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25 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 CULTURA ESTÉTICA EM FRIEDRICH SCHILLER AESTHETIC CULTURE IN FRIEDRICH SCHILLER Selmy Menezes de Sousa1 Resumo As cartas sobre A educação estética do homem 1795 para além de um tratado estético são também um manifesto político essa é a perspectiva que direciona e justifica este trabalho Logo nas primeiras cartas Schiller deixa claro que a pesquisa dedicada ao Belo e à Arte se relaciona intimamente com os problemas da felicidade e da política afirma com todas as letras que o caminho trilhado através do problema estético conduz à resolução prática do problema político A partir da análise dos principais elementos que compõem a reflexão expressa na obra destacada pretendese demonstrar que o ponto de partida e chegada da filosofia schilleriana é a sociabilidade entre os homens Palavraschave Schiller Estética Política Abstract The Letters on the Aesthetic Education of Man 1795 besides an aesthetic treatment are also a political manifest this is the perspective that directs and justifies this work In the first letters Schiller makes clear the research is applied to Beauty and Art it is intimately related to the problems of happiness and politics affirms in all letters that the path traveled through the aesthetic problem led to the practical resolution of the political problem From the analysis of the main elements that make up the philosophy expressed in an outstanding work it is intended to affirm that the Schillerian thought is circular His starting point and the entrance is a sociability among men Keywords Schiller Aesthetics Policy O cenário é O Terror2 em nome da razão e da justiça milhares de pessoas são guilhotinadas à luz do dia e mortas de piores formas nas escuras noites da suja Paris é 1793 e Schiller estarrecido assiste aos excessos e horrores que das terras vizinhas se espalham por toda a Europa É neste interim no período de ressaca da Revolução Francesa3 que Schiller já fortemente reconhecido como poeta e dramaturgo4 redige a 1 Mestrado em andamento pelo PPG em Filosofia da Universidade Estadual Paulista UNESP FFC Bacharel e Licenciatura em Filosofia pela mesma universidade Endereço eletrônico menezesselmyoutlookcom 2 Período do Terror O Terror ou Período dos Jacobinos é o período compreendido entre 5 de setembro de 1793 marcado pela queda dos girondinos e 27 de julho de 1794 marcado pela prisão de Robespierre exlíder dos jacobinos na França Durante esse tempo as garantias civis foram suspensas e o governo revolucionário do partido jacobino perseguiu e matou milhares de pessoas consideradas como adversários políticos No final de julho de 1794 Robespierre e vários outros jacobinos são presos e posteriormente executados à guilhotina 3 Compreende o período entre a década de 1790 e meados do século XIX httpsdoiorg1036311198489002018v10n2503p22 26 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 obra que o marcará na História como respeitável pensador para além de grande artista O conjunto de cartas dedicadas ao Príncipe de Augustenburg publicadas em 1795 dois anos depois de redigidas sob o título de A educação estética do homem é na letra e no espírito uma denúncia da tirania que sofre o homem moderno em prol de uma suposta liberdade Ao longo de 27 cartas Schiller faz um diagnóstico da cultura ocidental compreende que ela sofre porque uma razão tirânica se apossou de cada esfera da existência fragmentando a vida de tal maneira que até o próprio ser humano outrora inteiro tornouse parte Existindo como fragmento impelido pela estrutura social a dedicarse apenas a uma única função ao invés de formarse no decorrer da vida o homem se deforma só cultiva uma parte de si perde sua unidade e tornase em nome da razão um mostro É o que mostra os anos que se seguiram à Revolução o projeto falhara a guerra não plantou no plano concreto as sementes ideais de Liberdade Igualdade e Fraternidade o homem comum cindido que existe apenas para trabalhar e sobreviver que não desenvolve seus múltiplos talentos não é capaz de sentir dentro de si a humanidade Sobre isso na Carta VI Schiller 1995 p41 escreve Eternamente acorrentado a um pequeno fragmento do todo o homem só pode formarse enquanto fragmento ouvindo eternamente o mesmo ruído monótono da roda que ele aciona não desenvolve a harmonia de seu ser e em lugar de imprimir a humanidade em sua natureza torna se mera reprodução de sua ocupação de sua ciência O poeta assinala claramente que essa fragmentação humana está diretamente ligada à estrutura da sociedade moderna à divisão do trabalho A profissão é alienante coloca o indivíduo numa redoma própria de ignorância que o impele a não se aprimorar de forma integral e por isso escreve Schiller 1995 p43 frequentemente o pensador abstrato tem um coração frio pois desmembra as impressões que só como um todo comovem a alma e o homem de negócios por sua vez tem um coração estreito pois sua imaginação enclausurada no círculo monótono de sua ocupação é incapaz de elevarse à compreensão de um tipo alheio de representação É notável a perspicácia do artista Schiller 1995 p4142 reconhece a nocividade do paradigma da Modernidade enquanto a maioria o tinha como único e mais excelente caminho para o progresso 4 A partir de 1781 com a publicação de Os bandoleiros Schiller se torna conhecido em toda a Alemanha ainda na década de 1780 publica Intriga e Amor 1784 e Dom Carlos obras que lhe renderam uma fama que se estendeu para além das fronteiras nórdicas tornandoo conhecido em toda a Europa 27 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Quando a comunidade torna a profissão medida do homem quando honra num cidadão somente a memória noutro apenas o entendimento tabelar e num terceiro a habilidade mecânica quando aqui exige apenas conhecimento indiferente ao caráter e acolá considera a maior turvação do entendimento compensada pelo espírito de ordem e pelo comportamento legal quando quer ver ao mesmo tempo essas habilidades isoladas exercitadas numa grande intensidade da mesma forma que exime o sujeito de toda extensão pode admirar que as demais disposições da mente sejam preteridas para que os cuidados todos se voltem para uma única que traz honra e recompensa Embora saibamos que o gênio poderoso não faz dos limites de sua profissão os limites de sua atividade é certo que o talento mediano consome no ofício que lhe tenham atribuído toda a parca soma de suas forças e é preciso ser já uma cabeça incomum para conservar suas predileções sem prejuízo de sua profissão Vivendo num sistema que supervaloriza a racionalidade em detrimento da sensibilidade em alguns e em outros o contrário encerrado em sua função social o homem comum não possui nem o tempo nem o incentivo necessário para se formar com plenitude i e desenvolver ao máximo sem constrangimentos seus lados racional e sensível Assim o indivíduo moderno não percebe nem cultiva sua própria totalidade coisa que o torna quase incapaz de compreender a unidade ideal na qual se fundamenta o Estado criase uma enorme distância entre os dois A vida matematizada racionalizada ao extremo vai tornando o ser humano peça de uma entidade mecanizada os homens não entendem mais a sociedade senão de forma fragmentada os que governam desconhecem os governados e criam leis que não contemplam povo algum Nas palavras de Schiller 1995 p 42 Vai se aniquilando assim pouco a pouco a vida concreta individual para que o abstrato do todo prolongue sua existência precária e o Estado continua eternamente estranho a seus cidadãos pois que o sentimento não pode encontrálo em parte alguma Forçada a simplificar a multiplicidade dos homens pela classificação e recebendo a humanidade somente por representações de segunda mão a parte governante acaba por perdêla completamente de vista já que a mistura a um mero produto do entendimento e a parte governada não pode receber senão com frieza as leis que são tão pouco endereçadas a ela 28 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Formada de um lado por intelectuais insensíveis e de outro por benevolentes com turvo entendimento a humanidade5 que já soube andar com graça6 agora manca enquanto marca de sangue o chão Schiller 1995 p35 notou no calor dos acontecimentos os traços mais profundos que o malogro da Revolução imprimiu nos indivíduos O homem retratase em seus atos e que figura é esta que se espelha no drama de nossos dias Aqui selvageria mais além lassidão os dois extremos da decadência humana e os dois unidos em um espaço de tempo Todo avanço não foi suficiente para libertar o ser humano de seus impulsos autodestrutivos por que depois de tudo a humanidade continua imoral e infeliz Porque ainda não está educada responde Schiller O ser humano não chegou num nível de humanidade compatível com essa tarefa de transformar a sociedade que sempre foi gangrenada pela força num Estado moral governado pela razão o homem não está educado O problema então se refere à educação não basta ser um humano é preciso humanizarse Para o ser humano se desenvolver com plenitude é necessário que primeiramente ele se veja com verdade i e por inteiro O que é este ser que precisa formarse Aqui aparece o trilho antropológico que Riedel 2007 afirma perpassar todo o pensamento schilleriano a pergunta acerca do que é o homem A resposta a essa questão que já madura é apresentada na Educação estética do homem 1795 floresceu no início da década de 1780 quando Schiller ainda jovem estudava medicina em Sturttgart na Karlsschule7 No Ensaio sobre a correlação entre a natureza animal do homem e sua natureza espiritual 179080 escrito como trabalho de conclusão de curso Schiller defende a ideia de que só é possível compreender a natureza