·

Cursos Gerais ·

Geografia

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Preview text

Adriano Figueiró BIOGEOGRAFIA dinâmicas e transformações da natureza coleção básicos em geografia organização Francisco Mendonça oficina de textos Adriano Figueiró BIOGEOGRAFIA dinâmicas e transformações da natureza básicos em coleção eografia g organização Francisco Mendonça Livrobiogeografiaindb 3 02072015 130008 Copyright 2015 Oficina de Textos Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 em vigor no Brasil desde 2009 Conselho editorial Cylon Gonçalves da Silva Doris C C K Kowaltowski José Galizia Tundisi Luis Enrique Sánchez Paulo Helene Rozely Ferreira dos Santos Teresa Gallotti Florenzano Organização da coleção básicos em Geografia Francisco de Assis Mendonça Capa e projeto gráfico Malu Vallim Diagramação Alexandre Babadobulos Preparação figuras Alexandre Babadobulos Preparação de textos Hélio Hideki Iraha Revisão de textos Thiago Garrido de Siqueira Impressão e acabamento Vida Consciência editora gráfica Todos os direitos reservados à Editora Oficina de Textos Rua Cubatão 959 CEP 04013 043 São Paulo SP tel 11 3085 7933 11 3083 0849 wwwofitextocombr atendofitextocombr Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Figueiró Adriano S Biogeografia dinâmicas e transformações da natureza Adriano S Figueiró São Paulo Oficina de Textos 2015 Bibliografia ISBN 9788579751769 1 Biogeografia 2 Biologia I Título 1503414 CDD57809 Índices para catálogo sistemático 1 Biogeografia 57809 pretextuaisindd 4 02072015 140307 apresentação O Brasil conta com um dos mais extensos e sólidos sistemas de ensino escolar na América Latina apesar da tardia criação de escolas públicas e laicas no país e mesmo a despeito de inúmeros e complexos problemas relacionados à gestão da educação escolar pública No país também se encontra um dos únicos e restantes sistemas públicos e gratuitos de ensino em todos os níveis da escolaridade sendo que impera em todo o continente a lógica liberalizante enquanto pers pectiva econômica segundo a qual o ensino tornouse praticamente um bem de consumo Nesses contextos a lógica de mercado repercutese negativamente na relação ensinoaprendizagem e a qualidade do ensino apresentase por demais comprometida Não é esse o caso da América do Norte nem tampouco da Inglaterra por exemplo em que mesmo sendo predominante mente privada a educação mantém boa qualidade Mas a acessibilidade ali evidencia importante segregação resultado da concentração da renda que mesmo bem diferente da latinoamericana reserva a excelência àqueles pertencentes à seleta uperclass Se os saltos de quantidade e relativa qualidade do ensino universitário brasileiro são flagrantes nas duas últimas décadas o mesmo não se pode dizer dos níveis fundamental e médio uma vez que ainda se registram níveis altamente críticos de rendimento escolar e de frequên cia de crianças e adolescentes nas escolas As condições de traba lho de professores e funcionários dos estabelecimentos de ensino e a situação de precariedade de muitos deles clamam por medidas urgentes para sua restauração e melhoria sobretudo quando se verifica ano a ano a colocação do Brasil entre as seis ou sete mais importantes economias pretextuaisindd 5 07072015 181652 6 Biogeografia do mundo A promoção da educação de qualidade a toda a população é um desafio premente que embora tardio deveria pautar em primeira instância a agenda dos responsáveis pela condução do Estado sob pena de prolongar por demais o atraso social que se verifica no país A argumentação aqui colocada não é nenhum discurso de candidato a representante político ainda que muitos se utilizem da mesma problemática para angariar votos Nem tampouco se destina a jogar pedra naqueles que do lado de lá da mesa governamental são os responsáveis públicos momen tâneos pela escola e pelo ensino público brasileiros eles são herdeiros de uma ferida social que não se cicatriza de forma rápida A mudança do quadro aqui perfilado exige ações concretas e atitudes conscientes uma verdadeira revolução mas que não logra resultados rápidos Somente a médio prazo é que se pode verificar as mudanças culturais advindas da promoção da educação com qualidade e gratuidade O que nos move nessa oportunidade cientes dos problemas relacionados à educação é a vontade e a necessidade de pensar e propor estratégias e ações para sua melhoria Muitas são as possibilidades está claro de atuar para que a educação brasileira galgue melhores patamares qualitativos posto que os quantita tivos são por estes suplantados Ela demanda atenção e cuidados em todos os níveis mesmo que uns estejam melhores que outros e o descompasso entre investimentos e avanços prioritariamente nos níveis superiores ainda está por acirrar a gravidade do quadro referente aos níveis inferiores da educação no país A disponibilidade de bibliografias documentos e dados aos profissionais e estudantes envolvidos no processo ensinoaprendizagem constitui um meio de contribuir para melhorias nesse quadro Considerando a expressiva população do país estimase que a oferta de bibliografia geral ou especiali zada ainda seja pequena aspecto que parece resultar de um baixo nível de leitura da população mesmo que grandes empresas editoriais estejam insta ladas e atuantes no território nacional Comparativamente a outros países a produção de livros didáticos e paradidáticos e seu efetivo uso são ainda modestos no Brasil Especialmente no nível universitário e em determina das áreas do conhecimento observase uma quase total ausência de títulos produzidos no país ricos em exemplos e ilustrações nativos Para determina das disciplinas encontramse apenas algumas traduções que mesmo que de grande importância mantêm uma dependência externa flagrante e que contribui para um certo colonialismo na leitura da realidade e na produção pretextuaisindd 6 07072015 181652 apresentação 7 do conhecimento Romper com essa condição histórica constitui uma neces sidade e um desafio em relação aos quais há ainda muito a ser feito embora estejam se tornando mais visíveis nas duas últimas décadas e isso não é algo que se consegue em curto espaço de tempo Em vários países do Ocidente os trabalhadores e estudantes vinculados aos sistemas de ensinoaprendizagem têm acesso a manuais das diferen tes disciplinas no ensino universitário Estes constituem obras básicas no que concerne aos conteúdos fundamentais à formação científica e técnico profissional ofertada pelas instituições de ensino são altamente úteis aos envolvidos na atividade tanto aos professores quanto aos alunos pois utili zam linguagem direta e são ilustrados com figuras e dados de toda ordem ali colocados com a perspectiva de tornar a produção do conhecimento uma atividade a mais abrangente possível Desde a fundação do primeiro curso universitário de Geografia na Universidade de São Paulo USP em 1934 momento que marca a retomada de instituições de ensino superior no país observase uma cada vez maior e mais intensa produção científica desse campo do conhecimento Por mais de cinco décadas as publicações em formato de livro foram bastante reduzi das tendo predominado as separatas ou publicações de textos isolados em coleções vinculadas a universidades ou institutos de pesquisa e periódicos Poucos foram os documentos nacionais publicados com caráter de manual básico ou pelo menos utilizados como tal podendo ser destacados o clás sico Brasil a terra e o homem Aroldo de Azevedo Manual de Geografia Urbana Milton Santos Geografia Econômica Manuel Correa de Andrade Geomorfolo gia Fluvial Antonio Christofoletti e Geografia pequena história crítica Antonio Carlos Robert Moraes entre outros Todavia há ainda uma considerável lacuna no campo da produção de manuais ou obras básicas para o nível universitário da Geografia no Brasil É nesse afã e com a necessária humildade e grandeza de propósi tos que apresentamos a Coleção Básicos em Geografia inaugurada de forma experimental com o Climatologia noções básicas e climas do Brasil de nossa autoria e lançado pela Oficina de Textos em 2007 Em nossas andanças pelo país e pelo exterior em boa parte das vezes a trabalho no âmbito de nosso campo de conhecimento constatamos o fato de que não existe no Brasil um conjunto de livros que na perspectiva de um manual sejam utiliza dos como elementos complementares no processo ensinoaprendizagem da Geografia Essa ciência conta com vasta e diversificada publicação de obras Livrobiogeografiaindb 7 02072015 130008 8 Biogeografia no país mas que ainda é insuficiente diante da profusão de cursos e da expressiva comunidade de profissionais a ela ligados Ademais uma obra produzida no escopo da coleção que ora coordenamos e disponibilizamos ao público é ansiada para colaborar com a melhoria do conhecimento e do ensino da Geografia brasileira Dando sequência àquela primeira obra apresentamos com muita satis fação o livro Biogeografia de Adriano Figueiró um jovem e brilhante colega da Universidade de Santa Maria com quem temos dividido interessantes experiências voltadas à promoção do ensino e da pesquisa em Geografia Física Com um currículo rico em publicações diversas e comprovada expe riência profissional especialmente como professor de Geografia Física e de Biogeografia Adriano nos brinda com um dos mais caros temas de interesse de geógrafos biólogos agrônomos ambientalistas etc a vida na Terra Sendo produzida sob a perspectiva geográfica a obra centra seu conteúdo e organização na dimensão espaçotemporal da manifestação da vida vegetal e animal na superfície do planeta trazendo tanto as bases teóricas e meto dológicas para a compreensão do tema quanto sua aplicação por meio de exemplos e ilustrações para entender sua complexidade e particularidades Biogeografia vem preencher uma das mais eloquentes lacunas na produção bibliográfica nacional no que concerne a obras básicas para o ensino supe rior mas que pode também ser muito útil a interessados vinculados a outros níveis do conhecimento e ao público em geral Esse subramo do conheci mento conta com farta produção na forma de artigos científicos publicados em periódicos e anais de eventos contribuições que são isoladas e dispersas para o entendimento do tema Esta obra concebida como manual sintetiza a perspectiva histórica da construção do conhecimento biogeográfico e centra o olhar sobre a sua configuração na atualidade Partindo da perspectiva teóricoanalítica brinda o leitor com exemplos e aplicações contemporâneas em diversas perspectivas Este livro contribuirá com qualidade para o avanço do conhecimento e de forma particular para o processo ensinoaprendizagem da Geografia brasileira Curitiba abril de 2014 Francisco Mendonça Coleção Básicos em Geografia Coordenador Livrobiogeografiaindb 8 02072015 130008 prefácio Situada na interface entre a Geografia Física e a Geografia Humana a Biogeografia tem desafiado gerações de pesquisadores a construir uma explicação da reali dade em que a paisagem seja compreendida como uma resultante dialética da ação do homem e da natureza em diferentes escalas de tempo e de espaço A complexidade dessa tentativa ambiciosa de