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segunda parte a fim de ver em que medida e por quais meios é assegurado o laço dos homens à terra que se pode desde já considerar um dos traços fundamentais do sistema feudal A DINÂMICA DO SISTEMA FEUDAL Fragmentação política fixação espacial encelulamento tantos termos que segundo a historiografia herdada do Iluminismo e do século XIX deviam ser associados a uma situação de desordem de regressão ou ao menos de estagnação Ora é o desenvolvimento e o dinamismo que preponderam A descrição dessa tendência deve ainda integrar dois elementos tidos por muito tempo como contrários à lógica do sistema feudal mas que como se quer salientar aqui dizem respeito plenamente à sua dinâmica a cidade e o poder monárquico O desenvolvimento comercial e urbano Se as trocas comerciais não eram inexistentes anteriormentea mudança é clara no fim do século XI e início do século XII Enquanto a Alta Idade Média era marcada pela tripla supremacia bizantina muçulmana e escandinava uma alteração de conjuntura operase então a favor do Ocidente cristão permitindo um desenvolvimento comercial mais vigoroso tanto no nível local como no regional ou no continental Como foi visto o dinamismo do senhorio implica desde o fim do século XI e sobretudo no século XII um aumento das trocas locais Mercados regulares hebdomadários ou mensais na própria aldeia na cidade próxima ou muitas vezes também no antepáteo do mosteiro vizinho dão lugar a uma intensa circulação de produtos também alimentada pelo desenvolvimento das oficinas senhoriais Os camponeses vendem grãos gado ovos aves e diversos produtos de um artesanato rural emergente tais como a cerâmica trabalhos em fibra fios e modestas peças têxteis ao mesmo tempo que trazem da cidade ferramentas cera peixes salgados ou cerveja entre outros produtos figura 10 nas pp 152 e 153 Em um nível mais amplo a tecelagem e a metalurgia são dois suportes principais do comércio Assim a Inglaterra vende seus metais e sobretudo a lã de seus numerosos rebanhos a mercadores do continente antes de se lançar ela própria na produção de tecidos em lã no século XIII Ela alimenta as forjas e a produção de ferramentas agrícolas de pregose facas que prosperam em Flandres em Artois e nas regiões vizinhas Aí A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 143 também se concentra uma produção de tecidos em lã de grande reputação exportados para a Alemanha e até para a Rússia mas principalmente para as regiões mediterrâneas em especial por meio das feiras de Fréjus e de Arles A esse eixo NorteSul sem dúvida a principal via comercial de então é preciso acrescentar um eixo LesteOeste que se afirma a partir de meados do século XII com o desenvolvimento do comércio na região báltica dominada pelos mercadores alemães organizados em uma vasta rede de cidades e de armazéns a Hansa Eles exportam sobretudo grãos peles e madeiras provenientes do leste do Báltico até a Europa Ocidental e a Inglaterra Enfim o Mediterrâneo ocidental é liberado da dominação muçulmana sob a ação dos pisanos e genoveses dos catalães e dos normandos que recuperam a Córsega a Sardenha a Sicília as ilhas Baleares e devolvem a segurança aos portos do Sul da França Resulta disso um desenvolvimento das cidades costeiras italianas Amalfi e Salerno as precursoras são logo destronadas em proveito de início de Pisa e em seguida de Gênova e Veneza Estas últimas encarregamse então das trocas entre Oriente e Oriente beneficiandose de privilégios e de monopólios em Bizâncio como é o caso de Veneza e depois instalando armazéns e desenvolvendo seus interesses em todo o Mediterrâneo oriental até Antioquia e o mar Negro Aí eles compram produtos cada vez mais requeridos no Ocidente seda algodão açúcar especiarias marfim ouro perfumes e vendem tecidos do Norte lãs óleo ou sal Essa expansão em direção ao comércio distante fortifica as cidades italianas e leva no século XII a uma evolução notável Os mercadores do Norte têm menos razão de descer para a península para vender os produtos que os italianos levam até o Oriente A produção metalúrgica aumenta na própria Itália assim como o artesanato têxtil estimulado pela invenção do tear horizontal Tratase fundamentalmente da fabricação do tecido de lã que fará a fortuna de Florença o cânhamo e o linho permanecem secundários assim como a seda que entretanto começa a se desenvolver no fim do século XII Doravante são os mercadores italianos qualificados genericamente de lombardos que atravessam cada vez com mais frequência os Alpes para vender seus produtos na França e na Alemanha É o seu avanço que conduz a situar no centro da Europa a zona das trocas comerciais mais intensas originando assim as feiras de Champagne Ali são negociados os produtos do Norte e do Sul em particular das duas regiões mais ativas Itália e Flandres Diferentes dos mercados mais regulares as feiras são aglomerações de periodicidade fraca com frequência anual por vezes semestral ou trimestral dotadas de privilégios pela autoridade fundadora e estreitamente controladas por ela Elas existem em todas as regiões do Ocidente desde pelo menos o século X As feiras de Champagne fundadas em Provins Troyes Bar e Lagny conhecem um sucesso 144 Jérôme Baschet excepcional desde a primeira metade do século XII e durante o século XIII ao termo do qual começa seu declínio Notase aí a vontade manifesta do conde de Champagne que se preocupa com sua boa organização garante a proteção àqueles que delas participam e destina uma parte importante dos rendimentos que delas tira para a Igreja Sinal deste desenvolvimento das trocas a cunhagem do ouro abandonada desde Carlos Magno e de início tentada em vão com finalidades de prestígio por certos príncipes é retomada com sucesso por iniciativa das cidades italianas o genovês em 1252 no mesmo ano em Florença o florim que será o modelo de todas as moedas de ouro do fim da Idade Média finalmente o ducado de Veneza em 1284 Esta é a melhor prova do desenvolvimento dessas cidades e de seu papel no grande comércio A reafirmação do fenômeno urbano na Idade Média Central está associada ao desenvolvimento das atividades artesanais e comerciais Mas a função militar e sobretudo a presença de uma autoridade episcopal condal ou principesca que suscita a manutenção de uma corte numerosa e cria um efeito de atração são igualmente decisivas Estas últimas permitiram de resto a manutenção dos núcleos urbanos durante a Idade Média e mesmo quando o desenvolvimento artesanal e comercial faz sentir seus efeitos elas continuam com frequência a ter papel significativo no desenvolvimento urbano Além disso no contexto específico da Reconquista ibérica o rei grande distribuidor de terras apoiase nas cidades para controlar o território Em especial em Castela e Leão ele concede precocemente fueros aos núcleos de povoamento preexistentes ou recémcriados Ele estabelece assim autoridades urbanas Concejos às quais concede o conjunto de bens reais realengo situados nos territórios alfoz que dependem da cidade Se as numerosas cidades estabelecidas ao norte do Douro durante os séculos XII e XIII devem compor com os poderes senhoriais e eclesiásticos que são como enclaves em seu domínio de competência as cidades situadas entre o Douro e o Tejo que correspondem a uma segunda fase da Reconquista ganham um alfoz extraordinariamente extenso por exemplo Segóvia ou Ávila e muito mais homogêneo Um outro traço original da política dos reis de Castela é a implantação consciente de uma rede de pequenas cidades por vezes criadas pelo reagrupamento de algumas aldeias e destinadas a reunir uma população da ordem de oitocentos a 2 mil habitantes Esse modelo da villa que permite uma forma de controle do território intermediária entre a da aldeia e a das cidades mais importantes civitas ciudad terá papel significativo na implantação hispânica no Novo Mundo Pascual Martinez Sopena Se os motivos e as circunstâncias variam a tendência é manifesta as cidades do Ocidente conhecem um forte crescimento durante a segunda metade da Idade Média De início formamse burgos em torno das muralhas antigas símbolo da renovação urbana A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 145 eles dão seu nome aos burgueses até que o termo seja retomado para designar o conjunto dos habitantes da cidade a burguesia no sentido medieval não tem então nada a ver com a classe que geralmente designamos por este termo pois ela inclui tanto cavaleiros como trabalhadores assalariados que residem na cidade Quando os burgos atingem certa extensão e não estão longe de se juntar são cercados por uma nova muralha no mais das vezes construída ao longo do século XII Depois como atesta o exemplo de Florença na primeira metade do século XIV o crescimento torna necessária a edificação de uma terceira muralha que no mínimo dobra a superfície intra muros ilustração VI As maiores cidades atingem então 200 mil habitantes Paris e Milão 150 mil Florença Veneza e Gênova ou beiram as 100 mil almas Gand Bruges Londres Colônia e Trèves Mas fora estas prestigiosas exceções a maior parte das cidades não passa de 10 mil ou 20 mil habitantes É aliás no nível mais modesto que convém considerar a escala do fenômeno urbano medieval e de seu desenvolvimento enquanto cerca de apenas trinta cidades atingem os 5 mil habitantes antes do ano mil elas são mais de 150 por volta de 1200 Enfim além do VI Planta de Florença muralhas do fim do século IV de 1172 e de 12991327 146 Jérôme Baschet crescimento de cidades antigas numerosas cidades novas são criadas tanto no Sul da França e nos reinos hispânicos como na Alemanha Sobretudo no século XIII surgem em toda parte cidades cujos nomes não enganam Bastide Villeneuve Villanueva Suas plantas em tabuleiro facilmente reconhecíveis indicam uma iniciativa planejada e as distinguem das cidades antigas cujo crescimento se opera em geral segundo um esquema concêntrico determinado pelas vias de acesso ilustração VII VII Duas cidades novas com plantas em tabuleiro criadas na segunda metade do século XIII Mirande ao norte dos Pireneus fundada em 1285 e Soldin Brandeburgo fundada entre 1262 e 1280 O mundo das cidades O desenvolvimento das cidades dá lugar a um fenômeno sobre o qual a historiografia herdada do século XIX gostou de insistir a formação das comunas muitas vezes apresentadas como o resultado da luta triunfante da burguesia em sua aspiração revolucionária por liberdade rompendo com uma ordem aristocrática e feudal que tendia à imobilidade José Luis Romero É verdade que começa a circular então o ditado segundo o qual o ar da cidade torna livre e que a constituição das populações urbanas em comunidades communitas universitas dotadas de uma personalidade jurídica é em geral adquirida com grande luta no decorrer do século XII Mas seria errado decalcar sobre essa época uma concepção moderna da liberdade pois as liberdades naquele momento consistem essencialmente em obter franquias urbanas por exemplo a isenção A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 147 de direitos senhoriais em especial sobre os mercados e os pedágios ou a possibilidade de cobrar taxas por sua própria conta e privilégios permitindo uma organização política autônoma conselho e representantes eleitos o exercício de uma justiça própria e a formação de milícias urbanas É verdade que o movimento comunal por vezes leva a afrontamentos violentos como em Santiago de Compostela em 1116 ou em Laon onde o bispo é assassinado em 1112 é este último exemplo longamente descrito pelo monge Guiberto de Nogent que lhe inspira a famosa frase tornada paradigmática na historiografia Comuna palavra nova palavra execrável Entretanto com frequência vemos também duques ou condes tais como os de Champagne exercem um papel favorável para a origem das comunas De fato a formação das comunas urbanas é paralela à afirmação das comunidades rurais e à multiplicação de suas cartas de franquia Assim como estas últimas as cartas urbanas são muitas vezes objeto de um acordo negociado e sem violência neste caso entre mercadores aristocratas e autoridade condal por exemplo para a instituição do cargo dos cônsules que exercem o poder nas cidades do Sul da França Alhures é o próprio rei que concede franquias em massa mas com frequência ele se reserva o direito de nomear as principais autoridades municipais como em Castela e em Paris onde o rei da França evita permitir o que ele concede às outras cidades do reino nas quais vê um apoio e um útil reforço militar contra seus vassalos insubmissos A ideia de um choque entre a burguesia tida de saída como supostamente revolucionária e a aristocracia necessariamente feudal e conservadora aparece então como uma projeção historiográfica pouco fundada De fato a principal hostilidade à formação das comunas vem dos clérigos e é onde o bispo conserva maior controle das cidades que o movimento leva mais facilmente ao afrontamento violento Assim como em relação à anacrônica noção de liberdade devemos duvidar da suposta democracia dos governos urbanos A cidade fortemente hierarquizada está nas mãos dos mais ricos As comunas do século XII são fruto de uma convivência entre a aristocracia cavaleiresca e a elite dos mestres de ofícios ou seja apenas um punhado de homens Por mais surpreendente que isso possa parecer a aristocracia é muito presente na cidade Quer se trate das camadas dominantes rurais que se instalam na proximidade da corte do bispo ou do conde dos quais são vassalas quer de simples servidores que vivem no círculo de um senhor com frequência o grupo de milites representa um décimo da população urbana em particular no Sul da França e na Itália onde o fenômeno urbano se desenvolve precocemente e com maior amplitude mas também em outras regiões nas cidades em que residem reis e príncipes As famílias aristocráticas detêm a posição de destaque na cidade impõem o respeito pela força militar 148 Jérôme Baschet impressionam por seus palácios pela abundância de seus servidores domésticos pelo fausto de suas festas e de seus deslocamentos Ao mesmo tempo que por vezes investem nas atividades produtivas ou comerciais como armanção de navios em Veneza os aristocratas guarnecem a cidade de torres superando a centena em Florença Verona e Bolonha mas também fora da Itália como em Ratisbona onde elas chegam a oitenta A função militar dessas torres responde à necessidade das lutas entre clãs e partidos mas seu caráter simbólico é pelo menos igualmente determinante e conduz a uma intensa competição para ganhar em altura Embora residindo na cidade os aristocratas permanecem ligados ao mundo rural pelos seus bens fundiários cuja gestão delegam a homens de confiança e pelos seus laços familiares ou de associação política com os dominantes que controlam as aldeias e os castelos rurais As grandes famílias entre as quais os Colonna e os Orsini que graças aos favores pontifícios controlam Roma e suas vizinhanças a partir do século xiii os Bardi em Florença os Visconti em Milão ou os Ziani em Veneza possuem o essencial do solo urbano controlam o alto clero não é raro que a metade dos bispos e cônegos seja originária de suas fileiras Muitas vezes essa aristocracia urbanizada está na própria origem das comunas e encampa seu governo ao menos até o fim do século xii Considerase com frequência que o governo urbano tende a passar então para as mãos dos principais mercadores e dos mestres de ofícios que formam o que se chama na Itália de popolo grasso o qual se apoia sobre o popolo minuto para afastar seus antigos aliados aristocráticos De fato é preciso de preferência considerar que ao menos nos séculos xii e xiii os mercadores e os artesãos não formam um grupo à parte claramente separado da aristocracia dos milites eles estão amplamente misturados e se fundem ao menos parcialmente no seio de uma elite urbana que combina atividades artesanais e mercantis com reivindicação de nobreza espírito contábil e ética cortês A despeito de etiquetas por vezes enganadoras os conflitos urbanos em geral põem em confronto facções da elite que são é verdade distintas mas que se situam sociologicamente muito próximas Nem por isso suas lutas são menos intensas e por vezes dilaceram de maneira permanente e sem solução o tecido social urbano oferecendo assim um espaço ao popolo minuto No entanto mesmo quando este obtém assembleias e representantes próprios como o capitão do povo ainda se está longe de uma situação democrática O verdadeiro poder é retido pelos ofícios mais influentes como os cardadores joalheiros ou fabricantes de peles e exclui os ofícios considerados inferiores pedreiros carpinteiros açougueiros