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A Salvação do Belo ByungChul Han O liso o polido a ausência de vincos são na época atual identificados com o belo É isso que existe em comum entre as esculturas de Jeff Koons alguns smartphones e a depilação Estas características evidenciam um excesso de positividade que ByungChul Han já tinha abordado noutros ensaios mas que aqui desenvolve nos campos da arte e da estética Porque é que nos agrada tanto o polido pergunta Han Porque não oferece resistência nem nos causa incómodo ou dor O belo digital é um espaço liso do que é idêntico e recusa a estranheza a alteridade a negatividade O que considerávamos naturalmente belo atrofiouse no liso e polido do belo digital Hoje o belo converteuse naquilo de que se diz gosto em qualquer coisa de agradável que se avalia pelo seu caráter imediato e pelo valor de uso e consumo Mas sem a negatividade da quebra do ouro fica prejudicado o acesso ao belo natural e anulada a distância contemplativa A beleza é diferida não é um brilho momentâneo mas qualquer coisa que ilumina em silêncio e através de desvios e mediações Não se pode encontrar a beleza no contacto imediato é mais frequente que surja como reencontro e reconhecimento A Salvação do Belo ByungChul Han Relógio DÁgua A Salvação do Belo ByungChul Han A Salvação do Belo Tradução de Miguel Serras Pereira Relógio D Água Editores Rua Sylvio Rebelo nº 15 1000282 Lisboa tel 218 474 450 fax 218 470 775 relogiodaguarelogiodaguapt wwwrelogiodaguapt Publicado originalmente como Die Errettung des Schönen OS Fischer Verlag GmbH Frankfurt am Main Publicado por acordo com a International Editors Co Agencia Literaria Titulo A Salvação do Belo Titulo original Die Errettung des Schönen 2015 Autor ByungChul Han Tradução Miguel Serras Pereira Revisão de texto Andreia Pereira Capa Carlos César Vasconcelos wwwcvasconceloscom sobre fragmento de The Break in the Clouds The Calm 1941 de René Magritte Relógio DAgua Editores junho de 2016 Esta tradução segue o novo Acordo Ortográfico Encomende os seus livros em wwwrelogiodaguapt ISBN 9789894416191 Índice O Polido 11 O Corpo Liso 23 Estética do Polido e do Liso 27 O Belo Digital 35 Estética do Encobrimento 39 Estética da Vulneração 45 Estética do Desastre 53 O Ideal do Belo 59 A Beleza como Verdade 65 Política do Belo 73 O Teatro Pornográfico 79 A Demora no Belo 83 A Beleza como Reminiscência 89 Gerar no Belo 95 Uma vez ouvio enquanto estava a lavar o mundo sem que ninguém o visse ao longo das noites real O uno e o infinito destruídos irradiavam eu Houve luz Salvação PAUL CELAN O Polido O polido limpo liso e impecável é o sinal de identidade da época atual É aquilo em que coincidem as esculturas de Jeff Koons os iPhones e a depilação brasileira Porque é que o polido hoje nos atrai Além do seu efeito estético reflete um imperativo social geral incarna a atual sociedade positiva O que é polido e impecável não dói Também não oferece qualquer resistência Solicitanos um Gosto O objeto polido anula qualquer coisa que possa confrontálo Toda a negatividade é assim eliminada O smartphone obedece igualmente à estética do polido O smartphone modelo G Flex da LG apresentase incluindo o revestimento de uma camada que se autorregenera o que significa que faz desaparecer muito rapidamente qualquer risco qualquer vestígio de desgaste O smartphone tornase por assim dizer invulnerável O seu revestimento artificial conservao sempre polido O modelo é além disso flexível e dúctil Tem um contorno ligeiramente côncavo Portanto moldase perfeitamente ao rosto e aos objetivos mente polida e amaciada uma vez que o seu conteúdo são sobretudo mostras de deferência e de complacência e em suma coisas positivas O sharing ou partilha e o assinalar com um Gosto são um modo de comunicação polido Os aspetos negativos são eliminados por representarem obstáculos para a comunicação acelerada Jeff Koons o artista de maior sucesso atual é um mestre das superfícies polidas Embora Andy Warhol se afirmasse também partidário da superfície bela e amaciada na sua arte está contudo presente ainda a negatividade da morte e do desastre No seu caso a superfície não é totalmente polida Por exemplo a série Morte e Desastre Death and Disaster ainda se alimenta de negatividade Em Jeff Koons em contrapartida não há qualquer desastre vulneração quebra ou brecha do mesmo modo que não há qualquer costura Tudo flui em transições suaves e polidas Tudo acaba por ser arredondado polido brunido A arte de Jeff Koons é uma arte das superfícies polidas e impecáveis e de efeito imediato Nada dá a interpretar a descodificar ou a pensar É uma arte do Gosto Jeff Koons diz que a única coisa que o observador da sua obra tem a fazer é emitir um simples Uau Wow Manifestamente perante a sua arte não é necessário qualquer juízo qualquer interpretação qualquer hermenêutica qualquer reflexão qualquer pensamento A sua arte limitase deliberadamente ao infantil ao banal à relaxação impassível a uma arte que nos seduz e compensa O seu lema é Abraçar o observador Nada deve comoverlo ferilo ou assustálo A arte diz Jeff Koons não é senão beleza alegria e comunicação A presença das suas esculturas polidas suscita um imme seus planos o que mais interessa o público tateiamse furiosamente as junções dos vidros passase a mão pelos grandes sulcos de borracha que ajustam o vidro da parte traseira à chapa niquelada Há no DS a anunciação de uma nova fenomenologia do ajustamento como se passássemos de um mundo de elementos soldados a um mundo de elementos justapostos sustentados graças à sua forma maravilhosa o que bem entendido tem por propósito introduzir a ideia de uma natureza mais fácil Quanto à matéria propriamente dita é indubitável que alimenta um gosto da ligeireza num sentido mágico Os vidros não são janelas aberturas praticadas na grande casca escura da carroceria são grandes trechos de ar e de vazio que exibem o arredondado cheio e o brilho das bolas de sabão3 Do mesmo modo as esculturas sem juntas de Jeff Koons dão a impressão de ser bolas de sabão brilhantes e sem peso feitas de ar e de vazio Tal como o DS desprovido de juntas transmitem uma sensação de perfeição uma sensação de ligeireza num sentido mágico Incaram uma superfície perfeita e otimizada sem profundidade nem planos mais baixos Para Roland Barthes o sentido do tato é o mais desmistificador dos sentidos ao contrário da vista que é o mais mágico4 A vista mantém a distância enquanto o tato a elimina Sem distância não é possível a mística A desmistificação torna tudo saboreável e consumível O tato destrói a negatividade do completamente diferente Seculariza aquilo que toca Ao contrário do sentido da vista o tato é incapaz de espanto Por isso o cerní tátil polido o touchscreen é um lugar de desmistificação e de consumo total Gera aquilo de que cada um gosta hedonismo um mundo de pura positividade onde não há dor alguma ferida alguma culpa alguma A escultura Balloon Venus em postura de parto é a Maria de Jeff Koons Mas não dá à luz um redentor um homo doloris coberto de feridas e coroado de espinhos mas um champagne uma garrafa de Dom Pérignon Rosé colheita de 2003 que trouxe no seu ventre Jeff Koons encenase como um batista que promete uma redenção Não foi por acaso que a sua série de imagens de 1987 se chamou Batismo Baptism A arte de Jeff Koons oficia uma sacralização do polido e do impecável Encena uma religião do polido do banal e além disso uma religião do consumo sendo o preço que toda a negatividade deverá ser eliminada No entender de Gadamer a negatividade é essencial para a arte É a sua ferida Opõese à positividade do polido Há nela alguma coisa que me comove que me remove que me põe em questão e que faz surgir o apelo Muda a tua vida É o facto disso que é especial o que constitui o mais o facto de haver alguma coisa assim Para o dizermos com palavras de Rilke Alguma coisa assim estava entre os homens Isso mesmo o facto de haver isso a facticidade é ao mesmo tempo uma resistência insuperável frente a toda a expectativa de sentido que se creia superior A obra de arte é isso que nos força a reconhecer Não há instância alguma que não esteja a olharte Muda a tua vida É um abalo um vermonos derrubados que tem lugar devido a essa dimensão especial com que nos confronta toda a experiência artística Da obra de arte provém um abalo que derruba o espectador O polido e liso tem uma intenção completamente diferente moldase ao observador suscitalhe um Gosto Tudo o que quer não é derrubar mas agradar Hoje o próprio belo acaba por ser amaciado quando se lhe retira toda a negatividade toda a forma de comoção e de vulneração O belo esgotase no Gosto A estetização revelase uma anestetização 8 Seda a percepção É assim que a obra Wow de Jeff Koons é também uma reação anestética que se opõe diametralmente à experiência negativa do abalo do verse derrubado Hoje a experiência do belo tornase impossível Onde o agrado abre caminho e se impõe juntamente com o Gosto a experiência que não é possível sem negatividade fica paralisada A comunicação visual polida é impecável eefetuase como um contágio sem distância estética A visibilidade exaustiva do objeto destrói também o olhar É só a alternativa rítmica de presença e ausência de encobrimento e desvelamento que mantém desperto o olhar Do mesmo modo o erótico resulta da encenação de um aparecerdesaparecer 9 à linha de flutuação do imaginário 10 A pornográfica presença permanente do visível destrói o imaginário Paradoxalmente não dá nada a ver Hoje não é só o belo mas também o feio a tornarse polido Também o feio perde a negatividade do diabólico do sinistro ou do terrível e amaciamno do mesmo modo tornandoo uma fórmula de consumo e fruição Carece por completo desse olhar de medusa que infunde medo e terror e que faz com que tudo se torne pedra O feio tal como o usaram os artistas e poetas fin de siècle tinha alguma coisa de abissal e de demoníaco A política surrealista do feio era provocação e emancipação rompia em termos radicais com os modelos tradicionais de percepção Bataille percebia no feio uma possibilidade de dissolução dos limites e de libertação Uma via de acesso à transcendência Ninguém duvida da fealdade do ato sexual Do mesmo modo que a morte no sacrifício a fealdade do acasalamento instala na angústia Mas quanto maior for a angústia mais forte será a consciência de se estarem a exceder os limites consciência decidida por um êxtase de alegria 11 Por conseguinte a essência da sexualidade é excesso e transgressão Dissolve os limites da consciência Nisso consiste a sua negatividade Hoje a indústria do entretenimento explora o feio e o repugnante Tornaos consumíveis De início a repugnância era um estado de exceção uma crise aguda de autoafirmação perante uma alteridade inassimilável um espasmo e um combate em que se decidem literalmente o ser e o não ser 12 O repugnante é o inconsumível por excelência De igual maneira para Rosenkranz o repugnante tem uma dimensão existencial É o que difere da vida o que difere da forma o que apodrece e se decompõe O cadáver é um fenómeno escandaloso porque tem ainda forma embora seja em si mesmo amorfo Devido à forma ainda presente conserva uma aparência de vida se bem que esteja morto O repugnante é a dimensão de realidade que possui o atroz a negação da forma bela do fenómeno através de uma amorfidade que provém da natureza física ou do devaneio rescença moral A aparência de vida naquilo que em si mesmo está morto é o que o repugnante tem de infinitamente adverso 13 Uma vez que é o infinitamente adverso o repugnante subtraise a todo o consumo Mas o repugnante que hoje se oferece nos reality shows de sobrevivência carece de qualquer negatividade capaz de desencadear uma crise existencial Amaciamno impondolhe um formato de consumo A depilação brasileira deixa o corpo polido Incarna o atual imperativo de higiene Segundo Bataille a essência do erotismo é a contaminação Por conseguinte o imperativo higiénico seria o fim do erotismo O erotismo sujo cede o lugar à pornografia limpa Precisamente a pele depilada outorga ao corpo um polimento pornográfico que é percebido como puro e limpo A sociedade atual obcecada pela limpeza e a higiene é uma sociedade positiva que sente repugnância perante qualquer forma de negatividade O imperativo higiénico transferese do mesmo modo para outras áreas É assim que por toda a parte se ditam proibições em nome da higiene Robert Pfaller observa certeiramente no seu livro Das schmutzige Heilige und die reine Vernunft O Sagrado Sujo e a Razão Pura Se procurando traços comuns tentarmos caracterizar as coisas que por assim dizer se tornaram não oficialmente impossíveis para a nossa cultura aquilo que primeiro nos chamará a atenção é o facto de essas coisas a nossa cultura as experimentar muitas vezes sob o signo da repugnância como sujas 14 À luz da razão higiênica toda a ambivalência e todo o segredo são igualmente percebidos como sujos É a transparência que é pura As coisas tornamse transparentes quando se inserem em fluxos polidos de informações e de dados Os dados têm qualquer coisa de pornográfico e de obsceno Não têm intimidade nem reverso nem fundo duplo Nisso distinguemse da linguagem que não permite uma nitidez total Os dados e as informações entregamse a uma visibilidade total e tornam tudo visível O dataísmo está a introduzir umas segundas Luzes A ação que pressupõe o livrearbítrio era uma das máximas das primeiras Luzes As segundas Luzes amaciam a ação tornandoa transação processo manipulado através de dados que se efetua sem qualquer autonomia ou dramaturgia por parte do sujeito As ações tornamse transparentes quando se tornam transacionais quando se submetem ao processo calculável e controlável A informação é uma forma pornográfica do saber Carece dessa interioridade que o caracteriza Do mesmo modo é própria do saber uma negatividade porque o saber não poucas vezes tem de ser conquistado em luta contra uma resistência O saber tem uma estrutura temporal completamente diferente Em tensão entre o passado e o futuro A informação em contrapartida habita um tempo amaciado a partir de pontos indiferenciados do presente É um tempo sem acontecimentos nem destino O polido é alguma coisa de que alguém simplesmente gosta Carece da negatividade do contrário Deixou de ser um corpo contraposto Também a comunicação hoje se torna lisa Amaciase através da transformação de uma troca sem fricção de informações A comunicação polida carece comunicação polida do idêntico A positividade do polido acelera os circuitos de informação de comunicação e de capital O Corpo Liso Nos filmes atuais o rosto aparece muitas vezes filmado em primeiro plano O primeiro plano faz com que o corpo apareça no seu conjunto de modo pornográfico Despojao da linguagem O pornográfico é que o corpo seja despojado da sua linguagem As partes do corpo filmadas em primeiro plano produzem um efeito que as faz parecer órgãos sexuais O primeiro plano de um rosto é tão obsceno como o de um sexo É um sexo Qualquer imagem qualquer forma qualquer parte do corpo vista de perto é um sexo15 Segundo Walter Benjamin o primeiro plano representa ainda uma práxis linguística e hermenêutica O primeiro plano lê o corpo Após o espaço configurado através da consciência torna legível a linguagem do inconsciente 24 ByungChul Han te sobretudo porque em vez de um espaço tecido pelo homem através da sua consciência apresenta um outro espaço inconscientemente tecido Énos mais ou menos familiar o gesto que fazemos ao pegar no isqueiro ou na colher mas quase nada sabemos do que se passa entre a mão e o mental e muito menos das suas oscilações segundo os estados de espírito variáveis em que nos encontramos16 No primeiro plano do rosto o fundo desvanecese por completo O que conduz a uma perda do mundo A estética do primeiro plano reflete uma sociedade que se tornou ela própria uma sociedade do primeiro plano O rosto dá a impressão de ter ficado apanhado em si mesmo tornandose autorreferencial Deixa de ser um rosto que contenha mundo ou seja deixa de ser expressivo O selfie é exatamente esse rosto vazio e inexpressivo A dependência aditiva do selfie remete para o vazio interior do eu Hoje o eu é muito pobre em formas de expressão estáveis com as quais se pudesse identificar e que lhe concedessem uma identidade firme Hoje nada tem consistência Esta inconsistência repercutese também no eu desestabilizandoo e tornandoo inseguro É precisamente esta insegurança este temor por si mesmo que conduz à dependência do selfie a uma marcha no vazio do eu que não encontra nunca sossego Confrontado com o vazio interior o sujeito do selfie tenta em vão produzirse a si próprio O selfie é o si próprio em formas vazias Estas reproduzem o vazio O que gera a adição ao selfie não é um autoenamoramento ou uma vaidade narcísicos mas um vazio interior Não há aqui um eu estável e narcísico que se ame a si mesmo Encontramonos antes frente a um narcisismo negativo A Salvação do Belo 25 No primeiro plano o rosto é amaciado até se transformar em face A face não tem profundidade nem planos mais baixos É precisamente lisa Carece de interioridade Face significa fachada do latim facies A exposição da face como fachada não necessita de profundidade de campo Esta última teria antes por efeito desfavorecer a fachada É assim que se abre inteiramente o diafragma O diafragma aberto elimina a profundidade a interioridade o olhar Torna a face obscena e pornográfica O desígnio de expor destrói essa reserva que constitui a interioridade do olhar Nada olha retém para dentro o seu amor e o seu medo tal é o Olhar17 A face que se expõe não tem olhar O corpo encontrase hoje em crise Desintegrase não só em partes corporais pornográficas mas também em séries de dados digitais A fé na mensurabilidade e na quantificabilidade da vida domina a época digital no seu conjunto É também essa fé que o movimento Quantified Self aclama Equipase o corpo de sensores digitais que registam todos os dados que se referem à corporalidade O Quantified Self transforma o corpo num ecrã de controlo e vigilância Os dados recolhidos são também postos em rede e trocados O dataísmo dissolve o corpo em dados tornao conforme aos dados Por outro lado o corpo desmembrase em objetos parciais que se assemelham a órgãos sexuais 26 ByungChul Han ser uma extensão do corpo ocupada por fantasias de poder posse e