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Administração Pública ·

Filosofia

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Para pensar as manifestações culturais na sociedade capitalista o trabalho teórico de Adorno é um cânone incontornável Para ele a indústria cultural um de seus principais conceitos transformou e colonizou a cultura e a arte atrelandoas a estereótipos e padrões estéticos repetitivos que educam o público para a passividade a uniformidade e o consumo em massa Neste livro estão reunidos três de seus ensaios mais importantes selecionados por Jorge de Almeida professor da Universidade de São Paulo Indústria cultural o iluminismo como mistificação das massas escrito com Max Horkheimer e com revisão em português por Luiz Costa Lima e Otto Maria Carpeaux Crítica cultural e sociedade e Tempo livre A libertação prometida pelo entretenimento é a do pensamento como negação A impudência da pergunta retórica O que é que a gente quer consiste em se dirigir às pessoas fingindo tratálas como sujeitos pensantes quando seu fito na verdade é o de desabitualas ao contato com a subjetividade A indústria cultural perfidamente realizou o homem como ser genérico Cada um é apenas aquilo que qualquer outro pode substituir coisa fungível um exemplar DESIGN LETICIA QUINTILIANO ANALISAR E COMPREENDE R a organização e a manifestação da cultura dentro do desenvolvimento do capitalismo foi um dos motores de pensamento do alemão Theodor W Adorno que afirmou As manifestações estéticas mesmo a dos antagonistas políticos celebram da mesma forma o elogio do ritmo do aço Sem dúvida o ritmo industrial da produção cultural segundo Adorno sempre rápido duro pasteurizado e sem alma é criticável em qualquer regime político econômico e ideológico Um dos principais nomes da Escola de Frankfurt grupo responsável por uma série de leituras sociais e filosóficas de embasamento crítico Adorno descendente de judeus estudioso de Kant e amante das artes em especial da música foi obrigado a fugir da Alemanha durante a perseguição judaica e socialista Durante o exílio nos Estados Unidos seu interesse pelo imbricamento de técnica cultura e consumo gerou a obra Dialética do esclarecimento escrita em conjunto com Max Horkheimer na qual aparece pela primeira vez o conceito de indústria cultural O termo utilizado como uma atualização da ideia de cultura de massa remete as ideias de dominação difusão e velocidade a partir das quais a cultura o entretenimento e a diversão passaram a ser tratados e oferecidos pelo capitalismo aos trabalhadores consumidores Estes ao fim do dia encontram apenas o sempreigual a eterna repetição do passado Nesta nova edição de Indústria cultural e sociedade leitores e leitoras encontrarão três importantes ensaios de Theodor Adorno escolhidos pelo professor Jorge de Almeida da Universidade de São Paulo São eles Indústria cultural o iluminismo como mistificação das massas que escreveu com Max Horkheimer e conta com a revisão em português de Luiz Costa Lima e Otto Maria Carpeaux Crítica cultural e sociedade e Tempo livre Escritos entre 1947 e 1969 ano de morte do autor esses textos apresentam suas ideias centrais acerca do Theodor W Adorno Indústria cultural e sociedade Seleção de textos Jorge M B de Almeida 13ª edição PAZ TERRA Rio de Janeiro São Paulo 2021 Theodor W Adorno CIPBRASIL CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ Adorno Theodor W Indústria cultural e sociedade Theodor W Adorno seleção de textos Jorge M B de Almeida 13 ed São Paulo Paz e Terra 2021 ISBN 9786555480146 1 Comunicação de massa Aspectos sociais 2 Sociedade de massa I Almeida Jorge M B de II Títuka CDD 30223 CDU 316774 Leandra Felix da Cruz Candido Bibliotecária CRB76135 Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Todos os direitos reservados É proibido reproduzir armazenar ou transmitir partes deste livro através de quaisquer meios sem prévia autorização por escrito Direitos desta edição adquiridos pela EDITORA PAZ TERRA Rua do Paraíso 139 10 andar conjunto 101 Paraíso São Paulo SP 04103000 httpwwwrecordcombr Seja um leitor preferencial Record Cadastrese e no site wwwrecordcombr e receba informações sobre nossos lançamentos e nossas promoções Atendimento e venda direta ao leitor sacrecordcombr Impresso no Brasil 2021 Sumário A indústria cultural o Iluminismo como mistificação das massas Theodor W Adorno e Max Horkheimer 1947 7 Crítica cultural e sociedade Theodor W Adorno 1949 69 Tempo livre Theodor W Adorno 1969 97 A indústria cultural o Iluminismo como mistificação das massas Theodor W Adorno e Max Horkheimer 1947 A tese sociológica de que a perda de apoio na religião objetiva a dissolução dos últimos resíduos précapitalistas a diferenciação técnica e social e a extrema especialização deram lugar a um caos cultural é cotidianamente desmentida pelos fatos A cultura contemporânea a tudo confere um ar de semelhança Filmes rádio e semanários constituem um sistema Cada setor se harmoniza em si e todos entre si As manifestações estéticas mesmo a dos antagonistas políticos celebram da mesma forma o elogio do ritmo do aço As sedes decorativas das administrações e das exposições industriais são pouco diferentes nos países autoritários e nos outros Os palácios colossais que surgem por toda parte representam a pura racionalidade sem sentido dos grandes cartéis internacionais a que já tendia a livreiniciativa desenfreada que tem no entanto os seus monumentos nos sombrios edifícios circundantes de moradia ou de negócios das cidades desoladas Por sua vez as casas mais velhas em torno ao centro de cimento armado têm o aspecto de slums favelas enquanto os novos bangalôs às margens das cidades cantam como as frágeis construções das feiras internacionais louvores ao progresso técnico convidando a líquidálas após um rápido uso como latas de conserva Mas os projetos urbanísticos que deveriam perpetuar em pequenas habitações higiênicas o individuo como ser independente submetemno ainda mais radicalmente à sua antítese o poder total do capital Do mesmo modo como os habitantes afluem aos centros em busca de trabalho e de diversão como produtores e consumidores as unidades de construção se cristalizam sem solução de continuidade em complexos bem organizados A unidade visível de macrocosmo e de microcosmo mostra aos homens o modelo de sua cultura a falsa identidade do universal e do particular Toda a cultura de massa em sistema de economia concentrada é idêntica e o seu esqueleto a armadura conceptual daquela começa a delinearse Os dirigentes não estão mais tão interessados em escondêla a sua autoridade se reforça quanto mais brutalmente é reconhecida O cinema e o rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como arte A verdade de que nada são além de negócios lhes serve de ideologia Esta deverá legitimar o lixo que produzem de propósito O cinema e o rádio se autodefinem como indústrias e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretoresgerais tiram qualquer dúvida sobre a necessidade social de seus produtos Os interessados adoram explicar a indústria cultural em termos tecnológicos A participação de milhões em tal indústria imporia métodos de reprodução que por seu turno fazem com que inevitavelmente em numerosos locais necessidades iguais sejam satisfeitas com produtos estandardizados O contraste técnico entre poucos centros de produção e uma recepção difusa exigiria por força das coisas organização e planificação da parte dos detentores Os clichês seriam causados pelas necessidades dos consumidores por isso seriam aceitos sem oposição Na realidade é por causa desse círculo de manipulações e necessidades derivadas que a unidade do sistema tornase cada vez mais impermeável O que não se diz é que o ambiente em que a técnica adquire tanto poder sobre a sociedade encarna o próprio poder dos economicamente mais fortes sobre a mesma sociedade A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação é o caráter repressivo da sociedade que se autoaliena Automóveis bombas e filmes mantêm o todo até que seu elemento nivelador repercuta sobre a própria injustiça a que servia Por hora a técnica da indústria cultural só chegou à estandardização e à produção em série sacrificando aquilo pelo qual a lógica da obra se distinguia da lógica do sistema social Mas isso não deve ser atribuído a uma lei de desenvolvimento da técnica enquanto tal mas à sua função na economia contemporânea A necessidade que talvez pudesse fugir ao controle central já está reprimida pelo controle da consciência individual A passagem do telefone ao rádio dividiu de maneira justa as partes Aquele liberal deixava ainda ao usuário a condição de sujeito Este democrático torna todos os ouvintes iguais ao sujeitálos autoritariamente aos idênticos programas das várias estações Não se desenvolveu nenhum sistema de réplica e as transmissões privadas são mantidas na clandestinidade Essas se limitam ao mundo excêntrico dos amadores que ainda por cima são organizados do alto Qualquer traço de espontaneidade do público no âmbito da rádio oficial é guiado e absorvido em uma seleção de tipo especial por caçadores de talento competições diante do microfone manifestações domesticadas de todo o gênero Os talentos pertencem à indústria muito antes que esta os apresente ou não se adaptariam tão prontamente A constituição do público que teoricamente e de fato favorece o sistema da indústria cultural faz parte do sistema e não o desculpa Quando um ramo artístico procede seguindo a receita de outro sendo eles muito diferentes pelo conteúdo e pelos meios de expressão quando o elo dramático da soap opera no rádio se transforma numa ilustração pedagógica do mundo por meio do qual se resolvem dificuldades técnicas dominadas jams nos pontos culminantes da vida do jazz ou quando a adaptação experimental de uma frase de Beethoven se faz segundo o mesmo esquema da de um romance de Tolstoi em um filme o recurso aos desejos espontâneos do público tornase um pretexto inconsistente Mais próxima da realidade é a explicação baseada no próprio peso na força da inércia do aparelho técnico e pessoal que deve ser considerado em cada detalhe como parte integrante do mecanismo econômico de seleção Juntase a isso o acordo ou ao menos a determinação comum aos chefesexecutivos de não produzir ou admitir nada que não se assemelhe às suas tábuas da lei ao seu conceito de consumidor e sobretudo nada que se afaste de seu autorretrato Se a tendência social objetiva da época se encarna nas intenções subjetivas dos diretores gerais são estes os que integram originalmente os setores mais poderosos da indústria aço petróleo eletricidade química Os monopólios culturais são em comparação com esses débeis e dependentes Eles devem se apressar em satisfazer os verdadeiros potentados para que a sua esfera na sociedade de massa cujo gênero particular de mercadoria ainda tem muito a ver com o liberalismo acolhedor e com os intelectuais judeus não seja submetida a uma série de limpezas A dependência da mais poderosa sociedade radiofônica em relação à indústria elétrica ou a do cinema aos bancos define a esfera toda cujos setores singulares são ainda por sua vez cointeressados e economicamente interdependentes Tudo está tão estreitamente ligado que a concentração do espírito alcança um volume tal que lhe permite ultrapassar as fronteiras das várias firmas comerciais e setores técnicos A unidade sem preconceitos da indústria cultural atesta a unidade em formação da política Distinções enfáticas como entre filmes de classe A e B ou entre histórias em revistas de diferentes preços não são tão fundadas na realidade quanto antes servem para classificar e organizar os consumidores a fim de padronizálos Para todos alguma coisa é prevista a fim de que nenhum possa escapar as diferenças vêm cunhadas e difundidas artificialmente O fato de oferecer ao público uma hierarquia de qualidades em série serve somente à quantificação mais completa cada um deve se comportar por assim dizer espontaneamente segundo o seu nível determinado a priori por índices estatísticos e dirigirse à categoria de produtos de massa que foi preparada para o seu tipo Reduzido a material estatístico os consumidores são divididos no mapa geográfico dos escritórios técnicos que praticamente não se diferenciam mais dos de propaganda em grupos de renda em campos vermelhos verdes e azuis O esquematismo do procedimento mostrase no fato de que os produtos mecanicamente diferenciados revelamse no final das contas como sempre os mesmos A diferença entre a série Chrysler e a série General Motors é substancialmente ilusória como sabem até mesmo as crianças vidradas por elas As qualidades e as desvantagens discutidas pelos conhecedores servem apenas para manifestar uma aparência de concorrência e possibilidade de escolha As coisas não caminham de modo diverso com as produções da Warner Brothers e da MGM Porém as diferenças se reduzem cada vez mais mesmo entre os tipos mais caros e os mais baratos da coleção de modelos de uma mesma firma nos automóveis a variação no número de cilindros no tamanho na novidade dos gadgets nos filmes a diferença no número de astros na fartura dos meios técnicos mão de obra figurinos e decorações no emprego das mais recentes fórmulas psicológicas A medida unitária do valor consiste na dose de conspicuous production de investimento ostensivo A diferença do valor orçado na indústria cultural não tem nada a ver com a diferença objetiva de valor com o significado dos produtos Mesmo os meios técnicos tendem a uma crescente uniformidade recíproca A televisão tende a uma síntese do rádio e do cinema retardada enquanto os interessados ainda não tenham negociado um acordo satisfatório mas cujas possibilidades ilimitadas prometem intensificar a tal ponto o empobrecimento dos materiais estéticos que a identidade apenas ligeiramente mascarada de todos os produtos da indústria cultural já amanhã poderá triunfar abertamente Seria ironicamente a realização do sonho wagneriano da obra de arte total O acordo entre palavra música e imagem realizase mais perfeitamente que em Tristão porque os elementos sensíveis que protocolam sem pretensão a superfície da realidade social são na maioria dos casos produzidos pelo mesmo processo técnico de trabalho exprimindo tanto a sua unidade quanto o seu verdadeiro conteúdo Esse processo de trabalho integra todos os elementos da produção desde a trama do romance que já tem em mira o filme até o mínimo efeito sonoro É o triunfo do capital investido Imprimir com letras de fogo a sua onipotência a do seu próprio patrão no âmago de todos os miseráveis em busca de emprego é o significado de todos os filmes independentemente do enredo escolhido em cada caso pela direção de produção O trabalhador durante seu tempo livre deve se orientar pela unidade da produção A tarefa que o esquematismo kantiano ainda atribuía aos sujeitos a de antecipadamente referir a multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais é tomado do sujeito pela indústria Esta realiza o esquematismo como um primeiro serviço ao cliente Na alma agia segundo Kant um mecanismo secreto que já preparava os dados imediatos de modo que se adaptassem ao sistema da pura razão Hoje o enigma está revelado Mesmo se a planificação do mecanismo por parte daqueles que manipulam os dados da indústria cultural seja imposta em virtude da própria força de uma sociedade que não obstante toda racionalização se mantém irracional essa tendência fatal passando pelas agências da indústria transformase na intencionalidade astuta da própria indústria Para o consumidor não há mais nada a classificar que o esquematismo da produção já não tenha antecipadamente classificado A arte sem sonho produzida para o povo realiza aquele idealismo sonhador que parecia exagerado ao idealismo critico Tudo advêm da consciência em Malebranche e em Berkeley era a consciência de Deus na arte de massa a da terrena diretoria de produção Não só os tipos de música de dança de astros e soap operas retornam ciclicamente como entidades invariáveis quanto o conteúdo particular do espetáculo aquilo que aparentemente muda é por seu turno derivado daqueles Os pormenores tornaramse fungíveis A breve sucessão de intervalos que se mostrou eficaz em um sucesso musical o vexame temporário do herói por ele esportivamente aceito os saudáveis tapas que a bela recebe da mão pesada do astro sua rudeza com a herdeira viciada são como todos os pormenores e clichês salpicados aqui e ali sendo cada vez subordinados à finalidade que o esquema lhes atribui Estão ali para confirmar o esquema ao mesmo tempo em que o compõem Desde o começo é possível perceber como