humana quando se entende a relação de reciprocidade que existe entre alma e corpo através do sistema simpático todo impulso da alma se reflete no corpo e viceversa O ser humano não é um ser puramente espiritual iluminado pela razão nem tampouco apenas um animal escravo das leis naturais O homem não é alma e corpo o homem é a mais íntima mistura entre essas duas substâncias SCHILLER 1873 p 240 itálico nosso O ser humano é um amálgama uma junção profunda entre matéria e espírito uma mistura impossível de ser dissolvida 5 Convém salientar que Schiller quando pensa a humanidade reflete sobretudo sobre a civilização ocidental isso não está exatamente explicitado na letra do texto pois Schiller tem para si que seu interlocutor é de fato a humanidade inteira mas é algo notório 6Esse período de graça na filosofia de Schiller compreende a cultura helênica 7Academia militar fundada em 1770 pelo duque Karl Eugen na cidade de Stuttgart capital do ducado de Wüerttemberg 29 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Essa perspectiva acerca da natureza humana que amadurece significativamente na década de 1790 período em que Schiller se dedica intensamente à filosofia e estuda com esmero os fundamentos da terceira Crítica kantiana8 marca toda a trajetória intelectual do autor quando publica em 1795 as já referidas cartas continua na mesma linha de raciocínio exposta no Ensaio porém de forma mais abstrata refinada e refletida Agora a essência humana é descrita em termos de impulsos há o impulso formal que inclina o homem à razão à permanência e o impulso sensível que o propende às leis materiais à variação9 Fazse claro então a perspectiva schilleriana acerca daquilo que fundamenta a existência humana Assim sabendo que é mista10 entre razão e sensibilidade a natureza do homem a mais íntima mistura entre espírito e matéria retornase ao problema da formação De que maneira o ser humano pode se desenvolver com plenitude sendo ele naturalmente cindido como que filho de dois mundos antagônicos Das ideias que fundamentam a filosofia de Schiller encontrase aqui uma das mais caras o antagonismo no qual a vida humana se baseia pode e deve ser superado Como explica Rosenfeld 1991 p 30 no fundo os dois impulsos não se encontram em oposição absoluta Cabe à cultura resguardar os direitos de cada um dos dois impulsos contra a usurpação do outro A cultura deve harmonizar os dois impulsos da natureza humana seu papel é criar as condições necessárias para que o indivíduo possa se desenvolver ao ponto de compreender e sentir sua integralidade sua humanidade Schiller 1995 p 72 escreve que a cultura tem uma dupla função em primeiro lugar resguardar a sensibilidade das intervenções da liberdade em segundo lugar defender a personalidade contra o poder da sensibilidade A primeira ela realiza pelo cultivo da faculdade sensível a outra pelo cultivo da faculdade racional 8Schiller estuda intensamente a Fundamentação metafísica dos costumes 1785 e a Crítica da faculdade do juízo 1790 de Kant além das obras de Burke e Moritz Baumgarten e Sulzer Winckelmann Lessing e Mendelssohn BARBOSA 2009 p 3031 9 No início de 1794 houve um incêndio no castelo do Príncipe de Augustenburg no qual as cartas escritas por Schiller se perderam O Príncipe pediu a Schiller uma cópia das cartas o que Schiller faria apenas um ano depois Contudo no processo de reescrita das cartas Schiller expande o conteúdo das mesmas em junho e julho de 1794 Schiller retoma seus estudos sobre a filosofia kantiana mas dessa vez com o estímulo e o auxílio de Hamboldt e sobretudo de Fichte Ricardo Barbosa escreve que o intenso convívio com Fichte a visita a suas preleções públicas sobre moral para eruditos tudo isso foi determinante par a versão final da correspondência com o Príncipe de Augustenburg BARBOSA 2009 p 3738 10 sua do homem natureza mista SCHILLER 1995 nota da p103 30 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 No início do raciocínio expresso nestas páginas pensamos as mazelas da sociedade hiperracionalizada na qual sobrevive o homem moderno é justamente contra essa cultura que Schiller indica a possibilidade de uma outra erigida sobre outros princípios mais humanos Essa cultura que possibilitará a plena formação dos indivíduos não deve ser fundamentada no impulso sensível do ser humano e nem em seu impulso racional sobre o que então ela deve construir suas estruturas Schiller 1995 p 29 aponta um caminho Este suporte não se encontra no caráter natural egoísta e violento do homem que visa muito mais à destruição que à conservação da sociedade encontrase tampouco em seu caráter ético que pela pressuposição deve ser primeiro formado e com o qual por ser livre e nunca aparecer o legislador não poderia contar com segurança e no qual não poderia influir Seria preciso separar portanto do caráter físico o arbítrio e do moral a liberdade seria preciso que o primeiro concordasse com leis e o que o segundo dependesse de impressões seria preciso que aquele se afastasse um pouco da matéria e este dela se aproximasse um tanto para engendrar um terceiro caráter aparentado com os outros dois que estabelecesse a passagem do domínio das simples forças para o das leis e que longe de impedir a evolução do caráter moral desse à eticidade invisível o penhor dos sentidos A cultura deve fazer com que a razão se aproxime dos sentidos e os sentidos se aproximem da razão tem de dar forma à matéria e matéria à forma só assim o homem encontrará sua verdadeira liberdade Não é possível que a plena liberdade se encontre forjada em apenas uma das faculdades humanas como na filosofia de Kant por exemplo Na passagem em que Schiller escreve sobre o papel da cultura e em muitas outras notase claramente o quão foi decisiva a leitura das Críticas para a elaboração de sua própria filosofia entretanto reparase também que de maneira geral Schiller incorpora elementos da filosofia kantiana sem com isso tornarse um kantiano Por estas e mais razões é amplamente conhecido o fato de que Schiller escreve com e contra Kant11 11 Concomitantemente à escrita das cartas ao Príncipe de Augustenburg Schiller publica artigos acerca do sublime e se corresponde com seu amigo Körner discutindo nessas epístolas a possibilidade de uma dedução objetiva do juízo de gosto um conceito objetivo do belo essas cartas foram publicadas em 1847 sob o título de Kallias ou Sobre a beleza Na busca por um conceito objetivo do belo Schiller usa o mesmo método utilizado por Kant em sua filosofia moral Schiller compreende o belo como um imperativo como um dever ser Ricardo Barbosa escreve que Assim enquanto nas cartas a Körner sobre o belo e nos artigos sobre o sublime Schiller se ocupa em delimitar conceitualmente a esfera estética a correspondência com o Príncipe parte deste patamar recématingido considerando os nexos entre o estético e a razão prática à luz das exigências não satisfeitas da Revolução Francesa BARBOSA 2009 p 33 Mais à frente no mesmo texto Barbosa sublinha que Como notou Xavier Léon é 31 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Inserido numa cultura racionalista que encontra em Kant seu maior expoente o homem é educado para além de apreciar aprovar sua incompletude Regada por princípios unilaterais a estrutura da sociedade moderna sempre tiraniza um dos lados do homem na maioria das vezes seu lado sensível Quanto a isso numa nota de rodapé da Carta XIII Schiller 1995 p 72 escreve Numa filosofia transcendental em que é decisivo libertar a forma do conteúdo e manter o necessário puro de todo contingente habituamo nos facilmente a pensar o material meramente como um empecilho e a sensibilidade numa contradição necessária com a razão porque ela lhe obstrui o caminho justamente nessa operação Um tal modo de representação não está de forma alguma no espírito do sistema kantiano embora possa estar na letra do mesmo A liberdade não pode ser resultado de uma operação meramente racional pois o homem só é livre quando vivencia sua totalidade a liberdade portanto só pode ser fruto da interação harmoniosa entre os dois impulsos humanos Cada um dos impulsos tem de respeitar seus próprios limites o impulso sensível como esclarece Rosenfeld 1991 p30 deve ser limitado pela personalidade o impulso formal deve ser equilibrado pela receptividade ou pela natureza sensível De acordo com Schiller a eficácia do impulso sensível funda e limita a do impulso formal e isso ocorre de modo recíproco Schiller escreve que a relação de reciprocidade entre os impulsos sensível e formal é uma tarefa da razão que o homem só é capaz de solucionar plenamente quando se encontra na perfeição de sua existência A perfeição da existência humana se realiza na ideia de humanidade na busca eterna pela totalidade infinita12 o que é preciso ser feito para que o indivíduo ascenda a essa ideia A resposta de Schiller 1995 p 7778 é a seguinte Ele não deve empenharse pela forma à custa de sua realidade nem pela realidade à custa da forma deve antes procurar o ser absoluto pelo determinado e o determinado pelo absoluto Deve contraporse um mundo por ser pessoa e ser pessoa por se lhe contrapor um mundo Deve sentir por ser consciente e ser consciente por sentir O homem não pode experimentar a sua concordância com esta Idéia marcante a analogia entre a visão de Schiller e a de Fichte a quaseidentidade de suas expressões pois conceber a beleza como um imperativo significa tornala um ideal entendido nos termos da doutrina da ciência que determina o ideal como uma tarefa a ser realizada BARBOSA 2009 p 39 12 Sobre isso Schiller 1995 p 77 escreve É a Idéia de sua humanidade um infinito portanto do qual o homem pode aproximarse mais e mais no curso do tempo sem jamais alcançálo 32 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 