ou trabalhadores do couro Na maior parte das vezes algumas famílias chegam a encampar os cargos municipais por exemplo em Flandres onde são constituídas verdadeiras dinastias de conselheiros municipais É apenas no fim do século xiii e durante o século xiv que o popolo minuto dos ofícios inferiores e dos trabalhadores assalariados adquire mais força faz valer suas reivindicações e obtém um espaço de participação no seio das instituições urbanas como em Florença em 1292 ou já em 1253 em Liège e em 1274 em Gand onde o movimento dos tecelões que deixam a cidade em sinal de protesto ganha toda Flandres Mas no fim da Idade Média a camada superior dos mercadores e artesãos retoma o controle Na Itália as famílias dos grandes mercadores e banqueiros dos quais os Medici de Florença são o exemplo típico encampam um poder que se torna finalmente dinástico e assimilamse à nobreza Do mesmo modo e ao inverso de seu estatuto inicial as cidades de Castela passam ao longo dos séculos xiv e xv para o controle de uma nova aristocracia e convertemse assim em instrumentos de controle do território nas mãos dos senhores Quanto às atividades especificamente urbanas o comércio a produção artesanal e o início da atividade bancária elas estão longe de corresponder às normas da racionalidade econômica que o sistema capitalista estabelecerá a partir do século xviii É então mais do que perigoso falar no que diz respeito à Idade Média de mercado regido pela lei da oferta e procura ou ainda de livre concorrência Na cidade as atividades produtivas são organizadas em ofícios cujos regulamentos detalhistas estabelecidos a partir do século xii fixam as normas de produção e de qualidade dos produtos os preços os salários e as condições de trabalho Monopólio reservado aos habitantes da comuna e às pessoas cooptadas pelos seus membros os ofícios do artesanato são fortemente hierarquizados O mestre de oficina dirige os companheiros que emprega em geral por dia ou por mês a menos que satisfeito com os melhores ele os associe à sua atividade a longo prazo Quanto aos aprendizes contratados por oito ou dez anos abrigados e alimentados mas privados de salário devido à sua ausência de qualificação sofrem uma pressão ainda mais forte Tal estrutura corporativista estranha às regras do mercado manifesta bem a rejeição visceral da concorrência pela Idade Média Robert Fossier A exigência de qualidade definida pelas normas dos ofícios permanece mais importante que o aumento da produção as regras da rentabilidade não se impõem mais do que a preocupação de uma maximização dos rendimentos e do tempo de atividade como o prova o fato de que ainda no século xvii os artesãos trabalhem apenas cerca de 180 dias por ano O investimento permanece limitado e as considerações não econômicas determinam largamente a utilização dos lucros poupança para previsão de crises aquisição de terras fundações piedosas investimentos no alémtúmulo Enfim a relação salarial estabelecida entre mestres e companheiros conserva traços muito diferentes daqueles que serão impostos pelo aparecimento do capitalismo Tratase ainda de uma relação muito personalizada que não se estabelece segundo as regras de um mercado de trabalho mas leva bastante em conta as pessoas e suas relações interpessoais como sugere notadamente o grande papel exercido pelos pagamentos antecipados e pelas remunerações in natura Entretanto a cidade é incontestavelmente a partir do século xii um mundo novo Nela desenvolvemse atividades novas e esboçamse mentalidades singulares ao passo que a Igreja demoniza a cidade moderna Babilônia lugar de pecados e tentações Mas os clérigos hesitam a Jerusalém celeste não oferece por acaso um outro modelo de cidade desta feita ideal Importantes setores da Igreja abremse ao fenômeno urbano optam por assegurar a redenção dos citadinos e colaboram para o estabelecimento de uma religião cívica que entrelace a reverência devida à instituição eclesial e a afirmação de uma identidade urbana própria A cidade supõe um modo de viver específico marcado pela densidade e pela diversidade de seus habitantes e uma paisagem própria cujos afrescos do Bom Governo pintados por Ambrogio Lorenzetti no Palácio Público de Siena 133839 dão uma imagem exemplar figura 10 pp 152 e 153 É verdade que é normal encontrar no interior das muralhas das cidades medievais terras cultivadas e mesmo gado o que junto com a presença de torres e muitas vezes de um castelo atenua a distinção entre o mundo urbano e o mundo rural e mais ainda porque as próprias aldeias são fortificadas Entretanto ao olhar impõese a rua estreita e mal iluminada com suas casas assobradas e seus bazares abarrotados de diversos produtos suas imundices difíceis de eliminar e seus porcos que fazem o serviço de lixeiros dedicados geralmente a santo Antônio eles se beneficiam a esse título de uma completa liberdade de circulação É preciso evocar igualmente a praça pública onde se erguem a administração municipal e a torre do sino as numerosas tavernas os banhos públicos e outros lugares onde as autoridades municipais do fim da Idade Média procuram organizar a prostituição tida como um serviço coletivo útil à paz pública A cidade é também um estado de espírito novo e se é anacrônico fazer reinar nela o espírito de empresa ao menos fazemse sentir nela a onipresença do dinheiro a valorização do trabalho e o espírito contábil ensinados pelos manuais das escolas de comércio A cidade é também em alguns casos notáveis uma atividade intelectual animada que se concentra em torno de escolas de catedrais colégios e mais tarde universidades e que sustenta uma produção crescente de livros manuscritos nos ateliês laicos que logo superam os scriptorIa monásticos Nos séculos xii e xiii os meios escolares e universitários são notavelmente abertos às novidades do mundo urbano em interação fecunda com ele e são incitados pelas suas inovações a propor suas próprias novidades bazares dominados por construções assobradadas por vezes com andares em saliência assim como por altas torres cada um se entrega com seriedade à sua unidade de 1a pedreiros terminam de construir os muros e portões um mestre dispersa seus ensinamentos é um pouco mais long um pastor conduz suas ovelhas se a cidade é bem delimitada por suas muralhas as relações com a zona rural são intensas Não por inteiro mostras suas cavalgan tendo laisses não hesitando em ceptar através dos campos Se Lorenzeti sintetiza voluntariamente todo o ciclo agrícola da semente à colheita e à debulha ele também insiste vigorosamente sobre o transporte camponeses conduzem o seu gado e asnos carregados com suas colheitas para a cida de onde eles compram diversos produtos artesanais 10 A cidade e os campos circundantes os efeitos do Bom Governo segundo os afrescos de Ambrogio Lorenzetti 133839 Palácio Público de Siena Na sala dos Nove a magistratura coletiva que governa Siena entre 1287 e 1355 Ambrogio Lorenzetti compõe um vasto afresco que dá forma aos fundamentos ideológicos do poder que o conselho reunido neste lugar pretende representar nas artes da Governança O Bom Governo que inspira a sua obra faz a justiça e a paz social os efeitos dissemos sobre uma cidade como Siena sede da aristocracia e da oligarquia rural submetida à sua autoridade O cotidiano da cidade e de seu ambiente assim no centro da cidade e à periferia que produz a visão ideal da cidade de c 1340 Assim a aliança expressa a concordância que reina entre os habitantes e a senhoriosa cada um se entrega com seriedade e avid no campo do pensamento Jacques Le Goff A efervescência intelectual é tão intensa que toma facilmente a forma de discussões públicas que animam praças e ruas assim como sugere em fins do século XII Estevão de Tournai abade de Santa Geneviève em Paris A Trindade indivisa é separada e picotada nos cruzamentos Tantos erros quantos doutores tantos escândalos quantos auditores tantas blasfêmias quantas praças públicas Entretanto apesar de todas essas novidades a consciência de uma oposição entre o modo de vida urbano a civilidade e o modo de vida rural qualificado a partir dos anos 1380 de rusticidade emerge apenas tardia e parcialmente Os códigos de valores permanecem fortemente influenciados por oposições tradicionais cortesiavilania e as classes urbanas esforçamse na medida de seu sucesso em imitar os modelos aristocráticos É o caso em primeiro lugar dos grandes mercadores e dos mestres dos principais ofícios muito próximos da aristocracia pelo seu modo de vida pelos valores cortes cia nas cidades confirma essa integração das cidades no sistema feudal Como também se viu anteriormente o desenvolvimento urbano é suscitado pelo dinamismo da zona rural especialmente pela produção de excedentes que camponeses e senhores vendem na cidade e pela monetarização crescente dos pagamentos o que obriga os dependentes a aumentarem suas vendas e fornece aos senhores um numerário mais abundante Isso representa um impulso decisivo para as trocas e para o desenvolvimento urbano e uma necessidade vital para o funcionamento dos senhorios no caso para o pagamento das obrigações e a utilização suntuária socialmente indispensável da renda senhorial É então perIago descrever o sistema feudal como uma economia dual separando de um lado uma economia rural de autossubsistência e de outro uma economia de mercado animada pelas cidades Immanuel Wallerstein sublinhouo vigorosamente O feudalismo não é a antítese do comércio Ao contrário até certo ponto o sistema feudal e o desenvolvimento das trocas andaram juntos Talvez seja mesmo necessário sugerir como fazem alguns que a separação entre cidades e campos tenha sido desejada ou ao menos encorajada pelos senhores que de fato contribuíram para fortalecer comunidades aldeãs e comunas urbanas a existência de populações urbanizadas consumidoras e não produtoras não seria então a condição de uma circulação dos produtos e das espécies monetárias tornada indispensável para a realização da renda senhorial Conviria igualmente refletir sobre a posição da burguesia medieval O fato de ver nos mercadores e artesãos dos séculos XII e XIII as primícias da burguesia dos séculos XVIII e XIX é uma tendência difícil de combater na medida em que os fundamentos ideológicos do estudo da Idade Média foram lançados no momento do triunfo dessa classe Entretanto tal visão teleológica produz temerosos erros de perspectiva projetando sobre a burguesia medieval a imagem daquela do século XIX assim lemos sob a pena de Henri Pirenne Nossas fontes não permitem duvidar de que o capitalismo se afirma desde o século XII O espírito que anima o grande comerciante que se enriquece é desde então o espírito do capitalismo O estudo das cidades e dos meios urbanos na Idade Média deveria então tomar por tarefa fazer aparecer as profundas diferenças de práticas e de mentalidades ocultas pelas similitudes aparentes e por uma continuidade postulado pelo senso comum Além dos aspectos já mencionados evitarseá esquecer o caráter quantitativamente limitado do desenvolvimento urbano a Idade Média permanece um mundo essencialmente rural Já se disse é verdade que o sistema feudal tinha necessidade de um desenvolvimento das trocas e portanto de grupos sociais encarregados da circulação das mercadorias mas é preciso enfatizar ainda como faz Alain Guerreau que isso se realiza sob a condição de manter esses grupos ou ao menos essas atividades em posição A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 155 dominada Diferentes mecanismos são empregados para tanto e é uma das funções do esquema das três ordens do feudalismo de que se falará mais tarde relegar os novos grupos urbanos confundidos com os camponeses no seio da ordem inferior de trabalhadores laboratores e negarlhes toda especificidade A lógica feudal encontrase aqui em pleno funcionamento e a manutenção desse modelo ideológico assim como sua institucionalização na organização dos estados gerais até 1789 reforça estrondosamente a posição política e socialmente dominada dos grupos urbanos Mas a atitude da própria burguesia manifesta ainda mais claramente a sua subordinação Com efeito mercadores artesãos e banqueiros enriquecidos têm apenas um desejo fixarse na zona rural adquirir feudos se possível serem consagrados cavaleiros e esforçarse para fazer acreditar que pertencem a uma linhagem de antiga nobreza Ainda no século XV os mercadores de Barcelona dentre muitos outros voltamse para as rendas fundiárias ou senhoriais instalamse nos quarteirões mais aristocráticos e enchem suas bibliotecas de obras cavaleirescas Não se poderia dizer mais claramente que a despeito do aparecimento de um investimento na produção artesanal ou na troca a Idade Média permanece fundamentalmente dominada pela lógica do controle da terra Marx escrevia em uma fórmula que não está isenta de toda crítica mas que tem a vantagem de convidar a considerar a lógica de um sistema social mais do que julgar isoladamente certos de seus elementos que na Idade Média o próprio capital enquanto equipamento artesanal tem o caráter de propriedade fundiária ao passo que ocorre o inverso na sociedade burguesa Ora um burguês cujo ideal é a renda fundiária e a integração à nobreza não tem nada em comum com o que nós entendemos hoje pelo termo burguesia que supõe que o ganho tirado da atividade econômica seja essencialmente destinado a ser reinvestido como capital É verdade que o desenvolvimento das realidades urbanas e burguesas conduzirá dentro de certo tempo à destruição do sistema feudal e é então tentador reparar desde a Idade Média os germes desse processo E se é recomendável perseguir em toda realidade histórica aquilo que antecipa seu futuro convém no entanto evitar as falsas perspectivas da teleologia Esse problema de grande complexidade exigiria reflexões mais elaboradas mas ao menos podese sublinhar que durante os séculos medievais o surgimento dos mercadores e das cidades permanece integrado à lógica do feudalismo que é suscitado pela sua dinâmica e por sua vez contribui para ela Produção artesanal trocas comerciais trabalho assalariado e grupos urbanos são os elementos que formarão a partir do século XVIII os componentes essenciais de um novo sistema Mas anteriormente eles existem apenas como frag 156 Jérôme Baschet mentos modestos isolados no seio de um sistema cuja lógica é totalmente outra Parece perigoso então conferirlhes o sentido de que eles se revestirão uma vez arranjados conforme a lógica do sistema capitalista A tensão realezaaristocracia Como se viu os séculos IX a XI são marcados por uma disseminação da autoridade pública finalmente encampada pelos castelões e pelos senhores Desde então são eles que com alguns condes e duques assim como com os bispos e os monastérios que detêm o poder senhorial partilham o essencial do comando sobre os homens Como aquele do imperador e com importantes diferenças geográficas o poder dos reis permanece apenas simbólico Eles não controlam o território de seus reinos e dispõem somente de um suporte administrativo insignificante Assim o soberano francês tem poder real apenas no domínio muito exíguo que possui diretamente em torno de Paris e Orleans o resto do reino é concedido em feudos tornados praticamente autônomos e detidos por grandes nobres duque de Borgonha condes de Champagne de Vermandois ou de Flandres enquanto todo o Oeste é em breve possuído na forma de feudo pelo soberano inglês Henrique II Plantageneta quanto ao Sul Toulouse e o Languedoc ele escapa totalmente ao soberano capetiano Na Alemanha onde o imperador é também rei da Germânia o efeito de mosaico é ainda mais acentuado e o soberano não se beneficia nem mesmo de um domínio direto tão compacto como aquele do rei da França o que o torna bastante insuficiente para suas necessidades Enfim os reinos escandinavos e eslavos dispõem somente de um poder extremamente restrito No entanto os reis existem e até mesmo gozam de um prestígio que em geral não é contestado Sua legitimidade tem fontes diversas a conquista militar tida como sinal do favor divino a eleição princípio em decadência mas ao qual se recorre em certos casos de interrupção dinástica a designação pelo rei precedente ou a sucessão dinástica que tende a prevalecer mas a prudência em geral incita a coroar o herdeiro durante a vida do seu predecessor O prestígio da figura real na Idade Média diz respeito sobretudo à consagração já praticada pelos visigodos e depois com estardalhaço pelos carolíngios e finalmente generalizada em todo o Ocidente com a exceção de Castela que permanece um reino sem consagração e deve sempre se esforçar para compensar esse déficit de sacralidade Teófilo