apropriação O automóvel que se autoconduz deixou de ser um falo Um falo ao qual me limito a estar conectado é uma contradição Do mesmo modo a partilha do automóvel carsharing desencanta e dessacraliza o automóvel E desencanta igualmente o corpo O princípio do partilhar ou do sharing não vigora sobre o falo porque este é precisamente o símbolo da apropriação da propriedade e do poder por antonomásia As categorias económicas do partilhar ou do sharing como a conexão ou o acesso destroem a fantasia do poder e da apropriação No automóvel que se autoconduz não sou autor demiurgo ou dramaturgo mas um simples interface na rede global da comunicação Estética do Polido e do Liso A estética do belo é um fenómeno autenticamente moderno É só com a estética da modernidade que o belo e o sublime se soltam um do outro O belo fica isolado na sua positividade pura Ao fortalecerse o sujeito da modernidade faz do belo alguma coisa de positivo tornandoo objeto de agrado Assim o belo acaba por se opor ao sublime que devido à sua negatividade não suscita num primeiro momento complacência imediata alguma A negatividade do sublime que o distingue do belo volta a tornarse positiva no momento em que é reduzida à razão humana Já não é o exterior já não é o totalmente diferente mas uma forma de expressão interior do sujeito No PseudoLongino que redigiu o texto Sobre o Sublime peri hypsous o belo e o sublime ainda não se encontram diferenciados Deste modo o belo faz também parte da negatividade do assombroso O belo vai muito para lá da complacência As mulheres formosas são segundo o PseudoLongino dores oculares quer dizer dolorosamente Tãopouco em Platão o belo se diferencia do sublime O belo precisamente no que tem de sublime não pode ser superado Élhe própria essa negatividade que se revela característica do sublime A contemplação do belo não suscita complacência mas comove Nos passos finais do caminho do belo o iniciado vislumbra de súbito o espantosamente belo thaumaston kalon18 o divinamente belo theion kalon19 Mas o contemplativo perde o domínio de si mergulha no espanto e no horror ekplettontaí Arrebatao um delírio 20 A metafísica platónica do belo contrasta em grande medida com a estética moderna do belo enquanto estética da complacência que confirma o sujeito na sua autonomia e autocomplacência em vez de o comover De modo consequente a estética moderna do belo começa com a estética do liso Para Edmund Burke o belo é sobretudo o liso Os corpos que agradam ao tato não devem oferecer resistência alguma Têm de ser lisos Quer dizer o liso é uma superfície otimizada sem negatividade O liso causa uma sensação completamente livre de dor e de resistência Se a lisura como parece evidente é uma causa principal de agrado para o tato o gosto o olfato e o ouvido será necessário reconhecêla também como uma das bases da beleza visual sobretudo uma vez que mostramos que tal qualidade se pode encontrar quase sem exceção em todos os corpos que unanimemente se consideram belos É indubitável que os corpos ásperos e angulosos irritam e molestam os órgãos sensitivos causando uma sensação dolorosa que consiste numa tensão ou contração violenta das fibras musculares21 A Salvação do Belo 29 A negatividade da dor reduz a sensação do belo Até mesmo a robustez e a fortaleza o diminuem Belas são propriedades como a ternura e a finura O corpo é fino quando consta de partes lisas que não mostram aspereza nem confundem a vista22 O corpo belo que suscita amor e alegria não faz esperar resistência A boca está ligeiramente aberta a respiração é lenta todo o corpo repousa e as mãos pendem de lado indolentes Tudo isto segundo Burke é acompanhado de um sentimento de enternecimento e de fraqueza23 Burke eleva o liso a traço essencial do belo É assim que as folhas lisas parecem belas nas árvores e nas flores e nos animais o mesmo se passa com as pelagens lisas O que faz com que uma mulher seja bela é sobretudo a pele lisa Todo o áspero estropia a beleza Pois quando se toma algum objeto belo e se faz a sua superfície pôrse quebradiça e áspera aquele deixa de agradar Por outro lado deixese que um objeto perca tantas bases da beleza quantas se queira contanto que mantenha somente essa qualidade de liso continuará a agradar mais do que quase todos os restantes objetos que a não tenham24 O ângulo agudo intervém do mesmo modo em detrimento do belo Pois com efeito toda a aspereza toda a saliência brusca e todo o ângulo agudo contradizem em sumo grau a ideia de beleza25 Ainda que uma modificação da forma como toda a variação se faça em proveito do belo não deverá contudo produzirse de maneira abrupta nem repentina O belo tolera somente uma mudança suave da forma É verdade que estas figuras angulosas mudam drasticamente mas fazemno de maneira repentina e abrupta e não conheço objeto natural algum que seja anguloso e ao mesmo tempo belo26 No que se refere ao gosto é o doce que corresponde ao liso No caso do olfato e do gosto deparasenos que também todas as coisas doces que parecem agradáveis a esses sentidos e que em geral dizemos que são doces têm uma natureza lisa 27 O liso e o doce têm a mesma origem São fenómenos de positividade pura É por isso que se esgotam no simplesmente agradável Edmund Burke liberta o belo de toda a negatividade O belo deve deparar com um deleite completamente positivo28 Em contrapartida há uma negatividade que é própria do sublime O belo é pequeno e delicado leve e terno Caracterizase pelo liso e pelo suave O sublime é grande maciço tenebroso agreste e rude Causa dor e horror Mas é saudável na medida em que comove energicamente o animo enquanto o belo o torna letárgico Perante o sublime Burke faz com que a negatividade da dor e do horror torne a mudarse em positividade acabando por ser purificadora e vivificante É assim que o sublime fica por completo ao serviço do sujeito Com o que perde a sua alteridade e a sua estranheza É completamente absorvido pelo sujeito Em todos estes casos se a dor e o horror são suficientemente moderados para não causarem danos imediatos se a dor não alcançou verdadeira veemência e se o horror não acompanha o afundamento imediato da pessoa então estes estímulos purificando certas partes do nosso corpo quer dolentes quer rudes de perturbações nervosas e fatigan co Não é um sentimento do objeto mas do sujeito O belo não é algo de diferente por que o sujeito se deixaria arrebat ar A complacência no belo é a complacência do sujeito em si mesmo Na sua teoria estética Adorno sublinha precisamente esse traço autocrático da estética kantiana do belo Este formal que obedece a legalidades objetivas sem considerar o seu outro mantém o seu caráter agradável sem que esse outro o enfraqueça nele a subjectividade gratificase inconscientemente a si mesma através do sentimento do seu domínio30 Ao contrário do belo o sublime não suscita qualquer complacência imediata Perante o sublime a primeira sensação é como dizia Burke dor ou fastio O sublime tornase demasiado poderoso demasiado grande para a imaginação Esta não pode registálo não pode compilálo numa imagem É assim que o sujeito dá por si comovido e avassalado por ele É nisso que consiste a negatividade do sublime Quando contempla fenómenos naturais poderosos o sujeito num primeiro momento sentese impotente Mas recompõese graças concretamente a essa autoconservação de um tipo totalmente diferente O sujeito salvase refugiandose na interioridade da razão perante cuja ideia de infinitude tudo na natureza se torna pequeno Nem sequer os fenómenos naturais poderosos comovem o sujeito A razão elevase acima deles O medo de morrer a inibição das forças vitais à vista do sublime não dura mais do que um breve momento O refúgio na interioridade da razão nas suas ideias faz com que esse medo se torne de novo sentimento de prazer tes serão de molde a contentarnos não a suscitar deleite mas uma espécie de horror que contenta uma espécie de sossego com um travo de horror29 Tal como Burke Kant isola o belo na sua positividade O belo suscita uma complacência positiva Mas vai para lá do prazer hedonista uma vez que Kant o inscreve no processo cognitivo Na produção de conhecimento intervêm tanto a imaginação como o entendimento A imaginação é a faculdade de compilar numa imagem unitária os múltiplos dados sensoriais fornecidos através da intuição O entendimento opera a um nível superior de abstração compilando as imagens num conceito Na presença do belo as faculdades cognitivas concretamente a imaginação e o entendimento encontramse num jogo livre harmoniosamente concertados As faculdade cognitivas jogam ao contemplar o belo Mas não trabalham na produção de conhecimento Ou seja perante o belo as faculdades cognitivas mantém uma atitude lúdica Contudo este jogo livre não é totalmente livre não é desprovido de propósito porque é um prelúdio ao conhecimento enquanto trabalho Mas continuam ainda a jogar A beleza pressupõe o jogo Tem lugar antes do trabalho O belo é agradável ao sujeito porque estimula a concertação harmoniosa das faculdades cognitivas O sentimento do belo não é senão o prazer com a harmonia das faculdades cognitivas com a harmonia da sintonização das forças cognitivas que é essencial para o trabalho do conhecimento Em Kant em última instância o jogo fica subordinado ao trabalho e além disso ao negócio Embora o belo não produza por si mesmo conhecimento conserva e mantém a postos o mecanismo cognitivo Na presença do belo o sujei É assim que ao vasto oceano revolto por tormentas não se pode chamar sublime O seu aspeto é atroz E temos de ter enchido já o ânimo de certas ideias para que uma visão assim o possa temperar mergulhandoo num sentimento que seja por si mesmo sublime sendo o ânimo estimulado a abandonar a sensibilidade e a ocuparse de ideias que encerrem uma finalidade superior31 À vista do sublime o sujeito sentese elevado acima da natureza porque o verdadeiramente sublime é a ideia de infinitude que é própria da razão Esta sublimidade é erroneamente projetada no objeto neste caso a natureza É a tal confusão que Kant chama transferência subreptícia Como acontece com o belo o sublime não é um sentimento do objeto mas um sentimento do sujeito um sentimento autoerótico de si mesmo A complacência no sublime é negativa enquanto a complacência no belo é positiva O agradável do belo é positivo porque agrada imediatamente ao sujeito À vista do sublime o que o sujeito sente de início é fastio Por isso a complacência no sublime é negativa A negatividade do sublime não consiste em que na presença desse sublime o sujeito se confronte com o diferente de si mesmo seja arrebatado de si mesmo e arrancado ao diferente se ponha fora de si Também não é própria do sublime uma negatividade do diferente que se entrecruzaria com o autoerotismo do sujeito Nem à vista do belo nem do sublime o sujeito se põe fora de si Não perde em momento algum a presença de espírito O totalmente diferente que se subtraísse ao sublime seria para Kant o atroz o monstruoso ou o abissal Seria uma catástro O sujeito de Kant conserva a todo o momento a presença de espírito Nunca se perde nunca se consome Uma interioridade autoerótica protegeo de toda a irrupção do diferente ou vinda de fora Nada o comove Adorno tem em mente outro tipo de espírito que perante a sublimidade da natureza do completamente diferente adquire consciência de si mesmo As lágrimas quebram o feitiço que o sujeito lança sobre a natureza Ao chorar o sujeito sai de si mesmo Aviso da liquidação do eu que abalado compreende a sua própria limitação e finitude Comunicação A dor dilacera o sujeito ao arrancálo da interioridade autoerótica A dor é a dilaceração através da qual o totalmente diferente se anuncia A dor à vista do belo que não é nunca mais direto do que a experiência da natureza é igualmente aspiração ao que o belo promete Em última instância a nostalgia do belo natural é a nostalgia de outro estado do ser de uma forma de vida totalmente diferente e sem violência A temporalidade do belo natural é o já do ainda não Manifestase no horizonte utópico do vindouro A temporalidade do belo digital é pelo contrário o presente imediato sem futuro e além disso sem história Está simplesmente perante O belo natural não se opõe ao belo artístico É antes a arte que imita o belo natural em si mesmo O belo artístico é a cópia do silêncio a partir do qual a natureza fala A alteridade cede passagem à diversidade O belo é um esconderijo A ocultação é essencial à beleza A beleza dáse mal com a transparência O belo vacila na hora de se manifestar A distração é essencial ao erótico Sempre que se esforçava por lograr compreender a beleza era o invólucro o que comovia Goethe O divino é o vestido O encobrimento é essencial à beleza da crítica de arte uma hermenêutica do encobrimento A crítica de arte não tem de levantar o véu mas antes o que tem a fazer é elevarse à verdadeira intuição do belo de elevarse a uma intuição que não se revelará nunca a isso a que chamamos empatia e que só de modo incompleto se revelará a uma contemplação mais pura do ingénuo a intuição do belo como segredo A beleza não se comunica nem à empatia imediata nem à observação ingénua O véu é mais essencial do que o objeto velado O encobrimento erotiza também o texto Segundo Santo Agostinho Deus obscurecera propositadamente as Sagradas Escrituras com metáforas com uma capa de figuras o revestimento é essencial para as Escrituras Também a Torá se serve da técnica do encobrimento Segundo Barthes o encobrimento forma uma parte essencial do erótico O lugar mais erótico de um corpo é aquele onde a roupa se abre essa zona da pele que cintila entre duas peças de vestuário as calças e a camisola entre duas bordas a camisa entreaberta a luva e a manga Erótica é a encenação de um aparecerdesaparecer A sedução joga com a intuição daquilo que no outro permanece eternamente secreto para si próprio aquilo que nunca saberei dele e que no entanto me atrai sob o selo do segredo Élhe inerente um pathos da distância e mais ainda um pathos do encobrimento É a intimidade do amor que elimina essa distância secreta que é essencial para a sedução Por fim a pornografia fála desaparecer por completo De uma figura para outra da sedução para o amor do jogo para o desejo e da sexualidade enfim para a pornografia pura e simples quanto mais avançamos mais progredimos no sentido de um segredo menor de um enigma menor mais progredimos no sentido da confissão da expressão do desvelamento Escorchado Sensibilidade especial do sujeito amoroso que o torna vulnerável oferecido em carne viva às feridas mais ligeiras É o Gosto que domina a percepção e o momento de verdade que o ver encerra aprender a ver é qualquer coisa menos um processo ativo e consciente Ou antes é um deixar que alguma coisa aconteça ou o exporse a um acontecimento Estou a aprender a ver Não sei a que se deve isso mas tudo penetra mais profundamente em mim e não fica no lugar em que de costume terminava sempre Tenho um interior que desconhecia É para ele que tudo se dirige agora Não sei o que acontece lá A experiência assemelhase a uma travessia em que temos de nos expor a um perigo Não há poema sem acidente não há poema que não se abra como uma ferida mas também não o há que não fira A fotografia erótica é uma imagem alterada fendida A imagem pornográfica em contrapartida não mostra quebras nem fissuras É lisa e polida Hoje todas as imagens são mais ou menos pornográficas É o que eu possa nomear não pode realmente ferirme A incapacidade de nomear é um bom sintoma da afeição Ao contrário do shock o punctum não grita O punctum ama o silêncio guarda o segredo O consumo voraz de imagens torna impossível fechar os olhos O punctum pressupõe uma ascese do ver O silêncio liberta a imagem do bláblá habitual da comunicação Fechar os olhos significa fazer falar a imagem no silêncio minhas histórias são uma forma de fechar os olhos contágio como afetacao como contato imediato entre a imagem e o olho A afetação grita e excita Estética do Desastre Na Crítica da Razão Prática de Kant encontramos as célebres palavras que figuram também na sua sepultura Duas coisas enchem a alma de admiração e respeito renovados e crescentes quanto mais reiterada e persistentemente a reflexão delas se ocupa o céu estrelado que está sobre mim e a lei moral que há dentro de mim78 A lei moral tem a sua sede na razão E o céu estrelado também não representa um lado de fora qualquer coisa de exterior ao sujeito mas desdobrase antes na interioridade da razão Etimologicamente desastre significa sem estrelas do latim desastrum No céu estrelado de Kant nenhum desastre aparece Kant não conhece o desastre Nem sequer os poderosos fenómenos naturais representam acontecimentos catastróficos Em presença da violência natural o sujeito refugiase numa interioridade da razão que faz com que todo o exterior apareça como pequeno Kant imunizase permanentemente contra o lado de fora ao qual a interioridade autoerótica do sujeito se subtrai Tudo deve ser conjugado a Segundo Hegel a tarefa da arte consiste em transformar em olho toda a figura em todos os pontos da sua superfície visível de maneira que nesse olho a alma livre se dê a conhecer na sua infinitude interior79 A obra de arte ideal é um Argos de mil olhos um espaço luminoso e vivo Ou como exclama Platão nesse célebre dístico dedicado a Aster Quando olhas as estrelas estrela minha pudera ser eu o céu para te olhar de lá de cima com mil olhos a arte de maneira inversa transforma cada uma das suas configurações num Argos de mil olhos para que a alma interior e a espiritualidade sejam vistas em todos os seus pontos80 O próprio espírito é um Argos de mil olhos que tudo ilumina sem restrições O céu de mil olhos de que fala Hegel parecese com o céu noturno estrelado de Kant que nenhum desastre nenhum lado de fora aflige Tanto o espírito de Hegel como a razão de Kant representam fórmulas de esconjuro contra o desastre contra o lá fora contra o totalmente diferente Enquanto ausência de estrelas o desastre irrompe no espaço estrelado É a alienação radical81 o lado de fora que alque bra a interioridade do espírito Não direi que o desastre é absoluto pelo contrário desorienta o absolut vai e vem desconcerto nómada embora com a brusquidão insens ível mas intensa do exterior82 O desastre caracteriza outra forma de expectativa que se distingue da do Argos de mil olhos de Hegel Quando digo