com sua humanidade no sentido mais pleno enquanto satisfaz exclusivamente um destes impulsos ou os dois sucessivamente pois enquanto apenas sente ficalhe oculta a sua pessoa ou sua existência absoluta e enquanto apenas pensa ficalhe oculta a sua existência no tempo ou seu estado Existissem casos em que ele fizesse simultaneamente esta dupla experiência em que fosse consciente de sua liberdade e sentisse a sua existência em que se percebesse como matéria e se conhecesse como espírito nestes casos e só nestes ele teria uma intuição plena de sua humanidade 13 O homem para experimentar a liberdade fundamentada em sua totalidade não deve satisfazer exclusivamente um dos seus dois impulsos e nem os dois sucessivamente Como é possível tal tarefa se não é pela satisfação de um ou outro impulso nem de um e outro É necessário pensa o poeta que os dois operem simultaneamente A exclusão da liberdade é necessidade física a da passividade é necessidade moral Os dois impulsos impõem necessidade à mente aquele por leis da natureza este por leis da razão O impulso lúdico entretanto em que os dois atuam juntos imporá necessidade ao espírito física e moralmente a um só tempo pela supressão de toda contingência ele suprimirá portanto toda necessidade libertando o homem tanto moral quanto fisicamente SCHILLER 1995 p78 Schiller estabelece agora em sua Carta XIV uma das noções mais fundamentais de sua filosofia estética da interação recíproca entre razão e sensibilidade nasce um terceiro impulso o lúdico O impulso lúdico explica Rosenfeld 1991 p31 unindo necessidade física e moral harmoniza o imperativo categórico e a inclinação natural neste estado lúdico emancipado do desejo natural e do rigor da razão passa a ser livre de ambas as necessidades O ser humano portanto tem sua natureza formada não por dois mas por três impulsos um racional outro sensível e um terceiro o lúdico pelo qual é livre O objeto do impulso sensível é a vida em seu sentido mais amplo escreve Schiller e o objeto do impulso racional é a forma em seu significado próprio e figurado o objeto do impulso lúdico é então forma viva um conceito que serve para designar todas as qualidades estéticas dos fenômenos tudo o que em resumo entendemos no sentido mais amplo por beleza SCHILLER 1995 p81 A beleza é a própria integralidade humana nela a totalidade se torna possível porque o que a origina 13 As aspas na citação são de Schiller ele o faz na intenção de destacar o próprio texto 33 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 é a própria unificação14 Ao intuir o belo o espírito encontra um feliz meiotermo entre a lei e a necessidade e por isso experimenta sua plena liberdade15 O nome lúdico explica Schiller 1995 P 83 é plenamente justificado pela linguagem corrente que costuma chamar jogo tudo aquilo que não sendo subjetiva nem objetivamente contingente ainda assim não constrange nem interior nem exteriormente Enquanto o impulso sensível vive e o formal pensa o impulso lúdico joga O jogo é toda atividade que tem sua finalidade e seu sentido nela mesma para assimilarmos esse conceito podemos entendelo como sinônimo de brincadeira16 como exemplo pensemos numa criança brincando não é por ordem nenhuma que ela brinca ela o faz por pura espontaneidade por uma força de vida excedente que quer transbordar a criança brinca por brincar A oposição entre os impulsos é superada no estado de jogo sensibilidade e entendimento entram em acordo o constrangimento dá lugar à espontaneidade e a unidade humana se faz ver a beleza É no jogo da beleza e apenas nele escreve Schiller 1995 p84 que o homem encontra e experimenta sua humanidade Pois para dizer tudo de vez o homem joga somente quando é homem no pleno sentido da palavra e somente é homem pleno quando joga Schiller 1995 p84 defende que essa afirmação é inesperada apenas na ciência isso é no contexto da Modernidade porém já de há muito vivia e atuava na arte e no sentimento dos gregos os seus maiores mestres só que estes transpunham para o Olimpo o que deveria ser realizado na terra Schiller faz parte daqueles que na esteira das ideias de Winckelmann17 nutrem uma admiração pela Antiga Grécia que beira ao fascínio Há muita idealização nisso mas de fato no século XVIII esse período da história ocidental foi profundamente reverenciado muitos criam na ideia de uma Grécia quase perfeita Na Grécia formada por cidadãos livres não havia separação entre intelecto e sensibilidade a humanidade estava inteira encontravase íntegra e portanto bela Havia uma noção de formação a Paideia que visavaà plena realização do ser humano 14 Na Carta XV Schiller 1995 p 82 escreve a gênese desta da beleza ainda não está explicada pois para isso exigirseia compreender a própria unificação a qual permanece imperscrutável para nós como toda ação recíproca entre o finito e o infinito 15 Se o espírito encontra ao intuir o belo um feliz meiotermo entre a lei e a necessidade é justamente porque se divide entre os dois furtandose à coerção de um e de outro SCHILLER 1995 p 83 16 Em Alemão a palavra é Spiel vertese no Francês para Jouer 17 Winckelmann é o patrono do classicismo alemão inaugurou essa fixação dos alemães com a arte grega especialmente as artes visuais esculturas que representam o próprio paradigma da arte clássica uma de suas obras mais conhecidas é História da Arte Antiga 1764 34 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Cada indivíduo para que desenvolvesse sua própria humanidade teria de cultivar no uso de sua liberdade suas tendências e aspirações Ao longo de sua vida o homem grego deveria cumprir uma única e grandiosa função formarse Nessa perspectiva Schiller 1995 p 40 escreve Naqueles dias do belo despertar das forças espirituais os sentidos e o espírito não tinham ainda domínios rigorosamente separados a discórdia não havia incitado ainda a divisão belicosa e a demarcação das fronteiras A poesia não cortejara a espirituosidade18 nem a especulação se rebaixara pelo sofisma Por mais alto que a razão se elevasse trazia sempre consigo amorosa a matéria e por fina e rente que a cortasse nunca a mutilava Embora decompusesse a natureza humana e a projetasse ampliada em suas partes em seu magnífico círculo divino não a dilacerava mas a mesclava de maneiras diversas já que em deus algum faltava a humanidade inteira Schiller 1995 p 84 escreve que os gregos fizeram desaparecer da fronte dos deuses ditosos tanto a seriedade e o trabalho que marcam o semblante dos mortais quanto o prazer iníquo que lhes alisa a face vazia Em cada deus a humanidade inteira no Olimpo a sociedade ideal na Grécia homens que jogam19 Notase que a sociedade mais excelente representada na imagem do Olimpo não possuía em suas estruturas a marca do trabalho como a sociedade moderna era tingida sim pela marca da liberdade e da humanidade plena a beleza De onde nasce essa superioridade da cultura dos antigos gregos em comparação à cultura dos homens modernos Schiller 1995 p40 responde aquele recebia suas forças da natureza que tudo une enquanto este as recebe do entendimento que tudo separa Essa ferida na humanidade moderna foi a própria cultura que abriu escreve Schiller como pode então a cultura ser ao mesmo tempo tanto aquilo que cindiu o homem quanto aquilo que o tornará novamente inteiro E ele 1995 p 44 responde 18 Na nota de número 21 nas Cartas da edição citada Suzuki escreve o seguinte espirituosidade tenta de algum modo reproduzir a palavra alemã Witz Na época o vocábulo ainda não ganhara o sentido mais forte de chiste como se vê em Friedrich Schlegel e Novalis Significa antes uma qualidade da alma tal como define Johann Christoph Gottsched em 1734 Uma capacidade do entendimento de perceber as semelhanças entre as coisas Primeiros Fundamentos de Toda a Sabedoria citado em 18 Jahrhundert Texteund Zeugnisse Munique Beck 1983 volume 1 p 291 Wolff em quem Gottsched se baseia usa Wiz para traduzir o termo latino ingenium Além dessas referências cabe lembrar ainda que a palavra Witz traduzia normalmente no século XVIII o que os franceses denominavam bel esprit 1995 p 151 19 Os gregos viviam o jogo em todos os sentidos é interessante a passagem em que Schiller 1995 p 84 escreve Se em seus jogos de Olímpia os povos gregos rejubilam com competições de força velocidade e flexibilidade sem derramamento de sangue e com a disputa mais nobre dos talentos e se o povo romano se deleita com a agonia de um gladiador batido ou de seu adversário líbio a partir deste único traço é compreensível para nós por que temos de buscar as figuras ideais de uma Vênus uma Juno um Apolo não em Roma mas na Grécia 35 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Este antagonismo das forças é o grande instrumento da cultura mas apenas o instrumento pois enquanto dura estáse apenas a caminho dela A cultura é portanto meio e também fim Neste ponto do raciocínio encontrase a perspectiva filosófica de Schiller acerca da História20 Em sua concepção para que o ser humano continuasse a se desenvolver foi necessária a divisão de suas forças assim no futuro por sua própria liberdade poderia reaver sua integralidade por isso a cultura grega com todo seu esplendor teve de acabar A aparição da humanidade grega foi indiscutivelmente um máximo que não podia perdurar neste nível nem elevarse mais Não podia perdurar porque o entendimento pelo acúmulo que até então realizara tinha inevitavelmente de ser forçado a separarse da sensação e da intuição e de empenharse pela distinção do conhecimento não poderia também elevarse mais porque apenas um certo grau de clareza pode coexistir com uma determinada profusão e calor Os gregos haviam alcançado tal grau e caso quisessem prosseguir no sentido de uma formação mais alta deveriam como nós abrir mão