Ruiz Durante esse rito cuidadosamente codificado pela liturgia e realizado por um colégio episcopal o soberano é untado com óleo santo à maneira dos reis do Antigo Testamento o que lhe confere caráter sagraA CIVILIZAÇÃO FEUDAL 157 do Certos sinais como o fato de vestir por um momento a dalmática13 do subdiácono ou um manto à moda da casula do sacerdote parecem fazêlo adentrar o corpo eclesiástico do mesmo modo que as menções da unção sacerdotal durante o rito Entretanto diferentemente do basileus bizantino que tem o estatuto de um sacerdote os clérigos ocidentais apressamse em ressaltar que o rei permanece um laico e recusam com veemência toda evocação explícita dos reissacerdotes bíblicos Melquisedecque14 por exemplo Mesmo na França onde segundo a lenda a unção é realizada com o óleo da ampola sagrada miraculosamente trazida por um pombo no momento do batismo de Clóvis o rei aproximase sem chegar a ele de um caráter propriamente sagrado Jacques Le Goff Se a consagração não é suficiente para estabelecer uma realeza sagrada que integraria o rei ao clero ela ao menos elevao um pouco acima dos outros laicos uma vez que ele é investido de alta missão desejada por Deus por vezes ele é mesmo dito coroado por Deus veja a figura 51 na p 501 O melhor sinal dessa aura é o poder taumaturgico conferido pela consagração aos reis da França e da Inglaterra reputados poderem curar durante cerimônias públicas a doença chamada das escrófulas15 Marc Bloch Mas se a consagração contribui inegavelmente para a afirmação da figura real ela é uma faca de dois gumes Com efeito inclui o juramento de defender o povo cristão e de lutar contra os inimigos da Igreja e os clérigos não se privam de insistir sobre as obrigações que incumbem ao rei em virtude da consagração Muito embora o ritual magnifique o príncipe mostrando que ele é escolhido por Deus manifesta de maneira ainda mais vigorosa que ele obtém seu poder da Igreja e não somente em virtude dos laços de sangue Mesmo se a leitura real da consagração se esforça para superar esse obstáculo o rito põe a realeza em uma forte dependência simbólica em relação ao clero e seus representantes eclesiásticos Segundo os Espelhos dos príncipes que estabelecem com fins pedagógicos o retrato ideal do rei este deve ser não apenas valente e corajoso na guerra para defender a paz e o bem comum mas igualmente justo humilde caridoso e magnânimo Além do mais querse que ele seja sábio quer dizer cuidadoso com as verdades divinas e bem instruído em numerosas disciplinas como foi mais do que qualquer outro Alfonso X de Castela e repetese seguindo o Policraticus de João de Salisbury o adágio segundo o qual um rei iletrado é como um asno coroado 13 Vestis dalmatica túnica manchada de mangas curtas e amplas utilizada pelos imperadores romanos na Idade Média manto reservado a altos dignitários eclesiásticos N T 14 Figura um tanto enigmática de reisacerdote de Salem talvez o nome arcaico de Jerusalém que aparece na gesta de Abraão no Gênesis 14 1820 N T 15 Tratase da tuberculose ganglionar linfática N T 158 Jérôme Baschet O rei medieval deve ser este é um elemento decisivo de seu poder um rei cristão e os reis ocidentais rivalizam neste aspecto vários se dizem muito cristãos em particular o francês que monopolizará este título a partir do século XIV enquanto os reis hispânicos reivindicarão o de católicos Neste sentido o poder real repousa sobre uma adequação às normas ideológicas definidas pela Igreja E ninguém preencheu melhor esta exigência do que Luís IX da França levada no seu caso até os mais extremos escrúpulos de uma devoção e de uma penitência quase monásticas O italiano Salimbene diz que ele parece mais um monge que um guerreiro Ele é em todo caso o rei cristão ideal completamente laico conforme o modelo desejado pelos clérigos o que lhe terá valido as honras de uma canonização única entre os reis da Europa Ocidental depois do século XII Jacques Le Goff O poder monárquico concentrase no essencial na pessoa do próprio rei É por isso que os soberanos do período considerado aqui são itinerantes eles têm é verdade uma capital privilegiada ou com frequência duas mas devem deslocarse incessantemente pois sua presença física é decisiva para dar força a suas decisões O rei entretanto não está sozinho sua família muitas vezes exerce um papel político benevolente o rei capetiano confia territórios como apanágio a seus irmãos ou hostil revolta dos filhos de Henrique II Plantageneta sua corte doméstica divide os encargos da casa real que se tornam pouco a pouco funções políticas que permitem participar do conselho do rei o condestável é encarregado dos cavalos e também da guerra o camarista faz o papel de tesoureiro o chanceler geralmente um homem da Igreja redige e autentica as escrituras reais Enfim os grandes vassalos reúnemse na corte do rei em companhia de um número crescente de especialistas clérigos e juristas mas também astrólogos e médicos É somente durante o século XIII que a corte real tende a se fracionar em órgãos especializados como o Parlamento que se consagra aos negócios de justiça ou a corte de contas encarregada dos rendimentos reais O poder do rei repousa de início sobre seu domínio que durante muito tempo forneceu o essencial de suas finanças O rei da Inglaterra que controla uma sólida porcentagem do solo de seu reino em particular as florestas assim como em menor grau o rei da França pode viver do que é seu o que atrai o ciúme do imperador A administração do domínio é confiada a agentes reais prebostes dominiais na França que se encarregam de canalizar seus rendimentos para os cofres reais Somamse a isso diversos direitos econômicos que ainda não se diferem totalmente a não ser talvez em termos de quantidade da norma senhorial direitos de pedágio ou de aduana na Inglaterra taxa sobre o sal gabelle na França algumas ajudas excepcionais no caso de cruzadas por exemplo e diversas cobranças sobre a Igreja recebimento dos rendimentos A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 159 dos postos episcopais vagos dízimo 10 para ocasiões particulares mas que tendem pouco a pouco a se generalizar A despeito da emergência das teorias da soberania real no século XIII o poder do rei conserva um sabor eminentemente feudal O rei é um nobre ele partilha os valores e o modo de vida da aristocracia mesmo se pretende dispor de dignidade e de prerrogativas que o põem acima desta No mais utiliza as regras da vassalidade em seu benefício na medida em que ele é reconhecido como senhor eminente de todos os vassalos enfeudados de seu reino Esta qualidade lhe permite intervir em numerosas ocasiões tanto as familiares e matrimoniais como as ligadas à transmissão dos feudos Na posição de árbitro ou de juiz garantia do costume feudal ele consegue fazer com que o direito de arres to atue em seu benefício e recuperar assim o controle direto de certos feudos É também enquanto senhor feudal que pretende convocar para seu ost16 as primeiras e as últimas fileiras17 quer dizer os vassalos diretos e indiretos o que só obtém no caso de poder fazer com que estes últimos temam alguma punição em caso de falta O rei recorre muitas vezes ao serviço de infantes camponeses livres ou milícias urbanas e logo a mercenários em número crescente O rei dispõe de uma gama variada de meios para estender seu domínio direto ou seu reino Incluise aí além da arte de manusear o direito feudal a arte das boas alianças matrimoniais Eleonora traz a Aquitânia para Luís VII e depois de um divórcio inoportuno para o capetiano para o inglês Henrique II Mas a conquista é ainda o meio mais seguro e aquele que dá ao poder real mais firmeza É por isso que após a vitória de Guilherme o Conquistador e durante o século XII o reino da Inglaterra com suas extensões sobre o continente é um dos mais sólidos da Europa O Conquistador atribuise um quinto das terras em particular as florestas e uniformiza as instituições feudais em seu proveito O exercício da justiça real ou ducal é mantido os sheriffs administradores dos shires equivalentes aos viscondes normandos dependem diretamente do rei que caso único na Europa conserva o direito exclusivo de erguer fortificações Mas se o poder dos sheriffs atinge o seu apogeu no início do século XII em seguida ele é pouco a pouco corroído pela extensão dos direitos de justiça e pela autonomia dos senhores laicos ou eclesiásticos e depois pelos privilégios dos burgos Com Henrique II Plantageneta 115489 os domínios continentais do rei inglês estendemse além da Normandia a Anjou Bretanha Poitou e Aquitânia Ora este território considerável que torna o inglês bastante ameaçador é tam 16 Do latim hostis indica na Idade Média o exército de um senhor ou soberano N T 17 A fórmula tradicional em francês deixa claro os vínculos com o direito de comando militar le ban et larrièreban N T 160 Jérôme Baschet bem um ponto fraco Não somente seus feudos continentais o obrigam a prestar homenagem ao rei da França como também Henrique II se esgota durante todo o seu reinado para manter a unidade de possessões desproporcionadamente extensas e além disso divididas pelo mar O sonho de Anjou e o fardo da Aquitânia implicam necessidades em dinheiro que jamais são satisfeitas e contribuem finalmente para enfraquecer a realeza inglesa mesmo se esta era dotada de sólidas vantagens Do mesmo modo entre os reinos ocidentais mais firmes devese assinalar aquele que os normandos estabelecem na Sicília e na Itália do Sul no século XII assim como os reinos hispânicos engajados na Reconquista Neles o rei senhor da guerra e da terra goza de grande prestígio e chega em nome de suas funções na luta contra o infiel a manter importantes prerrogativas especialmente o controle sobre os castelos que são passíveis de restituição Além do ost feudal pode exigir a ajuda das milícias urbanas e uma parte importante de seu poder repousa sobre os Concejos urbanos cuja rede estabeleceu e aos quais concedeu amplos privilégios Assim a realeza fundada sobre a Conquista chega melhor do que as outras a ordenar o sistema feudal em seu proveito No caso francês a guerra permite não aumentar o reino mas recuperar o seu controle O reinado de Filipe II Augusto 11801223 é decisivo seu nome que se refere à extensão do domínio real durante o seu reino não é usurpado pois diante dos filhos de Henrique II Ricardo Coração de Leão e João Sem Terra ele recupera a Normandia Anjou e Poitou o que confirma sua vitória estrondosa em Bouvines em 1214 contra a coalizão formada por João Sem Terra e o imperador Oto IV No continente mas muito longe de sua ilha o rei da Inglaterra consegue manter apenas a Aquitânia Guyenne e Gasconha mas a rivalidade francoinglesa temporariamente estagnada ressurgirá no século XIV Depois sob Luís IX 122670 o fim vitorioso da cruzada contra os albigenses celebrado pelo Tratado de Paris 1129 permite ao rei controlar o Languedoc enquanto as outras possessões do conde de Toulouse são transmitidas à sua filha que desposa um irmão de Luís IX e retornam finalmente para a Coroa em 1271 A partir de então o domínio direto cobre três quartos do reino e são Luís depois da morte do imperador Frederico II aparece como o soberano mais poderoso do Ocidente Duas funções fundamentais são reconhecidas ao rei ele deve garantir a paz e a justiça O cuidado de manter a paz essencial ao bem público e assegurada pela Igreja durante certo tempo retorna pouco a pouco para os soberanos Disso decorre sobretudo o direito de levar a cabo guerras justas e é ainda a Igreja que reivindica com frequência a capacidade de determinar a legitimidade do uso das armas Quanto ao respeito pela justiça ele é o dever essencial dos reis que se incumbem sobretudo a partir do século XIII de exercer efetivamente esta função Os reis e não mais somente o imperador fazem valer então o seu direito de A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 161 legislar por editos ordenanças ou fueros e reivindicam a lei como base de seu poder É o caso de Rogério II da Sicília e de Henrique II Plantageneta seguidos mais tarde por Luís IX na França e por Alfonso X de Castela a quem está associada uma obra jurídica considerável incluindo principalmente a coletânea das Siete Partidas por sua vez o imperador Frederico II desenvolve um verdadeiro culto à justiça cuja alegoria ele faz representar acima de seu busto na porta de Cápua O rei pretende ser a encarnação da lei a lei viva lex animata Mas se ele proclama a lei deve também respeitála pois ele é ao mesmo tempo seu senhor e seu servidor Na prática os reis esforçamse para chamar a si os casos considerados de domínio régio e sobretudo para fazer valer a possibilidade de um recurso das sentenças senhoriais ou condais São Luís assegura de modo muito particular a promoção de um apelo ao rei sugerindo a imagem de um soberano que promove pessoalmente a justiça sob seu carvalho em Vincennes na verdade embora ele próprio ouça os casos ele transfere a resolução para juristas profissionais O sucesso do procedimento é tamanho que os processos afluem para os parlamentos reais na segunda metade do século XIII Isso obriga a multiplicar os representantes locais sheriffs na Inglaterra baillis e sénéchaux na França corregidores na Península Ibérica que recebem como delegação o poder de julgar os recursos em nome do rei ao que se acrescentam em seguida funções militares e fiscais em geral eles são assalariados e muitas vezes transferidos de uma região para outra para tentar garantir sua fidelidade Essa recuperação da justiça pelo rei é então um fenômeno geral mas sempre parcial que se opera desde o início do século XIII na Inglaterra e em Castela cinquenta anos mais tarde na França e em Aragão mas nunca no Império Seguemse profundas modificações da concepção de justiça Nos séculos XI e XII quando os tribunais senhoriais ou condais julgam em última instância prevalece o costume não escrito mas periodicamente recitado cuja autoridade é fundada sobre sua antiguidade e sua filiação a uma memória que tem suas raízes no tempo mítico dos ancestrais Os tribunais preocupamse menos em resolver o caso através de sentenças enunciando uma verdade absoluta do que chegar a um compromisso entre as partes suscetível de restabelecer a paz social ou ao menos conter os conflitos nos limites aceitáveis Essencialmente arbitral a justiça se esforça então para chegar a uma reconciliação ou ao menos a um acordo negociado e é por isso que mesmo para os casos de sangue ela recorre mais frequentemente às compensações financeiras que aos castigos corporais Enfim seus meios são fracos e ela deve se limitar ao procedimento acusatório que põe as duas partes face a face e deixa ao acusador o encargo de aportar a prova que fundamenta sua queixa Nos casos mais graves não há outro recurso a não ser se remeter ao julgamento de Deus que se chama também de ordá 162 Jérôme Baschet lio Organizase então um duelo judiciário cada parte escolhe seu campeão e a sentença depende do resultado de um combate a que se credita poder revelar a vontade divina Em outros casos recorrese a uma prova no mais das vezes andar sobre brasas ardentes ou suportar a queimadura do ferro em brasa ou da água fervente cujo resultado manifesta como se pensa então a vontade de Deus Na verdade o processo pode se prolongar ao longo de dias seguidos por exemplo para analisar a cristalização das chagas o que deixa às parte presentes e à comunidade o tempo de chegar a um consenso Peter Brown Mas a perspectiva de um ordálio e ainda mais de um duelo judiciário pode também ter um efeito dissuasivo pressionando para a busca de um acordo negociado que permita suspender a prova Mais tarde ampliando as críticas emitidas desde o início do século XII por numerosos bispos tais como Yves de Chartres o Concílio de Latrão IV em 1215 proíbe aos clérigos participar dos ordálios o que os priva das preces indispensáveis para o seu bom desenrolar Seu declínio se acelera a partir de então embora sejam ainda utilizados no decorrer do século XIII Com a reivindicação da lei pelo rei é o conjunto de concepções da justiça que se transforma Desde o século XII o desenvolvimento do direito nas escolas e universidades é notável e os juristas adquirem um papel crescente Ao lado do estabelecimento do direito comum que se refere a um direito romano amplamente glosado e intercalado com o direito de origem eclesiástica o direito canônico os reis do século XIII preocupamse com os costumes dos quais ordenam o registro por escrito A redação das compilações de costumes tem duplo aspecto pois se ela manifesta o reconhecimento real dos costumes estes são ao mesmo tempo fixados e interpretados