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Geografia ·

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Paulo Cesar da Costa Gomes Geografia e Modernidade Paulo Cesar da Costa Gomes GEOGRAFIA E MODERNIDADE Minha Impalpável Biblioteca Copyright 1996 by Paulo Cesar da Costa Gomes Capa projeto gráfico de Leonardo Carvalho 1996 Impress no Printed in Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ G616g Gomes Paulo Cesar da Costa Geografia e modernidade Paulo Cesar da Costa Gomes Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1996 ISBN 8528605469 1 Geografia Filosofia I Título 951562 CDD 91001 CDU 9101 Todos os direitos reservados pela EDITORA BERTRAND BRASIL SA Av Rio Branco 99 20 andar Centro 20040004 Rio de Janeiro RJ Tel 021 2632082 Fax 021 2636112 Telex 21 33798 Av Paulista 2073 Conj Nacional Horsa I Salas 13012 01311300 São Paulo SP Tels 011 2854941 e 2850251 Telex 011 37209 Fax 011 2855409 Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra por quaisquer meios sem a prévia autorização por escrito da Editora Atendemos pelo Reembolso Postal As mudanças na geografia Resultam ao mesmo tempo de motivações na ordem da pesquisa na exposição na representação dos fatos e dos movimentos e dos debates onde ressurge sempre a oposição entre antigos e modernos Pierre Georges Prefácio a Deux siècles de géographie française p 7 Nós queríamos pois demonstrar que as descontinuidades estão na natureza das coisas e dos processos de evolução e não somente no espírito do pesquisador depois ver que partido deve ser tirado destas observações no plano do raciocínio Roger Brunet Les phénomènes de discontinuités en géographie p 11 O aparecimento de uma nova geografia foi forte e persistentemente proclamado por quase todas as gerações de geógrafos desde os tempos antigos Frequentemente o adjetivo indica apenas que algumas novas informações estão ao alcance mas ocasionalmente há inovações genuínas de técnicas ou método ou ainda de conceitos que ensejam um alargamento da compreensão de uma espécie de ordem no espaço terrestre Algumas vezes uma nova geografia significa que todo um mundo novo foi trazido à luz Preston James All possible world p 505 Minha Impalpável Biblioteca Sumário Introdução 9 Parte 1 O DEBATE DA MODERNIDADE 17 1 Os dois pólos epistemológicos da modernidade 19 2 Os elementos da estrutura do mito da modernidade 48 3 A evolução do racionalismo moderno e o pensamento da natureza 67 4 As contracorrentes 93 Parte 2 A DINÂMICA DUAL NO CONTEXTO DA GEOGRAFIA CLÁSSICA 125 5 Os fundamentos filosóficos da geografia científica 127 6 A emergência da dualidade no discurso dos fundadores da geografia moderna 149 7 Racionalismo e legitimidade científica o caso do determinismo 175 8 Vidal um cruzamento de influências 192 9 A renovação crítica 223 Parte 3 O ADVENTO DOS TEMPOS MODERNOS 247 10 O horizonte lógicoformal na geografia moderna 249 11 O horizonte da crítica radical 274 12 O horizonte humanista 304 Conclusão 339 Bibliografia 343 Minha Impalpável Biblioteca Introdução Há aproximadamente três anos um debate sobre a reforma do ensino secundário francês relançou uma antiga discussão em torno do papel e da importância da manutenção da geografia no currículo do ensino básico Argumentos bastante conhecidos vieram novamente à tona a geografia nunca teria produzido resultados suficientes para fazêla figurar ao lado das disciplinas verdadeiramente científicas ela pretende integrar quase todos os ramos do saber mas na verdade não ultrapassa o patamar das relações banais entre natureza e cultura jamais teria se libertado dos estreitos limites de uma tautologia empirista e se satisfaz com análises simplistas de relações superficiais sem se elevar ao nível de abstração requerido pela ciência moderna enfim ela seria uma ciência abortada segundo os julgamentos críticos mais severos Em resposta os geógrafos sublinharam os progressos relativos aos diversos domínios incriminados pelos críticos evocando notadamente a introdução de novas técnicas o caráter mais operacional dos conceitos recentes assim como o papel 1 Esta foi por exemplo a opinião do conhecido sociólogo francês Pierre Bourdieu um dos intelectuais nomeados pelo ministério público francês na comissão que estudava a reformulação da grade de ensino secundário da geografia na definição de políticas de reorganização do território A resposta enfatizou portanto os aspectos relacionados à modernização de seus métodos a nova perspectiva prospectiva e sobretudo a ruptura que foi operada com aquilo que se identifica como sendo a velha geografia O prestígio e a legitimidade se justificariam assim pela conformidade ao modelo normativo de ciência e sua modernidade se exprimiria nas técnicas sofisticadas imagens de satélite tratamento informático de dados sistemas de informações geográficas etc e nos métodos que ela emprega Geografia e modernidade eis o eixo central da questão Assim saber se a geografia é uma ciência consiste em um certo sentido em meditar sobre o caráter moderno desta disciplina Se aceitarmos no entanto a idéia de que a ciência de uma época se inscreve necessariamente na representação do mundo desta época e se aceitarmos ainda que a geografia tem justamente como principal tarefa apresentar uma imagem renovada do mundo parece evidente que a geografia e a modernidade estejam intimamente ligadas Ao nível do ensino secundário por exemplo ela tem por meta apresentar uma visão global e coerente do mundo em que a dinâmica dos fenômenos naturais e as relações homemnatureza ou sociedadeterritório são articuladas à luz de uma perspectiva que nos é contemporânea Neste sentido o professor de geografia se aproxima da imagem do aedo grego que através dos seus cantos reatualizava a ordem do mundo através das aventuras dos deuses e heróis no interior de longas cosmogonias Assim como o geógrafo atual estes poetas descreviam a imagem do mundo e forneciam ao fazêlo uma explicação da multiplicidade uma cosmovisão Tratase de uma dimensão freqüentemente negligenciada do saber geográfico como produtor e difusor de uma cosmovisão moderna Que ela tenha obtido êxito ou não em estabelecer relações necessárias leis ou teorias a geografia é o domínio do saber que procura integrar natureza e cultura dentro de um mesmo campo de interações Que outra disciplina moderna poderia reivind car este papel e esta competência A filosofia se dedicou a esta tarefa durante séculos Ela aliás tem origem nas questões colocadas pelos présocráticos sobre o que reuniria a dispersão Tratavase da primeira grande aventura da razão como possibilidade de conferir uma ordem ao espetáculo da natureza em toda a sua multiplicidade O geógrafo herdou estas preocupações e as reatualiza na compreensão do mundo atual As cosmogonias modernas podem ser lidas nos manuais nos tratados e nos atlas geográficos as modernas odisséias são portanto escritas todos os dias nas obras geográficas Se a existência de relações entre o discurso geográfico e o espírito da época pode ser facilmente estabelecida a leitura do sentido do moderno é bem menos evidente Assim a análise da modernidade geográfica deve talvez primeiramente passar pelo estudo das diferentes significações do conceito mesmo de moderno Este campo possui uma dinâmica bem mais complexa pois uma desconfiança crescente em relação ao projeto moderno emerge nos últimos anos desconfiança que se traduz no questionamento dos modelos de ciência sob diferentes aspectos As duas últimas décadas são aliás marcadas por um discurso que procura uma explicação geral na idéia de crise crise econômica política social e a que nos interessa de mais perto crise da ciência O recurso a esta idéia faz intervirem implicitamente diversas outras noções falência esgotamento e incapacidade Nessa via este discurso se obriga a anunciar algo de novo uma solução substitutiva que em princípio poderá preencher as lacunas associadas ao diagnóstico mesmo da crise Tratase de uma explicação que possui sempre uma dupla face de um lado a condenação do antigo do outro o anúncio da supremacia do novo Essa estrutura recorrente no discurso científico tem já há alguns anos conseguido arregimentar progressivamente novos adeptos Em outros termos a constatação de uma ciência insuficiente limitada pretensiosa e frágil é objeto de um verdadeiro consenso e os argumentos avançados são aceitos sem muitos protestos ou controvérsias Existe mesmo um vocabulário próprio associado a esta idéia de crise e ciência positiva determinista e racional constitui denominações que praticamente perderam seus significados primitivos servindo tãosomente para caracterizar o descrédito em relação a um certo tipo de ciência A ciência condenada algumas vezes caricaturalmente é a ciência moderna nascida do projeto iluminista e institucionalizada dentro de uma vertente positivista e normativa Por positivista se entende um saber sistemático que acredita na possibilidade de afirmar proposições a partir de um certo grau de precisão e dentro dos limites de uma linguagem lógica ou seja de uma maneira positiva Por normativo se compreende que esta possibilidade só existe quando são seguidas determinadas regras e condutas Este tema será retomado adiante por enquanto é necessário ter em mente a importância do método e do reconhecimento de sua legitimidade como base desta concepção de ciência A associação entre a eclosão da modernidade e a formação de uma ética científica moderna baseada nas discussões metodológicas é imediata existindo mesmo uma relação de reciprocidade entre esses dois acontecimentos A modernidade fundou uma ciência nova como dizia Bacon e esta ciência constitui o espírito mesmo daquilo que se denomina de modernidade É natural que no momento em que se anuncia o esgotamento das idéias que nutriam o projeto da modernidade a ciência seja um dos alvos privilegiados e que as condições de superação façam necessariamente menção à redefinição de seu papel de sua importância e de seus limites Há alguns anos a idéia segundo a qual estaríamos no fim da modernidade ganha terreno e nesta via se afirma a emergência de um novo período a pósmodernidade Este movimento foi primeiramente identificado na arquitetura em seguida outras manifestações se fizeram presentes em outros domínios artísticos e hoje falase mesmo de uma ciência pósmoderna É certo que a natureza e a rápida difusão desta denominação tornam difícil a diferenciação entre o que seria um simples efeito de moda superficial e o que revelaria uma verdadeira transformação de fundo na sociedade Isto não impede no entanto que algumas características deste movimento possam ser identificadas em diversas esferas de atividades Uma das primeiras manifestações é o questionamento do poder da razão em assegurar o prosseguimento do projeto da modernidade e mais radicalmente é a legitimidade mesma deste projeto que está sob suspeita O sistema da racionalidade com todos os seus derivados constitui em verdade o grande malestar destes anos pósmodernos derivando daí a filiação antiracional ou irracional alardeadas por diversas obras contemporâneas O questionamento da ciência de seus métodos de seu poder hegemônico é imediato e a refutação deste modelo é vista como a primeira condição para a superação que conduz do moderno ao pósmoderno A geografia é freqüentemente acusada de estar atrasada em relação aos principais debates epistemológicos A despreocupação teórica é comumente apontada para testemunhar a fraqueza da pesquisa em geografia e a falta de prestígio em relação às outras ciências sociais No que diz respeito a esta corrente de contestação ao modelo clássico de ciência os geógrafos muito cedo começaram a participar do debate2 Aliás desde os anos setenta uma corrente humanista exerce uma influência considerável sobre o pensamento geográfico Esta endereça à ciência 2 Ver por exemplo DEAR M State territory and reproduction planning in a postmodern era UFRJ Rio de Janeiro 1988 1ed Society and Space 1986 CLAVAL Paul Forme et fonction dans les métropoles des pays avancés in BERQUE A La qualité de la ville Urbanité fran çaise urbanité japonaise Maison FrancoJaponaise Tokio 1987 pp 5665 GREGORY D Postmodernism and politics of social theory Environment and Planning Society and Space n 4 1987 pp 245248 HARVEY D The condition of postmodernity Oxford Basil Blackwell 1989 SOJA E Postmodern geographies Bristol 1989 um certo número de questões e de críticas aparentadas às que são levantadas pelo debate da pósmodernidade A pronta participação dos geógrafos neste debate se deve em parte ao fato de que as discussões sobre a pósmodernidade incidem freqüentemente sobre temas caros à tradição geográfica o espaço o urbano o planejamento o regionalismo a escala local a natureza etc A geografia que tem seus objetivos acadêmicos inscritos no projeto da modernidade se sente naturalmente interpelada pelo questionamento do qual ela é simultaneamente o objeto e o sujeito e se preocupa portanto em buscar as possibilidades os meios e os limites de um novo quadro contextual e conceitual Para medir a influência do pósmodernismo sobre a geografia é importante talvez considerar primeiramente a natureza da geografia moderna avaliar o progresso as heranças e por que não a legitimidade da manutenção de uma tradição que