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LETRAMENTO LITERÁRIO teoria e prática RILDO COSSON editoracontexto Copyright 2006 Rildo Cosson Todos os direitos desta edição reservados à Editora Contexto Editora Pinsky Ltda Capa e diagramação Gustavo S Vilas Boas Revisão Lilian Aquino Ruy Azevedo Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Cosson Rildo Letramento literário teoria e prática Rildo Cosson 2ed São Paulo Contexto 2009 Bibliografia ISBN 9788572443098 1 Leitura 2 Letramento 3 Literatura Estudo e ensino 4 Literatura História e crítica 5 Literatura e sociedade 6 Textos I Título CDD807 058146 Índices para catálogo sistemático 1 Leitura literária Ensino 807 2 Literatura Estudo e ensino 807 Editora Contexto Diretor editorial Jaime Pinsky Rua Acopiara 199 Alto da Lapa 05083110 São Paulo SP PABX 11 3832 5838 contextoeditoracontextocombr wwweditoracontextocombr 2009 Proibida a reprodução total ou parcial Os infratores serão processados na forma da lei O meu livro recordolhe eu é de história assim realmente o designariam segundo a classificação tradicional dos gêneros porém não sendo propósito meu apontar outras contradições em minha discreta opinião senhor doutor tudo quanto não for vida é literatura José Saramago História do cerco de Lisboa Sumário INTRODUÇÃO 9 A fábula do imperador chinês 9 OS PRESSUPOSTOS 14 A literatura e o mundo15 A literatura escolarizada 19 Aula de literatura o prazer sob controle 25 Leitura literária a seleção dos textos 31 O processo de leitura 37 AS PRÁTICAS 44 Estratégias para o ensino da literatura a sistematização necessária 45 A sequência básica 51 A sequência expandida 75 A avaliação 111 10 Letramento literário teoria e prática Indignado com tais recusas o imperador reuniu os três sábios e determinou que se um deles não aceitasse a tarefa todos seriam sumariamente executados antes do anoitecer Os sábios não olharam para o sol que já havia ultrapassado seu zênite Confabularam entre si por alguns instantes e finalmente o mais sábio decidiu explicar ao imperador o motivo da recusa Meu senhor disse o sábio perguntastes por que nos recusamos a executar a tarefa que é a razão de nossa vida uma vez que decidimos ser sábios e ensinar a todos Não se trata de vontade visto que diante de vossa majestade não possuímos nenhuma mas sim da impossibilidade de realização da missão Como pode ser impossível realizar uma tarefa tão simples quanto educar três jovens com todos os recursos à disposição do mestre retrucou enfurecido o imperador O sábio prostrouse Pediu mil perdões pela sua impostura Louvou a grandeza ímpar do imperador Por fim respondeu que a tarefa era impossível por causa dos alunos Ante a surpresa do imperador que sabia da saúde e da inteligência dos três jovens o sábio explicou A tarefa é impossível porque vosso filho favorito aquele que irá sucedêlo no comando do império sabendose escolhido acredita que já não precisa de mais nada para ser imperador além do desejo do seu pai Já seu irmão aquele que é filho de uma concubina sem nome sabendose preterido acredita que em nada modificará sua vida tal conhecimento uma vez que será sempre o esquecido O servo ao contrário de seus senhores deseja muito aprender porém nada sabe e quem nada sabe nada aprende Em suma meu imperial senhor vós nos destes a missão de ensinar para as mais temíveis inimigas de qualquer educador a arrogância a indiferença e a ignorância Separadas podemos combatêlas e vencelas juntas são imbatíveis Como os sábios do imperador chinês vivemos nas escolas uma situação difícil com os alunos os professores de outras disciplinas os dirigentes educacionais e a sociedade quando a matéria é literatura Alguns acreditam que se trata de um saber desnecessário Para esses a literatura é apenas um verniz burguês de um tempo passado que já deveria ter sido abolido das escolas Eles não sabem mas pensam que não precisam aprender literatura porque já conhecem e dominam tudo o que lhes interessa Essa postura arrogante com relação ao saber literário leva a literatura a ser tratada como apêndice da disciplina Língua Portuguesa quer pela sobreposição à simples leitura no ensino fundamental quer pela redução da literatura à história literária no ensino médio É a mesma arrogância que reserva à disciplina Literatura no ensino médio uma única aula por semana considera a biblioteca um depósito de livros e assim por diante Outros têm consciência de que desconhecem a disciplina porém consideram o esforço para conhecer desproporcional aos seus benefícios São os indiferentes para quem ler é uma atividade de prazer mas o único valor que conseguem atribuir à literatura é o reforço das habilidades linguísticas É por isso que não se importam se o ensino de literatura constituise em uma sequência enfadonha de autores características e estilos de época e figuras de linguagem cujos nomes tãosomente devem ser decorados independentemente de qualquer contexto Por fim há aqueles que desejam muito estudar literatura ou qualquer outra coisa Todavia seja por falta de referências culturais ou pela maneira como a literatura lhes é retratada ela se torna inacessível Para eles a literatura é um mistério cuja iniciação está fora de seu alcance Não surpreende portanto que tomem a poesia como um amontoado de palavras difíceis e tenham dificuldade em distinguir a ficção de outros discursos de realidade É para enfrentar essas situações de arrogância indiferença e desconhecimento a respeito da literatura na escola que escrevemos este livro Letramento literário teoria e prática é uma proposta de ensino da leitura literária na escola básica Resultado de vários anos de leitura pesquisas práticas de sala de aula minhas e de colegas de alunos e de alunos não foi escrito para especialistas mas sim para professores que desejam fazer do ensino da literatura uma prática significativa para si e para seus alunos Não pretende portanto revolucionar o ensino de literatura nem estabelecer marcos teóricos ou metodológicos Ao contrário ele se configura por assim dizer como uma reinvenção da roda Por isso e como os débitos são muitos optamos por não fazer referências bibliográficas extensas ao longo do texto O leitor interessado encontrará na bibliografia os autores e títulos que o auxiliarão no aprofundamento dos tópicos aqui tratados Escolhemos denominar a proposta de letramento literário para assinalar sua inserção em uma concepção maior de uso da escrita uma concepção que fosse além das práticas escolares usuais De uso recente na língua portuguesa a palavra letramento tem suscitado algumas controvérsias Tradução do inglês literacy o letramento como explicita Magda Becker Soares em Letramento um tema em três gêneros 1998 dá visibilidade a um fenômeno que os altos índices de analfabetismo não nos deixavam perceber Tratase não da aquisição da habilidade de ler e escrever como concebemos usualmente a alfabetização mas sim da apropriação da escrita e das práticas sociais que estão a ela relacionadas Há portanto vários níveis e diferentes tipos de letramento Em uma sociedade essencialmente letrada como a nossa mesmo um analfabeto tem participação ainda que de modo precário em algum processo de letramento Do mesmo modo um indivíduo pode ter um grau sofisticado de letramento em uma área e possuir um conhecimento superficial em outra dependendo de suas necessidades pessoais e do que a sociedade lhe oferece ou demanda O letramento literário conforme o concebemos possui uma configuração especial Pela própria condição de existência da escrita literária que abordaremos adiante o processo de letramento que se faz via textos literários compreende não apenas uma dimensão diferenciada do uso social da escrita mas também e sobretudo uma forma de assegurar seu efetivo domínio Daí sua importância na escola ou melhor sua importância em qualquer processo de letramento seja aquele oferecido pela escola seja aquele que se encontra difuso na sociedade Neste livro vamos tratar do letramento literário no que se refere a processo de escolarização da literatura A proposta que subscrevemos aqui se destina a reformar fortalecer e ampliar a educação literária que se oferece no ensino básico Em outras palavras ela busca formar uma comunidade de leitores que como toda comunidade saiba reconhecer os laços que unem seus membros no espaço e no tempo Uma comunidade que se constrói na sala de aula mas que vai além da escola pois fornece a cada aluno e ao conjunto deles uma maneira própria de ver e viver o mundo Para tratar de nossa proposta de letramento literário dividimos o livro em três partes Na primeira apresentaremos algumas reflexões sobre o lugar da literatura em nossa sociedade e por que lhe atribuímos importância De certa maneira procuraremos responder a uma indagação básica de quem trabalha com leitura literária isto é qual o valor da literatura e sua função social Também buscaremos tornar um tanto mais nítidas as relações entre literatura e educação Como se sabe essas relações são antigas mas vamos centrar nossa atenção em como se tem ensinado literatura no Brasil e as consequências dessa tarefa na formação dos leitores literários O centro da discussão será a didatização ou escolarização da literatura na tentativa de compreender como se deu a passagem da literatura como arte para a literatura como disciplina escolar Outra questão importante é a crença de que literatura não se ensina basta a simples leitura das obras como se faz ordinariamente fora da escola Vamos portanto analisar os pressupostos dessa crença e reafirmar a necessidade do ensino da literatura na escola Ensino que passa necessariamente pela seleção de textos Nesse caso procuraremos discutir os critérios utilizados para essa seleção em que estão presentes outras tantas seleções relacionadas ao cânone literário e às características do leitoraluno Por fim abordaremos o processo de leitura à luz das várias teorias da leitura O objetivo é esclarecer a concepção de leitura que fundamenta o caminho a ser seguido para o letramento literário na escola Na segunda parte abordaremos a proposta em seu aspecto mais aplicado ou seja vamos falar dos procedimentos que efetivam a proposta de letramento literário Inicialmente trataremos da necessidade de um método para se trabalhar a literatura na escola compreendendo que todo processo educativo precisa ser organizado para atingir seus objetivos Depois apresentaremos as atividades coordenadas de ensino e aprendizagem de leitura literária na escola básica com o objetivo de construir comunidades de leitores No fechamento dessa segunda parte vamos tratar brevemente do processo de avaliação dentro da perspectiva do letramento literário aqui proposta Na terceira parte faremos uma reflexão sobre o desafio de se trabalhar com o diferente em uma escola que resiste a mudanças e também traremos propostas de oficinas para o professor adaptar em seu trabalho com o letramento literário Um livro que envolveu tantos anos de elaboração não poderia ter chegado ao seu termo sem a ajuda de muitas pessoas Quero portanto iniciar meus agradecimentos pelos alunos de meus alunos que experienciaram em sala de aula essa proposta de letramento literário Foram os resultados alcançados nas salas de aula em lugares tão diversos como os estados do Acre do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais que me animaram a colocar na forma de livro o que costumava discutir e analisar nas disciplinas de Metodologia do Ensino da Literatura e da Língua Portuguesa nos cursos de Letras e Pedagogia Gostaria de poder citálos individualmente pois minha dívida com eles é enorme mas não teria páginas suficientes para tantos Não poderia deixar de citar entretanto os nomes de Rita Maffia Lopes e Marília Furtado alunasprofessoras que gentilmente me forneceram farto material de suas atividades em sala de aula e alimentaram parte dos exemplos que se encontram reproduzidos neste livro Também expresso minha gratidão aos meus colegas que compartilharam experiências e debateram comigo algumas das ideias aqui discutidas Na Faculdade de Letras agradeço o incentivo de Cíntia Schwantes Maria Amélia Idiart Lozano e Eni Celidônio Na Faculdade de Educação agradeço a parceria de Graça Paulino Marildés Marinho e Aracy Evangelista De maneira muito especial quero agradecer a três colegas que em prova de amizade e consideração prontificaramse a ler os originais e apontaram muitas questões a serem resolvidas Néa de Castro Nivia Eslabão e Ana Cláudia Fidélis Naturalmente os erros que permaneceram são resultados de minha teimosia Por fim dizse que não se agradece sentimentos íntimos mas não posso deixar de agradecer a paciência e a generosidade de minha esposa que leu com os olhos do coração todas as palavras deste livro AS REINVENÇÕES DA RODA116 Conclusão117 OFICINAS121 BIBLIOGRAFIA137 O AUTOR 141 Introdução A fábula do imperador chinês Um imperador da China voltou de uma longa e estafante batalha preocupado com o futuro de seu império Estava velho e sabia que deveria pensar em um sucessor Como tinha dezenas de filhos não sabia a quem escolher Depois de consultar os deuses e seu coração angustiado escolheu o filho de sua esposa favorita na juventude cuja memória lhe era cara Todavia percebeu que o jovem não possuía os conhecimentos necessários para assumir um encargo tão pesado Resolveu contratar um sábio para ensinar as complexas matérias da arte de governar ao seu escolhido Para que ele não estudasse sozinho designou como companheiro o filho de sua décima quinta concubina uma mulher que recebera como presente de alguém da corte já esquecido E como os dois filhos do imperador não poderiam ficar sem auxílio durante as aulas designou um servo para acompanhálos Como era imperador demandou que o sábio dos sábios do império se apresentasse para realizar a tarefa Tratavase porém de um homem bastante avançado em anos que alegou não estar em condições físicas de realizar tão honrosa tarefa Chamou o segundo sábio mais renomado do império mas novamente não foi atendido Este encareceu a grandeza da missão mas possuía muitas mulheres muitos filhos muitos alunos morava distante e temia ser incapaz de despojarse de todas as obrigações que já assumira para se dedicar inteiramente aos filhos do imperador O imperador recebeu a recusa com relutância mas como não faltavam sábios renomados na China decidiu convocar o terceiro sábio mais admirado do império Esse reagiu do mesmo modo que os anteriores Sentiase engrandecido pela escolha mas lamentava não poder atender o imperador por ter programado uma longa viagem ao interior do império em busca de novos conhecimentos Os pressupostos A literatura e o mundo A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza nos liberta do caos e portanto nos humaniza Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade Antonio Candido O direito à literatura 1995 Gosto da ideia de que nosso corpo é a soma de vários outros corpos Ao corpo físico somamse um corpo linguagem um corpo sentimento um corpo imaginário um corpo profissional e assim por diante Somos a mistura de todos esses corpos e é essa mistura que nos faz humanos As diferenças que temos em relação aos outros devemse à maneira como exercitamos esses diferentes corpos Do mesmo modo que atrofiaremos o corpo físico se não o exercitarmos também atrofiaremos nossos outros corpos por falta de atividade Nesse sentido o nosso corpo linguagem funciona de uma maneira especial Todos nós exercitamos a linguagem de muitos e variados modos em toda a nossa vida de tal modo que o nosso mundo é aquilo que ela nos permite dizer isto é a matéria constitutiva do mundo é antes de mais nada a linguagem que o expressa E constituímos o mundo basicamente por meio das palavras No princípio e sempre é o verbo que faz o mundo ser mundo para todos nós até porque a palavra é a mais definitiva e definidora das criações do homem Como bem diz o pensamento popular se uma imagem vale por mil palavras mesmo assim é preciso usar a língua para traduzir as imagens e afirmar esse valor É por isso também que as usamos para dizer que não temos palavras para expressar um pensamento ou um sentimento Em síntese nosso corpo linguagem é feito das palavras com que o exercitamos quanto mais eu uso a língua maior é o meu corpo linguagem e por extensão maior é o meu mundo E de onde vêm as palavras que alimentam e exercitam o corpo linguagem Aqui outra particularidade do nosso corpo linguagem As palavras vêm da sociedade de que faço parte e não são de ninguém Para adquirilas basta viver em uma sociedade humana Ao usar as palavras eu as faço minhas do mesmo modo que você usando as mesmas palavras as faz suas É por esse uso simultaneamente individual e coletivo que as palavras se modificam se dividem e se multiplicam vestindo de sentido o fazer humano Em uma sociedade letrada como a nossa as possibilidades de exercício do corpo linguagem pelo uso das palavras são inumeráveis Há entretanto uma que ocupa lugar central Tratase da escrita Praticamente todas as transações humanas de nossa sociedade letrada passam de uma maneira ou de outra pela escrita mesmo aquelas que aparentemente são orais ou imagéticas É assim com o jornal televisionado com o locutor que lê um texto escrito É assim com práticas culturais de origem oral como a literatura de cordel cujos versos são registrados nos folhetos para serem vendidos nas feiras Também a tela do computador está repleta de palavras e os video games cheios de imagens não dispensam as instruções escritas Essa primazia da escrita se dá porque é por meio dela que armazenamos nossos saberes organizamos nossa sociedade e nos libertamos dos limites impostos pelo tempo e pelo espaço A escrita é assim um dos mais poderosos instrumentos de libertação das limitações físicas do ser humano O corpo linguagem o corpo palavra o corpo escrita encontra na literatura seu mais perfeito exercício A literatura não apenas tem a palavra em sua constituição material como também a escrita é seu veículo predominante A prática da literatura seja pela leitura seja pela escritura consiste exatamente em uma exploração das potencialidades da linguagem da palavra e da escrita que não tem paralelo em outra atividade humana Por essa exploração o dizer o mundo reconstruído pela força da palavra que é a literatura revelase como uma prática fundamental para a constituição de um sujeito da escrita Em outras palavras é no exercício da leitura e da escrita dos textos literários que se desvela a arbitrariedade das regras impostas pelos discursos padronizados da sociedade letrada e se constrói um modo próprio de se fazer dono da linguagem que sendo minha é também de todos Isso ocorre porque a literatura é plena de saberes sobre o homem e o mundo Aqui vale a pena relembrar a fábula da pedra de Bolonha que recontamos a partir da menção feita por Roland Barthes em Aula 1980 Havia nessa cidade uma pedra mágica Durante o dia escura e opaca absorvia a luz e tudo que a circundava À noite transmutavase em brilho iluminando a tudo e a todos com a luz que recolhera anteriormente Assim funciona o texto literário em relação aos saberes que guarda a cada escritura mas sem os aprisionar dentro de si Ao contrário liberaos com brilho a cada leitura Isso se dá porque a semelhança do mito de Proteu a literatura tem o poder de se metamorfosear em todas as formas discursivas Ela também tem muitos artifícios e guarda em si o presente o passado e o futuro da palavra Como acontecia com o deus grego não se pode conhecer a verdade da palavra e da linguagem sem interrogar constantemente esse discurso proteiforme percorrendo seus artifícios e as diferentes temporalidades que ele encerra Na leitura e na escrita do texto literário encontramos o senso de nós mesmos e da comunidade a que pertencemos A literatura nos diz o que somos e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós mesmos E isso se dá porque a literatura é uma experiência a ser realizada É mais que um conhecimento a ser reelaborado ela é a incorporação do outro em mim sem renúncia da minha própria identidade No exercício da literatura podemos ser outros podemos viver como os outros podemos romper os limites do tempo e do espaço de nossa experiência e ainda assim sermos nós mesmos É por isso que interiorizamos com mais intensidade as verdades dadas pela poesia e pela ficção A experiência literária não só nos permite saber da vida por meio da experiência do outro como também vivenciar essa experiência Ou seja a ficção feita palavra na narrativa e a palavra feita matéria na poesia são processos formativos tanto da linguagem quanto do leitor e do escritor Uma e outra permitem que se diga o que não sabemos expressar e nos falam de maneira mais precisa o que queremos dizer ao mundo assim como nos dizer a nós mesmos É por possuir essa função maior de tornar o mundo compreensível transformando sua materialidade em palavras de cores odores sabores e formas intensamente humanas que a literatura tem e precisa manter um lugar especial nas escolas Todavia para que a literatura cumpra seu papel humanizador precisamos mudar os rumos da sua escolarização conforme veremos no próximo capítulo promovendo o letramento literário A literatura escolarizada Não há como evitar que a literatura qualquer literatura não só a literatura infantil e juvenil ao se tornar saber escolar se escolarize e não se pode atribuir em tese conotação pejorativa a essa escolarização inevitável e necessária não se pode criticála ou negála porque isso significaria negar a própria escola O que se pode criticar o que se deve negar não é a escolarização da literatura mas a inadequada a errônea a imprópria escolarização da literatura que se traduz em sua deturpação falsificação distorção como resultado de uma pedagogização ou uma didatização mal compreendidas que ao transformar o literário em escolar desfigurao desvirtuao falseiao Magda Becker Soares A escolarização da literatura infantil e juvenil 2001 Como professor da área de Letras que sempre procurou interligar literatura e educação tenho vivenciado vários questionamentos sobre as relações possíveis entre esses dois campos Durante uma aula de Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa no curso de Pedagogia um aluno questionou a presença da literatura no ensino médio dizendo que os professores ensinavam as características dos períodos literários o nome dos autores e das obras em uma sequência que poderia ser mais facilmente oferecida pela História De tudo isso o que ele havia aprendido de Literatura fora que barroco é sinônimo de antítese romantismo é tudo que trata de amor e naturalismo é podridão Em outra ocasião em um debate sobre leitura na escola uma professora do ensino fundamental relatou que antigamente usava os textos literários para ensinar a ler mas agora usava apenas jornais porque eram mais fáceis de serem adquiridos e lidos pelas crianças Por fim em um encontro recente de pesquisadores e alunos de pósgraduação da área de Letras ouvi o comentário de que as imagens hoje são muito mais importantes do que as palavras e a literatura com seus romances e poemas deveria ser substituída como objeto de estudo por filmes telenovelas e outros artefatos mais significativos culturalmente Todos esses questionamentos deixam claro que a relação entre literatura e educação está longe de ser pacífica Aliás eles dizem que o lugar da literatura na escola parece enfrentar um de seus momentos mais difíceis Para muitos professores e estudiosos da área de Letras a literatura só se mantém na escola por força da tradição e da inércia curricular uma vez que a educação literária é um produto do século xix que já não tem razão de ser no século xxi A multiplicidade dos textos a onipresença das imagens a variedade das manifestações culturais entre tantas outras características da sociedade contemporânea são alguns dos argumentos que levam à recusa de um lugar à literatura na escola atual Para compreender melhor como se chegou a esses questionamentos e a essa recusa da literatura é preciso verificar ainda que brevemente como se constituíram as relações entre educação e literatura no ambiente escolar ou a escolarização da literatura O uso da literatura como matéria educativa tem longa história a qual antecede a existência formal da escola Regina Zilberman em Sim a literatura educa 1990 lembranos a esse respeito que as tragédias gregas tinham o princípio básico de educar moral e socialmente o povo Daí a subvenção dos dramaturgos pelo Estado e a importância do teatro entre os gregos Do mesmo modo é bem conhecida a fórmula horaciana que reúne na literatura o útil e o agradável Essa tradição cristalizase no ensino da língua nas escolas com um duplo pressuposto a literatura serve tanto para ensinar a ler e a escrever quanto para formar culturalmente o indivíduo Foi assim com o latim e o grego antigo cujo ensino se apoiava nos textos da Era Clássica para o aprendizado dessas línguas de uso restrito e para o conhecimento produzido nelas Tem sido assim com o ensino da literatura em nossas escolas que no ensino fundamental tem a função de sustentar a formação do leitor e no ensino médio integra esse leitor à cultura literária brasileira constituindose em alguns currículos uma disciplina à parte da Língua Portuguesa Consoante esses objetivos e sua localização em graus distintos de ensino aquilo que se ensina como literatura na escola costuma ter contornos muito diversos Tomese como exemplo a divisão da literatura segundo a faixa etária do leitor que coloca de um lado a literatura infantojuvenil e de outro a literatura sem adjetivo Essa divisão tão cara à escola termina contribuindo para o bem conhecido vácuo existente entre os números de publicação de obras da literatura infantojuvenil e da literatura adulta mostrando que os leitores daquela não se transformam em leitores desta como se uma vez formado o leitor a literatura já não tivesse razão para fazer parte da sua vida Todavia o ponto fundamental a ser discutido sobre a presença da literatura na escola é a discrepância entre o que se entende por literatura nos dois níveis de ensino No ensino fundamental a literatura tem um sentido tão extenso que engloba qualquer texto escrito que apresente parentesco com ficção ou poesia O limite na verdade não é dado por esse parentesco mas sim pela temática e pela linguagem ambas devem ser compatíveis com os interesses da criança do professor e da escola preferencialmente na ordem inversa Além disso esses textos precisam ser curtos contemporâneos e divertidos Não é sem razão portanto que a crônica é um dos gêneros favoritos da leitura escolar Aliás como se registra nos livros didáticos os textos literários ou considerados como tais estão cada vez mais restritos às atividades de leitura extraclasse ou atividades especiais de leitura Em seu lugar entronizase a leitura de jornais e outros registros escritos sob o argumento de que o texto literário não seria adequado como material de leitura ou modelo de escrita escolar pois a literatura já não serve como parâmetro nem para a língua padrão nem para a formação do leitor conforme parecer de certos linguistas No primeiro caso a linguagem literária por ser irregular e criativa não se prestaria ao ensino da língua portuguesa culta posto que esta requer um uso padronizado tal como se pode encontrar nas páginas dos jornais e das revistas científicas No segundo sob o apanágio do uso pragmático da escrita e da busca de um usuário competente afirmase que apenas pelo contato com um grande e diverso número de textos o aluno poderá desenvolver sua capacidade de comunicação No ensino médio o ensino da literatura limitase à literatura brasileira ou melhor à história da literatura brasileira usualmente na sua forma mais indigente quase como apenas uma cronologia literária em uma sucessão dicotômica entre estilos de época cânone e dados biográficos dos autores acompanhada de rasgos teóricos sobre gêneros formas fixas e alguma coisa de retórica em uma perspectiva para lá de tradicional Os textos literários quando comparecem são fragmentos e servem prioritariamente para comprovar as características dos períodos literários antes Caso o professor resolva fugir a esse programa restrito e ensinar literatura literária ele tende a recusar os textos canônicos por considerálos pouco atraentes seja pelo hermetismo do vocabulário A aula de literatura o prazer sob controle Ler no sentido de construção de sentidos a partir de textos supõe normas códigos de interpretação aprendidos numa comunidade supõe a aprendizagem de comportamentos face ao texto e ao contexto onde se lê comportamentos oficialmente sancionados e culturalmente aceites relativamente ao que deve ser uma leitura apropriada ao que deve ser resposta do leitor e também ao que é texto válido Nesta perspectiva os códigos de leitura ensinados qualquer que seja o modelo pedagógico podem ser vistos como conjuntos de constrangimentos na relativa e enfatizo relativa liberdade interpretativa dos alunos leitores Maria de Lourdes da Trindade Dionisio A construção escolar de comunidade de leitores 2000 Ao receber os alunos de Letras na disciplina Teoria da Literatura costumava fazer um teste sobre suas expectativas a respeito do que e como iriam estudar literatura O teste trazia a seguinte situação um calouro de Matemática cumprimentava seu colega de Letras dizendo que gostaria de ter a boa vida deste pois não devia ser difícil um curso que consistia em ler poemas e romances o que qualquer pessoa fazia normalmente por prazer O aluno de Letras deveria replicar ao aluno de Matemática dizendo qual a diferença entre ler romances e poemas em casa e ler romances e poemas na universidade Os alunos davam respostas bastante diversificadas de acordo com o conhecimento prévio sobre a literatura como disciplina escolar De um modo geral buscavam defender sob argumentos de consistência variada que estudar literatura era algo tão complexo quanto resolver operações matemáticas Após uma dessas aulas um aluno me chamou de lado e invocando uma honestidade que sempre julguei ser princípio básico em qualquer relação de conhecimento indagou Professor por que não podemos apenas ler os textos literários Essa pergunta se repetiria em outros cursos e em diferentes situações sob outras formas Na escola em que meu filho cursava o último ano do ensino fundamental a coordenadora da área de Língua Portuguesa trouxe uma novidade para a reunião de pais e mestres A partir daquele ano a escola adotaria um programa de leitura visando melhorar o desempenho escolar dos alunos Esse programa consistiria na leitura de obras literárias previamente selecionadas por uma especialista em literatura infantojuvenil A família a quem caberia adquirir um livro por aluno deveria incentivar a leitura que seria feita em casa Na escola os alunos trocariam os livros entre si dentro de cada turma Quando indaguei o que seria feito após a leitura ela reiterou que os alunos trocariam os livros entre si até terem lido todos os livros destinados à turma Pareceulhe muito estranho que a simples troca de livros não fosse considerada por mim uma atividade suficiente para constituir um programa de leitura envolvendo textos literários Não é possível aceitar que a simples atividade da leitura seja considerada a atividade escolar de leitura literária Na verdade apenas ler é a face mais visível da resistência ao processo de letramento literário na escola Por trás dele encontramse pressuposições sobre leitura e literatura que por pertencerem ao senso comum não são sequer verbalizadas Daí a pergunta honesta e o estranhamento quando se coloca a necessidade de se ir além da simples leitura do texto literário quando se deseja promover o letramento literário Uma dessas pressuposições é que os livros falam por si mesmos ao leitor Afinal se lemos as obras literárias fora da escola com prazer sem que nos sejam dadas instruções especiais por que a escola precisa se ocupar de tal forma de leitura A resposta para essa pergunta está na desconstrução do sofisma que ela encerra Em primeiro lugar nossa leitura fora da escola está fortemente condicionada pela maneira como ela nos ensinou a ler Os livros como os fatos jamais falam por si mesmos O que os fazem falar são os mecanismos de interpretação que usamos e grande parte deles são aprendidos na escola Depois a leitura literária que a escola objetiva processar visa mais que simplesmente ao entretenimento que a leitura de fruição proporciona No ambiente escolar a literatura é um lócus de conhecimento e para que funcione como tal convém ser explorada de maneira adequada A escola precisa ensinar o aluno a fazer essa exploração Por fim não se trata de cercear a leitura direta das obras criando uma barreira entre elas e o leitor Ao contrário o pressuposto básico é de que o aluno leia a obra individualmente sem o que nada poderá ser feito É claro que não estamos advogando que a única maneira possível de ler um texto literário seja aquela realizada na escola Aqui vale o aprendizado dos autodidatas Um escritor de romances populares declarou em uma entrevista orgulhosamente ser autodidata mas confidenciou que se ressentia da ausência de ordenamento e da facilidade de manipular os textos que o letramento literário feito pela escola proporciona Para ele dominar o discurso literário havia sido um processo muito mais difícil do que para aqueles que frequentaram com regularidade a escola e nela completaram sua formação Outra pressuposição é que ler é um ato solitário Por isso não haveria sentido em se realizar a leitura na escola porque seria desperdiçar um tempo que deveria ser usado para aprender É claro que tal afirmação não leva em consideração outras formas de leitura que não a silenciosa pois a oral tende a ser um ato transitivo posto que a voz se eleva para outros ouvidos No sentido de que lemos apenas com os nossos olhos a leitura é de fato um ato solitário mas a interpretação é um ato solidário O trocadilho tem por objetivo mostrar que no ato da leitura está envolvido bem mais do que o movimento individual dos olhos Ler implica troca de sentidos não só entre o escritor e o leitor mas também com a sociedade onde ambos estão localizados pois os sentidos são resultado de compartilhamentos de visões do mundo entre os homens no tempo e no espaço Ao ler estou abrindo uma porta entre meu mundo e o mundo do outro O sentido do texto só se completa quando esse trânsito se efetiva quando se faz a passagem de sentidos entre um e outro Se acredito que o mundo está absolutamente completo e nada mais pode ser dito a leitura não faz sentido para mim É preciso estar aberto à multiplicidade do mundo e à capacidade da palavra de dizêlo para que a atividade da leitura seja significativa Abrirse ao outro para compreendêlo ainda que isso não implique aceitálo é o gesto essencialmente solidário exigido pela leitura de qualquer texto O bom leitor portanto é aquele que agencia com os textos os sentidos do mundo compreendendo que a leitura é um concerto de muitas vozes e nunca um monólogo Por isso o ato físico de ler pode até ser solitário mas nunca deixa de ser solidário Há também a ideia de que é impossível expressar o que sentimos na leitura dos textos literários Os sentimentos despertados pelo texto literário seriam tão inefáveis que não haveria palavras para dizêlos Toda tentativa estaria a priori destinada ao fracasso logo não passaria de exercícios estéreis Essa defesa exacerbada dos sentimentos do leitor ou da impossibilidade de sua expressão trata a leitura literária como uma experiência mística uma epifania daí sua intraduzibilidade Todavia mesmo as experiências místicas são de alguma maneira transmitidas por aqueles que a experienciaram porque se não fosse assim teríamos de aceitar o fracasso da própria linguagem que nos faz humanos e portanto capazes de experiências que vão além dos cinco sentidos Além disso nada mais lógico do que transformar em palavras aquilo que foi provocado por palavras Em uma versão menos radical dessa mesma ideia defendese que a verbalização do que foi sentido ou compreendido apenas empobrece o diálogo íntimo entre o leitor e o escritor De novo estamos diante do equívoco de tratar a leitura literária como uma atividade tão individual que não poderia ser compartilhada mas já sabemos que é justamente o contrário O efeito de proximidade que o texto literário traz é produto de sua inserção profunda em uma sociedade é resultado do diálogo que ele nos permite manter com o mundo e com os outros Embora essa experiência possa parecer única para nós em determinadas situações sua unicidade reside mais no que levamos ao texto do que no que ele nos oferece É por essa razão que lemos o mesmo livro de maneira diferente em diferentes etapas de nossas vidas Tudo isso fica ainda mais evidente quando percebemos que o que expressamos ao final da leitura de um livro não são sentimentos mas sim os sentidos do texto E é esse compartilhamento que faz a leitura literária ser tão significativa em uma comunidade de leitores Por fim em uma posição usualmente complementar à anterior argumentase que a leitura literária praticada na escola também chamada análise literária destruiria a magia e a beleza da obra ao revelar os seus mecanismos de construção A máxima que governa os que defendem tal posição é que a palavra poética e se mira com prioridade a poesia é uma expressão tão absoluta que devemos apenas contemplála mudos e extasiados Qualquer tentativa de tornar uma obra em objeto de discussão mais específica do que a enunciação do êxtase redundará na quebra de sua aura A contestação de tal posição realizase em duas direções A primeira é que essa atitude sacralizadora da literatura lhe faz mais mal do que bem Mantida em adoração a literatura tornase inacessível e distante do leitor terminando por lhe ser totalmente estranha Esse é o caminho mais seguro para destruir a riqueza literária A análise literária ao contrário toma a literatura como um processo de comunicação uma leitura que demanda respostas do leitor que o convida a penetrar na obra de diferentes maneiras a explorála sob os mais variados aspectos É só quando esse intenso processo de interação se efetiva que se pode verdadeiramente falar em leitura literária A segunda é que como já o afirmamos acima aprendemos a ler literatura do mesmo modo como aprendemos tudo mais isto é ninguém nasce sabendo ler literatura Esse aprendizado pode ser bem ou malsucedido dependendo da maneira como foi efetivado mas não deixará de trazer consequências para a formação do leitor Nesse sentido quem passou pela escola preenchendo fichas de leitura meramente classificatórias terá grande dificuldade de apreciar a beleza de uma obra literária mais complexa mas não sentirá dificuldade de fruir a ficção que se lhe oferece nas bancas de revistas Longe de destruir a magia das obras a análise literária quando bem realizada permite que o leitor compreenda melhor essa magia e a penetre com mais intensidade O segredo maior da literatura é justamente o envolvimento único que ela nos proporciona em um mundo feito de palavras O conhecimento de como esse mundo é articulado como ele age sobre nós não eliminará seu poder antes o fortalecerá porque estará apoiado no conhecimento que ilumina e não na escuridão da ignorância Desse modo cumpre não esquecer as ponderações de Lígia Chiappini Leite em Invasão da catedral literatura e ensino em debate 1983 Para ela o professor de Literatura não pode subscrever o preconceito do texto literário como monumento posto na sala de aula apenas para reverência e admiração do gênio humano Bem diferente disso é seu dever explorar ao máximo com seus alunos as potencialidades desse tipo de texto Ao professor cabe criar as condições para que o encontro do aluno com a literatura seja uma busca plena de sentido para o texto literário para o próprio aluno e para a sociedade em que todos estão inseridos Em suma se quisermos formar leitores capazes de experienciar toda a força humanizadora da literatura não basta apenas ler Até porque ao contrário do que acreditam os defensores da leitura simples não existe tal coisa Lemos da maneira como nos foi ensinado e a nossa capacidade de leitura depende em grande parte desse modo de ensinar daquilo que nossa sociedade acredita ser objeto de leitura e assim por diante A leitura simples é apenas a forma mais determinada de leitura porque esconde sob a aparência de simplicidade todos as implicações contidas no ato de ler e de ser letrado É justamente para ir além da simples leitura que o letramento literário é fundamental no processo educativo Na escola a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler melhor não apenas porque possibilita a criação do hábito de leitura ou porque seja prazerosa mas sim e sobretudo porque nos fornece como nenhum outro tipo de leitura faz os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem Leitura literária a seleção dos textos Passando obrigatoriamente pela concepção de escola e de sociedade que queremos a formação do leitor envolve também a diversidade como princípio norteador dos critérios de seleção e utilização dos textos e da reflexão sobre a formação do gosto das pessoasalunos não só para um vir a ser mas também para um aqui e agora principalmente político grifos da autora Maria do Rosário M Magnani Leitura literatura e escola 1989 Quando queremos ler uma obra literária podemos ir a uma biblioteca ou a uma livraria e escolher o título o autor ou o assunto que mais nos apraz É desse modo que os catálogos são usualmente organizados Em alguns lugares as estantes também recebem denominações de ordem temática como ficção policial e suspense e geográficocultural como literatura brasileira e literatura colonial Se tivermos dúvidas quanto ao texto que queremos ler podemos ainda consultar as resenhas dos jornais e das revistas ouvir os amigos que já leram aquela obra checar a propaganda sobre os lançamentos e consultar as listas de mais vendidos Essas são algumas das maneiras pelas quais a literatura é selecionada tendo como ponto de orientação o leitor É a chamada livre escolha que como se pode observar nunca é inteiramente livre mas conduzida por uma série de fatores que vão desde a forma como os livros são organizados nos catálogos passando pelas estantes até aos mecanismos de incentivo ao consumo comuns à maioria dos produtos culturais Isso para não se falar dos vários processos de seleção de ordem anterior à chegada dos livros nas livrarias como o prestígio social dos escritores que incentiva a escrita de textos semelhantes pelos mais novos e os interesses econômicos e ideológicos das editoras que as levam a publicar este ou aquele livro Na escola outros fatores são acrescidos à seleção da literatura O primeiro diz respeito aos ditames dos programas que determinam a seleção dos textos de acordo com os fins educacionais que podem ser tanto a simples fluência da leitura como acontece em geral nas séries iniciais quanto a ratificação de determinados valores incluindose aqui obviamente a cultura nacional já no ensino médio O segundo traz a questão da legibilidade dos textos que separando os leitores segundo a faixa etária ou série escolar determina um tipo diferente de linguagem para os grupos formados com base na correlação das duas variáveis O terceiro está relacionado às condições oferecidas para a leitura literária na escola Infelizmente na maioria das escolas brasileiras a biblioteca quando existe é sinônimo de sala do livro didático não tem funcionários preparados para incentivar a leitura e apresenta coleções tão reduzidas e antigas que um leitor desavisado poderia pensar que se trata de obras raras O cenário é o mesmo nas escolas públicas e privadas com as exceções de praxe que só justificam a regra O quarto é decerto o mais determinante dos fatores que aqui poderiam ser listados Tratase do cabedal de leituras do professor O professor é o intermediário entre o livro e aluno seu leitor final Os livros que ele lê ou leu são os que terminam invariavelmente nas mãos dos alunos Isso explica por exemplo a permanência de certos livros no repertório escolar por décadas É que tendo lido naquela série ou naquela idade aquele livro o professor tende a indicálo para seus alunos e assim sucessivamente do professor para o aluno que se fez professor Esses fatores dentro e fora da escola não atuam de maneira isolada um dos outros ao contrário combinamse das mais variadas maneiras Diante deles como se pode selecionar os livros para o letramento literário Até pouco tempo atrás essa questão era relativamente fácil de responder O professor precisava apenas seguir o cânone ou seja aquele conjunto de obras consideradas representativas de uma determinada nação ou idioma Se havia questões a resolver com a adequação das escolhas elas desapareciam diante da força da tradição Mesmo não gostando ou achando inadequado o professor se perguntado respondia sempre com a mesma frase quem sou eu para questionar Machado de Assis ou outro autor consagrado que constasse em sua lista de leituras indicadas Esse mantra deixa de funcionar quando o cânone passa a ser intensamente questionado nas universidades de início pela crítica feminista e depois por outras correntes teóricocríticas que colocam sob suspeita a representatividade das obras selecionadas denunciando preconceitos de gênero classe e etnia entre outros aspectos na formação do cânone Ante as críticas recebidas pelo cânone a seleção de obras literárias tem seguido as mais variadas direções Há aquela que ignora as discussões recentes e mantém o cânone incólume Os professores que a seguem parecem acreditar que há uma essencialidade literária nas obras canônicas que não pode ser questionada Essas obras trazem um ensinamento que transcende o tempo e o espaço e demandam uma profundidade de leitura fundamental para o homem que se quer letrado É por isso que insistem na leitura do cânone e preocupamse com o desconhecimento progressivo dele na formação do leitor Outra direção se concentra na defesa da contemporaneidade dos textos como o critério mais adequado para a seleção da leitura escolar Nesse caso prevalece não só a abundância dos textos que as editoras fazem chegar às mãos dos professores para avaliação como também a aparente facilidade de leitura desses livros uma vez que tratam de temas e utilizam linguagem que pertencem ao horizonte de seus potenciais leitores Essa proximidade também ajuda a quebrar a resistência dos alunos sobretudo dos mais jovens mais interessados em outras formas de comunicação ou entretenimento A mais popular das direções seguidas parece ser aquela que defende a pluralidade e a diversidade de autores obras e gêneros na seleção de textos Ela está apoiada nas recomendações dos textos oficiais sobre o ensino da área de linguagem e nas teorias da leitura como uma habilidade a ser construída pelo trânsito intenso de textos diferenciados em sua configuração discursiva e genérica dentro da escola Também favorecida pela abundância de títulos disponibilizados pelo mercado essa direção busca quebrar as hierarquias impostas pela crítica literária e abrir a escola a todas as influências liberando os professores do peso da tradição e das exigências estéticas Por meio dela acreditase que a leitura na escola passa a ser uma prática democrática que busca contemplar e refletir os mesmos princípios da sociedade da qual ela faz parte Porque acreditamos na legitimidade de suas proposições básicas escolhemos essas três para ilustrar as muitas direções assumidas pela seleção atual de textos para o letramento literário na escola Reconhecemos entretanto que se tomadas isoladamente não conduzem ao fim que se propõem Dessa maneira têm razão os que afirmam que não se pode pensar em letramento literário abandonandose o cânone pois este traz preconceitos sim mas também guarda parte de nossa identidade cultural e não há maneira de se atingir a maturidade de leitor sem dialogar com essa herança seja para recusála seja para reformála seja para ampliála Até porque admitindo ou não os críticos haverá sempre um processo de canonização em curso quando se seleciona textos Esse processo e os critérios nele usados podem e devem ser democráticos assim como contemplar a diversidade cultural e os valores da comunidade de leitores mas nem por isso deixará de gerar exclusão e apagamento do que não foi selecionado Nesse sentido não há como escapar de algum tipo de seleção prévia geradora de cânones seja aquela bem conhecida da história literária seja aquela menos discutida do mercado que se guia pelos critérios de comercialização das obras Nossas escolhas como professores de Literatura ou como simples leitores são sempre mediadas pelas instâncias que fizeram as obras chegar até nós como já nos referimos no início deste capítulo O que fazemos normalmente é selecionar dentro desse recorte o nosso próprio recorte Aceitar a existência do cânone como herança cultural que precisa ser trabalhada não implica prenderse ao passado em uma atitude sacralizadora das obras literárias Assim como a adoção de obras contemporâneas não pode levar à perda da historicidade da língua e da cultura É por isso que ao lado do princípio positivo da atualidade das obras é preciso entender a literatura para além de um conjunto de obras valorizadas como capital cultural de um país A literatura deveria ser vista como um sistema composto de outros tantos sistemas Um desses sistemas corresponde ao cânone mas há vários outros e a relação entre eles é dinâmica ou seja há uma interferência permanente entre os diversos sistemas A literatura na escola tem por obrigação investir na leitura desses vários sistemas até para compreender como o discurso literário articula a pluralidade da língua e da cultura Também é necessária a distinção entre contemporâneo e atual mesmo que usemos os dois termos como sinônimos na adjetivação da produção literária Obras contemporâneas são aquelas escritas e publicadas em meu tempo e obras atuais são aquelas que têm significado para mim em meu tempo independentemente da época de sua escrita ou publicação De modo que muitas obras contemporâneas nada representam para o leitor e obras vindas do passado são plenas de sentido para a sua vida O letramento literário trabalhará sempre com o atual seja ele contemporâneo ou não É essa atualidade que gera a facilidade e o interesse de leitura dos alunos Por mais atraente que possa ser a diversidade tomada como critério de seleção está longe de oferecer um porto seguro para o professor que deseja promover o letramento literário Por trás da ideia de que essa seria a postura mais democrática e a se adotar escondese uma concepção de literatura centrada no texto como um espaço fechado e de representação unívoca As obras precisam ser diversificadas porque cada uma traz apenas um olhar uma perspectiva um modo de ver e de representar o mundo Em lugar de relações intertextuais e um discurso que se edifica justamente com a premissa de nada prender em seu interior a literatura na escola precisaria de obras gêneros e autores diversificados porque o importante é acumulálos em um painel tanto mais amplo quanto mais vazio de significado Substituise assim a qualidade pela quantidade de textos lidos como critério de letramento A substituição dos critérios do cânone tradicional pela liberdade de escolher os mais diferentes textos também não é tranquila para o professor Como aparentemente não há julgamento de valor ou mais propriamente o único valor é a diferença as condições de escolarização da seleção de textos não conseguem se efetivar de modo adequado De modo virtual todos os textos são válidos porque sempre se pode identificar uma diferença que os torna diversos e plurais e com isso a seleção de textos acaba sendo uma questão pessoal que escapa à escola e ao próprio conhecimento Não surpreende portanto que os professores sofram a angústia do que indicar e terminem recorrendo ao mercado como referência de valor quer visualizado no prestígio do autor autor premiado de vários livros ou na casa editorial livro publicado por editora séria Todavia a diversidade é fundamental quando se compreende que o leitor não nasce feito ou que o simples fato de saber ler não transforma o indivíduo em leitor maduro Ao contrário crescemos como leitores quando somos desafiados por leituras progressivamente mais complexas Portanto é papel do professor partir daquilo que o aluno já conhece para aquilo que ele desconhece a fim de se proporcionar o crescimento do leitor por meio da ampliação de seus horizontes de leitura Em síntese o que se propõe aqui é combinar esses três critérios de seleção de textos fazendoos agir de forma simultânea no letramento literário Ao selecionar um texto o professor não deve desprezar o cânone pois é nele que encontrará a herança cultural de sua comunidade Também não pode se apoiar apenas na contemporaneidade dos textos mas sim em sua atualidade Do mesmo modo precisa aplicar o princípio da diversidade entendido para além da simples diferença entre os textos como a busca da discrepância entre o conhecido e o desconhecido Levo a angústia e o questionamento de minha aluna para casa Prometo refletir sobre o assunto para que mais tarde possamos juntos construir uma resposta Esse questionamento termina por me trair e confundir em uma reunião com professores da rede pública de um programa de apoio à leitura Após as introduções de praxe peço que me falem das dificuldades de leitura de seus alunos O objetivo é levantar os problemas para que por meio da consciência deles se chegue a uma proposta de intervenção que melhore a formação dos leitores nas escolas Eles traçam um quadro que já é conhecido dos relatórios de pesquisa Escolas sem biblioteca alunos sem poder aquisitivo família sem o hábito da leitura e assim por diante Um grupo de professores declara que parte de seus alunos da 7ª e 8ª séries do ensino fundamental não sabem ler sendo esse o maior problema que enfrentam A declaração não me surpreende de imediato uma vez que tenho em mente o questionamento de minha aluna Quando em resposta começo a falar sobre as dificuldades de interpretação eles me interrompem para corrigir o equívoco Não estão falando de interpretação mas sim de decifração Seus alunos não sabem decifrar a escrita não dominam as letras são praticamente analfabetos As duas situações nos fazem refletir sobre a leitura e o que sabemos sobre ela A começar pelo que entendemos por leitura Alberto Manguel em Uma história da leitura 1996 chama a atenção para o fato de que a leitura não está restrita às letras impressas em uma página de papel Os astrólogos leem as estrelas para prever o futuro dos homens O músico lê as partituras para executar a sonata A mãe lê no rosto do bebê a dor ou o prazer O médico lê a doença na descrição dos sintomas do paciente O agricultor lê o céu para prevenirse da chuva O amante lê nos olhos da amada a traição Em todos esses gestos está a leitura ou como diz o autor todos eles compartilham com os leitores de livros a arte de decifrar e traduzir signos Essa expansão do significado da leitura encontra paralelo no extraordinário interesse que ela tem despertado em diversas áreas Hoje temos não apenas uma história da leitura como também uma sociologia da leitura uma antropologia da leitura e uma psicologia da leitura além das áreas que tradicionalmente se ocupavam do tema como a pedagogia a linguística e os estudiosos da literatura e da linguagem em geral O campo da leitura se expandiu de tal maneira que não se pode mais ter a pretensão de conhecer todas as suas ramificações De modo didático tomandose a leitura como um fenômeno simultaneamente cognitivo e social podese reunir as diferentes teorias sobre a leitura em três grandes grupos conforme a síntese feita por Vilson J Leffa em Perspectivas no estudo da leitura texto leitor e interação social 1999 O primeiro grupo está centrado no texto Nesse caso ler é um processo de extração do sentido que está no texto Essa extração passa necessariamente por dois níveis o nível das letras e palavras que estão na superfície do texto e o nível do significado que é o conteúdo do texto Quando se consegue realizar essa extração fezse a leitura As dificuldades da leitura estão ligadas aos problemas da extração ou seja a ausência de habilidade do leitor em decifrar letras e palavras que o impede de passar de um nível a outro ou ao grau de transparência do texto É a leitura entendida como um processo de decodificação por isso a ênfase está centrada sobre o código expresso no texto O domínio do código é a condição básica para a efetivação da leitura já que feita a decodificação o leitor terá apreendido o conteúdo do texto Os críticos dessas teorias chamadas ascendentes porque partem do texto para o leitor e das letras para o significado do texto argumentam que elas estão equivocadas na ênfase que dão ao processamento linear da leitura Ler é bem mais do que seguir uma linha de letras e palavras Também não se restringe a uma decodificação nem depende apenas do texto O segundo grupo toma o leitor como centro da leitura São as teorias de abordagens descendentes que a definem como o ato de atribuir sentido ao texto ou seja partem do leitor para o texto Desse modo ler depende mais do leitor do que do texto É o leitor que elabora e testa hipóteses sobre o que está no texto É ele que cria estratégias para dizer o texto com base naquilo que já sabe sobre o texto e o mundo Por isso a leitura depende mais daquilo que o leitor está interessado em buscar no texto do que das palavras que estão ali escritas Também mais importante do que o conhecimento do código é dominar as convenções da escrita São elas que permitem ao leitor manipular os textos inclusive prevendo o sentido deles O deslocamento de foco do texto para o leitor é positivo porque chama a atenção para o ato de ler mas se perde quando não considera seus resultados Essa é a crítica principal que se faz a esse grupo de teorias da leitura Ao privilegiar o leitor no processo da leitura essas teorias terminam por ignorar que o sentido atribuído ao texto não é um gesto arbitrário mas sim uma construção social Além disso se as antecipaçõ es que o leitor faz ao ler os textos são importantes elas podem igualmente leválo a ignorar o significado do texto lendo apenas aquilo que deseja ler As teorias consideradas conciliatórias são aquelas que compõem o terceiro grupo Para elas o leitor é tão importante quanto o texto sendo a leitura o 39 o simples e o complexo em um processo de leitura que se faz por meio da verticalização de textos e procedimentos É assim que tem lugar na escola o novo e o velho o trivial e o estético o simples e o complexo e toda a miríade de textos que faz da leitura literária uma atividade de prazer e conhecimento singulares Selecionado o livro é preciso trabalhálo adequadamente em sala de aula Já sabemos que não basta mandar os alunos lerem Antes que passemos às atividades que conduzem ao letramento literário na escola entretanto precisamos esclarecer como se processa a leitura resultado de uma interação Tratase pois de um diálogo ente autor e leitor mediado pelo texto que é construído por ambos nesse processo de interação O ato de ler mesmo realizado individualmente tornase uma atividade social O significado deixa de ser uma questão que diz respeito apenas ao leitor e ao texto para ser controlado pela sociedade A leitura é o resultado de uma série de convenções que uma comunidade estabelece para a comunicação entre seus membros e fora dela Aprender a ler é mais do que adquirir uma habilidade e ser leitor vai além de possuir um hábito ou atividade regular Aprender a ler e ser leitor são práticas sociais que medieam e transformam as relações humanas Certament por entender que essas teorias que também subscrevemos em nossa reflexão incorporam as duas anteriores Leffa não traz as críticas que elas têm sofrido Todavia não é difícil perceber que quando tomamos a leitura como prática social corremos o risco de perder a individualidade de cada leitura o que nos leva de volta ao texto Na verdade esses três modos de compreender a leitura devem ser pensados como um processo linear A primeira etapa que vamos chamar de antecipação consiste nas várias operações que o leitor realiza antes de penetrar no texto propriamente dito Nesse caso são relevantes tanto os objetivos da leitura que levam o leitor a adotar posturas diferenciadas ante o texto não lemos da mesma maneira um poema e uma receita de bolo quanto os elementos que compõem a materialidade do texto como a capa o título o número de páginas entre outros A leitura começa nessa antecipação que fazemos do que diz o texto A segunda etapa é a decifração Entramos no texto através das letras e das palavras Quanto maior é a nossa familiaridade e o domínio delas mais fácil é a decifração Um leitor iniciante despenderá um tempo considerável na decifração e ela se configurará como uma muralha praticamente intransponível para aqueles que não foram alfabetizados Um leitor maduro decifra o texto com tal fluidez que muitas vezes ignora palavras escritas de modo errado e não se detém se desconhece o significado preciso de uma palavra pois a recupera no contexto Aliás usualmente ele nem percebe a decifração como uma etapa do processo da leitura Denominamos a terceira etapa de interpretação Embora a interpretação seja com frequência tomada como sinônimo da leitura aqui queremos restringir seu sentido às relações estabelecidas pelo leitor quando processa o texto O centro desse processamento são as inferências que levam o leitor a entretecer as palavras com o conhecimento que tem do mundo Por meio da interpretação o leitor negocia o sentido do texto em um diálogo que envolve autor leitor e comunidade A interpretação depende assim do que escreveu o autor do que leu o leitor e das convenções que regulam a leitura em uma determinada sociedade Interpretar é dialogar com o texto tendo como limite o contexto Esse contexto é de mão dupla tanto é aquele dado pelo texto quanto o dado pelo leitor um e outro precisam convergir para que a leitura adquira sentido Essa convergência dáse pelas referências à cultura na qual se localizam o autor e o leitor assim como por força das construções que a comunidade do leitor impõe ao ato de ler O contexto é pois simultaneamente aquilo que está no texto que vem com ele e aquilo que uma comunidade de leitores julga como próprio da leitura Com a interpretação se fecha o ciclo primeiro e imediato da leitura isto é o processo de leitura completa seu primeiro estágio quando cumprimos essas três etapas Foi esse processo que procurei explicar à minha aluna Seus alunos estavam realizando de forma adequada a etapa da decifração como ela testemunhava quando liam em voz alta mas falhavam em algum momento da antecipação eou da interpretação Para identificar as dificuldades que enfrentavam para completar o processo de leitura era preciso realizar uma investigação Decidida a entender melhor o que acontecia com seus alunos ela escolheu esse assunto para fazer sua monografia de conclusão de curso Quando falei sobre como entendia o processo de leitura para os professores do programa de apoio à leitura eles ficaram um tanto desconfiados de que havia muita academia nas minhas ponderações Aconselhei então que fizessem uma experiência com seus próprios alunos Para verificar como funcionava a antecipação o professor deveria levar a turma à biblioteca e solicitar que escolhessem um livro qualquer Depois de volta à sala de aula deveria pedir que justificassem a escolha dizendo não apenas porque haviam escolhido aquele livro mas o que julgavam que ele continha para lhes interessar como objeto de leitura Para a decifração fizemos nós mesmos a experiência Usando um soneto com palavras inventadas mas com a estrutura morfológica do português foi possível perceber que a despeito de tudo o que conhecíamos sobre poesia não era possível ultrapassar a opacidade das palavras 2 Quase um