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10 A defesa da justiça na República de Platão RICHARD KRAUT Sou grato para com os públicos da Clark University da Johns Hopkins University da Northwestern University da Universidade de Michigan e da Wayne State University por seus comentários aos primeiros esboços deste ensaio Além disso fizme valer das críticas de Christopher Bobonich Sarah Broadie Shelly Kagan Ian Mueller Constance Meinwald e David Reeve Neste ensaio tentarei identificar e explicar o argumento fundamental da República de Platão para a surpreendente tese segundo a qual a justiça é de tal maneira um bem que qualquer pessoa que a possua está em melhor situação do que uma pessoa consumadamente injusta que desfrute de recompensas sociais não raro recebidas pelo justo¹ A tentativa por Platão de defender essa afirmação notável é está claro o fio unificador do diálogo mas seu argumento contempla tão amplas variedades no curso de diferentes tópicos que é difícil ver como tudo isso se coaduna e quem quer que tente enunciar seu argumento deve se ater a questões interpretativas a respeito das quais existem consideráveis controvérsias acadêmicas² A dificuldade do ¹ Ver República 360e362c para o contraste entre as vidas justa e injusta Toda a paginação que aqui aparecerá doravante se referirá a esse diálogo a não ser que em caso de notação em contrário Deve se enfatizar que Platão não está tentando mostrar que é vantajoso atuar com justεza independentemente da condição psicológica que se tenha Sua afirmação é a de que é vantajoso ser uma pessoa justa ² Pude extrair o máximo destes estudos Julia Annas An Introduction to Platos Republic Oxford 1981 Terence Irwin Platos Moral Theory Oxford 1977 C D C Reeve PhilosopherKings The Argument of Platos Republic Princeton 1988 Nicholas P White A Companion to Platos Republic Indianapolis 1979 Dentre tratamentos mais diálogo só faz aumentar com o fracasso de Platão em dar uma justificação explícita para a complexa equação moral que ele ousadamente anuncia a justiça descontada pela dor e pela desonra é mais vantajosa do que a injustiça suplementada pelas recompensas da justiça Mesmo que ele consiga mostrar que a justiça é o maior dentre os bens tomados individualmente ainda assim ficamos nos perguntando se seu valor é suficientemente alto para que essa equação seja correta Minha principal tese é a de que a teoria das Formas desempenha um papel crucial no argumento de Platão para a tal equação mas acresce que o modo preciso pelo qual essa teoria contribui para a sua defesa da justiça é difícil de reconhecer É complicado sobrepujar certa cegueira que temos para com uma das principais teses de Platão cegueira que podemos encontrar em uma das críticas de Aristóteles à concepção por Platão do bem Meu objetivo não será o de mostrar que a teoria de Platão é defensável contra todas as objeções tão logo a corrijamos do erro cometido por Aristóteles Mas penso que há algo poderoso no argumento de Platão e è criticando Aristóteles que espero trazer esse aspecto à luz l Eu disse que manterei meu foco no argumento fundamental de Platão segundo o qual a justiça é de interesse do indivíduo mas se pode perguntar por que motivo qualquer argumento deveria ser assim isolado e receber especial atenção Ora na superfície a República parece apresentar quatro tentativas independentes em apoio à conclusão de que a justiça se faz valer à parte de suas consequências³ Em primeiro lugar ao final do Livro antigos que ainda vale consultar estão R C Cross e A D Woozley Platos Republic A Philosophical Commentary London 1964 Horace WB Joseph Essays in Ancient and Modern Philosophy Freeport NY 1971 N R Murphy The Interpretation of Platos Republic Oxford 1951 Richard Nettleship Lectures on the Republic of Plato 2 ed London 1962 ³ Aqui estou pondo de parte os argumentos do Livro I do diálogo e concentrandome inteiramente na questão tal como é reintroduzida no início do Livro II Platão deve IV aprendemos que a justiça é certo arranjo harmonioso das partes da alma Por esse motivo ela está relacionada à alma como a saúde está relacionada ao corpo e uma vez que a vida não vale a pena ser vivida se a vitalidade estiver arruinada é de suma importância manter a justiça da alma 444c445c Em segundo lugar no Livro IX Platão compara cinco tipos de pessoas que ele vinha retratando nos livros intermediários o legislador filosófico o timocrata o oligarca o democrata e o tirano e declara que deles o mais feliz é o filósofo uma vez que ele reguiamente exerce a lei para consigo mesmo 580ac Em terceiro lugar o Livro IX de imediato argumenta que a vida filosófica tem mais prazer do que qualquer outra já que o filósofo encontrase na melhor posição de comparar os vários prazeres disponíveis ter acreditado que os argumentos do Livro I eram de certa forma deficientes de outro modo não haveria necessidade de reabrir a questão na Parte II Talvez a sua deficiência resida sobretudo em sua natureza esquemática eles precisam de um anteparo da teoria política da metafísica e da psicologia Uma leitura alternativa é a que se tem no Livro II onde Platão propõe que os argumentos expostos até ali seriam de tipo completamente errado Para essa interpretação ver Irwin Platos Moral Theory pp 177184 Reeve PhilosopherKings pp 324 Também ponho de lado outras considerações a que Platão faz menção no Livro X de 62bss essas são recompensas mundanas e extramundanas pelas quais o justo pode esperar receber São precisamente essas recompensas que Platão concorda em ignorar quando promete no Livro II mostrar que a justiça é de nosso interesse à parte suas consequências Deveria se enfatizar que Platão pensa que essas recompensas tornam a vida justa ainda mais desejável Ele concorda que a pessoa justa que passa pelos tormentos descritos em 31e362a sofre uma perda de bem estar de modo que não é paradigma de felicidade Quando ele se refere à saúde e outros assim chamados bens em 495a7 sua recusa em chamálos bens deve de pronto ser entendida como significando que esses objetos ordinários de busca não são bens em toda e qualquer circunstância ele não pode sustentar a tese mais forte de que eles jamais são bens pois fosse esse o caso as recompensas sociais de justiça seriam uma questão de indiferença Tem havido considerável debate sobre o que Platão pretende ao dizer que a justiça é boa em si mesma Ver Annas Introduction cap 3 Cross and Woozley Platos Republic 669 M B Foster A Mistake of Platos in the Republic Mind 46 1937 pp 386393 Irwin Platos Moral Theory pp184191 3256 C A Kirwan Glaucons Challenge Phronesis 10 1965 pp 162173 J D Mabbott Is Platos Republic Ultilitarian Mind 46 1937 pp 468474 David Sachs A Fallacy in Platos Republic Philosophical Review 72 1963 pp 141158 Reeve PhilosopherKings pp 2433 Nicholas P White The Classification of Goods in Platos Republic Journal of the History of Philosophy 22 1984 pp 393421 aos diferentes tipos de pessoas e prefere os prazeres filosóficos com todos os demais 580c583a Em quarto lugar os prazeres da vida filosófica são mostrados como mais reais e por isso maiores do que os prazeres de qualquer outro tipo de vida 583b588a Acaso Platão destaca qualquer desses argumentos como sendo mais fundamental que os outros Podese pensar que seu quarto argumento o segundo dos dois que dizem respeito ao prazer é aquele que ele tem por mais importante já que o introduz com a observação de que esse será o maior e supremo caso de injustiça megiston te kai kuriotatôn tôn patômâtôn 583b67 Isso poderia ser tomado como significado que o prazer é o bem mais importante a se tomar como critério para a decisão entre justiça e injustiça e que o argumento a se lançar mão é aquele que mais plenamente revela o porquê de a justiça dever ser escolhida em detrimento a seu oposto Porém eu acho que tal leitura daria a esse argumento já bem maior importância do que ele merece e creio que as palavras de Platão podem e devem merecer uma interpretação diferente Como eu li na República o seu argumento fundamental em defesa da justiça é aquele que conhecerá um fechamento no Livro IX antes que qualquer coisa seja dita sobre como a vida do justo e do injusto se comparam quanto ao prazer Esse é o argumento que Platão elabora com mais detalhes e se ele estiver certo o mesmo argumento constituirá um caso decisivo em favor da vida justa Ele mostra com precisão o que relativamente à justiça faz dela tão vigorosa Em contraste os dois argumentos que atrelam justiça e prazer são meramente pensados como a nos garantir que não temos de sacrificar o segundo bem que é o prazer para obter o primeiro que é a justiça Eles acrescentam em atratividade à vida justa mas em si não bastam para mostrar que a justiça deve ser escolhida em detrimento da injustiça a exemplo do argumento mais longo que o precede Por que deveríamos ler a República por esse viés não obstante o enunciado de Platão de que o caso maior e supremo de injustiça vem com seu argumento final A resposta se encontra no modo como ele posiciona no Livro II a questão fundamental à que o restante do diálogo responde A tese que ele ali submete à prova é enunciada de diversas maneiras é melhor ameinon o justo do que o injusto 357b1 a justiça deve ser bem acolhida por si mesma se o indivíduo quiser ser bemaventurado makarios 358a3 a opinião comum de que a injustiça é mais lucrativa lusitelein deve ser refutada 360c8 temos de decidir se o homem justo é mais feliz eudaimonesteros do que o injusto 361d34 a justiça em si mesma beneficia oninnanai alguém que a possua enquanto a injustiça lhe é nociva blaptein 367d34 devemos determinar as vantagens ôpheliai de justiça e injustiça Platão não concede a nenhum desses enunciados um papel especial a desempenhar em seu argumento mas se move para frente e para trás em seu seio Certamente estará pressupondo que uma vez tendo a vida consumadamente justa se mostrado mais vantajosa até mesmo em meio ao infortúnio do que a vida consumadamente injusta ele tem aí uma razão decisiva para escolher a primeira em detrimento da segunda Notese contudo que Platão jamais promete no Livro II mostrar que a justiça proporciona maiores prazeres do que o faz a injustiç a e jamais chega a sugerir que teria de defender essa tese para mostrar que nós deveríamos escolher a vida justa Isso sugere que a questão sobre se a vida justa ou injusta é a que tem mais prazer será ainda uma questão aberta mesmo depois que as grandes vantagens da vida justa tiverem sido demonstradas E é claro essa sugestão é confirmada no Livro IX tendo mostrado que a pessoa justa é mais feliz para Platão existe a necessidade de mais argumentos para mostrar que a pessoa justa também tem o maior prazer Assim com o intuito de realizar a tarefa o próprio Platão afirma na República que é a um só tempo necessário e suficiente que ele mostre por que a justiça é tão mais vantajosa do que a injustiç a Mas ele jamais diz ou implica que se pode mostrar como aquela justiça traz maiores prazeres então o texto da República em si será uma defesa suficiente ou necessária da justiça Ao apoiar a justiça ⁴ Leitores da República devem ter em mente que Platão não faz uso de eudaimonia geralmente traduzida por felicidade e seus cognatos para se referir ao sentimento de prazer Para Platão buscar a própria felicidade é simplesmente buscar a própria vantagem e assim para descobrir o que a felicidade é devese determinar onde residem os verdadeiros interesses do ser humano Em termos de prazer Platão está mostrando que existem tanto mais motivos para se conduzir a vida de maneira justa do que se poderia supor Mas o caso fundamental para a justiça foi devidamente elaborado já antes de a discussão sobre o prazer ter se iniciado De seu enunciado deveríamos então inferir que o maior e supremo caso de injustiça ocorre na batalha pelo prazer Uma explicação simples e plausível desse enunciado é proporcionada pelo fato de que ao final de seu último argumento Platão afirma que o prazer do filósofo é 729 vezes maior que o do tirano 587e Quer Platão esteja falando sério sobre esse número quer não e estou inclinado a pensar que não está ele proporciona uma explicação do motivo de ele dizer que esse último argumento impõe à injustiça a sua maior derrota Em nenhum outro argumento ele tentou retratar a lacuna entre justiça e injustiça em tão grande magnitude Tão logo percebemos que a observação de Platão admite essa interpretação podemos apoiar conteúdo em nossa conclusão primeira de que o prazer tem um papel modesto a desempenhar no esquema geral da República II Por essa razão deixarei de lado os dois argumentos hedônicos que Platão dá no Livro IV e passaremos a nos concentrar inteiramente na única defesa complexa da justiça que os precede Mas se pode pensar que esse material contém dois argumentos separados pois ao final do Livro IV Platão já parece ter chegado à conclusão de que uma vez que a justiça é uma harmonia da alma comparável à saúde física ela é bem superior à injustiça Por essa razão podemos supor que após o Livro IV Platão lança uma segunda defesa da justiça de caráter independente uma defesa que conclui o Livro IX com o pronunciamento de que a vida do governante filosófico é mais feliz Porém o próprio Platão deixa claro que esses dois segmentos Livros IIIV por um lado e Livros VIX por outro não podem ser isolados um do outro dessa maneira Pois no início do Livro VIII somos informados de que o vitorioso pronunciamento do Livro IV o de terem sido encontrados a melhor pessoa e a melhor cidade foi prematuro 543c7544be Isso significa que o argumento do Livro IV ao final de tudo não estará completo mas será de algum modo fortalecido pelo material adicional apresentado em algum lugar entre os Livros V e IX Ao admitir que o Livro IV ainda não descobriu quem é a melhor pessoa Platão indica que até aquela altura ele apresentou uma imagem suficientemente completa da vida justa Por isso seria um erro examinar o argumento dos Livros IIIV isoladamente do material posterior muito embora fossem pensados para proporcionar uma defesa completa da justiça Não obstante Platão claramente pensa ter proporcionado pelo menos uma defesa parcial da justiça ao final do Livro IV o fato de que ele segue a fortalecer o argumento proporcionandolhe uma imagem mais completa da vida justa não significa que ao final do Livro VI não tenhamos razão alguma para pensar que a justiça seja superior à injustiça Para compreender o argumento único que perpassa do Livro II até o IV temos de ver por que Platão chega a uma conclusão preliminar no Livro IV e como o material adicional que aparece em livros posteriores fortalece esse argumento Para fazer progressos nessa questão interpretativa iniciemos com uma observação com a qual todos os estudiosos concordariam uma das ideias fundamentais que Platão antecipa em sua defesa da justiça é a de que deveríamos buscar uma teoria geral do bem Sua proposta é a de que quando dizemos de um corpo humano de uma alma humana ou de uma comunidade política que estão em boas condições existe algum aspecto comum a que estamos nos referindo e é porque eles compartilham desse aspecto comum que são propriamente chamados bem Ele espera que seu público concorde com ele no aspecto de que o bem de um corpo a saúde consiste em certa prioridade natural entre vários componentes físicos e ele apela a esse ponto para sustentar a sua afirmação de que a alma de um indivíduo está em boas condições se também ela exibir certa ordenação entre seus componentes 444ce Mas a analogia entre saúde e bemestar psíquico é por si mesma de valor apenas limitado porque nada nos diz sobre que tipo de ordenação deveríamos tentar obter na alma Aquilo de que Platão necessita devendo proporcionar um argumento forte valendose da analogia é de uma estrutura que tenha o mesmo tipo de componentes e que possa exibir o mesmo tipo de equilíbrio que se tem na alma Isso é algo que ele pensa poder realizar examinando a questão sobre qual a melhor cidade possível pois acredita que pode mostrar que a estrutura tripartite da melhor comunidade política corresponde à estrutura da alma humana Se ele puder nos convencer de que essas correspondências existem e se puder nos fazer concordar que a cidade que ele descreve é ideal então ele tem alguma base para chegar a conclusões de que o tipo ideal da pessoa é alguém cuja alma exibe o mesmo tipo de ordenação que a possuída por uma comunidade política ideal crucial é 3 e para vir em seu apoio Platão recorre a analogia entre cidade e alma Porém mesmo que Platão tivesse posto completamente de parte a ideia de que a saúde envolve um equilíbrio o principal argumento de analogia entre os Livros IIIV ainda se manteria o melhor para a pólis é um equilíbrio interno e deveríamos esperar o mesmo para sustentar a verdade do indivíduo O apelo à saúde é uma tentativa de fortalecer o argumento adicionandose um caso a mais no qual a vantagem possa ser equacionada com o equilíbrio apropriado Para um debate sobre o argumento de Platão para a tripartição da alma ver John M Cooper Platos Theory of Human Motivation History of Philosophy Quarterly 1984 pp 321 Irwin Platos Moral Theory pp 191195 Terry Penner Thought and Desire in Plato in Plato vol 2 Gregory Vlastos editor Garden City NY 91 pp 96118 Recve PhilosopherKings pp 118140 A estratégia de Platão fracassaria se fosse impossível dizer alguma coisa sobre o que é uma boa cidade sem primeiro saber o que é uma boa pessoa ou o que é a felicidade humana Os Livros IIIV tentam nos convencer de que muito se pode descobrir sobre como uma comunidade política deve ser organizada mesmo antes de nos debruçarmos sobre a questão da virtude e da felicidade humanas Para a concepção de que o argumento de IIIV incide em circularidade contra Trasímaco ao simplesmente assumir em 427e428a e 433a435a que a justiça é uma virtude ver Michael C Stokes Adeimantus in the Republic in Law Justice and Method in Plato and Aristotle Spiro Panagiotou editor Edmonton 1985 Para Stokes Platão não está efetivamente direcionando o seu argumento para um crítico radical da justiça como Trasímaco em vez disso ele está falando a Glauco e Adimanto já em parte convencidos quando se inicia a discussão Uma concepção semelhante é defendida por Reeve PhilosopherKings pp 3342 contrastar com Martha C Nussbaum The Fragility of Goodness Cambridge 1986 pp 155156 Acredito que Platão esteja tentando persuadir Trasímaco ver 498d e que ele não toma Porém no Livro IV Platão ainda não nos tinha apresentado todos seus argumentos para tomar a comunidade política que ele descreve como ideal Pois uma das principais razões para favorecer o tipo de cidade descrita na República é a de que só ela é governada por indivíduos que detêm a sabedoria necessária para governar bem e esse tipo de conhecimento político especializado só será apresentado nos Livros VIVII Aí se tem uma razão para dizer que o argumento que se baseia na analogia apresentada ao final do Livro IV encontrase incompleto Ademais Platão ainda não disse nos Livros IIIV tudo o que queria dizer sobre o tipo de ordenamento que deveria ser estabelecido na alma Ele nos diz que a razão deve reger e cuidar do bemestar da parte restante da alma da qual o espírito deveria ser aliado e cuja concupiscência deveria ser devidamente vigiada 441e442a Mas qual a razão de governar a alma De que modo pode o espírito ser de valia E se a concupiscência se avantajasse por demais É claro Platão já deu algum conteúdo a essas noções pois ele tem estado a descrever a educação adequada desses elementos da alma desde o final do Livro II e isso nos proporciona algum sentido de como eles deveriam se relacionar entre si Ocorre que tal educação ainda não foi plenamente descrita Quando encontrarmos mais sobre aquilo de que a razão deve se ocupar teremos uma idéia mais completa do que se terá para ela governar III Devemos agora nos voltar para o Livro V mediante VII com o intuito de visualizar como a ilustração platônica da vida filosófica contribui para o argumento de que a justiça se vale por si só Queremos saber sobre essa vida feita tão mais digna de ser vivida do que qualquer outra e temos de compreender como esse novo material está atrelado ao argumento da analogia que chega a uma conclusão preliminar ao final do Livro IV De um modo ou de outro uma resposta a essas questões deve recorrer à crítica platônica das Formas aqueles objetos eternos imutáveis imperceptíveis e incorpóreos a compreensão dos quais é o objetivo da educação do filósofo O filósofo é definido como alguém cuja paixão pelo aprendizado vai crescendo e assumindo a forma de um amor por objetos abstratos como Beleza Bem Justiça e que tais 474c476c E tão logo Platão introduz essa concepção de quem o filósofo é ele nos faz saber que é precisamente em razão da conexão do filósofo com esses objetos abstratos que a vida filosófica é superior a qualquer outra Os que não conseguem reconhecer a existência das Formas têm um tipo de vida como de um sonho porque não conseguem perceber que os objetos corpóreos que eles percebem são apenas semelhanças de outros objetos 476cd Em um sonho é de maneira confusa que tomamos imagens de objetos por aqueles próprios objetos A afirmação de Platão é a de que não filósofos cometem equívoco similar porque pensam que as coisas belas que veem são o que a beleza realmente é em termos mais gerais eles equacionam os muitos objetos observáveis que são chamados por algum termo geral A com o que A realmente é Os filósofos são aqueles que reconhecem que A é um tipo de objeto completamente diferente e com isso eles se livram de um erro sistemático que de algum modo desfigura a vida filosófica Este é evidentemente o quadro que Platão esboça na alegoria da caverna 514a519d a maior parte de nós encontrase aprisionada em um submundo escuro porque apenas vislumbramos nas sombras manipuladas por outros livrarnos dessa situação requer uma mudança em nossa concepção dos tipos de objetos que eles são A metafísica de Platão portanto é controversa mas o problema que se nos apresenta aqui é o de compreender como ela contribui para a defesa da justiça Suponhase que aceitamos em consideração ao argumento que pelo menos os seguintes princípios centrais de sua metafísica estejam corretos existem tais objetos abstratos na condição de Forma da Justiça e para chamar atos indivíduos ou cidadãos basta dizer que eles trazem certa relação com essa Forma Chamar um ato justo é comparável com chamar uma imagem em uma pintura de árvore A imagem não é o que uma árvore é também é correto falar dela como sendo uma árvore somente se tal significar que ela traz certa relação com árvores vivas de modo semelhante simplesmente atos pessoas e cidades não são o que a justiça é e é correto chamálos justos somente se isso significar que eles participam na Forma da Justiça Se aceitamos essa teoria evitamos os erros de não platonistas reconhecemos que objetos existem em variedade mais ampla do que a que a maior parte das pessoas percebe e que nossos mundos constantemente fazem referência a esses objetos Ainda assim poderíamos perguntar por que motivo essa concepção platônica do mundo faria nossas vidas tão melhores do que a vida dos não platonistas Uma resposta possível que Platão pode dar é a de que uma vez que o conhecimento da realidade é um grande bem intrínseco uma vida na qual conheçamos a verdade sobre o que existe é bem superior a uma vida em que permanecemos ignorantes das realidades fundamentais do universo Mas isso me soa como uma resposta desapontadora e logo passarei a argumentar que Platão tem uma resposta melhor Ela desaponta porque parte de um pressuposto que seria desafiado por qualquer pessoa que tiver dúvidas sobre os méritos da vida filosófica Aos que não são dotados de inclinação filosófica de modo algum é óbvio que o conhecimento da realidade seja em si um grande bem intrínseco Com legitimidade eles podem perguntar por que é válido para nós contribuir para o nosso entendimento da realidade já que o nosso fracasso em fazêlo não impediria nossa busca de bens que sejam válidos Platão não pode simplesmente replicar que o conhecimento é intrinsecamente válido à parte qualquer contribuição que se possa fazer para a busca de outros objetivos Isso introduziria uma circularidade em favor da vida filosófica Pode ser pensado que para Platão o conhecimento platônico das Formas é válido precisamente porque ele é um meio para algum outro objetivo Por exemplo ele pode afirmar que a não ser que estivermos estudando a Forma da Justiça é provável que em algum ponto venhamos a cometer erros em nosso juízo sobre quais atos pessoas ou instituições são justos e se cometemos erros desse tipo tomamos más decisões sobre como agir Mas se é esse o argumento de Platão então novamente ele incide em circularidade Pois podemos perguntar por que é tão importante descobrir como agir com justiça em todas as situações É claro se agir com justiça é bom para o agente e se o conhecimento das Formas é um meio indispensável para esse fim então é preciso adquirir tal conhecimento Mas esse argumento meramente pressupõe a tese que Platão se dispõe a provar a de que o agir com justiça é bom para o agente Talvez ele esteja pressupondo que o conhecer das Formas valha a pena não meramente como um meio de ação mas porque ao chegar a compreender as Formas nós desenvolvemos a capacidade de raciocinar Seres humanos não são apenas criaturas apetitivs e emocionais também temos um interesse inato em aprender e se esse aspecto de nossa natureza não é desenvolvido nossa vida se torna estreita e empobrecida Um problema a envolver essa resposta é o de que essas pessoas diferem amplamente quanto ao grau de curiosidade intelectual que possuem e os tipos de objetos que satisfazem sua curiosidade também diferem em ampla medida Os que têm pouca ou nenhuma inclinação para estudos abstratos podem satisfazer sua curiosidade de modos simples e de novo Platão estaria incindindo em circularidade se ele simplesmente assumisse que ter um apetite facilmente satisfeito em questões de raciocínio desqualifica o indivíduo no que diz respeito a conduzir uma vida boa voltada para o bem Ademais como Platão disso se mostra consciente é possível passar boa parte de nosso tempo debruçado sobre questões intelectuais sem jamais se dar conta de que as Formas existem Aqueles que estudam o universo e buscam explicar todos os fenômenos sem apelar às Formas certamente desenvolvem o lado raciocinante de sua natureza não serão apenas emoção e apetite que irão conduzilos a suas teorias Mesmo assim eles não estão conduzindo a vida filosófica de acordo com a concepção estreita de filosofia por Platão e desse modo não são eles que levam o melhor tipo de vida Se ele pensa que intelectuais que negam a existência das Formas falham no desenvolver de suas capacidades e por essa razão se fazem aquém da felicidade ele deve a seu leitor alguma argumentação em favor dessa tese IV Acredito que a resposta de Platão a essa questão esteja bem diante de nosso nariz mas que falhamos ao reconhecêla porque de início ela nos parece duvidosa ou mesmo ininteligível Minha sugestão é a de que para Platão as Formas são um bem na verdade o maior bem que existe Com o intuito de viver bem devemos romper com os pressupostos limitantes segundo os objetos comuns de busca os prazeres poderes honras e bens materiais pelos quais nos esforçamos são os únicos tipos de bem que existem Devemos transformar nossa vida ao reconhecer um tipo radicalmente diferente de bem as Formas e devemos tentar incorporar esses objetos em nossa vida pelo compreendêlos amálos e imitálos já que eles são incomparavelmente superiores a qualquer outro tipo de bem que possamos ter É por isso que para Platão o filósofo é tão melhor que os outros homens por ter escapado dos confins da existência da pessoa comum que se dá ao modo de sonho os objetos com que o filósofo está familiarizado são objetos muito mais dignos de amor do que os objetos característicos da paixão humana Desse modo Platão não está afirmando que é intrinsecamente bom ter um inventário completo do que existe e não está afirmando que desenvolver e satisfazer a nossa curiosidade intelectual é algo intrinsecamente válido independentemente dos tipos de objetos a que nossa curiosidade nos conduza Em vez disso Platão tem na descoberta das Formas algo de grande importância já que elas são o bem preeminente que devemos possuir para sermos feliz e toma a razão como a mais valiosa capacidade de nossa alma pois somente pela razão possuiremos as Formas Se não houvesse nada digno de valor fora de nós para a razão descobrir então uma vida dedicada ao raciocínio perderia a sua reivindicação à superioridade em relação a outros tipos de vida A interpretação que estou propondo tem alguma semelhança com o modo como Aristóteles aborda a filosofia moral de Platão De acordo com Aristóteles podemos descobrir o tipo de vida que deveríamos levar somente pela determinação do bem ou bens que deveríamos em última instância perseguir Ele leva em conta as concepções concorrentes do mais elevado bem e toma a resposta platônica não como sendo a que aponta para algum objeto anódino de busca podendo ser o prazer ou a virtude mas muito mais como a Forma do Bem Aristóteles é claro rejeita essa resposta mas é significativo que ele tome o platônico por aquele que diz que certa Forma é o bem mais elevado e deva por essa razão desempenhar o papel que não platônicos atribuem a prazer honra ou virtude Assim interpretado o platônico não está simplesmente dizendo que a Forma do Bem é um meio indispensável para determinar quais entre outros objetos são bons ele próprio é o sumo bem Minha interpretação é similar à medida que tomo Platão por tratar as Formas de modo geral como um bem preeminente o papel especial da Forma do Bem será discutido mais tarde Nesse ponto podese questionar se a teoria que estou atribuindo a Platão é inteligível Pois talvez uma Forma seja simplesmente não o tipo de coisa que uma pessoa possa ter ou possuir É claro uma Forma pode ser estudada e conhecida mas estudar uma coisa é algo que em si não confere propriedade A lua por exemplo pode ser um belo objeto um valoroso objeto de estudo mas ninguém em sá consciência dirá que a lua é um bem que se possui em virtude de estudála De modo semelhante a afirmação de que a Forma do Bem não é o tipo de coisa que possa ser possuída é uma das muitas objeções de Aristóteles à concepção platônica do bem NE 1096b35 Segundo Aristóteles Platão estaria dizendo que o fim último é a Forma do Bem e objeta que a Forma do Bem teria sido desqualificada no desempenho desse papel por não ser um objeto do tipo certo Podese pensar que essa objeção é tão poderosa que nem por caridade deveríamos buscar uma interpretação diferente daquela que estou propondo Mas acho fraca a objeção de Aristóteles Claro é verdade que se tomamos a posse de uma coisa como uma questão de ter direitos de propriedade sobre ela então estudar a Forma do Bem não confere tais direitos e é difícil entender o que seria possuir uma Forma Mas podemos falar de ter coisas muito embora não tenhamos direitos de propriedade sobre ela por exemplo podese ter amigos sem possuílos E podemos facilmente compreender aquele que diz que para ter uma vida boa é preciso ter amigos Ter amigos é questão bem diferente do que é possuir um objeto físico envolve um vínculo emocional e atividades que caracterizam a amizade Ter um determinado bem varia de acordo com o tipo de bem diferentes tipos de bem não entram em nossas vidas do mesmo modo Com isso o mero fato de que uma Forma não pode ser possuída não dá motivos para que se rejeite a ideia de Platão segundo a qual se se traz certa relação com as Formas relação que envolve tanto um vínculo emocional como um entendimento intelectual então uma vida se torna mais digna de ser vivida precisamente porque desse modo se está conectado com tais objetos de valor Na verdade existem semelhanças entre o modo pelo qual as pessoas podem entrar em nossa vida e melhorála e o modo como Platão pensa que deveríamos estar relacionados às Formas Podemos facilmente compreender alguém que diz que um dos grandes privilégios de sua vida foi ter conhecido certa pessoa iminente ou inspiradora Mesmo não sendo amigo íntimo de tal pessoa podese ter grande amor e apreço por ela e ter grande prazer em estudar sua vida Esse é o tipo de relação que Platão pensa que deveríamos ter com as Formas ele não está salientando que amar e estudar sejam boas atividades quaisquer que sejam seus objetos mas salienta isto sim que as Formas sejam bens preeminentes e por esse motivo nossa vida em ampla medida é melhorada quando viemos a conhecêlas amáIas e imitálas Suponhase que nos seja concedido que se as Formas são um bem então elas são o tipo de coisa que pode melhorar nossa vida se nos relacionarmos com elas de maneira apropriada Não obstante podese ainda perguntar se a ideia de que elas são boas pode fazer sentido Se alguém diz que a água é uma coisa boa podemos nos confundir com o que com isso se tem em mente e mesmo podemos nos pôr céticos sobre se a água é o tipo de coisa que pode ser boa em si mesma em oposição à sua condição de ser mero meio24 De modo semelhante podemos ter dúvidas quanto às Formas de Platão como podem tais objetos que são de gênero tão diferente do de bens mundanos como saúde e prazer ser contados entre os bens E se não se puder nos convencer de que são bons então é claro tampouco se terá esperança de nos persuadir de que são amplamente melhores do que bens comuns como prazer saúde riqueza poder e outros Para a resposta de Platão à nossa pergunta o que é dizer de alguma coisa que é uma coisa boa podemos granjear ajuda de sua discussão sobre a Forma do Bem Mas muito embora ele insista na preeminência dessa Forma ele não diz precisamente o que ele toma pela qualidade do bem ele simplesmente diz que não se trata de prazer ou conhecimento 505b506e Temse aqui um marcado contraste entre a plenitude de sua abordagem do que a justiça é e a acuidade de sua discussão sobre o bem Aprendemos o que é dizer de uma pessoa de um ato ou de uma cidade que ela é justa e vemos o aspecto que todos esses têm em comum mas Platão observa não haver nada em comum a todas essas coisas Assim ele não toma para si o projeto de mostrar que as Formas são preeminentes pelo enunciar da propriedade em que consiste o bem e pelo argumentar que elas exibem tal propriedade mais plenamente do que qualquer outra coisa Talvez possamos descobrir por que Platão pensa as Formas como bens se nos focamos em suas características distintivas e perguntamos quais delas Platão pode ter destacado como pontos de superioridade em relação a outros objetos Por exemplo ele pensa que as Formas são mais reais do que os objetos corpóreos e presumese que ele tenha tal coisa como evidência de sua superioridade de valor25 Mas esse ponto não nos levará tão longe quanto precisamos ir já que Platão pensa que objetos que são igualmente reais podem não obstante diferir enormemente quanto ao seu valor Considere dois corpos um deles saudável o outro enfermo um está em melhores condições que o outro mas Platão jamais sugere que um deles deva por esse motivo ser mais real que o outro Muito embora Formas sejam mais reais do que outros tipos de objetos não podemos tratar diferentes graus de realidade como o que de um modo em geral constitui diferenças de valor Porém nosso exemplo dos corpos saudável e enfermo sugere outra linha de raciocínio Platão equaciona saúde a boa condição do corpo com certa harmonia entre seus elementos e ele argumenta que justiça a boa condição da alma é também certo tipo de harmonia entre suas partes e assim o próprio pensamento sugere que Platão toma o bem de alguma coisa de certo tipo como a harmonia ou proporção que é apropriada às coisas daquele gênero De acordo com essa sugestão a qualidade de bem que houver nas Formas consiste no fato de que elas possuem uma espécie de harmonia equilíbrio e 24 Ver Paul Ziff Semantic Analysis Ithaca NY 1960 pp 210216 Sua concepção é a de que quando nos referimos ao bem de alguma coisa estamos dizendo que ele responde a certos interesses p 117 A não ser que formos supridos com informações adicionais não está claro como a água pode satisfazer a essa condição É claro que com base em minha leitura Platão não está apenas dizendo que as Formas respondem a certos interesses Elas são boas independentemente de nossos interesses e porque são boas é de nosso interesse possuílas proporção e sua superioridade em relação a todas as coisas consiste no fato de que o tipo de ordenação que possuem lhes confere um grau mais elevado de harmonia do que qualquer outro tipo de objeto26 Está claro que para Platão as Formas exigem o mais elevado gênero de arranjo ordenado Diz ele que o filósofo desvia o olhar dos negócios humanos assolados pelo conflito voltandoos às coisas que são imutáveis e ordenadas tetagmena 500c2 pelo estudo da ordenação divina kosmos c4 sua alma se torna tão ordenada e divina quanto possível for a uma alma humana c9d1 Mesmo os padrões mais belos exibidos no céu da noite estão aquém das harmonias presentes nas verdadeiras formas e números uma vez que a corporeidade das estrelas torna o desvio inevitável enquanto o caráter incorpóreo das Formas garante que os padrões ordenados que elas exibem jamais se deteriorará 529c7530b4 Mas ele não diz precisamente no que consiste o caráter ordenado das Formas corpos almas e comunidades políticas exibem ordenação e portanto a qualidade do bem quando suas partes ou componentes estão relacionadas a cada outra de modos adequados mas não ficamos sabendo se as Formas têm partes ou se elas alcançam sua ordem de alguma outra forma Talvez isso explique a recusa de Platão em dizer o que é a Forma do Bem 506de muito embora a qualidade do bem seja simplesmente algum tipo de harmonia Platão ainda não chegou a uma firme apreensão do que essa harmonia é no caso de Formas de modo que não poderia sugerir uma antecipação geral da harmonia que se aplicaria igualmente aos vários tipos de harmonia exibidos por corpos viventes almas estrelas e Formas Em todo caso porém podemos visualizar como Platão procuraria lidar com dúvidas sobre se as Formas são os tipos de objetos que de maneira inteligível podemos chamar bens Recorrendo ao seu debate sobre política ele responderia sobre a alma e sobre saúde em todos esses casos o bem de uma coisa consiste em uma espécie de ordenação e assim se as Formas podem ser mostradas como tendo o tipo de ordem apropriada a coisas desse tipo também elas serão boas E se elas necessariamente têm um grau mais elevado de ordenação do que qualquer outra coisa elas são os bens melhores que pode haver27 26 Lidos dessa forma os argumentos dos Livros IIIV e de VIX amparamse mutuamente o material que se tem em VIX acrescenta conteúdo e apoio à tese de que a justiça é uma harmonia psicológica essa tese por sua vez ampara a identificação entre estar em boas condições e estar arranjado de maneira harmoniosa pelo amor às Formas se ele treinar os componentes não racionais da alma para servir ao seu amor pela filosofia É essa afirmação mais fraca que se encontra por trás de seu retrato do filósofo como o paradigma da justiça humana Colocandose na melhor posição para conduzir a vida filosófica o indivíduo desenvolve as habilidades intelectuais e emocionais que buscamos em uma pessoa completamente justa A pura e simples existência de amantes de objetos abstratos que sejam injustos em si não refuta Platão pois a questão não versa sobre a existência de indivíduos nessas condições mas se a condição psicológica que subjaz à sua injustiça pode tornálos menos capazes de tirar proveito de seu reconhecimento de objetos abstratos Contra Platão podese argumentar que a sensualidade a ganância e os apetites desmesurados por alimentos e bebidas fazem do indivíduo tanto mais capaz de compreender e amar o reino ordenado das Formas mas está longe de ser óbvio que assim seja Ele não está sendo desarrazoado ao pressupor que esses estados emocionais são ao contrário obstáculos à vida filosófica Contudo devemos lembrar que Platão promete fazer mais do que meramente mostrar que a justiça é algo como um bem por excelência Ele tem de mostrar que ela é um bem maior que a injustiça tanto que mesmo se as consequências normais de justiça e injustiça forem revertidas será melhor ser justo do que injusto O paradigma da justiça deve ser punido porque ele é pensado como injusto e o paradigma da injustiça é receber as honras e recompensas porque ele parece ser justo Como Platão pode mostrar que mesmo nessa situação é melhor ser justo A resposta reside parcialmente no modo como ele descreve a situação da pessoa completamente injusta que é o tirano A tal pessoa é permitido viver suas fantasias de poder e erotismo de maneira irrestrita e o que Platão observa contra essa vida é que sua falta de restrições inevitavelmente era o preço de uma perda psicológica devastadora Quando aos desejos eróticos se permite crescer até sua plena extensão eles se tornam impossíveis de satisfazer em vez de conduzir a uma vida de paz e satisfação deixam o indivíduo com um crônico sentimento de frustração 579de De modo semelhante o poder tirânico inevitavelmente desperta um contínuo medo de reprimendas e uma falta de confiança nos que lhe estão associados 576a 579ac O fracasso em 29 Para um debate adicional sobre os modos pelos quais o novo entendimento que Platão faz da justiça é relacionado com a concepção grega comum ver Gregory Vlastos Justice and Happiness in the Republic in Platonic Studies 2 ed Princeton 1981 pp 111139 Essa é uma resposta para Sachs A Fallacy in Platos Republic argumentando que essas duas concepções encontramse desconectadas Algumas outras respostas a Sachs são as que se tem em Annas Introduction cap 6 Raphael Demos A Fallacy in Platos Republic Philosophical Review 73 1984 pp 395398 Irwin Platos Moral Theory pp 208212 Richard Kraut Reason and Justice in Platos Republic in Exegesis and Argument E N Lee Alexander P D Mourelatos e R M Rorty editores Assen 1973 pp 207224 e Reeve PhilosopherKings cap 5 impor qualquer ordenamento que seja a seus próprios apetites faz do indivíduo vítima de frequentes e desorganizadas demandas internas 573d Assim para obter grande poder e intenso prazer sexual o tirano deve levar uma vida caótica repleta de angústia medo e frustração Ninguém que venha a ler essa abordagem da vida tirânica poderia seriamente erigila em modelo para o modo como os seres humanos devem viver Quando o imoralista louva a vida regrada por desejos de poder e prazer sem qualquer restrição ele simplesmente não pensa nas consequências de dar livre curso a esses desejos Ele responde a algo na natureza humana pois Platão concorda que ninguém está completamente livre dos impulsos que o imoralista defende 571b572b A presença desses impulsos ilícitos empresta alguma credibilidade às dúvidas do imoralista sobre se a justiça é uma virtude pois o louvor à imoralidade responde a algo que está dentro de nós A resposta de Platão ao imoralista é a de que quando levamos a sério as consequências psicológicas de se exaltar o poder de nossos impulsos ilícitos a vida de máxima injustiça perde o seu apelo Isso é algo que pensa ele seremos capazes de ver sem ter o benefício da teoria das Formas ele invoca as Formas porque elas são os objetos em torno dos quais o melhor tipo de vida humana pode ser construído mas nenhum apelo ele faz a esses objetos ao tentar nos convencer de que a vida tirânica é miserável De novo é possível protestar que o argumento de Platão seja naïve Ele parece residir sobre a suposição empírica de que quem quer que possua um poder tirânico terá também suas obsessões sexuais e isso torna mais fácil para ele fazer com que tal vida pareça carente de atrativos Mas na verdade tal suposição empírica parece injustificada certamente é possível tiranizar uma comunidade e limitar todas as outras paixões30 Também aqui contudo acho que Platão é menos vulnerável a críticas do que podemos ter pensado Seu retrato do tirano não se pretende uma generalização empírica isenta de exceções sobre como são tais indivíduos Em vez disso ele se encontra elaborando o retrato da vida injusta tal como apresentado no Livro II onde Glauco e Adimanto tentam fazer com que tal vida pareça atraente De acordo com seu retrato o homem injusto pode seduzir qualquer mulher que lhe atraia e ele pode matar a quem quiser 360ac A ideia de Platão é a de que esses aspectos de injustiça captam seu apelo subracional no que então seria justo descrever o paradigma da injustiça como alguém cujo apetite sexual e tendências assassinas sejam levados ao extremo O retrato que Platão faz do tirano deixa claro que seu argumento em favor da justiça não reside só na metafísica dos livros intermediários e na teoria política dos primeiros livros mas reside também em várias suposições sobre psicologia humana Certos desejos se não se lhe interpõe nenhum empecilho conduzem aos tipos de consequências frustração medo pânico que todos tentam evitar e que são vistos como compatíveis com uma vida humana plenamente feliz O que Platão está pressupondo é que a vida da pessoa completamente justa não estropiada por esses mesmos aspectos Medo frustração e caos não são os preços que os filósofos devem inevitavelmente pagar por ter um amor pelas Formas e por dar a essa paixão um papel dominante em suas vidas Pelo contrário aqueles que estão na melhor posição para estudar as Formas terão apetites modestos e por isso mesmo de fácil satisfação e estarão livres do desejo competitivo pelo poder que de modo tão característico indispõe as pessoas umas contra as outras e destrói a sua tranquilidade Assim a vida filosófica incluirá a harmonia sentida da alma que todos podem reconhecer e valorizar o mesmo se aplicando ao tipo mais complexo de harmonia que só se pode compreender por meio de uma investigação filosófica das partes da alma e dos objetos metafísicos que entram em nossa vida quando a razão governa Agora podemos visualizar por que motivo Platão está confiante de que ele pode provar que a justiça vale a pena mesmo quando ele permite que a pessoa justa e a injusta mudem de papéis como se tem no Livro II Ainda que a pessoa justa seja por equívoco desonrada e punida ela estará em paz consigo mesma estará livre do caos e da frustração que tornam a vida do tirano tão repelente No lugar da grande dor física imaginada para a pessoa justa o tirano tem de suportar uma imensa dor psicológica Se a condição do injusto assim tampouco é invejável existe uma diferença mais importante que Platão pensa contar decisivamente em favor da pessoa justa o seu entendimento e suas emoções dão entrada em um mundo de objetos completamente harmoniosos de modo que ele possui o maior bem que existe Enfim respondemos à questão com a qual começamos a pessoa consumadamente injusta tem problemas que contrabalançam a dor e a desonra imaginada para a pessoa justa e se fossem esses os únicos fatores envolvidos nessa comparação seria difícil decidir qual situação é a pior mas uma vez que a posse das Formas incide do lado da equação da pessoa justa a vantagem aí reside com ela sendo assim esmagadora em razão do grande valor do reino não sensível31 VI Um aspecto importante da teoria de Platão ainda não foi discutido e a melhor forma de trazêlo à luz é pela consideração de uma bem conhecida dificuldade interna em seu argumento Ele diz que aos filósofos da cidade ideal não deve ser permitido estudar as Formas sem interrupção mas ele deve isto sim voltar à caverna e ajudar a administrar a comunidade política 519d521b 540ab Por que os filósofos não se sentirão tentados a resistir a essa exigência por justa que ela possa ser quando ela parecer entrar em conflito com o seu autointeresse32 Na verdade a vida ao ar livre iluminada pela Forma do Bem deve ser melhor que a vida na atmosfera subterrânea em que se deve governar o Estado Não se sentirão os filósofos fortemente tentados a pensar em meios pelos quais possam escapar a tal serviço Em caso afirmativo eles não podem ser alçados como paradigmas de justiça Ademais esse exemplo parece mostrar que a justiça nem sempre vale a pena se o indivíduo pudesse injustamente escapar ao serviço à comunidade e continuar contemplando as Formas ele faria o que fosse melhor para si mas não agiria com justeza Platão se mostra completamente confiante de que indivíduos que ele treinou para a vida filosófica aceitarão essa exigência Na verdade diz ele eles são justos e sua exigência é justa 520e1 Mas por que ele não vê qualquer problema para a sua teoria aqui Por que não lhe salta aos olhos que o governar é contrário aos interesses do filósofo de modo que esse aspecto de seu Estado ideal apresenta um claro contraexemplo a sua tese de que a justiça vale a pena Uma resposta possível a essa questão é simplesmente a de que Platão está disposto a fazer exceções a essa generalização33 Mas é improvável que ele restringiria a si mesmo à afirmação fraca de que a justiça geralmente está nos interesses do indivíduo Creio que seja mais produtivo olhar para esse problema da maneira inversa para Platão governar o estado é uma mera exigência e dado que ele acredita que a justiça está sempre no interesse do indivíduo ele deve pensar que de algum modo vale a pena governar a cidade A questão é como ele poderia acreditar nisso A certa altura ele nos diz que quando os filósofos olham para o arranjo harmonioso