaricação quando nós nos orgulhamos de acordo com a palavra de Ezequiel XXVIII Teu coração elevouse na contemplação de tua beleza é por causa de tua beleza que hás perdido tua sabedoria Parte I questão V artigo IV O belo e o bom são uma e mesma coisa no sujeito já que eles repousam sobre uma base comum a saber sobre a forma e eis por que um é predicado do outro mas isso não impede que essas duas entidades não difiram racionalmente nas ideias que formamos para nós mesmos Com efeito o bo se relaciona propriamente à faculdade apetitiva já que ele é o que apetece a qualquer coisa e forma por isso mesmo é causa final Ao contrário o belo se liga à faculdade cognitiva considerando que se chamam belas as coisas que aprazem a vista Ele consiste numa justa proporção onde os sentidos reencontram sua semelhança com felicidade pois ele é as próprias relações da ordem e da harmonia E como por um lado a assimilação se liga à forma o belo pertence propriamente à ideia de causa formal Alexander Gottlieb Baumgarten Alexander Gottlieb Baumgarten Estética Estética Estética Estética11 11 Alexander Gottlieb Baumgarten 17141762 Alexander Gottlieb Baumgarten 17141762 Tradução íriam Sutter Medeiros O que é Estética afinal A Estética como teoria das artes liberais como gnoseologi inferior como arte de pensar de modo belo como arte doanálogon da razão é a ciência do conhecimento sensitivo Inaugurando o sentido moderno da palavra Estética o texto de Baumgarten 17141762 de 1750 pretende determinar qual é o seu objeto enquanto ciência do conhecimento sensitivo bem como diferenciála de outras definições O autor ainda avança no sentido de descrever os efeitos da arte sobre a sensibilidade para a apreensão do belo Temas Temas metafísica crítica epistemologia 11 BAUMGARTEN A G A estética In Estética A lógica da arte e do poema Petrópolis Editora Vozes 1993 p 105120 Agradecemos à Editora Vozes por autorizar a utilização do texto Prolegômenos Prolegômenos 1 A Estética como teoria das artes liberais como gnoseologia inferior como arte de pensar de modo belo como arte doanálogon da razão é a ciência do conhecimento sensitivo 2 O grau natural das faculdades cognoscitivas desenvolvido apenas na prática e aquém da cultura disciplinar pode ser denominado de estética natural Esta pode ser dividida segundo a lógica natural em inata o belo talento inato e em adquirida Esta última por sua vez pode ser dividida em adquirida através do ensino e em adquirida através da prática 3 Entre outras possibilidades a aplicação da estética artística 1 que se volta para o natural tornarseá maior se 1 preparar sobretudo pela percepção um material conveniente às ciências do conhecimento 2 adaptar cientificamente os conhecimentos à capacidade de compreensão de qualquer pessoa 3 estender a aprimoração do conhecimento além ainda dos limites daquilo que conhecemos distintamente 4 fornecer os princípios adequados para todos os estudos contemplativos espirituais e para as artes liberais 5 na vida comum superar a todos na meditação sobre as coisas ainda que as demais hipóteses sejam semelhantes 4 A partir disso destacamse algumas aplicações especiais a saber 1 a filológica 2 a hermenêutica 3 a exegética 4 a retórica 5 a homilítica 6 a poética 7 a musical etc 5 Algumas objeções poderiam ser levantadas à nova ciência 1 1 ela se apresenta demasiadamente ampla para que possa ser exaurida em um único e pequeno tratado e em uma única preleção Minha resposta admito essa crítica mas é preferível alguma coisa a nada 2 Ela é idêntica à Retórica e à Poética Resp a é mais abrangente b abarca o que essas duas disciplinas têm de comum entre si e o que têm de comum com as outras artes Por intermédio dessas neste livro e em seu devido lugar sem tautologias inúteis qualquer arte ocuparseá de seu campo com extremo êxito 3 Ela é idêntica à crítica Resp a também existe a crítica lógica b um determinado tipo de crítica faz parte da Estética c para essa determinada parte da Estética é quase indispensável uma prenoção das demais Estéticas a não ser que se queira discutir acerca de meros gostos no julgamento dos belos pensamentos dos belos enunciados e dos belos escritos 6 Outras objeções poderiam ser feitas à nossa ciência a saber 4 as percepções sensitivas o imaginário as fábulas as perturbações das paixões etc são indignas do filósofo e situamse abaixo do seu horizonte Resp a o filósofo é um homem entre os homens e não julga bem se considerar tão extensa parte do pensamento humano alheio a ele b a teoria geral dos belos pensamentos confunde se com a prática e com a realização particular 7 Objeção 5 A confusão é a mãe do erro Resp a mas é a condição sine qua non para se descobrir a verdade quando a natureza não efetua o salto das trevas para a luz Da noite através dos dedos róseos da aurora chegase ao meiodia b por essa razão devemos nos ocupar da confusão a fim de que dela não provenham erros como os tantos que ocorrem e por que preço entre os negligentes c não se recomenda a confusão mas corrigese a ação de conhecer à medida que um resquício de confusão necessariamente intervier nela 8 Objeção 6 O conhecimento distinto é superior ao conhecimento confuso Resp a isso é válido para o pensamento finito apenas nas questões mais graves b a posição de um não exclui o outro c por essa razão segundo as regras básicas distintamente conhecidas dos pensamentos devemos ordenar os conhecimentos que se voltam primeiramente para o belo Destes surge no futuro uma distinção mais perfeita 37 9 Objeção 7 Pelo culto do análogon da razão devese temer que o território do conhecimento firme e racional venha a ser prejudicado Resp Esse argumento é mais pertinente aos que nos aprovam pois todas as vezes que se busca a perfeição composta é esse mesmo perigo que induz à precaução e não recomenda a negligência da verdadeira perfeição do pensamento b quanto mais corrupto e não cultivado for o uso do análogon da razão tanto mais ele prejudicará a severa razão lógica 10 Objeção 8 A Estética é uma arte e não uma ciência Resp a a arte e a ciência não são maneiras de ser opostas Quantas artes que outrora eram apenas artes agora são também ciências A experiência provará que nossa arte pode ser demonstrada É evidente a priori que a nossa arte merece ser elevada à categoria de ciência porque a psicologia e outras ciências fornecem certos princípios e porque as aplicações mencionadas nos 3 4 e outros o demonstram 11 Objeção 9 Como os poetas os estetas não se tornam estetas eles nascem estetas Resp HOR Ars poet 408 CIC De or 26 BILFINGER Dilucid 268 BREITINGER Von Gleichnissen p 6 uma teoria mais completa mais recomendada pela autoridade da razão mais exata menos confusa mais fixa e menos inquietante só ajuda aquele que já nasceu um esteta 3 12 Objeção 10 As faculdades inferiores a sensualidade antes devem ser debeladas do que estudadas e afirmadas Resp a pedese o comando e não a tirania para as faculdades inferiores b para tanto à medida que isso pode ser conseguido naturalmente a Estética nos conduzirá por assi dizer pela mão c os estetas não devem estimular ou afirmar as faculdades inferiores à medida que forem corrompidas mas devem controlálas para que não sejam ainda mais corrompidas por exercícios desfavoráveis ou para que o uso do talento concedido por Deus não seja tolhido sob cômodo pretexto de evitar um mau uso 13 Nossa Estética 1 assim como a Lógica nossa irmã mais velha dividese em I ESTÉTIC TEÓRICA que ensina e prescreve as regras gerais Parte I 1 sobre as coisas e sobre o pensamentos cap I HEURÍSTICA 2 sobre a ordenação lúcida cap II METODOLÓGICA sobre os signos do pensar e do ordenar de modo belo cap III SEMIÓTICA II ESTÉTI PRÁTICA que trata do emprego em casos especiais Parte II Para ambas a teórica e prática vale o seguinte Quem escolher um assunto segundo suas forças a este não faltará eloquência nem ordenação lúcida HOR Ep ad Pis 40 Logo o assunto deve ser o teu primeiro cuidado a ordenação lúcida o segundo e em terceiro e último lugar cuida dos signos Parte I Estética Teórica Parte I Estética Teórica Capítulo Capítulo I Heurística I Heurística Seção 1 Seção 1 A bel A belez eza do c a do conhec onheciimento mento 14 O fim visado pela Estética é a perfeição do conhecimento sensitivo como tal 1 Essa perfeição todavia é a beleza Metafísica 521 662 A imperfeição do conhecimento sensitivo 1 é o disforme Metafísica 521 662 e como tal deve ser evitada 15 O esteta enquanto esteta não se ocupa das perfeições do conhecimento sensitivo tão recônditas que nos permanecem totalmente obscuras ou que apenas podem ser intuídas pelo pensamento 14 16 O esteta enquanto esteta não se ocupa das imperfeições do conhecimento sensitivo tão recônditas que nos permanecem inteiramente obscuras ou que apenas podem ser desvendadas pelo ulgamento do intelecto 14 17 Tomado a partir de sua melhor denominação o conhecimento sensitivo é o complexo de representações que subsistem abaixo da distinção De sua manifestação se quisermos considerar com o intelecto só a beleza e a elegância ou simultaneamente só o disforme como um espectador de gosto refinado às vezes o intuirá a distinção necessária à ciência sucumbiria aniquilada pela fadiga face ao volume de belezas ou desfigurações genéricas bem como específicas que se apresentam em suas diferentes classes 1 Devido a isso examinaremos primeiramente a beleza universal e geral à medida que é comum a quase todo conhecimento sensitivo belo e em seguida a conformidade com o seu oposto 14 18 Enquanto ainda nos abstraímos da sua ordem e dos seus signos a beleza universal do conhecimento sensitivo 14 será 1 o consenso dos pensamentos entre si em direção à unidade consenso este que se manifesta 14 Met 662 como a BELEZA DAS COISAS E D PENSAMENTOS que deve ser distinguida por um lado da beleza do conhecimento da qual é primeira e principal parte 13 e por outro da beleza dos objetos e da matéria com que é errônea e frequentemente confundida devido ao significado genérico da palavra coisa As coisas feias enquanto tais podem ser concebidas de modo belo e as mais belas de modo feio 19 Já que não existe perfeição sem ordem Met 95 a beleza universal do conhecimento sensitivo 14 é 2 o consenso da ordem em que meditamos as coisas pensadas de modo belo e à medida que esse consenso se manifesta 14 é também o consenso interno à própria ordem e o consenso da ordem com as coisas Referimonos portanto à BELEZA DA ORDEM e da disposição 20 Uma vez que não percebemos as coisas designadas sem os signos Met 619 a belez universal do conhecimento sensitivo é 14 3 o consenso interno dos signos e o consenso dos signos com a ordem e com as coisas à medida que este se manifesta A beleza universal do conhecimento sensitivo é a beleza das enunciações tais como a dicção e o estilo quando o signo é o discurso ou o diálogo e simultaneamente a ação do orador isto é seus gestos suas atitudes etc quando o discurso é proferido à viva voz Temos então as três prerrogativas gerais do conhecimento 18 19 21 As desfigurações os defeitos as máculas do conhecimento sensitivo que devem ser evitados nos pensamentos e nas coisas 18 ou na união de mais pensamentos 19 ou na enunciação 20 podem ser precisamente tantos quantos enumeramos por ordem no 13 22 À medida que a riqueza a magnitude a verdade a clareza a certeza e a vida do conhecimento se harmonizarem entre si em uma noção por exemplo a riqueza e a magnitude com a clareza a verdade e a clareza com a certeza todas as outras com a vida e à medida que as diversas outras marcas distintivas do conhecimento 18 20 se harmonizarem com as mesmas elas produzem a perfeição de todo conhecimento Met 69 94 gerando a beleza 14 universal dos fenômenos sensitivos 17 principalmente das coisas e dos pensamentos 18 nos quais nos agrada a riqueza a nobreza a segura luz da verdade em movimento 23 A brevidade a vulgaridade a falsidade Met 551 a obscuridade impenetrável a hesitação dúbia Met 531 a inércia Met 669 são todas imperfeições do conhecimento Met 94 e em geral 14 deformam o conhecimento sensitivo 17 como principais defeitos dos conhecimentos e das coisas 21 24 A beleza do conhecimento sensitivo 14 e a própria elegância das coisas 18 são perfeições além de combinadas 1820 22 universais 17 Met 96 Isso evidenciase ainda do fato de nenhuma perfeição isolada manifestarse a nós como fenômeno Met 444 De u lado admitemse certamente muitas exceções que não devem ser consideradas como defeitos contanto que se manifestem como fenômeno e sobretudo que não destruam sua harmonia por outro que sejam o mais possível insignificantes e imperceptíveis Met 445 25 Se falarmos de ELEGÂNCIA a beleza fundamentase nas colocações acima As EXCEÇÕE que descrevemos no 24 não serão deselegantes Met l 446 quando por exemplo uma regra de beleza menos eficaz cede lugar a uma mais eficaz uma menos fecunda a uma mais fecunda uma mais próxima cede lugar a uma mais afastada à qual estará subordinada A partir daí no estabelecimento das regras da beleza no ato de conhecer devese estar igualmente bem atento à força dessas regras Met 180 26 Na medida em que uma percepção é uma causa determinante ela é um argumento Existem portanto argumentos que locupletam argumentos que enobrecem argumentos que louvam que explicam argumentos que persuadem argumentos que dão vida e movimento 22 dos quais a Estética não só exige a força e a eficácia Met 515 mas também a elegância 25 A parte do conhecimento em que uma elegância peculiar se revela é a FIGURA de retórica esquema Existe portanto figuras 1 dos objetos e dos pensamentos 18 as SENTENÇAS 2 figuras da ordem 19 3 figuras da significação a que pertencem as figuras de linguagem 20 Existem tantos tipos de figuras quantos são os tipos de sentenças e os tipos de argumentos 27 Já que a beleza do conhecimento 14 como efeito do pensar de modo belo não é maior ne mais enobrecedora que as forças vivas Met 331 332 delinearemos de certo modo antes de tudo a gênese e a forma srcinal daquele que tem a intenção de pensar de modo belo ou seja o caráter do esteta que possui talento Procederemos à enumeração das causas que na alma estão naturalmente mais próximas da causa do conhecimento belo Devido às razões mencionadas no 17 deternosemos agora no caráter geral e universal que os belos pensamentos requerem não nos aprofundando em algum caráter especial complemento do geral e que se destina à realização de uma determinada espécie do belo conhecimento Seção Seção II A Estéti II A Estética ca natural natural 28 Do caráter geral do esteta bemsucedido supondose os traços mais gerais 27 exigese I a estética natural inata 2 a Physis a natureza a boa aptidão o cunho arquetípico do nascimento que vem a ser a disposição natural e inata da alma para pensar de modo belo 29 À natureza do esteta sobre a qual discorremos no 28 deve pertencer 1 um refinado e elegante talento ingenium inato um talento inato em sentido mais amplo cujas faculdades inferiores sejam mais facilmente excitadas e se harmonizem numa proporção adequada em função da elegância do conhecimento 30 Ao talento refinado mencionado no 29 devem pertencer A as faculdades cognitivas inferiores e suas disposições naturais de a agudamente perceber pelos sentidos Met 540 não só para que a alma adquira a matériaprima do pensar belamente com os sentidos externos mas também para que possa experimentar e vir a dirigir as mudanças e os efeitos das suas outras faculdades com o sentido interno e com a profunda consciência Met 535 Para que a faculdade de perceber pelos sentidos um dia se harmonize com as demais ela deverá ser no talento elegante de tal porte que não venha sempre e em toda a parte a oprimir os pensamentos heterogêneos sejam quais forem com qualquer de suas sensações os pensamentos heterogêneos sejam quais forem 29 31 b a aptidão natural para fantasiar 30 que possibilite ao talento refinado ser rico de imaginação uma vez que 1 frequentemente os eventos passados devem ser concebidos de modo belo 2 os fatos presentes às vezes sobrepujam os passados antes que a bela concepção deles se complete 3 não apenas dos acontecimentos presentes mas também dos passados são deduzidos os acontecimentos futuros Para que a imaginação algum dia se harmonize com as demais faculdades ela deve ser tanta no talento refinado que não obscureça sempre e em toda parte com suas fantasias as demais percepções cada uma delas por natureza mais fraca que cada uma das fantasias 29 Se à fantasia for atribuída a faculdade de fingir como frequentemente o faziam os antigos existe a dupla necessidade de ela ser maior no talento refinado 32 c a aptidão natural para a perspicácia 30 Met 573 pela qual através do sentido e da fantasia etc 30 31 todas as coisas devem ser sugeridas bem como lapidadas pela sutileza do espírito e pelo talento Tanto a beleza do conhecimento à medida que ela reclama harmonias manifestas e não admite desarmonias manifestas quanto em sentido mais amplo a própria bela harmonia do talento devem ser atingidas através dessas faculdades 29 M 572 Visto que a sutileza de espírito não raro se esconde sob o nome de talento todo conhecimento belo às vezes é imputado ao talento Todavia para que algum dia a perspicácia se harmonize bem com as demais faculdades do espírito ela deve ser tanta que só atue sobre uma matéria que já lhe tenha sido suficientemente preparada 29 33 d a aptidão natural para reconhecer e a memória Met 579 Mnemósima era chamada a mãe das musas pelos antigos que também atribuíam à memória a capacidade de reproduzir algo imaginado 31 Todavia aquele que por exemplo vai narrar de modo belo não pode se abster da própria faculdade de reconhecer e sobretudo convém que ao inventar uma história tenha uma boa memória a fim de evitar uma contradição entre o que antecede e o que segue 34 e a aptidão poética Met 589 exigida em tal monta que granjeou à classe mais eminente dos estetas práticos o nome de poetas Um psicólogo que pondere com cuidado não há de se admirar de quão importante parte da bela meditação deve ser produzida pela combinação e disjunção das representações imaginárias No entanto para que essa faculdade se harmonize com as demais ela deve ter seu campo de ação delimitado de modo que não possa subtrair o mundo como se ele o mundo tivesse sido criado por ela dos arremates 29 das demais faculdades por exemplo da perspicácia 31 35 f a aptidão para o gosto fino e apurado M 608 e não para o vulgar O gosto fino e apurado untamente com a perspicácia será o juiz inferior M 607 das percepções sensíveis das representações imaginárias das criações etc sempre que for supérfluo 15 no que concerne à beleza submeter cada detalhe ao julgamento do intelecto M 641 36 g a disposição de prever M 595 e de pressentir M 610 o futuro Os antigos qu observavam essa aptidão se manifestar de forma extraordinária não em muitos mas nos talentos mais belos atribuíamna aos deuses como prodígio e por vezes como milagre A partir daí os poetas também foram considerados vates Essa aptidão contudo não disponível em qualquer um de modo passageiro não deve ser buscada junto a não sei que oráculos estéticos uma vez que como beleza primária é necessária a toda vida do conhecimento 22 M 665 No entanto para que essa faculdade bem como a aptidão divinatória possa estar em harmonia com as demais 29 M 616 ela deve ser de tal monta que não ceda seu lugar assim como seu tempo à sensação e muito menos à imaginação heterogênea 30 31 37 h a aptidão para expressar suas percepções M 619 que é mais necessária ou menos necessária segundo se queira prestar atenção nas características do esteta que apenas pensa belamente no âmago da sua alma ou então nas características do esteta que enuncia de modo belo os seus pensamentos Essa aptidão todavia não pode estar completamente ausente no primeiro caso 20 Para que ela se harmonize com as demais faculdades seu campo de ação não deve se expandir a ponto de suprimir a intuição que é necessária à beleza 35 M 620 38 Devem pertencer ao talento refinado e gracioso sobre o qual discorremos no parágrafo 29 B as faculdades cognitivas superiores M 624 à medida que a o intelecto e razão através do comando da alma sobre si mesma não raro muito contribuem para estimular as faculdades cognitivas inferiores M 730 b o consenso dessas faculdades e a harmonia adequada à beleza frequentemente não serão obtidas a não ser pelo uso da razão e do intelecto 29 c a beleza do intelecto M 637 e da razão é para o espírito o consequente natural da grande vivacidade do análogon da razão ou seja é a coesão do conhecimento extensivamente distinto 39 O talento refinado e gracioso é naturalmente tão bem ordenado que sempre lhe é possível conceber algum estado fictício como por exemplo um estado futuro e este não somente a partir dos estados que vivenciou no passado e que a memória pode reproduzir mas também lhe é possível a partir das próprias sensações externas graças ao poder de abstração considerar esse estado futuro seja ele bom ou mau com toda a perspicácia e sob o comando do intelecto e da razão 3038 tornálo visível através de signos adequados 40 Ou foi por gracejo ou por um grave erro que Demócrito excluiu os poetas de juízo perfeito do Helicão mas é ainda mais estúpido como o faz uma boa parte da humanidade esperar obter como recompensa o título de homem com graça de estilo sem que jamais tenha confiado a cabeça que as três Antíciras não conseguiram curar ao barbeiro Licino Hor Espírito II 3 300 41 As faculdades inferiores mais importantes e as que são tais por natureza são exigidas naquele que tem a intenção de pensar de modo belo 29 Elas de fato podem coexistir com as superioridades que por natureza são mais importantes M 649 mas sobretudo são indispensáveis a estas como condição sine qua non M 647 A partir daí advém a opinião preconcebida de que a beleza do talento é por natureza incompatível com os dotes mais austeros da inteligência e do raciocínio na medida em que são inatos por natureza 42 Pode existir um talento belo que infelizmente negligenciou o uso do intelecto e da razão pode existir também um talento filosófico e matemático não suficientemente instruído pelos ornamentos do análogon da razão Ou então pode existir um talento medianamente gracioso mas pela própria natureza inepto para as ciências mais exatas Mas não pode existir um talento que tendo nascido para compreender essas ciências seja incapaz de dotar o conhecimento de alguma graça Met 649 247 43 Os talentos mais eminentes e universais de todos os tempos Orfeu e os estatores de filosofi poética Sócrates chamado o Irônico Platão Aristóteles Grotius Descartes Leibniz ensinama osteriori que a aptidão para pensar de modo belo e a aptidão para pensar de modo lógico se ajustam bem e podem coexistir em um único espaço não demasiadamente estreito o mesmo vale também para a disciplina mais rigorosa dos filósofos e dos matemáticos 44 Do esteta nato 29 requerse 2 uma índole mais propensa a seguir o conhecimento digno e sugestivo e a harmonia das faculdades apetitivas que facilita o caminho para alcançar o conhecimento belo Referimonos ao TEMPERAMENTO ESTÉTICO INATO Met 732 45 Como todo homem é atraído por bens de todo tipo que uma vez conhecidos lhe desperta desejos Met 665 mencionaremos como convém ao esteta 15 alguns deles segundo a orde de importância o dinheiro o poder o trabalho e seu termo de comparação o lazer as delícias externas a liberdade a honra a amizade o vigor e a firme saúde do corpo as sombras da virtude o belo conhecimento e seu corolário que é amável virtude o conhecimento superior e seu corolário de virtude que deve ser venerada Será portanto lícito atribuir aos temperamentos estéticos alguma GRANDEZA DALMA INATA que se manifesta principalmente na atraç instintiva pelas grandes coisas notadamente entre os que atentam nelas a passagem que os conduzirá facilmente para as coisas supremas 38 41 46 Segundo a doutrina habitual dos temperamentos o temperamento melancólico costuma ser recomendado àqueles que não distinguem nitidamente as meditações belas mais prolixas das mais breves que devem receber rapidamente sua forma definitiva O temperamento sanguíneo como é chamado será mais apto a produzir as últimas o melancólico as primeiras Uma vez que o temperamento colérico tem a preferência dos que a glória arrastou para o palco em seu carro rápido como o vento HOR Ep II 1 177 que a mesma glória dê as forças aos que empreendem um grande obra 47 Do caráter do esteta bemsucedido exigese II a ascese exercício prático e o EXERCÍCI ESTÉTICO que consiste na repetição mais frequente de ações homogêneas no intuito de que haja um certo consenso entre o talento e a índole descritos aos parágrafos 2846 Esse consenso deve se realizar sobre um tema dado ou principalmente para que ninguém possa pensar que por tema dado entendemos o mesmo que um Orbílio entende sobre um só pensamento sobre um só assunto O exercício deve portanto permitir a gradual aquisição do hábito de pensar com beleza Met 577 48 A natureza estética da qual tratamos na seção II não pode se manter mesmo por um breve período de tempo num mesmo grau de perfeição Met 550 Se suas disposições ou aptidões não forem aperfeiçoadas por exercícios contínuos ela decresce um tanto 47 por mais elevada que tenha sido no início e acaba por entorpecer Met 650 Não recomendo porém apenas o exercícios das faculdades mencionadas na Seção II mas também os estéticos 47 Há exercício que corrompem e deturpam a natureza suficientemente bela eles devem ser evitados Sua manifestação 16 junto a talentos ativos não pode ser evitada de modo mais feliz a não ser pela substituição recomendável de exercícios melhores Met 698 49 Também exijo um certo consenso nos próprios exercícios estéticos e na verdade em todos 47 Sem esse consenso os efeitos da natureza bela não existem e portanto não aumentarão sua força 47 Met 139 Mas exijo apenas um certo consenso os exercícios militares não exigem tanto soldados quantos exige uma batalha Admito como esteta alguns exercícios que têm o efeito secundário de corromper ligeiramente a natureza suficientemente bela 16 Admito também alguns exercícios que deturpam levemente 48 contanto que promovam muito mais a harmonia que a desarmonia e contanto que esses exercícios sejam os que denominamos exercícios estéticos 47 Destes contudo admito exercícios em que a deformidade é maior que a beleza com a condição de que os acompanhe a consciência 35 de preponderância desta deformidade de forma que através dela se hoje se verificam males amanhã não ocorrerá o mesmo HOR Carm II 10 17 M 666 50 Nos exercícios estéticos postulo um certo consenso não apenas de talento com ele mesmo mas também o consenso do talento com a sua índole sobre os quais tratamos na Seção II 49 Se talento for cultivado por meio de exercícios sem vida e sem força a índole será totalmente negligenciada ou totalmente corrompida e degradada a ponto de por exemplo submergir sob o domínio de desejos e de paixões tirânicas como a hipocrisia o gosto feroz da luta atlética as companhias perdulárias as ambições a licenciosidade as orgias a ociosidade o interesse exclusivo por bens materiais ou simplesmente pelo dinheiro 46 Então quando a pobreza e a vulgaridade do espírito transparecer ela deturpará tudo aquilo que parecia pensado com graça e elegância 48 51 A índole como poderá parecer será preservada em seu estado natural ou será elevada supondo se que isso possa acontecer de modo diferente por outros meios pelo talento Met 732 abordado na Seção II Se esse talento for abandonado em seu estado rude Et 403 talvez as sombras da virtudes que mencionei no parágrafo 45 se srcinem dele mas também por um lado em toda parte transparecerá a rudeza do talento que deturpará 48 os movimentos dalma ditos bons de um como se costuma dizer bom coração e por outro lado a alma que às vezes sente aversão pelo conhecimento belo ou não tem suficiente inclinação para o mesmo permitirá não involuntariamente que o talento sob estes maus presságios se enfraqueça ao ponto do nãoretorno a partir do qual nunca poderá novamente ser levado a pensar algo de modo belo 27 52 Os exercícios estéticos serão 1 improvisações executadas sem o direcionamento da arte erudita através das quais aquele que deve ser exercitado possa adquirir mestria A essa categoria pertence aquele grosseiro verso satúrnio com que o velho camponês dos tempos ancestrais se revigorava e aliviava o coração nos dias de festa espalhou os opróbrios campestres em versos alternados HOR Ep II 1 146 A essa categoria pertencem também todas as imagens do belo conhecimento criadas pelo homem antes do advento das artes eruditas a ela pertencem ainda as primeiras centelhas de um dom mais belo que precedem qualquer arte Assim como Ovídio por exemplo relata Tudo que ele tentar dizer será um verso OVID Trist IV 10 26 53 Em assuntos estéticos também devemos ter especial cuidado de não considerar iguais o talento rude e o talento inculto Seguramente o talento de Homero de Píndaro e de outros não foi rude ne inculto nem grosseiro HOR Ep I 3 22 Suas obras todavia os primeiro modelos arquétipos das artes eruditas foram melhores que as suas reproduções éctipos Uma pessoa inculta também pode possuir um talento estético sobremodo esmerado assim como uma pessoa que possui erudição pode possuir um talento bastante rude no que concerne à beleza 54 Do mesmo modo que a música como afirmou Leibniz é um exercício aritmético inconsciente da alma daquele que não aprendeu a contar assim também a criança que ainda quase não tem consciência de que ela pensa e sobretudo de que pensa de modo belo é exercitada pela expectativa de casos semelhantes bem como pelo primeiro impulso inato da imitação O resultado será positivo se graças a um acaso feliz a criança a educar cair nas mãos de um artista que dê forma à delicada gagueira infantil 37 um artista que desde a primeira infância desvia o seu ouvido das expressões obscenas e em seguida também modela seu espírito com preceitos amigos relata feitos sábios prepara as gerações futuras com exemplos conhecidos HOR Ep II 1 126 55 Além disso o belo talento inato também é exercitado e evidentemente já se exercita a si próprio embora não saiba o que esteja fazendo quando a criança conversa quando brinca principalmente se ela inventa as brincadeiras ou é uma pequena líder entre as companheiras e com estas intensamente atenta transpira fala e se ocupa com tudo que há por fazer E também é um exercício salutar para ela ver ouvir e ler assuntos que poderá entender de modo belo desde que essas atividades estejam submetidas às regras indicadas nos parágrafos 49 a 51 que lhe garantam o estatuto de exercícios estéticos 47 56 Também nós os adultos não raro somos enganados quando ao ler ou ouvir coisas ditas ou escritas de modo belo as reconhecemos como belas Nós as reconhecemos como belas e observamos a sua beleza e gostamos Chegamos mesmo a aclamar em silêncio um autor bravo perfeito muito bem Todavia não estamos com o espírito suficientemente preparado para pensar simultaneamente com ele de modo belo Parece mais eficaz e portanto é recomendável um exercício estético que manuseie dia e noite os melhores autores A musa deu aos gregos e aos franceses 12 o talento deu aos gregos e aos franceses uma linguagem harmoniosa Exceto a glória nada cobiçam os gregos e os franceses HOR Ep II 3 269 57 É evidente por si mesmo que exercícios mais eficazes proporcionam forças maiores como o testemunham as improvisações heurísticas as quais a alma sem outro recurso que sua própria força produz espontaneamente quando já aprendeu ou já nasceu com a aptidão de nadar sem cortiça HOR Sat I 4 124 58 Os exercícios estéticos serão 2 mais corretos e mais precisos se à estética natural inata e adquirida a senhora natureza associarse a estética erudita sem a qual os talentos certamente belos mas não divinos hão de experimentar muitas vezes o caminho que conduz ao refinamento do conhecimento que é tal como o caminho nas selvas por entre a lua fugidia sob uma luz maligna quando Júpiter mergulhou o céu na sombra e a noite sombria subtraiu às coisas sua cor VERG En VI 270 sq 59 Todas as vezes que um esteta praticar os dois tipos de exercício 52 58 ele lutará com mais eficiência pela beleza do conhecimento e extrairá da prática não só o talento mas também o caráter e o temperamento estético e estará se fortalecendo pelo hábito 42 reforçando desta forma a grandeza inata do pensamento 46 M 247 60 A ESTÉTICA DINÂMICA ou crítica que tem por objeto a avaliação das forças de que disp um determinado homem para alcançar uma determinada beleza de um determinado conhecimento não pode medir as forças inatas da natureza a não ser a partir dos efeitos ou seja dos exercícios estéticos 27 Daí é justo concluir que tanto existem as improvisações quanto existe o caráter de determinado homem portanto também existe tanto da sua natureza inata que poderá atingir sua meta com os exercícios precedentes M 57 Não será igualmente justo concluir que as forças de u determinado homem em seu estado atual são insuficientes tanto para as improvisações quanto para o caráter Omitese portanto a natureza inata necessária para meditações desta espécie M 60 61 O esteta dinâmico frequentemente terá necessidade de testes ensaios estéticos escolhidos entre outros exercícios com o intuito de experimentar se as forças e quão grandes de um determinado homem são suficientes para um determinado conhecimento belo M 697 Então se estes resulta positivos a experiência é positiva e boa e as forças são consideradas suficientes 60 se resultam menos positivas nem sempre está em causa uma falta muito menos vale a consequente conclusão feita a partir da ausência de uma certa característica estética que por acaso pode ser específica e é exigida para um determinado teste de que haja a ausência geral do caráter estético ou ainda que haja a ausência de outras características específicas 27 Os ensaios poéticos de Cícero o ensaios épicos de Ovídio e os de Horácio não tiveram bom êxito 12 Acréscimo de Baumgarten aos versos de Horácio N T David Hume David Hume Do padrão do gosto Do padrão do gosto Do padrão do gosto Do padrão do gosto13 13 David Hume 17111776 David Hume 17111776 Tradução Luciano Trigo É natural que se procure encontrar um Padrão de Gosto uma regra capaz de conciliar as diversas opiniões dos homens um consenso estabelecido que faça com que uma opinião seja aprovada e outra condenada Mas a pergunta levantada por Hume 1711 1776 neste texto publicado em 1757 junto a outros ensaios é se estamos justificados a estabelecer um padrão de gosto quando nos deparamos com a diversidade de avaliações sobre a beleza Além disso devemos considerar que as observações negativas referentes a sensibilidades estéticas consideradas mais brutas podem também ser aplicadas ao emissor dessas observações O texto a seguir é um momento da abordage cética acerca da questão do juízo de gosto Temas Temas ceticismo empirismo gosto literatura 13 HUME D Do padrão do gosto In Ensaios morais políticos e literários Rio de Janeiro Topbooks 2004 p 367396 Agradecemos à Editora Topbooks por autorizar a utilização do texto A extrema variedade de gostos e de opiniões que existe no mundo é demasiado evidente para deixar de ser notada pela observação de todos Mesmo aqueles homens de conhecimentos parcos são capazes de observar as diferenças de gosto dentro do estreito círculo de suas relações inclusive entre pessoas que foram educadas sob o mesmo governo e nas quais foram incutidos os mesmos preconceitos desde cedo Mas são aqueles indivíduos capazes de uma visão mais ampla e que conhecem nações distantes e épocas remotas os que se surpreendem ainda mais com essa grande incoerência e contradição Temos propensão a chamar de bárbaro tudo o que se afasta de nosso gosto e de nossas concepções mas prontamente notamos que este epíteto ou censura também pode ser aplicado a nós E mesmo o homem mais arrogante e convicto acaba por se sentir abalado ao observar em toda parte uma segurança idêntica passando a ter escrúpulos em meio a tal contrariedade de sentimentos em relação a pronunciarse positivamente sobre si mesmo Se por um lado essa variedade de gostos é evidente até mesmo para o observador mais descuidado por outro uma demonstração atenta evidenciará que ela é ainda maior na realidade que na aparência Frequentemente as opiniões dos homens variam quanto à beleza ou à deformidade da espécie mesmo quando o seu discurso geral é o mesmo Em todas as línguas existem termos que implicam censura e outros que implicam aprovação e todos os homens que compartilham uma língua devem concordar no uso que fazem desses termos Todas as vozes se unem na exaltação da elegância da propriedade do espírito e da simplicidade no escrever bem como na censura do estilo bombástico da afetação da frieza e do falso brilhantismo Mas quando os críticos discutem os casos particulares essa aparente unanimidade se desvanece e então se descobre que muitos sentidos diferentes eram atribuídos àquelas expressões Em todas as questões que envolvem a opinião e a ciência ocorre o contrário as divergências entre os homens surgem com mais frequência em relação a generalidades do que a casos particulares e são mais aparentes do que reais Geralmente basta uma explicação dos termos para encerrar a controvérsia e os contendores descobrem surpresos que estavam discutindo quando no fundo concordavam em suas conclusões Os indivíduos para quem a moral depende mais do sentimento que da razão tendem a englobar a ética na primeira observação sustentando que em todas as questões relativas à conduta e aos costumes as diferenças entre os homens na realidade são maiores do que poderia parecer à primeira vista É evidente sem dúvida que os autores de todas as nações e todas as épocas estão de acordo em aplaudir a justiça o humanitarismo a magnanimidade a prudência e a veracidade e em censurar as qualidades que lhes são contrárias Mesmo entre os poetas e outros autores cujas composições se destinam principalmente a entreter a imaginação observase de HOMERO FÉNELON a defesa dos mesmos princípios orais e a concessão do aplauso e da censura às mesma virtudes e vícios Em geral atribuise à simples influência da razão essa unanimidade extrema e todo caso a razão inspira aos homens os mesmos sentimentos evitando as controvérsias a que estão sujeitas as ciências abstratas Na medida em que essa unanimidade é real é forçoso considerar satisfatória essa explicação contudo é preciso reconhecer que ao menos em parte essa harmonia em relação à moral talvez possa ser explicada pela própria natureza da linguagem A palavra virtude que é equivalente em todas as línguas implica aprovação da mesma forma quevício implica censura E ninguém poderia sem cometer uma impropriedade óbvia e grosseira ligar a ideia de censura a um termo que é geralmente entendido num sentido positivo ou evocar a ideia de aplauso quando o idioma exige a de reprovação Os preceitos gerais de HOMERO tais como ele os formul nunca serão objeto de controvérsia mas é evidente que quando ele desenha cenas concretas de costumes e representa o heroísmo de AQUILES e a prudência de ULISSES acrescenta um grau mui maior de ferocidade ao primeiro e de astúcia e dissimulação ao segundo do que poderia admitir FÉNELON Na obra do poeta GREGO o sábio ULISSES parece deliciarse com suas mentira ficções usandoas muitas vezes sem necessidade e mesmo sem extrair delas qualquer vantagem Mas seu filho mais escrupuloso na obra do poeta épico FRANCÊS prefere exporse aos perigos mai iminentes a desviarse do caminho da mais rigorosa fidelidade à verdade Os admiradores ou seguidores do ALCORÃO insistem nos excelentes preceitos morais que s encontram espalhados por essa obra caótica e absurda Mas devese supor que as palavras árabes correspondentes a termos como equidade justiça temperança egoísmo caridade eram sempre tomadas num sentido positivo no uso corrente da língua E que seria dar mostra de uma enorme ignorância não da moral mas da linguagem usálas com um significado diferente do elogio e da aprovação Mas como podemos saber se o pretenso profeta conseguiu efetivamente atingir uma concepção justa da moral Se nos concentrarmos na sua narrativa verificaremos que ele aplaude atitudes como a traição a desumanidade a crueldade a vingança e a beatice que são inteiramente incompatíveis com a sociedade civilizada Essa obra não parece ter seguido qualquer regra fixa de direito e cada ação só é condenada ou exaltada na medida em que ela é benéfica ou prejudicial para os crentes autênticos O mérito de estabelecer preceitos éticos gerais autênticos é muito pequeno inegavelmente Que recomenda qualquer virtude moral na verdade não faz mais do que aquilo que está implicado nos próprios termos Os indivíduos que inventaram a palavra caridade e a usaram com um sentido positivo contribuíram de uma forma muito mais clara e eficaz para incutir o preceito seja caridoso do que qualquer pretenso legislador ou profeta que incluísse essa máxima em seus textos De todas as expressões são justamente aquelas que implicam além de seu significado um determinado grau de censura ou aprovação as que menos estão sujeitas a serem distorcidas ou mal compreendidas É natural que se procure encontrar um Padrão de Gosto uma regra capaz de conciliar as diversas opiniões dos homens um consenso estabelecido que faça com que uma opinião seja aprovada e outra condenada Existe um tipo de filosofia que impossibilita qualquer esperança nesse empreendimento negando que seja possível estabelecer um padrão de gosto qualquer Ela afirma que há uma diferença muito grande entre o julgamento e o sentimento O sentimento está sempre certo porque o referente só te a si mesmo como referencial e é sempre real quando se tem consciência dele Mas nem todas as determinações do conhecimento são certas porque elas têm como referente alguma coisa além de si mesmas isto é os fatos reais que nem sempre estão de acordo com o seu padrão Entre mil e uma opiniões que indivíduos diferentes podem ter sobre o mesmo assunto existe uma e somente uma que é justa e verdadeira e a única dificuldade é encontrála e confirmála Por sua vez os mil e u sentimentos diferentes despertados pelo mesmo objeto são todos certos porque nenhum sentimento representa o que realmente está no objeto Ele se limita a assinalar uma certa conformidade ou relação entre o objeto e os órgãos ou faculdades do espírito e se essa conformidade realmente não existisse o sentimento jamais teria sido despertado A beleza não é uma qualidade das próprias coisas ela existe apenas no espírito que as contempla e cada espírito percebe uma beleza diferente É possível mesmo que um indivíduo encontre deformidade onde outro só vê beleza e cada um deve ceder a seu próprio sentimento sem ter a pretensão de controlar o dos outros Tentar estabelecer uma beleza real ou uma deformidade real é uma investigação tão infrutífera quanto tentar determinar uma doçura real ou um amargor real Segundo a disposição dos órgãos corporais o mesmo objeto tanto pode ser doce como amargo e o provérbio popular afirma com muita razão que gosto não se discute É muito natural e mesmo absolutamente necessário aplicar esse axioma ao gosto espiritual além do gosto corporal e dessa forma o senso comum que diverge com tanta frequência da filosofia sobretudo da filosofia cética pelo menos num caso concorda com ela proferindo uma decisão idêntica Mas embora esse axioma se tenha transformado num provérbio e portanto pareça ter recebido a sanção do senso comum é inegável que existe um tipo de senso comum que lhe é oposto ou pelo menos tem a função de modificálo e limitálo Qualquer um que afirmasse a igualdade de gênio e elegância de OGILBY e MILTON de BUNYAN e ADDISON não seria considerado men extravagante que se afirmasse que um monte feito por uma toupeira é mais alto que o rochedo de TENERIFE ou que um charco é maior que o oceano Embora se possa encontrar indivíduos qu preferem os primeiros autores ninguém dá importância a seu gosto e não temos escrúpulo algum em afirmar que a opinião desses pretensos críticos é absurda e ridícula Nesse momento se esquece totalmente o princípio da igualdade natural dos gostos que embora seja admitido em alguns casos quando os objetos parecem estar quase em igualdade assume o aspecto de um paradoxo extravagante ou melhor de um absurdo evidente quando se comparam objetos tão desiguais É claro que nenhuma regra de composição é estabelecida por um raciocínio a priori nem pode ser confundida com uma conclusão abstrata do entendimento através da comparação daquelas tendências e relações de ideias que são eternas e imutáveis O seu fundamento é o mesmo que o de todas as ciências práticas isto é a experiência E elas não passam de observações gerais relativas ao que universalmente se verificou agradar em todos os países e em todas as épocas Muitas das belezas da poesia ou mesmo da eloquência se baseiam na falsidade na ficção em hipérboles em metáforas e no abuso ou na perversão dos termos em relação ao seu significado natural Eliminar a atuação da imaginação reduzindo qualquer expressão a uma verdade e a uma exatidão absolutas seria inteiramente contrário às leis da crítica Pois o resultado seria a produção do tipo de obra que a experiência universal mostrou ser o mais insípido e desagradável Contudo embora a poesia nunca possa ser submetida à verdade exata ainda assim ela deve ser limitada pelas regras da arte descobertas pelo autor através de seu gênio ou da observação Se alguns autores negligentes ou irregulares conseguiram agradar isso não deve ser atribuído às suas transgressões das regras e da ordem mas ao fato de que apesar dessas transgressões as suas obras possuíam outras belezas que estavam de acordo com a crítica justa E a força dessas belezas foi capaz de superar a censura proporcionando ao espírito uma satisfação maior que o desagrado resultante de seus defeitos Não é por causa de suas ficções monstruosas e improváveis que ARIOSTO nos agrada nem da mistur bizarra que ele faz entre o estilo cômico e o estilo sério nem da falta de coerência de suas histórias nem das interrupções constantes de suas narrativas Ele nos encanta pela força e clareza de suas expressões pelo engenho e a variedade de suas invenções e pela naturalidade com que retrata as paixões sobretudo as de tipo alegre e amoroso Por mais que as suas deficiências possam diminuir a nossa satisfação elas não são capazes de eliminála por completo Mas se o nosso prazer resultasse realmente daqueles aspectos de seu poema que consideramos defeituosos isso não constituiria uma objeção à crítica em geral mas apenas uma objeção contra regras determinadas da crítica que pretendem definir certas características como defeitos apresentandoas como universalmente condenáveis Se a observação mostra que elas agradam então não podem ser defeitos por mais que o prazer delas resultante pareça inesperado e incompreensível Mas embora todas as regras gerais da arte estejam fundadas na experiência e na observação dos sentimentos comuns da natureza humana não decorre daí que os homens sentem sempre da mesma maneira e em conformidade com essas regras As emoções mais sutis do espírito são de natureza extremamente delicada e frágil necessitando do concurso de um grande número de circunstâncias favoráveis para que funcionem de uma maneira fácil e exata segundo seus princípios gerais e estabelecidos O menor dano exterior causado a essas pequenas molas a menor perturbação interna é suficiente para desordenar seu movimento comprometendo a operação do mecanismo inteiro Se quisermos realizar um procedimento dessa natureza e avaliar a força de qualquer beleza ou deformidade precisamos escolher cuidadosamente o momento e o local adequados proporcionando à nossa fantasia a situação e a disposição certas A serenidade perfeita do espírito a concentração do pensamento a atenção devida ao objeto se qualquer dessas circunstâncias faltar nosso experimento será enganoso e seremos incapazes de avaliar a beleza católica e universal A relação estabelecida pela natureza entre a forma e o sentimento será no mínimo mais obscura tornandose necessário um grande discernimento para a sua identificação e análise Nós seremos capazes de determinar a sua influência não a partir da atuação de cada beleza em particular mas a partir da admiração duradoura despertada por aquelas obras que sobreviveram a todos os caprichos da moda e a todos os equívocos da ignorância e da inveja O mesmo HOMERO que encantava ATENAS e ROMA dois mil anos atrás ainda é admirado e PARIS e LONDRES Todas as diferenças de clima governo religião e linguagem não foram capaze de obscurecer a sua glória A autoridade e o preconceito podem dar prestígio temporário a um mau poeta ou orador mas a sua reputação nunca será duradoura nem geral Quando as suas obras fore examinadas pela posteridade ou por estrangeiros seu encanto será dissipado e suas deficiências aparecerão com suas cores verdadeiras Ao contrário no caso de um verdadeiro gênio quanto mais tempo durarem as suas obras maior será o seu reconhecimento e mais sincera a admiração que ele desperta Num círculo restrito há espaço para a inveja e o ciúme e até mesmo a familiaridade com o indivíduo pode diminuir o aplauso que suas composições merecem Quando esses obstáculos desaparecem as belezas que estão naturalmente destinadas a provocar sentimentos agradáveis manifestarão a sua força imediatamente E sempre enquanto o mundo durar elas conservarão a sua autoridade sobre os espíritos humanos Verificamos assim que em meio a toda a variedade e o capricho dos gostos existem determinados princípios gerais de aprovação ou censura cuja influência pode ser detectada por um olhar atento em todas as operações do espírito Existem certas formas ou qualidades que devido à estrutura srcinal da constituição interna do espírito estão destinadas a agradar e outras a desagradar Se elas dei xam de ter efeito em algum caso particular isso se deve a uma deficiência ou imperfeição evidente do órgão Um homem com febre não pode esperar que seu paladar diferencie os sabores e outro com icterícia não pode enunciar um veredicto a respeito das cores Para todas as criaturas existem um estado saudável e um estado doente e só do primeiro se pode esperar receber um padrão verdadeiro do gosto e do sentimento Se no estado saudável do órgão observarmos uma uniformidade completa ou considerável nas opiniões e sentimentos dos homens podemos deduzir daí uma ideia da beleza perfeita Da mesma forma aos olhos das pessoas saudáveis a aparência dos objetos à luz do dia é considerada sua cor verdadeira e real mesmo se sabendo que a cor é meramente um fantasma dos sentidos São muitas e frequentes as deficiências dos órgãos internos que anulam ou atenuam a influência daqueles princípios gerais de que depende o nosso sentimento da beleza ou da deformidade Embora alguns objetivos sejam naturalmente destinados a produzir prazer devido à estrutura do espírito não é de esperar que em todos os indivíduos o prazer seja sentido da mesma maneira Podem ocorrer certos incidentes e situações que ou lançam uma falsa luz sobre os objetos ou impedem que a luz verdadeira leve à imaginação o sentimento e a percepção adequados Uma razão evidente pela qual muitos indivíduos não experimentam o sentimento de beleza adequado é a ausência daquela delicadeza da imaginação necessária para alguém ser sensível às emoções mais sutis Todos pretendem ser dotados dessa delicadeza todos falam dela procurando tornála o padrão de todos os gostos e sentimentos Mas como neste ensaio a nossa intenção é combinar algumas luzes do entendimento com as impressões do sentimento será oportuno fazer uma definição mais rigorosa da delicadeza do que as apresentadas até aqui E para não extrair a nossa filosofia de uma fonte demasiado profunda recorreremos a um conhecido episódio de DO QUIXOTE14 É com razão que pretendo ser um bom conhecedor de vinhos diz SANCHO ao escudeiro d nariz comprido Esta é uma qualidade hereditária em minha família Dois parentes meus foram cert vez chamados a dar sua opinião sobre um barril de vinho que se supunha ser excelente pois era velho e de boa colheita Um deles prova o vinho avaliao e depois de uma madura reflexão declara que o vinho seria bom se não fosse um ligeiro gosto de couro que encontrava nele O outro após adotar precauções semelhantes também faz um parecer favorável ao vinho com a única reserva de um sabor de ferro que nele facilmente se podia distinguir Os dois foram enormemente ridicularizados pelo juízo que emitiram Mas quem riu por último Esvaziado o barril achouse no fundo uma velha chave com uma correia de couro amarelada É fácil entender como a grande semelhança entre o gosto mental e o corporal se aplica a essa história Embora seja inquestionável que a beleza e a deformidade mais do que a doçura e o amargor não são qualidades externas aos objetos mas pertencem inteiramente ao sentimento interno ou externo é forçoso reconhecer que existem nos objetos determinadas qualidades que estão naturalmente destinadas a produzir esses sentimentos peculiares Ora uma vez que essas qualidades podem estar presentes num grau pequeno ou podem misturarse e confundirse umas com as outras ocorre que muitas vezes o gosto não chega a ser afetado por essas qualidades diminutas ou é incapaz de distinguir entre os diversos sabores em meio à desordem em que eles se apresentam Quando os órgãos são tão refinados que não deixam passar nada e são suficientemente apurados para não deixar passar nenhum ingrediente de uma composição dizemos que existe uma delicadeza de gosto e esta expressão pode ser empregada tanto no sentido literal quanto no metafórico Podemos portanto aplicar aqui as regras gerais da beleza pois elas são tiradas de modelos estabelecidos e da observação daquilo que agrada ou desagrada quando apresentado isoladamente e num grau elevado Se numa composição mista e em menor grau essas mesmas qualidades não afetam os órgãos com u prazer ou desagrado sensível essa pessoa não pode ter qualquer pretensão àquela delicadeza Estabelecer essas regras gerais e padrões reconhecidos da composição é como encontrar a chave com correia de couro que explica o veredicto dos parentes de SANCHO confundindo os pretenso uízes que os haviam censurado Mesmo que o barril nunca fosse esvaziado a delicadeza do gosto dos dois seria a mesma e o gosto dos seus juízes seria igualmente embotado Mas seria muito mais difícil provar a superioridade daqueles convencendo todos os presentes De forma semelhante mesmo que as belezas literárias nunca tivessem sido reduzidas metodicamente a princípios gerais e nunca tivessem sido definidos determinados modelos de excelência reconhecida mesmo assim os diferentes graus de gosto continuariam existindo e o veredicto de uns continuaria sendo preferível ao veredicto de outros Mas seria muito mais difícil reduzir ao silêncio o mau crítico já que ele insistiria em sua opinião pessoal recusando submeterse à de seu antagonista Mas se podemos lhe apresentar um princípio artístico reconhecido quando ilustramos esse princípio com exemplos cujas operações segundo seu próprio gosto pessoal ele reconhece estarem de acordo com aquele princípio e quando provamos que o mesmo princípio pode ser aplicado ao caso presente embora ele não tenha conseguido perceber a sua presença ou influência então ele é forçado a concluir que a falha é dele próprio pois lhe falta a delicadeza necessária para tornálo sensível a todas as belezas e deficiências de qualquer composição ou discurso A capacidade de perceber de maneira exata os objetos mais minúsculos sem deixar que nada escape à atenção e à observação é reconhecida como sinal de perfeição dos sentidos e faculdades Quanto menores forem os objetos que o olho puder captar mais sensível será o órgão e mais elaboradas serão a sua constituição e composição Não é com sabores fortes que se põe à prova u bom paladar mas com uma mistura de pequenos ingredientes procurando decidir se somos sensíveis a cada uma das partes por mais ínfimas e misturadas com as demais De uma forma similar a percepção rápida e aguda da beleza deve ser um sinal da perfeição do nosso gosto mental e nenhum homem pode ficar satisfeito consigo mesmo se suspeitar que lhe passou despercebida qualquer excelência ou deficiência de um discurso Nesse caso se observa a união entre a perfeição do home e a perfeição dos sentidos e dos sentimentos Em diversas ocasiões uma delicadeza de paladar desenvolvida pode ser um inconveniente grave tanto para quem a possui quanto para os seus amigos mas a delicadeza de gosto do espírito pela beleza será sempre uma qualidade desejável porque ela é a fonte de todos os prazeres mais refinados e puros a que está sujeita a natureza humana Os sentimentos de todos os homens compartilham essa opinião Sempre que demonstramos ter uma delicadeza de gosto somos recebidos com aprovação e a melhor forma de demonstrálo é recorrer aos modelos e princípios estabelecidos pelo consenso e pela experiência uniforme de todas as nações e de todas as épocas Embora exista em relação a essa delicadeza uma enorme diferença natural entre um indivíduo e outro nada contribui mais para aumentar e aprimorar esse talento que a prática de uma arte e análise e a contemplação constantes de um determinado tipo de beleza Quando qualquer objeto se apresenta ao olhar ou à imaginação pela primeira vez o sentimento que ele provoca é obscuro e confuso e o espírito se sente em grande medida incapaz de se pronunciar em relação às suas qualidades e defeitos O gosto não consegue distinguir as várias excelências do objeto e muito menos identificar o caráter particular de cada excelência determinando o seu grau e sua qualidade O máximo que se pode esperar é que se declare de uma maneira geral que o conjunto é belo ou disforme e é natural que até mesmo essa opinião seja formulada por uma pessoa com bastante prática com a maior hesitação ou reserva Mas se esta pessoa puder adquirir experiência desses objetos o seu sentimento se tornará mais exato e sutil Ela não apenas perceberá as belezas e defeitos de cada parte como também assinalará o caráter distinto de cada qualidade proferindo a aprovação ou a censura adequadas Um sentimento claro e distinto acompanha toda a sua contemplação dos objetos e ela é capaz de distinguir o grau ou o tipo de aprovação ou desprazer que cada parte está naturalmente destinada a provocar Aquela névoa que antes parecia pairar sobre o objeto se dissipa O órgão adquire assim uma perfeição maior em suas operações tornandose capaz de julgar sem risco de erro os méritos de qualquer produção Resumindo a prática proporciona à apreciação de qualquer trabalho a mesma competência e destreza que dá à sua execução pelos mesmos meios Tão importante é a prática para o discernimento da beleza que para sermos capazes de julgar qualquer obra importante é necessário examinarmos mais de uma vez cada produção individual estudando os seus diversos aspectos com a máxima atenção e deliberação A primeira visão de qualquer obra vem sempre acompanhada de uma palpitação ou confusão do pensamento que interfere entre as partes nem se identificam os verdadeiros caracteres do estilo e os diversos defeitos e imperfeições parecem envolvidos numa espécie de névoa confusa apresentandose de uma maneira distinta à imaginação E isso sem lembrar que existe um determinado tipo de beleza florida e superficial que inicialmente agrada porém mais tarde quando se descobre a sua incompatibilidade com a expressão justa da razão ou da paixão logo torna o gosto insensível passando a ser rejeitada com desprezo ou ao menos passando a ser considerada de um valor muito inferior É impossível levar adiante a prática da contemplação de qualquer tipo de beleza sem se ser forçado constantemente a estabelecer comparações entre os diversos tipos ou graus de excelência calculando a proporção existente entre eles Quem nunca teve a oportunidade de comparar os diversos tipos de beleza certamente se encontra inteiramente incapacitado para emitir um julgamento sobre qualquer objeto que se lhe apresente Somente através da comparação podemos determinar os epítetos da aprovação ou da censura aprendendo a decidir sobre o devido grau de cada um Mesmo a pintura mais grosseira pode apresentar um determinado brilho nas cores ou uma exatidão na imitação que numa certa medida também são belezas capazes de encher de admiração o espírito de um camponês ou de um indígena Mesmo as baladas mais vulgares não são inteiramente destituídas de uma certa força ou harmonia e somente quem estiver familiarizado com as belezas superiores poderá considerar o seu ritmo dissonante ou as suas letras desinteressantes Uma beleza muito inferior causa desagrado nas pessoas familiarizadas com a perfeição mais elevada na mesma razão e por isso é considerada uma deformidade Do mesmo modo é natural que nós consideremos o objeto mais bem acabado que conhecemos como representando o ápice da perfeição merecendo o aplauso mais entusiasmado Só quem está acostumado a ver examinar e ponderar as diferentes produções que foram apreciadas em diferentes épocas e nações pode avaliar os méritos de uma obra submetida a sua apreciação apontado o seu devido lugar entre as obras de gênio Mas o crítico para poder exercer mais plenamente a sua função deve conservar o seu espírito acima de todo preconceito nada levando em consideração senão o próprio objeto submetido à sua apreciação Para produzir sobre o espírito o efeito devido toda obra de arte deve ser encarada de um determinado ponto de vista não podendo ser plenamente apreciada por pessoas cuja situação real ou imaginária não seja conforme à exigida pela obra Um orador que se dirige a um determinado auditório deve levar em conta as inclinações interesses opiniões paixões e preconceitos peculiares de seus ouvintes do contrário será em vão que ele esperará comandar as suas opiniões e excitar os seus afetos Mesmo que este público tenha alguma prevenção contra ele por mais disparatada que seja ele não deve subestimar essa desvantagem e antes de entrar no assunto deve se esforçar para cair em suas boas graças e conquistar a sua afeição O crítico de uma época ou de uma nação diferente que pretenda analisar esse discurso deve levar em consideração todas essas circunstâncias e colocarse na mesma situação que esse auditório para chegar a um juízo correto sobre a obra Da mesma forma quando qualquer obra é apresentada ao público mesmo que eu sinta amizade ou inimizade pelo autor convém que eu me distancie dessa situação e considerandome a mim mesmo um indivíduo qualquer fazer o possível para esquecer o que me particulariza e torna as minhas circunstâncias peculiares Alguém que esteja influenciado por preconceitos não preenche esses requisitos já que persevera teimosamente na sua posição natural e é incapaz de colocarse naquele ponto de vista pressuposto pela obra Se esta se dirige a um público de uma época ou de uma nação diferentes o indivíduo preconceituoso deixa de levar em conta as suas concepções e preconceitos particulares para imbuído dos costumes de sua própria época e seu próprio país condenar apressadamente aquilo que parecia admirável aos olhos daqueles a quem se destinava o discurso Se a obra se destinar ao público esta pessoa nunca conseguirá ampliar suficientemente a sua compreensão nem deixar de lado o seu interesse como amigo ou inimigo como rival ou comentador Dessa forma a sua opinião será pervertida e as mesmas belezas e defeitos não terão sobre ela o mesmo efeito que se ela tivesse imposto o rigor à própria imaginação esquecendose de si mesma durante um momento É evidente que o seu gosto não está de acordo com o verdadeiro padrão e consequentemente perde o crédito e a autoridade Sabese que em todas as questões apresentadas ao conhecimento o preconceito destrói a capacidade de raciocínio e perverte todas as operações das faculdades intelectuais e não é menor o prejuízo que causa ao bom gosto nem é menor a sua tendência a corromper o sentimento da beleza Cabe ao bom senso contrariar a sua influência e nesse caso tal como em muitos outros a razão se não constitui uma parte fundamental do gosto é no mínimo necessária para o funcionamento dessa faculdade Em todas as produções do gênio existe uma relação de reciprocidade e correspondência entre as partes e nem as belezas nem as deficiências podem ser percebidas por quem não tenha suficiente capacidade de raciocínio para apreender todas essas partes e comparálas umas com as outras para avaliar a coerência e a uniformidade do todo Toda obra de arte tem ainda um determinado objetivo ou finalidade para a qual é calculada e ela deve ser considerada mais ou menos perfeita conforme a sua capacidade de atingir essa finalidade O objetivo da eloquência é persuadir o da história é instruir o da poesia agradar estimulando as paixões e a imaginação Ao examinarmos qualquer obra devemos levar sempre em conta esses fins para sermos capazes de ulgar em que grau os meios empregados são adequados às suas respectivas finalidades Além disso todos os tipos de composição mesmo a mais poética não são mais que encadeamentos de proposições e raciocínios embora nem sempre estes sejam rigorosos e exatos são sempre plausíveis mesmo quando disfarçados pelo colorido da imaginação Os personagens apresentados na tragédia e na poesia épicas devem ser representados raciocinando pensando concluindo e agindo em conformidade com o seu caráter e com a situação em que vivem sem a capacidade do raciocínio do gosto e da invenção o poeta jamais poderá alcançar sucesso num empreendimento tão delicado E vale lembrar que a mesma excelência das faculdades que contribui para o aperfeiçoamento da razão a mesma clareza da concepção a mesma exatidão nas distinções a mesma vivacidade no entendimento são essenciais para o funcionamento do gosto autêntico e portanto são seus acompanhantes inevitáveis Um homem sensato que possua alguma experiência da arte raramente ou nunca será capaz de julgar sua beleza ainda mais raro é encontrar uma pessoa de bom gosto que também não seja dotada de um entendimento adequado Assim embora os princípios do gosto sejam universais e se não inteiramente aproximadamente os mesmos em todos os homens ainda assim poucos são capazes de julgar qualquer obra de arte ou de impor o seu próprio sentimento como padrão de beleza Raramente os órgãos da sensação interna são suficientemente perfeitos para permitir a ação plena dos princípios gerais produzindo um sentimento correspondente a estes princípios Ou eles possuem alguma deficiência ou são viciados por alguma perturbação e consequentemente provocam um sentimento que deve ser considerado equivocado Quando um crítico não possui delicadeza julga sem qualquer critério sendo influenciado apenas pelas características mais grosseiras e palpáveis do objeto as pinceladas mais finas passam despercebidas e são desprezadas O seu veredicto quando não é ajudado pela prática vem acompanhado de confusão de hesitação Por não efetuar qualquer comparação as belezas mais frívolas que antes mereceriam ser julgadas defeitos se tornam objetos de sua admiração Por se deixarem dominar por preconceitos todos os seus sentimentos naturais são pervertidos Por lhe faltar o bom senso ele é incapaz de discernir as belezas do discernimento e do raciocínio que são as mais elevadas se excelentes A maioria dos homens sofre de uma ou outra dessas imperfeições e por isso um verdadeiro juiz das belasartes mesmo nas épocas mais cultas é um personagem tão raro Somente o bom senso ligado à delicadeza do sentimento aprimorado pela prática aperfeiçoado pela comparação e livre de qualquer preconceito pode conferir aos críticos aquela valiosa personalidade e o veredicto conjunto daqueles que a possuem onde quer que se encontrem constitui o verdadeiro padrão do gosto e da beleza Mas onde se podem encontrar tais críticos Por meio de que sinais podemos reconhecêlos Como distinguilos dos impostores Estas são perguntas embaraçosas que parecem nos empurrar de volta àquela incerteza da qual estamos nos esforçando para escapar ao longo de todo este ensaio Mas uma visão correta mostra que se trata aqui de uma questão de fatos e não de sentimentos Se um determinado indivíduo é ou não dotado de bom senso e delicadeza de imaginação livre de preconceitos é coisa que pode frequentemente suscitar disputas sujeita a muita investigação e discussão Mas quando se trata de uma personalidade valiosa e estimável é algo que ninguém pode contestar Quando dúvidas assim aparecem não se pode fazer mais que em outras questões polêmicas que se apresentam ao entendimento é necessário apresentar os melhores argumentos que a invenção pode sugerir é necessário reconhecer que em alguma parte deve existir um padrão verdadeiro de decisivo a saber os fatos concretos e a existência real e é preciso ser indulgente em relação àqueles que divergem de nós mesmos em seu apelo a esse padrão Para nossos objetivos é suficiente demonstrar aqui que não é possível pôr no mesmo patamar o gosto de todos os indivíduos e que geralmente alguns homens por mais difícil que seja identificálos com rigor devem ser reconhecidos pela opinião universal como merecedores de preferência acima de outros Mas na verdade a dificuldade de estabelecer um padrão do gosto mesmo de maneira particular não é tão grande como se pensa Embora em teoria se possa reconhecer prontamente um certo critério na ciência e ao mesmo tempo negálo no sentimento observase na prática que se trata de uma questão muito mais difícil de decidir no primeiro caso que no último Durante um período prevaleceram as teorias filosóficas abstratas e os sistemas de teologia profunda mas logo todos foram universalmente destruídos Os seu caráter absurdo foi descoberto e outras teorias e sistemas ocuparam o seu lugar estes por sua vez também foram substituídos por outros E nada existe de mais sujeito às oscilações do acaso e da moda do que essas pretensas decisões da ciência Já não é este o caso das belezas da eloquência e da poesia É inevitável que as justas expressões da paixão e da natureza conquistem decorrido algum tempo o aplauso do público e que o conservem para sempre ARISTÓTELES15 PLATÃO EPICURO16 e DESCARTES puderam ceder o lugar uns ao outros sucessivamente mas TERÊNCIO e VIRGÍLIO continuam a exercer um domínio universal incontestado sobre os espíritos dos homens A filosofia abstrata de CÍCERO perdeu o seu prestígio mas a veemência de sua oratória continua sendo objeto da nossa admiração Embora os homens de gosto delicado sejam raros é fácil identificálos na sociedade pela solidez de seu entendimento e pela superioridade de suas faculdades sobre as do restante da humanidade A ascendência que eles adquirem faz predominar aquela viva aprovação com que se recebem as obras de gênio e as torna predominantes Quando são entregues a si próprios muitos homens não são capazes de mais que uma percepção tênue e duvidosa da beleza mas ainda assim eles são capazes de apreciar qualquer obra admirável que lhes seja apontada Cada um dos que se deixam converter à admiração de um verdadeiro poeta ou orador por sua vez provocará uma nova conversão Mesmo que os preconceitos possam dominar durante algum temo eles jamais se une para celebrar qualquer rival do verdadeiro gênio acabando por ceder à força da natureza e do sentimento justo Assim embora uma nação civilizada possa se enganar facilmente na eleição de seu filósofo favorito jamais ocorreu que alguma errasse na preferência por um determinado autor épico ou trágico Não obstante todos os nossos esforços para estabelecer um padrão do gosto e conciliar as concepções divergentes continuam existindo contudo duas fontes de variação que embora naturalmente não bastem para confundir todos os limites da beleza e da deformidade frequentemente resultam numa diferença nos graus de nossa aprovação ou censura Uma delas reside nas diferenças de temperamento entre os indivíduos e a outra são os costumes e opiniões peculiares do nosso país e da nossa época Os princípios gerais do gosto são uniformes na natureza humana Quando se observ uma variação no juízo dos homens geralmente se pode notar também alguma deficiência ou perversão das faculdades resultante dos preconceitos ou da falta de prática ou da falta de delicadeza E existem bons motivos para se aprovar um gosto e reprovar outro Mas quando existe na estrutura interna ou no contexto externo uma diversidade tal que torna impossível condenar qualquer dos dois lados não havendo como dar preferência a um sobre o outro neste caso uma certa variação no julgamento é inevitável e seria tolo procurarmos um padrão que pudesse conciliar as opiniões discordantes Um jovem que seja dotado de paixões cálidas será mais sensível às imagens amorosas e ternas que um homem de idade mais avançada que encontra prazer em reflexões sábias e filosóficas sobre a conduta da vida e a moderação das paixões Aos 20 anos podese ter OVÍDIO como auto preferido aos 40 HORÁCIO e talvez TÁCITO aos 50 Nesses casos seria inútil tentarm compartilhar os sentimentos alheios despindonos daquelas inclinações naturais em nós Elegemos nosso autor favorito da mesma forma como escolhemos um amigo com base numa conformidade de temperamento e de disposição A alegria ou a paixão o sentimento ou a reflexão aquilo que prevalecer em nosso temperamento produzirá em nós uma simpatia peculiar pelo autor que se nos assemelha O sublime agrada mais a uma pessoa a ternura a outra a ironia a uma terceira Uma é extremamente sensível às falhas e estuda com atenção a correção das obras e outra é mais vivamente sensível às belezas sendo capar de perdoar 20 absurdos ou defeitos em troca de uma só passagem inspirada ou poética O ouvido de uma está inteiramente voltado para a concisão e a força o de outra se deliciar principalmente com uma expressão copiosa rica e harmoniosa Uns preferem a simplicidade outros os ornamentos A comédia a tragédia a sátira as odes cada gênero de escritura tem seus partidários que o preferem a todos os outros Seguramente seria um equívoco u crítico limitar sua aprovação a um único gênero ou estilo literário condenando todos os demais Mas é quase impossível deixar de sentir uma certa predileção por aquilo que se adapta melhor à nossa disposição e às nossas inclinações pessoais Estas preferências são inocentes e naturais e não seria sensato tornálas objetos de polêmica pois não existe padrão que possa contribuir para se chegar a alguma decisão sobre elas É por um motivo semelhante que nos agrada mais encontrar no curso de uma leitura cenas e personagens que se assemelhem a objetos de nosso país e de nossa época do que aqueles que descrevem costumes diferentes Não é sem um certo esforço que conseguimos aceitar a simplicidade dos costumes antigos e contemplar princesas indo buscar água na fonte e reis e heróis preparando as suas próprias provisões Geralmente reconhecemos que a representação desses costumes não constitui um erro do autor nem uma deficiência da obra mas não lhe somos sensíveis da mesma maneira É por isso que é difícil transferir a comédia de uma nação para outra A um FRANCÊS ou um INGLÊS não agradam a ANDRIA de TERÊNCIO17 ou a CLÍTIA de MAQUIAVEL 18 em que a bela senhora em torno da qual gira toda a peça não aparece uma vez sequer aos espectadores ficando sempre oculta nos bastidores em conformidade com o temperamento reservado dos antigos GREGOS e dos ITALIANOS Um homem culto e inteligente é capaz de aceitar essas peculiaridad de costumes mas uma plateia normal jamais será capaz de se despir de suas ideias e sentimentos habituais a ponto de se satisfazer com cenas que de maneira alguma lhe são familiares Mas a esse propósito cabe aqui uma reflexão que talvez possa ajudar a analisar a controvérsia célebre sobre o saber antigo o saber moderno na qual frequentemente se vê um dos lados desculpar qualquer absurdo aparente dos antigos invocando os costumes da época enquanto o outro lado rejeita essa desculpa ou só a aceita como uma desculpa para o autor mas não para a obra Na minha opinião poucas vezes os limites dessa questão foram definidos adequadamente pelos participantes da polêmica Quando se representam inocentes peculiaridades de costumes como as citadas acima é inquestionável que elas devem ser aceitas e quem se mostrar chocado estará dando mostra evidente de falta de delicadeza e refinamentoO monumento mais duradouro do que o bronze19 do poeta cairia por terra inevitavelmente como se fosse feito de vulgar argila ou tijolo se os homens não admitissem as contínuas transformações dos usos e costumes e aceitassem unicamente o que está conforme a moda dominante Seria sensato jogarmos fora os retratos de nossos antepassados por causa de seus rufos e anquinhas Mas quando as ideias da moral e da decência se modificam de uma época para outra e quando se descrevem costumes viciosos sem que estejam acompanhados dos devidos sinais de censura e desaprovação devese reconhecer que tal fato desfigura o poema e constitui uma autêntica deformidade Sou incapaz de compartilhar tais sentimentos e nem seria adequado fazêlo mesmo que eu possa desculpar o poeta levando em conta os costumes de sua época jamais poderei apreciar a composição A falta de humanidade e de decência tão evidente nos personagens criados por vários poetas antigos ou mesmo por HOMERO e pelos trágicos GREGO diminui consideravelmente o mérito de suas nobres obras conferindo aos autores modernos uma vantagem sobre eles Nós não nos interessamos pelo destino e pelos sentimentos daqueles rudes heróis e nos desagrada ver a tal ponto confundidos os limites do vício e da virtude e por maior que seja a nossa indulgência em relação ao autor levando em consideração os seus preconceitos somos incapazes de impor a nós mesmos compartilhar seus sentimentos ou sentir alguma simpatia por personagens que são tão claramente condenáveis Os princípios morais não estão no mesmo caso dos princípios especulativos de qualquer espécie Estes últimos estão em constante mudança e transformação O filho adere a um sistema diferente de seu pai e são poucos os homens que podem se gabar de grande constância e uniformidade nesse aspecto Sejam quais forem os erros especulativos que se possa encontrar nas obras cultas de qualquer época ou qualquer país eles pouco diminuem o seu valor É suficiente uma pequena adaptação do pensamento ou da imaginação para podermos compartilhar todas as opiniões que então prevaleciam e apreciar os sentimentos e conclusões que delas resultam Mas é necessário u esforço violento para modificarmos o nosso juízo sobre os costumes bem como para experimentar sentimentos de aprovação ou censura de amor ou ódio diferentes daqueles com que nosso espírito está longamente familiarizado Quando alguém confia na retidão daqueles padrões morais com base nos quais forma seus juízos tem por eles um zelo compreensível e não permitirá que os sentimentos de seu coração sejam pervertido por um momento sequer por complacência em relação a não importa que autor De todos os erros especulativos os mais desculpáveis nas obras de gênio são os relativos à religião e nem sempre é legítimo julgar a cultura e o saber de um povo ou mesmo de um indivíduo com base na banalidade ou na sutileza de seus princípios teológicos O bom senso que orienta os homens nas circunstâncias normais da vida não é obedecido nas questões religiosas já que elas se encontram acima do alcance da razão humana Nessa ordem de ideias todos os absurdos do sistema teológico pagão devem ser ignorados pelos críticos que pretendem chegar a uma noção rigorosa da poesia antiga e por sua vez a nossa posteridade deverá mostrar a mesma indulgência em relação a seus predecessores Enquanto permanecerem como meros princípios sem se apoderarem do coração tão fortemente a ponto de merecerem a classificação debeatice ou superstição os princípios religiosos nunca podem ser considerados erros dos poetas Quando isso acontece eles passam a perturbar os sentimentos morais e a alterar as fronteiras naturais que separam o vício da virtude Eles devem portanto ser considerados eternamente como defeitos conforme o princípio acima referido e os preconceitos e falsas opiniões da época são insuficientes para justificálos Uma das características essenciais da religião católica ROMANA é que ela precisa inspirar u ódio violento por todas as outras crenças concebendo todos os pagãos maometanos e hereges como objetos da cólera e da vingança divinas Muito embora sejam na realidade altamente condenáveis tais sentimentos são considerados virtudes pelos fanáticos dessa comunhão e são representados em suas tragédias e poemas épicos como uma espécie de divino heroísmo Essa beatice teve como consequência desfigurar duas das mais belas tragédias do teatro FRANCÊS POLIEUCTE ATALIA20 nas quais o zelo mais destemperado por certas formas de culto é apresentado com toda a pompa que se pode imaginar constituindo o traço dominante da personalidade de seus heróis O que é isso pergunta o sublime JOAD a JOSABET ao encontrálo conversando com MATHAN sacerdote de BAAL A filha de DAVI fala com esse traidor Pois não temeis que a terra se abra dela venham chamas que vos devorem a ambos Ou que estas paredes sagradas desmoronem enterrandovos O que ele pretende Por que o inimigo de Deus vem a este lugar envenenar o a que respiramos com sua presença horrível Tais sentimentos são acolhidos com aplausos nos teatros de PARIS mas em LONDRES os espectadores apreciariam igualmente ouvir AQUILES diz a AGAMENON que ele é um cão em sua fronte e um cervo em seu coração ou JÚPITER ameaç JUNO com uma bela surra se ela não ficar calada21 Os princípios religiosos também constituem uma falha em qualquer obra culta quando caem no nível da superstição ou se intrometem em toda sorte de sentimentos mesmo aqueles que não têm qualquer relação com religião Não constitui uma desculpa para o poeta que os costumes de seu país tenham sobrecarregado a existência com tal quantidade de rituais e cerimônias religiosas que nenhuma parte dela consiga escapar a seu jugo PETRARCA22 será sempre ridículo necessariamente na comparação que faz da sua amante LAURA com JESUS CRISTO Igualmente ridículo BOCCACCIO23 esse libertino encantador quando com toda a seriedade dá graças a DEUS TODO PODEROSO e às senhoras pelo auxílio que lhe deram protegendoo contra os seus inimigos 14 Cervantes Dom Quixote pt 2 cap 13 15 Aristóteles 384322 aC filósofo grego foi a principal fonte da filosofia escolástica medieval 16 Epicuro 341270 aC filósofo moral grego professava o hedonismo ou a visão de que o prazer é o maior bem do homem Ver ensaio de Hume intitulado O epicurista 17 Terêncio Andria A dama de Andros Glicérium a jovem mulher em torno da qual a trama se desenrola é uma muta person e isto é ela nada fala no palco 18 Em Clísia de Maquiavel que foi levada ao palco em 1525 a jovem Clísia não aparece em cena mas é o centro da ação 19 HorácioCarmina Odes 330 I 20 Polieucte martyr 164142 tragédia de Corneille é a história de um nobre armênio cuja conversão ao Cristianismo e cujo martíri levaram à conversão de sua esposa Pauline e de seu sogro Felix o governador romano que condenou Polieucte à morte por trair o deuses romanos Athalie 1691 uma tragédia de Racine se baseia no relato bíblico 2 Reis II e 2 Crônicas 2223 da vitória do sacerdote de Deus sobre Atalia rainha de Judá e adoradora do Baal A cena descrita em seguida por Hume é de Atalia ato 3 seç 5 21 Ver Homero Ilíada I 225 para a ofensa de Aquiles a Agamenon e I 5657 para a ameaça de Zeus ou Júpiter a Hera ou Juno 22 Hume provavelmente se refere à coletânea de 366 poemas de Francesco Petrarca 130474 que não tem um título definitivo ma que é conhecida na Itália comoCanzioniere ou Rima A maioria dos poemas é sobre o amor de Petrarca por Laura que começo quando ele a viu pela primeira vez na igreja em 1327 e que continuou mesmo após a sua morte em 1348 Parece que Laura estava acima do alcance de Petrarca que a amava de longe O amor de Petrarca por Laura se tornou um símbolo de sua própria busca pel salvação enquanto Laura depois de sua morte física ressuscita como um ideal sublime com qualidades divinas 23 Ver Boccaccio Decameron Introdução a O quarto dia Immanu Immanuel el Kant Kant Crítica da faculdade do juízo Crítica da faculdade do juízo Crítica da faculdade do juízo Crítica da faculdade do juízo24 24 Im Immmanuel anuel KKant 1724180 ant 172418044 Tradução Valério Rohden e António Marques O presente trecho reúne passagens significativas da estética de Immanuel Kant 1724 1804 apresentadas na última das suas três críticas a saber a Crítica da faculdade do juízo 1790 O leitor encontrará temas fundamentais como a articulação das faculdades em presença do belo e do sublime a distinção dessas noções a universalidade do juízo de gosto e a tese do gosto como uma complacência desinteressada por sinal tese amplamente discutida em filosofia sobre a qual o autor nos informa gosto é a faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo de representação mediante uma complacência ou descomplacência independente de todo interesse Temas Temas sublime belo gosto epistemologia 24 KANT ICrítica da Faculdade do Juízo Rio de Janeiro Editora Forense Universitária 1993 129 p 47112 Agradecemos Editora Forense Universitária GEN por autorizar a utilização do texto Primeira Seção Primeira Seção ANALÍTICA DA FACULDADE DO JUÍZO ESTÉTICA ANALÍTICA DA FACULDADE DO JUÍZO ESTÉTICA Primeiro Livro Primeiro Livro ANALÍTICA DO BELO ANALÍTICA DO BELO Primeiro momento do juízo de gosto Primeiro momento do juízo de gosto 25 25 segundo a qualidade segundo a qualidade 1 O juízo de gosto é estético Para distinguir se algo é belo ou não referimos a representação não pelo entendimento ao objeto em vista do conhecimento mas pela faculdade da imaginação talvez ligada ao entendimento ao sujeito e ao seu sentimento de prazer ou desprazer O juízo do gosto não é pois nenhum juízo de conhecimento por conseguinte não é lógico e sim estético pelo qual se entende aquilo cujo fundamento de determinaçãonão pode ser senão subjetivo Toda referência das representações mesmo a das sensações pode porém ser objetiva e ela significa então o real de uma representação empírica somente não pode sêlo a referência ao sentimento de prazer e desprazer pelo qual não é designado absolutamente nada no objeto mas no qual o sujeito sentese a si próprio do modo como ele é afetado pela sensação Apreender pela sua faculdade de conhecimento quer em um modo de representação claro ou confuso um edifício regular e conforme a fins é algo totalmente diverso do que ser consciente desta representação com a sensação de complacência Aqui a representação é referida inteiramente ao sujeito e na verdade ao seu sentimento de vida sob o nome de sentimentos de prazer ou desprazer o qual funda uma faculdade de distinção e ajuizamento inteiramente peculiar que em nada contribui para o conhecimento mas somente mantém a representação dada no sujeito em relação com a inteira faculdade de representações da qual o ânimo26 tornase consciente no sentimento de seu estado Representações dadas em um juízo podem ser empíricas por conseguinte estéticas mas o juízo que é proferido através delas é lógico se elas são referidas ao objeto somente no juízo Inversamente porém mesmo que as representações dadas fossem racionais mas em um juízo fossem referidas meramente ao sujeito seu sentimento elas são sempre estéticas 27 2 A complacência que determina o juízo de gosto é independente de todo interesse Chamase interesse a complacência28 que ligamos à representação da existência de um objeto Por isso um tal interesse sempre envolve ao mesmo tempo referência à faculdade da apetição quer como seu fundamento de determinação quer como vinculandose necessariamente ao seu fundamento de determinação Agora se a questão é se algo é belo então não se quer saber se a nós ou a qualquer um importa ou sequer possa importar algo da existência da coisa e sim como a ajuizamos na simples contemplação intuição ou reflexão Se alguém me pergunta se acho belo o palácio que vejo ante mim então posso na verdade dizer não gosto dessa espécie de coisas que são feitas simplesmente para embasbacar ou como aquele chefe iroquês de que em Paris nada lhe agrada mais do que as tabernas posso além disso em bom estilo rousseauniano recriminar a vaidade dos grandes que se servem do suor do povo para coisas tão supérfluas finalmente posso convencerme facilmente de que se me encontrasse em uma ilha inabitada sem esperança de algum dia retornar aos homens e se pelo meu simples desejo pudesse produzir por encanto um tal edifício suntuoso nem por isso dar meia uma vez sequer esse trabalho se já tivesse uma cabana que me fosse suficientemente cômoda Podese concederme e aprovar tudo isto só que agora não se trata disso Querse saber somente se essa simples representação do objeto em mim é acompanhada de complacência por indiferente que sempre eu possa ser com respeito à existência do objeto dessa representação Vêse facilmente que se trata do que faço dessa representação em mim mesmo não daquilo em que dependo da existência do objeto para dizer que ele é belo e para provar que tenho gosto Cada um tem de reconhecer que aquele juízo sobre beleza ao qual se mescla o mínimo interesse é muito faccioso e não é nenhum uízodegosto puro Não se tem que simpatizar minimamente com a existência da coisa mas ser a esse respeito completamente indiferente para em matéria de gosto desempenhar o papel de juiz Mas não podemos elucidar melhor essa proposição que é de importância primordial do que se contrapomos à complacência pura e desinteressada29 no juízo de gosto aquela que é ligada a interesse principalmente se ao mesmo tempo podemos estar certos de que não há mais espécies de interesse do que as que precisamente agora devem ser nomeadas 3 A complacência no agradável é ligada a interesse Agradável é o que apraz aos sentidos na sensação Aqui se mostra de imediato a ocasião para censurar uma confusão bem usual e chamar a atenção para ela relativamente ao duplo significado que a palavra sensação pode ter Toda complacência dizse ou pensase é ela própria sensação de um prazer Portanto tudo o que apraz é precisamente pelo fato de que apraz agradável e segundo os diferentes graus ou também relações com outras sensações agradáveis gracioso encantador deleitável etc Se isso porém for concedido então impressões dos sentidos que determinam a inclinação ou princípios da razão que determinam a vontade ou simples formas refletidas da intuição que determinam a faculdade do juízo são no que concerne ao efeito sobre sentimento de prazer inteiramente a mesma coisa Pois esse efeito seria o agrado na sensação de seu estado e já que enfim todo o cultivo de nossas faculdades tem de ter em vista o prático e unificarse nele como em seu objetivo assim não se poderia pretender delas nenhuma outra avaliação das coisas e de seu valor do que a que consiste no deleite que elas prometem O modo como elas o conseguem não importa enfim absolutamente e como unicamente a escolha dos meios pode fazer nisso uma diferença assim os homens poderiam culparse reciprocamente de tolice e de insensatez jamais porém de vileza e maldade porque todos eles cada um segundo o seu modo de ver as coisas tendem a um objetivo que é para qualquer um o deleite Se uma determinação do sentimento de prazer ou desprazer é denominada sensação então essa expressão significa algo totalmente diverso do que se denomina a representação de uma coisa pelos sentidos como uma receptividade pertencente à faculdade do conhecimento 30 sensação Pois no último caso a representação é referida ao objeto no primeiro porém meramente ao sujeito e não serve absolutamente para nenhum conhecimento tampouco para aquele pelo qual o próprio sujeito se conhece Na definição dada entendemos contudo pela palavra sensação uma representação objetiva dos sentidos e para não corrermos sempre perigo de ser falsamente interpretados queremos chamar aquilo que sempre tem de permanecer simplesmente subjetivo e que absolutamente não pode constituir nenhuma representação de um objeto pelo nome aliás usual de sentimento A cor verde dos prados pertence à sensação objetiva como percepção de um objeto do sentido o seu agrado porém pertence à sensação subjetiva pela qual nenhum objeto é representado isto é ao sentimento pelo qual o objeto Gegenstand é considerado como objeto Objekt da complacência a qual não é nenhum conhecimento do mesmo Explicação do belo inferida do primeiro momento Gosto é a faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo de representação mediante uma complacência ou descomplacência independente de todo interesse O objeto de uma tal complacência chamasebelo Segundo momento do juízo de gosto a saber segundo sua quantidade 6 O belo é o que é representado sem conceitos como objeto de uma complacência universal Esta explicação do belo pode ser inferida da sua explicação anterior como um objeto da complacência independente de todo interesse Pois aquilo a respeito de cuja complacência alguém é consciente de que ela é nele próprio independente de todo interesse isso ele não pode ajuizar de outro modo senão de que tenha de conter um fundamento da complacência para qualquer um Pois visto que não se funda sobre qualquer inclinação do sujeito nem sobre qualquer outro interesse deliberado mas visto que o julgante sentese inteiramentelivre com respeito à complacência que ele dedica ao objeto assim ele não pode descobrir nenhuma condição privada como fundamento da complacência à qual unicamente seu sujeito se afeiçoasse e por isso tem que considerálo como fundado naquilo que ele também pode pressupor em todo outro consequentemente ele tem de crer que possui razão para pretender de qualquer um uma complacência semelhante Ele falará pois do belo como se a beleza fosse uma qualidade do objeto e o juízo fosse lógico constituindo através de conceitos do objeto de um conhecimento do mesmo conquanto ele seja somente estético e contenha simplesmente uma referência da representação do objeto ao sujeito porque ele contudo possui semelhança com o lógico podese pressupor a sua validade para qualquer um Mas de conceitos essa universalidade tampouco pode surgir Pois conceitos não oferecem nenhuma passagem ao sentimento de prazer ou desprazer exceto em leis práticas puras que porém levam consigo um interesse semelhante ao qual não se encontra nenhum ligado ao juízo de gosto puro Consequentemente se te que atribuir ao juízo de gosto com a consciência da separação nele de todo interesse uma reivindicação de validade para qualquer um sem universalidade fundada sobre objetos Isto é uma reivindicação de universalidade subjetiva tem que estar ligada a esse juízo 7 Comparação do belo com o agradável e o bom através da característica acima Com respeito ao agradável cada um resignase com o fato de que seu juízo que ele funda sobre um sentimento privado e mediante o qual ele diz de um objeto que ele lhe apraz limitase também simplesmente a sua pessoa Por isso ele de bom grado contentase com o fato de que se ele diz o vinho espumante das Canárias é agradável um outro corrigelhe a expressão e recordalhe que deve dizer ele me é agradável e assim não somente no gosto da língua do céu da boca e da garganta mas também no que possa ser agradável aos olhos e ouvidos de cada um Pois a um a cor violeta é suave e amena a outra morta e fenecida Um ama o som dos instrumentos de sopro outro o dos instrumentos de corda Altercar sobre isso com o objetivo de censurar como incorreto o juízo de outros que é diverso do nosso como se fosse logicamente oposto a este seria tolice portanto acerca do agradável vale o princípio cada um tem seu próprio31 gosto dos sentidos Com o belo passase de modo totalmente diverso Seria precisamente ao contrário ridículo que alguém que se gabasse de seu gosto pensasse justificarse com isto este objeto o edifício que vemos o traje que aquele veste o conceito que ouvimos o poema que é apresentado ao ajuizamento é para mim belo Pois ele não tem que denominálobelo se apraz meramente a ele Muita coisa pode ter atrativo e agrado para ele com isso ninguém se preocupa se ele porém toma algo por belo então atribui a outros precisamente a mesma complacência ele não julga simplesmente por si mas por qualquer um e nesse caso fala da beleza como se ela fosse uma propriedade das coisas Por isso ele diz a coisa é bela e não conta com o acordo unânime de outros em seu juízo de complacência porque ele a tenha considerado mais vezes em acordo com o seu juízo mas a exige deles Ele censuraos se julgam diversamente e negalhe o gosto todavia pretendendo que eles devam possuí lo e nessa medida não se pode dizer cada um possui seu gosto particular Isso equivaleria a dizer não existe absolutamente gosto algum isto é um juízo estético que pudesse legitimamente reivindicar o assentimento de qualquer um Contudo descobrese também a respeito do agradável que no seu ajuizamento pode ser encontrada unanimidade entre pessoas com vistas à qual se nega a alguns o gosto e a outros sêlo concede e na verdade não no significado de sentido orgânico mas de faculdade de ajuizamento com respeito ao agradável em geral Assim se diz de alguém que sabe entreter seus hóspedes com amenidades do gozo através de todos os sentidos de modo tal que apraz a todos que ele tem gosto Mas aqui a universalidade é tomada só comparativamente e então há somente regras gerais como o são todas as empíricas não universais como as que o juízo de gosto sobre o belo toma a seu encargo ou reivindica Tratase de um juízo em referência à sociabilidade na medida em que ela se baseia em regras empíricas Com respeito ao bom os juízos na verdade também reivindicam co razão validade para qualquer um todavia o bom é representado somente por um conceito como objeto de uma complacência universal o que não é o caso nem do agradável nem do belo 8 A universalidade da complacência é representada em um juízo de gosto somente como subjetiva Esta particular determinação da universalidade de um juízo estético que pode ser encontrada e um juízo de gosto é na verdade uma curiosidade não para o lógico mas sim para o filósofo transcendental ela desafia seu não pequeno esforço para descobrir a srcem da mesma mas em compensação desvela também uma propriedade de nossa faculdade de conhecimento a qual sem esse desmembramento teria ficado desconhecida Antes de tudo é preciso convencerse inteiramente de que pelo juízo de gosto sobre o belo imputase aqualquer um a complacência no objeto sem contudo se fundar sobre um conceito pois então se trataria do bom e que essa reivindicação de validade universal pertence tão essencialmente a um juízo pelo qual declaramos algobelo que sem pensar essa universalidade ninguém teria ideia de usar essa expressão mas tudo o que apraz sem conceito seria computado como agradável com respeito ao qual deixase a cada um seguir sua própria cabeça e nenhum presume do outro adesão a seu juízo de gosto o que entretanto sempre ocorre no juízo de gosto sobre a beleza Posso denominar o primeiro gosto dos sentidos o segundo de gosto da reflexão enquanto o primeiro profere meramente juízos privados o segundo por sua vez profere pretensos juízos comumente válidos públicos de ambos os lados porém juízos estéticos não práticos sobre um objeto simplesmente com respeito à relação de sua representação com o sentimento de prazer e desprazer Ora é contudo estranho que visto que a respeito do gosto dos sentidos não apenas a experiência mostra que seu juízo de prazer ou desprazer em algo qualquer não vale universalmente mas qualquer um também é por si tão despretensioso que precisamente não imputa a outros este acordo unânime se bem que efetiva e frequentemente se encontre uma unanimidade muito ampla também nesses juízos o gosto de reflexão que como o ensina a experiência também é bastante frequentemente rejeitado com sua reivindicação de validade universal de seu juízo sobre o belo para qualquer um não obstante possa considerar possível o que ele também faz efetivamente representarse juízos que pudessem exigir universalmente esse acordo unânime e de fato o presume para cada um de seus juízos de gosto sem que aqueles que julgam estejam em conflito quanto à possibilidade de uma tal reivindicação mas somente em casos particulares não podem unirse a propósito do emprego correto dessa faculdade Ora aqui se deve notar antes de tudo que uma universalidade que não se baseia em conceitos de objetos ainda que somente empíricos não é absolutamente lógica mas estética isto é não contém nenhuma quantidade objetiva do juízo mas somente uma subjetiva para a qual também utilizo a expressão validade comum Gemeingültigkeit a qual designa a validade não da referência de uma representação à faculdade de conhecimento mas ao sentimento de prazer e desprazer para cada sujeito A gente pode porém servirse também da mesma expressão para a quantidade lógica do uízo desde que acrescente validade universal objetiva à diferença da simplesmente subjetiva que é sempre estética Ora um juízo objetiva e universalmente válido também é sempre subjetivo isto é se o juízo vale para tudo o que está contido sob um conceito dado então ele vale também para qualquer um que represente um objeto através deste conceito Mas de umavalidade universal subjetiva isto é estética que não se baseie em nenhum conceito não se pode deduzir a validade universal lógica porque aquela espécie de juízo não remete absolutamente ao objeto Justamente por isso todavia a universalidade estética que é conferida a um juízo também tem que ser de índole peculiar porque ela32 não conecta o predicado da beleza ao conceito do objeto considerado em sua inteira esfera lógica33 e no entanto estende o mesmo sobre a esfera inteirados que julgam No que concerne à quantidade lógica todos os juízos de gosto são juízos singulares Pois porque tenho de ater o objeto imediatamente a meu sentimento de prazer e contudo não através de conceitos assim aqueles não podem ter a quantidade de um juízo objetiva e comumente válido 34 se bem que se a representação singular do objeto do juízo de gosto segundo as condições que determinam o último for por comparação convertida em um conceito um juízo lógico universal poderá resultar disso por exemplo a rosa que contemplo declaroa bela mediante um juízo de gosto Contrariamente o juízo que surge por comparação de vários singulares as rosas em geral são belas não é desde então enunciado simplesmente como estético mas como um juízo lógico fundado sobre um juízo estético Ora o juízo a rosa é de odor35 agradável na verdade é também um juízo estético e singular mas nenhum juízo de gosto e sim dos sentidos Ele distinguese do primeiro no fato de que o juízo de gosto traz consigo uma quantidade estéti ca da universalidade isto é da validade para qualquer um a qual não pode ser encontrada no juízo sobre o agradável Só e unicamente os juízos sobre o bom conquanto determinem também a complacência em um objeto possuem universalidade lógica não meramente estética pois eles valem sobre o objeto como conhecimento do mesmo e por isso para qualquer um Quando se julgam objetos simplesmente segundo conceitos toda a representação da beleza é perdida Logo não pode haver tampouco uma regra segundo a qual alguém devesse ser coagido a reconhecer algo como belo Se um vestido uma casa uma flor é bela disso a gente não deixa seu uízo persuadirse por nenhuma razão ou princípio A gente quer submeter o objeto aos seus próprios olhos como se sua complacência dependesse da sensação e contudo se a gente então chama o objeto de belo crê ter em seu favor uma voz universal e reivindica a adesão de qualquer um já que do contrário cada sensação privada decidiria só e unicamente para o observador e sua complacência Ora aqui se trata de ver que no juízo do gosto nada é postulado postuliert a não ser uma tal voz universal com vistas à complacência sem mediação dos conceitos por conseguinte a ossibilidade de um juízo estético que ao mesmo tempo possa ser considerado como válido para qualquer um O próprio juízo de gosto não postula o acordo unânime de qualquer um pois isso só pode fazêlo um juízo lógicouniversal porque ele pode alegar razões ele somente imputa es sinnt an a qualquer um esse acordo como um caso da regra com vistas ao qual espera a confirmação não de conceitos mas da adesão de outros A voz universal é portanto somente uma ideia em que ela se baseia não será ainda investigado aqui Que aquele que crê proferir um juízo de gosto de fato julgue conformemente a essa ideia pode ser incerto mas que ele contudo o refira a ela consequentemente que ele deva ser um juízo de gosto anunciao através da expressão beleza Por si próprio porém ele pode estar certo disso pela simples consciência da separação de tudo o que pertence ao agradável e ao bom da complacência que ainda lhe resta e isso é tudo para o qual ele se promete o assentimento de qualquer um uma pretensão para qual sob essas condições ele também estaria autorizado se ele não incorresse frequentemente em falta contra elas e por isso proferisse um juízo de gosto errôneo 9 Investigação da questão se no juízo de gosto o sentimento de prazer precede o ajuizamento do objeto ou se este ajuizamento precede o prazer A solução deste problema é a chave da crítica do gosto e por isso digna de toda a atenção Se o prazer no objeto dado fosse o antecedente e no juízo de gosto somente a comunicabilidade Mitteilbarkeit 36 universal do prazer devesse ser concedida à representação do objeto então um tal procedimento estaria em contradição consigo mesmo Pois tal prazer não seria nenhum outro que o simples agrado na sensação sensorial e por isso de acordo com sua natureza somente poderia ter validade privada porque dependeria imediatamente da representação pela qual o objeto é dado Logo é a universal capacidade de comunicação do estado de ânimo na representação dada que como condição subjetiva do juízo de gosto têm de jazer como fundamento do mesmo e ter como consequência o prazer no objeto Nada porém pode ser comunicado universalmente a não ser conhecimento e representação na medida em que ela pertence ao conhecimento Pois só e unicamente nessa medida a última é objetiva e só assim tem um ponto de referência universal com o qual a faculdade de representação de todos é coagida a concordar Ora se o fundamento determinante do uízo sobre essa comunicabilidade universal da representação deve ser pensado apenas subjetivamente ou seja sem um conceito do objeto então ele não pode ser nenhum outro senão o estado de ânimo que é encontrado na relação recíproca das faculdades de representação na medida em que elas referem uma representação dada aoconhecimento em geral Explicação do belo inferida do segundo momento Belo é o que apraz universalmente sem conceito Terceiro momento do juízo de gosto segundo a relação dos fins que nele é considerada 10 Da conformidade a fins em geral Se quisermos explicar o que seja um fim segundo suas determinações transcendentais se pressupor algo empírico como é o caso do sentimento de prazer então fim é o objeto de um conceito na medida em que este for considerado como a causa daquele o fundamento real de sua possibilidade e a causalidade de um conceito com respeito a seu objeto é a conformidade a fins forma finalis Onde pois não é porventura pensado simplesmente o conhecimento de um objeto mas o próprio objeto a forma ou existência do mesmo como efeito enquanto possível somente mediante um conceito do último aí se pensa um fim A representação do efeito é aqui o fundamento determinante de sua causa e precedea A consciência da causalidade de uma representação com vistas ao estado do sujeito para conservar a este nesse estado pode aqui de modo geral designar aquilo que se chama prazer contrariamente desprazer é aquela representação que possui o fundamento para determinar o estado das representações ao seu próprio oposto para impedilas ou eliminálas37 A faculdade da apetição na medida em que é determinável somente por conceitos isto é a agir conformemente à representação de um fim seria a vontade Conforme a um fim porém chamase u objeto ou um estado de ânimo ou também uma ação ainda que sua possibilidade não pressuponha necessariamente a representação de um fim simplesmente porque sua possibilidade somente pode ser explicada ou concebida por nós na medida em que admitimos como fundamento da mesma uma causalidade segundo fins isto é uma vontade que a tivesse ordenado desse modo segundo a representação de uma certa regra A conformidade a fins pode pois ser sem fim na medida em que não pomos as causas dessa forma em uma vontade e contudo somente podemos tornar compreensível a nós a explicação de sua possibilidade enquanto a deduzimos de uma vontade Ora não temos sempre necessidade de descortinar pela razão38 segundo a sua possibilidade aquilo que observamos Logo podemos pelo menos observar uma conformidade a fins segundo a forma mesmo que não lhe ponhamos como fundamento um fim como matéria do nexus finalis e notála em objetos embora de nenhum outro modo senão por reflexão 11 O juízo de gosto não tem por fundamento senão a forma da conformidadea fins de um objeto ou do seu modo de representação Todo fim se é considerado como fundamento da complacência comporta sempre um interesse como fundamento de determinação do juízo sobre o objeto do prazer Logo não pode haver nenhum fim subjetivo como fundamento do juízo de gosto Mas também nenhuma representação de um fi objetivo isto é da possibilidade do próprio objeto segundo princípios da ligação a fins por conseguinte nenhum conceito de bom pode determinar o juízo de gosto porque ele é um juízo estético e não um juízo de conhecimento o qual pois não concerne a nenhumconceito da natureza e da possibilidade interna ou externa do objeto através desta ou daquela causa mas simplesmente à relação das faculdades de representação entre si na medida em que elas são determinadas por uma representação Ora é esta relação na determinação de um objeto como um objeto belo ligado ao sentimento de prazer que é ao mesmo tempo declarado pelo juízo de gosto como válida para todos consequentemente nem uma amenidade que acompanha a representação nem a representação 39 da perfeição do objeto e o conceito de bom podem conter esse fundamento de determinação Logo nenhuma outra coisa senão a conformidade a fins subjetiva na representação de um objeto sem qualquer fim objetivo ou subjetivo consequentemente a simples forma da conformidade a fins na representação pela qual um objeto nos é dado pode na medida em que somos conscientes dela constituir a complacência que julgamos como comunicável universalmente sem conceito por conseguinte o fundamento determinante do juízo de gosto Explicação do belo deduzida deste terceiro momento Beleza é a forma da conformidade a fins de um objeto na medida em que ela é percebida nele sem representação de um fim40 Quarto momento do juízo de gosto segundo a modalidade da complacência no objeto41 18 O que é a modalidade de um juízo de gosto De cada representação posso dizer que é pelo menos possível que ela como conhecimento seja ligada a um prazer Daquilo que denominoagradável digo que ele efetivamente produz prazer em mim Dobelo porém se pensa que ele tenha uma referêncianecessária à complacência Ora essa necessidade é de uma modalidade peculiar ela não é uma necessidade objetiva teórica na qual pode ser conhecido a priori que qualquer um sentirá essa complacência no objeto que denomino belo nem será uma necessidade prática na qual através de conceitos de uma vontade racional pura que serve de regra a entes que agem livremente esta complacência é a consequência necessária de uma lei objetiva e não significa senão que simplesmente sem intenção ulterior se deve agir de um certo modo Mas como necessidade que é pensada em um juízo estético ela só pode ser denominada exemplar isto é uma necessidade de assentimento de todos a um juízo que é considerado como exemplo de uma regra universal que não se pode indicar Visto que um juízo estético não é nenhum juízo objetivo e de conhecimento essa necessidade não pode ser deduzida de conceitos determinados e não é pois apodíctica Muito menos pode ela ser inferida da generalidade da experiência de um a unanimidade geral dos juízos sobre a beleza de um certo objeto Pois não só pelo fato de que a experiência dificilmente conseguiria documentos suficientemente numerosos nenhum conceito de necessidade pode fundamentarse sobre juízos empíricos 19 A necessidade subjetiva que atribuímos ao juízo de gosto é condicionada O juízo de gosto imputa o assentimento a qualquer um e quem declara algo belo quer que qualquer umdeva aprovar o objeto em apreço e igualmente declarálo belo O dever no juízo estético segundo todos os dados que são requeridos para o ajuizamento é portanto ele mesmo expresso só condicionadamente Procurase ganhar o assentimento de cada um porque se tem para isso um fundamento que é comum a todos com esse assentimento 42 também se poderia contar se apenas se estivesse sempre seguro de que o caso seria subsumido corretamente sob aquele fundamento como regra da aprovação 20 A condição da necessidade que um juízo de gosto pretende é a idéia de um sentido comum Se juízos de gosto identicamente aos juízos de conhecimento tivessem um princípio objetivo determinado então aquele que os profere segundo esses princípios reivindicaria necessidade incondicionada de seu juízo Se eles fossem desprovidos de todo princípio como os do simples gosto dos sentidos então ninguém absolutamente teria a ideia de alguma necessidade dos mesmos Logo eles têm que possuir um princípio subjetivo o qual determine somente através de sentimento e não de conceitos e contudo de modo universalmente válido o que apraz ou desapraz Um tal princípio porém somente poderia ser considerado como um sentido comum o qual é essencialmente distinto do entendimento comum que às vezes também se chama senso comum sensus communis nesse caso ele não julga segundo o sentimento mas sempre segundo conceitos se bem que habitualmente somente ao modo de princípios obscuramente representados Portanto somente sob a pressuposição de que exista um sentido comum pelo qual porém não entendemos nenhum sentido externo mas o efeito decorrente do jogo livre de nossas faculdades de conhecimento somente sob a pressuposição digo eu de um tal sentido comum o juízo de gosto pode ser proferido 21 Se se pode com razão pressupor um sentido comum Conhecimentos e juízos juntamente com a convicção que os acompanha têm que poder comunicarse universalmente pois do contrário eles não alcançariam nenhuma concordância com o objeto eles seriam em suma um jogo simplesmente subjetivo das faculdades de representação precisamente como o ceticismo o reclama Se porém conhecimentos devem poder comunicarse então também o estado de ânimo isto é a disposição das faculdades de conhecimento para um conhecimento em geral e na verdade aquela proporção que se presta a uma representação pela qual um objeto nos é dado para fazêla um conhecimento tem que poder comunicarse universalmente porque sem essa condição subjetiva do conhecer o conhecimento como efeito não poderia surgir Isso também acontece efetivamente sempre que um objeto dado leva através dos sentidos a faculdade da imaginação à composição do múltiplo e esta por sua vez põe em movimento o entendimento para unidade do mesmo 43 em conceitos Mas essa disposição das faculdades de conhecimento tem uma proporção diversa de acordo com a diversidade dos objetos que são dados Todavia tem que haver uma proporção na qual essa relação interna para a vivificação de uma pela outra é a mais propícia para ambas as faculdades do ânimo com vistas ao conhecimento de objetos dados em geral e esta disposição não pode ser determinada de outro modo senão pelo sentimento não segundo conceitos Ora visto que essa própria disposição tem que poder comunicarse universalmente e por conseguinte também o sentimento da mesma em uma representação dada mas visto que a comunicabilidade universal de um sentimento pressupõe um sentido comum assim este poderá ser admitido com razão e na verdade sem nesse caso se apoiar em observações psicológicas mas como a condição necessária da comunicabilidade universal de nosso conhecimento a qual tem que44 ser pressuposta em toda lógica e em todo princípio dos conhecimentos que não seja cético 22 A necessidade do assentimento universal que é pensada em um juízo de gosto é uma necessidade subjetiva que sob a pressuposição de um sentido comum é representada como objetiva Em todos os juízos pelos quais declaramos algo belo não permitimos a ninguém ser de outra opinião sem com isso fundarmos nosso juízo sobre conceitos mas somente sobre nosso sentimento o qual pois colocamos a fundamento não como sentimento privado mas como um sentimento comunitário gemeinschaftliches Ora esse sentido comum não pode para esse fim ser fundado sobre a experiência pois ele quer dar direito a juízos que contêm um dever ele não diz que qualquer um irá concordar com nosso juízo mas que deve concordar com ele Logo o sentido comum de cujo juízo indico aqui o meu juízo de gosto como um exemplo e por cujo motivo eu lhe confiro validade exemplar é uma simples norma ideal sob cuja pressuposição poderseia com direito tomar um juízo que com ela concorde e uma complacência em um objeto expressa no mesmo como regra para qualquer um porque o princípio na verdade admitido só subjetivamente mas contudo como subjetivouniversal uma ideia necessária para qualquer um poderia no que concerne à unanimidade de julgantes diversos identicamente a um princípio objetivo exigir assentimento universal contanto que apenas se estivesse seguro de ter feito a subsunção correta Essa norma indeterminada de um sentido comum é efetivamente pressuposta por nós o que prova nossa presunção de proferir juízos de gosto Se de fato existe um tal sentido comum como princípio constitutivo da possibilidade da experiência ou se um princípio ainda superior da razão nolo torne somente princípio regulativo antes de tudo para produzir em nós um sentido comum para fins superiores se portanto o gosto é uma faculdade srcinal e natural ou somente a ideia de uma faculdade fictícia e a ser ainda adquirida de modo que um juízo de gosto com sua pretensão a um assentimento universal de fato seja somente uma exigência da razão de produzir uma tal unanimidade do modo de sentir e que o dever isto é a necessidade objetiva da confluência do sentimento de qualquer um com o sentimento particular de cada um signifique somente a possibilidade dessa unanimidade e o juízo de gosto forneça um exemplo somente de aplicação deste princípio aqui não queremos e não podemos ainda investigar isso por ora cabenos somente decompor a faculdade do gosto em seus elementos e45 unila finalmente na ideia de um sentido comum Explicação do belo inferida do quarto momento Belo é o que é conhecido sem conceito como objeto de uma complacêncianecessária 24 Da divisão de uma investigação do sentimento do sublime No que concerne à divisão dos momentos do ajuizamento estético dos objetos em referência ao sentimento do sublime a Analítica poderá seguir o mesmo princípio ocorrido na análise dos juízos de gosto Pois enquanto juízo da faculdade de juízo estéticoreflexiva a complacência no sublime tanto como no belo tem que representar 46 segundo aquantidade de modo universalmente válido segundo aqualidade sem interesse e tem que representar segundo arelação uma conformidade a fins subjetiva e segundo amodalidade essa última como necessária Nisso portanto o método não diferirá do método da seção anterior pois terseia que tomar em conta o fato de que lá onde o juízo estético concernia à forma do objeto começamos da investigação da qualidade aqui porém no caso da ausência de forma que pode convir ao que denominamos sublime começaremos da quantidade como o primeiro momento do juízo estético sobre o sublime a razão desse procedimento pode ser deduzida do parágrafo precedente47 Mas a análise do sublime necessita de uma divisão da qual a análise do belo não carece a saber em matemáticosublime e emdinâmicosublime Pois visto que o sentimento do sublime comporta como característica própria ummovimento do ânimo ligado ao ajuizamento do objeto ao passo que o gosto no belo pressupõe e mantém o ânimo em serena contemplação mas visto que esse movimento deve ser ajuizado como subjetivamente conforme a fins porque o sublime apraz assim ele é referido pela faculdade da imaginação ou à aculdade do conhecimento ou à faculdade da apetição mas em ambos os casos a conformidade a fins da representação dada é ajuizada somente com vistas a estas faculdade sem fim ou interesse nesse caso então a primeira é atribuída ao objeto como disposição matemática a segunda como disposição dinâmica da faculdade da imaginação e por conseguinte esse objeto é representado como sublime dos dois modos mencionados A DO MATEMÁTICOSUBLIME A DO MATEMÁTICOSUBLIME 25 Definição nominal do sublime Denominamos sublime o que é absolutamente grande Mas grande e grandeza48 são conceitos totalmente distintos magnitudo e quantitas Do mesmo mododizer simplesmente simpliciter que algo é grande é totalmente diverso de dizer que ele seja absolutamente grande absolute non comparative magnum O último é o que é grande acima de toda comparação Que significa então a expressão algo é grande ou pequeno ou médio Não é um conceito puro do entendimento que é denotado através dela49 menos ainda uma intuição dos sentidos e tampouco um conceito da razão porque não comporta absolutamente nenhum princípio do conhecimento Logo tem de tratarse de u conceito da faculdade do juízo ou derivar de um tal conceito e pôr como fundamento uma conformidade a fins subjetiva da representação em referência à faculdade do juízo Que algo seja uma grandeza quantum podese reconhecer desde a própria coisa sem nenhuma comparação com outras a saber quando a pluralidade do homogêneo tomado em conjunto constitui uma unidade Quão grande porém o seja requer sempre para sua medida algo diverso que também seja uma grandeza Visto porém que no ajuizamento da grandeza não se trata simplesmente da pluralidade número mas também da grandeza da unidade da medida e a grandeza desta última sempre precisa por sua vez de algo diverso como medida com a qual ela possa ser comparada assim vemos que toda determinação de grandeza dos fenômenos simplesmente não pode fornecer nenhum conceito absoluto de uma grandeza mas sempre somente um conceito de comparação Ora se eu digo simplesmente que algo seja grande então parece que eu absolutamente não tenho em vista nenhuma comparação pelo menos com alguma medida objetiva porque desse modo não é absolutamente determinado quão grande o objeto seja Mas se bem que o padrão de medida da comparação seja meramente subjetivo o juízo nem por isso reclama assentimento 50 universal os uízos o homem é belo e ele é grande não se restringem meramente ao sujeito que julga mas reivindicam como os juízos teóricos o assentimento de qualquer um Mas porque em um juízo pelo qual algo é denotado simplesmente como grande não se quer meramente dizer que o objeto tenha uma grandeza e sim que esta ao mesmo tempo lhe é atribuída de preferência a muitas outras da mesma espécie sem contudo indicar determinadamente essa preferência assim certamente é posto como fundamento da mesma um padrão de medida que se pressupõe poder admitir como o mesmo para qualquer um que porém não é utilizável para nenhum ajuizamento lógico matematicamente determinado mas somente estético da grandeza porque ele é um padrão de medida que se encontra só subjetivamente à base do juízo reflexivo sobre grandeza Ele pode aliás ser empírico como por assim dizer a grandeza média dos a nós conhecidos homens animais de certa espécie árvores casas montes etc ou um padrão de medida dado a priori que pelas deficiências do sujeito ajuizante51 é limitado a condições subjetivas da apresentação in concreto como no prático a grandeza de uma certa virtude ou da liberdade e justiça públicas em um país ou no teórico a grandeza da correção ou incorreção de uma observação ou mensuração feita etc Ora é aqui digno de nota que conquanto não tenhamos absolutamente nenhum interesse no objeto isto é a existência do mesmo énos indiferente todavia a simples grandeza do mesmo até quando ele é observado como sem forma possa comportar uma complacência que é comunicável universalmente por conseguinte contém consciência de uma conformidade a fins subjetiva no uso de nossa faculdade de conhecimento mas não por assim dizer uma complacência no objeto como no belo porque ele pode ser sem forma em cujo caso a faculdade de juízo reflexiva encontrase disposta conformemente a fins em referência ao conhecimento em geral e sim na ampliação da faculdade da imaginação em si mesma Se sob a limitação mencionada acima dizemos simplesmente de um objeto que ele é grande então este não é nenhum juízo matematicamente determinante mas um simples juízo de reflexão sobre sua representação que é subjetivamente conforme aos fins de um certo uso de nossas faculdades de conhecimento na apreciação da grandeza e nós então ligamos sempre à representação uma espécie de respeito assim como a denominamos simplesmente pequeno um desrespeito Aliás o ajuizamento das coisas como grandes ou pequenas concerne a tudo mesmo a todas as propriedades das coisas por isso nós próprios denominamos a beleza grande ou pequena a razão disso deve ser procurada no fato de que o que quer que segundo a prescrição da faculdade do juízo possamos apresentar na intuição por conseguinte representar esteticamente é em suma fenômeno por conseguinte também umquantum Se porém denominamos algo não somente grande mas simplesmente absolutamente e em todos os sentidos acima de toda a comparação grande isto é sublime então se tem a imediata perspiciência de que não permitimos procurar para o mesmo nenhum padrão de medida adequado a ele fora dele mas simplesmente nele Tratase de uma grandeza que é igual simplesmente a si mesma Disso seguese portanto que o sublime não deve ser procurado nas coisas da natureza mas unicamente em nossas ideias em quais delas porém ele se situa é algo que tem que ser reservado para a dedução A definição acima também pode ser expressa assim sublime é aquilo em comparação com o qual tudo o mais é pequeno Aqui se vê facilmente que na natureza nada pode ser dado por grande que ele também seja ajuizado por nós que considerado em uma outra relação não pudesse ser degradado até o infinitamente pequeno e inversamente nada tão pequeno que em comparação com padrões de medida ainda menores não se deixasse ampliar para a nossa faculdade de imaginação até uma grandeza cósmica Os telescópios forneceramnos rico material para fazer a primeira observação os microscópios para fazermos a última Nada portanto que pode ser objeto dos sentidos visto sobre essa base deve denominarse sublime Mas precisamente pelo fato de que e nossa faculdade da imaginação encontrase uma aspiração ao progresso até o infinito e em nossa razão porém uma pretensão à totalidade absoluta como a uma ideia real mesmo aquela inadequação a esta ideia de nossa faculdade de avaliação da grandeza das coisas do mundo dos sentidos desperta o sentimento de uma faculdade suprassensível em nós e o que é absolutamente grande não é porém o objeto dos sentidos e sim o uso que a faculdade do juízo naturalmente faz de certos objetos para o fim daquele sentimento com respeito ao qual todavia todo outro uso é pequeno Por conseguinte o que deve denominarse sublime não é o objeto e sim a disposição de espírito através de uma certa representação que ocupa a faculdade de juízo reflexiva Podemos pois acrescentar às fórmulas precedentes de definição do sublime ainda esta sublime é o que somente pelo fato de poder também pensálo prova uma faculdade do ânimo que ultrapassa todo padrão de medida dos sentidos 26 Da avaliação das grandezas das coisas da natureza que é requerida para a idéia do sublime A avaliação das grandezas através de conceitos numéricos ou seus sinais na álgebra é matemática mas a sua avaliação na simples intuição segundo a medida ocular é estética Ora na verdade somente52 através de números podemos obter determinados conceitos de quão grande seja algo quando muito aproximações através de séries numéricas prosseguindo até o infinito cuja unidade é a medida e desse modo toda avaliação de grandezas lógica é matemática Todavia visto que a grandeza da medida tem que ser admitida como conhecida assim se esta agora tivesse que ser avaliada de novo somente por números cuja unidade tivesse que ser uma outra medida por conseguinte devesse ser avaliada matematicamente jamais poderíamos ter uma medida primeira ou fundamental por conseguinte tampouco algum conceito determinado de uma grandeza dada Logo a avaliação da grandeza da medida fundamental tem que consistir simplesmente no fato de que se pode captála imediatamente em uma intuição e utilizála pela faculdade da imaginação para a apresentação dos conceitos numéricos isto é toda avaliação das grandezas dos objetos da natureza é por fim estética isto é determinada subjetivamente e não objetivamente Ora para a avaliação matemática das grandezas na verdade não existe nenhum máximo pois o poder dos números vai até o infinito mas para a avaliação estética das grandezas certamente existe um máximo e acerca deste digo que se ele é ajuizado como medida absoluta acima da qual não é subjetivamente ao sujeito ajuizador possível medida maior então ele comporta a ideia do sublime e produz aquela comoção que nenhuma avaliação matemática das grandezas pode efetuar através de números a não ser que e enquanto aquela medidafundamental estética presente à faculdade da imaginação seja mantida viva porque a última sempre apresenta somente a grandeza relativa por comparação com outras da mesma espécie a primeira porém a grandeza simplesmente na medida em que o ânimo pode captála em uma intuição Admitir intuitivamente umquantum na faculdade da imaginação para poder utilizálo como medida ou como unidade para a avaliação da grandeza por números implica duas ações dessa faculdade Apreensão53 apprehensio e compreensão comprehensio aesthetica Com a apreensão isso não é difícil pois com ela podese ir até o infinito mas a compreensão tornase sempre mais difícil quanto mais a apreensão avança e atinge logo o seu máximo a saber a medida fundamental esteticamentemáxima da avaliação das grandezas B DO B DO DINÂM DINÂMICOSUBLIME DA NATUREZ ICOSUBLIME DA NATUREZAA 28 Da natureza como um poder Poder Macht é uma faculdade que se sobrepõe a grandes obstáculos Esta chamase força Gewalt quando se sobrepõe também à resistência daquilo que possui ele próprio poder A natureza considerada no juízo estético como poder que não possui nenhuma força sobre nós é dinamicamentesublime Se a natureza deve ser julgada por nós dinamicamente como sublime então ela tem que ser representada como suscitando medo embora inversamente nem todo objeto que suscita medo seja considerado sublime em nosso juízo estético Pois no ajuizamento estético sem conceito a superioridade sobre obstáculos pode ser ajuizada somente segundo a grandeza da resistência Ora bem aquilo ao qual nos esforçamos por resistir é um mal e se não consideramos nossa faculdade à altura dele é um objeto de medo Portanto para a faculdade de juízo estética a natureza somente pode valer como poder por conseguinte como dinamicamentesublime na medida em que ela é considerada como objeto de medo Podese porém considerar um objeto como temível sem se temerdiante dele a saber quando o ajuizamos imaginando simplesmente o caso em que porventura quiséssemos oporlhe resistência e em tal caso toda resistência seria de longe vã Assim o virtuoso teme a Deus sem temer a si diante dele porque querer resistir a Deus e a seus mandamentos não é um caso que ele imagine preocupálo mas em cada um desses casos que ele não imagina como em si impossível ele reconheceO como terrível Quem teme a si não pode absolutamente julgar sobre o sublime da natureza tampouco sobre o belo quem é tomado de inclinação e apetite Aquele foge da contemplação de um objeto que lhe incute medo e é impossível encontrar complacência em um terror que fosse tomado a sério Por isso o agrado resultante da cessação de uma situação é contentamento Este porém devido à libertação de um perigo é um contentamento com o propósito de jamais exporse de novo a ele antes não se gosta de recordarse uma vez sequer daquela sensação quanto mais de procurar a ocasião para tanto Rochedos audazes sobressaindose por assim dizer ameaçadores nuvens carregadas acumulandose no céu avançando com relâmpagos e estampidos vulcões em sua inteira força destruidora furacões com a devastação deixada para trás o ilimitado oceano revolto uma alta quedadágua de um rio poderoso etc tornam a nossa capacidade de resistência de uma pequenez insignificante em comparação como seu poder Mas o seu espetáculo só se torna tanto mais atraente quanto mais terrível ele é contanto que somente nos encontremos em segurança e de bom grado denominamos esses objetos sublimes porque eles elevam a fortaleza da alma acima de seu nível médio e permitem descobrir em nós uma faculdade de resistência de espécie totalmente diversa a qual nos encoraja a medirnos com a aparente onipotência da natureza Pois assim como na verdade encontramos a nossa própria limitação na incomensurabilidade da natureza e na insuficiência da nossa faculdade para tomar um padrão de medida proporcionado à avaliação estética da grandeza de seu domínio e contudo também ao mesmo tempo encontramos em nossa faculdade da razão um outro padrão de medida não sensível que tem sob si como unidade aquela própria infinitude e em confronto como qual tudo na natureza é pequeno por conseguinte encontramos em nosso ânimo uma superioridade sobre a própria natureza em sua incomensurabilidade assim também o caráter irresistível de sue poder dános a conhecer a nós considerados como antes da natureza a nossa impotência física54 mas descobre ao mesmo tempo uma faculdade de ajuizarnos como independentes dela e uma superioridade sobre a natureza sobre a qual se funda uma autoconservação de espécie totalmente diversa daquela que pode ser atacada e posta em perigo pela natureza fora de nós com o que a humanidade em nossa pessoa não fica rebaixada mesmo que o homem tivesse que sucumbir àquela força Dessa maneira a natureza não é ajuizada como sublime em nosso juízo estético enquanto provocadora de medo porque ela convoca a nossa força que não é natureza para considerar como pequeno aquilo pelo qual estamos preocupados bens saúde e vida e por isso contudo não considerar seu poder ao qual sem dúvida estamos submetidos com respeito a essas coisas absolutamente como uma tal 55 força para nós e nossa personalidade e sob a qual tivéssemos que nos curvar quando se tratasse dos nossos mais altos princípios e da sua afirmação ou seu abandono Portanto a natureza aqui chamase sublime simplesmente porque ela eleva a faculdade da imaginação à apresentação daqueles casos nos quais o ânimo pode tornar capaz de ser sentida a sublimidade própria da sua destinação mesmo acima da natureza Esta autoestima não perde nada pelo fato de que temos de sentirnos seguros para poder sentir essa complacência entusiasmante por conseguinte o fato de o perigo não ser tomado a sério não implica que como poderia parecer tampouco se tomaria a sério a sublimidade de nossa faculdade espiritual Pois a complacência concerne aqui somente à destinação de nossa faculdade que se descobre em tal caso do modo como a disposição a esta encontrase em nossa natureza enquanto o desenvolvimento e o exercício dessa faculdade são confiados a nós e permanecem56 obrigação nossa E isso é verdadeiro por mais que o homem quando estende sua reflexão até aí possa ser consciente de uma efetiva impotência atual Esse princípio na verdade parece ser demasiadamente pouco convincente e demasiadamente racionalizado por conseguinte exagerado para um juízo estético todavia a observação do homem prova o contrário e que ele pode jazer como fundamento dos ajuizamentos mais comuns embora não se seja sempre consciente do mesmo Pois que é isso que mesmo para o selvagem é um objeto da máxima admiração Um homem que não se apavora que não teme a si portanto que não cede ao perigo mas ao mesmo tempo procede energicamente com inteira reflexão Até no estado maximamente civilizado prevalece esse apreço superior pelo guerreiro só que ainda se exige além disso que ele ao mesmo tempo comprove possuir todas as virtudes da paz mansidão compaixão e mesmo o devido cuidado por sua própria pessoa justamente porque nisso é conhecida a invencibilidade de seu ânimo pelo perigo Por isso se pode ainda polemizar tanto quanto se queira na comparação do estadista com o general sobre a superioridade do respeito que um merece sobre o outro o juízo estético decide em favor do último Mesmo a guerra se é conduzida com ordem e co sagrado respeito pelos direitos civis tem em si algo de sublime e ao mesmo tempo torna a maneira de pensar do povo que a conduz assim tanto mais sublime quanto mais numerosos eram os perigos a que ele estava exposto e sob os quais tenha podido afirmarse valentemente já que contrariamente uma paz longa encarregase de fazer prevalecer o mero espírito de comércio57 com ele porém o baixo interesse pessoal a covardia e moleza e de humilhar a maneira de pensar do povo Parece conflitar com essa análise do conceito de sublime na medida em que este é atribuído ao poder o fato de que nas intempéries na tempestade no terremoto etc costumamos representar Deus em estado de cólera mas também como se apresentando em sua sublimidade no que contudo a imaginação de uma superioridade de nosso ânimo sobre os efeitos e como parece até sobre as intenções de um tal poder seria tolice e ultraje ao mesmo tempo Aqui parece que nenhum sentimento da sublimidade de nossa própria natureza mas muito mais submissão anulação e sentimento de total impotência constitua a disposição de ânimo que convém ao fenômeno de um tal objeto e também costumeiramente trata de estar ligada à ideia do mesmo em semelhante evento da natureza Na religião em geral parece que o prostrarse a adoração com a cabeça inclinada com gestos e vozes contritos cheios de temor sejam o único comportamento conveniente em presença da divindade que por isso também a maioria dos povos adotou e ainda observa Todavia tampouco essa disposição de ânimo nem de longe está em si e necessariamente ligada àideia da sublimidade de uma religião e de seu objeto O homem que efetivamente teme a si porque ele encontra em si razão para tal enquanto é autoconsciente de com sua condenável atitude faltar a um poder cuja vontade é irresistível e ao mesmo tempo justa não se encontra absolutamente na postura de ânimo para admirar a grandeza divina para a qual são requeridos uma disposição à calma contemplação e um juízo totalmente livre58 Somente quando ele é autoconsciente de sua atitude sincera e agradável a Deus aquele efeitos do poder servem para despertar nele a ideia da sublimidade deste ente na medida em que ele reconhece em si próprio uma sublimidade de atitude conforme àquela vontade e deste modo é elevado acima do medo face a tais efeitos da natureza que ele não considera como expressões de sua cólera Mesmo a humildade como ajuizamento não conveniente de suas falhas que do contrário na consciência de atitudes boas facilmente poderiam ser encobertas com a fragilidade da natureza humana é uma disposiçãodeânimo sublime de submissão espontânea à dor da autorrepreensão para eliminar pouco a pouco sua causa Unicamente deste modo a religião distinguese internamente da superstição a qual não funda no ânimo a veneração pelo sublime mas o medo e a angústia diante do ente todopoderoso a cuja vontade o homem aterrorizado vêse submetido sem contudo a apreciar muito do que pois certamente não pode surgir nada senão granjeamento de favor e de simpatia ao invés de uma religião da vida reta Portanto a sublimidade não está contida em nenhuma coisa da natureza mas só em nosso ânimo na medida em que podemos ser conscientes de ser superiores à natureza em nós e através disso também à natureza fora de nós na medida em que ela influi sobre nós Tudo que suscita esse sentimento em nós a que pertence o poder da natureza que desafia nossas forças chamase então conquanto impropriamente sublime e somente sob a pressuposição desta ideia em nós e em referência a ela somos capazes de chegar à ideia da sublimidade daquele ente que provoca respeito interno em nós não simplesmente através de seu poder que ele demonstra na natureza mas ainda mais através da faculdade que se situa em nós de ajuizar sem medo esse poder e pensar nossa destinação como sublime para além dele 29 Da modalidade do juízo sobre o sublime da natureza Há inúmeras coisas da bela natureza sobre as quais podemos imputar unanimidade de juízo com o nosso e também sem errar muito podemos esperála diretamente de qualquer um mas com nossos uízos sobre o sublime na natureza não podemos iludirnos tão facilmente sobre a adesão de outros Pois parece exigível uma cultura de longe mais vasta não só da faculdade de juízo estética mas também da faculdade do conhecimento que se encontram à sua base para poder proferir um juízo sobre essa excelência dos objetos da natureza A disposição de ânimo para o sentimento do sublime exige uma receptividade do mesmo para ideias pois precisamente na inadequação da natureza às últimas por conseguinte só sob a pressuposição das mesmas e do esforço da faculdade da imaginação em tratar a natureza como um esquema para as ideias consiste o terrificante para a sensibilidade o qual contudo é ao mesmo tempo atraente porque ele é uma violência que a razão exerce sobre a faculdade da imaginação somente para ampliála convenientemente para o seu domínio próprio o prático e propiciarlhe uma perspectiva para o infinito que para ela é um abismo Na verdade aquilo que nós preparados pela cultura chamados sublime sem desenvolvimento de ideias morais apresentarseá ao homem inculto simplesmente de um modo terrificante Ele verá nas demonstrações de violência da natureza em sua destruição e na grande medida de seu poder contra o qual o seu é anulado puro sofrimento perigo e privação que envolveria o homem que fosse banido para lá Assim o bom camponês savoiano aliás dotado de bom senso como narra o Sr de Saussure59 sem hesitar chamava de loucos todos os amantes das geleiras Quem sabe também se ele desse modo absolutamente não teria tido razão se aquele observador tivesse assumido os perigos aos quais se expunha simplesmente como o costuma a maioria dos viajantes por capricho ou para algum dia poder fornecer descrições patéticas a respeito Sua intenção com isso era porém instruir os homens e esse homem excelente tinha as sensações que transportam a alma e além disso as oferecia aos leitores de suas viagens 25 A definição do gosto posta aqui a fundamento é de que ele é a faculdade de ajuizamento Beurteilung do belo O que porém é requerido para denominar um objeto belo tem que a análise dos juízos de gosto descobrilo Investiguei os momentos aos quais essa faculdade do juízo em sua reflexão presta atenção segundo orientação das funções lógicas para julgar pois no juízo de gosto está sempre contida ainda uma referência ao entendimento Tomei em consideração primeiro os da qualidade porque o juízo sobre o belo encara estes em primeiro lugar K A tradução de Urteil por juízo e Beurteilung por ajuizamento outros traduziramno por julgamento teve em vista marcar mais uma diferença terminológica do que conceitual não explicada em Kant A diferença de sentido entre ambos os termos foi modernamente elaborada por W Windelband Präludien 1884 p 52 e segs para quemUrteil expressa a união de dois conteúdos representacionais e Beurteilung a relação da consciência ajuizante com o objeto representado não ampliando o conhecimento mas expressando aprovação ou desaprovação NT 26 Kant adota o termoGemüt do qual fornece em ocasiões diversas equivalentes latinos animus e mens para designar o todo das faculdades de sentir apetecer e pensar cf tbCFJ LVII e jamais só unilateralmente com se faz depois dele a unidade do sentiment equivalente a Herz e timós Ele adotaGemüt preferencialmente aSeele anima pela sua neutralidade face ao sentido metafísico desta última cfÜber das Organ der Seele A83 A tradução desse termo por Animo e não por mente oferece a vantagem de não o reduzir por outro lado nem às faculdades cognitivas nem à atual philosophy of mind entendida como filosofia analítica do espírito Em muitas traduções e principalmente entre os franceses prevalece a tendência a confundirGemüt ânimo faculdade geral transcendental comGeist espírito faculdade estética produtiva eSeele alma substância metafísica cfCFJ 49 Segundo Kant próprio esprit francês situase mais do ladoGeschmack gosto enquantoGeist situase mais do lado do gênio cf Reflexões 930 e 944 v XV O termo ânimo que em português tem menor tradição em seu sentido especializado tendendo a confundirse com disposição e coragem Mut tem também o sentido de vida seu sentido estético Originalmente em latim cf o dicionário latimalemão Georges ele teve o mesmo sentido de complexo de faculdades do Gemüt o qual contudo o termo alemão expressa melhor muot no ahd antigo alto alemão significou já faculdade do pensar querer e sentir o prefixo ge é por sua vez uma partícula integradora que remete às partes de um todo daí que gemüte tenha tomado nomhd médio alto alemão esse sentido srcinário de totalidade das faculdades cf o dicionário Wahrig A perplexidade causada pelo abuso do sentido desse termo já denunciado por Goethe devese em grande parte ao fato de o próprio Kant pouco ter se preocupado em aclarálo NT 27 C Ele é sempre estético 28 Sobre a tradução de Wohlgefallen por complacência veja no próprio KantCFJ 5 B 15 Komplazenz e Anthropologie 69 Acad 244 Der Geschmack enthält eine Empfänglichkeit durch diese Mitteilung selbst mit Lust affiziert einWohlgeffallen complacentiadaran gemeinschaftlich mit anderen gesellschaftlich zu empfinden o gosto contém uma receptividade afetada por prazer mediante essa própria comunicação de ter em sociedade a sensação de uma complacência complacentia comunitariamente com outros Na Reflexão 1030 Acad XV Kant escreve Iudicium per complacentiam et displacentiam est diudicatio Beurteilung No sentido de comprazer do latimcomplacere cum alio placere a tradução proposta expressa o pensamento srcinal de Kant não obstante o seu difundido sentido pejorativo em português Cf também A Nascentes comprazer agradar a muitos A gênero da complacência equivalente a Lust prazer pertencem as espécies chamadas Geschmack gosto um prazer refletido em parte sensível em parte intelectual e Vergnügen deleite que tendo por negativoSchmerz dor seria mais precisamente traduzido pela expressão prazer da sensação para o qual Kant fornece também o equivalente latinovoluptas e ao qual se vinculaGenuss gozo Na estética kantiana é preciso ter em mente essa família de sentidos do conceito de prazer NT 29 Um juízo sobre um objeto da complacência pode ser totalmente desinteressado e ser contudo muitointeressante isto é ele não se funda sobre nenhum interesse mas produz um interesse tais são todos os juízos morais puros Mas em si os juízos de gosto também nã fundam absolutamente interesse algum Somente em sociedade tornaseinteressante ter gosto e a razão disso é indicada no que se segue K 30 A pertencente ao conhecimento 31 A particular 32 B porque não se conecta 33 lógica acréscimo de B 34 C juízos objetiva e comumente válidos 35 Kant uso corrigido por Erdmann 36 O verbo mitteilen tem o sentido literal de compartir ou compartilhar Embora autores não kantianos p ex Luhmann considerem substantivo Mitteilung como apenas designando um dos elementos da comunicação especialistas kantianos entendemno simplesmente no sentido de comunicação Cf p ex J Kulemkanpff Kants Logik des ästhetischen Urteils 1978 p 80 allgemein kommunizierbar allgemein mitteilbar ER Kaulbach em Ästhetische Welterkenntnis bei Kant 1984 p 71 entende Mitteilbarkeit der Gefühle como uma harmonia comunicativakommunikativen Harmonie O próprio Kant assim se expressa na Reflexão 767 Der Geschmack macht daß der Genuß sich kommuniziert o gosto faz com que o gozo secomunique NT 37 Impedilas ou eliminálas falta em A 38 Tanto por falta de linguagem filosófica como de clareza conceitual o termo EinsehenEinsicht inglês insight não encontrou no português até agora uma tradução aceitável Adotouse ora discernirdiscernimento SantoMorujão intelecção Heck o entreverintrovisão Rodhen É curioso que a própria língua inglesa que possui em insight um consagrado termo equivalente não tenha feito uso dele na tradução daCritic of Judgment de Meredith onde encontramos paraeinsehen src p 33 to look with the eye o reason e para Einsicht Understanding Em outras tentativas de tradução encontramos saisirjuger Philonenko comprendreexamen Delamarre riguardasapere GargluloVerraconsiderarinvestigación Morente Insight também tem sido traduzido do inglês ao alemão por Durchblick perspectiva Outros termos que lhe convêm são os latinosinspicereinspectio inspecionar inspeção e também perspicereperspicatia ver através perspicácia como o grego frónesis Ligado à percepção visual o termo visual o termo Einsicht significa uma apreensão de estruturas ou de um todo dotado de sentido Psicologicamente o fenômeno é assim descrito Uma pessoa vêse confrontada com um estado de coisas inicialmetne opaco undurschaubar fechado indistinto confuso e tenta então mediante escolha de uma posição ou ângulo visual apreender melhor oticamente esses estados de coisas e conhecêlos em suas interconexões K Müller In J Rittler ed Hist Wörtb d Phil 1972 1 415 J Bennet observa que é uma condição necessária mas não suficiente de uma conduta dotada de Einsicht insight que ela prove um saber prévio ou uma pré convicção do caminho correto para a solução de um problema prático Rationalität trad alemã 1967 p 127 Ele liga ainda Einsichtinsight a uma generalização conceitual e faz depender o valor teórico do conceito de seu reconhecimento linguístico e público Do ponto de vista de que uma palavra demasiado vaga não serve para a ciência Bennett tem sentido a conclusão de GH Hartman em Begriff und Kriterien der Einsicht de que o sentido desse termo continua uma terra incógnita com uma aplicação apressada a comportamento animal sem que se conhecesse suficientemente o seu admitido correlato humano De um ponto de vista kantiano e também na direção da concepção apontada por Bennett tem sentido a pergunta de Hartmann É Einsicht uma espécie do genus inteligência ou viceversa In Graumann ed Denken 1969 p 143 Vale atentar a esse respeito para a versão kantiana dos termos da Psychologia empirica de Baumgarten no vol XV da Acad Kants handschriftlicher Nachlaß Na seção V Perspicacia observa Baumgarten que o hábito de observar a identidade das coisas chamase engenho em sentid estrito Witz e que o hábito de observar a diversidade das coisas chamase acumen Scharfsinnigkeit argudeza penetração sagacidade Donde a reunião de agudeza e engenho chamase perspicácia uma feine Einsicht Einsicht ligase aí à capacidade de na apreensão das diferenças perceber a sua identidade Daí que o termo discernimento enquanto significa do latim discernere distinguir seja desse ponto de vista menos adequado para traduzir Einsicht Mas segundo Kant tampouco compreensão intelecção e saber sãolhe adequados de acordo com a seguinte Reflexão Representar algo representatio perceber algo perceptio com consciência conhecer cognitio distinguir de outro saber scientia diverso de admitir crer entender intellectio conhecer pelo entendimento perspiscientia Einsehen pela razão comprehensio conceber suficiente segundo a grandeza o grau Reflexão 426 vol XV p 171 Por essa vinculação de Einsicht à razão Kant estabelece mais adiante para esse tipo de conheciment princípios diferentes dos do entendimento identificandoo a uma faculdade de julgar a priori Principia des Einsehens sind von denen des Verstehens unterschieden Das Vermögem a priori zu urtellen schließen ist Vernunft Einsehen Reflexão 437 p 180 Nesse mesmo sentido parece que a abordagem mais extensa sobre o termo Einsicht encontrase na carta de Kant ao príncipe Alexander von Beloselsky esboço do verão de 1792 Aí a Einsehen perspicere como um ver através é dado um sentido racional dedutivo A esfera do Einsehen perspicere é a da dedução do particular do universal isto é a esfera da razão Acad v XI p 345 tendo também o sentido de uma faculdade de inventar princípios para as múltiplas regras Po fim a esfera da perspicacité é a da perspiciência Einsicht sistemática da interconexão da razão dos conceitos em um sistema p 346 Na medida pois em que de um lado o alemão traduz do latim inspicere por einsehendurchblicken examinar ver com atenção ver através e de outro o termo kantiano é ligado explicitamente a perspicereperspicatia do qual também provém perspectiva encontramos alguns equivalentes a Einsicht em inspeção introvisão perspectiva perspicácia Mas o unicamente satisfatório no cas parecenos a adoção em português do próprio termo latino proposto por Kant para este tipo de saber racional perspiciência cujo latin erspicientia o dicionário latinoalemão Georges traduz por Durchschauung die in etwas erlangte vollständinge Einsicht remetendoo ao De Officiis 1 14 de Cícero A partir do exame dessa fonte que aliás constitui a principal influência sobre a ética de Kant podemos concluir com certeza que Kant ao redigir a citada Reflexão 426 tomou de Cícero o termo perspicientia com o qual identificou Einsicht Aut enim perspicientia veri sollertiaque versatur a tradução alemã desse texto adotou para o termo em questão a expressão DurschauenundVerstehen Favorável a essa nossa interpretação é a frase que se segue logo depois em que Cícer vincula perspiciência a prudência e sabedoria como também perspicácia e agudeza veja referência acima a Baumgarten Üt eni quisque maxime perspicit quid in re quaque verissimum sit quisque acutissime et celerrime podest et videre et explicare rationem ist prudentissimus et sapientissimus rite haberi solet Je mehr einer nämlich durchschaut was in jeder Hinsicht die letzte Wahrheit sei un wer am scharfsinnigsten und schnellsten imstande ist den Grund eisusehen und zu erklären der pflegt mit Recht für den Klugsten und Weisesten gehalten zu werden Cf MT Cícero De Officiis latim e alemão trad de H Gunermann Reclam 1984 pgs 1618 É d desejarse que essa recondução às fontes latinas de termos e conceitos kantianos favoreça a compreensão de Einsicht como uma forma de juízo preponderantemente práticoracional bem como a aceitação de sua tradução pelo neologismo perspiciência a nosso ver assimilável por uma linguagem filosófica Já o velho einsehen na falta de melhor equivalente restanos traduzilo por ter perspiciência descortinar no sentido de ver longe e com agudeza NT 39 representação falta em A 40 Poderseia alegar como instância contra essa explicação que existem coisas nas quais se vê uma forma conforme a fins sem reconhecer nelas um fim por exemplo os utensílios de pedra frequentemente retirados de antigos túmulos dotados de um orifício como se fosse para um cabo conquanto em sua figura traiam claramente uma conformidade a fins para a qual não se conhece o fim e nem por isso são declarados belos Todavia o fato de que são considerados uma obra de arte é já suficiente para ter que admitir que a gente refere a sua figura a alguma intenção qualquer e a um fim determinado Daí também a absoluta ausência de qualquer complacência imediata em sua intuição Ao contrário uma flor por exemplo uma tulipa é tida por bela porque em sua percepção é encontrada uma certa conformidade a fins que do modo como a ajuizamos não é referida absolutamente nenhum fim K 41 C nos objetos 42 assentimento falta em A 43 Vorländer propõe que mesmo se referira a múltiplo e altera derselben Kant para desselben aceito pela Academia O texto de Kant da mesma remete a composição o que não parece desproprositado NT 44 tem que falta em B e C 45 C para 46 A frase kantiana parece com respeito à quantidade e qualidade sem objeto a nosso ver referese ao sublime tendo Erdmann seguido por Vorländer acrescentado para os dois primeiros casos o verbo ser deixando representar para os demais NT 47 Como se vê também na análise do sublime Kant guiase pela tábua das categorias no 26 da quantidade no 27 da qualidade no 28 da relação no 29 da modalidade Posteriormente ele privilegiará com respeito ao juízo sobre o sublime a categoria da relação com respeito ao juízo sobre o belo a da qualidade com respeito ao juízo sobre o agradável a da quantidade e com respeito ao uízo sobre o bom a da modalidade NT 48 Kant joga aqui com os termos groß grande eGroße grandeza magnitude quantidade Nesse contexto porém o termo grandeza assumirá além da conotação matemática um sentido estético justificando a opção por esta tradução NT 49 que é denotado através disso falta em A 50 Kant determinação Bestimmung corrigido por Hartenstein e Rosenkrans para assentimento Beistimmung 51 ajuizante falta em A 52 somente falta em A 53 Para os termos apreensão e compreensão Kant usa respectivamente Auffassung e Zusammenfassung seguidos de seus correspondentes latinos NT 54 física falta em A 55 tal falta em A 56 A é 57 Corrigido em C de Handlungsgeist para Handelsgeist adotado também pela ed Acad NT 58 A juízo livre de coerção 59 De Saussure HB 170990 de Genebra aos 78 anos um dos primeiros escaladores do Montblanc e autor de Voyages dans les lpes 4 v editados em 1779 e anos seguintes Jo Johan hann C Frie n C Friedrich Schill drich Schiller er Sobre a educação estética do homem em uma sequência de cartas Sobre a educação estética do homem em uma sequência de cartas Sobre a educação e Sobre a educação estética do homem em uma sequência stética do homem em uma sequência de cartas de cartas60 60 Johann Christoph Friedrich Schiller 17591805 Johann Christoph Friedrich Schiller 17591805 Tr adução Verlaine Freitas Em que medida a educação estética ou seja uma educação orientada para a sensibilidade uma pedagogia dos sentidos é fundamental para a formação ética dos homens Se o homem deve possuir em cada caso particular a faculdade de fazer de seu juízo e de sua vontade o juízo da espécie se ele deve encontrar a passagem de cada existência limitada para uma infinita se deve poder se elevar a partir de um estado dependente para a autonomia e liberdade então deve se cuidar para que ele não seja em nenhum momento mero indivíduo e somente esteja a serviço da lei natural Se ele deve ser capaz e estar pronto para elevarse do círculo estreito dos fins naturais para os fins da razão então ele precisa ter se exercitado já no interior dos primeiros para os últimos e ter completado já sua determinação física com uma certa liberdade do espírito isto é segundo as leis da beleza Nos trechos aqui selecionados de Sobre a educação estética do homem em uma sequência de cartas 1794 Schiller 17591805 avança na resposta a tal pergunta Junto com A República em um trecho célebre presente nesta antologia o recorte a seguir apresentanos uma abordagem sobre a relação entre arte ética e educação Temas Temas romantismo alemão educação literatura ética 60 Fonte SCHILLER J C FÜber die ästhetische E rziehung des Menschen in einer Reihe von Briefen Nos XXII a XXI München Carl Hanser Verlag 1989 p 636 651 Vigésima segunda carta Vigésima segunda carta Se portanto a disposição estética da mente em um aspecto tem que ser considerada como zero quando se atenta a efeitos individuais e determinados ela deve ser tomada em outro aspecto como um estadoda mais elevada realidade na medida em que se considera nesse caso a ausência de toda limitação e a soma das forças que nela estão ativas conjuntamente Tampouco se pode assim negar a razão àqueles que declaram o estado estético o mais fértil em relação ao conhecimento e à moralidade Eles estão perfeitamente certos pois uma disposição da mente que compreende em si o todo da humanidade tem que necessariamente encerrar em si também cada uma de suas manifestações singulares segundo a faculdade uma disposição da mente que afasta do todo da natureza humana toda limitação tem também que afastála de cada manifestação singular Precisamente porque não protege exclusivamente nenhuma função singular da humanidade ela é favorável a cada uma sem diferenciação e se não favorece nenhuma de modo privilegiado apenas porque é o fundamento da possibilidade de todas Todos os outros exercícios dão à mente uma habilidade particular qualquer mas colocamlhe para isso também um limite particular somente o estético conduz ao ilimitado Todo outro estado em que podemos nos encontrar remetenos a um anterior e necessita de um seguinte para sua dissolução somente o estético é um todo em si mesmo pois reúne em si todas as condições de sua srcem e continuidade Somente aqui nos sentimos como que arrancados do tempo e nossa humanidade se manifesta com uma pureza eintegridade como se não tivesse experimentado ainda nenhum dano pelo efeito de forças externas O que lisonjeia nossos sentidos na sensação imediata abre nossa suave e ágil mente a toda impressão mas tornanos no mesmo grau menos capazes ao esforço O que tensiona nossas forças intelectuais e convida a conceitos abstratos fortifica nosso espírito para toda espécie de resistência mas o enrijece também na mesma proporção e tanto nos rouba a sensibilidade quanto nos auxilia para uma maior espontaneidade Precisamente por isso tanto um quanto o outro conduzem por fim necessariamente ao esgotamento porque a matéria Stoff não pode prescindir por muito tempo da força formadora e a força da matéria formanda Se ao contrário nos abandonamos à fruição da beleza autêntica então ficamos nesse instante e em grau idêntico senhores de nossas forças passivas e ativas e nos viramos com a mesma facilidade para a seriedade e o lúdico para o repouso e o movimento para a flexibilidade e a resistência para o pensamento abstrato e a intuição Essa alta serenidade e liberdade do espírito ligada à robustez e à força é a disposição para a qual uma autêntica obra de arte deve nos colocar e não há nenhuma prova mais segura da verdadeira qualidade estética Se após uma fruição dessa espécie nos encontramos preferencialmente dispostos a qualquer modo de sensação ou ação particulares ou pelo contrário a um outro desajeitados e enfastiados então isso serve para provar de modo iniludível que não experienciamos nenhum efeito uramente estético seja por causa do objeto ou de nosso modo de sensação ou como quase sempre é o caso de ambos simultaneamente Dado que na realidade não se encontra nenhum efeito estético puro pois o homem nunca pode escapar da dependência das forças a excelência de uma obra de arte pode meramente consistir na sua maior aproximação àquele ideal de pureza estética e em toda a liberdade a que se pode elevar a obra a deixaremos entretanto em uma disposição particular e com uma direção peculiar Ora quanto mais universal a disposição e menos limitada a direção que são dadas à nossa mente por um determinado gênero e produto das artes mais nobre esse gênero e mais excelente um tal produto Podese provar isso com obras de várias artes e com várias obras da mesma arte Depois de um bela música ficamos com a sensação ativa de uma bela poesia com a imaginação viva de uma bela obra pictórica e belo edifício com o entendimento desperto mas quem quisesse nos convidar imediatamente após uma fruição musical elevada para o pensamento abstrato colocarnos imediatamente após uma fruição poética elevada em uma ocupação precisa da vida comum exaltar após a contemplação de belas pinturas e obras de arquitetura nossa imaginação e surpreender nosso sentimento tal pessoa não teria escolhido bem o momento A causa é que mesmo a música mais espirituosa permanece através de sua matéria sempre com uma afinidade aos sentidos maior do que a verdadeira liberdade estética suporta que mesmo a poesia mais bemsucedida participa mais do jogo arbitrário e contingente da imaginaçãoenquanto seu medium do que permite a necessidade interna do verdadeiro belo que mesmo a obra pictórica mais excelente e esta talvez mais que todas as outras tangenciaatravés da determinidade de seu conceito a ciência séria Entretanto essas afinidades particulares a cada grau mais elevado que uma obra desses três gêneros alcança perdemse e é uma consequência necessária e natural de seu aperfeiçoamento que sem perda de seus limites objetivos as diversas artes se tornem em seu efeito sobre a mente sempre mais semelhantes A música em seu mais elevado enobrecimento tem que se tornar forma Gestalt e ter efeito sobre nós com o poder sereno da Antiguidade as artes plásticas em sua mais elevada perfeição têm que se tornar música e comovernos por uma presença sensível imediata a poesia em sua conformação mais perfeita tem como a arte dos sons que nos apreender poderosamente mas tem ao mesmo tempo como a escultura que nos cercar com uma claridade mais serena O estilo perfeito em cada arte se mostra quando sabe afastar os limites específicos dela sem entretanto suprimir seus méritos específicos e lhe proporciona um caráter mais universal através de uma sábia utilização de sua peculiaridade E não somente os limites que o caráter específico de seu gênero de arte traz consigo mas també aqueles ligados à matéria Stoff 61 particular elaborada pelo artista têm que ser ultrapassados por ele através do tratamento Em uma obra de arte verdadeiramente bela o conteúdo nada deve fazer mas a forma tudo pois somente através da forma alcançase efeito sobre o todo do ser humano mas através do conteúdo ao contrário apenas sobre forças individuais O conteúdo por sublime e abrangente que seja tem efeito portanto sempre limitando o espírito e somente da forma é de se esperar a verdadeira liberdade estética Nisso consiste portanto o segredo próprio da arte do mestre que ele anule a matéria Stoff através da forma e quanto mais imponente arrogante e tentador seja o tema Stoff em si mesmo quanto mais arbitrariamente este se impõe com seu efeito ou quanto mais o fruidor tende a identificarse imediatamente com ele tanto mais triunfante é a arte que mantém distanciado o espectador e afirma a soberania sobre o tema Stoff A mente do espectador e do ouvinte tem que permanecer totalmente livre e ilesa tem que sair do círculo mágico do artista pura e perfeita como das mãos do Criador O objeto mais frívolo tem que ser tratado de tal modo que permaneçamos dispostos a passar imediatamente dele para a seriedade mais rigorosa O tema Stoff mais sério tem que ser tratado de tal modo que conservemos a capacidade de trocálo pelo jogo mais leve As artes do afeto como é a tragédia não são nenhuma objeção a isso pois rimeiramente não são artes totalmente livres pois estão a serviço de um fim particular o patético e então com certeza nenhum verdadeiro conhecedor da arte negará que obras mesmo dessa classe são tão mais perfeitas quanto mais cuidam da liberdade da mente mesmo na mais alta tempestade dos afetos Há uma belaarte da paixão mas uma bela e apaixonada arte é uma contradição pois o efeito inalienável da arte é a liberdade perante as paixões Não menos contraditório é o conceito de uma belaarte que ensina didática ou que melhora moral pois nada se opõe mais ao conceito de beleza do que dar à mente uma determinada tendência Nem sempre entretanto demonstra uma disformidade na obra quando ela faz efeito só através de seu conteúdo pode testemunhar com igual frequência uma falta de forma naquele que julga Se ele está ou muito tenso ou muito relaxado se está habituado a apreender ou só com o entendimento ou só com os sentidos então manterseá mesmo diante do todo mais feliz somente nas partes ou diante da forma mais bela somente na matéria Materie Receptivo apenas para o elemento rudimentar tem que primeiro destruir a organização estética de uma obra antes de encontrar nela um deleite e desenterrar cuidadosamente o individual que o mestre com infinita arte fez desaparecer na harmonia do todo Seu interesse aí é simplesmente ou moral ou físico somente não é o que precisamente deve ser estético Tais leitores apreciam uma poesia séria e patética como um sermão e uma ingênua ou divertida como uma bebida embriagante e se foram desprovidos de gosto o bastante para exigir edificação de uma tragédia e epopeia ainda que fosse uma Messíada então sentiriam raiva diante de uma canção anacreôntica ou de Catulo Vigésima terceira carta Vigésima terceira carta Retomo o fio de minha investigação que rompi apenas para fazer uso das afirmações feitas no exercício da arte e no ajuizamento de suas obras A passagem do estado passivo da sensação ao do ativo do pensamento e do querer não acontece portanto de outro modo que não o de um estado intermediário de liberdade estética e embora esse estado em si mesmo não decida nada para nossas ideias Einsichten nem para nossas disposições morais Gesinnungen consequentemente deixando nosso valor intelectual e moral total e absolutamente problemático ele é entretanto a condição necessária unicamente sob a qual podemos chegar a uma ideia Einsicht e a uma disposição moral Gesinnung Em uma palavra não há outro caminho para tornar o homem sensível62 em racional do que tornálo primeiramente estético Mas vocês poderiam objetarme essa mediação deveria ser totalmente indispensável Não deveriam já a verdade e o dever encontrar entrada por si mesmos e através de si mesmos no homem sensível A isso tenho que responder eles não apenas podem mas devem ter que extrair sua força determinante a partir de si mesmos e nada seria mais contraditório às minhas afirmações feitas até agora do que se elas parecessem apoiar a opinião contrária Foi explicitamente provado que a beleza não daria nenhum resultado nem para o entendimento nem para a vontade que não se imiscuiria em nenhuma atividade nem do pensamento nem da decisão que proporcionaria a ambos somente a faculdade mas não determinaria absolutamente nada sobre seu uso efetivo Em tal faculdade desaparece toda a ajuda externa e a forma lógica pura o conceito tem que falar imediatamente ao entendimento a forma moral pura a lei imediatamente à vontade Mas que a beleza somente consiga isso que haja tão somente uma forma pura para o home sensível isso afirmo tem que se tornar possível apenas através da disposição estética da mente A verdade não é algo que possa ser tal como a realidade ou a existência sensível das coisas apreendida de fora é algo que a força intelectual produz espontaneamente e em sua liberdade e essa espontaneidade essa liberdade é precisamente aquilo de que sentimos falta no homem sensível O homem sensível já está fisicamente determinado e não tem consequentemente mais nenhuma determinabilidade livre ele tem que recuperar essa determinabilidade perdida antes que possa trocar a determinação passiva por uma ativa Mas ele não pode recuperála de outro modo que não seja ou perdendo a determinação passiva que possuía ou contendo já em si a ativa à qual deve passar Se ele apenas perdesse a determinação passiva perderia então simultaneamente com ela também a possibilidade de uma ativa porque o pensamento necessita de um corpo e a forma somente pode ser realizada em uma matéria Stoff Ele conterá já em si portanto essa última determinação será determinado ao mesmo tempo passiva e ativamente isto é ele terá que se tornar estético Através da disposição estética da mente portanto a espontaneidade da razão é já iniciada no campo da sensibilidade o poder da sensação já é quebrado dentro de seus próprios limites e o homem físico tão enobrecido que de agora em diante o homem espiritual precisa meramente desenvolverse segundo as leis da liberdade a partir dele mesmo O passo do estado estético para o lógico e moral da beleza para a verdade e para o dever é por isso infinitamente mais fácil do que foi o passo do estado físico para o estético da vida meramente cega para a forma O homem pode dar aquele passo através de sua mera liberdade pois ele precisa apenas captar a si mesmo e não se dar a si mesmo apenas individualizar sua natureza e não ampliála o homem esteticamente disposto ulgará e agirá com validade universal tão logo o queira A natureza tem que facilitarlhe o passo da matéria rudimentar para a beleza onde uma atividade totalmente nova deve ser aberta nele e sua vontade nada pode impor a uma disposição que somente ela dá à própria vontade a existência Para se conduzir o homem estético à ideia Einsicht e a grandes disposições morais Gesinnungen basta darlhe boas oportunidades para se alcançar exatamente isso do homem sensível há que mudar primeiro sua natureza Naquele frequentemente não se precisa de mais nada além da exortação de uma situação sublime que tem efeito mais imediatamente sobre a faculdade da vontade para fazer dele um herói ou um sábio no último há que transportálo primeiro sob outro céu Pertence assim à mais importante tarefa da cultura submeter o homem à forma mesmo já em sua mera vida física e tornálo estético tanto quanto baste para que alcance o reino da beleza porque somente a partir do estado estético mas não do físico o estado moral pode se desenvolver Se o homem deve possuir em cada caso particular a faculdade de fazer de seu juízo e de sua vontade o uízo da espécie se ele deve encontrar a passagem de cada existência limitada para uma infinita se deve poder se elevar a partir de um estado dependente para a autonomia e liberdade então devese cuidar para que ele não seja em nenhum momento mero indivíduo e somente esteja a serviço da lei natural Se ele deve ser capaz e estar pronto para se elevar do círculo estreito dos fins naturais para os fins da razão então ele precisa ter se exercitado já no interior dos primeiros para os últimos e ter completado já sua determinação física com uma certa liberdade do espírito isto é segundo as leis da beleza E na verdade ele o consegue sem com isso contradizer minimamente seu fim físico As exigências da natureza para com ele referemse somenteao que ele efetua ao conteúdo de sua ação sobre o modo como ele efetua sobre sua forma não está nada determinado pelos fins naturais As exigências da razão ao contrário estão dirigidas rigorosamente à forma de sua atividade Assim é tão importante para sua determinação moral que ele seja puramente moral que mostre uma absoluta espontaneidade quanto é indiferente para sua determinação física se ele é puramente físico se ele se comporta absolutamente passivo Em relação a esta última está totalmente em seu arbítrio se ele quer realizála meramente como ser de sentidos Sinnenwesen e como força da natureza como uma força propriamente que somente age conforme ao que lhe afeta ou se ao mesmo tempo como força absoluta como ser racional e não pode haver nenhuma questão sobre qual delas corresponde mais à sua dignidade Antes tanto o degrada e o desonra praticar aquelas ações por impulsos sensíveis para as quais ele deveria ter se determinado por puros motivos do dever quanto o honra e o enobrece esforçarse também por alcançar legalidade harmonia e ilimitação onde o homem comum apenas satisfaz sua lícita exigência63 Em uma palavra no domínio da verdade e da moralidade a sensação não pode determinar nada mas no âmbito da felicidade a forma pode existir e o impulso lúdico pode dar ordens Já aqui portanto no campo indiferente da vida física o homem tem que começar sua vida moral mesmo em sua passividade tem que iniciar sua espontaneidade mesmo