construiu a identidade desta disciplina Uma geografia pósmoderna é obrigatoriamente tributária de seu passado e em uma certa medida reafirma sua tradição sem a qual as noções de continuidade e de transformação nos escapariam A tendência pósmodernista que se insinua na geografia impõe assim um olhar retrospectivo uma espécie de balanço do que foi a geografia moderna A identidade geográfica foi muitas vezes procurada através da tentativa de definição de seu objeto científico Outras vezes foi no método ou no espírito geográfico que se acreditava estar situada a especificidade desta disciplina De qualquer maneira a individualidade geográfica foi freqüentemente analisada segundo um ponto de vista interno em oposição a um ponto de vista externo que a definiria em relação às outras disciplinas Este trabalho tem por objetivo seguir o desenvolvimento da geografia durante os dois últimos séculos em suas múltiplas relações com o projeto da modernidade A definição progressiva do objeto da geografia assim como as transformações meto dológicas que contribuíram em sua constituição são desta forma os objetos privilegiados nessa análise Todavia não se trata aqui de buscar uma individualidade intrínseca ou reflexiva mas sim aquela que se forjou no interior de um contexto epistemológico geral Para a consecução desse programa duas tarefas fundamentais se impõem primeiramente a identificaçãocaracterização do projeto da modernidade e suas modificações após é necessário mostrar em que medida a geografia se integra a este projeto moderno buscando definir como as influências epistemológicas mais gerais foram traduzidas no vocabulário específico desta disciplina Assim a primeira parte desta discussão se consagra à identificação dos eixos gerais que presidiram os principais debates metodológicos na ciência moderna ou seja seus pólos epistemológicos Para conseguilo foi necessário estabelecer e precisar ao mesmo tempo os limites o método e o alcance da abordagem aqui adotada Assim após traçar um breve quadro das modificações trazidas pelos tempos modernos em alguns domínios da vida social apresentamos uma exposição da evolução científica no interior da qual se desenham duas tendências opostas que acreditamos caracterizam o desenvolvimento do pensamento geográfico moderno A segunda e a terceira partes se debruçam sobre certas questões recorrentes no seio da geografia e para as quais foram concebidas diferentes respostas desenhandose o contorno de diversas correntes nesta disciplina De um lado este percurso foi guiado pelo olhar de alguns geógrafos que trataram em diferentes momentos dos problemas metodológicos na geografia e de outro lado ele seguiu ainda que parcialmente as idéias filosóficas que contribuíram para forjar o contexto intelectual geral no interior do qual a geografia evoluiu Parte 1 O debate da modernidade 1 Os dois pólos epistemológicos da modernidade A atualidade do debate e suas raízes Os novos tempos pósmodernos começaram segundo Charles Jenks em 15 de junho de 1972 quando o grande conjunto habitacional de PruittIgoe em StLouis nos EUA foi dinamitado após ter sido julgado inabitável1 Tratavase de um grande projeto de Le Corbusier síntese de todo o seu trabalho como arquiteto e urbanista moderno fiel aos princípios da Carta de Atenas guia da arquitetura moderna durante quase meio século A implosão deste conjunto significou também o desmoronamento de uma série de proposições que davam sustentação a este tipo de programa arquitetônico Uma das mais importantes era a de fazer de cada residência uma máquina de morar Neste programa tudo era racionalidade e funcionalidade ou seja a justificativa de uma forma se baseava em sua performance funcional e a expressão estética deste purismo racionalista se traduziu pela predominância das linhas retas 1 HARVEY D op cit p 39 dos largos horizontes desprovidos de qualquer ornamentação inútil ou injustificável A pesquisa de materiais também teve um papel relevante e segundo Oscar Niemeyer as possibilidades do concreto armado protendido forneceram as condições de toda a criatividade da arquitetura moderna Neste momento o trindmio ciênciatecnologiaarte parecia funcionar em estreita comunhão e harmonia Brasília é um exemplo clássico uma cidade completamente criada ex nihilo um espaço concebido inteiramente a partir de um projeto prévio onde a lógica se coloca a serviço dos nomes das ruas onde os carros verdadeiras carapaças do homem moderno foram eleitos como o meio de transporte prioritário e onde a paisagem horizontal do Planalto Brasileiro se associou às linhas retas dos grandes conjuntos arquitetônicos para criar uma harmonia lógica e despojada característica desta estética modernista Se Paris foi nos uniformes e funcionais bulevares da reforma Haussmann o grande teatro da modernidade celebrada por Baudelaire Nova Iorque põe em cena talvez a triste glória do seu fim e ao lado dos grandes monolitos gêmeos do World Trade Center emergem cada vez mais numerosos exemplos da nova arquitetura como o já célebre edifício da ATT Esta nova maneira de pensar a arquitetura não abandona o monumentalismo e não rompe de maneira radical com as técnicas ou com os materiais característicos do modernismo O grande corte se situa no programa arquitetônico e na nova preocupação estética Em oposição ao modernismo universalizante procuramse soluções específicas que conduzem a formas únicas particulares com uma preocupação decorativista anteriormente julgada inútil A audácia que não estava ligada senão à grandiosidade e ao desafio técnico levado a seus últimos limites se associa agora a uma busca quase barroca Algumas vezes este novo gosto beira o kitsch e o núcleo de inspiração se alimenta de uma certa nostalgia eclética dos anos 5060 Os resultados 20 pela escolha das formas das cores ou dos elementos decorativos têm uma apreciação controvertida mas são legitimados em nome da singularidade e da subjetividade do julgamento estético Fica patente a afirmação de um certo particularismo ou da intenção de criar elementos únicos em oposição à antiga conduta que produzia projetos em série baseados nos mesmos princípios gerais O pósmodernismo nega o universalismo a generalização qualidades e procedimentos básicos no modernismo Na medida em que valoriza o caráter único e excepcional é necessário então contar com outras vias de legitimidade diferentes daquelas abertas pela racionalidade a inspiração o sentimento a indeterminação a polimorfologia a polissemia ou seja vias que negam a razão totalizante condição de toda generalização Dentro desta mesma perspectiva de oposição à racionalidade e à ordem lógica em outros campos de atividade surgem aspectos também bastante significativos Nas artes gráficas e no design pósmodernos por exemplo apesar do mesmo retorno aos anos 5060 os resultados incorporam muitas vezes uma dimensão deliberadamente anárquica A associação simples de formas freqüentemente geométricas a enorme exuberância de cores e a utilização de materiais incomuns produzem um resultado que insinua o irracionalismo já que as formas as cores ou os materiais não possuem qualquer relação com a função do objeto ou mesmo com uma mensagem metafórica Aí reside a forte diferença em relação aos movimentos modernistas pois estes últimos faziam permanentemente apelo a novos códigos de representação mas sempre com uma preocupação clara de inteligibilidade Eles pressupunham o papel mediador da razão e da lógica na representação das significações e dos conteúdos enquanto na proposta pósmoderna as significações devem ser fluidas mutantes e permanentemente reatualizadas Sua estrutura se aproxima dos mitos onde os dramas a cada vez revividos são significações sempre em mutação Uma nova dimensã 21 espaçotemporal é procurada na qual as categorias apriorísticas são substituídas por unidades fenomenológicas mutáveis e relativas Os grandes autores da estética literária moderna por exemplo criaram sofisticados códigos de expressão que exigem um trabalho complexo de interpretação como em Joyce Beckett Proust ou Kafka Já as novas tendências narrativas são arredias a qualquer exercício objetivo e geral de interpretação em razão de seu caráter autoreferencial Da mesma forma a crítica literária que interpretava estes textos com a ajuda de um instrumental semiótico é hoje fortemente contestada pela nova tendência desconstrucionista Segundo esta perspectiva um texto se desdobra em um discurso em contrabando composto de detalhes essenciais metáforas imagens parênteses aspas etc que se infiltram no discurso declarado e escapam à consciência do leitor e mesmo do autor Assim a univocidade proclamada dos enunciados filosóficos se apresenta minada pela polissemia de sua literalidade2 O desconstrucionismo focaliza esta pluralidade quase infinita de sentidos e se opõe diametralmente às proposições de ordem do discurso da crítica estrutural moderna Estas transformações aparecem também dentro de uma nova linguagem cinematográfica Dois cineastas são considerados como figuras de proa da pósmodernidade no cinema David Lynch e Pedro Almodóvar Eles possuem em comum uma atitude estética bastante característica representada pela inexplicabilidade de cenas que não acrescentam nenhum sentido à linha narrativa principal um exagero quase caricatural personagens e situações inverossímeis um certo revival dado pelo guardaroupa pela música e pelos diálogos um recurso à ironia como modo de comunicação privilegiado enfim como resultado geral uma estrutura desorganizada do cenário 22 Estes exemplos tirados do domínio da criação artística são relativamente fáceis de perceber Há entretanto transformações análogas em outras esferas que revelam todo um clima social um espírito do tempo no qual podese sentir a influência pósmodernista Na ciência devido ao fato de ser uma atividade institucionalizada esta nova atmosfera incide de forma mais lenta porém não menos efetiva Uma das tentativas mais conhecidas é a de Feyerabend que propõe uma teoria científica anarquista³ Ele se insurge contra os modelos da ciência convencional diagnosticando a falta de criatividade e os múltiplos obstáculos da estrutura científica que prefere reproduzir um saber sem surpresas fundado na ordem e na lei Para ele as grandes inovações teóricas são muito mais fruto do acaso do que da ordem Assim somente através do inesperado da desordem podese realmente abalar a estrutura hegemônica do conhecimento racional Todos os métodos convencionais são falaciosos e o poder universal da razão um logro Existe um irracionalismo na base do saber que precisa ser considerado e a dicotomia tradicional ciênciarazão versus mitomagiareligião não passa de uma ideologia autoritária que confere à ciência subserviente ao método e amparada na pretensa validade dos resultados a exclusividade do conhecimento O mito e a razão devem pois manter relações de reciprocidade no seio de uma epistemologia anarquista Seus argumentos coincidem largamente com os enunciados pelas novas tendências pósmodernas Ele propõe um novo humanitarismo em oposição às doutrinas baseadas na ordem constituída retoma a idéia de uma interpretação natural ou seja da irreversível proximidade entre sujeito e objeto valoriza o momento particular e único como instância na progressão do saber e opõe a força das sensações de Copérnico à certeza pre ³ FEYERABEND P Contre la méthode Paris Seuil 1987 tensiosa de Galileu Finalmente o tom de sua obra beira à ironia e ao sarcasmo e manifesta assim uma total ausência de preocupação formal normalmente a atitude esperada em discussões de ordem epistemológica A aplicação prática na ciência de uma conduta próxima aos princípios recomendados pelos pósmodernos pode ser ilustrada pela tentativa realizada por um grupo de pesquisadores americanos sob o nome de etnometodologia Esta abordagem preconiza uma análise fina de cada uma das etapas sucessivas da descoberta científica cada etapa sendo considerada como única singular Garfunkel por exemplo seguiu com a ajuda de gravações o diálogo de dois astrônomos quando da passagem de um quasar A preocupação fundamental é a de extrair desta experiência um espaçotempo fenomenal contingente fundado sobre um acontecimento que possui uma essência única qüididade sem uma ordem preestabelecida e por isso só passível de ser apreendida através de uma descrição detalhada e contextualizada Nas ciências sociais a nova proposta é reintroduzir a hermenêutica como um idioma comum à filosofia e à cultura nos anos 90 e segundo Vattimo por este caminho substituir os idiomas do marxismo e do estruturalismo globalizantes doutrinários e autoritários que foram predominantes nos anos precedentes4 O horizonte da hermenêutica abriria espaço para um conhecimento nãohierarquizado menos pretensioso em suas generalizações e mais atento às especificidades pois não está comprometido com uma ordem lógica estável e geral Outros exemplos como os de P Veyne na História ou de M Maffesoli na sociologia e diversos outros na filosofia poderiam ser argüidos O essencial porém é poder reconhecer de maneira sintética estas novas atitudes que tentam lançar as bases de um saber alternativo à ciência racional 4 VATTIMO G Ethique de linterprétation La Découverte Paris 1981 p 8 Para concluir este breve quadro é fundamental notar