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Celso Furtado SUBDESENVOLVIMENTO E ESTAGNAÇÃO NA AMÉRICA LATINA 3a edição UNIFAL MG BSV 000000219142 Subdesenvolvimento e os civilização brasileira Capítulo 3 Fatôres Estruturais Internos que Impedem o Desenvolvimento Os economistas latinoamericanos vêm dedicando uma crescente atenção no correr dos últimos anos a dois problemas considerados de importância fundamental para a região O primeiro diz respeito à tendência à elevação persistente do nivel geral de preços observada principalmente nos paises em que o desenvolvimento se vem fazendo ou vem sendo tentado em condições de declinio no coeficiente de importações O segundo concerne à redução da taxa de crescimento da renda real per habitante redução particularmente notória nos países que alcançaram uma diversificação maior de suas estruturas econômicas1 O presente estudo visa a projetar alguma luz sobre certas peculiaridades das estruturas sócioeconômicas que constituíram o marco do processo de crescimento dos países latinoamericanos nos últimos decênios Os pressupostos estruturais que servem de parâmetros à análise econômica são in 1 A taxa anual acumulada de crescimento da renda real per capita da América Latina em seu conjunto se comportou como segue a partir de 1950 19501955 22 por cento 19551960 14 por cento 19601963 04 por cento Vejase CEPAL Estudio Econômico de América Latina 1963 Vol I pág 3 51 feridos da observação das realidades históricas constituídas pelas economias nacionais se bem que nem sempre sejam feitas referências a casos concretos Operase com base em uma tipologia das economias regionais que se vai tornando explícita com o próprio correr da análise A interdependência entre o processo de crescimento e a elevação do nível geral de preços surge claramente como simples subproduto da análise cujo objetivo básico é determinar a origem das forças que operam no sentido de reduzir a taxa de crescimento Aparentemente essas forças estão ligadas às peculiaridades das estruturas sócioeconômicas a que antes se fez referência o que indicaria a possibilidade de uma generalização do enfoque estruturalista predominante no pensamento econômico latinoamericano contemporâneo no sentido de abarcar em uma só explicação teórica o tipo de crescimento que vem ocorrendo na região a persistente elevação do nível geral de preços e a tendência à estagnação O estudo do desenvolvimento econômico da América Latina toma como ponto de partida de maneira geral a integração das economias nacionais da região nos mercados mundiais integração essa ocorrida na quase totalidade dos casos na segunda metade do século passado As características da realidade social e política latinoamericana são ignoradas limitandose o estudo a uma análise dos fatores econômicos pertinentes principalmente àqueles relacionados com o comércio exterior e as finanças públicas Ocorre entretanto que se bem as variáveis econômicas possam ser definidas com base em conceitos derivados de princípios gerais de economia o comportamento dessas variáveis está condicionado por parâmetros institucionais cujo conhecimento exige um estudo específico da realidade social No caso latinoamericano essa realidade social apresenta peculiaridades cujo conhecimento se requer para a compreensão do comportamento do sistema econômico Em sua apresentação esquemática formulada a um elevado grau de generalidade cabe indicar que a organização social que veio a prevalecer na América Latina como resultado da colonização hispânica apresentava duas características sobressalentes a existência de um setor urbano através do qual se exercia o poder o qual na fase colonial 52 tinha seus centros de decisão superiores nas respectivas metrópoles européias e b adjudicação dos fatores de produção terra e mãodeobra indígena onde esta existia a uma classe de senhores ligados ao poder central por vínculos de lealdade pessoal O processo de colonização se traduzia na criação de uma cadeia de núcleos urbanos de dimensões e significação variáveis os quais constituíam a estrutura básica do poder político e da organização administrativa Ao lado dessa rígida estrutura administrativa responsável pela defesa dos interesses da Metrópole formavase um sistema econômico altamente descentralizado sob a direção de uma classe de senhores com prerrogativas semifeudais Naquelas regiões em que o controle da Metrópole resultou ser menos estrito desenvolveramse atividades comerciais à base de contrabando as quais abriram caminho para a formação de um grupo social urbano com certo poder econômico Fenômeno similar ocorreu ali onde uma atividade altamente lucrativa pôde ser exercida fora do controle da classe de proprietários da terra como no caso da mineração aluvial do ouro no Brasil O que importa assinalar é que as atividades lucrativas exercidas fora do controle dos senhores da terra estavam vinculadas aos núcleos urbanos e eram dirigidas por homens cuja lealdade ao poder metropolitano era muito menos estrita Desta forma através do processo de colonização foise formando uma classe dirigente constituída por dois grupos com interesses distintos mas não necessariamente conflitantes De um lado estava o grupo de senhores da terra com amplos poderes sobre os núcleos de população que habitavam em seus domínios do outro estavam aqueles elementos cuja riqueza derivava do comércio e de outras atividades de caráter principalmente urbano A permanente confrontação de conservadores e liberais que se prolonga durante todo o primeiro século da independência política traduz de alguma forma essa dicotomia de atitudes da classe dirigente formada no período colonial O conflito entre as duas facções da classe dirigente assume maior significação desde o início da vida política independente em razão de certas características do rígido sistema de poder estruturado pela Metrópole Sendo um ins 53 trumento de dominação do poder metropolitano exercido à distância sobre uma sociedade em que prevaleciam certas formas de descentralização semifeudais o estado se configurou na época colonial como uma forte burocracia a qual veio a constituir um dos elementos essenciais da estrutura socialurbana Como intermediária na obtenção de prebendas adjudicadas pelo poder metropolitano e mais tarde como criadora ela mesma dessas prebendas a estrutura politicoburocrática possuía um forte ascendente dentro da sociedade razão pela qual o seu controle era arduamente disputado pelas facções da classe dirigente Com o tempo o próprio desenvolvimento da estrutura burocrática daria origem a um novo segmento social de classe média o qual em razão da penetração que possui dentro do aparelho do estado veio a transformarse em elemento essencial constitutivo do sistema de poder A rápida integração das economias latinoamericanas nas correntes do comércio internacional ocorrida na segunda metade do século passado devese em boa medida à existência desse segmento liberal nas classes dirigentes da região Não resta dúvida que o fator básico desse processo de integração econômica deve ser buscado no próprio dinamismo das economias capitalistas avançadas da época Tratavase em última instância de um deslocamento da fronteira econômica européia Contudo a rápida resposta latinoamericana somente se explica tendo em conta a dicotomia interna que existia na classe dirigente da região O grupo liberal principalmente constituído de elementos urbanos estava aberto às influências externas Enquanto o grupo de senhores da terra conseguia expandir o seu poder através de um processo de crescimento vegetativo ocupando novas terras e coletando recursos da população que nelas se ia instalando a burguesia urbana dependia essencialmente das relações econômicas exteriores para sobreviver Cabialhe a dupla função de descobrir novas linhas de comércio e de atuar sobre o interior com meios financeiros e outros para induzir à produção daquilo que tinha viabilidade de comercialização Em alguns casos tratavase de introduzir culturas exóticas na região ou de correr riscos na fase inicial o que somente podia ser feito por elementos com um conhe 54 cimento direto das possibilidades que ofereciam os mercados externos Esses elementos urbanos foram em realidade os schumpeterianos do desenvolvimento hacia afuera da América Latina Para explicar a influência que alcançou esse grupo liberal em uma sociedade fundamentalmente agrária de tipo semifeudal é necessário ter em conta as características da organização política dessa sociedade na qual o aparelho burocrático organizado pelo estado passou desde cedo a desempenhar um papel relativamente autônomo Sob a influência dos grupos liberais aos quais se incorporavam muitos dos elementos mais dinâmicos do setor agrário o Estado desempenhou um importante papel na fase de transição da sociedade semiisolada de características feudais para uma crescente integração com a economia capitalista européia em rápida expansão Um exemplo típico dessa ação estatal foi o financiamento pelo governo brasileiro da grande imigração européia que tornou possível o desenvolvimento da cultura do café no último quartel do século passado Em síntese a extraordinária rapidez do processo de desenvolvimento hacia afuera encontra sua explicação do lado latinoamericano tendose em conta a ação convergente dos seguintes fatores a disponibilidade de fatores num sistema econômico de tipo précapitalista b existência de um segmento da classe dirigente com motivação schumpeteriana isto é orientado para a criação de novas linhas de exportação e produção como forma de defender ou aumentar o seu prestígio e influência e c existência de uma organização política suficientemente articulada para servir de instrumento ao grupo dirigente em seu esforço visando a eliminação dos principais obstáculos antepostos pela estrutura social semifeudal ao processo de integração na economia internacional em rápido desenvolvimento O sistema sócioeconômico que se formou na América Latina durante o período colonial e que prevalecia na região pela metade do século passado apresentava certas características que devem ser tidas em conta se pretendemos explicar as fases subsequentes de crescimento A ocupação territorial conforme já observamos fezse em geral a partir 55 da instalação de pequenos núcleos urbanos os quais constituíam uma projeção do poder metropolitano A cadeia daqueles núcleos constituía o sistema de defesa do território contra as frequentes incursões de inimigos externos e internos Também deles é que saíam os indivíduos autorizados a buscar metais preciosos ou outras riquezas que se supunham existir nas novas terras inclusive a mãodeobra indígena tão necessitada em certas áreas Entretanto ali onde houve o propósito de iniciar uma agricultura capaz de criar excedentes as unidades agrícolas de distintas denominações assumiram uma grande importância desde o início como centros econômicos e sociais em prejuízo dos núcleos urbanos Dada a inexistência de qualquer infraestrutura a unidade agrícola deveria conter em si mesma todo um sistema econômico de produção e comercialização ligandose diretamente a algum centro urbano principal As dimensões de uma tal unidade agrícola teriam portanto que ser consideráveis o que explica que a adjudicação de terras tenha sido limitada a pessoas que dispunham de recursos para organizar uma grande empresa agrícola capaz de prescindir de quaisquer economias externas O ponto de partida da economia agrícola latinoamericana foi portanto a grande empresa com vistas à criação de um excedente que se exportava no caso de alguns produtos tropicais ou que se destinava às zonas mineiras ou aos núcleos urbanos As transformações por que passa esse tipo de organização econômica devem ser tidas em conta se pretendemos compreender o tipo de estrutura social que veio a prevalecer na região Ali onde o impulso dinâmico inicial surgira da mineração é natural que com a decadência desta tendessem a desaparecer os mercados que anteriormente absorviam os excedentes agrícolas No caso das linhas de exportação ocasionalmente surgiam áreas produtoras concorrentes geograficamente melhor situadas ou politicamente mais bem protegidas Assim a economia açucareira do Nordeste brasileiro sofreu já no século XVII a forte concorrência dos produtores situados nas Antilhas inglesas e francesas mais próximos da Europa e protegidos nos seus grandes mercados metropolitanos Ainda outras vezes surgiam obstáculos à comercialização dos produtos nos mercados tra 56 dicionais como decorrência de guerras em que se empenhava a Metrópole Desta forma circunstâncias várias contribuíram para reduzir a importância relativa do excedente comercializado fora da unidade agrícola a qual ia perdendo as suas características de empresa para transformarse mais e mais em um sistema de organização social com características semifeudais Assim a plantação densamente capitalizada em que a mãodeobra escrava ou semiescrava era intensamente utilizada e trabalhava organizada em equipes tendEu a ser substituída por sistemas mistos de organização agrícola nos quais cabia a cada trabalhador a responsabilidade de produzir os seus próprios alimentos Ali onde essas transformações se cumpriram totalmente a unidade agrícola fragmentouse tanto que sistema de organização da produção dando lugar a uma multiplicidade de unidades de dimensões familiares substituindo a fazenda como uma superestrutura coletora da renda da terra e centralizadora das atividades comerciais Para compreender o tipo de organização económicosocial que se formou na América Latina é necessário ter em conta que se bem a colonização se processou em condições de oferta ilimitada de terras todas aquelas terras que podiam ser utilizadas para criação de um excedente econômico eram automaticamente transformadas em propriedade privada de uma pequena minoria Assim a abundância de terras assegurava meios de subsistência à população cujo crescimento vegetativo não encontrava limites por esse lado Contudo todo aquêle que trabalhava a terra deveria em princípio pagar um tributo a um membro da classe de proprietários de terras Quando as possibilidades de comercialização de algum excedente eram limitadas o pagamento do tributo assumia outras formas tais como prestação de serviços domésticos ajuda na guarda das propriedades obras de melhoria construções etc A economia agrícola précapitalista que prevaleceu na América Latina assumiu as formas mais variadas compreendendo desde a comunidade indígena semifechada com propriedade coletiva da terra até as grandes fazendas em que a propriedade privada da terra constitui a base de um sistema de organização social que capacita aquêles que têm o 57 controle da terra para apropriarse de mais de metade da produção dos que trabalham essa terra Do ponto de vista econômico o que caracteriza esse tipo de unidade produtiva é que ela não está organizada com base nos critérios de racionalidade específicos da empresa criada para produzir e maximizar lucros Demais se deixamos de lado as comunidades indígenas semifechadas simples resíduos de sistemas de cultura anteriores à penetração européia comprovamos que a característica comum da economia précapitalista regional é o controle do fator básico de produção a terra por uma pequena minoria vinculada aos centros do poder político Em princípio a oferta de terra podia ser considerada como ilimitada e a partir de certa distância dos centros de comercialização a terra também podia ser considerada como um bem livre Contudo o homem que trabalhava a terra ali onde esta era um bem livre por definição estava incapacitado para criar um excedente comerciável pois não se beneficiava de quaisquer economias externas Entretanto a própria subsistência do trabalhador agrícola dependia de que ele pudesse comercializar parte de sua produção a fim de capacitarse para obter no mercado sal combustível e outros bens imprescindíveis dentro de seu padrão de cultura Explicase assim que esse trabalhador preferisse fixarse em terras que se beneficiassem de economias externas ainda que isso o obrigasse a dividir com o proprietário dessas terras a sua produção No sistema econômico que vimos de esquematizar do ponto de vista do fazendeiro ou dos fazendeiros considerados em conjunto a terra constitui sempre um fator de oferta ilimitada cujo grau de utilização depende da disponibilidade de mãodeobra Como o excedente criado por uma família permite em geral manter a uma outra sempre que a oferta de mãodeobra esteja aumentando tornase fácil abrir novas terras preparar pastagens implantar novos cultivos preparar caminhos de acesso etc As fazendas das regiões de economia précapitalista estão permanentemente com escassez de mãodeobra Com efeito cada família nova que se incorpora deve traduzirse em um incremento do excedente global que reverte em benefício do proprietário da terra Como cabe a cada família cuidar de sua própia sub sistência a admissão de novas famílias nas terras de uma fazenda não envolve qualquer aumento de custos para a administração desta Por outro lado mesmo que o novo agricultor venha a produzir um excedente bem inferior à média preexistente a sua incorporação constitui uma vantagem para o proprietário Desta forma a organização de uma economia précapitalista em condições de oferta ilimitada de terra sendo a terra propriedade de uma pequena minoria transforma a mãodeobra em um fator escasso sem que isso contribua para elevar os salários reais acima do nível de subsistência Observado o problema de outro ângulo o controle da terra por uma pequena minoria em condições de economia précapitalista capacita essa minoria para coletar um tributo de todo aquele que trabalha terras beneficiadas por economias externas Considerado o mesmo problema do ponto de vista de suas conseqüências sociais comprovase que uma tal organização econômica engendra um sistema de distribuição da renda pelo qual uma fração substancial dessa renda de 50 a 60 por cento se concentra em mãos de uma minoria que dificilmente alcança 5 por cento da população Houve casos na América Latina em que como resultado de uma ruptura no sistema político provocada por fatores exógenos eliminouse bruscamente a propriedade da terra Um bom exemplo é dado pela liquidação das missões jesuíticas proprietárias de grandes extensões de terras particularmente no Paraguai Em decorrência desse cataclisma político as terras antes propriedade da Ordem passaram ao controle daqueles que tinham sua posse desaparecendo a renda como instrumento de captação de um excedente econômico A terra passou assim a ser um bem livre A eliminação da renda da terra nas condições acima descritas tem como conseqüência o fortalecimento da posição dos intermediários capacitados para comercializar a parte da produção que o agricultor não consome diretamente O excedente tende desta forma a deslocarse de mãos da antiga classe proprietária para o domínio da classe comerciante Contudo o agricultor ganha uma capacidade de manobra que pode determinar importantes modificações no sistema de organização da produção e na forma de distribuição da renda Ao passo que em suas relações com proprietário da terra não lhe ficava alter nativa fora de entregar parte substancial do que produzia agora ele poderá optar pela redução da parte comercializável de sua produção agrícola produzindo mais para autoconsumo dedicandose a atividades artesanais nãoagricolas melhorando a sua moradia etc Para defenderse da manipulação de preços por parte dos intermediários tratará ele de diversificar a produção para consumo próprio independentizandose o mais possível do mercado Para o conjunto da economia o resultado terá que ser um declínio relativo da atividade comercializável e um retrocesso nos padrões de divisão social do trabalho Entretanto isso não impedirá que se eleve o nível de vida da população trabalhadora rural em face de modificações substanciais no sistema de distribuição da renda Com efeito é fato de observação corrente que em certas áreas agrícolas da América Latina em que é pequeno o grau de comercialização da produção como é o caso das regiões de antiga colonização no Paraguai o nível de vida da população é relativamente alto Consideremos agora uma situação similar à anteriormente descrita isto é de eliminação da classe de proprietários de terra como decorrência de um cataclisma político mas em fase subseqüente após um longo período de crescimento da população A evolução do Haiti exemplifica até certo ponto esse caso A pressão demográfica sobre a terra transformada em fator escasso obrigará os agricultores a buscar linhas de produção que possibilitem uma utilização mais econômica dos solos Sem esse esforço de especialização os padrões de vida da população teriam que descer a níveis capazes de frear o crescimento dessa população A única alternativa a um equilíbrio malthusiano desse tipo excluída que está a possibilidade de modificações tecnológicas engendradas endogenamente é a integração numa economia de mercado o que permite à classe de intermediários recuperar ou aumentar a sua influência Em tais condições a classe comerciante tenderá a assumir papel idêntico no sistema econômico e social ao anteriormente desempenhado pelo grupo de proprietários da