dentro de seus limites físicos sua liberdade racional Tem que impor já às suas inclinações a lei de sua vontade tem se me permitem a expressão que guerrear contra a matéria em seus próprios limites para que não necessite lutar no solo sagrado da liberdade contra este terrível inimigo tem que aprender a desejar mais nobremente para que não precise querer sublimemente Isso é conseguido através da cultura estética que submete às leis da beleza tudo o que nem as leis da natureza nem as leis racionais prescrevem ao arbítrio humano e na forma que ela dá à vida exterior já se inicia a interior Vigésima quarta carta Vigésima quarta carta Deixamse diferenciar portanto três momentos ou estágios distintos do desenvolvimento que tanto o homem individual quanto toda a espécie têm que percorrer necessariamente e em uma determinada ordem se devem satisfazer todo o círculo de sua determinação Através de causas contingentes que residem na influência das coisas exteriores ou no livre arbítrio do homem os períodos individuais podem com certeza ser ora alongados ora encurtados mas nenhum pode ser totalmente saltado e também a ordem em que eles se seguem não pode ser invertida nem pela natureza nem pela vontade O homem em seu estado físico suporta meramente o poder da natureza livrase dele no estado estético e o domina nomoral O que é o homem antes de a beleza ter lhe descoberto o prazer livre e a forma serena ter amainado a vida selvagem Eternamente uniforme em seus fins eternamente cambiante em seus uízos egoísta sem ser ele próprio desobrigado sem ser livre escravo sem servir a uma regra Nessa época o mundo élhe apenas destino não é ainda objeto tudo tem existência para ele apenas na medida em que lhe proporciona existência o que nada lhe dá nem tira para ele não tem existência Individual e segmentado como ele próprio se encontra na série dos entes assim estão todos os fenômenos perante ele Tudo o que existe existe para ele através da autoridade do instante toda mudança é para ele uma criação totalmente nova porque juntamente com o necessárionele inexiste a necessidade fora dele que interliga as formas cambiantes em um cosmos e na medida em que o indivíduo escapa sustenta a lei no palco A natureza deixa inutilmente sua rica multiplicidade passar pelos sentidos dele este vê em sua maravilhosa plenitude nada além de sua presa em seu poder e grandeza nada além de seu inimigo Ou ele se lança para os objetos e quer se apoderar deles no desejo ou eles lhe assediam destrutivamente e ele os repele no ódio Em ambos os casos sua relação com o mundo sensível é de contato imediato e eternamente amedrontado pela sua pressão incansavelmente torturado pela carência imperiosa não encontra paz senão na fadiga e limites senão na avidez esgotada Zwar die gewaltge Brust und der Titanen Kraftvolles Mark ist sein Gewisses Erbteil doch es schmiedete Der Gott um seine Stirn ein ehern Band Rat Mäßigung und Weisheit und Geduld Verbarg er seinem scheuen düstern Blick Es wird zur Wut ihm jegliche Begier Und grenzenlos dringt seine Wut umher 64 Iphigenie auf Tauris Sem conhecer sua dignidade humana ele está longe de honrála em outrem e consciente de sua própria avidez selvagem temea em toda criatura que se lhe assemelha Nunca percebe o outro em si somente a si nos outros e a sociedade em vez de expandilo até tornarlhe espécie apenas envolve o cada vez mais estreitamente em seu indivíduo Nessa limitação sombria movese errante através da vida entenebrecida até que uma natureza favorável remova a carga da matéria de seus sentidos obscurecidos e a reflexão o separe das coisas e no reflexo da consciência os objetos finalmente se mostrem Este estado de natureza bruta entretanto não se deixa comprovar tal como o descrevemos aqui em nenhum povo ou época determinada é apenas uma ideia mas com a qual a experiência concorda em seus traços particulares do modo mais preciso O homem podese dizer nunca esteve totalmente nesse estado animalesco mas também nunca saiu dele de todo Mesmo nos indivíduos mais rudes encontramse vestígios inconfundíveis de liberdade racional tal como não falta aos mais cultos momentos que lembrem aquele estado natural sombrio Uma vez sendo próprio do homem reunir e sua natureza o mais alto e o mais baixo e se suadignidade se baseia em uma distinção rigorosa de um do outro então sua felicidade se funda em uma hábil superação dessa diferença A cultura que deve fazer coincidir a dignidade e a felicidade dele terá que cuidar da mais elevada pureza daqueles princípios em sua mistura mais íntima A primeira manifestação da razão no homem não é ainda por isso o começo de sua humanidade Esta apenas se firma através da liberdade do homem e a razão começa primeiramente com isso a desfazer os limites da dependência sensível do homem um fenômeno que pela sua importância e universalidade segundo penso parece não ter ainda se desenvolvido adequadamente A razão sabemolo se dá a conhecer no homem através da exigência do absoluto fundado em si mesmo e necessário a qual dado não poder ser satisfeita em nenhum estado particular da vida física do homem obrigao a abandonar total e absolutamente o físico e a ascender de uma realidade limitada para as ideias Mas embora o verdadeiro sentido daquela exigência seja o de arrancálo dos limites do tempo e eleválo do mundo sensível para o mundo do ideal ela pode entretanto através de uma má interpretação dificilmente evitável nesta época de sensualidade reinante dirigirse à vida física e em vez de tornálo independente precipitálo na mais terrível servidão E assim acontece mesmo de fato Nas asas da imaginação o homem deixa os estreitos limites do presente em que se inclui a mera animalidade para se esforçar rumo a um ilimitado futuro à sua frente mas ao se abrir o infinito diante de sua vertiginosaimaginação seu coração ainda não parou de viver no indivíduo e de servir ao instante No seio de sua animalidade é surpreendido pelo impulso para o absoluto e pelo fato de nesse estado sombrio todos os seus esforços se dirigirem para o material e temporal e se limitarem a seu indivíduo então ele é impelido por aquela exigência a expandir seu indivíduo ao infinito em vez de abstrairse dele de se esforçar por uma matéria inelutável em vez de o fazer pela forma de se esforçar pela mudança eternamente duradoura e pela certeza absoluta de sua existência temporal em vez de o fazer pelo invariável O mesmo impulso que aplicado a seu pensamento e ao agir deveria levar à verdade e moralidade produz agora relacionado à sua passividade e sensação nada mais que uma ânsia ilimitada uma carência absoluta Os primeiros frutos que ele colhe no reino espiritual são portanto preocupação e medo ambos efeitos da razão não da sensibilidade mas de uma razão que se engana quanto a seu objeto e que aplica seu imperativo imediatamente à matéria Os frutos dessa árvore são todos sistemas incondicionados de felicidade tendo como objeto o dia de hoje a vida toda ou o que não os torna nem um pouco mais dignos toda a eternidade Uma duração ilimitada da existência e do bemestar meramente em função deles é meramente um ideal dos desejos uma exigência portanto que somente pode ser colocada por uma animalidade que se esforça pelo absoluto Sem ganhar portanto algo para sua humanidade através de uma manifestação racional desta espécie ele perde através disso apenas a feliz limitação do animal perante o qual ele apenas possui a ininvejável primazia de com o esforço pelo futuro perder a posse do presente sem entretanto jamais procurar em todo o ilimitado futuro algo além do presente Mas mesmo se a razão não se engana quanto a seu objeto e não erra quanto à questão a sensibilidade falsifica a resposta ainda por muito tempo Tão logo o homem começou a usar seu entendimento e a ligar os fenômenos em sua volta segundo causas e fins então a razão insiste de acordo com seu conceito em uma ligação absoluta e em um fundamento incondicionado Para apenas poder se colocar tal exigência o homem tem que ter já ultrapassado a sensibilidade que se serve todavia daquela exigência para resgatar o fugitivo Aqui seria propriamente o ponto em que ele teria que abandonar total e absolutamente o mundo sensível e se erguer ao puro reino das ideias pois o entendimento para eternamente no interior do condicionado e sempre questiona sem nunca atingir um fundamento último Mas pelo fato de o homem do qual falamos não ser capaz ainda de tal abstração então ele irá procurar dentro de seu campo do sentimento e aparentemente encontrará aquilo que não vê em seucampo de conhecimento sensível e que não procura para além deste na razão pura A sensibilidade com certeza não lhe mostra nada que seria seu próprio fundamento e que se desse a lei a si próprio mas lhe mostra algo que não sabe de nenhum fundamento e que não respeita nenhuma lei Pelo fato de não poder acalmar o entendimento através de nenhum fundamento último e interno então ele pelo menos o cala através do conceito do infundado e para dentro da coerção cega da matéria pois não consegue ainda conceber a sublime necessidade da razão Dado que a sensibilidade não conhece outro fim além de sua primazia e não se sente impelida por nenhuma outracausa além do cego acaso assim o homem faz daquele o determinante de suas ações e deste o senhor do mundo Mesmo o que é sagrado no homem a lei moral não pode em sua primeira aparição na sensibilidade subtrairse a essa falsificação Dado que ela é meramente proibitiva e se pronuncia contra o interesse de seu amorpróprio sensível assim ela tem que aparecerlhe como algo estranho enquanto ele ainda não tiver conseguido ver aquele amorpróprio como o estranho e a voz da razão como seu verdadeiro simesmo Ele percebe portanto apenas as algemas que a última lhe impõe não a infinita libertação que ela lhe proporciona Sem suspeitar em si a dignidade do legislador percebe meramente a coerção e a resistência impotente do súdito Porque o impulso sensível precede o moral em sua experiência assim ele dá à lei da necessidade um começo no tempo umasrcem ositiva e através do mais infeliz dos equívocos faz do imutável e eterno em si um acidente do efêmero Ele se persuade a ver os conceitos de justiça e injustiça como regulamentos instituídos por uma vontade não como válidos em si mesmos e por toda a eternidade Tal como ele ultrapassa na explicação de fenômenos naturais particulares a natureza e procura fora dela o que pode ser encontrado somente em sua legalidade interna assim também ultrapassa ao explicar a eticidade a razão e perde por sua falta sua humanidade ao procurar neste caminho uma divindade Não é de admirar se uma religião que foi adquirida anulandose sua humanidade mostrase digna de uma tal procedência se ele não considera as leis que não valiam desde a eternidade como não sendo incondicionadas e obrigatórias em toda a eternidade Ele relaciona isso não a um ser sagrado mas tão somente poderoso O espírito de sua adoração divina é portanto o medo que o degrada não a veneração que o eleva em sua autoestima Embora esses múltiplos desvios do homem em relação ao ideal de sua determinação não possa se realizar todos na mesma época na medida em que ele tem que percorrer vários estágios desde a falta de pensamento até o erro desde a ausência de vontade até a corrupção desta entretanto tais estágios pertencem todos à sequência do estado físico porque em todos o impulso da vida é o senhor sobre o impulso da forma Ora seja o fato de que a razão não se pronunciou ainda no homem e o físico reine sobre ele ainda com necessidade cega ou que a razão ainda não se purificou o suficiente dos sentidos e o elemento moral sirva ainda ao físico em ambos os casos o único princípio atuante nele é material e o homem pelo menos segundo sua última tendência é um ser sensível com a única diferença que no primeiro caso ele é um animal irracional e no segundo racional Mas ele não deve ser nenhum deles mas sim homem a natureza não deve dominálo exclusivamente e a razão não incondicionalmente Ambas as legislações devem subsistir perfeitamente independentes uma da outra e todavia ser perfeitamente unidas 61 A palavra alemãStoff especialmente referente a obras de arte pode ser traduzida tanto pormatéria com o sentido de material estofo nãoformado quanto portema quando por exemplo se diz do tema de um quadro o que também pode ser considerado um material a ser elaborado pelo artista N T 62 No srcinal sinnlichen Menschen com o sentido de homem dotado da faculdade dos sentidos da sensibilidade e não de um homem que fosse afetado facilmente pelas coisas frágil delicado etc N T 63 Este tratamento espiritual e esteticamente livre da realidade comum é onde porventura ela se encontra a característica de uma alma nobre Devese chamar nobre em geral a uma mente que possui o dom de transformar mesmo a atividade mais limitada e o menor objeto em algo infinito através do modo de tratamento Nobre chamase toda forma que imprime a marca de autonomia àquilo que segundo sua natureza meramente serve é apenas um meio para algo Um espírito nobre não se satisfaz em ser ele próprio livre ele tem que colocar em liberdade tudo o mais em sua volta mesmo o inanimado A beleza é entretanto a expressão unicamente possível da liberdade no fenômeno A expressão proeminente doentendimento em uma face em uma obra de arte e em coisas semelhantes não pode por isso chegar a ser nobre como também nunca é bela porque salienta a dependência que não se deve separar da conformidade a fim em vez de ocultála O filósofo moral na verdade nos ensina que nunca se poderia fazermais que nosso dever e ele tem toda razão se ele visa apenas a relação que as ações têm com a lei moral Mas nas ações que se relacionam meramente a um fim irainda além deste fim para o suprassensível o que aqui não pode significar senão realizar esteticamente o físico significa ao mesmo tempo ir além do dever na medida em que este somente pode prescrever que avontade seja santa não que também anatureza tenha se santificado Na verdade não existe portanto um ultrapassamento moral do dever mas sim estético e um tal comportamento chamase nobre Mas precisamente porque sempre se percebe um excesso na nobreza na medida em que também possui um valor formal livre o que precisaria ter apenas um valor material ou que unifica o valor interno que deve ter com mais outro externo que lhe deveria faltar desse modo confundiuse vários excessos estéticos com um moral e seduzido pelo fenômeno da nobreza introduziuse um arbítrio e contingência na própria moralidade por meio de que ela seria totalmente suprimida Há que distinguir um comportamento nobre de um sublime O primeiro vai além da obrigatoriedade ética mas não o último embora respeitemos mais que àquele Mas nós o respeitamos não porque transponha o conceito racional de seu objeto a lei moral mas porque transpõe o conceito de experiência de seu sujeito nosso conhecimento da bondade humana e da força da vontade assim estimamos por outro lado um comportamento nobre não porque ultrapasse a natureza do sujeito a partir da qual ele tem antes que fluir completamente sem constrangimento mas porque ultrapassa a natureza de seu objeto o fim físico para o reino espiritual Lá gostarseia de dizer surpreendemonos com a vitória que o objeto alcança sobre o homem aqui nos maravilhamos com a sobrelevação que o homem dá ao objeto N A 64 Com certeza o coração impetuoso e dos titãs a força vigorosa são sua indubitável herança mas gravalhe o deus em sua fronte uma aliança brônzea conselho moderação e sabedoria e paciência ele oculta de seu tímido sombrio olhar Tornaselhe em fúria todo o desejo e sem limites sua fúria persiste ao seu redor Friedrich W Joseph v Friedrich W Joseph von Schelling on Schelling Sistem Sistema d a do id o idealism ealismo transcendental o transcendental Sistema do idealismo transcendental Sistema do idealismo transcendental65 65 Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling 17751854 Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling 17751854 Tradução omero Freitas A produção estética é voluntária ou gerada por uma espontaneidade capaz de ultrapassar o artista Quanto do processo de criação está sob o controle do indivíduo Dizer que criação é um ato voluntário não faria da obra um produto demasiadamente intelectual Da afirmação de todos os artistas de que são involuntariamente impelidos para a feitura de suas obras de que na produção das mesmas apenas satisfazem um impulso irresistível de sua natureza podese concluir corretamente que toda produção estética assenta sobre uma contraposição de atividades pois se cada impulso parte de uma contradição de modo que uma vez posta a contradição a atividade livre tornase involuntária então o impulso artístico tem de resultar também de um tal sentimento de uma contradição interior Esta contradição porém como põe em movimento o homem inteiro com todas as suas forças é sem dúvida uma contradição que afeta o que é último nele a raiz de toda a sua existência Neste texto parte da obra Sistema do idealismo Transcendental 1800 Schelling 17751854 explica a relação entre a criação artística com as dimensões conscientes e não conscientes da experiência humana Temas Temas ontologia intuição inconsciente consciência 65 Fonte SCHELLING F W JSystem des transzenden talen Idealismus Hamburg Felix Meiner Verlag 1957 p 281 299 Dedução de um Dedução de um Órg Órgão Geral d ão Geral da Fil a Filoso osofia ou Proposiçõe fia ou Proposiçõess Princip Principais da Fil ais da Filoso osofia da A fia da Arte rte segundo o segundo os Princípios do s Princípios do Idealismo Transcendental Idealismo Transcendental 1 Dedução do Produto da Arte em Geral A intuição postulada deve reunir o que existe separado no fenômeno da liberdade e na intuição do produto da natureza ou seja aidentidade do consciente e do não consciente no Eu e a consciência dessa identidade O produto dessa intuição será então limitado de um lado pelo produto da natureza de outro pelo produto da liberdade e terá de unificar em si os caracteres de ambos Se conhecemos o produto da intuição conhecemos a própria intuição assim precisamos apenas deduzir o produto para deduzir a intuição O produto terá em comum com o produto da liberdade o fato de ter sido produzido co consciência com o produto da natureza o fato de ter sido produzido sem consciência Na primeira consideração ele será portanto o inverso do produto orgânico da natureza Se a partir do produto orgânico a atividade não consciente cega for refletida como consciente então inversamente a partir do produto de que tratamos aqui a atividade consciente será refletida como não consciente objetiva ou se o produto orgânico refletirme a atividade não consciente enquanto determinada pela consciente então inversamente o produto que aqui se deduz irá refletir a atividade consciente enquanto determinada pela não consciente De forma mais breve a natureza começa sem consciência e termina consciente a produção não é conforme a fins mas o produto é O Eu na atividade de que tratamos aqui tem de começar com consciência subjetivamente e terminar no não consciente ou objetivamente o Eu é consciente segundo a produção e não consciente na perspectiva do produto Mas como devemos explicar transcendentalmente para nós uma tal intuição onde a atividade não consciente como que atua através da consciente até a perfeita identidade com ela Reflitamos primeiramente sobre o fato de que a atividade deve ser consciente Ora é simplesmente impossível que algo objetivo seja produzido com consciência como aqui no entanto se exige Objetivo é apenas o que surge sem consciência assim o propriamente objetivo naquela intuição também tem de não poder ser acrescentado com consciência A esse respeito podemos invocar imediatamente as provas já introduzidas a propósito do agir livre ou seja o objetivo acrescentarseia a ele através de algo independente da liberdade A diferença está apenas em que a na ação livre a identidade das duas atividades precisa ser suprimida justamente para que o agir apareça como livre Aqui pelo contrário as mesmas atividades devem aparecer na própria consciência como uma sem negação As duas atividades também b não podem jamais tornarse absolutamente idênticas no agir livre razão pela qual o objeto do agir livre também é necessariamente algo infinito não realizado integralmente pois se ele fosse realizado integralmente as atividades consciente e objetiva coincidiriam em uma isto é o fenômeno da liberdade cessaria O que então era simplesmente impossível através da liberdade deve ser possível através do agir postulado agora o qual porém ustamente devido a esse preço tem de cessar de ser um agir livre tornandose tal que nele estejam absolutamente unificadas liberdade e necessidade Ora a produção deveria ocorrer com consciência o que é impossível sem que ambas estejam separadas Existe aqui portanto uma evidente contradição Apresentoa mais uma vez As atividades consciente e não consciente devem ser absolutamente uma no produto exatamente como são também no produto orgânico mas elas devem ser uma de outro modo as duas devem sêlo para o próprio Eu Isso porém é impossível a não ser que o Eu esteja consciente da produção Mas se o Eu estiver consciente da produção então as dua atividades têm de estar separadas pois isso é condição necessária da consciência da produção Assim ambas as atividades têm de ser uma caso contrário não há identidade e ambas têm de estar separadas caso contrário há identidade mas não para o Eu Como resolver essa contradição As duas atividades têm de estar separadas a propósito do aparecer do objetivarse da produção exatamente como no agir livre elas têm de estar separadas a propósito do objetivarse da intuição Mas elas não podem como no agir livre estar separadas no infinito porque senão o objetivo não seria jamais uma apresentação integral daquela identidade66 A identidade de ambas deveria ser suprimida unicamente a propósito da consciência mas a produção deve terminar na não consciência logo tem de existir um ponto onde ambas coincidem em uma e inversamente onde ambas coincidem em uma a produção tem de deixar de aparecer como livre67 Se esse ponto na produção é atingido então o produzir tem de cessar absolutamente e tem de ser impossível ao produtor continuar a produzir pois a condição de todo produzir é justamente a contraposição entre as atividades consciente e não consciente mas estas aqui devem coincidir absolutamente devendo assim todo conflito ser suprimido na inteligência toda contradição unificada68 A inteligência terminará então num perfeito reconhecimento da identidade expressa no produto enquanto uma identidade tal cujo princípio resida nela mesma isto é ela terminará numa perfeita autointuição69 Como havia então a livre tendência para a autointuição naquela identidade a qual srcinariamente separava a inteligência de si mesma o sentimento que acompanha aquela intuição será o sentimento de uma satisfação infinita Com a conclusão do produto todo impulso para produzir se acalma todas as contradições são suprimidas todos os enigmas são resolvidos Como a produção partiu da liberdade isto é de uma contraposição infinita entre as duas atividades então a inteligência não poderá atribuir à liberdade aquela absoluta unificação das duas na qual a produção termina pois simultaneamente à conclusão do produto todo o fenômeno da liberdade é abandonado ela sentirseá surpreendida e feliz através daquela mesma unificação isto é verá nela como que a graça voluntária de uma natureza mais elevada que através dela tornou possível o impossível Mas esse desconhecido que põe aqui as atividades objetiva e consciente numa inesperada harmonia não é senão aquele absoluto70 que contém o fundamento geral da harmonia preestabelecida entre o consciente e o não consciente Assim se aquele absoluto for refletido a partir do produto ele aparecerá à inteligência como algo que está acima dela e que mesmo em contraposição à liberdade acrescenta o não intencional ao que foi iniciado com consciência e intenção Esse idêntico invariável que nenhuma consciência alcança e que só se reflete a partir do produto é para o produtor o mesmo que o destino para o agente ou seja um poder obscuro desconhecido que acrescenta o concluído ou o objetivo à obra incompleta da liberdade e como se denomina destino aquele poder que através do nosso agir livre sem o nosso saber e mesmo contra o nosso querer realiza fins não representados designase pelo obscuro conceito de gênio o incompreensível que acrescenta o objetivo ao consciente sem intervenção da liberdade e de certo modo em contraposição a ela na qual escapa eternamente o que está unificado nessa produção O produto postulado não é senão o produto genial71 ou como o gênio só é possível na arte o roduto da arte A dedução está concluída e não temos por agora senão que mostrar através de uma análise completa que todos os elementos da produção postulada reúnemse na produção estética Da afirmação de todos os artistas de que são involuntariamente impelidos para a feitura de suas obras de que na produção delas apenas satisfazem um impulso irresistível de sua natureza podese concluir corretamente que toda produção estética assenta sobre uma contraposição de atividades pois se cada impulso parte de uma contradição de modo que uma vez posta a contradição a atividade livre tornase involuntária então o impulso artístico tem de resultar também de um tal sentimento de uma contradição interior Essa contradição porém como põe em movimento o homem inteiro com todas as suas forças é sem dúvida uma contradição que afetao que é último nele a raiz de toda a sua existência72 É como se nos raros homens que são artistas no sentido mais elevado da palavra à frente dos outros aquele idêntico imutável sobre o qual assenta toda a existência tirasse o envoltório com o qual ele se cobre nos outros e do modo como fosse afetado imediatamente pelas coisas assim também reagiria imediatamente sobre tudo Portanto só pode ser a contradição entre o consciente e o não consciente no agir livre o que põe em movimento o impulso artístico assim como só pode ser dado à arte por sua vez satisfazer nossa aspiração infinita e também resolver nossa última e extrema contradição Assim como a produção estética parte do sentimento de uma contradição aparentemente insolúvel da mesma forma segundo a confissão de todos os artistas e de todos aqueles que partilham de sua inspiração ela termina no sentimento de um harmoniainfinita e o fato de que esse sentimento que acompanha a conclusão Vollendung é ao mesmo tempo uma comoção já prova que o artista não atribui apenas a si mesmo a resolução integral da contradição que vê em sua obra mas a um favor voluntário de sua natureza que tão implacavelmente como o pôs em contradição consigo mesmo misericordiosamente tira dele a dor dessa contradição 73 pois da mesma forma que o artista é impelido involuntariamente e mesmo com resistência interior à produção donde o provérbio dos antigos pati Deum etc donde em geral a representação da inspiração através do sopro alheio assim também o objetivo se acrescenta à sua produção como que sem sua intervenção isto é apenas objetivamente Do mesmo modo como o homem sob o efeito da fatalidade não realiza o que ele quer ou intenciona mas o que ele tem de realizar através de um destino incompreensível parece ao artista porém na observação daquilo que é o propriamente objetivo na sua produção por mais cheio de intenção que ele esteja estar sob o efeito de um poder que o separa de todos os outros homens e o coage a exprimir ou apresentar o que ele próprio não penetra inteiramente e cujo sentido é infinito Uma vez que a coincidência absoluta das duas atividades que se escapam simplesmente não é explicável sendo antes apenas um fenômeno que embora incompreensível74 não pode ser negado então a arte é a única e eterna revelação que existe e o milagre que mesmo que só tivesse existido uma vez teria de convencernos da realidade daquele supremo Além disso se arte se perfaz através de duas atividades inteiramente distintas uma da outra então o gênio não é nem uma nem outra mas o que está acima das duas Se nós tivéssemos de procurar e uma dessas duas atividades a saber na consciente o que familiarmente é chamado dearte mas que é somente uma parte dela a saber a que nela é executada com consciência consideração e reflexão que também pode ser ensinada e aprendida e alcançada através de transmissão e de exercício próprio então contrariamente teríamos de procurar no não consciente que acompanha a arte aquilo que nela não é aprendido que não é atingido através de exercício ou ainda de outra forma mas que pode ser inato somente através do favor livre da natureza e que é o que podemos denominar numa palavra a poesia na arte Contudo precisamente a partir daí fica claro por si mesmo que seria inteiramente inútil perguntar qual dos dois elementos teria a primazia sobre o outro uma vez que de fato cada um deles não tem nenhum valor sem o outro e que apenas os dois juntos produzem o supremo Pois embora o que não se alcança pelo exercício mas que nasceu conosco geralmente seja considerado o mais esplêndido os deuses também ligaram com tanta firmeza o exercício daquela força srcinária ao esforço honesto dos homens à diligência e à consideração que a poesia mesmo onde é inata sem a arte engendra apenas como que produtos mortos nos quais nenhum entendimento humano pode deleitarse e que repelem de si todo juízo e mesmo a intuição através da força inteiramente cega que atua neles Inversamente podese antes esperar que a arte sem poesia se comparada à poesia sem arte possa realizar algo em parte porque não é fácil encontrar um homem por natureza sem poesia enquanto muitos são destituídos de toda arte em parte porque o estudo contínuo das ideias dos grandes mestres de certa forma é capaz de suprir a falta srcinária de força objetiva embora daí sempre só possa surgir uma aparência de poesia que é facilmente discernível em sua superficialidade contraposta à profundidade insondável que o verdadeiro artista põe em sua obra involuntariamente mesmo trabalhando com a maior meditação e que nem ele nem outro é capaz de penetrar inteiramente assim como é facilmente discernível em muitos outros elementos por exemplo no grande valor que ele atribui ao meramente mecânico da arte na pobreza da forma em que ele se move etc Ora fica claro também por si mesmo que assim como poesia e arte não poderiam produzir isoladamente por si o concluído tampouco poderia produzilo75 uma existência separada dos dois que portanto como a identidade dos dois só pode ser srcinária e é simplesmente impossível e inalcançável através da liberdade o concluído só é possível através do gênio o qual justamente por isso é para a estética o mesmo que o Eu para a filosofia ou seja o supremo o absolutamente real que nunca se torna objetivo mas que é causa de todo o objetivo 2 Caráter do Produto da arte a A obra de arte refletenos a identidade das atividades consciente e não consciente Mas a contraposição dessas duas é infinita e é superada sem nenhuma intervenção da liberdade O caráter fundamental da obra de arte é portanto umainfinitude não consciente síntese de natureza e liberdade A despeito do que pôs em sua obra com propósito explícito o artista parece ter representado nela instintivamente algo como uma infinitude que nenhum entendimento finito é capaz de desenvolver por completo Para nos esclarecer apenas através de um exemplo a mitologia grega que contém em si inegavelmente um sentido infinito e símbolos para todas ideias surgiu em meio a um povo e de um modo que torna impossível supor uma intenção contínua na invenção e na harmonia com que tudo se unifica num grande todo Assim ocorre com toda obra de arte verdadeira na medida em que ela é passível de uma interpretação infinita como se houvesse nela uma infinitude de intenções que nunca se pode dizer se estava posta no próprio artista ou se antes repousava meramente na obra de arte Contrariamente no produto que apenas simula o caráter da obra de arte intenção e regra estão na superfície e aparecem tão limitadas e demarcadas que o produto não é senão a reprodução fiel da atividade consciente do artista e um objeto apenas para a reflexão não para a intuição a qual ama aprofundarse no intuído e só é capaz de repousar no infinito b Toda produção estética parte do sentimento de uma contradição infinita assim o sentimento que acompanha a conclusão do produto da arte tem de ser também o sentimento de uma satisfação e esse sentimento por sua vez tem de passar também à própria obra de arte Portanto a expressão exterior da obra de arte é a expressão da quietude e da grandeza tranquila mesmo ali onde deve ser exprimida a tensão máxima da dor ou da alegria c Toda produção estética parte de uma separação em si infinita das duas atividades as quais estão separadas em todo o produzir livre Ora como essas duas atividades devem ser apresentadas enquanto unificadas no produto então através dele um infinito é apresentado finitamente Mas o infinito apresentado finitamente é a beleza O caráter fundamental de toda obra de arte que compreende em si os dois anteriores é portanto a beleza e sem beleza não há obra de arte Pois se existe algo como obras de arte sublimes e se beleza e sublimidade em certa perspectiva se contrapõem na medida em que por exemplo uma cena natural pode ser bela sem ser por isso sublime e viceversa todavia a contraposição entre beleza e sublimidade é tal que só tem lugar na perspectiva do objeto e não na perspectiva do sujeito da intuição na medida em que a diferença entre as obras de arte bela e sublime repousa apenas no fato de que onde há beleza a contradição infinita suprimese no próprio objeto e onde há sublimidade a contradição não se unifica no próprio objeto mas apenas elevase até um nível no qual suprimese involuntariamente na intuição o que então é como se ela se suprimisse no objeto76 Mostrase também muito facilmente que a sublimidade repousa sobre a mesma contradição que o belo na medida em que sempre que um objeto é dito sublime adquirese através da atividade não consciente uma grandeza que é impossível adquirir na atividade consciente de modo que o Eu é transposto a um conflito consigo mesmo que só pode terminar numa intuição estética que põe as duas atividades numa inesperada harmonia só que a intuição que aqui não está no artista mas no próprio sujeito que intui é inteiramente involuntária na medida em que o sublime inteiramente diverso do meramente fantástico que também apresenta uma contradição para a imaginação a qual porém não vale o esforço de resolver põe em movimento todas as forças do ânimo para resolver a contradição que ameaça toda a existência intelectual Agora que os caracteres da obra de arte foram deduzidos tornase ao mesmo tempo clara a diferença entre ela e todos os outros produtos Pois o produto da arte difere do produto orgânico da natureza principalmente a porque o ser orgânico apresenta ainda como não separado o que a produção estética apresenta como unificado após a separação b porque a produção orgânica não parte da consciência portanto também não da contradição infinita que é condição da produção estética Em consequência o produto orgânico da natureza se a beleza é a resolução plena de um conflito infinito não será também necessariamente belo e se ele for belo então a beleza parecerá pura e simplesmente ocasional pois sua condição não pode ser pensada como existente na natureza donde se explica o interesse totalmente particular pela beleza da natureza não enquanto beleza em geral mas enquanto ela é precisamente beleza da natureza A partir daí fica claro por si mesmo o que se deve considerar sobre a imitação da natureza como princípio da arte pois muito longe de ser a natureza bela meramente ao acaso quem dá a regra à arte o princípio e a norma para o ajuizamento da beleza da natureza é antes aquilo que a arte produz em sua perfeição É fácil ajuizar em que o produto estético distinguese do produto artístico comum uma vez que toda produção estética é absolutamente livre em seu princípio na medida em que o artista pode ser impulsionado a ela por uma contradição mas somente por uma contradição que reside no mais elevado de sua própria natureza enquanto toda outra produção realizase através de uma contradição que reside fora do propriamente produtor e que portanto tem também todo fim fora de si 77 A partir dessa independência de fins externos surge aquela sacralidade e pureza da arte que vai tão longe que rejeita não só a afinidade com tudo o que é apenas prazer dos sentidos o qual exigir da arte é o caráter próprio da barbárie ou com o útil o qual exigir da arte só é possível a uma época que põe os esforços mais elevados do espírito humano em invenções econômicas 78 mas mesmo a afinidade com tudo aquilo que pertence à moralidade e que deixa bem atrás mesmo a ciência a qual na perspectiva de sua não aplicabilidade tem com a arte o limite mais próximo simplesmente porque ela sempre leva a um fim fora de si e precisa servir afinal apenas como meio para o supremo a arte No que concerne especificamente à relação da arte com a ciência as duas são tão contrapostas em suas tendências que se a ciência alguma vez tivesse resolvido toda a sua tarefa como a arte sempre resolveu as duas teriam de coincidir e transformarse em uma o que é prova de direções inteiramente opostas Pois embora a ciência em sua mais alta função tenha a mesma tarefa que a arte essa tarefa para a ciência é infinita devido ao modo de resolvêla de forma que se pode dizer que a arte é o modelo Vorbild da ciência e que somente onde há arte deve chegar a ciência Justamente a partir daí também se explica por que e em que medida não existe nenhum gênio em ciência não como se fosse impossível que uma tarefa científica fosse resolvida genialmente mas porque a mesma tarefa cuja solução pode ser encontrada através do gênio também pode ser resolvida mecanicamente assim como por exemplo o sistema da gravitação newtoniana que podia ser uma invenção genial e de fato o foi em Kepler seu primeiro inventor mas que igualmente podia ser também uma invenção inteiramente científica o que também tornouse através de Newton Apenas o que a arte produz é possível única e exclusivamente através do gênio pois em toda tarefa resolvida pela arte uma contradição infinita foi unificada O que a ciência produz pode ser produzido pelo gênio mas não é necessariamente produzido através dele Por isso ele é e permanece problemático nas ciências ou seja podese sempre dizer muito bem onde ele não existe mas nunca onde ele existe Há apenas uns poucos elementos a partir dos quais podese deduzir o gênio nas ciências o fato de que se precise deduzilo já mostra uma condição totalmente própria deste assunto Ele certamente não existe por exemplo aí onde um todo semelhante a um sistema surge parcialmente e através de justaposição Inversamente seria preciso pressupor o gênio aí onde a ideia do todo precede claramente as partes singulares Pois se a ideia do todo não pode tornarse clara senão através do seu desenvolvimento em partes singulares mas em contrapartida as partes singulares só são possíveis através da ideia do todo então parece haver aqui uma contradição que só é possível através de um ato do gênio isto é através de um encontro inesperado da atividade não consciente com a atividade consciente Uma outra razão para supor o gênio nas ciências seria quando alguém diz e afirma coisas cujo sentido era impossível que pudesse penetrar inteiramente seja devido ao tempo em que viveu seja devido a outras manifestações suas onde portanto ele exprimiu aparentemente com consciência o que contudo só podia exprimir sem consciência Só que seria muito fácil demonstrar de diferentes maneiras que essas razões de suposição também podem ser altamente enganadoras Por isso o gênio é distinto de tudo aquilo que é apenas talento ou habilidade uma vez que através dele resolvese uma contradição que pode ser resolvida absolutamente e que caso contrário não poderia ser resolvida através de nenhum outro Em todo produzir mesmo no mais comum e cotidiano uma atividade não consciente atua junto com a atividade consciente mas somente um produzir cuja condição era uma contraposição infinita das duas atividades é um produzir estético e possível apenas através do gênio 3 Corolários Nota geral sobre todo o sistema Após termos deduzido a essência e o caráter do produto da arte tão integralmente quanto era necessário a respeito da investigação atual não nos resta senão apresentar a relação na qual a filosofia da arte está com todo o sistema da filosofia em geral 1 Toda a filosofia parte e precisa partir de um princípio que enquanto o absolutamente idêntico é pura e simplesmente não objetivo Ora de que modo esse absolutamente não objetivo deve ser compreendido e chamado à consciência como é necessário se ele é condição da compreensão de toda a filosofia É desnecessário provar que ele não pode ser apreendido ou tampouco apresentado através de conceitos Destarte não resta senão apresentálo numa intuição imediata que por sua vez é incompreensível e como o seu objeto deve ser pura e simplesmente não objetivo ela parece inclusive ser contraditória em si mesma Ora se houvesse uma intuição que tivesse por objeto o absolutamente idêntico que em si não é nem subjetivo nem objetivo e se por causa dessa intuição que só pode ser intelectual se recorresse à experiência imediata de que modo essa intuição pode ser por sua vez objetiva ou seja como estabelecer sem sombra de dúvida que ela não reside numa ilusão meramente subjetiva se dela não existe uma objetividade reconhecida em geral e por todos os homens Essa objetividade da intuição intelectual reconhecida em geral e que de modo algum não pode ser abandonada é a própria arte Pois a intuição estética é justamente a intuição intelectual que se tornou objetiva79 A obra de arte apenas me reflete o que de outra forma não é refletido por nada o absolutamente idêntico que já se separou mesmo no Eu assim o que o filósofo já separa no primeiro ato da consciência é refletido através do milagre da arte a partir dos seus produtos caso contrário seria inacessível a toda intuição Todavia não apenas o primeiro princípio da filosofia e a primeira intuição da qual ela parte mas também todo o mecanismo que a filosofia deduz e sobre o qual ela própria repousa tornamse objetivos primeiramente através da produção estética A filosofia parte de uma separação infinita de atividades contrapostas 80 mas sobre a mesma separação repousa também toda a produção estética e esta é completamente suprimida através de cada apresentação singular da arte81 O que é então aquela maravilhosa faculdade através da qual segundo a afirmação do filósofo suprimese uma contraposição infinita na intuição produtiva Até agora não pudemos tornar esse mecanismo inteiramente compreensível porque apenas a faculdade artística pode desvelálo completamente Essa faculdade produtiva é a mesma através da qual a arte também consegue o impossível ou seja suprimir uma contraposição infinita num produto finito É a faculdade poética que é a intuição srcinária na primeira potência e inversamente 82 é apenas a intuição repetidamente produtiva na mais alta potência que nós chamamos de faculdade poética O que é ativo nas duas é um e o mesmo a única coisa mediante a qual nós somos capazes de pensar e reunir também o contraditório a imaginação Assim são também produtos de uma e mesma atividade aquilo que nos aparece além da consciência como real e do lado da consciência como ideal ou como mundo da arte Mas justamente isso o fato de que com condições de surgimento caso contrário idênticas a srcem num caso está além no outro do lado da consciência constitui a eterna e amais suprimível diferença entre as duas Pois embora o mundo real nasça inteiramente da mesma contraposição srcinária que o mundo da arte que precisa ser pensado igualmente como um grande todo e que em todos os seus produtos singulares apresenta apenas o um infinito aquela contraposição além da consciência só é infinita na medida em que um infinito é apresentado comotodo através do mundo objetivo nunca porém através do objeto singular enquanto para a arte aquela contraposição é infinita na perspectiva de cada objeto singular e cada produto singular do mesmo apresenta a infinitude Pois se a produção estética parte da liberdade e se mesmo para a liberdade aquela contraposição das atividades consciente e inconsciente é infinita então existe propriamente apenas uma obra de arte absoluta que pode existir em exemplares inteiramente diferentes mas que é apenas uma embora não exista ainda na forma mais srcinária Não pode haver contra essa perspectiva a acusação de que com ela não pode subsistir a grande liberalidade que se pratica com o predicado da obra de arte Não é uma obra de arte o que não apresenta um infinito imediatamente ou pelo menos em reflexo Chamaríamos também de obra de arte por exemplo aqueles poemas que segundo sua natureza apresentam apenas o singular e subjetivo Então teríamos também de recobrir com esse nome todo epigrama que contém apenas uma sensação momentânea uma impressão presente pois os grandes mestres que se exercitaram nesses modos poéticos procuravam produzir a objetividade mesma apenas através do todo de seus poemas e os utilizavam apenas como meio para apresentar uma vida inteira infinita e refletila através de múltiplos espelhos 2 Se a intuição estética é apenas a intuição transcendental83 tornada objetiva então compreende se por si só que a arte é o único órgão verdadeiro e eterno da filosofia e ao mesmo tempo seu documento que reconhece sempre e continuamente o que a filosofia não pode apresentar externamente ou seja o nãoconsciente no agir e produzir e a sua identidade srcinária com o consciente A arte é justamente por isso o mais elevado para o filósofo pois ela como que abre para ele o santuário onde é como se ardesse numa chama em eterna e srcinária unificação o que está separado na natureza e na história e que tem de evadirse eternamente no viver e agir bem como no pensar O ponto de vista que o filósofo faz artificialmente da natureza é srcinário e natural para a arte O que chamamos de natureza é um poema que se encontra fechado em maravilhoso e secreto escrito Mas se o enigma pudesse se desvelar reconheceríamos aí a odisseia do espírito que maravilhosamente enganado procurandose a si mesmo escapa de si pois através do mundo sensível o sentido brilha apenas como através de palavras e a terra da fantasia que ambicionamos apenas como através de neblina semitransparente Todo quadro magnífico surge como que através de uma supressão do muro invisível que separa o mundo real e o mundo ideal e é apenas a abertura através da qual aparecem por inteiro aquelas figuras e regiões do mundo da fantasia que transluzem apenas imperfeitamente através do mundo real A natureza deixa de ser para o artista o que é para o filósofo a saber apenas o mundo ideal que aparece sob delimitações constantes ou apenas o reflexo imperfeito de um mundo que não existe fora mas dentro dele De onde porém vem esse parentesco da filosofia com a arte a despeito da contraposição entre as duas é uma pergunta que já foi suficientemente respondida pelo que veio antes Por isso concluímos com a seguinte observação Um sistema está completo se ele é reconduzido ao seu ponto de partida Mas justamente isso é o que ocorre com nosso sistema Pois justamente aquele fundamento srcinário de toda harmonia do subjetivo e do objetivo que só podia ser apresentado em sua identidade originária através da intuição intelectual é aquilo que através da obra de arte é plenamente extraído do subjetivo e tornado completamente objetivo de modo que nosso objeto o próprio Eu é aos poucos levado ao ponto no qual nós próprios estávamos quando começamos a filosofar Ora se somente a arte consegue tornar objetivo com validade universal o que o filósofo só é capaz de apresentar subjetivamente então extraindo daí ainda esta conclusão é de se esperar que a filosofia assim como na infância da ciência nasceu da poesia e foi nutrida por ela e com ela todas aquelas ciências que ela levou à perfeição após o seu acabamento reflua como muitas correntes singulares ao oceano universal da poesia de onde partiram Qual deve ser contudo o membro intermediário do retorno da ciência à poesia em geral não é difícil dizer uma vez que tal membro intermediário existia na mitologia antes de acontecer como nos parece agora essa separação insolúvel84 Mas como pode surgir uma nova mitologia que não pode ser invenção do poeta singular mas de uma nova geração que por assim representa apenas um único poeta é um problema cuja solução só deve ser esperada dos destinos posteriores do mundo e do curso mais afastado da história 66 O que para o agir livre reside num progresso infinito deve ser na produção atual um presente deve tornarse um finito real objetivo 67 A atividade livre foi aí inteiramente transferida ao objetivo ao necessário A produção desse modo é livre no início o produto pelo contrário aparece como identidade absoluta da atividade livre com a necessária 68 A última passagem Se esse ponto está riscada no exemplar do autor N E 69 Pois ela a inteligência é ela própria a produtora mas ao mesmo tempo essa identidade arrancouse totalmente dela ela tornouse lhe inteiramente objetiva isto éela tornouse a si mesma inteiramente objetiva 70 o simesmo srcinário Urselbst 71 produto do gênio 72 o Emsi verdadeiro 73 No exemplar do autor mas a um favor voluntário de sua natureza portanto a um encontro da atividade nãoconsciente com a consciente N E 74 Do ponto de vista da mera reflexão 75 Nenhuma tem prioridade sobre a outra O que se reflete na obra de arte é justamente apenas a indiferença de ambas da arte e da poesia 76 No exemplar do autor em vez da última passagem Pois se existe algo como obras de arte sublimes e se a sublimidade costuma se contraposta à beleza não há nenhuma contraposição verdadeira objetiva entre beleza e sublimidade o verdadeira e absolutamente belo é sempre também sublime o sublime quando o é verdadeiramente também é belo N E 77 transição absoluta para o objetivo 78 Beterrabas forrageiras 79 Toda a filosofia parte e precisa partir de um princípio que enquanto o princípio absoluto é também pura e simplesmente o idêntico Um absolutamente simples idêntico não pode ser apreendido ou comunicado através de descrição ou de conceitos Ele só pode se intuído Uma intuição assim é o órgão da filosofia Mas essa intuição que não é sensível porém intelectual que não tem como objeto o objetivo ou o subjetivo mas o absolutamente idêntico que em si não é subjetivo nem objetivo é simplesmente uma intuição interior que não pode tornarse objetiva para si própria ela só pode tornarse objetiva através de uma segunda intuição Essa segunda intuição é a estética Assim diz a última passagem segundo o exemplar do autor N E 80 A filosofia faz toda a produção da intuição partir de uma separação de atividades antes não contrapostas 81 As últimas palavras e esta da arte estão riscadas no exemplar do autor N E 82 Em vez do último período no exemplar do autor está Essa faculdade produtiva através da qual surge o objeto é a mesma da qual a arte também faz nascer o seu objeto só que aquela atividade ali enganada limitada aqui é pura e ilimitada A faculdade poética intuída em sua primeira potência é a primeira faculdade de produção da alma na medida em que ela se exprime em coisas finitas e reais e inversamente NE 83 Intelectual 84 Um tratado sobre mitologia composto já há muitos anos e que aparecerá em breve contém a explicação mais ampla deste pensamento Georg Georg W Wilhelm ilhelm Friedrich Hege Friedrich Hegell Cursos de estética Cursos de estética Cursos de estética Cursos de estética85 85 Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 Tradução arco Aurélio Werle Qual é a relação entre arte e filosofia A arte é a manifestação sensível do espírito absoluto Obviamente não toda a arte manifestao no mesmo grau Algumas são limitadas por sua própria natureza expressiva Por outro lado o fato mesmo de a arte estar circunscrita ao sensível impõe a sua superação por outra manifestação do espírito com um grau mais elevado de abstração a saber a filosofia Os trechos apresentados ao leitor compõem a transcrição dos cursos de Estética publicada em 1835 de Hegel 17701831 Peça de uma arquitetura intelectual de incomparável organização e rigor lógico a reflexão hegeliana sobre a arte é sem dúvida um dos momentos mais relevantes da história da filosofia e constantemente retomada por outros autores como Theodor Adorno e Arthur Danto Temas Temas história arquitetura pintura música metafísica 85 HEGEL G WCursos de Estética São Paulo EDUSP 1999 p 90103 Agradecemos à EDUSP por autorizar a utilização texto II Entretanto uma vez que a Ideia deste modo é unidade concreta esta unidade somente poder vir à consciência artística por meio da propagação e da mediação renovada das particularidades da Ideia 107 e por meio desse desenvolvimento a beleza artística adquire uma totalidade de fases e de Formas particulares Após termos tratado do belo artístico em si e para si precisamos examinar como o todo do belo se decompõe em determinações particulares Nisso consiste a segunda parte a doutrina das Formas da arte Essas Formas encontram sua srcem no modo diverso de se conceber a Ideia como conteúdo o que condiciona uma diferenciação da configuração na qual a Ideia aparece Por isso as Formas da arte nada mais são do que as diferentes relações de conteúdo e forma relações que nascem da própria Ideia e assim fornecem o verdadeiro fundamento de divisão dessa esfera Pois a divisão deve sempre residir no conceito do qual é a particularização e a divisão Devemos tratar aqui detrês relações da Ideia com sua configuração 1 Em primeiro lugar o início é constituído pela Ideia na medida em que ainda em sua indeterminidade confusão ou determinidade ruim e não verdadeira é transformada em Conteúdo das configurações artísticas Enquanto indeterminada ela ainda não possui em si mesma aquela individualidade que o ideal requer sua abstração e unilateralidade deixa a forma externamente deficiente e casual Por isso a primeira Forma de arte é ainda um mero procurar o ato de figuração Verbildlichung do que uma capacidade de exposição verdadeira A Ideia ainda não encontrou a Forma em si mesma e permanece assim apenas numa luta e aspiração por ela Podemos denomina esta Forma em termos universais de Forma de arte simbólica A Ideia abstrata tem nessa Forma sua forma fora de si na matéria natural e sensível da qual o configurar nasce e aparece ligado Os objetos das intuições da natureza por um lado são deixados tal como são mas logo a seguir a Ideia substancial é neles introduzida como seu significado de tal modo que eles devem assumir a tarefa de expressála e serem interpretados 108 como se a Ideia estivesse propriamente presente neles A isso se liga o fato de que os objetos da efetividade têm em si mesmos um aspecto capaz de expor um significado universal Mas dado que uma completa correspondência ainda não é possível essa relação somente pode dizer respeito a uma determinidade abstrata como por exemplo quando dizemos leão compreendemos a força Por outro lado nessa abstração da relação a estranheza da Ideia e dos fenômenos naturais ve igualmente à consciência E quando também a Ideia que não se exprime em nenhuma outr efetividade penetra em todas essas configurações e em sua inquietação e desmesura se procura nelas mas no entanto não as considera adequadas a si ela eleva as configurações naturais e os fenômenos da efetividade à indeterminação e à desmedida A Ideia vacila para lá e para cá entre eles fervilha e fermenta neles exerce sua força sobre eles os consome e se estende sobre eles de modo não natural e busca elevar o fenômeno à Ideia por meio da dispersão da desmesura e do luxo da figuração Pois a Ideia é aqui ainda o mais ou menos indeterminado o que não pode ser figurado os objetos naturais porém são completamente determinados em sua forma Na inadequação de uma contra a outra a relação da Ideia com a objetividade tornase po conseguintenegativa pois ela mesma enquanto interioridade permanece propriamente insatisfeita com tal exterioridade e se estabelece de modo sublime sobre toda esta plenitude de configurações que não lhe correspondem como a sua substância interior e universal Nessa sublimidade tanto o fenômeno natural quanto a forma e o acontecimento humanos são decerto tomados e deixados tal como são para logo serem reconhecidos como inadequados no que diz respeito a seu significado que se ergue muito acima de qualquer conteúdo mundano Esses aspectos constituem em termos gerais o caráter do primeiro panteísmo artístico do oriente que por um lado mesmo nos piores objetos introduz o significado absoluto e por outro lado força violentamente os fenômenos 109 na direção da expressão de sua concepção de mundo dessa maneira se torna bizarro grotesco e destituído de gosto ou desprezando a liberdade infinita porém abstrata da substância voltase com desdém contra todos os fenômenos como se não fossem nada e perecíveis Por causa disso o significado não pode ser completamente configurado eingebildet na expressão e apesar de toda aspiração e tentativa permanece contudo insuperada a inadequação entre a Ideia e a forma Essa seria a primeira Forma de arte a simbólica com sua procura su efervescência seu enigma e sublimidade 2 Na segunda Forma de arte que gostaríamos de designar como sendo aclássica a dupla deficiência da Forma de arte simbólica está eliminada A forma simbólica é incompleta porque por um lado a Ideia nela apenas vem à consciência numa determinidade ou indeterminidadeabstratas e porque por outro lado precisamente a concordância entre o significado e a forma deve sempre permanecer deficiente e apenas abstrata Como solução dessa dupla deficiência a Forma de arte clássica é a livre e adequada conformação Einbildung da Ideia na forma que pertence de modo peculiar à própria Ideia segundo seu conceito com a qual assim ela pode entrar numa sintonia livre e completa E assim é a Forma clássica que pela primeira vez oferece a produção e intuição do ideal completo e o apresenta como efetivado Entretanto a adequação entre o conceito e a realidade no clássico deve tampouco como se isso pudesse concernir ao ideal ser tomada no sentido meramente formal da concordância de um conteúdo com sua configuração exterior Caso contrário cada retrato da natureza cada semblante paisagem flor cena e assim por diante que constituem a finalidade e o conteúdo da exposição já seriam clássicos por meio de tal congruência entre conteúdo e Forma Ao contrário a peculiaridade do conteúdo no clássico reside no fato de que ele próprio é Ideia concreta e enquanto tal a espiritualidade concreta pois somente a espiritualidade é a verdadeira interioridade Em vista de tal conteúdo portanto devese perguntar entre tudo o que é natural 110 o que por si mesmo corresponde em si e para si ao espírito Há de ser o próprio conceito srcinário que inventou erfunden a forma para a espiritualidade concreta de tal modo que agora o conceito subjetivo aqui o espírito da arte apenas a encontrou gefunden e enquanto existência natural figurada a tornou adequada à livre espiritualidade individual Essa forma que possui em si mesma a Ideia como espiritualidade na verdade a espiritualidade individual e determinada quando deve se desenvolver num fenômeno temporal é a forma humana É certo que frequentemente a personificação e a antropomorfização foram denegridas como se fossem uma degradação do espírito mas a arte na medida em que necessita levar o espírito de um modo sensível à intuição deve progredir para essa antropomorfização já que o espírito apenas em seu corpo aparece satisfatoriamente sensível Nesse contexto a migração da alma é uma representação abstrata sendo que a fisiologia deve ter tido como um de seus princípios que a vitalidade em seu desenvolvimento necessariamente precisa progredir para a forma do homem como sendo esse o único fenômeno sensível adequado ao espírito Na Forma de arte clássica porém o corpo humano nas suas Formas não vale mais merament como existência sensível mas somente como existência e forma natural do espírito e deve por isso estar afastado de toda necessidade do que é apenas sensível e da finitude casual do fenômeno Se a forma foi desse modo purificada para em si mesma expressar o conteúdo que lhe é adequado é preciso por outro lado caso a concordância entre o significado e a forma deva ser completa que igualmente a espiritualidade que constitui o conteúdo seja detal natureza que seja capaz de se expressar completamente na forma natural do homem sem nessa expressão precisar sair do sensível e do vivente Desse modo o espírito permanece aqui ao mesmo tempo determinado como mais particular como mais humano não como espírito pura e simplesmente absoluto e eterno na medida em que este somente é capaz de se anunciar e de se expressar como a própria espiritualidade 111 Este último ponto constitui por sua vez novamente a deficiência na qual a Forma de arte clássica se dissolve e exige a passagem para uma terceira Forma de arte mais elevada a saber a romântica 3 A Forma de arte romântica novamente suprimeaufheben a completa unificação da Ideia com a sua realidade e se põe a si mesma ainda que de um modo superior atrás da diferença e da oposição dos dois lados que na Forma de arte simbólica permaneciam insuperados A Forma de arte clássica de fato alcançou o ponto mais alto que a sensibilização da arte foi capaz de alcançar e se nela há algo de deficiente tal coisa reside na arte mesma e na limitação da esfera artística Essa limitação deve ser identificada no fato de que a arte em geral transforma em objeto numa Forma concreta e sensível o espírito que segundo o seu conceito é a universalidade infinita e concreta e apresenta no clássico a consumada formação unificadoraIneinsbildung da existência espiritual e sensível como correspondência de ambos Mas nessa fusão o espírito não chega de fato à exposição segundo seu verdadeiro conceito Pois o espírito é a subjetividade infinita da Ideia que enquanto interioridade absoluta não se pode configurar livremente para si quando necessita permanecer fundida ao corpóreo como sua existência adequada A partir desse princípio a Forma de arte romântica supera aquela unidade indivisa da Forma de arte clássica porque adquiriu u conteúdo que transcende essa Forma e seu modo de expressão Esse conteúdo para lembra representações já conhecidas coincide com o que o cristianismo afirma acerca de Deus como espírito à diferença da crença nos deuses dos gregos que constitui o conteúdo essencial e o mais adequado para a arte clássica Nesta o conteúdo concreto é em si a unidade da natureza humana e divina uma unidade que justamente por ser apenasem si e imediata também chega de modo sensível e imediato a uma manifestação adequada O deus grego se destina à intuição espontânea e à representação sensível 112 e por isso sua forma é o corpo do homem o círculo de sua potência e de sua essência é individual e particular é uma substância e poder perante o sujeito com os quais a interioridade subjetiva apenas em si está em unidade mas não tem esta unidade como saber subjetivo interior e próprio O grau mais alto é portanto o saber dessa unidade existente em si que a Forma de arte clássica tem como seu conteúdo passível de exposição completa no corpo Esta elevação do emsi Ansich no saber autoconsciente representa porém uma enorme diferença Tratase da diferença infinita que por exemplo separa o homem em geral do animal O homem é animal mas mesmo em suas funções animais não permanece preso a um emsi como o animal pois toma consciência delas as reconhece e as eleva à ciência autoconsciente tal como o faz por exemplo com o processo da digestão Por meio disso o homem soluciona o limite de sua imediatez de existente emsiansichseiende de tal modo que pelo fato de saber que é animal deixa de sêlo e se dá o saber de si como espírito Se o emsi do estágio anterior a unidade da natureza humana e divina é elevada de uma unidade imediata para uma unidadeconsciente então o verdadeiro elemento para a realidade desse conteúdo não é mais a existência sensível e imediata do espírito a forma humana corporal mas ainterioridade autoconsciente É por isso que o cristianismo pelo fato de representar Deus como espírito e não como espírito individual e particular mas como absoluto no espírito e na verdade recuada sensibilidade da representação para a interioridade espiritual e transforma esta e não o corpo em material e existência de seu Conteúdo Do mesmo modo a unidade da natureza humana e divina é algo sabido e apenas por meio do saberespiritual e no espírito é uma unidade realizada O novo conteúdo assim conquistado não está portanto atado à exposição sensível como a que lhe corresponde mas está livre 113 dessa existência imediata que deve ser estabelecida superada e refletida negativamente na unidade espiritual Desse modo a arte romântica é a arte se ultrapassando Hinausgehen a si própria mas no interior de seu próprio âmbito e na própria Forma artística Por isso atentemos brevemente para o fato de que o objeto deste terceiro estágio é a espiritualidade livre e concreta que enquantoespiritualidade deve aparecer para o interior espiritual Nesse sentido a arte adequada a esse objeto não pode por um lado trabalhar para a intuição sensível mas para a simples interioridade Innerlichkeit que está conforme a seu objeto e consigo mesma isto é para a interioridade Innigkeit subjetiva o ânimo o sentimento que enquanto espírito tendem para a liberdade em si mesmos e procuram e possuem sua reconciliação apenas no espírito interior Esse mundointerior constitui o conteúdo do românticoRomantischen e deve por isso ser levado à exposição como tal interior e com a aparência dessa interioridade A interioridade comemora seu triunfo sobre a exterioridade e faz com que essa vitória apareça no próprio exterior e por intermédio dele fazendo com que o fenômeno sensível desapareça na falta de valor Por outro lado também esta Forma como toda arte necessita da exterioridade para a su expressão Na medida em que a espiritualidade se retraiu em si mesma e se retirou da exterioridade e da unidade imediata com ela a exterioridade sensível do configurar se torna justamente por isso inessencial e passageira como no simbólico e do mesmo modo o espírito e a vontade subjetivos e finitos são aceitos e expostos até na particularidade e arbitrariedade da individualidade do caráter do agir do acontecimento da intriga e assim por diante O lado da existência exterior é entregue à contingência e abandonado à aventura da fantasia cuja arbitrariedade pode tanto espelhar o que está presente tal como está presente como também embaralhar 114 e distorcer grotescamente as configurações do mundo exterior Pois essa exterioridade não tem mais seu conceito e significado em si e junto a si mesmain sich und an sich selber como no clássico mas no ânimo que tem sua aparição Erscheinung em si mesmo e não na exterioridade e na Forma e realidade desta e é capaz de conservar ou reconquistar esta reconciliação consigo mesmo em todo tipo de contingência e acidentalidade que por si mesmo se configura em todo infortúnio e dor e até mesmo no próprio crime Por meio disso surge novamente a indiferença inadequação e separação entre a Ideia e a forma como no simbólico mas com adiferença essencial de que no romântico a Ideia cuja deficiência unto ao símbolo apresenta as deficiências do configurar deve aparecer em si mesmacompleta como espírito e ânimo Por essa razão essa perfeição superior se priva da correspondente união com a exterioridade sendo que somente pode buscar e completar sua verdadeira realidade e aparição Erscheinung em si mesma Em termos gerais esse é o caráter da Forma de arte simbólica clássica e romântica que implica os três tipos de relações da Ideia com sua forma no âmbito da arte As três Formas consistem n aspiração na conquista e na ultrapassagem do ideal como a verdadeira Ideia da beleza III Aterceira parte em relação às duas primeiras pressupõe o conceito do ideal e as Formas de arte universais na medida em que é apenas a realização das mesmas no material sensível determinado Por isso não necessitamos mais nos ocupar neste momento com o desenvolvimento interior da beleza artística segundo suas fundamentais determinações universais mas devemos considerar como essas determinações se apresentam na existência se distinguem externamente e no conceito da beleza efetivam cada momento por si de modo autônomo comoobra de arte e não somente como Forma universal Entretanto uma vez que se trata somente de diferenças próprias imanentes à Ideia de beleza que a arte transpõe para a existência exterior 115 as Formas de arte universais devem nesta terceira parte se mostrar também como determinação fundamental para a divisão e identificação das artes particulares ou os tipos de arte têm as mesmas diferenças essenciais em si mesmos as quais conhecemos acima como as Formas de arte universais A objetividade exterior na qual essas Formas se anunciam por meio de um material sensível e por isso particular deixa essas Formas se desfazerem autonomamente em modos determinados de sua realização as artes particulares na medida em que cada Forma também encontra seu caráter determinado num material determinado e exterior e sua efetivação adequada no modo de exposição que lhe é próprio Por outro lado porém aquelas Formas de arte enquanto Formas universais em sua determinidade também ultrapassam a realização particular por meio de um tipodeterminado de arte e assumem sua existência também por meio das outras artes mesmo que num modo subordinado Por isso por um lado as artes particulares pertencem especificamente a uma das Formas de arte universais e constituem suaadequada efetividade artística exterior por outro lado apresentam a totalidade das Formas de arte segundo seu modo de configuração exterior De modo geral portanto temos de nos ocupar nesta terceira parte principal com o desdobramento do belo artístico nummundo da beleza efetivada nas artes e em suas obras O conteúdo desse mundo é o belo e o verdadeiro belo como vimos é a espiritualidade configurada o ideal mais precisamente o espírito absoluto a própria verdade Essa região da verdade divina exposta artisticamente para a intuição e a sensação Empfinden constitui o ponto central de todo o mundo artístico enquanto a forma autônoma livre e divina que se apropriou completamente da exterioridade da Forma e do material e a traz em si apenas como sua própria manifestação Entretanto uma vez que o belo aqui se desenvolve como efetividadeobjetiva e assim também se diferencia numa particularidade autônoma de aspectos e 116 momentos particulares esse centro se confronta com seus extremos realizados numa efetividade peculiar Aobjetividade ainda não espiritualizada mero envolvimento natural do Deus constitui por issoum destes extremos Aquié configurada a exterioridade enquanto tal que não tem seu fim e conteúdo espiritual em si mesma mas num outro Em contrapartida o outro extremoé o divino como interior sabido e a existência subjetiva variada e particular da divindade a verdade que é ativa e viva no sentimento Sinn no ânimo e no espírito do sujeito particular e não permanece dispersa em sua forma exterior mas retorna ao interior subjetivo particular Em virtude disso o divino enquanto tal permanece ao mesmo tempo diferenciado de sua manifestação pura comodivindade e assim entra na particularidade que pertence a todo saber sentir Fühlen contemplar e sentirEmpfinden subjetivos particulares No âmbito análogo da religião com a qual a arte em seu mais alto grau está em conexão imediata concebemos a mesma diferençano modo de que para nós em primeiro lugar por um lado se apresenta a vida terrena e natural em sua finitude num segundo momento a consciência transforma Deus em objeto no qual desaparece a diferença entre objetividade e subjetividade por fim num terceiro momento progredimos de Deus enquanto tal para a devoção dacomunidade para Deus enquanto ser vivo e presente na consciência Essas três diferenças principais também se apresentam num desenvolvimento autônomo no mundo da arte 1 A primeira das artes particulares com a qual devemos começar segundo essa determinação fundamental é a belaarquitetura Sua tarefa consiste em elaborar a natureza exterior inorgânica para que ela se torne como mundo exterior adequado à arte aparentada ao espírito Seu material é o próprio elemento material Materielle em sua exterioridade imediata enquanto massa mecânica pesada e suas Formas permanecem 117 as da natureza inorgânica ordenadas segundo as abstratas relações simétricas do entendimento Posto que nesse material e Formas o ideal enquanto espiritualidade concreta não pode ser realizado e assim a realidade exposta diante da Ideia se mantém impenetrável como exterior ou apenas se mantém numa relação abstrata o tipo fundamental da arquitetura é a Forma de arte simbólica Pois é a arquitetura que pela primeira vez abre o caminho para a efetividade adequada de Deus e trabalha a seu serviço com a natureza objetiva para tirála do matagal da finitude e da deformidade do acaso E assim ela aplana o lugar para o Deus dá Form para o exterior que o rodeia e constrói seu templo como o espaço para a concentração e direcionamento para os objetos absolutos do espírito Ela permite que uma envoltura Umschlieβung se erga para o alto para a reunião dos fiéis enquanto proteção contra a ameaça da tempestade contra a chuva o mau tempo e animais selvagens e manifesta aquele quererse reunir Sichsanzmelnwollen mesmo que de um modo exterior mas ainda assim artístico Esse significado ela pode em maior ou menor grau configurar em seu material e nas Formas dele caso a determinidade do Conteúdo para o qual ela assume seu trabalho seja mais ou menos significativa mais concreta ou abstrata mais aprofundada em si mesma ou mais nebulosa ou superficial Aliás nesse contexto ela pode até querer ir tão longe a ponto de conseguir em suas Formas e material uma existência artística adequada para aquele Conteúdo em tal caso ela já ultrapassou seu próprio âmbito e oscila em direção a seu estágio mais alto a escultura Pois seu limite consiste justamente em manter o espiritual como interior diante de suas Formas exteriores e com isso apontar para o que é pleno de alma apenas como uma outra coisa 2 E assim é por meio da arquitetura que o mundo exterior inorgânico é purificado ordenado simetricamente aparentado ao espírito e o templo de Deus é concluído a casa de sua comunidade m segundo lugar nesse templo entra 118 então o próprio Deus na medida em que o raio da individualidade bate na massa inerte a penetra e a própria Forma infinita do espírito não mais meramente simétrica concentra e configura a corporeidade Essa é a tarefa da escultura Na medida em que nela o interior espiritual para o qual a arquitetura apenas é capaz de apontar habita a figura sensível e seu material exterior e os dois lados se configuram umnooutroineinanderbilden de tal modo que nenhum deles prepondera a escultura assume a Forma de arte clássica como seu tipo fundamental Por isso não resta mais nenhuma expressão para o sensível por si que não seja a expressão do espiritual mesmo como por outro lado na escultura nenhum conteúdo espiritual é passível de exposição completa a não ser aquele que se deixa intuir inteira e adequadamente na forma corporal Pois o espírito deve por meio da escultura estar presente em silêncio e beato em sua Forma corporal numa unidade imediata e a Forma deve ser vivificada por meio do conteúdo d individualidade espiritual Assim o material sensível e exterior não é mais trabalhado apenas segundo sua qualidade mecânica como massa pesada nem nas Formas do inorgânico e nem como sendo indiferente à coloração e assim por diante mas é trabalhado nas Formas ideais da forma humana e na verdade na totalidade das dimensões espaciais Sob este último aspecto precisamos inicialmente destacar o fato de que na escultura o interior e o espírito pela primeira vez aparecem em seu repouso eterno e autonomia essencial A esse repouso e unidade consigo mesmo corresponde somente aquele exterior que ainda permanece propriamente em tal unidade e repouso Isso é a figura segundo suaespacialidade abstrata O espírito que a escultura expõe é em si mesmo sólido e não multiplamente disperso no jogo das contingências e paixões por isso ela também não abandona a exterioridade a essa variedade do fenômeno mas apreende ali unicamente este um aspecto da espacialidade abstrata em sua totalidade de dimensões 119 Se a arquitetura construiu o templo e a mão da escultura nele erigiu a estátua do Deus é a comunidade que em terceiro lugar encontrase diante de tal Deus sensível e presente nas amplas galerias de Sua casa Ela é a reflexão espiritual em si mesma daquela existência sensível é subjetividade e interioridade animada com a qual por isso a particularização a singularização e sua subjetividade são o princípio determinante para o conteúdo da arte bem como para o material a ser exposto externamente A sólida unidade em si mesma do Deus na escultura se fratura na multiplicidade da interioridade singularizada cuja unidade não é sensível mas pura e simplesmente ideal E é assim que o próprio Deus nesse ir e vir como essa modificação de sua unidade em si mesma e efetivação no saber subjetivo e sua particularização bem como a universalidade e união do múltiplo é então espírito verdadeiro o espírito em sua comunidade Deus é nela subtraído da identidade fechada em si mesma da abstração como também da submersão imediata na corporeidade tal como a escultura o expõe e é elevado à espiritualidade e ao saber a este reflexo Gegenschein que aparece essencialmente como interior e como subjetividade Por isso o conteúdo superior é agora a espiritualidade e na verdade enquanto absoluta por causa daquela dispersão porém ela aparece ao mesmo tempo como espiritualidade particular besondere como ânimo particular partikulär e posto que se apresentam como a coisa principal não o repouso sem necessidade do Deus em si mesmo senão a aparência em geral o ser para outro e o manifestar tornamse agora por si mesmos objetos de exposição artística também a mais variada subjetividade em seu movimento e atividade vivos como paixão ação e acontecimento humanos em suma o amplo âmbito do sentimentoEinpfindens da volição e da omissão humanos Segundo este conteúdo o elemento sensível da arte igualmente se particularizou em si mesmo para mostrarse adequado à interioridade subjetiva Tal material oferece a cor o som e por fim o som como mera 120 designação para intuições e representações interiores e como modos de realização daquele Conteúdo por meio deste material temos a pintura a música e a poesia Uma vez que aqui a matéria sensível aparece em si mesma particularizada e por todos os lados estabelecida idealmente ela corresponde geralmente ao Conteúdo espiritual em geral da arte e a conexão entre o significado espiritual e o material sensível progride para uma interioridade superior à que era possível na arquitetura e na escultura Contudo essa é uma unidade mais interior que toma totalmente partido do subjetivo e na medida em que Forma e conteúdo devem se particularizar e se estabelecer idealmente ela somente se realiza às custas da universalidade objetiva do Conteúdo assim como da fusão com o imediatamente sensível Assim como Forma e conteúdo se elevam à idealidade na medida em que abandonam arquitetura simbólica e o ideal clássico da escultura tais artes retiram seu tipo Typus da Forma de arte romântica cujo modo de configuração elas mais adequadamente estão destinadas a manifestar E elas são uma totalidade de artes porque o próprio romântico é em si mesmo a Forma a mai concreta A articulação interna desta terceira esfera das artes particulares deve ser estabelecida da seguinte maneira a A primeira arte que ainda se encontra próxima da escultura é a pintura Ela utiliza como material para seu conteúdo e sua configuração a visibilidade enquanto tal na medida em que esta se particulariza imediatamente nela mesma isto é se determina como cor O material da arquitetura e da escultura é na verdade igualmente visível e colorido mas não é como na pintura o tornar visível enquanto tal na qual a luz em si mesma simples ao se especificar com o seu oposto o escuro e com ele se associar se torna cor Essa visibilidade assim subjetivada e estabelecida idealmente não requer nem a diferença de massa abstratamente mecânica da materialidade pesada tal como na arquitetura nem a totalidade da espacialidade sensível 121 tal como a escultura ainda a mantém mesmo que concentrada e em Formas orgânicas antes a visibilidade e o tornar visível da pintura têm sua diferença idealizada como a particularidade das cores e assim libertam a arte da completude sensívelespacial do material na medida em que se restringem à dimensão da superfície Por outro lado o conteúdo também recebe a mais ampla particularização Tudo o que no coração humano ganha espaço enquanto sensaçãoEmpfindung representação e finalidade tudo o que o coração é capaz de configurar como fato toda essa multiplicidade pode constituir o diversificado conteúdo da pintura Todo o reino da particularidade desde o mais alto Conteúdo do espírito até os mais singulares objetos da natureza mantém sua posição Pois também a natureza finita em suas cenas e fenômenos particulares pode aqui aparecer basta que alguma alusão a um elemento do espírito as ligue mais intimamente com o pensamento e a sensaçãoEmpfindung b A segunda arte por meio da qual se efetiva o romântico é depois da pintura a música Embora ainda sensível seu material progride para uma subjetividade e particularização ainda mais profundas O estabelecimento ideal do sensível pela música deve ser procurado no fato de que ela supera igualmente a indiferente separação do espaço cuja aparência total a pintura ainda deixa subsistir e intencionalmente simula e a idealiza na unidade individualindividuelle Eins do ponto Mas enquanto tal negatividade o ponto é em si mesmo concreto e superação ativa no seio da materialidade como movimento e vibração do corpo material em si mesmo na sua relação consigo mesmo Tal idealidade inicial da matéria que não mais aparece como idealidade espacial mas como temporal é o som o sensível estabelecido negativamente cuja visibilidade abstrata se transformou em audibilidade na medida em que o som desprende o ideal como que de seu confinamento na materialidade Esta primeira interiorização e animação da matéria fornece o 122 material para a interioridade e alma propriamente ainda indeterminadas do espírito e permite que em seus sons o ânimo soe e ressoe com toda a escala de suas sensações e paixões Desse modo assim como a escultura se apresenta como o centro entre a arquitetura e as artes da subjetividade romântica a música constitui novamente o ponto central das artes românticas e o ponto de transição entre a sensibilidade espacial abstrata da pintura e a espiritualidade abstrata da poesia Enquanto oposição à sensação Empfindung e interioridade a música possui em si mesma como consequência tal como a arquitetura uma relação intelectual de quantidade e também o fundamento de uma sólida regularidade de sons e suas combinações c Finalmente aterceira exposição a mais espiritual da Forma de arte romântica devemos buscá la na poesia A sua peculiaridade característica reside na potência com que submete ao espírito e a suas representações o elemento sensível do qual a música e a pintura já haviam começado a libertar a arte Pois o som o último material exterior da poesia não é nela mais a própria sensação Empfindung que ressoa mas um signo Zeichen por si sem significação e na verdade um signo da representação tornada concreta em si mesma e não apenas da sensação Empfindung indefinida e de suas nuanças e gradações Por meio disso o som tornase palavra enquanto fonema em si mesmo articulado cujo sentido é designar representações e pensamentos na medida em que o ponto em si mesmo negativo para o qual a música se dirigia agora se apresenta como o ponto completamente concreto como ponto do espírito como o indivíduo autoconsciente que a partir de si mesmo une o espaço infinito da representação ao tempo do som Esse elemento sensível contudo que na música ainda se encontrava totalmente em união com a interioridade é aqui separado do conteúdo da consciência enquanto o espírito determina esse conteúdo para si e em si mesmo para a representação para 123 cuja expressão ele na verdade se serve do som mas somente como um signo por si mesmo destituído de valor e de conteúdo Assim o som pode ser mera letra pois o audível e do mesmo modo o visível se rebaixaram à mera alusão do espírito Em consequência o autêntico elemento da exposição poética é a própria representação poética e o processo de intuição Veranschaulichung espiritual na medida em que esse elemento é comum a todas as Formas de arte a poesia também atravessa a todas e se desenvolve autonomamente nelas A arte poética é a arte universal do espírito tornado livre em si mesmo e que não está preso ao material exterior e sensível para a sua realização que se anuncia apenas no espaço e no tempo interiores das representações e sentimentos Mas exatamente nesse estágio supremo a arte também ultrapassa a si mesma na medida em que abandona o elemento da sensibilização reconciliada do espírito e da poesia da representação passa para a prosa do pensamento Essa é a totalidade articulada das artes particulares a arte exterior da arquitetura a arte objetiva da escultura e a arte subjetiva da pintura da música e da poesia Na verdade tentaramse muitas vezes outros tipos de divisões pois a obra de arte oferece tal riqueza de aspectos que como muitas vezes ocorreu podemos estabelecer ora este ora aquele como fundamento de divisão como por exemplo o material sensível A arquitetura é então a cristalização e a escultura a figuração orgânica da matéria em sua totalidade sensível espacial a pintura a superfície colorida e a linha enquanto na música o espaço em geral passa para o ponto em si mesmo preenchido do tempo até por fim na poesia o material exterior ser totalmente desvalorizado Essas diferenças foram também concebidas segundo seu lado totalmente abstrato da espacialidade e temporalidade É certo que tal particularidade abstrata da obra de arte como o material pode ser perseguida de modo consequente em sua 124 peculiaridade mas não pode ser executada como o que em última instância fundamenta dado que tal aspecto mesmo tem sua srcem num princípio superior e deve por isso se submeter a ele Vimos que este princípio superior são as Formas de arte simbólica clássica e romântica que constituem os momentos universais da própria Ideia da beleza Sua relação com as artes particulares em sua forma concreta é de tal natureza que as artes constituem a existência real das Formas de arte Pois a arte simbólica alcança sua efetividade mais adequada e sua maior aplicação na arquitetura onde ela impera segundo o seu mais completo conceito e ainda não foi rebaixada por assim dizer à natureza inorgânica de uma outra arte para a Forma de arte clássica em contrapartida aescultura é a realidade incondicionada que assume a arquitetura apenas como envoltura e por outro lado ainda não é capaz de modelar a pintura e a música como Formas absolutas para seu conteúdo a Forma de arte romântica por fim se apropria da expressão pictural e musical de um modo autônomo e incondicionado como também da exposição poética mas a poesia é adequada a todas as Formas do belo e se estende sobre todas elas porque seu autêntico elemento é a bela fantasia e a fantasia é necessária para toda produção da beleza seja qual for a Forma a que pertença Portanto o que as artes particulares realizam em obras de arte singulares segundo o conceito são apenas as Formas universais da Ideia de beleza que a si se desenvolve enquanto que na su efetivação exterior erguese o amplo panteão da arte cujo construtor e mestre de obras é o espírito do belo que se apreende a si mesmo mas que a história mundial irá consumar apenas em seu desenvolvimento de milênios Arthur Schopenhauer Arthur Schopenhauer O mundo como vontade e representação O mundo como vontade e representação O mundo como vontade e representação O mundo como vontade e representação86 86 Arthur Schopenhauer 17881860 Arthur Schopenhauer 17881860 Tradução air Barboza Nos trechos a seguir selecionados de sua obra principal O mundo como vontade e representação 1818 Schopenhauer 17881860 aborda o modo peculiar de conhecimento propiciado pela arte Segundo ele há uma peculiaridade fundamental na contemplação estética por ser um modo de conhecimento destituído de vontade O conhecimento do belo supõe sempre inseparável e simultaneamente o puro sujeito que conhece e a Ideia conhecida como objeto Todavia a fonte da fruição estética residirá ora mais na apreensão da Ideia conhecida ora mais na bemaventurança e tranquilidade espiritual do conhecer puro livre de todo querer e individualidade e do tormento ligado a ela Além de interpretar a experiência estética à luz de sua metafísica da vontade Schopenhauer comenta as artes particulares como a pintura e faz a sua leitura da avaliação platônica sobre a arte em especial a poesia Temas Temas metafísica sublime vontade epistemologia pintura 86 SCHOPENHAUER A O Mundo como Vontade e Representação São Paulo UNESP 2005 p 265287 Agradecemos Editora da UNESP por autorizar a utilização do texto 38 Encontramos no modo de conhecimento estético DOIS COMPONENTES INSEPARÁVE Primeiro o conhecimento do objeto não como coisa isolada mas como IDEIA platônica ou seja como forma permanente de toda uma espécie de coisas depois a consciência de si daquele que conhece não como indivíduo mas como PURO SUJEITO DO CONHECIMENTO DESTITUÍDO VONTADE A condição sob a qual esses dois componentes entram em cena sempre unidos é abandono do modo de conhecimento ligado ao princípio de razão único útil para o serviço tanto da Vontade quanto da ciência Desses dois componentes do modo de conhecimento estético resulta também a SATISFAÇÃO despertada pela consideração do belo e na verdade satisfação mais e face de um ou de outro conforme o objeto da contemplação Todo QUERER nasce de uma necessidade portanto de uma carência logo de um sofrimento satisfação põe um fim ao sofrimento todavia contra cada desejo satisfeito permanecem pelo menos dez que não o são Ademais a nossa cobiça dura muito as nossas exigências não conhecem limites a satisfação ao contrário é breve e módica Mesmo a satisfação final é apenas aparente o desejo satisfeito logo dá lugar a um novo aquele é um erro conhecido este um erro ainda desconhecido Objeto algum alcançado pelo querer pode fornecer uma satisfação duradoura sem fim mas ela se assemelha sempre apenas a uma esmola atirada ao mendigo que torna sua vida menos miserável hoje para prolongar seu tormento amanhã Daí portanto deixarse inferir o seguinte pelo tempo em que o querer preenche a nossa consciência pelo tempo em que estamos entregues ao ímpeto dos desejos com suas contínuas esperanças e temores por conseguinte pelo tempo em que somos sujeito do querer jamais obtemos felicidade duradoura ou paz E em essência é indiferente se perseguimos ou somos perseguidos se tememos a desgraça ou almejamos o gozo o cuidado pela Vontade sempre exigente não importa em que figura preenche e move continuamente a consciência Se tranquilidade entretanto nenhum bemestar verdadeiro é possível O sujeito do querer consequentemente está sempre atado à roda de Íxion que não cessa de girar está sempre enchendo os tonéis das Danaides é o eternamente sedento Tântalo87 Quando entretanto uma ocasião externa ou uma disposição interna nos arranca subitamente da torrente sem fim do querer libertando o conhecimento do serviço escravo da Vontade e a atenção não é mais direcionada aos motivos do querer mas ao contrário à apreensão das coisas livres de sua relação com a Vontade portanto sem interesse sem subjetividade considerandoas de maneira puramente objetiva estando nós inteiramente entregues a elas na medida em que são simples representações não motivos então aquela paz sempre procurada antes pelo caminho do querer e sempre fugidia entra em cena de uma só vez por si mesma e tudo está bem conosco E o estado destituído de dor que Epicuro louvava como o bem supremo e como o estado dos deuses Pois nesse instante somos alforriados do desgraçado ímpeto volitivo festejamos o Sabbath88 dos trabalhos forçados do querer a roda de Íxion cessa de girar Semelhante estado é exatamente aquele descrito anteriormente como exigido para o conhecimento da Ideia como pura contemplação absorverse na intuição perderse no objeto esquecimento de toda individualidade supressão do modo de conhecimento que segue o princípio de razão e apreende apenas relações pelo que simultânea e inseparavelmente a coisa isolada intuída se eleva à Ideia de sua espécie e o indivíduo que conhece a puro sujeito do conhecer isento de Vontade ambos enquanto tais não mais se encontrando na torrente do tempo e de todas as outras relações É indiferente se se vê o pôr do sol de uma prisão ou de um palácio Disposição interna e preponderância do conhecimento sobre o querer podem introduzirnos nesse estado em qualquer ambiente Isso o mostram aqueles maravilhosos neerlandeses que direcionava sua intuição puramente objetiva aos objetos mais insignificantes e erigiam monumentos duradouros de sua objetividade e paz de espírito nas pinturas de NATUREZAMORTA que o espectado estético não pode considerar sem comoção visto que aqui se presentifica o calmo e sereno estado de espírito do artista livre de Vontade que era necessário para intuir objetivamente tão insignificantes coisas considerálas tão atenciosamente e depois repetir essa intuição de maneira tão límpida Na medida em que o quadro também exige a participação do espectador em semelhante estado a sua comoção muitas vezes é incrementada pela oposição com o estado pessoal inquieto a constituição mental irrequieta turvada pelo querer veemente na qual se encontra No mesmo espírito pintores de paisagem em especial Ruisdael frequentes vezes pintaram temas paisagísticos extremamente insignificantes e com isso produziram o mesmo efeito de maneira ainda mais aprazível Efeito tão intenso é alcançado exclusivamente pela força interna de uma mente artística Aquela disposição mental puramente objetiva também será favorecida e fomentada exteriormente pela intuição de objetos que predispõem a ela pela exuberância da bela natureza que nos convida à sua contemplação e até mesmo se nos impõe A natureza ao apresentarse de um só golpe ao nosso olhar quase sempre consegue nos arrancar embora apenas por instantes à subjetividade à escravidão do querer colocandonos no estado de puro conhecimento Com isso quem é atormentado por paixões ou necessidades e preocupações tornase mediante um único e livre olhar na natureza subitamente aliviado sereno reconfortado A tempestade das paixões o ímpeto dos desejos89 e todos os tormentos do querer são de imediato de uma maneira maravilhosa acalmados Pois no instante e que libertos do querer entregamonos ao puro conhecimento destituído de Vontade como que entramos num outro mundo onde tudo o que excita a nossa Vontade e assim tão veementemente nos abala não mais existe Tal libertação do conhecimento elevanos tão completamente sobre tudo isso quanto o sono e o sonho Felicidade e infelicidade desaparecem Não somos mais indivíduo este foi esquecido mas puro sujeito do conhecimento Existimos tão somente como olho cósmico UNO qu olha a partir de todo ser que conhece porém só no homem tem a capacidade de tornarse tão inteiramente livre do serviço da Vontade Nesse sentido as diferenças de individualidade desaparecem tão completamente que é indiferente se o olho que vê pertence a um rei poderoso ou a um mendigo miserável Pois felicidade e penúria não são transportadas além daqueles limites Note se o quão próximo de nós pode sempre se encontrar um domínio em que podemos nos furtar por completo à nossa penúria Mas quem tem a força para nele se manter por longo tempo Assim que surge novamente na consciência uma relação com a vontade com a nossa pessoa precisamente dos objetos intuídos puramente o encanto chega ao fim Recaímos no conhecimento regido pelo princípio de razão Não mais conhecemos a Ideia mas a coisa isolada elo de uma cadeia à qual nós mesmo pertencemos De novo estamos abandonados às nossas penúrias A maioria dos homens quase sempre se situa nesse ponto de vista já que lhes falta por completo a objetividade isto é a genialidade Eis por que de bom grado nunca ficam sozinhos com a natureza precisam de sociedade ao menos de um livro Seu conhecer permanece servil à Vontade Procuram por conseguinte só por aqueles objetos que têm alguma relação com o seu querer e de tudo que não possua uma tal relação ecoa em seu interior semelhante a um baixo fundamental um repetitivo e inconsolável de nada serve Assim na solidão até mesmo a mais bela cercania assume para eles um aspecto desolado cinza estranho hostil Essa bemaventurança do intuir destituído de vontade é por fim também o que espalha u encanto tão extraordinário sobre o passado e a distância expondoos em luz exuberante por meio de uma autoilusão pois na medida em que tornamos presentes os perdidos dias pretéritos longinquamente situados na verdade a fantasia chama de volta apenas os objetos não o sujeito do querer que outrora carregava consigo seus sofrimentos incuráveis como o faz agora Mas tais sofrimentos foram esquecidos Desde então cederam frequentemente o seu lugar a outros Comisso a intuição objetiva faz efeito na recordação exatamente como faria a intuição presente no caso de ser possível entregarmonos a esta livres do querer Eis por que sobretudo quando uma necessidade nos angustia mais do que o comum a recordação súbita de cenas do passado distante muitas vezes paira diante de nós como um paraíso perdido Apenas o objetivo não o individualsubjetivo é chamado de volta pela fantasia figurando diante de nós aquele objetivo como se outrora fosse tão puro e tão pouco turvado por qualquer relação com a vontade como o é agora a sua imagem na fantasia embora antes a relação dos objetos com o nosso querer provocasse tanto tormento quanto agora Podemos furtarnos ao sofrimento seja pelos objetos presentes seja pelos objetos longínquos desde que nos elevemos à pura consideração objetiva dos mesmos e consigamos criar a ilusão de que somente os objetos estão presentes não nós O resultado é que libertos do simesmo sofredor tornamonos como sujeito do conhecer inteiramente unos com os objetos e assim como nossa necessidade lhes é estranha assim também nesse instante semelhante necessidade é estranha a nós mesmos Resta apenas o mundo como representação o mundo como Vontade desapareceu Por meio de todas essas considerações espero ter tornado claro de que espécie e envergadura é a participação que possui a condição subjetiva da satisfação estética ou seja a libertação do conhecer a serviço da vontade o esquecimento de simesmo como indivíduo e a elevação da consciência ao puro sujeito do conhecer atemporal e destituído de vontade independente de todas as relações Ora unto com esse lado subjetivo da contemplação estética sempre entra emcena simultaneamente como correlato necessário o seu lado objetivo a apreensão intuitiva da Ideia platônica Antes porém de passarmos à consideração mais detalhada desse lado objetivo e das realizações da arte a ele relacionadas é aconselhável nos determos naquele lado subjetivo da satisfação estética e coroarmos a sua consideração com a explicitação da impressão do SUBLIME já que este depende por inteir da condição subjetiva da impressão estética e nasce por meio de uma modificação dela Depois consideraremos o lado objetivo com o que será completada toda a presente investigação Entrementes cabe ainda esta observação referente ao que foi dito até agora A luz é o mais aprazível das coisas Ela se tornou símbolo de tudo o que é bom e salutar Em todas as religiões ela indica a salvação eterna enquanto a escuridão indica a danação Ormuzd mora na mais pura luz Ahriman na noite eterna O paraíso de Dante assume as aparências de Vauxhall em Londres visto que todos os espíritos bemaventurados aparecem em pontos de luz reunidos em figuras regulares A ausência de luz nos torna imediatamente tristes seu retorno alegres As cores despertam de imediato um prazer vivaz e caso sejam transparentes atinge o grau supremo Tudo isso provém exclusivamente do fato de a luz ser o correlato e a condição do modo de conhecimento intuitivo mais perfeito o único que não afeta imediatamente a vontade Pois diferentemente das afecções dos outros sentidos a visão em si imediatamente e por meio de seu efeito sensível não é capaz do agradável ou desagradável da SENSAÇÃO no órgão Noutros termos não tem ligação imediat alguma com a vontade Só a intuição srcinada no entendimento pode ter tal ligação que dessa maneira encontrase na relação do objeto com a vontade Já na audição se dá algo completamente diferente Tons podem provocar dores imediatamente e sem referência à harmonia ou à melodia podem ser também de imediato sensualmente agradáveis O tato enquanto uno com o sentimento do corpo inteiro está ainda mais submetido a esse influxo imediato sobre a vontade embora também haja tato destituído de dor ou agrado O odor entretanto é sempre agradável ou desagradável o paladar ainda mais Portanto esses dois últimos sentidos são os mais intimamente ligados à vontade Eis por que sempre foram chamados de sentidos menos nobres e por Kant de sentidos subjetivos Por conseguinte a alegria proveniente da luz é de fato apenas a alegria derivada da possibilidade objetiva do modo de conhecimento intuitivo mais puro e perfeito Nesse sentido podese inferir que o conhecer puro livre e isento de todo querer é o mais altamente aprazível e nele mesmo possui uma substancial participação na fruição estética A partir dessa consideração da luz deriva também a beleza inacreditavelmente grandiosa que conferimos a objetos refletidos nágua Aquele tipo mais suave mais rápido mais sutil de ação dos corpos uns sobre os outros ao qual agradecemos a de longe mais perfeita e pura de nossas percepções a saber a impressão mediante raios de luz refletidos é aqui trazido perante os olhos de maneira inteiramente distinta clara completa em causa e efeito numa escala grandiosa Tal é a base de nossa alegria estética que no principal enraízase integralmente no fundamento subjetivo da satisfação estética e é alegria do puro conhecer e seus caminhos1 39 A todas essas considerações que intentam salientar a parte subjetiva da satisfação estética vale dizer que essa satisfação é a alegria do simples conhecimento intuitivo enquanto tal em oposição à Vontade ligase imediatamente à seguinte explanação daquela disposição que se denominou sentimento do SUBLIME Já foi anteriormente observado que o pôrse no estado do puro intuir ocorre da maneira mais fácil quando os próprios objetos se acomodam a tal estado isto é quando mediante a sua figura multifacetada e ao mesmo tempo distinta e determinada tornamse facilmente representantes de suas Ideias no que justamente consiste a beleza em sentido objetivo Sobretudo a bela natureza possui essa qualidade Por conseguinte ela desperta até na pessoa mais insensível ao menos uma satisfação estética fugaz Sim é notável como o reino vegetal em particular convida à consideração estética como que a exige Poderseia até dizer que semelhante vir ao encontro de nós está ligado ao fato de tais seres orgânicos não serem como o corpo animal objeto imediato do conhecimento por conseguinte precisam de outro indivíduo dotado de entendimento para a partir do mundo do querer cego entrarem em cena no mundo como representação Anseiam por essa entrada para conseguirem ao menos mediatamente o que lhes é negado imediatamente Porém não insistirei nesse pensamento arriscado talvez beirando o excêntrico pois apenas uma consideração bastante íntima e concentrada da natureza poderá provocálo e justificálo2 Enquanto esse viraoencontro da natureza e a significação e distinção de suas formas mediante as quais nos falam as Ideias nelas individualizadas for o que nos tira do conhecimento das meras relações que servem à vontade pondonos no estado de contemplação estética para assim nos elevar a puro sujeito do conhecer destituído de Vontade é simplesmente o BELO que age sobre nós e o sentimento aí despertado é o da beleza Contudo se precisamente os objetos cujas figuras significativas nos convidam à sua pura contemplação têm uma relação hostil com a Vontade humana em geral como exposta em sua objetidade o corpo humano e sãolhe contrários ameaçandoo com toda a sua superpotência que elimina qualquer resistência ou reduzindoo a nada com toda a sua grandeza incomensurável e se apesar disso o contemplador não dirige a sua atenção a essa relação hostil impositiva contra sua vontade mas embora a perceba e a reconheça desviase dela com consciência na medida em que se liberta violentamente da própria vontade e de sua relações entregue agora tão somente ao conhecimento e contempla calmamente como puro sujeito do conhecer destituído de Vontade exatamente aqueles objetos tão aterradores para a Vontade apreendendo somente a sua Ideia alheia a qualquer relação por conseguinte detendose de bom grado em sua contemplação conseguintemente elevandose por sobre si mesmo sua pessoa seu querer qualquer querer então o que o preenche é o sentimento do SUBLIME ele se encontra no estado de elevação justamente também nomeandos SUBLIME o objeto que ocasiona esse estado90 O que diferencia o sentimento do sublime do sentimento do belo é o seguinte No belo o puro conhecimento ganhou a preponderância sem luta pois a beleza do objeto isto é a sua índole facilitadora do conhecimento da Ideia removeu da consciência sem resistência e portanto imperceptivelmente a vontade e o conhecimento das relações que a servem de maneira escrava o que aí resta é o puro sujeito do conhecimento sem nenhuma lembrança da vontade No sublime ao contrário aquele estado de puro conhecimento é obtido por um desprenderse consciente e violento das relações do objeto com a vontade conhecidas como desfavoráveis mediante um livre elevarse acompanhado de consciência para além da vontade e do conhecimento que a esta se vincula Uma tal elevação tem de ser não apenas obtida com consciência como também mantida com consciência sendo assim acompanhada de uma contínua lembrança da Vontade porém não de um querer particular individual como o temor ou o desejo mas da Vontade humana em geral tal qual esta se exprime em sua objetidade o corpo humano Caso um ato isolado e real da Vontade entre em cena na consciência por meio de uma aflição efetiva pessoal e de um perigo advindo do objeto imediatamente a vontade individual assim efetivamente excitada ganha a preponderância e a calma da contemplação se torna impossível A impressão do sublime se perde visto que cede lugar à angústia o esforço do indivíduo para se salvar reprime quaisquer outros pensamentos Alguns exemplos contribuirão bastante para tornar clara essa teoria do sublime estético e assim a colocar fora de dúvida ao mesmo tempo eles mostrarão a diversidade de graus do sentimento do sublime Este como vimos é em sua determinação fundamental uno com o sentimento do belo com o conhecer puro destituído de Vontade e com a entrada em cena necessária do conhecimento das Ideias alheias às relações determinadas pelo princípio de razão Apenas por u acréscimo é que o sentimento do sublime se distingue do belo a saber pelo elevarse para além da relação conhecida como hostil do objeto contemplado com a Vontade em geral Nascem daí diversos graus de sublime sim gradações entre o belo e o sublime91 em função de semelhante acréscimo ser forte clamoroso impositivo próximo ou apenas fraco distante só indicado Penso ser mais apropriado para a minha exposição primeiro trazer diante dos olhos essas gradações e em geral os graus mais fracos de impressão do sublime embora aqueles de receptividade estética não tão grande e fantasia não tão vivaz só possam compreender os exemplos que logo depois serão fornecidos dos graus mais elevados e distintos do sublime únicos nos quais podem se deter podendo portanto deixar de lado os primeiros exemplos dos graus mais débeis da mencionada impressão Assim como o homem é ímpeto tempestuoso e obscuro do querer indicado pelo polo dos órgãos genitais como seu foco e simultaneamente sujeito eterno livre sereno do puro conhecer indicado pelo polo do cérebro assim também em conformidade com essa oposição o sol é fonte de LUZ condição do modo mais perfeito de conhecimento e justamente por isso do que há mais aprazível nas coisas e simultaneamente é fonte de CALOR da primeira condição de qualquer vida isto é d todo fenômeno da Vontade em graus mais elevados Assim o que o calor é para a vontade a luz é para o conhecimento A luz é justamente por isso o maior diamante na coroa da beleza e tem a mais decisiva influência no conhecimento de todo objeto belo sua presença em geral é condição indispensável seu posicionamento favorável incrementa até mesmo a beleza do que há de mais belo Sobretudo o belo na arquitetura é incrementado por seu favor com o qual inclusive a coisa mais insignificante se torna objeto belo Ora em meio ao inverno rigoroso a toda natureza congelada ao vermos os raios do sol nascente se refletirem na massa pétrea iluminandoa sem aquecêla com o que apenas o modo mais puro de conhecimento é favorecido não a vontade a consideração do belo efeito da luz sobre essa massa nos coloca como toda beleza no estado do puro conhecer Aqui entretanto mediante a breve lembrança da ausência de aquecimento por aqueles raios portanto do princípio vivificador já é preciso uma certa elevação sobre o interesse da vontade um pequeno esforço é exigido para permanecer no puro conhecimento com desvio de todo querer justamente por aí operandose uma transição92 do sentimento do belo para o do sublime Tratase do traço mais tênue do sublime no belo este último a aparecer aqui apenas em grau muito baixo Um grau ainda mais baixo é o que se segue Transportemonos para uma região extremamente solitária horizonte a se perder de vista sob o céu completamente sem nuvens árvores e plantas numa atmosfera inteiramente imóvel nenhum animal nenhum homem nenhuma corrente de água a quietude mais profunda Uma tal cercania é como se fosse um apelo à seriedade à contemplação com abandono de todo querer e sua indigência mas justamente isso confere a uma tal cercania solitária e profundamente quieta um traço de sublime pois visto que não oferece objeto algum nem favorável nem desfavorável à vontade ávida de ansiar e adquirir permanece ali apenas o estado da contemplação pura e quem não é capaz desta será sacrificado com ignomínia vergonhosa ao vazio da vontade desocupada ao tormento do tédio Na presença de uma semelhante cercania temos uma medida do nosso valor intelectual Um bom critério desse é em geral o grau da nossa capacidade de suportar ou amar a solidão A descrita cercania fornece portanto um exemplo do sublime em grau baixo na medida em que nela ao estado de puro conhecer em sua paz e plena suficiência mesclase como contraste uma lembrança da dependência e pobreza de uma vontade necessitada de constantes empenhos Esse é o tipo de sublime que celebrizou as pradarias ilimitadas no interior da América do Norte Se agora imaginarmos essa região também desnudada de plantas e mostrando apenas rochedos escarpados então mediante a completa ausência do orgânico necessário à nossa subsistência a vontade já se angustia O ermo assume um caráter amedrontador Nossa disposição se torna mais trágica A elevação ao puro conhecer ocorre com abandono decisivo do interesse da vontade e enquanto permanecemos no estado do puro conhecer entra em cena de maneira bem distinta o sentimento do sublime Em grau ainda maior o sentimento do sublime pode ser ocasionado pela natureza em agitação tempestuosa Semiescuridão e nuvens trovejantes ameaçadoras Rochedos escarpados horríveis n sua ameaça de queda e que vedam o horizonte Rumor dos cursos dágua espumosos Ermo completo Lamento do ar passando pelas fendas rochosas Aí aparece intuitivamente diante dos olhos a nossa dependência a nossa luta contra a natureza hostil a nossa vontade obstada porém enquanto as aflições pessoais não se sobrepõem e permanecemos em contemplação estética é o puro sujeito do conhecer quem mira através daquela luta da natureza através daquela imagem da vontade obstada para apreender de maneira calma imperturbável incólume unconcerned as Ideias exatamente naqueles objetos que são ameaçadores e terríveis para a vontade Precisamente nesse contraste reside o sentimento do sublime A impressão é ainda mais poderosa quando temos diante dos olhos a luta revoltosa das forças da natureza em larga escala quando nessa cercania uma catarata a cair impede com seu estrépito que ouçamos a própria voz ou quando nos postamos diante do amplo e tempestuoso mar montanhas dágua sobem e descem a rebentação golpeia violentamente os penhascos espumas saltam no ar a tempestade uiva o mar grita relâmpagos faíscam das nuvens negras e trovões explodem em barulho maior do que o da tempestade e do mar Então no imperturbável espectador dessa cena a duplicidade de sua consciência atinge o mais elevado grau ele se sente simultaneamente como indivíduo fenômeno efêmero da Vontade que o menor golpe daquelas forças pode esmagar indefeso contra a natureza violenta dependente entregue ao acaso um nada que desaparece em face de potências monstruosas e também se sente como sereno e eterno sujeito do conhecer o qual como condição do objeto é o sustentáculo exatamente de todo esse mundo a luta temerária da natureza sendo apenas sua representação ele mesmo repousando na tranquila apreensão das Ideias livre e alheio a todo querer e necessidade É a plena impressão do sublime aqui ocasionada pela visão de uma potência superior ao indivíduo além de qualquer possibilidade de comparação e que o ameaça com o aniquilamento De uma maneira completamente diferente nasce a impressão do sublime a partir da presentificação de uma simples grandeza no espaço e no tempo cuja incomensurabilidade reduz o indivíduo a nada Podemos denominar aquele primeiro tipo sublime dinâmico este segundo sublime matemático guardando assim a nomenclatura kantiana e sua correta partição embora nos distanciemos por completo dele na explicitação da essência íntima dessa impressão isentandoa seja de reflexões morais seja de hipóstases da filosofia escolástica Quando nos perdemos na consideração da grandeza infinita do mundo no espaço e no tempo quando meditamos nos séculos passados e vindouros ou também quando consideramos o céu noturno estrelado tendo inumeráveis mundos efetivamente diante dos olhos e a incomensurabilidade do cosmo se impõe à consciência sentimonos nessa consideração reduzidos a nada sentimonos como indivíduo como corpo vivo como fenômeno transitório da Vontade uma gota no oceano condenados a desaparecer a dissolvermonos no nada Mas eis que se eleva simultaneamente contra tal fantasma de nossa nulidade contra aquela impossibilidade mentirosa a consciência imediata de que todos esses mundos existem apenas em nossa representação apenas como modificações do eterno sujeito do puro conhecer o qual nos sentimos tão logo esquecemos a individualidade sujeito este que é o sustentáculo necessário e condicionante de todos os mundos e de todos os tempos A grandeza do mundo antes inquietante repousa agora em nós Nossa dependência dele é suprimida por sua dependência de nós Tudo isso contudo não entra em cena imediatamente na reflexão mas se mostra como uma consciência apenas sentida de que em certo sentido que apenas a filosofia pode revelar somos unos com o mundo e por conseguinte não somos oprimidos por sua incomensurabilidade mas somos elevados É a consciência sentida daquilo que o Upanixade dos vedas já exprimiu repetidas vezes de maneira variada em especial no dito antes citado Hae omnes creaturae in totum ego sum et praeter me aliud ens non est todas essas criações em sua totalidade são eu e exterior a mim não existe ser algumUpanixade XXIV vI p122 Tratase de elevação para além do indivíduo sentimento do sublime93 Também se pode receber essa impressão do sublime matemático de uma maneira completamente imediata já através de um espaço que considerado em comparação com a abóbada celeste é pequeno porém por ser perceptível imediata e completamente faz efeito sobre nós com sua inteira grandeza em todas as três dimensões tornando a medida de nosso corpo quase que infinitamente pequena Isso nunca pode ser ocasionado por um espaço vazio para a percepção logo por u espaço aberto mas somente por um espaço perceptível imediatamente em todas as dimensões pela limitação portanto uma cúpula enorme e bastante alta como a da catedral de São Pedro em Roma ou a de São Paulo em Londres O sentimento do sublime nasce aqui pela percepção do nada esvaecent de nosso próprio corpo em face de uma grandeza que por seu turno se encontra apenas em nossa representação cujo sustentáculo somos nós como sujeito que conhece portanto como em toda parte o sentimento do sublime nasce aqui do contraste da insignificância e dependência de nosso simesmo como indivíduo como fenômeno da Vontade com a consciência de nosso simesmo como puro sujeito do conhecer Mesmo a abóbada do céu estrelado atua assim sobre nós desde que seja considerada sem reflexão não em sua verdadeira grandeza mas sim em sua grandeza aparente Muitos objetos de nossa contemplação despertam a impressão do sublime pelo fato de tanto e virtude de sua grandeza espacial quanto de sua avançada antiguidade portanto de sua duração temporal fazerem com que nos sintamos diante deles reduzidos a nada não obstante deleitarmonos com sua visão Desse tipo são as altíssimas montanhas as pirâmides do Egito as ruínas colossai da grande Antiguidade Sim também ao ético se deixa transmitir a nossa explanação do sublime a saber àquilo que se descreve como caráter sublime Este também se srcina do fato de a vontade não ser excitada por objetos que normalmente são propícios para excitála ao contrário também aí o conhecimento prepondera Um semelhante caráter consequentemente considerará os homens de maneira puramente objetiva não segundo as relações que poderiam ter com a sua vontade O caráter sublime por exemplo notará erros ódio injustiça dos outros contra si sem no entanto ser excitado pelo ódio notará a felicidade alheia sem no entanto sentir inveja até mesmo reconhecerá as qualidades boas dos homens sem no entanto procurar associação mais íntima com eles perceberá a beleza das mulheres sem cobiçálas A sua felicidade ou infelicidade pessoal não lhe abaterá mas antes será como o Horácio descrito por Hamlet for thou hast been As one in suffering all that suffers nothing A man that fortunes buffets and rewards Hast taen with equal thanks etc A 3 sc 2 94 Pois em seu próprio decurso de vida com seus acidentes olhará menos a própria sorte e mais a da humanidade em geral e assim conduzirá a si mesmo mais como quem conhece não como quem sofre 40 Visto que os opostos se esclarecem talvez seja aqui oportuna a observação de que o oposto propriamente dito do sublime é algo que à primeira vista não se reconhece como tal o EXCITANTE Entendo sob este termo aquilo que estimula a vontade apresentandose diretament à sua satisfação ao seu preenchimento Se o sentimento do sublime nasce quando um objeto empírico desfavorável à vontade se torna objeto de pura contemplação mantida mediante um contínuo desvio da vontade e elevação sobre seus interesses o que justamente constitui a sublimidade da disposição o excitante ao contrário faz descer o espectador da pura contemplação exigida para apreensão do belo ao excitar necessariamente a sua vontade por meio de objetos empíricos que lhe são diretamente favoráveis com isso o puro contemplador não permanece mais puro sujeito do conhecer mas se torna o necessitado e dependente sujeito do querer Que comumente todo belo mais jovial seja chamado excitante é algo a ser creditado a um conceito demasiado amplo por falta de uma discriminação mais correta e que tenho de colocar completamente de lado sim desprezar Na acepção já mencionada e explanada encontro apenas dois tipos de excitante no domínio da arte ambos indignos dela Um deles bem inferior encontrase nas naturezasmortas dos neerlandeses quando estes se equivocam na exposição de iguarias comestíveis que por meio de sua apresentação ilusória despertam necessariamente o apetite um verdadeiro estímulo à vontade que põe fim a qualquer contemplação estética do objeto Frutas pintadas ainda são aceitáveis visto que como um desenvolvimento tardio de flores e pela sua forma e cor oferecemse como um belo produto natural sem que se seja obrigado a pensar na sua comestibilidade Mas infelizmente encontramos com frequência pintadas com naturalidade ilusória iguarias preparadas e servidas ostras arenques lagostas pães amanteigados cerveja vinho etc tudo isso é bastante repreensível Na pintura de gênero e na escultura o excitante consiste nas suas figuras nuas cujo posicionamento semipanejamento e todo o modo de execução são calculados para despertar a lubricidade do espectador pelo que a pura consideração estética é de imediato suprimida e a obra se posta contra a finalidade da arte Um tal erro corresponde por inteiro àquele dos neerlandeses anteriormente censurado Os antigos apesar da plena nudez e completa beleza de suas figuras estão quase sempre livres desse erro já que o artista mesmo as criou com espírito puramente objetivo cheio de beleza ideal não com espírito de cobiça subjetiva sensual O excitante portanto é em toda parte para ser evitado na arte Há também um excitante negativo ainda mais repreensível que o recémexplanado excitante positivo Tratase do repugnante o qual assim como o excitante em sentido estrito desperta a vontade do espectador e com isso destrói a pura consideração estética Aqui no entanto o que é excitado é um violento nãoquerer uma repulsa A vontade é despertada na medida em que lhe são apresentados objetos de horror Por isso se reconheceu desde sempre que o excitante negativo é inadmissível na arte na qual até mesmo o feio é suportável desde que não repugnante e seja posto em lugar adequado como veremos mais adiante 41 O curso de nossa consideração tornou necessário incluir a elucidação do sublime ali onde a do belo foi efetuada apenas em sua metade ou seja só no tocante ao lado subjetivo Pois é apenas uma modificação especial desse lado o que diferencia o sublime do belo a saber se o estado do puro conhecer destituído de Vontade pressuposto e exigido por toda contemplação estética apareceu por si mesmo sem resistência mediante o simples desaparecer da vontade da consciência na medida em que o objeto convida e atrai para isso ou se semelhante estado foi alcançado por elevação livre e consciente por sobre a vontade em referência à qual o objeto empírico contemplado tem uma relação até mesmo desfavorável hostil e que suprimiria a contemplação caso nos detivéssemos nele Eis aí a diferença entre belo e sublime Quanto ao objeto no entanto belo e sublime não são essencialmente diferentes Pois em cada um deles o objeto da consideração estética não é a coisa isolada mas a Ideia que nela se esforça por revelação isto é a objetidade adequada da Vontade num grau determinado O correlato necessário da Ideia e tanto quanto esta independente do princípio de razão é o puro sujeito do conhecer assim como o correlato da coisa isolada é o indivíduo cognoscente os dois últimos residindo no domínio do princípio de razão Quando nomeamos um objeto BELO dizemos que ele é objeto de nossa consideração estética e isso envolve dois fatores Primeiro a sua visão nos torna OBJETIVOS isto é na sua contemplaçã estamos conscientes de nós mesmos não como indivíduos mas como puro sujeito do conhecer destituído de Vontade Segundo conhecemos no objeto não a coisa particular mas uma Ideia o que só ocorre caso a nossa consideração do objeto não esteja submetida ao princípio de razão não siga uma relação do objeto com algo exterior a ele o que em última instância sempre se conecta a uma relação com nossa vontade mas repouse no objeto mesmo Pois a Ideia e o puro sujeito do conhece sempre entram em cena na consciência simultaneamente como correlatos necessários Com essa entrada em cena desaparece também concomitantemente toda diferença temporal pois os dois são completamente alheios ao princípio de razão em todas as suas figuras e estão fora das relações por ele estabelecidas são comparáveis ao arcoíris e ao sol que não têm participação alguma no movimento incessante e na sucessão de gotas que caem Por conseguinte se por exemplo conheço esteticamente uma árvore ou seja com olhos artísticos portanto não ela mas a sua Ideia é se significação se a árvore intuída é exatamente esta ou seu ancestral vicejante há milhares de anos Do mesmo modo é indiferente se o espectador é este ou aquele outro indivíduo que viveu numa época e num lugar diferentes pois juntamente com o princípio de razão foram suprimidos tanto a coisa individual quanto o indivíduo que conhece restando somente a Ideia e o puro sujeito do conhecer os quais juntos constituem a objetidade adequada da Vontade nesse grau A Ideia está isenta não apenas do tempo mas também do espaço a Ideia não é propriamente uma figura espacial que oscila diante de mim ao contrário é a expressão a significação pura o ser mais íntimo da figura que se desvela e fala para mim Ideia que é integralmente a mesma apesar da grande diversidade das relações espaciais da figura Visto que de um lado toda coisa existente pode ser considerada de maneira puramente objetiva e exterior a qualquer relação e de outro a Vontade aparece em toda coisa num grau determinado de sua objetidade expressão de uma Ideia seguese daí que toda coisa é BELA Que também insignificante possa tornarse objeto de uma consideração puramente objetiva e destituída de vontade e assim se justifique como belo atestao nesse sentido as mencionadas naturezasmortas dos neerlandeses 38 Uma coisa é mais bela que outra quando facilita a pura consideração objetiva vemlhe ao encontro sim como que compele a isso então a nomeamos muito bela Esse é o caso primeiro quando algo isolado exprime de modo puro a Ideia de sua espécie mediante proporção bem distinta puramente determinada inteiramente significativa de suas partes reunindo em si todas as exteriorizações possíveis da Ideia de sua espécie e a manifestando com perfeição ustamente por aí a coisa isolada facilita bastante ao espectador a transição para a Ideia o qual atinge assim o estado de intuição pura segundo quando aquela vantagem da beleza particular de um objeto reside em a Ideia mesma a exprimirse a partir dele ser um grau superior de objetidade da Vontade e por conseguinte diz muito mais é mais significativo Eis por que o ser humano mais do que qualquer outra coisa é belo e a manifestação de sua essência é o fim supremo da arte A figura e expressão humanas são o objeto mais significativo das artes plásticas assim como as ações humanas o são da poesia Contudo cada coisa possui a sua beleza específica não apenas cada ser orgânico que se expõe na unidade de uma individualidade mas também cada ser inorgânico e informe sim cada artefato pois todos manifestam as Ideias pelas quais a Vontade se objetiva nos graus mais baixos dando por assim dizer o tom mais profundo e grave da harmonia da natureza Gravidade rigidez fluidez luz etc são as Ideias que se exprimem em rochedos edifícios correntezas dáguas As belas jardinagem e arquitetura podem apenas ajudálas a desdobrar suas qualidades distintamente de maneira multifacetada e plena oferecendolhes oportunidade de se exprimir puramente com o que justamente clamam por consideração estética facilitandoa Consideração essa que é pouco ou nada permitida por edifícios ruins ou ambientes que negligenciam a natureza e assim corrompem a arte Todavia mesmo de tais objetos as Ideias fundamentais e gerais da natureza não podem ser totalmente banidas Elas ainda falarão mediante semelhantes objetos ao espectador que as procure Mesmo edifícios ruins ainda são passíveis de consideração estética as Ideias da qualidades gerais da sua matéria permanecem reconhecíveis apesar de a forma artificiosa ali empregada não ser nenhum meio de facilitação da Ideia mas antes um obstáculo que dificulta a consideração estética Também artefatos servem em consequência para a expressão de Ideias Porém não é a Ideia de artefato que se exprime a partir deles mas a do material ao qual se deu ess forma artística Na língua dos escolásticos isso é dito bem confortavelmente com duas palavras a saber no artefato exprimese a sua forma substantialis forma substancial não a sua forma forma accidentalis forma acidental Esta última não conduz a Ideia alguma mas apenas a um conceito humano da qual se srcinou Excusado é dizer que por artefato não entendemos expressamente nenhuma obra da arte plástica De resto os escolásticos compreendiam sob forma substantialis em verdade aquilo que nomeio grau de objetivação da Vontade em uma coisa Retornarei à forma de expressão da Ideia de material quando da consideração da bela arquitetura Em conformidade co nossa visão não podemos concordar com Platão quando este afirma Rep X 596 b Parmen 130 bd que mesa e cadeira expressam as Ideias de mesa e cadeira Ao contrário dizemos que elas expressam as Ideias que já se exprimem em seu mero material Porém conforme AristótelesMet XI cap 3 Platão mesmo estatuíra somente Ideias de seres naturais ό Πλατων εφη ότι είδη εστιν όποσα φυσει Plato dixit quod ideae eorum sunt quae natura sunt95 e no cap 5 é dito que conforme os platônicos não há Ideia alguma de casa e anel Em todo caso já os discípulos mai próximos de Platão como relata Alcino negavam que houvesse Ideia de artefatos Ele diz Ορίζονται δε την ιδεαν παραδειγμα των κατα φυσιν αιωνιον Ουτε γαρ τοις πλειστοις των απο Πλατωνος αρεσκει των τεχνικων ειναι ιδεας οίον ασπιδος η λυρας ουτε μην των παρα φυσιν οίον πυρετου και χολερας ούτε των κατα μερος οίον Σωκρατους και Πλατωνος αλλ ουτε των ευτελων τίνος οίον ρυπου και καρφους Ί ουτε των προς τι οίον μείζονος και ύπερεχοντος ειναι γαρ τας ιδεας νοησεις θεου αιωνιους τε και αυτοτελεις Definiunt autem ideam exemplar aeternum eorumquae secundum naturam existunt Nam plurimis ex iis qui Platonem secuti sunt minime placuit arte factorum ideas esse ut clypei atque Lyrae negue rursus eorumquae praeter naturam ut febris et cholerae negue particularium ceu Socratis et Platonis negue etiam rerumvilium veluti sordium et festucae negue relationum ut majoris et excedentis esse namque ideas intellectiones dei aeternas ac seipsis perfectas 96 Nesta ocasião é preciso ainda mencionar um outro ponto da doutrina platônica das Ideias em relação ao qual a nossa doutrina se distancia bastante quando ele ensinaRep X 597 d 598 a que o objeto cuja exposição a bela arte intenta o modelo da pintura e da poesia não seria a Ideia mas a coisa individual Minha visão inteira da arte e do belo afirma justamente o contrário e tampouco a opinião de Platão nos fará errar em verdade ela é a fonte de um dos maiores e mais reconhecidos erros daquele grande homem a saber a depreciação e rejeição da arte em especial da poesia Seus falsos juízos sobre esta estão diretamente associados à mencionada passagem 42 Retorno ao meu tratamento filosófico da impressão estética O conhecimento do belo supõe sempre inseparável e simultaneamente o puro sujeito que conhece e a Ideia conhecida como objeto Todavia a fonte da fruição estética residirá ora mais na apreensão da Ideia conhecida ora mais na bemaventurança e tranquilidade espiritual do conhecer puro livre de todo querer e individualidade e do tormento ligado a ela A predominância de um ou outro componente da fruição estética dependerá de a Ideia apreendida intuitivamente ser um grau elevado ou mais baixo de objetidade da Vontade Assim tanto na consideração estética na efetividade ou pelo médium da arte da bela natureza nos reinos inorgânico e vegetal quanto nas obras da bela arquitetura a fruição do puro conhecer destituído de vontade será preponderante porque as Ideias aqui apreendidas são graus mais baixos de objetidade da Vontade por conseguinte não são fenômenos de significado mais profundo e conteúdo mais sugestivo Se ao contrário o objeto da consideração ou da exposição estética fore animais e homens a fruição residirá mais na apreensão objetiva dessas Ideias as quais são a manifestação mais clara da Vontade pois expõem a grande variedade de figuras a riqueza e o significado profundo dos seus fenômenos logo manifestam da maneira mais perfeita a essência da Vontade em sua veemência sobressalto satisfação ou em sua discórdia exposições trágicas finalmente até mesmo em sua viragem ou autosupressão que em especial é o tema da pintura cristã De modo geral a pintura de gênero e o drama têm por objeto a Ideia da Vontade iluminada por pleno conhecimento Passarei agora em revista as artes particulares pelo que justamente a exposta teoria do belo adquirirá mais nitidez e completude Notas Notas i Cf cap 33 do segundo tomo ii Tanto mais me alegra e surpreende agora quarenta anos após conceber o pensamento anterior tão tímida e hesitantemente a descoberta de que já Santo Agostinho o havia expressado Arbusta ormas suas varias quibus mundi hujus visibilis structura formosa est sentiendas sensibus raebent ut pro eo quod nosse non possunt quasi innotescere velle videantur De civ Dei XI 27 As árvores oferecem à percepção dos sentidos as suas formas variadas com as quais a estrutura deste mundo visível é adornada de tal maneira que por serem incapazes de conhecer podem aparecer como se quisessem ser conhecidas 87 Na mitologia grega Íxion tentou se envolver afetivamente com Hera esposa de Zeus e é por este condenado a girar eternament numa roda flamejanteTântalo desafiou a onisciência dos deuses cozinhando o próprio filho e o servindo a eles porém descoberto em seu embuste foi condenado a sede e fome eternas no inferno pendurado num galho e tentando alcançar a água próxima que sempre se afasta ou comer frutos de galhos sempre levados pelo vento As Danaides companheiras de infortúnio de íxion e Tântalo por tere assassinado os maridos foram condenadas a encher dágua tonéis sem fundo N T 88 Sábado sétimo dia da semana reservado pelos judeus ao descanso N T 89 Sturm der Leidenschaften tempestade das paixões e Drang des Wunsches ímpeto dos desejos justamente termos que compõem o nome do movimento artístico ultrarromântico alemão Sturm und Drang Schopenhauer tem aqui em mente sem dúvida a inquietaçã romântica de seu período cuja obra exponencial foiOs sofrimentos do jovem Werther de Goethe que lida por jovens impetuosos e atormentados muitas vezes não correspondidos amorosamente como o personagem principal do romance desencadeou uma onda de suicídios na Europa N T 90 Sublime aqui se escreve Erhabenen Tratase da substantivação do verboerheben elevarse O sublime pois é um estado de Erhebung elevação Já o objeto empírico que ocasiona tal estado é dito sublime erhaben Como sevê um jogo de palavras feito por Schopenhauer com os termos Erhabenen Erhebung erhaben N T 91 Traduzimos aquiÜbergänge por gradações em vez de transições como teríamos de fazêlo se optássemos por uma versão mais comportada Isso para diferenciar Schopenhauer de Kant que opera uma transiçãoÜbergang definitiva entre o belo e o sublime no capítulo 23 daCrítica da faculdade de juízo Schopenhauer porém emprega aqui o termoÜbergang no sentido de transcurso gradual sem que haja saída de um ponto e chegada a outro diferente Como dito linhas antes pelo autor o sentimento do sublime em sua determinação fundamental Ideia intuída é uno com o do belo distinguindose deste apenas pelo acréscimo do elevarse d contemplador para além da relação conhecida como desfavorável do objeto com a Vontade Tanto é que Schopenhauer falará mais adiante do sublime no beloErhabenen am Schönen Com isso o termo gradação funciona melhor porque indica os graus sequenciais em que suavemente o belo e o sublime se confundem de acordo com o estado estético em que se está sem porém distinguiremse em natureza N T 92 Cf nota anterior N T 93 Novamente o jogo de palavras entre Erhebung elevação e Erhabenen sublime N T 94 Fostes como alguém Que sofrendo tudo nada sofreu Um homem que recebeu equânime Tanto a favorável quanto a desfavorável fortuna N T 95 Platão ensinou que há tantas Ideias quanto há coisas naturais N T 96 Definem Ideia como arquétipos eternos das coisas naturais Muitos dos discípulos de Platão não admitem que haja Ideias d artefatos isto é de clípeos ou liras ou de coisas contra a natureza como febre e cólera nem de seres individuais como Sócrates e Platão muito menos de coisas insignificantes como adornos e pequenos pedaços ou ainda de relações como ser maior ou menor pois as Ideias são os pensamentos eternos e acabados de deus N T Karl Marx Karl Marx Manuscritos econôm Manuscritos econômicofilosóficos e Grun icofilosóficos e Grundrisse drisse Manuscritos econômicofilosóficos e Grundrisse Manuscritos econômicofilosóficos e Grundrisse97 97 Karl Marx 18181883 Karl Marx 18181883 Traduções esus Ranieri ario Duayer A história é o solo sobre o qual a arte pode florescer Afinal apenas ironicamente assumiríamos que a concepção da natureza e das relações sociais que é a base da imaginação grega e por isso da mitologia grega é possível com máquinas de fiar automáticas ferrovias locomotivas e telégrafos elétricos No entanto como explicar que ainda após a descoberta da pólvora a Ilíada provoca deleite Ou seja como explicar que mesmo distante da antiguidade e mesmo com a sensibilidade empobrecida pelas condições de vida na modernidade ainda encontramos prazer estético em uma obra de arte grega Agora apresentamos ao leitor dois trechos de Karl Marx 18181883 do anuscritos econômicofilosóficos 1844 e dos Grundrisse 1858 nos quais o autor respectivamente disserta sobre a sensibilidade humana e o valor da história para a constituição do significado da obra de arte Temas Temas história literatura mitologia grega sociedade economia 97 MARX K Manuscritos EconômicoFilosóficos São Paulo Boitempo 2004 p 108114 MARX KGrundrisse São Paulo Boitempo 2011 p 6264 Agradecemos à Editora Boitempo por autorizar a utilização do texto Manuscritos EconômicoFilosóficos Manuscritos EconômicoFilosóficos98 98 A propriedade privada nos fez tão cretinos e unilaterais que um objeto somente é onosso objeto se o temos portanto quando existe para nós como capital ou é por nós imediatamente possuído comido bebido trazido em nosso corpo habitado por nós etc enfim usado Embora a propriedade privada apreenda todas essas efetivações imediatas da própria posse novamente apenas como meios de vida e a vida à qual servem de meio é a vida da propriedade privada trabalho e capitalização O lugarde todos os sentidos físicos e espirituais passou a ser ocupado portanto pelo simples estranhamento de todos esses sentidos pelo sentido de ter A essa absoluta miséria tinha de ser reduzida a essência humana para com isso trazer para fora de si sua riqueza interior Sobre a categoria do ter vide Hess nas Vinte e uma páginas de impressão99 A suprassunção da propriedade privada é por conseguinte a emancipação completa de todas as qualidades e sentidos humanos mas ela é essa emancipação justamente pelo fato de esses sentidos e propriedades terem se tornado humanos tanto subjetiva quanto objetivamente O olho se tornou olho humano da mesma forma como o seuobjeto se tornou um objeto socialhumano proveniente do homem para o homem Por isso imediatamente em sua práxis os sentidos se tornaramteoréticos Relacionamse com a coisa por querer a coisa mas a coisa mesma é um comportamentohumano objetivo consigo própria e com o homem e viceversa Eu só posso em termos práticos relacionar me humanamente com a coisa se a coisa se relaciona humanamente com o homem A carência ou a fruição perderam assim a sua naturezaegoísta e a natureza a sua merautilidade Nützlichkeit na medida em que a utilidade Nutzen se tornou utilidade humana Da mesma maneira os sentidos e o espírito do outro homem se tornaram a minha própria apropriação Além desses órgãos imediatos formamse por isso órgãos sociais na forma da sociedade logo por exemplo a atividade em imediata sociedade com outros etc tornouse um órgão da minha externação de vida e um modo da apropriação da vida humana Compreendese que o olhohumano frui de forma diversa da que o olho rude não humano frui o ouvido humano diferentemente da do ouvido rude etc Nós vimos O homem só não se perde em seu objeto se este lhe vem a ser como objetohumano ou homem objetivo Isso só é possível na medida em que elevem a ser objeto social para ele em que ele próprio se torna ser social gesellschaftliches Wesen assim como a sociedade se torna ser Wesen para ele neste objeto Consequentemente quando por um lado para o homem em sociedade a efetividade objetiva gegenständliche Wirklichkeit se torna em toda parte efetividade humana e por isso efetividade de suas próprias forças essenciais todos os objetos tornamse a objetivização de si mesmos para ele objetos que realizam e confirmam sua individualidade enquanto objetos seus isto é ele mesmo tornase objeto Como se tornam seus para ele depende da natureza do objeto e da natureza da força essencial que corresponde a ela pois precisamente a determinidade desta relação forma o modo particular e efetivo da afirmação Ao olho um objeto se torna diferente do que aoouvido e o objeto do olho é um outro que o doouvido A peculiaridade de cada força essencial é precisamente a sua essência peculiar portanto também o modo peculiar da sua objetivação do seu ser vivo objetivo efetivo gegenständliches wirkliches lebendiges Sein Não só no pensar VIII portanto mas co todos os sentidos o homem é afirmado no mundo objetivo Por outro lado subjetivamente apreendido assim como a música desperta primeiramente o sentido musical do homem assim como para o ouvido não musical a mais bela música não tem nenhum sentido é nenhum objeto porque o meu objeto só pode ser a confirmação de uma das minhas forças essenciais portanto só pode ser para mim da maneira como a minha força essencial é para si como capacidade subjetiva porque o sentido de um objeto para mim só tem sentido para um sentido que lhe corresponda vai precisamente tão longe quanto vai omeu sentido por causa disso é que os sentidos do homem social são sentidosoutros que não os do não social é apenas pela riqueza objetivamente desdobrada da essência humana que a riqueza da sensibilidade humana subjetiva que um ouvido musical um olho para a beleza da forma em suma as fruições humanas todas se tornam sentidos capazes sentidos que se confirmam como forças essenciaishumanas em parte recém cultivados em parte recémengendrados Pois não só os cinco sentidos mas também os assi chamados sentidos espirituais os sentidos práticos vontade amor etc numa palavra o sentido humano a humanidade dos sentidos vem a ser primeiramente pela existência do seu objeto pela naturezahumanizada A formação dos cinco sentidos é um trabalho de toda a história do mundo até aqui O sentido constrangido à carência prática rude também tem apenas um sentidotacanho Para o homem faminto não existe a forma humana da comida mas somente a sua existência abstrata como alimento poderia ela justamente existir muito bem na forma mais rudimentar e não há como dizer em que esta atividade de se alimentar se distingue da atividade animal de alimentarse O homem carente cheio de preocupações não tem nenhum sentido para o mais belo espetáculo o comerciante de minerais vê apenas o valor mercantil mas não a beleza e a natureza peculiar do mineral ele não tem sentido mineralógico algum portanto a objetivação da essência humana tanto do ponto de vista teórico quanto prático é necessária tanto para fazer humanos os sentidos do homem quanto para criar sentido humano correspondente à riqueza inteira do ser humano e natural Assim como pelo movimento da propriedade privada e da sua riqueza assim como da sua miséria ou da riqueza e miséria materiais e espirituais a sociedade que vem a ser encontra todo o material para essa formação assim também a sociedade queveio a ser produz o homem nessa total riqueza da sua essência o homem plenamente rico e profundo enquanto sua permanente efetividade Vêse como subjetivismo e objetivismo espiritualismo e materialismo atividade e sofrimento perdem a sua oposição apenas quando no estado social e por causa disso a sua existência enquanto tais oposições vêse como a própria resolução das oposições teóricas só é possível de um modo rática só pela energia prática do homem e por isso a sua solução de maneira alguma é apenas uma tarefa do conhecimento mas umaefetiva tarefa vital que a filosofia não pôde resolver precisamente porque a tomou apenas como tarefa teórica Vêse como a história da indústria e a existência objetiva da indústria conforme veio a ser são o livro aberto das forças essenciais humanas a psicologia humana presente sensivelmente a qual não foi até agora apreendida em sua conexão com aessência do homem mas sempre apenas numa relação externa de utilidade porque movendose no interior do estranhamento só sabia apreender enquanto efetividade das forças essenciais humanas e enquantoatos genéricos humanos a existência universal do homem a religião ou a história na sua essência universalabstrata enquanto política arte literatura etc IX Naindústria material comum que justamente se apreende tanto como uma parte daquele movimento universal quanto se pode fazer dela mesma uma parte particular da indústria já que toda a atividade humana até agora era trabalho portanto indústria atividade estranhada de si mesma temos diante de nós as forças essenciais objetivadas do homem sob a forma de objetos sensíveis estranhos úteis sob a forma de estranhamento Uma psicologia para a qual esse livro portanto precisamente a parte mais presente e perceptível de modo sensível a parte mais acessível da história está fechado não podendo se tornar uma ciência real plena de conteúdo efetivo O que se deve pensar em geral de uma ciência que abstrai solenemente dessa grande parte do trabalho humano e não sente em si mesma a sua incompletude enquanto uma riqueza do fazer humano assim expandida nada lhe diz senão talvez o que se pode dizer numa palavra carência carência comum A s ciências naturais desenvolveram uma enorme atividade e se apropriaram de um material sempre crescente Entretanto a filosofia permaneceu para elas tão estranha justamente quanto elas permaneceram estranhas para a filosofia A fusão momentânea foi apenas uma ilusão fantástica Havia a vontade mas faltava a capacidade A própria historiografia só de passagem leva em consideração a ciência natural como momento do esclarecimento Aufklärung da utilidade de grandes descobertas singulares Mas quanto mais a ciência natural interveio de modo prático na vida humana mediante a indústria reconfiguroua e preparou a emancipação humana tanto mais teve de completar de maneira imediata a desumanização Aindústria é a relação histórica efetiva da natureza e portanto da ciência natural com o homem por isso se ela é apreendida como revelação exotérica das forças essenciais humanas então também a essênciahumana da natureza ou a essência natural do homem é compreendida dessa forma e por isso a ciência natural perde a sua orientação abstratamente material ou antes idealista tornandose a base da ciência humana como agora já se tornou ainda que em figura estranhada a base da vida efetivamente humana umaoutra base para a vida uma outra para aciência é de antemão uma mentira A natureza que vem a ser na história humana no ato de surgimento da história humana é a naturezaefetiva do homem por isso a natureza assim como vem a ser por intermédio da indústria ainda que em figuraestranhada é a naturezaantropológica verdadeira A sensibilidade vide Feuerbach tem de ser a base de toda ciência Apenas quanto esta parte daquela na dupla figura tanto da consciência sensível quanto da carência sensível portanto apenas quando a ciência parte da natureza ela é ciência efetiva100 A fim de que ohomem se torne objeto da consciência sensível e a carência do homem enquanto homem se torne necessidade Bedürfnis para isso a história inteira é a história da preparação a história do desenvolvimento A história mesma é uma parteefetiva da história natural do devir da natureza até o homem Tanto a ciência natural subsumirá mais tarde precisamente a ciência do homem quanto a ciência do homem subsumirá sob si a ciência natural será uma ciência X Ohomem é o objeto imediato da ciência natural pois a natureza sensível imediata para o homem é imediatamente a sensiblidade humana uma expressão idêntica imediatamente como o homemoutro existindo sensivelmente para ele pois sua própria sensibilidade primeiramente existe por intermédio do outro homem enquanto sensibilidade humana para ele mesmo Mas anatureza é o objeto imediato da ciência do homem O primeiro objeto do homem o homem é natureza sensibilidade e as forças essenciais humanas sensíveis particulares tal como encontram apenas em objetos naturais sua efetivação objetiva essas forças essenciais humanas podem encontrar apenas na ciência do ser natural em geral seu conhecimento de si O elemento do próprio pensar o elemento da externação de vida do pensamento alinguagem é de natureza sensível A efetividade social da natureza e a ciência naturalhumana ou a ciência natural do homem são expressões idênticas Vêse como o lugar dariqueza e da miséria nacionaleconômicas é ocupado pelo homem rico e pela necessidade Bedürfnis humana rica O homemrico é simultaneamente o homemcarente de uma totalidade da manifestação humana de vida O homem no qual a sua efetivação própria existe como necessidade Notwendigkeit interior como falta Not Não só a riqueza também a pobreza do homem consegue na mesma medida sob o pressuposto do socialismo uma significaçãohumana e portanto social Ela é o elo passivo que deixa sentir ao homem a maior riqueza o outro homem como necessidade Bedürfnis A dominação da essência objetiva em mim a irrupção da minha atividade essencial é a paixão que com isto se torna aatividade da minha essência 5 Um ser se considera primeiramente como independente tão logo se sustente sobre os próprios pés e só se sustenta primeiramente sobre os próprios pés tão logo deva a sua existência a si mesmo Um homem que vive dos favores de outro se considera como um ser dependente Mas eu vivo completamente dos favores de outro quando lhe devo não apenas minhavida quando ele é a fonte da minha vida e minha vida tem necessariamente um tal fundamento fora de si quando ela não é a minha própria criação A criação é portanto uma representação Vorstellung muito difícil de ser eliminada da consciência do povo O serporsimesmo Durchsichselbstsein da natureza e do homem éinconcebível para ele porque contradiz todas as palpabilidades da vida prática A criação da terra recebeu um violento golpe da geognosia101 isto é da ciência que expõe a formação da terra o vir a ser da terra como um processo como autoengendramento A generatio aequivoca geração espontânea é a única refutação prática da teoria da criação102 Ora é certamente fácil dizer ao indivíduo singular o que já diz Aristóteles103 foste gerado por teu pai e tua mãe portanto a cópula de dois seres humanos logo um ato genérico do ser humano produziu o ser humano em ti Vês portanto que também fisicamente o ser humano deve sua existência ao ser humano Tens de manter portanto não apenasum dos lados sob os olhos o progresso infinito segundo o qual continuas a perguntar quem gerou o meu pai a quem gerou o seu avô etc Tens também de não largar omovimento circular que é sensivelmente intuível naquele progresso segundo o qual o homem repete a si próprio na procriação portanto o ser humano permanecendo sempre sujeito Responderás porém concedido a ti esse movimento circular concedeme tu o progresso que sempre me impele a continuar até que eu pergunte quem gerou o primeiro ser humano e a natureza em geral Só posso responderte a tua pergunta é ela mesma um produto da abstração Perguntate como chegas àquela pergunta interrogate se a tua pergunta não ocorre a partir de um ponto de vista ao qual eu não posso responder porque ele é um ponto de vista invertido Se tu te perguntas pela criação da natureza e do ser humano abstrais portanto do ser humano e da natureza Tu os assentas como nãosendo e ainda queres contudo que eu te os prove como sendo Digote agora se renuncias à tua abstração também renuncias à tua pergunta ou se quiseres manter a tua abstração sê então consequente e quanto pensando pensas o ser humano e a natureza comonãosendo XI então pensate a ti mesmo como nãosendo tu que também és natureza e ser humano Não penses não me perguntes pois tão logo pensas e perguntas tua abstração do ser da natureza e do homem não tem sentido algum Ou és um tal egoísta que assentas tudo como nada e queres tu mesmo ser Tu replicar podes a mim eu não quero assentar o nada da natureza etc perguntote peloato de surgimento dela assim como pergunto ao anatomista pela formação dos ossos etc Mas na medida em que para o homem socialistatoda a assim denominada história mundial nada mais é do que o engendramento do homem mediante o trabalho humano enquanto o vir a ser da natureza para o homem então ele tem portanto a prova intuitiva irresistível do seunascimento por meio de si mesmo do seu processo de geração Na medida em que aessencialidade Wesenhaftigkeit do ser humano e da natureza se tornou prática sensivelmente intuível na medida em que o homem se tornou prática sensivelmente intuível para o homem enquanto existência da natureza e a natureza para o homem enquanto existência do homem a pergunta por um ser estranho por um ser acima da natureza e do homem uma pergunta que contém a confissão da inessencialidade da natureza e do homem tornouse praticamente impossível 98 MARX KARL Manuscritos econômicofilosóficos Tradução de Jesus Ranieri São Paulo Boitempo 2004 p 108114 99 A respeito cf Hess Moses Philosophie der That In Einundzwanzig Bogen aus der Schweiz editado por Georg Herwegh Zürich Winterthur 1843 primeira parte p 329 A propriedade material é o ser para si Fürsichsein do espírito tornado ideia fixa Porque ele concebe o trabalho a elaboração ou manifestação ativa Hinausarbeiten de seu si não como seu ato livre como sua própria vida espiritual mas o compreende como um outro material está também obrigado a conservarse para si mesmo não se perder na infinitude chegar ao seu ser para si Mas a propriedade termina aquela que enclausura o espírito que deve ser a saber seu ser para si quando a ação não está na criação mas no resultado o universo enquanto efêmero compreende seu seroutro enquanto seu ser para si e com ambas as mãos é conservado Isto é precisamente a mania do ser Seinsucht ou seja o sentido que subsiste enquanto individualidade determinada enquanto eu delimitado enquanto essência finita que conduz à mania do ter Habsucht Isto é novamente a negação de toda determinidade do eu abstrato e do comunismo abstrato o resultado da insignificante coisa em si Ding an sich do criticismo e da revolução do insatisfeito dever Sollens que levou ao ser e ao ter Que se transformou de verbo auxiliar em substantivo 100 Feuerbach LudwigVorläufige Thesen zur Reformation der Philosophie In Anekdota zur neuesten deutschen Philosophi und Publicistik editado por Arnold Ruge v 2 Zürich Winterthur 1843 p 8485 E também do mesmo autor Grundsätze de Philosophie der Zukunft Zürich Winterthur 1843 p 5870 101 A geognosia nasceu na Bergakademir Freiberg Saxônia por iniciativa de Abraham Gottlob Werner no ano de 1780 como uma ciência particular de estudo da formação da terra da estrutura do globo terrestre e de sua composição mineral A respeito vide Hegel Georg Wilhelm FriedrichVorlesungen üben die Naturphilosophie als der Encyclopädie der philosophischen Wissenchaften im Grudrisse parte 2 editado por Karl Ludwig Michelet Berlim 1842 p 432440 102 A respeito vide Hegel Georg Wilhelm FriedrichVorlesungen über die Naturphilosophie cit p 455470 103 Cf provavelmente Aristóteles Metafísica VIII 4 Vide também Hegel Georg Wilhelm FriedrichVorlesungen über die Naturphilosophie cit p 646647 Grundrisse Grundrisse Na arte é sabido que determinadas épocas de florescimento não guardam nenhuma relação com o desenvolvimento geral da sociedade nem portanto com o da base material que é por assim dizer a ossatura de sua organização Por exemplo os gregos comparados com os modernos ou mesmo co Shakespeare Para certas formas de arte a epopeia por exemplo é até mesmo reconhecido que não podem ser produzidas em sua forma clássica que fez época tão logo entre em cena a produção artística enquanto tal que portanto no domínio da própria arte certas formas significativas da arte só são possíveis em um estágio pouco desenvolvido do desenvolvimento artístico Se esse é o caso na relação dos diferentes gêneros artísticos no domínio da arte não surpreende que seja também o caso na relação do domínio da arte como um todo com o desenvolvimento geral da sociedade A dificuldade consiste simplesmente na compreensão geral dessas contradições Tão logo são especificadas são explicadas Consideremos p ex a relação da arte grega e depois a de Shakespeare com a atualidade Sabese que a mitologia grega foi não apenas o arsenal da arte grega mas seu solo A concepção da natureza e das relações sociais que é a base da imaginação grega e por isso da mitologia grega é possível com máquinas de fiar automáticas ferrovias locomotivas e telégrafos elétricos Como fica Vulcano diante de Roberts et Co Júpiter diante do pararaios e as forças da natureza diante d Crédit Mobilier Toda mitologia supera domina e plasma as forças da natureza na imaginação e pela imaginação desaparece por conseguinte com o domínio efetivo daquelas forças Em que se converte a Fama ao lado da Printing House Square104 A arte grega pressupõe a mitologia gregaie a natureza e as próprias formas sociais já elaboradas pela imaginação popular de maneira inconscientemente artítica Esse é seu material Não uma mitologia qualquerie não qualquer elaboração artística inconsciente da natureza incluído aqui tudo o que é objetivo também a sociedade A mitologia egípcia jamais poderia ser o solo ou o seio materno da arte grega Mas de todo modo pressupõe uma mitologia Por conseguinte de modo algum um desenvolvimento social que exclua toda relação mitológica com a natureza toda relação mitologizante com ela que por isso exige do artista uma imaginação independente da mitologia De outro lado é possível Aquiles com pólvora e chumbo Ou mesmo a Ilíada com a imprensa ou mais ainda com a máquina de imprimir Com a alavanca da prensa não desaparece necessariamente a canção as lendas e a musa não desaparecem portanto as condições necessárias da poesia épica Mas a dificuldade não está em compreender que a arte e o epos gregos estão ligados a certas formas de desenvolvimento social A dificuldade é que ainda nos proporcionam prazer artístico e em certo sentido valem como norma e modelo inalcançável Um homem não pode voltar a ser criança sem tornarse infantil Mas não o deleita a ingenuidade da criança e não tem ele próprio novamente que aspirar a reproduzir a sua verdade em um nível superior Não revive cada época na natureza infantil o seu próprio caráter em sua verdade natural Por que a infância histórica da humanidade ali onde revelase de modo mais belo não deveria exercer um eterno encanto como um estágio que não volta jamais Há crianças maleducadas e crianças precoces Muitos dos povos antigos pertencem a essa categoria Os gregos foram crianças normais O encanto de sua arte para nós não está em contradição com o estágio social não desenvolvido em que cresceu Ao contrário é seu resultado e está indissoluvelmente ligado ao fato de que as condições sociais imaturas sob as quais nasceu e somente das quais poderia nascer não podem retornar jamais 104 Praça de Londres onde se localizavam a redação e a oficina do jornalThe Times Friedrich Wilhelm Nietzsche Friedrich Wilhelm Nietzsche O n O nascim ascimento da tragédia ento da tragédia O nascimento da tragé O nascimento da tragédia dia105 105 Friedrich Wil Friedrich Wilhelm Nie helm Nietzsc tzsche 18441900 he 18441900 Tradução William Mattioli Qual o papel da arte no modo como lidamos com a existência A pergunta deve ser colocada na primeira pessoa justamente porque ao abordar a experiência grega O nascimento da tragédia 1872 também se volta para a modernidade Avaliando a figura de Sócrates Nietzsche 18441900 também abordava o privilégio dado à razão e detrimento de outras faculdades humanas Este texto discute principalmente a relação da arte com a existência além disso pretende ser uma análise da tragédia como estilo dramático na Grécia e uma crítica da cultura e da filosofia Temas Temas tragédia metafísica racionalidade crítica cultural 105 Fonte NIETZSCHE F W Die Geburt der Tragödie aus dem Geiste der Musik 1 ed 1872 2 ed 1874 1878 Die Geburt der Tragödie Oder Griechenthum und Pessimismus Nova edição com tentativa de autocrítica 1886 371013141618 e 24 In Kritische Studienausgabe KSA 1 Herausgegeben von Giorgio Colli und Mazzino Montinari Berlin Walter de Gruyte 1999 3 Agora a montanha mágica do Olimpo como que se abre a nós e nos mostra suas raízes O greg conhecia e sentia os horrores e pavores da existência para ser simplesmente capaz de viver ele tinha de colocar à sua frente a resplandecente fantasia onírica dos olímpicos Aquela imensa desconfiança frente aos poderes titânicos da natureza aquela Moira reinando impiedosa sobre todos os conhecimentos aquele abutre do grande amigo dos homens Prometeu aquele destino terrível do sábio Édipo aquela maldição sobre a linhagem dos Átridas que obriga Orestes ao matricídio e suma toda aquela filosofia do deus selvagem juntamente com seus exemplos míticos da qual pereceram os sombrios Etruscos foi contínua e reiteradamente superada pelos gregos ou pelo menos velada e subtraída ao olhar através daquele mundo intermediário artístico dos olímpicos Para poder viver os gregos tiveram de criar esses deuses por uma necessidade das mais profundas advento que devemos nos representar de modo a conceber que a partir da teogonia titânica srcinária do horror através daquele impulso apolínio à beleza se desenvolveu em lentas transições a teogonia olímpica da alegria como rosas a irromper de um arbusto espinhoso De que outro modo poderia aquele povo tão profundamente sensitivo tão impetuoso no desejo tão particularmente apto ao sofrimento ter suportado a existência se esta mesma não lhe tivesse sido mostrada em seus deuses banhada de uma glória mais elevada O mesmo impulso que chama a arte à vida como complementação e plenificação da existência que seduz a continuar vivendo deu srcem também ao mundo olímpico por meio do qual a vontade helênica pôs diante de si um espelho transfigurador Assim os deuses justificam a vida dos homens ao vivêla eles mesmos a única teodiceia satisfatória A existência sob a clara luz solar de tais deuses é sentida como aquilo que é em si desejável e a verdadeira dor do homem homérico consiste em separarse dela sobretudo na separação iminente de modo que agora poderíamos dizer deles invertendo a sabedoria silênica a pior de todas as coisas é para eles morrer em breve a segunda pior simplesmente morrer um dia Se uma vez soa o lamento ele ressoa por Aquiles de vida curta pelas vicissitudes e mudanças do gênero humano semelhante às folhas pelo ocaso da idade heroica Não é indigno do maior dos heróis ansiar por continuar vivendo mesmo que seja como peão Tão impetuosamente anseia a vontade no estágio apolíneo a essa existência tão unido a ela se sente o homem homérico que mesmo o lamento se torna seu hino de louvor Mas aqui deve ser dito que essa harmonia sim essa unidade do homem com a natureza contemplada tão nostalgicamente pelos homens modernos para a qual Schiller cunhou o termo artístico naif ingênuo não é de modo algum um estado assim tão simples que ocorre por si só de certo modo inevitável que deveríamos encontrar na porta de toda cultura como um paraíso da humanidade somente pôde acreditar nisso uma época que procurou conceber o Emílio de Roussea também como artista e que julgou ter encontrado em Homero um tal artista Emílio educado no coração da natureza Onde nos deparamos com o naif na arte ali podemos reconhecer o efeito supremo da cultura apolínea a qual deve primeiramente derrubar um reino de titãs e matar monstros e através de potentes fantasias alucinatórias e jubilosas ilusões se tornar vitoriosa sobre uma profundeza terrível da consideração de mundo e sobre a mais sensível capacidade para o sofrimento Mas quão raramente é alcançado o naif aquela imersão total na beleza da aparência Quão indizivelmente sublime é por essa razão Homero que está para aquela cultura popular apolínea enquanto indivíduo como o artista onírico individual está para a aptidão onírica do povo e da natureza em geral A ingenuidade homérica só pode ser compreendida como vitória plena da ilusão apolínea essa é uma ilusão tal qual a natureza a emprega tão frequentemente para alcançar seus propósitos O verdadeiro fim é oculto por uma imagem ilusória é a essa imagem que estendemos as mãos e aquele fim é alcançado pela natureza através de nosso engano Nos gregos a vontade quis se contemplar a si mesma na transfiguração do gênio e do mundo artístico para venerar a si mesma suas criaturas tinham de sentirse dignas de veneração elas tinham de se ver refletidas em uma esfera superior sem que esse mundo pleno da contemplação agisse como imperativo ou como exprobação Essa é a esfera da beleza na qual eles viam suas imagens especulares os olímpicos Com esse espelhamento da beleza a vontade helênica lutou contra o talento para o sofrimento e para a sabedoria do sofrimento correlativo ao talento artístico e como monumento de sua vitória temos diante de nós Homero o artista ingênuo 7 O consolo metafísico ao qual nos entrega toda verdadeira tragédia como já indico aqui de que a vida no fundamento das coisas apesar de toda a transitoriedade dos fenômenos seria indestrutivelmente poderosa e plena de júbilo esse consolo aparece com clareza corporal como coro de sátiros como coro de seres da natureza que vivem por assim dizer inextirpavelmente por detrás de toda civilização e que apesar de toda transitoriedade das gerações e da história dos povos permanecem eternamente os mesmos Com esse coro se consola o heleno profundo e singularmente apto ao mais sutil e mais pesado sofrimento que olhou com olhar intrépido para o terrível movimento de aniquilação da assim chamada história mundial assim como para a crueldade da natureza e que corre o risco de ansiar por uma negação budista da vontade Ele é salvo pela arte e pela arte salvase nele a vida O arrebatamento do estado dionisíaco com seu aniquilamento das barreiras e limites ordinários da existência contém com efeito enquanto perdura um elementoletárgico no qual imerge tudo que foi pessoalmente vivenciado no passado Assim o mundo da realidade cotidiana e o mundo da realidade dionisíaca se separam por esse abismo do esquecimento Tão logo porém aquela realidade cotidiana adentra novamente a consciência ela é enquanto tal sentida com nojo uma disposição ascética e negadora da vontade é o fruto daqueles estados Nesse sentido o homem dionisíaco porta uma semelhança com Hamlet ambos lançaram um olhar verdadeiro para o interior da essência das coisas eles conheceram e agir lhes causa náuseas pois seus atos nada podem mudar na essência eterna das coisas eles sentem como ridículo ou vergonhoso que lhes seja exigido reendireitar o mundo que está fora dos gonzos O conhecimento mata a ação para agir é preciso estar velado pela ilusão eis o ensinamento de Hamlet não aquela sabedoria barata de Hans o Sonhador que devido à reflexão em demasia como que por um excesso de possibilidades não chega à ação não é o refletir não é o verdadeiro conhecimento a visão da verdade pavorosa o que predomina sobre todo motivo que impele à ação tanto em Hamlet quanto no homem dionisíaco Agora nenhum consolo mais é efetivo o anseio transcende um mundo após a morte transcende os próprios deuses a existência juntamente com seus reflexos fulgurantes nos deuses ou num imortal além é negada Na consciência Bewusstheit da verdade uma vez contemplada o homem vê agora por todos os lados somente o terrível ou absurdo do ser ele agora compreende o simbólico no destino de Ofélia ele agora reconhece a sabedoria do deus selvagem Sileno ele sente náuseas Aqui nesse perigo supremo da vontade aproximase a arte como feiticeira salvadora como feiticeira da cura somente ela é capaz de converter aqueles pensamentos nauseantes acerca do terrível ou absurdo da existência em representações com as quais se pode viver são elas o sublime enquanto aplacamento artístico do terrível e o cômico enquanto descarga artística da náusea do absurdo O coro de sátiros do ditirambo é o ato salvador da arte grega no mundo intermediário desses acompanhantes dionisíacos se esgotavam aqueles assaltos descritos há pouco 10 É uma tradição incontestável que a tragédia grega em sua configuração mais antiga tinha por objeto somente os sofrimentos de Dionísio e que durante muito tempo o único herói cênico presente era justamente Dionísio Contudo podemos afirmar com a mesma certeza que até Eurípedes Dionísio nunca deixou de ser o herói trágico que pelo contrário todas as famosas figuras do palco grego Prometeu Édipo etc são apenas máscaras daquele herói primordial Dionísio Que po detrás de todas essas máscaras se oculta uma divindade eis a razão essencial para a típica idealidade tão frequentemente admirada daquelas famosas figuras Foi afirmado por não sei que que todos os indivíduos seriam enquanto indivíduos cômicos e portanto nãotrágicos de onde se deveria deduzir que os gregos simplesmente não podiam suportar indivíduos no palco trágico De fato eles parecem ter sentido dessa forma assim como aquela distinção e estimação platônica da ideia em contraposição ao ídolo à cópia está profundamente alicerçada na essência helênica Mas para nos servirmos da terminologia de Platão seria preciso falar das figuras trágicas do palco helênico mais ou menos da seguinte maneira o único Dionísio verdadeiramente real aparece em uma pluralidade de figuras na máscara de um herói guerreiro e como que envolto na trama da vontade individual Do modo como fala e age agora o deus que aparece ele se assemelha a um indivíduo errante aspirante e sofredor e o que faz com que ele apareça com essa precisão e nitidez épica é a ação do Apolo oniromante que decifra para o coro seu estado dionisíaco através daquela aparição alegórica Na verdade porém aquele herói é o Dionísio sofredor dos Mistérios aquele deus que experimenta em si os sofrimentos da individuação acerca do qual mitos maravilhosos narram como ele foi despedaçado quando menino pelos titãs e é agora adorado nesse estado como Zagreu aqui é sugerido que esse despedaçamento o verdadeiro sofrimento dionisíaco seria idêntico a uma transformação em ar água terra e fogo que nós portanto deveríamos considerar o estado de individuação como a fonte e causa primordial de todo sofrimento como algo em si condenável Do sorriso desse Dionísio se srcinaram os deuses olímpicos de suas lágrimas os homens Naquel existência enquanto deus despedaçado Dionísio tem a natureza dupla de um demônio cruel e selvagem e de um soberano brando e benevolente Mas a esperança dos epoptas era de u renascimento de Dionísio que devemos conceber agora de modo premonitório como o fim da individuação era a este terceiro Dionísio vindouro que soava o canto bramante de júbilo dos epoptas E somente nessa esperança há um brilho de alegria sobre a face do mundo dilacerado destroçado em indivíduos como é figurado pelo mito através da imagem de Deméter imersa em luto eterno que se realegra pela primeira vez ao ser informada que poderia mais uma vez dar à luz Dionísio Nas intuições aduzidas já temos juntos todos os componentes de uma consideração de mundo profunda e pessimista e com isso ao mesmo tempoa doutrina da tragédia presente nos istérios o conhecimento fundamental da unidade de todo o existente a consideração da individuação como a causa primordial do mal a arte como a jubilosa esperança de que o feitiço da individuação pode ser quebrado como o pressentimento de uma unidade restabelecida Foi aludido precedentemente que oepos homérico é a poesia da cultura olímpica com a qual ela entoou seu próprio canto de triunfo sobre os horrores da batalha titânica Agora sob a influência preponderante da poesia trágica os mitos homéricos renascem transmutados e mostram nessa metempsicose que entrementes também a cultura olímpica foi vencida por uma consideração de mundo ainda mais profunda O pertinaz titã Prometeu anunciou ao seu torturador olímpico que um di seu domínio seria ameaçado pelo maior dos perigos caso não se aliasse a ele no devido tempo E Ésquilo reconhecemos o pacto do Zeus apavorado temendo seu fim com o Titã Assim a antiga er tiânica é serodiamente trazida mais uma vez do Tártaro à luz A filosofia da natureza selvagem e nua contempla os mitos do mundo homérico a passarem dançantes diante de si com a face desvelada da verdade eles empalidecem eles estremecem diante dos olhos lampejantes dessa deusa até que o poderoso punho do artista dionisíaco os compele ao serviço da nova divindade A verdade dionisíaca assume todo o âmbito do mito como símbolode seus conhecimentos e os pronuncia em parte no culto público da tragédia em parte nas celebrações secretas das festividades dramáticas dos Mistérios mas sempre sob o antigo manto mítico Qual foi aquela força que libertou Prometeu d seus abutres e transformou o mito em veículo da sabedoria dionisíaca É a força hercúlea da música que enquanto tal tendo chegado à sua suprema aparição na tragédia sabe interpretar o mito com nova e profundíssima significação do mesmo modo como já tivemos que caracterizar isso anteriormente como a mais poderosa faculdade da música Pois é a sina de todo mito arrastarse gradualmente para dentro da obtusidade de uma suposta realidade histórica e ser tratado por alguma época futura como um fato singular com pretensões históricas e os gregos já estavam inteiramente a caminho de com perspicácia e arbítrio colocar sobre o seu sonho mítico de juventude o selo de uma narrativa de juventude históricopragmática Pois esse é o modo como as religiões costuma perecer a saber quando os pressupostos míticos de uma religião são sistematizados sob os olhos severos e intelectuais de um dogmatismo ortodoxo como um conjunto acabado de eventos históricos e começase então a defender temerosamente a credibilidade dos mitos mas resistindo a sua natural sobrevivência e propagação quando portanto o sentimento para o mito perece e o seu lugar é assumido pela pretensão da religião a fundamentos históricos Esse mito agonizante foi então tomado pelo recémnascido gênio da música dionisíaca e em suas mãos ele floresceu novamente com cores que jamais mostrara com