chegar a uma síntese da biosfera em face da herança fragmentária do legado positivista ao pensamento geográfico do século XX resultou não raras vezes na inclinação dos biogeógrafos aos métodos e questionamentos próprios das ciências naturais isso quando não se buscava a explicação pronta dos natura listas apenas para preencher a lacuna sobre a distribuição da vida no planeta que os geógrafos pareciam sentirse impo tentes para investigar com seus próprios meios O mito da existência de uma natureza independente do homem retardou o amadurecimento de uma Biogeografia identificada com o objeto de pesquisa dos geógrafos e foram necessárias muitas décadas de incorporação das paisagens ditas naturais à lógica da ação humana para que começássemos a compreender que aquilo que chamamos de natural ou de artificial são apenas dimensões de uma mesma natureza conectadas por uma espiral de tempo e submetidas às leis da Física e da Econo mia O Parque Nacional da Tijuca no Rio de Janeiro que é a maior floresta urbana do mundo desenvolveuse em áreas que há pouco mais de um século estavam cobertas de cafezais da mesma forma que diversas formações climáxicas em parques nacionais da Europa eram campos de cultivo na Idade Média ou campos arrasados e contaminados nas Grandes Guerras A natureza que se instala após o abandono humano não deixa de preservar as suas marcas e são elas que o geógrafo deve desvendar para explicar a realidade que se impõe Livrobiogeografiaindb 9 02072015 130008 10 Biogeografia sumário Tal como se refere Leff 2001 p 49 desde que a natureza se transforme em objeto de processos de trabalho o natural absorvese no materialismo histórico Isto não nega que operem as leis biológicas dos organismos que participam no processo inclusive o homem e sua força de trabalho Uma notícia divulgada pela imprensa de todo o mundo em 2010 acres centa mais alguns elementos a essa reflexão foi localizada no Canadá por meio da interpretação de uma imagem de satélite aquela que é conside rada a maior barragem natural do mundo um dique gigantesco de 850 m de comprimento que está sendo construído desde a década de 1970 dentro de um parque nacional por várias gerações de castores Segundo a notícia novos elementos estão sendo agregados ao dique que no prazo de uma década poderá chegar a 950 m Quando comparamos a tecnologia a finali dade a transformação da matéria e o trabalho despendido nessa estrutura natural com aquelas obras trabalhadas pelo homem percebemos que o limite entre o que consideramos natural e artificial é tão somente a ausência ou a presença humana e essa diferença no nosso entender é muito pequena para que continuemos a acreditar que a Geografia da Vida tem na socie dade e na natureza capítulos tão distintos e inconciliáveis nas suas questões e formas de abordagem Este livro é uma pequena contribuição para esse esforço gigantesco de repensar a Biogeografia de atualizar as suas questões e de buscar novos caminhos que permitam um diálogo mais frutuoso com o discurso geográ fico Muitas lacunas ainda persistem nesta obra e elas por certo decorrem da bagagem ainda pequena que os geógrafos conseguiram acumular para uma Biogeografia brasileira Em que pese o grande esforço de alguns pioneiros como Dora Romariz Aziz AbSáber Helmut Troppmair e Felisberto Cavalheiro a quem todos somos devedores ainda há muito para caminhar Minha espe rança é que este livro possa ser uma boa companhia para essa caminhada Adriano S Figueiró Portugal outono de 2013 Livrobiogeografiaindb 10 02072015 130008 sumário 1 Introdução ao estudo da Biogeografia 13 11 Como e por que os organismos vivos se distribuem na superfície da Terra 13 12 Conceito objeto métodos de abordagem e áreas de pesquisa da Biogeografia 22 13 Desenvolvimento histórico do conhecimento biogeográfico 32 14 A elaboração de um paradigma para o estudo da paisagem 50 2 Processos de especiação e padrões de distribuição das espécies 59 21 Processos de especiação e respostas evolutivas 61 22 Coevolução dos ambientes e dos seres vivos 76 23 Grandes regiões biogeográficas do planeta 93 24 Classificação das áreas de distribuição 102 3 Padrões de extinção e conservação da biodiversidade 115 31 Mapeando a biodiversidade planetária 119 32 Introdução de espécies exóticas e impactos ambientais127 33 Mecanismos de fragmentação da paisagem 132 34 Teorias de conservação da biodiversidade da biogeografia de ilhas à teoria das metapopulações 141 Livrobiogeografiaindb 11 02072015 130008 12 Biogeografia 4 A dinâmica atual das populações nos ecossistemas 155 41 O fluxo de energia e os ciclos de nutrientes na biosfera 155 42 Estrutura e funcionamento dos ecossistemas 171 43 Fatores de distribuição dos seres vivos 178 44 Viver e morrer em um ecossistema processos de cooperação e competição 199 5 Elementos de Biogeografia Cultural 209 51 Aparecimento e evolução da espécie humana 213 52 O processo de domesticação de plantas e animais 222 53 Da seleção artificial à produção artificial de novas espécies a ampliação das fronteiras da natureza 237 54 Mecanismos biogeográficos em agroecossistemas 244 55 O papel da Biogeografia no planejamento das paisagens urbanas 256 6 Os grandes conjuntos biogeográficos do mundo atual 269 61 Considerações iniciais acerca da espacialização da biodiversidade na superfície da Terra 269 62 Biomas terrestres 284 63 Ecorregiões de água doce 324 64 Ecorregiões oceânicas 332 65 Mudanças climáticas atuais e alteração nos padrões de distribuição dos seres vivos 335 Referências bibliográficas 357 Ficha de créditos 381 Livrobiogeografiaindb 12 02072015 130008 um Introdução ao estudo da Biogeografia 11 Como e por que os organismos vivos se distribuem na superfície da Terra A provocação de Suchantke 2001 já expressa na capa do seu livro instiga a ir cada vez mais fundo na busca das respostas o que nós vemos quando olhamos uma paisagem Um geógrafo jamais pode reduzir o seu campo de visão ao que os olhos estão enxergando Há sempre uma conexão oculta por trás daquilo com que se depara na natureza É preciso uma grande dose de imagina ção científica orientada pela curiosidade para que se consiga entender os processos que controlam as estru turas visíveis das paisagens terrestres As paisagens que se apresentam aos nossos olhos não são assim apenas a soma de elementos vivos e não vivos que coabitam uma dada superfície da Terra mas o arranjo em que esses elementos estão dispostos uns em relação aos outros o que lhes permite desencadear processos de diferentes naturezas e intensidades A resposta aparen temente óbvia tem desdobramentos intermináveis para o campo da Geografia Física e mais especificamente para a Biogeografia Por que as paisagens se diferenciam na superfície da Terra Fig 11 Pela diferença de temperatura Pela diferença de umidade Pelo tipo de relevo e solo Pela ação do homem Livrobiogeografiaindb 13 02072015 130008 Os processos de degradação a que têm sido submetidos os ecossistemas e as espécies que neles vivem são reversíveis É possível compatibilizar o modelo econômico urbanoindustrial do mundo atual com a preservação da biodiversidade Como Embora não se possa reduzir a complexidade do mundo atual a respostas simplistas de sim ou não o enorme conjunto de conhecimentos que as pesquisas nas áreas de Ecologia Biogeografia Geoecologia e Biologia da Conservação têm produzido nos últimos tempos não permite ter uma visão otimista do cenário futuro dos recursos naturais do planeta No entanto há uma esperança cada vez maior de que se seja capaz de proceder a uma mudança ética na relação com os demais seres vivos deixando de encarálos exclusivamente como recursos a serviço do homem e passando a compreender e respeitar a história evolutiva da Terra que se encerra nas mais diferentes particularidades de cada espécie viva 12 CONCEITO OBJETO MÉTODOS DE ABORDAGEM E ÁREAS DE PESQUISA DA BIOGEOGRAFIA Desde a sua sistematização como uma disciplina científica no século XIX a Biogeografia representa um campo de estudos que se situa na interface entre a Geografia Física e a Humana uma vez que tem como principal tarefa explicar a distribuição dos seres vivos na superfície da Terra em diferentes escalas de espaço e de tempo Considerando que os mecanismos que induzem eou controlam a distribuição desses organismos estão relacionados tanto às variáveis físicas quanto antropogênicas da paisagem essa Geografia da Biosfera não pode prescindir dos aportes teórico e metodológico provenientes das ciências naturais e das ciências humanas Fig 16 Assim privilegiar uma abordagem naturalista em detrimento da busca dos princípios mecanismos e percepções que orientam a ação da sociedade sobre a natureza seja para transformála seja para conservála seria como mutilar a Biogeografia Elhaï 1968 p 8 Alguns autores chegam mesmo a defender que o homem é a espécie central do estudo geográfico Sanjaume Villanueva 1996 p 138 e que portanto é imprescindível a inclusão da ação humana como criadora de novas espécies e ecossistemas ao longo de sua história e de diferentes estratégias de exploração Um dos grandes incentivadores da Geografia brasileira Monbeig apud Salgueiro 2005 p 60 já afirmava na década de 1930 que a Geografia não pode contentarse em descrever a paisagem concreta procura compreender e reconstituir o mecanismo que conduz à sua formação e sua evolução 50 Biogeografia 14 A elaboração de um paradigma para o estudo da paisagem Os estudos biogeográficos caracterizamse dentro de uma abordagem geoecológica por buscar uma compreensão da paisagem com base em uma análise integrada dos seus elementos partindo do princípio de que a distribuição da vegetação na superfície da Terra responde tanto a processos históricos de origem e dispersão das espécies quanto a condicionantes abió ticos que controlam a presença ou a ausência dessas espécies Fig 114 Com isso a pesquisa em Biogeografia assume uma feição particular em relação aos trabalhos desenvolvidos por outras disciplinas como Ecologia Botâ nica e Zoologia uma vez que a Biogeografia busca articular o conhecimento verticalizado das outras ciências para integrálo na explicação da paisagem terrestre Para tanto tornouse necessária a elaboração de um referencial metodológico próprio à Biogeografia capaz de abarcar a complexidade e a totalidade dos processos envolvidos na estruturação da paisagem ou na distribuição de um determinado taxon na superfície da Terra Tal ensejo só começou efetiva mente a ser concretizado a partir da aplicação da teoria dos sistemas ao estudo da paisagem por meio do conceito de geossistema O geossistema pode ser conceituado como uma determinada porção da superfície terrestre caracterizada por uma rela tiva homogeneidade da sua estrutura fluxos e relações em comparação às áreas circundantes Bertrand 1972b p 129 Considerese um sistema homogêneo aquele cujas partes são ou estão solidamente eou estrei tamente ligadas É justamente essa característica de interdependência entre os componentes de um mesmo sistema produzindo manifestações Fig 114 Enquanto a composição de espécies vegetais flora em uma dada paisagem obedece às variáveis que definem o aparecimento e a dispersão