terra Até meados do século passado a base das economias latinoamericanas esteve constituída de forma predominante por sistemas de tipo précapitalista com as características gerais que vimos de esboçar A abundância de terras permitia o crescimento regular da população Não existe entretanto qualquer indicação de que a produtividade do trabalho se elevasse de forma persistente em nenhuma região A revolução tecnológica nos meios de transporte marítimo a penetração das manufaturas inglesas que iam modificando os padrões de consumo de certos segmentos da população as novas possibilidades criadas nos mercados europeus na fase mais avançada do desenvolvimento capitalista em que os padrões de vida das massas começavam a elevarse assim como o exemplo do rápido desenvolvimento dos Estados Unidos esses e outros fatores fizeram surgir uma atitude progressista principalmente naquelas regiões em que as classes urbanas possuíam maior expressão social Em alguns países essa atitude progressista levou os governos a tomar a iniciativa da promoção de importantes investimentos infraestruturais financiandoos com empréstimos externos ou ainda a cobrir todos os gastos do traslado de grandes massas de imigrantes europeus atraídos para a região Esses grupos populacionais europeus tenderam a concentrarse geograficamente e contribuíram para intensificar o processo de urbanização Conforme já assinalamos a rapidez do processo de integração das economias latinoamericanas nos mercados mundiais a partir da segunda metade do século passado encontra sua explicação na convergência de fatores exógenos e endógenos No caso da indústria mineira os fatores exógenos tiveram sem lugar a dúvida importância predominante Outras vezes a ação exógena surgia em fase mais avançada ligada à exportação de capital financeiro ou equipamentos à introdução de novas técnicas e à criação de economias externas através da instalação de portos estradas de ferro ou serviços públicos urbanos Todas essas transformações ocorreram entretanto ao impulso do crescimento das exportações e a característica fundamental destas estava em que elas se apoiavam em um novo sistema de organização da produção o qual passou a coexistir em cada país com a economia précapitalista No caso dos países exportadores de minérios o dualismo dos sistemas econômicos era particular 61 mente óbvio pois a economia de exportação estava em geral geograficamente isolada Nos países exportadores de produtos agrícolas o dualismo era menos visível mas nem por isso menos real pelo menos na fase inicial No Brasil a produção de café de cacau de borracha e dos demais produtos de exportação com a só exceção do açúcar foi organizada em terras anteriormente não utilizadas exigindo importantes deslocamentos de população É necessário ter em conta as características da economia précapitalista que prevalecia na região para compreender por que a nova economia de exportação teve que organizarse à margem da estrutura econômica tradicional A fazenda conforme observamos se transformara progressivamente numa instituição básica da estrutura social e política e desempenhava cada vez menos funções de caráter predominantemente econômico Cabialhe principalmente a função de extrair um excedente da população trabalhadora agrícola de organizar a segurança e de criar algumas economias externas Dentro da estrutura social e política representada pela fazenda o trabalhador isolado utilizando mãodeobra familiar se configurava mais e mais como a unidade básica de produção Em tais circunstâncias é natural que a classe de proprietários da terra se distanciasse de tarefas diretamente ligadas ao processo produtivo para preocuparse com outros tipos de atividades de caráter social e político A atitude empresarial que possibilitou o rápido desenvolvimento das linhas de exportação teve origem entre os grupos comerciantes que operavam dos centros urbanos Ai é que surgiam os indivíduos que descobriam novos horizontes econômicos seja testando a capacidade de absorção de mercados externos seja induzindo grupos de agricultores a cultivar um produto com perspectivas favoráveis nos mercados exteriores Uma vez feita a descoberta era natural que se multiplicassem as iniciativas dando início a um período de especulação sobre terras favoravelmente situadas e capazes de apresentar altos rendimentos agrícolas O deslocamento de populações atraídas pelos salários mais altos e pela miragem de um fácil enriquecimento que a fortuna de uns poucos transformava em legenda ocorria espontâneamente O deslocamento da fronteira do café no norte do Paraná brasileiro 62 constituiu exemplo recente desse processo de rápida criação de uma nova agricultura sob o estímulo dinâmico da demanda externa A agricultura de exportação organizada em empresas de tipo capitalista tendeu a concentrarse em certas áreas de acordo com os produtos em que se especializava o que facilitou a construção da infraestrutura requerida para sua expansão e ligação aos mercados externos A absorção de mãodeobra suposta uma demanda externa totalmente elástica a dado nível de preços passava a ser determinada pela disponibilidade de terras de adequada localização e qualidade pela produtividade física dessa mãodeobra e pela taxa de salário real a qual devia ser mais alta do que a remuneração que o trabalhador obtinha na agricultura tradicional Ao fixar uma taxa de salário superior à remuneração que obtinha o trabalhador na agricultura précapitalista o setor exportador se assegurava uma oferta totalmente elástica de mãodeobra Com efeito a velha agricultura funcionava como um reservatório de mãodeobra enquanto não se esgotasse esse reservatório o setor exportador gozaria de oferta ilimitada do fator trabalho a um nível de salário basicamente definido pelas condições de vida que prevaleciam nas fazendas semifeudais No caso de um país em que o nível de vida no âmbito da economia précapitalista é relativamente elevado como ocorre ali onde as terras são de boa qualidade e o trabalhador não paga renda caso do Paraguai o desenvolvimento de uma agricultura de exportação enfrentou sérios obstáculos O caso da expansão cafeeira no Brasil constitui exemplo típico de combinação de uma grande abundância de terras de boa qualidade e bem localizadas com uma oferta ilimitada de mãodeobra a um nível relativamente baixo de salários O limite à expansão da produção foi a saturação dos mercados internacionais Ainda que sem as características dramáticas que as dimensões emprestam ao caso do café no Brasil de maneira geral a experiência latinoamericana na fase clássica de expansão das exportações seguiu as mesmas linhas básicas A terra surge sempre como um fator abundante e a oferta de mãodeobra apresenta uma elevada elasticidade a um nível de salário relativamente baixo O equi 63 librio entre oferta e demanda vai sendo encontrado através de uma sequência de crises de superprodução o que explica em parte a tendência à deterioração dos termos de intercâmbio que se observa a longo prazo O rápido desenvolvimento da agricultura de exportação latinoamericana na fase aqui considerada pode ser melhor compreendido se se considera mais detidamente o processo de formação de capital dentro dessa agricultura Definindose investimento em um sentido limitado como sendo formação de capital através da aplicação de recursos gerados em período produtivo anterior o desenvolvimento da nova agricultura se fazia com base em investimentos relativamente escassos Tais investimentos se destinavam à abertura de estradas de acesso à compra dos equipamentos manuais utilizados pelos agricultores e a limitados adiantamentos requeridos pela nova mãodeobra que se ia incorporando às tarefas agrícolas A parte principal da remuneração da mãodeobra aplicada diretamente no aumento da capacidade produtiva da agricultura era atendida com a produção de alimentos obtida nas terras que iam sendo incorporadas à nova agricultura O caso das culturas permanentes prestase melhor à análise deste processo razão pela qual o tomaremos como exemplo Neste caso a formação de capital equivale à acumulação da renda imputada ao fator terra renda essa que inexistiria caso a agricultura não se estivesse expandindo Destarte a própria expansão da agricultura cria os recursos que alimentam o processo de investimento Explicase assim que num período de cinco a seis anos no decênio dos cinqüenta a produção brasileira de café tenha dobrado sem que isso haja representado qualquer pressão maior sobre os recursos ou qualquer desvio de investimentos de outros setores Este conceito mais amplo de investimento incluindo o trabalho incorporado através da expansão agrícola será considerado mais em detalhe subsequentemente Tentaremos quantificar as relações anteriormente referidas concernentes ao processo de formação de capital tomando como base uma economia agrícola de exportação do tipo da brasileira na sua fase áurea de expansão do café cacau ou outra cultura permanente Em tal caso podese admitir que cerca de 90 do capital reprodutível investido direta 64 mente na expansão das culturas destinadas à exportação constitui trabalho acumulado trabalho esse pago com parte da produção agrícola obtida da mesma terra durante o período de gestação da cultura permanente A essa parte do investimento denominaremos Δk Os restantes 10 do investimento que requerem cobertura de poupança gerada em período produtivo anterior denominadores de ΔK adicional ao estoque de capital K Admitiremos que a relação produtocapital reprodutível Pk K é de 04 inferese portanto que a relação PK é dez vezes maior ou seja 4 Consideremos mais detidamente o processo de geração de k que sabemos representar o trabalho incorporado por meio de formação das novas plantações e que corresponde aproximadamente ao valor da renda da terra durante esse período Tudo se passa como se o trabalhador dedicasse uma parte do seu tempo digamos metade das horas de trabalho a implantar a cultura permanente e a outra metade a cuidar de cultivos anuais para si mesmo o que não significa que estes últimos se destinem com exclusividade a autoconsumo Para clareza de exposição convém considerar a instalação de novas plantações como um setor produtivo independente isto é um setor orientado para a geração de capacidade produtiva Contudo devese ter sempre em conta que essa produção de capacidade produtiva agrícola exportadora fazse concomitantemente com uma expansão da produção agrícola corrente destinada a cobrir a remuneração da mãodeobra adicional requerida para expandir o setor exportador Admitiremos por último que a mãodeobra empregada na produção de k requer a mesma quantidade de K e obtém a mesma remuneração que os trabalhadores diretamente empregados na produção agrícola exportadora As definições e relações que vimos de apresentar nos permitem dividir as atividades agrícolas em três setores correspondendo à cada um uma função de produção própria Um primeiro setor P1 está constituído pela agricultura précapi Com efeito k 09 K K 01 K k K K P P Quando 04 4 65 talista um segundo P2 corresponde àquelas atividades diretamente produzindo para a exportação e um terceiro setor P3 está formado pelas atividades responsáveis pela expansão da capacidade de P2 isto é pela produção de k Cabe admitir que a produtividade da mãodeobra é substancialmente maior em P2 e P3 do que em P1 bem como a remuneração do trabalhador Contudo se bem que a remuneração do trabalhador seja menor em P1 dada a baixa produtividade da economia précapitalista é de admitir que a parcela da produção requerida para remunerar o trabalhador seja menor em P2 e P3 Com efeito no setor exportador dificilmente a remuneração do trabalhador chega a absorver 50 do seu produto sendo algumas vezes menos de uma terça parte ao passo que no setor précapitalista a remuneração do trabalhador de uma maneira geral alcança ou supera metade de sua produção Desta forma se consideramos o conjunto da agricultura na fase de expansão das exportações comprovamos que a elevação de produtividade do trabalho e a elevação da remuneração média do trabalhador ocorrem paralelamente com uma redução da participação do trabalho na renda global gerada na agricultura ou seja com uma maior concentração da renda nas mãos da classe proprietáriacapitalista Se considerarmos esta última classe por separado veremos que o grupo de empresárioscapitalistas estará aumentando sua participação em prejuízo da do grupo de fazendeirosfeudais A expansão da capacidade produtiva de P2 pressupõe aumento prévio de atividade produtiva em P3 que se comporta como um setor produtor de equipamentos portanto submetido a um mecanismo de aceleração toda vez que se expande a demanda dos bens produzidos com os referidos equipamentos Desta forma se a demanda de café cacau ou outro produto semelhante aumenta o setor P3 dedicado à instalação de novas plantações tende a absorver uma grande quantidade de mãodeobra retirandoa do setor précapitalista A absorção dessa mãodeobra requer uma certa mobilização de poupança gerada em período produtivo anterior ΔK a qual conforme indicamos admitese seja igual por trabalhador à requerida para ocupar uma pessoa em P2 Como cabe admitir que a produtividade da mãodeobra seja da mesma magnitude em P2 e P3 a relação PK é também 66 idêntica nos dois setores com a diferença de que no setor P2 K deve receber uma importante complementação de k ao passo que em P3 os insumos se limitam a mãodeobra L e a K As três funções de produção podem ser expressadas como segue Produção P1 P2 P3 Insumos L L1 L2 L3 K 0 b b k 0 b 0 k2 b quantidade de capital necessário por unidade de produção do setor j ij quantidade de trabalho necessário por unidade de produção do setor j A participação de P3 no total da produção agrícola tenderá a aumentar sempre que a taxa de crescimento das exportações estiver crescendo Por outro lado sempre que aumente a importância relativa de P3 no total da produção agrícola aumentará a taxa de investimento no conjunto do setor agrícola ao mesmo tempo em que se eleva a relação produtocapital A ação convergente desses dois fatores causará uma elevação da taxa de crescimento Chamemos de ΔK ao investimento total sendo Δk 09K e ΔK 01K conforme as definições dadas anteriormente Como a produtividade do fator trabalho é a mesma em P2 e P3 sendo também a mesma nos dois setores produtivos a relação LK inferese que a relação produtocapital PK em P3 é dez vezes maior que em B Como P2 e P3 devem ser conside Com efeito no setor P2 K2 k2 K2 sendo Κ 01 Κ Ao passo que no setor P3 K3 K3 P2 P3 L2 L3 P2 P3 Como L2 L3 e K2 K3 K2 K3 P2 P3 P2 P3 Deduzse que 01 Κ K3 ou seja 10 K3 rados conjuntamente como dois subsetores da agricultura capitalista que se interpenetram deduzse que a relação produtocapital tenderá a ser tanto maior nessa agricultura quanto mais elevada for a sua taxa de crescimento Por outro lado sempre que façamos investimento e poupança iguais expost cabe deduzir que o aumento da participação de P3 na produção total implica numa elevação da taxa de poupança pois ao crescer relativamente P3 a produção de k aumenta necessariamente com a mesma intensidade Como k não pode ser consumido ou exportado devendo necessariamente incorporarse à capacidade produtiva interese que seu crescimento relativo significa ceteris paribus um aumento da taxa de poupança expost Se o crescimento relativo de P3 traz consigo uma elevação da taxa de poupança concluise que esta é função da orientação na aplicação dos recursos Destarte não apenas o nível da demanda mas também a composição que apresenta essa demanda constitui fator básico na determinação da taxa de poupança e do ritmo de crescimento Se o comportamento da demanda induz a transferir gente de P1 para P3 ocorre não somente uma elevação da produtividade do fator trabalho mas também uma elevação da taxa de poupança o que permite uma aceleração do crescimento com mínima pressão inflacionária Tais condições sómente se configuram quando o incremento anual de P2 está crescendo em termos absolutos o que exige uma taxa de incremento estável ou crescente de exportações e são incompatíveis com exportações crescentes mas a uma taxa declinante Contudo se as exportações estão crescendo mesmo a uma taxa proporcionalmente declinante a produção em P3 poderá continuar a crescer por algum tempo Isto significa que um certo volume de mãodeobra se bem que decrescente está sendo transferido de Pi para P2 o que acarreta aumento da produtividade média do trabalho e da remuneração do trabalhador mas não elevação da taxa de crescimento da produção total Se a taxa de crescimento de P2 continuar declinando será alcançado um ponto em que o setor P3 começará a reduzirse Persistindo a tendência na mesma direção se alcançará um segundo ponto em que a absorção de nova gente em P2 será inferior ao desemprego criado em P3 o que significa que P1 deverá receber 68 gente de retorno No primeiro ponto quando P3 começa a declinar tem início a contração da taxa de poupança no segundo que assinala o começo do retorno de mãodeobra para P1 tem início o declínio na produtividade média do fator trabalho Essa queda de produtividade terá consequências secundárias nas zonas urbanas onde os preços relativos dos produtos agrícolas tenderão a subir Fizemos referência ao fato de que a nova agricultura que se desenvolve ao impulso da demanda exterior se beneficia de uma oferta ilimitada de mãodeobra a um nível de salário relativamente baixo definido pelas condições de vida que prevalecem no setor précapitalista Pode ocorrer o caso entretanto de que este último setor apresente dimensões relativamente reduzidas do ponto de vista da mãodeobra nele empregada e que seja grande a disponibilidade de terras de qualidade e localização adequadas a uma rápida expansão da agricultura de exportação Foi este exatamente o caso da Argentina cuja integração nos mercados internacionais operouse com extraordinária rapidez Em tais condições é de esperar que ocorra um esvaziamento da agricultura précapitalista em tempo relativamente curto sendo todos os fatores incorporados à nova agricultura organizada na base de empresas capitalistas Uma vez absorvido o setor précapitalista o mercado de trabalho estará unificado Sendo assim a taxa de salário já não será função dos padrões estabelecidos nas fazendas semifeudais devendo elevarse com a produtividade a exemplo do que ocorre em qualquer economia capitalista em que a mãodeobra é fator de oferta limitada Ao alcançar a taxa de salário determinado nível podese tornar viável um influxo significativo de mãodeobra estrangeira À corrente imigratória tornará possível um maior desenvolvimento do setor exportador e por algum tempo deterá a tendência à elevação dos salários Contudo introduzirá no país novos hábitos de consumo e sendo de origem européia novas atitudes sociais conducentes a formas mais avançadas de organização do trabalho graças às quais se reduzirá a possibilidade de reversão a formas précapitalistas Com respeito àqueles países em que o setor précapitalista desapareceu como reservatório de mãodeobra e em que 69 as taxas de salário passaram a fixarse de acordo com as condições prevalecentes em um mercado de trabalho basicamente unificado cabe afirmar que se cumpriu plenamente a transição para uma estrutura capitalista As economias desses países a Argentina e o Uruguai constituem os dois únicos exemplos na América Latina não podem ser consideradas subdesenvolvidas sempre que o conceito de subdesenvolvimento esteja ligado à idéia de um dualismo estrutural Eliminado esse dualismo o mercado de trabalho já não se diferencia qualitativamente dos mercados dos demais fatores de produção Em tais condições é de esperar que os salários pagos na agricultura se aproximem daqueles pagos nas indústrias e serviços tendendo a desaparecer a grande disparidade de condições de vida entre populações urbanas e rurais que constitui a característica principal dos países tipicamente subdesenvolvidos As economias que desenvolveram linhas de exportação de produtos minerais também apresentam certas peculiaridades que merecem destaque O processo de integração no mercado internacional cria neste caso um profundo dualismo nas estruturas produtivas pois o setor exportador apresenta um elevado coeficiente de capital e um alto nível de produtividade da mãodeobra sem contudo absorver mais que uma pequena fração da força de trabalho A profunda disparidade dos níveis de produtividade setorial permite que o coeficiente de exportação se eleve a 25 ou 30 se bem que o setor que produz para a exportação empregue menos de 5 da população ativa Em tais casos a capacidade fiscal do governo aumenta substancialmente e uma das múltiplas conseqüências secundárias desse fato é a intensificação do processo de urbanização A absorção de mãodeobra no setor mineiro exportador e o crescimento urbano criam a necessidade de maiores excedentes agrícolas sem que esse impulso seja suficiente para acarretar transformações na estrutura agrária Se a agricultura de exportação abre caminho à penetração da empresa capitalista é que por sua especialização proporciona uma elevada rentabilidade mesmo sem a introdução de maiores avanços técnicos No caso de uma simples expansão do mercado interno