da totalidade de seu ser e buscar a verdade por rotas separadas SCHILLER 1995 p43 A cultura grega não poderia ter subsistido por mais tempo por que é pela oposição entre as potencialidades do homem que a humanidade se desenvolve daí a bela sentença schilleriana O exercício unilateral das forças conduz o indivíduo inevitavelmente ao erro a espécie porém à verdade SCHILLER 1995 p44 Contudo alerta Schiller 1995 p 44 ainda que a espécie ganhe com a formação separada das forças humanas é inegável que os indivíduos atingidos por essa formação unilateral sofrem sob a maldição desse fim universal O indivíduo cindido sofre enquanto a espécie avança a sociedade moderna assim como a condição de seus membros confirma isso Alcançamos aqui um ponto interessante da filosofia da história schilleriana sua perspectiva de futuro O homem moderno fragmentado precisa recuperar sua humanidade perdida precisa resgatar sua totalidade e isso como vimos só é possível por intermédio da cultura Apenas no seio de uma cultura sadia que valoriza e cultiva a integralidade do ser humano tornase exequível o projeto de uma formação verdadeiramente orientada à liberdade Como resgatar livremente a unidade que naturalmente compunha a antiga cultura grega Através da arte último vestígio da 20 A filosofia da História de Schiller é em boa parte fundamentada na de Kant Ideia para uma História Universal de um ponto de vista cosmopolita 1784 e na de Rousseau Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens 1755 36 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 integralidade humana que como um todo estava pulverizada na formação do homem grego Tem de depender de nós escreve Schiller 1995 p 45 restabelecer em nossa natureza através de uma arte mais elevada essa totalidade que foi destruída pelo artifício As Cartas são no fundo um manifesto político o poeta está apontando para outro caminho que não o da revolução ele acredita numa transformação quase orgânica da sociedade no caminho da educação humana por meio da arte Sobre a grandeza da arte Schiller 1995 p 54 escreve A humanidade perdeu sua dignidade mas a arte a salvou e conservou em pedras insignes a verdade subsiste na ilusão da cópia será refeita a imagem original Do mesmo modo que sobreviveu à natureza nobre a arte nobre também marcha à frente desta no entusiasmo cultivando e estimulando Mesmo antes de a verdade lançar sua luz vitoriosa nas profundezas dos corações a força poética já apreende seus raios e os cumes da humanidade brilharão enquanto a noite úmida ainda pairar sobre os vales A arte permite a conexão entre o homem e a humanidade pois enquanto vestígio da antiga formação grega a arte conserva em si a beleza recupera na vida a unidade perdida e mais que isso aponta para o futuro para a possibilidade de uma sociedade na qual cada pessoa exista como ser humano inteiro e não apenas como fragmento O artista é aquele que vendo o mundo tal como é proclama outro ele é certamente filho de sua época mas orienta Schiller 1995 p54 ai dele se for também seu discípulo ou até seu favorito o artista deve resguardarse das corrupções de sua época Entretanto nem a todos escreve Schiller 1995 p45 que têm este Ideal ardendo na alma foi dada a quietude criadora a grande paciência que permite imprimilo na pedra muda ou vertêlo na palavra seca para confiálo às mãos fiéis do tempo O dom de fazer aparecer na pedra amorfa uma Vênus de Milo não foi concedido a todos pela natureza mas a possibilidade de jogar com a beleza sim Ao jovem amigo da verdade e da beleza que quer satisfazer apesar dos males de sua época ao nobre impulso em seu peito Schiller 1995 p5556 oferece um conselho todo especial Dá ao mundo em que ages a direção do bem e o ritmo calmo do tempo trará a evolução Tu lhe terás dado esta direção quando ensinando tiveres elevado seus pensamentos até o necessário e eterno No silêncio pudico de tua mente educa a verdade vitoriosa 37 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 exteriorizaa na beleza para que não apenas o pensamento a homenageie mas para que também os sentidos apreendam amorosos a sua aparição Vive com teu século mas não sejas sua criatura serve teus contemporâneos mas naquilo de que carecem não no que louvam Escorraça de seus prazeres o arbítrio a frivolidade a brutalidade e os terás escorraçado imperceptivelmente também de suas ações e finalmente banido de suas intenções Onde quer que os encontrares cercaos de formas nobres grandes e cheias de espírito envolveos com os símbolos da excelência até que a aparência supere a realidade e a arte a natureza Sendo assim o caminho para a transformação da sociedade é a beleza porque ela como explica Rosenfeld 1991 p31 define o conceito ideal de humanidade já que na forma viva se harmonizam os impulsos antagônicos A beleza liberta o homem tanto da brutalidade no caso do selvagem quanto da decadência requintada no caso do bárbaro culto a arte é capaz de estabelecer vínculos entre a razão e a sensibilidade de transformar o homem a partir de seu interior Alcançamos aqui o nível de compreensão necessário para que entendamos a beleza e profundidade da frase com a qual Schiller 1995 p26 encerra o raciocínio da Carta II Espero convencervos de que esta matéria é menos estranha à necessidade que ao gosto de nosso tempo e mostrarei que para resolver na experiência o problema político é necessário caminhar através do estético pois é pela beleza que se vai à liberdade A educação estética do homem é redigida exatamente no Período do Terror como já afirmado e num momento como esse em que todas as atenções estão voltadas para o campo da política Schiller resolve escrever sobre a arte por isso logo nas primeiras cartas ele justifica o problema é político mas a solução é estética Pode parecer ingênuo mas o que a filosofia schilleriana assinala é a necessidade da criação de um espaço para a espontaneidade na vida É preciso que os sentimentos se irmanem com as leis que sejamos livres que haja beleza no mundo e na humanidade Quando a beleza encontrar lugar para si em cada coração o Estado moral será resultado da mais plena liberdade humana A cultura a arte a história e a filosofia então são em Schiller noções que se entrelaçam e juntas apontam para um destino comum o Estado moral no qual os indivíduos serão felizes e livremente obedecerão às puras leis da razão Leis estas jádescobertas contudo o que lhes falta é força literalmente faltalhes realidade 38 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 existência não basta que as verdades sejam compreendidas é preciso que sejam sentidas que ações humanas para além de boas sejam belas que o homem obedeça com felicidade às leis da razão21 A beleza não é o único caminho que conduz o homem à sua plena formação mas é o principal A formação é complexa e por isso não depende apenas da beleza ela se dá no decorrer da própria vida e a partir de todos os elementos que a compõem é também uma tarefa que se realiza em si mesma o objetivo não é estar formado mas estar em formação não é algo que se alcança é algo que se busca A beleza é o principal caminho porque diferentemente de todos os outros elementos da cultura ela permite um instante de completude uma espécie de experiência de totalidade um momento em que razão e sensibilidade emudecem seus conflitos e na harmonia desse acordo o ser humano encontra sua liberdade sua verdade e justiça sua forma viva sua beleza Ao leitor desavisado as cartas parecerão às vezes contraditórias ao leitor porém atento à dança das ideias schillerianas22 suas noções para usarmos a mesma expressão que Schiller utilizou para se referir às ideias de Kant23 aparecerão como antigas exigências da razão comum Referências BARBOSA R Introdução In SCHILLER F Cultura estética e liberdade Organização e tradução de Ricardo Barbosa São Paulo Hedra 2009 KANT I Crítica da Razão Pura Tradução de Valério Rohden e UdoBaldurMoosburger São Paulo Abril Cultural 1980 RIEDEL W Viragem antropológica Schiller como pensador da época da charneira Tradução de Teresa R CadeteIn CADETE T M L R SANTOS L R Coord Schiller Cidadão do Mundo Lisboa CEEACFUL 2007 p3555 ROSENFELD A Introdução In SCHILLER F Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade São Paulo EPU 1991 p 734 SCHILLER F A educação estética da humanidade numa série de cartas Tradução de Roberto Schwarz e Márcio Suzuki São Paulo Iluminuras 1995 21 Suzuki escreve que Nesse sentido a estética para Schiller faz as vezes também de uma doutrina da virtude de uma ética que vem completar o sistema moral Certamente anterior à composição das Cartas essa visão pode ser encontrada já no ensaio Sobre Graça e Dignidade quando se afirma que o homem não só pode mas também deve unificar prazer e dever ele deve obedecer a sua razão com alegria SUZUKIO belo como imperativo In SCHILLER 1995 p18 22Rosenfeld 1991 p 26 escreve o leitor da obra das Cartas deve entregarse ao movimento à dança dos conceitos não se detendo em demasia na fixação e definição deste ou daquele momento conceitual Há uma circularidade ou espiralidade da coreografia conceitual que transforma o retrocesso em progresso 23SCHILLER 1995 p 24 39 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Cultura estética e liberdade Organização e tradução de Ricardo Barbosa São Paulo Hedra 2009 SÜSSEKIND P O impulso lúdico Sobre a questão antropológica em Schiller Artefilosofia Ouro Preto n10 p 1124 abr2011 SUZUKI M Notas In SCHILLER F A educação estética da humanidade numa série de cartas Tradução de Roberto Schwarz e Márcio Suzuki São Paulo Iluminuras 1995 O belo como imperativo In SCHILLER F A educação estética da humanidade numa série de cartas Tradução de Roberto Schwarz e Márcio Suzuki São Paulo Iluminuras 1995 Recebido em 07062018 Aprovado em 23082018