ano depois um dos professores envioume um email com um pequeno texto com as letras trocadas demonstrando que mesmo assim era possível lêlo3 Para esse professor a leitura desse texto era o reverso da experiência mas comprova a força de decifração conseguimos ler o texto com as letras trocadas simplesmente porque já conhecíamos aquelas palavras 41 O processo de leitura Haveria portanto toda uma economia da leitura que seria em último caso alimentícia toda leitura seria um incorporar um fazer tomar parte do próprio corpo o que está fora e somos capazes de pôr ao nosso alcance Jorge Larrosa A experiência da leitura Pedagogía profana 1998 Minha aluna é professora de uma escola particular localizada em um bairro de classe alta A escola tem uma biblioteca com bom acervo e um programa de incentivo à leitura Em suas casas os alunos convivem com pais leitores e o manuseio de livros é uma realidade desde antes da entrada na escola São alunos saudáveis bem alimentados e conectados com o mundo que conhecem via internet e pessoalmente em suas viagens de férias Em suma apresentam todas as condições que se consideram propícias ao desenvolvimento da leitura ou dizendo de outra maneira possuem as condições que ausentes costumam ser apontadas como razões para as dificuldades de leitura em alunos estudam em escolas públicas são de baixa renda desnutridos com pais não leitores sem acesso a livros em casa e na escola A despeito disso ela que trabalha com alunos da 4ª série do ensino fundamental não está satisfeita com a performance de um grupo de seus alunos Eles tomam os livros emprestados na biblioteca adquirem aqueles que são indicados e costumam realizar as atividades pedidas Quando solicitados leem em voz alta com fluência indicando que não apresentam problemas em decifrar a escrita Mesmo assim não conseguem interpretar o texto lido Depois de uma aula em que discutimos várias teorias de leitura ela me trouxe o problema que a angustiava e perguntou o que fazer para que se tornem realmente leitores Por fim para demostrar o funcionamento da interpretação lemos juntos um conto de Murilo Rubião Botão de Rosa que tem como intertexto a paixão de Cristo1 Se o leitor despreza esse intertexto perde grande parte da leitura Quando se levanta o intertexto entretanto recuperase o aparente absurdo do texto em uma alegoria que espelha de forma contundente o funcionamento da nossa sociedade É claro que essa recuperação está determinada por um lado pela familiaridade que nós leitores temos com a cultura cristã o significado simbólico da vida e morte de Jesus Cristo Por outro conta o conhecimento da linguagem literária da alegoria como mecanismo de intertextualidade e da obra de Rubião como um todo na qual a Bíblia sempre se faz explicitamente presente por meio de epígrafes São essas três etapas do processo de leitura que guiam a nossa proposta de letramento literário conforme detalharemos nos capítulos da segunda parte deste livro Notas 1 Alberto Manguel Uma história da leitura São Paulo Companhia das Letras 1996 p 19 2 O soneto utilizado foi o poema de José Augusto de Carvalho intitulado Encomiástico O poema pode ser encontrado no site httpandersonbritoblogspotcom e foi postado em 11 de outubro de 2004 Encomiástico Na esbóltica tesnalha de cavilica Escomirando a flântula combúria Cautolosia o serpifal da escúria Com três hipóticos getais de fílcia Porém no pifo atrás da masseníria Contamilando a estáfila clastílica Cortenovava a sistola esmeplíca Com menões com terris e sem mortúria E esses portoses áltiös se rortam Na extrêmica perfina do terfalho Enquanto as tílicas emchunda se amortam E nessa alvitica chalinda em balho Eu me consfilio e em sínase se extortam Os comaris dos sanafrais de analho 3 Tratase de uma versão em português de um texto em inglês que circulou na internet em 2003 O texto em inglês é According to a rsceearch at an Elingsh universitiy it doesnt mttaer in waht order the lteters in a wrod are the olny iprmoetnt tihng is taht frist and lsat lteter is at the rghit pclae The rset can be a toatl mses and you can sitll raed it wouthit porblme Tihs is bcuesae we do not raed ervey lteter by it slef but the wrod as a wlohe Ceehiro A versão em português é De aocrdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea não ipomtra em qual odrem as lrteas de uma plravaa etáso a úncia cisioa iprotmaçnte é que a piermira e últmia lrteas etejsam no lguar crteo O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoc pôdeo anida ler sem pobrlmea Itso é poqreu nós não lmeos cdla lrtea isladoa mas a plravaa cmoo um tdoo Vdaerde 4 Ainda que complexo por seu conteúdo alegórico o conto começa com a iminente prisão de Botão de Rosa Ele é um cantor de rock que é preso inicialmente sob a acusação de estupro e de ter engravidado as mulheres de uma cidade Depois a acusação é transformada para tráfico de drogas A personagem já espera a prisão e não apresenta qualquer defesa Tem 12 companheiros um dos quais chamado Judô seria o autor de uma carta em que se denuncia o crime do tráfico O advogado de Botão de Rosa reconhece sua inocência mas diante da atitude do juiz e dos promotores termina cedendo à condenação de morte Sem apresentar qualquer defesa ou resistência Botão de Rosa aceita a condenação de morte na forca O conto termina com o oferecimento do pescoço ao carrasco 43 As práticas Estratégias para o ensino da literatura a sistematização necessária A tarefa de uma metodologia voltada para o ensino da literatura está em a partir dessa realidade cheia de contradições pensar a obra e o leitor e com base nessa interação propor meios de ação que coordenem esforços solidarizem a participação nestes e considerem o principal interessado no processo o aluno e suas necessidades enquanto leitor numa sociedade em transformação Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira Aguiar Literatura a formação do leitor alternativas metodológicas 1988 No biênio 19941995 realizamos em conjunto com duas colegas da Universidade Federal de Pelotas e uma equipe de seis dedicados alunosbolsistas uma extensa pesquisa sobre o ensino de Literatura em Pelotas O estudo teve como objetivo analisar a partir da perspectiva dos professores o funcionamento dessa matéria no ensino médio Os instrumentos usados foram questionários e entrevistas com quase a totalidade dos professores de Literatura da cidade das escolas das redes federal estadual e municipal Um dos tópicos abordados foi a descrição das atividades realizadas como parte das aulas de Literatura De um modo geral os professores de Literatura existindo ou não uma disciplina com tal denominação na grade curricular adotavam como práticas das aulas a exposição e crítica oral do texto lido pelos alunos compreendendo desde debates sobre o tema da obra até dramatizações de trechos e o júri simulado de personagens Havia também a exigência da leitura compreensiva verificada pelos comentários sobre o texto relatórios e fichas de leituras ao lado de atividades voltadas para a identificação das características do autor e das personagens para a ligação temática entre a obra e o presente do aluno e a atualidade social do país além de seminários que abordavam algum aspecto da obra lida ou faziam comparações entre diferentes textos Quase uma década depois em 2003 participei do 4º Congresso da Associação Internacional para o Desenvolvimento da Língua Materna IAIMTE cujo tema central era o papel da literatura no ensino da língua materna Em uma das mesasredondas ouvi de uma professora da Universidade de Helsinki que havia realizado um estudo similar ao conduzido por nós uma breve descrição das práticas de sala de aula dos professores de Literatura em cursos da área de saúde e assistência social De acordo com AinoMaija Lahtine em Literature teaching in Health Care and Social sector Education 2003 as atividades usadas com mais frequência por esses professores finlandeses de Literatura são a apresentação e discussão em sala de aula das leituras feitas anteriormente discussão baseada na leitura de um único livro o estudo temático a apresentação de trabalho de grupo a escrita de ensaio a comparação de vários livros de acordo com o tema a dramatização a crítica literária e o diário de leitura Não é difícil perceber que guardadas as diferenças de contexto e objetivos as duas pesquisas indicam que há várias semelhanças nas atividades realizadas nas aulas de Literatura aqui e lá Desse modo quando o professor determina a leitura de obras literárias sua primeira ação parece ser a de comprovação da leitura ou seja conferir se o aluno leu efetivamente o texto Depois ele busca ampliar essa primeira leitura para outras abordagens que envolvem a crítica literária e outras relações entre o texto o aluno e a sociedade Esses dois movimentos estão instintivamente corretos mas precisam ser organizados É necessário que sejam sistematizados em um todo que permita ao professor e ao aluno fazer da leitura literária uma prática significativa para eles e para a comunidade em que estão inseridos uma prática que tenha como sustentação a própria força da literatura sua capacidade de nos ajudar a dizer o mundo e a nos dizer a nós mesmos Uma prática em suma que tenha como princípio e fim o letramento literário cujos pressupostos buscamos explicitar na primeira parte deste livro Nesse sentido a orientação fundamental é que o letramento literário precisa acompanhar por um lado as três etapas do processo de leitura e por outro o saber literário No caso desse último convém ter em mente a distinção feita por M A K Halliday em relação à aprendizagem da linguagem ou seja a literatura é uma linguagem que compreende três tipos de aprendizagem a aprendizagem da literatura que consiste fundamentalmente em experienciar o mundo por meio da palavra a aprendizagem sobre a literatura que envolve conhecimentos de história teoria e crítica e a aprendizagem por meio da literatura nesse caso os saberes e as habilidades que a prática da literatura proporciona aos seus usuários As aulas de literatura tradicionais como já vimos oscilam entre essas duas últimas aprendizagens e praticamente ignoram a primeira que deveria ser o ponto central das atividades envolvendo literatura na escola Para redimensionar essas aprendizagens de forma que conduzam de modo satisfatório o processo do letramento literário é que propomos novo caminho Seus pressupostos que tentamos tornar explícitos na primeira parte deste livro determinam em primeiro lugar que o ensino da literatura deve ter como centro a experiência do literário Nessa perspectiva é tão importante a leitura do texto literário quanto as respostas que construímos para ela As práticas de sala de aula precisam contemplar o processo de letramento literário e não apenas a mera leitura das obras A literatura é uma prática e um discurso cujo funcionamento deve ser compreendido criticamente pelo aluno Cabe ao professor fortalecer essa disposição crítica levando seus alunos a ultrapassar o simples consumo de textos literários Depois buscamos deixar claro que a literatura não pode ser reduzida ao sistema canônico Na verdade como argumenta Itamar EvenZohar em Polysistem studies 1990 ela é constituída por um conjunto de sistemas Tratase pois de um polissistema que compreende as várias manifestações literárias Esses sistemas em conjunto com o sistema canônico precisam ser contemplados na escola assim como as ligações que mantêm com outras artes e saberes É essa visão mais ampla da literatura que deve guiar o professor na seleção das obras Por fim adotamos como princípio do letramento literário a construção de uma comunidade de leitores É essa comunidade que oferecerá um repertório uma moldura cultural dentro da qual o leitor poderá se mover e construir o mundo e a ele mesmo Para tanto é necessário que o ensino da Literatura efetive um movimento contínuo de leitura partindo do conhecido para o desconhecido do simples para o complexo do semelhante para o diferente com o objetivo de ampliar e consolidar o repertório cultural do aluno Nesse caso é importante ressaltar que tanto a seleção das obras quanto as práticas de sala de aula devem acompanhar esse movimento Articulando esses pressupostos para tornálos presentes na escola o caminho que propomos sistematiza as atividades das aulas de Literatura em duas sequências exemplares uma básica e outra expandida Naturalmente há entre essas duas sequências muitas possibilidades de combinação que se multiplicam de acordo com os interesses textos e contexto da comunidade de leitores Além disso nem a sequência básica nem a expandida devem ser tomadas como limites do baixo e do alto aos quais não se pode ultrapassar Ao contrário nosso objetivo é apresentar duas possibilidades concretas de organização das estratégias a serem usadas nas aulas de Literatura do ensino básico Por isso consideramos essas duas sequências exemplares e não modelares visto que desejamos que sejam vistas como exemplos do que pode ser feito e não modelos que devem ser seguidos cegamente Essas sequências procuram sistematizar a abordagem do material literário em sala de aula integrando fundamentalmente três perspectivas metodológicas A primeira dessas perspectivas é a técnica bem conhecida da oficina Sob a máxima do aprender a fazer fazendo ela consiste em levar o aluno a construir pela prática seu conhecimento Em nosso caso o princípio da oficina se faz presente na alternância entre as atividades de leitura e escrita isto é para cada atividade de leitura é preciso fazer corresponder uma atividade de escrita ou registro Também é a base de onde se projetam as atividades lúdicas ou associadas à criatividade verbal que unem as sequências A segunda perspectiva é a técnica do andaime Tratase de dividir com o aluno e em alguns casos transferir para ele a edificação do conhecimento Ao professor cabe atuar como um andaime sustentando as atividades a serem desenvolvidas de maneira autônoma pelos alunos Em nossa proposta o andaime está ligado às atividades de reconstrução do saber literário que envolvem pesquisa e desenvolvimento de projetos por parte dos alunos A terceira perspectiva é a do portfolio Tomado de empréstimo das áreas de publicidade e finanças passando pelas artes visuais o uso do portfolio oferece ao aluno e ao professor a possibilidade de registrar as diversas atividades realizadas em um curso ao mesmo tempo em que permite a visualização do crescimento alcançado pela comparação dos resultados iniciais com os últimos quer seja do aluno quer seja da turma É essa dualidade de registro do portfolio que nos interessa acentuar no encadeamento das atividades que sustentam as duas sequências pois ela auxiliará o fortalecimento do leitor à medida que ele participa de sua comunidade Nos próximos dois capítulos explicitaremos o funcionamento dessas duas sequências passo a passo para que seja permitido ao professor acompanhando o desenvolvimento do método visualizar outras possibilidades de sistematização de sua prática de sala de aula Além disso vamos dispor em um anexo de uma série de atividades que poderão orientar a execução particularizada de cada passo das duas sequências É desnecessário dizer que cabe ao professor determinar o que pode ser efetivamente usado em sua turma e em sua escola desde que cumpra os princípios teóricos e metodológicos da proposta aqui apresentada A sequência básica É a propósito da literatura que a importância do sentido do texto se manifesta em toda a sua plenitude É essa plenitude de sentido o começo o meio e o fim de qualquer trabalho com o texto Todas as atividades escolares das quais o texto participa precisam ter sentido para que o texto resguarde seu significado maior Marisa Lajolo O texto não é pretexto Leitura em crise na escola as alternativas do professor 1986 A sequência básica do letramento literário na escola conforme propomos aqui é constituída por quatro passos motivação introdução leitura e interpretação A seguir buscaremos explicitar e ilustrar cada um deles Motivação Em uma manhã fria do final de julho de 1991 dentro de um grande ginásio de esportes da Universidade de Campinas encontravamse reunidos professores das mais diversas procedências para discutir uma questão que preocupava a todos a leitura Tratavase do 8º Cole Congresso de Leitura do Brasil organizado a cada dois anos pela Associação de Leitura do Brasil Entre as muitas atividades que três professores do Departamento de Letras da Universidade Federal do Acre se dividiam para atender acabei em uma mesaredonda que tratava do papel pedagógico da literatura A opção não fora inteiramente aleatória já que minhas duas colegas estavam mais ligadas à linguística e à língua portuguesa do que à literatura embora tudo nos interessasse seja pelo sabor de novidade de várias das questões discutidas seja pelas muitas propostas de melhoria do ensino na área Os palestrantes daquela mesaredonda defendiam com entusiasmo contagiante a força educativa da literatura e sua importância na formação e no exercício profissional dos professores O entusiasmo as ideias e os relatos de experiências bemsucedidas daquele 8º Cole atravessaram positivamente minha atuação docente e chegaram à equipe de Língua Portuguesa e Literatura da Secretaria de Educação do Acre1 Essa equipe estava disposta a renovar o ensino da leitura e da escrita no estado e juntos realizamos uma série de atividades para professores da área Um desses cursos fora destinado a professores que atuavam nos bancos de livros ou nas bibliotecas escolares Tratavase de uma clientela muito especial A equipe havia constatado que grande parte desses professores não havia sido preparada de modo adequado para exercer a nova função Na verdade o banco do livro e a biblioteca funcionavam informalmente como uma aposentadoria nãodeclarada Seja por motivo de saúde seja por outras questões de exaustão profissional o professor passava à função de guardador de livros quando não conseguia mais exercer seu trabalho original que era a regência da sala de aula O resultado é que esses professores apresentavam não apenas despreparo como também desinteresse pelo novo trabalho Para a equipe da Secretaria de Educação a revitalização da leitura na escola dependia fundamentalmente do apoio desses profissionais Por isso organizamos um curso dividido em duas partes Uma primeira mais geral destinada a despertar nos profissionais a consciência de que a leitura envolve saber e prazer Uma segunda mais específica voltada para a organização da biblioteca escolar Com a responsabilidade de ministrar a parte mais geral do curso optamos por usar oficinas de criatividade verbal em lugar de aulas expositivas sobre a importância da leitura na escola Fora dos moldes tradicionais dos cursos que até então tinham feito os professores reagiram a princípio com certa descrença Alguns chegaram a questionar em voz alta a utilidade e o fim daquelas atividades aparentemente desligadas de sua função de guardadores de livros Aos poucos entretanto seguindo o fluxo das atividades começaram a participar a rir e a descobrir que ler e escrever rimam com prazer e que a biblioteca escolar é muito mais do que o lugar onde se guardam os livros determinada ação os conectasse diretamente com o mundo da ficção e da poesia abrindo portas e pavimentando caminhos para a experiência literária Ao final do curso os alunos reconhecem que não costumavam ler textos literários Aliás não liam livros em geral O modo como lhes havia sido introduzida a leitura literária porém permitiria que descobrissem que gostavam de ler que os livros faziam parte de suas vidas e que as escolas precisavam dos livros e dependia deles ajudar os professores que estavam nas salas de aula a fazer da leitura uma atividade de saber e prazer Muitos saíram com planos para modificar as condições de leitura existentes em suas escolas Muitos começaram a sonhar com uma verdadeira biblioteca Meses depois de oferecido o curso para os professoresbibliotecários recebemos convites para visitar as escolas Em uma delas entramos em uma sala pequena que antes não passava segundo depoimento da própria professorabibliotecária de um amontoado de livros jogados em prateleiras Esses livros na sua maioria didáticos eram entregues aos professores e alunos por uma portajanela feita balcão justamente para impedir a entrada de visitantes Agora porém o depósito de livros havia se transformado em uma sala de leitura O novo nome brilhava em letras feitas em papelcartão vermelho recoberto com purpurina Os livros organizados nas prateleiras com indicações de conteúdo deixaram de ser exclusivamente os didáticos Uma bemsucedida campanha de arrecadação de livros para a escola diversificou o acervo A fim de resolver o problema do tamanho da sala um tapete fora colocado no centro com almofadas para que os leitores ficassem à vontade No corredor que dava acesso à sala de leitura havia cadeiras e mesas dobráveis que eram oferecidas aos alunos que desejassem fazer consultas no local Ao ver aquele quadro colorido e a satisfação da professorabibliotecária em apresentálo para mim compreendi que as atividades de leitura realizadas no curso alcançaram um objetivo maior do que o pretendido de início Aquela professorabibliotecária havia encontrado outra vez o sentido da sua profissão A descoberta da literatura por esses professoresbibliotecários mostroume claramente que a leitura demanda uma preparação uma antecipação cujos mecanismos passam despercebidos porque nos parecem muitos naturais Na escola essa preparação requer que o professor a conduza de maneira a favorecer o processo da leitura como um todo Ao denominar motivação a esse primeiro passo da sequência básica do letramento literário indicamos que seu núcleo consiste exatamente em preparar o aluno para entrar no texto O sucesso inicial do encontro do leitor com a obra depende de boa motivação Nesse sentido cumpre observar que as mais bemsucedidas práticas de motivação são aquelas que estabelecem laços estreitos com o texto que se vai ler a seguir A construção de uma situação em que os alunos devem responder a uma questão ou posicionarse diante de um tema é uma das maneiras usuais de construção da motivação Um exemplo é a motivação realizada para a leitura do conto O herói de Domingo Pellegrini Tempo de menino 1991 que trata do súbito e doloroso amadurecimento de um garoto perante a morte de seu cachorro Tomando como base o núcleo dramático da história a motivação que chamamos de rito de passagem consiste em conversar com os alunos sobre as diferenças entre o mundo dos adultos e das crianças Em seguida solicitase que anotem o que consideram comportamento adulto As definições devem ser lidas para a turma e discutidas de maneira breve Em um segundo momento o professor solicita que os alunos escrevam o que acham necessário para se chegar à maturidade O texto produzido nessa motivação pode ser utilizado para introduzir a interpretação no final da sequência básica Outra motivação procurou explorar o tema da saudade como preparação da leitura do poema Pobre Velha Música de Fernando Pessoa 1981 Nesse caso a motivação denominada Recordar é viver iniciase com o professor colocando a seguinte situação por serem muito estudiosos todos os alunos daquela turma acabam de receber um bilhete na máquina do tempo e têm a liberdade de escolher a que ponto no tempo e no espaço gostariam de retornar Esses dados são anotados no quadronegro pelo professor que verificando coincidências de tempo eou de espaço entre os alunos deve dividir a turma em grupos segundo essas coincidências e determinar que façam a viagem juntos e apresentem um relatório sucinto do que sentiram ao regressar ao presente Esses exemplos mostram o funcionamento básico da motivação Devemos observar entretanto que a aproximação do aluno com a obra objeto da leitura literária feita pela motivação não precisa ser sempre de ordem temática embora essa seja a ligação mais usual Na motivação da leitura do poema A Palavra Sêda de João Cabral de Melo Neto 1994 procuramos enfatizar mais o procedimento de construção do poema do que uma relação propriamente temática Essa motivação chamada Dicionário particular consiste em propor à turma a elaboração de um dicionário definindo de forma imaginária algumas palavras Antes de fazer a proposta de definição o professor introduz a questão apresentando aos alunos um dicionário enciclopédico do qual selecionou lugares pessoas e objetos de nomes inusitados Em seguida chama a atenção dos alunos para as associações que as palavras nos remetem nem sempre efetivadas na sua definição Também convém lembrar aos alunos que as definições são construídas a partir de um sentido etimológico para um sentido de uso com descrições relações e situações que exemplificam ou oferecem uma imagem daquilo que está sendo definido Feitas essas observações o professor incumbe os alunos de definirem um grupo de palavras estranhas para compor seu dicionário Ao final as definições são compartilhadas por todos e confrontadas com os verbetes do dicionário Já na motivação utilizada para a leitura do conto Fita verde no cabelo de Guimarães Rosa 1981 buscamos fazer o aluno interagir tanto com o princípio estrutural do texto quanto com sua temática A motivação denominada Contos de fadas hoje parte da memória dos alunos Em uma breve atividade oral o professor solicita que relembrem de contos de fadas e os anota no quadronegro Após ouvir o relato de alguns contos o professor divide os alunos em grupo e entrega um ou dois papéis enrolados contendo nomes de objetos modernos tais como liquidificador telefone televisão etc A tarefa é recontar o conto de fada incorporando esses objetos de forma coerente Para encerrar todos devem ler seus contos de fadas modernizados De modo geral as motivações que propusemos sempre foram bem recebidas pelos alunos Acreditamos firmemente que o elemento lúdico que elas contêm ajudaram a aprofundar a leitura da obra literária Todavia alguns professores que tomaram contato prévio com a nossa proposta trouxeram um questionamento importante para a compreensão do caráter dessas atividades Eles se indagavam se a motivação estruturada na forma como a estávamos propondo não terminava por induzir de modo excessivo a leitura do aluno para um único aspecto da obra gerando uma delimitação em lugar da ampliação dos sentidos do texto Em outras palavras eles concordavam com a necessidade de motivação mas temiam que a nossa motivação fosse por demais condutora da leitura literária levando a um empobrecimento do texto ou pior a um cerceamento da interpretação do aluno uma vez que trazia em si explícita ou implicitamente a interpretação do professor Nesse caso é preciso lembrar que a motivação prepara o leitor para receber o texto mas não silencia nem o texto nem o leitor É preciso confiar mais em ambos sobretudo quando tratamos de leitura literária Naturalmente a motivação exerce uma influência sobre as expectativas do leitor mas não tem o poder de determinar sua leitura Aliás influências sempre existem em qualquer processo de leitura A questão então não é se a motivação exerce ou não influência mas sim se essa influência é bemvinda ou desejada pelo professor no trabalho que pretende realizar com seus alunos Aqui vale a pena lembrar que a didatização da literatura é um mecanismo escolar legítimo conforme explicitamos no capítulo A leitura escolarizada Cabe ao professor portanto interferir no planejamento ou na execução da motivação quando perceber que ela está prejudicando e não ajudando o letramento literário Outro ponto relevante na execução da motivação é que a temos praticado envolvendo conjuntamente atividades de leitura escrita e oralidade Não se pressupõe que seja sempre assim Algumas motivações exclusivamente orais ou escritas se mostraram igualmente positivas Todavia compor a motivação com uma atividade integrada de leitura escrita e oral parece ser uma medida relevante para a prática do ensino de língua materna na escola Além disso essas atividades integradas de motivação tornam evidente que não há sentido em separar o ensino da literatura do ensino de língua portuguesa porque um está contido no outro Há entretanto um cuidado que se deve tomar em relação às atividades integradas de leitura escrita e oral como motivação Por envolverem três momentos elas tendem a se prolongar e o objetivo de motivar para a leitura literária pode se perder O limite da motivação dentro de nossa proposta costuma ser de uma aula Se ela necessitar passar disso certamente não cumprirá seu papel dentro da sequência Alguns de meus alunos que têm trabalhado a sequência básica preferem realizar a motivação no início de uma aula mais longa para dela passar de imediato à introdução Introdução Chamamos de introdução a apresentação do autor e da obra Para ilustrar a importância da introdução na leitura literária vou relatar uma resposta que surpreendeu a todos nós alunos e professor da disciplina Metodologia do Ensino da Literatura do curso de Letras da Universidade Federal de Pelotas Desde então tenho usado essa resposta como exemplo de que muitas vezes o modo como realizamos determinadas ações significa mais do que as palavras que usamos para explicitálas O curso de Metodologia do Ensino da Literatura era dividido em duas partes Uma primeira em que os alunos analisavam com o professor os pressupostos do ensino da literatura e uma segunda em que planejavam e executavam uma atividade de extensão Em 1999 chamamos essa atividade de Círculo de Leitura Os prazeres da literatura O objetivo era oferecer à comunidade do ensino secundário a experiência da leitura literária de textos contemporâneos O critério geral de seleção dos textos estava baseado por um lado no reconhecimento de que as escolas secundárias pouco ou quase nada trabalhavam a produção da literatura brasileira contemporânea e por outro na constatação de que os alunos do curso de Letras possuíam maior familiaridade com a literatura brasileira Embora o curso fosse aberto a qualquer interessado desde que estivesse cursando o ensino secundário ou o tivesse completo uma parte da clientela foi formada por vestibulandos mais especificamente alunos de um curso de pré vestibular organizado pelo Diretório Central dos Estudantes da UFPel Ao discutir a proposta do curso com os organizadores do prévestibular alertamos de que não se tratava de preparação para o concurso mas sim uma atividade formadora Essa explicação foi suficiente para os alunos que já haviam ingressado na universidade mas pouco convincente para os prévestibulandos Com razão acreditavam que a formação se fazia na escola e a preparação para o vestibular no cursinho Eram duas realidades bem diferentes Todavia talvez a possibilidade de fazer um curso oficial com direito a certificado e tudo mais ou a crença algo ingênua de que teriam acesso a material privilegiado da universidade terminou por convencer um grupo deles o suficiente para constituir duas turmas Ao final da extensão aplicamos uma ficha de avaliação destinada a examinar não somente o trabalho dos alunos de Metodologia do Ensino da Literatura segundo a opinião dos participantes como também a atividade em si de acordo com as expectativas e surpresas das pessoas que nele se inscreveram Os alunos do cursinho prévestibular foram unânimes em reconhecer na atividade uma experiência positiva Vários declaravam que a extensão superara suas expectativas Alguns chegaram a afirmar que passaram a ver de maneira diferente o curso de Letras e dentre eles houve quem se sentisse motivado a realizar vestibular para essa carreira A conclusão geral poderia ser resumida na frase de um desses alunos Ele que confessava ter vindo para a extensão pensando unicamente no vestibular terminara concluindo que havia ido muito além porque havia descoberto a interpretação e interpretar não fazia parte apenas da Língua Portuguesa mas de tudo Todavia as respostas mais interessantes estavam no espaço destinado a comentários pessoais sobre a atividade Foi ali que encontramos o comentário surpreendente de uma aluna que dizia ter vindo para a atividade sem acreditar muito no que ela poderia lhe oferecer mas que ao seu final admitia ter se divertido e aprendido muito O melhor mesmo fora que a leitura não havia sido imposta como era hábito nas aulas de literatura do ensino secundário Ali relatou ela tivera a oportunidade de escolher o texto e ler por si mesma Inicialmente ao lermos esse comentário consideramos que a aluna se equivocara Afinal todos os textos lidos na extensão foram selecionados e preparados de antemão sob a supervisão do professor pelos alunosministrantes Logo não havia a possibilidade de livre escolha como parecia sugerir a aluna do prévestibular Aquela resposta entretanto surpreendia e intrigava os alunos ministrantes porque a produção dessa aluna era uma das mais interessantes da turma evidenciando que se tratava de uma pessoa com desempenho intelectual acima da média O que líamos como equívoco simplesmente não combinava com o perfil da aluna Uma explicação mais convincente ocorreu quando juntamos a resposta com outra referente à indagação sobre a diferença entre aquele curso de extensão e as aulas regulares na escola e no cursinho prévestibular Tanto essa aluna quanto os outros assinalaram a diferença e justificaram a resposta com a palavra liberdade de leitura De fato comparando as três situações de ensino de literatura não era difícil perceber que a extensão apresentava um grau maior de liberdade A escola regular obedecia ao conteúdo fechado de história da literatura que já vinha discriminado pelo livro didático O prévestibular era determinado pela lista de leitura dada pela Comissão do Vestibular A percepção dessa liberdade maior da extensão como algo positivo no entanto não vinha apenas do contraste Também provinha da maneira como foram introduzidas as obras Preocupados com a resistência que os alunos do cursinho prévestibular poderiam apresentar em face dos textos que não constavam da lista de leitura obrigatória os alunosministrantes dedicaram à introdução uma atenção especial Eles não só enfatizaram as características dos autores e das obras a serem lidas como também incentivaram o questionamento dessas escolhas e das razões que os levaram a realizálas em lugar de outras Ao explicitar seus pressupostos de seleção que envolviam razões tanto teóricas e metodológicas como pessoais os alunosministrantes compartilharam com os alunosparticipantes suas certezas mas também suas dúvidas e suas dificuldades Acredito que foi a honestidade desse procedimento que levou aquela aluna do cursinho prévestibular a ler uma liberdade de escolha e de leitura nos textos selecionados pelos alunosministrantes de literatura contou que sofreu pouca influência da escola Na verdade criou o hábito de leitura graças à mãe que sendo leitora voraz a conduziu pelo mesmo caminho A diferença nessa história comum a tantos leitores cuja formação passa ao largo da escola é que aconteceu de maneira bastante singular A professora relatou que inicialmente não gostava de ler Na adolescência a mãe começou a insistir para que ambas se tornassem parceiras de leitura Elas saíam juntas e a mãe comprava sempre dois romances um para ela e outro para a filha Depois trocavam os livros e comentavam a leitura Nas primeiras experiências a filha hoje professora tentou aplicar o mesmo expediente que costumava utilizar na escola isto é lia as primeiras páginas e as últimas para saber como se iniciava e terminava a história e dava o livro por lido Percebendo o comportamento da filha a mãe passou a cobrar os detalhes que só quem havia lido o livro por inteiro poderia responder acompanhando capítulo por capítulo e discutindo as partes que julgava mais interessantes Com isso ela foi obrigada a ler e de leitura em leitura terminou escolhendo ser professora de literatura A história chamou nossa atenção porque traz com muita precisão o que consideramos essencial nessa etapa de nossa proposta de letramento literário o acompanhamento da leitura Usualmente o professor solicita que o aluno leia um texto e durante o tempo dedicado àquela leitura nada mais faz Se for a leitura de um pequeno texto a ser feita em sala de aula de fato há pouco o que se fazer a não ser esperar que o aluno termine a tarefa Todavia quando tratamos de livros inteiros esse procedimento já não é adequado A leitura escolar precisa de acompanhamento porque tem uma direção um objetivo a cumprir e esse objetivo não deve ser perdido de vista Não se pode confundir contudo acompanhamento com policiamento O professor não deve vigiar o aluno para saber se ele está lendo o livro mas sim acompanhar o processo de leitura para auxiliálo em suas dificuldades inclusive aquelas relativas ao ritmo da leitura Nesse sentido quando o texto é extenso o ideal é que a leitura seja feita fora da sala de aula seja na casa do aluno ou em um ambiente próprio como a sala de leitura ou a biblioteca por determinado período Durante esse tempo cabe ao professor convidar os alunos a apresentar os resultados de sua leitura no que chamamos de intervalos Isso pode ser feito por meio de uma simples conversa com a turma sobre o andamento da história ou de atividades mais específicas No caso da conversa sobre o andamento da narrativa alguns professores têm manifestado o temor de estragar a história com os alunos que leem mais rápido contando aos que leem mais devagar o que vai acontecer em seguida ou até mesmo o final Eles costumam afirmar que muitos resistem a esse tipo de atividade dizendo algo como não me conte a história porque quero descobrir por mim mesmo Tratase porém do que se poderia chamar de falácia fabulística Ao lermos um texto literário obtemos muito mais que informações sobre a história narrada é por isso que o conhecimento dessas informações não garante a leitura do texto daí a impossibilidade intrínseca dos resumos que os cursinhos prévestibulares usam para substituir a leitura dos livros indicados pelas universidades A leitura do texto literário como já observamos antes é uma experiência única e como tal não pode ser vivida vicariamente Conhecer a história ou saber o final de um romance jamais substitui essa experiência tanto que continuamos a ler obras cujos segredos são amplamente conhecidos O que nos leva a ler um clássico por exemplo é a experiência estética que ele proporciona e não simplesmente a história que conta Mesmo os romances populares que compramos em bancas de jornal sabem disso visto que contam e recontam inúmeras vezes a mesma história mudando apenas os cenários e os nomes das personagens É claro que revelar o culpado em uma história policial ou de suspense pode ser um incômodo para o leitor que esperava descobrir por si mesmo o desfecho mas até os autores desse tipo de narrativa sabem que além do que se conta vale como se conta por isso até revelam o criminoso ao leitor e deixam a ignorância para o detetive transferindo da descoberta do culpado para a descoberta de como se descobriu o culpado o segredo da narrativa Já os intervalos que constituem as atividades específicas podem ser de natureza variada Um exemplo é a leitura de outros textos menores que tenham alguma ligação com o texto maior funcionando como uma focalização sobre o tema da leitura e permitindo que se teçam aproximações breves entre o que já foi lido e o novo texto Também pode ser a leitura conjunta de um capítulo ou trecho de capítulo para ser trabalhado estilisticamente em microanálise de recursos expressivos que interessem ao professor e aos alunos destacar Nesses dois exemplos não se faz necessário que todos os alunos tenham lido a mesma quantidade de páginas ou capítulos mas é importante que a atividade seja pertinente com a leitura efetiva feita pela maioria dos alunos Ao indicar o texto é conveniente que o professor negocie com seus alunos o período necessário para que todos realizem a leitura e dentro desse período convém marcar os intervalos Naturalmente nem esses intervalos nem o período reservado à leitura podem ser muito longos uma vez que se corre o risco de perder o foco da atividade Desse modo a quantidade de intervalos não depende apenas do tamanho do texto mas também do próprio processo de letramento literário Com isso o professor deve ter em mente que se precisar de mais de três intervalos para acompanhar a leitura de seus alunos decerto o livro é extenso demais para sua turma cabendo a ele buscar uma alternativa É durante as atividades do intervalo que o professor perceberá as dificuldades de leitura dos alunos Esse intervalo funciona assim prioritariamente como um diagnóstico da etapa da decifração no processo de leitura Por meio dele o professor resolverá problemas ligados ao vocabulário e à estrutura composicional do texto entre outras dificuldades ligadas à decifração Mas não é apenas em relação a essa etapa que o intervalo oferece possibilidades de compreensão e intervenção Na verdade se bem direcionado ele pode se constituir em um importante instrumento de aferição pedagógica do processo da leitura como um todo Ao acompanhar a leitura dos alunos por meio dos intervalos o professor poderá ajudálos a resolver ou pelo menos equacionar questões que vão desde a interação com o texto a exemplo do desajuste das expectativas que pode levar ao abandono do livro até o ritmo de leitura possível consequência tanto das condições de legibilidade do texto quanto da disponibilidade do aluno para realizar a atividade Em muitos casos a observação de dificuldades específicas enfrentadas por um aluno no intervalo é o início de uma intervenção eficiente na formação de leitor daquele aluno Interpretação Já sabemos pelo que expusemos no capítulo O processo da leitura que a interpretação parte do entretecimento dos enunciados que constituem as inferências para chegar à construção do sentido do texto dentro de um diálogo que envolve autor leitor e comunidade No campo da literatura ou mesmo das ciências humanas as questões sobre a interpretação e seus limites envolvem práticas e postulados tão numerosos quanto aparentemente impossíveis de serem conciliados até porque toda reflexão sobre a literatura traz implícita ou explicitamente uma concepção do que seja uma interpretação ou de como se deve proceder para interpretar os textos literários Não se pode pois tratar de interpretação sem se considerar essas questões mas também não acreditamos ser este o espaço adequado para discutilas Desse modo sem ignorar a complexidade da interpretação e também sem transformála em um obstáculo a ser ultrapassado propomos no cenário do letramento literário pensála em dois momentos um interior e outro exterior O momento interior é aquele que acompanha a decifração palavra por palavra página por página capítulo por capítulo e tem seu ápice na apreensão global da obra que realizamos logo após terminar a leitura É o que gostamos de chamar de encontro do leitor com a obra Esse encontro é de caráter individual e compõe o núcleo da experiência da leitura literária tal como abordamos aqui Ele não pode ser substituído por nenhum mecanismo pedagógico a exemplo da leitura do resumo nem compensado por algum artifício de intermediação como ver o filme ou assistir à minissérie na tv em lugar de ler o livro Nós os professores de literatura sabemos que esse é o momento em que o texto literário mostra sua força levando o leitor a se encontrar ou se perder em seu labirinto de palavras Aliás como costumo dizer aos meus alunos o texto literário é um labirinto de muitas entradas cuja saída precisa ser construída uma vez e sempre pela leitura dele Isso não significa que esse momento interno é impermeável a influências ou que se trate de um momento mágico em que livro e leitor se isolam em uma torre de marfim Longe disso tratase de um processo afetado pelo que se fez antes e se faz durante a leitura Em outras palavras a motivação a introdução e a leitura como as definimos acima são os elementos de interferência da escola no letramento literário Do mesmo modo a história de leitor do aluno as relações familiares e tudo mais que constitui o contexto da leitura são fatores que vão contribuir de forma favorável ou desfavorável para esse momento interno A interpretação é feita com o que somos no momento da leitura Por isso por mais pessoal e íntimo que esse momento interno possa parecer a cada leitor ele continua sendo um ato social O momento externo é a concretização a materialização da interpretação como ato de construção de sentido em uma determinada comunidade É aqui que o letramento literário feito na escola se distingue com clareza da leitura literária que fazemos independentemente dela Quando interpretamos uma obra ou seja quando terminamos a leitura de um livro e nos sentimos tocados pela verdade do mundo que ele nos revela podemos conversar sobre isso com um amigo dizer no trabalho como aquele livro nos afetou e até aconselhar a leitura dele a um colega ou guardar o mundo feito de palavras em nossa memória discutidos entre os negociantes Após quase três horas de atividades a Feira Cultural foi encerrada com a realização de um júri simulado com as personagens do romance Ciranda de pedra de Lygia Fagundes Telles Na avaliação final da atividade nossos alunos do curso de Letras e alguns dos professores revelaram que acreditaram na Feira Cultural como atividade pedagógica mas receraram que seu caráter festivo e dispersivo não resultasse em aproveitamento para a leitura literária Como disse uma das alunas parecia uma mistura de tarde circense com a Feira do Livro um evento tradicional no Rio Grande do Sul Essa reserva entretanto dissipouse quando analisamos o registro das impressões dos alunos sobre a feira feitos na semana seguinte ao evento Os diversos tipos de relatório de participação apresentados por eles mostraram que a Feira Cultural havia fixado detalhes das obras e particularidades de leitura que somente o intercâmbio intenso de experiências pode proporcionar Para se realizar o registro da interpretação nem sempre é necessário um grande evento como uma feira cultural O importante é que o aluno tenha a oportunidade de fazer uma reflexão sobre a obra lida e externalizar essa reflexão de uma forma explícita permitindo o estabelecimento do diálogo entre os leitores da comunidade escolar Nesse sentido uma prática que tem sido adotada por várias escolas é a da resenha Ao concluírem a leitura de uma obra os alunos são convidados a elaborar um texto em que registram suas impressões sobre o texto lido em termos apreciativos e podem recomendar ou não a leitura para outros colegas O uso da resenha tem vários benefícios para o ensino da língua materna Em primeiro lugar é um exercício de escrita dentro de um gênero com predominância de estratégias argumentativas e condições de enunciação bem determinadas Depois o texto produzido tem possibilidade de circular entre os alunos e por isso não carrega a artificialidade da maioria das atividades de escrita escolar Por fim demanda do aluno o registro que é também memória de sua vida de leitor Todavia o uso exclusivo ou excessivo da resenha pode engessar o letramento literário e automatizar a resposta do aluno ao texto lido Cumpre ao professor pois buscar outras estratégias Foi isso que fez uma de nossas alunas Quando indicou o livro ela planejou encerrar a leitura com uma resenha mas no meio do caminho o interesse dos alunos pelas personagens foi tanto que decidiu solicitar um capítulo a mais um epílogo à obra lida Assim os alunos deram continuidade aos seres de papel que os haviam encantado respondendo ao texto de uma forma criativa Essa atividade foi realizada com alunos de 3ª série do ensino fundamental e quando a relatei para professores de séries mais adiantadas vi surgir propostas de variantes como a inserção de longo período temporal na narrativa o que aconteceu com as personagens dez anos depois ou dez anos antes a alteração do espaço as personagens se encontram em outro lugar e a inclusão de outras personagens inclusive o leitor Como se percebe as possibilidades de registro da interpretação são diversificadas e dependem da turma dos textos escolhidos e dos objetivos do professor Essas particularidades devem ser sempre levadas em consideração no planejamento da sequência básica assim como as características de cada etapa conforme as descrevemos aqui Ao seguir as etapas o professor sistematiza seu trabalho e oferece ao aluno um processo coerente de letramento literário Um exemplo de sequência básica Em 2001 a prefeitura de João Monlevade cidade do Vale do Aço de Minas Gerais convidounos a apresentar uma oficina para os professores de Língua Portuguesa do município A proposta que fiz foi realizar uma atividade e simultaneamente refletir sobre ela como prática pedagógica É essa proposta que trazemos aqui como exemplo porque sua articulação entre leitura e produção de textos a partir de uma unidade temática moradia e violência urbana parecenos ilustrar com eficiência o funcionamento da sequência básica apesar de ter sido realizada em condições especiais Na segunda parte após a seleção os alunos deveriam explicitar oralmente por que gostariam de adquirir tal imóvel No diálogo com os estudantes o professor teria como objetivo destacar os traços do discurso publicitário e a retórica da persuasão próprios de qualquer anúncio mas com ênfase nas características de imóveis uso de plantas baixas fotografias desenhos etc e as constrições dadas pelo suporte espaço restrito baixa resolução gráfica etc Essa atividade foi bastante divertida uma vez que os alunosprofessores de João Monlevade aproveitaram a situação para falar ainda que de maneira indireta da mazela que atinge todos os professores o salário Daí a aquisição de imóveis ora muito acima do poder aquisitivo ora bem abaixo Curiosamente apesar dos anúncios de condomínios fechados entre os imóveis nenhum aluno optou por eles Como o texto a ser lido tratava desse tipo de imóvel chamei a atenção deles para a ausência que foi logo justificada pelos altos preços e pelo isolamento Encerrada a motivação passamos à introdução O texto selecionado foi um conto de Moacyr Scliar No retiro da figueira A intenção era fazer uma apresentação bem sucinta uma vez que os professores eram formados em Letras e poderiam conhecer o autor e outras de suas obras dando ênfase maior ao conto e ao livro no qual ele se insere A justificativa para a seleção era de ordem temática o conto abordava uma questão contemporânea da qual nem mesmo as pequenas cidades estavam inteiramente livres ou seja a violência urbana e a proteção buscada nos condomínios fechados2 A narrativa de Scliar faz parte de uma coletânea organizada por Julieta Godoy Ladeira sob o título de Contos brasileiros contemporâneos voltada para uso escolar Na apresentação a autora destaca o valor introdutório das antologias e o duplo critério adotado para a seleção dos textos produção contemporânea a partir dos anos 1950 e a representatividade dos caminhos do conto na literatura brasileira Esses critérios foram acentuados com professores incitandoos a organizar eles mesmos em conjunto com seus alunos antologias diversas para uso escolar Elas podem recobrir vários gêneros e ser trocadas entre turmas Também podem ser recolhidas às bibliotecas como uma memória das leituras de cada turma ou até mesmo de cada aluno Em relação ao autor os professoresalunos de fato conheciam outros textos de Scliar embora esse conhecimento derivasse na maioria dos casos dos livros didáticos Uma das professoras até relatou que o conto a ser trabalhado por nós constava da coletânea de um livro didático Como esse reconhecimento poderia atrapalhar as atividades de leitura e de interpretação planejadas solicitei que mantivesse discrição em relação ao final do conto Após a introdução iniciamos a leitura No geral quando se trata de textos bem curtos como o conto de Scliar a leitura pode ser dividida em dois momentos a leitura de reconhecimento a ser feita silenciosamente pelos alunos e a leitura oral ou expressiva que pode ser feita pelo professor ou em forma de jorgal pelos alunos A opção usual pela leitura expressiva do professor decorre do fato de que ele conhece bem o texto e por isso tem condições de realizála com qualidade A leitura oral que assume a forma de um jorgal demanda um trabalho prévio Isso implica marcações no texto e seleção dos alunos leitores a fim de que não se transforme em uma maneira de chamar a atenção daquele aluno mais distraído conforme seu uso tradicional Em nossa sequência com os alunosprofessores de João Monlevade decidimos transformar esses dois momentos em três colocando a interpretação entre o primeiro e os dois últimos Desse modo tão logo chegaram ao final do conto os professoresalunos começaram a murmurar sobre a estranheza do texto Nesse momento expliquei que havia retirado o final do conto para que eles reunidos em grupo apresentassem uma versão coerente segundo suas experiências de leitores do mundo e de textos literários A interpretação era justamente a construção de um final alternativo Para tanto dividimos os alunosprofessores em grupos buscando atingir a leitura solidária que fundamenta a comunidade de leitores ou seja a atividade deveria ser realizada em pequenos grupos proporcionando o compartilhamento das impressões iniciais de leitura e fortalecendo o sentido do texto por meio do debate Nesse tipo de trabalho é importante o professor destacar que seu objetivo não é de levar os alunos a adivinhar o final dado pelo autor nem mesmo a se aproximar dele mas sim compor com base nos elementos textuais e na sua vivência um final com coerência De certa maneira tão importante quanto o final alternativo é o caminho de leitura que o aluno percorreu para construílo coerentemente No caso do conto de Scliar percorremos os grupos chamando a atenção dos alunos para as estratégias de construção do conto tais como a ironia do narrador o uso alternado de nóseu no registro narrativo a relação tradicional e algo machista do casal principal a ênfase sobre a distinção de classe etc Esse momento da sequência foi o mais agitado já que os alunosprofessores não se contentavam em fazer seu próprio final e buscavam interação com os grupos vizinhos Quando todos os grupos terminaram de redigir seus finais voltamos para o segundo momento da leitura isto é solicitamos que um aluno de cada grupo lesse em voz alta o conto com o final alternativo A atividade despertou risos ante alguns finais extravagantes criados pelos grupos e outros tantos protestos a respeito da criatividade dos colegas mas intervimos e pedimos que as observações fossem guardadas para um debate a ser feito depois da leitura do final dado pelo autor Fizemos breve intervalo e retornamos para a leitura do texto integral de Scliar que foi feita por nós encerrando assim o terceiro momento da leitura Em seguida retomamos a interpretação com um debate sobre as diferenças e as semelhanças entre o final dado pelo autor e a produção dos alunos Nesse debate enfatizamos a necessidade de explicitar para os colegas por que se havia decidido por esta ou aquela solução quais os elementos textuais ou vivenciais que tinham encaminhado o final construído pelo grupo E mais uma vez lembramos que o mérito da atividade não estava centrado sobre a proximidade com o final do autor mas sim na coerência que os vários finais trouxeram ao conto Afinal de contas reescrever um final para o conto é um ato interpretativo A sequência básica encerrouse na interpretação Todavia como os professores nos indagaram como inserir essa sequência em sua prática cotidiana discutimos algumas possibilidades de continuidade Uma delas seria solicitar aos alunos que retomassem os textos de classificados e tendo em vista que deveriam se mudar elaborassem um classificado de sua atual residência Outra consistiria em discutir a vida em condomínio com suas vantagens e desvantagens Depois do debate cada aluno deveria escrever um artigo sobre a questão Uma terceira seria uma pesquisa com ou sem entrevista sobre a vida em condomínios para então se realizar o debate e a escrita do artigo previsto anteriormente Uma atividade complementar buscaria na música popular no caso a canção Saudosa maloca de Adoniran Barbosa uma constante entre as representações de moradia Entre as diversas sequências básicas que trabalhamos com nossos alunos os quais uma vez professores trabalharam com os próprios alunos escolhemos esse exemplo para mostrar que a sequência não é algo intocável Dentro dos objetivos do letramento literário na escola é possível misturar como o fizemos a leitura com a interpretação a motivação com a introdução sempre de acordo com as necessidades e características dos alunos do professor e da escola O que não se pode perder de vista é a ideia de conjunto ou de ordenamento necessários em qualquer método No próximo capítulo apresentaremos a sequência expandida na qual se insere naturalmente a sequência básica básica como um suplemento do trabalho tradicional de expor as características dos períodos literários da tripartição clássica dos gêneros das listas de figuras de linguagem e das regras para escandir poemas classificar estrofes e rimas De modo aparente faltava ao trabalho de leitura literária que se fazia dentro da sequência básica o conteúdo que é tradicionalmente identificado como parte do saber literário Em outras palavras eles reconheciam por um lado que a sequência básica trazia algo novo ou algo que não se fazia muito presente em suas aulas isto é a aprendizagem da literatura porém por outro lado parecia faltar a aprendizagem sobre a literatura Essas observações nos levaram a propor várias alterações na sequência básica que buscassem atender a essa demanda dos professores de ensino médio Com as modificações introduzidas percebemos também que a aprendizagem através da literatura estava pouco sistematizada Faziase necessária uma reflexão maior que sem abandonar os princípios e os ganhos da sequência básica incorporasse em um mesmo bloco as diferentes aprendizagens do letramento literário Foi assim que chegamos à sequência expandida Com ela pretendemos responder não apenas às inquietações dos professores de ensino médio até porque sua prática não deve ser restrita a esse nível de ensino como mostraremos a seguir mas sim e sobretudo tornar explícita a presença das outras duas aprendizagens da literatura dentro dos passos iniciados na sequência básica Acreditamos que na sequência básica se realiza a aprendizagem plena da literatura mas porque nela se enfatiza a experiência da interpretação como construção do sentido do mundo as outras dimensões do letramento literário terminam por ocupar um segundo plano Essa posição secundária pode levar a um obscurecimento do lugar da literatura na escola sobretudo aquele dado pela tradição A sequência expandida vem deixar mais evidente as articulações que propomos entre experiência saber e educação literários inscritos no horizonte desse letramento na escola Para demonstrar o funcionamento das etapas da sequência expandida escolhemos como exemplo O cortiço de Aluísio Azevedo As razões da seleção se devem a questões teóricometodológicas e algumas casualidades Quando buscamos pela primeira vez um romance para ilustrar a sequência expandida impusemos quatro restrições A primeira era que deveria se tratar de obra considerada difícil de ser lida segundo o julgamento dos professores A segunda demandava que a obra tivesse um valor simbólico claramente estabelecido a fim de que o professor sentisse que valia a pena o esforço de empreender sua leitura com os alunos Essas duas primeiras restrições nos levaram naturalmente ao cânone da literatura brasileira Dentro do cânone as obras que melhor preenchiam essas exigências eram aquelas do final do século XIX e início do século XX A terceira restrição era que a obra permitisse um contato imediato com o presente dos alunos Nesse caso pensamos que a lista do vestibular ou um tema atual poderia ser o elemento de ligação desejado Na quarta o estudo da obra em questão deveria trazer alguma informação nova aos professores Essas duas últimas restrições nos levaram ao naturalismo Por questões de recepção crítica e da própria construção do cânone brasileiro a partir de uma visão modernista o naturalismo é usualmente considerado na literatura brasileira como um movimento falhado Leituras mais recentes e livres de certos preconceitos modernistas têm procurado reverter essa percepção que ainda é dominante não apenas nos livros didáticos do ensino médio mas também nos manuais de história da literatura dos cursos de graduação em Letras Além disso por rediscutirem o Brasil que se construía na passagem do Império à República e focalizarem questões sociais ainda muito presentes em nosso cotidiano os romances naturalistas brasileiros permitiam a almejada aproximação imediata Dentre as obras naturalistas O cortiço foi escolhido por ser o mais conhecido Desse modo ele não só era citado em todos os livros didáticos como o exemplo mais acabado do naturalismo brasileiro como também era mais fácil encontrar a quantidade de exemplares necessária para toda a turma As reedições de obras do século XIX mesmo canônicas nem sempre estão disponíveis em nosso mercado editorial Por fim a decisão final veio de uma observação feita por um aluno que acabara de ingressar no curso de Letras Uma das primeiras atividades que realizávamos com os alunos da disciplina Teoria da Literatura consistia em um autorretrato de leitor Em um desses autorretratos um aluno declarou que não gostava de ler literatura séria e explicou que isso se dava porque eram livros chatos e cansativos que continham muita descrição e pouca história Quando indaguei um exemplo respondeu com O cortiço1 Estava lançado o desafio com os alunos Essas duas primeiras restrições nos levaram naturalmente ao cânone da literatura brasileira Dentro do cânone as obras que melhor preenchiam essas exigências eram aquelas do final do século XIX e início do século XX A terceira restrição era que a obra permitisse um contato imediato com o presente dos alunos Nesse caso pensamos que a lista do vestibular ou um tema atual poderia ser o elemento de ligação desejado Na quarta o estudo da obra em questão deveria trazer alguma informação nova aos professores Essas duas últimas restrições nos levaram ao naturalismo Por questões de recepção crítica e da própria construção do cânone brasileiro a partir de uma visão modernista o naturalismo é usualmente considerado na literatura brasileira como um movimento falhado Leituras mais recentes e livres de certos preconceitos modernistas têm procurado reverter essa percepção que ainda é dominante não apenas nos livros didáticos do ensino médio mas também nos manuais de história da literatura dos cursos de graduação em Letras Além disso por rediscutirem o Brasil que se construía na passagem do Império à República e focalizarem questões sociais ainda muito presentes em nosso cotidiano os romances naturalistas brasileiros permitiam a almejada aproximação imediata Dentre as obras naturalistas O cortiço foi escolhido por ser o mais conhecido Desse modo ele não só era citado em todos os livros didáticos como o exemplo mais acabado do naturalismo brasileiro como também era mais fácil encontrar a quantidade de exemplares necessária para toda a turma As reedições de obras do século XIX mesmo canônicas nem sempre estão disponíveis em nosso mercado editorial Por fim a decisão final veio de uma observação feita por um aluno que acabara de ingressar no curso de Letras Uma das primeiras atividades que realizávamos com os alunos da disciplina Teoria da Literatura consistia em um autorretrato de leitor Em um desses autorretratos um aluno declarou que não gostava de ler literatura séria e explicou que isso se dava porque eram livros chatos e cansativos que continham muita descrição e pouca história Quando indaguei um exemplo respondeu com O cortiço1 Estava lançado o desafio Motivação Como já vimos na