inexiste a possibilidade dessa especialização razão pela qual a empresa capitalista 70 deveria apoiarse desde o começo para competir com os excedentes provenientes da economia tradicional em avanços técnicos significativos Contudo em face das condições favoráveis do setor externo o mais provável é que a demanda adicional de alimentos seja atendida total ou parcialmente mediante importações Desta forma um elevado coeficiente de exportação pôde ser alcançado em vários países latinoamericanos a Bolívia do período prérevolucionário constituía um exemplo extremo sem que o setor agrícola apresentasse qualquer modificação significativa Pelo contrário a valorização dos excedentes criados pela agricultura tradicional tende a traduzirse em elevação da renda da terra permitindo que o grupo latifundiáriofeudal aumente a sua participação na renda e consolide a sua posição no sistema de poder Durante o período formado pelo último quartel do século passado e os primeiros decênios do atual ocorreram condições favoráveis ao desenvolvimento de diversas linhas de exportação latinoamericanas beneficiando ainda que de forma desigual a quase totalidade dos países da região No que diz respeito à área como um todo as exportações já representavam ao término dos anos vinte cerca de uma quarta parte do produto bruto Mesmo tendo em conta que uma terça parte da renda gerada pelas exportações permanecia fora da região cabe reconhecer que as economias latinoamericanas haviam logrado um grau de integração num sistema de divisão internacional do trabalho excepcionalmente elevado Contudo constitui fato de significação inulidível que não obstante essa elevada integração num sistema de divisão internacional do trabalho cerca de quarenta por cento da atividade econômica estava vinculada ao setor exterior seja por intermédio das exportações seja através das importações o setor précapitalista conservava uma importância relativa muito grande em quase todos os países da área Sendo a mãodeobra um fator de oferta ilimitada nos setores produtivos fora da economia précapitalista o crescimento assumia basicamente a forma de crescimento relativo desses setores beneficiários da oferta elástica de mão 71 deobra sem que ocorrsessem maiores modificações nas funções de produção dentro desses setores Assim a produção por unidade de insumo crescia para o conjunto da economia mas se mantinha estável dentro de cada setor produtivo vale dizer o sistema econômico ia modificando a sua estrutura sem necessitar absorver inovações tecnológicas Evidentemente ali onde se utilizavam equipamentos sendo estes importados tais inovações iam sendo absorvidas como um simples processo de rotina e não como uma decorrência de necessidades econômicas Na agricultura essa penetração automática de inovações tecnológicas teria que ser extremamente limitada pelo simples fato de que no processo de formação de capital se incorporavam quantidades escassas de equipamentos A crise mundial de 1929 e a depressão prolongada que a seguiu encerraram para quase toda a América Latina o período de integração num sistema de divisão internacional do trabalho Iniciouse então um processo de reversão pelo qual a maioria das economias nacionais da região teve por uma ou outra forma que reduzir o seu coeficiente de integração no mercado mundial Esse processo de fechamento das economias nacionais assumiu duas formas A primeira consistiu simplesmente em reversão dos fatores aplicados em atividades dependentes do setor exterior ao âmbito da economia précapitalista na agricultura ou no artesanato A segunda consistiu na industrialização As duas formas foram utilizadas em graus distintos por toda parte mas o êxito da industrialização foi muito desigual o que facilmente se explica tendo em conta que essa industrialização se apoiava em mercados internos cujas dimensões eram muito desiguais Em uns poucos países o impulso dado à economia nacional pela industrialização permitiu que esta alcançasse ainda que em períodos limitados taxas de crescimento relativamente altas iguais ou superiores àquelas atingidas na fase do crescimento das exportações O problema que se apresenta presentemente é o de identificar a natureza e o alcance desse processo de industrialização Constitui ele caminho seguro para alcançar e manter uma elevada taxa de crescimento na região 72 A industrialização latinoamericana é conhecida em tôda parte como um processo de substituição de importações Tratase na realidade de um processo de modificação da estrutura produtiva o qual permite reduzir a participação das importações na oferta global sem reversão à economia précapitalista Reduzemse ou eliminamse certos itens das importações os quais são substituídos no mercado por produção interna e ampliamse aquêles itens de substituição mais difícil Como ao mesmo tempo que se reduz o coeficiente de importações ampliase a renda per capita a composição da demanda interna tende a modificarse o que exige alterações maiores na estrutura da oferta do que aquelas tidas em conta ao iniciarse o processo substitutivo O período de tempo requerido para que a oferta interna se adapte às modificações na composição da demanda pe riodo êsse que muitas vêzes é ampliado por obstáculos institucionais dá origem a pressões inflacionárias particularmente quando o setor externo apresenta pouca ou nenhuma flexibilidade Consideremos o caso de um país em que em 1929 as exportações representavam cârca da quinta parte do produto bruto e em que as importações contribuíam com cârca de sessenta por cento da oferta de manufaturas Em razão da baixa de preços e da contração da demanda externa provocadas pela depressão a capacidade para importar é reduzida em 50 As exportações estão formadas por produtos agrícolas e interessam a um grande número de produtores o que induz o govêrno a agir comprando o exce dente da produção exportável mediante expansão dos meios de pagamento e modificação da taxa de câmbio de forma que as duas medidas conjugadas permitêm manter o nível da renda monetária do setor exportador A estrutura da demanda global deverá acomodarse a um nível substancialmente mais baixo de importações Para absorver parte da pressão exercida sobre as exportações pela expansão dos meios de pagamento o govêrno introduzirá elevações de tarifas incidentes sôbre certas manufaturas que já vinham sendo produzidas internamente de forma incipiente A contração das importações a modificação na taxa cambial a expansão de crédito para financiamento de esto 73 ques e a elevação de tarifas tendem a determinar uma série de modificações na estrutura de custos A ação dÊsses fatos e a luta dos distintos grupos em defesa de sua renda real determinarão as modificações nos preços relativos e na distribuição da renda que tornarão compatíveis a composição da demanda e a estrutura da oferta O reajustamento final terá que produzir entretanto uma elevação no nível geral de preços e um aumento relativo nos preços dos bens importados É natural portanto que a posição competitiva das manufaturas de produção interna melhore substancialmente com a elevação de seus preços relativos Como a taxa de salários no setor industrial se mantêm estável é de esperar que se eleve a taxa de lucros nesse setor Em tais condições e tida em conta a existência de uma oferta ilimitada de mãodeobra é natural que os industriais procurem trabalhar a dois e três turnos o que poderá ser feito mediante reduzidas inversões complementares A relação produtocapital tenderá em consequência a crescer fortemente Com efeito vamos admitir que essa relação seja igual a 1 na situação inicial vale dizer que uma inversão de um milhão de dólares em capital reproduzível produza um fluxo de renda valor adicionado de um milhão de dólares em um período produtivo anual Passando a trabalhar em dois turnos mediante um incremento de dez por cento no investimento principalmente para cobrir necessidades adicionais de capital de giro o fluxo de renda produzido pela em presa aumentará para dois milhões de dólares elevandose a relação produtocapital para 182 Vejamos agora o mesmo fenômeno do ponto de vista da taxa de lucro Suponhamos que o estoque de capital por trabalhador na posição inicial seja de 2 500 dólares e que o salário anual do trabalhador alcance 600 dólares Se a relação produtocapital é igual a 1 os 2 500 dólares de investimento terão que dar origem a um fluxo de renda salários mais remuneração do capital de 2 500 dólares Sendo o salário de 600 dólares o lucro bruto alcança 1 900 dólares ou seja 76 do investimento Na segunda situação o estoque de capital se eleva para 2 750 dólares mas o lucro alcança 3 800 dólares que correspondem a uma taxa de 138 Tratase de uma formulação grosseira com o objetivo limitado de explicitar a 74 tendência no sentido de uma rápida elevação na taxa de lucros Observando o sistema econômico em seu conjunto vemos que a partir do momento em que se contrai a demanda externa o setor P3 responsável pelo aumento da capacidade produtiva na agricultura entra em rápido colapso o que acarreta declínio na relação produtocapital e queda da taxa de lucro na agricultura capitalista P2 P3 mesmo que se evite redução do nível de atividade em P2 mediante compra de excedentes pelo govêrno Concomitantemente começam a operar outras forças que provocam elevação na relação produtocapital e na taxa de lucros do setor industrial É de se esperar portanto que uma parte da capacidade empresarial e dos recursos financeiros que vinham sendo absorvidos pelo setor exportador em sua fase de crescimento sejam desviados para o incipiente setor manufatureiro Essa modificação no pólo de atração dos investimentos acarreta uma série de conseqüências em razão de diferenças específicas no processo de formação de capital entre o setor agrícola exportador e as novas atividades manufatureiras Ao analisarmos a fase de expansão das exportações indicamos que o conteúdo de K no montante do capital requerido para aumentar a capacidade de exportação era relativamente pequeno K 01 K Levando em conta a quantidade de K necessário para produzir k que complementa K em P2 cabe atribuir ao referido coeficiente um valor maior contudo não superior a 02 Sendo assim deduzse que a relação PK é igual ou maior que 2 se considerarmos P2 e P3 conjuntamente Em outras palavras para cada aumento de 100 dólares na capacidade produtiva da agricultura capitalista se requer um máximo de investimento de 50 dólares em termos de K o qual sabemos ser básicamente constituído de equipamentos importados Consideremos agora para fins de confronto o processo de formação de capital no setor manufatureiro que designaremos de P4 Dada a estrutura de preços relativos a produtividade tanto d o trabalho como do capital é substancialmente maior em P4 que na agricultura capitalista Admitiremos que a produção por trabalhador seja 25 vêzes maior e que a relação produto 75 capital também seja 25 vezes superior1 A taxa de salário seria apenas 50 mais elevada o que se explica tendo em conta que essa taxa continua a ser fortemente influenciada pelo nível de vida do grande contingente de população que permanece no setor précapitalista Para facilidade de exposição atribuíremos ao setor exportador uma produção média anual por trabalhador de 1 000 dólares e um salário médio anual de 400 dólares Os valores correspondentes para a indústria seriam portanto 2 500 e 600 dólares Sendo a relação média produto capital PK na indústria igual a 1 e na agricultura de exportação igual a 04 inferese que o capital total K por trabalhador seria o mesmo nos dois setores ou seja 2 500 dólares A taxa de lucro bruto seria portanto de 24 na agricultura 6002 500 e de 76 na indústria 1 9002 500 Cumpre ter em conta entretanto que do investimento no setor agrícola apenas uma parcela não superior a 20 por cento deve ser coberta direta ou indiretamente por poupança gerada no período anterior ao passo que no setor industrial a totalidade do investimento consiste em K Destarte a relação PK é de 2 na agricultura de exportação e de 1 na indústria em outras palavras dada uma certa taxa de poupança definida esta como renda gerada no período anterior e não consumida a taxa de crescimento que se obtém na indústria corresponde à metade daquela que seria possível obter na agricultura de exportação A composição da demanda global constitui portanto uma limitação às taxas relativas de crescimento dos dois setores Essa composição passa a ser fator básico determinante da relação produtocapital na economia como um todo se se mede o capital apenas em termos de K Devese ter em conta por outro lado que ao modificarse a composição da demanda global no sentido de induzir ao cres 1 Considerando P₂ e P₃ conjuntamente a relação produtocapital terá que ser maior que 04 Entretanto a dimensão relativa de P₃ somente pode ser definida se se formula com anterioridade uma hipótese sobre a taxa de crescimento de P₂ Contudo a relação PK é sempre estável porquanto se admite que nos dois subsets da agricultura capitalista são idênticas a produtividade do trabalho e a quantidade de K por trabalhador 76 cimento relativo dos investimentos industriais tende a elevarse a taxa de lucro bruto o que repercute favoravelmente na taxa de poupança Com efeito como a relação PK tende a baixar de 2 para 1 com a reorientação das inversões será necessário que aumente proporcionalmente a taxa de poupança a fim de que se mantenha a mesma taxa de crescimento Em face da elevação substancial da taxa de lucros a que se fez referência é perfeitamente possível que ocorra o requerido aumento da taxa de poupança Do ponto de vista da balança de pagamento essas alterações no processo de formação de capital têm uma significação particular No que diz respeito ao setor exportador já observamos que K estaria constituído em sua quase totalidade por equipamentos importados No setor industrial o conteúdo de importações adicionados efeitos diretos e indiretos não seria inferior a 75 do investimento Sendo assim o coeficiente de importações por unidade de investimento adicional subiria de 05 para 075 Em outras palavras para criar um fluxo adicional de renda de 100 dólares seria necessário importar equipamentos no valor de 50 dólares no primeiro caso e no valor de 75 dólares no segundo ou seja para manter a taxa de crescimento seria necessário aumentar em 50 as importações de equipamentos Por outro lado a elevação na taxa de lucro e a consequente concentração da renda teria que impulsionar a demanda de bens duráveis de consumo importados na sua totalidade Contudo cabe admitir que na primeira fase do processo de industrialização substitutiva essa tendência seja anulada pelo efeitopreço em razão da forte elevação dos preços relativos de tais produtos Se classificarmos as importações em três grupos equipamentos e produtos intermédios bens duráveis de consumo e bens não duráveis de consumo é de supor que o efeito sobre a demanda da elevação dos preços relativos decorrente das desvalorizações seja mínimo com respeito ao primeiro grupo e máximo ao terceiro Em razão da elevação da taxa de lucros os industriais procurarão importar equipamentos e bens intermédios a despeito da elevação dos preços destes por outro lado a concentração da renda determinada pelo próprio mecanismo do desenvolvimento capacita as classes de altas rendas para enfren 77 tar a subida dos preços dos bens duráveis importados Sendo assim é natural que a redução das importações tenda a concentrarse no grupo das manufaturas de consumo não durável É a concentração da pressão neste último setor que cria as condições favoráveis ao processo de substituição de importações A industrialização nas condições referidas requer um esforço de adaptação do sistema econômico a reduções progressivas da participação das importações na oferta global É evidente que uma vez esgotadas as possibilidades de substituições de bens de consumo não duráveis particularmente no que diz respeito à fase final de manufatura desses bens toda tentativa de manutenção da taxa de investimento terá que acarretar pressão crescente sobre a balança de pagamentos devendo os preços relativos dos bens duráveis de consumo e dos equipamentos elevarse ainda mais intensamente que na fase anterior Como o encarecimento dos equipamentos tende a afetar negativamente a taxa de investimento a economia somente manterá a taxa de crescimento se iniciar a fase de substituição dos bens duráveis de consumo e dos próprios equipamentos Chamaremos de P₅ a esse novo setor produtivo cuja característica básica é um elevado coeficiente de capital Assim se para cada trabalhador ocupado em P₄ o investimento é da ordem de 2 500 dólares no novo setor P₅ são necessários pelo menos 10 000 dólares para empregar uma pessoa A rigor não se pode afirmar que toda indústria produtora de bens duráveis de consumo ou de equipamentos apresente um elevado coeficiente de capital e que o contrário aconteça com as indústrias produtoras de bens não duráveis de consumo Mas é perfeitamente evidente que essa é a regra geral Este fato combinado à circunstância de que o mercado dos bens duráveis e de equipamentos apresenta dimensões relativamente menores que o dos bens não duráveis responde pelo tardio desenvolvimento de tais indústrias Sempre que se admita que a taxa de lucro tende a igualarse nas distintas indústrias do contrário não seria possível explicar que indústrias com uma notória inferioridade no que diz respeito à rentabilidade do capital viessem a atrair investimentos e que se tenha em conta que a taxa de sa 78 lário é a mesma cabe inferir que a relação produtocapital tenda a ser tanto mais baixa quanto mais elevado for o coeficiente de capital por trabalhador De acordo com supostos feitos anteriormente em P4 a quantidade de capital por trabalhador seria de 2 500 dólares a taxa de salário de 600 dólares e a taxa de lucro bruto de 76 admitida uma relação produtocapital de 1 Se mantemos em P5 as mesmas taxas de salário e de lucro bruto sendo a densidade de capital por trabalhador de 10 000 dólares a relação produtocapital não poderá exceder 082 Esta segunda fase da industrialização substitutiva apresenta um outro aspecto de grande relevância As indústrias de bens de capital pelo fato de que enfrentam maiores obstáculos decorrentes das limitadas dimensões do mercado e da falta de meios adequados de financiamento de suas vendas somente encontram condições de desenvolvimento quando os preços relativos neste setor alcançam níveis extremamente elevados Em realidade os preços relativos dos equipamentos começam a elevarse a partir do momento em que se inicia o processo de industrialização substitutiva mas é somente quando essa elevação alcança um determinado ponto que a produção de equipamentos se torna economicamente viável É mesmo possível que essa elevação de preços relativos dos equipamentos somente se inicie quando já esteja muito avançado o processo substitutivo de manufaturas não duráveis de consumo ou que se inicie moderadamente e se acentue na fase final como decorrência de modificações da política tarifária que numa fase inicial podia estar orientada no sentido de favorecer as importações de equipamentos e dificultar as de manufaturas de mais fácil substituição Essa brusca elevação dos preços relativos dos equipamentos que caracteriza a segunda fase da industrialização substitutiva tem sérias repercussões no processo de formação de capital tanto no setor manufatureiro como no agrícola Tendo em conta que a taxa de salário está determinada por fatores exógenos ao mercado sendo estável é de esperar que o declínio na relação produtocapital causado pela elevação dos preços relativos dos equipamentos traduzase em redução da taxa de lucro Desta forma excluise a possibilidade de 79 que a taxa de poupança possa subir para compensar o declínio na produtividade de K O aumento da participação do setor P5 produtor de bens duráveis de consumo e de equipamentos no processo de formação de capital tem repercussões em outras direções que merecem consideração Dado o elevado coeficiente de capital por unidade de emprego em P5 na medida em que este setor absorve maior volume relativo de investimentos menor é a quantidade de pessoas que se transferem do setor précapitalista para as demais atividades produtivas Se para empregar uma pessoa em P5 são necessários investimentos quatro vézes maiores que em P4 na medida em que os novos investimentos se orientem para aquele setor a tendência à concentração da renda tenderá a agravarse mesmo que a taxa de lucro se mantenha estável Com efeito se se mantêm inalterados a taxa de salário e o montante dos investimentos na medida em que se reduza a taxa de transferência de mãodeobra de P1 para o setor industrial P4 P5 por unidade de investimento neste último setor o montante do lucro bruto tenderá a crescer com maior rapidez que o montante dos salários pagos Como é de admitir que a população urbana gozando de um nível de salários mais alto também cria demanda para a agricultura capitalista o crescimento mais lento da massa de salários terá efeitos depressivos na demanda de produtos agrícolas o que reduzirá a transferência de mãodeobra de P1 para P2 e P3 agravando a tendência à redução na relação produtocapital PK da