terminará um filme quem será recompensado punido ou esquecido para não falar da música leve em que o ouvido acostumado consegue desde os primeiros acordes adivinhar a continuação e sentirse feliz quando ela ocorre O número médio de palavras da shortstory é aquele e não se pode mudar Mesmo as gags os efeitos e os compassos são calculados assim como o quadro onde são montados Ministrados por especialistas sua escassa variedade é distribuída pelos escritórios A indústria cultural se desenvolveu com a primazia dos efeitos da performance tangível do particular técnico sobre a obra que outrora trazia a ideia e com essa foi liquidada O particular ao emanciparse tornarase rebelde e se erigira desde o Romantismo até o Expressionismo como expressão autônoma como revolta contra a organização O simples efeito harmônico tinha cancelado na música a consciência da totalidade formal na pintura a cor particular tornouse mais importante que a composição do quadro o vigor psicológico oblitera a arquitetura do romance A tudo isso a indústria cultural pôs fim Só reconhecendo os efeitos ela despedaça a sua insubordinação e os sujeita à fórmula que tomou o lugar da obra Molda da mesma maneira o todo e as partes O todo se opõe impiedosamente aos pormenores à semelhança da carreira de um homem de sucesso para o qual tudo deve servir de ilustração e experiência enquanto a própria carreira não passa da soma daqueles acontecimentos idiotas Assim a chamada ideia geral é um mapa cadastral cria uma ordem mas nenhuma conexão Privados de oposições e conexões o todo e os pormenores têm os mesmos traços À sua harmonia de início garantida é a paródia da harmonia conquistada pela obraprima burguesa Na Alemanha a paz sepulcral da ditadura já estava presente nos filmes mais irrefletidos do período democrático O mundo inteiro é forçado a passar pelo crivo da indústria cultural A velha experiência do espectador cinematográfico para quem a rua lá de fora parece a continuação do espetáculo que acabou de ver pois esse quer precisamente reproduzir de modo exato o mundo percebido cotidianamente tornouse o critério da produção Quanto mais densa e integral a duplicação dos objetos empíricos por parte de suas técnicas tanto mais fácil fazer crer que o mundo de fora é o simples prolongamento daquele que se acaba de ver no cinema Desde a brusca introdução da trilha sonora o processo de reprodução mecânica passou inteiramente ao serviço desse desígnio A vida não deve mais tendencialmente poder se distinguir do filme sonoro Superando de longe o teatro ilusionista o filme não deixa à fantasia e ao pensamento dos espectadores nenhuma dimensão na qual possam sempre no âmbito da obra cinematográfica mas desvinculados de seus dados puros se mover e se ampliar por conta própria sem que percarn o fio Ao mesmo tempo o filme exercita as próprias vítimas em identificálo com a realidade A atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural de hoje não tem necessidade de ser explicada em termos psicológicos Os próprios produtos desde o mais típico o filme sonoro paralisam aquelas capacidades pela sua própria constituição objetiva Eles são feitos de modo que a sua apreensão adequada exige por um lado rapidez de percepção capacidade de observação e competência especifica e por outro é feita de modo a vetar de fato a atividade mental do espectador se ele não quiser perder os fatos que rapidamente se desenrolam à sua frente É uma tensão tão automática que não há sequer necessidade de ser atualizado a cada caso para que reprima a imaginação Aquele que se mostra de tal forma absorvido pelo universo do filme pelos gestos imagens palavras a ponto de não ser capaz de lhe acrescentar aquilo que lhe tornaria um universo não estará necessariamente por isso no ato da exibição ocupado com os efeitos particulares da fita Os outros filmes e produtos culturais que necessariamente deve conhecer tornamlhe tão familiares as provas de atenção requeridas que estas se automatizam A violência da sociedade industrial opera nos homens de uma vez por todas Os produtos da indústria cultural podem estar certos de serem jovialmente consumidos mesmo em estado de distração Mas cada um desses é um modelo do gigantesco mecanismo econômico que desde o início mantém tudo sob pressão tanto no trabalho quanto no lazer que tanto se assemelha ao trabalho De cada filme sonoro de cada transmissão radiofônica podese deduzir aquilo que não se poderia atribuir como efeito de cada um em particular mas só de todos em conjunto na sociedade Infelizmente cada manifestação particular da indústria cultural reproduz os homens como aquilo que foi já produzido por toda a indústria cultural Todos os seus agentes desde o produtor até as associações femininas estão atentos para impedir que a simples reprodução do espírito não conduza à sua ampliação Os lamentos dos historiadores de arte e dos defensores da cultura sobre a extinção da força geradora de estilo no Ocidente são acanhadamente infundados A tradução que a tudo estereotipa inclusive o que ainda não foi pensado no esquema da reprodutibilidade mecânica supera em rigor e validade qualquer estilo verdadeiro conceito com o qual os amigos da cultura idealizam como orgânico o passado précapitalista Nenhum Palestrina saberia tirar a dissonância improvisada e irresoluta com o purismo com que um arranjador de jazz elimina qualquer cadência que não se enquadre perfeitamente em seu jargão Quando adapta Mozart não se limita a modificálo no que é muito sério ou muito difícil mas também no que harmonizava a melodia de modo diverso e talvez mais simples do que se usa hoje Nenhum construtor de igrejas da Idade Média teria analisado os temas dos vitrais e das esculturas com a mesma desconfiança com que a hierarquia dos estudios cinematográficos examina um tema de Balzac ou de Victor Hugo antes de obter o imprimatur que lhe permite a divulgação Nenhum concílio teria indicado às carrancas diabólicas e às penas dos condenados o seu devido lugar na ordem do sumo amor com o mesmo escrúpulo com que a direção da produção o fixa para a tortura do herói ou para a minissia da atriz principal na lengalenga do filme de sucesso O catálogo explicito e implícito esotérico e exotérico do proibido e do tolerado não se limita a circunscrever um setor livre mas o domina e controla de cima a baixo Até os mínimos detalhes são modelados segundo a sua receita A indústria cultural mediante suas proibições fixa positivamente como a sua antítese a arte de vanguarda uma linguagem sua com uma sintaxe e um léxico próprios A necessidade permanente de efeitos novos que permanecem todavia ligados ao velho esquema só faz acrescentar como regra supletiva a autoridade do que já foi transmitido ao qual cada efeito particular desejaria esquivarse Tudo o que surge é submetido a um estigma tão profundo que por fim nada aparece que já não traga antecipadamente as marcas do jargão sabido e não se demonstre à primeira vista aprovado e reconhecido Mas os matadores produtores ou reprodutores são os que usam esse jargão com tanta facilidade liberdade e alegria como se fosse a língua que há tempo foi reduzida ao silêncio É esse o ideal da naturalidade em cada ramo que se afirma tanto mais imperiosamente quanto mais a técnica aperfeiçoada reduz a tensão entre a imagem e a vida cotidiana Percebese o paradoxo da routine disfarçada em natureza em todas as manifestações da indústria cultural e em muitas ela se deixa apalpar Um jazzista que deve executar um trecho de música séria o mais simples minueto de Beethoven começa involuntariamente a sincopálo e só com um sorriso de superioridade consente entrar no compasso certo Essa natura complicada pelas pressões sempre presentes e exageradas do medium específico constitui o novo estilo isto é um sistema de incultura ao qual se poderia conceder certa unidade estilística enquanto ainda tem sentido falar em barbárie estilizada3 16 17 A obrigatoriedade geral dessa estilização já supera a força das proibições e das prescrições oficiosas hoje com mais facilidade se perdoa a um motivo não se ater aos trinta e dois compassos ou ao âmbito da nona do que conter uma particularidade melódica ou harmônica estranha ao idioma mesmo que seja o mais secreto idioma Todas as violações do exercício da profissão cometidas por Orson Welles lhe são perdoadas porque incorreções calculadas só fazem confirmar e reforçar a valide do sistema A obrigação do idioma tecnicamente condicionado que atores e diretores devem produzir como natureza para que a nação dele se aproprie referese a matrizes tão sutis a ponto de quase alcançar o refinamento dos meios de uma obra de vanguarda A rara capacidade de sujeitarse minuciosamente às exigências do idioma da simplicidade em todos os setores da indústria cultural tornase o critério da habilidade e da competência Tudo o que esses dizem e o modo como o dizem devem poder ser controlados pela linguagem cotidiana como no positivismo lógico Os produtores são os experts O idioma exige uma força produtiva excepcional que é inteiramente consumida e desperdiçada Satânico este superou a diferença cara à teoria conservadora da cultura entre estilo genuíno e artificial Por artificial poderia ser definido um estilo que se impõe do exterior sobre os impulsos relutantes da figura Mas na indústria cultural a matéria até os seus últimos elementos tem origem no mesmo aparato que produz o jargão no qual é introduzido As brigas entre os especialistas artísticos o sponsor e o censor a propósito de uma mentira demasiado incrível não revelam menos uma tensão entre valores estéticos do que uma divergência de interesses O renome do especialista no qual um último resto de autonomia objetiva às vezes encontra refúgio entra em conflito com a política comercial da igreja ou do truste que produz a mercadoria cultural Mas em sua essência a coisa já está reificada como viável antes mesmo que se dê aquele conflito de hierarquias Antes mesmo que Zanuck a adquirisse Santa Bernadete brilhava no campo visual do seu poeta como uma propaganda para todos os consórcios interessados Eis o que resta da emoção inerente à obra E eis por que o estilo da indústria cultural que não tem mais de se afirmar sobre a resistência do material é ao mesmo tempo a negação do estilo A conciliação do universal e do particular regra e instância específica do objeto por cuja única atuação o estilo adquire peso e substância é sem valor porque já não se cumpre nenhuma tensão entre os dois polos extremos que se tocam eles são traspasados por uma turva identidade o universal pode substituir o particular e viceversa Essa caricatura do estilo contudo diz alguma coisa sobre o estilo autêntico do passado O conceito de estilo autêntico se desmascara na indústria cultural como o equivalente estético da dominação A ideia do estilo como coerência puramente estética é uma fantasia retrospectiva dos românticos Na unidade do estilo não só do medievo cristão como também do Renascimento manifestase a estrutura cada vez diferente do poder social em que o universal restava enclausurado e não a obscura experiência dos dominados Os grandes artistas nunca foram os que encarnaram o estilo no modo mais puro e perfeito mas sim aqueles que acolheram na própria obra o estilo como rigor a caminho da expressão caótica do sofrimento o estilo como verdade negativa No estilo das obras a expressão adquiria a força sem a qual a existência resta inaudível Mesmo as obras que passam por clássicas como a música de Mozart contêm tendências objetivas que estão em contraste com o seu estilo 18 19 Os grandes artistas até Schönberg e Picasso conservavam a desconfiança para com o estilo e em tudo o que é decisivo detiveramse menos no estilo do que na lógica do objeto Aquilo que os expressionistas e dadaístas afirmavam polemicamente a falsidade do estilo como tal hoje triunfa no jargão cantado do crooner na esmerada graciosidade da estrela do cinema por fim na magistral tomada fotográfica do barracão miserável do trabalhador rural Em toda obra de arte seu estilo é uma promessa Enquanto o conteúdo por meio do estilo entra nas formas dominantes da universalidade na linguagem musical pictórica verbal deve reconciliarse com a ideia da universalidade autêntica Essa promessa da obra de arte de fundar a verdade pela inserção da figura nas formas socialmente transmitidas é ao mesmo tempo necessária e hipócrita Ela coloca como absolutas as formas reais do existente pretendendo antecipar seu cumprimento por meio dos derivados estéticos Nesse sentido a pretensão da arte é de fato sempre ideologia Por outro lado é só no confronto com a tradição depositada no estilo que a arte pode encontrar uma expressão para o sofrimento O momento pelo qual a obra de arte transcende a realidade é com efeito inseparável do estilo mas não consiste na harmonia realizada na problemática unidade de forma e conteúdo interno e externo indivíduo e sociedade mas sim nos traços em que aflora a discrepância na falência necessária da apaixonada tensão para com a identidade Em vez de se expor a essa falência na qual o estilo da grande obra de arte sempre se negou a obra mediocre sempre se manteve a semelhança de outras pelo álibi da identidade A indústria cultural finalmente absolutiza a imitação Reduzida a puro estilo trai o seu segredo a obediência à hierarquia social A barbárie estética realiza hoje a ameaça que pesa sobre as criações espirituais desde o dia em que foram colecionadas e neutralizadas como cultura Falar de cultura foi sempre contra a cultura O denominador cultura já contém virtualmente a tomada de posse o enquadramento a classificação que a cultura assume no reino da administração Só a administração industrializada radical e consequente é plenamente adequada a esse conceito de cultura Subordinando do mesmo modo todos os ramos da produção espiritual com o único fito de ocupar desde a saída da fábrica à noite até sua chegada na manhã seguinte diante do relógio de ponto os sentidos dos homens com os sinetes dos processos de trabalho que eles próprios devem alimentar durante o dia a indústria cultural sarcasticamente realiza o conceito de cultura orgânica que os filósofos da personalidade opunham à massificação Assim a indústria cultural o estilo mais inflexível de todos revelase justamente como a mera daquele liberalismo ao qual se censurava a falta de estilo Não só as suas categorias e os seus conteúdos irrompem da esfera liberal tanto do naturalismo domesticado como da opereta e do teatro de revista os modernos trustes culturais são o lugar econômico em que continua provisoriamente a sobreviver com os tipos correspondentes de empresários uma parte da esfera tradicional da circulação em vias de aniquilamento no restante da sociedade Aqui alguém ainda pode fazer fortuna desde que não olhe muito reto diante de si mas consinta em pactuar Aquele que resiste só pode sobreviver integrandose Uma vez registrado em sua diferença pela indústria cultural já faz parte desta assim como a reforma agrária no capitalismo A revolta que rende homenagem à realidade se torna a marca de fábrica de quem tem uma nova ideia para levar à indústria A esfera pública da sociedade atual não deixa passar nenhuma acusação perceptível em cujo tom os auditivamente sensíveis já não advertam a autoridade sob cujo signo o révolté com eles se reconcilia Mais incomensurável tornase o abismo entre o coro e 20 21 o primeiro plano e com tanta maior certeza aqui é posto aquele que saiba atestar a própria superioridade com uma originalidade bem organizada Assim mesmo na indústria cultural sobrevive a tendência do liberalismo em deixar aberto o caminho para os capazes Abrir caminho para esses virtuosos é ainda hoje a função do mercado o qual noutras esferas já se mostra amplamente regulado tratase de uma liberdade que já em seus bons tempos tanto na arte quanto para os tolos em geral era apenas a de morrer de fome Não é por acaso que o sistema da indústria cultural surgiu nos países industriais mais liberais nos quais triunfaram todos os seus meios característicos o cinema o rádio o jazz e as revistas É verdade que o seu desenvolvimento progressivo fluía necessariamente das leis gerais do capital Gaumont e Pathé Ullstein e Hugenberg tinham seguido com êxito a tendência internacional o restante foi feito pela dependência econômica europeia em relação aos EUA depois da Primeira Guerra Mundial e pela inflação Acreditar que a barbárie da indústria cultural seja uma consequência de um cultural lag do atraso da consciência americana quanto ao estado alcançado pela técnica é pura ilusão A Europa préfascista era arrasada com respeito à tendência ao monopólio cultural Em virtude mesmo porém