seqência básica a motivação consiste em uma atividade de preparação de introdução dos alunos no universo do livro a ser lido No caso de O cortiço buscamos uma realidade comum nos centros urbanos brasileiros a A sequência expandida Se entendermos a Literatura como visão de mundo prática social invenção a partir de uma realidade concreta com a palavra trabalhada um dos objetivos de seu ensino é fazer surgir ou aperfeiçoar o espírito crítico do estudante em relação ao mundo real É claro que esse espírito crítico está intimamente ligado à experiência do professor e à do estudante em sua práxis bem como ao conhecimento de ambos da História artes em geral política etc Letícia Malard Ensino e literatura no 2o Grau 1985 Quando começamos a trabalhar com a montagem das sequências para o letramento literário na escola elaboramos primeiro a sequência básica e ficamos satisfeitos com os resultados obtidos Alunos de todas as idades e níveis escolares respondiam à estratégia da sequência com entusiasmo e produziam leituras significativas dos textos literários O envolvimento de alunos e professores nas atividades mostrava que o letramento literário preconizado pelo método era novo caminho que se abria ao ensino de literatura na escola O exemplo dos alunos de Metodologia do Ensino da Literatura que sob nossa orientação produziram várias sequências básicas e as ministraram em aulas regulares em diversas escolas e para públicos variados testemunhava que trabalhar o texto literário podia ser um ensino com saber e sabor Todavia se nossos alunos e os professores do ensino fundamental eram aqueles que mais prontamente respondiam à proposta do método os professores do ensino médio mesmo diante da resposta positiva de seus alunos reagiam com alguma reserva Em conversa com vários deles percebi que tomavam a sequência vida em condomínio Seja o condomínio de edifício de luxo ou constituído de blocos residenciais do extinto BNH seja o condomínio fechado constituído por casas normalmente localizado em uma zona periférica da cidade O objetivo é levar os alunos a refletir sobre as relações que se estabelecem nesses ambientes e as transformações que trazem para a vida social e pessoal Para a primeira atividade de motivação articulamos uma estratégia bem simples O professor seleciona de jornais e revistas textos publicitários sobre os mais diversos tipos de condomínio e com os alunos divididos em grupos solicita que indiquem em qual condomínio desejariam morar ou não gostariam de morar e justifiquem a escolha Na apresentação das justificativas estabelecese um breve debate sobre o valor social da moradia Com esse material o professor pode variar a atividade solicitando que o aluno compare sua moradia com aquela descrita nos textos publicitários Outra possibilidade consiste em distribuir para cada grupo um dos textos publicitários e pedir que o aluno imagine como é viver naquele condomínio o que aconteceria com sua família e com seus amigos se morassem ali Conforme se pode perceber há muitas variações para o uso de material publicitário retirado de revistas e jornais Mas eles não são os únicos textos que se pode aproveitar para as atividades de sala de aula Para outra motivação de O cortiço utilizamos uma matéria de uma revista semanal que trata da expansão dos condomínios fechados nas grandes cidades O texto aborda os pontos positivos como segurança e os negativos como isolamento e alienação social para as crianças que crescem nesses condomínios Na sala de aula o texto escolhido pode ser usado para fomentar uma discussão sobre o tema com o posicionamento dos alunos não apenas quanto às vantagens e às desvantagens apontadas pela matéria mas também pela própria maneira como a revista apresentou a questão os recursos utilizados para tornála um assunto jornalístico opinião de especialistas posição de moradores dados estatísticos fotografias etc Outra motivação é o uso de piadas sobre a vida em condomínios sobretudo aquelas que têm como personagem central o síndico Elas são facilmente coletáveis na internet nos programas humorísticos da TV ou nos livros de anedotas Ao trazer essas piadas para a sala de aula o professor pode aproveitar a estigmatização do síndico para analisar com os alunos os vários aspectos da vida em um edifício Não se trata de retirar o caráter engraçado das anedotas com preleções sobre a necessidade de organização da vida em comum ainda que se necessário isso possa ser feito também mas sim de mostrar nos confrontos entre síndico e moradores que inspiram as piadas o cotidiano da vida em comum de pessoas com interesses diversos Nesse trabalho de compreensão que coloca em segundo plano o julgamento das situações o professor pode solicitar aos alunos que justifiquem as ações de síndico e moradores e indiquem como agiriam no lugar de um e de outros Um material alternativo às piadas pode ser as charges que tematizam a vida em condomínios O professor pode utilizálas do mesmo modo que usaria as piadas A reflexão sobre os condomínios como espaço de relações humanas não precisa ficar restrita à leitura de textos em sala de aula Uma atividade de motivação que pode ser implementada pelo professor é a montagem de um condomínio O professor pede a cada aluno que traga um recorte com imagens de residências caso deseje fazer toda a atividade em sala de aula ele mesmo pode providenciar os recortes coletados em anúncios de jornais e revistas e também em material publicitário de lojas de tintas e material de construção por exemplo Em sala de aula professor e alunos devem montar juntos um condomínio previamente delineado ou não em uma folha grande de papel pardo na forma de um edifício Depois da montagem elaborase um texto descrevendo o condomínio construído em conjunto Se a atividade anterior parecer um tanto primária para os futuros leitores de O cortiço outra possibilidade de uma motivação é o depoimento Os alunos podem realizar a atividade com os próprios colegas no entanto será mais interessante com moradores de diferentes tipos de condomínio Nesse caso o professor estabelece um perfil de condomínio para cada aluno ou grupo de alunos Eles devem buscar o depoimento de um morador sobre a vida naquele ambiente e escrever um texto Em seguida realizase a apresentação dos depoimentos em sala de aula com direito a perguntas dos colegas e do professor sobre as informações coletadas Em face dessas e outras possibilidades de motivação o professor não pode perder aquilo que realmente interessa na realização de qualquer uma delas a preparação para a leitura do texto literário Dessa maneira o primeiro passo na montagem de uma estratégia de motivação é estabelecer o objetivo aquilo que se deseja trazer para os alunos como aproximação do texto a ser lido depois Com esse objetivo em mãos o professor tem apenas como restrição o limite do tempo pois como já enfatizamos uma motivação longa tende a dispersar o aluno em lugar de centralizar sua atenção em um ponto específico que será o texto literário Introdução Para introduzir uma obra canônica como O cortiço a simples e breve apresentação do autor e da obra pode ser a atividade mais adequada O professor deve levar em consideração que algum aluno já deve ter ouvido falar do livro ou do autor e aproveitar esse conhecimento para localizar com economia os dados críticos biográficos e bibliográficos ao lado da justificativa da seleção Há entretanto outras possibilidades Para O cortiço planejamos três diferentes introduções que podem ser combinadas com a introdução tradicional conforme o interesse do professor A primeira é a entrada temática que toma a motivação como eixo Nesse caso a abordagem será centrada na questão da moradia O livro será apresentado como uma reflexão sobre as condições de moradia do Rio de Janeiro nos últimos anos do Império feita por um autor crítico da organização social da época Convém que esse tipo de entrada temática seja breve porque seu papel é apenas sugerir uma porta para o texto e não determinar a interpretação ou seja ela serve para despertar o interesse do aluno pela obra e não conduzir sua leitura A segunda introdução vem do aproveitamento do acervo da biblioteca Não é raro encontrar várias edições de O cortiço na biblioteca escolar A proposta é que o professor selecione três ou quatro edições e faça com os alunos uma leitura da edição do livro O objetivo é chamar a atenção para o que elas indicam sobre o conteúdo a imagem do leitor e as condições propostas de circulação Desse modo podese destacar por exemplo que se trata de uma edição didática pela presença de suplementos de leitura ou de uma edição de coleção indicada pela capa dura Como terceira possibilidade sugerese a leitura das primeiras páginas em sala de aula para apresentação das personagens principais O cortiço é um romance que favorece essa introdução porque traz nas primeiras páginas não só a apresentação das personagens principais como também de seu espaço que como se sabe é fundamental na leitura dessa obra O professor não precisa ler o texto por inteiro basta que destaque os trechos centrais à descrição do espaço e das personagens Todas essas possibilidades podem ser ampliadas com a leitura de prefácios orelhas e outros textos que constituem a apresentação do livro O professor pode até trabalhar com a apresentação de outra obra diretamente relacionada com aquela a ser lida conforme sugestão de um aluno que usou o cartaz de um filme que adaptava o texto clássico ou aquele que levou para seus alunos um comercial de TV que se apropriava da personagem principal do livro Nesse caso o cuidado é não desviar a atenção do aluno para o texto segundo em detrimento do texto primeiro Como outro aluno muito bem observou tal estratégia deve englobar a leitura do filme ou do texto segundo em algum momento da sequência para que os alunos não se sintam traídos na apresentação Qualquer que seja a introdução desenhada pelo professor não é adequado que ela ultrapasse o limite de uma aula e convém que seja logo seguida das negociações de prazos da leitura extraclasse Leitura Na questão da leitura que convém ser feita prioritariamente extraclasse o professor e os alunos buscarão acertar em conjunto os prazos de finalização da leitura Em algumas turmas esse acerto pode requerer uma negociação delicada Em outras será conveniente observar a disponibilidade de tempo dos alunos para essa atividade entre outras tarefas escolares Independentemente do tipo de acerto feito e das suas condições o tempo de leitura precisa ter um limite claro Ele não pode ser tão curto a ponto de deixar uma parte dos alunos sem conhecimento do texto nem tão longo que leve à dispersão da leitura Nesse sentido é importante levar em consideração que se tende a despender mais tempo nos capítulos iniciais quando as personagens e situações básicas da narrativa são introduzidas do que nos últimos posto que para isso concorre tanto para o conhecimento que já se tem das linhas gerais da história quanto para a proximidade do desenlace Além disso há sempre a possibilidade de um colega ter lido um pouco mais do que o outro o que tende a acelerar o tempo da leitura da turma É claro que cabe ao professor estabelecer um sistema de verificações que como foi mencionado pode ser feito por meio dos intervalos de leitura Esses intervalos são também momentos de enriquecimento da leitura do texto principal A participação dos alunos e as relações que eles conseguem fazer entre os textos demonstram a efetividade da leitura que está sendo feita extraclasse Para O cortiço planejamos três intervalos que buscam dialogar com a obra em diferentes enfoques O Intervalo 1 é uma leitura da canção Saudosa maloca de Adoniran Barbosa A letra e até a música são facilmente localizadas na internet assim como informações sobre o compositor Tratase de uma canção que tematiza a moradia mas pelo lado daqueles que não a possuem Tratase de três homens expulsos da casa abandonada que haviam invadido porque em seu lugar será construído um edifício de vários andares Sem lugar para morar eles terminam dormindo na rua aparentemente conformados e apoiados apenas na providência divina Implicitamente a canção fala do processo de urbanização dos grandes centros urbanos cujo exemplo maior é São Paulo que transforma as casas em edifícios e desloca os mais pobres para a periferia das cidades quando não os condena às ruas e aos viadutos É esse abandono da população mais pobre à própria sorte e a marcha da urbanização agora verticalizada que aproximam os dois textos e permitem que a turma discuta a questão da moradia no Brasil Na leitura da canção é importante que se tomem dois cuidados Um em relação à própria canção ou seja não ceder à tentação de tratála como um poema deixando de lado a unidade que há entre música e palavra Como os demais gêneros a canção requer uma leitura que a trabalhe como tal e não como um poema com rimas evidentes conforme acontece usualmente Outro cuidado consiste em não reduzir a leitura da canção a um apêndice do romance Tanto é assim que se aconselha que seja feita a leitura da canção em primeiro lugar e só depois se buscará relacionála com O cortiço Essa orientação vale para todos os intervalos cujos textos não podem ser diminuídos ante a obra literária objeto da leitura central Por fim caso o professor considere que a canção Saudosa maloca terá pouco apelo perante seus alunos poderá escolher outra de sua preferência ou que julgar mais adequada a exemplo de Refavela de Gilberto Gil que trata das favelas como indica o título ainda que em um registro menos evidente Também pode recorrer a videoclipes de artistas que estejam mais próximos das preferências artísticas dos alunos sem ignorar a união entre imagem movimento e música que constituem esses textos O Intervalo 2 focaliza a dificuldade de sobrevivência e o imaginário popular em um conto de Lima Barreto Tratase de A Cartomante É a história de um homem perseguido pela má sorte que busca na consulta a uma cartomante entender e romper o malefício que julga impedir seu caminho para o trabalho e uma vida mais digna para a família O tratamento dado à personagem pelo narrador entre irônico e compassivo revela certa comunhão entre os dois em oposição ao distanciamento que em geral se observa entre personagens e narrador em O cortiço Todavia o desfecho inesperado aproxima ambos os textos ao sublinhar a inexorabilidade do destino que parece reger com requintes de crueldade a vida dos mais pobres Esses são alguns dos aspectos que se pode enfatizar no momento em que se realiza a aproximação entre o romance e o conto Para tornar o trabalho mais produtivo é possível ao professor solicitar aos alunos que identifiquem dentre as personagens de O cortiço aquela que mais se identifica com o protagonista anônimo de Lima Barreto Embora o trabalho com textos do campo literário seja bastante produtivo nos intervalos nada impede que o professor adote textos de outras áreas Na verdade a exigência é que eles sejam além de relacionados ao texto principal de curta extensão a fim de que a atividade seja efetivada em uma única aula ou não perturbe a leitura da obra central O Intervalo 3 por exemplo é a leitura de uma imagem Tratase da fotografia de um cortiço no centro do Rio de Janeiro de 1906 A imagem encontrase disponível no site desenvolvido pela UFRJ com dados sobre o programa FavelaBairro httpwwwfauufrjbrprourbcidadesfavelaframeshtml inclusive com um histórico sobre as favelas que pode ser usado pelo professor se o desejar A fotografia em preto e branco mostrando no plano principal o quintal de um cortiço com várias roupas estendidas no espaço entre os telhados e na parte inferior algumas pessoas agrupadas Ainda que a fotografia diga respeito diretamente ao livro de Aluísio de Azevedo o professor não deve esquecer que a primeira leitura é da fotografia em si mesma Aliás ler uma imagem é um exercício de perspicácia que pode gerar muitas associações imprevistas Cabe ao professor deixar fluir as leituras dos alunos demandando apenas coerência com a imagem apresentada Ao final estes devem escolher um trecho de O cortiço que melhor se identifique com a fotografia sendo requerida a mesma coerência A depender da disponibilidade de tempo podese ainda solicitar uma justificativa por escrito da relação entre trecho e imagem proposta pelo aluno Buscamos de forma intencional trazer a leitura de textos diversificados para os intervalos a fim de mostrar ao professor que não há limites ou imposições rígidas na seleção de textos Mais que isso é preciso compreender que o literário dialoga com os outros textos e é esse diálogo que tece a nossa cultura Por essa razão é papel da escola ampliar essas relações e não constrangêlas Embora não seja o único momento para o estabelecimento desse diálogo ao longo do processo de letramento literário os intervalos podem e devem ser usados para cumprir tal objetivo Primeira interpretação A primeira interpretação destinase a uma apreensão global da obra O objetivo dessa etapa é levar o aluno a traduzir a impressão geral do título o impacto que ele teve sobre sua sensibilidade de leitor Desse modo a produção de um ensaio ou mesmo de um depoimento pode ser o registro ideal dessa primeira interpretação Normalmente os alunos reagem bem a essa liberdade de dizer o que pensam sobre a obra lida sem restrições de forma Basta que o professor proponha a atividade e disponibilize o tempo para realizála Em algumas turmas entretanto fazse necessário que se encaminhe de maneira um tanto mais direta a primeira interpretação Nesse caso o professor pode lançar mão por exemplo da técnica da entrevista que pode ser realizada de duas maneiras A primeira delas uma entrevista informal ou seja os alunos em dupla devem indagar um ao outro o que mais o atraiu na leitura da obra Depois dessa conversa cada um deve redigir o texto dizendo em que sua leitura diverge da leitura do colega A segunda é uma entrevista formal O aluno prepara as perguntas e as encaminha por escrito a um colega Este deve respondêlas tendo a opção de tomar as perguntas como um roteiro para elaborar o seu ensaio ou de encaminhar a resposta para o colega que fará o ensaio contrastando suas posições com a do colega Outra possibilidade é a sugestão de um tema consensual em que todos irão se debruçar O professor faz a indicação após consultar os alunos No caso de O cortiço um tema plausível em nosso planejamento é a habitação como lugar social o cortiço e o sobrado Todavia o professor não deve se surpreender se os alunos preferirem tratar das relações amorosas ou temas que sejam mais interessantes para eles Qualquer que seja a maneira de encaminhar a primeira interpretação convém que ela seja feita em sala de aula ou pelo menos iniciada na sala de aula Essa exigência decorre do caráter de fechamento de uma etapa que a primeira interpretação precisa trazer consigo Ela deve ser vista por alunos e professor como o momento de resposta à obra o momento em que tendo sido concluída a leitura física o leitor sente a necessidade de dizer algo a respeito do que leu de expressar o que sentiu em relação às personagens e àquele mundo feito de papel A disponibilização de uma aula para essa atividade sinaliza para o aluno a importância que sua leitura individual tem dentro do processo de letramento literário É por isso que o aluno precisa ser livre para escrever o que desejar dentro dos limites dados Nesse processo cabe ao professor intervir minimamente a fim de evitar que essa primeira interpretação sofra com sua intervenção Aliás o papel do professor é apenas de estabelecer as balizas para a produção do texto e não de participar da elaboração dele Também não se pressupõe que os alunos construam uma posição comum como turma a respeito da obra lida Ao contrário quando mais individuais forem as leituras maior será o enriquecimento da turma Por essa razão não se aconselha para essa etapa da sequência expandida a realização de debates ou atividades em grupos Esse é o momento em que o aluno se encontra com o livro e esse encontro por mais que tenha sido mediado pelo trabalho de motivação introdução e leitura precisa de liberdade e individualidade para se efetivar plenamente O respeito pela liberdade e pela individualidade da leitura do aluno não é porém um pretexto para que se aceite um julgamento sumário da obra do tipo gostei ou não gostei ou a recusa de um texto elaborado sob o argumento de que não tenho nada a dizer sobre esse livro Aliás a primeira interpretação terá dificuldade em se efetivar positivamente se for conduzida quer pelo professor quer pelos alunos em termos de mera avaliação da obra É antes a compreensão que se busca entrever na apreciação feita pelo aluno ou seja o valor do texto do aluno está na capacidade de compreender a obra e não em julgála de modo crítico embora as compreensões mais profundas não deixem de ser intensamente críticas Nesse sentido nada impede o professor de apontar nas leituras mais superficiais as inconsistências que julgar importante para uma compreensão maior da obra solicitando inclusive que o aluno realize uma reescritura Naturalmente esse trabalho requer sensibilidade e extremo respeito pela leitura realizada pelo aluno Contextualização A noção de contexto literário é uma forma tradicional de separar a literatura da história isto é o contexto é simplesmente a história Essa concepção fica muito clara quando se observa nos livros didáticos a introdução aos estilos de época por meio de uma síntese histórica que denominam de contexto Por vezes reconhecendose a distância entre esse contexto e o texto buscouse estabelecer uma relação que abarque a produção literária e a história do período por meio da história das ideias Desse modo explicase o uso intenso de antíteses e paradoxos no Barroco como resultado das dissensões religiosas dos movimentos da Reforma e Contrarreforma que quebraram a unidade religiosa da Europa ou a rebeldia dos heróis românticos pelo impacto das ideias iluministas na sociedade e assim por diante Todavia mesmo quando fora de um esquema redutor de causa e consequência esse tipo de relação entre a história e a literatura tende a pecar pelo excesso de generalidade ou pela singularidade da explicação Tem razão pois Dominique Mainguenau 1995 quando critica tanto essas explicações quanto a divisão entre contexto e obra literária romance Tudo isso faz parte de uma poética mas seu estudo não se restringe à catalogação de itens Desse modo esses elementos podem e devem fazer parte da contextualização poética como instrumentos de análise como mecanismos de compreensão do funcionamento das obras literárias Na contextualização poética o que se busca observar é a economia da obra como ela está estruturada quais os princípios de sua organização Para tanto contam as categorias tradicionais de análise literária quer em termos macro como os gêneros quer em termos micro como a elaboração da linguagem É a leitura da obra de dentro para fora do modo como foi constituída em termos de sua tessitura verbal É assim por exemplo que a poética de O cortiço pode ser analisada na estrutura opositiva complementar que articula quase todas as personagens tanto horizontal quanto verticalmente como acontece com as personagens femininas Rita Baiana e Piedade no primeiro caso e Bertoleza e Estela no segundo Também pode ser estudada a linguagem descritiva que permeia toda a obra e como ela configura não só o espaço mas também o narrador e as demais categorias narrativas Contextualização crítica Comum nos cursos de graduação em Letras quando os professores demandam nas aulas de literatura uma revisão crítica do que já foi publicado sobre determinadas obras ou escritores a contextualização crítica trata da recepção do texto literário Nesse caso ela pode tanto se ocupar da crítica em suas diversas vertentes ou da história da edição da obra Nesta última situação aquelas já canonizadas costumam trazer um material mais farto e portanto mais fácil de ser realizado Na primeira situação é incabível dizer que não se aplica a obras contemporâneas Mesmo uma obra recémpublicada terá alguma notícia no jornal e alguma leitura feita no prefácio ou nas orelhas Essa é uma contextualização interessante e que deveria ser minimamente praticada ainda que se tivesse outra ou outras em mira sobretudo quando se tratar de obras canonizadas O confronto de leituras no tempo e no espaço é um diálogo poderoso no processo de letramento literário Ele nos dá a dimensão do tempo e do leitor que as obras carregam consigo no universo da cultura São elos de uma corrente que vai se ampliando e se transformando a cada novo leitor que a ela se acrescenta Para tanto é fundamental que o professor não trate a crítica especializada como a voz autorizada a dizer a importância do texto nem mesmo assuma essa voz como sua na leitura da obra Inspirados em Maingueneau sugerimos a contextualização como o movimento de ler a obra dentro do seu contexto ou melhor que o contexto da obra é aquilo que ela traz consigo que a torna inteligível para mim enquanto leitor Dessa maneira toda a vez que leio um livro estou também lendo seu contexto simplesmente porque texto e contexto se mesclam de tal maneira que resulta inútil estabelecer fronteiras entre eles Em lugar de uma fronteira como linha de delimitação entre territórios distintos a relação entre texto e contexto deve ser analisada como a passagem em um limiar um espaço que pode ser estendido até o ponto em que a vibração ou o efeito deixa de ser percebido É assim que certos contextos parecem mais evidentes para certos leitores do que para outros É assim que determinados aspectos da obra podem ser explorados em sala de aula A contextualização que propomos compreende o aprofundamento da leitura por meio dos contextos que a obra traz consigo Nesse sentido o número de contextos a serem explorados na leitura de uma obra é teoricamente ilimitado Sempre é possível acrescentar ou ampliar um contexto já dado No entanto como nossa intenção é indicar ao professor um caminho para ler de maneira explícita a obra em seu contextualmente vamos apresentar no início sete contextualizações teórica histórica estilística poética crítica presentificadora e temática Contextualização teórica A contextualização teórica procura tornar explícitas as ideias que sustentam ou estão encenadas na obra Não se trata porém de fazer história das ideias a partir do texto literário mas sim de verificar como em certas obras determinados conceitos são fundamentais Aliás esse é bem o caso de O cortiço Como qualquer manual de literatura explicita Azevedo buscou traçar em seu livro a força do determinismo biológico na vida dos seres humanos Dessa maneira nossa proposta de contextualização teórica para O cortiço procura explorar as relações entre ciência e determinismo biológico A atividade pode ser desenvolvida com a ajuda da professora de Biologia por exemplo como parte da cooperação interdisciplinar Os alunos poderiam ser orientados a apresentar um estudo que teria como tema a multiplicação da célulamãe a seleção natural Contextualização histórica Mais próxima do tradicional a contextualização histórica abre a obra para a época que ela encena ou o período de sua publicação Aqui é pertinente que se evite uma visão estreita da história como mera sucessão de eventos Essa contextualização visa relacionar o texto com a sociedade que o gerou ou com a qual ele se propõe a abordar internamente Por isso não convém fazer dela uma caça aos dados historicamente estabelecidos para verificárlhes a exatidão antes se deve buscar a dimensão histórica que toda obra literária possui seja como representação seja como produção seja de ambas as formas Na verdade a contextualização histórica pode desdobrarse em várias outras segundo os interesses dos alunos como a contextualização biográfica que tratará da vida do escritor e a contextualização editorial que abordará as condições de publicação da obra na época No caso de O cortiço o estudo da vida cotidiana do final do Império e das disputas que ali se travavam para construir o Brasil do século xx pode ser uma contextualização histórica de grande valor para aprofundar a leitura Contextualização estilística A contextualização estilística responde pela grande demanda dos professores pelo saber literário tradicional Ela está centrada nos estilos de época ou períodos literários mas precisa ir além da identificação de traços ou características dos movimentos em recortes textuais Em primeiro lugar o professor não deve ignorar que os períodos literários são abstrações construídas a posteriori pelos historiadores logo são as obras que informam os períodos e não inverso Depois nenhuma obra se identifica inteiramente com o período De fato elas participam do período no sentido de que ele é construído a partir delas Com isso o período literário é um complexo estilístico uma virtualidade que a obra efetiva de maneira peculiar Tendo isso em mente a contextualização estilística deverá buscar analisar o diálogo entre obra e período mostrando como uma alimenta o outro Em O cortiço o naturalismo pode ser estudado a partir da obsessiva fidelidade ao real que conduz os escritores a manifestar em suas obras certa preferência pelo baixo pelo degradado pelo marginal ao lado de uma forte preocupação com as teses das ciências ditas à época experimentais Contextualização poética Também dentro do escopo tradicional dos estudos literários a contextualização poética responde pela estruturação ou composição da obra Aqui o risco é reduzir a poética a uma lista de figuras no caso da poesia ou a categorias como personagem narrador tempo espaço e outras no caso de narrativas literárias a exemplo do com os alunos Ler a crítica deve ser visto como uma das muitas possibilidades de abordar o texto A contextualização crítica é assim a análise de outras leituras que tem por objetivo contribuir para a ampliação do horizonte de leitura da turma Nesse sentido para além da crítica acadêmica uma fonte interessante para essa contextualização pode ser encontrada nos textos escritos especialmente para os alunos como os manuais didáticos que trazem informações sobre aquele livro específico e os roteiros ou guias de leitura como acontece com obras canônicas a exemplo de O cortiço O manuseio desse material demanda um exercício mais crítico da parte do aluno mas pode ser um ponto de contraste e confronto enriquecedor com as leituras acadêmicas Contextualização presentificadora A contextualização presentificadora ou simplesmente presentificação é uma prática usual nas aulas de literatura do ensino médio assim como a contextualização temática Na maioria das vezes o professor as utiliza para despertar o interesse do aluno pela obra chamando sua atenção para o tema e as relações dele com o presente A presentificação é a contextualização que busca a correspondência da obra com o presente da leitura Tratase por assim dizer de uma atualização O aluno é convidado a encontrar no seu mundo social elementos de identidade com a obra lida mostrando assim a atualidade do texto É importante que esse processo seja conduzido com atenção pelo professor uma vez que se corre o risco de estabelecer uma relação superficial violentando a realidade histórica da obra Tomese como exemplo O cortiço Nada mais adequado do que aproximálo das favelas de hoje mas a simples identidade entre os dois tipos de moradia não beneficia a compreensão de um ou de outro Não só porque os cortiços são anteriores às favelas ou um de seus antecessores mais diretos mas também porque são arranjos diferenciados para problemas que permanecem sem solução Nesse sentido a presentificação mais interessante talvez não seja aquela que busca as semelhanças entre as favelas e os cortiços mas sim aquela que explora sob a semelhança do problema da moradia urbana as diferenças dos arranjos que a população mais pobre é forçada a adotar Outro caminho que a presentificação pode trilhar é a busca da mesma diferença Nesse caso uma aproximação inusitada que quebre a relação esperada pode ser muito mais produtiva na leitura da obra Na análise de O cortiço por exemplo os conjuntos habitacionais tipo BNH ou os condomínios de luxo podem ser tão representativos na presentificação da obra como as favelas Segunda interpretação Ao contrário da primeira interpretação que busca uma apreensão global da obra a segunda interpretação tem por objetivo a leitura aprofundada de um de seus aspectos É por assim dizer uma viagem guiada ao mundo do texto a exploração desse enfoque Ela pode estar centrada sobre uma personagem um tema um traço estilístico uma correspondência com questões contemporâneas questões históricas outra leitura e assim por diante conforme a contextualização realizada Essa ligação entre contextualização e segunda interpretação é indissociável e pode acontecer de maneira direta ou indireta A indireta é aquela em que o aluno realiza a contextualização separadamente ou seja a pesquisa é feita sem que se estabeleça uma relação prospectiva e imediata com a atividade seguinte Articulam assim duas atividades distintas o estudo do contexto e a leitura da obra ainda que relacionadas de forma íntima Nesse caso é conveniente que a contextualização seja feita de preferência em grupo e a segunda interpretação pode ou não ser realizada individualmente pelo aluno Também é interessante que o professor promova a apresentação da contextualização para que toda a turma compartilhe os resultados das pesquisas antes de realizar a segunda interpretação A ligação direta consiste na integração entre as duas etapas sem que se estabeleça uma quebra entre elas isto é a contextualização e a segunda interpretação são realizadas como se fossem uma única atividade Aqui o professor pode simplesmente solicitar que o aluno incorpore a pesquisa à segunda interpretação por meio da abordagem daquele aspecto na obra Com isso a relativa independência da contextualização deixa de existir e a atividade será mais produtiva se realizada em duplas ou individualmente devendo portanto ser evitada em grupos de três ou mais alunos Outra possibilidade de ligação direta é aquela realizada por meio de um projeto Nesse caso contextualização e segunda interpretação são dadas juntas e efetivadas dentro de um todo maior que é o projeto Para efetivar esse projeto o professor não deve deixar de pedir aos alunos sua formalização com apresentação de título objetivo justificativas procedimentos cronograma e bibliografia Naturalmente o grau de elaboração desses itens que podem incluir hipótese pergunta etc vai depender da série e da faixa etária dos alunos mas mesmo aqueles das séries iniciais podem fazer uma proposta de leitura que implique uma pesquisa de determinado aspecto de uma obra O importante é que essa pesquisa conduza a um aprofundamento da interpretação inicial e não perca a obra como seu horizonte de leitura Uma vez elaborados os projetos devem ser apresentados à turma para que possam ser discutidos e estratégias de colaboração possam ser estabelecidas entre as diferentes propostas Também não se deve esquecer que o recurso ao projeto requer uma apresentação dos resultados alcançados e o compartilhamento deles com a turma Qualquer que seja a forma escolhida pela turma para essa apresentação e compartilhamento ela não dispensa um registro formal que pode até ser entre outras possibilidades um caderno de ensaios sobre a obra objeto da leitura Para O cortiço é possível tomar um tema mais amplo como moradia ou sexualidade e solicitar que os alunos busquem em seus projetos abordagens específicas desse tema geral Essa prática do projeto tem vários benefícios no processo de letramento literário A primeira delas é que permite maior autonomia na leitura da obra porque o planejamento da atividade passa a ser mais compartilhado ou até mesmo transferido do professor para o aluno Depois a integração entre a contextualização e a segunda interpretação em um projeto colabora para um equilíbrio maior entre as duas etapas gerando harmonia e coerência na leitura da obra A adoção do projeto também favorece a diversidade de abordagem da obra e consequentemente o desejado aprofundamento da leitura da turma Do mesmo modo os interesses dos alunos podem ser contemplados mais facilmente inclusive com a possibilidade de convivência entre projetos individuais e projetos de grupos Por fim desde o planejamento até a apresentação dos resultados um projeto conduz a vários registros que possibilitam um acompanhamento mais seguro da atividade assim como facilitam o processo de avaliação Independentemente do caminho escolhido pelo professor a segunda interpretação não pode prescindir de um registro final que evidencie o aprofundamento da leitura Esse registro pode ser aquele do projeto mas também pode ser aquele feito após o compartilhamento dos resultados dos projetos Para alunos mais adiantados o ensaio parece ser a maneira mais adequada de se efetuar esse registro final visto que é um exercício de escrita individual com forma relativamente livre quando comparado por exemplo com o relatório Todavia há outras possibilidades como uma exposição de cartazes para escola seminários com a presença de público externo à turma e a confecção de um livro com o resultado da leitura Atentese que esse registro final funcionará melhor se for negociado com os alunos e claramente estabelecido pelo professor antes da contextualização É importante que o professor perceba que se a primeira interpretação é um momento de introjeção da obra na história de leitor do aluno daí a ênfase sobre o encontro pessoal entre obra e leitor a segunda interpretação deve resultar em compartilhamento da leitura Esse é o ponto alto do letramento literário na escola O aprofundamento que se busca realizar na segunda interpretação deve resultar em um saber coletivo que une a turma em um mesmo horizonte de leitura É esse compartilhamento de leituras sem a imposição de uma sobre a outra antes com a certeza de que a diversidade delas é necessária para o crescimento de todos os alunos que constrói uma comunidade de leitores É o reconhecimento de que uma obra literária não se esgota antes se amplia e se renova pelas várias abordagens que suscita que identifica o leitor literário Expansão Com a segunda interpretação encerrase o trabalho de leitura centrada na obra e é chegado o momento de se investir nas relações textuais É esse movimento de ultrapassagem do limite de um texto para outros textos quer visto como extrapolação dentro do processo de leitura quer visto como intertextualidade no campo literário que denominamos de expansão Desse modo a expansão busca destacar as possibilidades de diálogo que toda obra articula com os textos que a precederam ou que lhes são contemporâneos ou posteriores Dentro da perspectiva do método a expansão pode resultar de uma relação já prevista na obra como citação direta ou indireta São as relações com as obras que lhe são anteriores que serviram de inspiração ou que estavam no horizonte de leitura do autor e foram por ele apropriadas e atualizadas de alguma forma naquela obra O professor pode aproveitar essas referências para apresentar a nova obra ou incentivar os alunos a buscarem a relação intertextual Neste último caso é importante que tenham certo repertório sem o qual a atividade fica inviabilizada Em O cortiço por exemplo é possível estabelecer relações intertextuais com obras como O Germinal e Naná de Émile Zola ou O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio de Eça de Queirós todas tendo como horizonte a estética naturalista A expansão pode ser também um diálogo que o leitor constrói entre duas ou mais obras Nesse caso tanto o professor quanto os alunos podem propor a obra segunda para que sejam buscadas as relações possíveis Aqui é importante que o professor tenha em mente que as relações que nos parecem evidentes nem sempre são percebidas do mesmo modo pelos alunos Algumas vezes a relação prevista é descontruída pelos alunos e relações inesperadas podem surgir Dentro do escopo das releituras da estética naturalista uma aproximação possível para O cortiço pode ser feita com o romance A selva de Ferreira de Castro que trata da vida dos seringueiros na Amazônia ou com Luna caliente de Mempo Giardinelli novela argentina sobre uma relação obsessiva entre um homem maduro e uma adolescente que termina em tragédia Também os filmes e as minisséries televisivas que foram baseados na obra são um material interessante para esse tipo de expansão devendo para tal serem lidos como reelaborações do texto e não sua mera transcrição em outro registro O trabalho da expansão é essencialmente comparativo Tratase de colocar as duas obras em contraste e confronto a partir de seus pontos de ligação Isso pode ser feito com a comparação imediata entre as duas obras ou ser desenvolvido de maneira semelhante à sequência básica Na primeira opção a obra segunda é rapidamente introduzida e sua leitura é condicionada à relação a ser estabelecida com a obra primeira O professor já encaminha a atividade a ser feita antes da leitura da obra ou logo depois Na segunda opção a sequência básica pode ser reduzida eliminandose a etapa da motivação uma vez que a leitura da obra primeira já funciona como tal Após a interpretação realizase a comparação entre as obras Conforme se pode depreender dos exemplos dados para O cortiço a expansão de acordo com que diz seu nome não tem fronteiras quanto ao tipo de obra embora se pressuponha que os textos que transitam de alguma forma pelo campo da literatura tenham preferência na seleção afinal tratase de letramento literário Essa abertura da expansão também se reflete na seleção de uma obra para a turma ou mais de uma com os alunos divididos em grupo ou ainda uma para cada aluno Como é de praxe é importante que o resultado da expansão seja registrado pelos alunos Quando a obra primeira serve de ponto de partida para a leitura de várias obras segundas uma feira literária com os alunos apresentando para toda a escola o resultado da expansão pode ser a melhor atividade a ser desenvolvida Finalmente a expansão pode ser utilizada ainda para reiniciar a sequência expandida ou iniciar a básica funcionando como uma motivação Em O cortiço por exemplo a expansão pode ser redirecionada para preparar ou motivar a leitura de O sorriso do lagarto de João Ubaldo Ribeiro Desse modo considerando que a contextualização escolhida fora a teórica e que se havia estudado a multiplicação da célulamãe e a seleção natural como princípios do determinismo biológico propõese a leitura do filme A ilha do Dr Moreau The Island of Dr Moreau 1996 dirigido por John Frankeinheimer tendo como horizonte as relações entre a ciência e o racismo um dos temas abordados no romance de João Ubaldo Ribeiro Esse é o fechamento que é também uma abertura da sequência expandida Nos próximos tópicos deste capítulo vamos apresentar experiências de aplicação do método e buscar responder às dúvidas e às questões que ele tem levantado entre alunos e professores Uma experiência reveladora Sextafeira 4ª série Segundo tempo de aula O recreio foi barulhento e curto como sempre mas os alunos retornaram sem reclamar para a sala de aula Na verdade alguns até retornaram mais cedo Eles estão ansiosos Em breve retomarão a atividade de leitura com a orientadora educacional da escola O sentimento que perpassa a turma é um misto de curiosidade e encantamento com o projeto de literatura como bem traduziu uma das alunas na avaliação Quando a professora entrou aqui na sala para fazermos esses trabalhos nós achamos bem chato porque a gente já fazia redação todas as sextasfeiras Depois nós nos acostumamos e começamos a gostar muito Outros até foram bem mais diretos como um aluno que disse simplesmente Esse trabalho é D ou o que explicou Agora toda sextafeira fazemos um trabalho melhor do que outro O trabalho ou o projeto Literatura como depois passaram a denominar a atividade de leitura feita nas sextasfeiras foi uma invenção da orientadora educacional Ela está complementando seus estudos na Faculdade de Educação da UFMG e acabou de fazer uma disciplina optativa sobre a literatura em sala de aula Táo logo entrou em contato com a nossa proposta de letramento literário propôsse a apresentála na escola estadual de ensino fundamental onde trabalha Por razões que só quem tem longa experiência em escolas entende não conseguiu o apoio integral dos professores Ainda assim não desanimou Resolveu fazer ela mesma o projeto com os alunos Segundo as etapas da sequência expandida ela começa pela motivação Traz para a sala de aula uma cruzadinha conforme se denomina em linguagem escolar a atividade de preencher espaços com letras em colunas horizontais e verticais ou seja as palavras cruzadas Na vertical a palavra a ser formada é andorinha e na horizontal gato malhado sendo que apenas a palavra malhado está escrita A atividade é bem simples porque a orientadora feita professora não pode ocupar muito tempo dos alunos e quer realizar a introdução da obra ainda naquele encontro As perguntas que levam à montagem do quebracabeça não apresentam dificuldades e as palavras fazem parte do universo do livro a ser lido São indicações como fruto da goiabeira satélite da terra o ar em movimento nas verticais e ave que nada contrário de noite estação mais quente do ano primeira parte do dia ave faladeira nas horizontais Apesar de cada aluno ter sua cruzadinha na carteira a atividade é feita coletivamente no quadronegro e há intensa disputa para se chegar à palavra correta A turma faz tanto barulho que em alguns momentos é preciso parar a atividade e ordenar a participação mas logo as palavras voltam a ser lançadas por aqueles que julgam ter adivinhado o segredo da cruzadinha A introdução é feita logo após se completar a cruzadinha A professora apresenta o livro que traz na capa o título O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá de Jorge Amado Como é uma edição dirigida ao público escolar ela aproveita a página de apresentação e a introdução feita pelo autor Essa atividade estava prevista para ser realizada pela professora mas como os alunos parecem ansiosos para manipular o livro e levantam muitas perguntas ela prefere que eles façam uma leitura silenciosa Em breve a turma toda mergulha na leitura e o silêncio que se impõe contrasta com a alegre balbúrdia que se observava anteriormente Quando voltar para a equipe pedagógica a professora sabe que deverá explicar a razão do barulho mas o contraste entre os dois momentos lhe traz bons augúrios sobre a leitura do livro e se sente confiante Os alunos terminam de ler de maneira desigual e a professora vai conversando com esses primeiros em voz baixa sobre o que acharam Quando a turma termina a leitura das páginas indicadas a professora retoma os trechos que julga mais importante e os lê em voz alta comentando e fazendo algumas perguntas aos alunos Por fim estabelece o cronograma de leitura O primeiro terço do livro deverá ser lido até o próximo encontro e os dois terços finais no seguinte A decisão de fazer apenas um intervalo decorre do tamanho do livro escolhido mas também porque é uma experiência nova na escola e os resultados não podem demorar a surgir Para o encontro do intervalo a professora planejou trabalhar com o poema musicado A arca de Noé de Vinicius de Moraes O poema é um tanto longo e os alunos dispostos em círculo não se contentam com uma única leitura auditiva A professora aproveita esse interesse e na segunda audição vai parando de estrofe em estrofe e discutindo a compreensão do texto Logo a atividade expandese para a interpretação com a rememoração da história de Noé necessária para entender algumas das referências textuais a caracterização dos animais e a relação estabelecida entre os homens e os animais Também a melodia que parece acompanhar o sentido das estrofes é destacada Esses e outros elementos do poemacanção são analisados oralmente pela turma com o apoio da professora que funciona como uma espécie de consultora É ela por exemplo quem detalha a história de Noé já que os alunos só conheciam a parte relativa ao dilúvio e assim mesmo de maneira desconcentrada Também é a professora que chama a atenção para a melodia mas não precisa explicar a relação que logo é percebida pelos alunos O interesse que eles demonstram pelos animais algumas vezes até extrapolando o texto favorece a atividade final do intervalo Depois de checar o andamento da leitura de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá a professora solicita que os alunos encerrem a atividade escrevendo um texto sobre o convívio dos animais O tempo é curto e vários alunos não conseguem realizar a atividade por completo A tarefa é transferida para casa mas com o compromisso de se entregar na segundafeira a fim de não comprometer a leitura da obra principal Por ser uma produção sem um gênero previamente definido os alunos puderam escolher o que lhe foi mais conveniente Sob o título O convívio dos animais foram produzidos textos bem diversificados Um aluno por exemplo escreveu O convívio dos animais é bem diferente do nosso convívio Quando eles estão brincando parece que estão brigando O convívio de um pássaro é diferente pois voam um atrás do outro dão bicadas um no outro Os leões quando brincam um com outro parecem que estão brigando um pula em cima do outro dão mordidas e até se arranham brincando Outra aluna faz observações sobre a vida doméstica dos animais O convívio dos animais em casa é meio estranho pois o cão e o gato nunca se entendem Por que será que o cachorro sempre corre atrás do gato O gato da minha vizinha sempre pula lá em casa e os meus cachorros quase matam o bichinho Eles bem podiam se entender Todos os dias eu tenho que ir ao terreiro salvar o gato e meus cachorros quase me mordem Ai que alívio minha vizinha mudouse Ai não o namorado da minha irmã trouxe um gato aqui para casa Até que é bonitinho mas vou ter que ser mordida pelos meus cachorros de novo O bom é que ele é um filhote e nem sabe andar direito mas e quando crescer Agora ele cresceu O gato é um capeta Morde meu pé e vai ao terreiro Ele é muito chato mas já me acostumei Conviver com animais é assim mesmo Com o texto produzido no intervalo a professora inicia o encontro da primeira interpretação Mas antes dela iniciar a atividade da aula os alunos já trocam suas impressões finais de leitura Ela aproveita o zunzunzum da turma para conversar um pouco sobre o assunto As opiniões são desencontradas sobretudo pelo final inesperado Esse é o gancho que a professora se utiliza para solicitar aos alunos que escrevam suas impressões de leitura Com o título de Meu pensamento sobre o livro uma aluna escreveu Eu gostei muito do livro pois conta a vida de uma andorinha e um gato que no fundo no fundo se gostam A andorinha sempre chama o gato de feio Será que é verdade que ela acha o gato feio mesmo E o gato será que ele gosta mesmo da andorinha Eu acho que no final os dois poderiam ficar juntos e formar um casal muito bonito Outro aluno resolve escrever ele mesmo um final para o livro Eu acho que a história deveria terminar assim a Andorinha Sinhá tem uma nova briga com o Gato Malhado e ficam um bom tempo sem se falar Mas a Andorinha Sinhá se arrepende e vai na casa do Gato Malhado dizer Me desculpe por ter brigado com você Ele disse Então vamos voltar a ser namorados Ela respondeu sim e eles viveram felizes para sempre Uma paralisação dos professores impediu que a contextualização fosse realizada dentro dos moldes previstos Quando os alunos retornaram às aulas a professora resolveu realizar um debate sobre a questão das relações entre opostos Logo após a discussão conjunta os alunos foram orientados a escrever uma história de relacionamento entre seres diferentes as dificuldades enfrentadas e daí por diante Poderiam ser histórias inventadas ou que eles já tivessem ouvido contar ou lido em algum lugar Muitas dessas histórias versavam sobre os clássicos cão e gato mas houve quem trouxesse outros exemplos como a lua e uma estrela que decidem brincar juntas Houve também um elefante e um rato que enfrentam a aldeia dos elefantes para serem amigos A segunda interpretação é feita de forma oral e coletiva Os alunos discutem a narrativa de Jorge Amado e se ocupam longamente em tratar do relacionamento impossível Conforme as histórias da contextualização deixavam entrever eles oscillam entre aceitar a impossibilidade imposta pela natureza diversa dos animais e ignorar esse impedimento propondo que os dois devem simplesmente ficar juntos A baixa profundidade da discussão que ficou de certo modo presa ao enredo romântico mostra à professora que a contextualização não havia cumprido o seu papel Era um ponto fraco a ser observado na próxima edição de uma sequência expandida No encontro da expansão a professora relembra os pontos principais da história de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá fazendo uma dobradura de pássaro e gato Em seguida apresenta o conto A Bailarina e o Vaso Chinês de Marco Túlio Costa É feita uma leitura silenciosa e no momento da discussão os alunos logo percebem os pontos de semelhança e diferença entre as narrativas sobretudo pela divergência do final Ao contrário da andorinha e do gato o vaso e a bailarina terminam juntos Em seus textos produzidos após a discussão os alunos enfatizam esses elementos e a dificuldade que as diferenças impõem nos relacionamentos amorosos Outras paralisações sucedemse Os professores lutam por melhores salários e condições de trabalho em uma persistência que só se iguala à permanência no emprego Quando as aulas voltam à regularidade a orientadora volta ao projeto de literatura Os alunos agora demandam a atividade Ela começa uma nova motivação trazendo para sala de aula pedaços de cartolina amarela nos quais foram impressos por meio de um mimeógrafo a álcool linhas vivas e linhas pontilhadas e instruções de montagem do tipo dobra e corta Quando realizam o recorte os alunos se veem diante de uma espécie de malinha ou sacola A professora explica que cada aluno deve escrever em um pedaço de papel um grande desejo que gostaria de ver realizado e colocar dentro da malinha Em seguida pede que troquem com os colegas as malinhas com os pedidos dentro Feita a troca chega a hora da conversa sobre os desejos Os alunos dispostos em grande círculo vão lendo os desejos e conversando sobre eles Há muitos desejos A maior parte dos alunos deseja comprar carro computador e bicicleta mas há quem queira também que a família fique junta outra vez que a mãe arranje um emprego e há até um desejo que a aluna pensa ser bobo ela quer ser tia A conversa sobre os desejos estendese porque todos querem explicar bem por que desejam isso ou aquilo Ao final são convidados a escrever um texto falando sobre o desejo e como se sentiriam ao realizálo Alguns dos textos registram as reações Se o meu sonho se realizasse eu pularia de alegria Seria o melhor e mais feliz dia da minha vida eu seria a pessoa mais feliz do mundo me sentiria como uma borboleta Outros detalham as dificuldades da vida infantil Eu pedi uma bicicleta porque quando vejo as crianças todas alegres andando eu fico lá triste sem poder brincar com elas e as dificuldades da vida adulta também Se a minha mãe arranjar um emprego não vamos ter mais dificuldades com cheques contas e despesas da casa No aniversário poderemos fazer festa e churrasco como todo mundo No próximo encontro a professora traz os textos produzidos anteriormente e aproveita para destacar que os nossos desejos são importantes para nós que aos olhos de outras pessoas podem parecer tolos mas cada um tem seus motivos para vêlos realizados É assim que faz a introdução do livro selecionado para leitura Tratase de A bolsa amarela de Lygia Bojunga Nunes A apresentação do livro em si é muito breve pois a professora pretende que os alunos o manuseiem por eles mesmos mais tarde durante a leitura extraclasse Nesse momento seu interesse é ler todo o primeiro capítulo em sala de aula Mesmo assim ela enfatiza a importância da autora e justifica sua escolha pela qualidade do texto e por ser um livro que pode ensinar a desejar Após a leitura os nove capítulos restantes são igualmente repartidos por três semanas estando prevista para o final de cada uma delas a conferência da leitura O planejamento do primeiro intervalo da leitura consiste na produção de uma carta a Raquel dandolhe sugestões e incentivos para que ela realize seus desejos Ao escreverem para a personagem os alunos revelam forte empatia por Raquel Eles se mostram preocupados com a impossibilidade de realização do desejo de virar menino não entendem porque não valorizam sua atividade de escrever e procuram aconselhála a perseguir seus sonhos com dicas e sugestões Uma aluna diz que ela deve se conformar em ser menina porque Deus a fez assim e ele nunca se engana no que faz Outra a aconselha a escrever escondido ou então escrever uma carta para ela mesma fingindo que é para outra pessoa Um aluno explica que ser menino também tem suas dificuldades e ela não pode saber disso porque é uma menina Outros ainda dizem saber o que ela está sofrendo porque passam por problemas semelhantes com os irmãos No final da carta que em geral não passa de uma página uma aluna se despede assim Um abraço de uma menina maluca que nunca vai te tirar da cuca A professora está satisfeita com a performance dos alunos Eles demonstraram ter lido os capítulos indicados e alguns até avançaram um pouco mais Para o segundo intervalo planejou um bingo de palavras Os alunos recebem uma cartela com três colunas verticais numeradas por 1 2 e 3 e cinco colunas horizontais sem numeração Em seguida são ditadas palavras para que sejam escritas aleatoriamente nas colunas horizontais As palavras ditadas são menina guardachuva irmão alfinete bolsa galo e romance Conforme os alunos logo percebem são palavras ligadas ao livro que estão lendo A professora explica que o primeiro a completar a cartela com outras palavras de A bolsa amarela será o vencedor mas não vale consultar o livro Eles realizam com rapidez a atividade e três deles declaramse vencedores ao mesmo tempo Para confirmar a vitória são chamados a localizar as palavras no livro Aqueles que não conseguiram preencher a cartela também buscam no livro suas palavras Após conferir o andamento da leitura com algumas perguntas pontuais sobre os capítulos lidos a professora pede que escrevam um texto com as palavras de qualquer uma das colunas Quando iniciei a escrita deste livro a terceira semana já havia se completado Uma súbita transferência para outra cidade e os desconcertos de endereço que acompanham as mudanças intempestivas impediu minha aluna de mostrar as produções subsequentes de seus alunos Quando restabelecemos contato a melhor novidade era que as professoras da escola estavam interessadas no projeto Literatura Na verdade toda a escola estava interessada no projeto Literatura Por solicitação minha ela fez uma avaliação das atividades com os alunos Eles aprovaram com entusiasmo o processo de letramento literário e isso contagiou a todos na escola e chegou até a mim Distanciados por mais de quinhentos quilômetros escrevi uma carta para os alunos como agradecimento e eles me responderam com comentários perguntas e uma pontinha de orgulho e satisfação por se saberem lidos fora da escola Espero encontrálos como sugerem alguns na faculdade Até lá tenho esperança de ver o espraiamento do letramento literário por todas as escolas e quem sabe nos identificar como aquela turma estava se reconhecendo como uma comunidade de leitores É isso que eles me dizem quando um deles registra O projeto mudou o meu jeito de ler Antes eu lia por ler agora eu interpreto Os limites da sequência expandida Tendo em vista que a sequência básica está naturalmente inserida na sequência expandida cabe ao professor de literatura estabelecer até onde pode ir com seus alunos quais os passos que seguirá dentro da nova sequência Esse alerta é importante porque não se pretende estabelecer um caminho único que vá de uma a outra sequência Ao contrário desejamos que o professor perceba que entre as duas outras tantas sequências podem ser criadas havendo mesmo a possibilidade de se extrapolar a sequência expandida Neste livro estamos nos restringindo a apresentar a sequência expandida tal como a temos praticado e ensinado em nossas aulas Temos certeza porém de que o professor interessado no método saberá encontrar nessa orientação geral o seu caminho para um letramento literário adequado aos seus alunos e à sua escola Em nossa experiência a sequência expandida ocupa um tempo razoável de nossos alunos e por isso costuma ter como limite quatro leituras plenas durante o ano sendo uma por bimestre Por concentrar em quatro obras principais o trabalho de leitura literária há professores que se preocupam se tal procedimento não impedirá o aluno de entrar em contato com um número maior de obras literárias A resposta mais rápida consiste em opor quantidade à qualidade da leitura De fato ao percorrer todos os passos da sequência expandida o aluno realiza uma leitura aprofundada da obra literária que dificilmente seria alcançada se o professor privilegiasse a leitura de um número maior de obras Todavia isso não é tudo É importante que o professor também tenha em mente que seu propósito é promover o letramento literário mostrando ao seu aluno um caminho de leitura que poderá ser transposto para tantos outros textos que ele venha a ler mais tarde ou julgar necessário Mais importante que a simples oposição entre quantidade e qualidade é a competência de leitura que o aluno desenvolve dentro do campo literário levandoo a aprimorar a capacidade de interpretar e a sensibilidade de ler em um texto a tecedura da cultura É essa competência que se objetiva no letramento literário Outra questão é a concentração no cânone Temos dado preferência aos clássicos em nossas sequências expandidas e os professores sempre nos questionam se com isso não estaríamos reforçando o cânone sem fazer o necessário questionamento dele Muitos professores tomam essa preferência como consequência dos procedimentos metodológicos Afinal os autores já canonizados possuem amplo material crítico e sem dúvida essa variedade facilita o trabalho a ser realizado tanto pelo professor no momento do planejamento da sequência quanto pelo aluno na busca de informações sobre outras leituras da obra selecionada para estudo Não obstante reconhecermos essa facilidade nossa preferência está ligada a uma posição clara sobre o lugar do letramento literário na escola Sem entrar nas polêmicas que inevitavelmente envolvem a questão do cânone e do mercado editorial acreditamos que como já buscamos demonstrar em outro lugar2 é papel do professor não ignorar os processos de canonização e de escolarização que a literatura enfrenta para se transformar em herança cultural Os interesses e os critérios que norteiam as seleções feitas pela crítica pelo mercado e outros agentes de canonização devem ser explícitos e discutidos com os alunos Todavia para além dessa discussão é preciso que o professor tenha em mente que um dos objetivos do letramento literário na escola é formar uma comunidade de leitores Esses leitores não devem ser meros consumidores da cultura quer como tradição quer como contemporaneidade mas sim membros de uma comunidade que se apropriam da sua herança cultural e com ela dialogam Em outras palavras precisam saber abordar os textos literários segundo seus interesses dentro e a partir da sua comunidade cultural Nossa posição portanto é que a seleção dos textos para serem ensinados e aprendidos como herança cultural não pode prescindir da tradição uma vez que é essa tradição que diz ao leitor que ele é parte de uma comunidade e é para fazêlo reconhecerse como agente dentro dessa comunidade que a literatura existe na escola Com isso não estamos defendendo obviamente que os textos contemporâneos ou nãocanônicos