das Formas eles desenvolvem um desejo de de um modo ou de outro imitar aquela harmonia 500c E então ele acrescenta que se torna necessário para os filósofos imitar as Formas moldando o caráter humano à sua semelhança eles estarão em excelente posição para bem executar essa função Assim está claro que quando os filósofos governam eles não deixam de olhar para as Formas ou de imitálas Em vez disso sua atividade imitativa já não é meramente contemplativa e eles começam a agir de um modo que produz uma harmonia na cidade à semelhança da harmonia das Formas Ademais se houvesse de sua parte uma recusa ao governo eles estariam permitindo que a desordem da cidade aumentasse Se qualquer filósofo tomado individualmente fugisse a suas responsabilidades deixando que outros fizessem mais do que o permitido pela sua participação justa ele estaria solapando um sistema justo de divisão de responsabilidades A ordem que seria apropriada à sua situação seria solapada E assim fracassando a regra fosse no âmbito de um indivíduo filósofo fosse no de um grupo deles isso criaria uma certa desarmonia no mundo seriam violadas relações adequadas entre pessoas E ao criar essa desarmonia o filósofo de certo modo estaria deixando de imitar as Formas Ele vislumbraria a ordem que é apropriada entre Formas mas poria transtornada uma ordem que é apropriada entre seres humanos O que isso sugere é que Platão tem os recursos para mostrar que a justiça está nos interesses do próprio indivíduo ainda quando ela requer a renúncia a alguma atividade puramente filosófica O que ele deve considerar é que o mais elevado interesse de um indivíduo nem sempre é servido pelo puro contemplar das Formas34 em vez disso o bem mais elevado que se possa ter é estabelecer e manter certa relação de imitação com as Formas uma relação que é tensionada chegando mesmo a uma ruptura quando é posta a perder a justa participação em uma comunidade justa O indivíduo que estiver disposto a fazer a sua parte em uma ordem social cujo aspecto voluntarioso surge de uma plena compreensão do que é a justiça verá a comunidade da qual ele é parte como um todo ordenado uma contraparte mundana ao reino extramundano de objetos abstratos a que ele ama Quando ele age de maneira justa e faz valer a sua justa participação ele se vê como participando em um padrão social que se aproxima da harmonia das Formas e por essa razão toma o seu bem por um agir justo Ao fazer essa conexão entre lesionar o social e a harmonia dos objetos abstratos Platão proporciona uma abordagem do apelo positivo que a justiça nas relações humanas deve ter para nós Somos ou deveríamos ser atraídos pela justiça nas relações humanas quando atuamos com justiça devemos fazêlo não meramente em razão da ausência de motivos como ganância sensualidade e o desejo de dominar os outros Em vez disso devemos ter algo por atraente no tocante às comunidades e relações em que cada pessoa faz a parte que lhe cabe e a nós deve parecer repugnante a violação dessas relações isso por causa de nosso amor à justiça Tal como compreendo Platão ele reconhece que a justiça como relação entre seres humanos pode exercer esse apelo positivo35 VII Comentei no início deste capítulo sobre a existência de algo poderoso no argumento de Platão segundo o qual a justiça tem valor por si própria O que tenho em mente é a tese de que o bem da vida humana depende fortemente de termos uma relação estreita com algo eminentemente digno de valor que resida fora de nós mesmos Para viver bem é preciso estar em boas condições psicológicas e essa condição consistir em uma receptividade dos objetos de valor que existem independentemente de quem os percebe Se o indivíduo se esquece desses objetos e se dedica acima de tudo à aquisição de poder ou ao acúmulo e riquezas ou à satisfação de apetites eróticos ele não só se tornará um perigo para os demais como deixará de atingir seu próprio bem Forças psicológicas que conduzem à injustiça quando se tornam poderosas são forças que devem em todo e qualquer caso ser moderadas tendose em vista seu próprio bem possuir os objetos mais valiosos Ainda que rejeitemos a crença de Platão nas Formas ou que sua tese de que a bem consiste em harmonia devemos reconhecer existirem muitos modos diferentes de tentar amparar sua tentativa de atrelar a qualidade do bem inerente à vida humana a algum bem externo à alma humana A tradição cristã proporciona um exemplo óbvio pois ele sustenta que o bem externo é Deus e que nenhuma vida humana vale a pena ser conduzida sem que Deus de algum modo nela esteja presente Outro exemplo pode ser encontrado em concepções românticas da natureza de acordo com as quais uma pessoa que se encontre alijada da beleza da ordem natural tenha de ser excluída de sua casa e conduzida a uma existência alienada Podemos enxergar até mesmo alguma semelhança entre a teoria de Platão e a ideia de que as grandes obras de arte de tal maneira enriquecem a vida humana que a incapacidade de responder à sua beleza consiste em sério empobrecimento Nesse último caso os conceitos valiosos são criados pelos seres humanos não obstante podese sustentar que o bem de um indivíduo consiste em aprender a compreender e a amar esses objetos É de maneira razoável que se pode dizer que sua vida tem se tornado melhor porque o indivíduo passou a amar um dos produtos culturais de sua sociedade um grande romance por exemplo Não significa que o romance tenha lhe ensinado lições de valor instrumental nem que lhe tenha produzido capacidades psicológicas que de outro modo teriam se mantido em caráter de dormência É inteligível dizer que uma relação com certo objeto algo belo por natureza ou alguma obra de arte ou uma divindade tomada em si mesma torna a vida melhor E isso parece representar o modo como as pessoas vivem suas vidas já que é difícil sustentar a crença de que a vida vale quando não se vê nem se sente nenhuma conexão entre si mesmo e algum objeto maior É claro que Platão rejeitaria essas alternativas à sua teoria ele afirma que o mundo natural com toda sua beleza não é nenhum modelo de perfeição e que os trabalhos de poetas são de ainda menor valor Talvez fosse o caso então de distinguir uma forma fraca de uma forma forte de platonismo O platonismo fraco sustenta que o bem humano consiste em ter uma relação adequada com algum objeto valoroso que seja externo a si mesmo podendo ser uma obra de arte a família ou uma comunidade política o mundo natural ou uma divindade O platonismo forte vai além e sustenta que o objeto valoroso em questão deve ser algum reino eterno e imutável O que é distintivo característico na visão própria de Platão pois sim é que os objetos e questão são as Formas Mas mesmo sendo rejeitada a sua versão particular seria o caso de reconhecer que alguma forma dessa doutrina forte ou fraca é profundamente atraente a muitos Ante o fato de mesmo as formas naufragadas de platonismo terem tido uma longa história Platão certamente se comprataria e não se surpreenderia de todo JAMES RACHELS ELEMENTOS DE FILOSOFIA MORAL TRADUÇÃO F J AZEVEDO GONÇALVES REVISÃO CIENTÍFICA DESIDÉRIO MURCHO SOCIEDADE PORTUGUESA DE FILOSOFIA gradiva 11 A ideia de contrato social As paixões que inclinam os seres humanos a favor da paz são o medo da morte o desejo das coisas necessárias a uma vida confortável e a esperança de que o seu engenho permita alcançálas E a razão sugere cláusulas de paz convenientes sobre as quais os homens podem ser levados a acordo Estas cláusulas são o que costuma chamarse as leis da Natureza THOMAS HOBBES Leviathan 1651 111 O argumento de Hobbes Imaginese que afastamos todas as bases tradicionais da moralidade Suponhase primeiro que não existe qualquer Deus para emitir mandamentos e recompensar a virtude e segundo que não há factos morais integrados na natureza das coisas Suponhase ainda que negamos o carácter naturalmente altruísta dos seres humanos e encaramos as pessoas como essencialmente motivadas pela defesa dos seus próprios interesses Qual é pois a origem da morali dade Se não podemos apelar para Deus aos factos morais ou ao altruísmo natural restará alguma coisa sobre a qual a moralidade se possa fundar Thomas Hobbes o mais distinto filósofo britânico do século XVII tentou mostrar que a moralidade não depende de qualquer dessas coisas A moralidade deveria ser entendida ao invés como a solução de um problema prático que se coloca a seres humanos com interesses próprios Todos queremos viver tão bem quanto possível mas ninguém pode prosperar sem uma ordem social pacífica e cooperante E não podemos ter uma ordem social pacífica e cooperante sem regras As regras morais são apenas pois as regras necessárias para nos permitir obter os benefícios da vida em sociedade É essa a chave para a compreensão da ética e não Deus o altruísmo ou os factos morais Hobbes começa por perguntar como seria se não houvesse regras sociais e nenhum mecanismo comumente aceite para as impor Imaginemos se quisermos que não havia governos nem leis polícias ou tribunais Nesta situação cada um de nós seria livre de fazer o que quisesse Hobbes chamou a isto estado de natureza Como seria isto Hobbes pensava que seria horrível No Leviathan escreveu que não haveria maneira de ser empreendedor pois o fruto do trabalho seria incerto e consequentemente a terra não seria cultivada não haveria navegação nem utilização dos produtos que podem ser transportados por mar nem edifícios confortáveis nem instrumentos para auxiliar a deslocação e remoção de coisas que requerem muita força nem conhecimento da face da Terra nem mecanismos para contar o tempo nem artes nem letras nem sociedade e o que é o pior haveria um medo contínuo e o perigo de morte violenta e a vida do homem seria solitária pobre sórdida brutal e curta Porque razão seriam as coisas tão más Não é porque as pessoas são más É isso sim por causa de quatro factos fundamentais relativos às condições da vida humana Primeiro há o facto da igualdade de necessidades Cada um de nós precisa das mesmas coisas básicas de modo a sobreviver comida vestuário abrigo Apesar de podermos diferir em algumas das nossas necessidades os diabéticos precisam de insulina os outros não somos todos essencialmente iguais Segundo há o facto da escassez Não vivemos no Paraíso onde o leite corre em regatos e todas as árvores estão pejadas de frutos suculentos O mundo é um local duro e inóspito onde as coisas de que precisamos para sobreviver não existem em quantidade abundante Temos de trabalhar duramente para as produzir e mesmo assim muitas vezes não temos o suficiente Se não há suficientes bens essenciais para sobrevivermos quem os irá providenciar Uma vez que cada um de nós quer viver e viver tão bem quanto possível cada um de nós deseja tanto quanto puder obter Mas conseguiremos triunfar sobre os outros que também querem os bens escassos Hobbes pensa que não por causa do terceiro facto sobre a nossa condição o facto da igualdade essencial dos poderes humanos Ninguém é superior a todos os outros em força e engenho de maneira a poder vencêlos indefinidamente É claro que algumas pessoa são mais espertas e mais fortes do que outras mas mesmo as mais fortes podem ser derrotadas por outras actuando em conjunto Se não podemos prevalecer por meio da força que esperança nos resta Poderemos por exemplo confiar na caridade ou boavontade das outras pessoas para nos ajudar Não podemos O quarto e último facto é o altruísmo limitado Mesmo que as pessoas não sejam totalmente egoístas importamse apesar de tudo demasiado consigo mesmas e não podemos simplesmente presumir que sempre que os nossos interesses vitais entram em conflito com os delas elas se afastarão Quando juntamos estes factos emerge um retrato sinistro Todos precisamos das mesmas coisas básicas e não as há em quantidade suficiente para sobrevivermos Logo seremos colocados numa espécie de competição por elas Mas nenhum de nós tem capacidade para triunfar sobre a concorrência e ninguém ou quase ninguém estará disposto a abdicar da satisfação das suas necessidades em favor dos outros O resultado é nas palavras de Hobbes um estado de guerra constante de um contra todos E tratase de uma guerra que ninguém pode esperar vencer Uma pessoa razoável que queira sobreviver tentará recolher o que precisa e prepararse para o defender dos atacantes Mas os outros farão a mesma coisa São estas as razões pelas quais a vida no estado de natureza seria intolerável Hobbes não pensava que tudo isto fosse mera especulação Sublinhou que isto é o que acontece de facto quando os governos caem como durante uma insurreição civil As pessoas começam desesperadamente a armazenar comida a armarse e a afastarse dos seus vizinhos O que faria o leitor se amanhã de manhã ao acordar descobrisse que por causa de uma qualquer catástrofe o governo tinha caído não havendo leis polícia ou tribunais em funcionamento Além disso entre si as nações do mundo sem uma lei internacional actual estão numa situação muito parecida à dos indivíduos no estado de natureza e estão constantemente a atacarse armadas e desconfiadas Para as pessoas escaparem ao estado de natureza é claro que têm de encontrar maneiras de cooperar entre si Numa sociedade estável e cooperante a quantidade de bens essenciais pode aumentar e ser distribuída por quantos tenham deles necessidade Mas são necessárias duas coisas para isto poder acontecer Primeiro tem de haver garantias de que as pessoas não farão mal umas às outras as pessoas têm de poder trabalhar juntas sem medo de ataques roubos ou traições E segundo as pessoas têm de poder confiar umas nas outras quanto ao cumprimento dos seus acordos Só então pode haver uma divisão do trabalho Se uma pessoa se dedica à cultura da terra e outra passa o tempo a ajudar os doentes enquanto uma terceira constrói casas esperando cada uma partilhar os benefícios criados pelas outras cada pessoa na cadeia tem de poder confiar que os outros farão o que deles se espera Uma vez estabelecidas estas garantias pode desenvolverse uma sociedade na qual todos tenham melhores condições de vida do que no estado de natureza Há então lugar para os produtos importados por via marítima edifícios confortáveis artes letras e outras coisas que tais Mas e esta é uma das ideias principais de Hobbes para isto acontecer tem de se estabelecer um governo com o seu sistema de leis polícia e tribunais de maneira a assegurar que as pessoas poderão viver com um receio mínimo de ataques e que terão de manter os seus compromissos O governo é uma parte indispensável do sistema Para escapar ao estado de natureza as pessoas têm pois de concordar no estabelecimento de regras para governar as suas relações e têm de concordar no estabelecimento de um intermediário o Estado com o poder necessário para aplicar estas regras Segundo Hobbes tal acordo existe de facto e torna possível a vida em sociedade A este acordo do qual cada cidadão é parte chamase contrato social Além de explicar os propósitos do Estado a teoria do contrato social explica a natureza da moralidade Estão ambos estreitamente ligados O Estado existe para aplicar as regras mais importantes necessárias para a vida em sociedade enquanto a moralidade consiste em todo o conjunto de regras que facilita a vida em sociedade 206 207 Só no contexto do contrato social podemos tornarnos seres beneficentes porque o contrato cria as condições sob as quais podemos darnos ao luxo de cuidar dos outros No estado de natureza é cada um por si aí seria estúpido alguém adoptar a política de olhar pelos outros porque só se poderia fazer isso à custa de colocar permanentemente os seus próprios interesses em risco Mas em sociedade o altruísmo tornase possível Ao libertarnos do medo contínuo de uma morte violenta o contrato social libertanos para cuidar dos outros JeanJacques Rousseau 17121778 o filósofo francês que depois de Hobbes está mais estreitamente identificado com esta teoria foi ao ponto de afirmar que nos tornamos tipos diferentes de criaturas quando iniciamos relações civilizadas com os outros Na sua obra mais famosa O Contrato Social 1762 Rousseau escreveu Esta passagem do estado de natureza ao estado civil produz no Homem uma mudança admirável Só então quando a voz do dever toma o lugar dos impulsos físicos e o direito o lugar do apetite é que o Homem até então apenas preocupado consigo mesmo se vê forçado a agir segundo outros princípios e a consultar a sua razão antes de dar ouvidos às suas inclinações As suas faculdades são então exercitadas e desenvolvidas as suas ideias alargamse os seus sentimentos enobrecemse toda a sua alma se eleva a um ponto tal que se os abusos desta sua nova condição não o degradassem com frequência a um ponto muito inferior ao da condição da qual saiu seria levado a abençoar continuamente o momento feliz que o retirou dela para sempre e que de um animal estúpido e sem imaginação fez um ser inteligente e um Homem E o que exige a voz do dever deste novo homem Exigelhe que coloque de lado as suas inclinações privadas e egocêntricas em favor de regras que promovam imparcialmente o bemestar de todos sem distinção Mas ele só pode fazer isto porque os outros concordaram fazer a mesma coisa esta é a essência do contrato Podemos pois resumir a concepção do contrato social da forma seguinte A moralidade consiste no conjunto de regras governando a forma de as pessoas se tratarem entre si que todas as pessoas racionais acordam aceitar para benefício mútuo na condição de os outros seguirem também essas regras 208 209 Se ambos confessarem no entanto cada um será condenado a cinco anos Mas se nenhum confessar não haverá provas suficientes para condenar qualquer dos dois Poderão mantêlos detidos durante um ano mas depois terão de libertálos Por fim comunicamlhe que Smith teve a mesma proposta mas o leitor não pode comunicar com ele e não tem maneira de saber o que Smith vai fazer O problema é o seguinte Partindo do princípio que o seu objectivo é passar o menor tempo possível na cadeia o que deve fazer Confessar ou não confessar Para os objectivos deste problema o leitor deve esquecer ideias como as relativas a manter a sua dignidade lutar pelos seus direitos e coisas do género O problema não é sobre isso Deve também esquecer a preocupação de auxiliar Smith Este problema diz estritamente respeito ao cálculo do que é do seu melhor interesse fazer A questão é O que poderá libertálo mais rapidamente Confessar ou não confessar Pode parecer à primeira vista que a questão não pode ser respondida a menos que saibamos o que Smith vai fazer Mas isso é uma ilusão O problema tem uma solução perfeitamente clara Faça Smith o que fizer o leitor deve confessar Isto pode ser demonstrado pelo seguinte raciocínio 1 Ou Smith irá confessar ou não 2 Suponhamos que Smith confessa Então se o leitor confessar será condenado a cinco anos enquanto se não confessar apanhará dez Logo se ele confessar o leitor ficará melhor se confessar também 3 Suponhamos por outro lado que Smith não confessa Nesse caso o leitor fica na seguinte posição Se confessar será libertado enquanto se não confessar ficará detido um ano É claro então que mesmo que Smith não confesse será melhor para si fazêlo 4 Logo o leitor deve confessar Isso vai colocálo em liberdade mais cedo independentemente do que Smith fizer Até agora tudo bem Mas há um problema Lembrese que a Smith foi proposto um acordo semelhante Partindo do princípio que Smith não é estúpido chegará à conclusão a partir do mesmo raciocínio de que deve confessar Assim o resultado será que ambos vão confessar e isto significa que ambos serão condenados a penas de cinco anos Mas se tivessem ambos feito o contrário cada um teria saído em liberdade ao fim de apenas um ano É este o problema Por terem procurado racionalmente defender os seus próprios interesses ambos acabam em piores circunstâncias do que se tivessem agido de forma diferente É isto que faz do dilema do prisioneiro um dilema É uma situação paradoxal O leitor e Smith obteriam melhores resultados se fizessem simultaneamente o que não corresponde aos melhores interesses individuais de cada um Se pudesse comunicar com Smith poderia naturalmente chegar a acordo com ele Poderia acordar que nenhum dos dois iria confessar poderiam então obter a sentença de um ano Por meio da cooperação obteriam melhores resultados do que agindo individualmente A cooperação não concede a nenhum o resultado óptimo liberdade imediata mas permite obter para os dois um resultado melhor do que cada um poderia alcançar sem cooperação Seria fundamental no entanto que qualquer acordo entre os dois pudesse ser fiscalizado porque se Smith renunciasse e confessasse ao mesmo tempo que o leitor mantinha o acordo então o leitor acabaria por cumprir a sentença máxima de dez anos enquanto Smith sairia em liberdade Assim para que seja racional para o leitor cumprir a sua parte do acordo terá de ter garantias de que Smith cumpriria a sua parte E naturalmente ele teria o mesmo receio sobre a sua possível renúncia Só um acordo susceptível de ser fiscalizado poderá oferecer uma saída do dilema para qualquer dos dois 210 211 A moralidade como solução para um problema do tipo do dilema do prisioneiro O dilema do prisioneiro não é apenas um quebracabeças inteligente Apesar de a história que contámos ser fictícia o padrão que ilustra ocorre frequentemente na vida real Situações do tipo do dilema do prisioneiro ocorrem sempre que se verificam duas condições 1 Tem de ser uma situação na qual os interesses das pessoas são afectados não apenas pelo que elas mesmas fazem mas também pelo que fazem os outros e 2 Tem de ser uma situação na qual paradoxalmente todos acabam pior se tentarem individualmente defender os seus próprios interesses do que se fizerem simultaneamente o que não serve os seus interesses individuais Este tipo de situação acontece na vida real com mais frequência do que poderíamos pensar Consideremos por exemplo a escolha entre duas estratégias de vida Primeiro poderíamos defender exclusivamente os nossos próprios interesses em cada situação poderíamos fazer o que nos beneficiasse não tendo em conta como os outros poderiam ser afectados por isso Chamemos a isto agir de forma egoísta Em alternativa poderíamos preocuparnos com o bemestar das outras pessoas bem como com o nosso mantendo o equilíbrio entre ambos abdicando por vezes dos nossos interesses em benefício de terceiros Chamemos a esta estratégia agir com benevolência Mas não somos apenas nós quem tem de decidir como viver As outras pessoas têm também de escolher que política adoptar Há quatro possibilidades Primeiro podemos ser egoístas enquanto as outras pessoas são benevolentes segundo os outros podem ser egoístas enquanto somos benevolentes terceiro podemos ser todos egoístas e quarto podemos ser todos benevolentes Que resultados obteríamos em cada uma destas situações Apenas do ponto de vista da prossecução do nosso bemestar poderíamos avaliar as possibilidades desta forma O leitor estaria melhor na situação em que é egoísta enquanto os outros são benevolentes Obteria os benefícios da sua generosidade sem ter de retribuir o favor Nesta situação seria na terminologia da teoria da decisão um borlista A segunda melhor situação seria aquela em que todos são benevolentes O leitor deixaria de ter a vantagem de poder ignorar os interesses das outras pessoas mas pelo menos teria as vantagens que advêm do tratamento respeitoso dos outros Esta é a situação da moralidade comum Uma situação má mas não a pior de todas seria aquela em que todos fossem egoístas O leitor tentaria proteger os seus próprios interesses apesar de ter pouco apoio dos outros Este é o estado de natureza de Hobbes Por fim o leitor ficaria pior numa situação na qual fosse benevolente para os outros enquanto os outros são egoístas Os outros poderiam atraíçoálo quando isso lhes fosse vantajoso mas o leitor não teria liberdade para fazer o mesmo Seria prejudicado em todas as circunstâncias Podemos dizer que nesta situação seria um papalvo Isto é exactamente o tipo de aparato que dá origem ao dilema do prisioneiro Baseandonos nesta avaliação das situações o leitor deve adoptar a estratégia egoísta 1 Ou as outras pessoas respeitarão os seus interesses ou não 212 213 2 Se respeitarem de facto os seus interesses o leitor ficará melhor não respeitando os deles pelo menos sempre que isso for vantajoso para si Esta será a situação óptima o leitor é um borlista 3 Se não respeitarem os seus interesses seria então uma tolice da sua parte respeitar os deles isso colocáloia na pior situação possível Seria um papalvo 4 Logo independentemente do que as outras pessoas fizerem o leitor fica em melhor situação adoptando a política de cuidar de si próprio O melhor é ser egoísta E chegamos agora ao problema As outras pessoas podem é claro raciocinar da mesma forma e o resultado será que acabamos por voltar ao estado de natureza de Hobbes Todos serão egoístas dispostos a apunhalar todos os outros sempre que virem nisso alguma vantagem para si mesmos Nesta situação cada um de nós está obviamente em piores condições do que se houvesse cooperação Para escapar ao dilema precisamos de outro acordo fiscalizável desta feita um acordo para obedecer às regras do respeito mútuo em sociedade Tal como antes a cooperação não garantiria o melhor resultado ser egoístas enquanto os outros são benevolentes mas levaria a um resultado melhor do que o obtido se cada um de nós lutasse de forma independente pelos seus interesses Precisamos nas palavras de David Gauthier de negociar a moralidade Podemos fazêlo se conseguirmos estabelecer sanções suficientes para garantir que se respeitarmos os interesses dos outros eles têm igualmente de respeitar os nossos regem a forma como as pessoas devem tratarse entre si regras que todas as pessoas racionais concordam aceitar para benefício mútuo na condição de os outros seguirem igualmente as regras A força desta teoria devese em grande medida ao facto de fornecer respostas simples e plausíveis a algumas questões difíceis que sempre deixaram os filósofos perplexos 1 Que regras morais estamos obrigados a seguir e como se justificam tais regras A ideia central é que as regras moralmente obrigatórias são as necessárias à vida em sociedade É óbvio por exemplo que não poderíamos viver juntos de forma satisfatória se não aceitássemos regras proibindo o homicídio a agressão o roubo a mentira a quebra de promessas e outras que tais Estas regras justificamse mostrando simplesmente que são necessárias se quisermos cooperar para benefício mútuo Por outro lado algumas regras geralmente vistas como morais como a proibição da prostituição da sodomia e da promiscuidade sexual não são obviamente justificáveis desta forma Em que medida é ameaçada a vida social pelo facto de duas pessoas se envolverem em práticas sexuais privadas Se esta conduta não nos ameaça de forma alguma então está para lá do âmbito do contrato social e não nos diz respeito Essas regras têm pois apenas uma força duvidosa sobre nós 2 Porque motivo é razoável seguir as regras morais Concordamos seguir as regras morais porque é vantajoso viver numa sociedade na qual as regras são aceites Naturalmente pode por vezes ser imediatamente vantajoso violar as regras No entanto não é razoável desejar um acordo no qual as pessoas possam violar as regras sempre que lhes seja vantajoso fazêlo o objectivo do contrato social é justamente podermos confiar que as pessoas cumprem as regras excepto eventualmente nas emergências mais extremas Só então poderemos sentirnos seguros O nosso próprio cumprimento constante é o preço razoável que pagamos de maneira a assegurar o cumprimento dos outros 214 215 3 Em que circunstâncias podemos infringir as regras Esta é uma questão algo mais complicada A ideia central aqui é a reciprocidade concordamos obedecer às regras na condição de os outros também obedecerem Assim quando alguém viola a condição de reciprocidade libertanos pelo menos até certo ponto das nossas obrigações para com ele Suponhamos que alguém recusa auxiliarnos em circunstâncias nas quais podia claramente ajudar Então se mais tarde necessitar do nosso auxílio podemos sentir que não é nosso dever darlhe a mão O mesmo aspecto essencial explica por que razão é permissível punir os que violaram a lei criminal Quem viola a lei é tratado de forma diferente do cidadão comum ao punir quem viola a lei tratamolo de formas usualmente não permitidas Como pode justificarse tal coisa A resposta tem duas partes Em primeiro lugar a intenção do Estado é aplicar as regras primárias indispensáveis à vida em sociedade Para vivermos juntos sem medo não pode deixarse ao critério do indivíduo decidir se vai ou não atacar outras pessoas roubálas ou algo semelhante Ligar sanções à violação destas regras é o único meio viável de impôlas Seguese daí que temos de punir Mas porque razão é permissível punir A resposta é que o criminoso violou a condição fundamental da reciprocidade Admitimos que as regras da vida social limitem o que podemos fazer apenas na condição de os outros aceitarem as mesmas restrições ao que podem fazer Logo ao violar as regras em relação a nós os criminosos libertamnos da nossa obrigação perante eles e expõemse à retaliação Por fim há uma circunstância ainda mais dramática na qual podemos violar as leis morais Em circunstâncias normais a moralidade exige que sejamos imparciais isto é que não atribuímos maior importância aos nossos interesses do que aos interesses dos outros Mas suponha que enfrenta uma situação na qual tem de escolher entre a sua própria morte e a morte de cinco outras pessoas A imparcialidade exigiria aparentemente que escolha a sua própria morte afinal de contas eles são cinco e o leitor apenas um Estará moralmente obrigado a sacrificarse Os filósofos sentiramse com frequência pouco à vontade com este tipo de exemplo sentiram instintivamente que há de alguma forma limites ao que a moralidade pode exigir de nós Por isso disseram tradicionalmente que tais acções heróicas são superrogatórias isto é são acções acima e para além do exigido pelo dever admiráveis quando ocorrem mas não estritamente exigidas No entanto é difícil explicar o motivo pelo qual tais acções não são estritamente exigidas Se a moralidade exige decisões imparciais e uma razão imparcial decreta ser melhor morrer um do que cinco porque razão não somos obrigados a sacrificarnos A teoria do contrato social tem uma explicação É racional aceitar o contrato social porque é vantajoso para nós Desistimos da nossa liberdade incondicional mas em troca obtemos os benefícios da vida em sociedade No entanto se o contrato nos exige então que dêmos a vida não estamos melhor do que estávamos no estado de natureza e deixamos de ter qualquer razão para respeitar o contrato Há por isso um limite natural ao autosacrifício que se pode esperar de alguém Não podemos exigir um sacrifício tão profundo que negue o próprio objectivo do contrato A teoria do contrato social explica assim uma faceta da moralidade que noutras teorias é um mistério 4 Tem a moralidade uma base objectiva Existirão factos morais Serão os juízos morais objectivamente verdadeiros Os filósofos interrogamse há muito se as nossas opiniões morais representam algo mais do que os nossos sentimentos subjectivos ou os costumes da nossa sociedade Sentiram que a moralidade tem de ser algo mais do que hábitos e sentimentos mas é difícil dizer o que seja esse algo Se há factos morais que tipo de coisas podem ser Um dos mais atraentes aspectos da teoria do contrato social reside no facto de afastar tão facilmente estas preo 216 217 cupações Não são necessárias longas explicações A moralidade não é apenas uma questão de hábito ou sentimento tem uma base objectiva Mas a teoria não precisa de postular qualquer tipo especial de factos para explicar essa base A moralidade é o conjunto de regras que quaisquer pessoas racionais aceitariam para benefício mútuo Podemos determinar que regras são essas por meio da investigação racional e depois determinar se um acto particular é moralmente aceitável verificando se está em conformidade com as regras Uma vez compreendido isto as velhas preocupações sobre a objectividade da moral desaparecem pura e simplesmente 114 O problema da desobediência civil As teorias morais devem ajudar a compreender questões morais particulares A teoria do contrato social baseiase numa intuição importante sobre a natureza da sociedade e suas instituições sendo por isso especialmente adequada para nos ajudar a lidar com questões envolvendo essas instituições Em resultado do contrato social temos a obrigação de obedecer à lei Mas teremos por vezes justificação para desafiar a lei Se sim quando Os exemplos modernos e já clássicos de desobediência civil são é claro as acções desenvolvidas no âmbito do Movimento de Independência da Índia liderado por Mohandas K Gandhi e o movimento americano de direitos cívicos liderado por Martin Luther King Jr Ambos se caracterizaram pela recusa pública conscienciosa e não violenta de obediência à lei Mas os objectivos dos movimentos tinham diferenças importantes Gandhi e os seus seguidores não reconheciam o direito de os Britânicos governarem a Índia queriam substituir o domínio britânico por um sistema inteiramente diferente Por outro lado Luther King e os seus seguidores não questionavam a legitimidade das 218 instituições fundamentais do governo americano Opunhamse apenas a leis particulares e políticas sociais que consideravam injustas tão injustas de facto que sentiam não ter qualquer obrigação de lhes obedecer Na sua Letter from the Birmingham City Jail 1963 Luther King descreveu a frustração e raiva que surgem quando se vê bandos perversos linchar indiscriminadamente as nossas mães e os nossos pais e afogar os nossos irmãos e irmãs ao sabor dos seus caprichos quando se vê polícias cheios de ódio a insultar pontapear brutalizar e até matar os nossos irmãos e irmãs negros com total impunidade quando se vê a esmagadora maioria dos nossos vinte milhões de irmãos Pretos asfixiados numa estreita cela de pobreza no meio de uma sociedade de abundância quando de súbito damos connosco embaraçados para explicar à nossa filha de seis anos a razão pela qual não pode ir ao parque de diversões que acabou de ser publicitado na televisão e vemos lágrimas rebentar nos seus pequenos olhos quando lhe dizemos que Funtown está vedado a meninos de cor e começamos a ver as nuvens deprimentes da inferioridade a distorcer a sua pequena personalidade O problema não era apenas o facto de a segregação racial com todo o seu cortejo de males ser imposta pelos hábitos sociais era igualmente uma questão legal uma lei cuja formulação recusava aos negros qualquer voz Quando instado a confiar nos processos democráticos normais Luther King fez primeiro notar que tinha havido várias tentativas de negociação mas esses esforços tiveram pouco sucesso quanto à democracia a palavra não tinha qualquer sentido para os negros do sul Em todo o estado do Alabama todos os tipos de métodos de conluio são usados para impedir os Pretos de se tornarem votantes recenseados e há alguns condados sem um único Preto recenseado para votar apesar de os Pretos constituírem a maioria da população Luther King pensava por isso que os negros não 219 tinham alternativa tendo de apresentar publicamente o seu caso mediante o desafio às leis injustas Hoje em dia com Luther King aclamado como um dos gigantes da história americana e com o movimento dos direitos civis recordado como uma grande cruzada moral é necessário algum esforço para recordar quão controversa foi a estratégia de desobediência civil Muitos liberais embora exprimindo simpatia pelos objectivos do movimento negaram no entanto que a desobediência à lei fosse um meio legítimo de lutar por esses objectivos Um artigo publicado em 1965 no New York State Bar Journal exprimiu as preocupações mais comuns Depois de garantir aos seus leitores que muito antes do Dr King ter nascido eu defendia e defendo ainda a causa dos direitos civis para todas as pessoas Louis Waldman um eminente advogado de Nova Iorque afirmou o seguinte Os que defendem direitos ao abrigo da Constituição e das leis feitas nos termos por ela estabelecidos têm de obedecer a essa Constituição e a essas leis se quiserem que a Constituição sobreviva Não podem escolher a gosto não podem dizer que vão obedecer às leis que pensam ser justas e rejeitar obedecer às leis que consideram injustas O país não pode portanto aceitar a doutrina do Dr King de que ele e os seus seguidores vão escolher a gosto sabendo que é ilegal fazêlo Considero pois que tal doutrina não é apenas ilegal devendo por essa razão ser abandonada é também imoral destruidora dos princípios do governo democrático e um perigo para os próprios direitos civis que o Dr King visa promover Waldman tinha razão num aspecto Se o sistema legal é essencialmente decente então desafiar a lei é à partida uma coisa má porque enfraquece o respeito pelos valores que a lei protege Para responder a esta objecção os que advogavam a desobediência civil precisavam de um argumento para mostrar o motivo pelo qual o desafio à lei era justificado Um desses argumentos usado frequentemente por Luther King era que os males aos quais se manifestava oposição eram tão graves tão numerosos e tão resistentes a soluções por meios menos drásticos que a desobediência civil se justificava como um último recurso O fim justifica os meios mesmo que os meios sejam lamentáveis Isto era na opinião de muitos moralistas uma resposta suficiente à objecção levantada por Waldman Mas temos ao nosso dispor uma resposta mais profunda sugerida pela teoria do contrato social Antes de mais porque razão temos de obedecer à lei Segundo a teoria do contrato social porque cada um de nós participa num acordo complicado por meio do qual ganhamos certos benefícios em troca da aceitação de certos encargos Os benefícios são a vida em sociedade escapamos ao estado de natureza e vivemos numa sociedade na qual estamos seguros e usufruímos dos direitos fundamentais ao abrigo da lei De maneira a obter esses benefícios concordamos fazer a nossa parte na manutenção das instituições que os tornam possíveis Isto significa que temos de obedecer à lei pagar os nossos impostos e por aí adiante estes são os fardos que aceitamos em troca Mas e se as coisas estiverem de tal modo organizadas que a um grupo de pessoas da sociedade não são reconhecidos os direitos usufruídos pelos outros E se em vez de os proteger polícias cheios de ódio insultam pontapeiam brutalizam e matam com total impunidade E se alguns cidadãos forem asfixiados numa estreita cela de pobreza ao serlhes negada a oportunidade de adquirir uma educação decente ou empregos decentes Se a negação destes direitos estiver suficientemente disseminada e for suficientemente sistemática somos forçados a concluir que os termos do contrato social não estão a ser honrados Assim se continuarmos a exigir que o grupo em desvantagem obedeça à lei e respeite as instituições sociais estamos a exigir que aceite os encargos impostos pela organização social apesar de lhe serem negados os seus benefícios 220 221 Esta linha de pensamento sugere que longe de a desobediência civil ser um último recurso indesejável para os grupos socialmente mais marginalizados é na verdade o meio mais natural e razoável de exprimir descontentamento Pois quando aos mais desfavorecidos é recusada uma parte justa dos benefícios da vida social eles ficam com efeito libertos do contrato que noutra situação exigiria que apoiassem os acordos que tornam esses benefícios possíveis Esta é a razão mais profunda que justifica a desobediência civil e deve reconhecerse o mérito da teoria do contrato social por ter exposto este argumento de forma tão clara 115 Dificuldades da teoria A teoria do contrato social é uma de quatro grandes opções na filosofia moral corrente As outras são o utilitarismo o kantismo e a teoria das virtudes Não é difícil ver porquê a teoria explica em boa medida a vida moral de uma forma económica e sensata O que poderá dizerse contra a teoria Apresentase de seguida as duas objecções que parecem ter mais peso 1 A objecção mais comum tem sido que a teoria do contrato social se baseia numa ficção histórica Pedese que imaginemos que as pessoas viveram em tempos isoladas umas das outras que acharam esta situação intolerável e que por fim se congregaram acordando seguir as regras sociais de benefício mútuo Mas isto nunca aconteceu É apenas uma fantasia Então qual é a sua relevância Na verdade se as pessoas se tivessem juntado desta forma poderíamos explicar as suas obrigações umas para com as outras como a teoria sugere seriam obrigadas a obedecer às regras porque teriam feito um contrato nesse sentido Mas mesmo assim continuaria a haver problemas Teríamos de enfrentar questões como as seguintes O acordo foi unânime Se não foi que acontece às pessoas que não assinaram o contrato não são obrigadas a agir moralmente Se o contrato foi consumado há muito tempo estaremos obrigados a cumprir os acordos dos nossos antepassados Se não como se renova o contrato a cada nova geração E se alguém disser Eu não dei o meu assentimento a tal contrato e não quero fazer parte dele Mas na verdade nunca existiu tal contrato e por isso nenhuma explicação sensata se pode basear nele Como afirmou com ironia um crítico o contrato social não vale o papel em que não foi escrito Em resposta pode dizerse que há um contrato social implícito ao qual todos estamos ligados Para ser exacto nenhum de nós alguma vez assinou um contrato real não há qualquer pedaço de papel assinado No entanto há de facto um acordo muito semelhante ao descrito na teoria do contrato social Há um conjunto de regras que todos reconhecem como obrigatórias e todos beneficiamos do facto de estas regras serem seguidas Cada um de nós aceita os benefícios conferidos por este acordo e mais do que isso esperamos que as outras pessoas continuem a cumprir as regras e encorajamolas a fazêlo Esta é uma descrição de facto do estado de coisas não é uma ficção E prossegue o argumento ao aceitar os benefícios deste acordo incorremos na obrigação de fazer a nossa parte para o manter por outras palavras para retribuir o que nos foi dado O contrato é implícito porque nos tornamos parte dele não através das nossas palavras mas sim das nossas acções à medida que participamos nas instituições sociais e aceitamos os benefícios da vida em sociedade Desta forma a história do contrato social não precisa de ser entendida como uma descrição de acontecimentos históricos É ao invés um instrumento analítico útil baseado na ideia de que podemos entender as nossas obrigações morais como se tivessem surgido desta forma Considerase a seguinte situação Suponha o leitor chegue junto de um grupo de pessoas envolvidas num jogo com223 plexo Parece divertido e por isso juntase ao grupo Passado algum tempo no entanto começa a violar algumas das regras porque isso parece ainda mais divertido Os outros protestam affirmam que se quer jogar tem de cumprir as regras O leitor responde que nunca prometeu cumprir as regras Eles podem então responder com razão que isso é irrelevante Talvez ninguém tenha explicitamente prometido obedecer no entanto ao juntarse ao jogo cada pessoa implicitamente aceita seguir as regras que tornam o jogo possível É como se todos tivessem concordado A moralidade é assim O jogo é a vida em sociedade derivamos dela enormes benefícios e não queremos abandonar esses benefícios mas de maneira a jogar o jogo e obter os benefícios temos de seguir as regras Não é claro até que ponto os grandes teóricos do contrato social como Hobbes e Rousseau aceitariam esta forma de defender a sua ideia Mas isso não importa a resposta parece salvar a teoria do que seria de outra forma uma objecção devastadora 2 Já fizemos notar que as teorias morais deveriam ajudar a lidar com as questões morais práticas As teorias importantes fazem isso mas com demasiada frequência uma teoria que esclarece uma questão torna outra mais confusa Para cada teoria há questões relativamente às quais as suas asserções parecem exactamente correctas mas surgem problemas quando noutras questões as implicações da teoria parecem inaceitáveis Quando referimos o problema da desobediência civil a teoria do contrato social parecia inteiramente correcta Mas relativamente a outras questões as suas implicações são mais perturbadoras A segunda objecção à teoria do contrato social que me parece mais forte do que a primeira tem que ver com as suas implicações para os nossos deveres face a seres incapazes de participar no contrato Os animais nãohumanos por exemplo não têm as capacidades necessárias para entrar em qualquer tipo de acordos connosco implícitos ou explícitos Parece pois impossível que devam ser abrangidos por quaisquer regras de benefícios mútuos estipuladas por tal contrato No entanto não será moralmente errado torturar um animal quando não há para isso qualquer boa razão E não é isto errado devido à dor causada ao próprio animal Mas a ideia de deveres morais relativamente a seres que não são parte do contrato parece contrária à regra fundamental por detrás da teoria Assim a teoria parece imperfeita Hobbes tinha consciência de que na sua perspectiva os animais estavam excluídos das considerações morais Escreveu que fazer acordos com animais selvagens é impossível Aparentemente isto não o incomodava Os animais nunca foram bem tratados pelos seres humanos mas na época de Hobbes eram tidos em muito baixa consideração Descartes e Malebranche dois contemporâneos de Hobbes haviam popularizado a ideia de que os animais não podem sentir dor Para Descartes isto era assim porque não tendo almas os corpos dos animais eram meras máquinas para Malebranche era necessário que fosse assim pela razão teológica de que o sofrimento é uma consequência do pecado de Adão e os animais não descenderem de Adão Mas independentemente da razão a sua perspectiva era que os animais não podem sofrer pelo que os animais estão para lá do alcance da consideração moral Isso permitiu aos cientistas do século XVII fazer experiências com animais sem se preocuparem com os seus inexistentes sentimentos Nicolas Fontaine uma testemunha ocular descreveu uma visita a um laboratório no seu livro de memórias publicado em 1738 Batiam nos cães com perfeita indiferença e troçavam daqueles que lamentavam as criaturas como se sentissem dor Affirmavam que os animais eram relógios que os ganidos que emitiam quando lhes batiam eram apenas o ruído de uma pequena mola que tinha sido tocada mas que o corpo não tinha sensações Pregavam alguns pobres animais em quadros pelas quatro patas para os dissecar e ver a circulação do sangue o que era um grande tema de conversa 224 225 Se temos o dever de não causar dor desnecessária aos animais é difícil ver como pode esse dever ser acomodado no seio da teoria do contrato social No entanto como Hobbes muitas pessoas podem não achar isso assim tão preocupante pois podem não encarar a questão dos deveres para com meros animais particularmente urgente Mas há outra dificuldade do mesmo género que pode leválos a hesitar Muitos seres humanos têm deficiências mentais tão graves que não podem participar no género de acordos considerados pela teoria do contrato social Podem certamente sofrer e até viver vidas humanas simples Mas não são suficientemente inteligentes para compreender as consequências das suas acções Podem nem mesmo saber quando estão a magoar os outros Logo não podemos responsabilizálos pela sua conduta Estes seres humanos colocam à teoria exactamente o mesmo problema que os animais nãohumanos Uma vez que não podem participar nos acordos que segundo a teoria dão origem às obrigações morais estão para lá do domínio da consideração moral No entanto pensamos ter obrigações morais para com eles E mais ainda as nossas obrigações para com eles são frequentemente baseadas exactamente nas mesmas razões em que baseamos as nossas obrigações para com os seres humanos normais a razão primordial pela qual não devemos torturar pessoas normais por exemplo é o facto de lhes causar dores terríveis e esta é exactamente a mesma razão pela qual não devemos torturar pessoas com deficiências mentais A teoria do contrato social pode explicar o nosso dever num caso mas não no outro Este problema não diz respeito a um aspecto menor da teoria vai directo ao seu cerne Logo a menos que possamos encontrar alguma forma de remediar esta dificuldade o veredicto tem de ser que a ideia fundamental da teoria é deficiente 226 Lewis White Beck Chicago University of Chicago Press 1949 A citação é da p 348 A citação de P T Geach é do seu livro God and the Soul Londres Routledge and Kegan Paul 1969 p 128 A observação de MacIntyre é da abertura do capítulo sobre Kant na sua A Short History of Ethics Nova Iorque Macmillan 1966 10 Kant e o respeito pelas pessoas As observações de Kant sobre os animais são das suas Lições de Ética trad inglesa de Louis Infeld Lectures on Ethics Nova Iorque Harper Row 1963 pp 239240 A segunda formulação do imperativo categórico em que refere o tratamento das pessoas como fins está em Fundamentação da Metafísica dos Costumes trad de Paulo Quintela Lisboa Edições 70 2000 trad ing de Lewis White Beck Foundations of the Metaphysics of Morals Indianapolis BobbsMerrill 1959 p 47 As observações sobre dignidade e preço estão na p 53 A afirmação de Bentham de que toda a punição é danosa