um eflúvio que excitou um vislumbre nostálgico de um mundo metafísico Após este último fulgor ele rui suas folhas murcham e logo os zombeteiros Lucianos da Antiguidade se precipitam para capturar as flores desbotadas e devastadas carregadas por todos os ventos Através da tragédia o mito alcança seu conteúdo mais profundo sua forma mais plena de expressão uma vez mais ele se ergue como um herói ferido e em seus olhos arde com derradeiro e poderoso brilho toda a abundância de força juntamente com a tranquilidade plena de sabedoria daquele que já sente a morte iminente Que querias tu sacrílego Eurípedes quando buscaste forçar este moribundo mais uma vez laborar para ti Ele pereceu sob tuas mãos violentas e agora necessitavas de um mito plagiado mascarado que como o macaco de Hércules apenas soubesse ornamentarse com a velha pompa E assim como o mito morreu para ti também morreu para ti o gênio da música e mesmo saqueando com mão voraz todos os jardins da música ainda assim alcançaste apenas uma música plagiada e mascarada E uma vez que abandonaste Dionísio Apolo também te abandonou afugenta todas a paixões e as atrai para teu círculo retalha e lapida apropriadamente uma dialética sofística para as falas de teus heróis também os teus heróis têm somente paixões decalcadas e mascaradas e proferem apenas falas decalcadas e mascaradas 13 Porém a mais pungente palavra em favor daquela nova e inaudita apreciação do saber e do conhecimento foi proferida por Sócrates ao constatar ser o único que confessava a si mesmo nada saber enquanto deparava por toda parte durante suas andanças críticas por Atenas em casa dos grandes estadistas oradores poetas e artistas com a presunção do saber Com espanto ele reconheceu que a todas aquelas celebridades faltava um conhecimento correto e seguro mesmo acerca de suas profissões e que elas as exerciam somente por instinto Somente por instinto co essa expressão tocamos o coração e o núcleo da tendência socrática Com ela o socratismo condena igualmente a arte vigente como a ética vigente aonde quer que ele dirija seu olhar examinador ele vê a falta de conhecimento e o poder da ilusão e infere dessa falta a obliquidade e condenabilidade internas daquilo que era vigente A partir desse único ponto Sócrates acreditava ter de corrigir a existência ele enquanto indivíduo único adentra com o semblante do desprezo e da superioridade como o precursor de um tipo inteiramente distinto de cultura arte e moral um mundo cujas bordas teríamos a maior felicidade e honra em tocar Essa é a enorme suspeita que a cada vez nos acomete em face de Sócrates e que nos incit reiteradamente a reconhecer o sentido e a intenção desse que é o mais problemático dos fenômenos da Antiguidade Quem é esse que enquanto indivíduo único se permite negar a essência grega a qual como Homero Píndaro e Ésquilo como Fídias como Péricles como Pítia e Dionísio como mais profundo abismo e a mais elevada altura está segura de nossa admirada adoração Que força demoníaca é essa que se atreve a derramar no pó este elixir mágico Que semideus é esse ao qual o coro de espíritos dos mais nobres da humanidade tem de bramir Ai Ai Tu o destruíste o belo mundo com poderoso punho ele desmorona ele rui Uma chave para a compreensão da natureza de Sócrates nos é dada por aquele fenômeno maravilhoso que é designado como demônio de Sócrates Em circunstâncias especiais nas quai seu imenso entendimento começa a vacilar ele recebia um ponto de apoio firme através de uma voz divina que se manifestava em tais momentos Quando surge essa voz sempredissuade Nessa natureza absolutamente anormal essa sabedoria instintiva se revela apenas para aqui e ali se contrapor obstrutivamente ao conhecimento consciente Enquanto em todos os homens produtivos o instinto é justamente a força criadoraafirmativa e é a consciência que se porta de modo crítico e dissuasivo em Sócrates o instinto se torna crítico a consciência criadora uma verdadeira monstruosidade per defectum Com efeito percebemos aqui umdefectus monstruoso de toda tendência mística de modo que Sócrates deveria ser designado como o específico nãomístico no qual a natureza lógica é tão excessivamente desenvolvida por uma superfetação quanto o é aquela sabedoria instintiva no místico Por outro lado porém foi inteiramente negada àquele impulso lógico que se manifestava em Sócrates a possibilidade de se voltar contra si mesmo nessa torrente impetuosa ele revela uma tal violência de natureza como só a encontramos para nosso aterrorizado espanto entre as maiores de todas as forças instintivas Aquele que sentiu um só sopro daquela divina ingenuidade e segurança do modo de vida socrático a partir dos escritos platônicos sente também como a roda impulsora do socratismo lógico está por assim dizer em movimento por detrás de Sócrates e como isso deve ser contemplado através de Sócrates como através de uma sombra Que ele mesmo contudo tinha um pressentimento dessa circunstância eis algo que se expressa na seriedade solene com a qual ele invocava por toda parte sua vocação divina e a invocou ainda frente a seus juízes Refutálo nesse ponto era no fundo tão impossível quanto assentir à sua influência que dissolvia os instintos Frente a esse conflito insolúvel quando ele foi enfim levado diante do fórum do estado grego apenas uma forma de condenação era ordenada o exílio como algo absolutamente enigmático irrubricável inexplicável eles estavam autorizados a expulsálo para além das fronteiras sem que alguma posteridade tivesse o direito de acusar os atenienses de um ato ignominioso Mas que a morte e não somente o exílio tenha sido pronunciada contra ele eis algo que parece ter sido imposto pelo próprio Sócrates com plena lucidez e sem o horror natural diante da morte ele caminhou para a morte com aquela tranquilidade com a qual ele segundo a descrição de Platão deixa o banquete nos primeiros alvores da aurora como o último dos bebedores para começar um novo dia enquanto atrás dele nos bancos e no chão permanecem adormecidos os comensais a sonharem com Sócrates o verdadeiro erótico O Sócrates moribundo se tornou o novo ideal jamais contemplado alhures da nobre juventude grega e foi o típico mancebo helênico Platão quem acima de todos se prostrou frente a essa imagem com toda a fervorosa entrega de sua alma entusiástica 14 Aqui o pensamento filosófico subjuga a arte e a constrange a agarrarse estritamente ao caule da dialética No esquematismo lógico encasulouse a tendência apolínea do mesmo modo como tivemos de perceber em Eurípedes algo correspondente e além disso uma tradução do dionisíaco em afeto naturalista Sócrates o Herói dialético no drama platônico nos lembra a naturez aparentada do herói euripidiano que tem de defender seus atos por meio de razões e contrarrazões e assim corre frequentemente o risco de ser privado de nossa compaixão trágica pois quem poderia desconhecer o elementootimista na essência da dialética que celebra em cada inferência seu jubileu e só é capaz respirar na clareza e consciência frias o elemento otimista que uma vez penetrado na tragédia tem de progressivamente se apoderar de suas regiões dionisíacas e impelilas necessariamente ao autoaniquilamento até o salto mortal para o espetáculo burguês Evoquemos apenas as consequências das sentenças socráticas Virtude é saber só se erra por desconhecimento o virtuoso é o feliz nessas três formas fundamentais do otimismo jaz a morte da tragédia Pois agora o herói virtuoso tem de ser dialético agora tem de haver entre virtude e sabedoria entre crença e moral um nexo necessário e visível agora a solução transcendental da ustiça de Ésquilo é rebaixada ao princípio raso e impertinente da justiça poética com seu vulgar deus ex machina Como aparece agora em face desse novo mundo cênico socráticootimista ocoro e em geral todo o mundo subterrâneo musicaldionisíaco da tragédia Como algo casual como uma reminiscência facilmente prescindível da srcem da tragédia enquanto reconhecemos por outro lado que o coro só pode ser entendido como causa e fundamento da tragédia e do trágico em geral Já em Sófocles se mostra aquela perplexidade com relação ao coro um importante sinal de que j com ele começa a desmoronar o chão dionisíaco da tragédia Ele não ousa mais confiar ao coro a parcela principal do efeito antes ele restringe seu alcance de tal forma que ele agora aparece quase coordenado com os atores como se ele fosse suspenso da orquestra para dentro da cena com o que sua essência é sem dúvida totalmente destruída mesmo que Aristóteles dê sua aprovação justamente a esta concepção do coro Aquele deslocamento da posição do coro que Sófocles recomendou e todo caso através de sua praxis e conforme a tradição até mesmo por meio de um escrito é o primeiro passo para o aniquilamento do coro cujas fases se sucedem umas às outras com rapidez assustadora em Eurídepes Agaton e na Comédia Nova A dialética otimista com o flagelo de seu silogismos expulsa a música da tragédia isto é ela destrói a essência da tragédia que pode ser interpretada unicamente como manifestação e figuração de estados dionisíacos como simbolização visual da música como o mundo onírico de uma embriaguez dionisíaca Caso tenhamos que supor portanto uma tendência antidionisíaca atuante já antes de Sócrates que somente nele adquire uma expressão incrivelmente imponente nesse caso não devemos recuar frente à questão de para onde aponta então um fenômeno tal como o de Sócrates o qual em vista dos diálogos platônicos não podemos compreender como um poder meramente dissolutivo e negativo E tão certamente quanto o efeito mais imediato do impulso socrático visava a desagregação da tragédia dionisíaca assim também uma profunda experiência de vida do próprio Sócrates nos obriga à pergunta se então entre o socratismo e a arte existe necessariamente apenas uma relação antipódica e se o nascimento de um Sócrates artístico é algo em si absolutamente contraditório Com efeito aquele lógico despótico tinha aqui e ali frente à arte o sentimento de uma lacuna de um vazio de uma meiaexprobação de um dever talvez não cumprido Com frequência lhe vinha como relata aos seus amigos na prisão a mesma aparição onírica que dizia sempre a mesma coisa Sócrates faça música Ele se tranquiliza até seus últimos dias com o pensamento de que se filosofar seria a suprema arte das musas e não acredita realmente que uma divindade virá lhe lembrar daquela vulgar música popular Por fim na prisão para libertar inteiramente sua consciência moral ele se dispõe ainda a fazer aquela música menosprezada por ele E nessa disposição ele compõe um proêmio a Apolo e coloca em versos algumas fábulas esópicas Foi algo semelhante à preventiva voz daimônica o que o impeliu a tais exercícios foi sua intuição apolínea de que ele como um deus bárbaro não compreendia uma nobre imagem divina e corria o risco de pecar contra uma divindade através de sua incompreensão Aquela palavra da aparição onírica socrática é o único sinal de uma hesitação quanto aos limites da natureza lógica talvez assim ele teve de se perguntar aquilo que não me é compreensível não seja também imediatamente o incompreensível Talvez haja um reino da sabedoria do qual o lógico está banido Talvez a arte seja até mesmo um necessário correlato e suplemento da ciência 16 Como se relaciona a música para com a imagem e o conceito Schopenhauer a que Richard Wagner elogia a insuperável clareza e transparência de exposição justamente nesse ponto manifestase a esse respeito do modo mais detalhado na seguinte passagem que eu reproduzirei aqui em toda sua extensãoO mundo como vontade e representação I p 309 Segundo tudo isso podemos ver o mundo fenomênico ou a natureza e a música como duas expressões diversas da mesma coisa a qual por essa razão é ela mesma o único mediador da analogia entre ambas cujo conhecimento é exigido para se compreender aquela analogia Por conseguinte a música é quando vista como expressão do mundo uma linguagem universal no mais alto grau que está até mesmo para a universalidade dos conceitos mais ou menos como estes estão para as coisas particulares Sua universalidade entretanto não é de modo algum aquela universalidade vazia da abstração mas antes uma de natureza totalmente diversa e está ligada a uma clara e absoluta determinidade Nisso ela se assemelha às figuras geométricas e aos números que enquanto formas universais de todos os objetos possíveis da experiência e a eles aplicáveis a priori nem por isso são abstratos mas sim intuitivos e absolutamente determinados Todas as possíveis aspirações excitações e manifestações da vontade todos aqueles processos no íntimo do homem que a razão lança no vasto conceito negativo de sentimento podem ser expressos através das inúmeras melodias possíveis mas sempre na universalidade da mera forma sem a matéria sempre apenas segundo o emsi não segundo o fenômeno como sua mais íntima alma sem corpo A partir dessa relação íntima que a música mantém para com a verdadeira essência de todas as coisas podese explicar também o fato de que quando para alguma cena ação evento ambiente soa uma música adequada esta parece nos revelar o mais secreto sentido destes e surge como o mais correto e mais claro comentário acerca deles do mesmo modo que para aquele que se entrega inteiramente à impressão de uma sinfonia é como se ele visse todos os possíveis processos da vida e do mundo em si desfilando à sua frente contudo ao meditar não é capaz de indicar nenhuma semelhança entre aquele jogo tonal e as coisas que pairam diante dele Pois a música se distingue de todas as outras artes pelo fato de não ser uma cópia do fenômeno ou mais corretamente da adequada objetidade da vontade mas imediatamente cópia da própria vontade e representa portanto o lado metafísico de tudo o que físico no mundo a coisa em si de todo fenômeno Por conseguinte poderíamos chamar o mundo tanto de música encarnada como de vontade encarnada a partir disso podese esclarecer por que a música realça imediatamente cada pintura sim cada cena da vida real e do mundo elevando sua significatividade tanto mais com efeito quanto mais análoga for sua melodia com relação ao espírito íntimo do fenômeno dado Nisso repousa o fato de podermos submeter à música um poema como canto ou uma apresentação intuitiva como pantomima ou ambos como ópera Tais imagens individuais da vida humana submetidas à linguagem universal da música jamais lhe estão associadas ou lhe correspondem com necessidade absoluta antes elas mantêm com ela somente a relação de um exemplo arbitrário para com um conceito geral elas representam na determinidade da realidade efetiva aquilo que a música expressa na universalidade da mera forma Pois as melodias são em certa medida assi como os conceitos universais umabstractum da realidade efetiva Esta com efeito ou seja o mundo das coisas individuais fornece o intuitivo o singular e individual o caso particular tanto para a universalidade dos conceitos quanto para a universalidade da música duas universalidades que contudo se contrapõem uma à outra em certo aspecto na medida em que os conceitos contêm apenas as formas primeiramente abstraídas da intuição por assim dizer a casca externa retirada das coisas ou seja são inteira e realmente abstracta ao passo que a música ao contrário nos dá o núcleo ou o coração íntimo das coisas que precede toda figuração Essa relação poderia ser realmente bem expressa na linguagem dos escolásticos na medida em que se dissesse os conceitos são os universalia post rem a música porém fornece osuniversalia ante rem e a realidade efetiva os universalia in re Que contudo uma relação entre uma composição e uma apresentação intuitiva seja meramente possível isso repousa como foi dito no fato de que ambas são apenas expressões totalmente diversas da mesma essência íntima do mundo E quando uma tal relação está realmente presente num caso particular ou seja quando o compositor soube expressar na linguagem universal da música os movimentos da Vontade que constituem o núcleo de um evento nesse caso a melodia da canção a música da ópera são plenas de expressão Mas a analogia encontrada pelo compositor entre aquelas duas tem de ter vindo do conhecimento imediato da essência do mundo inconsciente à sua razão e não pode ser uma imitação mediada por conceitos com intencionalidade consciente de outro modo a música não expressará a essência íntima a Vontade mesma antes ela imitará de modo insuficiente apenas seu fenômeno como o faz toda música propriamente figurativa Portanto compreendemos a música conforme a doutrina de Schopenhauer como a linguagem da vontade imediatamente e sentimos nossa fantasia impelida a configurar aquele mundo de espíritos que fala a nós invisível e no entanto tão vivamente movido e a incorporálo para nós em um exemplo análogo Por outro lado imagem e conceito chegam a uma elevada significatividade sob o efeito de uma música verdadeiramente correspondente Assim dois tipos de efeito costumam ser exercidos pela arte dionisíaca sobre a faculdade artística apolínea a música incita à contemplação alegórica da universalidade dionisíaca fazendo então emergir a imagem alegóricana mais alta significatividade Desses fatos compreensíveis em si e acessíveis a qualquer observação profunda eu deduzo a capacidade da música para dar à luz o mito isto é o exemplo mais significativo e ustamente o mitotrágico o mito que fala do conhecimento dionisíaco em alegorias Por meio do fenômeno do lírico expus como a música no lírico anela a manifestar sua essência em imagens apolíneas se pensarmos agora que a música em sua mais alta intensificação deve procurar alcançar ainda a mais elevada figuração deveremos então considerar possível que ela saiba encontrar também a expressão simbólica para a sua verdadeira sabedoria dionisíaca e em que outro lugar deveremos procurar esta expressão senão na tragédia e no conceito do trágico Da essência da arte tal como ela é comumente compreendida unicamente segundo a categoria da aparência e da beleza não se pode absolutamente deduzir o trágico de forma honesta somente a partir do espírito da música compreendemos uma alegria no aniquilamento do indivíduo Pois somente por meio dos exemplos particulares de um tal aniquilamento se nos torna claro o fenômeno eterno da arte dionisíaca que exprime a vontade em sua onipotência como que por detrás do rincipio individuationis a vida eterna para além de todo fenômeno e apesar de todo aniquilamento A alegria metafísica com o trágico é uma tradução da sabedoria dionisíaca instintivamente inconsciente para a linguagem da imagem o herói o fenômeno supremo da vontade é negado para nosso prazer pois afinal ele é apenas fenômeno e através de seu aniquilamento a vida eterna da vontade sequer é tocada Nós acreditamos na vida eterna assim clama a tragédia enquanto a música é a ideia imediata dessa vida Um objetivo inteiramente diverso é perseguido pela arte do artista plástico aqui Apolo supera o sofrimento do indivíduo por meio da veneração luminosa da eternidade do fenômeno aqui a beleza triunfa sobre o sofrimento inerente à vida a dor é em certo sentido suprimida dos traços da natureza através de uma ilusão Na arte dionisíaca e em seu simbolismo trágico é a mesma natureza que se dirige a nós com sua verdadeira voz não dissimulada Sede como sou A mãe primordial eternamente criadora em meio à incessante mudança dos fenômenos aquela que impele eternamente à existência que eternamente se satifaz com essa transitoriedade do fenômeno 18 É um fenômeno eterno a vontade ávida sempre encontra um meio de manter suas criaturas na vida e de impelilas à continuação da vida através de uma ilusão estendida sobre as coisas Este é enlaçado pelo prazer socrático do conhecer e pela ilusão de por meio dele poder curar a chaga eterna da existência aquele é envolto pelo véu sedutor da beleza da arte a adejar diante de seus olhos aquele outro por sua vez pelo consolo metafísico de que por baixo do torvelinho dos fenômenos continua a fluir indestrutível a vida eterna para não falar das ilusões mais comuns e quase ainda mais potentes que a vontade prontifica a cada instante Esses três níveis de ilusão estão destinados somente às naturezas mais nobremente dotadas que sentem em geral com mais profundo desprazer o fardo e o peso da existência e que precisam ser iludidas e assim afastadas desse desprazer por meio de estimulantes selecionados Desses estimulantes constituise tudo o que chamamos cultura conforme a proporção da mistura temos uma cultura preferencialmente socrática artística ou trágica ou se me permitem exemplificações históricas há ou uma cultura alexandrina ou helênica ou budista Todo o nosso mundo moderno está enredado nas tramas da cultura alexandrina e conhece como ideal o homem teórico provido das mais altas forças cognitivas a trabalhar a serviço da ciência cuja arquétipo e progenitor é Sócrates Todos os nossos meios educacionais têm como meta srcinalmente este ideal toda outra existência deve empenharse arduamente para se colocar acessoriamente à altura como uma existência permitida não como existência desejada Num sentido quase aterrorizante por muito tempo o homem culto foi encontrado aqui apenas na forma do erudito mesmo as nossas artes poéticas tiveram de desenvolverse a partir de imitações eruditas e no efeito principal da rima reconhecemos ainda o nascimento de nossa forma poética a partir de experimentos artificiais com uma linguagem não familiar e verdadeiramente erudita Quão incompreensível deveria parecer a um grego legítimo o moderno homem de cultura o em si compreensível Fausto a precipitarse com todas as faculdades insatisfeito entregandose pelo impulso ao saber à magia e ao diabo e que devemos pôr ao lado de Sócrates apenas para comparálos e reconhecer que o homem moderno começa a entrever os limites daquele prazer socrático do conhecimento e do vasto e tumultuoso mar do saber ele anseia por uma costa Quando Goethe declara a Eckelmann e relação a Napoleão Sim meu caro há também uma produtividade dos atos ele lembrou de forma graciosamente ingênua que o homem não teórico é para o homem moderno algo inverossímil e espantoso de modo que é novamente necessária a sabedoria de um Goethe para se achar compreensível sim perdoável uma forma de existência tão estranha E agora não devemos ocultarnos o que jaz velado no seio dessa cultura socrática O otimismo que se imagina sem limites Agora não devemos nos espantar se os frutos desse otimismo amadurecem se a sociedade fermentada até suas camadas mais baixas por uma tal cultura começa gradualmente a estremecer sob agitações e desejos suntuosos se a crença na felicidade terrena de todos se a crença na possibilidade de uma tal cultura universal do saber se converte gradualmente na exigência ameaçadora de uma tal felicidade terrena alexandrina na conjuração de umdeus ex machina euridipiano Devemos observar a cultura alexandrina necessita de uma classe de escravos para poder existir de modo duradouro mas ela nega em sua consideração otimista da existência a necessidade de uma tal classe e assim uma vez consumido o efeito de suas belas palavras sedutoras e tranquilizadoras acerca da dignidade do homem e da dignidade do trabalho vai gradualmente de encontro a um aniquilamento terrível Não há nada mais terrível do que uma classe bárbara de escravos que aprendeu a ver sua existência como uma injustiça e se dispõe a fazer vingança não apenas por si mas por todas as gerações Quem ousa contra tais tempestades ameaçadoras co ânimo seguro apelar às nossas religiões pálidas e cansadas que degeneraram mesmo em seus fundamentos em religiões de eruditos de modo que o mito o pressuposto necessário de toda religião já se encontra paralisado por toda parte e mesmo nesse âmbito alcançou o domínio aquele espírito otimista que acabamos de designar como o germe de aniquilamento da nossa sociedade Enquanto o infortúnio adormecido no seio da cultura teórica começa gradualmente a atemorizar o homem moderno e ele inquieto lança mão de meios do tesouro de suas experiências para desviar o perigo sem realmente acreditar nesses meios enquanto ele portanto começa a vislumbrar suas próprias consequências grandes naturezas de disposição universal souberam utilizar com uma circunspecção inacreditável o arsenal da própria ciência a fim de expor os limites e a condicionalidade do conhecimento em geral e assim rejeitar de modo decisivo a pretensão da ciência à validade universal e a metas universais demonstração na qual foi reconhecida pela primeira vez enquanto tal aquela representação ilusória que pela mão da causalidade se pretende ser capaz de perscrutar a essência mais íntima das coisas A enorme coragem e sabedoria de Kant e Schopenhauer alcançou a mais difícil vitória a vitória sobre o otimismo que jaz oculto na essência da lógica o qual por sua vez é o fundamento subterrâneo da nossa cultura Se este havia acreditado na cognoscibilidade e perscrutabilidade de todos os enigmas do mundo apoiado nas aeternae veritates para ele indubitáveis e tratado espaço tempo e causalidade como leis inteiramente incondicionadas e de validade absolutamente universal Kant revelou como estas na verdade servia apenas para elevar o mero fenômeno a obra de Maia à única e suprema realidade e colocálas no lugar da verdadeira essência mais íntima das coisas tornando assim impossível o conhecimento efetivo acerca dela isto é conforme uma expressão de Schopenhauer para fazer adormecer ainda mais profundamente o sonhador O mundo como vontade e representação I p 498 Com esse conhecimento é inaugurada uma cultura que ouso designar como trágica cujo atributo mais importante é que no lugar da ciência como meta suprema é colocada a sabedoria a qual não se deixando iludir pelos sedutores descaminhos da ciência se volta com olhar imóvel para a imagem total do mundo e com um sentimento simpático de amor procura apreender nela o sofrimento eterno como o próprio sofrimento 24 Entre os efeitos artísticos próprios da tragédia musical tivemos de salientar uma ilusão apolínea por meio da qual devemos ser salvos da unidade imediata com a música dionisíaca enquanto nossa excitação musical pode descarregarse num âmbito apolíneo e num mundo visual intermediário intercalado entre ambos Nisso acreditamos ter observado como exatamente por meio desse descarregamento aquele mundo intermediário da ação cênica o drama em geral se tornou a partir deles visível e compreensível num grau inatingível em qualquer outra arte apolínea de modo que tivemos de reconhecer aqui onde essa arte foi por assim dizer animada e alçada pelo espírito da música a mais alta intensificação de suas forças e assim naquela aliança fraterna entre Apolo e Dionísio o ápice das intenções artísticas tanto apolíneas quanto dionisíacas É claro que a imagem luminosa apolínea não alcançava exatamente nessa iluminação interna por meio da música o efeito próprio dos graus mais fracos da arte apolínea aquilo de que a epopeia ou a pedra animada são capazes constranger o olho que contempla àquele encantamento tranquilo com o mundo daindividuatio eis algo que aqui apesar de uma animação e nitidez superiores não podia ser alcançado Nós contemplamos o drama e penetramos com olhar perfurante no seu movimentado mundo interior dos motivos e no entanto era como se uma imagem alegórica desfilasse diante de nós cujo sentido mais profundo acreditávamos quase decifrar e que desejávamos puxar tal qual uma cortina a fim de vislumbrar por detrás dela a imagem srcinária Essa mais clara nitidez da image não nos bastava pois ela parecia revelar algo tanto quanto ocultálo e enquanto ela parecia com sua revelação alegórica incitar a rasgar o véu a desvelar o fundo misterioso era precisamente aquela visibilidade plena plenamente iluminada que por sua vez mantinha o olho enfeitiçado e o impedia de penetrar mais profundamente Quem não vivenciou isso ter de olhar e ao mesmo tempo ansiar para além do olhar dificilmente poderá imaginar quão clara e distintamente esses dois processos coexistem e são coextensivamente sentidos na consideração do mito trágico enquanto os espectadores verdadeiramente estéticos me confirmarão que entre os efeitos próprios da tragédia o que há de mais notável é aquela coexistência Transfiramos agora esse fenômeno do espectador estético para um processo análogo no artista trágico e teremos entendido a gênese domito trágico Ele compartilha com a esfera artística apolínea o prazer pleno na aparência e na contemplação ao mesmo tempo em que nega esse prazer obtendo uma satisfação ainda mais elevada no aniquilamento do mundo visível da aparência O conteúdo do mito trágico é inicialmente um acontecimento épico com a glorificação do herói guerreiro mas de onde provém aquele traço em si enigmático de que o sofrimento no destino do herói as mais dolorosas superações as mais angustiantes oposições dos motivos em suma a exemplificação daquela sabedoria de Sileno ou expresso esteticamente o feio e desarmônico é reiteradamente apresentado em tantas e inumeráveis formas com tal devoção e precisamente na idade mais exuberante e juvenil de um povo senão justamente do fato de que nisso tudo é sentido um prazer superior Pois que a vida decorra realmente de modo tão trágico isso é o que menos explicaria o surgimento de uma forma de arte se diferentemente a arte não é apenas imitação da realidade da natureza mas justamente um suplemento metafísico dessa realidade da natureza colocado ao lado dela para sua superação O mito trágico na medida em que pertence à arte é parte integral nesse propósito metafísico de transfiguração próprio à arte em geral porém o que é por ele transfigurado quando apresenta o mundo do fenômeno sob a imagem do herói sofredor Não é a realidade desse mundo fenomênico pois ele nos diz precisamente Vede Vede com atenção Essa é vossa vida Esse é o ponteiro no relógio de vossa existência E essa vida era mostrada pelo mito a fim de com isso transfigurála diante de nós Mas se não é esse caso onde repousa então o prazer estético com o qual fazemos desfilar diante de nós também aquelas imagens Eu pergunto pelo prazer estético e sei perfeitamente que muitas dessas imagens além disso podem produzir por vezes ainda um deleite moral como na forma da compaixão ou de um triunfo moral Contudo quem quisesse deduzir o efeito do trágico unicamente destas fontes morais como certamente foi comum na estética por um tempo demasiadamente longo não pode crer ter com isso feito algo em prol da arte a qual deve exigir sobretudo pureza em seu domínio Para o esclarecimento do mito trágico a primeira exigência é justamente procurar o prazer que lhe é próprio na esfera puramente estética sem se estender ao âmbito da compaixão do temor do moralmente sublime Como podem o feio e o desarmônico o conteúdo do mito trágico suscitar um prazer estético Aqui se faz então necessário que nos lancemos com um movimento ousado para dentro de uma metafísica da arte e para isso eu repito a sentença anterior de que apenas como fenômeno estético a existência e o mundo aparecem justificados um sentido no qual justamente o mito trágico deve nos convencer que mesmo o feio e o desarmônico são um jogo artístico que a vontade joga consigo mesma na plenitude eterna de seu prazer Esse fenômeno primordial da arte dionisíaca de difícil apreensão é contudo apreendido de modo compreensível e imediato no significado maravilhoso da dissonância musical assim como unicamente a música posta ao lado do mundo pode oferecer um conceito do que se deve entender por justificação do mundo como fenômeno estético O prazer produzido pelo mito trágico tem a mesma procedência que a sensação prazerosa da dissonância na música O dionisíaco com seu prazer primordial percebido mesmo na dor é a matriz comum da música e do mito trágico Ao recorrermos à relação musical da dissonância aquele difícil problema do efeito trágico não se tornou entrementes essencialmente mais fácil Sim agora entendemos o que quer dizer na tragédia querer olhar e ao mesmo tempo ansiar para além do olhar estado que no tocante à dissonância empregada artisticamente deveríamos caracterizar precisamente como aquele no qual queremos ouvir e ansiamos ao mesmo tempo para além do ouvir Aquele desejo pelo infinito o bater de asas do anseio no supremo prazer diante da realidade efetiva claramente percebida lembra que nos é mister reconhecer em ambos os estados um fenômeno dionisíaco que nos revela sempre reiteradamente o lúdico construir e destruir do mundo individual enquanto efusão de um prazer primordial de forma semelhante a quando Heráclito o obscuro compara a força criadora do mundo a uma criança que brincando assenta pedras aqui e ali construindo montes de areia e novamente deitandoos abaixo Portanto para apreciar corretamente a aptidão dionisíaca de um povo deveremos pensar não somente na música do povo mas também de modo igualmente necessário no mito trágico desse povo como o segundo testemunho daquela aptidão Da mesma forma podese agora supor por ocasião desse estreito parentesco entre música e mito que uma degeneração e depravação de um será acompanhada por uma atrofia da outra se de outra parte no enfraquecimento do mito em geral venha a se expressar um amortecimento da faculdade dionisíaca Acerca de ambos porém um olhar sobre o desenvolvimento da natureza alemã não poderia nos deixar em dúvida na ópera como no caráter abstrato de nossa existência destituída de mito numa arte rebaixada ao entretenimento como numa vida guiada pelo conceito se nos revelou aquela natureza do otimismo socrático igualmente inartística e consumidora da vida Para nosso consolo contudo havia sinais de que apesar disso o espírito alemão intocado na magnífica saúde profundeza e força dionisíaca tal qual um cavaleiro profundamente adormecido repousa e sonha num abismo inacessível abismo do qual emerge em direção a nós a canção dionisíaca a fim de nos dar a entender que este cavaleiro alemão mesmo agora ainda sonha seu mito dionisíaco primevo em austeras visões bemaventuradas Que ningué creia que o espírito alemão tenha perdido para sempre sua pátria mítica se ele ainda compreende de modo tão claro os cantos de pássaro que narram sobre aquela pátria Um dia ele se encontrará desperto em toda a frescura matinal de um sono imenso então ele matará dragões aniquilará os anões traiçoeiros e despertará Brunilda e nem mesmo a lança de Wotan será capaz de impedir seu caminho Meus amigos vós que acreditais na música dionisíaca sabeis também o que a tragédia significa para nós Nela temos o mito trágico renascido da música e nele podeis depositar todas as suas esperanças e esquecer o mais doloroso O mais doloroso porém é para todos nós o longo aviltamento sob o qual o espírito alemão alienado de casa e de pátria vivia a serviço de anões traiçoeiros Vós compreendeis estas palavras como compreendereis também por fim minhas esperanças Sigmund Freud Sigmund Freud O poeta e o fantasiar O poeta e o fantasiar O poeta e O poeta e o fantasia o fantasiar r106 106 Sigmund Freud 18561939 Sigmund Freud 18561939 Tradução rnani Chaves O que a psicanálise teria a nos dizer sobre a produção poética Seria uma perspectiv semelhante ao que ocorre acerca da moral a saber um desvelamento crítico do pano de fundo pulsional de construções consideradas universais e transcendentes às experiências individuais A beleza sedutora das obras nos expõe ao risco de idealizarmos demasiadamente a atividade do poeta a ponto de atribuirlhe uma espécie de capacidade mágica autônoma em relação à história subjetiva Ainda que o fantasiar do poeta tenha a sua óbvia peculiaridade é instrutivo entender como a sua elaboração pode ser comparada a outros processos imaginativos como a fantasia infantil O poeta faz algo semelhante à criança que brinca ele cria um mundo de fantasia que leva a sério ou seja um mundo formado por grande mobilização afetiva na medida em que se distingue rigidamente da realidade Neste texto escrito em 1908 Freud 18561939 aproxima atividade poética de outros modos de fantasiar como o fantasiar infantil e onírico Temas Temas psicologia inconsciente fantasia sublimação poesia 106 Fonte FREUD S Der Dichter und das Phantasieren In Schriften über Kunst und Künstler Einleitung von Peter Gay FrankfurtMain Fischer 1993 p 2940 O poeta e o fantasiar 1908 O poeta e o fantasiar 190810 1077 Sempre foi muito atraente para nós leigos poder saber de onde o poeta essa extraordinária personalidade extrai seus temas algo no sentido da questão que o Cardeal dirigiu a Ariosto108 e como ele consegue nos comover tanto despertarnos emoções que talvez julgássemos jamais fôssemos capazes de sentir Nosso interesse nesse caso só cresceu devido à circunstância de que o próprio poeta quando perguntado a respeito não nos fornece nenhuma informação ou nenhuma que seja satisfatória e não é de modo algum perturbado pelo nosso conhecimento de que o melhor juízo acerca das condições da escolha do material poético e da essência da arte de plasmar poeticamente em nada contribuiria para fazer de nós mesmos poetas Se pelo menos pudéssemos encontrar em nós mesmos ou entre os nossos próximos uma atividade de algum modo semelhante à do poeta A investigação a respeito nos permitiria esperar conseguir uma primeira explicação sobre a criação poética E realmente existe uma perspectiva a esse respeito o próprio poeta gosta de reduzir a distância entre o que lhe é singular e a essência humana em geral ele nos assegura com frequência que em cada um existe um poeta escondido e que o último poeta deverá morrer junto com o último homem Não deveríamos procurar os primeiros traços da atividade poética já nas crianças A atividade que mais agrada e a mais intensa das crianças é o brincar Talvez devêssemos dizer toda criança brincando se comporta como um poeta na medida em que ela cria seu próprio mundo melhor dizendo transpõe as coisas do seu mundo para uma nova ordem que lhe agrada Seria então injusto pensar que a criança não leva a sério esse mundo ao contrário ela leva muito a sério suas brincadeiras mobilizando para isso grande quantidade de afeto O oposto da brincadeira não é a seriedade mas a realidade A criança diferencia enfaticamente seu mundo de brincadeira da realidade apesar de toda a distribuição de afeto e empresta com prazer seus objetos imaginários e relacionamentos às coisas concretas e visíveis do mundo real Não é outra coisa do que esse empréstimo que ainda diferencia a brincadeira da criança do fantasiar O poeta faz algo semelhante à criança que brinca ele cria um mundo de fantasia que leva a sério ou seja um mundo formado por grande mobilização afetiva na medida em que se distingue rigidamente da realidade E a linguagem mantém essa afinidade entre a brincadeira infantil e a criação poética na medida em que a disciplina do poeta que necessita do empréstimo de objetos concretos passíveis de representação é caracterizada como brincadeirajogo Spiele comédia Lustspiel tragédia Trauerspiel e as pessoas que as representam como atores Schauspieler Mas a partir da irrealidade do mundo poético se seguem importantes consequências para a técnica artística pois muitas coisas que não poderiam causar gozo como reais podem fazêlo no jogo da fantasia e muitas moções que em si são desagradáveis podem se tornar para o ouvinte ou expectador do poeta fonte de prazer Consideremos ainda por um momento outra relação presente na oposição entre realidade e brincadeira Depois que a criança cresce e abandona suas brincadeiras quando passa a se preocupar psiquicamente durante décadas em compreender as realidades da vida com a seriedade exigida então ela pode um dia sucumbir a uma disposição psíquica que mais uma vez suprime a oposição entre brincadeira e realidade O adulto pode então se lembrar com que grande seriedade ele conduziu suas brincadeiras infantis e na medida em que equipara suas pretensas ocupações sérias com essas brincadeiras de criança se desfaz de todas as pesadas opressões e alcança o maior ganho de prazer o do humor Alguém que está crescendo deixa de brincar renunciando claramente ao ganho de prazer que a brincadeira lhe trazia Mas quem conhece a vida psíquica das pessoas sabe que nada é mais difícil do que renunciar a um prazer que um dia foi conhecido No fundo não poderíamos renunciar a nada apenas trocamos uma coisa por outra o que parece ser uma renúncia é na verdade uma formação substitutiva ou um sucedâneo Assim quando alguém que está crescendo deixa de brincar nada mais faz a não ser esse empréstimo aos objetos reais em vez de brincar agora fantasia Ele constrói castelos no ar cria o que chamamos de sonhos diurnos Acredito que a maioria das pessoas de tempos em tempos na sua vida forma fantasias Tratase de uma atividade à qual durante muito tempo não se deu atenção e cujo significado não foi suficientemente apreciado É mais difícil observar o fantasiar das pessoas do que a brincadeira das crianças De fato criança também brinca sozinha ou forma com outras crianças um fechado sistema psíquico com a finalidade de brincar mas mesmo se também a criança não mostra nada previamente ao adulto ela não esconde sua brincadeira diante dele Mas o adulto se envergonha de suas fantasias e as esconde dos outros ele as guarda como o que lhe é mais íntimo em geral ele prefere responder por seus delitos que partilhar suas fantasias Pode suceder que ele se considere como a única pessoa que te tais fantasias e não suspeita que suas criações sejam similares às de outras pessoas Essas diferentes atitudes a daquele que brinca e a daquele que fantasia encontram sua boa fundamentação nos motivos pelos quais ambas se complementam e dão continuidade a essas atividades A brincadeira infantil foi dirigida por desejos na verdade por um desejo aquele que ajuda a educar a criança o de se tornar grande e adulta As crianças sempre brincam de ser grande imitando na brincadeira o que se tornou conhecido delas da vida dos grandes Elas não têm nenhu motivo para esconder esse desejo Já o adulto é bem diferente por um lado ele sabe que se espera que ele não brinque mais ou que não fantasie mais mas que aja no mundo real e por outro lado que sob suas fantasias se produzem muitos desejos que de qualquer modo devem permanecer necessariamente ocultos por isso ele se envergonha de suas fantasias como coisas de criança e proibidas Os senhores devem perguntar como se conhece com tanta exatidão essas informações acerca do fantasiar das pessoas se estas o encobrem com tanto mistério Ora existe uma espécie de pessoa que conferiu de fato não a um Deus mas a uma Deusa severa a Necessidade o encargo de dizer que as faz sofrer e o que as alegra Essas pessoas são os nervosos que dos médicos de quem esperam o seu restabelecimento por meio do tratamento psíquico também esperam que respondam por suas fantasias dessas fontes surgem o nosso melhor conhecimento e nós conseguimos assim fundamentar inteiramente a suspeita de que nossos doentes não nos comunicam nada diferente do que as pessoas sãs também poderiam experimentar Conheçamos agora algumas características do fantasiar Devese dizer que quem é feliz não fantasia apenas o insatisfeito Desejos insatisfeitos são as forças impulsionadoras Triebekräfte das fantasias e toda fantasia individual é uma realização de desejo uma correção da realidade insatisfatória Os desejos que impulsionam são diferentes de acordo com o sexo o caráter e as relações da pessoa que fantasia Mas eles podem se agrupar sem coação de acordo com duas direções principais Ou eles são desejos de ambição que servem à elevação da personalidade ou são eróticos Nas jovens mulheres dominam quase exclusivamente os desejos eróticos pois sua ambição é em geral consumida pela ânsia de amor nos rapazes ao lado dos eróticos os desejos egoístas e ambiciosos são os de primeira necessidade De fato não gostaríamos de acentuar a oposição entre essas duas direções mas muito mais sua frequente unificação como em inúmeros retábulos é visível em um canto a imagem do fundador assim poderíamos descobrir na maioria das fantasias de ambição em um ângulo qualquer a dama para quem o fantasiador realiza todos esses atos heroicos a quem ele lança todos os êxitos aos pés Os senhores veem aqui existem motivos suficientemente fortes para esconder à dama bem educada se concede em geral apenas um mínimo de necessidade erótica e o rapaz deve aprender a reprimir o excesso de sentimento de si que ele traz dos mimos da infância com o objetivo da disciplina em uma sociedade tão rica em indivíduos com semelhantes exigências Não deveríamos imaginar os produtos desse processo as fantasias individuais castelos no ar ou sonhos diurnos como petrificados e inalteráveis Eles são muito mais adaptáveis às mudanças das impressões da vida se modificam a cada oscilação da situação da vida recebendo de cada nova e eficaz impressão uma conhecida marca do tempo As relações da fantasia com o tempo são muito significativas Devese dizer uma fantasia paira entre três tempos os três momentos temporais de nossa imaginação O trabalho psíquico se acopla a uma impressão atual a uma oportunidade no presente capaz de despertar um dos grandes desejos da pessoa remonta a partir daí à lembrança de uma vivência antiga na sua maioria uma vivência infantil na qual aquele desejo foi realizado e cria então uma situação ligada ao futuro que se apresenta como a realização daquele desejo seja no sonho diurno ou na fantasia que traz consigo os traços de sua gênese naquela oportunidade e na lembrança Ou seja passado presente futuro se alinham como um cordão percorrido pelo desejo O exemplo mais banal pode esclarecervos quanto à minha posição Vejam o caso de um jovem pobre e órfão a quem os senhores deram o endereço de um empresário com quem ele talvez pudesse encontrar um emprego No caminho ele pode se perder num sonho diurno evadindose tendo e vista sua situação O conteúdo dessa fantasia era de que ele conseguiria o emprego que agradaria ao seu novo chefe se tornaria indispensável aos negócios se mudaria para a casa do patrão casaria com a sua atraente filha e então ele próprio dirigiria os negócios como sócio e depois como herdeiro Assim sendo o sonhador substitui o que ele poderia ter numa infância feliz a casa protetora os queridos pais e o primeiro objeto de sua inclinação afetiva Os senhores veem neste exemplo como o desejo utiliza uma oportunidade no presente para projetar segundo um modelo do passado uma imagem do futuro Haveria muito mais a dizer sobre as fantasias mas quero me limitar a uma interpretação mínima O desejar abusivo e o tornarse poderoso próprio das fantasias cria as condições da entrada na neurose ou na psicose as fantasias também são as mais próximas preparações psíquicas dos sintomas de sofrimento dos quais lamentam nossos doentes Aqui se apresenta um largo caminho em direção às patologias Mas não posso deixar de lado a relação das fantasias com os sonhos Também nossos sonhos noturnos nada mais são do que essas fantasias tal como mostramos de forma evidente por meio da sua interpretação109 A língua há muito já decidiu na sua intransponível sabedoria a questão acerca da essência dos sonhos na medida em que ela também permitiu nomear as vaporosas criações da fantasia de sonhos diurnos Se apesar desse indício de sentido nossos sonhos no geral permanecem obscuros para nós então eles comovem a partir de uma circunstância segundo a qual tais desejos também são ativados em nós à noite de modo que nos envergonhamos e que devem ser escondidos de nós mesmos que devem por isso serem reprimidos e enviados para o inconsciente Tais desejos reprimidos e seus derivados não podem ser permitidos a não ser como uma expressão ruim desfigurada Depois que odesfiguramento onírico foi esclarecido pelo trabalho científico não foi mais difícil reconhecer que os sonhos noturnos são realizações de desejo tal como os sonhos diurnos e as fantasias tão conhecidas de todos nós Falamos muito de fantasia então vamos ao poeta Deveríamos de fato tentar comparar o poet com o sonhador no dia mais luminoso suas criações com sonhos diurnos Isso leva a uma primeira diferença devemos diferenciar os poetas que retomam temas já prontos como os épicos e trágicos daqueles que parecem criar livremente seus temas Paremos um pouco nos últimos e procuremos para nossa comparação não aqueles poetas mais valorizados pela crítica mas o narrador não exigente de romances novelas e histórias que por isso encontram inumeráveis e zelosos leitores e leitoras Nas criações desses autores uma característica nos salta aos olhos todos possuem u herói que ocupa o centro dos interesses para quem o autor procura por todos os meios ganhar nossa simpatia e que ele parece proteger com uma providência especial Se ao final do capítulo de u romance deixei o herói sem consciência sangrando devido a uma ferida profunda então estou seguro de encontrálo no início do próximo capítulo entregue aos maiores cuidados e a caminho da recuperação e se o primeiro volume terminou com o naufrágio do navio em meio à tempestade no qual nosso herói se encontrava então estou certo de que lerei no começo do segundo volume sua milagrosa salvação O sentimento de segurança com que acompanho o herói em meio a seu perigoso destino é o mesmo com o qual um herói real se lança nas águas para salvar alguém que se afoga ou que se expõe ao fogo inimigo para tomar de assalto uma bateria todo sentimento heroico na verdade ao qual um dos nossos melhores poetas presenteou com expressões deliciosas Nada pode me acontecer Anzengruber 110 Mas penso reconhecer nessa traiçoeira característica de ficar ileso sem esforço sua majestade o eu o herói de todos os sonhos diurnos como em todos os romances Outros traços típicos dessas narrativas egocêntricas remetem à mesma afinidade Se todas a mulheres dos romances sempre se apaixonam pelo herói isso deve ser compreendido raramente como uma descrição da realidade mas deve ser simplesmente entendido como a existência necessária dos sonhos diurnos Do mesmo modo quando os outros personagens dos romances são rigidamente separados entre bons e maus renunciando na realidade à mistura observada no caráter humano os bons são os que socorrem mas os maus são os inimigos e concorrentes do eu que se tornou herói Não desconhecemos de modo algum que diversas criações poéticas estão muito distantes do modelo ingênuo dos sonhos diurnos mas não posso deixar de suspeitar que a mais extrema divergência por meio de uma sequência de passagens sem interrupções pode ser relacionada a esse modelo Ainda em muitos dos conhecidos romances psicológicos me chama atenção que apenas uma pessoa sempre de novo o herói é descrita neles o poeta se instala igualmente em sua psique e contempla as outras pessoas de fora O romance psicológico deve sua especificidade inteiramente à inclinação do autor moderno em dividir seu eu por meio da autoobservação em eusparciais e em consequência disso personifica a avalanche de conflitos de sua vida psíquica em muitos heróis E uma oposição bastante específica em relação ao tipo do sonho diurno os romances parecem ser o que se poderia caracterizar como excêntricos nos quais a pessoa introduzida como herói representa o menor papel ativo antes como um expectador vê os atos e sofrimentos dos outros passarem para ele Os romances tardios de Zola são desse tipo Assim sendo devo observar que análise psicológica não poética reconheceu em muitas peças indivíduos que divergiam das normas estabelecidas variações análogas dos sonhos diurnos nas quais o eu se contentou com o papel de expectador Se nossa comparação do poeta com o sonhador diurno da criação artística com o sonho diurno pode ser valiosa então ela deve ser justificada de um modo fecundo seja lá como for Tentemos utilizar nossa proposição feita acima acerca da relação da fantasia com os três tempos assim como com os desejos com a obra do poeta e com sua ajuda estudar as relações entre a vida do poeta e suas criações Em geral não se sabe com quais expectativas devemos nos intrometer neste problema costumouse apresentar essa relação de maneira muito simplificada A partir do conhecimento adquirido com as fantasias deveríamos esperar o seguinte conteúdo Sachgehalt uma forte vivência atual deve despertar no poeta a lembrança de uma vivência antiga em geral uma vivência infantil da qual então parte o desejo que será realizado na criação artística a própria criação permite que se reconheçam tanto elementos de acontecimentos recentes quanto também antigas lembranças Não se espantem diante da complexidade dessa fórmula suspeito que ela se justifica na realidade como um esquema demasiado escasso mas uma primeira aproximação com o real conteúdo poderia ser nela conservado e após algumas tentativas que empreendi deveria pensar que essa maneira de observar as produções poéticas poderia ser fecunda Não esqueçam que o destaque talvez estranho às lembranças infantis na vida do poeta deriva em última instância da pressuposição que a criação literária como o sonho diurno é uma continuação e uma substituição a uma só voz das brincadeiras infantis Não deixemos de retornar aos tipos de poesia na qual devemos entrever não a criação livre mas o trabalho com um material já conhecido e pronto Também aqui o poeta mantém uma parcela de autonomia que se expressa na escolha dos temas e na frequente e considerável modificação dos mesmos Mas quanto mais os materiais já estão dados mais surgem outros dos tesouros populares dos mitos sagas e contos de fada A investigação acerca dessas formações da psicologia dos povos não está ainda terminada mas por exemplo muito provavelmente correspondam inteiramente aos mitos os resíduos deformados das fantasias de desejo de toda uma nação os sonhos seculares da ovem humanidade Os senhores dirão que falei muito mais de fantasias do que do poeta do que previra no título de minha palestra Sei disso e peço desculpas tendo em vista o estado atual do nosso conhecimento Gostaria apenas de vos estimular e desafiar partindo do estudo das fantasias a atacar o problema da escolha dos temas poéticos Ainda não tocamos no outro problema que visa com os meios do poeta os efeitos afetivos em nós despertados por suas criações Gostaria ainda de pelo menos indicar o caminho que a partir de nossas explicações sobre as fantasias nos leva aos problemas do efeito poético Os senhores se recordam quando dizíamos que quem tem sonhos diurnos esconde suas fantasias cuidadosamente diante dos outros porque sente que aí há motivos para se envergonhar Eu acrescentaria que mesmo que ele pudesse nos comunicar essas fantasias não poderia nos proporcionar por meio de tal desocultamento nenhum prazer Se experimentássemos essas fantasias ou nos livraríamos delas ou permaneceríamos distantes delas Mas se o poeta nos apresentasse previamente suas brincadeiras ou contasse para nós aquilo que esclarecesse seus sonhos diurnos pessoais então sentiríamos provavelmente a partir de diferentes fontes um grande prazer que flui conjuntamente Como o poeta realiza isso eis aí o seu segredo mais íntimo na técnica da superação desse desafogar que certamente tem a ver com as limitações existentes entre todo o eu individual e os outros consiste verdadeiramente a Ars poética Podemos supor dois meios para essa técnica o poeta suaviza o caráter do sonho diurno egoísta por meio de alterações e ocultamentos e nos espicaça por meio de um ganho de prazer puramente formal ou seja estético o qual ele nos oferece na exposição de suas fantasias Podese chamar esse ganho de prazer que nos é oferecido para possibilitar com ele o nascimento de um prazer maior a partir de fontes psíquicas ricas e profundas de um prêmio por sedução Verlockungsprämie ou de um prazer preliminar Vorlust Sou da opinião de que todo prazer estético criado pelo artista para nós contém o caráter desse prazer preliminar e que o verdadeiro gozo da obra poética surge da libertação das tensões de nossa psique Talvez até mesmo não contribua pouco para esse êxito o fato de o poeta nos colocar na situação de daqui em diante gozarmos com nossas fantasias sem censura e vergonha Aqui estamos diante de uma entrada para investigações mais novas mais interessantes e mais plausíveis mas pelo menos desta vez chegamos ao final de nossa explicação 107 FREUD S Der Dichter und das Phantasieren In Schriften über Kunst und Künstler Einleitung von Peter Gay FrankfurtMain Fischer 1993 p 2940 108 Freud referese à pergunta que teria sido feita pelo Cardeal dEste de Ipollito ao seu protetor o poeta Ludovico Ariosto 14741533 autor de Orlando Furioso onde você encontra assim muitas histórias N T 109 Ver do autor Interpretação dos sonhos 1900 Ges Werke Bd IIIII 110 Referência a Ludwig Anzengruber 18391889 ator jornalista e escritor austríaco considerado como um realista Suas simpatia pelo socialismo fizeram com que o movimento operário austríaco o considerasse um de seus precursores N T Wa Walter lter Benjamin Benjamin A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica segunda A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica segunda versão versão em alem em alemão ão A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica111 111 Walter Benjamin 18921940 Walter Benjamin 18921940 Tradução Daniel Puciarelli Evidentemente é impossível para a obra de arte ser impermeável às condições materiais de sua apresentação Por isso a possibilidade de reproduzir em série uma obra não é u elemento banal ao contrário é determinante Seria um erro caso a reflexão estética não considerasse o impacto do modo de produção capitalista quando aplicado à arte Portanto uma abordagem do tema arte e sociedade jamais poderia passar ao largo da pergunta como as condições sociais na modernidade afetaram a experiência estética Integralmente apresentada a segunda versão de A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica cuja primeira edição se deu em 1989 de Walter Benjamin 18921940 trata também do jogo damímesis e da técnica Temas Temas jogo mímesis técnica modernidade cinema 111 Fonte BENJAMIN W Gesammelte Schriften VII1 Herausgegeben von Rolf Tiedemann und Hermann Schweppenhäuse unter Mitarbeit von Christoph Gödde Henri Lonitz und Gary Smith Frankfurt am Main Suhrkamp 1991 A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica112 112 segunda versão e segunda versão em al m alemão emão113 113 Le vrai est ce quil peut le faux est ce quil veut Madame de Duras II Quando Marx empreendeu a análise do modo de produção capitalista esse modo de produção estava em seus primórdios Marx estabeleceu suas pesquisas de modo que elas adquirissem um valor prognóstico Ele voltou às relações elementares da produção capitalista e apresentouas de tal maneira que delas resultou o que se poderia esperar futuramente do capitalismo Resultou que dele se poderia esperar não apenas uma exploração crescente do proletariado mas finalmente também a produção de condições que tornariam possível a sua própria supressão A modificação fundamental da superestrutura que se desenrola mais lentamente que a da infraestrutura precisou de mais de meio século para efetivar em todos os campos da cultura a modificação das condições de produção Apenas hoje se pode indicar como isso aconteceu Nessas indicações devese colocar certas exigências prognósticas Essas exigências não se referem a teses sobre a arte do proletariado após a tomada do poder ou mesmo sobre a arte da sociedade sem classes mas antes a teses sobre as tendências de desenvolvimento da arte sob as condições de produção atuais Sua dialética se torna perceptível não menos na superestrutura do que na economia Assim seria falso menosprezar a eficácia de tais teses Elas põem de lado uma série de conceito tradicionais tais como criatividade e genialidade valor eterno e segredo conceitos cuja aplicação descontrolada e no momento difícil de controlar conduz à elaboração dos dados em sentido fascista Os novos conceitos que serão introduzidos a seguir na teoria da arte se diferenciam dos conceitos tradicionais pelo fato de que eles são completamente inutilizáveis para os propósitos do fascismo Ao contrário eles são utilizáveis para a formulação de exigências revolucionárias na política da arte IIII A obra de arte sempre foi fundamentalmente reprodutível O que os seres humanos fizeram pôde sempre ser refeito por seres humanos Tal reprodução também fora efetuada por alunos para o exercício artístico por mestres para a difusão das obras e finalmente por terceiros que visavam o lucro Por outro lado a reprodução técnica da obra de arte é algo novo que se impõe historicamente de maneira intermitente em surtos bastante diferenciados mas com crescente intensidade Com a xilografia o desenho tornouse tecnicamente reprodutível pela primeira vez e isso antes que a escrita o fosse por meio da imprensa As enormes modificações que a imprensa a reprodução técnica da escrita trouxe à literatura são conhecidas No entanto elas correspondem apenas a um caso específico sem dúvida particularmente importante do fenômeno aqui analisado em escala histórica global À xilografia somamse no decorrer da Idade Média a gravura em chapa de cobre a águaforte assim como no começo do século XIX a litografia Com a litografia a técnica de reprodução alcança um patamar essencialmente novo O procedimento muito mais conciso que diferencia a aplicação do desenho sobre uma pedra de seu entalho em um bloco de madeira ou de sua cauterização em uma chapa de cobre deu ao desenho pela primeira vez a possibilidade de levar ao mercado os seus produtos não apenas em tiragens de massa como anteriormente mas em novas formas feitas diariamente A litografia habilitou o desenho a acompanhar o cotidiano de forma ilustrada Assim ele começou a acompanhar a imprensa Já nesses princípios em poucas décadas após a invenção da litografia o desenho foi ultrapassado pela fotografia Com a fotografia a mão foi pela primeira vez eximida no processo de reprodução de imagens das mais importantes tarefas artísticas que então recaíram exclusivamente sobre o olho Uma vez que o olho apreende mais rapidamente do que a mão desenha o processo de reprodução gráfica foi acelerado de tal maneira que ele podia acompanhar a fala Se a revista ilustrada estava virtualmente contida na litografia então o cinema sonoro estava virtualmente contido na fotografia A reprodução técnica do som se deu no final do século anterior Por volta de 1900 a reprodução técnica já havia alcançado um padrão no qual ela começou não apenas a fazer da totalidade das obras de arte tradicionais o seu objeto submetendo o efeito destas a modificações profundas mais ainda a reprodução técnica conquistou então seu próprio espaço entre os procedimentos artísticos Para o estudo desse padrão nada é mais elucidativo que analisar como suas duas manifestações distintas reprodução da obra de arte e a arte cinematográfica refletemse na arte em sua forma tradicional IIIIII Mesmo com a reprodução mais desenvolvida uma coisa não está presente o aqui e agora da obra de arte sua existência singular no lugar em que ela se encontra Entretanto nessa existência singular e em nada mais efetuouse a história à qual no curso de sua existência a obra de arte esteve submetida A essa existência pertencem tanto as modificações que a obra de arte sofreu em sua estrutura física com o passar do tempo quanto as cambiantes relações de propriedade nas quais ela possa ter entrado Só se pode obter os vestígios de tais modificações através de análises de natureza química ou física que não podem ser efetuadas na reprodução por outro lado os vestígios das relações de propriedade em que a obra de arte possa ter entrado são objeto de uma tradição cuja persecução deve partir da posição da obra original O aqui e agora da obra srcinal constitui o conceito de sua autenticidade em cuja base se encontra a ideia de uma tradição que acompanhou esse objeto até os dias atuais como o mesmo e idêntico Todo o âmbito da autenticidade escapa à reprodutibilidade técnica e naturalmente não apenas à técnica Enquanto a obra autêntica conserva a sua autoridade frente à reprodução manual rotulada via de regra como falsificação o mesmo não ocorre com a reprodução técnica Há uma dupla razão para tal Primeiramente a reprodução técnica se revela frente ao srcinal como mais independente do que a reprodução manual Ela pode por exemplo salientar na fotografia aspectos do srcinal acessíveis apenas à lente ajustável cujo ângulo de mira é escolhido arbitrariamente mas não ao olho humano ou ainda graças a certos procedimentos como a ampliação ou a câmara lenta é possível reter imagens que simplesmente se furtam à ótica natural Essa é a primeira razão E segundo lugar a reprodução técnica pode ainda trazer a cópia do srcinal a certas situações não acessíveis a ele Acima de tudo ela torna possível ao srcinal se aproximar do receptor seja na forma da fotografia ou da gravação A catedral abandona o seu espaço para ser recebida em um estúdio de um amador a obra coral que havia sido executada em uma sala de concerto ou sob céu aberto pode ser ouvida em um quarto É possível que essas diferentes circunstâncias não tenham afetado a subsistência da obra de arte mas elas desvalorizam em todo caso o seu aqui e agora Se isso é válido não apenas para a obra de arte mas por exemplo também para uma paisagem que passa diante do expectador durante o filme então por meio desse processo tocase um dos núcleos mais sensíveis do objeto artístico um núcleo tão vulnerável que nenhum objeto natural o possui Tratase de sua autenticidade A autenticidade de uma coisa é a suma de tudo nela que a partir de sua srcem pode ser transmitido desde seu decurso material até o seu testemunho histórico E uma vez que este se assenta sobre aquele o testemunho histórico da coisa é abalado com a reprodução na qual o seu decurso material escapa aos seres humanos E certamente só ele mas o que é abalado dessa maneira é a autoridade da coisa seu peso tradicional Podese resumir essas características no conceito da aura e dizer o que se atrofia na época da reprodutibilidade técnica da obra de arte é a sua aura Esse processo é sintomático seu significado aponta para muito além do âmbito da arte A técnica de reprodução assim poderíamos formular em termos gerais destaca o reproduzido do âmbito da tradição Na medida em que multiplica a reprodução ela substitui a sua aparição singular pela sua aparição em massa E na medida em que ela permite à reprodução vir ao encontro do receptor em cada situação ela atualiza o que é reproduzido Esses dois processos conduzem a um violento abalo do que é transmitido um abalo da tradição que é o outro lado da atual crise e renovação da humanidade Eles se encontram em íntima relação com os movimentos de massa de nossos dias Seu agente mais poderoso é o filme Se significado social não é pensável também em sua forma mais positiva e justamente nela sem esse lado destrutivo e catártico a liquidação do valor tradicional da herança cultural Esse fenômeno é mais palpável nos grandes filmes históricos Ele engloba cada vez mais posições em seu campo Quando Abel Gance proclamou entusiasticamente em 1927 Shakespeare Rembrandt Beethove farão cinema Todas as lendas todas as mitologias e todos os mitos todos os fundadores de religiões todas as religiões aguardam a sua ressurreição luminosa e os heróis se acotovelam junto aos portões 114 ele convidava sem o saber para uma abrangente liquidação IV IV No interior de grandes períodos históricos modificase juntamente com todo o modo de existência das coletividades humanas também o modo de sua percepção O modo pelo qual a percepção humana se organiza o meio115 em que ela acontece não é apenas naturalmente mas também historicamente determinado O tempo da migração dos povos bárbaros em que indústria artística do Império Romano Tardio e o Gênesis de Viena116 surgiram possuía não apenas uma outra arte que aquela da Antiguidade mas também uma outra forma de percepção Os sábios da escola vienense Riegl e Wickhoff117 que prestaram resistência à força da tradição clássica sob a qual aquela arte havia sido soterrada foram os primeiros a pensar em tirar conclusões a partir daquela arte acerca da organização da percepção no tempo em que ela era válida Por mais que seus conhecimentos fossem amplos eles estavam limitados pelo fato de que esses pesquisadores se contentavam em mostrar a assinatura formal que era própria à percepção no Império Romano Tardio Eles não tentaram e talvez não pudessem mesmo esperálo mostrar as modificações estruturais da sociedade que se expressavam nessas modificações da percepção Para o tempo presente as condições para um conhecimento dessa natureza são mais propícias E se as modificações no meio da percepção cujos contemporâneos somos nós podem ser concebidas como o declínio da aura então podemos revelar as suas condições sociais O que é a aura falando propriamente Uma estranha teia composta de espaço e tempo aparição única de uma distância por mais próxima que ela seja Contemplar tranquilamente em uma tarde de verão uma serra no horizonte ou um ramo sob cuja sombra descansamos isso quer dizer respirar a aura da serra a aura desse galho À base dessa descrição é fácil conceber o condicionamento social do atual declínio da aura Ele repousa sobre duas circunstâncias e ambas se relacionam com o aumento crescente das massas e a crescente intensidade de seus movimentos Ou seja trazer as coisas para perto de si é ao mesmo tempo uma aspiração apaixonada das massas atuais e a sua tendência de superar a unicidade de todo dado por meio de sua reprodução Diariamente mostrase como cada vez mais indeclinável a necessidade de se apreender o objeto na máxima proximidade na imagem ou mais ainda na cópia na reprodução E a reprodução tal como ela é disponibilizada pela revista ilustrada e pelo cinejornal se distingue de maneira inconfundível da imagem Unicidade e duração se entrelaçam na imagem assim como volatilidade e repetibilidade na reprodução Extrair o objeto de seu invólucro o estilhaçamento da aura eis a marca de uma percepção cuja sensibilidade para tudo o que se assemelha no mundo118 cresceu de tal maneira que a percepção procura assegurá lo por meio da reprodução também a partir do que é singular Assim se manifesta no âmbito da sensibilidade o que se faz sentir no âmbito da teoria como o crescente significado da estatística A orientação da realidade para as massas e das massas para a realidade é um processo de extensão ilimitada tanto para o pensamento quanto para a sensibilidade VV A singularidade da obra de arte é idêntica à sua inserção no contexto da tradição Certamente essa tradição é algo de inteiramente vivo e de extraordinariamente mutável Uma antiga estátua de Vênus por exemplo encontravase em uma outra tradição entre os gregos que fizeram dela u objeto de culto do que entre os clérigos da Idade Média que vislumbravam nela um ídolo funesto No entanto o que se impunha a ambos da mesma maneira era a sua singularidade ou dito de outro modo a sua aura A forma srcinária da inserção da obra de arte no contexto da tradição encontrou a sua expressão no culto Como sabemos as obras de arte mais antigas surgiram a serviço de u ritual primeiramente de um ritual mágico posteriormente de um religioso É decisivo o fato de que esse modo de ser aurático da obra de arte jamais se dissociou inteiramente de sua função ritual E outras palavras o valor de singularidade da obra de arte autêntica encontra a sua fundação sempre no ritual Por mais mediada que essa fundação seja ela é reconhecível mesmo nas formas mais profanas do culto à beleza como ritual secularizado Tais fundamentos se tornam claramente reconhecíveis quando o culto profano à beleza que se forma com o Renascimento e permanece atuante por três séculos sofre o seu primeiro abalo sério após esse período Quando com o advento do primeiro meio de reprodução verdadeiramente revolucionário a fotografia simultaneamente ao despontar do socialismo a arte sente a proximidade da crise que se tornou evidente após cem anos ela reage com a doutrina dalart pour lart que é uma teologia da arte Dela surgiu então diretamente uma teologia negativa na forma da ideia de uma arte pura que recusa não apenas toda função social mas também toda determinação mediante um tema concreto Na poesia foi Mallarmé o primeiro a alcançar essa posição A uma análise que se ocupa da obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica é indispensável compreender essas relações precisamente Pois elas preparam o conhecimento que aqui é decisivo a saber a reprodutibilidade técnica da obra de arte a emancipa pela primeira vez na história universal de sua existência parasitária no ritual A obra de arte reproduzida se torna cada vez mais a reprodução de uma obra de arte criada para a reprodução119 Da chapa fotográfica por exemplo é possível extrair várias cópias a pergunta pela cópia autêntica não faz sentido No entanto no instante em que a escala da autenticidade não mais se aplica à produção da arte então toda função social da arte transformouse radicalmente No lugar de sua fundação no ritual deve surgir sua fundação numa outra práxis a saber sua fundação na política VI VI Seria possível apresentar a história da arte como o confronto entre dois polos na própria obra de arte visualizando a história do decurso desse confronto nos deslocamentos cambiantes da ênfase depositada de um polo da obra de arte para o outro Esses dois polos são o valor de culto e o valor de exposição120 A produção artística começa com produtos que se encontram a serviço da magia Desses produtos o importante é apenas que eles existam não que eles sejam vistos O alce que o homem da Idade da Pedra retratava nas paredes de sua caverna é um instrumento de magia exposto por ele aos outros apenas ocasionalmente no máximo o importante é que os espíritos o vejam O valor de culto como tal praticamente obriga que a obra de arte seja mantida às escondidas certas estátuas de deuses são acessíveis apenas ao padre na cella certas madonas permanecem encobertas por quase todo o ano certas esculturas em catedrais medievais não são visíveis ao observador que se encontra no soloCom a emancipação dos exercícios artísticos particulares do seio do ritual crescem as oportunidades de exposição de seus produtos A exponibilidade de um busto que pode ser enviado aqui e acolá é maior do que a de uma estátua de um deus que tem o seu lugar fixo no interior do templo A exponibilidade de um painel é maior do que a de um mosaico ou de um afresco que o precederam E se a exponibilidade de uma missa talvez não era srcinalmente inferior que a de uma sinfonia esta surgiu no entanto na época em que a sua exponibilidade prometia se tornar maior que a da missa Com os diferentes métodos de reprodução técnica da obra de arte sua exponibilidade cresceu tão violentamente que o deslocamento quantitativo entre os seus dois polos converteuse em uma mudança qualitativa de sua natureza mudança esta análoga à que ocorreu na préhistória Assim como na préhistória a obra de arte se tornou por meio da ênfase absoluta depositada em seu valor de culto sobretudo um instrumento da magia reconhecida apenas posteriormente como obra de arte hoje a obra de arte se transforma por meio da ênfase absoluta depositada em seu valor de exposição em um produto com funções inteiramente novas das quais aquela de que temos consciência a artística se destaca como uma função que posteriormente poderá ser reconhecida como acessória Atualmente é certo que o cinema oferece maior margem de análise para essa questão E também é certo que o alcance histórico dessa mudança de função da arte que aparece da forma mais avançada no cinema permite sua confrontação com a préhistória da arte não apenas metódica mas também materialmente A serviço da magia a arte da préhistória fazia certos registros que serviam à práxis seja provavelmente como a realização de procedimentos mágicos entalhar uma figura ancestral é um exercício mágico seja como instruções a tais procedimentos a figura ancestral apresenta uma postura ritual seja ainda como objetos de contemplação mágica observar a figura ancestral fortalece o poder mágico do observador O ser humano e seu meio ambiente ofereciam os objetos desses registros e eles eram copiados segundo as exigências de uma sociedade cuja técnica apenas existia em fusão com o ritual Naturalmente essa técnica é atrasada em comparação à maquinal Par a análise dialética no entanto não é isso o importante O que importa para ela é a diferença tendencial entre aquela técnica e a nossa diferença que consiste no fato de que a primeira técnica mobiliza o ser humano tanto quanto possível a segunda tão pouco quanto possível A façanha técnica da primeira técnica é em certo sentido o sacrifício humano ao passo que a da segunda é da ordem dos aviões de controle remoto que não precisam de tripulação O de uma vez por todas vale para a primeira técnica tratase para ela de uma falta que jamais poderá ser restabelecida ou do eterno sacrifício substituto o uma só vez não é nada vale para a segunda ela tem a ver com o experimento e a sua variação incansável das condições de experimentação A srcem da segunda técnica deve ser buscada onde o ser humano passou pela primeira vez e com astúcia inconsciente a tomar distância da natureza Dito de outro modo a srcem está no jogo Seriedade e jogo rigidez e descompromisso aparecem cruzados em cada obra de arte ainda que em proporções cambiantes Com isso já é dito que a arte está ligada tanto à primeira quanto à segunda técnica Entretanto devese notar que o domínio da natureza designa o objetivo da segunda técnica apenas de maneira altamente contestável ele o designa do ponto de vista da primeira técnica A primeira almejava efetivamente o domínio da natureza a segunda almejava antes a cooperação entre a natureza e a humanidade A função social decisiva da arte atual é a prática nessa combinação E isso é válido sobretudo no que concerne ao cinema O cinema serve ara exercitar os seres humanos naquelas apercepções e reações condicionadas pela lida com a aparelhagem cujo papel em sua vida aumenta quase diariamente A lida com a aparelhagem lhe ensina ao mesmo tempo que a servidão em seu serviço só dará espaço à libertação por meio dela quando a disposição da humanidade tiver se adaptado às novas forças produtivas que a segunda técnica conquistou121 VI VIII Na fotografia o valor de exposição começa a fazer o valor de culto recuar em todas as suas rentes Este no entanto não cede sem resistência Ele guarda uma última trincheira que é a face humana Não é de modo algum por acaso que o retrato é central para a antiga fotografia O valor de culto da imagem tem o seu último asilo no culto da recordação das pessoas queridas distantes ou falecidas Na expressão fugidia de um rosto humano nas antigas fotografias a aura acena pela última vez É isso que constitui a sua beleza melancólica e incomparável No entanto quando o ser humano se retira da fotografia o valor de exposição se impõe soberano sobre o valor de exposição Ter dado a esse processo o seu lugar eis o significado incomparável de Atget que registrou por volta de 1900 as ruas parisienses desertadas de seres humanos Dele foi dito com toda razão que ele as fotografou como o local de um crime O local de um crime também é deserto Seu registro se realiz graças aos indícios Com Atget os registros fotográficos começam a se tornar provas no processo histórico Isso constitui o seu significado político oculto Eles exigem uma recepção em sentido determinado A contemplação livre não lhes é mais apropriada Eles inquietam o observador ele sente que deve procurar um certo caminho para chegar a eles Ao mesmo tempo as revistas ilustradas começam a lhe apresentar indicações de caminhos sejam elas verdadeiras ou falsas Nas revistas a legenda se tornou pela primeira vez obrigatória É certo ainda que esta possui um caráter inteiramente diferente do que o título de uma pintura As diretivas que o observador de imagens recebe da legenda das revistas ilustradas se tornarão em seguida ainda mais precisas e imperativas no filme onde a compreensão de cada imagem parece prescrita pela sequência de todas as imagens anteriores VIII VIII Os gregos conheciam apenas dois métodos de reprodução técnica de obras de arte a fundição e a cunhagem Bronzes terracotas e moedas foram as únicas obras de arte que eles podiam produzir em massa Todas as outras eram singulares e irreprodutíveis tecnicamente Por isso elas deviam ser feitas para a eternidade Pelo estado de sua técnica os gregos não podiam prescindir de produzir valores eternos na arte Eles devem a essa circunstância o seu lugar distintivo na história da arte a partir do qual os povos posteriores puderam determinar a sua própria posição Não há dúvida de que a nossa posição se encontra no polo oposto à dos gregos Nunca antes as obras de arte foram em tão alta medida e com tão vastas consequências reprodutíveis tecnicamente como hoje Com o filme temos uma forma cujo caráter artístico é determinado pela primeira vez continuamente pela sua reprodutibilidade Confrontar essa forma em suas peculiaridades com a arte grega seria ocioso E um ponto exato no entanto esse confronto é instrutivo Com o cinema uma qualidade se tornou crucial para a obra de arte qualidade essa que os gregos teriam concedido à obra de arte em último caso ou apenas a considerado como sua qualidade mais inessencial Tratase de sua perfectibilidade O filme pronto é tudo menos uma criação feita de uma vez ele é montado a partir de várias imagens e sequências de imagens entre as quais o montador pode escolher imagens que de resto foram aprimoradas a belprazer desde o começo na sequência das gravações até o êxito definitivo Para produzir o seu filme Opinion publique122 de 3000 metros de comprimento Chaplin gravou 12500 metrosO filme é portanto a obra de arte mais aperfeiçoável Tal perfectibilidade se relaciona com uma abdicação radical do valor de eternidade Isso deriva da contraprova para os gregos cuja arte não podia prescindir da produção de valores de eternidade a arte menos aperfeiçoável se encontrava no topo das artes a escultura cujas criações são feitas literalmente a partir de uma peça O declínio da escultura na era da obra de arte montável é inevitável IX IX Hoje o conflito travado no decorrer do século dezenove entre a pintura e a fotografia acerca do valor artístico de seus produtos parece confuso e despropositado Mas tal fato não reduz em nada o seu significado e poderia mesmo sublinhálo De fato esse conflito foi a expressão de uma transformação históricouniversal da qual nenhum dos dois adversários estivera consciente como tal Na medida em que a era de sua reprodutibilidade técnica desatou a arte de seu fundamento no culto a sua aparência de autonomia se esvaneceu para sempre A modificação de função da arte no entanto que se deu então saiu do campo de visão do século Tal modificação passou também em muito despercebida ao século vinte que vivenciou o desenvolvimento do cinema Da mesma maneira que anteriormente muita argúcia vã foi empregada para decidir se a otografia seria uma arte sem colocar a questão preliminar se por meio da invenção da otografia o caráter integral da arte havia se modificado os teóricos do cinema assumiram em seguida a questão correspondente de modo igualmente precipitado Mas as dificuldades que a fotografia colocara à estética tradicional foram uma brincadeira de criança frente às dificuldades com as quais o cinema a aguardava Daí a violência cega que caracteriza os primórdios da teoria do cinema É assim que Abel Gance por exemplo compara o cinema com os hieróglifos Chegamos então em virtude de um regresso altamente curioso ao passado ao nível de expressão dos egípcios A linguagem das imagens ainda não chegou à sua maturação pois nossos olhos ainda não estão à sua altura Ainda não há apreço suficiente ainda não háculto suficiente para aquilo que se expressa nela123 Ou segundo SéverinMars A qual arte foi concedido um sonho que teria sido a mesmo tempo mais poético e mais real Considerado de tal ponto de vista o cinema apresentaria u meio de expressão inteiramente incomparável e em sua atmosfera só é permitido que se movimentem pessoas de mais nobre pensamento nos mais plenos e misteriosos momentos de sua vida 124 É bastante instrutivo ver como o esforço de elevar o cinema à arte compele esses teóricos a introduzir nele com falta de atenção sem igual elementos de culto E no entanto à época que tais especulações foram publicadas já havia obras como Lopinion publique e La ruée vers lor125 Isso não impede Abel Gance de evocar a comparação com os hieróglifos e SéverinMars fala d filme como se poderia falar de imagens de Fra Angelico Característico é o fato de que ainda hoje autores particularmente reacionários buscam o significado do cinema na mesma direção se não diretamente no sagrado então ao menos no sobrenatural Por ocasião da adaptação cinematográfica de Reinhardt de Sonho de uma noite de verão Werfel constata que foi sem dúvida a cópia estéril do mundo exterior com suas ruasinteriéurs estações de trem restaurantes automóveis e praias o que até hoje atrapalhou a ascensão do cinema ao reino da arte O cinema ainda não compreendeu o seu verdadeiro sentido suas possibilidades reais Elas consistem em uma capacidade singular de dar voz com meios naturais e com poder de persuasão incomparável ao feérico maravilhoso e sobrenatural126 XX A reprodução fotográfica de um quadro é diferente da de um evento artificial realizada em um estúdio cinematográfico No primeiro caso o que é reproduzido é uma obra de arte e sua produção não o é Pois o desempenho do cinegrafista na objetiva não cria uma obra de arte assim como o desempenho de um maestro em uma orquestra sinfônica no melhor dos casos ele cria um desempenho artístico Diferentemente ocorre na gravação em um estúdio cinematográfico Nesse caso nem o que é reproduzido é uma obra de arte e a reprodução não o é tampouco como no primeiro caso A obra de arte só surge aqui em virtude da montagem de uma montagem da qual cada parte singular é a reprodução de um evento que nem é uma obra de arte em si nem gera uma obra de arte na fotografia O que são esses eventos reproduzidos no filme uma vez que eles não são obras de arte A resposta deve partir do desempenho artístico próprio ao ator de cinema Ele se distingue do ator de teatro pelo fato de que seu desempenho artístico não se passa em sua forma srcinal a qual subjaz à reprodução perante um público ocasional mas perante um grêmio de especialistas como produtor diretor cinegrafista engenheiro de som responsável pela iluminação etc que a todo momento podem intervir em seu desempenho artístico Tratase aqui de uma marca social distintiva muito importante A intervenção de um grêmio de especialistas em um desempenho artístico é típica do desempenho esportivo e em sentido amplo da execução de um teste De fato tal intervenção determina inteiramente o processo de produção do filme Como se sabe várias partes são filmadas em variações Um grito de socorro por exemplo pode ser registrado em diferentes versões Entre essas o responsável pela montagem deverá escolher ele escolhe uma delas como que estatuindo a versão recorde Um evento feito em um estúdio de gravação se distingue do evento real correspondente da mesma maneira que o lance de um disco no campo esportivo de um campeonato é diferente do lance do mesmo disco no mesmo lugar e sobre a mesma distância se viesse a matar um homem O primeiro seria a execução de um teste o segundo não No entanto a execução desse teste pelo ator de cinema é algo completamente singular Em que ela consiste Na superação de uma certa barreira que coloca o valor social de testes em limites estreitos Não se trata aqui do desempenho esportivo mas do desempenho em um teste mecanizado Em certo sentido o esportista conhece apenas o teste natural Ele se mede pelas tarefas postas pel natureza e não pelas tarefas de um equipamento a menos em exceções como Nurmi de quem se dizia que ele corria contra o relógio Entretanto o processo de trabalho ocasionou sobretudo desde que ele foi padronizado pela cadeia de montagem incontáveis provas diárias no teste mecânico Essas provas ocorrem às escondidas quem não for aprovado é excluído do processo de trabalho Mas elas também ocorrem independentemente nos institutos que oferecem orientação profissional Em ambos os casos nos confrontamos com o limite supramencionado Na verdade e ao contrário das provas esportivas essas provas não podem ser expostas como seria desejável E é exatamente aqui que o cinema intervémO cinema torna possível que o teste venha a ser exposto na medida em que ele faz de sua própria exponibilidade um teste O ator de cinema não atua perante um público mas perante uma aparelhagem O responsável pela gravação se encontra exatamente no mesmo lugar que o responsável pelo teste de habilitação profissional Atuar sob a luz dos holofotes e sob as exigências do microfone é um teste de primeira ordem Ser aprovado nesse teste significa conservar a sua própria humanidade face à aparelhagem O interesse nesse teste é enorme Pois é frente a uma aparelhagem que a maioria esmagadora dos citadinos em balcões e fábricas deve se alienar de sua humanidade durante o dia de trabalho À noite são essas mesmas massas que enchem os cinemas para vivenciar a revanche que o ator de cinema faz em nome delas na medida em que a humanidadedo ator ou o que aparece como tal às massas se afirma não apenas frente à aparelhagem mas na medida em que ela coloca a aparelhagem a serviço do seu próprio triunfo XI XI Para o cinema é bem menos importante o ator representar para o público um outro do que ele representar a si mesmo para a aparelhagem Pirandello foi um dos primeiros a notar essa modificação do ator pela execução do teste O fato de que ele se limite em seu romance Quaderni di Serafino Gubbio operatore Si gira127 a ressaltar o lado negativo da questão não prejudica as suas observações E o fato de que elas se refiram ao cinema mudo prejudica ainda menos Pois o cinema sonoro não mudou nada de essencial nessa questão Decisivo permanece sendo o fato que o ator atue para uma aparelhagem ou no caso do cinema sonoro para duas O ator de cinema escreve Pirandello se sente como no exílio Exilado não apenas do palco mas de sua própri pessoa Com um sombrio malestar ele sente o vazio incompreensível que surge quando seu corpo se torna uma aparição sem substância quando ele se volatiliza e sua realidade sua vida sua voz e os ruídos que ele produz ao moverse lhe são roubados para se transformarem em uma imagem muda que treme por um instante na tela e desaparece em silêncio A pequena aparelhagem vai jogar com a sua sombra diante do público e ele próprio deve se contentar em interpretar perante ela128 Poderíamos caracterizar o mesmo estado de coisas da seguinte maneira pela primeira vez e isso é obra do cinema o homem está em posição de atuar com a sua individualidade integral e viva mas somente com a renúncia de sua aura Pois a aura está ligada ao seu aqui e agora Não há cópia dela A aura presente no palco ao redor de Macbeth não pode se separar daquilo que para o público vivo está ao redor do ator que o interpreta A peculiaridade da gravação no estúdio cinematográfico no entanto consiste no fato de que ela coloca a aparelhagem no lugar do público Assim a aura presente ao redor do ator deve desaparecer e assim desaparece ao mesmo tempo a aura ao redor do que é representado Não é surpreendente o fato de que justamente um dramaturgo como Pirandello toque involuntariamente o cerne da crise em sua caracterização do ator de cinema crise na qual o teatro se vê envolvido De fato não há contraste mais significativo em relação à obra de arte inteiramente captada pela técnica de reprodução em relação à obra de arte que emerge da reprodução técnica como o filme que a obra teatral Qualquer observação mais penetrante o confirma Observadore competentes reconheceram há muito tempo que na representação cinematográfica os maiores resultados são quase sempre alcançados quando se atua o mínimo possível O último desenvolvimento como constata Arnheim em 1932 consiste em tratar o ator como um adereço escolhido pelas suas características e colocado no lugar certo 129 Mas há outra coisa que se relaciona intimamente com issoO ator que atua no palco de teatro se transporta para um papel o ator de cinema no entanto isso é muitas vezes negado Sua atuação não é de modo algu unitária mas uma combinação de várias atuações particulares Além de se ocupar ocasionalmente do aluguel do estúdio da disponibilidade de parceiros da decoração etc a atuação do ator é decomposta em uma série de episódios montáveis pelas necessidades elementares do maquinário Tratase sobretudo da iluminação cuja instalação exige que a representação de uma cena que aparece na tela como um decurso unitário e rápido seja realizada em gravações separadas que ocasionalmente se estendem por horas no estúdio para não mencionar montagens mais palpáveis Assim uma cena do ator saltando da janela pode ser filmada no estúdio com o ator saltando de uma armação sendo que a fuga subsequente no entanto pode ser filmada semanas mais tarde no exterior De resto é fácil construir casos ainda mais paradoxais Podese exigir do ator que ele recue de medo após uma batida à porta Se esse recuo não sair como desejado o diretor pode ocasionalmente fazer com que se dispare um tiro às costas do ator quando este se encontrar novamente no estúdio sem que ele tenha conhecimento disso O susto do ator nesse instante pode ser gravado e ser inserido no filme Nada mostra mais drasticamente que a arte abandonou o reino da bela aparência que até então era considerado como o único em que ela podia prosperar130 XI XIII Na representação do homem pela aparelhagem a sua alienação de si mesmo passou por uma reutilização altamente produtiva Essa reutilização pode ser mensurada no fato de que o estranhamento do ator diante da aparelhagem como Pirandello o descreve é fundamentalmente da mesma espécie que o estranhamento do homem diante de sua aparição no espelho da qual os românticos gostavam de se ocupar Agora no entanto o reflexo pode ser separado do espelho ele se tornou transportável E para onde ele foi transportado Para diante das massas131 É claro que a consciência disso não abandona o ator de cinema por sequer um momento Ele sabe diante da aparelhagem que ele se relaciona em última instância com a massa É a massa que vai controlálo E justamente a massa não é visível ainda não está presente no momento em que ele realiza o desempenho artístico que ela controlará A autoridade desse controle cresce por meio daquela invisibilidade Certamente não podemos esquecer que a utilização política desse controle terá de esperar até que o filme tenha se libertado dos grilhões de sua exploração capitalista Pois através do capital cinematográfico transformamse as chances revolucionárias desse controle em chances contrarrevolucionárias O culto da estrela de cinema que é promovido por ele não conserva apenas aquela magia da personalidade que consiste há muito tempo no brilho pútrido de seu caráter de mercadoria também seu complemento o culto do público promove simultaneamente a constituição corrupta da massa a qual o fascismo procura colocar no lugar de sua consciência de classe132 XIII XIII Associase à técnica do filme assim como à do esporte o fato de que cada um assiste aos desempenhos que elas expõem como semiespecialista É necessário apenas que ouçamos um grupo de entregadores de jornal apoiados em suas bicicletas discutindo os resultados de uma competição de ciclismo para intuirmos algo dessa associação No que diz respeito ao cinema o cinejornal atesta claramente que cada um pode vir a ser filmado No entanto nada é feito com essa possibilidade Cada ser humano atualmente tem o direto de ser filmado Esse direito pode ser melhor compreendido se recorrermos à situação histórica da literatura atual Durante séculos as coisas eram tais na literatura que frente a um número reduzido de escritores havia um número muito maior de leitores Isso se modificou no século passado Com a crescente extensão da imprensa que disponibilizava aos leitores sempre novos órgãos políticos religiosos científicos profissionais e locais um número cada vez maior de leitores passou a escrever primeiramente de maneira ocasional Isso começou com a abertura da parte da imprensa diária de uma seção destinada às Cartas dos leitores e hoje quase não há um europeu inserido no processo de trabalho que não tenha a oportunidade de publicar em algum lugar sua experiência de trabalho uma reclamação uma reportagem ou algo semelhante Assim a diferença entre autor e público está em vias de perder o seu caráter fundamental Ela se torna funcional atuando diferentemente em cada caso particular O leitor está sempre pronto a se tornar um escritor Como especialista que ele teve de se tornar para bem ou para mal em um processo de trabalho altamente especializado seja apenas especialista em um campo de atuação menor ele ganha acesso à autoria O próprio trabalho toma a palavra e sua representação em palavra constitui uma parte do saber exigido para o seu exercício A competência literária não se baseia mais sobre a formação especializada mas sobre a politécnica e convertese assim em patrimônio geral Tudo isso pode ser transposto sem mais ao cinema em que as mudanças que necessitaram de séculos no caso da escrita se efetuam no decorrer de uma década Pois na prática do cinema sobretudo do cinema russo essa mudança já se efetivou em certos pontos Uma parte dos atores encontrados no cinema russo não são atores em nosso sentido mas pessoas que se representama si mesmas e na verdade primariamente em seu processo de trabalho Na Europa Ocidental exploração capitalista do cinema impede que se atenda à reivindicação legítima do ser humano atual no que concerne a seu serreproduzido A propósito também o desemprego a impede ao excluir grandes massas da produção em cujo processo de trabalho elas teriam primariamente a reivindicação de serem reproduzidas Sob tais circunstâncias a indústria fílmica tem todo interesse em estimular a participação das massas por meio de ideias ilusórias e especulações ambíguas Para alcançar esse objetivo ela pôs um violento aparato publicitário em movimento colocando a carreira e a vida amorosa das estrelas de cinema a seu serviço organizando plebiscitos convocando concursos de beleza Tudo isso para falsificar e corromper o interesse srcinário e justificado das massas pelo cinema um interesse de conhecimento pessoal e assim também de classe Vale portanto em particular para o capital fílmico aquilo que em geral vale para o fascismo a saber que uma carência indeclinável por novas organizações sociais seja explorada em segredo conforme o interesse de uma minoria proprietária Já por essa razão a expropriação do capital fílmico é uma exigência urgente do proletariado XI XIVV A gravação de um filme e sobretudo a de um filme sonoro oferece uma perspectiva que jamais fora pensável Ela apresenta um evento que não pode mais ser ordenado sob um único ponto de observação a partir do qual a aparelhagem de gravação que como tal não pertence ao processo de filmagem tal como o maquinário de iluminação o corpo de assistentes etc não entre no campo de visão do expectador A não ser que a disposição de sua pupila coincida com a do aparato de gravação Essa circunstância mais do que qualquer outra torna superficiais e irrelevantes quaisquer possíveis similaridades existentes entre uma cena no estúdio de filmagem e uma cena no palco de teatro O teatro conhece por princípio o lugar a partir do qual o acontecimento não pode simplesmente ser vislumbrado como ilusório No que concerne à cena de gravação no cinema esse lugar não existe A sua natureza ilusória é uma natureza de segunda ordem ela é um resultado da montagem Ou seja no estúdio de gravação a aparelhagem penetrou tão profundamente na realidade que o seu aspecto puro livre do corpo estranho da aparelhagem é o resultado de um rocedimento particular a saber da gravação por meio do aparato fotográfico especialmente ajustado e de sua montagem com outras gravações da mesma natureza O aspecto da realidade que é livre da aparelhagem se tornou aqui o seu aspecto mais artificial e a visão da realidade imediata se tornou a Flor Azul133 na terra da técnica As mesmas circunstâncias que tanto se distinguem das do teatro podem ser confrontadas de forma ainda mais instrutiva com o que acontece na pintura Nesse caso devemos colocar a questão qual é a relação entre o operador de cinema e o pintor Para responder a essa questão façamos uma construção acessória que se baseia sobre o conceito do operador que é familiar a partir da cirurgia O cirurgião se encontra no polo oposto ao do mágico A postura do feiticeiro que cura o doente ao pôr as mãos sobre ele é diferente da postura do cirurgião que realiza uma intervenção no doente O feiticeiro conserva a distância natural entre si e o paciente mais precisamente ele a diminui apenas um pouco graças ao seu toque e a intensifica muito graças à sua autoridade O cirurgião procede inversamente ele diminui bastante a distância ao paciente na medida em que ele invade seu interior e a aumenta apenas um pouco através da cautela com a qual sua mão se movimenta entre os seus órgãos Em uma palavra à diferença do feiticeiro ainda latente no médico o cirurgião renuncia no instante decisivo a encarar o seu paciente de homem para homem antes ele o invade operativamente Feiticeiro e cirurgião estão entre si como pintor e cinegrafista Em se trabalho o pintor observa uma distância natural entre a realidade dada e si mesmo ao passo que o cinegrafista ao contrário penetra profundamente na trama dos acontecimentos As imagens que ambos produzem são enormemente distintas A do pintor é uma imagem total a do cinegrafista é uma imagem amplamente fragmentada cujas partes se organizam segundo uma nova regra Por isso a representação fílmica da realidade é incomparavelmente mais significativa para o ser humano de hoje em dia pois ela guarda o aspecto da realidade que é livre da aparelhagem justamente em virtude de sua mais intensa interpenetração com a aparelhagem aspecto esse que o ser humano de hoje tem o direito de exigir da obra de arte XV XV A reprodutibilidade técnica da obra de arte modifica a relação das massas para com a arte Da relação mais retrógrada por exemplo frente a um Picasso ela se transforma na mais rogressista por exemplo frente a um Chaplin O comportamento progressista se caracteriza pelo fato que o prazer em ver e vivenciar entra em ligação imediata e interna com a postura do especialista Tal ligação é um indício social importante Pois quanto mais o significado social de uma arte diminui tanto mais se separam no público a postura crítica da fruidora o que se comprova claramente na pintura O convencional é fruído acriticamente e o verdadeiramente novo é criticado com aversão Porém isso não ocorre no cinema O elemento determinante para esse fato é que em nenhum lugar mais do que no cinema as reações do indivíduo cuja suma constitui a reação em massa do público se mostram como condicionadas desde o começo pela sua massificação iminente E na medida em que elas se manifestam elas se controlam mutuamente Aqui também é útil a comparação com a pintura O quadro sempre teve uma pretensão especial à contemplação por u ou por poucos A contemplação simultânea de um quadro por um grande público tal como ela surge no século dezenove é um primeiro sintoma da crise da pintura que de modo algum foi ocasionada apenas pela fotografia mas em relativa independência desta pelo apelo da obra de arte à massa De fato a pintura não é apta a oferecer o objeto a uma recepção coletiva tal como sempre foi o caso para a arquitetura como fora outrora o caso da epopeia e como hoje é o caso do filme E assi como não devemos tirar conclusões sobre o papel social da pintura a partir desse fato por si mesmo tampouco tal fato atua como um obstáculo de peso no momento em que a pintura em situações específicas e em certo sentido contra a sua natureza é confrontada imediatamente com as massas Nas igrejas e conventos da Idade Média e nas cortes até mais ou menos o final do século dezoito recepção coletiva de quadros não ocorria simultaneamente mas era classificada e hierarquizada de várias maneiras Se é verdade que isso se modificou então aí se expressa o particular conflito e que a pintura foi envolvida por meio da reprodutibilidade técnica da imagem No entanto embora se tenha tentado expôla em galerias e salões para as massas não havia um meio no qual as massas teriam podido se organizar e controlar a si próprias em uma tal recepção Assim o mesmo público que reagia de maneira progressista diante de um filme grotesco deveria se tornar retrógrado diante do surrealismo XVI XVI Dentre as funções sociais do cinema a mais importante consiste em estabelecer o equilíbrio entre o ser humano e a aparelhagem O cinema não realiza essa tarefa de modo algum apenas à maneira pela qual o ser humano se representa à aparelhagem de gravação mas também à maneira pela qual ele representa a si mesmo graças à aparelhagem o mundo ao seu redor Através dos closes nos objetos ao nosso redor da acentuação de detalhes ocultos nos adereços que nos são corriqueiros da pesquisa de milieus banais sob a genial condução da objetiva o cinema por um lado aumenta a compreensão dos condicionamentos que regem a nossa existência e por outro lado nos assegura uma gigantesca e inesperada margem de atuação Nossos botequins e avenidas nossos escritórios e quartos mobiliados nossas estações de trem e fábricas pareciam nos aprisionar sem escapatória Nisso veio o filme e explodiu esse mundo carcerário com a dinamite dos décimos de segundo de modo que agora realizamos viagens e aventuras entre seus escombros dispersos Com a gravação em close o espaço se expande com a câmera lenta o movimento é desacelerado E assim como não se trata no caso da ampliação de uma mera explicitação do que se vê em todo caso e implicitamente mas antes de formações estruturais da matéria totalmente novas que vêm à luz assim tampouco a câmera lenta explicita movimentos já conhecidos ao contrário nesses movimentos ela descobre outros totalmente desconhecidos que de modo algum atuam como desacelerações de movimentos rápidos mas como movimentos singularmente acompanhantes flutuantes sobrenaturais134 Com isso tornase palpável que é uma outra natureza que se abre para a câmera diferente daquela que se abre para o olho Diferente sobretudo na medida em que no lugar de um espaço de atuação em que o ser humano atua conscientemente entra um espaço de atuação inconsciente Mesmo que uma pessoa possa ter consciência do caminhar das outras ainda que apenas de forma geral ela não sabe absolutamente nada de sua posição na fração de segundos em que uma pessoa levanta o pé para dar um passo Se de fato já estamos familiarizados com o movimento manual que realizamos ao utilizar um isqueiro ou uma colher não sabemos praticamente nada do que se passa realmente entre a mão e o metal para não falar de como isso se modifica segundo as várias disposições em que nos encontramos É aqui que a câmera intervém com os seus recursos auxiliares suas imersões e emersões interrupções e isolamentos ao distender e comprimir o decurso temporal ao ampliar e reduzir Experimentamos algo do inconsciente ótico pela primeira vez por meio dela assim como experimentamos algo do inconsciente pulsional pela primeira vez pela psicanálise Entre os dois tipos de inconsciente existem de resto as mais profundas articulações Pois os aspectos variados que a aparelhagem de gravação é capaz de extrair da realidade encontramse em grande medida apenas fora do espectro normal de percepções sensoriais Várias deformações e movimentos repetitivos metamorfoses e catástrofes que podem afetar o mundo da ótica nos filmes afetao efetivamente em psicoses em alucinações e sonhos Assim tais dispositivos da câmera são também procedimentos graças aos quais a percepção coletiva é capaz de se apropriar das formas de percepção individual do psicótico ou do sonho O cinema abriu uma exceção na antiga verdade heraclítica segundo a qual os despertos têm um mundo em comum e os adormecidos possuem cada um seu mundo particular muito menos na verdade com representações do mundo dos sonhos do que com a criação de figuras de sonho coletivo como a do Mickey Mouse que perpassa todo o globo Se levarmos em conta as perigosas tensões que a tecnicização com suas conseqüências roduziram nas grandes massas tensões que assumem em estágios críticos um caráter psicótico chegaríamos então ao conhecimento de que essa mesma tecnicização criou contra tais psicoses de massa a possibilidade de imunização psíquica através de certos filmes nos quais um desenvolvimento forçado de fantasias sádicas ou de ideias masoquistas e delirantes pode evitar sua maturação natural e perigosa nas massas A gargalhada coletiva apresenta a irrupção precoce e sadia de tais psicoses de massa O violento acúmulo de acontecimentos grotescos consumidos no cinema é uma indicação drástica dos perigos que ameaçam a humanidade a partir dos recalques que a civilização traz consigo Os filmes grotescos americanos e os filmes de Walt Disney geram uma explosão terapêutica do inconsciente135 Seu antecessor foi o excêntrico No novo espaço de atuação que surgiu com o filme o excêntrico foi o primeiro a estar em casa Chaplin enquanto figura histórica encaixase nesse contexto XVII XVII Uma das tarefas mais importantes da arte sempre foi a de criar uma demanda que só poderia ser plenamente satisfeita posteriormente136 A história de cada forma artística passa por períodos críticos nos quais essa forma aspira a efeitos que só podem ser criados espontaneamente com um padrão técnico diferente ou seja em uma nova forma artística As extravagâncias e grosserias da arte que então resultaram particularmente nos assim chamados períodos de decadência emergem na verdade de seus mais ricos centros de força históricos Foi em tais barbarismos que ainda o Dadaísmo aflorou ultimamente Seu impulso só pode ser reconhecido agora o Dadaísmo tentou criar os efeitos que o público de hoje procura no cinema com os meios da pintura ou da literatura Toda criação radicalmente nova e revolucionária de demandas irá além de seu objetivo Esse é o caso do dadaísmo na medida em que ele sacrifica a favor de intenções mais significativas das quais ele evidentemente não tem consciência na forma em que são aqui descritas os valores de mercado que são tão próprios ao cinema Os dadaístas deram muito menos importância à utilidade mercantil de suas obras de arte do que à sua inutilidade como objetos de imersão contemplativa Eles procuraram alcançar essa inutilidade não por último através de uma degradação fundamental do material de suas obras Seus poemas são saladas de palavras eles contêm expressões obscenas e todo o lixo imaginável da linguagem tal como seus quadros montados por eles com botões ou bilhetes de trem O que eles alcançam com tais meios é um brutal aniquilamento da aura de suas produções nas quais eles gravam com os meios da produção a marca da reprodução Diante de uma imagem de Arp ou de um poema de August Stramm é impossível consagrar algum tempo ao recolhimento e à avaliação como diante de uma imagem de Derain ou de um poema de Rilke 137 À imersão que na degeneração da burguesia tornouse uma escola do comportamento associal opõese a distração como um tipo de comportamento social De fato as manifestações dadaístas garante uma distração veemente ao transformar a obra de arte em centro de um escândalo Ela deveria sobretudo satisfazer uma exigência provocar a indignação pública De uma aparência sedutora ou de uma estrutura sonora persuasiva a obra de arte se transformou com os dadaístas em um projétil Ela se lança ao observador e ganha uma qualidade tátil138 Co isso a obra de arte favoreceu a demanda pelo cinema cujo elemento de distração também é em primeira linha um elemento tátil baseado na troca dos cenários e das disposições que invadem o espectador massivamente139 O cinema libertou o efeito de choque físico da embalagem moral e que o dadaísmo ainda o conservava XVIII XVIII A massa é uma matriz da qual todo comportamento habitual face a obras de arte emerge hoje renascido A quantidade se converteu em qualidade as massas muito maiores de participantes roduziram uma maneira diferente de participação O fato de que essa maneira se apresente primeiramente de modo desacreditado não deve confundir o observador Queixase que as massas procurem distração nas obras de arte ao passo que o conhecedor se aproxime dela com recolhimento Para as massas a obra de arte seria uma ocasião para o entretenimento para o conhecedor ela seria um objeto de devoção Devemos analisar essa crítica mais de perto Distração e concentração encontramse em uma oposição que permite a seguinte formulação que se recolhe diante da obra de arte imerge nela ele mergulha nessa obra tal como a lenda conta de um pintor chinês ao contemplar a sua obra finalizada Por sua vez a massa distraída imerge a obra de arte em si mesma ela a rodeia com suas tormentas a abrange em seu fluxo E isso de maneira mais evidente quanto às edificações A arquitetura sempre ofereceu o protótipo de uma obra de arte cuja recepção ocorre em distração e em coletividade As leis de sua recepção são as mais instrutivas Edificações acompanham a humanidade desde sua préhistória Várias formas artísticas surgira e pereceram A tragédia surge com os gregos para se extinguir com eles e após séculos renascer A epopeia cuja srcem se encontra na juventude dos povos desaparece na Europa com o fim do Renascimento O quadro é uma criação da Idade Média e nada garante a ele uma duração perene necessidade do ser humano por habitação no entanto é perpétua A arquitetura jamais se tornou improdutiva Sua história é mais antiga que a de todas as outras artes e visualizar o seu efeito é significativo para toda tentativa de prestar contas sobre a relação das massas com a obra de arte As edificações são recebidas de maneira dupla através da utilização e da percepção Ou melhor dizendo de forma tátil e ótica Não compreendemos tal recepção se a concebemos segundo o modo de recepção concentrada como é corriqueiro por exemplo a viajantes diante de construções célebres Do ponto de vista tátil não há nenhum equivalente àquilo que é a contemplação do ponto de vista ótico A recepção tátil não ocorre tanto no sentido da atenção como no do hábito No que concerne à arquitetura este último determina largamente até mesmo a recepção ótica Ele també ocorre naturalmente bem menos em uma atenção tensa do que em uma apercepção incidental No entanto essa recepção formada na arquitetura possui sob certas circunstâncias um valor canônico Pois as tarefas que são postas ao aparato perceptivo humano em tempos de transformação não odem ser resolvidas no sentido da simples ótica ou seja da contemplação Elas são realizadas radualmente sob orientação da recepção tátil pela habituação Também o distraído pode se habituar Ou ainda poder realizar certas tarefas em distração é o que confirma que resolvêlas tornouse um hábito Através da distração tal como a arte a oferece avaliase indiretamente em que medida novas tarefas da apercepção se tornaram solúveis Uma vez que de resto o indivíduo sofre a tentação de se furtar de tais tarefas a arte irá resolver as mais duras e importantes lá onde ela pode mobilizar as massas Atualmente ela o faz no filme A recepção distraída que se torna perceptível crescentemente em todos os campos da arte e é o sintoma de modificações profundas da apercepção tem no cinema o seu verdadeiro instrumento de treino E seu efeito de choque o cinema vai de encontro a essa forma de recepção Assim ele se mostra desse ponto de vista como o objeto mais importante atualmente daquela doutrina da percepção que se chamava Estética entre os gregos XI XIXX A crescente proletarização do homem de hoje e a crescente formação de massas são dois lados de um mesmo acontecimento O fascismo tenta organizar as massas proletarizadas recémformadas sem tocar nas relações de propriedade a cuja abolição elas impelem Ele vê a sua salvação e deixar as massas mas não os seus direitos se expressarem140 As massas possuem odireito de modificação das relações de propriedade o fascismo procura darlhe expressão em sua conservação O fascismo converge finalmente para uma estetização da vida política Co DAnnunzio a política foi impregnada pela decadência com Marinetti pelo futurismo com Hitler pela tradição de Schwabing141 Todos os esforços pela estetização da política culminam em um ponto Esse ponto é a guerra A guerra e apenas a guerra torna possível direcionar movimentos de massa de grande escala sob a conservação das relações de propriedade tradicionais Assim formulase o estado de coisas do ponto de vista da política Do ponto de vista da técnica ele se formula como se segue apenas a guerra torna possível mobilizar a totalidade dos meios técnicos do presente sob a conservação das relações de propriedade É evidente que a apoteose da guerra pelo fascismo não se serve deste argumento Ainda assim é instrutivo analisálo No manifesto de Marinetti acerca da Guerra Colonial d Etiópia lêse Há vinte e sete anos voltamonos nós futuristas contra a caracterização da guerr como antiestética Com efeito nós constatamos a guerra é bela porque ela fundamenta graças às máscaras de gás ao megafone assustador ao lançachamas e aos pequenos tanques a dominação do homem sobre a máquina subjugada A guerra é bela pois ela inaugura a sonhada metalização do corpo humano A guerra é bela pois ela enriquece um campo em flor com as orquídeas ígneas das metralhadoras A guerra é bela porque ela congrega em uma sinfonia os tiros de fuzil os canhoneios os cessarfogo os perfumes e os odores de decomposição A guerra é bela porque ela cria novas arquiteturas como a dos grandes tanques das esquadrilhas aéreas geométricas das espirais de fumaça de vilarejos em chamas e muitas outras coisas Poetas e artistas do futurismo lembrem se desses princípios de uma estética da guerra de modo que suas lutas por uma nova poesia e por novas artes plásticas sejam iluminadas por eles 142 Esse manifesto possui a vantagem da clareza Seu questionamento merece ser assumido pelo pensador dialético Segundo ele a estética da guerra atual se apresenta da seguinte maneira se a utilização natural das forças produtivas for retida pelo ordenamento da propriedade então o crescimento dos paliativos técnicos dos tempi das fontes de energia compele a uma utilização antinatural das forças produtivas Ela o encontra na guerra que prova com as suas destruições que a sociedade não era ainda suficientemente madura para fazer da técnica o seu órgão e que a técnica não era ainda desenvolvida o suficiente para controlar as forças elementares da sociedade A guerra imperialista é em seus traços mais sombrios determinada pela discrepância entre os poderosos meios de produção e a sua utilização inadequada no processo de produção com outras palavras pelo desemprego e a falta de mercados A guerra imperialista é um levante da técnica que cobra em material humano as reivindicações das quais a sociedade extraiu seu material natural No lugar de indústrias de energia ela mobiliza a energia humana sob a forma de exércitos No lugar do tráfego aéreo ela mobiliza o tráfego de projéteis e tem na guerra à gás um meio de suprimir a aura de uma nova maneira Fiat ars pereat mundus143 diz o fascismo esperando da guerra a satisfação artística da percepção sensorial modificada pela técnica como Marinetti o reconhece Eis claramente consumação dalart pour lart A humanidade que outrora era em Homero objeto de contemplação dos deuses olímpicos tornouse agora objeto de contemplação para si mesma O seu estranhamento de si mesma alcançou aquele patamar que permite a ela vivenciar o próprio extermínio como uma fruição estética de primeiro nível Eis a estetização da política tal como o fascismo a pratica comunismo responde com a politização da arte 112 Tradução Daniel Pucciarelli Erasmus Mundus Europhilosophie Revisão Técnica Romero Freitas Universidade Federal de Ou Preto 113 Chegaram até nós quatro versões do ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica uma em francês e três em alemão O ensaio foi publicado pela primeira vez em 1936 na revista do Instituto de Pesquisa Social em uma tradução francesa feita po Benjamin e Klossowski Como o manuscrito dessa tradução se perdeu e o texto publicado na revista passou por inúmeras alterações po parte dos seus editores é impossível saber ao certo a partir de qual versão em alemão a tradução foi feita Três versões em alemão foram publicadas posteriormente A primeira versão baseada em um manuscrito que Benjamin escreveu em 1935 e que ele não considerava pronto para publicação surgiu pela primeira vez em 1974 no volume I das Obras reunidas editadas pela editora Suhrkamp tradução brasileira em Benjamin WObras escolhidas I São Paulo Brasiliense 1985 A segunda versão que Benjami tentou sem sucesso publicar em duas revistas alemãs editadas em Moscou foi publicada pela primeira vez em 1989 no volume VII da Obras reunidas Essa versão é provavelmente a mais atual das quatro versões do texto já que é a única que trata explicitamente da relação entre as noções de jogo mímesis e técnica A terceira versão do ensaio que Benjamin finalizou em 1939 foi publicada pela primeira vez na coletânea Escritos organizada por Theodor e Gretel Adorno em 1955 tradução brasileira em Grünewald J L Org A ideia do cinema Civilização Brasileira 1969 NRT 114 Abel Gance Le temps de limage est venu In Lart cinématographique II Paris 1927 p 9496 115 Medium e não Mittel Em vários momentos da obra benjaminiana desde pelo menos o ensaio Sobre a linguagem em geral e sobr a linguagem do homem 1916 a palavra Medium meio designa o elemento imediato ou material da linguagem e não o fato de que a comunicação pode ser entendida como mediação isto é como o meio Mittel para se atingir um determinado fim NRT 116 Gênesis de Viena manuscrito ilustrado pertencente à Biblioteca Nacional Austríaca Produzido provavelmente no século VI d Representa cenas do Gênesis bíblico NRT 117 Alois Riegl 18581905 e Franz Wickhoff 18531909 historiadores da arte representantes da chamada Escola de Viena Tiveram importante papel na renovação da sua disciplina Como observou um especialista Desde 1901 o historiador de arte Aloi Riegl tinha libertado a arte antiga tardia da acusação de ter se tornado uma arte popular explicando por uma mudança na vontade expressiva e nas mensagens transmitidas aquilo que se habitou atribuir à falta de técnica dos artistas vindos do povo Riegl explicava abandono das convenções clássicas nas artes plásticas pela intenção de exprimir a transcendência mais do que a forma e pelo interesse colocado no conteúdo ou seja na finalidade exterior da obra de arte mais do que a reprodução realista das formas naturais Carrié J M Elitismo cultural e democratização da cultura no Império Romano Tardio História v 29 n 1 Franca 2010 p 464 Wickhof foi o autor em 1895 de um estudo sobre o Gênesis de Viena NRT 118 Citação de um trecho da obra Novelas exóticas 19071915 do escritor dinamarquês Johannes Vilhelm Jensen 18731950 Richard era um jovem que tinha sensibilidade para tudo o que se assemelha no mundo NRT 119 No caso das obras cinematográficas a reprodutibilidade técnica do produto não é uma condição que se encontra de forma externa para a sua difusão em massa como no caso das obras da literatura ou da pintura por exemplo A reprodutibilidade técnica das obras cinematográficas é imediatamente fundada na técnica de sua produção Essa técnica possibilita não apenas da forma mais imediata a difusão em massa das obras cinematográficas mas ela a impõe diretamente Ela a impõe pois o custo de produção de um filme é tão elevado que um indivíduo que podia adquirir uma pintura por exemplo não pode se permitir adquirir um filme Em 1927 calculouse que um filme de maior extensão deveria alcançar um público de nove milhões de pessoas para ser rentável Com o cinema sonoro no entanto há um retrocesso o seu público passou a se limitar às fronteiras linguísticas E isso aconteceu ao mesmo tempo que a afirmação dos interesses nacionais pelo fascismo Mais importante que registrar esse retrocesso no entanto que de resto foi atenuado com o advento das dublagens é chamar a atenção para sua relação com o fascismo A simultaneidade de ambos acontecimentos repousa na crise econômica Os mesmos distúrbios que em geral conduziram à manutenção das relações de propriedade com violência explícita conduziram o capital cinematográfico posto em risco pela crise a forçar os trabalhos preliminares ao cinema sonoro A introdução do filme sonoro trouxera então uma tranquilização temporária E isso não apenas porque o filme sonoro levou novamente as massas ao cinema mas também porque ele mobilizou novos capitais advindos da indústria elétrica a favor do capital cinematográfico Assim e visto de fora ele promoveu interesses nacionais visto de dentro no entanto ele internacionalizou ainda mais a produçã cinematográfica 120 Essa polaridade não pode se estabelecer verdadeiramente na estética do idealismo cujo conceito de beleza compreende fundamentalmente essa polaridade sem diferenciála excluindo consequentemente sua diferenciação Em todo caso essa polaridade se anuncia em Hegel tão claramente quanto possível no interior dos limites do idealismo Imagens lêse nas Preleções sobre a Filosofia da História existiam há muito tempo a religiosidade necessitava delas desde cedo para a sua devoção mas ela não precisava de belas imagens antes estas eram para ela mesmo um incômodo Na bela imagem está presente também uma exterioridade mas na medida em que ela é bela o seu espírito fala ao ser humano naquela devoção no entanto a relação com uma coisa é essencial pois a própria devoção é apenas um entorpecimento da alma algo sem espírito A bela arte nasceu na própria igreja embora a arte já tenha se distanciado do princípio da igreja Georg Wilhelm Friedrich Hegel Werke IX Berlin 1837 p 414 E também uma passagem das Preleções sobre a Estética indica que Hegel intuía um problema nesse ponto além disso ultrapassamos o estágio de poder reverenciar e idolatrar como divinas as obras da arte a impressão que elas provocam é de natureza mais recatada e o que é provocado em nós por meio delas necessita de um critério mais elevado Hegel lc X I Berlin 1835 p 14 121 O objetivo das revoluções é acelerar essa adaptação Revoluções são inervações do coletivo ou precisamente tentativas d inervação do novo coletivo historicamente inédito que tem o seu órgão na segunda técnica Essa segunda técnica é um sistema no qua o domínio das forças elementares da sociedade apresenta a condição para o jogo com as forças elementares da natureza Como uma criança que acaba de aprender a agarrar que estende a mão para a lua assim como para uma bola assim também a humanidade em suas tentativas de inervação apreende os objetivos possíveis e ao mesmo tempo os que a princípio são utópicos Pois não é apenas a segunda técnica que registra suas exigências para a sociedade nas revoluções Justamente porque essa segunda técnica quer alcançar a crescente libertação do ser humano a partir do trabalho em geral o indivíduo vê por outro lado seu campo de ação se ampliar repentinamente Nesse campo o indivíduo ainda não está informado Mas suas exigências se registram nesse campo Pois quanto mais coletivo se apropria de sua segunda técnica tanto mais sensível ele se torna aos indivíduos a ele pertencentes por menos que eles sob o encanto da primeira técnica tenham consciência disso Dito de outro modo é o ser humano singular emancipado por meio da liquidação da primeira técnica que faz suas exigências A segunda técnica não assegurou imediatamente as suas primeiras conquistas revolucionárias enquanto as questões vitais dos indivíduos amor e morte vieram à tona abundantemente por meio da primeira técnica urgindo por soluções A obra de Fourier é o primeiro documento histórico dessa exigência 122 Título srcinal A Woman of Paris 1923 título no Brasil Casamento ou Luxo NRT 123 Abel Gance lc p 101 124 SéverinMars cit Abel Gance lc p 100 125 Título srcinal The Gold Rush 1925 título no Brasil Em busca do ouro NRT 126 Franz Werfel Ein Sommernachtstraum Ein Film von Shakespeare und Reinhardt in Neues Wiener Journal cit LU 15 novemb 1935 127 O romance de Luigi Pirandello 18671936 foi publicado pela primeira vez em 1915 com o título Si gira Rodando e depois fo reeditado em 1925 com o títuloQuaderni di Serafino Gubbio operatore Cadernos do operador de câmera Serafino Gubbio NRT 128 Luigi Pirandello On tourne cit Léon PierreQuint Signification du cinéma in Lart cinématographique II lc p 1415 129 Rudolf Arnheim Filme als Kunst Berlin 1931 p 1767 Certas particularidades aparentemente secundárias com as quais diretor de cinema se distancia das práticas do palco de teatro ganham bastante em interesse nesse contexto como a tentativa de fazer o ator atuar sem maquiagem como Dreyer e outros empregou na Jeanne dArc Foram necessários meses para selecionar o quarenta atores que compõem o tribunal dos hereges A procura por esses atores foi comparável à procura por adereços dificilmente produzíveis Dreyer se esforçou ao máximo para evitar similaridades de idade estatura e fisionomia entre esses atores cf Mauric Schultz Le maquillage in Lart cinématographique VI Paris 99 p 656 Se o ator se torna um adereço não é raro que o adereç sirva como ator por outro lado Em todo caso não é nada inabitual que o filme chegue a conceder ao adereço um papel Ao invés de tomar exemplos quaisquer de uma série infinita permaneçamos em um de particular valor probatório Um relógio que se encontra n corredor irá sempre atrapalhar o que ocorre no palco A sua função medir o tempo não pode ser admitida no palco O tempo astronômico também colidiria mesmo em uma peça naturalista com o tempo cênico Sob essas circunstâncias é altamente característico para o cinema que ele possa ocasionalmente aproveitar a medida do tempo do relógio Aqui podemos reconhecer mais claramente do que em outros elementos como cada adereço particular pode assumir funções decisivas Então precisamos apenas de um passo para chegar à constatação de Pudowkin segundo a qual a atuação do ator ligada a um objeto e construída a partir dele é sempre o método mais eficaz de configuração fílmica W Pudowkin Filmregie und Filmmanuskript Berlin 1928 p 26 Assim o cinema é primeiro meio artístico capaz de mostrar como a matéria joga com o ser humano Com isso ele pode ser um instrumento extraordinári de representação materialista 130 O significado da bela aparência tem o seu fundamento na era da percepção aurática cujo fim se aproxima A teoria estética que lhe é própria foi formulada mais expressamente por Hegel para quem a beleza é a manifestação do espírito em sua forma imediata e sensível criada pelo espírito como adequada a ele Hegel Werke X 2 Berlin 1837 p 121 Certamente essa concepção traz consig elementos epigonais A formulação de Hegel segundo a qual a arte extrai a aparência e o logro deste mundo ruim e passageiro do verdadeiro conteúdo dos fenômenos Hegel lc X I p 13 já se separou da experiência que servia de base a essa doutrina Ess experiência é a aura A bela aparência como realidade aurática ainda preenche inteiramente por outro lado a criação de Goethe Mignon Otília e Helena participam dessa realidade Nem o invólucro nem o objeto velado por ele é o belo o belo é o objeto em seu invólucro eis a quintessência da concepção artística tanto de Goethe como da Antiguidade O seu declínio sugere duplamente qu viremos o olhar para a sua srcem Esta repousa na mímesis como o fenômeno srcinário de toda atividade artística O imitador faz o qu faz apenas aparentemente E de fato a antiga imitação conhece apenas uma única matéria na qual ela se forma a saber o corp próprio do imitador Dança e linguagem linguagem corporal e labial são as mais antigas manifestações da mímesis O imitador torna sua coisa aparente Podese também dizer ele representa a coisa ele joga com ela Assim deparasenos a polaridade que impera na mímesis Na mímesis dormitam entrelaçadas intimamente como as membranas de uma semente as duas faces da arte a aparência e ogo Essa polaridade só pode ser de interesse ao pensador dialético se ela possui um papel histórico E esse é de fato o caso pois ess papel é determinado pelo confronto históricouniversal entre a primeira e a segunda técnica A aparência é o esquema mais reduzido mas simultaneamente mais presente em todos os procedimentos mágicos da primeira técnica ao passo que o jogo é o reservatório inesgotável de todos os procedimentos experimentais da segunda técnica Nem o conceito da aparência nem o do jogo são estranhos à estética tradicional e na medida em que o par conceitual de valor de culto e valor de exposição está contido no par conceitual mencionado ele não diz nada de novo Isso se transforma subitamente no entanto assim que esses conceitos perdem a sua indiferença face à história Com isso eles conduzem a uma visão prática Esta quer dizer aquilo que acompanha a atrofia da aparência e o declíni da aura nas obras de arte é um enorme ganho para o espaço de jogo O mais vasto espaço para o jogo se abriu com o cinema Nele momento da aparência recuou inteiramente à serviço do momento do jogo As posições que a fotografia conquistou frente ao valor de culto foram assim enormemente fixadas N cinema o momento da aparência abre espaço ao momento do jogo que se alia à segunda técnica Essa aliança foi captada recentemente por Ramuz em uma formulação que toca a coisa mesma sob a aparência de uma metáfora Segundo Ramuz assistimos atualmente um evento fascinante As diferentes ciências que até então trabalharam independentemente em seu próprio campo começam a convergir em um objeto se unificando em uma única ciência Química física e mecânica se cruzam É como se acompanhássemos hoje com testemunhas oculares a rápida montagem de um quebracabeças cuja colocação da primeira peça precisou de vários milênios enquanto as últimas em virtude de seus contornos para o espanto dos espectadores estão prestes a se encaixar espontaneamente Charles Ferdinand Ramuz Paysan nature In Mesure No 4 octobre 193 S Nessas palavras o momento do jogo da segunda técnica no qual arte se fortalece é expresso de maneira insuperável 131 A modificação do modo de exposição por meio da técnica de reprodução que se pode constatar aqui é visível também na política A crise das democracias pode ser compreendida como uma crise das condições de exposição do homem político As democracias expõem o político diretamente em sua própria pessoa e isso perante os representantes O parlamento é o seu público Com as inovaçõe da aparelhagem de gravação que permitem tornar o político audível a muitos de maneira ilimitada durante seu discurso e pouco depois tornálo visível a muitos a exposição do homem político perante essa aparelhagem de gravação assume o primeiro plano O parlament se torna deserto ao mesmo tempo que os teatros Rádio e filme não modificam apenas a função do ator profissional mas também a função daquilo que o homem político faz ao se apresentar perante os outros A direção dessa modificação sem prejuízo de suas diferentes tarefas específicas é a mesma no caso do ator de cinema e do político Ela aspira à exposição de realizações verificáveis e mesmo transponíveis a outros sob certas condições sociais como o esporte as havia submetido anteriormente a certas condições naturais Isso gera uma nova triagem uma seleção diante da aparelhagem da qual o campeão a star e o ditador surgem como vencedores 132 Dito de passagem a consciência de classe proletária que é a mais límpida de todas modifica fundamentalmente a estrutura da massa proletária O proletariado consciente de sua classe forma uma massa compacta somente a partir de fora na mente de se repressor No instante em que o proletariado assume a sua luta de libertação a sua massa aparentemente compacta na verdade já se dispersou Ela cessa de estar sob o domínio de meras reações ela passa à ação A dispersão das massas proletárias é produto da solidariedade Na solidariedade da luta de classes proletária a oposição morta e nãodialética entre indivíduo e massa é abolida ta oposição não existe para os companheiros de classe Por isso por mais que a massa seja decisiva para o líder revolucionário a sua grande realização não consiste em atrair as massas para si mas em se deixar integrar às massas para ser para ela apenas um entre centenas de milhares A luta de classes dispersa a massa compacta dos proletários e exatamente essa mesma luta de classes comprime a massa dos pequenoburgueses A massa impenetrável e compacta tal como Le Bon e outros a tomaram como objeto de sua psicologia de massas é a pequenoburguesa A pequena burguesia não é uma classe ela é de fato apenas massa e na verdade uma massa tanto mais compacta quanto maior é a pressão imposta entre ambas classes inimigas a burguesia e o proletariado Nessa massa é de fato determinante o momento emocional do qual se trata na psicologia de massas Mas é justamente por meio dele que essa massa compacta forma a oposição aos revolucionários profissionais quadros do proletariado que obedecem a uma ratio coletiva Nessa massa é de fato determinante o momento reativo do qual se trata na psicologia de massas Mas é justamente por meio dele que essa massa compacta forma com suas reações imediatas a oposição aos revolucionários profissionais com suas ações que são mediados por uma tarefa seja ela a mais momentânea Assim as manifestações da massa compacta carregam geralmente um elemento pânico mesmo que elas expressem entusiasmo pela guerra ódio aos judeus ou impulso de autoconservação Elucidada a diferença entre a massa compacta ie a pequenoburguesa e a massa consciente de sua classe ie a proletária então o seu significado operacional também está claro Dito claramente essa diferenciação mostra a sua correção da melhor maneira nos casos de modo algum excepcionais em que aquilo que srcinalmente era excesso de uma massa compacta se torna em virtude de uma situação revolucionária e talvez após o decurso de segundos a ação revolucionária de uma classe O que é peculiar a tais eventos verdadeiramente históricos consiste no fato de que a reação de uma massa compacta evoca em si mesma um abalo que a dispersa e permite a ela se conscientizar de si mesma como a unificação de revolucionários profissionais conscientes de sua classe O que contém tal evento concreto em seu prazo mais sucinto não é senão aquilo que se chama no idioma dos comunistas táticos a conquista da pequena burguesia Na elucidação desse evento os táticos são interessados em outro sentido Pois não há dúvida de que u conceito de massa ambíguo a alusão descompromissada ao seu ambiente tal como ele era comum na imprensa revolucionária alemã alimentou ilusões que se tornaram fatais ao proletariado alemão Por outro lado o fascismo se aproveitou excepcionalmente dessas leis quer ele as tenha compreendido ou não Ele sabe quequanto mais compactas são as massas maior é a chance que os instintos contrarrevolucionários da pequena burguesia determinem as suas reações No entanto o proletariado prepara uma sociedade em que nem as condições objetivas nem as condições subjetivas para a formação de massas serão presentes 133 Flor Azul é um símbolo poético e filosófico de importância central na obra de Novalis 17721801 Vejase sobretudo o romance inacabado Heinrich von Ofterdingen 18001802 NRT 134 Rudolf Arnheim lc p 138 135 Certamente uma análise integral desses filmes não poderia ocultar o seu sentido contrário Ela deveria partir do sentido contrári daquele estado de coisas que causa um efeito tão cômico como sombrio Comicidade e horror estão intimamente entrelaçados com mostram as reações das crianças E por que se deveria proibir a questão de saber no que concerne a certos estados de coisas qual reação é em um caso dado a mais humana Alguns dos mais novos filmes de Mickey Mouse representam um estado de coisas que fa com que essa questão pareça justificada O seu mais lúgubre fogo mágico para o qual o filme a cores criou os prérequisitos técnicos sublinha um traço que até então só vigorou de maneira oculta que mostra o quão confortavelmente o fascismo se apropria nesse terreno de novidades revolucionárias O que se torna patente à luz de novos filmes de Walt Disney já se encontra de fato em alguns dos mais antigos a tendência de aceitar tranquilamente bestialidade e violência como subprodutos da existência Com isso incorporase uma antiga e sobretudo confiável tradição ela foi encabeçada pelos Hooligans dançantes que encontramos em imagens de pogroms medievais e A corja nos contos dos Irmãos Grimm configura a sua pálida indistinta defesa 136 A obra de arte diz André Breton só tem valor na medida em que ela for perpassada por reflexos do futuro De fato cada forma de arte desenvolvida se encontra no ponto de interseção de três linhas de desenvolvimento Primeiramente a técnica tende a uma certa forma artística Antes de o cinema aparecer havia livrinhos de fotos cujas imagens que rapidamente reluziam ao observador por um gesto do polegar apresentavam uma luta de boxe ou uma partida de tênis havia as máquinas nos bazares cuja sequência de imagens era posta em movimento à manivela Em segundo lugar as formas artísticas tradicionais tendiam com afã em certos estágios de seu desenvolvimento a efeitos que posteriormente foram alcançados espontaneamente pela nova forma artística Antes de o cinema se afirmar os dadaístas procuravam com os seus eventos mobilizar o público de uma maneira acessível a Chaplin de forma mais natural Em terceiro lugar certas modificações sociais em geral discretas tendem a uma modificação da recepção de que apenas a nova forma artística pôde se beneficiar Antes de o cinema começar a formar seu público certas imagens que já haviam cessado de ser imóveis eram recebidas no Kaiserpanorama por um público agrupado Esse público se encontra diante de um biombo ao qual se colocava u estereoscópio destinado a cada participante Diante desses estereoscópios apareciam automaticamente imagens individuais que al permaneciam um pouco e davam espaço a outras Com meios análogos trabalhara ainda Edison quando ele apresentou as primeira transparências a um pequeno público antes que se conhecesse a tela e o dispositivo de projeção que fitava no interior do aparelho em que se desenrolava a sequência de imagens De resto manifestase no dispositivo do Kaiserpanorama uma dialética do desenvolvimento de uma maneira que é particularmente clara Logo antes de o cinema tornar a observação de imagens algo coletivo ela se afirma outra vez como individual diante dos estereoscópios desses estabelecimentos que caíam rapidamente em desuso e isso com o mesmo rigor que outrora a contemplação da imagem divina dos sacerdotes na cella 137 Hans Arp 18871966 pintor e poeta francoalemão pertencente ao dadaísmo August Stramm 18741915 poeta expressionista André Derain 18801954 pintor francês um dos fundadores do fauvismo Rainer Maria Rilke 18751926 um dos maiores poeta da modernidade escreveu em alemão e francês NRT 138 Na primeira e na terceira versão alemãs do presente ensaio os organizadores dasObras reunidas Suhrkamp 1974 optaram po corrigir o que lhes parecia ser um lapso de Benjamin escrevertaktisch tático em vez detaktil tátil Quando da publicação da segunda versão alemã na mesma edição Suhrkamp em 1989 pois o presente texto só foi descoberto em 1988 a opção dos editores foi manter o termotaktisch tal como Benjamin havia escrito A razão dessa escolha que os editores declararam valer retroativamente para as duas versões anteriormente publicadas foi o fato de quetaktisch e taktil são termos de uso intercambiável no vocabulário dos historiadores da arte ao menos na Áustria Como esse tipo de questão filológica só apresenta interesse para os especialistas optous aqui por vertertaktisch por tátil seguindo o vocabulário já difundido nos estudos benjaminianos no Brasil através das traduções da primeira e da terceira versão alemã que seguiram a versão alemã corrigida e levando em consideração antes de mais nada o fato de que os termos tático e tátil não têm em português a mesma proximidade que taktisch e taktil em alemão NRT 139 Comparese a tela em que se desenrola o filme com a tela em que se encontra a pintura Na primeira a imagem se modifica na segunda não Esta última convida o observador à contemplação diante dela ele pode se deixar à deriva da sua dinâmica de associações Diante do filme não Mal ele captou uma imagem e ela já se modificou Ela não pode ser fixada A dinâmica d associações que ele contempla é interrompida imediatamente pela sua modificação Aí reside o efeito de choque do filme que como todo efeito de choque quer ser capturado por meio de maior presença de espíritoO cinema é a forma artística correspondente ao risco de vida acentuado em que vivem os seres humanos da atualidade Ele corresponde a modificações estruturais do aparato perceptiv modificações como na escala da existência privada a vivenciam todos os transeuntes no tráfego das grandes cidades ou em escala da história mundial a vivenciam todos os opositores à ordem social atual 140 Aqui sobretudo no que concerne ao cinejornal cujo significado propagandístico mal pode ser superestimado encontrase um caso técnico de importância A reprodução em massa é particularmente beneficiada pela reprodução das massas Nos grandes atos festivos nas gigantescas assembleias nos eventos de massa de natureza esportiva e na guerra que são hoje conduzidas com toda a aparelhagem de gravação as massas se encaram a si mesmas Esse acontecimento cujo alcance não carece de ser enfatizado relacionase intimamente com o desenvolvimento da técnica de reprodução e gravação Em geral os movimentos de massas se representam a si mesmos de maneira mais clara frente à aparelhagem que ao olhar Quadros de centenas de milhares podem ser captados melhor em vista aérea E mesmo se a vista aérea é tão acessível ao olho humano quanto à aparelhagem a ampliação à qual a gravação se submete não é possível na imagem feita pelo olho Isso quer dizer que os movimentos de massa e em seu ápice a guerra são uma forma do comportamento humano particularmente apropriado à aparelhagem 141 Bairro de Munique Nas primeiras décadas do século XX tornase ponto de encontro de intelectuais artistas políticos e boêmios NRT 142 Cit La Stampa Torino 143 Façase arte mesmo que o mundo pereça Paródia de um dito célebre do Imperador Ferdinando I 15031564 Fiat iustitia ereat mundus Façase justiça mesmo que o mundo pereça NRT Arthur Danto Arthur Danto O mundo da arte O mundo da arte O mundo da arte O mundo da arte144 144 Art Arthur Danto hur Danto 1924 1924 Tradução odrigo Duarte Como distinguir a obra de arte quando a produção de objetos prosaicos e de objetos artísticos uma caixa de sabão por exemplo não possui nenhuma diferença sensivelmente identificável A arte elevou o estatuto da cotidianidade ou desceu ao lugarcomum espreitando o seu fim Reconhecendo o problema há quem diga que apenas o museu confere o estatuto de arte aos objetos que o habitam No texto O mundo da arte 1964 srcinalmente publicado no Brasil pela revista ArteFilosofi Universidade Federal de Ouro Preto Arthur Danto 1924 discute a questão d identificação de obras de arte além de temas clássicos como a mímesis Temas Temas mímesis contemporaneidade teoria institucional da arte arte pop 144 DANTO A O Mundo da Arte Revista ArteFilosofia Número 1 Ouro Preto UFOP 2006 p 1325 Agradecemos a Arthu Danto e à Revista ArteFilosofia por autorizar a utilização do texto O mundo da arte O mundo da arte145 145 Hamlet Você não vê nada lá A rainha Nada mesmo mas tudo que é eu vejo Shakespeare Hamlet Ato III cena IV Hamlet e Sócrates embora de modo respectivamente elogioso e depreciativo falaram de arte como um espelho anteposto à natureza Como muitas discordâncias em atitude essa tem uma base factual Sócrates vê os espelhos como que refletindo o que já podemos ver Assim a arte na medida em que é como o espelho fornece duplicações pouco acuradas das aparências das coisas e não presta qualquer benefício cognitivo Hamlet mais arguto reconheceu uma notável característica das superfícies refletoras a saber que elas nos mostram o que de outro modo não poderíamos perceber nossa própria face e forma e do mesmo modo a arte na medida em que ela é como espelho nos revela a nós mesmos e é mesmo sob os critérios socráticos de alguma utilidade cognitiva no final de contas Como filósofo entretanto acho que a discussão de Sócrates é defeituosa por outros motivos talvez menos profundos do que esse Se uma imagem espelhada de o é mesmo uma imitação de o então se a arte é imitação imagens espelhadas são arte Mas de fato objetos espelhados não são mais arte do que a devolução das armas a um louco seja justiça e a referência aos espelhamentos seria exatamente um tipo astucioso de contraexemplo que poderíamos esperar que Sócrates trouxesse à tona utilizandose deles para refutar a teoria e não para ilustrála Se essa teoria requer que os classifiquemos como arte ela exatamente por isso mostra sua inadequação é uma imitação não será uma condição suficiente para é arte Mas talvez porque os artistas estavam empenhados na imitação nos tempos de Sócrates e depois a insuficiência da teoria não foi notada até a invenção da fotografia Uma vez rejeitada como uma condição suficiente a mímesis foi rapidamente descartada até mesmo como uma condição necessária E desde as conquistas de Kandinsky as características miméticas foram relegadas para a periferia da preocupação crítica a tal ponto que algumas obras sobrevivem apesar de possuírem aquelas virtudes a excelência das quais foi um dia celebrada como a essência da arte por pouco escapando de serem rebaixadas a meras ilustrações É obviamente indispensável na discussão socrática que todos os participantes dominem o conceito pronto para a análise já que o propósito é casar uma expressão realmente definidora com um termo ativamente em uso e o teste para a adequação consiste presumivelmente em mostrar que a precedente analise e se aplique a todas e apenas àquelas coisas em que o consequente é verdadeiro Então não obstante a recusa popular a audiência de Sócrates sabia supostamente tanto o que era arte quanto do que gostavam E uma teoria da arte considerada aqui como uma definição real de Arte não é consequentemente para ser de grande uso em ajudar as pessoas a reconhecer os exemplos de sua aplicação Sua capacidade anterior para fazer isso é precisamente aquilo contra o que a adequação da teoria deve ser testada sendo que o problema é apenas tornar explícito o que eles já sabem É o nosso uso do termo que a teoria supostamente tenta capturar mas supõese que somos capazes de nas palavras de um escritor recente separar aqueles objetos que são obras de arte daqueles que não o são porque sabemos como usar corretamente a palavra arte e aplicar a frase obra de arte Teorias desse tipo são um pouco parecidas com a visão de Sócrates sobre as imagens espelhadas continuando a mostrar o que já sabemos reflexões literais da prática linguística real que dominamos Mas distinguir obras de arte de outras coisas não é uma tarefa tão simples mesmo para falantes nativos e hoje em dia alguém pode não estar cônscio de estar num terreno artístico sem uma teoria artística para lhe dar conta disso E parte da razão disso reside no fato de que o terreno é constituído como artístico em virtude de teorias artísticas de modo que um uso de teorias além de nos ajudar a discriminar a arte do resto consiste em tornar a arte possível Glauco e os outros dificilmente sabiam o que era arte e o que não era do contrário eles nunca teriam sido pegos pela história das imagens espelhadas II Suponha que alguém pense sobre a descoberta de uma classe totalmente nova de obras de arte como algo análogo à descoberta de uma classe totalmente nova de fatos em algum lugar ie como algo para ser explicado pelos teóricos Na ciência como alhures frequentemente acomodamos novos fatos a teorias antigas por meio de hipóteses auxiliares um conservadorismo suficientemente perdoável quando a teoria em questão é considerada por demais valiosa para ser descartada de uma vez Mas a Teoria Imitativa da Arte TI é se se pensa detidamente uma teoria excessivament poderosa explicando grande quantidade de fenômenos ligados à causação e à avaliação de obras de arte trazendo uma surpreendente unidade a um domínio complexo Além do mais é simplesmente uma questão de sustentála contra muitos pretensos contraexemplos através de tais hipóteses auxiliares segundo as quais o artista que se afasta da mimeticidade é perverso inepto ou louco Inépcia chicana ou loucura são de fato predicações passíveis de teste Suponhase então que o testes revelem que essas hipóteses não se comprovam que a teoria agora para além de qualquer possibilidade de reparo deva ser substituída E uma nova teoria é elaborada conservando o que ela pode da competência da antiga teoria junto com a inclusão dos fatos recalcitrantes Podese representar pensando através dessas linhas certos episódios na história da ciência onde uma revolução conceitual está sendo efetivada e onde a recusa a aceitar certos fatos mesmo que parcialmente devida ao preconceito inércia e egoísmo é também devida ao fato de que uma teoria bem estabelecida ou pelo menos largamente aceita está sendo ameaçada de tal modo que toda a coerência se perde Um episódio desse tipo veio à tona com o advento das pinturas pósimpressionistas Em termo da teoria artística em vigor TI era impossível aceitálas como arte salvo como arte inepta D outro modo elas poderiam ser dispensadas como imposturas autopromoção ou a contrapartida visual de delírios de pessoas loucas Assim para que elas fossem aceitas como arte numa espécie de transfiguração sem falar num capão de Landseer requereuse não tanto uma revolução no gosto quanto uma revisão teórica de proporções muito consideráveis envolvendo não apenas a adoção artística desses objetos mas também uma ênfase sobre características recentemente significantes de obras de arte aceitas de modo que abordagens muito diferentes de seu status como obras de arte teriam agora que ser feitas Como um resultado da aceitação da nova teoria não apenas as pinturas pósimpressionistas foram aceitas como arte mas vários objetos máscaras armas etc foram transferidos de museus antropológicos e outros lugares heterogêneos paramusées des beaux arts embora como poderíamos esperar do fato de que um critério para a aceitação de uma nova teoria é que ela dê conta de qualquer coisa que a antiga dava nada tenha tido que ser retirado do musée des beaux arts mesmo que tenha havido rearranjos internos como os entre salas de acervo e espaços de exibição Incontáveis falantes nativos penduraram sobre lareiras suburbanas inumeráveis reproduções de casos paradigmáticos para ensinar a expressão obra de arte as quais teriam levado seus precursores edwardianos a uma apoplexia linguística Certamente estou distorcendo ao falar de uma teoria historicamente havia várias todas muito interessantes mais ou menos definidas em termos da TI As complexidades da história da arte deve prevalecer sobre as exigências de exposição lógica e eu devo falar como se houvesse uma teoria substituinte compensando parcialmente a falsidade histórica pela escolha de outra que foi realmente enunciada De acordo com ela os artistas em questão deveriam ser entendidos não como imitando fracassadamente formas reais mas como criando de modo bemsucedido formas novas tão reais quanto as que a arte mais antiga pensava nos seus melhores exemplares estar imitando com credibilidade A arte afinal de contas há muito tinha sido pensada como criativa Vasari diz que Deus foi o primeiro artista e os pósimpressionistas deveriam ser explicados como genuinamente criativos tendo em vista nas palavras de Roger Fry não a ilusão mas a realidade Essa teori TR forneceu um modo totalmente novo de olhar para a pintura velha e nova Na verdade algué poder quase interpretar o desenho cru de Van Gogh e de Cézanne o deslocamento da forma e relação ao contorno em Rouault e Dufy o uso arbitrário de planos de cor em Gauguin e nos Fauves como variados modos de chamar a atenção para o fato de que essas eram nãoimitações especialmente concebidas para não iludir Em termos lógicos isso seria aproximadamente como imprimir dinheiro falso ao longo de uma nota de um dólar brilhantemente falsificada com o objeto resultante falsificação cum inscrição tornado incapaz de enganar qualquer pessoa Essa não é uma nota de um dólar ilusória mas então exatamente porque ela é nãoilusória nem por isso ela se torna automaticamente uma nota real de um dólar Ela ocupa antes uma área recentemente aberta entre objetos reais e facsímiles reais de objetos reais ela é se se requer uma palavra um nãofacsímile e uma nova contribuição para o mundo Desse modo osComedores de batatas de Van Gogh como consequência de certas distorções inconfundíveis passam a ser um nãofacsímile dos comedores de batatas da vida real E na medida em que esses não são facsímiles de comedores de batatas o quadro de Van Gogh como uma nãoimitação tinha tanto direito de ser chamado de um objeto real como o eram seus objetos putativos Por meio dessa teoria TR as obras de arte reentraram n densidade das coisas da qual a teoria socrática TI procurou lançálas se não mais reais do que os carpinteiros fizeram elas eram pelo menos nãomenos reais O PósImpressionismo celebrou um vitória na ontologia É em termos de TR que devemos entender as obras de arte que hoje nos rodeiam Desse modo Roy Lichtenstein pinta painéis com tiras cômicas embora com três ou quatro metros de altura Ele são projeções razoavelmente fiéis numa escala gigantesca dos familiares quadrinhos dos tabloides diários mas é precisamente a escala que conta Um hábil escultor pode inserir A Virgem e o Chanceler Rollin numa cabeça de alfinete e ela seria reconhecível como tal a um olhar acurado mas uma cópia de Barnett Newman numa escala similar seria uma massa amorfa desaparecendo n redução Uma foto de um Lichtenstein é indiscernível de uma foto de um painel deSteve Canyon mas a foto deixa de captar a escala e então é uma reprodução tão imprecisa quanto uma cópia em preto e branco de Botticelli sendo a cor tão essencial nesse caso quanto a escala o é no precedente O objetos criados por Lichtenstein não são imitações mas novas entidades como pústulas gigantes o seriam Jaspers Johns por outro lado pinta objetos em relação aos quais as questões de escala são irrelevantes Assim mesmo seus objetos não podem ser imitações porque eles têm a considerável propriedade de que qualquer cópia pretendida de um membro dessa classe de objetos é automaticamente ele próprio um membro da classe de modo que esses objetos são logicamente inimitáveis Desse modo uma cópia de um numeral é exatamente esse numeral uma pintura de 3 é um 3 feito de tinta Johns além disso pinta alvos bandeiras e mapas Finalmente no que espero que não sejam notas de rodapé involuntárias a Platão dois de nossos pioneiros Robert Rauschenberg Claes Oldenburg fizeram camas genuínas A cama de Rauschenberg está pendurada numa parede e está tracejada por uma pintura rudimentar aleatória A cama de Oldenburg é assimétrica mais estreita num lado do que no outro com o que alguém poderia chamar de perspectiva embutida ideal para quartos de dormir pequenos Enquanto camas elas são vendidas a preços singularmente inflacionados mas alguém poderia dormir em qualquer uma das duas Rauschenberg expressou o temor de que alguém pudesse subir e sua cama e cair no sono Imaginese agora um certo Testadura falante simplório e notório filisteu que não esteja cônscio de que essas camas são arte e as tome por pura e simples realidade Ele atribui os traços de tinta na cama de Rauschenberg a uma displicência do seu proprietário e o viés na de Oldenburg a uma inépcia do seu construtor ou talvez a um capricho de quem a fez por encomenda Esses seriam erros mas sobretudo erros de um tipo estranho e não muito diferentes dos cometidos pelos pássaros deslumbrados que picaram as falsas uvas de Zeuxis Eles tomara erroneamente a arte pela realidade assim como o fez Testadura Mas ela era pretendida como sendo realidade de acordo com a TR Alguém poderia ter confundido realidade com realidade Com podemos descrever o erro de Testadura O que evita que a criação de Oldenburg seja uma cama malformada Isso é equivalente a perguntar o que a faz arte e com essa questão adentramos u domínio de investigação conceitual no qual os falantes nativos são maus guias eles próprios se perdem IIII Confundir uma obra de arte com um objeto real não é uma proeza tão grande quando uma obra de arte é o objeto real com o qual alguém se confunde O problema é como evitar esses erros ou removêlos uma vez que já foram cometidos A obra de arte é uma cama e não a ilusão de uma cama desse modo não há nada como o traumático esbarrão contra uma superfície plana que mostrou aos pássaros de Zeuxis que eles tinham sido enganados A não ser pela advertência do vigia de que Testadura não deveria dormir nas obras de arte ele poderia nunca ter descoberto que isso era uma obra de arte e não uma cama E desde que afinal de contas não se pode descobrir que uma cama não é uma cama como poderia Testadura saber que ele tinha cometido um erro Um certo tipo de explicação é requerido porque o erro aqui é curiosamente filosófico mais do que se supormos corretos alguns conhecidos pontos de vista de PF Strawson tomar uma pessoa por um corpo material quando a verdade é que uma pessoa é um corpo material no sentido de que toda uma classe de predicados sensatamente aplicáveis a corpos materiais é e sem apelar a nenhum outro critério sensatamente aplicável a pessoas De modo que não se pode descobrir que uma pessoa não é um corpo material Começamos explicando talvez que os traços de tinta não devem ser excluídos da explicação que eles são parte do objeto de modo que o objeto não é uma simples cama com como acontece traços de tinta espalhados sobre ela mas um objeto complexo fabricado a partir de uma cama e alguns traços de tinta uma camatinta De modo similar uma pessoa não é um corpo material com como acontece alguns pensamentos adicionados mas é uma entidade complexa feita de um corpo e alguns estados de consciência um corpoconsciência Pessoas como obras de arte devem ser tomadas como partes irredutíveis de si próprias e são nesse sentido primordiais Ou mais precisamente os traços de tinta não são parte do objeto real a cama que acontece ser parte da obra de arte mas são como a cama partes da obra de arte enquanto tal E isso pode ser generalizado numa caracterização preliminar de obras de arte que por acaso contêm objetos reais como partes de si próprias nem toda parte de uma obra de arte A é parte de um objeto real R quando R é parte de A e pode além do mais ser destacado de A e aparecer apenas como R O erro então certamente terá sido confundir A com uma parte de si próprio a saber R mesmo que não fosse incorreto dizer que A é R que a obra de arte é uma cama Esse é o é que requer clarificação aqui Há um é que figura principalmente nas afirmações concernentes às obras de arte que não é o é da identidade ou da predicação nem é o é da existência da identificação ou algum é especial inventado para servir a um fim filosófico Entretanto ele se encontra no uso comum e é prontamente dominado pelas crianças É o sentido de é de acordo com o qual uma criança a quem é mostrado um círculo e um triângulo e perguntado qual é ela e qual é sua irmã apontará para o triângulo dizendo esse sou eu ou em resposta à minha pergunta a pessoa próxima a mim aponta para o homem de vermelho e diz esse é o Lear ou na galeria eu aponto para alívio de minha companhia para uma mancha na pintura diante de nós e digo o borrão branco é Ícaro Não queremos dizer nesses exemplos que qualquer coisa é apontada como substituindo ou representando o que se diz que é porque a alavra Ícaro substitui ou representa Ícaro mas eu não apontaria palavra no mesmo sentido de é e diria esse é o Ícaro A sentença esse a é b é perfeitamente compatível com esse a não é b quando a primeira emprega esse sentido de é e a segunda algum outro embora a e b sejam normalmente usados de modo não ambíguo Na realidade frequentemente a verdade da primeira requer a verdade da segunda De fato a primeira é incompatível com esse a não é b somente quando o é é usado normalmente de modo não ambíguo Na falta de outra palavra designarei aquele de o é da identificação artística em cada caso em que ele é usado o a responde por alguma propriedade física específica ou parte física de um objeto E finalmente é uma condição necessária para algo ser uma obra de arte que alguma parte ou propriedade dele seja designada pelo sujeito de uma sentença que emprega esse é especial Esse é um é incidentalmente que possui parentes próximos nos pronunciamentos marginais e míticos desse modo um é Quetzalcoatl aqueles são os pilares de Hércules Deixeme ilustrar Dois pintores são convidados a decorar as paredes leste e oeste de uma biblioteca científica com afrescos que serão chamados respectivamente A primeira lei de Newton e terceira lei de Newton Essas pinturas quando finalmente inauguradas parecem com o que se segue desprezandose a escala Como objetos deverei supor que as obras são indiscerníveis uma linha preta horizontal nu campo branco igualmente grande em cada dimensão e elemento B explica sua obra da seguinte maneira uma massa pressionando para baixo é atingida por uma massa pressionando para cima a massa de baixo reage de modo igual e oposto à de cima A explica sua obra da seguinte maneira a linha através do espaço é a trajetória de uma partícula isolada Ela vai de uma ponta a outra para dar a sensação de seu ir além Se ela terminou ou começou dentro do espaço a linha seria curva e ela é paralela às extremidades de cima e de baixo porque se ela estivesse mais perto de uma do que da outra teria que haver uma força que ocasionasse isso o que é inconsistente com o fato de ser a trajetória de uma partícula isolada Muita coisa se segue dessas identificações artísticas Ver a linha do meio como uma extremidade massa encontrando massa impõe a necessidade de identificar a metade de cima e a metade de baixo do quadro como retângulos e como duas partes distintas não necessariamente como duas massas porque a linha poderia ser a extremidade de uma massa se estendendo para cima ou para baixo no espaço vazio Se ela é uma extremidade não podemos desse modo tomar toda a área da pintura como um espaço simples ele é antes composto de duas formas ou de uma forma e uma nãoforma Poderíamos tomar toda a área como um espaço simples apenas se tomássemos a horizontal do meio como umalinha que não é uma extremidade Mas isso quase requer uma identificação tridimensional de todo o quadro a área pode ser uma superfície plana acima da qual voo do jato ou abaixo da qual trajetória do submarino ou sobre a qual linha ou na qual fissura ou através da qual Primeira lei de Newton está a linha sendo que nesse último caso a área não é uma superfície plana mas uma seção transversal e transparente do espaço absoluto Poderíamos tornar todas essas qualificações preposicionais claras imaginando seções transversais perpendiculares ao plano do quadro Então dependendo da oração preposicional aplicável a área é artisticamente interrompida ou não pelo elemento horizontal Se tomarmos a linha como estando através do espaço as extremidades do quadro não são realmente as extremidades do espaço ele vai além do quadro se a própria linha também for e nós estamos no mesmo espaço que a linha Como B as extremidades do quadro podem ser parte do quadro no caso de as massas irem diretamente para as extremidades de modo que as extremidades do quadro são as suas extremidades Nesse caso os vértices do quadro seriam os vértices das massas a não ser que as massas tenham mais quatro vértices do que o próprio quadro tem aqui quatro vértices seriam parte da obra de arte que não seria parte do objeto real Mais uma vez as faces das massas poderiam ser a face do quadro e olhando para ele estamos olhando para essas faces mas o espaço não tem qualquer face e na leitura de A a obra deve ser lida como sem qualquer face e a face do objeto físico não seria parte da obra de arte Observese aqui como uma identificação artística engendra outra identificação artística e como de modo consistente com uma dada identificação somoslevados a dar outras e impedidos de dar ainda outras realmente uma dada identificação determina quantos elementos a obra deve conter Essas identificações diferentes são incompatíveis entre si ou geralmente o são e cada uma pode ser dita como fazendo uma obra de arte diferente mesmo que cada obra de arte contenha idêntico objeto real como parte de si mesma Obviamente há identificações sem sentido ninguém poderia penso eu ler sensatamente a horizontal do meio comoO perdido do trabalho amoroso ou A Ascensão de Sto rasmo Finalmente observese como a aceitação de uma identificação mais do que outra é co efeito trocar ummundo por outro Poderíamos na realidade adentrar um mundo poético ao identificar a área superior com um céu limpo e sem nuvens refletido da superfície calma da água abaixo com a brancura mantida pela brancura apenas pelo limite irreal do horizonte E agora Testadura tendo flutuado em asas através da discussão protesta quetudo que ele vê é tinta um retângulo pintado de branco com uma linha preta pintada através dele E quão certo ele realmente está isso é tudo que ele vê ou que qualquer pessoa pode ver inclusive nós estetas Assim se ele nos pede para lhe mostrar o que há para ver além disso para lhe demonstrar cabalmente que essa é uma obra de arte Mar e Céu não podemos nos queixar porque ele não deixou de ver nada e seria absurdo supor que tivesse deixado que havia algo diminuto para o qual poderíamos apontar e ele olhando de perto dizer Então é isso Finalmente uma obra de arte Não podemos ajudálo até que ele domine o é da identificação artística e então constitua o objeto como obra de arte Se ele não conseguir isso ele nunca olhará para obras de arte ele será como uma criança que vê bastões como bastões Mas o que dizer de puras abstrações como algo que se parece exatamente com um A mas é intitulado Nº 7 O abstracionista da Rua 10 insiste em vão que não há nada aqui a não ser tint branca e preta e que nenhuma de nossas identificações literárias têm que se aplicar O que então distingueo de Testadura cujas imprecações filistinas são indiscerníveis das daquele E como isso pode ser uma obra de arte para ele e não para Testadura se eles concordam que nada há que não seja visto pelos olhos A resposta tão impopular quanto possa ser para puristas de todas as variedades reside no fato de que esse artista retornou para a fisicalidade da pintura por meio de uma atmosfera composta de teorias artísticas e pela história da pintura recente e da mais remota cujos elementos ele está tentando purificar para seu próprio trabalho E como uma consequência disso seu trabalho pertence a essa atmosfera e é parte dessa história Ele chegou à abstração por meio da rejeição das identificações artísticas retornando ao mundo real do qual essas identificações ele pensa nos removem mais ou menos ao modo de Ching Yuan que escreveu Antes de estudar o Zen por trinta anos eu via montanhas como montanhas e águas como águas Quando eu atingi um conhecimento mais íntimo cheguei ao ponto em que via que as montanhas não são montanhas e que águas não são águas Mas agora que adquiri mais substância cheguei ao repouso Porque é exatamente que eu vejo que as montanhas são novamente montanhas e as águas novamente águas Sua identificação do que ele fez é logicamente dependente das teorias e da história que ele rejeita A diferença entre suas afirmações e a de Testadura de que isso é tinta preta e essa tinta branca e nada mais reside no fato de que ele ainda está usando o é da identificação artística de modo que seu uso de essa tinta preta é tinta preta não é uma tautologia Testadura não está nesse estágioVer algo como arte requer algo que o olho não pode repudiar uma atmosfera de teoria artística um conhecimento da história da arte um mundo da arte IIIIII O Sr Andy Warhol o artista pop exibe facsímiles de caixas de Brillo em pilhas altas e limpas prateleiras como no estoque do supermercado Elas são casualmente de madeira pintadas de modo a parecer cartonado e por que não Parafraseando a crítica do Times se alguém pode fazer o facsímile de um ser humano a partir do bronze por que não o facsímile da caixa de Brillo a partir do compensado O custo dessas caixas chega a ser de 2 x 10³ o das congêneres na vida real u diferencial dificilmente atribuível a sua maior durabilidade Na verdade o pessoal da Brillo pode mediante algum custo extra fazer suas caixas de compensado sem que elas se tornem obras de arte e Warhol pode fazer as suas a partir do papelcartão sem que elas deixem de ser arte Desse modo podemos esquecer as questões relativas ao valor intrínseco e indagar por que o pessoal da Brillo não pode manufaturar arte e por que Andy Warhol não pode fazer nada senão obras de arte Bem é claro que as suas caixas são feitas à mão o que é um insano reverso da estratégia de Picasso de colar o rótulo de uma garrafa de Suze num desenho dizendo que era como se o artista acadêmico preocupado com uma imitação exata sempre ficasse aquém da coisa real então por que não usar a coisa real O artista pop reproduz laboriosamente à mão objetos feitos à máquina pintando por exemplo os rótulos em latas de café podese ouvir a conhecida advertência feito inteiramente à mão descuidadamente jogada do vocabulário dos guias quando confrontada com esses objetos Mas a diferença não consiste no artesanato um homem que extraiu gemas a partir de rochas e construiu cuidadosamente uma obra chamada Pilha de cascalho Gravel Pile pode invocar a teoria do valor trabalho para justificar o preço que ele pede mas a questão é o que torna isso arte E por que Warhol precisa fazer isso de qualquer modo Por que não apenas tacar sua assinatura ao longo de uma delas Ou amassar totalmente uma e exibir comoCaixa de Brillo Amassada um protesto contra a mecanização ou simplesmente exibir um cartonado de Brillo comoCaixa de Brillo Desamassada uma afirmação categórica da autenticidade plástica dos objetos industriais Esse homem é uma espécie de Midas transformando tudo em que ele toca no ouro da pura arte E mundo todo consistente de obras de arte latentes esperando como o pão e o vinho da realidade para ser transfigurado por meio de algum mistério obscuro na carne e no sangue do sacramento Não importa que a caixa de Brillo possa não ser boa menos ainda grande arte O que chama atenção é que ela seja arte de algum modo Mas se ela é por que não o são as indiscerníveis caixas de Brillo que estão no depósito Ou toda a distinção entre arte e realidade caiu por terra Suponha que um homem colecione objetos em estado natural incluindo uma caixa de Brillo elogiamos a exibição pela variedade engenhosidade ou o que for Em seguida ele não exibe nada a não ser caixas de Brillo e nós criticamos isso como insosso repetitivo autoplágio ou mais profundamente asseveramos que ele é obcecado por regularidade e repetição como em Marienbad Ou ele as empilha bem alto deixando uma