o desastre vela não é para dar um sujeito à velada mas para dizer a velada não tem lugar sob um céu sideral83 O desastre significa estar separado das estrelas84 O céu vazio como contrafigura do céu estrelado representa para Blanchot a cena originária da sua infância Esse céu vazio revela a atopia do completamente diferente do exterior que não se trata de interiorizar cuja beleza e sublimidade acumulam a criança de uma alegria devastadora O súbito e absoluto vazio do céu não visível não obscuro surpreendeu a criança de tal encanto e alegria que por um momento se encheu de lágrimas85 A criança sentese arrebatada pela infinitude do céu vazio Arrancada à sua interioridade sentese ilimitada e esvaziada num exterior atópico O desastre é uma fórmula da felicidade A estética do desastre opõese à estética da complacência na qual o sujeito goza de si mesmo É uma estética do acontecimento Também pode ser desastroso um acontecimento inaparente como poeira branca que redemoinho numa gota de chuva um nevoão silencioso no crepúsculo matinal o cheiro de algumas rochas no calor do verão um acontecimento de vazio que esvazia o eu o desinterioriza o dessubjetiviza enchendoo assim de felicidade Todos os acontecimentos são belos porque expropriam o eu O desastre significa a morte do sujeito autoerótico que se agarra a si mesmo Em As Flores do Mal de Baudelaire encontrase o poema Hino à Beleza Baudelaire faz com que as estrelas astros des astres das quais a beleza emana rimem com desastres désastres A beleza é um desastre que desfaz as ordens das estrelas É o archete flambeau do qual a borboleta se aproxima e no qual se queima Flambeau rima com tombeau tumba O belo beau é intrínseco tanto ao ar chote flambeau como à tumba tombeau A negatividade do desastre do mortal é um momento do belo O belo segundo se diz na primeira das Elegias de Duíno de Rilke apenas é o começo do terrível que só a custo podemos suportar86 A negatividade do terrível constitui a matriz a camada profunda do belo O belo é o insuportável que somos ainda capazes de suportar ou o insuportável tornado suportável Escudanos do terrível Mas ao mesmo tempo através do belo cintila o terrível Eis o que constitui a ambivalência do belo O belo não é uma imagem mas um escudo Também para Adorno a negatividade do terrível é essencial no belo O belo é a forma intrínseca do amorfo do indiferenciado O espírito que forma esteticamente só deixou passar daquilo em que ocupou a sua atividade o que se lhe assemelhava o que compreendia ou a que tinha a esperança de se equiparar Tratavase de um processo de formalização O belo distinguese do amorfo do terrível do todo indiviso pondo formas quer dizer diferenças A imagem do belo como o uno e diferenciado surge com a emancipação perante o medo à natureza avassaladora enquanto todo não diferenciado Mas a aparência bela não esconjura por completo o terrível A impermeabilização frente ao que existe imediatamente contra o amorfo tem fugas87 O amorfo acoitase do lado de fora como o inimigo perante as muralhas da cidade sitiada e fála morrer de fome88 A aparência bela é frágil e está ameaçada Vêse progressivamente perturbada pelo diferente dela pelo terrível A redução que a beleza causa ao terrível do qual e acima do qual se eleva e que mantém fora do seu templo tem à vista do terrível qualquer coisa de abalador A relação entre o belo e o terrível é ambivalente O belo não se limita a repelir o terrível E tãopouco o desacredita Antes o espírito configurador necessita do amorfo seu inimigo para não se anquilosar numa aparência morta A racionalidade configuradora necessita da mimésis que se molda ao amorfo ao terrível É próprio do espírito o anseio mimético do dominado89 que não é outra coisa senão o terrível O belo está situado entre o desastre e a depressão entre o terrível e o utópico entre a erupção do diferente e o anquilosamento no idêntico A ideia do belo natural de Adorno é precisamente dirigida contra a identidade rígida da forma O belo dá testemunho do nãoidêntico O belo natural é a marca do nãoidêntico nas coisas sob o fetiche da identidade universal Enquanto esse fetiche impera nada de nãoidêntico existe positivamente Daí que o belo natural esteja tão disperso e incerto e que aquilo que dele se espera supere todo o intrahumano90 A negatividade da quebra é constitutiva do belo É por isso que Adorno fala de uma coerência antagónica e quebrada91 Sem a negatividade da quebra o belo atrofiase no liso e no polido Adorno descreve a forma estética recorrendo a fórmulas paradoxais A sua harmonização consiste em não estar em ordem Não é livre de divergências nem de contradições92 A sua unidade rompese Vêse interrompida através do seu outro93 O coração do belo está quebrado O saudável é uma forma de expressão do liso e do polido Paradoxalmente irradia alguma coisa de mórbido alguma coisa de morte Ao belo é inerente uma fraqueza uma fragilidade uma quebra A saúde pelo contrário não seduz Tem qualquer coisa de pornográfico A beleza é doença É um juízo de gosto intelectual que se funda no acordo do gosto com a razão isto é do belo com o bem Uma identidade pessoal baseada em serse sexualmente desejável é um produto do capitalismo de consumo O consumidor ideal é um homem sem caráter O Facebook é um mercado da falta de caráter A ordem digital desloca todos os parâmetros do ser Propriedade vizinhança clã estirpe e ordem todos eles se enquadram na ordem terrena na ordem da terra A economia da partilha ou do sharing faz com que também a propriedade se torne supérflua sendo substituída pelo acesso O meio digital assemelhase ao mar sem caráter onde não podem inscreverse linhas nem marcas fixas A Beleza como Verdade A estética de Hegel permite também uma dupla leitura Por um lado é possível lêla tendo em conta a interioridade subjetiva que não conhece nem exterior nem desastre algum Por outro lado permite uma leitura que se move ao longo da dimensão da liberdade e da reconciliação Esta segunda leitura é até mais interessante do que a primeira Se despirmos o pensamento de Hegel do espartilho da subjetividade ou se desativarmos a sua carga de subjetividade descobriremos aspetos muito interessantes A crítica pósmoderna de Hegel ocultaos por completo Na estética de Hegel o conceito é central Hegel idealiza o belo e conferelhe o esplendor da verdade A beleza é o conceito que se manifesta no sensível ou a ideia enquanto realidade configurada de acordo com o seu conceito O conceito hegeliano nada tem de abstrato É a forma viva e vitalizante que configura em profundidade a realidade intervindo através dela e apreendendoa O conceito unifica as suas partes numa totalidade viva e orgânica A totalidade que o conceito configura compreende todo o em si No conceito belo é esta recompilação esta congregação no uno capaz de revogar mil particularidades a partir da sua dispersão para as concentrar numa expressão e numa figura103 O conceito é congregante transmissor e reconciliador É assim que nada tem que ver com um amontoado104 Não há amontoado que seja belo O conceito ocupase de que o conjunto não se desintegre nem se dissipe num amontoado Uma crítica frequente endereçada à ideia hegeliana de todo crítica procedente sobretudo das fileiras pósmodernas diz que o todo sendo uma totalidade domina as partes individuais reprimindo a sua pluralidade e heterogeneidade Mas tratase de uma crítica que não presta justiça à ideia hegeliana da totalidade nem do conceito A totalidade hegeliana não é uma configuração de dominação não é uma totalidade que submeta a si mesma as partes e as subjugue Pelo contrário só essa totalidade abre às partes a sua margem de movimento e de ação com isso tornando pela primeira vez possível a liberdade O todo é o uno que em si conserva as partes vinculadas na sua liberdade105 A totalidade é uma figura de mediação e reconciliação uma unidade harmoniosa um equilíbrio em repouso de todas as partes106 É reconciliadora O conceito funda uma unidade em que as partes e as oposições particulares não perseveram umas contra as outras numa autonomia e firmeza reais mas já se mantêm vigentes tãosó como momentos ideais reconciliados numa consonância livre107 A reconciliação representa a tarefa por antonomásia da filosofia A Salvação do Belo A verdade é reconciliação A verdade é liberdade O conceito engendra uma totalidade harmoniosa E é bela a sintonização conjunta e sem coerção das partes numa totalidade Ambas as coisas devem ser dadas no objeto belo a necessidade que o conceito põe na pertença mútua dos aspetos particulares e a aparência da liberdade dessas partes como sendo para si e não só como surgidas para a unidade109 Do mesmo modo a liberdade para si das partes no interior da unidade ou totalidade é constitutiva da beleza O objeto belo é algo que está frente ao sujeito e com que o sujeito estabelece também uma relação livre Frente a um objeto o sujeito não é livre enquanto permanece dependente dele ou enquanto tenta submetêlo à sua vontade ao seu objetivo e ao seu interesse deparando ao fazêlo com a resistência do objeto O estético assume uma posição de meio e de mediação entre o teórico e o prático livre porque submete as coisas aos seus impulsos e paixões Confrontase então com a resistência das coisas Só na relação estética com o objeto o sujeito é livre A relação estética liberta igualmente o sujeito para a sua própria peculiaridade O que caracteriza o objeto artístico é a liberdade e a ausência de coerção A relação estética não acossa em sentido algum o objeto nada lhe impõe de exterior A arte é uma práxis de liberdade e de reconciliação O interesse artístico distinguese do interesse prático dos apetites no deixar que o seu objeto permaneça livre por si mesmo enquanto os apetites o usam para seu próprio proveito destruindoo Pelo contrário a observação artística distinguese da observação teórica da inteligência científica de maneira inversa albergando um interesse pelo objeto na sua existência particular sem agir em vista de transformar o objeto num pensamento geral nem num conceito seus O deixar ser ou mais ainda o desprendimento sereno seria a sua postura perante o belo Só o belo ensina o sujeito a demorarse desinteressadamente nalguma coisa Por isso a contemplação do belo é de tipo liberal um deixar estar os objetos como livres e infinitos em si mesmos sem querermos possuílos ou utilizálos enquanto úteis em vista de necessidades e intenções finitas113 Na presença do belo desaparece também a separação entre sujeito e objeto entre o eu e o objeto O sujeito mergulha contemplativamente no objeto e unificase e reconciliase com ele Na relação com o objeto o eu deixa igualmente de ser uma simples abstração do prestar atenção da visão sensível da observação Neste objeto o eu tornase em si mesmo concreto realizando a unificação das partes que até agora estavam separadas em eu e objeto e que por isso eram abstratas na sua concreção própria e para si114 É por isso que a arte não se adapta ao capitalismo que tudo submete ao consumo e à especulação Não são frequentes Tem uma exclusão geradora que lhes é própria Que também a teoria é capaz de produzir Um amontoado de dados como os Big Data pode fornecer informações úteis mas não gera nem conhecimento nem verdade Este fim da teoria proclamado por Chris Anderson em que a teoria é completamente substituída por dados significa o fim da verdade o fim da narrativa o fim do espírito Os dados são simplesmente aditivos A adição opõese à narração A verdade tem uma verticalidade intrínseca Os dados e as informações em contrapartida habitam o horizontal A calocracia neoliberal gera imperativos O botox a bulimia e as cirurgias estéticas refletem o seu terror A liberdade da arte subordinase à liberdade do capital Política do Belo Na sua Antropologia de Um Ponto de Vista Pragmático Kant concebe o engenho ingenium como um luxo da cabeça Este luxo é possível num espaço de liberdade que esteja livre da escassez e da necessidade Por isso é florescente do mesmo modo que a natureza nas suas flores parece estar a fazer um jogo enquanto se ocupa de um negócio nos seus frutos A beleza das flores devese a um luxo livre de qualquer economia É a expressão de um jogo livre sem coerção nem finalidade É por isso que se opõe ao trabalho e ao negócio Onde imperam as coerções e as necessidades não há margem para o jogo que é constitutivo do belo O belo é um fenómeno do luxo O necessário que se reporta somente à escassez não é belo Segundo Aristóteles o homem livre é alguém que é independente da precariedade da vida e dos seus imperativos Entre elas contamse a vida orientada para o gozo das coisas belas a vida que gera acções belas na pólis e por fim a vida contemplativa dos filósofos que investigando o que não perece nunca permanece no âmbito da beleza perpétua As coisas belas são aquelas que não são dominadas pela necessidade nem pela utilidade Nenhuma política do belo é possível na atualidade uma vez que a política atual permanece submetida por completo aos imperativos do sistema Dispõe apenas de margens A política do belo é uma política da liberdade A ausência de alternativas sob cujo jugo trabalha a política atual torna impossível a ação autenticamente política A política atual não age mas trabalha Determinadas qualidades do belo agudizam uma sensação intuitiva de justiça Até agora temos mostrado de que maneira as propriedades que formam parte do objeto belo nos ajudam a obter justiça120 A simetria na qual se funda também a ideia de justiça é igualmente bela A relação justa implica de maneira necessária uma proporção simétrica Uma assimetria total provoca uma sensação de fealdade A própria injustiça expressase como uma proporção extremamente assimétrica Com efeito Platão pensa o bom a partir da beleza do simétrico Scarry remete para uma experiência do belo que desnarcifíca o sujeito e que além disso o desinterioriza Na presença do belo o sujeito retirase deixando espaço ao outro Esta retirada radical de si mesmo em benefício do outro é um uto ético Segundo Simone Weil a beleza exige de nós o renunciar à nossa posição figurada como centro Não é que deixemos de estar no centro do próprio mundo mas voluntariamente cedemos o nosso terreno às coisas perante as quais nos achamos121 Na presença do belo o sujeito assume uma posição lateral põese de lado em vez de se impor abrindo caminho Passa a ser uma figura lateral lateral figure Retirase em benefício do outro Scarry crê que esta experiência estética na presença do belo se prolonga até ao ético A retirada do sipróprio é essencial em termos de justiça O que significa que a justiça é um estado de convivência belo A alegria estética pode traduzirse no plano ético O Teatro Pornográfico Ao serlhe perguntado por que razão abandonou definitivamente o teatro Botho Strauß responde Simplesmente acabouse Eu queria ser em cena um erotómano mas são os pornógrafos que mandam hoje no teatro em sentido estético ou literal A mim interessamme as ligações e as reviravoltas eróticas mas hoje já não se estabelecem ligações nem se produzem reviravoltas mas é só o aspeto pornográfico que se expõe sempre123 O erotómano distinguese do pornógrafo por ser indireto e por operar rodeios Ama as distâncias cénicas Procede por alusões em vez de expor diretamente o tema O ator erótico não é um expositor pornográfico A erótica é alusiva e não diretamente afetante O que a distingue da pornografia O modo temporal do pornográfico é direto e sem rodeios A demora o abrandamento e a distracao sao as modalidades temporais do erótico O deítico mostrar de forma direta o assunto é pornográfico A pornografia evita rodeios Vai dire Os sentimentos são narrativos As emoções são impulsivas Nem as emoções nem as afetações desdobram um espaço narrativo O teatro das afecções não narra Há antes uma massa de afecções que carrega diretamente a cena É nisso que consiste o seu caráter pornográfico Os sentimentos têm também uma temporalidade diferente das emoções e das afetações Possuem uma duração uma longitude narrativa As emoções são essencialmente mais passageiras do que os sentimentos As afecções limitamse a um momento E são somente os sentimentos que têm acesso ao dialógico ao outro É por isso que existe a empatia mas não há uma emoção ou uma afetação conjuntas Tanto as afetações como as emoções são expressão de um sujeito isolado e monológico A atual sociedade íntima elimina cada vez mais modalidades e margens objetivas em que cada um possa escapar de si mesmo da sua psicologia A intimidade contrapõese à distância lúdica ao teatral O decisivo para o jogo são as formas objetivas e não os estados psicológicos e subjetivos O jogo rigoroso ou o ritual exoneram a alma não concedendo qualquer margem à pornografia anímica Não se produz nela excentricidade egolatria nem exaltação O encanto e o jogo rigoroso excluem o arbítrio emocional o nudismo anímico e o psicopático A atriz ou além dela a jogadora passional é despsicologizada dessubjetivizada e desinteriorizada até se transformar em ninguém Não és ninguém porque de outro modo não serias uma grande atriz O ninguém do latim nemo não tem alma alguma que seja possível desnudar Perante o nudismo anímico da pornografia perante o psicopático Strauß exige uma autotranscendência nemológica na qual indo para lá de si mesmo cada um se dirija ao outro e no deixe seduzir por ele O teatro erótico é o lugar em que é A Demora no Belo O conjuro de Fausto Mas fica És tão bela oculta um aspeto importante do belo uma vez que precisamente o belo convida à demora O que obstaculiza a demora contemplativa é a vontade Mas ao contemplar o belo a vontade retirase Este aspeto contemplativo do belo é também central na conceção que Schopenhauer tinha da arte e em cujos termos o prazer estético que a beleza produz consiste em boa parte no facto de ao entrarmos no estado de contemplação pura ficarmos de momento desembaraçados de todo o querer isto é de todo o desejo e cuidado como que de certo modo livres de nós próprios125 O belo desembaraçame de mim O eu mergulha no belo Na presença do belo desprendese de si mesmo O que faz com que o tempo transcorra é a vontade o interesse e para lá deles o conato o impulso Mergulhar contemplativamente no belo quando o querer se retira e o sípróprio se retrai gera um estado em que por assim dizer o tempo se mantém quieto A ausência de querer e de interesse detém o tempo e até mesmo aplacao