que ao lado de uma concepção da pósmodernidade tida como radical novidade e como o fim da modernidade uma outra interpretação começa a ser vislumbrada buscando nestas manifestações mais atuais vínculos e identidades com outros momentos de contestação ao poder absoluto da razão ocorridos também no decurso da modernidade A razão se transformou em instituição no final do século XVIII ela se transformou em ciência constituída por modelos experimentais segundo os princípios galileanos O demiurgo platônico e a causa final aristotélica podem ser afastados e substituídos pela essência humana pela natureza ou mais recentemente por uma maneira de ser no mundo A razão é a fonte de toda generalização da norma do direito e da verdade A ordem o equilíbrio a civilização o progresso são noções saídas diretamente deste sistema moderno que se proclama como a única via de acesso a um mundo verdadeiramente humano Se compararmos em grandes traços os valores estabelecidos por este verdadeiro culto à razão e as posições atestadas pelo movimento pósmoderno fica claro que a oposição mais importante se articula justamente em torno da negação da razão como único princípio legítimo da cultura e do saber A valorização do particular do desconstrucionismo das noções de caos e de anarquia e das estruturas míticas se inscreve em uma rede coerente de oposição ao sistema unificador da racionalidade moderna⁵ Esta oposição atual longe de ser o apanágio da pósmodernidade possui em verdade uma longa lista de antecedentes Alguns procuram mesmo ver no debate entre Heráclito e 5 Segundo Eco o irracionalismo hermético oscila entre místicos e alquimistas de uma parte e de outra parte poetas e filósofos de Goethe a Nerval e Yates de Schelling a Von Baader de Heidegger a Jung E em numerosos conceitos da crítica pósmoderna não é difícil de reconhecer a idéia de uma deriva contínua da significação ECO U Rationalisme et irrationalisme Encyclopaedia Universalis vol II pp144148 p147 Parmênides as raízes de todas estas discussões ulteriores mas ao fazêlo arriscamse a apagar as especificidades de cada movimento histórico A racionalidade que examinamos é ao contrário obrigatoriamente localizada historicamente e se situa no período conhecido como modernidade Neste período diversas contracorrentes desafiaram o poder hegemônico da razão propondo outros sistemas de organização do pensamento No fim do século XVIII no começo do XIX assim como na virada do século seguinte a veemência contestadora destes movimentos alimentou perspectivas similares às sustentadas no atual discurso pósmoderno justificando a pergunta Não seria o pósmoderno exatamente um slogan que permite incorporar subrepticiamente a herança das reações que a modernidade cultural recebeu contra ela desde meados do século XIX Assim fundamental é constatar de imediato que a modernidade freqüentemente apresentada como um período totalmente dominado pela racionalidade constrói sua identidade muito mais sob a forma de um duplo caráter de um lado o território da razão das instituições do saber metódico e normativo do outro diversas contracorrentes contestando o poder da razão os modelos e métodos da ciência institucionalizada e o espírito científico universalizante Se pensarmos este período em termos do diálogo constante entre estas duas tendências conferimos à modernidade um sentido bem menos monolítico forjado na hegemonia única da razão Somos levados a conceber este período como um verdadeiro campo de tensões com 6 BORNHEIM G Filosofia do Romantismo in GUINSBURG J O Romantismo Stylus 3 Rio de Janeiro 1985 7 HABERMAS J La modernité un projet inachevé La Critique XXXVII 413 outubro de 1981 pp 950967 p 951 26 conflitos periódicos em torno do tema da legitimidade da atividade intelectual e de sua organização Esta é sem dúvida uma leitura possível quando por exemplo se percebe desde já o desenho de uma outra corrente de pensamento dita neomoderna ou hipermoderna que se contrapõe às manifestações pósmodernas Na geografia o hipermodernismo nos é apresentado por A Pred que se opõe à apreciação feita por Curry de sua obra como sendo o exemplo de uma geografia pósmoderna Pred afirma ver a denominação de pósmoderno como inexata acrítica decepcionante e por conseguinte o rótulo de uma época politicamente perigosa no mundo contemporâneo Esta corrente neomoderna ou hipermoderna pretende restaurar o primado da razão e renovando assim com o paradigma da modernidade integra as manifestações pósmodernas como um breve momento de ruptura ou como um momento suplementar na grande marcha da modernidade A ciência como elemento fundador da modernidade está assim comprometida em sua base por esta discussão sobre a legitimidade e os limites da razão e se encontra no centro dos debates críticos sobre a modernidade Se aceitarmos ainda que a ciência é um pensamento sem dogmas sempre voltado para o futuro que se arrisca inteiramente sem parar em um jogo infinito com seus próprios limites um pensamento que só progride destruindo suas certezas compreendermos que talvez sua identidade esteja mesmo irremediavelmente relacionada a este singular destino de se afirmar 8 PRED A Straw men straw houses AAAG vol 82 nº 2 1992 pp 305308 e CURRY M Postmodernism language and the strains of modernism AAAG vol 81 nº 2 1991 pp 210229 9 LECOURT D Contre la peur De la science à léthique une aventure infinie Hachette Paris 1990 p 12 27 pelas incertezas e pelos conflitos o que nos adverte e nos faz hesitar em acatar as sedutoras imagens parciais redutoras e definitivas Os dois pólos epistemológicos O ponto de vista sustentado aqui parte de uma certa definição da modernidade Primeiramente considerase que este período começa a despeito de todas as controvérsias em torno das questões relativas às suas origens no momento em que um novo código de valorização intervém em diversas esferas da vida social sendo pois impossível identificar um evento ou uma data histórica precisa que demarcaria sua eclosão Tratase de uma mudança sutil e gradual que toma diferentes formas e que possui uma dinâmica espaçotemporal muito complexa para ser objeto de uma precisa localização ainda que uma época moderna seja facilmente identificada Assim a historicidade deste período não é um tema central nessa análise o mais importante é a identificação dos traços característicos dessa mudança de valores que caracteriza esse período Nesta via um dos traços mais marcantes dessa época foi o novo lugar conferido à ciência O discurso do saber é sem dúvida a interface que atravessa o conjunto de discussões da modernidade A nova ciência é portanto um dos fundamentos talvez o mais importante do que normalmente se identifica como sendo o novo código de valores da modernidade A geografia foi desde a Antiguidade responsável pela descrição e pela criação de uma imagem de mundo Assim enquanto descrição e imagem de mundo o discurso geográfico procura na modernidade ser um discurso científico e moderno Ele reproduz assim as características fundamentais da época e acompanha todas as suas modificações A história da ciência geográfica pode então ser considerada como a história do imago mundi da própria modernidade 28 A análise das modificações dos valores durante a modernidade retém a hipótese de que na base destes valores modernos há um duplo fundamento formado pelo par novotradicional Estas duas noções existem há muito tempo mas somente a partir da modernidade elas se constituíram em um verdadeiro sistema de valores Para que se possa falar de um sistema centrado na tradição é preciso que ao mesmo tempo exista um outro sistema que marque em relação a ele sua oposição definido por aquilo que não é tradicional ou seja o sistema do novo são pois dois sistemas que se opõem mas que estruturam uma mesma ordem É justamente essa ordem que guia a análise desse trabalho Na esfera da ciência se supõe a predominância desta ordem para explicar a constituição de modelos da ciência moderna os quais se agregam em torno basicamente de dois pólos epistemológicos fontes maiores de todo o movimento científico durante este período Estes dois pólos se opõem são concorrentes e simétricos e formam um conjunto um todo por suas características definidas como diferenças de um em relação ao outro De imediato é necessário compreender que a ligação entre estes dois pólos e o movimento da tradição e do novo na modernidade não deve engajar uma valorização subjetiva diferenciada de um ou de outro O importante a ressaltar é a dinâmica de justificação e o programa metodológico projetados por estas duas orientações A tradição neste caso não significa uma permanência defasada e refratária a qualquer mudança O mesmo pode ser dito para o novo o qual não deve nos conduzir a considerar que se trata de um movimento em permanente e completa mutação Existem tradições no novo e novidades no tradicional Desta maneira as noções de novo e de tradição exprimem aqui uma forma diferente de conceber a ciência de atribuir valor aos fatos o que implica uma atitude diversa em relação à metodologia científica e em relação aos seus critérios de justificação Se é verdade que a ciência moderna se legitima pelo método é então através das diferenças metodológicas que estes dois pólos constroem suas individualidades epistemológicas O primeiro pólo epistemológico é oriundo do projeto de ciência fundado no Século das Luzes A ideia central nesta concepção é a universalidade da razão Todas as comunidades humanas são afeitas a uma atitude racional ou seja o pensamento humano possui uma tendência maior a se conduzir segundo uma lógica coerente um bom senso generalizado e um pragmatismo da ação A verdade do mundo é pois o fruto de uma argumentação lógica ordenada e sistemática Esta argumentação deve respeitar os princípios da nãocontradição da generalização e da demonstração O pensamento é um julgamento racional lógico sobre a realidade e a ciência constitui a esfera onde as regras e os princípios deste julgamento são organizados sistematicamente O conhecimento como uma argumentação deve se submeter à prova pública da demonstração seguindo uma prática que começou no curso do Século das Luzes A aceitação de um julgamento se concretiza pela confrontação com outros pontos de vista a partir dos quais o novo julgamento demonstra sua superioridade explicativa ou seu melhor ajuste O sistema da racionalidade prevê que exista um movimento de progressão que tende a uma aproximação das realidades últimas de um fenômeno através do controle e domínio da linguagem e da lógica científica O progresso é sem dúvida uma concepção primordial deste sistema que opera através de rupturas que denotam exatamente a ascensão gradual do conhecimento Em suma o racionalismo possui uma concepção do movimento seja do movimento histórico ou científico como uma alternância entre momentos de estabilidade e momentos de crise A crise é o anúncio de uma modificação é também o signo da confrontação entre dois níveis de compreensão o antigo e o novo Este último terá sempre êxito nesta luta pela demonstração de sua superioridade e adequação de sua argumentação continuando assim a marcha inexorável que visa a uma posição mais justa mais adequada e mais poderosa do ponto de vista dos instrumentos da racionalidade Este raciocínio está na base dos grandes sistemas filosóficoepistemológicos característicos da modernidade como por exemplo os de Kant de Hegel de Marx ou de Comte Através desta dinâmica da confrontação o racionalismo faz da crítica o seu princípio fundador É a partir dela que o movimento de progressão se perpetua e se renova Desta forma a crítica é desde o final do século XVIII até os nossos dias o veículo e o motor do processo da renovação moderna A ciência racionalista confere uma primazia fundamental ao método lógico racional Através dele se acredita atingir a objetividade na relação com a realidade e ao mesmo tempo se crê assim garantir as condições mais justas e mais corretas do julgamento científico O método é assim considerado como o único meio de oferecer todas as garantias lógicas da relação entre pensamento e realidade Pelo caráter demonstrativo e pelo exercício da crítica o método científico deve se manter em permanente aperfeiçoamento Desta forma a ciência racionalista enfatiza fundamentalmente as questões metodológicas a forma científica do saber é o uso de um método que garante os limites racionais do pensamento é ele também que diferencia o conhecimento em geral do saber científico Assim o racionalismo privilegia a forma pois a maneira de apresentar um problema e de justificálo constitui a base para sua aceitação Em termos gerais este modelo de ciência racionalista procura construir sistemas explicativos Explicar significa ligar segundo um corpo metodológico fenômenos ou fatos entre si significa também conhecer o comportamento e o movimento previsível daquilo que se quer explicar A explicação é portanto o resultado de uma análise dos aspectos regulares de um dado fenômeno Ela é o produto da operacionalização de uma ordem formal instrumentalizada por uma lógica coerente e geral e de uma ordem material que relaciona o modelo abstrato à realidade Desta maneira a explicação se apresenta sempre com um duplo e complementar alcance O primeiro advém do objeto mesmo de observação que