desse arraso o espírito ainda era devedor de um resto de autonomia assim como os últimos expoentes da sua existência conquanto oprimida e difícil Na Alemanha a insuficiência do controle democrático sobre a vida civil havia tido efeitos paradoxais Muito permanecia subtraído ao mecanismo do mercado desencadeado nos países ocidentais O sistema educativo alemão inclusive a universidade os teatros com função de guia no plano artístico as grandes orquestras e os museus estavam sob proteção Os poderes políticos estados e comunas que tinham recebido essas instituições como herança do absolutismo haviam lhes deixado parte daquela independência das relações de força explícitas no mercado à qual lhes fora concedida apesar de tudo até fins do século XIX pelos príncipes e senhores feudais Isso reforçou a posição da arte tardoburguesa contra o veredito da demanda e da oferta e favoreceu a sua resistência muito além da proteção efetivamente concedida Mesmo no mercado a homenagem à qualidade ainda não traduzível em valor corrente se transformara em poder de compra Por ela dignos editores literários e musicais podiam se ocupar de autores que não rendiam muito mais que a estima dos especialistas Só a obrigação de inserirse continuamente sob as mais graves ameaças como expert estético na vida industrial sujeitou definitivamente o artista Há algum tempo eles assinavam suas cartas como Kant e Hume com a expressão seu mais humilde servo no entanto minavam as bases do trono e do altar Hoje chamam pelo nome os chefes de governo e são submetidos em todo impulso artístico ao juízo dos seus governantes iletrados A análise feita por Tocqueville há cem anos foi plenamente confirmada Sob o monopólio privado da cultura sucede de fato que a tirania deixa livre o corpo e investe diretamente sobre a alma Aí o patrão não diz mais ou pensas como eu ou morres Mas diz és livre para não pensares como eu a tua vida os teus bens tudo te será deixado mas a partir deste instante és um intruso entre nós Quem não se adapta é massacrado pela impotência econômica que se prolonga na impotência espiritual do isolado Excluído da indústria é fácil convencêlo de sua insuficiência Enquanto agora na produção material o mecanismo da demanda e da oferta está em vias de dissolução na superestrutura ele opera como controle em proveito dos patrões Os consumidores são os operários e os empregados fazendeiros e pequenos burgueses A totalidade das instituições existentes os aprisiona de corpo e alma a ponto de sem resistência 22 23 sucumbirem diante de tudo o que lhes é oferecido E assim como a moral dos senhores era levada mais a sério pelos dominados do que pelos próprios senhores assim também as massas enganadas de hoje são mais submissas ao mito do sucesso do que os próprios afortunados Esses têm o que querem e exigem obstinadamente a ideologia com que se lhes serve O funesto apego do povo ao mal que lhe é feito chega mesmo a antecipar a sabedoria das instâncias superiores e supera o rigorismo dos HaysOffice Assim como em grandes épocas animou e estimulou maiores poderes dirigidos contra eles o terror dos tribunais Eles sustêm Mickey Rooney contra a trágica Garbo e Pato Donald contra Betty Boop A indústria adaptase aos desejos por ela evocados Aquilo que representa um passivo para a firma privada que às vezes não pode desfrutar por completo o contrato com a atriz em declínio é um custo razoável para o sistema em seu todo Ratificando astutamente o pedido de refugos ele estabelece a harmonia total Senso crítico e competência são banidos como presunções de quem se crê superior aos outros enquanto a cultura democrática reparte seus privilégios entre todos Diante da trégua ideológica o conformismo dos consumidores assim como a imprudência da produção que esses mantém em vida adquire uma boa consciência Ele se satisfaz com a reprodução do sempreigual A mesmice também regula a relação com o passado A novidade do estágio da cultura de massa em face do liberalismo tardio está na exclusão do novo A máquina gira em torno do seu próprio eixo Chegando ao ponto de determinar o consumo afasta como risco inútil aquilo que ainda não foi experimentado Os cineastas consideram com suspeita todo manuscrito atrás do qual não encontrem um tranquilizante bestseller Mesmo por isso sempre se fala de idéia novidade e surpresa de alguma coisa que ao mesmo tempo seja plenamente familiar sem nunca ter existido Para isso servem o ritmo e o dinamismo Nada deve permanecer como era tudo deve continuamente fluir estar em movimento Pois só o triunfo universal do ritmo de produção e de reprodução mecânica garante que nada mude que nada surja que não possa ser enquadrado Acrescimos ao inventário cultural já comprovado são perigosos e arriscados Os tipos formais cristalizados como as esquetes os contos os filmes de tese e os grandes sucessos da parada musical são a média que se tornou normativa do gosto tardoliberal ameaçadoramente imposta Os chefes das empresas culturais que estabelecem acordos só semelhantes aos que um manager faz com o seu conhecido de negócio ou de college já há algum tempo sanaram e racionalizaram o espírito objetivo É como se um poder onipresente houvesse examinado o material e estabelecido o catálogo oficial dos bens culturais que orna brevemente as séries disponíveis As idéias estão inscritas no céu da cultura onde já haviam sido numeradas ou melhor fixadas em um número imutável e trancafiadas por Platão O amusement ou seja a diversão implícita em todos os elementos da indústria cultural já existia muito antes dela Agora é retomada pelo alto e colocada ao nível dos tempos A indústria cultural pode se vangloriar de haver atuado com energia e de ter erigido em princípio a transposição tantas vezes grosseira da arte para a esfera do consumo de haver liberado a diversão da sua ingenuidade mais desagradável e de haver melhorado a confecção das mercadorias Quanto mais total ela se tornou quanto mais impiedosamente obriga cada marginal à falência ou a entrar na corporação tanto mais se fez astuciosa e respeitável Eis sua glória haver terminado por sintetizar Beethoven com o Cassino de Paris 24 25 Seu triunfo é duplo aquilo que expele para fora de si como verdade pode reproduzir a belprazer em si como mentira A arte leve como tal a distração não é uma forma mórbida e degenerada Quem a acusa de traição quanto ao ideal de pura expressão se ilude quanto à sociedade A pureza da arte burguesa hipostasiada à condição de reino da liberdade em oposição à práxis material desde o início foi paga pela exclusão da classe inferior à causa da qual a verdadeira universalidade a arte permanece fiel mesmo em virtude da liberdade dos fins da falsa universalidade A arte séria foi negada àqueles a quem a necessidade e a pressão da existência tornam a seriedade uma farsa e que necessariamente se sentem felizes nas horas em que folgam da rodaviva A arte leve acompanhou a arte autônoma como uma sombra Ela representa a má consciência social da arte séria O que esta em verdade devia perder em virtude de suas condições sociais confere à arte leve uma aparência de legitimidade A verdade se encontra na própria cisão que pelo menos exprime a negatividade da cultura a que as duas esferas somandose dão lugar Hoje mais do que nunca a antítese deixase reconciliar acolhendo a arte leve na séria e viceversa E justamente isso que a indústria cultural procura fazer A excentricidade do circo do panopticum e do bordel em face da sociedade causa a essa tanto cansaço quanto Schönberg e Karl Kraus Assim o jazzista Benny Goodman fazse acompanhar pelo quarteto de Budapeste tocando com um ritmo mais pedante que um clarinetista de filarmônica enquanto os membros do quarteto tocam do mesmo modo macio e vertical e com a mesma doçura de Guy Lombardo Característica não é a crassa incultura a rudeza ou a estupidez Ao se aperfeiçoar e ao extinguir o diletantismo a indústria cultural liquidou os produtos mais grosseiros embora continuamente cometa gafes oriundas da sua própria respeitabilidade Mas a novidade consiste em que os elementos inconciliáveis da cultura da arte e do divertimento sejam reduzidos a um falso denominador comum a totalidade da indústria cultural Esta consiste na repetição Que as suas inovações típicas consistam sempre e tão somente em melhorar os processos de reprodução de massa não é de fato extrínseco ao sistema Em virtude do interesse de inumeráveis consumidores tudo é levado para a técnica e não para os conteúdos rigidamente repetidos intimamente esvaziados e já meio abandonados O poder social adorado pelos espectadores exprimese de modo mais válido na omnipresença do estereótipo realizado e imposto pela técnica do que nas ideologias velhas e antiquadas às quais os efêmeros conteúdos devem se ajustar Não obstante a indústria cultural permanece a indústria do divertimento O seu poder sobre os consumidores é mediado pela diversão que afinal é eliminada não por um mero diktat mas sim pela hostilidade inerente ao próprio princípio do divertimento diante de tudo que poderia ser mais do que divertimento Uma vez que a encarnação de todas as tendências da indústria cultural na carne e no sangue do público se faz mediante o processo social inteiro a sobrevivência do mercado nesse setor opera no sentido de intensificar aquelas tendências A interrogação ainda não é substituída pela pura obediência Tanto isso é verdade que a grande reorganização do cinema às vésperas da Primeira Guerra Mundial premissa material da sua expansão foi de fato uma adequação consciente às necessidades do público controladas pelas cifras de bilheteria coisa que no tempo dos pioneiros do cinema nem sequer se pensava levar em conta Assim parece até hoje aos magnatas do cinema que se baseiam no mesmo princípio e nos sucessos mais ou menos fenomenais e não no princípio contrário 26 27 o da verdade Sua ideologia são os negócios A verdade é que a força da indústria cultural reside em seu acordo com as necessidades criadas e não no simples contraste quanto a essas seja mesmo o contraste formado pela onipotência em face da impotência A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio Ela é procurada pelos que querem se subtrair aos processos de trabalho mecanizado para que estejam de novo em condições de enfrentálo Mas ao mesmo tempo a mecanização adquiriu tanto poder sobre o homem em seu tempo de lazer e sobre sua felicidade determinada integralmente pela fabricação dos produtos de divertimento que ele apenas pode captar as cópias e as reproduções do próprio processo de trabalho O pretenso conteúdo é só uma pálida fachada aquilo que se imprime é a sucessão automática de operações reguladas Do processo de trabalho na fábrica e no escritório só se pode fugir adequandose a ele mesmo no ócio Disso sofre incuravelmente toda diversão O prazer congelase no enfado pois que para permanecer prazer não deve exigir esforço algum daí que deva caminhar estreitamente no âmbito das associações habituais O espectador não deve trabalhar com a própria cabeça o produto prescreve toda e qualquer reação não pelo seu contexto objetivo que desaparece tão logo se dirige à faculdade pensante mas por meio de sinais Toda conexão lógica que exija alento intelectual é escrupulosamente evitada Os desenvolvimentos devem irromper em qualquer parte possível da situação precedente e não da ideia do todo Não há enredo que resista ao zelo dos colaboradores em retirar de cada cena tudo aquilo que ela pode dar Em suma até o esquema pode parecer perigoso à medida que tenha constituído mesmo um pobre contexto significativo pois só é aceita a ausência de significado Com frequência chega a ser refutada a própria continuação dos personagens e da narrativa prevista pelo esquema original Em seu lugar como passo imediatamente posterior é adotada a ideia aparentemente mais eficaz que os roteiristas encontram para cada situação Uma surpresa estupidamente imaginada irrompe no acontecimento cinematográfico A tendência do produto de voltar malignamente ao puro absurdo de que participavam com legitimidade a arte popular a farsa e a comédia até Chaplin e os irmãos Marx aparece de modo mais evidente nos gêneros menos elaborados Enquanto os filmes de Greer Garson e Bette Davis desenvolvem a partir da unidade do caso psicossocial algo pretensamente coerente aquela tendência se impôs plenamente no texto do novelty song nos filmes de mistério e nos desenhos animados A própria ideia é como os objetos do cômico e do horrível dilacerada e feita em pedaços Os novelty songs sempre viveram do desprezo pelo significado que precursores e sucessores da psicanálise confinam à esfera indistinta do simbolismo sexual Nos filmes policiais e de aventura atuais não mais se concede ao espectador assistir à progressiva descoberta Deve contentarse mesmo nas produções sérias do gênero com o frisson de situações quase sem nexo interno Os desenhos animados eram outrora expoentes da fantasia contra o racionalismo Faziam justiça aos animais e às coisas eletrizadas pela sua técnica pois embora os mutilando lhes conferiam uma segunda vida Agora não fazem mais que confirmar a vitória da razão tecnológica sobre a verdade Há alguns anos apresentavam ações coerentes que só se resolviam nos últimos instantes no ritmo desenfreado das sequências finais O seu desenvolvimento muito se assemelhava ao velho esquema da slapstick comedy comédia pastelão Mas agora as relações de tempo foram deslocadas Desde a primeira sequência do desenho animado é anunciado o motivo da ação com base no qual durante o seu curso possa exercitarse a destruição no meio dos aplausos do público o protagonista é atirado por todas as partes como um trapo Assim a quantidade de divertimento convertese na qualidade da crueldade organizada Os autodesignados censores da indústria cinematográfica ligados a essa por uma afinidade eletiva velam para que a duração do delito prolongado seja um espetáculo divertido A hilaridade trunca o prazer que poderia resultar em aparência da visão do abraço e transfere a satisfação para o dia do pogrom Se os desenhos animados têm outro efeito além de habituar os sentidos a um novo ritmo é o de martelar em todos os cérebros a antiga verdade de que o mau trato contínuo o esfacelamento de toda resistência individual é a condição da vida nesta sociedade Pato Donald mostra nos desenhos animados como os infelizes são espancados na realidade para que os espectadores se habituem com o procedimento O prazer da violência contra o personagem transformase em violência contra o espectador o divertimento convertese em tensão Ao olho cansado nada deve escapar do que os especialistas puseram como estimulante não nos devemos espantar diante da finura da representação havemos sempre de acompanhar e por conta própria mostrar aquela presteza que a cena expõe e recomenda Assim sendo é pelo menos duvidoso que a indústria cultural preencha mesmo a tarefa de diversão de que abertamente se vangloria Se a maior parte do rádio e do cinema emudecesse com toda probabilidade os consumidores não sentiriam muito sua falta A passagem da rua para o cinema já não conduz ao sonho e se as instituições por um certo período não mais obrigassem a própria presença do espectador o impulso para utilizálo não seria muito forte Tal fechamento não se confundiria com um reacionário assalto às máquinas Desiludidos não ficariam tanto os fanáticos quanto os que de resto ali se perdem isto é os vencidos Para a dona de casa a obscuridade do cinema não obstante os filmes visarem posteriormente a integrála representa um refúgio em que pode estar sentada por duas horas em paz como outrora quando ainda havia noites de festa ela apreciava o mundo além das janelas Os desocupados das metrópoles encontram um clima ameno no verão e calor no inverno nas salas de temperatura regulada Por outro lado mesmo ao nível do existente o sistema inflado pela indústria dos divertimentos não torna de fato mais humana a vida para os homens A ideia de exaurir as possibilidades técnicas dadas de utilizar plenamente as capacidades existentes para o consumo estético da massa faz parte do sistema econômico que se recusa a utilizar suas capacidades quando se trata de eliminar a fome A indústria cultural continuamente priva seus consumidores do que continuamente lhes promete O assalto ao prazer que ação e apresentação emitem é indefinidamente prorrogado a promessa a que na realidade o espetáculo se reduz malignamente significa que não se chega ao quid que o hóspede há de se contentar com a leitura do menu Ao desejo suscitado por todos os nomes e imagens esplêndidos servese em suma apenas o elogio da opaca rotina da qual se queria escapar Mesmo as obras de arte não