Esta quietude é o que distingue a visão estética da perceção simplesmente sensível Na presença do belo o ver chegou ao seu destino Deixa de ser impelido ou arrastado para diante Esta chegada é essencial no belo A eternidade do presente que se alcança numa demora em que o curso do tempo é superado referese ao diferente a eternidade do presente é a presença do outro É assim que demorandose no mesmo a eternidade cintila como uma luz que se difunde pelo diferente Se alguma vez na tradição filosófica se refletiu sobre essa eternidade foi na frase de Espinosa O espírito é eterno na medida em que concebe as coisas na perspetiva da eternidade126 Nesta perspetiva a tarefa da arte consiste na salvação do outro A salvação do belo é a salvação do diferente A arte salva o diferente resistindo a fixálo no seu estar presente127 Na medida em que é o totalmente diferente o belo anula o poder do tempo Hoje a crise da beleza consiste precisamente no facto de o belo se reduzir ao seu estar presente ao seu valor de uso ou de consumo O consumo destrói o outro O belo artístico é uma resistência contra o consumo Segundo Nietzsche a arte original é a arte das festas As obras de arte são testemunhos materializados desses momentos afortunados de uma cultura em que o tempo habitual que é o tempo que transcorre foi superado integrado no tempo de trabalho não é mais do que uma breve interrupção do tempo de trabalho durante a qual repousamos do trabalho para logo tornarmos a pôrnos inteiramente à disposição do processo laboral Por isso não melhora a qualidade do tempo Em Die Aktualität des Schönen a atualidade do belo Gadamer liga a arte à festa Em primeiro lugar assinala a peculiaridade da forma linguística que diz que a festa se celebra A celebração remete para a temporalidade peculiar da festa Sem dúvida celebração é uma palavra que suprime expressamente a noção de um objetivo em direção ao qual nos dirigimos A celebração tem lugar de tal modo que não é um lugar em direção ao qual tenhamos de ir primeiro antes de a ele chegarmos Quando se celebra uma festa a festa está lá o tempo todo sempre presente Tal é o caráter temporal da festa celebrase sem se desintegrar na duração de momentos que se desagregam uns dos outros129 Durante a festa é outro tempo o que vigora Nela foi superado o tempo enquanto sucessão de momentos fugazes e passageiros Não há objetivo algum em direção ao qual tenhamos de nos dirigir O dirigirse é precisamente aquilo que faz com que o tempo transcorra A celebração da festa suprime o transcurso É inerente à festa à celebração do tempo superior alguma coisa de imperecível Entre a arte e a festa existe uma analogia A essência da experiência temporal da arte é que aprendemos a demorarnos Talvez seja essa a correspondência à nossa medida daquilo a que chamamos eternidade130 A Salvação do Belo Que importa toda a nossa arte das obras de arte quando perdemos essa arte mais alta a arte das festas Anteriormente todas as obras de arte ocupavam o seu posto na grande álea triunfal do gênero humano como monumentos comemorativos de instantes elevados e felizes Hoje com as obras de arte querse afastar os pobres exaustos e os doentes da grande via de sofrimento da humanidade e proporcionarlhes um pequeno momento de embriaguez e de loucura128 As obras de arte são como monumentos de uma celebração nupcial e mais ainda de um tempo superior em que o tempo habitual foi superado O tempo festivo enquanto tempo superior aplaca o tempo quotidiano que seria o tempo de trabalho habitual detendoo O esplendor da eternidade é inerente ao tempo festivo Quando a via festiva é substituída pela via do sofrimento o tempo superior da celebração nupcial é rebaixado a um pequeno momento e à sua pequena embriaguez Tanto a festa como a celebração têm uma origem religiosa A palavra latina feriae significa o tempo previsto para os atos religiosos e cultuais Fanum significa lugar sagrado consagrado a uma divindade A festa começa quando cessa o tempo quotidiano profano profano significa etimologicamente o que está fora do recinto sagrado Pressupõe uma consagração Ése consagrado e iniciado para entrar no tempo elevado da festa Se se suprimir esse limiar essa passagem essa consagração que separa o sagrado do profano então resta apenas o tempo quotidiano e passageiro que é a seguir explorado como tempo de trabalho Hoje o tempo A Beleza como Reminiscência Benjamin eleva a recordação a essência da existência humana Dela brota toda a força da existência interiorizada A recordação é também o que constitui a essência do belo Até mesmo no seu pleno desabrochar a beleza é inessencial sem a recordação O que surge como essencial no belo não é a presença do brilho imediato mas o ter havido uma recordação que continua agora a iluminar É por isso que Benjamin remete para Platão A experiência do belo como recordação subtraise ao consumo que é dominado por uma temporalidade completamente diferente O que se consome é sempre o novo e não o sido O reconhecimento farseia até em detrimento do consumo A temporalidade do consumo não é o ter sido As recordações e a duração não se conciliam bem com o consumo Este alimentase de um tempo feito em pedaços A fim de se maximizar destrói a duração Do mesmo modo a abundância de informações a sucessão trepidante dos cortes obrigando os olhos a consumir depressa não permite também qualquer recordação permanente As imagens digitais não podem captar a atenção durante muito tempo Esvaziamse rapidamente dos seus atrativos visuais e desvanecemse A experiência fundamental de Marcel Proust é a experiência da duração desencadeada pelo sabor da madeleine molhada na infusão de tília É o acontecimento de uma recordação Uma pequena gota de tília dilatase até se transformar num imenso edifício da recordação Torna Proust participante de uma pequena porção de tempo puro O tempo condensase num cristal temporal aromático num recipiente transbordante de aromas que liberta Proust da fugacidade do tempo Fora invadido por um prazer delicioso um prazer isolado sem a noção da sua causa Tornarame imediatamente indiferentes as vicissitudes da vida inofensivos os seus desastres ilusória a sua brevidade do mesmo modo que o amor opera enchendome de uma essência preciosa ou antes tal essência não estava em mim era eu mesmo Deixara de me sentir medíocre contingente mortal A beleza acontece lá onde as coisas se voltam umas para as outras e entabulam relações A beleza narra Tal como a verdade é um acontecimento narrativo A internet das coisas que as conecta mutuamente não é narrativa A comunicação enquanto troca de informações nada narra Limitase a contar Mas são as ligações narrativas que são belas Hoje a adição tira o lugar à narração As relações narrativas são substituídas por conexões informativas A adição de informações não tem por resultado qualquer narração As metáforas são relações narrativas Fazem com que as coisas e os acontecimentos entabulem um diálogo mútuo A tarefa do escritor é metaforizar o mundo poetizálo O seu olhar poético descobre as relações amorosas ocultas que há entre as coisas A beleza é o acontecimento de uma relação Élhe inerente uma temporalidade peculiar Subtraise à gratificação imediata porque a beleza de uma coisa só se manifesta mais tarde à luz de outra coisa como reminiscência Consta de sedimentações históricas que fosforescem A beleza é retardatária diferida O belo não é um brilho momentâneo mas um permanecer aceso em silêncio A sua preferência consiste nesse reservarse Gerar no Belo Um ribombar é a verdade aparecida em si própria entre os homens por entre o nevoão das metáforas Paul Celan No seu diálogo O Banquete Platão estabelece uma escala de níveis do belo O amante do belo não se conforma com a visão de um corpo belo Acima da beleza habitual sobe nível após nível até ao belo em si Mas a inclinação pelo corpo belo não é condenada Aparece antes como uma parte essencial e mais ainda um começo necessário do movimento de ascensão até ao belo em si O traço peculiar da teoria platônica do belo consiste na ideia de que perante o belo não nos comportamos de uma maneira passiva e consumidora mas de uma maneira ativa e geradora Na presença do belo a alma vêse impelida a gerar por si mesma alguma coisa de belo Ao contemplar o belo o Eros desperta na alma uma força geradora ou filosóficas mas também políticas É assim que Platão louva pelas suas obras tanto poetas por exemplo Homero ou Hesíodo como também governantes por exemplo Sólon ou Licurgo As leis belas são obras do Eros São erotómanas não só o filósofo e o poeta mas também o político As belas ações políticas devemse ao Eros tanto como as obras filosóficas A política que se deixa conduzir pelo Eros é uma política do belo Pois que é uma divindade o Eros confere ao pensar uma consagração Sócrates é iniciado por Diotima nos mistérios do Eros que se subtraem tanto ao conhecimento episteme como ao discurso logos Heidegger é igualmente um erotómano É o Eros que dá asas ao pensamento e o guia Chamolhe Eros o mais antigo dos deuses segundo diz Parménides O golpe das asas desse Deus tocame sempre que dou um passo essencial no meu pensamento e me atrevo a entrar no intransitado Sem Eros o pensar degradase em mero trabalhar O trabalho que é o oposto do Eros profana e desencanta o pensar Heidegger não situa o belo no estético mas no ontológico É um platônico Segundo Heidegger o belo é o nome poético da diferença do ser O Eros referese ao ser Mas o ser compreendese na aspiração ao ser ou como dizem os gregos no Eros É conferida ao belo uma consagração ontológica A diferença ontológica distingue o ser do ente É entre tudo aquilo que é Mas deve ao ser o seu sentido O ser não é um fundo do qual surja o ente mas o horizonte de sentido e de compreensão a cuja luz unicamente se torna possível um comportarse em relação com o ente compreendendoo Heidegger concebe expressamente o belo como um fenómeno da verdade para lá da complacência estética A verdade é a verdade do ser A beleza não é alguma coisa que suceda adicionalmente a esta verdade Quando se põe na obra a verdade manifestase Este manifestarse enquanto tal ser da verdade na obra e como obra é a beleza É por isso que o belo faz parte do acontecer da verdade O belo não é somente alguma coisa de relativo ao agrado nem é somente objeto de agrado A verdade como verdade do ser é um sucesso um acontecimento que só ele confere ao ente sentido e significado É por isso que uma nova verdade põe o ente sob uma luz completamente diferente modificando a nossa relação com o mundo e a nossa compreensão da realidade A verdade faz com que tudo se mostre de outra maneira O acontecimento da verdade define de novo o que é real Gera um é diferente A obra é o lugar que gesta recebe e incarna o acontecimento O Eros está apegado ao belo à manifestação da verdade O que o distingue do agrado O tempo em que predomina o agrado o Gosto é diria Heidegger um tempo sem Eros sem beleza Enquanto acontecimento da verdade o belo é generativo fecundante e ainda por fim poetizante Dá a ver É esse dom o belo O belo não é a obra enquanto produto mas o sobressair da verdade que resplandece O belo transcende do mesmo modo a complacência desinteressada Hoje o belo é despojado de qualquer consagração Deixou de ser um acontecimento da verdade Nenhuma diferença ontológica nenhum Eros o protege do consumo É um simples ente algo de simplesmente dado e de presente na sua obviedade Encontramolo dado tãosó como objeto do agrado imediato Gerar no belo cede o lugar ao belo como produto como objeto de consumo e de agrado estético O belo é o que vincula Fundador de duração Não é um acaso que o belo em si segundo Platão seja eternamente aei on Da mesma maneira enquanto nome poético da diferença do ser o belo não é alguma coisa que se limite a agradar O belo é por excelência o vinculativo o normativo o que dá a medida Eros é a aspiração ao que vincula Badiou chamarlheia fidelidade No seu elogio do amor ele escreve Mas é sempre para dizer do que foi um acaso vou extrair outra coisa Vou extrair daqui uma duração uma obstinação um compromisso uma fidelidade Portanto fidelidade é uma palavra que emprego aqui na minha própria gíria filosófica retirandoa do seu contexto habitual Significa justamente a passagem de um encontro ocasional a uma construção tão sólida como se tivesse sido necessária A fidelidade e o que vincula implicamse mutuamente O que vincula exige fidelidade A fidelidade pressupõe o que vincula A fidelidade é incondicional É nisso que consiste a sua metafísica mais ainda a sua transcendência A estetização crescente da quotidianidade é justamente o que torna impossível a experiência do belo como experiência do que vincula A estetização em cansa é gerada unicamente por objetos que suscitam um agrado passageiro A volatilidade crescente não afeta apenas os mercados financeiros Abarca hoje toda a sociedade Nada tem consistência nem duração Frente a uma contingência radical surge a aspiração do vinculativo para lá da quotidianidade Encontramonos hoje numa crise do belo uma vez que este é amaciado e transformado em objeto de agrado em objeto do Gosto em qualquer coisa de arbitrário e gratificante A salvação do belo é a salvação do que vincula OBRAS DO AUTOR NESTA EDITORA A Sociedade do Cansaço A Sociedade da Transparência A Agonia de Eros Psicopolítica O Aroma do Tempo NESTA COLEÇÃO 1 Philippe Ariés A Criança e a Vida Familiar No Antigo Regime 2 Elisabeth Badinter O Amor Incerto 3 Elisabeth Badinter Um é o Outro 4 Mircea Eliade Ferreiros e Alquimistas 5 Ortega y Gasset A Rebelião das Massas 6 Edward T Hall A Dimensão Oculta 7 Agostinho da Silva Carta Vária 8 Miguel de Unamuno Do Sentimento Trágico da Vida 9 Oliver Sacks O Homem que Confundia a Mulher com Um Chapéu 10 Agostinho da Silva As Aproximações 11 Lou AndreasSalomé Eros 12 Manuel Laranjeira Prosas Dispersas 13 Jean Baudrillard Simulacros e Simulação 14 Paul Watzlawick A Realidade é Real 15 Hannah Arendt Homens em Tempos Sombrios 16 Francesco Alberoni A Árvore da Vida 17 Gianni Vattimo A Sociedade Transparente 18 Philippe Ariés O Tempo da História 19 Walter Benjamin Rua de Sentido Único e Infância em Berlim Por Volta de 1900 20 Walter Benjamin Sobre Arte Técnica Linguagem e Política 21 Oliver Sacks Despertares 22 George Steiner No Castelo da Barba Azul 23 Isabel do Carmo Saúde em Tempo de Risco 24 Erving Goffman A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias 25 Evelyne Sullerot Que País Que Filhos 26 Edward T Hall A Linguagem Silenciosa 27 María Zambrano Os Sonhos e o Tempo 28 Michel Foucault História da Sexualidade I A Vontade de Saber 29 Michel Foucault História da Sexualidade II O Uso dos Prazeres 30 Michel Foucault História da Sexualidade III O Cuidado de Si 31 María Zambrano O Homem e o Divino 32 Fernando Savater O Conteúdo da Felicidade 33 Carlo Ginzburg História Nocturna 34 María Zambrano Clareiras do Bosque 35 George Steiner Antigonas 36 Oliver Sacks Um Antropólogo em Marte 37 Victoria Camps Paradoxos do Individualismo 38 Edward T Hall A Dança da Vida 43 Junichiro Tanizaki Elogio da Sombra 44 Marío Vieira de Carvalho Razdo e Sentimento na Comunicação Musical 45 Erving Goffman Os Momentos e os Seus Homens 46 Oliver Sacks Perna para Que Te Quero 47 Fernando Savater Livre Mente 48 Hannah Arendt A Condição Humana 49 José Gil Movimento Total 0 Corpo e a Dança 50 George Steiner Errata Revisões de Uma Vida 51 Hannah Arendt Compreensão e Política e Outros Ensaios 52 Hannah Arendt Sobre a Revolução 53 Ernst Jünger Drogas Embriaguez e outras temas 54 Ortega y Gasset Estudos Sobre o Amor 55 George Steiner Gramáticas da Criação 56 Antônio Barreto Tempo de Incerteza 57 George Steiner Depois de Babel 58 João Baurento O Poço de Babel 59 George Steiner Paixão Intacta 60 George Steiner Nostalgia do Absoluto 61 Antônio Barreto Novos Retratos do Meu País 62 Maria Filomena Molder A Imperfeição da Filosofia 63 Georg Simmel Fidelidade e Gratidão e Outras Textos 64 Max Weber A Bolsa 65 Simone Weil A Gravidade e a Graça 66 Georg Simmel Fragmentos sobre o Amor e Outros Textos 67 Olga Pombo Interdisciplinaridade Ambições e Limites 68 Abdelwahab Meddeb A Doença do Islão 69 Bernard Lewis A Crise do Islão 70 Hannah Arendt Entre o Passado e o Futuro Oito Exercícios sobre o Pensamento Político 71 George Steiner Os Logocratas 72 Max Weber Sociologia das Religiões e Consideração Intermediária 73 Isaiah Berlin O Poder das Idéias 74 José Gil Monstros 75 Zygmunt Bauman Confiança e Medo na Cidade 76 Desmond Morris A Mulher Nua Um Estudo do Corpo Feminino 77 Hannah Arendt A Promessa da Política 78 Camille Paglia Personas Sexuais Arte e Decadência de Nefertiti e Emily Dickinson 79 Zygmunt Bauman Modernidade e Ambivalência 80 Peter Sloterdijk O Estranhamento do Mundo 81 Peter Sloterdijk O Refúgio do Gigante Paradoxo da Globalização 84 Oliver Sacks Musicofilia 85 Harold Bloorn Onde Está a Sabedoria 86 Marshall McLuhan CompreenderMe Conferências e Entrevistas 87 Antônio Barreto Anos Difíceis 88 José Gil O DevirEu de Fernando Pessoa 89 Peter Sloterdijk Cólera e Tempo 90 Eric Hobsbawm Escritos sobre a História 91 Elisabeth Badinter O Conflito A Mulher e a Mãe 92 José Gil A Arte como Linguagem 93 Oliver Sacks Vejo Uma Voz 94 Maria Filomena Molder O Químico e o Alquimista Benjamin Leitor de Baudelaire 95 Oliver Sacks O Olhar da Mente 96 Oliver Sacks Diário de Oaxaca 97 George Steiner A Poesia do Pensamento 98 Oliver Sacks Alucinações 99 Pierre Bourdieu A Dominação Masculina 100 Oliver Sacks Enxaqueca 101 José Gil Cansaço Tédio Desassossego 102 José Gil Pulsões 103 Maria Filomena Molder As Nuvens e o Vaso Sagrado Kant e Goethe Leituras 104 Hannah Arendt Sobre a Violência 105 ByungChul Han A Sociedade do Cansaço 106 ByungChul Han A Sociedade da Transparência 107 ByungChul Han A Agonia de Eros 108 George Steiner Extraterritorial 109 Simone Weil O Envoltamento 110 Peter Sloterdijk Morte Aparente no Pensamento 111 George Steiner Tolstoi ou Dostoiévski 112 José Gil Poderes da Pintura 113 ByungChul Han Psicopolítica 114 Umberto Eco Apocalípticos e Integrados 115 Oliver Sacks Em Movimento Uma Vida 116 George Steiner Dez Razões Passíveis para a Tristeza do Pensamento 117 ByungChul Han O Aroma do Tempo 118 Umberto Eco Cinco Escritos Morais 119 Umberto Eco Sobre as Espelhos e Outros Ensaios 120 Umberto Eco O SuperHomem das Massas 121 George Orwell Ensaios Escolhidos