é particular concreto e dado o segundo ao contrário é geral abstrato e construído pelo raciocínio Este tipo de ciência acredita pois realizar o caminho que leva do particular ao geral e sua meta final é conseguir estabelecer afirmações universais O pensamento científico racionalista é assim sempre normativo pois ele opera através de conceitos gerais ligados a uma certa concepção de conjunto teórico estabelecendo simultaneamente os meios do reconhecimento de um saber científico O outro pólo epistemológico também nasceu no Século das Luzes mas se opõe absolutamente à concepção racionalista De fato as posições antiracionalistas se manifestam a partir de múltiplos movimentos e qualquer caracterização mais precisa pode ser temerária Entretanto existe um grande ponto de convergência de todos estes movimentos contra a primazia da razão na produção do saber A partir desta identidade negativa em relação à razão os desenvolvimentos são variados e os outros pontos em comum só podem ser apresentados com uma certa reserva e precaução Na maior parte destas contracorrentes a razão humana não é considerada como a matriz da uniformidade pressuposta pelos racionalistas A razão humana não é universal ou pelo menos ela não possui sempre a mesma natureza as mesmas manifestações e a mesma forma A razão concebida pelos racionalistas é um valor e a atribuição deste valor é interpretada como produto de uma fé a fé na razão Se existe alguma coisa de geral na humanidade tratase justamente desta capacidade de atribuir valores às coisas mas o sentido a direção e a amplitude desta atribuição são sempre relativos e particulares a cada período e a cada cultura Assim contra o universalismo do saber racionalista este outro pólo valoriza o que é particular pois um fato só adquire 32 significado no interior de um contexto singular Aliás o único que deve ser valorizado uma vez que ele contém em si a marca de sua individualidade e desta forma exprime aquilo que lhe é próprio e característico Todo fato ou fenômeno contém portanto um componente irredutível à generalização e impossível de ser reproduzido completamente por uma pura abstração conceitual A prática experimental da ciência racionalista é falsa pois o julgamento se faz a partir de uma exterioridade que não corresponde à essência do fato observado Em lugar de explicar a partir da construção de um sistema abstrato e racional a ciência deveria compreender o sentido das coisas Enquanto para o racionalismo pelo método científico deveriam ser criadas as condições de distanciamento dos fatos para este outro ponto de vista assim agindo perdemos a possibilidade de verdadeiramente compreender a riqueza da diversidade dos fenômenos O sentimento a empatia a identidade são instrumentos epistemológicos tão importantes quanto o raciocínio lógico A diferença fundamental é que este último reduz os fatos e limita a observação a um programa preestabelecido Os fatos devem ser interpretados a partir de suas expressões isto é através da totalidade de suas mensagens Esta expressão não é sempre imediatamente compreendida e devemos desenvolver meios para a interpretação fazendo uso de todos os elementos possíveis para desvendara sentido profundo de um fato Desta maneira nesta concepção a ênfase fundamental se situa no conteúdo do fenômeno O saber é uma função da sensibilidade da interpretação e não propriamente da forma para se conseguir isso A concepção racionalista que permitiu integrar o homem e a natureza exterior sob o primado de leis gerais é contestada pois a comunhão entre homem e natureza não se restringe apenas ao aspecto exterior e ainda menos ao discurso racional que pressupõe uma identidade entre a natureza das coisas e a natureza humana integradas pela razão 33 A História tampouco pode ser concebida à maneira racionalista como um progresso contínuo A História é aquilo que deveria ser tratase de um devir sem ordem regular ou lógica Assim na maior parte destas correntes existe uma grande valorização da tradição como verdadeira depositária dos aspectos maiores e essenciais que sobreviveram às mudanças A tradição exprime portanto as características singulares vivas e dinâmicas e estamos muito distantes da visão racionalista de uma tradição vista como obstáculo resistente e defasado Finalmente para estas correntes a subjetividade é um elemento incontornável na aquisição do conhecimento A aceitação da subjetividade se insurge basicamente contra a uniformidade pretendida pela racionalidade os argumentos no entanto diferem segundo as correntes que considerarmos O antropomorfismo do conhecimento o poder do sentimento as outras dimensões interiores e a comunicação de uma pluralidade de sujeitos são alguns dos elementos citados para a aceitação desta subjetividade Em suma estas correntes contestatórias do racionalismo aceitam várias vias para a constituição do saber inclusive a concepção racionalista considerada como parcial reducionista e simplificadora A valorização do sentido da expressão do único do espontâneo da subjetividade e da multiplicidade de vias analíticas implica o fato de que estas correntes utilizam elementos de análise diferentes daqueles previstos pelo racionalismo Implica também o fato de que existe um discurso próprio e individualizado que se opõe ao discurso da ciência institucionalizada esta oposição sendo aliás o principal traço de identidade dessas contracorrentes Legros estudando a idéia de humanidade no curso dos tempos modernos chega a conclusões bastante similares Segundo ele existem dois núcleos em torno dos quais é pensada a relação do homem com a natureza o das Luzes e o do romantismo O primeiro parte do arrancamento do homem da nature za isto é distinguese a atitude humana de qualquer outra manifestação da natureza A construção da humanidade nesta perspectiva passa pela aquisição da autonomia humana ou a maioridade kantiana conquistada pela negação racional da atitude natural aquela dos preconceitos da tradição dos costumes das autoridades exteriores O outro pólo o romantismo define uma idéia de humanidade através da relação de pertencimento do homem à natureza Neste caso o acesso do homem à humanidade se faz pela inscrição em uma humanidade particular dentro de uma maneira particular de existir humanamente dentro de uma tradição uma época uma forma de sociedade uma cultura Segundo Legros a partir desta distinção se abre o abismo entre o pensamento universal centrado em uma natureza humana independente da natureza e o pensamento particular que naturaliza as atitudes pela tradição A primeira via é seguida pelo Iluminismo a segunda se desenha no seio do romantismo Elas são diametralmente opostas pois uma se erige sob a independência individual e por conseqüência é animada por uma concepção do Universal enquanto a outra se esforça por demonstrar que o Homem Universal é uma abstração vazia que tudo que é humano é historicamente engendrado e por conseqüência revelado na vontade humana de romper com todas as tradições de anular toda coexistência a ameaça de um isolamento de uma desumanização de uma perda das faculdades humanas10 10 É preciso notar no entanto que para Legros o romantismo é essencialmente um pensamento antimoderno e que a modernidade possui um sentido unicamente ralacionado ao pólo das Luzes o que não responde absolutamente à concepção exposta aqui LEGROS R Lidée dhumanité Introduction à la phénoménologie ed Grasset Paris 1990 p 8 A similaridade do ponto de vista de Legros com a abordagem proposta aqui parece interessante pois embora partindo de um campo de reflexão diferente e utilizando um outro gênero de argumentação ele chegou a conclusões gerais bastante próximas das que são enunciadas aqui para a geografia Outros registros são também igualmente paralelos como o de Brown a propósito da sociologia Depois de haver discutido os conflitos entre explicação nomotética e descrições idiográficas e oposto o humanismo sociológico ao neomarxismo e ao neopositivismo Brown conclui que a problemática básica das ciências sociais atuais diz respeito à querela mais fundamental e mais antiga entre positivismo e romantismo11 Gusdorf também identifica como traço marcante do desenvolvimento das ciências sociais na modernidade uma dualidade fundamental Marcada pela oposição entre romantismo e historicismo de um lado e o positivismo científico segundo a lógica da especialização do outro12 Os termos do debate animado por este conflito da modernidade na ciência são múltiplos No interior de cada disciplina é possível identificar momentos de contestação a princípios baseados em uma racionalidade estrita até então aceitos Cada domínio disciplinar reproduziu estas contestaçôes sob o ângulo particular de suas preocupações e objetos científicos e sob a influência de um determinado contexto históricoespacial Em 1925 por exemplo três anos depois da publicação de La Terre et lévolution humaine de L Febvre H Rienchenbach físico alemão muito conhecido à época declarava A hipótese do determinismo é completamente vazia para a Física em seu lugar deve ser colocado o con 11 BROWN R Clefs pour une poétique de la sociologie trad Clignot Actes Sud Paris 1989 12 GUSDORF G De lhistoire des sciences à lhistoire de la pensée Payot Paris 1977 ceito de probabilidade tomado como fundamental e irredutível13 Se omitíssemos a referência à Física poderseia facilmente crer que esta afirmação provém do debate que abalou a geografia no começo deste século Tratase no entanto da Física a mais paradigmática das ciências a única capaz de seguir todas as etapas do método recomendado como científico observação experimentação verificação formulação de leis e enunciação de teorias O determinismo na Física se apoiou durante muito tempo na idéia de campo de forças ou seja todo fato é necessariamente e quantitativamente determinado em relação a um sistema causal de forças Ao contrário a posição oposta sustentava que os fenômenos físicos deviam ser considerados como fatos estatísticos submetidos portanto às leis da probabilidade Esta discussão se manteve ativa até a enunciação da teoria quântica que pôs fim definitivamente à idéia de causalidade do tipo determinista em nível atômico É importante todavia compreender que este debate não era exclusivo da Física ligado a uma insuficiência interna à própria disciplina mas que ele se inscrevia em um contexto bem mais amplo Segundo Max Planck em anos recentes temse desenvolvido cada vez mais uma hostilidade consciente ao modo naturalcientífico de pensamento O fato é que com muita força e barulho a nova maneira de pensar conquistou sucesso em todos os terrenos na Wissenschaft e na arte na literatura e na política no que se escreve e no que se diz14 13 FORMANN P A cultura de Weimar in Cadernos de História e Filosofia da Ciência Campinas 1984 p 15 14 Apud FORMANN P op cit p 20 Essa nova maneira de pensar e os consequentes debates e conflitos estavam sendo à época vividos socialmente pressionando a Academia e sua ideologia racionalista tradicional gerando uma atmosfera de desprestígio e desaprovação Esse clima adverso ao racionalismo em sua forma determinista alimentou pressões que terminaram por gerar antagonismos no caso aqui citado da Física mas que se estendiam em verdade a todas as demais ciências A matemática havia alguns anos antes vivido a crise dos formalistas contra os intuicionistas a psicologia desenvolveu o comportamentalismo ou Gestalt em oposição ao funcionalismo então em voga a História valorizou então a noção de alteridade para contestar o formalismo generalizador e evolucionista Há ainda inúmeros outros exemplos na biologia na antropologia ou na sociologia As ciências em geral viveram à mesma época conflitos da mesma natureza Como dizia Gustav Mie físico da época mesmo a física uma disciplina rigorosamente comprometida com os resultados da experimentação é levada a caminhos perfeitamente paralelos aos dos movimentos intelectuais de outras áreas da vida moderna15 A epistemologia constitui o núcleo para onde converge o conjunto dessas discussões gerais da ciência Essa noção de epistemologia não é muito antiga Ela apareceu no começo do século como concorrente da antiga Filosofia da Ciência que possuía uma forte conotação positivista associada a A Comte e a Ampère e a seu Essai sur la Philosophie des Sciences de 1834 Sob esta rubrica se reunia a reflexão do conjunto das diversas disciplinas propondose a exclusividade de um método único onde o interesse maior era o par unidade da ciênciapluralidade de de disciplinas no interior de um plano global de desenvolvimento Diferentemente da Filosofia da Ciência o campo de inter VENÇÃO DA EPISTEMOLOGIA MAIS MODERNAMENTE ADMITIDO É A ANÁLISE CRÍTICA DA VALIDADE E DA EFICÁCIA DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS E PORTANTO DOS PRINCÍPIOS E DOS RESULTADOS DA PESQUISA CIENTÍFICA DIFERENTES MODOS DE ACESSO À VERDADE CIENTÍFICA FORAM CONCEBIDOS COMO OS MAIS SEGUROS EXPERIMENTAL MATEMÁTICO HISTÓRICO REALISTA MORAL RELATIVO PRAGMÁTICO CONVENCIONAL FENOMENOLÓGICO ETC PELA SIMPLES CONSTATAÇÃO DESTA DIVERSIDADE PERCEBESE O DESENHO DE UM LARGO LEQUE DE DEBATES SOBRE A MELHOR CONDUTA PARA A CIÊNCIA DIANTE DESTA PLURALIDADE DE POSIÇÕES É SEMPRE TENTADOR OPTAR POR UMA OU POR OUTRA PERSPECTIVA OU MESMO OUSAR PROPOR UMA