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25 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 CULTURA ESTÉTICA EM FRIEDRICH SCHILLER AESTHETIC CULTURE IN FRIEDRICH SCHILLER Selmy Menezes de Sousa1 Resumo As cartas sobre A educação estética do homem 1795 para além de um tratado estético são também um manifesto político essa é a perspectiva que direciona e justifica este trabalho Logo nas primeiras cartas Schiller deixa claro que a pesquisa dedicada ao Belo e à Arte se relaciona intimamente com os problemas da felicidade e da política afirma com todas as letras que o caminho trilhado através do problema estético conduz à resolução prática do problema político A partir da análise dos principais elementos que compõem a reflexão expressa na obra destacada pretendese demonstrar que o ponto de partida e chegada da filosofia schilleriana é a sociabilidade entre os homens Palavraschave Schiller Estética Política Abstract The Letters on the Aesthetic Education of Man 1795 besides an aesthetic treatment are also a political manifest this is the perspective that directs and justifies this work In the first letters Schiller makes clear the research is applied to Beauty and Art it is intimately related to the problems of happiness and politics affirms in all letters that the path traveled through the aesthetic problem led to the practical resolution of the political problem From the analysis of the main elements that make up the philosophy expressed in an outstanding work it is intended to affirm that the Schillerian thought is circular His starting point and the entrance is a sociability among men Keywords Schiller Aesthetics Policy O cenário é O Terror2 em nome da razão e da justiça milhares de pessoas são guilhotinadas à luz do dia e mortas de piores formas nas escuras noites da suja Paris é 1793 e Schiller estarrecido assiste aos excessos e horrores que das terras vizinhas se espalham por toda a Europa É neste interim no período de ressaca da Revolução Francesa3 que Schiller já fortemente reconhecido como poeta e dramaturgo4 redige a 1 Mestrado em andamento pelo PPG em Filosofia da Universidade Estadual Paulista UNESP FFC Bacharel e Licenciatura em Filosofia pela mesma universidade Endereço eletrônico menezesselmyoutlookcom 2 Período do Terror O Terror ou Período dos Jacobinos é o período compreendido entre 5 de setembro de 1793 marcado pela queda dos girondinos e 27 de julho de 1794 marcado pela prisão de Robespierre exlíder dos jacobinos na França Durante esse tempo as garantias civis foram suspensas e o governo revolucionário do partido jacobino perseguiu e matou milhares de pessoas consideradas como adversários políticos No final de julho de 1794 Robespierre e vários outros jacobinos são presos e posteriormente executados à guilhotina 3 Compreende o período entre a década de 1790 e meados do século XIX httpsdoiorg1036311198489002018v10n2503p22 26 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 obra que o marcará na História como respeitável pensador para além de grande artista O conjunto de cartas dedicadas ao Príncipe de Augustenburg publicadas em 1795 dois anos depois de redigidas sob o título de A educação estética do homem é na letra e no espírito uma denúncia da tirania que sofre o homem moderno em prol de uma suposta liberdade Ao longo de 27 cartas Schiller faz um diagnóstico da cultura ocidental compreende que ela sofre porque uma razão tirânica se apossou de cada esfera da existência fragmentando a vida de tal maneira que até o próprio ser humano outrora inteiro tornouse parte Existindo como fragmento impelido pela estrutura social a dedicarse apenas a uma única função ao invés de formarse no decorrer da vida o homem se deforma só cultiva uma parte de si perde sua unidade e tornase em nome da razão um mostro É o que mostra os anos que se seguiram à Revolução o projeto falhara a guerra não plantou no plano concreto as sementes ideais de Liberdade Igualdade e Fraternidade o homem comum cindido que existe apenas para trabalhar e sobreviver que não desenvolve seus múltiplos talentos não é capaz de sentir dentro de si a humanidade Sobre isso na Carta VI Schiller 1995 p41 escreve Eternamente acorrentado a um pequeno fragmento do todo o homem só pode formarse enquanto fragmento ouvindo eternamente o mesmo ruído monótono da roda que ele aciona não desenvolve a harmonia de seu ser e em lugar de imprimir a humanidade em sua natureza torna se mera reprodução de sua ocupação de sua ciência O poeta assinala claramente que essa fragmentação humana está diretamente ligada à estrutura da sociedade moderna à divisão do trabalho A profissão é alienante coloca o indivíduo numa redoma própria de ignorância que o impele a não se aprimorar de forma integral e por isso escreve Schiller 1995 p43 frequentemente o pensador abstrato tem um coração frio pois desmembra as impressões que só como um todo comovem a alma e o homem de negócios por sua vez tem um coração estreito pois sua imaginação enclausurada no círculo monótono de sua ocupação é incapaz de elevarse à compreensão de um tipo alheio de representação É notável a perspicácia do artista Schiller 1995 p4142 reconhece a nocividade do paradigma da Modernidade enquanto a maioria o tinha como único e mais excelente caminho para o progresso 4 A partir de 1781 com a publicação de Os bandoleiros Schiller se torna conhecido em toda a Alemanha ainda na década de 1780 publica Intriga e Amor 1784 e Dom Carlos obras que lhe renderam uma fama que se estendeu para além das fronteiras nórdicas tornandoo conhecido em toda a Europa 27 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Quando a comunidade torna a profissão medida do homem quando honra num cidadão somente a memória noutro apenas o entendimento tabelar e num terceiro a habilidade mecânica quando aqui exige apenas conhecimento indiferente ao caráter e acolá considera a maior turvação do entendimento compensada pelo espírito de ordem e pelo comportamento legal quando quer ver ao mesmo tempo essas habilidades isoladas exercitadas numa grande intensidade da mesma forma que exime o sujeito de toda extensão pode admirar que as demais disposições da mente sejam preteridas para que os cuidados todos se voltem para uma única que traz honra e recompensa Embora saibamos que o gênio poderoso não faz dos limites de sua profissão os limites de sua atividade é certo que o talento mediano consome no ofício que lhe tenham atribuído toda a parca soma de suas forças e é preciso ser já uma cabeça incomum para conservar suas predileções sem prejuízo de sua profissão Vivendo num sistema que supervaloriza a racionalidade em detrimento da sensibilidade em alguns e em outros o contrário encerrado em sua função social o homem comum não possui nem o tempo nem o incentivo necessário para se formar com plenitude i e desenvolver ao máximo sem constrangimentos seus lados racional e sensível Assim o indivíduo moderno não percebe nem cultiva sua própria totalidade coisa que o torna quase incapaz de compreender a unidade ideal na qual se fundamenta o Estado criase uma enorme distância entre os dois A vida matematizada racionalizada ao extremo vai tornando o ser humano peça de uma entidade mecanizada os homens não entendem mais a sociedade senão de forma fragmentada os que governam desconhecem os governados e criam leis que não contemplam povo algum Nas palavras de Schiller 1995 p 42 Vai se aniquilando assim pouco a pouco a vida concreta individual para que o abstrato do todo prolongue sua existência precária e o Estado continua eternamente estranho a seus cidadãos pois que o sentimento não pode encontrálo em parte alguma Forçada a simplificar a multiplicidade dos homens pela classificação e recebendo a humanidade somente por representações de segunda mão a parte governante acaba por perdêla completamente de vista já que a mistura a um mero produto do entendimento e a parte governada não pode receber senão com frieza as leis que são tão pouco endereçadas a ela 28 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Formada de um lado por intelectuais insensíveis e de outro por benevolentes com turvo entendimento a humanidade5 que já soube andar com graça6 agora manca enquanto marca de sangue o chão Schiller 1995 p35 notou no calor dos acontecimentos os traços mais profundos que o malogro da Revolução imprimiu nos indivíduos O homem retratase em seus atos e que figura é esta que se espelha no drama de nossos dias Aqui selvageria mais além lassidão os dois extremos da decadência humana e os dois unidos em um espaço de tempo Todo avanço não foi suficiente para libertar o ser humano de seus impulsos autodestrutivos por que depois de tudo a humanidade continua imoral e infeliz Porque ainda não está educada responde Schiller O ser humano não chegou num nível de humanidade compatível com essa tarefa de transformar a sociedade que sempre foi gangrenada pela força num Estado moral governado pela razão o homem não está educado O problema então se refere à educação não basta ser um humano é preciso humanizarse Para o ser humano se desenvolver com plenitude é necessário que primeiramente ele se veja com verdade i e por inteiro O que é este ser que precisa formarse Aqui aparece o trilho antropológico que Riedel 2007 afirma perpassar todo o pensamento schilleriano a pergunta acerca do que é o homem A resposta a essa questão que já madura é apresentada na Educação estética do homem 1795 floresceu no início da década de 1780 quando Schiller ainda jovem estudava medicina em Sturttgart na Karlsschule7 No Ensaio sobre a correlação entre a natureza animal do homem e sua natureza espiritual 179080 escrito como trabalho de conclusão de curso Schiller defende a ideia de que só é possível compreender a