pelos juristas encarregados de transcrevêlos enquanto o rei manifesta assim seu controle sobre o próprio costume e sobre o território onde ele se aplica A legitimidade dos julgamentos do rei diretos ou em instância de recurso fundamentase doravante sobre um corpus escrito do qual ele é a garantia e que inclui direito comum para todo o reino e direito costumeiro particular Desde então a concepção arbitral da justiça se apaga em benefício de uma preocupação em fazer surgir uma verdade em conformidade com a lei É por isso que no fim do século XII e sobretudo no século XIII e de início para os casos mais graves de heresia e lesamajestade atentado contra a dignidade real o procedimento acusatório é substituído pelo procedimento inquisitório o juiz não é mais um árbitro e deve dali em diante punir todo atentado contra a ordem pública ele tem então a faculdade de iniciar a ação penal e é a ele que cabe o ônus da prova Bastante nova essa concepção da justiça permanece largamente impotente na prática ela pronuncia a maioria de seus julgamentos em contumácia e percebese logo que a única prova digna de fé é o reconhecimento de culpa pelos acusados Se essa opção é lógica em um momento em que se A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 163 desenvolve também a confissão religiosa ela conduzirá no fim da Idade Média e durante os Tempos Modernos à generalização da tortura como meio legítimo de obtenção da confissão judiciária Enfim a nova concepção da justiça leva a um recuo das compensações financeiras e sobretudo a partir do século XIV a um desenvolvimento das penas infamantes exposição no pelourinho rituais de humilhação tais como a procissão dos culpados nus através da cidade e dos castigos corporais adaptados à diversidade dos delitos mutilações das mãos da língua ou do nariz desmembramento decapitação ou enforcamento morte na fogueira ou em água fervente esquartejamento do corpo no caso das piores traições No século XIII a concepção do poder real mudou Antes o rei era a um só tempo um senhor feudal dentre outros e um ser à beira do sagrado que gozava de um paralelo com o Cristorei que ocupa seu trono nos céus Doravante ele afirma sua preocupação com a coisa pública res publica e reivindica uma soberania estendida ao conjunto de seu reino e fundada sobre a lei É verdade que os progressos do poder real são devidos em boa parte ao hábil manuseio das regras feudovassálicas e neste sentido a aristocracia é motivada a defender uma ideia do rei como primus inter pares primeiro entre iguais Entretanto reivindicando uma legitimidade fundada sobre a lei o rei se esforça ao menos em teoria para escapar a essa lógica Resulta disso uma crescente oposição e as lutas entre reis e barões dão lugar a múltiplas intrigas Assim João Sem Terra derrotado deve conceder a Magna Carta em 1215 a qual prevê o controle do rei por um conselho de barões enquanto de 1258 a 1265 a Inglaterra é sacudida pela revolta destes últimos Mais do que relatar os inúmeros episódios deverá se sublinhar que o conflito entre monarquia e aristocracia é consubstancial à organização feudal Ela está sempre ativa seja quando atua no sentido de uma disseminação da autoridade sobretudo entre os séculos IX e XI mas às vezes também mais tarde seja quando permite a recuperação de certa unidade e o reforço dos poderes mais eminentes sobretudo a partir do século XIII Entretanto este segundo movimento permanece limitado A recuperação do controle da justiça é de grande importância mas sempre parcial O rei continua muito longe de exercer o monopólio do poder legítimo e de controlar verdadeiramente o seu território sua capacidade administrativa permanece modesta Em resumo o reforço do poder real não significa então a formação de um verdadeiro Estado A tensão monarquiaaristocracia mesmo se ela atua agora a favor da primeira permanece no interior do quadro definido pela lógica feudal Tratase de um jogo feito de rivalidade e de unidade de convivências e de afastamentos que esboça é verdade futuras rupturas mas que não atinge a intensidade de uma alternativa a nobreza ou a monarquia da qual surgirá no século XVII o Estado CONCLUSÃO AS TRÊS ORDENS DO FEUDALISMO Três relações sociais fundamentais foram evocadas até aqui para dar conta da organização feudal a relação senhoresdependentes a distinção nobresnão nobres a interdependência e a oposição cidadescampos É preciso acrescentar as relações de vassalidade que configuram parcialmente as hierarquias no seio do grupo dominante e lhe conferem uma coesão entremeada de rivalidades Esta relação entre um senhor e o vassalo que se declara seu homem por vezes de mão e de boca é muito próxima daquela que liga um senhor do senhorio a seus dependentes ambas de resto são pensadas em termos da relação entre o homem e Deus dominus Elas são entretanto de natureza e de importância radicalmente diferentes A primeira concerne à ínfima minoria das classes dominantes mas se beneficia da solenidade do ritual da homenagem a segunda engaja a quase totalidade da população e põe em jogo o essencial das relações feudais de produção Desde que se renuncie a considerar as relações vassálicas o coração da sociedade medieval como queria a historiografia centrada nos aspectos institucionais e políticos surge uma polêmica semântica Mais do que continuar a falar de sociedade feudal o que parece pôr a ênfase sobre o feudo e sobre as instituições da vassalidade que regulamentam sua transmissão não seria melhor preferir a noção de sociedade senhorial O que é certo é que o senhorio é de fato a unidade de base no seio da qual se instaura a relação de dominação e de exploração entre dominantes e dominados O argumento é bastante válido pois ele procura deslocar a ênfase da vassalidade para o senhorio e para a relação de dominium que nele se estabelece Mas se pode também notar que a especificidade do senhorio a junção do poder sobre as terras e do poder sobre os homens é estreitamente associada ao desenvolvimento da feudalização ou melhor à disseminação da autoridade da qual ela é uma das modalidades E se as instituições vassálicas têm um papel na afirmação da dominação senhorial elas contribuem de modo notável embora em associação com outros laços em particular os de parentela ou de amizade para a distribuição das posições dominantes no seio da relação de dominium Mas sobretudo os termos clássicos sociedade feudal e feudalismo remetem a uma convenção tão solidamente ancorada que é mais fecundo transformar a sua compreensão do que modificar seu nome Se feudal serve com frequência para caracterizar sociedades nas quais o feudo certamente não foi o traço mais significativo não há nada nisso que contradiga a prática universal de todas as ciências Ficaríamos escandalizados se o físico persistisse nomear átomo quer dizer indivisível o objeto de suas mais audaciosas dissecações Marc Bloch Como diz Jacques Le Goff as estruturas que funcionaram na Europa dos séculos IV ao XVIII têm necessidade de um nome e se é preciso conservar feudalismo é porque de todas as palavras possíveis é a que melhor indica que nós estamos lidando com um sistema Evidentemente é sob uma forma sensivelmente diferente o que não tem nada de anormal que a sociedade medieval pensava a si própria Para tal finalidade os dominantes tinham elaborado o esquema de três ordens estabelecendo no seio da sociedade uma divisão funcional entre aqueles que oram oratores quer dizer os clérigos aqueles que combatem bellatores reservando aos milites uma atividade guerreira que era inicialmente o atributo de todos os homens livres e aqueles que trabalham laboratores ou seja todos os demais Se a complementariedade das três ordens em que cada uma delas é considerada indispensável às duas outras e necessária ao bom funcionamento do corpo social prevalece de início logo ela se combina com uma clara hierarquia estabelecida entre elas Esse modelo aparece na época carolíngia sob a pena de Aimon de Auxerre e depois no início do século XI em Adalberon de Laon e Geraldo de Cambrai dois bispos ligados ao poder real Tratase então de uma arma do clero secular contra o poderio dos monges e do rei contra a força da aristocracia Durante um longo eclipse em meio ao qual predomina uma oposição dual entre clérigos e laicos é no fim do século XII que o esquema tripartite se impõe nas cortes da Inglaterra e da França antes de se generalizar mas sem destronar a dualidade clérigoslaicos que conserva uma ampla pertinência Suscetível de usos diversos ele é no mais das vezes posto a serviço da reafirmação do poder real em face dos senhores e dos bispos em face dos monges contribuindo para manter em posição subalterna os novos grupos urbanos fundidos com os dependentes rurais na massa daqueles que penam no trabalho Evidentemente o modelo das três ordens não é uma descrição da realidade social é uma construção ideológica em conformidade com o imaginário do feudalismo Georges Duby Em todo caso ela se concretiza embora tardiamente na organização em ordens separadas da assembleia dos Estados que a monarquia francesa convoca em caso de necessidade entre 1484 e 1789 Enfim mesmo sendo suscetível de servir aos interesses da realeza o esquema trifuncional da sociedade remete a uma visão dominada pelo clero que continua sendo até o fim do Antigo Regime a primeira ordem da sociedade De fato se se pôde identificar a aristocracia como classe dominante do sistema feudal essa constatação permanece insuficiente pois a ideologia do feudalismo põe acima desta a Igreja cuja análise tão indispensável deve ser empreendida a seguir A DINAMICA DO SISTEMA FEUDAL O texto discute a dinâmica do sistema feudal e demonstra que ao contrário do que se pensava no século XIX esse sistema não estava estagnado ou em declínio mas era dinâmico e se desenvolvia com vigor Uma das mudanças mais significativas ocorridas na Alta Idade Média foi o desenvolvimento comercial e urbano que favoreceu o Ocidente cristão em detrimento das potências bizantina muçulmana e escandinava Esse desenvolvimento foi impulsionado pelo dinamismo dos senhores feudais que promoveram o aumento das trocas locais e o surgimento de mercados regulares Os camponeses passaram a vender seus produtos em oficinas senhoriais feiras e mercados enquanto as cidades costeiras italianas como Pisa Gênova e Veneza que se libertaram da dominação muçulmana estabeleceram redes comerciais e monopolizaram o comércio entre o Ocidente e o Oriente fortalecendo suas economias A tecelagem e a metalurgia foram os dois suportes principais do comércio com a Inglaterra se tornando uma grande produtora de lã no século XIII A Hansa organização de mercadores alemães que controlava a região báltica também contribuiu para o desenvolvimento comercial e urbano exportando grãos peles e madeiras até a Europa Ocidental e a Inglaterra Além disso o Mediterrâneo ocidental foi liberado da dominação muçulmana o que resultou no desenvolvimento das cidades costeiras italianas que se tornaram as precursoras do comércio com o Oriente Tudo isso levou a um desenvolvimento notável das cidades italianas no século XII A formação das comunas urbanas no século XII é apresentada como resultado da luta pela obtenção de franquias urbanas e privilégios políticos autônomos e não como uma luta moderna pela liberdade As comunidades urbanas possuíam personalidade jurídica e eram dotadas de conselhos e representantes eleitos justiça própria e milícias urbanas A formação das comunas urbanas ocorreu paralelamente ao surgimento das comunidades rurais e à multiplicação de suas cartas de franquia O movimento comunal foi muitas vezes violento mas não necessariamente resultou em conflitos entre a burguesia e a aristocracia como costuma ser retratado pela historiografia Na verdade a principal hostilidade à formação das comunas vinha dos clérigos e a aristocracia frequentemente exercia um papel favorável para a origem das comunas As famílias aristocráticas detinham a posição de destaque nas cidades impunham o respeito pela força militar possuíam palácios servidores domésticos e torres Embora investissem em atividades produtivas ou comerciais a aristocracia representava apenas um punhado de homens e detinha o poder na cidade que era hierarquizado e controlado pelos mais ricos As comunas do século XII não eram democráticas e a ideia de um choque entre a burguesia e a aristocracia é uma projeção historiográfica pouco fundamentada Sobre as relações entre as cidades e o sistema feudal na Idade Média Inicialmente havia a visão de que as cidades e a burguesia que nelas habitava questionavam a ordem feudal mas hoje em dia prevalece a ideia de que o desenvolvimento das trocas e das cidades foi produzido pela dinâmica do próprio feudalismo e que as cidades se integravam nele apesar das tensões entre elas O desenvolvimento urbano era impulsionado pela dinâmica da zona rural especialmente pela produção de excedentes que camponeses e senhores vendiam na cidade e pela monetarização crescente dos pagamentos o que obrigava os dependentes a aumentarem suas vendas e fornecia aos senhores um numerário mais abundante A existência de populações urbanizadas não produtoras era vista como condição para a circulação de produtos e espécies monetárias e para a realização da renda senhorial O texto também alerta para a necessidade de refletir sobre a posição da burguesia medieval evitando projetar sobre ela a imagem da burguesia dos séculos XVIII e XIX É importante lembrar que o desenvolvimento urbano na Idade Média era limitado quantitativamente e que a Idade Média era um mundo essencialmente rural No que diz respeito a relação de poder entre realeza e aristocracia nos séculos IX a XI na Europa Ocidental durante esse período a autoridade pública passou para as mãos dos castelões e senhores que compartilhavam o controle com alguns condes duques e bispos Os reis por sua vez possuíam poder simbólico sem controle direto do território e com um suporte administrativo insignificante Apesar disso a figura real era prestigiosa e legitimada por diferentes fontes como a conquista militar a eleição e a sucessão dinástica além da consagração que era um rito sagrado realizado pelos bispos para untar o rei com óleo santo e elevar sua missão divina tornandoo ligeiramente superior aos demais laicos Embora a consagração contribuísse para afirmar a figura real ela também incluía o juramento de defender o povo cristão e lutar contra os inimigos da Igreja o que colocava os clérigos em uma posição importante na relação de poder Em relação a consolidação do poder dos reis no final da Idade Média na França destacando o reinado de Filipe II Augusto 11801223 e Luís IX 1226 70 Através de guerras justas eles recuperaram o controle de várias regiões e fortaleceram sua autoridade como os principais responsáveis pela garantia da paz e da justiça O rei também passou a ter o direito de legislar e fazer valer a lei como base de seu poder A justiça foi progressivamente recuperada pelo rei que passou a ser visto como a encarnação da lei mas sempre respeitandoa Esse processo levou à multiplicação dos representantes locais como baillis e sénéchaux na França corregedores na Península Ibérica para garantir a aplicação da lei e a fidelidade ao rei O texto destaca que a concepção de justiça passou por profundas modificações com a prevalência do costume que foi substituído por leis escritas e pela autoridade do rei O longo das páginas é discutido ainda as relações sociais fundamentais que caracterizam a organização feudal destacando a relação senhordependente a distinção nobresnão nobres a interdependência e oposição entre cidades e campos e a relação de vassalidade que configura hierarquias no grupo dominante O autor argumenta que o senhorio é a unidade básica da sociedade feudal e que a relação de dominação e exploração entre dominantes e dominados se estabelece dentro dele Ele questiona a ênfase na vassalidade e propõe a noção de sociedade senhorial O texto também discute a ideia das três ordens que estabelece uma divisão funcional entre aqueles que oram clérigos aqueles que combatem milites e aqueles que trabalham todos os demais Embora a complementaridade das três ordens seja considerada inicialmente logo se estabelece uma clara hierarquia entre elas O modelo das três ordens aparece na época carolíngia e é usado pelo clero secular contra o poder dos monges e pelo rei contra a força da aristocracia Embora a compreensão da sociedade medieval seja sensivelmente diferente da nossa as estruturas que funcionaram na Europa dos séculos IV ao XVIII precisam de um nome e a noção de feudalismo é a mais adequada para indicar que estamos lidando com um sistema