é do livro The Principles of Morals and Legislation Nova Iorque Hafner 1948 p 170 As citações de Kant sobre punição são de Elementos Metafísicos da Justiça trad inglesa de John Ladd The Metaphysical Elements of Justice Indianapolis BobbsMerrill 1965 pp 99107 excepto a citação sobre os merecidos açoites que é da Crítica da Razão Prática trad de Artur Morão Lisboa Edições 70 1997 trad ing de Lewis White Beck Critique of Practical Reason Chicago University of Chicago Press 1949 p 170 As concepções de Karl Menninger são citadas do seu artigo Therapy Not Punishment Harpers Magazine Agosto de 1959 pp 6363 11 A ideia de contrato social A avaliação de Hobbes do estado de natureza é do seu Leviathan Lisboa INCM 1995 edição Oakeshott Oxford Blackwell 1960 capítulo 13 A citação é da p 82 NOTAS SOBRE FONTES A citação de Rousseau é de O Contrato Social MemMartins EuropaAmérica 1999 trad ing de G D H Cole The Social Contract and Discourses Nova Iorque Dutton 1959 pp 1819 As citações de King e Waldman encontramse em Civil Disobedience Theory and Practice org por Hugo Adam Bedau Nova Iorque Pegasus Books 1967 pp 7677 78 106 e 107 A passagem das memórias de Fontaine é citada por Peter Singer em Animal Liberation Nova Iorque New York Review of Books 1975 p 220 Libertação Animal Porto Via Optima 2000 12 O feminismo e a ética dos afectos O dilema de Heinz é explicado por Lawrence Kohlberg em Essays on Moral Development volume 1 The Philosophy of Moral Development Nova Iorque Harper Row 1981 p 12 Para os seis estádios de desenvolvimento moral vejase a mesma obra pp 409412 Amy e Jake são citados por Carol Gilligan no seu In a Different Voice Psychological Theory and Womens Development Cambridge Harvard University Press 1982 pp 26 28 Teoria Psicológica e Desenvolvimento da Mulher Lisboa Gulbenkian 1997 As outras citações de Gilligan são das pp 1617 31 A citação de Virginia Held é do seu artigo Feminist Transformations of Moral Theory Philosophy and Phenomenological Research 50 1990 p 344 Afecto é a nova palavra da moda é de Annette Baier Moral Prejudices Cambridge Harvard University Press 1994 p 19 As outras citações de Baier são das pp 4 ligar a ética dos afectos e 2 mulheres honorárias As citações de Nel Noddings são todas do seu livro Caring A Feminine Approach to Ethics and Moral Education Berkeley University of California Press 1984 pp 149155 13 A ética das virtudes As citações de Aristóteles são do livro II da Ética a Nicómaco trad ing de Martin Ostwald Nicomachean Ethics Indianapolis BobbsMerrill 1962 excepto a citação sobre a amizade que é do livro VIII e a citação sobre visitas a terras distantes que é uma C3 problemática abordagem filosofia Ética Série Compreender Compreender Kant Georges Pascal Compreender Nietzsche Jean Lefranc Compreender Platão Christophe Rogue Compreender Schopenhauer Jean Lefranc Compreender Hegel Francisco Pereira Nóbrega Compreender Spinoza Hadi Rizk Compreender Sócrates LouisAndré Dorion Compreender Aristóteles François Stirn Compreender Plotino e Proclo Cícero Cunha Bezerra Compreender Kierkegaard France Farago Compreender Sartre Gary Cox Compreender Husserl Natalie Depraz Compreender Bergson JeanLouis VieillardBaron Compreender Lévinas BC Hutchens Compreender Gadamer Chris Lawn Compreender Marx Denis Collin Compreender Wittgenstein Kai Buchholz Compreender Habermas Walter ReeseSchäfer Compreender Heidegger Marco Antonio Casanova Compreender Hume Angela M Coventry Compreender Ricouer David Pellauner Compreender Derrida Julian Wolfreys Compreender Leibniz Franklin Perkins Compreender Rousseau Mathew Simpson Compreender MerleauPonty Eric Matthews Compreender Adorno Alex Thomson Compreender Hannah Arendt Karin A Fry Compreender Hobbes Stephen J Finn Compreender Descartes Justin Skirry Compreender AlFarabi e Avicena Jamil Ibrahim Iskandar Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Finn Stephen J Compreender Hobbes Stephen J Finn tradução de Caesar Souza Petrópolis RJ Vozes 2010 Série Compreender Título original Hobbes a guide for the perplexed Bibliografia ISBN 9788532624468 1 Filosofia inglesa 2 Hobbes Thomas 15881679 I Título II Série 1009762 CDD192 Índices para catálogo sistemático 1 Hobbes Filosofia inglesa 192 Stephen J Finn COMPREENDER HOBBES Tradução de Caesar Souza Ac 511407 UFMG BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA 49641110 NÃO DANIFIQUE ESTA ETIQUETA EDITORA VOZES Petrópolis 4 A filosofia moral de Hobbes A Filosofia Moral levanta questões sobre como os seres humanos devem viver suas vidas Qual é a natureza da justiça Temos obrigações morais de realizar certos tipos de ações Os padrões morais são absolutos ou relativos Qual é a base da obrigação moral O que significa dizer que somos obrigados a fazer alguma coisa Para Hobbes a Filosofia Moral e a Filosofia Política estão intimamente relacionadas porque como veremos a primeira tem consequências sobre a segunda Portanto antes que possamos realmente entender a filosofia política de Hobbes27 devemos primeiro examinar suas ideias sobre moralidade27 Devemos notar no entanto que Hobbes usa a expressão filosofia moral para cobrir todas as suas reflexões filosóficas sobre a natureza humana Usando a terminologia atual algumas das reflexões de Hobbes sobre o comportamento humano seriam melhor caracterizadas como psicológicas em vez de morais Em outros termos Hobbes usa filosofia moral em sentido muito mais amplo do que aquele utilizado pelos filósofos hoje Neste capítulo vamos examinar a filosofia moral de Hobbes usando o entendimento atual desse termo Na primeira seção apresento os principais elementos dessa filosofia Como veremos Hobbes parece ser um relativista moral que acredita que não existem padrões naturais para a moralidade Uma vez que muitas de suas concepções são reveladas em sua descrição do estado de natureza uma porção 27 Para uma leitura diferente da que apresentei aqui da filosofia moral de Hobbes cf EWIN 1991 considerável da primeira seção é dedicada a uma discussão desse estado Na segunda seção serão apresentadas interpretações contrastantes do estado de natureza e das leis de natureza de Hobbes A principal questão tratada nesta seção é a de se o estado de natureza de Hobbes é um genuíno deserto moral desprovido de padrões naturais de moralidade O capítulo conclui com uma investigação sobre ideias concorrentes acerca do estado de natureza John Locke outro filósofo político inglês do século XVII apresentou sua própria descrição da vida no estado de natureza uma descrição que difere em importantes aspectos da de Hobbes Após examinar as descrições contrastantes de ambos você poderá decidir por você mesmo de quem é a mais forte Sumário A filosofia moral de Hobbes Relativismo moral Hobbes se vincula à posição filosófica conhecida como relativismo moral De acordo com um relativista moral não existe padrão natural algum pelo qual avaliar o status moral de nossas ações Padrões naturais de moralidade se eles existem fornecem um conjunto de regras éticas ou diretrizes que estão em vigor em todos os tempos e em todos os lugares Por exemplo muitas pessoas afirmariam que torturar pessoas inocentes sem nenhuma razão seria naturalmente errado em todos os tempos e em todos os lugares Realistas morais admitem a existência de tais padrões De acordo com o realista moral certas práticas mesmo que sejam socialmente aceita podem ainda ser imorais Escravidão por exemplo é sempre errada mesmo que ela seja ou fosse uma prática comum Ao contrário do realista moral o relativista moral afirma que todos os padrões morais são relativos a um indivíduo particular ou cultura Portanto o relativismo moral é dividido em dois tipos individual e cultural O relativismo moral individual declara que padrões morais são relativos a cada indivíduo O que é certo e o que é errado são decididos por cada pessoa O relativismo moral cultural declara que padrões morais são relativos a certa cultura sociedade ou nação Interessantemente Hobbes se vincula a ambas as formas de relativismo Quando ele considera os indivíduos em isolamento ele revela seu comprometimento com o relativismo moral Como vimos o método de Hobbes o leva a dissolver o Estado e a examinar suas partes ie os seres humanos em separado antes que ele imaginativamente recomponha o Estado No capítulo anterior vimos que o estudo de Hobbes sobre a natureza humana incluiu a concepção de que o bem é simplesmente o objeto do desejo de uma pessoa Dado o fato de que diferentes pessoas desejam diferentes coisas seguese que o bem muda de pessoa para pessoa As palavras bom mau e desprezível diz Hobbes são sempre usadas com relação à pessoa que as usa nada havendo simples e absolutamente assim L 6120 Se eu desejo escravizar outra pessoa para meus próprios propósitos por exemplo então a prática da escravidão é boa para mim Em outras palavras escravidão não é certa nem errada por natureza O relativismo individual de Hobbes muda para o relativismo cultural quando ele considera os indivíduos como membros de uma comunidade política que fazem acordos entre si para agirem de acordo com as leis Um padrão comum de virtudes e vícios diz Hobbes não aparece exceto na vida civil esse padrão não pode por essa razão ser outro que não as leis de cada Estado28 Para Hobbes após a formação de Estados civis as leis de cada Estado definem os padrões de moralidade Se a escravidão é errada em um Estado particular então é errada em relação aos cidadãos daquele Estado mas não absolutamente Problema desconcertante O problema da liberdade e da responsabilidade moral No capítulo anterior foi discutida a concepção compatibilista de Hobbes acerca da ação humana De acordo com essa concepção enquanto um indivíduo não é fisicamente impedido de fazer o que está determinado a fazer ele é livre No entanto Hobbes também sustenta a concepção determinista de 28 HOBBES 1991b p 69 ou imoralidade das ações O estado de natureza é um vácuo moral de acordo com Hobbes principalmente porque ele é um estado de guerra onde todo homem é inimigo de todo homem L 13186 O estado de natureza é dominado pelo conflito por três razões Primeiro Hobbes afirma que os indivíduos no estado de natureza são iguais essa igualdade combinada com a falta de um dado recurso conduz a uma situação competitiva na qual os indivíduos se tornam inimigos Por igual Hobbes não quer dizer que eles sejam exatamente semelhantes em mente ou em corpo Em vez disso igualdade se refere à habilidade que cada pessoa possui para matar outras A despeito do fato de que algumas pessoas são manifestamente mais fortes em corpo ou mais argutas diz Hobbes quando tudo é computado junto a diferença entre um homem e outro não é assim tão considerável e o mais fraco tem força para matar o mais forte L 13183 Um fracote mirrado por exemplo poderia matar um atleta musculoso enquanto esse estivesse dormindo De acordo com Hobbes tal qualidade leva ao conflito quando indivíduos simultaneamente desejam um recurso escasso que não pode ser compartilhado Da igualdade da habilidade diz Hobbes surge uma igualdade de esperança de obtenção dos nossos fins tal que se duas pessoas desejam a mesma coisa elas se tornarão inimigas L 13184 Em tal situação todos tentam destruir ou subjulgar os outros a fim de obter o bem que é desejado L 13184 Isso conduz ao estado geral de desconfiança ou o que Hobbes chama difidência no estado de natureza Por causa dessa desconfiança que Hobbes nomeia como a segunda causa de conflito algumas pessoas tentarão se defender por meio do uso de ataques preventivos contra seus inimigos Alguém pode atacar primeiro para prevenir os inimigos de futuros ataques contra si mesmo Essas duas causas de conflito competição e difidência são acrescidas de uma terceira o desejo natural por glória Os seres humanos naturalmente desejam ser estimados pelos outros e quando tal estima não é dada eles estão inclinados a exigila à força De acordo com Hobbes então os conflitos no estado de natureza fundamentalmente conduzem a uma guerra total de todos contra todos Terminologia moral e estado de natureza Em sua descrição da vida no estado de natureza Hobbes usa alguns termos que usualmente contêm conotações morais Sob inspeção posterior no entanto é fácil reconhecer que seu uso de tais termos não implica a existência de padrões morais naturais Tome como exemplo o termo igualdade As pessoas geralmente afirmam que a igualdade dos seres humanos fornece uma base para uma reivindicação de direitos morais Porque somos criados iguais é geralmente argumentado temos o direito natural a coisas tais como a vida a liberdade e a busca da felicidade Embora Hobbes diga que os indivíduos são iguais no estado de natureza sua noção de igualdade não contém força moral alguma ela simplesmente descreve uma habilidade humana efetiva a saber a habilidade de matar Hobbes também afirma que os indivíduos em um estado de natureza possuem um direito natural ou direito de natureza De acordo com a definição comum desse termo os indivíduos possuem certo conjunto de direitos morais Poderia ser argumentado por exemplo que indivíduos naufragados em uma ilha deserta possuem o direito natural de não serem prejudicados sem justa causa Uma violação desse direito natural seria errada Em contraposição Hobbes define direito natural como a liberdade de realizar qualquer ação necessária à autopreservação De acordo com essa definição os indivíduos em um estado de natureza decidem por si mesmos o que é ou não é exigido para sua própria preservação Em outras palavras não existem regras ou diretrizes objetivas para determinar o que é necessário para ficar vivo Assim não existem restrições morais para o comportamento humano O termo liberdade usualmente tem conotações morais assim como os termos igualdade e direito natural Na filosofia de Hobbes no entanto é difícil ver como isso tenha alguma coisa a ver com moralidade Como vimos no capítulo 3 Hobbes define liberdade como a ausência de impedimentos externos Dizer que sou livre ou que estou em liberdade não significa senão dizer que eu não estou fisicamente impedido Nesse sentido mesmo um rio pode ser livre Embora indivíduos no estado que a própria vontade é determinada em outras palavras as escolhas humanas não são livremente feitas Aqui eu gostaria de mostrar como o compatibilismo de Hobbes levanta um problema desconcertante É comumente aceita a verdade de que os indivíduos deveriam ser considerados moralmente responsáveis somente por aquelas ações sob seu controle Por exemplo imagine que um homem beba um refrigerante que sem seu conhecimento contenha uma poderosa droga alucinógena que foi colocada na bebida por seu vizinho maldoso Imagine também que o homem completamente sob a influência do alucinógeno comece a atirar nas pessoas enquanto elas passam diante de sua casa Se esse homem não tem expectativa razoável alguma de que sua bebida contivesse tal droga deveria ser considerado moralmente ou mesmo legalmente responsável por suas ações Se você responder não a essa questão então você provavelmente aceita o princípio da responsabilidade De acordo com esse princípio a responsabilidade moral de uma pessoa é diretamente proporcional ao nível de liberdade no qual a pessoa agiu O nível de liberdade se refere a quanto controle um indivíduo possui sobre suas ações No exemplo acima o homem drogado não escolheu livremente tomar a droga alucinógena Além disso não havia expectativa razoável alguma de que o refrigerante contivesse tal droga Portanto nesse caso o nível de responsabilidade do homem é baixo porque o nível de liberdade é baixo Outros casos mostram que existem vários níveis de liberdade Por exemplo imagine uma cadete militar que é ameaçada com expulsão caso ela fale publicamente sobre o assédio sexual que sofreu por parte de seu comandante A cadete decide ausentarse sem permissão oficial 29 A cadete é livre nessa situação Você a culparia moralmente por negligenciar o dever dela Ou então imagine um homem que cuidadosamente planeja um ataque terrorista e então metódicamente o executa Essas ações não são mais livres do que aquelas do homem drogado e da cadete Cada um desses exemplos revela diferentes níveis de liberdade Um problema surge quando aceitamos simultaneamente o princípio de responsabilidade e a concepção de que as ações humanas são determinadas De acordo com os deterministas nenhuma ação humana é livremente escolhida em vez disso todas as ações são fundamentalmente determinadas por fatores tais como fatores hereditários ou ambientais que estão para além de nosso controle imediato Na concepção de Hobbes os movimentos físicos ocorrendo no cérebro levam uma pessoa a agir de certos modos Apesar disso Hobbes fala como se as pessoas devessem ser consideradas moralmente responsáveis por suas ações Por exemplo como veremos no capítulo 6 Hobbes culpa uma variedade de líderes religiosos por participarem da deflagração da Guerra Civil Inglesa Nesse caso ele fala como se eles tivessem feito alguma coisa errada Todavia se nenhuma ação humana é livremente escolhida então por que alguém deveria ser culpado ou elogiado por qualquer coisa É claro que alguém pode chamar a atenção para o fato de que Hobbes é tecnicamente um compatibilista que argumenta que as ações humanas são tanto livres como determinadas De acordo com essa definição de liberdade porém mesmo um rio pode ser livre Contudo nós consideraríamos um rio moralmente responsável por suas ações A liberdade no sentido de Hobbes pode ser usada para justificar a avaliação moral das ações de um indivíduo Como você pensa que Hobbes poderia responder a esse problema Autopreservação um padrão natural de moralidade Alguém pode ser tentado a dizer que a concepção de Hobbes acerca da autopreservação fornece um padrão natural de moralidade uma vez que todos parecemos ter um desejo natural de evitar a morte Se fosse o caso de que todos os indivíduos desejassem o bem da autopreservação então ela pareceria ser um bem universal não relativo aos indivíduos Por duas razões no entanto a concepção de Hobbes acerca da autopreservação não fornece um padrão moral universal Primeiro 29 No original to go AWOL absent without leave utilizado especialmente nas forças armadas quando alguém abandona seu grupamento sem permissão NT Hobbes não afirma consistentemente que todos sempre acreditamos que a autopreservação é boa Como vimos no último capítulo algumas pessoas podem desejar sua própria morte como a melhor de duas ou mais opções Portanto a autopreservação nem sempre é um bem Segundo mesmo que todas as pessoas desejassem a autopreservação isso simplesmente nos diria que as pessoas evitariam a morte não que elas deveriam evitála A afirmação de Hobbes de que as pessoas desejam a autopreservação em outras palavras é descritiva e não prescritiva Dizer que alguém tem uma obrigação moral no entanto é dizer que esse alguém deve perseguir o bem não simplesmente que alguém persegue o bem Padrões morais prescrevem o que devemos fazer ao invés de descrever o que nós de fato fazemos O estado de natureza preliminares Hobbes é provavelmente mais famoso por sua descrição da vida como solitária pobre desagradável brutal e curta L 13186 Deve ser enfatizado no entanto que esses termos se aplicam à vida em um estado de natureza e não à vida em um Estado O estado de natureza é uma situação hipotética na qual não existe lei civil força policial sistema judiciário nem poder dominante para manter as pessoas sob controle Não é uma consideração histórica sobre a vida antes da formação do governo mais propriamente ele representa qualquer situação na qual os indivíduos são livres de leis civis e de suas correspondentes punições Náufragos em uma ilha deserta por exemplo poderiam ser ditos existirem em um estado de natureza Se fossem estabelecidas regras e penalidades no entanto eles não estariam mais em tal estado O estado de natureza de Hobbes é geralmente interpretado como uma consequência da aplicação de seu método filosófico aos temas morais e políticos 30 No segundo capítulo vimos que Hobbes usa um método resolutivocompositivo para entender os corpos cientificamente De acordo com esse mé 30 Para saber mais sobre a relação entre a ciência natural e a filosofia moral de Hobbes cf BOONINVAIL 1994 HERBERT 1989 todo um estudo filosófico de um corpo particular começa com uma resolução em seus componentes primários O próximo passo é estudar as partes individuais em separado Hobbes então tenta descobrir como as partes se reúnem para formar o todo Em sua filosofia moral e política os passos de sua metodologia são fáceis de discernir Primeiro Hobbes resolve o corpo político em suas partes ie os seres humanos e a seguir resolve os seres humanos em suas partes ie apetites aversões e outros movimentos internos Após a resolução estar completa Hobbes começa sua composição do Estado explicando o comportamento dos indivíduos isolados Os indivíduos são então unidos no estado de natureza apolítico a fim de estudar como e por que eles se unem para formar um corpo político A descrição de Hobbes do estado de natureza não somente fundamenta sua filosofia política mas claramente indica suas concepções morais porque ela descreve os padrões morais se existe algum que existem em uma condição natural da espécie humana Uma das questões mais prementes na filosofia moral é se existem quaisquer padrões morais que se apliquem a todos os indivíduos sociedades e nações O conceito de estado de natureza quando usado como um experimento do pensamento filosófico fornece um excelente modelo para teorizar sobre padrões morais naturais Embora Hobbes apresente versões um tanto diferentes do estado de natureza em seus vários trabalhos sobre Filosofia Política as ideias centrais permanecem basicamente as mesmas Aqui o sumário do estado de natureza de Hobbes é baseado no Leviathan Um interessante projeto para sua própria interpretação seria comparar e contrastar as várias descrições dadas nos Elements of law no De cive e no Leviathan Moralidade no estado de natureza O estado de natureza de Hobbes é basicamente um deserto moral onde tudo vale Nesse estado diz Hobbes nada pode ser injusto uma vez que as noções de certo e errado justiça e injustiça não têm lugar aí L 13188 Em outras palavras não existem padrões naturais para julgar a moralidade de natureza devem contar com os outros para autodefesa Ao quebrar os pactos estamos correndo o risco de sermos banidos da sociedade para um estado de natureza onde indivíduos têm de se arranjar por si mesmos A resposta de Hobbes ao tolo é uma boa resposta Interpretação As leis de natureza de Hobbes são preceitos prudenciais ou obrigações morais Nesta seção vamos investigar se o estado de natureza de Hobbes é um genuíno deserto moral completamente vazio de padrões naturais de certo e errado Duas interpretações conflitantes das leis de natureza de Hobbes serão apresentadas A interpretação prudencial e a interpretação moral A interpretação prudencial afirma que as leis de natureza não são regras morais genuínas mas recomendações prudenciais que indicam meios racionais para os indivíduos se preservarem32 A interpretação moral ao contrário diz que as leis de natureza além de serem recomendações prudenciais são também regras morais que os seres humanos são obrigados a seguir33 Após examinar a evidência para ambas as interpretações você pode decidir por você mesmo qual interpretação é mais forte A interpretação prudencial das leis de natureza De acordo com a interpretação prudencial as leis de natureza recomendam certos tipos de comportamento que fundamentalmente promovem a autopreservação No Leviathan Hobbes define uma lei de natureza como um preceito ou regra geral encontrado pela razão pelo qual um homem é proibido de fazer aquilo que é destrutivo para sua vida ou tire dele os meios para viver L 14189 Para os adeptos da interpretação prudencial quando Hobbes diz que uma lei de natureza proíbe ou ordena certas ações como pode ser o caso isso não é para ser tomado em um sentido literal as leis de natureza não proíbem ações simplesmente porque elas são moralmente erradas nem ordenam certas ações porque elas são moralmente certas Em vez disso as leis de natureza ou proíbem certas ações porque tais ações ameaçam nossa preservação ou ordena certas ações porque tais ações promovem nossa autopreservação Em outras palavras se você quiser se preservar você seguirá as leis de natureza De acordo com essa interpretação as leis de natureza de Hobbes não são realmente leis morais Se eu estou motivado a fazer a coisa moralmente correta simplesmente porque é bom para mim alguém pode argumentar então eu não estou agindo com a motivação própria para a ação ser reconhecida como estando dentro do domínio da moralidade Imagine que eu doe dinheiro a uma instituição de caridade simplesmente para impressionar uma mulher pela qual eu estou romanticamente interessado Nesse caso eu não tenho inclinação ou desejo de fazer a coisa certa Em vez disso eu estou agindo sob puro autointeresse De acordo com muitos filósofos esse tipo de ação não é moral nem imoral Posso estar fazendo a coisa certa mas eu não a estou fazendo pela razão certa Resulta disso que as leis de natureza de Hobbes recomendam sim comportamento tradicionalmente moral Por exemplo as leis de natureza como vimos exigem que os indivíduos busquem a paz entre si sempre que possível que eles perseverem em seus acordos que eles expressem gratidão por benefícios recebidos e assim por diante Esses tipos de ações são tradicionalmente considerados morais Para a interpretação prudencial no entanto as leis de natureza de Hobbes prescrevem tal comportamento somente porque ele promove nossos próprios interesses não porque as ações sejam morais Em outras palavras de acordo com essa interpretação Hobbes acredita que você deveria se comportar moralmente porque você se beneficiará agindo assim não porque é a coisa certa a fazer A interpretação prudencial é apoiada pelo fato de Hobbes afirmar que os conceitos de certo e errado não se aplicam no estado de natureza ao menos antes do pacto político Antes do estabelecimento do governo e das leis civis ninguém é restringido em absoluto por quaisquer regras morais Embora as leis de natureza estejam em vigor diz a interpretação prudencial elas não deveriam ser consideradas leis genuínas 32 Para um exemplo dessa interpretação cf GAUTHIER 1969 33 Para um exemplo dessa interpretação cf WARRENDER 1957 106 107 nas É afirmado que Hobbes mais uma vez converte um conceito moralmente relevante em um conceito amoral Como vimos Hobbes remove as conotações morais de termos tais como igualdade liberdade e direito de natureza Uma lei de natureza tecnicamente falando não é realmente uma lei em absoluto especialmente uma lei moral De acordo com a definição de Hobbes uma lei de natureza é uma regra que ordena comportamento moral não porque ele é moral mais propriamente ela é uma regra descoberta pela reflexão racional que promove os autointeresses dos indivíduos A interpretação moral das leis de natureza A interpretação moral ao contrário da interpretação prudencial assevera que as leis de natureza de Hobbes não são somente preceitos prudenciais mas também leis que os seres humanos são moralmente obrigados a seguir Hobbes afirma que as leis de natureza podem ser vistas sob duas perspectivas Primeiro as leis de natureza são uma série de regras descobertas pela razão humana Nesse caso as leis de natureza não são moralmente obrigatórias em vez disso elas são preceitos prudenciais que fornecem um caminho racional para a autopreservação Segundo as leis de natureza são também os comandos de Deus revelados através do poder natural da razão e através da Sagrada Escritura Nesse caso as leis de natureza são moralmente obrigatórias e são propriamente chamadas leis De acordo com Hobbes quando ele diz que as leis de natureza ordenam ou proíbem ele fala frouxamente Tecnicamente falando somente alguém com a autoridade própria ordena ou proíbe ações humanas Deus diz Hobbes possui tal autoridade sobre os seres humanos Os ditames da razão os homens costumavam chamar pelo nome de leis mas impropriamente porque eles não são senão conclusões ou teoremas concernentes ao que conduz à conservação e defesa de si mesmos visto que lei propriamente é a palavra daquele que por direito tem comando sobre outros Mas se considerarmos os mesmos teoremas como entregues na Palavra de Deus que por direito comanda todas as coisas então elas são propriamente chamadas leis L 15216217 Em um sentido limitado então a interpretação moral aceita a asserção básica de interpretação prudencial que as leis de natureza são preceitos prudenciais Todavia a interpretação assevera adiante que as leis de natureza quando consideradas como palavra de Deus obrigam os seres humanos a realizar atos virtuosos Por que Hobbes acredita que Deus tem a autoridade de comandar os seres humanos será discutido no capítulo 6 que cobre suas concepções religiosas A interpretação moral encontra evidência na afirmação específica de Hobbes de que as leis de natureza são leis morais No De cive Hobbes levanta a questão de se a lei de natureza deveria ser identificada com a lei moral Todos os escritores concordam diz Hobbes que a lei natural é o mesmo que a moral Vamos ver se isso é verdadeiro Ci 3150 Para responder a essa questão ele lembra o ponto importante de que as pessoas têm diferentes concepções de bem e mal por causa de seus contrastantes apetites e aversões Enquanto as pessoas continuarem a discordar sobre concepções morais diz Hobbes elas estarão em um estado de conflito Todavia no estado de guerra cada um reconhece que a guerra é má e a paz é boa Eles estão portanto tanto tempo em estado de guerra que por razão da diversidade dos apetites presentes eles mensuram bem e mal por diversas medidas Todos os homens facilmente reconhecem que esse estado enquanto estão nele é mau e por consequência que a paz é boa Aqueles portanto que não poderiam acordar com relação a um bem presente acordam com relação a um bem futuro que na verdade é um trabalho da razão Ci 3150151 De acordo com a interpretação moral a noção de que existe um bem universal apoia a ideia de que existem padrões morais objetivos no estado de natureza Hobbes supostamente confirma isso quando ele afirma que a lei natural exige comportamento moral e deveria portanto ser identificada com a lei moral 108 109 Do fato de a razão declarar que a paz é boa seguese que os meios para a paz sejam bons também e portanto que a modéstia a equidade a confiança a humanidade a compaixão que demonstramos ser necessária à paz são modos ou hábitos bons ou seja virtudes A lei natural portanto nos meios para a paz ordena também boas maneiras ou a prática da virtude e portanto é chamada moral Ci 3151 Como lei moral a lei natural fornece um padrão universal que transcende todas as noções individuais e culturais de bem Essa interpretação é posteriormente apoiada quando Hobbes afirma que as leis de natureza são imutáveis e eternas o que elas proíbem nunca pode ser legal o que elas ordenam nunca pode ser ilegal Porque orgulho ingratidão rompimento de contratos ou dano desumanidade ofensa nunca serão legais nem as virtudes contrárias a essas serão jamais ilegais Ci 3149 De acordo com a interpretação moral Hobbes está afirmando que o comportamento virtuoso sempre será bom e o comportamento vicioso sempre será mau o que confirma que as leis de natureza de Hobbes são leis morais Primeiras passagens a considerar Comentários e questões à passagem 1 De acordo com Hobbes uma lei é um comando que os indivíduos são obrigados a seguir Leis no entanto têm de ser editadas por um legislador do contrário elas não serão leis genuínas Na passagem 1 Hobbes explica que as leis de natureza não são propriamente leis mas apenas qualidades que dispõem os homens à paz Essa passagem fornece apoio para a interpretação prudencial Por outro lado Hobbes diz que as leis de natureza levam as pessoas às virtudes morais tradicionais tais como equidade e gratidão Isso não fornece um apoio para a interpretação moral Que posição se alguma a seguinte passagem realmente apoia Passagem 1 Porque as leis de natureza que consistem em equidade justiça e gratidão e outras virtudes morais dessas dependentes na condição de mera natureza não são leis mas qualidades que me dispõem à paz e à obediência L 26314 Comentários e questões à passagem 2 Os que advogam as duas interpretações em consideração discordam sobre se o uso de Hobbes da terminologia moral em seu relato do estado de natureza é legítimo Obrigação como vimos é um termo como lei de natureza ou igualdade à medida que ele usualmente carrega conotações morais Na passagem 1 Hobbes afirma que as leis de natureza são sempre obrigatórias em nossa consciência mesmo que elas não sejam sempre obrigatórias no comportamento externo De acordo com a interpretação moral isso significa que indivíduos são moralmente obrigados não somente a pretender realizar ações virtuosas mas na verdade a realizar tais ações quando é seguro fazêlo Por exemplo Hobbes afirma que uma das leis de natureza ordena que eu tente estabelecer um estado de paz com meus inimigos Todavia em muitas situações meus inimigos que são guiados ou pela ganância ou por pobreza de pensamento podem não querer cooperar comigo Eles podem em outras palavras desejar permanecer em estado de guerra Em tais situações diz Hobbes estou obrigado a pretender a paz em minha consciência mas não estou obrigado a agir virtuosamente De acordo com a interpretação moral quando Hobbes diz que nós somos obrigados pelas leis de natureza ele significa que somos comandados a agir de alguns modos e proibidos de agir de outros As leis de natureza em outras palavras não sugerem ou recomendam simplesmente mas exigem A seguinte passagem implica que seria moralmente errado agir contra a lei de natureza Passagem 2 Mas porque muitos homens em razão de seu desejo perverso de lucro presente são muito incapazes de observar essas leis embora reconhecidas 110 111 por eles se talvez alguns mais humildes do que o resto devessem exercitar essa igualdade e utilida de que a razão dita aqueles que não praticassem o mesmo claramente não seguiriam a razão nem por meio disso procurariam por si próprios a paz mas uma destruição mais rápida e certa e os guardiões da lei se tornariam uma mera presa dos vio lados dela Não é portanto para ser imaginado que por natureza a saber pela razão os homens são obrigados ao exercício de todas essas leis naquele estado dos homens no qual elas não são pra ticadas por outros Nós somos obrigados contu do no intérim a uma presença de espírito para observálas sempre que sua observação deva pare cer conduzir ao fim para o qual elas foram ordena das Devemos portanto concluir que a lei de na tureza obriga sempre e em todo o lugar na corte interna ou aquela da consciência mas nem sem pre na corte externa mas então somente quando possa ser feito com segurança Ci 3149 Comentários e questões à passagem 3 Na passagem 3 Hobbes fornece uma definição de obliga ção alguém se torna obrigado ao transferir ou renunciar um direito a alguma coisa Se por exemplo eu renuncio meu di reito de pescar no rio a fim de estabelecer um estado de paz com meus inimigos eu me torno obrigado a não interferir quando eles forem pescar Interessantemente Hobbes afirma que os vínculos que me obrigam a esse acordo são os medos das consequências de quebrálo Portanto pareceria que a úni ca razão para eu não quebrar meu pacto é porque eu posso ser punido por agir assim Mas se eu sou obrigado a fazer alguma coisa somente porque estou com medo das consequências eu sou moralmente obrigado Isso muda sua interpretação da concepção de Hobbes sobre obrigação A realização de pactos cria realmente uma obrigação moral Passagem 3 E quando um homem de qualquer modo aban donou ou concedeu seu direito então ele é dito 112 obrigado ou constrangido a não impedir aque les aos quais tal direito é concedido ou abando nado do seu benefício e que ele deve e é seu de ver não tornar vazio aquele seu próprio ato vo luntário O modo pelo qual o homem tanto re nuncia como transfere esse direito é uma declara ção ou significação por algum signo ou sinais vo luntários e suficientes que ele faz para renunciar ou transferir E esses sinais são ou palavras so mente ou ações somente ou como geralmente ocorre tanto palavras como ações E os mesmos são vínculos pelos quais os homens são compeli dos e obrigados que recebem sua força não de sua própria natureza porque nada é mais facil mente quebrado do que a palavra de um homem mas do medo de alguma má consequência pela ruptura L 14191192 Comentários e questões à passagem 4 Como vimos a interpretação moral afirma que as leis de natureza são genuínas leis morais que os seres humanos são moralmente obrigados a seguir Como tais pareceria que é mo ralmente certo ou bom aderir às leis de natureza e moral mente errado ou mau as violar Na passagem seguinte Hob bes explica por que é bom seguir as leis e mau as violar Nesta explicação você acha que os termos bom e mau são usa dos em um genuíno sentido moral Passagem 4 Cada homem por paixão natural chama bom aquilo que o agrada pelo presente ou tão adiante quanto ele possa antever e de igual modo aquilo que o desagrada é chamado mau E portanto aquele que antevê o caminho inteiro para sua pre servação que é o fim a que cada um por natureza almeja deve também chamálo bom e o contrário mau E esse é aquele bom e mau ao qual nem todo homem por paixão mas todos os homens por razão chamam assim E portanto o cumpri mento de todas essas leis é bom de acordo com a razão e sua violação má El I1714 113 Investigação Existem leis morais no estado de natureza O conceito de estado de natureza fornece uma ferramenta excelente para investigar a natureza da moralidade En quanto é fundamentalmente usada para levantar questões po líticas sobre a origem e legitimidade do governo ela pode tam bém ser usada efetivamente para investigar questões morais Uma das mais urgentes questões na Filosofia Moral é se exis tem padrões morais objetivos que possam ser usados para acessar o status moral das ações motivos práticas ou institu ções Por exemplo a maioria das pessoas se apercebeu que a escravidão é um mal moral e como consequência que leis permitindo tal prática são injustas Para fazer a afirmação de que uma lei civil é injusta devemos ter uma concepção de jus tiça que transcenda tempos e lugares particulares Um método para investigar a existência de tais padrões morais é imaginar um estado sem corpos governando coação legal e sistemas ju diciais ie um estado de natureza e questionar se existem quaisquer regras ou leis naturais Como vimos Hobbes usa o estado de natureza como um método para investigar questões morais dentre outras coisas Hobbes não estava sozinho ao empregar a ferramenta conceitual do estado de natureza Em cada período principal da Filosofia um ou mais filósofos em pregaram o conceito de estado de natureza ou alguma coisa similar como um meio de investigação filosófica Nesta seção você será introduzido à descrição de John Locke de estado de natureza Locke foi um filósofo inglês que nasceu em 1632 Seus interesses filosóficos o conduziram a uma variedade de diferentes campos de investigação incluindo a Filosofia Políti ca O principal trabalho seu que interessa aos propósitos pre sentes é o Segundo tratado de governo no qual Locke apoia a doutrina de um governo limitado e defende o direito de revol ta contra a tirania Em comum com Hobbes Locke usa o esta do de natureza como um meio para argumentar a favor de suas ideias morais e políticas A seção a seguir foca nas ques tões morais em vez das políticas da descrição de Locke Você está encorajado a investigar por você mesmo se a posição de Locke ou de Hobbes é a mais convincente O estado de natureza de Locke Existem algumas similaridades entre as descrições de Loc ke e de Hobbes do estado de natureza Por ora vamos focar so mente em duas dessas Na primeira ambos os filósofos afir mam que os indivíduos no estado de natureza são livres e iguais Na segunda ambos afirmam que existe uma lei de natureza que governa os indivíduos no estado de natureza A despeito dessas similaridades porém existem importantes diferenças em suas descrições que revelam visões contrastantes de moralidade Tanto Hobbes como Locke afirmam que o estado de na tureza é um estado de liberdade e igualdade Indivíduos no es tado de natureza diz Locke estão em estado de perfeita liber dade para comandar suas ações e dispor de suas posses e pes soas como eles pensarem convir34 Além disso Locke diz que é também um estado de igualdade no qual todo o poder e ju risdição é recíproco ninguém tendo mais do que o outro35 O que Locke significa por liberdade e igualdade no entanto não é o mesmo que Hobbes Enquanto Hobbes afirma que os indi víduos são livres para realizar qualquer ação que acreditem fa vorecer sua autopreservação Locke afirma que existem limi tes morais para as ações humanas Embora esse seja um estado de liberdade diz Locke ainda não é um estado de licença embo ra um homem nesse estado tenha uma incontrolável liberdade de dispor de sua pessoa ou posses ele ainda não tem liberdade de destruir a si mesmo assim como qualquer criatura em sua posse exceto onde algum uso mais nobre do que sua mera preservação o requerira36 Para Locke a igualdade humana é a fundação para esses limites morais uma vez que nada mais evidente existe do que criaturas da mesma espécie e posição desordenadamente nascidas para as mesmas vantagens de na tureza e para o uso das mesmas faculdades deverem também ser iguais entre si sem subordinação ou sujeição37 Como vi 34 LOCKE 1980 p 8 35 Ibid 36 Ibid p 9 37 Ibid p 24 114 115 mos Hobbes acredita que igualdade é um termo descritivo que se refere à igual habilidade para matar outros Locke por outro lado sustenta que os indivíduos são iguais à medida que eles merecem um certo tipo de tratamento ou respeito Em outras palavras igualdade é um termo descritivo ie um termo que diz o que é o caso para Hobbes e um termo pres critivo ie um termo que diz o que deve ser o caso para Locke As diferenças entre as concepções morais de Locke e Hobbes são também vistas em suas concepções contrastantes sobre a lei de natureza Locke oferece duas razões para a exis tência de uma lei moral natural uma teológica e a outra não teológica Primeiro Locke afirma que a igualdade e a indepen dência humanas oferecem fundamentos para a existência de certos direitos naturais O estado de natureza tem uma lei de natureza para governálo que obriga cada um e a razão que é essa lei ensina à espécie humana que não vai senão consul tála que sendo todos iguais e independentes ninguém deve prejudicar o outro em sua vida saúde liberdade ou posses38 Segundo Locke afirma que somos criaturas de Deus e por essa razão não deveríamos usar outras pessoas simplesmente para nossos próprios propósitos Porque os homens sendo todos obra de um Criador onipotente e infinitamente sábio diz Locke são sua propriedade cuja obra eles são feitos para durar durante o seu prazer e não durante o de outro e sendo munidos com faculdades similares compartilhando todos uma comunidade de natureza não pode existir qualquer suposta subordinação entre nós que possa nos autorizar a destruir uns aos outros como se fôssemos feitos para o uso de outros39 Locke implica fortemente aqui que não deveríamos prejudi car ou subordinar outros no estado de natureza porque é mo ralmente errado dado que somos iguais e propriedade de Deus Embora Locke afirme que não deveríamos prejudicar outros no estado de natureza ele também diz que existem algumas circunstâncias nas quais é correto fazer isso a saber a fim de punir aqueles que violaram a lei de natureza Significantemen te no entanto existem limites à punição transgressores da lei natural podem ser punidos de acordo com e com tanta severi dade quanto for suficiente para fazer disso um mau negócio para o infrator dando a ele causa para se arrepender e levar outros a temerem fazer o mesmo40 Em sua descrição da lei de natureza portanto Locke fornece uma justificativa não egoís ta para a moralidade Para Locke em outras palavras a lei de natureza nos dá um padrão natural e objetivo de comporta mento moral ela diz às pessoas o que é certo ou errado por na tureza Reciprocamente Hobbes diz que a lei de natureza nos proíbe de prejudicar outros porque no fim das contas vamos nos prejudicar fazendo isso ao menos de acordo com uma in terpretação de Hobbes Relativismo moral e absolutismo moral A questão principal levantada aqui é se existem quaisquer padrões objetivos naturais que possam ser usados para acessar a moralidade das ações humanas A escravidão é objetivamente errada Ou é errada somente porque é aceita como errada Existe um sentido de justiça que transcende as leis dos Estados e nações individuais Ou a moralidade é criada por leis e acor dos humanos Para responder a essas questões você deve con siderar a condição de moralidade em um estado de natureza Em tal estado vale tudo Ou existem limites naturais ao com portamento humano Se por exemplo eu passo um dia no es tado de natureza pescando em um riacho seria moralmente erra do para outro homem roubar os peixes de mim com o fim de se preservar Para Locke o trabalho e esforço que coloquei nessa tarefa tornariam os peixes minha propriedade eu teria um di reito natural e exclusivo aos peixes Para Hobbes no entanto cada pessoa tem um direito natural a todas as coisas de modo que outras pessoas seriam igualmente aptas a reivindicar um di reito aos peixes De quem é a posição correta Por quê 38 Ibid 39 Ibid p 10 40 Ibid p 12 116 117 Conclusão Neste capítulo o sumário da filosofia moral de Hobbes revelou que ele sustenta as seguintes crenças sobre a moralidade 1 não existem padrões objetivos de moralidade no estado de natureza 2 o estado de natureza é um estado de guerra 3 as leis de natureza fornecem os meios para a paz e autopreservação 4 as leis de natureza proíbem o que é tradicionalmente considerado comportamento imoral Após o sumário foi apresentado um conflito interpretativo sobre as leis de natureza de Hobbes Como vimos parece haver evidência para duas interpretações incompatíveis das leis de natureza Primeiro as leis de natureza são preceitos prudenciais que revelam meios racionais para indivíduos preservaremse Segundo as leis de natureza são leis morais genuínas porque elas são comandadas por Deus A última seção do capítulo iniciou uma investigação sobre questões morais contrastando as respectivas concepções morais de Locke e Hobbes sobre o estado de natureza 5 A filosofia política de Hobbes A Filosofia Política levanta questões sobre a origem e legitimidade das instituições políticas e dos direitos e deveres tanto de cidadãos como de governantes Qual é a fonte última da autoridade política Quem deveria exercer o poder político Quais são os respectivos direitos e deveres dos cidadãos e líderes Quando a desobediência civil está justificada Qual é a origem do Estado Hobbes tenta responder a tais questões em seus trabalhos sobre Filosofia Política Para Hobbes a Filosofia Política não é simplesmente uma ocupação intelectual interessante ela também leva a importantes consequências práticas Como mencionado no capítulo 1 Hobbes foi testemunha de uma guerra civil que estava despedaçando seu país Vários líderes políticos e religiosos tiveram diferentes ideias sobre quem deveria possuir o poder político e como ele deveria ser usado Tais desacordos ideológicos não permaneceram confinados ao domínio das ideias mas criaram conflito no mundo real Hobbes acreditava que sua própria filosofia política se aceita ajudaria a produzir e manter um estado de paz De acordo com Hobbes os seres humanos poderiam escapar da guerra civil metaforicamente representada pelo estado de natureza somente aceitando um soberano com poder absoluto Neste capítulo você será introduzido aos elementos principais da filosofia política de Hobbes Como veremos Hobbes acredita que a transição do estado de natureza para um acordo político organizado ocorre quando os indivíduos fazem um pacto político entre si Embora um pacto político possa conduzir a qualquer uma dentre algumas formas de governo Hob 118 119 O BEM FINAL NA ÉTICA DE ARISTÓTELES W F R Hardie Aristóteles sustenta que toda pessoa tem ou deveria ter um fim único télos a ser almejado Tal doutrina está expressa em EN I 2 Se portanto há um fim naquilo que fazemos que é desejado por si mesmo sendo as outras coisas desejadas em vista disso e se não escolhemos tudo em vista de outra coisa pois nesse caso o processo se estenderia ao infinito de modo que nosso desejo seria vazio e vão claramente esse deve ser o bem e mais do que isso ser o bem soberano Logo conhecelo não haveria de ter uma grande influência na vida E assim como arqueiros que possuem um alvo em que mirar não haveria de ser mais provável que atingíssemos aquilo que é mais correto 1 1094a1824 Nessa passagem Aristóteles não prova nem é necessário que entendêssemos que estivesse buscando provar que existe um fim único que é desejado por si mesmo Ele assinala corretamente que caso haja objetos que são desejados mas não desejados por si mesmos deve haver algum objeto que seja desejado por si mesmo O trecho também sugere que se houvesse tal objeto que fosse único isso seria importante e útil para a conduta da vida A mesma doutrina encontrase expressa em EE I 2 Mas enquanto que na EN a ênfase recai sobre a ciência da política a