NOVA VIA UM ESTUDO EPISTEMOLÓGICO PODE ENTRETANTO SE RESTRINGIR A SER UM TERRENO DE REFLEXÃO SOBRE AS DIFERENTES MANEIRAS DE CONCEBER A CIÊNCIA COM SEUS RESPECTIVOS CRITÉRIOS DE VALIDADE EXAMINANDOOS SEM OS ÓCULOS CONCEITUAIS DE UMA POSIÇÃO APRIORÍSTICA Os caminhos da análise A descrição destes dois pólos não pretende esgotar toda a riqueza e diversidade do movimento da ciência Cada manifestação histórica desses pólos foi acompanhada de outros elementos e argumentos que não são examinados em nossa resumida descrição Arriscaríamos mesmo dizer que nenhuma das correntes científicas segue exatamente ou completamente os preceitos identificados anteriormente Tratase pois de uma representação voluntariamente parcial e escolhida entre muitas outras possíveis Parece entretanto que cada representação analítica deste gênero pode ajudar a observar ângulos particulares que permaneceriam obscuros em um estudo histórico geral Desta maneira a meta é focalizar um aspecto dado na evolução do pensamento científico o da oposição entre correntes epistemológicas que colocam em jogo o papel da racionalidade no discurso da ciência moderna Estamos conscientes de um certo parti pris presente nesta análise mas é justamente a ado ÇÃO DESTE FOCO QUE NOS PERMITE ENFATIZAR DETERMINADOS ASPECTOS ASSIM PARTESE DA CONCEPÇÃO DE QUE A CIÊNCIA MODERNA SE ALIMENTA DA CONTROVÉRSIA ENTRE ESTES DOIS PÓLOS ATRAVÉS DA QUAL SÃO ASSEGURADAS SIMULTANEAMENTE A MANUTENÇÃO DO MOVIMENTO PERMANENTE DA CIÊNCIA E A RENOVAÇÃO DOS RITOS DO NOVO VERDADEIRO MITO DA MODERNIDADE A INSPIRAÇÃO METODOLÓGICA DESTES PÓLOS É DIRETAMENTE TRIBUTÁRIA DA CONCEPÇÃO WEBERIANA DOS TIPOSIDEAIS SEGUNDO MAX WEBER OBTEMOS UM TIPOIDEAL ACENTUANDO UNILATERALMENTE UM OU DIVERSOS PONTOS DE VISTA E ENCADEANDO UM GRANDE NÚMERO DE FENÔMENOS OCORRIDOS ISOLADAMENTE DIFUSOS E DISCRETOS QUE SE ENCONTRAM EM PEQUENO NÚMERO OU MESMO INEXISTENTES EM ALGUNS LUGARES E OS ORDENAMOS SEGUNDO OS PRECEDENTES PONTOS DE VISTA ESCOLHIDOS UNILATERALMENTE PARA FORMAR UM QUADRO DE PENSAMENTO HOMOGÊNEO NÃO SE ENCONTRARÁ EMPIRICAMENTE EM PARTE ALGUMA UM QUADRO COMO ESTE EM TODA SUA PUREZA CONCEITUAL ELE É UMA UTOPIA16 Assim o artifício analítico do tipoideal não está ligado a uma medida objetiva que pretenda representar um fenômeno segundo uma concepção abstrata média O tipoideal força voluntariamente certos traços para induzir o aparecimento de uma dada leitura Ele é pois um meio conceitual de interpretação uma imagem do real que põe em relação construções objetivamente possíveis sem pretender por esse procedimento estabelecer um modelo exemplar desta realidade Essa dualidade polar da modernidade não é em si mesma uma hipótese mas nos permite a construção de hipóteses sobre o tipo de desenvolvimento da ciência geográfica Sem pretender ser quadro fiel e absoluto sobre o real esta estrutura polar se propõe a dotar esta exposição de meios de expressão próprios Desta forma a polaridade dual apresentada precedentemente serve para construir duas hipóteses sobre o desenvolvimento da geografia A primeira é a de que em torno desta confrontação entre estes dois pólos surgiu um gênero de debate na geografia encontrado recorrentemente a cada momento de transformação ou de discussão metodológica A segunda hipótese deriva da primeira e consiste em considerar que esta dualidade das posições metodológicas na geografia se deve ao fato de que esta disciplina constitui uma expressão da modernidade uma vez que ela apresenta exatamente uma imagem do mundo ou a descrição do mundo correspondente a este período moderno Após essa breve enunciação de nossos propósitos estamos talvez aptos a apresentar as diferenças e as zonas de recobrimento entre nossa análise e os modelos mais comumente utilizados na interpretação da evolução epistemológica da geografia Primeiramente seria efetivamente tentador interpretar a sucessão de escolas geográficas como constituindo etapas de mudança nos paradigmas seguindo o raciocínio de T Kuhn Este tipo de concepção depende todavia da análise das comunidades científicas e a explicação supõe simultaneamente a compreensão da natureza do paradigma e sobretudo a compreensão do comportamento da comunidade que o sustenta Estimamos que exista uma estrutura comum nas revoluções da geografia moderna mas a interpretação da natureza deste movimento se faz sob uma outra ótica Em nossa análise não há exatamente novos paradigmas tratase muito mais de um processo de renovação em relação às posições fundadoras da modernidade científica Nesta perspectiva a atitude das comunidades científicas não possui o mesmo papel e importância normalmente atribuído pela sociologia da ciência de Kuhn A concepção de episteme de Foucault nos foi sem dúvida 41 preciosa primeiramente pela identificação a despeito de todas as controvérsias de um claro corte arqueológico no fim do século XVIII no pensamento ocidental que separa a Idade Clássica da modernidade também foi precioso o estabelecimento da diferença entre estas duas épocas através de uma distinção de discursos17 Contudo a episteme da modernidade para Foucault possui três dimensões a das ciências físicas e matemáticas que propõem uma ordem dedutiva e linear a das ciências da linguagem e da produção e finalmente a da reflexão filosófica As ciências humanas segundo ele ocupam uma localização difusa nesta episteme pois elas fazem apelo a estes três gêneros de reflexão sem no entanto definir uma dimensão própria A modernidade epistemológica do ponto de vista das ciências humanas segundo Foucault é portanto composta de três modelos que seguem as três positividades da modernidade a vida o trabalho e a linguagem que formam juntas o discurso científico da modernidade Nossa análise ao contrário pretende partir de dois discursos diferentes e opostos dois pólos epistemológicos que acreditamos atravessam todas as ciências durante este período O que nós interpretamos como os debates entre estes dois pólos a explicação contra a compreensão a estrutura contra a História e a base material contra a interpretação hermenêutica são todas consideradas por Foucault como discussões do passado que representam o produto da busca de uma epistemologia própria nas ciências humanas Em nosso ponto de vista estas discussões são sempre reatualizadas no desenvolvimento da ciência e representam justamente a dualidade primordial da modernidade Elas constituem portanto a interface de todo o conhecimento moderno No que se refere aos estudos epistemológicos históricos é 17 FOUCAULT M Les mots et les choses trad port As palavras e as coisas ed Portugália Lisboa 1976 Prefácio e pp 1011 42 necessário dizer antes de mais nada que a abordagem apresentada aqui não se pretende absolutamente histórica Em outros termos não existe a pressuposição de uma causalidade cronológica que seria responsável pela evolução da geografia A apresentação de correntes que pontuaram o desenvolvimento da geografia tem por função colocar em evidência a idéia de reatualização dos pólos epistemológicos Se estas correntes estão dispostas de forma cronológica em nossa exposição isto se deve unicamente à tentativa de facilitar a apresentação Assim a ordem da apresentação não deve pois ser tomada como uma sucessão evolutiva mesmo porque em certos casos as correntes ou escolas são contemporâneas umas das outras De fato a ordem poderia ser outra sem prejuízo da argumentação sustentada aqui Isto não quer dizer que os estudos históricos não tenham importância explicativa ou que nossa análise seja mais produtiva que uma outra fundada em parâmetros cronológicos Esta observação serve apenas para ressaltar a proposta de abrir uma nova perspectiva sobre a história da geografia sem com isso fazer da história o objeto central de análise Na apresentação de seu livro Isaiah Berlin nos ensina que existem idéiasforças que guiam os movimentos do Iluminismo e as contracorrentes que lhe fazem oposição18 Neste sentido a história das idéias nos serve de baliza para estabelecer o sentido tomado pela evolução da geografia É preciso no entanto notar que o interesse aqui não é produzir uma história das mentalidades na geografia e por conseguinte neste trabalho a história das idéias constitui somente um meio de análise Poderseia mesmo afirmar que a relação mantida com os textos apresentados é bem próxima daquela utilizada pela história das idéias mas o ponto de vista particular escolhido em nossa análise se limita a um só aspecto o sistema de oposição entre as correntes 18 BERLIN I A contrecourant Essais sur lhistoire des idées Albin Michel Paris 1988 43 da geografia Deste fato deriva que a leitura da História que fizemos é voluntariamente reduzida a este aspecto Assim do ponto de vista histórico não são apresentadas verdadeiras novidades ou novos dados pois não tivemos acesso a fatos inéditos a documentos pouco conhecidos ou a uma contextualização explicativa a partir de outros eventos diferentes daqueles já reconhecidos pelos historiadores da geografia Os textos e os autores analisados são bastante conhecidos e a interpretação procurada não se fundamenta em seus contextos históricos imediatos A abordagem contextual existe na medida em que se apela para a filosofia do conhecimento a fim de estabelecer ligações com a geografia De uma certa maneira fomos buscar na filosofia um parâmetro sintético que simultaneamente incorporasse o contexto histórico e nos desse uma base de interpretação direta das proposições epistemológicas na geografia Fazemos assim nossos os propósitos de Meynier segundo os quais o pensamento puramente geográfico se liga tão freqüentemente às tendências contemporâneas às formas da filosofia ou da pedagogia que nos é impossível passar em silêncio sob pena de renunciar a um elemento importante de explicação Vamos nos entender nós não insinuamos de forma alguma que tal geógrafo tenha forçosamente lido e meditado sobre as obras filosóficas de sua época um estudo puramente biográfico poderia esclarecer este ponto O essencial é que geógrafo e filósofo tenham raciocinado simultaneamente de forma análoga e freqüentemente sem que eles tenham se dado conta 19 Na medida em que o sistema de oposição entre as correntes racionalistas e as contracorrentes é o ponto de vista privilegiado foi necessário recolocar em relevo as discussões ligadas a esta dualidade no discurso geográfico Alguns geógrafos participaram ativamente destas discussões procurando novas soluções em face das transformações sucessivas da ciência Algumas vezes as respostas trazidas foram interpretadas como etapas naturais do desenvolvimento da geografia vistas portanto como fruto da dinâmica interna da disciplina Contudo uma certa correspondência pode ser sem dúvida estabelecida quando a geografia é vista no seio do movimento da ciência em seu conjunto o que traz à luz aquilo que é geral comum a todas as disciplinas mas contribui ao mesmo tempo para revelar a especificidade de cada uma delas Os debates que dizem respeito à natureza do conhecimento geográfico seus métodos sua finalidade e sua legitimidade científica são pois o objeto primeiro de nossa análise Esses debates foram freqüentemente postos em termos de uma geografia geral versus uma geografia regional ou de um discurso das leis versus a descrição ou sobre o lugar do único versus o universal ou ainda sobre a relação entre a linguagem científica e os conceitos geográficos Segundo Pinchemel em intervalos freqüentes os geógrafos continuam a se perguntar sobre a geografia a colocar questões eternas Essas questões tratam da natureza das relações entre a Terra e os homens sobre as relações entre a geografia e as outras ciências naturais e humanas e sobre a natureza da geografia 20 Isto quer dizer que o procedimento de traduzir o debate geral da modernidade entre o racionalismo e as contracorrentes toma uma forma específica no discurso geográfico e essa é a primeira etapa para entender a identidade entre modernidade e geografia A observação dessas discussões conduz à identificação de alguns momentos na história desta disciplina onde esses debates foram mais fortemente vividos ou caracterizaram momentos de mudança na orientação do discurso predominante da geografia Paul Claval considera que existiram três grandes cortes no pensamento geográfico 21 O primeiro corresponde à transformação trazida pelo triunfo do espírito naturalista no final do século XVIII e os nomes de Humboldt e de Ritter são lembrados como os mais representativos desta mudança que se traduziu por uma sistematização da explicação e por uma descrição metódica na geografia O segundo corte se situou no final do século XIX ele corresponde ao momento de institucionalização da disciplina e foi marcado por uma compartimentação do saber geográfico a geografia geral física e a geografia regional Finalmente o terceiro grande corte foi aquele vivido nos anos 50 e correspondeu à transformação da geografia em uma ciência social Estes três grandes cortes correspondem em nossa análise a três grandes momentos respectivamente os tempos heróicos a geografia clássica e a geografia moderna No interior de cada um destes períodos encontrase manifestada de formas diferentes a estrutura da dualidade No discurso dos fundadores a dualidade é valorizada e faz parte de um quadro filosófico que justifica