natureza humana quando se entende a relação de reciprocidade que existe entre alma e corpo através do sistema simpático todo impulso da alma se reflete no corpo e viceversa O ser humano não é um ser puramente espiritual iluminado pela razão nem tampouco apenas um animal escravo das leis naturais O homem não é alma e corpo o homem é a mais íntima mistura entre essas duas substâncias SCHILLER 1873 p 240 itálico nosso O ser humano é um amálgama uma junção profunda entre matéria e espírito uma mistura impossível de ser dissolvida 5 Convém salientar que Schiller quando pensa a humanidade reflete sobretudo sobre a civilização ocidental isso não está exatamente explicitado na letra do texto pois Schiller tem para si que seu interlocutor é de fato a humanidade inteira mas é algo notório 6Esse período de graça na filosofia de Schiller compreende a cultura helênica 7Academia militar fundada em 1770 pelo duque Karl Eugen na cidade de Stuttgart capital do ducado de Wüerttemberg 29 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Essa perspectiva acerca da natureza humana que amadurece significativamente na década de 1790 período em que Schiller se dedica intensamente à filosofia e estuda com esmero os fundamentos da terceira Crítica kantiana8 marca toda a trajetória intelectual do autor quando publica em 1795 as já referidas cartas continua na mesma linha de raciocínio exposta no Ensaio porém de forma mais abstrata refinada e refletida Agora a essência humana é descrita em termos de impulsos há o impulso formal que inclina o homem à razão à permanência e o impulso sensível que o propende às leis materiais à variação9 Fazse claro então a perspectiva schilleriana acerca daquilo que fundamenta a existência humana Assim sabendo que é mista10 entre razão e sensibilidade a natureza do homem a mais íntima mistura entre espírito e matéria retornase ao problema da formação De que maneira o ser humano pode se desenvolver com plenitude sendo ele naturalmente cindido como que filho de dois mundos antagônicos Das ideias que fundamentam a filosofia de Schiller encontrase aqui uma das mais caras o antagonismo no qual a vida humana se baseia pode e deve ser superado Como explica Rosenfeld 1991 p 30 no fundo os dois impulsos não se encontram em oposição absoluta Cabe à cultura resguardar os direitos de cada um dos dois impulsos contra a usurpação do outro A cultura deve harmonizar os dois impulsos da natureza humana seu papel é criar as condições necessárias para que o indivíduo possa se desenvolver ao ponto de compreender e sentir sua integralidade sua humanidade Schiller 1995 p 72 escreve que a cultura tem uma dupla função em primeiro lugar resguardar a sensibilidade das intervenções da liberdade em segundo lugar defender a personalidade contra o poder da sensibilidade A primeira ela realiza pelo cultivo da faculdade sensível a outra pelo cultivo da faculdade racional 8Schiller estuda intensamente a Fundamentação metafísica dos costumes 1785 e a Crítica da faculdade do juízo 1790 de Kant além das obras de Burke e Moritz Baumgarten e Sulzer Winckelmann Lessing e Mendelssohn BARBOSA 2009 p 3031 9 No início de 1794 houve um incêndio no castelo do Príncipe de Augustenburg no qual as cartas escritas por Schiller se perderam O Príncipe pediu a Schiller uma cópia das cartas o que Schiller faria apenas um ano depois Contudo no processo de reescrita das cartas Schiller expande o conteúdo das mesmas em junho e julho de 1794 Schiller retoma seus estudos sobre a filosofia kantiana mas dessa vez com o estímulo e o auxílio de Hamboldt e sobretudo de Fichte Ricardo Barbosa escreve que o intenso convívio com Fichte a visita a suas preleções públicas sobre moral para eruditos tudo isso foi determinante par a versão final da correspondência com o Príncipe de Augustenburg BARBOSA 2009 p 3738 10 sua do homem natureza mista SCHILLER 1995 nota da p103 30 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 No início do raciocínio expresso nestas páginas pensamos as mazelas da sociedade hiperracionalizada na qual sobrevive o homem moderno é justamente contra essa cultura que Schiller indica a possibilidade de uma outra erigida sobre outros princípios mais humanos Essa cultura que possibilitará a plena formação dos indivíduos não deve ser fundamentada no impulso sensível do ser humano e nem em seu impulso racional sobre o que então ela deve construir suas estruturas Schiller 1995 p 29 aponta um caminho Este suporte não se encontra no caráter natural egoísta e violento do homem que visa muito mais à destruição que à conservação da sociedade encontrase tampouco em seu caráter ético que pela pressuposição deve ser primeiro formado e com o qual por ser livre e nunca aparecer o legislador não poderia contar com segurança e no qual não poderia influir Seria preciso separar portanto do caráter físico o arbítrio e do moral a liberdade seria preciso que o primeiro concordasse com leis e o que o segundo dependesse de impressões seria preciso que aquele se afastasse um pouco da matéria e este dela se aproximasse um tanto para engendrar um terceiro caráter aparentado com os outros dois que estabelecesse a passagem do domínio das simples forças para o das leis e que longe de impedir a evolução do caráter moral desse à eticidade invisível o penhor dos sentidos A cultura deve fazer com que a razão se aproxime dos sentidos e os sentidos se aproximem da razão tem de dar forma à matéria e matéria à forma só assim o homem encontrará sua verdadeira liberdade Não é possível que a plena liberdade se encontre forjada em apenas uma das faculdades humanas como na filosofia de Kant por exemplo Na passagem em que Schiller escreve sobre o papel da cultura e em muitas outras notase claramente o quão foi decisiva a leitura das Críticas para a elaboração de sua própria filosofia entretanto reparase também que de maneira geral Schiller incorpora elementos da filosofia kantiana sem com isso tornarse um kantiano Por estas e mais razões é amplamente conhecido o fato de que Schiller escreve com e contra Kant11 11 Concomitantemente à escrita das cartas ao Príncipe de Augustenburg Schiller publica artigos acerca do sublime e se corresponde com seu amigo Körner discutindo nessas epístolas a possibilidade de uma dedução objetiva do juízo de gosto um conceito objetivo do belo essas cartas foram publicadas em 1847 sob o título de Kallias ou Sobre a beleza Na busca por um conceito objetivo do belo Schiller usa o mesmo método utilizado por Kant em sua filosofia moral Schiller compreende o belo como um imperativo como um dever ser Ricardo Barbosa escreve que Assim enquanto nas cartas a Körner sobre o belo e nos artigos sobre o sublime Schiller se ocupa em delimitar conceitualmente a esfera estética a correspondência com o Príncipe parte deste patamar recématingido considerando os nexos entre o estético e a razão prática à luz das exigências não satisfeitas da Revolução Francesa BARBOSA 2009 p 33 Mais à frente no mesmo texto Barbosa sublinha que Como notou Xavier Léon é 31 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Inserido numa cultura racionalista que encontra em Kant seu maior expoente o homem é educado para além de apreciar aprovar sua incompletude Regada por princípios unilaterais a estrutura da sociedade moderna sempre tiraniza um dos lados do homem na maioria das vezes seu lado sensível Quanto a isso numa nota de rodapé da Carta XIII Schiller 1995 p 72 escreve Numa filosofia transcendental em que é decisivo libertar a forma do conteúdo e manter o necessário puro de todo contingente habituamo nos facilmente a pensar o material meramente como um empecilho e a sensibilidade numa contradição necessária com a razão porque ela lhe obstrui o caminho justamente nessa operação Um tal modo de representação não está de forma alguma no espírito do sistema kantiano embora possa estar na letra do mesmo A liberdade não pode ser resultado de uma operação meramente racional pois o homem só é livre quando vivencia sua totalidade a liberdade portanto só pode ser fruto da interação harmoniosa entre os dois impulsos humanos Cada um dos impulsos tem de respeitar seus próprios limites o impulso sensível como esclarece Rosenfeld 1991 p30 deve ser limitado pela personalidade o impulso formal deve ser equilibrado pela receptividade ou pela natureza sensível De acordo com Schiller a eficácia do impulso sensível funda e limita a do impulso formal e isso ocorre de modo recíproco Schiller escreve que a relação de reciprocidade entre os impulsos sensível e formal é uma tarefa da razão que o homem só é capaz de solucionar plenamente quando se encontra na perfeição de sua existência A perfeição da existência humana se realiza na ideia de humanidade na busca eterna pela totalidade infinita12 o que é preciso ser feito para que o indivíduo ascenda a essa ideia A resposta de Schiller 1995 p 7778 é a seguinte Ele não deve empenharse pela forma à custa de sua realidade nem pela realidade à custa da forma deve antes procurar o ser absoluto pelo determinado e o determinado pelo absoluto Deve contraporse um mundo por ser pessoa e ser pessoa por se lhe contrapor um mundo Deve sentir por ser consciente e ser consciente por sentir O homem não pode experimentar a sua concordância com esta Idéia marcante a analogia entre a visão de Schiller e a de Fichte a quaseidentidade de suas expressões pois conceber a beleza como um imperativo significa tornala um ideal entendido nos termos da doutrina da ciência que determina o ideal como uma tarefa a ser realizada BARBOSA 2009 p 39 12 Sobre isso Schiller 1995 p 77 escreve É a Idéia de sua humanidade um infinito portanto do qual o homem pode aproximarse mais e mais no curso do tempo sem jamais alcançálo 32 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 