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segunda parte a fim de ver em que medida e por quais meios é assegurado o laço dos homens à terra que se pode desde já considerar um dos traços fundamentais do sistema feudal A DINÂMICA DO SISTEMA FEUDAL Fragmentação política fixação espacial encelulamento tantos termos que segundo a historiografia herdada do Iluminismo e do século XIX deviam ser associados a uma situação de desordem de regressão ou ao menos de estagnação Ora é o desenvolvimento e o dinamismo que preponderam A descrição dessa tendência deve ainda integrar dois elementos tidos por muito tempo como contrários à lógica do sistema feudal mas que como se quer salientar aqui dizem respeito plenamente à sua dinâmica a cidade e o poder monárquico O desenvolvimento comercial e urbano Se as trocas comerciais não eram inexistentes anteriormentea mudança é clara no fim do século XI e início do século XII Enquanto a Alta Idade Média era marcada pela tripla supremacia bizantina muçulmana e escandinava uma alteração de conjuntura operase então a favor do Ocidente cristão permitindo um desenvolvimento comercial mais vigoroso tanto no nível local como no regional ou no continental Como foi visto o dinamismo do senhorio implica desde o fim do século XI e sobretudo no século XII um aumento das trocas locais Mercados regulares hebdomadários ou mensais na própria aldeia na cidade próxima ou muitas vezes também no antepáteo do mosteiro vizinho dão lugar a uma intensa circulação de produtos também alimentada pelo desenvolvimento das oficinas senhoriais Os camponeses vendem grãos gado ovos aves e diversos produtos de um artesanato rural emergente tais como a cerâmica trabalhos em fibra fios e modestas peças têxteis ao mesmo tempo que trazem da cidade ferramentas cera peixes salgados ou cerveja entre outros produtos figura 10 nas pp 152 e 153 Em um nível mais amplo a tecelagem e a metalurgia são dois suportes principais do comércio Assim a Inglaterra vende seus metais e sobretudo a lã de seus numerosos rebanhos a mercadores do continente antes de se lançar ela própria na produção de tecidos em lã no século XIII Ela alimenta as forjas e a produção de ferramentas agrícolas de pregose facas que prosperam em Flandres em Artois e nas regiões vizinhas Aí A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 143 também se concentra uma produção de tecidos em lã de grande reputação exportados para a Alemanha e até para a Rússia mas principalmente para as regiões mediterrâneas em especial por meio das feiras de Fréjus e de Arles A esse eixo NorteSul sem dúvida a principal via comercial de então é preciso acrescentar um eixo LesteOeste que se afirma a partir de meados do século XII com o desenvolvimento do comércio na região báltica dominada pelos mercadores alemães organizados em uma vasta rede de cidades e de armazéns a Hansa Eles exportam sobretudo grãos peles e madeiras provenientes do leste do Báltico até a Europa Ocidental e a Inglaterra Enfim o Mediterrâneo ocidental é liberado da dominação muçulmana sob a ação dos pisanos e genoveses dos catalães e dos normandos que recuperam a Córsega a Sardenha a Sicília as ilhas Baleares e devolvem a segurança aos portos do Sul da França Resulta disso um desenvolvimento das cidades costeiras italianas Amalfi e Salerno as precursoras são logo destronadas em proveito de início de Pisa e em seguida de Gênova e Veneza Estas últimas encarregamse então das trocas entre Oriente e Oriente beneficiandose de privilégios e de monopólios em Bizâncio como é o caso de Veneza e depois instalando armazéns e desenvolvendo seus interesses em todo o Mediterrâneo oriental até Antioquia e o mar Negro Aí eles compram produtos cada vez mais requeridos no Ocidente seda algodão açúcar especiarias marfim ouro perfumes e vendem tecidos do Norte lãs óleo ou sal Essa expansão em direção ao comércio distante fortifica as cidades italianas e leva no século XII a uma evolução notável Os mercadores do Norte têm menos razão de descer para a península para vender os produtos que os italianos levam até o Oriente A produção metalúrgica aumenta na própria Itália assim como o artesanato têxtil estimulado pela invenção do tear horizontal Tratase fundamentalmente da fabricação do tecido de lã que fará a fortuna de Florença o cânhamo e o linho permanecem secundários assim como a seda que entretanto começa a se desenvolver no fim do século XII Doravante são os mercadores italianos qualificados genericamente de lombardos que atravessam cada vez com mais frequência os Alpes para vender seus produtos na França e na Alemanha É o seu avanço que conduz a situar no centro da Europa a zona das trocas comerciais mais intensas originando assim as feiras de Champagne Ali são negociados os produtos do Norte e do Sul em particular das duas regiões mais ativas Itália e Flandres Diferentes dos mercados mais regulares as feiras são aglomerações de periodicidade fraca com frequência anual por vezes semestral ou trimestral dotadas de privilégios pela autoridade fundadora e estreitamente controladas por ela Elas existem em todas as regiões do Ocidente desde pelo menos o século X As feiras de Champagne fundadas em Provins Troyes Bar e Lagny conhecem um sucesso 144 Jérôme Baschet excepcional desde a primeira metade do século XII e durante o século XIII ao termo do qual começa seu declínio Notase aí a vontade manifesta do conde de Champagne que se preocupa com sua boa organização garante a proteção àqueles que delas participam e destina uma parte importante dos rendimentos que delas tira para a Igreja Sinal deste desenvolvimento das trocas a cunhagem do ouro abandonada desde Carlos Magno e de início tentada em vão com finalidades de prestígio por certos príncipes é retomada com sucesso por iniciativa das cidades italianas o genovês em 1252 no mesmo ano em Florença o florim que será o modelo de todas as moedas de ouro do fim da Idade Média finalmente o ducado de Veneza em 1284 Esta é a melhor prova do desenvolvimento dessas cidades e de seu papel no grande comércio A reafirmação do fenômeno urbano na Idade Média Central está associada ao desenvolvimento das atividades artesanais e comerciais Mas a função militar e sobretudo a presença de uma autoridade episcopal condal ou principesca que suscita a manutenção de uma corte numerosa e cria um efeito de atração são igualmente decisivas Estas últimas permitiram de resto a manutenção dos núcleos urbanos durante a Idade Média e mesmo quando o desenvolvimento artesanal e comercial faz sentir seus efeitos elas continuam com frequência a ter papel significativo no desenvolvimento urbano Além disso no contexto específico da Reconquista ibérica o rei grande distribuidor de terras apoiase nas cidades para controlar o território Em especial em Castela e Leão ele concede precocemente fueros aos núcleos de povoamento preexistentes ou recémcriados Ele estabelece assim autoridades urbanas Concejos às quais concede o conjunto de bens reais realengo situados nos territórios alfoz que dependem da cidade Se as numerosas cidades estabelecidas ao norte do Douro durante os séculos XII e XIII devem compor com os poderes senhoriais e eclesiásticos que são como enclaves em seu domínio de competência as cidades situadas entre o Douro e o Tejo que correspondem a uma segunda fase da Reconquista ganham um alfoz extraordinariamente extenso por exemplo Segóvia ou Ávila e muito mais homogêneo Um outro traço original da política dos reis de Castela é a implantação consciente de uma rede de pequenas cidades por vezes criadas pelo reagrupamento de algumas aldeias e destinadas a reunir uma população da ordem de oitocentos a 2 mil habitantes Esse modelo da villa que permite uma forma de controle do território intermediária entre a da aldeia e a das cidades mais importantes civitas ciudad terá papel significativo na implantação hispânica no Novo Mundo Pascual Martinez Sopena Se os motivos e as circunstâncias variam a tendência é manifesta as cidades do Ocidente conhecem um forte crescimento durante a segunda metade da Idade Média De início formamse burgos em torno das muralhas antigas símbolo da renovação urbana A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 145 eles dão seu nome aos burgueses até que o termo seja retomado para designar o conjunto dos habitantes da cidade a burguesia no sentido medieval não tem então nada a ver com a classe que geralmente designamos por este termo pois ela inclui tanto cavaleiros como trabalhadores assalariados que residem na cidade Quando os burgos atingem certa extensão e não estão longe de se juntar são cercados por uma nova muralha no mais das vezes construída ao longo do século XII Depois como atesta o exemplo de Florença na primeira metade do século XIV o crescimento torna necessária a edificação de uma terceira muralha que no mínimo dobra a superfície intra muros ilustração VI As maiores cidades atingem então 200 mil habitantes Paris e Milão 150 mil Florença Veneza e Gênova ou beiram as 100 mil almas Gand Bruges Londres Colônia e Trèves Mas fora estas prestigiosas exceções a maior parte das cidades não passa de 10 mil ou 20 mil habitantes É aliás no nível mais modesto que convém considerar a escala do fenômeno urbano medieval e de seu desenvolvimento enquanto cerca de apenas trinta cidades atingem os 5 mil habitantes antes do ano mil elas são mais de 150 por volta de 1200 Enfim além do VI Planta de Florença muralhas do fim do século IV de 1172 e de 12991327 146 Jérôme Baschet crescimento de cidades antigas numerosas cidades novas são criadas tanto no Sul da França e nos reinos hispânicos como na Alemanha Sobretudo no século XIII surgem em toda parte cidades cujos nomes não enganam Bastide Villeneuve Villanueva Suas plantas em tabuleiro facilmente reconhecíveis indicam uma iniciativa planejada e as distinguem das cidades antigas cujo crescimento se opera em geral segundo um esquema concêntrico determinado pelas vias de acesso ilustração VII VII Duas cidades novas com plantas em tabuleiro criadas na segunda metade do século XIII Mirande ao norte dos Pireneus fundada em 1285 e Soldin Brandeburgo fundada entre 1262 e 1280 O mundo das cidades O desenvolvimento das cidades dá lugar a um fenômeno sobre o qual a historiografia herdada do século XIX gostou de insistir a formação das comunas muitas vezes apresentadas como o resultado da luta triunfante da burguesia em sua aspiração revolucionária por liberdade rompendo com uma ordem aristocrática e feudal que tendia à imobilidade José Luis Romero É verdade que começa a circular então o ditado segundo o qual o ar da cidade torna livre e que a constituição das populações urbanas em comunidades communitas universitas dotadas de uma personalidade jurídica é em geral adquirida com grande luta no decorrer do século XII Mas seria errado decalcar sobre essa época uma concepção moderna da liberdade pois as liberdades naquele momento consistem essencialmente em obter franquias urbanas por exemplo a isenção A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 147 de direitos senhoriais em especial sobre os mercados e os pedágios ou a possibilidade de cobrar taxas por sua própria conta e privilégios permitindo uma organização política autônoma conselho e representantes eleitos o exercício de uma justiça própria e a formação de milícias urbanas É verdade que o movimento comunal por vezes leva a afrontamentos violentos como em Santiago de Compostela em 1116 ou em Laon onde o bispo é assassinado em 1112 é este último exemplo longamente descrito pelo monge Guiberto de Nogent que lhe inspira a famosa frase tornada paradigmática na historiografia Comuna palavra nova palavra execrável Entretanto com frequência vemos também duques ou condes tais como os de Champagne exercem um papel favorável para a origem das comunas De fato a formação das comunas urbanas é paralela à afirmação das comunidades rurais e à multiplicação de suas cartas de franquia Assim como estas últimas as cartas urbanas são muitas vezes objeto de um acordo negociado e sem violência neste caso entre mercadores aristocratas e autoridade condal por exemplo para a instituição do cargo dos cônsules que exercem o poder nas cidades do Sul da França Alhures é o próprio rei que concede franquias em massa mas com frequência ele se reserva o direito de nomear as principais autoridades municipais como em Castela e em Paris onde o rei da França evita permitir o que ele concede às outras cidades do reino nas quais vê um apoio e um útil reforço militar contra seus vassalos insubmissos A ideia de um choque entre a burguesia tida de saída como supostamente revolucionária e a aristocracia necessariamente feudal e conservadora aparece então como uma projeção historiográfica pouco fundada De fato a principal hostilidade à formação das comunas vem dos clérigos e é onde o bispo conserva maior controle das cidades que o movimento leva mais facilmente ao afrontamento violento Assim como em relação à anacrônica noção de liberdade devemos duvidar da suposta democracia dos governos urbanos A cidade fortemente hierarquizada está nas mãos dos mais ricos As comunas do século XII são fruto de uma convivência entre a aristocracia cavaleiresca e a elite dos mestres de ofícios ou seja apenas um punhado de homens Por mais surpreendente que isso possa parecer a aristocracia é muito presente na cidade Quer se trate das camadas dominantes rurais que se instalam na proximidade da corte do bispo ou do conde dos quais são vassalas quer de simples servidores que vivem no círculo de um senhor com frequência o grupo de milites representa um décimo da população urbana em particular no Sul da França e na Itália onde o fenômeno urbano se desenvolve precocemente e com maior amplitude mas também em outras regiões nas cidades em que residem reis e príncipes As famílias aristocráticas detêm a posição de destaque na cidade impõem o respeito pela força militar 148 Jérôme Baschet impressionam por seus palácios pela abundância de seus servidores domésticos pelo fausto de suas festas e de seus deslocamentos Ao mesmo tempo que por vezes investem nas atividades produtivas ou comerciais como armanção de navios em Veneza os aristocratas guarnecem a cidade de torres superando a centena em Florença Verona e Bolonha mas também fora da Itália como em Ratisbona onde elas chegam a oitenta A função militar dessas torres responde à necessidade das lutas entre clãs e partidos mas seu caráter simbólico é pelo menos igualmente determinante e conduz a uma intensa competição para ganhar em altura Embora residindo na cidade os aristocratas permanecem ligados ao mundo rural pelos seus bens fundiários cuja gestão delegam a homens de confiança e pelos seus laços familiares ou de associação política com os dominantes que controlam as aldeias e os castelos rurais As grandes famílias entre as quais os Colonna e os Orsini que graças aos favores pontifícios controlam Roma e suas vizinhanças a partir do século xiii os Bardi em Florença os Visconti em Milão ou os Ziani em Veneza possuem o essencial do solo urbano controlam o alto clero não é raro que a metade dos bispos e cônegos seja originária de suas fileiras Muitas vezes essa aristocracia urbanizada está na própria origem das comunas e encampa seu governo ao menos até o fim do século xii Considerase com frequência que o governo urbano tende a passar então para as mãos dos principais mercadores e dos mestres de ofícios que formam o que se chama na Itália de popolo grasso o qual se apoia sobre o popolo minuto para afastar seus antigos aliados aristocráticos De fato é preciso de preferência considerar que ao menos nos séculos xii e xiii os mercadores e os artesãos não formam um grupo à parte claramente separado da aristocracia dos milites eles estão amplamente misturados e se fundem ao menos parcialmente no seio de uma elite urbana que combina atividades artesanais e mercantis com reivindicação de nobreza espírito contábil e ética cortês A despeito de etiquetas por vezes enganadoras os conflitos urbanos em geral põem em confronto facções da elite que são é verdade distintas mas que se situam sociologicamente muito próximas Nem por isso suas lutas são menos intensas e por vezes dilaceram de maneira permanente e sem solução o tecido social urbano oferecendo assim um espaço ao popolo minuto No entanto mesmo quando este obtém assembleias e representantes próprios como o capitão do povo ainda se está longe de uma situação democrática O verdadeiro poder é retido pelos ofícios mais influentes como os cardadores joalheiros ou fabricantes de peles e exclui os ofícios considerados inferiores pedreiros