economia como um todo Em síntese a demanda global vai mudando sua composição de tal forma que os recursos produtivos deverão orientarse no sentido de aumentar a participação daqueles setores em que é menor a produtividade de K PK bens duráveis de consumo e de reduzir a daquele em que essa produtividade é relativamente maior agricultura capitalista Surge assim um processo cumulativo circular pelo qual as transformações na composição da demanda global determinam modificações na estrutura da oferta que ao concretizarse acarretam a elevação na relação capitaltrabalho do conjunto do sistema econômico KL b declínio na transferência de mãodeobra dos setores da baixa para os de mais alta produtividade e c aumento na relação 80 capitalproduto da economia como um todo KP A elevação no coeficiente de capital por unidade de emprego em condições de estabilidade na taxa de salário opera no sentido de concentrar a renda por outro lado devendo orientarse os investimentos para indústrias cada vez mais exigentes do ponto de vista de dimensões do mercado põemse em marcha fatores que deprimem a relação produtocapital Em síntese o processo de concentração da renda atua em duas direções Por um lado tende a elevar o coeficiente de capital dando lugar a um mecanismo cumulativo pois a elevação do coeficiente de capital por unidade de emprego causa nova concentração de renda se a taxa de salário se mantém estável Por outro lado tende a reduzir a taxa de crescimento na medida em que provoca declínio na relação produtocapital em consequência da concentração de investimentos nas indústrias de bens duráveis de consumo com respeito às quais são maiores os obstáculos causados pelas inadequadas dimensões do mercado como também na medida em que provoca redução relativa dos investimentos no setor agrícola onde a formação de capital se efetiva em grande parte através de absorção de mãodeobra proveniente do setor précapitalista Convém considerar à parte o caso especial de uma economia que na fase de crescimento das exportações haja absorvido a totalidade do setor précapitalista e apresente um mercado de trabalho praticamente unificado Admitiremos que para enfrentar a depressão o governo empreenda uma política idêntica à anteriormente assinalada mantendo o nível da renda monetária do setor exportador pela compra dos excedentes agrícolas e pela desvalorização da taxa de câmbio Como no caso anterior a oferta de manufaturas importadas declinará em termos reais enquanto se mantém o nível da renda monetária o que acarreta elevação nos preços relativos daquelas manufaturas criando estímulo para intensificar sua produção interna A industrialização entretanto será de realizarse através da absorção de mãodeobra anteriormente aplicada no setor exportador uma vez que já não existe o setor précapitalista Não obstante a política de defesa do nível de renda do setor exportador é natural que tanto a taxa de salários como a taxa de lucros estejam de 81 clinando em términos reais uma vez que os termos de intercâmbio do país estão se deteriorando Desta forma os industriais não têm dificuldade de atrair mãodeobra pois a taxa de lucro nas atividades industriais está subindo como decorrência da elevação dos preços relativos das manufaturas A intensificação dos investimentos industriais repercute na agricultura de exportação duplamente por um lado cria pressão no sentido de elevação dos salários reais na medida em que atrai grandes quantidades de mãodeobra para as cidades por outro lado agrava a tendência decorrente da deterioração dos términos de intercâmbio à elevação dos custos agrícolas na medida em que ao desviar para o setor industrial uma parte substancial da capacidade para importar reduz a disponibilidade de divisas para atender às necessidades do setor agrícola e obriga este a adquirir manufaturas de produção interna de preços relativamente altos Desta forma ocorre uma convergência de fatores que operam no sentido de reduzir a taxa de lucro do setor agrícola exportador e indiretamente no de tornar mais atrativos os investimentos industriais permitindo que o processo substitutivo avance com extraordinária rapidez Em tais condições é provável que se chegue a uma subutilização da capacidade exportadora com efeitos negativos para a produtividade no conjunto da economia Ao alcançar a fase superior de substituição de importações caracterizada pela produção de equipamentos novos problemas se apresentarão Sendo o coeficiente de capital da agricultura mais alto do que no caso das economias com setor précapitalista a elevação dos preços relativos dos equipamentos a que fizemos referência também contribuirá para reduzir a taxa de lucros no setor exportador Em síntese o fechamento de uma economia que haja alcançado um elevado nível de renda integrandose num sistema de divisão internacional do trabalho e que por essa forma haja absorvido a totalidade do seu setor précapitalista tende a provocar uma redução de produtividade média a qual é particularmente grande quando a vantagem relativa que favoreceu a integração no mercado internacional decorre de uma utilização extensiva de recursos naturais As modificações estruturais requeridas pela industrialização substitutiva significam neste caso baixas de produtividade que somente po 82 derào ser anuladas mediante um deslocamento para cima das funções de produção causado pela elevação do nível tecnológico Se confrontarmos os dois casos o da industrialização substitutiva com oferta ilimitada de mãodeobra a um nível de salário condicionado pelo padrão de vida no setor précapitalista exemplo do Brasil e o da industrialização substitutiva com oferta limitada de mãodeobra exemplo da Argentina comprovamos o seguinte No primeiro a industrialização pode seguir adiante sem qualquer efeito sôbre o nível dos salários agrícolas e sem afetar significativamente a rentabilidade do setor exportador destarte não existe incompatibilidade entre o avançar da industrialização substitutiva e a recuperação do setor exportador no momento em que ocorrerem condições favoráveis nos mercados externos como ficou evidente no Brasil nos anos cinqüenta quando se efetuou a grande expansão da produção cafeeira ao mesmo tempo em que a industrialização substitutiva alcançava elevadas taxas de crescimento No segundo caso a industrialização substitutiva pode afetar seriamente a rentabilidade do setor agrícola e dificultar a sua recuperação no momento em que surjam condições favoráveis nos mercados externos Para evitar estes efeitos negativos a industrialização teria que ser acompanhada de um esforço de investimento no setor agrícola visando a elevar o nível técnico deste e a liberar mãodeobra Esse esforço do investimento de nenhuma forma poderia realizarse espontâneamente uma vez que a agricultura está enfrentando um declínio na taxa de lucros como consequência da crise exterior e dos efeitos indiretos do esforço de substituição de importações Voltemos agora ao caso geral em que o processo de industrialização substitutiva provoca em sua fase mais avançada elevação relativa nos preços dos equipamentos e maior concentração da renda O encarecimento relativo dos equipamentos tem efeitos inversos ao das inovações tecnológicas tendentes a poupar capital exige maior investimento por unidade de produto mantidos sem alterações os demais insumos Assim da mesma forma que as inovações tecnológicas poupadoras de capital em condições de salários estáveis tendem a elevar a taxa de lucro o contrário ocorre 83 quando se elevam os preços relativos dos equipamentos Evidentemente tal tendência pode ser anulada por uma elevação do nível geral de preços que permita uma redistribuição compensatória da renda Entretanto como se supõe que a taxa de salário real é constante o declínio da relação produtocapital teria que traduzirse em contração na taxa de lucros com efeitos negativos na poupança da redução da taxa de crescimento A tendência ao declínio na taxa de poupança poderia contudo ser anulada por aqueles fatores que estão atuando simultâneamente no sentido de aumentar a concentração da renda A concentração da renda ao orientar os investimentos para as indústrias com elevado coeficiente de capital tem efeitos similares ao da penetração da tecnologia poupadora de mãodeobra Sendo estável a taxa de salários a redução do insumo de mãodeobra por unidade de produto acarretará necessariamente elevação da taxa de lucro ou baixa no preço relativo do produto Entretanto se os salários são determinados basicamente por outros fatores a redução no preço relativo de um produto significa apenas que a elevação da taxa de lucro se realiza no conjunto do sistema econômico e não em benefício de uma indústria determinada Em qualquer caso ocorre uma concentração de renda o que elevará a taxa de poupança podendo neutralizar a tendência anteriormente indicada Tudo se passa por conseguinte como se o sistema econômico estivesse absorvendo uma tecnologia tendente a reduzir a produtividade do capital e a aumentar a mãodeobra Sendo assim para aumentar o produto se fazem necessários insumos crescentes de capital e decrescentes de mãodeobra donde se conclui que para uma taxa estável de crescimento do produto corresponde uma declinante de absorção de mãodeobra fora do setor précapitalista e outra ascendente de poupança mantidos inalterados os preços relativos O mais provável é que as duas tendências anteriormente referidas se apresentem em cada caso concreto com pesos diferentes Ali onde as dimensões reais e potenciais do mercado são relativamente grandes como é o caso do Brasil é perfeitamente concevível que as indústrias de bens de capital superem as dificuldades da primeira fase e venham a be 84 neficarse de certas economias de escala detendo a tendência a que fizemos referência de encarecimento relativo dos equipamentos Quiçá esteja aí a diferença básica entre a evolução do processo substitutivo no Chile e no Brasil No primeiro caso a industrialização ao alcançar aquela fase em que as limitações do mercado se traduzem em crescente ineficiência das inversões levou a uma redução na taxa de poupança e a um declínio na taxa de crescimento No segundo as dimensões mais amplas do mercado conjugadas com uma importância relativa maior do setor précapitalista criaram condições por um lado para que fôsse alcançada maior eficiência da indústria de bens de capital por outro para que o processo de concentração da renda avancasse o suficiente para produzir na plenitude as suas consequências negativas econômicas e sociais Desta forma o êxito que no Brasil teve o processo substitutivo constituiu o reverso do fato de que foi nesse país que o desenvolvimento beneficiou a uma menor parcela da população e criou as mais agudas tensões sociais Essas tensões alcançando um ponto crítico teriam que afetar adversamente o processo de crescimento Ainda que por processos diversos a industrialização substitutiva no Brasil como no Chile engendrou uma série de obstáculos que viriam a provocar o seu esgotamento como fator capaz de impulsionar o desenvolvimento Em toda a análise anterior se ignorou explicitamente o fato de que a matriz estrutural poderia ser modificada através da absorção de novas tecnologias Pretendeuse demonstrar que as alterações na composição da demanda provocadas inicialmente pelo impulso externo e em fase subseqüente geradas pela política de defesa da renda dos exportadores são suficientes para explicar as modificações na estrutura da oferta que permitiram elevar a produtividade média da mãodeobra na região As alterações nas funções de produção ocorridas encontram sua explicação na interferência de fatores exógenos ao processo econômico como seja o fato de que os equipamentos importados eram portadores de inovações tecnológicas Caberia entretanto indagar se a penetração de novas técnicas ao modificar as relações insumoproduto não operaram no sentido de anular a ação dos fatores tendentes a concentrar a renda Tendo 85 em conta que as inovações tecnológicas encontram seu principal veículo de penetração nos equipamentos é natural que sejam aqueles setores que usam mais amplamente equipamentos os que estejam em melhor posição para auferir os benefícios dessas inovações Assim à agricultura corresponde a menor probabilidade de beneficiarse e às indústrias de bens duráveis de consumo e de equipamentos a máxima Admitamos que as inovações tecnológicas sejam neutras isto é que aumentem simultâneamente a produtividade do capital e da mãodeobra Em condições de salários estáveis tanto o aumento da produtividade do capital como a da mãodeobra operam no sentido de reduzir a participação dos salários no total da renda Contudo podese admitir que a penetração de técnicas mais avançadas concentrandose no setor manufatureiro venha a causar uma baixa nos preços referentes aos produtos industriais em algo beneficiando os trabalhadores do setor précapitalista cuja remuneração está tradicionalmente fixada como uma proporção constante àquilo que produzem Essa elevação do nível de subsistência provocaria um deslocamento para cima de toda a escala de salários rurais e urbanos Contudo tendo em conta o reduzido peso das manufaturas no gasto do trabalhador do setor précapitalista o benefício que lhe toca terá que ser muito inferior ao que reverte para os grupos com um alto coeficiente de consumo de bens manufaturados particularmente duráveis Desta forma independentemente do fato de que possibilitem elevações na produtividade média as inovações tecnológicas vêm contribuindo para agravar as tendências assinaladas Em síntese tudo se passa como se a existência de um setor précapitalista de caráter semifeudal em conjugação com um setor industrial que absorve uma tecnologia caracterizada por um coeficiente de capital rapidamente crescente dessem origem a um padrão de distribuição de renda que tende a orientar a aplicação dos recursos produtivos de forma a reduzir a eficiência econômica destes e a concentrar ainda mais a renda num processo de causação circular No caso mais geral o declínio na eficiência econômica provoca diretamente a estagnação econômica Em casos particulares a crescente concentração da renda e sua contrapartida de po 86 pulação subempregada que afluí para as zonas urbanas criam tensões sociais que por si são capazes de tornar inviável o processo de crescimento Sem pretender tirar conclusões de caráter geral da análise apresentada diremos que o desenvolvimento como um processo espontâneo isto é como decorrência da atuação de certos grupos sociais empenhados em maximizar os seus benefícios materiais e a sua influência sobre os demais grupos componentes de uma comunidade nacional ocorreu na América Latina a partir da segunda metade do século passado sem exigir ou provocar mudanças fundamentais na estrutura social Esse processo entretanto se bem ainda possa perdurar em certas áreas por bastante tempo na região como um todo apresenta evidentes sinais de exaustão Por suas características particulares o desenvolvimento latinoamericano tanto em sua fase de crescimento das exportações como na de industrialização constitui um processo histórico distinto do que se admite ser o modelo clássico do desenvolvimento capitalista no qual as inovações tecnológicas desempenham papel fundamental A menos que se avance muito mais na identificação dos tipos básicos de economia capitalista toda tentativa de generalização teórica visando a interpretar os problemas atuais da economia latinoamericana com base na evidência histórica das economias capitalistas avançadas será de reduzida eficácia Nada autoriza a ver no desenvolvimentolatinoamericano uma fase de transição para estruturas capitalistas do tipo que hoje conhecemos na Europa Ocidental e na América do Norte pois existe ampla evidência empírica de que a industrialização substitutiva vem agravando o dualismo do mercado de trabalho ampliandose o hiato entre o setor moderno e a economia précapitalista sem que se vislumbre qualquer perspectiva de redução da importância desta última como fonte de ocupação No setor urbano a agravacão do mesmo dualismo se manifesta através do rápido crescimento de populações subempregadas Nos modelos teóricos que se utilizam correntemente como base para formulação de políticas de desenvolvimento admitese implicitamente que o sistema econômico está inte 87 grado por um conjunto de relações estruturais cuja relativa estabilidade decorre da existência de um marco institucional e de que os homens e os grupos sociais no seu esforço visando a maximizar a sua renda apóiamse na própria experiência preferindo caminhos já percorridos o que torna possível prever estatisticamente esse comportamento Por outro lado admitese que uma constante do comportamento social de indivíduos e grupos de indivíduos é a propensão no sentido de aumentar a participação na renda seja reduzindo a quota de outros seja provocando o aumento da renda global mediante a introdução de inovações técnicas nos processos produtivos Também está implícito nesse tipo de modelo teórico que se se mantém um nível adequado de emprego existe compatibilidade ou mesmo uma relação causal necessária entre o comportamento estatisticamente mais provável de cada grupo e a maximização do bemestar social na medida em que este último conceito possa ser definido em término de variáveis macroeconômicas Uma série de sinalizadores políticos que registram as tensões estruturais mais significativas permitem que se introduzam oportunamente no marco institucional correções capazes de assegurar a referida compatibilidade Contrariamente a esse modelo o marco institucional que prevalece na América Latina cria padrões de distribuição de renda responsáveis por formas de comportamento incompatíveis com a utilização mais racional dos recursos disponíveis em função da maximização do produto global num horizonte de tempo defenido Existe um conflito entre interesses de grupos que controlam o processo de formação de capital e os da coletividade como um todo sempre que se admita que esta ultima aspira a maximizar as possibilidades de bemestar social Como os referidos grupos econômicos também ocupam todas as posições estratégicas no sistema de poder não é de admirar que os sinalizadores políticos se mostrem inadequados para registrar as tensões estruturais e que os órgãos de decisão politica careçam da necessária funcionalidade para promover oportunamente a remoção dos obstáculos ao desenvolvimento O cerne do problema não está no comportamento dos agentes que tomam decisões econômicas os quais podem muito bem pautarse por estritos critérios de racionalidade tanto em função dos meios que utilizam como dos seus legítimos objetivos está 88 nas relações estruturais que delimitam o campo dentro do qual as decisões relevantes são tomadas É neste sentido que se pode atribuir ao problema da estagnação latinoamericana um caráter estrutural Sendo assim cabe indagar se uma política capaz de deter a tendência a longo prazo para a estagnação não terá que assumir a forma de ação consciente e deliberada visando a criar relações estruturais e a condicionar formas de comportamento capazes de engendrar um processo social do qual o desenvolvimento econômico seja componente necessário 1 O enfoque estruturalista dos problemas do desenvolvimento que se vem generalizando entre os economistas latinoamericanos surgiu inicialmente em conexão com os estudos teóricos visando a identificar as causas primárias dos desequilíbrios inflacionários as quais decorrem via de regra de rigidez estrutural da oferta inerente ao subdesenvolvimento distinguindoas dos mecanismos de propagação desses desequilíbrios As tentativas correntes de controle da inflação atuando apenas sobre os mecanismos propagatórios inspiradas na teoria monetarista constituem o exemplo clássico de esforço estéril no sentido de modificar o comportamento dos agentes econômicos sem que sejam alterados os parâmetros estruturais que condicionam esse comportamento Como os critérios de racionalidade da política monetarista são estabelecidos no plano macro sem que se possam prever adequadamente ou controlar oportunamente suas repercussões no plano micro é comum que os agentes econômicos sejam induzidos a atitudes irracionais do ponto de vista de seus objetivos legítimos por essa política A consecução dos objetivos de uma política econômica definidos estes em términos de maximização do bemestar social não podem ser alcançados induzindo os agentes econômicos a abandonar os seus próprios critérios de racionalidade pois estes são indispensáveis em um sistema de decisões econômicas descentralizado A compatibilização entre o racional nos planos macro e micro somente poderá ser conseguida através de modificações nas próprias relações estruturais que condicionam o sentido e a direção do comportamento dos agentes econômicos particularmente daqueles que tomam decisões estratégicas Sobre a teoria estruturalista da inflação consultemse como trabalhos básicos Juan Noyola Vásquez El desarrollo económico y la inflación en México y en otros países latinoamericanos Investigación Económica México Cuarto Trimestre 1956 e Osvaldo Sunkel La inflación chilena un enfoque heterodoxo El Trimestre Económico México Vol XXV nº 4 1958 89