trilha estreita nós abrimos nosso caminho através das prateleiras regularmente opacas e achamos que essa é uma experiência perturbadora e a anotamos como a clausura dos produtos de consumo que nos confina como prisioneiros ou dizemos que ele é um moderno construtor de pirâmides Na verdade não dizemos essas coisas sobre o estoquista Mas então um depósito não é uma galeria de arte e não podemos prontamente separar as caixas de Brillo da galeria em que elas estão mais do que podemos separar a cama de Rauschenberg da pintura sobre ela Fora da galeria aquelas são caixas de papelão Mas então removida a tinta a cama de Rauschenberg é uma cama exatamente como ela era antes de ser transformada em arte Mas então se pensamos totalmente sobre essa matéria descobrimos que o artista falhou de modo real e necessário em produzir um mero objeto real Ele produziu uma obra de arte seu uso das caixas de Brillo reais não sendo senão uma expansão dos recursos disponíveis aos artistas uma contribuição aos materiais dos artistas como tinta a óleo outuche O que afinal de contas faz a diferença entre uma caixa de Brillo e uma obra de arte consistente de uma caixa de Brillo é uma certa teoria da arte É a teoria que a recebe no mundo da arte e impede de recair na condição do objeto real que ela é num sentido de é diferente do da identificação artística É claro que sem a teoria é improvável que alguém veja isso como arte e a fim de vêlo como parte do mundo da arte a pessoa deve dominar uma boa dose de teoria artística assim como uma quantia considerável da história da recente pintura novaiorquina Isso poderia não ter sido arte cinquenta anos atrás Mas então não poderia ter havido se tudo permanece igual seguro de voos na Idade Média ou borrachas para máquinas de escrever etruscas O mundo tem que estar pronto par certas coisas o mundo da arte não menos do que o real É o papel das teorias artísticas hoje como sempre tornar o mundo da arte e a própria arte possíveis Nunca ocorreria devo pensar aos pintores de Lascaux que eles estavam produzindo arte naquelas paredes Assim como não havia estetas no Neolítico IV IV O mundo da arte se encontra diante do mundo real aproximadamente como a relação na qual a Cidade de Deus se encontra diante da Cidade Terrena Alguns objetos como alguns indivíduos desfrutam de uma dupla cidadania mas permanece apesar da TR um contraste fundamental entre obras de arte e objetos reais Talvez isso já fosse fracamente sentido pelos primeiros forjadores da TI que descobrindo de modo incipiente a nãorealidade da arte eram limitados apenas em supo que o único meio de os objetos serem outra coisa que real é serem falsos de modo que as obras de arte necessariamente teriam que ser imitações dos objetos reais Isso era muito estreito Assim Yeats viu ao escrever que Uma vez fora da natureza nunca tomarei Minha forma corporal de qualque coisa natural Isso não é matéria de escolha e a caixa de Brillo do mundo da arte pode se exatamente a caixa de Brillo do mundo real separada e unida pelo é da identificação artística Ma eu deveria dizer algumas palavras finais sobre as teorias que tornam o mundo da arte possível e suas relações entre si Procedendo assim evitarei uma das mais difíceis questões filosóficas que conheço Pensarei agora em pares de predicados relacionados entre si como opostos concedendo de antemão a imprecisão desse termodémodé Predicados contraditórios não são opostos já que um de cada um deles deve se aplicar a qualquer objeto no universo e nenhum de um par de opostos precisa se aplicar a alguns objetos no universo Um objeto deve primeiramente ser de um certo tipo antes que um par de opostos se aplique a ele e então no máximo e no mínimo um dos opostos deve se aplicar a ele Então opostos não são contrários porque contrários podem ser ambos falsos para alguns objetos no universo mas opostos não podem ser ambos falsos porque para alguns objetos nenhum de um par de opostos se aplica sensatamente a menos que o objeto seja do tipo certo Então se o objeto é do tipo requerido os opostos se comportam como contraditórios Se F e nãoF sã opostos um objeto o deve ser de um tipo K antes que um deles se aplique sensatamente mas se o é um membro de K então o ou é F ou nãoF um excluindo o outro A classe de pares de opostos que se aplica sensatamente ao ôKo devese designar como a dos predicados relevantesK E um condição necessária para que um objeto seja de tipo K é que pelo menos um par dos opostos relevantesK seja sensatamente aplicável a ele Mas de fato se um objeto é do tipo K pelo menos no máximo um de cada par de opostos relevantesK se aplica a ele Estou interessado agora nos predicados relevantesK para a classe K de obras de arte Suponha se que F e nãoF são um par de opostos de predicados desse tipo Pode acontecer que através d todo um período de tempo toda obra de arte é nãoF Mas uma vez que nada até então é obra de arte e F pode nunca ocorrer a qualquer uma que nãoF seja um predicado artisticamente relevante A nãoFdade das obras de arte prossegue sem qualquer registro Diferentemente todas as obras até u dado tempo podem ser G sendo que isso nunca ocorreu a nenhuma delas até aquele tempo em que algo pode ser tanto uma obra de arte quanto nãoG Na verdade poderseia pensar que G é umtraço definitório de obras de arte quando na realidade algo pode primeiramente ter que ser uma obra de arte antes que G lhe seja sensatamente predicável caso em que nãoG também é predicável de obra de arte e o próprio G poderia então não ter sido um traço definitório dessa classe Suponhase que G seja é representacional e que F seja é expressionista Num certo tempo esses e seus opostos são talvez os únicos predicados artisticamente relevantes com uso crítico Agora supondose que represente um dado predicado P e seu oposto nãoP podemos construir uma matriz de estilo mais ou menos como a seguinte As linhas determinam os estilos disponíveis dado o vocabulário crítico ativo expressionista representacional pex Fauvismo nãoexpressionista representacional Ingres expressionist nãorepresentacional Expressionismo Abstrato nãoexpressionista não representacional abstração geométrica Obviamente na medida em que adicionamos predicados artisticamente relevantes aumentamos o número de estilos disponíveis na proporção de 2n Naturalmente não é fácil prever que predicados serão adicionados ou substituídos pelos seus opostos podendose supor que um artista determine que H deverá ser a partir de agora artisticamente relevante para suas pinturas Então na realidade tanto H quanto nãoH tornamse artisticamente relevantes para tod pintura e se a sua é a primeira e única pintura que é H toda outra pintura existente tornase nãoH e comunidade inteira das pinturas é enriquecida juntamente com uma duplicação das oportunidades disponíveis de estilo É esse enriquecimento retroativo das entidades no mundo da arte que torna possível discutir juntos Rafael e De Kooning ou Lichtenstein e Miguelangelo Quanto maior variedade de predicados artisticamente relevantes mais complexos se tornam os membros individuais do mundo da arte E quanto mais se sabe da população inteira do mundo da arte mais rica se torna a experiência de alguém com qualquer um dos seus membros Sob esse ponto de vista observese que se há m predicados artisticamente relevantes há sempre uma linha de baixo com m sinais de menos Essa linha é destinada a ser ocupada pelos puristas Havendo purificado suas telas daquilo que consideram inessencial eles se atribuem o crédito de ter destilado a arte até sua essência Mas está mesmo aí a sua falácia exatamente como muitos predicados artisticamente relevantes representam bem seus quadriláteros monocromáticos representam bem qualquer membro do mundo da arte e eles podemexistir como obras de arte na medida em que existam pinturas impuras Falando estritamente um quadrado negro de Reinhardt é artisticamente tão rico quantoO amor sagrado e profano de Ticiano Isso explica como menos é mais A moda como acontece favorece certas linhas da matriz estilística museusconnaisseurs e outros são fatores de peso no mundo da arte Insistir ou tentar insistir que todos os artistas se tornem representacionais talvez para adquirir acesso numa mostra especialmente prestigiosa corta pela metade a matriz estilística disponível há então 2n 2 modos de satisfazer o que é requerido e os museus podem então exibir todas as abordagens do tópico que eles estabeleceram Mas essa é uma questão de um interesse quase puramente sociológico uma linha na matriz é tão legítima quanto outra Uma conquista artística consiste suponho eu em adicionar a possibilidade de uma coluna na matriz Então os artistas com maior ou menor rapidez ocupam as posições recémabertas essa é uma característica observável da arte contemporânea e para aqueles não familiarizados com a matriz é difícil talvez impossível reconhecer certas posições como ocupadas por obras de arte Essas coisas nem mesmo seriam obras de arte sem as teorias e as histórias do mundo da arte As caixas de Brillo adentram o mundo da arte com aquela mesma incongruência acentuada que os personagens da commedia dellarte trazem para Ariadne auf Naxos Qualquer que seja o predicado artisticamente relevante em virtude do qual elas ganham seu acesso o resto do mundo da arte se torna proporcionalmente rico ao ter o predicado oposto disponível e aplicável a seus membros E para retornar às visões de Hamlet com as quais começamos a discussão as caixas de Brillo podem no revelar a nós mesmos tão bem quanto nenhuma outra coisa como um espelho dirigido à natureza elas podem servir para capturar a consciência de nossos reis 145 Trabalho apresentado no Simpósio sobre A obra de arte no 61º Encontro da American Philosophical Association divisão leste e 28121964 O srcinal The Artworld foi publicado pela primeira vez em The Journal of Philosophy v LXI n 19 15 de outubro d 1964 A publicação desta tradução foi autorizada pelo autor e pelo atual editor desse periódico John Smiley NT Benedito Nunes Benedito Nunes Da arte como poesia Da arte como poesia Da arte como poesia Da arte como poesia146 146 Benedito Nunes 19292011 Benedito Nunes 19292011 Qual é o significado artístico de reproduzir objetos prosaicos Por que suporíamo haver alguma particularidade estética nos sapatos da camponesa representados por Van Gogh frente aos sapatos da camponesa Em seu famoso texto A srcem da obra de arte Martin Heidegger levanta tais questões Gostaríamos de têlo colocado ao lado d trecho da obra Passagem para o poético 1968 de Benedito Nunes 19292011 apresentado agora ao leitor No entanto restrições testamentárias e referentes aos direitos autorais das obras de Heidegger impossibilitaram a publicação Além de u convite à leitura de A srcem o texto apresentado aqui é um fragmento da obra de um célebre filósofo brasileiro responsável pela propagação do debate estético em nosso país Temas Temas estética no Brasil Heidegger Van Gogh pintura arquitetura mímesis 146 NUNES B Passagem para o Poético São Paulo Loyola 2012 p 237249 Agradecemos à Editora Loyola por autorizar utilização do texto ist die Kunst eine Weihe und ein Hort worin das Wirkliche seinen bislang verborgenen Glanz jedesmal neu dem Menschen verschenkt damit er in solcher Helle reine schaue und klarer höre was sich seinem Wesen zuspricht HEIDEGGER Wissenschaft und Besinnung147 1 A E 1 A Estétic stética Moderna a Moderna Ao admitir que a obra de arte tem srcem na verdade como alétheia Heidegger separase tanto da tradição humanística quanto da Estética moderna De fato para aquela tradição que firmou um exegese instrumentalista da Poética e da Retórica de Aristóteles a arte hábito de produzir de acordo com a reta razão recta ratio faciendi que se consuma na obra produzida srcinase da determinação da matéria por uma forma ou idéia nascida na mente do artista 148 As artes que representam o mais alto grau de concretude das obras são as téchnai poietikaí as artes poéticas ou criadoras149 Dissociada porém do alcance ontológico que Aristóteles ainda lhe emprestou a téchne significa nesse contexto apenas um conjunto de meios adequados à realização da poiésis idêntica à mímesis e que traduzida porimitatio imitação passaria a responder pela atividade individual criadora enquanto princípio originativo da arte Subordinando ao belo a obra produzida a Estética moderna sem tocar no instrumentalismo d tradição humanística transportou essa srcem para a subjetividade A concepção heideggeriana em muitos pontos de acordo com certas proposições de Hegel e de Nietzsche conforme se verá neste texto denuncia o conteúdo metafísico do subjetivismo estético fundamentado pelacrítica do juízo de Kant numa experiência sui generis de caráter contemplativo a experiência nãoconceitual também denominadaestética correspondente a juízos reflexivos e que em vez de conhecimento proporcionanos com base no balanço das faculdades de conhecer a sensibilidade e o entendimento uma satisfação universal e desinteressada150 Na medida em que a consideração estética pondera Heidegger determina a obra de arte do ponto de vista do belo que produz a arte a obra é representada como aquilo que traz e que suscita o belo relativamente ao estado afetivo A obra de arte é colocada como objeto para um sujeito Essa consideração baseiase na relação objeto fundamentalmente a relação sensível A obra tornase objeto sob o aspecto da experiência vivida Erleben de quem a contempla N v 1 p 93 Condicionada por essa relação em que a conduta afetiva fica em primeiro plano a Estétic tornase complementar à Metafísica moderna Entretanto a indagação pertinente vinculouse aísthesis sensibilidade desde a Antiguidade151 E muito embora só a partir do século XVIII quando já se configurara historicamente o domínio das BelasArtes o termo estética tenha vindo ter curso consagrado para qualificar essa nova disciplina de estatuto ambíguo no conjunto do saber moderno que ora reflexiva ora normativa ou adicta à Psicologia à Sociologia e à História oscilará entre a Filosofia e as ciências humanas foi já como Estética que a Filosofia começou refletir sobre a essência da arte e do belo N v1 p 9394 Mas se a Filosofia nativa da Grécia adere desde o começo ao ser do ente essa reflexão que ocupou depois de Sócrates um lugar proeminente na doutrina platônica participará em larga escala da História da Metafísica Tampouco estranha à formação do saber filosófico a consideração estética interfere de modo variável na História da arte O seis fatos específicos arrolados num dos estudos de Heidegger sobre Nietzsche Der Wille ur Macht als Kunst A vontade de potência como arte que acompanharemos a seguir mostram nos que essa interferência reveladora da essência da Estética de seu papel no pensamento ocidental N v 1 p 94 constitui o indício da situação histórica da arte nas diversas épocas Testemunhando tanto quanto o segundo a particular visão heideggeriana da cultura grega que bastante deve a Nietzsche o primeiro fato arrolado diz respeito à ausência de reflexão estética na fase da grande arte helênica Levese em conta o recurso adjetivo à grandeza também utilizado alhures para designar a fecundidade do começo da Filosofia desse começo principiativo que tal como a vida duradoura de uma semente guardada ao longo dos séculos germina de novo em cada volta da história Grandioso para Heidegger é o esplendor da arte helênica e o seu esplendor a força germinativa que exerceu sobre o todo da vida e da cultura gregas de que foi o acontecimento historial Um pensamento precoce ainda não propriamente filosófico o saber claro dos gregos que prescindiam da Estética certamente alusivo à posição dos présocráticos acompanhou concordante a grande arte em sua fase de esplendor Somente quando cessado o esplendor da arte grega ela se torna problemática e já então apenas provedora de vivências é que a reflexão estética paralela começa Nessa época que foi a de Platão e a de Aristóteles e eis o segundo fato elaboraram se em função do desenvolvimento da Filosofia os conceitos fundamentais que delimitarão no futuro a esfera de toda interrogação concernente à arte N v 1 p 95 Dentre esses conceitos o par matériaforma derivado do eidos platônico desde então aplicado aos entes naturais estendese também por intermédio da ideia do belo àqueles que o esforço da arte produz O terceiro fato consigna o ajustamento da Estética à direção do saber moderno segundo perspectiva da consciência de si Levantado o problema da realidade exterior que pressupõe a natural precedência dos estados interiores em relação ao mundo essa perspectiva justificaria a apreciação das coisas de acordo com a maneira pela qual nos afetam condicionando a admissão de uma faculdade de gosto estético Cumulando as funções de ciência teórica do belo e de ciência prática do gosto artístico a Estética é daí por diante no plano da sensibilidade e do sentimento o mesmo que a Lógica no plano do pensamento N v 1 p 99 Mas a sua preponderância desde os fins do século XVIII não deixa de estar relacionada com o declínio de outra grande arte Ess declínio situase entre o primeiro romantismo que Nietzsche interpretou como hipérbole de uma grande paixão consumida152 e a Filosofia hegeliana da arte que foi a maior e derradeira Estétic do Ocidente N v 1 p 100 Caberia a Hegel anunciar em suas Lições de Estética que a arte é para nós quanto à sua suprema destinação uma realidade passada Perdido o seu vigor esgotada como potência da vida do espírito convertida conforme diria Nietzsche num luxo153 a obra de arte passa à categoria de objeto estético perdurando o seu cultivo dentro da esfera do gosto artístico de algumas camadas sociais N v 1 p 101 A quarta ocorrência registrada por Heidegger é a recepção do projeto da obra artística integral o drama wagneriano A possibilidade dessa tentativa recaiu na órbita da Estética de Hegel A obra de arte integral é uma defesa do ideal contra o avanço do mundo prosaico da sociedade burguesa uma proteção contra o envolvimento da alma na noite imensa do sentimento que o romantismo resolveu Daí por diante a Estética e a História da arte oferecerão mais para o cultivo doespírito do que o próprio exercício da arte concorrendo na qualidade de produções da cultura com a criação artística que se torna cada vez mais consciente e reflexiva Surgiria então o homem estético que se crê abrigado e justificado no seio de uma cultura N v 1 p 108 Em sexto e último lugar Heidegger aponta a significativa convergência da morte da arte proclamada por Hegel com o niilismo da época a desvalorização dos mais altos valores inclusive estéticos reconhecida pela crítica de Nietzsche Enquanto para Hegel a atividade artística perdendo a sua efetiva força histórica é superada dialeticamente na religião e na Filosofia formas superiores do espírito absoluto para Nietzsche a mesma atividade religada à vontade de potência enquanto fora do controle da experiência desinteressada e contemplativa constitui o único meio capaz de curar a enfermidade da cultura ocidental A civilização afirmou Nietzsche não pode provir senão do significado de uma arte ou de uma grande obra de arte154 Esse ensinamento do pensador de A srcem da tragédia tanto quanto a lição hegeliana sobre o caráter histórico do espírito foram a nosso ver decisivos para a compreensão heideggeriana quer acerca da relevância do artístico na cultura grega quer a respeito da natureza e do destino da arte O saber claro correlato ao tempo de esplendor da arte helênica é o pensamento artístico dos présocráticos a Filosofia da época trágica durante a qual segundo o primeiro famoso escrito de Nietzsche os gregos sustentaram um permanente embate metafísico com a aparência das coisas 155 Esse mesmo embate que se exprimindo na tragédia ajudou a criála e a preservála teria presidido o desvelamento do ser na perspectiva da phýsis Os gregos escreve Heidegger tiveram sempre de novo que arrancar o ser da aparência e protegêlo contra ela EM p 80 Nenhuma obra em particular concretiza tanto o recontro com a aparência travado no espaço da olis que modelou a vida helênica espaço conflitivo da existência política onde deuses e homens coabitaram do que o templo e nenhuma outra exprime melhor a concepção do todo o pensamento artístico que prescindiu da Estética do que a tragédia Para os primeiros pensadores gregos a unidade e o conflito do ser e da aparência foram srcinariamente poderosos Todavia é na tragédia que tudo isso vai receber a sua mais pura representação EM p 81 Na tragédia em que a tensão dionisíaca é disciplinada pela contenção apolínea a unidade e o conflito dos homens e do destino alcançam o equilíbrio polêmico da harmonia dos contrários pensada por Heráclito no qual transfundido pela polis o ímpeto do jovem deus da Trácia o ser do ente manifestouse como Fado pela palavra encarnando a ação O ser de todo ente é o que mais aparece das Scheinendste isto é o mais belo das Schönste o que é em si mesmo consistente EM p 100 Entre a noção grega do belo que corresponderia ao ente manifesto na forma concreta e o conceito hegeliano aparição sensível da ideia está toda a distância historial entre a alétheia e a verdade como certeza para o pensamento Fazendo aparecer o ser como ente a téchne põe a verdade alétheia em obra A obra de arte não é obra por ser em primeiro lugar confeccionada ou feita mas porque realiza o ser num ente Realizar erwirken significa aqui pôr em obra na qual o vigor imperante que surge a phýsis chega a aparecer no que aparece EM p 122 Nesse sentido a srcem da obra é a arte enquanto acontecimento da verdade e a criação artística o âmbito de um desvelamento de umdeixarse O artista é umtéchnites não porque também seja um artesão mas ele o é pelo fato de que fazer obra e produzir utensílios é uma ruptura Aufbruch do homem no meio da phýsis e sob o fundo desta N v 1 p 97 Portanto nem a noção decoisa enquanto matéria sujeita à forma ou como suporte de propriedades nem a noção de produto acrescido de um valor estético podem aplicarse à obra de arte Não se enquadrando na categoria do enteàvista e muito menos na do enteàmão ela é antes um fulcro da abertura pensada sob o enfoque da essencialização do ser Desse ponto de vista o que a arte ensina a sua mensagem que absorve a sua aparência de coisa ou de produto só podemos captá lo voltandonos para o domínio Bareich que é aberto através dela mesma HW p30 Sem abertura não há Hermenêutica Dependente da essência da verdade o princípio de tod interpretação é a essência do ser que sempre acontece West no velamento no claroescuro de suas manifestações Esse jogo srcinário atribuído à arte e graças ao qual a obra é obra é o mesmo de que a interpretação heideggeriana participa Sirvanos isso para assinalar a continuidade do círculo hermenêutico que mantém sempre um centro ontológico Dentro desse círculo incidem as descrições fenomenológicas das obras de arte que Heidegger nos apresenta e que pressupõem a prévia neutralização da experiência estética a historialidade da arte a sua correlação com o mundo e o seu produzirse nãoinstrumental num processo de conversão do relacionamento cotidiano entre nós e os utensílios Pressupõem mais ainda além da admissão do papel privilegiado da experiência grega do ser na historialidade em geral e na criação artística em particular o resgate da arte como modo de pensamento original como lugar tópos a partir do qual se efetua uma nova leitura das coisas e do mundo Tudo isso considerado vêse que a Hermenêutica distanciase de uma Filosofia da arte O qu ela nos traz é a bem dizer a interpretação arte como Filosofia e da Filosofia como arte ambas poéticas pela raiz comum de que se originam e ambas tal como puderam ter sido antes da ascensão da Metafísica e tal como poderão ser após a sua superação Para mostrálo acompanharemos o traçado expositivo do ensaio A srcem da obra de arte Der Ursprung des Kunstwerkes que tem seu complemento em Hölderlin e a essência da poesia Hölderlin und das Wesen der Dichtung 2 A destruição da 2 A destruição da Estética Estética E m A srcem da obra de arte um dos famosos quadros de Van Gogh da série inspirada no motivo do par de sapatos rústicos e o templo grego de Paestum são objeto de duas primorosas descrições fenomenológicas que focalizam distintos âmbitos de desvelamento O que podemos perceber nesse espaço vago de cores empastadas do quadro de Van Gogh como que se desprendendo da escura e sombria intimidade do calçado é o peso do couro a fadiga de longas caminhadas a impregnação da terra a solidão do campo a lida com a semeadura e a silenciosa expectativa na sucessão dos dias Esse utensílio Zeug pertence à terra e está abrigado no mundo da camponesa No seio desse pertencer abrigado o utensílio permanece repousando em si mesmo HW p 23 A camponesa simplesmente usa o sapato convivendo com ele O mudo saber dum gesto de cansaço ou de resignação da usuária talvez pudesse resumir tudo isso que o quadro revela Somente a obra cria para nós o espaço de abertura onde o ser do utensílio a sua serventia o seu caráter de produto aparece ou se manifesta congregando a multiplicidade de relações do mundo de que foi extraído e do qual nos aproxima A tela de Van Gogh é a abertura do que é em verdade o utensílio o par de sapatos camponês HW p 25 Assim também o templo grego erguido no vale rochoso e que encerrou a estátua de um deus congregou em torno dessa presença o espaço do sagrado habitação da divindade circunscrita pela dureza da pedra pelo variável brilho do mármore pelo rígido assentamento do edifício na rocha Recinto do deus lugar de reunião dos homens o templo faz aparecer contrastando a sua presença com a da terra que toma por base e que nele se retrai as coisas circundantes com as quais se delimita articulando em torno de si as potencialidades da lida humana os fastos a figura de um destino Nesse ponto a descrição se aproxima da Fenomenologia do utensílio e do espaço familiar do cotidiano emSer e Tempo destacados porém os traços de aproximação e distanciação que formam uma paragem Entretanto a paragem do templo não mais procede do caráter utensiliar das coisas Como sítio o templo dá às coisas a sua fisionomia e aos homens a visão de si mesmo HM p 32 Em torno dele se articulam as paragens e o mundo que elas formam em vez do complexo referencial dos utensílios é o mundo historial de um povo esse círculo continuamente mutável de decisão e de empreendimento de ação e de responsabilidade e também de arbitrário e de tumultuoso de falência e de desnorteamento EHD p 38 No quadro de Van Gogh a permanência repousada Insichruhen dos sapatos revelanos o que é em verdade o produto HW p 24 para além de sua serventia no templo grego o que a presença Dastahend a construção do edifício produz é o advento do deus instalado em sua verdade É nessa instalação que a obra consiste a partir de sua srcem Só quando o mundo aparece numa forma tangível que dá à obra o seu caráter de obra existe criação artística como atividade individual mediadora Desde a sua técnica nascente no trabalho artesanal que elabora materiais diversos tratados de certa maneira a obra surge ao mesmo tempo que a verdade operante nela instaurada Exercida sobre materiais não propriamente usados como meios nem consumidos para um fim a arte produz e mantém na obscura materialidade que também os liga à terra as cores como cores os sons como sons a pedra como pedra e a palavra como palavra Daí dizer Heidegger que a arte produz e manté a própria terra no aberto de um mundo HW p 35 O quadro de Van Gogh e o templo de Paestu são descritos em sua verdade como o embate Streit entre mundo e terra que tem o caráter de velamento iluminador segundo o jogo de luz e sombra Em ambos a verdade Se essencializa somente como a luta entre clareira e ocultamento na oposição do mundo e da terra A verdade quer instaurarse na obra enquanto embate do mundo e da terra Gegenwendigkeit Von Welt und Erde HW p51 Ela se instaura na intimidade Innigkeit ou na recíproca pertença dos contendores HW p 50 O artista é aquele que desce ao foco desse mútuo enfrentamento à unidade da diferença que reúne os contendores no traçado Grundriss tenso da matéria Todas essas figurações todos esses tópoi para não chamálos de conceitos aí empregados numa função hermenêutica amplificadora também já são destrutivos da Estética O desvelamento funda criação individual e a categoria reflexiva do belo a contemplação desinteressada cede lugar ao ogo conflitivo do aberto Interrompendo o envolvimento do cotidiano forçandonos a ver o mundo através do que ela abre a obra não é objeto de contemplação desinteressada Há entre nós e a arte um interesse como relação de ser A experiência estética é só um efeito derivado da verdade da obra de que participamos Heidegger diz que nós temos o resguardo dessa verdade Podemos fruíl esteticamente enquanto subsistir a sua tranquila revelação de que temos a guarda Bewahrung De época para época essa revelação se atualiza pela comunidade dos criadores e dos guardiões O perdurar da verdade é também a perduração da obra como obra Assim como o aberto assinala a criação é a pertinência à verdade que constitui a sua salvaguarda a reserva de vida latente o poder de apelo que ela mesma cria e indica antecipadamente HW p 53 Tanto a criação quanto a salvaguarda repousariam no desvelamento que srcem da obra como essencialização do ser e consequentemente como modo do Dasein humano faz da arte uma srcem historial Diante disso forçoso é concluir que a História da arte só logra a transmissão escrupulos das obras através dos séculos sem alcançar o essencial já decidido por força da História do ser que forma o seu profundo lençol subjacente Entretanto essa transmissão atende ainda que remotamente à lembrança da srcem que subsiste como ela entrecriadores e guardiões Tal como a destruição da Ontologia a destruição da Estética que a acompanha é a suspensão da vigência das categorias estéticas pela explicitação dos seus fundamentos O juízo estético reflexivo que elas enquadram sempre condicionado por uma disposição de ânimo é o signo exterior de uma coparticipação efetivada por essa comunidade dos criadores e dos guardiões que a obra torna possível Mas o que por sua vez possibilita a obra é o acontecimento historial que se projeta para os que irão guardála no futuro quer dizer para uma humanidade historial HW p 62 Essa projeção do ser que marca a historialidade autêntica traz consigo a diferença em que nos situamos e que podemos discernir no embate entre a terra e o mundo É adiferença resguardada na obra com a verdade que nela acontece o que nos permite captála em cada época através de uma interpretação com base em diferentes situações culturais A salvaguarda acontece em graus diferentes de saber tendo de cada vez um alcance uma constância e uma diversa iluminação HW p 56 Esses graus diferentes de saber correspondem ao que foi criado e a criação se denuncia pelo traço que o ser revelado em sua diferença deixa no renitente peso da pedra na dureza da madeira no brilho sombrio das cores HW p 35 Uma outra interpretação da forma artística deriva daí Heidegger entende que a forma assinala o afloramento da terra no embate que opõe ao mundo sendo a terra o elemento irredutível o mistério velado que sobressai da matéria em que também se retrai dessa mesma matéria que elaborada mas não propriamente usada transparece no ente produzido Essa aparência significativa é a verdade aberta e o produto indistinto da coisa criada tem a impositiva presença de um ente configurado numa forma sensível A obra como obra de arte assinalaria pois a sua própria existência em função da presença que nela se produz Mas nenhuma instância externa decide de seu direito a existir ela conquista sua efetividade somente através do que pode abrir Longe de firmarse nas vivências isoladas de um sujeito receptor tal efetividade é o que também a ela nos abre pela disponibilidade do estado de ânimo da disposição da conduta que nos coloca em seu âmbito Mais uma vez se contesta desse ponto de vista a primazia dos juízos estéticos Somente quando nos conduzimos nesse âmbito são possíveis os juízos estéticos revelando daquela universalidade sem a intervenção dos conceitos e como objeto de uma satisfação necessária apontada por Kant Empregando a terminologia tradicional diríamos que essa satisfação retira a sua necessidade da contingência dos eventos ou situações propriamente históricos Estamos de novo próximos de Hegel Em última análise para Heidegger a essência da arte depende da essencialização do ser que constitui o historial para Hegel a arte não possui nenhuma natureza independentemente do movimento de exteriorização ou de concreção doespírito historicamente realizado nas concepções de cada período em cada arte particular Em ambos o gozo estético é a vivência tardia do apelo ou da revelação que a arte encerra apelo para ambos como o que parte de uma totalidade viva com a força de um olhar que nos olha A visão exterior de quem contempla cede à visão interna do espírito encarnado que nos olha na obra Nós diremos da arte afirma Hegel que ela tem por fi fazer com que em todos os pontos de sua superfície o fenomênico se torne olhar sede da alma que torna visível o espírito156 Tornar visível o espírito é fazêlo aparecer iluminandoo Do conceito hegeliano do belo o aparecer erscheinen sensível da ideia ressalta esse elemento de luminosidade ínsito à palavra clareira como forma da existência do Dasein e da arte grega em seu embate com a aparência Ser implica apresentarse surgir aparecendo proporse expor alguma coisa Não ser ao invés significa afastarse da aparição da presença Anweseinheit EM p129 Surgimento e aparição designam o processo mediante o qual as coisas que permaneciam na sombra são postas ou trazidas à luz Fazer poesia significa pôr à luz EM p 130 diz Heidegger traduzindo um verso de Píndaro Criada ao mesmo tempo que se dá o velamento iluminador numa projeção a obra é algo que se produz mas a instrumentalidade técnica do produzir só chega a criar quando abrigada na origem da obra o acontecer historial da verdade Como produção o fazer artístico é um producere Herkunft um fazer emergir algo que não se mostraria senão através da obra e que constitui a essência poética dichtend da arte A verdade como clareira e ocultamento do ente acontece na medida em que é oética gedichtet wird HW p 59 3 Poesia e linguagem 3 Poesia e linguagem Transportada para o plano da história a efetividade da arte que nada tem de um efeito causal é também transportada para o plano poético que se identifica ao da linguagem Em torno do poético a relação de Heidegger com a Estética de Hegel para a qual a poesia como verdadeira arte d espírito wahrhaft Kunst der Geist realiza uma arte geral e o princípio geral da arte marca também o ponto de máxima proximidade no maior afastamento entre os dois pensadores Em Hegel podemos encontrar por um lado a forma de concepção poética oposta à consciência prosaica como o princípio geral da arte e por outro a poesia em que aquela se realiza como arte eral sintetizando o modo de representação das outras artes Depois da pintura e da música nos diz Hegel vem a arte da palavra Kunst der Rede a poesia em geral a verdadeira arte absoluta do espírito manifestandose enquantoespírito157 Ela reproduz em sua esfera própria o modo de representação das demais artes porque elabora todo e qualquer conteúdo na forma da imaginação que é comum a todas contém o essencial daidealidade artística e assim também a oposição formaconteúdo que nela culmina Nesse limite darepresentação Darstellung começa a efetuar se a superação da própria arte A passagem daarte da palavra ao pensamento racional à Filosofia por meio da religião está predelineada na forma da poesia na palavra mesma que suspende o que de sensível existe na criação artística Antes de tudo obra do pensamento é a linguagem que faz passar à generalidade tudo quanto pode ser dito158 Nessa obra interna do pensamento oespírito se objetifica por si mesmo em seu próprio terreno e apenas servese do elemento verbal como de um meio seja da comunicação seja de exteriorização direta159 O conteúdo já se acha formado internamente e os discursos as palavras e as combinações artísticas dessas últimas160 apenas objetificamno numa forma externa Se o caráter poético da arte ainda acompanha em Heidegger a ideia de que a poesia é a realização geral da arte a preeminência que ele empresta à palavra afasta a admissão desse caráter poético que pertence à verdade de toda concepção da poesia como arte geral do pensamento firmada em conteúdos expressivos particulares Considerar que pela sua srcem toda arte é poética não significa que a música a pintura e a escultura estejam ordenadas à poesia ou que se reduzam à poesia no sistema constituído das artes Devese o lugar eminente que a poesia stricto sensu ocupa no conjunto das formas ao alcance da oíesis na linguagem e a partir da linguagem como limiar de toda experiência artística principalmente na arte da palavra propriamente dita que está condicionada à instituição cultural dos gêneros e às convenções literárias à literatura na acepção de estilo ou modalidade de expressão da vida civilizada161 O valor da Literatura diz Heidegger é apreciado à medida da atualidade d momento Por seu lado a atualidade é feita e dirigida pelos órgãos que formam a opinião pública civilizada O movimento literário é um de seu agentes e por agente é preciso entender aqueles que impulsionam os outros e são também impulsionados Assim a poesia não pode aparecer senão como Literatura Pelo fato de ser considerad meio de cultura Bildung e de um modo científico ela é objeto de história literária A poesia do Ocidente tem curso sob a denominação geral de literatura europeia VA v2 p612 Do ponto de vista heideggeriano porém a poesia do Ocidente está dentro e fora da Literatura a sua posição eminente no conjunto das artes vem de que antecede à cultura doespírito à Paidéia Mais diretamente do que qualquer outra arte a poesia participa pela palavra que constitui a sua matéria do trabalho preliminar e mais primitivo do pensamento como obra de linguagem A poesia é o limiar da experiência artística em geral por ser antes de tudo o limiar da experiência artística em geral por ser antes de tudo ponto de irrupção do ser na linguagem que acede à palavra e portanto também de interseção da linguagem com o pensamento É desse ângulo que Heidegger afirma a precedência da poesia sobre qualquer outra arte despeito de que todas sejam srcinariamente poéticas arquitetura escultura música e pintura só se produzem quando já se produziu a clareira pela poesia primordial Urpoesie da linguagem O poemas autênticos extrapolam a Literatura porque estão em correspondência com a poesia primeva que as línguas articulam Em muitas passagens dos escritos da segunda fase Heidegger enuncia ideia aspecto essencial de sua topologia de que a língua é poesia Dichtung no sentido essencial HW p 61 o peso do adjetivo essencial recaindo sobre o acontecimento gerador de história A língua é a poesia srcinária em que um povo poetiza dichten o ser Inversamente vale a grande poesia pela qual um povo entra na história inicia a configuração de sua língua EM p 193 Ou então como registra Hölderlin e a essência da poesia a poesia é a língua primitiva de um povo historial EHD p 43 Como doação do ser arrancado da experiência srcinária que o ser mesmo funda a obra em que a verdade opera ou na qual se põe em obra é a projeção de um destino aberto para os que terão a sua guarda O srcinário e o inaugural coincidem na imediatidade do acontecimento isto é no caráter nãomediatizável da diferença que torna o homem sujeito da história Podemos compreender nesse limite a afirmativa de Heidegger segundo a qual a arte assinala u advento ou um ressalto da história cada vez que um novo começo se produz isto é em cadaépoca em cada momento de retração desvelante do ser entre os gregos na Idade Média e na Idad Moderna Cada vez abriuse um mundo novo com a sua própria essência cada vez a abertura do ente demandou a sua instauração pela constituição da verdade na forma Gestalt no próprio ente HW p 64 Essa instauração daria a medida preliminarmente poética da história em virtude da precedência da linguagem como poesia originária Do mesmo modo que nos fala da grande arte pela função instauradora que desempenha Heidegger falará sempre da poesia como da grandeza do inaugural do começo irruptivo Assim a poesia é sempre rara e os seus momentos verdadeiros não se manifestam em todas as épocas Mais a obra de um poeta é poética mais seu dizer é livre mais aberto ao imprevisto mais pronto a aceitálo E mais puramente também libera o que diz à atenção sempre mais assídua em escutálo maior é a distância entre o que é dito Gesagte e a simples enunciação Aussge VA v 2 p 64 Das mesmas palavras que são a matéria da criação poética procede essa distância irrecobrível entre o dito e a enunciação Na obra poética a linguagem é liberada como linguagem que fala por si mesma propondo à escuta dos que sabem ouvila no espaço de abertura franqueado pela obra o diálogo com o ser em que o pensamento se encontra desde sempre engajado Seriam verdadeiros poetas aqueles que como Hölderlin Trakl Stephan George e Rilke conduziram os diferentes tema literários ao tema único da essência da poesia Verdadeiros poetas porque poetas da poesia experimentaram esse diálogo na atividade agonal com as palavras a mais inocente e inconsequente das ocupações a mais inócua e ineficaz e a mais arriscada porquanto exposta na sua lida nãopreocupante em seu discreto exercício lúdico ao outro jogo perigoso do dizer da linguagem O poético extrai a sua capacidade reveladora inesgotável do ser que solicita o pensamento apelando para o dizer da linguagem Como Nietzsche Heidegger reconhece essa fonte comum que aproxima poesia e pensamento D certa maneira ambos poesia e pensamento dizem o mesmo Um só pensamento poético dichten Denken constituiria a única instância do dizer essencial O pensamento do ser é o modo srcinal do dizer poético Nele a linguagem acontece como linguagem em sua própria essência O pensamento diz oditado Diktat da verdade do ser O pensamento é odictare srcinal O pensamento é a poesia srcinal Urdichtung que precede toda a poesia na acepção estrita162 e assim o poético da arte na medida em que esta se torna obra no círculo da linguagem HW p 303 Os poetas da poesia caem então para usarmos a mesma expressão de Heidegger conservando lhe o tom sibilino que é uma constante de sua segunda fase sob oditado que submete os pensadores sobretudo os présocráticos ao jogo das palavras essenciais Mas o que significa então o canto que parece distinguir o pensador do poeta E por que os poetas da poesia oferecem à Hermenêutic o relevo específico de uma topologia que se ombreia com a que pode ser encontrada nos pensadores essenciais Por que enfim a obra de Hölderlin poeta da poesia por excelência foi par Heidegger a principal trilha da viragem de um novo começo do pensamento o retorno à srcem e o início de uma transformação da humanidade que cumpriria preparar no recolhimento da meditação 147 a arte é uma consagração e um abrigo por onde o real dispensa no homem o seu brilho até então escondido para que numa tal claridade possa ver de maneira mais pura e ouvir mais distintamente o que fala à essência HEIDEGGERCiência e meditação 148 O hábito acompanhado de razão verdadeira e a arte se confundem A coisa produzida ou criada pertence à categoria dos possíveis e seu princípio reside na pessoa que executa cf ARISTÓTELES Ética a Nicômaco Livro VI cap 5 Na Metafísica Aristóteles coloca paraleloarte téchne e Natureza phýsis Das coisas que existem umas nascem por Natureza phýsei outras por art téchne e outras por casualidade Livro VII cap 7 149 As téchnai poietikaí artes in effectu positae são também artes miméticas 150 O objeto dessa satisfação universal desinteressada e ainda necessária reconhecido sem conceito por um nexo da representaçã como sentimento é obelo A fundamentação do juízo reflexivo e consequentemente da experiência estética decorre do livre jogo das faculdades Cf KANT EWerke Kritik der Urteilskraft Berlin Georg Reimer 1913 v 5 35 151 O termo estética é formado em correlação com lógica e ética Temos sempre que acrescentarlheepistéme ciência Lógica logiké epistéme ciência dologos isto é doutrina da enunciação do juízo enquanto forma fundamental do pensamento Lógica ciência do pensamento das formas e das regras do pensamento Ética éthike epistéme ciênciaéthos da atitude anterior do homem e da maneira como determina sua conduta De maneira análoga formouse o termo estética aisthétike epistéme ciência do comportamento sensível e afetivo do homem e do que o determina N v 1 p 92 152 Werke München Carl Hanser 1954 v3 p492 153 Na economia espiritual dos nossos homens cultos a arte tornouse uma necessidade inteiramente mentirosa desprezível aviltante Id Richard Wagner in Bayreuth In Werke Untzeitgemässe Betrachtungen München Carl Hanser 1954 v 1 p 392 154 Le Livre du philosophe études théoriques Das Philosophenbuch theoretische Studien Traducion introduction et notes pa Angèle K Marietti s1 AubierFlammarion 1969 v 2 p 168169 Ed bilíngue 155 Esse embate principia com o surgimento dos deuses olímpicos obra da cultura apolínea Para poderem viver os gregos levados pela mais profunda das necessidades criaram esses deuses id Werke Die Geburt der Tragödie München Carl Hanser 1954 v 1 p 30 Apolo aparecenos com a divinização do princípio de individuação pelo qual se cumprem os eternos desígnios do Uno primordial sua libertação pela luz pela aparência pela visão id ibid p 33 O elemento de força ou de violência desse embate sobressai na expressão waltende Aufgehen para a phýsis Acompanhamos a tradução dewaltende dada por Emmanuel Carneiro Leão comovigor dominante HEIDEGGER Martin Introdução à Metafísica Introdução tradução e notas por Emmanuel Carneiro Leão Rio d Janeiro Tempo Brasileiro 1969 p78 156 Werke Vorlesungen über die Ästhetik Theorie Werkausgabe Frankfurt am Main Surkamp 1970 v 1 p 203 157 Die Poesie die Kunst der Rede die allgemeine Kunst Id ibid v 3 p 16 158 Id ibid v 3 p 231 159 Id ibid v 2 p 221262 160 Id ibid v 3 p 229 161 Sob esse aspecto a concepção heideggeriana de Literatura tem notável parentesco com o ponto de vista de Croce acerca do caráter nãoliterário da poesia 162 A observação é nossa Theodor Adorno Theodor Adorno Teoria estética Teoria estética Teoria estética Teoria estética163 163 Theodor Adorno 19031969 Theodor Adorno 19031969 Tradução rtur Morão Por que a expansão do campo de possibilidades expressivas da arte a partir das vanguardas não significou também a sua emancipação e autonomia Por que após o que se pensou ser a sua libertação a arte parece ter ido justamente rumo à direção inversa ou seja à crise em seu aspecto criativo mas também acerca da compreensão do seu significado Nos presentes trechos de Teoria Estética 1970 Theodor Adorno 19031969 disserta sobre a arte na modernidade e seu lugar dentro da cultura e compara a condição da arte a significados elaborados em outros momentos históricos como em Kant e Hegel Temas Temas arte cultura história crítica 163 ADORNO T W Teoria Estética Lisboa Edições 70 1982 p 1124 Agradecemos às Edições 70 por autorizar a utilização d texto Tornouse manifesto que tudo o que diz respeito à arte deixou de ser evidente tanto em si mesma como na sua relação ao todo e até mesmo o seu direito à existência A perda do que se poderia fazer de modo não refletido ou sem problemas não é compensada pela infinidade manifesta do que se tornou possível e que se propõe à reflexão O alargamento das possibilidades revelase em muitas dimensões como estreitamento A extensão imensa do que nunca foi pressentido a que se arrojaram os movimentos artísticos revolucionários cerca de 1910 não proporcionou a felicidade prometida pela aventura Pelo contrário o processo então desencadeado começou a minar as categorias e nome das quais se tinha iniciado Entrouse cada vez mais no turbilhão dos novos tabus por toda a parte os artistas se alegravam menos do reino de liberdade recentemente adquirido do que aspiravam de novo a uma pretensa ordem dificilmente mais sólida Com efeito a liberdade absoluta na arte que é sempre a liberdade num domínio particular entra em contradição com o estado perene de não liberdade no todo O lugar da arte tornouse nele incerto A autonomia que ela adquiriu após se ter desembaraçado da função cultual e dos seus duplicados vivia da ideia de humanidade Foi abalada à medida que a sociedade se tornava menos humana Na arte as constituintes que dimanaram do ideal de humanidade estiolaramse em virtude da lei do próprio movimento Sem dúvida a sua autonomia permanece irrevogável Fracassaram todas as tentativas para através de uma função social lhe restituírem aquilo de que ela duvida ou a cujo respeito exprime uma dúvida Mas a sua autonomia começa a ostentar um momento de cegueira desde sempre peculiar à arte Na época da sua emancipação este momento eclipsa todos os outros apesar ou se é que não por causa da não ingenuidade a que já segundo Hegel não mais se pode esquivar Ela conjugase com a ingenuidade à segunda potência a incerteza do para quê estético Não se sabe se a arte pode ainda ser possível se ela após a sua completa emancipação não eliminou e perdeu os seus pressupostos A questão brota a partir do que ela foi outrora As obras de arte destacamse do mundo empírico e suscitam um outro com uma essência própria oposto ao primeiro como se ele fosse igualmente uma realidade Tendem portantoa priori para a afirmação mesmo que se comportem ainda de uma maneira trágica Os clichês do esplendor conciliante que se estendia da arte à realidade não são apenas repulsivos porque parodiam o conceito enfático da arte pelo seu equipamento burguês e a classificam entre as reconfortantes organizações dominicais Tocam igualmente nas feridas da própria arte Pela sua ruptura inevitável com a teologia com a pretensão absoluta à verdade da redenção secularização sem a qual ela jamais se teria desenvolvido a arte condenase a outorgar ao ente e ao existente uma promessa que privada da esperança num Outro reforça o sortilégio de que se quis libertar a autonomia da arte De uma tal promessa é já suspeito o próprio princípio de autonomia ao pretender pôr uma totalidade exterior uma esfera fechada em si mesma essa imagem é transferida para o mundo em que a arte se encontra e que a produz Em virtude da sua recusa da empiria recusa contida no seu conceito não simples esquiva que é uma das suas leis imanentes sanciona a sua superioridade Num tratado sobre a glória da arte Helmut Kuhn atestou que cada uma das suas obra é celebração 164 A sua tese seria verdadeira se fosse crítica Perante aquilo em que se torna a realidade a essência afirmativa da arte essa essência inelutável tornouse insuportável Deve voltarse contra o que constitui o seu próprio conceito e tornase por conseguinte incerta até ao mais íntimo da sua textura Não deve porém pôrse de lado por uma negação abstrata Ao atacar o que ao longo de toda a tradição parecia garantir o seu fundamento ela transformase qualitativamente e tornase um Outro Pode fazer isso porque ao longo dos tempos se voltou graças à sua forma tanto contra o simples existente contra o estado de coisas persistente como veio em sua ajuda enquanto modelação dos elementos do existente E é igualmente impossível reduzila a uma fórmula universal da consolação ou ao seu contrário A arte tem o seu conceito na constelação de momentos que se transformam historicamente fecha se assim à definição A sua essência não é dedutível da sua srcem como se o primeiro fosse um fundamento sobre o qual todos os seguintes se erigem e desmoronam logo que são abalados A crença segundo a qual as primeiras obras de arte são as mais elevadas e as mais puras é romantismo tardio com não menor direito poderseia sustentar que as primeiras obras com caráter artístico inseparáveis das práticas mágicas da documentação histórica de fins pragmáticos tais como fazer se ouvir por apelos ou toques de trompa a grandes distâncias são confusas e impuras A concepção classicista gostava de utilizar tais argumentos No plano estritamente histórico não há datas precisas165 A tentativa de subsumir ontologicamente a gênese histórica da arte num motivo supremo extraviarseia necessariamente em algo tão discordante que à teoria apenas restaria o ponto de vista sem dúvida importante segundo o qual as artes não podem classificarse em nenhuma identidade ininterrupta da arte166 Nas considerações consagradas às srcens αρχαι estéticas proliferam selvaticamente ao lado uma da outra a acumulação positivista de materiais e a especulação habitualmente detestada pelas ciências Bachofen seria disso o exemplo mais destacado Se e compensação se quisesse categoricamente distinguir segundo o uso filosófico a chamada questão da srcem como a do ser do problema genético segundo a história srcinal adquirirseia a convicção da arbitrariedade por uma utilização do conceito de origem oposta ao seu sentido literal A definição do que é a arte é sempre dada previamente pelo que ela foi outrora mas apenas é legitimada por aquilo em que se tornou aberta ao que pretende ser e àquilo em que poderá talvez tornarse Enquanto é preciso manter a sua diferença em relação à simples empiria ela modificase em si qualitativamente Muitas obras por exemplo representações cultuais metamorfoseiamse em arte ao longo da história quando o não tinham sido e muitas obras de arte deixaram de o ser A questão posta antes de saber se um fenômeno como o filme é ainda arte ou não não leva a nenhum lado O terestadoemdevir da arte remete o seu conceito para aquilo que ela não contém A tensão entre o que animava a arte e o seu passado circunscreve as chamadas questões estéticas de constituição A arte só é interpretável pela lei do seu movimento não por invariantes Determinase na relação co o que ela não é O caráter artístico específico que nela existe deve deduzirse quanto ao conteúdo do seu Outro apenas isso bastaria para qualquer exigência de uma estética materialista dialética Ela especificase ao separarse daquilo por que tomou forma a sua lei de movimento constitui a sua própria lei formal Ela unicamente existe na relação ao seu Outro e é o processo que a acompanha Para uma estética que se orienta diferentemente vale como axioma a tese desenvolvida por Nietzsche no fim da sua vida contra a filosofia tradicional segundo a qual também pode ser verdadeiro mesmo o que foi sujeito de devir Deverseia inverter a concepção tradicional por ele demolida a verdade só existe como o que esteve em devir O que se apresenta na arte como a sua própria legalidade é tanto um produto tardio da evolução intratécnica como da posição da arte no seio de uma secularização progressiva incontestavelmente as obras de arte só se tornaram tais negando a sua srcem Não há que censurarlhes como pecado srcinal a ignomínia da sua antiga dependência a respeito da magia indolente do serviço dos senhores e do divertimento uma vez que elas renegaram retrospectivamente aquilo de onde brotaram Nem a música de mesa é inevitável para a música libertada nem a música de mesa constituiu para o homem uma função honrosa a que a arte autônoma se teria subtraído sacrilegamente O seu barulho miserável não se torna melhor pelo fato de a maior parte de tudo o que hoje atinge os homens como arte fazer ressoar o eco daquele matracar A perspectiva hegeliana de uma possível morte da arte é conforme ao seu terestadoemdevir Que ele pensasse a arte como transitória e a atribuísse no entanto ao Espírito absoluto harmonizase com o caráter ambíguo do seu sistema mas induz a uma conseqüência que ele nunca teria tirado o conteúdo da arte que segundo a sua concepção constitui o seu absoluto não é absorvido na dimensão da sua vida e da sua morte A arte poderia ter o seu conteúdo na sua própria efemeridade É concebível e de nenhum modo apenas uma possibilidade abstrata que a grande música algo de tardio só foi possível num período limitado da humanidade A revolta da arte teleologicamente posta na sua posição relativamente à objetividade do mundo histórico transformouse na sua revolta contra a arte é inútil profetizar se ela lhe sobreviverá A crítica da cultura não tem que abafar aquilo contra que vociferava outrora um pessimismo cultural reacionário a saber como já Hegel pensava há cento e cinquenta anos que a arte poderia ter entrado na era do seu declínio Como também há uma centena de anos a palavra terrível de Rimbaud realizava em si numa antecipação extrema a história da nova arte assim o seu silêncio a sua integração como empregado antecipavam também esta tendência Atualmente a estética não tem nenhum poder sobre se virá a ser ou não o necrológio da arte mas também não deve brincar às orações fúnebres não tem em geral que constatar o fim reconfortarse com o passado e independentemente de seja a que título for transitar para a barbárie que não é melhor que a cultura a qual mereceu a barbárie como represália pelos seus excessos bárbaros O conteúdo da arte passada mesmo que a arte possa agora estar suprimida suprimirse desaparecer ou prosseguir no desespero não deve necessariamente caminhar para o seu declínio Poderia sobreviver à arte numa sociedade que teria sido libertada da barbárie da sua cultura Nos nossos dias não estão mortas apenas as formas mas inumeráveis temas a literatura sobre o adultério que enche o período vitoriano do século XIX e o princípio do século XX já não imediatamente reutilizável após a dissolução da célula familiar da burguesia no seu apogeu e o afrouxamento da monogamia Apenas continua a viver medíocre e perversamente na literatura vulgar das revistas ilustradas De igual modo o que há de autêntico em Madame Bovary outrora inserido no seu tema sobrepujou há muito o declínio que é também o seu Claro está isto não deve induzir ao otimismo filosóficohistórico da fé no espírito invencível O conteúdo temático pode igualmente o que é mais tudo arrastar na sua queda Mas a arte e as obras de arte estão votadas ao declínio porque são não só heteronomamente dependentes mas porque na própria constituição da sua autonomia que ratifica a posição social do espírito cindido segundo as regras da divisão do trabalho não são apenas arte surgem também como algo que lhe é estranho e se lhe opõe Ao seu próprio conceito está mesclado o fermento que a suprime Permanece inalterável para a refração estética o que é alterado para a imaginação o que ela concebe Isto vale sobretudo para a finalidade imanente Na relação com a realidade empírica a arte sublima o princípio ali atuante do sese conservare em ideal do serparasi dos seus testemunhos segundo as palavras de Schönberg pintase um quadro e não o que ele representa Toda a obra de arte aspira por si mesma à identidade consigo que na realidade empírica se impõe à força a todos os objetos enquanto identidade com o sujeito e deste modo se perde A identidade estética deve defender o nãoidêntico que a compulsão à identidade oprime na realidade Só em virtude da separação da realidade empírica que permite à arte modelar segundo as suas necessidades a relação do Todo às partes é que a obra de arte se torna Ser à segunda potência As obras de arte são cópias do vivente empírico na medida em que a este fornecem o que lhes é recusado no exterior e assim libertam daquilo para que as orienta a experiência externa coisificante Enquanto que a linha de demarcação entre a arte e a empiria não deve ser ofuscada de nenhum modo nem sequer pela heroicização do artista as obras de arte possuem no entanto uma vida sui generis que não se reduz simplesmente ao seu destino exterior As obras importantes fazem surgir constantemente novos estratos envelhecem resfriam morrem Afirmar que enquanto artefatos produtos humanos elas não vivem diretamente como homens é uma tautologia Mas o acento posto sobre o momento do artefato na arte concerne menos ao seu ser produzido do que à sua própria natureza indiferentemente da maneira como ela se faz As obras são vivas enquanto falam de uma maneira que é recusada aos objetos naturais e aos sujeitos que as produzem Falam em virtude da comunicação nelas de todo o particular Entram assim em contraste com a dispersão do simples ente Mas precisamente enquanto artefatos produtos do trabalho social comunicam igualmente com a empiria que renegam e da qual tiram o seu conteúdo A arte nega as determinações categorialmente impressas na empiria e no entanto encerra na sua própria substância um ente empírico Embora se oponha à empiria através do momento da forma e a mediação da forma e do conteúdo não deve conceberse sem a sua distinção importa porém em certa medida e geralmente buscar a mediação no fato de a forma estética ser conteúdo sedimentado As formas aparentemente mais puras as formas musicais segundo a tradição remontam inclusive em todos os seus pormenores idiomáticos a algo que diz respeito ao conteúdo como a dança Os ornamentos eram outrora com frequência símbolos cultuais Deveria efetuarse uma referência mais vincada das formas estéticas aos conteúdos tal como a realizou a Escola de Warburg para o objeto específico da sobrevivência da Antigüidade Contudo a comunicação das obras de arte com o exterior com o mundo perante o qual elas se fecham feliz ou infelizmente leva se a cabo através da nãocomunicação eis precisamente porque elas se revelam como refratadas Podia facilmente pensarse que o seu domínio autônomo só tem de comum com o mundo exterior elementos emprestados que entram num contexto totalmente modificado Apesar de tudo a trivialidade da história das ideias é incontestável de maneira que a evolução dos procedimentos artísticos tais como eles são quase sempre englobados no conceito de estilo corresponde à trivialidade social Mesmo a obra de arte mais sublime adota uma posição determinada em relação à realidade empírica ao mesmo tempo que se subtrai ao seu sortilégio não de uma vez por todas mas sempre concretamente e de modo inconscientemente polêmico contra a sua situação a respeito do momento histórico Que as obras de arte como mônadas sem janelas representem o que elas próprias não são só se pode compreender pelo fato de que a sua dinâmica própria a sua historicidade imanente enquanto dialética da natureza e do domínio da natureza não é da mesma essência que a dialética exterior mas se lhe assemelha em si sem a imitar A força produtiva estética é a mesma que a do trabalho útil e possui em si a mesma teleologia e o que se deve chamar a relação de produção estética tudo aquilo em que a força produtiva se encontra inserida e em que se exerce são sedimentos ou moldagens da força social O caráter ambíguo da arte enquanto autônoma e como fait social fazse sentir sem cessar na esfera da sua autonomia Nesta relação à empiria as forças produtivas salvaguardam neutralizado o que outrora os homens experimentaram literal e inseparavelmente no existente e o que o espírito dele bania Participam na Aufklärung porque não mentem não simulam a literalidade do que elas exprimem Mas são reais enquanto respostas à forma interrogativa do que lhes vem ao encontro a partir do exterior A sua própria tensão é significativa na relação com a tensão externa Os estratos fundamentais da experiência que motivam a arte aparentamse com o mundo objetivo perante o qual retrocedem Os antagonismos não resolvidos da realidade retornam às obras de arte como os problemas imanentes da sua forma É isso e não a trama dos momentos objetivos que define relação da arte à sociedade As relações de tensão nas obras de arte cristalizamse unicamente nestas e através da sua emancipação a respeito da fachada fática do exterior atingem a essência real A arteχωρίς do existente empírico relacionase assim segundo a posição ao argumento hegeliano contra Kant a partir do momento em que se estabelece uma barreira ela é já transposta por meio desta posição integrandose aquilo contra que ela se erigiu Apenas isso e não o fato de moralizar constitui a crítica do princípio de lart pour lart que numa negação abstrata constitui oχωρισμός da arte com o seu Uno e Todo A liberdade das obras de arte cuja autoconsciência é celebrada e sem a qual elas não existiriam é a mentira da sua própria razão Todos os seus elementos as acorrentam ao que elas têm a dita de sobrevoar e em que ameaçam a todo o momento mergulhar de novo Na relação com a realidade empírica evocam o teologúmeno segundo o qual no estado de redenção tudo é como é e ao mesmo tempo inteiramente outro É óbvia a analogia com a tendência da profanidade para secularizar o domínio sagrado até quando este se mantém ainda mesmo secularizado a esfera do sagrado é por assim dizer objetivada murada porque o seu momento de falsidade aguarda tanto a secularização como dela se defende mediante o exorcismo Assim o puro conceito de arte não constituiria o círculo de um domínio garantido de uma vez por todas mas só se produziria de cada vez em equilíbrio momentâneo e frágil muito comparável ao equilíbrio psicológico do Ego e do Id O processo de repulsa deve continuament renovarse Cada obra de arte é um instante cada obra conseguida é um equilíbrio uma pausa momentânea do processo tal como ele se manifesta ao olhar atento Se as obras de arte são respostas à sua própria pergunta com maior razão elas próprias se tornam questões A tendência até hoje porém ainda não afetada por uma cultura também ela abortiva para captar a arte de modo extra ou préestético não é apenas um recuo à barbárie ou à miséria da consciência dos que regridem Algo na arte se presta a isso Se é percebida de modo estritamente estético não o é portanto de uma maneira correta Só quando se sente ao mesmo tempo o Outro da arte como um dos primeiros estrato da experiência é que esta pode sublimarse e resolver a implicação na matéria sem que o serparasi da arte se transforme em alguma coisa de indiferente A arte é para si e não o é subtraiselhe a sua autonomia mas não o que lhe é heterogêneo As grandes epopeias que sobrevivem ainda ao seu esquecimento confundiamse no seu tempo com a narrativa histórica e geográfica o artista Valéry deplorou que muitas coisas que nas epopeias homéricas paganogermânicas e cristãs não estavam refundidas na legalidade formal se afirmem sem que isso diminua a sua qualidade relativamente a obras sem imperfeições De igual modo a tragédia da qual seria possível tirar a ideia de autonomia estética era a cópia de práticas cultuais concebidas como possuindo efeitos reais A história da arte enquanto história do progresso da sua autonomia não conseguiu extirpar esse momento e de nenhum modo é apenas devido aos seus entraves No século XIX o romance realista no seu apogeu enquant forma tinha algo daquilo a que o reduziu deliberadamente a teoria do chamado realismo socialista tinha reportagem antecipação do que posteriormente deveria ser descoberto pela ciência social O fanatismo da perfeição linguística em Madame Bovary constitui provavelmente uma função do momento que lhe é contrário a unidade dos dois aspectos forma a sua atualidade intacta O critério das obras de arte é equívoco se lhes acontece integrar na sua lei formal imanente os estratos temáticos e os pormenores e conservar em semelhante integração mesmo com lacunas o elemento que lhes é contrário A integração enquanto tal não garante qualidade na história das obras de arte os dois momentos encontramse com frequência separados De fato nenhuma categoria privilegiada particular nem sequer a categoria estética central da lei formal define a essência da arte e é suficiente para o juízo acerca dos seus produtos A arte possui determinações essenciais que contradizem o caráter definitivo do seu conceito estabelecido pela filosofia da arte A estética do conteúdo de Hegel reconheceu o momento de alteridade imanente à arte e sobrevoou a estética formal que opera aparentemente com um conceito de arte muito mais puro libertando no entanto desenvolvimentos históricos bloqueados pela estética do conteúdo de Hegel e de Kierkegaard como os da pintura nãofigurativa Contudo a dialética idealista de Hegel que concebe a forma como conteúdo regride até ao ponto de desembocar numa dialética grosseira e préestética Confunde o tratamento imitativo ou discursivo dos materiais com a alteridade constitutiva da arte Hegel viola por assim dizer a sua própria concepção dialética de estética com consequências imprevisíveis para ele favoreceu a transição trivial da arte para a ideologia dominante Inversamente o momento de irrealidade do nãoente na arte não se encontra liberto do ente Não é posto arbitrariamente não é inventado como desejariam as convenções mas estruturase a partir de proporções entre o ente também elas requeridas por ele pela sua imperfeição pela sua insuficiência pelo seu caráter contraditório e pelas suas potencialidades e mesmo em tais proporções vibram relações com a realidade A arte comportase em relação ao seu Outro como um ímã num campo de limalha de ferro Não apenas os seus elementos mas também a sua constelação o especificamente estético que se atribui comumente ao seu espírito remete para este Outro A identidade da obra de arte com a realidade existente é também a identidade da sua força de atração que reúne em torno de si os seus membra disiecta vestígios do ente a obra aparentase com o mundo mediante o princípio que a ele a contrapõe e pelo qual o espírito modelou o próprio mundo A síntese operada pela obra de arte não é apenas imposta aos seus elementos repete por seu turno onde os elementos comunicam entre si um fragmento de alteridade Também a síntese tem o seu fundamento no aspecto nãoespiritual e material das obras naquilo em que ele se exerce não apenas em si O momento estético da forma encontrase assim ligado à ausência de violência Na sua diferença com o ente a obra de arte constituise necessariamente em relação ao que ela não é enquanto obra de arte e ao que unicamente faz dela uma obra A insistência no caráter nãointencional da arte que enquanto simpatia pelas suas manifestações menores se deve observar a partir de um momento da história em Wedekind que escarnecia dos artistas de arte em Apollinaire e mesmo na srcem do cubismo trai uma autoconsciência inconsciente da arte da sua participação no que lhe é contrário semelhante autoconsciência motivou a viragem críticocultural da arte que se desembaraçou da ilusão do seu ser puramente espiritual A arte é a antítese social da sociedade e não deve imediatamente deduzirse desta A constituição da sua esfera corresponde à constituição de um meio interior aos homens enquanto espaço da sua representação ela toma previamente parte na sublimação É portanto plausível extrair a definição do que é a arte a partir de uma teoria do psiquismo O cepticismo a respeito das doutrinas dos invariantes antropológicos recomenda o emprego da teoria psicanalítica Mas ela é mais proveitosa no campo psicológico do que na estética Considera as obras de arte essencialmente como projeções do inconsciente daqueles que as produziram esquece as categorias formais da hermenêutica dos materiais transpõe de algum modo o pedantismo de médicos subtis para o objeto mais inadequado Leonardo ou Baudelaire Não obstante a acentuação do sexo deve al desmascararse o filistinismo pelo fato de nas obras referentes a estas questões de muitos modos rebentos da moda biográfica os artistas cuja obra objetiva sem censura a negatividade da existência serem rebaixados à categoria de neuróticos O livro de Laforgue resume toda a seriedade de Baudelaire ao fato de ele sofrer de um complexo maternal Nem sequer uma vez surge no horizonte pergunta de se ele como psiquicamente são poderia ter escrito Les Fleurs du Mal e com maior razão se os poemas foram mais medíocres em virtude da neurose Erigese abusivamente em critério um psiquismo normal mesmo quando a qualidade estética se revela ser de modo tão pronunciado como em Baudelaire condicionada pela ausência da mens sana Segundo o teor das monografias psicanalíticas a arte deveria acabar afirmativamente com a negatividade da experiência O momento negativo já não é para elas o processo daquele recalcamento que se inscreve na obra de arte As obras de arte são para a psicanálise sonhos diurnos ela confundeos com documentos transfereos para os que sonham enquanto que por outro lado os reduz em compensação da esfera extramental salvaguardada a elementos materiais brutos de um modo aliás curiosamente regressivo em relação à teoria freudiana do trabalho do sonho O momento de ficção nas obras de arte é como em todos os positivistas excessivamente valorizado pela sua suposta analogia com os sonhos O elemento projetivo no processo de produção dos artistas é na relação à obra apenas um momento e dificilmente o decisivo o idioma o material e sobretudo o próprio produto têm um peso específico que surpreende sempre os analistas A tese psicanalítica de que por exemplo a música seria o meio de defesa de uma paranoia ameaçadora é talvez muito válida no plano clínico mas nada diz sobre a categoria e o conteúdo de uma única composição estruturada A teoria psicanalítica da arte tem sobre a teoria idealista a vantagem de trazer à luz o que no interior da arte não é em si mesmo artístico Permite subtrair a arte ao sortilégio do Espírito absoluto No espírito da Aufklärung levantase contra o idealismo vulgar que por rancor contra o conhecimento da arte especialmente do seu entrelaçamento com o instinto a desejaria pôr de quarentena numa pretensa esfera superior Ao decifrar o caráter social que se exprime pela obra de arte e no qual se manifesta muitas vezes o do seu autor fornece as articulações de uma mediação concreta entre a estrutura das obras e a estrutura social Mas difunde igualmente um constrangimento afim ao do idealismo o de um sistema de signos absolutamente subjetivo para moções pulsionais também subjetivas Decifra fenômenos mas não alcança o fenômeno arte As obras de arte surgemlhe apenas como fatos e escapalhe a sua objetividade própria a sua coerência o seu nível formal os seus impulsos críticos e finalmente a sua ideia de verdade À pintora que sob o pacto da total sinceridade existente entre o analisando e o analista escarnecia das más gravuras vienenses com que ele desfigurava as suas paredes explicava lhe este que tudo se reduzia à agressão da sua parte As obras de arte são incomparavelmente muito menos reflexo e propriedade do artista do que o pensa um médico que apenas conhece o artista no seu divã Só os diletantes referem tudo o que se encontra na arte ao inconsciente A pureza da sua sensibilidade repete clichês decadentes No processo de produção artístico as moções inconscientes são impulso e material entre muitos outros Inseremse na obra de arte através da mediação da lei formal o sujeito literal que compõe a obra não passaria de um cavalo pintado As obras de arte não constituemthematic apperception tests do seu autor Em tal amusia é responsável também o culto que a psicanálise rende ao princípio de realidade o que não lhe obedece é sempre fuga apenas a adaptação à realidade surge como o summum bonun A realidade oferece muitos outros motivos reais para dela se fugir e mais do que o admite a indignação a respeito da fuga que é veiculada pela ideologia da harmonia até mesmo psicologicamente seria mais fácil legitimar a arte do que o reconhece a psicologia Sem dúvida a imaginação é também fuga mas não completamente o que o princípio de realidade transcende para algo de superior encontrase também sempre em baixo É maldoso pôr ali o dedo Destróise aimago do artista como aquele que é tolerado neurótico incorporado na sociedade da divisão do trabalho Nos artistas de altíssima classe como Beethoven ou Rembrandt aliavase a mais aguda consciência da realidade à alienação da realidade só por si isso já constituiria um objeto digno da psicologia da arte que não teria de decifrar a obra de arte apenas como algo de semelhante ao artista mas como alguma coisa de diferente como trabalho em algo que resiste Se a arte tem raízes psicanalíticas são as da fantasia na fantasia da onipotência Na arte porém atua também o desejo de construir um mundo melhor libertando assim a dialética total ao passo que a concepção da obra de arte como linguagem puramente subjetiva do inconsciente não consegue apreendêla A teoria kantiana é a antítese da teoria freudiana da arte enquanto teoria da realização do desejo O primeiro momento do juízo de gosto na Analítica do Belo seria a satisfação desinteressada167 O interesse é aí chamado a satisfação o que nós associamos com a representação da existência de um objeto168 Não é evidente se pela representação da existência de um objeto se entende o objeto tratado numa obra de arte como sua matéria ou a própria obra de arte o modelo nu bonito ou a harmonia suave dos sons musicais podem serkitsch mas também um momento integral de qualidade artística O acento posto na representação deriva do ponto de partida subjetivista de Kant no sentido pregnante do termo que busca implicitamente a qualidade estética em consonância com a tradição racionalista sobretudo de Moisés Mendelssohn no efeito da obra de arte sobre o se admirador Revolucionário na Crítica do Juízo é o fato de que sem abandonar o âmbito da antiga estética do efeito ela a restringe ao mesmo tempo por uma crítica imanente da mesma maneira que o subjetivismo kantiano tem o seu peso específico na sua intenção objetiva na tentativa de salvar a objetividade graças à análise dos momentos subjetivos A ausência de interesse afastase do efeito imediato que a satisfação quer conservar e prepara assim a ruptura com a sua supremacia A satisfação desprovida deste modo do que em Kant se chama o interesse tornase satisfação de algo tão indefinido que já não serve para nenhuma definição do Belo A doutrina da satisfação desinteressada é pobre perante o fenômeno estético Redulo ao belo formal sobremaneira problemático no seu isolamento ou a objetos naturais ditos sublimes A sublimação numa forma absoluta deixaria de lado nas obras de arte o espírito em nome do qual se opera essa sublimação A nota excessiva de Kant169 segundo a qual um juízo sobre um objeto de satisfação poderia sem dúvida ser desinteressado e no entanto ser interessante isto é suscitar um interesse mesmo se em nada se funda atesta sincera e involuntariamente esse fato Kant separa o sentimento estético e assim segundo a sua concepção virtualmente a própria arte da faculdade de desejar visada pela representação da existência de um objeto a satisfação numa tal representação teria sempre ao mesmo tempo uma relação com a faculdade de desejar170 Kant foi o primeiro a adquirir o conhecimento ulteriormente admitido segundo o qual o comportamento estético está isento de desejos imediatos arrancou a arte ao filistinismo voraz que continua de novo a tocála e a saboreá la No entanto motivo kantiano não é totalmente estranho à teoria psicológica da arte também para Freud as obras de arte não são imediatamente realizações de desejos mas transformam a libido primeiramente insatisfeita em realização socialmente produtiva em que o valor social da arte persiste às claras incontestado no respeito acrítico da sua validade pública Kant porém realçou muito mais energicamente que Freud a diferença entre a arte e a faculdade de desejar e portanto a diferença entre a arte e a realidade empírica mas não a idealizou sem mais a separação da esfera estética em relação à empiria constitui a arte No entanto Kant fixou transcendentalmente est constituição em si mesma algo de histórico e mediante uma lógica simplista equiparoua à essência artística sem se preocupar com o fato de que as componentes da arte subjetivamente pulsionais retornam metamorfoseadas na sua forma mais pura que as nega A teoria freudiana da sublimação penetrou muito mais imparcialmente no caráter dinâmico do artístico Naturalmente Freud não deve pagar um prêmio menor que Kant Se neste sobressai a essência espiritual da obra de arte apesar de toda a preferência pela intuição sensível a partir da distinção entre o comportamento estético e o comportamento prático e o desiderativo a adaptação freudiana da estética à doutrina da pulsão parece encerrarse nela as obras de arte mesmo sublimadas pouco diferem de representantes das emoções sensíveis que quando muito as tornam irreconhecíveis por uma espécie de trabalho do sonho O confronto dos dois pensadores heterogêneos Kant não rejeitou apenas o psicologismo filosófico mas na sua velhice também toda a psicologia é no entanto permitida graças a um elemento comum que pesa mais do que a diferença entre a construção do sujeito transcendental no primeiro e o recurso a um sujeito psicológico empírico no segundo Ambos em princípio se orientam subjetivamente entre uma avaliação negativa ou positiva da faculdade de desejar Para ambos a obra de arte encontrase apenas em relação com aquele que a contempla ou que a produz Mesmo Kant é obrigado por um mecanismo a que também a sua filosofia moral se sujeita considerar o indivíduo existente o elemento ôntico mais do que é compatível com a ideia do sujeito transcendental Não há satisfação sem seres vivos aos quais agrade o objeto o teatro de toda a Crítica do Juízo são sem que deles se trate os constituintes e é por isso que o que fora planeado como ponte entre a razão pura teórica e prática é um άλλο γένος em relação às duas Sem dúvida o tabu da arte e na medida em que é definida obedece a um tabu as definições são tabus proíbe que nos contraponhamos ao objeto de um modo animal que dele nos apossemos corporalmente Mas ao poder do tabu corresponde o do conteúdo a que ele se reporta Não há nenhuma arte que não contenha em si negado como momento aquilo de que ela se desvia Ao que é desprovido de interesse deve untarse a sombra do interesse mais feroz se pretende ser mais do que simples indiferença muitas coisas provam que a dignidade das obras de arte depende da grandeza do interesse a que são arrancadas Kant nega isso por causa de um conceito de liberdade que pune com a heteronomia o que nem sempre é próprio do sujeito A sua teoria da arte é desfigurada pela insuficiência da doutrina da razão prática A ideia de um Belo que a respeito do Eu soberano possuiria ou teria adquirido uma parcela de autonomia surge segundo o teor da sua filosofia como dissipação nos mundos inteligíveis Por conseguinte em conjunto com aquilo de que ela brotou antiteticamente a arte fica amputada de todo o conteúdo e supõese no seu lugar um elemento tão formal como a satisfação Bastante paradoxalmente a estética tornase para Kant um hedonismo castrado prazer sem prazer com igual injustiça para com a experiência artística na qual a satisfação atua casualmente e de nenhum modo é a totalidade e para com o interesse sensual as necessidades reprimidas e insatisfeitas que viram na sua negação estética e fazem que as obras sejam mais do que modelos vazios O desinteresse estético ampliou o interesse para além da sua particularidade O interesse pela totalidade estética queria objetivamente ser o interesse por uma organização adequada da totalidade Não visava a realização particular mas a possibilidade sem entraves que não existiria sem esta realização particular Correlativamente à fraqueza da teoria kantiana a teoria freudiana da arte é muito mais idealista do que parece Ao transferir simplesmente as obras de arte para a imanência psíquica despojaas da antítese ao nãoeu Este permanece intacto às picadas das obras de arte que se esgotam na realização psíquica do domínio da renúncia pulsional e no fim das contas na adaptação O psicologismo da interpretação estética não se dá mal com a concepção filistina da obra de arte enquanto pacifica harmoniosamente os contrários enquanto visão de uma vida melhor sem consideração pela mediocridade da qual brota À aceitação conformista da concepção corrente da obra de arte como bem cultural agradável levada a cabo pela psicanálise corresponde um hedonismo estético que expulsa da arte toda a negatividade para os conflitos pulsionais da sua gênese silenciando os resultados Se da sublimação e da integração conseguidas se fizer o Uno e o Todo da obra de arte esta perde a força pela qual ultrapassa o existente do qual ela se dessolidariza pelo simples fato da sua existência Mas logo que o comportamento da obra de arte mantém a negatividade da realidade e toma a seu respeito posição modificase também o conceito de desinteresse As obras de arte implicam em si mesmas uma relação entre o interesse e a sua recusa contrariamente à interpretação kantiana e freudiana Mesmo o comportamento contemplativo perante as obras de arte extirpado dos objetos da ação se experimenta como denúncia de uma práxis imediata e por conseguinte como algo também prático como resistência a envolverse Apenas as obras de arte que é possível interpretar como modos de conduta têm a suaraison dêtre A arte não é unicamente o substituto de uma práxis melhor do que a até agora dominante mas também crítica da práxis enquanto dominação da autoconservação brutal no interior do estado de coisas vigente e por amor dele Censura as mentiras da produção por ela mesma opta por um estado da práxis situado para além do anátema do trabalho Promesse de bonheur significa mais do que o fato de que até agora a práxis dissimula a felicidade a felicidade estaria acima da práxis A força da negatividade na obra de arte mede o abismo entre a práxis e a felicidade Sem dúvida Kafka não desperta faculdade de desejar Mas a angústia do real que responde aos escritores em prosa como a etamorfose ou a Colônia penal o choque da náusea da aversão que sacudindo a physis tem mais a ver enquanto defesa com o desejo do que com o antigo desinteresse que a ele e aos seus sucessores se atribuía O desinteresse seria grosseiramente inadequado para os seus escritos Reduziria a arte àquilo de que Hegel escarnecia ao carrilhão agradável ou útil da Ars poetica de Horácio Dele se libertou a estética da época idealista ao mesmo tempo que a própria arte experiência artística só é autônoma quando se desembaraça do gosto da fruição A via que aí conduz passa pelo desinteresse a emancipação da arte a respeito dos produtos da cozinha ou da pornografia é irrevogável Mas não se fixa no desinteresse O desinteresse reproduz de modo imanente modificado o interesse No mundo falso toda aηδονη é falsa Por conseguinte o desejo sobrevive na arte 164 Helmut KuhnSchriften zur Ästhetik Munique 1966 p 236 ss 165 Cf o excurso Teorias sobre a srcem da Arte na edição completa daTeoria Estética mencionada no início deste capítulo 166 Cf Theodor W Adorno Ohne Leitbild Parva Aesthetica 2 ed Francoforte 1968 p 168 ss 167 Cf KantSämtliche Werk e Bd 6 Ästhetische und religionsphilosophische Schriften hg Von F Gioss Leipzig p 54 Kritik de Urteilskraft 2 168 E Kant id p 54 169 Cf Ibid p 55 170 Cf Ibid p 54 Vilém Flusser Vilém Flusser Nossa embriaguez Nossa embriaguez Nossa embriaguez Nossa embriaguez171 171 Vilém Vilém Fl Flusser 19201991 usser 19201991 Não só obras de arte produzem outros modos de experimentação da realidade mas também as drogas há séculos têm servido para explorar outros modos de sensibilidade E como a arte a droga assumiu diferentes lugares na cultura Mas há na arte u aspecto que falta nas demais drogas A arte depois de ter mediado entre o homem e a experiência imediata inverte tal mediação e faz com que o imediato seja articulado isto é mediatizado em direção da cultura A arte torna dizível o inefável e audível o inaudito Nela o recuo da cultura vira avanço rumo à cultura Artista é inebriado que emigra da cultura para reinvadila No texto Nossa Embriaguez 1983 Vilé Flusser 19201991 discorre sobre a relação da arte com as drogas assim como a função desempenhada por ela no interior da cultura Temas Temas drogas poder crítica da cultura percepção 171 FLUSSER V Nossa Embriaguez PósHistória Vinte Instantâneos e um modo de usar São Paulo Annablume 2011 p 153 161 A primeira publicação do livro PósHistória ocorreu em 1983 pela editora Duas Cidades A edição mais recente prefaciada po Rodrigo Duarte foi realizada pela editora Annablume a qual agradecemos a autorização de uso do texto Em lugar e tempo nenhum tem sido fácil a vida humana porque tem sido em toda parte e sempre vida em cultura Pois cultura é simultaneamente desalienação e alienação mediação e encobertura emancipadora e condicionante Tal ambivalência do ambiente cultural no qual o homem se encontra cria tensões externas entre o homem e seu ambiente e internas no interior da sua consciência dificilmente suportáveis Por isso procuravam os homens em toda parte e sempre escapar a tal tensão e embriagarse Inventavammeios entorpecentes Tais meios são característicos da existência humana o homem não é apenas ente que produz instrumentos mas também ente que produz instrumentos para escapar à tensão produzida nele pelos seus instrumentos A ambivalência característica da relação homemcultura caracteriza também os entorpecentes que dela resultam Do ponto de vista da cultura são eles venenos do ponto de vista de quem os usa são salvavidas O termodroga exprime tal ambivalência significa veneno e medicina As drogas resultado que são da tensão entre o homem e sua culturaespelham a cultura específica da qual visam escapar Os opiatos do Oriente Extremo espelham a experiência religios de tais culturas visam proporcionar iluminação negativa O álcool espelha de alguma forma a nossa cultura e ohachich a islâmica e isso explicaria por que o lslã proíbe álcool e tolera hachich ao contrário do que acontece conosco Casolimite é exemplificado pela cultura mexicana Tratase aparentemente de cultura que tem o entorpecente portanto o escape de si própria por meta Cultura que procura negarse a si própria pelos cogumelos Na nossa situação atual na qual a tensão entre nós e a nossa cultura vai se tornando insuportável isso explicaria o fascínio exercido pela cultura mexicana Dada sua ambivalência a posição ontológica da droga é escorregadiça É ela meio para superar a mediação cultural e alcançar a vivência imediata A droga é mediação do imediato O inebriado alcança graças ao álcool ao hachich ao LSD a experiência imediata do concreto vedada ao sóbri pela barreira da cultura Alcança graças a tais meios a unio mystica pela qual se dissolve no concreto Mergulha graças a tais artifícios no inefável Devido a tal viscosidade ontológica d droga o espetáculo do inebriado é nauseabundo aos olhos do sóbrio e seu êxtase provoca no sóbrio repulsa Porque o sóbrio reconhece no inebriado a contorção de mediação que visa superar todas as mediações e destarte reconhece no inebriado as contorções de toda existência humana inclusive a sua O espetáculo do inebriado é nauseabundo porque todos nos reconhecemos nele Por certo toda consideração da embriaguez evoca a questão da loucura e da arte A primeira será aqui recalcada e vibrará sotto voce Quanto à segunda será considerada um pouco mais tarde O que urge considerar antes de mais nada é posição central que o problema da droga vai ocupando na cena da atualidade Posição essa jamais ocupada anteriormente Aparentemente o uso da droga é sintoma da modificação profunda pela qual estamos passando É sintoma em dois sentidos enquanto problema e enquanto discussão em torno do problema Enquanto discussão eis como a droga se apresenta Todos formaram opinião a respeito embora poucos disponham de informação suficiente para tanto Os bem pensantes condenam o uso da droga por ser ele nocivo a saúde entendase integração na ordem estabelecida Os progressistas desprezam tal atitude reacionária e admitem que a droga pode proporcionar vivências novas e incentivar a fantasia Os bem informados os que leram publicações de divulgação paracientífica a respeito discutem a diferença entre drogas duras e moles Os homens políticos procuram tirar proveito da discussão para as suas finalidades Os especialistas condescendem a iluminar a massa ignara Os institutos de publimetria publicam estatísticas periódicas sobre o consumo da droga e sobre as oscilações da opinião pública a respeito Os media personalizam o problema de maneira sensacionalista E com total desprezo a tudo isso as drogas vão sendo produzidas distribuídas e consumidas conforme programa implícito na nossa cultura A discussão fornece pois exemplo da atual superação da política o programa torna redundante a conscientização do problema como o faz em outros campos haja vista o problema da energia atômica ou o ecológico Enquanto problema em si a questão é esta até que ponto está a embriaguez no programa atual dos aparelhos e como está ela programada O que é o método mais funcional que os aparelhos nos programem em estado sóbrio ou em estado embriagado Os aparelhos dispõem desde já de drogas que superam de longe em eficiência as atualmente em uso e as discutidas Com efeito embora tais drogas supereficientes sejam conhecidas de muitos não são publicamente discutidas Tratase por exemplo de produtos químicos a serem injetados no sistema da distribuição da água e que garantem comportamento específico da sociedade Ou de métodos técnicos que permitem aosmediai de programarem os receptores subliminarmente Ou de pílulas que acentuam ou atenuam as tendências dos superdotados dos criminosos dos rebeldes ou dos esportistas Perspectivas inimagináveis para a programação da sociedade estão desde já abertas A vantagem de tal programação em estado embriagado é o funcionamento sem atritos A vantagem de programação em estado sóbrio por manipulações ideológicas ou outras é o funcionamento menos mecânico e mais maleável Na fase atual os aparelhos passam por estágio de aprendizado graças ao qual aprendem automaticamente qual dos dois métodos de programação é preferível em determinados casos A aprendizagem se dá pelo feedback que nosso comportamento fornece aos aparelhos O problema da droga vai sendo incorporado ao programa automaticamente Em todo caso os aparelhos funcionam em sentido da despolitização da sociedade Despolitiza objetivamente ao conscientizarem a sociedade da futilidade de toda ação política e despolitizam subjetivameme ao entorpecerem a faculdade crítica da sociedade Tais funções da despolitização agem como tenazes alicates que esmagam a dimensão política da existência humana O problema da droga se situa do lado subjetivo da função dos aparelhos Tratase de mais um método para entorpecer a consciência política Os aparelhos despolitizam ao ocuparem o espaço público todo Privatizam a república ao deformarem toda ação em funcionamento As drogas no entanto despolitizam de forma diferente As pessoas drogadas se recusam a participar do espaço público e retiramse para o espaço privado Tomar droga é gesto que afasta de si a república que a rejeita Não gesto apolítico como o é o do funcionamento é gestoantipolítico O drogado não apenas não participa das eleições vota contra O gesto do drogado não é gesto de jogador que não mais brinca é gesto de jogador que perfura o jogo Por isso a droga é problema para os a parelhos Os drogados emigram da praça pública não para funcionarem nos aparelhos mas para se retirarem O problema é como recuperálos pelos aparelhos Há mais grave ainda O gesto do drogado embora negador da república é publicamente observável gesto de protesto Nisso se assemelha ao gesto suicida aponta publicamente o além não apenas o além da república mas igualmente o além dos aparelhos É escândalo público demonstra a possibilidade de os aparelhos serem transcendidos Urge portanto do ponto de vista aparelhístico que a droga seja programada e transformada em função dos aparelhos Como se trata de problema técnico os aparelhos são aptos a resolvêlo O problema se torna mais complexo no entanto quando se trata da droga específica chamada arte Não há dúvida de que se trata de droga De meio para proporcionar experiência imediata D instrumento para escapar à ambivalência insuportável da mediação cultural e de emigrar para um reino melhor conforme diz Schubert no Lied An die Musik que canta a arte A viscosidad ontológica que caracteriza toda droga caracteriza a arte Isso se torna patente se considerarmos os termos artificialartístico e artimanhaobra de arte Mas há na arte aspecto que falta nas demais drogas A arte depois de ter mediado entre o homem e a experiência imediata inverte tal mediação e faz com que o imediato seja articulado isto é mediatizado em direção da cultura A arte torna dizível o inefável e audível o inaudito Nela o recuo da cultura vira avanço rumo à cultura Artista é inebriado que emigra da cultura para reinvadiIa Recuperar tal gesto não é tarefa fácil para o aparelhos Porque tal gesto é indispensável aos aparelhos Tratase nele de movimento que se dirige para o além do espaço público rumo ao privado e que agarra um pedaço do espaço privado uma experiência imediata para lançálo sobre o espaço público em forma codificada Tal gesto é interpretável de várias maneiras Como gesto que apanha ruído e o transforma em informação interpretação aparelhística esta Ou como gesto que transforma experiência em modelo Ou como gesto de sonhador que transforma fantasma e símbolo Mas não importa como queiramos interpretar o gesto tratase sempre de gesto graças ao qual a cultura entra em contato com a experiência imediata A arte é o órgão sensorial da cultura por intermédio do qual ela sorve o concreto imediato A viscosidade ambivalente da arte está na raiz da viscosidade ambivalente da cultura toda Pois tal análise ontológica apressada da arte não justifica por certo deificação nenhuma do artista Não se trata de criação e x nihilo A arte não é gesto que mergulha no nada para de lá voltar carregado de algo Mergulha no privado e publica o privado E o próprio privado é u algo a saber o público recalcado Não obstante a arte é espécie de magia Ao publicar o privado ao tornar consciente o inconsciente é ela mediação do imediato feito de magia Pois tal viscosidade ontológica não é vivenciada pelo observador do gesto como espetáculo repugnante como o é nas demais drogas mas como beleza E a cultura não pode dispensar de tal magia porque sem tal fonte de informação nova embora ontologicamente suspeita a cultura cairia em entropia Os aparelhos não podem na situação atual simplesmente recuperar o gesto da arte e transformá lo em funcionamento Se entorpecerem tal gesto cairiam em redundância por falta de informação nova Se recuperas sem a arte os aparelhos se condenariam a si próprios funcionariam em ponto morto E os aparelhos estão atualmente aprendendo tal fato e o fazem automaticamente Na medid em que de fato recuperam o gesto artístico estão elescaindo em entropia Acrescese que o gesto artístico não se limita ao terreno rotulado como arte pelos aparelhos Pelo contrário tal gesto mágico ocorre em todos os terrenos na ciência na técnica na economia na filosofia Em todos tais terrenos há os inebriados pela arte isto é os que publicam experiência privada e criam informação nova Não bastaria do ponto de vista aparelhístico simplesmente recuperar a arte assim rotulada se quisessem reprogramar tal gesto Deveriam fazêlo em todos os terrenos do funcionamento O que implicaria em esvaziamento de todo funcionamento Por outro lado o aparelhos não podem tolerar que o gesto mágico continue se processando como se processa O gesto problematiza os aparelhos A razão disso é que o gesto repolitiza Embora sua primeira fase seja antipolítica a sua segunda é eminentemente política Com efeito a rigor tratase do único gesto político eficiente Publicar o privado é o único engajamento na república que efetivamente implica transformação da república porque é o único que a informa Na medida em que pois os aparelhos permitem tal gesto põem eles em perigo sua função despolitizadora Não se vê atualmente como os aparelhos vão resolver o problema Se optarão pela sua própri redundância ou pela possibilidade sempre presente de serem eles próprios recuperados pela abertura do homem rumo ao imediatamente concreto E nessa indecisão da situação atual reside a tênue esperança de podermos em futuro imprevisível e por catástrofe imprevisível retomar em mãos os aparelhos Gilles Deleuze Gilles Deleuze O q O que é o ato d ue é o ato de cr e criação iação O que é o ato de criação O que é o ato de criação 172 172 Gilles Deleuze 19251995 Gilles Deleuze 19251995 Tradução oão Gabriel Alves Domingos A ciência e a filosofia não são menos criativas do que a arte porém certamente as suas criações não são análogas Além disso elas podem se comunicar entre si apenas a partir do seu próprio ato criativo Ou seja não cabe à filosofia tirar o seu objeto do exterior e ao modo de um julgamento pensar sobre a arte afinal se artistas já pensam por si por que precisariam de um filósofo A filosofia só teria algo a dizer à arte mediante seus próprios conceitos produzidos de forma autônoma Tratase não somente de problematizar a relação vertical entre os diferentes domínios do pensamento assim como entre quaisquer procedimentos criativos Como conceitos filosóficos encontra blocos de sensação E como o cinema encontra a literatura Como é possível o encontro entre Kurosawa e Dostoiévski Até então inédito em português em sua versão integral o presente texto é uma transcrição da apresentação oral feita por Gilles Deleuze 19251995 em 1987 poucos anos antes da publicação de seu livro O que é a Filosofia escrito em colaboração com Félix Guattari A preocupação no livro e na conferência era marcar a especificidade de cada domínio do pensamento filosofia ciência e arte e as suas possibilidades de encontro Temas Temas transdisciplinaridade política cinema 172 Domingos DELEUZE G Questce que lacte de création Deux Régimes de Fous Textes et Entretiens 19751995 Org David Lapoujade Paris Éditions de Minuit 2003 p 291302 Questce que lacte de création in Deux régimes de fou 2003 Les Editions de Minuit O que é o ato de cr O que é o ato de criação iação 173 173 Gostaria também de colocar questões Colocálas a vocês e colocálas a mim Seria do gênero o que vocês fazem exatamente vocês que fazem cinema E eu o que faço exatamente quando faço ou espero fazer filosofia Poderia colocar a questão de outro modo o que é ter uma ideia em cinema Se fazemos o queremos fazer cinema o que significa ter uma ideia O que ocorre quando dizemos Pronto E tenho uma ideia Porque por um lado todo mundo sabe bem que ter uma ideia é um acontecimento que ocorre raramente é uma espécie de festa pouco comum E por outro lado ter uma ideia não é uma coisa geral Não se tem uma ideia em geral Uma ideia assim como quem tem a ideia já é voltada para um domínio específico Ou uma ideia em pintura ou uma ideia em romance ou uma ideia em filosofia ou uma ideia em ciência E evidentemente não é o mesmo que pode ter tudo isso É necessário tratar as ideias como potenciais já engajados em um modo de expressão peculiar e inseparável desse modo de expressão ainda que não possa dizer eu tenho uma ideia em geral E função das técnicas que conheço posso ter uma ideia em tal domínio uma ideia em cinema ou talvez em outro uma ideia em filosofia Portanto eu parto do princípio segundo o qual faço filosofia e vocês fazem cinema Dito isso seria muito fácil dizer que a filosofia estando pronta para refletir sobre qualquer coisa por que não refletiria sobre o cinema É estúpido A filosofia não é feita para refletir sobre qualquer coisa Tratando a filosofia como uma potência de refletir sobre temse o ar de lhe dar muito quando na verdade tiralhe tudo Pois ninguém tem necessidade da filosofia para refletir As únicas pessoas capazes de refletir efetivamente sobre o cinema são os cineastas os críticos de cinema ou aqueles que amam cinema Eles não têm absolutamente necessidade da filosofia para refletir sobre o cinema A ideia segundo a qual os matemáticos teriam necessidade da filosofia para refletir sobre as matemáticas é uma ideia cômica Se a filosofia deveria servir para refletir sobre algo ela não teria nenhuma razão de existir Se a filosofia existe é porque ela tem seu próprio conteúdo É muito simples a filosofia é uma disciplina criativa tão inventiva quanto qualquer outra disciplina e consiste em criar ou em inventar conceitos E os conceitos não existem em uma espécie de céu onde eles aguardariam que um filósofo os apreendesse Os conceitos é necessário fabricá los É claro isso não se fabrica assim Não se diz um dia Pronto eu vou inventar tal conceito d mesmo modo como um pintor não diz um dia Certo vou fazer um quadro assim ou um cineasta Eu vou fazer um filme de tal modo É necessário que haja uma necessidade tanto em filosofi quanto em outros domínios do contrário não há absolutamente nada Resta que essa necessidade que quando existe é uma coisa muito complexa faz com que um filósofo aqui eu sei ao menos do que ele se ocupa se comprometa a inventar a criar conceitos e não se ocupar em refletir mesmo se for sobre o cinema Digo que faço filosofia ou seja tento inventar conceitos Se digo vocês que fazem cinema o que vocês fazem Vocês o que vocês inventam não são conceitos não é o seu negócio mas blocos de movimentoduração Se alguém fabrica um bloco de movimentoduração talvez faça cinema Não se trata de invocar uma história ou de a recusar Tudo tem uma história A filosofia também conta histórias Ela conta histórias com conceitos O cinema conta histórias com blocos de movimento duração A pintura inventa um outro tipo de blocos Não são nem blocos de conceitos nem blocos de movimentoduração mas blocos de linhascores A música inventa outro tipo particular de blocos Ao lado de todas elas a ciência não é menos criativa Não vejo uma oposição entre as ciências e a artes Se pergunto a um cientista o que ele faz ele também inventa Ele não descobre a descobert existe mas não é o que define a atividade científica enquanto tal ao contrário ele cria tanto quanto um artista Um cientista não é complicado é alguém que inventa ou que cria funções E não há outro como ele Um cientista enquanto tal não tem nada a fazer com conceitos Por isso mesmo felizmente é que há a filosofia Em contrapartida há algo que só um cientista sabe fazer inventar e criar funções O que é uma função Há função desde que se estabeleça uma lei de correspondência entre dois conjuntos pelo menos A noção de base da ciência e não desde ontem mas desde muitíssimo tempo é a de conjuntos Um conjunto não tem nada a ver com um conceito Desde que você coloquem conjuntos sob correlação ordenada vocês obtêm funções e podem dizer eu faço ciência Se qualquer um pode falar a qualquer um se um cineasta pode falar para um homem de ciência se um homem de ciência pode ter algo a dizer para um filósofo e viceversa é em função da atividade criativa própria a cada um Não que seja possível falar da criação pois ela é muito mais algo extremamente solitário mas é em nome de minha criação que tenho algo a dizer para alguém Se alinho todas as disciplinas que se definem por sua atividade criativa diria que há um limite que lhes é comum O limite que é comum a todas essas séries de invenções invenções de funções invenções de blocos duraçãomovimento invenções de conceitos etc é o espaçotempo Se todas as disciplinas comunicam em conjunto é no nível de algo que não decorre jamais por si mesma mas é inerente em toda disciplina criativa a saber a constituição de espaçostempo Em Bresson sabese muito bem há raramente espaços inteiros São espaços diríamos desconectados Por exemplo há um canto o canto de um quarto Depois veremos outro canto ou u local da parede Tudo se passa como se o espaço bressoniano se apresentasse como uma série de pequenos pedaços cuja conexão não é predeterminada Há grandes cineastas que ao contrário empregam espaços de conjunto Não digo que seja mais fácil manejar um espaço de conjunto Ma Bresson foi um dos primeiros a fazer o espaço com pequenos pedaços desconectados ou seja pequenos pedaços cuja conexão não é predeterminada E eu diria no limite de todas as tentativas de criação há espaçostempo Há isso apenas Os blocos de duraçãomovimentos de Bresson vã tender ao tipo de espaço entre outros Então a questão é esses pequenos pedaços de espaços visuais cuja conexão não é dada de antemão pelo que são conectados Pela mão Não é teoria nem filosofia Não se deduz assim O seja o tipo de espaços de Bresson é a valorização cinematográfica da mão na imagem O acordo de pequenos pedaços de espaço bressoniano pelo fato mesmo de serem pedaços fragmentos desconectados de espaço pode ser apenas um acordo manual Por isso a exaustão da mão em todo o cinema de Bresson Por isso o bloco de extensãomovimento de Bresson recebe portanto com caráter próprio a esse criador a esse espaço o papel da mão que sai diretamente de lá Não há mais que a mão que possa efetivamente operar conexões de uma parte à outra do espaço E Bresson é se dúvida o maior cineasta a ter reintroduzido no cinema os valores táteis Não apenas porque ele sabia tomar em imagem admiravelmente as mãos Se ele sabia tomar admiravelmente as mãos na imagem é porque tinha necessidade delas Um criador não é um ser que trabalha por prazer Um criador faz apenas o que ele tem absoluta necessidade de fazer Novamente ter uma ideia em cinema não é a mesma coisa que ter uma ideia alhures Entretanto há ideias em cinema que poderiam valer também em outras disciplinas que poderiam ser excelentes ideias em romance Mas elas não teriam inteiramente o mesmo aspecto E depois há ideias e cinema que só podem ser cinematográficas Isso não impede ainda quando se trata de ideias em cinema que poderiam valer no romance que elas já estejam engajadas em um processo cinematográfico que faz com que elas estejam de antemão direcionadas É uma maneira de colocar uma questão que me interessa o que faz um cineasta desejar verdadeiramente adaptar por exemplo um romance Pareceme evidente que é porque ele tem ideias em cinema que ressoam com o que o romance apresenta como ideias em romance E aí se fazem frequentemente grandes encontros Eu não coloco o problema do cineasta que adapta um romance notoriamente medíocre Ele pode ter necessidade do romance medíocre e isso não impede que o filme seja genial seria um problema interessante de tratar Porém coloco uma questão um pouco diferente o que se passa quando o romance é um grande romance e que se revela essa afinidade pela qual alguém temem cinema uma ideia que corresponde ao que era ideia em romance Um dos mais belos casos é o caso Kurosawa Por que Kurosawa se encontra em familiaridad com Shakespeare e com Dostoiéviski Por que é necessário um japonês para estar em familiaridad com um Shakespeare ou Dostoiéviski Proponho uma resposta que diz respeito também um pouco filosofia eu creio De onde os personagens de Dostoiévski isso pode ser um pequeno detalhe Co os personagens de Dostoiévski se passa frequentemente uma coisa bastante curiosa que pode estar contida em um pequeno detalhe Geralmente eles são muito agitados Um personagem sai desce a ru e diz Tânia a mulher que amo pediume ajuda Eu vou Tânia vai morrer se eu não for até lá El desce sua escada e encontra um amigo ou ele vê um cachorro esmagado quase morrendo então ele esquece esquece completamente que Tânia o espera Ele se põe a falar cruza outro camarada vai tomar um chá com ele e de súbito ele diz de novo Tânia me espera preciso ir O que isso que dizer Em Dostoiévski os personagens são perpetuamente pegos em urgência Mas ao mesmo temp que são pegos nessas urgências que são questões de vida e de morte eles sabem que há uma questão ainda mais urgente e eles não sabem qual Isso os paralisa Tudo se passa como na pior urgência há o fogo é necessário que eu vá eles se dizem não há algo mais urgente Não me moverei enquanto não souber o quê É o Idiota É a fórmula do Idiota Vocês sabem há um problema mai profundo Qual problema eu não vejo bem Mas me deixe Tudo pode queimar É necessário encontrar o problema mais profundo Não é por Dostoiévski que Kurosawa o aprende Todos o personagens de Kurosawa são assim Um encontro um belo encontro Se Kurosawa pode adapta Dostoiévski é ao menos porque ele pode dizer eu tenho algo em comum com ele um problema e comum aquele problema Os personagens de Kurosawa são pegos em situações impossíveis mas atenção há algo mais urgente É preciso que eles saibam qual é o problema Viver é talvez um dos filmes de Kurosawa que vai mais longe nesse sentido Mas todos os seus filmes vão nessa direção Os sete samurais por exemplo todo o espaço de Kurosawa depende dele forçosamente um espaço oval coberto pela chuva Em Os sete samurais os personagens são pegos em uma situação de urgência eles aceitaram defender a vila e de um extremo ao outro do filme eles trabalham uma questão mais profunda que será dita no fim pelo chefe dos samurais quando eles se vão O que um samurai O que é um samurai não em geral mas o que é um samurai naquela época Alguém que á não é bom para nada Os senhores não tem mais necessidade deles e os camponeses vão em breve defenderse sozinhos Durante todo o filme a despeito da urgência da situação os samurais são assombrados por esta questão digna de O Idiota nós os samurais o que nós somos Uma ideia em cinema é desse tipo uma vez que ela já está engajada em um processo cinematográfico Portanto vocês me dirão Eu tenho uma ideia mesmo se vocês a tomassem de Dostoiévski Uma ideia é muito simples Não é um conceito não é da filosofia Ainda que de toda ideia podese talvez tirar um conceito Penso em Minnelli que tem uma ideia extraordinária sobre o sonho Ela é muito simples podese dizer e ela está engajada em todo um processo cinematográfico que é a obra de Minnelli A grande ideia de Minnelli sobre o sonho é que ele diz respeito sobretudo àqueles que não sonham O sonho daqueles que sonham concerne àqueles que não sonham Por que isso o concerne Porque desde que há sonho do outro há perigo O sonho é uma terrível vontade de potência Cada um de nós é mais ou menos vítima do sonho dos outros Mesmo quando é a mai graciosa jovem é uma terrível devoradora não pela sua alma mas pelos seus sonhos Desconfie do sonho do outro porque se vocês são pegos no sonho do outro vocês estão perdidos Uma ideia cinematográfica é a famosa dissociação verfalar em um cinema relativamente recente seja tomo os casos mais comuns Syberberg os Straub ou Marguerite Duras O que há de comu e como a dissociação entre ver e falar é uma ideia propriamente cinematográfica Por que isso não pode se fazer no teatro Isso pode se fazer mas aplicado aí salvo exceção a menos que o teatro tenha os meios de o fazer poderá dizer que o teatro tomou a ideia do cinema O que não é necessariamente ruim mas é uma ideia de tal modo cinematográfica assumir a disjunção do ver e do falar do visual e sonoro que isso responderia à questão de saber o que é por exemplo uma ideia em cinema Uma voz fala de algo Falamnos de algo Ao mesmo tempo fazemnos ver outra coisa E enfim isso sobre o que nos falam se passa sob o que nos fazem ver É muito importante isso esse terceiro ponto Vocês percebem bem como é nesse instante que o teatro não poderia sobreviver O teatro poderia assumir as duas primeiras proposições falamnos de algo e fazemnos ver outra coisa Mas do que nos falam simultaneamente se coloca sob o que nos fazem ver e é necessário ao menos as duas primeiras operações do contrário elas não teriam nenhum sentido nem o menor interesse poderseia dizer de um outro modo a palavra elevase no ar a palavra elevase no ar ao mesmo tempo a terra que a gente vê se afunda mais e mais Ou ainda enquanto a palavra se eleva no ar isso sobre o que ela nos fala afunda na terra O que é isso Não é apenas o cinema que pode fazêlo Não digo que ele deva fazer mas que ele o fez duas ou três vezes posso dizer simplesmente que são grandes cineastas que tiveram essa ideia Eis uma ideia cinematográfica É prodigiosa porque garante no cinema uma verdadeir transformação de elementos um ciclo dos grandes elementos que faz com que de um só golpe o cinema ecoe uma física qualitativa dos elementos Produzse uma espécie de transformação uma grande circulação dos elementos no cinema a partir do ar da terra da água e do fogo Em tudo o que digo ademais não se suprime uma história A história está sempre lá mas o que nos interessa é por que a história é de tal modo interessante senão porque há tudo isso atrás e junto Nesse ciclo que acabo de definir tão rapidamente a voz que se eleva ao mesmo tempo que aquilo sobre o que a voz fala se afunda na terra vocês reconheceram a maior parte dos filmes de Straub o grande ciclo dos elementos nos Straub O que a gente vê é unicamente a terra deserta mas essa terra deserta é como uma cobertura sobre o que há embaixo E vocês me dirão mas o que há embaixo dela o que nós sabemos justamente aquilo sobre o que a voz nos fala Como se a terra se molhasse do que voz nos diz e que acaba de surgir sob a terra em sua hora e em seu lugar E se a terra e se a voz nos fala de cadáveres de toda a linhagem de cadáveres que acaba de surgir sob a terra nesse momento a menor passagem do vento sobre a terra deserta sobre o espaço vazio que vocês têm na frente dos olhos o menor buraco nessa terra pode assumir um sentido Em todo caso ter uma ideia não é da ordem da comunicação Nesse ponto é que gostaria de chegar Tudo sobre o que temos falado é irredutível à qualquer comunicação Não é complexo O que isso quer dizer Em um primeiro sentido poderseia dizer que a comunicação é a transmissão e a propagação de um informação Ora uma informação o que é Não é complicado todo mundo sabe uma informação é um conjunto de palavras de ordem Quando alguém lhes informa alguém lhes diz o que vocês supostamente devem crer Em outros termos informar é fazer circular uma palavra de ordem As declarações da polícia são ditas com justo título comunicados Alguém nos comunica uma informação ou seja alguém nos diz o que nós supostamente estamos em estado ou dever de crer o que nós temos de crer Ou mesmo não crer mas fazer como se acreditássemos Ninguém nos obriga a crer mas sim a nos comportar como se acreditássemos É isso a informação a comunicação e sem essas palavras de ordem e sua transmissão não há comunicação O que importa a informação é exatamente o sistema de controle É evidente e nos diz respeito atualmente em particular É verdade que entramos em uma sociedade que se pode chamar uma sociedade de controle U pensador como Michel Foucault analisava dois tipos de sociedades bastante próximas de nós As que ele chamava de sociedades de soberania e outras que chamava de sociedades disciplinares Foucaul identificava a passagem típica de uma sociedade de soberania para uma sociedade disciplinar com Napoleão A sociedade disciplinar se definia as suas análises são justamente célebres pela constituição de meios de enclausuramento prisões escolas ateliês hospitais As sociedades disciplinares tinham necessidade disso Mas isso engendrou um pouco ambiguidades com certos leitores de Foucault porque se acreditou que era o último pensamento de Foucault Evidentement não Foucault jamais acreditou e ele disse muito claramente que essas sociedades disciplinares fossem eternas Bem mais ele pensava evidentemente que entraríamos em um tipo de sociedade nova Claro há todos os tipos de restos das sociedades disciplinares e haverá por vários anos mas sabemos já que estamos em sociedades de outro tipo que precisaríamos chamar segundo a palavra proposta por Burroughs e Foucault teve uma vivíssima admiração por ele de controle Entramos nas sociedades de controle que se definem muito diferentemente das sociedade disciplinares Aqueles que trabalham para o nosso bem não têm necessidade ou não terão mais necessidade de um meio de enclausuramento Atualmente as prisões as escolas os hospitais já são lugares em discussões permanentes Não é melhor cuidar nos domicílios Sim é sem dúvida o futuro Os ateliês as usinas estão se arruinando por todos os lados Não é melhor os regimes de contrato e mesmo de trabalho em domicílio Não há outros meios de punir as pessoas além da prisão As sociedades de controle não passaram pelos meios de enclausuramento Mesmo a escola Mesmo a escola é necessário bem vigiar os temas que nascem que se desenvolverão nos próximos quarenta ou cinquenta anos e que nos mostram que o incrível seria fazer simultaneamente escola e profissão Interessante saber qual será a identidade da escola e da profissão na formação permanente que é nosso futuro não implicará necessariamente o agrupamento dos estudantes em um meio de enclausuramento Um controle não é uma disciplina Com uma rodovia vocês não enclausuram a pessoas mas fazendo rodovias vocês multiplicam os meios de controle Eu não digo que isso seja a finalidade única da rodovia mas as pessoas podem girar ao infinito e livremente sem ser enclausuradas de nenhum modo tudo perfeitamente controlado É esse o nosso futuro Coloquemos assim a informação é o sistema de controle das palavras de ordem palavras de ordem que circulam em uma sociedade dada O que a obra de arte pode ter a ver com isso Não falamos da obra de arte falamos ao menos que há a contrainformação Há países nos quais e condições particularmente duras e cruéis há contrainformação No tempo de Hitler os judeus que chegavam da Alemanha eram os primeiros a nos contar que havia campos de exterminação fazendo contrainformação O que é necessário constatar é que jamais a contrainformação bastava para fazer o que quer que fosse Nenhuma contrainformação jamais incomodou Hitler Salvo em um caso Qual o caso Aí está o importante A única resposta seria a contrainformação se torna efetivamente eficaz quando ela é e ela é assim por natureza ou tornase um ato de resistência E o ato de resistência não é informação nem contrainformação A contrainformação só é efetiva quando ela se torna um ato de resistência Qual é a relação da obra de arte com a comunicação Nenhuma Nenhuma a obra de arte não um instrumento de comunicação A obra de arte não tem nada a ver com a comunicação A obra de arte não contém estritamente a menor informação Em contrapartida há uma afinidade fundamental entre a obra de arte e o ato de resistência Visto desse modo sim ela tem algo a fazer com a informação e a comunicação à título de resistência Qual é a relação misteriosa entre uma obra de arte e um ato de resistência já que os homens que resistem não têm tempo e por vezes nem mesmo a cultura necessária para ter qualquer relação com a arte Não sei Malraux desenvolve um conceito filosófico diz uma coisa muito simples sobre a arte ela é a única coisa que resiste à morte Voltemos ao começo o que se faz quando se faz filosofia Inventase conceitos Acho que é a base de um belo conceito filosófico Reflita O que resiste à morte Basta ver uma estátua de três mi anos antes de nossa era para achar que a resposta de Malraux é uma boa resposta Então sob nosso ponto de vista poderseia dizer a arte é o que resiste ainda que não seja a única coisa que resiste Por isso a relação tão estreita entre o ato de resistência e a obra de arte Nem todo ato de resistênci é uma obra de arte ainda que de certo modo ele seja Nem toda obra de arte é um ato de resistência e entretanto de certo modo ela é Peguem o caso por exemplo dos Straub quando eles operam essa disjunção voz sonora e imagem visual Eles a elaboram da seguinte maneira a voz se eleva ela se eleva se eleva e isso sobre o qual ela nos fala passa sob a terra nua deserta como se a imagem visual estivesse prestes a se mostrar imagem visual que não tinha nenhuma relação direta com a imagem sonora Ora qual ato de fala que se eleva no ar enquanto o seu objeto passa sob a terra Resistência Ato de resistência E em toda a obra de Straub o ato de fala é um ato de resistência De Moïse ao último Kafka passando pelo não cito na ordem Não reconciliados ou Bach O ato de fala de Bach é sua música que é o ato de resistência luta ativa contra a repartição do profano e do sagrado E esse ato de resistência na música culmina em um grito Tal qual há um grito emWozzeck há um grito em Bach Fora Fora Vá embora eu não quero vêlo Quando os Straub desenvolvem o grito o grito d Bach ou quando eles desenvolvem o grito da velha esquizofrênica de Não reconciliados tudo isso deve levar em conta um duplo aspecto O ato de resistência tem duas faces É humano e é também o ato da arte Apenas o ato de resistência resiste à morte seja sob a forma de uma obra de arte seja sob a forma de uma luta dos homens Qual relação há entre a luta dos homens e a obra de arte A relação mais estreita e para mim a mais misteriosa Exatamente o que Paul Klee queria dizer quando ele dizia Vocês sabem o povo que falta O povo que falta e simultaneamente que não falta O povo que falta isso quer dizer que essa afinidade fundamental entre a obra de arte e um povo que não existe ainda não é e não será amais clara Não há obra de arte que não faça apelo a um povo que não existe ainda 173 O presente texto é a retranscrição da conferência filmada pronunciada na FEMIS em 17 de março de 1987 sob o convite de Jea Narboni e exibida em FR3Océaniques em 18 de maio de 1989 Charles Tesson em acordo com Deleuze efetuou a transcrição parcia do texto publicado sob o título Ter uma ideia em cinema na ocasião de homenagem ao cinema de JeanMarie Straub e Danièle Huille JeanMarie Straub Danièle Huillet Aigremont Éditions Antigone 1989 p 6377 A versão integral da conferência foi publicada pel primeira vez em Trafic n27 outono de 1998 Copyright da organização 2012 Rodrigo Duarte e João Gabriel Alves Domingos Copyright 2012 Autêntica Editora coordenador da coleção filô Gilson Iannini conselho editorial Gilson Iannini UFOP Barbara Cassin Paris Cláudio Oliveira UFF Danilo Marcondes PU Rio Ernani Chaves UFPA Guilherme Castelo Branco UFRJ João Carlos Sall es UFBA Monique DavidMénard Paris Olímpio Pimenta UFOP Pedro Süssekind UFF Rogério Lop UFMG Rodrigo Duarte UFMG Romero Alves Freitas UFOP Slavoj Žižek Liubliana Vladimir Safatle USP coordenação editorial e textos de apresentação João Gabriel Alves Domingos projeto gráfico de capa e miolo Diogo Droschi editoração eletrônica Conrado Esteves Tamara Lacerda revisão Dila Bragança de Mendonça editora responsável Rejane Dias Revisado conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 em vigor no Brasil desd aneiro de 2009 Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora e pela Crisálida Nenhuma parte dest publicação poderá ser reproduzida seja por meios mecânicos eletrônicos seja via cópia xerográfica sem a autorização prévia das Editoras Autêntica editora ltda Belo Horizonte Rua Aimorés 981 8º andar Funcionários 30140071 Belo Horizonte MG Tel 55 31 3214 5700 São Paulo Av Paulista 2073 Conjunto Nacional Horsa I 11º andar Conj 1101 Cerqueira César 01311940 São Paulo SP Tel 55 11 3034 4468 Televendas 0800 283 13 22 wwautenticaeditoracombr Crisálida Rua da Bahia 1148 Sobreloja 63 30160906 Belo Horizonte MG wwcrisalidacombr Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil O belo autônomo textos clássicos de estética organizador Rodrigo Duarte 2 ed rev e ampl Belo Horizonte Autêntica Editora Crisálida 2012 Coleção filôEstética 3 Vários autores ISBN 9788582170441 Autêntica Editora ISBN 9788587961884 Crisálida Livraria e Editora 1 Estética 2 Filosofia I Duarte Rodrigo II Série 1211528 CDD11185 Índices para catálogo sistemático 1 Estética Filosofia 11185
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Rodrigo Duarte org O BELO AUTÔNOMO Textos clássicos de estética 2ª edição revista e ampliada O Belo Autônomo O Belo Autônomo Textos clássicos de estética 2ª edição revista e ampliada 1ª edição publicada pela Editora UFMG Organizador Rodrigo Duarte FILO FILOestética Prefáci Prefácio à 1ª o à 1ª ediçã edição 19 o 1998 98 Rodrigo Du Rodrigo Duarte arte Esta seleção de textos pretende suprir uma falta facilmente detectável quando se trata de buscar material didático para cursos introdutórios de Estética e Filosofia da Arte seja de graduação seja de pósgraduação Já existem em Português bons manuais srcinais e traduções que por um lado facultam sobre o assunto uma boa visão panorâmica por outro não permitem o aprofundamento que só um contato direto com as fontes do pensamento estético ocidental pode oferecer E o visível crescimento do interesse por Estética no Brasil nos últimos anos já determinou por si só a ampliação e o aprofundamento do patamar de apropriação hermenêuticofilosófica da arte e esse processo não dá sinais de estar prestes a estancar A seleção dos textos obedeceu ao critério de importância e centralidade para a sucessão temporal e um possível encadeamento das ideias estéticas sem descurar sua relação com a forma específica de encarar o fenômeno artístico vivenciada por cada período histórico Isso acabou por determinar uma certa carência de textos da Antiguidade e da Idade Média períodos em que aind não havia uma clara distinção entre o que entendemos por bela arte e o simples ofício ou artesanato e uma profusão de textos da Idade Moderna para cá De fato a partir desse período grande filósofos se interessam por e escrevem diligentemente sobre aquilo que poderíamos chamar ascensão e queda da bela arte Ascensão porque começa a ocorrer aí o que hoje chamamos de autonomia da arte seu deslindamento da tutela de instâncias extraestéticas por exemplo clero e nobreza processo que determinou a percepção de uma especificidade e independência no fenômeno estético nunca antes experienciada queda porque tal processo veio se dirigindo a uma situação como a presente em que a contrapartida de uma liberdade de criação quase ilimitada por parte do artista é a incerteza quanto à sua sobrevivência numa sociedade em que seu produto é mais uma mercadoria entre milhões de outras Finalmente o autor destas linhas não esconde que nos casos em que não pôde haver um critério objetivo de desempate quanto à inclusão de dois textos de igual relevância optouse por aquele de sua preferência pessoal o que esperase não deve ser empecilho para o alcance dos objetivos propostos Optouse por conservar as notas de rodapé constantes nas edições srcinais em português se acréscimo de outras de modo que as existentes são do próprio autor quando não há indicação ou do editor da publicação original designada por NE entre parênteses ou do tradutor designada po NT entre parênteses A reunião destes textos só se tornou possível graças à compreensão das editoras detentoras dos direitos de tradução dos trechos aqui transcritos com exceção das traduções especialmente feitas para esta publicação que gentilmente autorizaram sua reprodução Agradeço a Mara Marley Santo Sales pela digitação dos textos e a Romero Alves Freitas e a Verlaine Freitas pelas traduções do trechos de Schelling e Schiller respectivamente A Verlaine Freitas agradeço também de forma especial pela competente assessoria prestada na organização definitiva do material apresentado Agradecimentos especiais devem ser também dirigidos à CAPES que através de seu Programa d Apoio à Integração GraduaçãoPósGraduação PROIN tornou possível a edição desta antologia em forma de livro Esperando que este livro cumpra da melhor maneira possível o objetivo almejado que é o de prestar apoio ao ensino e à pesquisa desta que é uma das mais fascinantes disciplinas filosóficas a estética agradeço também a todas as pessoas que indiretamente ajudaram eou estimularam na consecução do trabalho que ora trazemos ao público Belo Horizonte outubro de 1996 Prefácio à 2ª e Prefácio à 2ª edição dição Rodrigo Du Rodrigo Duarte arte É indescritível a satisfação de quase quinze anos depois da publicação da 1ª edição de O Belo utônomo presenciar o surgimento desta 2ª edição sensivelmente melhorada e ampliada com a inclusão de novos textos e de novas traduções para textos que já figuravam na versão anterior A primeira edição pode ser vista como extremamente bemsucedida já que disponibilizando ao público uma seleção de textos fundamentais da estética e da filosofia da arte supriu uma importante lacuna no mercado editorial brasileiro Um indício desse fato é que num curto espaço de tempo considerando a média das publicações de filosofia no Brasil a tiragem inicial se esgotou e por razões alheias à minha vontade foi bastante difícil se chegar ao ponto em que agora estamos de poder apresentar a segunda edição A principal delas é que a primeira edição fazia parte de um projeto pedagógico financiado pela CAPES e enquanto tal teve facilitada a incorporação d traduções reconhecidas dos textos por mim selecionados mediante a autorização dos detentores dos seus direitos tendo em vista exatamente o caráter didático da publicação Naquela época não era possível prever que haveria uma demanda tão significativa do livro de norte a sul do País e quando isso se tornou patente com o rápido esgotamento da primeira edição ficou claro também que a transformação do projeto pedagógico inicial numa publicação com características mais comerciais se é que se pode empregar a expressão nesse caso exigiria uma recolocação das condições de negociação de direitos autorais das traduções ou em alguns casos também dos próprios textos já que alguns dos autores representados no livro faleceram em data comparativamente recente Esse impasse só começou a se resolver quando a Editora Crisálida resolveu enfrentar todos o desafios implícitos na realização desse projeto com destaque para João Gabriel Alves Domingos que se dedicou durante meses a fio a deslindar os entraves para produzir esta segunda edição de O elo Autônomo É interessante registrar que mais do que nunca o projeto adquiriu feições de uma obra coletiva já que a incorporação de novos textos ou de novas traduções para textos já constantes na primeira edição significou a agregação de pessoas que dela não haviam participado tais como Daniel Pucciarelli William Mattioli e Ernani Chaves Além disso a oportunidade de repensar a su ampliação com a inclusão de textos inexistentes na versão anterior 1 deu margem a que as pessoas envolvidas no projeto opinassem sobre as possíveis modificações a serem introduzidas o que só me aumentou minha satisfação em pensar queO Belo Autônomo mais do que nunca deixou de ser um projeto mais pessoal para se tornar o de um coletivo concernido com o cultivo e a divulgação da estética filosófica neste País Belo Horizonte março de 2012 1 Se por um lado contamos com autores inéditos em relação à edição anterior Sigmund Freud Walter Benjamin Gilles Deleuze Vilé Flusser Benedito Nunes cujo texto foi gentilmente sugerido por Maíra Nassif e Arthur Danto por outro é preciso registrar retirada contra nossa vontade por questões relativas aos direitos autorais de dois autores fundamentais Martin Heidegger e Mauric MerleauPonty Platão Platão A república A república Livro Livro III de A repúbli III de A república ca22 Platão 427 aC347 aC Platão 427 aC347 aC Tradução Carlos Alberto Nunes Quais seriam as consequências éticopolíticas em aceitar na cidade uma presença autônoma de um discurso orientado pela produção do falso Se conferimos valor à verdade não podemos conceder uma completa autonomia ao poeta ou seja àquele cujo discurso persegue não o srcinal mas a imitação Por isso para nosso uso teremos de recorrer a um poeta ou contador de histórias mais austero e menos divertido que corresponda aos nossos desígnios só imite o estilo moderado e se restrinja na sua exposição a copiar os modelos que desde o início estabelecemos por lei quando nos dispusemos a educar nossos soldados Ainda atual o problema é deve haver uma completa autonomia da arte em relação à ética e à política No trecho de A República por volta de 380 aC de Platão 427 aC347 aC lemos a famosa passagem em qu ocorre a expulsão do poeta da cidade Temas Temas política ética ontologia poesia 2 PLATÃO A República Belém Editora da Universidade do Pará 2000 p145163 Agradecemos à EDUFPA por autorizar utilização do texto Daí precisarmos acabar com essas histórias que podem deixar nossos jovens levianos e maus Evidentemente respondeu E agora continuei que outra forma de discurso ainda falta analisar para vermos como deve ou não deve ser enunciado Já assentamos como precisam ser tratados os deuses os demônios os heróis e os que demoram no Hades Perfeitamente Então o que ainda falta diz respeito aos homens não é verdade Sem dúvida Mas não nos será possível amigo pôr isso presentemente em ordem Porque seríamos obrigados a dizer segundo creio que a respeito dos homens tanto os poetas como os oradores cometem os mais graves erros quando afirmam terem sido felizes muitos homens injustos e infelizes muitos justos que a injustiça é proveitosa quando não descoberta e que a ustiça por sua vez implica dano próprio e vantagem alheia Teríamos de proibirlhes tudo isso e recomendarlhes que cantem e digam justamente o contrário não te parece É assim mesmo que penso disse Mais uma vez que admites estar eu com a razão neste ponto terei de concluir que ficaste també de acordo comigo a respeito do que há muito procuramos Conclusão muito certa acrescentou Se devemos ou não falar dessa maneira a respeito dos homens é o que só decidiremos quando descobrirmos o que seja a justiça e como pode ela ser naturalmente útil a quem a possui pouco importando a conta em que é tida essa pessoa É muito verdadeiro disse VI A respeito do assunto é quanto basta Agora acho que devemos considerar o estilo para determinarmos por maneira completa como deve ser o conteúdo e a forma Então falou Adimanto Não entendo o que queres dizer com isso Mas é preciso que entendas lhe repliquei Talvez me faça compreender melhor da seguinte maneira tudo o que os mitólogos e os poetas contam não é um relato de fatos passados presentes ou futuros Que mais poderia ser perguntou E não conseguem esse desiderato ou por simples exposição ou por imitação ou por ambos os modos ao mesmo tempo A tal respeito respondeu precisaria explicação mais particularizada Pelo que vejo lhe falei sou um professor caricato e nada claro Vou proceder como os indivíduos que não sabem falar em vez de considerar a questão em seu conjunto tomarei apenas uma parte para mostrarte o que pretendo Dizme uma coisa não sabes como começa a Ilíada o versos em que o poeta conta como Crises pediu a Agamémnone que lhe libertasse a filha e como este se zangou e o outro por não haver alcançado o que desejava apelou para o deus contra os Aquivos Perfeitamente Sabes portanto que até ao verso Implora aos Aquivos presentes sem exceção mas mormente aos Atridas que povos conduzem quem fala é o poeta o qual não procura levar nossa atenção para outra parte nem se esforça por parecer que não é ele mas outra pessoa que está com a palavra Porém logo a seguir discorre como se ele fosse o próprio Crises e lança mão de todos os meios para convencernos de que não é Homero que parece falar mas o velho sacerdote Do mesmo modo procedeu em quase todo o resto de sua narrativa ao contarnos o que se passou em Ílio e em Ítaca como também em toda a Odisseia Isso mesmo disse Há narração por conseguinte nos dois casos tanto na reprodução das falas das personagens como nas partes intermédias Como não Mas quando nos dirige qualquer fala como sendo de outra pessoa não poderemos dizer que se esforça para deixar sua linguagem tanto quanto possível parecida com a da pessoa por ele mesmo anunciada antes que nos iria falar É o que diremos sem dúvida Ora imitar alguém ou pela palavra ou pelo gesto não é representar a pessoa imitada Sem dúvida Sendo assim num caso como esse ao que parece tanto Homero como os demais poeta procedem em suas narrativas por imitação Perfeitamente Mas se o poeta nunca se ocultasse toda a sua narrativa dispensaria a imitação E para que não nos venhas dizer mais uma vez que não compreendes como possa ser isso vou explicarte Se depois de haver contado que Crises viera com o resgate da filha e suplicara aos Aquivos principalmente aos dois Atridas continuasse Homero a falar não como se ele fosse Crises porém sempre como Homero fica sabendo que não se trataria de imitação mas de uma exposição simples Seria mais o menos deste modo não vou falar em verso pois não sou poeta Ao chegar o sacerdote fez votos para que os deuses lhes concedessem tomar incólumes Troia e suplicou que lhe entregassem a filha a troco de resgate e em atenção aos deuses A essas palavras todos os Aquivos assentiram com demonstração de reverência apenas Agamémnone se encolerizou e lhe deu ordem para retirarse e não mais voltar à sua presença pois não lhe serviriam de amparo nem o cetro nem as ínfulas sagradas do deus Antes de serlhe a filha libertada declarou envelheceria com ele em Argos Mandou que se fosse embora e deixasse de importunálo caso quisessem voltar salvo para casa Ao ouvir essas palavras o velho atemorizouse e se afastou sem dizer nada Mas quando se achou longe do acampamento orou instantemente a Apolo invocandoo por todos os seus nomes e pedindo que se alguma vez se agradara dos templos por ele construídos e das gratas vítimas que lhe sacrificara lembrado agora disso vingasse nos Aquivos as lágrimas por ele derramadas Desse modo meu caro sem nenhuma imitação é que se faz uma narração simples Compreendo disse VII Então continuei deves também compreender que segue precisamente o processo opost quem omite as palavras insertas pelo poeta entre os discursos e deixa apenas o diálogo Compreendo também isso respondeu é assim que se passa na tragédia Apanhaste bem a questão lhe repliquei estando eu certo de que vou mostrarte agora o que antes não me fora possível a saber que a poesia e a mitologia podem constar inteiramente de imitação tal como se dá na tragédia e na comédia conforme disseste ou apenas da exposição do poeta Os melhores exemplos desse tipo de composição encontrarás nos ditirambos há uma terceira modalidade em que se dá a combinação dos dois processos é o que se verifica na epopeia e em muitas outras formas de poesia se é que me fiz compreender Entendo agora perfeitamente disse o que querias significar Procura então recordarte também do que afirmamos antes que o conteúdo já estava esclarecido mas faltava examinar a maneira de tratálo Sim recordome Isso justamente é o que eu dizia que precisávamos decidir se permitiríamos ao poeta apresentarnos as suas narrativas só por meio da imitação ou se poderia imitar numas partes e deixar de fazêlo noutras e quais seriam elas ou se qualquer modalidade de imitação lhe seria proibida Palpitame respondeu que desejas esclarecer se devemos ou não permitir em nossa cidade a tragédia e a comédia Talvez lhe respondi talvez até mesmo mais do que isso Por enquanto eu próprio o ignoro Teremos de caminhar por onde soprar a brisa do argumento É muito certo o que dizer observou Considera também Adimanto se nossos guardas devem ou não devem ser imitadores Não fa parte do que foi dito antes que cada um só pode sairse bem em uma única profissão não em muitas e que se experimentar as forças em várias a um só tempo fracassará totalmente e não se distinguirá em nenhuma Quem o duvidará E não é também o que se observa com a imitação Poderá a mesma pessoa imitar muitas coisa tão bem como uma só É claro que não Dificilmente portanto conseguirá alguém exercer ao mesmo tempo com eficiência funções importantes ou ser um bom imitador de muitas coisas pois nem mesmo as duas imitações que tão próximas parecem uma da outra podem ser praticadas com êxito por uma só pessoa é o exemplo dos autores de comédias e de tragédias Não disseste neste momento que ambas eram imitação Disse e tens razão em achar que a mesma pessoa não pode sairse bem nas duas Como não poderá ser ao mesmo tempo rapsodo e ator Exato E também não são os mesmos os atores de tragédias e de comédias Tudo isso é imitação não te parece Imitação A natureza humana Adimanto se me afigura dividida em pedacinhos ainda menores de forma que é impossível a qualquer pessoa imitar bem muitas coisas ou fazer as próprias coisas que a imitação reproduz É muito certo observou VIII Se quisermos portanto manter de pé a primeira proposição a saber que os nosso guardas dispensados de qualquer outra ocupação se dedicariam exclusivamente à liberdade da cidade sem empreenderem senão o que tendesse para esse fim será preciso que não façam nada mais nem imitem coisa alguma No caso porém de imitarem deverão fazêlo desde a meninice o que lhes convier para se tornarem corajosos temperantes santos livres e tudo o mais do mesmo gênero não devendo praticar nem procurar imitar o que não for nobre nem qualquer modalidade de torpeza para que por meio de imitação não venham a encontrar prazer na realidade Já não observaste que a imitação quando começada em tenra idade e prolongada por muito tempo se transforma em hábito e se torna uma segunda natureza passando para o corpo para a voz e até para a própria inteligência Sem dúvida respondeu Não admitiremos portanto continuei que os jovens de que cuidamos com o propósito de fazer deles cidadãos de bem por isso mesmo que são homens imitem as mulheres tanto novas como velhas ou seja no ato de insultar qualquer delas o marido ou quando alguma se ponha a rivalizar com os deuses por pura jactância isso quando estão felizes ou na infelicidade quando se entregam ao choro e a lamentações Uma mulher doente ou amorosa ou em trabalho de parto é o que nunca lhe permitiremos Tens toda a razão disse Nem escravos e escravas que realizam ocupações servis Isso também não Nem ainda indivíduos maus e pusilânimes que fazem precisamente o contrário do que determinamos troca de insultos zombarias de uns para os outros e palavras obscenas quer quando sóbrios quer quando embriagados e tudo o mais com que por atos ou palavras a si mesmos desagradam ou aos companheiros Quer parecerme também que não devem habituarse a imitar a linguagem ou as ações dos loucos É evidente que terão de conhecer pessoas más e insanas de ambos os sexos porém não devem fazer nem imitar o que elas fazem É muito certo disse Mais um exemplo continuei o trabalho de ferreiro ou de qualquer outro artífice de remadores de trirremes ou de seus comandantes e tudo o mais que se relaciona com essas atividades não deverá também ser imitado Como fora possível respondeu se não lhes é permitido ocuparse com qualquer outra profissão E o seguinte cavalos a relinchar touros a mugir rios murmurantes e o ruído do mar ou o barulho do trovão e tudo o mais do mesmo gênero será para imitar Foilhes proibido ser loucos ou imitar as ações dos loucos Se bem compreendo prossegui o que queres dizer há uma modalidade de estilo narrativo em que poderá exprimirse o indivíduo de verdadeiro valor sempre que tiver o que dizer como há outra que difere inteiramente dela e a que se atém em sua exposição quem por dotes naturais e educação for o oposto do primeiro Quais são perguntou Sou de parecer continuei que quando o indivíduo equilibrado tem de reproduzir no decurso de sua exposição algum dito ou gesto de homem de bem esforçase por falar como se fosse essa mesma pessoa e não se envergonha de imitála principalmente quando a imitação disser respeito a algum ato de firmeza e sabedoria que lhe seja atribuído com menor disposição e mais raramente o imitará quando o vir cambaleante por efeito de doença ou do amor ou mesmo por embriaguez ou qualquer outra infelicidade Quando tiver de haverse com quem não for digno dele não se resolverá a imitar seriamente uma pessoa inferior ou só o fará de passagem numa ou noutra ação meritória Sim terá de envergonharse a uma por não ter o hábito de imitar gente dessa laia à outra porque lhe repugna forçar a sua natureza em moldes inferiores despreza do fundo da alma semelhante procedimento a não ser como brinquedo É natural replicou IX Sendo assim adotará um modo de narração semelhante ao que há pouco nos referimos quando tratamos dos versos de Homero vindo a participar sua exposição dos dois processos a imitação e a narração simples porém a primeira como parte mínima numa narrativa longa Ou não terá sentido o que eu disse Tem muito até assim é que precisará ser o expositor por nós idealizado Nessas condições continuei quanto mais aquém desse ideal ficar o narrador maior quantidade de coisas imitará sem nada considerar indigno de si próprio de forma que procurará imitar tudo com o maior empenho e na presença de todo o mundo não apenas o a que há momentos nos referimos o trovão o barulho dos ventos e da saraiva o chiar dos eixos e das polias como também o som das trombetas das flautas das gaitas e dos demais instrumentos a voz dos cães das ovelhas e dos pássaros Desse modo toda a sua exposição constará simplesmente da imitação de vozes e de gestos com o mínimo possível de narração Necessariamente terá de ser assim Daí ter eu dito que há duas maneiras de narrar Sem dúvida Uma delas só em grau muito reduzido permite modificações uma vez alcançada a harmonia e o ritmo convenientes o bom expositor manterá sempre o mesmo estilo da harmonia inicial que aliás não admite variações de vulto Vale o mesmo com relação ao ritmo É muito certo o que disseste respondeu E com respeito à outra modalidade Ao contrário da primeira não exigirá todas as harmonias e todos os ritmos se tiver de ser feita a exposição como é preciso que o seja por isso mesmo que abrange toda sorte de modificações Exatamente Ora os poetas e de modo geral as pessoas que expõem alguma coisa por meio da palavra não se valem de um ou outro desses modos de expressão ou da combinação de ambos Necessariamente disse Então como faremos perguntei Admitiremos na cidade todos os gêneros ou um só dos gêneros puros ou a mistura dos dois Se prevalecer minha maneira de pensar disse apenas um dos puros o que imita as pessoas moderadas No entanto Adimanto o estilo misto é bem interessante e muito do gosto das crianças e de seus preceptores o que também se observa com a grande maioria do povo É muito interessante realmente Mas sem dúvida observei irás dizer que esse estilo não convém à nossa cidade por não haver entre nós homens duplos nem múltiplos visto ter cada pessoa apenas uma ocupação Não convém de fato Eis a razão de somente nessa cidade verificarmos que o sapateiro é exclusivamente sapateiro não piloto com o conhecimento de sapateiro o lavrador é só lavrador não juiz com conhecimento de agricultura como é apenas combatente o guerreiro sem ser comerciante que entenda de arte bélica e assim com tudo o mais É muito certo disse Nessas condições se viesse à nossa cidade algum indivíduo dotado da habilidade de assumir várias formas e de imitar todas as coisas e se propusesse a fazer uma demonstração pessoal com seu poema nós o reverenciaríamos como a um ser sagrado admirável e divertido mas lhe diríamos que em nossa cidade não há ninguém como ele nem é conveniente haver e depois de ungirlhe a cabeça com mirra e de adornálo com fitas de lã o poríamos no rumo de qualquer outra cidade Para nosso uso teremos de recorrer a um poeta ou contador de histórias mais austero e menos divertido que corresponda aos nossos desígnios só imite o estilo moderado e se restrinja na sua exposição a copiar os modelos que desde o início estabelecemos por lei quando nos dispusemos a educar nossos soldados Sim respondeu é o que faríamos se tivéssemos poder para tanto E com isso meu caro continuei quer parecerme que esgotamos a parte da música relativa aos discursos e às fábulas pois já tratamos do conteúdo e da forma É também o que eu penso disse X Agora prossegui só nos resta tratar do canto e da melodia Sem dúvida A esse respeito por coerência com o que ficou exposto todo o mundo descobrirá de pronto o que é preciso dizer e como devem ser ambos Pondose a rir falou Glauco Receio muito Sócrates que esse Todo o mundo não me abranja Neste momento pelo menos não saberei dizer como ambos devem ser apesar de fazer minhas conjecturas De qualquer forma lhe disse desde já podes afirmar com segurança que uma canção se compõe de três partes texto melodia e ritmo Isso é verdade respondeu Com relação às palavras não há diferença entre elas e as que não são cantadas pois de qualquer modo todas terão de ser enunciadas segundo os princípios de que já tratamos não é verdade Exato O ritmo e a melodia terão de acompanhar as palavras Sem dúvida Mas já dissemos acima que não temos necessidade de queixas e lamentações em nosso texto É fato Quais são as harmonias tristes És músico achaste portanto em condições de enumerálas A lidiana mista disse a lidiana aguda e outras do mesmo estilo Essas então lhe falei serão excluídas por inúteis até mesmo para mulheres que terão de ser moderadas quanto mais para homens Perfeitamente A embriaguez também é imprópria para os guardas a moleza e a indolência Como não E quais são as harmonias moles e usadas nos banquetes São denominadas moles disse a ioniana e uma variedade lidiana E essas amigo poderão ser de alguma utilidade para guerreiros De jeito nenhum respondeu Mas ao que parece só te sobraram a dórica e a frígica De harmonia nada entendo lhe falei mas restanos a modalidade indicada para imitar como convém a voz e a expressão do indivíduo que se comporta virilmente na guerra ou em qualquer situação difícil e que ao perceber em perigo sua causa seja para ir de encontro a ferimentos e à morte seja quando se vê a braços com qualquer outra infelicidade persevera no seu posto e enfrenta resoluto a sorte adversa Reservemos a outra para ser por ele usada em tempo de paz na execução de qualquer ato espontâneo não porém violento mas nas atividades cotidianas quando insiste junto de alguém ou procura convencêlo nas súplicas dirigidas a Deus ou na doutrinação e admoestação de qualquer pessoa ou pelo contrário quando se mostra sensível a pedidos lições ou advertências de terceiros de acordo com os quais pauta o seu proceder sem revelar orgulho e em todas as circunstâncias se comporta com modéstia e sabedoria sempre satisfeito com os resultados obtidos Essas duas modalidades de harmonia a violenta e a voluntária são as mais adequadas para imitar a linguagem da infelicidade e da felicidade da sabedoria e da bravura com essas é que precisamos ficar As que resolveste conservar me disse são justamente as duas a que há pouco me referi Por isso mesmo observei não precisaremos empregar em nossas canções e melodias instrumentos de muitas cordas e capazes de todas as tonalidades Acho também que não Sendo assim não precisaremos sustentar fabricantes de triângulos e de harpas ou de instrumentos outros de muitas cordas capazes de todas as harmonias Pareceme que não E agora admitirás na cidade fabricantes ou tocadores de flauta Não é a flauta o instrumento d maior quantidade de sons não passando de simples imitação dela os instrumentos de muitas harmonias É evidente respondeu Restamte por conseguinte observei para uso na cidade apenas a lira e a cítara e para os pastores do campo uma espécie de flauta de Pan Pelo menos é a conclusão a que nos leva nosso argumento Aliás meu caro amigo lhe repliquei não faremos nada de extraordinário preferindo Apolo e os instrumentos de Apolo a Mársias com os dele Não por Zeus me disse essa também é a minha maneira de pensar Pelo cão continuei sem o percebermos expungimos outra vez nossa cidade das delícias de que há momentos a acusávamos E o fizemos com sabedoria observou XI Então lhe falei prossigamos em nosso trabalho de expurgo Depois das harmonias segues naturalmente o que diz respeito aos ritmos não devemos procurar ritmos variados nem metros de toda a espécie mas apenas determinar quais são os ritmos próprios para exprimir a vida bem regulada e corajosa e uma vez descobertos adaptar o metro e a melodia às palavras não o contrário o texto ao metro e à melodia Como fizeste com as harmonias a ti é que compete dizer quais são esses ritmos Por Zeus replicou não sei o que diga O que por observação própria poderei adiantar é que h três formas fundamentais na composição dos metros como há quatro nas dos sons de que se srcinam todas as harmonias Mas quais sejam as que imitam estas ou aquelas formas particulares da vida é que não saberei dizer A esse respeito observei depois consultaremos Damão para saber quais movimentos são indicados à baixeza à insolência à insânia e a outras variedades e que ritmos devem ser reservados para as qualidades contrárias Tenho vaga ideia de que certa vez ele me falou de um ritmo composto a que deu o nome de enóplio de um dáctilo de um heroico que dispunha não sei como igualando as subidas e as quedas para terminarem em longas e curtas falou também se não me engano de um iambo e de um tal troqueu aos quais atribuía quantidades longas e curtas Se mal não me lembro e alguns desses metros ele criticava ou elogiava tanto a medida como o ritmo ou talvez mesmo a combinação dos dois Mas como disse deixemos essa parte para Damão destrinçar semelhante assunto é matéria que exige muito tempo não te parece Muito por Zeus Uma coisa no entanto saberás distinguir que a aparência graciosa ou desgraciosa é sempre decorrência do ritmo ou de sua falta Como não Mas a presença e a falta de ritmo resultam da boa ou da ruim maneira de falar respectivamente valendo o mesmo para a harmonia e a falta de harmonia a estar certo o que dissemos há pouco que o ritmo e a harmonia é que têm de regularse pelas palavras não o inverso as palavras pelo ritmo e pela harmonia Sem dúvida respondeu estes é que terão de acompanhar o discurso E a respeito da maneira de falar perguntei e do seu próprio conteúdo não dependem da disposição da alma É evidente E tudo o mais não depende do discurso Sim Desse modo a beleza do estilo a harmonia a graça e o ritmo decorrem da simplicidade da alma não no sentido com que eufemisticamente designamos a tolice mas no verdadeiro do caráter ornado de beleza e bondade É muito certo disse Assim de todos os modos deverão os moços esforçarse por adquirir essas qualidades se quiserem cumprir bem sua missão É o que terão sem dúvida de fazer Cheia delas está a pintura e todos os trabalhos dessa natureza a arte do tecelão a do bordador e a do arquiteto bem como a manufatura de objetos em geral a estrutura dos corpos e o conjunto das plantas em tudo se nota proporção ou desgraciosidade A falta de graça de ritmo ou de harmonia é parente próxima da linguagem viciosa e dos maus costumes assim como seus contrários o são das qualidades opostas a ponderação e a retidão de conduta irmãs e cópias fiéis Muitíssimo certo respondeu XII Mas teremos de restringir nossa vigilância apenas aos poetas para obrigálos a s apresentar em suas composições modelos de bons costumes sem o que deverão absterse de compor entre nós ou precisaremos estender aos demais artistas essa fiscalização para impedilos de representar o vício a intemperança a baixeza a indecência tanto na pintura da vida como na das construções e em todos os trabalhos dos artesãos ficando proibido de exercer sua atividade entre nós quem não puder obedecer a essas determinações É de temer que venham a crescer os guardas no meio de imagens do vício como num pasto nocivo em que colham e ingiram pequenas porém reiteradas doses de veneno das mais variadas espécies do que resulta causarem na alma imperceptivelmente dano irreparável Não só devemos procurar os artistas felizmente dotados e capazes de descobrir por toda a parte o rastro do belo e do gracioso para que nossos jovens à maneira dos moradores de lugares sadios tirem vantagem de tudo e que apenas as impressões de coisas belas lhes possam atingir os olhos ou os ouvidos tal como se dá com a brisa benéfica que sopra de uma região salubre e os levem desde a infância insensivelmente a amar e imitar os belos discursos e a se harmonizarem com eles Não poderiam ser educados disse por maneira mais bela E não é nisso precisamente Glauco continuei que consiste a superioridade da educação musical por calarem fundo na alma o ritmo e a harmonia e aderirem nela fortemente E porque servem de veículo ao decoro não deixam honesta a alma sempre que for bem orientada a educação Caso contrário o oposto é o que se observa E também pelo fato de perceber com acuidade que nesse domínio desfruta de educação adequada o que é falho menos belo nas obras de arte ou nas da natureza e com malestar justificado por esse fato passa a elogiar as coisas belas e a acolhêlas alegremente na alma para delas alimentarse e tornarse nobre e bom e a censurar com toda a ustiça o feio dedicandolhe ódio nos anos em que ainda careça de entendimento para compreender a razão do fato mas uma vez chegada a razão darlheá as boas vindas com tanto maior alegria por se lhe ter tornado familiar em todo o processo de sua educação Eu pelo menos disse considero essas precisamente as vantagens da educação musical O mesmo acontece continuei quando aprendemos a ler pois só nos tornamos fortes depois de sabermos distinguir as letras apesar de serem poucas em todas as combinações em que elas ocorrem sem desprezálas por insignificantes quer ocupem grande quer pequeno espaço como se não fossem dignas de consideração e nos esforçamos por compreendêlas onde quer que apareçam visto não haver jeito de chegarmos a ser bons leitores sem passarmos por essa fase inicial do estudo É muito certo E não é também verdade que não reconheceremos as imagens das letras quer nos apareçam na água quer no espelho se não conhecermos antes as próprias letras por ser tudo isso objeto da mesma arte e do mesmo estudo Exatamente Ora bem Do mesmo modo pelos deuses o que digo é que nunca poderemos tornarno músicos nem nós nem os guardas cuja educação vai ficar a nosso cargo antes de sabermos distinguir as formas da temperança da coragem da liberdade da generosidade e de todas as outras virtudes suas irmãs bem como as de seus contrários onde quer que nos surjam e de reconhecer que são elas mesmas que ali se encontram elas e suas imagens sem desprezar nenhuma nem nas pequenas nem nas grandes manifestações por admitirmos que todas elas fazem parte da mesma arte e do mesmo estudo Necessariamente observou Continuemos lhe falei Quando se der a ocorrência de belos traços da alma que correspondam e se harmonizem com um exterior impecável por participarem do mesmo modelo fundamental não constituirá isso o mais belo espetáculo para quem tiver olhos de ver O mais belo sem dúvida Porém o mais belo é também o mais amável não é verdade Como não Logo os indivíduos mais perfeitos sob esse aspecto terão de ser amados do músico não o sendo por seu lado os dissonantes Não o serão respondeu máxime se se tratar de algum defeito da alma porque se for apenas do corpo essa pessoa saberá dar o devido desconto e se esforçará por amálo Compreendo lhe disse é que tens ou já tiveste algum amado nessas condições com o que só posso concordar contigo Mas dizme uma coisa haverá alguma afinidade entre a temperança e o abuso do prazer Como poderia haver respondeu se o prazer perturba a alma tanto quanto a dor E com relação à virtude em geral De forma alguma Não E com a arrogância e a incontinência Sim com essas muitíssima afinidade E seria capaz de citar um prazer maior e mais violento do que o prazer do amor Não respondeu nem mais furioso Ao passo que o verdadeiro amor e amante da sabedoria e da beleza temperante e músico ao mesmo tempo Sem dúvida respondeu Assim não deverá aproximarse do verdadeiro amor nem a loucura nem o que tiver afinidade com a incontinência É muito certo Logo esse prazer também não deverá aproximarse do amor como não devem ter o menor contato com aquele o amante e o amado ligados por legítima afeição Sim por Zeus disse não deverá aproximarse De tudo isso podemos concluir que terás de estabelecer por lei na cidade por nós fundada que o amante só deverá beijar o amado conviver com ele ou tocar nele como se se tratasse de um filho por amor ao belo e assim mesmo somente de alcançar o seu consentimento em tudo o mais as relações com o jovem a quem se afeiçoou nunca devem dar aso à suspeita de que foram além desse limite caso contrário será tido na conta de indivíduo grosseiro e carente de educação musical De inteiro acordo respondeu E agora perguntei não te parece que chegamos ao fim de nossa exposição sobre a música Pelo menos terminou onde deveria terminar pois a música deve acabar no amor ao belo Aristóteles Aristóteles Poética Poética Poética Poética33 Aristóte Aristóteles 384 les 384 aC322 aC aC322 aC Tradução udoro de Souza Se abordamos a fruição de uma obra devemos também analisar a sua estrutura narrativa Por exemplo como e quais eventos podem ser imitados pela poesia E o que distingue a tragédia da comédia Quais elementos da tragédia são responsáveis pela produção de efeitos emotivos singulares em seu espectador É pois a Tragédia imitação de uma ação de caráter elevado completa e de certa extensão em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes do drama imitação que se efetua não por narrativa mas mediante atores e que suscitando o terror e a piedade tem por efeito a purificação dessas emoções No trecho da Poética 335 aC de Aristóteles 384 aC322 aC apresentado a seguir ao leitor lemo sobre temas perenes na reflexão estética como a mímesis a relação da filosofia com a arte e a catharsis Temas Temas drama tragédia comédiacatharsis mímesis 3 ARISTÓTELES Poética Capítulo I ao XII Ars Poetica Editora 1981 p 1763 Agradecemos à Editora Ars Poetica por autorizar utilização do texto Poesia é Poesia é imi imitação Espécies de tação Espécies de poesia imita poesia imitativa tiva classificad classificadas seg as segund undo o o o meio da imita meio da imitação ção 1 Falemos da poesia dela mesma e das suas espécies da efetividade de cada uma delas da composição que se deve dar aos Mitos se quisermos que o poema resulte perfeito e ainda de quantos e quais os elementos de cada espécie e semelhantemente de tudo quanto pertence a esta indagação começando como é natural pelas coisas primeiras 2 A Epopeia a Tragédia assim como a poesia ditirâmbica e a maior parte da aulética e da citarística todas são em geral imitações Diferem porém umas das outras por três aspectos ou porque imitam por meios diversos ou porque imitam objetos diversos ou porque imitam por modos diversos e não da mesma maneira 3 Pois tal como há os que imitam muitas coisas exprimindose com cores e figuras por arte ou por costume assim acontece nas sobreditas artes na verdade todas elas imitam com o ritmo a linguagem e a harmonia usando estes elementos separada ou conjuntamente Por exemplo só de harmonia e ritmo usam a aulética e a citarística e quaisquer outras artes congêneres como a siríngica com o ritmo e sem harmonia imita a arte dos dançarinos porque também estes por ritmos gesticulados imitam caracteres afetos e ações 4 Mas a Epopeia e a arte que apenas recorre ao simples verbo quer metrificado quer não e quando metrificado misturando metros entre si diversos ou servindose de uma só espécie métrica eis uma arte que até hoje permaneceu inominada Efetivamente não temos denominador comum que designe os mimos de Sófron e de Xenarco os diálogos socráticos e quaisquer outras composiçõe imitativas executadas mediante trímetros jâmbicos ou versos elegíacos ou outros versos que tais Porém ajuntando à palavra poeta o nome de uma só espécie métrica aconteceu denominaremse a uns de poetas elegíacos a outros de poetas épicos designandoos assim não pela imitação praticada mas unicamente pelo metro usado 5 Dessa maneira se alguém compuser em verso um tratado de medicina ou de física esse será vulgarmente chamado poeta na verdade porém nada há de comum entre Homero e Empédocles não ser a metrificação aquele merece o nome de poeta e este o de fisiólogo mais que o de poeta Pelo mesmo motivo se alguém fizer obra de imitação ainda que misture versos de todas as espécies como o fez Querémon noCentauro que é uma rapsódia tecida de toda a casta de metros nem por isso se lhe deve recusar o nome de poeta 6 Fiquem assim determinadas as distinções que tínhamos de estabelecer Poesias há contudo que usam de todos os meios sobreditos isto é de ritmo 25 canto e metro como a poesia dos ditirambos e dos nomos a Tragédia e a Comédia só com uma diferença as duas primeiras servem se juntamente dos três meios e as outras de cada um por sua vez Tais são as diferenças entre as artes quanto aos meios de imitação IIII Espécies de poesia imitativa classificadas segundo o objeto da Espécies de poesia imitativa classificadas segundo o objeto da imitação imitação 7 Mas como os imitadores imitam homens que praticam alguma ação e estes necessariamente são indivíduos de elevada ou de baixa índole porque a variedade dos caracteres só se encontra nessas diferenças e quanto a caráter todos os homens se distinguem pelo vício ou pela virtude necessariamente também sucederá que os poetas imitam homens melhores piores ou iguais a nós 5 como o fazem os pintores Polignoto representava os homens superiores Pauson inferiores Dionísio representavaos semelhantes a nós Ora é claro que cada uma das imitações referida contém essas mesmas diferenças e que cada uma delas há de variar na imitação de coisas diversas dessa maneira 8 Porque tanto na dança como na aulética e na citarística pode haver tal diferença e assim também nos gêneros poéticos que usam como meio a linguagem em prosa ou em verso sem música Homero imitou homens superiores Cleofão semelhantes Hegêmon de Taso o primeiro que escreveu paródias e Nicócares autor da Delíada imitaram homens inferiores E a mesma diversidade se encontra nos ditirambos e nos nomos como o mostram Arga Timóteo e Filóxeno nos Ciclopes 9 Pois a mesma diferença separa a Tragédia da Comédia procura esta imitar os homen piores e aquela melhores do que eles ordinariamente são IIIIII Espécies de poesia imitativa classificadas segundo o modo da Espécies de poesia imitativa classificadas segundo o modo da imitação narrativa mista dramática Etimologia de drama e imitação narrativa mista dramática Etimologia de drama e Comédia Comédia 10 Há ainda uma terceira diferença entre as espécies de poesias imitativas a qual consiste no modo como se efetua a imitação Efetivamente com os mesmos objetos quer na forma narrativa assumindo a personalidade de outros como o faz Homero ou na própria pessoa sem mudar nunca quer mediante todas as pessoas imitadas operando e agindo elas mesmas Consiste pois a imitação nessas três diferenças como ao princípio dissemos a saber segundo os meios os objetos e o modo Por isso num sentido é a imitação de Sófocles a mesma que a de Homero porque ambo imitam pessoas de caráter elevado e noutro sentido é a mesma que a de Aristófanes pois ambos imitam pessoas que agem e obram diretamente 11 Daí o sustentarem alguns que tais composições se denominamdramas pelo fato de se imitaremagentes dróntas Por isso também os Dórios para si reclamam a invenção da Tragédia e da Comédia a da Comédia pretendemna os megarenses tanto os da metrópole do tempo d democracia como os da Sicília porque lá viveu Epicarmo que foi muito anterior a Quiônidas Magnes e da Tragédia também se dão por inventores alguns dos dórios que habitam o Peloponeso dizem eles que na sua linguagem chamamkômai às aldeias que os atenienses denominamdêmoi e que os comediantes não derivam seu nome dekomázein mas sim de andarem de aldeia em aldeia kómas por não serem tolerados na cidade e dizem também que usam o verbodrân para 1448b significar o fazer ao passo que os atenienses empregam o termo práttein 12 Damos por dito tudo que se refere a quantas e quais sejam as diferenças da imitação poética IV IV Origem Origem da p da poesia Causas oesia Causas História d História da poesia a poesia trágica e c trágica e côm ômica ica 13 Ao que parece duas causas e ambas naturais geraram a poesia O imitar é congênito no homem e nisso difere dos outros viventes pois de todos é ele o mais imitador e por imitação aprende as primeiras noções e os homens se comprazem no imitado 14 Sinal disso é o que acontece na experiência nós contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância por exemplo as representações de animais ferozes e de cadáveres Causa é que o aprender não só muito apraz aos filósofos mas também igualmente aos demais homens se bem que menos participem dele Efetivamente tal é o motivo por que se deleitam perante as imagens olhandoas aprendem e discorrem sobre o que seja cada uma delas e dirão por exemplo este tal Porque se suceder que alguém não tenha visto o srcinal nenhum prazer lhe advirá da imagem como imitada mas tãosomente da execução da cor ou qualquer outra causa da mesma espécie 15 Sendo pois a imitação própria da nossa natureza e a harmonia e o ritmo porque é evidente que os metros são partes do ritmo os que ao princípio foram mais naturalmente propensos para tais coisas pouco a pouco deram srcem à poesia procedendo desde os mais toscos improvisos 16 A poesia tomou diferentes formas segundo a diversa índole particular dos poetas Os de mais alto ânimo imitam as ações nobres e das mais nobres personagens e os de mais baixas inclinações voltaramse para as ações ignóbeis compondo estes vitupérios e aqueles hinos e encômios Não podemos é certo citar poemas desse gênero dos poetas que viveram antes de Homero se bem que verossimilmente muitos tenham existido mas a começar em Homero temos o argites e outros poemas semelhantes nos quais por mais apto se introduziu o metro jâmbico que ainda hoje assim se denomina porque nesse metro se injuriavam iámbizon De modo que entre os antigos uns foram poetas em verso heroico outros o foram em verso jâmbico 17 Mas Homero tal como foi supremo poeta no gênero sério pois se distingue não só pel excelência como pela feição dramática das suas imitações assim também foi o primeiro que traçou as linhas fundamentais da Comédia dramatizando não o vitupério mas o ridículo Na verdade o argites tem a mesma analogia com a Comédia que têm a Ilíada e a Odisseia com a Tragédia 18 Vindas à luz a Tragédia e a Comédia os poetas conforme a própria índole os atraía para este ou aquele gênero de poesia uns em vez de jambos escreveram Comédias outros em lugar de Epopeias compuseram Tragédias por serem estas últimas formas mais estimáveis do que as primeiras 19 Examinar depois se nas formas trágicas a poesia austera atinge ou não atinge a perfeição do gênero quer a consideremos em si mesma quer no que respeita ao espetáculo isso seria outra questão 20 Mas nascida de um princípio improvisado tanto a Tragédia como a Comédia a Tragédia dos solistas do ditirambo a Comédia dos solistas dos cantos fálicos composições essas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades a Tragédia pouco a pouco foi evoluindo à medida que se desenvolvia tudo quanto nela se manifestava até que passadas muitas transformações a Tragédia se deteve logo que atingiu a sua forma natural Ésquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o número dos atores diminuiu a importância do coro e fez do diálogo protagonista Sófocles introduziu três atores e a cenografia Quanto à grandeza tarde adquiriu a Tragédia o seu alto estilo só quando se afastou dos argumentos breves e da elocução grotesca isto é do elemento satírico Quanto ao metro substituiu o tetrâmetro trocaico pelo trímetro jâmbico Com efeito os poeta usaram primeiro o tetrâmetro porque as suas composições eram satíricas e mais afins à dança mas quando se desenvolveu o diálogo o engenho natural logo encontrou o metro adequado pois o jambo é o metro que mais se conforma ao ritmo natural da linguagem corrente demonstrao o fato de muitas vezes proferirmos jambos na conversação e só raramente hexâmetros quando nos elevamos acima do tom comum 21 Quanto ao número de episódios e outros ornamentos que se haja acrescentado a cada parte consideremos o assunto tratado muito laborioso seria discorrer sobre tudo isso em pormenor VV A Comédia evolução do gênero Comparação da Tragédia com a A Comédia evolução do gênero Comparação da Tragédia com a Epopeia Epopeia 22 A Comédia é como dissemos imitação de homens inferiores não todavia quanto a toda a espécie de vícios mas só quanto àquela parte do torpe que é o ridículo O ridículo é apenas certo defeito torpeza anódina e