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Texto de pré-visualização
A Salvação do Belo ByungChul Han O liso o polido a ausência de vincos são na época atual identificados com o belo É isso que existe em comum entre as esculturas de Jeff Koons alguns smartphones e a depilação Estas características evidenciam um excesso de positividade que ByungChul Han já tinha abordado noutros ensaios mas que aqui desenvolve nos campos da arte e da estética Porque é que nos agrada tanto o polido pergunta Han Porque não oferece resistência nem nos causa incómodo ou dor O belo digital é um espaço liso do que é idêntico e recusa a estranheza a alteridade a negatividade O que considerávamos naturalmente belo atrofiouse no liso e polido do belo digital Hoje o belo converteuse naquilo de que se diz gosto em qualquer coisa de agradável que se avalia pelo seu caráter imediato e pelo valor de uso e consumo Mas sem a negatividade da quebra do ouro fica prejudicado o acesso ao belo natural e anulada a distância contemplativa A beleza é diferida não é um brilho momentâneo mas qualquer coisa que ilumina em silêncio e através de desvios e mediações Não se pode encontrar a beleza no contacto imediato é mais frequente que surja como reencontro e reconhecimento A Salvação do Belo ByungChul Han Relógio DÁgua A Salvação do Belo ByungChul Han A Salvação do Belo Tradução de Miguel Serras Pereira Relógio D Água Editores Rua Sylvio Rebelo nº 15 1000282 Lisboa tel 218 474 450 fax 218 470 775 relogiodaguarelogiodaguapt wwwrelogiodaguapt Publicado originalmente como Die Errettung des Schönen OS Fischer Verlag GmbH Frankfurt am Main Publicado por acordo com a International Editors Co Agencia Literaria Titulo A Salvação do Belo Titulo original Die Errettung des Schönen 2015 Autor ByungChul Han Tradução Miguel Serras Pereira Revisão de texto Andreia Pereira Capa Carlos César Vasconcelos wwwcvasconceloscom sobre fragmento de The Break in the Clouds The Calm 1941 de René Magritte Relógio DAgua Editores junho de 2016 Esta tradução segue o novo Acordo Ortográfico Encomende os seus livros em wwwrelogiodaguapt ISBN 9789894416191 Índice O Polido 11 O Corpo Liso 23 Estética do Polido e do Liso 27 O Belo Digital 35 Estética do Encobrimento 39 Estética da Vulneração 45 Estética do Desastre 53 O Ideal do Belo 59 A Beleza como Verdade 65 Política do Belo 73 O Teatro Pornográfico 79 A Demora no Belo 83 A Beleza como Reminiscência 89 Gerar no Belo 95 Uma vez ouvio enquanto estava a lavar o mundo sem que ninguém o visse ao longo das noites real O uno e o infinito destruídos irradiavam eu Houve luz Salvação PAUL CELAN O Polido O polido limpo liso e impecável é o sinal de identidade da época atual É aquilo em que coincidem as esculturas de Jeff Koons os iPhones e a depilação brasileira Porque é que o polido hoje nos atrai Além do seu efeito estético reflete um imperativo social geral incarna a atual sociedade positiva O que é polido e impecável não dói Também não oferece qualquer resistência Solicitanos um Gosto O objeto polido anula qualquer coisa que possa confrontálo Toda a negatividade é assim eliminada O smartphone obedece igualmente à estética do polido O smartphone modelo G Flex da LG apresentase incluindo o revestimento de uma camada que se autorregenera o que significa que faz desaparecer muito rapidamente qualquer risco qualquer vestígio de desgaste O smartphone tornase por assim dizer invulnerável O seu revestimento artificial conservao sempre polido O modelo é além disso flexível e dúctil Tem um contorno ligeiramente côncavo Portanto moldase perfeitamente ao rosto e aos objetivos mente polida e amaciada uma vez que o seu conteúdo são sobretudo mostras de deferência e de complacência e em suma coisas positivas O sharing ou partilha e o assinalar com um Gosto são um modo de comunicação polido Os aspetos negativos são eliminados por representarem obstáculos para a comunicação acelerada Jeff Koons o artista de maior sucesso atual é um mestre das superfícies polidas Embora Andy Warhol se afirmasse também partidário da superfície bela e amaciada na sua arte está contudo presente ainda a negatividade da morte e do desastre No seu caso a superfície não é totalmente polida Por exemplo a série Morte e Desastre Death and Disaster ainda se alimenta de negatividade Em Jeff Koons em contrapartida não há qualquer desastre vulneração quebra ou brecha do mesmo modo que não há qualquer costura Tudo flui em transições suaves e polidas Tudo acaba por ser arredondado polido brunido A arte de Jeff Koons é uma arte das superfícies polidas e impecáveis e de efeito imediato Nada dá a interpretar a descodificar ou a pensar É uma arte do Gosto Jeff Koons diz que a única coisa que o observador da sua obra tem a fazer é emitir um simples Uau Wow Manifestamente perante a sua arte não é necessário qualquer juízo qualquer interpretação qualquer hermenêutica qualquer reflexão qualquer pensamento A sua arte limitase deliberadamente ao infantil ao banal à relaxação impassível a uma arte que nos seduz e compensa O seu lema é Abraçar o observador Nada deve comoverlo ferilo ou assustálo A arte diz Jeff Koons não é senão beleza alegria e comunicação A presença das suas esculturas polidas suscita um imme seus planos o que mais interessa o público tateiamse furiosamente as junções dos vidros passase a mão pelos grandes sulcos de borracha que ajustam o vidro da parte traseira à chapa niquelada Há no DS a anunciação de uma nova fenomenologia do ajustamento como se passássemos de um mundo de elementos soldados a um mundo de elementos justapostos sustentados graças à sua forma maravilhosa o que bem entendido tem por propósito introduzir a ideia de uma natureza mais fácil Quanto à matéria propriamente dita é indubitável que alimenta um gosto da ligeireza num sentido mágico Os vidros não são janelas aberturas praticadas na grande casca escura da carroceria são grandes trechos de ar e de vazio que exibem o arredondado cheio e o brilho das bolas de sabão3 Do mesmo modo as esculturas sem juntas de Jeff Koons dão a impressão de ser bolas de sabão brilhantes e sem peso feitas de ar e de vazio Tal como o DS desprovido de juntas transmitem uma sensação de perfeição uma sensação de ligeireza num sentido mágico Incaram uma superfície perfeita e otimizada sem profundidade nem planos mais baixos Para Roland Barthes o sentido do tato é o mais desmistificador dos sentidos ao contrário da vista que é o mais mágico4 A vista mantém a distância enquanto o tato a elimina Sem distância não é possível a mística A desmistificação torna tudo saboreável e consumível O tato destrói a negatividade do completamente diferente Seculariza aquilo que toca Ao contrário do sentido da vista o tato é incapaz de espanto Por isso o cerní tátil polido o touchscreen é um lugar de desmistificação e de consumo total Gera aquilo de que cada um gosta hedonismo um mundo de pura positividade onde não há dor alguma ferida alguma culpa alguma A escultura Balloon Venus em postura de parto é a Maria de Jeff Koons Mas não dá à luz um redentor um homo doloris coberto de feridas e coroado de espinhos mas um champagne uma garrafa de Dom Pérignon Rosé colheita de 2003 que trouxe no seu ventre Jeff Koons encenase como um batista que promete uma redenção Não foi por acaso que a sua série de imagens de 1987 se chamou Batismo Baptism A arte de Jeff Koons oficia uma sacralização do polido e do impecável Encena uma religião do polido do banal e além disso uma religião do consumo sendo o preço que toda a negatividade deverá ser eliminada No entender de Gadamer a negatividade é essencial para a arte É a sua ferida Opõese à positividade do polido Há nela alguma coisa que me comove que me remove que me põe em questão e que faz surgir o apelo Muda a tua vida É o facto disso que é especial o que constitui o mais o facto de haver alguma coisa assim Para o dizermos com palavras de Rilke Alguma coisa assim estava entre os homens Isso mesmo o facto de haver isso a facticidade é ao mesmo tempo uma resistência insuperável frente a toda a expectativa de sentido que se creia superior A obra de arte é isso que nos força a reconhecer Não há instância alguma que não esteja a olharte Muda a tua vida É um abalo um vermonos derrubados que tem lugar devido a essa dimensão especial com que nos confronta toda a experiência artística Da obra de arte provém um abalo que derruba o espectador O polido e liso tem uma intenção completamente diferente moldase ao observador suscitalhe um Gosto Tudo o que quer não é derrubar mas agradar Hoje o próprio belo acaba por ser amaciado quando se lhe retira toda a negatividade toda a forma de comoção e de vulneração O belo esgotase no Gosto A estetização revelase uma anestetização 8 Seda a percepção É assim que a obra Wow de Jeff Koons é também uma reação anestética que se opõe diametralmente à experiência negativa do abalo do verse derrubado Hoje a experiência do belo tornase impossível Onde o agrado abre caminho e se impõe juntamente com o Gosto a experiência que não é possível sem negatividade fica paralisada A comunicação visual polida é impecável eefetuase como um contágio sem distância estética A visibilidade exaustiva do objeto destrói também o olhar É só a alternativa rítmica de presença e ausência de encobrimento e desvelamento que mantém desperto o olhar Do mesmo modo o erótico resulta da encenação de um aparecerdesaparecer 9 à linha de flutuação do imaginário 10 A pornográfica presença permanente do visível destrói o imaginário Paradoxalmente não dá nada a ver Hoje não é só o belo mas também o feio a tornarse polido Também o feio perde a negatividade do diabólico do sinistro ou do terrível e amaciamno do mesmo modo tornandoo uma fórmula de consumo e fruição Carece por completo desse olhar de medusa que infunde medo e terror e que faz com que tudo se torne pedra O feio tal como o usaram os artistas e poetas fin de siècle tinha alguma coisa de abissal e de demoníaco A política surrealista do feio era provocação e emancipação rompia em termos radicais com os modelos tradicionais de percepção Bataille percebia no feio uma possibilidade de dissolução dos limites e de libertação Uma via de acesso à transcendência Ninguém duvida da fealdade do ato sexual Do mesmo modo que a morte no sacrifício a fealdade do acasalamento instala na angústia Mas quanto maior for a angústia mais forte será a consciência de se estarem a exceder os limites consciência decidida por um êxtase de alegria 11 Por conseguinte a essência da sexualidade é excesso e transgressão Dissolve os limites da consciência Nisso consiste a sua negatividade Hoje a indústria do entretenimento explora o feio e o repugnante Tornaos consumíveis De início a repugnância era um estado de exceção uma crise aguda de autoafirmação perante uma alteridade inassimilável um espasmo e um combate em que se decidem literalmente o ser e o não ser 12 O repugnante é o inconsumível por excelência De igual maneira para Rosenkranz o repugnante tem uma dimensão existencial É o que difere da vida o que difere da forma o que apodrece e se decompõe O cadáver é um fenómeno escandaloso porque tem ainda forma embora seja em si mesmo amorfo Devido à forma ainda presente conserva uma aparência de vida se bem que esteja morto O repugnante é a dimensão de realidade que possui o atroz a negação da forma bela do fenómeno através de uma amorfidade que provém da natureza física ou do devaneio rescença moral A aparência de vida naquilo que em si mesmo está morto é o que o repugnante tem de infinitamente adverso 13 Uma vez que é o infinitamente adverso o repugnante subtraise a todo o consumo Mas o repugnante que hoje se oferece nos reality shows de sobrevivência carece de qualquer negatividade capaz de desencadear uma crise existencial Amaciamno impondolhe um formato de consumo A depilação brasileira deixa o corpo polido Incarna o atual imperativo de higiene Segundo Bataille a essência do erotismo é a contaminação Por conseguinte o imperativo higiénico seria o fim do erotismo O erotismo sujo cede o lugar à pornografia limpa Precisamente a pele depilada outorga ao corpo um polimento pornográfico que é percebido como puro e limpo A sociedade atual obcecada pela limpeza e a higiene é uma sociedade positiva que sente repugnância perante qualquer forma de negatividade O imperativo higiénico transferese do mesmo modo para outras áreas É assim que por toda a parte se ditam proibições em nome da higiene Robert Pfaller observa certeiramente no seu livro Das schmutzige Heilige und die reine Vernunft O Sagrado Sujo e a Razão Pura Se procurando traços comuns tentarmos caracterizar as coisas que por assim dizer se tornaram não oficialmente impossíveis para a nossa cultura aquilo que primeiro nos chamará a atenção é o facto de essas coisas a nossa cultura as experimentar muitas vezes sob o signo da repugnância como sujas 14 À luz da razão higiênica toda a ambivalência e todo o segredo são igualmente percebidos como sujos É a transparência que é pura As coisas tornamse transparentes quando se inserem em fluxos polidos de informações e de dados Os dados têm qualquer coisa de pornográfico e de obsceno Não têm intimidade nem reverso nem fundo duplo Nisso distinguemse da linguagem que não permite uma nitidez total Os dados e as informações entregamse a uma visibilidade total e tornam tudo visível O dataísmo está a introduzir umas segundas Luzes A ação que pressupõe o livrearbítrio era uma das máximas das primeiras Luzes As segundas Luzes amaciam a ação tornandoa transação processo manipulado através de dados que se efetua sem qualquer autonomia ou dramaturgia por parte do sujeito As ações tornamse transparentes quando se tornam transacionais quando se submetem ao processo calculável e controlável A informação é uma forma pornográfica do saber Carece dessa interioridade que o caracteriza Do mesmo modo é própria do saber uma negatividade porque o saber não poucas vezes tem de ser conquistado em luta contra uma resistência O saber tem uma estrutura temporal completamente diferente Em tensão entre o passado e o futuro A informação em contrapartida habita um tempo amaciado a partir de pontos indiferenciados do presente É um tempo sem acontecimentos nem destino O polido é alguma coisa de que alguém simplesmente gosta Carece da negatividade do contrário Deixou de ser um corpo contraposto Também a comunicação hoje se torna lisa Amaciase através da transformação de uma troca sem fricção de informações A comunicação polida carece comunicação polida do idêntico A positividade do polido acelera os circuitos de informação de comunicação e de capital O Corpo Liso Nos filmes atuais o rosto aparece muitas vezes filmado em primeiro plano O primeiro plano faz com que o corpo apareça no seu conjunto de modo pornográfico Despojao da linguagem O pornográfico é que o corpo seja despojado da sua linguagem As partes do corpo filmadas em primeiro plano produzem um efeito que as faz parecer órgãos sexuais O primeiro plano de um rosto é tão obsceno como o de um sexo É um sexo Qualquer imagem qualquer forma qualquer parte do corpo vista de perto é um sexo15 Segundo Walter Benjamin o primeiro plano representa ainda uma práxis linguística e hermenêutica O primeiro plano lê o corpo Após o espaço configurado através da consciência torna legível a linguagem do inconsciente 24 ByungChul Han te sobretudo porque em vez de um espaço tecido pelo homem através da sua consciência apresenta um outro espaço inconscientemente tecido Énos mais ou menos familiar o gesto que fazemos ao pegar no isqueiro ou na colher mas quase nada sabemos do que se passa entre a mão e o mental e muito menos das suas oscilações segundo os estados de espírito variáveis em que nos encontramos16 No primeiro plano do rosto o fundo desvanecese por completo O que conduz a uma perda do mundo A estética do primeiro plano reflete uma sociedade que se tornou ela própria uma sociedade do primeiro plano O rosto dá a impressão de ter ficado apanhado em si mesmo tornandose autorreferencial Deixa de ser um rosto que contenha mundo ou seja deixa de ser expressivo O selfie é exatamente esse rosto vazio e inexpressivo A dependência aditiva do selfie remete para o vazio interior do eu Hoje o eu é muito pobre em formas de expressão estáveis com as quais se pudesse identificar e que lhe concedessem uma identidade firme Hoje nada tem consistência Esta inconsistência repercutese também no eu desestabilizandoo e tornandoo inseguro É precisamente esta insegurança este temor por si mesmo que conduz à dependência do selfie a uma marcha no vazio do eu que não encontra nunca sossego Confrontado com o vazio interior o sujeito do selfie tenta em vão produzirse a si próprio O selfie é o si próprio em formas vazias Estas reproduzem o vazio O que gera a adição ao selfie não é um autoenamoramento ou uma vaidade narcísicos mas um vazio interior Não há aqui um eu estável e narcísico que se ame a si mesmo Encontramonos antes frente a um narcisismo negativo A Salvação do Belo 25 No primeiro plano o rosto é amaciado até se transformar em face A face não tem profundidade nem planos mais baixos É precisamente lisa Carece de interioridade Face significa fachada do latim facies A exposição da face como fachada não necessita de profundidade de campo Esta última teria antes por efeito desfavorecer a fachada É assim que se abre inteiramente o diafragma O diafragma aberto elimina a profundidade a interioridade o olhar Torna a face obscena e pornográfica O desígnio de expor destrói essa reserva que constitui a interioridade do olhar Nada olha retém para dentro o seu amor e o seu medo tal é o Olhar17 A face que se expõe não tem olhar O corpo encontrase hoje em crise Desintegrase não só em partes corporais pornográficas mas também em séries de dados digitais A fé na mensurabilidade e na quantificabilidade da vida domina a época digital no seu conjunto É também essa fé que o movimento Quantified Self aclama Equipase o corpo de sensores digitais que registam todos os dados que se referem à corporalidade O Quantified Self transforma o corpo num ecrã de controlo e vigilância Os dados recolhidos são também postos em rede e trocados O dataísmo dissolve o corpo em dados tornao conforme aos dados Por outro lado o corpo desmembrase em objetos parciais que se assemelham a órgãos sexuais 26 ByungChul Han ser uma extensão do corpo ocupada por fantasias de poder