consistiam em exibições sexuais Mas representando a privação como algo negativo evocavam por assim dizer a humilhação do instinto e salvavam como algo mediatizado aquilo que havia sido negado Esse é o segredo da sublimação estética representar a satisfação na sua própria negação A indústria cultural não sublima mas reprime e sufoca Expondo continuamente o objeto do desejo o seio no suéter e o peito nu do herói esportivo ela apenas excita o prazer preliminar não sublimado que pelo hábito da privação há muito tempo se tomou puramente masoquista Não há situação erótica que não una à alusão e ao excitamento a advertência precisa de que não se deve e não se pode chegar a este ponto O HaysOffice apenas confirma o ritual que a indústria cultural já por si mesma estabeleceu o ritual de Tântalo As obras de arte são ascéticas e sem pudor a indústria cultural é pornográfica e pudica Ela assim reduz o amor à fumaça E dessa forma muita coisa passa inclusive a libertinagem como especialidade corrente em pequenas doses e com a etiqueta daring ousado A produção em série do sexo realiza automaticamente a sua repressão O astro por quem se deverá apaixonar é a priori na sua ubiquidade a cópia de si mesmo Toda voz de tenor soa exatamente como um disco de Caruso e os rostos das garotas do Texas naturalmente se assemelham aos modelos segundo os quais seriam classificadas em Hollywood A reprodução mecânica do belo que a exaltação reacionária da cultura com a sua idolatria sistemática da individualidade favorece tanto mais fatalmente não deixa nenhum lugar para a idolatria inconsciente a que o belo estava ligado O triunfo sobre o belo é realizado pelo humor pelo prazer que se sente diante das privações bemsucedidas Rise do fato que não há nada para se rir O riso sereno ou terrível assinala sempre um momento em que desaparece um temor Anuncia a liberação seja do perigo físico seja das malhas da lógica O riso reconciliado ressoa como o eco de uma fuga do poder enquanto o riso ruim vence o medo enfileirandose com as instâncias que teme É o eco do poder como força inelutável O fim é um banho medicinal A indústria dos divertimentos continuamente o receita Nela o riso tornase um instrumento de uma fraude sobre a felicidade Os momentos de felicidade não o conhecem só as operetas e depois os filmes apresentam o sexo entre gargalhadas Mas em Baudelaire inexist e o humor assim como em Hölderlin Na falsa sociedade o riso golpeou a felicidade como uma doença arrastandoa na sua totalidade insignificante Rir de alguma coisa é sempre escarnecer a vida que segundo Bergson rompe a crosta endurecida passa a ser na realidade a irrupção da barbárie a afirmação de si que numa ocasião social celebra a sua liberação de qualquer escrúpulo A coletividade dos que riem é a paródia da humanidade São mônadas cada uma das quais entregue à volúpia de estar disposta a tudo às expensas dos outros e com a maioria atrás de si Nesta harmonia elas fornecem a caricatura da solidariedade O diabólico do falso riso consiste em que esse consegue parodiar vitoriosamente até o melhor a conciliação Mas o prazer é severo res severa verum gaudium A ideologia dos conventos não é a ascese mas é o ato sexual que implica a renúncia à beatitude acessível é negativamente confirmada pela seriedade do amante que cheio de pressentimento obscuro dedica sua vida ao instante passageiro A indústria cultural coloca a renúncia alegre em lugar da dor que é presente tanto no orgasmo como na ascese Lei suprema é que nunca se chegue ao que se deseja e que disso até se deve rir com satisfação Em cada espetáculo da indústria cultural a frustração permanente que a civilização impõe é inequivocamente outra vez imposta Oferecerlhes uma coisa e ao mesmo tempo priválos dela é processo idêntico e simultâneo Esse é o efeito de todo aparato erótico Tudo gira em torno do coito justamente porque esse não pode acontecer Admitir em um filme a relação ilegítima sem que os culpados incoram no justo castigo é ainda mais severamente vetado do que por exemplo o futuro genro do milionário ser um ativista no movimento operário Em contraste com a era liberal a cultura industrializada assim como a fascista pode parecer que desenha os conflitos do capitalismo mas não pode parecer que renuncia à ameaça de castração Essa constitui toda a sua essência Ela sobrevive ao alinhamento organizado dos costumes nos choques dos homens divididos nos alegres filmes por eles produzidos sobrevive por fim na realidade Hoje decisivo não é mais o puritanismo embora ele continue a se fazer valer por intermédio das associações femininas mas a necessidade intrínseca ao sistema de não largar o consumidor de não lhe dar a sensação de que é possível opor resistência O princípio básico consiste em lhe apresentar tanto as necessidades como tais que podem ser satisfeitas pela indústria cultural quanto por outro lado organizar antecipadamente essas necessidades de modo que o consumidor a elas se prenda sempre e apenas como eterno consumidor como objeto da indústria cultural Essa não apenas lhe inculca que no engano se encontra a sua realização como ainda lhe faz compreender que de qualquer modo se deve contentar com o que é oferecido A fuga da vida cotidiana prometida por todos os ramos da indústria cultural é como o rapto da filha na revista estadunidense de humorismo o próprio pai se encarrega de deixar a escada no escuro A indústria cultural fornece como paraíso a mesma vida cotidiana Tanto o escape quanto o elopement são determinados a priori como os meios de recondução ao ponto de partida O divertimento promove a resignação que nele procura se esquecer A diversão totalmente desenfreada não seria apenas a antítese da arte mas também o extremo que a toca O absurdo à maneira de Mark Twain com o qual às vezes namora a indústria cultural americana poderia ser um corretivo da arte quanto mais essa leva a sério as contradições da realidade tanto mais vai se assemelhar à seriedade da existência seu oposto quanto mais se esforça em se desenvolver puramente a partir de sua própria lei formal tanto maior o esforço de compreensão que ela exige e isso quando a sua finalidade era exatamente negar o peso do esforço Em muitos musicais mas sobretudo nas farsas e nos funnies vislumbrase em certos instantes a própria possibilidade dessa negação mas não é lícito alcançar sua realização A lógica do divertimento puro o abandono irrefletido às associações variadas e ao absurdo feliz é excluída do divertimento corrente pois que é prejudicada pela introdução substitutiva de um significado coerente que a indústria cultural se obstina em estabelecer para suas produções enquanto por outro lado na verdade ela trata aquele significado como um simples pretexto para que os astros se mostrem Ocorrências biográficas e semelhantes alinham as peças do absurdo em uma história idiota onde já não soam os guizos do bufão mas sim o molho de chaves da razão capitalista que até nas imagens subordina o prazer aos fins do progresso Cada beijo no filmerevista deve contribuir para o êxito do pugilista ou do cantor de quem se exalta a carreira A mistificação não está portanto no fato de a indústria cultural manipular as distrações mas sim em que ela estraga o prazer permanecendo voluntariamente ligada aos clichês ideológicos da cultura em vias de liquidação Ética e bom gosto vetam como ingênuo a diversão descontrolada a ingenuidade não é menos mal vista que o intelectualismo e limita por fim as capacidades técnicas A indústria cultural é corrompida não como Babel pelo pecado mas sim como templo do prazer elevado Em todos os seus níveis de Hemingway a Emil Ludwig da Rosa de esperança a As aventuras de Zorro o cavaleiro solitário de Toscanini a Guy Lombardo a mentira é inerente a um espírito que a indústria cultural já recebe confeccionado pela arte e pela ciência Ela retém uma imagem do melhor nos traços que a aproximam do circo na bravura obstinadamente insensata de cavalariças acrobatas e palhaços na defesa e justificação da arte física em confronto com a arte espiritual7 Mas os últimos refúgios desse virtuosismo sem substância que despersonaliza o humano contra o mecanismo social são impiedosamente polidos 19 por uma razão planificadora que constrange tudo a declarar sua própria função e seu próprio significado Ela ataca em dois planos em baixo elimina o que não tem sentido em cima o sentido das obras de arte A fusão atual da cultura e do entretenimento não se realiza apenas como depravação daquela mas sim como espiritualização forçada desse É o que se vê já pelo fato de a diversão ser apresentada apenas como reprodução cinefotografia ou audição de rádio Na época da expansão liberal o amusement alimentavase da fé intacta no futuro as coisas assim permaneceriam e ainda se tornariam melhores Hoje a fé volta a se espiritualizar tornase tão sutil a ponto de perder de vista toda e qualquer meta e de reduzirse ao fundo dourado que se projeta por detrás da realidade Essa se compõe das inflexões de valor com que no espetáculo e em perfeito acordo com a própria vida são outra vez investidos o tipo bacana o engenheiro a moça dinâmica a falta de escrúpulos disfarçada em força de caráter os interesses esportivos e enfim os automóveis e os cigarros Assim acontece mesmo quando o espetáculo não depende da publicidade das firmas imediatamente interessadas E o próprio sistema que assim determina Mesmo a diversão se alinha entre os ideais toma o lugar dos bens superiores pondose de frente para as massas às quais repete de forma ainda mais estereotipada as frases publicitárias pagas pelos particulares A inferioridade a forma subjetivamente limitada da verdade sempre foi mais do que se imagina sujeita aos padrões externos A indústria cultural a reduz à mentira patente Escutase somente como retórica aceita a modo de acréscimo penosamente agradável nos bestsellers religiosos nos filmes psicológicos e nos women serials Tal se dá para que ela possa dominar com maior segurança na vida os próprios impulsos humanos Nesse sentido a diversão realiza a purificação das paixões a catarse que já Aristóteles atribuía à tragédia e Mortimer Adler atribui de fato aos filmes Assim como no estilo a indústria cultural descobre a verdade mesmo na catarse Quanto mais sólidas se tornam as posições da indústria cultural tanto mais brutalmente esta pode agir sobre as necessidades dos consumidores produzilas guiálas e disciplínalas retirarlhes até o divertimento Aqui não se coloca limite algum ao progresso cultural Mas essa tendência é imanente ao próprio princípio burguês e iluminista da diversão Se a necessidade de amusement foi em larga escala produzida pela indústria que fazia a publicidade da obra a partir de seu autor e confundia a oleografia com a gulodice representada e viceversa o pudim em pó com a reprodução do pudim podese então sempre constatar na diversão a manipulação comercial o sales talk a voz do camelo Mas a afinidade originária de negócio e divertimento aparece no próprio significado deste a apologia da sociedade Divertirse significa estar de acordo A diversão é possível apenas enquanto se isola e se afasta a totalidade do processo social enquanto se renuncia absurdamente desde o início à pretensão inelutável de toda obra mesmo da mais insignificante a de em sua limitação refletir o todo Divertirse significa que não devemos pensar que devemos esquecer a dor mesmo onde ela se mostra Na base do divertimento plantase a impotência É de fato fuga mas não como pretende fuga da realidade perversa mas sim do último grão de resistência que a realidade ainda pode haver deixado A libertação prometida pelo entretenimento é a do pensamento como negação A impudência da pergunta retórica O que é que a gente quer consiste em se dirigir às pessoas fingindo tratálas como sujeitos pensantes quando seu fito na verdade é o de desabituálas ao contato com a subjetividade Se algumas vezes 20 o público recalcitra contra a indústria do divertimento tratase apenas da passividade que se tornou coerente para a qual ela o educou Isso não obstante o entretenimento se tornar cada vez mais difícil A estupidez progressiva deve manter o passo com o progresso da inteligência Na época da estatística as massas são tão ingênuas que chegam a se identificar com o milionário no filme e tão obtusas que não se permitem o mínimo desvio da lei dos grandes números A ideologia se esconde atrás do cálculo das probabilidades A fortuna não virá para todos apenas para algum felizardo ou antes aos que um poder superior designa poder que com frequência é a própria indústria do entretenimento descrita como na eterna procura de seus eleitos Os personagens descobertos pelos caçadores de talento e depois lançados pelo estúdio cinematográfico são tipos ideais da nova classe média dependente A starlet deve simbolizar a empregada mas de modo que para ela à diferença da verdadeira o manteau parece feito sob medida Ela assim não se limita a fixar para a espectadora a possibilidade de que mesmo ela apareça no filme porém com nitidez ainda maior a distância que a separa disso Apenas uma terá a grande chance somente um será famoso e mesmo se todos matematicamente têm a mesma probabilidade todavia para cada um esta é tão mínima que ele fará melhor em esquecêla de imediato e em se alegrar com a fortuna do outro que muito bem poderia ter sido ele próprio e que no entanto nunca será Ao mesmo tempo que a indústria cultural convida a uma identificação ingénua logo e prontamente ela é desmentida A ninguém mais é lícito esquecêlo Anteriormente o espectador do filme via as próprias bodas nas bodas do outro Agora os felizes no filme são exemplares pertencentes à mesma espécie de cada um que forma o público mas nesta igualdade é colocada a insuperável separação dos elementos humanos A perfeita semelhança é a absoluta diferença A identidade da espécie proíbe a dos casos A indústria cultural perfidamente realizou o homem como ser genérico Cada um é apenas aquilo que qualquer outro pode substituir coisa fungível um exemplar Ele mesmo como indivíduo é absolutamente substituível o puro nada e é isso que começa a experimentar quando com o tempo termina por perder a semelhança Assim se modifica a íntima estrutura da religião do sucesso a que por outro lado estritamente se prende Em lugar da via per aspera ad astra que implica dificuldade e esforço cada vez mais penetra a ideia de prêmio O elemento de cegueira que envolve as decisões ordinárias acerca da canção que se tornará célebre ou acerca da atriz adequada para o papel da heroína é exaltado pela ideologia Os filmes sublinham o caso Exigindo a semelhança essencial dos seus personagens com a exceção do mau até à exclusão das fisionomias relutantes como aquelas que a exemplo de Greta Garbo não têm o jeito de se deixar interpelar com um hello sister o cinema por meio desse procedimento parece tornar a vida mais fácil aos espectadores A esses é assegurado não ser necessário diferenciarse daquilo que são e que poderão ter o mesmo sucesso sem que deles se pretenda aquilo de que se sabem incapazes Mas ao mesmo tempo fazse com que compreendam que mesmo o esforço não serviria de nada pois a própria fortuna burguesa não mais tem nenhuma relação com o efeito calculável do seu trabalho E a massa engole o engodo No fundo todos reconhecem o acaso em que alguém faz fortuna como sendo o outro lado da planificação Mesmo porque as forças da sociedade já atingiram tal grau de racionalidade que todos poderiam fazer o papel do engenheiro ou do empresário tornase irracional e imotivado que a sociedade invista na preparação ou na confiança necessária para o cumprimento destas funções Acaso e planificação tornamse idênticos pois conta oficialmente do que pensa Em troca todos são encerrados do começo ao fim em um sistema de instituições e relações que formam um instrumento hipersensível de controle social Quem não quiser soçobrar deve não se mostrar muito leve na balança do sistema De outro modo perde terreno na vida e termina por afundar O fato de que em cada carreira mas sobretudo nas profissões liberais o conhecimento do ramo esteja geralmente ligado a uma atitude conformista pode criar a ilusão de que esse seja o mero resultado de um conhecimento específico Na realidade faz parte da planificação irracional desta sociedade que ela bem ou mal apenas reproduza a vida de seus fiéis A escala do teor de vida corresponde exatamente ao elo íntimo das castas e dos indivíduos com o sistema No manager se pode confiar mesmo o pequeno empregado Dagwood9 disso está seguro a exemplo do que acontece tanto nas páginas humorísticas quanto na realidade Quem tem frio ou fome mesmo se alguma vez teve boas perspectivas