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Texto de pré-visualização
Celso Furtado SUBDESENVOLVIMENTO E ESTAGNAÇÃO NA AMÉRICA LATINA 3a edição UNIFAL MG BSV 000000219142 Subdesenvolvimento e os civilização brasileira Capítulo 3 Fatôres Estruturais Internos que Impedem o Desenvolvimento Os economistas latinoamericanos vêm dedicando uma crescente atenção no correr dos últimos anos a dois problemas considerados de importância fundamental para a região O primeiro diz respeito à tendência à elevação persistente do nivel geral de preços observada principalmente nos paises em que o desenvolvimento se vem fazendo ou vem sendo tentado em condições de declinio no coeficiente de importações O segundo concerne à redução da taxa de crescimento da renda real per habitante redução particularmente notória nos países que alcançaram uma diversificação maior de suas estruturas econômicas1 O presente estudo visa a projetar alguma luz sobre certas peculiaridades das estruturas sócioeconômicas que constituíram o marco do processo de crescimento dos países latinoamericanos nos últimos decênios Os pressupostos estruturais que servem de parâmetros à análise econômica são in 1 A taxa anual acumulada de crescimento da renda real per capita da América Latina em seu conjunto se comportou como segue a partir de 1950 19501955 22 por cento 19551960 14 por cento 19601963 04 por cento Vejase CEPAL Estudio Econômico de América Latina 1963 Vol I pág 3 51 feridos da observação das realidades históricas constituídas pelas economias nacionais se bem que nem sempre sejam feitas referências a casos concretos Operase com base em uma tipologia das economias regionais que se vai tornando explícita com o próprio correr da análise A interdependência entre o processo de crescimento e a elevação do nível geral de preços surge claramente como simples subproduto da análise cujo objetivo básico é determinar a origem das forças que operam no sentido de reduzir a taxa de crescimento Aparentemente essas forças estão ligadas às peculiaridades das estruturas sócioeconômicas a que antes se fez referência o que indicaria a possibilidade de uma generalização do enfoque estruturalista predominante no pensamento econômico latinoamericano contemporâneo no sentido de abarcar em uma só explicação teórica o tipo de crescimento que vem ocorrendo na região a persistente elevação do nível geral de preços e a tendência à estagnação O estudo do desenvolvimento econômico da América Latina toma como ponto de partida de maneira geral a integração das economias nacionais da região nos mercados mundiais integração essa ocorrida na quase totalidade dos casos na segunda metade do século passado As características da realidade social e política latinoamericana são ignoradas limitandose o estudo a uma análise dos fatores econômicos pertinentes principalmente àqueles relacionados com o comércio exterior e as finanças públicas Ocorre entretanto que se bem as variáveis econômicas possam ser definidas com base em conceitos derivados de princípios gerais de economia o comportamento dessas variáveis está condicionado por parâmetros institucionais cujo conhecimento exige um estudo específico da realidade social No caso latinoamericano essa realidade social apresenta peculiaridades cujo conhecimento se requer para a compreensão do comportamento do sistema econômico Em sua apresentação esquemática formulada a um elevado grau de generalidade cabe indicar que a organização social que veio a prevalecer na América Latina como resultado da colonização hispânica apresentava duas características sobressalentes a existência de um setor urbano através do qual se exercia o poder o qual na fase colonial 52 tinha seus centros de decisão superiores nas respectivas metrópoles européias e b adjudicação dos fatores de produção terra e mãodeobra indígena onde esta existia a uma classe de senhores ligados ao poder central por vínculos de lealdade pessoal O processo de colonização se traduzia na criação de uma cadeia de núcleos urbanos de dimensões e significação variáveis os quais constituíam a estrutura básica do poder político e da organização administrativa Ao lado dessa rígida estrutura administrativa responsável pela defesa dos interesses da Metrópole formavase um sistema econômico altamente descentralizado sob a direção de uma classe de senhores com prerrogativas semifeudais Naquelas regiões em que o controle da Metrópole resultou ser menos estrito desenvolveramse atividades comerciais à base de contrabando as quais abriram caminho para a formação de um grupo social urbano com certo poder econômico Fenômeno similar ocorreu ali onde uma atividade altamente lucrativa pôde ser exercida fora do controle da classe de proprietários da terra como no caso da mineração aluvial do ouro no Brasil O que importa assinalar é que as atividades lucrativas exercidas fora do controle dos senhores da terra estavam vinculadas aos núcleos urbanos e eram dirigidas por homens cuja lealdade ao poder metropolitano era muito menos estrita Desta forma através do processo de colonização foise formando uma classe dirigente constituída por dois grupos com interesses distintos mas não necessariamente conflitantes De um lado estava o grupo de senhores da terra com amplos poderes sobre os núcleos de população que habitavam em seus domínios do outro estavam aqueles elementos cuja riqueza derivava do comércio e de outras atividades de caráter principalmente urbano A permanente confrontação de conservadores e liberais que se prolonga durante todo o primeiro século da independência política traduz de alguma forma essa dicotomia de atitudes da classe dirigente formada no período colonial O conflito entre as duas facções da classe dirigente assume maior significação desde o início da vida política independente em razão de certas características do rígido sistema de poder estruturado pela Metrópole Sendo um ins 53 trumento de dominação do poder metropolitano exercido à distância sobre uma sociedade em que prevaleciam certas formas de descentralização semifeudais o estado se configurou na época colonial como uma forte burocracia a qual veio a constituir um dos elementos essenciais da estrutura socialurbana Como intermediária na obtenção de prebendas adjudicadas pelo poder metropolitano e mais tarde como criadora ela mesma dessas prebendas a estrutura politicoburocrática possuía um forte ascendente dentro da sociedade razão pela qual o seu controle era arduamente disputado pelas facções da classe dirigente Com o tempo o próprio desenvolvimento da estrutura burocrática daria origem a um novo segmento social de classe média o qual em razão da penetração que possui dentro do aparelho do estado veio a transformarse em elemento essencial constitutivo do sistema de poder A rápida integração das economias latinoamericanas nas correntes do comércio internacional ocorrida na segunda metade do século passado devese em boa medida à existência desse segmento liberal nas classes dirigentes da região Não resta dúvida que o fator básico desse processo de integração econômica deve ser buscado no próprio dinamismo das economias capitalistas avançadas da época Tratavase em última instância de um deslocamento da fronteira econômica européia Contudo a rápida resposta latinoamericana somente se explica tendo em conta a dicotomia interna que existia na classe dirigente da região O grupo liberal principalmente constituído de elementos urbanos estava aberto às influências externas Enquanto o grupo de senhores da terra conseguia expandir o seu poder através de um processo de crescimento vegetativo ocupando novas terras e coletando recursos da população que nelas se ia instalando a burguesia urbana dependia essencialmente das relações econômicas exteriores para sobreviver Cabialhe a dupla função de descobrir novas linhas de comércio e de atuar sobre o interior com meios financeiros e outros para induzir à produção daquilo que tinha viabilidade de comercialização Em alguns casos tratavase de introduzir culturas exóticas na região ou de correr riscos na fase inicial o que somente podia ser feito por elementos com um conhe 54 cimento direto das possibilidades que ofereciam os mercados externos Esses elementos urbanos foram em realidade os schumpeterianos do desenvolvimento hacia afuera da América Latina Para explicar a influência que alcançou esse grupo liberal em uma sociedade fundamentalmente agrária de tipo semifeudal é necessário ter em conta as características da organização política dessa sociedade na qual o aparelho burocrático organizado pelo estado passou desde cedo a desempenhar um papel relativamente autônomo Sob a influência dos grupos liberais aos quais se incorporavam muitos dos elementos mais dinâmicos do setor agrário o Estado desempenhou um importante papel na fase de transição da sociedade semiisolada de características feudais para uma crescente integração com a economia capitalista européia em rápida expansão Um exemplo típico dessa ação estatal foi o financiamento pelo governo brasileiro da grande imigração européia que tornou possível o desenvolvimento da cultura do café no último quartel do século passado Em síntese a extraordinária rapidez do processo de desenvolvimento hacia afuera encontra sua explicação do lado latinoamericano tendose em conta a ação convergente dos seguintes fatores a disponibilidade de fatores num sistema econômico de tipo précapitalista b existência de um segmento da classe dirigente com motivação schumpeteriana isto é orientado para a criação de novas linhas de exportação e produção como forma de defender ou aumentar o seu prestígio e influência e c existência de uma organização política suficientemente articulada para servir de instrumento ao grupo dirigente em seu esforço visando a eliminação dos principais obstáculos antepostos pela estrutura social semifeudal ao processo de integração na economia internacional em rápido desenvolvimento O sistema sócioeconômico que se formou na América Latina durante o período colonial e que prevalecia na região pela metade do século passado apresentava certas características que devem ser tidas em conta se pretendemos explicar as fases subsequentes de crescimento A ocupação territorial conforme já observamos fezse em geral a partir 55 da instalação de pequenos núcleos urbanos os quais constituíam uma projeção do poder metropolitano A cadeia daqueles núcleos constituía o sistema de defesa do território contra as frequentes incursões de inimigos externos e internos Também deles é que saíam os indivíduos autorizados a buscar metais preciosos ou outras riquezas que se supunham existir nas novas terras inclusive a mãodeobra indígena tão necessitada em certas áreas Entretanto ali onde houve o propósito de iniciar uma agricultura capaz de criar excedentes as unidades agrícolas de distintas denominações assumiram uma grande importância desde o início como centros econômicos e sociais em prejuízo dos núcleos urbanos Dada a inexistência de qualquer infraestrutura a unidade agrícola deveria conter em si mesma todo um sistema econômico de produção e comercialização ligandose diretamente a algum centro urbano principal As dimensões de uma tal unidade agrícola teriam portanto que ser consideráveis o que explica que a adjudicação de terras tenha sido limitada a pessoas que dispunham de recursos para organizar uma grande empresa agrícola capaz de prescindir de quaisquer economias externas O ponto de partida da economia agrícola latinoamericana foi portanto a grande empresa com vistas à criação de um excedente que se exportava no caso de alguns produtos tropicais ou que se destinava às zonas mineiras ou aos núcleos urbanos As transformações por que passa esse tipo de organização econômica devem ser tidas em conta se pretendemos compreender o tipo de estrutura social que veio a prevalecer na região Ali onde o impulso dinâmico inicial surgira da mineração é natural que com a decadência desta tendessem a desaparecer os mercados que anteriormente absorviam os excedentes agrícolas No caso das linhas de exportação ocasionalmente surgiam áreas produtoras concorrentes geograficamente melhor situadas ou politicamente mais bem protegidas Assim a economia açucareira do Nordeste brasileiro sofreu já no século XVII a forte concorrência dos produtores situados nas Antilhas inglesas e francesas mais próximos da Europa e protegidos nos seus grandes mercados metropolitanos Ainda outras vezes surgiam obstáculos à comercialização dos produtos nos mercados tra 56 dicionais como decorrência de guerras em que se empenhava a Metrópole Desta forma circunstâncias várias contribuíram para reduzir a importância relativa do excedente comercializado fora da unidade agrícola a qual ia perdendo as suas características de empresa para transformarse mais e mais em um sistema de organização social com características semifeudais Assim a plantação densamente capitalizada em que a mãodeobra escrava ou semiescrava era intensamente utilizada e trabalhava organizada em equipes tendEu a ser substituída por sistemas mistos de organização agrícola nos quais cabia a cada trabalhador a responsabilidade de produzir os seus próprios alimentos Ali onde essas transformações se cumpriram totalmente a unidade agrícola fragmentouse tanto que sistema de organização da produção dando lugar a uma multiplicidade de unidades de dimensões familiares substituindo a fazenda como uma superestrutura coletora da renda da terra e centralizadora das atividades comerciais Para compreender o tipo de organização económicosocial que se formou na América Latina é necessário ter em conta que se bem a colonização se processou em condições de oferta ilimitada de terras todas aquelas terras que podiam ser utilizadas para criação de um excedente econômico eram automaticamente transformadas em propriedade privada de uma pequena minoria Assim a abundância de terras assegurava meios de subsistência à população cujo crescimento vegetativo não encontrava limites por esse lado Contudo todo aquêle que trabalhava a terra deveria em princípio pagar um tributo a um membro da classe de proprietários de terras Quando as possibilidades de comercialização de algum excedente eram limitadas o pagamento do tributo assumia outras formas tais como prestação de serviços domésticos ajuda na guarda das propriedades obras de melhoria construções etc A economia agrícola précapitalista que prevaleceu na América Latina assumiu as formas mais variadas compreendendo desde a comunidade indígena semifechada com propriedade coletiva da terra até as grandes fazendas em que a propriedade privada da terra constitui a base de um sistema de organização social que capacita aquêles que têm o 57 controle da terra para apropriarse de mais de metade da produção dos que trabalham essa terra Do ponto de vista econômico o que caracteriza esse tipo de unidade produtiva é que ela não está organizada com base nos critérios de racionalidade específicos da empresa criada para produzir e maximizar lucros Demais se deixamos de lado as comunidades indígenas semifechadas simples resíduos de sistemas de cultura anteriores à penetração européia comprovamos que a característica comum da economia précapitalista regional é o controle do fator básico de produção a terra por uma pequena minoria vinculada aos centros do poder político Em princípio a oferta de terra podia ser considerada como ilimitada e a partir de certa distância dos centros de comercialização a terra também podia ser considerada como um bem livre Contudo o homem que trabalhava a terra ali onde esta era um bem livre por definição estava incapacitado para criar um excedente comerciável pois não se beneficiava de quaisquer economias externas Entretanto a própria subsistência do trabalhador agrícola dependia de que ele pudesse comercializar parte de sua produção a fim de capacitarse para obter no mercado sal combustível e outros bens imprescindíveis dentro de seu padrão de cultura Explicase assim que esse trabalhador preferisse fixarse em terras que se beneficiassem de economias externas ainda que isso o obrigasse a dividir com o proprietário dessas terras a sua produção No sistema econômico que vimos de esquematizar do ponto de vista do fazendeiro ou dos fazendeiros considerados em conjunto a terra constitui sempre um fator de oferta ilimitada cujo grau de utilização depende da disponibilidade de mãodeobra Como o excedente criado por uma família permite em geral manter a uma outra sempre que a oferta de mãodeobra esteja aumentando tornase fácil abrir novas terras preparar pastagens implantar novos cultivos preparar caminhos de acesso etc As fazendas das regiões de economia précapitalista estão permanentemente com escassez de mãodeobra Com efeito cada família nova que se incorpora deve traduzirse em um incremento do excedente global que reverte em benefício do proprietário da terra Como cabe a cada família cuidar de sua própia sub sistência a admissão de novas famílias nas terras de uma fazenda não envolve qualquer aumento de custos para a administração desta Por outro lado mesmo que o novo agricultor venha a produzir um excedente bem inferior à média preexistente a sua incorporação constitui uma vantagem para o proprietário Desta forma a organização de uma economia précapitalista em condições de oferta ilimitada de terra sendo a terra propriedade de uma pequena minoria transforma a mãodeobra em um fator escasso sem que isso contribua para elevar os salários reais acima do nível de subsistência Observado o problema de outro ângulo o controle da terra por uma pequena minoria em condições de economia précapitalista capacita essa minoria para coletar um tributo de todo aquele que trabalha terras beneficiadas por economias externas Considerado o mesmo problema do ponto de vista de suas conseqüências sociais comprovase que uma tal organização econômica engendra um sistema de distribuição da renda pelo qual uma fração substancial dessa renda de 50 a 60 por cento se concentra em mãos de uma minoria que dificilmente alcança 5 por cento da população Houve casos na América Latina em que como resultado de uma ruptura no sistema político provocada por fatores exógenos eliminouse bruscamente a propriedade da terra Um bom exemplo é dado pela liquidação das missões jesuíticas proprietárias de grandes extensões de terras particularmente no Paraguai Em decorrência desse cataclisma político as terras antes propriedade da Ordem passaram ao controle daqueles que tinham sua posse desaparecendo a renda como instrumento de captação de um excedente econômico A terra passou assim a ser um bem livre A eliminação da renda da terra nas condições acima descritas tem como conseqüência o fortalecimento da posição dos intermediários capacitados para comercializar a parte da produção que o agricultor não consome diretamente O excedente tende desta forma a deslocarse de mãos da antiga classe proprietária para o domínio da classe comerciante Contudo o agricultor ganha uma capacidade de manobra que pode determinar importantes modificações no sistema de organização da produção e na forma de distribuição da renda Ao passo que em suas relações com proprietário da terra não lhe ficava alter nativa fora de entregar parte substancial do que produzia agora ele poderá optar pela redução da parte comercializável de sua produção agrícola produzindo mais para autoconsumo dedicandose a atividades artesanais nãoagricolas melhorando a sua moradia etc Para defenderse da manipulação de preços por parte dos intermediários tratará ele de diversificar a produção para consumo próprio independentizandose o mais possível do mercado Para o conjunto da economia o resultado terá que ser um declínio relativo da atividade comercializável e um retrocesso nos padrões de divisão social do trabalho Entretanto isso não impedirá que se eleve o nível de vida da população trabalhadora rural em face de modificações substanciais no sistema de distribuição da renda Com efeito é fato de observação corrente que em certas áreas agrícolas da América Latina em que é pequeno o grau de comercialização da produção como é o caso das regiões de antiga colonização no Paraguai o nível de vida da população é relativamente alto Consideremos agora uma situação similar à anteriormente descrita isto é de eliminação da classe de proprietários de terra como decorrência de um cataclisma político mas em fase subseqüente após um longo período de crescimento da população A evolução do Haiti exemplifica até certo ponto esse caso A pressão demográfica sobre a terra transformada em fator escasso obrigará os agricultores a buscar linhas de produção que possibilitem uma utilização mais econômica dos solos Sem esse esforço de especialização os padrões de vida da população teriam que descer a níveis capazes de frear o crescimento dessa população A única alternativa a um equilíbrio malthusiano desse tipo excluída que está a possibilidade de modificações tecnológicas engendradas endogenamente é a integração numa economia de mercado o que permite à classe de intermediários recuperar ou aumentar a sua influência Em tais condições a classe comerciante tenderá a assumir papel idêntico no sistema econômico e social ao anteriormente desempenhado pelo grupo de