arte de governar onde o bem humano é tido como fim único a EE menciona apenas o modo pelo qual o indivíduo planeja sua própria vida Toda pessoa que tem a possibilidade de viver de acordo com sua própria escolha proaíresis deve deterse nessas questões e estabelecer para si algum objeto como alvo do bem viver seja esse objeto a honra ou a fama ou a riqueza ou a cultura em vista do qual ele fará tudo o que faz uma vez que não organizar sua vida em função de algum fim é sinal de notável insensatez Acima de tudo devemos em primeiro lugar definir para nós mesmos sem qualquer pressa ou descuido em que parte de nós reside o bem viver e quais são as condições humanas de sua obtenção EE 1214b614 Aqui portanto nos é dito que a ausência de sabedoria prática se mostra na incapacidade da pessoa organizar e planejar sua vida para alcançar um fim único Aristóteles se furta de mencionar mas menciona em outros lugares que a ausência de sabedoria prática se mostra também na preferência da pessoa por um fim ruim ou inadequado como o prazer ou o dinheiro Somos informados pelo que é dito em EN VI 9 que a pessoa investida de sabedoria prática possui uma concepção verdadeira do fim que lhe é melhor bem como possui a capacidade de planejar a realização desse fim de maneira eficaz EN 1142b3133 Na prática até que ponto vão os seres humanos no planejamento de suas vidas em busca de um fim único como Aristóteles sugere que eles deveriam fazer Assim que formulamos a questão nos damos conta da existência de uma confusão na concepção aristotélica de fim único Pois a questão encobre uma confusão entre duas questões primeiramente quão longe vão os seres humanos no planejamento de suas vidas secundamente na medida em que planejam suas vidas quão central ou dominante é o papel que eles atribuem a um objeto único desejado o dinheiro ou a fama ou a ciência Para ambas essas questões a resposta mais óbvia e imediata é alguns o fazem outros não De início tomemos a segunda questão Apenas em casos muito excepcionais uma vida é organizada em função da satisfação de uma paixão prevalente Diante da demanda por exemplos poderíamos citar as ambições políticas de Disraeli ou a dedicação de Henry James à arte literária Mas a genialidade incomum não é incompatível com uma ampla gama de interesses Parece evidente que são raros aqueles que vivem suas vidas sob o jugo de um fim único Vamos refletir agora sobre a primeira questão Até que ponto vão os seres humanos no planejamento de suas vidas É claro que existe planejamento mesmo dentre aqueles que não possuem um desígnio único dominante É possível se ter um plano calcado em prioridades ou no balanço harmonioso entre certo número de objetos É até mesmo possível planejar não ter plano algum resolver nunca fechar portas antes do momento oportuno Hobbes observou que não existe um finis ultimus fim último nem um summum bonum sumo bem como costumava constar nos livros dos antigos filósofos morais A felicidade é um desenrolar contínuo do desejo de um objeto para outro não sendo a obtenção do primeiro objeto outra coisa senão etapa em direção ao segundo W F R Hardie 42 43 Leviatã Capítulo XI Mas mesmo tal progresso pode ser planejado embora o plano talvez não seja ajuizado Todo ser humano possui e sabe que possui um número de desejos independentes ie desejos que não dependem de outros desejos no sentido em que o desejo por um meio depende do desejo por um fim Toda pessoa é capaz de tempos em tempos de alertar a si mesma que caso ela opte por perseguir algum objeto particular com excessivo ardor poderá perder ou comprometer outros objetos que também lhe são caros Logo podese argumentar que toda pessoa capaz de reflexão que é uma capacidade humana universal é mesmo que ocasionalmente e veladamente alguém que planeja sua própria vida Podemos agora distinguir as duas concepções que se fundem ou se confundem na exposição de Aristóteles da doutrina do fim único Uma delas é a concepção do que poderia ser chamado de fim inclusivo Certa pessoa refletindo a respeito de seus múltiplos desejos e interesses percebe que alguns significam mais para ela do que outros que alguns são mais difíceis e custosos de se alcançar do que outros que a obtenção de um pode em diferentes medidas promover ou estorvar a obtenção de outros Através de tal reflexão a pessoa é aticada a planejar alcançar ao menos seus objetivos mais importantes da forma mais plena possível Dar curso a tal plano é grosso modo o que é usualmente chamado de procura pela felicidade O desejo pela felicidade entendida nesses termos é o desejo pela satisfação ordenada e harmoniosa de desejos Por vezes Aristóteles ao tratar do bem final parece estar tateando atrás da idéia de um fim inclusivo ou plano abrangente nesse sentido Assim em EN I 2 ele fala que os fins da ciência da política compreendem outros fins 1094b67 O propósito de uma ciência que é arquitetônica 1094a2627 cf EN VI 8 1141b2426 é um propósito de segunda ordem Novamente em EN I 7 ele diz que a felicidade deve ser a coisa mais desejável de todas as outras sem contar como uma coisa desejável entre outras pois caso assim fosse ela poderia tornarse ainda mais desejável até mesmo pela adição do menor dos bens 1097b1620 Tais considerações deveriam levar Aristóteles a definir a felicidade como um fim de segunda ordem como a realização completa e harmoniosa de fins de primeira ordem Isso é o que ele deveria ter dito Não é o que disse Seu ponto de vista explícito em oposição aos seus momentos ocasionais de perspicácia faz do fim supremo não algo inclusivo mas algo dominante objeto de um desejo excelso a filosofia É assim até mesmo quando como em EN I 7 ele tem em mente que prima facie não há apenas um fim último singular se há mais de um o mais final será o que buscamos 1097a30 O equívoco e o embaraço de Aristóteles ficam implícitos na formulação que encontramos em EE I 2 da questão sobre em que parte de nós reside o bem viver EE 1214b1213 Porque colocar a questão nesses termos implica descartar a resposta mais óbvia e acertada a melhor vida para certa pessoa não pode residir na conquista de apenas um de seus objetos ao custo da perda de todos os outros Esse seria um preço alto demais a se pagar até mesmo para a filosofia A ambiguidade que acabamos de encontrar na concepção aristotélica de bem final transparece também em seu esforço de usar a noção de uma função έργον peculiar ao ser humano enquanto chave para a definição da felicidade Não se deve insistir nem salvaguardar a noção de função uma vez que o ser humano não atende a um propósito A noção de que Aristóteles lança mão de fato é a da natureza específica do ser humano as características que o distinguem primordialmente dos outros seres vivos Essa noção pode ser interpretada de modo amplo que corresponde ao fim inclusivo ou de modo restrito que corresponde ao fim dominante Em EN I 7 buscando aquilo que é próprio ao ser humano 1097b3334 Aristóteles rejeita em primeiro lugar a vida que consiste no nutrir e no crescer e em segundo lugar a vida pautada pela sensação que é comum ao cavalo ao boi e a todo animal 1098a23 O que resta é certo tipo de vida ativa do elemento que possui um princípio racional 1098a34 Não é necessário que essa expressão seja compreendida apontam os comentadores como excluindo a atividade teórica A palavra ação pode ser utilizada de modo amplo como o é em Politica VII 3 1325b1623 de modo a incluir a reflexão contemplativa Mas o que a passagem assinala como função própria do ser humano é claramente mais abrangente que a atividade teórica e inclui atividades que exibem inteligência prática e virtude moral Mas a concepção mais restrita é sugerida por outra frase usada no mesmo capítulo o bem humano é a atividade da alma de acordo com a virtude e se a virtude for múltipla de acordo com a melhor e mais perfeita 1098a1618 A virtude mais perfeita deve ser a sabedoria teórica embora nada disso fique esclarecido em EN I 45 A doutrina segundo a qual o ser humano só é verdadeiramente feliz por meio da atividade teórica é expressa em X 7 e 8 A razão teórica elemento divino do ser humano é aquilo que mais do que qualquer outra coisa é o homem 1177b2728 1178a67 Seria de se estranhar então se alguém não escolhesse seu próprio modo de viver mas o de algo outro E o que já foi dito anteriormente se aplica aqui aquilo que é próprio de cada coisa é por natureza o melhor e o mais prazeroso a cada coisa 1178a36 O ser humano é verdadeiramente humano quando ele é mais que humano fazendose simile a um deus Dentre os outros animais nenhum é feliz dado que nenhum comunga da contemplação 1178b2728 Essa declaração exibe o equívoco na concepção do fim como dominante ao invés de inclusivo É sem dúvida verdadeiro que o ser humano é o único animal dotado de intelecto Mas a capacidade de alguns homens para a atividade intelectual é muito limitada E a atividade intelectual não é a única atividade em respeito à qual o ser humano pode ser dito racional como nenhum outro animal o é Não há um fio lógico que nos conduz da constatação de que a felicidade está localizada em um modo de vida que é específico e comum aos homens à visão restrita do bem final enquanto fim dominante O que é comum e peculiar aos homens é a racionalidade tomada em sentido geral não o discernimento teórico que é uma forma específica da racionalidade Um ser humano se distingue primordialmente dos animais não por possuir dotes metafísicos naturais mas sim pela sua capacidade de planejar sua vida de maneira consciente na busca por um fim inclusivo A confusão entre um fim que é final por ser inclusivo e um fim que é final por ser supremo ou dominante é responsável por grande parte daquilo que os críticos acertadamente apontam como pouco satisfatório na formulação de Aristóteles do raciocínio que culmina em decisões práticas Essa confusão está relacionada ao seu fracasso em tornar explícito o fato de que o raciocínio prático não é sempre nem exclusivamente um processo de encontrar meios para fins O raciocinar é igualmente necessário para a configuração de um fim inclusivo Mas como vimos Aristóteles fracassa em tornar explícito o conceito de fim inclusivo Essa inadequação não apenas torna confusas suas declarações em EN I 1 e 2 quanto à relação entre a política e as artes subordinadas a ela como também desemboca numa formulação incompleta da deliberação Eu expus a doutrina de Aristóteles como primordialmente uma doutrina da busca individual pelo bem para si pelo bemestar pessoal ευδαιμονία Mas algo precisa ser dito nesse momento a respeito da relação entre o fim do indivíduo e o fim superior e mais perfeito do Estado Pode ser valioso alcançar o fim meramente em nome de uma única pessoa mas é melhor e mais divino alcançálo em nome de uma nação ou de uma cidade EN I 2 1094b710 Isso não implica nada além do que está dito se é bom que João seja feliz é ainda melhor que Pedro e Paulo também o sejam O que torna inevitável que o planejamento para a realização do bem do ser humano seja por meio da política é o simples fato de que pessoas necessitam e desejam estar em comunhão social com outras Isso fica claro em EN I 7 onde Aristóteles escreve que o bem final deve ser suficiente por si mesmo Não utilizamos o termo autosuficiente em relação ao indivíduo isolado que vive uma vida solitária mas também em relação aos pais filhos esposas e para os amigos e concidadãos uma vez que o ser humano nasceu para a cidadania 1097b711 Que o fim individual é um fim de primeira ordem isto é que o Estado existe em função de seus cidadãos é dito em EN VI 8 um dos livros comuns a ambos os tratados A pessoa que conhece e cuida de seus próprios interesses é dita dotada de sabedoria prática enquanto políticos são uns enxeridos No entanto o bem individual talvez não possa existir sem a administração da família tampouco sem alguma forma de governo EN VI 9 1142a110 A família e o Estado bem como outras formas de sociabilidade são necessários para a realização completa da capacidade humana de viver bem O político visa em termos gerais à máxima felicidade do maior número Ele efetiva sua própria felicidade através da realização da felicidade alheia EN X 7 1177b14 especialmente caso Aristóteles esteja certo através da realização da felicidade daqueles capazes da atividade contemplativa Falando em termos do fim como dominante Aristóteles estabelece um limite à autoridade da sabedoria política em EN VI 13 donde a sabedoria política não tem autoridade sobre a sabedoria filosófica isto é sobre aquilo que há de melhor em nós assim como a arte da medicina não tem autoridade sobre a saúde pois não se serve dela mas providencia seu vir a ser emite prescrições em nome dela mas não para ela 1145a69 Essa sugestão de que a ciência e a filosofia estão imunes em princípio à influência política não é aceitável O político promove a ciência mas também faz uso dela e talvez se veja forçado a restringir os recursos que fluem para ela Se o fim de segunda ordem e inclusivo é a integração completa e harmoniosa de fins de primeira ordem nenhum fim de primeira ordem pode ser intocável Mas mesmo que Aristóteles houvesse sustentado de modo consistente a posição extravagante de que a atividade contemplativa é desejada unicamente por si mesma e constitui o fim único desejado por si mesmo mesmo assim ele não estaria correto em concluir que não poderia haver ocasião para a regulamentação política das pesquisas contemplativas Afinal o esforço irrestrito em busca da filosofia pode atravarancar as medidas necessárias para construir um ambiente no qual a filosofia possa prosperar Pode ser necessário mandar um astrônomo abandonar seu observatório ou mandar um filósofo abandonar seu ateneu para que eles possam desempenhar seus papéis respectivos no Estado Similarmente o indivíduo que planeja sua vida de modo a encontrar o maior espaço possível para acomodar uma atividade única e desejada acima de todas as outras precisa estar preparado para restringir não apenas desejos em franco conflito com sua paixão prevalente como também a própria paixão prevalente quando esta se manifesta de modo a frustrar seu próprio objeto Em EN I 1 e 2 Aristóteles expõe a doutrina de que a arte de governar tem o primado sobre as artes e ciências que lhe são subordinadas Uma arte A está subordinada a uma outra arte B quando há uma relação meiosfim entre A e B Por exemplo se A é uma arte de produção tal qual a arte de fazer rédeas seu produto pode ser utilizado por uma arte que lhe é superior a equitação A equitação não é uma arte de produção mas está contida na arte do comando militar na medida em que comandantes manejam a cavalaria por sua vez a arte do comando militar está contida na arte do governante que é a arte em mais alto grau arquitetônico 1094a27 cf VI 8 1141b2325 Assim a pessoa dotada de sabedoria prática o político ou o legislador é comparado por Aristóteles a um supervisor ou fiscalizador responsável por gerenciar artífices e trabalhadores dos mais variados tipos todos unidos no esforço de erguer um observatório que possibilite o indivíduo dotado de saber contemplativo admirar o firmamento estrelado Na Magna Moralia a função do saber prático é dita semelhante a do intendente cuja tarefa é a de organizar as coisas caras a seu amo para que esse possa atender à sua vocação solene Magna Moralia A 34 1198b1217 Talvez o paralelo mais próximo à função do político conforme concebida por Aristóteles seja a das entidades de fomento de uma faculdade como Oxford ou Cambridge Essa formulação da arte política como almejando o exercício do saber contemplativo por aqueles capacitados para tanto é a expressão radical da concepção do fim como dominante e não inclusivo Essa formulação nesses moldes é uma simplificação grosseira dos fatos Quando ele fala de uma arte subalterna que é buscada em nome de uma arte superior ou arquitetônica 1094a1516 Aristóteles deveria explicitar que uma arte subalterna além de servir outros objetos pode ser buscada por si mesma A arte da equitação por exemplo tem usos nãomilitares e pode ser uma fonte de diversão E duas artes ou dois tipos de atividade podem ser subordinadas no sentido de Aristóteles uma à outra cavaleiros usam rédeas e fabricantes de rédeas podem ir para a oficina à cavalo o engenheiro utiliza recursos desenvolvidos pelo matemático mas também promove as condições necessárias prosperidade e economia de tempo para que uma ciência pura possa se aperfeiçoar Aristóteles não deixa de notar que um objeto pode ser desejado tanto independentemente por si mesmo quanto dependentemente de seus efeitos EN I 6 1097a3034 Ele também estava ciente de que a atividade contemplativa não é a única atividade que é desejada de modo independente Mas é evidente que pensava que uma atividade que nunca era desejada a não ser por si mesma seria intrinsecamente desejável num grau superior a uma atividade que além de ser desejável por si mesma fosse também útil Ser útil está aquém por assim dizer da dignidade das atividades mais divinas Com isso e por outras vias Aristóteles é levado a cunhar uma formulação restrita e exclusiva do bem final e a conceber o fim supremo como dominante e não inclusivo Aristóteles descreve a deliberação o raciocínio do ser humano sábio como um processo que começa pela concepção de um fim e retrocede numa direção que inverte a ordem causal até a identificação dos meios Pessoas não deliberam com relação a meios afirma ele o fim é posto e consideramse os meios pelos quais pode ser alcançado e se parece poder ser produzido por diversos meios consideramse aqueles que facilitam e melhor viabilizam sua produção por outro lado se for alcançável através de um único meio consi derase como poderá ser alcançado por tal meio e como alcançar esse meio até chegar à causa primeira que é a última na ordem da descoberta EN III 3 1112b1520 Tal investigação é comparada ao método da descoberta através da análise da solução para um problema geométrico Mais uma vez em VI 2 dizse que a sabedoria prática está na identificação dos meios que conduzem a um bom fim Pois os silogismos que dizem respeito a ações são construções que contêm pontos de partida do tipo dado que o fim ie o que é melhor é de tal ou qual natureza então 1144a3133 Essa é a caracterização aristotélica oficial a respeito da deliberação Mas novamente aqui como já ocorrera em sua caracterização a respeito da relação entre a ciência da política e suas ciências subordinadas uma doutrina excessivamente restrita e rígida é corrigida alhures de alguma maneira e de modo não explícito pelo reconhecimento de fatos que não batem com o padrão prescrito O professor HWB Joseph no livro Essays in Ancient and Modern Philosophy2 apontou que o processo decisório envolvendo a escolha de diferentes meios possíveis pelo critério daquele que facilita e melhor viabiliza a produção do fim depende de um gênero de deliberação que não é comparável à tarefa do geômetra pp 180181 E acrescenta Aristóteles parece não terse dado conta disso O que a passagem sugere é que o agente talvez tenha que considerar a bondade ou a maldade inerente aos meios propostos bem como sua eficiência na promoção de um fim bom Uma admissão menos passageira de que há mais coisas envolvidas na deliberação do que a identificação de meios transparece na formulação de Aristóteles a respeito das ações mistas em EN III 1 Lá Aristóteles reconhece que se os meios forem desonrosos o fim talvez não seja importante o suficiente para justificálos É uma marca do indivíduo inferior aceitar as maiores indignidades por um fim que não é nobre ou de pouco valor 1110a2223 Por vezes é difícil determinar o que deve ser escolhido e a que custo e o que pode ser aceito em nome de qual proveito 1110a2930 A decisão de Alcmeon de assassinar a própria mãe seguindo as instruções do pai de forma a evitar a própria morte é oferecida como exemplo de um equívoco patente na resposta a uma pergunta desse tipo Tal tipo de deliberação claramente não é a descoberta regressiva ou analítica de meios dirigidos a um fim preconcebido É antes a determinação de um padrão ideal de conduta um sistema de prioridades do qual o agente não pretende se afastar Foi isso que descrevemos atrás como a configuração de um fim inclusivo É um gênero de raciocínio prático que Aristóteles não pode ter considerado ao asserir em EN III 3 que deliberamos com relação não a fins mas com relação a meios 1112b1112 Argumentei que a doutrina de Aristóteles do bem final humano está viciada por esse bem ter sido concebido como dominante e não inclusivo e esse equívoco está na base de sua caracterização demasiadamente estreita do raciocínio prático enquanto uma busca por meios Agora afirmar que o bem final é inclusivo não é o mesmo que recusarse a reconhecer que existem nele certos fins dominantes que correspondem aos interesses primordiais da natureza humana desenvolvida Um desses interesses primordiais é o interesse pela ciência contemplativa Segundo Aristóteles ela compreende três ramos a teologia ou filosofia primeira a matemática e a física Metafísica E 1 1026a1819 cf EN VI 8 1142a1618 Sua reflexão na Ética a respeito da contemplação baseada na doutrina da razão enquanto elemento divino ou símile ao divino EN X 7 1177a1317 8 1178b2023 exalta apenas o primeiro desses ramos a teologia e faz apenas menção passageira aos outros Alhures em De Partibus Animalium I 5 ele admite que a Física possui atrativos próprios que compensam o estatuto relativamente baixo de seus objetos de estudo As concepções imprecisas que podemos almejar dos fenômenos celestes nos preenchem em virtude da excelência de seu objeto de mais prazer do que todo o conhecimento do mundo no qual vivemos assim como o breve vislumbre de pessoas amadas é mais deleitoso do que a apreciação demorada de todas as outras coisas que nos cercam pouco importando seu número e dimensão Por outro viés o caráter perfeito e certo de nosso conhecimento das coisas terrenas tem ascendência Ainda mais sua proximidade e afinidade com as nossas preocupações compensa em certa medida a imponência das coisas celestinas que são objeto da filosofia excelsa De Partibus Animalium 644b31645a4 Não há espaço nestas páginas para discutir as doutrinas teológicas que levaram Aristóteles a posicionar a filosofia excelsa no cume da felici dade humana Mas há um aspecto de sua formulação da vida contemplativa que guarda uma conexão imediata com meu tópico principal Ele declara em EN VII 14 que não há somente atividade que consiste em movimento mas também atividade que consiste na imobilidade e o prazer reside antes no repouso do que no movimento 1154b2628 Essa doutrina de que não há movimento na contemplação teórica bem como a constatação de que a imobilidade é parte de sua excelência é determinada primordialmente pela concepção aristotélica da natureza divina Dentre os mais recentes comentadores da EN Gauthier e Jolif escrevem justificadamente que Aristóteles aqui exclui da vida contemplativa a descoberta Poderíamos mesmo dizer que o ideal para o homem contemplativo aristotélico e esse ideal o Deus de Aristóteles realiza é de nunca estudar e nunca descobrir pp 855856 Em EN X 7 aprendemos que a filosofia oferece prazeres maravilhosos em virtude da pureza e da permanência desses e que é razoável supor que aqueles que conhecem desfrutarão de seu tempo mais prazerosamente do que aqueles que investigam 1177a2527 Não há nada de razoável nisso É um paradoxo surpreendente Passarei agora a sugerir que a facilidade com a qual Aristóteles abraça esse paradoxo assim como sua confusão entre fim dominante e fim inclusivo decorre ao menos em parte de seu fracasso em fornecer uma análise explícita ou adequada dos conceitos de fins e meios Aristóteles afirma em EN I que um fim pode ou bem ser uma atividade ou o produto de uma atividade Mas parece evidente que haja uma diferença entre os fins alguns são atividades outros são produtos para além das atividades que os produziram e quando existem fins para além das ações é da natureza dos produtos serem melhores que as atividades 1094a36 O que é sugerido aqui é quando uma atividade conduz a um resultado desejado como a medicina produz a saúde ou a construção naval produz a embarcação ou a investigação produz conhecimento a atividade que busca o fim não é em si desejada Como ele afirma erroneamente na Metafísica das ações que visam a um fim nenhuma é um fim em si Θ 6 1048b1b Mas uma atividade que almeja a produção de um resultado pode ser objeto de aversão de indiferença ou de um desejo positivo que pode ser maior ou menor do que o desejo pelo seu produto É mister distinguirmos o fim no sentido de um resultado tencionado ou planejado e fim no sentido de um resultado ou resultado esperado que além de ser tencionado e planejado é também desejado por si mesmo ao passo que o processo de alcançálo não o é É verdade que viajar pode carregar poucos atrativos mas também pode ser mais atraente que a chegada Um profissional do golfe joga para vencer Mas se derrotado não pensa que perdeu o dia não sente que seus esforços foram em vão como se sentiria caso seu único objetivo fosse ganhar o prêmio humilhar o oponente ou simplesmente vencer Fazer palavrascruzadas talvez seja uma senhora perda de tempo mas não por ser raro conseguir completar um jogo Seria uma perda de tempo ainda maior caso nunca tivéssemos dificuldades em tentar completálos Em poucas palavras o fato de alguma atividade progredir gradualmente em direção a seu resultado planejado deixa aberta a questão de saber se é o processo ou o resultado que é desejado e quando os dois qual o é prioritariamente Caso Aristóteles houvesse percebido e lidado com esse problema ele teria maiores dificuldades em sugerir que os prazeres do processo de descoberta não constituem um elemento essencial da ciência enquanto foco de grande interesse humano A Filosofia seria muito menos atraente do que é caso apenas os resultados importassem A perfeição de Deus requer que seu pensar seja nãoprogressivo Mas o ser humano que está aquém da perfeita simplicidade precisa para ser feliz dos prazeres de buscar soluções aos problemas de aprender algo de novo de surpreenderse Para essas pessoas a boa vida as conduz nas palavras de Meredith através dos amplos cômodos do espanto até o arrebatamento que pulsa em torno de um fim que logo recua3 Vimos que a doutrina aristotélica do bem final humano demanda ser clarificada por meio da distinção entre um fim que é inclusivo um plano de vida e um fim que é dominante como a satisfação de uma ânsia contemplativa pode ser dominante na vida de um filósofo Nenhum ser humano tem apenas um único interesse Logo um fim que deve funcionar como um alvo como 3 WFR Hardie cita o escritor inglês George Meredith 18281909 Os versos foram extraídos do poema A Hymn to Colour VII vv34 O poema foi originalmente publicado na coletânea A Reading of Earth de 1888 Os versos no original são os seguintes Through widening chambers of surprise to where Throbs rapture near an end that aye recedes Nota do Tradutor 52 Sobre a Ética Nicomaqueia de Aristóteles W F R Hardie 53 critério para decidir o que fazer e como viver deve ser inclusivo Mas alguns homens possuem paixões prevalentes Logo alguns fins inclusivos vão incluir um fim dominante Vou agora tentar sondar mais detidamente essas noções aristotélicas e tentar avaliar o valor e a relevância delas para a filosofia moral É uma boa ideia enfrentarmos logo de cara uma crítica bastante comum e natural a Aristóteles a crítica de que seu homem virtuoso não é uma figura moral mas um egoísta calculador cujo princípio operacional não é o dever mas a prudência aquilo que o Bispo Butler chamou de cool selflove gélido amorpróprio Aristóteles caminha em boa companhia em sustentar que é a racionalidade que faz um ser humano idealmente bom Mas seu ponto de vista admite descontadas as instâncias incidentais de perspicácia apenas a racionalidade do autointeresse prudente não a racionalidade do princípio moral Por causa disso o professor D J Allan nos diz nas páginas de seu The Philosophy of Aristotle4 que Aristóteles confere mínguo se algum valor à motivação da obrigação moral e que o autointeresse de tipo mais ou menos esclarecido é tomado como razão de ser de toda conduta e escolha p189 Similarmente o saudoso professor Field um crítico ponderado e simpático a Aristóteles observou que embora a moralidade seja essencialmente altruísta o conceito de aristotélico de fim último ou bem final converte a moralidade em algo no final das contas egoísta Moral Theory pp 109 1115 Quando um indivíduo é descrito como egoísta isso significa em primeiro lugar que ele é levado a agir com mais frequência e afinco que a maior parte dos seres humanos por desejos egoístas A palavra egoísta é também aplicada a uma disposição de planejar a própria vida de tal modo que se tenha mais espaço do que o usual ou apropriado para a gratificação de desejos egoístas Mas o que faz um desejo ser egoísta O professor Broad em seu ensaio intitulado O Egoísmo enquanto teoria da motivação humana6 elabora uma importante distinção entre duas espécies de desejos egodirecionados Em primeiro lugar existem desejos que estão arraigados no indivíduo e que ele teria mesmo que estivesse sozinho no mundo eg desejos por certas vivências o desejo por preservar a própria vida o desejo de respeitar a si mesmo Em segundo lugar existem desejos egodirecionados que pressupõem que o indivíduo não esteja só no mundo eg o desejo por adquirir propriedade o desejo por se afirmar e se exibir o desejo de inspirar afeto O professor Broad não deixa de adicionar que desejos que são alterdirecionados podem ser egoreferentes eg o desejo pelo bemestar da nossa própria família dos amigos da escola da universidade do clube da nação Uma pessoa pode talvez ser chamada de egoísta caso suas motivações alterdirecionadas fossem conspicuamente e exclusivamente egoreferentes isto é caso não demonstrasse qualquer interesse pelo bem estar de quem quer que fosse que não fizesse parte de seu círculo pessoal Mas usualmente egoísmo referese à proeminência de motivações egodirecionadas e diferentes formas de egoísmo correspondem a diferentes desejos egodirecionados A palavra sendo pejorativa costuma ser prontamente atribuída ao menos respeitável dos desejos egodirecionados Desse modo uma pessoa particularmente devotada à realização de seus próprios prazeres poderia ser chamada egoísta mesmo que suas motivações alterdirecionadas não fossem conspicuamente débeis Um indivíduo cuja paixão prevalente fosse a ciência ou a música não seria costumeiramente chamado de egoísta a não ser que o termo servisse para destacar uma repreensível ausência ou incapacidade dele em desenvolver motivações alterdirecionadas revelada em sua negligência frente à sua família ou discípulos A classificação dos desejos que tomei de empréstimo de Broad pressupõe que a natureza deles é adequadamente representada pelo que ordinariamente pensamos e falamos a respeito deles Prima facie alguns dos nossos desejos são egodirecionados e dentre os que são alterdirecionados alguns são egoreferentes outros não Mas existiram filósofos que questionaram ou negaram a realidade dessas diferenças aparentes Uma doutrina o egoísmo psicológico afirma em sua formulação mais aguda que os únicos objetos 4 DJAllan The Philosophy of Aristotle Reino Unido Oxford University Press 1952 Existe tradução portuguesa desse livro Allan DJ A Filosofia de Aristóteles Tradução de Rui Gonçalo Amado Lisboa Editorial Presença 1983 Nota do Tradutor 5 GCField Moral Theory An Introduction to Ethics Nova York EPDutton Co 1921 Nota do Tradutor 6 Egoism as a theory of human motives Publicado na coletânea CD Broad Ethics and the History of Philosophy Selected Essays Nova York The Humanities Press Londres Routledge Kegan Paul 1952 Nota do Tradutor 54 Sobre a Ética Nicomaqueia de Aristóteles W F R Hardie 55 possíveis dos desejos independentes de primeira ordem de um indivíduo são experiências estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazres sentimentos de deleite7 Que são EN VIII 2 1155b31 3 1156b910 7 1159a812 Por outro lado ele demonstra sensibilidade ao detectar elementos egoreferentes na benevolência Assim ele compara os sentimentos dos benfeitores aos beneficiados com aqueles dos pais com relação aos filhos ou do artista com relação à sua criação pois aquilo que tratam benevolamente é criação sua portanto amamna mais do que a coisa criada ama seu criador EN IX 7 1167b311168a5 A formulação de Aristóteles que mais se aproxima do hedonismo psicológico encontrase talvez na seguinte passagem de EN II 3 três são os objetos de escolha e três os de repulsa aquilo que é nobre aquilo que é vantajoso aquilo que apraz e seus contrários aquilo que é vil aquilo que é danoso aquilo que é doloroso Quanto a esses objetos a pessoa boa tende a julgar corretamente a pessoa má incorretamente especialmente no que concerne ao prazer pois esse é compartilhado pela totalidade do reino animal e está presente em todo objeto de escolha pois até mesmo aquilo que é nobre e aquilo que é vantajoso afigurase como algo que apraz 1104b301105a1 Mas existem passagens em sua discussão a respeito do prazer na EN X que revelam que mesmo que ele houvesse aceitado o egoísmo psicológico não teria aceitado o hedonismo psicológico E existem muitas coisas que nos seriam importantes mesmo que não produzissem prazer algum eg a visão a recordação o conhecimento a posse das virtudes Caso seja verdade que o prazer as acompanha isso é irrelevante as escolheríamos mesmo na ausência do prazer 1174a48 Isso soa como um repúdio direto da doutrina expressa no trecho de Prichard que citei Em EN X 4 Aristóteles pergunta sem esboçar uma resposta se escolhemos uma atividade em função do prazer por ela gerado ou viceversa 1175a1821 A resposta demandada por sua doutrina certamente é a de que nenhum dos pólos da alternativa pode ser aceito já que tanto a atividade quanto o prazer por ela gerado são desejáveis por si mesmos Mas permanece aberta a questão de saber se quando descrevemos uma situação ou atividade tal qual a visão de uma formosa paisagem como algo que apraz estamos nos referindo a um sentimento distinto da situação ou da atividade por si mesmas A acusação que se faz contra Aristóteles de que sua moral é uma moral baseada no autointeresse é dirigida primordialmente contra sua doutrina do bem final a doutrina que interpretei como resultante de um turva 56 Sobre a Ética Nicomaqueia de Aristóteles W F R Hardie 57 mento entre as noções distintas de fim inclusivo e fim dominante Mas o acusador também pode querer sugerir que Aristóteles exagera o papel dos desejos egodirecionados na determinação da conduta humana Contra isso a primeira resposta bem que poderia ser que não é fácil exagerar seu papel O termo egodirecionado se aplica como vimos a uma plethora de motivações e existe um fator egoreferente até mesmo na mais potente das motivações alterdirecionadas um altruísmo puro que não contenha qualquer elemento egodirecionado ou egoreferente é uma raridade Os fatos parecem atestar a asserção de que o ser humano é um animal interesseiro Mas podese contestar a acusação de frente Aristóteles não ignora motivações alterdirecionadas Nesse registro por exemplo embora ele realce que o filósofo diferentemente daqueles que exercitam a virtude prática não necessita de outras pessoas frente a quem e junto a quem ele vai agir ele admite que os prazeres da filosofia intensificamse através do interesse no trabalho dos colegas Talvez ele se encontrasse em condições melhores se tivesse colaboradores mesmo assim continua a estar no grau máximo de autosuficiência EN X 7 1177a27b1 Quando na EE Aristóteles fala da filosofia como a atividade a serviço do divino ele parece sugerir que o amor à sabedoria não é regido apenas pelos estados conscientes próprios do portador desse amor EE VIII 3 1249b20 E ainda na EN IX 8 ele pode atribuir ao acometido por amorpróprio condutas que são no mais alto grau altruísticas e abnegatórias A razão escolhe sempre aquilo que é melhor para si e o homem de bem obedece à razão É também verdadeiro que o homem de bem pratica muitos atos por seus amigos e sua nação e caso seja necessário morrerá por eles pois ele está preparado para sacrificar riquezas e honrarias e em geral todos os bens que são objetos de rivalidade adquirindo para si a nobreza τò καλόν pois prefere um breve período de intenso prazer a uma longa temporada de magro deleite doze meses de nobre viver a muitos anos de insípida existência e preferirá uma grande e nobre ação a uma pletora de atos triviais Aqueles que tombam em nome de outros sem dúvida alcançam esse resultado é portanto um excelente prêmio que elegem para si mesmos EN IX 8 1169a1726 Porém não é suficiente se quisermos ser justos com a crítica de que a moral de Aristóteles está sustentada no autointeresse citar a passagem acima ou aquela em EN I 10 na qual Aristóteles fala da resplandecente beleza da virtude que se revela no triunfo sobre desgraças que emperram a felicidade 1100b3033 Tais passagens podese argumentar são reveladoras da sensibilidade e da perspicácia moral de Aristóteles Mas ainda resta saber se o elogio que elas fazem da mais extrema abnegação e da perseverança frente ao sofrimento é consistente com a doutrina de Aristóteles do bem final humano Talvez ele esteja argumentando de modo mais consistente com suas posições já decantadas quando ele sugere ou seria um chiste em EN IX 8 que um indivíduo exibirá a mais admirável abnegação o mais sincero amor ao render a seu amigo a oportunidade para a realização de alguma ação virtuosa 1169a3334 Talvez o elogio que Aristóteles faz da entrega em nome de uma causa nobre até mesmo da própria vida necessita ser qualificada com sua própria perspectiva como foi qualificada por Oscar Wilde nos versos E ainda assim e ainda assim Esses Cristos que perecem nas barricadas Deus sabe que estou ao lado deles de algum modo8 Voltome agora a essa questão Minha resposta pode e deve ser sucinta Detecttamos dois elementos na doutrina de Aristóteles do bem final para o homem Em primeiro lugar existe a sugestão expressa em EE A 2 de que é uma marca de notável insensatez não organizar sua vida em função de algum fim Talvez fosse melhor dizer que é impossível não viver de acordo com algum plano que é insensato não tentar se esforçar para que esse plano seja bom A inevitabilidade do plano decorre da constatação de que todo ser humano tem e sabe que tem um semnúmero de desejos e interesses que podem ser invocados como motivações ou casual e indiscriminadamente ou em sintonia com prioridades determinadas pelo propósito de viver o tipo de vida que julga apropriado a si Porém em um agente com uma propensão natural à reflexão a ausência de tal plano não é completamente desprovida de intenção o plano mínimo é planejar não planejar Para esse aspecto da doutrina de Aristóteles cunhei o termo fim inclusivo inclusivo por não haver desejo ou interesse que não deva ser considerado candidato por mais improvável a ocupar um espaço no quadro do viver A sabedoria encontra espaço até mesmo para a insensatez O segundo elemento que encontramos na doutrina de Aristóteles é sua resposta à pergunta sobre qual o plano a ser seguido pelo ser humano que for mais plenamente humano isto é que esteja no mais alto grau possível da escala que vai das feras aos deuses A resposta de Aristóteles é que tal ser humano fará do saber contemplativo seu atributo mais divino seu objeto primordial Num registro mais terreno enquanto outro ser humano entre seres humanos ele encontrará um lugar para a felicidade que decorre de ser um cidadão do casamento e da comunhão com aqueles com quem compartilha interesses Chamei isso de doutrina do bem dominante A pergunta pela possibilidade de conciliação entre a doutrina aristotélica do bem final e a moral fundada no altruísmo e na abnegação deve ser elaborada com referência tanto ao fim inclusivo quanto ao fim dominante Dizer que um ser humano age ou se abstém de agir com vistas a um fim inclusivo não revela nada a respeito da importância relativa que ele atribui a seus vários interesses Sua dedicação a seu próprio bem enquanto fim inclusivo não necessariamente requer dele uma preferência por desejos egodirecionados fronte aos alterdirecionados ou por certos tipos de desejo egodirecionados frente a outros Todos os seus desejos devem ser avaliados imparcialmente como candidatos possíveis a ocupar um espaço no plano inclusivo Almejar uma vida duradoura na qual na medida do possível os prazeres são gozados e os malefícios evitados é um plano razoável mas não o único Que um indivíduo busque um fim inclusivo deixa em aberta a questão de saber se ele é um altruísta ou um egoísta uma pessoa mesquinha ou generosa no sentido mais banal9 9 Devo esse ponto e de modo mais indireto muitos outros elementos da minha discussão sobre a crítica que se faz do sistema ético aristotélico como pautado pelo egoísmo à palestra do professor CACampbell na Academia Britânica intitulada Moral Intuition and the Principle of SelfRealisation 1948 especialmente as pp1725 A palestra do professor Campbell discute as teorias éticas de THGreen e FHBradley e não sei se ele consideraria seus argumentos relevantes para a interpretação de Aristóteles Julgo porém sua defesa Embora um indivíduo que procure realizar seu fim inclusivo não seja necessariamente mesquinho ele pode ser descrito como autocentrado de pelo menos três maneiras Em primeiro lugar no sentido mais trivial seu desejo de dar prosseguimento ao seu plano inclusivo é oriundo de um desejo seu um desejo de seara íntima Em segundo lugar um indivíduo considera um plano como sendo de seu próprio interesse somente se concebe a si mesmo como proprietário único de uma pletora de desejos seu desejo de segunda ordem por seu próprio bem é autoreflexivo Em terceiro lugar esse desejo de segunda ordem por ser um desejo de desejos um interesse por interesses somente pode ser satisfeito através da satisfação de desejos de primeira ordem Até mesmo o mártir planeja fazer o que quer fazer Podemos exprimir isso dizendo que a procura pelo bem final é autoindulgente além de ser autoreflexiva Mas autoindulgência quando aplicada para descrever uma forma de vida na qual os prazeres podem ser desprezados e a integridade física do agente pode estar em último lugar em importância não carrega nenhuma conotação pejorativa Que a ação que procure realizar um fim inclusivo seja sob essas descrições autocentrada não implica que o agente seja egodirecionado ou interesseiro em nenhum sentido incompatível com a mais heroica ou santa abnegação À questão de saber se a procura pelo bem humano entendido em termos da concepção aristotélica do fim dominante pode ser reconciliada com a moralidade do altruísmo particularmente com sua expressão radical exemplificada pelo indivíduo disposto a morrer em nome da pátria e dos amigos requer outra resposta Nesse caso nenhuma reconciliação é possível Para que isso fique claro basta refletir a respeito da definição de fim dominante que Aristóteles fornece em EN I 7 que ele aí chama de felicidade e comparar com o que é dito com relação ao amorpróprio do indivíduo que nobremente entrega sua própria vida O bem humano resulta ser a atividade da alma segundo a virtude e se houver mais do que uma virtude segundo a melhor e mais perfeita Mas devemos acrescentar numa vida completa Pois uma andorinha não faz verão da mesma forma um único dia ou um período curto de tempo não faz ninguém feliz ou bemaventurado 1098a1620 De da autorealização como um princípio moral muito útil à minha tentativa de separar os diferentes elementos que compõem a doutrina aristotélica do bem final SOBRE A AKRASIA EM ARISTÓTELES Richard Robinson Aristóteles indaga em EN VII como se pode fazer o que se sabe ser errado Fazer o que se sabe ser errado é o que ele chama de akrasia Por um lado parece evidente que a akrasia ocorre de quando em quando Por outro Sócrates declara que o conhecimento deve ter o primado na alma e não ser arrastado de um lado a outro como um escravo Em razão dessa autoridade do conhecimento Sócrates conclui que na realidade não existe akrasia Sempre que parecemos ver alguém fazendo o que sabe ser errado na verdade essa pessoa não sabe que o que faz é errado ela está em erro acerca do certo e do errado Eis uma dificuldade ou aporia A concepção de senso comum de que por vezes se faz o que se sabe ser errado parece contradizer a tese de Sócrates também muito convincente de que o conhecimento tem o primado Como Aristóteles resolvesse problema Evidentemente ele não escreve quase um livro inteiro sobre a akrasia para afirmar que ela nunca acontece Pelo contrário ele sempre aceitou a visão comum de que por vezes fazemos o que sabemos ser errado É provavelmente isso que ele está dizendo não porém sem certa ambiguidade na passagem em que introduz pela primeira vez a tese socrática quando escreve 1145b28 que esta doutrina obviamente vai contra as aparências e que o acrático claramente não pensa assim até que esteja sob a paixão o que quer dizer suponho que o acrático não pensa que seu ato é permissível até que esteja sob a paixão Mas qual o sentido das misteriosas palavras que vêm entre as duas frases que acabei de traduzir sendo necessário perguntar sobre a paixão se ela provém da ignorância que tipo de ignorância está envolvida δέον ἐπείν περὶ τὸ πάθος εἴ δι ἄγνοιαν τίς ὁ τρόπος γίνεται τῆς ἀγνοίας Devem ser interpretadas por referência à tese socrática ou por referência à explicação da akrasia que Aristóteles está por desenvolver no que se segue Se a referirmos à tese socrática supomos que Aristóteles está querendo dizer a Sócrates visto que sustentas que o que chamamos de akrasia é na verdade SOBRE A ÉTICA NICOMAQUEIA DE ARISTÓTELES TEXTOS SELECIONADOS Coordenação de Marco Zingano 2010 ODYSSEUS UFMG BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA 328721109 NÃO DANIFIQUE ESTA ETIQUETA APRENDER A SER BOM SEGUNDO ARISTÓTELES M F Burnyeat A questão a virtude pode ser ensinada é talvez a questão mais antiga da filosofia moral Basta recordar a abertura do Mênon de Platão podes dizerme Sócrates se a virtude pode ser ensinada ou se ela não pode ser ensinada mas pode ser adquirida mediante prática ou se ela não pode ser nem adquirida mediante prática nem ensinada mas advém por natureza aos homens ou de outro modo 70a Essa é uma versão simples do que era evidentemente um tópico batido de discussão A resposta de Sócrates característica e simples é que não é possível saber como adquirir a virtude sem saber o que é a virtude 71ab Pretendo aqui inverter essa ordem e perguntar como segundo Aristóteles adquirimos a virtude a fim de iluminar certas características a que em geral não se presta muita atenção de sua concepção do que é a virtude Aristóteles suscita essas questões após a transformação das mesmas pelo trabalho pioneiro em psicologia moral que o Platão maduro empreende na República e nos diálogos tardios Nessa época o cândido debate do Mênon já havia ficado para trás Contudo Sócrates tinha razão em um ponto qualquer concepção toleravelmente explicitada do processo de desenvolvimento moral depende decisivamente de uma concepção de virtude Essa dependência faz com que seja possível ler a caracterização do desenvolvimento moral proposta por qualquer filósofo como evidência do que ele pensa ser a virtude De certa maneira é com efeito uma evidência especialmente reveladora visto que em problemas de educação moral o filósofo tem de enfrentar a realidade complexa dos seres humanos comuns e imperfeitos Meu objetivo por conseguinte é reconstruir a imagem aristotélica do desenvolvimento gradual do bom homem concentrandome nos primeiros estágios Os materiais para tal reconstrução abundam na Ethica Nicomachea mas estão dispersos A reconstrução será gradual seu sentido emergindo progressivamente conforme as peças forem se encaixando pro 2 Existe um contraste no plano do sentido entre juízos cujo âmbito é antes geral e juízos cujo âmbito é muito mais específico Uma diferença de grau 3 Existe um contraste entre juízos que recobrem todos seus casos e juízos que não recobrem todos seus casos isto é um contraste entre universal e nãouniversal Esse é um contraste que diz respeito à validade ou correção In Benson Ed Platão Artmed 2010