carpinteiros açougueiros ou trabalhadores do couro Na maior parte das vezes algumas famílias chegam a encampar os cargos municipais por exemplo em Flandres onde são constituídas verdadeiras dinastias de conselheiros municipais É apenas no fim do século xiii e durante o século xiv que o popolo minuto dos ofícios inferiores e dos trabalhadores assalariados adquire mais força faz valer suas reivindicações e obtém um espaço de participação no seio das instituições urbanas como em Florença em 1292 ou já em 1253 em Liège e em 1274 em Gand onde o movimento dos tecelões que deixam a cidade em sinal de protesto ganha toda Flandres Mas no fim da Idade Média a camada superior dos mercadores e artesãos retoma o controle Na Itália as famílias dos grandes mercadores e banqueiros dos quais os Medici de Florença são o exemplo típico encampam um poder que se torna finalmente dinástico e assimilamse à nobreza Do mesmo modo e ao inverso de seu estatuto inicial as cidades de Castela passam ao longo dos séculos xiv e xv para o controle de uma nova aristocracia e convertemse assim em instrumentos de controle do território nas mãos dos senhores Quanto às atividades especificamente urbanas o comércio a produção artesanal e o início da atividade bancária elas estão longe de corresponder às normas da racionalidade econômica que o sistema capitalista estabelecerá a partir do século xviii É então mais do que perigoso falar no que diz respeito à Idade Média de mercado regido pela lei da oferta e procura ou ainda de livre concorrência Na cidade as atividades produtivas são organizadas em ofícios cujos regulamentos detalhistas estabelecidos a partir do século xii fixam as normas de produção e de qualidade dos produtos os preços os salários e as condições de trabalho Monopólio reservado aos habitantes da comuna e às pessoas cooptadas pelos seus membros os ofícios do artesanato são fortemente hierarquizados O mestre de oficina dirige os companheiros que emprega em geral por dia ou por mês a menos que satisfeito com os melhores ele os associe à sua atividade a longo prazo Quanto aos aprendizes contratados por oito ou dez anos abrigados e alimentados mas privados de salário devido à sua ausência de qualificação sofrem uma pressão ainda mais forte Tal estrutura corporativista estranha às regras do mercado manifesta bem a rejeição visceral da concorrência pela Idade Média Robert Fossier A exigência de qualidade definida pelas normas dos ofícios permanece mais importante que o aumento da produção as regras da rentabilidade não se impõem mais do que a preocupação de uma maximização dos rendimentos e do tempo de atividade como o prova o fato de que ainda no século xvii os artesãos trabalhem apenas cerca de 180 dias por ano O investimento permanece limitado e as considerações não econômicas determinam largamente a utilização dos lucros poupança para previsão de crises aquisição de terras fundações piedosas investimentos no alémtúmulo Enfim a relação salarial estabelecida entre mestres e companheiros conserva traços muito diferentes daqueles que serão impostos pelo aparecimento do capitalismo Tratase ainda de uma relação muito personalizada que não se estabelece segundo as regras de um mercado de trabalho mas leva bastante em conta as pessoas e suas relações interpessoais como sugere notadamente o grande papel exercido pelos pagamentos antecipados e pelas remunerações in natura Entretanto a cidade é incontestavelmente a partir do século xii um mundo novo Nela desenvolvemse atividades novas e esboçamse mentalidades singulares ao passo que a Igreja demoniza a cidade moderna Babilônia lugar de pecados e tentações Mas os clérigos hesitam a Jerusalém celeste não oferece por acaso um outro modelo de cidade desta feita ideal Importantes setores da Igreja abremse ao fenômeno urbano optam por assegurar a redenção dos citadinos e colaboram para o estabelecimento de uma religião cívica que entrelace a reverência devida à instituição eclesial e a afirmação de uma identidade urbana própria A cidade supõe um modo de viver específico marcado pela densidade e pela diversidade de seus habitantes e uma paisagem própria cujos afrescos do Bom Governo pintados por Ambrogio Lorenzetti no Palácio Público de Siena 133839 dão uma imagem exemplar figura 10 pp 152 e 153 É verdade que é normal encontrar no interior das muralhas das cidades medievais terras cultivadas e mesmo gado o que junto com a presença de torres e muitas vezes de um castelo atenua a distinção entre o mundo urbano e o mundo rural e mais ainda porque as próprias aldeias são fortificadas Entretanto ao olhar impõese a rua estreita e mal iluminada com suas casas assobradas e seus bazares abarrotados de diversos produtos suas imundices difíceis de eliminar e seus porcos que fazem o serviço de lixeiros dedicados geralmente a santo Antônio eles se beneficiam a esse título de uma completa liberdade de circulação É preciso evocar igualmente a praça pública onde se erguem a administração municipal e a torre do sino as numerosas tavernas os banhos públicos e outros lugares onde as autoridades municipais do fim da Idade Média procuram organizar a prostituição tida como um serviço coletivo útil à paz pública A cidade é também um estado de espírito novo e se é anacrônico fazer reinar nela o espírito de empresa ao menos fazemse sentir nela a onipresença do dinheiro a valorização do trabalho e o espírito contábil ensinados pelos manuais das escolas de comércio A cidade é também em alguns casos notáveis uma atividade intelectual animada que se concentra em torno de escolas de catedrais colégios e mais tarde universidades e que sustenta uma produção crescente de livros manuscritos nos ateliês laicos que logo superam os scriptorIa monásticos Nos séculos xii e xiii os meios escolares e universitários são notavelmente abertos às novidades do mundo urbano em interação fecunda com ele e são incitados pelas suas inovações a propor suas próprias novidades bazares dominados por construções assobradadas por vezes com andares em saliência assim como por altas torres cada um se entrega com seriedade à sua unidade de 1a pedreiros terminam de construir os muros e portões um mestre dispersa seus ensinamentos é um pouco mais long um pastor conduz suas ovelhas se a cidade é bem delimitada por suas muralhas as relações com a zona rural são intensas Não por inteiro mostras suas cavalgan tendo laisses não hesitando em ceptar através dos campos Se Lorenzeti sintetiza voluntariamente todo o ciclo agrícola da semente à colheita e à debulha ele também insiste vigorosamente sobre o transporte camponeses conduzem o seu gado e asnos carregados com suas colheitas para a cida de onde eles compram diversos produtos artesanais 10 A cidade e os campos circundantes os efeitos do Bom Governo segundo os afrescos de Ambrogio Lorenzetti 133839 Palácio Público de Siena Na sala dos Nove a magistratura coletiva que governa Siena entre 1287 e 1355 Ambrogio Lorenzetti compõe um vasto afresco que dá forma aos fundamentos ideológicos do poder que o conselho reunido neste lugar pretende representar nas artes da Governança O Bom Governo que inspira a sua obra faz a justiça e a paz social os efeitos dissemos sobre uma cidade como Siena sede da aristocracia e da oligarquia rural submetida à sua autoridade O cotidiano da cidade e de seu ambiente assim no centro da cidade e à periferia que produz a visão ideal da cidade de c 1340 Assim a aliança expressa a concordância que reina entre os habitantes e a senhoriosa cada um se entrega com seriedade e avid no campo do pensamento Jacques Le Goff A efervescência intelectual é tão intensa que toma facilmente a forma de discussões públicas que animam praças e ruas assim como sugere em fins do século XII Estevão de Tournai abade de Santa Geneviève em Paris A Trindade indivisa é separada e picotada nos cruzamentos Tantos erros quantos doutores tantos escândalos quantos auditores tantas blasfêmias quantas praças públicas Entretanto apesar de todas essas novidades a consciência de uma oposição entre o modo de vida urbano a civilidade e o modo de vida rural qualificado a partir dos anos 1380 de rusticidade emerge apenas tardia e parcialmente Os códigos de valores permanecem fortemente influenciados por oposições tradicionais cortesiavilania e as classes urbanas esforçamse na medida de seu sucesso em imitar os modelos aristocráticos É o caso em primeiro lugar dos grandes mercadores e dos mestres dos principais ofícios muito próximos da aristocracia pelo seu modo de vida pelos valores cortes cia nas cidades confirma essa integração das cidades no sistema feudal Como também se viu anteriormente o desenvolvimento urbano é suscitado pelo dinamismo da zona rural especialmente pela produção de excedentes que camponeses e senhores vendem na cidade e pela monetarização crescente dos pagamentos o que obriga os dependentes a aumentarem suas vendas e fornece aos senhores um numerário mais abundante Isso representa um impulso decisivo para as trocas e para o desenvolvimento urbano e uma necessidade vital para o funcionamento dos senhorios no caso para o pagamento das obrigações e a utilização suntuária socialmente indispensável da renda senhorial É então perIago descrever o sistema feudal como uma economia dual separando de um lado uma economia rural de autossubsistência e de outro uma economia de mercado animada pelas cidades Immanuel Wallerstein sublinhouo vigorosamente O feudalismo não é a antítese do comércio Ao contrário até certo ponto o sistema feudal e o desenvolvimento das trocas andaram juntos Talvez seja mesmo necessário sugerir como fazem alguns que a separação entre cidades e campos tenha sido desejada ou ao menos encorajada pelos senhores que de fato contribuíram para fortalecer comunidades aldeãs e comunas urbanas a existência de populações urbanizadas consumidoras e não produtoras não seria então a condição de uma circulação dos produtos e das espécies monetárias tornada indispensável para a realização da renda senhorial Conviria igualmente refletir sobre a posição da burguesia medieval O fato de ver nos mercadores e artesãos dos séculos XII e XIII as primícias da burguesia dos séculos XVIII e XIX é uma tendência difícil de combater na medida em que os fundamentos ideológicos do estudo da Idade Média foram lançados no momento do triunfo dessa classe Entretanto tal visão teleológica produz temerosos erros de perspectiva projetando sobre a burguesia medieval a imagem daquela do século XIX assim lemos sob a pena de Henri Pirenne Nossas fontes não permitem duvidar de que o capitalismo se afirma desde o século XII O espírito que anima o grande comerciante que se enriquece é desde então o espírito do capitalismo O estudo das cidades e dos meios urbanos na Idade Média deveria então tomar por tarefa fazer aparecer as profundas diferenças de práticas e de mentalidades ocultas pelas similitudes aparentes e por uma continuidade postulado pelo senso comum Além dos aspectos já mencionados evitarseá esquecer o caráter quantitativamente limitado do desenvolvimento urbano a Idade Média permanece um mundo essencialmente rural Já se disse é verdade que o sistema feudal tinha necessidade de um desenvolvimento das trocas e portanto de grupos sociais encarregados da circulação das mercadorias mas é preciso enfatizar ainda como faz Alain Guerreau que isso se realiza sob a condição de manter esses grupos ou ao menos essas atividades em posição A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 155 dominada Diferentes mecanismos são empregados para tanto e é uma das funções do esquema das três ordens do feudalismo de que se falará mais tarde relegar os novos grupos urbanos confundidos com os camponeses no seio da ordem inferior de trabalhadores laboratores e negarlhes toda especificidade A lógica feudal encontrase aqui em pleno funcionamento e a manutenção desse modelo ideológico assim como sua institucionalização na organização dos estados gerais até 1789 reforça estrondosamente a posição política e socialmente dominada dos grupos urbanos Mas a atitude da própria burguesia manifesta ainda mais claramente a sua subordinação Com efeito mercadores artesãos e banqueiros enriquecidos têm apenas um desejo fixarse na zona rural adquirir feudos se possível serem consagrados cavaleiros e esforçarse para fazer acreditar que pertencem a uma linhagem de antiga nobreza Ainda no século XV os mercadores de Barcelona dentre muitos outros voltamse para as rendas fundiárias ou senhoriais instalamse nos quarteirões mais aristocráticos e enchem suas bibliotecas de obras cavaleirescas Não se poderia dizer mais claramente que a despeito do aparecimento de um investimento na produção artesanal ou na troca a Idade Média permanece fundamentalmente dominada pela lógica do controle da terra Marx escrevia em uma fórmula que não está isenta de toda crítica mas que tem a vantagem de convidar a considerar a lógica de um sistema social mais do que julgar isoladamente certos de seus elementos que na Idade Média o próprio capital enquanto equipamento artesanal tem o caráter de propriedade fundiária ao passo que ocorre o inverso na sociedade burguesa Ora um burguês cujo ideal é a renda fundiária e a integração à nobreza não tem nada em comum com o que nós entendemos hoje pelo termo burguesia que supõe que o ganho tirado da atividade econômica seja essencialmente destinado a ser reinvestido como capital É verdade que o desenvolvimento das realidades urbanas e burguesas conduzirá dentro de certo tempo à destruição do sistema feudal e é então tentador reparar desde a Idade Média os germes desse processo E se é recomendável perseguir em toda realidade histórica aquilo que antecipa seu futuro convém no entanto evitar as falsas perspectivas da teleologia Esse problema de grande complexidade exigiria reflexões mais elaboradas mas ao menos podese sublinhar que durante os séculos medievais o surgimento dos mercadores e das cidades permanece integrado à lógica do feudalismo que é suscitado pela sua dinâmica e por sua vez contribui para ela Produção artesanal trocas comerciais trabalho assalariado e grupos urbanos são os elementos que formarão a partir do século XVIII os componentes essenciais de um novo sistema Mas anteriormente eles existem apenas como frag 156 Jérôme Baschet mentos modestos isolados no seio de um sistema cuja lógica é totalmente outra Parece perigoso então conferirlhes o sentido de que eles se revestirão uma vez arranjados conforme a lógica do sistema capitalista A tensão realezaaristocracia Como se viu os séculos IX a XI são marcados por uma disseminação da autoridade pública finalmente encampada pelos castelões e pelos senhores Desde então são eles que com alguns condes e duques assim como com os bispos e os monastérios que detêm o poder senhorial partilham o essencial do comando sobre os homens Como aquele do imperador e com importantes diferenças geográficas o poder dos reis permanece apenas simbólico Eles não controlam o território de seus reinos e dispõem somente de um suporte administrativo insignificante Assim o soberano francês tem poder real apenas no domínio muito exíguo que possui diretamente em torno de Paris e Orleans o resto do reino é concedido em feudos tornados praticamente autônomos e detidos por grandes nobres duque de Borgonha condes de Champagne de Vermandois ou de Flandres enquanto todo o Oeste é em breve possuído na forma de feudo pelo soberano inglês Henrique II Plantageneta quanto ao Sul Toulouse e o Languedoc ele escapa totalmente ao soberano capetiano Na Alemanha onde o imperador é também rei da Germânia o efeito de mosaico é ainda mais acentuado e o soberano não se beneficia nem mesmo de um domínio direto tão compacto como aquele do rei da França o que o torna bastante insuficiente para suas necessidades Enfim os reinos escandinavos e eslavos dispõem somente de um poder extremamente restrito No entanto os reis existem e até mesmo gozam de um prestígio que em geral não é contestado Sua legitimidade tem fontes diversas a conquista militar tida como sinal do favor divino a eleição princípio em decadência mas ao qual se recorre em certos casos de interrupção dinástica a designação pelo rei precedente ou a sucessão dinástica que tende a prevalecer mas a prudência em geral incita a coroar o herdeiro durante a vida do seu predecessor O prestígio da figura real na Idade Média diz respeito sobretudo à consagração já praticada pelos visigodos e depois com estardalhaço pelos carolíngios e finalmente generalizada em todo o Ocidente com a exceção de Castela que permanece um reino sem consagração e deve sempre se esforçar para compensar esse déficit de