proprietários da terra Até meados do século passado a base das economias latinoamericanas esteve constituída de forma predominante por sistemas de tipo précapitalista com as características gerais que vimos de esboçar A abundância de terras permitia o crescimento regular da população Não existe entretanto qualquer indicação de que a produtividade do trabalho se elevasse de forma persistente em nenhuma região A revolução tecnológica nos meios de transporte marítimo a penetração das manufaturas inglesas que iam modificando os padrões de consumo de certos segmentos da população as novas possibilidades criadas nos mercados europeus na fase mais avançada do desenvolvimento capitalista em que os padrões de vida das massas começavam a elevarse assim como o exemplo do rápido desenvolvimento dos Estados Unidos esses e outros fatores fizeram surgir uma atitude progressista principalmente naquelas regiões em que as classes urbanas possuíam maior expressão social Em alguns países essa atitude progressista levou os governos a tomar a iniciativa da promoção de importantes investimentos infraestruturais financiandoos com empréstimos externos ou ainda a cobrir todos os gastos do traslado de grandes massas de imigrantes europeus atraídos para a região Esses grupos populacionais europeus tenderam a concentrarse geograficamente e contribuíram para intensificar o processo de urbanização Conforme já assinalamos a rapidez do processo de integração das economias latinoamericanas nos mercados mundiais a partir da segunda metade do século passado encontra sua explicação na convergência de fatores exógenos e endógenos No caso da indústria mineira os fatores exógenos tiveram sem lugar a dúvida importância predominante Outras vezes a ação exógena surgia em fase mais avançada ligada à exportação de capital financeiro ou equipamentos à introdução de novas técnicas e à criação de economias externas através da instalação de portos estradas de ferro ou serviços públicos urbanos Todas essas transformações ocorreram entretanto ao impulso do crescimento das exportações e a característica fundamental destas estava em que elas se apoiavam em um novo sistema de organização da produção o qual passou a coexistir em cada país com a economia précapitalista No caso dos países exportadores de minérios o dualismo dos sistemas econômicos era particular 61 mente óbvio pois a economia de exportação estava em geral geograficamente isolada Nos países exportadores de produtos agrícolas o dualismo era menos visível mas nem por isso menos real pelo menos na fase inicial No Brasil a produção de café de cacau de borracha e dos demais produtos de exportação com a só exceção do açúcar foi organizada em terras anteriormente não utilizadas exigindo importantes deslocamentos de população É necessário ter em conta as características da economia précapitalista que prevalecia na região para compreender por que a nova economia de exportação teve que organizarse à margem da estrutura econômica tradicional A fazenda conforme observamos se transformara progressivamente numa instituição básica da estrutura social e política e desempenhava cada vez menos funções de caráter predominantemente econômico Cabialhe principalmente a função de extrair um excedente da população trabalhadora agrícola de organizar a segurança e de criar algumas economias externas Dentro da estrutura social e política representada pela fazenda o trabalhador isolado utilizando mãodeobra familiar se configurava mais e mais como a unidade básica de produção Em tais circunstâncias é natural que a classe de proprietários da terra se distanciasse de tarefas diretamente ligadas ao processo produtivo para preocuparse com outros tipos de atividades de caráter social e político A atitude empresarial que possibilitou o rápido desenvolvimento das linhas de exportação teve origem entre os grupos comerciantes que operavam dos centros urbanos Ai é que surgiam os indivíduos que descobriam novos horizontes econômicos seja testando a capacidade de absorção de mercados externos seja induzindo grupos de agricultores a cultivar um produto com perspectivas favoráveis nos mercados exteriores Uma vez feita a descoberta era natural que se multiplicassem as iniciativas dando início a um período de especulação sobre terras favoravelmente situadas e capazes de apresentar altos rendimentos agrícolas O deslocamento de populações atraídas pelos salários mais altos e pela miragem de um fácil enriquecimento que a fortuna de uns poucos transformava em legenda ocorria espontâneamente O deslocamento da fronteira do café no norte do Paraná brasileiro 62 constituiu exemplo recente desse processo de rápida criação de uma nova agricultura sob o estímulo dinâmico da demanda externa A agricultura de exportação organizada em empresas de tipo capitalista tendeu a concentrarse em certas áreas de acordo com os produtos em que se especializava o que facilitou a construção da infraestrutura requerida para sua expansão e ligação aos mercados externos A absorção de mãodeobra suposta uma demanda externa totalmente elástica a dado nível de preços passava a ser determinada pela disponibilidade de terras de adequada localização e qualidade pela produtividade física dessa mãodeobra e pela taxa de salário real a qual devia ser mais alta do que a remuneração que o trabalhador obtinha na agricultura tradicional Ao fixar uma taxa de salário superior à remuneração que obtinha o trabalhador na agricultura précapitalista o setor exportador se assegurava uma oferta totalmente elástica de mãodeobra Com efeito a velha agricultura funcionava como um reservatório de mãodeobra enquanto não se esgotasse esse reservatório o setor exportador gozaria de oferta ilimitada do fator trabalho a um nível de salário basicamente definido pelas condições de vida que prevaleciam nas fazendas semifeudais No caso de um país em que o nível de vida no âmbito da economia précapitalista é relativamente elevado como ocorre ali onde as terras são de boa qualidade e o trabalhador não paga renda caso do Paraguai o desenvolvimento de uma agricultura de exportação enfrentou sérios obstáculos O caso da expansão cafeeira no Brasil constitui exemplo típico de combinação de uma grande abundância de terras de boa qualidade e bem localizadas com uma oferta ilimitada de mãodeobra a um nível relativamente baixo de salários O limite à expansão da produção foi a saturação dos mercados internacionais Ainda que sem as características dramáticas que as dimensões emprestam ao caso do café no Brasil de maneira geral a experiência latinoamericana na fase clássica de expansão das exportações seguiu as mesmas linhas básicas A terra surge sempre como um fator abundante e a oferta de mãodeobra apresenta uma elevada elasticidade a um nível de salário relativamente baixo O equi 63 librio entre oferta e demanda vai sendo encontrado através de uma sequência de crises de superprodução o que explica em parte a tendência à deterioração dos termos de intercâmbio que se observa a longo prazo O rápido desenvolvimento da agricultura de exportação latinoamericana na fase aqui considerada pode ser melhor compreendido se se considera mais detidamente o processo de formação de capital dentro dessa agricultura Definindose investimento em um sentido limitado como sendo formação de capital através da aplicação de recursos gerados em período produtivo anterior o desenvolvimento da nova agricultura se fazia com base em investimentos relativamente escassos Tais investimentos se destinavam à abertura de estradas de acesso à compra dos equipamentos manuais utilizados pelos agricultores e a limitados adiantamentos requeridos pela nova mãodeobra que se ia incorporando às tarefas agrícolas A parte principal da remuneração da mãodeobra aplicada diretamente no aumento da capacidade produtiva da agricultura era atendida com a produção de alimentos obtida nas terras que iam sendo incorporadas à nova agricultura O caso das culturas permanentes prestase melhor à análise deste processo razão pela qual o tomaremos como exemplo Neste caso a formação de capital equivale à acumulação da renda imputada ao fator terra renda essa que inexistiria caso a agricultura não se estivesse expandindo Destarte a própria expansão da agricultura cria os recursos que alimentam o processo de investimento Explicase assim que num período de cinco a seis anos no decênio dos cinqüenta a produção brasileira de café tenha dobrado sem que isso haja representado qualquer pressão maior sobre os recursos ou qualquer desvio de investimentos de outros setores Este conceito mais amplo de investimento incluindo o trabalho incorporado através da expansão agrícola será considerado mais em detalhe subsequentemente Tentaremos quantificar as relações anteriormente referidas concernentes ao processo de formação de capital tomando como base uma economia agrícola de exportação do tipo da brasileira na sua fase áurea de expansão do café cacau ou outra cultura permanente Em tal caso podese admitir que cerca de 90 do capital reprodutível investido direta 64 mente na expansão das culturas destinadas à exportação constitui trabalho acumulado trabalho esse pago com parte da produção agrícola obtida da mesma terra durante o período de gestação da cultura permanente A essa parte do investimento denominaremos Δk Os restantes 10 do investimento que requerem cobertura de poupança gerada em período produtivo anterior denominadores de ΔK adicional ao estoque de capital K Admitiremos que a relação produtocapital reprodutível Pk K é de 04 inferese portanto que a relação PK é dez vezes maior ou seja 4 Consideremos mais detidamente o processo de geração de k que sabemos representar o trabalho incorporado por meio de formação das novas plantações e que corresponde aproximadamente ao valor da renda da terra durante esse período Tudo se passa como se o trabalhador dedicasse uma parte do seu tempo digamos metade das horas de trabalho a implantar a cultura permanente e a outra metade a cuidar de cultivos anuais para si mesmo o que não significa que estes últimos se destinem com exclusividade a autoconsumo Para clareza de exposição convém considerar a instalação de novas plantações como um setor produtivo independente isto é um setor orientado para a geração de capacidade produtiva Contudo devese ter sempre em conta que essa produção de capacidade produtiva agrícola exportadora fazse concomitantemente com uma expansão da produção agrícola corrente destinada a cobrir a remuneração da mãodeobra adicional requerida para expandir o setor exportador Admitiremos por último que a mãodeobra empregada na produção de k requer a mesma quantidade de K e obtém a mesma remuneração que os trabalhadores diretamente empregados na produção agrícola exportadora As definições e relações que vimos de apresentar nos permitem dividir as atividades agrícolas em três setores correspondendo à cada um uma função de produção própria Um primeiro setor P1 está constituído pela agricultura précapi Com efeito k 09 K K 01 K k K K P P Quando 04 4 65 talista um segundo P2 corresponde àquelas atividades diretamente produzindo para a exportação e um terceiro setor P3 está formado pelas atividades responsáveis pela expansão da capacidade de P2 isto é pela produção de k Cabe admitir que a produtividade da mãodeobra é substancialmente maior em P2 e P3 do que em P1 bem como a remuneração do trabalhador Contudo se bem que a remuneração do trabalhador seja menor em P1 dada a baixa produtividade da economia précapitalista é de admitir que a parcela da produção requerida para remunerar o trabalhador seja menor em P2 e P3 Com efeito no setor exportador dificilmente a remuneração do trabalhador chega a absorver 50 do seu produto sendo algumas vezes menos de uma terça parte ao passo que no setor précapitalista a remuneração do trabalhador de uma maneira geral alcança ou supera metade de sua produção Desta forma se consideramos o conjunto da agricultura na fase de expansão das exportações comprovamos que a elevação de produtividade do trabalho e a elevação da remuneração média do trabalhador ocorrem paralelamente com uma redução da participação do trabalho na renda global gerada na agricultura ou seja com uma maior concentração da renda nas mãos da classe proprietáriacapitalista Se considerarmos esta última classe por separado veremos que o grupo de empresárioscapitalistas estará aumentando sua participação em prejuízo da do grupo de fazendeirosfeudais A expansão da capacidade produtiva de P2 pressupõe aumento prévio de atividade produtiva em P3 que se comporta como um setor produtor de equipamentos portanto submetido a um mecanismo de aceleração toda vez que se expande a demanda dos bens produzidos com os referidos equipamentos Desta forma se a demanda de café cacau ou outro produto semelhante aumenta o setor P3 dedicado à instalação de novas plantações tende a absorver uma grande quantidade de mãodeobra retirandoa do setor précapitalista A absorção dessa mãodeobra requer uma certa mobilização de poupança gerada em período produtivo anterior ΔK a qual conforme indicamos admitese seja igual por trabalhador à requerida para ocupar uma pessoa em P2 Como cabe admitir que a produtividade da mãodeobra seja da mesma magnitude em P2 e P3 a relação PK é também 66 idêntica nos dois setores com a diferença de que no setor P2 K deve receber uma importante complementação de k ao passo que em P3 os insumos se limitam a mãodeobra L e a K As três funções de produção podem ser expressadas como segue Produção P1 P2 P3 Insumos L L1 L2 L3 K 0 b b k 0 b 0 k2 b quantidade de capital necessário por unidade de produção do setor j ij quantidade de trabalho necessário por unidade de produção do setor j A participação de P3 no total da produção agrícola tenderá a aumentar sempre que a taxa de crescimento das exportações estiver crescendo Por outro lado sempre que aumente a importância relativa de P3 no total da produção agrícola aumentará a taxa de investimento no conjunto do setor agrícola ao mesmo tempo em que se eleva a relação produtocapital A ação convergente desses dois fatores causará uma elevação da taxa de crescimento Chamemos de ΔK ao investimento total sendo Δk 09K e ΔK 01K conforme as definições dadas anteriormente Como a produtividade do fator trabalho é a mesma em P2 e P3 sendo também a mesma nos dois setores produtivos a relação LK inferese que a relação produtocapital PK em P3 é dez vezes maior que em B Como P2 e P3 devem ser conside Com efeito no setor P2 K2 k2 K2 sendo Κ 01 Κ Ao passo que no setor P3 K3 K3 P2 P3 L2 L3 P2 P3 Como L2 L3 e K2 K3 K2 K3 P2 P3 P2 P3 Deduzse que 01 Κ K3 ou seja 10 K3 rados conjuntamente como dois subsetores da agricultura capitalista que se interpenetram deduzse que a relação produtocapital tenderá a ser tanto maior nessa agricultura quanto mais elevada for a sua taxa de crescimento Por outro lado sempre que façamos investimento e poupança iguais expost cabe deduzir que o aumento da participação de P3 na produção total implica numa elevação da taxa de poupança pois ao crescer relativamente P3 a produção de k aumenta necessariamente com a mesma intensidade Como k não pode ser consumido ou exportado devendo necessariamente incorporarse à capacidade produtiva interese que seu crescimento relativo significa ceteris paribus um aumento da taxa de poupança expost Se o crescimento relativo de P3 traz consigo uma elevação da taxa de poupança concluise que esta é função da orientação na aplicação dos recursos Destarte não apenas o nível da demanda mas também a composição que apresenta essa demanda constitui fator básico na determinação da taxa de poupança e do ritmo de crescimento Se o comportamento da demanda induz a transferir gente de P1 para P3 ocorre não somente uma elevação da produtividade do fator trabalho mas também uma elevação da taxa de poupança o que permite uma aceleração do crescimento com mínima pressão inflacionária Tais condições sómente se configuram quando o incremento anual de P2 está crescendo em termos absolutos o que exige uma taxa de incremento estável ou crescente de exportações e são incompatíveis com exportações crescentes mas a uma taxa declinante Contudo se as exportações estão crescendo mesmo a uma taxa proporcionalmente declinante a produção em P3 poderá continuar a crescer por algum tempo Isto significa que um certo volume de mãodeobra se bem que decrescente está sendo transferido de Pi para P2 o que acarreta aumento da produtividade média do trabalho e da remuneração do trabalhador mas não elevação da taxa de crescimento da produção total Se a taxa de crescimento de P2 continuar declinando será alcançado um ponto em que o setor P3 começará a reduzirse Persistindo a tendência na mesma direção se alcançará um segundo ponto em que a absorção de nova gente em P2 será inferior ao desemprego criado em P3 o que significa que P1 deverá receber 68 gente de retorno No primeiro ponto quando P3 começa a declinar tem início a contração da taxa de poupança no segundo que assinala o começo do retorno de mãodeobra para P1 tem início o declínio na produtividade média do fator trabalho Essa queda de produtividade terá consequências secundárias nas zonas urbanas onde os preços relativos dos produtos agrícolas tenderão a subir Fizemos referência ao fato de que a nova agricultura que se desenvolve ao impulso da demanda exterior se beneficia de uma oferta ilimitada de mãodeobra a um nível de salário relativamente baixo definido pelas condições de vida que prevalecem no setor précapitalista Pode ocorrer o caso entretanto de que este último setor apresente dimensões relativamente reduzidas do ponto de vista da mãodeobra nele empregada e que seja grande a disponibilidade de terras de qualidade e localização adequadas a uma rápida expansão da agricultura de exportação Foi este exatamente o caso da Argentina cuja integração nos mercados internacionais operouse com extraordinária rapidez Em tais condições é de esperar que ocorra um esvaziamento da agricultura précapitalista em tempo relativamente curto sendo todos os fatores incorporados à nova agricultura organizada na base de empresas capitalistas Uma vez absorvido o setor précapitalista o mercado de trabalho estará unificado Sendo assim a taxa de salário já não será função dos padrões estabelecidos nas fazendas semifeudais devendo elevarse com a produtividade a exemplo do que ocorre em qualquer economia capitalista em que a mãodeobra é fator de oferta limitada Ao alcançar a taxa de salário determinado nível podese tornar viável um influxo significativo de mãodeobra estrangeira À corrente imigratória tornará possível um maior desenvolvimento do setor exportador e por algum tempo deterá a tendência à elevação dos salários Contudo introduzirá no país novos hábitos de consumo e sendo de origem européia novas atitudes sociais conducentes a formas mais avançadas de organização do trabalho graças às quais se reduzirá a possibilidade de reversão a formas précapitalistas Com respeito àqueles países em que o setor précapitalista desapareceu como reservatório de mãodeobra e em que 69 as taxas de salário passaram a fixarse de acordo com as condições prevalecentes em um mercado de trabalho basicamente unificado cabe afirmar que se cumpriu plenamente a transição para uma estrutura capitalista As economias desses países a Argentina e o Uruguai constituem os dois únicos exemplos na América Latina não podem ser consideradas subdesenvolvidas sempre que o conceito de subdesenvolvimento esteja ligado à idéia de um dualismo estrutural Eliminado esse dualismo o mercado de trabalho já não se diferencia qualitativamente dos mercados dos demais fatores de produção Em tais condições é de esperar que os salários pagos na agricultura se aproximem daqueles pagos nas indústrias e serviços tendendo a desaparecer a grande disparidade de condições de vida entre populações urbanas e rurais que constitui a característica principal dos países tipicamente subdesenvolvidos As economias que desenvolveram linhas de exportação de produtos minerais também apresentam certas peculiaridades que merecem destaque O processo de integração no mercado internacional cria neste caso um profundo dualismo nas estruturas produtivas pois o setor exportador apresenta um elevado coeficiente de capital e um alto nível de produtividade da mãodeobra sem contudo absorver mais que uma pequena fração da força de trabalho A profunda disparidade dos níveis de produtividade setorial permite que o coeficiente de exportação se eleve a 25 ou 30 se bem que o setor que produz para a exportação empregue menos de 5 da população ativa Em tais casos a capacidade fiscal do governo aumenta substancialmente e uma das múltiplas conseqüências secundárias desse fato é a intensificação do processo de urbanização A absorção de mãodeobra no setor mineiro exportador e o crescimento urbano criam a necessidade de maiores excedentes agrícolas sem que esse impulso seja suficiente para acarretar transformações na estrutura agrária Se a agricultura de exportação abre caminho à penetração da empresa capitalista é que por sua especialização proporciona uma elevada rentabilidade mesmo sem a introdução de maiores avanços técnicos No caso de uma simples expansão do mercado