dessas espécies na superfície terrestre segundo as condições de zonalidade a distribuição desses indivíduos em escala local e sua condição estrutural vegetação são controladas pela natureza e intensidade das interações que se estabelecem entre os demais elementos da paisagem Assim para que se possa explicar adequadamente as características desta ou daquela vegetação não basta que se seja capaz de cartografála é preciso recorrer à compreensão dos demais agentes e processos atuantes nessa paisagem e que condicionaram essa distribuição Fonte adaptado de Walter 1986 Livrobiogeografiaindb 50 02072015 130013 52 Biogeografia já que suas transformações ocorrem em um tempo menor escala histó rica de tempo alterandose segundo as variações de Energia Matéria e Informação EMI processadas no sistema 2 Caráter global de totalidade de acordo com a segunda lei da termodinâmica o conjunto é sempre maior do que a soma das partes o que implica a Fig 115 A paisagem que se vê é o produto da interação entre diferentes variáveis naturais e humanas A natureza e a intensidade dessas interações vão produzir as diferenciações paisagísticas ao longo do tempo cuja complexidade será tanto maior quanto mais intensos forem os fluxos de Energia Matéria e Informação EMI no sistema Livrobiogeografiaindb 52 02072015 130013 54 Biogeografia O geossistema segundo a proposta desse autor corresponde a uma unidade de paisagem temporoespacial compreendida entre alguns quilômetros quadrados e algumas centenas de quilômetros quadrados e composta por um número variável de unidades menores chamadas de geofácies que correspondem a uma entrada diferenciada de maté ria eou energia em um ponto do geossistema Essas geofácies aparecem dispostas conforme um mosaico mutante de acordo com as mudanças Quadro 11 Hierarquia das unidades de paisagem conforme a proposta apresentada por Bertrand 1972a Unidade de paisagem Escala espacial Elementos do meio que definem as categorias Unidades superiores Zona Milhões de km2 Grandes faixas climáticas do planeta e biomas associados bem como megaestruturas geológico geomorfológicas que manifestam grandes paisagens azonais como as áreas de cordilheira por exemplo a zona tropical do planeta com paisagens de florestas tropicais úmidas Domínio Milhares de km2 Paisagens dentro de uma determinada zona com forte interação entre condições climáticohidrológicas feições de relevo tipos de solo e formas de vegetação por exemplo o domínio da Serra do Mar Região natural Dezenas a centenas de km2 Condições morfoestruturais específicas dentro de um domínio que refletem uma variação estrutural própria na relação relevosoloplantas por exemplo a ocorrência de floresta ombrófila densa mata atlântica dentro do domínio da serra do mar Unidades inferiores Geossistema Alguns km2 até centenas de km2 Porção de uma região natural individualizada por uma combinação própria entre o sistema geomorfogenético a dinâmica biológica e a exploração antrópica por exemplo as áreas de mata atlântica desmatadas no sul da Bahia com a criação de mosaicos florestalavoura Geofácies Centenas de m2 Porção de maior homogeneidade estrutural dentro de um geossistema subordinada ao controle de um topoclima específico e associada a uma determinada intensidade de ação humana por exemplo os fragmentos de floresta conservada dentro do mosaico florestalavoura Geotopo Dezenas de m2 Pequenas porções de terreno dentro de uma geofácie associadas a condições microtopográficas e microclimáticas que levam a um processo de colonização vegetal singular por exemplo os fundos de vale saturados dentro de um fragmento florestal Livrobiogeografiaindb 54 02072015 130013 dois Processos de especiação e padrões de distribuição das espécies A estimativa é que existam hoje aproxima damente 87 milhões de espécies de seres vivos no planeta Mora et al 2011 Desse total apenas 12 milhão já foi catalogado até hoje e muitas dessas espécies acabarão se extinguindo antes mesmo de serem conhecidas já que as estimativas mais otimistas trabalham com uma taxa de extinção de aproximadamente mil espécies por ano Wilson 2002 isto é aproximadamente três espécies por dia desaparecem da face da Terra Cada espécie se origina de mudanças genéti cas ocorridas em espécies mais antigas especiação e sobrevive na superfície da Terra por períodos variáveis buscando se adaptar da melhor forma possível às condi ções ambientais existentes naquele período Quanto mais adaptadas às condições presentes maior a capa cidade de as espécies se disseminarem por novas áreas do planeta algumas delas chegam mesmo a ser encon tradas em toda a superfície da Terra como é o caso daqueles animais diretamente ligados ao homem como o cachorro Canis domesticus o gato Felis silvestris catus a barata ordem Blattaria e o rato Rattus sp Podese tomar como exemplo de uma espécie que sobrevive há bastante tempo na superfície da Terra o Ginkgo biloba uma planta bastante conhecida pelo seu uso farmacológico e hoje considerada um fóssil vivo já que seus exemplares fósseis mais antigos datam de Livrobiogeografiaindb 59 02072015 130014 2 Processos de especiação e padrões de distribuição das espécies 61 que elas também em seus processos de interação com os demais elementos da paisagem são responsáveis por mudanças das condições ambientais nos geos sistemas em que se instalam 21 Processos de especiação e respostas evolutivas Antes de prosseguir na discussão dos processos evolutivos é preciso defi nir com mais precisão aquilo que até agora se tem chamado de espécie Embora pareça ser uma definição bem compreendida dentro do senso comum o conceito de espécie ainda carrega uma enorme polêmica entre os pesquisadores As primeiras tentativas de classificação dos seres vivos podem ser encontra das na obra Metafísica de Aristóteles escrita três séculos antes de Cristo Nesse livro Aristóteles propunha agrupar em uma única espécie todos os indivíduos que compartilhassem a mesma característica essencial Assim por exemplo todos os indivíduos que vivessem dentro da água pertenceriam à mesma espé cie peixe A grande variabilidade morfológica existente dentro dessa espécie era atribuída por ele às imperfeições adquiridas no processo de adaptação da forma ao meio Tendo isso em vista conseguese perceber como o conceito de espécie foi se alterando ao longo do tempo Atualmente o conceito mais difundido dentro da ciência corresponde àquele definido por Mayr em 1963 de espécie biológica Mayr 1977 Para esse autor a espécie é um conjunto de indivíduos reprodutivamente isolados ou seja populações que em razão de seu isolamento geográfico ou biológico reagem aos processos genéticos e às influências ambientais de modo a tornálos genetica mente incompatíveis com outras populações com as quais tenham contato Embora a incompatibilidade genética entre duas espécies pressuponha a impossibilidade de gerar descendentes férteis é preciso entender isso como um processo que se aprofunda cada vez mais à medida que a espécie evolui Portanto nos primeiros momentos dessa diferenciação há a possibilidade de que a incompatibilidade não seja total com a produção de subespécies raças ou variedades distintas de modo que a taxa de fertilidade decai mas a geração de indivíduos férteis ainda é possível Com uma taxa ainda menor de compatibilidade genética entre as espé cies que se cruzam há a possibilidade de serem gerados indivíduos híbridos incapazes de continuar a se reproduzir como é o caso bastante conhecido da mula uma espécie híbrida surgida do cruzamento de um jumento Equus afri canus asinus com uma égua Equus caballus ou de um cavalo com uma jumenta Livrobiogeografiaindb 61 02072015 130014 2 Processos de especiação e padrões de distribuição das espécies 79 velocidade de rotação da Terra com o aumento do fotoperíodo produziu uma verdadeira explosão da vida nos oceanos Apareceram aí as formas primitivas da vida moderna incluindo as trilobitas e outros seres vivos representados por mais de 10000 espécies Pouco mais de 100 milhões de anos de vida oceânica se passaram até que a adaptação dos organismos a ambientes não aquáticos desenvolvimento de mecanismos de sustentação e disseminação permitisse que as primeiras plan tas começassem a ocupar os continentes durante o Devoniano por volta de 400 maa O Quadro 21 sintetiza os principais acontecimentos da evolução da vida na escala geológica de tempo A transição da fauna exclusivamente oceânica para os continentes deu origem aos primeiros anfíbios que passaram a viver nas zonas pantanosas próximas ao oceano Com o início de uma era mais seca algumas espécies de peixes ósseos como o Eusthenopteron Fig 211 passaram a usar as barbatanas Quadro 21 Síntese dos principais acontecimentos da evolução da vida na Terra na escala geológica de tempo em milhões de anos atrás maa Mesozoico Cretáceo 70 a 135 Primeiras plantas com flores Últimos dinossauros Jurássico 135 a 180 Primeiros pássaros Triássico 180 a 225 Primeiros mamíferos Primeiros dinossauros Paleozoico Permiano 225 a 270 Carbonífero 270 a 350 Primeiras coníferas Primeiros répteis Primeiros insetos Devoniano 350 a 400 Primeiras florestas Primeiros anfíbios Primeiros peixes ósseos Siluriano 400 a 440 Primeiras plantas terrestres Peixes com mandíbulas Ordoviciano 440 a 500 Primeiros vertebrados peixes encouraçados e sem mandíbulas Cambriano 500 a 600 Primeiros invertebrados primeiros animais com concha PréCambriano Mais de 600 Primeiros organismos vivos algas e bactérias LennyWikidata Wikimedia Danielm Wikimedia Livrobiogeografiaindb 79 02072015 130017 2 Processos de especiação e padrões de distribuição das espécies 93 Considerando que os parâmetros ambientais estão em permanente mudança na história geológica do planeta podese concluir que a história evolutiva também está em permanente dinâmica Assim o que é chamado de coevolução não é apenas uma adaptação mútua na evolução presapredador mas também uma adaptação mútua entre os seres vivos e o ambiente por eles habitado e transformado Portanto a progressiva oxidação de uma atmosfera originalmente composta de amônia NH3 metano CH4 e dióxido de enxofre SO2 foi tão importante para as plantas saírem dos oceanos em direção aos continentes quanto a intensificação da fotossíntese promovida por essa saída foi importante para modificar as condições da atmosfera original e assim sucessivamente Assim como será visto no Cap 4 a coevolução representa um processo bastante conhecido nas mudanças físicas eou fisiológicas que se processam tanto nas presas como nos predadores sempre como decorrência de um aprimoramento da seleção natural Considerese por exemplo as interações que se processam entre os morcegos predadores e as mariposas presas Como são caçadores notur nos os morcegos desenvolveram um sistema sonar para localizar suas presas no escuro Em contrapartida algumas espécies de mariposa desenvolveram alta sensibilidade às frequências sonoras utilizadas pelos morcegos o que permitiu que elas escapassem dos seus predadores Algumas espécies de morcego então conseguiram alterar a frequência de seus pulsos sonoros permitindo uma maior captura de presas Para escaparem disso algumas espécies de