devam ser deixados de lado mas sim que precisam ser trabalhados dentro da perspectiva da formação de um leitor cultural Também cabe ao professor resistir à tentação de fazer seu planejamento determinar o interesse de seus alunos A experiência literária está sempre aberta ao imprevisto e muitas são as possibilidades que o texto literário oferece ao leitor Por isso o planejamento da sequência certamente será alterado se o interesse dos alunos for em outra direção O que importa manter é o objetivo de proporcionar ao aluno o conhecimento da literatura que só pode ser feito antes de qualquer coisa pela leitura do texto literário Do mesmo modo essa leitura não pode ser feita de maneira aleatória mas sim dentro de um processo de aprendizagem que é dever da escola proporcionar Ao professor cabe encontrar o delicado equilíbrio entre os interesses da fruição pessoal e as necessidades da escolarização do literário Igualmente já na sequência básica mas sobretudo na sequência expandida há várias tarefas de escrita Na verdade o que se pretende é que a escrita esteja sempre acompanhando a leitura Em primeiro lugar tratase de uma questão de registro que é a função primordial da escrita em nossa sociedade Depois o registro do processo de leitura permite que a cada fase o aluno repense e revise seus pressupostos anteriores É assim que as primeiras impressões de leitura ganham densidade e o letramento literário se efetiva tanto em relação a uma obra uma vez que ela é lida com intensidade pelo aluno e pela turma quanto pela ampliação da capacidade de ler textos literários na medida em que a consulta a procedimentos e resultados registrados em relação a uma obra serve de base para as leituras posteriores Para os professores das últimas séries do ensino fundamental o uso da sequência expandida ao lado da sequência básica temse constituído em um exercício de crescimento do leitor e de aprofundamento da leitura de determinadas obras Porém os professores das primeiras séries costumam indagar se o uso da sequência expandida não seria inadequado para alunos tão pequenos Nossa resposta é que não há limites no uso das sequências isto é tanto a sequência básica pode ser usada no último ano do ensino médio quanto a sequência expandida no primeiro ano do ensino fundamental Está claro que os objetivos e os procedimentos do uso das sequências precisam ser ajustados a cada turma e a cada obra Um de meus alunos professor de 1ª série do ensino fundamental iniciou uma sequência expandida já no primeiro mês de aula O planejamento apresentou algumas dificuldades porque os alunos estavam descobrindo a escrita e a alfabetização era a grande preocupação de toda a escola Por isso grande parte das atividades foi feita coletivamente pela turma e os registros alternavamse entre representações gráficas feitas pelos alunos desenhos ou símbolos gravações em fita cassete e escrita do professor uma parte mínima A leitura do texto após a motivação e a apresentação foi feita pelo professor com a ajuda dos alunos que acompanhavam o deciframento da escrita pelas ilustrações Esse foi um momento de muitas questões e a leitura foi efetuada em duas etapas uma primeira em que a cada página se fazia uma compreensão visual ao lado do deciframento do texto e uma segunda em que o professor retomou o livro e o leu com a turma toda em silêncio acompanhando a passagem das páginas A primeira interpretação deuse por meio da discussão do texto com cada aluno manifestando sua opinião sobre a história sobre um trecho ou sobre as ilustrações Essa fase foi gravada e parcialmente transcrita pelo professor para uso nas duas fases posteriores De imediato a gravação serviu para que a turma fosse dividida em pequenos grupos de acordo com o interesse demonstrado na primeira interpretação Esses grupos realizaram a contextualização por meio de recortes de revistas A tarefa foi selecionar uma imagem que estivesse relacionada à história lida A segunda interpretação consistiu em dois movimentos Primeiro um pequeno grupo se uniu a outro que apresentava maior afinidade e compartilharam seus recortes e suas explicações Depois esses grupos maiores apresentaram para a turma suas conclusões e o professor as comparava com a transcrição da primeira interpretação para ajudar na discussão O registro dessa atividade resultou em um grande mural na parede do fundo da sala de aula no qual todos os recortes foram colados com legendas feitas oralmente pelos alunos e escritas pelo professor Como expansão a turma convidou a bibliotecária da escola para conhecer o mural e a partir dos interesses nele demonstrados ajudar a construir o cantinho de leitura da turma isto é os livros da biblioteca que seriam emprestados aos alunos para serem lidos durante o ano ficariam em uma estante na sala de aula Essa maneira original de constituir o acervo inicial do cantinho da leitura e introduzir o letramento em paralelo ao processo de alfabetização certamente ajudou os alunos a fazer da leitura uma parte de suas atividades escolares mas acima de tudo fez dela uma atividade que envolve prazeres e descobertas uma atividade de ampliação do mundo e dos indivíduos que dele compartilham por meio da escrita Segundo o relato desse professor não houve dificuldades por parte de seus pequenos alunos em seguir os passos da sequência Ao contrário eles responderam com aplicação ao trabalho de leitura ordenado mostrando que se há limites no letramento literário isso se dá mais por força de nossos preconceitos do que pela ausência de capacidade de nossos alunos questionamentos positivos Foram elas que alimentaram por vários anos os nossos estudos do método A cada pergunta uma revisão inteira da proposta era realizada A cada resposta um passo a mais era dado na construção do método No próximo capítulo analisaremos uma das questões mais delicadas do ensino de literatura a avaliação Para concluir este vamos deixar registrado o depoimento de uma aluna após a leitura de O cortiço São palavras generosas que recebemos via email e que nos incentivaram a perseverar na confecção deste livro Fiquei pensando como poderia descrever em poucas palavras a experiência que passei lendo o livro O cortiço com o método que você criou Em poucas palavras e na verdade o que eu fiquei pensando foi justamente em descrever desse modo digo que fui alfabetizada novamente Durante o trabalho realizado foi feita uma leitura da obra que eu nem sabia que era possível e a sensação foi essa eu estava sendo alfabetizada Notas ¹ Apenas para auxiliar o leitor na compreensão plena das considerações entretecidas neste capítulo apresentamos a seguir uma síntese do romance de Aluísio Azevedo O cortiço tem como personagem central João Romão português muito ambicioso que não mede sacrifícios pessoais nem possui quaisquer escrúpulos morais na luta pela ascensão econômica e social Seja economizando em roupas e alimentação seja ludibriando os outros João Romão consegue comprar o estabelecimento comercial do qual era empregado em um subúrbio carioca O próximo passo é o amasiamento com uma escrava Bertoleza da qual aproveita os serviços na venda e as economias falsificando uma carta de alforria É assim que ele consegue comprar um terreno e iniciar a construção de pequenas e amontoadas casas para aluguel as quais se expandem continuamente até chegar a um grande cortiço denominado São Romão No cortiço habita uma pletora de tipos populares cujo comportamento é descrito pelo narrador em termos zoológicos Nessas caracterizações destacamse os diferentes aspectos da sexualidade humana que aliados às condições do ambiente em uma perspectiva determinista levam as personagens à degradação ou mesmo à morte É o caso do triângulo amoroso representado por Rita Baiana a mulata fogosa brasileira Jerônimo o português trabalhador e Firmo o malandro capoeirista Apesar de casado e com filha o português é conquistado pela sensualidade de Rita a quem disputa com Firmo Na primeira refrega ele é ferido a navalha por Firmo Na segunda Jerônimo mata Firmo a pauladas em uma emboscada A convivência com Rita entretanto transformase em perdição e Jerônimo abrasileirado pela mulata abandona o trabalho tornandose vagabundo e alcoólatra O mesmo destino tem Piedade a esposa abandonada do português Outro exemplo é Pombinha moça afilhada da prostituta Léonie Ela é noiva de João da Costa mas o casamento precisa aguardar a primeira menstruação de Pombinha para se concretizar A espera é longa e é compartilhada por todo o cortiço A menstruação chega quando Léonie inicia sexualmente a afilhada Pombinha termina se casando com o noivo prometido mas logo abandona o marido e adota a mesma profissão da madrinha O cortiço ainda está em processo de expansão quando no terreno ao lado vem morar Miranda rico comerciante português Este tem em casa mulher filha agregado e um estudante de Medicina As relações entre eles são igualmente degradadas A mulher trai o marido com os caseiros e afastada da loja com a nova moradia passa a trairlo com o estudante Miranda sabe das traições da esposa mas finge ignorar a situação pelo bem das aparências Ele também não gosta da vizinhança popular mas não consegue remover o vizinho inconveniente que prospera cada vez mais aproveitandose das mais diversas circunstâncias para ampliar seu patrimônio a exemplo do seguro de um incêndio e do roubo das economias de um de seus locatários O sucesso financeiro de João Romão o leva a ambicionar uma posição na sociedade Para tanto começa a cortejar a filha do vizinho no que é auxiliado pelo agregado parasita Abrese assim uma negociação em que Miranda entra com a nobreza já consolidada e João Romão com o dinheiro para manter os negócios do comerciante O acordo avança satisfatoriamente para os dois lados mas há o problema Bertoleza Para resolvêlo João Romão não hesita em entregála aos herdeiros de seu antigo dono No momento em que a polícia chega para prendêla Bertoleza suicidase cortando o ventre com uma faca de cozinha Nesse mesmo instante João Romão recebe de uma comissão abolicionista o título de sócio benemérito ² Rildo Cosson Entre o cânone e o marcado a indicação de textos na escola em Graça Paulino e Rildo Cosson org Leitura literária a mediação escolar Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2004 que prospera cada vez mais aproveitandose das mais diversas circunstâncias para ampliar seu patrimônio a exemplo do seguro de um incêndio e do roubo das economias de um de seus locatários O sucesso financeiro de João Romão o leva a ambicionar uma posição na sociedade Para tanto começa a cortejar a filha do vizinho no que é auxiliado pelo agregado parasita Abrese assim uma negociação em que Miranda entra com a nobreza já consolidada e João Romão com o dinheiro para manter os negócios do comerciante O acordo avança satisfatoriamente para os dois lados mas há o problema Bertoleza Para resolvêlo João Romão não hesita em entregála aos herdeiros de seu antigo dono No momento em que a polícia chega para prendêla Bertoleza suicidase cortando o ventre com uma faca de cozinha Nesse mesmo instante João Romão recebe de uma comissão abolicionista o título de sócio benemérito ² Rildo Cosson Entre o cânone e o marcado a indicação de textos na escola em Graça Paulino e Rildo Cosson org Leitura literária a mediação escolar Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2004 A avaliação O tipo de avaliação literária consistente com a pedagogia de transformação individual e social deve ser a extensão coerente dos objetivos e métodos prescritos para a implementação de metas objetivas Se a literatura na escola é acessada através da testagem da compreensão de determinados textos ou no treinar alunos para costurar as anotações ditadas pelos professores na turma a resposta literária estará cada vez mais distante de se tornar responsabilidade literária Cyana LeahyDios Educação literária como metáfora social 2000 É difícil encontrar um professor que não tenha ouvido falar do caráter pontual das avaliações feitas exclusivamente por meio de testes da necessidade de realizar uma avaliação do processo e outros preceitos contemporâneos que cercam o trabalho de avaliação escolar De certa forma podese dizer que há um consenso teórico sobre a avaliação como um diagnóstico da aprendizagem e das condições em que ela se realiza As várias atividades de avaliação são índices que permitem a análise do desempenho do aluno mas também do professor e da escola Esses índices devem ser recolhidos ao longo do processo a fim de que possam cumprir essa função diagnóstica ou seja quando analisados criticamente permitem que se corrijam ou confirmem procedimentos e se identifiquem necessidades que estão ou deveriam ser atendidas para se atingir os objetivos Isso não impede a realização de uma avaliação ao final do processo que oferece aos participantes uma necessária visão geral dos resultados alcançados mas retira sua antiga posição central Do mesmo modo a autoavaliação passa a ser um mecanismo legítimo de registro e controle do ensino e da aprendizagem desde que concebida como uma reflexão que o aluno faz de sua aprendizagem tanto em termos daquilo que já aprendeu e como aprendeu quanto daquilo que não aprendeu e por que não aprendeu Cabe ao professor oferecer aos alunos os instrumentos qualitativos e quantitativos da avaliação mas a condução do processo não pode mais ser unidirecional antes deve ser compartilhada para que possa ser efetiva Na área do ensino de língua materna essas novas concepções de avaliação são articuladas com os novos paradigmas de ensino na área como se observa no caso da produção dos textos Em relação a essa prática de linguagem demandase a eliminação das chamadas situações artificiais de interlocução devendose buscar interlocutores efetivos na escrita e a reescritura de textos Também é rejeitada a excessiva preocupação com a ortografia e a forma do texto em detrimento do registro daquilo que o aluno deseja dizer Não é conveniente que a produção escrita seja um mero pretexto para a correção da norma culta mas sim um espaço de interlocução de cujas informações aluno e professor podem se apropriar para verificar a eficácia do uso da linguagem Os avanços dos pressupostos e das práticas de avaliação percebidos no ensino da língua não se refletem do mesmo modo no ensino de literatura Na verdade como nas aulas de literatura o aluno ainda não é tratado como sujeito mas sim como mero receptor do conteúdo texto ou das informações do professor o processo de avaliação tende a acompanhar essa orientação Não surpreende portanto que uma das grandes preocupações seja a comprovação da leitura realizada com perguntas que visam identificar dados textuais como o nome tal e o que ela faz após isso ou aquilo Quando na última pergunta do questionário de leitura se pede a posição do aluno ela é tratada como uma opinião de visita ilustre que não se deve contrariar ou seja qualquer coisa que for dita deve ser aceita já que a resposta é livre Esse desprezo pela leitura literária do aluno é diametralmente oposto à valorização da leitura do professor do livro didático ou do crítico literário Donos das informações tomadas como fatos e não ferramentas que os ajudam a dar sentido a suas leituras esses agentes do saber literário transformam os alunos em espectadores silenciosos e apáticos do exercício mágico de interpretação do texto e demandam como avaliação a simples reprodução da voz professoral em geral por meio de testes ou resumos que só comprovam o grau da memória dos alunos Todavia não é apenas o descentramento do aluno de quem se rouba o papel de agente da leitura literária que impede um processo de avaliação mais atualizado Por trás dessa prática descentralizadora permanece a concepção de que literatura é uma arte que não se ensina logo não pode ser avaliada A leitura literária nessa concepção é algo tão fugidio e frágil que qualquer tentativa de aprisionála em testes ou notas terminará por afastar o leitor do texto Desse modo cabe ao professor aceitar como válidas as impressões de leitura dos alunos sem maiores questionamentos porque elas são o único produto legítimo do sentimento inefável que une a obra e o leitor Para romper com essas práticas e concepções que pouco têm a ver com o letramento literário propomos antes de qualquer coisa que o professor tome a literatura como uma experiência e não um conteúdo a ser avaliado Desse modo é a leitura literária feita pelo aluno que está no centro do processo de ensino e aprendizagem devendo a avaliação buscar registrar seus avanços para ampliálos e suas dificuldades para superálas O professor não deve procurar pelas respostas certas mas sim pela interpretação a que o aluno chegou como ele pensou aquilo O objetivo maior da avaliação é engajar o estudante na leitura literária e dividir esse engajamento com o professor e os colegas a comunidade de leitores Com isso não se está endossando o impressionismo observado acima Ao contrário a leitura do aluno deve ser discutida questionada e analisada devendo apresentar coerência com o texto e a experiência de leitura da turma Só assim se poderá aprofundar os sentidos que se construiu para aquela obra e fortalecer o processo de letramento literário individual e de toda a turma Tendo a construção de uma comunidade de leitores como objetivo maior do letramento literário na escola nossa proposta favorece a explicitação da avaliação em diferentes momentos do processo de leitura A sequência básica traz três grandes pontos de apoio para a avaliação da leitura literária O primeiro deles está nos intervalos que acompanham a leitura da obra São momentos de checagem do andamento da leitura que ajudam o professor e os alunos a compartilhar suas impressões iniciais e no caso de obras mais longas rever as hipóteses lançadas na introdução Aqui não se pode esquecer que todo início de leitura é necessariamente subjetivo e impressionista Se o professor conduz o aluno nesses primeiros passos sem censurálo e reconhecendo sua leitura como própria buscando aprofundar essas primeiras impressões então terá melhores resultados O segundo e o terceiro pontos de apoio estão muito próximos são a discussão e o registro da interpretação Na discussão é possível que se façam as correções da leitura entendendose que essa correção é apenas um momento da avaliação aquele que aponta um caminho a ser seguido após um diagnóstico do percurso percorrido e a ser percorrido para se atingir determinado objetivo Já o registro da interpretação após a discussão permite verificar o balanço final ou seja se o objetivo da leitura foi alcançado Usualmente o professor reserva esse produto para receber uma nota mas é importante que essa nota reflita o processo de leitura como um todo e não apenas seu resultado final Em relação à sequência expandida além daqueles já destacados na sequência básica o processo de avaliação tem mais três pontos de apoio Os dois primeiros acontecem na segunda interpretação que funciona do mesmo modo que na primeira O terceiro localizase no registro da expansão Há entretanto uma diferença importante no que diz respeito às etapas do processo de letramento literário Na segunda interpretação e na expansão os alunos devem necessariamente incorporar o que já foi realizado antes Com isso demandase maior atenção para a concatenação entre as fases da leitura devendo haver coerência entre elas ou pelo menos uma justificativa da mudança de rota feita pelo aluno Também devem demonstrar o desejado aprofundamento da leitura daquela obra Esses pontos de apoio do processo de avaliação se fazem basicamente por meio de registros escritos e discussões Por tradição a escola privilegia o escrito que é sua língua de registro no entanto é conveniente que o professor se preocupe de modo preferencial com o conteúdo da resposta em lugar de sua forma Isso não quer dizer que a forma não importa mas sim que a despeito da segurança que o registro escrito possa apresentar para o professor ele nem sempre poderá ser o mais adequado para a avaliação da atividade Da mesma maneira é preciso explorar a variedade de gêneros em que o registro escrito pode ser efetivado pelo aluno Para além do ensaio e da resenha há o diário de leitura o relatório o diálogo e tantas outras formas de registro escrito como o professor pode verificar em nosso anexo As discussões são uma questão mais delicada na escola Para alguns educadores envolver os alunos em debates é um desperdício do tempo escolar que deveria ser dedicado à leitura e à escrita ou ao verdadeiro aprendizado ou seja aquele emanado da exposição do professor Argumentase também que o barulho e a dispersão que acompanham algumas discussões demonstram que seu uso em sala de aula implica mais perdas do que ganhos de aprendizagem Dentro do processo de letramento literário consideramos que o investimento em atividades como debates exposições orais e outras formas de linguagem oral em sala de aula são fundamentais ou seja a discussão é uma atividade tão importante quanto aquelas centradas na leitura e na escrita Reconhecemos entretanto que comumente falta às discussões sobre a leitura de textos em sala de aula a autenticidade das verdadeiras discussões Por um lado o professor libera os alunos para conversar sobre o livro sem objetivo ou orientação especificada O resultado é que eles tendem a se perder em temas paralelos ou simplesmente resumem o texto ou o descrevem segundo impressões particulares sem que se verifique nenhum trabalho de análise Por outro o professor controla a discussão de tal maneira que se assemelha a um interrogatório com indagações aos alunos sobre aquilo que acredita ser o mais importante na leitura da obra Aos alunos resta responder a essas perguntas tentando adivinhar o que o professor deseja ouvir Para evitar esses extremos a discussão precisa recuperar sua autenticidade ou seja deve trazer perguntas de quem tem dúvidas e respostas de quem acredita saber a resposta Para tanto é importante que o professor atue como um moderador e não o catalisador da discussão evitando dar a primeira e a última palavra sobre a obra Seu papel é coordenar a discussão e ajudar os alunos a sintetizar seus resultados essa última atividade aliás deve preferencialmente ser feita de maneira coletiva com a participação de todos os alunos Daí a importância de as discussões serem iniciadas em pequenos grupos para que os estudantes ajustem suas leituras e tragam para a turma os pontos convergentes e divergentes de maneira mais consolidada Nada impede também que as discussões sejam combinadas com o registro escrito com o professor reservando momentos específicos para sua realização Por fim se estamos criando um espaço no qual os alunos estão lendo literatura com objetivo precisamos resistir à tentação de avaliar a performance do aluno a cada momento ou valorizar com pontos cada atividade realizada Na verdade devemos ter sempre em mente que a leitura literária é um processo que vai se aprofundando à medida que ampliamos nosso repertório de leitura e a avaliação deve acompanhar esse processo sem lhe impor constrangimentos e empecilhos Da mesma forma a avaliação não pode ser um instrumento de imposição da interpretação do professor antes deve ser um espaço de negociação de interpretações diferentes São essas negociações que conduzem à ultrapassagem das impressões iniciais individuais e configuram o coletivo da comunidade de leitores novo porque a ideia não era dele ou temia perturbar quem estava acima na cadeia do poder Alguém que por desconhecimento ou culto da ignorância ou simplesmente por arrogância acreditava que o novo era apenas outro nome para aquilo que já havia sido feito antes Neste livro buscamos responder às demandas de professores e alunos por um ensino significativo de literatura A proposta que foi delineada nos pressupostos e nas práticas ao longo dos capítulos tem como centro a formação de um leitor cuja competência ultrapasse a mera decodificação dos textos de um leitor que se apropria de forma autônoma das obras e do próprio processo da leitura de um leitor literário enfim Ser leitor de literatura na escola é mais do que fruir um livro de ficção ou se deliciar com as palavras exatas da poesia É também posicionarse diante da obra literária identificando e questionando protocolos de leitura afirmando ou retificando valores culturais elaborando e expandindo sentidos Esse aprendizado crítico da leitura literária que não se faz sem o encontro pessoal com o texto enquanto princípio de toda experiência estética é o que temos denominado aqui de letramento literário Construída com a solidariedade de muitos alunos e colegas nossa proposta de letramento literário mostra o caminho que percorremos para fazer da literatura na escola aquilo que ela é também fora dela uma experiência única de escrever e ler o mundo e a nós mesmos Os professores e os alunos que desejarem compartilhar esse caminho talvez descubram que a prática do letramento literário é como a invenção da roda Ela precisa ser inventada e reinventada em cada escola em cada turma em cada aula Nessa reinvenção contínua do mesmo que não se faz sem oposição como na fábula o ensino de literatura passa a ser o processo de formação de um leitor capaz de dialogar no tempo e o no espaço com sua cultura identificando adaptando ou construindo um lugar para si mesmo Um leitor que se reconhece como membro ativo de uma comunidade de leitores 57 Oficinas As atividades que serão apresentadas a seguir realizaramse em grande parte em sala de aula nas mais diversas circunstâncias Algumas foram adaptadas e outras copiadas integralmente de livros ou de experiências relatadas Não houve de nossa parte preocupação em identificar as fontes que podem ser consultadas na bibliografia sobretudo nos livros que tratam de oficinas Aliás nós adotamos a denominação de oficinas porque desejamos enfatizar o caráter de atividade prática de algo que requer a ação dos alunos e não a simples exposição do professor mas não há compromisso com as teorias sobre criatividade nas quais as oficinas usualmente se inserem Para nós o importante é que o professor perceba que essas atividades são possibilidades que só adquirem força educacional quando inseridas em um objetivo claro sobre o que ensinar e por que ensinar desta ou daquela maneira isto é elas devem estar integradas em um todo significativo no nosso caso a sequência básica ou a expandida ou outra criada pelo professor Sem uma direção teórica e metodológica estabelecida podem até entreter os alunos e divertelos mas certamente não apresentarão a efetividade esperada de uma estratégia educacional É por isso que as tomamos como indicações para que o professor de acordo com sua perspectiva de letramento literário desenvolva suas aulas São assim esboços de um desenho que só se concretiza no fazer cotidiano da aula Que essas estratégias sirvam de inspiração para novas e tantas outras formas de desenvolver a competência de ler na escola 58 As reinvenções da roda Conclusão Em um tempo remoto quando os homens começaram a se agrupar em busca de auxílio mútuo para garantir a sobrevivência de todos uma única família poderia ser uma aldeia Nessas famílias os homens empenhavamse na captura de animais e na colheita de frutos que podiam ser transformados em alimento Além de facilitar a busca e a obtenção de mais alimentos para o grupo as aldeias feitas de família favoreciam a defesa comum contra os ataques dos animais e o enfrentamento das intempéries de uma natureza pouco compreendida Todavia quando a família conseguia ultrapassar as adversidades imediatas o crescimento natural da aldeia significava usualmente sua morte Logo os animais desapareciam da região e as árvores e os arbustos jaziam sem frutos Restava aos homens às mulheres e às crianças partirem para outro local deixando ali boa parte do que haviam construído já que não havia como transportar os resultados de seus esforços para longe Eis que um dia quando toda a aldeia se preparava para partir um filho se aproximou do pai para aconselharse Na noite anterior após lamentar o que perdia por causa da partida imaginou que se colocasse um tronco embaixo de um grande fardo de peles poderia transportar muito mais do que o pouco que conseguiam arrastar ou levar preso às costas O fardo se moveria mais facilmente e ocuparia poucos homens permitindo que outros providenciassem alimento e proteção ao longo da jornada Nem bem ele acabara de falar o pai experiente já recusava a sugestão Para ele aquilo não iria dar certo As peles poderiam se soltar quando começasse o movimento o tronco poderia deslizar e esmagar os homens que o puxavam e daí por diante Em suma era tudo muito complexo para ser colocado em prática O melhor era continuar do jeito que estavam Muitas estações vieram e muitas aldeias desapareceram Algumas entretanto conseguiram permanecer Favorecidos pela proximidade de uma corrente de água os homens não mais apenas caçavam e colhiam o que encontravam nos arredores de seus acampamentos Eles buscavam domesticar a natureza criando animais e disseminando grãos pela terra para mais tarde recuperálos multiplicados Com isso as aldeias cresceram e permitiram que diversas famílias se agrupassem Para governar a aldeia já não bastava o pai comum Agora os destinos da aldeia passaram a ser entregues aos pais mais velhos que constituíam o conselho de anciãos Em uma dessas aldeias o conselho de anciãos determinou que se construísse uma muralha para proteger os habitantes de vizinhos belicosos e de animais selvagens que os atacavam aproveitandose da escuridão da noite Para essa construção faziase necessário arrastar grandes blocos de pedra que destruíam tudo na sua passagem inclusive a vida daqueles que os arrastavam Foi por isso que um dos chefes dos transportadores imaginou que se colocasse o bloco de pedra sobre dois troncos ficaria mais fácil guiar o transporte além de agilizar o trabalho Quando levou a ideia ao conselho os anciões explicaram que todas as construções da aldeia haviam sido feitas do mesmo modo Aquela era a maneira segura que todos conheciam não valia a pena correr o risco das inovações Eles sempre fizeram assim e haviam chegado à velhice os jovens deviam fazer o mesmo Muitos sóis e muitas luas se passaram As aldeias cresceram e se multiplicaram Algumas delas ganharam importância por ser o lugar onde os produtos eram armazenados ou concentravam as operações de troca entre as aldeias próximas Nessas grandes aldeias tudo era regido por uma casta de homens que mantinham estreitas relações com os deuses Eram eles que diziam quando plantar quando colher quando os deuses estavam em fúria ou em paz com os homens Certo dia um noviço dessa casta de reguladores sociais aproximouse de seu superior e revelou que havia descoberto uma forma de facilitar o transporte dos grãos das aldeias vizinhas para serem guardados na grande aldeia Ele havia observado que ao se arrastar os fardos de grãos entre uma e outra aldeia se perdia uma enorme quantidade pelo rompimento dos fardos Desse modo seria conveniente que se colocasse os fardos sobre uma plataforma encaixandoa sobre dois troncos roliços Os fardos ficariam protegidos e os grãos não se perderiam Atribuía aquela ideia a uma inspiração divina uma vez que as extremidades em círculo apontavam as formas perfeitas do deus sol e da deusa lua O superior mal ouviu o noviço Com autoridade daqueles que têm um contato mais próximo com o alto e o desconhecido explicou que essa inspiração nada tinha de divina Na verdade deveria prover de algum espírito maligno e deveria ter como objetivo ofender os deuses Se fosse realmente de origem divina teria ocorrido a um superior e não a um simples noviço Determinou portanto que ele calasse seus pensamentos para evitar que o espírito indesejado se manifestasse outra vez ocupasse o corpo e a mente apenas com orações como faziam todos os outros noviços Os homens nasceram e morreram As aldeias cresceram e se fortificaram Os habitantes de uma aldeia passaram a combater os de outra em busca do domínio que trazia riquezas Os homens adotaram a guerra e a escravidão como modo de vida As aldeias maiores e mais fortes eram agora governadas por um único homem que se dizia rei Foi em uma dessas aldeias grandes e fortificadas agora chamadas reinos que um jovem conselheiro se aproximou do rei para lhe apresentar o que chamava de Transporte Divino Tratavase de uma pequena caixa colocada sobre um tronco fino cujas extremidades eram guarnecidas com duas bolas achatadas que fariam a caixa se mover Para o movimento a caixa deveria ser atada a um animal forte e veloz O rei achou a ideia interessante e chamou os outros conselheiros para que se pronunciassem O jovem conselheiro aguardou com ansiedade a decisão de seus pares Quando finalmente após cuidadoso exame do projeto o mais velho dos conselheiros falou sentiu grande decepção Com a condescendência típica dos que acreditam saber bem mais do que os outros o conselheiro mais velho informou ao rei que isso já fora feito antes só que com outro nome Tantas vezes fora feito tantos diferentes nomes foram empregados mas em nenhuma das ocasiões havia funcionado A força dos deuses estava no rei e não em um objeto criado pelos homens Houve porém uma aldeia pequena uma aldeia grande e um reino em que um homem deu forma a suas inquietações outro a seus sonhos e outro a suas descobertas Foi assim que a roda foi inventada e reinventada Porém se a roda foi inventada e reinventada em tantas sociedades é porque sempre houve alguém que acreditou no novo na possibilidade de fazer diferente Se a roda não foi inventada ou reinventada em algumas sociedades é porque sempre houve alguém que pensou que não daria certo porque era demasiado complexo Alguém que não aceitava tentar o novo porque sempre fora feito daquela maneira e funcionava Alguém que não aceitava o SOBRE O ENSINO DE LITERATURA ALGUMAS PERSPECTIVAS Profa Dra Moama Marques UFPB Campus IV Comecemos nossas discussões fazendo referência a um discurso ainda insistentemente propagado tanto no meio acadêmico quanto na realidade cotidiana das escolas o discurso sobre o fracasso da formação literária dos alunos ainda que há mais de quatro décadas segundo o professor José Helder Pinheiro 2013 tenha surgido no Brasil reflexões pesquisas e ensaios preocupados em apontar alternativas Eventos científicos como o Congresso de Leitura COLE realizado bianualmente na UNICAMP e o Encontro Nacional de Literatura Infantojuvenil e Ensino ENLIJE da UFCG que também acontece a cada dois anos além de várias revistas especializadas e linhas de pesquisa em diversos programas país afora são exemplos palpáveis da importância das discussões que envolvem literatura e ensino Essas reflexões e pesquisas abordam aspectos vários metodologias relações hierárquicas acesso às obras formação das bibliotecas ausência de políticas públicas eficientes entre outros todos ao nosso ver essenciais para se repensar os problemas e alternativas com vistas a gerar nas palavras de Magda Soares 2003 uma adequada escolarização da leitura literária Elas também apontam um desconforto com o ensino tradicional de literatura em todos os âmbitos desde o ensino fundamental até o superior A começar por este grande parte das matrizes curriculares ainda é organizada a partir de uma perspectiva historiográfica e com pouca disposição seja pela constituição de suas ementas eou por uma opção doa docente para realizar uma ponte com o ensino fundamental e médio para se discutir o ensino de literatura Como nos chama a atenção Hélder Pinheiro 2013 no mesmo texto citado logo acima um texto de apresentação de um número da revista da ABRALIC sobre o ensino de literatura este ainda enfrenta o problema na academia do preconceito de alguns professorespesquisadores que o consideram de importância menor se comparado às pesquisas de foco mais teóricocrítico voltadas para aspectos que constituem a literariedade Dessa forma os cursistas muitos deles já atuando como professores em salas de aula de escolas públicas e privadas encontram pouco espaço para dialogar sobre a prática limitandose às discussões de ordem teórica sobre a literatura Já no que se refere à formação do leitor do ensino fundamental e médio uma questão primeira que parece ser central na validação da escolarização da literatura na sua recepção é a que gira em torno das funções da literatura é a que tenta responder à questão Para que ler literatura Ainda na mesma revista onde lemos o texto do professor Helder Pinheiro um outro que discute essa questão central aqui apontada mostra um exemplo interessante encontrando nas redes sociais a grande quantidade de comunidades e páginas com discursos de ódio pela literatura Em uma delas do antigo Orkut Eu odeio literatura uma das postagens mais comentadas era justamente a que indagava Para que serve a literatura na nossa vida A maioria das respostas eram variações em torno de um Para nada respostas estas que alertam para alimentar a insistência do discurso citado por nós no início deste texto o do fracasso do ensino da literatura no contexto brasileiro A partir dessa indagação que consideramos crucial nos propomos aqui de maneira introdutória a refletir sobre os problemas as alternativas e os desafios do ensino da literatura na atualidade Para tanto abordaremos questões tais como as formas de apropriação da literatura pelo sistema escolar ao longo dos tempos as funções da literatura enfatizando sua função humanizadora bem como a relação da arte com a expectativa social de utilidade as mudanças trazidas pelos documentos oficiais como os PCN e as OCEM e novas abordagens que já estão sendo postas em prática Em primeiro lugar valendonos do estudo de Tereza Colomer 2007 sobre as diferentes modalidades pedagógicas que deram suporte ao ensino da literatura destacamos três a que foi motivado pela filosofia humanista a que entrou em vigor em meados do século XIX com a expansão do acesso à escola e aquela operada com o pósguerra especialmente a partir dos anos 70 No primeiro caso a literatura ganha corpo nas instituições pedagógicas da Renascença ligada à Retórica Liase portanto os textos literários como modelos para se aperfeiçoar o discurso o exercício da persuasão Depois com a expansão do acesso ao ensino responsável pela disseminação dos valores burgueses utilizase a História da literatura com a missão de fomentar a consciência nacional por meio da seleção cronológica dos textos Até aqui percebemos que se tem uma utilidade discursiva ou patrimonial para a literatura Já no século XX principalmente a partir dos anos 70 com o advento de teorias como a Estética da recepção que coloca em pauta o lugar do leitor na atividade da leitura o objetivo passa a ser a formação do leitor literário por meio do desenvolvimento das competências de interpretação e da compreensão dos elementos constitutivos do texto literário No Brasil a função pedagógica de formação da identidade nacional que vinha se firmando desde a República basta lembrar dos poemas patrióticos e moralistas de Olavo Bilac assume uma nova perspectiva com a democratização do ensino e a chegada de alunos de vários segmentos sociais e referências culturais bem como com as novas tecnologias de comunicação e entretenimento ZILBERMAN 1988 Começase a reivindicação do contato com a diversidade dos gêneros discursivos sob influência das teorias bakhtinianas e a literatura deixa de ser o principal recurso textual para a formação linguística Não sob fortes contestações como as explicitadas pelo escritor Osman Lins 1977 em sua avaliação sobre os livros didáticos da época Para este como para muitos outros perdiase o foco nas particularidades do discurso literário Por outro lado a literatura se consolida como uma disciplina onde se estuda basicamente a história da literatura a partir dos seus estilos de época das principais características destes e da mera citação de autores representativos e de trechos de obras Este modelo vai permanecer em vigor até recentemente quando imperando a emergência dos novos tempos seu caráter globalizante e de revisão da história e dos cânones hegemônicos os documentos oficiais que regem o ensino como os PCN Parâmetros Curriculares Nacionais e as OCEM Orientações curriculares para o Ensino Médio abrem novas perspectivas Com os PCN as bases normativas do ensino da língua são substituídas pela descrição desta e a sua compreensão dentro do quadro da diversidade sociolinguística com o objetivo de produzir textos comunicativos em diferentes esferas E a teoria bakhtiniana dá a base para um ensino da língua a partir da noção central dos gêneros discursivos No que se refere à linguagem literária as orientações para o ensino fundamental cumprem a expectativa trazendo como base o contato com os textosas obras da literatura infantil e infantojuvenil mas deixam muito a desejar nos parâmetros direcionados ao ensino médio Quando todos os grupos terminaram de redigir seus finais voltamos para o segundo momento da leitura isto é solicitamos que um aluno de cada grupo lesse em voz alta o conto com o final alternativo A atividade despertou risos ante alguns finais extravagantes criados pelos grupos e outros tantos protestos a respeito da criatividade dos colegas mas intervimos e pedimos que as observações fossem guardadas para um debate a ser feito depois da leitura do final dado pelo autor Fizemos breve intervalo e retornamos para a leitura do texto integral de Scliar que foi feita por nós encerrando assim o terceiro momento da leitura Em seguida retomamos a interpretação com um debate sobre as diferenças e as semelhanças entre o final dado pelo autor e a produção dos alunos Nesse debate enfatizamos a necessidade de explicitar para os colegas por que se havia decidido por esta ou aquela solução quais os elementos textuais ou vivenciais que tinham encaminhado o final construído pelo grupo E mais uma vez lembramos que o mérito da atividade não estava centrado sobre a proximidade com o final do autor mas sim na coerência que os vários finais trouxeram ao conto Afinal de contas reescrever um final para o conto é um ato interpretativo A sequência básica encerrouse na interpretação Todavia como os professores nos indagaram como inserir essa sequência em sua prática cotidiana discutimos algumas possibilidades de continuidade Uma delas seria solicitar aos alunos que retomassem os textos de classificados e tendo em vista que deveriam se mudar elaborassem um classificado de sua atual residência Outra consistiria em discutir a vida em condomínio com suas vantagens e desvantagens Depois do debate cada aluno deveria escrever um artigo sobre a questão Uma terceira seria uma pesquisa com ou sem entrevista sobre a vida em condomínios para então se realizar o debate e a escrita do artigo previsto anteriormente Uma atividade complementar buscaria na música popular no caso a canção Saudosa maloca de Adoniran Barbosa uma constante entre as representações de moradia Entre as diversas sequências básicas que trabalhamos com nossos alunos os quais uma vez professores trabalharam com os próprios alunos escolhemos esse exemplo para mostrar que a sequência não é algo intocável Dentro dos objetivos do letramento literário na escola é possível misturar como o fizemos a leitura com a interpretação a motivação com a introdução sempre de acordo com as necessidades e características dos alunos do professor e da escola O que não se pode perder de vista é a ideia de conjunto ou de ordenamento necessários em qualquer método No próximo capítulo apresentaremos a sequência expandida na qual se insere naturalmente a sequência básica Questões importantes ficam de fora como a ausência de renovação quanto à metodologia ou às especificidades mediante outras manifestações culturais Tanto que a partir de críticas como as sistematizadas pelo documento Literatura de 2004 elaborado por Enid Frederic e Akira Osakabe o MEC lança como resposta nas Orientações Curriculares para o ensino médio 2006 uma seção chamada Conhecimentos de literatura Pretendendo sanar as falhas apontadas essa seção é justamente aberta pela questão que citamos como crucial o porquê de se ensinar literatura por que se ensinar literatura no ensino médio E a resposta é perpassada pela ideia da literatura como uma experiência estética que permite a humanização em um mundo marcado pela reificação do trabalho social A literatura seria humanizadora um direito humano no sentido defendido por Antonio Candido 1999 no texto da famosa conferência em que é convidado a apresentar a literatura como um direito de todos humanizadora por colocar o leitor em contato com tudo que lhe é mais caro a sua condição humana Candido 1999 nos diz também que assim como no sono precisamos sonhar para manter a nossa saúde mental também precisamos todos os dias entrar em contato com um universo de fabulação cujo instrumento principal é a literatura entendida em amplo sentido tanto a que considerada erudita quanto a popular Mas a literatura também teria um caráter social que possibilita ao indivíduo o reconhecimento da realidade que o cerca quando transposta para o mundo ficcional e mesmo ao contragosto de muitos não exatamente utilitário no sentido positivista que a sociedade cobra mas formador longe de ser um apêndice da instrução moral e cívica ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa como ela CANDIDO 1972 p805 Esclarecida qual a concepção de literatura que deve reger a sua escolarização as OCEM BRASIL 2008 ainda falam sobre a importância da leitura integral das obras e de uma articulação entre atentarse para as especificidades da sua linguagem e apreciála numa perspectiva interdisciplinar com outras linguagens outras manifestações culturais Mas levandose em consideração as funções da literatura se ela é imprescindível por que sua utilidade não se evidencia na escola por que em seu âmbito o discurso do fracasso na formação do leitor persiste E o que a Notas 1 Os Coles exerceram e certamente ainda exercem uma influência considerável em toda uma geração de professores e estudiosos que se preocupam com a leitura Nesses encontros os resultados de pesquisas misturamse a relatos de experiência em uma interação de vozes que dificilmente é ouvida em outro lugar Ao retornar para sua escola o professor tira uma energia renovada e o desafio de fazer da leitura um tema que interesse a todos aqueles que se encontram envolvidos com o trabalho pedagógico Aqui não posso deixar de registrar o impacto que me causaram as palavras de Graça Paulino e Glória Bordini em uma mesaredonda intitulada Leitura Literária no 9º Cole Essas experimentações professores instavam os professores a buscar outras possibilidades de ensino de literatura De certa forma parecia que suas falas traduziam o que muitos de nós que trabalhávamos com ensino de literatura pensávamos dando sentido e unidade a ações dispersas intuitivamente buscadas como alternativa a um ensino centrado quase que exclusivamente na história da literatura Ali se falava de uma abordagem da literatura que enfatizasse a interação humana entre professor e aluno Tomavase o leitor como alguém que é multideterminado pelos sistemas simbólicos Reconheciase que no texto literário para além dos aspectos formais havia um saber cultural Propunhase que a leitura literária deveria olhar o texto mas também o contexto cultural em que ele se inseria já que cada sociedade possui valores que ela vivencia dialeticamente por meio das suas representações simbólicas e a literatura era um espaço privilegiado dessas representações E que a escola deveria reconhecer tudo isso 2 O conto de Scliar conta a história de uma família que temerosa da violência resolve se mudar para um condomínio fechado O narrador é o marido que atribui à mulher o desejo e a decisão da mudança O prospecto anuncia maravilhas que são comprovadas na visita ao local Em breve eles se mudam com outras famílias de classe média Tudo parece perfeito até o dia em que são impedidos de deixar o condomínio pela segurança Eles estavam supostamente sendo atacados por bandidos perigosos Prisioneiros em suas casas são isolados e perdem a comunicação com o exterior Ao final os moradores descobrem que foram vítimas de uma armadilha promovida por uma sofisticada quadrilha de sequestradores partir da emergência dos novos tempos e das orientações dos documentos oficiais está se fazendopodese para mudar esse quadro Primeiramente como nos provoca Hélder Pinheiro 2013 é da prática cotidiana do ensino muitas vezes transformada em pesquisa das diferentes reflexões dos pontos de vista e ideologias às vezes em atrito do que nos ensinou os acertos e erros da história que poderá realmente nascer um caminho renovado E o que essa prática nos tem apontado como alternativas Para responder a essa questão propomos um ensino da literatura que tem como pilares a leitura integral das obras uma perspectiva interdisciplinar que a ponha em contato com outras linguagens artísticas e outras áreas do conhecimento bem como com outros suportes sem perder de vista no entanto as suas especificidades a emergência no contato com as obras de questões provocadas pelos estudos póscoloniais e culturais como a necessidade da revisão histórica da discussão das relações de alteridade e da revisão do cânone Em relação a este esclarecer desde já que abominamos qualquer proposta radical que o exclua mas entendemos como importante chamar a atenção para as questões de poder que o firmaram e ao mesmo tempo em que se continue lendo clássicos das literaturas de língua portuguesa abrase espaço para leituras outras muitas das quais os próprios alunos costumam levar e comentar em sala de aula e nos corredores da escola Também acreditamos como promissoras algumas propostas que já têm sido executadas a exemplo do estudo a partir dos gêneros como o que tem permeado a proposta pedagógica de alguns institutos federais e do estudo por meio de temas caracterizadores e projetos didáticos foco de propostas como as que norteiam obras de profissionais de referência caso de Hélder Pinheiro 2002 Regina Zilberman 2005 e Socorro Barbosa 2014 Analisando o documento com a proposta de trabalho para a disciplina de Língua Portuguesa do Instituto Federal do Rio Grande do Norte por exemplo observamos que as orientações para o estudo da literatura a partir dos mais variados gêneros literários substituem na matriz dos cursos a disposição dos conteúdos em estilos de época No primeiro ano do ensino médio os alunos estudam gêneros como peça de teatro novela e saga no segundo conto crônica mito entre outros sempre havendo o cuidado de se contemplar como fica claro nas orientações as mais variadas épocas estilos e nacionalidades aqui não se esquecendo das literaturas africanas de língua portuguesa e da literatura afrobrasileira de modo a atender à lei 1063903 à necessidade de revisão de um cânone que exclui as obras de países como Angola Moçambique São Tomé Cabo Verde e GuinéBissau obras que pouco a pouco têm entrado no mercado editorial brasileiro Chamase também a atenção para a importância da leitura integral dos textos e das obras bem como para a relação com outras linguagens outras manifestações artísticas como o cinema os quadrinhos a música etc Ao nosso ver um estudo a partir dos gêneros é interessante não apenas porque rompe com a velha e consolidada perspectiva da História da literatura feita a partir da citação das características e do contexto histórico e social de cada estilo de época colocando todas as produção e autores do período em um caldeirão só sem se atentar às especificidades mas também porque oferece ao aluno uma possibilidade de ao mesmo tempo em que se depara com as particularidades de cada gênero se a leitura e a análise das obras obedecer às orientações transitando entre os textos clássicos e os mais contemporâneos passando pelas formas canônicas e não canônicas o aluno entra em contato com a literatura enquanto produto cultural estético e plural Metodologicamente outra alternativa muito interessante e que tem surtido bons resultados o que fica evidente nos relatos de experiência com os quais nos deparamos nas trocas cotidianas e nos congressos é a dos temas caracterizadores e projetos didáticos A dos temas é proposto por exemplo em dois textosreferência sobre o ensino de literatura o de Helder Pinheiro sobre o trabalho com o gênero poético Poesia na sala de aula e o de Regina Zilberman 2005 a respeito do ensino das literaturas de língua portuguesa A ideia sugerida tanto em um quanto em outro é pensar num trabalho com a literatura a partir de temas norteadores Hélder 2002 traça orientações para o ensino especifico da poesia gênero apontado em muitas pesquisas como o menos apreciado e lido tanto pelos alunos quanto pelos professores Zilberman 2005 pensa numa perspectiva mais ampla inclusive sugerindo oito temas que ela considera essenciais e que poderiam ser distribuídos pelos três anos do Ensino Médio temas como Viagens Natureza e Novo Mundo Gênero e Minorias Identidades e Etnias Metalinguagem e Leitura entre outros que possibilitariam aproximar épocas distantes gêneros diversos e linguagens variadas BARBOSA 2013 Ainda sob a perspectiva dos temas caracterizadores Socorro Barbosa 2013 nos chama a atenção para que o trabalho com esses temas seja realizado a partir de projetos didáticos com os textos as sequências didáticas e o produto bem planejados e sempre em diálogo com os próprios alunos não perdendo de vista a avaliação constante dos resultados Para ilustrar melhor essas propostas vamos dar um exemplo a partir do tema Gênero e Minorias Oa professora pode começar em um primeiro momento problematizando a noção de gênero a partir da prova do ENEM 2015 que trazia um trecho da obra O segundo sexo de Simone de Beauvoir e uma proposta de redação voltadas respectivamente para a construção cultural do lugar da mulher na sociedade e para a permanência dos diversos tipos de violência dos quais é alvo Também como alternativa essa mesma discussão poderia ser feita por meio de textos que circulam na mídia e de letras de música Em um segundo momento podese solicitar uma pesquisa sobre a presença da produção de mulheres na literatura brasileira de modo a problematizar as poucas referências encontradas no momento de socialização dos resultados dessa pesquisa Depois a partir de uma seleção previamente feita oa professora poderá ler e analisar produções de diversas épocas escritas por mulheres eou que tragam mulheres como protagonistas Aqui trazemos exemplos vários só para ficarmos na produção em prosa Úrsula Maria Firmina dos Reis O Quinze Raquel de Queiróz As meninas Lygia Fagundes Teles A hora da estrela Clarice Lispector Quarto de despejo Carolina de Jesus Enquanto Deus não está olhando Débora Ferraz Balada de amor ao vento Paulina Chiziane Também podese fazer um diálogo com outras artes trabalhando com a adaptação para o cinema de algumas dessas obras Como produto final que tal uma exposição fixa para a comunidade escolar apresentando um panorama da produção de autoria feminina e fazendo com que se reveja o padrão masculino e branco que a História da literatura nos dá conta Apesar das diferentes perspectivas percebemos que diversos aspectos as unem a saber o rompimento com a tradição de um estudo pautado apenas na história da literatura a ênfase na leitura integral dos textosdas obras a crença nas funções humanizadora e social da literatura que a concebem como um produto cultural e plural sempre em diálogo com outras linguagens e artes mas sem perder de vista a observação das suas especificidades como orientam os documentos oficiais e também em atendimento às emergências de um mundo globalizante e sempre em transformação e à demanda das formulações póscoloniais e dos estudos culturais abrir espaço para novas temas para as literaturas africanas e afrobrasileira para uma revisão do cânone Tendo como objetivo maior a formação de leitores autônomos o que verificamos é o que o ensino da literatura hoje apesar de muitas vezes se deparar com o currículo engessado parte de um sistema educacional pouco aberto a transformações tem buscado alternativas pautadas nas orientações dos documentos oficiais como algumas das que mostramos O mais importante como ressalta o professor Hélder Pinheiro 2013 é estar sempre avaliando nossa prática em sala e buscar construir uma rede nacional de diálogo com outros professores suas experiências articulada junto ao MEC reivindicando inclusive políticas públicas que deem suporte à formação de leitores como aquelas voltadas para o livro e as bibliotecas No entanto a discussão destas é pauta para uma outra oportunidade Por enquanto para aprofundamento das questões aqui levantadas indicamos a leitura do texto Literatura ensino e pesquisa de Hélder Pinheiro 2014 no qual além de apresentar um panorama histórico dos modelos que regeram o ensino da literatura no Brasil disponibiliza ao final dois relatos de experiência bem sucedida com o texto literário em sala de aula um com o conto Corações solitários de Rubem Fonseca em uma turma do terceiro ano do ensino médio e outro com poemas de Manuel Bandeira numa turma de nono ano do ensino fundamental REFERÊNCIAS BARBOSA Socorro Ensinar Literatura através de projetos didáticos e de temas caracterizadores In Ensinar Literatura através de projetos didáticos e de temas caracterizadores 2 Ed João Pessoa UFPB 2014 BRASIL Orientações curriculares para o ensino médio Linguagens códigos e suas tecnologias Brasília MECSEB 2008 CANDIDO Antonio A literatura e a formação do homem In Ciência e cultura São Paulo USP 1972 O direito à Literatura In Vários escritos São Paulo Duas Cidades 1999 COLOMER Tereza Andar entre livros a leitura literária na escola Trad de Laura Sandroni São Paulo Editora Global 2007 FRITZEN Celdo Para que ler literatura formas e limites dos encaminhamentos pedagógicos à questão Revista Brasileira de Literatura Comparada Rio de Janeiro n 22 p 161178 2003 LINS Osman Do ideal e da glória São Paulo Summus 1977 PINHEIRO Helder Poesia na sala de aula 2 ed João Pessoa Bagagem 2002 Apresentação Revista Brasileira de Literatura Comparada Rio de Janeiro n 22 p 161178 2003 Literatura ensino e pesquisa In CAMARGO Flávio Pereira et al org Olhares críticos sobre literatura e ensino São Paulo Fonte Editorial 2014 SOARES Magda A escolarização da literatura infantil e juvenil In EVANGELISTA Aracy Alves Martins BRANDÃO Heliana Maria Brina MACHADO Maria Zélia Versiani organizadoras A escolarização da leitura literária 2ª ed Belo Horizonte Autêntica 2011 ZILBERMAN Regina A universidade brasileira e o ensino das literaturas de língua portuguesa In BORDONI Maria da Glória et al org Crítica do tempo presente Porto Alegre Nova Prova 2005 Contextualização temática A abordagem temática é sem dúvida o modo mais familiar de tratar uma obra para qualquer leitor dentro ou fora da sala de aula De certa forma ela retoma o caminho natural do leitor que sem compromissos com o saber literário comenta com o amigo ou alguém que lhe seja próximo a sua última leitura falando do tema ou dos temas tratados na obra Na escola entretanto como parte do processo de letramento literário a contextualização temática precisa fugir das soluções fáceis e buscar mais rigor na sua execução Em primeiro lugar não pode entreterse apenas com o tema em si mas sim com a repercussão dele dentro da obra Depois é preciso não fugir da obra em favor do tema isto é muitas vezes o estudo daquele tema é tão interessante que a obra fica para trás e o que deveria ser um estudo literário passa a ser um estudo deste ou daquele assunto Isso acontece particularmente com os temas mais polêmicos que entusiasmam os alunos Nesse caso cabe ao professor fazer a delimitação rigorosa do trabalho dedicado ao literário e solicitar o acompanhamento do tema no campo de interesse dos alunos por um docente de outra disciplina Com isso não poderá o desejo dos alunos de avançar na temática despertada pela leitura do texto literário nem incursionará por área que demanda um conhecimento mais específico ou que esteja afastada de seus próprios interesses Em O cortiço temas como a prostituição a condição feminina e o racismo podem suscitar bons debates em sala de aula e gerar uma contextualização temática de alto rendimento na leitura da obra Conforme já indicamos anteriormente a contextualização não se resume a essas sete propostas Na verdade elas podem ser ampliadas divididas e reconfiguradas de acordo com o trabalho a ser realizado Há entretanto algumas orientações que devem ser observadas no que diz respeito à contextualização como etapa do letramento literário A primeira delas é que professor e alunos não podem considerar a contextualização algo externo ao texto uma atividade escolar destinada a preencher o tempo mas sim uma maneira de ir mais longe na leitura do texto de ampliar o horizonte de leitura de forma consciente e consistente com os objetivos do letramento literário na escola Depois é conveniente que a contextualização seja feita de preferência por meio de uma pesquisa e apresentada à turma como tal Essa pesquisa pode envolver os mais diversos procedimentos de coleta de informações como entrevistas levantamento na internet consulta a bibliografia especializada etc mas não pode deixar de ser planejada pelos alunos sob orientação do professor Em outras palavras não basta dizer para os alunos que pesquisem isto e aquilo É preciso que a pesquisa seja orientada por um planejamento que receba a chancela do professor As formas de apresentação dos resultados da pesquisa devem ser também previamente discutidas com a turma Seminário debate e ensaio são recursos tradicionais mas nada impede que outras formas sejam adotadas como uma exposição de imagens uma sequência de slides uma encenação e assim por diante O importante é que haja um registro da pesquisa Em alguns casos como dos debates convém que um registro escrito seja providenciado para toda a turma antes ou depois do evento Em outros o resultado da contextualização será apresentado com a segunda interpretação quando o registro escrito deverá ser compulsório Outra orientação diz respeito a qual ou quais contextualizações a turma irá seguir Cabe ao professor planejar várias contextualizações mas é o interesse dos alunos demonstrado na primeira interpretação que vai determinar aquela ou aquelas que vão ser seguidas por eles Também com base nos resultados da primeira interpretação é que os alunos serão divididos em grupos para trabalhar o contexto Aqui é conveniente que o professor tenha em mente que a contextualização é uma atividade destinada a grupos de alunos e que o grupo de eu sozinho deve ser evitado já que o objetivo é levar a um aprofundamento compartilhado da leitura Na escolha da contextualização que pode ser uma única com várias divisões ou uma combinação de duas ou mais um cuidado a ser tomado é evitar o retalhamento ou a divisão sem unidade de sentido conforme os trabalhos de grupo em que cada aluno faz um pedaço e o todo se transforma em um monstrengo ininteligível Nesse sentido um bom planejamento saberá combinar as diferentes contextualizações em um todo coerente Um exemplo é a combinação da contextualização temática histórica e presentificadora em torno da moradia em O cortiço Compartilhar a pesquisa com professores de outras disciplinas é também uma possibilidade que a contextualização oferece Desse modo inúmeros trabalhos interdisciplinares que trazem benefícios tanto para a formação dos alunos quanto para a integração dos docentes e da escola podem ser realizados Um caso particular de trabalho interdisciplinar é o envolvimento de profissionais de fora da escola nas atividades de contextualização O tratamento da sexualidade em O cortiço por exemplo pode ser feito com a ajuda do professor de Biologia mas também poderá englobar palestras ou uma consultoria de um sexólogo ou de um estudioso das questões de gênero
1
Literatura
UERJ
19
Literatura
ESTACIO
160
Literatura
UNEB
36
Literatura
UFPE
1