interno inexiste a possibilidade dessa especialização razão pela qual a empresa capitalista 70 deveria apoiarse desde o começo para competir com os excedentes provenientes da economia tradicional em avanços técnicos significativos Contudo em face das condições favoráveis do setor externo o mais provável é que a demanda adicional de alimentos seja atendida total ou parcialmente mediante importações Desta forma um elevado coeficiente de exportação pôde ser alcançado em vários países latinoamericanos a Bolívia do período prérevolucionário constituía um exemplo extremo sem que o setor agrícola apresentasse qualquer modificação significativa Pelo contrário a valorização dos excedentes criados pela agricultura tradicional tende a traduzirse em elevação da renda da terra permitindo que o grupo latifundiáriofeudal aumente a sua participação na renda e consolide a sua posição no sistema de poder Durante o período formado pelo último quartel do século passado e os primeiros decênios do atual ocorreram condições favoráveis ao desenvolvimento de diversas linhas de exportação latinoamericanas beneficiando ainda que de forma desigual a quase totalidade dos países da região No que diz respeito à área como um todo as exportações já representavam ao término dos anos vinte cerca de uma quarta parte do produto bruto Mesmo tendo em conta que uma terça parte da renda gerada pelas exportações permanecia fora da região cabe reconhecer que as economias latinoamericanas haviam logrado um grau de integração num sistema de divisão internacional do trabalho excepcionalmente elevado Contudo constitui fato de significação inulidível que não obstante essa elevada integração num sistema de divisão internacional do trabalho cerca de quarenta por cento da atividade econômica estava vinculada ao setor exterior seja por intermédio das exportações seja através das importações o setor précapitalista conservava uma importância relativa muito grande em quase todos os países da área Sendo a mãodeobra um fator de oferta ilimitada nos setores produtivos fora da economia précapitalista o crescimento assumia basicamente a forma de crescimento relativo desses setores beneficiários da oferta elástica de mão 71 deobra sem que ocorrsessem maiores modificações nas funções de produção dentro desses setores Assim a produção por unidade de insumo crescia para o conjunto da economia mas se mantinha estável dentro de cada setor produtivo vale dizer o sistema econômico ia modificando a sua estrutura sem necessitar absorver inovações tecnológicas Evidentemente ali onde se utilizavam equipamentos sendo estes importados tais inovações iam sendo absorvidas como um simples processo de rotina e não como uma decorrência de necessidades econômicas Na agricultura essa penetração automática de inovações tecnológicas teria que ser extremamente limitada pelo simples fato de que no processo de formação de capital se incorporavam quantidades escassas de equipamentos A crise mundial de 1929 e a depressão prolongada que a seguiu encerraram para quase toda a América Latina o período de integração num sistema de divisão internacional do trabalho Iniciouse então um processo de reversão pelo qual a maioria das economias nacionais da região teve por uma ou outra forma que reduzir o seu coeficiente de integração no mercado mundial Esse processo de fechamento das economias nacionais assumiu duas formas A primeira consistiu simplesmente em reversão dos fatores aplicados em atividades dependentes do setor exterior ao âmbito da economia précapitalista na agricultura ou no artesanato A segunda consistiu na industrialização As duas formas foram utilizadas em graus distintos por toda parte mas o êxito da industrialização foi muito desigual o que facilmente se explica tendo em conta que essa industrialização se apoiava em mercados internos cujas dimensões eram muito desiguais Em uns poucos países o impulso dado à economia nacional pela industrialização permitiu que esta alcançasse ainda que em períodos limitados taxas de crescimento relativamente altas iguais ou superiores àquelas atingidas na fase do crescimento das exportações O problema que se apresenta presentemente é o de identificar a natureza e o alcance desse processo de industrialização Constitui ele caminho seguro para alcançar e manter uma elevada taxa de crescimento na região 72 A industrialização latinoamericana é conhecida em tôda parte como um processo de substituição de importações Tratase na realidade de um processo de modificação da estrutura produtiva o qual permite reduzir a participação das importações na oferta global sem reversão à economia précapitalista Reduzemse ou eliminamse certos itens das importações os quais são substituídos no mercado por produção interna e ampliamse aquêles itens de substituição mais difícil Como ao mesmo tempo que se reduz o coeficiente de importações ampliase a renda per capita a composição da demanda interna tende a modificarse o que exige alterações maiores na estrutura da oferta do que aquelas tidas em conta ao iniciarse o processo substitutivo O período de tempo requerido para que a oferta interna se adapte às modificações na composição da demanda pe riodo êsse que muitas vêzes é ampliado por obstáculos institucionais dá origem a pressões inflacionárias particularmente quando o setor externo apresenta pouca ou nenhuma flexibilidade Consideremos o caso de um país em que em 1929 as exportações representavam cârca da quinta parte do produto bruto e em que as importações contribuíam com cârca de sessenta por cento da oferta de manufaturas Em razão da baixa de preços e da contração da demanda externa provocadas pela depressão a capacidade para importar é reduzida em 50 As exportações estão formadas por produtos agrícolas e interessam a um grande número de produtores o que induz o govêrno a agir comprando o exce dente da produção exportável mediante expansão dos meios de pagamento e modificação da taxa de câmbio de forma que as duas medidas conjugadas permitêm manter o nível da renda monetária do setor exportador A estrutura da demanda global deverá acomodarse a um nível substancialmente mais baixo de importações Para absorver parte da pressão exercida sobre as exportações pela expansão dos meios de pagamento o govêrno introduzirá elevações de tarifas incidentes sôbre certas manufaturas que já vinham sendo produzidas internamente de forma incipiente A contração das importações a modificação na taxa cambial a expansão de crédito para financiamento de esto 73 ques e a elevação de tarifas tendem a determinar uma série de modificações na estrutura de custos A ação dÊsses fatos e a luta dos distintos grupos em defesa de sua renda real determinarão as modificações nos preços relativos e na distribuição da renda que tornarão compatíveis a composição da demanda e a estrutura da oferta O reajustamento final terá que produzir entretanto uma elevação no nível geral de preços e um aumento relativo nos preços dos bens importados É natural portanto que a posição competitiva das manufaturas de produção interna melhore substancialmente com a elevação de seus preços relativos Como a taxa de salários no setor industrial se mantêm estável é de esperar que se eleve a taxa de lucros nesse setor Em tais condições e tida em conta a existência de uma oferta ilimitada de mãodeobra é natural que os industriais procurem trabalhar a dois e três turnos o que poderá ser feito mediante reduzidas inversões complementares A relação produtocapital tenderá em consequência a crescer fortemente Com efeito vamos admitir que essa relação seja igual a 1 na situação inicial vale dizer que uma inversão de um milhão de dólares em capital reproduzível produza um fluxo de renda valor adicionado de um milhão de dólares em um período produtivo anual Passando a trabalhar em dois turnos mediante um incremento de dez por cento no investimento principalmente para cobrir necessidades adicionais de capital de giro o fluxo de renda produzido pela em presa aumentará para dois milhões de dólares elevandose a relação produtocapital para 182 Vejamos agora o mesmo fenômeno do ponto de vista da taxa de lucro Suponhamos que o estoque de capital por trabalhador na posição inicial seja de 2 500 dólares e que o salário anual do trabalhador alcance 600 dólares Se a relação produtocapital é igual a 1 os 2 500 dólares de investimento terão que dar origem a um fluxo de renda salários mais remuneração do capital de 2 500 dólares Sendo o salário de 600 dólares o lucro bruto alcança 1 900 dólares ou seja 76 do investimento Na segunda situação o estoque de capital se eleva para 2 750 dólares mas o lucro alcança 3 800 dólares que correspondem a uma taxa de 138 Tratase de uma formulação grosseira com o objetivo limitado de explicitar a 74 tendência no sentido de uma rápida elevação na taxa de lucros Observando o sistema econômico em seu conjunto vemos que a partir do momento em que se contrai a demanda externa o setor P3 responsável pelo aumento da capacidade produtiva na agricultura entra em rápido colapso o que acarreta declínio na relação produtocapital e queda da taxa de lucro na agricultura capitalista P2 P3 mesmo que se evite redução do nível de atividade em P2 mediante compra de excedentes pelo govêrno Concomitantemente começam a operar outras forças que provocam elevação na relação produtocapital e na taxa de lucros do setor industrial É de se esperar portanto que uma parte da capacidade empresarial e dos recursos financeiros que vinham sendo absorvidos pelo setor exportador em sua fase de crescimento sejam desviados para o incipiente setor manufatureiro Essa modificação no pólo de atração dos investimentos acarreta uma série de conseqüências em razão de diferenças específicas no processo de formação de capital entre o setor agrícola exportador e as novas atividades manufatureiras Ao analisarmos a fase de expansão das exportações indicamos que o conteúdo de K no montante do capital requerido para aumentar a capacidade de exportação era relativamente pequeno K 01 K Levando em conta a quantidade de K necessário para produzir k que complementa K em P2 cabe atribuir ao referido coeficiente um valor maior contudo não superior a 02 Sendo assim deduzse que a relação PK é igual ou maior que 2 se considerarmos P2 e P3 conjuntamente Em outras palavras para cada aumento de 100 dólares na capacidade produtiva da agricultura capitalista se requer um máximo de investimento de 50 dólares em termos de K o qual sabemos ser básicamente constituído de equipamentos importados Consideremos agora para fins de confronto o processo de formação de capital no setor manufatureiro que designaremos de P4 Dada a estrutura de preços relativos a produtividade tanto d o trabalho como do capital é substancialmente maior em P4 que na agricultura capitalista Admitiremos que a produção por trabalhador seja 25 vêzes maior e que a relação produto 75 capital também seja 25 vezes superior1 A taxa de salário seria apenas 50 mais elevada o que se explica tendo em conta que essa taxa continua a ser fortemente influenciada pelo nível de vida do grande contingente de população que permanece no setor précapitalista Para facilidade de exposição atribuíremos ao setor exportador uma produção média anual por trabalhador de 1 000 dólares e um salário médio anual de 400 dólares Os valores correspondentes para a indústria seriam portanto 2 500 e 600 dólares Sendo a relação média produto capital PK na indústria igual a 1 e na agricultura de exportação igual a 04 inferese que o capital total K por trabalhador seria o mesmo nos dois setores ou seja 2 500 dólares A taxa de lucro bruto seria portanto de 24 na agricultura 6002 500 e de 76 na indústria 1 9002 500 Cumpre ter em conta entretanto que do investimento no setor agrícola apenas uma parcela não superior a 20 por cento deve ser coberta direta ou indiretamente por poupança gerada no período anterior ao passo que no setor industrial a totalidade do investimento consiste em K Destarte a relação PK é de 2 na agricultura de exportação e de 1 na indústria em outras palavras dada uma certa taxa de poupança definida esta como renda gerada no período anterior e não consumida a taxa de crescimento que se obtém na indústria corresponde à metade daquela que seria possível obter na agricultura de exportação A composição da demanda global constitui portanto uma limitação às taxas relativas de crescimento dos dois setores Essa composição passa a ser fator básico determinante da relação produtocapital na economia como um todo se se mede o capital apenas em termos de K Devese ter em conta por outro lado que ao modificarse a composição da demanda global no sentido de induzir ao cres 1 Considerando P₂ e P₃ conjuntamente a relação produtocapital terá que ser maior que 04 Entretanto a dimensão relativa de P₃ somente pode ser definida se se formula com anterioridade uma hipótese sobre a taxa de crescimento de P₂ Contudo a relação PK é sempre estável porquanto se admite que nos dois subsets da agricultura capitalista são idênticas a produtividade do trabalho e a quantidade de K por trabalhador 76 cimento relativo dos investimentos industriais tende a elevarse a taxa de lucro bruto o que repercute favoravelmente na taxa de poupança Com efeito como a relação PK tende a baixar de 2 para 1 com a reorientação das inversões será necessário que aumente proporcionalmente a taxa de poupança a fim de que se mantenha a mesma taxa de crescimento Em face da elevação substancial da taxa de lucros a que se fez referência é perfeitamente possível que ocorra o requerido aumento da taxa de poupança Do ponto de vista da balança de pagamento essas alterações no processo de formação de capital têm uma significação particular No que diz respeito ao setor exportador já observamos que K estaria constituído em sua quase totalidade por equipamentos importados No setor industrial o conteúdo de importações adicionados efeitos diretos e indiretos não seria inferior a 75 do investimento Sendo assim o coeficiente de importações por unidade de investimento adicional subiria de 05 para 075 Em outras palavras para criar um fluxo adicional de renda de 100 dólares seria necessário importar equipamentos no valor de 50 dólares no primeiro caso e no valor de 75 dólares no segundo ou seja para manter a taxa de crescimento seria necessário aumentar em 50 as importações de equipamentos Por outro lado a elevação na taxa de lucro e a consequente concentração da renda teria que impulsionar a demanda de bens duráveis de consumo importados na sua totalidade Contudo cabe admitir que na primeira fase do processo de industrialização substitutiva essa tendência seja anulada pelo efeitopreço em razão da forte elevação dos preços relativos de tais produtos Se classificarmos as importações em três grupos equipamentos e produtos intermédios bens duráveis de consumo e bens não duráveis de consumo é de supor que o efeito sobre a demanda da elevação dos preços relativos decorrente das desvalorizações seja mínimo com respeito ao primeiro grupo e máximo ao terceiro Em razão da elevação da taxa de lucros os industriais procurarão importar equipamentos e bens intermédios a despeito da elevação dos preços destes por outro lado a concentração da renda determinada pelo próprio mecanismo do desenvolvimento capacita as classes de altas rendas para enfren 77 tar a subida dos preços dos bens duráveis importados Sendo assim é natural que a redução das importações tenda a concentrarse no grupo das manufaturas de consumo não durável É a concentração da pressão neste último setor que cria as condições favoráveis ao processo de substituição de importações A industrialização nas condições referidas requer um esforço de adaptação do sistema econômico a reduções progressivas da participação das importações na oferta global É evidente que uma vez esgotadas as possibilidades de substituições de bens de consumo não duráveis particularmente no que diz respeito à fase final de manufatura desses bens toda tentativa de manutenção da taxa de investimento terá que acarretar pressão crescente sobre a balança de pagamentos devendo os preços relativos dos bens duráveis de consumo e dos equipamentos elevarse ainda mais intensamente que na fase anterior Como o encarecimento dos equipamentos tende a afetar negativamente a taxa de investimento a economia somente manterá a taxa de crescimento se iniciar a fase de substituição dos bens duráveis de consumo e dos próprios equipamentos Chamaremos de P₅ a esse novo setor produtivo cuja característica básica é um elevado coeficiente de capital Assim se para cada trabalhador ocupado em P₄ o investimento é da ordem de 2 500 dólares no novo setor P₅ são necessários pelo menos 10 000 dólares para empregar uma pessoa A rigor não se pode afirmar que toda indústria produtora de bens duráveis de consumo ou de equipamentos apresente um elevado coeficiente de capital e que o contrário aconteça com as indústrias produtoras de bens não duráveis de consumo Mas é perfeitamente evidente que essa é a regra geral Este fato combinado à circunstância de que o mercado dos bens duráveis e de equipamentos apresenta dimensões relativamente menores que o dos bens não duráveis responde pelo tardio desenvolvimento de tais indústrias Sempre que se admita que a taxa de lucro tende a igualarse nas distintas indústrias do contrário não seria possível explicar que indústrias com uma notória inferioridade no que diz respeito à rentabilidade do capital viessem a atrair investimentos e que se tenha em conta que a taxa de sa 78 lário é a mesma cabe inferir que a relação produtocapital tenda a ser tanto mais baixa quanto mais elevado for o coeficiente de capital por trabalhador De acordo com supostos feitos anteriormente em P4 a quantidade de capital por trabalhador seria de 2 500 dólares a taxa de salário de 600 dólares e a taxa de lucro bruto de 76 admitida uma relação produtocapital de 1 Se mantemos em P5 as mesmas taxas de salário e de lucro bruto sendo a densidade de capital por trabalhador de 10 000 dólares a relação produtocapital não poderá exceder 082 Esta segunda fase da industrialização substitutiva apresenta um outro aspecto de grande relevância As indústrias de bens de capital pelo fato de que enfrentam maiores obstáculos decorrentes das limitadas dimensões do mercado e da falta de meios adequados de financiamento de suas vendas somente encontram condições de desenvolvimento quando os preços relativos neste setor alcançam níveis extremamente elevados Em realidade os preços relativos dos equipamentos começam a elevarse a partir do momento em que se inicia o processo de industrialização substitutiva mas é somente quando essa elevação alcança um determinado ponto que a produção de equipamentos se torna economicamente viável É mesmo possível que essa elevação de preços relativos dos equipamentos somente se inicie quando já esteja muito avançado o processo substitutivo de manufaturas não duráveis de consumo ou que se inicie moderadamente e se acentue na fase final como decorrência de modificações da política tarifária que numa fase inicial podia estar orientada no sentido de favorecer as importações de equipamentos e dificultar as de manufaturas de mais fácil substituição Essa brusca elevação dos preços relativos dos equipamentos que caracteriza a segunda fase da industrialização substitutiva tem sérias repercussões no processo de formação de capital tanto no setor manufatureiro como no agrícola Tendo em conta que a taxa de salário está determinada por fatores exógenos ao mercado sendo estável é de esperar que o declínio na relação produtocapital causado pela elevação dos preços relativos dos equipamentos traduzase em redução da taxa de lucro Desta forma excluise a possibilidade de 79 que a taxa de poupança possa subir para compensar o declínio na produtividade de K O aumento da participação do setor P5 produtor de bens duráveis de consumo e de equipamentos no processo de formação de capital tem repercussões em outras direções que merecem consideração Dado o elevado coeficiente de capital por unidade de emprego em P5 na medida em que este setor absorve maior volume relativo de investimentos menor é a quantidade de pessoas que se transferem do setor précapitalista para as demais atividades produtivas Se para empregar uma pessoa em P5 são necessários investimentos quatro vézes maiores que em P4 na medida em que os novos investimentos se orientem para aquele setor a tendência à concentração da renda tenderá a agravarse mesmo que a taxa de lucro se mantenha estável Com efeito se se mantêm inalterados a taxa de salário e o montante dos investimentos na medida em que se reduza a taxa de transferência de mãodeobra de P1 para o setor industrial P4 P5 por unidade de investimento neste último setor o montante do lucro bruto tenderá a crescer com maior rapidez que o montante dos salários pagos Como é de admitir que a população urbana gozando de um nível de salários mais alto também cria demanda para a agricultura capitalista o crescimento mais lento da massa de salários terá efeitos depressivos na demanda de produtos agrícolas o que reduzirá a transferência de mãodeobra de P1 para P2 e P3 agravando a tendência à redução na relação produtocapital