mariposa desen volveram outro sistema de ondas sonoras para bloquear o sonar dos morcegos Por sua vez algumas espécies de morcego para se adaptarem a isso desligaram seu sistema sonar e passaram a utilizar a frequência dos bloqueadores das mari posas para localizálas Como se vê tanto as presas como os predadores estão submetidos a uma dinâmica evolutiva crescente decorrente da necessidade de fazer frente às mudanças dos outros que é denominada coevolução 23 Grandes regiões biogeográficas do planeta Desde que as ideias evolucionistas de Darwin passaram a ser aceitas como explicação do processo de diversificação da vida na Terra ficou evidente que as diferenças entre faunas e floras de continentes distintos deveriam ser resultado de histórias evolutivas diferenciadas Hoje se compreende perfeitamente que a movimentação dos continentes ao longo da história geológica como decorrência das dinâmicas de afastamento e aproximação das placas tectônicas associada às flutuações climáticas de Livrobiogeografiaindb 93 02072015 130019 102 Biogeografia da grande similaridade com a biota australiana essa região desenvolveu um grande número de endemismos ao longo da história em razão do seu aspecto insular Essa condição coloca as florestas tropicais de Nova Guiné entre as três mais importantes do mundo graças à sua diversidade de espé cies que pode chegar ao número de 30000 24 Classificação das áreas de distribuição Tal como já discutido no Cap 1 o estudo dos seres vivos pode ser feito com base em dois grandes enfoques o corológico que busca identificar as áreas de distribuição de um determinado taxon na superfície da Terra e o bioce nológico que estuda a distribuição das biocenoses na superfície terrestre bem como suas características e relações Do ponto de vista corológico quando se busca cartografar a área de ocorrên cia atual de uma determinada espécie na superfície da Terra o mapa representa o local ocupado pelo taxon no momento do mapeamento considerase portanto a referida área de distribuição como sendo algo estático Todavia a distribuição das diferentes espécies animais e vegetais na superfície da Terra apresenta uma grande variação no tempo e no espaço refletindo sempre a história de busca dessas espécies pelas condições mais adequadas para viver e se reproduzir Fig 221 Quando as condições ambientais como clima solo disponibilidade de alimento baixa competição e ausência de doenças e predadores são favo ráveis a área de ocorrência do taxon tende a assumir uma dinâmica progressiva expandindo sua área original Quando as condições ambientais são desfavoráveis a área de ocorrência tende a sofrer uma dinâmica regressiva com uma retração da sua área original Após essa retração o taxon pode tanto desaparecer especialmente quando suas características passam a ser superadas por outros taxa concorrentes mais bem adaptados quanto se manter em refúgios ecológicos quando durante o processo de retração a área de ocorrência se fragmenta e algumas ilhas de condições ambientais favoráveis mantêm a continuidade do taxon em áreas limitadas Quando em refúgio ou no caso de a área de ocorrência ser delimitada por fronteiras bem definidas além das quais as condições de sobrevivência são muito pequenas o taxon pode manter uma dinâmica de equilíbrio durante muito tempo apresentando apenas algumas flutuações menores pequenas mudanças no tamanho da área em períodos de anos ou décadas chamadas de pulsações da área de ocorrência relacionadas com variabilidades climáticas de curto prazo Livrobiogeografiaindb 102 02072015 130020 Fig 225 De acordo com as faixas latitudinais a que se restringem os taxa circumterrestres podem ser classificados como FIG 224 As áreas mais escuras do mapa representam a distribuição cosmopolita da baleia orca Orcinus orca um predador do topo da cadeia alimentar oceânica mas que é uma espécie em perigo de extinção por causa da pesca predatória Circumboreais ou circumpolares quando a ocorrência do taxon aparece limitada pelo Círculo Polar Ártico como ocorre com a lebreártica Lepus timidus o ursopolar Thalarctos maritimus e a rena Rangifer tarandus Circumtemperados do Hemisfério Norte quando a área de ocorrência do taxon aparece limitada entre o Círculo Polar Ártico e o Trópico de Câncer Nesse caso ocorrem poucos taxa em nível de espécie São exemplos o lobo Canis lupus e algumas espécies de conífera Circumtropicais ou pantropicais quando a área de ocorrência do taxon aparece limitada entre os dois trópicos sendo um tipo de classe bem mais comum entre as espécies vegetais São exemplos a dormideira ou sensitiva Mimosa pudica a damadanoite Cestrum nocturnum e a filigrana Lantana camara Em nível de família aparece a família das palmáceas Circumtemperados do Hemisfério Sul ou circumaustrais quando a área de ocorrência do taxon situase ao sul do Trópico de Capricórnio Essas áreas apresentamse normalmente bastante fragmentadas devido às descontinuidades dos continentes São exemplos desse tipo de taxon o pinguimimperador Aptenodytes forsteri e o krillantártico Euphausia superba três Padrões de extinção e conservação da biodiversidade A variedade e a variabilidade existentes entre os organismos vivos e a trama ecológica na qual esses organismos ocorrem representam o que se chama de biodiversidade Wilson 1997 que cons titui um dos elementoschave para estruturar a compreensão biogeográfica acerca das variações e potenciais paisagísticos na superfície da Terra Como regra geral quando se fala em biodiversi dade falase em três dimensões ou escalas diferentes de diversidade de organismos vivos É denominada biodiver sidade alfa a diversidade de organismos existentes dentro de um mesmo habitat a qual dependerá do número de nichos que ele encerra isto é da diversidade estru tural e de recursos que existem dentro do habitat para sustentar um maior número de espécies sem aumen tar excessivamente a disputa entre elas por alimento ou condições de sobrevivência ver o Cap 4 A diver sidade de habitat existentes em determinada região expressando a possibilidade de complementaridade ecológica encontrada dentro da paisagem é chamada de biodiversidade beta Por fim a diversidade de paisagens existentes dentro de um determinado território é deno minada biodiversidade gama Como visto no capítulo anterior a evolução da vida corresponde a um complexo processo de adapta ção às mudanças ambientais sendo que os organismos também interferem nessas mudanças em um processo Livrobiogeografiaindb 115 02072015 130023 3 Padrões de extinção e conservação da biodiversidade 127 Há contudo uma última questão que precisa ser analisada que é a de todas as áreas naturais do planeta que não estão incluídas dentro de um hotspot A identificação de 34 áreas vulneráveis a perdas significativas de biodi versidade denominadas hotspots revela uma estratégia conservacionista muito mais preocupada com a manutenção de um estoque genético concentrado em uma área total que corresponde a menos de 2 da superfície do planeta do que propriamente com a manutenção de um equilíbrio sustentável na relação socie dadenatureza nos 98 restantes Certamente que a adoção de prioridades de conservação encerra alguns aspectos positivos no sentido de conter as taxas mais elevadas de transforma ção dos ecossistemas naturais mas também aprofunda o distanciamento da sociedade em relação às melhores estratégias de conservação da natureza pois a não estabelece nenhuma prioridade de valorização para as demais áreas do planeta onde a interação sociedadenatureza tem obtido os melhores resultados em termos de preservação ao longo da história e b assume que a diversidade genética prevalece sobre as demais formas de diversidade hierarquizando as regiões segundo seu estoque de recursos e não segundo suas potencialidades de desenvolvimento sustentável Isso evidencia um imenso paradoxo da conservação já que grandes empresas multinacionais dos ramos de mineração farmacêutico e alimentício investem consideráveis somas de recursos em prol da manutenção da diversi dade natural do planeta ao mesmo tempo que a maior parte de seus ganhos vem justamente da homogeneidade de uma produção globalizada e da consequente destruição da diversidade dos patrimônios ecológicos e culturais em que essa produção se instala Gudynas 2002 p 198 chama a atenção justamente para o fato de que se tem usado a desculpa da baixa biodiversidade em certos ecos sistemas para justificar empreendimentos de alto impacto ambiental 32 Introdução de espécies exóticas e impactos ambientais De todos os impactos antrópicos que ameaçam a preservação da biodiver sidade no mundo atual a introdução de espécies exóticas é considerada o segundo mais grave atrás apenas da perda de habitat Estimase que desde que se intensificaram as grandes navegações no século XVII a introdução de espécies exóticas tenha sido responsável por 40 das extinções de espé cies conhecidas No período colonial o transporte de plantas animais e microorganismos do Velho Mundo para o Novo Mundo representava não apenas uma expansão Livrobiogeografiaindb 127 02072015 130024 136 Biogeografia No caso dos ambientes florestais a influência do efeito de borda é ainda mais evidente uma vez que quando uma floresta é fragmentada o aumento da circulação do vento a redução da umidade e a elevação da temperatura nas bordas aumentam a vulnerabilidade dos fragmentos à invasão de espécies exóti Boxe 32 O impacto ecológico das estradas Mais de 200 milhões de animais silvestres por ano perdem a sua vida em atrope lamentos nas estradas brasileiras Esse número pode estar subestimado e tende a aumentar cada vez mais à medida que o avanço da fronteira agrícola e o conse quente desmatamento vão produzindo fragmentação e perda de habitat cada vez maiores Para se ter uma ideia da magnitude desse problema somente nos 10 km da BR471 que cortam a Estação Ecológica do Taim no sul do Rio Grande do Sul 1063 animais foram mortos entre abril de 2010 e junho de 2012 Essa enorme tragédia ecológica é ainda mais preocupante quando se reconhece a pouca cobertura dos meios de comunicação para essa questão Embora a maior parte dos animais atropelados seja de pequeno porte como sapos cobras pequenas aves e roedores animais de médio e grande porte ameaçados de extinção completam a lista de atropelamentos como o tamanduámirim o puma o loboguará e os felinos em geral Além deles outros conheci dos animais silvestres da fauna brasileira como a capivara o gambá e os cachorrosdomato também são frequentes na lista de atropelamentos Medidas simples como a instalação de telas protetoras ou a construção de túneis de fauna nos locais de maior concentração de animais podem reduzir esses índices de atropelamento em mais de 70 mas isso requer a necessidade de mais pesquisas e a existência de uma polí tica pública de redução dos impactos ambientais da malha viária Fonte baseado em uma reportagem de 26 de dezembro de 2012 do jornal Hoje em Dia Fig 311 Representação da zona de transição borda entre dois domínios distintos Fonte adaptado de Kotar sd Livrobiogeografiaindb 136 02072015 130026 Como decorrência do emprego da teoria de metapopulações incorporamse