inocente que bem o demonstra por exemplo a máscara cômica que sendo feia e disforme não tem expressão de dor 23 Se as transformações da Tragédia e seus autores nos são conhecidas as da Comédia pelo contrário estão ocultas pois que delas se não cuidou desde o início só passado muito tempo o arconte concedeu o coro da Comédia que outrora era constituído por voluntários E também só depois que teve a Comédia alguma forma é que achamos memória dos que se dizem autores dela Não se sabe portanto quem introduziu máscaras prólogo número de atores e outras coisas semelhantes A composição de argumentos é prática oriunda da Sicília e os primeiros poetas cômicos teriam sido Epicarmo e Fórmide dos atenienses foi Crates o primeiro que abandonada poesia jâmbica inventou diálogos e argumentos de caráter universal 24 A Epopeia e a Tragédia concordam somente em serem ambas imitação de homens superiores em verso mas difere a Epopeia da Tragédia pelo seu metro único e a forma narrativa E também na extensão porque a Tragédia procura o mais que é possível caber dentro de um período do sol ou pouco excedêlo porém a Epopeia não tem limite ide tempo e nisso diferem ainda que a Tragédia ao princípio igualmente fosse ilimitada no tempo como os poemas épicos 25 Quanto às partes constitutivas algumas são as mesmas na Tragédia e na Epopeia outras são só próprias da Tragédia Por isso quem quer que seja capaz de julgar da qualidade e dos defeitos da Tragédia tão bom juiz será da Epopeia Porque todas as partes da poesia épica se encontram n Tragédia mas nem todas as da poesia trágica intervêm na Epopeia VI VI Definição de Tragédia P Definição de Tragédia Parte artes ou s ou elem elementos essenciais entos essenciais 26 Da imitação em hexâmetros e da Comédia trataremos depois agora vamos falar da Tragédia dando da sua essência a definição que resulta de quanto precedentemente dissemos 27 É pois a Tragédia imitação de uma ação de caráter elevado completa e de certa extensão e linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes do drama imitação que se efetua não por narrativa mas mediante atores e que suscitando o terror e a piedade tem por efeito a purificação dessas emoções 28 Digo ornamentada a linguagem que tem ritmo harmonia e canto e o servirse separadamente de cada uma das espécies de ornamentos significa que algumas partes da Tragédia adotam só o verso outras também o canto 29 Como essa imitação é executada por atores em primeiro lugar o espetáculo cênico há de ser necessariamente uma das partes da Tragédia e depois a Melopeia e a elocução pois estes são os meios pelos quais os atores efetuam a imitação Por elocução entendo a mesma composição métrica e por Melopeia aquilo cujo efeito a todos é manifesto 30 E como a Tragédia é a imitação de uma ação e se executa mediante personagens que agem e que diversamente se apresentam conforme o próprio caráter e pensamento porque é segundo estas diferenças de caráter e pensamento que nós qualificamos as ações daí vem por consequência o serem duas as causas naturais que determinam as ações pensamento e caráter e nas ações assim determinadas tem srcem a boa ou má fortuna dos homens Ora o Mito é imitação de ações e po Mito entendo a composição dos atos por caráter o que nos faz dizer das personagens que elas têm tal ou tal qualidade e por pensamento tudo quanto digam as personagens para demonstrar o quer que seja ou para manifestar sua decisão 31 É portanto necessário que sejam seis as partes da Tragédia que constituam a sua qualidade designadamente Mito caráter elocução pensamento espetáculo e Melopéia De sorte que quanto aos meios com que se imita são duas quanto ao modo por que se imita é uma só e quanto aos objetos que se imitam são três e além dessas partes não há mais nenhuma Pode dizerse que de todos esses elementos não poucos poetas se serviram com efeito todas as Tragédias comportam espetáculo caracteres Mito Melopeia elocução e pensamento 32 Porém o elemento mais importante é a trama dos fatos pois a Tragédia não é imitação de homens mas de ações e de vida de felicidade e infelicidade mas felicidade ou infelicidade reside na ação e a própria finalidade da vida é uma ação não uma qualidade Ora os homens possuem tal ou tal qualidade conformemente ao caráter mas são bem ou malaventurados pelas ações que praticam Daqui se segue que na Tragédia não agem as personagens para imitar caracteres mas assumem caracteres para efetuar certas ações por isso as ações e o Mito constituem a finalidade da Tragédia e a finalidade é de tudo o que mais importa 33 Sem ação não poderia haver Tragédia mas poderia havêla sem caracteres As Tragédias da maior parte dos modernos não têm caracteres e em geral há muitos poetas dessa espécie Também entre os pintores assim é Zêuxis comparado com Polignoto porque Polignoto é excelente pintor d caracteres e a pintura de Zêuxis não apresenta caráter nenhum 34 Se por conseguinte alguém ordenar discursos em que se exprimam caracteres por be executados que sejam os pensamentos e as elocuções nem por isso haverá logrado o efeito trágico muito melhor o conseguirá a Tragédia que mais parcimoniosamente usar desses meios tendo no entanto o Mito ou a trama dos fatos Ajuntemos a isso que os principais meios por que a Tragédia move os ânimos também fazem parte do Mito refirome a Peripécias e Reconhecimentos Outr sinal da superioridade do Mito se mostra em que os principiantes melhores efeitos conseguem e elocuções e caracteres do que no entrecho das ações é o que se nota em quase todos os poetas antigos 35 Portanto o Mito é o princípio e como que a alma da Tragédia só depois vêm os caracteres Algo semelhante se verifica na pintura se alguém aplicasse confusamente as mais belas cores a sua obra não nos comprazeria tanto como se apenas houvesse esboçado uma figura em branco A Tragédia é por conseguinte imitação de uma ação e através dela principalmente imitação de agentes 36 Terceiro elemento da Tragédia é o pensamento consiste em poder dizer sobre tal assunto o que lhe é inerente e a esse convém Na eloquência o pensamento é regulado pela política e pela oratória efetivamente nos antigos poetas as personagens falavam a linguagem do cidadão e nos modernos falam a do orador Caráter é o que revela certa decisão ou em caso de dúvida o fi preferido ou evitado por isso não têm caráter os discursos do indivíduo em que de qualquer modo se não revele o fim para que tende ou o qual repele Pensamento é aquilo em que a pessoa demonstra que algo é ou não é ou enuncia uma sentença geral 37 Quarto entre os elementos literários é a elocução Como disse denomino elocução o enunciado dos pensamentos por meio das palavras enunciado este que tem a mesma efetividade em verso ou em prosa 38 Das restantes partes a Melopeia é o principal ornamento 39 Quanto ao espetáculo cênico decerto que é o mais emocionante mas também é o menos artístico e menos próprio da poesia Na verdade mesmo sem representação e sem atores pode a Tragédia manifestar seus efeitos além disso a realização de um bom espetáculo mais depende do cenógrafo que do poeta VI VIII Estrutura do Estrutura do Mito trágico O Mito com Mito trágico O Mito como ser vivente o ser vivente 40 Assim determinados os elementos da Tragédia digamos agora qual deve ser a composição dos atos pois é essa parte na Tragédia a primeira e a mais importante 41 Já ficou assente que a Tragédia é imitação de uma ação completa constituindo um todo que tem certa grandeza porque pode haver um todo que não tenha grandeza 42 Todo é aquilo que tem princípio meio e fim Princípio é o que não contém em si mesmo o que quer que siga necessariamente outra coisa e que pelo contrário tem depois de si algo com que está ou estará necessariamente unido Fim ao invés é o que naturalmente sucede a outra coisa por necessidade ou porque assim acontece na maioria dos casos e que depois de si nada tem Meio é o que está depois de alguma coisa e tem outra depois de si 43 É necessário portanto que os Mitos bem compostos não comecem nem terminem ao acaso mas que se conformem aos mencionados princípios 44 Além disto o belo ser vivente ou o que quer que se componha de partes não só deve ter essas partes ordenadas mas também uma grandeza que não seja qualquer Porque o belo consiste na grandeza e na ordem e portanto um organismo vivente pequeníssimo não poderia ser belo pois a visão é confusa quando se olha por tempo quase imperceptível e também não seria belo grandíssimo porque faltaria a visão do conjunto escapando à vista dos espectadores a unidade e a totalidade imaginese por exemplo um animal de dez mil estádios Pelo que tal como os corpos e organismos viventes devem possuir uma grandeza e esta bem perceptível como um todo assim também os Mitos devem ter uma extensão bem apreensível pela memória 45 Determinar o limite prático dessa extensão tendo em conta as circunstâncias dos concursos dramáticos e a impressão no público tal não é o mister da arte poética pois se houvesse que pôr em cena cem Tragédias em um só concurso dramático o tempo teria de ser regulado pela clepsidra como dizem que se fazia antigamente Porém o limite imposto pela própria natureza das coisas é o seguinte desde que se possa apreender o conjunto uma Tragédia tanto mais bela será quanto mais extensa Dando uma definição mais simples podemos dizer que o limite suficiente de uma Tragédia é o que permite que nas ações uma após outra sucedidas conformemente à verossimilhança e à necessidade se dê o transe da infelicidade à felicidade ou da felicidade à infelicidade VIII VIII Unidade de ação unidade histórica e unidade poética Unidade de ação unidade histórica e unidade poética 46 Uno é o Mito mas não por se referir a uma só pessoa como creem alguns pois há muito acontecimentos e infinitamente vários respeitantes a um só indivíduo entre os quais não é possível estabelecer unidade alguma Muitas são as ações que uma pessoa pode praticar mas nem por isso elas constituem uma ação una 47 Assim parece que tenham errado todos os poetas que compuseram uma Heracleida ou uma Teseida ou outros poemas que tais por entenderem que sendo Héracles um só todas as ações haviam de constituir uma unidade 48 Porém Homero assim como se distingue em tudo o mais também parece ter visto bem fosse por arte ou por engenho natural pois ao compor a Odisseia não poetou todos os sucessos da vida de Ulisses por exemplo o ter sido ferido no Parnaso e o simularse louco no momento em que se reuni o exército Porque de haver acontecido uma dessas coisas não se seguia necessária e verossimilmente que a outra houvesse de acontecer mas compôs em torno de uma ação una a Odisseia una no sentido que damos a essa palavra e de modo semelhante a Ilíada 49 Por conseguinte tal como é necessário que nas demais artes miméticas una seja a imitação quando o seja de um objeto uno assim também o Mito porque é imitação de ações deve imitar as que sejam unas e completas e todos os acontecimentos se devem suceder em conexão tal que uma vez suprimido ou deslocado um deles também se confunda ou mude a ordem do todo Pois não faz parte de um todo o que quer seja quer não seja não altera esse todo IX IX Poesia e história Mito trágico e Mito tradicional Particular e Poesia e história Mito trágico e Mito tradicional Particular e uni universal Pieda versal Piedade e terr de e terror Surpreendente e m or Surpreendente e maravilhoso aravilhoso 50 Pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício de poeta narrar o que aconteceu é sim o de representar o que poderia acontecer quer dizer o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade Com efeito não diferem o historiador e o poeta por escrevere verso ou prosa pois que bem poderiam ser postos em verso as obras de Heródoto e nem por isso deixariam de ser história se fossem em verso o que eram em prosa diferem sim em que diz um as coisas que sucederam e outro as que poderiam suceder Por isso a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a história pois refere aquela principalmente o universal e esta o particular Por referirse ao universal entendo eu atribuir a um indivíduo de determinada natureza pensamentos e ações que por liame de necessidade e verossimilhança convêm a tal natureza e ao universal assim entendido visa a poesia ainda que dê nomes às suas personagens particular pelo contrário é o que fez Alcibíades ou o que lhe aconteceu 51 Quanto à Comédia já ficou demonstrado esse caráter universal da poesia porque o comediógrafos compondo a fábula segundo a verossimilhança atribuem depois às personagens os nomes que lhes parecem e não fazem como os poetas jâmbicos que se referem a indivíduos particulares 52 Mas na Tragédia mantêmse os nomes já existentes A razão é a seguinte o que é possível é plausível ora enquanto as coisas não acontecem não estamos dispostos a crer que elas sejam possíveis mas é claro que são possíveis aquelas que aconteceram pois não teriam acontecido se não fossem possíveis 53 Todavia sucede também que em algumas Tragédias são conhecidos os nomes de uma ou duas personagens sendo os outros inventados em outras Tragédias nenhum nome é conhecido como no nteu de Aragão em que são fictícios tanto os nomes como os fatos o que não impede que igualmente agrade Pelo que não é necessário seguir à risca os Mitos tradicionais donde são extraídas as nossas Tragédias pois seria ridícula fidelidade tal quando é certo que ainda as coisas conhecidas são conhecidas de poucos e contudo agradam elas a todos igualmente 54 Daqui claramente se segue que o poeta deve ser mais fabulador que versificador porque ele é poeta pela imitação e porque imita ações E ainda que lhe aconteça fazer uso de sucessos reais nem por isso deixa de ser poeta pois nada impede que algumas das coisas que realmente acontecem sejam por natureza verossímeis e possíveis e por isso mesmo venha o poeta a ser o autor delas 55 Dos Mitos e ações simples os episódicos são os piores Digo episódico o Mito em que relação entre um e outro episódio não é necessária nem verossímil Tais são os Mitos de maus poetas por imperícia deles e às vezes de bons poetas por condescendência com os atores É que para compor partes declamatórias chegam a forçar a fábula para além dos próprios limites e a romper o nexo da ação 56 Como porém a Tragédia não só é imitação de uma ação completa como também de casos que suscitam o terror e a piedade e essas emoções se manifestam principalmente quando se nos deparam ações paradoxais e perante casos semelhantes maior é o espanto que ante os feitos do acaso e da fortuna porque ainda entre os eventos fortuitos mais maravilhosos parecem os que se nos afiguram acontecidos de propósito tal é por exemplo o caso da estátua de Mítis em Argos que matou caindolhe em cima o próprio causador da morte de Mítis no momento em que a olhava pois fatos semelhantes não parecem devidos ao mero acaso daqui se segue serem indubitavelmente os melhores os Mitos assim concebidos XX Mitos simples e complexo Reconhecimento e Peripécia Mitos simples e complexo Reconhecimento e Peripécia 57 Dos Mitos uns são simples outros complexos porque tal distinção existe por natureza entre as ações que eles imitam 58 Chamo ação simples aquela que sendo una e coerente do modo acima determinado efetua a mutação de fortuna sem Peripécia ou Reconhecimento ação complexa denomino aquela em que a mudança se faz pelo Reconhecimento ou pela Peripécia ou por ambos conjuntamente 59 É porém necessário que a Peripécia e o Reconhecimento surjam da própria estrutura intern do Mito de sorte que venham a resultar dos sucessos antecedente ou necessária ou verossimilmente Porque é muito diverso acontecer uma coisa por causa de outra ou acontecer meramente depois de outra XI XI Elem Elementos qu entos qualitativos alitativos do do Mito com Mito complexo plexo Rec Reconhecim onhecimento e ento e Peripécia Peripécia 60 Peripécia é a mutação dos sucessos no contrário efetuada do modo como dissemos e essa inversão deve produzirse também o dissemos verossímil e necessariamente Assim no Édipo o mensageiro que viera no propósito de tranquilizar o rei e de libertálo do terror que sentia nas suas relações com a mãe descobrindo quem ele era causou o efeito contrário e no Linceu sendo Linceu levado para a morte e seguindoo Danau para o matar acontece o oposto este morre e aquele fica salvo 61 O Reconhecimento como indica o próprio significado da palavra é a passagem do ignora ao conhecer que se faz para amizade ou inimizade das personagens que estão destinadas para a dita ou para a desdita 62 A mais bela de todas as formas de Reconhecimento é a que se dá juntamente com a Peripécia como por exemplo no Édipo E outras há ainda referentes a objetos inanimados quaisquer que sejam eles e também constitui Reconhecimento o haver ou não haver praticado uma ação Mas é primeira forma aquela que melhor corresponde à essência do Mito e da ação porque o Reconhecimento com Peripécia suscitará terror e piedade e nós mostramos que a Tragédia é imitação de ações que despertam tais sentimentos E demais a boa ou má fortuna resulta naturalmente de tais ações 63 Posto que o Reconhecimento é reconhecimento de pessoas pode acontecer que ele ocorr apenas numa pessoa a respeito da outra quando uma das duas fica sabendo quem seja esta outra 5 noutros casos ao invés dáse o Reconhecimento entre ambas as personagens Assim Ifigênia foi reconhecida por Orestes pelo envio da carta mas para que ela o reconhecesse a ele foi mister outro Reconhecimento 64 São estas duas das partes do Mito Peripécia 10 e Reconhecimento Terceira é Catástrofe Que sejam a Peripécia e o Reconhecimento já o dissemos A Catástrofe é uma açã perniciosa e dolorosa como o são as mortes em cena as dores veementes os ferimentos e mais casos semelhantes Plotino Plotino Sobre o belo Sobre o belo Sobre o belo Sobre o belo Enéad Enéada I 6 a I 644 Plotino 205 dC270 dC Plotino 205 dC270 dC Tradução mael Quiles Qual é a causa por que os corpos parecem belos à nossa vista e de que nosso ouvido sinta inclinação aos sons belos Por que tudo imediatamente ligado à alma é de alguma maneira belo Todas as coisas belas o são por uma mesma e única beleza ou a beleza do corpo é diversa da beleza dos outros seres Em que consistem essa ou essas belezas Tais questões serão abordadas no texto apresentado agora ao leitor publicado em 270 dC nas Enéadas Sobre o Belo I6 Em suma Plotino 205 dC 270 dC procura responder o que pretendemos dizer quando afirmamos que algo é belo abordando o tema sob a sua reflexão peculiar ao neoplatonismo acerca das formas inteligíveis Será simplesmente a simetria ou a capacidade de agradar aos sentidos o critério para decidirmos sobre a beleza de algo Temas Temas ontologia neoplatonismo epistemologia 4 PLOTINO Sobre o belo Enéada I 6 In A alma a beleza e a contemplação São Paulo Associação Palas Athena 1981 p 54 62 Agradecemos à Associação Palas Athena por autorizar a utilização do texto 1 Quase sempre percebemos o belo com a vista Com o ouvido também percebemos n combinação de palavras e em toda classe de música porque as melodias e os ritmos são belos E se nos elevamos a um plano superior à sensação encontramos hábitos ações caracteres e até ciências e virtudes belas Há além disso outra beleza mais elevada que essas Nossa discussão elucidáloá Qual é a causa por que os corpos parecem belos à nossa vista e de que nosso ouvido sinta inclinação aos sons belos Por que tudo imediatamente ligado à alma é de alguma maneira belo Todas as coisas belas o são por uma mesma e única beleza ou a beleza do corpo é diversa da beleza dos outros seres Em que consistem essa ou essas belezas Em alguns seres os corpos por exemplo a beleza não resulta dos próprios elementos substanciais senão de uma participação noutros é algo identificado a sua natureza tal ou qual por exemplo a virtude Os corpos com efeito algumas vezes nos parecem belos e outras não como se ser corpo fosse coisa diferente de ser belo Em que consiste esse ser belo que habita os corpos É o primeiro que devemos investigar Que é isso que faz os olhos dos espectadores e atrai para si com a sedução e o deleite de sua contemplação Se conseguirmos determinálo talvez nos sirva logo como ponto de apoio para estudar outros casos É voz comum generalizamos que a beleza visível é fruto da mútua simetria das partes entre si e em relação ao todo unida à vistosidade das cores de maneira que neste caso e universalmente em todos os casos ser belo é ser simétrico e proporcionado De ser verdadeira tal suposição seguirse ia necessariamente que nada simples seria formoso unicamente o composto poderia sêlo e que a beleza seria privilégio do todo enquanto que as partes careceriam dela tendo estas como exclusiva finalidade o uniremse no todo que por elas seria belo Porém se o todo é belo as partes também o serão porque a beleza não é algo que resulta da agregação de elementos feitos senão que compenetra todas as partes Além disso segundo essa opinião teria de admitirse que as belas cores o mesmo se diga da luz do Sol caem fora do âmbito da beleza pois sendo simples não podem possuir uma beleza fundada em simetria E como explicar seia a beleza que há no ouro ou de onde procederia a que contemplamos num relâmpago que fulgura na noite Nos sons encontramos a mesma dificuldade os simples não teriam valor contudo muitas vezes cada um dos que formam um conjunto formoso é em si mesmo formoso E se a isto se agrega que o mesmo rosto conservando idêntica simetria aparece algumas vezes formoso e outras não como negar que a beleza consiste em algo mais que a simetria e que a simetria é bela por outra coisa E passandose aos belos hábitos e às belas concepções mentais se quisesse encontrar a causa de sua beleza na simetria quem defenderia que há simetria nos belos hábitos ou nas leis nas matemáticas ou nas ciências Que sentido haveria falar então de teoremas simétricos entre si Acaso são mutuamente coerentes Porém entre concepções não formosas também h correspondência e coerência por exemplo que o domínio racional de si mesmo é uma ingenuidade está de acordo e coincide com que a justiça é uma candidez generosa ambas as proposições são entre si coerentes Beleza da alma é a virtude beleza num sentido muito mais real que as outras das quais antes falávamos e que significaria falar nela de partes simétricas Porque embora fossem múltiplas as partes da alma não seriam simétricas como as magnitudes ou os números Com efeito que proporção regeria a combinação ou mistura das partes da alma ou das concepções científicas Fora disso que formosura poderia haver na inteligência pura5 2 Retomemos pois o problema determinando antes de tudo em que consiste a beleza dos corpos É algo que apenas se apresenta se faz perceptível e move a alma a pronunciar seu verbo como se intelectualmente se compenetrasse com ele Há um reconhecimento uma recepção e de certa maneira uma integração da alma com ele Em troca ante o feio a alma se intranquiliza sente repugnância e distanciase como se não harmonizasse nem se assemelhasse com ele Digamos em consequência que a alma por gozar da natureza da qual goza e por estar e continuidade com a essência que na escala dos seres lhe é superior regozija ao contemplar seres de seu mesmo gênero ou que são vestígios de seu mesmo gênero Ante eles em êxtase de entusiasmo surpreendese atraios em sua direção e lembrase de si mesma e do que lhe é próprio Mas que semelhanças têm as formosuras deste mundo com as do outro E se alguma semelhança têm concedamos que tenham de que depende a beleza de umas e outras Segundo meu parecer da participação de uma ideia6 Porque tudo o que naturalmente está destinado a receber uma ideia e uma forma se fica privado dela e não participa de sua ideia exemplar é feio e fica fora do plano divino nisso consiste a feiúra absoluta Assim resulta também feio o que não está dominado por uma forma e um exemplo devido a ter a matéria recebido incompletamente a informação da ideia Porque a ideia que se introduz nele é o que constitui ao ser múltiplo em sua unidade fazendoo coerente e levandoo a um acabamento harmônico pela totalização do equilíbrio de suas partes sendo ela uma temse de ser também informado por ela no grau de unidade que é capaz de receber o múltiplo E a beleza não se entrega ao ser até que este se unifique porém ao entregarse penetra tanto no conjunto quanto nas partes a não ser quando se encontra com um ser uno e homogêneo pois em tal caso penetra todo o conjunto com uma mesma formosura Seria como se uma potência natural procedendo como procedem os métodos técnicos embelezasse uma casa com suas partes no primeiro caso e uma só pedra no segundo Por conseguinte a formosura corpórea brota da comunicação de um exemplar ideal vindo dos deuses 3 Para reconhecer essa beleza temos na alma uma faculdade especialmente ordenada a ela e embora toda a alma colabore na formação do juízo estético com todo o fundamental dele é obra dessa faculdade E quiçá tal capacidade de estimação encontrase na alma graças a que ela mesma acomodase à sua própria ideia e assim podese servir dela em seu juízo como nós nos servimos de uma régua para verificar uma reta Porém em que forma a beleza corpórea responde à beleza que é anterior ao corpo Em que forma o arquiteto faz corresponder à ideia interior da casa a casa extramental para poder afirmar que é bela É que a casa extramental se se faz abstração das pedras é a ideia íntima que se dividiu na massa exterior da matéria e que apesar de seu ser indivisível mostrase em partes múltiplas Da mesma maneira quando a sensação capta a ideia que nos corpos une e domina a natureza adversa e informe e uma forma que sobressai entre as demais luminosa e vitoriosamente percebe com um só golpe de vista a multiplicidade dispersa e a orienta e a reduz à simples unidade mental pondoa assim em harmonia coerente e simpática ressonância com o mental É o que acontece quando um homem de bem vê aparecer a doçura num jovem como um vestígio de virtude que responde à verdadeira virtude inferior A formosura simples da cor provém de uma forma e da presença de uma luz incorpórea exemplar e ideia que domina a obscuridade da matéria Por isso exceção única entre todos os corpos o fogo é belo em si mesmo por ser o que detém a categoria de ideia entre os elementos Ele com efeito está situado num plano superior é o mais ligeiro de todos os corpos por ser o mais próximo ao incorpóreo está ilhado e não recebe em si os outros elementos enquanto que os outros o acolhem porque os outros podem esquentarse mas ele não se pode esfriar e ele possui primitivamente a cor enquanto que os outros recebem dele a ideia da cor O fogo resplandece e brilha porque é ideia e o que lhe é inferior quando sua luminosidade não o faz perceptível deixa de ser formoso porque não participa absolutamente da ideia da cor E quanto às harmonias são as que estão ocultas nos sons as que causam as manifestadas e faze assim com que a alma tome consciência do belo fazendoa encontrar algo idêntico a si num sujeito diferente Disso seguese que as harmonias sensíveis estão medidas por números que se regem não por qualquer proporção senão pela que exige a submissão à ação dominadora da ideia7 E isso é o que há de dizer sobre a beleza no sensível essa beleza que é de certa maneira imagem e sombra fugidia de outra parte que embeleza a matéria ao vir refugiarse nela e que ao transfigurarse deixanos maravilhados 4 Agora abandonando a sensação em seu plano inferior devemos ascender à contemplação dessas belezas mais elevadas que escapam ao âmbito da percepção sensitiva as que a alma intui e expressa sem órgão algum Porém assim como são incapazes de falar sobre as belezas sensíveis os que não as viram ou não as perceberam como belas é o que acontece aos que nasceram cegos da mesma maneira ninguém é capaz de falar sobre os belos hábitos a não ser aquele que acolheu em si sua beleza a das ciências e a das outras coisas semelhantes E é impossível que fale sobre o resplendor da virtude aquele que não imagina a beleza do rosto da justiça ou do domínio racional de si mesmo ou aquele que não sabe que nem a estrela da manhã nem a da tarde são tão belas quanto elaPara contemplar tudo isso é mister que a alma possua o órgão que tal intuição requer poré quando chega a contemplálo não pode percebêlo sem ficar maravilhada e arrebatada de admiração muito mais veemente que no caso anterior porque agora já toma contato com realidades Essas são com efeito as emoções que ante qualquer objeto belo hão de se experimentar inevitavelmente admiração agradável surpresa desejo amor e enlevo prazenteiro Tais emoções podemse experimentar e de fato as experimentam ante os objetos visíveis falando em geral todas as almas a experimentam porém de maneira especial as que estão mais enamoradas desses objetos o mesmo que acontece com a beleza corpórea todos a veem mas nem todos são igualmente sensíveis à sua excitação e há alguns designamolos com o nome deenamorados que a percebem de maneira privilegiada 5 Temos também de estudar o que labora o amor nas coisas não sensíveis Que é o que experimentais frente aos hábitos que se catalogam como formosos ou frente aos caracteres belos e às maneiras de proceder conformes à razão em geral frente aos atos e hábitos virtuosos e frente à beleza das almas Que experimentais ao contemplar vossa mesma beleza interior Quão intensa ebriedade sentis e que veemente ânsia de conviver convosco despojandovos de vossos corpos É o que sentem os verdadeiros enamorados E qual é o objeto dessas emoções Não uma figura ou uma cor ou uma magnitude é a alma que não tem cor e que está adornada com o sábio domínio de si mesma e o brilho das outras virtudes coisas todas que carecem de cor Vós as experimentais quando descobris em vós mesmos ou contemplais em outro a grandeza da alma um caráter justo um imaculado domínio próprio o valor de um rosto enérgico a venerabilidade e o pudor que se transfigura num modo de operar sereno e imperturbável e sobretudo ao vos encontrardes ante o resplendor da inteligência plasmada à imagem de Deus Tendo pois inclinação e amor a todas essas coisas em que sentido as chamamos belas Porque elas o são manifestamente e qualquer um que as veja afirmará que elas são as verdadeiras realidades Porém que são essas realidades Belas sem dúvida embora a razão deseje ainda saber o que elas são para ser à alma amável Que é pois isso que brilha sobre todas as virtudes como uma luz Querem oporselhe a fealdades da alma para deterse em seus contrários Porque seria talvez útil ao objeto de nossa investigação saber o que é fealdade e por que ela se manifesta Suponhamos pois uma alma feia intemperante e injusta ela está cheia de numerosos desejos e da maior turbação temerosa invejosa por sua mesquinhez pensa bem porém não pensa senão nos objetos mortais e daqui embaixo sempre oblíqua inclinada aos prazeres vivendo da vida das paixões corporais encontra seu prazer na fealdade Não diremos que essa mesma feiura lhe sobrevém como um mal adquirido que a mancha a torna impura e a mescla de grandes males 6 Pois como diz um antigo pensamento a temperança o valor e toda virtude e mesmo a prudência são purificações Por isso os mistérios dizem com palavras encobertas que o ser não purificado embora no Hades8 será colocado num lamaçal porque o impuro por sua maldade ama esses lugares imundos como se comprazem os suínos cujos corpos são impuros Em que consistirá pois a verdadeira temperança senão em manterse separado dos prazeres do corpo e ainda em fugir deles porque são impuros e impróprios de um ser puro O valor consiste em não temer a morte e como a morte é a separação da alma e do corpo não temerá essa separação aquele que deseja estar separado do corpo A magnanimidade é o desprezo das coisas daqui embaixo A prudência é o pensamento que se separa das coisas daqui embaixo conduzindo a alma para cima A alma purificada vem a tornarse como uma forma uma razão tornase toda incorpórea e intelectiva e pertence inteira ao divino onde está a fonte da beleza e de onde vêm todas as coisas do mesmo gênero da alma Reduzida à inteligência é a alma muito mais bela E a inteligência e aquilo que com ela vem é para a alma uma beleza própria e não estranha porque então ela é só alma Por isso se diz com razão que o bem e a beleza da alma consistem em se fazerem semelhantes a Deus porque de Deus vem o belo e tudo o que constitui o domínio da realidade Porém a beleza uma realidade verdadeira e a fealdade uma natureza diferente desta realidade É a mesma coisa a que primitivamente é feia e má e assim também é a mesma coisa a que é boa e bela ou a que é o Bem e a Beleza Temse de procurar pois por meios parecidos o belo e o bem o feio e o mau Devese estabelecer desde um princípio que o belo é também o bem desse bem a inteligência tira imediatamente sua beleza e a alma é bela pela inteligência as outras belezas a das ações e a das ocupações provêm de que a alma lhes imprime sua forma Esta faz também tudo que chamamos os corpos sendo algo divino e como uma parte da beleza faz belas todas as coisas que toca e que domina enquanto lhes é possível participar da beleza 7 É necessário pois remontarse novamente em direção ao Bem em direção ao qual tende tod alma Se alguém já o viu sabe o que quero dizer e em que sentido ele é belo Como bem é desejado e o desejo tende em direção a ele porém só o alcançam aqueles que sobem em direção à região superior voltamse para ele e se despojam das vestes de que se cobriram ao descer à maneira dos que sobem em direção aos santuários dos templos devem purificarse deixar suas vestes antigas e subir nus até que havendo abandonado nessa subida tudo aquilo que é estranho a Deus veemse a si sós em sua solidão sua simplicidade e sua pureza Para ele que é o ser do qual tudo depende e direção ao qual tudo olha por ele que é o ser a vida e o pensamento porque ele é causa da vida da inteligência e do ser Caso se o veja que amores e que desejos não se sentirá querendo unirse a ele e com que prazer não se o admirará Porque aquele que não o viu ainda pode tender em sua direção como a um bem porém aquele que o viu é a ele que pode amálo por sua beleza e por estar pleno de espanto e de prazer e permanecer num estupor benéfico amálo com um verdadeiro amor com desejos ardentes escarnecerse dos outros amores e desprezar em seguida as pretensas belezas isso é o que experimentam todos aqueles que encontraram as formas divinas ou demoníacas e já não mais admitem a beleza dos outros corpos Que cremos que experimentaria se vissem o bem em si em toda sua pureza e não como aquele que está sentindo o peso da carne e do corpo senão como aquele que para ser inteiramente puro está acima da terra e do céu Todas as outras belezas são adquiridas mescladas e de nenhuma maneira primitivas elas provêm dele Se pois vêse aquele que provê de beleza a todas as coisas porém que a dá permanecendo em si mesmo e que não recebe nada de ninguém em si se se permanece nessa contemplação gozando dele que beleza faltarlheá ainda Porque é ele a verdadeira e a primeira beleza que embeleza seus próprios amantes e os faz dignos de serem amados Aqui impõese à alma a luta maior e suprema e na qual deve realizar seu máximo esforço a fi de não se privar de participar da melhor das visões se a alma logra alcançálo é feliz graças a essa visão de felicidade Aquele que não a encontra é o verdadeiro desgraçado Porque o que não encontra belas as cores ou os corpos não é mais desgraçado que o que não tem o poder as magistraturas ou a realeza O verdadeiro e o único desgraçado é aquele que não descobre o belo para obtêlo é necessário deixar de lado os reinos e a dominação de toda a terra do mar e do céu e graças a esse abandono e a esse desprezo pode voltarse em direção a ele para vêlo 8 Qual é pois esse modo de visão Qual é o meio Como se verá essa beleza imensa que permanece de certa maneira no interior dos santuários e que não se adianta para fora para deixarse ver pelos profanos Que aquele que possa vá e a siga até sua intimidade que abandone a visão dos olhos e não se volte para o resplendor dos corpos que admirava antes Porque se se veem as belezas corporais não se tem de correr até elas e sim saber que elas são imagens vestígios e sombras É necessário fugir em direção a essa beleza da qual elas são imagens Se se corre em direção a elas para alcançálas como se fossem reais fazse como o homem que quis captar sua bela imagem refletida sobre as águas como uma fábula o dá a entender segundo creio tendose afogado na profunda corrente desapareceu O mesmo se diga daquele que está apagado à beleza dos corpos e não a abandona não são os corpos e sim sua alma a que se irá afogar nas profundezas escuras e funestas à inteligência e ele viverá nas sombras morando cego no Hades Fujamos pois em direção à nossa querida pátria eis aqui o verdadeiro conselho que se nos poderia dar Mas qual é a essa fuga Como subir Como Ulisses que escapou segundo se diz do encantamentos de Circe e de Calipso ou seja que não consentiu em ficar com elas apesar do prazeres dos olhos e de todas as belezas sensíveis que encontrava Nossa pátria é o lugar de onde viemos e nosso pai está lá em cima Quais são pois essa viagem e essa fuga Não devemos fugir com os pés porque nossos passos nos levam sempre de uma parte da terra a outra não se tem de preparar tampouco nenhuma barraca e nenhum navio e sim deixar de olhar e fechando os olhos mudar essa maneira de ver por outra e despertar essa faculdade que todo mundo possui mas da qual poucos fazem uso 9 E qual é esse olho interior Em seu despertar ele não pode ver os objetos brilhantes necessário acostumar a própria alma a ver primeiro as ocupações belas depois as obras belas não as que executam as artes e sim as dos homens de bem Logo é necessário ver a alma daqueles que realizam as obras belas Como se pode ver essa beleza da alma boa Voltate a ti mesmo e olha se tu não vês todavia a beleza em ti faze como o escultor de uma estátua que deve ser bela toma uma parte esculpea polea e vai ensaiando até que tires linhas belas do mármore Como aquele tira o supérfluo endireita o que é oblíquo limpa o que está obscuro para tornálo brilhante e não cesses de esculpir tua própria estátua até que o resplendor divino da virtude se manifeste até que vejas a temperança sentada sobre um trono sagrado Tu és já isso É isso que tu vês aí É isso o que tu viste um comércio puro um trato puro sem nenhum obstáculo à tua unificação sem que nada estranho esteja mesclado interiormente a ti mesmo És tu todo inteiro uma luz verdadeira não uma luz de dimensão ou de formas mensuráveis que pode diminuir ou aumentar indefinidamente em magnitude senão uma luz que carece em absoluto de medida porque ela é superior a toda medida e quantidade Tu te vês nesse estado Então te tornaste uma visão tem confiança em ti embora permanecendo aqui hás subido ao alto e não tens necessidade de guia Fixa seu olhar e contempla Porque esse olho só é o que pode ver a grande beleza Porém se vai contemplar as manchas do vício sem estar limpo ou se é débil tem pouca força para ver os objetos muito brilhantes e não vê nada ainda que se o ponha na presença de um objeto que pode ser visto Porque é necessário que o olho se faça semelhante e parecido com o objeto visto para poder contemplálo Jamais veria um olho o Sol sem haverse tornado semelhante ao Sol nenhuma alm veria o belo sem ser bela Que tudo se faça pois primeiro divino e belo se se quer contemplar a Deus e ao belo Que se vá primeiro remontandose até a inteligência e se saberá que nela todas a ideias são belas e se confessará que ali está a beleza a saber as ideias por elas que são os produtos e a essência da inteligência existem todas as belezas O que está além da beleza chamamos a natureza de Bem o belo está colocado frente a ela 9 Assim numa expressão de conjunto diremos que o primeiro é o belo porém se se querem dividir os inteligíveis terseá de distinguir o belo que é lugar das ideias do Bem que está além do belo e que é sua fonte e seu princípio Ou colocarseia o Bem e o belo num mesmo princípio Em todo caso belo está no inteligível 5 Em toda esta passagem Plotino desenvolveu uma crítica profunda da teoria estoica da beleza segundo os estoicos a beleza consist essencialmente na simetria e proporção entre as partes de um corpo resulta assim a beleza algo próprio do mundo material e por elas devemos julgar o mundo inteligível Plotino demonstra que a ordem superior é inversa a beleza é essencialmente algo inteligível e dessa ordem superior descende o mundo corpóreo 6 Solução evidentemente platônica Porém Plotino vai matizála com elementos aristotélicos já que a ideia ou exemplar penetra o corpo como a forma penetra a matéria os termos aristotélicos formar e informar são familiares a Plotino 7 É verdadeiramente surpreendente a síntese a que chegou Plotino conjugando elementos da tradição filosófica grega dentro d ambiente platônico da teoria das ideias e da participação faz conviver também a riqueza aristotélica da forma e a atrevida teoria pitagórica da harmonia constituída pelos números como essência inteligível do mundo material 8 No outro mundo para onde vão os que morrem 9 A natureza do Bem Tomás de Tomás de Aq Aquino uino Contra gentios e S Contra gentios e Suma te uma teológica ológica Contra gentios e Suma teológica Contra gentios e Suma teológica10 10 Tomás de Aquino 12251274 Tomás de Aquino 12251274 Tradução odrigo Duarte É possível que o belo esteja em contradição com o bom Tomás de Aquino 1225 1274 é categórico não Porque belo é a mesma coisa que o bom Além disso se a beleza está submetida necessariamente à avaliação dos sentidos é porque os sentidos capazes de avaliála a visão e a audição são aqueles diretamente relacionados à razão O presente texto aborda tais questões colocandoas em relação ao corpo teórico apresentado naSuma Teológica entre 1265 e 1274 e em Contra Gentiles 1264 ou seja tratase de um autor para o qual a arte deve também ser pensada à luz da reflexão teológica Temas Temas moral teologia 10 Fonte TOMÁS DE AQUINOContra Gen tiles Paris P Lethielleux 1954 TOMÁS DE AQUINOSomme théologique Paris Louis Vivés 1863 I Trechos de Contra gentios I Trechos de Contra gentios 1 Do cap X Como o bem é causa do mal Aparece portanto com evidência como na ordem natural o bem é causa do mal apenas acidentalmente E ocorre o mesmo no domínio da arte A arte imita de fato a natureza em seu movimento e os defeitos podem ser encontrados tanto em uma parte quanto em outra Na ordem moral parece que é diferente O mal moral com efeito não parece ser a resultante de um pormenor já que a fraqueza apaga totalmente ou pelo menos diminui o mal moral A fraqueza não merece a pena adequada ao pecado mas antes a misericórdia e o esquecimento O vício na ordem moral é algo de voluntário e não de necessário 2 Cap XXXVI Como a felicidade não se encontra na arte É evidente que a felicidade não se encontra na arte O conhecimento próprio à arte é ele próprio prático ele é portanto conexo a um fim e não pode ser um fim último Os objetos fabricados são os fins da atividade artística eles não podem ser o fim último da vida humana já que bem ao contrário somos o seu fim tudo está de fato a serviço do homem Não é possível portanto que o agir próprio à arte seja a felicidade última do homem 3 Do cap LXIV Como por sua providência Deus governa o mundo O mesmo ocorre numa arte da qual o objeto é um fim qualquer ele preside e impõe suas leis a todos os meios próprios a esse fim Assim o civil comanda o militar o militar a montaria e a navegação o arsenal Já que todos os seres são orientados à bondade divina como a seu fim é necessário que Deus no qual se encontra principalmente essa bondade como substancialmente possuída aderida e amada por ele tem o governo do mundo inteiro 4 Do cap LXV Como Deus conserva as coisas no ser A toda obra de arte está suposta a obra da natureza e paralelamente a essa a obra de Deus criador pois a matéria da obra de arte vem da natureza e essa de Deus por meio da criação Mas o que se fabrica se mantém no ser graças à resistência como a casa graças à dureza de seus tijolos Toda a natureza é portanto conservada no ser pela virtude divina 5 Do cap LXXXVIII Como Deus governa as outras criaturas pelas criatur inteligentes Nas potências hierarquizadas essa governa a outra que melhor sabe a razão do movimento Nó constatamos por exemplo no domínio das artes que aquela que tem a razão do fim e na qual a obra inteira encontra seu sentido dirige e comanda essa outra que nada faz senão realizar a obra Por isso a arte da navegação comanda a da construção de embarcações aquela que dá a forma comanda aquela que prepara a matéria Quanto aos instrumentos que não sabem a razão do movimento eles são simplesmente vagos Já que só as criaturas inteligentes podem conhecer as razões da orde criada é pois sua tarefa dirigir e comandar as outras criaturas Do cap CXI Como as criaturas racionais estão submissas à divina providênci segundo um regime particular Essas criaturas intelectuais e racionais rd de fato superam as outras criaturas pela perfeição de sua natureza e dignidade de seu fim pela perfeição de sua natureza porque só a criatura racional é dona de seus atos ela se move livremente as outras são mais movidas do que movem por suas operações próprias Pela dignidade do seu fim só mesmo a criatura racional por sua operação o conhecimento e o amor de Deus diz respeito ao fim último do universo As outras criaturas lhes dizem respeito apenas por uma certa participação em sua semelhança Portanto toda forma de atividade varia com o fim ao qual se propõe e os elementos próprios da operação uma arte é exercida diversamente de acordo com o propósito assinalado e a matéria trabalhada assim o médico aplica tratamentos diferentes se se trata de curar uma doença ou de consolidar uma saúde é diferente ainda de acordo com a diferença dos temperamentos E como no governo da cidade a ordem deve dobrar às diversas condições dos assuntos em questão e dos fins utilizáveis legislase diferentemente em vista de preparar soldados para a guerra e artesãos para o bom sucesso de seu ofício II Trec II Trechos da S hos da Suma uma teoló teológica gica IIª parte questão XXVII artigo 1 Belo é a mesma coisa que o bom ele não se difere a não ser racionalmente Como o bom é o que os seres desejam ele tem essa coisa particular sobre a qual repousa o apetite Mas a noção do belo indica que o apetite repousa no seu aspecto ou no seu conhecimento Quais são também os sentidos que se relacionam ao belo Aqueles que são particularmente as faculdades de conhecer a saber a visão e o ouvido que são como que os ministros da razão Dizemos belas visões belos sons mas não atribuímos a beleza às coisas que recaem sob o paladar o olfato e o tato Não dizemos nem sabores graciosos nem belos odores Vêse então que o belo acresce ao bom a ideia de relação com a virtude cognitiva de um modo que se chama bom o que apraz por si mesmo e que se diz belo daquilo que apraz à percepção IIª parte questão CXLV artigo II Honesto é a mesma coisa que o belo Parece que o honesto não é a mesma coisa que o belo 1 Sendo o honesto uma coisa que se deseja por si mesma tem seu assento na vontade Ora o belo é antes de tudo algo que apraz Ele não se confundiria então com o honesto 2 A beleza exige uma certa claridade que se relaciona à glória O honesto ao contrário se relaciona à honra que é diferente da glória como já dissemos quest CIII art I Assim o honest difere também do belo 3 O honesto é a mesma coisa que a virtude Ora há uma beleza contrária à virtude segundo palavra de Ezequiel XVI Porque tivestes confiança em tua beleza prevaricastes em seu nome Portanto o honesto não a mesma coisa que o belo Mas São Paulo IConrinth XII diz que o que há de desonesto em nós reclama uma honestidad maior enquanto o que há de honesto não tem carecimento Ora ele chama aqui de desonestos os membros pudicos e honestos os membros belos Então a honestidade e a beleza parecem ser a mesma coisa Conclusão não há diferença entre o honesto e o belo espiritual Segundo S Dionísio De Div Nom IV a beleza exige a claridade com as proporções justas Pois se diz que Deus é belo por causa de sua perfeita harmonia e de sua claridade Do mesmo modo a beleza do corpo consiste na justa proporção dos seus membros e na claridade da pele A beleza espiritual consiste em que a vida do homem quer dizer suas ações sejam bem proporcionadas segundo a claridade ou a luz espiritual da razão Ora é o honesto ie a virtude que regula todas as coisas humanas de acordo com a razão É por isso que o honesto não é outra coisa que o belo espiritual Também S Agostinho LibLXXXIII Quaest quest XXX diz chamo honestidade beleza inteligível que denominamos propriamente espiritual Ele acrescenta que há muitas belezas visíveis que são menos corretamente chamadas de honestas Respondo aos argumentos 1 É a vista do bem que subleva o apetite Pois o que se vê de belo nele é considerado como conveniente e bom segundo essa palavra de S Dionísio que o belo e o bom são amados por todos É porque desejamos o honesto em virtude de sua beleza espiritual Também Cícero De Offic diz que se se pudesse ver com os olhos a própria forma e como que a face do honesto essa vista excitaria segundo a palavra de Platão os admiráveis amores da sabedoria 2 A glória é o efeito da honra pois é a honra ou o louvor que torna um homem ilustre aos olhos dos seus concidadãos Se igualmente o que é honorífico é a mesma coisa que o que é glorioso o honesto é o mesmo que o belo 3 Tratase aqui da beleza corporal ainda que a beleza espiritual possa ser também a ocasião de nossa prevaricação quando nós nos orgulhamos de acordo com a palavra de Ezequiel XXVIII Teu coração elevouse na contemplação de tua beleza é por causa de tua beleza que hás perdido tua sabedoria Parte I questão V artigo IV O belo e o bom são uma e mesma coisa no sujeito já que eles repousam sobre uma base comum a saber sobre a forma e eis por que um é predicado do outro mas isso não impede que essas duas entidades não difiram racionalmente nas ideias que formamos para nós mesmos Com efeito o bo se relaciona propriamente à faculdade apetitiva já que ele é o que apetece a qualquer coisa e forma por isso mesmo é causa final Ao contrário o belo se liga à faculdade cognitiva considerando que se chamam belas as coisas que aprazem a vista Ele consiste numa justa proporção onde os sentidos reencontram sua semelhança com felicidade pois ele é as próprias relações da ordem e da harmonia E como por um lado a assimilação se liga à forma o belo pertence propriamente à ideia de causa formal Alexander Gottlieb Baumgarten Alexander Gottlieb Baumgarten Estética Estética Estética Estética11 11 Alexander Gottlieb Baumgarten 17141762 Alexander Gottlieb Baumgarten 17141762 Tradução íriam Sutter Medeiros O que é Estética afinal A Estética como teoria das artes liberais como gnoseologi inferior como arte de pensar de modo belo como arte doanálogon da razão é a ciência do conhecimento sensitivo Inaugurando o sentido moderno da palavra Estética o texto de Baumgarten 17141762 de 1750 pretende determinar qual é o seu objeto enquanto ciência do conhecimento sensitivo bem como diferenciála de outras definições O autor ainda avança no sentido de descrever os efeitos da arte sobre a sensibilidade para a apreensão do belo Temas Temas metafísica crítica epistemologia 11 BAUMGARTEN A G A estética In Estética A lógica da arte e do poema Petrópolis Editora Vozes 1993 p 105120 Agradecemos à Editora Vozes por autorizar a utilização do texto Prolegômenos Prolegômenos 1 A Estética como teoria das artes liberais como gnoseologia inferior como arte de pensar de modo belo como arte doanálogon da razão é a ciência do conhecimento sensitivo 2 O grau natural das faculdades cognoscitivas desenvolvido apenas na prática e aquém da cultura disciplinar pode ser denominado de estética natural Esta pode ser dividida segundo a lógica natural em inata o belo talento inato e em adquirida Esta última por sua vez pode ser dividida em adquirida através do ensino e em adquirida através da prática 3 Entre outras possibilidades a aplicação da estética artística 1 que se volta para o natural tornarseá maior se 1 preparar sobretudo pela percepção um material conveniente às ciências do conhecimento 2 adaptar cientificamente os conhecimentos à capacidade de compreensão de qualquer pessoa 3 estender a aprimoração do conhecimento além ainda dos limites daquilo que conhecemos distintamente 4 fornecer os princípios adequados para todos os estudos contemplativos espirituais e para as artes liberais 5 na vida comum superar a todos na meditação sobre as coisas ainda que as demais hipóteses sejam semelhantes 4 A partir disso destacamse algumas aplicações especiais a saber 1 a filológica 2 a hermenêutica 3 a exegética 4 a retórica 5 a homilítica 6 a poética 7 a musical etc 5 Algumas objeções poderiam ser levantadas à nova ciência 1 1 ela se apresenta demasiadamente ampla para que possa ser exaurida em um único e pequeno tratado e em uma única preleção Minha resposta admito essa crítica mas é preferível alguma coisa a nada 2 Ela é idêntica à Retórica e à Poética Resp a é mais abrangente b abarca o que essas duas disciplinas têm de comum entre si e o que têm de comum com as outras artes Por intermédio dessas neste livro e em seu devido lugar sem tautologias inúteis qualquer arte ocuparseá de seu campo com extremo êxito 3 Ela é idêntica à crítica Resp a também existe a crítica lógica b um determinado tipo de crítica faz parte da Estética c para essa determinada parte da Estética é quase indispensável uma prenoção das demais Estéticas a não ser que se queira discutir acerca de meros gostos no julgamento dos belos pensamentos dos belos enunciados e dos belos escritos 6 Outras objeções poderiam ser feitas à nossa ciência a saber 4 as percepções sensitivas o imaginário as fábulas as perturbações das paixões etc são indignas do filósofo e situamse abaixo do seu horizonte Resp a o filósofo é um homem entre os homens e não julga bem se considerar tão extensa parte do pensamento humano alheio a ele b a teoria geral dos belos pensamentos confunde se com a prática e com a realização particular 7 Objeção 5 A confusão é a mãe do erro Resp a mas é a condição sine qua non para se descobrir a verdade quando a natureza não efetua o salto das trevas para a luz Da noite através dos dedos róseos da aurora chegase ao meiodia b por essa razão devemos nos ocupar da confusão a fim de que dela não provenham erros como os tantos que ocorrem e por que preço entre os negligentes c não se recomenda a confusão mas corrigese a ação de conhecer à medida que um resquício de confusão necessariamente intervier nela 8 Objeção 6 O conhecimento distinto é superior ao conhecimento confuso Resp a isso é válido para o pensamento finito apenas nas questões mais graves b a posição de um não exclui o outro c por essa razão segundo as regras básicas distintamente conhecidas dos pensamentos devemos ordenar os conhecimentos que se voltam primeiramente para o belo Destes surge no futuro uma distinção mais perfeita 37 9 Objeção 7 Pelo culto do análogon da razão devese temer que o território do conhecimento firme e racional venha a ser prejudicado Resp Esse argumento é mais pertinente aos que nos aprovam pois todas as vezes que se busca a perfeição composta é esse mesmo perigo que induz à precaução e não recomenda a negligência da verdadeira perfeição do pensamento b quanto mais corrupto e não cultivado for o uso do análogon da razão tanto mais ele prejudicará a severa razão lógica 10 Objeção 8 A Estética é uma arte e não uma ciência Resp a a arte e a ciência não são maneiras de ser opostas Quantas artes que outrora eram apenas artes agora são também ciências A experiência provará que nossa arte pode ser demonstrada É evidente a priori que a nossa arte merece ser elevada à categoria de ciência porque a psicologia e outras ciências fornecem certos princípios e porque as aplicações mencionadas nos 3 4 e outros o demonstram 11 Objeção 9 Como os poetas os estetas não se tornam estetas eles nascem estetas Resp HOR Ars poet 408 CIC De or 26 BILFINGER Dilucid 268 BREITINGER Von Gleichnissen p 6 uma teoria mais completa mais recomendada pela autoridade da razão mais exata menos confusa mais fixa e menos inquietante só ajuda aquele que já nasceu um esteta 3 12 Objeção 10 As faculdades inferiores a sensualidade antes devem ser debeladas do que estudadas e afirmadas Resp a pedese o comando e não a tirania para as faculdades inferiores b para tanto à medida que isso pode ser conseguido naturalmente a Estética nos conduzirá por assi dizer pela mão c os estetas não devem estimular ou afirmar as faculdades inferiores à medida que forem corrompidas mas devem controlálas para que não sejam ainda mais corrompidas por exercícios desfavoráveis ou para que o uso do talento concedido por Deus não seja tolhido sob cômodo pretexto de evitar um mau uso 13 Nossa Estética 1 assim como a Lógica nossa irmã mais velha dividese em I ESTÉTIC TEÓRICA que ensina e prescreve as regras gerais Parte I 1 sobre as coisas e sobre o pensamentos cap I HEURÍSTICA 2 sobre a ordenação lúcida cap II METODOLÓGICA sobre os signos do pensar e do ordenar de modo belo cap III SEMIÓTICA II ESTÉTI PRÁTICA que trata do emprego em casos especiais Parte II Para ambas a teórica e prática vale o seguinte Quem escolher um assunto segundo suas forças a este não faltará eloquência nem ordenação lúcida HOR Ep ad Pis 40 Logo o assunto deve ser o teu primeiro cuidado a ordenação lúcida o segundo e em terceiro e último lugar cuida dos signos Parte I Estética Teórica Parte I Estética Teórica Capítulo Capítulo I Heurística I Heurística Seção 1 Seção 1 A bel A belez eza do c a do conhec onheciimento mento 14 O fim visado pela Estética é a perfeição do conhecimento sensitivo como tal 1 Essa perfeição todavia é a beleza Metafísica 521 662 A imperfeição do conhecimento sensitivo 1 é o disforme Metafísica 521 662 e como tal deve ser evitada 15 O esteta enquanto esteta não se ocupa das perfeições do conhecimento sensitivo tão recônditas que nos permanecem totalmente obscuras ou que apenas podem ser intuídas pelo pensamento 14 16 O esteta enquanto esteta não se ocupa das imperfeições do conhecimento sensitivo tão recônditas que nos permanecem inteiramente obscuras ou que apenas podem ser desvendadas pelo ulgamento do intelecto 14 17 Tomado a partir de sua melhor denominação o conhecimento sensitivo é o complexo de representações que subsistem abaixo da distinção De sua manifestação se quisermos considerar com o intelecto só a beleza e a elegância ou simultaneamente só o disforme como um espectador de gosto refinado às vezes o intuirá a distinção necessária à ciência sucumbiria aniquilada pela fadiga face ao volume de belezas ou desfigurações genéricas bem como específicas que se apresentam em suas diferentes classes 1 Devido a isso examinaremos primeiramente a beleza universal e geral à medida que é comum a quase todo conhecimento sensitivo belo e em seguida a conformidade com o seu oposto 14 18 Enquanto ainda nos abstraímos da sua ordem e dos seus signos a beleza universal do conhecimento sensitivo 14 será 1 o consenso dos pensamentos entre si em direção à unidade consenso este que se manifesta 14 Met 662 como a BELEZA DAS COISAS E D PENSAMENTOS que deve ser distinguida por um lado da beleza do conhecimento da qual é primeira e principal parte 13 e por outro da beleza dos objetos e da matéria com que é errônea e frequentemente confundida devido ao significado genérico da palavra coisa As coisas feias enquanto tais podem ser concebidas de modo belo e as mais belas de modo feio 19 Já que não existe perfeição sem ordem Met 95 a beleza universal do conhecimento sensitivo 14 é 2 o consenso da ordem em que meditamos as coisas pensadas de modo belo e à medida que esse consenso se manifesta 14 é também o consenso interno à própria ordem e o consenso da ordem com as coisas Referimonos portanto à BELEZA DA ORDEM e da disposição 20 Uma vez que não percebemos as coisas designadas sem os signos Met 619 a belez universal do conhecimento sensitivo é 14 3 o consenso interno dos signos e o consenso dos signos com a ordem e com as coisas à medida que este se manifesta A beleza universal do conhecimento sensitivo é a beleza das enunciações tais como a dicção e o estilo quando o signo é o discurso ou o diálogo e simultaneamente a ação do orador isto é seus gestos suas atitudes etc quando o discurso é proferido à viva voz Temos então as três prerrogativas gerais do conhecimento 18 19 21 As desfigurações os defeitos as máculas do conhecimento sensitivo que devem ser evitados nos pensamentos e nas coisas 18 ou na união de mais pensamentos 19 ou na enunciação 20 podem ser precisamente tantos quantos enumeramos por ordem no 13 22 À medida que a riqueza a magnitude a verdade a clareza a certeza e a vida do conhecimento se harmonizarem entre si em uma noção por exemplo a riqueza e a magnitude com a clareza a verdade e a clareza com a certeza todas as outras com a vida e à medida que as diversas outras marcas distintivas do conhecimento 18 20 se harmonizarem com as mesmas elas produzem a perfeição de todo conhecimento Met 69 94 gerando a beleza 14 universal dos fenômenos sensitivos 17 principalmente das coisas e dos pensamentos 18 nos quais nos agrada a riqueza a nobreza a segura luz da verdade em movimento 23 A brevidade a vulgaridade a falsidade Met 551 a obscuridade impenetrável a hesitação dúbia Met 531 a inércia Met 669 são todas imperfeições do conhecimento Met 94 e em geral 14 deformam o conhecimento sensitivo 17 como principais defeitos dos conhecimentos e das coisas 21 24 A beleza do conhecimento sensitivo 14 e a própria elegância das coisas 18 são perfeições além de combinadas 1820 22 universais 17 Met 96 Isso evidenciase ainda do fato de nenhuma perfeição isolada manifestarse a nós como fenômeno Met 444 De u lado admitemse certamente muitas exceções que não devem ser consideradas como defeitos contanto que se manifestem como fenômeno e sobretudo que não destruam sua harmonia por outro que sejam o mais possível insignificantes e imperceptíveis Met 445 25 Se falarmos de ELEGÂNCIA a beleza fundamentase nas colocações acima As EXCEÇÕE que descrevemos no 24 não serão deselegantes Met l 446 quando por exemplo uma regra de beleza menos eficaz cede lugar a uma mais eficaz uma menos fecunda a uma mais fecunda uma mais próxima cede lugar a uma mais afastada à qual estará subordinada A partir daí no estabelecimento das regras da beleza no ato de conhecer devese estar igualmente bem atento à força dessas regras Met 180 26 Na medida em que uma percepção é uma causa determinante ela é um argumento Existem portanto argumentos que locupletam argumentos que enobrecem argumentos que louvam que explicam argumentos que persuadem argumentos que dão vida e movimento 22 dos quais a Estética não só exige a força e a eficácia Met 515 mas também a elegância 25 A parte do conhecimento em que uma elegância peculiar se revela é a FIGURA de retórica esquema Existe portanto figuras 1 dos objetos e dos pensamentos 18 as SENTENÇAS 2 figuras da ordem 19 3 figuras da significação a que pertencem as figuras de linguagem 20 Existem tantos tipos de figuras quantos são os tipos de sentenças e os tipos de argumentos 27 Já que a beleza do conhecimento 14 como efeito do pensar de modo belo não é maior ne mais enobrecedora que as forças vivas Met 331 332 delinearemos de certo modo antes de tudo a gênese e a forma srcinal daquele que tem a intenção de pensar de modo belo ou seja o caráter do esteta que possui talento Procederemos à enumeração das causas que na alma estão naturalmente mais próximas da causa do conhecimento belo Devido às razões mencionadas no 17 deternosemos agora no caráter geral e universal que os belos pensamentos requerem não nos aprofundando em algum caráter especial complemento do geral e que se destina à realização de uma determinada espécie do belo conhecimento Seção Seção II A Estéti II A Estética ca natural natural 28 Do caráter geral do esteta bemsucedido supondose os traços mais gerais 27 exigese I a estética natural inata 2 a Physis a natureza a boa aptidão o cunho arquetípico do nascimento que vem a ser a disposição natural e inata da alma para pensar de modo belo 29 À natureza do esteta sobre a qual discorremos no 28 deve pertencer 1 um refinado e elegante talento ingenium inato um talento inato em sentido mais amplo cujas faculdades inferiores sejam mais facilmente excitadas e se harmonizem numa proporção adequada em função da elegância do conhecimento 30 Ao talento refinado mencionado no 29 devem pertencer A as faculdades cognitivas inferiores e suas disposições naturais de a agudamente perceber pelos sentidos Met 540 não só para que a alma adquira a matériaprima do pensar belamente com os sentidos externos mas também para que possa experimentar e vir a dirigir as mudanças e os efeitos das suas outras faculdades com o sentido interno e com a profunda consciência Met 535 Para que a faculdade de perceber pelos sentidos um dia se harmonize com as demais ela deverá ser no talento elegante de tal porte que não venha sempre e em toda a parte a oprimir os pensamentos heterogêneos sejam quais forem com qualquer de suas sensações os pensamentos heterogêneos sejam quais forem 29 31 b a aptidão natural para fantasiar 30 que possibilite ao talento refinado ser rico de imaginação uma vez que 1 frequentemente os eventos passados devem ser concebidos de modo belo 2 os fatos presentes às vezes sobrepujam os passados antes que a bela concepção deles se complete 3 não apenas dos acontecimentos presentes mas também dos passados são deduzidos os acontecimentos futuros Para que a imaginação algum dia se harmonize com as demais faculdades ela deve ser tanta no talento refinado que não obscureça sempre e em toda parte com suas fantasias as demais percepções cada uma delas por natureza mais fraca que cada uma das fantasias 29 Se à fantasia for atribuída a faculdade de fingir como frequentemente o faziam os antigos existe a dupla necessidade de ela ser maior no talento refinado 32 c a aptidão natural para a perspicácia 30 Met 573 pela qual através do sentido e da fantasia etc 30 31 todas as coisas devem ser sugeridas bem como lapidadas pela sutileza do espírito e pelo talento Tanto a beleza do conhecimento à medida que ela reclama harmonias manifestas e não admite desarmonias manifestas quanto em sentido mais amplo a própria bela harmonia do talento devem ser atingidas através dessas faculdades 29 M 572 Visto que a sutileza de espírito não raro se esconde sob o nome de talento todo conhecimento belo às vezes é imputado ao talento Todavia para que algum dia a perspicácia se harmonize bem com as demais faculdades do espírito ela deve ser tanta que só atue sobre uma matéria que já lhe tenha sido suficientemente preparada 29 33 d a aptidão natural para reconhecer e a memória Met 579 Mnemósima era chamada a mãe das musas pelos antigos que também atribuíam à memória a capacidade de reproduzir algo imaginado 31 Todavia aquele que por exemplo vai narrar de modo belo não pode se abster da própria faculdade de reconhecer e sobretudo convém que ao inventar uma história tenha uma boa memória a fim de evitar uma contradição entre o que antecede e o que segue 34 e a aptidão poética Met 589 exigida em tal monta que granjeou à classe mais eminente dos estetas práticos o nome de poetas Um psicólogo que pondere com cuidado não há de se admirar de quão importante parte da bela meditação deve ser produzida pela combinação e disjunção das representações imaginárias No entanto para que essa faculdade se harmonize com as demais ela deve ter seu campo de ação delimitado de modo que não possa subtrair o mundo como se ele o mundo tivesse sido criado por ela dos arremates 29 das demais faculdades por exemplo da perspicácia 31 35 f a aptidão para o gosto fino e apurado M 608 e não para o vulgar O gosto fino e apurado untamente com a perspicácia será o juiz inferior M 607 das percepções sensíveis das representações imaginárias das criações etc sempre que for supérfluo 15 no que concerne à beleza submeter cada detalhe ao julgamento do intelecto M 641 36 g a disposição de prever M 595 e de pressentir M 610 o futuro Os antigos qu observavam essa aptidão se manifestar de forma extraordinária não em muitos mas nos talentos mais belos atribuíamna aos deuses como prodígio e por vezes como milagre A partir daí os poetas também foram considerados vates Essa aptidão contudo não disponível em qualquer um de modo passageiro não deve ser buscada junto a não sei que oráculos estéticos uma vez que como beleza primária é necessária a toda vida do conhecimento 22 M 665 No entanto para que essa faculdade bem como a aptidão divinatória possa estar em harmonia com as demais 29 M 616 ela deve ser de tal monta que não ceda seu lugar assim como seu tempo à sensação e muito menos à imaginação heterogênea 30 31 37 h a aptidão para expressar suas percepções M 619 que é mais necessária ou menos necessária segundo se queira prestar atenção nas características do esteta que apenas pensa belamente no âmago da sua alma ou então nas características do esteta que enuncia de modo belo os seus pensamentos Essa aptidão todavia não pode estar completamente ausente no primeiro caso 20 Para que ela se harmonize com as demais faculdades seu campo de ação não deve se expandir a ponto de suprimir a intuição que é necessária à beleza 35 M 620 38 Devem pertencer ao talento refinado e gracioso sobre o qual discorremos no parágrafo 29 B as faculdades cognitivas superiores M 624 à medida que a o intelecto e razão através do comando da alma sobre si mesma não raro muito contribuem para estimular as faculdades cognitivas inferiores M 730 b o consenso dessas faculdades e a harmonia adequada à beleza frequentemente não serão obtidas a não ser pelo uso da razão e do intelecto 29 c a beleza do intelecto M 637 e da razão é para o espírito o consequente natural da grande vivacidade do análogon da razão ou seja é a coesão do conhecimento extensivamente distinto 39 O talento refinado e gracioso é naturalmente tão bem ordenado que sempre lhe é possível conceber algum estado fictício como por exemplo um estado futuro e este não somente a partir dos estados que vivenciou no passado e que a memória pode reproduzir mas também lhe é possível a partir das próprias sensações externas graças ao poder de abstração considerar esse estado futuro seja ele bom ou mau com toda a perspicácia e sob o comando do intelecto e da razão 3038 tornálo visível através de signos adequados 40 Ou foi por gracejo ou por um grave erro que Demócrito excluiu os poetas de juízo perfeito do Helicão mas é ainda mais estúpido como o faz uma boa parte da humanidade esperar obter como recompensa o título de homem com graça de estilo sem que jamais tenha confiado a cabeça que as três Antíciras não conseguiram curar ao barbeiro Licino Hor Espírito II 3 300 41 As faculdades inferiores mais importantes e as que são tais por natureza são exigidas naquele que tem a intenção de pensar de modo belo 29 Elas de fato podem coexistir com as superioridades que por natureza são mais importantes M 649 mas sobretudo são indispensáveis a estas como condição sine qua non M 647 A partir daí advém a opinião preconcebida de que a beleza do talento é por natureza incompatível com os dotes mais austeros da inteligência e do raciocínio na medida em que são inatos por natureza 42 Pode existir um talento belo que infelizmente negligenciou o uso do intelecto e da razão pode existir também um talento filosófico e matemático não suficientemente instruído pelos ornamentos do análogon da razão Ou então pode existir um talento medianamente gracioso mas pela própria natureza inepto para as ciências mais exatas Mas não pode existir um talento que tendo nascido para compreender essas ciências seja incapaz de dotar o conhecimento de alguma graça Met 649 247 43 Os talentos mais eminentes e universais de todos os tempos Orfeu e os estatores de filosofi poética Sócrates chamado o Irônico Platão Aristóteles Grotius Descartes Leibniz ensinama osteriori que a aptidão para pensar de modo belo e a aptidão para pensar de modo lógico se ajustam bem e podem coexistir em um único espaço não demasiadamente estreito o mesmo vale também para a disciplina mais rigorosa dos filósofos e dos matemáticos 44 Do esteta nato 29 requerse 2 uma índole mais propensa a seguir o conhecimento digno e sugestivo e a harmonia das faculdades apetitivas que facilita o caminho para alcançar o conhecimento belo Referimonos ao TEMPERAMENTO ESTÉTICO INATO Met 732 45 Como todo homem é atraído por bens de todo tipo que uma vez conhecidos lhe desperta desejos Met 665 mencionaremos como convém ao esteta 15 alguns deles segundo a orde de importância o dinheiro o poder o trabalho e seu termo de comparação o lazer as delícias externas a liberdade a honra a amizade o vigor e a firme saúde do corpo as sombras da virtude o belo conhecimento e seu corolário que é amável virtude o conhecimento superior e seu corolário de virtude que deve ser venerada Será portanto lícito atribuir aos temperamentos estéticos alguma GRANDEZA DALMA INATA que se manifesta principalmente na atraç instintiva pelas grandes coisas notadamente entre os que atentam nelas a passagem que os conduzirá facilmente para as coisas supremas 38 41 46 Segundo a doutrina habitual dos temperamentos o temperamento melancólico costuma ser recomendado àqueles que não distinguem nitidamente as meditações belas mais prolixas das mais breves que devem receber rapidamente sua forma definitiva O temperamento sanguíneo como é chamado será mais apto a produzir as últimas o melancólico as primeiras Uma vez que o temperamento colérico tem a preferência dos que a glória arrastou para o palco em seu carro rápido como o vento HOR Ep II 1 177 que a mesma glória dê as forças aos que empreendem um grande obra 47 Do caráter do esteta bemsucedido exigese II a ascese exercício prático e o EXERCÍCI ESTÉTICO que consiste na repetição mais frequente de ações homogêneas no intuito de que haja um certo consenso entre o talento e a índole descritos aos parágrafos 2846 Esse consenso deve se realizar sobre um tema dado ou principalmente para que ninguém possa pensar que por tema dado entendemos o mesmo que um Orbílio entende sobre um só pensamento sobre um só assunto O exercício deve portanto permitir a gradual aquisição do hábito de pensar com beleza Met 577 48 A natureza estética da qual tratamos na seção II não pode se manter mesmo por um breve período de tempo num mesmo grau de perfeição Met 550 Se suas disposições ou aptidões não forem aperfeiçoadas por exercícios contínuos ela decresce um tanto 47 por mais elevada que tenha sido no início e acaba por entorpecer Met 650 Não recomendo porém apenas o exercícios das faculdades mencionadas na Seção II mas também os estéticos 47 Há exercício que corrompem e deturpam a natureza suficientemente bela eles devem ser evitados Sua manifestação 16 junto a talentos ativos não pode ser evitada de modo mais feliz a não ser pela substituição recomendável de exercícios melhores Met 698 49 Também exijo um certo consenso nos próprios exercícios estéticos e na verdade em todos 47 Sem esse consenso os efeitos da natureza bela não existem e portanto não aumentarão sua força 47 Met 139 Mas exijo apenas um certo consenso os exercícios militares não exigem tanto soldados quantos exige uma batalha Admito como esteta alguns exercícios que têm o efeito secundário de corromper ligeiramente a natureza suficientemente bela 16 Admito também alguns exercícios que deturpam levemente 48 contanto que promovam muito mais a harmonia que a desarmonia e contanto que esses exercícios sejam os que denominamos exercícios estéticos 47 Destes contudo admito exercícios em que a deformidade é maior que a beleza com a condição de que os acompanhe a consciência 35 de preponderância desta deformidade de forma que através dela se hoje se verificam males amanhã não ocorrerá o mesmo HOR Carm II 10 17 M 666 50 Nos exercícios estéticos postulo um certo consenso não apenas de talento com ele mesmo mas também o consenso do talento com a sua índole sobre os quais tratamos na Seção II 49 Se talento for cultivado por meio de exercícios sem vida e sem força a índole será totalmente negligenciada ou totalmente corrompida e degradada a ponto de por exemplo submergir sob o domínio de desejos e de paixões tirânicas como a hipocrisia o gosto feroz da luta atlética as companhias perdulárias as ambições a licenciosidade as orgias a ociosidade o interesse exclusivo por bens materiais ou simplesmente pelo dinheiro 46 Então quando a pobreza e a vulgaridade do espírito transparecer ela deturpará tudo aquilo que parecia pensado com graça e elegância 48 51 A índole como poderá parecer será preservada em seu estado natural ou será elevada supondo se que isso possa acontecer de modo diferente por outros meios pelo talento Met 732 abordado na Seção II Se esse talento for abandonado em seu estado rude Et 403 talvez as sombras da virtudes que mencionei no parágrafo 45 se srcinem dele mas também por um lado em toda parte transparecerá a rudeza do talento que deturpará 48 os movimentos dalma ditos bons de um como se costuma dizer bom coração e por outro lado a alma que às vezes sente aversão pelo conhecimento belo ou não tem suficiente inclinação para o mesmo permitirá não involuntariamente que o talento sob estes maus presságios se enfraqueça ao ponto do nãoretorno a partir do qual nunca poderá novamente ser levado a pensar algo de modo belo 27 52 Os exercícios estéticos serão 1 improvisações executadas sem o direcionamento da arte erudita através das quais aquele que deve ser exercitado possa adquirir mestria A essa categoria pertence aquele grosseiro verso satúrnio com que o velho camponês dos tempos ancestrais se revigorava e aliviava o coração nos dias de festa espalhou os opróbrios campestres em versos alternados HOR Ep II 1 146 A essa categoria pertencem também todas as imagens do belo conhecimento criadas pelo homem antes do advento das artes eruditas a ela pertencem ainda as primeiras centelhas de um dom mais belo que precedem qualquer arte Assim como Ovídio por exemplo relata Tudo que ele tentar dizer será um verso OVID Trist IV 10 26 53 Em assuntos estéticos também devemos ter especial cuidado de não considerar iguais o talento rude e o talento inculto Seguramente o talento de Homero de Píndaro e de outros não foi rude ne inculto nem grosseiro HOR Ep I 3 22 Suas obras todavia os primeiro modelos arquétipos das artes eruditas foram melhores que as suas reproduções éctipos Uma pessoa inculta também pode possuir um talento estético sobremodo esmerado assim como uma pessoa que possui erudição pode possuir um talento bastante rude no que concerne à beleza 54 Do mesmo modo que a música como afirmou Leibniz é um exercício aritmético inconsciente da alma daquele que não aprendeu a contar assim também a criança que ainda quase não tem consciência de que ela pensa e sobretudo de que pensa de modo belo é exercitada pela expectativa de casos semelhantes bem como pelo primeiro impulso inato da imitação O resultado será positivo se graças a um acaso feliz a criança a educar cair nas mãos de um artista que dê forma à delicada gagueira infantil 37 um artista que desde a primeira infância desvia o seu ouvido das expressões obscenas e em seguida também modela seu espírito com preceitos amigos relata feitos sábios prepara as gerações futuras com exemplos conhecidos HOR Ep II 1 126 55 Além disso o belo talento inato também é exercitado e evidentemente já se exercita a si próprio embora não saiba o que esteja fazendo quando a criança conversa quando brinca principalmente se ela inventa as brincadeiras ou é uma pequena líder entre as companheiras e com estas intensamente atenta transpira fala e se ocupa com tudo que há por fazer E também é um exercício salutar para ela ver ouvir e ler assuntos que poderá entender de modo belo desde que essas atividades estejam submetidas às regras indicadas nos parágrafos 49 a 51 que lhe garantam o estatuto de exercícios estéticos 47 56 Também nós os adultos não raro somos enganados quando ao ler ou ouvir coisas ditas ou escritas de modo belo as reconhecemos como belas Nós as reconhecemos como belas e observamos a sua beleza e gostamos Chegamos mesmo a aclamar em silêncio um autor bravo perfeito muito bem Todavia não estamos com o espírito suficientemente preparado para pensar simultaneamente com ele de modo belo Parece mais eficaz e portanto é recomendável um exercício estético que manuseie dia e noite os melhores autores A musa deu aos gregos e aos franceses 12 o talento deu aos gregos e aos franceses uma linguagem harmoniosa Exceto a glória nada cobiçam os gregos e os franceses HOR Ep II 3 269 57 É evidente por si mesmo que exercícios mais eficazes proporcionam forças maiores como o testemunham as improvisações heurísticas as quais a alma sem outro recurso que sua própria força produz espontaneamente quando já aprendeu ou já nasceu com a aptidão de nadar sem cortiça HOR Sat I 4 124 58 Os exercícios estéticos serão 2 mais corretos e mais precisos se à estética natural inata e adquirida a senhora natureza associarse a estética erudita sem a qual os talentos certamente belos mas não divinos hão de experimentar muitas vezes o caminho que conduz ao refinamento do conhecimento que é tal como o caminho nas selvas por entre a lua fugidia sob uma luz maligna quando Júpiter mergulhou o céu na sombra e a noite sombria subtraiu às coisas sua cor VERG En VI 270 sq 59 Todas as vezes que um esteta praticar os dois tipos de exercício 52 58 ele lutará com mais eficiência pela beleza do conhecimento e extrairá da prática não só o talento mas também o caráter e o temperamento estético e estará se fortalecendo pelo hábito 42 reforçando desta forma a grandeza inata do pensamento 46 M 247 60 A ESTÉTICA DINÂMICA ou crítica que tem por objeto a avaliação das forças de que disp um determinado homem para alcançar uma determinada beleza de um determinado conhecimento não pode medir as forças inatas da natureza a não ser a partir dos efeitos ou seja dos exercícios estéticos 27 Daí é justo concluir que tanto existem as improvisações quanto existe o caráter de determinado homem portanto também existe tanto da sua natureza inata que poderá atingir sua meta com os exercícios precedentes M 57 Não será igualmente justo concluir que as forças de u determinado homem em seu estado atual são insuficientes tanto para as improvisações quanto para o caráter Omitese portanto a natureza inata necessária para meditações desta espécie M 60 61 O esteta dinâmico frequentemente terá necessidade de testes ensaios estéticos escolhidos entre outros exercícios com o intuito de experimentar se as forças e quão grandes de um determinado homem são suficientes para um determinado conhecimento belo M 697 Então se estes resulta positivos a experiência é positiva e boa e as forças são consideradas suficientes 60 se resultam menos positivas nem sempre está em causa uma falta muito menos vale a consequente conclusão feita a partir da ausência de uma certa característica estética que por acaso pode ser específica e é exigida para um determinado teste de que haja a ausência geral do caráter estético ou ainda que haja a ausência de outras características específicas 27 Os ensaios poéticos de Cícero o ensaios épicos de Ovídio e os de Horácio não tiveram bom êxito 12 Acréscimo de Baumgarten aos versos de Horácio N T David Hume David Hume Do padrão do gosto Do padrão do gosto Do padrão do gosto Do padrão do gosto13 13 David Hume 17111776 David Hume 17111776 Tradução Luciano Trigo É natural que se procure encontrar um Padrão de Gosto uma regra capaz de conciliar as diversas opiniões dos homens um consenso estabelecido que faça com que uma opinião seja aprovada e outra condenada Mas a pergunta levantada por Hume 1711 1776 neste texto publicado em 1757 junto a outros ensaios é se estamos justificados a estabelecer um padrão de gosto quando nos deparamos com a diversidade de avaliações sobre a beleza Além disso devemos considerar que as observações negativas referentes a sensibilidades estéticas consideradas mais brutas podem também ser aplicadas ao emissor dessas observações O texto a seguir é um momento da abordage cética acerca da questão do juízo de gosto Temas Temas ceticismo empirismo gosto literatura 13 HUME D Do padrão do gosto In Ensaios morais políticos e literários Rio de Janeiro Topbooks 2004 p 367396 Agradecemos à Editora Topbooks por autorizar a utilização do texto A extrema variedade de gostos e de opiniões que existe no mundo é demasiado evidente para deixar de ser notada pela observação de todos Mesmo aqueles homens de conhecimentos parcos são capazes de observar as diferenças de gosto dentro do estreito círculo de suas relações inclusive entre pessoas que foram educadas sob o mesmo governo e nas quais foram incutidos os mesmos preconceitos desde cedo Mas são aqueles indivíduos capazes de uma visão mais ampla e que conhecem nações distantes e épocas remotas os que se surpreendem ainda mais com essa grande incoerência e contradição Temos propensão a chamar de bárbaro tudo o que se afasta de nosso gosto e de nossas concepções mas prontamente notamos que este epíteto ou censura também pode ser aplicado a nós E mesmo o homem mais arrogante e convicto acaba por se sentir abalado ao observar em toda parte uma segurança idêntica passando a ter escrúpulos em meio a tal contrariedade de sentimentos em relação a pronunciarse positivamente sobre si mesmo Se por um lado essa variedade de gostos é evidente até mesmo para o observador mais descuidado por outro uma demonstração atenta evidenciará que ela é ainda maior na realidade que na aparência Frequentemente as opiniões dos homens variam quanto à beleza ou à deformidade da espécie mesmo quando o seu discurso geral é o mesmo Em todas as línguas existem termos que implicam censura e outros que implicam aprovação e todos os homens que compartilham uma língua devem concordar no uso que fazem desses termos Todas as vozes se unem na exaltação da elegância da propriedade do espírito e da simplicidade no escrever bem como na censura do estilo bombástico da afetação da frieza e do falso brilhantismo Mas quando os críticos discutem os casos particulares essa aparente unanimidade se desvanece e então se descobre que muitos sentidos diferentes eram atribuídos àquelas expressões Em todas as questões que envolvem a opinião e a ciência ocorre o contrário as divergências entre os homens surgem com mais frequência em relação a generalidades do que a casos particulares e são mais aparentes do que reais Geralmente basta uma explicação dos termos para encerrar a controvérsia e os contendores descobrem surpresos que estavam discutindo quando no fundo concordavam em suas conclusões Os indivíduos para quem a moral depende mais do sentimento que da razão tendem a englobar a ética na primeira observação sustentando que em todas as questões relativas à conduta e aos costumes as diferenças entre os homens na realidade são maiores do que poderia parecer à primeira vista É evidente sem dúvida que os autores de todas as nações e todas as épocas estão de acordo em aplaudir a justiça o humanitarismo a magnanimidade a prudência e a veracidade e em censurar as qualidades que lhes são contrárias Mesmo entre os poetas e outros autores cujas composições se destinam principalmente a entreter a imaginação observase de HOMERO FÉNELON a defesa dos mesmos princípios orais e a concessão do aplauso e da censura às mesma virtudes e vícios Em geral atribuise à simples influência da razão essa unanimidade extrema e todo caso a razão inspira aos homens os mesmos sentimentos evitando as controvérsias a que estão sujeitas as ciências abstratas Na medida em que essa unanimidade é real é forçoso considerar satisfatória essa explicação contudo é preciso reconhecer que ao menos em parte essa harmonia em relação à moral talvez possa ser explicada pela própria natureza da linguagem A palavra virtude que é equivalente em todas as línguas implica aprovação da mesma forma quevício implica censura E ninguém poderia sem cometer uma impropriedade óbvia e grosseira ligar a ideia de censura a um termo que é geralmente entendido num sentido positivo ou evocar a ideia de aplauso quando o idioma exige a de reprovação Os preceitos gerais de HOMERO tais como ele os formul nunca serão objeto de controvérsia mas é evidente que quando ele desenha cenas concretas de costumes e representa o heroísmo de AQUILES e a prudência de ULISSES acrescenta um grau mui maior de ferocidade ao primeiro e de astúcia e dissimulação ao segundo do que poderia admitir FÉNELON Na obra do poeta GREGO o sábio ULISSES parece deliciarse com suas mentira ficções usandoas muitas vezes sem necessidade e mesmo sem extrair delas qualquer vantagem Mas seu filho mais escrupuloso na obra do poeta épico FRANCÊS prefere exporse aos perigos mai iminentes a desviarse do caminho da mais rigorosa fidelidade à verdade Os admiradores ou seguidores do ALCORÃO insistem nos excelentes preceitos morais que s encontram espalhados por essa obra caótica e absurda Mas devese supor que as palavras árabes correspondentes a termos como equidade justiça temperança egoísmo caridade eram sempre tomadas num sentido positivo no uso corrente da língua E que seria dar mostra de uma enorme ignorância não da moral mas da linguagem usálas com um significado diferente do elogio e da aprovação Mas como podemos saber se o pretenso profeta conseguiu efetivamente atingir uma concepção justa da moral Se nos concentrarmos na sua narrativa verificaremos que ele aplaude atitudes como a traição a desumanidade a crueldade a vingança e a beatice que são inteiramente incompatíveis com a sociedade civilizada Essa obra não parece ter seguido qualquer regra fixa de direito e cada ação só é condenada ou exaltada na medida em que ela é benéfica ou prejudicial para os crentes autênticos O mérito de estabelecer preceitos éticos gerais autênticos é muito pequeno inegavelmente Que recomenda qualquer virtude moral na verdade não faz mais do que aquilo que está implicado nos próprios termos Os indivíduos que inventaram a palavra caridade e a usaram com um sentido positivo contribuíram de uma forma muito mais clara e eficaz para incutir o preceito seja caridoso do que qualquer pretenso legislador ou profeta que incluísse essa máxima em seus textos De todas as expressões são justamente aquelas que implicam além de seu significado um determinado grau de censura ou aprovação as que menos estão sujeitas a serem distorcidas ou mal compreendidas É natural que se procure encontrar um Padrão de Gosto uma regra capaz de conciliar as diversas opiniões dos homens um consenso estabelecido que faça com que uma opinião seja aprovada e outra condenada Existe um tipo de filosofia que impossibilita qualquer esperança nesse empreendimento negando que seja possível estabelecer um padrão de gosto qualquer Ela afirma que há uma diferença muito grande entre o julgamento e o sentimento O sentimento está sempre certo porque o referente só te a si mesmo como referencial e é sempre real quando se tem consciência dele Mas nem todas as determinações do conhecimento são certas porque elas têm como referente alguma coisa além de si mesmas isto é os fatos reais que nem sempre estão de acordo com o seu padrão Entre mil e uma opiniões que indivíduos diferentes podem ter sobre o mesmo assunto existe uma e somente uma que é justa e verdadeira e a única dificuldade é encontrála e confirmála Por sua vez os mil e u sentimentos diferentes despertados pelo mesmo objeto são todos certos porque nenhum sentimento representa o que realmente está no objeto Ele se limita a assinalar uma certa conformidade ou relação entre o objeto e os órgãos ou faculdades do espírito e se essa conformidade realmente não existisse o sentimento jamais teria sido despertado A beleza não é uma qualidade das próprias coisas ela existe apenas no espírito que as contempla e cada espírito percebe uma beleza diferente É possível mesmo que um indivíduo encontre deformidade onde outro só vê beleza e cada um deve ceder a seu próprio sentimento sem ter a pretensão de controlar o dos outros Tentar estabelecer uma beleza real ou uma deformidade real é uma investigação tão infrutífera quanto tentar determinar uma doçura real ou um amargor real Segundo a disposição dos órgãos corporais o mesmo objeto tanto pode ser doce como amargo e o provérbio popular afirma com muita razão que gosto não se discute É muito natural e mesmo absolutamente necessário aplicar esse axioma ao gosto espiritual além do gosto corporal e dessa forma o senso comum que diverge com tanta frequência da filosofia sobretudo da filosofia cética pelo menos num caso concorda com ela proferindo uma decisão idêntica Mas embora esse axioma se tenha transformado num provérbio e portanto pareça ter recebido a sanção do senso comum é inegável que existe um tipo de senso comum que lhe é oposto ou pelo menos tem a função de modificálo e limitálo Qualquer um que afirmasse a igualdade de gênio e elegância de OGILBY e MILTON de BUNYAN e ADDISON não seria considerado men extravagante que se afirmasse que um monte feito por uma toupeira é mais alto que o rochedo de TENERIFE ou que um charco é maior que o oceano Embora se possa encontrar indivíduos qu preferem os primeiros autores ninguém dá importância a seu gosto e não temos escrúpulo algum em afirmar que a opinião desses pretensos críticos é absurda e ridícula Nesse momento se esquece totalmente o princípio da igualdade natural dos gostos que embora seja admitido em alguns casos quando os objetos parecem estar quase em igualdade assume o aspecto de um paradoxo extravagante ou melhor de um absurdo evidente quando se comparam objetos tão desiguais É claro que nenhuma regra de composição é estabelecida por um raciocínio a priori nem pode ser confundida com uma conclusão abstrata do entendimento através da comparação daquelas tendências e relações de ideias que são eternas e imutáveis O seu fundamento é o mesmo que o de todas as ciências práticas isto é a experiência E elas não passam de observações gerais relativas ao que universalmente se verificou agradar em todos os países e em todas as épocas Muitas das belezas da poesia ou mesmo da eloquência se baseiam na falsidade na ficção em hipérboles em metáforas e no abuso ou na perversão dos termos em relação ao seu significado natural Eliminar a atuação da imaginação reduzindo qualquer expressão a uma verdade e a uma exatidão absolutas seria inteiramente contrário às leis da crítica Pois o resultado seria a produção do tipo de obra que a experiência universal mostrou ser o mais insípido e desagradável Contudo embora a poesia nunca possa ser submetida à verdade exata ainda assim ela deve ser limitada pelas regras da arte descobertas pelo autor através de seu gênio ou da observação Se alguns autores negligentes ou irregulares conseguiram agradar isso não deve ser atribuído às suas transgressões das regras e da ordem mas ao fato de que apesar dessas transgressões as suas obras possuíam outras belezas que estavam de acordo com a crítica justa E a força dessas belezas foi capaz de superar a censura proporcionando ao espírito uma satisfação maior que o desagrado resultante de seus defeitos Não é por causa de suas ficções monstruosas e improváveis que ARIOSTO nos agrada nem da mistur bizarra que ele faz entre o estilo cômico e o estilo sério nem da falta de coerência de suas histórias nem das interrupções constantes de suas narrativas Ele nos encanta pela força e clareza de suas expressões pelo engenho e a variedade de suas invenções e pela naturalidade com que retrata as paixões sobretudo as de tipo alegre e amoroso Por mais que as suas deficiências possam diminuir a nossa satisfação elas não são capazes de eliminála por completo Mas se o nosso prazer resultasse realmente daqueles aspectos de seu poema que consideramos defeituosos isso não constituiria uma objeção à crítica em geral mas apenas uma objeção contra regras determinadas da crítica que pretendem definir certas características como defeitos apresentandoas como universalmente condenáveis Se a observação mostra que elas agradam então não podem ser defeitos por mais que o prazer delas resultante pareça inesperado e incompreensível Mas embora todas as regras gerais da arte estejam fundadas na experiência e na observação dos sentimentos comuns da natureza humana não decorre daí que os homens sentem sempre da mesma maneira e em conformidade com essas regras As emoções mais sutis do espírito são de natureza extremamente delicada e frágil necessitando do concurso de um grande número de circunstâncias favoráveis para que funcionem de uma maneira fácil e exata segundo seus princípios gerais e estabelecidos O menor dano exterior causado a essas pequenas molas a menor perturbação interna é suficiente para desordenar seu movimento comprometendo a operação do mecanismo inteiro Se quisermos realizar um procedimento dessa natureza e avaliar a força de qualquer beleza ou deformidade precisamos escolher cuidadosamente o momento e o local adequados proporcionando à nossa fantasia a situação e a disposição certas A serenidade perfeita do espírito a concentração do pensamento a atenção devida ao objeto se qualquer dessas circunstâncias faltar nosso experimento será enganoso e seremos incapazes de avaliar a beleza católica e universal A relação estabelecida pela natureza entre a forma e o sentimento será no mínimo mais obscura tornandose necessário um grande discernimento para a sua identificação e análise Nós seremos capazes de determinar a sua influência não a partir da atuação de cada beleza em particular mas a partir da admiração duradoura despertada por aquelas obras que sobreviveram a todos os caprichos da moda e a todos os equívocos da ignorância e da inveja O mesmo HOMERO que encantava ATENAS e ROMA dois mil anos atrás ainda é admirado e PARIS e LONDRES Todas as diferenças de clima governo religião e linguagem não foram capaze de obscurecer a sua glória A autoridade e o preconceito podem dar prestígio temporário a um mau poeta ou orador mas a sua reputação nunca será duradoura nem geral Quando as suas obras fore examinadas pela posteridade ou por estrangeiros seu encanto será dissipado e suas deficiências aparecerão com suas cores verdadeiras Ao contrário no caso de um verdadeiro gênio quanto mais tempo durarem as suas obras maior será o seu reconhecimento e mais sincera a admiração que ele desperta Num círculo restrito há espaço para a inveja e o ciúme e até mesmo a familiaridade com o indivíduo pode diminuir o aplauso que suas composições merecem Quando esses obstáculos desaparecem as belezas que estão naturalmente destinadas a provocar sentimentos agradáveis manifestarão a sua força imediatamente E sempre enquanto o mundo durar elas conservarão a sua autoridade sobre os espíritos humanos Verificamos assim que em meio a toda a variedade e o capricho dos gostos existem determinados princípios gerais de aprovação ou censura cuja influência pode ser detectada por um olhar atento em todas as operações do espírito Existem certas formas ou qualidades que devido à estrutura srcinal da constituição interna do espírito estão destinadas a agradar e outras a desagradar Se elas dei xam de ter efeito em algum caso particular isso se deve a uma deficiência ou imperfeição evidente do órgão Um homem com febre não pode esperar que seu paladar diferencie os sabores e outro com icterícia não pode enunciar um veredicto a respeito das cores Para todas as criaturas existem um estado saudável e um estado doente e só do primeiro se pode esperar receber um padrão verdadeiro do gosto e do sentimento Se no estado saudável do órgão observarmos uma uniformidade completa ou considerável nas opiniões e sentimentos dos homens podemos deduzir daí uma ideia da beleza perfeita Da mesma forma aos olhos das pessoas saudáveis a aparência dos objetos à luz do dia é considerada sua cor verdadeira e real mesmo se sabendo que a cor é meramente um fantasma dos sentidos São muitas e frequentes as deficiências dos órgãos internos que anulam ou atenuam a influência daqueles princípios gerais de que depende o nosso sentimento da beleza ou da deformidade Embora alguns objetivos sejam naturalmente destinados a produzir prazer devido à estrutura do espírito não é de esperar que em todos os indivíduos o prazer seja sentido da mesma maneira Podem ocorrer certos incidentes e situações que ou lançam uma falsa luz sobre os objetos ou impedem que a luz verdadeira leve à imaginação o sentimento e a percepção adequados Uma razão evidente pela qual muitos indivíduos não experimentam o sentimento de beleza adequado é a ausência daquela delicadeza da imaginação necessária para alguém ser sensível às emoções mais sutis Todos pretendem ser dotados dessa delicadeza todos falam dela procurando tornála o padrão de todos os gostos e sentimentos Mas como neste ensaio a nossa intenção é combinar algumas luzes do entendimento com as impressões do sentimento será oportuno fazer uma definição mais rigorosa da delicadeza do que as apresentadas até aqui E para não extrair a nossa filosofia de uma fonte demasiado profunda recorreremos a um conhecido episódio de DO QUIXOTE14 É com razão que pretendo ser um bom conhecedor de vinhos diz SANCHO ao escudeiro d nariz comprido Esta é uma qualidade hereditária em minha família Dois parentes meus foram cert vez chamados a dar sua opinião sobre um barril de vinho que se supunha ser excelente pois era velho e de boa colheita Um deles prova o vinho avaliao e depois de uma madura reflexão declara que o vinho seria bom se não fosse um ligeiro gosto de couro que encontrava nele O outro após adotar precauções semelhantes também faz um parecer favorável ao vinho com a única reserva de um sabor de ferro que nele facilmente se podia distinguir Os dois foram enormemente ridicularizados pelo juízo que emitiram Mas quem riu por último Esvaziado o barril achouse no fundo uma velha chave com uma correia de couro amarelada É fácil entender como a grande semelhança entre o gosto mental e o corporal se aplica a essa história Embora seja inquestionável que a beleza e a deformidade mais do que a doçura e o amargor não são qualidades externas aos objetos mas pertencem inteiramente ao sentimento interno ou externo é forçoso reconhecer que existem nos objetos determinadas qualidades que estão naturalmente destinadas a produzir esses sentimentos peculiares Ora uma vez que essas qualidades podem estar presentes num grau pequeno ou podem misturarse e confundirse umas com as outras ocorre que muitas vezes o gosto não chega a ser afetado por essas qualidades diminutas ou é incapaz de distinguir entre os diversos sabores em meio à desordem em que eles se apresentam Quando os órgãos são tão refinados que não deixam passar nada e são suficientemente apurados para não deixar passar nenhum ingrediente de uma composição dizemos que existe uma delicadeza de gosto e esta expressão pode ser empregada tanto no sentido literal quanto no metafórico Podemos portanto aplicar aqui as regras gerais da beleza pois elas são tiradas de modelos estabelecidos e da observação daquilo que agrada ou desagrada quando apresentado isoladamente e num grau elevado Se numa composição mista e em menor grau essas mesmas qualidades não afetam os órgãos com u prazer ou desagrado sensível essa pessoa não pode ter qualquer pretensão àquela delicadeza Estabelecer essas regras gerais e padrões reconhecidos da composição é como encontrar a chave com correia de couro que explica o veredicto dos parentes de SANCHO confundindo os pretenso uízes que os haviam censurado Mesmo que o barril nunca fosse esvaziado a delicadeza do gosto dos dois seria a mesma e o gosto dos seus juízes seria igualmente embotado Mas seria muito mais difícil provar a superioridade daqueles convencendo todos os presentes De forma semelhante mesmo que as belezas literárias nunca tivessem sido reduzidas metodicamente a princípios gerais e nunca tivessem sido definidos determinados modelos de excelência reconhecida mesmo assim os diferentes graus de gosto continuariam existindo e o veredicto de uns continuaria sendo preferível ao veredicto de outros Mas seria muito mais difícil reduzir ao silêncio o mau crítico já que ele insistiria em sua opinião pessoal recusando submeterse à de seu antagonista Mas se podemos lhe apresentar um princípio artístico reconhecido quando ilustramos esse princípio com exemplos cujas operações segundo seu próprio gosto pessoal ele reconhece estarem de acordo com aquele princípio e quando provamos que o mesmo princípio pode ser aplicado ao caso presente embora ele não tenha conseguido perceber a sua presença ou influência então ele é forçado a concluir que a falha é dele próprio pois lhe falta a delicadeza necessária para tornálo sensível a todas as belezas e deficiências de qualquer composição ou discurso A capacidade de perceber de maneira exata os objetos mais minúsculos sem deixar que nada escape à atenção e à observação é reconhecida como sinal de perfeição dos sentidos e faculdades Quanto menores forem os objetos que o olho puder captar mais sensível será o órgão e mais elaboradas serão a sua constituição e composição Não é com sabores fortes que se põe à prova u bom paladar mas com uma mistura de pequenos ingredientes procurando decidir se somos sensíveis a cada uma das partes por mais ínfimas e misturadas com as demais De uma forma similar a percepção rápida e aguda da beleza deve ser um sinal da perfeição do nosso gosto mental e nenhum homem pode ficar satisfeito consigo mesmo se suspeitar que lhe passou despercebida qualquer excelência ou deficiência de um discurso Nesse caso se observa a união entre a perfeição do home e a perfeição dos sentidos e dos sentimentos Em diversas ocasiões uma delicadeza de paladar desenvolvida pode ser um inconveniente grave tanto para quem a possui quanto para os seus amigos mas a delicadeza de gosto do espírito pela beleza será sempre uma qualidade desejável porque ela é a fonte de todos os prazeres mais refinados e puros a que está sujeita a natureza humana Os sentimentos de todos os homens compartilham essa opinião Sempre que demonstramos ter uma delicadeza de gosto somos recebidos com aprovação e a melhor forma de demonstrálo é recorrer aos modelos e princípios estabelecidos pelo consenso e pela experiência uniforme de todas as nações e de todas as épocas Embora exista em relação a essa delicadeza uma enorme diferença natural entre um indivíduo e outro nada contribui mais para aumentar e aprimorar esse talento que a prática de uma arte e análise e a contemplação constantes de um determinado tipo de beleza Quando qualquer objeto se apresenta ao olhar ou à imaginação pela primeira vez o sentimento que ele provoca é obscuro e confuso e o espírito se sente em grande medida incapaz de se pronunciar em relação às suas qualidades e defeitos O gosto não consegue distinguir as várias excelências do objeto e muito menos identificar o caráter particular de cada excelência determinando o seu grau e sua qualidade O máximo que se pode esperar é que se declare de uma maneira geral que o conjunto é belo ou disforme e é natural que até mesmo essa opinião seja formulada por uma pessoa com bastante prática com a maior hesitação ou reserva Mas se esta pessoa puder adquirir experiência desses objetos o seu sentimento se tornará mais exato e sutil Ela não apenas perceberá as belezas e defeitos de cada parte como também assinalará o caráter distinto de cada qualidade proferindo a aprovação ou a censura adequadas Um sentimento claro e distinto acompanha toda a sua contemplação dos objetos e ela é capaz de distinguir o grau ou o tipo de aprovação ou desprazer que cada parte está naturalmente destinada a provocar Aquela névoa que antes parecia pairar sobre o objeto se dissipa O órgão adquire assim uma perfeição maior em suas operações tornandose capaz de julgar sem risco de erro os méritos de qualquer produção Resumindo a prática proporciona à apreciação de qualquer trabalho a mesma competência e destreza que dá à sua execução pelos mesmos meios Tão importante é a prática para o discernimento da beleza que para sermos capazes de julgar qualquer obra importante é necessário examinarmos mais de uma vez cada produção individual estudando os seus diversos aspectos com a máxima atenção e deliberação A primeira visão de qualquer obra vem sempre acompanhada de uma palpitação ou confusão do pensamento que interfere entre as partes nem se identificam os verdadeiros caracteres do estilo e os diversos defeitos e imperfeições parecem envolvidos numa espécie de névoa confusa apresentandose de uma maneira distinta à imaginação E isso sem lembrar que existe um determinado tipo de beleza florida e superficial que inicialmente agrada porém mais tarde quando se descobre a sua incompatibilidade com a expressão justa da razão ou da paixão logo torna o gosto insensível passando a ser rejeitada com desprezo ou ao menos passando a ser considerada de um valor muito inferior É impossível levar adiante a prática da contemplação de qualquer tipo de beleza sem se ser forçado constantemente a estabelecer comparações entre os diversos tipos ou graus de excelência calculando a proporção existente entre eles Quem nunca teve a oportunidade de comparar os diversos tipos de beleza certamente se encontra inteiramente incapacitado para emitir um julgamento sobre qualquer objeto que se lhe apresente Somente através da comparação podemos determinar os epítetos da aprovação ou da censura aprendendo a decidir sobre o devido grau de cada um Mesmo a pintura mais grosseira pode apresentar um determinado brilho nas cores ou uma exatidão na imitação que numa certa medida também são belezas capazes de encher de admiração o espírito de um camponês ou de um indígena Mesmo as baladas mais vulgares não são inteiramente destituídas de uma certa força ou harmonia e somente quem estiver familiarizado com as belezas superiores poderá considerar o seu ritmo dissonante ou as suas letras desinteressantes Uma beleza muito inferior causa desagrado nas pessoas familiarizadas com a perfeição mais elevada na mesma razão e por isso é considerada uma deformidade Do mesmo modo é natural que nós consideremos o objeto mais bem acabado que conhecemos como representando o ápice da perfeição merecendo o aplauso mais entusiasmado Só quem está acostumado a ver examinar e ponderar as diferentes produções que foram apreciadas em diferentes épocas e nações pode avaliar os méritos de uma obra submetida a sua apreciação apontado o seu devido lugar entre as obras de gênio Mas o crítico para poder exercer mais plenamente a sua função deve conservar o seu espírito acima de todo preconceito nada levando em consideração senão o próprio objeto submetido à sua apreciação Para produzir sobre o espírito o efeito devido toda obra de arte deve ser encarada de um determinado ponto de vista não podendo ser plenamente apreciada por pessoas cuja situação real ou imaginária não seja conforme à exigida pela obra Um orador que se dirige a um determinado auditório deve levar em conta as inclinações interesses opiniões paixões e preconceitos peculiares de seus ouvintes do contrário será em vão que ele esperará comandar as suas opiniões e excitar os seus afetos Mesmo que este público tenha alguma prevenção contra ele por mais disparatada que seja ele não deve subestimar essa desvantagem e antes de entrar no assunto deve se esforçar para cair em suas boas graças e conquistar a sua afeição O crítico de uma época ou de uma nação diferente que pretenda analisar esse discurso deve levar em consideração todas essas circunstâncias e colocarse na mesma situação que esse auditório para chegar a um juízo correto sobre a obra Da mesma forma quando qualquer obra é apresentada ao público mesmo que eu sinta amizade ou inimizade pelo autor convém que eu me distancie dessa situação e considerandome a mim mesmo um indivíduo qualquer fazer o possível para esquecer o que me particulariza e torna as minhas circunstâncias peculiares Alguém que esteja influenciado por preconceitos não preenche esses requisitos já que persevera teimosamente na sua posição natural e é incapaz de colocarse naquele ponto de vista pressuposto pela obra Se esta se dirige a um público de uma época ou de uma nação diferentes o indivíduo preconceituoso deixa de levar em conta as suas concepções e preconceitos particulares para imbuído dos costumes de sua própria época e seu próprio país condenar apressadamente aquilo que parecia admirável aos olhos daqueles a quem se destinava o discurso Se a obra se destinar ao público esta pessoa nunca conseguirá ampliar suficientemente a sua compreensão nem deixar de lado o seu interesse como amigo ou inimigo como rival ou comentador Dessa forma a sua opinião será pervertida e as mesmas belezas e defeitos não terão sobre ela o mesmo efeito que se ela tivesse imposto o rigor à própria imaginação esquecendose de si mesma durante um momento É evidente que o seu gosto não está de acordo com o verdadeiro padrão e consequentemente perde o crédito e a autoridade Sabese que em todas as questões apresentadas ao conhecimento o preconceito destrói a capacidade de raciocínio e perverte todas as operações das faculdades intelectuais e não é menor o prejuízo que causa ao bom gosto nem é menor a sua tendência a corromper o sentimento da beleza Cabe ao bom senso contrariar a sua influência e nesse caso tal como em muitos outros a razão se não constitui uma parte fundamental do gosto é no mínimo necessária para o funcionamento dessa faculdade Em todas as produções do gênio existe uma relação de reciprocidade e correspondência entre as partes e nem as belezas nem as deficiências podem ser percebidas por quem não tenha suficiente capacidade de raciocínio para apreender todas essas partes e comparálas umas com as outras para avaliar a coerência e a uniformidade do todo Toda obra de arte tem ainda um determinado objetivo ou finalidade para a qual é calculada e ela deve ser considerada mais ou menos perfeita conforme a sua capacidade de atingir essa finalidade O objetivo da eloquência é persuadir o da história é instruir o da poesia agradar estimulando as paixões e a imaginação Ao examinarmos qualquer obra devemos levar sempre em conta esses fins para sermos capazes de ulgar em que grau os meios empregados são adequados às suas respectivas finalidades Além disso todos os tipos de composição mesmo a mais poética não são mais que encadeamentos de proposições e raciocínios embora nem sempre estes sejam rigorosos e exatos são sempre plausíveis mesmo quando disfarçados pelo colorido da imaginação Os personagens apresentados na tragédia e na poesia épicas devem ser representados raciocinando pensando concluindo e agindo em conformidade com o seu caráter e com a situação em que vivem sem a capacidade do raciocínio do gosto e da invenção o poeta jamais poderá alcançar sucesso num empreendimento tão delicado E vale lembrar que a mesma excelência das faculdades que contribui para o aperfeiçoamento da razão a mesma clareza da concepção a mesma exatidão nas distinções a mesma vivacidade no entendimento são essenciais para o funcionamento do gosto autêntico e portanto são seus acompanhantes inevitáveis Um homem sensato que possua alguma experiência da arte raramente ou nunca será capaz de julgar sua beleza ainda mais raro é encontrar uma pessoa de bom gosto que também não seja dotada de um entendimento adequado Assim embora os princípios do gosto sejam universais e se não inteiramente aproximadamente os mesmos em todos os homens ainda assim poucos são capazes de julgar qualquer obra de arte ou de impor o seu próprio sentimento como padrão de beleza Raramente os órgãos da sensação interna são suficientemente perfeitos para permitir a ação plena dos princípios gerais produzindo um sentimento correspondente a estes princípios Ou eles possuem alguma deficiência ou são viciados por alguma perturbação e consequentemente provocam um sentimento que deve ser considerado equivocado Quando um crítico não possui delicadeza julga sem qualquer critério sendo influenciado apenas pelas características mais grosseiras e palpáveis do objeto as pinceladas mais finas passam despercebidas e são desprezadas O seu veredicto quando não é ajudado pela prática vem acompanhado de confusão de hesitação Por não efetuar qualquer comparação as belezas mais frívolas que antes mereceriam ser julgadas defeitos se tornam objetos de sua admiração Por se deixarem dominar por preconceitos todos os seus sentimentos naturais são pervertidos Por lhe faltar o bom senso ele é incapaz de discernir as belezas do discernimento e do raciocínio que são as mais elevadas se excelentes A maioria dos homens sofre de uma ou outra dessas imperfeições e por isso um verdadeiro juiz das belasartes mesmo nas épocas mais cultas é um personagem tão raro Somente o bom senso ligado à delicadeza do sentimento aprimorado pela prática aperfeiçoado pela comparação e livre de qualquer preconceito pode conferir aos críticos aquela valiosa personalidade e o veredicto conjunto daqueles que a possuem onde quer que se encontrem constitui o verdadeiro padrão do gosto e da beleza Mas onde se podem encontrar tais críticos Por meio de que sinais podemos reconhecêlos Como distinguilos dos impostores Estas são perguntas embaraçosas que parecem nos empurrar de volta àquela incerteza da qual estamos nos esforçando para escapar ao longo de todo este ensaio Mas uma visão correta mostra que se trata aqui de uma questão de fatos e não de sentimentos Se um determinado indivíduo é ou não dotado de bom senso e delicadeza de imaginação livre de preconceitos é coisa que pode frequentemente suscitar disputas sujeita a muita investigação e discussão Mas quando se trata de uma personalidade valiosa e estimável é algo que ninguém pode contestar Quando dúvidas assim aparecem não se pode fazer mais que em outras questões polêmicas que se apresentam ao entendimento é necessário apresentar os melhores argumentos que a invenção pode sugerir é necessário reconhecer que em alguma parte deve existir um padrão verdadeiro de decisivo a saber os fatos concretos e a existência real e é preciso ser indulgente em relação àqueles que divergem de nós mesmos em seu apelo a esse padrão Para nossos objetivos é suficiente demonstrar aqui que não é possível pôr no mesmo patamar o gosto de todos os indivíduos e que geralmente alguns homens por mais difícil que seja identificálos com rigor devem ser reconhecidos pela opinião universal como merecedores de preferência acima de outros Mas na verdade a dificuldade de estabelecer um padrão do gosto mesmo de maneira particular não é tão grande como se pensa Embora em teoria se possa reconhecer prontamente um certo critério na ciência e ao mesmo tempo negálo no sentimento observase na prática que se trata de uma questão muito mais difícil de decidir no primeiro caso que no último Durante um período prevaleceram as teorias filosóficas abstratas e os sistemas de teologia profunda mas logo todos foram universalmente destruídos Os seu caráter absurdo foi descoberto e outras teorias e sistemas ocuparam o seu lugar estes por sua vez também foram substituídos por outros E nada existe de mais sujeito às oscilações do acaso e da moda do que essas pretensas decisões da ciência Já não é este o caso das belezas da eloquência e da poesia É inevitável que as justas expressões da paixão e da natureza conquistem decorrido algum tempo o aplauso do público e que o conservem para sempre ARISTÓTELES15 PLATÃO EPICURO16 e DESCARTES puderam ceder o lugar uns ao outros sucessivamente mas TERÊNCIO e VIRGÍLIO continuam a exercer um domínio universal incontestado sobre os espíritos dos homens A filosofia abstrata de CÍCERO perdeu o seu prestígio mas a veemência de sua oratória continua sendo objeto da nossa admiração Embora os homens de gosto delicado sejam raros é fácil identificálos na sociedade pela solidez de seu entendimento e pela superioridade de suas faculdades sobre as do restante da humanidade A ascendência que eles adquirem faz predominar aquela viva aprovação com que se recebem as obras de gênio e as torna predominantes Quando são entregues a si próprios muitos homens não são capazes de mais que uma percepção tênue e duvidosa da beleza mas ainda assim eles são capazes de apreciar qualquer obra admirável que lhes seja apontada Cada um dos que se deixam converter à admiração de um verdadeiro poeta ou orador por sua vez provocará uma nova conversão Mesmo que os preconceitos possam dominar durante algum temo eles jamais se une para celebrar qualquer rival do verdadeiro gênio acabando por ceder à força da natureza e do sentimento justo Assim embora uma nação civilizada possa se enganar facilmente na eleição de seu filósofo favorito jamais ocorreu que alguma errasse na preferência por um determinado autor épico ou trágico Não obstante todos os nossos esforços para estabelecer um padrão do gosto e conciliar as concepções divergentes continuam existindo contudo duas fontes de variação que embora naturalmente não bastem para confundir todos os limites da beleza e da deformidade frequentemente resultam numa diferença nos graus de nossa aprovação ou censura Uma delas reside nas diferenças de temperamento entre os indivíduos e a outra são os costumes e opiniões peculiares do nosso país e da nossa época Os princípios gerais do gosto são uniformes na natureza humana Quando se observ uma variação no juízo dos homens geralmente se pode notar também alguma deficiência ou perversão das faculdades resultante dos preconceitos ou da falta de prática ou da falta de delicadeza E existem bons motivos para se aprovar um gosto e reprovar outro Mas quando existe na estrutura interna ou no contexto externo uma diversidade tal que torna impossível condenar qualquer dos dois lados não havendo como dar preferência a um sobre o outro neste caso uma certa variação no julgamento é inevitável e seria tolo procurarmos um padrão que pudesse conciliar as opiniões discordantes Um jovem que seja dotado de paixões cálidas será mais sensível às imagens amorosas e ternas que um homem de idade mais avançada que encontra prazer em reflexões sábias e filosóficas sobre a conduta da vida e a moderação das paixões Aos 20 anos podese ter OVÍDIO como auto preferido aos 40 HORÁCIO e talvez TÁCITO aos 50 Nesses casos seria inútil tentarm compartilhar os sentimentos alheios despindonos daquelas inclinações naturais em nós Elegemos nosso autor favorito da mesma forma como escolhemos um amigo com base numa conformidade de temperamento e de disposição A alegria ou a paixão o sentimento ou a reflexão aquilo que prevalecer em nosso temperamento produzirá em nós uma simpatia peculiar pelo autor que se nos assemelha O sublime agrada mais a uma pessoa a ternura a outra a ironia a uma terceira Uma é extremamente sensível às falhas e estuda com atenção a correção das obras e outra é mais vivamente sensível às belezas sendo capar de perdoar 20 absurdos ou defeitos em troca de uma só passagem inspirada ou poética O ouvido de uma está inteiramente voltado para a concisão e a força o de outra se deliciar principalmente com uma expressão copiosa rica e harmoniosa Uns preferem a simplicidade outros os ornamentos A comédia a tragédia a sátira as odes cada gênero de escritura tem seus partidários que o preferem a todos os outros Seguramente seria um equívoco u crítico limitar sua aprovação a um único gênero ou estilo literário condenando todos os demais Mas é quase impossível deixar de sentir uma certa predileção por aquilo que se adapta melhor à nossa disposição e às nossas inclinações pessoais Estas preferências são inocentes e naturais e não seria sensato tornálas objetos de polêmica pois não existe padrão que possa contribuir para se chegar a alguma decisão sobre elas É por um motivo semelhante que nos agrada mais encontrar no curso de uma leitura cenas e personagens que se assemelhem a objetos de nosso país e de nossa época do que aqueles que descrevem costumes diferentes Não é sem um certo esforço que conseguimos aceitar a simplicidade dos costumes antigos e contemplar princesas indo buscar água na fonte e reis e heróis preparando as suas próprias provisões Geralmente reconhecemos que a representação desses costumes não constitui um erro do autor nem uma deficiência da obra mas não lhe somos sensíveis da mesma maneira É por isso que é difícil transferir a comédia de uma nação para outra A um FRANCÊS ou um INGLÊS não agradam a ANDRIA de TERÊNCIO17 ou a CLÍTIA de MAQUIAVEL 18 em que a bela senhora em torno da qual gira toda a peça não aparece uma vez sequer aos espectadores ficando sempre oculta nos bastidores em conformidade com o temperamento reservado dos antigos GREGOS e dos ITALIANOS Um homem culto e inteligente é capaz de aceitar essas peculiaridad de costumes mas uma plateia normal jamais será capaz de se despir de suas ideias e sentimentos habituais a ponto de se satisfazer com cenas que de maneira alguma lhe são familiares Mas a esse propósito cabe aqui uma reflexão que talvez possa ajudar a analisar a controvérsia célebre sobre o saber antigo o saber moderno na qual frequentemente se vê um dos lados desculpar qualquer absurdo aparente dos antigos invocando os costumes da época enquanto o outro lado rejeita essa desculpa ou só a aceita como uma desculpa para o autor mas não para a obra Na minha opinião poucas vezes os limites dessa questão foram definidos adequadamente pelos participantes da polêmica Quando se representam inocentes peculiaridades de costumes como as citadas acima é inquestionável que elas devem ser aceitas e quem se mostrar chocado estará dando mostra evidente de falta de delicadeza e refinamentoO monumento mais duradouro do que o bronze19 do poeta cairia por terra inevitavelmente como se fosse feito de vulgar argila ou tijolo se os homens não admitissem as contínuas transformações dos usos e costumes e aceitassem unicamente o que está conforme a moda dominante Seria sensato jogarmos fora os retratos de nossos antepassados por causa de seus rufos e anquinhas Mas quando as ideias da moral e da decência se modificam de uma época para outra e quando se descrevem costumes viciosos sem que estejam acompanhados dos devidos sinais de censura e desaprovação devese reconhecer que tal fato desfigura o poema e constitui uma autêntica deformidade Sou incapaz de compartilhar tais sentimentos e nem seria adequado fazêlo mesmo que eu possa desculpar o poeta levando em conta os costumes de sua época jamais poderei apreciar a composição A falta de humanidade e de decência tão evidente nos personagens criados por vários poetas antigos ou mesmo por HOMERO e pelos trágicos GREGO diminui consideravelmente o mérito de suas nobres obras conferindo aos autores modernos uma vantagem sobre eles Nós não nos interessamos pelo destino e pelos sentimentos daqueles rudes heróis e nos desagrada ver a tal ponto confundidos os limites do vício e da virtude e por maior que seja a nossa indulgência em relação ao autor levando em consideração os seus preconceitos somos incapazes de impor a nós mesmos compartilhar seus sentimentos ou sentir alguma simpatia por personagens que são tão claramente condenáveis Os princípios morais não estão no mesmo caso dos princípios especulativos de qualquer espécie Estes últimos estão em constante mudança e transformação O filho adere a um sistema diferente de seu pai e são poucos os homens que podem se gabar de grande constância e uniformidade nesse aspecto Sejam quais forem os erros especulativos que se possa encontrar nas obras cultas de qualquer época ou qualquer país eles pouco diminuem o seu valor É suficiente uma pequena adaptação do pensamento ou da imaginação para podermos compartilhar todas as opiniões que então prevaleciam e apreciar os sentimentos e conclusões que delas resultam Mas é necessário u esforço violento para modificarmos o nosso juízo sobre os costumes bem como para experimentar sentimentos de aprovação ou censura de amor ou ódio diferentes daqueles com que nosso espírito está longamente familiarizado Quando alguém confia na retidão daqueles padrões morais com base nos quais forma seus juízos tem por eles um zelo compreensível e não permitirá que os sentimentos de seu coração sejam pervertido por um momento sequer por complacência em relação a não importa que autor De todos os erros especulativos os mais desculpáveis nas obras de gênio são os relativos à religião e nem sempre é legítimo julgar a cultura e o saber de um povo ou mesmo de um indivíduo com base na banalidade ou na sutileza de seus princípios teológicos O bom senso que orienta os homens nas circunstâncias normais da vida não é obedecido nas questões religiosas já que elas se encontram acima do alcance da razão humana Nessa ordem de ideias todos os absurdos do sistema teológico pagão devem ser ignorados pelos críticos que pretendem chegar a uma noção rigorosa da poesia antiga e por sua vez a nossa posteridade deverá mostrar a mesma indulgência em relação a seus predecessores Enquanto permanecerem como meros princípios sem se apoderarem do coração tão fortemente a ponto de merecerem a classificação debeatice ou superstição os princípios religiosos nunca podem ser considerados erros dos poetas Quando isso acontece eles passam a perturbar os sentimentos morais e a alterar as fronteiras naturais que separam o vício da virtude Eles devem portanto ser considerados eternamente como defeitos conforme o princípio acima referido e os preconceitos e falsas opiniões da época são insuficientes para justificálos Uma das características essenciais da religião católica ROMANA é que ela precisa inspirar u ódio violento por todas as outras crenças concebendo todos os pagãos maometanos e hereges como objetos da cólera e da vingança divinas Muito embora sejam na realidade altamente condenáveis tais sentimentos são considerados virtudes pelos fanáticos dessa comunhão e são representados em suas tragédias e poemas épicos como uma espécie de divino heroísmo Essa beatice teve como consequência desfigurar duas das mais belas tragédias do teatro FRANCÊS POLIEUCTE ATALIA20 nas quais o zelo mais destemperado por certas formas de culto é apresentado com toda a pompa que se pode imaginar constituindo o traço dominante da personalidade de seus heróis O que é isso pergunta o sublime JOAD a JOSABET ao encontrálo conversando com MATHAN sacerdote de BAAL A filha de DAVI fala com esse traidor Pois não temeis que a terra se abra dela venham chamas que vos devorem a ambos Ou que estas paredes sagradas desmoronem enterrandovos O que ele pretende Por que o inimigo de Deus vem a este lugar envenenar o a que respiramos com sua presença horrível Tais sentimentos são acolhidos com aplausos nos teatros de PARIS mas em LONDRES os espectadores apreciariam igualmente ouvir AQUILES diz a AGAMENON que ele é um cão em sua fronte e um cervo em seu coração ou JÚPITER ameaç JUNO com uma bela surra se ela não ficar calada21 Os princípios religiosos também constituem uma falha em qualquer obra culta quando caem no nível da superstição ou se intrometem em toda sorte de sentimentos mesmo aqueles que não têm qualquer relação com religião Não constitui uma desculpa para o poeta que os costumes de seu país tenham sobrecarregado a existência com tal quantidade de rituais e cerimônias religiosas que nenhuma parte dela consiga escapar a seu jugo PETRARCA22 será sempre ridículo necessariamente na comparação que faz da sua amante LAURA com JESUS CRISTO Igualmente ridículo BOCCACCIO23 esse libertino encantador quando com toda a seriedade dá graças a DEUS TODO PODEROSO e às senhoras pelo auxílio que lhe deram protegendoo contra os seus inimigos 14 Cervantes Dom Quixote pt 2 cap 13 15 Aristóteles 384322 aC filósofo grego foi a principal fonte da filosofia escolástica medieval 16 Epicuro 341270 aC filósofo moral grego professava o hedonismo ou a visão de que o prazer é o maior bem do homem Ver ensaio de Hume intitulado O epicurista 17 Terêncio Andria A dama de Andros Glicérium a jovem mulher em torno da qual a trama se desenrola é uma muta person e isto é ela nada fala no palco 18 Em Clísia de Maquiavel que foi levada ao palco em 1525 a jovem Clísia não aparece em cena mas é o centro da ação 19 HorácioCarmina Odes 330 I 20 Polieucte martyr 164142 tragédia de Corneille é a história de um nobre armênio cuja conversão ao Cristianismo e cujo martíri levaram à conversão de sua esposa Pauline e de seu sogro Felix o governador romano que condenou Polieucte à morte por trair o deuses romanos Athalie 1691 uma tragédia de Racine se baseia no relato bíblico 2 Reis II e 2 Crônicas 2223 da vitória do sacerdote de Deus sobre Atalia rainha de Judá e adoradora do Baal A cena descrita em seguida por Hume é de Atalia ato 3 seç 5 21 Ver Homero Ilíada I 225 para a ofensa de Aquiles a Agamenon e I 5657 para a ameaça de Zeus ou Júpiter a Hera ou Juno 22 Hume provavelmente se refere à coletânea de 366 poemas de Francesco Petrarca 130474 que não tem um título definitivo ma que é conhecida na Itália comoCanzioniere ou Rima A maioria dos poemas é sobre o amor de Petrarca por Laura que começo quando ele a viu pela primeira vez na igreja em 1327 e que continuou mesmo após a sua morte em 1348 Parece que Laura estava acima do alcance de Petrarca que a amava de longe O amor de Petrarca por Laura se tornou um símbolo de sua própria busca pel salvação enquanto Laura depois de sua morte física ressuscita como um ideal sublime com qualidades divinas 23 Ver Boccaccio Decameron Introdução a O quarto dia Immanu Immanuel el Kant Kant Crítica da faculdade do juízo Crítica da faculdade do juízo Crítica da faculdade do juízo Crítica da faculdade do juízo24 24 Im Immmanuel anuel KKant 1724180 ant 172418044 Tradução Valério Rohden e António Marques O presente trecho reúne passagens significativas da estética de Immanuel Kant 1724 1804 apresentadas na última das suas três críticas a saber a Crítica da faculdade do juízo 1790 O leitor encontrará temas fundamentais como a articulação das faculdades em presença do belo e do sublime a distinção dessas noções a universalidade do juízo de gosto e a tese do gosto como uma complacência desinteressada por sinal tese amplamente discutida em filosofia sobre a qual o autor nos informa gosto é a faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo de representação mediante uma complacência ou descomplacência independente de todo interesse Temas Temas sublime belo gosto epistemologia 24 KANT ICrítica da Faculdade do Juízo Rio de Janeiro Editora Forense Universitária 1993 129 p 47112 Agradecemos Editora Forense Universitária GEN por autorizar a utilização do texto Primeira Seção Primeira Seção ANALÍTICA DA FACULDADE DO JUÍZO ESTÉTICA ANALÍTICA DA FACULDADE DO JUÍZO ESTÉTICA Primeiro Livro Primeiro Livro ANALÍTICA DO BELO ANALÍTICA DO BELO Primeiro momento do juízo de gosto Primeiro momento do juízo de gosto 25 25 segundo a qualidade segundo a qualidade 1 O juízo de gosto é estético Para distinguir se algo é belo ou não referimos a representação não pelo entendimento ao objeto em vista do conhecimento mas pela faculdade da imaginação talvez ligada ao entendimento ao sujeito e ao seu sentimento de prazer ou desprazer O juízo do gosto não é pois nenhum juízo de conhecimento por conseguinte não é lógico e sim estético pelo qual se entende aquilo cujo fundamento de determinaçãonão pode ser senão subjetivo Toda referência das representações mesmo a das sensações pode porém ser objetiva e ela significa então o real de uma representação empírica somente não pode sêlo a referência ao sentimento de prazer e desprazer pelo qual não é designado absolutamente nada no objeto mas no qual o sujeito sentese a si próprio do modo como ele é afetado pela sensação Apreender pela sua faculdade de conhecimento quer em um modo de representação claro ou confuso um edifício regular e conforme a fins é algo totalmente diverso do que ser consciente desta representação com a sensação de complacência Aqui a representação é referida inteiramente ao sujeito e na verdade ao seu sentimento de vida sob o nome de sentimentos de prazer ou desprazer o qual funda uma faculdade de distinção e ajuizamento inteiramente peculiar que em nada contribui para o conhecimento mas somente mantém a representação dada no sujeito em relação com a inteira faculdade de representações da qual o ânimo26 tornase consciente no sentimento de seu estado Representações dadas em um juízo podem ser empíricas por conseguinte estéticas mas o juízo que é proferido através delas é lógico se elas são referidas ao objeto somente no juízo Inversamente porém mesmo que as representações dadas fossem racionais mas em um juízo fossem referidas meramente ao sujeito seu sentimento elas são sempre estéticas 27 2 A complacência que determina o juízo de gosto é independente de todo interesse Chamase interesse a complacência28 que ligamos à representação da existência de um objeto Por isso um tal interesse sempre envolve ao mesmo tempo referência à faculdade da apetição quer como seu fundamento de determinação quer como vinculandose necessariamente ao seu fundamento de determinação Agora se a questão é se algo é belo então não se quer saber se a nós ou a qualquer um importa ou sequer possa importar algo da existência da coisa e sim como a ajuizamos na simples contemplação intuição ou reflexão Se alguém me pergunta se acho belo o palácio que vejo ante mim então posso na verdade dizer não gosto dessa espécie de coisas que são feitas simplesmente para embasbacar ou como aquele chefe iroquês de que em Paris nada lhe agrada mais do que as tabernas posso além disso em bom estilo rousseauniano recriminar a vaidade dos grandes que se servem do suor do povo para coisas tão supérfluas finalmente posso convencerme facilmente de que se me encontrasse em uma ilha inabitada sem esperança de algum dia retornar aos homens e se pelo meu simples desejo pudesse produzir por encanto um tal edifício suntuoso nem por isso dar meia uma vez sequer esse trabalho se já tivesse uma cabana que me fosse suficientemente cômoda Podese concederme e aprovar tudo isto só que agora não se trata disso Querse saber somente se essa simples representação do objeto em mim é acompanhada de complacência por indiferente que sempre eu possa ser com respeito à existência do objeto dessa representação Vêse facilmente que se trata do que faço dessa representação em mim mesmo não daquilo em que dependo da existência do objeto para dizer que ele é belo e para provar que tenho gosto Cada um tem de reconhecer que aquele juízo sobre beleza ao qual se mescla o mínimo interesse é muito faccioso e não é nenhum uízodegosto puro Não se tem que simpatizar minimamente com a existência da coisa mas ser a esse respeito completamente indiferente para em matéria de gosto desempenhar o papel de juiz Mas não podemos elucidar melhor essa proposição que é de importância primordial do que se contrapomos à complacência pura e desinteressada29 no juízo de gosto aquela que é ligada a interesse principalmente se ao mesmo tempo podemos estar certos de que não há mais espécies de interesse do que as que precisamente agora devem ser nomeadas 3 A complacência no agradável é ligada a interesse Agradável é o que apraz aos sentidos na sensação Aqui se mostra de imediato a ocasião para censurar uma confusão bem usual e chamar a atenção para ela relativamente ao duplo significado que a palavra sensação pode ter Toda complacência dizse ou pensase é ela própria sensação de um prazer Portanto tudo o que apraz é precisamente pelo fato de que apraz agradável e segundo os diferentes graus ou também relações com outras sensações agradáveis gracioso encantador deleitável etc Se isso porém for concedido então impressões dos sentidos que determinam a inclinação ou princípios da razão que determinam a vontade ou simples formas refletidas da intuição que determinam a faculdade do juízo são no que concerne ao efeito sobre sentimento de prazer inteiramente a mesma coisa Pois esse efeito seria o agrado na sensação de seu estado e já que enfim todo o cultivo de nossas faculdades tem de ter em vista o prático e unificarse nele como em seu objetivo assim não se poderia pretender delas nenhuma outra avaliação das coisas e de seu valor do que a que consiste no deleite que elas prometem O modo como elas o conseguem não importa enfim absolutamente e como unicamente a escolha dos meios pode fazer nisso uma diferença assim os homens poderiam culparse reciprocamente de tolice e de insensatez jamais porém de vileza e maldade porque todos eles cada um segundo o seu modo de ver as coisas tendem a um objetivo que é para qualquer um o deleite Se uma determinação do sentimento de prazer ou desprazer é denominada sensação então essa expressão significa algo totalmente diverso do que se denomina a representação de uma coisa pelos sentidos como uma receptividade pertencente à faculdade do conhecimento 30 sensação Pois no último caso a representação é referida ao objeto no primeiro porém meramente ao sujeito e não serve absolutamente para nenhum conhecimento tampouco para aquele pelo qual o próprio sujeito se conhece Na definição dada entendemos contudo pela palavra sensação uma representação objetiva dos sentidos e para não corrermos sempre perigo de ser falsamente interpretados queremos chamar aquilo que sempre tem de permanecer simplesmente subjetivo e que absolutamente não pode constituir nenhuma representação de um objeto pelo nome aliás usual de sentimento A cor verde dos prados pertence à sensação objetiva como percepção de um objeto do sentido o seu agrado porém pertence à sensação subjetiva pela qual nenhum objeto é representado isto é ao sentimento pelo qual o objeto Gegenstand é considerado como objeto Objekt da complacência a qual não é nenhum conhecimento do mesmo Explicação do belo inferida do primeiro momento Gosto é a faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo de representação mediante uma complacência ou descomplacência independente de todo interesse O objeto de uma tal complacência chamasebelo Segundo momento do juízo de gosto a saber segundo sua quantidade 6 O belo é o que é representado sem conceitos como objeto de uma complacência universal Esta explicação do belo pode ser inferida da sua explicação anterior como um objeto da complacência independente de todo interesse Pois aquilo a respeito de cuja complacência alguém é consciente de que ela é nele próprio independente de todo interesse isso ele não pode ajuizar de outro modo senão de que tenha de conter um fundamento da complacência para qualquer um Pois visto que não se funda sobre qualquer inclinação do sujeito nem sobre qualquer outro interesse deliberado mas visto que o julgante sentese inteiramentelivre com respeito à complacência que ele dedica ao objeto assim ele não pode descobrir nenhuma condição privada como fundamento da complacência à qual unicamente seu sujeito se afeiçoasse e por isso tem que considerálo como fundado naquilo que ele também pode pressupor em todo outro consequentemente ele tem de crer que possui razão para pretender de qualquer um uma complacência semelhante Ele falará pois do belo como se a beleza fosse uma qualidade do objeto e o juízo fosse lógico constituindo através de conceitos do objeto de um conhecimento do mesmo conquanto ele seja somente estético e contenha simplesmente uma referência da representação do objeto ao sujeito porque ele contudo possui semelhança com o lógico podese pressupor a sua validade para qualquer um Mas de conceitos essa universalidade tampouco pode surgir Pois conceitos não oferecem nenhuma passagem ao sentimento de prazer ou desprazer exceto em leis práticas puras que porém levam consigo um interesse semelhante ao qual não se encontra nenhum ligado ao juízo de gosto puro Consequentemente se te que atribuir ao juízo de gosto com a consciência da separação nele de todo interesse uma reivindicação de validade para qualquer um sem universalidade fundada sobre objetos Isto é uma reivindicação de universalidade subjetiva tem que estar ligada a esse juízo 7 Comparação do belo com o agradável e o bom através da característica acima Com respeito ao agradável cada um resignase com o fato de que seu juízo que ele funda sobre um sentimento privado e mediante o qual ele diz de um objeto que ele lhe apraz limitase também simplesmente a sua pessoa Por isso ele de bom grado contentase com o fato de que se ele diz o vinho espumante das Canárias é agradável um outro corrigelhe a expressão e recordalhe que deve dizer ele me é agradável e assim não somente no gosto da língua do céu da boca e da garganta mas também no que possa ser agradável aos olhos e ouvidos de cada um Pois a um a cor violeta é suave e amena a outra morta e fenecida Um ama o som dos instrumentos de sopro outro o dos instrumentos de corda Altercar sobre isso com o objetivo de censurar como incorreto o juízo de outros que é diverso do nosso como se fosse logicamente oposto a este seria tolice portanto acerca do agradável vale o princípio cada um tem seu próprio31 gosto dos sentidos Com o belo passase de modo totalmente diverso Seria precisamente ao contrário ridículo que alguém que se gabasse de seu gosto pensasse justificarse com isto este objeto o edifício que vemos o traje que aquele veste o conceito que ouvimos o poema que é apresentado ao ajuizamento é para mim belo Pois ele não tem que denominálobelo se apraz meramente a ele Muita coisa pode ter atrativo e agrado para ele com isso ninguém se preocupa se ele porém toma algo por belo então atribui a outros precisamente a mesma complacência ele não julga simplesmente por si mas por qualquer um e nesse caso fala da beleza como se ela fosse uma propriedade das coisas Por isso ele diz a coisa é bela e não conta com o acordo unânime de outros em seu juízo de complacência porque ele a tenha considerado mais vezes em acordo com o seu juízo mas a exige deles Ele censuraos se julgam diversamente e negalhe o gosto todavia pretendendo que eles devam possuí lo e nessa medida não se pode dizer cada um possui seu gosto particular Isso equivaleria a dizer não existe absolutamente gosto algum isto é um juízo estético que pudesse legitimamente reivindicar o assentimento de qualquer um Contudo descobrese também a respeito do agradável que no seu ajuizamento pode ser encontrada unanimidade entre pessoas com vistas à qual se nega a alguns o gosto e a outros sêlo concede e na verdade não no significado de sentido orgânico mas de faculdade de ajuizamento com respeito ao agradável em geral Assim se diz de alguém que sabe entreter seus hóspedes com amenidades do gozo através de todos os sentidos de modo tal que apraz a todos que ele tem gosto Mas aqui a universalidade é tomada só comparativamente e então há somente regras gerais como o são todas as empíricas não universais como as que o juízo de gosto sobre o belo toma a seu encargo ou reivindica Tratase de um juízo em referência à sociabilidade na medida em que ela se baseia em regras empíricas Com respeito ao bom os juízos na verdade também reivindicam co razão validade para qualquer um todavia o bom é representado somente por um conceito como objeto de uma complacência universal o que não é o caso nem do agradável nem do belo 8 A universalidade da complacência é representada em um juízo de gosto somente como subjetiva Esta particular determinação da universalidade de um juízo estético que pode ser encontrada e um juízo de gosto é na verdade uma curiosidade não para o lógico mas sim para o filósofo transcendental ela desafia seu não pequeno esforço para descobrir a srcem da mesma mas em compensação desvela também uma propriedade de nossa faculdade de conhecimento a qual sem esse desmembramento teria ficado desconhecida Antes de tudo é preciso convencerse inteiramente de que pelo juízo de gosto sobre o belo imputase aqualquer um a complacência no objeto sem contudo se fundar sobre um conceito pois então se trataria do bom e que essa reivindicação de validade universal pertence tão essencialmente a um juízo pelo qual declaramos algobelo que sem pensar essa universalidade ninguém teria ideia de usar essa expressão mas tudo o que apraz sem conceito seria computado como agradável com respeito ao qual deixase a cada um seguir sua própria cabeça e nenhum presume do outro adesão a seu juízo de gosto o que entretanto sempre ocorre no juízo de gosto sobre a beleza Posso denominar o primeiro gosto dos sentidos o segundo de gosto da reflexão enquanto o primeiro profere meramente juízos privados o segundo por sua vez profere pretensos juízos comumente válidos públicos de ambos os lados porém juízos estéticos não práticos sobre um objeto simplesmente com respeito à relação de sua representação com o sentimento de prazer e desprazer Ora é contudo estranho que visto que a respeito do gosto dos sentidos não apenas a experiência mostra que seu juízo de prazer ou desprazer em algo qualquer não vale universalmente mas qualquer um também é por si tão despretensioso que precisamente não imputa a outros este acordo unânime se bem que efetiva e frequentemente se encontre uma unanimidade muito ampla também nesses juízos o gosto de reflexão que como o ensina a experiência também é bastante frequentemente rejeitado com sua reivindicação de validade universal de seu juízo sobre o belo para qualquer um não obstante possa considerar possível o que ele também faz efetivamente representarse juízos que pudessem exigir universalmente esse acordo unânime e de fato o presume para cada um de seus juízos de gosto sem que aqueles que julgam estejam em conflito quanto à possibilidade de uma tal reivindicação mas somente em casos particulares não podem unirse a propósito do emprego correto dessa faculdade Ora aqui se deve notar antes de tudo que uma universalidade que não se baseia em conceitos de objetos ainda que somente empíricos não é absolutamente lógica mas estética isto é não contém nenhuma quantidade objetiva do juízo mas somente uma subjetiva para a qual também utilizo a expressão validade comum Gemeingültigkeit a qual designa a validade não da referência de uma representação à faculdade de conhecimento mas ao sentimento de prazer e desprazer para cada sujeito A gente pode porém servirse também da mesma expressão para a quantidade lógica do uízo desde que acrescente validade universal objetiva à diferença da simplesmente subjetiva que é sempre estética Ora um juízo objetiva e universalmente válido também é sempre subjetivo isto é se o juízo vale para tudo o que está contido sob um conceito dado então ele vale também para qualquer um que represente um objeto através deste conceito Mas de umavalidade universal subjetiva isto é estética que não se baseie em nenhum conceito não se pode deduzir a validade universal lógica porque aquela espécie de juízo não remete absolutamente ao objeto Justamente por isso todavia a universalidade estética que é conferida a um juízo também tem que ser de índole peculiar porque ela32 não conecta o predicado da beleza ao conceito do objeto considerado em sua inteira esfera lógica33 e no entanto estende o mesmo sobre a esfera inteirados que julgam No que concerne à quantidade lógica todos os juízos de gosto são juízos singulares Pois porque tenho de ater o objeto imediatamente a meu sentimento de prazer e contudo não através de conceitos assim aqueles não podem ter a quantidade de um juízo objetiva e comumente válido 34 se bem que se a representação singular do objeto do juízo de gosto segundo as condições que determinam o último for por comparação convertida em um conceito um juízo lógico universal poderá resultar disso por exemplo a rosa que contemplo declaroa bela mediante um juízo de gosto Contrariamente o juízo que surge por comparação de vários singulares as rosas em geral são belas não é desde então enunciado simplesmente como estético mas como um juízo lógico fundado sobre um juízo estético Ora o juízo a rosa é de odor35 agradável na verdade é também um juízo estético e singular mas nenhum juízo de gosto e sim dos sentidos Ele distinguese do primeiro no fato de que o juízo de gosto traz consigo uma quantidade estéti ca da universalidade isto é da validade para qualquer um a qual não pode ser encontrada no juízo sobre o agradável Só e unicamente os juízos sobre o bom conquanto determinem também a complacência em um objeto possuem universalidade lógica não meramente estética pois eles valem sobre o objeto como conhecimento do mesmo e por isso para qualquer um Quando se julgam objetos simplesmente segundo conceitos toda a representação da beleza é perdida Logo não pode haver tampouco uma regra segundo a qual alguém devesse ser coagido a reconhecer algo como belo Se um vestido uma casa uma flor é bela disso a gente não deixa seu uízo persuadirse por nenhuma razão ou princípio A gente quer submeter o objeto aos seus próprios olhos como se sua complacência dependesse da sensação e contudo se a gente então chama o objeto de belo crê ter em seu favor uma voz universal e reivindica a adesão de qualquer um já que do contrário cada sensação privada decidiria só e unicamente para o observador e sua complacência Ora aqui se trata de ver que no juízo do gosto nada é postulado postuliert a não ser uma tal voz universal com vistas à complacência sem mediação dos conceitos por conseguinte a ossibilidade de um juízo estético que ao mesmo tempo possa ser considerado como válido para qualquer um O próprio juízo de gosto não postula o acordo unânime de qualquer um pois isso só pode fazêlo um juízo lógicouniversal porque ele pode alegar razões ele somente imputa es sinnt an a qualquer um esse acordo como um caso da regra com vistas ao qual espera a confirmação não de conceitos mas da adesão de outros A voz universal é portanto somente uma ideia em que ela se baseia não será ainda investigado aqui Que aquele que crê proferir um juízo de gosto de fato julgue conformemente a essa ideia pode ser incerto mas que ele contudo o refira a ela consequentemente que ele deva ser um juízo de gosto anunciao através da expressão beleza Por si próprio porém ele pode estar certo disso pela simples consciência da separação de tudo o que pertence ao agradável e ao bom da complacência que ainda lhe resta e isso é tudo para o qual ele se promete o assentimento de qualquer um uma pretensão para qual sob essas condições ele também estaria autorizado se ele não incorresse frequentemente em falta contra elas e por isso proferisse um juízo de gosto errôneo 9 Investigação da questão se no juízo de gosto o sentimento de prazer precede o ajuizamento do objeto ou se este ajuizamento precede o prazer A solução deste problema é a chave da crítica do gosto e por isso digna de toda a atenção Se o prazer no objeto dado fosse o antecedente e no juízo de gosto somente a comunicabilidade Mitteilbarkeit 36 universal do prazer devesse ser concedida à representação do objeto então um tal procedimento estaria em contradição consigo mesmo Pois tal prazer não seria nenhum outro que o simples agrado na sensação sensorial e por isso de acordo com sua natureza somente poderia ter validade privada porque dependeria imediatamente da representação pela qual o objeto é dado Logo é a universal capacidade de comunicação do estado de ânimo na representação dada que como condição subjetiva do juízo de gosto têm de jazer como fundamento do mesmo e ter como consequência o prazer no objeto Nada porém pode ser comunicado universalmente a não ser conhecimento e representação na medida em que ela pertence ao conhecimento Pois só e unicamente nessa medida a última é objetiva e só assim tem um ponto de referência universal com o qual a faculdade de representação de todos é coagida a concordar Ora se o fundamento determinante do uízo sobre essa comunicabilidade universal da representação deve ser pensado apenas subjetivamente ou seja sem um conceito do objeto então ele não pode ser nenhum outro senão o estado de ânimo que é encontrado na relação recíproca das faculdades de representação na medida em que elas referem uma representação dada aoconhecimento em geral Explicação do belo inferida do segundo momento Belo é o que apraz universalmente sem conceito Terceiro momento do juízo de gosto segundo a relação dos fins que nele é considerada 10 Da conformidade a fins em geral Se quisermos explicar o que seja um fim segundo suas determinações transcendentais se pressupor algo empírico como é o caso do sentimento de prazer então fim é o objeto de um conceito na medida em que este for considerado como a causa daquele o fundamento real de sua possibilidade e a causalidade de um conceito com respeito a seu objeto é a conformidade a fins forma finalis Onde pois não é porventura pensado simplesmente o conhecimento de um objeto mas o próprio objeto a forma ou existência do mesmo como efeito enquanto possível somente mediante um conceito do último aí se pensa um fim A representação do efeito é aqui o fundamento determinante de sua causa e precedea A consciência da causalidade de uma representação com vistas ao estado do sujeito para conservar a este nesse estado pode aqui de modo geral designar aquilo que se chama prazer contrariamente desprazer é aquela representação que possui o fundamento para determinar o estado das representações ao seu próprio oposto para impedilas ou eliminálas37 A faculdade da apetição na medida em que é determinável somente por conceitos isto é a agir conformemente à representação de um fim seria a vontade Conforme a um fim porém chamase u objeto ou um estado de ânimo ou também uma ação ainda que sua possibilidade não pressuponha necessariamente a representação de um fim simplesmente porque sua possibilidade somente pode ser explicada ou concebida por nós na medida em que admitimos como fundamento da mesma uma causalidade segundo fins isto é uma vontade que a tivesse ordenado desse modo segundo a representação de uma certa regra A conformidade a fins pode pois ser sem fim na medida em que não pomos as causas dessa forma em uma vontade e contudo somente podemos tornar compreensível a nós a explicação de sua possibilidade enquanto a deduzimos de uma vontade Ora não temos sempre necessidade de descortinar pela razão38 segundo a sua possibilidade aquilo que observamos Logo podemos pelo menos observar uma conformidade a fins segundo a forma mesmo que não lhe ponhamos como fundamento um fim como matéria do nexus finalis e notála em objetos embora de nenhum outro modo senão por reflexão 11 O juízo de gosto não tem por fundamento senão a forma da conformidadea fins de um objeto ou do seu modo de representação Todo fim se é considerado como fundamento da complacência comporta sempre um interesse como fundamento de determinação do juízo sobre o objeto do prazer Logo não pode haver nenhum fim subjetivo como fundamento do juízo de gosto Mas também nenhuma representação de um fi objetivo isto é da possibilidade do próprio objeto segundo princípios da ligação a fins por conseguinte nenhum conceito de bom pode determinar o juízo de gosto porque ele é um juízo estético e não um juízo de conhecimento o qual pois não concerne a nenhumconceito da natureza e da possibilidade interna ou externa do objeto através desta ou daquela causa mas simplesmente à relação das faculdades de representação entre si na medida em que elas são determinadas por uma representação Ora é esta relação na determinação de um objeto como um objeto belo ligado ao sentimento de prazer que é ao mesmo tempo declarado pelo juízo de gosto como válida para todos consequentemente nem uma amenidade que acompanha a representação nem a representação 39 da perfeição do objeto e o conceito de bom podem conter esse fundamento de determinação Logo nenhuma outra coisa senão a conformidade a fins subjetiva na representação de um objeto sem qualquer fim objetivo ou subjetivo consequentemente a simples forma da conformidade a fins na representação pela qual um objeto nos é dado pode na medida em que somos conscientes dela constituir a complacência que julgamos como comunicável universalmente sem conceito por conseguinte o fundamento determinante do juízo de gosto Explicação do belo deduzida deste terceiro momento Beleza é a forma da conformidade a fins de um objeto na medida em que ela é percebida nele sem representação de um fim40 Quarto momento do juízo de gosto segundo a modalidade da complacência no objeto41 18 O que é a modalidade de um juízo de gosto De cada representação posso dizer que é pelo menos possível que ela como conhecimento seja ligada a um prazer Daquilo que denominoagradável digo que ele efetivamente produz prazer em mim Dobelo porém se pensa que ele tenha uma referêncianecessária à complacência Ora essa necessidade é de uma modalidade peculiar ela não é uma necessidade objetiva teórica na qual pode ser conhecido a priori que qualquer um sentirá essa complacência no objeto que denomino belo nem será uma necessidade prática na qual através de conceitos de uma vontade racional pura que serve de regra a entes que agem livremente esta complacência é a consequência necessária de uma lei objetiva e não significa senão que simplesmente sem intenção ulterior se deve agir de um certo modo Mas como necessidade que é pensada em um juízo estético ela só pode ser denominada exemplar isto é uma necessidade de assentimento de todos a um juízo que é considerado como exemplo de uma regra universal que não se pode indicar Visto que um juízo estético não é nenhum juízo objetivo e de conhecimento essa necessidade não pode ser deduzida de conceitos determinados e não é pois apodíctica Muito menos pode ela ser inferida da generalidade da experiência de um a unanimidade geral dos juízos sobre a beleza de um certo objeto Pois não só pelo fato de que a experiência dificilmente conseguiria documentos suficientemente numerosos nenhum conceito de necessidade pode fundamentarse sobre juízos empíricos 19 A necessidade subjetiva que atribuímos ao juízo de gosto é condicionada O juízo de gosto imputa o assentimento a qualquer um e quem declara algo belo quer que qualquer umdeva aprovar o objeto em apreço e igualmente declarálo belo O dever no juízo estético segundo todos os dados que são requeridos para o ajuizamento é portanto ele mesmo expresso só condicionadamente Procurase ganhar o assentimento de cada um porque se tem para isso um fundamento que é comum a todos com esse assentimento 42 também se poderia contar se apenas se estivesse sempre seguro de que o caso seria subsumido corretamente sob aquele fundamento como regra da aprovação 20 A condição da necessidade que um juízo de gosto pretende é a idéia de um sentido comum Se juízos de gosto identicamente aos juízos de conhecimento tivessem um princípio objetivo determinado então aquele que os profere segundo esses princípios reivindicaria necessidade incondicionada de seu juízo Se eles fossem desprovidos de todo princípio como os do simples gosto dos sentidos então ninguém absolutamente teria a ideia de alguma necessidade dos mesmos Logo eles têm que possuir um princípio subjetivo o qual determine somente através de sentimento e não de conceitos e contudo de modo universalmente válido o que apraz ou desapraz Um tal princípio porém somente poderia ser considerado como um sentido comum o qual é essencialmente distinto do entendimento comum que às vezes também se chama senso comum sensus communis nesse caso ele não julga segundo o sentimento mas sempre segundo conceitos se bem que habitualmente somente ao modo de princípios obscuramente representados Portanto somente sob a pressuposição de que exista um sentido comum pelo qual porém não entendemos nenhum sentido externo mas o efeito decorrente do jogo livre de nossas faculdades de conhecimento somente sob a pressuposição digo eu de um tal sentido comum o juízo de gosto pode ser proferido 21 Se se pode com razão pressupor um sentido comum Conhecimentos e juízos juntamente com a convicção que os acompanha têm que poder comunicarse universalmente pois do contrário eles não alcançariam nenhuma concordância com o objeto eles seriam em suma um jogo simplesmente subjetivo das faculdades de representação precisamente como o ceticismo o reclama Se porém conhecimentos devem poder comunicarse então também o estado de ânimo isto é a disposição das faculdades de conhecimento para um conhecimento em geral e na verdade aquela proporção que se presta a uma representação pela qual um objeto nos é dado para fazêla um conhecimento tem que poder comunicarse universalmente porque sem essa condição subjetiva do conhecer o conhecimento como efeito não poderia surgir Isso também acontece efetivamente sempre que um objeto dado leva através dos sentidos a faculdade da imaginação à composição do múltiplo e esta por sua vez põe em movimento o entendimento para unidade do mesmo 43 em conceitos Mas essa disposição das faculdades de conhecimento tem uma proporção diversa de acordo com a diversidade dos objetos que são dados Todavia tem que haver uma proporção na qual essa relação interna para a vivificação de uma pela outra é a mais propícia para ambas as faculdades do ânimo com vistas ao conhecimento de objetos dados em geral e esta disposição não pode ser determinada de outro modo senão pelo sentimento não segundo conceitos Ora visto que essa própria disposição tem que poder comunicarse universalmente e por conseguinte também o sentimento da mesma em uma representação dada mas visto que a comunicabilidade universal de um sentimento pressupõe um sentido comum assim este poderá ser admitido com razão e na verdade sem nesse caso se apoiar em observações psicológicas mas como a condição necessária da comunicabilidade universal de nosso conhecimento a qual tem que44 ser pressuposta em toda lógica e em todo princípio dos conhecimentos que não seja cético 22 A necessidade do assentimento universal que é pensada em um juízo de gosto é uma necessidade subjetiva que sob a pressuposição de um sentido comum é representada como objetiva Em todos os juízos pelos quais declaramos algo belo não permitimos a ninguém ser de outra opinião sem com isso fundarmos nosso juízo sobre conceitos mas somente sobre nosso sentimento o qual pois colocamos a fundamento não como sentimento privado mas como um sentimento comunitário gemeinschaftliches Ora esse sentido comum não pode para esse fim ser fundado sobre a experiência pois ele quer dar direito a juízos que contêm um dever ele não diz que qualquer um irá concordar com nosso juízo mas que deve concordar com ele Logo o sentido comum de cujo juízo indico aqui o meu juízo de gosto como um exemplo e por cujo motivo eu lhe confiro validade exemplar é uma simples norma ideal sob cuja pressuposição poderseia com direito tomar um juízo que com ela concorde e uma complacência em um objeto expressa no mesmo como regra para qualquer um porque o princípio na verdade admitido só subjetivamente mas contudo como subjetivouniversal uma ideia necessária para qualquer um poderia no que concerne à unanimidade de julgantes diversos identicamente a um princípio objetivo exigir assentimento universal contanto que apenas se estivesse seguro de ter feito a subsunção correta Essa norma indeterminada de um sentido comum é efetivamente pressuposta por nós o que prova nossa presunção de proferir juízos de gosto Se de fato existe um tal sentido comum como princípio constitutivo da possibilidade da experiência ou se um princípio ainda superior da razão nolo torne somente princípio regulativo antes de tudo para produzir em nós um sentido comum para fins superiores se portanto o gosto é uma faculdade srcinal e natural ou somente a ideia de uma faculdade fictícia e a ser ainda adquirida de modo que um juízo de gosto com sua pretensão a um assentimento universal de fato seja somente uma exigência da razão de produzir uma tal unanimidade do modo de sentir e que o dever isto é a necessidade objetiva da confluência do sentimento de qualquer um com o sentimento particular de cada um signifique somente a possibilidade dessa unanimidade e o juízo de gosto forneça um exemplo somente de aplicação deste princípio aqui não queremos e não podemos ainda investigar isso por ora cabenos somente decompor a faculdade do gosto em seus elementos e45 unila finalmente na ideia de um sentido comum Explicação do belo inferida do quarto momento Belo é o que é conhecido sem conceito como objeto de uma complacêncianecessária 24 Da divisão de uma investigação do sentimento do sublime No que concerne à divisão dos momentos do ajuizamento estético dos objetos em referência ao sentimento do sublime a Analítica poderá seguir o mesmo princípio ocorrido na análise dos juízos de gosto Pois enquanto juízo da faculdade de juízo estéticoreflexiva a complacência no sublime tanto como no belo tem que representar 46 segundo aquantidade de modo universalmente válido segundo aqualidade sem interesse e tem que representar segundo arelação uma conformidade a fins subjetiva e segundo amodalidade essa última como necessária Nisso portanto o método não diferirá do método da seção anterior pois terseia que tomar em conta o fato de que lá onde o juízo estético concernia à forma do objeto começamos da investigação da qualidade aqui porém no caso da ausência de forma que pode convir ao que denominamos sublime começaremos da quantidade como o primeiro momento do juízo estético sobre o sublime a razão desse procedimento pode ser deduzida do parágrafo precedente47 Mas a análise do sublime necessita de uma divisão da qual a análise do belo não carece a saber em matemáticosublime e emdinâmicosublime Pois visto que o sentimento do sublime comporta como característica própria ummovimento do ânimo ligado ao ajuizamento do objeto ao passo que o gosto no belo pressupõe e mantém o ânimo em serena contemplação mas visto que esse movimento deve ser ajuizado como subjetivamente conforme a fins porque o sublime apraz assim ele é referido pela faculdade da imaginação ou à aculdade do conhecimento ou à faculdade da apetição mas em ambos os casos a conformidade a fins da representação dada é ajuizada somente com vistas a estas faculdade sem fim ou interesse nesse caso então a primeira é atribuída ao objeto como disposição matemática a segunda como disposição dinâmica da faculdade da imaginação e por conseguinte esse objeto é representado como sublime dos dois modos mencionados A DO MATEMÁTICOSUBLIME A DO MATEMÁTICOSUBLIME 25 Definição nominal do sublime Denominamos sublime o que é absolutamente grande Mas grande e grandeza48 são conceitos totalmente distintos magnitudo e quantitas Do mesmo mododizer simplesmente simpliciter que algo é grande é totalmente diverso de dizer que ele seja absolutamente grande absolute non comparative magnum O último é o que é grande acima de toda comparação Que significa então a expressão algo é grande ou pequeno ou médio Não é um conceito puro do entendimento que é denotado através dela49 menos ainda uma intuição dos sentidos e tampouco um conceito da razão porque não comporta absolutamente nenhum princípio do conhecimento Logo tem de tratarse de u conceito da faculdade do juízo ou derivar de um tal conceito e pôr como fundamento uma conformidade a fins subjetiva da representação em referência à faculdade do juízo Que algo seja uma grandeza quantum podese reconhecer desde a própria coisa sem nenhuma comparação com outras a saber quando a pluralidade do homogêneo tomado em conjunto constitui uma unidade Quão grande porém o seja requer sempre para sua medida algo diverso que também seja uma grandeza Visto porém que no ajuizamento da grandeza não se trata simplesmente da pluralidade número mas também da grandeza da unidade da medida e a grandeza desta última sempre precisa por sua vez de algo diverso como medida com a qual ela possa ser comparada assim vemos que toda determinação de grandeza dos fenômenos simplesmente não pode fornecer nenhum conceito absoluto de uma grandeza mas sempre somente um conceito de comparação Ora se eu digo simplesmente que algo seja grande então parece que eu absolutamente não tenho em vista nenhuma comparação pelo menos com alguma medida objetiva porque desse modo não é absolutamente determinado quão grande o objeto seja Mas se bem que o padrão de medida da comparação seja meramente subjetivo o juízo nem por isso reclama assentimento 50 universal os uízos o homem é belo e ele é grande não se restringem meramente ao sujeito que julga mas reivindicam como os juízos teóricos o assentimento de qualquer um Mas porque em um juízo pelo qual algo é denotado simplesmente como grande não se quer meramente dizer que o objeto tenha uma grandeza e sim que esta ao mesmo tempo lhe é atribuída de preferência a muitas outras da mesma espécie sem contudo indicar determinadamente essa preferência assim certamente é posto como fundamento da mesma um padrão de medida que se pressupõe poder admitir como o mesmo para qualquer um que porém não é utilizável para nenhum ajuizamento lógico matematicamente determinado mas somente estético da grandeza porque ele é um padrão de medida que se encontra só subjetivamente à base do juízo reflexivo sobre grandeza Ele pode aliás ser empírico como por assim dizer a grandeza média dos a nós conhecidos homens animais de certa espécie árvores casas montes etc ou um padrão de medida dado a priori que pelas deficiências do sujeito ajuizante51 é limitado a condições subjetivas da apresentação in concreto como no prático a grandeza de uma certa virtude ou da liberdade e justiça públicas em um país ou no teórico a grandeza da correção ou incorreção de uma observação ou mensuração feita etc Ora é aqui digno de nota que conquanto não tenhamos absolutamente nenhum interesse no objeto isto é a existência do mesmo énos indiferente todavia a simples grandeza do mesmo até quando ele é observado como sem forma possa comportar uma complacência que é comunicável universalmente por conseguinte contém consciência de uma conformidade a fins subjetiva no uso de nossa faculdade de conhecimento mas não por assim dizer uma complacência no objeto como no belo porque ele pode ser sem forma em cujo caso a faculdade de juízo reflexiva encontrase disposta conformemente a fins em referência ao conhecimento em geral e sim na ampliação da faculdade da imaginação em si mesma Se sob a limitação mencionada acima dizemos simplesmente de um objeto que ele é grande então este não é nenhum juízo matematicamente determinante mas um simples juízo de reflexão sobre sua representação que é subjetivamente conforme aos fins de um certo uso de nossas faculdades de conhecimento na apreciação da grandeza e nós então ligamos sempre à representação uma espécie de respeito assim como a denominamos simplesmente pequeno um desrespeito Aliás o ajuizamento das coisas como grandes ou pequenas concerne a tudo mesmo a todas as propriedades das coisas por isso nós próprios denominamos a beleza grande ou pequena a razão disso deve ser procurada no fato de que o que quer que segundo a prescrição da faculdade do juízo possamos apresentar na intuição por conseguinte representar esteticamente é em suma fenômeno por conseguinte também umquantum Se porém denominamos algo não somente grande mas simplesmente absolutamente e em todos os sentidos acima de toda a comparação grande isto é sublime então se tem a imediata perspiciência de que não permitimos procurar para o mesmo nenhum padrão de medida adequado a ele fora dele mas simplesmente nele Tratase de uma grandeza que é igual simplesmente a si mesma Disso seguese portanto