posse e apropriação O automóvel que se autoconduz deixou de ser um falo Um falo ao qual me limito a estar conectado é uma contradição Do mesmo modo a partilha do automóvel carsharing desencanta e dessacraliza o automóvel E desencanta igualmente o corpo O princípio do partilhar ou do sharing não vigora sobre o falo porque este é precisamente o símbolo da apropriação da propriedade e do poder por antonomásia As categorias económicas do partilhar ou do sharing como a conexão ou o acesso destroem a fantasia do poder e da apropriação No automóvel que se autoconduz não sou autor demiurgo ou dramaturgo mas um simples interface na rede global da comunicação Estética do Polido e do Liso A estética do belo é um fenómeno autenticamente moderno É só com a estética da modernidade que o belo e o sublime se soltam um do outro O belo fica isolado na sua positividade pura Ao fortalecerse o sujeito da modernidade faz do belo alguma coisa de positivo tornandoo objeto de agrado Assim o belo acaba por se opor ao sublime que devido à sua negatividade não suscita num primeiro momento complacência imediata alguma A negatividade do sublime que o distingue do belo volta a tornarse positiva no momento em que é reduzida à razão humana Já não é o exterior já não é o totalmente diferente mas uma forma de expressão interior do sujeito No PseudoLongino que redigiu o texto Sobre o Sublime peri hypsous o belo e o sublime ainda não se encontram diferenciados Deste modo o belo faz também parte da negatividade do assombroso O belo vai muito para lá da complacência As mulheres formosas são segundo o PseudoLongino dores oculares quer dizer dolorosamente Tãopouco em Platão o belo se diferencia do sublime O belo precisamente no que tem de sublime não pode ser superado Élhe própria essa negatividade que se revela característica do sublime A contemplação do belo não suscita complacência mas comove Nos passos finais do caminho do belo o iniciado vislumbra de súbito o espantosamente belo thaumaston kalon18 o divinamente belo theion kalon19 Mas o contemplativo perde o domínio de si mergulha no espanto e no horror ekplettontaí Arrebatao um delírio 20 A metafísica platónica do belo contrasta em grande medida com a estética moderna do belo enquanto estética da complacência que confirma o sujeito na sua autonomia e autocomplacência em vez de o comover De modo consequente a estética moderna do belo começa com a estética do liso Para Edmund Burke o belo é sobretudo o liso Os corpos que agradam ao tato não devem oferecer resistência alguma Têm de ser lisos Quer dizer o liso é uma superfície otimizada sem negatividade O liso causa uma sensação completamente livre de dor e de resistência Se a lisura como parece evidente é uma causa principal de agrado para o tato o gosto o olfato e o ouvido será necessário reconhecêla também como uma das bases da beleza visual sobretudo uma vez que mostramos que tal qualidade se pode encontrar quase sem exceção em todos os corpos que unanimemente se consideram belos É indubitável que os corpos ásperos e angulosos irritam e molestam os órgãos sensitivos causando uma sensação dolorosa que consiste numa tensão ou contração violenta das fibras musculares21 A Salvação do Belo 29 A negatividade da dor reduz a sensação do belo Até mesmo a robustez e a fortaleza o diminuem Belas são propriedades como a ternura e a finura O corpo é fino quando consta de partes lisas que não mostram aspereza nem confundem a vista22 O corpo belo que suscita amor e alegria não faz esperar resistência A boca está ligeiramente aberta a respiração é lenta todo o corpo repousa e as mãos pendem de lado indolentes Tudo isto segundo Burke é acompanhado de um sentimento de enternecimento e de fraqueza23 Burke eleva o liso a traço essencial do belo É assim que as folhas lisas parecem belas nas árvores e nas flores e nos animais o mesmo se passa com as pelagens lisas O que faz com que uma mulher seja bela é sobretudo a pele lisa Todo o áspero estropia a beleza Pois quando se toma algum objeto belo e se faz a sua superfície pôrse quebradiça e áspera aquele deixa de agradar Por outro lado deixese que um objeto perca tantas bases da beleza quantas se queira contanto que mantenha somente essa qualidade de liso continuará a agradar mais do que quase todos os restantes objetos que a não tenham24 O ângulo agudo intervém do mesmo modo em detrimento do belo Pois com efeito toda a aspereza toda a saliência brusca e todo o ângulo agudo contradizem em sumo grau a ideia de beleza25 Ainda que uma modificação da forma como toda a variação se faça em proveito do belo não deverá contudo produzirse de maneira abrupta nem repentina O belo tolera somente uma mudança suave da forma É verdade que estas figuras angulosas mudam drasticamente mas fazemno de maneira repentina e abrupta e não conheço objeto natural algum que seja anguloso e ao mesmo tempo belo26 No que se refere ao gosto é o doce que corresponde ao liso No caso do olfato e do gosto deparasenos que também todas as coisas doces que parecem agradáveis a esses sentidos e que em geral dizemos que são doces têm uma natureza lisa 27 O liso e o doce têm a mesma origem São fenómenos de positividade pura É por isso que se esgotam no simplesmente agradável Edmund Burke liberta o belo de toda a negatividade O belo deve deparar com um deleite completamente positivo28 Em contrapartida há uma negatividade que é própria do sublime O belo é pequeno e delicado leve e terno Caracterizase pelo liso e pelo suave O sublime é grande maciço tenebroso agreste e rude Causa dor e horror Mas é saudável na medida em que comove energicamente o animo enquanto o belo o torna letárgico Perante o sublime Burke faz com que a negatividade da dor e do horror torne a mudarse em positividade acabando por ser purificadora e vivificante É assim que o sublime fica por completo ao serviço do sujeito Com o que perde a sua alteridade e a sua estranheza É completamente absorvido pelo sujeito Em todos estes casos se a dor e o horror são suficientemente moderados para não causarem danos imediatos se a dor não alcançou verdadeira veemência e se o horror não acompanha o afundamento imediato da pessoa então estes estímulos purificando certas partes do nosso corpo quer dolentes quer rudes de perturbações nervosas e fatigan co Não é um sentimento do objeto mas do sujeito O belo não é algo de diferente por que o sujeito se deixaria arrebat ar A complacência no belo é a complacência do sujeito em si mesmo Na sua teoria estética Adorno sublinha precisamente esse traço autocrático da estética kantiana do belo Este formal que obedece a legalidades objetivas sem considerar o seu outro mantém o seu caráter agradável sem que esse outro o enfraqueça nele a subjectividade gratificase inconscientemente a si mesma através do sentimento do seu domínio30 Ao contrário do belo o sublime não suscita qualquer complacência imediata Perante o sublime a primeira sensação é como dizia Burke dor ou fastio O sublime tornase demasiado poderoso demasiado grande para a imaginação Esta não pode registálo não pode compilálo numa imagem É assim que o sujeito dá por si comovido e avassalado por ele É nisso que consiste a negatividade do sublime Quando contempla fenómenos naturais poderosos o sujeito num primeiro momento sentese impotente Mas recompõese graças concretamente a essa autoconservação de um tipo totalmente diferente O sujeito salvase refugiandose na interioridade da razão perante cuja ideia de infinitude tudo na natureza se torna pequeno Nem sequer os fenómenos naturais poderosos comovem o sujeito A razão elevase acima deles O medo de morrer a inibição das forças vitais à vista do sublime não dura mais do que um breve momento O refúgio na interioridade da razão nas suas ideias faz com que esse medo se torne de novo sentimento de prazer tes serão de molde a contentarnos não a suscitar deleite mas uma espécie de horror que contenta uma espécie de sossego com um travo de horror29 Tal como Burke Kant isola o belo na sua positividade O belo suscita uma complacência positiva Mas vai para lá do prazer hedonista uma vez que Kant o inscreve no processo cognitivo Na produção de conhecimento intervêm tanto a imaginação como o entendimento A imaginação é a faculdade de compilar numa imagem unitária os múltiplos dados sensoriais fornecidos através da intuição O entendimento opera a um nível superior de abstração compilando as imagens num conceito Na presença do belo as faculdades cognitivas concretamente a imaginação e o entendimento encontramse num jogo livre harmoniosamente concertados As faculdade cognitivas jogam ao contemplar o belo Mas não trabalham na produção de conhecimento Ou seja perante o belo as faculdades cognitivas mantém uma atitude lúdica Contudo este jogo livre não é totalmente livre não é desprovido de propósito porque é um prelúdio ao conhecimento enquanto trabalho Mas continuam ainda a jogar A beleza pressupõe o jogo Tem lugar antes do trabalho O belo é agradável ao sujeito porque estimula a concertação harmoniosa das faculdades cognitivas O sentimento do belo não é senão o prazer com a harmonia das faculdades cognitivas com a harmonia da sintonização das forças cognitivas que é essencial para o trabalho do conhecimento Em Kant em última instância o jogo fica subordinado ao trabalho e além disso ao negócio Embora o belo não produza por si mesmo conhecimento conserva e mantém a postos o mecanismo cognitivo Na presença do belo o sujei É assim que ao vasto oceano revolto por tormentas não se pode chamar sublime O seu aspeto é atroz E temos de ter enchido já o ânimo de certas ideias para que uma visão assim o possa temperar mergulhandoo num sentimento que seja por si mesmo sublime sendo o ânimo estimulado a abandonar a sensibilidade e a ocuparse de ideias que encerrem uma finalidade superior31 À vista do sublime o sujeito sentese elevado acima da natureza porque o verdadeiramente sublime é a ideia de infinitude que é própria da razão Esta sublimidade é erroneamente projetada no objeto neste caso a natureza É a tal confusão que Kant chama transferência subreptícia Como acontece com o belo o sublime não é um sentimento do objeto mas um sentimento do sujeito um sentimento autoerótico de si mesmo A complacência no sublime é negativa enquanto a complacência no belo é positiva O agradável do belo é positivo porque agrada imediatamente ao sujeito À vista do sublime o que o sujeito sente de início é fastio Por isso a complacência no sublime é negativa A negatividade do sublime não consiste em que na presença desse sublime o sujeito se confronte com o diferente de si mesmo seja arrebatado de si mesmo e arrancado ao diferente se ponha fora de si Também não é própria do sublime uma negatividade do diferente que se entrecruzaria com o autoerotismo do sujeito Nem à vista do belo nem do sublime o sujeito se põe fora de si Não perde em momento algum a presença de espírito O totalmente diferente que se subtraísse ao sublime seria para Kant o atroz o monstruoso ou o abissal Seria uma catástro O sujeito de Kant conserva a todo o momento a presença de espírito Nunca se perde nunca se consome Uma interioridade autoerótica protegeo de toda a irrupção do diferente ou vinda de fora Nada o comove Adorno tem em mente outro tipo de espírito que perante a sublimidade da natureza do completamente diferente adquire consciência de si mesmo As lágrimas quebram o feitiço que o sujeito lança sobre a natureza Ao chorar o sujeito sai de si mesmo Aviso da liquidação do eu que abalado compreende a sua própria limitação e finitude Comunicação A dor dilacera o sujeito ao arrancálo da interioridade autoerótica A dor é a dilaceração através da qual o totalmente diferente se anuncia A dor à vista do belo que não é nunca mais direto do que a experiência da natureza é igualmente aspiração ao que o belo promete Em última instância a nostalgia do belo natural é a nostalgia de outro estado do ser de uma forma de vida totalmente diferente e sem violência A temporalidade do belo natural é o já do ainda não Manifestase no horizonte utópico do vindouro A temporalidade do belo digital é pelo contrário o presente imediato sem futuro e além disso sem história Está simplesmente perante O belo natural não se opõe ao belo artístico É antes a arte que imita o belo natural em si mesmo O belo artístico é a cópia do silêncio a partir do qual a natureza fala A alteridade cede passagem à diversidade O belo é um esconderijo A ocultação é essencial à beleza A beleza dáse mal com a transparência O belo vacila na hora de se manifestar A distração é essencial ao erótico Sempre que se esforçava por lograr compreender a beleza era o invólucro o que comovia Goethe O divino é o vestido O encobrimento é essencial à beleza da crítica de arte uma hermenêutica do encobrimento A crítica de arte não tem de levantar o véu mas antes o que tem a fazer é elevarse à verdadeira intuição do belo de elevarse a uma intuição que não se revelará nunca a isso a que chamamos empatia e que só de modo incompleto se revelará a uma contemplação mais pura do ingénuo a intuição do belo como segredo A beleza não se comunica nem à empatia imediata nem à observação ingénua O véu é mais essencial do que o objeto velado O encobrimento erotiza também o texto Segundo Santo Agostinho Deus obscurecera propositadamente as Sagradas Escrituras com metáforas com uma capa de figuras o revestimento é essencial para as Escrituras Também a Torá se serve da técnica do encobrimento Segundo Barthes o encobrimento forma uma parte essencial do erótico O lugar mais erótico de um corpo é aquele onde a roupa se abre essa zona da pele que cintila entre duas peças de vestuário as calças e a camisola entre duas bordas a camisa entreaberta a luva e a manga Erótica é a encenação de um aparecerdesaparecer A sedução joga com a intuição daquilo que no outro permanece eternamente secreto para si próprio aquilo que nunca saberei dele e que no entanto me atrai sob o selo do segredo Élhe inerente um pathos da distância e mais ainda um pathos do encobrimento É a intimidade do amor que elimina essa distância secreta que é essencial para a sedução Por fim a pornografia fála desaparecer por completo De uma figura para outra da sedução para o amor do jogo para o desejo e da sexualidade enfim para a pornografia pura e simples quanto mais avançamos mais progredimos no sentido de um segredo menor de um enigma menor mais progredimos no sentido da confissão da expressão do desvelamento Escorchado Sensibilidade especial do sujeito amoroso que o torna vulnerável oferecido em carne viva às feridas mais ligeiras É o Gosto que domina a percepção e o momento de verdade que o ver encerra aprender a ver é qualquer coisa menos um processo ativo e consciente Ou antes é um deixar que alguma coisa aconteça ou o exporse a um acontecimento Estou a aprender a ver Não sei a que se deve isso mas tudo penetra mais profundamente em mim e não fica no lugar em que de costume terminava sempre Tenho um interior que desconhecia É para ele que tudo se dirige agora Não sei o que acontece lá A experiência assemelhase a uma travessia em que temos de nos expor a um perigo Não há poema sem acidente não há poema que não se abra como uma ferida mas também não o há que não fira A fotografia erótica é uma imagem alterada fendida A imagem pornográfica em contrapartida não mostra quebras nem fissuras É lisa e polida Hoje todas as imagens são mais ou menos pornográficas É o que eu possa nomear não pode realmente ferirme A incapacidade de nomear é um bom sintoma da afeição Ao contrário do shock o punctum não grita O punctum ama o silêncio guarda o segredo O consumo voraz de imagens torna impossível fechar os olhos O punctum pressupõe uma ascese do ver O silêncio liberta a imagem do bláblá habitual da comunicação Fechar os olhos significa fazer falar a imagem no silêncio minhas histórias são uma forma de fechar os olhos contágio como afetacao como contato imediato entre a imagem e o olho A afetação grita e excita Estética do Desastre Na Crítica da Razão Prática de Kant encontramos as célebres palavras que figuram também na sua sepultura Duas coisas enchem a alma de admiração e respeito renovados e crescentes quanto mais reiterada e persistentemente a reflexão delas se ocupa o céu estrelado que está sobre mim e a lei moral que há dentro de mim78 A lei moral tem a sua sede na razão E o céu estrelado também não representa um lado de fora qualquer coisa de exterior ao sujeito mas desdobrase antes na interioridade da razão Etimologicamente desastre significa sem estrelas do latim desastrum No céu estrelado de Kant nenhum desastre aparece Kant não conhece o desastre Nem sequer os poderosos fenómenos naturais representam acontecimentos catastróficos Em presença da violência natural o sujeito refugiase numa interioridade da razão que faz com que todo o exterior apareça como pequeno Kant imunizase permanentemente contra o lado de fora ao qual a interioridade autoerótica do sujeito se subtrai Tudo deve ser conjugado a Segundo Hegel a tarefa da arte consiste em transformar em olho toda a figura em todos os pontos da sua superfície visível de maneira que nesse olho a alma livre se dê a conhecer na sua infinitude interior79 A obra de arte ideal é um Argos de mil olhos um espaço luminoso e vivo Ou como exclama Platão nesse célebre dístico dedicado a Aster Quando olhas as estrelas estrela minha pudera ser eu o céu para te olhar de lá de cima com mil olhos a arte de maneira inversa transforma cada uma das suas configurações num Argos de mil olhos para que a alma interior e a espiritualidade sejam vistas em todos os seus pontos80 O próprio espírito é um Argos de mil olhos que tudo ilumina sem restrições O céu de mil olhos de que fala Hegel parecese com o céu noturno estrelado de Kant que nenhum desastre nenhum lado de fora aflige Tanto o espírito de Hegel como a razão de Kant representam fórmulas de esconjuro contra o desastre contra o lá fora contra o totalmente diferente Enquanto ausência de estrelas o desastre irrompe no espaço estrelado É a alienação radical81 o lado de fora que alque bra a interioridade do espírito Não direi que o desastre é absoluto pelo contrário desorienta o absolut vai e vem desconcerto nómada embora com a brusquidão insens ível mas intensa do exterior82 O desastre caracteriza outra forma de expectativa que se distingue da do Argos de mil olhos de