está marcado Ele é um outsider e esta se prescindirmos por vezes dos delitos capitais é a culpa mais grave Nos filmes ele se torna no melhor dos casos o original o objeto de uma sátira perfidamente indulgente na maioria dos casos porém é o vilão Logo a primeira cena assim o declara para que nem sequer temporariamente surja a suspeita de a sociedade voltarse contra os homens de boa vontade De fato hoje se realiza uma espécie de welfare state de espécie superior Para defender as próprias posições mantêmse viva uma economia em que graças ao extremo desenvolvimento da técnica as massas do próprio país já são de início supérfluas na produção A posição individual se torna dessa forma precária No liberalismo o pobre passava por preguiçoso hoje ele é logo suspeito Aquele que não se provê é mandado para os campos de concentração ou em todo caso ao inferno do trabalho mais humilde e para as favelas Mas a indústria cultural reflete a assistência positiva e negativa dispensada aos administrados como solidariedade imediata dos homens no mundo dos capazes Ninguém é esquecido por todos os lados estão os vizinhos os assistentes sociais do tipo do dr Gillespie e filósofos em domicílio com o coração do lado direito que da miséria socialmente reproduzida fazem com a sua intervenção afável de homem para homem casos particulares e curáveis à medida que a depravação pessoal do sujeito não se oponha O cuidado com as boas relações entre os dependentes aconselhada pela ciência administrativa e já praticada por toda fábrica em vista do aumento da produção reduz até mesmo o último impulso privado sob controle social enquanto em aparência torna imediatas ou volta a privatizar as relações entre os homens na produção Essa espécie de socorro psíquico lança a sua sombra reconciliadora sobre as trilhas visíveis e sonoras da indústria cultural muito antes de se expandir totalitariamente da fábrica à sociedade inteira Mas os grandes beneméritos e benfeitores da humanidade cujos empreendimentos científicos o cinema deve apresentar diretamente como atos de piedade para que lhes carrei um fictício interesse humano desempenham o papel de condutores do povo que acabam por decretar a abolição da piedade e prevenir qualquer contágio após liquidado até o último paralítico A insistência sobre a boa vontade é o modo pelo qual a sociedade confessa a dor que produz todos sabem que no sistema não podem mais se ajudar sozinhos e isso a ideologia há de levar em conta Em vez de se limitar a cobrir a dor com o véu de uma solidariedade improvisada a indústria cultural põe toda sua honra comercial em encarála virilmente e em admitila mantendo com dificuldade a sua compostura O pathos da compostura justifica o mundo que a torna necessária Essa é a vida assim dura mas recorrem à eterna beleza ou ao teatro amador já estão politicamente no posto para o qual a cultura de massa ainda empurra os seus Ela está suficientemente acondicionada para parodiar ou para desfrutar como ideologia segundo o caso mesmo os velhos sonhos de outrora tanto os do pai quanto os do sentimento espontâneo A nova ideologia tem por objeto o mundo como tal Ela usa o culto do fato limitandose a suspender a má realidade mediante a representação mais exata possível no reino dos fatos Nessa transposição a própria realidade se torna um sucedâneo do sentido e do direito Belo é tudo o que a câmera reproduz A perspectiva frustrada de poder ser a empregada a quem toca por sorte o cruzeiro transoceânico corresponde a vista frustrada dos países exatamente fotografados pelos quais a viagem poderia levar Não é a Itália que se oferece mas a prova visível de sua existência O filme pode até mostrar Paris onde a jovem americana pensa realizar seus sonhos na mais completa desolação para tanto mais inexoravelmente empurrála nos braços do jovem astuto compatriota que poderia ter conhecido em seu país Que tudo em geral funcione que o sistema mesmo na sua última fase continue a reproduzir a vida dos que o formam em vez de eliminálos de súbito élhe creditado como mérito e significado Continuar ir levando em geral se torna a justificacão da cega permanência do sistema ou melhor da sua imutabilidade Sadio é o que se repete o ciclo na natureza e na indústria O eterno sorriso dos mesmos bebês das revistas coloridas o eterno funcionar da máquina do jazz Não obstante os progressos da técnica de reprodução das regras e das especialidades não obstante a pressa agitada o alimento que a indústria cultural oferece aos homens permanece como a pedra da estereotipia Ela vive do ciclo da maravilha justificada que as mães apesar de tudo continuam a parir que as rodas continuam a girar Isso serve para reforçar a imutabilidade das relações As espigas ondulantes no fim do Ditador de Chaplin desmentem a arenga antifascista pela liberdade Assemelhamse à loura esvoaçante que a Universum Film AG Ufa fotografa na vida campestre ao vento do estio A natureza em virtude mesmo do o mecanismo social de domínio tornála como a antítese salutar da sociedade é absorvida e enquadrada na sociedade sem cura A segurança visível que as árvores são verdes azul o céu e passageiras as nuvens serve de criptograma das fábricas e dos postos de gasolina Viceversa rodas e partes mecânicas devem brilhar alusivamente degradadas a situação de expoente dessa alma vegetal e etérea Natureza e técnica são assim mobilizadas contra o bolor contra a imagem falseada na lembrança da sociedade liberal na qual ao que parece se vivia em torno de aposentos mornos e felpudos em vez de se praticar como hoje se faz um sadio e assexuado naturalismo ou em que nos arrastávamos em MercedesBenz antediluvianos em vez de na velocidade de um raio passarse do ponto onde se estava a um outro que é o mesmo O triunfo do truste colossal sobre a livreiniciativa é celebrado pela indústria cultural como a eternidade da livreiniciativa Combatese o inimigo já batido o sujeito pensante A ressurreição do antifilisteu Hans Sonnenstösser na Alemanha e o prazer deixado pelo Life with Father8 são da mesma marca Uma coisa é certa a ideologia vazia de conteúdo não brinca em serviço quando se trata da previdência social Ninguém terá frio ou fome quem o fizer vai acabar num campo de concentração esta regra proveniente da Alemanha hitlerista poderia brilhar como dístico de todos os portais da indústria cultural Ela pressupõe com astuta ingenuidade o estado que caracteriza a sociedade mais recente que ela sabe dobrar muito bem os seus A liberdade formal de cada um é garantida Ninguém deve dar por isso assim também maravilhosa e sadia A mentira não recua diante do trágico a sociedade total não abole mas registra e planifica a dor de seus membros assim também procede a cultura de massa com o trágico Daí os tenazes empréstimos da arte Ela busca a substância trágica que o puro divertimento não pode fornecer por si mesmo mas que lhe ocorre se quer manterse de alguma forma fiel ao postulado de reproduzir exatamente o fenômeno O trágico convertido em momento calculado e aprovado do mundo tornase a benção do mundo Ele depende da acusação de não se levar muito a sério a verdade quando ao invés ela é praticada com cínico pesar O trágico torna interessante o tédio da felicidade consagrada e torna o interessante acessível a todos Oferece ao consumidor que viu culturalmente dias melhores o sucedâneo da profundidade há muito tempo liquidada e ao espectador comum a escória cultural de que deve dispor por motivos de prestígio A todos concede a consolação de que mesmo o forte e autêntico destino humano ainda é possível e necessária é a sua representação sem preconceitos A realidade compacta e sem lacunas em cuja reprodução hoje se revolve a ideologia aparece tanto mais grandiosa nobre e possante quanto mais vem mesclada do necessário sofrimento Ela assume a face do destino O trágico é reduzido à ameaça de aniquilamento de quem não colabora enquanto o seu significado paradoxal antes consistia na resistência sem esperança à ameaça mítica O destino trágico transpira no justo castigo transformação que sempre foi aspirada pela estética burguesa A moral da cultura de massa é a mesma dos livros para rapazes de ontem embora aprofundada Assim na reprodução de primeira qualidade o mal é personificado pela mulher histérica que mediante um estudo de exatidão pretensamente clínica procura prejudicar a mais realista rival do bem da sua vida e termina encontrando uma morte bem diversa da teatral Uma apresentação assim científica tem lugar apenas nos vértices de produção Mais abaixo os gastos são menores e o trágico é domesticado sem se precisar de psicologia social Assim como toda opereta vienense que se respeite devia ter no segundo ato o seu final trágico deixando para o ato seguinte o esclarecimento dos malentendidos assim também a indústria cultural concede ao trágico um lugar preciso na routine Já a notória existência da receita basta para aplacar o temor de que a tragicidade não seja controlada A descrição da fórmula dramática por aquela dona de casa getting into trouble and out again define toda a cultura de massa dos women serial como mais idiota que a obra mais insignificante Mesmo o pior êxito que anteriormente estava investido de melhores intenções reforça a ordem e falseia o trágico seja que a amante ilegítima pague com a morte a sua breve felicidade seja que o triste fim nas imagens faça resplandecer tanto mais luminosa a indestrutibilidade da vida real O cinema trágico se torna definitivamente um instituto de aperfeiçoamento moral As massas desmoralizadas pela vida sob a pressão do sistema e que se mostram civilizadas somente pelos comportamentos automáticos e forçados das quais gotejam relutância e furor devem ser disciplinadas pelo espetáculo da vida inexorável e pela contenção exemplar das vítimas A cultura sempre contribuiu para domar os instintos revolucionários bem como os costumes bárbaros A cultura industrializada dá algo mais Ela ensina e infunde a condição em que a vida desumana pode ser tolerada O indivíduo deve utilizar o seu desgosto geral como impulso para abandonarse ao poder coletivo do qual está cansado As situações cronicamente desesperadas que afligem o espectador na vida cotidiana transformamse na reprodução não se sabe como na garantia de que se pode continuar a viver Basta darse conta da própria inutilidade subscrever a própria 47 46 desconfiança eis que já entramos no jogo A sociedade é uma sociedade de desesperados e portanto a presa dos líderes Em alguns dos mais significativos romances alemães do período préfascista como Berlin Alexanderplatz e Kleiner Mann was nun E agora meu amigo essa tendência se exprimia com o mesmo vigor que na média dos filmes e na técnica do jazz No fundo tratase sempre do autoescarnecimento do homenzinho A possibilidade de se tornar um sujeito econômico empreendedor e proprietário é definitivamente afastada Até a última drogaria a empresa independente sob cuja direção e herança fundavamse a família burguesa e a posição do seu chefe caiu numa dependência para a qual não há salvação Todos se tornam empregados e na civilização dos empregados cessa a dignidade já duvidosa do pai O comportamento do indivíduo singular quanto ao racket firma profissão ou partido antes ou depois da admissão como o do líder diante da massa do amante diante da mulher cortejada assume traços tipicamente masoquistas O comportamento a que cada um é constrangido para em cada oportunidade provar que pertence moralmente a essa sociedade faz pensar nos rapazes que no rito de admissão à tribo se movem em círculo com um sorriso idiota sob as pancadas do sacerdote A vida no capitalismo tardio é um rito permanente de iniciação Todos devem mostrar que se identificam sem a mínima resistência com os poderes aos quais estão submetidos Isso se encontra na base da síncope do jazz que escarnece dos tropeços e ao mesmo tempo os eleva à condição de norma A voz de eunuco do crooner da rádio o galante cortejador da herdeira que cai de smoking na piscina são exemplos para os homens que de per se devem se ajustar ao que impõe o sistema Todos podem ser como a sociedade onipotente todos podem se tornar felizes conquanto se entreguem sem reservas e renunciem à sua pretensão de felicidade A sociedade reconhece sua própria força na debilidade deles e lhes cede uma parte A passividade do indivíduo o qualifica como elemento seguro Assim o trágico é liquidado Antigamente a substância do trágico estava na oposição do indivíduo à sociedade Ele exaltava o valor e a liberdade de ânimo diante de um inimigo potente de uma adversidade superior de um terrível problema Hoje o trágico se dissolveu no nada da falsa identidade entre sociedade e sujeito cujo horror se vislumbra ainda na aparência fraudulenta do trágico Mas o milagre da integração o permanente ato de graça dos patrões em acolher quem cede e engole a própria relutância tende ao fascismo Tal milagre lampeja na humanidade com que Döblin permite ao seu Biberkopf encontrar uma sistematização assim como nos filmes de tom social A capacidade de escorregar e de se arranjar de sobreviver à própria ruína pela qual o trágico é superado é própria da nova geração seus membros estão em condições de desempenhar qualquer trabalho porque o processo de trabalho não os sujeita a um ofício determinado Isso recorda a triste docilidade do sobrevivente para o qual a guerra nada importava ou do trabalhador ocasional que termina por entrar nas ligas e nas organizações paramilitares A liquidação do trágico confirma a liquidação do indivíduo Na indústria cultural o indivíduo é ilusório não só pela estandardização das técnicas de produção Ele só é tolerado à medida que sua identidade sem reservas com o universal permanece fora de contestação Da improvisação regulada do jazz até a personalidade cinematográfica original que deve ter um topete caído sobre os olhos para ser reconhecida como tal domina a pseudoindividualidade O individual se reduz à capacidade que tem o universal de assinalar o acidental com uma marca tão indelével a ponto de tornálo de imediato identificável Mesmo 49 48 o mutismo obstinado ou os modos eleitos pelo indivíduo que se expõe são produzidos em série como as fechaduras Yale que se distinguem entre si só por frações de milímetros A particularidade do Eu é um produto patenteado que depende da situação social e que é apresentado como natural Essa se reduz aos bigodes ao sotaque francês à voz profunda de mulher vivida ao Lubitsch touch que são quase como impressões digitais estampadas sobre documentos de identidade entretanto iguais Coisa em que diante do poder universal se transformam a vida e o rosto de todos os indivíduos da estrela de cinema até o último condenado A pseudoindividualidade é a premissa do controle e da neutralização do trágico só pelo fato de os indivíduos não serem efetivamente assim mas simples encruzilhadas das tendências do universal é possível recapturálos integralmente na universalidade A cultura de massa assim desvêla o caráter fictício que a forma do indivíduo sempre teve na época burguesa e o seu erro está apenas em vangloriarse desta turva harmonia do universal com o particular O princípio da individualidade sempre foi contraditório Antes de tudo nunca se chegou a uma verdadeira individualização A autoconservação nas classes mantém a todos na condição de meros seres genéticos Todo caráter burguês alemão exprimia não obstante seus desvios e mesmo nestes uma só e mesma coisa a dureza da sociedade competitiva O indivíduo sobre o qual a sociedade se regia portava o seu estigma ele em sua liberdade aparente era o produto do aparato econômico e social O poder apelava para as relações de força dominantes ao solicitar a resposta dos que lhe eram sujeitos Por outro lado a sociedade burguesa em seu curso também desenvolveu o indivíduo Contra a vontade dos seus controladores a técnica educou o homem desde criança Mas todo o processo de individualização nesse sentido se cumpriu em prejuízo da individualidade em cujo nome se dava e desta só mantteve a decisão de perseguir tão só e sempre a sua própria meta O burguês para quem a vida se divide em negócios e vida privada a vida privada em representações e intimidade a intimidade na repugnante comunidade do matrimônio e na amarga consolação de estar completamente só separado de si e de todos virtualmente já é o nazista ao mesmo tempo entusiasta e injuriante ou o moderno habitante das metrópoles que só pode conceber a amizade como social contact como a aproximação social de indivíduos intimamente distantes A indústria cultural pode fazer o que quer da individualidade somente porque nela e sempre se reproduziu a íntima fratura da sociedade Na face dos heróis do cinema