que o sublime não deve ser procurado nas coisas da natureza mas unicamente em nossas ideias em quais delas porém ele se situa é algo que tem que ser reservado para a dedução A definição acima também pode ser expressa assim sublime é aquilo em comparação com o qual tudo o mais é pequeno Aqui se vê facilmente que na natureza nada pode ser dado por grande que ele também seja ajuizado por nós que considerado em uma outra relação não pudesse ser degradado até o infinitamente pequeno e inversamente nada tão pequeno que em comparação com padrões de medida ainda menores não se deixasse ampliar para a nossa faculdade de imaginação até uma grandeza cósmica Os telescópios forneceramnos rico material para fazer a primeira observação os microscópios para fazermos a última Nada portanto que pode ser objeto dos sentidos visto sobre essa base deve denominarse sublime Mas precisamente pelo fato de que e nossa faculdade da imaginação encontrase uma aspiração ao progresso até o infinito e em nossa razão porém uma pretensão à totalidade absoluta como a uma ideia real mesmo aquela inadequação a esta ideia de nossa faculdade de avaliação da grandeza das coisas do mundo dos sentidos desperta o sentimento de uma faculdade suprassensível em nós e o que é absolutamente grande não é porém o objeto dos sentidos e sim o uso que a faculdade do juízo naturalmente faz de certos objetos para o fim daquele sentimento com respeito ao qual todavia todo outro uso é pequeno Por conseguinte o que deve denominarse sublime não é o objeto e sim a disposição de espírito através de uma certa representação que ocupa a faculdade de juízo reflexiva Podemos pois acrescentar às fórmulas precedentes de definição do sublime ainda esta sublime é o que somente pelo fato de poder também pensálo prova uma faculdade do ânimo que ultrapassa todo padrão de medida dos sentidos 26 Da avaliação das grandezas das coisas da natureza que é requerida para a idéia do sublime A avaliação das grandezas através de conceitos numéricos ou seus sinais na álgebra é matemática mas a sua avaliação na simples intuição segundo a medida ocular é estética Ora na verdade somente52 através de números podemos obter determinados conceitos de quão grande seja algo quando muito aproximações através de séries numéricas prosseguindo até o infinito cuja unidade é a medida e desse modo toda avaliação de grandezas lógica é matemática Todavia visto que a grandeza da medida tem que ser admitida como conhecida assim se esta agora tivesse que ser avaliada de novo somente por números cuja unidade tivesse que ser uma outra medida por conseguinte devesse ser avaliada matematicamente jamais poderíamos ter uma medida primeira ou fundamental por conseguinte tampouco algum conceito determinado de uma grandeza dada Logo a avaliação da grandeza da medida fundamental tem que consistir simplesmente no fato de que se pode captála imediatamente em uma intuição e utilizála pela faculdade da imaginação para a apresentação dos conceitos numéricos isto é toda avaliação das grandezas dos objetos da natureza é por fim estética isto é determinada subjetivamente e não objetivamente Ora para a avaliação matemática das grandezas na verdade não existe nenhum máximo pois o poder dos números vai até o infinito mas para a avaliação estética das grandezas certamente existe um máximo e acerca deste digo que se ele é ajuizado como medida absoluta acima da qual não é subjetivamente ao sujeito ajuizador possível medida maior então ele comporta a ideia do sublime e produz aquela comoção que nenhuma avaliação matemática das grandezas pode efetuar através de números a não ser que e enquanto aquela medidafundamental estética presente à faculdade da imaginação seja mantida viva porque a última sempre apresenta somente a grandeza relativa por comparação com outras da mesma espécie a primeira porém a grandeza simplesmente na medida em que o ânimo pode captála em uma intuição Admitir intuitivamente umquantum na faculdade da imaginação para poder utilizálo como medida ou como unidade para a avaliação da grandeza por números implica duas ações dessa faculdade Apreensão53 apprehensio e compreensão comprehensio aesthetica Com a apreensão isso não é difícil pois com ela podese ir até o infinito mas a compreensão tornase sempre mais difícil quanto mais a apreensão avança e atinge logo o seu máximo a saber a medida fundamental esteticamentemáxima da avaliação das grandezas B DO B DO DINÂM DINÂMICOSUBLIME DA NATUREZ ICOSUBLIME DA NATUREZAA 28 Da natureza como um poder Poder Macht é uma faculdade que se sobrepõe a grandes obstáculos Esta chamase força Gewalt quando se sobrepõe também à resistência daquilo que possui ele próprio poder A natureza considerada no juízo estético como poder que não possui nenhuma força sobre nós é dinamicamentesublime Se a natureza deve ser julgada por nós dinamicamente como sublime então ela tem que ser representada como suscitando medo embora inversamente nem todo objeto que suscita medo seja considerado sublime em nosso juízo estético Pois no ajuizamento estético sem conceito a superioridade sobre obstáculos pode ser ajuizada somente segundo a grandeza da resistência Ora bem aquilo ao qual nos esforçamos por resistir é um mal e se não consideramos nossa faculdade à altura dele é um objeto de medo Portanto para a faculdade de juízo estética a natureza somente pode valer como poder por conseguinte como dinamicamentesublime na medida em que ela é considerada como objeto de medo Podese porém considerar um objeto como temível sem se temerdiante dele a saber quando o ajuizamos imaginando simplesmente o caso em que porventura quiséssemos oporlhe resistência e em tal caso toda resistência seria de longe vã Assim o virtuoso teme a Deus sem temer a si diante dele porque querer resistir a Deus e a seus mandamentos não é um caso que ele imagine preocupálo mas em cada um desses casos que ele não imagina como em si impossível ele reconheceO como terrível Quem teme a si não pode absolutamente julgar sobre o sublime da natureza tampouco sobre o belo quem é tomado de inclinação e apetite Aquele foge da contemplação de um objeto que lhe incute medo e é impossível encontrar complacência em um terror que fosse tomado a sério Por isso o agrado resultante da cessação de uma situação é contentamento Este porém devido à libertação de um perigo é um contentamento com o propósito de jamais exporse de novo a ele antes não se gosta de recordarse uma vez sequer daquela sensação quanto mais de procurar a ocasião para tanto Rochedos audazes sobressaindose por assim dizer ameaçadores nuvens carregadas acumulandose no céu avançando com relâmpagos e estampidos vulcões em sua inteira força destruidora furacões com a devastação deixada para trás o ilimitado oceano revolto uma alta quedadágua de um rio poderoso etc tornam a nossa capacidade de resistência de uma pequenez insignificante em comparação como seu poder Mas o seu espetáculo só se torna tanto mais atraente quanto mais terrível ele é contanto que somente nos encontremos em segurança e de bom grado denominamos esses objetos sublimes porque eles elevam a fortaleza da alma acima de seu nível médio e permitem descobrir em nós uma faculdade de resistência de espécie totalmente diversa a qual nos encoraja a medirnos com a aparente onipotência da natureza Pois assim como na verdade encontramos a nossa própria limitação na incomensurabilidade da natureza e na insuficiência da nossa faculdade para tomar um padrão de medida proporcionado à avaliação estética da grandeza de seu domínio e contudo também ao mesmo tempo encontramos em nossa faculdade da razão um outro padrão de medida não sensível que tem sob si como unidade aquela própria infinitude e em confronto como qual tudo na natureza é pequeno por conseguinte encontramos em nosso ânimo uma superioridade sobre a própria natureza em sua incomensurabilidade assim também o caráter irresistível de sue poder dános a conhecer a nós considerados como antes da natureza a nossa impotência física54 mas descobre ao mesmo tempo uma faculdade de ajuizarnos como independentes dela e uma superioridade sobre a natureza sobre a qual se funda uma autoconservação de espécie totalmente diversa daquela que pode ser atacada e posta em perigo pela natureza fora de nós com o que a humanidade em nossa pessoa não fica rebaixada mesmo que o homem tivesse que sucumbir àquela força Dessa maneira a natureza não é ajuizada como sublime em nosso juízo estético enquanto provocadora de medo porque ela convoca a nossa força que não é natureza para considerar como pequeno aquilo pelo qual estamos preocupados bens saúde e vida e por isso contudo não considerar seu poder ao qual sem dúvida estamos submetidos com respeito a essas coisas absolutamente como uma tal 55 força para nós e nossa personalidade e sob a qual tivéssemos que nos curvar quando se tratasse dos nossos mais altos princípios e da sua afirmação ou seu abandono Portanto a natureza aqui chamase sublime simplesmente porque ela eleva a faculdade da imaginação à apresentação daqueles casos nos quais o ânimo pode tornar capaz de ser sentida a sublimidade própria da sua destinação mesmo acima da natureza Esta autoestima não perde nada pelo fato de que temos de sentirnos seguros para poder sentir essa complacência entusiasmante por conseguinte o fato de o perigo não ser tomado a sério não implica que como poderia parecer tampouco se tomaria a sério a sublimidade de nossa faculdade espiritual Pois a complacência concerne aqui somente à destinação de nossa faculdade que se descobre em tal caso do modo como a disposição a esta encontrase em nossa natureza enquanto o desenvolvimento e o exercício dessa faculdade são confiados a nós e permanecem56 obrigação nossa E isso é verdadeiro por mais que o homem quando estende sua reflexão até aí possa ser consciente de uma efetiva impotência atual Esse princípio na verdade parece ser demasiadamente pouco convincente e demasiadamente racionalizado por conseguinte exagerado para um juízo estético todavia a observação do homem prova o contrário e que ele pode jazer como fundamento dos ajuizamentos mais comuns embora não se seja sempre consciente do mesmo Pois que é isso que mesmo para o selvagem é um objeto da máxima admiração Um homem que não se apavora que não teme a si portanto que não cede ao perigo mas ao mesmo tempo procede energicamente com inteira reflexão Até no estado maximamente civilizado prevalece esse apreço superior pelo guerreiro só que ainda se exige além disso que ele ao mesmo tempo comprove possuir todas as virtudes da paz mansidão compaixão e mesmo o devido cuidado por sua própria pessoa justamente porque nisso é conhecida a invencibilidade de seu ânimo pelo perigo Por isso se pode ainda polemizar tanto quanto se queira na comparação do estadista com o general sobre a superioridade do respeito que um merece sobre o outro o juízo estético decide em favor do último Mesmo a guerra se é conduzida com ordem e co sagrado respeito pelos direitos civis tem em si algo de sublime e ao mesmo tempo torna a maneira de pensar do povo que a conduz assim tanto mais sublime quanto mais numerosos eram os perigos a que ele estava exposto e sob os quais tenha podido afirmarse valentemente já que contrariamente uma paz longa encarregase de fazer prevalecer o mero espírito de comércio57 com ele porém o baixo interesse pessoal a covardia e moleza e de humilhar a maneira de pensar do povo Parece conflitar com essa análise do conceito de sublime na medida em que este é atribuído ao poder o fato de que nas intempéries na tempestade no terremoto etc costumamos representar Deus em estado de cólera mas também como se apresentando em sua sublimidade no que contudo a imaginação de uma superioridade de nosso ânimo sobre os efeitos e como parece até sobre as intenções de um tal poder seria tolice e ultraje ao mesmo tempo Aqui parece que nenhum sentimento da sublimidade de nossa própria natureza mas muito mais submissão anulação e sentimento de total impotência constitua a disposição de ânimo que convém ao fenômeno de um tal objeto e também costumeiramente trata de estar ligada à ideia do mesmo em semelhante evento da natureza Na religião em geral parece que o prostrarse a adoração com a cabeça inclinada com gestos e vozes contritos cheios de temor sejam o único comportamento conveniente em presença da divindade que por isso também a maioria dos povos adotou e ainda observa Todavia tampouco essa disposição de ânimo nem de longe está em si e necessariamente ligada àideia da sublimidade de uma religião e de seu objeto O homem que efetivamente teme a si porque ele encontra em si razão para tal enquanto é autoconsciente de com sua condenável atitude faltar a um poder cuja vontade é irresistível e ao mesmo tempo justa não se encontra absolutamente na postura de ânimo para admirar a grandeza divina para a qual são requeridos uma disposição à calma contemplação e um juízo totalmente livre58 Somente quando ele é autoconsciente de sua atitude sincera e agradável a Deus aquele efeitos do poder servem para despertar nele a ideia da sublimidade deste ente na medida em que ele reconhece em si próprio uma sublimidade de atitude conforme àquela vontade e deste modo é elevado acima do medo face a tais efeitos da natureza que ele não considera como expressões de sua cólera Mesmo a humildade como ajuizamento não conveniente de suas falhas que do contrário na consciência de atitudes boas facilmente poderiam ser encobertas com a fragilidade da natureza humana é uma disposiçãodeânimo sublime de submissão espontânea à dor da autorrepreensão para eliminar pouco a pouco sua causa Unicamente deste modo a religião distinguese internamente da superstição a qual não funda no ânimo a veneração pelo sublime mas o medo e a angústia diante do ente todopoderoso a cuja vontade o homem aterrorizado vêse submetido sem contudo a apreciar muito do que pois certamente não pode surgir nada senão granjeamento de favor e de simpatia ao invés de uma religião da vida reta Portanto a sublimidade não está contida em nenhuma coisa da natureza mas só em nosso ânimo na medida em que podemos ser conscientes de ser superiores à natureza em nós e através disso também à natureza fora de nós na medida em que ela influi sobre nós Tudo que suscita esse sentimento em nós a que pertence o poder da natureza que desafia nossas forças chamase então conquanto impropriamente sublime e somente sob a pressuposição desta ideia em nós e em referência a ela somos capazes de chegar à ideia da sublimidade daquele ente que provoca respeito interno em nós não simplesmente através de seu poder que ele demonstra na natureza mas ainda mais através da faculdade que se situa em nós de ajuizar sem medo esse poder e pensar nossa destinação como sublime para além dele 29 Da modalidade do juízo sobre o sublime da natureza Há inúmeras coisas da bela natureza sobre as quais podemos imputar unanimidade de juízo com o nosso e também sem errar muito podemos esperála diretamente de qualquer um mas com nossos uízos sobre o sublime na natureza não podemos iludirnos tão facilmente sobre a adesão de outros Pois parece exigível uma cultura de longe mais vasta não só da faculdade de juízo estética mas também da faculdade do conhecimento que se encontram à sua base para poder proferir um juízo sobre essa excelência dos objetos da natureza A disposição de ânimo para o sentimento do sublime exige uma receptividade do mesmo para ideias pois precisamente na inadequação da natureza às últimas por conseguinte só sob a pressuposição das mesmas e do esforço da faculdade da imaginação em tratar a natureza como um esquema para as ideias consiste o terrificante para a sensibilidade o qual contudo é ao mesmo tempo atraente porque ele é uma violência que a razão exerce sobre a faculdade da imaginação somente para ampliála convenientemente para o seu domínio próprio o prático e propiciarlhe uma perspectiva para o infinito que para ela é um abismo Na verdade aquilo que nós preparados pela cultura chamados sublime sem desenvolvimento de ideias morais apresentarseá ao homem inculto simplesmente de um modo terrificante Ele verá nas demonstrações de violência da natureza em sua destruição e na grande medida de seu poder contra o qual o seu é anulado puro sofrimento perigo e privação que envolveria o homem que fosse banido para lá Assim o bom camponês savoiano aliás dotado de bom senso como narra o Sr de Saussure59 sem hesitar chamava de loucos todos os amantes das geleiras Quem sabe também se ele desse modo absolutamente não teria tido razão se aquele observador tivesse assumido os perigos aos quais se expunha simplesmente como o costuma a maioria dos viajantes por capricho ou para algum dia poder fornecer descrições patéticas a respeito Sua intenção com isso era porém instruir os homens e esse homem excelente tinha as sensações que transportam a alma e além disso as oferecia aos leitores de suas viagens 25 A definição do gosto posta aqui a fundamento é de que ele é a faculdade de ajuizamento Beurteilung do belo O que porém é requerido para denominar um objeto belo tem que a análise dos juízos de gosto descobrilo Investiguei os momentos aos quais essa faculdade do juízo em sua reflexão presta atenção segundo orientação das funções lógicas para julgar pois no juízo de gosto está sempre contida ainda uma referência ao entendimento Tomei em consideração primeiro os da qualidade porque o juízo sobre o belo encara estes em primeiro lugar K A tradução de Urteil por juízo e Beurteilung por ajuizamento outros traduziramno por julgamento teve em vista marcar mais uma diferença terminológica do que conceitual não explicada em Kant A diferença de sentido entre ambos os termos foi modernamente elaborada por W Windelband Präludien 1884 p 52 e segs para quemUrteil expressa a união de dois conteúdos representacionais e Beurteilung a relação da consciência ajuizante com o objeto representado não ampliando o conhecimento mas expressando aprovação ou desaprovação NT 26 Kant adota o termoGemüt do qual fornece em ocasiões diversas equivalentes latinos animus e mens para designar o todo das faculdades de sentir apetecer e pensar cf tbCFJ LVII e jamais só unilateralmente com se faz depois dele a unidade do sentiment equivalente a Herz e timós Ele adotaGemüt preferencialmente aSeele anima pela sua neutralidade face ao sentido metafísico desta última cfÜber das Organ der Seele A83 A tradução desse termo por Animo e não por mente oferece a vantagem de não o reduzir por outro lado nem às faculdades cognitivas nem à atual philosophy of mind entendida como filosofia analítica do espírito Em muitas traduções e principalmente entre os franceses prevalece a tendência a confundirGemüt ânimo faculdade geral transcendental comGeist espírito faculdade estética produtiva eSeele alma substância metafísica cfCFJ 49 Segundo Kant próprio esprit francês situase mais do ladoGeschmack gosto enquantoGeist situase mais do lado do gênio cf Reflexões 930 e 944 v XV O termo ânimo que em português tem menor tradição em seu sentido especializado tendendo a confundirse com disposição e coragem Mut tem também o sentido de vida seu sentido estético Originalmente em latim cf o dicionário latimalemão Georges ele teve o mesmo sentido de complexo de faculdades do Gemüt o qual contudo o termo alemão expressa melhor muot no ahd antigo alto alemão significou já faculdade do pensar querer e sentir o prefixo ge é por sua vez uma partícula integradora que remete às partes de um todo daí que gemüte tenha tomado nomhd médio alto alemão esse sentido srcinário de totalidade das faculdades cf o dicionário Wahrig A perplexidade causada pelo abuso do sentido desse termo já denunciado por Goethe devese em grande parte ao fato de o próprio Kant pouco ter se preocupado em aclarálo NT 27 C Ele é sempre estético 28 Sobre a tradução de Wohlgefallen por complacência veja no próprio KantCFJ 5 B 15 Komplazenz e Anthropologie 69 Acad 244 Der Geschmack enthält eine Empfänglichkeit durch diese Mitteilung selbst mit Lust affiziert einWohlgeffallen complacentiadaran gemeinschaftlich mit anderen gesellschaftlich zu empfinden o gosto contém uma receptividade afetada por prazer mediante essa própria comunicação de ter em sociedade a sensação de uma complacência complacentia comunitariamente com outros Na Reflexão 1030 Acad XV Kant escreve Iudicium per complacentiam et displacentiam est diudicatio Beurteilung No sentido de comprazer do latimcomplacere cum alio placere a tradução proposta expressa o pensamento srcinal de Kant não obstante o seu difundido sentido pejorativo em português Cf também A Nascentes comprazer agradar a muitos A gênero da complacência equivalente a Lust prazer pertencem as espécies chamadas Geschmack gosto um prazer refletido em parte sensível em parte intelectual e Vergnügen deleite que tendo por negativoSchmerz dor seria mais precisamente traduzido pela expressão prazer da sensação para o qual Kant fornece também o equivalente latinovoluptas e ao qual se vinculaGenuss gozo Na estética kantiana é preciso ter em mente essa família de sentidos do conceito de prazer NT 29 Um juízo sobre um objeto da complacência pode ser totalmente desinteressado e ser contudo muitointeressante isto é ele não se funda sobre nenhum interesse mas produz um interesse tais são todos os juízos morais puros Mas em si os juízos de gosto também nã fundam absolutamente interesse algum Somente em sociedade tornaseinteressante ter gosto e a razão disso é indicada no que se segue K 30 A pertencente ao conhecimento 31 A particular 32 B porque não se conecta 33 lógica acréscimo de B 34 C juízos objetiva e comumente válidos 35 Kant uso corrigido por Erdmann 36 O verbo mitteilen tem o sentido literal de compartir ou compartilhar Embora autores não kantianos p ex Luhmann considerem substantivo Mitteilung como apenas designando um dos elementos da comunicação especialistas kantianos entendemno simplesmente no sentido de comunicação Cf p ex J Kulemkanpff Kants Logik des ästhetischen Urteils 1978 p 80 allgemein kommunizierbar allgemein mitteilbar ER Kaulbach em Ästhetische Welterkenntnis bei Kant 1984 p 71 entende Mitteilbarkeit der Gefühle como uma harmonia comunicativakommunikativen Harmonie O próprio Kant assim se expressa na Reflexão 767 Der Geschmack macht daß der Genuß sich kommuniziert o gosto faz com que o gozo secomunique NT 37 Impedilas ou eliminálas falta em A 38 Tanto por falta de linguagem filosófica como de clareza conceitual o termo EinsehenEinsicht inglês insight não encontrou no português até agora uma tradução aceitável Adotouse ora discernirdiscernimento SantoMorujão intelecção Heck o entreverintrovisão Rodhen É curioso que a própria língua inglesa que possui em insight um consagrado termo equivalente não tenha feito uso dele na tradução daCritic of Judgment de Meredith onde encontramos paraeinsehen src p 33 to look with the eye o reason e para Einsicht Understanding Em outras tentativas de tradução encontramos saisirjuger Philonenko comprendreexamen Delamarre riguardasapere GargluloVerraconsiderarinvestigación Morente Insight também tem sido traduzido do inglês ao alemão por Durchblick perspectiva Outros termos que lhe convêm são os latinosinspicereinspectio inspecionar inspeção e também perspicereperspicatia ver através perspicácia como o grego frónesis Ligado à percepção visual o termo visual o termo Einsicht significa uma apreensão de estruturas ou de um todo dotado de sentido Psicologicamente o fenômeno é assim descrito Uma pessoa vêse confrontada com um estado de coisas inicialmetne opaco undurschaubar fechado indistinto confuso e tenta então mediante escolha de uma posição ou ângulo visual apreender melhor oticamente esses estados de coisas e conhecêlos em suas interconexões K Müller In J Rittler ed Hist Wörtb d Phil 1972 1 415 J Bennet observa que é uma condição necessária mas não suficiente de uma conduta dotada de Einsicht insight que ela prove um saber prévio ou uma pré convicção do caminho correto para a solução de um problema prático Rationalität trad alemã 1967 p 127 Ele liga ainda Einsichtinsight a uma generalização conceitual e faz depender o valor teórico do conceito de seu reconhecimento linguístico e público Do ponto de vista de que uma palavra demasiado vaga não serve para a ciência Bennett tem sentido a conclusão de GH Hartman em Begriff und Kriterien der Einsicht de que o sentido desse termo continua uma terra incógnita com uma aplicação apressada a comportamento animal sem que se conhecesse suficientemente o seu admitido correlato humano De um ponto de vista kantiano e também na direção da concepção apontada por Bennett tem sentido a pergunta de Hartmann É Einsicht uma espécie do genus inteligência ou viceversa In Graumann ed Denken 1969 p 143 Vale atentar a esse respeito para a versão kantiana dos termos da Psychologia empirica de Baumgarten no vol XV da Acad Kants handschriftlicher Nachlaß Na seção V Perspicacia observa Baumgarten que o hábito de observar a identidade das coisas chamase engenho em sentid estrito Witz e que o hábito de observar a diversidade das coisas chamase acumen Scharfsinnigkeit argudeza penetração sagacidade Donde a reunião de agudeza e engenho chamase perspicácia uma feine Einsicht Einsicht ligase aí à capacidade de na apreensão das diferenças perceber a sua identidade Daí que o termo discernimento enquanto significa do latim discernere distinguir seja desse ponto de vista menos adequado para traduzir Einsicht Mas segundo Kant tampouco compreensão intelecção e saber sãolhe adequados de acordo com a seguinte Reflexão Representar algo representatio perceber algo perceptio com consciência conhecer cognitio distinguir de outro saber scientia diverso de admitir crer entender intellectio conhecer pelo entendimento perspiscientia Einsehen pela razão comprehensio conceber suficiente segundo a grandeza o grau Reflexão 426 vol XV p 171 Por essa vinculação de Einsicht à razão Kant estabelece mais adiante para esse tipo de conheciment princípios diferentes dos do entendimento identificandoo a uma faculdade de julgar a priori Principia des Einsehens sind von denen des Verstehens unterschieden Das Vermögem a priori zu urtellen schließen ist Vernunft Einsehen Reflexão 437 p 180 Nesse mesmo sentido parece que a abordagem mais extensa sobre o termo Einsicht encontrase na carta de Kant ao príncipe Alexander von Beloselsky esboço do verão de 1792 Aí a Einsehen perspicere como um ver através é dado um sentido racional dedutivo A esfera do Einsehen perspicere é a da dedução do particular do universal isto é a esfera da razão Acad v XI p 345 tendo também o sentido de uma faculdade de inventar princípios para as múltiplas regras Po fim a esfera da perspicacité é a da perspiciência Einsicht sistemática da interconexão da razão dos conceitos em um sistema p 346 Na medida pois em que de um lado o alemão traduz do latim inspicere por einsehendurchblicken examinar ver com atenção ver através e de outro o termo kantiano é ligado explicitamente a perspicereperspicatia do qual também provém perspectiva encontramos alguns equivalentes a Einsicht em inspeção introvisão perspectiva perspicácia Mas o unicamente satisfatório no cas parecenos a adoção em português do próprio termo latino proposto por Kant para este tipo de saber racional perspiciência cujo latin erspicientia o dicionário latinoalemão Georges traduz por Durchschauung die in etwas erlangte vollständinge Einsicht remetendoo ao De Officiis 1 14 de Cícero A partir do exame dessa fonte que aliás constitui a principal influência sobre a ética de Kant podemos concluir com certeza que Kant ao redigir a citada Reflexão 426 tomou de Cícero o termo perspicientia com o qual identificou Einsicht Aut enim perspicientia veri sollertiaque versatur a tradução alemã desse texto adotou para o termo em questão a expressão DurschauenundVerstehen Favorável a essa nossa interpretação é a frase que se segue logo depois em que Cícer vincula perspiciência a prudência e sabedoria como também perspicácia e agudeza veja referência acima a Baumgarten Üt eni quisque maxime perspicit quid in re quaque verissimum sit quisque acutissime et celerrime podest et videre et explicare rationem ist prudentissimus et sapientissimus rite haberi solet Je mehr einer nämlich durchschaut was in jeder Hinsicht die letzte Wahrheit sei un wer am scharfsinnigsten und schnellsten imstande ist den Grund eisusehen und zu erklären der pflegt mit Recht für den Klugsten und Weisesten gehalten zu werden Cf MT Cícero De Officiis latim e alemão trad de H Gunermann Reclam 1984 pgs 1618 É d desejarse que essa recondução às fontes latinas de termos e conceitos kantianos favoreça a compreensão de Einsicht como uma forma de juízo preponderantemente práticoracional bem como a aceitação de sua tradução pelo neologismo perspiciência a nosso ver assimilável por uma linguagem filosófica Já o velho einsehen na falta de melhor equivalente restanos traduzilo por ter perspiciência descortinar no sentido de ver longe e com agudeza NT 39 representação falta em A 40 Poderseia alegar como instância contra essa explicação que existem coisas nas quais se vê uma forma conforme a fins sem reconhecer nelas um fim por exemplo os utensílios de pedra frequentemente retirados de antigos túmulos dotados de um orifício como se fosse para um cabo conquanto em sua figura traiam claramente uma conformidade a fins para a qual não se conhece o fim e nem por isso são declarados belos Todavia o fato de que são considerados uma obra de arte é já suficiente para ter que admitir que a gente refere a sua figura a alguma intenção qualquer e a um fim determinado Daí também a absoluta ausência de qualquer complacência imediata em sua intuição Ao contrário uma flor por exemplo uma tulipa é tida por bela porque em sua percepção é encontrada uma certa conformidade a fins que do modo como a ajuizamos não é referida absolutamente nenhum fim K 41 C nos objetos 42 assentimento falta em A 43 Vorländer propõe que mesmo se referira a múltiplo e altera derselben Kant para desselben aceito pela Academia O texto de Kant da mesma remete a composição o que não parece desproprositado NT 44 tem que falta em B e C 45 C para 46 A frase kantiana parece com respeito à quantidade e qualidade sem objeto a nosso ver referese ao sublime tendo Erdmann seguido por Vorländer acrescentado para os dois primeiros casos o verbo ser deixando representar para os demais NT 47 Como se vê também na análise do sublime Kant guiase pela tábua das categorias no 26 da quantidade no 27 da qualidade no 28 da relação no 29 da modalidade Posteriormente ele privilegiará com respeito ao juízo sobre o sublime a categoria da relação com respeito ao juízo sobre o belo a da qualidade com respeito ao juízo sobre o agradável a da quantidade e com respeito ao uízo sobre o bom a da modalidade NT 48 Kant joga aqui com os termos groß grande eGroße grandeza magnitude quantidade Nesse contexto porém o termo grandeza assumirá além da conotação matemática um sentido estético justificando a opção por esta tradução NT 49 que é denotado através disso falta em A 50 Kant determinação Bestimmung corrigido por Hartenstein e Rosenkrans para assentimento Beistimmung 51 ajuizante falta em A 52 somente falta em A 53 Para os termos apreensão e compreensão Kant usa respectivamente Auffassung e Zusammenfassung seguidos de seus correspondentes latinos NT 54 física falta em A 55 tal falta em A 56 A é 57 Corrigido em C de Handlungsgeist para Handelsgeist adotado também pela ed Acad NT 58 A juízo livre de coerção 59 De Saussure HB 170990 de Genebra aos 78 anos um dos primeiros escaladores do Montblanc e autor de Voyages dans les lpes 4 v editados em 1779 e anos seguintes Jo Johan hann C Frie n C Friedrich Schill drich Schiller er Sobre a educação estética do homem em uma sequência de cartas Sobre a educação estética do homem em uma sequência de cartas Sobre a educação e Sobre a educação estética do homem em uma sequência stética do homem em uma sequência de cartas de cartas60 60 Johann Christoph Friedrich Schiller 17591805 Johann Christoph Friedrich Schiller 17591805 Tr adução Verlaine Freitas Em que medida a educação estética ou seja uma educação orientada para a sensibilidade uma pedagogia dos sentidos é fundamental para a formação ética dos homens Se o homem deve possuir em cada caso particular a faculdade de fazer de seu juízo e de sua vontade o juízo da espécie se ele deve encontrar a passagem de cada existência limitada para uma infinita se deve poder se elevar a partir de um estado dependente para a autonomia e liberdade então deve se cuidar para que ele não seja em nenhum momento mero indivíduo e somente esteja a serviço da lei natural Se ele deve ser capaz e estar pronto para elevarse do círculo estreito dos fins naturais para os fins da razão então ele precisa ter se exercitado já no interior dos primeiros para os últimos e ter completado já sua determinação física com uma certa liberdade do espírito isto é segundo as leis da beleza Nos trechos aqui selecionados de Sobre a educação estética do homem em uma sequência de cartas 1794 Schiller 17591805 avança na resposta a tal pergunta Junto com A República em um trecho célebre presente nesta antologia o recorte a seguir apresentanos uma abordagem sobre a relação entre arte ética e educação Temas Temas romantismo alemão educação literatura ética 60 Fonte SCHILLER J C FÜber die ästhetische E rziehung des Menschen in einer Reihe von Briefen Nos XXII a XXI München Carl Hanser Verlag 1989 p 636 651 Vigésima segunda carta Vigésima segunda carta Se portanto a disposição estética da mente em um aspecto tem que ser considerada como zero quando se atenta a efeitos individuais e determinados ela deve ser tomada em outro aspecto como um estadoda mais elevada realidade na medida em que se considera nesse caso a ausência de toda limitação e a soma das forças que nela estão ativas conjuntamente Tampouco se pode assim negar a razão àqueles que declaram o estado estético o mais fértil em relação ao conhecimento e à moralidade Eles estão perfeitamente certos pois uma disposição da mente que compreende em si o todo da humanidade tem que necessariamente encerrar em si também cada uma de suas manifestações singulares segundo a faculdade uma disposição da mente que afasta do todo da natureza humana toda limitação tem também que afastála de cada manifestação singular Precisamente porque não protege exclusivamente nenhuma função singular da humanidade ela é favorável a cada uma sem diferenciação e se não favorece nenhuma de modo privilegiado apenas porque é o fundamento da possibilidade de todas Todos os outros exercícios dão à mente uma habilidade particular qualquer mas colocamlhe para isso também um limite particular somente o estético conduz ao ilimitado Todo outro estado em que podemos nos encontrar remetenos a um anterior e necessita de um seguinte para sua dissolução somente o estético é um todo em si mesmo pois reúne em si todas as condições de sua srcem e continuidade Somente aqui nos sentimos como que arrancados do tempo e nossa humanidade se manifesta com uma pureza eintegridade como se não tivesse experimentado ainda nenhum dano pelo efeito de forças externas O que lisonjeia nossos sentidos na sensação imediata abre nossa suave e ágil mente a toda impressão mas tornanos no mesmo grau menos capazes ao esforço O que tensiona nossas forças intelectuais e convida a conceitos abstratos fortifica nosso espírito para toda espécie de resistência mas o enrijece também na mesma proporção e tanto nos rouba a sensibilidade quanto nos auxilia para uma maior espontaneidade Precisamente por isso tanto um quanto o outro conduzem por fim necessariamente ao esgotamento porque a matéria Stoff não pode prescindir por muito tempo da força formadora e a força da matéria formanda Se ao contrário nos abandonamos à fruição da beleza autêntica então ficamos nesse instante e em grau idêntico senhores de nossas forças passivas e ativas e nos viramos com a mesma facilidade para a seriedade e o lúdico para o repouso e o movimento para a flexibilidade e a resistência para o pensamento abstrato e a intuição Essa alta serenidade e liberdade do espírito ligada à robustez e à força é a disposição para a qual uma autêntica obra de arte deve nos colocar e não há nenhuma prova mais segura da verdadeira qualidade estética Se após uma fruição dessa espécie nos encontramos preferencialmente dispostos a qualquer modo de sensação ou ação particulares ou pelo contrário a um outro desajeitados e enfastiados então isso serve para provar de modo iniludível que não experienciamos nenhum efeito uramente estético seja por causa do objeto ou de nosso modo de sensação ou como quase sempre é o caso de ambos simultaneamente Dado que na realidade não se encontra nenhum efeito estético puro pois o homem nunca pode escapar da dependência das forças a excelência de uma obra de arte pode meramente consistir na sua maior aproximação àquele ideal de pureza estética e em toda a liberdade a que se pode elevar a obra a deixaremos entretanto em uma disposição particular e com uma direção peculiar Ora quanto mais universal a disposição e menos limitada a direção que são dadas à nossa mente por um determinado gênero e produto das artes mais nobre esse gênero e mais excelente um tal produto Podese provar isso com obras de várias artes e com várias obras da mesma arte Depois de um bela música ficamos com a sensação ativa de uma bela poesia com a imaginação viva de uma bela obra pictórica e belo edifício com o entendimento desperto mas quem quisesse nos convidar imediatamente após uma fruição musical elevada para o pensamento abstrato colocarnos imediatamente após uma fruição poética elevada em uma ocupação precisa da vida comum exaltar após a contemplação de belas pinturas e obras de arquitetura nossa imaginação e surpreender nosso sentimento tal pessoa não teria escolhido bem o momento A causa é que mesmo a música mais espirituosa permanece através de sua matéria sempre com uma afinidade aos sentidos maior do que a verdadeira liberdade estética suporta que mesmo a poesia mais bemsucedida participa mais do jogo arbitrário e contingente da imaginaçãoenquanto seu medium do que permite a necessidade interna do verdadeiro belo que mesmo a obra pictórica mais excelente e esta talvez mais que todas as outras tangenciaatravés da determinidade de seu conceito a ciência séria Entretanto essas afinidades particulares a cada grau mais elevado que uma obra desses três gêneros alcança perdemse e é uma consequência necessária e natural de seu aperfeiçoamento que sem perda de seus limites objetivos as diversas artes se tornem em seu efeito sobre a mente sempre mais semelhantes A música em seu mais elevado enobrecimento tem que se tornar forma Gestalt e ter efeito sobre nós com o poder sereno da Antiguidade as artes plásticas em sua mais elevada perfeição têm que se tornar música e comovernos por uma presença sensível imediata a poesia em sua conformação mais perfeita tem como a arte dos sons que nos apreender poderosamente mas tem ao mesmo tempo como a escultura que nos cercar com uma claridade mais serena O estilo perfeito em cada arte se mostra quando sabe afastar os limites específicos dela sem entretanto suprimir seus méritos específicos e lhe proporciona um caráter mais universal através de uma sábia utilização de sua peculiaridade E não somente os limites que o caráter específico de seu gênero de arte traz consigo mas també aqueles ligados à matéria Stoff 61 particular elaborada pelo artista têm que ser ultrapassados por ele através do tratamento Em uma obra de arte verdadeiramente bela o conteúdo nada deve fazer mas a forma tudo pois somente através da forma alcançase efeito sobre o todo do ser humano mas através do conteúdo ao contrário apenas sobre forças individuais O conteúdo por sublime e abrangente que seja tem efeito portanto sempre limitando o espírito e somente da forma é de se esperar a verdadeira liberdade estética Nisso consiste portanto o segredo próprio da arte do mestre que ele anule a matéria Stoff através da forma e quanto mais imponente arrogante e tentador seja o tema Stoff em si mesmo quanto mais arbitrariamente este se impõe com seu efeito ou quanto mais o fruidor tende a identificarse imediatamente com ele tanto mais triunfante é a arte que mantém distanciado o espectador e afirma a soberania sobre o tema Stoff A mente do espectador e do ouvinte tem que permanecer totalmente livre e ilesa tem que sair do círculo mágico do artista pura e perfeita como das mãos do Criador O objeto mais frívolo tem que ser tratado de tal modo que permaneçamos dispostos a passar imediatamente dele para a seriedade mais rigorosa O tema Stoff mais sério tem que ser tratado de tal modo que conservemos a capacidade de trocálo pelo jogo mais leve As artes do afeto como é a tragédia não são nenhuma objeção a isso pois rimeiramente não são artes totalmente livres pois estão a serviço de um fim particular o patético e então com certeza nenhum verdadeiro conhecedor da arte negará que obras mesmo dessa classe são tão mais perfeitas quanto mais cuidam da liberdade da mente mesmo na mais alta tempestade dos afetos Há uma belaarte da paixão mas uma bela e apaixonada arte é uma contradição pois o efeito inalienável da arte é a liberdade perante as paixões Não menos contraditório é o conceito de uma belaarte que ensina didática ou que melhora moral pois nada se opõe mais ao conceito de beleza do que dar à mente uma determinada tendência Nem sempre entretanto demonstra uma disformidade na obra quando ela faz efeito só através de seu conteúdo pode testemunhar com igual frequência uma falta de forma naquele que julga Se ele está ou muito tenso ou muito relaxado se está habituado a apreender ou só com o entendimento ou só com os sentidos então manterseá mesmo diante do todo mais feliz somente nas partes ou diante da forma mais bela somente na matéria Materie Receptivo apenas para o elemento rudimentar tem que primeiro destruir a organização estética de uma obra antes de encontrar nela um deleite e desenterrar cuidadosamente o individual que o mestre com infinita arte fez desaparecer na harmonia do todo Seu interesse aí é simplesmente ou moral ou físico somente não é o que precisamente deve ser estético Tais leitores apreciam uma poesia séria e patética como um sermão e uma ingênua ou divertida como uma bebida embriagante e se foram desprovidos de gosto o bastante para exigir edificação de uma tragédia e epopeia ainda que fosse uma Messíada então sentiriam raiva diante de uma canção anacreôntica ou de Catulo Vigésima terceira carta Vigésima terceira carta Retomo o fio de minha investigação que rompi apenas para fazer uso das afirmações feitas no exercício da arte e no ajuizamento de suas obras A passagem do estado passivo da sensação ao do ativo do pensamento e do querer não acontece portanto de outro modo que não o de um estado intermediário de liberdade estética e embora esse estado em si mesmo não decida nada para nossas ideias Einsichten nem para nossas disposições morais Gesinnungen consequentemente deixando nosso valor intelectual e moral total e absolutamente problemático ele é entretanto a condição necessária unicamente sob a qual podemos chegar a uma ideia Einsicht e a uma disposição moral Gesinnung Em uma palavra não há outro caminho para tornar o homem sensível62 em racional do que tornálo primeiramente estético Mas vocês poderiam objetarme essa mediação deveria ser totalmente indispensável Não deveriam já a verdade e o dever encontrar entrada por si mesmos e através de si mesmos no homem sensível A isso tenho que responder eles não apenas podem mas devem ter que extrair sua força determinante a partir de si mesmos e nada seria mais contraditório às minhas afirmações feitas até agora do que se elas parecessem apoiar a opinião contrária Foi explicitamente provado que a beleza não daria nenhum resultado nem para o entendimento nem para a vontade que não se imiscuiria em nenhuma atividade nem do pensamento nem da decisão que proporcionaria a ambos somente a faculdade mas não determinaria absolutamente nada sobre seu uso efetivo Em tal faculdade desaparece toda a ajuda externa e a forma lógica pura o conceito tem que falar imediatamente ao entendimento a forma moral pura a lei imediatamente à vontade Mas que a beleza somente consiga isso que haja tão somente uma forma pura para o home sensível isso afirmo tem que se tornar possível apenas através da disposição estética da mente A verdade não é algo que possa ser tal como a realidade ou a existência sensível das coisas apreendida de fora é algo que a força intelectual produz espontaneamente e em sua liberdade e essa espontaneidade essa liberdade é precisamente aquilo de que sentimos falta no homem sensível O homem sensível já está fisicamente determinado e não tem consequentemente mais nenhuma determinabilidade livre ele tem que recuperar essa determinabilidade perdida antes que possa trocar a determinação passiva por uma ativa Mas ele não pode recuperála de outro modo que não seja ou perdendo a determinação passiva que possuía ou contendo já em si a ativa à qual deve passar Se ele apenas perdesse a determinação passiva perderia então simultaneamente com ela também a possibilidade de uma ativa porque o pensamento necessita de um corpo e a forma somente pode ser realizada em uma matéria Stoff Ele conterá já em si portanto essa última determinação será determinado ao mesmo tempo passiva e ativamente isto é ele terá que se tornar estético Através da disposição estética da mente portanto a espontaneidade da razão é já iniciada no campo da sensibilidade o poder da sensação já é quebrado dentro de seus próprios limites e o homem físico tão enobrecido que de agora em diante o homem espiritual precisa meramente desenvolverse segundo as leis da liberdade a partir dele mesmo O passo do estado estético para o lógico e moral da beleza para a verdade e para o dever é por isso infinitamente mais fácil do que foi o passo do estado físico para o estético da vida meramente cega para a forma O homem pode dar aquele passo através de sua mera liberdade pois ele precisa apenas captar a si mesmo e não se dar a si mesmo apenas individualizar sua natureza e não ampliála o homem esteticamente disposto ulgará e agirá com validade universal tão logo o queira A natureza tem que facilitarlhe o passo da matéria rudimentar para a beleza onde uma atividade totalmente nova deve ser aberta nele e sua vontade nada pode impor a uma disposição que somente ela dá à própria vontade a existência Para se conduzir o homem estético à ideia Einsicht e a grandes disposições morais Gesinnungen basta darlhe boas oportunidades para se alcançar exatamente isso do homem sensível há que mudar primeiro sua natureza Naquele frequentemente não se precisa de mais nada além da exortação de uma situação sublime que tem efeito mais imediatamente sobre a faculdade da vontade para fazer dele um herói ou um sábio no último há que transportálo primeiro sob outro céu Pertence assim à mais importante tarefa da cultura submeter o homem à forma mesmo já em sua mera vida física e tornálo estético tanto quanto baste para que alcance o reino da beleza porque somente a partir do estado estético mas não do físico o estado moral pode se desenvolver Se o homem deve possuir em cada caso particular a faculdade de fazer de seu juízo e de sua vontade o uízo da espécie se ele deve encontrar a passagem de cada existência limitada para uma infinita se deve poder se elevar a partir de um estado dependente para a autonomia e liberdade então devese cuidar para que ele não seja em nenhum momento mero indivíduo e somente esteja a serviço da lei natural Se ele deve ser capaz e estar pronto para se elevar do círculo estreito dos fins naturais para os fins da razão então ele precisa ter se exercitado já no interior dos primeiros para os últimos e ter completado já sua determinação física com uma certa liberdade do espírito isto é segundo as leis da beleza E na verdade ele o consegue sem com isso contradizer minimamente seu fim físico As exigências da natureza para com ele referemse somenteao que ele efetua ao conteúdo de sua ação sobre o modo como ele efetua sobre sua forma não está nada determinado pelos fins naturais As exigências da razão ao contrário estão dirigidas rigorosamente à forma de sua atividade Assim é tão importante para sua determinação moral que ele seja puramente moral que mostre uma absoluta espontaneidade quanto é indiferente para sua determinação física se ele é puramente físico se ele se comporta absolutamente passivo Em relação a esta última está totalmente em seu arbítrio se ele quer realizála meramente como ser de sentidos Sinnenwesen e como força da natureza como uma força propriamente que somente age conforme ao que lhe afeta ou se ao mesmo tempo como força absoluta como ser racional e não pode haver nenhuma questão sobre qual delas corresponde mais à sua dignidade Antes tanto o degrada e o desonra praticar aquelas ações por impulsos sensíveis para as quais ele deveria ter se determinado por puros motivos do dever quanto o honra e o enobrece esforçarse também por alcançar legalidade harmonia e ilimitação onde o homem comum apenas satisfaz sua lícita exigência63 Em uma palavra no domínio da verdade e da moralidade a sensação não pode determinar nada mas no âmbito da felicidade a forma pode existir e o impulso lúdico pode dar ordens Já aqui portanto no campo indiferente da vida física o homem tem que começar sua vida moral mesmo em sua passividade tem que iniciar sua espontaneidade mesmo dentro de seus limites físicos sua liberdade racional Tem que impor já às suas inclinações a lei de sua vontade tem se me permitem a expressão que guerrear contra a matéria em seus próprios limites para que não necessite lutar no solo sagrado da liberdade contra este terrível inimigo tem que aprender a desejar mais nobremente para que não precise querer sublimemente Isso é conseguido através da cultura estética que submete às leis da beleza tudo o que nem as leis da natureza nem as leis racionais prescrevem ao arbítrio humano e na forma que ela dá à vida exterior já se inicia a interior Vigésima quarta carta Vigésima quarta carta Deixamse diferenciar portanto três momentos ou estágios distintos do desenvolvimento que tanto o homem individual quanto toda a espécie têm que percorrer necessariamente e em uma determinada ordem se devem satisfazer todo o círculo de sua determinação Através de causas contingentes que residem na influência das coisas exteriores ou no livre arbítrio do homem os períodos individuais podem com certeza ser ora alongados ora encurtados mas nenhum pode ser totalmente saltado e também a ordem em que eles se seguem não pode ser invertida nem pela natureza nem pela vontade O homem em seu estado físico suporta meramente o poder da natureza livrase dele no estado estético e o domina nomoral O que é o homem antes de a beleza ter lhe descoberto o prazer livre e a forma serena ter amainado a vida selvagem Eternamente uniforme em seus fins eternamente cambiante em seus uízos egoísta sem ser ele próprio desobrigado sem ser livre escravo sem servir a uma regra Nessa época o mundo élhe apenas destino não é ainda objeto tudo tem existência para ele apenas na medida em que lhe proporciona existência o que nada lhe dá nem tira para ele não tem existência Individual e segmentado como ele próprio se encontra na série dos entes assim estão todos os fenômenos perante ele Tudo o que existe existe para ele através da autoridade do instante toda mudança é para ele uma criação totalmente nova porque juntamente com o necessárionele inexiste a necessidade fora dele que interliga as formas cambiantes em um cosmos e na medida em que o indivíduo escapa sustenta a lei no palco A natureza deixa inutilmente sua rica multiplicidade passar pelos sentidos dele este vê em sua maravilhosa plenitude nada além de sua presa em seu poder e grandeza nada além de seu inimigo Ou ele se lança para os objetos e quer se apoderar deles no desejo ou eles lhe assediam destrutivamente e ele os repele no ódio Em ambos os casos sua relação com o mundo sensível é de contato imediato e eternamente amedrontado pela sua pressão incansavelmente torturado pela carência imperiosa não encontra paz senão na fadiga e limites senão na avidez esgotada Zwar die gewaltge Brust und der Titanen Kraftvolles Mark ist sein Gewisses Erbteil doch es schmiedete Der Gott um seine Stirn ein ehern Band Rat Mäßigung und Weisheit und Geduld Verbarg er seinem scheuen düstern Blick Es wird zur Wut ihm jegliche Begier Und grenzenlos dringt seine Wut umher 64 Iphigenie auf Tauris Sem conhecer sua dignidade humana ele está longe de honrála em outrem e consciente de sua própria avidez selvagem temea em toda criatura que se lhe assemelha Nunca percebe o outro em si somente a si nos outros e a sociedade em vez de expandilo até tornarlhe espécie apenas envolve o cada vez mais estreitamente em seu indivíduo Nessa limitação sombria movese errante através da vida entenebrecida até que uma natureza favorável remova a carga da matéria de seus sentidos obscurecidos e a reflexão o separe das coisas e no reflexo da consciência os objetos finalmente se mostrem Este estado de natureza bruta entretanto não se deixa comprovar tal como o descrevemos aqui em nenhum povo ou época determinada é apenas uma ideia mas com a qual a experiência concorda em seus traços particulares do modo mais preciso O homem podese dizer nunca esteve totalmente nesse estado animalesco mas também nunca saiu dele de todo Mesmo nos indivíduos mais rudes encontramse vestígios inconfundíveis de liberdade racional tal como não falta aos mais cultos momentos que lembrem aquele estado natural sombrio Uma vez sendo próprio do homem reunir e sua natureza o mais alto e o mais baixo e se suadignidade se baseia em uma distinção rigorosa de um do outro então sua felicidade se funda em uma hábil superação dessa diferença A cultura que deve fazer coincidir a dignidade e a felicidade dele terá que cuidar da mais elevada pureza daqueles princípios em sua mistura mais íntima A primeira manifestação da razão no homem não é ainda por isso o começo de sua humanidade Esta apenas se firma através da liberdade do homem e a razão começa primeiramente com isso a desfazer os limites da dependência sensível do homem um fenômeno que pela sua importância e universalidade segundo penso parece não ter ainda se desenvolvido adequadamente A razão sabemolo se dá a conhecer no homem através da exigência do absoluto fundado em si mesmo e necessário a qual dado não poder ser satisfeita em nenhum estado particular da vida física do homem obrigao a abandonar total e absolutamente o físico e a ascender de uma realidade limitada para as ideias Mas embora o verdadeiro sentido daquela exigência seja o de arrancálo dos limites do tempo e eleválo do mundo sensível para o mundo do ideal ela pode entretanto através de uma má interpretação dificilmente evitável nesta época de sensualidade reinante dirigirse à vida física e em vez de tornálo independente precipitálo na mais terrível servidão E assim acontece mesmo de fato Nas asas da imaginação o homem deixa os estreitos limites do presente em que se inclui a mera animalidade para se esforçar rumo a um ilimitado futuro à sua frente mas ao se abrir o infinito diante de sua vertiginosaimaginação seu coração ainda não parou de viver no indivíduo e de servir ao instante No seio de sua animalidade é surpreendido pelo impulso para o absoluto e pelo fato de nesse estado sombrio todos os seus esforços se dirigirem para o material e temporal e se limitarem a seu indivíduo então ele é impelido por aquela exigência a expandir seu indivíduo ao infinito em vez de abstrairse dele de se esforçar por uma matéria inelutável em vez de o fazer pela forma de se esforçar pela mudança eternamente duradoura e pela certeza absoluta de sua existência temporal em vez de o fazer pelo invariável O mesmo impulso que aplicado a seu pensamento e ao agir deveria levar à verdade e moralidade produz agora relacionado à sua passividade e sensação nada mais que uma ânsia ilimitada uma carência absoluta Os primeiros frutos que ele colhe no reino espiritual são portanto preocupação e medo ambos efeitos da razão não da sensibilidade mas de uma razão que se engana quanto a seu objeto e que aplica seu imperativo imediatamente à matéria Os frutos dessa árvore são todos sistemas incondicionados de felicidade tendo como objeto o dia de hoje a vida toda ou o que não os torna nem um pouco mais dignos toda a eternidade Uma duração ilimitada da existência e do bemestar meramente em função deles é meramente um ideal dos desejos uma exigência portanto que somente pode ser colocada por uma animalidade que se esforça pelo absoluto Sem ganhar portanto algo para sua humanidade através de uma manifestação racional desta espécie ele perde através disso apenas a feliz limitação do animal perante o qual ele apenas possui a ininvejável primazia de com o esforço pelo futuro perder a posse do presente sem entretanto jamais procurar em todo o ilimitado futuro algo além do presente Mas mesmo se a razão não se engana quanto a seu objeto e não erra quanto à questão a sensibilidade falsifica a resposta ainda por muito tempo Tão logo o homem começou a usar seu entendimento e a ligar os fenômenos em sua volta segundo causas e fins então a razão insiste de acordo com seu conceito em uma ligação absoluta e em um fundamento incondicionado Para apenas poder se colocar tal exigência o homem tem que ter já ultrapassado a sensibilidade que se serve todavia daquela exigência para resgatar o fugitivo Aqui seria propriamente o ponto em que ele teria que abandonar total e absolutamente o mundo sensível e se erguer ao puro reino das ideias pois o entendimento para eternamente no interior do condicionado e sempre questiona sem nunca atingir um fundamento último Mas pelo fato de o homem do qual falamos não ser capaz ainda de tal abstração então ele irá procurar dentro de seu campo do sentimento e aparentemente encontrará aquilo que não vê em seucampo de conhecimento sensível e que não procura para além deste na razão pura A sensibilidade com certeza não lhe mostra nada que seria seu próprio fundamento e que se desse a lei a si próprio mas lhe mostra algo que não sabe de nenhum fundamento e que não respeita nenhuma lei Pelo fato de não poder acalmar o entendimento através de nenhum fundamento último e interno então ele pelo menos o cala através do conceito do infundado e para dentro da coerção cega da matéria pois não consegue ainda conceber a sublime necessidade da razão Dado que a sensibilidade não conhece outro fim além de sua primazia e não se sente impelida por nenhuma outracausa além do cego acaso assim o homem faz daquele o determinante de suas ações e deste o senhor do mundo Mesmo o que é sagrado no homem a lei moral não pode em sua primeira aparição na sensibilidade subtrairse a essa falsificação Dado que ela é meramente proibitiva e se pronuncia contra o interesse de seu amorpróprio sensível assim ela tem que aparecerlhe como algo estranho enquanto ele ainda não tiver conseguido ver aquele amorpróprio como o estranho e a voz da razão como seu verdadeiro simesmo Ele percebe portanto apenas as algemas que a última lhe impõe não a infinita libertação que ela lhe proporciona Sem suspeitar em si a dignidade do legislador percebe meramente a coerção e a resistência impotente do súdito Porque o impulso sensível precede o moral em sua experiência assim ele dá à lei da necessidade um começo no tempo umasrcem ositiva e através do mais infeliz dos equívocos faz do imutável e eterno em si um acidente do efêmero Ele se persuade a ver os conceitos de justiça e injustiça como regulamentos instituídos por uma vontade não como válidos em si mesmos e por toda a eternidade Tal como ele ultrapassa na explicação de fenômenos naturais particulares a natureza e procura fora dela o que pode ser encontrado somente em sua legalidade interna assim também ultrapassa ao explicar a eticidade a razão e perde por sua falta sua humanidade ao procurar neste caminho uma divindade Não é de admirar se uma religião que foi adquirida anulandose sua humanidade mostrase digna de uma tal procedência se ele não considera as leis que não valiam desde a eternidade como não sendo incondicionadas e obrigatórias em toda a eternidade Ele relaciona isso não a um ser sagrado mas tão somente poderoso O espírito de sua adoração divina é portanto o medo que o degrada não a veneração que o eleva em sua autoestima Embora esses múltiplos desvios do homem em relação ao ideal de sua determinação não possa se realizar todos na mesma época na medida em que ele tem que percorrer vários estágios desde a falta de pensamento até o erro desde a ausência de vontade até a corrupção desta entretanto tais estágios pertencem todos à sequência do estado físico porque em todos o impulso da vida é o senhor sobre o impulso da forma Ora seja o fato de que a razão não se pronunciou ainda no homem e o físico reine sobre ele ainda com necessidade cega ou que a razão ainda não se purificou o suficiente dos sentidos e o elemento moral sirva ainda ao físico em ambos os casos o único princípio atuante nele é material e o homem pelo menos segundo sua última tendência é um ser sensível com a única diferença que no primeiro caso ele é um animal irracional e no segundo racional Mas ele não deve ser nenhum deles mas sim homem a natureza não deve dominálo exclusivamente e a razão não incondicionalmente Ambas as legislações devem subsistir perfeitamente independentes uma da outra e todavia ser perfeitamente unidas 61 A palavra alemãStoff especialmente referente a obras de arte pode ser traduzida tanto pormatéria com o sentido de material estofo nãoformado quanto portema quando por exemplo se diz do tema de um quadro o que também pode ser considerado um material a ser elaborado pelo artista N T 62 No srcinal sinnlichen Menschen com o sentido de homem dotado da faculdade dos sentidos da sensibilidade e não de um homem que fosse afetado facilmente pelas coisas frágil delicado etc N T 63 Este tratamento espiritual e esteticamente livre da realidade comum é onde porventura ela se encontra a característica de uma alma nobre Devese chamar nobre em geral a uma mente que possui o dom de transformar mesmo a atividade mais limitada e o menor objeto em algo infinito através do modo de tratamento Nobre chamase toda forma que imprime a marca de autonomia àquilo que segundo sua natureza meramente serve é apenas um meio para algo Um espírito nobre não se satisfaz em ser ele próprio livre ele tem que colocar em liberdade tudo o mais em sua volta mesmo o inanimado A beleza é entretanto a expressão unicamente possível da liberdade no fenômeno A expressão proeminente doentendimento em uma face em uma obra de arte e em coisas semelhantes não pode por isso chegar a ser nobre como também nunca é bela porque salienta a dependência que não se deve separar da conformidade a fim em vez de ocultála O filósofo moral na verdade nos ensina que nunca se poderia fazermais que nosso dever e ele tem toda razão se ele visa apenas a relação que as ações têm com a lei moral Mas nas ações que se relacionam meramente a um fim irainda além deste fim para o suprassensível o que aqui não pode significar senão realizar esteticamente o físico significa ao mesmo tempo ir além do dever na medida em que este somente pode prescrever que avontade seja santa não que também anatureza tenha se santificado Na verdade não existe portanto um ultrapassamento moral do dever mas sim estético e um tal comportamento chamase nobre Mas precisamente porque sempre se percebe um excesso na nobreza na medida em que também possui um valor formal livre o que precisaria ter apenas um valor material ou que unifica o valor interno que deve ter com mais outro externo que lhe deveria faltar desse modo confundiuse vários excessos estéticos com um moral e seduzido pelo fenômeno da nobreza introduziuse um arbítrio e contingência na própria moralidade por meio de que ela seria totalmente suprimida Há que distinguir um comportamento nobre de um sublime O primeiro vai além da obrigatoriedade ética mas não o último embora respeitemos mais que àquele Mas nós o respeitamos não porque transponha o conceito racional de seu objeto a lei moral mas porque transpõe o conceito de experiência de seu sujeito nosso conhecimento da bondade humana e da força da vontade assim estimamos por outro lado um comportamento nobre não porque ultrapasse a natureza do sujeito a partir da qual ele tem antes que fluir completamente sem constrangimento mas porque ultrapassa a natureza de seu objeto o fim físico para o reino espiritual Lá gostarseia de dizer surpreendemonos com a vitória que o objeto alcança sobre o homem aqui nos maravilhamos com a sobrelevação que o homem dá ao objeto N A 64 Com certeza o coração impetuoso e dos titãs a força vigorosa são sua indubitável herança mas gravalhe o deus em sua fronte uma aliança brônzea conselho moderação e sabedoria e paciência ele oculta de seu tímido sombrio olhar Tornaselhe em fúria todo o desejo e sem limites sua fúria persiste ao seu redor Friedrich W Joseph v Friedrich W Joseph von Schelling on Schelling Sistem Sistema d a do id o idealism ealismo transcendental o transcendental Sistema do idealismo transcendental Sistema do idealismo transcendental65 65 Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling 17751854 Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling 17751854 Tradução omero Freitas A produção estética é voluntária ou gerada por uma espontaneidade capaz de ultrapassar o artista Quanto do processo de criação está sob o controle do indivíduo Dizer que criação é um ato voluntário não faria da obra um produto demasiadamente intelectual Da afirmação de todos os artistas de que são involuntariamente impelidos para a feitura de suas obras de que na produção das mesmas apenas satisfazem um impulso irresistível de sua natureza podese concluir corretamente que toda produção estética assenta sobre uma contraposição de atividades pois se cada impulso parte de uma contradição de modo que uma vez posta a contradição a atividade livre tornase involuntária então o impulso artístico tem de resultar também de um tal sentimento de uma contradição interior Esta contradição porém como põe em movimento o homem inteiro com todas as suas forças é sem dúvida uma contradição que afeta o que é último nele a raiz de toda a sua existência Neste texto parte da obra Sistema do idealismo Transcendental 1800 Schelling 17751854 explica a relação entre a criação artística com as dimensões conscientes e não conscientes da experiência humana Temas Temas ontologia intuição inconsciente consciência 65 Fonte SCHELLING F W JSystem des transzenden talen Idealismus Hamburg Felix Meiner Verlag 1957 p 281 299 Dedução de um Dedução de um Órg Órgão Geral d ão Geral da Fil a Filoso osofia ou Proposiçõe fia ou Proposiçõess Princip Principais da Fil ais da Filoso osofia da A fia da Arte rte segundo o segundo os Princípios do s Princípios do Idealismo Transcendental Idealismo Transcendental 1 Dedução do Produto da Arte em Geral A intuição postulada deve reunir o que existe separado no fenômeno da liberdade e na intuição do produto da natureza ou seja aidentidade do consciente e do não consciente no Eu e a consciência dessa identidade O produto dessa intuição será então limitado de um lado pelo produto da natureza de outro pelo produto da liberdade e terá de unificar em si os caracteres de ambos Se conhecemos o produto da intuição conhecemos a própria intuição assim precisamos apenas deduzir o produto para deduzir a intuição O produto terá em comum com o produto da liberdade o fato de ter sido produzido co consciência com o produto da natureza o fato de ter sido produzido sem consciência Na primeira consideração ele será portanto o inverso do produto orgânico da natureza Se a partir do produto orgânico a atividade não consciente cega for refletida como consciente então inversamente a partir do produto de que tratamos aqui a atividade consciente será refletida como não consciente objetiva ou se o produto orgânico refletirme a atividade não consciente enquanto determinada pela consciente então inversamente o produto que aqui se deduz irá refletir a atividade consciente enquanto determinada pela não consciente De forma mais breve a natureza começa sem consciência e termina consciente a produção não é conforme a fins mas o produto é O Eu na atividade de que tratamos aqui tem de começar com consciência subjetivamente e terminar no não consciente ou objetivamente o Eu é consciente segundo a produção e não consciente na perspectiva do produto Mas como devemos explicar transcendentalmente para nós uma tal intuição onde a atividade não consciente como que atua através da consciente até a perfeita identidade com ela Reflitamos primeiramente sobre o fato de que a atividade deve ser consciente Ora é simplesmente impossível que algo objetivo seja produzido com consciência como aqui no entanto se exige Objetivo é apenas o que surge sem consciência assim o propriamente objetivo naquela intuição também tem de não poder ser acrescentado com consciência A esse respeito podemos invocar imediatamente as provas já introduzidas a propósito do agir livre ou seja o objetivo acrescentarseia a ele através de algo independente da liberdade A diferença está apenas em que a na ação livre a identidade das duas atividades precisa ser suprimida justamente para que o agir apareça como livre Aqui pelo contrário as mesmas atividades devem aparecer na própria consciência como uma sem negação As duas atividades também b não podem jamais tornarse absolutamente idênticas no agir livre razão pela qual o objeto do agir livre também é necessariamente algo infinito não realizado integralmente pois se ele fosse realizado integralmente as atividades consciente e objetiva coincidiriam em uma isto é o fenômeno da liberdade cessaria O que então era simplesmente impossível através da liberdade deve ser possível através do agir postulado agora o qual porém ustamente devido a esse preço tem de cessar de ser um agir livre tornandose tal que nele estejam absolutamente unificadas liberdade e necessidade Ora a produção deveria ocorrer com consciência o que é impossível sem que ambas estejam separadas Existe aqui portanto uma evidente contradição Apresentoa mais uma vez As atividades consciente e não consciente devem ser absolutamente uma no produto exatamente como são também no produto orgânico mas elas devem ser uma de outro modo as duas devem sêlo para o próprio Eu Isso porém é impossível a não ser que o Eu esteja consciente da produção Mas se o Eu estiver consciente da produção então as dua atividades têm de estar separadas pois isso é condição necessária da consciência da produção Assim ambas as atividades têm de ser uma caso contrário não há identidade e ambas têm de estar separadas caso contrário há identidade mas não para o Eu Como resolver essa contradição As duas atividades têm de estar separadas a propósito do aparecer do objetivarse da produção exatamente como no agir livre elas têm de estar separadas a propósito do objetivarse da intuição Mas elas não podem como no agir livre estar separadas no infinito porque senão o objetivo não seria jamais uma apresentação integral daquela identidade66 A identidade de ambas deveria ser suprimida unicamente a propósito da consciência mas a produção deve terminar na não consciência logo tem de existir um ponto onde ambas coincidem em uma e inversamente onde ambas coincidem em uma a produção tem de deixar de aparecer como livre67 Se esse ponto na produção é atingido então o produzir tem de cessar absolutamente e tem de ser impossível ao produtor continuar a produzir pois a condição de todo produzir é justamente a contraposição entre as atividades consciente e não consciente mas estas aqui devem coincidir absolutamente devendo assim todo conflito ser suprimido na inteligência toda contradição unificada68 A inteligência terminará então num perfeito reconhecimento da identidade expressa no produto enquanto uma identidade tal cujo princípio resida nela mesma isto é ela terminará numa perfeita autointuição69 Como havia então a livre tendência para a autointuição naquela identidade a qual srcinariamente separava a inteligência de si mesma o sentimento que acompanha aquela intuição será o sentimento de uma satisfação infinita Com a conclusão do produto todo impulso para produzir se acalma todas as contradições são suprimidas todos os enigmas são resolvidos Como a produção partiu da liberdade isto é de uma contraposição infinita entre as duas atividades então a inteligência não poderá atribuir à liberdade aquela absoluta unificação das duas na qual a produção termina pois simultaneamente à conclusão do produto todo o fenômeno da liberdade é abandonado ela sentirseá surpreendida e feliz através daquela mesma unificação isto é verá nela como que a graça voluntária de uma natureza mais elevada que através dela tornou possível o impossível Mas esse desconhecido que põe aqui as atividades objetiva e consciente numa inesperada harmonia não é senão aquele absoluto70 que contém o fundamento geral da harmonia preestabelecida entre o consciente e o não consciente Assim se aquele absoluto for refletido a partir do produto ele aparecerá à inteligência como algo que está acima dela e que mesmo em contraposição à liberdade acrescenta o não intencional ao que foi iniciado com consciência e intenção Esse idêntico invariável que nenhuma consciência alcança e que só se reflete a partir do produto é para o produtor o mesmo que o destino para o agente ou seja um poder obscuro desconhecido que acrescenta o concluído ou o objetivo à obra incompleta da liberdade e como se denomina destino aquele poder que através do nosso agir livre sem o nosso saber e mesmo contra o nosso querer realiza fins não representados designase pelo obscuro conceito de gênio o incompreensível que acrescenta o objetivo ao consciente sem intervenção da liberdade e de certo modo em contraposição a ela na qual escapa eternamente o que está unificado nessa produção O produto postulado não é senão o produto genial71 ou como o gênio só é possível na arte o roduto da arte A dedução está concluída e não temos por agora senão que mostrar através de uma análise completa que todos os elementos da produção postulada reúnemse na produção estética Da afirmação de todos os artistas de que são involuntariamente impelidos para a feitura de suas obras de que na produção delas apenas satisfazem um impulso irresistível de sua natureza podese concluir corretamente que toda produção estética assenta sobre uma contraposição de atividades pois se cada impulso parte de uma contradição de modo que uma vez posta a contradição a atividade livre tornase involuntária então o impulso artístico tem de resultar também de um tal sentimento de uma contradição interior Essa contradição porém como põe em movimento o homem inteiro com todas as suas forças é sem dúvida uma contradição que afetao que é último nele a raiz de toda a sua existência72 É como se nos raros homens que são artistas no sentido mais elevado da palavra à frente dos outros aquele idêntico imutável sobre o qual assenta toda a existência tirasse o envoltório com o qual ele se cobre nos outros e do modo como fosse afetado imediatamente pelas coisas assim também reagiria imediatamente sobre tudo Portanto só pode ser a contradição entre o consciente e o não consciente no agir livre o que põe em movimento o impulso artístico assim como só pode ser dado à arte por sua vez satisfazer nossa aspiração infinita e também resolver nossa última e extrema contradição Assim como a produção estética parte do sentimento de uma contradição aparentemente insolúvel da mesma forma segundo a confissão de todos os artistas e de todos aqueles que partilham de sua inspiração ela termina no sentimento de um harmoniainfinita e o fato de que esse sentimento que acompanha a conclusão Vollendung é ao mesmo tempo uma comoção já prova que o artista não atribui apenas a si mesmo a resolução integral da contradição que vê em sua obra mas a um favor voluntário de sua natureza que tão implacavelmente como o pôs em contradição consigo mesmo misericordiosamente tira dele a dor dessa contradição 73 pois da mesma forma que o artista é impelido involuntariamente e mesmo com resistência interior à produção donde o provérbio dos antigos pati Deum etc donde em geral a representação da inspiração através do sopro alheio assim também o objetivo se acrescenta à sua produção como que sem sua intervenção isto é apenas objetivamente Do mesmo modo como o homem sob o efeito da fatalidade não realiza o que ele quer ou intenciona mas o que ele tem de realizar através de um destino incompreensível parece ao artista porém na observação daquilo que é o propriamente objetivo na sua produção por mais cheio de intenção que ele esteja estar sob o efeito de um poder que o separa de todos os outros homens e o coage a exprimir ou apresentar o que ele próprio não penetra inteiramente e cujo sentido é infinito Uma vez que a coincidência absoluta das duas atividades que se escapam simplesmente não é explicável sendo antes apenas um fenômeno que embora incompreensível74 não pode ser negado então a arte é a única e eterna revelação que existe e o milagre que mesmo que só tivesse existido uma vez teria de convencernos da realidade daquele supremo Além disso se arte se perfaz através de duas atividades inteiramente distintas uma da outra então o gênio não é nem uma nem outra mas o que está acima das duas Se nós tivéssemos de procurar e uma dessas duas atividades a saber na consciente o que familiarmente é chamado dearte mas que é somente uma parte dela a saber a que nela é executada com consciência consideração e reflexão que também pode ser ensinada e aprendida e alcançada através de transmissão e de exercício próprio então contrariamente teríamos de procurar no não consciente que acompanha a arte aquilo que nela não é aprendido que não é atingido através de exercício ou ainda de outra forma mas que pode ser inato somente através do favor livre da natureza e que é o que podemos denominar numa palavra a poesia na arte Contudo precisamente a partir daí fica claro por si mesmo que seria inteiramente inútil perguntar qual dos dois elementos teria a primazia sobre o outro uma vez que de fato cada um deles não tem nenhum valor sem o outro e que apenas os dois juntos produzem o supremo Pois embora o que não se alcança pelo exercício mas que nasceu conosco geralmente seja considerado o mais esplêndido os deuses também ligaram com tanta firmeza o exercício daquela força srcinária ao esforço honesto dos homens à diligência e à consideração que a poesia mesmo onde é inata sem a arte engendra apenas como que produtos mortos nos quais nenhum entendimento humano pode deleitarse e que repelem de si todo juízo e mesmo a intuição através da força inteiramente cega que atua neles Inversamente podese antes esperar que a arte sem poesia se comparada à poesia sem arte possa realizar algo em parte porque não é fácil encontrar um homem por natureza sem poesia enquanto muitos são destituídos de toda arte em parte porque o estudo contínuo das ideias dos grandes mestres de certa forma é capaz de suprir a falta srcinária de força objetiva embora daí sempre só possa surgir uma aparência de poesia que é facilmente discernível em sua superficialidade contraposta à profundidade insondável que o verdadeiro artista põe em sua obra involuntariamente mesmo trabalhando com a maior meditação e que nem ele nem outro é capaz de penetrar inteiramente assim como é facilmente discernível em muitos outros elementos por exemplo no grande valor que ele atribui ao meramente mecânico da arte na pobreza da forma em que ele se move etc Ora fica claro também por si mesmo que assim como poesia e arte não poderiam produzir isoladamente por si o concluído tampouco poderia produzilo75 uma existência separada dos dois que portanto como a identidade dos dois só pode ser srcinária e é simplesmente impossível e inalcançável através da liberdade o concluído só é possível através do gênio o qual justamente por isso é para a estética o mesmo que o Eu para a filosofia ou seja o supremo o absolutamente real que nunca se torna objetivo mas que é causa de todo o objetivo 2 Caráter do Produto da arte a A obra de arte refletenos a identidade das atividades consciente e não consciente Mas a contraposição dessas duas é infinita e é superada sem nenhuma intervenção da liberdade O caráter fundamental da obra de arte é portanto umainfinitude não consciente síntese de natureza e liberdade A despeito do que pôs em sua obra com propósito explícito o artista parece ter representado nela instintivamente algo como uma infinitude que nenhum entendimento finito é capaz de desenvolver por completo Para nos esclarecer apenas através de um exemplo a mitologia grega que contém em si inegavelmente um sentido infinito e símbolos para todas ideias surgiu em meio a um povo e de um modo que torna impossível supor uma intenção contínua na invenção e na harmonia com que tudo se unifica num grande todo Assim ocorre com toda obra de arte verdadeira na medida em que ela é passível de uma interpretação infinita como se houvesse nela uma infinitude de intenções que nunca se pode dizer se estava posta no próprio artista ou se antes repousava meramente na obra de arte Contrariamente no produto que apenas simula o caráter da obra de arte intenção e regra estão na superfície e aparecem tão limitadas e demarcadas que o produto não é senão a reprodução fiel da atividade consciente do artista e um objeto apenas para a reflexão não para a intuição a qual ama aprofundarse no intuído e só é capaz de repousar no infinito b Toda produção estética parte do sentimento de uma contradição infinita assim o sentimento que acompanha a conclusão do produto da arte tem de ser também o sentimento de uma satisfação e esse sentimento por sua vez tem de passar também à própria obra de arte Portanto a expressão exterior da obra de arte é a expressão da quietude e da grandeza tranquila mesmo ali onde deve ser exprimida a tensão máxima da dor ou da alegria c Toda produção estética parte de uma separação em si infinita das duas atividades as quais estão separadas em todo o produzir livre Ora como essas duas atividades devem ser apresentadas enquanto unificadas no produto então através dele um infinito é apresentado finitamente Mas o infinito apresentado finitamente é a beleza O caráter fundamental de toda obra de arte que compreende em si os dois anteriores é portanto a beleza e sem beleza não há obra de arte Pois se existe algo como obras de arte sublimes e se beleza e sublimidade em certa perspectiva se contrapõem na medida em que por exemplo uma cena natural pode ser bela sem ser por isso sublime e viceversa todavia a contraposição entre beleza e sublimidade é tal que só tem lugar na perspectiva do objeto e não na perspectiva do sujeito da intuição na medida em que a diferença entre as obras de arte bela e sublime repousa apenas no fato de que onde há beleza a contradição infinita suprimese no próprio objeto e onde há sublimidade a contradição não se unifica no próprio objeto mas apenas elevase até um nível no qual suprimese involuntariamente na intuição o que então é como se ela se suprimisse no objeto76 Mostrase também muito facilmente que a sublimidade repousa sobre a mesma contradição que o belo na medida em que sempre que um objeto é dito sublime adquirese através da atividade não consciente uma grandeza que é impossível adquirir na atividade consciente de modo que o Eu é transposto a um conflito consigo mesmo que só pode terminar numa intuição estética que põe as duas atividades numa inesperada harmonia só que a intuição que aqui não está no artista mas no próprio sujeito que intui é inteiramente involuntária na medida em que o sublime inteiramente diverso do meramente fantástico que também apresenta uma contradição para a imaginação a qual porém não vale o esforço de resolver põe em movimento todas as forças do ânimo para resolver a contradição que ameaça toda a existência intelectual Agora que os caracteres da obra de arte foram deduzidos tornase ao mesmo tempo clara a diferença entre ela e todos os outros produtos Pois o produto da arte difere do produto orgânico da natureza principalmente a porque o ser orgânico apresenta ainda como não separado o que a produção estética apresenta como unificado após a separação b porque a produção orgânica não parte da consciência portanto também não da contradição infinita que é condição da produção estética Em consequência o produto orgânico da natureza se a beleza é a resolução plena de um conflito infinito não será também necessariamente belo e se ele for belo então a beleza parecerá pura e simplesmente ocasional pois sua condição não pode ser pensada como existente na natureza donde se explica o interesse totalmente particular pela beleza da natureza não enquanto beleza em geral mas enquanto ela é precisamente beleza da natureza A partir daí fica claro por si mesmo o que se deve considerar sobre a imitação da natureza como princípio da arte pois muito longe de ser a natureza bela meramente ao acaso quem dá a regra à arte o princípio e a norma para o ajuizamento da beleza da natureza é antes aquilo que a arte produz em sua perfeição É fácil ajuizar em que o produto estético distinguese do produto artístico comum uma vez que toda produção estética é absolutamente livre em seu princípio na medida em que o artista pode ser impulsionado a ela por uma contradição mas somente por uma contradição que reside no mais elevado de sua própria natureza enquanto toda outra produção realizase através de uma contradição que reside fora do propriamente produtor e que portanto tem também todo fim fora de si 77 A partir dessa independência de fins externos surge aquela sacralidade e pureza da arte que vai tão longe que rejeita não só a afinidade com tudo o que é apenas prazer dos sentidos o qual exigir da arte é o caráter próprio da barbárie ou com o útil o qual exigir da arte só é possível a uma época que põe os esforços mais elevados do espírito humano em invenções econômicas 78 mas mesmo a afinidade com tudo aquilo que pertence à moralidade e que deixa bem atrás mesmo a ciência a qual na perspectiva de sua não aplicabilidade tem com a arte o limite mais próximo simplesmente porque ela sempre leva a um fim fora de si e precisa servir afinal apenas como meio para o supremo a arte No que concerne especificamente à relação da arte com a ciência as duas são tão contrapostas em suas tendências que se a ciência alguma vez tivesse resolvido toda a sua tarefa como a arte sempre resolveu as duas teriam de coincidir e transformarse em uma o que é prova de direções inteiramente opostas Pois embora a ciência em sua mais alta função tenha a mesma tarefa que a arte essa tarefa para a ciência é infinita devido ao modo de resolvêla de forma que se pode dizer que a arte é o modelo Vorbild da ciência e que somente onde há arte deve chegar a ciência Justamente a partir daí também se explica por que e em que medida não existe nenhum gênio em ciência não como se fosse impossível que uma tarefa científica fosse resolvida genialmente mas porque a mesma tarefa cuja solução pode ser encontrada através do gênio também pode ser resolvida mecanicamente assim como por exemplo o sistema da gravitação newtoniana que podia ser uma invenção genial e de fato o foi em Kepler seu primeiro inventor mas que igualmente podia ser também uma invenção inteiramente científica o que também tornouse através de Newton Apenas o que a arte produz é possível única e exclusivamente através do gênio pois em toda tarefa resolvida pela arte uma contradição infinita foi unificada O que a ciência produz pode ser produzido pelo gênio mas não é necessariamente produzido através dele Por isso ele é e permanece problemático nas ciências ou seja podese sempre dizer muito bem onde ele não existe mas nunca onde ele existe Há apenas uns poucos elementos a partir dos quais podese deduzir o gênio nas ciências o fato de que se precise deduzilo já mostra uma condição totalmente própria deste assunto Ele certamente não existe por exemplo aí onde um todo semelhante a um sistema surge parcialmente e através de justaposição Inversamente seria preciso pressupor o gênio aí onde a ideia do todo precede claramente as partes singulares Pois se a ideia do todo não pode tornarse clara senão através do seu desenvolvimento em partes singulares mas em contrapartida as partes singulares só são possíveis através da ideia do todo então parece haver aqui uma contradição que só é possível através de um ato do gênio isto é através de um encontro inesperado da atividade não consciente com a atividade consciente Uma outra razão para supor o gênio nas ciências seria quando alguém diz e afirma coisas cujo sentido era impossível que pudesse penetrar inteiramente seja devido ao tempo em que viveu seja devido a outras manifestações suas onde portanto ele exprimiu aparentemente com consciência o que contudo só podia exprimir sem consciência Só que seria muito fácil demonstrar de diferentes maneiras que essas razões de suposição também podem ser altamente enganadoras Por isso o gênio é distinto de tudo aquilo que é apenas talento ou habilidade uma vez que através dele resolvese uma contradição que pode ser resolvida absolutamente e que caso contrário não poderia ser resolvida através de nenhum outro Em todo produzir mesmo no mais comum e cotidiano uma atividade não consciente atua junto com a atividade consciente mas somente um produzir cuja condição era uma contraposição infinita das duas atividades é um produzir estético e possível apenas através do gênio 3 Corolários Nota geral sobre todo o sistema Após termos deduzido a essência e o caráter do produto da arte tão integralmente quanto era necessário a respeito da investigação atual não nos resta senão apresentar a relação na qual a filosofia da arte está com todo o sistema da filosofia em geral 1 Toda a filosofia parte e precisa partir de um princípio que enquanto o absolutamente idêntico é pura e simplesmente não objetivo Ora de que modo esse absolutamente não objetivo deve ser compreendido e chamado à consciência como é necessário se ele é condição da compreensão de toda a filosofia É desnecessário provar que ele não pode ser apreendido ou tampouco apresentado através de conceitos Destarte não resta senão apresentálo numa intuição imediata que por sua vez é incompreensível e como o seu objeto deve ser pura e simplesmente não objetivo ela parece inclusive ser contraditória em si mesma Ora se houvesse uma intuição que tivesse por objeto o absolutamente idêntico que em si não é nem subjetivo nem objetivo e se por causa dessa intuição que só pode ser intelectual se recorresse à experiência imediata de que modo essa intuição pode ser por sua vez objetiva ou seja como estabelecer sem sombra de dúvida que ela não reside numa ilusão meramente subjetiva se dela não existe uma objetividade reconhecida em geral e por todos os homens Essa objetividade da intuição intelectual reconhecida em geral e que de modo algum não pode ser abandonada é a própria arte Pois a intuição estética é justamente a intuição intelectual que se tornou objetiva79 A obra de arte apenas me reflete o que de outra forma não é refletido por nada o absolutamente idêntico que já se separou mesmo no Eu assim o que o filósofo já separa no primeiro ato da consciência é refletido através do milagre da arte a partir dos seus produtos caso contrário seria inacessível a toda intuição Todavia não apenas o primeiro princípio da filosofia e a primeira intuição da qual ela parte mas também todo o mecanismo que a filosofia deduz e sobre o qual ela própria repousa tornamse objetivos primeiramente através da produção estética A filosofia parte de uma separação infinita de atividades contrapostas 80 mas sobre a mesma separação repousa também toda a produção estética e esta é completamente suprimida através de cada apresentação singular da arte81 O que é então aquela maravilhosa faculdade através da qual segundo a afirmação do filósofo suprimese uma contraposição infinita na intuição produtiva Até agora não pudemos tornar esse mecanismo inteiramente compreensível porque apenas a faculdade artística pode desvelálo completamente Essa faculdade produtiva é a mesma através da qual a arte também consegue o impossível ou seja suprimir uma contraposição infinita num produto finito É a faculdade poética que é a intuição srcinária na primeira potência e inversamente 82 é apenas a intuição repetidamente produtiva na mais alta potência que nós chamamos de faculdade poética O que é ativo nas duas é um e o mesmo a única coisa mediante a qual nós somos capazes de pensar e reunir também o contraditório a imaginação Assim são também produtos de uma e mesma atividade aquilo que nos aparece além da consciência como real e do lado da consciência como ideal ou como mundo da arte Mas justamente isso o fato de que com condições de surgimento caso contrário idênticas a srcem num caso está além no outro do lado da consciência constitui a eterna e amais suprimível diferença entre as duas Pois embora o mundo real nasça inteiramente da mesma contraposição srcinária que o mundo da arte que precisa ser pensado igualmente como um grande todo e que em todos os seus produtos singulares apresenta apenas o um infinito aquela contraposição além da consciência só é infinita na medida em que um infinito é apresentado comotodo através do mundo objetivo nunca porém através do objeto singular enquanto para a arte aquela contraposição é infinita na perspectiva de cada objeto singular e cada produto singular do mesmo apresenta a infinitude Pois se a produção estética parte da liberdade e se mesmo para a liberdade aquela contraposição das atividades consciente e inconsciente é infinita então existe propriamente apenas uma obra de arte absoluta que pode existir em exemplares inteiramente diferentes mas que é apenas uma embora não exista ainda na forma mais srcinária Não pode haver contra essa perspectiva a acusação de que com ela não pode subsistir a grande liberalidade que se pratica com o predicado da obra de arte Não é uma obra de arte o que não apresenta um infinito imediatamente ou pelo menos em reflexo Chamaríamos também de obra de arte por exemplo aqueles poemas que segundo sua natureza apresentam apenas o singular e subjetivo Então teríamos também de recobrir com esse nome todo epigrama que contém apenas uma sensação momentânea uma impressão presente pois os grandes mestres que se exercitaram nesses modos poéticos procuravam produzir a objetividade mesma apenas através do todo de seus poemas e os utilizavam apenas como meio para apresentar uma vida inteira infinita e refletila através de múltiplos espelhos 2 Se a intuição estética é apenas a intuição transcendental83 tornada objetiva então compreende se por si só que a arte é o único órgão verdadeiro e eterno da filosofia e ao mesmo tempo seu documento que reconhece sempre e continuamente o que a filosofia não pode apresentar externamente ou seja o nãoconsciente no agir e produzir e a sua identidade srcinária com o consciente A arte é justamente por isso o mais elevado para o filósofo pois ela como que abre para ele o santuário onde é como se ardesse numa chama em eterna e srcinária unificação o que está separado na natureza e na história e que tem de evadirse eternamente no viver e agir bem como no pensar O ponto de vista que o filósofo faz artificialmente da natureza é srcinário e natural para a arte O que chamamos de natureza é um poema que se encontra fechado em maravilhoso e secreto escrito Mas se o enigma pudesse se desvelar reconheceríamos aí a odisseia do espírito que maravilhosamente enganado procurandose a si mesmo escapa de si pois através do mundo sensível o sentido brilha apenas como através de palavras e a terra da fantasia que ambicionamos apenas como através de neblina semitransparente Todo quadro magnífico surge como que através de uma supressão do muro invisível que separa o mundo real e o mundo ideal e é apenas a abertura através da qual aparecem por inteiro aquelas figuras e regiões do mundo da fantasia que transluzem apenas imperfeitamente através do mundo real A natureza deixa de ser para o artista o que é para o filósofo a saber apenas o mundo ideal que aparece sob delimitações constantes ou apenas o reflexo imperfeito de um mundo que não existe fora mas dentro dele De onde porém vem esse parentesco da filosofia com a arte a despeito da contraposição entre as duas é uma pergunta que já foi suficientemente respondida pelo que veio antes Por isso concluímos com a seguinte observação Um sistema está completo se ele é reconduzido ao seu ponto de partida Mas justamente isso é o que ocorre com nosso sistema Pois justamente aquele fundamento srcinário de toda harmonia do subjetivo e do objetivo que só podia ser apresentado em sua identidade originária através da intuição intelectual é aquilo que através da obra de arte é plenamente extraído do subjetivo e tornado completamente objetivo de modo que nosso objeto o próprio Eu é aos poucos levado ao ponto no qual nós próprios estávamos quando começamos a filosofar Ora se somente a arte consegue tornar objetivo com validade universal o que o filósofo só é capaz de apresentar subjetivamente então extraindo daí ainda esta conclusão é de se esperar que a filosofia assim como na infância da ciência nasceu da poesia e foi nutrida por ela e com ela todas aquelas ciências que ela levou à perfeição após o seu acabamento reflua como muitas correntes singulares ao oceano universal da poesia de onde partiram Qual deve ser contudo o membro intermediário do retorno da ciência à poesia em geral não é difícil dizer uma vez que tal membro intermediário existia na mitologia antes de acontecer como nos parece agora essa separação insolúvel84 Mas como pode surgir uma nova mitologia que não pode ser invenção do poeta singular mas de uma nova geração que por assim representa apenas um único poeta é um problema cuja solução só deve ser esperada dos destinos posteriores do mundo e do curso mais afastado da história 66 O que para o agir livre reside num progresso infinito deve ser na produção atual um presente deve tornarse um finito real objetivo 67 A atividade livre foi aí inteiramente transferida ao objetivo ao necessário A produção desse modo é livre no início o produto pelo contrário aparece como identidade absoluta da atividade livre com a necessária 68 A última passagem Se esse ponto está riscada no exemplar do autor N E 69 Pois ela a inteligência é ela própria a produtora mas ao mesmo tempo essa identidade arrancouse totalmente dela ela tornouse lhe inteiramente objetiva isto éela tornouse a si mesma inteiramente objetiva 70 o simesmo srcinário Urselbst 71 produto do gênio 72 o Emsi verdadeiro 73 No exemplar do autor mas a um favor voluntário de sua natureza portanto a um encontro da atividade nãoconsciente com a consciente N E 74 Do ponto de vista da mera reflexão 75 Nenhuma tem prioridade sobre a outra O que se reflete na obra de arte é justamente apenas a indiferença de ambas da arte e da poesia 76 No exemplar do autor em vez da última passagem Pois se existe algo como obras de arte sublimes e se a sublimidade costuma se contraposta à beleza não há nenhuma contraposição verdadeira objetiva entre beleza e sublimidade o verdadeira e absolutamente belo é sempre também sublime o sublime quando o é verdadeiramente também é belo N E 77 transição absoluta para o objetivo 78 Beterrabas forrageiras 79 Toda a filosofia parte e precisa partir de um princípio que enquanto o princípio absoluto é também pura e simplesmente o idêntico Um absolutamente simples idêntico não pode ser apreendido ou comunicado através de descrição ou de conceitos Ele só pode se intuído Uma intuição assim é o órgão da filosofia Mas essa intuição que não é sensível porém intelectual que não tem como objeto o objetivo ou o subjetivo mas o absolutamente idêntico que em si não é subjetivo nem objetivo é simplesmente uma intuição interior que não pode tornarse objetiva para si própria ela só pode tornarse objetiva através de uma segunda intuição Essa segunda intuição é a estética Assim diz a última passagem segundo o exemplar do autor N E 80 A filosofia faz toda a produção da intuição partir de uma separação de atividades antes não contrapostas 81 As últimas palavras e esta da arte estão riscadas no exemplar do autor N E 82 Em vez do último período no exemplar do autor está Essa faculdade produtiva através da qual surge o objeto é a mesma da qual a arte também faz nascer o seu objeto só que aquela atividade ali enganada limitada aqui é pura e ilimitada A faculdade poética intuída em sua primeira potência é a primeira faculdade de produção da alma na medida em que ela se exprime em coisas finitas e reais e inversamente NE 83 Intelectual 84 Um tratado sobre mitologia composto já há muitos anos e que aparecerá em breve contém a explicação mais ampla deste pensamento Georg Georg W Wilhelm ilhelm Friedrich Hege Friedrich Hegell Cursos de estética Cursos de estética Cursos de estética Cursos de estética85 85 Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 Tradução arco Aurélio Werle Qual é a relação entre arte e filosofia A arte é a manifestação sensível do espírito absoluto Obviamente não toda a arte manifestao no mesmo grau Algumas são limitadas por sua própria natureza expressiva Por outro lado o fato mesmo de a arte estar circunscrita ao sensível impõe a sua superação por outra manifestação do espírito com um grau mais elevado de abstração a saber a filosofia Os trechos apresentados ao leitor compõem a transcrição dos cursos de Estética publicada em 1835 de Hegel 17701831 Peça de uma arquitetura intelectual de incomparável organização e rigor lógico a reflexão hegeliana sobre a arte é sem dúvida um dos momentos mais relevantes da história da filosofia e constantemente retomada por outros autores como Theodor Adorno e Arthur Danto Temas Temas história arquitetura pintura música metafísica 85 HEGEL G WCursos de Estética São Paulo EDUSP 1999 p 90103 Agradecemos à EDUSP por autorizar a utilização texto II Entretanto uma vez que a Ideia deste modo é unidade concreta esta unidade somente poder vir à consciência artística por meio da propagação e da mediação renovada das particularidades da Ideia 107 e por meio desse desenvolvimento a beleza artística adquire uma totalidade de fases e de Formas particulares Após termos tratado do belo artístico em si e para si precisamos examinar como o todo do belo se decompõe em determinações particulares Nisso consiste a segunda parte a doutrina das Formas da arte Essas Formas encontram sua srcem no modo diverso de se conceber a Ideia como conteúdo o que condiciona uma diferenciação da configuração na qual a Ideia aparece Por isso as Formas da arte nada mais são do que as diferentes relações de conteúdo e forma relações que nascem da própria Ideia e assim fornecem o verdadeiro fundamento de divisão dessa esfera Pois a divisão deve sempre residir no conceito do qual é a particularização e a divisão Devemos tratar aqui detrês relações da Ideia com sua configuração 1 Em primeiro lugar o início é constituído pela Ideia na medida em que ainda em sua indeterminidade confusão ou determinidade ruim e não verdadeira é transformada em Conteúdo das configurações artísticas Enquanto indeterminada ela ainda não possui em si mesma aquela individualidade que o ideal requer sua abstração e unilateralidade deixa a forma externamente deficiente e casual Por isso a primeira Forma de arte é ainda um mero procurar o ato de figuração Verbildlichung do que uma capacidade de exposição verdadeira A Ideia ainda não encontrou a Forma em si mesma e permanece assim apenas numa luta e aspiração por ela Podemos denomina esta Forma em termos universais de Forma de arte simbólica A Ideia abstrata tem nessa Forma sua forma fora de si na matéria natural e sensível da qual o configurar nasce e aparece ligado Os objetos das intuições da natureza por um lado são deixados tal como são mas logo a seguir a Ideia substancial é neles introduzida como seu significado de tal modo que eles devem assumir a tarefa de expressála e serem interpretados 108 como se a Ideia estivesse propriamente presente neles A isso se liga o fato de que os objetos da efetividade têm em si mesmos um aspecto capaz de expor um significado universal Mas dado que uma completa correspondência ainda não é possível essa relação somente pode dizer respeito a uma determinidade abstrata como por exemplo quando dizemos leão compreendemos a força Por outro lado nessa abstração da relação a estranheza da Ideia e dos fenômenos naturais ve igualmente à consciência E quando também a Ideia que não se exprime em nenhuma outr efetividade penetra em todas essas configurações e em sua inquietação e desmesura se procura nelas mas no entanto não as considera adequadas a si ela eleva as configurações naturais e os fenômenos da efetividade à indeterminação e à desmedida A Ideia vacila para lá e para cá entre eles fervilha e fermenta neles exerce sua força sobre eles os consome e se estende sobre eles de modo não natural e busca elevar o fenômeno à Ideia por meio da dispersão da desmesura e do luxo da figuração Pois a Ideia é aqui ainda o mais ou menos indeterminado o que não pode ser figurado os objetos naturais porém são completamente determinados em sua forma Na inadequação de uma contra a outra a relação da Ideia com a objetividade tornase po conseguintenegativa pois ela mesma enquanto interioridade permanece propriamente insatisfeita com tal exterioridade e se estabelece de modo sublime sobre toda esta plenitude de configurações que não lhe correspondem como a sua substância interior e universal Nessa sublimidade tanto o fenômeno natural quanto a forma e o acontecimento humanos são decerto tomados e deixados tal como são para logo serem reconhecidos como inadequados no que diz respeito a seu significado que se ergue muito acima de qualquer conteúdo mundano Esses aspectos constituem em termos gerais o caráter do primeiro panteísmo artístico do oriente que por um lado mesmo nos piores objetos introduz o significado absoluto e por outro lado força violentamente os fenômenos 109 na direção da expressão de sua concepção de mundo dessa maneira se torna bizarro grotesco e destituído de gosto ou desprezando a liberdade infinita porém abstrata da substância voltase com desdém contra todos os fenômenos como se não fossem nada e perecíveis Por causa disso o significado não pode ser completamente configurado eingebildet na expressão e apesar de toda aspiração e tentativa permanece contudo insuperada a inadequação entre a Ideia e a forma Essa seria a primeira Forma de arte a simbólica com sua procura su efervescência seu enigma e sublimidade 2 Na segunda Forma de arte que gostaríamos de designar como sendo aclássica a dupla deficiência da Forma de arte simbólica está eliminada A forma simbólica é incompleta porque por um lado a Ideia nela apenas vem à consciência numa determinidade ou indeterminidadeabstratas e porque por outro lado precisamente a concordância entre o significado e a forma deve sempre permanecer deficiente e apenas abstrata Como solução dessa dupla deficiência a Forma de arte clássica é a livre e adequada conformação Einbildung da Ideia na forma que pertence de modo peculiar à própria Ideia segundo seu conceito com a qual assim ela pode entrar numa sintonia livre e completa E assim é a Forma clássica que pela primeira vez oferece a produção e intuição do ideal completo e o apresenta como efetivado Entretanto a adequação entre o conceito e a realidade no clássico deve tampouco como se isso pudesse concernir ao ideal ser tomada no sentido meramente formal da concordância de um conteúdo com sua configuração exterior Caso contrário cada retrato da natureza cada semblante paisagem flor cena e assim por diante que constituem a finalidade e o conteúdo da exposição já seriam clássicos por meio de tal congruência entre conteúdo e Forma Ao contrário a peculiaridade do conteúdo no clássico reside no fato de que ele próprio é Ideia concreta e enquanto tal a espiritualidade concreta pois somente a espiritualidade é a verdadeira interioridade Em vista de tal conteúdo portanto devese perguntar entre tudo o que é natural 110 o que por si mesmo corresponde em si e para si ao espírito Há de ser o próprio conceito srcinário que inventou erfunden a forma para a espiritualidade concreta de tal modo que agora o conceito subjetivo aqui o espírito da arte apenas a encontrou gefunden e enquanto existência natural figurada a tornou adequada à livre espiritualidade individual Essa forma que possui em si mesma a Ideia como espiritualidade na verdade a espiritualidade individual e determinada quando deve se desenvolver num fenômeno temporal é a forma humana É certo que frequentemente a personificação e a antropomorfização foram denegridas como se fossem uma degradação do espírito mas a arte na medida em que necessita levar o espírito de um modo sensível à intuição deve progredir para essa antropomorfização já que o espírito apenas em seu corpo aparece satisfatoriamente sensível Nesse contexto a migração da alma é uma representação abstrata sendo que a fisiologia deve ter tido como um de seus princípios que a vitalidade em seu desenvolvimento necessariamente precisa progredir para a forma do homem como sendo esse o único fenômeno sensível adequado ao espírito Na Forma de arte clássica porém o corpo humano nas suas Formas não vale mais merament como existência sensível mas somente como existência e forma natural do espírito e deve por isso estar afastado de toda necessidade do que é apenas sensível e da finitude casual do fenômeno Se a forma foi desse modo purificada para em si mesma expressar o conteúdo que lhe é adequado é preciso por outro lado caso a concordância entre o significado e a forma deva ser completa que igualmente a espiritualidade que constitui o conteúdo seja detal natureza que seja capaz de se expressar completamente na forma natural do homem sem nessa expressão precisar sair do sensível e do vivente Desse modo o espírito permanece aqui ao mesmo tempo determinado como mais particular como mais humano não como espírito pura e simplesmente absoluto e eterno na medida em que este somente é capaz de se anunciar e de se expressar como a própria espiritualidade 111 Este último ponto constitui por sua vez novamente a deficiência na qual a Forma de arte clássica se dissolve e exige a passagem para uma terceira Forma de arte mais elevada a saber a romântica 3 A Forma de arte romântica novamente suprimeaufheben a completa unificação da Ideia com a sua realidade e se põe a si mesma ainda que de um modo superior atrás da diferença e da oposição dos dois lados que na Forma de arte simbólica permaneciam insuperados A Forma de arte clássica de fato alcançou o ponto mais alto que a sensibilização da arte foi capaz de alcançar e se nela há algo de deficiente tal coisa reside na arte mesma e na limitação da esfera artística Essa limitação deve ser identificada no fato de que a arte em geral transforma em objeto numa Forma concreta e sensível o espírito que segundo o seu conceito é a universalidade infinita e concreta e apresenta no clássico a consumada formação unificadoraIneinsbildung da existência espiritual e sensível como correspondência de ambos Mas nessa fusão o espírito não chega de fato à exposição segundo seu verdadeiro conceito Pois o espírito é a subjetividade infinita da Ideia que enquanto interioridade absoluta não se pode configurar livremente para si quando necessita permanecer fundida ao corpóreo como sua existência adequada A partir desse princípio a Forma de arte romântica supera aquela unidade indivisa da Forma de arte clássica porque adquiriu u conteúdo que transcende essa Forma e seu modo de expressão Esse conteúdo para lembra representações já conhecidas coincide com o que o cristianismo afirma acerca de Deus como espírito à diferença da crença nos deuses dos gregos que constitui o conteúdo essencial e o mais adequado para a arte clássica Nesta o conteúdo concreto é em si a unidade da natureza humana e divina uma unidade que justamente por ser apenasem si e imediata também chega de modo sensível e imediato a uma manifestação adequada O deus grego se destina à intuição espontânea e à representação sensível 112 e por isso sua forma é o corpo do homem o círculo de sua potência e de sua essência é individual e particular é uma substância e poder perante o sujeito com os quais a interioridade subjetiva apenas em si está em unidade mas não tem esta unidade como saber subjetivo interior e próprio O grau mais alto é portanto o saber dessa unidade existente em si que a Forma de arte clássica tem como seu conteúdo passível de exposição completa no corpo Esta elevação do emsi Ansich no saber autoconsciente representa porém uma enorme diferença Tratase da diferença infinita que por exemplo separa o homem em geral do animal O homem é animal mas mesmo em suas funções animais não permanece preso a um emsi como o animal pois toma consciência delas as reconhece e as eleva à ciência autoconsciente tal como o faz por exemplo com o processo da digestão Por meio disso o homem soluciona o limite de sua imediatez de existente emsiansichseiende de tal modo que pelo fato de saber que é animal deixa de sêlo e se dá o saber de si como espírito Se o emsi do estágio anterior a unidade da natureza humana e divina é elevada de uma unidade imediata para uma unidadeconsciente então o verdadeiro elemento para a realidade desse conteúdo não é mais a existência sensível e imediata do espírito a forma humana corporal mas ainterioridade autoconsciente É por isso que o cristianismo pelo fato de representar Deus como espírito e não como espírito individual e particular mas como absoluto no espírito e na verdade recuada sensibilidade da representação para a interioridade espiritual e transforma esta e não o corpo em material e existência de seu Conteúdo Do mesmo modo a unidade da natureza humana e divina é algo sabido e apenas por meio do saberespiritual e no espírito é uma unidade realizada O novo conteúdo assim conquistado não está portanto atado à exposição sensível como a que lhe corresponde mas está livre 113 dessa existência imediata que deve ser estabelecida superada e refletida negativamente na unidade espiritual Desse modo a arte romântica é a arte se ultrapassando Hinausgehen a si própria mas no interior de seu próprio âmbito e na própria Forma artística Por isso atentemos brevemente para o fato de que o objeto deste terceiro estágio é a espiritualidade livre e concreta que enquantoespiritualidade deve aparecer para o interior espiritual Nesse sentido a arte adequada a esse objeto não pode por um lado trabalhar para a intuição sensível mas para a simples interioridade Innerlichkeit que está conforme a seu objeto e consigo mesma isto é para a interioridade Innigkeit subjetiva o ânimo o sentimento que enquanto espírito tendem para a liberdade em si mesmos e procuram e possuem sua reconciliação apenas no espírito interior Esse mundointerior constitui o conteúdo do românticoRomantischen e deve por isso ser levado à exposição como tal interior e com a aparência dessa interioridade A interioridade comemora seu triunfo sobre a exterioridade e faz com que essa vitória apareça no próprio exterior e por intermédio dele fazendo com que o fenômeno sensível desapareça na falta de valor Por outro lado também esta Forma como toda arte necessita da exterioridade para a su expressão Na medida em que a espiritualidade se retraiu em si mesma e se retirou da exterioridade e da unidade imediata com ela a exterioridade sensível do configurar se torna justamente por isso inessencial e passageira como no simbólico e do mesmo modo o espírito e a vontade subjetivos e finitos são aceitos e expostos até na particularidade e arbitrariedade da individualidade do caráter do agir do acontecimento da intriga e assim por diante O lado da existência exterior é entregue à contingência e abandonado à aventura da fantasia cuja arbitrariedade pode tanto espelhar o que está presente tal como está presente como também embaralhar 114 e distorcer grotescamente as configurações do mundo exterior Pois essa exterioridade não tem mais seu conceito e significado em si e junto a si mesmain sich und an sich selber como no clássico mas no ânimo que tem sua aparição Erscheinung em si mesmo e não na exterioridade e na Forma e realidade desta e é capaz de conservar ou reconquistar esta reconciliação consigo mesmo em todo tipo de contingência e acidentalidade que por si mesmo se configura em todo infortúnio e dor e até mesmo no próprio crime Por meio disso surge novamente a indiferença inadequação e separação entre a Ideia e a forma como no simbólico mas com adiferença essencial de que no romântico a Ideia cuja deficiência unto ao símbolo apresenta as deficiências do configurar deve aparecer em si mesmacompleta como espírito e ânimo Por essa razão essa perfeição superior se priva da correspondente união com a exterioridade sendo que somente pode buscar e completar sua verdadeira realidade e aparição Erscheinung em si mesma Em termos gerais esse é o caráter da Forma de arte simbólica clássica e romântica que implica os três tipos de relações da Ideia com sua forma no âmbito da arte As três Formas consistem n aspiração na conquista e na ultrapassagem do ideal como a verdadeira Ideia da beleza III Aterceira parte em relação às duas primeiras pressupõe o conceito do ideal e as Formas de arte universais na medida em que é apenas a realização das mesmas no material sensível determinado Por isso não necessitamos mais nos ocupar neste momento com o desenvolvimento interior da beleza artística segundo suas fundamentais determinações universais mas devemos considerar como essas determinações se apresentam na existência se distinguem externamente e no conceito da beleza efetivam cada momento por si de modo autônomo comoobra de arte e não somente como Forma universal Entretanto uma vez que se trata somente de diferenças próprias imanentes à Ideia de beleza que a arte transpõe para a existência exterior 115 as Formas de arte universais devem nesta terceira parte se mostrar também como determinação fundamental para a divisão e identificação das artes particulares ou os tipos de arte têm as mesmas diferenças essenciais em si mesmos as quais conhecemos acima como as Formas de arte universais A objetividade exterior na qual essas Formas se anunciam por meio de um material sensível e por isso particular deixa essas Formas se desfazerem autonomamente em modos determinados de sua realização as artes particulares na medida em que cada Forma também encontra seu caráter determinado num material determinado e exterior e sua efetivação adequada no modo de exposição que lhe é próprio Por outro lado porém aquelas Formas de arte enquanto Formas universais em sua determinidade também ultrapassam a realização particular por meio de um tipodeterminado de arte e assumem sua existência também por meio das outras artes mesmo que num modo subordinado Por isso por um lado as artes particulares pertencem especificamente a uma das Formas de arte universais e constituem suaadequada efetividade artística exterior por outro lado apresentam a totalidade das Formas de arte segundo seu modo de configuração exterior De modo geral portanto temos de nos ocupar nesta terceira parte principal com o desdobramento do belo artístico nummundo da beleza efetivada nas artes e em suas obras O conteúdo desse mundo é o belo e o verdadeiro belo como vimos é a espiritualidade configurada o ideal mais precisamente o espírito absoluto a própria verdade Essa região da verdade divina exposta artisticamente para a intuição e a sensação Empfinden constitui o ponto central de todo o mundo artístico enquanto a forma autônoma livre e divina que se apropriou completamente da exterioridade da Forma e do material e a traz em si apenas como sua própria manifestação Entretanto uma vez que o belo aqui se desenvolve como efetividadeobjetiva e assim também se diferencia numa particularidade autônoma de aspectos e 116 momentos particulares esse centro se confronta com seus extremos realizados numa efetividade peculiar Aobjetividade ainda não espiritualizada mero envolvimento natural do Deus constitui por issoum destes extremos Aquié configurada a exterioridade enquanto tal que não tem seu fim e conteúdo espiritual em si mesma mas num outro Em contrapartida o outro extremoé o divino como interior sabido e a existência subjetiva variada e particular da divindade a verdade que é ativa e viva no sentimento Sinn no ânimo e no espírito do sujeito particular e não permanece dispersa em sua forma exterior mas retorna ao interior subjetivo particular Em virtude disso o divino enquanto tal permanece ao mesmo tempo diferenciado de sua manifestação pura comodivindade e assim entra na particularidade que pertence a todo saber sentir Fühlen contemplar e sentirEmpfinden subjetivos particulares No âmbito análogo da religião com a qual a arte em seu mais alto grau está em conexão imediata concebemos a mesma diferençano modo de que para nós em primeiro lugar por um lado se apresenta a vida terrena e natural em sua finitude num segundo momento a consciência transforma Deus em objeto no qual desaparece a diferença entre objetividade e subjetividade por fim num terceiro momento progredimos de Deus enquanto tal para a devoção dacomunidade para Deus enquanto ser vivo e presente na consciência Essas três diferenças principais também se apresentam num desenvolvimento autônomo no mundo da arte 1 A primeira das artes particulares com a qual devemos começar segundo essa determinação fundamental é a belaarquitetura Sua tarefa consiste em elaborar a natureza exterior inorgânica para que ela se torne como mundo exterior adequado à arte aparentada ao espírito Seu material é o próprio elemento material Materielle em sua exterioridade imediata enquanto massa mecânica pesada e suas Formas permanecem 117 as da natureza inorgânica ordenadas segundo as abstratas relações simétricas do entendimento Posto que nesse material e Formas o ideal enquanto espiritualidade concreta não pode ser realizado e assim a realidade exposta diante da Ideia se mantém impenetrável como exterior ou apenas se mantém numa relação abstrata o tipo fundamental da arquitetura é a Forma de arte simbólica Pois é a arquitetura que pela primeira vez abre o caminho para a efetividade adequada de Deus e trabalha a seu serviço com a natureza objetiva para tirála do matagal da finitude e da deformidade do acaso E assim ela aplana o lugar para o Deus dá Form para o exterior que o rodeia e constrói seu templo como o espaço para a concentração e direcionamento para os objetos absolutos do espírito Ela permite que uma envoltura Umschlieβung se erga para o alto para a reunião dos fiéis enquanto proteção contra a ameaça da tempestade contra a chuva o mau tempo e animais selvagens e manifesta aquele quererse reunir Sichsanzmelnwollen mesmo que de um modo exterior mas ainda assim artístico Esse significado ela pode em maior ou menor grau configurar em seu material e nas Formas dele caso a determinidade do Conteúdo para o qual ela assume seu trabalho seja mais ou menos significativa mais concreta ou abstrata mais aprofundada em si mesma ou mais nebulosa ou superficial Aliás nesse contexto ela pode até querer ir tão longe a ponto de conseguir em suas Formas e material uma existência artística adequada para aquele Conteúdo em tal caso ela já ultrapassou seu próprio âmbito e oscila em direção a seu estágio mais alto a escultura Pois seu limite consiste justamente em manter o espiritual como interior diante de suas Formas exteriores e com isso apontar para o que é pleno de alma apenas como uma outra coisa 2 E assim é por meio da arquitetura que o mundo exterior inorgânico é purificado ordenado simetricamente aparentado ao espírito e o templo de Deus é concluído a casa de sua comunidade m segundo lugar nesse templo entra 118 então o próprio Deus na medida em que o raio da individualidade bate na massa inerte a penetra e a própria Forma infinita do espírito não mais meramente simétrica concentra e configura a corporeidade Essa é a tarefa da escultura Na medida em que nela o interior espiritual para o qual a arquitetura apenas é capaz de apontar habita a figura sensível e seu material exterior e os dois lados se configuram umnooutroineinanderbilden de tal modo que nenhum deles prepondera a escultura assume a Forma de arte clássica como seu tipo fundamental Por isso não resta mais nenhuma expressão para o sensível por si que não seja a expressão do espiritual mesmo como por outro lado na escultura nenhum conteúdo espiritual é passível de exposição completa a não ser aquele que se deixa intuir inteira e adequadamente na forma corporal Pois o espírito deve por meio da escultura estar presente em silêncio e beato em sua Forma corporal numa unidade imediata e a Forma deve ser vivificada por meio do conteúdo d individualidade espiritual Assim o material sensível e exterior não é mais trabalhado apenas segundo sua qualidade mecânica como massa pesada nem nas Formas do inorgânico e nem como sendo indiferente à coloração e assim por diante mas é trabalhado nas Formas ideais da forma humana e na verdade na totalidade das dimensões espaciais Sob este último aspecto precisamos inicialmente destacar o fato de que na escultura o interior e o espírito pela primeira vez aparecem em seu repouso eterno e autonomia essencial A esse repouso e unidade consigo mesmo corresponde somente aquele exterior que ainda permanece propriamente em tal unidade e repouso Isso é a figura segundo suaespacialidade abstrata O espírito que a escultura expõe é em si mesmo sólido e não multiplamente disperso no jogo das contingências e paixões por isso ela também não abandona a exterioridade a essa variedade do fenômeno mas apreende ali unicamente este um aspecto da espacialidade abstrata em sua totalidade de dimensões 119 Se a arquitetura construiu o templo e a mão da escultura nele erigiu a estátua do Deus é a comunidade que em terceiro lugar encontrase diante de tal Deus sensível e presente nas amplas galerias de Sua casa Ela é a reflexão espiritual em si mesma daquela existência sensível é subjetividade e interioridade animada com a qual por isso a particularização a singularização e sua subjetividade são o princípio determinante para o conteúdo da arte bem como para o material a ser exposto externamente A sólida unidade em si mesma do Deus na escultura se fratura na multiplicidade da interioridade singularizada cuja unidade não é sensível mas pura e simplesmente ideal E é assim que o próprio Deus nesse ir e vir como essa modificação de sua unidade em si mesma e efetivação no saber subjetivo e sua particularização bem como a universalidade e união do múltiplo é então espírito verdadeiro o espírito em sua comunidade Deus é nela subtraído da identidade fechada em si mesma da abstração como também da submersão imediata na corporeidade tal como a escultura o expõe e é elevado à espiritualidade e ao saber a este reflexo Gegenschein que aparece essencialmente como interior e como subjetividade Por isso o conteúdo superior é agora a espiritualidade e na verdade enquanto absoluta por causa daquela dispersão porém ela aparece ao mesmo tempo como espiritualidade particular besondere como ânimo particular partikulär e posto que se apresentam como a coisa principal não o repouso sem necessidade do Deus em si mesmo senão a aparência em geral o ser para outro e o manifestar tornamse agora por si mesmos objetos de exposição artística também a mais variada subjetividade em seu movimento e atividade vivos como paixão ação e acontecimento humanos em suma o amplo âmbito do sentimentoEinpfindens da volição e da omissão humanos Segundo este conteúdo o elemento sensível da arte igualmente se particularizou em si mesmo para mostrarse adequado à interioridade subjetiva Tal material oferece a cor o som e por fim o som como mera 120 designação para intuições e representações interiores e como modos de realização daquele Conteúdo por meio deste material temos a pintura a música e a poesia Uma vez que aqui a matéria sensível aparece em si mesma particularizada e por todos os lados estabelecida idealmente ela corresponde geralmente ao Conteúdo espiritual em geral da arte e a conexão entre o significado espiritual e o material sensível progride para uma interioridade superior à que era possível na arquitetura e na escultura Contudo essa é uma unidade mais interior que toma totalmente partido do subjetivo e na medida em que Forma e conteúdo devem se particularizar e se estabelecer idealmente ela somente se realiza às custas da universalidade objetiva do Conteúdo assim como da fusão com o imediatamente sensível Assim como Forma e conteúdo se elevam à idealidade na medida em que abandonam arquitetura simbólica e o ideal clássico da escultura tais artes retiram seu tipo Typus da Forma de arte romântica cujo modo de configuração elas mais adequadamente estão destinadas a manifestar E elas são uma totalidade de artes porque o próprio romântico é em si mesmo a Forma a mai concreta A articulação interna desta terceira esfera das artes particulares deve ser estabelecida da seguinte maneira a A primeira arte que ainda se encontra próxima da escultura é a pintura Ela utiliza como material para seu conteúdo e sua configuração a visibilidade enquanto tal na medida em que esta se particulariza imediatamente nela mesma isto é se determina como cor O material da arquitetura e da escultura é na verdade igualmente visível e colorido mas não é como na pintura o tornar visível enquanto tal na qual a luz em si mesma simples ao se especificar com o seu oposto o escuro e com ele se associar se torna cor Essa visibilidade assim subjetivada e estabelecida idealmente não requer nem a diferença de massa abstratamente mecânica da materialidade pesada tal como na arquitetura nem a totalidade da espacialidade sensível 121 tal como a escultura ainda a mantém mesmo que concentrada e em Formas orgânicas antes a visibilidade e o tornar visível da pintura têm sua diferença idealizada como a particularidade das cores e assim libertam a arte da completude sensívelespacial do material na medida em que se restringem à dimensão da superfície Por outro lado o conteúdo também recebe a mais ampla particularização Tudo o que no coração humano ganha espaço enquanto sensaçãoEmpfindung representação e finalidade tudo o que o coração é capaz de configurar como fato toda essa multiplicidade pode constituir o diversificado conteúdo da pintura Todo o reino da particularidade desde o mais alto Conteúdo do espírito até os mais singulares objetos da natureza mantém sua posição Pois também a natureza finita em suas cenas e fenômenos particulares pode aqui aparecer basta que alguma alusão a um elemento do espírito as ligue mais intimamente com o pensamento e a sensaçãoEmpfindung b A segunda arte por meio da qual se efetiva o romântico é depois da pintura a música Embora ainda sensível seu material progride para uma subjetividade e particularização ainda mais profundas O estabelecimento ideal do sensível pela música deve ser procurado no fato de que ela supera igualmente a indiferente separação do espaço cuja aparência total a pintura ainda deixa subsistir e intencionalmente simula e a idealiza na unidade individualindividuelle Eins do ponto Mas enquanto tal negatividade o ponto é em si mesmo concreto e superação ativa no seio da materialidade como movimento e vibração do corpo material em si mesmo na sua relação consigo mesmo Tal idealidade inicial da matéria que não mais aparece como idealidade espacial mas como temporal é o som o sensível estabelecido negativamente cuja visibilidade abstrata se transformou em audibilidade na medida em que o som desprende o ideal como que de seu confinamento na materialidade Esta primeira interiorização e animação da matéria fornece o 122 material para a interioridade e alma propriamente ainda indeterminadas do espírito e permite que em seus sons o ânimo soe e ressoe com toda a escala de suas sensações e paixões Desse modo assim como a escultura se apresenta como o centro entre a arquitetura e as artes da subjetividade romântica a música constitui novamente o ponto central das artes românticas e o ponto de transição entre a sensibilidade espacial abstrata da pintura e a espiritualidade abstrata da poesia Enquanto oposição à sensação Empfindung e interioridade a música possui em si mesma como consequência tal como a arquitetura uma relação intelectual de quantidade e também o fundamento de uma sólida regularidade de sons e suas combinações c Finalmente aterceira exposição a mais espiritual da Forma de arte romântica devemos buscá la na poesia A sua peculiaridade característica reside na potência com que submete ao espírito e a suas representações o elemento sensível do qual a música e a pintura já haviam começado a libertar a arte Pois o som o último material exterior da poesia não é nela mais a própria sensação Empfindung que ressoa mas um signo Zeichen por si sem significação e na verdade um signo da representação tornada concreta em si mesma e não apenas da sensação Empfindung indefinida e de suas nuanças e gradações Por meio disso o som tornase palavra enquanto fonema em si mesmo articulado cujo sentido é designar representações e pensamentos na medida em que o ponto em si mesmo negativo para o qual a música se dirigia agora se apresenta como o ponto completamente concreto como ponto do espírito como o indivíduo autoconsciente que a partir de si mesmo une o espaço infinito da representação ao tempo do som Esse elemento sensível contudo que na música ainda se encontrava totalmente em união com a interioridade é aqui separado do conteúdo da consciência enquanto o espírito determina esse conteúdo para si e em si mesmo para a representação para 123 cuja expressão ele na verdade se serve do som mas somente como um signo por si mesmo destituído de valor e de conteúdo Assim o som pode ser mera letra pois o audível e do mesmo modo o visível se rebaixaram à mera alusão do espírito Em consequência o autêntico elemento da exposição poética é a própria representação poética e o processo de intuição Veranschaulichung espiritual na medida em que esse elemento é comum a todas as Formas de arte a poesia também atravessa a todas e se desenvolve autonomamente nelas A arte poética é a arte universal do espírito tornado livre em si mesmo e que não está preso ao material exterior e sensível para a sua realização que se anuncia apenas no espaço e no tempo interiores das representações e sentimentos Mas exatamente nesse estágio supremo a arte também ultrapassa a si mesma na medida em que abandona o elemento da sensibilização reconciliada do espírito e da poesia da representação passa para a prosa do pensamento Essa é a totalidade articulada das artes particulares a arte exterior da arquitetura a arte objetiva da escultura e a arte subjetiva da pintura da música e da poesia Na verdade tentaramse muitas vezes outros tipos de divisões pois a obra de arte oferece tal riqueza de aspectos que como muitas vezes ocorreu podemos estabelecer ora este ora aquele como fundamento de divisão como por exemplo o material sensível A arquitetura é então a cristalização e a escultura a figuração orgânica da matéria em sua totalidade sensível espacial a pintura a superfície colorida e a linha enquanto na música o espaço em geral passa para o ponto em si mesmo preenchido do tempo até por fim na poesia o material exterior ser totalmente desvalorizado Essas diferenças foram também concebidas segundo seu lado totalmente abstrato da espacialidade e temporalidade É certo que tal particularidade abstrata da obra de arte como o material pode ser perseguida de modo consequente em sua 124 peculiaridade mas não pode ser executada como o que em última instância fundamenta dado que tal aspecto mesmo tem sua srcem num princípio superior e deve por isso se submeter a ele Vimos que este princípio superior são as Formas de arte simbólica clássica e romântica que constituem os momentos universais da própria Ideia da beleza Sua relação com as artes particulares em sua forma concreta é de tal natureza que as artes constituem a existência real das Formas de arte Pois a arte simbólica alcança sua efetividade mais adequada e sua maior aplicação na arquitetura onde ela impera segundo o seu mais completo conceito e ainda não foi rebaixada por assim dizer à natureza inorgânica de uma outra arte para a Forma de arte clássica em contrapartida aescultura é a realidade incondicionada que assume a arquitetura apenas como envoltura e por outro lado ainda não é capaz de modelar a pintura e a música como Formas absolutas para seu conteúdo a Forma de arte romântica por fim se apropria da expressão pictural e musical de um modo autônomo e incondicionado como também da exposição poética mas a poesia é adequada a todas as Formas do belo e se estende sobre todas elas porque seu autêntico elemento é a bela fantasia e a fantasia é necessária para toda produção da beleza seja qual for a Forma a que pertença Portanto o que as artes particulares realizam em obras de arte singulares segundo o conceito são apenas as Formas universais da Ideia de beleza que a si se desenvolve enquanto que na su efetivação exterior erguese o amplo panteão da arte cujo construtor e mestre de obras é o espírito do belo que se apreende a si mesmo mas que a história mundial irá consumar apenas em seu desenvolvimento de milênios Arthur Schopenhauer Arthur Schopenhauer O mundo como vontade e representação O mundo como vontade e representação O mundo como vontade e representação O mundo como vontade e representação86 86 Arthur Schopenhauer 17881860 Arthur Schopenhauer 17881860 Tradução air Barboza Nos trechos a seguir selecionados de sua obra principal O mundo como vontade e representação 1818 Schopenhauer 17881860 aborda o modo peculiar de conhecimento propiciado pela arte Segundo ele há uma peculiaridade fundamental na contemplação estética por ser um modo de conhecimento destituído de vontade O conhecimento do belo supõe sempre inseparável e simultaneamente o puro sujeito que conhece e a Ideia conhecida como objeto Todavia a fonte da fruição estética residirá ora mais na apreensão da Ideia conhecida ora mais na bemaventurança e tranquilidade espiritual do conhecer puro livre de todo querer e individualidade e do tormento ligado a ela Além de interpretar a experiência estética à luz de sua metafísica da vontade Schopenhauer comenta as artes particulares como a pintura e faz a sua leitura da avaliação platônica sobre a arte em especial a poesia Temas Temas metafísica sublime vontade epistemologia pintura 86 SCHOPENHAUER A O Mundo como Vontade e Representação São Paulo UNESP 2005 p 265287 Agradecemos Editora da UNESP por autorizar a utilização do texto 38 Encontramos no modo de conhecimento estético DOIS COMPONENTES INSEPARÁVE Primeiro o conhecimento do objeto não como coisa isolada mas como IDEIA platônica ou seja como forma permanente de toda uma espécie de coisas depois a consciência de si daquele que conhece não como indivíduo mas como PURO SUJEITO DO CONHECIMENTO DESTITUÍDO VONTADE A condição sob a qual esses dois componentes entram em cena sempre unidos é abandono do modo de conhecimento ligado ao princípio de razão único útil para o serviço tanto da Vontade quanto da ciência Desses dois componentes do modo de conhecimento estético resulta também a SATISFAÇÃO despertada pela consideração do belo e na verdade satisfação mais e face de um ou de outro conforme o objeto da contemplação Todo QUERER nasce de uma necessidade portanto de uma carência logo de um sofrimento satisfação põe um fim ao sofrimento todavia contra cada desejo satisfeito permanecem pelo menos dez que não o são Ademais a nossa cobiça dura muito as nossas exigências não conhecem limites a satisfação ao contrário é breve e módica Mesmo a satisfação final é apenas aparente o desejo satisfeito logo dá lugar a um novo aquele é um erro conhecido este um erro ainda desconhecido Objeto algum alcançado pelo querer pode fornecer uma satisfação duradoura sem fim mas ela se assemelha sempre apenas a uma esmola atirada ao mendigo que torna sua vida menos miserável hoje para prolongar seu tormento amanhã Daí portanto deixarse inferir o seguinte pelo tempo em que o querer preenche a nossa consciência pelo tempo em que estamos entregues ao ímpeto dos desejos com suas contínuas esperanças e temores por conseguinte pelo tempo em que somos sujeito do querer jamais obtemos felicidade duradoura ou paz E em essência é indiferente se perseguimos ou somos perseguidos se tememos a desgraça ou almejamos o gozo o cuidado pela Vontade sempre exigente não importa em que figura preenche e move continuamente a consciência Se tranquilidade entretanto nenhum bemestar verdadeiro é possível O sujeito do querer consequentemente está sempre atado à roda de Íxion que não cessa de girar está sempre enchendo os tonéis das Danaides é o eternamente sedento Tântalo87 Quando entretanto uma ocasião externa ou uma disposição interna nos arranca subitamente da torrente sem fim do querer libertando o conhecimento do serviço escravo da Vontade e a atenção não é mais direcionada aos motivos do querer mas ao contrário à apreensão das coisas livres de sua relação com a Vontade portanto sem interesse sem subjetividade considerandoas de maneira puramente objetiva estando nós inteiramente entregues a elas na medida em que são simples representações não motivos então aquela paz sempre procurada antes pelo caminho do querer e sempre fugidia entra em cena de uma só vez por si mesma e tudo está bem conosco E o estado destituído de dor que Epicuro louvava como o bem supremo e como o estado dos deuses Pois nesse instante somos alforriados do desgraçado ímpeto volitivo festejamos o Sabbath88 dos trabalhos forçados do querer a roda de Íxion cessa de girar Semelhante estado é exatamente aquele descrito anteriormente como exigido para o conhecimento da Ideia como pura contemplação absorverse na intuição perderse no objeto esquecimento de toda individualidade supressão do modo de conhecimento que segue o princípio de razão e apreende apenas relações pelo que simultânea e inseparavelmente a coisa isolada intuída se eleva à Ideia de sua espécie e o indivíduo que conhece a puro sujeito do conhecer isento de Vontade ambos enquanto tais não mais se encontrando na torrente do tempo e de todas as outras relações É indiferente se se vê o pôr do sol de uma prisão ou de um palácio Disposição interna e preponderância do conhecimento sobre o querer podem introduzirnos nesse estado em qualquer ambiente Isso o mostram aqueles maravilhosos neerlandeses que direcionava sua intuição puramente objetiva aos objetos mais insignificantes e erigiam monumentos duradouros de sua objetividade e paz de espírito nas pinturas de NATUREZAMORTA que o espectado estético não pode considerar sem comoção visto que aqui se presentifica o calmo e sereno estado de espírito do artista livre de Vontade que era necessário para intuir objetivamente tão insignificantes coisas considerálas tão atenciosamente e depois repetir essa intuição de maneira tão límpida Na medida em que o quadro também exige a participação do espectador em semelhante estado a sua comoção muitas vezes é incrementada pela oposição com o estado pessoal inquieto a constituição mental irrequieta turvada pelo querer veemente na qual se encontra No mesmo espírito pintores de paisagem em especial Ruisdael frequentes vezes pintaram temas paisagísticos extremamente insignificantes e com isso produziram o mesmo efeito de maneira ainda mais aprazível Efeito tão intenso é alcançado exclusivamente pela força interna de uma mente artística Aquela disposição mental puramente objetiva também será favorecida e fomentada exteriormente pela intuição de objetos que predispõem a ela pela exuberância da bela natureza que nos convida à sua contemplação e até mesmo se nos impõe A natureza ao apresentarse de um só golpe ao nosso olhar quase sempre consegue nos arrancar embora apenas por instantes à subjetividade à escravidão do querer colocandonos no estado de puro conhecimento Com isso quem é atormentado por paixões ou necessidades e preocupações tornase mediante um único e livre olhar na natureza subitamente aliviado sereno reconfortado A tempestade das paixões o ímpeto dos desejos89 e todos os tormentos do querer são de imediato de uma maneira maravilhosa acalmados Pois no instante e que libertos do querer entregamonos ao puro conhecimento destituído de Vontade como que entramos num outro mundo onde tudo o que excita a nossa Vontade e assim tão veementemente nos abala não mais existe Tal libertação do conhecimento elevanos tão completamente sobre tudo isso quanto o sono e o sonho Felicidade e infelicidade desaparecem Não somos mais indivíduo este foi esquecido mas puro sujeito do conhecimento Existimos tão somente como olho cósmico UNO qu olha a partir de todo ser que conhece porém só no homem tem a capacidade de tornarse tão inteiramente livre do serviço da Vontade Nesse sentido as diferenças de individualidade desaparecem tão completamente que é indiferente se o olho que vê pertence a um rei poderoso ou a um mendigo miserável Pois felicidade e penúria não são transportadas além daqueles limites Note se o quão próximo de nós pode sempre se encontrar um domínio em que podemos nos furtar por completo à nossa penúria Mas quem tem a força para nele se manter por longo tempo Assim que surge novamente na consciência uma relação com a vontade com a nossa pessoa precisamente dos objetos intuídos puramente o encanto chega ao fim Recaímos no conhecimento regido pelo princípio de razão Não mais conhecemos a Ideia mas a coisa isolada elo de uma cadeia à qual nós mesmo pertencemos De novo estamos abandonados às nossas penúrias A maioria dos homens quase sempre se situa nesse ponto de vista já que lhes falta por completo a objetividade isto é a genialidade Eis por que de bom grado nunca ficam sozinhos com a natureza precisam de sociedade ao menos de um livro Seu conhecer permanece servil à Vontade Procuram por conseguinte só por aqueles objetos que têm alguma relação com o seu querer e de tudo que não possua uma tal relação ecoa em seu interior semelhante a um baixo fundamental um repetitivo e inconsolável de nada serve Assim na solidão até mesmo a mais bela cercania assume para eles um aspecto desolado cinza estranho hostil Essa bemaventurança do intuir destituído de vontade é por fim também o que espalha u encanto tão extraordinário sobre o passado e a distância expondoos em luz exuberante por meio de uma autoilusão pois na medida em que tornamos presentes os perdidos dias pretéritos longinquamente situados na verdade a fantasia chama de volta apenas os objetos não o sujeito do querer que outrora carregava consigo seus sofrimentos incuráveis como o faz agora Mas tais sofrimentos foram esquecidos Desde então cederam frequentemente o seu lugar a outros Comisso a intuição objetiva faz efeito na recordação exatamente como faria a intuição presente no caso de ser possível entregarmonos a esta livres do querer Eis por que sobretudo quando uma necessidade nos angustia mais do que o comum a recordação súbita de cenas do passado distante muitas vezes paira diante de nós como um paraíso perdido Apenas o objetivo não o individualsubjetivo é chamado de volta pela fantasia figurando diante de nós aquele objetivo como se outrora fosse tão puro e tão pouco turvado por qualquer relação com a vontade como o é agora a sua imagem na fantasia embora antes a relação dos objetos com o nosso querer provocasse tanto tormento quanto agora Podemos furtarnos ao sofrimento seja pelos objetos presentes seja pelos objetos longínquos desde que nos elevemos à pura consideração objetiva dos mesmos e consigamos criar a ilusão de que somente os objetos estão presentes não nós O resultado é que libertos do simesmo sofredor tornamonos como sujeito do conhecer inteiramente unos com os objetos e assim como nossa necessidade lhes é estranha assim também nesse instante semelhante necessidade é estranha a nós mesmos Resta apenas o mundo como representação o mundo como Vontade desapareceu Por meio de todas essas considerações espero ter tornado claro de que espécie e envergadura é a participação que possui a condição subjetiva da satisfação estética ou seja a libertação do conhecer a serviço da vontade o esquecimento de simesmo como indivíduo e a elevação da consciência ao puro sujeito do conhecer atemporal e destituído de vontade independente de todas as relações Ora unto com esse lado subjetivo da contemplação estética sempre entra emcena simultaneamente como correlato necessário o seu lado objetivo a apreensão intuitiva da Ideia platônica Antes porém de passarmos à consideração mais detalhada desse lado objetivo e das realizações da arte a ele relacionadas é aconselhável nos determos naquele lado subjetivo da satisfação estética e coroarmos a sua consideração com a explicitação da impressão do SUBLIME já que este depende por inteir da condição subjetiva da impressão estética e nasce por meio de uma modificação dela Depois consideraremos o lado objetivo com o que será completada toda a presente investigação Entrementes cabe ainda esta observação referente ao que foi dito até agora A luz é o mais aprazível das coisas Ela se tornou símbolo de tudo o que é bom e salutar Em todas as religiões ela indica a salvação eterna enquanto a escuridão indica a danação Ormuzd mora na mais pura luz Ahriman na noite eterna O paraíso de Dante assume as aparências de Vauxhall em Londres visto que todos os espíritos bemaventurados aparecem em pontos de luz reunidos em figuras regulares A ausência de luz nos torna imediatamente tristes seu retorno alegres As cores despertam de imediato um prazer vivaz e caso sejam transparentes atinge o grau supremo Tudo isso provém exclusivamente do fato de a luz ser o correlato e a condição do modo de conhecimento intuitivo mais perfeito o único que não afeta imediatamente a vontade Pois diferentemente das afecções dos outros sentidos a visão em si imediatamente e por meio de seu efeito sensível não é capaz do agradável ou desagradável da SENSAÇÃO no órgão Noutros termos não tem ligação imediat alguma com a vontade Só a intuição srcinada no entendimento pode ter tal ligação que dessa maneira encontrase na relação do objeto com a vontade Já na audição se dá algo completamente diferente Tons podem provocar dores imediatamente e sem referência à harmonia ou à melodia podem ser também de imediato sensualmente agradáveis O tato enquanto uno com o sentimento do corpo inteiro está ainda mais submetido a esse influxo imediato sobre a vontade embora também haja tato destituído de dor ou agrado O odor entretanto é sempre agradável ou desagradável o paladar ainda mais Portanto esses dois últimos sentidos são os mais intimamente ligados à vontade Eis por que sempre foram chamados de sentidos menos nobres e por Kant de sentidos subjetivos Por conseguinte a alegria proveniente da luz é de fato apenas a alegria derivada da possibilidade objetiva do modo de conhecimento intuitivo mais puro e perfeito Nesse sentido podese inferir que o conhecer puro livre e isento de todo querer é o mais altamente aprazível e nele mesmo possui uma substancial participação na fruição estética A partir dessa consideração da luz deriva também a beleza inacreditavelmente grandiosa que conferimos a objetos refletidos nágua Aquele tipo mais suave mais rápido mais sutil de ação dos corpos uns sobre os outros ao qual agradecemos a de longe mais perfeita e pura de nossas percepções a saber a impressão mediante raios de luz refletidos é aqui trazido perante os olhos de maneira inteiramente distinta clara completa em causa e efeito numa escala grandiosa Tal é a base de nossa alegria estética que no principal enraízase integralmente no fundamento subjetivo da satisfação estética e é alegria do puro conhecer e seus caminhos1 39 A todas essas considerações que intentam salientar a parte subjetiva da satisfação estética vale dizer que essa satisfação é a alegria do simples conhecimento intuitivo enquanto tal em oposição à Vontade ligase imediatamente à seguinte explanação daquela disposição que se denominou sentimento do SUBLIME Já foi anteriormente observado que o pôrse no estado do puro intuir ocorre da maneira mais fácil quando os próprios objetos se acomodam a tal estado isto é quando mediante a sua figura multifacetada e ao mesmo tempo distinta e determinada tornamse facilmente representantes de suas Ideias no que justamente consiste a beleza em sentido objetivo Sobretudo a bela natureza possui essa qualidade Por conseguinte ela desperta até na pessoa mais insensível ao menos uma satisfação estética fugaz Sim é notável como o reino vegetal em particular convida à consideração estética como que a exige Poderseia até dizer que semelhante vir ao encontro de nós está ligado ao fato de tais seres orgânicos não serem como o corpo animal objeto imediato do conhecimento por conseguinte precisam de outro indivíduo dotado de entendimento para a partir do mundo do querer cego entrarem em cena no mundo como representação Anseiam por essa entrada para conseguirem ao menos mediatamente o que lhes é negado imediatamente Porém não insistirei nesse pensamento arriscado talvez beirando o excêntrico pois apenas uma consideração bastante íntima e concentrada da natureza poderá provocálo e justificálo2 Enquanto esse viraoencontro da natureza e a significação e distinção de suas formas mediante as quais nos falam as Ideias nelas individualizadas for o que nos tira do conhecimento das meras relações que servem à vontade pondonos no estado de contemplação estética para assim nos elevar a puro sujeito do conhecer destituído de Vontade é simplesmente o BELO que age sobre nós e o sentimento aí despertado é o da beleza Contudo se precisamente os objetos cujas figuras significativas nos convidam à sua pura contemplação têm uma relação hostil com a Vontade humana em geral como exposta em sua objetidade o corpo humano e sãolhe contrários ameaçandoo com toda a sua superpotência que elimina qualquer resistência ou reduzindoo a nada com toda a sua grandeza incomensurável e se apesar disso o contemplador não dirige a sua atenção a essa relação hostil impositiva contra sua vontade mas embora a perceba e a reconheça desviase dela com consciência na medida em que se liberta violentamente da própria vontade e de sua relações entregue agora tão somente ao conhecimento e contempla calmamente como puro sujeito do conhecer destituído de Vontade exatamente aqueles objetos tão aterradores para a Vontade apreendendo somente a sua Ideia alheia a qualquer relação por conseguinte detendose de bom grado em sua contemplação conseguintemente elevandose por sobre si mesmo sua pessoa seu querer qualquer querer então o que o preenche é o sentimento do SUBLIME ele se encontra no estado de elevação justamente também nomeandos SUBLIME o objeto que ocasiona esse estado90 O que diferencia o sentimento do sublime do sentimento do belo é o seguinte No belo o puro conhecimento ganhou a preponderância sem luta pois a beleza do objeto isto é a sua índole facilitadora do conhecimento da Ideia removeu da consciência sem resistência e portanto imperceptivelmente a vontade e o conhecimento das relações que a servem de maneira escrava o que aí resta é o puro sujeito do conhecimento sem nenhuma lembrança da vontade No sublime ao contrário aquele estado de puro conhecimento é obtido por um desprenderse consciente e violento das relações do objeto com a vontade conhecidas como desfavoráveis mediante um livre elevarse acompanhado de consciência para além da vontade e do conhecimento que a esta se vincula Uma tal elevação tem de ser não apenas obtida com consciência como também mantida com consciência sendo assim acompanhada de uma contínua lembrança da Vontade porém não de um querer particular individual como o temor ou o desejo mas da Vontade humana em geral tal qual esta se exprime em sua objetidade o corpo humano Caso um ato isolado e real da Vontade entre em cena na consciência por meio de uma aflição efetiva pessoal e de um perigo advindo do objeto imediatamente a vontade individual assim efetivamente excitada ganha a preponderância e a calma da contemplação se torna impossível A impressão do sublime se perde visto que cede lugar à angústia o esforço do indivíduo para se salvar reprime quaisquer outros pensamentos Alguns exemplos contribuirão bastante para tornar clara essa teoria do sublime estético e assim a colocar fora de dúvida ao mesmo tempo eles mostrarão a diversidade de graus do sentimento do sublime Este como vimos é em sua determinação fundamental uno com o sentimento do belo com o conhecer puro destituído de Vontade e com a entrada em cena necessária do conhecimento das Ideias alheias às relações determinadas pelo princípio de razão Apenas por u acréscimo é que o sentimento do sublime se distingue do belo a saber pelo elevarse para além da relação conhecida como hostil do objeto contemplado com a Vontade em geral Nascem daí diversos graus de sublime sim gradações entre o belo e o sublime91 em função de semelhante acréscimo ser forte clamoroso impositivo próximo ou apenas fraco distante só indicado Penso ser mais apropriado para a minha exposição primeiro trazer diante dos olhos essas gradações e em geral os graus mais fracos de impressão do sublime embora aqueles de receptividade estética não tão grande e fantasia não tão vivaz só possam compreender os exemplos que logo depois serão fornecidos dos graus mais elevados e distintos do sublime únicos nos quais podem se deter podendo portanto deixar de lado os primeiros exemplos dos graus mais débeis da mencionada impressão Assim como o homem é ímpeto tempestuoso e obscuro do querer indicado pelo polo dos órgãos genitais como seu foco e simultaneamente sujeito eterno livre sereno do puro conhecer indicado pelo polo do cérebro assim também em conformidade com essa oposição o sol é fonte de LUZ condição do modo mais perfeito de conhecimento e justamente por isso do que há mais aprazível nas coisas e simultaneamente é fonte de CALOR da primeira condição de qualquer vida isto é d todo fenômeno da Vontade em graus mais elevados Assim o que o calor é para a vontade a luz é para o conhecimento A luz é justamente por isso o maior diamante na coroa da beleza e tem a mais decisiva influência no conhecimento de todo objeto belo sua presença em geral é condição indispensável seu posicionamento favorável incrementa até mesmo a beleza do que há de mais belo Sobretudo o belo na arquitetura é incrementado por seu favor com o qual inclusive a coisa mais insignificante se torna objeto belo Ora em meio ao inverno rigoroso a toda natureza congelada ao vermos os raios do sol nascente se refletirem na massa pétrea iluminandoa sem aquecêla com o que apenas o modo mais puro de conhecimento é favorecido não a vontade a consideração do belo efeito da luz sobre essa massa nos coloca como toda beleza no estado do puro conhecer Aqui entretanto mediante a breve lembrança da ausência de aquecimento por aqueles raios portanto do princípio vivificador já é preciso uma certa elevação sobre o interesse da vontade um pequeno esforço é exigido para permanecer no puro conhecimento com desvio de todo querer justamente por aí operandose uma transição92 do sentimento do belo para o do sublime Tratase do traço mais tênue do sublime no belo este último a aparecer aqui apenas em grau muito baixo Um grau ainda mais baixo é o que se segue Transportemonos para uma região extremamente solitária horizonte a se perder de vista sob o céu completamente sem nuvens árvores e plantas numa atmosfera inteiramente imóvel nenhum animal nenhum homem nenhuma corrente de água a quietude mais profunda Uma tal cercania é como se fosse um apelo à seriedade à contemplação com abandono de todo querer e sua indigência mas justamente isso confere a uma tal cercania solitária e profundamente quieta um traço de sublime pois visto que não oferece objeto algum nem favorável nem desfavorável à vontade ávida de ansiar e adquirir permanece ali apenas o estado da contemplação pura e quem não é capaz desta será sacrificado com ignomínia vergonhosa ao vazio da vontade desocupada ao tormento do tédio Na presença de uma semelhante cercania temos uma medida do nosso valor intelectual Um bom critério desse é em geral o grau da nossa capacidade de suportar ou amar a solidão A descrita cercania fornece portanto um exemplo do sublime em grau baixo na medida em que nela ao estado de puro conhecer em sua paz e plena suficiência mesclase como contraste uma lembrança da dependência e pobreza de uma vontade necessitada de constantes empenhos Esse é o tipo de sublime que celebrizou as pradarias ilimitadas no interior da América do Norte Se agora imaginarmos essa região também desnudada de plantas e mostrando apenas rochedos escarpados então mediante a completa ausência do orgânico necessário à nossa subsistência a vontade já se angustia O ermo assume um caráter amedrontador Nossa disposição se torna mais trágica A elevação ao puro conhecer ocorre com abandono decisivo do interesse da vontade e enquanto permanecemos no estado do puro conhecer entra em cena de maneira bem distinta o sentimento do sublime Em grau ainda maior o sentimento do sublime pode ser ocasionado pela natureza em agitação tempestuosa Semiescuridão e nuvens trovejantes ameaçadoras Rochedos escarpados horríveis n sua ameaça de queda e que vedam o horizonte Rumor dos cursos dágua espumosos Ermo completo Lamento do ar passando pelas fendas rochosas Aí aparece intuitivamente diante dos olhos a nossa dependência a nossa luta contra a natureza hostil a nossa vontade obstada porém enquanto as aflições pessoais não se sobrepõem e permanecemos em contemplação estética é o puro sujeito do conhecer quem mira através daquela luta da natureza através daquela imagem da vontade obstada para apreender de maneira calma imperturbável incólume unconcerned as Ideias exatamente naqueles objetos que são ameaçadores e terríveis para a vontade Precisamente nesse contraste reside o sentimento do sublime A impressão é ainda mais poderosa quando temos diante dos olhos a luta revoltosa das forças da natureza em larga escala quando nessa cercania uma catarata a cair impede com seu estrépito que ouçamos a própria voz ou quando nos postamos diante do amplo e tempestuoso mar montanhas dágua sobem e descem a rebentação golpeia violentamente os penhascos espumas saltam no ar a tempestade uiva o mar grita relâmpagos faíscam das nuvens negras e trovões explodem em barulho maior do que o da tempestade e do mar Então no imperturbável espectador dessa cena a duplicidade de sua consciência atinge o mais elevado grau ele se sente simultaneamente como indivíduo fenômeno efêmero da Vontade que o menor golpe daquelas forças pode esmagar indefeso contra a natureza violenta dependente entregue ao acaso um nada que desaparece em face de potências monstruosas e também se sente como sereno e eterno sujeito do conhecer o qual como condição do objeto é o sustentáculo exatamente de todo esse mundo a luta temerária da natureza sendo apenas sua representação ele mesmo repousando na tranquila apreensão das Ideias livre e alheio a todo querer e necessidade É a plena impressão do sublime aqui ocasionada pela visão de uma potência superior ao indivíduo além de qualquer possibilidade de comparação e que o ameaça com o aniquilamento De uma maneira completamente diferente nasce a impressão do sublime a partir da presentificação de uma simples grandeza no espaço e no tempo cuja incomensurabilidade reduz o indivíduo a nada Podemos denominar aquele primeiro tipo sublime dinâmico este segundo sublime matemático guardando assim a nomenclatura kantiana e sua correta partição embora nos distanciemos por completo dele na explicitação da essência íntima dessa impressão isentandoa seja de reflexões morais seja de hipóstases da filosofia escolástica Quando nos perdemos na consideração da grandeza infinita do mundo no espaço e no tempo quando meditamos nos séculos passados e vindouros ou também quando consideramos o céu noturno estrelado tendo inumeráveis mundos efetivamente diante dos olhos e a incomensurabilidade do cosmo se impõe à consciência sentimonos nessa consideração reduzidos a nada sentimonos como indivíduo como corpo vivo como fenômeno transitório da Vontade uma gota no oceano condenados a desaparecer a dissolvermonos no nada Mas eis que se eleva simultaneamente contra tal fantasma de nossa nulidade contra aquela impossibilidade mentirosa a consciência imediata de que todos esses mundos existem apenas em nossa representação apenas como modificações do eterno sujeito do puro conhecer o qual nos sentimos tão logo esquecemos a individualidade sujeito este que é o sustentáculo necessário e condicionante de todos os mundos e de todos os tempos A grandeza do mundo antes inquietante repousa agora em nós Nossa dependência dele é suprimida por sua dependência de nós Tudo isso contudo não entra em cena imediatamente na reflexão mas se mostra como uma consciência apenas sentida de que em certo sentido que apenas a filosofia pode revelar somos unos com o mundo e por conseguinte não somos oprimidos por sua incomensurabilidade mas somos elevados É a consciência sentida daquilo que o Upanixade dos vedas já exprimiu repetidas vezes de maneira variada em especial no dito antes citado Hae omnes creaturae in totum ego sum et praeter me aliud ens non est todas essas criações em sua totalidade são eu e exterior a mim não existe ser algumUpanixade XXIV vI p122 Tratase de elevação para além do indivíduo sentimento do sublime93 Também se pode receber essa impressão do sublime matemático de uma maneira completamente imediata já através de um espaço que considerado em comparação com a abóbada celeste é pequeno porém por ser perceptível imediata e completamente faz efeito sobre nós com sua inteira grandeza em todas as três dimensões tornando a medida de nosso corpo quase que infinitamente pequena Isso nunca pode ser ocasionado por um espaço vazio para a percepção logo por u espaço aberto mas somente por um espaço perceptível imediatamente em todas as dimensões pela limitação portanto uma cúpula enorme e bastante alta como a da catedral de São Pedro em Roma ou a de São Paulo em Londres O sentimento do sublime nasce aqui pela percepção do nada esvaecent de nosso próprio corpo em face de uma grandeza que por seu turno se encontra apenas em nossa representação cujo sustentáculo somos nós como sujeito que conhece portanto como em toda parte o sentimento do sublime nasce aqui do contraste da insignificância e dependência de nosso simesmo como indivíduo como fenômeno da Vontade com a consciência de nosso simesmo como puro sujeito do conhecer Mesmo a abóbada do céu estrelado atua assim sobre nós desde que seja considerada sem reflexão não em sua verdadeira grandeza mas sim em sua grandeza aparente Muitos objetos de nossa contemplação despertam a impressão do sublime pelo fato de tanto e virtude de sua grandeza espacial quanto de sua avançada antiguidade portanto de sua duração temporal fazerem com que nos sintamos diante deles reduzidos a nada não obstante deleitarmonos com sua visão Desse tipo são as altíssimas montanhas as pirâmides do Egito as ruínas colossai da grande Antiguidade Sim também ao ético se deixa transmitir a nossa explanação do sublime a saber àquilo que se descreve como caráter sublime Este também se srcina do fato de a vontade não ser excitada por objetos que normalmente são propícios para excitála ao contrário também aí o conhecimento prepondera Um semelhante caráter consequentemente considerará os homens de maneira puramente objetiva não segundo as relações que poderiam ter com a sua vontade O caráter sublime por exemplo notará erros ódio injustiça dos outros contra si sem no entanto ser excitado pelo ódio notará a felicidade alheia sem no entanto sentir inveja até mesmo reconhecerá as qualidades boas dos homens sem no entanto procurar associação mais íntima com eles perceberá a beleza das mulheres sem cobiçálas A sua felicidade ou infelicidade pessoal não lhe abaterá mas antes será como o Horácio descrito por Hamlet for thou hast been As one in suffering all that suffers nothing A man that fortunes buffets and rewards Hast taen with equal thanks etc A 3 sc 2 94 Pois em seu próprio decurso de vida com seus acidentes olhará menos a própria sorte e mais a da humanidade em geral e assim conduzirá a si mesmo mais como quem conhece não como quem sofre 40 Visto que os opostos se esclarecem talvez seja aqui oportuna a observação de que o oposto propriamente dito do sublime é algo que à primeira vista não se reconhece como tal o EXCITANTE Entendo sob este termo aquilo que estimula a vontade apresentandose diretament à sua satisfação ao seu preenchimento Se o sentimento do sublime nasce quando um objeto empírico desfavorável à vontade se torna objeto de pura contemplação mantida mediante um contínuo desvio da vontade e elevação sobre seus interesses o que justamente constitui a sublimidade da disposição o excitante ao contrário faz descer o espectador da pura contemplação exigida para apreensão do belo ao excitar necessariamente a sua vontade por meio de objetos empíricos que lhe são diretamente favoráveis com isso o puro contemplador não permanece mais puro sujeito do conhecer mas se torna o necessitado e dependente sujeito do querer Que comumente todo belo mais jovial seja chamado excitante é algo a ser creditado a um conceito demasiado amplo por falta de uma discriminação mais correta e que tenho de colocar completamente de lado sim desprezar Na acepção já mencionada e explanada encontro apenas dois tipos de excitante no domínio da arte ambos indignos dela Um deles bem inferior encontrase nas naturezasmortas dos neerlandeses quando estes se equivocam na exposição de iguarias comestíveis que por meio de sua apresentação ilusória despertam necessariamente o apetite um verdadeiro estímulo à vontade que põe fim a qualquer contemplação estética do objeto Frutas pintadas ainda são aceitáveis visto que como um desenvolvimento tardio de flores e pela sua forma e cor oferecemse como um belo produto natural sem que se seja obrigado a pensar na sua comestibilidade Mas infelizmente encontramos com frequência pintadas com naturalidade ilusória iguarias preparadas e servidas ostras arenques lagostas pães amanteigados cerveja vinho etc tudo isso é bastante repreensível Na pintura de gênero e na escultura o excitante consiste nas suas figuras nuas cujo posicionamento semipanejamento e todo o modo de execução são calculados para despertar a lubricidade do espectador pelo que a pura consideração estética é de imediato suprimida e a obra se posta contra a finalidade da arte Um tal erro corresponde por inteiro àquele dos neerlandeses anteriormente censurado Os antigos apesar da plena nudez e completa beleza de suas figuras estão quase sempre livres desse erro já que o artista mesmo as criou com espírito puramente objetivo cheio de beleza ideal não com espírito de cobiça subjetiva sensual O excitante portanto é em toda parte para ser evitado na arte Há também um excitante negativo ainda mais repreensível que o recémexplanado excitante positivo Tratase do repugnante o qual assim como o excitante em sentido estrito desperta a vontade do espectador e com isso destrói a pura consideração estética Aqui no entanto o que é excitado é um violento nãoquerer uma repulsa A vontade é despertada na medida em que lhe são apresentados objetos de horror Por isso se reconheceu desde sempre que o excitante negativo é inadmissível na arte na qual até mesmo o feio é suportável desde que não repugnante e seja posto em lugar adequado como veremos mais adiante 41 O curso de nossa consideração tornou necessário incluir a elucidação do sublime ali onde a do belo foi efetuada apenas em sua metade ou seja só no tocante ao lado subjetivo Pois é apenas uma modificação especial desse lado o que diferencia o sublime do belo a saber se o estado do puro conhecer destituído de Vontade pressuposto e exigido por toda contemplação estética apareceu por si mesmo sem resistência mediante o simples desaparecer da vontade da consciência na medida em que o objeto convida e atrai para isso ou se semelhante estado foi alcançado por elevação livre e consciente por sobre a vontade em referência à qual o objeto empírico contemplado tem uma relação até mesmo desfavorável hostil e que suprimiria a contemplação caso nos detivéssemos nele Eis aí a diferença entre belo e sublime Quanto ao objeto no entanto belo e sublime não são essencialmente diferentes Pois em cada um deles o objeto da consideração estética não é a coisa isolada mas a Ideia que nela se esforça por revelação isto é a objetidade adequada da Vontade num grau determinado O correlato necessário da Ideia e tanto quanto esta independente do princípio de razão é o puro sujeito do conhecer assim como o correlato da coisa isolada é o indivíduo cognoscente os dois últimos residindo no domínio do princípio de razão Quando nomeamos um objeto BELO dizemos que ele é objeto de nossa consideração estética e isso envolve dois fatores Primeiro a sua visão nos torna OBJETIVOS isto é na sua contemplaçã estamos conscientes de nós mesmos não como indivíduos mas como puro sujeito do conhecer destituído de Vontade Segundo conhecemos no objeto não a coisa particular mas uma Ideia o que só ocorre caso a nossa consideração do objeto não esteja submetida ao princípio de razão não siga uma relação do objeto com algo exterior a ele o que em última instância sempre se conecta a uma relação com nossa vontade mas repouse no objeto mesmo Pois a Ideia e o puro sujeito do conhece sempre entram em cena na consciência simultaneamente como correlatos necessários Com essa entrada em cena desaparece também concomitantemente toda diferença temporal pois os dois são completamente alheios ao princípio de razão em todas as suas figuras e estão fora das relações por ele estabelecidas são comparáveis ao arcoíris e ao sol que não têm participação alguma no movimento incessante e na sucessão de gotas que caem Por conseguinte se por exemplo conheço esteticamente uma árvore ou seja com olhos artísticos portanto não ela mas a sua Ideia é se significação se a árvore intuída é exatamente esta ou seu ancestral vicejante há milhares de anos Do mesmo modo é indiferente se o espectador é este ou aquele outro indivíduo que viveu numa época e num lugar diferentes pois juntamente com o princípio de razão foram suprimidos tanto a coisa individual quanto o indivíduo que conhece restando somente a Ideia e o puro sujeito do conhecer os quais juntos constituem a objetidade adequada da Vontade nesse grau A Ideia está isenta não apenas do tempo mas também do espaço a Ideia não é propriamente uma figura espacial que oscila diante de mim ao contrário é a expressão a significação pura o ser mais íntimo da figura que se desvela e fala para mim Ideia que é integralmente a mesma apesar da grande diversidade das relações espaciais da figura Visto que de um lado toda coisa existente pode ser