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10 A defesa da justiça na República de Platão RICHARD KRAUT Sou grato para com os públicos da Clark University da Johns Hopkins University da Northwestern University da Universidade de Michigan e da Wayne State University por seus comentários aos primeiros esboços deste ensaio Além disso fizme valer das críticas de Christopher Bobonich Sarah Broadie Shelly Kagan Ian Mueller Constance Meinwald e David Reeve Neste ensaio tentarei identificar e explicar o argumento fundamental da República de Platão para a surpreendente tese segundo a qual a justiça é de tal maneira um bem que qualquer pessoa que a possua está em melhor situação do que uma pessoa consumadamente injusta que desfrute de recompensas sociais não raro recebidas pelo justo¹ A tentativa por Platão de defender essa afirmação notável é está claro o fio unificador do diálogo mas seu argumento contempla tão amplas variedades no curso de diferentes tópicos que é difícil ver como tudo isso se coaduna e quem quer que tente enunciar seu argumento deve se ater a questões interpretativas a respeito das quais existem consideráveis controvérsias acadêmicas² A dificuldade do ¹ Ver República 360e362c para o contraste entre as vidas justa e injusta Toda a paginação que aqui aparecerá doravante se referirá a esse diálogo a não ser que em caso de notação em contrário Deve se enfatizar que Platão não está tentando mostrar que é vantajoso atuar com justεza independentemente da condição psicológica que se tenha Sua afirmação é a de que é vantajoso ser uma pessoa justa ² Pude extrair o máximo destes estudos Julia Annas An Introduction to Platos Republic Oxford 1981 Terence Irwin Platos Moral Theory Oxford 1977 C D C Reeve PhilosopherKings The Argument of Platos Republic Princeton 1988 Nicholas P White A Companion to Platos Republic Indianapolis 1979 Dentre tratamentos mais diálogo só faz aumentar com o fracasso de Platão em dar uma justificação explícita para a complexa equação moral que ele ousadamente anuncia a justiça descontada pela dor e pela desonra é mais vantajosa do que a injustiça suplementada pelas recompensas da justiça Mesmo que ele consiga mostrar que a justiça é o maior dentre os bens tomados individualmente ainda assim ficamos nos perguntando se seu valor é suficientemente alto para que essa equação seja correta Minha principal tese é a de que a teoria das Formas desempenha um papel crucial no argumento de Platão para a tal equação mas acresce que o modo preciso pelo qual essa teoria contribui para a sua defesa da justiça é difícil de reconhecer É complicado sobrepujar certa cegueira que temos para com uma das principais teses de Platão cegueira que podemos encontrar em uma das críticas de Aristóteles à concepção por Platão do bem Meu objetivo não será o de mostrar que a teoria de Platão é defensável contra todas as objeções tão logo a corrijamos do erro cometido por Aristóteles Mas penso que há algo poderoso no argumento de Platão e è criticando Aristóteles que espero trazer esse aspecto à luz l Eu disse que manterei meu foco no argumento fundamental de Platão segundo o qual a justiça é de interesse do indivíduo mas se pode perguntar por que motivo qualquer argumento deveria ser assim isolado e receber especial atenção Ora na superfície a República parece apresentar quatro tentativas independentes em apoio à conclusão de que a justiça se faz valer à parte de suas consequências³ Em primeiro lugar ao final do Livro antigos que ainda vale consultar estão R C Cross e A D Woozley Platos Republic A Philosophical Commentary London 1964 Horace WB Joseph Essays in Ancient and Modern Philosophy Freeport NY 1971 N R Murphy The Interpretation of Platos Republic Oxford 1951 Richard Nettleship Lectures on the Republic of Plato 2 ed London 1962 ³ Aqui estou pondo de parte os argumentos do Livro I do diálogo e concentrandome inteiramente na questão tal como é reintroduzida no início do Livro II Platão deve IV aprendemos que a justiça é certo arranjo harmonioso das partes da alma Por esse motivo ela está relacionada à alma como a saúde está relacionada ao corpo e uma vez que a vida não vale a pena ser vivida se a vitalidade estiver arruinada é de suma importância manter a justiça da alma 444c445c Em segundo lugar no Livro IX Platão compara cinco tipos de pessoas que ele vinha retratando nos livros intermediários o legislador filosófico o timocrata o oligarca o democrata e o tirano e declara que deles o mais feliz é o filósofo uma vez que ele reguiamente exerce a lei para consigo mesmo 580ac Em terceiro lugar o Livro IX de imediato argumenta que a vida filosófica tem mais prazer do que qualquer outra já que o filósofo encontrase na melhor posição de comparar os vários prazeres disponíveis ter acreditado que os argumentos do Livro I eram de certa forma deficientes de outro modo não haveria necessidade de reabrir a questão na Parte II Talvez a sua deficiência resida sobretudo em sua natureza esquemática eles precisam de um anteparo da teoria política da metafísica e da psicologia Uma leitura alternativa é a que se tem no Livro II onde Platão propõe que os argumentos expostos até ali seriam de tipo completamente errado Para essa interpretação ver Irwin Platos Moral Theory pp 177184 Reeve PhilosopherKings pp 324 Também ponho de lado outras considerações a que Platão faz menção no Livro X de 62bss essas são recompensas mundanas e extramundanas pelas quais o justo pode esperar receber São precisamente essas recompensas que Platão concorda em ignorar quando promete no Livro II mostrar que a justiça é de nosso interesse à parte suas consequências Deveria se enfatizar que Platão pensa que essas recompensas tornam a vida justa ainda mais desejável Ele concorda que a pessoa justa que passa pelos tormentos descritos em 31e362a sofre uma perda de bem estar de modo que não é paradigma de felicidade Quando ele se refere à saúde e outros assim chamados bens em 495a7 sua recusa em chamálos bens deve de pronto ser entendida como significando que esses objetos ordinários de busca não são bens em toda e qualquer circunstância ele não pode sustentar a tese mais forte de que eles jamais são bens pois fosse esse o caso as recompensas sociais de justiça seriam uma questão de indiferença Tem havido considerável debate sobre o que Platão pretende ao dizer que a justiça é boa em si mesma Ver Annas Introduction cap 3 Cross and Woozley Platos Republic 669 M B Foster A Mistake of Platos in the Republic Mind 46 1937 pp 386393 Irwin Platos Moral Theory pp184191 3256 C A Kirwan Glaucons Challenge Phronesis 10 1965 pp 162173 J D Mabbott Is Platos Republic Ultilitarian Mind 46 1937 pp 468474 David Sachs A Fallacy in Platos Republic Philosophical Review 72 1963 pp 141158 Reeve PhilosopherKings pp 2433 Nicholas P White The Classification of Goods in Platos Republic Journal of the History of Philosophy 22 1984 pp 393421 aos diferentes tipos de pessoas e prefere os prazeres filosóficos com todos os demais 580c583a Em quarto lugar os prazeres da vida filosófica são mostrados como mais reais e por isso maiores do que os prazeres de qualquer outro tipo de vida 583b588a Acaso Platão destaca qualquer desses argumentos como sendo mais fundamental que os outros Podese pensar que seu quarto argumento o segundo dos dois que dizem respeito ao prazer é aquele que ele tem por mais importante já que o introduz com a observação de que esse será o maior e supremo caso de injustiça megiston te kai kuriotatôn tôn patômâtôn 583b67 Isso poderia ser tomado como significado que o prazer é o bem mais importante a se tomar como critério para a decisão entre justiça e injustiça e que o argumento a se lançar mão é aquele que mais plenamente revela o porquê de a justiça dever ser escolhida em detrimento a seu oposto Porém eu acho que tal leitura daria a esse argumento já bem maior importância do que ele merece e creio que as palavras de Platão podem e devem merecer uma interpretação diferente Como eu li na República o seu argumento fundamental em defesa da justiça é aquele que conhecerá um fechamento no Livro IX antes que qualquer coisa seja dita sobre como a vida do justo e do injusto se comparam quanto ao prazer Esse é o argumento que Platão elabora com mais detalhes e se ele estiver certo o mesmo argumento constituirá um caso decisivo em favor da vida justa Ele mostra com precisão o que relativamente à justiça faz dela tão vigorosa Em contraste os dois argumentos que atrelam justiça e prazer são meramente pensados como a nos garantir que não temos de sacrificar o segundo bem que é o prazer para obter o primeiro que é a justiça Eles acrescentam em atratividade à vida justa mas em si não bastam para mostrar que a justiça deve ser escolhida em detrimento da injustiça a exemplo do argumento mais longo que o precede Por que deveríamos ler a República por esse viés não obstante o enunciado de Platão de que o caso maior e supremo de injustiça vem com seu argumento final A resposta se encontra no modo como ele posiciona no Livro II a questão fundamental à que o restante do diálogo responde A tese que ele ali submete à prova é enunciada de diversas maneiras é melhor ameinon o justo do que o injusto 357b1 a justiça deve ser bem acolhida por si mesma se o indivíduo quiser ser bemaventurado makarios 358a3 a opinião comum de que a injustiça é mais lucrativa lusitelein deve ser refutada 360c8 temos de decidir se o homem justo é mais feliz eudaimonesteros do que o injusto 361d34 a justiça em si mesma beneficia oninnanai alguém que a possua enquanto a injustiça lhe é nociva blaptein 367d34 devemos determinar as vantagens ôpheliai de justiça e injustiça Platão não concede a nenhum desses enunciados um papel especial a desempenhar em seu argumento mas se move para frente e para trás em seu seio Certamente estará pressupondo que uma vez tendo a vida consumadamente justa se mostrado mais vantajosa até mesmo em meio ao infortúnio do que a vida consumadamente injusta ele tem aí uma razão decisiva para escolher a primeira em detrimento da segunda Notese contudo que Platão jamais promete no Livro II mostrar que a justiça proporciona maiores prazeres do que o faz a injustiç a e jamais chega a sugerir que teria de defender essa tese para mostrar que nós deveríamos escolher a vida justa Isso sugere que a questão sobre se a vida justa ou injusta é a que tem mais prazer será ainda uma questão aberta mesmo depois que as grandes vantagens da vida justa tiverem sido demonstradas E é claro essa sugestão é confirmada no Livro IX tendo mostrado que a pessoa justa é mais feliz para Platão existe a necessidade de mais argumentos para mostrar que a pessoa justa também tem o maior prazer Assim com o intuito de realizar a tarefa o próprio Platão afirma na República que é a um só tempo necessário e suficiente que ele mostre por que a justiça é tão mais vantajosa do que a injustiç a Mas ele jamais diz ou implica que se pode mostrar como aquela justiça traz maiores prazeres então o texto da República em si será uma defesa suficiente ou necessária da justiça Ao apoiar a justiça ⁴ Leitores da República devem ter em mente que Platão não faz uso de eudaimonia geralmente traduzida por felicidade e seus cognatos para se referir ao sentimento de prazer Para Platão buscar a própria felicidade é simplesmente buscar a própria vantagem e assim para descobrir o que a felicidade é devese determinar onde residem os verdadeiros interesses do ser humano Em termos de prazer Platão está mostrando que existem tanto mais motivos para se conduzir a vida de maneira justa do que se poderia supor Mas o caso fundamental para a justiça foi devidamente elaborado já antes de a discussão sobre o prazer ter se iniciado De seu enunciado deveríamos então inferir que o maior e supremo caso de injustiça ocorre na batalha pelo prazer Uma explicação simples e plausível desse enunciado é proporcionada pelo fato de que ao final de seu último argumento Platão afirma que o prazer do filósofo é 729 vezes maior que o do tirano 587e Quer Platão esteja falando sério sobre esse número quer não e estou inclinado a pensar que não está ele proporciona uma explicação do motivo de ele dizer que esse último argumento impõe à injustiça a sua maior derrota Em nenhum outro argumento ele tentou retratar a lacuna entre justiça e injustiça em tão grande magnitude Tão logo percebemos que a observação de Platão admite essa interpretação podemos apoiar conteúdo em nossa conclusão primeira de que o prazer tem um papel modesto a desempenhar no esquema geral da República II Por essa razão deixarei de lado os dois argumentos hedônicos que Platão dá no Livro IV e passaremos a nos concentrar inteiramente na única defesa complexa da justiça que os precede Mas se pode pensar que esse material contém dois argumentos separados pois ao final do Livro IV Platão já parece ter chegado à conclusão de que uma vez que a justiça é uma harmonia da alma comparável à saúde física ela é bem superior à injustiça Por essa razão podemos supor que após o Livro IV Platão lança uma segunda defesa da justiça de caráter independente uma defesa que conclui o Livro IX com o pronunciamento de que a vida do governante filosófico é mais feliz Porém o próprio Platão deixa claro que esses dois segmentos Livros IIIV por um lado e Livros VIX por outro não podem ser isolados um do outro dessa maneira Pois no início do Livro VIII somos informados de que o vitorioso pronunciamento do Livro IV o de terem sido encontrados a melhor pessoa e a melhor cidade foi prematuro 543c7544be Isso significa que o argumento do Livro IV ao final de tudo não estará completo mas será de algum modo fortalecido pelo material adicional apresentado em algum lugar entre os Livros V e IX Ao admitir que o Livro IV ainda não descobriu quem é a melhor pessoa Platão indica que até aquela altura ele apresentou uma imagem suficientemente completa da vida justa Por isso seria um erro examinar o argumento dos Livros IIIV isoladamente do material posterior muito embora fossem pensados para proporcionar uma defesa completa da justiça Não obstante Platão claramente pensa ter proporcionado pelo menos uma defesa parcial da justiça ao final do Livro IV o fato de que ele segue a fortalecer o argumento proporcionandolhe uma imagem mais completa da vida justa não significa que ao final do Livro VI não tenhamos razão alguma para pensar que a justiça seja superior à injustiça Para compreender o argumento único que perpassa do Livro II até o IV temos de ver por que Platão chega a uma conclusão preliminar no Livro IV e como o material adicional que aparece em livros posteriores fortalece esse argumento Para fazer progressos nessa questão interpretativa iniciemos com uma observação com a qual todos os estudiosos concordariam uma das ideias fundamentais que Platão antecipa em sua defesa da justiça é a de que deveríamos buscar uma teoria geral do bem Sua proposta é a de que quando dizemos de um corpo humano de uma alma humana ou de uma comunidade política que estão em boas condições existe algum aspecto comum a que estamos nos referindo e é porque eles compartilham desse aspecto comum que são propriamente chamados bem Ele espera que seu público concorde com ele no aspecto de que o bem de um corpo a saúde consiste em certa prioridade natural entre vários componentes físicos e ele apela a esse ponto para sustentar a sua afirmação de que a alma de um indivíduo está em boas condições se também ela exibir certa ordenação entre seus componentes 444ce Mas a analogia entre saúde e bemestar psíquico é por si mesma de valor apenas limitado porque nada nos diz sobre que tipo de ordenação deveríamos tentar obter na alma Aquilo de que Platão necessita devendo proporcionar um argumento forte valendose da analogia é de uma estrutura que tenha o mesmo tipo de componentes e que possa exibir o mesmo tipo de equilíbrio que se tem na alma Isso é algo que ele pensa poder realizar examinando a questão sobre qual a melhor cidade possível pois acredita que pode mostrar que a estrutura tripartite da melhor comunidade política corresponde à estrutura da alma humana Se ele puder nos convencer de que essas correspondências existem e se puder nos fazer concordar que a cidade que ele descreve é ideal então ele tem alguma base para chegar a conclusões de que o tipo ideal da pessoa é alguém cuja alma exibe o mesmo tipo de ordenação que a possuída por uma comunidade política ideal crucial é 3 e para vir em seu apoio Platão recorre a analogia entre cidade e alma Porém mesmo que Platão tivesse posto completamente de parte a ideia de que a saúde envolve um equilíbrio o principal argumento de analogia entre os Livros IIIV ainda se manteria o melhor para a pólis é um equilíbrio interno e deveríamos esperar o mesmo para sustentar a verdade do indivíduo O apelo à saúde é uma tentativa de fortalecer o argumento adicionandose um caso a mais no qual a vantagem possa ser equacionada com o equilíbrio apropriado Para um debate sobre o argumento de Platão para a tripartição da alma ver John M Cooper Platos Theory of Human Motivation History of Philosophy Quarterly 1984 pp 321 Irwin Platos Moral Theory pp 191195 Terry Penner Thought and Desire in Plato in Plato vol 2 Gregory Vlastos editor Garden City NY 91 pp 96118 Recve PhilosopherKings pp 118140 A estratégia de Platão fracassaria se fosse impossível dizer alguma coisa sobre o que é uma boa cidade sem primeiro saber o que é uma boa pessoa ou o que é a felicidade humana Os Livros IIIV tentam nos convencer de que muito se pode descobrir sobre como uma comunidade política deve ser organizada mesmo antes de nos debruçarmos sobre a questão da virtude e da felicidade humanas Para a concepção de que o argumento de IIIV incide em circularidade contra Trasímaco ao simplesmente assumir em 427e428a e 433a435a que a justiça é uma virtude ver Michael C Stokes Adeimantus in the Republic in Law Justice and Method in Plato and Aristotle Spiro Panagiotou editor Edmonton 1985 Para Stokes Platão não está efetivamente direcionando o seu argumento para um crítico radical da justiça como Trasímaco em vez disso ele está falando a Glauco e Adimanto já em parte convencidos quando se inicia a discussão Uma concepção semelhante é defendida por Reeve PhilosopherKings pp 3342 contrastar com Martha C Nussbaum The Fragility of Goodness Cambridge 1986 pp 155156 Acredito que Platão esteja tentando persuadir Trasímaco ver 498d e que ele não toma Porém no Livro IV Platão ainda não nos tinha apresentado todos seus argumentos para tomar a comunidade política que ele descreve como ideal Pois uma das principais razões para favorecer o tipo de cidade descrita na República é a de que só ela é governada por indivíduos que detêm a sabedoria necessária para governar bem e esse tipo de conhecimento político especializado só será apresentado nos Livros VIVII Aí se tem uma razão para dizer que o argumento que se baseia na analogia apresentada ao final do Livro IV encontrase incompleto Ademais Platão ainda não disse nos Livros IIIV tudo o que queria dizer sobre o tipo de ordenamento que deveria ser estabelecido na alma Ele nos diz que a razão deve reger e cuidar do bemestar da parte restante da alma da qual o espírito deveria ser aliado e cuja concupiscência deveria ser devidamente vigiada 441e442a Mas qual a razão de governar a alma De que modo pode o espírito ser de valia E se a concupiscência se avantajasse por demais É claro Platão já deu algum conteúdo a essas noções pois ele tem estado a descrever a educação adequada desses elementos da alma desde o final do Livro II e isso nos proporciona algum sentido de como eles deveriam se relacionar entre si Ocorre que tal educação ainda não foi plenamente descrita Quando encontrarmos mais sobre aquilo de que a razão deve se ocupar teremos uma idéia mais completa do que se terá para ela governar III Devemos agora nos voltar para o Livro V mediante VII com o intuito de visualizar como a ilustração platônica da vida filosófica contribui para o argumento de que a justiça se vale por si só Queremos saber sobre essa vida feita tão mais digna de ser vivida do que qualquer outra e temos de compreender como esse novo material está atrelado ao argumento da analogia que chega a uma conclusão preliminar ao final do Livro IV De um modo ou de outro uma resposta a essas questões deve recorrer à crítica platônica das Formas aqueles objetos eternos imutáveis imperceptíveis e incorpóreos a compreensão dos quais é o objetivo da educação do filósofo O filósofo é definido como alguém cuja paixão pelo aprendizado vai crescendo e assumindo a forma de um amor por objetos abstratos como Beleza Bem Justiça e que tais 474c476c E tão logo Platão introduz essa concepção de quem o filósofo é ele nos faz saber que é precisamente em razão da conexão do filósofo com esses objetos abstratos que a vida filosófica é superior a qualquer outra Os que não conseguem reconhecer a existência das Formas têm um tipo de vida como de um sonho porque não conseguem perceber que os objetos corpóreos que eles percebem são apenas semelhanças de outros objetos 476cd Em um sonho é de maneira confusa que tomamos imagens de objetos por aqueles próprios objetos A afirmação de Platão é a de que não filósofos cometem equívoco similar porque pensam que as coisas belas que veem são o que a beleza realmente é em termos mais gerais eles equacionam os muitos objetos observáveis que são chamados por algum termo geral A com o que A realmente é Os filósofos são aqueles que reconhecem que A é um tipo de objeto completamente diferente e com isso eles se livram de um erro sistemático que de algum modo desfigura a vida filosófica Este é evidentemente o quadro que Platão esboça na alegoria da caverna 514a519d a maior parte de nós encontrase aprisionada em um submundo escuro porque apenas vislumbramos nas sombras manipuladas por outros livrarnos dessa situação requer uma mudança em nossa concepção dos tipos de objetos que eles são A metafísica de Platão portanto é controversa mas o problema que se nos apresenta aqui é o de compreender como ela contribui para a defesa da justiça Suponhase que aceitamos em consideração ao argumento que pelo menos os seguintes princípios centrais de sua metafísica estejam corretos existem tais objetos abstratos na condição de Forma da Justiça e para chamar atos indivíduos ou cidadãos basta dizer que eles trazem certa relação com essa Forma Chamar um ato justo é comparável com chamar uma imagem em uma pintura de árvore A imagem não é o que uma árvore é também é correto falar dela como sendo uma árvore somente se tal significar que ela traz certa relação com árvores vivas de modo semelhante simplesmente atos pessoas e cidades não são o que a justiça é e é correto chamálos justos somente se isso significar que eles participam na Forma da Justiça Se aceitamos essa teoria evitamos os erros de não platonistas reconhecemos que objetos existem em variedade mais ampla do que a que a maior parte das pessoas percebe e que nossos mundos constantemente fazem referência a esses objetos Ainda assim poderíamos perguntar por que motivo essa concepção platônica do mundo faria nossas vidas tão melhores do que a vida dos não platonistas Uma resposta possível que Platão pode dar é a de que uma vez que o conhecimento da realidade é um grande bem intrínseco uma vida na qual conheçamos a verdade sobre o que existe é bem superior a uma vida em que permanecemos ignorantes das realidades fundamentais do universo Mas isso me soa como uma resposta desapontadora e logo passarei a argumentar que Platão tem uma resposta melhor Ela desaponta porque parte de um pressuposto que seria desafiado por qualquer pessoa que tiver dúvidas sobre os méritos da vida filosófica Aos que não são dotados de inclinação filosófica de modo algum é óbvio que o conhecimento da realidade seja em si um grande bem intrínseco Com legitimidade eles podem perguntar por que é válido para nós contribuir para o nosso entendimento da realidade já que o nosso fracasso em fazêlo não impediria nossa busca de bens que sejam válidos Platão não pode simplesmente replicar que o conhecimento é intrinsecamente válido à parte qualquer contribuição que se possa fazer para a busca de outros objetivos Isso introduziria uma circularidade em favor da vida filosófica Pode ser pensado que para Platão o conhecimento platônico das Formas é válido precisamente porque ele é um meio para algum outro objetivo Por exemplo ele pode afirmar que a não ser que estivermos estudando a Forma da Justiça é provável que em algum ponto venhamos a cometer erros em nosso juízo sobre quais atos pessoas ou instituições são justos e se cometemos erros desse tipo tomamos más decisões sobre como agir Mas se é esse o argumento de Platão então novamente ele incide em circularidade Pois podemos perguntar por que é tão importante descobrir como agir com justiça em todas as situações É claro se agir com justiça é bom para o agente e se o conhecimento das Formas é um meio indispensável para esse fim então é preciso adquirir tal conhecimento Mas esse argumento meramente pressupõe a tese que Platão se dispõe a provar a de que o agir com justiça é bom para o agente Talvez ele esteja pressupondo que o conhecer das Formas valha a pena não meramente como um meio de ação mas porque ao chegar a compreender as Formas nós desenvolvemos a capacidade de raciocinar Seres humanos não são apenas criaturas apetitivs e emocionais também temos um interesse inato em aprender e se esse aspecto de nossa natureza não é desenvolvido nossa vida se torna estreita e empobrecida Um problema a envolver essa resposta é o de que essas pessoas diferem amplamente quanto ao grau de curiosidade intelectual que possuem e os tipos de objetos que satisfazem sua curiosidade também diferem em ampla medida Os que têm pouca ou nenhuma inclinação para estudos abstratos podem satisfazer sua curiosidade de modos simples e de novo Platão estaria incindindo em circularidade se ele simplesmente assumisse que ter um apetite facilmente satisfeito em questões de raciocínio desqualifica o indivíduo no que diz respeito a conduzir uma vida boa voltada para o bem Ademais como Platão disso se mostra consciente é possível passar boa parte de nosso tempo debruçado sobre questões intelectuais sem jamais se dar conta de que as Formas existem Aqueles que estudam o universo e buscam explicar todos os fenômenos sem apelar às Formas certamente desenvolvem o lado raciocinante de sua natureza não serão apenas emoção e apetite que irão conduzilos a suas teorias Mesmo assim eles não estão conduzindo a vida filosófica de acordo com a concepção estreita de filosofia por Platão e desse modo não são eles que levam o melhor tipo de vida Se ele pensa que intelectuais que negam a existência das Formas falham no desenvolver de suas capacidades e por essa razão se fazem aquém da felicidade ele deve a seu leitor alguma argumentação em favor dessa tese IV Acredito que a resposta de Platão a essa questão esteja bem diante de nosso nariz mas que falhamos ao reconhecêla porque de início ela nos parece duvidosa ou mesmo ininteligível Minha sugestão é a de que para Platão as Formas são um bem na verdade o maior bem que existe Com o intuito de viver bem devemos romper com os pressupostos limitantes segundo os objetos comuns de busca os prazeres poderes honras e bens materiais pelos quais nos esforçamos são os únicos tipos de bem que existem Devemos transformar nossa vida ao reconhecer um tipo radicalmente diferente de bem as Formas e devemos tentar incorporar esses objetos em nossa vida pelo compreendêlos amálos e imitálos já que eles são incomparavelmente superiores a qualquer outro tipo de bem que possamos ter É por isso que para Platão o filósofo é tão melhor que os outros homens por ter escapado dos confins da existência da pessoa comum que se dá ao modo de sonho os objetos com que o filósofo está familiarizado são objetos muito mais dignos de amor do que os objetos característicos da paixão humana Desse modo Platão não está afirmando que é intrinsecamente bom ter um inventário completo do que existe e não está afirmando que desenvolver e satisfazer a nossa curiosidade intelectual é algo intrinsecamente válido independentemente dos tipos de objetos a que nossa curiosidade nos conduza Em vez disso Platão tem na descoberta das Formas algo de grande importância já que elas são o bem preeminente que devemos possuir para sermos feliz e toma a razão como a mais valiosa capacidade de nossa alma pois somente pela razão possuiremos as Formas Se não houvesse nada digno de valor fora de nós para a razão descobrir então uma vida dedicada ao raciocínio perderia a sua reivindicação à superioridade em relação a outros tipos de vida A interpretação que estou propondo tem alguma semelhança com o modo como Aristóteles aborda a filosofia moral de Platão De acordo com Aristóteles podemos descobrir o tipo de vida que deveríamos levar somente pela determinação do bem ou bens que deveríamos em última instância perseguir Ele leva em conta as concepções concorrentes do mais elevado bem e toma a resposta platônica não como sendo a que aponta para algum objeto anódino de busca podendo ser o prazer ou a virtude mas muito mais como a Forma do Bem Aristóteles é claro rejeita essa resposta mas é significativo que ele tome o platônico por aquele que diz que certa Forma é o bem mais elevado e deva por essa razão desempenhar o papel que não platônicos atribuem a prazer honra ou virtude Assim interpretado o platônico não está simplesmente dizendo que a Forma do Bem é um meio indispensável para determinar quais entre outros objetos são bons ele próprio é o sumo bem Minha interpretação é similar à medida que tomo Platão por tratar as Formas de modo geral como um bem preeminente o papel especial da Forma do Bem será discutido mais tarde Nesse ponto podese questionar se a teoria que estou atribuindo a Platão é inteligível Pois talvez uma Forma seja simplesmente não o tipo de coisa que uma pessoa possa ter ou possuir É claro uma Forma pode ser estudada e conhecida mas estudar uma coisa é algo que em si não confere propriedade A lua por exemplo pode ser um belo objeto um valoroso objeto de estudo mas ninguém em sá consciência dirá que a lua é um bem que se possui em virtude de estudála De modo semelhante a afirmação de que a Forma do Bem não é o tipo de coisa que possa ser possuída é uma das muitas objeções de Aristóteles à concepção platônica do bem NE 1096b35 Segundo Aristóteles Platão estaria dizendo que o fim último é a Forma do Bem e objeta que a Forma do Bem teria sido desqualificada no desempenho desse papel por não ser um objeto do tipo certo Podese pensar que essa objeção é tão poderosa que nem por caridade deveríamos buscar uma interpretação diferente daquela que estou propondo Mas acho fraca a objeção de Aristóteles Claro é verdade que se tomamos a posse de uma coisa como uma questão de ter direitos de propriedade sobre ela então estudar a Forma do Bem não confere tais direitos e é difícil entender o que seria possuir uma Forma Mas podemos falar de ter coisas muito embora não tenhamos direitos de propriedade sobre ela por exemplo podese ter amigos sem possuílos E podemos facilmente compreender aquele que diz que para ter uma vida boa é preciso ter amigos Ter amigos é questão bem diferente do que é possuir um objeto físico envolve um vínculo emocional e atividades que caracterizam a amizade Ter um determinado bem varia de acordo com o tipo de bem diferentes tipos de bem não entram em nossas vidas do mesmo modo Com isso o mero fato de que uma Forma não pode ser possuída não dá motivos para que se rejeite a ideia de Platão segundo a qual se se traz certa relação com as Formas relação que envolve tanto um vínculo emocional como um entendimento intelectual então uma vida se torna mais digna de ser vivida precisamente porque desse modo se está conectado com tais objetos de valor Na verdade existem semelhanças entre o modo pelo qual as pessoas podem entrar em nossa vida e melhorála e o modo como Platão pensa que deveríamos estar relacionados às Formas Podemos facilmente compreender alguém que diz que um dos grandes privilégios de sua vida foi ter conhecido certa pessoa iminente ou inspiradora Mesmo não sendo amigo íntimo de tal pessoa podese ter grande amor e apreço por ela e ter grande prazer em estudar sua vida Esse é o tipo de relação que Platão pensa que deveríamos ter com as Formas ele não está salientando que amar e estudar sejam boas atividades quaisquer que sejam seus objetos mas salienta isto sim que as Formas sejam bens preeminentes e por esse motivo nossa vida em ampla medida é melhorada quando viemos a conhecêlas amáIas e imitálas Suponhase que nos seja concedido que se as Formas são um bem então elas são o tipo de coisa que pode melhorar nossa vida se nos relacionarmos com elas de maneira apropriada Não obstante podese ainda perguntar se a ideia de que elas são boas pode fazer sentido Se alguém diz que a água é uma coisa boa podemos nos confundir com o que com isso se tem em mente e mesmo podemos nos pôr céticos sobre se a água é o tipo de coisa que pode ser boa em si mesma em oposição à sua condição de ser mero meio24 De modo semelhante podemos ter dúvidas quanto às Formas de Platão como podem tais objetos que são de gênero tão diferente do de bens mundanos como saúde e prazer ser contados entre os bens E se não se puder nos convencer de que são bons então é claro tampouco se terá esperança de nos persuadir de que são amplamente melhores do que bens comuns como prazer saúde riqueza poder e outros Para a resposta de Platão à nossa pergunta o que é dizer de alguma coisa que é uma coisa boa podemos granjear ajuda de sua discussão sobre a Forma do Bem Mas muito embora ele insista na preeminência dessa Forma ele não diz precisamente o que ele toma pela qualidade do bem ele simplesmente diz que não se trata de prazer ou conhecimento 505b506e Temse aqui um marcado contraste entre a plenitude de sua abordagem do que a justiça é e a acuidade de sua discussão sobre o bem Aprendemos o que é dizer de uma pessoa de um ato ou de uma cidade que ela é justa e vemos o aspecto que todos esses têm em comum mas Platão observa não haver nada em comum a todas essas coisas Assim ele não toma para si o projeto de mostrar que as Formas são preeminentes pelo enunciar da propriedade em que consiste o bem e pelo argumentar que elas exibem tal propriedade mais plenamente do que qualquer outra coisa Talvez possamos descobrir por que Platão pensa as Formas como bens se nos focamos em suas características distintivas e perguntamos quais delas Platão pode ter destacado como pontos de superioridade em relação a outros objetos Por exemplo ele pensa que as Formas são mais reais do que os objetos corpóreos e presumese que ele tenha tal coisa como evidência de sua superioridade de valor25 Mas esse ponto não nos levará tão longe quanto precisamos ir já que Platão pensa que objetos que são igualmente reais podem não obstante diferir enormemente quanto ao seu valor Considere dois corpos um deles saudável o outro enfermo um está em melhores condições que o outro mas Platão jamais sugere que um deles deva por esse motivo ser mais real que o outro Muito embora Formas sejam mais reais do que outros tipos de objetos não podemos tratar diferentes graus de realidade como o que de um modo em geral constitui diferenças de valor Porém nosso exemplo dos corpos saudável e enfermo sugere outra linha de raciocínio Platão equaciona saúde a boa condição do corpo com certa harmonia entre seus elementos e ele argumenta que justiça a boa condição da alma é também certo tipo de harmonia entre suas partes e assim o próprio pensamento sugere que Platão toma o bem de alguma coisa de certo tipo como a harmonia ou proporção que é apropriada às coisas daquele gênero De acordo com essa sugestão a qualidade de bem que houver nas Formas consiste no fato de que elas possuem uma espécie de harmonia equilíbrio e 24 Ver Paul Ziff Semantic Analysis Ithaca NY 1960 pp 210216 Sua concepção é a de que quando nos referimos ao bem de alguma coisa estamos dizendo que ele responde a certos interesses p 117 A não ser que formos supridos com informações adicionais não está claro como a água pode satisfazer a essa condição É claro que com base em minha leitura Platão não está apenas dizendo que as Formas respondem a certos interesses Elas são boas independentemente de nossos interesses e porque são boas é de nosso interesse possuílas proporção e sua superioridade em relação a todas as coisas consiste no fato de que o tipo de ordenação que possuem lhes confere um grau mais elevado de harmonia do que qualquer outro tipo de objeto26 Está claro que para Platão as Formas exigem o mais elevado gênero de arranjo ordenado Diz ele que o filósofo desvia o olhar dos negócios humanos assolados pelo conflito voltandoos às coisas que são imutáveis e ordenadas tetagmena 500c2 pelo estudo da ordenação divina kosmos c4 sua alma se torna tão ordenada e divina quanto possível for a uma alma humana c9d1 Mesmo os padrões mais belos exibidos no céu da noite estão aquém das harmonias presentes nas verdadeiras formas e números uma vez que a corporeidade das estrelas torna o desvio inevitável enquanto o caráter incorpóreo das Formas garante que os padrões ordenados que elas exibem jamais se deteriorará 529c7530b4 Mas ele não diz precisamente no que consiste o caráter ordenado das Formas corpos almas e comunidades políticas exibem ordenação e portanto a qualidade do bem quando suas partes ou componentes estão relacionadas a cada outra de modos adequados mas não ficamos sabendo se as Formas têm partes ou se elas alcançam sua ordem de alguma outra forma Talvez isso explique a recusa de Platão em dizer o que é a Forma do Bem 506de muito embora a qualidade do bem seja simplesmente algum tipo de harmonia Platão ainda não chegou a uma firme apreensão do que essa harmonia é no caso de Formas de modo que não poderia sugerir uma antecipação geral da harmonia que se aplicaria igualmente aos vários tipos de harmonia exibidos por corpos viventes almas estrelas e Formas Em todo caso porém podemos visualizar como Platão procuraria lidar com dúvidas sobre se as Formas são os tipos de objetos que de maneira inteligível podemos chamar bens Recorrendo ao seu debate sobre política ele responderia sobre a alma e sobre saúde em todos esses casos o bem de uma coisa consiste em uma espécie de ordenação e assim se as Formas podem ser mostradas como tendo o tipo de ordem apropriada a coisas desse tipo também elas serão boas E se elas necessariamente têm um grau mais elevado de ordenação do que qualquer outra coisa elas são os bens melhores que pode haver27 26 Lidos dessa forma os argumentos dos Livros IIIV e de VIX amparamse mutuamente o material que se tem em VIX acrescenta conteúdo e apoio à tese de que a justiça é uma harmonia psicológica essa tese por sua vez ampara a identificação entre estar em boas condições e estar arranjado de maneira harmoniosa pelo amor às Formas se ele treinar os componentes não racionais da alma para servir ao seu amor pela filosofia É essa afirmação mais fraca que se encontra por trás de seu retrato do filósofo como o paradigma da justiça humana Colocandose na melhor posição para conduzir a vida filosófica o indivíduo desenvolve as habilidades intelectuais e emocionais que buscamos em uma pessoa completamente justa A pura e simples existência de amantes de objetos abstratos que sejam injustos em si não refuta Platão pois a questão não versa sobre a existência de indivíduos nessas condições mas se a condição psicológica que subjaz à sua injustiça pode tornálos menos capazes de tirar proveito de seu reconhecimento de objetos abstratos Contra Platão podese argumentar que a sensualidade a ganância e os apetites desmesurados por alimentos e bebidas fazem do indivíduo tanto mais capaz de compreender e amar o reino ordenado das Formas mas está longe de ser óbvio que assim seja Ele não está sendo desarrazoado ao pressupor que esses estados emocionais são ao contrário obstáculos à vida filosófica Contudo devemos lembrar que Platão promete fazer mais do que meramente mostrar que a justiça é algo como um bem por excelência Ele tem de mostrar que ela é um bem maior que a injustiça tanto que mesmo se as consequências normais de justiça e injustiça forem revertidas será melhor ser justo do que injusto O paradigma da justiça deve ser punido porque ele é pensado como injusto e o paradigma da injustiça é receber as honras e recompensas porque ele parece ser justo Como Platão pode mostrar que mesmo nessa situação é melhor ser justo A resposta reside parcialmente no modo como ele descreve a situação da pessoa completamente injusta que é o tirano A tal pessoa é permitido viver suas fantasias de poder e erotismo de maneira irrestrita e o que Platão observa contra essa vida é que sua falta de restrições inevitavelmente era o preço de uma perda psicológica devastadora Quando aos desejos eróticos se permite crescer até sua plena extensão eles se tornam impossíveis de satisfazer em vez de conduzir a uma vida de paz e satisfação deixam o indivíduo com um crônico sentimento de frustração 579de De modo semelhante o poder tirânico inevitavelmente desperta um contínuo medo de reprimendas e uma falta de confiança nos que lhe estão associados 576a 579ac O fracasso em 29 Para um debate adicional sobre os modos pelos quais o novo entendimento que Platão faz da justiça é relacionado com a concepção grega comum ver Gregory Vlastos Justice and Happiness in the Republic in Platonic Studies 2 ed Princeton 1981 pp 111139 Essa é uma resposta para Sachs A Fallacy in Platos Republic argumentando que essas duas concepções encontramse desconectadas Algumas outras respostas a Sachs são as que se tem em Annas Introduction cap 6 Raphael Demos A Fallacy in Platos Republic Philosophical Review 73 1984 pp 395398 Irwin Platos Moral Theory pp 208212 Richard Kraut Reason and Justice in Platos Republic in Exegesis and Argument E N Lee Alexander P D Mourelatos e R M Rorty editores Assen 1973 pp 207224 e Reeve PhilosopherKings cap 5 impor qualquer ordenamento que seja a seus próprios apetites faz do indivíduo vítima de frequentes e desorganizadas demandas internas 573d Assim para obter grande poder e intenso prazer sexual o tirano deve levar uma vida caótica repleta de angústia medo e frustração Ninguém que venha a ler essa abordagem da vida tirânica poderia seriamente erigila em modelo para o modo como os seres humanos devem viver Quando o imoralista louva a vida regrada por desejos de poder e prazer sem qualquer restrição ele simplesmente não pensa nas consequências de dar livre curso a esses desejos Ele responde a algo na natureza humana pois Platão concorda que ninguém está completamente livre dos impulsos que o imoralista defende 571b572b A presença desses impulsos ilícitos empresta alguma credibilidade às dúvidas do imoralista sobre se a justiça é uma virtude pois o louvor à imoralidade responde a algo que está dentro de nós A resposta de Platão ao imoralista é a de que quando levamos a sério as consequências psicológicas de se exaltar o poder de nossos impulsos ilícitos a vida de máxima injustiça perde o seu apelo Isso é algo que pensa ele seremos capazes de ver sem ter o benefício da teoria das Formas ele invoca as Formas porque elas são os objetos em torno dos quais o melhor tipo de vida humana pode ser construído mas nenhum apelo ele faz a esses objetos ao tentar nos convencer de que a vida tirânica é miserável De novo é possível protestar que o argumento de Platão seja naïve Ele parece residir sobre a suposição empírica de que quem quer que possua um poder tirânico terá também suas obsessões sexuais e isso torna mais fácil para ele fazer com que tal vida pareça carente de atrativos Mas na verdade tal suposição empírica parece injustificada certamente é possível tiranizar uma comunidade e limitar todas as outras paixões30 Também aqui contudo acho que Platão é menos vulnerável a críticas do que podemos ter pensado Seu retrato do tirano não se pretende uma generalização empírica isenta de exceções sobre como são tais indivíduos Em vez disso ele se encontra elaborando o retrato da vida injusta tal como apresentado no Livro II onde Glauco e Adimanto tentam fazer com que tal vida pareça atraente De acordo com seu retrato o homem injusto pode seduzir qualquer mulher que lhe atraia e ele pode matar a quem quiser 360ac A ideia de Platão é a de que esses aspectos de injustiça captam seu apelo subracional no que então seria justo descrever o paradigma da injustiça como alguém cujo apetite sexual e tendências assassinas sejam levados ao extremo O retrato que Platão faz do tirano deixa claro que seu argumento em favor da justiça não reside só na metafísica dos livros intermediários e na teoria política dos primeiros livros mas reside também em várias suposições sobre psicologia humana Certos desejos se não se lhe interpõe nenhum empecilho conduzem aos tipos de consequências frustração medo pânico que todos tentam evitar e que são vistos como compatíveis com uma vida humana plenamente feliz O que Platão está pressupondo é que a vida da pessoa completamente justa não estropiada por esses mesmos aspectos Medo frustração e caos não são os preços que os filósofos devem inevitavelmente pagar por ter um amor pelas Formas e por dar a essa paixão um papel dominante em suas vidas Pelo contrário aqueles que estão na melhor posição para estudar as Formas terão apetites modestos e por isso mesmo de fácil satisfação e estarão livres do desejo competitivo pelo poder que de modo tão característico indispõe as pessoas umas contra as outras e destrói a sua tranquilidade Assim a vida filosófica incluirá a harmonia sentida da alma que todos podem reconhecer e valorizar o mesmo se aplicando ao tipo mais complexo de harmonia que só se pode compreender por meio de uma investigação filosófica das partes da alma e dos objetos metafísicos que entram em nossa vida quando a razão governa Agora podemos visualizar por que motivo Platão está confiante de que ele pode provar que a justiça vale a pena mesmo quando ele permite que a pessoa justa e a injusta mudem de papéis como se tem no Livro II Ainda que a pessoa justa seja por equívoco desonrada e punida ela estará em paz consigo mesma estará livre do caos e da frustração que tornam a vida do tirano tão repelente No lugar da grande dor física imaginada para a pessoa justa o tirano tem de suportar uma imensa dor psicológica Se a condição do injusto assim tampouco é invejável existe uma diferença mais importante que Platão pensa contar decisivamente em favor da pessoa justa o seu entendimento e suas emoções dão entrada em um mundo de objetos completamente harmoniosos de modo que ele possui o maior bem que existe Enfim respondemos à questão com a qual começamos a pessoa consumadamente injusta tem problemas que contrabalançam a dor e a desonra imaginada para a pessoa justa e se fossem esses os únicos fatores envolvidos nessa comparação seria difícil decidir qual situação é a pior mas uma vez que a posse das Formas incide do lado da equação da pessoa justa a vantagem aí reside com ela sendo assim esmagadora em razão do grande valor do reino não sensível31 VI Um aspecto importante da teoria de Platão ainda não foi discutido e a melhor forma de trazêlo à luz é pela consideração de uma bem conhecida dificuldade interna em seu argumento Ele diz que aos filósofos da cidade ideal não deve ser permitido estudar as Formas sem interrupção mas ele deve isto sim voltar à caverna e ajudar a administrar a comunidade política 519d521b 540ab Por que os filósofos não se sentirão tentados a resistir a essa exigência por justa que ela possa ser quando ela parecer entrar em conflito com o seu autointeresse32 Na verdade a vida ao ar livre iluminada pela Forma do Bem deve ser melhor que a vida na atmosfera subterrânea em que se deve governar o Estado Não se sentirão os filósofos fortemente tentados a pensar em meios pelos quais possam escapar a tal serviço Em caso afirmativo eles não podem ser alçados como paradigmas de justiça Ademais esse exemplo parece mostrar que a justiça nem sempre vale a pena se o indivíduo pudesse injustamente escapar ao serviço à comunidade e continuar contemplando as Formas ele faria o que fosse melhor para si mas não agiria com justeza Platão se mostra completamente confiante de que indivíduos que ele treinou para a vida filosófica aceitarão essa exigência Na verdade diz ele eles são justos e sua exigência é justa 520e1 Mas por que ele não vê qualquer problema para a sua teoria aqui Por que não lhe salta aos olhos que o governar é contrário aos interesses do filósofo de modo que esse aspecto de seu Estado ideal apresenta um claro contraexemplo a sua tese de que a justiça vale a pena Uma resposta possível a essa questão é simplesmente a de que Platão está disposto a fazer exceções a essa generalização33 Mas é improvável que ele restringiria a si mesmo à afirmação fraca de que a justiça geralmente está nos interesses do indivíduo Creio que seja mais produtivo olhar para esse problema da maneira inversa para Platão governar o estado é uma mera exigência e dado que ele acredita que a justiça está sempre no interesse do indivíduo ele deve pensar que de algum modo vale a pena governar a cidade A questão é como ele poderia acreditar nisso A certa altura ele nos diz que quando os filósofos olham para o arranjo harmonioso das Formas eles desenvolvem um desejo de de um modo ou de outro imitar aquela harmonia 500c E então ele acrescenta que se torna necessário para os filósofos imitar as Formas moldando o caráter humano à sua semelhança eles estarão em excelente posição para bem executar essa função Assim está claro que quando os filósofos governam eles não deixam de olhar para as Formas ou de imitálas Em vez disso sua atividade imitativa já não é meramente contemplativa e eles começam a agir de um modo que produz uma harmonia na cidade à semelhança da harmonia das Formas Ademais se houvesse de sua parte uma recusa ao governo eles estariam permitindo que a desordem da cidade aumentasse Se qualquer filósofo tomado individualmente fugisse a suas responsabilidades deixando que outros fizessem mais do que o permitido pela sua participação justa ele estaria solapando um sistema justo de divisão de responsabilidades A ordem que seria apropriada à sua situação seria solapada E assim fracassando a regra fosse no âmbito de um indivíduo filósofo fosse no de um grupo deles isso criaria uma certa desarmonia no mundo seriam violadas relações adequadas entre pessoas