cada vez mais no planejamento conservacionista os corredores biológicos que permitem a religação de fragmentos anteriormente isolados 342 O USO DOS CORREDORES BIOLÓGICOS NO PLANEJAMENTO CONSERVACIONISTA Estudar a transformação da matriz na qual os fragmentos da paisagem residual estão inseridos é de fundamental importância para entender o grau de conectividade que essa matriz permite entre os fragmentos Franklin 1993 Uma matriz menos contrastante tende a permitir uma maior conectividade movimentação de espécies dentro da paisagem reduzindo as chances de ocorrência de extinção e aumentando as possibilidades de migração entre os fragmentos conectados Os corredores de habitat ou seja as faixas de paisagens protegidas com integridade ecossistêmica que unem os fragmentos Simberloff 1998 têm sido um instrumento cada vez mais utilizado para aumentar o grau de conectividade em paisagens muito fragmentadas Formados por habitat naturais ou seminaturais esses corredores têm a finalidade de produzir uma religação entre remanescentes naturais facilitando a dispersão de espécies animais e vegetais Seu uso contribui para a preservação de animais não sedentários cuja preservação dentro de unidades de conservação tradicionais é algo sempre bastante complexo já que essas espécies tendem a migrar sazonalmente em busca de alimento ou por motivos reprodutivos Também chamados de corredores ecológicos e de corredores de habitat de conservação e de movimento eles podem ocorrer como feições naturais do ambiente como no caso das matas ripárias ou ser artificialmente construídos pelo homem com o objetivo explícito da conservação Cândido Jr 1993 Muitas vantagens podem ser atribuídas ao seu uso O aumento da taxa de imigração entre os remanescentes permite um maior equilíbrio da metapopulação o que diminui o risco de extinção regional das espécies É aberta a possibilidade de recolonização de algumas áreas por espécies que já estavam localmente extintas Diminuise a possibilidade de ocorrência de depressões endogênicas uma vez que diferentes subpopulações são colocadas em contato permitindo o fluxo gênico por meio do cruzamento entre indivíduos não aparentados Chamase de depressão endogênica a perda de vigor quatro A dinâmica atual das populações nos ecossistemas 41 O fluxo de energia e os ciclos de nutrientes na biosfera A biosfera ou esfera da vida corresponde àquela esfera da superfície terrestre em que os organismos vivos cobertura vegetal e mundo animal desen volvem seu processo coevolutivo em interação com a base física da paisagem Na prática representa o conjunto de todos os domínios habitáveis do planeta Terra onde a vida inclusive a humana desenvolvese É possível afirmar que a biosfera corresponde a uma camada de vida ocupada de forma contínua já que até nas regiões mais áridas do planeta é possível encon trar alguma forma de vida O que ocorre na verdade é apenas uma diferença de densidade da vida mais abun dante nas áreas terrestres de clima quente e úmido e rareando em direção às zonas polares ou áridas O desenvolvimento da vida na superfície terrestre depende fundamentalmente da existência de uma fonte de energia que é o Sol Dos 1350 Wm2h em média que atingem o topo da atmosfera apenas 168 Wm2h é feita referência aqui somente à energia alcançam diretamente o solo por causa da interferência de outros fenômenos atmosféricos como nebulosidade poeira e difusão Fig 41 Se essa energia pudesse ser totalmente captada e armazenada uma casa de 100 m2 com telhado de painéis fotovoltaicos poderia gerar por hora 16800 W Livrobiogeografiaindb 155 02072015 130029 4 A dinâmica atual das populações nos ecossistemas 171 que o utilizam para formar compostos orgânicos essenciais ao seu crescimento fazendo com que esse íon passe de fosfato inorgânico para orgânico Por meio da cadeia alimentar os animais absorvem o fosfato que é reincorpo rado ao ecossistema após a morte deles ou como decorrência das suas excreções As aves marinhas por exemplo desempenham um importante papel na manutenção do ciclo do fósforo pois são consumidoras de peixes marinhos e ao excretarem as suas fezes guano no solo trazem o fosfato novamente ao meio terrestre Acumulado ao longo do litoral peruano e usado desde longa data como adubo orgânico o guano corre o risco hoje de ser exaurido devido à exploração econômica intensa Guardas armados defendem esses excrementos de pássaros uma das grandes riquezas do Peru Podese ler mais sobre esse conflito em Romero 2008 42 Estrutura e funcionamento dos ecossistemas A evolução temporal de uma comunidade vegetal gera diferentes sucessões que correspondem à estrutura biótica derivada da ocupação do espaço por um conjunto de espécies diretamente vinculadas às condições ambientais reinantes no momento Vejamse por exemplo as diferentes fases por que passa um ecossistema desde a ocupação da rocha até o desenvolvimento de um sistema mais maduro Uma sucessão vegetal começa com uma vegetação pioneira ou ecese heliófila e pouco exigente quanto ao substrato especialmente liquens e outros organismos resistentes A atividade metabólica dos liquens vai lentamente modificando as condições iniciais da região devido à produção de ácidos orgânicos que auxiliam na intemperização da rocha formando as primeiras camadas de solo Com a morte dos primeiros indivíduos desenvolvese uma produção inicial de matéria orgânica e novas espécies mais exigentes começam a se instalar represen tando sucessivos estágios intermediários ou seres Fig 410 Esquema do ciclo do fósforo na biosfera Fonte adaptado de Plantier sd Livrobiogeografiaindb 171 02072015 130032 176 Biogeografia Esse conjunto de questões define a localização exata da espécie dentro do ecossistema É como se o habitat dissesse em que hotel é feita a hospedagem enquanto o nicho define as condições do quarto utilizado nesse hotel Obvia mente que dois clientes que não se conhecem não podem ser enviados ao mesmo quarto Desse modo há que se ter sempre um equilíbrio entre o número de quartos disponíveis e o número de hóspedes biodiversidade alfa ver o Cap 3 a fim de evitar que a disputa pelo quarto competição prejudique ambos Da mesma forma sempre que um hóspede abandona o hotel extinção local da espécie o seu quarto nicho vago passa a ser ocupado por um novo hóspede recolonização do nicho por indivíduos da mesma espécie vindos de outro local ou mesmo por indivíduos de outra espécie com funcionalidades semelhantes Quanto mais uma formação vegetal avança em direção a uma condição de clímax mais diversificada vai ficando sua estrutura já que novos nichos vão sendo criados impulsionando o aumento da biodiversidade alfa Em alguns casos impactos de pequena magnitude que estejam já de certa forma ligados à dinâmica natural do ecossistema abertura de clareiras por quedas de árvores mortas incêndios espontâneos movimentos de massa entre outros também contribuem para aumentar a sua complexidade uma vez que abrem nichos temporários para espécies colonizadoras que ali não poderiam sobreviver se não fossem esses impactos que alteram a estrutura ecossistêmica de forma pontual no espaço e no tempo Quadro 42 Principais características das fases de sucessão Atributos do ecossistema Nos estágios iniciais de desenvolvimento No clímax Tamanho dos indivíduos Pequeno Predominantemente grande Ciclo de vida Curtosimples Longocomplexo Crescimento Rápido com alta mortalidade Lento com maior capacidade de sobrevivência competitiva Flutuações Mais pronunciadas Menos pronunciadas Estratificação Pouca Muita Diversidade de espécies riqueza Baixa Alta Matéria orgânica total Pouca Muita Cadeia alimentar Linear simples Em rede complexa Ciclo de minerais Aberto grandes perdas erosivas Fechado Troca de nutrientes entre organismos e ambiente Rápida Lenta Fonte adaptado de Sucessão sd Livrobiogeografiaindb 176 02072015 130033 4 A dinâmica atual das populações nos ecossistemas 185 Por mais que as lendas atribuam à gralhaazul Cyanocorax caeruleus a dispersão da araucária diversos animais fazem a dispersão das sementes dos pinheiros sobretudo aves papagaios maritacas e maracanãs roedores cutias preás ouriços e pacas e macacos Esses animais colhem pinhões para sua alimentação e os carregam para longe da planta matriz muitas vezes deixando cair alguns pinhões ao solo que diante das condições necessárias de umidade germinam e dão origem a uma nova planta Fig 417 Ciclo reprodutivo da araucária desde a polinização pelas plantas masculinas até a germinação das sementes pinhões Fonte adaptado de Teixeira e Linsker 2010 Livrobiogeografiaindb 185 02072015 130035 188 Biogeografia para sobreviver dentro de um espectro ambiental muito mais amplo mesmo que com menor eficiência Considerando as tendências em curso de alteração de parâmetros climáticos nas próximas décadas em razão do aquecimento da atmosfera esperase não apenas que as espécies generalistas ocupem uma área ainda maior do que a que atualmente ocupam mas também que muitas espécies especialistas modifiquem espacialmente as suas zonas ótimas de ocorrência Potencial evolutivo Já que a amplitude ecológica de uma espécie responde por um diferencial competitivo em termos de disputa de território a capacidade de uma espé cie em produzir mecanismos de adaptação às variações ambientais fora da sua zona ótima alterando a sua amplitude ecológica inicial pode ser visto como um mecanismo de compensação no processo de seleção natural Podese destacar três processos distintos de adaptação que derivam do potencial evolutivo de uma espécie os ecótipos as mutações e as hibridações O primeiro processo representa a possibilidade de indivíduos da mesma espécie se adaptarem a condições ecológicas diferentes apresentando modificações na sua estrutura física eou na sua fisiologia o que é conhecido como plasticidade fenotípica Um exemplo bastante conhecido em relação a isso se refere às mudan ças sazonais da coloração do pelo de animais árticos A duração do fotoperíodo Fig 419 Gráfico esquemático comparando a amplitude ecológica entre três espécies diferentes no que se refere à temperatura Percebase que em condições de temperatura muito baixa e muito alta as espécies especialistas A e C respectivamente são superiores em termos de desenvolvimento da população e portanto têm maior capacidade competitiva Fora desses parâmetros no entanto a espécie B apresenta capacidade muito maior de sobrevivência e disseminação no território em razão do seu perfil generalista Fonte adaptado de Barnagaud et al 2012 Livrobiogeografiaindb 188 02072015 130035 198 Biogeografia a ser classificadas como halófitas como é o caso de boa parte das espécies que compõem os ecossistemas de restingas e manguezais Os organismos vivos podem ainda ser classificados em eurialinos que suportam grandes variações de salinidade como o salmão Salmo salar a enguia e a tainha Mugil brasiliensis os quais em razão dessa capacidade podem habitar tanto ambientes litorâneos quanto estuarinos e estenoalinos que não suportam grandes variações de salinidade nos quais se inclui a maioria dos peixes Boxe 42 Após 2000 anos no deserto semente germina normalmente Há cerca de 2000 anos a costa