considerada de maneira puramente objetiva e exterior a qualquer relação e de outro a Vontade aparece em toda coisa num grau determinado de sua objetidade expressão de uma Ideia seguese daí que toda coisa é BELA Que também insignificante possa tornarse objeto de uma consideração puramente objetiva e destituída de vontade e assim se justifique como belo atestao nesse sentido as mencionadas naturezasmortas dos neerlandeses 38 Uma coisa é mais bela que outra quando facilita a pura consideração objetiva vemlhe ao encontro sim como que compele a isso então a nomeamos muito bela Esse é o caso primeiro quando algo isolado exprime de modo puro a Ideia de sua espécie mediante proporção bem distinta puramente determinada inteiramente significativa de suas partes reunindo em si todas as exteriorizações possíveis da Ideia de sua espécie e a manifestando com perfeição ustamente por aí a coisa isolada facilita bastante ao espectador a transição para a Ideia o qual atinge assim o estado de intuição pura segundo quando aquela vantagem da beleza particular de um objeto reside em a Ideia mesma a exprimirse a partir dele ser um grau superior de objetidade da Vontade e por conseguinte diz muito mais é mais significativo Eis por que o ser humano mais do que qualquer outra coisa é belo e a manifestação de sua essência é o fim supremo da arte A figura e expressão humanas são o objeto mais significativo das artes plásticas assim como as ações humanas o são da poesia Contudo cada coisa possui a sua beleza específica não apenas cada ser orgânico que se expõe na unidade de uma individualidade mas também cada ser inorgânico e informe sim cada artefato pois todos manifestam as Ideias pelas quais a Vontade se objetiva nos graus mais baixos dando por assim dizer o tom mais profundo e grave da harmonia da natureza Gravidade rigidez fluidez luz etc são as Ideias que se exprimem em rochedos edifícios correntezas dáguas As belas jardinagem e arquitetura podem apenas ajudálas a desdobrar suas qualidades distintamente de maneira multifacetada e plena oferecendolhes oportunidade de se exprimir puramente com o que justamente clamam por consideração estética facilitandoa Consideração essa que é pouco ou nada permitida por edifícios ruins ou ambientes que negligenciam a natureza e assim corrompem a arte Todavia mesmo de tais objetos as Ideias fundamentais e gerais da natureza não podem ser totalmente banidas Elas ainda falarão mediante semelhantes objetos ao espectador que as procure Mesmo edifícios ruins ainda são passíveis de consideração estética as Ideias da qualidades gerais da sua matéria permanecem reconhecíveis apesar de a forma artificiosa ali empregada não ser nenhum meio de facilitação da Ideia mas antes um obstáculo que dificulta a consideração estética Também artefatos servem em consequência para a expressão de Ideias Porém não é a Ideia de artefato que se exprime a partir deles mas a do material ao qual se deu ess forma artística Na língua dos escolásticos isso é dito bem confortavelmente com duas palavras a saber no artefato exprimese a sua forma substantialis forma substancial não a sua forma forma accidentalis forma acidental Esta última não conduz a Ideia alguma mas apenas a um conceito humano da qual se srcinou Excusado é dizer que por artefato não entendemos expressamente nenhuma obra da arte plástica De resto os escolásticos compreendiam sob forma substantialis em verdade aquilo que nomeio grau de objetivação da Vontade em uma coisa Retornarei à forma de expressão da Ideia de material quando da consideração da bela arquitetura Em conformidade co nossa visão não podemos concordar com Platão quando este afirma Rep X 596 b Parmen 130 bd que mesa e cadeira expressam as Ideias de mesa e cadeira Ao contrário dizemos que elas expressam as Ideias que já se exprimem em seu mero material Porém conforme AristótelesMet XI cap 3 Platão mesmo estatuíra somente Ideias de seres naturais ό Πλατων εφη ότι είδη εστιν όποσα φυσει Plato dixit quod ideae eorum sunt quae natura sunt95 e no cap 5 é dito que conforme os platônicos não há Ideia alguma de casa e anel Em todo caso já os discípulos mai próximos de Platão como relata Alcino negavam que houvesse Ideia de artefatos Ele diz Ορίζονται δε την ιδεαν παραδειγμα των κατα φυσιν αιωνιον Ουτε γαρ τοις πλειστοις των απο Πλατωνος αρεσκει των τεχνικων ειναι ιδεας οίον ασπιδος η λυρας ουτε μην των παρα φυσιν οίον πυρετου και χολερας ούτε των κατα μερος οίον Σωκρατους και Πλατωνος αλλ ουτε των ευτελων τίνος οίον ρυπου και καρφους Ί ουτε των προς τι οίον μείζονος και ύπερεχοντος ειναι γαρ τας ιδεας νοησεις θεου αιωνιους τε και αυτοτελεις Definiunt autem ideam exemplar aeternum eorumquae secundum naturam existunt Nam plurimis ex iis qui Platonem secuti sunt minime placuit arte factorum ideas esse ut clypei atque Lyrae negue rursus eorumquae praeter naturam ut febris et cholerae negue particularium ceu Socratis et Platonis negue etiam rerumvilium veluti sordium et festucae negue relationum ut majoris et excedentis esse namque ideas intellectiones dei aeternas ac seipsis perfectas 96 Nesta ocasião é preciso ainda mencionar um outro ponto da doutrina platônica das Ideias em relação ao qual a nossa doutrina se distancia bastante quando ele ensinaRep X 597 d 598 a que o objeto cuja exposição a bela arte intenta o modelo da pintura e da poesia não seria a Ideia mas a coisa individual Minha visão inteira da arte e do belo afirma justamente o contrário e tampouco a opinião de Platão nos fará errar em verdade ela é a fonte de um dos maiores e mais reconhecidos erros daquele grande homem a saber a depreciação e rejeição da arte em especial da poesia Seus falsos juízos sobre esta estão diretamente associados à mencionada passagem 42 Retorno ao meu tratamento filosófico da impressão estética O conhecimento do belo supõe sempre inseparável e simultaneamente o puro sujeito que conhece e a Ideia conhecida como objeto Todavia a fonte da fruição estética residirá ora mais na apreensão da Ideia conhecida ora mais na bemaventurança e tranquilidade espiritual do conhecer puro livre de todo querer e individualidade e do tormento ligado a ela A predominância de um ou outro componente da fruição estética dependerá de a Ideia apreendida intuitivamente ser um grau elevado ou mais baixo de objetidade da Vontade Assim tanto na consideração estética na efetividade ou pelo médium da arte da bela natureza nos reinos inorgânico e vegetal quanto nas obras da bela arquitetura a fruição do puro conhecer destituído de vontade será preponderante porque as Ideias aqui apreendidas são graus mais baixos de objetidade da Vontade por conseguinte não são fenômenos de significado mais profundo e conteúdo mais sugestivo Se ao contrário o objeto da consideração ou da exposição estética fore animais e homens a fruição residirá mais na apreensão objetiva dessas Ideias as quais são a manifestação mais clara da Vontade pois expõem a grande variedade de figuras a riqueza e o significado profundo dos seus fenômenos logo manifestam da maneira mais perfeita a essência da Vontade em sua veemência sobressalto satisfação ou em sua discórdia exposições trágicas finalmente até mesmo em sua viragem ou autosupressão que em especial é o tema da pintura cristã De modo geral a pintura de gênero e o drama têm por objeto a Ideia da Vontade iluminada por pleno conhecimento Passarei agora em revista as artes particulares pelo que justamente a exposta teoria do belo adquirirá mais nitidez e completude Notas Notas i Cf cap 33 do segundo tomo ii Tanto mais me alegra e surpreende agora quarenta anos após conceber o pensamento anterior tão tímida e hesitantemente a descoberta de que já Santo Agostinho o havia expressado Arbusta ormas suas varias quibus mundi hujus visibilis structura formosa est sentiendas sensibus raebent ut pro eo quod nosse non possunt quasi innotescere velle videantur De civ Dei XI 27 As árvores oferecem à percepção dos sentidos as suas formas variadas com as quais a estrutura deste mundo visível é adornada de tal maneira que por serem incapazes de conhecer podem aparecer como se quisessem ser conhecidas 87 Na mitologia grega Íxion tentou se envolver afetivamente com Hera esposa de Zeus e é por este condenado a girar eternament numa roda flamejanteTântalo desafiou a onisciência dos deuses cozinhando o próprio filho e o servindo a eles porém descoberto em seu embuste foi condenado a sede e fome eternas no inferno pendurado num galho e tentando alcançar a água próxima que sempre se afasta ou comer frutos de galhos sempre levados pelo vento As Danaides companheiras de infortúnio de íxion e Tântalo por tere assassinado os maridos foram condenadas a encher dágua tonéis sem fundo N T 88 Sábado sétimo dia da semana reservado pelos judeus ao descanso N T 89 Sturm der Leidenschaften tempestade das paixões e Drang des Wunsches ímpeto dos desejos justamente termos que compõem o nome do movimento artístico ultrarromântico alemão Sturm und Drang Schopenhauer tem aqui em mente sem dúvida a inquietaçã romântica de seu período cuja obra exponencial foiOs sofrimentos do jovem Werther de Goethe que lida por jovens impetuosos e atormentados muitas vezes não correspondidos amorosamente como o personagem principal do romance desencadeou uma onda de suicídios na Europa N T 90 Sublime aqui se escreve Erhabenen Tratase da substantivação do verboerheben elevarse O sublime pois é um estado de Erhebung elevação Já o objeto empírico que ocasiona tal estado é dito sublime erhaben Como sevê um jogo de palavras feito por Schopenhauer com os termos Erhabenen Erhebung erhaben N T 91 Traduzimos aquiÜbergänge por gradações em vez de transições como teríamos de fazêlo se optássemos por uma versão mais comportada Isso para diferenciar Schopenhauer de Kant que opera uma transiçãoÜbergang definitiva entre o belo e o sublime no capítulo 23 daCrítica da faculdade de juízo Schopenhauer porém emprega aqui o termoÜbergang no sentido de transcurso gradual sem que haja saída de um ponto e chegada a outro diferente Como dito linhas antes pelo autor o sentimento do sublime em sua determinação fundamental Ideia intuída é uno com o do belo distinguindose deste apenas pelo acréscimo do elevarse d contemplador para além da relação conhecida como desfavorável do objeto com a Vontade Tanto é que Schopenhauer falará mais adiante do sublime no beloErhabenen am Schönen Com isso o termo gradação funciona melhor porque indica os graus sequenciais em que suavemente o belo e o sublime se confundem de acordo com o estado estético em que se está sem porém distinguiremse em natureza N T 92 Cf nota anterior N T 93 Novamente o jogo de palavras entre Erhebung elevação e Erhabenen sublime N T 94 Fostes como alguém Que sofrendo tudo nada sofreu Um homem que recebeu equânime Tanto a favorável quanto a desfavorável fortuna N T 95 Platão ensinou que há tantas Ideias quanto há coisas naturais N T 96 Definem Ideia como arquétipos eternos das coisas naturais Muitos dos discípulos de Platão não admitem que haja Ideias d artefatos isto é de clípeos ou liras ou de coisas contra a natureza como febre e cólera nem de seres individuais como Sócrates e Platão muito menos de coisas insignificantes como adornos e pequenos pedaços ou ainda de relações como ser maior ou menor pois as Ideias são os pensamentos eternos e acabados de deus N T Karl Marx Karl Marx Manuscritos econôm Manuscritos econômicofilosóficos e Grun icofilosóficos e Grundrisse drisse Manuscritos econômicofilosóficos e Grundrisse Manuscritos econômicofilosóficos e Grundrisse97 97 Karl Marx 18181883 Karl Marx 18181883 Traduções esus Ranieri ario Duayer A história é o solo sobre o qual a arte pode florescer Afinal apenas ironicamente assumiríamos que a concepção da natureza e das relações sociais que é a base da imaginação grega e por isso da mitologia grega é possível com máquinas de fiar automáticas ferrovias locomotivas e telégrafos elétricos No entanto como explicar que ainda após a descoberta da pólvora a Ilíada provoca deleite Ou seja como explicar que mesmo distante da antiguidade e mesmo com a sensibilidade empobrecida pelas condições de vida na modernidade ainda encontramos prazer estético em uma obra de arte grega Agora apresentamos ao leitor dois trechos de Karl Marx 18181883 do anuscritos econômicofilosóficos 1844 e dos Grundrisse 1858 nos quais o autor respectivamente disserta sobre a sensibilidade humana e o valor da história para a constituição do significado da obra de arte Temas Temas história literatura mitologia grega sociedade economia 97 MARX K Manuscritos EconômicoFilosóficos São Paulo Boitempo 2004 p 108114 MARX KGrundrisse São Paulo Boitempo 2011 p 6264 Agradecemos à Editora Boitempo por autorizar a utilização do texto Manuscritos EconômicoFilosóficos Manuscritos EconômicoFilosóficos98 98 A propriedade privada nos fez tão cretinos e unilaterais que um objeto somente é onosso objeto se o temos portanto quando existe para nós como capital ou é por nós imediatamente possuído comido bebido trazido em nosso corpo habitado por nós etc enfim usado Embora a propriedade privada apreenda todas essas efetivações imediatas da própria posse novamente apenas como meios de vida e a vida à qual servem de meio é a vida da propriedade privada trabalho e capitalização O lugarde todos os sentidos físicos e espirituais passou a ser ocupado portanto pelo simples estranhamento de todos esses sentidos pelo sentido de ter A essa absoluta miséria tinha de ser reduzida a essência humana para com isso trazer para fora de si sua riqueza interior Sobre a categoria do ter vide Hess nas Vinte e uma páginas de impressão99 A suprassunção da propriedade privada é por conseguinte a emancipação completa de todas as qualidades e sentidos humanos mas ela é essa emancipação justamente pelo fato de esses sentidos e propriedades terem se tornado humanos tanto subjetiva quanto objetivamente O olho se tornou olho humano da mesma forma como o seuobjeto se tornou um objeto socialhumano proveniente do homem para o homem Por isso imediatamente em sua práxis os sentidos se tornaramteoréticos Relacionamse com a coisa por querer a coisa mas a coisa mesma é um comportamentohumano objetivo consigo própria e com o homem e viceversa Eu só posso em termos práticos relacionar me humanamente com a coisa se a coisa se relaciona humanamente com o homem A carência ou a fruição perderam assim a sua naturezaegoísta e a natureza a sua merautilidade Nützlichkeit na medida em que a utilidade Nutzen se tornou utilidade humana Da mesma maneira os sentidos e o espírito do outro homem se tornaram a minha própria apropriação Além desses órgãos imediatos formamse por isso órgãos sociais na forma da sociedade logo por exemplo a atividade em imediata sociedade com outros etc tornouse um órgão da minha externação de vida e um modo da apropriação da vida humana Compreendese que o olhohumano frui de forma diversa da que o olho rude não humano frui o ouvido humano diferentemente da do ouvido rude etc Nós vimos O homem só não se perde em seu objeto se este lhe vem a ser como objetohumano ou homem objetivo Isso só é possível na medida em que elevem a ser objeto social para ele em que ele próprio se torna ser social gesellschaftliches Wesen assim como a sociedade se torna ser Wesen para ele neste objeto Consequentemente quando por um lado para o homem em sociedade a efetividade objetiva gegenständliche Wirklichkeit se torna em toda parte efetividade humana e por isso efetividade de suas próprias forças essenciais todos os objetos tornamse a objetivização de si mesmos para ele objetos que realizam e confirmam sua individualidade enquanto objetos seus isto é ele mesmo tornase objeto Como se tornam seus para ele depende da natureza do objeto e da natureza da força essencial que corresponde a ela pois precisamente a determinidade desta relação forma o modo particular e efetivo da afirmação Ao olho um objeto se torna diferente do que aoouvido e o objeto do olho é um outro que o doouvido A peculiaridade de cada força essencial é precisamente a sua essência peculiar portanto também o modo peculiar da sua objetivação do seu ser vivo objetivo efetivo gegenständliches wirkliches lebendiges Sein Não só no pensar VIII portanto mas co todos os sentidos o homem é afirmado no mundo objetivo Por outro lado subjetivamente apreendido assim como a música desperta primeiramente o sentido musical do homem assim como para o ouvido não musical a mais bela música não tem nenhum sentido é nenhum objeto porque o meu objeto só pode ser a confirmação de uma das minhas forças essenciais portanto só pode ser para mim da maneira como a minha força essencial é para si como capacidade subjetiva porque o sentido de um objeto para mim só tem sentido para um sentido que lhe corresponda vai precisamente tão longe quanto vai omeu sentido por causa disso é que os sentidos do homem social são sentidosoutros que não os do não social é apenas pela riqueza objetivamente desdobrada da essência humana que a riqueza da sensibilidade humana subjetiva que um ouvido musical um olho para a beleza da forma em suma as fruições humanas todas se tornam sentidos capazes sentidos que se confirmam como forças essenciaishumanas em parte recém cultivados em parte recémengendrados Pois não só os cinco sentidos mas também os assi chamados sentidos espirituais os sentidos práticos vontade amor etc numa palavra o sentido humano a humanidade dos sentidos vem a ser primeiramente pela existência do seu objeto pela naturezahumanizada A formação dos cinco sentidos é um trabalho de toda a história do mundo até aqui O sentido constrangido à carência prática rude também tem apenas um sentidotacanho Para o homem faminto não existe a forma humana da comida mas somente a sua existência abstrata como alimento poderia ela justamente existir muito bem na forma mais rudimentar e não há como dizer em que esta atividade de se alimentar se distingue da atividade animal de alimentarse O homem carente cheio de preocupações não tem nenhum sentido para o mais belo espetáculo o comerciante de minerais vê apenas o valor mercantil mas não a beleza e a natureza peculiar do mineral ele não tem sentido mineralógico algum portanto a objetivação da essência humana tanto do ponto de vista teórico quanto prático é necessária tanto para fazer humanos os sentidos do homem quanto para criar sentido humano correspondente à riqueza inteira do ser humano e natural Assim como pelo movimento da propriedade privada e da sua riqueza assim como da sua miséria ou da riqueza e miséria materiais e espirituais a sociedade que vem a ser encontra todo o material para essa formação assim também a sociedade queveio a ser produz o homem nessa total riqueza da sua essência o homem plenamente rico e profundo enquanto sua permanente efetividade Vêse como subjetivismo e objetivismo espiritualismo e materialismo atividade e sofrimento perdem a sua oposição apenas quando no estado social e por causa disso a sua existência enquanto tais oposições vêse como a própria resolução das oposições teóricas só é possível de um modo rática só pela energia prática do homem e por isso a sua solução de maneira alguma é apenas uma tarefa do conhecimento mas umaefetiva tarefa vital que a filosofia não pôde resolver precisamente porque a tomou apenas como tarefa teórica Vêse como a história da indústria e a existência objetiva da indústria conforme veio a ser são o livro aberto das forças essenciais humanas a psicologia humana presente sensivelmente a qual não foi até agora apreendida em sua conexão com aessência do homem mas sempre apenas numa relação externa de utilidade porque movendose no interior do estranhamento só sabia apreender enquanto efetividade das forças essenciais humanas e enquantoatos genéricos humanos a existência universal do homem a religião ou a história na sua essência universalabstrata enquanto política arte literatura etc IX Naindústria material comum que justamente se apreende tanto como uma parte daquele movimento universal quanto se pode fazer dela mesma uma parte particular da indústria já que toda a atividade humana até agora era trabalho portanto indústria atividade estranhada de si mesma temos diante de nós as forças essenciais objetivadas do homem sob a forma de objetos sensíveis estranhos úteis sob a forma de estranhamento Uma psicologia para a qual esse livro portanto precisamente a parte mais presente e perceptível de modo sensível a parte mais acessível da história está fechado não podendo se tornar uma ciência real plena de conteúdo efetivo O que se deve pensar em geral de uma ciência que abstrai solenemente dessa grande parte do trabalho humano e não sente em si mesma a sua incompletude enquanto uma riqueza do fazer humano assim expandida nada lhe diz senão talvez o que se pode dizer numa palavra carência carência comum A s ciências naturais desenvolveram uma enorme atividade e se apropriaram de um material sempre crescente Entretanto a filosofia permaneceu para elas tão estranha justamente quanto elas permaneceram estranhas para a filosofia A fusão momentânea foi apenas uma ilusão fantástica Havia a vontade mas faltava a capacidade A própria historiografia só de passagem leva em consideração a ciência natural como momento do esclarecimento Aufklärung da utilidade de grandes descobertas singulares Mas quanto mais a ciência natural interveio de modo prático na vida humana mediante a indústria reconfiguroua e preparou a emancipação humana tanto mais teve de completar de maneira imediata a desumanização Aindústria é a relação histórica efetiva da natureza e portanto da ciência natural com o homem por isso se ela é apreendida como revelação exotérica das forças essenciais humanas então também a essênciahumana da natureza ou a essência natural do homem é compreendida dessa forma e por isso a ciência natural perde a sua orientação abstratamente material ou antes idealista tornandose a base da ciência humana como agora já se tornou ainda que em figura estranhada a base da vida efetivamente humana umaoutra base para a vida uma outra para aciência é de antemão uma mentira A natureza que vem a ser na história humana no ato de surgimento da história humana é a naturezaefetiva do homem por isso a natureza assim como vem a ser por intermédio da indústria ainda que em figuraestranhada é a naturezaantropológica verdadeira A sensibilidade vide Feuerbach tem de ser a base de toda ciência Apenas quanto esta parte daquela na dupla figura tanto da consciência sensível quanto da carência sensível portanto apenas quando a ciência parte da natureza ela é ciência efetiva100 A fim de que ohomem se torne objeto da consciência sensível e a carência do homem enquanto homem se torne necessidade Bedürfnis para isso a história inteira é a história da preparação a história do desenvolvimento A história mesma é uma parteefetiva da história natural do devir da natureza até o homem Tanto a ciência natural subsumirá mais tarde precisamente a ciência do homem quanto a ciência do homem subsumirá sob si a ciência natural será uma ciência X Ohomem é o objeto imediato da ciência natural pois a natureza sensível imediata para o homem é imediatamente a sensiblidade humana uma expressão idêntica imediatamente como o homemoutro existindo sensivelmente para ele pois sua própria sensibilidade primeiramente existe por intermédio do outro homem enquanto sensibilidade humana para ele mesmo Mas anatureza é o objeto imediato da ciência do homem O primeiro objeto do homem o homem é natureza sensibilidade e as forças essenciais humanas sensíveis particulares tal como encontram apenas em objetos naturais sua efetivação objetiva essas forças essenciais humanas podem encontrar apenas na ciência do ser natural em geral seu conhecimento de si O elemento do próprio pensar o elemento da externação de vida do pensamento alinguagem é de natureza sensível A efetividade social da natureza e a ciência naturalhumana ou a ciência natural do homem são expressões idênticas Vêse como o lugar dariqueza e da miséria nacionaleconômicas é ocupado pelo homem rico e pela necessidade Bedürfnis humana rica O homemrico é simultaneamente o homemcarente de uma totalidade da manifestação humana de vida O homem no qual a sua efetivação própria existe como necessidade Notwendigkeit interior como falta Not Não só a riqueza também a pobreza do homem consegue na mesma medida sob o pressuposto do socialismo uma significaçãohumana e portanto social Ela é o elo passivo que deixa sentir ao homem a maior riqueza o outro homem como necessidade Bedürfnis A dominação da essência objetiva em mim a irrupção da minha atividade essencial é a paixão que com isto se torna aatividade da minha essência 5 Um ser se considera primeiramente como independente tão logo se sustente sobre os próprios pés e só se sustenta primeiramente sobre os próprios pés tão logo deva a sua existência a si mesmo Um homem que vive dos favores de outro se considera como um ser dependente Mas eu vivo completamente dos favores de outro quando lhe devo não apenas minhavida quando ele é a fonte da minha vida e minha vida tem necessariamente um tal fundamento fora de si quando ela não é a minha própria criação A criação é portanto uma representação Vorstellung muito difícil de ser eliminada da consciência do povo O serporsimesmo Durchsichselbstsein da natureza e do homem éinconcebível para ele porque contradiz todas as palpabilidades da vida prática A criação da terra recebeu um violento golpe da geognosia101 isto é da ciência que expõe a formação da terra o vir a ser da terra como um processo como autoengendramento A generatio aequivoca geração espontânea é a única refutação prática da teoria da criação102 Ora é certamente fácil dizer ao indivíduo singular o que já diz Aristóteles103 foste gerado por teu pai e tua mãe portanto a cópula de dois seres humanos logo um ato genérico do ser humano produziu o ser humano em ti Vês portanto que também fisicamente o ser humano deve sua existência ao ser humano Tens de manter portanto não apenasum dos lados sob os olhos o progresso infinito segundo o qual continuas a perguntar quem gerou o meu pai a quem gerou o seu avô etc Tens também de não largar omovimento circular que é sensivelmente intuível naquele progresso segundo o qual o homem repete a si próprio na procriação portanto o ser humano permanecendo sempre sujeito Responderás porém concedido a ti esse movimento circular concedeme tu o progresso que sempre me impele a continuar até que eu pergunte quem gerou o primeiro ser humano e a natureza em geral Só posso responderte a tua pergunta é ela mesma um produto da abstração Perguntate como chegas àquela pergunta interrogate se a tua pergunta não ocorre a partir de um ponto de vista ao qual eu não posso responder porque ele é um ponto de vista invertido Se tu te perguntas pela criação da natureza e do ser humano abstrais portanto do ser humano e da natureza Tu os assentas como nãosendo e ainda queres contudo que eu te os prove como sendo Digote agora se renuncias à tua abstração também renuncias à tua pergunta ou se quiseres manter a tua abstração sê então consequente e quanto pensando pensas o ser humano e a natureza comonãosendo XI então pensate a ti mesmo como nãosendo tu que também és natureza e ser humano Não penses não me perguntes pois tão logo pensas e perguntas tua abstração do ser da natureza e do homem não tem sentido algum Ou és um tal egoísta que assentas tudo como nada e queres tu mesmo ser Tu replicar podes a mim eu não quero assentar o nada da natureza etc perguntote peloato de surgimento dela assim como pergunto ao anatomista pela formação dos ossos etc Mas na medida em que para o homem socialistatoda a assim denominada história mundial nada mais é do que o engendramento do homem mediante o trabalho humano enquanto o vir a ser da natureza para o homem então ele tem portanto a prova intuitiva irresistível do seunascimento por meio de si mesmo do seu processo de geração Na medida em que aessencialidade Wesenhaftigkeit do ser humano e da natureza se tornou prática sensivelmente intuível na medida em que o homem se tornou prática sensivelmente intuível para o homem enquanto existência da natureza e a natureza para o homem enquanto existência do homem a pergunta por um ser estranho por um ser acima da natureza e do homem uma pergunta que contém a confissão da inessencialidade da natureza e do homem tornouse praticamente impossível 98 MARX KARL Manuscritos econômicofilosóficos Tradução de Jesus Ranieri São Paulo Boitempo 2004 p 108114 99 A respeito cf Hess Moses Philosophie der That In Einundzwanzig Bogen aus der Schweiz editado por Georg Herwegh Zürich Winterthur 1843 primeira parte p 329 A propriedade material é o ser para si Fürsichsein do espírito tornado ideia fixa Porque ele concebe o trabalho a elaboração ou manifestação ativa Hinausarbeiten de seu si não como seu ato livre como sua própria vida espiritual mas o compreende como um outro material está também obrigado a conservarse para si mesmo não se perder na infinitude chegar ao seu ser para si Mas a propriedade termina aquela que enclausura o espírito que deve ser a saber seu ser para si quando a ação não está na criação mas no resultado o universo enquanto efêmero compreende seu seroutro enquanto seu ser para si e com ambas as mãos é conservado Isto é precisamente a mania do ser Seinsucht ou seja o sentido que subsiste enquanto individualidade determinada enquanto eu delimitado enquanto essência finita que conduz à mania do ter Habsucht Isto é novamente a negação de toda determinidade do eu abstrato e do comunismo abstrato o resultado da insignificante coisa em si Ding an sich do criticismo e da revolução do insatisfeito dever Sollens que levou ao ser e ao ter Que se transformou de verbo auxiliar em substantivo 100 Feuerbach LudwigVorläufige Thesen zur Reformation der Philosophie In Anekdota zur neuesten deutschen Philosophi und Publicistik editado por Arnold Ruge v 2 Zürich Winterthur 1843 p 8485 E também do mesmo autor Grundsätze de Philosophie der Zukunft Zürich Winterthur 1843 p 5870 101 A geognosia nasceu na Bergakademir Freiberg Saxônia por iniciativa de Abraham Gottlob Werner no ano de 1780 como uma ciência particular de estudo da formação da terra da estrutura do globo terrestre e de sua composição mineral A respeito vide Hegel Georg Wilhelm FriedrichVorlesungen üben die Naturphilosophie als der Encyclopädie der philosophischen Wissenchaften im Grudrisse parte 2 editado por Karl Ludwig Michelet Berlim 1842 p 432440 102 A respeito vide Hegel Georg Wilhelm FriedrichVorlesungen über die Naturphilosophie cit p 455470 103 Cf provavelmente Aristóteles Metafísica VIII 4 Vide também Hegel Georg Wilhelm FriedrichVorlesungen über die Naturphilosophie cit p 646647 Grundrisse Grundrisse Na arte é sabido que determinadas épocas de florescimento não guardam nenhuma relação com o desenvolvimento geral da sociedade nem portanto com o da base material que é por assim dizer a ossatura de sua organização Por exemplo os gregos comparados com os modernos ou mesmo co Shakespeare Para certas formas de arte a epopeia por exemplo é até mesmo reconhecido que não podem ser produzidas em sua forma clássica que fez época tão logo entre em cena a produção artística enquanto tal que portanto no domínio da própria arte certas formas significativas da arte só são possíveis em um estágio pouco desenvolvido do desenvolvimento artístico Se esse é o caso na relação dos diferentes gêneros artísticos no domínio da arte não surpreende que seja também o caso na relação do domínio da arte como um todo com o desenvolvimento geral da sociedade A dificuldade consiste simplesmente na compreensão geral dessas contradições Tão logo são especificadas são explicadas Consideremos p ex a relação da arte grega e depois a de Shakespeare com a atualidade Sabese que a mitologia grega foi não apenas o arsenal da arte grega mas seu solo A concepção da natureza e das relações sociais que é a base da imaginação grega e por isso da mitologia grega é possível com máquinas de fiar automáticas ferrovias locomotivas e telégrafos elétricos Como fica Vulcano diante de Roberts et Co Júpiter diante do pararaios e as forças da natureza diante d Crédit Mobilier Toda mitologia supera domina e plasma as forças da natureza na imaginação e pela imaginação desaparece por conseguinte com o domínio efetivo daquelas forças Em que se converte a Fama ao lado da Printing House Square104 A arte grega pressupõe a mitologia gregaie a natureza e as próprias formas sociais já elaboradas pela imaginação popular de maneira inconscientemente artítica Esse é seu material Não uma mitologia qualquerie não qualquer elaboração artística inconsciente da natureza incluído aqui tudo o que é objetivo também a sociedade A mitologia egípcia jamais poderia ser o solo ou o seio materno da arte grega Mas de todo modo pressupõe uma mitologia Por conseguinte de modo algum um desenvolvimento social que exclua toda relação mitológica com a natureza toda relação mitologizante com ela que por isso exige do artista uma imaginação independente da mitologia De outro lado é possível Aquiles com pólvora e chumbo Ou mesmo a Ilíada com a imprensa ou mais ainda com a máquina de imprimir Com a alavanca da prensa não desaparece necessariamente a canção as lendas e a musa não desaparecem portanto as condições necessárias da poesia épica Mas a dificuldade não está em compreender que a arte e o epos gregos estão ligados a certas formas de desenvolvimento social A dificuldade é que ainda nos proporcionam prazer artístico e em certo sentido valem como norma e modelo inalcançável Um homem não pode voltar a ser criança sem tornarse infantil Mas não o deleita a ingenuidade da criança e não tem ele próprio novamente que aspirar a reproduzir a sua verdade em um nível superior Não revive cada época na natureza infantil o seu próprio caráter em sua verdade natural Por que a infância histórica da humanidade ali onde revelase de modo mais belo não deveria exercer um eterno encanto como um estágio que não volta jamais Há crianças maleducadas e crianças precoces Muitos dos povos antigos pertencem a essa categoria Os gregos foram crianças normais O encanto de sua arte para nós não está em contradição com o estágio social não desenvolvido em que cresceu Ao contrário é seu resultado e está indissoluvelmente ligado ao fato de que as condições sociais imaturas sob as quais nasceu e somente das quais poderia nascer não podem retornar jamais 104 Praça de Londres onde se localizavam a redação e a oficina do jornalThe Times Friedrich Wilhelm Nietzsche Friedrich Wilhelm Nietzsche O n O nascim ascimento da tragédia ento da tragédia O nascimento da tragé O nascimento da tragédia dia105 105 Friedrich Wil Friedrich Wilhelm Nie helm Nietzsc tzsche 18441900 he 18441900 Tradução William Mattioli Qual o papel da arte no modo como lidamos com a existência A pergunta deve ser colocada na primeira pessoa justamente porque ao abordar a experiência grega O nascimento da tragédia 1872 também se volta para a modernidade Avaliando a figura de Sócrates Nietzsche 18441900 também abordava o privilégio dado à razão e detrimento de outras faculdades humanas Este texto discute principalmente a relação da arte com a existência além disso pretende ser uma análise da tragédia como estilo dramático na Grécia e uma crítica da cultura e da filosofia Temas Temas tragédia metafísica racionalidade crítica cultural 105 Fonte NIETZSCHE F W Die Geburt der Tragödie aus dem Geiste der Musik 1 ed 1872 2 ed 1874 1878 Die Geburt der Tragödie Oder Griechenthum und Pessimismus Nova edição com tentativa de autocrítica 1886 371013141618 e 24 In Kritische Studienausgabe KSA 1 Herausgegeben von Giorgio Colli und Mazzino Montinari Berlin Walter de Gruyte 1999 3 Agora a montanha mágica do Olimpo como que se abre a nós e nos mostra suas raízes O greg conhecia e sentia os horrores e pavores da existência para ser simplesmente capaz de viver ele tinha de colocar à sua frente a resplandecente fantasia onírica dos olímpicos Aquela imensa desconfiança frente aos poderes titânicos da natureza aquela Moira reinando impiedosa sobre todos os conhecimentos aquele abutre do grande amigo dos homens Prometeu aquele destino terrível do sábio Édipo aquela maldição sobre a linhagem dos Átridas que obriga Orestes ao matricídio e suma toda aquela filosofia do deus selvagem juntamente com seus exemplos míticos da qual pereceram os sombrios Etruscos foi contínua e reiteradamente superada pelos gregos ou pelo menos velada e subtraída ao olhar através daquele mundo intermediário artístico dos olímpicos Para poder viver os gregos tiveram de criar esses deuses por uma necessidade das mais profundas advento que devemos nos representar de modo a conceber que a partir da teogonia titânica srcinária do horror através daquele impulso apolínio à beleza se desenvolveu em lentas transições a teogonia olímpica da alegria como rosas a irromper de um arbusto espinhoso De que outro modo poderia aquele povo tão profundamente sensitivo tão impetuoso no desejo tão particularmente apto ao sofrimento ter suportado a existência se esta mesma não lhe tivesse sido mostrada em seus deuses banhada de uma glória mais elevada O mesmo impulso que chama a arte à vida como complementação e plenificação da existência que seduz a continuar vivendo deu srcem também ao mundo olímpico por meio do qual a vontade helênica pôs diante de si um espelho transfigurador Assim os deuses justificam a vida dos homens ao vivêla eles mesmos a única teodiceia satisfatória A existência sob a clara luz solar de tais deuses é sentida como aquilo que é em si desejável e a verdadeira dor do homem homérico consiste em separarse dela sobretudo na separação iminente de modo que agora poderíamos dizer deles invertendo a sabedoria silênica a pior de todas as coisas é para eles morrer em breve a segunda pior simplesmente morrer um dia Se uma vez soa o lamento ele ressoa por Aquiles de vida curta pelas vicissitudes e mudanças do gênero humano semelhante às folhas pelo ocaso da idade heroica Não é indigno do maior dos heróis ansiar por continuar vivendo mesmo que seja como peão Tão impetuosamente anseia a vontade no estágio apolíneo a essa existência tão unido a ela se sente o homem homérico que mesmo o lamento se torna seu hino de louvor Mas aqui deve ser dito que essa harmonia sim essa unidade do homem com a natureza contemplada tão nostalgicamente pelos homens modernos para a qual Schiller cunhou o termo artístico naif ingênuo não é de modo algum um estado assim tão simples que ocorre por si só de certo modo inevitável que deveríamos encontrar na porta de toda cultura como um paraíso da humanidade somente pôde acreditar nisso uma época que procurou conceber o Emílio de Roussea também como artista e que julgou ter encontrado em Homero um tal artista Emílio educado no coração da natureza Onde nos deparamos com o naif na arte ali podemos reconhecer o efeito supremo da cultura apolínea a qual deve primeiramente derrubar um reino de titãs e matar monstros e através de potentes fantasias alucinatórias e jubilosas ilusões se tornar vitoriosa sobre uma profundeza terrível da consideração de mundo e sobre a mais sensível capacidade para o sofrimento Mas quão raramente é alcançado o naif aquela imersão total na beleza da aparência Quão indizivelmente sublime é por essa razão Homero que está para aquela cultura popular apolínea enquanto indivíduo como o artista onírico individual está para a aptidão onírica do povo e da natureza em geral A ingenuidade homérica só pode ser compreendida como vitória plena da ilusão apolínea essa é uma ilusão tal qual a natureza a emprega tão frequentemente para alcançar seus propósitos O verdadeiro fim é oculto por uma imagem ilusória é a essa imagem que estendemos as mãos e aquele fim é alcançado pela natureza através de nosso engano Nos gregos a vontade quis se contemplar a si mesma na transfiguração do gênio e do mundo artístico para venerar a si mesma suas criaturas tinham de sentirse dignas de veneração elas tinham de se ver refletidas em uma esfera superior sem que esse mundo pleno da contemplação agisse como imperativo ou como exprobação Essa é a esfera da beleza na qual eles viam suas imagens especulares os olímpicos Com esse espelhamento da beleza a vontade helênica lutou contra o talento para o sofrimento e para a sabedoria do sofrimento correlativo ao talento artístico e como monumento de sua vitória temos diante de nós Homero o artista ingênuo 7 O consolo metafísico ao qual nos entrega toda verdadeira tragédia como já indico aqui de que a vida no fundamento das coisas apesar de toda a transitoriedade dos fenômenos seria indestrutivelmente poderosa e plena de júbilo esse consolo aparece com clareza corporal como coro de sátiros como coro de seres da natureza que vivem por assim dizer inextirpavelmente por detrás de toda civilização e que apesar de toda transitoriedade das gerações e da história dos povos permanecem eternamente os mesmos Com esse coro se consola o heleno profundo e singularmente apto ao mais sutil e mais pesado sofrimento que olhou com olhar intrépido para o terrível movimento de aniquilação da assim chamada história mundial assim como para a crueldade da natureza e que corre o risco de ansiar por uma negação budista da vontade Ele é salvo pela arte e pela arte salvase nele a vida O arrebatamento do estado dionisíaco com seu aniquilamento das barreiras e limites ordinários da existência contém com efeito enquanto perdura um elementoletárgico no qual imerge tudo que foi pessoalmente vivenciado no passado Assim o mundo da realidade cotidiana e o mundo da realidade dionisíaca se separam por esse abismo do esquecimento Tão logo porém aquela realidade cotidiana adentra novamente a consciência ela é enquanto tal sentida com nojo uma disposição ascética e negadora da vontade é o fruto daqueles estados Nesse sentido o homem dionisíaco porta uma semelhança com Hamlet ambos lançaram um olhar verdadeiro para o interior da essência das coisas eles conheceram e agir lhes causa náuseas pois seus atos nada podem mudar na essência eterna das coisas eles sentem como ridículo ou vergonhoso que lhes seja exigido reendireitar o mundo que está fora dos gonzos O conhecimento mata a ação para agir é preciso estar velado pela ilusão eis o ensinamento de Hamlet não aquela sabedoria barata de Hans o Sonhador que devido à reflexão em demasia como que por um excesso de possibilidades não chega à ação não é o refletir não é o verdadeiro conhecimento a visão da verdade pavorosa o que predomina sobre todo motivo que impele à ação tanto em Hamlet quanto no homem dionisíaco Agora nenhum consolo mais é efetivo o anseio transcende um mundo após a morte transcende os próprios deuses a existência juntamente com seus reflexos fulgurantes nos deuses ou num imortal além é negada Na consciência Bewusstheit da verdade uma vez contemplada o homem vê agora por todos os lados somente o terrível ou absurdo do ser ele agora compreende o simbólico no destino de Ofélia ele agora reconhece a sabedoria do deus selvagem Sileno ele sente náuseas Aqui nesse perigo supremo da vontade aproximase a arte como feiticeira salvadora como feiticeira da cura somente ela é capaz de converter aqueles pensamentos nauseantes acerca do terrível ou absurdo da existência em representações com as quais se pode viver são elas o sublime enquanto aplacamento artístico do terrível e o cômico enquanto descarga artística da náusea do absurdo O coro de sátiros do ditirambo é o ato salvador da arte grega no mundo intermediário desses acompanhantes dionisíacos se esgotavam aqueles assaltos descritos há pouco 10 É uma tradição incontestável que a tragédia grega em sua configuração mais antiga tinha por objeto somente os sofrimentos de Dionísio e que durante muito tempo o único herói cênico presente era justamente Dionísio Contudo podemos afirmar com a mesma certeza que até Eurípedes Dionísio nunca deixou de ser o herói trágico que pelo contrário todas as famosas figuras do palco grego Prometeu Édipo etc são apenas máscaras daquele herói primordial Dionísio Que po detrás de todas essas máscaras se oculta uma divindade eis a razão essencial para a típica idealidade tão frequentemente admirada daquelas famosas figuras Foi afirmado por não sei que que todos os indivíduos seriam enquanto indivíduos cômicos e portanto nãotrágicos de onde se deveria deduzir que os gregos simplesmente não podiam suportar indivíduos no palco trágico De fato eles parecem ter sentido dessa forma assim como aquela distinção e estimação platônica da ideia em contraposição ao ídolo à cópia está profundamente alicerçada na essência helênica Mas para nos servirmos da terminologia de Platão seria preciso falar das figuras trágicas do palco helênico mais ou menos da seguinte maneira o único Dionísio verdadeiramente real aparece em uma pluralidade de figuras na máscara de um herói guerreiro e como que envolto na trama da vontade individual Do modo como fala e age agora o deus que aparece ele se assemelha a um indivíduo errante aspirante e sofredor e o que faz com que ele apareça com essa precisão e nitidez épica é a ação do Apolo oniromante que decifra para o coro seu estado dionisíaco através daquela aparição alegórica Na verdade porém aquele herói é o Dionísio sofredor dos Mistérios aquele deus que experimenta em si os sofrimentos da individuação acerca do qual mitos maravilhosos narram como ele foi despedaçado quando menino pelos titãs e é agora adorado nesse estado como Zagreu aqui é sugerido que esse despedaçamento o verdadeiro sofrimento dionisíaco seria idêntico a uma transformação em ar água terra e fogo que nós portanto deveríamos considerar o estado de individuação como a fonte e causa primordial de todo sofrimento como algo em si condenável Do sorriso desse Dionísio se srcinaram os deuses olímpicos de suas lágrimas os homens Naquel existência enquanto deus despedaçado Dionísio tem a natureza dupla de um demônio cruel e selvagem e de um soberano brando e benevolente Mas a esperança dos epoptas era de u renascimento de Dionísio que devemos conceber agora de modo premonitório como o fim da individuação era a este terceiro Dionísio vindouro que soava o canto bramante de júbilo dos epoptas E somente nessa esperança há um brilho de alegria sobre a face do mundo dilacerado destroçado em indivíduos como é figurado pelo mito através da imagem de Deméter imersa em luto eterno que se realegra pela primeira vez ao ser informada que poderia mais uma vez dar à luz Dionísio Nas intuições aduzidas já temos juntos todos os componentes de uma consideração de mundo profunda e pessimista e com isso ao mesmo tempoa doutrina da tragédia presente nos istérios o conhecimento fundamental da unidade de todo o existente a consideração da individuação como a causa primordial do mal a arte como a jubilosa esperança de que o feitiço da individuação pode ser quebrado como o pressentimento de uma unidade restabelecida Foi aludido precedentemente que oepos homérico é a poesia da cultura olímpica com a qual ela entoou seu próprio canto de triunfo sobre os horrores da batalha titânica Agora sob a influência preponderante da poesia trágica os mitos homéricos renascem transmutados e mostram nessa metempsicose que entrementes também a cultura olímpica foi vencida por uma consideração de mundo ainda mais profunda O pertinaz titã Prometeu anunciou ao seu torturador olímpico que um di seu domínio seria ameaçado pelo maior dos perigos caso não se aliasse a ele no devido tempo E Ésquilo reconhecemos o pacto do Zeus apavorado temendo seu fim com o Titã Assim a antiga er tiânica é serodiamente trazida mais uma vez do Tártaro à luz A filosofia da natureza selvagem e nua contempla os mitos do mundo homérico a passarem dançantes diante de si com a face desvelada da verdade eles empalidecem eles estremecem diante dos olhos lampejantes dessa deusa até que o poderoso punho do artista dionisíaco os compele ao serviço da nova divindade A verdade dionisíaca assume todo o âmbito do mito como símbolode seus conhecimentos e os pronuncia em parte no culto público da tragédia em parte nas celebrações secretas das festividades dramáticas dos Mistérios mas sempre sob o antigo manto mítico Qual foi aquela força que libertou Prometeu d seus abutres e transformou o mito em veículo da sabedoria dionisíaca É a força hercúlea da música que enquanto tal tendo chegado à sua suprema aparição na tragédia sabe interpretar o mito com nova e profundíssima significação do mesmo modo como já tivemos que caracterizar isso anteriormente como a mais poderosa faculdade da música Pois é a sina de todo mito arrastarse gradualmente para dentro da obtusidade de uma suposta realidade histórica e ser tratado por alguma época futura como um fato singular com pretensões históricas e os gregos já estavam inteiramente a caminho de com perspicácia e arbítrio colocar sobre o seu sonho mítico de juventude o selo de uma narrativa de juventude históricopragmática Pois esse é o modo como as religiões costuma perecer a saber quando os pressupostos míticos de uma religião são sistematizados sob os olhos severos e intelectuais de um dogmatismo ortodoxo como um conjunto acabado de eventos históricos e começase então a defender temerosamente a credibilidade dos mitos mas resistindo a sua natural sobrevivência e propagação quando portanto o sentimento para o mito perece e o seu lugar é assumido pela pretensão da religião a fundamentos históricos Esse mito agonizante foi então tomado pelo recémnascido gênio da música dionisíaca e em suas mãos ele floresceu novamente com cores que jamais mostrara com um eflúvio que excitou um vislumbre nostálgico de um mundo metafísico Após este último fulgor ele rui suas folhas murcham e logo os zombeteiros Lucianos da Antiguidade se precipitam para capturar as flores desbotadas e devastadas carregadas por todos os ventos Através da tragédia o mito alcança seu conteúdo mais profundo sua forma mais plena de expressão uma vez mais ele se ergue como um herói ferido e em seus olhos arde com derradeiro e poderoso brilho toda a abundância de força juntamente com a tranquilidade plena de sabedoria daquele que já sente a morte iminente Que querias tu sacrílego Eurípedes quando buscaste forçar este moribundo mais uma vez laborar para ti Ele pereceu sob tuas mãos violentas e agora necessitavas de um mito plagiado mascarado que como o macaco de Hércules apenas soubesse ornamentarse com a velha pompa E assim como o mito morreu para ti também morreu para ti o gênio da música e mesmo saqueando com mão voraz todos os jardins da música ainda assim alcançaste apenas uma música plagiada e mascarada E uma vez que abandonaste Dionísio Apolo também te abandonou afugenta todas a paixões e as atrai para teu círculo retalha e lapida apropriadamente uma dialética sofística para as falas de teus heróis também os teus heróis têm somente paixões decalcadas e mascaradas e proferem apenas falas decalcadas e mascaradas 13 Porém a mais pungente palavra em favor daquela nova e inaudita apreciação do saber e do conhecimento foi proferida por Sócrates ao constatar ser o único que confessava a si mesmo nada saber enquanto deparava por toda parte durante suas andanças críticas por Atenas em casa dos grandes estadistas oradores poetas e artistas com a presunção do saber Com espanto ele reconheceu que a todas aquelas celebridades faltava um conhecimento correto e seguro mesmo acerca de suas profissões e que elas as exerciam somente por instinto Somente por instinto co essa expressão tocamos o coração e o núcleo da tendência socrática Com ela o socratismo condena igualmente a arte vigente como a ética vigente aonde quer que ele dirija seu olhar examinador ele vê a falta de conhecimento e o poder da ilusão e infere dessa falta a obliquidade e condenabilidade internas daquilo que era vigente A partir desse único ponto Sócrates acreditava ter de corrigir a existência ele enquanto indivíduo único adentra com o semblante do desprezo e da superioridade como o precursor de um tipo inteiramente distinto de cultura arte e moral um mundo cujas bordas teríamos a maior felicidade e honra em tocar Essa é a enorme suspeita que a cada vez nos acomete em face de Sócrates e que nos incit reiteradamente a reconhecer o sentido e a intenção desse que é o mais problemático dos fenômenos da Antiguidade Quem é esse que enquanto indivíduo único se permite negar a essência grega a qual como Homero Píndaro e Ésquilo como Fídias como Péricles como Pítia e Dionísio como mais profundo abismo e a mais elevada altura está segura de nossa admirada adoração Que força demoníaca é essa que se atreve a derramar no pó este elixir mágico Que semideus é esse ao qual o coro de espíritos dos mais nobres da humanidade tem de bramir Ai Ai Tu o destruíste o belo mundo com poderoso punho ele desmorona ele rui Uma chave para a compreensão da natureza de Sócrates nos é dada por aquele fenômeno maravilhoso que é designado como demônio de Sócrates Em circunstâncias especiais nas quai seu imenso entendimento começa a vacilar ele recebia um ponto de apoio firme através de uma voz divina que se manifestava em tais momentos Quando surge essa voz sempredissuade Nessa natureza absolutamente anormal essa sabedoria instintiva se revela apenas para aqui e ali se contrapor obstrutivamente ao conhecimento consciente Enquanto em todos os homens produtivos o instinto é justamente a força criadoraafirmativa e é a consciência que se porta de modo crítico e dissuasivo em Sócrates o instinto se torna crítico a consciência criadora uma verdadeira monstruosidade per defectum Com efeito percebemos aqui umdefectus monstruoso de toda tendência mística de modo que Sócrates deveria ser designado como o específico nãomístico no qual a natureza lógica é tão excessivamente desenvolvida por uma superfetação quanto o é aquela sabedoria instintiva no místico Por outro lado porém foi inteiramente negada àquele impulso lógico que se manifestava em Sócrates a possibilidade de se voltar contra si mesmo nessa torrente impetuosa ele revela uma tal violência de natureza como só a encontramos para nosso aterrorizado espanto entre as maiores de todas as forças instintivas Aquele que sentiu um só sopro daquela divina ingenuidade e segurança do modo de vida socrático a partir dos escritos platônicos sente também como a roda impulsora do socratismo lógico está por assim dizer em movimento por detrás de Sócrates e como isso deve ser contemplado através de Sócrates como através de uma sombra Que ele mesmo contudo tinha um pressentimento dessa circunstância eis algo que se expressa na seriedade solene com a qual ele invocava por toda parte sua vocação divina e a invocou ainda frente a seus juízes Refutálo nesse ponto era no fundo tão impossível quanto assentir à sua influência que dissolvia os instintos Frente a esse conflito insolúvel quando ele foi enfim levado diante do fórum do estado grego apenas uma forma de condenação era ordenada o exílio como algo absolutamente enigmático irrubricável inexplicável eles estavam autorizados a expulsálo para além das fronteiras sem que alguma posteridade tivesse o direito de acusar os atenienses de um ato ignominioso Mas que a morte e não somente o exílio tenha sido pronunciada contra ele eis algo que parece ter sido imposto pelo próprio Sócrates com plena lucidez e sem o horror natural diante da morte ele caminhou para a morte com aquela tranquilidade com a qual ele segundo a descrição de Platão deixa o banquete nos primeiros alvores da aurora como o último dos bebedores para começar um novo dia enquanto atrás dele nos bancos e no chão permanecem adormecidos os comensais a sonharem com Sócrates o verdadeiro erótico O Sócrates moribundo se tornou o novo ideal jamais contemplado alhures da nobre juventude grega e foi o típico mancebo helênico Platão quem acima de todos se prostrou frente a essa imagem com toda a fervorosa entrega de sua alma entusiástica 14 Aqui o pensamento filosófico subjuga a arte e a constrange a agarrarse estritamente ao caule da dialética No esquematismo lógico encasulouse a tendência apolínea do mesmo modo como tivemos de perceber em Eurípedes algo correspondente e além disso uma tradução do dionisíaco em afeto naturalista Sócrates o Herói dialético no drama platônico nos lembra a naturez aparentada do herói euripidiano que tem de defender seus atos por meio de razões e contrarrazões e assim corre frequentemente o risco de ser privado de nossa compaixão trágica pois quem poderia desconhecer o elementootimista na essência da dialética que celebra em cada inferência seu jubileu e só é capaz respirar na clareza e consciência frias o elemento otimista que uma vez penetrado na tragédia tem de progressivamente se apoderar de suas regiões dionisíacas e impelilas necessariamente ao autoaniquilamento até o salto mortal para o espetáculo burguês Evoquemos apenas as consequências das sentenças socráticas Virtude é saber só se erra por desconhecimento o virtuoso é o feliz nessas três formas fundamentais do otimismo jaz a morte da tragédia Pois agora o herói virtuoso tem de ser dialético agora tem de haver entre virtude e sabedoria entre crença e moral um nexo necessário e visível agora a solução transcendental da ustiça de Ésquilo é rebaixada ao princípio raso e impertinente da justiça poética com seu vulgar deus ex machina Como aparece agora em face desse novo mundo cênico socráticootimista ocoro e em geral todo o mundo subterrâneo musicaldionisíaco da tragédia Como algo casual como uma reminiscência facilmente prescindível da srcem da tragédia enquanto reconhecemos por outro lado que o coro só pode ser entendido como causa e fundamento da tragédia e do trágico em geral Já em Sófocles se mostra aquela perplexidade com relação ao coro um importante sinal de que j com ele começa a desmoronar o chão dionisíaco da tragédia Ele não ousa mais confiar ao coro a parcela principal do efeito antes ele restringe seu alcance de tal forma que ele agora aparece quase coordenado com os atores como se ele fosse suspenso da orquestra para dentro da cena com o que sua essência é sem dúvida totalmente destruída mesmo que Aristóteles dê sua aprovação justamente a esta concepção do coro Aquele deslocamento da posição do coro que Sófocles recomendou e todo caso através de sua praxis e conforme a tradição até mesmo por meio de um escrito é o primeiro passo para o aniquilamento do coro cujas fases se sucedem umas às outras com rapidez assustadora em Eurídepes Agaton e na Comédia Nova A dialética otimista com o flagelo de seu silogismos expulsa a música da tragédia isto é ela destrói a essência da tragédia que pode ser interpretada unicamente como manifestação e figuração de estados dionisíacos como simbolização visual da música como o mundo onírico de uma embriaguez dionisíaca Caso tenhamos que supor portanto uma tendência antidionisíaca atuante já antes de Sócrates que somente nele adquire uma expressão incrivelmente imponente nesse caso não devemos recuar frente à questão de para onde aponta então um fenômeno tal como o de Sócrates o qual em vista dos diálogos platônicos não podemos compreender como um poder meramente dissolutivo e negativo E tão certamente quanto o efeito mais imediato do impulso socrático visava a desagregação da tragédia dionisíaca assim também uma profunda experiência de vida do próprio Sócrates nos obriga à pergunta se então entre o socratismo e a arte existe necessariamente apenas uma relação antipódica e se o nascimento de um Sócrates artístico é algo em si absolutamente contraditório Com efeito aquele lógico despótico tinha aqui e ali frente à arte o sentimento de uma lacuna de um vazio de uma meiaexprobação de um dever talvez não cumprido Com frequência lhe vinha como relata aos seus amigos na prisão a mesma aparição onírica que dizia sempre a mesma coisa Sócrates faça música Ele se tranquiliza até seus últimos dias com o pensamento de que se filosofar seria a suprema arte das musas e não acredita realmente que uma divindade virá lhe lembrar daquela vulgar música popular Por fim na prisão para libertar inteiramente sua consciência moral ele se dispõe ainda a fazer aquela música menosprezada por ele E nessa disposição ele compõe um proêmio a Apolo e coloca em versos algumas fábulas esópicas Foi algo semelhante à preventiva voz daimônica o que o impeliu a tais exercícios foi sua intuição apolínea de que ele como um deus bárbaro não compreendia uma nobre imagem divina e corria o risco de pecar contra uma divindade através de sua incompreensão Aquela palavra da aparição onírica socrática é o único sinal de uma hesitação quanto aos limites da natureza lógica talvez assim ele teve de se perguntar aquilo que não me é compreensível não seja também imediatamente o incompreensível Talvez haja um reino da sabedoria do qual o lógico está banido Talvez a arte seja até mesmo um necessário correlato e suplemento da ciência 16 Como se relaciona a música para com a imagem e o conceito Schopenhauer a que Richard Wagner elogia a insuperável clareza e transparência de exposição justamente nesse ponto manifestase a esse respeito do modo mais detalhado na seguinte passagem que eu reproduzirei aqui em toda sua extensãoO mundo como vontade e representação I p 309 Segundo tudo isso podemos ver o mundo fenomênico ou a natureza e a música como duas expressões diversas da mesma coisa a qual por essa razão é ela mesma o único mediador da analogia entre ambas cujo conhecimento é exigido para se compreender aquela analogia Por conseguinte a música é quando vista como expressão do mundo uma linguagem universal no mais alto grau que está até mesmo para a universalidade dos conceitos mais ou menos como estes estão para as coisas particulares Sua universalidade entretanto não é de modo algum aquela universalidade vazia da abstração mas antes uma de natureza totalmente diversa e está ligada a uma clara e absoluta determinidade Nisso ela se assemelha às figuras geométricas e aos números que enquanto formas universais de todos os objetos possíveis da experiência e a eles aplicáveis a priori nem por isso são abstratos mas sim intuitivos e absolutamente determinados Todas as possíveis aspirações excitações e manifestações da vontade todos aqueles processos no íntimo do homem que a razão lança no vasto conceito negativo de sentimento podem ser expressos através das inúmeras melodias possíveis mas sempre na universalidade da mera forma sem a matéria sempre apenas segundo o emsi não segundo o fenômeno como sua mais íntima alma sem corpo A partir dessa relação íntima que a música mantém para com a verdadeira essência de todas as coisas podese explicar também o fato de que quando para alguma cena ação evento ambiente soa uma música adequada esta parece nos revelar o mais secreto sentido destes e surge como o mais correto e mais claro comentário acerca deles do mesmo modo que para aquele que se entrega inteiramente à impressão de uma sinfonia é como se ele visse todos os possíveis processos da vida e do mundo em si desfilando à sua frente contudo ao meditar não é capaz de indicar nenhuma semelhança entre aquele jogo tonal e as coisas que pairam diante dele Pois a música se distingue de todas as outras artes pelo fato de não ser uma cópia do fenômeno ou mais corretamente da adequada objetidade da vontade mas imediatamente cópia da própria vontade e representa portanto o lado metafísico de tudo o que físico no mundo a coisa em si de todo fenômeno Por conseguinte poderíamos chamar o mundo tanto de música encarnada como de vontade encarnada a partir disso podese esclarecer por que a música realça imediatamente cada pintura sim cada cena da vida real e do mundo elevando sua significatividade tanto mais com efeito quanto mais análoga for sua melodia com relação ao espírito íntimo do fenômeno dado Nisso repousa o fato de podermos submeter à música um poema como canto ou uma apresentação intuitiva como pantomima ou ambos como ópera Tais imagens individuais da vida humana submetidas à linguagem universal da música jamais lhe estão associadas ou lhe correspondem com necessidade absoluta antes elas mantêm com ela somente a relação de um exemplo arbitrário para com um conceito geral elas representam na determinidade da realidade efetiva aquilo que a música expressa na universalidade da mera forma Pois as melodias são em certa medida assi como os conceitos universais umabstractum da realidade efetiva Esta com efeito ou seja o mundo das coisas individuais fornece o intuitivo o singular e individual o caso particular tanto para a universalidade dos conceitos quanto para a universalidade da música duas universalidades que contudo se contrapõem uma à outra em certo aspecto na medida em que os conceitos contêm apenas as formas primeiramente abstraídas da intuição por assim dizer a casca externa retirada das coisas ou seja são inteira e realmente abstracta ao passo que a música ao contrário nos dá o núcleo ou o coração íntimo das coisas que precede toda figuração Essa relação poderia ser realmente bem expressa na linguagem dos escolásticos na medida em que se dissesse os conceitos são os universalia post rem a música porém fornece osuniversalia ante rem e a realidade efetiva os universalia in re Que contudo uma relação entre uma composição e uma apresentação intuitiva seja meramente possível isso repousa como foi dito no fato de que ambas são apenas expressões totalmente diversas da mesma essência íntima do mundo E quando uma tal relação está realmente presente num caso particular ou seja quando o compositor soube expressar na linguagem universal da música os movimentos da Vontade que constituem o núcleo de um evento nesse caso a melodia da canção a música da ópera são plenas de expressão Mas a analogia encontrada pelo compositor entre aquelas duas tem de ter vindo do conhecimento imediato da essência do mundo inconsciente à sua razão e não pode ser uma imitação mediada por conceitos com intencionalidade consciente de outro modo a música não expressará a essência íntima a Vontade mesma antes ela imitará de modo insuficiente apenas seu fenômeno como o faz toda música propriamente figurativa Portanto compreendemos a música conforme a doutrina de Schopenhauer como a linguagem da vontade imediatamente e sentimos nossa fantasia impelida a configurar aquele mundo de espíritos que fala a nós invisível e no entanto tão vivamente movido e a incorporálo para nós em um exemplo análogo Por outro lado imagem e conceito chegam a uma elevada significatividade sob o efeito de uma música verdadeiramente correspondente Assim dois tipos de efeito costumam ser exercidos pela arte dionisíaca sobre a faculdade artística apolínea a música incita à contemplação alegórica da universalidade dionisíaca fazendo então emergir a imagem alegóricana mais alta significatividade Desses fatos compreensíveis em si e acessíveis a qualquer observação profunda eu deduzo a capacidade da música para dar à luz o mito isto é o exemplo mais significativo e ustamente o mitotrágico o mito que fala do conhecimento dionisíaco em alegorias Por meio do fenômeno do lírico expus como a música no lírico anela a manifestar sua essência em imagens apolíneas se pensarmos agora que a música em sua mais alta intensificação deve procurar alcançar ainda a mais elevada figuração deveremos então considerar possível que ela saiba encontrar também a expressão simbólica para a sua verdadeira sabedoria dionisíaca e em que outro lugar deveremos procurar esta expressão senão na tragédia e no conceito do trágico Da essência da arte tal como ela é comumente compreendida unicamente segundo a categoria da aparência e da beleza não se pode absolutamente deduzir o trágico de forma honesta somente a partir do espírito da música compreendemos uma alegria no aniquilamento do indivíduo Pois somente por meio dos exemplos particulares de um tal aniquilamento se nos torna claro o fenômeno eterno da arte dionisíaca que exprime a vontade em sua onipotência como que por detrás do rincipio individuationis a vida eterna para além de todo fenômeno e apesar de todo aniquilamento A alegria metafísica com o trágico é uma tradução da sabedoria dionisíaca instintivamente inconsciente para a linguagem da imagem o herói o fenômeno supremo da vontade é negado para nosso prazer pois afinal ele é apenas fenômeno e através de seu aniquilamento a vida eterna da vontade sequer é tocada Nós acreditamos na vida eterna assim clama a tragédia enquanto a música é a ideia imediata dessa vida Um objetivo inteiramente diverso é perseguido pela arte do artista plástico aqui Apolo supera o sofrimento do indivíduo por meio da veneração luminosa da eternidade do fenômeno aqui a beleza triunfa sobre o sofrimento inerente à vida a dor é em certo sentido suprimida dos traços da natureza através de uma ilusão Na arte dionisíaca e em seu simbolismo trágico é a mesma natureza que se dirige a nós com sua verdadeira voz não dissimulada Sede como sou A mãe primordial eternamente criadora em meio à incessante mudança dos fenômenos aquela que impele eternamente à existência que eternamente se satifaz com essa transitoriedade do fenômeno 18 É um fenômeno eterno a vontade ávida sempre encontra um meio de manter suas criaturas na vida e de impelilas à continuação da vida através de uma ilusão estendida sobre as coisas Este é enlaçado pelo prazer socrático do conhecer e pela ilusão de por meio dele poder curar a chaga eterna da existência aquele é envolto pelo véu sedutor da beleza da arte a adejar diante de seus olhos aquele outro por sua vez pelo consolo metafísico de que por baixo do torvelinho dos fenômenos continua a fluir indestrutível a vida eterna para não falar das ilusões mais comuns e quase ainda mais potentes que a vontade prontifica a cada instante Esses três níveis de ilusão estão destinados somente às naturezas mais nobremente dotadas que sentem em geral com mais profundo desprazer o fardo e o peso da existência e que precisam ser iludidas e assim afastadas desse desprazer por meio de estimulantes selecionados Desses estimulantes constituise tudo o que chamamos cultura conforme a proporção da mistura temos uma cultura preferencialmente socrática artística ou trágica ou se me permitem exemplificações históricas há ou uma cultura alexandrina ou helênica ou budista Todo o nosso mundo moderno está enredado nas tramas da cultura alexandrina e conhece como ideal o homem teórico provido das mais altas forças cognitivas a trabalhar a serviço da ciência cuja arquétipo e progenitor é Sócrates Todos os nossos meios educacionais têm como meta srcinalmente este ideal toda outra existência deve empenharse arduamente para se colocar acessoriamente à altura como uma existência permitida não como existência desejada Num sentido quase aterrorizante por muito tempo o homem culto foi encontrado aqui apenas na forma do erudito mesmo as nossas artes poéticas tiveram de desenvolverse a partir de imitações eruditas e no efeito principal da rima reconhecemos ainda o nascimento de nossa forma poética a partir de experimentos artificiais com uma linguagem não familiar e verdadeiramente erudita Quão incompreensível deveria parecer a um grego legítimo o moderno homem de cultura o em si compreensível Fausto a precipitarse com todas as faculdades insatisfeito entregandose pelo impulso ao saber à magia e ao diabo e que devemos pôr ao lado de Sócrates apenas para comparálos e reconhecer que o homem moderno começa a entrever os limites daquele prazer socrático do conhecimento e do vasto e tumultuoso mar do saber ele anseia por uma costa Quando Goethe declara a Eckelmann e relação a Napoleão Sim meu caro há também uma produtividade dos atos ele lembrou de forma graciosamente ingênua que o homem não teórico é para o homem moderno algo inverossímil e espantoso de modo que é novamente necessária a sabedoria de um Goethe para se achar compreensível sim perdoável uma forma de existência tão estranha E agora não devemos ocultarnos o que jaz velado no seio dessa cultura socrática O otimismo que se imagina sem limites Agora não devemos nos espantar se os frutos desse otimismo amadurecem se a sociedade fermentada até suas camadas mais baixas por uma tal cultura começa gradualmente a estremecer sob agitações e desejos suntuosos se a crença na felicidade terrena de todos se a crença na possibilidade de uma tal cultura universal do saber se converte gradualmente na exigência ameaçadora de uma tal felicidade terrena alexandrina na conjuração de umdeus ex machina euridipiano Devemos observar a cultura alexandrina necessita de uma classe de escravos para poder existir de modo duradouro mas ela nega em sua consideração otimista da existência a necessidade de uma tal classe e assim uma vez consumido o efeito de suas belas palavras sedutoras e tranquilizadoras acerca da dignidade do homem e da dignidade do trabalho vai gradualmente de encontro a um aniquilamento terrível Não há nada mais terrível do que uma classe bárbara de escravos que aprendeu a ver sua existência como uma injustiça e se dispõe a fazer vingança não apenas por si mas por todas as gerações Quem ousa contra tais tempestades ameaçadoras co ânimo seguro apelar às nossas religiões pálidas e cansadas que degeneraram mesmo em seus fundamentos em religiões de eruditos de modo que o mito o pressuposto necessário de toda religião já se encontra paralisado por toda parte e mesmo nesse âmbito alcançou o domínio aquele espírito otimista que acabamos de designar como o germe de aniquilamento da nossa sociedade Enquanto o infortúnio adormecido no seio da cultura teórica começa gradualmente a atemorizar o homem moderno e ele inquieto lança mão de meios do tesouro de suas experiências para desviar o perigo sem realmente acreditar nesses meios enquanto ele portanto começa a vislumbrar suas próprias consequências grandes naturezas de disposição universal souberam utilizar com uma circunspecção inacreditável o arsenal da própria ciência a fim de expor os limites e a condicionalidade do conhecimento em geral e assim rejeitar de modo decisivo a pretensão da ciência à validade universal e a metas universais demonstração na qual foi reconhecida pela primeira vez enquanto tal aquela representação ilusória que pela mão da causalidade se pretende ser capaz de perscrutar a essência mais íntima das coisas A enorme coragem e sabedoria de Kant e Schopenhauer alcançou a mais difícil vitória a vitória sobre o otimismo que jaz oculto na essência da lógica o qual por sua vez é o fundamento subterrâneo da nossa cultura Se este havia acreditado na cognoscibilidade e perscrutabilidade de todos os enigmas do mundo apoiado nas aeternae veritates para ele indubitáveis e tratado espaço tempo e causalidade como leis inteiramente incondicionadas e de validade absolutamente universal Kant revelou como estas na verdade servia apenas para elevar o mero fenômeno a obra de Maia à única e suprema realidade e colocálas no lugar da verdadeira essência mais íntima das coisas tornando assim impossível o conhecimento efetivo acerca dela isto é conforme uma expressão de Schopenhauer para fazer adormecer ainda mais profundamente o sonhador O mundo como vontade e representação I p 498 Com esse conhecimento é inaugurada uma cultura que ouso designar como trágica cujo atributo mais importante é que no lugar da ciência como meta suprema é colocada a sabedoria a qual não se deixando iludir pelos sedutores descaminhos da ciência se volta com olhar imóvel para a imagem total do mundo e com um sentimento simpático de amor procura apreender nela o sofrimento eterno como o próprio sofrimento 24 Entre os efeitos artísticos próprios da tragédia musical tivemos de salientar uma ilusão apolínea por meio da qual devemos ser salvos da unidade imediata com a música dionisíaca enquanto nossa excitação musical pode descarregarse num âmbito apolíneo e num mundo visual intermediário intercalado entre ambos Nisso acreditamos ter observado como exatamente por meio desse descarregamento aquele mundo intermediário da ação cênica o drama em geral se tornou a partir deles visível e compreensível num grau inatingível em qualquer outra arte apolínea de modo que tivemos de reconhecer aqui onde essa arte foi por assim dizer animada e alçada pelo espírito da música a mais alta intensificação de suas forças e assim naquela aliança fraterna entre Apolo e Dionísio o ápice das intenções artísticas tanto apolíneas quanto dionisíacas É claro que a imagem luminosa apolínea não alcançava exatamente nessa iluminação interna por meio da música o efeito próprio dos graus mais fracos da arte apolínea aquilo de que a epopeia ou a pedra animada são capazes constranger o olho que contempla àquele encantamento tranquilo com o mundo daindividuatio eis algo que aqui apesar de uma animação e nitidez superiores não podia ser alcançado Nós contemplamos o drama e penetramos com olhar perfurante no seu movimentado mundo interior dos motivos e no entanto era como se uma imagem alegórica desfilasse diante de nós cujo sentido mais profundo acreditávamos quase decifrar e que desejávamos puxar tal qual uma cortina a fim de vislumbrar por detrás dela a imagem srcinária Essa mais clara nitidez da image não nos bastava pois ela parecia revelar algo tanto quanto ocultálo e enquanto ela parecia com sua revelação alegórica incitar a rasgar o véu a desvelar o fundo misterioso era precisamente aquela visibilidade plena plenamente iluminada que por sua vez mantinha o olho enfeitiçado e o impedia de penetrar mais profundamente Quem não vivenciou isso ter de olhar e ao mesmo tempo ansiar para além do olhar dificilmente poderá imaginar quão clara e distintamente esses dois processos coexistem e são coextensivamente sentidos na consideração do mito trágico enquanto os espectadores verdadeiramente estéticos me confirmarão que entre os efeitos próprios da tragédia o que há de mais notável é aquela coexistência Transfiramos agora esse fenômeno do espectador estético para um processo análogo no artista trágico e teremos entendido a gênese domito trágico Ele compartilha com a esfera artística apolínea o prazer pleno na aparência e na contemplação ao mesmo tempo em que nega esse prazer obtendo uma satisfação ainda mais elevada no aniquilamento do mundo visível da aparência O conteúdo do mito trágico é inicialmente um acontecimento épico com a glorificação do herói guerreiro mas de onde provém aquele traço em si enigmático de que o sofrimento no destino do herói as mais dolorosas superações as mais angustiantes oposições dos motivos em suma a exemplificação daquela sabedoria de Sileno ou expresso esteticamente o feio e desarmônico é reiteradamente apresentado em tantas e inumeráveis formas com tal devoção e precisamente na idade mais exuberante e juvenil de um povo senão justamente do fato de que nisso tudo é sentido um prazer superior Pois que a vida decorra realmente de modo tão trágico isso é o que menos explicaria o surgimento de uma forma de arte se diferentemente a arte não é apenas imitação da realidade da natureza mas justamente um suplemento metafísico dessa realidade da natureza colocado ao lado dela para sua superação O mito trágico na medida em que pertence à arte é parte integral nesse propósito metafísico de transfiguração próprio à arte em geral porém o que é por ele transfigurado quando apresenta o mundo do fenômeno sob a imagem do herói sofredor Não é a realidade desse mundo fenomênico pois ele nos diz precisamente Vede Vede com atenção Essa é vossa vida Esse é o ponteiro no relógio de vossa existência E essa vida era mostrada pelo mito a fim de com isso transfigurála diante de nós Mas se não é esse caso onde repousa então o prazer estético com o qual fazemos desfilar diante de nós também aquelas imagens Eu pergunto pelo prazer estético e sei perfeitamente que muitas dessas imagens além disso podem produzir por vezes ainda um deleite moral como na forma da compaixão ou de um triunfo moral Contudo quem quisesse deduzir o efeito do trágico unicamente destas fontes morais como certamente foi comum na estética por um tempo demasiadamente longo não pode crer ter com isso feito algo em prol da arte a qual deve exigir sobretudo pureza em seu domínio Para o esclarecimento do mito trágico a primeira exigência é justamente procurar o prazer que lhe é próprio na esfera puramente estética sem se estender ao âmbito da compaixão do temor do moralmente sublime Como podem o feio e o desarmônico o conteúdo do mito trágico suscitar um prazer estético Aqui se faz então necessário que nos lancemos com um movimento ousado para dentro de uma metafísica da arte e para isso eu repito a sentença anterior de que apenas como fenômeno estético a existência e o mundo aparecem justificados um sentido no qual justamente o mito trágico deve nos convencer que mesmo o feio e o desarmônico são um jogo artístico que a vontade joga consigo mesma na plenitude eterna de seu prazer Esse fenômeno primordial da arte dionisíaca de difícil apreensão é contudo apreendido de modo compreensível e imediato no significado maravilhoso da dissonância musical assim como unicamente a música posta ao lado do mundo pode oferecer um conceito do que se deve entender por justificação do mundo como fenômeno estético O prazer produzido pelo mito trágico tem a mesma procedência que a sensação prazerosa da dissonância na música O dionisíaco com seu prazer primordial percebido mesmo na dor é a matriz comum da música e do mito trágico Ao recorrermos à relação musical da dissonância aquele difícil problema do efeito trágico não se tornou entrementes essencialmente mais fácil Sim agora entendemos o que quer dizer na tragédia querer olhar e ao mesmo tempo ansiar para além do olhar estado que no tocante à dissonância empregada artisticamente deveríamos caracterizar precisamente como aquele no qual queremos ouvir e ansiamos ao mesmo tempo para além do ouvir Aquele desejo pelo infinito o bater de asas do anseio no supremo prazer diante da realidade efetiva claramente percebida lembra que nos é mister reconhecer em ambos os estados um fenômeno dionisíaco que nos revela sempre reiteradamente o lúdico construir e destruir do mundo individual enquanto efusão de um prazer primordial de forma semelhante a quando Heráclito o obscuro compara a força criadora do mundo a uma criança que brincando assenta pedras aqui e ali construindo montes de areia e novamente deitandoos abaixo Portanto para apreciar corretamente a aptidão dionisíaca de um povo deveremos pensar não somente na música do povo mas também de modo igualmente necessário no mito trágico desse povo como o segundo testemunho daquela aptidão Da mesma forma podese agora supor por ocasião desse estreito parentesco entre música e mito que uma degeneração e depravação de um será acompanhada por uma atrofia da outra se de outra parte no enfraquecimento do mito em geral venha a se expressar um amortecimento da faculdade dionisíaca Acerca de ambos porém um olhar sobre o desenvolvimento da natureza alemã não poderia nos deixar em dúvida na ópera como no caráter abstrato de nossa existência destituída de mito numa arte rebaixada ao entretenimento como numa vida guiada pelo conceito se nos revelou aquela natureza do otimismo socrático igualmente inartística e consumidora da vida Para nosso consolo contudo havia sinais de que apesar disso o espírito alemão intocado na magnífica saúde profundeza e força dionisíaca tal qual um cavaleiro profundamente adormecido repousa e sonha num abismo inacessível abismo do qual emerge em direção a nós a canção dionisíaca a fim de nos dar a entender que este cavaleiro alemão mesmo agora ainda sonha seu mito dionisíaco primevo em austeras visões bemaventuradas Que ningué creia que o espírito alemão tenha perdido para sempre sua pátria mítica se ele ainda compreende de modo tão claro os cantos de pássaro que narram sobre aquela pátria Um dia ele se encontrará desperto em toda a frescura matinal de um sono imenso então ele matará dragões aniquilará os anões traiçoeiros e despertará Brunilda e nem mesmo a lança de Wotan será capaz de impedir seu caminho Meus amigos vós que acreditais na música dionisíaca sabeis também o que a tragédia significa para nós Nela temos o mito trágico renascido da música e nele podeis depositar todas as suas esperanças e esquecer o mais doloroso O mais doloroso porém é para todos nós o longo aviltamento sob o qual o espírito alemão alienado de casa e de pátria vivia a serviço de anões traiçoeiros Vós compreendeis estas palavras como compreendereis também por fim minhas esperanças Sigmund Freud Sigmund Freud O poeta e o fantasiar O poeta e o fantasiar O poeta e O poeta e o fantasia o fantasiar r106 106 Sigmund Freud 18561939 Sigmund Freud 18561939 Tradução rnani Chaves O que a psicanálise teria a nos dizer sobre a produção poética Seria uma perspectiv semelhante ao que ocorre acerca da moral a saber um desvelamento crítico do pano de fundo pulsional de construções consideradas universais e transcendentes às experiências individuais A beleza sedutora das obras nos expõe ao risco de idealizarmos demasiadamente a atividade do poeta a ponto de atribuirlhe uma espécie de capacidade mágica autônoma em relação à história subjetiva Ainda que o fantasiar do poeta tenha a sua óbvia peculiaridade é instrutivo entender como a sua elaboração pode ser comparada a outros processos imaginativos como a fantasia infantil O poeta faz algo semelhante à criança que brinca ele cria um mundo de fantasia que leva a sério ou seja um mundo formado por grande mobilização afetiva na medida em que se distingue rigidamente da realidade Neste texto escrito em 1908 Freud 18561939 aproxima atividade poética de outros modos de fantasiar como o fantasiar infantil e onírico Temas Temas psicologia inconsciente fantasia sublimação poesia 106 Fonte FREUD S Der Dichter und das Phantasieren In Schriften über Kunst und Künstler Einleitung von Peter Gay FrankfurtMain Fischer 1993 p 2940 O poeta e o fantasiar 1908 O poeta e o fantasiar 190810 1077 Sempre foi muito atraente para nós leigos poder saber de onde o poeta essa extraordinária personalidade extrai seus temas algo no sentido da questão que o Cardeal dirigiu a Ariosto108 e como ele consegue nos comover tanto despertarnos emoções que talvez julgássemos jamais fôssemos capazes de sentir Nosso interesse nesse caso só cresceu devido à circunstância de que o próprio poeta quando perguntado a respeito não nos fornece nenhuma informação ou nenhuma que seja satisfatória e não é de modo algum perturbado pelo nosso conhecimento de que o melhor juízo acerca das condições da escolha do material poético e da essência da arte de plasmar poeticamente em nada contribuiria para fazer de nós mesmos poetas Se pelo menos pudéssemos encontrar em nós mesmos ou entre os nossos próximos uma atividade de algum modo semelhante à do poeta A investigação a respeito nos permitiria esperar conseguir uma primeira explicação sobre a criação poética E realmente existe uma perspectiva a esse respeito o próprio poeta gosta de reduzir a distância entre o que lhe é singular e a essência humana em geral ele nos assegura com frequência que em cada um existe um poeta escondido e que o último poeta deverá morrer junto com o último homem Não deveríamos procurar os primeiros traços da atividade poética já nas crianças A atividade que mais agrada e a mais intensa das crianças é o brincar Talvez devêssemos dizer toda criança brincando se comporta como um poeta na medida em que ela cria seu próprio mundo melhor dizendo transpõe as coisas do seu mundo para uma nova ordem que lhe agrada Seria então injusto pensar que a criança não leva a sério esse mundo ao contrário ela leva muito a sério suas brincadeiras mobilizando para isso grande quantidade de afeto O oposto da brincadeira não é a seriedade mas a realidade A criança diferencia enfaticamente seu mundo de brincadeira da realidade apesar de toda a distribuição de afeto e empresta com prazer seus objetos imaginários e relacionamentos às coisas concretas e visíveis do mundo real Não é outra coisa do que esse empréstimo que ainda diferencia a brincadeira da criança do fantasiar O poeta faz algo semelhante à criança que brinca ele cria um mundo de fantasia que leva a sério ou seja um mundo formado por grande mobilização afetiva na medida em que se distingue rigidamente da realidade E a linguagem mantém essa afinidade entre a brincadeira infantil e a criação poética na medida em que a disciplina do poeta que necessita do empréstimo de objetos concretos passíveis de representação é caracterizada como brincadeirajogo Spiele comédia Lustspiel tragédia Trauerspiel e as pessoas que as representam como atores Schauspieler Mas a partir da irrealidade do mundo poético se seguem importantes consequências para a técnica artística pois muitas coisas que não poderiam causar gozo como reais podem fazêlo no jogo da fantasia e muitas moções que em si são desagradáveis podem se tornar para o ouvinte ou expectador do poeta fonte de prazer Consideremos ainda por um momento outra relação presente na oposição entre realidade e brincadeira Depois que a criança cresce e abandona suas brincadeiras quando passa a se preocupar psiquicamente durante décadas em compreender as realidades da vida com a seriedade exigida então ela pode um dia sucumbir a uma disposição psíquica que mais uma vez suprime a oposição entre brincadeira e realidade O adulto pode então se lembrar com que grande seriedade ele conduziu suas brincadeiras infantis e na medida em que equipara suas pretensas ocupações sérias com essas brincadeiras de criança se desfaz de todas as pesadas opressões e alcança o maior ganho de prazer o do humor Alguém que está crescendo deixa de brincar renunciando claramente ao ganho de prazer que a brincadeira lhe trazia Mas quem conhece a vida psíquica das pessoas sabe que nada é mais difícil do que renunciar a um prazer que um dia foi conhecido No fundo não poderíamos renunciar a nada apenas trocamos uma coisa por outra o que parece ser uma renúncia é na verdade uma formação substitutiva ou um sucedâneo Assim quando alguém que está crescendo deixa de brincar nada mais faz a não ser esse empréstimo aos objetos reais em vez de brincar agora fantasia Ele constrói castelos no ar cria o que chamamos de sonhos diurnos Acredito que a maioria das pessoas de tempos em tempos na sua vida forma fantasias Tratase de uma atividade à qual durante muito tempo não se deu atenção e cujo significado não foi suficientemente apreciado É mais difícil observar o fantasiar das pessoas do que a brincadeira das crianças De fato criança também brinca sozinha ou forma com outras crianças um fechado sistema psíquico com a finalidade de brincar mas mesmo se também a criança não mostra nada previamente ao adulto ela não esconde sua brincadeira diante dele Mas o adulto se envergonha de suas fantasias e as esconde dos outros ele as guarda como o que lhe é mais íntimo em geral ele prefere responder por seus delitos que partilhar suas fantasias Pode suceder que ele se considere como a única pessoa que te tais fantasias e não suspeita que suas criações sejam similares às de outras pessoas Essas diferentes atitudes a daquele que brinca e a daquele que fantasia encontram sua boa fundamentação nos motivos pelos quais ambas se complementam e dão continuidade a essas atividades A brincadeira infantil foi dirigida por desejos na verdade por um desejo aquele que ajuda a educar a criança o de se tornar grande e adulta As crianças sempre brincam de ser grande imitando na brincadeira o que se tornou conhecido delas da vida dos grandes Elas não têm nenhu motivo para esconder esse desejo Já o adulto é bem diferente por um lado ele sabe que se espera que ele não brinque mais ou que não fantasie mais mas que aja no mundo real e por outro lado que sob suas fantasias se produzem muitos desejos que de qualquer modo devem permanecer necessariamente ocultos por isso ele se envergonha de suas fantasias como coisas de criança e proibidas Os senhores devem perguntar como se conhece com tanta exatidão essas informações acerca do fantasiar das pessoas se estas o encobrem com tanto mistério Ora existe uma espécie de pessoa que conferiu de fato não a um Deus mas a uma Deusa severa a Necessidade o encargo de dizer que as faz sofrer e o que as alegra Essas pessoas são os nervosos que dos médicos de quem esperam o seu restabelecimento por meio do tratamento psíquico também esperam que respondam por suas fantasias dessas fontes surgem o nosso melhor conhecimento e nós conseguimos assim fundamentar inteiramente a suspeita de que nossos doentes não nos comunicam nada diferente do que as pessoas sãs também poderiam experimentar Conheçamos agora algumas características do fantasiar Devese dizer que quem é feliz não fantasia apenas o insatisfeito Desejos insatisfeitos são as forças impulsionadoras Triebekräfte das fantasias e toda fantasia individual é uma realização de desejo uma correção da realidade insatisfatória Os desejos que impulsionam são diferentes de acordo com o sexo o caráter e as relações da pessoa que fantasia Mas eles podem se agrupar sem coação de acordo com duas direções principais Ou eles são desejos de ambição que servem à elevação da personalidade ou são eróticos Nas jovens mulheres dominam quase exclusivamente os desejos eróticos pois sua ambição é em geral consumida pela ânsia de amor nos rapazes ao lado dos eróticos os desejos egoístas e ambiciosos são os de primeira necessidade De fato não gostaríamos de acentuar a oposição entre essas duas direções mas muito mais sua frequente unificação como em inúmeros retábulos é visível em um canto a imagem do fundador assim poderíamos descobrir na maioria das fantasias de ambição em um ângulo qualquer a dama para quem o fantasiador realiza todos esses atos heroicos a quem ele lança todos os êxitos aos pés Os senhores veem aqui existem motivos suficientemente fortes para esconder à dama bem educada se concede em geral apenas um mínimo de necessidade erótica e o rapaz deve aprender a reprimir o excesso de sentimento de si que ele traz dos mimos da infância com o objetivo da disciplina em uma sociedade tão rica em indivíduos com semelhantes exigências Não deveríamos imaginar os produtos desse processo as fantasias individuais castelos no ar ou sonhos diurnos como petrificados e inalteráveis Eles são muito mais adaptáveis às mudanças das impressões da vida se modificam a cada oscilação da situação da vida recebendo de cada nova e eficaz impressão uma conhecida marca do tempo As relações da fantasia com o tempo são muito significativas Devese dizer uma fantasia paira entre três tempos os três momentos temporais de nossa imaginação O trabalho psíquico se acopla a uma impressão atual a uma oportunidade no presente capaz de despertar um dos grandes desejos da pessoa remonta a partir daí à lembrança de uma vivência antiga na sua maioria uma vivência infantil na qual aquele desejo foi realizado e cria então uma situação ligada ao futuro que se apresenta como a realização daquele desejo seja no sonho diurno ou na fantasia que traz consigo os traços de sua gênese naquela oportunidade e na lembrança Ou seja passado presente futuro se alinham como um cordão percorrido pelo desejo O exemplo mais banal pode esclarecervos quanto à minha posição Vejam o caso de um jovem pobre e órfão a quem os senhores deram o endereço de um empresário com quem ele talvez pudesse encontrar um emprego No caminho ele pode se perder num sonho diurno evadindose tendo e vista sua situação O conteúdo dessa fantasia era de que ele conseguiria o emprego que agradaria ao seu novo chefe se tornaria indispensável aos negócios se mudaria para a casa do patrão casaria com a sua atraente filha e então ele próprio dirigiria os negócios como sócio e depois como herdeiro Assim sendo o sonhador substitui o que ele poderia ter numa infância feliz a casa protetora os queridos pais e o primeiro objeto de sua inclinação afetiva Os senhores veem neste exemplo como o desejo utiliza uma oportunidade no presente para projetar segundo um modelo do passado uma imagem do futuro Haveria muito mais a dizer sobre as fantasias mas quero me limitar a uma interpretação mínima O desejar abusivo e o tornarse poderoso próprio das fantasias cria as condições da entrada na neurose ou na psicose as fantasias também são as mais próximas preparações psíquicas dos sintomas de sofrimento dos quais lamentam nossos doentes Aqui se apresenta um largo caminho em direção às patologias Mas não posso deixar de lado a relação das fantasias com os sonhos Também nossos sonhos noturnos nada mais são do que essas fantasias tal como mostramos de forma evidente por meio da sua interpretação109 A língua há muito já decidiu na sua intransponível sabedoria a questão acerca da essência dos sonhos na medida em que ela também permitiu nomear as vaporosas criações da fantasia de sonhos diurnos Se apesar desse indício de sentido nossos sonhos no geral permanecem obscuros para nós então eles comovem a partir de uma circunstância segundo a qual tais desejos também são ativados em nós à noite de modo que nos envergonhamos e que devem ser escondidos de nós mesmos que devem por isso serem reprimidos e enviados para o inconsciente Tais desejos reprimidos e seus derivados não podem ser permitidos a não ser como uma expressão ruim desfigurada Depois que odesfiguramento onírico foi esclarecido pelo trabalho científico não foi mais difícil reconhecer que os sonhos noturnos são realizações de desejo tal como os sonhos diurnos e as fantasias tão conhecidas de todos nós Falamos muito de fantasia então vamos ao poeta Deveríamos de fato tentar comparar o poet com o sonhador no dia mais luminoso suas criações com sonhos diurnos Isso leva a uma primeira diferença devemos diferenciar os poetas que retomam temas já prontos como os épicos e trágicos daqueles que parecem criar livremente seus temas Paremos um pouco nos últimos e procuremos para nossa comparação não aqueles poetas mais valorizados pela crítica mas o narrador não exigente de romances novelas e histórias que por isso encontram inumeráveis e zelosos leitores e leitoras Nas criações desses autores uma característica nos salta aos olhos todos possuem u herói que ocupa o centro dos interesses para quem o autor procura por todos os meios ganhar nossa simpatia e que ele parece proteger com uma providência especial Se ao final do capítulo de u romance deixei o herói sem consciência sangrando devido a uma ferida profunda então estou seguro de encontrálo no início do próximo capítulo entregue aos maiores cuidados e a caminho da recuperação e se o primeiro volume terminou com o naufrágio do navio em meio à tempestade no qual nosso herói se encontrava então estou certo de que lerei no começo do segundo volume sua milagrosa salvação O sentimento de segurança com que acompanho o herói em meio a seu perigoso destino é o mesmo com o qual um herói real se lança nas águas para salvar alguém que se afoga ou que se expõe ao fogo inimigo para tomar de assalto uma bateria todo sentimento heroico na verdade ao qual um dos nossos melhores poetas presenteou com expressões deliciosas Nada pode me acontecer Anzengruber 110 Mas penso reconhecer nessa traiçoeira característica de ficar ileso sem esforço sua majestade o eu o herói de todos os sonhos diurnos como em todos os romances Outros traços típicos dessas narrativas egocêntricas remetem à mesma afinidade Se todas a mulheres dos romances sempre se apaixonam pelo herói isso deve ser compreendido raramente como uma descrição da realidade mas deve ser simplesmente entendido como a existência necessária dos sonhos diurnos Do mesmo modo quando os outros personagens dos romances são rigidamente separados entre bons e maus renunciando na realidade à mistura observada no caráter humano os bons são os que socorrem mas os maus são os inimigos e concorrentes do eu que se tornou herói Não desconhecemos de modo algum que diversas criações poéticas estão muito distantes do modelo ingênuo dos sonhos diurnos mas não posso deixar de suspeitar que a mais extrema divergência por meio de uma sequência de passagens sem interrupções pode ser relacionada a esse modelo Ainda em muitos dos conhecidos romances psicológicos me chama atenção que apenas uma pessoa sempre de novo o herói é descrita neles o poeta se instala igualmente em sua psique e contempla as outras pessoas de fora O romance psicológico deve sua especificidade inteiramente à inclinação do autor moderno em dividir seu eu por meio da autoobservação em eusparciais e em consequência disso personifica a avalanche de conflitos de sua vida psíquica em muitos heróis E uma oposição bastante específica em relação ao tipo do sonho diurno os romances parecem ser o que se poderia caracterizar como excêntricos nos quais a pessoa introduzida como herói representa o menor papel ativo antes como um expectador vê os atos e sofrimentos dos outros passarem para ele Os romances tardios de Zola são desse tipo Assim sendo devo observar que análise psicológica não poética reconheceu em muitas peças indivíduos que divergiam das normas estabelecidas variações análogas dos sonhos diurnos nas quais o eu se contentou com o papel de expectador Se nossa comparação do poeta com o sonhador diurno da criação artística com o sonho diurno pode ser valiosa então ela deve ser justificada de um modo fecundo seja lá como for Tentemos utilizar nossa proposição feita acima acerca da relação da fantasia com os três tempos assim como com os desejos com a obra do poeta e com sua ajuda estudar as relações entre a vida do poeta e suas criações Em geral não se sabe com quais expectativas devemos nos intrometer neste problema costumouse apresentar essa relação de maneira muito simplificada A partir do conhecimento adquirido com as fantasias deveríamos esperar o seguinte conteúdo Sachgehalt uma forte vivência atual deve despertar no poeta a lembrança de uma vivência antiga em geral uma vivência infantil da qual então parte o desejo que será realizado na criação artística a própria criação permite que se reconheçam tanto elementos de acontecimentos recentes quanto também antigas lembranças Não se espantem diante da complexidade dessa fórmula suspeito que ela se justifica na realidade como um esquema demasiado escasso mas uma primeira aproximação com o real conteúdo poderia ser nela conservado e após algumas tentativas que empreendi deveria pensar que essa maneira de observar as produções poéticas poderia ser fecunda Não esqueçam que o destaque talvez estranho às lembranças infantis na vida do poeta deriva em última instância da pressuposição que a criação literária como o sonho diurno é uma continuação e uma substituição a uma só voz das brincadeiras infantis Não deixemos de retornar aos tipos de poesia na qual devemos entrever não a criação livre mas o trabalho com um material já conhecido e pronto Também aqui o poeta mantém uma parcela de autonomia que se expressa na escolha dos temas e na frequente e considerável modificação dos mesmos Mas quanto mais os materiais já estão dados mais surgem outros dos tesouros populares dos mitos sagas e contos de fada A investigação acerca dessas formações da psicologia dos povos não está ainda terminada mas por exemplo muito provavelmente correspondam inteiramente aos mitos os resíduos deformados das fantasias de desejo de toda uma nação os sonhos seculares da ovem humanidade Os senhores dirão que falei muito mais de fantasias do que do poeta do que previra no título de minha palestra Sei disso e peço desculpas tendo em vista o estado atual do nosso conhecimento Gostaria apenas de vos estimular e desafiar partindo do estudo das fantasias a atacar o problema da escolha dos temas poéticos Ainda não tocamos no outro problema que visa com os meios do poeta os efeitos afetivos em nós despertados por suas criações Gostaria ainda de pelo menos indicar o caminho que a partir de nossas explicações sobre as fantasias nos leva aos problemas do efeito poético Os senhores se recordam quando dizíamos que quem tem sonhos diurnos esconde suas fantasias cuidadosamente diante dos outros porque sente que aí há motivos para se envergonhar Eu acrescentaria que mesmo que ele pudesse nos comunicar essas fantasias não poderia nos proporcionar por meio de tal desocultamento nenhum prazer Se experimentássemos essas fantasias ou nos livraríamos delas ou permaneceríamos distantes delas Mas se o poeta nos apresentasse previamente suas brincadeiras ou contasse para nós aquilo que esclarecesse seus sonhos diurnos pessoais então sentiríamos provavelmente a partir de diferentes fontes um grande prazer que flui conjuntamente Como o poeta realiza isso eis aí o seu segredo mais íntimo na técnica da superação desse desafogar que certamente tem a ver com as limitações existentes entre todo o eu individual e os outros consiste verdadeiramente a Ars poética Podemos supor dois meios para essa técnica o poeta suaviza o caráter do sonho diurno egoísta por meio de alterações e ocultamentos e nos espicaça por meio de um ganho de prazer puramente formal ou seja estético o qual ele nos oferece na exposição de suas fantasias Podese chamar esse ganho de prazer que nos é oferecido para possibilitar com ele o nascimento de um prazer maior a partir de fontes psíquicas ricas e profundas de um prêmio por sedução Verlockungsprämie ou de um prazer preliminar Vorlust Sou da opinião de que todo prazer estético criado pelo artista para nós contém o caráter desse prazer preliminar e que o verdadeiro gozo da obra poética surge da libertação das tensões de nossa psique Talvez até mesmo não contribua pouco para esse êxito o fato de o poeta nos colocar na situação de daqui em diante gozarmos com nossas fantasias sem censura e vergonha Aqui estamos diante de uma entrada para investigações mais novas mais interessantes e mais plausíveis mas pelo menos desta vez chegamos ao final de nossa explicação 107 FREUD S Der Dichter und das Phantasieren In Schriften über Kunst und Künstler Einleitung von Peter Gay FrankfurtMain Fischer 1993 p 2940 108 Freud referese à pergunta que teria sido feita pelo Cardeal dEste de Ipollito ao seu protetor o poeta Ludovico Ariosto 14741533 autor de Orlando Furioso onde você encontra assim muitas histórias N T 109 Ver do autor Interpretação dos sonhos 1900 Ges Werke Bd IIIII 110 Referência a Ludwig Anzengruber 18391889 ator jornalista e escritor austríaco considerado como um realista Suas simpatia pelo socialismo fizeram com que o movimento operário austríaco o considerasse um de seus precursores N T Wa Walter lter Benjamin Benjamin A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica segunda A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica segunda versão versão em alem em alemão ão A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica111 111 Walter Benjamin 18921940 Walter Benjamin 18921940 Tradução Daniel Puciarelli Evidentemente é impossível para a obra de arte ser impermeável às condições materiais de sua apresentação Por isso a possibilidade de reproduzir em série uma obra não é u elemento banal ao contrário é determinante Seria um erro caso a reflexão estética não considerasse o impacto do modo de produção capitalista quando aplicado à arte Portanto uma abordagem do tema arte e sociedade jamais poderia passar ao largo da pergunta como as condições sociais na modernidade afetaram a experiência estética Integralmente apresentada a segunda versão de A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica cuja primeira edição se deu em 1989 de Walter Benjamin 18921940 trata também do jogo damímesis e da técnica Temas Temas jogo mímesis técnica modernidade cinema 111 Fonte BENJAMIN W Gesammelte Schriften VII1 Herausgegeben von Rolf Tiedemann und Hermann Schweppenhäuse unter Mitarbeit von Christoph Gödde Henri Lonitz und Gary Smith Frankfurt am Main Suhrkamp 1991 A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica112 112 segunda versão e segunda versão em al m alemão emão113 113 Le vrai est ce quil peut le faux est ce quil veut Madame de Duras II Quando Marx empreendeu a análise do modo de produção capitalista esse modo de produção estava em seus primórdios Marx estabeleceu suas pesquisas de modo que elas adquirissem um valor prognóstico Ele voltou às relações elementares da produção capitalista e apresentouas de tal maneira que delas resultou o que se poderia esperar futuramente do capitalismo Resultou que dele se poderia esperar não apenas uma exploração crescente do proletariado mas finalmente também a produção de condições que tornariam possível a sua própria supressão A modificação fundamental da superestrutura que se desenrola mais lentamente que a da infraestrutura precisou de mais de meio século para efetivar em todos os campos da cultura a modificação das condições de produção Apenas hoje se pode indicar como isso aconteceu Nessas indicações devese colocar certas exigências prognósticas Essas exigências não se referem a teses sobre a arte do proletariado após a tomada do poder ou mesmo sobre a arte da sociedade sem classes mas antes a teses sobre as tendências de desenvolvimento da arte sob as condições de produção atuais Sua dialética se torna perceptível não menos na superestrutura do que na economia Assim seria falso menosprezar a eficácia de tais teses Elas põem de lado uma série de conceito tradicionais tais como criatividade e genialidade valor eterno e segredo conceitos cuja aplicação descontrolada e no momento difícil de controlar conduz à elaboração dos dados em sentido fascista Os novos conceitos que serão introduzidos a seguir na teoria da arte se diferenciam dos conceitos tradicionais pelo fato de que eles são completamente inutilizáveis para os propósitos do fascismo Ao contrário eles são utilizáveis para a formulação de exigências revolucionárias na política da arte IIII A obra de arte sempre foi fundamentalmente reprodutível O que os seres humanos fizeram pôde sempre ser refeito por seres humanos Tal reprodução também fora efetuada por alunos para o exercício artístico por mestres para a difusão das obras e finalmente por terceiros que visavam o lucro Por outro lado a reprodução técnica da obra de arte é algo novo que se impõe historicamente de maneira intermitente em surtos bastante diferenciados mas com crescente intensidade Com a xilografia o desenho tornouse tecnicamente reprodutível pela primeira vez e isso antes que a escrita o fosse por meio da imprensa As enormes modificações que a imprensa a reprodução técnica da escrita trouxe à literatura são conhecidas No entanto elas correspondem apenas a um caso específico sem dúvida particularmente importante do fenômeno aqui analisado em escala histórica global À xilografia somamse no decorrer da Idade Média a gravura em chapa de cobre a águaforte assim como no começo do século XIX a litografia Com a litografia a técnica de reprodução alcança um patamar essencialmente novo O procedimento muito mais conciso que diferencia a aplicação do desenho sobre uma pedra de seu entalho em um bloco de madeira ou de sua cauterização em uma chapa de cobre deu ao desenho pela primeira vez a possibilidade de levar ao mercado os seus produtos não apenas em tiragens de massa como anteriormente mas em novas formas feitas diariamente A litografia habilitou o desenho a acompanhar o cotidiano de forma ilustrada Assim ele começou a acompanhar a imprensa Já nesses princípios em poucas décadas após a invenção da litografia o desenho foi ultrapassado pela fotografia Com a fotografia a mão foi pela primeira vez eximida no processo de reprodução de imagens das mais importantes tarefas artísticas que então recaíram exclusivamente sobre o olho Uma vez que o olho apreende mais rapidamente do que a mão desenha o processo de reprodução gráfica foi acelerado de tal maneira que ele podia acompanhar a fala Se a revista ilustrada estava virtualmente contida na litografia então o cinema sonoro estava virtualmente contido na fotografia A reprodução técnica do som se deu no final do século anterior Por volta de 1900 a reprodução técnica já havia alcançado um padrão no qual ela começou não apenas a fazer da totalidade das obras de arte tradicionais o seu objeto submetendo o efeito destas a modificações profundas mais ainda a reprodução técnica conquistou então seu próprio espaço entre os procedimentos artísticos Para o estudo desse padrão nada é mais elucidativo que analisar como suas duas manifestações distintas reprodução da obra de arte e a arte cinematográfica refletemse na arte em sua forma tradicional IIIIII Mesmo com a reprodução mais desenvolvida uma coisa não está presente o aqui e agora da obra de arte sua existência singular no lugar em que ela se encontra Entretanto nessa existência singular e em nada mais efetuouse a história à qual no curso de sua existência a obra de arte esteve submetida A essa existência pertencem tanto as modificações que a obra de arte sofreu em sua estrutura física com o passar do tempo quanto as cambiantes relações de propriedade nas quais ela possa ter entrado Só se pode obter os vestígios de tais modificações através de análises de natureza química ou física que não podem ser efetuadas na reprodução por outro lado os vestígios das relações de propriedade em que a obra de arte possa ter entrado são objeto de uma tradição cuja persecução deve partir da posição da obra original O aqui e agora da obra srcinal constitui o conceito de sua autenticidade em cuja base se encontra a ideia de uma tradição que acompanhou esse objeto até os dias atuais como o mesmo e idêntico Todo o âmbito da autenticidade escapa à reprodutibilidade técnica e naturalmente não apenas à técnica Enquanto a obra autêntica conserva a sua autoridade frente à reprodução manual rotulada via de regra como falsificação o mesmo não ocorre com a reprodução técnica Há uma dupla razão para tal Primeiramente a reprodução técnica se revela frente ao srcinal como mais independente do que a reprodução manual Ela pode por exemplo salientar na fotografia aspectos do srcinal acessíveis apenas à lente ajustável cujo ângulo de mira é escolhido arbitrariamente mas não ao olho humano ou ainda graças a certos procedimentos como a ampliação ou a câmara lenta é possível reter imagens que simplesmente se furtam à ótica natural Essa é a primeira razão E segundo lugar a reprodução técnica pode ainda trazer a cópia do srcinal a certas situações não acessíveis a ele Acima de tudo ela torna possível ao srcinal se aproximar do receptor seja na forma da fotografia ou da gravação A catedral abandona o seu espaço para ser recebida em um estúdio de um amador a obra coral que havia sido executada em uma sala de concerto ou sob céu aberto pode ser ouvida em um quarto É possível que essas diferentes circunstâncias não tenham afetado a subsistência da obra de arte mas elas desvalorizam em todo caso o seu aqui e agora Se isso é válido não apenas para a obra de arte mas por exemplo também para uma paisagem que passa diante do expectador durante o filme então por meio desse processo tocase um dos núcleos mais sensíveis do objeto artístico um núcleo tão vulnerável que nenhum objeto natural o possui Tratase de sua autenticidade A autenticidade de uma coisa é a suma de tudo nela que a partir de sua srcem pode ser transmitido desde seu decurso material até o seu testemunho histórico E uma vez que este se assenta sobre aquele o testemunho histórico da coisa é abalado com a reprodução na qual o seu decurso material escapa aos seres humanos E certamente só ele mas o que é abalado dessa maneira é a autoridade da coisa seu peso tradicional Podese resumir essas características no conceito da aura e dizer o que se atrofia na época da reprodutibilidade técnica da obra de arte é a sua aura Esse processo é sintomático seu significado aponta para muito além do âmbito da arte A técnica de reprodução assim poderíamos formular em termos gerais destaca o reproduzido do âmbito da tradição Na medida em que multiplica a reprodução ela substitui a sua aparição singular pela sua aparição em massa E na medida em que ela permite à reprodução vir ao encontro do receptor em cada situação ela atualiza o que é reproduzido Esses dois processos conduzem a um violento abalo do que é transmitido um abalo da tradição que é o outro lado da atual crise e renovação da humanidade Eles se encontram em íntima relação com os movimentos de massa de nossos dias Seu agente mais poderoso é o filme Se significado social não é pensável também em sua forma mais positiva e justamente nela sem esse lado destrutivo e catártico a liquidação do valor tradicional da herança cultural Esse fenômeno é mais palpável nos grandes filmes históricos Ele engloba cada vez mais posições em seu campo Quando Abel Gance proclamou entusiasticamente em 1927 Shakespeare Rembrandt Beethove farão cinema Todas as lendas todas as mitologias e todos os mitos todos os fundadores de religiões todas as religiões aguardam a sua ressurreição luminosa e os heróis se acotovelam junto aos portões 114 ele convidava sem o saber para uma abrangente liquidação IV IV No interior de grandes períodos históricos modificase juntamente com todo o modo de existência das coletividades humanas também o modo de sua percepção O modo pelo qual a percepção humana se organiza o meio115 em que ela acontece não é apenas naturalmente mas também historicamente determinado O tempo da migração dos povos bárbaros em que indústria artística do Império Romano Tardio e o Gênesis de Viena116 surgiram possuía não apenas uma outra arte que aquela da Antiguidade mas também uma outra forma de percepção Os sábios da escola vienense Riegl e Wickhoff117 que prestaram resistência à força da tradição clássica sob a qual aquela arte havia sido soterrada foram os primeiros a pensar em tirar conclusões a partir daquela arte acerca da organização da percepção no tempo em que ela era válida Por mais que seus conhecimentos fossem amplos eles estavam limitados pelo fato de que esses pesquisadores se contentavam em mostrar a assinatura formal que era própria à percepção no Império Romano Tardio Eles não tentaram e talvez não pudessem mesmo esperálo mostrar as modificações estruturais da sociedade que se expressavam nessas modificações da percepção Para o tempo presente as condições para um conhecimento dessa natureza são mais propícias E se as modificações no meio da percepção cujos contemporâneos somos nós podem ser concebidas como o declínio da aura então podemos revelar as suas condições sociais O que é a aura falando propriamente Uma estranha teia composta de espaço e tempo aparição única de uma distância por mais próxima que ela seja Contemplar tranquilamente em uma tarde de verão uma serra no horizonte ou um ramo sob cuja sombra descansamos isso quer dizer respirar a aura da serra a aura desse galho À base dessa descrição é fácil conceber o condicionamento social do atual declínio da aura Ele repousa sobre duas circunstâncias e ambas se relacionam com o aumento crescente das massas e a crescente intensidade de seus movimentos Ou seja trazer as coisas para perto de si é ao mesmo tempo uma aspiração apaixonada das massas atuais e a sua tendência de superar a unicidade de todo dado por meio de sua reprodução Diariamente mostrase como cada vez mais indeclinável a necessidade de se apreender o objeto na máxima proximidade na imagem ou mais ainda na cópia na reprodução E a reprodução tal como ela é disponibilizada pela revista ilustrada e pelo cinejornal se distingue de maneira inconfundível da imagem Unicidade e duração se entrelaçam na imagem assim como volatilidade e repetibilidade na reprodução Extrair o objeto de seu invólucro o estilhaçamento da aura eis a marca de uma percepção cuja sensibilidade para tudo o que se assemelha no mundo118 cresceu de tal maneira que a percepção procura assegurá lo por meio da reprodução também a partir do que é singular Assim se manifesta no âmbito da sensibilidade o que se faz sentir no âmbito da teoria como o crescente significado da estatística A orientação da realidade para as massas e das massas para a realidade é um processo de extensão ilimitada tanto para o pensamento quanto para a sensibilidade VV A singularidade da obra de arte é idêntica à sua inserção no contexto da tradição Certamente essa tradição é algo de inteiramente vivo e de extraordinariamente mutável Uma antiga estátua de Vênus por exemplo encontravase em uma outra tradição entre os gregos que fizeram dela u objeto de culto do que entre os clérigos da Idade Média que vislumbravam nela um ídolo funesto No entanto o que se impunha a ambos da mesma maneira era a sua singularidade ou dito de outro modo a sua aura A forma srcinária da inserção da obra de arte no contexto da tradição encontrou a sua expressão no culto Como sabemos as obras de arte mais antigas surgiram a serviço de u ritual primeiramente de um ritual mágico posteriormente de um religioso É decisivo o fato de que esse modo de ser aurático da obra de arte jamais se dissociou inteiramente de sua função ritual E outras palavras o valor de singularidade da obra de arte autêntica encontra a sua fundação sempre no ritual Por mais mediada que essa fundação seja ela é reconhecível mesmo nas formas mais profanas do culto à beleza como ritual secularizado Tais fundamentos se tornam claramente reconhecíveis quando o culto profano à beleza que se forma com o Renascimento e permanece atuante por três séculos sofre o seu primeiro abalo sério após esse período Quando com o advento do primeiro meio de reprodução verdadeiramente revolucionário a fotografia simultaneamente ao despontar do socialismo a arte sente a proximidade da crise que se tornou evidente após cem anos ela reage com a doutrina dalart pour lart que é uma teologia da arte Dela surgiu então diretamente uma teologia negativa na forma da ideia de uma arte pura que recusa não apenas toda função social mas também toda determinação mediante um tema concreto Na poesia foi Mallarmé o primeiro a alcançar essa posição A uma análise que se ocupa da obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica é indispensável compreender essas relações precisamente Pois elas preparam o conhecimento que aqui é decisivo a saber a reprodutibilidade técnica da obra de arte a emancipa pela primeira vez na história universal de sua existência parasitária no ritual A obra de arte reproduzida se torna cada vez mais a reprodução de uma obra de arte criada para a reprodução119 Da chapa fotográfica por exemplo é possível extrair várias cópias a pergunta pela cópia autêntica não faz sentido No entanto no instante em que a escala da autenticidade não mais se aplica à produção da arte então toda função social da arte transformouse radicalmente No lugar de sua fundação no ritual deve surgir sua fundação numa outra práxis a saber sua fundação na política VI VI Seria possível apresentar a história da arte como o confronto entre dois polos na própria obra de arte visualizando a história do decurso desse confronto nos deslocamentos cambiantes da ênfase depositada de um polo da obra de arte para o outro Esses dois polos são o valor de culto e o valor de exposição120 A produção artística começa com produtos que se encontram a serviço da magia Desses produtos o importante é apenas que eles existam não que eles sejam vistos O alce que o homem da Idade da Pedra retratava nas paredes de sua caverna é um instrumento de magia exposto por ele aos outros apenas ocasionalmente no máximo o importante é que os espíritos o vejam O valor de culto como tal praticamente obriga que a obra de arte seja mantida às escondidas certas estátuas de deuses são acessíveis apenas ao padre na cella certas madonas permanecem encobertas por quase todo o ano certas esculturas em catedrais medievais não são visíveis ao observador que se encontra no soloCom a emancipação dos exercícios artísticos particulares do seio do ritual crescem as oportunidades de exposição de seus produtos A exponibilidade de um busto que pode ser enviado aqui e acolá é maior do que a de uma estátua de um deus que tem o seu lugar fixo no interior do templo A exponibilidade de um painel é maior do que a de um mosaico ou de um afresco que o precederam E se a exponibilidade de uma missa talvez não era srcinalmente inferior que a de uma sinfonia esta surgiu no entanto na época em que a sua exponibilidade prometia se tornar maior que a da missa Com os diferentes métodos de reprodução técnica da obra de arte sua exponibilidade cresceu tão violentamente que o deslocamento quantitativo entre os seus dois polos converteuse em uma mudança qualitativa de sua natureza mudança esta análoga à que ocorreu na préhistória Assim como na préhistória a obra de arte se tornou por meio da ênfase absoluta depositada em seu valor de culto sobretudo um instrumento da magia reconhecida apenas posteriormente como obra de arte hoje a obra de arte se transforma por meio da ênfase absoluta depositada em seu valor de exposição em um produto com funções inteiramente novas das quais aquela de que temos consciência a artística se destaca como uma função que posteriormente poderá ser reconhecida como acessória Atualmente é certo que o cinema oferece maior margem de análise para essa questão E também é certo que o alcance histórico dessa mudança de função da arte que aparece da forma mais avançada no cinema permite sua confrontação com a préhistória da arte não apenas metódica mas também materialmente A serviço da magia a arte da préhistória fazia certos registros que serviam à práxis seja provavelmente como a realização de procedimentos mágicos entalhar uma figura ancestral é um exercício mágico seja como instruções a tais procedimentos a figura ancestral apresenta uma postura ritual seja ainda como objetos de contemplação mágica observar a figura ancestral fortalece o poder mágico do observador O ser humano e seu meio ambiente ofereciam os objetos desses registros e eles eram copiados segundo as exigências de uma sociedade cuja técnica apenas existia em fusão com o ritual Naturalmente essa técnica é atrasada em comparação à maquinal Par a análise dialética no entanto não é isso o importante O que importa para ela é a diferença tendencial entre aquela técnica e a nossa diferença que consiste no fato de que a primeira técnica mobiliza o ser humano tanto quanto possível a segunda tão pouco quanto possível A façanha técnica da primeira técnica é em certo sentido o sacrifício humano ao passo que a da segunda é da ordem dos aviões de controle remoto que não precisam de tripulação O de uma vez por todas vale para a primeira técnica tratase para ela de uma falta que jamais poderá ser restabelecida ou do eterno sacrifício substituto o uma só vez não é nada vale para a segunda ela tem a ver com o experimento e a sua variação incansável das condições de experimentação A srcem da segunda técnica deve ser buscada onde o ser humano passou pela primeira vez e com astúcia inconsciente a tomar distância da natureza Dito de outro modo a srcem está no jogo Seriedade e jogo rigidez e descompromisso aparecem cruzados em cada obra de arte ainda que em proporções cambiantes Com isso já é dito que a arte está ligada tanto à primeira quanto à segunda técnica Entretanto devese notar que o domínio da natureza designa o objetivo da segunda técnica apenas de maneira altamente contestável ele o designa do ponto de vista da primeira técnica A primeira almejava efetivamente o domínio da natureza a segunda almejava antes a cooperação entre a natureza e a humanidade A função social decisiva da arte atual é a prática nessa combinação E isso é válido sobretudo no que concerne ao cinema O cinema serve ara exercitar os seres humanos naquelas apercepções e reações condicionadas pela lida com a aparelhagem cujo papel em sua vida aumenta quase diariamente A lida com a aparelhagem lhe ensina ao mesmo tempo que a servidão em seu serviço só dará espaço à libertação por meio dela quando a disposição da humanidade tiver se adaptado às novas forças produtivas que a segunda técnica conquistou121 VI VIII Na fotografia o valor de exposição começa a fazer o valor de culto recuar em todas as suas rentes Este no entanto não cede sem resistência Ele guarda uma última trincheira que é a face humana Não é de modo algum por acaso que o retrato é central para a antiga fotografia O valor de culto da imagem tem o seu último asilo no culto da recordação das pessoas queridas distantes ou falecidas Na expressão fugidia de um rosto humano nas antigas fotografias a aura acena pela última vez É isso que constitui a sua beleza melancólica e incomparável No entanto quando o ser humano se retira da fotografia o valor de exposição se impõe soberano sobre o valor de exposição Ter dado a esse processo o seu lugar eis o significado incomparável de Atget que registrou por volta de 1900 as ruas parisienses desertadas de seres humanos Dele foi dito com toda razão que ele as fotografou como o local de um crime O local de um crime também é deserto Seu registro se realiz graças aos indícios Com Atget os registros fotográficos começam a se tornar provas no processo histórico Isso constitui o seu significado político oculto Eles exigem uma recepção em sentido determinado A contemplação livre não lhes é mais apropriada Eles inquietam o observador ele sente que deve procurar um certo caminho para chegar a eles Ao mesmo tempo as revistas ilustradas começam a lhe apresentar indicações de caminhos sejam elas verdadeiras ou falsas Nas revistas a legenda se tornou pela primeira vez obrigatória É certo ainda que esta possui um caráter inteiramente diferente do que o título de uma pintura As diretivas que o observador de imagens recebe da legenda das revistas ilustradas se tornarão em seguida ainda mais precisas e imperativas no filme onde a compreensão de cada imagem parece prescrita pela sequência de todas as imagens anteriores VIII VIII Os gregos conheciam apenas dois métodos de reprodução técnica de obras de arte a fundição e a cunhagem Bronzes terracotas e moedas foram as únicas obras de arte que eles podiam produzir em massa Todas as outras eram singulares e irreprodutíveis tecnicamente Por isso elas deviam ser feitas para a eternidade Pelo estado de sua técnica os gregos não podiam prescindir de produzir valores eternos na arte Eles devem a essa circunstância o seu lugar distintivo na história da arte a partir do qual os povos posteriores puderam determinar a sua própria posição Não há dúvida de que a nossa posição se encontra no polo oposto à dos gregos Nunca antes as obras de arte foram em tão alta medida e com tão vastas consequências reprodutíveis tecnicamente como hoje Com o filme temos uma forma cujo caráter artístico é determinado pela primeira vez continuamente pela sua reprodutibilidade Confrontar essa forma em suas peculiaridades com a arte grega seria ocioso E um ponto exato no entanto esse confronto é instrutivo Com o cinema uma qualidade se tornou crucial para a obra de arte qualidade essa que os gregos teriam concedido à obra de arte em último caso ou apenas a considerado como sua qualidade mais inessencial Tratase de sua perfectibilidade O filme pronto é tudo menos uma criação feita de uma vez ele é montado a partir de várias imagens e sequências de imagens entre as quais o montador pode escolher imagens que de resto foram aprimoradas a belprazer desde o começo na sequência das gravações até o êxito definitivo Para produzir o seu filme Opinion publique122 de 3000 metros de comprimento Chaplin gravou 12500 metrosO filme é portanto a obra de arte mais aperfeiçoável Tal perfectibilidade se relaciona com uma abdicação radical do valor de eternidade Isso deriva da contraprova para os gregos cuja arte não podia prescindir da produção de valores de eternidade a arte menos aperfeiçoável se encontrava no topo das artes a escultura cujas criações são feitas literalmente a partir de uma peça O declínio da escultura na era da obra de arte montável é inevitável IX IX Hoje o conflito travado no decorrer do século dezenove entre a pintura e a fotografia acerca do valor artístico de seus produtos parece confuso e despropositado Mas tal fato não reduz em nada o seu significado e poderia mesmo sublinhálo De fato esse conflito foi a expressão de uma transformação históricouniversal da qual nenhum dos dois adversários estivera consciente como tal Na medida em que a era de sua reprodutibilidade técnica desatou a arte de seu fundamento no culto a sua aparência de autonomia se esvaneceu para sempre A modificação de função da arte no entanto que se deu então saiu do campo de visão do século Tal modificação passou também em muito despercebida ao século vinte que vivenciou o desenvolvimento do cinema Da mesma maneira que anteriormente muita argúcia vã foi empregada para decidir se a otografia seria uma arte sem colocar a questão preliminar se por meio da invenção da otografia o caráter integral da arte havia se modificado os teóricos do cinema assumiram em seguida a questão correspondente de modo igualmente precipitado Mas as dificuldades que a fotografia colocara à estética tradicional foram uma brincadeira de criança frente às dificuldades com as quais o cinema a aguardava Daí a violência cega que caracteriza os primórdios da teoria do cinema É assim que Abel Gance por exemplo compara o cinema com os hieróglifos Chegamos então em virtude de um regresso altamente curioso ao passado ao nível de expressão dos egípcios A linguagem das imagens ainda não chegou à sua maturação pois nossos olhos ainda não estão à sua altura Ainda não há apreço suficiente ainda não háculto suficiente para aquilo que se expressa nela123 Ou segundo SéverinMars A qual arte foi concedido um sonho que teria sido a mesmo tempo mais poético e mais real Considerado de tal ponto de vista o cinema apresentaria u meio de expressão inteiramente incomparável e em sua atmosfera só é permitido que se movimentem pessoas de mais nobre pensamento nos mais plenos e misteriosos momentos de sua vida 124 É bastante instrutivo ver como o esforço de elevar o cinema à arte compele esses teóricos a introduzir nele com falta de atenção sem igual elementos de culto E no entanto à época que tais especulações foram publicadas já havia obras como Lopinion publique e La ruée vers lor125 Isso não impede Abel Gance de evocar a comparação com os hieróglifos e SéverinMars fala d filme como se poderia falar de imagens de Fra Angelico Característico é o fato de que ainda hoje autores particularmente reacionários buscam o significado do cinema na mesma direção se não diretamente no sagrado então ao menos no sobrenatural Por ocasião da adaptação cinematográfica de Reinhardt de Sonho de uma noite de verão Werfel constata que foi sem dúvida a cópia estéril do mundo exterior com suas ruasinteriéurs estações de trem restaurantes automóveis e praias o que até hoje atrapalhou a ascensão do cinema ao reino da arte O cinema ainda não compreendeu o seu verdadeiro sentido suas possibilidades reais Elas consistem em uma capacidade singular de dar voz com meios naturais e com poder de persuasão incomparável ao feérico maravilhoso e sobrenatural126 XX A reprodução fotográfica de um quadro é diferente da de um evento artificial realizada em um estúdio cinematográfico No primeiro caso o que é reproduzido é uma obra de arte e sua produção não o é Pois o desempenho do cinegrafista na objetiva não cria uma obra de arte assim como o desempenho de um maestro em uma orquestra sinfônica no melhor dos casos ele cria um desempenho artístico Diferentemente ocorre na gravação em um estúdio cinematográfico Nesse caso nem o que é reproduzido é uma obra de arte e a reprodução não o é tampouco como no primeiro caso A obra de arte só surge aqui em virtude da montagem de uma montagem da qual cada parte singular é a reprodução de um evento que nem é uma obra de arte em si nem gera uma obra de arte na fotografia O que são esses eventos reproduzidos no filme uma vez que eles não são obras de arte A resposta deve partir do desempenho artístico próprio ao ator de cinema Ele se distingue do ator de teatro pelo fato de que seu desempenho artístico não se passa em sua forma srcinal a qual subjaz à reprodução perante um público ocasional mas perante um grêmio de especialistas como produtor diretor cinegrafista engenheiro de som responsável pela iluminação etc que a todo momento podem intervir em seu desempenho artístico Tratase aqui de uma marca social distintiva muito importante A intervenção de um grêmio de especialistas em um desempenho artístico é típica do desempenho esportivo e em sentido amplo da execução de um teste De fato tal intervenção determina inteiramente o processo de produção do filme Como se sabe várias partes são filmadas em variações Um grito de socorro por exemplo pode ser registrado em diferentes versões Entre essas o responsável pela montagem deverá escolher ele escolhe uma delas como que estatuindo a versão recorde Um evento feito em um estúdio de gravação se distingue do evento real correspondente da mesma maneira que o lance de um disco no campo esportivo de um campeonato é diferente do lance do mesmo disco no mesmo lugar e sobre a mesma distância se viesse a matar um homem O primeiro seria a execução de um teste o segundo não No entanto a execução desse teste pelo ator de cinema é algo completamente singular Em que ela consiste Na superação de uma certa barreira que coloca o valor social de testes em limites estreitos Não se trata aqui do desempenho esportivo mas do desempenho em um teste mecanizado Em certo sentido o esportista conhece apenas o teste natural Ele se mede pelas tarefas postas pel natureza e não pelas tarefas de um equipamento a menos em exceções como Nurmi de quem se dizia que ele corria contra o relógio Entretanto o processo de trabalho ocasionou sobretudo desde que ele foi padronizado pela cadeia de montagem incontáveis provas diárias no teste mecânico Essas provas ocorrem às escondidas quem não for aprovado é excluído do processo de trabalho Mas elas também ocorrem independentemente nos institutos que oferecem orientação profissional Em ambos os casos nos confrontamos com o limite supramencionado Na verdade e ao contrário das provas esportivas essas provas não podem ser expostas como seria desejável E é exatamente aqui que o cinema intervémO cinema torna possível que o teste venha a ser exposto na medida em que ele faz de sua própria exponibilidade um teste O ator de cinema não atua perante um público mas perante uma aparelhagem O responsável pela gravação se encontra exatamente no mesmo lugar que o responsável pelo teste de habilitação profissional Atuar sob a luz dos holofotes e sob as exigências do microfone é um teste de primeira ordem Ser aprovado nesse teste significa conservar a sua própria humanidade face à aparelhagem O interesse nesse teste é enorme Pois é frente a uma aparelhagem que a maioria esmagadora dos citadinos em balcões e fábricas deve se alienar de sua humanidade durante o dia de trabalho À noite são essas mesmas massas que enchem os cinemas para vivenciar a revanche que o ator de cinema faz em nome delas na medida em que a humanidadedo ator ou o que aparece como tal às massas se afirma não apenas frente à aparelhagem mas na medida em que ela coloca a aparelhagem a serviço do seu próprio triunfo XI XI Para o cinema é bem menos importante o ator representar para o público um outro do que ele representar a si mesmo para a aparelhagem Pirandello foi um dos primeiros a notar essa modificação do ator pela execução do teste O fato de que ele se limite em seu romance Quaderni di Serafino Gubbio operatore Si gira127 a ressaltar o lado negativo da questão não prejudica as suas observações E o fato de que elas se refiram ao cinema mudo prejudica ainda menos Pois o cinema sonoro não mudou nada de essencial nessa questão Decisivo permanece sendo o fato que o ator atue para uma aparelhagem ou no caso do cinema sonoro para duas O ator de cinema escreve Pirandello se sente como no exílio Exilado não apenas do palco mas de sua própri pessoa Com um sombrio malestar ele sente o vazio incompreensível que surge quando seu corpo se torna uma aparição sem substância quando ele se volatiliza e sua realidade sua vida sua voz e os ruídos que ele produz ao moverse lhe são roubados para se transformarem em uma imagem muda que treme por um instante na tela e desaparece em silêncio A pequena aparelhagem vai jogar com a sua sombra diante do público e ele próprio deve se contentar em interpretar perante ela128 Poderíamos caracterizar o mesmo estado de coisas da seguinte maneira pela primeira vez e isso é obra do cinema o homem está em posição de atuar com a sua individualidade integral e viva mas somente com a renúncia de sua aura Pois a aura está ligada ao seu aqui e agora Não há cópia dela A aura presente no palco ao redor de Macbeth não pode se separar daquilo que para o público vivo está ao redor do ator que o interpreta A peculiaridade da gravação no estúdio cinematográfico no entanto consiste no fato de que ela coloca a aparelhagem no lugar do público Assim a aura presente ao redor do ator deve desaparecer e assim desaparece ao mesmo tempo a aura ao redor do que é representado Não é surpreendente o fato de que justamente um dramaturgo como Pirandello toque involuntariamente o cerne da crise em sua caracterização do ator de cinema crise na qual o teatro se vê envolvido De fato não há contraste mais significativo em relação à obra de arte inteiramente captada pela técnica de reprodução em relação à obra de arte que emerge da reprodução técnica como o filme que a obra teatral Qualquer observação mais penetrante o confirma Observadore competentes reconheceram há muito tempo que na representação cinematográfica os maiores resultados são quase sempre alcançados quando se atua o mínimo possível O último desenvolvimento como constata Arnheim em 1932 consiste em tratar o ator como um adereço escolhido pelas suas características e colocado no lugar certo 129 Mas há outra coisa que se relaciona intimamente com issoO ator que atua no palco de teatro se transporta para um papel o ator de cinema no entanto isso é muitas vezes negado Sua atuação não é de modo algu unitária mas uma combinação de várias atuações particulares Além de se ocupar ocasionalmente do aluguel do estúdio da disponibilidade de parceiros da decoração etc a atuação do ator é decomposta em uma série de episódios montáveis pelas necessidades elementares do maquinário Tratase sobretudo da iluminação cuja instalação exige que a representação de uma cena que aparece na tela como um decurso unitário e rápido seja realizada em gravações separadas que ocasionalmente se estendem por horas no estúdio para não mencionar montagens mais palpáveis Assim uma cena do ator saltando da janela pode ser filmada no estúdio com o ator saltando de uma armação sendo que a fuga subsequente no entanto pode ser filmada semanas mais tarde no exterior De resto é fácil construir casos ainda mais paradoxais Podese exigir do ator que ele recue de medo após uma batida à porta Se esse recuo não sair como desejado o diretor pode ocasionalmente fazer com que se dispare um tiro às costas do ator quando este se encontrar novamente no estúdio sem que ele tenha conhecimento disso O susto do ator nesse instante pode ser gravado e ser inserido no filme Nada mostra mais drasticamente que a arte abandonou o reino da bela aparência que até então era considerado como o único em que ela podia prosperar130 XI XIII Na representação do homem pela aparelhagem a sua alienação de si mesmo passou por uma reutilização altamente produtiva Essa reutilização pode ser mensurada no fato de que o estranhamento do ator diante da aparelhagem como Pirandello o descreve é fundamentalmente da mesma espécie que o estranhamento do homem diante de sua aparição no espelho da qual os românticos gostavam de se ocupar Agora no entanto o reflexo pode ser separado do espelho ele se tornou transportável E para onde ele foi transportado Para diante das massas131 É claro que a consciência disso não abandona o ator de cinema por sequer um momento Ele sabe diante da aparelhagem que ele se relaciona em última instância com a massa É a massa que vai controlálo E justamente a massa não é visível ainda não está presente no momento em que ele realiza o desempenho artístico que ela controlará A autoridade desse controle cresce por meio daquela invisibilidade Certamente não podemos esquecer que a utilização política desse controle terá de esperar até que o filme tenha se libertado dos grilhões de sua exploração capitalista Pois através do capital cinematográfico transformamse as chances revolucionárias desse controle em chances contrarrevolucionárias O culto da estrela de cinema que é promovido por ele não conserva apenas aquela magia da personalidade que consiste há muito tempo no brilho pútrido de seu caráter de mercadoria também seu complemento o culto do público promove simultaneamente a constituição corrupta da massa a qual o fascismo procura colocar no lugar de sua consciência de classe132 XIII XIII Associase à técnica do filme assim como à do esporte o fato de que cada um assiste aos desempenhos que elas expõem como semiespecialista É necessário apenas que ouçamos um grupo de entregadores de jornal apoiados em suas bicicletas discutindo os resultados de uma competição de ciclismo para intuirmos algo dessa associação No que diz respeito ao cinema o cinejornal atesta claramente que cada um pode vir a ser filmado No entanto nada é feito com essa possibilidade Cada ser humano atualmente tem o direto de ser filmado Esse direito pode ser melhor compreendido se recorrermos à situação histórica da literatura atual Durante séculos as coisas eram tais na literatura que frente a um número reduzido de escritores havia um número muito maior de leitores Isso se modificou no século passado Com a crescente extensão da imprensa que disponibilizava aos leitores sempre novos órgãos políticos religiosos científicos profissionais e locais um número cada vez maior de leitores passou a escrever primeiramente de maneira ocasional Isso começou com a abertura da parte da imprensa diária de uma seção destinada às Cartas dos leitores e hoje quase não há um europeu inserido no processo de trabalho que não tenha a oportunidade de publicar em algum lugar sua experiência de trabalho uma reclamação uma reportagem ou algo semelhante Assim a diferença entre autor e público está em vias de perder o seu caráter fundamental Ela se torna funcional atuando diferentemente em cada caso particular O leitor está sempre pronto a se tornar um escritor Como especialista que ele teve de se tornar para bem ou para mal em um processo de trabalho altamente especializado seja apenas especialista em um campo de atuação menor ele ganha acesso à autoria O próprio trabalho toma a palavra e sua representação em palavra constitui uma parte do saber exigido para o seu exercício A competência literária não se baseia mais sobre a formação especializada mas sobre a politécnica e convertese assim em patrimônio geral Tudo isso pode ser transposto sem mais ao cinema em que as mudanças que necessitaram de séculos no caso da escrita se efetuam no decorrer de uma década Pois na prática do cinema sobretudo do cinema russo essa mudança já se efetivou em certos pontos Uma parte dos atores encontrados no cinema russo não são atores em nosso sentido mas pessoas que se representama si mesmas e na verdade primariamente em seu processo de trabalho Na Europa Ocidental exploração capitalista do cinema impede que se atenda à reivindicação legítima do ser humano atual no que concerne a seu serreproduzido A propósito também o desemprego a impede ao excluir grandes massas da produção em cujo processo de trabalho elas teriam primariamente a reivindicação de serem reproduzidas Sob tais circunstâncias a indústria fílmica tem todo interesse em estimular a participação das massas por meio de ideias ilusórias e especulações ambíguas Para alcançar esse objetivo ela pôs um violento aparato publicitário em movimento colocando a carreira e a vida amorosa das estrelas de cinema a seu serviço organizando plebiscitos convocando concursos de beleza Tudo isso para falsificar e corromper o interesse srcinário e justificado das massas pelo cinema um interesse de conhecimento pessoal e assim também de classe Vale portanto em particular para o capital fílmico aquilo que em geral vale para o fascismo a saber que uma carência indeclinável por novas organizações sociais seja explorada em segredo conforme o interesse de uma minoria proprietária Já por essa razão a expropriação do capital fílmico é uma exigência urgente do proletariado XI XIVV A gravação de um filme e sobretudo a de um filme sonoro oferece uma perspectiva que jamais fora pensável Ela apresenta um evento que não pode mais ser ordenado sob um único ponto de observação a partir do qual a aparelhagem de gravação que como tal não pertence ao processo de filmagem tal como o maquinário de iluminação o corpo de assistentes etc não entre no campo de visão do expectador A não ser que a disposição de sua pupila coincida com a do aparato de gravação Essa circunstância mais do que qualquer outra torna superficiais e irrelevantes quaisquer possíveis similaridades existentes entre uma cena no estúdio de filmagem e uma cena no palco de teatro O teatro conhece por princípio o lugar a partir do qual o acontecimento não pode simplesmente ser vislumbrado como ilusório No que concerne à cena de gravação no cinema esse lugar não existe A sua natureza ilusória é uma natureza de segunda ordem ela é um resultado da montagem Ou seja no estúdio de gravação a aparelhagem penetrou tão profundamente na realidade que o seu aspecto puro livre do corpo estranho da aparelhagem é o resultado de um rocedimento particular a saber da gravação por meio do aparato fotográfico especialmente ajustado e de sua montagem com outras gravações da mesma natureza O aspecto da realidade que é livre da aparelhagem se tornou aqui o seu aspecto mais artificial e a visão da realidade imediata se tornou a Flor Azul133 na terra da técnica As mesmas circunstâncias que tanto se distinguem das do teatro podem ser confrontadas de forma ainda mais instrutiva com o que acontece na pintura Nesse caso devemos colocar a questão qual é a relação entre o operador de cinema e o pintor Para responder a essa questão façamos uma construção acessória que se baseia sobre o conceito do operador que é familiar a partir da cirurgia O cirurgião se encontra no polo oposto ao do mágico A postura do feiticeiro que cura o doente ao pôr as mãos sobre ele é diferente da postura do cirurgião que realiza uma intervenção no doente O feiticeiro conserva a distância natural entre si e o paciente mais precisamente ele a diminui apenas um pouco graças ao seu toque e a intensifica muito graças à sua autoridade O cirurgião procede inversamente ele diminui bastante a distância ao paciente na medida em que ele invade seu interior e a aumenta apenas um pouco através da cautela com a qual sua mão se movimenta entre os seus órgãos Em uma palavra à diferença do feiticeiro ainda latente no médico o cirurgião renuncia no instante decisivo a encarar o seu paciente de homem para homem antes ele o invade operativamente Feiticeiro e cirurgião estão entre si como pintor e cinegrafista Em se trabalho o pintor observa uma distância natural entre a realidade dada e si mesmo ao passo que o cinegrafista ao contrário penetra profundamente na trama dos acontecimentos As imagens que ambos produzem são enormemente distintas A do pintor é uma imagem total a do cinegrafista é uma imagem amplamente fragmentada cujas partes se organizam segundo uma nova regra Por isso a representação fílmica da realidade é incomparavelmente mais significativa para o ser humano de hoje em dia pois ela guarda o aspecto da realidade que é livre da aparelhagem justamente em virtude de sua mais intensa interpenetração com a aparelhagem aspecto esse que o ser humano de hoje tem o direito de exigir da obra de arte XV XV A reprodutibilidade técnica da obra de arte modifica a relação das massas para com a arte Da relação mais retrógrada por exemplo frente a um Picasso ela se transforma na mais rogressista por exemplo frente a um Chaplin O comportamento progressista se caracteriza pelo fato que o prazer em ver e vivenciar entra em ligação imediata e interna com a postura do especialista Tal ligação é um indício social importante Pois quanto mais o significado social de uma arte diminui tanto mais se separam no público a postura crítica da fruidora o que se comprova claramente na pintura O convencional é fruído acriticamente e o verdadeiramente novo é criticado com aversão Porém isso não ocorre no cinema O elemento determinante para esse fato é que em nenhum lugar mais do que no cinema as reações do indivíduo cuja suma constitui a reação em massa do público se mostram como condicionadas desde o começo pela sua massificação iminente E na medida em que elas se manifestam elas se controlam mutuamente Aqui também é útil a comparação com a pintura O quadro sempre teve uma pretensão especial à contemplação por u ou por poucos A contemplação simultânea de um quadro por um grande público tal como ela surge no século dezenove é um primeiro sintoma da crise da pintura que de modo algum foi ocasionada apenas pela fotografia mas em relativa independência desta pelo apelo da obra de arte à massa De fato a pintura não é apta a oferecer o objeto a uma recepção coletiva tal como sempre foi o caso para a arquitetura como fora outrora o caso da epopeia e como hoje é o caso do filme E assi como não devemos tirar conclusões sobre o papel social da pintura a partir desse fato por si mesmo tampouco tal fato atua como um obstáculo de peso no momento em que a pintura em situações específicas e em certo sentido contra a sua natureza é confrontada imediatamente com as massas Nas igrejas e conventos da Idade Média e nas cortes até mais ou menos o final do século dezoito recepção coletiva de quadros não ocorria simultaneamente mas era classificada e hierarquizada de várias maneiras Se é verdade que isso se modificou então aí se expressa o particular conflito e que a pintura foi envolvida por meio da reprodutibilidade técnica da imagem No entanto embora se tenha tentado expôla em galerias e salões para as massas não havia um meio no qual as massas teriam podido se organizar e controlar a si próprias em uma tal recepção Assim o mesmo público que reagia de maneira progressista diante de um filme grotesco deveria se tornar retrógrado diante do surrealismo XVI XVI Dentre as funções sociais do cinema a mais importante consiste em estabelecer o equilíbrio entre o ser humano e a aparelhagem O cinema não realiza essa tarefa de modo algum apenas à maneira pela qual o ser humano se representa à aparelhagem de gravação mas também à maneira pela qual ele representa a si mesmo graças à aparelhagem o mundo ao seu redor Através dos closes nos objetos ao nosso redor da acentuação de detalhes ocultos nos adereços que nos são corriqueiros da pesquisa de milieus banais sob a genial condução da objetiva o cinema por um lado aumenta a compreensão dos condicionamentos que regem a nossa existência e por outro lado nos assegura uma gigantesca e inesperada margem de atuação Nossos botequins e avenidas nossos escritórios e quartos mobiliados nossas estações de trem e fábricas pareciam nos aprisionar sem escapatória Nisso veio o filme e explodiu esse mundo carcerário com a dinamite dos décimos de segundo de modo que agora realizamos viagens e aventuras entre seus escombros dispersos Com a gravação em close o espaço se expande com a câmera lenta o movimento é desacelerado E assim como não se trata no caso da ampliação de uma mera explicitação do que se vê em todo caso e implicitamente mas antes de formações estruturais da matéria totalmente novas que vêm à luz assim tampouco a câmera lenta explicita movimentos já conhecidos ao contrário nesses movimentos ela descobre outros totalmente desconhecidos que de modo algum atuam como desacelerações de movimentos rápidos mas como movimentos singularmente acompanhantes flutuantes sobrenaturais134 Com isso tornase palpável que é uma outra natureza que se abre para a câmera diferente daquela que se abre para o olho Diferente sobretudo na medida em que no lugar de um espaço de atuação em que o ser humano atua conscientemente entra um espaço de atuação inconsciente Mesmo que uma pessoa possa ter consciência do caminhar das outras ainda que apenas de forma geral ela não sabe absolutamente nada de sua posição na fração de segundos em que uma pessoa levanta o pé para dar um passo Se de fato já estamos familiarizados com o movimento manual que realizamos ao utilizar um isqueiro ou uma colher não sabemos praticamente nada do que se passa realmente entre a mão e o metal para não falar de como isso se modifica segundo as várias disposições em que nos encontramos É aqui que a câmera intervém com os seus recursos auxiliares suas imersões e emersões interrupções e isolamentos ao distender e comprimir o decurso temporal ao ampliar e reduzir Experimentamos algo do inconsciente ótico pela primeira vez por meio dela assim como experimentamos algo do inconsciente pulsional pela primeira vez pela psicanálise Entre os dois tipos de inconsciente existem de resto as mais profundas articulações Pois os aspectos variados que a aparelhagem de gravação é capaz de extrair da realidade encontramse em grande medida apenas fora do espectro normal de percepções sensoriais Várias deformações e movimentos repetitivos metamorfoses e catástrofes que podem afetar o mundo da ótica nos filmes afetao efetivamente em psicoses em alucinações e sonhos Assim tais dispositivos da câmera são também procedimentos graças aos quais a percepção coletiva é capaz de se apropriar das formas de percepção individual do psicótico ou do sonho O cinema abriu uma exceção na antiga verdade heraclítica segundo a qual os despertos têm um mundo em comum e os adormecidos possuem cada um seu mundo particular muito menos na verdade com representações do mundo dos sonhos do que com a criação de figuras de sonho coletivo como a do Mickey Mouse que perpassa todo o globo Se levarmos em conta as perigosas tensões que a tecnicização com suas conseqüências roduziram nas grandes massas tensões que assumem em estágios críticos um caráter psicótico chegaríamos então ao conhecimento de que essa mesma tecnicização criou contra tais psicoses de massa a possibilidade de imunização psíquica através de certos filmes nos quais um desenvolvimento forçado de fantasias sádicas ou de ideias masoquistas e delirantes pode evitar sua maturação natural e perigosa nas massas A gargalhada coletiva apresenta a irrupção precoce e sadia de tais psicoses de massa O violento acúmulo de acontecimentos grotescos consumidos no cinema é uma indicação drástica dos perigos que ameaçam a humanidade a partir dos recalques que a civilização traz consigo Os filmes grotescos americanos e os filmes de Walt Disney geram uma explosão terapêutica do inconsciente135 Seu antecessor foi o excêntrico No novo espaço de atuação que surgiu com o filme o excêntrico foi o primeiro a estar em casa Chaplin enquanto figura histórica encaixase nesse contexto XVII XVII Uma das tarefas mais importantes da arte sempre foi a de criar uma demanda que só poderia ser plenamente satisfeita posteriormente136 A história de cada forma artística passa por períodos críticos nos quais essa forma aspira a efeitos que só podem ser criados espontaneamente com um padrão técnico diferente ou seja em uma nova forma artística As extravagâncias e grosserias da arte que então resultaram particularmente nos assim chamados períodos de decadência emergem na verdade de seus mais ricos centros de força históricos Foi em tais barbarismos que ainda o Dadaísmo aflorou ultimamente Seu impulso só pode ser reconhecido agora o Dadaísmo tentou criar os efeitos que o público de hoje procura no cinema com os meios da pintura ou da literatura Toda criação radicalmente nova e revolucionária de demandas irá além de seu objetivo Esse é o caso do dadaísmo na medida em que ele sacrifica a favor de intenções mais significativas das quais ele evidentemente não tem consciência na forma em que são aqui descritas os valores de mercado que são tão próprios ao cinema Os dadaístas deram muito menos importância à utilidade mercantil de suas obras de arte do que à sua inutilidade como objetos de imersão contemplativa Eles procuraram alcançar essa inutilidade não por último através de uma degradação fundamental do material de suas obras Seus poemas são saladas de palavras eles contêm expressões obscenas e todo o lixo imaginável da linguagem tal como seus quadros montados por eles com botões ou bilhetes de trem O que eles alcançam com tais meios é um brutal aniquilamento da aura de suas produções nas quais eles gravam com os meios da produção a marca da reprodução Diante de uma imagem de Arp ou de um poema de August Stramm é impossível consagrar algum tempo ao recolhimento e à avaliação como diante de uma imagem de Derain ou de um poema de Rilke 137 À imersão que na degeneração da burguesia tornouse uma escola do comportamento associal opõese a distração como um tipo de comportamento social De fato as manifestações dadaístas garante uma distração veemente ao transformar a obra de arte em centro de um escândalo Ela deveria sobretudo satisfazer uma exigência provocar a indignação pública De uma aparência sedutora ou de uma estrutura sonora persuasiva a obra de arte se transformou com os dadaístas em um projétil Ela se lança ao observador e ganha uma qualidade tátil138 Co isso a obra de arte favoreceu a demanda pelo cinema cujo elemento de distração também é em primeira linha um elemento tátil baseado na troca dos cenários e das disposições que invadem o espectador massivamente139 O cinema libertou o efeito de choque físico da embalagem moral e que o dadaísmo ainda o conservava XVIII XVIII A massa é uma matriz da qual todo comportamento habitual face a obras de arte emerge hoje renascido A quantidade se converteu em qualidade as massas muito maiores de participantes roduziram uma maneira diferente de participação O fato de que essa maneira se apresente primeiramente de modo desacreditado não deve confundir o observador Queixase que as massas procurem distração nas obras de arte ao passo que o conhecedor se aproxime dela com recolhimento Para as massas a obra de arte seria uma ocasião para o entretenimento para o conhecedor ela seria um objeto de devoção Devemos analisar essa crítica mais de perto Distração e concentração encontramse em uma oposição que permite a seguinte formulação que se recolhe diante da obra de arte imerge nela ele mergulha nessa obra tal como a lenda conta de um pintor chinês ao contemplar a sua obra finalizada Por sua vez a massa distraída imerge a obra de arte em si mesma ela a rodeia com suas tormentas a abrange em seu fluxo E isso de maneira mais evidente quanto às edificações A arquitetura sempre ofereceu o protótipo de uma obra de arte cuja recepção ocorre em distração e em coletividade As leis de sua recepção são as mais instrutivas Edificações acompanham a humanidade desde sua préhistória Várias formas artísticas surgira e pereceram A tragédia surge com os gregos para se extinguir com eles e após séculos renascer A epopeia cuja srcem se encontra na juventude dos povos desaparece na Europa com o fim do Renascimento O quadro é uma criação da Idade Média e nada garante a ele uma duração perene necessidade do ser humano por habitação no entanto é perpétua A arquitetura jamais se tornou improdutiva Sua história é mais antiga que a de todas as outras artes e visualizar o seu efeito é significativo para toda tentativa de prestar contas sobre a relação das massas com a obra de arte As edificações são recebidas de maneira dupla através da utilização e da percepção Ou melhor dizendo de forma tátil e ótica Não compreendemos tal recepção se a concebemos segundo o modo de recepção concentrada como é corriqueiro por exemplo a viajantes diante de construções célebres Do ponto de vista tátil não há nenhum equivalente àquilo que é a contemplação do ponto de vista ótico A recepção tátil não ocorre tanto no sentido da atenção como no do hábito No que concerne à arquitetura este último determina largamente até mesmo a recepção ótica Ele també ocorre naturalmente bem menos em uma atenção tensa do que em uma apercepção incidental No entanto essa recepção formada na arquitetura possui sob certas circunstâncias um valor canônico Pois as tarefas que são postas ao aparato perceptivo humano em tempos de transformação não odem ser resolvidas no sentido da simples ótica ou seja da contemplação Elas são realizadas radualmente sob orientação da recepção tátil pela habituação Também o distraído pode se habituar Ou ainda poder realizar certas tarefas em distração é o que confirma que resolvêlas tornouse um hábito Através da distração tal como a arte a oferece avaliase indiretamente em que medida novas tarefas da apercepção se tornaram solúveis Uma vez que de resto o indivíduo sofre a tentação de se furtar de tais tarefas a arte irá resolver as mais duras e importantes lá onde ela pode mobilizar as massas Atualmente ela o faz no filme A recepção distraída que se torna perceptível crescentemente em todos os campos da arte e é o sintoma de modificações profundas da apercepção tem no cinema o seu verdadeiro instrumento de treino E seu efeito de choque o cinema vai de encontro a essa forma de recepção Assim ele se mostra desse ponto de vista como o objeto mais importante atualmente daquela doutrina da percepção que se chamava Estética entre os gregos XI XIXX A crescente proletarização do homem de hoje e a crescente formação de massas são dois lados de um mesmo acontecimento O fascismo tenta organizar as massas proletarizadas recémformadas sem tocar nas relações de propriedade a cuja abolição elas impelem Ele vê a sua salvação e deixar as massas mas não os seus direitos se expressarem140 As massas possuem odireito de modificação das relações de propriedade o fascismo procura darlhe expressão em sua conservação O fascismo converge finalmente para uma estetização da vida política Co DAnnunzio a política foi impregnada pela decadência com Marinetti pelo futurismo com Hitler pela tradição de Schwabing141 Todos os esforços pela estetização da política culminam em um ponto Esse ponto é a guerra A guerra e apenas a guerra torna possível direcionar movimentos de massa de grande escala sob a conservação das relações de propriedade tradicionais Assim formulase o estado de coisas do ponto de vista da política Do ponto de vista da técnica ele se formula como se segue apenas a guerra torna possível mobilizar a totalidade dos meios técnicos do presente sob a conservação das relações de propriedade É evidente que a apoteose da guerra pelo fascismo não se serve deste argumento Ainda assim é instrutivo analisálo No manifesto de Marinetti acerca da Guerra Colonial d Etiópia lêse Há vinte e sete anos voltamonos nós futuristas contra a caracterização da guerr como antiestética Com efeito nós constatamos a guerra é bela porque ela fundamenta graças às máscaras de gás ao megafone assustador ao lançachamas e aos pequenos tanques a dominação do homem sobre a máquina subjugada A guerra é bela pois ela inaugura a sonhada metalização do corpo humano A guerra é bela pois ela enriquece um campo em flor com as orquídeas ígneas das metralhadoras A guerra é bela porque ela congrega em uma sinfonia os tiros de fuzil os canhoneios os cessarfogo os perfumes e os odores de decomposição A guerra é bela porque ela cria novas arquiteturas como a dos grandes tanques das esquadrilhas aéreas geométricas das espirais de fumaça de vilarejos em chamas e muitas outras coisas Poetas e artistas do futurismo lembrem se desses princípios de uma estética da guerra de modo que suas lutas por uma nova poesia e por novas artes plásticas sejam iluminadas por eles 142 Esse manifesto possui a vantagem da clareza Seu questionamento merece ser assumido pelo pensador dialético Segundo ele a estética da guerra atual se apresenta da seguinte maneira se a utilização natural das forças produtivas for retida pelo ordenamento da propriedade então o crescimento dos paliativos técnicos dos tempi das fontes de energia compele a uma utilização antinatural das forças produtivas Ela o encontra na guerra que prova com as suas destruições que a sociedade não era ainda suficientemente madura para fazer da técnica o seu órgão e que a técnica não era ainda desenvolvida o suficiente para controlar as forças elementares da sociedade A guerra imperialista é em seus traços mais sombrios determinada pela discrepância entre os poderosos meios de produção e a sua utilização inadequada no processo de produção com outras palavras pelo desemprego e a falta de mercados A guerra imperialista é um levante da técnica que cobra em material humano as reivindicações das quais a sociedade extraiu seu material natural No lugar de indústrias de energia ela mobiliza a energia humana sob a forma de exércitos No lugar do tráfego aéreo ela mobiliza o tráfego de projéteis e tem na guerra à gás um meio de suprimir a aura de uma nova maneira Fiat ars pereat mundus143 diz o fascismo esperando da guerra a satisfação artística da percepção sensorial modificada pela técnica como Marinetti o reconhece Eis claramente consumação dalart pour lart A humanidade que outrora era em Homero objeto de contemplação dos deuses olímpicos tornouse agora objeto de contemplação para si mesma O seu estranhamento de si mesma alcançou aquele patamar que permite a ela vivenciar o próprio extermínio como uma fruição estética de primeiro nível Eis a estetização da política tal como o fascismo a pratica comunismo responde com a politização da arte 112 Tradução Daniel Pucciarelli Erasmus Mundus Europhilosophie Revisão Técnica Romero Freitas Universidade Federal de Ou Preto 113 Chegaram até nós quatro versões do ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica uma em francês e três em alemão O ensaio foi publicado pela primeira vez em 1936 na revista do Instituto de Pesquisa Social em uma tradução francesa feita po Benjamin e Klossowski Como o manuscrito dessa tradução se perdeu e o texto publicado na revista passou por inúmeras alterações po parte dos seus editores é impossível saber ao certo a partir de qual versão em alemão a tradução foi feita Três versões em alemão foram publicadas posteriormente A primeira versão baseada em um manuscrito que Benjamin escreveu em 1935 e que ele não considerava pronto para publicação surgiu pela primeira vez em 1974 no volume I das Obras reunidas editadas pela editora Suhrkamp tradução brasileira em Benjamin WObras escolhidas I São Paulo Brasiliense 1985 A segunda versão que Benjami tentou sem sucesso publicar em duas revistas alemãs editadas em Moscou foi publicada pela primeira vez em 1989 no volume VII da Obras reunidas Essa versão é provavelmente a mais atual das quatro versões do texto já que é a única que trata explicitamente da relação entre as noções de jogo mímesis e técnica A terceira versão do ensaio que Benjamin finalizou em 1939 foi publicada pela primeira vez na coletânea Escritos organizada por Theodor e Gretel Adorno em 1955 tradução brasileira em Grünewald J L Org A ideia do cinema Civilização Brasileira 1969 NRT 114 Abel Gance Le temps de limage est venu In Lart cinématographique II Paris 1927 p 9496 115 Medium e não Mittel Em vários momentos da obra benjaminiana desde pelo menos o ensaio Sobre a linguagem em geral e sobr a linguagem do homem 1916 a palavra Medium meio designa o elemento imediato ou material da linguagem e não o fato de que a comunicação pode ser entendida como mediação isto é como o meio Mittel para se atingir um determinado fim NRT 116 Gênesis de Viena manuscrito ilustrado pertencente à Biblioteca Nacional Austríaca Produzido provavelmente no século VI d Representa cenas do Gênesis bíblico NRT 117 Alois Riegl 18581905 e Franz Wickhoff 18531909 historiadores da arte representantes da chamada Escola de Viena Tiveram importante papel na renovação da sua disciplina Como observou um especialista Desde 1901 o historiador de arte Aloi Riegl tinha libertado a arte antiga tardia da acusação de ter se tornado uma arte popular explicando por uma mudança na vontade expressiva e nas mensagens transmitidas aquilo que se habitou atribuir à falta de técnica dos artistas vindos do povo Riegl explicava abandono das convenções clássicas nas artes plásticas pela intenção de exprimir a transcendência mais do que a forma e pelo interesse colocado no conteúdo ou seja na finalidade exterior da obra de arte mais do que a reprodução realista das formas naturais Carrié J M Elitismo cultural e democratização da cultura no Império Romano Tardio História v 29 n 1 Franca 2010 p 464 Wickhof foi o autor em 1895 de um estudo sobre o Gênesis de Viena NRT 118 Citação de um trecho da obra Novelas exóticas 19071915 do escritor dinamarquês Johannes Vilhelm Jensen 18731950 Richard era um jovem que tinha sensibilidade para tudo o que se assemelha no mundo NRT 119 No caso das obras cinematográficas a reprodutibilidade técnica do produto não é uma condição que se encontra de forma externa para a sua difusão em massa como no caso das obras da literatura ou da pintura por exemplo A reprodutibilidade técnica das obras cinematográficas é imediatamente fundada na técnica de sua produção Essa técnica possibilita não apenas da forma mais imediata a difusão em massa das obras cinematográficas mas ela a impõe diretamente Ela a impõe pois o custo de produção de um filme é tão elevado que um indivíduo que podia adquirir uma pintura por exemplo não pode se permitir adquirir um filme Em 1927 calculouse que um filme de maior extensão deveria alcançar um público de nove milhões de pessoas para ser rentável Com o cinema sonoro no entanto há um retrocesso o seu público passou a se limitar às fronteiras linguísticas E isso aconteceu ao mesmo tempo que a afirmação dos interesses nacionais pelo fascismo Mais importante que registrar esse retrocesso no entanto que de resto foi atenuado com o advento das dublagens é chamar a atenção para sua relação com o fascismo A simultaneidade de ambos acontecimentos repousa na crise econômica Os mesmos distúrbios que em geral conduziram à manutenção das relações de propriedade com violência explícita conduziram o capital cinematográfico posto em risco pela crise a forçar os trabalhos preliminares ao cinema sonoro A introdução do filme sonoro trouxera então uma tranquilização temporária E isso não apenas porque o filme sonoro levou novamente as massas ao cinema mas também porque ele mobilizou novos capitais advindos da indústria elétrica a favor do capital cinematográfico Assim e visto de fora ele promoveu interesses nacionais visto de dentro no entanto ele internacionalizou ainda mais a produçã cinematográfica 120 Essa polaridade não pode se estabelecer verdadeiramente na estética do idealismo cujo conceito de beleza compreende fundamentalmente essa polaridade sem diferenciála excluindo consequentemente sua diferenciação Em todo caso essa polaridade se anuncia em Hegel tão claramente quanto possível no interior dos limites do idealismo Imagens lêse nas Preleções sobre a Filosofia da História existiam há muito tempo a religiosidade necessitava delas desde cedo para a sua devoção mas ela não precisava de belas imagens antes estas eram para ela mesmo um incômodo Na bela imagem está presente também uma exterioridade mas na medida em que ela é bela o seu espírito fala ao ser humano naquela devoção no entanto a relação com uma coisa é essencial pois a própria devoção é apenas um entorpecimento da alma algo sem espírito A bela arte