E ao criar essa desarmonia o filósofo de certo modo estaria deixando de imitar as Formas Ele vislumbraria a ordem que é apropriada entre Formas mas poria transtornada uma ordem que é apropriada entre seres humanos O que isso sugere é que Platão tem os recursos para mostrar que a justiça está nos interesses do próprio indivíduo ainda quando ela requer a renúncia a alguma atividade puramente filosófica O que ele deve considerar é que o mais elevado interesse de um indivíduo nem sempre é servido pelo puro contemplar das Formas34 em vez disso o bem mais elevado que se possa ter é estabelecer e manter certa relação de imitação com as Formas uma relação que é tensionada chegando mesmo a uma ruptura quando é posta a perder a justa participação em uma comunidade justa O indivíduo que estiver disposto a fazer a sua parte em uma ordem social cujo aspecto voluntarioso surge de uma plena compreensão do que é a justiça verá a comunidade da qual ele é parte como um todo ordenado uma contraparte mundana ao reino extramundano de objetos abstratos a que ele ama Quando ele age de maneira justa e faz valer a sua justa participação ele se vê como participando em um padrão social que se aproxima da harmonia das Formas e por essa razão toma o seu bem por um agir justo Ao fazer essa conexão entre lesionar o social e a harmonia dos objetos abstratos Platão proporciona uma abordagem do apelo positivo que a justiça nas relações humanas deve ter para nós Somos ou deveríamos ser atraídos pela justiça nas relações humanas quando atuamos com justiça devemos fazêlo não meramente em razão da ausência de motivos como ganância sensualidade e o desejo de dominar os outros Em vez disso devemos ter algo por atraente no tocante às comunidades e relações em que cada pessoa faz a parte que lhe cabe e a nós deve parecer repugnante a violação dessas relações isso por causa de nosso amor à justiça Tal como compreendo Platão ele reconhece que a justiça como relação entre seres humanos pode exercer esse apelo positivo35 VII Comentei no início deste capítulo sobre a existência de algo poderoso no argumento de Platão segundo o qual a justiça tem valor por si própria O que tenho em mente é a tese de que o bem da vida humana depende fortemente de termos uma relação estreita com algo eminentemente digno de valor que resida fora de nós mesmos Para viver bem é preciso estar em boas condições psicológicas e essa condição consistir em uma receptividade dos objetos de valor que existem independentemente de quem os percebe Se o indivíduo se esquece desses objetos e se dedica acima de tudo à aquisição de poder ou ao acúmulo e riquezas ou à satisfação de apetites eróticos ele não só se tornará um perigo para os demais como deixará de atingir seu próprio bem Forças psicológicas que conduzem à injustiça quando se tornam poderosas são forças que devem em todo e qualquer caso ser moderadas tendose em vista seu próprio bem possuir os objetos mais valiosos Ainda que rejeitemos a crença de Platão nas Formas ou que sua tese de que a bem consiste em harmonia devemos reconhecer existirem muitos modos diferentes de tentar amparar sua tentativa de atrelar a qualidade do bem inerente à vida humana a algum bem externo à alma humana A tradição cristã proporciona um exemplo óbvio pois ele sustenta que o bem externo é Deus e que nenhuma vida humana vale a pena ser conduzida sem que Deus de algum modo nela esteja presente Outro exemplo pode ser encontrado em concepções românticas da natureza de acordo com as quais uma pessoa que se encontre alijada da beleza da ordem natural tenha de ser excluída de sua casa e conduzida a uma existência alienada Podemos enxergar até mesmo alguma semelhança entre a teoria de Platão e a ideia de que as grandes obras de arte de tal maneira enriquecem a vida humana que a incapacidade de responder à sua beleza consiste em sério empobrecimento Nesse último caso os conceitos valiosos são criados pelos seres humanos não obstante podese sustentar que o bem de um indivíduo consiste em aprender a compreender e a amar esses objetos É de maneira razoável que se pode dizer que sua vida tem se tornado melhor porque o indivíduo passou a amar um dos produtos culturais de sua sociedade um grande romance por exemplo Não significa que o romance tenha lhe ensinado lições de valor instrumental nem que lhe tenha produzido capacidades psicológicas que de outro modo teriam se mantido em caráter de dormência É inteligível dizer que uma relação com certo objeto algo belo por natureza ou alguma obra de arte ou uma divindade tomada em si mesma torna a vida melhor E isso parece representar o modo como as pessoas vivem suas vidas já que é difícil sustentar a crença de que a vida vale quando não se vê nem se sente nenhuma conexão entre si mesmo e algum objeto maior É claro que Platão rejeitaria essas alternativas à sua teoria ele afirma que o mundo natural com toda sua beleza não é nenhum modelo de perfeição e que os trabalhos de poetas são de ainda menor valor Talvez fosse o caso então de distinguir uma forma fraca de uma forma forte de platonismo O platonismo fraco sustenta que o bem humano consiste em ter uma relação adequada com algum objeto valoroso que seja externo a si mesmo podendo ser uma obra de arte a família ou uma comunidade política o mundo natural ou uma divindade O platonismo forte vai além e sustenta que o objeto valoroso em questão deve ser algum reino eterno e imutável O que é distintivo característico na visão própria de Platão pois sim é que os objetos e questão são as Formas Mas mesmo sendo rejeitada a sua versão particular seria o caso de reconhecer que alguma forma dessa doutrina forte ou fraca é profundamente atraente a muitos Ante o fato de mesmo as formas naufragadas de platonismo terem tido uma longa história Platão certamente se comprataria e não se surpreenderia de todo JAMES RACHELS ELEMENTOS DE FILOSOFIA MORAL TRADUÇÃO F J AZEVEDO GONÇALVES REVISÃO CIENTÍFICA DESIDÉRIO MURCHO SOCIEDADE PORTUGUESA DE FILOSOFIA gradiva 11 A ideia de contrato social As paixões que inclinam os seres humanos a favor da paz são o medo da morte o desejo das coisas necessárias a uma vida confortável e a esperança de que o seu engenho permita alcançálas E a razão sugere cláusulas de paz convenientes sobre as quais os homens podem ser levados a acordo Estas cláusulas são o que costuma chamarse as leis da Natureza THOMAS HOBBES Leviathan 1651 111 O argumento de Hobbes Imaginese que afastamos todas as bases tradicionais da moralidade Suponhase primeiro que não existe qualquer Deus para emitir mandamentos e recompensar a virtude e segundo que não há factos morais integrados na natureza das coisas Suponhase ainda que negamos o carácter naturalmente altruísta dos seres humanos e encaramos as pessoas como essencialmente motivadas pela defesa dos seus próprios interesses Qual é pois a origem da morali dade Se não podemos apelar para Deus aos factos morais ou ao altruísmo natural restará alguma coisa sobre a qual a moralidade se possa fundar Thomas Hobbes o mais distinto filósofo britânico do século XVII tentou mostrar que a moralidade não depende de qualquer dessas coisas A moralidade deveria ser entendida ao invés como a solução de um problema prático que se coloca a seres humanos com interesses próprios Todos queremos viver tão bem quanto possível mas ninguém pode prosperar sem uma ordem social pacífica e cooperante E não podemos ter uma ordem social pacífica e cooperante sem regras As regras morais são apenas pois as regras necessárias para nos permitir obter os benefícios da vida em sociedade É essa a chave para a compreensão da ética e não Deus o altruísmo ou os factos morais Hobbes começa por perguntar como seria se não houvesse regras sociais e nenhum mecanismo comumente aceite para as impor Imaginemos se quisermos que não havia governos nem leis polícias ou tribunais Nesta situação cada um de nós seria livre de fazer o que quisesse Hobbes chamou a isto estado de natureza Como seria isto Hobbes pensava que seria horrível No Leviathan escreveu que não haveria maneira de ser empreendedor pois o fruto do trabalho seria incerto e consequentemente a terra não seria cultivada não haveria navegação nem utilização dos produtos que podem ser transportados por mar nem edifícios confortáveis nem instrumentos para auxiliar a deslocação e remoção de coisas que requerem muita força nem conhecimento da face da Terra nem mecanismos para contar o tempo nem artes nem letras nem sociedade e o que é o pior haveria um medo contínuo e o perigo de morte violenta e a vida do homem seria solitária pobre sórdida brutal e curta Porque razão seriam as coisas tão más Não é porque as pessoas são más É isso sim por causa de quatro factos fundamentais relativos às condições da vida humana Primeiro há o facto da igualdade de necessidades Cada um de nós precisa das mesmas coisas básicas de modo a sobreviver comida vestuário abrigo Apesar de podermos diferir em algumas das nossas necessidades os diabéticos precisam de insulina os outros não somos todos essencialmente iguais Segundo há o facto da escassez Não vivemos no Paraíso onde o leite corre em regatos e todas as árvores estão pejadas de frutos suculentos O mundo é um local duro e inóspito onde as coisas de que precisamos para sobreviver não existem em quantidade abundante Temos de trabalhar duramente para as produzir e mesmo assim muitas vezes não temos o suficiente Se não há suficientes bens essenciais para sobrevivermos quem os irá providenciar Uma vez que cada um de nós quer viver e viver tão bem quanto possível cada um de nós deseja tanto quanto puder obter Mas conseguiremos triunfar sobre os outros que também querem os bens escassos Hobbes pensa que não por causa do terceiro facto sobre a nossa condição o facto da igualdade essencial dos poderes humanos Ninguém é superior a todos os outros em força e engenho de maneira a poder vencêlos indefinidamente É claro que algumas pessoa são mais espertas e mais fortes do que outras mas mesmo as mais fortes podem ser derrotadas por outras actuando em conjunto Se não podemos prevalecer por meio da força que esperança nos resta Poderemos por exemplo confiar na caridade ou boavontade das outras pessoas para nos ajudar Não podemos O quarto e último facto é o altruísmo limitado Mesmo que as pessoas não sejam totalmente egoístas importamse apesar de tudo demasiado consigo mesmas e não podemos simplesmente presumir que sempre que os nossos interesses vitais entram em conflito com os delas elas se afastarão Quando juntamos estes factos emerge um retrato sinistro Todos precisamos das mesmas coisas básicas e não as há em quantidade suficiente para sobrevivermos Logo seremos colocados numa espécie de competição por elas Mas nenhum de nós tem capacidade para triunfar sobre a concorrência e ninguém ou quase ninguém estará disposto a abdicar da satisfação das suas necessidades em favor dos outros O resultado é nas palavras de Hobbes um estado de guerra constante de um contra todos E tratase de uma guerra que ninguém pode esperar vencer Uma pessoa razoável que queira sobreviver tentará recolher o que precisa e prepararse para o defender dos atacantes Mas os outros farão a mesma coisa São estas as razões pelas quais a vida no estado de natureza seria intolerável Hobbes não pensava que tudo isto fosse mera especulação Sublinhou que isto é o que acontece de facto quando os governos caem como durante uma insurreição civil As pessoas começam desesperadamente a armazenar comida a armarse e a afastarse dos seus vizinhos O que faria o leitor se amanhã de manhã ao acordar descobrisse que por causa de uma qualquer catástrofe o governo tinha caído não havendo leis polícia ou tribunais em funcionamento Além disso entre si as nações do mundo sem uma lei internacional actual estão numa situação muito parecida à dos indivíduos no estado de natureza e estão constantemente a atacarse armadas e desconfiadas Para as pessoas escaparem ao estado de natureza é claro que têm de encontrar maneiras de cooperar entre si Numa sociedade estável e cooperante a quantidade de bens essenciais pode aumentar e ser distribuída por quantos tenham deles necessidade Mas são necessárias duas coisas para isto poder acontecer Primeiro tem de haver garantias de que as pessoas não farão mal umas às outras as pessoas têm de poder trabalhar juntas sem medo de ataques roubos ou traições E segundo as pessoas têm de poder confiar umas nas outras quanto ao cumprimento dos seus acordos Só então pode haver uma divisão do trabalho Se uma pessoa se dedica à cultura da terra e outra passa o tempo a ajudar os doentes enquanto uma terceira constrói casas esperando cada uma partilhar os benefícios criados pelas outras cada pessoa na cadeia tem de poder confiar que os outros farão o que deles se espera Uma vez estabelecidas estas garantias pode desenvolverse uma sociedade na qual todos tenham melhores condições de vida do que no estado de natureza Há então lugar para os produtos importados por via marítima edifícios confortáveis artes letras e outras coisas que tais Mas e esta é uma das ideias principais de Hobbes para isto acontecer tem de se estabelecer um governo com o seu sistema de leis polícia e tribunais de maneira a assegurar que as pessoas poderão viver com um receio mínimo de ataques e que terão de manter os seus compromissos O governo é uma parte indispensável do sistema Para escapar ao estado de natureza as pessoas têm pois de concordar no estabelecimento de regras para governar as suas relações e têm de concordar no estabelecimento de um intermediário o Estado com o poder necessário para aplicar estas regras Segundo Hobbes tal acordo existe de facto e torna possível a vida em sociedade A este acordo do qual cada cidadão é parte chamase contrato social Além de explicar os propósitos do Estado a teoria do contrato social explica a natureza da moralidade Estão ambos estreitamente ligados O Estado existe para aplicar as regras mais importantes necessárias para a vida em sociedade enquanto a moralidade consiste em todo o conjunto de regras que facilita a vida em sociedade 206 207 Só no contexto do contrato social podemos tornarnos seres beneficentes porque o contrato cria as condições sob as quais podemos darnos ao luxo de cuidar dos outros No estado de natureza é cada um por si aí seria estúpido alguém adoptar a política de olhar pelos outros porque só se poderia fazer isso à custa de colocar permanentemente os seus próprios interesses em risco Mas em sociedade o altruísmo tornase possível Ao libertarnos do medo contínuo de uma morte violenta o contrato social libertanos para cuidar dos outros JeanJacques Rousseau 17121778 o filósofo francês que depois de Hobbes está mais estreitamente identificado com esta teoria foi ao ponto de afirmar que nos tornamos tipos diferentes de criaturas quando iniciamos relações civilizadas com os outros Na sua obra mais famosa O Contrato Social 1762 Rousseau escreveu Esta passagem do estado de natureza ao estado civil produz no Homem uma mudança admirável Só então quando a voz do dever toma o lugar dos impulsos físicos e o direito o lugar do apetite é que o Homem até então apenas preocupado consigo mesmo se vê forçado a agir segundo outros princípios e a consultar a sua razão antes de dar ouvidos às suas inclinações As suas faculdades são então exercitadas e desenvolvidas as suas ideias alargamse os seus sentimentos enobrecemse toda a sua alma se eleva a um ponto tal que se os abusos desta sua nova condição não o degradassem com frequência a um ponto muito inferior ao da condição da qual saiu seria levado a abençoar continuamente o momento feliz que o retirou dela para sempre e que de um animal estúpido e sem imaginação fez um ser inteligente e um Homem E o que exige a voz do dever deste novo homem Exigelhe que coloque de lado as suas inclinações privadas e egocêntricas em favor de regras que promovam imparcialmente o bemestar de todos sem distinção Mas ele só pode fazer isto porque os outros concordaram fazer a mesma coisa esta é a essência do contrato Podemos pois resumir a concepção do contrato social da forma seguinte A moralidade consiste no conjunto de regras governando a forma de as pessoas se tratarem entre si que todas as pessoas racionais acordam aceitar para benefício mútuo na condição de os outros seguirem também essas regras 208 209 Se ambos confessarem no entanto cada um será condenado a cinco anos Mas se nenhum confessar não haverá provas suficientes para condenar qualquer dos dois Poderão mantêlos detidos durante um ano mas depois terão de libertálos Por fim comunicamlhe que Smith teve a mesma proposta mas o leitor não pode comunicar com ele e não tem maneira de saber o que Smith vai fazer O problema é o seguinte Partindo do princípio que o seu objectivo é passar o menor tempo possível na cadeia o que deve fazer Confessar ou não confessar Para os objectivos deste problema o leitor deve esquecer ideias como as relativas a manter a sua dignidade lutar pelos seus direitos e coisas do género O problema não é sobre isso Deve também esquecer a preocupação de auxiliar Smith Este problema diz estritamente respeito ao cálculo do que é do seu melhor interesse fazer A questão é O que poderá libertálo mais rapidamente Confessar ou não confessar Pode parecer à primeira vista que a questão não pode ser respondida a menos que saibamos o que Smith vai fazer Mas isso é uma ilusão O problema tem uma solução perfeitamente clara Faça Smith o que fizer o leitor deve confessar Isto pode ser demonstrado pelo seguinte raciocínio 1 Ou Smith irá confessar ou não 2 Suponhamos que Smith confessa Então se o leitor confessar será condenado a cinco anos enquanto se não confessar apanhará dez Logo se ele confessar o leitor ficará melhor se confessar também 3 Suponhamos por outro lado que Smith não confessa Nesse caso o leitor fica na seguinte posição Se confessar será libertado enquanto se não confessar ficará detido um ano É claro então que mesmo que Smith não confesse será melhor para si fazêlo 4 Logo o leitor deve confessar Isso vai colocálo em liberdade mais cedo independentemente do que Smith fizer Até agora tudo bem Mas há um problema Lembrese que a Smith foi proposto um acordo semelhante Partindo do princípio que Smith não é estúpido chegará à conclusão a partir do mesmo raciocínio de que deve confessar Assim o resultado será que ambos vão confessar e isto significa que ambos serão condenados a penas de cinco anos Mas se tivessem ambos feito o contrário cada um teria saído em liberdade ao fim de apenas um ano É este o problema Por terem procurado racionalmente defender os seus próprios interesses ambos acabam em piores circunstâncias do que se tivessem agido de forma diferente É isto que faz do dilema do prisioneiro um dilema É uma situação paradoxal O leitor e Smith obteriam melhores resultados se fizessem simultaneamente o que não corresponde aos melhores interesses individuais de cada um Se pudesse comunicar com Smith poderia naturalmente chegar a acordo com ele Poderia acordar que nenhum dos dois iria confessar poderiam então obter a sentença de um ano Por meio da cooperação obteriam melhores resultados do que agindo individualmente A cooperação não concede a nenhum o resultado óptimo liberdade imediata mas permite obter para os dois um resultado melhor do que cada um poderia alcançar sem cooperação Seria fundamental no entanto que qualquer acordo entre os dois pudesse ser fiscalizado porque se Smith renunciasse e confessasse ao mesmo tempo que o leitor mantinha o acordo então o leitor acabaria por cumprir a sentença máxima de dez anos enquanto Smith sairia em liberdade Assim para que seja racional para o leitor cumprir a sua parte do acordo terá de ter garantias de que Smith cumpriria a sua parte E naturalmente ele teria o mesmo receio sobre a sua possível renúncia Só um acordo susceptível de ser fiscalizado poderá oferecer uma saída do dilema para qualquer dos dois 210 211 A moralidade como solução para um problema do tipo do dilema do prisioneiro O dilema do prisioneiro não é apenas um quebracabeças inteligente Apesar de a história que contámos ser fictícia o padrão que ilustra ocorre frequentemente na vida real Situações do tipo do dilema do prisioneiro ocorrem sempre que se verificam duas condições 1 Tem de ser uma situação na qual os interesses das pessoas são afectados não apenas pelo que elas mesmas fazem mas também pelo que fazem os outros e 2 Tem de ser uma situação na qual paradoxalmente todos acabam pior se tentarem individualmente defender os seus próprios interesses do que se fizerem simultaneamente o que não serve os seus interesses individuais Este tipo de situação acontece na vida real com mais frequência do que poderíamos pensar Consideremos por exemplo a escolha entre duas estratégias de vida Primeiro poderíamos defender exclusivamente os nossos próprios interesses em cada situação poderíamos fazer o que nos beneficiasse não tendo em conta como os outros poderiam ser afectados por isso Chamemos a isto agir de forma egoísta Em alternativa poderíamos preocuparnos com o bemestar das outras pessoas bem como com o nosso mantendo o equilíbrio entre ambos abdicando por vezes dos nossos interesses em benefício de terceiros Chamemos a esta estratégia agir com benevolência Mas não somos apenas nós quem tem de decidir como viver As outras pessoas têm também de escolher que política adoptar Há quatro possibilidades Primeiro podemos ser egoístas enquanto as outras pessoas são benevolentes segundo os outros podem ser egoístas enquanto somos benevolentes terceiro podemos ser todos egoístas e quarto podemos ser todos benevolentes Que resultados obteríamos em cada uma destas situações Apenas do ponto de vista da prossecução do nosso bemestar poderíamos avaliar as possibilidades desta forma O leitor estaria melhor na situação em que é egoísta enquanto os outros são benevolentes Obteria os benefícios da sua generosidade sem ter de retribuir o favor Nesta situação seria na terminologia da teoria da decisão um borlista A segunda melhor situação seria aquela em que todos são benevolentes O leitor deixaria de ter a vantagem de poder ignorar os interesses das outras pessoas mas pelo menos teria as vantagens que advêm do tratamento respeitoso dos outros Esta é a situação da moralidade comum Uma situação má mas não a pior de todas seria aquela em que todos fossem egoístas O leitor tentaria proteger os seus próprios interesses apesar de ter pouco apoio dos outros Este é o estado de natureza de Hobbes Por fim o leitor ficaria pior numa situação na qual fosse benevolente para os outros enquanto os outros são egoístas Os outros poderiam atraíçoálo quando isso lhes fosse vantajoso mas o leitor não teria liberdade para fazer o mesmo Seria prejudicado em todas as circunstâncias Podemos dizer que nesta situação seria um papalvo Isto é exactamente o tipo de aparato que dá origem ao dilema do prisioneiro Baseandonos nesta avaliação das situações o leitor deve adoptar a estratégia egoísta 1 Ou as outras pessoas respeitarão os seus interesses ou não 212 213 2 Se respeitarem de facto os seus interesses o leitor ficará melhor não respeitando os deles pelo menos sempre que isso for vantajoso para si Esta será a situação óptima o leitor é um borlista 3 Se não respeitarem os seus interesses seria então uma tolice da sua parte respeitar os deles isso colocáloia na pior situação possível Seria um papalvo 4 Logo independentemente do que as outras pessoas fizerem o leitor fica em melhor situação adoptando a política de cuidar de si próprio O melhor é ser egoísta E chegamos agora ao problema As outras pessoas podem é claro raciocinar da mesma forma e o resultado será que acabamos por voltar ao estado de natureza de Hobbes Todos serão egoístas dispostos a apunhalar todos os outros sempre que virem nisso alguma vantagem para si mesmos Nesta situação cada um de nós está obviamente em piores condições do que se houvesse cooperação Para escapar ao dilema precisamos de outro acordo fiscalizável desta feita um acordo para obedecer às regras do respeito mútuo em sociedade Tal como antes a cooperação não garantiria o melhor resultado ser egoístas enquanto os outros são benevolentes mas levaria a um resultado melhor do que o obtido se cada um de nós lutasse de forma independente pelos seus interesses Precisamos nas palavras de David Gauthier de negociar a moralidade Podemos fazêlo se conseguirmos estabelecer sanções suficientes para garantir que se respeitarmos os interesses dos outros eles têm igualmente de respeitar os nossos regem a forma como as pessoas devem tratarse entre si regras que todas as pessoas racionais concordam aceitar para benefício mútuo na condição de os outros seguirem igualmente as regras A força desta teoria devese em grande medida ao facto de fornecer respostas simples e plausíveis a algumas questões difíceis que sempre deixaram os filósofos perplexos 1 Que regras morais estamos obrigados a seguir e como se justificam tais regras A ideia central é que as regras moralmente obrigatórias são as necessárias à vida em sociedade É óbvio por exemplo que não poderíamos viver juntos de forma satisfatória se não aceitássemos regras proibindo o homicídio a agressão o roubo a mentira a quebra de promessas e outras que tais Estas regras justificamse mostrando simplesmente que são necessárias se quisermos cooperar para benefício mútuo Por outro lado algumas regras geralmente vistas como morais como a proibição da prostituição da sodomia e da promiscuidade sexual não são obviamente justificáveis desta forma Em que medida é ameaçada a vida social pelo facto de duas pessoas se envolverem em práticas sexuais privadas Se esta conduta não nos ameaça de forma alguma então está para lá do âmbito do contrato social e não nos diz respeito Essas regras têm pois apenas uma força duvidosa sobre nós 2 Porque motivo é razoável seguir as regras morais Concordamos seguir as regras morais porque é vantajoso viver numa sociedade na qual as regras são aceites Naturalmente pode por vezes ser imediatamente vantajoso violar as regras No entanto não é razoável desejar um acordo no qual as pessoas possam violar as regras sempre que lhes seja vantajoso fazêlo o objectivo do contrato social é justamente podermos confiar que as pessoas cumprem as regras excepto eventualmente nas emergências mais extremas Só então poderemos sentirnos seguros O nosso próprio cumprimento constante é o preço razoável que pagamos de maneira a assegurar o cumprimento dos outros 214 215 3 Em que circunstâncias podemos infringir as regras Esta é uma questão algo mais complicada A ideia central aqui é a reciprocidade concordamos obedecer às regras na condição de os outros também obedecerem Assim quando alguém viola a condição de reciprocidade libertanos pelo menos até certo ponto das nossas obrigações para com ele Suponhamos que alguém recusa auxiliarnos em circunstâncias nas quais podia claramente ajudar Então se mais tarde necessitar do nosso auxílio podemos sentir que não é nosso dever darlhe a mão O mesmo aspecto essencial explica por que razão é permissível punir os que violaram a lei criminal Quem viola a lei é tratado de forma diferente do cidadão comum ao punir quem viola a lei tratamolo de formas usualmente não permitidas Como pode justificarse tal coisa A resposta tem duas partes Em primeiro lugar a intenção do Estado é aplicar as regras primárias indispensáveis à vida em sociedade Para vivermos juntos sem medo não pode deixarse ao critério do indivíduo decidir se vai ou não atacar outras pessoas roubálas ou algo semelhante Ligar sanções à violação destas regras é o único meio viável de impôlas Seguese daí que temos de punir Mas porque razão é permissível punir A resposta é que o criminoso violou a condição fundamental da reciprocidade Admitimos que as regras da vida social limitem o que podemos fazer apenas na condição de os outros aceitarem as mesmas restrições ao que podem fazer Logo ao violar as regras em relação a nós os criminosos libertamnos da nossa obrigação perante eles e expõemse à retaliação Por fim há uma circunstância ainda mais dramática na qual podemos violar as leis morais Em circunstâncias normais a moralidade exige que sejamos imparciais isto é que não atribuímos maior importância aos nossos interesses do que aos interesses dos outros Mas suponha que enfrenta uma situação na qual tem de escolher entre a sua própria morte e a morte de cinco outras pessoas A imparcialidade exigiria aparentemente que escolha a sua própria morte afinal de contas eles são cinco e o leitor apenas um Estará moralmente obrigado a sacrificarse Os filósofos sentiramse com frequência pouco à vontade com este tipo de exemplo sentiram instintivamente que há de alguma forma limites ao que a moralidade pode exigir de nós Por isso disseram tradicionalmente que tais acções heróicas são superrogatórias isto é são acções acima e para além do exigido pelo dever admiráveis quando ocorrem mas não estritamente exigidas No entanto é difícil explicar o motivo pelo qual tais acções não são estritamente exigidas Se a moralidade exige decisões imparciais e uma razão imparcial decreta ser melhor morrer um do que cinco porque razão não somos obrigados a sacrificarnos A teoria do contrato social tem uma explicação É racional aceitar o contrato social porque é vantajoso para nós Desistimos da nossa liberdade incondicional mas em troca obtemos os benefícios da vida em sociedade No entanto se o contrato nos exige então que dêmos a vida não estamos melhor do que estávamos no estado de natureza e deixamos de ter qualquer razão para respeitar o contrato Há por isso um limite natural ao autosacrifício que se pode esperar de alguém Não podemos exigir um sacrifício tão profundo que negue o próprio objectivo do contrato A teoria do contrato social explica assim uma faceta da moralidade que noutras teorias é um mistério 4 Tem a moralidade uma base objectiva Existirão factos morais Serão os juízos morais objectivamente verdadeiros Os filósofos interrogamse há muito se as nossas opiniões morais representam algo mais do que os nossos sentimentos subjectivos ou os costumes da nossa sociedade Sentiram que a moralidade tem de ser algo mais do que hábitos e sentimentos mas é difícil dizer o que seja esse algo Se há factos morais que tipo de coisas podem ser Um dos mais atraentes aspectos da teoria do contrato social reside no facto de afastar tão facilmente estas preo 216 217 cupações Não são necessárias longas explicações A moralidade não é apenas uma questão de hábito ou sentimento tem uma base objectiva Mas a teoria não precisa de postular qualquer tipo especial de factos para explicar essa base A moralidade é o conjunto de regras que quaisquer pessoas racionais aceitariam para benefício mútuo Podemos determinar que regras são essas por meio da investigação racional e depois determinar se um acto particular é moralmente aceitável verificando se está em conformidade com as regras Uma vez compreendido isto as velhas preocupações sobre a objectividade da moral desaparecem pura e simplesmente 114 O problema da desobediência civil As teorias morais devem ajudar a compreender questões morais particulares A teoria do contrato social baseiase numa intuição importante sobre a natureza da sociedade e suas instituições sendo por isso especialmente adequada para nos ajudar a lidar com questões envolvendo essas instituições Em resultado do contrato social temos a obrigação de obedecer à lei Mas teremos por vezes justificação para desafiar a lei Se sim quando Os exemplos modernos e já clássicos de desobediência civil são é claro as acções desenvolvidas no âmbito do Movimento de Independência da Índia liderado por Mohandas K Gandhi e o movimento americano de direitos cívicos liderado por Martin Luther King Jr Ambos se caracterizaram pela recusa pública conscienciosa e não violenta de obediência à lei Mas os objectivos dos movimentos tinham diferenças importantes Gandhi e os seus seguidores não reconheciam o direito de os Britânicos governarem a Índia queriam substituir o domínio britânico por um sistema inteiramente diferente Por outro lado Luther King e os seus seguidores não questionavam a legitimidade das 218 instituições fundamentais do governo americano Opunhamse apenas a leis particulares e políticas sociais que consideravam injustas tão injustas de facto que sentiam não ter qualquer obrigação de lhes obedecer Na sua Letter from the Birmingham City Jail 1963 Luther King descreveu a frustração e raiva que surgem quando se vê bandos perversos linchar indiscriminadamente as nossas mães e os nossos pais e afogar os nossos irmãos e irmãs ao sabor dos seus caprichos quando se vê polícias cheios de ódio a insultar pontapear brutalizar e até matar os nossos irmãos e irmãs negros com total impunidade quando se vê a esmagadora maioria dos nossos vinte milhões de irmãos Pretos asfixiados numa estreita cela de pobreza no meio de uma sociedade de abundância quando de súbito damos connosco embaraçados para explicar à nossa filha de seis anos a razão pela qual não pode ir ao parque de diversões que acabou de ser publicitado na televisão e vemos lágrimas rebentar nos seus pequenos olhos quando lhe dizemos que Funtown está vedado a meninos de cor e começamos a ver as nuvens deprimentes da inferioridade a distorcer a sua pequena personalidade O problema não era apenas o facto de a segregação racial com todo o seu cortejo de males ser imposta pelos hábitos sociais era igualmente uma questão legal uma lei cuja formulação recusava aos negros qualquer voz Quando instado a confiar nos processos democráticos normais Luther King fez primeiro notar que tinha havido várias tentativas de negociação mas esses esforços tiveram pouco sucesso quanto à democracia a palavra não tinha qualquer sentido para os negros do sul Em todo o estado do Alabama todos os tipos de métodos de conluio são usados para impedir os Pretos de se tornarem votantes recenseados e há alguns condados sem um único Preto recenseado para votar apesar de os Pretos constituírem a maioria da população Luther King pensava por isso que os negros não 219 tinham alternativa tendo de apresentar publicamente o seu caso mediante o desafio às leis injustas Hoje em dia com Luther King aclamado como um dos gigantes da história americana e com o movimento dos direitos civis recordado como uma grande cruzada moral é necessário algum esforço para recordar quão controversa foi a estratégia de desobediência civil Muitos liberais embora exprimindo simpatia pelos objectivos do movimento negaram no entanto que a desobediência à lei fosse um meio legítimo de lutar por esses objectivos Um artigo publicado em 1965 no New York State Bar Journal exprimiu as preocupações mais comuns Depois de garantir aos seus leitores que muito antes do Dr King ter nascido eu defendia e defendo ainda a causa dos direitos civis para todas as pessoas Louis Waldman um eminente advogado de Nova Iorque afirmou o seguinte Os que defendem direitos ao abrigo da Constituição e das leis feitas nos termos por ela estabelecidos têm de obedecer a essa Constituição e a essas leis se quiserem que a Constituição sobreviva Não podem escolher a gosto não podem dizer que vão obedecer às leis que pensam ser justas e rejeitar obedecer às leis que consideram injustas O país não pode portanto aceitar a doutrina do Dr King de que ele e os seus seguidores vão escolher a gosto sabendo que é ilegal fazêlo Considero pois que tal doutrina não é apenas ilegal devendo por essa razão ser abandonada é também imoral destruidora dos princípios do governo democrático e um perigo para os próprios direitos civis que o Dr King visa promover Waldman tinha razão num aspecto Se o sistema legal é essencialmente decente então desafiar a lei é à partida uma coisa má porque enfraquece o respeito pelos valores que a lei protege Para responder a esta objecção os que advogavam a desobediência civil precisavam de um argumento para mostrar o motivo pelo qual o desafio à lei era justificado Um desses argumentos usado frequentemente por Luther King era que os males aos quais se manifestava oposição eram tão graves tão numerosos e tão resistentes a soluções por meios menos drásticos que a desobediência civil se justificava como um último recurso O fim justifica os meios mesmo que os meios sejam lamentáveis Isto era na opinião de muitos moralistas uma resposta suficiente à objecção levantada por Waldman Mas temos ao nosso dispor uma resposta mais profunda sugerida pela teoria do contrato social Antes de mais porque razão temos de obedecer à lei Segundo a teoria do contrato social porque cada um de nós participa num acordo complicado por meio do qual ganhamos certos benefícios em troca da aceitação de certos encargos Os benefícios são a vida em sociedade escapamos ao estado de natureza e vivemos numa sociedade na qual estamos seguros e usufruímos dos direitos fundamentais ao abrigo da lei De maneira a obter esses benefícios concordamos fazer a nossa parte na manutenção das instituições que os tornam possíveis Isto significa que temos de obedecer à lei pagar os nossos impostos e por aí adiante estes são os fardos que aceitamos em troca Mas e se as coisas estiverem de tal modo organizadas que a um grupo de pessoas da sociedade não são reconhecidos os direitos usufruídos pelos outros E se em vez de os proteger polícias cheios de ódio insultam pontapeiam brutalizam e matam com total impunidade E se alguns cidadãos forem asfixiados numa estreita cela de pobreza ao serlhes negada a oportunidade de adquirir uma educação decente ou empregos decentes Se a negação destes direitos estiver suficientemente disseminada e for suficientemente sistemática somos forçados a concluir que os termos do contrato social não estão a ser honrados Assim se continuarmos a exigir que o grupo em desvantagem obedeça à lei e respeite as instituições sociais estamos a exigir que aceite os encargos impostos pela organização social apesar de lhe serem negados os seus benefícios 220 221 Esta linha de pensamento sugere que longe de a desobediência civil ser um último recurso indesejável para os grupos socialmente mais marginalizados é na verdade o meio mais natural e razoável de exprimir descontentamento Pois quando aos mais desfavorecidos é recusada uma parte justa dos benefícios da vida social eles ficam com efeito libertos do contrato que noutra situação exigiria que apoiassem os acordos que tornam esses benefícios possíveis Esta é a razão mais profunda que justifica a desobediência civil e deve reconhecerse o mérito da teoria do contrato social por ter exposto este argumento de forma tão clara 115 Dificuldades da teoria A teoria do contrato social é uma de quatro grandes opções na filosofia moral corrente As outras são o utilitarismo o kantismo e a teoria das virtudes Não é difícil ver porquê a teoria explica em boa medida a vida moral de uma forma económica e sensata O que poderá dizerse contra a teoria Apresentase de seguida as duas objecções que parecem ter mais peso 1 A objecção mais comum tem sido que a teoria do contrato social se baseia numa ficção histórica Pedese que imaginemos que as pessoas viveram em tempos isoladas umas das outras que acharam esta situação intolerável e que por fim se congregaram acordando seguir as regras sociais de benefício mútuo Mas isto nunca aconteceu É apenas uma fantasia Então qual é a sua relevância Na verdade se as pessoas se tivessem juntado desta forma poderíamos explicar as suas obrigações umas para com as outras como a teoria sugere seriam obrigadas a obedecer às regras porque teriam feito um contrato nesse sentido Mas mesmo assim continuaria a haver problemas Teríamos de enfrentar questões como as seguintes O acordo foi unânime Se não foi que acontece às pessoas que não assinaram o contrato não são obrigadas a agir moralmente Se o contrato foi consumado há muito tempo estaremos obrigados a cumprir os acordos dos nossos antepassados Se não como se renova o contrato a cada nova geração E se alguém disser Eu não dei o meu assentimento a tal contrato e não quero fazer parte dele Mas na verdade nunca existiu tal contrato e por isso nenhuma explicação sensata se pode basear nele Como afirmou com ironia um crítico o contrato social não vale o papel em que não foi escrito Em resposta pode dizerse que há um contrato social implícito ao qual todos estamos ligados Para ser exacto nenhum de nós alguma vez assinou um contrato real não há qualquer pedaço de papel assinado No entanto há de facto um acordo muito semelhante ao descrito na teoria do contrato social Há um conjunto de regras que todos reconhecem como obrigatórias e todos beneficiamos do facto de estas regras serem seguidas Cada um de nós aceita os benefícios conferidos por este acordo e mais do que isso esperamos que as outras pessoas continuem a cumprir as regras e encorajamolas a fazêlo Esta é uma descrição de facto do estado de coisas não é uma ficção E prossegue o argumento ao aceitar os benefícios deste acordo incorremos na obrigação de fazer a nossa parte para o manter por outras palavras para retribuir o que nos foi dado O contrato é implícito porque nos tornamos parte dele não através das nossas palavras mas sim das nossas acções à medida que participamos nas instituições sociais e aceitamos os benefícios da vida em sociedade Desta forma a história do contrato social não precisa de ser entendida como uma descrição de acontecimentos históricos É ao invés um instrumento analítico útil baseado na ideia de que podemos entender as nossas obrigações morais como se tivessem surgido desta forma Considerase a seguinte situação Suponha o leitor chegue junto de um grupo de pessoas envolvidas num jogo com223 plexo Parece divertido e por isso juntase ao grupo Passado algum tempo no entanto começa a violar algumas das regras porque isso parece ainda mais divertido Os outros protestam affirmam que se quer jogar tem de cumprir as regras O leitor responde que nunca prometeu cumprir as regras Eles podem então responder com razão que isso é irrelevante Talvez ninguém tenha explicitamente prometido obedecer no entanto ao juntarse ao jogo cada pessoa implicitamente aceita seguir as regras que tornam o jogo possível É como se todos tivessem concordado A moralidade é assim O jogo é a vida em sociedade derivamos dela enormes benefícios e não queremos abandonar esses benefícios mas de maneira a jogar o jogo e obter os benefícios temos de seguir as regras Não é claro até que ponto os grandes teóricos do contrato social como Hobbes e Rousseau aceitariam esta forma de defender a sua ideia Mas isso não importa a resposta parece salvar a teoria do que seria de outra forma uma objecção devastadora 2 Já fizemos notar que as teorias morais deveriam ajudar a lidar com as questões morais práticas As teorias importantes fazem isso mas com demasiada frequência uma teoria que esclarece uma questão torna outra mais confusa Para cada teoria há questões relativamente às quais as suas asserções parecem exactamente correctas mas surgem problemas quando noutras questões as implicações da teoria parecem inaceitáveis Quando referimos o problema da desobediência civil a teoria do contrato social parecia inteiramente correcta Mas relativamente a outras questões as suas implicações são mais perturbadoras A segunda objecção à teoria do contrato social que me parece mais forte do que a primeira tem que ver com as suas implicações para os nossos deveres face a seres incapazes de participar no contrato Os animais nãohumanos por exemplo não têm as capacidades necessárias para entrar em qualquer tipo de acordos connosco implícitos ou explícitos Parece pois impossível que devam ser abrangidos por quaisquer regras de benefícios mútuos estipuladas por tal contrato No entanto não será moralmente errado torturar um animal quando não há para isso qualquer boa razão E não é isto errado devido à dor causada ao próprio animal Mas a ideia de deveres morais relativamente a seres que não são parte do contrato parece contrária à regra fundamental por detrás da teoria Assim a teoria parece imperfeita Hobbes tinha consciência de que na sua perspectiva os animais estavam excluídos das considerações morais Escreveu que fazer acordos com animais selvagens é impossível Aparentemente isto não o incomodava Os animais nunca foram bem tratados pelos seres humanos mas na época de Hobbes eram tidos em muito baixa consideração Descartes e Malebranche dois contemporâneos de Hobbes haviam popularizado a ideia de que os animais não podem sentir dor Para Descartes isto era assim porque não tendo almas os corpos dos animais eram meras máquinas para Malebranche era necessário que fosse assim pela razão teológica de que o sofrimento é uma consequência do pecado de Adão e os animais não descenderem de Adão Mas independentemente da razão a sua perspectiva era que os animais não podem sofrer pelo que os animais estão para lá do alcance da consideração moral Isso permitiu aos cientistas do século XVII fazer experiências com animais sem se preocuparem com os seus inexistentes sentimentos Nicolas Fontaine uma testemunha ocular descreveu uma visita a um laboratório no seu livro de memórias publicado em 1738 Batiam nos cães com perfeita indiferença e troçavam daqueles que lamentavam as criaturas como se sentissem dor Affirmavam que os animais eram relógios que os ganidos que emitiam quando lhes batiam eram apenas o ruído de uma pequena mola que tinha sido tocada mas que o corpo não tinha sensações Pregavam alguns pobres animais em quadros pelas quatro patas para os dissecar e ver a circulação do sangue o que era um grande tema de conversa 224 225 Se temos o dever de não causar dor desnecessária aos animais é difícil ver como pode esse dever ser acomodado no seio da teoria do contrato social No entanto como Hobbes muitas pessoas podem não achar isso assim tão preocupante pois podem não encarar a questão dos deveres para com meros animais particularmente urgente Mas há outra dificuldade do mesmo género que pode leválos a hesitar Muitos seres humanos têm deficiências mentais tão graves que não podem participar no género de acordos considerados pela teoria do contrato social Podem certamente sofrer e até viver vidas humanas simples Mas não são suficientemente inteligentes para compreender as consequências das suas acções Podem nem mesmo saber quando estão a magoar os outros Logo não podemos responsabilizálos pela sua conduta Estes seres humanos colocam à teoria exactamente o mesmo problema que os animais nãohumanos Uma vez que não podem participar nos acordos que segundo a teoria dão origem às obrigações morais estão para lá do domínio da consideração moral No entanto pensamos ter obrigações morais para com eles E mais ainda as nossas obrigações para com eles são frequentemente baseadas exactamente nas mesmas razões em que baseamos as nossas obrigações para com os seres humanos normais a razão primordial pela qual não devemos torturar pessoas normais por exemplo é o facto de lhes causar dores terríveis e esta é exactamente a mesma razão pela qual não devemos torturar pessoas com deficiências mentais A teoria do contrato social pode explicar o nosso dever num caso mas não no outro Este problema não diz respeito a um aspecto menor da teoria vai directo ao seu cerne Logo a menos que possamos encontrar alguma forma de remediar esta dificuldade o veredicto tem de ser que a ideia fundamental da teoria é deficiente 226 Lewis White Beck Chicago University of Chicago Press 1949 A citação é da p 348 A citação de P T Geach é do seu livro God and the Soul Londres Routledge and Kegan Paul 1969 p 128 A observação de MacIntyre é da abertura do capítulo sobre Kant na sua A Short History of Ethics Nova Iorque Macmillan 1966 10 Kant e o respeito pelas pessoas As observações de Kant sobre os animais são das suas Lições de Ética trad inglesa de Louis Infeld Lectures on Ethics Nova Iorque Harper Row 1963 pp 239240 A segunda formulação do imperativo categórico em que refere o tratamento das pessoas como fins está em Fundamentação da Metafísica dos Costumes trad de Paulo Quintela Lisboa Edições 70 2000 trad ing de Lewis White Beck Foundations of the Metaphysics of Morals Indianapolis BobbsMerrill 1959 p 47 As observações sobre dignidade e preço estão na p 53 A afirmação de Bentham de que toda a punição é danosa é do livro The Principles of Morals and Legislation Nova Iorque Hafner 1948 p 170 As citações de Kant sobre punição são de Elementos Metafísicos da Justiça trad inglesa de John Ladd The Metaphysical Elements of Justice Indianapolis BobbsMerrill 1965 pp 99107 excepto a citação sobre os merecidos açoites que é da Crítica da Razão Prática trad de Artur Morão Lisboa Edições 70 1997 trad ing de Lewis White Beck Critique of Practical Reason Chicago University of Chicago Press 1949 p 170 As concepções de Karl Menninger são citadas do seu artigo Therapy Not Punishment Harpers Magazine Agosto de 1959 pp 6363 11 A ideia de contrato social A avaliação de Hobbes do estado de natureza é do seu Leviathan Lisboa INCM 1995 edição Oakeshott Oxford Blackwell 1960 capítulo 13 A citação é da p 82 NOTAS SOBRE FONTES A citação de Rousseau é de O Contrato Social MemMartins EuropaAmérica 1999 trad ing de G D H Cole The Social Contract and Discourses Nova Iorque Dutton 1959 pp 1819 As citações de King e Waldman encontramse em Civil Disobedience Theory and Practice org por Hugo Adam Bedau Nova Iorque Pegasus Books 1967 pp 7677 78 106 e 107 A passagem das