Literatura
USP
1
Literatura
UMG
3
Literatura
UNICESUMAR
190
Literatura
UNEB
2
Literatura
UNILAB
5
Literatura
UNILAB
Texto de pré-visualização
LETRAMENTO LITERÁRIO teoria e prática RILDO COSSON editoracontexto Copyright 2006 Rildo Cosson Todos os direitos desta edição reservados à Editora Contexto Editora Pinsky Ltda Capa e diagramação Gustavo S Vilas Boas Revisão Lilian Aquino Ruy Azevedo Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Cosson Rildo Letramento literário teoria e prática Rildo Cosson 2ed São Paulo Contexto 2009 Bibliografia ISBN 9788572443098 1 Leitura 2 Letramento 3 Literatura Estudo e ensino 4 Literatura História e crítica 5 Literatura e sociedade 6 Textos I Título CDD807 058146 Índices para catálogo sistemático 1 Leitura literária Ensino 807 2 Literatura Estudo e ensino 807 Editora Contexto Diretor editorial Jaime Pinsky Rua Acopiara 199 Alto da Lapa 05083110 São Paulo SP PABX 11 3832 5838 contextoeditoracontextocombr wwweditoracontextocombr 2009 Proibida a reprodução total ou parcial Os infratores serão processados na forma da lei O meu livro recordolhe eu é de história assim realmente o designariam segundo a classificação tradicional dos gêneros porém não sendo propósito meu apontar outras contradições em minha discreta opinião senhor doutor tudo quanto não for vida é literatura José Saramago História do cerco de Lisboa Sumário INTRODUÇÃO 9 A fábula do imperador chinês 9 OS PRESSUPOSTOS 14 A literatura e o mundo15 A literatura escolarizada 19 Aula de literatura o prazer sob controle 25 Leitura literária a seleção dos textos 31 O processo de leitura 37 AS PRÁTICAS 44 Estratégias para o ensino da literatura a sistematização necessária 45 A sequência básica 51 A sequência expandida 75 A avaliação 111 10 Letramento literário teoria e prática Indignado com tais recusas o imperador reuniu os três sábios e determinou que se um deles não aceitasse a tarefa todos seriam sumariamente executados antes do anoitecer Os sábios não olharam para o sol que já havia ultrapassado seu zênite Confabularam entre si por alguns instantes e finalmente o mais sábio decidiu explicar ao imperador o motivo da recusa Meu senhor disse o sábio perguntastes por que nos recusamos a executar a tarefa que é a razão de nossa vida uma vez que decidimos ser sábios e ensinar a todos Não se trata de vontade visto que diante de vossa majestade não possuímos nenhuma mas sim da impossibilidade de realização da missão Como pode ser impossível realizar uma tarefa tão simples quanto educar três jovens com todos os recursos à disposição do mestre retrucou enfurecido o imperador O sábio prostrouse Pediu mil perdões pela sua impostura Louvou a grandeza ímpar do imperador Por fim respondeu que a tarefa era impossível por causa dos alunos Ante a surpresa do imperador que sabia da saúde e da inteligência dos três jovens o sábio explicou A tarefa é impossível porque vosso filho favorito aquele que irá sucedêlo no comando do império sabendose escolhido acredita que já não precisa de mais nada para ser imperador além do desejo do seu pai Já seu irmão aquele que é filho de uma concubina sem nome sabendose preterido acredita que em nada modificará sua vida tal conhecimento uma vez que será sempre o esquecido O servo ao contrário de seus senhores deseja muito aprender porém nada sabe e quem nada sabe nada aprende Em suma meu imperial senhor vós nos destes a missão de ensinar para as mais temíveis inimigas de qualquer educador a arrogância a indiferença e a ignorância Separadas podemos combatêlas e vencelas juntas são imbatíveis Como os sábios do imperador chinês vivemos nas escolas uma situação difícil com os alunos os professores de outras disciplinas os dirigentes educacionais e a sociedade quando a matéria é literatura Alguns acreditam que se trata de um saber desnecessário Para esses a literatura é apenas um verniz burguês de um tempo passado que já deveria ter sido abolido das escolas Eles não sabem mas pensam que não precisam aprender literatura porque já conhecem e dominam tudo o que lhes interessa Essa postura arrogante com relação ao saber literário leva a literatura a ser tratada como apêndice da disciplina Língua Portuguesa quer pela sobreposição à simples leitura no ensino fundamental quer pela redução da literatura à história literária no ensino médio É a mesma arrogância que reserva à disciplina Literatura no ensino médio uma única aula por semana considera a biblioteca um depósito de livros e assim por diante Outros têm consciência de que desconhecem a disciplina porém consideram o esforço para conhecer desproporcional aos seus benefícios São os indiferentes para quem ler é uma atividade de prazer mas o único valor que conseguem atribuir à literatura é o reforço das habilidades linguísticas É por isso que não se importam se o ensino de literatura constituise em uma sequência enfadonha de autores características e estilos de época e figuras de linguagem cujos nomes tãosomente devem ser decorados independentemente de qualquer contexto Por fim há aqueles que desejam muito estudar literatura ou qualquer outra coisa Todavia seja por falta de referências culturais ou pela maneira como a literatura lhes é retratada ela se torna inacessível Para eles a literatura é um mistério cuja iniciação está fora de seu alcance Não surpreende portanto que tomem a poesia como um amontoado de palavras difíceis e tenham dificuldade em distinguir a ficção de outros discursos de realidade É para enfrentar essas situações de arrogância indiferença e desconhecimento a respeito da literatura na escola que escrevemos este livro Letramento literário teoria e prática é uma proposta de ensino da leitura literária na escola básica Resultado de vários anos de leitura pesquisas práticas de sala de aula minhas e de colegas de alunos e de alunos não foi escrito para especialistas mas sim para professores que desejam fazer do ensino da literatura uma prática significativa para si e para seus alunos Não pretende portanto revolucionar o ensino de literatura nem estabelecer marcos teóricos ou metodológicos Ao contrário ele se configura por assim dizer como uma reinvenção da roda Por isso e como os débitos são muitos optamos por não fazer referências bibliográficas extensas ao longo do texto O leitor interessado encontrará na bibliografia os autores e títulos que o auxiliarão no aprofundamento dos tópicos aqui tratados Escolhemos denominar a proposta de letramento literário para assinalar sua inserção em uma concepção maior de uso da escrita uma concepção que fosse além das práticas escolares usuais De uso recente na língua portuguesa a palavra letramento tem suscitado algumas controvérsias Tradução do inglês literacy o letramento como explicita Magda Becker Soares em Letramento um tema em três gêneros 1998 dá visibilidade a um fenômeno que os altos índices de analfabetismo não nos deixavam perceber Tratase não da aquisição da habilidade de ler e escrever como concebemos usualmente a alfabetização mas sim da apropriação da escrita e das práticas sociais que estão a ela relacionadas Há portanto vários níveis e diferentes tipos de letramento Em uma sociedade essencialmente letrada como a nossa mesmo um analfabeto tem participação ainda que de modo precário em algum processo de letramento Do mesmo modo um indivíduo pode ter um grau sofisticado de letramento em uma área e possuir um conhecimento superficial em outra dependendo de suas necessidades pessoais e do que a sociedade lhe oferece ou demanda O letramento literário conforme o concebemos possui uma configuração especial Pela própria condição de existência da escrita literária que abordaremos adiante o processo de letramento que se faz via textos literários compreende não apenas uma dimensão diferenciada do uso social da escrita mas também e sobretudo uma forma de assegurar seu efetivo domínio Daí sua importância na escola ou melhor sua importância em qualquer processo de letramento seja aquele oferecido pela escola seja aquele que se encontra difuso na sociedade Neste livro vamos tratar do letramento literário no que se refere a processo de escolarização da literatura A proposta que subscrevemos aqui se destina a reformar fortalecer e ampliar a educação literária que se oferece no ensino básico Em outras palavras ela busca formar uma comunidade de leitores que como toda comunidade saiba reconhecer os laços que unem seus membros no espaço e no tempo Uma comunidade que se constrói na sala de aula mas que vai além da escola pois fornece a cada aluno e ao conjunto deles uma maneira própria de ver e viver o mundo Para tratar de nossa proposta de letramento literário dividimos o livro em três partes Na primeira apresentaremos algumas reflexões sobre o lugar da literatura em nossa sociedade e por que lhe atribuímos importância De certa maneira procuraremos responder a uma indagação básica de quem trabalha com leitura literária isto é qual o valor da literatura e sua função social Também buscaremos tornar um tanto mais nítidas as relações entre literatura e educação Como se sabe essas relações são antigas mas vamos centrar nossa atenção em como se tem ensinado literatura no Brasil e as consequências dessa tarefa na formação dos leitores literários O centro da discussão será a didatização ou escolarização da literatura na tentativa de compreender como se deu a passagem da literatura como arte para a literatura como disciplina escolar Outra questão importante é a crença de que literatura não se ensina basta a simples leitura das obras como se faz ordinariamente fora da escola Vamos portanto analisar os pressupostos dessa crença e reafirmar a necessidade do ensino da literatura na escola Ensino que passa necessariamente pela seleção de textos Nesse caso procuraremos discutir os critérios utilizados para essa seleção em que estão presentes outras tantas seleções relacionadas ao cânone literário e às características do leitoraluno Por fim abordaremos o processo de leitura à luz das várias teorias da leitura O objetivo é esclarecer a concepção de leitura que fundamenta o caminho a ser seguido para o letramento literário na escola Na segunda parte abordaremos a proposta em seu aspecto mais aplicado ou seja vamos falar dos procedimentos que efetivam a proposta de letramento literário Inicialmente trataremos da necessidade de um método para se trabalhar a literatura na escola compreendendo que todo processo educativo precisa ser organizado para atingir seus objetivos Depois apresentaremos as atividades coordenadas de ensino e aprendizagem de leitura literária na escola básica com o objetivo de construir comunidades de leitores No fechamento dessa segunda parte vamos tratar brevemente do processo de avaliação dentro da perspectiva do letramento literário aqui proposta Na terceira parte faremos uma reflexão sobre o desafio de se trabalhar com o diferente em uma escola que resiste a mudanças e também traremos propostas de oficinas para o professor adaptar em seu trabalho com o letramento literário Um livro que envolveu tantos anos de elaboração não poderia ter chegado ao seu termo sem a ajuda de muitas pessoas Quero portanto iniciar meus agradecimentos pelos alunos de meus alunos que experienciaram em sala de aula essa proposta de letramento literário Foram os resultados alcançados nas salas de aula em lugares tão diversos como os estados do Acre do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais que me animaram a colocar na forma de livro o que costumava discutir e analisar nas disciplinas de Metodologia do Ensino da Literatura e da Língua Portuguesa nos cursos de Letras e Pedagogia Gostaria de poder citálos individualmente pois minha dívida com eles é enorme mas não teria páginas suficientes para tantos Não poderia deixar de citar entretanto os nomes de Rita Maffia Lopes e Marília Furtado alunasprofessoras que gentilmente me forneceram farto material de suas atividades em sala de aula e alimentaram parte dos exemplos que se encontram reproduzidos neste livro Também expresso minha gratidão aos meus colegas que compartilharam experiências e debateram comigo algumas das ideias aqui discutidas Na Faculdade de Letras agradeço o incentivo de Cíntia Schwantes Maria Amélia Idiart Lozano e Eni Celidônio Na Faculdade de Educação agradeço a parceria de Graça Paulino Marildés Marinho e Aracy Evangelista De maneira muito especial quero agradecer a três colegas que em prova de amizade e consideração prontificaramse a ler os originais e apontaram muitas questões a serem resolvidas Néa de Castro Nivia Eslabão e Ana Cláudia Fidélis Naturalmente os erros que permaneceram são resultados de minha teimosia Por fim dizse que não se agradece sentimentos íntimos mas não posso deixar de agradecer a paciência e a generosidade de minha esposa que leu com os olhos do coração todas as palavras deste livro AS REINVENÇÕES DA RODA116 Conclusão117 OFICINAS121 BIBLIOGRAFIA137 O AUTOR 141 Introdução A fábula do imperador chinês Um imperador da China voltou de uma longa e estafante batalha preocupado com o futuro de seu império Estava velho e sabia que deveria pensar em um sucessor Como tinha dezenas de filhos não sabia a quem escolher Depois de consultar os deuses e seu coração angustiado escolheu o filho de sua esposa favorita na juventude cuja memória lhe era cara Todavia percebeu que o jovem não possuía os conhecimentos necessários para assumir um encargo tão pesado Resolveu contratar um sábio para ensinar as complexas matérias da arte de governar ao seu escolhido Para que ele não estudasse sozinho designou como companheiro o filho de sua décima quinta concubina uma mulher que recebera como presente de alguém da corte já esquecido E como os dois filhos do imperador não poderiam ficar sem auxílio durante as aulas designou um servo para acompanhálos Como era imperador demandou que o sábio dos sábios do império se apresentasse para realizar a tarefa Tratavase porém de um homem bastante avançado em anos que alegou não estar em condições físicas de realizar tão honrosa tarefa Chamou o segundo sábio mais renomado do império mas novamente não foi atendido Este encareceu a grandeza da missão mas possuía muitas mulheres muitos filhos muitos alunos morava distante e temia ser incapaz de despojarse de todas as obrigações que já assumira para se dedicar inteiramente aos filhos do imperador O imperador recebeu a recusa com relutância mas como não faltavam sábios renomados na China decidiu convocar o terceiro sábio mais admirado do império Esse reagiu do mesmo modo que os anteriores Sentiase engrandecido pela escolha mas lamentava não poder atender o imperador por ter programado uma longa viagem ao interior do império em busca de novos conhecimentos Os pressupostos A literatura e o mundo A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza nos liberta do caos e portanto nos humaniza Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade Antonio Candido O direito à literatura 1995 Gosto da ideia de que nosso corpo é a soma de vários outros corpos Ao corpo físico somamse um corpo linguagem um corpo sentimento um corpo imaginário um corpo profissional e assim por diante Somos a mistura de todos esses corpos e é essa mistura que nos faz humanos As diferenças que temos em relação aos outros devemse à maneira como exercitamos esses diferentes corpos Do mesmo modo que atrofiaremos o corpo físico se não o exercitarmos também atrofiaremos nossos outros corpos por falta de atividade Nesse sentido o nosso corpo linguagem funciona de uma maneira especial Todos nós exercitamos a linguagem de muitos e variados modos em toda a nossa vida de tal modo que o nosso mundo é aquilo que ela nos permite dizer isto é a matéria constitutiva do mundo é antes de mais nada a linguagem que o expressa E constituímos o mundo basicamente por meio das palavras No princípio e sempre é o verbo que faz o mundo ser mundo para todos nós até porque a palavra é a mais definitiva e definidora das criações do homem Como bem diz o pensamento popular se uma imagem vale por mil palavras mesmo assim é preciso usar a língua para traduzir as imagens e afirmar esse valor É por isso também que as usamos para dizer que não temos palavras para expressar um pensamento ou um sentimento Em síntese nosso corpo linguagem é feito das palavras com que o exercitamos quanto mais eu uso a língua maior é o meu corpo linguagem e por extensão maior é o meu mundo E de onde vêm as palavras que alimentam e exercitam o corpo linguagem Aqui outra particularidade do nosso corpo linguagem As palavras vêm da sociedade de que faço parte e não são de ninguém Para adquirilas basta viver em uma sociedade humana Ao usar as palavras eu as faço minhas do mesmo modo que você usando as mesmas palavras as faz suas É por esse uso simultaneamente individual e coletivo que as palavras se modificam se dividem e se multiplicam vestindo de sentido o fazer humano Em uma sociedade letrada como a nossa as possibilidades de exercício do corpo linguagem pelo uso das palavras são inumeráveis Há entretanto uma que ocupa lugar central Tratase da escrita Praticamente todas as transações humanas de nossa sociedade letrada passam de uma maneira ou de outra pela escrita mesmo aquelas que aparentemente são orais ou imagéticas É assim com o jornal televisionado com o locutor que lê um texto escrito É assim com práticas culturais de origem oral como a literatura de cordel cujos versos são registrados nos folhetos para serem vendidos nas feiras Também a tela do computador está repleta de palavras e os video games cheios de imagens não dispensam as instruções escritas Essa primazia da escrita se dá porque é por meio dela que armazenamos nossos saberes organizamos nossa sociedade e nos libertamos dos limites impostos pelo tempo e pelo espaço A escrita é assim um dos mais poderosos instrumentos de libertação das limitações físicas do ser humano O corpo linguagem o corpo palavra o corpo escrita encontra na literatura seu mais perfeito exercício A literatura não apenas tem a palavra em sua constituição material como também a escrita é seu veículo predominante A prática da literatura seja pela leitura seja pela escritura consiste exatamente em uma exploração das potencialidades da linguagem da palavra e da escrita que não tem paralelo em outra atividade humana Por essa exploração o dizer o mundo reconstruído pela força da palavra que é a literatura revelase como uma prática fundamental para a constituição de um sujeito da escrita Em outras palavras é no exercício da leitura e da escrita dos textos literários que se desvela a arbitrariedade das regras impostas pelos discursos padronizados da sociedade letrada e se constrói um modo próprio de se fazer dono da linguagem que sendo minha é também de todos Isso ocorre porque a literatura é plena de saberes sobre o homem e o mundo Aqui vale a pena relembrar a fábula da pedra de Bolonha que recontamos a partir da menção feita por Roland Barthes em Aula 1980 Havia nessa cidade uma pedra mágica Durante o dia escura e opaca absorvia a luz e tudo que a circundava À noite transmutavase em brilho iluminando a tudo e a todos com a luz que recolhera anteriormente Assim funciona o texto literário em relação aos saberes que guarda a cada escritura mas sem os aprisionar dentro de si Ao contrário liberaos com brilho a cada leitura Isso se dá porque a semelhança do mito de Proteu a literatura tem o poder de se metamorfosear em todas as formas discursivas Ela também tem muitos artifícios e guarda em si o presente o passado e o futuro da palavra Como acontecia com o deus grego não se pode conhecer a verdade da palavra e da linguagem sem interrogar constantemente esse discurso proteiforme percorrendo seus artifícios e as diferentes temporalidades que ele encerra Na leitura e na escrita do texto literário encontramos o senso de nós mesmos e da comunidade a que pertencemos A literatura nos diz o que somos e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós mesmos E isso se dá porque a literatura é uma experiência a ser realizada É mais que um conhecimento a ser reelaborado ela é a incorporação do outro em mim sem renúncia da minha própria identidade No exercício da literatura podemos ser outros podemos viver como os outros podemos romper os limites do tempo e do espaço de nossa experiência e ainda assim sermos nós mesmos É por isso que interiorizamos com mais intensidade as verdades dadas pela poesia e pela ficção A experiência literária não só nos permite saber da vida por meio da experiência do outro como também vivenciar essa experiência Ou seja a ficção feita palavra na narrativa e a palavra feita matéria na poesia são processos formativos tanto da linguagem quanto do leitor e do escritor Uma e outra permitem que se diga o que não sabemos expressar e nos falam de maneira mais precisa o que queremos dizer ao mundo assim como nos dizer a nós mesmos É por possuir essa função maior de tornar o mundo compreensível transformando sua materialidade em palavras de cores odores sabores e formas intensamente humanas que a literatura tem e precisa manter um lugar especial nas escolas Todavia para que a literatura cumpra seu papel humanizador precisamos mudar os rumos da sua escolarização conforme veremos no próximo capítulo promovendo o letramento literário A literatura escolarizada Não há como evitar que a literatura qualquer literatura não só a literatura infantil e juvenil ao se tornar saber escolar se escolarize e não se pode atribuir em tese conotação pejorativa a essa escolarização inevitável e necessária não se pode criticála ou negála porque isso significaria negar a própria escola O que se pode criticar o que se deve negar não é a escolarização da literatura mas a inadequada a errônea a imprópria escolarização da literatura que se traduz em sua deturpação falsificação distorção como resultado de uma pedagogização ou uma didatização mal compreendidas que ao transformar o literário em escolar desfigurao desvirtuao falseiao Magda Becker Soares A escolarização da literatura infantil e juvenil 2001 Como professor da área de Letras que sempre procurou interligar literatura e educação tenho vivenciado vários questionamentos sobre as relações possíveis entre esses dois campos Durante uma aula de Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa no curso de Pedagogia um aluno questionou a presença da literatura no ensino médio dizendo que os professores ensinavam as características dos períodos literários o nome dos autores e das obras em uma sequência que poderia ser mais facilmente oferecida pela História De tudo isso o que ele havia aprendido de Literatura fora que barroco é sinônimo de antítese romantismo é tudo que trata de amor e naturalismo é podridão Em outra ocasião em um debate sobre leitura na escola uma professora do ensino fundamental relatou que antigamente usava os textos literários para ensinar a ler mas agora usava apenas jornais porque eram mais fáceis de serem adquiridos e lidos pelas crianças Por fim em um encontro recente de pesquisadores e alunos de pósgraduação da área de Letras ouvi o comentário de que as imagens hoje são muito mais importantes do que as palavras e a literatura com seus romances e poemas deveria ser substituída como objeto de estudo por filmes telenovelas e outros artefatos mais significativos culturalmente Todos esses questionamentos deixam claro que a relação entre literatura e educação está longe de ser pacífica Aliás eles dizem que o lugar da literatura na escola parece enfrentar um de seus momentos mais difíceis Para muitos professores e estudiosos da área de Letras a literatura só se mantém na escola por força da tradição e da inércia curricular uma vez que a educação literária é um produto do século xix que já não tem razão de ser no século xxi A multiplicidade dos textos a onipresença das imagens a variedade das manifestações culturais entre tantas outras características da sociedade contemporânea são alguns dos argumentos que levam à recusa de um lugar à literatura na escola atual Para compreender melhor como se chegou a esses questionamentos e a essa recusa da literatura é preciso verificar ainda que brevemente como se constituíram as relações entre educação e literatura no ambiente escolar ou a escolarização da literatura O uso da literatura como matéria educativa tem longa história a qual antecede a existência formal da escola Regina Zilberman em Sim a literatura educa 1990 lembranos a esse respeito que as tragédias gregas tinham o princípio básico de educar moral e socialmente o povo Daí a subvenção dos dramaturgos pelo Estado e a importância do teatro entre os gregos Do mesmo modo é bem conhecida a fórmula horaciana que reúne na literatura o útil e o agradável Essa tradição cristalizase no ensino da língua nas escolas com um duplo pressuposto a literatura serve tanto para ensinar a ler e a escrever quanto para formar culturalmente o indivíduo Foi assim com o latim e o grego antigo cujo ensino se apoiava nos textos da Era Clássica para o aprendizado dessas línguas de uso restrito e para o conhecimento produzido nelas Tem sido assim com o ensino da literatura em nossas escolas que no ensino fundamental tem a função de sustentar a formação do leitor e no ensino médio integra esse leitor à cultura literária brasileira constituindose em alguns currículos uma disciplina à parte da Língua Portuguesa Consoante esses objetivos e sua localização em graus distintos de ensino aquilo que se ensina como literatura na escola costuma ter contornos muito diversos Tomese como exemplo a divisão da literatura segundo a faixa etária do leitor que coloca de um lado a literatura infantojuvenil e de outro a literatura sem adjetivo Essa divisão tão cara à escola termina contribuindo para o bem conhecido vácuo existente entre os números de publicação de obras da literatura infantojuvenil e da literatura adulta mostrando que os leitores daquela não se transformam em leitores desta como se uma vez formado o leitor a literatura já não tivesse razão para fazer parte da sua vida Todavia o ponto fundamental a ser discutido sobre a presença da literatura na escola é a discrepância entre o que se entende por literatura nos dois níveis de ensino No ensino fundamental a literatura tem um sentido tão extenso que engloba qualquer texto escrito que apresente parentesco com ficção ou poesia O limite na verdade não é dado por esse parentesco mas sim pela temática e pela linguagem ambas devem ser compatíveis com os interesses da criança do professor e da escola preferencialmente na ordem inversa Além disso esses textos precisam ser curtos contemporâneos e divertidos Não é sem razão portanto que a crônica é um dos gêneros favoritos da leitura escolar Aliás como se registra nos livros didáticos os textos literários ou considerados como tais estão cada vez mais restritos às atividades de leitura extraclasse ou atividades especiais de leitura Em seu lugar entronizase a leitura de jornais e outros registros escritos sob o argumento de que o texto literário não seria adequado como material de leitura ou modelo de escrita escolar pois a literatura já não serve como parâmetro nem para a língua padrão nem para a formação do leitor conforme parecer de certos linguistas No primeiro caso a linguagem literária por ser irregular e criativa não se prestaria ao ensino da língua portuguesa culta posto que esta requer um uso padronizado tal como se pode encontrar nas páginas dos jornais e das revistas científicas No segundo sob o apanágio do uso pragmático da escrita e da busca de um usuário competente afirmase que apenas pelo contato com um grande e diverso número de textos o aluno poderá desenvolver sua capacidade de comunicação No ensino médio o ensino da literatura limitase à literatura brasileira ou melhor à história da literatura brasileira usualmente na sua forma mais indigente quase como apenas uma cronologia literária em uma sucessão dicotômica entre estilos de época cânone e dados biográficos dos autores acompanhada de rasgos teóricos sobre gêneros formas fixas e alguma coisa de retórica em uma perspectiva para lá de tradicional Os textos literários quando comparecem são fragmentos e servem prioritariamente para comprovar as características dos períodos literários antes Caso o professor resolva fugir a esse programa restrito e ensinar literatura literária ele tende a recusar os textos canônicos por considerálos pouco atraentes seja pelo hermetismo do vocabulário A aula de literatura o prazer sob controle Ler no sentido de construção de sentidos a partir de textos supõe normas códigos de interpretação aprendidos numa comunidade supõe a aprendizagem de comportamentos face ao texto e ao contexto onde se lê comportamentos oficialmente sancionados e culturalmente aceites relativamente ao que deve ser uma leitura apropriada ao que deve ser resposta do leitor e também ao que é texto válido Nesta perspectiva os códigos de leitura ensinados qualquer que seja o modelo pedagógico podem ser vistos como conjuntos de constrangimentos na relativa e enfatizo relativa liberdade interpretativa dos alunos leitores Maria de Lourdes da Trindade Dionisio A construção escolar de comunidade de leitores 2000 Ao receber os alunos de Letras na disciplina Teoria da Literatura costumava fazer um teste sobre suas expectativas a respeito do que e como iriam estudar literatura O teste trazia a seguinte situação um calouro de Matemática cumprimentava seu colega de Letras dizendo que gostaria de ter a boa vida deste pois não devia ser difícil um curso que consistia em ler poemas e romances o que qualquer pessoa fazia normalmente por prazer O aluno de Letras deveria replicar ao aluno de Matemática dizendo qual a diferença entre ler romances e poemas em casa e ler romances e poemas na universidade Os alunos davam respostas bastante diversificadas de acordo com o conhecimento prévio sobre a literatura como disciplina escolar De um modo geral buscavam defender sob argumentos de consistência variada que estudar literatura era algo tão complexo quanto resolver operações matemáticas Após uma dessas aulas um aluno me chamou de lado e invocando uma honestidade que sempre julguei ser princípio básico em qualquer relação de conhecimento indagou Professor por que não podemos apenas ler os textos literários Essa pergunta se repetiria em outros cursos e em diferentes situações sob outras formas Na escola em que meu filho cursava o último ano do ensino fundamental a coordenadora da área de Língua Portuguesa trouxe uma novidade para a reunião de pais e mestres A partir daquele ano a escola adotaria um programa de leitura visando melhorar o desempenho escolar dos alunos Esse programa consistiria na leitura de obras literárias previamente selecionadas por uma especialista em literatura infantojuvenil A família a quem caberia adquirir um livro por aluno deveria incentivar a leitura que seria feita em casa Na escola os alunos trocariam os livros entre si dentro de cada turma Quando indaguei o que seria feito após a leitura ela reiterou que os alunos trocariam os livros entre si até terem lido todos os livros destinados à turma Pareceulhe muito estranho que a simples troca de livros não fosse considerada por mim uma atividade suficiente para constituir um programa de leitura envolvendo textos literários Não é possível aceitar que a simples atividade da leitura seja considerada a atividade escolar de leitura literária Na verdade apenas ler é a face mais visível da resistência ao processo de letramento literário na escola Por trás dele encontramse pressuposições sobre leitura e literatura que por pertencerem ao senso comum não são sequer verbalizadas Daí a pergunta honesta e o estranhamento quando se coloca a necessidade de se ir além da simples leitura do texto literário quando se deseja promover o letramento literário Uma dessas pressuposições é que os livros falam por si mesmos ao leitor Afinal se lemos as obras literárias fora da escola com prazer sem que nos sejam dadas instruções especiais por que a escola precisa se ocupar de tal forma de leitura A resposta para essa pergunta está na desconstrução do sofisma que ela encerra Em primeiro lugar nossa leitura fora da escola está fortemente condicionada pela maneira como ela nos ensinou a ler Os livros como os fatos jamais falam por si mesmos O que os fazem falar são os mecanismos de interpretação que usamos e grande parte deles são aprendidos na escola Depois a leitura literária que a escola objetiva processar visa mais que simplesmente ao entretenimento que a leitura de fruição proporciona No ambiente escolar a literatura é um lócus de conhecimento e para que funcione como tal convém ser explorada de maneira adequada A escola precisa ensinar o aluno a fazer essa exploração Por fim não se trata de cercear a leitura direta das obras criando uma barreira entre elas e o leitor Ao contrário o pressuposto básico é de que o aluno leia a obra individualmente sem o que nada poderá ser feito É claro que não estamos advogando que a única maneira possível de ler um texto literário seja aquela realizada na escola Aqui vale o aprendizado dos autodidatas Um escritor de romances populares declarou em uma entrevista orgulhosamente ser autodidata mas confidenciou que se ressentia da ausência de ordenamento e da facilidade de manipular os textos que o letramento literário feito pela escola proporciona Para ele dominar o discurso literário havia sido um processo muito mais difícil do que para aqueles que frequentaram com regularidade a escola e nela completaram sua formação Outra pressuposição é que ler é um ato solitário Por isso não haveria sentido em se realizar a leitura na escola porque seria desperdiçar um tempo que deveria ser usado para aprender É claro que tal afirmação não leva em consideração outras formas de leitura que não a silenciosa pois a oral tende a ser um ato transitivo posto que a voz se eleva para outros ouvidos No sentido de que lemos apenas com os nossos olhos a leitura é de fato um ato solitário mas a interpretação é um ato solidário O trocadilho tem por objetivo mostrar que no ato da leitura está envolvido bem mais do que o movimento individual dos olhos Ler implica troca de sentidos não só entre o escritor e o leitor mas também com a sociedade onde ambos estão localizados pois os sentidos são resultado de compartilhamentos de visões do mundo entre os homens no tempo e no espaço Ao ler estou abrindo uma porta entre meu mundo e o mundo do outro O sentido do texto só se completa quando esse trânsito se efetiva quando se faz a passagem de sentidos entre um e outro Se acredito que o mundo está absolutamente completo e nada mais pode ser dito a leitura não faz sentido para mim É preciso estar aberto à multiplicidade do mundo e à capacidade da palavra de dizêlo para que a atividade da leitura seja significativa Abrirse ao outro para compreendêlo ainda que isso não implique aceitálo é o gesto essencialmente solidário exigido pela leitura de qualquer texto O bom leitor portanto é aquele que agencia com os textos os sentidos do mundo compreendendo que a leitura é um concerto de muitas vozes e nunca um monólogo Por isso o ato físico de ler pode até ser solitário mas nunca deixa de ser solidário Há também a ideia de que é impossível expressar o que sentimos na leitura dos textos literários Os sentimentos despertados pelo texto literário seriam tão inefáveis que não haveria palavras para dizêlos Toda tentativa estaria a priori destinada ao fracasso logo não passaria de exercícios estéreis Essa defesa exacerbada dos sentimentos do leitor ou da impossibilidade de sua expressão trata a leitura literária como uma experiência mística uma epifania daí sua intraduzibilidade Todavia mesmo as experiências místicas são de alguma maneira transmitidas por aqueles que a experienciaram porque se não fosse assim teríamos de aceitar o fracasso da própria linguagem que nos faz humanos e portanto capazes de experiências que vão além dos cinco sentidos Além disso nada mais lógico do que transformar em palavras aquilo que foi provocado por palavras Em uma versão menos radical dessa mesma ideia defendese que a verbalização do que foi sentido ou compreendido apenas empobrece o diálogo íntimo entre o leitor e o escritor De novo estamos diante do equívoco de tratar a leitura literária como uma atividade tão individual que não poderia ser compartilhada mas já sabemos que é justamente o contrário O efeito de proximidade que o texto literário traz é produto de sua inserção profunda em uma sociedade é resultado do diálogo que ele nos permite manter com o mundo e com os outros Embora essa experiência possa parecer única para nós em determinadas situações sua unicidade reside mais no que levamos ao texto do que no que ele nos oferece É por essa razão que lemos o mesmo livro de maneira diferente em diferentes etapas de nossas vidas Tudo isso fica ainda mais evidente quando percebemos que o que expressamos ao final da leitura de um livro não são sentimentos mas sim os sentidos do texto E é esse compartilhamento que faz a leitura literária ser tão significativa em uma comunidade de leitores Por fim em uma posição usualmente complementar à anterior argumentase que a leitura literária praticada na escola também chamada análise literária destruiria a magia e a beleza da obra ao revelar os seus mecanismos de construção A máxima que governa os que defendem tal posição é que a palavra poética e se mira com prioridade a poesia é uma expressão tão absoluta que devemos apenas contemplála mudos e extasiados Qualquer tentativa de tornar uma obra em objeto de discussão mais específica do que a enunciação do êxtase redundará na quebra de sua aura A contestação de tal posição realizase em duas direções A primeira é que essa atitude sacralizadora da literatura lhe faz mais mal do que bem Mantida em adoração a literatura tornase inacessível e distante do leitor terminando por lhe ser totalmente estranha Esse é o caminho mais seguro para destruir a riqueza literária A análise literária ao contrário toma a literatura como um processo de comunicação uma leitura que demanda respostas do leitor que o convida a penetrar na obra de diferentes maneiras a explorála sob os mais variados aspectos É só quando esse intenso processo de interação se efetiva que se pode verdadeiramente falar em leitura literária A segunda é que como já o afirmamos acima aprendemos a ler literatura do mesmo modo como aprendemos tudo mais isto é ninguém nasce sabendo ler literatura Esse aprendizado pode ser bem ou malsucedido dependendo da maneira como foi efetivado mas não deixará de trazer consequências para a formação do leitor Nesse sentido quem passou pela escola preenchendo fichas de leitura meramente classificatórias terá grande dificuldade de apreciar a beleza de uma obra literária mais complexa mas não sentirá dificuldade de fruir a ficção que se lhe oferece nas bancas de revistas Longe de destruir a magia das obras a análise literária quando bem realizada permite que o leitor compreenda melhor essa magia e a penetre com mais intensidade O segredo maior da literatura é justamente o envolvimento único que ela nos proporciona em um mundo feito de palavras O conhecimento de como esse mundo é articulado como ele age sobre nós não eliminará seu poder antes o fortalecerá porque estará apoiado no conhecimento que ilumina e não na escuridão da ignorância Desse modo cumpre não esquecer as ponderações de Lígia Chiappini Leite em Invasão da catedral literatura e ensino em debate 1983 Para ela o professor de Literatura não pode subscrever o preconceito do texto literário como monumento posto na sala de aula apenas para reverência e admiração do gênio humano Bem diferente disso é seu dever explorar ao máximo com seus alunos as potencialidades desse tipo de texto Ao professor cabe criar as condições para que o encontro do aluno com a literatura seja uma busca plena de sentido para o texto literário para o próprio aluno e para a sociedade em que todos estão inseridos Em suma se quisermos formar leitores capazes de experienciar toda a força humanizadora da literatura não basta apenas ler Até porque ao contrário do que acreditam os defensores da leitura simples não existe tal coisa Lemos da maneira como nos foi ensinado e a nossa capacidade de leitura depende em grande parte desse modo de ensinar daquilo que nossa sociedade acredita ser objeto de leitura e assim por diante A leitura simples é apenas a forma mais determinada de leitura porque esconde sob a aparência de simplicidade todos as implicações contidas no ato de ler e de ser letrado É justamente para ir além da simples leitura que o letramento literário é fundamental no processo educativo Na escola a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler melhor não apenas porque possibilita a criação do hábito de leitura ou porque seja prazerosa mas sim e sobretudo porque nos fornece como nenhum outro tipo de leitura faz os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem Leitura literária a seleção dos textos Passando obrigatoriamente pela concepção de escola e de sociedade que queremos a formação do leitor envolve também a diversidade como princípio norteador dos critérios de seleção e utilização dos textos e da reflexão sobre a formação do gosto das pessoasalunos não só para um vir a ser mas também para um aqui e agora principalmente político grifos da autora Maria do Rosário M Magnani Leitura literatura e escola 1989 Quando queremos ler uma obra literária podemos ir a uma biblioteca ou a uma livraria e escolher o título o autor ou o assunto que mais nos apraz É desse modo que os catálogos são usualmente organizados Em alguns lugares as estantes também recebem denominações de ordem temática como ficção policial e suspense e geográficocultural como literatura brasileira e literatura colonial Se tivermos dúvidas quanto ao texto que queremos ler podemos ainda consultar as resenhas dos jornais e das revistas ouvir os amigos que já leram aquela obra checar a propaganda sobre os lançamentos e consultar as listas de mais vendidos Essas são algumas das maneiras pelas quais a literatura é selecionada tendo como ponto de orientação o leitor É a chamada livre escolha que como se pode observar nunca é inteiramente livre mas conduzida por uma série de fatores que vão desde a forma como os livros são organizados nos catálogos passando pelas estantes até aos mecanismos de incentivo ao consumo comuns à maioria dos produtos culturais Isso para não se falar dos vários processos de seleção de ordem anterior à chegada dos livros nas livrarias como o prestígio social dos escritores que incentiva a escrita de textos semelhantes pelos mais novos e os interesses econômicos e ideológicos das editoras que as levam a publicar este ou aquele livro Na escola outros fatores são acrescidos à seleção da literatura O primeiro diz respeito aos ditames dos programas que determinam a seleção dos textos de acordo com os fins educacionais que podem ser tanto a simples fluência da leitura como acontece em geral nas séries iniciais quanto a ratificação de determinados valores incluindose aqui obviamente a cultura nacional já no ensino médio O segundo traz a questão da legibilidade dos textos que separando os leitores segundo a faixa etária ou série escolar determina um tipo diferente de linguagem para os grupos formados com base na correlação das duas variáveis O terceiro está relacionado às condições oferecidas para a leitura literária na escola Infelizmente na maioria das escolas brasileiras a biblioteca quando existe é sinônimo de sala do livro didático não tem funcionários preparados para incentivar a leitura e apresenta coleções tão reduzidas e antigas que um leitor desavisado poderia pensar que se trata de obras raras O cenário é o mesmo nas escolas públicas e privadas com as exceções de praxe que só justificam a regra O quarto é decerto o mais determinante dos fatores que aqui poderiam ser listados Tratase do cabedal de leituras do professor O professor é o intermediário entre o livro e aluno seu leitor final Os livros que ele lê ou leu são os que terminam invariavelmente nas mãos dos alunos Isso explica por exemplo a permanência de certos livros no repertório escolar por décadas É que tendo lido naquela série ou naquela idade aquele livro o professor tende a indicálo para seus alunos e assim sucessivamente do professor para o aluno que se fez professor Esses fatores dentro e fora da escola não atuam de maneira isolada um dos outros ao contrário combinamse das mais variadas maneiras Diante deles como se pode selecionar os livros para o letramento literário Até pouco tempo atrás essa questão era relativamente fácil de responder O professor precisava apenas seguir o cânone ou seja aquele conjunto de obras consideradas representativas de uma determinada nação ou idioma Se havia questões a resolver com a adequação das escolhas elas desapareciam diante da força da tradição Mesmo não gostando ou achando inadequado o professor se perguntado respondia sempre com a mesma frase quem sou eu para questionar Machado de Assis ou outro autor consagrado que constasse em sua lista de leituras indicadas Esse mantra deixa de funcionar quando o cânone passa a ser intensamente questionado nas universidades de início pela crítica feminista e depois por outras correntes teóricocríticas que colocam sob suspeita a representatividade das obras selecionadas denunciando preconceitos de gênero classe e etnia entre outros aspectos na formação do cânone Ante as críticas recebidas pelo cânone a seleção de obras literárias tem seguido as mais variadas direções Há aquela que ignora as discussões recentes e mantém o cânone incólume Os professores que a seguem parecem acreditar que há uma essencialidade literária nas obras canônicas que não pode ser questionada Essas obras trazem um ensinamento que transcende o tempo e o espaço e demandam uma profundidade de leitura fundamental para o homem que se quer letrado É por isso que insistem na leitura do cânone e preocupamse com o desconhecimento progressivo dele na formação do leitor Outra direção se concentra na defesa da contemporaneidade dos textos como o critério mais adequado para a seleção da leitura escolar Nesse caso prevalece não só a abundância dos textos que as editoras fazem chegar às mãos dos professores para avaliação como também a aparente facilidade de leitura desses livros uma vez que tratam de temas e utilizam linguagem que pertencem ao horizonte de seus potenciais leitores Essa proximidade também ajuda a quebrar a resistência dos alunos sobretudo dos mais jovens mais interessados em outras formas de comunicação ou entretenimento A mais popular das direções seguidas parece ser aquela que defende a pluralidade e a diversidade de autores obras e gêneros na seleção de textos Ela está apoiada nas recomendações dos textos oficiais sobre o ensino da área de linguagem e nas teorias da leitura como uma habilidade a ser construída pelo trânsito intenso de textos diferenciados em sua configuração discursiva e genérica dentro da escola Também favorecida pela abundância de títulos disponibilizados pelo mercado essa direção busca quebrar as hierarquias impostas pela crítica literária e abrir a escola a todas as influências liberando os professores do peso da tradição e das exigências estéticas Por meio dela acreditase que a leitura na escola passa a ser uma prática democrática que busca contemplar e refletir os mesmos princípios da sociedade da qual ela faz parte Porque acreditamos na legitimidade de suas proposições básicas escolhemos essas três para ilustrar as muitas direções assumidas pela seleção atual de textos para o letramento literário na escola Reconhecemos entretanto que se tomadas isoladamente não conduzem ao fim que se propõem Dessa maneira têm razão os que afirmam que não se pode pensar em letramento literário abandonandose o cânone pois este traz preconceitos sim mas também guarda parte de nossa identidade cultural e não há maneira de se atingir a maturidade de leitor sem dialogar com essa herança seja para recusála seja para reformála seja para ampliála Até porque admitindo ou não os críticos haverá sempre um processo de canonização em curso quando se seleciona textos Esse processo e os critérios nele usados podem e devem ser democráticos assim como contemplar a diversidade cultural e os valores da comunidade de leitores mas nem por isso deixará de gerar exclusão e apagamento do que não foi selecionado Nesse sentido não há como escapar de algum tipo de seleção prévia geradora de cânones seja aquela bem conhecida da história literária seja aquela menos discutida do mercado que se guia pelos critérios de comercialização das obras Nossas escolhas como professores de Literatura ou como simples leitores são sempre mediadas pelas instâncias que fizeram as obras chegar até nós como já nos referimos no início deste capítulo O que fazemos normalmente é selecionar dentro desse recorte o nosso próprio recorte Aceitar a existência do cânone como herança cultural que precisa ser trabalhada não implica prenderse ao passado em uma atitude sacralizadora das obras literárias Assim como a adoção de obras contemporâneas não pode levar à perda da historicidade da língua e da cultura É por isso que ao lado do princípio positivo da atualidade das obras é preciso entender a literatura para além de um conjunto de obras valorizadas como capital cultural de um país A literatura deveria ser vista como um sistema composto de outros tantos sistemas Um desses sistemas corresponde ao cânone mas há vários outros e a relação entre eles é dinâmica ou seja há uma interferência permanente entre os diversos sistemas A literatura na escola tem por obrigação investir na leitura desses vários sistemas até para compreender como o discurso literário articula a pluralidade da língua e da cultura Também é necessária a distinção entre contemporâneo e atual mesmo que usemos os dois termos como sinônimos na adjetivação da produção literária Obras contemporâneas são aquelas escritas e publicadas em meu tempo e obras atuais são aquelas que têm significado para mim em meu tempo independentemente da época de sua escrita ou publicação De modo que muitas obras contemporâneas nada representam para o leitor e obras vindas do passado são plenas de sentido para a sua vida O letramento literário trabalhará sempre com o atual seja ele contemporâneo ou não É essa atualidade que gera a facilidade e o interesse de leitura dos alunos Por mais atraente que possa ser a diversidade tomada como critério de seleção está longe de oferecer um porto seguro para o professor que deseja promover o letramento literário Por trás da ideia de que essa seria a postura mais democrática e a se adotar escondese uma concepção de literatura centrada no texto como um espaço fechado e de representação unívoca As obras precisam ser diversificadas porque cada uma traz apenas um olhar uma perspectiva um modo de ver e de representar o mundo Em lugar de relações intertextuais e um discurso que se edifica justamente com a premissa de nada prender em seu interior a literatura na escola precisaria de obras gêneros e autores diversificados porque o importante é acumulálos em um painel tanto mais amplo quanto mais vazio de significado Substituise assim a qualidade pela quantidade de textos lidos como critério de letramento A substituição dos critérios do cânone tradicional pela liberdade de escolher os mais diferentes textos também não é tranquila para o professor Como aparentemente não há julgamento de valor ou mais propriamente o único valor é a diferença as condições de escolarização da seleção de textos não conseguem se efetivar de modo adequado De modo virtual todos os textos são válidos porque sempre se pode identificar uma diferença que os torna diversos e plurais e com isso a seleção de textos acaba sendo uma questão pessoal que escapa à escola e ao próprio conhecimento Não surpreende portanto que os professores sofram a angústia do que indicar e terminem recorrendo ao mercado como referência de valor quer visualizado no prestígio do autor autor premiado de vários livros ou na casa editorial livro publicado por editora séria Todavia a diversidade é fundamental quando se compreende que o leitor não nasce feito ou que o simples fato de saber ler não transforma o indivíduo em leitor maduro Ao contrário crescemos como leitores quando somos desafiados por leituras progressivamente mais complexas Portanto é papel do professor partir daquilo que o aluno já conhece para aquilo que ele desconhece a fim de se proporcionar o crescimento do leitor por meio da ampliação de seus horizontes de leitura Em síntese o que se propõe aqui é combinar esses três critérios de seleção de textos fazendoos agir de forma simultânea no letramento literário Ao selecionar um texto o professor não deve desprezar o cânone pois é nele que encontrará a herança cultural de sua comunidade Também não pode se apoiar apenas na contemporaneidade dos textos mas sim em sua atualidade Do mesmo modo precisa aplicar o princípio da diversidade entendido para além da simples diferença entre os textos como a busca da discrepância entre o conhecido e o desconhecido Levo a angústia e o questionamento de minha aluna para casa Prometo refletir sobre o assunto para que mais tarde possamos juntos construir uma resposta Esse questionamento termina por me trair e confundir em uma reunião com professores da rede pública de um programa de apoio à leitura Após as introduções de praxe peço que me falem das dificuldades de leitura de seus alunos O objetivo é levantar os problemas para que por meio da consciência deles se chegue a uma proposta de intervenção que melhore a formação dos leitores nas escolas Eles traçam um quadro que já é conhecido dos relatórios de pesquisa Escolas sem biblioteca alunos sem poder aquisitivo família sem o hábito da leitura e assim por diante Um grupo de professores declara que parte de seus alunos da 7ª e 8ª séries do ensino fundamental não sabem ler sendo esse o maior problema que enfrentam A declaração não me surpreende de imediato uma vez que tenho em mente o questionamento de minha aluna Quando em resposta começo a falar sobre as dificuldades de interpretação eles me interrompem para corrigir o equívoco Não estão falando de interpretação mas sim de decifração Seus alunos não sabem decifrar a escrita não dominam as letras são praticamente analfabetos As duas situações nos fazem refletir sobre a leitura e o que sabemos sobre ela A começar pelo que entendemos por leitura Alberto Manguel em Uma história da leitura 1996 chama a atenção para o fato de que a leitura não está restrita às letras impressas em uma página de papel Os astrólogos leem as estrelas para prever o futuro dos homens O músico lê as partituras para executar a sonata A mãe lê no rosto do bebê a dor ou o prazer O médico lê a doença na descrição dos sintomas do paciente O agricultor lê o céu para prevenirse da chuva O amante lê nos olhos da amada a traição Em todos esses gestos está a leitura ou como diz o autor todos eles compartilham com os leitores de livros a arte de decifrar e traduzir signos Essa expansão do significado da leitura encontra paralelo no extraordinário interesse que ela tem despertado em diversas áreas Hoje temos não apenas uma história da leitura como também uma sociologia da leitura uma antropologia da leitura e uma psicologia da leitura além das áreas que tradicionalmente se ocupavam do tema como a pedagogia a linguística e os estudiosos da literatura e da linguagem em geral O campo da leitura se expandiu de tal maneira que não se pode mais ter a pretensão de conhecer todas as suas ramificações De modo didático tomandose a leitura como um fenômeno simultaneamente cognitivo e social podese reunir as diferentes teorias sobre a leitura em três grandes grupos conforme a síntese feita por Vilson J Leffa em Perspectivas no estudo da leitura texto leitor e interação social 1999 O primeiro grupo está centrado no texto Nesse caso ler é um processo de extração do sentido que está no texto Essa extração passa necessariamente por dois níveis o nível das letras e palavras que estão na superfície do texto e o nível do significado que é o conteúdo do texto Quando se consegue realizar essa extração fezse a leitura As dificuldades da leitura estão ligadas aos problemas da extração ou seja a ausência de habilidade do leitor em decifrar letras e palavras que o impede de passar de um nível a outro ou ao grau de transparência do texto É a leitura entendida como um processo de decodificação por isso a ênfase está centrada sobre o código expresso no texto O domínio do código é a condição básica para a efetivação da leitura já que feita a decodificação o leitor terá apreendido o conteúdo do texto Os críticos dessas teorias chamadas ascendentes porque partem do texto para o leitor e das letras para o significado do texto argumentam que elas estão equivocadas na ênfase que dão ao processamento linear da leitura Ler é bem mais do que seguir uma linha de letras e palavras Também não se restringe a uma decodificação nem depende apenas do texto O segundo grupo toma o leitor como centro da leitura São as teorias de abordagens descendentes que a definem como o ato de atribuir sentido ao texto ou seja partem do leitor para o texto Desse modo ler depende mais do leitor do que do texto É o leitor que elabora e testa hipóteses sobre o que está no texto É ele que cria estratégias para dizer o texto com base naquilo que já sabe sobre o texto e o mundo Por isso a leitura depende mais daquilo que o leitor está interessado em buscar no texto do que das palavras que estão ali escritas Também mais importante do que o conhecimento do código é dominar as convenções da escrita São elas que permitem ao leitor manipular os textos inclusive prevendo o sentido deles O deslocamento de foco do texto para o leitor é positivo porque chama a atenção para o ato de ler mas se perde quando não considera seus resultados Essa é a crítica principal que se faz a esse grupo de teorias da leitura Ao privilegiar o leitor no processo da leitura essas teorias terminam por ignorar que o sentido atribuído ao texto não é um gesto arbitrário mas sim uma construção social Além disso se as antecipaçõ es que o leitor faz ao ler os textos são importantes elas podem igualmente leválo a ignorar o significado do texto lendo apenas aquilo que deseja ler As teorias consideradas conciliatórias são aquelas que compõem o terceiro grupo Para elas o leitor é tão importante quanto o texto sendo a leitura o 39 o simples e o complexo em um processo de leitura que se faz por meio da verticalização de textos e procedimentos É assim que tem lugar na escola o novo e o velho o trivial e o estético o simples e o complexo e toda a miríade de textos que faz da leitura literária uma atividade de prazer e conhecimento singulares Selecionado o livro é preciso trabalhálo adequadamente em sala de aula Já sabemos que não basta mandar os alunos lerem Antes que passemos às atividades que conduzem ao letramento literário na escola entretanto precisamos esclarecer como se processa a leitura resultado de uma interação Tratase pois de um diálogo ente autor e leitor mediado pelo texto que é construído por ambos nesse processo de interação O ato de ler mesmo realizado individualmente tornase uma atividade social O significado deixa de ser uma questão que diz respeito apenas ao leitor e ao texto para ser controlado pela sociedade A leitura é o resultado de uma série de convenções que uma comunidade estabelece para a comunicação entre seus membros e fora dela Aprender a ler é mais do que adquirir uma habilidade e ser leitor vai além de possuir um hábito ou atividade regular Aprender a ler e ser leitor são práticas sociais que medieam e transformam as relações humanas Certament por entender que essas teorias que também subscrevemos em nossa reflexão incorporam as duas anteriores Leffa não traz as críticas que elas têm sofrido Todavia não é difícil perceber que quando tomamos a leitura como prática social corremos o risco de perder a individualidade de cada leitura o que nos leva de volta ao texto Na verdade esses três modos de compreender a leitura devem ser pensados como um processo linear A primeira etapa que vamos chamar de antecipação consiste nas várias operações que o leitor realiza antes de penetrar no texto propriamente dito Nesse caso são relevantes tanto os objetivos da leitura que levam o leitor a adotar posturas diferenciadas ante o texto não lemos da mesma maneira um poema e uma receita de bolo quanto os elementos que compõem a materialidade do texto como a capa o título o número de páginas entre outros A leitura começa nessa antecipação que fazemos do que diz o texto A segunda etapa é a decifração Entramos no texto através das letras e das palavras Quanto maior é a nossa familiaridade e o domínio delas mais fácil é a decifração Um leitor iniciante despenderá um tempo considerável na decifração e ela se configurará como uma muralha praticamente intransponível para aqueles que não foram alfabetizados Um leitor maduro decifra o texto com tal fluidez que muitas vezes ignora palavras escritas de modo errado e não se detém se desconhece o significado preciso de uma palavra pois a recupera no contexto Aliás usualmente ele nem percebe a decifração como uma etapa do processo da leitura Denominamos a terceira etapa de interpretação Embora a interpretação seja com frequência tomada como sinônimo da leitura aqui queremos restringir seu sentido às relações estabelecidas pelo leitor quando processa o texto O centro desse processamento são as inferências que levam o leitor a entretecer as palavras com o conhecimento que tem do mundo Por meio da interpretação o leitor negocia o sentido do texto em um diálogo que envolve autor leitor e comunidade A interpretação depende assim do que escreveu o autor do que leu o leitor e das convenções que regulam a leitura em uma determinada sociedade Interpretar é dialogar com o texto tendo como limite o contexto Esse contexto é de mão dupla tanto é aquele dado pelo texto quanto o dado pelo leitor um e outro precisam convergir para que a leitura adquira sentido Essa convergência dáse pelas referências à cultura na qual se localizam o autor e o leitor assim como por força das construções que a comunidade do leitor impõe ao ato de ler O contexto é pois simultaneamente aquilo que está no texto que vem com ele e aquilo que uma comunidade de leitores julga como próprio da leitura Com a interpretação se fecha o ciclo primeiro e imediato da leitura isto é o processo de leitura completa seu primeiro estágio quando cumprimos essas três etapas Foi esse processo que procurei explicar à minha aluna Seus alunos estavam realizando de forma adequada a etapa da decifração como ela testemunhava quando liam em voz alta mas falhavam em algum momento da antecipação eou da interpretação Para identificar as dificuldades que enfrentavam para completar o processo de leitura era preciso realizar uma investigação Decidida a entender melhor o que acontecia com seus alunos ela escolheu esse assunto para fazer sua monografia de conclusão de curso Quando falei sobre como entendia o processo de leitura para os professores do programa de apoio à leitura eles ficaram um tanto desconfiados de que havia muita academia nas minhas ponderações Aconselhei então que fizessem uma experiência com seus próprios alunos Para verificar como funcionava a antecipação o professor deveria levar a turma à biblioteca e solicitar que escolhessem um livro qualquer Depois de volta à sala de aula deveria pedir que justificassem a escolha dizendo não apenas porque haviam escolhido aquele livro mas o que julgavam que ele continha para lhes interessar como objeto de leitura Para a decifração fizemos nós mesmos a experiência Usando um soneto com palavras inventadas mas com a estrutura morfológica do português foi possível perceber que a despeito de tudo o que conhecíamos