nasceu na própria igreja embora a arte já tenha se distanciado do princípio da igreja Georg Wilhelm Friedrich Hegel Werke IX Berlin 1837 p 414 E também uma passagem das Preleções sobre a Estética indica que Hegel intuía um problema nesse ponto além disso ultrapassamos o estágio de poder reverenciar e idolatrar como divinas as obras da arte a impressão que elas provocam é de natureza mais recatada e o que é provocado em nós por meio delas necessita de um critério mais elevado Hegel lc X I Berlin 1835 p 14 121 O objetivo das revoluções é acelerar essa adaptação Revoluções são inervações do coletivo ou precisamente tentativas d inervação do novo coletivo historicamente inédito que tem o seu órgão na segunda técnica Essa segunda técnica é um sistema no qua o domínio das forças elementares da sociedade apresenta a condição para o jogo com as forças elementares da natureza Como uma criança que acaba de aprender a agarrar que estende a mão para a lua assim como para uma bola assim também a humanidade em suas tentativas de inervação apreende os objetivos possíveis e ao mesmo tempo os que a princípio são utópicos Pois não é apenas a segunda técnica que registra suas exigências para a sociedade nas revoluções Justamente porque essa segunda técnica quer alcançar a crescente libertação do ser humano a partir do trabalho em geral o indivíduo vê por outro lado seu campo de ação se ampliar repentinamente Nesse campo o indivíduo ainda não está informado Mas suas exigências se registram nesse campo Pois quanto mais coletivo se apropria de sua segunda técnica tanto mais sensível ele se torna aos indivíduos a ele pertencentes por menos que eles sob o encanto da primeira técnica tenham consciência disso Dito de outro modo é o ser humano singular emancipado por meio da liquidação da primeira técnica que faz suas exigências A segunda técnica não assegurou imediatamente as suas primeiras conquistas revolucionárias enquanto as questões vitais dos indivíduos amor e morte vieram à tona abundantemente por meio da primeira técnica urgindo por soluções A obra de Fourier é o primeiro documento histórico dessa exigência 122 Título srcinal A Woman of Paris 1923 título no Brasil Casamento ou Luxo NRT 123 Abel Gance lc p 101 124 SéverinMars cit Abel Gance lc p 100 125 Título srcinal The Gold Rush 1925 título no Brasil Em busca do ouro NRT 126 Franz Werfel Ein Sommernachtstraum Ein Film von Shakespeare und Reinhardt in Neues Wiener Journal cit LU 15 novemb 1935 127 O romance de Luigi Pirandello 18671936 foi publicado pela primeira vez em 1915 com o título Si gira Rodando e depois fo reeditado em 1925 com o títuloQuaderni di Serafino Gubbio operatore Cadernos do operador de câmera Serafino Gubbio NRT 128 Luigi Pirandello On tourne cit Léon PierreQuint Signification du cinéma in Lart cinématographique II lc p 1415 129 Rudolf Arnheim Filme als Kunst Berlin 1931 p 1767 Certas particularidades aparentemente secundárias com as quais diretor de cinema se distancia das práticas do palco de teatro ganham bastante em interesse nesse contexto como a tentativa de fazer o ator atuar sem maquiagem como Dreyer e outros empregou na Jeanne dArc Foram necessários meses para selecionar o quarenta atores que compõem o tribunal dos hereges A procura por esses atores foi comparável à procura por adereços dificilmente produzíveis Dreyer se esforçou ao máximo para evitar similaridades de idade estatura e fisionomia entre esses atores cf Mauric Schultz Le maquillage in Lart cinématographique VI Paris 99 p 656 Se o ator se torna um adereço não é raro que o adereç sirva como ator por outro lado Em todo caso não é nada inabitual que o filme chegue a conceder ao adereço um papel Ao invés de tomar exemplos quaisquer de uma série infinita permaneçamos em um de particular valor probatório Um relógio que se encontra n corredor irá sempre atrapalhar o que ocorre no palco A sua função medir o tempo não pode ser admitida no palco O tempo astronômico também colidiria mesmo em uma peça naturalista com o tempo cênico Sob essas circunstâncias é altamente característico para o cinema que ele possa ocasionalmente aproveitar a medida do tempo do relógio Aqui podemos reconhecer mais claramente do que em outros elementos como cada adereço particular pode assumir funções decisivas Então precisamos apenas de um passo para chegar à constatação de Pudowkin segundo a qual a atuação do ator ligada a um objeto e construída a partir dele é sempre o método mais eficaz de configuração fílmica W Pudowkin Filmregie und Filmmanuskript Berlin 1928 p 26 Assim o cinema é primeiro meio artístico capaz de mostrar como a matéria joga com o ser humano Com isso ele pode ser um instrumento extraordinári de representação materialista 130 O significado da bela aparência tem o seu fundamento na era da percepção aurática cujo fim se aproxima A teoria estética que lhe é própria foi formulada mais expressamente por Hegel para quem a beleza é a manifestação do espírito em sua forma imediata e sensível criada pelo espírito como adequada a ele Hegel Werke X 2 Berlin 1837 p 121 Certamente essa concepção traz consig elementos epigonais A formulação de Hegel segundo a qual a arte extrai a aparência e o logro deste mundo ruim e passageiro do verdadeiro conteúdo dos fenômenos Hegel lc X I p 13 já se separou da experiência que servia de base a essa doutrina Ess experiência é a aura A bela aparência como realidade aurática ainda preenche inteiramente por outro lado a criação de Goethe Mignon Otília e Helena participam dessa realidade Nem o invólucro nem o objeto velado por ele é o belo o belo é o objeto em seu invólucro eis a quintessência da concepção artística tanto de Goethe como da Antiguidade O seu declínio sugere duplamente qu viremos o olhar para a sua srcem Esta repousa na mímesis como o fenômeno srcinário de toda atividade artística O imitador faz o qu faz apenas aparentemente E de fato a antiga imitação conhece apenas uma única matéria na qual ela se forma a saber o corp próprio do imitador Dança e linguagem linguagem corporal e labial são as mais antigas manifestações da mímesis O imitador torna sua coisa aparente Podese também dizer ele representa a coisa ele joga com ela Assim deparasenos a polaridade que impera na mímesis Na mímesis dormitam entrelaçadas intimamente como as membranas de uma semente as duas faces da arte a aparência e ogo Essa polaridade só pode ser de interesse ao pensador dialético se ela possui um papel histórico E esse é de fato o caso pois ess papel é determinado pelo confronto históricouniversal entre a primeira e a segunda técnica A aparência é o esquema mais reduzido mas simultaneamente mais presente em todos os procedimentos mágicos da primeira técnica ao passo que o jogo é o reservatório inesgotável de todos os procedimentos experimentais da segunda técnica Nem o conceito da aparência nem o do jogo são estranhos à estética tradicional e na medida em que o par conceitual de valor de culto e valor de exposição está contido no par conceitual mencionado ele não diz nada de novo Isso se transforma subitamente no entanto assim que esses conceitos perdem a sua indiferença face à história Com isso eles conduzem a uma visão prática Esta quer dizer aquilo que acompanha a atrofia da aparência e o declíni da aura nas obras de arte é um enorme ganho para o espaço de jogo O mais vasto espaço para o jogo se abriu com o cinema Nele momento da aparência recuou inteiramente à serviço do momento do jogo As posições que a fotografia conquistou frente ao valor de culto foram assim enormemente fixadas N cinema o momento da aparência abre espaço ao momento do jogo que se alia à segunda técnica Essa aliança foi captada recentemente por Ramuz em uma formulação que toca a coisa mesma sob a aparência de uma metáfora Segundo Ramuz assistimos atualmente um evento fascinante As diferentes ciências que até então trabalharam independentemente em seu próprio campo começam a convergir em um objeto se unificando em uma única ciência Química física e mecânica se cruzam É como se acompanhássemos hoje com testemunhas oculares a rápida montagem de um quebracabeças cuja colocação da primeira peça precisou de vários milênios enquanto as últimas em virtude de seus contornos para o espanto dos espectadores estão prestes a se encaixar espontaneamente Charles Ferdinand Ramuz Paysan nature In Mesure No 4 octobre 193 S Nessas palavras o momento do jogo da segunda técnica no qual arte se fortalece é expresso de maneira insuperável 131 A modificação do modo de exposição por meio da técnica de reprodução que se pode constatar aqui é visível também na política A crise das democracias pode ser compreendida como uma crise das condições de exposição do homem político As democracias expõem o político diretamente em sua própria pessoa e isso perante os representantes O parlamento é o seu público Com as inovaçõe da aparelhagem de gravação que permitem tornar o político audível a muitos de maneira ilimitada durante seu discurso e pouco depois tornálo visível a muitos a exposição do homem político perante essa aparelhagem de gravação assume o primeiro plano O parlament se torna deserto ao mesmo tempo que os teatros Rádio e filme não modificam apenas a função do ator profissional mas também a função daquilo que o homem político faz ao se apresentar perante os outros A direção dessa modificação sem prejuízo de suas diferentes tarefas específicas é a mesma no caso do ator de cinema e do político Ela aspira à exposição de realizações verificáveis e mesmo transponíveis a outros sob certas condições sociais como o esporte as havia submetido anteriormente a certas condições naturais Isso gera uma nova triagem uma seleção diante da aparelhagem da qual o campeão a star e o ditador surgem como vencedores 132 Dito de passagem a consciência de classe proletária que é a mais límpida de todas modifica fundamentalmente a estrutura da massa proletária O proletariado consciente de sua classe forma uma massa compacta somente a partir de fora na mente de se repressor No instante em que o proletariado assume a sua luta de libertação a sua massa aparentemente compacta na verdade já se dispersou Ela cessa de estar sob o domínio de meras reações ela passa à ação A dispersão das massas proletárias é produto da solidariedade Na solidariedade da luta de classes proletária a oposição morta e nãodialética entre indivíduo e massa é abolida ta oposição não existe para os companheiros de classe Por isso por mais que a massa seja decisiva para o líder revolucionário a sua grande realização não consiste em atrair as massas para si mas em se deixar integrar às massas para ser para ela apenas um entre centenas de milhares A luta de classes dispersa a massa compacta dos proletários e exatamente essa mesma luta de classes comprime a massa dos pequenoburgueses A massa impenetrável e compacta tal como Le Bon e outros a tomaram como objeto de sua psicologia de massas é a pequenoburguesa A pequena burguesia não é uma classe ela é de fato apenas massa e na verdade uma massa tanto mais compacta quanto maior é a pressão imposta entre ambas classes inimigas a burguesia e o proletariado Nessa massa é de fato determinante o momento emocional do qual se trata na psicologia de massas Mas é justamente por meio dele que essa massa compacta forma a oposição aos revolucionários profissionais quadros do proletariado que obedecem a uma ratio coletiva Nessa massa é de fato determinante o momento reativo do qual se trata na psicologia de massas Mas é justamente por meio dele que essa massa compacta forma com suas reações imediatas a oposição aos revolucionários profissionais com suas ações que são mediados por uma tarefa seja ela a mais momentânea Assim as manifestações da massa compacta carregam geralmente um elemento pânico mesmo que elas expressem entusiasmo pela guerra ódio aos judeus ou impulso de autoconservação Elucidada a diferença entre a massa compacta ie a pequenoburguesa e a massa consciente de sua classe ie a proletária então o seu significado operacional também está claro Dito claramente essa diferenciação mostra a sua correção da melhor maneira nos casos de modo algum excepcionais em que aquilo que srcinalmente era excesso de uma massa compacta se torna em virtude de uma situação revolucionária e talvez após o decurso de segundos a ação revolucionária de uma classe O que é peculiar a tais eventos verdadeiramente históricos consiste no fato de que a reação de uma massa compacta evoca em si mesma um abalo que a dispersa e permite a ela se conscientizar de si mesma como a unificação de revolucionários profissionais conscientes de sua classe O que contém tal evento concreto em seu prazo mais sucinto não é senão aquilo que se chama no idioma dos comunistas táticos a conquista da pequena burguesia Na elucidação desse evento os táticos são interessados em outro sentido Pois não há dúvida de que u conceito de massa ambíguo a alusão descompromissada ao seu ambiente tal como ele era comum na imprensa revolucionária alemã alimentou ilusões que se tornaram fatais ao proletariado alemão Por outro lado o fascismo se aproveitou excepcionalmente dessas leis quer ele as tenha compreendido ou não Ele sabe quequanto mais compactas são as massas maior é a chance que os instintos contrarrevolucionários da pequena burguesia determinem as suas reações No entanto o proletariado prepara uma sociedade em que nem as condições objetivas nem as condições subjetivas para a formação de massas serão presentes 133 Flor Azul é um símbolo poético e filosófico de importância central na obra de Novalis 17721801 Vejase sobretudo o romance inacabado Heinrich von Ofterdingen 18001802 NRT 134 Rudolf Arnheim lc p 138 135 Certamente uma análise integral desses filmes não poderia ocultar o seu sentido contrário Ela deveria partir do sentido contrári daquele estado de coisas que causa um efeito tão cômico como sombrio Comicidade e horror estão intimamente entrelaçados com mostram as reações das crianças E por que se deveria proibir a questão de saber no que concerne a certos estados de coisas qual reação é em um caso dado a mais humana Alguns dos mais novos filmes de Mickey Mouse representam um estado de coisas que fa com que essa questão pareça justificada O seu mais lúgubre fogo mágico para o qual o filme a cores criou os prérequisitos técnicos sublinha um traço que até então só vigorou de maneira oculta que mostra o quão confortavelmente o fascismo se apropria nesse terreno de novidades revolucionárias O que se torna patente à luz de novos filmes de Walt Disney já se encontra de fato em alguns dos mais antigos a tendência de aceitar tranquilamente bestialidade e violência como subprodutos da existência Com isso incorporase uma antiga e sobretudo confiável tradição ela foi encabeçada pelos Hooligans dançantes que encontramos em imagens de pogroms medievais e A corja nos contos dos Irmãos Grimm configura a sua pálida indistinta defesa 136 A obra de arte diz André Breton só tem valor na medida em que ela for perpassada por reflexos do futuro De fato cada forma de arte desenvolvida se encontra no ponto de interseção de três linhas de desenvolvimento Primeiramente a técnica tende a uma certa forma artística Antes de o cinema aparecer havia livrinhos de fotos cujas imagens que rapidamente reluziam ao observador por um gesto do polegar apresentavam uma luta de boxe ou uma partida de tênis havia as máquinas nos bazares cuja sequência de imagens era posta em movimento à manivela Em segundo lugar as formas artísticas tradicionais tendiam com afã em certos estágios de seu desenvolvimento a efeitos que posteriormente foram alcançados espontaneamente pela nova forma artística Antes de o cinema se afirmar os dadaístas procuravam com os seus eventos mobilizar o público de uma maneira acessível a Chaplin de forma mais natural Em terceiro lugar certas modificações sociais em geral discretas tendem a uma modificação da recepção de que apenas a nova forma artística pôde se beneficiar Antes de o cinema começar a formar seu público certas imagens que já haviam cessado de ser imóveis eram recebidas no Kaiserpanorama por um público agrupado Esse público se encontra diante de um biombo ao qual se colocava u estereoscópio destinado a cada participante Diante desses estereoscópios apareciam automaticamente imagens individuais que al permaneciam um pouco e davam espaço a outras Com meios análogos trabalhara ainda Edison quando ele apresentou as primeira transparências a um pequeno público antes que se conhecesse a tela e o dispositivo de projeção que fitava no interior do aparelho em que se desenrolava a sequência de imagens De resto manifestase no dispositivo do Kaiserpanorama uma dialética do desenvolvimento de uma maneira que é particularmente clara Logo antes de o cinema tornar a observação de imagens algo coletivo ela se afirma outra vez como individual diante dos estereoscópios desses estabelecimentos que caíam rapidamente em desuso e isso com o mesmo rigor que outrora a contemplação da imagem divina dos sacerdotes na cella 137 Hans Arp 18871966 pintor e poeta francoalemão pertencente ao dadaísmo August Stramm 18741915 poeta expressionista André Derain 18801954 pintor francês um dos fundadores do fauvismo Rainer Maria Rilke 18751926 um dos maiores poeta da modernidade escreveu em alemão e francês NRT 138 Na primeira e na terceira versão alemãs do presente ensaio os organizadores dasObras reunidas Suhrkamp 1974 optaram po corrigir o que lhes parecia ser um lapso de Benjamin escrevertaktisch tático em vez detaktil tátil Quando da publicação da segunda versão alemã na mesma edição Suhrkamp em 1989 pois o presente texto só foi descoberto em 1988 a opção dos editores foi manter o termotaktisch tal como Benjamin havia escrito A razão dessa escolha que os editores declararam valer retroativamente para as duas versões anteriormente publicadas foi o fato de quetaktisch e taktil são termos de uso intercambiável no vocabulário dos historiadores da arte ao menos na Áustria Como esse tipo de questão filológica só apresenta interesse para os especialistas optous aqui por vertertaktisch por tátil seguindo o vocabulário já difundido nos estudos benjaminianos no Brasil através das traduções da primeira e da terceira versão alemã que seguiram a versão alemã corrigida e levando em consideração antes de mais nada o fato de que os termos tático e tátil não têm em português a mesma proximidade que taktisch e taktil em alemão NRT 139 Comparese a tela em que se desenrola o filme com a tela em que se encontra a pintura Na primeira a imagem se modifica na segunda não Esta última convida o observador à contemplação diante dela ele pode se deixar à deriva da sua dinâmica de associações Diante do filme não Mal ele captou uma imagem e ela já se modificou Ela não pode ser fixada A dinâmica d associações que ele contempla é interrompida imediatamente pela sua modificação Aí reside o efeito de choque do filme que como todo efeito de choque quer ser capturado por meio de maior presença de espíritoO cinema é a forma artística correspondente ao risco de vida acentuado em que vivem os seres humanos da atualidade Ele corresponde a modificações estruturais do aparato perceptiv modificações como na escala da existência privada a vivenciam todos os transeuntes no tráfego das grandes cidades ou em escala da história mundial a vivenciam todos os opositores à ordem social atual 140 Aqui sobretudo no que concerne ao cinejornal cujo significado propagandístico mal pode ser superestimado encontrase um caso técnico de importância A reprodução em massa é particularmente beneficiada pela reprodução das massas Nos grandes atos festivos nas gigantescas assembleias nos eventos de massa de natureza esportiva e na guerra que são hoje conduzidas com toda a aparelhagem de gravação as massas se encaram a si mesmas Esse acontecimento cujo alcance não carece de ser enfatizado relacionase intimamente com o desenvolvimento da técnica de reprodução e gravação Em geral os movimentos de massas se representam a si mesmos de maneira mais clara frente à aparelhagem que ao olhar Quadros de centenas de milhares podem ser captados melhor em vista aérea E mesmo se a vista aérea é tão acessível ao olho humano quanto à aparelhagem a ampliação à qual a gravação se submete não é possível na imagem feita pelo olho Isso quer dizer que os movimentos de massa e em seu ápice a guerra são uma forma do comportamento humano particularmente apropriado à aparelhagem 141 Bairro de Munique Nas primeiras décadas do século XX tornase ponto de encontro de intelectuais artistas políticos e boêmios NRT 142 Cit La Stampa Torino 143 Façase arte mesmo que o mundo pereça Paródia de um dito célebre do Imperador Ferdinando I 15031564 Fiat iustitia ereat mundus Façase justiça mesmo que o mundo pereça NRT Arthur Danto Arthur Danto O mundo da arte O mundo da arte O mundo da arte O mundo da arte144 144 Art Arthur Danto hur Danto 1924 1924 Tradução odrigo Duarte Como distinguir a obra de arte quando a produção de objetos prosaicos e de objetos artísticos uma caixa de sabão por exemplo não possui nenhuma diferença sensivelmente identificável A arte elevou o estatuto da cotidianidade ou desceu ao lugarcomum espreitando o seu fim Reconhecendo o problema há quem diga que apenas o museu confere o estatuto de arte aos objetos que o habitam No texto O mundo da arte 1964 srcinalmente publicado no Brasil pela revista ArteFilosofi Universidade Federal de Ouro Preto Arthur Danto 1924 discute a questão d identificação de obras de arte além de temas clássicos como a mímesis Temas Temas mímesis contemporaneidade teoria institucional da arte arte pop 144 DANTO A O Mundo da Arte Revista ArteFilosofia Número 1 Ouro Preto UFOP 2006 p 1325 Agradecemos a Arthu Danto e à Revista ArteFilosofia por autorizar a utilização do texto O mundo da arte O mundo da arte145 145 Hamlet Você não vê nada lá A rainha Nada mesmo mas tudo que é eu vejo Shakespeare Hamlet Ato III cena IV Hamlet e Sócrates embora de modo respectivamente elogioso e depreciativo falaram de arte como um espelho anteposto à natureza Como muitas discordâncias em atitude essa tem uma base factual Sócrates vê os espelhos como que refletindo o que já podemos ver Assim a arte na medida em que é como o espelho fornece duplicações pouco acuradas das aparências das coisas e não presta qualquer benefício cognitivo Hamlet mais arguto reconheceu uma notável característica das superfícies refletoras a saber que elas nos mostram o que de outro modo não poderíamos perceber nossa própria face e forma e do mesmo modo a arte na medida em que ela é como espelho nos revela a nós mesmos e é mesmo sob os critérios socráticos de alguma utilidade cognitiva no final de contas Como filósofo entretanto acho que a discussão de Sócrates é defeituosa por outros motivos talvez menos profundos do que esse Se uma imagem espelhada de o é mesmo uma imitação de o então se a arte é imitação imagens espelhadas são arte Mas de fato objetos espelhados não são mais arte do que a devolução das armas a um louco seja justiça e a referência aos espelhamentos seria exatamente um tipo astucioso de contraexemplo que poderíamos esperar que Sócrates trouxesse à tona utilizandose deles para refutar a teoria e não para ilustrála Se essa teoria requer que os classifiquemos como arte ela exatamente por isso mostra sua inadequação é uma imitação não será uma condição suficiente para é arte Mas talvez porque os artistas estavam empenhados na imitação nos tempos de Sócrates e depois a insuficiência da teoria não foi notada até a invenção da fotografia Uma vez rejeitada como uma condição suficiente a mímesis foi rapidamente descartada até mesmo como uma condição necessária E desde as conquistas de Kandinsky as características miméticas foram relegadas para a periferia da preocupação crítica a tal ponto que algumas obras sobrevivem apesar de possuírem aquelas virtudes a excelência das quais foi um dia celebrada como a essência da arte por pouco escapando de serem rebaixadas a meras ilustrações É obviamente indispensável na discussão socrática que todos os participantes dominem o conceito pronto para a análise já que o propósito é casar uma expressão realmente definidora com um termo ativamente em uso e o teste para a adequação consiste presumivelmente em mostrar que a precedente analise e se aplique a todas e apenas àquelas coisas em que o consequente é verdadeiro Então não obstante a recusa popular a audiência de Sócrates sabia supostamente tanto o que era arte quanto do que gostavam E uma teoria da arte considerada aqui como uma definição real de Arte não é consequentemente para ser de grande uso em ajudar as pessoas a reconhecer os exemplos de sua aplicação Sua capacidade anterior para fazer isso é precisamente aquilo contra o que a adequação da teoria deve ser testada sendo que o problema é apenas tornar explícito o que eles já sabem É o nosso uso do termo que a teoria supostamente tenta capturar mas supõese que somos capazes de nas palavras de um escritor recente separar aqueles objetos que são obras de arte daqueles que não o são porque sabemos como usar corretamente a palavra arte e aplicar a frase obra de arte Teorias desse tipo são um pouco parecidas com a visão de Sócrates sobre as imagens espelhadas continuando a mostrar o que já sabemos reflexões literais da prática linguística real que dominamos Mas distinguir obras de arte de outras coisas não é uma tarefa tão simples mesmo para falantes nativos e hoje em dia alguém pode não estar cônscio de estar num terreno artístico sem uma teoria artística para lhe dar conta disso E parte da razão disso reside no fato de que o terreno é constituído como artístico em virtude de teorias artísticas de modo que um uso de teorias além de nos ajudar a discriminar a arte do resto consiste em tornar a arte possível Glauco e os outros dificilmente sabiam o que era arte e o que não era do contrário eles nunca teriam sido pegos pela história das imagens espelhadas II Suponha que alguém pense sobre a descoberta de uma classe totalmente nova de obras de arte como algo análogo à descoberta de uma classe totalmente nova de fatos em algum lugar ie como algo para ser explicado pelos teóricos Na ciência como alhures frequentemente acomodamos novos fatos a teorias antigas por meio de hipóteses auxiliares um conservadorismo suficientemente perdoável quando a teoria em questão é considerada por demais valiosa para ser descartada de uma vez Mas a Teoria Imitativa da Arte TI é se se pensa detidamente uma teoria excessivament poderosa explicando grande quantidade de fenômenos ligados à causação e à avaliação de obras de arte trazendo uma surpreendente unidade a um domínio complexo Além do mais é simplesmente uma questão de sustentála contra muitos pretensos contraexemplos através de tais hipóteses auxiliares segundo as quais o artista que se afasta da mimeticidade é perverso inepto ou louco Inépcia chicana ou loucura são de fato predicações passíveis de teste Suponhase então que o testes revelem que essas hipóteses não se comprovam que a teoria agora para além de qualquer possibilidade de reparo deva ser substituída E uma nova teoria é elaborada conservando o que ela pode da competência da antiga teoria junto com a inclusão dos fatos recalcitrantes Podese representar pensando através dessas linhas certos episódios na história da ciência onde uma revolução conceitual está sendo efetivada e onde a recusa a aceitar certos fatos mesmo que parcialmente devida ao preconceito inércia e egoísmo é também devida ao fato de que uma teoria bem estabelecida ou pelo menos largamente aceita está sendo ameaçada de tal modo que toda a coerência se perde Um episódio desse tipo veio à tona com o advento das pinturas pósimpressionistas Em termo da teoria artística em vigor TI era impossível aceitálas como arte salvo como arte inepta D outro modo elas poderiam ser dispensadas como imposturas autopromoção ou a contrapartida visual de delírios de pessoas loucas Assim para que elas fossem aceitas como arte numa espécie de transfiguração sem falar num capão de Landseer requereuse não tanto uma revolução no gosto quanto uma revisão teórica de proporções muito consideráveis envolvendo não apenas a adoção artística desses objetos mas também uma ênfase sobre características recentemente significantes de obras de arte aceitas de modo que abordagens muito diferentes de seu status como obras de arte teriam agora que ser feitas Como um resultado da aceitação da nova teoria não apenas as pinturas pósimpressionistas foram aceitas como arte mas vários objetos máscaras armas etc foram transferidos de museus antropológicos e outros lugares heterogêneos paramusées des beaux arts embora como poderíamos esperar do fato de que um critério para a aceitação de uma nova teoria é que ela dê conta de qualquer coisa que a antiga dava nada tenha tido que ser retirado do musée des beaux arts mesmo que tenha havido rearranjos internos como os entre salas de acervo e espaços de exibição Incontáveis falantes nativos penduraram sobre lareiras suburbanas inumeráveis reproduções de casos paradigmáticos para ensinar a expressão obra de arte as quais teriam levado seus precursores edwardianos a uma apoplexia linguística Certamente estou distorcendo ao falar de uma teoria historicamente havia várias todas muito interessantes mais ou menos definidas em termos da TI As complexidades da história da arte deve prevalecer sobre as exigências de exposição lógica e eu devo falar como se houvesse uma teoria substituinte compensando parcialmente a falsidade histórica pela escolha de outra que foi realmente enunciada De acordo com ela os artistas em questão deveriam ser entendidos não como imitando fracassadamente formas reais mas como criando de modo bemsucedido formas novas tão reais quanto as que a arte mais antiga pensava nos seus melhores exemplares estar imitando com credibilidade A arte afinal de contas há muito tinha sido pensada como criativa Vasari diz que Deus foi o primeiro artista e os pósimpressionistas deveriam ser explicados como genuinamente criativos tendo em vista nas palavras de Roger Fry não a ilusão mas a realidade Essa teori TR forneceu um modo totalmente novo de olhar para a pintura velha e nova Na verdade algué poder quase interpretar o desenho cru de Van Gogh e de Cézanne o deslocamento da forma e relação ao contorno em Rouault e Dufy o uso arbitrário de planos de cor em Gauguin e nos Fauves como variados modos de chamar a atenção para o fato de que essas eram nãoimitações especialmente concebidas para não iludir Em termos lógicos isso seria aproximadamente como imprimir dinheiro falso ao longo de uma nota de um dólar brilhantemente falsificada com o objeto resultante falsificação cum inscrição tornado incapaz de enganar qualquer pessoa Essa não é uma nota de um dólar ilusória mas então exatamente porque ela é nãoilusória nem por isso ela se torna automaticamente uma nota real de um dólar Ela ocupa antes uma área recentemente aberta entre objetos reais e facsímiles reais de objetos reais ela é se se requer uma palavra um nãofacsímile e uma nova contribuição para o mundo Desse modo osComedores de batatas de Van Gogh como consequência de certas distorções inconfundíveis passam a ser um nãofacsímile dos comedores de batatas da vida real E na medida em que esses não são facsímiles de comedores de batatas o quadro de Van Gogh como uma nãoimitação tinha tanto direito de ser chamado de um objeto real como o eram seus objetos putativos Por meio dessa teoria TR as obras de arte reentraram n densidade das coisas da qual a teoria socrática TI procurou lançálas se não mais reais do que os carpinteiros fizeram elas eram pelo menos nãomenos reais O PósImpressionismo celebrou um vitória na ontologia É em termos de TR que devemos entender as obras de arte que hoje nos rodeiam Desse modo Roy Lichtenstein pinta painéis com tiras cômicas embora com três ou quatro metros de altura Ele são projeções razoavelmente fiéis numa escala gigantesca dos familiares quadrinhos dos tabloides diários mas é precisamente a escala que conta Um hábil escultor pode inserir A Virgem e o Chanceler Rollin numa cabeça de alfinete e ela seria reconhecível como tal a um olhar acurado mas uma cópia de Barnett Newman numa escala similar seria uma massa amorfa desaparecendo n redução Uma foto de um Lichtenstein é indiscernível de uma foto de um painel deSteve Canyon mas a foto deixa de captar a escala e então é uma reprodução tão imprecisa quanto uma cópia em preto e branco de Botticelli sendo a cor tão essencial nesse caso quanto a escala o é no precedente O objetos criados por Lichtenstein não são imitações mas novas entidades como pústulas gigantes o seriam Jaspers Johns por outro lado pinta objetos em relação aos quais as questões de escala são irrelevantes Assim mesmo seus objetos não podem ser imitações porque eles têm a considerável propriedade de que qualquer cópia pretendida de um membro dessa classe de objetos é automaticamente ele próprio um membro da classe de modo que esses objetos são logicamente inimitáveis Desse modo uma cópia de um numeral é exatamente esse numeral uma pintura de 3 é um 3 feito de tinta Johns além disso pinta alvos bandeiras e mapas Finalmente no que espero que não sejam notas de rodapé involuntárias a Platão dois de nossos pioneiros Robert Rauschenberg Claes Oldenburg fizeram camas genuínas A cama de Rauschenberg está pendurada numa parede e está tracejada por uma pintura rudimentar aleatória A cama de Oldenburg é assimétrica mais estreita num lado do que no outro com o que alguém poderia chamar de perspectiva embutida ideal para quartos de dormir pequenos Enquanto camas elas são vendidas a preços singularmente inflacionados mas alguém poderia dormir em qualquer uma das duas Rauschenberg expressou o temor de que alguém pudesse subir e sua cama e cair no sono Imaginese agora um certo Testadura falante simplório e notório filisteu que não esteja cônscio de que essas camas são arte e as tome por pura e simples realidade Ele atribui os traços de tinta na cama de Rauschenberg a uma displicência do seu proprietário e o viés na de Oldenburg a uma inépcia do seu construtor ou talvez a um capricho de quem a fez por encomenda Esses seriam erros mas sobretudo erros de um tipo estranho e não muito diferentes dos cometidos pelos pássaros deslumbrados que picaram as falsas uvas de Zeuxis Eles tomara erroneamente a arte pela realidade assim como o fez Testadura Mas ela era pretendida como sendo realidade de acordo com a TR Alguém poderia ter confundido realidade com realidade Com podemos descrever o erro de Testadura O que evita que a criação de Oldenburg seja uma cama malformada Isso é equivalente a perguntar o que a faz arte e com essa questão adentramos u domínio de investigação conceitual no qual os falantes nativos são maus guias eles próprios se perdem IIII Confundir uma obra de arte com um objeto real não é uma proeza tão grande quando uma obra de arte é o objeto real com o qual alguém se confunde O problema é como evitar esses erros ou removêlos uma vez que já foram cometidos A obra de arte é uma cama e não a ilusão de uma cama desse modo não há nada como o traumático esbarrão contra uma superfície plana que mostrou aos pássaros de Zeuxis que eles tinham sido enganados A não ser pela advertência do vigia de que Testadura não deveria dormir nas obras de arte ele poderia nunca ter descoberto que isso era uma obra de arte e não uma cama E desde que afinal de contas não se pode descobrir que uma cama não é uma cama como poderia Testadura saber que ele tinha cometido um erro Um certo tipo de explicação é requerido porque o erro aqui é curiosamente filosófico mais do que se supormos corretos alguns conhecidos pontos de vista de PF Strawson tomar uma pessoa por um corpo material quando a verdade é que uma pessoa é um corpo material no sentido de que toda uma classe de predicados sensatamente aplicáveis a corpos materiais é e sem apelar a nenhum outro critério sensatamente aplicável a pessoas De modo que não se pode descobrir que uma pessoa não é um corpo material Começamos explicando talvez que os traços de tinta não devem ser excluídos da explicação que eles são parte do objeto de modo que o objeto não é uma simples cama com como acontece traços de tinta espalhados sobre ela mas um objeto complexo fabricado a partir de uma cama e alguns traços de tinta uma camatinta De modo similar uma pessoa não é um corpo material com como acontece alguns pensamentos adicionados mas é uma entidade complexa feita de um corpo e alguns estados de consciência um corpoconsciência Pessoas como obras de arte devem ser tomadas como partes irredutíveis de si próprias e são nesse sentido primordiais Ou mais precisamente os traços de tinta não são parte do objeto real a cama que acontece ser parte da obra de arte mas são como a cama partes da obra de arte enquanto tal E isso pode ser generalizado numa caracterização preliminar de obras de arte que por acaso contêm objetos reais como partes de si próprias nem toda parte de uma obra de arte A é parte de um objeto real R quando R é parte de A e pode além do mais ser destacado de A e aparecer apenas como R O erro então certamente terá sido confundir A com uma parte de si próprio a saber R mesmo que não fosse incorreto dizer que A é R que a obra de arte é uma cama Esse é o é que requer clarificação aqui Há um é que figura principalmente nas afirmações concernentes às obras de arte que não é o é da identidade ou da predicação nem é o é da existência da identificação ou algum é especial inventado para servir a um fim filosófico Entretanto ele se encontra no uso comum e é prontamente dominado pelas crianças É o sentido de é de acordo com o qual uma criança a quem é mostrado um círculo e um triângulo e perguntado qual é ela e qual é sua irmã apontará para o triângulo dizendo esse sou eu ou em resposta à minha pergunta a pessoa próxima a mim aponta para o homem de vermelho e diz esse é o Lear ou na galeria eu aponto para alívio de minha companhia para uma mancha na pintura diante de nós e digo o borrão branco é Ícaro Não queremos dizer nesses exemplos que qualquer coisa é apontada como substituindo ou representando o que se diz que é porque a alavra Ícaro substitui ou representa Ícaro mas eu não apontaria palavra no mesmo sentido de é e diria esse é o Ícaro A sentença esse a é b é perfeitamente compatível com esse a não é b quando a primeira emprega esse sentido de é e a segunda algum outro embora a e b sejam normalmente usados de modo não ambíguo Na realidade frequentemente a verdade da primeira requer a verdade da segunda De fato a primeira é incompatível com esse a não é b somente quando o é é usado normalmente de modo não ambíguo Na falta de outra palavra designarei aquele de o é da identificação artística em cada caso em que ele é usado o a responde por alguma propriedade física específica ou parte física de um objeto E finalmente é uma condição necessária para algo ser uma obra de arte que alguma parte ou propriedade dele seja designada pelo sujeito de uma sentença que emprega esse é especial Esse é um é incidentalmente que possui parentes próximos nos pronunciamentos marginais e míticos desse modo um é Quetzalcoatl aqueles são os pilares de Hércules Deixeme ilustrar Dois pintores são convidados a decorar as paredes leste e oeste de uma biblioteca científica com afrescos que serão chamados respectivamente A primeira lei de Newton e terceira lei de Newton Essas pinturas quando finalmente inauguradas parecem com o que se segue desprezandose a escala Como objetos deverei supor que as obras são indiscerníveis uma linha preta horizontal nu campo branco igualmente grande em cada dimensão e elemento B explica sua obra da seguinte maneira uma massa pressionando para baixo é atingida por uma massa pressionando para cima a massa de baixo reage de modo igual e oposto à de cima A explica sua obra da seguinte maneira a linha através do espaço é a trajetória de uma partícula isolada Ela vai de uma ponta a outra para dar a sensação de seu ir além Se ela terminou ou começou dentro do espaço a linha seria curva e ela é paralela às extremidades de cima e de baixo porque se ela estivesse mais perto de uma do que da outra teria que haver uma força que ocasionasse isso o que é inconsistente com o fato de ser a trajetória de uma partícula isolada Muita coisa se segue dessas identificações artísticas Ver a linha do meio como uma extremidade massa encontrando massa impõe a necessidade de identificar a metade de cima e a metade de baixo do quadro como retângulos e como duas partes distintas não necessariamente como duas massas porque a linha poderia ser a extremidade de uma massa se estendendo para cima ou para baixo no espaço vazio Se ela é uma extremidade não podemos desse modo tomar toda a área da pintura como um espaço simples ele é antes composto de duas formas ou de uma forma e uma nãoforma Poderíamos tomar toda a área como um espaço simples apenas se tomássemos a horizontal do meio como umalinha que não é uma extremidade Mas isso quase requer uma identificação tridimensional de todo o quadro a área pode ser uma superfície plana acima da qual voo do jato ou abaixo da qual trajetória do submarino ou sobre a qual linha ou na qual fissura ou através da qual Primeira lei de Newton está a linha sendo que nesse último caso a área não é uma superfície plana mas uma seção transversal e transparente do espaço absoluto Poderíamos tornar todas essas qualificações preposicionais claras imaginando seções transversais perpendiculares ao plano do quadro Então dependendo da oração preposicional aplicável a área é artisticamente interrompida ou não pelo elemento horizontal Se tomarmos a linha como estando através do espaço as extremidades do quadro não são realmente as extremidades do espaço ele vai além do quadro se a própria linha também for e nós estamos no mesmo espaço que a linha Como B as extremidades do quadro podem ser parte do quadro no caso de as massas irem diretamente para as extremidades de modo que as extremidades do quadro são as suas extremidades Nesse caso os vértices do quadro seriam os vértices das massas a não ser que as massas tenham mais quatro vértices do que o próprio quadro tem aqui quatro vértices seriam parte da obra de arte que não seria parte do objeto real Mais uma vez as faces das massas poderiam ser a face do quadro e olhando para ele estamos olhando para essas faces mas o espaço não tem qualquer face e na leitura de A a obra deve ser lida como sem qualquer face e a face do objeto físico não seria parte da obra de arte Observese aqui como uma identificação artística engendra outra identificação artística e como de modo consistente com uma dada identificação somoslevados a dar outras e impedidos de dar ainda outras realmente uma dada identificação determina quantos elementos a obra deve conter Essas identificações diferentes são incompatíveis entre si ou geralmente o são e cada uma pode ser dita como fazendo uma obra de arte diferente mesmo que cada obra de arte contenha idêntico objeto real como parte de si mesma Obviamente há identificações sem sentido ninguém poderia penso eu ler sensatamente a horizontal do meio comoO perdido do trabalho amoroso ou A Ascensão de Sto rasmo Finalmente observese como a aceitação de uma identificação mais do que outra é co efeito trocar ummundo por outro Poderíamos na realidade adentrar um mundo poético ao identificar a área superior com um céu limpo e sem nuvens refletido da superfície calma da água abaixo com a brancura mantida pela brancura apenas pelo limite irreal do horizonte E agora Testadura tendo flutuado em asas através da discussão protesta quetudo que ele vê é tinta um retângulo pintado de branco com uma linha preta pintada através dele E quão certo ele realmente está isso é tudo que ele vê ou que qualquer pessoa pode ver inclusive nós estetas Assim se ele nos pede para lhe mostrar o que há para ver além disso para lhe demonstrar cabalmente que essa é uma obra de arte Mar e Céu não podemos nos queixar porque ele não deixou de ver nada e seria absurdo supor que tivesse deixado que havia algo diminuto para o qual poderíamos apontar e ele olhando de perto dizer Então é isso Finalmente uma obra de arte Não podemos ajudálo até que ele domine o é da identificação artística e então constitua o objeto como obra de arte Se ele não conseguir isso ele nunca olhará para obras de arte ele será como uma criança que vê bastões como bastões Mas o que dizer de puras abstrações como algo que se parece exatamente com um A mas é intitulado Nº 7 O abstracionista da Rua 10 insiste em vão que não há nada aqui a não ser tint branca e preta e que nenhuma de nossas identificações literárias têm que se aplicar O que então distingueo de Testadura cujas imprecações filistinas são indiscerníveis das daquele E como isso pode ser uma obra de arte para ele e não para Testadura se eles concordam que nada há que não seja visto pelos olhos A resposta tão impopular quanto possa ser para puristas de todas as variedades reside no fato de que esse artista retornou para a fisicalidade da pintura por meio de uma atmosfera composta de teorias artísticas e pela história da pintura recente e da mais remota cujos elementos ele está tentando purificar para seu próprio trabalho E como uma consequência disso seu trabalho pertence a essa atmosfera e é parte dessa história Ele chegou à abstração por meio da rejeição das identificações artísticas retornando ao mundo real do qual essas identificações ele pensa nos removem mais ou menos ao modo de Ching Yuan que escreveu Antes de estudar o Zen por trinta anos eu via montanhas como montanhas e águas como águas Quando eu atingi um conhecimento mais íntimo cheguei ao ponto em que via que as montanhas não são montanhas e que águas não são águas Mas agora que adquiri mais substância cheguei ao repouso Porque é exatamente que eu vejo que as montanhas são novamente montanhas e as águas novamente águas Sua identificação do que ele fez é logicamente dependente das teorias e da história que ele rejeita A diferença entre suas afirmações e a de Testadura de que isso é tinta preta e essa tinta branca e nada mais reside no fato de que ele ainda está usando o é da identificação artística de modo que seu uso de essa tinta preta é tinta preta não é uma tautologia Testadura não está nesse estágioVer algo como arte requer algo que o olho não pode repudiar uma atmosfera de teoria artística um conhecimento da história da arte um mundo da arte IIIIII O Sr Andy Warhol o artista pop exibe facsímiles de caixas de Brillo em pilhas altas e limpas prateleiras como no estoque do supermercado Elas são casualmente de madeira pintadas de modo a parecer cartonado e por que não Parafraseando a crítica do Times se alguém pode fazer o facsímile de um ser humano a partir do bronze por que não o facsímile da caixa de Brillo a partir do compensado O custo dessas caixas chega a ser de 2 x 10³ o das congêneres na vida real u diferencial dificilmente atribuível a sua maior durabilidade Na verdade o pessoal da Brillo pode mediante algum custo extra fazer suas caixas de compensado sem que elas se tornem obras de arte e Warhol pode fazer as suas a partir do papelcartão sem que elas deixem de ser arte Desse modo podemos esquecer as questões relativas ao valor intrínseco e indagar por que o pessoal da Brillo não pode manufaturar arte e por que Andy Warhol não pode fazer nada senão obras de arte Bem é claro que as suas caixas são feitas à mão o que é um insano reverso da estratégia de Picasso de colar o rótulo de uma garrafa de Suze num desenho dizendo que era como se o artista acadêmico preocupado com uma imitação exata sempre ficasse aquém da coisa real então por que não usar a coisa real O artista pop reproduz laboriosamente à mão objetos feitos à máquina pintando por exemplo os rótulos em latas de café podese ouvir a conhecida advertência feito inteiramente à mão descuidadamente jogada do vocabulário dos guias quando confrontada com esses objetos Mas a diferença não consiste no artesanato um homem que extraiu gemas a partir de rochas e construiu cuidadosamente uma obra chamada Pilha de cascalho Gravel Pile pode invocar a teoria do valor trabalho para justificar o preço que ele pede mas a questão é o que torna isso arte E por que Warhol precisa fazer isso de qualquer modo Por que não apenas tacar sua assinatura ao longo de uma delas Ou amassar totalmente uma e exibir comoCaixa de Brillo Amassada um protesto contra a mecanização ou simplesmente exibir um cartonado de Brillo comoCaixa de Brillo Desamassada uma afirmação categórica da autenticidade plástica dos objetos industriais Esse homem é uma espécie de Midas transformando tudo em que ele toca no ouro da pura arte E mundo todo consistente de obras de arte latentes esperando como o pão e o vinho da realidade para ser transfigurado por meio de algum mistério obscuro na carne e no sangue do sacramento Não importa que a caixa de Brillo possa não ser boa menos ainda grande arte O que chama atenção é que ela seja arte de algum modo Mas se ela é por que não o são as indiscerníveis caixas de Brillo que estão no depósito Ou toda a distinção entre arte e realidade caiu por terra Suponha que um homem colecione objetos em estado natural incluindo uma caixa de Brillo elogiamos a exibição pela variedade engenhosidade ou o que for Em seguida ele não exibe nada a não ser caixas de Brillo e nós criticamos isso como insosso repetitivo autoplágio ou mais profundamente asseveramos que ele é obcecado por regularidade e repetição como em Marienbad Ou ele as empilha bem alto deixando uma trilha estreita nós abrimos nosso caminho através das prateleiras regularmente opacas e achamos que essa é uma experiência perturbadora e a anotamos como a clausura dos produtos de consumo que nos confina como prisioneiros ou dizemos que ele é um moderno construtor de pirâmides Na verdade não dizemos essas coisas sobre o estoquista Mas então um depósito não é uma galeria de arte e não podemos prontamente separar as caixas de Brillo da galeria em que elas estão mais do que podemos separar a cama de Rauschenberg da pintura sobre ela Fora da galeria aquelas são caixas de papelão Mas então removida a tinta a cama de Rauschenberg é uma cama exatamente como ela era antes de ser transformada em arte Mas então se pensamos totalmente sobre essa matéria descobrimos que o artista falhou de modo real e necessário em produzir um mero objeto real Ele produziu uma obra de arte seu uso das caixas de Brillo reais não sendo senão uma expansão dos recursos disponíveis aos artistas uma contribuição aos materiais dos artistas como tinta a óleo outuche O que afinal de contas faz a diferença entre uma caixa de Brillo e uma obra de arte consistente de uma caixa de Brillo é uma certa teoria da arte É a teoria que a recebe no mundo da arte e impede de recair na condição do objeto real que ela é num sentido de é diferente do da identificação artística É claro que sem a teoria é improvável que alguém veja isso como arte e a fim de vêlo como parte do mundo da arte a pessoa deve dominar uma boa dose de teoria artística assim como uma quantia considerável da história da recente pintura novaiorquina Isso poderia não ter sido arte cinquenta anos atrás Mas então não poderia ter havido se tudo permanece igual seguro de voos na Idade Média ou borrachas para máquinas de escrever etruscas O mundo tem que estar pronto par certas coisas o mundo da arte não menos do que o real É o papel das teorias artísticas hoje como sempre tornar o mundo da arte e a própria arte possíveis Nunca ocorreria devo pensar aos pintores de Lascaux que eles estavam produzindo arte naquelas paredes Assim como não havia estetas no Neolítico IV IV O mundo da arte se encontra diante do mundo real aproximadamente como a relação na qual a Cidade de Deus se encontra diante da Cidade Terrena Alguns objetos como alguns indivíduos desfrutam de uma dupla cidadania mas permanece apesar da TR um contraste fundamental entre obras de arte e objetos reais Talvez isso já fosse fracamente sentido pelos primeiros forjadores da TI que descobrindo de modo incipiente a nãorealidade da arte eram limitados apenas em supo que o único meio de os objetos serem outra coisa que real é serem falsos de modo que as obras de arte necessariamente teriam que ser imitações dos objetos reais Isso era muito estreito Assim Yeats viu ao escrever que Uma vez fora da natureza nunca tomarei Minha forma corporal de qualque coisa natural Isso não é matéria de escolha e a caixa de Brillo do mundo da arte pode se exatamente a caixa de Brillo do mundo real separada e unida pelo é da identificação artística Ma eu deveria dizer algumas palavras finais sobre as teorias que tornam o mundo da arte possível e suas relações entre si Procedendo assim evitarei uma das mais difíceis questões filosóficas que conheço Pensarei agora em pares de predicados relacionados entre si como opostos concedendo de antemão a imprecisão desse termodémodé Predicados contraditórios não são opostos já que um de cada um deles deve se aplicar a qualquer objeto no universo e nenhum de um par de opostos precisa se aplicar a alguns objetos no universo Um objeto deve primeiramente ser de um certo tipo antes que um par de opostos se aplique a ele e então no máximo e no mínimo um dos opostos deve se aplicar a ele Então opostos não são contrários porque contrários podem ser ambos falsos para alguns objetos no universo mas opostos não podem ser ambos falsos porque para alguns objetos nenhum de um par de opostos se aplica sensatamente a menos que o objeto seja do tipo certo Então se o objeto é do tipo requerido os opostos se comportam como contraditórios Se F e nãoF sã opostos um objeto o deve ser de um tipo K antes que um deles se aplique sensatamente mas se o é um membro de K então o ou é F ou nãoF um excluindo o outro A classe de pares de opostos que se aplica sensatamente ao ôKo devese designar como a dos predicados relevantesK E um condição necessária para que um objeto seja de tipo K é que pelo menos um par dos opostos relevantesK seja sensatamente aplicável a ele Mas de fato se um objeto é do tipo K pelo menos no máximo um de cada par de opostos relevantesK se aplica a ele Estou interessado agora nos predicados relevantesK para a classe K de obras de arte Suponha se que F e nãoF são um par de opostos de predicados desse tipo Pode acontecer que através d todo um período de tempo toda obra de arte é nãoF Mas uma vez que nada até então é obra de arte e F pode nunca ocorrer a qualquer uma que nãoF seja um predicado artisticamente relevante A nãoFdade das obras de arte prossegue sem qualquer registro Diferentemente todas as obras até u dado tempo podem ser G sendo que isso nunca ocorreu a nenhuma delas até aquele tempo em que algo pode ser tanto uma obra de arte quanto nãoG Na verdade poderseia pensar que G é umtraço definitório de obras de arte quando na realidade algo pode primeiramente ter que ser uma obra de arte antes que G lhe seja sensatamente predicável caso em que nãoG também é predicável de obra de arte e o próprio G poderia então não ter sido um traço definitório dessa classe Suponhase que G seja é representacional e que F seja é expressionista Num certo tempo esses e seus opostos são talvez os únicos predicados artisticamente relevantes com uso crítico Agora supondose que represente um dado predicado P e seu oposto nãoP podemos construir uma matriz de estilo mais ou menos como a seguinte As linhas determinam os estilos disponíveis dado o vocabulário crítico ativo expressionista representacional pex Fauvismo nãoexpressionista representacional Ingres expressionist nãorepresentacional Expressionismo Abstrato nãoexpressionista não representacional abstração geométrica Obviamente na medida em que adicionamos predicados artisticamente relevantes aumentamos o número de estilos disponíveis na proporção de 2n Naturalmente não é fácil prever que predicados serão adicionados ou substituídos pelos seus opostos podendose supor que um artista determine que H deverá ser a partir de agora artisticamente relevante para suas pinturas Então na realidade tanto H quanto nãoH tornamse artisticamente relevantes para tod pintura e se a sua é a primeira e única pintura que é H toda outra pintura existente tornase nãoH e comunidade inteira das pinturas é enriquecida juntamente com uma duplicação das oportunidades disponíveis de estilo É esse enriquecimento retroativo das entidades no mundo da arte que torna possível discutir juntos Rafael e De Kooning ou Lichtenstein e Miguelangelo Quanto maior variedade de predicados artisticamente relevantes mais complexos se tornam os membros individuais do mundo da arte E quanto mais se sabe da população inteira do mundo da arte mais rica se torna a experiência de alguém com qualquer um dos seus membros Sob esse ponto de vista observese que se há m predicados artisticamente relevantes há sempre uma linha de baixo com m sinais de menos Essa linha é destinada a ser ocupada pelos puristas Havendo purificado suas telas daquilo que consideram inessencial eles se atribuem o crédito de ter destilado a arte até sua essência Mas está mesmo aí a sua falácia exatamente como muitos predicados artisticamente relevantes representam bem seus quadriláteros monocromáticos representam bem qualquer membro do mundo da arte e eles podemexistir como obras de arte na medida em que existam pinturas impuras Falando estritamente um quadrado negro de Reinhardt é artisticamente tão rico quantoO amor sagrado e profano de Ticiano Isso explica como menos é mais A moda como acontece favorece certas linhas da matriz estilística museusconnaisseurs e outros são fatores de peso no mundo da arte Insistir ou tentar insistir que todos os artistas se tornem representacionais talvez para adquirir acesso numa mostra especialmente prestigiosa corta pela metade a matriz estilística disponível há então 2n 2 modos de satisfazer o que é requerido e os museus podem então exibir todas as abordagens do tópico que eles estabeleceram Mas essa é uma questão de um interesse quase puramente sociológico uma linha na matriz é tão legítima quanto outra Uma conquista artística consiste suponho eu em adicionar a possibilidade de uma coluna na matriz Então os artistas com maior ou menor rapidez ocupam as posições recémabertas essa é uma característica observável da arte contemporânea e para aqueles não familiarizados com a matriz é difícil talvez impossível reconhecer certas posições como ocupadas por obras de arte Essas coisas nem mesmo seriam obras de arte sem as teorias e as histórias do mundo da arte As caixas de Brillo adentram o mundo da arte com aquela mesma incongruência acentuada que os personagens da commedia dellarte trazem para Ariadne auf Naxos Qualquer que seja o predicado artisticamente relevante em virtude do qual elas ganham seu acesso o resto do mundo da arte se torna proporcionalmente rico ao ter o predicado oposto disponível e aplicável a seus membros E para retornar às visões de Hamlet com as quais começamos a discussão as caixas de Brillo podem no revelar a nós mesmos tão bem quanto nenhuma outra coisa como um espelho dirigido à natureza elas podem servir para capturar a consciência de nossos reis 145 Trabalho apresentado no Simpósio sobre A obra de arte no 61º Encontro da American Philosophical Association divisão leste e 28121964 O srcinal The Artworld foi publicado pela primeira vez em The Journal of Philosophy v LXI n 19 15 de outubro d 1964 A publicação desta tradução foi autorizada pelo autor e pelo atual editor desse periódico John Smiley NT Benedito Nunes Benedito Nunes Da arte como poesia Da arte como poesia Da arte como poesia Da arte como poesia146 146 Benedito Nunes 19292011 Benedito Nunes 19292011 Qual é o significado artístico de reproduzir objetos prosaicos Por que suporíamo haver alguma particularidade estética nos sapatos da camponesa representados por Van Gogh frente aos sapatos da camponesa Em seu famoso texto A srcem da obra de arte Martin Heidegger levanta tais questões Gostaríamos de têlo colocado ao lado d trecho da obra Passagem para o poético 1968 de Benedito Nunes 19292011 apresentado agora ao leitor No entanto restrições testamentárias e referentes aos direitos autorais das obras de Heidegger impossibilitaram a publicação Além de u convite à leitura de A srcem o texto apresentado aqui é um fragmento da obra de um célebre filósofo brasileiro responsável pela propagação do debate estético em nosso país Temas Temas estética no Brasil Heidegger Van Gogh pintura arquitetura mímesis 146 NUNES B Passagem para o Poético São Paulo Loyola 2012 p 237249 Agradecemos à Editora Loyola por autorizar utilização do texto ist die Kunst eine Weihe und ein Hort worin das Wirkliche seinen bislang verborgenen Glanz jedesmal neu dem Menschen verschenkt damit er in solcher Helle reine schaue und klarer höre was sich seinem Wesen zuspricht HEIDEGGER Wissenschaft und Besinnung147 1 A E 1 A Estétic stética Moderna a Moderna Ao admitir que a obra de arte tem srcem na verdade como alétheia Heidegger separase tanto da tradição humanística quanto da Estética moderna De fato para aquela tradição que firmou um exegese instrumentalista da Poética e da Retórica de Aristóteles a arte hábito de produzir de acordo com a reta razão recta ratio faciendi que se consuma na obra produzida srcinase da determinação da matéria por uma forma ou idéia nascida na mente do artista 148 As artes que representam o mais alto grau de concretude das obras são as téchnai poietikaí as artes poéticas ou criadoras149 Dissociada porém do alcance ontológico que Aristóteles ainda lhe emprestou a téchne significa nesse contexto apenas um conjunto de meios adequados à realização da poiésis idêntica à mímesis e que traduzida porimitatio imitação passaria a responder pela atividade individual criadora enquanto princípio originativo da arte Subordinando ao belo a obra produzida a Estética moderna sem tocar no instrumentalismo d tradição humanística transportou essa srcem para a subjetividade A concepção heideggeriana em muitos pontos de acordo com certas proposições de Hegel e de Nietzsche conforme se verá neste texto denuncia o conteúdo metafísico do subjetivismo estético fundamentado pelacrítica do juízo de Kant numa experiência sui generis de caráter contemplativo a experiência nãoconceitual também denominadaestética correspondente a juízos reflexivos e que em vez de conhecimento proporcionanos com base no balanço das faculdades de conhecer a sensibilidade e o entendimento uma satisfação universal e desinteressada150 Na medida em que a consideração estética pondera Heidegger determina a obra de arte do ponto de vista do belo que produz a arte a obra é representada como aquilo que traz e que suscita o belo relativamente ao estado afetivo A obra de arte é colocada como objeto para um sujeito Essa consideração baseiase na relação objeto fundamentalmente a relação sensível A obra tornase objeto sob o aspecto da experiência vivida Erleben de quem a contempla N v 1 p 93 Condicionada por essa relação em que a conduta afetiva fica em primeiro plano a Estétic tornase complementar à Metafísica moderna Entretanto a indagação pertinente vinculouse aísthesis sensibilidade desde a Antiguidade151 E muito embora só a partir do século XVIII quando já se configurara historicamente o domínio das BelasArtes o termo estética tenha vindo ter curso consagrado para qualificar essa nova disciplina de estatuto ambíguo no conjunto do saber moderno que ora reflexiva ora normativa ou adicta à Psicologia à Sociologia e à História oscilará entre a Filosofia e as ciências humanas foi já como Estética que a Filosofia começou refletir sobre a essência da arte e do belo N v1 p 9394 Mas se a Filosofia nativa da Grécia adere desde o começo ao ser do ente essa reflexão que ocupou depois de Sócrates um lugar proeminente na doutrina platônica participará em larga escala da História da Metafísica Tampouco estranha à formação do saber filosófico a consideração estética interfere de modo variável na História da arte O seis fatos específicos arrolados num dos estudos de Heidegger sobre Nietzsche Der Wille ur Macht als Kunst A vontade de potência como arte que acompanharemos a seguir mostram nos que essa interferência reveladora da essência da Estética de seu papel no pensamento ocidental N v 1 p 94 constitui o indício da situação histórica da arte nas diversas épocas Testemunhando tanto quanto o segundo a particular visão heideggeriana da cultura grega que bastante deve a Nietzsche o primeiro fato arrolado diz respeito à ausência de reflexão estética na fase da grande arte helênica Levese em conta o recurso adjetivo à grandeza também utilizado alhures para designar a fecundidade do começo da Filosofia desse começo principiativo que tal como a vida duradoura de uma semente guardada ao longo dos séculos germina de novo em cada volta da história Grandioso para Heidegger é o esplendor da arte helênica e o seu esplendor a força germinativa que exerceu sobre o todo da vida e da cultura gregas de que foi o acontecimento historial Um pensamento precoce ainda não propriamente filosófico o saber claro dos gregos que prescindiam da Estética certamente alusivo à posição dos présocráticos acompanhou concordante a grande arte em sua fase de esplendor Somente quando cessado o esplendor da arte grega ela se torna problemática e já então apenas provedora de vivências é que a reflexão estética paralela começa Nessa época que foi a de Platão e a de Aristóteles e eis o segundo fato elaboraram se em função do desenvolvimento da Filosofia os conceitos fundamentais que delimitarão no futuro a esfera de toda interrogação concernente à arte N v 1 p 95 Dentre esses conceitos o par matériaforma derivado do eidos platônico desde então aplicado aos entes naturais estendese também por intermédio da ideia do belo àqueles que o esforço da arte produz O terceiro fato consigna o ajustamento da Estética à direção do saber moderno segundo perspectiva da consciência de si Levantado o problema da realidade exterior que pressupõe a natural precedência dos estados interiores em relação ao mundo essa perspectiva justificaria a apreciação das coisas de acordo com a maneira pela qual nos afetam condicionando a admissão de uma faculdade de gosto estético Cumulando as funções de ciência teórica do belo e de ciência prática do gosto artístico a Estética é daí por diante no plano da sensibilidade e do sentimento o mesmo que a Lógica no plano do pensamento N v 1 p 99 Mas a sua preponderância desde os fins do século XVIII não deixa de estar relacionada com o declínio de outra grande arte Ess declínio situase entre o primeiro romantismo que Nietzsche interpretou como hipérbole de uma grande paixão consumida152 e a Filosofia hegeliana da arte que foi a maior e derradeira Estétic do Ocidente N v 1 p 100 Caberia a Hegel anunciar em suas Lições de Estética que a arte é para nós quanto à sua suprema destinação uma realidade passada Perdido o seu vigor esgotada como potência da vida do espírito convertida conforme diria Nietzsche num luxo153 a obra de arte passa à categoria de objeto estético perdurando o seu cultivo dentro da esfera do gosto artístico de algumas camadas sociais N v 1 p 101 A quarta ocorrência registrada por Heidegger é a recepção do projeto da obra artística integral o drama wagneriano A possibilidade dessa tentativa recaiu na órbita da Estética de Hegel A obra de arte integral é uma defesa do ideal contra o avanço do mundo prosaico da sociedade burguesa uma proteção contra o envolvimento da alma na noite imensa do sentimento que o romantismo resolveu Daí por diante a Estética e a História da arte oferecerão mais para o cultivo doespírito do que o próprio exercício da arte concorrendo na qualidade de produções da cultura com a criação artística que se torna cada vez mais consciente e reflexiva Surgiria então o homem estético que se crê abrigado e justificado no seio de uma cultura N v 1 p 108 Em sexto e último lugar Heidegger aponta a significativa convergência da morte da arte proclamada por Hegel com o niilismo da época a desvalorização dos mais altos valores inclusive estéticos reconhecida pela crítica de Nietzsche Enquanto para Hegel a atividade artística perdendo a sua efetiva força histórica é superada dialeticamente na religião e na Filosofia formas superiores do espírito absoluto para Nietzsche a mesma atividade religada à vontade de potência enquanto fora do controle da experiência desinteressada e contemplativa constitui o único meio capaz de curar a enfermidade da cultura ocidental A civilização afirmou Nietzsche não pode provir senão do significado de uma arte ou de uma grande obra de arte154 Esse ensinamento do pensador de A srcem da tragédia tanto quanto a lição hegeliana sobre o caráter histórico do espírito foram a nosso ver decisivos para a compreensão heideggeriana quer acerca da relevância do artístico na cultura grega quer a respeito da natureza e do destino da arte O saber claro correlato ao tempo de esplendor da arte helênica é o pensamento artístico dos présocráticos a Filosofia da época trágica durante a qual segundo o primeiro famoso escrito de Nietzsche os gregos sustentaram um permanente embate metafísico com a aparência das coisas 155 Esse mesmo embate que se exprimindo na tragédia ajudou a criála e a preservála teria presidido o desvelamento do ser na perspectiva da phýsis Os gregos escreve Heidegger tiveram sempre de novo que arrancar o ser da aparência e protegêlo contra ela EM p 80 Nenhuma obra em particular concretiza tanto o recontro com a aparência travado no espaço da olis que modelou a vida helênica espaço conflitivo da existência política onde deuses e homens coabitaram do que o templo e nenhuma outra exprime melhor a concepção do todo o pensamento artístico que prescindiu da Estética do que a tragédia Para os primeiros pensadores gregos a unidade e o conflito do ser e da aparência foram srcinariamente poderosos Todavia é na tragédia que tudo isso vai receber a sua mais pura representação EM p 81 Na tragédia em que a tensão dionisíaca é disciplinada pela contenção apolínea a unidade e o conflito dos homens e do destino alcançam o equilíbrio polêmico da harmonia dos contrários pensada por Heráclito no qual transfundido pela polis o ímpeto do jovem deus da Trácia o ser do ente manifestouse como Fado pela palavra encarnando a ação O ser de todo ente é o que mais aparece das Scheinendste isto é o mais belo das Schönste o que é em si mesmo consistente EM p 100 Entre a noção grega do belo que corresponderia ao ente manifesto na forma concreta e o conceito hegeliano aparição sensível da ideia está toda a distância historial entre a alétheia e a verdade como certeza para o pensamento Fazendo aparecer o ser como ente a téchne põe a verdade alétheia em obra A obra de arte não é obra por ser em primeiro lugar confeccionada ou feita mas porque realiza o ser num ente Realizar erwirken significa aqui pôr em obra na qual o vigor imperante que surge a phýsis chega a aparecer no que aparece EM p 122 Nesse sentido a srcem da obra é a arte enquanto acontecimento da verdade e a criação artística o âmbito de um desvelamento de umdeixarse O artista é umtéchnites não porque também seja um artesão mas ele o é pelo fato de que fazer obra e produzir utensílios é uma ruptura Aufbruch do homem no meio da phýsis e sob o fundo desta N v 1 p 97 Portanto nem a noção decoisa enquanto matéria sujeita à forma ou como suporte de propriedades nem a noção de produto acrescido de um valor estético podem aplicarse à obra de arte Não se enquadrando na categoria do enteàvista e muito menos na do enteàmão ela é antes um fulcro da abertura pensada sob o enfoque da essencialização do ser Desse ponto de vista o que a arte ensina a sua mensagem que absorve a sua aparência de coisa ou de produto só podemos captá lo voltandonos para o domínio Bareich que é aberto através dela mesma HW p30 Sem abertura não há Hermenêutica Dependente da essência da verdade o princípio de tod interpretação é a essência do ser que sempre acontece West no velamento no claroescuro de suas manifestações Esse jogo srcinário atribuído à arte e graças ao qual a obra é obra é o mesmo de que a interpretação heideggeriana participa Sirvanos isso para assinalar a continuidade do círculo hermenêutico que mantém sempre um centro ontológico Dentro desse círculo incidem as descrições fenomenológicas das obras de arte que Heidegger nos apresenta e que pressupõem a prévia neutralização da experiência estética a historialidade da arte a sua correlação com o mundo e o seu produzirse nãoinstrumental num processo de conversão do relacionamento cotidiano entre nós e os utensílios Pressupõem mais ainda além da admissão do papel privilegiado da experiência grega do ser na historialidade em geral e na criação artística em particular o resgate da arte como modo de pensamento original como lugar tópos a partir do qual se efetua uma nova leitura das coisas e do mundo Tudo isso considerado vêse que a Hermenêutica distanciase de uma Filosofia da arte O qu ela nos traz é a bem dizer a interpretação arte como Filosofia e da Filosofia como arte ambas poéticas pela raiz comum de que se originam e ambas tal como puderam ter sido antes da ascensão da Metafísica e tal como poderão ser após a sua superação Para mostrálo acompanharemos o traçado expositivo do ensaio A srcem da obra de arte Der Ursprung des Kunstwerkes que tem seu complemento em Hölderlin e a essência da poesia Hölderlin und das Wesen der Dichtung 2 A destruição da 2 A destruição da Estética Estética E m A srcem da obra de arte um dos famosos quadros de Van Gogh da série inspirada no motivo do par de sapatos rústicos e o templo grego de Paestum são objeto de duas primorosas descrições fenomenológicas que focalizam distintos âmbitos de desvelamento O que podemos perceber nesse espaço vago de cores empastadas do quadro de Van Gogh como que se desprendendo da escura e sombria intimidade do calçado é o peso do couro a fadiga de longas caminhadas a impregnação da terra a solidão do campo a lida com a semeadura e a silenciosa expectativa na sucessão dos dias Esse utensílio Zeug pertence à terra e está abrigado no mundo da camponesa No seio desse pertencer abrigado o utensílio permanece repousando em si mesmo HW p 23 A camponesa simplesmente usa o sapato convivendo com ele O mudo saber dum gesto de cansaço ou de resignação da usuária talvez pudesse resumir tudo isso que o quadro revela Somente a obra cria para nós o espaço de abertura onde o ser do utensílio a sua serventia o seu caráter de produto aparece ou se manifesta congregando a multiplicidade de relações do mundo de que foi extraído e do qual nos aproxima A tela de Van Gogh é a abertura do que é em verdade o utensílio o par de sapatos camponês HW p 25 Assim também o templo grego erguido no vale rochoso e que encerrou a estátua de um deus congregou em torno dessa presença o espaço do sagrado habitação da divindade circunscrita pela dureza da pedra pelo variável brilho do mármore pelo rígido assentamento do edifício na rocha Recinto do deus lugar de reunião dos homens o templo faz aparecer contrastando a sua presença com a da terra que toma por base e que nele se retrai as coisas circundantes com as quais se delimita articulando em torno de si as potencialidades da lida humana os fastos a figura de um destino Nesse ponto a descrição se aproxima da Fenomenologia do utensílio e do espaço familiar do cotidiano emSer e Tempo destacados porém os traços de aproximação e distanciação que formam uma paragem Entretanto a paragem do templo não mais procede do caráter utensiliar das coisas Como sítio o templo dá às coisas a sua fisionomia e aos homens a visão de si mesmo HM p 32 Em torno dele se articulam as paragens e o mundo que elas formam em vez do complexo referencial dos utensílios é o mundo historial de um povo esse círculo continuamente mutável de decisão e de empreendimento de ação e de responsabilidade e também de arbitrário e de tumultuoso de falência e de desnorteamento EHD p 38 No quadro de Van Gogh a permanência repousada Insichruhen dos sapatos revelanos o que é em verdade o produto HW p 24 para além de sua serventia no templo grego o que a presença Dastahend a construção do edifício produz é o advento do deus instalado em sua verdade É nessa instalação que a obra consiste a partir de sua srcem Só quando o mundo aparece numa forma tangível que dá à obra o seu caráter de obra existe criação artística como atividade individual mediadora Desde a sua técnica nascente no trabalho artesanal que elabora materiais diversos tratados de certa maneira a obra surge ao mesmo tempo que a verdade operante nela instaurada Exercida sobre materiais não propriamente usados como meios nem consumidos para um fim a arte produz e mantém na obscura materialidade que também os liga à terra as cores como cores os sons como sons a pedra como pedra e a palavra como palavra Daí dizer Heidegger que a arte produz e manté a própria terra no aberto de um mundo HW p 35 O quadro de Van Gogh e o templo de Paestu são descritos em sua verdade como o embate Streit entre mundo e terra que tem o caráter de velamento iluminador segundo o jogo de luz e sombra Em ambos a verdade Se essencializa somente como a luta entre clareira e ocultamento na oposição do mundo e da terra A verdade quer instaurarse na obra enquanto embate do mundo e da terra Gegenwendigkeit Von Welt und Erde HW p51 Ela se instaura na intimidade Innigkeit ou na recíproca pertença dos contendores HW p 50 O artista é aquele que desce ao foco desse mútuo enfrentamento à unidade da diferença que reúne os contendores no traçado Grundriss tenso da matéria Todas essas figurações todos esses tópoi para não chamálos de conceitos aí empregados numa função hermenêutica amplificadora também já são destrutivos da Estética O desvelamento funda criação individual e a categoria reflexiva do belo a contemplação desinteressada cede lugar ao ogo conflitivo do aberto Interrompendo o envolvimento do cotidiano forçandonos a ver o mundo através do que ela abre a obra não é objeto de contemplação desinteressada Há entre nós e a arte um interesse como relação de ser A experiência estética é só um efeito derivado da verdade da obra de que participamos Heidegger diz que nós temos o resguardo dessa verdade Podemos fruíl esteticamente enquanto subsistir a sua tranquila revelação de que temos a guarda Bewahrung De época para época essa revelação se atualiza pela comunidade dos criadores e dos guardiões O perdurar da verdade é também a perduração da obra como obra Assim como o aberto assinala a criação é a pertinência à verdade que constitui a sua salvaguarda a reserva de vida latente o poder de apelo que ela mesma cria e indica antecipadamente HW p 53 Tanto a criação quanto a salvaguarda repousariam no desvelamento que srcem da obra como essencialização do ser e consequentemente como modo do Dasein humano faz da arte uma srcem historial Diante disso forçoso é concluir que a História da arte só logra a transmissão escrupulos das obras através dos séculos sem alcançar o essencial já decidido por força da História do ser que forma o seu profundo lençol subjacente Entretanto essa transmissão atende ainda que remotamente à lembrança da srcem que subsiste como ela entrecriadores e guardiões Tal como a destruição da Ontologia a destruição da Estética que a acompanha é a suspensão da vigência das categorias estéticas pela explicitação dos seus fundamentos O juízo estético reflexivo que elas enquadram sempre condicionado por uma disposição de ânimo é o signo exterior de uma coparticipação efetivada por essa comunidade dos criadores e dos guardiões que a obra torna possível Mas o que por sua vez possibilita a obra é o acontecimento historial que se projeta para os que irão guardála no futuro quer dizer para uma humanidade historial HW p 62 Essa projeção do ser que marca a historialidade autêntica traz consigo a diferença em que nos situamos e que podemos discernir no embate entre a terra e o mundo É adiferença resguardada na obra com a verdade que nela acontece o que nos permite captála em cada época através de uma interpretação com base em diferentes situações culturais A salvaguarda acontece em graus diferentes de saber tendo de cada vez um alcance uma constância e uma diversa iluminação HW p 56 Esses graus diferentes de saber correspondem ao que foi criado e a criação se denuncia pelo traço que o ser revelado em sua diferença deixa no renitente peso da pedra na dureza da madeira no brilho sombrio das cores HW p 35 Uma outra interpretação da forma artística deriva daí Heidegger entende que a forma assinala o afloramento da terra no embate que opõe ao mundo sendo a terra o elemento irredutível o mistério velado que sobressai da matéria em que também se retrai dessa mesma matéria que elaborada mas não propriamente usada transparece no ente produzido Essa aparência significativa é a verdade aberta e o produto indistinto da coisa criada tem a impositiva presença de um ente configurado numa forma sensível A obra como obra de arte assinalaria pois a sua própria existência em função da presença que nela se produz Mas nenhuma instância externa decide de seu direito a existir ela conquista sua efetividade somente através do que pode abrir Longe de firmarse nas vivências isoladas de um sujeito receptor tal efetividade é o que também a ela nos abre pela disponibilidade do estado de ânimo da disposição da conduta que nos coloca em seu âmbito Mais uma vez se contesta desse ponto de vista a primazia dos juízos estéticos Somente quando nos conduzimos nesse âmbito são possíveis os juízos estéticos revelando daquela universalidade sem a intervenção dos conceitos e como objeto de uma satisfação necessária apontada por Kant Empregando a terminologia tradicional diríamos que essa satisfação retira a sua necessidade da contingência dos eventos ou situações propriamente históricos Estamos de novo próximos de Hegel Em última análise para Heidegger a essência da arte depende da essencialização do ser que constitui o historial para Hegel a arte não possui nenhuma natureza independentemente do movimento de exteriorização ou de concreção doespírito historicamente realizado nas concepções de cada período em cada arte particular Em ambos o gozo estético é a vivência tardia do apelo ou da revelação que a arte encerra apelo para ambos como o que parte de uma totalidade viva com a força de um olhar que nos olha A visão exterior de quem contempla cede à visão interna do espírito encarnado que nos olha na obra Nós diremos da arte afirma Hegel que ela tem por fi fazer com que em todos os pontos de sua superfície o fenomênico se torne olhar sede da alma que torna visível o espírito156 Tornar visível o espírito é fazêlo aparecer iluminandoo Do conceito hegeliano do belo o aparecer erscheinen sensível da ideia ressalta esse elemento de luminosidade ínsito à palavra clareira como forma da existência do Dasein e da arte grega em seu embate com a aparência Ser implica apresentarse surgir aparecendo proporse expor alguma coisa Não ser ao invés significa afastarse da aparição da presença Anweseinheit EM p129 Surgimento e aparição designam o processo mediante o qual as coisas que permaneciam na sombra são postas ou trazidas à luz Fazer poesia significa pôr à luz EM p 130 diz Heidegger traduzindo um verso de Píndaro Criada ao mesmo tempo que se dá o velamento iluminador numa projeção a obra é algo que se produz mas a instrumentalidade técnica do produzir só chega a criar quando abrigada na origem da obra o acontecer historial da verdade Como produção o fazer artístico é um producere Herkunft um fazer emergir algo que não se mostraria senão através da obra e que constitui a essência poética dichtend da arte A verdade como clareira e ocultamento do ente acontece na medida em que é oética gedichtet wird HW p 59 3 Poesia e linguagem 3 Poesia e linguagem Transportada para o plano da história a efetividade da arte que nada tem de um efeito causal é também transportada para o plano poético que se identifica ao da linguagem Em torno do poético a relação de Heidegger com a Estética de Hegel para a qual a poesia como verdadeira arte d espírito wahrhaft Kunst der Geist realiza uma arte geral e o princípio geral da arte marca também o ponto de máxima proximidade no maior afastamento entre os dois pensadores Em Hegel podemos encontrar por um lado a forma de concepção poética oposta à consciência prosaica como o princípio geral da arte e por outro a poesia em que aquela se realiza como arte eral sintetizando o modo de representação das outras artes Depois da pintura e da música nos diz Hegel vem a arte da palavra Kunst der Rede a poesia em geral a verdadeira arte absoluta do espírito manifestandose enquantoespírito157 Ela reproduz em sua esfera própria o modo de representação das demais artes porque elabora todo e qualquer conteúdo na forma da imaginação que é comum a todas contém o essencial daidealidade artística e assim também a oposição formaconteúdo que nela culmina Nesse limite darepresentação Darstellung começa a efetuar se a superação da própria arte A passagem daarte da palavra ao pensamento racional à Filosofia por meio da religião está predelineada na forma da poesia na palavra mesma que suspende o que de sensível existe na criação artística Antes de tudo obra do pensamento é a linguagem que faz passar à generalidade tudo quanto pode ser dito158 Nessa obra interna do pensamento oespírito se objetifica por si mesmo em seu próprio terreno e apenas servese do elemento verbal como de um meio seja da comunicação seja de exteriorização direta159 O conteúdo já se acha formado internamente e os discursos as palavras e as combinações artísticas dessas últimas160 apenas objetificamno numa forma externa Se o caráter poético da arte ainda acompanha em Heidegger a ideia de que a poesia é a realização geral da arte a preeminência que ele empresta à palavra afasta a admissão desse caráter poético que pertence à verdade de toda concepção da poesia como arte geral do pensamento firmada em conteúdos expressivos particulares Considerar que pela sua srcem toda arte é poética não significa que a música a pintura e a escultura estejam ordenadas à poesia ou que se reduzam à poesia no sistema constituído das artes Devese o lugar eminente que a poesia stricto sensu ocupa no conjunto das formas ao alcance da oíesis na linguagem e a partir da linguagem como limiar de toda experiência artística principalmente na arte da palavra propriamente dita que está condicionada à instituição cultural dos gêneros e às convenções literárias à literatura na acepção de estilo ou modalidade de expressão da vida civilizada161 O valor da Literatura diz Heidegger é apreciado à medida da atualidade d momento Por seu lado a atualidade é feita e dirigida pelos órgãos que formam a opinião pública civilizada O movimento literário é um de seu agentes e por agente é preciso entender aqueles que impulsionam os outros e são também impulsionados Assim a poesia não pode aparecer senão como Literatura Pelo fato de ser considerad meio de cultura Bildung e de um modo científico ela é objeto de história literária A poesia do Ocidente tem curso sob a denominação geral de literatura europeia VA v2 p612 Do ponto de vista heideggeriano porém a poesia do Ocidente está dentro e fora da Literatura a sua posição eminente no conjunto das artes vem de que antecede à cultura doespírito à Paidéia Mais diretamente do que qualquer outra arte a poesia participa pela palavra que constitui a sua matéria do trabalho preliminar e mais primitivo do pensamento como obra de linguagem A poesia é o limiar da experiência artística em geral por ser antes de tudo o limiar da experiência artística em geral por ser antes de tudo ponto de irrupção do ser na linguagem que acede à palavra e portanto também de interseção da linguagem com o pensamento É desse ângulo que Heidegger afirma a precedência da poesia sobre qualquer outra arte despeito de que todas sejam srcinariamente poéticas arquitetura escultura música e pintura só se produzem quando já se produziu a clareira pela poesia primordial Urpoesie da linguagem O poemas autênticos extrapolam a Literatura porque estão em correspondência com a poesia primeva que as línguas articulam Em muitas passagens dos escritos da segunda fase Heidegger enuncia ideia aspecto essencial de sua topologia de que a língua é poesia Dichtung no sentido essencial HW p 61 o peso do adjetivo essencial recaindo sobre o acontecimento gerador de história A língua é a poesia srcinária em que um povo poetiza dichten o ser Inversamente vale a grande poesia pela qual um povo entra na história inicia a configuração de sua língua EM p 193 Ou então como registra Hölderlin e a essência da poesia a poesia é a língua primitiva de um povo historial EHD p 43 Como doação do ser arrancado da experiência srcinária que o ser mesmo funda a obra em que a verdade opera ou na qual se põe em obra é a projeção de um destino aberto para os que terão a sua guarda O srcinário e o inaugural coincidem na imediatidade do acontecimento isto é no caráter nãomediatizável da diferença que torna o homem sujeito da história Podemos compreender nesse limite a afirmativa de Heidegger segundo a qual a arte assinala u advento ou um ressalto da história cada vez que um novo começo se produz isto é em cadaépoca em cada momento de retração desvelante do ser entre os gregos na Idade Média e na Idad Moderna Cada vez abriuse um mundo novo com a sua própria essência cada vez a abertura do ente demandou a sua instauração pela constituição da verdade na forma Gestalt no próprio ente HW p 64 Essa instauração daria a medida preliminarmente poética da história em virtude da precedência da linguagem como poesia originária Do mesmo modo que nos fala da grande arte pela função instauradora que desempenha Heidegger falará sempre da poesia como da grandeza do inaugural do começo irruptivo Assim a poesia é sempre rara e os seus momentos verdadeiros não se manifestam em todas as épocas Mais a obra de um poeta é poética mais seu dizer é livre mais aberto ao imprevisto mais pronto a aceitálo E mais puramente também libera o que diz à atenção sempre mais assídua em escutálo maior é a distância entre o que é dito Gesagte e a simples enunciação Aussge VA v 2 p 64 Das mesmas palavras que são a matéria da criação poética procede essa distância irrecobrível entre o dito e a enunciação Na obra poética a linguagem é liberada como linguagem que fala por si mesma propondo à escuta dos que sabem ouvila no espaço de abertura franqueado pela obra o diálogo com o ser em que o pensamento se encontra desde sempre engajado Seriam verdadeiros poetas aqueles que como Hölderlin Trakl Stephan George e Rilke conduziram os diferentes tema literários ao tema único da essência da poesia Verdadeiros poetas porque poetas da poesia experimentaram esse diálogo na atividade agonal com as palavras a mais inocente e inconsequente das ocupações a mais inócua e ineficaz e a mais arriscada porquanto exposta na sua lida nãopreocupante em seu discreto exercício lúdico ao outro jogo perigoso do dizer da linguagem O poético extrai a sua capacidade reveladora inesgotável do ser que solicita o pensamento apelando para o dizer da linguagem Como Nietzsche Heidegger reconhece essa fonte comum que aproxima poesia e pensamento D certa maneira ambos poesia e pensamento dizem o mesmo Um só pensamento poético dichten Denken constituiria a única instância do dizer essencial O pensamento do ser é o modo srcinal do dizer poético Nele a linguagem acontece como linguagem em sua própria essência O pensamento diz oditado Diktat da verdade do ser O pensamento é odictare srcinal O pensamento é a poesia srcinal Urdichtung que precede toda a poesia na acepção estrita162 e assim o poético da arte na medida em que esta se torna obra no círculo da linguagem HW p 303 Os poetas da poesia caem então para usarmos a mesma expressão de Heidegger conservando lhe o tom sibilino que é uma constante de sua segunda fase sob oditado que submete os pensadores sobretudo os présocráticos ao jogo das palavras essenciais Mas o que significa então o canto que parece distinguir o pensador do poeta E por que os poetas da poesia oferecem à Hermenêutic o relevo específico de uma topologia que se ombreia com a que pode ser encontrada nos pensadores essenciais Por que enfim a obra de Hölderlin poeta da poesia por excelência foi par Heidegger a principal trilha da viragem de um novo começo do pensamento o retorno à srcem e o início de uma transformação da humanidade que cumpriria preparar no recolhimento da meditação 147 a arte é uma consagração e um abrigo por onde o real dispensa no homem o seu brilho até então escondido para que numa tal claridade possa ver de maneira mais pura e ouvir mais distintamente o que fala à essência HEIDEGGERCiência e meditação 148 O hábito acompanhado de razão verdadeira e a arte se confundem A coisa produzida ou criada pertence à categoria dos possíveis e seu princípio reside na pessoa que executa cf ARISTÓTELES Ética a Nicômaco Livro VI cap 5 Na Metafísica Aristóteles coloca paraleloarte téchne e Natureza phýsis Das coisas que existem umas nascem por Natureza phýsei outras por art téchne e outras por casualidade Livro VII cap 7 149 As téchnai poietikaí artes in effectu positae são também artes miméticas 150 O objeto dessa satisfação universal desinteressada e ainda necessária reconhecido sem conceito por um nexo da representaçã como sentimento é obelo A fundamentação do juízo reflexivo e consequentemente da experiência estética decorre do livre jogo das faculdades Cf KANT EWerke Kritik der Urteilskraft Berlin Georg Reimer 1913 v 5 35 151 O termo estética é formado em correlação com lógica e ética Temos sempre que acrescentarlheepistéme ciência Lógica logiké epistéme ciência dologos isto é doutrina da enunciação do juízo enquanto forma fundamental do pensamento Lógica ciência do pensamento das formas e das regras do pensamento Ética éthike epistéme ciênciaéthos da atitude anterior do homem e da maneira como determina sua conduta De maneira análoga formouse o termo estética aisthétike epistéme ciência do comportamento sensível e afetivo do homem e do que o determina N v 1 p 92 152 Werke München Carl Hanser 1954 v3 p492 153 Na economia espiritual dos nossos homens cultos a arte tornouse uma necessidade inteiramente mentirosa desprezível aviltante Id Richard Wagner in Bayreuth In Werke Untzeitgemässe Betrachtungen München Carl Hanser 1954 v 1 p 392 154 Le Livre du philosophe études théoriques Das Philosophenbuch theoretische Studien Traducion introduction et notes pa Angèle K Marietti s1 AubierFlammarion 1969 v 2 p 168169 Ed bilíngue 155 Esse embate principia com o surgimento dos deuses olímpicos obra da cultura apolínea Para poderem viver os gregos levados pela mais profunda das necessidades criaram esses deuses id Werke Die Geburt der Tragödie München Carl Hanser 1954 v 1 p 30 Apolo aparecenos com a divinização do princípio de individuação pelo qual se cumprem os eternos desígnios do Uno primordial sua libertação pela luz pela aparência pela visão id ibid p 33 O elemento de força ou de violência desse embate sobressai na expressão waltende Aufgehen para a phýsis Acompanhamos a tradução dewaltende dada por Emmanuel Carneiro Leão comovigor dominante HEIDEGGER Martin Introdução à Metafísica Introdução tradução e notas por Emmanuel Carneiro Leão Rio d Janeiro Tempo Brasileiro 1969 p78 156 Werke Vorlesungen über die Ästhetik Theorie Werkausgabe Frankfurt am Main Surkamp 1970 v 1 p 203 157 Die Poesie die Kunst der Rede die allgemeine Kunst Id ibid v 3 p 16 158 Id ibid v 3 p 231 159 Id ibid v 2 p 221262 160 Id ibid v 3 p 229 161 Sob esse aspecto a concepção heideggeriana de Literatura tem notável parentesco com o ponto de vista de Croce acerca do caráter nãoliterário da poesia 162 A observação é nossa Theodor Adorno Theodor Adorno Teoria estética Teoria estética Teoria estética Teoria estética163 163 Theodor Adorno 19031969 Theodor Adorno 19031969 Tradução rtur Morão Por que a expansão do campo de possibilidades expressivas da arte a partir das vanguardas não significou também a sua emancipação e autonomia Por que após o que se pensou ser a sua libertação a arte parece ter ido justamente rumo à direção inversa ou seja à crise em seu aspecto criativo mas também acerca da compreensão do seu significado Nos presentes trechos de Teoria Estética 1970 Theodor Adorno 19031969 disserta sobre a arte na modernidade e seu lugar dentro da cultura e compara a condição da arte a significados elaborados em outros momentos históricos como em Kant e Hegel Temas Temas arte cultura história crítica 163 ADORNO T W Teoria Estética Lisboa Edições 70 1982 p 1124 Agradecemos às Edições 70 por autorizar a utilização d texto Tornouse manifesto que tudo o que diz respeito à arte deixou de ser evidente tanto em si mesma como na sua relação ao todo e até mesmo o seu direito à existência A perda do que se poderia fazer de modo não refletido ou sem problemas não é compensada pela infinidade manifesta do que se tornou possível e que se propõe à reflexão O alargamento das possibilidades revelase em muitas dimensões como estreitamento A extensão imensa do que nunca foi pressentido a que se arrojaram os movimentos artísticos revolucionários cerca de 1910 não proporcionou a felicidade prometida pela aventura Pelo contrário o processo então desencadeado começou a minar as categorias e nome das quais se tinha iniciado Entrouse cada vez mais no turbilhão dos novos tabus por toda a parte os artistas se alegravam menos do reino de liberdade recentemente adquirido do que aspiravam de novo a uma pretensa ordem dificilmente mais sólida Com efeito a liberdade absoluta na arte que é sempre a liberdade num domínio particular entra em contradição com o estado perene de não liberdade no todo O lugar da arte tornouse nele incerto A autonomia que ela adquiriu após se ter desembaraçado da função cultual e dos seus duplicados vivia da ideia de humanidade Foi abalada à medida que a sociedade se tornava menos humana Na arte as constituintes que dimanaram do ideal de humanidade estiolaramse em virtude da lei do próprio movimento Sem dúvida a sua autonomia permanece irrevogável Fracassaram todas as tentativas para através de uma função social lhe restituírem aquilo de que ela duvida ou a cujo respeito exprime uma dúvida Mas a sua autonomia começa a ostentar um momento de cegueira desde sempre peculiar à arte Na época da sua emancipação este momento eclipsa todos os outros apesar ou se é que não por causa da não ingenuidade a que já segundo Hegel não mais se pode esquivar Ela conjugase com a ingenuidade à segunda potência a incerteza do para quê estético Não se sabe se a arte pode ainda ser possível se ela após a sua completa emancipação não eliminou e perdeu os seus pressupostos A questão brota a partir do que ela foi outrora As obras de arte destacamse do mundo empírico e suscitam um outro com uma essência própria oposto ao primeiro como se ele fosse igualmente uma realidade Tendem portantoa priori para a afirmação mesmo que se comportem ainda de uma maneira trágica Os clichês do esplendor conciliante que se estendia da arte à realidade não são apenas repulsivos porque parodiam o conceito enfático da arte pelo seu equipamento burguês e a classificam entre as reconfortantes organizações dominicais Tocam igualmente nas feridas da própria arte Pela sua ruptura inevitável com a teologia com a pretensão absoluta à verdade da redenção secularização sem a qual ela jamais se teria desenvolvido a arte condenase a outorgar ao ente e ao existente uma promessa que privada da esperança num Outro reforça o sortilégio de que se quis libertar a autonomia da arte De uma tal promessa é já suspeito o próprio princípio de autonomia ao pretender pôr uma totalidade exterior uma esfera fechada em si mesma essa imagem é transferida para o mundo em que a arte se encontra e que a produz Em virtude da sua recusa da empiria recusa contida no seu conceito não simples esquiva que é uma das suas leis imanentes sanciona a sua superioridade Num tratado sobre a glória da arte Helmut Kuhn atestou que cada uma das suas obra é celebração 164 A sua tese seria verdadeira se fosse crítica Perante aquilo em que se torna a realidade a essência afirmativa da arte essa essência inelutável tornouse insuportável Deve voltarse contra o que constitui o seu próprio conceito e tornase por conseguinte incerta até ao mais íntimo da sua textura Não deve porém pôrse de lado por uma negação abstrata Ao atacar o que ao longo de toda a tradição parecia garantir o seu fundamento ela transformase qualitativamente e tornase um Outro Pode fazer isso porque ao longo dos tempos se voltou graças à sua forma tanto contra o simples existente contra o estado de coisas persistente como veio em sua ajuda enquanto modelação dos elementos do existente E é igualmente impossível reduzila a uma fórmula universal da consolação ou ao seu contrário A arte tem o seu conceito na constelação de momentos que se transformam historicamente fecha se assim à definição A sua essência não é dedutível da sua srcem como se o primeiro fosse um fundamento sobre o qual todos os seguintes se erigem e desmoronam logo que são abalados A crença segundo a qual as primeiras obras de arte são as mais elevadas e as mais puras é romantismo tardio com não menor direito poderseia sustentar que as primeiras obras com caráter artístico inseparáveis das práticas mágicas da documentação histórica de fins pragmáticos tais como fazer se ouvir por apelos ou toques de trompa a grandes distâncias são confusas e impuras A concepção classicista gostava de utilizar tais argumentos No plano estritamente histórico não há datas precisas165 A tentativa de subsumir ontologicamente a gênese histórica da arte num motivo supremo extraviarseia necessariamente em algo tão discordante que à teoria apenas restaria o ponto de vista sem dúvida importante segundo o qual as artes não podem classificarse em nenhuma identidade ininterrupta da arte166 Nas considerações consagradas às srcens αρχαι estéticas proliferam selvaticamente ao lado uma da outra a acumulação positivista de materiais e a especulação habitualmente detestada pelas ciências Bachofen seria disso o exemplo mais destacado Se e compensação se quisesse categoricamente distinguir segundo o uso filosófico a chamada questão da srcem como a do ser do problema genético segundo a história srcinal adquirirseia a convicção da arbitrariedade por uma utilização do conceito de origem oposta ao seu sentido literal A definição do que é a arte é sempre dada previamente pelo que ela foi outrora mas apenas é legitimada por aquilo em que se tornou aberta ao que pretende ser e àquilo em que poderá talvez tornarse Enquanto é preciso manter a sua diferença em relação à simples empiria ela modificase em si qualitativamente Muitas obras por exemplo representações cultuais metamorfoseiamse em arte ao longo da história quando o não tinham sido e muitas obras de arte deixaram de o ser A questão posta antes de saber se um fenômeno como o filme é ainda arte ou não não leva a nenhum lado O terestadoemdevir da arte remete o seu conceito para aquilo que ela não contém A tensão entre o que animava a arte e o seu passado circunscreve as chamadas questões estéticas de constituição A arte só é interpretável pela lei do seu movimento não por invariantes Determinase na relação co o que ela não é O caráter artístico específico que nela existe deve deduzirse quanto ao conteúdo do seu Outro apenas isso bastaria para qualquer exigência de uma estética materialista dialética Ela especificase ao separarse daquilo por que tomou forma a sua lei de movimento constitui a sua própria lei formal Ela unicamente existe na relação ao seu Outro e é o processo que a acompanha Para uma estética que se orienta diferentemente vale como axioma a tese desenvolvida por Nietzsche no fim da sua vida contra a filosofia tradicional segundo a qual também pode ser verdadeiro mesmo o que foi sujeito de devir Deverseia inverter a concepção tradicional por ele demolida a verdade só existe como o que esteve em devir O que se apresenta na arte como a sua própria legalidade é tanto um produto tardio da evolução intratécnica como da posição da arte no seio de uma secularização progressiva incontestavelmente as obras de arte só se tornaram tais negando a sua srcem Não há que censurarlhes como pecado srcinal a ignomínia da sua antiga dependência a respeito da magia indolente do serviço dos senhores e do divertimento uma vez que elas renegaram retrospectivamente aquilo de onde brotaram Nem a música de mesa é inevitável para a música libertada nem a música de mesa constituiu para o homem uma função honrosa a que a arte autônoma se teria subtraído sacrilegamente O seu barulho miserável não se torna melhor pelo fato de a maior parte de tudo o que hoje atinge os homens como arte fazer ressoar o eco daquele matracar A perspectiva hegeliana de uma possível morte da arte é conforme ao seu terestadoemdevir Que ele pensasse a arte como transitória e a atribuísse no entanto ao Espírito absoluto harmonizase com o caráter ambíguo do seu sistema mas induz a uma conseqüência que ele nunca teria tirado o conteúdo da arte que segundo a sua concepção constitui o seu absoluto não é absorvido na dimensão da sua vida e da sua morte A arte poderia ter o seu conteúdo na sua própria efemeridade É concebível e de nenhum modo apenas uma possibilidade abstrata que a grande música algo de tardio só foi possível num período limitado da humanidade A revolta da arte teleologicamente posta na sua posição relativamente à objetividade do mundo histórico transformouse na sua revolta contra a arte é inútil profetizar se ela lhe sobreviverá A crítica da cultura não tem que abafar aquilo contra que vociferava outrora um pessimismo cultural reacionário a saber como já Hegel pensava há cento e cinquenta anos que a arte poderia ter entrado na era do seu declínio Como também há uma centena de anos a palavra terrível de Rimbaud realizava em si numa antecipação extrema a história da nova arte assim o seu silêncio a sua integração como empregado antecipavam também esta tendência Atualmente a estética não tem nenhum poder sobre se virá a ser ou não o necrológio da arte mas também não deve brincar às orações fúnebres não tem em geral que constatar o fim reconfortarse com o passado e independentemente de seja a que título for transitar para a barbárie que não é melhor que a cultura a qual mereceu a barbárie como represália pelos seus excessos bárbaros O conteúdo da arte passada mesmo que a arte possa agora estar suprimida suprimirse desaparecer ou prosseguir no desespero não deve necessariamente caminhar para o seu declínio Poderia sobreviver à arte numa sociedade que teria sido libertada da barbárie da sua cultura Nos nossos dias não estão mortas apenas as formas mas inumeráveis temas a literatura sobre o adultério que enche o período vitoriano do século XIX e o princípio do século XX já não imediatamente reutilizável após a dissolução da célula familiar da burguesia no seu apogeu e o afrouxamento da monogamia Apenas continua a viver medíocre e perversamente na literatura vulgar das revistas ilustradas De igual modo o que há de autêntico em Madame Bovary outrora inserido no seu tema sobrepujou há muito o declínio que é também o seu Claro está isto não deve induzir ao otimismo filosóficohistórico da fé no espírito invencível O conteúdo temático pode igualmente o que é mais tudo arrastar na sua queda Mas a arte e as obras de arte estão votadas ao declínio porque são não só heteronomamente dependentes mas porque na própria constituição da sua autonomia que ratifica a posição social do espírito cindido segundo as regras da divisão do trabalho não são apenas arte surgem também como algo que lhe é estranho e se lhe opõe Ao seu próprio conceito está mesclado o fermento que a suprime Permanece inalterável para a refração estética o que é alterado para a imaginação o que ela concebe Isto vale sobretudo para a finalidade imanente Na relação com a realidade empírica a arte sublima o princípio ali atuante do sese conservare em ideal do serparasi dos seus testemunhos segundo as palavras de Schönberg pintase um quadro e não o que ele representa Toda a obra de arte aspira por si mesma à identidade consigo que na realidade empírica se impõe à força a todos os objetos enquanto identidade com o sujeito e deste modo se perde A identidade estética deve defender o nãoidêntico que a compulsão à identidade oprime na realidade Só em virtude da separação da realidade empírica que permite à arte modelar segundo as suas necessidades a relação do Todo às partes é que a obra de arte se torna Ser à segunda potência As obras de arte são cópias do vivente empírico na medida em que a este fornecem o que lhes é recusado no exterior e assim libertam daquilo para que as orienta a experiência externa coisificante Enquanto que a linha de demarcação entre a arte e a empiria não deve ser ofuscada de nenhum modo nem sequer pela heroicização do artista as obras de arte possuem no entanto uma vida sui generis que não se reduz simplesmente ao seu destino exterior As obras importantes fazem surgir constantemente novos estratos envelhecem resfriam morrem Afirmar que enquanto artefatos produtos humanos elas não vivem diretamente como homens é uma tautologia Mas o acento posto sobre o momento do artefato na arte concerne menos ao seu ser produzido do que à sua própria natureza indiferentemente da maneira como ela se faz As obras são vivas enquanto falam de uma maneira que é recusada aos objetos naturais e aos sujeitos que as produzem Falam em virtude da comunicação nelas de todo o particular Entram assim em contraste com a dispersão do simples ente Mas precisamente enquanto artefatos produtos do trabalho social comunicam igualmente com a empiria que renegam e da qual tiram o seu conteúdo A arte nega as determinações categorialmente impressas na empiria e no entanto encerra na sua própria substância um ente empírico Embora se oponha à empiria através do momento da forma e a mediação da forma e do conteúdo não deve conceberse sem a sua distinção importa porém em certa medida e geralmente buscar a mediação no fato de a forma estética ser conteúdo sedimentado As formas aparentemente mais puras as formas musicais segundo a tradição remontam inclusive em todos os seus pormenores idiomáticos a algo que diz respeito ao conteúdo como a dança Os ornamentos eram outrora com frequência símbolos cultuais Deveria efetuarse uma referência mais vincada das formas estéticas aos conteúdos tal como a realizou a Escola de Warburg para o objeto específico da sobrevivência da Antigüidade Contudo a comunicação das obras de arte com o exterior com o mundo perante o qual elas se fecham feliz ou infelizmente leva se a cabo através da nãocomunicação eis precisamente porque elas se revelam como refratadas Podia facilmente pensarse que o seu domínio autônomo só tem de comum com o mundo exterior elementos emprestados que entram num contexto totalmente modificado Apesar de tudo a trivialidade da história das ideias é incontestável de maneira que a evolução dos procedimentos artísticos tais como eles são quase sempre englobados no conceito de estilo corresponde à trivialidade social Mesmo a obra de arte mais sublime adota uma posição determinada em relação à realidade empírica ao mesmo tempo que se subtrai ao seu sortilégio não de uma vez por todas mas sempre concretamente e de modo inconscientemente polêmico contra a sua situação a respeito do momento histórico Que as obras de arte como mônadas sem janelas representem o que elas próprias não são só se pode compreender pelo fato de que a sua dinâmica própria a sua historicidade imanente enquanto dialética da natureza e do domínio da natureza não é da mesma essência que a dialética exterior mas se lhe assemelha em si sem a imitar A força produtiva estética é a mesma que a do trabalho útil e possui em si a mesma teleologia e o que se deve chamar a relação de produção estética tudo aquilo em que a força produtiva se encontra inserida e em que se exerce são sedimentos ou moldagens da força social O caráter ambíguo da arte enquanto autônoma e como fait social fazse sentir sem cessar na esfera da sua autonomia Nesta relação à empiria as forças produtivas salvaguardam neutralizado o que outrora os homens experimentaram literal e inseparavelmente no existente e o que o espírito dele bania Participam na Aufklärung porque não mentem não simulam a literalidade do que elas exprimem Mas são reais enquanto respostas à forma interrogativa do que lhes vem ao encontro a partir do exterior A sua própria tensão é significativa na relação com a tensão externa Os estratos fundamentais da experiência que motivam a arte aparentamse com o mundo objetivo perante o qual retrocedem Os antagonismos não resolvidos da realidade retornam às obras de arte como os problemas imanentes da sua forma É isso e não a trama dos momentos objetivos que define relação da arte à sociedade As relações de tensão nas obras de arte cristalizamse unicamente nestas e através da sua emancipação a respeito da fachada fática do exterior atingem a essência real A arteχωρίς do existente empírico relacionase assim segundo a posição ao argumento hegeliano contra Kant a partir do momento em que se estabelece uma barreira ela é já transposta por meio desta posição integrandose aquilo contra que ela se erigiu Apenas isso e não o fato de moralizar constitui a crítica do princípio de lart pour lart que numa negação abstrata constitui oχωρισμός da arte com o seu Uno e Todo A liberdade das obras de arte cuja autoconsciência é celebrada e sem a qual elas não existiriam é a mentira da sua própria razão Todos os seus elementos as acorrentam ao que elas têm a dita de sobrevoar e em que ameaçam a todo o momento mergulhar de novo Na relação com a realidade empírica evocam o teologúmeno segundo o qual no estado de redenção tudo é como é e ao mesmo tempo inteiramente outro É óbvia a analogia com a tendência da profanidade para secularizar o domínio sagrado até quando este se mantém ainda mesmo secularizado a esfera do sagrado é por assim dizer objetivada murada porque o seu momento de falsidade aguarda tanto a secularização como dela se defende mediante o exorcismo Assim o puro conceito de arte não constituiria o círculo de um domínio garantido de uma vez por todas mas só se produziria de cada vez em equilíbrio momentâneo e frágil muito comparável ao equilíbrio psicológico do Ego e do Id O processo de repulsa deve continuament renovarse Cada obra de arte é um instante cada obra conseguida é um equilíbrio uma pausa momentânea do processo tal como ele se manifesta ao olhar atento Se as obras de arte são respostas à sua própria pergunta com maior razão elas próprias se tornam questões A tendência até hoje porém ainda não afetada por uma cultura também ela abortiva para captar a arte de modo extra ou préestético não é apenas um recuo à barbárie ou à miséria da consciência dos que regridem Algo na arte se presta a isso Se é percebida de modo estritamente estético não o é portanto de uma maneira correta Só quando se sente ao mesmo tempo o Outro da arte como um dos primeiros estrato da experiência é que esta pode sublimarse e resolver a implicação na matéria sem que o serparasi da arte se transforme em alguma coisa de indiferente A arte é para si e não o é subtraiselhe a sua autonomia mas não o que lhe é heterogêneo As grandes epopeias que sobrevivem ainda ao seu esquecimento confundiamse no seu tempo com a narrativa histórica e geográfica o artista Valéry deplorou que muitas coisas que nas epopeias homéricas paganogermânicas e cristãs não estavam refundidas na legalidade formal se afirmem sem que isso diminua a sua qualidade relativamente a obras sem imperfeições De igual modo a tragédia da qual seria possível tirar a ideia de autonomia estética era a cópia de práticas cultuais concebidas como possuindo efeitos reais A história da arte enquanto história do progresso da sua autonomia não conseguiu extirpar esse momento e de nenhum modo é apenas devido aos seus entraves No século XIX o romance realista no seu apogeu enquant forma tinha algo daquilo a que o reduziu deliberadamente a teoria do chamado realismo socialista tinha reportagem antecipação do que posteriormente deveria ser descoberto pela ciência social O fanatismo da perfeição linguística em Madame Bovary constitui provavelmente uma função do momento que lhe é contrário a unidade dos dois aspectos forma a sua atualidade intacta O critério das obras de arte é equívoco se lhes acontece integrar na sua lei formal imanente os estratos temáticos e os pormenores e conservar em semelhante integração mesmo com lacunas o elemento que lhes é contrário A integração enquanto tal não garante qualidade na história das obras de arte os dois momentos encontramse com frequência separados De fato nenhuma categoria privilegiada particular nem sequer a categoria estética central da lei formal define a essência da arte e é suficiente para o juízo acerca dos seus produtos A arte possui determinações essenciais que contradizem o caráter definitivo do seu conceito estabelecido pela filosofia da arte A estética do conteúdo de Hegel reconheceu o momento de alteridade imanente à arte e sobrevoou a estética formal que opera aparentemente com um conceito de arte muito mais puro libertando no entanto desenvolvimentos históricos bloqueados pela estética do conteúdo de Hegel e de Kierkegaard como os da pintura nãofigurativa Contudo a dialética idealista de Hegel que concebe a forma como conteúdo regride até ao ponto de desembocar numa dialética grosseira e préestética Confunde o tratamento imitativo ou discursivo dos materiais com a alteridade constitutiva da arte Hegel viola por assim dizer a sua própria concepção dialética de estética com consequências imprevisíveis para ele favoreceu a transição trivial da arte para a ideologia dominante Inversamente o momento de irrealidade do nãoente na arte não se encontra liberto do ente Não é posto arbitrariamente não é inventado como desejariam as convenções mas estruturase a partir de proporções entre o ente também elas requeridas por ele pela sua imperfeição pela sua insuficiência pelo seu caráter contraditório e pelas suas potencialidades e mesmo em tais proporções vibram relações com a realidade A arte comportase em relação ao seu Outro como um ímã num campo de limalha de ferro Não apenas os seus elementos mas também a sua constelação o especificamente estético que se atribui comumente ao seu espírito remete para este Outro A identidade da obra de arte com a realidade existente é também a identidade da sua força de atração que reúne em torno de si os seus membra disiecta vestígios do ente a obra aparentase com o mundo mediante o princípio que a ele a contrapõe e pelo qual o espírito modelou o próprio mundo A síntese operada pela obra de arte não é apenas imposta aos seus elementos repete por seu turno onde os elementos comunicam entre si um fragmento de alteridade Também a síntese tem o seu fundamento no aspecto nãoespiritual e material das obras naquilo em que ele se exerce não apenas em si O momento estético da forma encontrase assim ligado à ausência de violência Na sua diferença com o ente a obra de arte constituise necessariamente em relação ao que ela não é enquanto obra de arte e ao que unicamente faz dela uma obra A insistência no caráter nãointencional da arte que enquanto simpatia pelas suas manifestações menores se deve observar a partir de um momento da história em Wedekind que escarnecia dos artistas de arte em Apollinaire e mesmo na srcem do cubismo trai uma autoconsciência inconsciente da arte da sua participação no que lhe é contrário semelhante autoconsciência motivou a viragem críticocultural da arte que se desembaraçou da ilusão do seu ser puramente espiritual A arte é a antítese social da sociedade e não deve imediatamente deduzirse desta A constituição da sua esfera corresponde à constituição de um meio interior aos homens enquanto espaço da sua representação ela toma previamente parte na sublimação É portanto plausível extrair a definição do que é a arte a partir de uma teoria do psiquismo O cepticismo a respeito das doutrinas dos invariantes antropológicos recomenda o emprego da teoria psicanalítica Mas ela é mais proveitosa no campo psicológico do que na estética Considera as obras de arte essencialmente como projeções do inconsciente daqueles que as produziram esquece as categorias formais da hermenêutica dos materiais transpõe de algum modo o pedantismo de médicos subtis para o objeto mais inadequado Leonardo ou Baudelaire Não obstante a acentuação do sexo deve al desmascararse o filistinismo pelo fato de nas obras referentes a estas questões de muitos modos rebentos da moda biográfica os artistas cuja obra objetiva sem censura a negatividade da existência serem rebaixados à categoria de neuróticos O livro de Laforgue resume toda a seriedade de Baudelaire ao fato de ele sofrer de um complexo maternal Nem sequer uma vez surge no horizonte pergunta de se ele como psiquicamente são poderia ter escrito Les Fleurs du Mal e com maior razão se os poemas foram mais medíocres em virtude da neurose Erigese abusivamente em critério um psiquismo normal mesmo quando a qualidade estética se revela ser de modo tão pronunciado como em Baudelaire condicionada pela ausência da mens sana Segundo o teor das monografias psicanalíticas a arte deveria acabar afirmativamente com a negatividade da experiência O momento negativo já não é para elas o processo daquele recalcamento que se inscreve na obra de arte As obras de arte são para a psicanálise sonhos diurnos ela confundeos com documentos transfereos para os que sonham enquanto que por outro lado os reduz em compensação da esfera extramental salvaguardada a elementos materiais brutos de um modo aliás curiosamente regressivo em relação à teoria freudiana do trabalho do sonho O momento de ficção nas obras de arte é como em todos os positivistas excessivamente valorizado pela sua suposta analogia com os sonhos O elemento projetivo no processo de produção dos artistas é na relação à obra apenas um momento e dificilmente o decisivo o idioma o material e sobretudo o próprio produto têm um peso específico que surpreende sempre os analistas A tese psicanalítica de que por exemplo a música seria o meio de defesa de uma paranoia ameaçadora é talvez muito válida no plano clínico mas nada diz sobre a categoria e o conteúdo de uma única composição estruturada A teoria psicanalítica da arte tem sobre a teoria idealista a vantagem de trazer à luz o que no interior da arte não é em si mesmo artístico Permite subtrair a arte ao sortilégio do Espírito absoluto No espírito da Aufklärung levantase contra o idealismo vulgar que por rancor contra o conhecimento da arte especialmente do seu entrelaçamento com o instinto a desejaria pôr de quarentena numa pretensa esfera superior Ao decifrar o caráter social que se exprime pela obra de arte e no qual se manifesta muitas vezes o do seu autor fornece as articulações de uma mediação concreta entre a estrutura das obras e a estrutura social Mas difunde igualmente um constrangimento afim ao do idealismo o de um sistema de signos absolutamente subjetivo para moções pulsionais também subjetivas Decifra fenômenos mas não alcança o fenômeno arte As obras de arte surgemlhe apenas como fatos e escapalhe a sua objetividade própria a sua coerência o seu nível formal os seus impulsos críticos e finalmente a sua ideia de verdade À pintora que sob o pacto da total sinceridade existente entre o analisando e o analista escarnecia das más gravuras vienenses com que ele desfigurava as suas paredes explicava lhe este que tudo se reduzia à agressão da sua parte As obras de arte são incomparavelmente muito menos reflexo e propriedade do artista do que o pensa um médico que apenas conhece o artista no seu divã Só os diletantes referem tudo o que se encontra na arte ao inconsciente A pureza da sua sensibilidade repete clichês decadentes No processo de produção artístico as moções inconscientes são impulso e material entre muitos outros Inseremse na obra de arte através da mediação da lei formal o sujeito literal que compõe a obra não passaria de um cavalo pintado As obras de arte não constituemthematic apperception tests do seu autor Em tal amusia é responsável também o culto que a psicanálise rende ao princípio de realidade o que não lhe obedece é sempre fuga apenas a adaptação à realidade surge como o summum bonun A realidade oferece muitos outros motivos reais para dela se fugir e mais do que o admite a indignação a respeito da fuga que é veiculada pela ideologia da harmonia até mesmo psicologicamente seria mais fácil legitimar a arte do que o reconhece a psicologia Sem dúvida a imaginação é também fuga mas não completamente o que o princípio de realidade transcende para algo de superior encontrase também sempre em baixo É maldoso pôr ali o dedo Destróise aimago do artista como aquele que é tolerado neurótico incorporado na sociedade da divisão do trabalho Nos artistas de altíssima classe como Beethoven ou Rembrandt aliavase a mais aguda consciência da realidade à alienação da realidade só por si isso já constituiria um objeto digno da psicologia da arte que não teria de decifrar a obra de arte apenas como algo de semelhante ao artista mas como alguma coisa de diferente como trabalho em algo que resiste Se a arte tem raízes psicanalíticas são as da fantasia na fantasia da onipotência Na arte porém atua também o desejo de construir um mundo melhor libertando assim a dialética total ao passo que a concepção da obra de arte como linguagem puramente subjetiva do inconsciente não consegue apreendêla A teoria kantiana é a antítese da teoria freudiana da arte enquanto teoria da realização do desejo O primeiro momento do juízo de gosto na Analítica do Belo seria a satisfação desinteressada167 O interesse é aí chamado a satisfação o que nós associamos com a representação da existência de um objeto168 Não é evidente se pela representação da existência de um objeto se entende o objeto tratado numa obra de arte como sua matéria ou a própria obra de arte o modelo nu bonito ou a harmonia suave dos sons musicais podem serkitsch mas também um momento integral de qualidade artística O acento posto na representação deriva do ponto de partida subjetivista de Kant no sentido pregnante do termo que busca implicitamente a qualidade estética em consonância com a tradição racionalista sobretudo de Moisés Mendelssohn no efeito da obra de arte sobre o se admirador Revolucionário na Crítica do Juízo é o fato de que sem abandonar o âmbito da antiga estética do efeito ela a restringe ao mesmo tempo por uma crítica imanente da mesma maneira que o subjetivismo kantiano tem o seu peso específico na sua intenção objetiva na tentativa de salvar a objetividade graças à análise dos momentos subjetivos A ausência de interesse afastase do efeito imediato que a satisfação quer conservar e prepara assim a ruptura com a sua supremacia A satisfação desprovida deste modo do que em Kant se chama o interesse tornase satisfação de algo tão indefinido que já não serve para nenhuma definição do Belo A doutrina da satisfação desinteressada é pobre perante o fenômeno estético Redulo ao belo formal sobremaneira problemático no seu isolamento ou a objetos naturais ditos sublimes A sublimação numa forma absoluta deixaria de lado nas obras de arte o espírito em nome do qual se opera essa sublimação A nota excessiva de Kant169 segundo a qual um juízo sobre um objeto de satisfação poderia sem dúvida ser desinteressado e no entanto ser interessante isto é suscitar um interesse mesmo se em nada se funda atesta sincera e involuntariamente esse fato Kant separa o sentimento estético e assim segundo a sua concepção virtualmente a própria arte da faculdade de desejar visada pela representação da existência de um objeto a satisfação numa tal representação teria sempre ao mesmo tempo uma relação com a faculdade de desejar170 Kant foi o primeiro a adquirir o conhecimento ulteriormente admitido segundo o qual o comportamento estético está isento de desejos imediatos arrancou a arte ao filistinismo voraz que continua de novo a tocála e a saboreá la No entanto motivo kantiano não é totalmente estranho à teoria psicológica da arte também para Freud as obras de arte não são imediatamente realizações de desejos mas transformam a libido primeiramente insatisfeita em realização socialmente produtiva em que o valor social da arte persiste às claras incontestado no respeito acrítico da sua validade pública Kant porém realçou muito mais energicamente que Freud a diferença entre a arte e a faculdade de desejar e portanto a diferença entre a arte e a realidade empírica mas não a idealizou sem mais a separação da esfera estética em relação à empiria constitui a arte No entanto Kant fixou transcendentalmente est constituição em si mesma algo de histórico e mediante uma lógica simplista equiparoua à essência artística sem se preocupar com o fato de que as componentes da arte subjetivamente pulsionais retornam metamorfoseadas na sua forma mais pura que as nega A teoria freudiana da sublimação penetrou muito mais imparcialmente no caráter dinâmico do artístico Naturalmente Freud não deve pagar um prêmio menor que Kant Se neste sobressai a essência espiritual da obra de arte apesar de toda a preferência pela intuição sensível a partir da distinção entre o comportamento estético e o comportamento prático e o desiderativo a adaptação freudiana da estética à doutrina da pulsão parece encerrarse nela as obras de arte mesmo sublimadas pouco diferem de representantes das emoções sensíveis que quando muito as tornam irreconhecíveis por uma espécie de trabalho do sonho O confronto dos dois pensadores heterogêneos Kant não rejeitou apenas o psicologismo filosófico mas na sua velhice também toda a psicologia é no entanto permitida graças a um elemento comum que pesa mais do que a diferença entre a construção do sujeito transcendental no primeiro e o recurso a um sujeito psicológico empírico no segundo Ambos em princípio se orientam subjetivamente entre uma avaliação negativa ou positiva da faculdade de desejar Para ambos a obra de arte encontrase apenas em relação com aquele que a contempla ou que a produz Mesmo Kant é obrigado por um mecanismo a que também a sua filosofia moral se sujeita considerar o indivíduo existente o elemento ôntico mais do que é compatível com a ideia do sujeito transcendental Não há satisfação sem seres vivos aos quais agrade o objeto o teatro de toda a Crítica do Juízo são sem que deles se trate os constituintes e é por isso que o que fora planeado como ponte entre a razão pura teórica e prática é um άλλο γένος em relação às duas Sem dúvida o tabu da arte e na medida em que é definida obedece a um tabu as definições são tabus proíbe que nos contraponhamos ao objeto de um modo animal que dele nos apossemos corporalmente Mas ao poder do tabu corresponde o do conteúdo a que ele se reporta Não há nenhuma arte que não contenha em si negado como momento aquilo de que ela se desvia Ao que é desprovido de interesse deve untarse a sombra do interesse mais feroz se pretende ser mais do que simples indiferença muitas coisas provam que a dignidade das obras de arte depende da grandeza do interesse a que são arrancadas Kant nega isso por causa de um conceito de liberdade que pune com a heteronomia o que nem sempre é próprio do sujeito A sua teoria da arte é desfigurada pela insuficiência da doutrina da razão prática A ideia de um Belo que a respeito do Eu soberano possuiria ou teria adquirido uma parcela de autonomia surge segundo o teor da sua filosofia como dissipação nos mundos inteligíveis Por conseguinte em conjunto com aquilo de que ela brotou antiteticamente a arte fica amputada de todo o conteúdo e supõese no seu lugar um elemento tão formal como a satisfação Bastante paradoxalmente a estética tornase para Kant um hedonismo castrado prazer sem prazer com igual injustiça para com a experiência artística na qual a satisfação atua casualmente e de nenhum modo é a totalidade e para com o interesse sensual as necessidades reprimidas e insatisfeitas que viram na sua negação estética e fazem que as obras sejam mais do que modelos vazios O desinteresse estético ampliou o interesse para além da sua particularidade O interesse pela totalidade estética queria objetivamente ser o interesse por uma organização adequada da totalidade Não visava a realização particular mas a possibilidade sem entraves que não existiria sem esta realização particular Correlativamente à fraqueza da teoria kantiana a teoria freudiana da arte é muito mais idealista do que parece Ao transferir simplesmente as obras de arte para a imanência psíquica despojaas da antítese ao nãoeu Este permanece intacto às picadas das obras de arte que se esgotam na realização psíquica do domínio da renúncia pulsional e no fim das contas na adaptação O psicologismo da interpretação estética não se dá mal com a concepção filistina da obra de arte enquanto pacifica harmoniosamente os contrários enquanto visão de uma vida melhor sem consideração pela mediocridade da qual brota À aceitação conformista da concepção corrente da obra de arte como bem cultural agradável levada a cabo pela psicanálise corresponde um hedonismo estético que expulsa da arte toda a negatividade para os conflitos pulsionais da sua gênese silenciando os resultados Se da sublimação e da integração conseguidas se fizer o Uno e o Todo da obra de arte esta perde a força pela qual ultrapassa o existente do qual ela se dessolidariza pelo simples fato da sua existência Mas logo que o comportamento da obra de arte mantém a negatividade da realidade e toma a seu respeito posição modificase também o conceito de desinteresse As obras de arte implicam em si mesmas uma relação entre o interesse e a sua recusa contrariamente à interpretação kantiana e freudiana Mesmo o comportamento contemplativo perante as obras de arte extirpado dos objetos da ação se experimenta como denúncia de uma práxis imediata e por conseguinte como algo também prático como resistência a envolverse Apenas as obras de arte que é possível interpretar como modos de conduta têm a suaraison dêtre A arte não é unicamente o substituto de uma práxis melhor do que a até agora dominante mas também crítica da práxis enquanto dominação da autoconservação brutal no interior do estado de coisas vigente e por amor dele Censura as mentiras da produção por ela mesma opta por um estado da práxis situado para além do anátema do trabalho Promesse de bonheur significa mais do que o fato de que até agora a práxis dissimula a felicidade a felicidade estaria acima da práxis A força da negatividade na obra de arte mede o abismo entre a práxis e a felicidade Sem dúvida Kafka não desperta faculdade de desejar Mas a angústia do real que responde aos escritores em prosa como a etamorfose ou a Colônia penal o choque da náusea da aversão que sacudindo a physis tem mais a ver enquanto defesa com o desejo do que com o antigo desinteresse que a ele e aos seus sucessores se atribuía O desinteresse seria grosseiramente inadequado para os seus escritos Reduziria a arte àquilo de que Hegel escarnecia ao carrilhão agradável ou útil da Ars poetica de Horácio Dele se libertou a estética da época idealista ao mesmo tempo que a própria arte experiência artística só é autônoma quando se desembaraça do gosto da fruição A via que aí conduz passa pelo desinteresse a emancipação da arte a respeito dos produtos da cozinha ou da pornografia é irrevogável Mas não se fixa no desinteresse O desinteresse reproduz de modo imanente modificado o interesse No mundo falso toda aηδονη é falsa Por conseguinte o desejo sobrevive na arte 164 Helmut KuhnSchriften zur Ästhetik Munique 1966 p 236 ss 165 Cf o excurso Teorias sobre a srcem da Arte na edição completa daTeoria Estética mencionada no início deste capítulo 166 Cf Theodor W Adorno Ohne Leitbild Parva Aesthetica 2 ed Francoforte 1968 p 168 ss 167 Cf KantSämtliche Werk e Bd 6 Ästhetische und religionsphilosophische Schriften hg Von F Gioss Leipzig p 54 Kritik de Urteilskraft 2 168 E Kant id p 54 169 Cf Ibid p 55 170 Cf Ibid p 54 Vilém Flusser Vilém Flusser Nossa embriaguez Nossa embriaguez Nossa embriaguez Nossa embriaguez171 171 Vilém Vilém Fl Flusser 19201991 usser 19201991 Não só obras de arte produzem outros modos de experimentação da realidade mas também as drogas há séculos têm servido para explorar outros modos de sensibilidade E como a arte a droga assumiu diferentes lugares na cultura Mas há na arte u aspecto que falta nas demais drogas A arte depois de ter mediado entre o homem e a experiência imediata inverte tal mediação e faz com que o imediato seja articulado isto é mediatizado em direção da cultura A arte torna dizível o inefável e audível o inaudito Nela o recuo da cultura vira avanço rumo à cultura Artista é inebriado que emigra da cultura para reinvadila No texto Nossa Embriaguez 1983 Vilé Flusser 19201991 discorre sobre a relação da arte com as drogas assim como a função desempenhada por ela no interior da cultura Temas Temas drogas poder crítica da cultura percepção 171 FLUSSER V Nossa Embriaguez PósHistória Vinte Instantâneos e um modo de usar São Paulo Annablume 2011 p 153 161 A primeira publicação do livro PósHistória ocorreu em 1983 pela editora Duas Cidades A edição mais recente prefaciada po Rodrigo Duarte foi realizada pela editora Annablume a qual agradecemos a autorização de uso do texto Em lugar e tempo nenhum tem sido fácil a vida humana porque tem sido em toda parte e sempre vida em cultura Pois cultura é simultaneamente desalienação e alienação mediação e encobertura emancipadora e condicionante Tal ambivalência do ambiente cultural no qual o homem se encontra cria tensões externas entre o homem e seu ambiente e internas no interior da sua consciência dificilmente suportáveis Por isso procuravam os homens em toda parte e sempre escapar a tal tensão e embriagarse Inventavammeios entorpecentes Tais meios são característicos da existência humana o homem não é apenas ente que produz instrumentos mas também ente que produz instrumentos para escapar à tensão produzida nele pelos seus instrumentos A ambivalência característica da relação homemcultura caracteriza também os entorpecentes que dela resultam Do ponto de vista da cultura são eles venenos do ponto de vista de quem os usa são salvavidas O termodroga exprime tal ambivalência significa veneno e medicina As drogas resultado que são da tensão entre o homem e sua culturaespelham a cultura específica da qual visam escapar Os opiatos do Oriente Extremo espelham a experiência religios de tais culturas visam proporcionar iluminação negativa O álcool espelha de alguma forma a nossa cultura e ohachich a islâmica e isso explicaria por que o lslã proíbe álcool e tolera hachich ao contrário do que acontece conosco Casolimite é exemplificado pela cultura mexicana Tratase aparentemente de cultura que tem o entorpecente portanto o escape de si própria por meta Cultura que procura negarse a si própria pelos cogumelos Na nossa situação atual na qual a tensão entre nós e a nossa cultura vai se tornando insuportável isso explicaria o fascínio exercido pela cultura mexicana Dada sua ambivalência a posição ontológica da droga é escorregadiça É ela meio para superar a mediação cultural e alcançar a vivência imediata A droga é mediação do imediato O inebriado alcança graças ao álcool ao hachich ao LSD a experiência imediata do concreto vedada ao sóbri pela barreira da cultura Alcança graças a tais meios a unio mystica pela qual se dissolve no concreto Mergulha graças a tais artifícios no inefável Devido a tal viscosidade ontológica d droga o espetáculo do inebriado é nauseabundo aos olhos do sóbrio e seu êxtase provoca no sóbrio repulsa Porque o sóbrio reconhece no inebriado a contorção de mediação que visa superar todas as mediações e destarte reconhece no inebriado as contorções de toda existência humana inclusive a sua O espetáculo do inebriado é nauseabundo porque todos nos reconhecemos nele Por certo toda consideração da embriaguez evoca a questão da loucura e da arte A primeira será aqui recalcada e vibrará sotto voce Quanto à segunda será considerada um pouco mais tarde O que urge considerar antes de mais nada é posição central que o problema da droga vai ocupando na cena da atualidade Posição essa jamais ocupada anteriormente Aparentemente o uso da droga é sintoma da modificação profunda pela qual estamos passando É sintoma em dois sentidos enquanto problema e enquanto discussão em torno do problema Enquanto discussão eis como a droga se apresenta Todos formaram opinião a respeito embora poucos disponham de informação suficiente para tanto Os bem pensantes condenam o uso da droga por ser ele nocivo a saúde entendase integração na ordem estabelecida Os progressistas desprezam tal atitude reacionária e admitem que a droga pode proporcionar vivências novas e incentivar a fantasia Os bem informados os que leram publicações de divulgação paracientífica a respeito discutem a diferença entre drogas duras e moles Os homens políticos procuram tirar proveito da discussão para as suas finalidades Os especialistas condescendem a iluminar a massa ignara Os institutos de publimetria publicam estatísticas periódicas sobre o consumo da droga e sobre as oscilações da opinião pública a respeito Os media personalizam o problema de maneira sensacionalista E com total desprezo a tudo isso as drogas vão sendo produzidas distribuídas e consumidas conforme programa implícito na nossa cultura A discussão fornece pois exemplo da atual superação da política o programa torna redundante a conscientização do problema como o faz em outros campos haja vista o problema da energia atômica ou o ecológico Enquanto problema em si a questão é esta até que ponto está a embriaguez no programa atual dos aparelhos e como está ela programada O que é o método mais funcional que os aparelhos nos programem em estado sóbrio ou em estado embriagado Os aparelhos dispõem desde já de drogas que superam de longe em eficiência as atualmente em uso e as discutidas Com efeito embora tais drogas supereficientes sejam conhecidas de muitos não são publicamente discutidas Tratase por exemplo de produtos químicos a serem injetados no sistema da distribuição da água e que garantem comportamento específico da sociedade Ou de métodos técnicos que permitem aosmediai de programarem os receptores subliminarmente Ou de pílulas que acentuam ou atenuam as tendências dos superdotados dos criminosos dos rebeldes ou dos esportistas Perspectivas inimagináveis para a programação da sociedade estão desde já abertas A vantagem de tal programação em estado embriagado é o funcionamento sem atritos A vantagem de programação em estado sóbrio por manipulações ideológicas ou outras é o funcionamento menos mecânico e mais maleável Na fase atual os aparelhos passam por estágio de aprendizado graças ao qual aprendem automaticamente qual dos dois métodos de programação é preferível em determinados casos A aprendizagem se dá pelo feedback que nosso comportamento fornece aos aparelhos O problema da droga vai sendo incorporado ao programa automaticamente Em todo caso os aparelhos funcionam em sentido da despolitização da sociedade Despolitiza objetivamente ao conscientizarem a sociedade da futilidade de toda ação política e despolitizam subjetivameme ao entorpecerem a faculdade crítica da sociedade Tais funções da despolitização agem como tenazes alicates que esmagam a dimensão política da existência humana O problema da droga se situa do lado subjetivo da função dos aparelhos Tratase de mais um método para entorpecer a consciência política Os aparelhos despolitizam ao ocuparem o espaço público todo Privatizam a república ao deformarem toda ação em funcionamento As drogas no entanto despolitizam de forma diferente As pessoas drogadas se recusam a participar do espaço público e retiramse para o espaço privado Tomar droga é gesto que afasta de si a república que a rejeita Não gesto apolítico como o é o do funcionamento é gestoantipolítico O drogado não apenas não participa das eleições vota contra O gesto do drogado não é gesto de jogador que não mais brinca é gesto de jogador que perfura o jogo Por isso a droga é problema para os a parelhos Os drogados emigram da praça pública não para funcionarem nos aparelhos mas para se retirarem O problema é como recuperálos pelos aparelhos Há mais grave ainda O gesto do drogado embora negador da república é publicamente observável gesto de protesto Nisso se assemelha ao gesto suicida aponta publicamente o além não apenas o além da república mas igualmente o além dos aparelhos É escândalo público demonstra a possibilidade de os aparelhos serem transcendidos Urge portanto do ponto de vista aparelhístico que a droga seja programada e transformada em função dos aparelhos Como se trata de problema técnico os aparelhos são aptos a resolvêlo O problema se torna mais complexo no entanto quando se trata da droga específica chamada arte Não há dúvida de que se trata de droga De meio para proporcionar experiência imediata D instrumento para escapar à ambivalência insuportável da mediação cultural e de emigrar para um reino melhor conforme diz Schubert no Lied An die Musik que canta a arte A viscosidad ontológica que caracteriza toda droga caracteriza a arte Isso se torna patente se considerarmos os termos artificialartístico e artimanhaobra de arte Mas há na arte aspecto que falta nas demais drogas A arte depois de ter mediado entre o homem e a experiência imediata inverte tal mediação e faz com que o imediato seja articulado isto é mediatizado em direção da cultura A arte torna dizível o inefável e audível o inaudito Nela o recuo da cultura vira avanço rumo à cultura Artista é inebriado que emigra da cultura para reinvadiIa Recuperar tal gesto não é tarefa fácil para o aparelhos Porque tal gesto é indispensável aos aparelhos Tratase nele de movimento que se dirige para o além do espaço público rumo ao privado e que agarra um pedaço do espaço privado uma experiência imediata para lançálo sobre o espaço público em forma codificada Tal gesto é interpretável de várias maneiras Como gesto que apanha ruído e o transforma em informação interpretação aparelhística esta Ou como gesto que transforma experiência em modelo Ou como gesto de sonhador que transforma fantasma e símbolo Mas não importa como queiramos interpretar o gesto tratase sempre de gesto graças ao qual a cultura entra em contato com a experiência imediata A arte é o órgão sensorial da cultura por intermédio do qual ela sorve o concreto imediato A viscosidade ambivalente da arte está na raiz da viscosidade ambivalente da cultura toda Pois tal análise ontológica apressada da arte não justifica por certo deificação nenhuma do artista Não se trata de criação e x nihilo A arte não é gesto que mergulha no nada para de lá voltar carregado de algo Mergulha no privado e publica o privado E o próprio privado é u algo a saber o público recalcado Não obstante a arte é espécie de magia Ao publicar o privado ao tornar consciente o inconsciente é ela mediação do imediato feito de magia Pois tal viscosidade ontológica não é vivenciada pelo observador do gesto como espetáculo repugnante como o é nas demais drogas mas como beleza E a cultura não pode dispensar de tal magia porque sem tal fonte de informação nova embora ontologicamente suspeita a cultura cairia em entropia Os aparelhos não podem na situação atual simplesmente recuperar o gesto da arte e transformá lo em funcionamento Se entorpecerem tal gesto cairiam em redundância por falta de informação nova Se recuperas sem a arte os aparelhos se condenariam a si próprios funcionariam em ponto morto E os aparelhos estão atualmente aprendendo tal fato e o fazem automaticamente Na medid em que de fato recuperam o gesto artístico estão elescaindo em entropia Acrescese que o gesto artístico não se limita ao terreno rotulado como arte pelos aparelhos Pelo contrário tal gesto mágico ocorre em todos os terrenos na ciência na técnica na economia na filosofia Em todos tais terrenos há os inebriados pela arte isto é os que publicam experiência privada e criam informação nova Não bastaria do ponto de vista aparelhístico simplesmente recuperar a arte assim rotulada se quisessem reprogramar tal gesto Deveriam fazêlo em todos os terrenos do funcionamento O que implicaria em esvaziamento de todo funcionamento Por outro lado o aparelhos não podem tolerar que o gesto mágico continue se processando como se processa O gesto problematiza os aparelhos A razão disso é que o gesto repolitiza Embora sua primeira fase seja antipolítica a sua segunda é eminentemente política Com efeito a rigor tratase do único gesto político eficiente Publicar o privado é o único engajamento na república que efetivamente implica transformação da república porque é o único que a informa Na medida em que pois os aparelhos permitem tal gesto põem eles em perigo sua função despolitizadora Não se vê atualmente como os aparelhos vão resolver o problema Se optarão pela sua própri redundância ou pela possibilidade sempre presente de serem eles próprios recuperados pela abertura do homem rumo ao imediatamente concreto E nessa indecisão da situação atual reside a tênue esperança de podermos em futuro imprevisível e por catástrofe imprevisível retomar em mãos os aparelhos Gilles Deleuze Gilles Deleuze O q O que é o ato d ue é o ato de cr e criação iação O que é o ato de criação O que é o ato de criação 172 172 Gilles Deleuze 19251995 Gilles Deleuze 19251995 Tradução oão Gabriel Alves Domingos A ciência e a filosofia não são menos criativas do que a arte porém certamente as suas criações não são análogas Além disso elas podem se comunicar entre si apenas a partir do seu próprio ato criativo Ou seja não cabe à filosofia tirar o seu objeto do exterior e ao modo de um julgamento pensar sobre a arte afinal se artistas já pensam por si por que precisariam de um filósofo A filosofia só teria algo a dizer à arte mediante seus próprios conceitos produzidos de forma autônoma Tratase não somente de problematizar a relação vertical entre os diferentes domínios do pensamento assim como entre quaisquer procedimentos criativos Como conceitos filosóficos encontra blocos de sensação E como o cinema encontra a literatura Como é possível o encontro entre Kurosawa e Dostoiévski Até então inédito em português em sua versão integral o presente texto é uma transcrição da apresentação oral feita por Gilles Deleuze 19251995 em 1987 poucos anos antes da publicação de seu livro O que é a Filosofia escrito em colaboração com Félix Guattari A preocupação no livro e na conferência era marcar a especificidade de cada domínio do pensamento filosofia ciência e arte e as suas possibilidades de encontro Temas Temas transdisciplinaridade política cinema 172 Domingos DELEUZE G Questce que lacte de création Deux Régimes de Fous Textes et Entretiens 19751995 Org David Lapoujade Paris Éditions de Minuit 2003 p 291302 Questce que lacte de création in Deux régimes de fou 2003 Les Editions de Minuit O que é o ato de cr O que é o ato de criação iação 173 173 Gostaria também de colocar questões Colocálas a vocês e colocálas a mim Seria do gênero o que vocês fazem exatamente vocês que fazem cinema E eu o que faço exatamente quando faço ou espero fazer filosofia Poderia colocar a questão de outro modo o que é ter uma ideia em cinema Se fazemos o queremos fazer cinema o que significa ter uma ideia O que ocorre quando dizemos Pronto E tenho uma ideia Porque por um lado todo mundo sabe bem que ter uma ideia é um acontecimento que ocorre raramente é uma espécie de festa pouco comum E por outro lado ter uma ideia não é uma coisa geral Não se tem uma ideia em geral Uma ideia assim como quem tem a ideia já é voltada para um domínio específico Ou uma ideia em pintura ou uma ideia em romance ou uma ideia em filosofia ou uma ideia em ciência E evidentemente não é o mesmo que pode ter tudo isso É necessário tratar as ideias como potenciais já engajados em um modo de expressão peculiar e inseparável desse modo de expressão ainda que não possa dizer eu tenho uma ideia em geral E função das técnicas que conheço posso ter uma ideia em tal domínio uma ideia em cinema ou talvez em outro uma ideia em filosofia Portanto eu parto do princípio segundo o qual faço filosofia e vocês fazem cinema Dito isso seria muito fácil dizer que a filosofia estando pronta para refletir sobre qualquer coisa por que não refletiria sobre o cinema É estúpido A filosofia não é feita para refletir sobre qualquer coisa Tratando a filosofia como uma potência de refletir sobre temse o ar de lhe dar muito quando na verdade tiralhe tudo Pois ninguém tem necessidade da filosofia para refletir As únicas pessoas capazes de refletir efetivamente sobre o cinema são os cineastas os críticos de cinema ou aqueles que amam cinema Eles não têm absolutamente necessidade da filosofia para refletir sobre o cinema A ideia segundo a qual os matemáticos teriam necessidade da filosofia para refletir sobre as matemáticas é uma ideia cômica Se a filosofia deveria servir para refletir sobre algo ela não teria nenhuma razão de existir Se a filosofia existe é porque ela tem seu próprio conteúdo É muito simples a filosofia é uma disciplina criativa tão inventiva quanto qualquer outra disciplina e consiste em criar ou em inventar conceitos E os conceitos não existem em uma espécie de céu onde eles aguardariam que um filósofo os apreendesse Os conceitos é necessário fabricá los É claro isso não se fabrica assim Não se diz um dia Pronto eu vou inventar tal conceito d mesmo modo como um pintor não diz um dia Certo vou fazer um quadro assim ou um cineasta Eu vou fazer um filme de tal modo É necessário que haja uma necessidade tanto em filosofi quanto em outros domínios do contrário não há absolutamente nada Resta que essa necessidade que quando existe é uma coisa muito complexa faz com que um filósofo aqui eu sei ao menos do que ele se ocupa se comprometa a inventar a criar conceitos e não se ocupar em refletir mesmo se for sobre o cinema Digo que faço filosofia ou seja tento inventar conceitos Se digo vocês que fazem cinema o que vocês fazem Vocês o que vocês inventam não são conceitos não é o seu negócio mas blocos de movimentoduração Se alguém fabrica um bloco de movimentoduração talvez faça cinema Não se trata de invocar uma história ou de a recusar Tudo tem uma história A filosofia também conta histórias Ela conta histórias com conceitos O cinema conta histórias com blocos de movimento duração A pintura inventa um outro tipo de blocos Não são nem blocos de conceitos nem blocos de movimentoduração mas blocos de linhascores A música inventa outro tipo particular de blocos Ao lado de todas elas a ciência não é menos criativa Não vejo uma oposição entre as ciências e a artes Se pergunto a um cientista o que ele faz ele também inventa Ele não descobre a descobert existe mas não é o que define a atividade científica enquanto tal ao contrário ele cria tanto quanto um artista Um cientista não é complicado é alguém que inventa ou que cria funções E não há outro como ele Um cientista enquanto tal não tem nada a fazer com conceitos Por isso mesmo felizmente é que há a filosofia Em contrapartida há algo que só um cientista sabe fazer inventar e criar funções O que é uma função Há função desde que se estabeleça uma lei de correspondência entre dois conjuntos pelo menos A noção de base da ciência e não desde ontem mas desde muitíssimo tempo é a de conjuntos Um conjunto não tem nada a ver com um conceito Desde que você coloquem conjuntos sob correlação ordenada vocês obtêm funções e podem dizer eu faço ciência Se qualquer um pode falar a qualquer um se um cineasta pode falar para um homem de ciência se um homem de ciência pode ter algo a dizer para um filósofo e viceversa é em função da atividade criativa própria a cada um Não que seja possível falar da criação pois ela é muito mais algo extremamente solitário mas é em nome de minha criação que tenho algo a dizer para alguém Se alinho todas as disciplinas que se definem por sua atividade criativa diria que há um limite que lhes é comum O limite que é comum a todas essas séries de invenções invenções de funções invenções de blocos duraçãomovimento invenções de conceitos etc é o espaçotempo Se todas as disciplinas comunicam em conjunto é no nível de algo que não decorre jamais por si mesma mas é inerente em toda disciplina criativa a saber a constituição de espaçostempo Em Bresson sabese muito bem há raramente espaços inteiros São espaços diríamos desconectados Por exemplo há um canto o canto de um quarto Depois veremos outro canto ou u local da parede Tudo se passa como se o espaço bressoniano se apresentasse como uma série de pequenos pedaços cuja conexão não é predeterminada Há grandes cineastas que ao contrário empregam espaços de conjunto Não digo que seja mais fácil manejar um espaço de conjunto Ma Bresson foi um dos primeiros a fazer o espaço com pequenos pedaços desconectados ou seja pequenos pedaços cuja conexão não é predeterminada E eu diria no limite de todas as tentativas de criação há espaçostempo Há isso apenas Os blocos de duraçãomovimentos de Bresson vã tender ao tipo de espaço entre outros Então a questão é esses pequenos pedaços de espaços visuais cuja conexão não é dada de antemão pelo que são conectados Pela mão Não é teoria nem filosofia Não se deduz assim O seja o tipo de espaços de Bresson é a valorização cinematográfica da mão na imagem O acordo de pequenos pedaços de espaço bressoniano pelo fato mesmo de serem pedaços fragmentos desconectados de espaço pode ser apenas um acordo manual Por isso a exaustão da mão em todo o cinema de Bresson Por isso o bloco de extensãomovimento de Bresson recebe portanto com caráter próprio a esse criador a esse espaço o papel da mão que sai diretamente de lá Não há mais que a mão que possa efetivamente operar conexões de uma parte à outra do espaço E Bresson é se dúvida o maior cineasta a ter reintroduzido no cinema os valores táteis Não apenas porque ele sabia tomar em imagem admiravelmente as mãos Se ele sabia tomar admiravelmente as mãos na imagem é porque tinha necessidade delas Um criador não é um ser que trabalha por prazer Um criador faz apenas o que ele tem absoluta necessidade de fazer Novamente ter uma ideia em cinema não é a mesma coisa que ter uma ideia alhures Entretanto há ideias em cinema que poderiam valer também em outras disciplinas que poderiam ser excelentes ideias em romance Mas elas não teriam inteiramente o mesmo aspecto E depois há ideias e cinema que só podem ser cinematográficas Isso não impede ainda quando se trata de ideias em cinema que poderiam valer no romance que elas já estejam engajadas em um processo cinematográfico que faz com que elas estejam de antemão direcionadas É uma maneira de colocar uma questão que me interessa o que faz um cineasta desejar verdadeiramente adaptar por exemplo um romance Pareceme evidente que é porque ele tem ideias em cinema que ressoam com o que o romance apresenta como ideias em romance E aí se fazem frequentemente grandes encontros Eu não coloco o problema do cineasta que adapta um romance notoriamente medíocre Ele pode ter necessidade do romance medíocre e isso não impede que o filme seja genial seria um problema interessante de tratar Porém coloco uma questão um pouco diferente o que se passa quando o romance é um grande romance e que se revela essa afinidade pela qual alguém temem cinema uma ideia que corresponde ao que era ideia em romance Um dos mais belos casos é o caso Kurosawa Por que Kurosawa se encontra em familiaridad com Shakespeare e com Dostoiéviski Por que é necessário um japonês para estar em familiaridad com um Shakespeare ou Dostoiéviski Proponho uma resposta que diz respeito também um pouco filosofia eu creio De onde os personagens de Dostoiévski isso pode ser um pequeno detalhe Co os personagens de Dostoiévski se passa frequentemente uma coisa bastante curiosa que pode estar contida em um pequeno detalhe Geralmente eles são muito agitados Um personagem sai desce a ru e diz Tânia a mulher que amo pediume ajuda Eu vou Tânia vai morrer se eu não for até lá El desce sua escada e encontra um amigo ou ele vê um cachorro esmagado quase morrendo então ele esquece esquece completamente que Tânia o espera Ele se põe a falar cruza outro camarada vai tomar um chá com ele e de súbito ele diz de novo Tânia me espera preciso ir O que isso que dizer Em Dostoiévski os personagens são perpetuamente pegos em urgência Mas ao mesmo temp que são pegos nessas urgências que são questões de vida e de morte eles sabem que há uma questão ainda mais urgente e eles não sabem qual Isso os paralisa Tudo se passa como na pior urgência há o fogo é necessário que eu vá eles se dizem não há algo mais urgente Não me moverei enquanto não souber o quê É o Idiota É a fórmula do Idiota Vocês sabem há um problema mai profundo Qual problema eu não vejo bem Mas me deixe Tudo pode queimar É necessário encontrar o problema mais profundo Não é por Dostoiévski que Kurosawa o aprende Todos o personagens de Kurosawa são assim Um encontro um belo encontro Se Kurosawa pode adapta Dostoiévski é ao menos porque ele pode dizer eu tenho algo em comum com ele um problema e comum aquele problema Os personagens de Kurosawa são pegos em situações impossíveis mas atenção há algo mais urgente É preciso que eles saibam qual é o problema Viver é talvez um dos filmes de Kurosawa que vai mais longe nesse sentido Mas todos os seus filmes vão nessa direção Os sete samurais por exemplo todo o espaço de Kurosawa depende dele forçosamente um espaço oval coberto pela chuva Em Os sete samurais os personagens são pegos em uma situação de urgência eles aceitaram defender a vila e de um extremo ao outro do filme eles trabalham uma questão mais profunda que será dita no fim pelo chefe dos samurais quando eles se vão O que um samurai O que é um samurai não em geral mas o que é um samurai naquela época Alguém que á não é bom para nada Os senhores não tem mais necessidade deles e os camponeses vão em breve defenderse sozinhos Durante todo o filme a despeito da urgência da situação os samurais são assombrados por esta questão digna de O Idiota nós os samurais o que nós somos Uma ideia em cinema é desse tipo uma vez que ela já está engajada em um processo cinematográfico Portanto vocês me dirão Eu tenho uma ideia mesmo se vocês a tomassem de Dostoiévski Uma ideia é muito simples Não é um conceito não é da filosofia Ainda que de toda ideia podese talvez tirar um conceito Penso em Minnelli que tem uma ideia extraordinária sobre o sonho Ela é muito simples podese dizer e ela está engajada em todo um processo cinematográfico que é a obra de Minnelli A grande ideia de Minnelli sobre o sonho é que ele diz respeito sobretudo àqueles que não sonham O sonho daqueles que sonham concerne àqueles que não sonham Por que isso o concerne Porque desde que há sonho do outro há perigo O sonho é uma terrível vontade de potência Cada um de nós é mais ou menos vítima do sonho dos outros Mesmo quando é a mai graciosa jovem é uma terrível devoradora não pela sua alma mas pelos seus sonhos Desconfie do sonho do outro porque se vocês são pegos no sonho do outro vocês estão perdidos Uma ideia cinematográfica é a famosa dissociação verfalar em um cinema relativamente recente seja tomo os casos mais comuns Syberberg os Straub ou Marguerite Duras O que há de comu e como a dissociação entre ver e falar é uma ideia propriamente cinematográfica Por que isso não pode se fazer no teatro Isso pode se fazer mas aplicado aí salvo exceção a menos que o teatro tenha os meios de o fazer poderá dizer que o teatro tomou a ideia do cinema O que não é necessariamente ruim mas é uma ideia de tal modo cinematográfica assumir a disjunção do ver e do falar do visual e sonoro que isso responderia à questão de saber o que é por exemplo uma ideia em cinema Uma voz fala de algo Falamnos de algo Ao mesmo tempo fazemnos ver outra coisa E enfim isso sobre o que nos falam se passa sob o que nos fazem ver É muito importante isso esse terceiro ponto Vocês percebem bem como é nesse instante que o teatro não poderia sobreviver O teatro poderia assumir as duas primeiras proposições falamnos de algo e fazemnos ver outra coisa Mas do que nos falam simultaneamente se coloca sob o que nos fazem ver e é necessário ao menos as duas primeiras operações do contrário elas não teriam nenhum sentido nem o menor interesse poderseia dizer de um outro modo a palavra elevase no ar a palavra elevase no ar ao mesmo tempo a terra que a gente vê se afunda mais e mais Ou ainda enquanto a palavra se eleva no ar isso sobre o que ela nos fala afunda na terra O que é isso Não é apenas o cinema que pode fazêlo Não digo que ele deva fazer mas que ele o fez duas ou três vezes posso dizer simplesmente que são grandes cineastas que tiveram essa ideia Eis uma ideia cinematográfica É prodigiosa porque garante no cinema uma verdadeir transformação de elementos um ciclo dos grandes elementos que faz com que de um só golpe o cinema ecoe uma física qualitativa dos elementos Produzse uma espécie de transformação uma grande circulação dos elementos no cinema a partir do ar da terra da água e do fogo Em tudo o que digo ademais não se suprime uma história A história está sempre lá mas o que nos interessa é por que a história é de tal modo interessante senão porque há tudo isso atrás e junto Nesse ciclo que acabo de definir tão rapidamente a voz que se eleva ao mesmo tempo que aquilo sobre o que a voz fala se afunda na terra vocês reconheceram a maior parte dos filmes de Straub o grande ciclo dos elementos nos Straub O que a gente vê é unicamente a terra deserta mas essa terra deserta é como uma cobertura sobre o que há embaixo E vocês me dirão mas o que há embaixo dela o que nós sabemos justamente aquilo sobre o que a voz nos fala Como se a terra se molhasse do que voz nos diz e que acaba de surgir sob a terra em sua hora e em seu lugar E se a terra e se a voz nos fala de cadáveres de toda a linhagem de cadáveres que acaba de surgir sob a terra nesse momento a menor passagem do vento sobre a terra deserta sobre o espaço vazio que vocês têm na frente dos olhos o menor buraco nessa terra pode assumir um sentido Em todo caso ter uma ideia não é da ordem da comunicação Nesse ponto é que gostaria de chegar Tudo sobre o que temos falado é irredutível à qualquer comunicação Não é complexo O que isso quer dizer Em um primeiro sentido poderseia dizer que a comunicação é a transmissão e a propagação de um informação Ora uma informação o que é Não é complicado todo mundo sabe uma informação é um conjunto de palavras de ordem Quando alguém lhes informa alguém lhes diz o que vocês supostamente devem crer Em outros termos informar é fazer circular uma palavra de ordem As declarações da polícia são ditas com justo título comunicados Alguém nos comunica uma informação ou seja alguém nos diz o que nós supostamente estamos em estado ou dever de crer o que nós temos de crer Ou mesmo não crer mas fazer como se acreditássemos Ninguém nos obriga a crer mas sim a nos comportar como se acreditássemos É isso a informação a comunicação e sem essas palavras de ordem e sua transmissão não há comunicação O que importa a informação é exatamente o sistema de controle É evidente e nos diz respeito atualmente em particular É verdade que entramos em uma sociedade que se pode chamar uma sociedade de controle U pensador como Michel Foucault analisava dois tipos de sociedades bastante próximas de nós As que ele chamava de sociedades de soberania e outras que chamava de sociedades disciplinares Foucaul identificava a passagem típica de uma sociedade de soberania para uma sociedade disciplinar com Napoleão A sociedade disciplinar se definia as suas análises são justamente célebres pela constituição de meios de enclausuramento prisões escolas ateliês hospitais As sociedades disciplinares tinham necessidade disso Mas isso engendrou um pouco ambiguidades com certos leitores de Foucault porque se acreditou que era o último pensamento de Foucault Evidentement não Foucault jamais acreditou e ele disse muito claramente que essas sociedades disciplinares fossem eternas Bem mais ele pensava evidentemente que entraríamos em um tipo de sociedade nova Claro há todos os tipos de restos das sociedades disciplinares e haverá por vários anos mas sabemos já que estamos em sociedades de outro tipo que precisaríamos chamar segundo a palavra proposta por Burroughs e Foucault teve uma vivíssima admiração por ele de controle Entramos nas sociedades de controle que se definem muito diferentemente das sociedade disciplinares Aqueles que trabalham para o nosso bem não têm necessidade ou não terão mais necessidade de um meio de enclausuramento Atualmente as prisões as escolas os hospitais já são lugares em discussões permanentes Não é melhor cuidar nos domicílios Sim é sem dúvida o futuro Os ateliês as usinas estão se arruinando por todos os lados Não é melhor os regimes de contrato e mesmo de trabalho em domicílio Não há outros meios de punir as pessoas além da prisão As sociedades de controle não passaram pelos meios de enclausuramento Mesmo a escola Mesmo a escola é necessário bem vigiar os temas que nascem que se desenvolverão nos próximos quarenta ou cinquenta anos e que nos mostram que o incrível seria fazer simultaneamente escola e profissão Interessante saber qual será a identidade da escola e da profissão na formação permanente que é nosso futuro não implicará necessariamente o agrupamento dos estudantes em um meio de enclausuramento Um controle não é uma disciplina Com uma rodovia vocês não enclausuram a pessoas mas fazendo rodovias vocês multiplicam os meios de controle Eu não digo que isso seja a finalidade única da rodovia mas as pessoas podem girar ao infinito e livremente sem ser enclausuradas de nenhum modo tudo perfeitamente controlado É esse o nosso futuro Coloquemos assim a informação é o sistema de controle das palavras de ordem palavras de ordem que circulam em uma sociedade dada O que a obra de arte pode ter a ver com isso Não falamos da obra de arte falamos ao menos que há a contrainformação Há países nos quais e condições particularmente duras e cruéis há contrainformação No tempo de Hitler os judeus que chegavam da Alemanha eram os primeiros a nos contar que havia campos de exterminação fazendo contrainformação O que é necessário constatar é que jamais a contrainformação bastava para fazer o que quer que fosse Nenhuma contrainformação jamais incomodou Hitler Salvo em um caso Qual o caso Aí está o importante A única resposta seria a contrainformação se torna efetivamente eficaz quando ela é e ela é assim por natureza ou tornase um ato de resistência E o ato de resistência não é informação nem contrainformação A contrainformação só é efetiva quando ela se torna um ato de resistência Qual é a relação da obra de arte com a comunicação Nenhuma Nenhuma a obra de arte não um instrumento de comunicação A obra de arte não tem nada a ver com a comunicação A obra de arte não contém estritamente a menor informação Em contrapartida há uma afinidade fundamental entre a obra de arte e o ato de resistência Visto desse modo sim ela tem algo a fazer com a informação e a comunicação à título de resistência Qual é a relação misteriosa entre uma obra de arte e um ato de resistência já que os homens que resistem não têm tempo e por vezes nem mesmo a cultura necessária para ter qualquer relação com a arte Não sei Malraux desenvolve um conceito filosófico diz uma coisa muito simples sobre a arte ela é a única coisa que resiste à morte Voltemos ao começo o que se faz quando se faz filosofia Inventase conceitos Acho que é a base de um belo conceito filosófico Reflita O que resiste à morte Basta ver uma estátua de três mi anos antes de nossa era para achar que a resposta de Malraux é uma boa resposta Então sob nosso ponto de vista poderseia dizer a arte é o que resiste ainda que não seja a única coisa que resiste Por isso a relação tão estreita entre o ato de resistência e a obra de arte Nem todo ato de resistênci é uma obra de arte ainda que de certo modo ele seja Nem toda obra de arte é um ato de resistência e entretanto de certo modo ela é Peguem o caso por exemplo dos Straub quando eles operam essa disjunção voz sonora e imagem visual Eles a elaboram da seguinte maneira a voz se eleva ela se eleva se eleva e isso sobre o qual ela nos fala passa sob a terra nua deserta como se a imagem visual estivesse prestes a se mostrar imagem visual que não tinha nenhuma relação direta com a imagem sonora Ora qual ato de fala que se eleva no ar enquanto o seu objeto passa sob a terra Resistência Ato de resistência E em toda a obra de Straub o ato de fala é um ato de resistência De Moïse ao último Kafka passando pelo não cito na ordem Não reconciliados ou Bach O ato de fala de Bach é sua música que é o ato de resistência luta ativa contra a repartição do profano e do sagrado E esse ato de resistência na música culmina em um grito Tal qual há um grito emWozzeck há um grito em Bach Fora Fora Vá embora eu não quero vêlo Quando os Straub desenvolvem o grito o grito d Bach ou quando eles desenvolvem o grito da velha esquizofrênica de Não reconciliados tudo isso deve levar em conta um duplo aspecto O ato de resistência tem duas faces É humano e é também o ato da arte Apenas o ato de resistência resiste à morte seja sob a forma de uma obra de arte seja sob a forma de uma luta dos homens Qual relação há entre a luta dos homens e a obra de arte A relação mais estreita e para mim a mais misteriosa Exatamente o que Paul Klee queria dizer quando ele dizia Vocês sabem o povo que falta O povo que falta e simultaneamente que não falta O povo que falta isso quer dizer que essa afinidade fundamental entre a obra de arte e um povo que não existe ainda não é e não será amais clara Não há obra de arte que não faça apelo a um povo que não existe ainda 173 O presente texto é a retranscrição da conferência filmada pronunciada na FEMIS em 17 de março de 1987 sob o convite de Jea Narboni e exibida em FR3Océaniques em 18 de maio de 1989 Charles Tesson em acordo com Deleuze efetuou a transcrição parcia do texto publicado sob o título Ter uma ideia em cinema na ocasião de homenagem ao cinema de JeanMarie Straub e Danièle Huille JeanMarie Straub Danièle Huillet Aigremont Éditions Antigone 1989 p 6377 A versão integral da conferência foi publicada pel primeira vez em Trafic n27 outono de 1998 Copyright da organização 2012 Rodrigo Duarte e João Gabriel Alves Domingos Copyright 2012 Autêntica Editora coordenador da coleção filô Gilson Iannini conselho editorial Gilson Iannini UFOP Barbara Cassin Paris Cláudio Oliveira UFF Danilo Marcondes PU Rio Ernani Chaves UFPA Guilherme Castelo Branco UFRJ João Carlos Sall es UFBA Monique DavidMénard Paris Olímpio Pimenta UFOP Pedro Süssekind UFF Rogério Lop UFMG Rodrigo Duarte UFMG Romero Alves Freitas UFOP Slavoj Žižek Liubliana Vladimir Safatle USP coordenação editorial e textos de apresentação João Gabriel Alves Domingos projeto gráfico de capa e miolo Diogo Droschi editoração eletrônica Conrado Esteves Tamara Lacerda revisão Dila Bragança de Mendonça editora responsável Rejane Dias Revisado conforme o Acordo 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