a geografia A geografia clássica em termos gerais aceitou a dualidade como uma dimensão implícita e inexorável que faz parte do objeto mesmo da geografia Finalmente na geografia moderna cada corrente se apresentou como uma terceira alternativa capaz em tese de superar os termos desta dicotomia A escolha dos autores e das obras está portanto relacionada à expressão desta dualidade a cada momento do desenvolvimento do pensamento geográfico A análise da obra de um dado autor procura assim compreender um ponto de vista enunciado em um dado momento e não se obriga a discutir as possíveis mudanças ulteriores no pensamento deste mesmo autor Assim a análise de Sauer de Hartshorne ou de Bunge diz respeito exclusivamente aos textos producidos dentro de uma certa perspectiva que segundo o ponto de vista sustentado aqui coloca em relevo a dualidade de base do pensamento geográfico Fica portanto claro que esta proposta não pretende acompanhar as mudanças nas perspectivas dos autores citados Poderseia por exemplo tomar as transformações metodológicas de Hartshorne entre seus textos de 1939 e 1956 para mostrar a passagem de uma geografia clássica a uma geografia moderna mesmo que ele não tenha sido um dos melhores representantes desta última Igualmente poderseia acompanhar o percurso intelectual de David Harvey para demonstrar a diversidade da geografia moderna Entretanto uma análise deste tipo suporia uma ênfase particular no conjunto de elementos que compõem suas obras e a importância da dualidade teria certamente empalidecido em benefício de uma análise mais próxima da história da geografia Da mesma maneira a escolha dos autores para caracterizar o ponto de vista de cada corrente da geografia moderna não pressupõe que eles sejam os únicos representativos para ilustrar estas correntes A escolha recaiu fundamentalmente sobre aqueles que exprimiram de uma maneira mais explícita ou mais enfática a dinâmica da dualidade no interior de uma orientação metodológica precisa Finalmente o artifício que consiste em ver a dualidade por intermédio do discurso particular de cada corrente do pensamento geográfico permitiu identificar uma estrutura recorrente nestes movimentos que se comportam de forma semelhante em diversos pontos Esta dinâmica como veremos é constante nas correntes da geografia moderna e representa de uma certa maneira o movimento mesmo da modernidade em suas formas mais míticas 2 Os elementos da estrutura do mito da modernidade Antes da análise histórica do desenvolvimento daquilo que se chamou o espírito da época moderna é necessário reconhecer alguns dos elementos característicos que dão sentido e identidade ao grande leque de movimentos considerados modernos nos diversos campos da criação social Três elementos fundamentais são recorrentes no discurso que apresenta o fato moderno o caráter de ruptura a imposição do novo e a pretensão de alcançar a totalidade¹ Todo fenômeno quando se apresenta como moderno parte de uma referência negativa àquilo que existia antes e que a partir de então se transforma no antigo ou no tradicional O moderno possui uma ligação intrínseca com a contemporaneidade substitui alguma coisa do passado defasada ou simples mente alguma coisa que não encontra mais justificativa no tempo presente Daí vem a concepção de uma estrutura em progressão segundo a qual o avanço e a mudança são sempre elementos necessários O resultado é uma cadeia de derivações na qual substituições consecutivas e progressivas são regularmente estabelecidas O novo tornase sinônimo de legítimo e em seu nome buscase toda gama de justificativas Se o novo deve periodicamente ser imposto no lugar do tradicional ou do antigo o mecanismo primeiro desta substituição é a ruptura É pela negação daquilo que existia pela prova de sua inadequação pelo desvelamento do tradicional que o novo deve se afirmar Assim falar do moderno é também renovar continuamente um conflito um debate Logo a proposta é de uma mudança radical e não de uma adaptação ou de um ajuste progressivo Ao proceder por rupturas e ao propor algo de novo o moderno participa sempre de um sistema global Não se trata de setores específicos a transformar mas de toda uma lógica a redefinir Esta generalização está ligada à pretensão de totalidade que o novo espera impor ao tradicional Para compreender esta estrutura repetitiva que cerca sempre a eclosão do fato moderno podemos aproximála da estrutura do mito Em sua origem a palavra mito significa palavra discurso sendo considerado por alguns como um discursonarrativa que encadeia símbolos e exerce uma função comunicativocomunitária religando a realidade e o imaginário de um grupo social através de uma lógica semântica² Assim as narrativas mitológicas contam lendas que são ao mesmo tempo mensagens exemplares que reapresentam um certo vivido o qual é revivido no momento em que o mito se faz discurso Desta maneira podese dizer que a modernidade se renova como um mito a cada vez que o combate entre o novo e o ² CASSIRER E An Essay on Man trad português Antropologia filosófica Mestre Jou São Paulo 1977 tradicional se constitui em um discurso sobre a realidade Este discurso reatualiza esse combate demonstra as rupturas a superioridade do novo e impõe uma nova totalidade tomada como definitiva e final Para fazer reviver este combate a dinâmica do novo que se alimenta deste discurso necessita da existência de um outro modelo sobre o qual ela vem periodicamente restabelecer a luta e reiterar os princípios do mito que o sustenta A partir daí é tido por moderno aquilo que permite a uma atualidade que se renova espontaneamente de exprimir o espírito do tempo de forma objetiva este culto do novo significa na realidade a glorificação de uma atualidade que não cessa subjetivamente de engendrar um novo passado³ É neste sentido que nos é permitido refletir sobre um modelo de modernidade dual onde a continuidade é rompida pelo confronto recorrente do novo e do tradicional cada um marcado por uma atualidade sempre renovada As intenções iluministas de um progresso contínuo do conhecimento de uma progressão em direção a uma sociedade melhor são assim periodicamente recolocadas em questão pelos contrailuministas que protestam contra as consequências da racionalização e da modernização fazendo intervir a imagem de uma tradição estranha à racionalidade e a seus efeitos perversos considerados como inerentes e intrínsecos Os fundamentos da modernidade Segundo Jean Baudrillard a modernidade não é nem um conceito sociológico nem um conceito político nem propria ³ HABERMAS J La modernité un projet inachevé op cit p 952 mente um conceito histórico é um modo de civilização característico que se opõe ao modo da tradição ou seja a todas as outras culturas anteriores ou tradicionais⁴ A flexibilidade desta definição dá margem a um largo terreno de incerteza seria possível associar para cada momento da História e dentro de contextos geográficos bastante diversos atitudes modernas que se oporiam a outras ditas tradicionais sem chegar efetivamente a uma noção operacional da modernidade A concepção de Habermas sobre a origem da modernidade é bem mais precisa no plano histórico Ele constata que no séc V o termo moderno era utilizado para diferenciar a nova ordem cristã do passado pagão Desde então a noção de moderno é sempre retomada para indicar uma substituição Através de conteúdos mutantes o conceito de modernidade traduz sempre a consciência de uma época que se situa em relação ao passado da Antiguidade para se compreender ela mesma como o resultado de uma passagem do antigo para o moderno Este não é apenas o caso do Renascimento que marca para nós o início dos tempos modernos Moderno pensavase também sêlo no tempo de Carlos Magno no séc XII e na época das Luzes isto é a cada vez que uma relação renovada com a Antiguidade fez nascer na Europa a consciência de uma época nova⁵ Ainda segundo Habermas foi apenas no fim do séc XVIII que se manifestou mais claramente uma idéia de modernidade independente do modelo da Antiguidade Os ideais iluministas ⁴ BAUDRILLARD Jean Encyclopaedia Universalis 1990 Tomo 5 p 552 ⁵ HABERMAS J La modernité un projet inachevé La Critique XXXVII 413 out 1981 pp 950967 p 951 a Querela entre Antigos e Modernos e o confronto da ciência moderna com o romantismo são segundo ele as marcas definitivas de uma nova consciência da modernidade que se afirma ao longo do séc XIX De fato ao longo dos dois últimos séculos o movimento da modernidade agitou completamente as bases da organização da sociedade Ele se desenvolveu sob diferentes formas em diferentes domínios e com cronologias variáveis No entanto apesar desta variedade este movimento apresenta laços de identidade e características comuns facilmente observáveis Assim mesmo se uma delimitação precisa e definitiva da época moderna constitui uma tarefa impossível um certo marco histórico pode ser delineado Sem dúvida quando se trabalha com movimentos de idéias como é aqui o caso o primeiro obstáculo a ser superado é aquele da delimitação cronológica Quando ele começou quanto tempo durou e quando terminou São questões clássicas que se colocam para qualquer movimento corrente ou sistema de pensamento É preciso entretanto considerar que os eventos que nos conduzem a estabelecer os limites de um dado período se inscrevem em uma sequência no interior da qual todos os fatos são a expressão das circunstâncias que os fundaram e que os explicam Desta maneira toda escolha é forçosamente arbitrária e destaca muito mais os imperativos daquele que a efetua do que do fenômeno em si Dependendo do campo específico que se examina o início da modernidade pode variar enormemente Do mesmo modo os eventos que caracterizam sua eclosão podem já ser considerados ou não como constitutivos de sua identidade em função dos objetivos da análise O fundamental no entanto é identificar as características de base do espírito da época procurando estabelecer suas ligações com o contexto mais geral Tratase de fato de desvelar as mudanças precisas que se inscrevem dentro de um largo processo ou seja tratar os fenômenos em suas manifestações mais gerais sem apri sionálos dentro de uma classificação estreita As mudanças que fundaram a identidade do período dito moderno manifestaramse mais claramente por volta do fim do séc XVII e ao longo do séc XVIII e são comumente associadas ao que se chama o Século das Luzes Se a tarefa de identificar um início para a modernidade é facilitada pela identificação com o Século das Luzes sua duração e seu desfecho não se apresentam como objeto de um absoluto consenso A essência do pensamento científico contemporâneo as raízes dos ideais políticos os fundamentos ideológicos enfim toda uma nova ordem social que mutatis mutandis se prolonga até os dias de hoje têm suas raízes neste movimento Isso corresponde a dizer que num certo sentido nós ainda somos modernos A despeito de mudanças substanciais o projeto fundamental em vigor ainda é o eco dos ideais nascidos no Século das Luzes sendo ainda oportuno perguntar E não somos todos nós de certa forma ainda hoje Aufklärers6 As denominações Iluminismo Lumières Enlightenment Aufklärung Illuminazione ou Ilustración nos remetem a um segundo gênero de delimitação a espacial As condições para a constituição de um território da modernidade nasceram simultaneamente em diversos pontos da Europa Ocidental no sul da Inglaterra no eixo do Reno na Alemanha no nordeste da França Os novos tempos nutriramse sobretudo da atmosfera dos grandes centros urbanos Paris Londres e Amsterdã Neste sentido a modernidade possui um caráter cosmopolita patente que à luz da nova ordem que ela mesma vai fundar não cessará de se expandir Esta nova ordem não se difunde uniformemente em todo o território da Europa Ocidental mas as novas idéias circulam rapidamente A partir da melhoria nas condições de transporte 6 CHAUNU P La civilisation de Europe des Lumières Paris Flammarion 1982 p 7 53 do grande interesse pelas viagens de longa duração em outros países e pelo aumento significativo do nível médio de instrução nesta parte da Europa uma nova rede de comunicação se estabeleceu As novas idéias difundiam valores julgados comuns a todas as épocas e a todas as sociedades e de certa maneira pressupunham a existência de uma unidade e de uma comunicação global A necessidade de comunicação quase imediata redimensionou o espaço da época e podese dizer sem exagerar que o progresso na comunicação é tributário desse momento e da unidade do mundo moderno O fundamento de uma natureza humana uniforme e geral também operou no sentido de permitir a eclosão de novas escalas espaciais de identificação Existem diferenças significativas entre a sociedade européia e as tribos indígenas que começavam a ser conhecidas como gêneros de vida mas sob estas formas exóticas esconderseiam valores comuns a todos os homens As diversas sociedades são tantas quantas as etapas de civilização que figuram no interior de um eixo unilinear de desenvolvimento Todavia somente aos mais civilizados é dado o poder de reconhecer dentro da diversidade uma natureza comum Todos sabem que há uma grande uniformidade nas ações dos homens de todas as nações e de todas as idades e que a natureza humana permanece a mesma em seu