sacralidade Teófilo Ruiz Durante esse rito cuidadosamente codificado pela liturgia e realizado por um colégio episcopal o soberano é untado com óleo santo à maneira dos reis do Antigo Testamento o que lhe confere caráter sagraA CIVILIZAÇÃO FEUDAL 157 do Certos sinais como o fato de vestir por um momento a dalmática13 do subdiácono ou um manto à moda da casula do sacerdote parecem fazêlo adentrar o corpo eclesiástico do mesmo modo que as menções da unção sacerdotal durante o rito Entretanto diferentemente do basileus bizantino que tem o estatuto de um sacerdote os clérigos ocidentais apressamse em ressaltar que o rei permanece um laico e recusam com veemência toda evocação explícita dos reissacerdotes bíblicos Melquisedecque14 por exemplo Mesmo na França onde segundo a lenda a unção é realizada com o óleo da ampola sagrada miraculosamente trazida por um pombo no momento do batismo de Clóvis o rei aproximase sem chegar a ele de um caráter propriamente sagrado Jacques Le Goff Se a consagração não é suficiente para estabelecer uma realeza sagrada que integraria o rei ao clero ela ao menos elevao um pouco acima dos outros laicos uma vez que ele é investido de alta missão desejada por Deus por vezes ele é mesmo dito coroado por Deus veja a figura 51 na p 501 O melhor sinal dessa aura é o poder taumaturgico conferido pela consagração aos reis da França e da Inglaterra reputados poderem curar durante cerimônias públicas a doença chamada das escrófulas15 Marc Bloch Mas se a consagração contribui inegavelmente para a afirmação da figura real ela é uma faca de dois gumes Com efeito inclui o juramento de defender o povo cristão e de lutar contra os inimigos da Igreja e os clérigos não se privam de insistir sobre as obrigações que incumbem ao rei em virtude da consagração Muito embora o ritual magnifique o príncipe mostrando que ele é escolhido por Deus manifesta de maneira ainda mais vigorosa que ele obtém seu poder da Igreja e não somente em virtude dos laços de sangue Mesmo se a leitura real da consagração se esforça para superar esse obstáculo o rito põe a realeza em uma forte dependência simbólica em relação ao clero e seus representantes eclesiásticos Segundo os Espelhos dos príncipes que estabelecem com fins pedagógicos o retrato ideal do rei este deve ser não apenas valente e corajoso na guerra para defender a paz e o bem comum mas igualmente justo humilde caridoso e magnânimo Além do mais querse que ele seja sábio quer dizer cuidadoso com as verdades divinas e bem instruído em numerosas disciplinas como foi mais do que qualquer outro Alfonso X de Castela e repetese seguindo o Policraticus de João de Salisbury o adágio segundo o qual um rei iletrado é como um asno coroado 13 Vestis dalmatica túnica manchada de mangas curtas e amplas utilizada pelos imperadores romanos na Idade Média manto reservado a altos dignitários eclesiásticos N T 14 Figura um tanto enigmática de reisacerdote de Salem talvez o nome arcaico de Jerusalém que aparece na gesta de Abraão no Gênesis 14 1820 N T 15 Tratase da tuberculose ganglionar linfática N T 158 Jérôme Baschet O rei medieval deve ser este é um elemento decisivo de seu poder um rei cristão e os reis ocidentais rivalizam neste aspecto vários se dizem muito cristãos em particular o francês que monopolizará este título a partir do século XIV enquanto os reis hispânicos reivindicarão o de católicos Neste sentido o poder real repousa sobre uma adequação às normas ideológicas definidas pela Igreja E ninguém preencheu melhor esta exigência do que Luís IX da França levada no seu caso até os mais extremos escrúpulos de uma devoção e de uma penitência quase monásticas O italiano Salimbene diz que ele parece mais um monge que um guerreiro Ele é em todo caso o rei cristão ideal completamente laico conforme o modelo desejado pelos clérigos o que lhe terá valido as honras de uma canonização única entre os reis da Europa Ocidental depois do século XII Jacques Le Goff O poder monárquico concentrase no essencial na pessoa do próprio rei É por isso que os soberanos do período considerado aqui são itinerantes eles têm é verdade uma capital privilegiada ou com frequência duas mas devem deslocarse incessantemente pois sua presença física é decisiva para dar força a suas decisões O rei entretanto não está sozinho sua família muitas vezes exerce um papel político benevolente o rei capetiano confia territórios como apanágio a seus irmãos ou hostil revolta dos filhos de Henrique II Plantageneta sua corte doméstica divide os encargos da casa real que se tornam pouco a pouco funções políticas que permitem participar do conselho do rei o condestável é encarregado dos cavalos e também da guerra o camarista faz o papel de tesoureiro o chanceler geralmente um homem da Igreja redige e autentica as escrituras reais Enfim os grandes vassalos reúnemse na corte do rei em companhia de um número crescente de especialistas clérigos e juristas mas também astrólogos e médicos É somente durante o século XIII que a corte real tende a se fracionar em órgãos especializados como o Parlamento que se consagra aos negócios de justiça ou a corte de contas encarregada dos rendimentos reais O poder do rei repousa de início sobre seu domínio que durante muito tempo forneceu o essencial de suas finanças O rei da Inglaterra que controla uma sólida porcentagem do solo de seu reino em particular as florestas assim como em menor grau o rei da França pode viver do que é seu o que atrai o ciúme do imperador A administração do domínio é confiada a agentes reais prebostes dominiais na França que se encarregam de canalizar seus rendimentos para os cofres reais Somamse a isso diversos direitos econômicos que ainda não se diferem totalmente a não ser talvez em termos de quantidade da norma senhorial direitos de pedágio ou de aduana na Inglaterra taxa sobre o sal gabelle na França algumas ajudas excepcionais no caso de cruzadas por exemplo e diversas cobranças sobre a Igreja recebimento dos rendimentos A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 159 dos postos episcopais vagos dízimo 10 para ocasiões particulares mas que tendem pouco a pouco a se generalizar A despeito da emergência das teorias da soberania real no século XIII o poder do rei conserva um sabor eminentemente feudal O rei é um nobre ele partilha os valores e o modo de vida da aristocracia mesmo se pretende dispor de dignidade e de prerrogativas que o põem acima desta No mais utiliza as regras da vassalidade em seu benefício na medida em que ele é reconhecido como senhor eminente de todos os vassalos enfeudados de seu reino Esta qualidade lhe permite intervir em numerosas ocasiões tanto as familiares e matrimoniais como as ligadas à transmissão dos feudos Na posição de árbitro ou de juiz garantia do costume feudal ele consegue fazer com que o direito de arres to atue em seu benefício e recuperar assim o controle direto de certos feudos É também enquanto senhor feudal que pretende convocar para seu ost16 as primeiras e as últimas fileiras17 quer dizer os vassalos diretos e indiretos o que só obtém no caso de poder fazer com que estes últimos temam alguma punição em caso de falta O rei recorre muitas vezes ao serviço de infantes camponeses livres ou milícias urbanas e logo a mercenários em número crescente O rei dispõe de uma gama variada de meios para estender seu domínio direto ou seu reino Incluise aí além da arte de manusear o direito feudal a arte das boas alianças matrimoniais Eleonora traz a Aquitânia para Luís VII e depois de um divórcio inoportuno para o capetiano para o inglês Henrique II Mas a conquista é ainda o meio mais seguro e aquele que dá ao poder real mais firmeza É por isso que após a vitória de Guilherme o Conquistador e durante o século XII o reino da Inglaterra com suas extensões sobre o continente é um dos mais sólidos da Europa O Conquistador atribuise um quinto das terras em particular as florestas e uniformiza as instituições feudais em seu proveito O exercício da justiça real ou ducal é mantido os sheriffs administradores dos shires equivalentes aos viscondes normandos dependem diretamente do rei que caso único na Europa conserva o direito exclusivo de erguer fortificações Mas se o poder dos sheriffs atinge o seu apogeu no início do século XII em seguida ele é pouco a pouco corroído pela extensão dos direitos de justiça e pela autonomia dos senhores laicos ou eclesiásticos e depois pelos privilégios dos burgos Com Henrique II Plantageneta 115489 os domínios continentais do rei inglês estendemse além da Normandia a Anjou Bretanha Poitou e Aquitânia Ora este território considerável que torna o inglês bastante ameaçador é tam 16 Do latim hostis indica na Idade Média o exército de um senhor ou soberano N T 17 A fórmula tradicional em francês deixa claro os vínculos com o direito de comando militar le ban et larrièreban N T 160 Jérôme Baschet bem um ponto fraco Não somente seus feudos continentais o obrigam a prestar homenagem ao rei da França como também Henrique II se esgota durante todo o seu reinado para manter a unidade de possessões desproporcionadamente extensas e além disso divididas pelo mar O sonho de Anjou e o fardo da Aquitânia implicam necessidades em dinheiro que jamais são satisfeitas e contribuem finalmente para enfraquecer a realeza inglesa mesmo se esta era dotada de sólidas vantagens Do mesmo modo entre os reinos ocidentais mais firmes devese assinalar aquele que os normandos estabelecem na Sicília e na Itália do Sul no século XII assim como os reinos hispânicos engajados na Reconquista Neles o rei senhor da guerra e da terra goza de grande prestígio e chega em nome de suas funções na luta contra o infiel a manter importantes prerrogativas especialmente o controle sobre os castelos que são passíveis de restituição Além do ost feudal pode exigir a ajuda das milícias urbanas e uma parte importante de seu poder repousa sobre os Concejos urbanos cuja rede estabeleceu e aos quais concedeu amplos privilégios Assim a realeza fundada sobre a Conquista chega melhor do que as outras a ordenar o sistema feudal em seu proveito No caso francês a guerra permite não aumentar o reino mas recuperar o seu controle O reinado de Filipe II Augusto 11801223 é decisivo seu nome que se refere à extensão do domínio real durante o seu reino não é usurpado pois diante dos filhos de Henrique II Ricardo Coração de Leão e João Sem Terra ele recupera a Normandia Anjou e Poitou o que confirma sua vitória estrondosa em Bouvines em 1214 contra a coalizão formada por João Sem Terra e o imperador Oto IV No continente mas muito longe de sua ilha o rei da Inglaterra consegue manter apenas a Aquitânia Guyenne e Gasconha mas a rivalidade francoinglesa temporariamente estagnada ressurgirá no século XIV Depois sob Luís IX 122670 o fim vitorioso da cruzada contra os albigenses celebrado pelo Tratado de Paris 1129 permite ao rei controlar o Languedoc enquanto as outras possessões do conde de Toulouse são transmitidas à sua filha que desposa um irmão de Luís IX e retornam finalmente para a Coroa em 1271 A partir de então o domínio direto cobre três quartos do reino e são Luís depois da morte do imperador Frederico II aparece como o soberano mais poderoso do Ocidente Duas funções fundamentais são reconhecidas ao rei ele deve garantir a paz e a justiça O cuidado de manter a paz essencial ao bem público e assegurada pela Igreja durante certo tempo retorna pouco a pouco para os soberanos Disso decorre sobretudo o direito de levar a cabo guerras justas e é ainda a Igreja que reivindica com frequência a capacidade de determinar a legitimidade do uso das armas Quanto ao respeito pela justiça ele é o dever essencial dos reis que se incumbem sobretudo a partir do século XIII de exercer efetivamente esta função Os reis e não mais somente o imperador fazem valer então o seu direito de A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 161 legislar por editos ordenanças ou fueros e reivindicam a lei como base de seu poder É o caso de Rogério II da Sicília e de Henrique II Plantageneta seguidos mais tarde por Luís IX na França e por Alfonso X de Castela a quem está associada uma obra jurídica considerável incluindo principalmente a coletânea das Siete Partidas por sua vez o imperador Frederico II desenvolve um verdadeiro culto à justiça cuja alegoria ele faz representar acima de seu busto na porta de Cápua O rei pretende ser a encarnação da lei a lei viva lex animata Mas se ele proclama a lei deve também respeitála pois ele é ao mesmo tempo seu senhor e seu servidor Na prática os reis esforçamse para chamar a si os casos considerados de domínio régio e sobretudo para fazer valer a possibilidade de um recurso das sentenças senhoriais ou condais São Luís assegura de modo muito particular a promoção de um apelo ao rei sugerindo a imagem de um soberano que promove pessoalmente a justiça sob seu carvalho em Vincennes na verdade embora ele próprio ouça os casos ele transfere a resolução para juristas profissionais O sucesso do procedimento é tamanho que os processos afluem para os parlamentos reais na segunda metade do século XIII Isso obriga a multiplicar os representantes locais sheriffs na Inglaterra baillis e sénéchaux na França corregidores na Península Ibérica que recebem como delegação o poder de julgar os recursos em nome do rei ao que se acrescentam em seguida funções militares e fiscais em geral eles são assalariados e muitas vezes transferidos de uma região para outra para tentar garantir sua fidelidade Essa recuperação da justiça pelo rei é então um fenômeno geral mas sempre parcial que se opera desde o início do século XIII na Inglaterra e em Castela cinquenta anos mais tarde na França e em Aragão mas nunca no Império Seguemse profundas modificações da concepção de justiça Nos séculos XI e XII quando os tribunais senhoriais ou condais julgam em última instância prevalece o costume não escrito mas periodicamente recitado cuja autoridade é fundada sobre sua antiguidade e sua filiação a uma memória que tem suas raízes no tempo mítico dos ancestrais Os tribunais preocupamse menos em resolver o caso através de sentenças enunciando uma verdade absoluta do que chegar a um compromisso entre as partes suscetível de restabelecer a paz social ou ao menos conter os conflitos nos limites aceitáveis Essencialmente arbitral a justiça se esforça então para chegar a uma reconciliação ou ao menos a um acordo negociado e é por isso que mesmo para os casos de sangue ela recorre mais frequentemente às compensações financeiras que aos castigos corporais Enfim seus meios são fracos e ela deve se limitar ao procedimento acusatório que põe as duas partes face a face e deixa ao acusador o encargo de aportar a prova que fundamenta sua queixa Nos casos mais graves não há outro recurso a não ser se remeter ao julgamento de Deus que se chama também de ordá 162 Jérôme Baschet lio Organizase então um duelo judiciário cada parte escolhe seu campeão e a sentença depende do resultado de um combate a que se credita poder revelar a vontade divina Em outros casos recorrese a uma prova no mais das vezes andar sobre brasas ardentes ou suportar a queimadura do ferro em brasa ou da água fervente cujo resultado manifesta como se pensa então a vontade de Deus Na verdade o processo pode se prolongar ao longo de dias seguidos por exemplo para analisar a cristalização das chagas o que deixa às parte presentes e à comunidade o tempo de chegar a um consenso Peter Brown Mas a perspectiva de um ordálio e ainda mais de um duelo judiciário pode também ter um efeito dissuasivo pressionando para a busca de um acordo negociado que permita suspender a prova Mais tarde ampliando as críticas emitidas desde o início do século XII por numerosos bispos tais como Yves de Chartres o Concílio de Latrão IV em 1215 proíbe aos clérigos participar dos ordálios o que os priva das preces indispensáveis para o seu bom desenrolar Seu declínio se acelera a partir de então embora sejam ainda utilizados no decorrer do século XIII Com a reivindicação da lei pelo rei é o conjunto de concepções da justiça que se transforma Desde o século XII o desenvolvimento do direito nas escolas e universidades é notável e os juristas adquirem um papel crescente Ao lado do estabelecimento do direito comum que se refere a um direito romano amplamente glosado e intercalado com o direito de origem eclesiástica o direito canônico os reis do século XIII preocupamse com os costumes dos quais ordenam o registro por escrito A redação das compilações de costumes tem duplo aspecto pois se ela manifesta o reconhecimento real dos costumes estes são ao mesmo tempo fixados