memórias de Fontaine é citada por Peter Singer em Animal Liberation Nova Iorque New York Review of Books 1975 p 220 Libertação Animal Porto Via Optima 2000 12 O feminismo e a ética dos afectos O dilema de Heinz é explicado por Lawrence Kohlberg em Essays on Moral Development volume 1 The Philosophy of Moral Development Nova Iorque Harper Row 1981 p 12 Para os seis estádios de desenvolvimento moral vejase a mesma obra pp 409412 Amy e Jake são citados por Carol Gilligan no seu In a Different Voice Psychological Theory and Womens Development Cambridge Harvard University Press 1982 pp 26 28 Teoria Psicológica e Desenvolvimento da Mulher Lisboa Gulbenkian 1997 As outras citações de Gilligan são das pp 1617 31 A citação de Virginia Held é do seu artigo Feminist Transformations of Moral Theory Philosophy and Phenomenological Research 50 1990 p 344 Afecto é a nova palavra da moda é de Annette Baier Moral Prejudices Cambridge Harvard University Press 1994 p 19 As outras citações de Baier são das pp 4 ligar a ética dos afectos e 2 mulheres honorárias As citações de Nel Noddings são todas do seu livro Caring A Feminine Approach to Ethics and Moral Education Berkeley University of California Press 1984 pp 149155 13 A ética das virtudes As citações de Aristóteles são do livro II da Ética a Nicómaco trad ing de Martin Ostwald Nicomachean Ethics Indianapolis BobbsMerrill 1962 excepto a citação sobre a amizade que é do livro VIII e a citação sobre visitas a terras distantes que é uma C3 problemática abordagem filosofia Ética Série Compreender Compreender Kant Georges Pascal Compreender Nietzsche Jean Lefranc Compreender Platão Christophe Rogue Compreender Schopenhauer Jean Lefranc Compreender Hegel Francisco Pereira Nóbrega Compreender Spinoza Hadi Rizk Compreender Sócrates LouisAndré Dorion Compreender Aristóteles François Stirn Compreender Plotino e Proclo Cícero Cunha Bezerra Compreender Kierkegaard France Farago Compreender Sartre Gary Cox Compreender Husserl Natalie Depraz Compreender Bergson JeanLouis VieillardBaron Compreender Lévinas BC Hutchens Compreender Gadamer Chris Lawn Compreender Marx Denis Collin Compreender Wittgenstein Kai Buchholz Compreender Habermas Walter ReeseSchäfer Compreender Heidegger Marco Antonio Casanova Compreender Hume Angela M Coventry Compreender Ricouer David Pellauner Compreender Derrida Julian Wolfreys Compreender Leibniz Franklin Perkins Compreender Rousseau Mathew Simpson Compreender MerleauPonty Eric Matthews Compreender Adorno Alex Thomson Compreender Hannah Arendt Karin A Fry Compreender Hobbes Stephen J Finn Compreender Descartes Justin Skirry Compreender AlFarabi e Avicena Jamil Ibrahim Iskandar Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Finn Stephen J Compreender Hobbes Stephen J Finn tradução de Caesar Souza Petrópolis RJ Vozes 2010 Série Compreender Título original Hobbes a guide for the perplexed Bibliografia ISBN 9788532624468 1 Filosofia inglesa 2 Hobbes Thomas 15881679 I Título II Série 1009762 CDD192 Índices para catálogo sistemático 1 Hobbes Filosofia inglesa 192 Stephen J Finn COMPREENDER HOBBES Tradução de Caesar Souza Ac 511407 UFMG BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA 49641110 NÃO DANIFIQUE ESTA ETIQUETA EDITORA VOZES Petrópolis 4 A filosofia moral de Hobbes A Filosofia Moral levanta questões sobre como os seres humanos devem viver suas vidas Qual é a natureza da justiça Temos obrigações morais de realizar certos tipos de ações Os padrões morais são absolutos ou relativos Qual é a base da obrigação moral O que significa dizer que somos obrigados a fazer alguma coisa Para Hobbes a Filosofia Moral e a Filosofia Política estão intimamente relacionadas porque como veremos a primeira tem consequências sobre a segunda Portanto antes que possamos realmente entender a filosofia política de Hobbes27 devemos primeiro examinar suas ideias sobre moralidade27 Devemos notar no entanto que Hobbes usa a expressão filosofia moral para cobrir todas as suas reflexões filosóficas sobre a natureza humana Usando a terminologia atual algumas das reflexões de Hobbes sobre o comportamento humano seriam melhor caracterizadas como psicológicas em vez de morais Em outros termos Hobbes usa filosofia moral em sentido muito mais amplo do que aquele utilizado pelos filósofos hoje Neste capítulo vamos examinar a filosofia moral de Hobbes usando o entendimento atual desse termo Na primeira seção apresento os principais elementos dessa filosofia Como veremos Hobbes parece ser um relativista moral que acredita que não existem padrões naturais para a moralidade Uma vez que muitas de suas concepções são reveladas em sua descrição do estado de natureza uma porção 27 Para uma leitura diferente da que apresentei aqui da filosofia moral de Hobbes cf EWIN 1991 considerável da primeira seção é dedicada a uma discussão desse estado Na segunda seção serão apresentadas interpretações contrastantes do estado de natureza e das leis de natureza de Hobbes A principal questão tratada nesta seção é a de se o estado de natureza de Hobbes é um genuíno deserto moral desprovido de padrões naturais de moralidade O capítulo conclui com uma investigação sobre ideias concorrentes acerca do estado de natureza John Locke outro filósofo político inglês do século XVII apresentou sua própria descrição da vida no estado de natureza uma descrição que difere em importantes aspectos da de Hobbes Após examinar as descrições contrastantes de ambos você poderá decidir por você mesmo de quem é a mais forte Sumário A filosofia moral de Hobbes Relativismo moral Hobbes se vincula à posição filosófica conhecida como relativismo moral De acordo com um relativista moral não existe padrão natural algum pelo qual avaliar o status moral de nossas ações Padrões naturais de moralidade se eles existem fornecem um conjunto de regras éticas ou diretrizes que estão em vigor em todos os tempos e em todos os lugares Por exemplo muitas pessoas afirmariam que torturar pessoas inocentes sem nenhuma razão seria naturalmente errado em todos os tempos e em todos os lugares Realistas morais admitem a existência de tais padrões De acordo com o realista moral certas práticas mesmo que sejam socialmente aceita podem ainda ser imorais Escravidão por exemplo é sempre errada mesmo que ela seja ou fosse uma prática comum Ao contrário do realista moral o relativista moral afirma que todos os padrões morais são relativos a um indivíduo particular ou cultura Portanto o relativismo moral é dividido em dois tipos individual e cultural O relativismo moral individual declara que padrões morais são relativos a cada indivíduo O que é certo e o que é errado são decididos por cada pessoa O relativismo moral cultural declara que padrões morais são relativos a certa cultura sociedade ou nação Interessantemente Hobbes se vincula a ambas as formas de relativismo Quando ele considera os indivíduos em isolamento ele revela seu comprometimento com o relativismo moral Como vimos o método de Hobbes o leva a dissolver o Estado e a examinar suas partes ie os seres humanos em separado antes que ele imaginativamente recomponha o Estado No capítulo anterior vimos que o estudo de Hobbes sobre a natureza humana incluiu a concepção de que o bem é simplesmente o objeto do desejo de uma pessoa Dado o fato de que diferentes pessoas desejam diferentes coisas seguese que o bem muda de pessoa para pessoa As palavras bom mau e desprezível diz Hobbes são sempre usadas com relação à pessoa que as usa nada havendo simples e absolutamente assim L 6120 Se eu desejo escravizar outra pessoa para meus próprios propósitos por exemplo então a prática da escravidão é boa para mim Em outras palavras escravidão não é certa nem errada por natureza O relativismo individual de Hobbes muda para o relativismo cultural quando ele considera os indivíduos como membros de uma comunidade política que fazem acordos entre si para agirem de acordo com as leis Um padrão comum de virtudes e vícios diz Hobbes não aparece exceto na vida civil esse padrão não pode por essa razão ser outro que não as leis de cada Estado28 Para Hobbes após a formação de Estados civis as leis de cada Estado definem os padrões de moralidade Se a escravidão é errada em um Estado particular então é errada em relação aos cidadãos daquele Estado mas não absolutamente Problema desconcertante O problema da liberdade e da responsabilidade moral No capítulo anterior foi discutida a concepção compatibilista de Hobbes acerca da ação humana De acordo com essa concepção enquanto um indivíduo não é fisicamente impedido de fazer o que está determinado a fazer ele é livre No entanto Hobbes também sustenta a concepção determinista de 28 HOBBES 1991b p 69 ou imoralidade das ações O estado de natureza é um vácuo moral de acordo com Hobbes principalmente porque ele é um estado de guerra onde todo homem é inimigo de todo homem L 13186 O estado de natureza é dominado pelo conflito por três razões Primeiro Hobbes afirma que os indivíduos no estado de natureza são iguais essa igualdade combinada com a falta de um dado recurso conduz a uma situação competitiva na qual os indivíduos se tornam inimigos Por igual Hobbes não quer dizer que eles sejam exatamente semelhantes em mente ou em corpo Em vez disso igualdade se refere à habilidade que cada pessoa possui para matar outras A despeito do fato de que algumas pessoas são manifestamente mais fortes em corpo ou mais argutas diz Hobbes quando tudo é computado junto a diferença entre um homem e outro não é assim tão considerável e o mais fraco tem força para matar o mais forte L 13183 Um fracote mirrado por exemplo poderia matar um atleta musculoso enquanto esse estivesse dormindo De acordo com Hobbes tal qualidade leva ao conflito quando indivíduos simultaneamente desejam um recurso escasso que não pode ser compartilhado Da igualdade da habilidade diz Hobbes surge uma igualdade de esperança de obtenção dos nossos fins tal que se duas pessoas desejam a mesma coisa elas se tornarão inimigas L 13184 Em tal situação todos tentam destruir ou subjulgar os outros a fim de obter o bem que é desejado L 13184 Isso conduz ao estado geral de desconfiança ou o que Hobbes chama difidência no estado de natureza Por causa dessa desconfiança que Hobbes nomeia como a segunda causa de conflito algumas pessoas tentarão se defender por meio do uso de ataques preventivos contra seus inimigos Alguém pode atacar primeiro para prevenir os inimigos de futuros ataques contra si mesmo Essas duas causas de conflito competição e difidência são acrescidas de uma terceira o desejo natural por glória Os seres humanos naturalmente desejam ser estimados pelos outros e quando tal estima não é dada eles estão inclinados a exigila à força De acordo com Hobbes então os conflitos no estado de natureza fundamentalmente conduzem a uma guerra total de todos contra todos Terminologia moral e estado de natureza Em sua descrição da vida no estado de natureza Hobbes usa alguns termos que usualmente contêm conotações morais Sob inspeção posterior no entanto é fácil reconhecer que seu uso de tais termos não implica a existência de padrões morais naturais Tome como exemplo o termo igualdade As pessoas geralmente afirmam que a igualdade dos seres humanos fornece uma base para uma reivindicação de direitos morais Porque somos criados iguais é geralmente argumentado temos o direito natural a coisas tais como a vida a liberdade e a busca da felicidade Embora Hobbes diga que os indivíduos são iguais no estado de natureza sua noção de igualdade não contém força moral alguma ela simplesmente descreve uma habilidade humana efetiva a saber a habilidade de matar Hobbes também afirma que os indivíduos em um estado de natureza possuem um direito natural ou direito de natureza De acordo com a definição comum desse termo os indivíduos possuem certo conjunto de direitos morais Poderia ser argumentado por exemplo que indivíduos naufragados em uma ilha deserta possuem o direito natural de não serem prejudicados sem justa causa Uma violação desse direito natural seria errada Em contraposição Hobbes define direito natural como a liberdade de realizar qualquer ação necessária à autopreservação De acordo com essa definição os indivíduos em um estado de natureza decidem por si mesmos o que é ou não é exigido para sua própria preservação Em outras palavras não existem regras ou diretrizes objetivas para determinar o que é necessário para ficar vivo Assim não existem restrições morais para o comportamento humano O termo liberdade usualmente tem conotações morais assim como os termos igualdade e direito natural Na filosofia de Hobbes no entanto é difícil ver como isso tenha alguma coisa a ver com moralidade Como vimos no capítulo 3 Hobbes define liberdade como a ausência de impedimentos externos Dizer que sou livre ou que estou em liberdade não significa senão dizer que eu não estou fisicamente impedido Nesse sentido mesmo um rio pode ser livre Embora indivíduos no estado que a própria vontade é determinada em outras palavras as escolhas humanas não são livremente feitas Aqui eu gostaria de mostrar como o compatibilismo de Hobbes levanta um problema desconcertante É comumente aceita a verdade de que os indivíduos deveriam ser considerados moralmente responsáveis somente por aquelas ações sob seu controle Por exemplo imagine que um homem beba um refrigerante que sem seu conhecimento contenha uma poderosa droga alucinógena que foi colocada na bebida por seu vizinho maldoso Imagine também que o homem completamente sob a influência do alucinógeno comece a atirar nas pessoas enquanto elas passam diante de sua casa Se esse homem não tem expectativa razoável alguma de que sua bebida contivesse tal droga deveria ser considerado moralmente ou mesmo legalmente responsável por suas ações Se você responder não a essa questão então você provavelmente aceita o princípio da responsabilidade De acordo com esse princípio a responsabilidade moral de uma pessoa é diretamente proporcional ao nível de liberdade no qual a pessoa agiu O nível de liberdade se refere a quanto controle um indivíduo possui sobre suas ações No exemplo acima o homem drogado não escolheu livremente tomar a droga alucinógena Além disso não havia expectativa razoável alguma de que o refrigerante contivesse tal droga Portanto nesse caso o nível de responsabilidade do homem é baixo porque o nível de liberdade é baixo Outros casos mostram que existem vários níveis de liberdade Por exemplo imagine uma cadete militar que é ameaçada com expulsão caso ela fale publicamente sobre o assédio sexual que sofreu por parte de seu comandante A cadete decide ausentarse sem permissão oficial 29 A cadete é livre nessa situação Você a culparia moralmente por negligenciar o dever dela Ou então imagine um homem que cuidadosamente planeja um ataque terrorista e então metódicamente o executa Essas ações não são mais livres do que aquelas do homem drogado e da cadete Cada um desses exemplos revela diferentes níveis de liberdade Um problema surge quando aceitamos simultaneamente o princípio de responsabilidade e a concepção de que as ações humanas são determinadas De acordo com os deterministas nenhuma ação humana é livremente escolhida em vez disso todas as ações são fundamentalmente determinadas por fatores tais como fatores hereditários ou ambientais que estão para além de nosso controle imediato Na concepção de Hobbes os movimentos físicos ocorrendo no cérebro levam uma pessoa a agir de certos modos Apesar disso Hobbes fala como se as pessoas devessem ser consideradas moralmente responsáveis por suas ações Por exemplo como veremos no capítulo 6 Hobbes culpa uma variedade de líderes religiosos por participarem da deflagração da Guerra Civil Inglesa Nesse caso ele fala como se eles tivessem feito alguma coisa errada Todavia se nenhuma ação humana é livremente escolhida então por que alguém deveria ser culpado ou elogiado por qualquer coisa É claro que alguém pode chamar a atenção para o fato de que Hobbes é tecnicamente um compatibilista que argumenta que as ações humanas são tanto livres como determinadas De acordo com essa definição de liberdade porém mesmo um rio pode ser livre Contudo nós consideraríamos um rio moralmente responsável por suas ações A liberdade no sentido de Hobbes pode ser usada para justificar a avaliação moral das ações de um indivíduo Como você pensa que Hobbes poderia responder a esse problema Autopreservação um padrão natural de moralidade Alguém pode ser tentado a dizer que a concepção de Hobbes acerca da autopreservação fornece um padrão natural de moralidade uma vez que todos parecemos ter um desejo natural de evitar a morte Se fosse o caso de que todos os indivíduos desejassem o bem da autopreservação então ela pareceria ser um bem universal não relativo aos indivíduos Por duas razões no entanto a concepção de Hobbes acerca da autopreservação não fornece um padrão moral universal Primeiro 29 No original to go AWOL absent without leave utilizado especialmente nas forças armadas quando alguém abandona seu grupamento sem permissão NT Hobbes não afirma consistentemente que todos sempre acreditamos que a autopreservação é boa Como vimos no último capítulo algumas pessoas podem desejar sua própria morte como a melhor de duas ou mais opções Portanto a autopreservação nem sempre é um bem Segundo mesmo que todas as pessoas desejassem a autopreservação isso simplesmente nos diria que as pessoas evitariam a morte não que elas deveriam evitála A afirmação de Hobbes de que as pessoas desejam a autopreservação em outras palavras é descritiva e não prescritiva Dizer que alguém tem uma obrigação moral no entanto é dizer que esse alguém deve perseguir o bem não simplesmente que alguém persegue o bem Padrões morais prescrevem o que devemos fazer ao invés de descrever o que nós de fato fazemos O estado de natureza preliminares Hobbes é provavelmente mais famoso por sua descrição da vida como solitária pobre desagradável brutal e curta L 13186 Deve ser enfatizado no entanto que esses termos se aplicam à vida em um estado de natureza e não à vida em um Estado O estado de natureza é uma situação hipotética na qual não existe lei civil força policial sistema judiciário nem poder dominante para manter as pessoas sob controle Não é uma consideração histórica sobre a vida antes da formação do governo mais propriamente ele representa qualquer situação na qual os indivíduos são livres de leis civis e de suas correspondentes punições Náufragos em uma ilha deserta por exemplo poderiam ser ditos existirem em um estado de natureza Se fossem estabelecidas regras e penalidades no entanto eles não estariam mais em tal estado O estado de natureza de Hobbes é geralmente interpretado como uma consequência da aplicação de seu método filosófico aos temas morais e políticos 30 No segundo capítulo vimos que Hobbes usa um método resolutivocompositivo para entender os corpos cientificamente De acordo com esse mé 30 Para saber mais sobre a relação entre a ciência natural e a filosofia moral de Hobbes cf BOONINVAIL 1994 HERBERT 1989 todo um estudo filosófico de um corpo particular começa com uma resolução em seus componentes primários O próximo passo é estudar as partes individuais em separado Hobbes então tenta descobrir como as partes se reúnem para formar o todo Em sua filosofia moral e política os passos de sua metodologia são fáceis de discernir Primeiro Hobbes resolve o corpo político em suas partes ie os seres humanos e a seguir resolve os seres humanos em suas partes ie apetites aversões e outros movimentos internos Após a resolução estar completa Hobbes começa sua composição do Estado explicando o comportamento dos indivíduos isolados Os indivíduos são então unidos no estado de natureza apolítico a fim de estudar como e por que eles se unem para formar um corpo político A descrição de Hobbes do estado de natureza não somente fundamenta sua filosofia política mas claramente indica suas concepções morais porque ela descreve os padrões morais se existe algum que existem em uma condição natural da espécie humana Uma das questões mais prementes na filosofia moral é se existem quaisquer padrões morais que se apliquem a todos os indivíduos sociedades e nações O conceito de estado de natureza quando usado como um experimento do pensamento filosófico fornece um excelente modelo para teorizar sobre padrões morais naturais Embora Hobbes apresente versões um tanto diferentes do estado de natureza em seus vários trabalhos sobre Filosofia Política as ideias centrais permanecem basicamente as mesmas Aqui o sumário do estado de natureza de Hobbes é baseado no Leviathan Um interessante projeto para sua própria interpretação seria comparar e contrastar as várias descrições dadas nos Elements of law no De cive e no Leviathan Moralidade no estado de natureza O estado de natureza de Hobbes é basicamente um deserto moral onde tudo vale Nesse estado diz Hobbes nada pode ser injusto uma vez que as noções de certo e errado justiça e injustiça não têm lugar aí L 13188 Em outras palavras não existem padrões naturais para julgar a moralidade de natureza devem contar com os outros para autodefesa Ao quebrar os pactos estamos correndo o risco de sermos banidos da sociedade para um estado de natureza onde indivíduos têm de se arranjar por si mesmos A resposta de Hobbes ao tolo é uma boa resposta Interpretação As leis de natureza de Hobbes são preceitos prudenciais ou obrigações morais Nesta seção vamos investigar se o estado de natureza de Hobbes é um genuíno deserto moral completamente vazio de padrões naturais de certo e errado Duas interpretações conflitantes das leis de natureza de Hobbes serão apresentadas A interpretação prudencial e a interpretação moral A interpretação prudencial afirma que as leis de natureza não são regras morais genuínas mas recomendações prudenciais que indicam meios racionais para os indivíduos se preservarem32 A interpretação moral ao contrário diz que as leis de natureza além de serem recomendações prudenciais são também regras morais que os seres humanos são obrigados a seguir33 Após examinar a evidência para ambas as interpretações você pode decidir por você mesmo qual interpretação é mais forte A interpretação prudencial das leis de natureza De acordo com a interpretação prudencial as leis de natureza recomendam certos tipos de comportamento que fundamentalmente promovem a autopreservação No Leviathan Hobbes define uma lei de natureza como um preceito ou regra geral encontrado pela razão pelo qual um homem é proibido de fazer aquilo que é destrutivo para sua vida ou tire dele os meios para viver L 14189 Para os adeptos da interpretação prudencial quando Hobbes diz que uma lei de natureza proíbe ou ordena certas ações como pode ser o caso isso não é para ser tomado em um sentido literal as leis de natureza não proíbem ações simplesmente porque elas são moralmente erradas nem ordenam certas ações porque elas são moralmente certas Em vez disso as leis de natureza ou proíbem certas ações porque tais ações ameaçam nossa preservação ou ordena certas ações porque tais ações promovem nossa autopreservação Em outras palavras se você quiser se preservar você seguirá as leis de natureza De acordo com essa interpretação as leis de natureza de Hobbes não são realmente leis morais Se eu estou motivado a fazer a coisa moralmente correta simplesmente porque é bom para mim alguém pode argumentar então eu não estou agindo com a motivação própria para a ação ser reconhecida como estando dentro do domínio da moralidade Imagine que eu doe dinheiro a uma instituição de caridade simplesmente para impressionar uma mulher pela qual eu estou romanticamente interessado Nesse caso eu não tenho inclinação ou desejo de fazer a coisa certa Em vez disso eu estou agindo sob puro autointeresse De acordo com muitos filósofos esse tipo de ação não é moral nem imoral Posso estar fazendo a coisa certa mas eu não a estou fazendo pela razão certa Resulta disso que as leis de natureza de Hobbes recomendam sim comportamento tradicionalmente moral Por exemplo as leis de natureza como vimos exigem que os indivíduos busquem a paz entre si sempre que possível que eles perseverem em seus acordos que eles expressem gratidão por benefícios recebidos e assim por diante Esses tipos de ações são tradicionalmente considerados morais Para a interpretação prudencial no entanto as leis de natureza de Hobbes prescrevem tal comportamento somente porque ele promove nossos próprios interesses não porque as ações sejam morais Em outras palavras de acordo com essa interpretação Hobbes acredita que você deveria se comportar moralmente porque você se beneficiará agindo assim não porque é a coisa certa a fazer A interpretação prudencial é apoiada pelo fato de Hobbes afirmar que os conceitos de certo e errado não se aplicam no estado de natureza ao menos antes do pacto político Antes do estabelecimento do governo e das leis civis ninguém é restringido em absoluto por quaisquer regras morais Embora as leis de natureza estejam em vigor diz a interpretação prudencial elas não deveriam ser consideradas leis genuínas 32 Para um exemplo dessa interpretação cf GAUTHIER 1969 33 Para um exemplo dessa interpretação cf WARRENDER 1957 106 107 nas É afirmado que Hobbes mais uma vez converte um conceito moralmente relevante em um conceito amoral Como vimos Hobbes remove as conotações morais de termos tais como igualdade liberdade e direito de natureza Uma lei de natureza tecnicamente falando não é realmente uma lei em absoluto especialmente uma lei moral De acordo com a definição de Hobbes uma lei de natureza é uma regra que ordena comportamento moral não porque ele é moral mais propriamente ela é uma regra descoberta pela reflexão racional que promove os autointeresses dos indivíduos A interpretação moral das leis de natureza A interpretação moral ao contrário da interpretação prudencial assevera que as leis de natureza de Hobbes não são somente preceitos prudenciais mas também leis que os seres humanos são moralmente obrigados a seguir Hobbes afirma que as leis de natureza podem ser vistas sob duas perspectivas Primeiro as leis de natureza são uma série de regras descobertas pela razão humana Nesse caso as leis de natureza não são moralmente obrigatórias em vez disso elas são preceitos prudenciais que fornecem um caminho racional para a autopreservação Segundo as leis de natureza são também os comandos de Deus revelados através do poder natural da razão e através da Sagrada Escritura Nesse caso as leis de natureza são moralmente obrigatórias e são propriamente chamadas leis De acordo com Hobbes quando ele diz que as leis de natureza ordenam ou proíbem ele fala frouxamente Tecnicamente falando somente alguém com a autoridade própria ordena ou proíbe ações humanas Deus diz Hobbes possui tal autoridade sobre os seres humanos Os ditames da razão os homens costumavam chamar pelo nome de leis mas impropriamente porque eles não são senão conclusões ou teoremas concernentes ao que conduz à conservação e defesa de si mesmos visto que lei propriamente é a palavra daquele que por direito tem comando sobre outros Mas se considerarmos os mesmos teoremas como entregues na Palavra de Deus que por direito comanda todas as coisas então elas são propriamente chamadas leis L 15216217 Em um sentido limitado então a interpretação moral aceita a asserção básica de interpretação prudencial que as leis de natureza são preceitos prudenciais Todavia a interpretação assevera adiante que as leis de natureza quando consideradas como palavra de Deus obrigam os seres humanos a realizar atos virtuosos Por que Hobbes acredita que Deus tem a autoridade de comandar os seres humanos será discutido no capítulo 6 que cobre suas concepções religiosas A interpretação moral encontra evidência na afirmação específica de Hobbes de que as leis de natureza são leis morais No De cive Hobbes levanta a questão de se a lei de natureza deveria ser identificada com a lei moral Todos os escritores concordam diz Hobbes que a lei natural é o mesmo que a moral Vamos ver se isso é verdadeiro Ci 3150 Para responder a essa questão ele lembra o ponto importante de que as pessoas têm diferentes concepções de bem e mal por causa de seus contrastantes apetites e aversões Enquanto as pessoas continuarem a discordar sobre concepções morais diz Hobbes elas estarão em um estado de conflito Todavia no estado de guerra cada um reconhece que a guerra é má e a paz é boa Eles estão portanto tanto tempo em estado de guerra que por razão da diversidade dos apetites presentes eles mensuram bem e mal por diversas medidas Todos os homens facilmente reconhecem que esse estado enquanto estão nele é mau e por consequência que a paz é boa Aqueles portanto que não poderiam acordar com relação a um bem presente acordam com relação a um bem futuro que na verdade é um trabalho da razão Ci 3150151 De acordo com a interpretação moral a noção de que existe um bem universal apoia a ideia de que existem padrões morais objetivos no estado de natureza Hobbes supostamente confirma isso quando ele afirma que a lei natural exige comportamento moral e deveria portanto ser identificada com a lei moral 108 109 Do fato de a razão declarar que a paz é boa seguese que os meios para a paz sejam bons também e portanto que a modéstia a equidade a confiança a humanidade a compaixão que demonstramos ser necessária à paz são modos ou hábitos bons ou seja virtudes A lei natural portanto nos meios para a paz ordena também boas maneiras ou a prática da virtude e portanto é chamada moral Ci 3151 Como lei moral a lei natural fornece um padrão universal que transcende todas as noções individuais e culturais de bem Essa interpretação é posteriormente apoiada quando Hobbes afirma que as leis de natureza são imutáveis e eternas o que elas proíbem nunca pode ser legal o que elas ordenam nunca pode ser ilegal Porque orgulho ingratidão rompimento de contratos ou dano desumanidade ofensa nunca serão legais nem as virtudes contrárias a essas serão jamais ilegais Ci 3149 De acordo com a interpretação moral Hobbes está afirmando que o comportamento virtuoso sempre será bom e o comportamento vicioso sempre será mau o que confirma que as leis de natureza de Hobbes são leis morais Primeiras passagens a considerar Comentários e questões à passagem 1 De acordo com Hobbes uma lei é um comando que os indivíduos são obrigados a seguir Leis no entanto têm de ser editadas por um legislador do contrário elas não serão leis genuínas Na passagem 1 Hobbes explica que as leis de natureza não são propriamente leis mas apenas qualidades que dispõem os homens à paz Essa passagem fornece apoio para a interpretação prudencial Por outro lado Hobbes diz que as leis de natureza levam as pessoas às virtudes morais tradicionais tais como equidade e gratidão Isso não fornece um apoio para a interpretação moral Que posição se alguma a seguinte passagem realmente apoia Passagem 1 Porque as leis de natureza que consistem em equidade justiça e gratidão e outras virtudes morais dessas dependentes na condição de mera natureza não são leis mas qualidades que me dispõem à paz e à obediência L 26314 Comentários e questões à passagem 2 Os que advogam as duas interpretações em consideração discordam sobre se o uso de Hobbes da terminologia moral em seu relato do estado de natureza é legítimo Obrigação como vimos é um termo como lei de natureza ou igualdade à medida que ele usualmente carrega conotações morais Na passagem 1 Hobbes afirma que as leis de natureza são sempre obrigatórias em nossa consciência mesmo que elas não sejam sempre obrigatórias no comportamento externo De acordo com a interpretação moral isso significa que indivíduos são moralmente obrigados não somente a pretender realizar ações virtuosas mas na verdade a realizar tais ações quando é seguro fazêlo Por exemplo Hobbes afirma que uma das leis de natureza ordena que eu tente estabelecer um estado de paz com meus inimigos Todavia em muitas situações meus inimigos que são guiados ou pela ganância ou por pobreza de pensamento podem não querer cooperar comigo Eles podem em outras palavras desejar permanecer em estado de guerra Em tais situações diz Hobbes estou obrigado a pretender a paz em minha consciência mas não estou obrigado a agir virtuosamente De acordo com a interpretação moral quando Hobbes diz que nós somos obrigados pelas leis de natureza ele significa que somos comandados a agir de alguns modos e proibidos de agir de outros As leis de natureza em outras palavras não sugerem ou recomendam simplesmente mas exigem A seguinte passagem implica que seria moralmente errado agir contra a lei de natureza Passagem 2 Mas porque muitos homens em razão de seu desejo perverso de lucro presente são muito incapazes de observar essas leis embora reconhecidas 110 111 por eles se talvez alguns mais humildes do que o resto devessem exercitar essa igualdade e utilida de que a razão dita aqueles que não praticassem o mesmo claramente não seguiriam a razão nem por meio disso procurariam por si próprios a paz mas uma destruição mais rápida e certa e os guardiões da lei se tornariam uma mera presa dos vio lados dela Não é portanto para ser imaginado que por natureza a saber pela razão os homens são obrigados ao exercício de todas essas leis naquele estado dos homens no qual elas não são pra ticadas por outros Nós somos obrigados contu do no intérim a uma presença de espírito para observálas sempre que sua observação deva pare cer conduzir ao fim para o qual elas foram ordena das Devemos portanto concluir que a lei de na tureza obriga sempre e em todo o lugar na corte interna ou aquela da consciência mas nem sem pre na corte externa mas então somente quando possa ser feito com segurança Ci 3149 Comentários e questões à passagem 3 Na passagem 3 Hobbes fornece uma definição de obliga ção alguém se torna obrigado ao transferir ou renunciar um direito a alguma coisa Se por exemplo eu renuncio meu di reito de pescar no rio a fim de estabelecer um estado de paz com meus inimigos eu me torno obrigado a não interferir quando eles forem pescar Interessantemente Hobbes afirma que os vínculos que me obrigam a esse acordo são os medos das consequências de quebrálo Portanto pareceria que a úni ca razão para eu não quebrar meu pacto é porque eu posso ser punido por agir assim Mas se eu sou obrigado a fazer alguma coisa somente porque estou com medo das consequências eu sou moralmente obrigado Isso muda sua interpretação da concepção de Hobbes sobre obrigação A realização de pactos cria realmente uma obrigação moral Passagem 3 E quando um homem de qualquer modo aban donou ou concedeu seu direito então ele é dito 112 obrigado ou constrangido a não impedir aque les aos quais tal direito é concedido ou abando nado do seu benefício e que ele deve e é seu de ver não tornar vazio aquele seu próprio ato vo luntário O modo pelo qual o homem tanto re nuncia como transfere esse direito é uma declara ção ou significação por algum signo ou sinais vo luntários e suficientes que ele faz para renunciar ou transferir E esses sinais são ou palavras so mente ou ações somente ou como geralmente ocorre tanto palavras como ações E os mesmos são vínculos pelos quais os homens são compeli dos e obrigados que recebem sua força não de sua própria natureza porque nada é mais facil mente quebrado do que a palavra de um homem mas do medo de alguma má consequência pela ruptura L 14191192 Comentários e questões à passagem 4 Como vimos a interpretação moral afirma que as leis de natureza são genuínas leis morais que os seres humanos são moralmente obrigados a seguir Como tais pareceria que é mo ralmente certo ou bom aderir às leis de natureza e moral mente errado ou mau as violar Na passagem seguinte Hob bes explica por que é bom seguir as leis e mau as violar Nesta explicação você acha que os termos bom e mau são usa dos em um genuíno sentido moral Passagem 4 Cada homem por paixão natural chama bom aquilo que o agrada pelo presente ou tão adiante quanto ele possa antever e de igual modo aquilo que o desagrada é chamado mau E portanto aquele que antevê o caminho inteiro para sua pre servação que é o fim a que cada um por natureza almeja deve também chamálo bom e o contrário mau E esse é aquele bom e mau ao qual nem todo homem por paixão mas todos os homens por razão chamam assim E portanto o cumpri mento de todas essas leis é bom de acordo com a razão e sua violação má El I1714 113 Investigação Existem leis morais no estado de natureza O conceito de estado de natureza fornece uma ferramenta excelente para investigar a natureza da moralidade En quanto é fundamentalmente usada para levantar questões po líticas sobre a origem e legitimidade do governo ela pode tam bém ser usada efetivamente para investigar questões morais Uma das mais urgentes questões na Filosofia Moral é se exis tem padrões morais objetivos que possam ser usados para acessar o status moral das ações motivos práticas ou institu ções Por exemplo a maioria das pessoas se apercebeu que a escravidão é um mal moral e como consequência que leis permitindo tal prática são injustas Para fazer a afirmação de que uma lei civil é injusta devemos ter uma concepção de jus tiça que transcenda tempos e lugares particulares Um método para investigar a existência de tais padrões morais é imaginar um estado sem corpos governando coação legal e sistemas ju diciais ie um estado de natureza e questionar se existem quaisquer regras ou leis naturais Como vimos Hobbes usa o estado de natureza como um método para investigar questões morais dentre outras coisas Hobbes não estava sozinho ao empregar a ferramenta conceitual do estado de natureza Em cada período principal da Filosofia um ou mais filósofos em pregaram o conceito de estado de natureza ou alguma coisa similar como um meio de investigação filosófica Nesta seção você será introduzido à descrição de John Locke de estado de natureza Locke foi um filósofo inglês que nasceu em 1632 Seus interesses filosóficos o conduziram a uma variedade de diferentes campos de investigação incluindo a Filosofia Políti ca O principal trabalho seu que interessa aos propósitos pre sentes é o Segundo tratado de governo no qual Locke apoia a doutrina de um governo limitado e defende o direito de revol ta contra a tirania Em comum com Hobbes Locke usa o esta do de natureza como um meio para argumentar a favor de suas ideias morais e políticas A seção a seguir foca nas ques tões morais em vez das políticas da descrição de Locke Você está encorajado a investigar por você mesmo se a posição de Locke ou de Hobbes é a mais convincente O estado de natureza de Locke Existem algumas similaridades entre as descrições de Loc ke e de Hobbes do estado de natureza Por ora vamos focar so mente em duas dessas Na primeira ambos os filósofos afir mam que os indivíduos no estado de natureza são livres e iguais Na segunda ambos afirmam que existe uma lei de natureza que governa os indivíduos no estado de natureza A despeito dessas similaridades porém existem importantes diferenças em suas descrições que revelam visões contrastantes de moralidade Tanto Hobbes como Locke afirmam que o estado de na tureza é um estado de liberdade e igualdade Indivíduos no es tado de natureza diz Locke estão em estado de perfeita liber dade para comandar suas ações e dispor de suas posses e pes soas como eles pensarem convir34 Além disso Locke diz que é também um estado de igualdade no qual todo o poder e ju risdição é recíproco ninguém tendo mais do que o outro35 O que Locke significa por liberdade e igualdade no entanto não é o mesmo que Hobbes Enquanto Hobbes afirma que os indi víduos são livres para realizar qualquer ação que acreditem fa vorecer sua autopreservação Locke afirma que existem limi tes morais para as ações humanas Embora esse seja um estado de liberdade diz Locke ainda não é um estado de licença embo ra um homem nesse estado tenha uma incontrolável liberdade de dispor de sua pessoa ou posses ele ainda não tem liberdade de destruir a si mesmo assim como qualquer criatura em sua posse exceto onde algum uso mais nobre do que sua mera preservação o requerira36 Para Locke a igualdade humana é a fundação para esses limites morais uma vez que nada mais evidente existe do que criaturas da mesma espécie e posição desordenadamente nascidas para as mesmas vantagens de na tureza e para o uso das mesmas faculdades deverem também ser iguais entre si sem subordinação ou sujeição37 Como vi 34 LOCKE 1980 p 8 35 Ibid 36 Ibid p 9 37 Ibid p 24 114 115 mos Hobbes acredita que igualdade é um termo descritivo que se refere à igual habilidade para matar outros Locke por outro lado sustenta que os indivíduos são iguais à medida que eles merecem um certo tipo de tratamento ou respeito Em outras palavras igualdade é um termo descritivo ie um termo que diz o que é o caso para Hobbes e um termo pres critivo ie um termo que diz o que deve ser o caso para Locke As diferenças entre as concepções morais de Locke e Hobbes são também vistas em suas concepções contrastantes sobre a lei de natureza Locke oferece duas razões para a exis tência de uma lei moral natural uma teológica e a outra não teológica Primeiro Locke afirma que a igualdade e a indepen dência humanas oferecem fundamentos para a existência de certos direitos naturais O estado de natureza tem uma lei de natureza para governálo que obriga cada um e a razão que é essa lei ensina à espécie humana que não vai senão consul tála que sendo todos iguais e independentes ninguém deve prejudicar o outro em sua vida saúde liberdade ou posses38 Segundo Locke afirma que somos criaturas de Deus e por essa razão não deveríamos usar outras pessoas simplesmente para nossos próprios propósitos Porque os homens sendo todos obra de um Criador onipotente e infinitamente sábio diz Locke são sua propriedade cuja obra eles são feitos para durar durante o seu prazer e não durante o de outro e sendo munidos com faculdades similares compartilhando todos uma comunidade de natureza não pode existir qualquer suposta subordinação entre nós que possa nos autorizar a destruir uns aos outros como se fôssemos feitos para o uso de outros39 Locke implica fortemente aqui que não deveríamos prejudi car ou subordinar outros no estado de natureza porque é mo ralmente errado dado que somos iguais e propriedade de Deus Embora Locke afirme que não deveríamos prejudicar outros no estado de natureza ele também diz que existem algumas circunstâncias nas quais é correto fazer isso a saber a fim de punir aqueles que violaram a lei de natureza Significantemen te no entanto existem limites à punição transgressores da lei natural podem ser punidos de acordo com e com tanta severi dade quanto for suficiente para fazer disso um mau negócio para o infrator dando a ele causa para se arrepender e levar outros a temerem fazer o mesmo40 Em sua descrição da lei de natureza portanto Locke fornece uma justificativa não egoís ta para a moralidade Para Locke em outras palavras a lei de natureza nos dá um padrão natural e objetivo de comporta mento moral ela diz às pessoas o que é certo ou errado por na tureza Reciprocamente Hobbes diz que a lei de natureza nos proíbe de prejudicar outros porque no fim das contas vamos nos prejudicar fazendo isso ao menos de acordo com uma in terpretação de Hobbes Relativismo moral e absolutismo moral A questão principal levantada aqui é se existem quaisquer padrões objetivos naturais que possam ser usados para acessar a moralidade das ações humanas A escravidão é objetivamente errada Ou é errada somente porque é aceita como errada Existe um sentido de justiça que transcende as leis dos Estados e nações individuais Ou a moralidade é criada por leis e acor dos humanos Para responder a essas questões você deve con siderar a condição de moralidade em um estado de natureza Em tal estado vale tudo Ou existem limites naturais ao com portamento humano Se por exemplo eu passo um dia no es tado de natureza pescando em um riacho seria moralmente erra do para outro homem roubar os peixes de mim com o fim de se preservar Para Locke o trabalho e esforço que coloquei nessa tarefa tornariam os peixes minha propriedade eu teria um di reito natural e exclusivo aos peixes Para Hobbes no entanto cada pessoa tem um direito natural a todas as coisas de modo que outras pessoas seriam igualmente aptas a reivindicar um di reito aos peixes De quem é a posição correta Por quê 38 Ibid 39 Ibid p 10 40 Ibid p 12 116 117 Conclusão Neste capítulo o sumário da filosofia moral de Hobbes revelou que ele sustenta as seguintes crenças sobre a moralidade 1 não existem padrões objetivos de moralidade no estado de natureza 2 o estado de natureza é um estado de guerra 3 as leis de natureza fornecem os meios para a paz e autopreservação 4 as leis de natureza proíbem o que é tradicionalmente considerado comportamento imoral Após o sumário foi apresentado um conflito interpretativo sobre as leis de natureza de Hobbes Como vimos parece haver evidência para duas interpretações incompatíveis das leis de natureza Primeiro as leis de natureza são preceitos prudenciais que revelam meios racionais para indivíduos preservaremse Segundo as leis de natureza são leis morais genuínas porque elas são comandadas por Deus A última seção do capítulo iniciou uma investigação sobre questões morais contrastando as respectivas concepções morais de Locke e Hobbes sobre o estado de natureza 5 A filosofia política de Hobbes A Filosofia Política levanta questões sobre a origem e legitimidade das instituições políticas e dos direitos e deveres tanto de cidadãos como de governantes Qual é a fonte última da autoridade política Quem deveria exercer o poder político Quais são os respectivos direitos e deveres dos cidadãos e líderes Quando a desobediência civil está justificada Qual é a origem do Estado Hobbes tenta responder a tais questões em seus trabalhos sobre Filosofia Política Para Hobbes a Filosofia Política não é simplesmente uma ocupação intelectual interessante ela também leva a importantes consequências práticas Como mencionado no capítulo 1 Hobbes foi testemunha de uma guerra civil que estava despedaçando seu país Vários líderes políticos e religiosos tiveram diferentes ideias sobre quem deveria possuir o poder político e como ele deveria ser usado Tais desacordos ideológicos não permaneceram confinados ao domínio das ideias mas criaram conflito no mundo real Hobbes acreditava que sua própria filosofia política se aceita ajudaria a produzir e manter um estado de paz De acordo com Hobbes os seres humanos poderiam escapar da guerra civil metaforicamente representada pelo estado de natureza somente aceitando um soberano com poder absoluto Neste capítulo você será introduzido aos elementos principais da filosofia política de Hobbes Como veremos Hobbes acredita que a transição do estado de natureza para um acordo político organizado ocorre quando os indivíduos fazem um pacto político entre si Embora um pacto político possa conduzir a qualquer uma dentre algumas formas de governo Hob 118 119 O BEM FINAL NA ÉTICA DE ARISTÓTELES W F R Hardie Aristóteles sustenta que toda pessoa tem ou deveria ter um fim único télos a ser almejado Tal doutrina está expressa em EN I 2 Se portanto há um fim naquilo que fazemos que é desejado por si mesmo sendo as outras coisas desejadas em vista disso e se não escolhemos tudo em vista de outra coisa pois nesse caso o processo se estenderia ao infinito de modo que nosso desejo seria vazio e vão claramente esse deve ser o bem e mais do que isso ser o bem soberano Logo conhecelo não haveria de ter uma grande influência na vida E assim como arqueiros que possuem um alvo em que mirar não haveria de ser mais provável que atingíssemos aquilo que é mais correto 1 1094a1824 Nessa passagem Aristóteles não prova nem é necessário que entendêssemos que estivesse buscando provar que existe um fim único que é desejado por si mesmo Ele assinala corretamente que caso haja objetos que são desejados mas não desejados por si mesmos deve haver algum objeto que seja desejado por si mesmo O trecho também sugere que se houvesse tal objeto que fosse único isso seria importante e útil para a conduta da vida A mesma doutrina encontrase expressa em EE I 2 Mas enquanto que na EN a ênfase recai sobre a ciência da política a arte de governar onde o bem humano é tido como fim único a EE menciona apenas o modo pelo qual o indivíduo planeja sua própria vida Toda pessoa que tem a possibilidade de viver de acordo com sua própria escolha proaíresis deve deterse nessas questões e estabelecer para si algum objeto como alvo do bem viver seja esse objeto a honra ou a fama ou a riqueza ou a cultura em vista do qual ele fará tudo o que faz uma vez que não organizar sua vida em função de algum fim é sinal de notável insensatez Acima de tudo devemos em primeiro lugar definir para nós mesmos sem qualquer pressa ou descuido em que parte de nós reside o bem viver e quais são as condições humanas de sua obtenção EE 1214b614 Aqui portanto nos é dito que a ausência de sabedoria prática se mostra na incapacidade da pessoa organizar e planejar sua vida para alcançar um fim único Aristóteles se furta de mencionar mas menciona em outros lugares que a ausência de sabedoria prática se mostra também na preferência da pessoa por um fim ruim ou inadequado como o prazer ou o dinheiro Somos informados pelo que é dito em EN VI 9 que a pessoa investida de sabedoria prática possui uma