ocidental do Mar Morto atualmente ocupada pelo Estado de Israel era uma região de próspera produção de tâmaras princi pal produto de exportação dessa região e que tinha a fama de possuir poderes medicinais Posteriormente ciclos sucessivos de secas associados às perdas produzidas pelas guerras fizeram com que essa área perdesse completamente a sua capacidade produtiva Já durante a Idade Média o relato dos Cruzados era de que as tamareiras haviam desaparecido daquela região Escavações arqueológicas realizadas em 1963 naquela área próxima à antiga fortaleza construída pelo rei Herodes encontraram um conjunto de sementes de tamareira que foram conservadas em temperatura ambiente para estudos posteriores Em 2007 pesquisadores do Centro de Medicina Natural Louis L Borick de Israel selecionaram três dessas sementes para estudo Duas delas acabaram sendo destruídas para proceder à datação com isótopos de carbono e identificouse que as sementes possuíam idade aproximada entre 2110 e 1995 anos portanto condizente com o período áureo de produção de tâmaras na Judeia A terceira semente foi plantada pela equipe de pesquisadores e germinou depois de oito semanas transformandose em uma planta semelhante às atuais tamareiras Depois de 15 meses de crescimento a planta apelidada pelos cientistas de Matusalém em homenagem ao persona gem bíblico que teria vivido mais de 900 anos teve os vestígios da sua semente extraídos das raízes para a realização de datação que confirmou tratarse de uma semente com a mesma idade das anteriores As condições do deserto quente e seco foram certamente favoráveis à preservação das sementes mantendo intacta a sua capacidade germinativa Anteriormente a essa pesquisa a semente mais antiga conhecida com capacidade de germinar foi a de uma flordelótus com 1300 anos de idade Os cientistas agora buscam identificar se a tamareira corresponde a uma espécie ou varie dade já extinta em Israel o que abre a possibilidade para a sua reintrodução especialmente no cruzamento com as espécies atuais buscando criar novas variedades que tirem partido das informações genéticas da velha espécie como a resistência a secas ou a determinadas doenças Fonte baseado em Semente 2008 Livrobiogeografiaindb 198 02072015 130037 4 A dinâmica atual das populações nos ecossistemas 201 um semicírculo na água batem fortemente as asas e atraem os peixes para o raso onde são facilmente capturados Da mesma forma que os predadores desenvolveram evolutivamente atitu des comportamentais e estruturas destinadas à predação as presas também desenvolveram mecanismos para evitar a predação dos quais se destacam com maior importância o padrão críptico a coloração de advertência e o mimetismo 441 Padrão críptico Corresponde a uma estratégia desenvolvida por espécies palatáveis para criar uma estrutura de camuflagem que permita ao indivíduo se misturar com as cores e os padrões do fundo e assim diminuir as chances de ser identificado pelo predador Um exemplo bastante conhecido é o chamado bichodopau uma designação genérica para um grande número de espé cies de insetos que assumem as características das árvores onde vivem Não menos conhecida é a capacidade das cerca de 80 espécies de camaleão de alterar a sua cor para se camuflarem com o fundo diante do perigo Além Fig 424 Gráfico demonstrando duas tendências de crescimento populacional distintas Na curva 1 o controle presapredador garante uma flutuação populacional mais equilibrada dentro do que se convencionou chamar de curva em S Já na curva 2 a ausência de predadores e a oferta excessiva de alimentos leva a uma explosão populacional com proporcional aceleração da mortalidade assim que se atinge o limite dos recursos disponíveis configurando uma curva em J Livrobiogeografiaindb 201 02072015 130037 cinco Elementos de Biogeografia Cultural A maior parte das pessoas não teria problemas em concordar que os seres humanos representam a maior força de transformação da natureza que já se desenvolveu sobre este planeta especialmente a partir do início da era moderna com o advento da Revolução Industrial Imbuído de uma racionalidade capaz de compreender a natureza exclusivamente como fonte de recursos para as mais diferentes atividades o homem tem sido o responsável pela deflagração da sexta extinção em massa do planeta Oso 2008 por considerarse que o ritmo atual de desaparecimento de espécies animais e vegetais é equiparável às cinco grandes extinções que ocorre ram ao longo da história da Terra Como visto anteriormente a primeira grande extinção em massa de que se tem notícia ocorreu no Cambriano aproximadamente 550 milhões de anos atrás devido a uma forte redução do nível do mar que culminou na extinção de uma grande quantidade de espécies de águas rasas entre as quais as trilobitas A segunda aconteceu no Ordoviciano 440 maa em razão de uma forte glaciação que reduziu significativamente os níveis dos mares e levou ao desaparecimento de muitas espécies de invertebrados marinhos A terceira teve lugar no Devoniano 365 maa em decorrência de um grande aquecimento da atmosfera planetária seguido de rápida glaciação afetando significativamente o nível de Livrobiogeografiaindb 209 02072015 130038 5 Elementos de Biogeografia Cultural 215 Ao mesmo tempo isso acarretou um predomínio desse sentido sobre todos os outros levando a um característico achatamento da face como consequência da redução das mucosas olfativas Entre 10 e 15 milhões de anos atrás um novo ciclo glacial provocou uma estiagem nas florestas africanas que se prolongou por milhões de anos Os pânta nos se retraíram os solos secaram os lagos desapareceram e essas grandiosas florestas até então duas vezes maiores do que a atual Amazônia reduziramse a pequenos refúgios separados por savanas Weisman 2007 Essa situação tornou a vida na floresta muito mais difícil para os grandes primatas hominídeos uma vez que os fragmentos de floresta que restaram já não eram mais suficientes para garantir a alimentação de todas as espécies e diante da competição aqueles de menor porte tendiam a levar vantagem seja pela maior agilidade na caça e coleta seja pelas menores quantias de alimento de que necessitavam Assim restava aos grandes primatas tentar a sorte nas até então desconhecidas áreas abertas das savanas Dessa passagem da floresta para as savanas que os Australopithecus ancestrais dos seres humanos enfrentaram decorrem duas importantes Fig 52 Esquema de evolução da família dos primatas que se desenvolveu nos últimos 65 milhões de anos após a extinção dos dinossauros Fonte adaptado de Campbell sd Livrobiogeografiaindb 215 02072015 130039 5 Elementos de Biogeografia Cultural 237 A lista de espécies introduzidas pelos portugueses como parte da sua estra tégia de domínio e controle territorial inclui o dendezeiro Elaeis guineensis o inhame diversas espécies dos gêneros Alocasia Colocasia e Dioscorea o café Coffea arabica o gengibre Zingiber officinale a jaqueira Artocarpus heterophyllus a mangueira Mangifera indica L o açafrão Crocus sativus a pimentadoreino Piper nigrum a canela Cinnamomum zeylanicum a frutapão Artocarpus incisa e o capimcolonião Panium maximum entre outras 53 Da seleção artificial à produção artificial de novas espécies a ampliação das fronteiras da natureza Até aqui se analisaram dois importantes momentos da relação dos seres humanos com as espécies vivas sejam elas animais ou vegetais um primeiro momento em que os homens adquiriam seus alimentos direta mente na natureza por meio da caça e da coleta de espécies selvagens e um segundo momento em que os homens passaram a produzir o seu próprio alimento plantando eou criando espécies resultantes de aperfeiçoamen tos genéticos produzidos pelo processo continuado de domesticação Nenhuma dessas situações deixaram de acontecer até os dias atuais Tribos de caçadorescoletores continuam a existir em diferentes partes do mundo como os Penam os Caian os Queniá e os Punam no sudeste asiático os Soliga na Índia os Khoisan no sudoeste da África os Hadza na Tanzânia os Kung no deserto do Kalahari ou mesmo os esquimós no Alasca Canadá e Groen lândia No Brasil os AwáGuajá da família linguística tupiguarani vivem na préAmazônia brasileira e constituem um dos últimos povos caçadores e cole tores do Brasil tendo sido contatados pela Fundação Nacional do Índio Funai apenas em 1973 Os povos tradicionais do sudeste asiático mencionados dependem exclusiva mente da floresta e 223 tipos básicos de plantas são aproveitados regularmente Os alimentos mais importantes são cogumelos samambaias fetos e o miolo de várias plantas entre as quais o broto de bambu palmeiras silvestres e bananas Os Queniá consomem 25 variedades diferentes de fungos extraídos da floresta Domesticações e melhoramentos raciais por seleção artificial também são práticas bastante usuais em uma economia que busca cada vez mais o aperfei çoamento da produtividade ainda que muitas raças e variedades desenvolvidas ao longo de séculos e consideradas verdadeiros patrimônios culturais Fig 512 corram o risco de desaparecer em razão das tentativas de padronização associa das ao mercado global Livrobiogeografiaindb 237 02072015 130042 não previsíveis como o aparecimento de pragas secundárias No caso do milho o foco principal sempre foi o controle da lagarta Como esses predadores passaram a ser controlados nas variedades transgênicas as doenças fúngicas passaram a ser motivo de preocupação o que leva a supor que esteja ocorrendo um aumento progressivo no uso de fungicidas no cultivo do milho Morte de outros insetos e polinizadores Algumas espécies transgênicas podem conter parte do DNA de vírus ou bactérias capazes de causar danos não apenas ao predador desejado mas a uma ampla gama de outros insetos úteis Esse é o caso do milho Bt com genes do Bacillus thuringiensis uma bactéria presente no solo capaz de produzir proteínas com efeito inseticida e por esse motivo usada durante muitos anos na fabricação de inseticidas biológicos Ao incorporar parte da informação genética dessa bactéria em sua composição o milho transgênico passa a produzir essas proteínas tóxicas que eliminam não só a lagarta do milho mas também borboletas mariposas besouros e escaravelhos Questões como essas justificam o alerta feito pelo Ministério do Meio Ambiente brasileiro Riscos sd sobre os riscos inerentes ao consumo de produtos transgênicos e as suas implicações em termos de biosegurança e devem fazer com que se redobre a precaução quanto à adoção indiscriminada da biotecnologia 54 MECANISMOS BIOGEOGRÁFICOS EM AGROECOSSISTEMAS Os seres humanos não apenas criam e transformam espécies mas também são responsáveis pela sua reorganização espacial dentro dos chamados agroecossistemas que podem ser caracterizados como ecossistemas artificializados submetidos pelo homem a contínuas modificações de seus componentes bióticos e abióticos a fim de obter deles diferentes tipos de recursos e serviços Essas modificações afetam praticamente todos os processos que se têm discutido até aqui desde o comportamento dos organismos vegetais e animais quanto à dinâmica das populações e à composição das comunidades até a