e do homem da rua confeccionada segundo os modelos das capas das grandes revistas desaparece uma aparência em que ninguém mais crê e a paixão por aqueles modelos vive da satisfação secreta de finalmente estarmos dispensados da fadiga da individualização mesmo que seja pelo esforço ainda mais trabalhoso da imitação Seria entretanto inútil esperar que a pessoa em si contraditória e combalida não possa durar gerações que nesta cisão psicológica o sistema deva necessariamente se estilhaçar que a enganosa substituição do individual pelo estereótipo deva tomarse por si intolerável aos homens Já o Hamlet de Shakespeare percebia a personalidade una como aparência Nas fisionomias sinteticamente preparadas de hoje já se mostra esquecido que em algum tempo tenha havido um conceito de vida humana Há vários séculos a sociedade se preparou para Victor Mature e Mickey Rooney Sua obra de dissolução é ao mesmo tempo uma conclusão A apoteose do tipo médio pertence ao culto do que tem bom preço As estrelas mais bem pagas parecem imagens publicitárias de ignorados artigospadrão Não é por nada que são escolhidas com frequência entre as fileiras dos modelos comerciais O gosto 51 50 dominante tira o seu ideal da publicidade da beleza de uso Assim o dito socrático para o qual o belo é o útil por fim achase ironicamente realizado O cinema faz publicidade para o truste cultural no seu todo no rádio os produtos pelos quais existem os bens culturais são elogiados mesmo individualizadamente Por 50 cents vêse o filme que custou milhões por 10 se obtém o chiclete que traz em si toda a riqueza do mundo e que a incrementa com a sua venda As melhores orquestras do mundo que não o são absolutamente são fornecidas grátis em domicílio Tudo isso é uma paródia do reino da carochinha como a comunidade popular15 o é da humana Para todos alguma coisa é preparada A exclamação do provinciano que pela primeira vez se dirigia ao velho Metropoltheater de Berlim é incrível o que oferecem por tão pouco já há algum tempo foi retomada pela indústria cultural e elevada à condição de substância da própria produção Não só essa é sempre acompanhada do triunfo em virtude mesmo de ser possível como a todos faz iguais em grande escala por efeito desse mesmo triunfo O show significa mostrar a todos o que se tem e o que se pode E ainda a velha feira mas incuravelmente afetada de cultura Assim como os visitantes das feiras atraídos pela voz persuasiva dos vendedores superavam com um corajoso sorriso a desilusão causada pelos barracões pois que no fundo já de antes conheciam o que se lhes apresentava assim também o frequentador do cinema se enfileira compreensivo do lado da instituição Mas com a acessibilidade dos produtos de luxo em série e com seu complemento a confusão universal tem início uma transformação no caráter de mercadoria da própria arte Esse caráter nada tem de novo só o fato de se reconhecer expressamente e o de que a arte renegue a própria autonomia enfileirandose com orgulho entre os bens de consumo tem o fascínio da novidade A arte como dominio separado foi possível desde o início apenas como burguesa Mesmo a sua liberdade como negação da funcionalidade social que se impõe pelo mercado permanece essencialmente ligada ao pressuposto da economia mercantil As puras obras de arte que negam o caráter de mercadoria da sociedade já pelo fato de seguirem a sua própria lei sempre foram ao mesmo tempo também mercadorias e à medida que até o século XVIII a protecção dos patronos defendeu os artistas do mercado esses eram sujeitos em troca aos patronos e a seus propósitos A liberdade dos fins da grande obra de arte moderna vive do anonimato do mercado As exigências desse são tão complexamente mediadas que o artista permanece isento seja apenas em uma certa medida da pretensão determinada pois sua autonomia simplesmente tolerada foi acompanhada durante toda a história burguesa por um momento de falsidade que se desenvolveu por último na liquidação social da arte Beethoven mortalmente enfermo que lança longe de si um romance de Walter Scott exclamando Este escreve por dinheiro e que ao mesmo tempo usufrui da venda dos últimos quartetos suprema recusa do mercado revelase um homem de negócios ainda que teimoso e nada esperto oferecendo o exemplo mais grandioso da unidade dos opostos mercado e autonomia na arte burguesa Vítimas da ideologia são aqueles que ocultam a contradição em vez de acolhêla como Beethoven na consciência da própria produção Em música ele refez a cólera pelo soldo perdido e deduziu aquele metafísico Assim deve ser que procura superar esteticamente assumindoa em si mesmo a necessidade do mundo a necessidade de pagar mensalmente o aluguel O princípio da estética idealista a finalidade sem fim é a inversão do esquema a que obedece socialmente a arte burguesa inutilidade para os fins estabelecidos pelo mercado Por fim na demanda de divertimento e 53 52 dissensão a finalidade devorou o reino da inutilidade Mas como a instância da utilizabilidade da arte se torna total começa a se delinear uma variação na íntima estrutura econômica das mercadorias culturais O útil que os homens se prometem na sociedade de conflito por meio da obra de arte é exatamente em larga medida a existência do inútil que entretanto é liquidado no ato de ser subjugado por inteiro ao princípio da utilidade Adequandose por completo a necessidade a obra de arte priva por antecipação os homens daquilo que ela deveria procurar liberálos do princípio da utilidade Aquilo que se poderia chamar o valor de uso na recepção dos bens culturais é substituído pelo valor de troca em lugar do prazer estético penetra a ideia de tomar parte e estar em dia em lugar da compreensão ganhase prestígio O consumidor tornase o álibi da indústria de divertimento a cujas instituições ele não se pode subtrair Precisa ter visto Rosa de esperança como precisa ter em casa as revistas Life e Time Tudo é percebido apenas sob o aspecto que pode servir a qualquer outra coisa por mais vaga que possa ser a ideia dessa outra Tudo tem valor somente enquanto pode ser trocado não enquanto é alguma coisa de per se O valor de uso da arte o seu ser é para os consumidores um fetiche a sua valoração social que eles tomam pela escala objetiva das obras tornase o seu único valor de uso a única qualidade de que usufruem Assim o caráter de mercadoria da arte se dissolve no próprio ato de se realizar integralmente Ela é um tipo de mercadoria preparado inserido assimilado à produção industrial adquirível e fungível mas o gênero de mercadoria arte que vivia do fato de ser vendida e de entretanto ser invendável tornase hipocritamente o absolutamente invendável quando o lucro não é mais só a sua intenção mas o seu princípio exclusivo A execução de Toscanini no rádio é de certo modo invendável Escutase de graça e a cada passagem da sinfonia se junta por assim dizer a sublime redame resultante da sinfonia não ser interrompida pela propaganda This concert is brought to you as a public service A fraude se cumpre indiretamente pelo ganho de os fabricantes de automóveis e de sabão que financiam as estações e naturalmente pelo aumento de negócios da indústria elétrica produtora dos aparelhos receptores Em toda parte o rádio fruto tardio e mais avançado da cultura de massa traz consequências provisoriamente recusadas ao filme por seu pseudomercado A estrutura técnica do sistema comercial radiofônico o imuniza dos desvios liberais como os que os industriais do cinema ainda se podem permitir no seu campo É uma empresa privada que em antecipação aos outros monopólios já se mostra de todo soberana Chesterfield é apenas o cigarro da nação mas o rádio é o seu portavoz Incorporando completamente os produtos culturais na esfera das mercadorias o rádio renuncia a colocar como mercadorias os seus produtos culturais Ele não cobra do público nos Estados Unidos taxa alguma e assim assume o aspecto enganador de autoridade desinteressada e imparcial que parece feita sob medida para o fascismo Daí o rádio se tornar a boca universal do Führer e a sua voz nos altofalantes das estradas vai além do ulular das sirenes anunciadoras de pânico do qual a propaganda moderna dificilmente podese distinguir Mesmo os nazistas sabiam que o rádio dava forma a sua causa como a imprensa dera à causa da Reforma O carisma metafísico do líder inventado pela sociologia da religião se revelou enfim como a simples onipresença dos seus discursos no rádio diabólica paródia da onipresença do espírito divino O fato desmedido de o discurso penetrar em toda parte substitui o seu conteúdo do mesmo modo como a oferta daquela transmissão de Toscanini tomava o lugar do seu conteúdo a própria sinfonia Nenhum dos 55 54 ouvintes está mais em condições de conceber o seu verdadeiro contexto enquanto o discurso do Führer já por si mesmo é a mentira Pôr a palavra humana como absoluta o falso mandamento é a tendência imanente do rádio A recomendação tornase ordem A apologia das mercadorias sempre iguais sob etiquetas diferentes o elogio cientificamente fundado do laxativo na voz melosa do anunciante entre a ouverture da Traviata e a de Rienzi se tornou insustentável por sua própria grosseria Por fim o diktat da produção disfarçado pela aparência de uma possibilidade de escolha a propaganda específica pode ir além do aberto comando do chefe Em uma sociedade de grandes rackets fascistas que se pusessem de acordo sobre a parte do produto destinado a assegurar as necessidades do povo seria demonstrada no fim anacrônica a exortação em favor do uso de um detergente particular O Führer mais moderno ordena sem maiores cerimônias o sacrifício assim como a aquisição da mercadoria encalhada Já hoje as obras de arte como palavras de ordem política são oportunamente adaptadas pela indústria cultural levadas a preços reduzidos a um público relutante e o seu uso se torna acessível a todos como o uso dos parques Mas a dissolução do seu autêntico caráter de mercadoria não significa que elas sejam custodiadas e salvas na vida de uma sociedade livre mas sim que desaparece até a última garantia contra a sua degradação em bens culturais A abolição do privilégio cultural por liquidação e venda a preço baixo não introduz as massas nos domínios já a elas anteriormente fechados mas contribui nas condições sociais atuais a própria ruina da cultura para o progresso da bárbara inconsistência Quem no século passado ou no início deste gastava para ver um drama ou escutar um concerto tributava ao espetáculo pelo menos tanto respeito quanto o dinheiro do ingresso O burguês que queria extrair alguma coisa por si podia às vezes procurar relacionarse com a própria obra A assim chamada literatura introdutória às obras de Wagner e os comentários ao Fausto testemunham esse fato Ela ainda não era apenas uma forma de passagem para o verniz biográfico e para as outras práticas nas quais hoje submergem as obras de arte Mesmo nos primeiros tempos do sistema o valor de troca não se arrastava atrás do valor de uso como um mero apêndice porém o tinha desenvolvido como sua premissa e isso foi socialmente vantajoso para a obra de arte A arte ainda mantinha o burguês dentro de certos limites à medida que era cara Isso acabou A sua proximidade absoluta não mais mediada pelo dinheiro para todos aqueles a quem é exibida é o cume da alienação e aproxima uma à outra no signo da completa reificação Na indústria cultural desaparece tanto a crítica como o respeito àquela sucede a expertise mecânica a este o culto efêmero da celebridade Para os consumidores não existe mais nada que seja caro Esses entretanto intuem que quanto mais se regala certa coisa tanto menor se toma o seu preço A dupla desconfiança para com a cultura tradicional como ideologia se mistura à desconfiança quanto à cultura industrializada como fraude Reduzidas a pura homenagem as obras de arte pervertidas e corruptas são secretamente empurradas pelos beneficiados para o meio dos trastes com os quais são assimiladas Os consumidores podem se alegrar que haja tanta coisa para ver e ouvir Praticamente podese ter de tudo Os screenos16 e os vaudevilles no cinema as disputas dos músicos os cadernos gratuitos as gratificações e os artigos de presente distribuídos aos ouvintes de determinados programas não são meros acessórios mas o prolongamento do que acontece com os próprios produtos culturais A sinfonia tornase um prêmio para a audição radiofônica em geral e se a técnica pudesse fazer aquilo que quer o filme já seria fornecido em domicílio conforme o exemplo do 57 56 rádio17 Este tende ao commercial system A televisão já mostra o caminho de uma evolução que poderá colocar os irmãos Warner na posição para eles certamente não desejável de guardiões e defensores da cultura tradicional Mas a prática de prêmios já se depositou no comportamento dos consumidores Enquanto a cultura se apresenta como homenagem cuja utilidade privada e social permanece ademais fora de questão a sua recepção se torna uma percepção de chances Os ouvintes se aglomeram com medo de perder alguma coisa O que seja essa coisa não se sabe mas de qualquer forma há sempre uma probabilidade Mas o fascismo espera reorganizar os recebedores de dons da indústria cultural no seu séquito regular e forçado A cultura é uma mercadoria paradoxal É de tal modo sujeita à lei da troca que não é nem mesmo trocável resolvese tão cegamente no uso que não é mais possível utilizála Fundese por isso com a propaganda que se faz tanto mais onipotente quanto mais parece absurda onde a concorrência é apenas aparente Os motivos no fundo são econômicos É evidente que se poderia viver sem a indústria cultural pois já são enormes a saciedade e a apatia que ela gera entre os consumidores Por si mesma ela pode bem pouco contra esse perigo A publicidade é o seu elixir da vida Mas já que o seu produto reduz continuamente o prazer que promete como mercadoria à própria indústria por ser simples promessa finda por coincidir com a propaganda de que necessita para compensar a sua não fruibilidade Na sociedade competitiva a propaganda preenchia a função social de orientar o comprador no mercado facilitava a escolha e ajudava o fornecedor mais hábil contudo até agora desconhecido a fazer com que a sua mercadoria chegasse aos interessados Ela não só custava mas também economizava tempotrabalho Agora que o livre mercado chega ao fim entrincheirase na propaganda o domínio do sistema Ela reforça o vínculo que liga os consumidores às grandes firmas Só quem pode rapidamente pagar as taxas exorbitantes cobradas pelas agências publicitárias e em primeiro lugar pelo próprio rádio ou seja quem já faz parte do sistema ou é expressamente admitido tem condições de entrar como vendedor no pseudomercado As despesas com a publicidade que terminam refluindo para os bolsos dos monopólios evitam ter a cada vez de esmagar a concorrência dos outsiders indesejáveis garantem que os padrões de valor permanecem entre soi em círculo fechado nisto não são completamente diferentes das deliberações dos conselhos econômicos que no Estado totalitário controlam a abertura de novas agências ou a gestão das já existentes A publicidade é hoje um princípio negativo um aparelho de obstrução tudo o que não porta o seu selo é economicamente suspeito A publicidade universal não é em absoluto necessária para dar a conhecer os tipos a que a oferta já está limitada Só indiretamente ela serve à venda O abandono de uma práxis publicitária corrente por parte de uma única firma é uma perda de prestígio e na realidade uma violação da disciplina que a trinca determinante impõe aos seus Durante a guerra continuase a propagar mercadorias que não estão mais à venda somente a fim de expor e de deixar à mostra o poder industrial Mais importante que a repetição do nome é portanto o financiamento dos meios de comunicação ideológica Em virtude de sob a pressão do sistema cada produto empregar a técnica publicitária ela entrou triunfalmente na gíria no estilo da indústria cultural A sua vitória é tão completa que nos pontos decisivos não tem sequer mais necessidade de se tornar explícita os palácios monumentais das firmas gigantescas publicidade petrificada à luz dos refletores não tem propaganda limitamse no máximo a expor sobre as colunas altas brilhantes e lapidares sem mais o 59 acompanhamento de elogios as iniciais da empresa enquanto as casas sobreviventes do século XIX em cuja arquitetura ainda se lê com rubor a utilidade dos bens de consumo a finalidade da habitação são besuntadas do chão ao teto de cartazes luminosos a paisagem não sendo mais que o pano de fundo dos cartazes e dos letreiros A publicidade tornase a arte por excelência como Goebbels com