sobre poesia não era possível ultrapassar a opacidade das palavras 2 Quase um ano depois um dos professores envioume um email com um pequeno texto com as letras trocadas demonstrando que mesmo assim era possível lêlo3 Para esse professor a leitura desse texto era o reverso da experiência mas comprova a força de decifração conseguimos ler o texto com as letras trocadas simplesmente porque já conhecíamos aquelas palavras 41 O processo de leitura Haveria portanto toda uma economia da leitura que seria em último caso alimentícia toda leitura seria um incorporar um fazer tomar parte do próprio corpo o que está fora e somos capazes de pôr ao nosso alcance Jorge Larrosa A experiência da leitura Pedagogía profana 1998 Minha aluna é professora de uma escola particular localizada em um bairro de classe alta A escola tem uma biblioteca com bom acervo e um programa de incentivo à leitura Em suas casas os alunos convivem com pais leitores e o manuseio de livros é uma realidade desde antes da entrada na escola São alunos saudáveis bem alimentados e conectados com o mundo que conhecem via internet e pessoalmente em suas viagens de férias Em suma apresentam todas as condições que se consideram propícias ao desenvolvimento da leitura ou dizendo de outra maneira possuem as condições que ausentes costumam ser apontadas como razões para as dificuldades de leitura em alunos estudam em escolas públicas são de baixa renda desnutridos com pais não leitores sem acesso a livros em casa e na escola A despeito disso ela que trabalha com alunos da 4ª série do ensino fundamental não está satisfeita com a performance de um grupo de seus alunos Eles tomam os livros emprestados na biblioteca adquirem aqueles que são indicados e costumam realizar as atividades pedidas Quando solicitados leem em voz alta com fluência indicando que não apresentam problemas em decifrar a escrita Mesmo assim não conseguem interpretar o texto lido Depois de uma aula em que discutimos várias teorias de leitura ela me trouxe o problema que a angustiava e perguntou o que fazer para que se tornem realmente leitores Por fim para demostrar o funcionamento da interpretação lemos juntos um conto de Murilo Rubião Botão de Rosa que tem como intertexto a paixão de Cristo1 Se o leitor despreza esse intertexto perde grande parte da leitura Quando se levanta o intertexto entretanto recuperase o aparente absurdo do texto em uma alegoria que espelha de forma contundente o funcionamento da nossa sociedade É claro que essa recuperação está determinada por um lado pela familiaridade que nós leitores temos com a cultura cristã o significado simbólico da vida e morte de Jesus Cristo Por outro conta o conhecimento da linguagem literária da alegoria como mecanismo de intertextualidade e da obra de Rubião como um todo na qual a Bíblia sempre se faz explicitamente presente por meio de epígrafes São essas três etapas do processo de leitura que guiam a nossa proposta de letramento literário conforme detalharemos nos capítulos da segunda parte deste livro Notas 1 Alberto Manguel Uma história da leitura São Paulo Companhia das Letras 1996 p 19 2 O soneto utilizado foi o poema de José Augusto de Carvalho intitulado Encomiástico O poema pode ser encontrado no site httpandersonbritoblogspotcom e foi postado em 11 de outubro de 2004 Encomiástico Na esbóltica tesnalha de cavilica Escomirando a flântula combúria Cautolosia o serpifal da escúria Com três hipóticos getais de fílcia Porém no pifo atrás da masseníria Contamilando a estáfila clastílica Cortenovava a sistola esmeplíca Com menões com terris e sem mortúria E esses portoses áltiös se rortam Na extrêmica perfina do terfalho Enquanto as tílicas emchunda se amortam E nessa alvitica chalinda em balho Eu me consfilio e em sínase se extortam Os comaris dos sanafrais de analho 3 Tratase de uma versão em português de um texto em inglês que circulou na internet em 2003 O texto em inglês é According to a rsceearch at an Elingsh universitiy it doesnt mttaer in waht order the lteters in a wrod are the olny iprmoetnt tihng is taht frist and lsat lteter is at the rghit pclae The rset can be a toatl mses and you can sitll raed it wouthit porblme Tihs is bcuesae we do not raed ervey lteter by it slef but the wrod as a wlohe Ceehiro A versão em português é De aocrdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea não ipomtra em qual odrem as lrteas de uma plravaa etáso a úncia cisioa iprotmaçnte é que a piermira e últmia lrteas etejsam no lguar crteo O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoc pôdeo anida ler sem pobrlmea Itso é poqreu nós não lmeos cdla lrtea isladoa mas a plravaa cmoo um tdoo Vdaerde 4 Ainda que complexo por seu conteúdo alegórico o conto começa com a iminente prisão de Botão de Rosa Ele é um cantor de rock que é preso inicialmente sob a acusação de estupro e de ter engravidado as mulheres de uma cidade Depois a acusação é transformada para tráfico de drogas A personagem já espera a prisão e não apresenta qualquer defesa Tem 12 companheiros um dos quais chamado Judô seria o autor de uma carta em que se denuncia o crime do tráfico O advogado de Botão de Rosa reconhece sua inocência mas diante da atitude do juiz e dos promotores termina cedendo à condenação de morte Sem apresentar qualquer defesa ou resistência Botão de Rosa aceita a condenação de morte na forca O conto termina com o oferecimento do pescoço ao carrasco 43 As práticas Estratégias para o ensino da literatura a sistematização necessária A tarefa de uma metodologia voltada para o ensino da literatura está em a partir dessa realidade cheia de contradições pensar a obra e o leitor e com base nessa interação propor meios de ação que coordenem esforços solidarizem a participação nestes e considerem o principal interessado no processo o aluno e suas necessidades enquanto leitor numa sociedade em transformação Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira Aguiar Literatura a formação do leitor alternativas metodológicas 1988 No biênio 19941995 realizamos em conjunto com duas colegas da Universidade Federal de Pelotas e uma equipe de seis dedicados alunosbolsistas uma extensa pesquisa sobre o ensino de Literatura em Pelotas O estudo teve como objetivo analisar a partir da perspectiva dos professores o funcionamento dessa matéria no ensino médio Os instrumentos usados foram questionários e entrevistas com quase a totalidade dos professores de Literatura da cidade das escolas das redes federal estadual e municipal Um dos tópicos abordados foi a descrição das atividades realizadas como parte das aulas de Literatura De um modo geral os professores de Literatura existindo ou não uma disciplina com tal denominação na grade curricular adotavam como práticas das aulas a exposição e crítica oral do texto lido pelos alunos compreendendo desde debates sobre o tema da obra até dramatizações de trechos e o júri simulado de personagens Havia também a exigência da leitura compreensiva verificada pelos comentários sobre o texto relatórios e fichas de leituras ao lado de atividades voltadas para a identificação das características do autor e das personagens para a ligação temática entre a obra e o presente do aluno e a atualidade social do país além de seminários que abordavam algum aspecto da obra lida ou faziam comparações entre diferentes textos Quase uma década depois em 2003 participei do 4º Congresso da Associação Internacional para o Desenvolvimento da Língua Materna IAIMTE cujo tema central era o papel da literatura no ensino da língua materna Em uma das mesasredondas ouvi de uma professora da Universidade de Helsinki que havia realizado um estudo similar ao conduzido por nós uma breve descrição das práticas de sala de aula dos professores de Literatura em cursos da área de saúde e assistência social De acordo com AinoMaija Lahtine em Literature teaching in Health Care and Social sector Education 2003 as atividades usadas com mais frequência por esses professores finlandeses de Literatura são a apresentação e discussão em sala de aula das leituras feitas anteriormente discussão baseada na leitura de um único livro o estudo temático a apresentação de trabalho de grupo a escrita de ensaio a comparação de vários livros de acordo com o tema a dramatização a crítica literária e o diário de leitura Não é difícil perceber que guardadas as diferenças de contexto e objetivos as duas pesquisas indicam que há várias semelhanças nas atividades realizadas nas aulas de Literatura aqui e lá Desse modo quando o professor determina a leitura de obras literárias sua primeira ação parece ser a de comprovação da leitura ou seja conferir se o aluno leu efetivamente o texto Depois ele busca ampliar essa primeira leitura para outras abordagens que envolvem a crítica literária e outras relações entre o texto o aluno e a sociedade Esses dois movimentos estão instintivamente corretos mas precisam ser organizados É necessário que sejam sistematizados em um todo que permita ao professor e ao aluno fazer da leitura literária uma prática significativa para eles e para a comunidade em que estão inseridos uma prática que tenha como sustentação a própria força da literatura sua capacidade de nos ajudar a dizer o mundo e a nos dizer a nós mesmos Uma prática em suma que tenha como princípio e fim o letramento literário cujos pressupostos buscamos explicitar na primeira parte deste livro Nesse sentido a orientação fundamental é que o letramento literário precisa acompanhar por um lado as três etapas do processo de leitura e por outro o saber literário No caso desse último convém ter em mente a distinção feita por M A K Halliday em relação à aprendizagem da linguagem ou seja a literatura é uma linguagem que compreende três tipos de aprendizagem a aprendizagem da literatura que consiste fundamentalmente em experienciar o mundo por meio da palavra a aprendizagem sobre a literatura que envolve conhecimentos de história teoria e crítica e a aprendizagem por meio da literatura nesse caso os saberes e as habilidades que a prática da literatura proporciona aos seus usuários As aulas de literatura tradicionais como já vimos oscilam entre essas duas últimas aprendizagens e praticamente ignoram a primeira que deveria ser o ponto central das atividades envolvendo literatura na escola Para redimensionar essas aprendizagens de forma que conduzam de modo satisfatório o processo do letramento literário é que propomos novo caminho Seus pressupostos que tentamos tornar explícitos na primeira parte deste livro determinam em primeiro lugar que o ensino da literatura deve ter como centro a experiência do literário Nessa perspectiva é tão importante a leitura do texto literário quanto as respostas que construímos para ela As práticas de sala de aula precisam contemplar o processo de letramento literário e não apenas a mera leitura das obras A literatura é uma prática e um discurso cujo funcionamento deve ser compreendido criticamente pelo aluno Cabe ao professor fortalecer essa disposição crítica levando seus alunos a ultrapassar o simples consumo de textos literários Depois buscamos deixar claro que a literatura não pode ser reduzida ao sistema canônico Na verdade como argumenta Itamar EvenZohar em Polysistem studies 1990 ela é constituída por um conjunto de sistemas Tratase pois de um polissistema que compreende as várias manifestações literárias Esses sistemas em conjunto com o sistema canônico precisam ser contemplados na escola assim como as ligações que mantêm com outras artes e saberes É essa visão mais ampla da literatura que deve guiar o professor na seleção das obras Por fim adotamos como princípio do letramento literário a construção de uma comunidade de leitores É essa comunidade que oferecerá um repertório uma moldura cultural dentro da qual o leitor poderá se mover e construir o mundo e a ele mesmo Para tanto é necessário que o ensino da Literatura efetive um movimento contínuo de leitura partindo do conhecido para o desconhecido do simples para o complexo do semelhante para o diferente com o objetivo de ampliar e consolidar o repertório cultural do aluno Nesse caso é importante ressaltar que tanto a seleção das obras quanto as práticas de sala de aula devem acompanhar esse movimento Articulando esses pressupostos para tornálos presentes na escola o caminho que propomos sistematiza as atividades das aulas de Literatura em duas sequências exemplares uma básica e outra expandida Naturalmente há entre essas duas sequências muitas possibilidades de combinação que se multiplicam de acordo com os interesses textos e contexto da comunidade de leitores Além disso nem a sequência básica nem a expandida devem ser tomadas como limites do baixo e do alto aos quais não se pode ultrapassar Ao contrário nosso objetivo é apresentar duas possibilidades concretas de organização das estratégias a serem usadas nas aulas de Literatura do ensino básico Por isso consideramos essas duas sequências exemplares e não modelares visto que desejamos que sejam vistas como exemplos do que pode ser feito e não modelos que devem ser seguidos cegamente Essas sequências procuram sistematizar a abordagem do material literário em sala de aula integrando fundamentalmente três perspectivas metodológicas A primeira dessas perspectivas é a técnica bem conhecida da oficina Sob a máxima do aprender a fazer fazendo ela consiste em levar o aluno a construir pela prática seu conhecimento Em nosso caso o princípio da oficina se faz presente na alternância entre as atividades de leitura e escrita isto é para cada atividade de leitura é preciso fazer corresponder uma atividade de escrita ou registro Também é a base de onde se projetam as atividades lúdicas ou associadas à criatividade verbal que unem as sequências A segunda perspectiva é a técnica do andaime Tratase de dividir com o aluno e em alguns casos transferir para ele a edificação do conhecimento Ao professor cabe atuar como um andaime sustentando as atividades a serem desenvolvidas de maneira autônoma pelos alunos Em nossa proposta o andaime está ligado às atividades de reconstrução do saber literário que envolvem pesquisa e desenvolvimento de projetos por parte dos alunos A terceira perspectiva é a do portfolio Tomado de empréstimo das áreas de publicidade e finanças passando pelas artes visuais o uso do portfolio oferece ao aluno e ao professor a possibilidade de registrar as diversas atividades realizadas em um curso ao mesmo tempo em que permite a visualização do crescimento alcançado pela comparação dos resultados iniciais com os últimos quer seja do aluno quer seja da turma É essa dualidade de registro do portfolio que nos interessa acentuar no encadeamento das atividades que sustentam as duas sequências pois ela auxiliará o fortalecimento do leitor à medida que ele participa de sua comunidade Nos próximos dois capítulos explicitaremos o funcionamento dessas duas sequências passo a passo para que seja permitido ao professor acompanhando o desenvolvimento do método visualizar outras possibilidades de sistematização de sua prática de sala de aula Além disso vamos dispor em um anexo de uma série de atividades que poderão orientar a execução particularizada de cada passo das duas sequências É desnecessário dizer que cabe ao professor determinar o que pode ser efetivamente usado em sua turma e em sua escola desde que cumpra os princípios teóricos e metodológicos da proposta aqui apresentada A sequência básica É a propósito da literatura que a importância do sentido do texto se manifesta em toda a sua plenitude É essa plenitude de sentido o começo o meio e o fim de qualquer trabalho com o texto Todas as atividades escolares das quais o texto participa precisam ter sentido para que o texto resguarde seu significado maior Marisa Lajolo O texto não é pretexto Leitura em crise na escola as alternativas do professor 1986 A sequência básica do letramento literário na escola conforme propomos aqui é constituída por quatro passos motivação introdução leitura e interpretação A seguir buscaremos explicitar e ilustrar cada um deles Motivação Em uma manhã fria do final de julho de 1991 dentro de um grande ginásio de esportes da Universidade de Campinas encontravamse reunidos professores das mais diversas procedências para discutir uma questão que preocupava a todos a leitura Tratavase do 8º Cole Congresso de Leitura do Brasil organizado a cada dois anos pela Associação de Leitura do Brasil Entre as muitas atividades que três professores do Departamento de Letras da Universidade Federal do Acre se dividiam para atender acabei em uma mesaredonda que tratava do papel pedagógico da literatura A opção não fora inteiramente aleatória já que minhas duas colegas estavam mais ligadas à linguística e à língua portuguesa do que à literatura embora tudo nos interessasse seja pelo sabor de novidade de várias das questões discutidas seja pelas muitas propostas de melhoria do ensino na área Os palestrantes daquela mesaredonda defendiam com entusiasmo contagiante a força educativa da literatura e sua importância na formação e no exercício profissional dos professores O entusiasmo as ideias e os relatos de experiências bemsucedidas daquele 8º Cole atravessaram positivamente minha atuação docente e chegaram à equipe de Língua Portuguesa e Literatura da Secretaria de Educação do Acre1 Essa equipe estava disposta a renovar o ensino da leitura e da escrita no estado e juntos realizamos uma série de atividades para professores da área Um desses cursos fora destinado a professores que atuavam nos bancos de livros ou nas bibliotecas escolares Tratavase de uma clientela muito especial A equipe havia constatado que grande parte desses professores não havia sido preparada de modo adequado para exercer a nova função Na verdade o banco do livro e a biblioteca funcionavam informalmente como uma aposentadoria nãodeclarada Seja por motivo de saúde seja por outras questões de exaustão profissional o professor passava à função de guardador de livros quando não conseguia mais exercer seu trabalho original que era a regência da sala de aula O resultado é que esses professores apresentavam não apenas despreparo como também desinteresse pelo novo trabalho Para a equipe da Secretaria de Educação a revitalização da leitura na escola dependia fundamentalmente do apoio desses profissionais Por isso organizamos um curso dividido em duas partes Uma primeira mais geral destinada a despertar nos profissionais a consciência de que a leitura envolve saber e prazer Uma segunda mais específica voltada para a organização da biblioteca escolar Com a responsabilidade de ministrar a parte mais geral do curso optamos por usar oficinas de criatividade verbal em lugar de aulas expositivas sobre a importância da leitura na escola Fora dos moldes tradicionais dos cursos que até então tinham feito os professores reagiram a princípio com certa descrença Alguns chegaram a questionar em voz alta a utilidade e o fim daquelas atividades aparentemente desligadas de sua função de guardadores de livros Aos poucos entretanto seguindo o fluxo das atividades começaram a participar a rir e a descobrir que ler e escrever rimam com prazer e que a biblioteca escolar é muito mais do que o lugar onde se guardam os livros determinada ação os conectasse diretamente com o mundo da ficção e da poesia abrindo portas e pavimentando caminhos para a experiência literária Ao final do curso os alunos reconhecem que não costumavam ler textos literários Aliás não liam livros em geral O modo como lhes havia sido introduzida a leitura literária porém permitiria que descobrissem que gostavam de ler que os livros faziam parte de suas vidas e que as escolas precisavam dos livros e dependia deles ajudar os professores que estavam nas salas de aula a fazer da leitura uma atividade de saber e prazer Muitos saíram com planos para modificar as condições de leitura existentes em suas escolas Muitos começaram a sonhar com uma verdadeira biblioteca Meses depois de oferecido o curso para os professoresbibliotecários recebemos convites para visitar as escolas Em uma delas entramos em uma sala pequena que antes não passava segundo depoimento da própria professorabibliotecária de um amontoado de livros jogados em prateleiras Esses livros na sua maioria didáticos eram entregues aos professores e alunos por uma portajanela feita balcão justamente para impedir a entrada de visitantes Agora porém o depósito de livros havia se transformado em uma sala de leitura O novo nome brilhava em letras feitas em papelcartão vermelho recoberto com purpurina Os livros organizados nas prateleiras com indicações de conteúdo deixaram de ser exclusivamente os didáticos Uma bemsucedida campanha de arrecadação de livros para a escola diversificou o acervo A fim de resolver o problema do tamanho da sala um tapete fora colocado no centro com almofadas para que os leitores ficassem à vontade No corredor que dava acesso à sala de leitura havia cadeiras e mesas dobráveis que eram oferecidas aos alunos que desejassem fazer consultas no local Ao ver aquele quadro colorido e a satisfação da professorabibliotecária em apresentálo para mim compreendi que as atividades de leitura realizadas no curso alcançaram um objetivo maior do que o pretendido de início Aquela professorabibliotecária havia encontrado outra vez o sentido da sua profissão A descoberta da literatura por esses professoresbibliotecários mostroume claramente que a leitura demanda uma preparação uma antecipação cujos mecanismos passam despercebidos porque nos parecem muitos naturais Na escola essa preparação requer que o professor a conduza de maneira a favorecer o processo da leitura como um todo Ao denominar motivação a esse primeiro passo da sequência básica do letramento literário indicamos que seu núcleo consiste exatamente em preparar o aluno para entrar no texto O sucesso inicial do encontro do leitor com a obra depende de boa motivação Nesse sentido cumpre observar que as mais bemsucedidas práticas de motivação são aquelas que estabelecem laços estreitos com o texto que se vai ler a seguir A construção de uma situação em que os alunos devem responder a uma questão ou posicionarse diante de um tema é uma das maneiras usuais de construção da motivação Um exemplo é a motivação realizada para a leitura do conto O herói de Domingo Pellegrini Tempo de menino 1991 que trata do súbito e doloroso amadurecimento de um garoto perante a morte de seu cachorro Tomando como base o núcleo dramático da história a motivação que chamamos de rito de passagem consiste em conversar com os alunos sobre as diferenças entre o mundo dos adultos e das crianças Em seguida solicitase que anotem o que consideram comportamento adulto As definições devem ser lidas para a turma e discutidas de maneira breve Em um segundo momento o professor solicita que os alunos escrevam o que acham necessário para se chegar à maturidade O texto produzido nessa motivação pode ser utilizado para introduzir a interpretação no final da sequência básica Outra motivação procurou explorar o tema da saudade como preparação da leitura do poema Pobre Velha Música de Fernando Pessoa 1981 Nesse caso a motivação denominada Recordar é viver iniciase com o professor colocando a seguinte situação por serem muito estudiosos todos os alunos daquela turma acabam de receber um bilhete na máquina do tempo e têm a liberdade de escolher a que ponto no tempo e no espaço gostariam de retornar Esses dados são anotados no quadronegro pelo professor que verificando coincidências de tempo eou de espaço entre os alunos deve dividir a turma em grupos segundo essas coincidências e determinar que façam a viagem juntos e apresentem um relatório sucinto do que sentiram ao regressar ao presente Esses exemplos mostram o funcionamento básico da motivação Devemos observar entretanto que a aproximação do aluno com a obra objeto da leitura literária feita pela motivação não precisa ser sempre de ordem temática embora essa seja a ligação mais usual Na motivação da leitura do poema A Palavra Sêda de João Cabral de Melo Neto 1994 procuramos enfatizar mais o procedimento de construção do poema do que uma relação propriamente temática Essa motivação chamada Dicionário particular consiste em propor à turma a elaboração de um dicionário definindo de forma imaginária algumas palavras Antes de fazer a proposta de definição o professor introduz a questão apresentando aos alunos um dicionário enciclopédico do qual selecionou lugares pessoas e objetos de nomes inusitados Em seguida chama a atenção dos alunos para as associações que as palavras nos remetem nem sempre efetivadas na sua definição Também convém lembrar aos alunos que as definições são construídas a partir de um sentido etimológico para um sentido de uso com descrições relações e situações que exemplificam ou oferecem uma imagem daquilo que está sendo definido Feitas essas observações o professor incumbe os alunos de definirem um grupo de palavras estranhas para compor seu dicionário Ao final as definições são compartilhadas por todos e confrontadas com os verbetes do dicionário Já na motivação utilizada para a leitura do conto Fita verde no cabelo de Guimarães Rosa 1981 buscamos fazer o aluno interagir tanto com o princípio estrutural do texto quanto com sua temática A motivação denominada Contos de fadas hoje parte da memória dos alunos Em uma breve atividade oral o professor solicita que relembrem de contos de fadas e os anota no quadronegro Após ouvir o relato de alguns contos o professor divide os alunos em grupo e entrega um ou dois papéis enrolados contendo nomes de objetos modernos tais como liquidificador telefone televisão etc A tarefa é recontar o conto de fada incorporando esses objetos de forma coerente Para encerrar todos devem ler seus contos de fadas modernizados De modo geral as motivações que propusemos sempre foram bem recebidas pelos alunos Acreditamos firmemente que o elemento lúdico que elas contêm ajudaram a aprofundar a leitura da obra literária Todavia alguns professores que tomaram contato prévio com a nossa proposta trouxeram um questionamento importante para a compreensão do caráter dessas atividades Eles se indagavam se a motivação estruturada na forma como a estávamos propondo não terminava por induzir de modo excessivo a leitura do aluno para um único aspecto da obra gerando uma delimitação em lugar da ampliação dos sentidos do texto Em outras palavras eles concordavam com a necessidade de motivação mas temiam que a nossa motivação fosse por demais condutora da leitura literária levando a um empobrecimento do texto ou pior a um cerceamento da interpretação do aluno uma vez que trazia em si explícita ou implicitamente a interpretação do professor Nesse caso é preciso lembrar que a motivação prepara o leitor para receber o texto mas não silencia nem o texto nem o leitor É preciso confiar mais em ambos sobretudo quando tratamos de leitura literária Naturalmente a motivação exerce uma influência sobre as expectativas do leitor mas não tem o poder de determinar sua leitura Aliás influências sempre existem em qualquer processo de leitura A questão então não é se a motivação exerce ou não influência mas sim se essa influência é bemvinda ou desejada pelo professor no trabalho que pretende realizar com seus alunos Aqui vale a pena lembrar que a didatização da literatura é um mecanismo escolar legítimo conforme explicitamos no capítulo A leitura escolarizada Cabe ao professor portanto interferir no planejamento ou na execução da motivação quando perceber que ela está prejudicando e não ajudando o letramento literário Outro ponto relevante na execução da motivação é que a temos praticado envolvendo conjuntamente atividades de leitura escrita e oralidade Não se pressupõe que seja sempre assim Algumas motivações exclusivamente orais ou escritas se mostraram igualmente positivas Todavia compor a motivação com uma atividade integrada de leitura escrita e oral parece ser uma medida relevante para a prática do ensino de língua materna na escola Além disso essas atividades integradas de motivação tornam evidente que não há sentido em separar o ensino da literatura do ensino de língua portuguesa porque um está contido no outro Há entretanto um cuidado que se deve tomar em relação às atividades integradas de leitura escrita e oral como motivação Por envolverem três momentos elas tendem a se prolongar e o objetivo de motivar para a leitura literária pode se perder O limite da motivação dentro de nossa proposta costuma ser de uma aula Se ela necessitar passar disso certamente não cumprirá seu papel dentro da sequência Alguns de meus alunos que têm trabalhado a sequência básica preferem realizar a motivação no início de uma aula mais longa para dela passar de imediato à introdução Introdução Chamamos de introdução a apresentação do autor e da obra Para ilustrar a importância da introdução na leitura literária vou relatar uma resposta que surpreendeu a todos nós alunos e professor da disciplina Metodologia do Ensino da Literatura do curso de Letras da Universidade Federal de Pelotas Desde então tenho usado essa resposta como exemplo de que muitas vezes o modo como realizamos determinadas ações significa mais do que as palavras que usamos para explicitálas O curso de Metodologia do Ensino da Literatura era dividido em duas partes Uma primeira em que os alunos analisavam com o professor os pressupostos do ensino da literatura e uma segunda em que planejavam e executavam uma atividade de extensão Em 1999 chamamos essa atividade de Círculo de Leitura Os prazeres da literatura O objetivo era oferecer à comunidade do ensino secundário a experiência da leitura literária de textos contemporâneos O critério geral de seleção dos textos estava baseado por um lado no reconhecimento de que as escolas secundárias pouco ou quase nada trabalhavam a produção da literatura brasileira contemporânea e por outro na constatação de que os alunos do curso de Letras possuíam maior familiaridade com a literatura brasileira Embora o curso fosse aberto a qualquer interessado desde que estivesse cursando o ensino secundário ou o tivesse completo uma parte da clientela foi formada por vestibulandos mais especificamente alunos de um curso de pré vestibular organizado pelo Diretório Central dos Estudantes da UFPel Ao discutir a proposta do curso com os organizadores do prévestibular alertamos de que não se tratava de preparação para o concurso mas sim uma atividade formadora Essa explicação foi suficiente para os alunos que já haviam ingressado na universidade mas pouco convincente para os prévestibulandos Com razão acreditavam que a formação se fazia na escola e a preparação para o vestibular no cursinho Eram duas realidades bem diferentes Todavia talvez a possibilidade de fazer um curso oficial com direito a certificado e tudo mais ou a crença algo ingênua de que teriam acesso a material privilegiado da universidade terminou por convencer um grupo deles o suficiente para constituir duas turmas Ao final da extensão aplicamos uma ficha de avaliação destinada a examinar não somente o trabalho dos alunos de Metodologia do Ensino da Literatura segundo a opinião dos participantes como também a atividade em si de acordo com as expectativas e surpresas das pessoas que nele se inscreveram Os alunos do cursinho prévestibular foram unânimes em reconhecer na atividade uma experiência positiva Vários declaravam que a extensão superara suas expectativas Alguns chegaram a afirmar que passaram a ver de maneira diferente o curso de Letras e dentre eles houve quem se sentisse motivado a realizar vestibular para essa carreira A conclusão geral poderia ser resumida na frase de um desses alunos Ele que confessava ter vindo para a extensão pensando unicamente no vestibular terminara concluindo que havia ido muito além porque havia descoberto a interpretação e interpretar não fazia parte apenas da Língua Portuguesa mas de tudo Todavia as respostas mais interessantes estavam no espaço destinado a comentários pessoais sobre a atividade Foi ali que encontramos o comentário surpreendente de uma aluna que dizia ter vindo para a atividade sem acreditar muito no que ela poderia lhe oferecer mas que ao seu final admitia ter se divertido e aprendido muito O melhor mesmo fora que a leitura não havia sido imposta como era hábito nas aulas de literatura do ensino secundário Ali relatou ela tivera a oportunidade de escolher o texto e ler por si mesma Inicialmente ao lermos esse comentário consideramos que a aluna se equivocara Afinal todos os textos lidos na extensão foram selecionados e preparados de antemão sob a supervisão do professor pelos alunosministrantes Logo não havia a possibilidade de livre escolha como parecia sugerir a aluna do prévestibular Aquela resposta entretanto surpreendia e intrigava os alunos ministrantes porque a produção dessa aluna era uma das mais interessantes da turma evidenciando que se tratava de uma pessoa com desempenho intelectual acima da média O que líamos como equívoco simplesmente não combinava com o perfil da aluna Uma explicação mais convincente ocorreu quando juntamos a resposta com outra referente à indagação sobre a diferença entre aquele curso de extensão e as aulas regulares na escola e no cursinho prévestibular Tanto essa aluna quanto os outros assinalaram a diferença e justificaram a resposta com a palavra liberdade de leitura De fato comparando as três situações de ensino de literatura não era difícil perceber que a extensão apresentava um grau maior de liberdade A escola regular obedecia ao conteúdo fechado de história da literatura que já vinha discriminado pelo livro didático O prévestibular era determinado pela lista de leitura dada pela Comissão do Vestibular A percepção dessa liberdade maior da extensão como algo positivo no entanto não vinha apenas do contraste Também provinha da maneira como foram introduzidas as obras Preocupados com a resistência que os alunos do cursinho prévestibular poderiam apresentar em face dos textos que não constavam da lista de leitura obrigatória os alunosministrantes dedicaram à introdução uma atenção especial Eles não só enfatizaram as características dos autores e das obras a serem lidas como também incentivaram o questionamento dessas escolhas e das razões que os levaram a realizálas em lugar de outras Ao explicitar seus pressupostos de seleção que envolviam razões tanto teóricas e metodológicas como pessoais os alunosministrantes compartilharam com os alunosparticipantes suas certezas mas também suas dúvidas e suas dificuldades Acredito que foi a honestidade desse procedimento que levou aquela aluna do cursinho prévestibular a ler uma liberdade de escolha e de leitura nos textos selecionados pelos alunosministrantes de literatura contou que sofreu pouca influência da escola Na verdade criou o hábito de leitura graças à mãe que sendo leitora voraz a conduziu pelo mesmo caminho A diferença nessa história comum a tantos leitores cuja formação passa ao largo da escola é que aconteceu de maneira bastante singular A professora relatou que inicialmente não gostava de ler Na adolescência a mãe começou a insistir para que ambas se tornassem parceiras de leitura Elas saíam juntas e a mãe comprava sempre dois romances um para ela e outro para a filha Depois trocavam os livros e comentavam a leitura Nas primeiras experiências a filha hoje professora tentou aplicar o mesmo expediente que costumava utilizar na escola isto é lia as primeiras páginas e as últimas para saber como se iniciava e terminava a história e dava o livro por lido Percebendo o comportamento da filha a mãe passou a cobrar os detalhes que só quem havia lido o livro por inteiro poderia responder acompanhando capítulo por capítulo e discutindo as partes que julgava mais interessantes Com isso ela foi obrigada a ler e de leitura em leitura terminou escolhendo ser professora de literatura A história chamou nossa atenção porque traz com muita precisão o que consideramos essencial nessa etapa de nossa proposta de letramento literário o acompanhamento da leitura Usualmente o professor solicita que o aluno leia um texto e durante o tempo dedicado àquela leitura nada mais faz Se for a leitura de um pequeno texto a ser feita em sala de aula de fato há pouco o que se fazer a não ser esperar que o aluno termine a tarefa Todavia quando tratamos de livros inteiros esse procedimento já não é adequado A leitura escolar precisa de acompanhamento porque tem uma direção um objetivo a cumprir e esse objetivo não deve ser perdido de vista Não se pode confundir contudo acompanhamento com policiamento O professor não deve vigiar o aluno para saber se ele está lendo o livro mas sim acompanhar o processo de leitura para auxiliálo em suas dificuldades inclusive aquelas relativas ao ritmo da leitura Nesse sentido quando o texto é extenso o ideal é que a leitura seja feita fora da sala de aula seja na casa do aluno ou em um ambiente próprio como a sala de leitura ou a biblioteca por determinado período Durante esse tempo cabe ao professor convidar os alunos a apresentar os resultados de sua leitura no que chamamos de intervalos Isso pode ser feito por meio de uma simples conversa com a turma sobre o andamento da história ou de atividades mais específicas No caso da conversa sobre o andamento da narrativa alguns professores têm manifestado o temor de estragar a história com os alunos que leem mais rápido contando aos que leem mais devagar o que vai acontecer em seguida ou até mesmo o final Eles costumam afirmar que muitos resistem a esse tipo de atividade dizendo algo como não me conte a história porque quero descobrir por mim mesmo Tratase porém do que se poderia chamar de falácia fabulística Ao lermos um texto literário obtemos muito mais que informações sobre a história narrada é por isso que o conhecimento dessas informações não garante a leitura do texto daí a impossibilidade intrínseca dos resumos que os cursinhos prévestibulares usam para substituir a leitura dos livros indicados pelas universidades A leitura do texto literário como já observamos antes é uma experiência única e como tal não pode ser vivida vicariamente Conhecer a história ou saber o final de um romance jamais substitui essa experiência tanto que continuamos a ler obras cujos segredos são amplamente conhecidos O que nos leva a ler um clássico por exemplo é a experiência estética que ele proporciona e não simplesmente a história que conta Mesmo os romances populares que compramos em bancas de jornal sabem disso visto que contam e recontam inúmeras vezes a mesma história mudando apenas os cenários e os nomes das personagens É claro que revelar o culpado em uma história policial ou de suspense pode ser um incômodo para o leitor que esperava descobrir por si mesmo o desfecho mas até os autores desse tipo de narrativa sabem que além do que se conta vale como se conta por isso até revelam o criminoso ao leitor e deixam a ignorância para o detetive transferindo da descoberta do culpado para a descoberta de como se descobriu o culpado o segredo da narrativa Já os intervalos que constituem as atividades específicas podem ser de natureza variada Um exemplo é a leitura de outros textos menores que tenham alguma ligação com o texto maior funcionando como uma focalização sobre o tema da leitura e permitindo que se teçam aproximações breves entre o que já foi lido e o novo texto Também pode ser a leitura conjunta de um capítulo ou trecho de capítulo para ser trabalhado estilisticamente em microanálise de recursos expressivos que interessem ao professor e aos alunos destacar Nesses dois exemplos não se faz necessário que todos os alunos tenham lido a mesma quantidade de páginas ou capítulos mas é importante que a atividade seja pertinente com a leitura efetiva feita pela maioria dos alunos Ao indicar o texto é conveniente que o professor negocie com seus alunos o período necessário para que todos realizem a leitura e dentro desse período convém marcar os intervalos Naturalmente nem esses intervalos nem o período reservado à leitura podem ser muito longos uma vez que se corre o risco de perder o foco da atividade Desse modo a quantidade de intervalos não depende apenas do tamanho do texto mas também do próprio processo de letramento literário Com isso o professor deve ter em mente que se precisar de mais de três intervalos para acompanhar a leitura de seus alunos decerto o livro é extenso demais para sua turma cabendo a ele buscar uma alternativa É durante as atividades do intervalo que o professor perceberá as dificuldades de leitura dos alunos Esse intervalo funciona assim prioritariamente como um diagnóstico da etapa da decifração no processo de leitura Por meio dele o professor resolverá problemas ligados ao vocabulário e à estrutura composicional do texto entre outras dificuldades ligadas à decifração Mas não é apenas em relação a essa etapa que o intervalo oferece possibilidades de compreensão e intervenção Na verdade se bem direcionado ele pode se constituir em um importante instrumento de aferição pedagógica do processo da leitura como um todo Ao acompanhar a leitura dos alunos por meio dos intervalos o professor poderá ajudálos a resolver ou pelo menos equacionar questões que vão desde a interação com o texto a exemplo do desajuste das expectativas que pode levar ao abandono do livro até o ritmo de leitura possível consequência tanto das condições de legibilidade do texto quanto da disponibilidade do aluno para realizar a atividade Em muitos casos a observação de dificuldades específicas enfrentadas por um aluno no intervalo é o início de uma intervenção eficiente na formação de leitor daquele aluno Interpretação Já sabemos pelo que expusemos no capítulo O processo da leitura que a interpretação parte do entretecimento dos enunciados que constituem as inferências para chegar à construção do sentido do texto dentro de um diálogo que envolve autor leitor e comunidade No campo da literatura ou mesmo das ciências humanas as questões sobre a interpretação e seus limites envolvem práticas e postulados tão numerosos quanto aparentemente impossíveis de serem conciliados até porque toda reflexão sobre a literatura traz implícita ou explicitamente uma concepção do que seja uma interpretação ou de como se deve proceder para interpretar os textos literários Não se pode pois tratar de interpretação sem se considerar essas questões mas também não acreditamos ser este o espaço adequado para discutilas Desse modo sem ignorar a complexidade da interpretação e também sem transformála em um obstáculo a ser ultrapassado propomos no cenário do letramento literário pensála em dois momentos um interior e outro exterior O momento interior é aquele que acompanha a decifração palavra por palavra página por página capítulo por capítulo e tem seu ápice na apreensão global da obra que realizamos logo após terminar a leitura É o que gostamos de chamar de encontro do leitor com a obra Esse encontro é de caráter individual e compõe o núcleo da experiência da leitura literária tal como abordamos aqui Ele não pode ser substituído por nenhum mecanismo pedagógico a exemplo da leitura do resumo nem compensado por algum artifício de intermediação como ver o filme ou assistir à minissérie na tv em lugar de ler o livro Nós os professores de literatura sabemos que esse é o momento em que o texto literário mostra sua força levando o leitor a se encontrar ou se perder em seu labirinto de palavras Aliás como costumo dizer aos meus alunos o texto literário é um labirinto de muitas entradas cuja saída precisa ser construída uma vez e sempre pela leitura dele Isso não significa que esse momento interno é impermeável a influências ou que se trate de um momento mágico em que livro e leitor se isolam em uma torre de marfim Longe disso tratase de um processo afetado pelo que se fez antes e se faz durante a leitura Em outras palavras a motivação a introdução e a leitura como as definimos acima são os elementos de interferência da escola no letramento literário Do mesmo modo a história de leitor do aluno as relações familiares e tudo mais que constitui o contexto da leitura são fatores que vão contribuir de forma favorável ou desfavorável para esse momento interno A interpretação é feita com o que somos no momento da leitura Por isso por mais pessoal e íntimo que esse momento interno possa parecer a cada leitor ele continua sendo um ato social O momento externo é a concretização a materialização da interpretação como ato de construção de sentido em uma determinada comunidade É aqui que o letramento literário feito na escola se distingue com clareza da leitura literária que fazemos independentemente dela Quando interpretamos uma obra ou seja quando terminamos a leitura de um livro e nos sentimos tocados pela verdade do mundo que ele nos revela podemos conversar sobre isso com um amigo dizer no trabalho como aquele livro nos afetou e até aconselhar a leitura dele a um colega ou guardar o mundo feito de palavras em nossa memória discutidos entre os negociantes Após quase três horas de atividades a Feira Cultural foi encerrada com a realização de um júri simulado com as personagens do romance Ciranda de pedra de Lygia Fagundes Telles Na avaliação final da atividade nossos alunos do curso de Letras e alguns dos professores revelaram que acreditaram na Feira Cultural como atividade pedagógica mas receraram que seu caráter festivo e dispersivo não resultasse em aproveitamento para a leitura literária Como disse uma das alunas parecia uma mistura de tarde circense com a Feira do Livro um evento tradicional no Rio Grande do Sul Essa reserva entretanto dissipouse quando analisamos o registro das impressões dos alunos sobre a feira feitos na semana seguinte ao evento Os diversos tipos de relatório de participação apresentados por eles mostraram que a Feira Cultural havia fixado detalhes das obras e particularidades de leitura que somente o intercâmbio intenso de experiências pode proporcionar Para se realizar o registro da interpretação nem sempre é necessário um grande evento como uma feira cultural O importante é que o aluno tenha a oportunidade de fazer uma reflexão sobre a obra lida e externalizar essa reflexão de uma forma explícita permitindo o estabelecimento do diálogo entre os leitores da comunidade escolar Nesse sentido uma prática que tem sido adotada por várias escolas é a da resenha Ao concluírem a leitura de uma obra os alunos são convidados a elaborar um texto em que registram suas impressões sobre o texto lido em termos apreciativos e podem recomendar ou não a leitura para outros colegas O uso da resenha tem vários benefícios para o ensino da língua materna Em primeiro lugar é um exercício de escrita dentro de um gênero com predominância de estratégias argumentativas e condições de enunciação bem determinadas Depois o texto produzido tem possibilidade de circular entre os alunos e por isso não carrega a artificialidade da maioria das atividades de escrita escolar Por fim demanda do aluno o registro que é também memória de sua vida de leitor Todavia o uso exclusivo ou excessivo da resenha pode engessar o letramento literário e automatizar a resposta do aluno ao texto lido Cumpre ao professor pois buscar outras estratégias Foi isso que fez uma de nossas alunas Quando indicou o livro ela planejou encerrar a leitura com uma resenha mas no meio do caminho o interesse dos alunos pelas personagens foi tanto que decidiu solicitar um capítulo a mais um epílogo à obra lida Assim os alunos deram continuidade aos seres de papel que os haviam encantado respondendo ao texto de uma forma criativa Essa atividade foi realizada com alunos de 3ª série do ensino fundamental e quando a relatei para professores de séries mais adiantadas vi surgir propostas de variantes como a inserção de longo período temporal na narrativa o que aconteceu com as personagens dez anos depois ou dez anos antes a alteração do espaço as personagens se encontram em outro lugar e a inclusão de outras personagens inclusive o leitor Como se percebe as possibilidades de registro da interpretação são diversificadas e dependem da turma dos textos escolhidos e dos objetivos do professor Essas particularidades devem ser sempre levadas em consideração no planejamento da sequência básica assim como as características de cada etapa conforme as descrevemos aqui Ao seguir as etapas o professor sistematiza seu trabalho e oferece ao aluno um processo coerente de letramento literário Um exemplo de sequência básica Em 2001 a prefeitura de João Monlevade cidade do Vale do Aço de Minas Gerais convidounos a apresentar uma oficina para os professores de Língua Portuguesa do município A proposta que fiz foi realizar uma atividade e simultaneamente refletir sobre ela como prática pedagógica É essa proposta que trazemos aqui como exemplo porque sua articulação entre leitura e produção de textos a partir de uma unidade temática moradia e violência urbana parecenos ilustrar com eficiência o funcionamento da sequência básica apesar de ter sido realizada em condições especiais Na segunda parte após a seleção os alunos deveriam explicitar oralmente por que gostariam de adquirir tal imóvel No diálogo com os estudantes o professor teria como objetivo destacar os traços do discurso publicitário e a retórica da persuasão próprios de qualquer anúncio mas com ênfase nas características de imóveis uso de plantas baixas fotografias desenhos etc e as constrições dadas pelo suporte espaço restrito baixa resolução gráfica etc Essa atividade foi bastante divertida uma vez que os alunosprofessores de João Monlevade aproveitaram a situação para falar ainda que de maneira indireta da mazela que atinge todos os professores o salário Daí a aquisição de imóveis ora muito acima do poder aquisitivo ora bem abaixo Curiosamente apesar dos anúncios de condomínios fechados entre os imóveis nenhum aluno optou por eles Como o texto a ser lido tratava desse tipo de imóvel chamei a atenção deles para a ausência que foi logo justificada pelos altos preços e pelo isolamento Encerrada a motivação passamos à introdução O texto selecionado foi um conto de Moacyr Scliar No retiro da figueira A intenção era fazer uma apresentação bem sucinta uma vez que os professores eram formados em Letras e poderiam conhecer o autor e outras de suas obras dando ênfase maior ao conto e ao livro no qual ele se insere A justificativa para a seleção era de ordem temática o conto abordava uma questão contemporânea da qual nem mesmo as pequenas cidades estavam inteiramente livres ou seja a violência urbana e a proteção buscada nos condomínios fechados2 A narrativa de Scliar faz parte de uma coletânea organizada por Julieta Godoy Ladeira sob o título de Contos brasileiros contemporâneos voltada para uso escolar Na apresentação a autora destaca o valor introdutório das antologias e o duplo critério adotado para a seleção dos textos produção contemporânea a partir dos anos 1950 e a representatividade dos caminhos do conto na literatura brasileira Esses critérios foram acentuados com professores incitandoos a organizar eles mesmos em conjunto com seus alunos antologias diversas para uso escolar Elas podem recobrir vários gêneros e ser trocadas entre turmas Também podem ser recolhidas às bibliotecas como uma memória das leituras de cada turma ou até mesmo de cada aluno Em relação ao autor os professoresalunos de fato conheciam outros textos de Scliar embora esse conhecimento derivasse na maioria dos casos dos livros didáticos Uma das professoras até relatou que o conto a ser trabalhado por nós constava da coletânea de um livro didático Como esse reconhecimento poderia atrapalhar as atividades de leitura e de interpretação planejadas solicitei que mantivesse discrição em relação ao final do conto Após a introdução iniciamos a leitura No geral quando se trata de textos bem curtos como o conto de Scliar a leitura pode ser dividida em dois momentos a leitura de reconhecimento a ser feita silenciosamente pelos alunos e a leitura oral ou expressiva que pode ser feita pelo professor ou em forma de jorgal pelos alunos A opção usual pela leitura expressiva do professor decorre do fato de que ele conhece bem o texto e por isso tem condições de realizála com qualidade A leitura oral que assume a forma de um jorgal demanda um trabalho prévio Isso implica marcações no texto e seleção dos alunos leitores a fim de que não se transforme em uma maneira de chamar a atenção daquele aluno mais distraído conforme seu uso tradicional Em nossa sequência com os alunosprofessores de João Monlevade decidimos transformar esses dois momentos em três colocando a interpretação entre o primeiro e os dois últimos Desse modo tão logo chegaram ao final do conto os professoresalunos começaram a murmurar sobre a estranheza do texto Nesse momento expliquei que havia retirado o final do conto para que eles reunidos em grupo apresentassem uma versão coerente segundo suas experiências de leitores do mundo e de textos literários A interpretação era justamente a construção de um final alternativo Para tanto dividimos os alunosprofessores em grupos buscando atingir a leitura solidária que fundamenta a comunidade de leitores ou seja a atividade deveria ser realizada em pequenos grupos proporcionando o compartilhamento das impressões iniciais de leitura e fortalecendo o sentido do texto por meio do debate Nesse tipo de trabalho é importante o professor destacar que seu objetivo não é de levar os alunos a adivinhar o final dado pelo autor nem mesmo a se aproximar dele mas sim compor com base nos elementos textuais e na sua vivência um final com coerência De certa maneira tão importante quanto o final alternativo é o caminho de leitura que o aluno percorreu para construílo coerentemente No caso do conto de Scliar percorremos os grupos chamando a atenção dos alunos para as estratégias de construção do conto tais como a ironia do narrador o uso alternado de nóseu no registro narrativo a relação tradicional e algo machista do casal principal a ênfase sobre a distinção de classe etc Esse momento da sequência foi o mais agitado já que os alunosprofessores não se contentavam em fazer seu próprio final e buscavam interação com os grupos vizinhos Quando todos os grupos terminaram de redigir seus finais voltamos para o segundo momento da leitura isto é solicitamos que um aluno de cada grupo lesse em voz alta o conto com o final alternativo A atividade despertou risos ante alguns finais extravagantes criados pelos grupos e outros tantos protestos a respeito da criatividade dos colegas mas intervimos e pedimos que as observações fossem guardadas para um debate a ser feito depois da leitura do final dado pelo autor Fizemos breve intervalo e retornamos para a leitura do texto integral de Scliar que foi feita por nós encerrando assim o terceiro momento da leitura Em seguida retomamos a interpretação com um debate sobre as diferenças e as semelhanças entre o final dado pelo autor e a produção dos alunos Nesse debate enfatizamos a necessidade de explicitar para os colegas por que se havia decidido por esta ou aquela solução quais os elementos textuais ou vivenciais que tinham encaminhado o final construído pelo grupo E mais uma vez lembramos que o mérito da atividade não estava centrado sobre a proximidade com o final do autor mas sim na coerência que os vários finais trouxeram ao conto Afinal de contas reescrever um final para o conto é um ato interpretativo A sequência básica encerrouse na interpretação Todavia como os professores nos indagaram como inserir essa sequência em sua prática cotidiana discutimos algumas possibilidades de continuidade Uma delas seria solicitar aos alunos que retomassem os textos de classificados e tendo em vista que deveriam se mudar elaborassem um classificado de sua atual residência Outra consistiria em discutir a vida em condomínio com suas vantagens e desvantagens Depois do debate cada aluno deveria escrever um artigo sobre a questão Uma terceira seria uma pesquisa com ou sem entrevista sobre a vida em condomínios para então se realizar o debate e a escrita do artigo previsto anteriormente Uma atividade complementar buscaria na música popular no caso a canção Saudosa maloca de Adoniran Barbosa uma constante entre as representações de moradia Entre as diversas sequências básicas que trabalhamos com nossos alunos os quais uma vez professores trabalharam com os próprios alunos escolhemos esse exemplo para mostrar que a sequência não é algo intocável Dentro dos objetivos do letramento literário na escola é possível misturar como o fizemos a leitura com a interpretação a motivação com a introdução sempre de acordo com as necessidades e características dos alunos do professor e da escola O que não se pode perder de vista é a ideia de conjunto ou de ordenamento necessários em qualquer método No próximo capítulo apresentaremos a sequência expandida na qual se insere naturalmente a sequência básica básica como um suplemento do trabalho tradicional de expor as características dos períodos literários da tripartição clássica dos gêneros das listas de figuras de linguagem e das regras para escandir poemas classificar estrofes e rimas De modo aparente faltava ao trabalho de leitura literária que se fazia dentro da sequência básica o conteúdo que é tradicionalmente identificado como parte do saber literário Em outras palavras eles reconheciam por um lado que a sequência básica trazia algo novo ou algo que não se fazia muito presente em suas aulas isto é a aprendizagem da literatura porém por outro lado parecia faltar a aprendizagem sobre a literatura Essas observações nos levaram a propor várias alterações na sequência básica que buscassem atender a essa demanda dos professores de ensino médio Com as modificações introduzidas percebemos também que a aprendizagem através da literatura estava pouco sistematizada Faziase necessária uma reflexão maior que sem abandonar os princípios e os ganhos da sequência básica incorporasse em um mesmo bloco as diferentes aprendizagens do letramento literário Foi assim que chegamos à sequência expandida Com ela pretendemos responder não apenas às inquietações dos professores de ensino médio até porque sua prática não deve ser restrita a esse nível de ensino como mostraremos a seguir mas sim e sobretudo tornar explícita a presença das outras duas aprendizagens da literatura dentro dos passos iniciados na sequência básica Acreditamos que na sequência básica se realiza a aprendizagem plena da literatura mas porque nela se enfatiza a experiência da interpretação como construção do sentido do mundo as outras dimensões do letramento literário terminam por ocupar um segundo plano Essa posição secundária pode levar a um obscurecimento do lugar da literatura na escola sobretudo aquele dado pela tradição A sequência expandida vem deixar mais evidente as articulações que propomos entre experiência saber e educação literários inscritos no horizonte desse letramento na escola Para demonstrar o funcionamento das etapas da sequência expandida escolhemos como exemplo O cortiço de Aluísio Azevedo As razões da seleção se devem a questões teóricometodológicas e algumas casualidades Quando buscamos pela primeira vez um romance para ilustrar a sequência expandida impusemos quatro restrições A primeira era que deveria se tratar de obra considerada difícil de ser lida segundo o julgamento dos professores A segunda demandava que a obra tivesse um valor simbólico claramente estabelecido a fim de que o professor sentisse que valia a pena o esforço de empreender sua leitura com os alunos Essas duas primeiras restrições nos levaram naturalmente ao cânone da literatura brasileira Dentro do cânone as obras que melhor preenchiam essas exigências eram aquelas do final do século XIX e início do século XX A terceira restrição era que a obra permitisse um contato imediato com o presente dos alunos Nesse caso pensamos que a lista do vestibular ou um tema atual poderia ser o elemento de ligação desejado Na quarta o estudo da obra em questão deveria trazer alguma informação nova aos professores Essas duas últimas restrições nos levaram ao naturalismo Por questões de recepção crítica e da própria construção do cânone brasileiro a partir de uma visão modernista o naturalismo é usualmente considerado na literatura brasileira como um movimento falhado Leituras mais recentes e livres de certos preconceitos modernistas têm procurado reverter essa percepção que ainda é dominante não apenas nos livros didáticos do ensino médio mas também nos manuais de história da literatura dos cursos de graduação em Letras Além disso por rediscutirem o Brasil que se construía na passagem do Império à República e focalizarem questões sociais ainda muito presentes em nosso cotidiano os romances naturalistas brasileiros permitiam a almejada aproximação imediata Dentre as obras naturalistas O cortiço foi escolhido por ser o mais conhecido Desse modo ele não só era citado em todos os livros didáticos como o exemplo mais acabado do naturalismo brasileiro como também era mais fácil encontrar a quantidade de exemplares necessária para toda a turma As reedições de obras do século XIX mesmo canônicas nem sempre estão disponíveis em nosso mercado editorial Por fim a decisão final veio de uma observação feita por um aluno que acabara de ingressar no curso de Letras Uma das primeiras atividades que realizávamos com os alunos da disciplina Teoria da Literatura consistia em um autorretrato de leitor Em um desses autorretratos um aluno declarou que não gostava de ler literatura séria e explicou que isso se dava porque eram livros chatos e cansativos que continham muita descrição e pouca história Quando indaguei um exemplo respondeu com O cortiço1 Estava lançado o desafio com os alunos Essas duas primeiras restrições nos levaram naturalmente ao cânone da literatura brasileira Dentro do cânone as obras que melhor preenchiam essas exigências eram aquelas do final do século XIX e início do século XX A terceira restrição era que a obra permitisse um contato imediato com o presente dos alunos Nesse caso pensamos que a lista do vestibular ou um tema atual poderia ser o elemento de ligação desejado Na quarta o estudo da obra em questão deveria trazer alguma informação nova aos professores Essas duas últimas restrições nos levaram ao naturalismo Por questões de recepção crítica e da própria construção do cânone brasileiro a partir de uma visão modernista o naturalismo é usualmente considerado na literatura brasileira como um movimento falhado Leituras mais recentes e livres de certos preconceitos modernistas têm procurado reverter essa percepção que ainda é dominante não apenas nos livros didáticos do ensino médio mas também nos manuais de história da literatura dos cursos de graduação em Letras Além disso por rediscutirem o Brasil que se construía na passagem do Império à República e focalizarem questões sociais ainda muito presentes em nosso cotidiano os romances naturalistas brasileiros permitiam a almejada aproximação imediata Dentre as obras naturalistas O cortiço foi escolhido por ser o mais conhecido Desse modo ele não só era citado em todos os livros didáticos como o exemplo mais acabado do naturalismo brasileiro como também era mais fácil encontrar a quantidade de exemplares necessária para toda a turma As reedições de obras do século XIX mesmo canônicas nem sempre estão disponíveis em nosso mercado editorial Por fim a decisão final veio de uma observação feita por um aluno que acabara de ingressar no curso de Letras Uma das primeiras atividades que realizávamos com os alunos da disciplina Teoria da Literatura consistia em um autorretrato de leitor Em um desses autorretratos um aluno declarou que não gostava de ler literatura séria e explicou que isso se dava porque eram livros chatos e cansativos que continham muita descrição e pouca história Quando indaguei um