com sua humanidade no sentido mais pleno enquanto satisfaz exclusivamente um destes impulsos ou os dois sucessivamente pois enquanto apenas sente ficalhe oculta a sua pessoa ou sua existência absoluta e enquanto apenas pensa ficalhe oculta a sua existência no tempo ou seu estado Existissem casos em que ele fizesse simultaneamente esta dupla experiência em que fosse consciente de sua liberdade e sentisse a sua existência em que se percebesse como matéria e se conhecesse como espírito nestes casos e só nestes ele teria uma intuição plena de sua humanidade 13 O homem para experimentar a liberdade fundamentada em sua totalidade não deve satisfazer exclusivamente um dos seus dois impulsos e nem os dois sucessivamente Como é possível tal tarefa se não é pela satisfação de um ou outro impulso nem de um e outro É necessário pensa o poeta que os dois operem simultaneamente A exclusão da liberdade é necessidade física a da passividade é necessidade moral Os dois impulsos impõem necessidade à mente aquele por leis da natureza este por leis da razão O impulso lúdico entretanto em que os dois atuam juntos imporá necessidade ao espírito física e moralmente a um só tempo pela supressão de toda contingência ele suprimirá portanto toda necessidade libertando o homem tanto moral quanto fisicamente SCHILLER 1995 p78 Schiller estabelece agora em sua Carta XIV uma das noções mais fundamentais de sua filosofia estética da interação recíproca entre razão e sensibilidade nasce um terceiro impulso o lúdico O impulso lúdico explica Rosenfeld 1991 p31 unindo necessidade física e moral harmoniza o imperativo categórico e a inclinação natural neste estado lúdico emancipado do desejo natural e do rigor da razão passa a ser livre de ambas as necessidades O ser humano portanto tem sua natureza formada não por dois mas por três impulsos um racional outro sensível e um terceiro o lúdico pelo qual é livre O objeto do impulso sensível é a vida em seu sentido mais amplo escreve Schiller e o objeto do impulso racional é a forma em seu significado próprio e figurado o objeto do impulso lúdico é então forma viva um conceito que serve para designar todas as qualidades estéticas dos fenômenos tudo o que em resumo entendemos no sentido mais amplo por beleza SCHILLER 1995 p81 A beleza é a própria integralidade humana nela a totalidade se torna possível porque o que a origina 13 As aspas na citação são de Schiller ele o faz na intenção de destacar o próprio texto 33 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 é a própria unificação14 Ao intuir o belo o espírito encontra um feliz meiotermo entre a lei e a necessidade e por isso experimenta sua plena liberdade15 O nome lúdico explica Schiller 1995 P 83 é plenamente justificado pela linguagem corrente que costuma chamar jogo tudo aquilo que não sendo subjetiva nem objetivamente contingente ainda assim não constrange nem interior nem exteriormente Enquanto o impulso sensível vive e o formal pensa o impulso lúdico joga O jogo é toda atividade que tem sua finalidade e seu sentido nela mesma para assimilarmos esse conceito podemos entendelo como sinônimo de brincadeira16 como exemplo pensemos numa criança brincando não é por ordem nenhuma que ela brinca ela o faz por pura espontaneidade por uma força de vida excedente que quer transbordar a criança brinca por brincar A oposição entre os impulsos é superada no estado de jogo sensibilidade e entendimento entram em acordo o constrangimento dá lugar à espontaneidade e a unidade humana se faz ver a beleza É no jogo da beleza e apenas nele escreve Schiller 1995 p84 que o homem encontra e experimenta sua humanidade Pois para dizer tudo de vez o homem joga somente quando é homem no pleno sentido da palavra e somente é homem pleno quando joga Schiller 1995 p84 defende que essa afirmação é inesperada apenas na ciência isso é no contexto da Modernidade porém já de há muito vivia e atuava na arte e no sentimento dos gregos os seus maiores mestres só que estes transpunham para o Olimpo o que deveria ser realizado na terra Schiller faz parte daqueles que na esteira das ideias de Winckelmann17 nutrem uma admiração pela Antiga Grécia que beira ao fascínio Há muita idealização nisso mas de fato no século XVIII esse período da história ocidental foi profundamente reverenciado muitos criam na ideia de uma Grécia quase perfeita Na Grécia formada por cidadãos livres não havia separação entre intelecto e sensibilidade a humanidade estava inteira encontravase íntegra e portanto bela Havia uma noção de formação a Paideia que visavaà plena realização do ser humano 14 Na Carta XV Schiller 1995 p 82 escreve a gênese desta da beleza ainda não está explicada pois para isso exigirseia compreender a própria unificação a qual permanece imperscrutável para nós como toda ação recíproca entre o finito e o infinito 15 Se o espírito encontra ao intuir o belo um feliz meiotermo entre a lei e a necessidade é justamente porque se divide entre os dois furtandose à coerção de um e de outro SCHILLER 1995 p 83 16 Em Alemão a palavra é Spiel vertese no Francês para Jouer 17 Winckelmann é o patrono do classicismo alemão inaugurou essa fixação dos alemães com a arte grega especialmente as artes visuais esculturas que representam o próprio paradigma da arte clássica uma de suas obras mais conhecidas é História da Arte Antiga 1764 34 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Cada indivíduo para que desenvolvesse sua própria humanidade teria de cultivar no uso de sua liberdade suas tendências e aspirações Ao longo de sua vida o homem grego deveria cumprir uma única e grandiosa função formarse Nessa perspectiva Schiller 1995 p 40 escreve Naqueles dias do belo despertar das forças espirituais os sentidos e o espírito não tinham ainda domínios rigorosamente separados a discórdia não havia incitado ainda a divisão belicosa e a demarcação das fronteiras A poesia não cortejara a espirituosidade18 nem a especulação se rebaixara pelo sofisma Por mais alto que a razão se elevasse trazia sempre consigo amorosa a matéria e por fina e rente que a cortasse nunca a mutilava Embora decompusesse a natureza humana e a projetasse ampliada em suas partes em seu magnífico círculo divino não a dilacerava mas a mesclava de maneiras diversas já que em deus algum faltava a humanidade inteira Schiller 1995 p 84 escreve que os gregos fizeram desaparecer da fronte dos deuses ditosos tanto a seriedade e o trabalho que marcam o semblante dos mortais quanto o prazer iníquo que lhes alisa a face vazia Em cada deus a humanidade inteira no Olimpo a sociedade ideal na Grécia homens que jogam19 Notase que a sociedade mais excelente representada na imagem do Olimpo não possuía em suas estruturas a marca do trabalho como a sociedade moderna era tingida sim pela marca da liberdade e da humanidade plena a beleza De onde nasce essa superioridade da cultura dos antigos gregos em comparação à cultura dos homens modernos Schiller 1995 p40 responde aquele recebia suas forças da natureza que tudo une enquanto este as recebe do entendimento que tudo separa Essa ferida na humanidade moderna foi a própria cultura que abriu escreve Schiller como pode então a cultura ser ao mesmo tempo tanto aquilo que cindiu o homem quanto aquilo que o tornará novamente inteiro E ele 1995 p 44 responde 18 Na nota de número 21 nas Cartas da edição citada Suzuki escreve o seguinte espirituosidade tenta de algum modo reproduzir a palavra alemã Witz Na época o vocábulo ainda não ganhara o sentido mais forte de chiste como se vê em Friedrich Schlegel e Novalis Significa antes uma qualidade da alma tal como define Johann Christoph Gottsched em 1734 Uma capacidade do entendimento de perceber as semelhanças entre as coisas Primeiros Fundamentos de Toda a Sabedoria citado em 18 Jahrhundert Texteund Zeugnisse Munique Beck 1983 volume 1 p 291 Wolff em quem Gottsched se baseia usa Wiz para traduzir o termo latino ingenium Além dessas referências cabe lembrar ainda que a palavra Witz traduzia normalmente no século XVIII o que os franceses denominavam bel esprit 1995 p 151 19 Os gregos viviam o jogo em todos os sentidos é interessante a passagem em que Schiller 1995 p 84 escreve Se em seus jogos de Olímpia os povos gregos rejubilam com competições de força velocidade e flexibilidade sem derramamento de sangue e com a disputa mais nobre dos talentos e se o povo romano se deleita com a agonia de um gladiador batido ou de seu adversário líbio a partir deste único traço é compreensível para nós por que temos de buscar as figuras ideais de uma Vênus uma Juno um Apolo não em Roma mas na Grécia 35 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Este antagonismo das forças é o grande instrumento da cultura mas apenas o instrumento pois enquanto dura estáse apenas a caminho dela A cultura é portanto meio e também fim Neste ponto do raciocínio encontrase a perspectiva filosófica de Schiller acerca da História20 Em sua concepção para que o ser humano continuasse a se desenvolver foi necessária a divisão de suas forças assim no futuro por sua própria liberdade poderia reaver sua integralidade por isso a cultura grega com todo seu esplendor teve de acabar A aparição da humanidade grega foi indiscutivelmente um máximo que não podia perdurar neste nível nem elevarse mais Não podia perdurar porque o entendimento pelo acúmulo que até então realizara tinha inevitavelmente de ser forçado a separarse da sensação e da intuição e de empenharse pela distinção do conhecimento não poderia também elevarse mais porque apenas um certo grau de clareza pode coexistir com uma determinada profusão e calor Os gregos haviam alcançado tal grau e caso quisessem prosseguir no sentido de uma formação mais alta deveriam como nós