seu faro já soubera identificála Lart pour lart propaganda de si mesma pura exposição do poder social Já nas grandes revistas semanais americanas Life e Fortune uma rápida olhadela mal consegue distinguir figuras e textos publicitários da parte redacional Saída da redação é a reportagem ilustrada entusiástica e não paga sobre os hábitos de vida e sobre a higiene pessoal do astro coisa que lhe traz novas fãs enquanto as páginas publicitárias se baseiam em fotografias e em dados tão objetivos e realistas a ponto de representarem o próprio ideal da informação a que a parte redacional só faz aspirar Cada filme é a apresentação do filme seguinte que promete reunir outra vez mais a mesma dupla sob o mesmo céu exótico quem chega atrasado fica sem saber se assiste ao em breve neste cinema ou ao filme propriamente dito O caráter de montagem da indústria cultural a fabricação sintética e guiada dos seus produtos industrializada não só no estúdio cinematográfico mas virtualmente ainda na compilação das biografias baratas nas pesquisas romanceadas e nas canções adaptase a priori à propaganda Já que o momento particular tornouse separável e fungível descartado mesmo tecnicamente de qualquer nexo significativo ele se pode prestar a finalidades externas à obra O efeito o achado o exploit isolado e repetível ligouse para sempre com a exposição de produtos para fins publicitários e hoje cada primeiro plano de uma atriz é uma propaganda do seu nome cada motivo de sucesso o plug da sua melodia Técnica e economicamente propaganda e indústria cultural mostramse fundidas Numa e noutra a mesma coisa aparece em lugares inumeráveis e a repetição mecânica do mesmo produto cultural já é a repetição do mesmo slogan da propaganda Numa e noutra sob o imperativo da eficiência a técnica se torna psicotécnica técnica do manejo dos homens Numa e noutra valem as formas do surpreendente e todavia familiar do leve e contudo incisivo do especializado e entretanto simples tratase sempre de subjulgar o cliente representado como distraído ou relutante Pela linguagem em que se exprime contribui ele próprio para fortalecer o caráter publicitário da cultura Quanto mais a linguagem se resolve em comunicação quanto mais as palavras se tornam de portadoras substanciais de significado em puros signos privados de qualidade quanto mais pura e transparente é a transmissão do objeto intencionado tanto mais se tornam opacos e impenetráveis A desmistificação da linguagem como elemento de todo processo iluminista invertese em magia Reciprocamente distintos e indissolúveis palavra e conteúdo eram unidos entre si Conceitos como melancolia história e inclusive à vida eram conhecidos nos termos que os representavam e custodiavam A sua forma os constituía e ao mesmo tempo os reproduzia A nítida separação que declara casual o teor da palavra e arbitrária a coordenação como objeto liquida a confusão supersticiosa entre palavra e coisa Aquilo que em uma sucessão estabelecida de letras transcende a correlação ao evento é banido como obscuro e como metafísica verbal Com isso porém a palavra que deve tão só designar bezeichnen e não significar bedeuten nada tornase de tal modo fixada à coisa que se enrijece em fórmula Isso toca simultaneamente à língua e ao objeto Em vez de conduzir o objeto à experiência a palavra purgada o expõe como caso de um momento abstrato e 61 todo o resto excluído da expressão que não mais existe por uma exigência de clareza desapiedada perece mesmo na realidade O ponta esquerda no futebol o camisa negra o jovem hitlerista etc não são nada mais além de que designam Se a palavra antes da sua racionalização tinha promovido junto com o desejo mesmo a mentira a palavra racionalizada tornouse uma camisa de força para o desejo mais ainda que para a mentira A cegueira e o mutismo dos dados a que o positivismo reduz o mundo atingem mesmo a linguagem que se limita ao registro daqueles dados Assim os próprios termos se tomam impenetráveis adquirem um poder de choque uma força de adesão e de repulsão que os torna parecidos com seu extremo oposto as fórmulas mágicas Eles operam como uma espécie de truques seja que o nome da estrela é inventado no estúdio cinematográfico segundo a experiência dos dados estatísticos seja que o welfare state seja caluniado por meio de termos com força de tabu como burocratas ou intelectuais seja que a infâmia se torna invulnerável pelo nome da Pátria O próprio nome que mais se liga à magia hoje sofre uma transformação química Transformase em etiqueta arbitrária e manipulável cuja eficácia pode ser calculada mas mesmo por isso dotado de uma força e de uma vontade própria como a dos nomes arcaicos Os nomes de batismo resíduos arcaicos foram elevados à altura dos tempos sendo estilizados como siglas publicitárias nos astros mesmo os cognomes têm essa função ou sendo estandardizados coletivamente Soa como antiquado ao invés o nome burguês o nome de família que em lugar de ser uma etiqueta individualizava o seu portador em relação à sua própria origem Isso suscita em muitos estadunidenses um estranho emaraço Para mascarar a incómoda distância entre indivíduos particulares chamamse entre si Bob e Harry como membros substituíveis de times Esse hábito reduz as relações entre os homens à fraternidade do público desportivo que protege da verdadeira fraternidade A significação que é a única função da palavra admitida pela semântica realizase plenamente no sinal A sua natureza de sinal se reforça com a rapidez com que os modelos linguísticos são postos em circulação do alto Se os cantos populares certa ou erradamente foram considerados patrimônio cultural arruinado pela casta dominante os seus elementos em todo caso assumiam a sua forma popular só depois de um longo e complicado processo de experiência A difusão das popular songs ao contrário acontece fulminantemente A expressão americana fad para significar modas que se afirmam de forma epidêmica ou seja promovidas por potências econômicas altamente concentradas designava o fenômeno bem antes que os diretores da propaganda totalitária jogassem fora as linhas gerais da cultura Se hoje os fascistas alemães lançam pelos altofalantes a palavra intolerável amanhã todo o povo dirá também intolerável Segundo o mesmo esquema as nações contra as quais era empreendida a guerra relâmpago alemã acolheram na sua gíria A repetição universal dos termos adotados pelas várias determinações torna estas últimas de qualquer modo familiares como nos tempos do mercado livre o nome de um produto em todas as bocas promovia a sua vendagem A repetição cega e a rápida expansão de palavras estabelecidas une a publicidade à palavra de ordem totalitária A camada de experiência que fazia das palavras as palavras dos homens que as pronunciavam está inteiramente achatada e mediante a rápida assimilação a língua assume uma frieza que até então só caracterizava as colunas publicitárias e as páginas de anúncio dos jornais Infinitas pessoas usam palavras e expressões que ou nem 63 mesmo mais compreendem ou que só empregam segundo o seu valor behaviorista de posição como símbolos protetores que se fixam tanto mais tenazmente aos seus objetos quanto menos ainda se está em grau de compreender o seu significado lingüístico O ministro da instrução popular fala de forças dinâmicas sem saber o que à expressão significa e as canções que cantam sem cessar os reverie e rhapsody devem a sua popularidade justamente à magia do incompreensível experimentada como o frisson de uma vida mais alta Outros estereótipos como memory ainda são em certa medida entendidos mas fogem à experiência que deveriam cumulálas Afloram como enclaves na linguagem falada Na rádio alemã de Flesch e Hitler tais estereótipos podem ser captados no afetado alto alemão HochDeutsch do anunciante que diz à nação Auf Wiederhören ou Hier spricht die Hitlerjugend e por fim Führer com uma cadência que de repente se torna sotaque natural de milhões Nessas expressões cortase mesmo o último vínculo entre a experiência sedimentada e a língua que exercia ainda uma benéfica influência no século XIX pelo dialeto O redator cuja ductibilidade de convicções permitiu tornarse deutscher Schrifi leiter18 vé em troca sob a pena as palavras alemãs enrijeceremse em palavras estrangeiras Em cada palavra podese perceber até que ponto foi desfigurada pela comunidade popular fascista É verdade que em seguida essa linguagem se tornou universal e totalitária Não é mais possível advertir nas palavras a violência que elas sofreram O locutor da rádio não necessita mais falar afetado pois não seria sequer possível que o seu sotaque não se distinguisse pelo caráter de entonação do grupo de ouvintes que lhe foi assegurado Mas em troca o modo de se exprimir e de gesticular dos ouvintes e dos espectadores chegando até a nuanças que nenhum método experimental está em condições de captar está mais do que nunca infiltrado pelo esquema da indústria cultural A indústria cultural de hoje herdou a função civilizatória da democracia da frontier e da livreiniciativa que de resto nunca manifestou uma sensibilidade muito refinada para com as diferenças espirituais Todos são livres para dançar e se divertir como desde a neutralização histórica da religião são livres para ingressar em uma das inumeráveis seitas A liberdade na escolha das ideologias contudo que sempre reflete a pressão econômica revelase em todos os setores como liberdade do sempreigual O modo como uma moça aceita e executa o seu date obrigatório o tom da voz ao telefone e na situação mais familiar a escolha das palavras na conversação e toda a vida íntima ordenada segundo os conceitos da psicanálise vulgarizada documenta a tentativa de fazer de si um aparelho adapted ao sucesso correspondendo até nos movimentos instintivos ao modelo oferecido pela indústria cultural As reações mais secretas dos homens são assim tão perfeitamente reificadas diante de seus próprios olhos que a idéia do que lhes é específico e peculiar apenas sobrevive sob a forma mais abstrata personality não significa praticamente para eles outra coisa senão dentes brancos e liberdade de suor e de emoções Isso é o triunfo da propaganda na indústria cultural a mimese compulsória dos consumidores às mercadorias culturais cujo sentido eles ao mesmo tempo decifram NOTAS 64 65 1 Tradução de Júlia Elisabeth Levy revisão de Luiz Costa Lima e Otto Maria Carpeaux Revisão para essa edição Jorge de Almeida Publicado originalmente em Teoria da cultura de massa org Luiz Costa Lima Rio de Janeiro Paz e Terra 1978 2 Permissão concedida por autoridades eclesiásticas para uma publicação impressa N do E 3 F Nietzsche Unzeitgemässe Betrachtung in Werke Obra Leipzig 1917 p 187 Ed bras Segunda consideração intempestiva da utilidade e desvantagem da história para a vida Rio de Janeiro RelumeDumará 2014 4 A De Tocqueville De la Démocratie en Amérique Paris 1864 fl 151 Ed bras A democracia na América São Paulo Edipro 2019 5 Órgão encarregado da censura cinematográfica Sua força foi sensivelmente arrandada nos fins da presidência de Johnson 1969 N do T 6 Notese pela data de feitura deste ensaio que a televisão não estava então difundida N do T 7 F Wedekind Gesammelte Werke Obra completa Munique 1921 IX p 426 8 Novela de Clarence Day Baseada em seu tipo de enredo familiar leve e mediocremente engraçado gerou depois uma série de filmes para a TV a exemplo de Papai sabe tudo N do T 9 Popular personagem de quadrinhos que encarna o marido paspalhão dominado por Blondie sua mulher N do T 10 O primeiro é um romance de Alfred Döblin 18781957 e o segundo de Hans Fallada 18931947 N do T 11 Adorno joga na frase com a ambiguidade assegurada pelo sentido da palavra em inglês racket significa não só qualquer ramo de negócios como também plano fraudulento chantagem estabelecida para a exploração de comerciantes N do T 12 Nietzsche GötzenDammerung in Werke VIII p136 Ed bras Crepúsculo dos ídolos Petrópolis Vozes 2014 13 Personagem principal um operário que se torna criminoso em Berlin Alexanderplarz de Alfred Döblin romancista em que Otto Maria Carpeaux descobre a influência de Joyce v História da Literatura Alemã Cultrix São Paulo N do T 14 Referência a Lubitsch Ernst diretor cinematográfico alemão Berlim 1892 Hollywood 1947 atraído em 1923 por Hollywood autor de comédias e operetas N do T 15 Volksgemeinschaft expressão dos teóricos nazistas do racismo N do T 16 Jogos em que a audiência tomava parte entre as sessões de filmes N do E 17 Como já se notou quando os autores escreveram este ensaio a televisão apenas começava N do T 18 Redator alemão Na exaltação das virtudes e valores germânicos puros os nazistas preferiam aquela expressão à latina conquanto mais usual Redakteur N do T Crítica cultural e sociedade1 Theodor W Adorno 1949 A sonoridade da expressão crítica cultural deve incomodar quem está acostumado a pensar com os ouvidos e não apenas porque combina como a palavra automóvel termos do grego e do latim Ela recorda uma flagrante contradição O crítico da cultura não está satisfeito com a cultura mas deve unicamente a ela esse seu malestar Ele fala como se fosse o representante de uma natureza imaculada ou de um estágio histórico superior mas é necessariamente da mesma essência daquilo que pensa ter a seus pés A insuficiência do sujeito que pretende em sua contingência e limitação julgar a violência do existente uma insuficiência tantas vezes denunciada por Hegel com vistas a uma apologia do status quo tornase insuportável quando o próprio sujeito é mediado até a sua composição mais íntima pelo conceito ao qual se contrapõe como se fosse independente e soberano Mas a impropriedade da crítica cultural no que diz respeito ao conteúdo não decorre tanto da falta de respeito pelo que é criticado quanto do secreto reconhecimento arrogante e cego do objeto de sua crítica O crítico da cultura mal consegue evitar a insinuação de que possui a cultura que diz faltar Sua vaidade vem em socorro da vaidade da cultura mesmo no gesto 69 acusatório o crítico mantém a ideia de cultura firmemente isolada inquestionada e dogmática Ele desloca o ataque Onde há desespero e incomensurável sofrimento o crítico da cultura vê apenas algo de espiritual o estado da consciência humana a decadência da norma Na medida em que a crítica insiste nisso cai na tentação de esquecer o indizível em vez de procurar mesmo que não tenha poder para tanto afastálo dos homens A atitude do crítico da cultura lhe permite graças à sua diferença em relação ao caos predominante ultrapassálo teoricamente embora com bastante frequência ele apenas recaia na desordem Mas o crítico da cultura incorpora a diferença no aparato cultural que gostaria de suplantar aparato que precisa ele mesmo dessa diferença para poder se apresentar como cultura É próprio da pretensão da cultura à distinção por meio da qual ela procura se dispensar da prova das condições materiais de vida nunca se julgar distinta o suficiente O exagero da presunção cultural que por sua vez é imanente ao próprio movimento do espírito aumenta a distância em relação a essas condições à medida que a dignidade da sublimação confrontada com a possibilidade de satisfação material ou ameaça de aniquilação de incontáveis seres humanos tornase questionável O crítico da cultura faz dessa pretensão aristocrática um privilégio seu perdendo sua legitimação ao cooperar com a cultura como um flagelo honrado e bem pago Isso afeta no entanto o teor da crítica Mesmo o implacável rigor com que essa enuncia a verdade sobre a consciência não verdadeira permanece confinado na órbita do que é combatido fixado em suas manifestações Quem se proclama superior sentese ao mesmo tempo como sendo do ramo Se alguém estudasse a profissão de crítico na sociedade burguesa que avançou finalmente até a posição de crítico cultural encontraria certamente em sua origem um elemento usurpador como aquele que Balzac por exemplo ainda podia observar Os críticos profissionais eram sobretudo informantes orientavam sobre o mercado dos produtos espirituais Alcançavam ocasionalmente com isso uma visão mais profunda da questão permanecendo contudo sempre também como agentes do comércio em consonância se não com seus produtos individuais com a esfera do comércio enquanto tal Eles trazem as marcas disso mesmo que tenham abandonado o papel de agente Que lhes tenha sido confiado o papel de perito e depois o de juiz foi algo inevitável do ponto de vista econômico embora acidental no que diz respeito a suas qualificações objetivas A agilidade que lhes proporcionava posições privilegiadas no jogo da concorrência privilegiadas porque o destino do que era julgado dependia em grande parte de seu voto