exemplo respondeu com O cortiço1 Estava lançado o desafio Motivação Como já vimos na seqência básica a motivação consiste em uma atividade de preparação de introdução dos alunos no universo do livro a ser lido No caso de O cortiço buscamos uma realidade comum nos centros urbanos brasileiros a A sequência expandida Se entendermos a Literatura como visão de mundo prática social invenção a partir de uma realidade concreta com a palavra trabalhada um dos objetivos de seu ensino é fazer surgir ou aperfeiçoar o espírito crítico do estudante em relação ao mundo real É claro que esse espírito crítico está intimamente ligado à experiência do professor e à do estudante em sua práxis bem como ao conhecimento de ambos da História artes em geral política etc Letícia Malard Ensino e literatura no 2o Grau 1985 Quando começamos a trabalhar com a montagem das sequências para o letramento literário na escola elaboramos primeiro a sequência básica e ficamos satisfeitos com os resultados obtidos Alunos de todas as idades e níveis escolares respondiam à estratégia da sequência com entusiasmo e produziam leituras significativas dos textos literários O envolvimento de alunos e professores nas atividades mostrava que o letramento literário preconizado pelo método era novo caminho que se abria ao ensino de literatura na escola O exemplo dos alunos de Metodologia do Ensino da Literatura que sob nossa orientação produziram várias sequências básicas e as ministraram em aulas regulares em diversas escolas e para públicos variados testemunhava que trabalhar o texto literário podia ser um ensino com saber e sabor Todavia se nossos alunos e os professores do ensino fundamental eram aqueles que mais prontamente respondiam à proposta do método os professores do ensino médio mesmo diante da resposta positiva de seus alunos reagiam com alguma reserva Em conversa com vários deles percebi que tomavam a sequência vida em condomínio Seja o condomínio de edifício de luxo ou constituído de blocos residenciais do extinto BNH seja o condomínio fechado constituído por casas normalmente localizado em uma zona periférica da cidade O objetivo é levar os alunos a refletir sobre as relações que se estabelecem nesses ambientes e as transformações que trazem para a vida social e pessoal Para a primeira atividade de motivação articulamos uma estratégia bem simples O professor seleciona de jornais e revistas textos publicitários sobre os mais diversos tipos de condomínio e com os alunos divididos em grupos solicita que indiquem em qual condomínio desejariam morar ou não gostariam de morar e justifiquem a escolha Na apresentação das justificativas estabelecese um breve debate sobre o valor social da moradia Com esse material o professor pode variar a atividade solicitando que o aluno compare sua moradia com aquela descrita nos textos publicitários Outra possibilidade consiste em distribuir para cada grupo um dos textos publicitários e pedir que o aluno imagine como é viver naquele condomínio o que aconteceria com sua família e com seus amigos se morassem ali Conforme se pode perceber há muitas variações para o uso de material publicitário retirado de revistas e jornais Mas eles não são os únicos textos que se pode aproveitar para as atividades de sala de aula Para outra motivação de O cortiço utilizamos uma matéria de uma revista semanal que trata da expansão dos condomínios fechados nas grandes cidades O texto aborda os pontos positivos como segurança e os negativos como isolamento e alienação social para as crianças que crescem nesses condomínios Na sala de aula o texto escolhido pode ser usado para fomentar uma discussão sobre o tema com o posicionamento dos alunos não apenas quanto às vantagens e às desvantagens apontadas pela matéria mas também pela própria maneira como a revista apresentou a questão os recursos utilizados para tornála um assunto jornalístico opinião de especialistas posição de moradores dados estatísticos fotografias etc Outra motivação é o uso de piadas sobre a vida em condomínios sobretudo aquelas que têm como personagem central o síndico Elas são facilmente coletáveis na internet nos programas humorísticos da TV ou nos livros de anedotas Ao trazer essas piadas para a sala de aula o professor pode aproveitar a estigmatização do síndico para analisar com os alunos os vários aspectos da vida em um edifício Não se trata de retirar o caráter engraçado das anedotas com preleções sobre a necessidade de organização da vida em comum ainda que se necessário isso possa ser feito também mas sim de mostrar nos confrontos entre síndico e moradores que inspiram as piadas o cotidiano da vida em comum de pessoas com interesses diversos Nesse trabalho de compreensão que coloca em segundo plano o julgamento das situações o professor pode solicitar aos alunos que justifiquem as ações de síndico e moradores e indiquem como agiriam no lugar de um e de outros Um material alternativo às piadas pode ser as charges que tematizam a vida em condomínios O professor pode utilizálas do mesmo modo que usaria as piadas A reflexão sobre os condomínios como espaço de relações humanas não precisa ficar restrita à leitura de textos em sala de aula Uma atividade de motivação que pode ser implementada pelo professor é a montagem de um condomínio O professor pede a cada aluno que traga um recorte com imagens de residências caso deseje fazer toda a atividade em sala de aula ele mesmo pode providenciar os recortes coletados em anúncios de jornais e revistas e também em material publicitário de lojas de tintas e material de construção por exemplo Em sala de aula professor e alunos devem montar juntos um condomínio previamente delineado ou não em uma folha grande de papel pardo na forma de um edifício Depois da montagem elaborase um texto descrevendo o condomínio construído em conjunto Se a atividade anterior parecer um tanto primária para os futuros leitores de O cortiço outra possibilidade de uma motivação é o depoimento Os alunos podem realizar a atividade com os próprios colegas no entanto será mais interessante com moradores de diferentes tipos de condomínio Nesse caso o professor estabelece um perfil de condomínio para cada aluno ou grupo de alunos Eles devem buscar o depoimento de um morador sobre a vida naquele ambiente e escrever um texto Em seguida realizase a apresentação dos depoimentos em sala de aula com direito a perguntas dos colegas e do professor sobre as informações coletadas Em face dessas e outras possibilidades de motivação o professor não pode perder aquilo que realmente interessa na realização de qualquer uma delas a preparação para a leitura do texto literário Dessa maneira o primeiro passo na montagem de uma estratégia de motivação é estabelecer o objetivo aquilo que se deseja trazer para os alunos como aproximação do texto a ser lido depois Com esse objetivo em mãos o professor tem apenas como restrição o limite do tempo pois como já enfatizamos uma motivação longa tende a dispersar o aluno em lugar de centralizar sua atenção em um ponto específico que será o texto literário Introdução Para introduzir uma obra canônica como O cortiço a simples e breve apresentação do autor e da obra pode ser a atividade mais adequada O professor deve levar em consideração que algum aluno já deve ter ouvido falar do livro ou do autor e aproveitar esse conhecimento para localizar com economia os dados críticos biográficos e bibliográficos ao lado da justificativa da seleção Há entretanto outras possibilidades Para O cortiço planejamos três diferentes introduções que podem ser combinadas com a introdução tradicional conforme o interesse do professor A primeira é a entrada temática que toma a motivação como eixo Nesse caso a abordagem será centrada na questão da moradia O livro será apresentado como uma reflexão sobre as condições de moradia do Rio de Janeiro nos últimos anos do Império feita por um autor crítico da organização social da época Convém que esse tipo de entrada temática seja breve porque seu papel é apenas sugerir uma porta para o texto e não determinar a interpretação ou seja ela serve para despertar o interesse do aluno pela obra e não conduzir sua leitura A segunda introdução vem do aproveitamento do acervo da biblioteca Não é raro encontrar várias edições de O cortiço na biblioteca escolar A proposta é que o professor selecione três ou quatro edições e faça com os alunos uma leitura da edição do livro O objetivo é chamar a atenção para o que elas indicam sobre o conteúdo a imagem do leitor e as condições propostas de circulação Desse modo podese destacar por exemplo que se trata de uma edição didática pela presença de suplementos de leitura ou de uma edição de coleção indicada pela capa dura Como terceira possibilidade sugerese a leitura das primeiras páginas em sala de aula para apresentação das personagens principais O cortiço é um romance que favorece essa introdução porque traz nas primeiras páginas não só a apresentação das personagens principais como também de seu espaço que como se sabe é fundamental na leitura dessa obra O professor não precisa ler o texto por inteiro basta que destaque os trechos centrais à descrição do espaço e das personagens Todas essas possibilidades podem ser ampliadas com a leitura de prefácios orelhas e outros textos que constituem a apresentação do livro O professor pode até trabalhar com a apresentação de outra obra diretamente relacionada com aquela a ser lida conforme sugestão de um aluno que usou o cartaz de um filme que adaptava o texto clássico ou aquele que levou para seus alunos um comercial de TV que se apropriava da personagem principal do livro Nesse caso o cuidado é não desviar a atenção do aluno para o texto segundo em detrimento do texto primeiro Como outro aluno muito bem observou tal estratégia deve englobar a leitura do filme ou do texto segundo em algum momento da sequência para que os alunos não se sintam traídos na apresentação Qualquer que seja a introdução desenhada pelo professor não é adequado que ela ultrapasse o limite de uma aula e convém que seja logo seguida das negociações de prazos da leitura extraclasse Leitura Na questão da leitura que convém ser feita prioritariamente extraclasse o professor e os alunos buscarão acertar em conjunto os prazos de finalização da leitura Em algumas turmas esse acerto pode requerer uma negociação delicada Em outras será conveniente observar a disponibilidade de tempo dos alunos para essa atividade entre outras tarefas escolares Independentemente do tipo de acerto feito e das suas condições o tempo de leitura precisa ter um limite claro Ele não pode ser tão curto a ponto de deixar uma parte dos alunos sem conhecimento do texto nem tão longo que leve à dispersão da leitura Nesse sentido é importante levar em consideração que se tende a despender mais tempo nos capítulos iniciais quando as personagens e situações básicas da narrativa são introduzidas do que nos últimos posto que para isso concorre tanto para o conhecimento que já se tem das linhas gerais da história quanto para a proximidade do desenlace Além disso há sempre a possibilidade de um colega ter lido um pouco mais do que o outro o que tende a acelerar o tempo da leitura da turma É claro que cabe ao professor estabelecer um sistema de verificações que como foi mencionado pode ser feito por meio dos intervalos de leitura Esses intervalos são também momentos de enriquecimento da leitura do texto principal A participação dos alunos e as relações que eles conseguem fazer entre os textos demonstram a efetividade da leitura que está sendo feita extraclasse Para O cortiço planejamos três intervalos que buscam dialogar com a obra em diferentes enfoques O Intervalo 1 é uma leitura da canção Saudosa maloca de Adoniran Barbosa A letra e até a música são facilmente localizadas na internet assim como informações sobre o compositor Tratase de uma canção que tematiza a moradia mas pelo lado daqueles que não a possuem Tratase de três homens expulsos da casa abandonada que haviam invadido porque em seu lugar será construído um edifício de vários andares Sem lugar para morar eles terminam dormindo na rua aparentemente conformados e apoiados apenas na providência divina Implicitamente a canção fala do processo de urbanização dos grandes centros urbanos cujo exemplo maior é São Paulo que transforma as casas em edifícios e desloca os mais pobres para a periferia das cidades quando não os condena às ruas e aos viadutos É esse abandono da população mais pobre à própria sorte e a marcha da urbanização agora verticalizada que aproximam os dois textos e permitem que a turma discuta a questão da moradia no Brasil Na leitura da canção é importante que se tomem dois cuidados Um em relação à própria canção ou seja não ceder à tentação de tratála como um poema deixando de lado a unidade que há entre música e palavra Como os demais gêneros a canção requer uma leitura que a trabalhe como tal e não como um poema com rimas evidentes conforme acontece usualmente Outro cuidado consiste em não reduzir a leitura da canção a um apêndice do romance Tanto é assim que se aconselha que seja feita a leitura da canção em primeiro lugar e só depois se buscará relacionála com O cortiço Essa orientação vale para todos os intervalos cujos textos não podem ser diminuídos ante a obra literária objeto da leitura central Por fim caso o professor considere que a canção Saudosa maloca terá pouco apelo perante seus alunos poderá escolher outra de sua preferência ou que julgar mais adequada a exemplo de Refavela de Gilberto Gil que trata das favelas como indica o título ainda que em um registro menos evidente Também pode recorrer a videoclipes de artistas que estejam mais próximos das preferências artísticas dos alunos sem ignorar a união entre imagem movimento e música que constituem esses textos O Intervalo 2 focaliza a dificuldade de sobrevivência e o imaginário popular em um conto de Lima Barreto Tratase de A Cartomante É a história de um homem perseguido pela má sorte que busca na consulta a uma cartomante entender e romper o malefício que julga impedir seu caminho para o trabalho e uma vida mais digna para a família O tratamento dado à personagem pelo narrador entre irônico e compassivo revela certa comunhão entre os dois em oposição ao distanciamento que em geral se observa entre personagens e narrador em O cortiço Todavia o desfecho inesperado aproxima ambos os textos ao sublinhar a inexorabilidade do destino que parece reger com requintes de crueldade a vida dos mais pobres Esses são alguns dos aspectos que se pode enfatizar no momento em que se realiza a aproximação entre o romance e o conto Para tornar o trabalho mais produtivo é possível ao professor solicitar aos alunos que identifiquem dentre as personagens de O cortiço aquela que mais se identifica com o protagonista anônimo de Lima Barreto Embora o trabalho com textos do campo literário seja bastante produtivo nos intervalos nada impede que o professor adote textos de outras áreas Na verdade a exigência é que eles sejam além de relacionados ao texto principal de curta extensão a fim de que a atividade seja efetivada em uma única aula ou não perturbe a leitura da obra central O Intervalo 3 por exemplo é a leitura de uma imagem Tratase da fotografia de um cortiço no centro do Rio de Janeiro de 1906 A imagem encontrase disponível no site desenvolvido pela UFRJ com dados sobre o programa FavelaBairro httpwwwfauufrjbrprourbcidadesfavelaframeshtml inclusive com um histórico sobre as favelas que pode ser usado pelo professor se o desejar A fotografia em preto e branco mostrando no plano principal o quintal de um cortiço com várias roupas estendidas no espaço entre os telhados e na parte inferior algumas pessoas agrupadas Ainda que a fotografia diga respeito diretamente ao livro de Aluísio de Azevedo o professor não deve esquecer que a primeira leitura é da fotografia em si mesma Aliás ler uma imagem é um exercício de perspicácia que pode gerar muitas associações imprevistas Cabe ao professor deixar fluir as leituras dos alunos demandando apenas coerência com a imagem apresentada Ao final estes devem escolher um trecho de O cortiço que melhor se identifique com a fotografia sendo requerida a mesma coerência A depender da disponibilidade de tempo podese ainda solicitar uma justificativa por escrito da relação entre trecho e imagem proposta pelo aluno Buscamos de forma intencional trazer a leitura de textos diversificados para os intervalos a fim de mostrar ao professor que não há limites ou imposições rígidas na seleção de textos Mais que isso é preciso compreender que o literário dialoga com os outros textos e é esse diálogo que tece a nossa cultura Por essa razão é papel da escola ampliar essas relações e não constrangêlas Embora não seja o único momento para o estabelecimento desse diálogo ao longo do processo de letramento literário os intervalos podem e devem ser usados para cumprir tal objetivo Primeira interpretação A primeira interpretação destinase a uma apreensão global da obra O objetivo dessa etapa é levar o aluno a traduzir a impressão geral do título o impacto que ele teve sobre sua sensibilidade de leitor Desse modo a produção de um ensaio ou mesmo de um depoimento pode ser o registro ideal dessa primeira interpretação Normalmente os alunos reagem bem a essa liberdade de dizer o que pensam sobre a obra lida sem restrições de forma Basta que o professor proponha a atividade e disponibilize o tempo para realizála Em algumas turmas entretanto fazse necessário que se encaminhe de maneira um tanto mais direta a primeira interpretação Nesse caso o professor pode lançar mão por exemplo da técnica da entrevista que pode ser realizada de duas maneiras A primeira delas uma entrevista informal ou seja os alunos em dupla devem indagar um ao outro o que mais o atraiu na leitura da obra Depois dessa conversa cada um deve redigir o texto dizendo em que sua leitura diverge da leitura do colega A segunda é uma entrevista formal O aluno prepara as perguntas e as encaminha por escrito a um colega Este deve respondêlas tendo a opção de tomar as perguntas como um roteiro para elaborar o seu ensaio ou de encaminhar a resposta para o colega que fará o ensaio contrastando suas posições com a do colega Outra possibilidade é a sugestão de um tema consensual em que todos irão se debruçar O professor faz a indicação após consultar os alunos No caso de O cortiço um tema plausível em nosso planejamento é a habitação como lugar social o cortiço e o sobrado Todavia o professor não deve se surpreender se os alunos preferirem tratar das relações amorosas ou temas que sejam mais interessantes para eles Qualquer que seja a maneira de encaminhar a primeira interpretação convém que ela seja feita em sala de aula ou pelo menos iniciada na sala de aula Essa exigência decorre do caráter de fechamento de uma etapa que a primeira interpretação precisa trazer consigo Ela deve ser vista por alunos e professor como o momento de resposta à obra o momento em que tendo sido concluída a leitura física o leitor sente a necessidade de dizer algo a respeito do que leu de expressar o que sentiu em relação às personagens e àquele mundo feito de papel A disponibilização de uma aula para essa atividade sinaliza para o aluno a importância que sua leitura individual tem dentro do processo de letramento literário É por isso que o aluno precisa ser livre para escrever o que desejar dentro dos limites dados Nesse processo cabe ao professor intervir minimamente a fim de evitar que essa primeira interpretação sofra com sua intervenção Aliás o papel do professor é apenas de estabelecer as balizas para a produção do texto e não de participar da elaboração dele Também não se pressupõe que os alunos construam uma posição comum como turma a respeito da obra lida Ao contrário quando mais individuais forem as leituras maior será o enriquecimento da turma Por essa razão não se aconselha para essa etapa da sequência expandida a realização de debates ou atividades em grupos Esse é o momento em que o aluno se encontra com o livro e esse encontro por mais que tenha sido mediado pelo trabalho de motivação introdução e leitura precisa de liberdade e individualidade para se efetivar plenamente O respeito pela liberdade e pela individualidade da leitura do aluno não é porém um pretexto para que se aceite um julgamento sumário da obra do tipo gostei ou não gostei ou a recusa de um texto elaborado sob o argumento de que não tenho nada a dizer sobre esse livro Aliás a primeira interpretação terá dificuldade em se efetivar positivamente se for conduzida quer pelo professor quer pelos alunos em termos de mera avaliação da obra É antes a compreensão que se busca entrever na apreciação feita pelo aluno ou seja o valor do texto do aluno está na capacidade de compreender a obra e não em julgála de modo crítico embora as compreensões mais profundas não deixem de ser intensamente críticas Nesse sentido nada impede o professor de apontar nas leituras mais superficiais as inconsistências que julgar importante para uma compreensão maior da obra solicitando inclusive que o aluno realize uma reescritura Naturalmente esse trabalho requer sensibilidade e extremo respeito pela leitura realizada pelo aluno Contextualização A noção de contexto literário é uma forma tradicional de separar a literatura da história isto é o contexto é simplesmente a história Essa concepção fica muito clara quando se observa nos livros didáticos a introdução aos estilos de época por meio de uma síntese histórica que denominam de contexto Por vezes reconhecendose a distância entre esse contexto e o texto buscouse estabelecer uma relação que abarque a produção literária e a história do período por meio da história das ideias Desse modo explicase o uso intenso de antíteses e paradoxos no Barroco como resultado das dissensões religiosas dos movimentos da Reforma e Contrarreforma que quebraram a unidade religiosa da Europa ou a rebeldia dos heróis românticos pelo impacto das ideias iluministas na sociedade e assim por diante Todavia mesmo quando fora de um esquema redutor de causa e consequência esse tipo de relação entre a história e a literatura tende a pecar pelo excesso de generalidade ou pela singularidade da explicação Tem razão pois Dominique Mainguenau 1995 quando critica tanto essas explicações quanto a divisão entre contexto e obra literária romance Tudo isso faz parte de uma poética mas seu estudo não se restringe à catalogação de itens Desse modo esses elementos podem e devem fazer parte da contextualização poética como instrumentos de análise como mecanismos de compreensão do funcionamento das obras literárias Na contextualização poética o que se busca observar é a economia da obra como ela está estruturada quais os princípios de sua organização Para tanto contam as categorias tradicionais de análise literária quer em termos macro como os gêneros quer em termos micro como a elaboração da linguagem É a leitura da obra de dentro para fora do modo como foi constituída em termos de sua tessitura verbal É assim por exemplo que a poética de O cortiço pode ser analisada na estrutura opositiva complementar que articula quase todas as personagens tanto horizontal quanto verticalmente como acontece com as personagens femininas Rita Baiana e Piedade no primeiro caso e Bertoleza e Estela no segundo Também pode ser estudada a linguagem descritiva que permeia toda a obra e como ela configura não só o espaço mas também o narrador e as demais categorias narrativas Contextualização crítica Comum nos cursos de graduação em Letras quando os professores demandam nas aulas de literatura uma revisão crítica do que já foi publicado sobre determinadas obras ou escritores a contextualização crítica trata da recepção do texto literário Nesse caso ela pode tanto se ocupar da crítica em suas diversas vertentes ou da história da edição da obra Nesta última situação aquelas já canonizadas costumam trazer um material mais farto e portanto mais fácil de ser realizado Na primeira situação é incabível dizer que não se aplica a obras contemporâneas Mesmo uma obra recémpublicada terá alguma notícia no jornal e alguma leitura feita no prefácio ou nas orelhas Essa é uma contextualização interessante e que deveria ser minimamente praticada ainda que se tivesse outra ou outras em mira sobretudo quando se tratar de obras canonizadas O confronto de leituras no tempo e no espaço é um diálogo poderoso no processo de letramento literário Ele nos dá a dimensão do tempo e do leitor que as obras carregam consigo no universo da cultura São elos de uma corrente que vai se ampliando e se transformando a cada novo leitor que a ela se acrescenta Para tanto é fundamental que o professor não trate a crítica especializada como a voz autorizada a dizer a importância do texto nem mesmo assuma essa voz como sua na leitura da obra Inspirados em Maingueneau sugerimos a contextualização como o movimento de ler a obra dentro do seu contexto ou melhor que o contexto da obra é aquilo que ela traz consigo que a torna inteligível para mim enquanto leitor Dessa maneira toda a vez que leio um livro estou também lendo seu contexto simplesmente porque texto e contexto se mesclam de tal maneira que resulta inútil estabelecer fronteiras entre eles Em lugar de uma fronteira como linha de delimitação entre territórios distintos a relação entre texto e contexto deve ser analisada como a passagem em um limiar um espaço que pode ser estendido até o ponto em que a vibração ou o efeito deixa de ser percebido É assim que certos contextos parecem mais evidentes para certos leitores do que para outros É assim que determinados aspectos da obra podem ser explorados em sala de aula A contextualização que propomos compreende o aprofundamento da leitura por meio dos contextos que a obra traz consigo Nesse sentido o número de contextos a serem explorados na leitura de uma obra é teoricamente ilimitado Sempre é possível acrescentar ou ampliar um contexto já dado No entanto como nossa intenção é indicar ao professor um caminho para ler de maneira explícita a obra em seu contextualmente vamos apresentar no início sete contextualizações teórica histórica estilística poética crítica presentificadora e temática Contextualização teórica A contextualização teórica procura tornar explícitas as ideias que sustentam ou estão encenadas na obra Não se trata porém de fazer história das ideias a partir do texto literário mas sim de verificar como em certas obras determinados conceitos são fundamentais Aliás esse é bem o caso de O cortiço Como qualquer manual de literatura explicita Azevedo buscou traçar em seu livro a força do determinismo biológico na vida dos seres humanos Dessa maneira nossa proposta de contextualização teórica para O cortiço procura explorar as relações entre ciência e determinismo biológico A atividade pode ser desenvolvida com a ajuda da professora de Biologia por exemplo como parte da cooperação interdisciplinar Os alunos poderiam ser orientados a apresentar um estudo que teria como tema a multiplicação da célulamãe a seleção natural Contextualização histórica Mais próxima do tradicional a contextualização histórica abre a obra para a época que ela encena ou o período de sua publicação Aqui é pertinente que se evite uma visão estreita da história como mera sucessão de eventos Essa contextualização visa relacionar o texto com a sociedade que o gerou ou com a qual ele se propõe a abordar internamente Por isso não convém fazer dela uma caça aos dados historicamente estabelecidos para verificárlhes a exatidão antes se deve buscar a dimensão histórica que toda obra literária possui seja como representação seja como produção seja de ambas as formas Na verdade a contextualização histórica pode desdobrarse em várias outras segundo os interesses dos alunos como a contextualização biográfica que tratará da vida do escritor e a contextualização editorial que abordará as condições de publicação da obra na época No caso de O cortiço o estudo da vida cotidiana do final do Império e das disputas que ali se travavam para construir o Brasil do século xx pode ser uma contextualização histórica de grande valor para aprofundar a leitura Contextualização estilística A contextualização estilística responde pela grande demanda dos professores pelo saber literário tradicional Ela está centrada nos estilos de época ou períodos literários mas precisa ir além da identificação de traços ou características dos movimentos em recortes textuais Em primeiro lugar o professor não deve ignorar que os períodos literários são abstrações construídas a posteriori pelos historiadores logo são as obras que informam os períodos e não inverso Depois nenhuma obra se identifica inteiramente com o período De fato elas participam do período no sentido de que ele é construído a partir delas Com isso o período literário é um complexo estilístico uma virtualidade que a obra efetiva de maneira peculiar Tendo isso em mente a contextualização estilística deverá buscar analisar o diálogo entre obra e período mostrando como uma alimenta o outro Em O cortiço o naturalismo pode ser estudado a partir da obsessiva fidelidade ao real que conduz os escritores a manifestar em suas obras certa preferência pelo baixo pelo degradado pelo marginal ao lado de uma forte preocupação com as teses das ciências ditas à época experimentais Contextualização poética Também dentro do escopo tradicional dos estudos literários a contextualização poética responde pela estruturação ou composição da obra Aqui o risco é reduzir a poética a uma lista de figuras no caso da poesia ou a categorias como personagem narrador tempo espaço e outras no caso de narrativas literárias a exemplo do com os alunos Ler a crítica deve ser visto como uma das muitas possibilidades de abordar o texto A contextualização crítica é assim a análise de outras leituras que tem por objetivo contribuir para a ampliação do horizonte de leitura da turma Nesse sentido para além da crítica acadêmica uma fonte interessante para essa contextualização pode ser encontrada nos textos escritos especialmente para os alunos como os manuais didáticos que trazem informações sobre aquele livro específico e os roteiros ou guias de leitura como acontece com obras canônicas a exemplo de O cortiço O manuseio desse material demanda um exercício mais crítico da parte do aluno mas pode ser um ponto de contraste e confronto enriquecedor com as leituras acadêmicas Contextualização presentificadora A contextualização presentificadora ou simplesmente presentificação é uma prática usual nas aulas de literatura do ensino médio assim como a contextualização temática Na maioria das vezes o professor as utiliza para despertar o interesse do aluno pela obra chamando sua atenção para o tema e as relações dele com o presente A presentificação é a contextualização que busca a correspondência da obra com o presente da leitura Tratase por assim dizer de uma atualização O aluno é convidado a encontrar no seu mundo social elementos de identidade com a obra lida mostrando assim a atualidade do texto É importante que esse processo seja conduzido com atenção pelo professor uma vez que se corre o risco de estabelecer uma relação superficial violentando a realidade histórica da obra Tomese como exemplo O cortiço Nada mais adequado do que aproximálo das favelas de hoje mas a simples identidade entre os dois tipos de moradia não beneficia a compreensão de um ou de outro Não só porque os cortiços são anteriores às favelas ou um de seus antecessores mais diretos mas também porque são arranjos diferenciados para problemas que permanecem sem solução Nesse sentido a presentificação mais interessante talvez não seja aquela que busca as semelhanças entre as favelas e os cortiços mas sim aquela que explora sob a semelhança do problema da moradia urbana as diferenças dos arranjos que a população mais pobre é forçada a adotar Outro caminho que a presentificação pode trilhar é a busca da mesma diferença Nesse caso uma aproximação inusitada que quebre a relação esperada pode ser muito mais produtiva na leitura da obra Na análise de O cortiço por exemplo os conjuntos habitacionais tipo BNH ou os condomínios de luxo podem ser tão representativos na presentificação da obra como as favelas Segunda interpretação Ao contrário da primeira interpretação que busca uma apreensão global da obra a segunda interpretação tem por objetivo a leitura aprofundada de um de seus aspectos É por assim dizer uma viagem guiada ao mundo do texto a exploração desse enfoque Ela pode estar centrada sobre uma personagem um tema um traço estilístico uma correspondência com questões contemporâneas questões históricas outra leitura e assim por diante conforme a contextualização realizada Essa ligação entre contextualização e segunda interpretação é indissociável e pode acontecer de maneira direta ou indireta A indireta é aquela em que o aluno realiza a contextualização separadamente ou seja a pesquisa é feita sem que se estabeleça uma relação prospectiva e imediata com a atividade seguinte Articulam assim duas atividades distintas o estudo do contexto e a leitura da obra ainda que relacionadas de forma íntima Nesse caso é conveniente que a contextualização seja feita de preferência em grupo e a segunda interpretação pode ou não ser realizada individualmente pelo aluno Também é interessante que o professor promova a apresentação da contextualização para que toda a turma compartilhe os resultados das pesquisas antes de realizar a segunda interpretação A ligação direta consiste na integração entre as duas etapas sem que se estabeleça uma quebra entre elas isto é a contextualização e a segunda interpretação são realizadas como se fossem uma única atividade Aqui o professor pode simplesmente solicitar que o aluno incorpore a pesquisa à segunda interpretação por meio da abordagem daquele aspecto na obra Com isso a relativa independência da contextualização deixa de existir e a atividade será mais produtiva se realizada em duplas ou individualmente devendo portanto ser evitada em grupos de três ou mais alunos Outra possibilidade de ligação direta é aquela realizada por meio de um projeto Nesse caso contextualização e segunda interpretação são dadas juntas e efetivadas dentro de um todo maior que é o projeto Para efetivar esse projeto o professor não deve deixar de pedir aos alunos sua formalização com apresentação de título objetivo justificativas procedimentos cronograma e bibliografia Naturalmente o grau de elaboração desses itens que podem incluir hipótese pergunta etc vai depender da série e da faixa etária dos alunos mas mesmo aqueles das séries iniciais podem fazer uma proposta de leitura que implique uma pesquisa de determinado aspecto de uma obra O importante é que essa pesquisa conduza a um aprofundamento da interpretação inicial e não perca a obra como seu horizonte de leitura Uma vez elaborados os projetos devem ser apresentados à turma para que possam ser discutidos e estratégias de colaboração possam ser estabelecidas entre as diferentes propostas Também não se deve esquecer que o recurso ao projeto requer uma apresentação dos resultados alcançados e o compartilhamento deles com a turma Qualquer que seja a forma escolhida pela turma para essa apresentação e compartilhamento ela não dispensa um registro formal que pode até ser entre outras possibilidades um caderno de ensaios sobre a obra objeto da leitura Para O cortiço é possível tomar um tema mais amplo como moradia ou sexualidade e solicitar que os alunos busquem em seus projetos abordagens específicas desse tema geral Essa prática do projeto tem vários benefícios no processo de letramento literário A primeira delas é que permite maior autonomia na leitura da obra porque o planejamento da atividade passa a ser mais compartilhado ou até mesmo transferido do professor para o aluno Depois a integração entre a contextualização e a segunda interpretação em um projeto colabora para um equilíbrio maior entre as duas etapas gerando harmonia e coerência na leitura da obra A adoção do projeto também favorece a diversidade de abordagem da obra e consequentemente o desejado aprofundamento da leitura da turma Do mesmo modo os interesses dos alunos podem ser contemplados mais facilmente inclusive com a possibilidade de convivência entre projetos individuais e projetos de grupos Por fim desde o planejamento até a apresentação dos resultados um projeto conduz a vários registros que possibilitam um acompanhamento mais seguro da atividade assim como facilitam o processo de avaliação Independentemente do caminho escolhido pelo professor a segunda interpretação não pode prescindir de um registro final que evidencie o aprofundamento da leitura Esse registro pode ser aquele do projeto mas também pode ser aquele feito após o compartilhamento dos resultados dos projetos Para alunos mais adiantados o ensaio parece ser a maneira mais adequada de se efetuar esse registro final visto que é um exercício de escrita individual com forma relativamente livre quando comparado por exemplo com o relatório Todavia há outras possibilidades como uma exposição de cartazes para escola seminários com a presença de público externo à turma e a confecção de um livro com o resultado da leitura Atentese que esse registro final funcionará melhor se for negociado com os alunos e claramente estabelecido pelo professor antes da contextualização É importante que o professor perceba que se a primeira interpretação é um momento de introjeção da obra na história de leitor do aluno daí a ênfase sobre o encontro pessoal entre obra e leitor a segunda interpretação deve resultar em compartilhamento da leitura Esse é o ponto alto do letramento literário na escola O aprofundamento que se busca realizar na segunda interpretação deve resultar em um saber coletivo que une a turma em um mesmo horizonte de leitura É esse compartilhamento de leituras sem a imposição de uma sobre a outra antes com a certeza de que a diversidade delas é necessária para o crescimento de todos os alunos que constrói uma comunidade de leitores É o reconhecimento de que uma obra literária não se esgota antes se amplia e se renova pelas várias abordagens que suscita que identifica o leitor literário Expansão Com a segunda interpretação encerrase o trabalho de leitura centrada na obra e é chegado o momento de se investir nas relações textuais É esse movimento de ultrapassagem do limite de um texto para outros textos quer visto como extrapolação dentro do processo de leitura quer visto como intertextualidade no campo literário que denominamos de expansão Desse modo a expansão busca destacar as possibilidades de diálogo que toda obra articula com os textos que a precederam ou que lhes são contemporâneos ou posteriores Dentro da perspectiva do método a expansão pode resultar de uma relação já prevista na obra como citação direta ou indireta São as relações com as obras que lhe são anteriores que serviram de inspiração ou que estavam no horizonte de leitura do autor e foram por ele apropriadas e atualizadas de alguma forma naquela obra O professor pode aproveitar essas referências para apresentar a nova obra ou incentivar os alunos a buscarem a relação intertextual Neste último caso é importante que tenham certo repertório sem o qual a atividade fica inviabilizada Em O cortiço por exemplo é possível estabelecer relações intertextuais com obras como O Germinal e Naná de Émile Zola ou O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio de Eça de Queirós todas tendo como horizonte a estética naturalista A expansão pode ser também um diálogo que o leitor constrói entre duas ou mais obras Nesse caso tanto o professor quanto os alunos podem propor a obra segunda para que sejam buscadas as relações possíveis Aqui é importante que o professor tenha em mente que as relações que nos parecem evidentes nem sempre são percebidas do mesmo modo pelos alunos Algumas vezes a relação prevista é descontruída pelos alunos e relações inesperadas podem surgir Dentro do escopo das releituras da estética naturalista uma aproximação possível para O cortiço pode ser feita com o romance A selva de Ferreira de Castro que trata da vida dos seringueiros na Amazônia ou com Luna caliente de Mempo Giardinelli novela argentina sobre uma relação obsessiva entre um homem maduro e uma adolescente que termina em tragédia Também os filmes e as minisséries televisivas que foram baseados na obra são um material interessante para esse tipo de expansão devendo para tal serem lidos como reelaborações do texto e não sua mera transcrição em outro registro O trabalho da expansão é essencialmente comparativo Tratase de colocar as duas obras em contraste e confronto a partir de seus pontos de ligação Isso pode ser feito com a comparação imediata entre as duas obras ou ser desenvolvido de maneira semelhante à sequência básica Na primeira opção a obra segunda é rapidamente introduzida e sua leitura é condicionada à relação a ser estabelecida com a obra primeira O professor já encaminha a atividade a ser feita antes da leitura da obra ou logo depois Na segunda opção a sequência básica pode ser reduzida eliminandose a etapa da motivação uma vez que a leitura da obra primeira já funciona como tal Após a interpretação realizase a comparação entre as obras Conforme se pode depreender dos exemplos dados para O cortiço a expansão de acordo com que diz seu nome não tem fronteiras quanto ao tipo de obra embora se pressuponha que os textos que transitam de alguma forma pelo campo da literatura tenham preferência na seleção afinal tratase de letramento literário Essa abertura da expansão também se reflete na seleção de uma obra para a turma ou mais de uma com os alunos divididos em grupo ou ainda uma para cada aluno Como é de praxe é importante que o resultado da expansão seja registrado pelos alunos Quando a obra primeira serve de ponto de partida para a leitura de várias obras segundas uma feira literária com os alunos apresentando para toda a escola o resultado da expansão pode ser a melhor atividade a ser desenvolvida Finalmente a expansão pode ser utilizada ainda para reiniciar a sequência expandida ou iniciar a básica funcionando como uma motivação Em O cortiço por exemplo a expansão pode ser redirecionada para preparar ou motivar a leitura de O sorriso do lagarto de João Ubaldo Ribeiro Desse modo considerando que a contextualização escolhida fora a teórica e que se havia estudado a multiplicação da célulamãe e a seleção natural como princípios do determinismo biológico propõese a leitura do filme A ilha do Dr Moreau The Island of Dr Moreau 1996 dirigido por John Frankeinheimer tendo como horizonte as relações entre a ciência e o racismo um dos temas abordados no romance de João Ubaldo Ribeiro Esse é o fechamento que é também uma abertura da sequência expandida Nos próximos tópicos deste capítulo vamos apresentar experiências de aplicação do método e buscar responder às dúvidas e às questões que ele tem levantado entre alunos e professores Uma experiência reveladora Sextafeira 4ª série Segundo tempo de aula O recreio foi barulhento e curto como sempre mas os alunos retornaram sem reclamar para a sala de aula Na verdade alguns até retornaram mais cedo Eles estão ansiosos Em breve retomarão a atividade de leitura com a orientadora educacional da escola O sentimento que perpassa a turma é um misto de curiosidade e encantamento com o projeto de literatura como bem traduziu uma das alunas na avaliação Quando a professora entrou aqui na sala para fazermos esses trabalhos nós achamos bem chato porque a gente já fazia redação todas as sextasfeiras Depois nós nos acostumamos e começamos a gostar muito Outros até foram bem mais diretos como um aluno que disse simplesmente Esse trabalho é D ou o que explicou Agora toda sextafeira fazemos um trabalho melhor do que outro O trabalho ou o projeto Literatura como depois passaram a denominar a atividade de leitura feita nas sextasfeiras foi uma invenção da orientadora educacional Ela está complementando seus estudos na Faculdade de Educação da UFMG e acabou de fazer uma disciplina optativa sobre a literatura em sala de aula Táo logo entrou em contato com a nossa proposta de letramento literário propôsse a apresentála na escola estadual de ensino fundamental onde trabalha Por razões que só quem tem longa experiência em escolas entende não conseguiu o apoio integral dos professores Ainda assim não desanimou Resolveu fazer ela mesma o projeto com os alunos Segundo as etapas da sequência expandida ela começa pela motivação Traz para a sala de aula uma cruzadinha conforme se denomina em linguagem escolar a atividade de preencher espaços com letras em colunas horizontais e verticais ou seja as palavras cruzadas Na vertical a palavra a ser formada é andorinha e na horizontal gato malhado sendo que apenas a palavra malhado está escrita A atividade é bem simples porque a orientadora feita professora não pode ocupar muito tempo dos alunos e quer realizar a introdução da obra ainda naquele encontro As perguntas que levam à montagem do quebracabeça não apresentam dificuldades e as palavras fazem parte do universo do livro a ser lido São indicações como fruto da goiabeira satélite da terra o ar em movimento nas verticais e ave que nada contrário de noite estação mais quente do ano primeira parte do dia ave faladeira nas horizontais Apesar de cada aluno ter sua cruzadinha na carteira a atividade é feita coletivamente no quadronegro e há intensa disputa para se chegar à palavra correta A turma faz tanto barulho que em alguns momentos é preciso parar a atividade e ordenar a participação mas logo as palavras voltam a ser lançadas por aqueles que julgam ter adivinhado o segredo da cruzadinha A introdução é feita logo após se completar a cruzadinha A professora apresenta o livro que traz na capa o título O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá de Jorge Amado Como é uma edição dirigida ao público escolar ela aproveita a página de apresentação e a introdução feita pelo autor Essa atividade estava prevista para ser realizada pela professora mas como os alunos parecem ansiosos para manipular o livro e levantam muitas perguntas ela prefere que eles façam uma leitura silenciosa Em breve a turma toda mergulha na leitura e o silêncio que se impõe contrasta com a alegre balbúrdia que se observava anteriormente Quando voltar para a equipe pedagógica a professora sabe que deverá explicar a razão do barulho mas o contraste entre os dois momentos lhe traz bons augúrios sobre a leitura do livro e se sente confiante Os alunos terminam de ler de maneira desigual e a professora vai conversando com esses primeiros em voz baixa sobre o que acharam Quando a turma termina a leitura das páginas indicadas a professora retoma os trechos que julga mais importante e os lê em voz alta comentando e fazendo algumas perguntas aos alunos Por fim estabelece o cronograma de leitura O primeiro terço do livro deverá ser lido até o próximo encontro e os dois terços finais no seguinte A decisão de fazer apenas um intervalo decorre do tamanho do livro escolhido mas também porque é uma experiência nova na escola e os resultados não podem demorar a surgir Para o encontro do intervalo a professora planejou trabalhar com o poema musicado A arca de Noé de Vinicius de Moraes O poema é um tanto longo e os alunos dispostos em círculo não se contentam com uma única leitura auditiva A professora aproveita esse interesse e na segunda audição vai parando de estrofe em estrofe e discutindo a compreensão do texto Logo a atividade expandese para a interpretação com a rememoração da história de Noé necessária para entender algumas das referências textuais a caracterização dos animais e a relação estabelecida entre os homens e os animais Também a melodia que parece acompanhar o sentido das estrofes é destacada Esses e outros elementos do poemacanção são analisados oralmente pela turma com o apoio da professora que funciona como uma espécie de consultora É ela por exemplo quem detalha a história de Noé já que os alunos só conheciam a parte relativa ao dilúvio e assim mesmo de maneira desconcentrada Também é a professora que chama a atenção para a melodia mas não precisa explicar a relação que logo é percebida pelos alunos O interesse que eles demonstram pelos animais algumas vezes até extrapolando o texto favorece a atividade final do intervalo Depois de checar o andamento da leitura de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá a professora solicita que os alunos encerrem a atividade escrevendo um texto sobre o convívio dos animais O tempo é curto e vários alunos não conseguem realizar a atividade por completo A tarefa é transferida para casa mas com o compromisso de se entregar na segundafeira a fim de não comprometer a leitura da obra principal Por ser uma produção sem um gênero previamente definido os alunos puderam escolher o que lhe foi mais conveniente Sob o título O convívio dos animais foram produzidos textos bem diversificados Um aluno por exemplo escreveu O convívio dos animais é bem diferente do nosso convívio Quando eles estão brincando parece que estão brigando O convívio de um pássaro é diferente pois voam um atrás do outro dão bicadas um no outro Os leões quando brincam um com outro parecem que estão brigando um pula em cima do outro dão mordidas e até se arranham brincando Outra aluna faz observações sobre a vida doméstica dos animais O convívio dos animais em casa é meio estranho pois o cão e o gato nunca se entendem Por que será que o cachorro sempre corre atrás do gato O gato da minha vizinha sempre pula lá em casa e os meus cachorros quase matam o bichinho Eles bem podiam se entender Todos os dias eu tenho que ir ao terreiro salvar o gato e meus cachorros quase me mordem Ai que alívio minha vizinha mudouse Ai não o namorado da minha irmã trouxe um gato aqui para casa Até que é bonitinho mas vou ter que ser mordida pelos meus cachorros de novo O bom é que ele é um filhote e nem sabe andar direito mas e quando crescer Agora ele cresceu O gato é um capeta Morde meu pé e vai ao terreiro Ele é muito chato mas já me acostumei Conviver com animais é assim mesmo Com o texto produzido no intervalo a professora inicia o encontro da primeira interpretação Mas antes dela iniciar a atividade da aula os alunos já trocam suas impressões finais de leitura Ela aproveita o zunzunzum da turma para conversar um pouco sobre o assunto As opiniões são desencontradas sobretudo pelo final inesperado Esse é o gancho que a professora se utiliza para solicitar aos alunos que escrevam suas impressões de leitura Com o título de Meu pensamento sobre o livro uma aluna escreveu Eu gostei muito do livro pois conta a vida de uma andorinha e um gato que no fundo no fundo se gostam A andorinha sempre chama o gato de feio Será que é verdade que ela acha o gato feio mesmo E o gato será que ele gosta mesmo da andorinha Eu acho que no final os dois poderiam ficar juntos e formar um casal muito bonito Outro aluno resolve escrever ele mesmo um final para o livro Eu acho que a história deveria terminar assim a Andorinha Sinhá tem uma nova briga com o Gato Malhado e ficam um bom tempo sem se falar Mas a Andorinha Sinhá se arrepende e vai na casa do Gato Malhado dizer Me desculpe por ter brigado com você Ele disse Então vamos voltar a ser namorados Ela respondeu sim e eles viveram felizes para sempre Uma paralisação dos professores impediu que a contextualização fosse realizada dentro dos moldes previstos Quando os alunos retornaram às aulas a professora resolveu realizar um debate sobre a questão das relações entre opostos Logo após a discussão conjunta os alunos foram orientados a escrever uma história de relacionamento entre seres diferentes as dificuldades enfrentadas e daí por diante Poderiam ser histórias inventadas ou que eles já tivessem ouvido contar ou lido em algum lugar Muitas dessas histórias versavam sobre os clássicos cão e gato mas houve quem trouxesse outros exemplos como a lua e uma estrela que decidem brincar juntas Houve também um elefante e um rato que enfrentam a aldeia dos elefantes para serem amigos A segunda interpretação é feita de forma oral e coletiva Os alunos discutem a narrativa de Jorge Amado e se ocupam longamente em tratar do relacionamento impossível Conforme as histórias da contextualização deixavam entrever eles oscillam entre aceitar a impossibilidade imposta pela natureza diversa dos animais e ignorar esse impedimento propondo que os dois devem simplesmente ficar juntos A baixa profundidade da discussão que ficou de certo modo presa ao enredo romântico mostra à professora que a contextualização não havia cumprido o seu papel Era um ponto fraco a ser observado na próxima edição de uma sequência expandida No encontro da expansão a professora relembra os pontos principais da história de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá fazendo uma dobradura de pássaro e gato Em seguida apresenta o conto A Bailarina e o Vaso Chinês de Marco Túlio Costa É feita uma leitura silenciosa e no momento da discussão os alunos logo percebem os pontos de semelhança e diferença entre as narrativas sobretudo pela divergência do final Ao contrário da andorinha e do gato o vaso e a bailarina terminam juntos Em seus textos produzidos após a discussão os alunos enfatizam esses elementos e a dificuldade que as diferenças impõem nos relacionamentos amorosos Outras paralisações sucedemse Os professores lutam por melhores salários e condições de trabalho em uma persistência que só se iguala à permanência no emprego Quando as aulas voltam à regularidade a orientadora volta ao projeto de literatura Os alunos agora demandam a atividade Ela começa uma nova motivação trazendo para sala de aula pedaços de cartolina amarela nos quais foram impressos por meio de um mimeógrafo a álcool linhas vivas e linhas pontilhadas e instruções de montagem do tipo dobra e corta Quando realizam o recorte os alunos se veem diante de uma espécie de malinha ou sacola A professora explica que cada aluno deve escrever em um pedaço de papel um grande desejo que gostaria de ver realizado e colocar dentro da malinha Em seguida pede que troquem com os colegas as malinhas com os pedidos dentro Feita a troca chega a hora da conversa sobre os desejos Os alunos dispostos em grande círculo vão lendo os desejos e conversando sobre eles Há muitos desejos A maior parte dos alunos deseja comprar carro computador e bicicleta mas há quem queira também que a família fique junta outra vez que a mãe arranje um emprego e há até um desejo que a aluna pensa ser bobo ela quer ser tia A conversa sobre os desejos estendese porque todos querem explicar bem por que desejam isso ou aquilo Ao final são convidados a escrever um texto falando sobre o desejo e como se sentiriam ao realizálo Alguns dos textos registram as reações Se o meu sonho se realizasse eu pularia de alegria Seria o melhor e mais feliz dia da minha vida eu seria a pessoa mais feliz do mundo me sentiria como uma borboleta Outros detalham as dificuldades da vida infantil Eu pedi uma bicicleta porque quando vejo as crianças todas alegres andando eu fico lá triste sem poder brincar com elas e as dificuldades da vida adulta também Se a minha mãe arranjar um emprego não vamos ter mais dificuldades com cheques contas e despesas da casa No aniversário poderemos fazer festa e churrasco como todo mundo No próximo encontro a professora traz os textos produzidos anteriormente e aproveita para destacar que os nossos desejos são importantes para nós que aos olhos de outras pessoas podem parecer tolos mas cada um tem seus motivos para vêlos realizados É assim que faz a introdução do livro selecionado para leitura Tratase de A bolsa amarela de Lygia Bojunga Nunes A apresentação do livro em si é muito breve pois a professora pretende que os alunos o manuseiem por eles mesmos mais tarde durante a leitura extraclasse Nesse momento seu interesse é ler todo o primeiro capítulo em sala de aula Mesmo assim ela enfatiza a importância da autora e justifica sua escolha pela qualidade do texto e por ser um livro que pode ensinar a desejar Após a leitura os nove capítulos restantes são igualmente repartidos por três semanas estando prevista para o final de cada uma delas a conferência da leitura O planejamento do primeiro intervalo da leitura consiste na produção de uma carta a Raquel dandolhe sugestões e incentivos para que ela realize seus desejos Ao escreverem para a personagem os alunos revelam forte empatia por Raquel Eles se mostram preocupados com a impossibilidade de realização do desejo de virar menino não entendem porque não valorizam sua atividade de escrever e procuram aconselhála a perseguir seus sonhos com dicas e sugestões Uma aluna diz que ela deve se conformar em ser menina porque Deus a fez assim e ele nunca se engana no que faz Outra a aconselha a escrever escondido ou então escrever uma carta para ela mesma fingindo que é para outra pessoa Um aluno explica que ser menino também tem suas dificuldades e ela não pode saber disso porque é uma menina Outros ainda dizem saber o que ela está sofrendo porque passam por problemas semelhantes com os irmãos No final da carta que em geral não passa de uma página uma aluna se despede assim Um abraço de uma menina maluca que nunca vai te tirar da cuca A professora está satisfeita com a performance dos alunos Eles demonstraram ter lido os capítulos indicados e alguns até avançaram um pouco mais Para o segundo intervalo planejou um bingo de palavras Os alunos recebem uma cartela com três colunas verticais numeradas por 1 2 e 3 e cinco colunas horizontais sem numeração Em seguida são ditadas palavras para que sejam escritas aleatoriamente nas colunas horizontais As palavras ditadas são menina guardachuva irmão alfinete bolsa galo e romance Conforme os alunos logo percebem são palavras ligadas ao livro que estão lendo A professora explica que o primeiro a completar a cartela com outras palavras de A bolsa amarela será o vencedor mas não vale consultar o livro Eles realizam com rapidez a atividade e três deles declaramse vencedores ao mesmo tempo Para confirmar a vitória são chamados a localizar as palavras no livro Aqueles que não conseguiram preencher a cartela também buscam no livro suas palavras Após conferir o andamento da leitura com algumas perguntas pontuais sobre os capítulos lidos a professora pede que escrevam um texto com as palavras de qualquer uma das colunas Quando iniciei a escrita deste livro a terceira semana já havia se completado Uma súbita transferência para outra cidade e os desconcertos de endereço que acompanham as mudanças intempestivas impediu minha aluna de mostrar as produções subsequentes de seus alunos Quando restabelecemos contato a melhor novidade era que as professoras da escola estavam interessadas no projeto Literatura Na verdade toda a escola estava interessada no projeto Literatura Por solicitação minha ela fez uma avaliação das atividades com os alunos Eles aprovaram com entusiasmo o processo de letramento literário e isso contagiou a todos na escola e chegou até a mim Distanciados por mais de quinhentos quilômetros escrevi uma carta para os alunos como agradecimento e eles me responderam com comentários perguntas e uma pontinha de orgulho e satisfação por se saberem lidos fora da escola Espero encontrálos como sugerem alguns na faculdade Até lá tenho esperança de ver o espraiamento do letramento literário por todas as escolas e quem sabe nos identificar como aquela turma estava se reconhecendo como uma comunidade de leitores É isso que eles me dizem quando um deles registra O projeto mudou o meu jeito de ler Antes eu lia por ler agora eu interpreto Os limites da sequência expandida Tendo em vista que a sequência básica está naturalmente inserida na sequência expandida cabe ao professor de literatura estabelecer até onde pode ir com seus alunos quais os passos que seguirá dentro da nova sequência Esse alerta é importante porque não se pretende estabelecer um caminho único que vá de uma a outra sequência Ao contrário desejamos que o professor perceba que entre as duas outras tantas sequências podem ser criadas havendo mesmo a possibilidade de se extrapolar a sequência expandida Neste livro estamos nos restringindo a apresentar a sequência expandida tal como a temos praticado e ensinado em nossas aulas Temos certeza porém de que o professor interessado no método saberá encontrar nessa orientação geral o seu caminho para um letramento literário adequado aos seus alunos e à sua escola Em nossa experiência a sequência expandida ocupa um tempo razoável de nossos alunos e por isso costuma ter como limite quatro leituras plenas durante o ano sendo uma por bimestre Por concentrar em quatro obras principais o trabalho de leitura literária há professores que se preocupam se tal procedimento não impedirá o aluno de entrar em contato com um número maior de obras literárias A resposta mais rápida consiste em opor quantidade à qualidade da leitura De fato ao percorrer todos os passos da sequência expandida o aluno realiza uma leitura aprofundada da obra literária que dificilmente seria alcançada se o professor privilegiasse a leitura de um número maior de obras Todavia isso não é tudo É importante que o professor também tenha em mente que seu propósito é promover o letramento literário mostrando ao seu aluno um caminho de leitura que poderá ser transposto para tantos outros textos que ele venha a ler mais tarde ou julgar necessário Mais importante que a simples oposição entre quantidade e qualidade é a competência de leitura que o aluno desenvolve dentro do campo literário levandoo a aprimorar a capacidade de interpretar e a sensibilidade de ler em um texto a tecedura da cultura É essa competência que se objetiva no letramento literário Outra questão é a concentração no cânone Temos dado preferência aos clássicos em nossas sequências expandidas e os professores sempre nos questionam se com isso não estaríamos reforçando o cânone sem fazer o necessário questionamento dele Muitos professores tomam essa preferência como consequência dos procedimentos metodológicos Afinal os autores já canonizados possuem amplo material crítico e sem dúvida essa variedade facilita o trabalho a ser realizado tanto pelo professor no momento do planejamento da sequência quanto pelo aluno na busca de informações sobre outras leituras da obra selecionada para estudo Não obstante reconhecermos essa facilidade nossa preferência está ligada a uma posição clara sobre o lugar do letramento literário na escola Sem entrar nas polêmicas que inevitavelmente envolvem a questão do cânone e do mercado editorial acreditamos que como já buscamos demonstrar em outro lugar2 é papel do professor não ignorar os processos de canonização e de escolarização que a literatura enfrenta para se transformar em herança cultural Os interesses e os critérios que norteiam as seleções feitas pela crítica pelo mercado e outros agentes de canonização devem ser explícitos e discutidos com os alunos Todavia para além dessa discussão é preciso que o professor tenha em mente que um dos objetivos do letramento literário na escola é formar uma comunidade de leitores Esses leitores não devem ser meros consumidores da cultura quer como tradição quer como contemporaneidade mas sim membros de uma comunidade que se apropriam da sua herança cultural e com ela dialogam Em outras palavras precisam saber abordar os textos literários segundo seus interesses dentro e a partir da sua comunidade cultural Nossa posição portanto é que a seleção dos textos para serem ensinados e aprendidos como herança cultural não pode prescindir da tradição uma vez que é essa tradição que diz ao leitor que ele é parte de uma comunidade e é para fazêlo reconhecerse como agente dentro dessa comunidade que a literatura existe na escola