forma como se comportam os fluxos de matéria e energia dentro do sistema Como corresponde a um processo gerador de mudanças muito profundas podese afirmar que a criação de agroecossistemas corresponde ao maior impacto da atividade humana sobre a biosfera em termos de extensão já que mais da metade da superfície continental do planeta tem sido destinada para 248 Biogeografia Mais do que um sistema natural a ser preservado essa concepção agroecos sistêmica de sustentabilidade vê na floresta um sistema a ser utilizado pois é dele que vêm o alimento a moradia a energia e os remédios Fig 518 Essa foi a base de formação do movimento Chipko na Índia um movimento popular de pequenos agricultores iniciado na década de 1970 para impedir a derrubada das florestas ao norte do país De outro lado observase uma concepção completamente distinta baseada na racionalidade econômica do lucro e portanto focada apenas na elevação da produtividade final da monocultura a ser comercializada Tendo como base o uso intensivo de insumos a especialização do manejo o combate à diversidade e a utilização massiva da mecanização e da biotecnologia essa concepção de agro ecossistema vê a natureza exclusivamente como um substrato para o processo produtivo cujos limites de produção não são dados pelo funcionamento da estrutura ecológica do sistema mas pela garantia dos insumos externos que elevam artificialmente os níveis de produtividade e colocam o sistema ecológico em completa dependência da ação humana Uma dos caminhos que se pode investigar como alternativa a esse modelo insustentável que seja na produção de alimentos seja na produção florestal Fig 518 Esquema que representa a contribuição das espécies arbóreas tradicionais do ecossistema florestal indiano para os sistemas de sustentação da vida rural em comunidades de pequenos agricultores Fonte Shiva 2003 Livrobiogeografiaindb 248 02072015 130044 256 Biogeografia promovidas pelo modelo do agronegócio para mais informações consultar Conheça 2013 55 O papel da Biogeografia no planejamento das paisagens urbanas As áreas urbanas representam ecossistemas artificializados em que diferen tes escalas de espaço e tempo precisam interagir no sentido da compreensão de uma realidade que é temporalmente dinâmica e espacialmente fragmen tada Nessas áreas a estabilidade do sistema ambiental é comprometida por um alto grau de entropia intrínseca cuja origem é preciso reconhe cer está profundamente ligada ao conjunto das dinâmicas socioambien tais Fig 521 o que confere a esses sistemas um dos mais altos graus de complexidade no âmbito dos espaços apropriados pelo homem Quando é feita referência à complexidade dos ecossistemas urba nos insistese no fato de ser simplista e equivocada a visão de que as áreas urbanas representam apenas siste mas artificializados e empobrecidos de vida pelo impacto humano A interferência humana em termos de mudança na regulação dos fluxos de matéria e energia seja pela introdução de fluxos inexistentes em ecossiste mas naturais seja pela ampliação redução ou mesmo extinção de outros demonstra que os ecossiste mas urbanos possuem importância e complexidade próprias como ecos sistemas híbridos que ainda precisam ser muito bem estudados e conheci dos Fig 522 Aprender a manejar essa natu reza artificializada tornase uma Fig 521 Modelo genérico da dinâmica trófica em ecossistemas naturais e urbanos Os seres humanos alteram ambos os sistemas mas em ambientes urbanos as influências humanas são mais profundas e incluem A a introdução externa de recursos como água e fertilizantes e B o controle direto da diversidade de espécies de plantas e da produtividade primária levando a fortes controles nos níveis superiores da cadeia C Os seres humanos também fornecem diretamente os recursos para os herbívoros e predadores quer por meio da alimentação intencional quer como consequência não intencional de outras atividades como geração de resíduos plantação de hortas e jardins ou criação de animais domésticos o que leva a um maior controle dos níveis superiores sobre os inferiores em alguns taxa Fonte Warren et al 2006 Livrobiogeografiaindb 256 02072015 130045 258 Biogeografia Na abordagem biogeográfica das áreas urbanas uma das principais ques tões a serem avaliadas é justamente a influência dos padrões espaciais de uso do solo incluindo as variáveis relacionadas com a distribuição da biota no controle dos fluxos de matéria e energia dentro desses sistemas abertos Fig 523 o que resulta em maior ou menor comprometimento das funcionalidades ecossistê micas Huang Lai Lee 2001 Os ambientes construídos graças ao seu intenso metabolismo atuam assim como grandes conversores de recursos ao receber de longas distâncias gigan tescas quantidades de matéria e energia incluindo organismos vivos nativos e exóticos processálas e por fim excretar resíduos que se acumulam em dife rentes pontos da área urbana Só na América Latina são geradas diariamente 436000 t de resíduos em média 093 kg por habitante ONUHabitat 2012 e Fig 523 As cidades na condição de sistemas abertos que trocam matéria e energia com outras áreas próximas e distantes representam um dos tantos casos de sistemas antroponaturais longe do equilíbrio que podem ser estudados com base nos princípios da Ecologia da Paisagem buscando compreender e manejar a estrutura de distribuição dos organismos vivos em seu interior Fonte adaptado de Ribeiro 1998 Livrobiogeografiaindb 258 02072015 130046 seis Os grandes conjuntos biogeográficos do mundo atual 61 Considerações iniciais acerca da espacialização da biodiversidade na superfície da Terra Diante de todos os impactos em cadeia produzidos pela perda de espécies no planeta já discutidos no Cap 3 é possível considerar que além de uma crise de extinção das espécies vivas existe uma mais ampla a dos biomas considerada por alguns autores muito mais grave Hoekstra et al 2005 pois responde pela destruição de ambientes naturais que garantiram o surgimento e sustentam até hoje a manutenção de um número de espécies muito maior do que aquelas que estão se extin guindo Portanto as projeções para o espectro de extinções tendem a se ampliar grandemente quando o foco da destruição passa da escala da espécie para a escala do habitat Essa questão põe relevo a um dos conceitos mais utilizados dentro da Biogeografia o de bioma O termo bioma do grego bio vida e oma grupo foi proposto por Clements e Shelford 1939 para designar certo tipo de formação vegetal em associação com a sua fauna própria e subordinada a uma determinada condição climática A amplitude do conceito permite compreender que ele obedece especialmente aos critérios fisionômicos de classificação dos seres vivos já que dentro de um Livrobiogeografiaindb 269 02072015 130047 272 Biogeografia do ambiente semelhantes Na prática a diferença entre a formação vegetal e o bioma para ele é que este reproduz o primeiro mas acrescentando os agrupa mentos animais que têm nessa dada formação vegetal o seu habitat As tendências da diversidade da estrutura tendem a ser seguidas de perto pelas tendências da diversidade de espécies As biodiversidades alfa e beta ver o início do Cap 3 tendem sempre a diminuir à medida que as condições ambien tais vão se tornando menos favoráveis especialmente em termos de umidade disponível para a realização dos ciclos biogeoquímicos Já em ambientes com grandes teores de umidade as estruturas se desenvolvem e se diversificam fazendo surgir uma ampla variedade de nichos que promovem uma ampliação progressiva das taxas de biodiversidade Em que pese a enorme utilização do conceito de bioma dentro da Geografia podese elencar de forma resumida quatro principais características abran Fig 62 Diagrama de Whittaker que representa uma simplificação do diagrama de Holdridge em que a distribuição das formações vegetais no planeta passa a ser considerada apenas em função dos parâmetros de precipitação média anual e temperatura média anual Fonte adaptado de Whittaker 1962 Livrobiogeografiaindb 272 02072015 130048 284 Biogeografia Seja pelos equívocos cometidos na classificação do Radambrasil ao atri buir por exemplo uma formação savânica eou estépica aos campos do pampa sulbrasileiro seja pela opção dos manuais escolares de continuar adotando classificações mais genéricas e simplificadas as propostas de classificação mais detalhada de AndradeLima 1966 e de Veloso 1966 nunca se tornaram muito populares dentro do círculo acadêmico brasileiro o que é realmente lamentável 62 Biomas terrestres 621 Florestas tropicais e subtropicais úmidas Esse bioma localizase em grandes e descontínuas manchas principal mente dentro da zona intertropical do planeta Fig 67 embora essa floresta latifoliada de grande exuberância estrutural e rica composição também se estenda para latitudes mais altas em áreas de baixas altitudes e grande concentração de umidade No Brasil esse bioma compreende nada menos que 21 ecorregiões diferen tes distribuídas em dois grandes domínios o amazônico e o atlântico o que representa um amplo espectro estrutural e ecológico desde as florestas mais úmidas e mais densas classificadas como florestas ombrófilas densas até as florestas úmidas de araucária denominadas florestas ombrófilas mistas representadas por formações mais abertas e que se localizam acima de 400 Fig 67 Distribuição do bioma de florestas tropicais no planeta Em que pese a identidade fisionômica das áreas recobertas por esse bioma especialmente devido ao controle climático esse conjunto de florestas envolve 50 ecorregiões globais distintas sendo algumas delas subdivididas na escala continental em duas ou mais ecorregiões Delorme Wikimedia Livrobiogeografiaindb 284 02072015 130050 6 Os grandes conjuntos biogeográficos do mundo atual 293 A segunda forma de biopirataria é igualmente criminosa e apresenta grave ameaça à preservação das florestas tropicais o tráfico de animais que representa hoje o terceiro maior negócio ilegal do mundo perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas Esse comércio que movimenta aproximadamente US 19 bilhões por ano só no Brasil é responsável pela movimentação de mais de US 700 milhões com a retirada anual de aproximadamente 12 milhões de animais das florestas brasileiras considerando que para cada animal vendido outros nove não sobrevivem Muitos deles têm os seus dentes e garras arrancadas outros são vendidos drogados ou embriagados ou são rodados pela cauda a todo momento até ficarem completamente desnorteados e parecerem mansos e domesticados 622 Florestas tropicais e subtropicais estacionais As florestas tropicais e subtropicais estacionais são encontradas no sul do México sudeste da África região central da Índia Indochina Madagascar Nova Caledônia leste da Bolívia Brasil central Caribe vales dos Andes setentrionais e ao longo das costas do Equador e do Peru Embora essas florestas ocorram em climas quentes durante todo o ano podendo receber uma grande pluviosidade anual a chuva nesses locais é mal distribuída e as espécies precisam lidar com longos períodos de seca que podem durar meses dependendo da região Essas secas sazonais têm grande impacto sobre