princípio e funcionamento Vocês gostariam de conhecer os sentimentos de gregos e romanos Compreendam bem o caráter e as ações de franceses e ingleses não poderão se enganar muito se aplicarem aos primeiros a maior parte das observações que fizeram para os segundos A humanidade é tão semelhante em todos os tempos e em todos os lugares que a História não nos ensina nada de novo ou de estranho Seu interesse principal consiste em 54 descobrir os princípios constantes e universais da natureza humana7 Então para além das fronteiras tradicionais dos Estados nacionais da época vêse surgir com força a idéia da Europa enquanto uma nova base de identidade Um espaço que define com uma certa homogeneidade um mesmo grau de civilização um mesmo nível de consciência do homem moderno Pomeau por exemplo termina seu livro sobre o Iluminismo aproximando a idéia da Europa do séc XVIII daquela que nos é contemporânea Ele acredita que o nacionalismo romântico foi ao longo destes dois séculos um dos maiores obstáculos a esta idéia de uma comunidade unida pela cultura nascida no Iluminismo8 Voltaire sem dúvida um personagemchave deste período dizia que a Europa era como uma grande república dividida em vários Estados Rousseau proclamava o fim de categorias como França Alemanha Espanha para substituílas por europeus unidos pelas mesmas forças gostos atitudes moral e objetivos9 A busca de um idioma para a comunicação fezse necessária pelos contatos cada vez mais freqüentes e pela constituição da idéia de um mundo unido como uma só comunidade O francês foi adotado como língua culta dentro das mais importantes cortes européias da época e se impôs como idioma de comunicação substituindo o latim na maior parte das publicações científicas e filosóficas Alguns anos mais tarde por volta da metade do século a Polônia e a Rússia se alinharam a este movimento como o fizeram aliás outros países nãoeuropeus O idioma foi a marca explícita de uma influência muito mais larga 7 HUME D Essai sur lentendement humain 1748 citado por HAMPSON N LEurope au siècle des Lumières Seuil col Points Paris 1978 p 90 8 POMEAU R LEurope des Lumières Stock Paris 1991 9 HAMPSON N LEurope au Siècle des Lumières Seuil col Points Paris 1978 p 57 55 e difusa A bem da verdade a corte francesa representava o modelo de um certo modo de viver que contribuiu fortemente para criar a imagem de um mundo unido por um mesmo ideal de comportamento Paralelamente uma nova idéia de centralidade surge do cosmopolitismo fundamentalmente associada aos pontos do espaço onde nasciam as novas idéias Esta centralidade é também responsável pela incorporação de um largo espaço agindo ao mesmo tempo como um espaço de progressão da nova ordem e como diferenciador entre os centros difusores de inovações e as regiões periféricas Paris é sem dúvida alguma a capital do mundo o centro civilizador por excelência onde tudo é ruído movimento e espetáculo Sua influência na formação de um mundo que evolui em um tempo unificado se fazia mais efetiva graças ao desenvolvimento dos meios de comunicação Paris é o mundo o resto da Terra não passa de subúrbios10 Uma nova temporalidade também se desenvolveu sob diversos aspectos Os instrumentos de precisão para medir um tempo a partir de então linear o relógio o relógio de pulso o cronômetro aperfeiçoados ou criados no Século das Luzes substituíram o tempo cíclico da tradição marcado por largos períodos pelas festas ancestrais associadas notadamente ao ritmo das atividades rurais A nova produtividade exigia controles mais precisos e novas unidades cronológicas para alcançar uma maior eficiência Além disso as novas teorias filosóficas e as descobertas geológicas e paleontológicas desenvolviam uma nova relação com a idéia de duração e de progresso Esta nova concepção da duração funda uma seqüência lógica de passadopresentefuturo e esta seqüência constitui um produto fundamental do discurso de legitimidade da modernidade na medida em que esta última pretende ao mesmo tempo ultrapassar o passado e anunciar o devir 10 Segundo R POMEAU citado por CHAUNU P op cit p 39 56 A modernidade funda também neste momento uma nova idéia de sociedade distanciada dos códigos da honra e da tradição que constituíam o sustentáculo da estrutura medieval Sobre a base de valores gerais de uma natureza humana a nova sociedade ampliou sob todos os ângulos o espaço e o tempo Ela também impôs uma outra leitura da diversidade cultural submetida a partir daí aos valores universalmente reconhecidos A reestruturação do poder A base social desta nova organização foi dada sem dúvida pela constituição do Estado moderno Até o séc XVI segundo Elias a esfera do Estado se confunde com os interesses privados daqueles que o representam Os monarcas absolutos constituem um dos primeiros signos de separação entre o público e o privado isto é os regentes deixam de lutar em nome dos direitos de uma família para fazêlo em nome da nação11 Uma vez concluída a unidade física de um território o objetivo geral era protegêlo em face das ameaças do exterior e se assegurar em estabelecer um equilíbrio entre as influências de diferentes grupos em seu interior A despeito da imagem voluntariosa do rei absoluto aquilo que é verdadeiramente predominante em seu papel reside na negociação entre as diversas esferas de influência para manter uma paz interna Nenhum destes grupos era suficientemente poderoso para pretender ameaçar a unidade mas tinham por outro lado influência bastante para que seus interesses fossem representados junto ao aparelho de Estado Desta maneira as monarquias absolutas européias do Século das Luzes se constituíam como um núcleo do futuro Estado de Direito Pelo estabelecimento de um código geral e isomórfico 11 ELIAS N La dynamique de IOccident Presses Pocket Paris 1969 2a ed 57 regras são estabelecidas a fim de satisfazer uniformemente sem privilégios nem proteções particulares as aspirações da população de um território definido A imagem do Estado deixa gradualmente de ser representada por um personagem físico para tornarse aquela de um território A Revolução Francesa foi o marco desta mudança Ela consagrou o desaparecimento da identificação direta entre o governante e o Estado e a generalização de um mesmo conjunto de regras e de condutas para todo o território12 Foi também o mais célebre momento de uma verdadeira febre legisladora que pretendia dissociar completamente o privado do público o mais precisamente possível A criação de uma esfera pública é muito bem descrita por Habermas13 Podese ver aí a aparição de círculos de discussões em que os problemas da organização do Estado e do Direito são debatidos publicamente e todo argumento deve passar pela prova do bom senso Como nos dizia Kant a faculdade de julgar designa igualmente o caráter específico daquilo que denominamos o bom senso cuja a falta não pode ser substituída por nenhum ensinamento14 Em Paris estas discussões se davam nos cafés em Londres nos pubs O direito à cidade no Século das Luzes multiplicou e difundiu a ágora ateniense O Estado intervencionista solidamente unido pela idéia de produzir o bem comum é assinalado como característico dos anos pósrevolucionários a despeito do fato de que alguns de seus traços tenham já existido antes De uma certa maneira o modelo que aparece nos anos trinta do séc XX baseado nas 12 Deleuze e Guattari vêem uma dinâmica complexa de desterritorialização e reterritorialização produzida pela CidadeEstado grega Extensio politico e pelo Estado moderno Spatium imperial que são também as únicas estruturas capazes de reunir as condições gerais de uma reflexão filosófica do ser do espaço e do tempo uma reflexão dita geofilosófica DELEUZE G e GUATTARI F Questce que la philosophie Minuit Paris 1991 13 HABERMAS J LEspace public Paris Payot 1988 14 KANT E Critique de la raison pure Paris GarnierFlammarion p 172 58 idéias de Keynes é a conclusão lógica desta evolução que se inicia com a Revolução Francesa Entre o Estado planificador dos anos trinta criador de projetos gerenciador e as iniciativas dos serviços públicos produção de dados e materiais para o reconhecimento do terreno das administrações dos sécs XVIII e XIX existe uma forte correspondência É importante insistir no fato de que esta instituição possui como princípios fundamentais de legitimidade a isonomia o bem comum e o estabelecimento de um equilíbrio entre os interesses públicos e privados Todos estes princípios repousam na premissa de uma racionalidade intrínseca que constitui realmente o eixo mais importante desta época As bases ideológicas da nova sociedade A Revolução de 1789 foi um movimento de ruptura fundamental e de crítica generalizada que instaurou pela primeira vez as bases de uma nova sociedade ou de uma sociedade moderna O novo se impõe pela refutação de tudo o que simbolizava o Antigo Regime fundado sobre os valores dos costumes e das tradições A força da razão do progresso se impôs àquela de antigos hábitos e da História Uma era nova era prometida pela afirmação do nascimento de um novo homem A Revolução de 1789 foi também o modelo de uma série de movimentos posteriores que sacudiram os Estados europeus e que emergiram em seguida em outros lugares do mundo As revoluções do séc XIX a revolução bolchevista de 1917 a revolução chinesa e até mesmo a revolução do Khmer Vermelhos no Camboja têm muitos pontos em comum com este modelo primordial A convicção de dispor de uma verdade lógicoracional como teoria e base de legitimidade fez com que estes movimentos procurassem através da propaganda conquistar o apoio popular para derrubar a ordem estabelecida A ordem seria mantida nesta concepção de maneira artificial pois era baseada em uma ideologia no sentido marxista de uma falsa consciência que mascara o verdadeiro sentido da História mas que não poderia resistir a um exame crítico Todas estas revoluções procuraram estabelecer as bases de uma nova sociedade radicalmente diferente da antiga marcando o nascimento de uma civilização superior Os exemplos são numerosos Os mais notáveis são aqueles da revolução cultural chinesa e do Khmer Vermelho que procederam em grande escala à eliminação física das pessoas submetidas ao contágio da antiga ordem É também interessante observar a coincidência entre a modernidade e o surgimento de um novo estilo literário ou de uma literatura sociológica dita utópica A obra de Thomas Morus precedeu em alguns anos uma verdadeira onda de proposições vindas deste gênero literário que teve seu apogeu nos sécs XVIII e XIX A utopia projeta um mundo plausível confortável e feliz construído justamente pela inversão do mundo conhecido e vivido Os autores imaginam a partir da pura racionalidade toda uma dinâmica deste mundo novo onde nada pode ser deixado ao acaso e tudo deve obrigatoriamente passar pelo crivo da razão Para Bureau as características fundamentais das utopias são a padronização e a igualdade a segregação ou cada coisa em seu lugar e a geometrização do espaço Estas características estão todas ligadas a um princípio maior de uma lógica que é a submissão do real ao racional verdadeira base do utopismo15 O mesmo caráter utópico pode ser visto nos planos de urbanismo elaborados segundo os critérios da circulação centralidade e maximização de funções que estão na origem das cirurgias urbanas A cidade é vista como uma totalidade passível de ser reconhecida em todas as suas funções e dinâmicas O tradicional ou as heranças devem ser readaptados e colocados 15 BUREAU Luc Entre lEden et lUtopie Les fondements imaginaires de lespace québécois QuébecAmérique Montreal 1984 p 235 a serviço da nova racionalidade e a estética está essencialmente preocupada com uma performance funcional O desenho é de fato característico linhas retas largos horizontes alinhamentos de perspectivas ângulos e fachadas confluências simétricas enfim todo um programa estético em harmonia perfeita com as idéias do moderno do novo do funcional que definem uma beleza urbana racional que conjuga forma e função16 Estes planos foram tão importantes para o desenvolvimento de uma essência moderna que Berman por exemplo procura extrair o sentido da modernidade das reformas urbanas de São Petersburgo Paris e Nova Iorque17 No entanto é preciso levar em conta as antiutopias Em geral elas procedem de uma projeção similar salvo que o otimismo e a fé no poder positivo da razão são aí invertidos Os exemplos típicos são as obras de Spengler Aldous Huxley e de George Orwell onde a criação de um mundo completamente racionalizado é seriamente denunciada Da mesma maneira todas as versões negativas do mundo urbano futuro exploradas em muitos romances constituem outras tantas antiutopias O universo urbano é o ambiente privilegiado para ilustrar os poderes desta vez negativos da razão Estes exemplos mostram bem a identificação do moderno e do urbano seja pelo estabelecimento de uma cidade ideal modelo de harmonia e progresso seja pelas versões pessimistas onde a cidade se torna um monstro incontrolável e sem admi16 Choay se refere a este urbanismo como progressista Ela também identificou dois outros modelos o culturalista e o naturalista que relativizam bastante o otimismo racional e fazem talvez o papel de contramodelos do racionalismo urbanista CHOAY F Lurbanisme