e interpretados pelos juristas encarregados de transcrevêlos enquanto o rei manifesta assim seu controle sobre o próprio costume e sobre o território onde ele se aplica A legitimidade dos julgamentos do rei diretos ou em instância de recurso fundamentase doravante sobre um corpus escrito do qual ele é a garantia e que inclui direito comum para todo o reino e direito costumeiro particular Desde então a concepção arbitral da justiça se apaga em benefício de uma preocupação em fazer surgir uma verdade em conformidade com a lei É por isso que no fim do século XII e sobretudo no século XIII e de início para os casos mais graves de heresia e lesamajestade atentado contra a dignidade real o procedimento acusatório é substituído pelo procedimento inquisitório o juiz não é mais um árbitro e deve dali em diante punir todo atentado contra a ordem pública ele tem então a faculdade de iniciar a ação penal e é a ele que cabe o ônus da prova Bastante nova essa concepção da justiça permanece largamente impotente na prática ela pronuncia a maioria de seus julgamentos em contumácia e percebese logo que a única prova digna de fé é o reconhecimento de culpa pelos acusados Se essa opção é lógica em um momento em que se A CIVILIZAÇÃO FEUDAL 163 desenvolve também a confissão religiosa ela conduzirá no fim da Idade Média e durante os Tempos Modernos à generalização da tortura como meio legítimo de obtenção da confissão judiciária Enfim a nova concepção da justiça leva a um recuo das compensações financeiras e sobretudo a partir do século XIV a um desenvolvimento das penas infamantes exposição no pelourinho rituais de humilhação tais como a procissão dos culpados nus através da cidade e dos castigos corporais adaptados à diversidade dos delitos mutilações das mãos da língua ou do nariz desmembramento decapitação ou enforcamento morte na fogueira ou em água fervente esquartejamento do corpo no caso das piores traições No século XIII a concepção do poder real mudou Antes o rei era a um só tempo um senhor feudal dentre outros e um ser à beira do sagrado que gozava de um paralelo com o Cristorei que ocupa seu trono nos céus Doravante ele afirma sua preocupação com a coisa pública res publica e reivindica uma soberania estendida ao conjunto de seu reino e fundada sobre a lei É verdade que os progressos do poder real são devidos em boa parte ao hábil manuseio das regras feudovassálicas e neste sentido a aristocracia é motivada a defender uma ideia do rei como primus inter pares primeiro entre iguais Entretanto reivindicando uma legitimidade fundada sobre a lei o rei se esforça ao menos em teoria para escapar a essa lógica Resulta disso uma crescente oposição e as lutas entre reis e barões dão lugar a múltiplas intrigas Assim João Sem Terra derrotado deve conceder a Magna Carta em 1215 a qual prevê o controle do rei por um conselho de barões enquanto de 1258 a 1265 a Inglaterra é sacudida pela revolta destes últimos Mais do que relatar os inúmeros episódios deverá se sublinhar que o conflito entre monarquia e aristocracia é consubstancial à organização feudal Ela está sempre ativa seja quando atua no sentido de uma disseminação da autoridade sobretudo entre os séculos IX e XI mas às vezes também mais tarde seja quando permite a recuperação de certa unidade e o reforço dos poderes mais eminentes sobretudo a partir do século XIII Entretanto este segundo movimento permanece limitado A recuperação do controle da justiça é de grande importância mas sempre parcial O rei continua muito longe de exercer o monopólio do poder legítimo e de controlar verdadeiramente o seu território sua capacidade administrativa permanece modesta Em resumo o reforço do poder real não significa então a formação de um verdadeiro Estado A tensão monarquiaaristocracia mesmo se ela atua agora a favor da primeira permanece no interior do quadro definido pela lógica feudal Tratase de um jogo feito de rivalidade e de unidade de convivências e de afastamentos que esboça é verdade futuras rupturas mas que não atinge a intensidade de uma alternativa a nobreza ou a monarquia da qual surgirá no século XVII o Estado CONCLUSÃO AS TRÊS ORDENS DO FEUDALISMO Três relações sociais fundamentais foram evocadas até aqui para dar conta da organização feudal a relação senhoresdependentes a distinção nobresnão nobres a interdependência e a oposição cidadescampos É preciso acrescentar as relações de vassalidade que configuram parcialmente as hierarquias no seio do grupo dominante e lhe conferem uma coesão entremeada de rivalidades Esta relação entre um senhor e o vassalo que se declara seu homem por vezes de mão e de boca é muito próxima daquela que liga um senhor do senhorio a seus dependentes ambas de resto são pensadas em termos da relação entre o homem e Deus dominus Elas são entretanto de natureza e de importância radicalmente diferentes A primeira concerne à ínfima minoria das classes dominantes mas se beneficia da solenidade do ritual da homenagem a segunda engaja a quase totalidade da população e põe em jogo o essencial das relações feudais de produção Desde que se renuncie a considerar as relações vassálicas o coração da sociedade medieval como queria a historiografia centrada nos aspectos institucionais e políticos surge uma polêmica semântica Mais do que continuar a falar de sociedade feudal o que parece pôr a ênfase sobre o feudo e sobre as instituições da vassalidade que regulamentam sua transmissão não seria melhor preferir a noção de sociedade senhorial O que é certo é que o senhorio é de fato a unidade de base no seio da qual se instaura a relação de dominação e de exploração entre dominantes e dominados O argumento é bastante válido pois ele procura deslocar a ênfase da vassalidade para o senhorio e para a relação de dominium que nele se estabelece Mas se pode também notar que a especificidade do senhorio a junção do poder sobre as terras e do poder sobre os homens é estreitamente associada ao desenvolvimento da feudalização ou melhor à disseminação da autoridade da qual ela é uma das modalidades E se as instituições vassálicas têm um papel na afirmação da dominação senhorial elas contribuem de modo notável embora em associação com outros laços em particular os de parentela ou de amizade para a distribuição das posições dominantes no seio da relação de dominium Mas sobretudo os termos clássicos sociedade feudal e feudalismo remetem a uma convenção tão solidamente ancorada que é mais fecundo transformar a sua compreensão do que modificar seu nome Se feudal serve com frequência para caracterizar sociedades nas quais o feudo certamente não foi o traço mais significativo não há nada nisso que contradiga a prática universal de todas as ciências Ficaríamos escandalizados se o físico persistisse nomear átomo quer dizer indivisível o objeto de suas mais audaciosas dissecações Marc Bloch Como diz Jacques Le Goff as estruturas que funcionaram na Europa dos séculos IV ao XVIII têm necessidade de um nome e se é preciso conservar feudalismo é porque de todas as palavras possíveis é a que melhor indica que nós estamos lidando com um sistema Evidentemente é sob uma forma sensivelmente diferente o que não tem nada de anormal que a sociedade medieval pensava a si própria Para tal finalidade os dominantes tinham elaborado o esquema de três ordens estabelecendo no seio da sociedade uma divisão funcional entre aqueles que oram oratores quer dizer os clérigos aqueles que combatem bellatores reservando aos milites uma atividade guerreira que era inicialmente o atributo de todos os homens livres e aqueles que trabalham laboratores ou seja todos os demais Se a complementariedade das três ordens em que cada uma delas é considerada indispensável às duas outras e necessária ao bom funcionamento do corpo social prevalece de início logo ela se combina com uma clara hierarquia estabelecida entre elas Esse modelo aparece na época carolíngia sob a pena de Aimon de Auxerre e depois no início do século XI em Adalberon de Laon e Geraldo de Cambrai dois bispos ligados ao poder real Tratase então de uma arma do clero secular contra o poderio dos monges e do rei contra a força da aristocracia Durante um longo eclipse em meio ao qual predomina uma oposição dual entre clérigos e laicos é no fim do século XII que o esquema tripartite se impõe nas cortes da Inglaterra e da França antes de se generalizar mas sem destronar a dualidade clérigoslaicos que conserva uma ampla pertinência Suscetível de usos diversos ele é no mais das vezes posto a serviço da reafirmação do poder real em face dos senhores e dos bispos em face dos monges contribuindo para manter em posição subalterna os novos grupos urbanos fundidos com os dependentes rurais na massa daqueles que penam no trabalho Evidentemente o modelo das três ordens não é uma descrição da realidade social é uma construção ideológica em conformidade com o imaginário do feudalismo Georges Duby Em todo caso ela se concretiza embora tardiamente na organização em ordens separadas da assembleia dos Estados que a monarquia francesa convoca em caso de necessidade entre 1484 e 1789 Enfim mesmo sendo suscetível de servir aos interesses da realeza o esquema trifuncional da sociedade remete a uma visão dominada pelo clero que continua sendo até o fim do Antigo Regime a primeira ordem da sociedade De fato se se pôde identificar a aristocracia como classe dominante do sistema feudal essa constatação permanece insuficiente pois a ideologia do feudalismo põe acima desta a Igreja cuja análise tão indispensável deve ser empreendida a seguir A DINAMICA DO SISTEMA FEUDAL O texto discute a dinâmica do sistema feudal e demonstra que ao contrário do que se pensava no século XIX esse sistema não estava estagnado ou em declínio mas era dinâmico e se desenvolvia com vigor Uma das mudanças mais significativas ocorridas na Alta Idade Média foi o desenvolvimento comercial e urbano que favoreceu o Ocidente cristão em detrimento das potências bizantina muçulmana e escandinava Esse desenvolvimento foi impulsionado pelo dinamismo dos senhores feudais que promoveram o aumento das trocas locais e o surgimento de mercados regulares Os camponeses passaram a vender seus produtos em oficinas senhoriais feiras e mercados enquanto as cidades costeiras italianas como Pisa Gênova e Veneza que se libertaram da dominação muçulmana estabeleceram redes comerciais e monopolizaram o comércio entre o Ocidente e o Oriente fortalecendo suas economias A tecelagem e a metalurgia foram os dois suportes principais do comércio com a Inglaterra se tornando uma grande produtora de lã no século XIII A Hansa organização de mercadores alemães que controlava a região báltica também contribuiu para o desenvolvimento comercial e urbano exportando grãos peles e madeiras até a Europa Ocidental e a Inglaterra Além disso o Mediterrâneo ocidental foi liberado da dominação muçulmana o que resultou no desenvolvimento das cidades costeiras italianas que se tornaram as precursoras do comércio com o Oriente Tudo isso levou a um desenvolvimento notável das cidades italianas no século XII A formação das comunas urbanas no século XII é apresentada como resultado da luta pela obtenção de franquias urbanas e privilégios políticos autônomos e não como uma luta moderna pela liberdade As comunidades urbanas possuíam personalidade jurídica e eram dotadas de conselhos e representantes eleitos justiça própria e milícias urbanas A formação das comunas urbanas ocorreu paralelamente ao surgimento das comunidades rurais e à multiplicação de suas cartas de franquia O movimento comunal foi muitas vezes violento mas não necessariamente resultou em conflitos entre a burguesia e a aristocracia como costuma ser retratado pela historiografia Na verdade a principal hostilidade à formação das comunas vinha dos clérigos e a aristocracia frequentemente exercia um papel favorável para a origem das comunas As famílias aristocráticas detinham a posição de destaque nas cidades impunham o respeito pela força militar possuíam palácios servidores domésticos e torres Embora investissem em atividades produtivas ou comerciais a aristocracia representava apenas um punhado de homens e detinha o poder na cidade que era hierarquizado e controlado pelos mais ricos As comunas do século XII não eram democráticas e a ideia de um choque entre a burguesia e a aristocracia é uma projeção historiográfica pouco fundamentada Sobre as relações entre as cidades e o sistema feudal na Idade Média Inicialmente havia a visão de que as cidades e a burguesia que nelas habitava questionavam a ordem feudal mas hoje em dia prevalece a ideia de que o desenvolvimento das trocas e das cidades foi produzido pela dinâmica do próprio feudalismo e que as cidades se integravam nele apesar das tensões entre elas O desenvolvimento urbano era impulsionado pela dinâmica da zona rural especialmente pela produção de excedentes que camponeses e senhores vendiam na cidade e pela monetarização crescente dos pagamentos o que obrigava os dependentes a aumentarem suas vendas e fornecia aos senhores um numerário mais abundante A existência de populações urbanizadas não produtoras era vista como condição para a circulação de produtos e espécies monetárias e para a realização da renda senhorial O texto também alerta para a necessidade de refletir sobre a posição da burguesia medieval evitando projetar sobre ela a imagem da burguesia dos séculos XVIII e XIX É importante lembrar que o desenvolvimento urbano na Idade Média era limitado quantitativamente e que a Idade Média era um mundo essencialmente rural No que diz respeito a relação de poder entre realeza e aristocracia nos séculos IX a XI na Europa Ocidental durante esse período a autoridade pública passou para as mãos dos castelões e senhores que compartilhavam o controle com alguns condes duques e bispos Os reis por sua vez possuíam poder simbólico sem controle direto do território e com um suporte administrativo insignificante Apesar disso a figura real era prestigiosa e legitimada por diferentes fontes como a conquista militar a eleição e a sucessão dinástica além da consagração que era um rito sagrado realizado pelos bispos para untar o rei com óleo santo e elevar sua missão divina tornandoo ligeiramente superior aos demais laicos Embora a consagração contribuísse para afirmar a figura real ela também incluía o juramento de defender o povo cristão e lutar contra os inimigos da Igreja o que colocava os clérigos em uma posição importante na relação de poder Em relação a consolidação do poder dos reis no final da Idade Média na França destacando o reinado de Filipe II Augusto 11801223 e Luís IX 1226 70 Através de guerras justas eles recuperaram o controle de várias regiões e fortaleceram sua autoridade como os principais responsáveis pela garantia da paz e da justiça O rei também passou a ter o direito de legislar e fazer valer a lei como base de seu poder A justiça foi progressivamente recuperada pelo rei que passou a ser visto como a encarnação da lei mas sempre respeitandoa Esse processo levou à multiplicação dos representantes locais como baillis e sénéchaux na França corregedores na Península Ibérica para garantir a aplicação da lei e a fidelidade ao rei O texto destaca que a concepção de justiça passou por profundas modificações com a prevalência do costume que foi substituído por leis escritas e pela autoridade do rei O longo das páginas é discutido ainda as relações sociais fundamentais que caracterizam a organização feudal destacando a relação senhordependente a distinção nobresnão nobres a interdependência e oposição entre cidades e campos e a relação de vassalidade que configura hierarquias no grupo dominante O autor argumenta que o senhorio é a unidade básica da sociedade feudal e que a relação de dominação e exploração entre dominantes e dominados se estabelece dentro dele Ele questiona a ênfase na vassalidade e propõe a noção de sociedade senhorial O texto também discute a ideia das três ordens que estabelece uma divisão funcional entre aqueles que oram clérigos aqueles que combatem milites e aqueles que trabalham todos os demais Embora a complementaridade das três ordens seja considerada inicialmente logo se estabelece uma clara hierarquia entre elas O modelo das três ordens aparece na época carolíngia e é usado pelo clero secular contra o poder dos monges e pelo rei contra a força da aristocracia Embora a compreensão da sociedade medieval seja sensivelmente diferente da nossa as estruturas que funcionaram na Europa dos séculos IV ao XVIII precisam de um nome e a noção de feudalismo é a mais adequada para indicar que estamos lidando com um sistema