Hegel Quando digo o desastre vela não é para dar um sujeito à velada mas para dizer a velada não tem lugar sob um céu sideral83 O desastre significa estar separado das estrelas84 O céu vazio como contrafigura do céu estrelado representa para Blanchot a cena originária da sua infância Esse céu vazio revela a atopia do completamente diferente do exterior que não se trata de interiorizar cuja beleza e sublimidade acumulam a criança de uma alegria devastadora O súbito e absoluto vazio do céu não visível não obscuro surpreendeu a criança de tal encanto e alegria que por um momento se encheu de lágrimas85 A criança sentese arrebatada pela infinitude do céu vazio Arrancada à sua interioridade sentese ilimitada e esvaziada num exterior atópico O desastre é uma fórmula da felicidade A estética do desastre opõese à estética da complacência na qual o sujeito goza de si mesmo É uma estética do acontecimento Também pode ser desastroso um acontecimento inaparente como poeira branca que redemoinho numa gota de chuva um nevoão silencioso no crepúsculo matinal o cheiro de algumas rochas no calor do verão um acontecimento de vazio que esvazia o eu o desinterioriza o dessubjetiviza enchendoo assim de felicidade Todos os acontecimentos são belos porque expropriam o eu O desastre significa a morte do sujeito autoerótico que se agarra a si mesmo Em As Flores do Mal de Baudelaire encontrase o poema Hino à Beleza Baudelaire faz com que as estrelas astros des astres das quais a beleza emana rimem com desastres désastres A beleza é um desastre que desfaz as ordens das estrelas É o archete flambeau do qual a borboleta se aproxima e no qual se queima Flambeau rima com tombeau tumba O belo beau é intrínseco tanto ao ar chote flambeau como à tumba tombeau A negatividade do desastre do mortal é um momento do belo O belo segundo se diz na primeira das Elegias de Duíno de Rilke apenas é o começo do terrível que só a custo podemos suportar86 A negatividade do terrível constitui a matriz a camada profunda do belo O belo é o insuportável que somos ainda capazes de suportar ou o insuportável tornado suportável Escudanos do terrível Mas ao mesmo tempo através do belo cintila o terrível Eis o que constitui a ambivalência do belo O belo não é uma imagem mas um escudo Também para Adorno a negatividade do terrível é essencial no belo O belo é a forma intrínseca do amorfo do indiferenciado O espírito que forma esteticamente só deixou passar daquilo em que ocupou a sua atividade o que se lhe assemelhava o que compreendia ou a que tinha a esperança de se equiparar Tratavase de um processo de formalização O belo distinguese do amorfo do terrível do todo indiviso pondo formas quer dizer diferenças A imagem do belo como o uno e diferenciado surge com a emancipação perante o medo à natureza avassaladora enquanto todo não diferenciado Mas a aparência bela não esconjura por completo o terrível A impermeabilização frente ao que existe imediatamente contra o amorfo tem fugas87 O amorfo acoitase do lado de fora como o inimigo perante as muralhas da cidade sitiada e fála morrer de fome88 A aparência bela é frágil e está ameaçada Vêse progressivamente perturbada pelo diferente dela pelo terrível A redução que a beleza causa ao terrível do qual e acima do qual se eleva e que mantém fora do seu templo tem à vista do terrível qualquer coisa de abalador A relação entre o belo e o terrível é ambivalente O belo não se limita a repelir o terrível E tãopouco o desacredita Antes o espírito configurador necessita do amorfo seu inimigo para não se anquilosar numa aparência morta A racionalidade configuradora necessita da mimésis que se molda ao amorfo ao terrível É próprio do espírito o anseio mimético do dominado89 que não é outra coisa senão o terrível O belo está situado entre o desastre e a depressão entre o terrível e o utópico entre a erupção do diferente e o anquilosamento no idêntico A ideia do belo natural de Adorno é precisamente dirigida contra a identidade rígida da forma O belo dá testemunho do nãoidêntico O belo natural é a marca do nãoidêntico nas coisas sob o fetiche da identidade universal Enquanto esse fetiche impera nada de nãoidêntico existe positivamente Daí que o belo natural esteja tão disperso e incerto e que aquilo que dele se espera supere todo o intrahumano90 A negatividade da quebra é constitutiva do belo É por isso que Adorno fala de uma coerência antagónica e quebrada91 Sem a negatividade da quebra o belo atrofiase no liso e no polido Adorno descreve a forma estética recorrendo a fórmulas paradoxais A sua harmonização consiste em não estar em ordem Não é livre de divergências nem de contradições92 A sua unidade rompese Vêse interrompida através do seu outro93 O coração do belo está quebrado O saudável é uma forma de expressão do liso e do polido Paradoxalmente irradia alguma coisa de mórbido alguma coisa de morte Ao belo é inerente uma fraqueza uma fragilidade uma quebra A saúde pelo contrário não seduz Tem qualquer coisa de pornográfico A beleza é doença É um juízo de gosto intelectual que se funda no acordo do gosto com a razão isto é do belo com o bem Uma identidade pessoal baseada em serse sexualmente desejável é um produto do capitalismo de consumo O consumidor ideal é um homem sem caráter O Facebook é um mercado da falta de caráter A ordem digital desloca todos os parâmetros do ser Propriedade vizinhança clã estirpe e ordem todos eles se enquadram na ordem terrena na ordem da terra A economia da partilha ou do sharing faz com que também a propriedade se torne supérflua sendo substituída pelo acesso O meio digital assemelhase ao mar sem caráter onde não podem inscreverse linhas nem marcas fixas A Beleza como Verdade A estética de Hegel permite também uma dupla leitura Por um lado é possível lêla tendo em conta a interioridade subjetiva que não conhece nem exterior nem desastre algum Por outro lado permite uma leitura que se move ao longo da dimensão da liberdade e da reconciliação Esta segunda leitura é até mais interessante do que a primeira Se despirmos o pensamento de Hegel do espartilho da subjetividade ou se desativarmos a sua carga de subjetividade descobriremos aspetos muito interessantes A crítica pósmoderna de Hegel ocultaos por completo Na estética de Hegel o conceito é central Hegel idealiza o belo e conferelhe o esplendor da verdade A beleza é o conceito que se manifesta no sensível ou a ideia enquanto realidade configurada de acordo com o seu conceito O conceito hegeliano nada tem de abstrato É a forma viva e vitalizante que configura em profundidade a realidade intervindo através dela e apreendendoa O conceito unifica as suas partes numa totalidade viva e orgânica A totalidade que o conceito configura compreende todo o em si No conceito belo é esta recompilação esta congregação no uno capaz de revogar mil particularidades a partir da sua dispersão para as concentrar numa expressão e numa figura103 O conceito é congregante transmissor e reconciliador É assim que nada tem que ver com um amontoado104 Não há amontoado que seja belo O conceito ocupase de que o conjunto não se desintegre nem se dissipe num amontoado Uma crítica frequente endereçada à ideia hegeliana de todo crítica procedente sobretudo das fileiras pósmodernas diz que o todo sendo uma totalidade domina as partes individuais reprimindo a sua pluralidade e heterogeneidade Mas tratase de uma crítica que não presta justiça à ideia hegeliana da totalidade nem do conceito A totalidade hegeliana não é uma configuração de dominação não é uma totalidade que submeta a si mesma as partes e as subjugue Pelo contrário só essa totalidade abre às partes a sua margem de movimento e de ação com isso tornando pela primeira vez possível a liberdade O todo é o uno que em si conserva as partes vinculadas na sua liberdade105 A totalidade é uma figura de mediação e reconciliação uma unidade harmoniosa um equilíbrio em repouso de todas as partes106 É reconciliadora O conceito funda uma unidade em que as partes e as oposições particulares não perseveram umas contra as outras numa autonomia e firmeza reais mas já se mantêm vigentes tãosó como momentos ideais reconciliados numa consonância livre107 A reconciliação representa a tarefa por antonomásia da filosofia A Salvação do Belo A verdade é reconciliação A verdade é liberdade O conceito engendra uma totalidade harmoniosa E é bela a sintonização conjunta e sem coerção das partes numa totalidade Ambas as coisas devem ser dadas no objeto belo a necessidade que o conceito põe na pertença mútua dos aspetos particulares e a aparência da liberdade dessas partes como sendo para si e não só como surgidas para a unidade109 Do mesmo modo a liberdade para si das partes no interior da unidade ou totalidade é constitutiva da beleza O objeto belo é algo que está frente ao sujeito e com que o sujeito estabelece também uma relação livre Frente a um objeto o sujeito não é livre enquanto permanece dependente dele ou enquanto tenta submetêlo à sua vontade ao seu objetivo e ao seu interesse deparando ao fazêlo com a resistência do objeto O estético assume uma posição de meio e de mediação entre o teórico e o prático livre porque submete as coisas aos seus impulsos e paixões Confrontase então com a resistência das coisas Só na relação estética com o objeto o sujeito é livre A relação estética liberta igualmente o sujeito para a sua própria peculiaridade O que caracteriza o objeto artístico é a liberdade e a ausência de coerção A relação estética não acossa em sentido algum o objeto nada lhe impõe de exterior A arte é uma práxis de liberdade e de reconciliação O interesse artístico distinguese do interesse prático dos apetites no deixar que o seu objeto permaneça livre por si mesmo enquanto os apetites o usam para seu próprio proveito destruindoo Pelo contrário a observação artística distinguese da observação teórica da inteligência científica de maneira inversa albergando um interesse pelo objeto na sua existência particular sem agir em vista de transformar o objeto num pensamento geral nem num conceito seus O deixar ser ou mais ainda o desprendimento sereno seria a sua postura perante o belo Só o belo ensina o sujeito a demorarse desinteressadamente nalguma coisa Por isso a contemplação do belo é de tipo liberal um deixar estar os objetos como livres e infinitos em si mesmos sem querermos possuílos ou utilizálos enquanto úteis em vista de necessidades e intenções finitas113 Na presença do belo desaparece também a separação entre sujeito e objeto entre o eu e o objeto O sujeito mergulha contemplativamente no objeto e unificase e reconciliase com ele Na relação com o objeto o eu deixa igualmente de ser uma simples abstração do prestar atenção da visão sensível da observação Neste objeto o eu tornase em si mesmo concreto realizando a unificação das partes que até agora estavam separadas em eu e objeto e que por isso eram abstratas na sua concreção própria e para si114 É por isso que a arte não se adapta ao capitalismo que tudo submete ao consumo e à especulação Não são frequentes Tem uma exclusão geradora que lhes é própria Que também a teoria é capaz de produzir Um amontoado de dados como os Big Data pode fornecer informações úteis mas não gera nem conhecimento nem verdade Este fim da teoria proclamado por Chris Anderson em que a teoria é completamente substituída por dados significa o fim da verdade o fim da narrativa o fim do espírito Os dados são simplesmente aditivos A adição opõese à narração A verdade tem uma verticalidade intrínseca Os dados e as informações em contrapartida habitam o horizontal A calocracia neoliberal gera imperativos O botox a bulimia e as cirurgias estéticas refletem o seu terror A liberdade da arte subordinase à liberdade do capital Política do Belo Na sua Antropologia de Um Ponto de Vista Pragmático Kant concebe o engenho ingenium como um luxo da cabeça Este luxo é possível num espaço de liberdade que esteja livre da escassez e da necessidade Por isso é florescente do mesmo modo que a natureza nas suas flores parece estar a fazer um jogo enquanto se ocupa de um negócio nos seus frutos A beleza das flores devese a um luxo livre de qualquer economia É a expressão de um jogo livre sem coerção nem finalidade É por isso que se opõe ao trabalho e ao negócio Onde imperam as coerções e as necessidades não há margem para o jogo que é constitutivo do belo O belo é um fenómeno do luxo O necessário que se reporta somente à escassez não é belo Segundo Aristóteles o homem livre é alguém que é independente da precariedade da vida e dos seus imperativos Entre elas contamse a vida orientada para o gozo das coisas belas a vida que gera acções belas na pólis e por fim a vida contemplativa dos filósofos que investigando o que não perece nunca permanece no âmbito da beleza perpétua As coisas belas são aquelas que não são dominadas pela necessidade nem pela utilidade Nenhuma política do belo é possível na atualidade uma vez que a política atual permanece submetida por completo aos imperativos do sistema Dispõe apenas de margens A política do belo é uma política da liberdade A ausência de alternativas sob cujo jugo trabalha a política atual torna impossível a ação autenticamente política A política atual não age mas trabalha Determinadas qualidades do belo agudizam uma sensação intuitiva de justiça Até agora temos mostrado de que maneira as propriedades que formam parte do objeto belo nos ajudam a obter justiça120 A simetria na qual se funda também a ideia de justiça é igualmente bela A relação justa implica de maneira necessária uma proporção simétrica Uma assimetria total provoca uma sensação de fealdade A própria injustiça expressase como uma proporção extremamente assimétrica Com efeito Platão pensa o bom a partir da beleza do simétrico Scarry remete para uma experiência do belo que desnarcifíca o sujeito e que além disso o desinterioriza Na presença do belo o sujeito retirase deixando espaço ao outro Esta retirada radical de si mesmo em benefício do outro é um uto ético Segundo Simone Weil a beleza exige de nós o renunciar à nossa posição figurada como centro Não é que deixemos de estar no centro do próprio mundo mas voluntariamente cedemos o nosso terreno às coisas perante as quais nos achamos121 Na presença do belo o sujeito assume uma posição lateral põese de lado em vez de se impor abrindo caminho Passa a ser uma figura lateral lateral figure Retirase em benefício do outro Scarry crê que esta experiência estética na presença do belo se prolonga até ao ético A retirada do sipróprio é essencial em termos de justiça O que significa que a justiça é um estado de convivência belo A alegria estética pode traduzirse no plano ético O Teatro Pornográfico Ao serlhe perguntado por que razão abandonou definitivamente o teatro Botho Strauß responde Simplesmente acabouse Eu queria ser em cena um erotómano mas são os pornógrafos que mandam hoje no teatro em sentido estético ou literal A mim interessamme as ligações e as reviravoltas eróticas mas hoje já não se estabelecem ligações nem se produzem reviravoltas mas é só o aspeto pornográfico que se expõe sempre123 O erotómano distinguese do pornógrafo por ser indireto e por operar rodeios Ama as distâncias cénicas Procede por alusões em vez de expor diretamente o tema O ator erótico não é um expositor pornográfico A erótica é alusiva e não diretamente afetante O que a distingue da pornografia O modo temporal do pornográfico é direto e sem rodeios A demora o abrandamento e a distracao sao as modalidades temporais do erótico O deítico mostrar de forma direta o assunto é pornográfico A pornografia evita rodeios Vai dire Os sentimentos são narrativos As emoções são impulsivas Nem as emoções nem as afetações desdobram um espaço narrativo O teatro das afecções não narra Há antes uma massa de afecções que carrega diretamente a cena É nisso que consiste o seu caráter pornográfico Os sentimentos têm também uma temporalidade diferente das emoções e das afetações Possuem uma duração uma longitude narrativa As emoções são essencialmente mais passageiras do que os sentimentos As afecções limitamse a um momento E são somente os sentimentos que têm acesso ao dialógico ao outro É por isso que existe a empatia mas não há uma emoção ou uma afetação conjuntas Tanto as afetações como as emoções são expressão de um sujeito isolado e monológico A atual sociedade íntima elimina cada vez mais modalidades e margens objetivas em que cada um possa escapar de si mesmo da sua psicologia A intimidade contrapõese à distância lúdica ao teatral O decisivo para o jogo são as formas objetivas e não os estados psicológicos e subjetivos O jogo rigoroso ou o ritual exoneram a alma não concedendo qualquer margem à pornografia anímica Não se produz nela excentricidade egolatria nem exaltação O encanto e o jogo rigoroso excluem o arbítrio emocional o nudismo anímico e o psicopático A atriz ou além dela a jogadora passional é despsicologizada dessubjetivizada e desinteriorizada até se transformar em ninguém Não és ninguém porque de outro modo não serias uma grande atriz O ninguém do latim nemo não tem alma alguma que seja possível desnudar Perante o nudismo anímico da pornografia perante o psicopático Strauß exige uma autotranscendência nemológica na qual indo para lá de si mesmo cada um se dirija ao outro e no deixe seduzir por ele O teatro erótico é o lugar em que é A Demora no Belo O conjuro de Fausto Mas fica És tão bela oculta um aspeto importante do belo uma vez que precisamente o belo convida à demora O que obstaculiza a demora contemplativa é a vontade Mas ao contemplar o belo a vontade retirase Este aspeto contemplativo do belo é também central na conceção que Schopenhauer tinha da arte e em cujos termos o prazer estético que a beleza produz consiste em boa parte no facto de ao entrarmos no estado de contemplação pura ficarmos de momento desembaraçados de todo o querer isto é de todo o desejo e cuidado como que de certo modo livres de nós próprios125 O belo desembaraçame de mim O eu mergulha no belo Na presença do belo desprendese de si mesmo O que faz com que o tempo transcorra é a vontade o interesse e para lá deles o conato o impulso Mergulhar contemplativamente no belo quando o querer se retira e o sípróprio se retrai gera um estado em que por assim dizer o tempo se mantém quieto A ausência de querer e de interesse detém o tempo e