Com isso não estamos defendendo obviamente que os textos contemporâneos ou nãocanônicos devam ser deixados de lado mas sim que precisam ser trabalhados dentro da perspectiva da formação de um leitor cultural Também cabe ao professor resistir à tentação de fazer seu planejamento determinar o interesse de seus alunos A experiência literária está sempre aberta ao imprevisto e muitas são as possibilidades que o texto literário oferece ao leitor Por isso o planejamento da sequência certamente será alterado se o interesse dos alunos for em outra direção O que importa manter é o objetivo de proporcionar ao aluno o conhecimento da literatura que só pode ser feito antes de qualquer coisa pela leitura do texto literário Do mesmo modo essa leitura não pode ser feita de maneira aleatória mas sim dentro de um processo de aprendizagem que é dever da escola proporcionar Ao professor cabe encontrar o delicado equilíbrio entre os interesses da fruição pessoal e as necessidades da escolarização do literário Igualmente já na sequência básica mas sobretudo na sequência expandida há várias tarefas de escrita Na verdade o que se pretende é que a escrita esteja sempre acompanhando a leitura Em primeiro lugar tratase de uma questão de registro que é a função primordial da escrita em nossa sociedade Depois o registro do processo de leitura permite que a cada fase o aluno repense e revise seus pressupostos anteriores É assim que as primeiras impressões de leitura ganham densidade e o letramento literário se efetiva tanto em relação a uma obra uma vez que ela é lida com intensidade pelo aluno e pela turma quanto pela ampliação da capacidade de ler textos literários na medida em que a consulta a procedimentos e resultados registrados em relação a uma obra serve de base para as leituras posteriores Para os professores das últimas séries do ensino fundamental o uso da sequência expandida ao lado da sequência básica temse constituído em um exercício de crescimento do leitor e de aprofundamento da leitura de determinadas obras Porém os professores das primeiras séries costumam indagar se o uso da sequência expandida não seria inadequado para alunos tão pequenos Nossa resposta é que não há limites no uso das sequências isto é tanto a sequência básica pode ser usada no último ano do ensino médio quanto a sequência expandida no primeiro ano do ensino fundamental Está claro que os objetivos e os procedimentos do uso das sequências precisam ser ajustados a cada turma e a cada obra Um de meus alunos professor de 1ª série do ensino fundamental iniciou uma sequência expandida já no primeiro mês de aula O planejamento apresentou algumas dificuldades porque os alunos estavam descobrindo a escrita e a alfabetização era a grande preocupação de toda a escola Por isso grande parte das atividades foi feita coletivamente pela turma e os registros alternavamse entre representações gráficas feitas pelos alunos desenhos ou símbolos gravações em fita cassete e escrita do professor uma parte mínima A leitura do texto após a motivação e a apresentação foi feita pelo professor com a ajuda dos alunos que acompanhavam o deciframento da escrita pelas ilustrações Esse foi um momento de muitas questões e a leitura foi efetuada em duas etapas uma primeira em que a cada página se fazia uma compreensão visual ao lado do deciframento do texto e uma segunda em que o professor retomou o livro e o leu com a turma toda em silêncio acompanhando a passagem das páginas A primeira interpretação deuse por meio da discussão do texto com cada aluno manifestando sua opinião sobre a história sobre um trecho ou sobre as ilustrações Essa fase foi gravada e parcialmente transcrita pelo professor para uso nas duas fases posteriores De imediato a gravação serviu para que a turma fosse dividida em pequenos grupos de acordo com o interesse demonstrado na primeira interpretação Esses grupos realizaram a contextualização por meio de recortes de revistas A tarefa foi selecionar uma imagem que estivesse relacionada à história lida A segunda interpretação consistiu em dois movimentos Primeiro um pequeno grupo se uniu a outro que apresentava maior afinidade e compartilharam seus recortes e suas explicações Depois esses grupos maiores apresentaram para a turma suas conclusões e o professor as comparava com a transcrição da primeira interpretação para ajudar na discussão O registro dessa atividade resultou em um grande mural na parede do fundo da sala de aula no qual todos os recortes foram colados com legendas feitas oralmente pelos alunos e escritas pelo professor Como expansão a turma convidou a bibliotecária da escola para conhecer o mural e a partir dos interesses nele demonstrados ajudar a construir o cantinho de leitura da turma isto é os livros da biblioteca que seriam emprestados aos alunos para serem lidos durante o ano ficariam em uma estante na sala de aula Essa maneira original de constituir o acervo inicial do cantinho da leitura e introduzir o letramento em paralelo ao processo de alfabetização certamente ajudou os alunos a fazer da leitura uma parte de suas atividades escolares mas acima de tudo fez dela uma atividade que envolve prazeres e descobertas uma atividade de ampliação do mundo e dos indivíduos que dele compartilham por meio da escrita Segundo o relato desse professor não houve dificuldades por parte de seus pequenos alunos em seguir os passos da sequência Ao contrário eles responderam com aplicação ao trabalho de leitura ordenado mostrando que se há limites no letramento literário isso se dá mais por força de nossos preconceitos do que pela ausência de capacidade de nossos alunos questionamentos positivos Foram elas que alimentaram por vários anos os nossos estudos do método A cada pergunta uma revisão inteira da proposta era realizada A cada resposta um passo a mais era dado na construção do método No próximo capítulo analisaremos uma das questões mais delicadas do ensino de literatura a avaliação Para concluir este vamos deixar registrado o depoimento de uma aluna após a leitura de O cortiço São palavras generosas que recebemos via email e que nos incentivaram a perseverar na confecção deste livro Fiquei pensando como poderia descrever em poucas palavras a experiência que passei lendo o livro O cortiço com o método que você criou Em poucas palavras e na verdade o que eu fiquei pensando foi justamente em descrever desse modo digo que fui alfabetizada novamente Durante o trabalho realizado foi feita uma leitura da obra que eu nem sabia que era possível e a sensação foi essa eu estava sendo alfabetizada Notas ¹ Apenas para auxiliar o leitor na compreensão plena das considerações entretecidas neste capítulo apresentamos a seguir uma síntese do romance de Aluísio Azevedo O cortiço tem como personagem central João Romão português muito ambicioso que não mede sacrifícios pessoais nem possui quaisquer escrúpulos morais na luta pela ascensão econômica e social Seja economizando em roupas e alimentação seja ludibriando os outros João Romão consegue comprar o estabelecimento comercial do qual era empregado em um subúrbio carioca O próximo passo é o amasiamento com uma escrava Bertoleza da qual aproveita os serviços na venda e as economias falsificando uma carta de alforria É assim que ele consegue comprar um terreno e iniciar a construção de pequenas e amontoadas casas para aluguel as quais se expandem continuamente até chegar a um grande cortiço denominado São Romão No cortiço habita uma pletora de tipos populares cujo comportamento é descrito pelo narrador em termos zoológicos Nessas caracterizações destacamse os diferentes aspectos da sexualidade humana que aliados às condições do ambiente em uma perspectiva determinista levam as personagens à degradação ou mesmo à morte É o caso do triângulo amoroso representado por Rita Baiana a mulata fogosa brasileira Jerônimo o português trabalhador e Firmo o malandro capoeirista Apesar de casado e com filha o português é conquistado pela sensualidade de Rita a quem disputa com Firmo Na primeira refrega ele é ferido a navalha por Firmo Na segunda Jerônimo mata Firmo a pauladas em uma emboscada A convivência com Rita entretanto transformase em perdição e Jerônimo abrasileirado pela mulata abandona o trabalho tornandose vagabundo e alcoólatra O mesmo destino tem Piedade a esposa abandonada do português Outro exemplo é Pombinha moça afilhada da prostituta Léonie Ela é noiva de João da Costa mas o casamento precisa aguardar a primeira menstruação de Pombinha para se concretizar A espera é longa e é compartilhada por todo o cortiço A menstruação chega quando Léonie inicia sexualmente a afilhada Pombinha termina se casando com o noivo prometido mas logo abandona o marido e adota a mesma profissão da madrinha O cortiço ainda está em processo de expansão quando no terreno ao lado vem morar Miranda rico comerciante português Este tem em casa mulher filha agregado e um estudante de Medicina As relações entre eles são igualmente degradadas A mulher trai o marido com os caseiros e afastada da loja com a nova moradia passa a trairlo com o estudante Miranda sabe das traições da esposa mas finge ignorar a situação pelo bem das aparências Ele também não gosta da vizinhança popular mas não consegue remover o vizinho inconveniente que prospera cada vez mais aproveitandose das mais diversas circunstâncias para ampliar seu patrimônio a exemplo do seguro de um incêndio e do roubo das economias de um de seus locatários O sucesso financeiro de João Romão o leva a ambicionar uma posição na sociedade Para tanto começa a cortejar a filha do vizinho no que é auxiliado pelo agregado parasita Abrese assim uma negociação em que Miranda entra com a nobreza já consolidada e João Romão com o dinheiro para manter os negócios do comerciante O acordo avança satisfatoriamente para os dois lados mas há o problema Bertoleza Para resolvêlo João Romão não hesita em entregála aos herdeiros de seu antigo dono No momento em que a polícia chega para prendêla Bertoleza suicidase cortando o ventre com uma faca de cozinha Nesse mesmo instante João Romão recebe de uma comissão abolicionista o título de sócio benemérito ² Rildo Cosson Entre o cânone e o marcado a indicação de textos na escola em Graça Paulino e Rildo Cosson org Leitura literária a mediação escolar Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2004 que prospera cada vez mais aproveitandose das mais diversas circunstâncias para ampliar seu patrimônio a exemplo do seguro de um incêndio e do roubo das economias de um de seus locatários O sucesso financeiro de João Romão o leva a ambicionar uma posição na sociedade Para tanto começa a cortejar a filha do vizinho no que é auxiliado pelo agregado parasita Abrese assim uma negociação em que Miranda entra com a nobreza já consolidada e João Romão com o dinheiro para manter os negócios do comerciante O acordo avança satisfatoriamente para os dois lados mas há o problema Bertoleza Para resolvêlo João Romão não hesita em entregála aos herdeiros de seu antigo dono No momento em que a polícia chega para prendêla Bertoleza suicidase cortando o ventre com uma faca de cozinha Nesse mesmo instante João Romão recebe de uma comissão abolicionista o título de sócio benemérito ² Rildo Cosson Entre o cânone e o marcado a indicação de textos na escola em Graça Paulino e Rildo Cosson org Leitura literária a mediação escolar Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2004 A avaliação O tipo de avaliação literária consistente com a pedagogia de transformação individual e social deve ser a extensão coerente dos objetivos e métodos prescritos para a implementação de metas objetivas Se a literatura na escola é acessada através da testagem da compreensão de determinados textos ou no treinar alunos para costurar as anotações ditadas pelos professores na turma a resposta literária estará cada vez mais distante de se tornar responsabilidade literária Cyana LeahyDios Educação literária como metáfora social 2000 É difícil encontrar um professor que não tenha ouvido falar do caráter pontual das avaliações feitas exclusivamente por meio de testes da necessidade de realizar uma avaliação do processo e outros preceitos contemporâneos que cercam o trabalho de avaliação escolar De certa forma podese dizer que há um consenso teórico sobre a avaliação como um diagnóstico da aprendizagem e das condições em que ela se realiza As várias atividades de avaliação são índices que permitem a análise do desempenho do aluno mas também do professor e da escola Esses índices devem ser recolhidos ao longo do processo a fim de que possam cumprir essa função diagnóstica ou seja quando analisados criticamente permitem que se corrijam ou confirmem procedimentos e se identifiquem necessidades que estão ou deveriam ser atendidas para se atingir os objetivos Isso não impede a realização de uma avaliação ao final do processo que oferece aos participantes uma necessária visão geral dos resultados alcançados mas retira sua antiga posição central Do mesmo modo a autoavaliação passa a ser um mecanismo legítimo de registro e controle do ensino e da aprendizagem desde que concebida como uma reflexão que o aluno faz de sua aprendizagem tanto em termos daquilo que já aprendeu e como aprendeu quanto daquilo que não aprendeu e por que não aprendeu Cabe ao professor oferecer aos alunos os instrumentos qualitativos e quantitativos da avaliação mas a condução do processo não pode mais ser unidirecional antes deve ser compartilhada para que possa ser efetiva Na área do ensino de língua materna essas novas concepções de avaliação são articuladas com os novos paradigmas de ensino na área como se observa no caso da produção dos textos Em relação a essa prática de linguagem demandase a eliminação das chamadas situações artificiais de interlocução devendose buscar interlocutores efetivos na escrita e a reescritura de textos Também é rejeitada a excessiva preocupação com a ortografia e a forma do texto em detrimento do registro daquilo que o aluno deseja dizer Não é conveniente que a produção escrita seja um mero pretexto para a correção da norma culta mas sim um espaço de interlocução de cujas informações aluno e professor podem se apropriar para verificar a eficácia do uso da linguagem Os avanços dos pressupostos e das práticas de avaliação percebidos no ensino da língua não se refletem do mesmo modo no ensino de literatura Na verdade como nas aulas de literatura o aluno ainda não é tratado como sujeito mas sim como mero receptor do conteúdo texto ou das informações do professor o processo de avaliação tende a acompanhar essa orientação Não surpreende portanto que uma das grandes preocupações seja a comprovação da leitura realizada com perguntas que visam identificar dados textuais como o nome tal e o que ela faz após isso ou aquilo Quando na última pergunta do questionário de leitura se pede a posição do aluno ela é tratada como uma opinião de visita ilustre que não se deve contrariar ou seja qualquer coisa que for dita deve ser aceita já que a resposta é livre Esse desprezo pela leitura literária do aluno é diametralmente oposto à valorização da leitura do professor do livro didático ou do crítico literário Donos das informações tomadas como fatos e não ferramentas que os ajudam a dar sentido a suas leituras esses agentes do saber literário transformam os alunos em espectadores silenciosos e apáticos do exercício mágico de interpretação do texto e demandam como avaliação a simples reprodução da voz professoral em geral por meio de testes ou resumos que só comprovam o grau da memória dos alunos Todavia não é apenas o descentramento do aluno de quem se rouba o papel de agente da leitura literária que impede um processo de avaliação mais atualizado Por trás dessa prática descentralizadora permanece a concepção de que literatura é uma arte que não se ensina logo não pode ser avaliada A leitura literária nessa concepção é algo tão fugidio e frágil que qualquer tentativa de aprisionála em testes ou notas terminará por afastar o leitor do texto Desse modo cabe ao professor aceitar como válidas as impressões de leitura dos alunos sem maiores questionamentos porque elas são o único produto legítimo do sentimento inefável que une a obra e o leitor Para romper com essas práticas e concepções que pouco têm a ver com o letramento literário propomos antes de qualquer coisa que o professor tome a literatura como uma experiência e não um conteúdo a ser avaliado Desse modo é a leitura literária feita pelo aluno que está no centro do processo de ensino e aprendizagem devendo a avaliação buscar registrar seus avanços para ampliálos e suas dificuldades para superálas O professor não deve procurar pelas respostas certas mas sim pela interpretação a que o aluno chegou como ele pensou aquilo O objetivo maior da avaliação é engajar o estudante na leitura literária e dividir esse engajamento com o professor e os colegas a comunidade de leitores Com isso não se está endossando o impressionismo observado acima Ao contrário a leitura do aluno deve ser discutida questionada e analisada devendo apresentar coerência com o texto e a experiência de leitura da turma Só assim se poderá aprofundar os sentidos que se construiu para aquela obra e fortalecer o processo de letramento literário individual e de toda a turma Tendo a construção de uma comunidade de leitores como objetivo maior do letramento literário na escola nossa proposta favorece a explicitação da avaliação em diferentes momentos do processo de leitura A sequência básica traz três grandes pontos de apoio para a avaliação da leitura literária O primeiro deles está nos intervalos que acompanham a leitura da obra São momentos de checagem do andamento da leitura que ajudam o professor e os alunos a compartilhar suas impressões iniciais e no caso de obras mais longas rever as hipóteses lançadas na introdução Aqui não se pode esquecer que todo início de leitura é necessariamente subjetivo e impressionista Se o professor conduz o aluno nesses primeiros passos sem censurálo e reconhecendo sua leitura como própria buscando aprofundar essas primeiras impressões então terá melhores resultados O segundo e o terceiro pontos de apoio estão muito próximos são a discussão e o registro da interpretação Na discussão é possível que se façam as correções da leitura entendendose que essa correção é apenas um momento da avaliação aquele que aponta um caminho a ser seguido após um diagnóstico do percurso percorrido e a ser percorrido para se atingir determinado objetivo Já o registro da interpretação após a discussão permite verificar o balanço final ou seja se o objetivo da leitura foi alcançado Usualmente o professor reserva esse produto para receber uma nota mas é importante que essa nota reflita o processo de leitura como um todo e não apenas seu resultado final Em relação à sequência expandida além daqueles já destacados na sequência básica o processo de avaliação tem mais três pontos de apoio Os dois primeiros acontecem na segunda interpretação que funciona do mesmo modo que na primeira O terceiro localizase no registro da expansão Há entretanto uma diferença importante no que diz respeito às etapas do processo de letramento literário Na segunda interpretação e na expansão os alunos devem necessariamente incorporar o que já foi realizado antes Com isso demandase maior atenção para a concatenação entre as fases da leitura devendo haver coerência entre elas ou pelo menos uma justificativa da mudança de rota feita pelo aluno Também devem demonstrar o desejado aprofundamento da leitura daquela obra Esses pontos de apoio do processo de avaliação se fazem basicamente por meio de registros escritos e discussões Por tradição a escola privilegia o escrito que é sua língua de registro no entanto é conveniente que o professor se preocupe de modo preferencial com o conteúdo da resposta em lugar de sua forma Isso não quer dizer que a forma não importa mas sim que a despeito da segurança que o registro escrito possa apresentar para o professor ele nem sempre poderá ser o mais adequado para a avaliação da atividade Da mesma maneira é preciso explorar a variedade de gêneros em que o registro escrito pode ser efetivado pelo aluno Para além do ensaio e da resenha há o diário de leitura o relatório o diálogo e tantas outras formas de registro escrito como o professor pode verificar em nosso anexo As discussões são uma questão mais delicada na escola Para alguns educadores envolver os alunos em debates é um desperdício do tempo escolar que deveria ser dedicado à leitura e à escrita ou ao verdadeiro aprendizado ou seja aquele emanado da exposição do professor Argumentase também que o barulho e a dispersão que acompanham algumas discussões demonstram que seu uso em sala de aula implica mais perdas do que ganhos de aprendizagem Dentro do processo de letramento literário consideramos que o investimento em atividades como debates exposições orais e outras formas de linguagem oral em sala de aula são fundamentais ou seja a discussão é uma atividade tão importante quanto aquelas centradas na leitura e na escrita Reconhecemos entretanto que comumente falta às discussões sobre a leitura de textos em sala de aula a autenticidade das verdadeiras discussões Por um lado o professor libera os alunos para conversar sobre o livro sem objetivo ou orientação especificada O resultado é que eles tendem a se perder em temas paralelos ou simplesmente resumem o texto ou o descrevem segundo impressões particulares sem que se verifique nenhum trabalho de análise Por outro o professor controla a discussão de tal maneira que se assemelha a um interrogatório com indagações aos alunos sobre aquilo que acredita ser o mais importante na leitura da obra Aos alunos resta responder a essas perguntas tentando adivinhar o que o professor deseja ouvir Para evitar esses extremos a discussão precisa recuperar sua autenticidade ou seja deve trazer perguntas de quem tem dúvidas e respostas de quem acredita saber a resposta Para tanto é importante que o professor atue como um moderador e não o catalisador da discussão evitando dar a primeira e a última palavra sobre a obra Seu papel é coordenar a discussão e ajudar os alunos a sintetizar seus resultados essa última atividade aliás deve preferencialmente ser feita de maneira coletiva com a participação de todos os alunos Daí a importância de as discussões serem iniciadas em pequenos grupos para que os estudantes ajustem suas leituras e tragam para a turma os pontos convergentes e divergentes de maneira mais consolidada Nada impede também que as discussões sejam combinadas com o registro escrito com o professor reservando momentos específicos para sua realização Por fim se estamos criando um espaço no qual os alunos estão lendo literatura com objetivo precisamos resistir à tentação de avaliar a performance do aluno a cada momento ou valorizar com pontos cada atividade realizada Na verdade devemos ter sempre em mente que a leitura literária é um processo que vai se aprofundando à medida que ampliamos nosso repertório de leitura e a avaliação deve acompanhar esse processo sem lhe impor constrangimentos e empecilhos Da mesma forma a avaliação não pode ser um instrumento de imposição da interpretação do professor antes deve ser um espaço de negociação de interpretações diferentes São essas negociações que conduzem à ultrapassagem das impressões iniciais individuais e configuram o coletivo da comunidade de leitores novo porque a ideia não era dele ou temia perturbar quem estava acima na cadeia do poder Alguém que por desconhecimento ou culto da ignorância ou simplesmente por arrogância acreditava que o novo era apenas outro nome para aquilo que já havia sido feito antes Neste livro buscamos responder às demandas de professores e alunos por um ensino significativo de literatura A proposta que foi delineada nos pressupostos e nas práticas ao longo dos capítulos tem como centro a formação de um leitor cuja competência ultrapasse a mera decodificação dos textos de um leitor que se apropria de forma autônoma das obras e do próprio processo da leitura de um leitor literário enfim Ser leitor de literatura na escola é mais do que fruir um livro de ficção ou se deliciar com as palavras exatas da poesia É também posicionarse diante da obra literária identificando e questionando protocolos de leitura afirmando ou retificando valores culturais elaborando e expandindo sentidos Esse aprendizado crítico da leitura literária que não se faz sem o encontro pessoal com o texto enquanto princípio de toda experiência estética é o que temos denominado aqui de letramento literário Construída com a solidariedade de muitos alunos e colegas nossa proposta de letramento literário mostra o caminho que percorremos para fazer da literatura na escola aquilo que ela é também fora dela uma experiência única de escrever e ler o mundo e a nós mesmos Os professores e os alunos que desejarem compartilhar esse caminho talvez descubram que a prática do letramento literário é como a invenção da roda Ela precisa ser inventada e reinventada em cada escola em cada turma em cada aula Nessa reinvenção contínua do mesmo que não se faz sem oposição como na fábula o ensino de literatura passa a ser o processo de formação de um leitor capaz de dialogar no tempo e o no espaço com sua cultura identificando adaptando ou construindo um lugar para si mesmo Um leitor que se reconhece como membro ativo de uma comunidade de leitores 57 Oficinas As atividades que serão apresentadas a seguir realizaramse em grande parte em sala de aula nas mais diversas circunstâncias Algumas foram adaptadas e outras copiadas integralmente de livros ou de experiências relatadas Não houve de nossa parte preocupação em identificar as fontes que podem ser consultadas na bibliografia sobretudo nos livros que tratam de oficinas Aliás nós adotamos a denominação de oficinas porque desejamos enfatizar o caráter de atividade prática de algo que requer a ação dos alunos e não a simples exposição do professor mas não há compromisso com as teorias sobre criatividade nas quais as oficinas usualmente se inserem Para nós o importante é que o professor perceba que essas atividades são possibilidades que só adquirem força educacional quando inseridas em um objetivo claro sobre o que ensinar e por que ensinar desta ou daquela maneira isto é elas devem estar integradas em um todo significativo no nosso caso a sequência básica ou a expandida ou outra criada pelo professor Sem uma direção teórica e metodológica estabelecida podem até entreter os alunos e divertelos mas certamente não apresentarão a efetividade esperada de uma estratégia educacional É por isso que as tomamos como indicações para que o professor de acordo com sua perspectiva de letramento literário desenvolva suas aulas São assim esboços de um desenho que só se concretiza no fazer cotidiano da aula Que essas estratégias sirvam de inspiração para novas e tantas outras formas de desenvolver a competência de ler na escola 58 As reinvenções da roda Conclusão Em um tempo remoto quando os homens começaram a se agrupar em busca de auxílio mútuo para garantir a sobrevivência de todos uma única família poderia ser uma aldeia Nessas famílias os homens empenhavamse na captura de animais e na colheita de frutos que podiam ser transformados em alimento Além de facilitar a busca e a obtenção de mais alimentos para o grupo as aldeias feitas de família favoreciam a defesa comum contra os ataques dos animais e o enfrentamento das intempéries de uma natureza pouco compreendida Todavia quando a família conseguia ultrapassar as adversidades imediatas o crescimento natural da aldeia significava usualmente sua morte Logo os animais desapareciam da região e as árvores e os arbustos jaziam sem frutos Restava aos homens às mulheres e às crianças partirem para outro local deixando ali boa parte do que haviam construído já que não havia como transportar os resultados de seus esforços para longe Eis que um dia quando toda a aldeia se preparava para partir um filho se aproximou do pai para aconselharse Na noite anterior após lamentar o que perdia por causa da partida imaginou que se colocasse um tronco embaixo de um grande fardo de peles poderia transportar muito mais do que o pouco que conseguiam arrastar ou levar preso às costas O fardo se moveria mais facilmente e ocuparia poucos homens permitindo que outros providenciassem alimento e proteção ao longo da jornada Nem bem ele acabara de falar o pai experiente já recusava a sugestão Para ele aquilo não iria dar certo As peles poderiam se soltar quando começasse o movimento o tronco poderia deslizar e esmagar os homens que o puxavam e daí por diante Em suma era tudo muito complexo para ser colocado em prática O melhor era continuar do jeito que estavam Muitas estações vieram e muitas aldeias desapareceram Algumas entretanto conseguiram permanecer Favorecidos pela proximidade de uma corrente de água os homens não mais apenas caçavam e colhiam o que encontravam nos arredores de seus acampamentos Eles buscavam domesticar a natureza criando animais e disseminando grãos pela terra para mais tarde recuperálos multiplicados Com isso as aldeias cresceram e permitiram que diversas famílias se agrupassem Para governar a aldeia já não bastava o pai comum Agora os destinos da aldeia passaram a ser entregues aos pais mais velhos que constituíam o conselho de anciãos Em uma dessas aldeias o conselho de anciãos determinou que se construísse uma muralha para proteger os habitantes de vizinhos belicosos e de animais selvagens que os atacavam aproveitandose da escuridão da noite Para essa construção faziase necessário arrastar grandes blocos de pedra que destruíam tudo na sua passagem inclusive a vida daqueles que os arrastavam Foi por isso que um dos chefes dos transportadores imaginou que se colocasse o bloco de pedra sobre dois troncos ficaria mais fácil guiar o transporte além de agilizar o trabalho Quando levou a ideia ao conselho os anciões explicaram que todas as construções da aldeia haviam sido feitas do mesmo modo Aquela era a maneira segura que todos conheciam não valia a pena correr o risco das inovações Eles sempre fizeram assim e haviam chegado à velhice os jovens deviam fazer o mesmo Muitos sóis e muitas luas se passaram As aldeias cresceram e se multiplicaram Algumas delas ganharam importância por ser o lugar onde os produtos eram armazenados ou concentravam as operações de troca entre as aldeias próximas Nessas grandes aldeias tudo era regido por uma casta de homens que mantinham estreitas relações com os deuses Eram eles que diziam quando plantar quando colher quando os deuses estavam em fúria ou em paz com os homens Certo dia um noviço dessa casta de reguladores sociais aproximouse de seu superior e revelou que havia descoberto uma forma de facilitar o transporte dos grãos das aldeias vizinhas para serem guardados na grande aldeia Ele havia observado que ao se arrastar os fardos de grãos entre uma e outra aldeia se perdia uma enorme quantidade pelo rompimento dos fardos Desse modo seria conveniente que se colocasse os fardos sobre uma plataforma encaixandoa sobre dois troncos roliços Os fardos ficariam protegidos e os grãos não se perderiam Atribuía aquela ideia a uma inspiração divina uma vez que as extremidades em círculo apontavam as formas perfeitas do deus sol e da deusa lua O superior mal ouviu o noviço Com autoridade daqueles que têm um contato mais próximo com o alto e o desconhecido explicou que essa inspiração nada tinha de divina Na verdade deveria prover de algum espírito maligno e deveria ter como objetivo ofender os deuses Se fosse realmente de origem divina teria ocorrido a um superior e não a um simples noviço Determinou portanto que ele calasse seus pensamentos para evitar que o espírito indesejado se manifestasse outra vez ocupasse o corpo e a mente apenas com orações como faziam todos os outros noviços Os homens nasceram e morreram As aldeias cresceram e se fortificaram Os habitantes de uma aldeia passaram a combater os de outra em busca do domínio que trazia riquezas Os homens adotaram a guerra e a escravidão como modo de vida As aldeias maiores e mais fortes eram agora governadas por um único homem que se dizia rei Foi em uma dessas aldeias grandes e fortificadas agora chamadas reinos que um jovem conselheiro se aproximou do rei para lhe apresentar o que chamava de Transporte Divino Tratavase de uma pequena caixa colocada sobre um tronco fino cujas extremidades eram guarnecidas com duas bolas achatadas que fariam a caixa se mover Para o movimento a caixa deveria ser atada a um animal forte e veloz O rei achou a ideia interessante e chamou os outros conselheiros para que se pronunciassem O jovem conselheiro aguardou com ansiedade a decisão de seus pares Quando finalmente após cuidadoso exame do projeto o mais velho dos conselheiros falou sentiu grande decepção Com a condescendência típica dos que acreditam saber bem mais do que os outros o conselheiro mais velho informou ao rei que isso já fora feito antes só que com outro nome Tantas vezes fora feito tantos diferentes nomes foram empregados mas em nenhuma das ocasiões havia funcionado A força dos deuses estava no rei e não em um objeto criado pelos homens Houve porém uma aldeia pequena uma aldeia grande e um reino em que um homem deu forma a suas inquietações outro a seus sonhos e outro a suas descobertas Foi assim que a roda foi inventada e reinventada Porém se a roda foi inventada e reinventada em tantas sociedades é porque sempre houve alguém que acreditou no novo na possibilidade de fazer diferente Se a roda não foi inventada ou reinventada em algumas sociedades é porque sempre houve alguém que pensou que não daria certo porque era demasiado complexo Alguém que não aceitava tentar o novo porque sempre fora feito daquela maneira e funcionava Alguém que não aceitava o SOBRE O ENSINO DE LITERATURA ALGUMAS PERSPECTIVAS Profa Dra Moama Marques UFPB Campus IV Comecemos nossas discussões fazendo referência a um discurso ainda insistentemente propagado tanto no meio acadêmico quanto na realidade cotidiana das escolas o discurso sobre o fracasso da formação literária dos alunos ainda que há mais de quatro décadas segundo o professor José Helder Pinheiro 2013 tenha surgido no Brasil reflexões pesquisas e ensaios preocupados em apontar alternativas Eventos científicos como o Congresso de Leitura COLE realizado bianualmente na UNICAMP e o Encontro Nacional de Literatura Infantojuvenil e Ensino ENLIJE da UFCG que também acontece a cada dois anos além de várias revistas especializadas e linhas de pesquisa em diversos programas país afora são exemplos palpáveis da importância das discussões que envolvem literatura e ensino Essas reflexões e pesquisas abordam aspectos vários metodologias relações hierárquicas acesso às obras formação das bibliotecas ausência de políticas públicas eficientes entre outros todos ao nosso ver essenciais para se repensar os problemas e alternativas com vistas a gerar nas palavras de Magda Soares 2003 uma adequada escolarização da leitura literária Elas também apontam um desconforto com o ensino tradicional de literatura em todos os âmbitos desde o ensino fundamental até o superior A começar por este grande parte das matrizes curriculares ainda é organizada a partir de uma perspectiva historiográfica e com pouca disposição seja pela constituição de suas ementas eou por uma opção doa docente para realizar uma ponte com o ensino fundamental e médio para se discutir o ensino de literatura Como nos chama a atenção Hélder Pinheiro 2013 no mesmo texto citado logo acima um texto de apresentação de um número da revista da ABRALIC sobre o ensino de literatura este ainda enfrenta o problema na academia do preconceito de alguns professorespesquisadores que o consideram de importância menor se comparado às pesquisas de foco mais teóricocrítico voltadas para aspectos que constituem a literariedade Dessa forma os cursistas muitos deles já atuando como professores em salas de aula de escolas públicas e privadas encontram pouco espaço para dialogar sobre a prática limitandose às discussões de ordem teórica sobre a literatura Já no que se refere à formação do leitor do ensino fundamental e médio uma questão primeira que parece ser central na validação da escolarização da literatura na sua recepção é a que gira em torno das funções da literatura é a que tenta responder à questão Para que ler literatura Ainda na mesma revista onde lemos o texto do professor Helder Pinheiro um outro que discute essa questão central aqui apontada mostra um exemplo interessante encontrando nas redes sociais a grande quantidade de comunidades e páginas com discursos de ódio pela literatura Em uma delas do antigo Orkut Eu odeio literatura uma das postagens mais comentadas era justamente a que indagava Para que serve a literatura na nossa vida A maioria das respostas eram variações em torno de um Para nada respostas estas que alertam para alimentar a insistência do discurso citado por nós no início deste texto o do fracasso do ensino da literatura no contexto brasileiro A partir dessa indagação que consideramos crucial nos propomos aqui de maneira introdutória a refletir sobre os problemas as alternativas e os desafios do ensino da literatura na atualidade Para tanto abordaremos questões tais como as formas de apropriação da literatura pelo sistema escolar ao longo dos tempos as funções da literatura enfatizando sua função humanizadora bem como a relação da arte com a expectativa social de utilidade as mudanças trazidas pelos documentos oficiais como os PCN e as OCEM e novas abordagens que já estão sendo postas em prática Em primeiro lugar valendonos do estudo de Tereza Colomer 2007 sobre as diferentes modalidades pedagógicas que deram suporte ao ensino da literatura destacamos três a que foi motivado pela filosofia humanista a que entrou em vigor em meados do século XIX com a expansão do acesso à escola e aquela operada com o pósguerra especialmente a partir dos anos 70 No primeiro caso a literatura ganha corpo nas instituições pedagógicas da Renascença ligada à Retórica Liase portanto os textos literários como modelos para se aperfeiçoar o discurso o exercício da persuasão Depois com a expansão do acesso ao ensino responsável pela disseminação dos valores burgueses utilizase a História da literatura com a missão de fomentar a consciência nacional por meio da seleção cronológica dos textos Até aqui percebemos que se tem uma utilidade discursiva ou patrimonial para a literatura Já no século XX principalmente a partir dos anos 70 com o advento de teorias como a Estética da recepção que coloca em pauta o lugar do leitor na atividade da leitura o objetivo passa a ser a formação do leitor literário por meio do desenvolvimento das competências de interpretação e da compreensão dos elementos constitutivos do texto literário No Brasil a função pedagógica de formação da identidade nacional que vinha se firmando desde a República basta lembrar dos poemas patrióticos e moralistas de Olavo Bilac assume uma nova perspectiva com a democratização do ensino e a chegada de alunos de vários segmentos sociais e referências culturais bem como com as novas tecnologias de comunicação e entretenimento ZILBERMAN 1988 Começase a reivindicação do contato com a diversidade dos gêneros discursivos sob influência das teorias bakhtinianas e a literatura deixa de ser o principal recurso textual para a formação linguística Não sob fortes contestações como as explicitadas pelo escritor Osman Lins 1977 em sua avaliação sobre os livros didáticos da época Para este como para muitos outros perdiase o foco nas particularidades do discurso literário Por outro lado a literatura se consolida como uma disciplina onde se estuda basicamente a história da literatura a partir dos seus estilos de época das principais características destes e da mera citação de autores representativos e de trechos de obras Este modelo vai permanecer em vigor até recentemente quando imperando a emergência dos novos tempos seu caráter globalizante e de revisão da história e dos cânones hegemônicos os documentos oficiais que regem o ensino como os PCN Parâmetros Curriculares Nacionais e as OCEM Orientações curriculares para o Ensino Médio abrem novas perspectivas Com os PCN as bases normativas do ensino da língua são substituídas pela descrição desta e a sua compreensão dentro do quadro da diversidade sociolinguística com o objetivo de produzir textos comunicativos em diferentes esferas E a teoria bakhtiniana dá a base para um ensino da língua a partir da noção central dos gêneros discursivos No que se refere à linguagem literária as orientações para o ensino fundamental cumprem a expectativa trazendo como base o contato com os textosas obras da literatura infantil e infantojuvenil mas deixam muito a desejar nos parâmetros direcionados ao ensino médio Quando todos os grupos terminaram de redigir seus finais voltamos para o segundo momento da leitura isto é solicitamos que um aluno de cada grupo lesse em voz alta o conto com o final alternativo A atividade despertou risos ante alguns finais extravagantes criados pelos grupos e outros tantos protestos a respeito da criatividade dos colegas mas intervimos e pedimos que as observações fossem guardadas para um debate a ser feito depois da leitura do final dado pelo autor Fizemos breve intervalo e retornamos para a leitura do texto integral de Scliar que foi feita por nós encerrando assim o terceiro momento da leitura Em seguida retomamos a interpretação com um debate sobre as diferenças e as semelhanças entre o final dado pelo autor e a produção dos alunos Nesse debate enfatizamos a necessidade de explicitar para os colegas por que se havia decidido por esta ou aquela solução quais os elementos textuais ou vivenciais que tinham encaminhado o final construído pelo grupo E mais uma vez lembramos que o mérito da atividade não estava centrado sobre a proximidade com o final do autor mas sim na coerência que os vários finais trouxeram ao conto Afinal de contas reescrever um final para o conto é um ato interpretativo A sequência básica encerrouse na interpretação Todavia como os professores nos indagaram como inserir essa sequência em sua prática cotidiana discutimos algumas possibilidades de continuidade Uma delas seria solicitar aos alunos que retomassem os textos de classificados e tendo em vista que deveriam se mudar elaborassem um classificado de sua atual residência Outra consistiria em discutir a vida em condomínio com suas vantagens e desvantagens Depois do debate cada aluno deveria escrever um artigo sobre a questão Uma terceira seria uma pesquisa com ou sem entrevista sobre a vida em condomínios para então se realizar o debate e a escrita do artigo previsto anteriormente Uma atividade complementar buscaria na música popular no caso a canção Saudosa maloca de Adoniran Barbosa uma constante entre as representações de moradia Entre as diversas sequências básicas que trabalhamos com nossos alunos os quais uma vez professores trabalharam com os próprios alunos escolhemos esse exemplo para mostrar que a sequência não é algo intocável Dentro dos objetivos do letramento literário na escola é possível misturar como o fizemos a leitura com a interpretação a motivação com a introdução sempre de acordo com as necessidades e características dos alunos do professor e da escola O que não se pode perder de vista é a ideia de conjunto ou de ordenamento necessários em qualquer método No próximo capítulo apresentaremos a sequência expandida na qual se insere naturalmente a sequência básica Questões importantes ficam de fora como a ausência de renovação quanto à metodologia ou às especificidades mediante outras manifestações culturais Tanto que a partir de críticas como as sistematizadas pelo documento Literatura de 2004 elaborado por Enid Frederic e Akira Osakabe o MEC lança como resposta nas Orientações Curriculares para o ensino médio 2006 uma seção chamada Conhecimentos de literatura Pretendendo sanar as falhas apontadas essa seção é justamente aberta pela questão que citamos como crucial o porquê de se ensinar literatura por que se ensinar literatura no ensino médio E a resposta é perpassada pela ideia da literatura como uma experiência estética que permite a humanização em um mundo marcado pela reificação do trabalho social A literatura seria humanizadora um direito humano no sentido defendido por Antonio Candido 1999 no texto da famosa conferência em que é convidado a apresentar a literatura como um direito de todos humanizadora por colocar o leitor em contato com tudo que lhe é mais caro a sua condição humana Candido 1999 nos diz também que assim como no sono precisamos sonhar para manter a nossa saúde mental também precisamos todos os dias entrar em contato com um universo de fabulação cujo instrumento principal é a literatura entendida em amplo sentido tanto a que considerada erudita quanto a popular Mas a literatura também teria um caráter social que possibilita ao indivíduo o reconhecimento da realidade que o cerca quando transposta para o mundo ficcional e mesmo ao contragosto de muitos não exatamente utilitário no sentido positivista que a sociedade cobra mas formador longe de ser um apêndice da instrução moral e cívica ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa como ela CANDIDO 1972 p805 Esclarecida qual a concepção de literatura que deve reger a sua escolarização as OCEM BRASIL 2008 ainda falam sobre a importância da leitura integral das obras e de uma articulação entre atentarse para as especificidades da sua linguagem e apreciála numa perspectiva interdisciplinar com outras linguagens outras manifestações culturais Mas levandose em consideração as funções da literatura se ela é imprescindível por que sua utilidade não se evidencia na escola por que em seu âmbito o discurso do fracasso na formação do leitor persiste E o que a Notas 1 Os Coles exerceram e certamente ainda exercem uma influência considerável em toda uma geração de professores e estudiosos que se preocupam com a leitura Nesses encontros os resultados de pesquisas misturamse a relatos de experiência em uma interação de vozes que dificilmente é ouvida em outro lugar Ao retornar para sua escola o professor tira uma energia renovada e o desafio de fazer da leitura um tema que interesse a todos aqueles que se encontram envolvidos com o trabalho pedagógico Aqui não posso deixar de registrar o impacto que me causaram as palavras de Graça Paulino e Glória Bordini em uma mesaredonda intitulada Leitura Literária no 9º Cole Essas experimentações professores instavam os professores a buscar outras possibilidades de ensino de literatura De certa forma parecia que suas falas traduziam o que muitos de nós que trabalhávamos com ensino de literatura pensávamos dando sentido e unidade a ações dispersas intuitivamente buscadas como alternativa a um ensino centrado quase que exclusivamente na história da literatura Ali se falava de uma abordagem da literatura que enfatizasse a interação humana entre professor e aluno Tomavase o leitor como alguém que é multideterminado pelos sistemas simbólicos Reconheciase que no texto literário para além dos aspectos formais havia um saber cultural Propunhase que a leitura literária deveria olhar o texto mas também o contexto cultural em que ele se inseria já que cada sociedade possui valores que ela vivencia dialeticamente por meio das suas representações simbólicas e a literatura era um espaço privilegiado dessas representações E que a escola deveria reconhecer tudo isso 2 O conto de Scliar conta a história de uma família que temerosa da violência resolve se mudar para um condomínio fechado O narrador é o marido que atribui à mulher o desejo e a decisão da mudança O prospecto anuncia maravilhas que são comprovadas na visita ao local Em breve eles se mudam com outras famílias de classe média Tudo parece perfeito até o dia em que são impedidos de deixar o condomínio pela segurança Eles estavam supostamente sendo atacados por bandidos perigosos Prisioneiros em suas casas são isolados e perdem a comunicação com o exterior Ao final os moradores descobrem que foram vítimas de uma armadilha promovida por uma sofisticada quadrilha de sequestradores partir da emergência dos novos tempos e das orientações dos documentos oficiais está se fazendopodese para mudar esse quadro Primeiramente como nos provoca Hélder Pinheiro 2013 é da prática cotidiana do ensino muitas vezes transformada em pesquisa das diferentes reflexões dos pontos de vista e ideologias às vezes em atrito do que nos ensinou os acertos e erros da história que poderá realmente nascer um caminho renovado E o que essa prática nos tem apontado como alternativas Para responder a essa questão propomos um ensino da literatura que tem como pilares a leitura integral das obras uma perspectiva interdisciplinar que a ponha em contato com outras linguagens artísticas e outras áreas do conhecimento bem como com outros suportes sem perder de vista no entanto as suas especificidades a emergência no contato com as obras de questões provocadas pelos estudos póscoloniais e culturais como a necessidade da revisão histórica da discussão das relações de alteridade e da revisão do cânone Em relação a este esclarecer desde já que abominamos qualquer proposta radical que o exclua mas entendemos como importante chamar a atenção para as questões de poder que o firmaram e ao mesmo tempo em que se continue lendo clássicos das literaturas de língua portuguesa abrase espaço para leituras outras muitas das quais os próprios alunos costumam levar e comentar em sala de aula e nos corredores da escola Também acreditamos como promissoras algumas propostas que já têm sido executadas a exemplo do estudo a partir dos gêneros como o que tem permeado a proposta pedagógica de alguns institutos federais e do estudo por meio de temas caracterizadores e projetos didáticos foco de propostas como as que norteiam obras de profissionais de referência caso de Hélder Pinheiro 2002 Regina Zilberman 2005 e Socorro Barbosa 2014 Analisando o documento com a proposta de trabalho para a disciplina de Língua Portuguesa do Instituto Federal do Rio Grande do Norte por exemplo observamos que as orientações para o estudo da literatura a partir dos mais variados gêneros literários substituem na matriz dos cursos a disposição dos conteúdos em estilos de época No primeiro ano do ensino médio os alunos estudam gêneros como peça de teatro novela e saga no segundo conto crônica mito entre outros sempre havendo o cuidado de se contemplar como fica claro nas orientações as mais variadas épocas estilos e nacionalidades aqui não se esquecendo das literaturas africanas de língua portuguesa e da literatura afrobrasileira de modo a atender à lei 1063903 à necessidade de revisão de um cânone que exclui as obras de países como Angola Moçambique São Tomé Cabo Verde e GuinéBissau obras que pouco a pouco têm entrado no mercado editorial brasileiro Chamase também a atenção para a importância da leitura integral dos textos e das obras bem como para a relação com outras linguagens outras manifestações artísticas como o cinema os quadrinhos a música etc Ao nosso ver um estudo a partir dos gêneros é interessante não apenas porque rompe com a velha e consolidada perspectiva da História da literatura feita a partir da citação das características e do contexto histórico e social de cada estilo de época colocando todas as produção e autores do período em um caldeirão só sem se atentar às especificidades mas também porque oferece ao aluno uma possibilidade de ao mesmo tempo em que se depara com as particularidades de cada gênero se a leitura e a análise das obras obedecer às orientações transitando entre os textos clássicos e os mais contemporâneos passando pelas formas canônicas e não canônicas o aluno entra em contato com a literatura enquanto produto cultural estético e plural Metodologicamente outra alternativa muito interessante e que tem surtido bons resultados o que fica evidente nos relatos de experiência com os quais nos deparamos nas trocas cotidianas e nos congressos é a dos temas caracterizadores e projetos didáticos A dos temas é proposto por exemplo em dois textosreferência sobre o ensino de literatura o de Helder Pinheiro sobre o trabalho com o gênero poético Poesia na sala de aula e o de Regina Zilberman 2005 a respeito do ensino das literaturas de língua portuguesa A ideia sugerida tanto em um quanto em outro é pensar num trabalho com a literatura a partir de temas norteadores Hélder 2002 traça orientações para o ensino especifico da poesia gênero apontado em muitas pesquisas como o menos apreciado e lido tanto pelos alunos quanto pelos professores Zilberman 2005 pensa numa perspectiva mais ampla inclusive sugerindo oito temas que ela considera essenciais e que poderiam ser distribuídos pelos três anos do Ensino Médio temas como Viagens Natureza e Novo Mundo Gênero e Minorias Identidades e Etnias Metalinguagem e Leitura entre outros que possibilitariam aproximar épocas distantes gêneros diversos e linguagens variadas BARBOSA 2013 Ainda sob a perspectiva dos temas caracterizadores Socorro Barbosa 2013 nos chama a atenção para que o trabalho com esses temas seja realizado a partir de projetos didáticos com os textos as sequências didáticas e o produto bem planejados e sempre em diálogo com os próprios alunos não perdendo de vista a avaliação constante dos resultados Para ilustrar melhor essas propostas vamos dar um exemplo a partir do tema Gênero e Minorias Oa professora pode começar em um primeiro momento problematizando a noção de gênero a partir da prova do ENEM 2015 que trazia um trecho da obra O segundo sexo de Simone de Beauvoir e uma proposta de redação voltadas respectivamente para a construção cultural do lugar da mulher na sociedade e para a permanência dos diversos tipos de violência dos quais é alvo Também como alternativa essa mesma discussão poderia ser feita por meio de textos que circulam na mídia e de letras de música Em um segundo momento podese solicitar uma pesquisa sobre a presença da produção de mulheres na literatura brasileira de modo a problematizar as poucas referências encontradas no momento de socialização dos resultados dessa pesquisa Depois a partir de uma seleção previamente feita oa professora poderá ler e analisar produções de diversas épocas escritas por mulheres eou que tragam mulheres como protagonistas Aqui trazemos exemplos vários só para ficarmos na produção em prosa Úrsula Maria Firmina dos Reis O Quinze Raquel de Queiróz As meninas Lygia Fagundes Teles A hora da estrela Clarice Lispector Quarto de despejo Carolina de Jesus Enquanto Deus não está olhando Débora Ferraz Balada de amor ao vento Paulina Chiziane Também podese fazer um diálogo com outras artes trabalhando com a adaptação para o cinema de algumas dessas obras Como produto final que tal uma exposição fixa para a comunidade escolar apresentando um panorama da produção de autoria feminina e fazendo com que se reveja o padrão masculino e branco que a História da literatura nos dá conta Apesar das diferentes perspectivas percebemos que diversos aspectos as unem a saber o rompimento com a tradição de um estudo pautado apenas na história da literatura a ênfase na leitura integral dos textosdas obras a crença nas funções humanizadora e social da literatura que a concebem como um produto cultural e plural sempre em diálogo com outras linguagens e artes mas sem perder de vista a observação das suas especificidades como orientam os documentos oficiais e também em atendimento às emergências de um mundo globalizante e sempre em transformação e à demanda das formulações póscoloniais e dos estudos culturais abrir espaço para novas temas para as literaturas africanas e afrobrasileira para uma revisão do cânone Tendo como objetivo maior a formação de leitores autônomos o que verificamos é o que o ensino da literatura hoje apesar de muitas vezes se deparar com o currículo engessado parte de um sistema educacional pouco aberto a transformações tem buscado alternativas pautadas nas orientações dos documentos oficiais como algumas das que mostramos O mais importante como ressalta o professor Hélder Pinheiro 2013 é estar sempre avaliando nossa prática em sala e buscar construir uma rede nacional de diálogo com outros professores suas experiências articulada junto ao MEC reivindicando inclusive políticas públicas que deem suporte à formação de leitores como aquelas voltadas para o livro e as bibliotecas No entanto a discussão destas é pauta para uma outra oportunidade Por enquanto para aprofundamento das questões aqui levantadas indicamos a leitura do texto Literatura ensino e pesquisa de Hélder Pinheiro 2014 no qual além de apresentar um panorama histórico dos modelos que regeram o ensino da literatura no Brasil disponibiliza ao final dois relatos de experiência bem sucedida com o texto literário em sala de aula um com o conto Corações solitários de Rubem Fonseca em uma turma do terceiro ano do ensino médio e outro com poemas de Manuel Bandeira numa turma de nono ano do ensino fundamental REFERÊNCIAS BARBOSA Socorro Ensinar Literatura através de projetos didáticos e de temas caracterizadores In Ensinar Literatura através de projetos didáticos e de temas caracterizadores 2 Ed João Pessoa UFPB 2014 BRASIL Orientações curriculares para o ensino médio Linguagens códigos e suas tecnologias Brasília MECSEB 2008 CANDIDO Antonio A literatura e a formação do homem In Ciência e cultura São Paulo USP 1972 O direito à Literatura In Vários escritos São Paulo Duas Cidades 1999 COLOMER Tereza Andar entre livros a leitura literária na escola Trad de Laura Sandroni São Paulo Editora Global 2007 FRITZEN Celdo Para que ler literatura formas e limites dos encaminhamentos pedagógicos à questão Revista Brasileira de Literatura Comparada Rio de Janeiro n 22 p 161178 2003 LINS Osman Do ideal e da glória São Paulo Summus 1977 PINHEIRO Helder Poesia na sala de aula 2 ed João Pessoa Bagagem 2002 Apresentação Revista Brasileira de Literatura Comparada Rio de Janeiro n 22 p 161178 2003 Literatura ensino e pesquisa In CAMARGO Flávio Pereira et al org Olhares críticos sobre literatura e ensino São Paulo Fonte Editorial 2014 SOARES Magda A escolarização da literatura infantil e juvenil In EVANGELISTA Aracy Alves Martins BRANDÃO Heliana Maria Brina MACHADO Maria Zélia Versiani organizadoras A escolarização da leitura literária 2ª ed Belo Horizonte Autêntica 2011 ZILBERMAN Regina A universidade brasileira e o ensino das literaturas de língua portuguesa In BORDONI Maria da Glória et al org Crítica do tempo presente Porto Alegre Nova Prova 2005 Contextualização temática A abordagem temática é sem dúvida o modo mais familiar de tratar uma obra para qualquer leitor dentro ou fora da sala de aula De certa forma ela retoma o caminho natural do leitor que sem compromissos com o saber literário comenta com o amigo ou alguém que lhe seja próximo a sua última leitura falando do tema ou dos temas tratados na obra Na escola entretanto como parte do processo de letramento literário a contextualização temática precisa fugir das soluções fáceis e buscar mais rigor na sua execução Em primeiro lugar não pode entreterse apenas com o tema em si mas sim com a repercussão dele dentro da obra Depois é preciso não fugir da obra em favor do tema isto é muitas vezes o estudo daquele tema é tão interessante que a obra fica para trás e o que deveria ser um estudo literário passa a ser um estudo deste ou daquele assunto Isso acontece particularmente com os temas mais polêmicos que entusiasmam os alunos Nesse caso cabe ao professor fazer a delimitação rigorosa do trabalho dedicado ao literário e solicitar o acompanhamento do tema no campo de interesse dos alunos por um docente de outra disciplina Com isso não poderá o desejo dos alunos de avançar na temática despertada pela leitura do texto literário nem incursionará por área que demanda um conhecimento mais específico ou que esteja afastada de seus próprios interesses Em O cortiço temas como a prostituição a condição feminina e o racismo podem suscitar bons debates em sala de aula e gerar uma contextualização temática de alto rendimento na leitura da obra Conforme já indicamos anteriormente a contextualização não se resume a essas sete propostas Na verdade elas podem ser ampliadas divididas e reconfiguradas de acordo com o trabalho a ser realizado Há entretanto algumas orientações que devem ser observadas no que diz respeito à contextualização como etapa do letramento literário A primeira delas é que professor e alunos não podem considerar a contextualização algo externo ao texto uma atividade escolar destinada a preencher o tempo mas sim uma maneira de ir mais longe na leitura do texto de ampliar o horizonte de leitura de forma consciente e consistente com os objetivos do letramento literário na escola Depois é conveniente que a contextualização seja feita de preferência por meio de uma pesquisa e apresentada à turma como tal Essa pesquisa pode envolver os mais diversos procedimentos de coleta de informações como entrevistas levantamento na internet consulta a bibliografia especializada etc mas não pode deixar de ser planejada pelos alunos sob orientação do professor Em outras palavras não basta dizer para os alunos que pesquisem isto e aquilo É preciso que a pesquisa seja orientada por um planejamento que receba a chancela do professor As formas de apresentação dos resultados da pesquisa devem ser também previamente discutidas com a turma Seminário debate e ensaio são recursos tradicionais mas nada impede que outras formas sejam adotadas como uma exposição de imagens uma sequência de slides uma encenação e assim por diante O importante é que haja um registro da pesquisa Em alguns casos como dos debates convém que um registro escrito seja providenciado para toda a turma antes ou depois do evento Em outros o resultado da contextualização será apresentado com a segunda interpretação quando o registro escrito deverá ser compulsório Outra orientação diz respeito a qual ou quais contextualizações a turma irá seguir Cabe ao professor planejar várias contextualizações mas é o interesse dos alunos demonstrado na primeira interpretação que vai determinar aquela ou aquelas que vão ser seguidas por eles Também com base nos resultados da primeira interpretação é que os alunos serão divididos em grupos para trabalhar o contexto Aqui é conveniente que o professor tenha em mente que a contextualização é uma atividade destinada a grupos de alunos e que o grupo de eu sozinho deve ser evitado já que o objetivo é levar a um aprofundamento compartilhado da leitura Na escolha da contextualização que pode ser uma única com várias divisões ou uma combinação de duas ou mais um cuidado a ser tomado é evitar o retalhamento ou a divisão sem unidade de sentido conforme os trabalhos de grupo em que cada aluno faz um pedaço e o todo se transforma em um monstrengo ininteligível Nesse sentido um bom planejamento saberá combinar as diferentes contextualizações em um todo coerente Um exemplo é a combinação da contextualização temática histórica e presentificadora em torno da moradia em O cortiço Compartilhar a pesquisa com professores de outras disciplinas é também uma possibilidade que a contextualização oferece Desse modo inúmeros trabalhos interdisciplinares que trazem benefícios tanto para a formação dos alunos quanto para a integração dos docentes e da escola podem ser realizados Um caso particular de trabalho interdisciplinar é o envolvimento de profissionais de fora da escola nas atividades de contextualização O tratamento da sexualidade em O cortiço por exemplo pode ser feito com a ajuda do professor de Biologia mas também poderá englobar palestras ou uma consultoria de um sexólogo ou de um estudioso das questões de gênero