abrir mão da totalidade de seu ser e buscar a verdade por rotas separadas SCHILLER 1995 p43 A cultura grega não poderia ter subsistido por mais tempo por que é pela oposição entre as potencialidades do homem que a humanidade se desenvolve daí a bela sentença schilleriana O exercício unilateral das forças conduz o indivíduo inevitavelmente ao erro a espécie porém à verdade SCHILLER 1995 p44 Contudo alerta Schiller 1995 p 44 ainda que a espécie ganhe com a formação separada das forças humanas é inegável que os indivíduos atingidos por essa formação unilateral sofrem sob a maldição desse fim universal O indivíduo cindido sofre enquanto a espécie avança a sociedade moderna assim como a condição de seus membros confirma isso Alcançamos aqui um ponto interessante da filosofia da história schilleriana sua perspectiva de futuro O homem moderno fragmentado precisa recuperar sua humanidade perdida precisa resgatar sua totalidade e isso como vimos só é possível por intermédio da cultura Apenas no seio de uma cultura sadia que valoriza e cultiva a integralidade do ser humano tornase exequível o projeto de uma formação verdadeiramente orientada à liberdade Como resgatar livremente a unidade que naturalmente compunha a antiga cultura grega Através da arte último vestígio da 20 A filosofia da História de Schiller é em boa parte fundamentada na de Kant Ideia para uma História Universal de um ponto de vista cosmopolita 1784 e na de Rousseau Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens 1755 36 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 integralidade humana que como um todo estava pulverizada na formação do homem grego Tem de depender de nós escreve Schiller 1995 p 45 restabelecer em nossa natureza através de uma arte mais elevada essa totalidade que foi destruída pelo artifício As Cartas são no fundo um manifesto político o poeta está apontando para outro caminho que não o da revolução ele acredita numa transformação quase orgânica da sociedade no caminho da educação humana por meio da arte Sobre a grandeza da arte Schiller 1995 p 54 escreve A humanidade perdeu sua dignidade mas a arte a salvou e conservou em pedras insignes a verdade subsiste na ilusão da cópia será refeita a imagem original Do mesmo modo que sobreviveu à natureza nobre a arte nobre também marcha à frente desta no entusiasmo cultivando e estimulando Mesmo antes de a verdade lançar sua luz vitoriosa nas profundezas dos corações a força poética já apreende seus raios e os cumes da humanidade brilharão enquanto a noite úmida ainda pairar sobre os vales A arte permite a conexão entre o homem e a humanidade pois enquanto vestígio da antiga formação grega a arte conserva em si a beleza recupera na vida a unidade perdida e mais que isso aponta para o futuro para a possibilidade de uma sociedade na qual cada pessoa exista como ser humano inteiro e não apenas como fragmento O artista é aquele que vendo o mundo tal como é proclama outro ele é certamente filho de sua época mas orienta Schiller 1995 p54 ai dele se for também seu discípulo ou até seu favorito o artista deve resguardarse das corrupções de sua época Entretanto nem a todos escreve Schiller 1995 p45 que têm este Ideal ardendo na alma foi dada a quietude criadora a grande paciência que permite imprimilo na pedra muda ou vertêlo na palavra seca para confiálo às mãos fiéis do tempo O dom de fazer aparecer na pedra amorfa uma Vênus de Milo não foi concedido a todos pela natureza mas a possibilidade de jogar com a beleza sim Ao jovem amigo da verdade e da beleza que quer satisfazer apesar dos males de sua época ao nobre impulso em seu peito Schiller 1995 p5556 oferece um conselho todo especial Dá ao mundo em que ages a direção do bem e o ritmo calmo do tempo trará a evolução Tu lhe terás dado esta direção quando ensinando tiveres elevado seus pensamentos até o necessário e eterno No silêncio pudico de tua mente educa a verdade vitoriosa 37 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 exteriorizaa na beleza para que não apenas o pensamento a homenageie mas para que também os sentidos apreendam amorosos a sua aparição Vive com teu século mas não sejas sua criatura serve teus contemporâneos mas naquilo de que carecem não no que louvam Escorraça de seus prazeres o arbítrio a frivolidade a brutalidade e os terás escorraçado imperceptivelmente também de suas ações e finalmente banido de suas intenções Onde quer que os encontrares cercaos de formas nobres grandes e cheias de espírito envolveos com os símbolos da excelência até que a aparência supere a realidade e a arte a natureza Sendo assim o caminho para a transformação da sociedade é a beleza porque ela como explica Rosenfeld 1991 p31 define o conceito ideal de humanidade já que na forma viva se harmonizam os impulsos antagônicos A beleza liberta o homem tanto da brutalidade no caso do selvagem quanto da decadência requintada no caso do bárbaro culto a arte é capaz de estabelecer vínculos entre a razão e a sensibilidade de transformar o homem a partir de seu interior Alcançamos aqui o nível de compreensão necessário para que entendamos a beleza e profundidade da frase com a qual Schiller 1995 p26 encerra o raciocínio da Carta II Espero convencervos de que esta matéria é menos estranha à necessidade que ao gosto de nosso tempo e mostrarei que para resolver na experiência o problema político é necessário caminhar através do estético pois é pela beleza que se vai à liberdade A educação estética do homem é redigida exatamente no Período do Terror como já afirmado e num momento como esse em que todas as atenções estão voltadas para o campo da política Schiller resolve escrever sobre a arte por isso logo nas primeiras cartas ele justifica o problema é político mas a solução é estética Pode parecer ingênuo mas o que a filosofia schilleriana assinala é a necessidade da criação de um espaço para a espontaneidade na vida É preciso que os sentimentos se irmanem com as leis que sejamos livres que haja beleza no mundo e na humanidade Quando a beleza encontrar lugar para si em cada coração o Estado moral será resultado da mais plena liberdade humana A cultura a arte a história e a filosofia então são em Schiller noções que se entrelaçam e juntas apontam para um destino comum o Estado moral no qual os indivíduos serão felizes e livremente obedecerão às puras leis da razão Leis estas jádescobertas contudo o que lhes falta é força literalmente faltalhes realidade 38 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 existência não basta que as verdades sejam compreendidas é preciso que sejam sentidas que ações humanas para além de boas sejam belas que o homem obedeça com felicidade às leis da razão21 A beleza não é o único caminho que conduz o homem à sua plena formação mas é o principal A formação é complexa e por isso não depende apenas da beleza ela se dá no decorrer da própria vida e a partir de todos os elementos que a compõem é também uma tarefa que se realiza em si mesma o objetivo não é estar formado mas estar em formação não é algo que se alcança é algo que se busca A beleza é o principal caminho porque diferentemente de todos os outros elementos da cultura ela permite um instante de completude uma espécie de experiência de totalidade um momento em que razão e sensibilidade emudecem seus conflitos e na harmonia desse acordo o ser humano encontra sua liberdade sua verdade e justiça sua forma viva sua beleza Ao leitor desavisado as cartas parecerão às vezes contraditórias ao leitor porém atento à dança das ideias schillerianas22 suas noções para usarmos a mesma expressão que Schiller utilizou para se referir às ideias de Kant23 aparecerão como antigas exigências da razão comum Referências BARBOSA R Introdução In SCHILLER F Cultura estética e liberdade Organização e tradução de Ricardo Barbosa São Paulo Hedra 2009 KANT I Crítica da Razão Pura Tradução de Valério Rohden e UdoBaldurMoosburger São Paulo Abril Cultural 1980 RIEDEL W Viragem antropológica Schiller como pensador da época da charneira Tradução de Teresa R CadeteIn CADETE T M L R SANTOS L R Coord Schiller Cidadão do Mundo Lisboa CEEACFUL 2007 p3555 ROSENFELD A Introdução In SCHILLER F Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade São Paulo EPU 1991 p 734 SCHILLER F A educação estética da humanidade numa série de cartas Tradução de Roberto Schwarz e Márcio Suzuki São Paulo Iluminuras 1995 21 Suzuki escreve que Nesse sentido a estética para Schiller faz as vezes também de uma doutrina da virtude de uma ética que vem completar o sistema moral Certamente anterior à composição das Cartas essa visão pode ser encontrada já no ensaio Sobre Graça e Dignidade quando se afirma que o homem não só pode mas também deve unificar prazer e dever ele deve obedecer a sua razão com alegria SUZUKIO belo como imperativo In SCHILLER 1995 p18 22Rosenfeld 1991 p 26 escreve o leitor da obra das Cartas deve entregarse ao movimento à dança dos conceitos não se detendo em demasia na fixação e definição deste ou daquele momento conceitual Há uma circularidade ou espiralidade da coreografia conceitual que transforma o retrocesso em progresso 23SCHILLER 1995 p 24 39 Kínesis Vol X n 25 dezembro 2018 p2539 Cultura estética e liberdade Organização e tradução de Ricardo Barbosa São Paulo Hedra 2009 SÜSSEKIND P O impulso lúdico Sobre a questão antropológica em Schiller Artefilosofia Ouro Preto n10 p 1124 abr2011 SUZUKI M Notas In SCHILLER F A educação estética da humanidade numa série de cartas Tradução de Roberto Schwarz e Márcio Suzuki São Paulo Iluminuras 1995 O belo como imperativo In SCHILLER F A educação estética da humanidade numa série de cartas Tradução de Roberto Schwarz e Márcio Suzuki São Paulo Iluminuras 1995 Recebido em 07062018 Aprovado em 23082018