concepção verdadeira do fim que lhe é melhor bem como possui a capacidade de planejar a realização desse fim de maneira eficaz EN 1142b3133 Na prática até que ponto vão os seres humanos no planejamento de suas vidas em busca de um fim único como Aristóteles sugere que eles deveriam fazer Assim que formulamos a questão nos damos conta da existência de uma confusão na concepção aristotélica de fim único Pois a questão encobre uma confusão entre duas questões primeiramente quão longe vão os seres humanos no planejamento de suas vidas secundamente na medida em que planejam suas vidas quão central ou dominante é o papel que eles atribuem a um objeto único desejado o dinheiro ou a fama ou a ciência Para ambas essas questões a resposta mais óbvia e imediata é alguns o fazem outros não De início tomemos a segunda questão Apenas em casos muito excepcionais uma vida é organizada em função da satisfação de uma paixão prevalente Diante da demanda por exemplos poderíamos citar as ambições políticas de Disraeli ou a dedicação de Henry James à arte literária Mas a genialidade incomum não é incompatível com uma ampla gama de interesses Parece evidente que são raros aqueles que vivem suas vidas sob o jugo de um fim único Vamos refletir agora sobre a primeira questão Até que ponto vão os seres humanos no planejamento de suas vidas É claro que existe planejamento mesmo dentre aqueles que não possuem um desígnio único dominante É possível se ter um plano calcado em prioridades ou no balanço harmonioso entre certo número de objetos É até mesmo possível planejar não ter plano algum resolver nunca fechar portas antes do momento oportuno Hobbes observou que não existe um finis ultimus fim último nem um summum bonum sumo bem como costumava constar nos livros dos antigos filósofos morais A felicidade é um desenrolar contínuo do desejo de um objeto para outro não sendo a obtenção do primeiro objeto outra coisa senão etapa em direção ao segundo W F R Hardie 42 43 Leviatã Capítulo XI Mas mesmo tal progresso pode ser planejado embora o plano talvez não seja ajuizado Todo ser humano possui e sabe que possui um número de desejos independentes ie desejos que não dependem de outros desejos no sentido em que o desejo por um meio depende do desejo por um fim Toda pessoa é capaz de tempos em tempos de alertar a si mesma que caso ela opte por perseguir algum objeto particular com excessivo ardor poderá perder ou comprometer outros objetos que também lhe são caros Logo podese argumentar que toda pessoa capaz de reflexão que é uma capacidade humana universal é mesmo que ocasionalmente e veladamente alguém que planeja sua própria vida Podemos agora distinguir as duas concepções que se fundem ou se confundem na exposição de Aristóteles da doutrina do fim único Uma delas é a concepção do que poderia ser chamado de fim inclusivo Certa pessoa refletindo a respeito de seus múltiplos desejos e interesses percebe que alguns significam mais para ela do que outros que alguns são mais difíceis e custosos de se alcançar do que outros que a obtenção de um pode em diferentes medidas promover ou estorvar a obtenção de outros Através de tal reflexão a pessoa é aticada a planejar alcançar ao menos seus objetivos mais importantes da forma mais plena possível Dar curso a tal plano é grosso modo o que é usualmente chamado de procura pela felicidade O desejo pela felicidade entendida nesses termos é o desejo pela satisfação ordenada e harmoniosa de desejos Por vezes Aristóteles ao tratar do bem final parece estar tateando atrás da idéia de um fim inclusivo ou plano abrangente nesse sentido Assim em EN I 2 ele fala que os fins da ciência da política compreendem outros fins 1094b67 O propósito de uma ciência que é arquitetônica 1094a2627 cf EN VI 8 1141b2426 é um propósito de segunda ordem Novamente em EN I 7 ele diz que a felicidade deve ser a coisa mais desejável de todas as outras sem contar como uma coisa desejável entre outras pois caso assim fosse ela poderia tornarse ainda mais desejável até mesmo pela adição do menor dos bens 1097b1620 Tais considerações deveriam levar Aristóteles a definir a felicidade como um fim de segunda ordem como a realização completa e harmoniosa de fins de primeira ordem Isso é o que ele deveria ter dito Não é o que disse Seu ponto de vista explícito em oposição aos seus momentos ocasionais de perspicácia faz do fim supremo não algo inclusivo mas algo dominante objeto de um desejo excelso a filosofia É assim até mesmo quando como em EN I 7 ele tem em mente que prima facie não há apenas um fim último singular se há mais de um o mais final será o que buscamos 1097a30 O equívoco e o embaraço de Aristóteles ficam implícitos na formulação que encontramos em EE I 2 da questão sobre em que parte de nós reside o bem viver EE 1214b1213 Porque colocar a questão nesses termos implica descartar a resposta mais óbvia e acertada a melhor vida para certa pessoa não pode residir na conquista de apenas um de seus objetos ao custo da perda de todos os outros Esse seria um preço alto demais a se pagar até mesmo para a filosofia A ambiguidade que acabamos de encontrar na concepção aristotélica de bem final transparece também em seu esforço de usar a noção de uma função έργον peculiar ao ser humano enquanto chave para a definição da felicidade Não se deve insistir nem salvaguardar a noção de função uma vez que o ser humano não atende a um propósito A noção de que Aristóteles lança mão de fato é a da natureza específica do ser humano as características que o distinguem primordialmente dos outros seres vivos Essa noção pode ser interpretada de modo amplo que corresponde ao fim inclusivo ou de modo restrito que corresponde ao fim dominante Em EN I 7 buscando aquilo que é próprio ao ser humano 1097b3334 Aristóteles rejeita em primeiro lugar a vida que consiste no nutrir e no crescer e em segundo lugar a vida pautada pela sensação que é comum ao cavalo ao boi e a todo animal 1098a23 O que resta é certo tipo de vida ativa do elemento que possui um princípio racional 1098a34 Não é necessário que essa expressão seja compreendida apontam os comentadores como excluindo a atividade teórica A palavra ação pode ser utilizada de modo amplo como o é em Politica VII 3 1325b1623 de modo a incluir a reflexão contemplativa Mas o que a passagem assinala como função própria do ser humano é claramente mais abrangente que a atividade teórica e inclui atividades que exibem inteligência prática e virtude moral Mas a concepção mais restrita é sugerida por outra frase usada no mesmo capítulo o bem humano é a atividade da alma de acordo com a virtude e se a virtude for múltipla de acordo com a melhor e mais perfeita 1098a1618 A virtude mais perfeita deve ser a sabedoria teórica embora nada disso fique esclarecido em EN I 45 A doutrina segundo a qual o ser humano só é verdadeiramente feliz por meio da atividade teórica é expressa em X 7 e 8 A razão teórica elemento divino do ser humano é aquilo que mais do que qualquer outra coisa é o homem 1177b2728 1178a67 Seria de se estranhar então se alguém não escolhesse seu próprio modo de viver mas o de algo outro E o que já foi dito anteriormente se aplica aqui aquilo que é próprio de cada coisa é por natureza o melhor e o mais prazeroso a cada coisa 1178a36 O ser humano é verdadeiramente humano quando ele é mais que humano fazendose simile a um deus Dentre os outros animais nenhum é feliz dado que nenhum comunga da contemplação 1178b2728 Essa declaração exibe o equívoco na concepção do fim como dominante ao invés de inclusivo É sem dúvida verdadeiro que o ser humano é o único animal dotado de intelecto Mas a capacidade de alguns homens para a atividade intelectual é muito limitada E a atividade intelectual não é a única atividade em respeito à qual o ser humano pode ser dito racional como nenhum outro animal o é Não há um fio lógico que nos conduz da constatação de que a felicidade está localizada em um modo de vida que é específico e comum aos homens à visão restrita do bem final enquanto fim dominante O que é comum e peculiar aos homens é a racionalidade tomada em sentido geral não o discernimento teórico que é uma forma específica da racionalidade Um ser humano se distingue primordialmente dos animais não por possuir dotes metafísicos naturais mas sim pela sua capacidade de planejar sua vida de maneira consciente na busca por um fim inclusivo A confusão entre um fim que é final por ser inclusivo e um fim que é final por ser supremo ou dominante é responsável por grande parte daquilo que os críticos acertadamente apontam como pouco satisfatório na formulação de Aristóteles do raciocínio que culmina em decisões práticas Essa confusão está relacionada ao seu fracasso em tornar explícito o fato de que o raciocínio prático não é sempre nem exclusivamente um processo de encontrar meios para fins O raciocinar é igualmente necessário para a configuração de um fim inclusivo Mas como vimos Aristóteles fracassa em tornar explícito o conceito de fim inclusivo Essa inadequação não apenas torna confusas suas declarações em EN I 1 e 2 quanto à relação entre a política e as artes subordinadas a ela como também desemboca numa formulação incompleta da deliberação Eu expus a doutrina de Aristóteles como primordialmente uma doutrina da busca individual pelo bem para si pelo bemestar pessoal ευδαιμονία Mas algo precisa ser dito nesse momento a respeito da relação entre o fim do indivíduo e o fim superior e mais perfeito do Estado Pode ser valioso alcançar o fim meramente em nome de uma única pessoa mas é melhor e mais divino alcançálo em nome de uma nação ou de uma cidade EN I 2 1094b710 Isso não implica nada além do que está dito se é bom que João seja feliz é ainda melhor que Pedro e Paulo também o sejam O que torna inevitável que o planejamento para a realização do bem do ser humano seja por meio da política é o simples fato de que pessoas necessitam e desejam estar em comunhão social com outras Isso fica claro em EN I 7 onde Aristóteles escreve que o bem final deve ser suficiente por si mesmo Não utilizamos o termo autosuficiente em relação ao indivíduo isolado que vive uma vida solitária mas também em relação aos pais filhos esposas e para os amigos e concidadãos uma vez que o ser humano nasceu para a cidadania 1097b711 Que o fim individual é um fim de primeira ordem isto é que o Estado existe em função de seus cidadãos é dito em EN VI 8 um dos livros comuns a ambos os tratados A pessoa que conhece e cuida de seus próprios interesses é dita dotada de sabedoria prática enquanto políticos são uns enxeridos No entanto o bem individual talvez não possa existir sem a administração da família tampouco sem alguma forma de governo EN VI 9 1142a110 A família e o Estado bem como outras formas de sociabilidade são necessários para a realização completa da capacidade humana de viver bem O político visa em termos gerais à máxima felicidade do maior número Ele efetiva sua própria felicidade através da realização da felicidade alheia EN X 7 1177b14 especialmente caso Aristóteles esteja certo através da realização da felicidade daqueles capazes da atividade contemplativa Falando em termos do fim como dominante Aristóteles estabelece um limite à autoridade da sabedoria política em EN VI 13 donde a sabedoria política não tem autoridade sobre a sabedoria filosófica isto é sobre aquilo que há de melhor em nós assim como a arte da medicina não tem autoridade sobre a saúde pois não se serve dela mas providencia seu vir a ser emite prescrições em nome dela mas não para ela 1145a69 Essa sugestão de que a ciência e a filosofia estão imunes em princípio à influência política não é aceitável O político promove a ciência mas também faz uso dela e talvez se veja forçado a restringir os recursos que fluem para ela Se o fim de segunda ordem e inclusivo é a integração completa e harmoniosa de fins de primeira ordem nenhum fim de primeira ordem pode ser intocável Mas mesmo que Aristóteles houvesse sustentado de modo consistente a posição extravagante de que a atividade contemplativa é desejada unicamente por si mesma e constitui o fim único desejado por si mesmo mesmo assim ele não estaria correto em concluir que não poderia haver ocasião para a regulamentação política das pesquisas contemplativas Afinal o esforço irrestrito em busca da filosofia pode atravarancar as medidas necessárias para construir um ambiente no qual a filosofia possa prosperar Pode ser necessário mandar um astrônomo abandonar seu observatório ou mandar um filósofo abandonar seu ateneu para que eles possam desempenhar seus papéis respectivos no Estado Similarmente o indivíduo que planeja sua vida de modo a encontrar o maior espaço possível para acomodar uma atividade única e desejada acima de todas as outras precisa estar preparado para restringir não apenas desejos em franco conflito com sua paixão prevalente como também a própria paixão prevalente quando esta se manifesta de modo a frustrar seu próprio objeto Em EN I 1 e 2 Aristóteles expõe a doutrina de que a arte de governar tem o primado sobre as artes e ciências que lhe são subordinadas Uma arte A está subordinada a uma outra arte B quando há uma relação meiosfim entre A e B Por exemplo se A é uma arte de produção tal qual a arte de fazer rédeas seu produto pode ser utilizado por uma arte que lhe é superior a equitação A equitação não é uma arte de produção mas está contida na arte do comando militar na medida em que comandantes manejam a cavalaria por sua vez a arte do comando militar está contida na arte do governante que é a arte em mais alto grau arquitetônico 1094a27 cf VI 8 1141b2325 Assim a pessoa dotada de sabedoria prática o político ou o legislador é comparado por Aristóteles a um supervisor ou fiscalizador responsável por gerenciar artífices e trabalhadores dos mais variados tipos todos unidos no esforço de erguer um observatório que possibilite o indivíduo dotado de saber contemplativo admirar o firmamento estrelado Na Magna Moralia a função do saber prático é dita semelhante a do intendente cuja tarefa é a de organizar as coisas caras a seu amo para que esse possa atender à sua vocação solene Magna Moralia A 34 1198b1217 Talvez o paralelo mais próximo à função do político conforme concebida por Aristóteles seja a das entidades de fomento de uma faculdade como Oxford ou Cambridge Essa formulação da arte política como almejando o exercício do saber contemplativo por aqueles capacitados para tanto é a expressão radical da concepção do fim como dominante e não inclusivo Essa formulação nesses moldes é uma simplificação grosseira dos fatos Quando ele fala de uma arte subalterna que é buscada em nome de uma arte superior ou arquitetônica 1094a1516 Aristóteles deveria explicitar que uma arte subalterna além de servir outros objetos pode ser buscada por si mesma A arte da equitação por exemplo tem usos nãomilitares e pode ser uma fonte de diversão E duas artes ou dois tipos de atividade podem ser subordinadas no sentido de Aristóteles uma à outra cavaleiros usam rédeas e fabricantes de rédeas podem ir para a oficina à cavalo o engenheiro utiliza recursos desenvolvidos pelo matemático mas também promove as condições necessárias prosperidade e economia de tempo para que uma ciência pura possa se aperfeiçoar Aristóteles não deixa de notar que um objeto pode ser desejado tanto independentemente por si mesmo quanto dependentemente de seus efeitos EN I 6 1097a3034 Ele também estava ciente de que a atividade contemplativa não é a única atividade que é desejada de modo independente Mas é evidente que pensava que uma atividade que nunca era desejada a não ser por si mesma seria intrinsecamente desejável num grau superior a uma atividade que além de ser desejável por si mesma fosse também útil Ser útil está aquém por assim dizer da dignidade das atividades mais divinas Com isso e por outras vias Aristóteles é levado a cunhar uma formulação restrita e exclusiva do bem final e a conceber o fim supremo como dominante e não inclusivo Aristóteles descreve a deliberação o raciocínio do ser humano sábio como um processo que começa pela concepção de um fim e retrocede numa direção que inverte a ordem causal até a identificação dos meios Pessoas não deliberam com relação a meios afirma ele o fim é posto e consideramse os meios pelos quais pode ser alcançado e se parece poder ser produzido por diversos meios consideramse aqueles que facilitam e melhor viabilizam sua produção por outro lado se for alcançável através de um único meio consi derase como poderá ser alcançado por tal meio e como alcançar esse meio até chegar à causa primeira que é a última na ordem da descoberta EN III 3 1112b1520 Tal investigação é comparada ao método da descoberta através da análise da solução para um problema geométrico Mais uma vez em VI 2 dizse que a sabedoria prática está na identificação dos meios que conduzem a um bom fim Pois os silogismos que dizem respeito a ações são construções que contêm pontos de partida do tipo dado que o fim ie o que é melhor é de tal ou qual natureza então 1144a3133 Essa é a caracterização aristotélica oficial a respeito da deliberação Mas novamente aqui como já ocorrera em sua caracterização a respeito da relação entre a ciência da política e suas ciências subordinadas uma doutrina excessivamente restrita e rígida é corrigida alhures de alguma maneira e de modo não explícito pelo reconhecimento de fatos que não batem com o padrão prescrito O professor HWB Joseph no livro Essays in Ancient and Modern Philosophy2 apontou que o processo decisório envolvendo a escolha de diferentes meios possíveis pelo critério daquele que facilita e melhor viabiliza a produção do fim depende de um gênero de deliberação que não é comparável à tarefa do geômetra pp 180181 E acrescenta Aristóteles parece não terse dado conta disso O que a passagem sugere é que o agente talvez tenha que considerar a bondade ou a maldade inerente aos meios propostos bem como sua eficiência na promoção de um fim bom Uma admissão menos passageira de que há mais coisas envolvidas na deliberação do que a identificação de meios transparece na formulação de Aristóteles a respeito das ações mistas em EN III 1 Lá Aristóteles reconhece que se os meios forem desonrosos o fim talvez não seja importante o suficiente para justificálos É uma marca do indivíduo inferior aceitar as maiores indignidades por um fim que não é nobre ou de pouco valor 1110a2223 Por vezes é difícil determinar o que deve ser escolhido e a que custo e o que pode ser aceito em nome de qual proveito 1110a2930 A decisão de Alcmeon de assassinar a própria mãe seguindo as instruções do pai de forma a evitar a própria morte é oferecida como exemplo de um equívoco patente na resposta a uma pergunta desse tipo Tal tipo de deliberação claramente não é a descoberta regressiva ou analítica de meios dirigidos a um fim preconcebido É antes a determinação de um padrão ideal de conduta um sistema de prioridades do qual o agente não pretende se afastar Foi isso que descrevemos atrás como a configuração de um fim inclusivo É um gênero de raciocínio prático que Aristóteles não pode ter considerado ao asserir em EN III 3 que deliberamos com relação não a fins mas com relação a meios 1112b1112 Argumentei que a doutrina de Aristóteles do bem final humano está viciada por esse bem ter sido concebido como dominante e não inclusivo e esse equívoco está na base de sua caracterização demasiadamente estreita do raciocínio prático enquanto uma busca por meios Agora afirmar que o bem final é inclusivo não é o mesmo que recusarse a reconhecer que existem nele certos fins dominantes que correspondem aos interesses primordiais da natureza humana desenvolvida Um desses interesses primordiais é o interesse pela ciência contemplativa Segundo Aristóteles ela compreende três ramos a teologia ou filosofia primeira a matemática e a física Metafísica E 1 1026a1819 cf EN VI 8 1142a1618 Sua reflexão na Ética a respeito da contemplação baseada na doutrina da razão enquanto elemento divino ou símile ao divino EN X 7 1177a1317 8 1178b2023 exalta apenas o primeiro desses ramos a teologia e faz apenas menção passageira aos outros Alhures em De Partibus Animalium I 5 ele admite que a Física possui atrativos próprios que compensam o estatuto relativamente baixo de seus objetos de estudo As concepções imprecisas que podemos almejar dos fenômenos celestes nos preenchem em virtude da excelência de seu objeto de mais prazer do que todo o conhecimento do mundo no qual vivemos assim como o breve vislumbre de pessoas amadas é mais deleitoso do que a apreciação demorada de todas as outras coisas que nos cercam pouco importando seu número e dimensão Por outro viés o caráter perfeito e certo de nosso conhecimento das coisas terrenas tem ascendência Ainda mais sua proximidade e afinidade com as nossas preocupações compensa em certa medida a imponência das coisas celestinas que são objeto da filosofia excelsa De Partibus Animalium 644b31645a4 Não há espaço nestas páginas para discutir as doutrinas teológicas que levaram Aristóteles a posicionar a filosofia excelsa no cume da felici dade humana Mas há um aspecto de sua formulação da vida contemplativa que guarda uma conexão imediata com meu tópico principal Ele declara em EN VII 14 que não há somente atividade que consiste em movimento mas também atividade que consiste na imobilidade e o prazer reside antes no repouso do que no movimento 1154b2628 Essa doutrina de que não há movimento na contemplação teórica bem como a constatação de que a imobilidade é parte de sua excelência é determinada primordialmente pela concepção aristotélica da natureza divina Dentre os mais recentes comentadores da EN Gauthier e Jolif escrevem justificadamente que Aristóteles aqui exclui da vida contemplativa a descoberta Poderíamos mesmo dizer que o ideal para o homem contemplativo aristotélico e esse ideal o Deus de Aristóteles realiza é de nunca estudar e nunca descobrir pp 855856 Em EN X 7 aprendemos que a filosofia oferece prazeres maravilhosos em virtude da pureza e da permanência desses e que é razoável supor que aqueles que conhecem desfrutarão de seu tempo mais prazerosamente do que aqueles que investigam 1177a2527 Não há nada de razoável nisso É um paradoxo surpreendente Passarei agora a sugerir que a facilidade com a qual Aristóteles abraça esse paradoxo assim como sua confusão entre fim dominante e fim inclusivo decorre ao menos em parte de seu fracasso em fornecer uma análise explícita ou adequada dos conceitos de fins e meios Aristóteles afirma em EN I que um fim pode ou bem ser uma atividade ou o produto de uma atividade Mas parece evidente que haja uma diferença entre os fins alguns são atividades outros são produtos para além das atividades que os produziram e quando existem fins para além das ações é da natureza dos produtos serem melhores que as atividades 1094a36 O que é sugerido aqui é quando uma atividade conduz a um resultado desejado como a medicina produz a saúde ou a construção naval produz a embarcação ou a investigação produz conhecimento a atividade que busca o fim não é em si desejada Como ele afirma erroneamente na Metafísica das ações que visam a um fim nenhuma é um fim em si Θ 6 1048b1b Mas uma atividade que almeja a produção de um resultado pode ser objeto de aversão de indiferença ou de um desejo positivo que pode ser maior ou menor do que o desejo pelo seu produto É mister distinguirmos o fim no sentido de um resultado tencionado ou planejado e fim no sentido de um resultado ou resultado esperado que além de ser tencionado e planejado é também desejado por si mesmo ao passo que o processo de alcançálo não o é É verdade que viajar pode carregar poucos atrativos mas também pode ser mais atraente que a chegada Um profissional do golfe joga para vencer Mas se derrotado não pensa que perdeu o dia não sente que seus esforços foram em vão como se sentiria caso seu único objetivo fosse ganhar o prêmio humilhar o oponente ou simplesmente vencer Fazer palavrascruzadas talvez seja uma senhora perda de tempo mas não por ser raro conseguir completar um jogo Seria uma perda de tempo ainda maior caso nunca tivéssemos dificuldades em tentar completálos Em poucas palavras o fato de alguma atividade progredir gradualmente em direção a seu resultado planejado deixa aberta a questão de saber se é o processo ou o resultado que é desejado e quando os dois qual o é prioritariamente Caso Aristóteles houvesse percebido e lidado com esse problema ele teria maiores dificuldades em sugerir que os prazeres do processo de descoberta não constituem um elemento essencial da ciência enquanto foco de grande interesse humano A Filosofia seria muito menos atraente do que é caso apenas os resultados importassem A perfeição de Deus requer que seu pensar seja nãoprogressivo Mas o ser humano que está aquém da perfeita simplicidade precisa para ser feliz dos prazeres de buscar soluções aos problemas de aprender algo de novo de surpreenderse Para essas pessoas a boa vida as conduz nas palavras de Meredith através dos amplos cômodos do espanto até o arrebatamento que pulsa em torno de um fim que logo recua3 Vimos que a doutrina aristotélica do bem final humano demanda ser clarificada por meio da distinção entre um fim que é inclusivo um plano de vida e um fim que é dominante como a satisfação de uma ânsia contemplativa pode ser dominante na vida de um filósofo Nenhum ser humano tem apenas um único interesse Logo um fim que deve funcionar como um alvo como 3 WFR Hardie cita o escritor inglês George Meredith 18281909 Os versos foram extraídos do poema A Hymn to Colour VII vv34 O poema foi originalmente publicado na coletânea A Reading of Earth de 1888 Os versos no original são os seguintes Through widening chambers of surprise to where Throbs rapture near an end that aye recedes Nota do Tradutor 52 Sobre a Ética Nicomaqueia de Aristóteles W F R Hardie 53 critério para decidir o que fazer e como viver deve ser inclusivo Mas alguns homens possuem paixões prevalentes Logo alguns fins inclusivos vão incluir um fim dominante Vou agora tentar sondar mais detidamente essas noções aristotélicas e tentar avaliar o valor e a relevância delas para a filosofia moral É uma boa ideia enfrentarmos logo de cara uma crítica bastante comum e natural a Aristóteles a crítica de que seu homem virtuoso não é uma figura moral mas um egoísta calculador cujo princípio operacional não é o dever mas a prudência aquilo que o Bispo Butler chamou de cool selflove gélido amorpróprio Aristóteles caminha em boa companhia em sustentar que é a racionalidade que faz um ser humano idealmente bom Mas seu ponto de vista admite descontadas as instâncias incidentais de perspicácia apenas a racionalidade do autointeresse prudente não a racionalidade do princípio moral Por causa disso o professor D J Allan nos diz nas páginas de seu The Philosophy of Aristotle4 que Aristóteles confere mínguo se algum valor à motivação da obrigação moral e que o autointeresse de tipo mais ou menos esclarecido é tomado como razão de ser de toda conduta e escolha p189 Similarmente o saudoso professor Field um crítico ponderado e simpático a Aristóteles observou que embora a moralidade seja essencialmente altruísta o conceito de aristotélico de fim último ou bem final converte a moralidade em algo no final das contas egoísta Moral Theory pp 109 1115 Quando um indivíduo é descrito como egoísta isso significa em primeiro lugar que ele é levado a agir com mais frequência e afinco que a maior parte dos seres humanos por desejos egoístas A palavra egoísta é também aplicada a uma disposição de planejar a própria vida de tal modo que se tenha mais espaço do que o usual ou apropriado para a gratificação de desejos egoístas Mas o que faz um desejo ser egoísta O professor Broad em seu ensaio intitulado O Egoísmo enquanto teoria da motivação humana6 elabora uma importante distinção entre duas espécies de desejos egodirecionados Em primeiro lugar existem desejos que estão arraigados no indivíduo e que ele teria mesmo que estivesse sozinho no mundo eg desejos por certas vivências o desejo por preservar a própria vida o desejo de respeitar a si mesmo Em segundo lugar existem desejos egodirecionados que pressupõem que o indivíduo não esteja só no mundo eg o desejo por adquirir propriedade o desejo por se afirmar e se exibir o desejo de inspirar afeto O professor Broad não deixa de adicionar que desejos que são alterdirecionados podem ser egoreferentes eg o desejo pelo bemestar da nossa própria família dos amigos da escola da universidade do clube da nação Uma pessoa pode talvez ser chamada de egoísta caso suas motivações alterdirecionadas fossem conspicuamente e exclusivamente egoreferentes isto é caso não demonstrasse qualquer interesse pelo bem estar de quem quer que fosse que não fizesse parte de seu círculo pessoal Mas usualmente egoísmo referese à proeminência de motivações egodirecionadas e diferentes formas de egoísmo correspondem a diferentes desejos egodirecionados A palavra sendo pejorativa costuma ser prontamente atribuída ao menos respeitável dos desejos egodirecionados Desse modo uma pessoa particularmente devotada à realização de seus próprios prazeres poderia ser chamada egoísta mesmo que suas motivações alterdirecionadas não fossem conspicuamente débeis Um indivíduo cuja paixão prevalente fosse a ciência ou a música não seria costumeiramente chamado de egoísta a não ser que o termo servisse para destacar uma repreensível ausência ou incapacidade dele em desenvolver motivações alterdirecionadas revelada em sua negligência frente à sua família ou discípulos A classificação dos desejos que tomei de empréstimo de Broad pressupõe que a natureza deles é adequadamente representada pelo que ordinariamente pensamos e falamos a respeito deles Prima facie alguns dos nossos desejos são egodirecionados e dentre os que são alterdirecionados alguns são egoreferentes outros não Mas existiram filósofos que questionaram ou negaram a realidade dessas diferenças aparentes Uma doutrina o egoísmo psicológico afirma em sua formulação mais aguda que os únicos objetos 4 DJAllan The Philosophy of Aristotle Reino Unido Oxford University Press 1952 Existe tradução portuguesa desse livro Allan DJ A Filosofia de Aristóteles Tradução de Rui Gonçalo Amado Lisboa Editorial Presença 1983 Nota do Tradutor 5 GCField Moral Theory An Introduction to Ethics Nova York EPDutton Co 1921 Nota do Tradutor 6 Egoism as a theory of human motives Publicado na coletânea CD Broad Ethics and the History of Philosophy Selected Essays Nova York The Humanities Press Londres Routledge Kegan Paul 1952 Nota do Tradutor 54 Sobre a Ética Nicomaqueia de Aristóteles W F R Hardie 55 possíveis dos desejos independentes de primeira ordem de um indivíduo são experiências estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazeres sentimentos de deleite Essa doutrina foi expressa pelas seguintes palavras do falecido professor Prichard A experiência do deleite de algo que apreciamos eg o deleite de observar uma formosa paisagem está ligada à coisa que apreciamos não enquanto uma qualidade mas sim enquanto um efeito sendo algo que é despertado por aquilo que apreciamos desse modo quando se diz que desejamos o deleite por si mesmo o mais correto seria dizer que desejamos a experiência eg a visão da formosa paisagem em nome do sentimento de deleite que acreditamos que ela vai despertar É esse sentimento o que realmente desejamos por si mesmo Moral Obligation p1167 Com certeza a maioria de nós diria que podemos desejar por si mesmo a visão de uma formosa paisagem sem detectar como elemento distinto um sentimento de deleite Teria sido Aristóteles um egoísta psicológico ou um hedonista psicológico Uma resposta clara só seria possível caso Aristóteles houvesse formulado explicitamente essas doutrinas da maneira como eu as defini Entendo que ele não fez isso nem mesmo em sua longa mas nem sempre lúcida formulação da questão da amizade e do amorpróprio em EN IX Tendo dito isso ele não poderia ser classificado como um egoísta psicológico em virtude do que escreve a respeito dos desejos de primeira ordem Quando Aristóteles enfrenta a evidência do altruísmo ele não recua em aceitar desejos benevolência estados mentais imediatos de sua consciência Assim meu desejo de ser querido é na realidade um desejo de saber que sou querido meu desejo de garantir que meus filhos sejam felizes após minha morte é na verdade um desejo por minha expectativa presente de que eles serão felizes A crítica mais óbvia a essa doutrina é a de que ela é grotesca e invalida a si mesma eu preciso em primeiro lugar desejar ser querido e desejar a felicidade dos meus filhos para considerar gratificante o devaneio de que sou querido ou de que meus filhos serão felizes Um escrutínio introspectivo bastará para confirmar a validade dessa dialética para a grande maioria dentre nós Logo podemos descartar o egoísmo psicológico A fortiori podemos descartar também o hedonismo psicológico que afirma que as únicas experiências que podem ser desejadas independentemente são os prazres sentimentos de deleite7 Que são EN VIII 2 1155b31 3 1156b910 7 1159a812 Por outro lado ele demonstra sensibilidade ao detectar elementos egoreferentes na benevolência Assim ele compara os sentimentos dos benfeitores aos beneficiados com aqueles dos pais com relação aos filhos ou do artista com relação à sua criação pois aquilo que tratam benevolamente é criação sua portanto amamna mais do que a coisa criada ama seu criador EN IX 7 1167b311168a5 A formulação de Aristóteles que mais se aproxima do hedonismo psicológico encontrase talvez na seguinte passagem de EN II 3 três são os objetos de escolha e três os de repulsa aquilo que é nobre aquilo que é vantajoso aquilo que apraz e seus contrários aquilo que é vil aquilo que é danoso aquilo que é doloroso Quanto a esses objetos a pessoa boa tende a julgar corretamente a pessoa má incorretamente especialmente no que concerne ao prazer pois esse é compartilhado pela totalidade do reino animal e está presente em todo objeto de escolha pois até mesmo aquilo que é nobre e aquilo que é vantajoso afigurase como algo que apraz 1104b301105a1 Mas existem passagens em sua discussão a respeito do prazer na EN X que revelam que mesmo que ele houvesse aceitado o egoísmo psicológico não teria aceitado o hedonismo psicológico E existem muitas coisas que nos seriam importantes mesmo que não produzissem prazer algum eg a visão a recordação o conhecimento a posse das virtudes Caso seja verdade que o prazer as acompanha isso é irrelevante as escolheríamos mesmo na ausência do prazer 1174a48 Isso soa como um repúdio direto da doutrina expressa no trecho de Prichard que citei Em EN X 4 Aristóteles pergunta sem esboçar uma resposta se escolhemos uma atividade em função do prazer por ela gerado ou viceversa 1175a1821 A resposta demandada por sua doutrina certamente é a de que nenhum dos pólos da alternativa pode ser aceito já que tanto a atividade quanto o prazer por ela gerado são desejáveis por si mesmos Mas permanece aberta a questão de saber se quando descrevemos uma situação ou atividade tal qual a visão de uma formosa paisagem como algo que apraz estamos nos referindo a um sentimento distinto da situação ou da atividade por si mesmas A acusação que se faz contra Aristóteles de que sua moral é uma moral baseada no autointeresse é dirigida primordialmente contra sua doutrina do bem final a doutrina que interpretei como resultante de um turva 56 Sobre a Ética Nicomaqueia de Aristóteles W F R Hardie 57 mento entre as noções distintas de fim inclusivo e fim dominante Mas o acusador também pode querer sugerir que Aristóteles exagera o papel dos desejos egodirecionados na determinação da conduta humana Contra isso a primeira resposta bem que poderia ser que não é fácil exagerar seu papel O termo egodirecionado se aplica como vimos a uma plethora de motivações e existe um fator egoreferente até mesmo na mais potente das motivações alterdirecionadas um altruísmo puro que não contenha qualquer elemento egodirecionado ou egoreferente é uma raridade Os fatos parecem atestar a asserção de que o ser humano é um animal interesseiro Mas podese contestar a acusação de frente Aristóteles não ignora motivações alterdirecionadas Nesse registro por exemplo embora ele realce que o filósofo diferentemente daqueles que exercitam a virtude prática não necessita de outras pessoas frente a quem e junto a quem ele vai agir ele admite que os prazeres da filosofia intensificamse através do interesse no trabalho dos colegas Talvez ele se encontrasse em condições melhores se tivesse colaboradores mesmo assim continua a estar no grau máximo de autosuficiência EN X 7 1177a27b1 Quando na EE Aristóteles fala da filosofia como a atividade a serviço do divino ele parece sugerir que o amor à sabedoria não é regido apenas pelos estados conscientes próprios do portador desse amor EE VIII 3 1249b20 E ainda na EN IX 8 ele pode atribuir ao acometido por amorpróprio condutas que são no mais alto grau altruísticas e abnegatórias A razão escolhe sempre aquilo que é melhor para si e o homem de bem obedece à razão É também verdadeiro que o homem de bem pratica muitos atos por seus amigos e sua nação e caso seja necessário morrerá por eles pois ele está preparado para sacrificar riquezas e honrarias e em geral todos os bens que são objetos de rivalidade adquirindo para si a nobreza τò καλόν pois prefere um breve período de intenso prazer a uma longa temporada de magro deleite doze meses de nobre viver a muitos anos de insípida existência e preferirá uma grande e nobre ação a uma pletora de atos triviais Aqueles que tombam em nome de outros sem dúvida alcançam esse resultado é portanto um excelente prêmio que elegem para si mesmos EN IX 8 1169a1726 Porém não é suficiente se quisermos ser justos com a crítica de que a moral de Aristóteles está sustentada no autointeresse citar a passagem acima ou aquela em EN I 10 na qual Aristóteles fala da resplandecente beleza da virtude que se revela no triunfo sobre desgraças que emperram a felicidade 1100b3033 Tais passagens podese argumentar são reveladoras da sensibilidade e da perspicácia moral de Aristóteles Mas ainda resta saber se o elogio que elas fazem da mais extrema abnegação e da perseverança frente ao sofrimento é consistente com a doutrina de Aristóteles do bem final humano Talvez ele esteja argumentando de modo mais consistente com suas posições já decantadas quando ele sugere ou seria um chiste em EN IX 8 que um indivíduo exibirá a mais admirável abnegação o mais sincero amor ao render a seu amigo a oportunidade para a realização de alguma ação virtuosa 1169a3334 Talvez o elogio que Aristóteles faz da entrega em nome de uma causa nobre até mesmo da própria vida necessita ser qualificada com sua própria perspectiva como foi qualificada por Oscar Wilde nos versos E ainda assim e ainda assim Esses Cristos que perecem nas barricadas Deus sabe que estou ao lado deles de algum modo8 Voltome agora a essa questão Minha resposta pode e deve ser sucinta Detecttamos dois elementos na doutrina de Aristóteles do bem final para o homem Em primeiro lugar existe a sugestão expressa em EE A 2 de que é uma marca de notável insensatez não organizar sua vida em função de algum fim Talvez fosse melhor dizer que é impossível não viver de acordo com algum plano que é insensato não tentar se esforçar para que esse plano seja bom A inevitabilidade do plano decorre da constatação de que todo ser humano tem e sabe que tem um semnúmero de desejos e interesses que podem ser invocados como motivações ou casual e indiscriminadamente ou em sintonia com prioridades determinadas pelo propósito de viver o tipo de vida que julga apropriado a si Porém em um agente com uma propensão natural à reflexão a ausência de tal plano não é completamente desprovida de intenção o plano mínimo é planejar não planejar Para esse aspecto da doutrina de Aristóteles cunhei o termo fim inclusivo inclusivo por não haver desejo ou interesse que não deva ser considerado candidato por mais improvável a ocupar um espaço no quadro do viver A sabedoria encontra espaço até mesmo para a insensatez O segundo elemento que encontramos na doutrina de Aristóteles é sua resposta à pergunta sobre qual o plano a ser seguido pelo ser humano que for mais plenamente humano isto é que esteja no mais alto grau possível da escala que vai das feras aos deuses A resposta de Aristóteles é que tal ser humano fará do saber contemplativo seu atributo mais divino seu objeto primordial Num registro mais terreno enquanto outro ser humano entre seres humanos ele encontrará um lugar para a felicidade que decorre de ser um cidadão do casamento e da comunhão com aqueles com quem compartilha interesses Chamei isso de doutrina do bem dominante A pergunta pela possibilidade de conciliação entre a doutrina aristotélica do bem final e a moral fundada no altruísmo e na abnegação deve ser elaborada com referência tanto ao fim inclusivo quanto ao fim dominante Dizer que um ser humano age ou se abstém de agir com vistas a um fim inclusivo não revela nada a respeito da importância relativa que ele atribui a seus vários interesses Sua dedicação a seu próprio bem enquanto fim inclusivo não necessariamente requer dele uma preferência por desejos egodirecionados fronte aos alterdirecionados ou por certos tipos de desejo egodirecionados frente a outros Todos os seus desejos devem ser avaliados imparcialmente como candidatos possíveis a ocupar um espaço no plano inclusivo Almejar uma vida duradoura na qual na medida do possível os prazeres são gozados e os malefícios evitados é um plano razoável mas não o único Que um indivíduo busque um fim inclusivo deixa em aberta a questão de saber se ele é um altruísta ou um egoísta uma pessoa mesquinha ou generosa no sentido mais banal9 9 Devo esse ponto e de modo mais indireto muitos outros elementos da minha discussão sobre a crítica que se faz do sistema ético aristotélico como pautado pelo egoísmo à palestra do professor CACampbell na Academia Britânica intitulada Moral Intuition and the Principle of SelfRealisation 1948 especialmente as pp1725 A palestra do professor Campbell discute as teorias éticas de THGreen e FHBradley e não sei se ele consideraria seus argumentos relevantes para a interpretação de Aristóteles Julgo porém sua defesa Embora um indivíduo que procure realizar seu fim inclusivo não seja necessariamente mesquinho ele pode ser descrito como autocentrado de pelo menos três maneiras Em primeiro lugar no sentido mais trivial seu desejo de dar prosseguimento ao seu plano inclusivo é oriundo de um desejo seu um desejo de seara íntima Em segundo lugar um indivíduo considera um plano como sendo de seu próprio interesse somente se concebe a si mesmo como proprietário único de uma pletora de desejos seu desejo de segunda ordem por seu próprio bem é autoreflexivo Em terceiro lugar esse desejo de segunda ordem por ser um desejo de desejos um interesse por interesses somente pode ser satisfeito através da satisfação de desejos de primeira ordem Até mesmo o mártir planeja fazer o que quer fazer Podemos exprimir isso dizendo que a procura pelo bem final é autoindulgente além de ser autoreflexiva Mas autoindulgência quando aplicada para descrever uma forma de vida na qual os prazeres podem ser desprezados e a integridade física do agente pode estar em último lugar em importância não carrega nenhuma conotação pejorativa Que a ação que procure realizar um fim inclusivo seja sob essas descrições autocentrada não implica que o agente seja egodirecionado ou interesseiro em nenhum sentido incompatível com a mais heroica ou santa abnegação À questão de saber se a procura pelo bem humano entendido em termos da concepção aristotélica do fim dominante pode ser reconciliada com a moralidade do altruísmo particularmente com sua expressão radical exemplificada pelo indivíduo disposto a morrer em nome da pátria e dos amigos requer outra resposta Nesse caso nenhuma reconciliação é possível Para que isso fique claro basta refletir a respeito da definição de fim dominante que Aristóteles fornece em EN I 7 que ele aí chama de felicidade e comparar com o que é dito com relação ao amorpróprio do indivíduo que nobremente entrega sua própria vida O bem humano resulta ser a atividade da alma segundo a virtude e se houver mais do que uma virtude segundo a melhor e mais perfeita Mas devemos acrescentar numa vida completa Pois uma andorinha não faz verão da mesma forma um único dia ou um período curto de tempo não faz ninguém feliz ou bemaventurado 1098a1620 De da autorealização como um princípio moral muito útil à minha tentativa de separar os diferentes elementos que compõem a doutrina aristotélica do bem final SOBRE A AKRASIA EM ARISTÓTELES Richard Robinson Aristóteles indaga em EN VII como se pode fazer o que se sabe ser errado Fazer o que se sabe ser errado é o que ele chama de akrasia Por um lado parece evidente que a akrasia ocorre de quando em quando Por outro Sócrates declara que o conhecimento deve ter o primado na alma e não ser arrastado de um lado a outro como um escravo Em razão dessa autoridade do conhecimento Sócrates conclui que na realidade não existe akrasia Sempre que parecemos ver alguém fazendo o que sabe ser errado na verdade essa pessoa não sabe que o que faz é errado ela está em erro acerca do certo e do errado Eis uma dificuldade ou aporia A concepção de senso comum de que por vezes se faz o que se sabe ser errado parece contradizer a tese de Sócrates também muito convincente de que o conhecimento tem o primado Como Aristóteles resolvesse problema Evidentemente ele não escreve quase um livro inteiro sobre a akrasia para afirmar que ela nunca acontece Pelo contrário ele sempre aceitou a visão comum de que por vezes fazemos o que sabemos ser errado É provavelmente isso que ele está dizendo não porém sem certa ambiguidade na passagem em que introduz pela primeira vez a tese socrática quando escreve 1145b28 que esta doutrina obviamente vai contra as aparências e que o acrático claramente não pensa assim até que esteja sob a paixão o que quer dizer suponho que o acrático não pensa que seu ato é permissível até que esteja sob a paixão Mas qual o sentido das misteriosas palavras que vêm entre as duas frases que acabei de traduzir sendo necessário perguntar sobre a paixão se ela provém da ignorância que tipo de ignorância está envolvida δέον ἐπείν περὶ τὸ πάθος εἴ δι ἄγνοιαν τίς ὁ τρόπος γίνεται τῆς ἀγνοίας Devem ser interpretadas por referência à tese socrática ou por referência à explicação da akrasia que Aristóteles está por desenvolver no que se segue Se a referirmos à tese socrática supomos que Aristóteles está querendo dizer a Sócrates visto que sustentas que o que chamamos de akrasia é na verdade SOBRE A ÉTICA NICOMAQUEIA DE ARISTÓTELES TEXTOS SELECIONADOS Coordenação de Marco Zingano 2010 ODYSSEUS UFMG BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA 328721109 NÃO DANIFIQUE ESTA ETIQUETA APRENDER A SER BOM SEGUNDO ARISTÓTELES M F Burnyeat A questão a virtude pode ser ensinada é talvez a questão mais antiga da filosofia moral Basta recordar a abertura do Mênon de Platão podes dizerme Sócrates se a virtude pode ser ensinada ou se ela não pode ser ensinada mas pode ser adquirida mediante prática ou se ela não pode ser nem adquirida mediante prática nem ensinada mas advém por natureza aos homens ou de outro modo 70a Essa é uma versão simples do que era evidentemente um tópico batido de discussão A resposta de Sócrates característica e simples é que não é possível saber como adquirir a virtude sem saber o que é a virtude 71ab Pretendo aqui inverter essa ordem e perguntar como segundo Aristóteles adquirimos a virtude a fim de iluminar certas características a que em geral não se presta muita atenção de sua concepção do que é a virtude Aristóteles suscita essas questões após a transformação das mesmas pelo trabalho pioneiro em psicologia moral que o Platão maduro empreende na República e nos diálogos tardios Nessa época o cândido debate do Mênon já havia ficado para trás Contudo Sócrates tinha razão em um ponto qualquer concepção toleravelmente explicitada do processo de desenvolvimento moral depende decisivamente de uma concepção de virtude Essa dependência faz com que seja possível ler a caracterização do desenvolvimento moral proposta por qualquer filósofo como evidência do que ele pensa ser a virtude De certa maneira é com efeito uma evidência especialmente reveladora visto que em problemas de educação moral o filósofo tem de enfrentar a realidade complexa dos seres humanos comuns e imperfeitos Meu objetivo por conseguinte é reconstruir a imagem aristotélica do desenvolvimento gradual do bom homem concentrandome nos primeiros estágios Os materiais para tal reconstrução abundam na Ethica Nicomachea mas estão dispersos A reconstrução será gradual seu sentido emergindo progressivamente conforme as peças forem se encaixando pro 2 Existe um contraste no plano do sentido entre juízos cujo âmbito é antes geral e juízos cujo âmbito é muito mais específico Uma diferença de grau 3 Existe um contraste entre juízos que recobrem todos seus casos e juízos que não recobrem todos seus casos isto é um contraste entre universal e nãouniversal Esse é um contraste que diz respeito à validade ou correção In Benson Ed Platão Artmed 2010

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