até mesmo aplacao Esta quietude é o que distingue a visão estética da perceção simplesmente sensível Na presença do belo o ver chegou ao seu destino Deixa de ser impelido ou arrastado para diante Esta chegada é essencial no belo A eternidade do presente que se alcança numa demora em que o curso do tempo é superado referese ao diferente a eternidade do presente é a presença do outro É assim que demorandose no mesmo a eternidade cintila como uma luz que se difunde pelo diferente Se alguma vez na tradição filosófica se refletiu sobre essa eternidade foi na frase de Espinosa O espírito é eterno na medida em que concebe as coisas na perspetiva da eternidade126 Nesta perspetiva a tarefa da arte consiste na salvação do outro A salvação do belo é a salvação do diferente A arte salva o diferente resistindo a fixálo no seu estar presente127 Na medida em que é o totalmente diferente o belo anula o poder do tempo Hoje a crise da beleza consiste precisamente no facto de o belo se reduzir ao seu estar presente ao seu valor de uso ou de consumo O consumo destrói o outro O belo artístico é uma resistência contra o consumo Segundo Nietzsche a arte original é a arte das festas As obras de arte são testemunhos materializados desses momentos afortunados de uma cultura em que o tempo habitual que é o tempo que transcorre foi superado integrado no tempo de trabalho não é mais do que uma breve interrupção do tempo de trabalho durante a qual repousamos do trabalho para logo tornarmos a pôrnos inteiramente à disposição do processo laboral Por isso não melhora a qualidade do tempo Em Die Aktualität des Schönen a atualidade do belo Gadamer liga a arte à festa Em primeiro lugar assinala a peculiaridade da forma linguística que diz que a festa se celebra A celebração remete para a temporalidade peculiar da festa Sem dúvida celebração é uma palavra que suprime expressamente a noção de um objetivo em direção ao qual nos dirigimos A celebração tem lugar de tal modo que não é um lugar em direção ao qual tenhamos de ir primeiro antes de a ele chegarmos Quando se celebra uma festa a festa está lá o tempo todo sempre presente Tal é o caráter temporal da festa celebrase sem se desintegrar na duração de momentos que se desagregam uns dos outros129 Durante a festa é outro tempo o que vigora Nela foi superado o tempo enquanto sucessão de momentos fugazes e passageiros Não há objetivo algum em direção ao qual tenhamos de nos dirigir O dirigirse é precisamente aquilo que faz com que o tempo transcorra A celebração da festa suprime o transcurso É inerente à festa à celebração do tempo superior alguma coisa de imperecível Entre a arte e a festa existe uma analogia A essência da experiência temporal da arte é que aprendemos a demorarnos Talvez seja essa a correspondência à nossa medida daquilo a que chamamos eternidade130 A Salvação do Belo Que importa toda a nossa arte das obras de arte quando perdemos essa arte mais alta a arte das festas Anteriormente todas as obras de arte ocupavam o seu posto na grande álea triunfal do gênero humano como monumentos comemorativos de instantes elevados e felizes Hoje com as obras de arte querse afastar os pobres exaustos e os doentes da grande via de sofrimento da humanidade e proporcionarlhes um pequeno momento de embriaguez e de loucura128 As obras de arte são como monumentos de uma celebração nupcial e mais ainda de um tempo superior em que o tempo habitual foi superado O tempo festivo enquanto tempo superior aplaca o tempo quotidiano que seria o tempo de trabalho habitual detendoo O esplendor da eternidade é inerente ao tempo festivo Quando a via festiva é substituída pela via do sofrimento o tempo superior da celebração nupcial é rebaixado a um pequeno momento e à sua pequena embriaguez Tanto a festa como a celebração têm uma origem religiosa A palavra latina feriae significa o tempo previsto para os atos religiosos e cultuais Fanum significa lugar sagrado consagrado a uma divindade A festa começa quando cessa o tempo quotidiano profano profano significa etimologicamente o que está fora do recinto sagrado Pressupõe uma consagração Ése consagrado e iniciado para entrar no tempo elevado da festa Se se suprimir esse limiar essa passagem essa consagração que separa o sagrado do profano então resta apenas o tempo quotidiano e passageiro que é a seguir explorado como tempo de trabalho Hoje o tempo A Beleza como Reminiscência Benjamin eleva a recordação a essência da existência humana Dela brota toda a força da existência interiorizada A recordação é também o que constitui a essência do belo Até mesmo no seu pleno desabrochar a beleza é inessencial sem a recordação O que surge como essencial no belo não é a presença do brilho imediato mas o ter havido uma recordação que continua agora a iluminar É por isso que Benjamin remete para Platão A experiência do belo como recordação subtraise ao consumo que é dominado por uma temporalidade completamente diferente O que se consome é sempre o novo e não o sido O reconhecimento farseia até em detrimento do consumo A temporalidade do consumo não é o ter sido As recordações e a duração não se conciliam bem com o consumo Este alimentase de um tempo feito em pedaços A fim de se maximizar destrói a duração Do mesmo modo a abundância de informações a sucessão trepidante dos cortes obrigando os olhos a consumir depressa não permite também qualquer recordação permanente As imagens digitais não podem captar a atenção durante muito tempo Esvaziamse rapidamente dos seus atrativos visuais e desvanecemse A experiência fundamental de Marcel Proust é a experiência da duração desencadeada pelo sabor da madeleine molhada na infusão de tília É o acontecimento de uma recordação Uma pequena gota de tília dilatase até se transformar num imenso edifício da recordação Torna Proust participante de uma pequena porção de tempo puro O tempo condensase num cristal temporal aromático num recipiente transbordante de aromas que liberta Proust da fugacidade do tempo Fora invadido por um prazer delicioso um prazer isolado sem a noção da sua causa Tornarame imediatamente indiferentes as vicissitudes da vida inofensivos os seus desastres ilusória a sua brevidade do mesmo modo que o amor opera enchendome de uma essência preciosa ou antes tal essência não estava em mim era eu mesmo Deixara de me sentir medíocre contingente mortal A beleza acontece lá onde as coisas se voltam umas para as outras e entabulam relações A beleza narra Tal como a verdade é um acontecimento narrativo A internet das coisas que as conecta mutuamente não é narrativa A comunicação enquanto troca de informações nada narra Limitase a contar Mas são as ligações narrativas que são belas Hoje a adição tira o lugar à narração As relações narrativas são substituídas por conexões informativas A adição de informações não tem por resultado qualquer narração As metáforas são relações narrativas Fazem com que as coisas e os acontecimentos entabulem um diálogo mútuo A tarefa do escritor é metaforizar o mundo poetizálo O seu olhar poético descobre as relações amorosas ocultas que há entre as coisas A beleza é o acontecimento de uma relação Élhe inerente uma temporalidade peculiar Subtraise à gratificação imediata porque a beleza de uma coisa só se manifesta mais tarde à luz de outra coisa como reminiscência Consta de sedimentações históricas que fosforescem A beleza é retardatária diferida O belo não é um brilho momentâneo mas um permanecer aceso em silêncio A sua preferência consiste nesse reservarse Gerar no Belo Um ribombar é a verdade aparecida em si própria entre os homens por entre o nevoão das metáforas Paul Celan No seu diálogo O Banquete Platão estabelece uma escala de níveis do belo O amante do belo não se conforma com a visão de um corpo belo Acima da beleza habitual sobe nível após nível até ao belo em si Mas a inclinação pelo corpo belo não é condenada Aparece antes como uma parte essencial e mais ainda um começo necessário do movimento de ascensão até ao belo em si O traço peculiar da teoria platônica do belo consiste na ideia de que perante o belo não nos comportamos de uma maneira passiva e consumidora mas de uma maneira ativa e geradora Na presença do belo a alma vêse impelida a gerar por si mesma alguma coisa de belo Ao contemplar o belo o Eros desperta na alma uma força geradora ou filosóficas mas também políticas É assim que Platão louva pelas suas obras tanto poetas por exemplo Homero ou Hesíodo como também governantes por exemplo Sólon ou Licurgo As leis belas são obras do Eros São erotómanas não só o filósofo e o poeta mas também o político As belas ações políticas devemse ao Eros tanto como as obras filosóficas A política que se deixa conduzir pelo Eros é uma política do belo Pois que é uma divindade o Eros confere ao pensar uma consagração Sócrates é iniciado por Diotima nos mistérios do Eros que se subtraem tanto ao conhecimento episteme como ao discurso logos Heidegger é igualmente um erotómano É o Eros que dá asas ao pensamento e o guia Chamolhe Eros o mais antigo dos deuses segundo diz Parménides O golpe das asas desse Deus tocame sempre que dou um passo essencial no meu pensamento e me atrevo a entrar no intransitado Sem Eros o pensar degradase em mero trabalhar O trabalho que é o oposto do Eros profana e desencanta o pensar Heidegger não situa o belo no estético mas no ontológico É um platônico Segundo Heidegger o belo é o nome poético da diferença do ser O Eros referese ao ser Mas o ser compreendese na aspiração ao ser ou como dizem os gregos no Eros É conferida ao belo uma consagração ontológica A diferença ontológica distingue o ser do ente É entre tudo aquilo que é Mas deve ao ser o seu sentido O ser não é um fundo do qual surja o ente mas o horizonte de sentido e de compreensão a cuja luz unicamente se torna possível um comportarse em relação com o ente compreendendoo Heidegger concebe expressamente o belo como um fenómeno da verdade para lá da complacência estética A verdade é a verdade do ser A beleza não é alguma coisa que suceda adicionalmente a esta verdade Quando se põe na obra a verdade manifestase Este manifestarse enquanto tal ser da verdade na obra e como obra é a beleza É por isso que o belo faz parte do acontecer da verdade O belo não é somente alguma coisa de relativo ao agrado nem é somente objeto de agrado A verdade como verdade do ser é um sucesso um acontecimento que só ele confere ao ente sentido e significado É por isso que uma nova verdade põe o ente sob uma luz completamente diferente modificando a nossa relação com o mundo e a nossa compreensão da realidade A verdade faz com que tudo se mostre de outra maneira O acontecimento da verdade define de novo o que é real Gera um é diferente A obra é o lugar que gesta recebe e incarna o acontecimento O Eros está apegado ao belo à manifestação da verdade O que o distingue do agrado O tempo em que predomina o agrado o Gosto é diria Heidegger um tempo sem Eros sem beleza Enquanto acontecimento da verdade o belo é generativo fecundante e ainda por fim poetizante Dá a ver É esse dom o belo O belo não é a obra enquanto produto mas o sobressair da verdade que resplandece O belo transcende do mesmo modo a complacência desinteressada Hoje o belo é despojado de qualquer consagração Deixou de ser um acontecimento da verdade Nenhuma diferença ontológica nenhum Eros o protege do consumo É um simples ente algo de simplesmente dado e de presente na sua obviedade Encontramolo dado tãosó como objeto do agrado imediato Gerar no belo cede o lugar ao belo como produto como objeto de consumo e de agrado estético O belo é o que vincula Fundador de duração Não é um acaso que o belo em si segundo Platão seja eternamente aei on Da mesma maneira enquanto nome poético da diferença do ser o belo não é alguma coisa que se limite a agradar O belo é por excelência o vinculativo o normativo o que dá a medida Eros é a aspiração ao que vincula Badiou chamarlheia fidelidade No seu elogio do amor ele escreve Mas é sempre para dizer do que foi um acaso vou extrair outra coisa Vou extrair daqui uma duração uma obstinação um compromisso uma fidelidade Portanto fidelidade é uma palavra que emprego aqui na minha própria gíria filosófica retirandoa do seu contexto habitual Significa justamente a passagem de um encontro ocasional a uma construção tão sólida como se tivesse sido necessária A fidelidade e o que vincula implicamse mutuamente O que vincula exige fidelidade A fidelidade pressupõe o que vincula A fidelidade é incondicional É nisso que consiste a sua metafísica mais ainda a sua transcendência A estetização crescente da quotidianidade é justamente o que torna impossível a experiência do belo como experiência do que vincula A estetização em cansa é gerada unicamente por objetos que suscitam um agrado passageiro A volatilidade crescente não afeta apenas os mercados financeiros Abarca hoje toda a sociedade Nada tem consistência nem duração Frente a uma contingência radical surge a aspiração do vinculativo para lá da quotidianidade Encontramonos hoje numa crise do belo uma vez que este é amaciado e transformado em objeto de agrado em objeto do Gosto em qualquer coisa de arbitrário e gratificante A salvação do belo é a salvação do que vincula OBRAS DO AUTOR NESTA EDITORA A Sociedade do Cansaço A Sociedade da Transparência A Agonia de Eros Psicopolítica O Aroma do Tempo NESTA COLEÇÃO 1 Philippe Ariés A Criança e a Vida Familiar No Antigo Regime 2 Elisabeth Badinter O Amor Incerto 3 Elisabeth Badinter Um é o Outro 4 Mircea Eliade Ferreiros e Alquimistas 5 Ortega y Gasset A Rebelião das Massas 6 Edward T Hall A Dimensão Oculta 7 Agostinho da Silva Carta Vária 8 Miguel de Unamuno Do Sentimento Trágico da Vida 9 Oliver Sacks O Homem que Confundia a Mulher com Um Chapéu 10 Agostinho da Silva As Aproximações 11 Lou AndreasSalomé Eros 12 Manuel Laranjeira Prosas Dispersas 13 Jean Baudrillard Simulacros e Simulação 14 Paul Watzlawick A Realidade é Real 15 Hannah Arendt Homens em Tempos Sombrios 16 Francesco Alberoni A Árvore da Vida 17 Gianni Vattimo A Sociedade Transparente 18 Philippe Ariés O Tempo da História 19 Walter Benjamin Rua de Sentido Único e Infância em Berlim Por Volta de 1900 20 Walter Benjamin Sobre Arte Técnica Linguagem e Política 21 Oliver Sacks Despertares 22 George Steiner No Castelo da Barba Azul 23 Isabel do Carmo Saúde em Tempo de Risco 24 Erving Goffman A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias 25 Evelyne Sullerot Que País Que Filhos 26 Edward T Hall A Linguagem Silenciosa 27 María Zambrano Os Sonhos e o Tempo 28 Michel Foucault História da Sexualidade I A Vontade de Saber 29 Michel Foucault História da Sexualidade II O Uso dos Prazeres 30 Michel Foucault História da Sexualidade III O Cuidado de Si 31 María Zambrano O Homem e o Divino 32 Fernando Savater O Conteúdo da Felicidade 33 Carlo Ginzburg História Nocturna 34 María Zambrano Clareiras do Bosque 35 George Steiner Antigonas 36 Oliver Sacks Um Antropólogo em Marte 37 Victoria Camps Paradoxos do Individualismo 38 Edward T Hall A Dança da Vida 43 Junichiro Tanizaki Elogio da Sombra 44 Marío Vieira de Carvalho Razdo e Sentimento na Comunicação Musical 45 Erving Goffman Os Momentos e os Seus Homens 46 Oliver Sacks Perna para Que Te Quero 47 Fernando Savater Livre Mente 48 Hannah Arendt A Condição Humana 49 José Gil Movimento Total 0 Corpo e a Dança 50 George Steiner Errata Revisões de Uma Vida 51 Hannah Arendt Compreensão e Política e Outros Ensaios 52 Hannah Arendt Sobre a Revolução 53 Ernst Jünger Drogas Embriaguez e outras temas 54 Ortega y Gasset Estudos Sobre o Amor 55 George Steiner Gramáticas da Criação 56 Antônio Barreto Tempo de Incerteza 57 George Steiner Depois de Babel 58 João Baurento O Poço de Babel 59 George Steiner Paixão Intacta 60 George Steiner Nostalgia do Absoluto 61 Antônio Barreto Novos Retratos do Meu País 62 Maria Filomena Molder A Imperfeição da Filosofia 63 Georg Simmel Fidelidade e Gratidão e Outras Textos 64 Max Weber A Bolsa 65 Simone Weil A Gravidade e a Graça 66 Georg Simmel Fragmentos sobre o Amor e Outros Textos 67 Olga Pombo Interdisciplinaridade Ambições e Limites 68 Abdelwahab Meddeb A Doença do Islão 69 Bernard Lewis A Crise do Islão 70 Hannah Arendt Entre o Passado e o Futuro Oito Exercícios sobre o Pensamento Político 71 George Steiner Os Logocratas 72 Max Weber Sociologia das Religiões e Consideração Intermediária 73 Isaiah Berlin O Poder das Idéias 74 José Gil Monstros 75 Zygmunt Bauman Confiança e Medo na Cidade 76 Desmond Morris A Mulher Nua Um Estudo do Corpo Feminino 77 Hannah Arendt A Promessa da Política 78 Camille Paglia Personas Sexuais Arte e Decadência de Nefertiti e Emily Dickinson 79 Zygmunt Bauman Modernidade e Ambivalência 80 Peter Sloterdijk O Estranhamento do Mundo 81 Peter Sloterdijk O Refúgio do Gigante Paradoxo da Globalização 84 Oliver Sacks Musicofilia 85 Harold Bloorn Onde Está a Sabedoria 86 Marshall McLuhan CompreenderMe Conferências e Entrevistas 87 Antônio Barreto Anos Difíceis 88 José Gil O DevirEu de Fernando Pessoa 89 Peter Sloterdijk Cólera e Tempo 90 Eric Hobsbawm Escritos sobre a História 91 Elisabeth Badinter O Conflito A Mulher e a Mãe 92 José Gil A Arte como Linguagem 93 Oliver Sacks Vejo Uma Voz 94 Maria Filomena Molder O Químico e o Alquimista Benjamin Leitor de Baudelaire 95 Oliver Sacks O Olhar da Mente 96 Oliver Sacks Diário de Oaxaca 97 George Steiner A Poesia do Pensamento 98 Oliver Sacks Alucinações 99 Pierre Bourdieu A Dominação Masculina 100 Oliver Sacks Enxaqueca 101 José Gil Cansaço Tédio Desassossego 102 José Gil Pulsões 103 Maria Filomena Molder As Nuvens e o Vaso Sagrado Kant e Goethe Leituras 104 Hannah Arendt Sobre a Violência 105 ByungChul Han A Sociedade do Cansaço 106 ByungChul Han A Sociedade da Transparência 107 ByungChul Han A Agonia de Eros 108 George Steiner Extraterritorial 109 Simone Weil O Envoltamento 110 Peter Sloterdijk Morte Aparente no Pensamento 111 George Steiner Tolstoi ou Dostoiévski 112 José Gil Poderes da Pintura 113 ByungChul Han Psicopolítica 114 Umberto Eco Apocalípticos e Integrados 115 Oliver Sacks Em Movimento Uma Vida 116 George Steiner Dez Razões Passíveis para a Tristeza do Pensamento 117 ByungChul Han O Aroma do Tempo 118 Umberto Eco Cinco Escritos Morais 119 Umberto Eco Sobre as Espelhos e Outros Ensaios 120 Umberto Eco O SuperHomem das Massas 121 George Orwell Ensaios Escolhidos