utopies et réalités Une anthologie ed du Seuil Paris 1965 Uma distinção parecida é encontrada em Ragon que identifica no urbanismo moderno duas fontes maiores de inspiração no séc XIX a fascinação medieval e a fascinação moderna e no séc XX encontra o mesmo gênero de dicotomia através da oposição entre arquitetoartista e arquitetoengenheiro RAGON M Histoire de larchitecture et de lurbanisme modernes t 1 Casterman 1986 17 BERMAN M All that is solid melts into air Simon Schuster Nova Iorque 1986 nistração possível Ademais tratase da mesma associação que se encontra nos discursos de diversos geógrafos para quem a tradição e o antigo estão ligados de uma forma intrínseca ao mundo rural e o fenômeno urbano é o evento maior da modernidade A reorientação dos percursos de viagem é uma outra manifestação destas mudanças de mentalidade As viagens do séc XVIII passaram a ser essencialmente urbanas Era o fim da admiração de bucólicas cenas campestres evocadoras de um ideal arcádico Só mais tarde com Rousseau e os românticos o campo retomará um lugar de honra no momento em que a literatura reinventará as narrativas de viagem e redescobrirá as paisagens Chateaubriand Voyage à Clermont Voyage au Mont Blanc Dumas Excursions sur les bords du Rhin 1843 Flaubert Par les champs et par les grèves Voyages en Corse 1847 Victor Hugo Carnets de voyage et correspondance 18341842 Mérimée Notes dun voyage dans le midi de la France 1835 Notes dun voyage dans louest de la France 1836 Notes dun voyage en Auvergne 1838 Notes dun voyage en Corse 1840 Sand Lettre dun voyageur 1837 Correspondance e histoire de ma vie Promenades autour dun village 1866 Stendhal Mémoires dun touriste 1838 O novo espetáculo procurado era no entanto sobretudo dado pelo movimento das ruas do comércio da indústria etc Se até o começo do séc XVIII a erudição e a cultura seguiam um itinerário quase obrigatório em direção ao Mediterrâneo e sobretudo à Itália no período posterior o percurso se inverteu A viagem do séc XVI até o final do séc XVIII conduzia quase infalivelmente em direção ao Sul Roma é a peregrinação forçada do artista Montaigne não escapa à regra italiana O Norte se instrui no Sul alarga seus horizontes no Sul recebe seus cozinheiros seus mestres do Sul Procurase no Sul prestígio consagra ção bem cultural O Sul envia para o Norte seus missionários seus mestres seus técnicos instruirse ao Sul ensinar no Norte18 O exemplo de Montesquieu ilustra bem a mudança deste eixo Durante quatro anos ele percorre toda a Europa Ocidental Sua passagem pela Itália foi a ocasião de uma grande decepção ele critica e menospreza suas instituições seus costumes etc Ao contrário o Norte os Países Baixos a Alemanha e sobretudo a Inglaterra são considerados como exemplos de desenvolvimento a imitar Voltaire também ele um outro símbolo do Século das Luzes viajou apenas pelos países do Norte Do ponto de vista estético encontrase a mesma estrutura de ruptura de imposição do novo e de luta contra a tradição O Século das Luzes é o século da crítica Uma crítica que deveria no plano estético definir uma ordem e distinguir entre a razão e a imaginação entre o gênio e as regras entre o belo fundado sobre os sentimentos ou sobre o belo como uma forma de verdade para estabelecer o código de reconhecimento estético moderno Assim a revolução do gosto no séc XVIII pode ser analisada através das mesmas polaridades identificadas com relação à ciência e que colocam também em jogo o papel da racionalidade Segundo Ferry a reflexão sobre o Belo introduz a questão sobre o princípio do julgamento do gosto Tratase da razão como pensam os cartesianes e com eles os teóricos do classicismo francês ou do sentimento da delicadeza do coração como afirmará mais e mais clararalente no correr do séc XVIII uma corrente que buscava suas fontes tanto em Pascal quanto no empirismo inglês Se optamos em favor da razão conservaremos o julgamento de gosto sobre o modelo de um julgamento lógicomatemático sua objetividade será garantida por analogia às ciências Se ao contrário colocamos o sentimento no princípio da avaliação estética se o gosto é questão mais de coração do que de razão a autonomia da esfera estética pode bem ser obtida mas parece ao preço de uma subjetivação tão radical do Belo que a questão da objetividade de critérios verseá desqualificada em benefício de um relativismo total19 Ao nível das realizações artísticas esta discussão faz nascer um duplo modelo Na arquitetura as linhas retas os ângulos retos os planos simétricos e proporcionais definem um modelo que se opõe a um outro em que as proporções são livres de dimensões matemáticas as curvas são predominantes e no lugar da sobriedade de superfícies e de planos desenvolvese uma sobrecarga de ornamentação sobre diversos planos encaixados que dão uma ordem colossal às construções Na pintura estes modelos se distinguem antes pelas temas de um lado há uma preferência pelas cenas emprestadas da Antiguidade ou da fábula Do outro os temas são familiares extraídos do cotidiano O primeiro modelo propõe em geral uma composição com poucos personagens cujas atitudes são calmas e racionais Vêse aí uma predominância do desenho e notadamente do contorno e as paisagens apresentam volumes equilibrados No outro modelo a composição pictórica apresenta muitas vezes numerosos personagens em atitudes movimentadas voluntariosas e irracionais e as paisagens são pitorescas por vezes completamente desprovidas de personagens A modernidade nas artes é em geral datada do meio do 18 FERRY L Homo Aestheticus Grasset Paris 1990 p 54 Fichamento Nome Matheus Menezes dos Santos Nº matrícula 12011GEO027 Disciplina História do pensamento geográfico Turma Diurno Noturno Prof Dra Rita de Cássia Martins de Souza Referência Bibliográfica MODELO ABNT GOMES Paulo Cesar da Costa Geografia e modernidade Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1996 1 Resumo A pesquisa de materiais também teve um papel relevante e segundo Oscar Niemeyer as possibilidades do concreto armado protendido forneceram as condições de toda a criatividade da arquitetura moderna p 20 Nas ciências sociais a nova proposta é reintroduzir a hermenêutica como um idioma comum à filosofia e à cultura nos anos 90 e segundo Vattimo por este caminho substituir os idiomas do marxismo e do estruturalismo globalizantes doutrinários e autoritários p 24 Primeiramente considerase que este período começa a despeito de todas as controvérsias em torno das questões relativas às suas origens no momento em que um novo código de valorização intervém em diversas esferas da vida social sendo pois impossível identificar um evento ou uma data histórica precisa que demarcaria sua eclosão p 28 O primeiro pólo epistemológico é oriundo do projeto de ciência fundado no Século das Luzes A idéia central nesta concepção é a universalidade da razão p 30 O outro pólo epistemológico também nasceu no Século das Luzes mas se opõe absolutamente à concepção racionalista De fato as posições antiracionalistas se manifestam a partir de múltiplos movimentos e qualquer caracterização mais precisa pode ser temerária p 32 A descrição destes dois pólos não pretende esgotar toda a riqueza e diversidade do movimento da ciência Cada manifestação histórica desses pólos foi acompanhada de outros elementos e argumentos que não são examinados em nossa resumida descrição Arriscaríamos mesmo dizer que nenhuma das correntes científicas segue exatamente ou completamente os preceitos identificados anteriormente p 39 A observação dessas discussões conduz à identificação de alguns momentos da história desta disciplina onde esses debates foram mais fortemente vividos ou caracterizaram momentos de mudança na orientação do discurso predominante da geografia p 46 Podese notar que há uma visão de quebra com antigos padrões baseados em projetos em série e com princípios semelhantes destacandose que a tendência pósmoderna não se restringe apenas à arquitetura mas também serve para artes gráficas com utilização de diversos recursos para fazer diferença ao padrão anteriormente estabelecido p 21 No campo específico da geografia temse que é considerada pelo autor como responsável pela descrição e criação de mundo no aspecto visual sendo que do ponto de vista do discurso há maior preocupação com a Geografia enquanto ciência moderna p 28 O novo modo de pensar causou diversos conflitos fazendo com que o racionalismo da Academia de modo geral fosse questionado de maneira a quebrar a ideologia tradicional p 38 A dualidade e oposição entre correntes racionalistas e sua contrapartida também teve reflexos no discurso geográfico que passou a refletir tais discussões nas quais alguns geógrafos passaram a participar desses debates para buscar soluções em razão das transformações da ciência p 45 2 Comentários pessoais O presente trabalho tratase de fichamento acerca de trecho da obra Geografia e modernidade a saber o primeiro capítulo da Parte 1 intitulado Os dois pólos epistemológicos da modernidade O excerto inicia com algumas considerações sobre o surgimento dos tempos pósmodernos a partir de 1972 após a demolição de um grande conjunto habitacional nos Estados Unidos Ademais destacase que uma das maiores representações e clássico exemplo da união da arte e arquitetura foi a atual capital federal Brasília criada a partir de projeto previamente articulado A primeira parte é dedicada ao debate sobre a modernidade e suas principais características com alterações no pensamento estabelecido até então nas ciências Além disso destaca a relevância da hermenêutica enquanto abordagem preferida ao invés de basearse em modelos teóricos rígidos algo bastante útil à Geografia que superou as explicações universalitas priorizando práticas e especificidades locais Isso é bastante importante para fins de estudos de paisagens culturais por exemplo Na sequência tratando acerca dos polos epistemológicos o autor destaca que foram os seguintes 1 o polo fundado na época do Renascimento baseado na lógica e sistematização cujos representantes são os filósofos da corrente da Epistemologia e 2 o polo baseado na oposição ao racionalismo também da época renascentista Nesse ponto é interessante destacar que a dualidade entre racionalismo e antiracionalismo trata se de aspecto fundamental para compreensão da Epistemologia dentro da Geografia especialmente pelo fato de que a disciplina varia entre abordagens universalizantes e aquelas que enfatizam a experiência e a subjetividade É o caso por exemplo dos geógrafos quantitativos que buscam padrões universais e leis do comportamento espacial e por seu turno geógrafos humanistas e críticos adotam abordagens mais interpretativas focando nas narrativas e experiências dos sujeitos no espaço Outrossim para os geógrafos que estudam a relação entre sociedade e espaço a ideia de um novo código de valorização tem diversos impactos eis que sugere que as práticas espaciais e as configurações territoriais estão ligadas diretamente às transformações culturais e sociais Como exemplo podese citar a valorização econômica de certos espaços no cenário urbano que são alterados à medida que o tempo passa bem como em razão de novos códigos culturais e econômicos gentrificação e segregação de espaços por exemplo O autor destaca também que apesar de haver divisão entre racionalismo e antirracionalismo tal dualidade não consegue abarcar a riqueza do desenvolvimento das ciências já que seu movimento é muito mais complexo e variado do que uma simples categorização Portanto as abordagens científicas podem ser compreendidas como híbridas integrando elementos de diferentes correntes e evoluindo de diversas maneiras o que não permite na maioria das vezes que sejam objeto de classificações pouco elaboradas Os debates epistemológicos não são apenas no campo teórico sendo que influenciam e continuam influenciando o desenvolvimento e a prática da Geografia sendo importante salientar que diversos momentos históricos de discussões sobre os fundamentos da ciência geográfica acabaram gerando mudanças na orientação da disciplina ou seja permitiram que fossem geradas novas abordagens e metodologias Por fim entendo que a obra é importante para nós enquanto geógrafos contemporâneos haja vista que permite a compreensão de diversas transformações e rupturas da Geografia fazendo com que seja possível reconhecer e entender os debates que moldaram a disciplina com a avaliação crítica de suas suposições epistemológicas e metodológicas bem como verificar as diversas abordagens e sua integração na abordagem de problemas da atualidade Gizase que tal perspectiva permite a compreensão de que a Geografia deve permanecer enquanto disciplina reflexiva e autocrítica com abertura a novas ideias e métodos principalmente pelo fato de que têm utilidade e aplicação nas mudanças sociais culturais e científicas 3 Questões Qual é o título do capítulo Os dois pólos epistemológicos da modernidade Quais trechos você destacou na leitura Foram destacados trechos das páginas 20 21 24 28 30 32 38 39 45 e 46 conforme citações no item 1 Eles estão relacionados com o título Alguns deles se relacionam diretamente com o título outros com ideias abordadas pelo autor que servem como base para a compreensão dos pontos principais do capítulo