todas as espécies que vivem nesses biomas especialmente no controle da caducifolia estratégia utilizada pelas plantas para reduzir a capacidade de transpiração e a perda de água Durante a estação de perda de folhas a abertura do dossel permite que a luz solar atinja o nível do solo facilitando o crescimento de um estrato herbá ceo no interior da floresta Embora menos biologicamente diversificadas do que as florestas tropicais úmidas as florestas estacionais tropicais ainda são o lar de uma grande variedade de vida selvagem incluindo macacos grandes felinos papagaios vários tipos de roedores e pássaros que diferentemente do que ocorre nas florestas úmidas encontram seu habitat mais próximo do solo Muitas dessas espécies indicam adaptações extraordinárias à estação seca Em alguns casos essas áreas de florestas tropicais estacionais são extre mamente importantes para a conservação da biodiversidade como na costa do Pacífico onde o isolamento dessas manchas florestais entre a cadeia montanhosa e o oceano permitiu o aparecimento de uma grande variedade de fauna endêmica Uma das espécies mais características desse bioma e com imensa impor tância social no continente africano em que ocorrem sete das oito espécies do Livrobiogeografiaindb 293 02072015 130052 6 Os grandes conjuntos biogeográficos do mundo atual 297 insetívoras Algumas delas como o picapau possuem o bico adaptado para encontrar insetos nas árvores Doninhas comem pequenos animais enquanto os guaxinins e outros pequenos animais comem peixes sapos e frutas Nesse bioma ocorre um dos processos mais antigos de exploração seja pela busca da madeira seja pelo desmatamento associado à expansão das áreas de agricultura e pecuária tanto nos Estados Unidos quanto na Europa Atualmente resta menos de um quarto das florestas temperadas originais a maior parte das quais densamente fragmentadas nos territórios Por causa desse grande nível de perturbação e do desaparecimento de predadores de topo de cadeia como o urso e os lobos muitas espécies oportunistas como os veados tendem Fig 614 Esquema de representação da cadeia alimentar no bioma das florestas temperadas Fonte adaptado de Viau 2000 Livrobiogeografiaindb 297 02072015 130052 6 Os grandes conjuntos biogeográficos do mundo atual 313 mas insuficiente para eliminar a influência do período anterior na paisagem moderna Freitas et al 2009 Ainda assim as variações de solo manejo da terra e condições de umidade ao longo do bioma pampa permitem a identificação de seis ecorregiões bastante diferenciadas no seu interior Fig 620 desde as áreas de maior umidade representadas pelas chamadas savanas inundáveis e pampa úmido até as áreas estépicas do pampa semiárido e do Espinhal Cabe aqui uma referência que deverá implicar uma correção do mapa da Fig 64 proposto por Olson et al 2001 Ao estabelecer a separação entre as sava nas e os campos temperados de um lado e as savanas e os campos tropicais e subtropicais de outro separouse a biorregião do pampa em dois agrupamentos distintos remetendo a ecorregião do pampa BrasilUruguai para o grupo dos cerrados brasileiros e incluindo as estepes patagônicas ao pampa argentino No entanto devese enfatizar a ideia de que mais do que um conjunto de ecorre giões ecologicamente discrimináveis o pampa constituise em uma biorregião com uma história de ocupação uma cultura humana e uma solidariedade ecoló gica indivisíveis dentro do seu território motivo pelo qual a Fig 620 confronta a classificação proposta por Olson et al 2001 e ao mesmo tempo estabelece Fig 620 Mapa de distribuição das ecorregiões do pampa sulamericano Fonte adaptado de Martino 2004 Livrobiogeografiaindb 313 02072015 130054 6 Os grandes conjuntos biogeográficos do mundo atual 329 A bacia do Alto Paraná por exemplo suporta mais de 300 espécies de peixes com um alto grau de endemismo provavelmente resultante do isolamento das espécies produzido pelo grande número de cachoeiras e barreiras naturais à dispersão Só no rio Iguaçu ocorrem aproximadamente 65 espécies de peixes das quais cerca de 50 espécies são endêmicas e que permanecem parcialmente isoladas das demais espécies do rio Paraná devido às cataratas do Iguaçu e à usina de Foz do Iguaçu Há também elevada riqueza de outros organismos aquá ticos vertebrados e invertebrados 634 Drenagens de áreas semiáridas e bacias endorreicas São ecorregiões de água doce dominadas por sistemas aquáticos endor reicos ou águas doces que são encontradas em ambientes subúmidos ecoestacionais semiáridos ou desérticos Esses ecossistemas tendem a ter faunas específicas adaptadas a regimes de inundação efêmeros e intermitentes ou níveis de águas mais baixas durante certas épocas do ano que acabam produzindo um isolamento estacional de algumas espécies em lagoas interiores Exemplos incluem a ecorregião do baixo Nilo ou o vale da Morte nos Estados Unidos Também é extraordinária a diver sidade de espécies de água doce presentes em algumas paisagens de baixíssima umidade como no centro da Austrália no planalto da Anatólia e no deserto de Chihuahua Este último considerado a Galápagos mexicana apresenta um conjunto tão impressionante de endemismos marcados por mecanismos de adaptação às condições de aridez que recentemente a Nasa chegou a afirmar que a descoberta de vida em Marte passaria por processos únicos semelhantes aos encontrados na Reserva Biológica de Cuatro Ciénegas no deserto de Chihuahua Estromatólitos vivos habitam as piscinas naturais de Cuatro Ciénegas Tratase de colônias de cianobactérias já extintas na maior parte do mundo que estão ligadas à origem de uma atmosfera mais rica em oxigênio há mais de 3 bilhões de anos Das 150 diferentes espécies de plantas e animais endêmicos dessa área cerca de 30 são espécies aquáticas oito das quais são de peixes como o mojarradodeserto Labridens minckleyi um ciclídeo endêmico das águas quentes e sulfurosas do rio Mezquites Tal como ocorre em outras regiões áridas e semiáridas ao redor do planeta a intensificação da agricultura em vales próximos a Cuatro Ciénegas pode comprometer em um futuro recente o processo de alimentação subterrânea de água para as piscinas naturais e os rios da região Livrobiogeografiaindb 329 02072015 130057 6 Os grandes conjuntos biogeográficos do mundo atual 337 Quadro 61 Listagem das 62 províncias biogeográficas marinhas e das respectivas ecorregiões existentes nas áreas de plataforma continental do planeta Ártico 1 Províncias não identificadas 1 Norte da Groenlândia 2 Norte e Leste da Islândia 3 Plataforma oriental da Groenlândia 4 Plataforma Ocidental da Groenlândia 5 Grandes Banquisas Setentrionais Labrador Meridional 6 Labrador Setentrional 7 Baía de Baffin e Estreito de Davis 8 Complexo de Hudson 9 Estreito de Lancaster 10 Alto Arquipélago Ártico 11 Beaufort Amundsen Viscount Melville Queen Maud 12 Mar de Beaufort região costeira e Plataforma Continental 13 Mar de Chukchi 14 Mar de Bering Oriental 15 Mar Siberiano de Leste 16 Mar Laptev 17 Mar de Kara 18 Norte e Leste do Mar de Barents 19 Mar Branco Temperado do Atlântico Norte 2 Mares Europeus Setentrionais 20 Islândia Meridional e Ocidental 21 Platô Faroe 22 Noruega Meridional 23 Noruega Setentrional e Condado de Finnmark 24 Mar Báltico 25 Mar do Norte 26 Mares Célticos 3 Lusitânia 27 Plataforma Atlântica Europeia Sul 28 Ressurgência Saariana 29 AçoresCanárias Madeira 4 Mar Mediterrâneo 30 Mar Adriático 31 Mar Egeu 32 Mar Levantino 33 Platô Tunisiano Golfo de Sidra 34 Mar Jônico 35 Mediterrâneo Ocidental 36 Mar de Alborão 5 Noroeste Atlântica Temperada Fria 37 Plataforma Atlântica Europeia Sul 38 Grandes Banquisas Meridionais Sul de Terra Nova 39 Plataforma da Nova Escócia 40 Golfo do Maine Baía de Fundy 41 Virginiana 6 Noroeste Atlântica Temperada Quente 42 Caroliniana 43 Golfo do México Setentrional 7 Mar Negro 44 Mar Negro Livrobiogeografiaindb 337 02072015 130057 Fig 22 Os tigresdebengala Panthera tigris tigris correspondem a uma das nove subespécies de tigre existentes no mundo com populações espalhadas em vários pontos da Índia e países vizinhos Uma alteração cromossômica deu origem ao tigredebengala branco aumentando a variabilidade genética dessa subespécie Michele Eve Sandberg Flickr Fig 21 A distribuição das diferentes espécies de salamandra do gênero Ensatina ao redor do Vale Central da Califórnia nos Estados Unidos oferece um dos melhores exemplos de divergência genética produzida por isolamento por barreiras geográficas Impedidas de manter contato reprodutivo durante um longo período devido à extrema aridez da paisagem diferentes populações de salamandras cujos indivíduos cruzavam apenas entre si foram acumulando diferenciações genéticas até o ponto de se diferenciarem da espécie ancestral dando origem a novas espécies Espécies com distribuição circular como as salamandras ao redor desse vale são chamadas de espécies em anel Fonte adaptado de University of California Museum of Paleontology sd cadernodefigurasindd 2 03072015 162612 Fig 66 Distribuição das 39 ecorregiões com ocorrência total ou parcial no território brasileiro Os critérios para a delimitação das ecorregiões como explicado anteriormente não se baseiam exclusivamente no aspecto fisionômico mas também na riqueza de espécies no grau de endemismo nas singularidades taxonômicas na ocorrência de comunidades relictuais e na raridade do habitat Fonte adaptado de G200 maps sd cadernodefigurasindd 11 03072015 162623 Fig 634 O registro da data de chegada dessas quatro espécies de aves migratórias ao seu local de reprodução linhas tracejadas na costa leste dos Estados Unidos demonstra a profunda relação existente entre as variações de temperatura linhas contínuas e as variações do calendário migratório dessas espécies Mesmo pequenas variações na temperatura média podem ser responsáveis pela antecipação da chegada das aves em até quatro dias com impactos no seu ciclo reprodutivo e de crescimento Fonte adaptado de Hurlbert e Liang 2012 cadernodefigurasindd 16 03072015 162629 Abordando uma das áreas de conhecimento mais fascinantes Biogeografia trata da relação entre seres vivos sociedade e os diferentes elementos das paisagens bem como suas dinâmicas e transformações ao longo do tempo Sua sólida base teórica e metodológica aliada a vívidas ilustrações fotografias e gráficos explicativos absorverá o leitor Numa linguagem didática o livro discorre sobre os conceitos de distribuição de espécies extinção e conservação da biodiversidade dinâmica das populações Biogeografia Cultural e biomas da superfície terrestre Apresentase a aplicação desses conceitos por meio de diversos exemplos do Brasil e do mundo além de quadros com relatos sobre a relação da fauna com o acidente radioativo de Chernobyl a ameaça à biodiversidade em Madagascar e o impacto ecológico das estradas entre outros importantes e dramáticos exemplos Com essa abordagem Biogeografia preenche uma importante lacuna na bibliografia nacional avançando alguns passos na construção de uma Biogeografia brasileira Serve como referência para estudantes e profissionais de Geografia Biologia Agronomia e Ecologia e abre os horizontes ao público amplo ISBN 9788579751769