PK da economia como um todo Em síntese a demanda global vai mudando sua composição de tal forma que os recursos produtivos deverão orientarse no sentido de aumentar a participação daqueles setores em que é menor a produtividade de K PK bens duráveis de consumo e de reduzir a daquele em que essa produtividade é relativamente maior agricultura capitalista Surge assim um processo cumulativo circular pelo qual as transformações na composição da demanda global determinam modificações na estrutura da oferta que ao concretizarse acarretam a elevação na relação capitaltrabalho do conjunto do sistema econômico KL b declínio na transferência de mãodeobra dos setores da baixa para os de mais alta produtividade e c aumento na relação 80 capitalproduto da economia como um todo KP A elevação no coeficiente de capital por unidade de emprego em condições de estabilidade na taxa de salário opera no sentido de concentrar a renda por outro lado devendo orientarse os investimentos para indústrias cada vez mais exigentes do ponto de vista de dimensões do mercado põemse em marcha fatores que deprimem a relação produtocapital Em síntese o processo de concentração da renda atua em duas direções Por um lado tende a elevar o coeficiente de capital dando lugar a um mecanismo cumulativo pois a elevação do coeficiente de capital por unidade de emprego causa nova concentração de renda se a taxa de salário se mantém estável Por outro lado tende a reduzir a taxa de crescimento na medida em que provoca declínio na relação produtocapital em consequência da concentração de investimentos nas indústrias de bens duráveis de consumo com respeito às quais são maiores os obstáculos causados pelas inadequadas dimensões do mercado como também na medida em que provoca redução relativa dos investimentos no setor agrícola onde a formação de capital se efetiva em grande parte através de absorção de mãodeobra proveniente do setor précapitalista Convém considerar à parte o caso especial de uma economia que na fase de crescimento das exportações haja absorvido a totalidade do setor précapitalista e apresente um mercado de trabalho praticamente unificado Admitiremos que para enfrentar a depressão o governo empreenda uma política idêntica à anteriormente assinalada mantendo o nível da renda monetária do setor exportador pela compra dos excedentes agrícolas e pela desvalorização da taxa de câmbio Como no caso anterior a oferta de manufaturas importadas declinará em termos reais enquanto se mantém o nível da renda monetária o que acarreta elevação nos preços relativos daquelas manufaturas criando estímulo para intensificar sua produção interna A industrialização entretanto será de realizarse através da absorção de mãodeobra anteriormente aplicada no setor exportador uma vez que já não existe o setor précapitalista Não obstante a política de defesa do nível de renda do setor exportador é natural que tanto a taxa de salários como a taxa de lucros estejam de 81 clinando em términos reais uma vez que os termos de intercâmbio do país estão se deteriorando Desta forma os industriais não têm dificuldade de atrair mãodeobra pois a taxa de lucro nas atividades industriais está subindo como decorrência da elevação dos preços relativos das manufaturas A intensificação dos investimentos industriais repercute na agricultura de exportação duplamente por um lado cria pressão no sentido de elevação dos salários reais na medida em que atrai grandes quantidades de mãodeobra para as cidades por outro lado agrava a tendência decorrente da deterioração dos términos de intercâmbio à elevação dos custos agrícolas na medida em que ao desviar para o setor industrial uma parte substancial da capacidade para importar reduz a disponibilidade de divisas para atender às necessidades do setor agrícola e obriga este a adquirir manufaturas de produção interna de preços relativamente altos Desta forma ocorre uma convergência de fatores que operam no sentido de reduzir a taxa de lucro do setor agrícola exportador e indiretamente no de tornar mais atrativos os investimentos industriais permitindo que o processo substitutivo avance com extraordinária rapidez Em tais condições é provável que se chegue a uma subutilização da capacidade exportadora com efeitos negativos para a produtividade no conjunto da economia Ao alcançar a fase superior de substituição de importações caracterizada pela produção de equipamentos novos problemas se apresentarão Sendo o coeficiente de capital da agricultura mais alto do que no caso das economias com setor précapitalista a elevação dos preços relativos dos equipamentos a que fizemos referência também contribuirá para reduzir a taxa de lucros no setor exportador Em síntese o fechamento de uma economia que haja alcançado um elevado nível de renda integrandose num sistema de divisão internacional do trabalho e que por essa forma haja absorvido a totalidade do seu setor précapitalista tende a provocar uma redução de produtividade média a qual é particularmente grande quando a vantagem relativa que favoreceu a integração no mercado internacional decorre de uma utilização extensiva de recursos naturais As modificações estruturais requeridas pela industrialização substitutiva significam neste caso baixas de produtividade que somente po 82 derào ser anuladas mediante um deslocamento para cima das funções de produção causado pela elevação do nível tecnológico Se confrontarmos os dois casos o da industrialização substitutiva com oferta ilimitada de mãodeobra a um nível de salário condicionado pelo padrão de vida no setor précapitalista exemplo do Brasil e o da industrialização substitutiva com oferta limitada de mãodeobra exemplo da Argentina comprovamos o seguinte No primeiro a industrialização pode seguir adiante sem qualquer efeito sôbre o nível dos salários agrícolas e sem afetar significativamente a rentabilidade do setor exportador destarte não existe incompatibilidade entre o avançar da industrialização substitutiva e a recuperação do setor exportador no momento em que ocorrerem condições favoráveis nos mercados externos como ficou evidente no Brasil nos anos cinqüenta quando se efetuou a grande expansão da produção cafeeira ao mesmo tempo em que a industrialização substitutiva alcançava elevadas taxas de crescimento No segundo caso a industrialização substitutiva pode afetar seriamente a rentabilidade do setor agrícola e dificultar a sua recuperação no momento em que surjam condições favoráveis nos mercados externos Para evitar estes efeitos negativos a industrialização teria que ser acompanhada de um esforço de investimento no setor agrícola visando a elevar o nível técnico deste e a liberar mãodeobra Esse esforço do investimento de nenhuma forma poderia realizarse espontâneamente uma vez que a agricultura está enfrentando um declínio na taxa de lucros como consequência da crise exterior e dos efeitos indiretos do esforço de substituição de importações Voltemos agora ao caso geral em que o processo de industrialização substitutiva provoca em sua fase mais avançada elevação relativa nos preços dos equipamentos e maior concentração da renda O encarecimento relativo dos equipamentos tem efeitos inversos ao das inovações tecnológicas tendentes a poupar capital exige maior investimento por unidade de produto mantidos sem alterações os demais insumos Assim da mesma forma que as inovações tecnológicas poupadoras de capital em condições de salários estáveis tendem a elevar a taxa de lucro o contrário ocorre 83 quando se elevam os preços relativos dos equipamentos Evidentemente tal tendência pode ser anulada por uma elevação do nível geral de preços que permita uma redistribuição compensatória da renda Entretanto como se supõe que a taxa de salário real é constante o declínio da relação produtocapital teria que traduzirse em contração na taxa de lucros com efeitos negativos na poupança da redução da taxa de crescimento A tendência ao declínio na taxa de poupança poderia contudo ser anulada por aqueles fatores que estão atuando simultâneamente no sentido de aumentar a concentração da renda A concentração da renda ao orientar os investimentos para as indústrias com elevado coeficiente de capital tem efeitos similares ao da penetração da tecnologia poupadora de mãodeobra Sendo estável a taxa de salários a redução do insumo de mãodeobra por unidade de produto acarretará necessariamente elevação da taxa de lucro ou baixa no preço relativo do produto Entretanto se os salários são determinados basicamente por outros fatores a redução no preço relativo de um produto significa apenas que a elevação da taxa de lucro se realiza no conjunto do sistema econômico e não em benefício de uma indústria determinada Em qualquer caso ocorre uma concentração de renda o que elevará a taxa de poupança podendo neutralizar a tendência anteriormente indicada Tudo se passa por conseguinte como se o sistema econômico estivesse absorvendo uma tecnologia tendente a reduzir a produtividade do capital e a aumentar a mãodeobra Sendo assim para aumentar o produto se fazem necessários insumos crescentes de capital e decrescentes de mãodeobra donde se conclui que para uma taxa estável de crescimento do produto corresponde uma declinante de absorção de mãodeobra fora do setor précapitalista e outra ascendente de poupança mantidos inalterados os preços relativos O mais provável é que as duas tendências anteriormente referidas se apresentem em cada caso concreto com pesos diferentes Ali onde as dimensões reais e potenciais do mercado são relativamente grandes como é o caso do Brasil é perfeitamente concevível que as indústrias de bens de capital superem as dificuldades da primeira fase e venham a be 84 neficarse de certas economias de escala detendo a tendência a que fizemos referência de encarecimento relativo dos equipamentos Quiçá esteja aí a diferença básica entre a evolução do processo substitutivo no Chile e no Brasil No primeiro caso a industrialização ao alcançar aquela fase em que as limitações do mercado se traduzem em crescente ineficiência das inversões levou a uma redução na taxa de poupança e a um declínio na taxa de crescimento No segundo as dimensões mais amplas do mercado conjugadas com uma importância relativa maior do setor précapitalista criaram condições por um lado para que fôsse alcançada maior eficiência da indústria de bens de capital por outro para que o processo de concentração da renda avancasse o suficiente para produzir na plenitude as suas consequências negativas econômicas e sociais Desta forma o êxito que no Brasil teve o processo substitutivo constituiu o reverso do fato de que foi nesse país que o desenvolvimento beneficiou a uma menor parcela da população e criou as mais agudas tensões sociais Essas tensões alcançando um ponto crítico teriam que afetar adversamente o processo de crescimento Ainda que por processos diversos a industrialização substitutiva no Brasil como no Chile engendrou uma série de obstáculos que viriam a provocar o seu esgotamento como fator capaz de impulsionar o desenvolvimento Em toda a análise anterior se ignorou explicitamente o fato de que a matriz estrutural poderia ser modificada através da absorção de novas tecnologias Pretendeuse demonstrar que as alterações na composição da demanda provocadas inicialmente pelo impulso externo e em fase subseqüente geradas pela política de defesa da renda dos exportadores são suficientes para explicar as modificações na estrutura da oferta que permitiram elevar a produtividade média da mãodeobra na região As alterações nas funções de produção ocorridas encontram sua explicação na interferência de fatores exógenos ao processo econômico como seja o fato de que os equipamentos importados eram portadores de inovações tecnológicas Caberia entretanto indagar se a penetração de novas técnicas ao modificar as relações insumoproduto não operaram no sentido de anular a ação dos fatores tendentes a concentrar a renda Tendo 85 em conta que as inovações tecnológicas encontram seu principal veículo de penetração nos equipamentos é natural que sejam aqueles setores que usam mais amplamente equipamentos os que estejam em melhor posição para auferir os benefícios dessas inovações Assim à agricultura corresponde a menor probabilidade de beneficiarse e às indústrias de bens duráveis de consumo e de equipamentos a máxima Admitamos que as inovações tecnológicas sejam neutras isto é que aumentem simultâneamente a produtividade do capital e da mãodeobra Em condições de salários estáveis tanto o aumento da produtividade do capital como a da mãodeobra operam no sentido de reduzir a participação dos salários no total da renda Contudo podese admitir que a penetração de técnicas mais avançadas concentrandose no setor manufatureiro venha a causar uma baixa nos preços referentes aos produtos industriais em algo beneficiando os trabalhadores do setor précapitalista cuja remuneração está tradicionalmente fixada como uma proporção constante àquilo que produzem Essa elevação do nível de subsistência provocaria um deslocamento para cima de toda a escala de salários rurais e urbanos Contudo tendo em conta o reduzido peso das manufaturas no gasto do trabalhador do setor précapitalista o benefício que lhe toca terá que ser muito inferior ao que reverte para os grupos com um alto coeficiente de consumo de bens manufaturados particularmente duráveis Desta forma independentemente do fato de que possibilitem elevações na produtividade média as inovações tecnológicas vêm contribuindo para agravar as tendências assinaladas Em síntese tudo se passa como se a existência de um setor précapitalista de caráter semifeudal em conjugação com um setor industrial que absorve uma tecnologia caracterizada por um coeficiente de capital rapidamente crescente dessem origem a um padrão de distribuição de renda que tende a orientar a aplicação dos recursos produtivos de forma a reduzir a eficiência econômica destes e a concentrar ainda mais a renda num processo de causação circular No caso mais geral o declínio na eficiência econômica provoca diretamente a estagnação econômica Em casos particulares a crescente concentração da renda e sua contrapartida de po 86 pulação subempregada que afluí para as zonas urbanas criam tensões sociais que por si são capazes de tornar inviável o processo de crescimento Sem pretender tirar conclusões de caráter geral da análise apresentada diremos que o desenvolvimento como um processo espontâneo isto é como decorrência da atuação de certos grupos sociais empenhados em maximizar os seus benefícios materiais e a sua influência sobre os demais grupos componentes de uma comunidade nacional ocorreu na América Latina a partir da segunda metade do século passado sem exigir ou provocar mudanças fundamentais na estrutura social Esse processo entretanto se bem ainda possa perdurar em certas áreas por bastante tempo na região como um todo apresenta evidentes sinais de exaustão Por suas características particulares o desenvolvimento latinoamericano tanto em sua fase de crescimento das exportações como na de industrialização constitui um processo histórico distinto do que se admite ser o modelo clássico do desenvolvimento capitalista no qual as inovações tecnológicas desempenham papel fundamental A menos que se avance muito mais na identificação dos tipos básicos de economia capitalista toda tentativa de generalização teórica visando a interpretar os problemas atuais da economia latinoamericana com base na evidência histórica das economias capitalistas avançadas será de reduzida eficácia Nada autoriza a ver no desenvolvimentolatinoamericano uma fase de transição para estruturas capitalistas do tipo que hoje conhecemos na Europa Ocidental e na América do Norte pois existe ampla evidência empírica de que a industrialização substitutiva vem agravando o dualismo do mercado de trabalho ampliandose o hiato entre o setor moderno e a economia précapitalista sem que se vislumbre qualquer perspectiva de redução da importância desta última como fonte de ocupação No setor urbano a agravacão do mesmo dualismo se manifesta através do rápido crescimento de populações subempregadas Nos modelos teóricos que se utilizam correntemente como base para formulação de políticas de desenvolvimento admitese implicitamente que o sistema econômico está inte 87 grado por um conjunto de relações estruturais cuja relativa estabilidade decorre da existência de um marco institucional e de que os homens e os grupos sociais no seu esforço visando a maximizar a sua renda apóiamse na própria experiência preferindo caminhos já percorridos o que torna possível prever estatisticamente esse comportamento Por outro lado admitese que uma constante do comportamento social de indivíduos e grupos de indivíduos é a propensão no sentido de aumentar a participação na renda seja reduzindo a quota de outros seja provocando o aumento da renda global mediante a introdução de inovações técnicas nos processos produtivos Também está implícito nesse tipo de modelo teórico que se se mantém um nível adequado de emprego existe compatibilidade ou mesmo uma relação causal necessária entre o comportamento estatisticamente mais provável de cada grupo e a maximização do bemestar social na medida em que este último conceito possa ser definido em término de variáveis macroeconômicas Uma série de sinalizadores políticos que registram as tensões estruturais mais significativas permitem que se introduzam oportunamente no marco institucional correções capazes de assegurar a referida compatibilidade Contrariamente a esse modelo o marco institucional que prevalece na América Latina cria padrões de distribuição de renda responsáveis por formas de comportamento incompatíveis com a utilização mais racional dos recursos disponíveis em função da maximização do produto global num horizonte de tempo defenido Existe um conflito entre interesses de grupos que controlam o processo de formação de capital e os da coletividade como um todo sempre que se admita que esta ultima aspira a maximizar as possibilidades de bemestar social Como os referidos grupos econômicos também ocupam todas as posições estratégicas no sistema de poder não é de admirar que os sinalizadores políticos se mostrem inadequados para registrar as tensões estruturais e que os órgãos de decisão politica careçam da necessária funcionalidade para promover oportunamente a remoção dos obstáculos ao desenvolvimento O cerne do problema não está no comportamento dos agentes que tomam decisões econômicas os quais podem muito bem pautarse por estritos critérios de racionalidade tanto em função dos meios que utilizam como dos seus legítimos objetivos está 88 nas relações estruturais que delimitam o campo dentro do qual as decisões relevantes são tomadas É neste sentido que se pode atribuir ao problema da estagnação latinoamericana um caráter estrutural Sendo assim cabe indagar se uma política capaz de deter a tendência a longo prazo para a estagnação não terá que assumir a forma de ação consciente e deliberada visando a criar relações estruturais e a condicionar formas de comportamento capazes de engendrar um processo social do qual o desenvolvimento econômico seja componente necessário 1 O enfoque estruturalista dos problemas do desenvolvimento que se vem generalizando entre os economistas latinoamericanos surgiu inicialmente em conexão com os estudos teóricos visando a identificar as causas primárias dos desequilíbrios inflacionários as quais decorrem via de regra de rigidez estrutural da oferta inerente ao subdesenvolvimento distinguindoas dos mecanismos de propagação desses desequilíbrios As tentativas correntes de controle da inflação atuando apenas sobre os mecanismos propagatórios inspiradas na teoria monetarista constituem o exemplo clássico de esforço estéril no sentido de modificar o comportamento dos agentes econômicos sem que sejam alterados os parâmetros estruturais que condicionam esse comportamento Como os critérios de racionalidade da política monetarista são estabelecidos no plano macro sem que se possam prever adequadamente ou controlar oportunamente suas repercussões no plano micro é comum que os agentes econômicos sejam induzidos a atitudes irracionais do ponto de vista de seus objetivos legítimos por essa política A consecução dos objetivos de uma política econômica definidos estes em términos de maximização do bemestar social não podem ser alcançados induzindo os agentes econômicos a abandonar os seus próprios critérios de racionalidade pois estes são indispensáveis em um sistema de decisões econômicas descentralizado A compatibilização entre o racional nos planos macro e micro somente poderá ser conseguida através de modificações nas próprias relações estruturais que condicionam o sentido e a direção do comportamento dos agentes econômicos particularmente daqueles que tomam decisões estratégicas Sobre a teoria estruturalista da inflação consultemse como trabalhos básicos Juan Noyola Vásquez El desarrollo económico y la inflación en México y en otros países latinoamericanos Investigación Económica México Cuarto Trimestre 1956 e Osvaldo Sunkel La inflación chilena un enfoque heterodoxo El Trimestre Económico México Vol XXV nº 4 1958 89