conferia aos seus julgamentos a ilusão de competência Ocupando habilmente as lacunas e adquirindo com a expansão da imprensa uma maior influência os críticos acabaram alcançando exatamente aquela autoridade que a sua profissão pretensamente já pressupunha Sua arrogância provém do fato de que nas formas da sociedade concorrencial onde todo ser é meramente um ser para outro até mesmo o próprio crítico passa a ser medido apenas segundo seu êxito no mercado ou seja na medida em que ele exerce a crítica O conhecimento efetivo dos temas não era primordial mas sempre um produto secundário e quanto mais falta ao crítico esse conhecimento tanto mais essa carência passa a ser cuidadosamente substituída pelo eruditismo e pelo conformismo Quando os críticos finalmente não entendem mais nada do que julgam em sua arena a da arte e deixamse rebaixar com prazer ao papel de propagandistas ou censores consumase neles a antiga falta de caráter do ofício 37 As prerrogativas da informação e da posição permitem que eles expressem sua opinião como se fosse a própria objetividade Mas ela é unicamente a objetividade do espírito dominante Os críticos da cultura ajudam a tecer o véu O conceito de liberdade de opinião e mesmo o próprio conceito de liberdade espiritual na sociedade burguesa no qual a crítica cultural se baseia possui a sua própria dialética Pois enquanto se liberava da tutela teológicofeudal o espírito graças à progressiva socialização de todas as relações humanas caia cada vez mais sob o controle anônimo das relações vigentes que não apenas se impôs a partir de fora como também se introduziu em seu feitio imanente Essas relações se impõem tão impiedosamente ao espírito autônomo quanto antes os ordenamentos heterônomos se impunham ao espírito comprometido Não só o espírito se ajusta à sua venalidade mercadológica reproduzindo com isso as categorias sociais predominantes como se assemelha objetivamente ao status quo mesmo quando subjetivamente não se transforma em mercadoria As malhas do todo são atadas cada vez mais conforme o modelo do ato de troca Este permite à consciência individual cada vez menos espaço de manobra passa a formála de antemão de um modo cada vez mais radical cortandolhe a priori a possibilidade da diferença que se degrada em mera nuance no interior da homogeneidade da oferta Simultaneamente a aparência de liberdade torna a reflexão sobre a própria não liberdade incomparavelmente mais difícil do que antes quando essa estava em contradição com uma não liberdade manifesta o que acaba reforçando a dependência Esses momentos em conjunto com a seleção social dos portadores do espírito têm como resultado a regressão do espírito Sua responsabilidade transformase de acordo com a tendência preponderante da sociedade em ficção De sua liberdade o espírito desonvolve apenas o momento negativo a herança de sua condição monadológica e sem projetos a irresponsabilidade Fora disso porém ele adere cada vez mais firmemente como mero ornamento à infraestrutura da qual pretendia se destacar As invectivas de Karl Kraus contra a liberdade de imprensa não devem é claro ser tomadas ao pé da letra invocar a sério a censura contra os escríbas seria exorcizar o demônio apelando a Belzebu Mas a tolice e a mentira que florescem sob a proteção da liberdade de imprensa não são seguramente algo de acidental na marcha histórica do espírito são os estigmas da escravidão na qual se encena sua libertação os estigmas da falsa emancipação Em nenhum outro lugar isso se torna tão evidente quanto lá onde o espírito arranca seus próprios grilhões na crítica Quando os fascistas alemães proscreveram a palavra Kritik e a substituiram pelo aguado conceito de Kunstbetrachtung contemplação da arte seguiam apenas o forte interesse do Estado autoritário que ainda temia na irreverência do colaborador de folhetins o pathos do Marquês de Posa Mas a arrogante barbárie cultural que reclamava aos berros a eliminação da crítica a irrupção da horda selvagem no recinto do espírito retrucava sem perceber com a mesma moeda Na raiva animalesca do camisa parda contra os criticastros não vive somente a inveja de uma cultura odiada porque o exclui nem apenas o ressentimento contra aqueles que podem expressar o negativo que ele próprio teve de reprimir O decisivo é que o gesto soberano do crítico encena aos leitores a independência que ele não possui e presume um papel de comando que é irreconciliável com o seu próprio princípio de liberdade espiritual Isso enerva os seus inimigos O sadismo desses foi idiossincraticamente atraído pela fraqueza astuciosamente disfarçada de força daqueles cuja gesticulação ditatorial 73 teria suplantado com tanto gosto a dos posteriores donos do poder muito menos sutis Mas os fascistas sucumbiram à mesma ingenuidade dos críticos a crença na cultura enquanto tal agora restrita à ostentação e aos gigantes do espírito mais convenientes Eles se sentiram os médicos da cultura e a livraram do aguilhão da crítica Com isso não apenas se rebaixaram ao oficialismo como também deixaram de reconhecer o quanto a crítica e a cultura estão entrelaçadas para o bem ou para o mal A cultura só é verdadeira quando implicitamente critica e o espírito que se esquece disso vingase de si mesmo nos críticos que ele próprio cria A crítica é um elemento inalienável da cultura repleta de contradições e apesar de toda sua inverdade ainda é tão verdadeira quanto não verdadeira é a cultura A crítica não é injusta quando destrói esta ainda seria sua melhor qualidade mas quando ao desobedecer obedece A cumplicidade da crítica cultural com a cultura não reside na mera mentalidade do crítico É ditada sobretudo pela relação do crítico com aquilo de que trata Ao fazer da cultura o seu objeto o crítico torna a objetivála O sentido próprio da cultura entretanto consiste na interrupção da objetivação Tão logo a cultura se congela em bens culturais e na sua repugnante racionalização filosófica os chamados valores culturais peca contra a sua raison dêtre Na destilação desses valores termo no qual ecoa não por acaso a linguagem da troca de mercadorias a cultura se entrega às determinações do mercado Mesmo no entusiasmo por grandes civilizações exóticas pulsa a excitação com uma peça rara na qual podese investir algum dinheiro Quando a crítica cultural até mesmo em Valéry aliase ao conservadorismo deixase conduzir secretamente por um conceito de cultura que aspira na era do capitalismo tardio a uma forma segura de propriedade que não seja afetada pelas oscilações da conjuntura Esse conceito de cultura se apresenta como livre em relação ao sistema e capaz de garantir uma segurança universal em meio à dinâmica universal O crítico da cultura tem como modelo além do crítico de arte o colecionador que avalia com desprezo os objetos que deseja adquirir A crítica cultural lembra geralmente o gesto do comerciante regateador como no caso do especialista que contesta a autenticidade de um quadro ou o classifica entre as obras menores de um mestre Desprezase o objeto para lucrar mais Enquanto avaliador o crítico da cultura tem inevitavelmente de se envolver com uma esfera maculada por valores culturais mesmo quando luta zelosamente contra a mercantilização da cultura Em sua atitude contemplativa em relação a ela introduzse necessariamente um inspeccionar um supervisionar um pesar um selecionar isto lhe serve aquilo ele rejeita Justamente sua soberania a pretensão de possuir um conhecimento profundo do objeto a separação entre o conceito e seu conteúdo através da independência do juízo ameaça sucumbir à configuração reificada do objeto na medida em que a crítica cultural apela a uma coleção de ideias estabelecidas fetichizando categorias isoladas como espírito vida e indivíduo Mas o seu supremo fetiche é o conceito de cultura enquanto tal Pois nenhuma obra de arte autêntica e nenhuma filosofia verdadeira jamais esgotaram seu sentido em si mesmas em seu seremsi sempre estiveram relacionadas ao processo vital real da sociedade do qual se separaram Justamente a renúncia à rede de culpa de uma vida que se reproduz cega e rigidamente a insistência na independência e na autonomia no rompimento com o reino estabelecido dos fins implica ao menos como elemento inconsciente a referência a uma situação na qual a liberdade seria 74 segura de propriedade que não seja afetada pelas oscilações da conjuntura Esse conceito de cultura se apresenta como livre em relação ao sistema e capaz de garantir uma segurança universal em meio à dinâmica universal O crítico da cultura tem como modelo além do crítico de arte o colecionador que avalia com desprezo os objetos que deseja adquirir A crítica cultural lembra geralmente o gesto do comerciante regateador como no caso do especialista que contesta a autenticidade de um quadro ou o classifica entre as obras menores de um mestre Desprezase o objeto para lucrar mais Enquanto avaliador o crítico da cultura tem inevitavelmente de se envolver com uma esfera maculada por valores culturais mesmo quando luta zelosamente contra a mercantilização da cultura Em sua atitude contemplativa em relação a ela introduzse necessariamente um inspeccionar um supervisionar um pesar um selecionar isto lhe serve aquilo ele rejeita Justamente sua soberania a pretensão de possuir um conhecimento profundo do objeto a separação entre o conceito e seu conteúdo através da independência do juízo ameaça sucumbir à configuração reificada do objeto na medida em que a crítica cultural apela a uma coleção de ideias estabelecidas fetichizando categorias isoladas como espírito vida e indivíduo Mas o seu supremo fetiche é o conceito de cultura enquanto tal Pois nenhuma obra de arte autêntica e nenhuma filosofia verdadeira jamais esgotaram seu sentido em si mesmas em seu seremsi sempre estiveram relacionadas ao processo vital real da sociedade do qual se separaram Justamente a renúncia à rede de culpa de uma vida que se reproduz cega e rigidamente a insistência na independência e na autonomia no rompimento com o reino estabelecido dos fins implica ao menos como elemento inconsciente a referência a uma situação na qual a liberdade seria realizável Mas a liberdade permanecerá uma promessa ambígua da cultura enquanto sua existência depender de uma realidade mistificada ou seja em última instância do poder de disposição sobre o trabalho de outros O fato de que a cultura europeia como um todo tenha degenerado em mera ideologia aquilo que oferece ao consumo hoje prescrito à populações inteiras por managers e técnicos em psicologia provêm da mudança de sua função em relação à práxis material de sua renúncia a uma intervenção direta Essa mudança certamente não foi nenhum pecado original mas algo imposto historicamente Pois apenas fragmentariamente no recolhimento em si mesma a cultura burguesa alcança a ideia de pureza em relação aos traços deformadores de uma desordem que se expande sobre a totalidade dos setores da existência A cultura burguesa só permanece fiel aos homens quando subtrai a si própria e assim aos homens da práxis que se converteu em seu oposto da sempre renovada produção da mesmice da prestação de serviços ao cliente como serviço ao manipulador Mas essa concentração da cultura burguesa em sua substância intrínseca que encontrou sua maior expressão na poesia e na teoria de Paul Valéry trabalha ao mesmo tempo para o esvaziamento dessa substância No momento em que a ponta do espírito voltada para a realidade é afastada o sentido do espírito se modifica apesar da mais rigorosa preservação de seu sentido Pela resignação diante da fatalidade do processo vital e mais ainda por sua consolidação como um âmbito especial entre outros o espírito se alia ao mero ente bloss Seienden e transformase ele próprio em um mero ente A castração da cultura que provoca a indignação dos filósofos desde os tempos de Rousseau e do século dos espalhatintas do drama Die Rauber de Schiller passando por Nietzsche e chegando até os pregadores do engagement por amor ao próprio engagement é o resultado do processo no qual a cultura toma consciência de si mesma enquanto cultura opondose forte e consistentemente à crescente barbárie do predomínio do poder econômico O que parece ser a decadência da cultura é o seu puro caminhar em direção a si mesma A cultura deixase idolatrar apenas quando está neutralizada e reificada O fetichismo passa a gravitar na órbita da mitologia Os críticos da cultura se embriagam na maioria das vezes com ídolos provenientes da Antiguidade e até do duvidoso e já evaporado calor da era liberal que exortava sua origem no momento em que sucumbia Como a crítica cultural se levanta contra a progressiva integração de toda consciência no aparato de produção material mas não consegue ver para além disso voltase para o passado seduzida pela promessa de imediatidade E levada a isso por sua própria força gravitacional e não simplesmente pela influência de uma ordem social que se vê obrigada a encobrir com uma gritaria contra a desumanização e o progresso todo progresso no processo de desumanização por ela conduzido O isolamento do espírito em relação à produção material certamente eleva sua cotação mas também o transforma na consciência geral em bode expiatório de tudo o que é perpetrado pela práxis A culpa é atribuída ao esclarecimento enquanto tal não ao esclarecimento enquanto instrumento da dominação efetiva daí o irracionalismo da crítica cultural Uma vez que ela retira o espírito da dialética que este mantém com as condições materiais passa a concebêlo unívoca e linearmente como um princípio de fatalidade sonegando assim os momentos de resistência do espírito O crítico da cultura não é capaz de compreender que a reificação da própria vida repousa não em em face da igualdade dos homens a sorte ou o azar de um único até às posições mais elevadas perdeu qualquer significado econômico O próprio acaso chega a ser planificado não porque atinge este ou aquele indivíduo mas justamente porque se crê no seu governo Isso funciona como álibi para os planificadores e suscita a aparêncica que a rede de transações e de medidas em que a vida foi transformada ainda deixa lugar a relações espontâneas e imediatas entre as pessoas Esse tipo de liberdade é simbolizado nos vários ramos da indústria cultural pela seleção arbitrária de heróis e ocorrências médias Nas informações esmiuçadas trazidas pela revista sobre a carreira modesta mas esplêndida organizada pela própria revista da vencedora afortunada por sinal uma datilografa que talvez tenha vencido o concurso graças às relações com magnatas locais espelhase a impotência de todos A tal ponto as pessoas são reduzidas à meras coisas que aqueles que delas dispõem podem colocálas por um instante no céu para logo em seguida jogálas no lixo e que vão para o diabo com seus direitos e o seu trabalho A indústria se interessa pelos homens apenas como pelos próprios clientes e empregados e reduziu efetivamente a humanidade no seu conjunto como cada um dos seus elementos a esta forma exaustiva Segundo o ângulo determinante é sublinhado na ideologia o plano ou o fenômeno a técnica ou a vida a civilização ou a natureza Como empregados são chamados à organização racional e pressionados a inserirse com sadio bom senso Como clientes veem a si mesmos como ilustração na tela ou nos jornais em episódios humanos e privados da liberdade de escolha e como atração do que ainda não está enquadrado Em qualquer dos casos permanecem objetos Quanto menos a indústria cultural tem a prometer quanto menos está em grau de mostrar que a vida é cheia de sentido tanto mais pobre se torna por força das coisas a ideologia por ela um excesso mas em uma escassez de esclarecimento e que as mutilações infligidas à humanidade pela racionalidade particularista contemporânea são estigmas da irracionalidade total A abolição dessa irracionalidade que coincidiria com a abolição da separação entre trabalho manual e trabalho intelectual aparece à cegueira da crítica cultural como o caos para quem glorifica a ordem e a estrutura de qualquer espécie esta separação petrificada tornase um arquétipo do eterno Que a cisão mortal da sociedade possa um dia terminar é para ele sinônimo de uma fatalidade mortal é preferível o fim de todas as coisas do que a humanidade pôr um fim à reificação O medo de que isso possa ocorrer se harmoniza com os interesses dos interessados na manutenção da negativa material Sempre que a crítica cultural se queixa de materialismo promove a crença de que o pecado é o desejo dos homens por bens de consumo e não a organização do todo que nega aos homens esses bens para o crítico da cultura o pecado é a saciedade e não a fome Se a humanidade dispusesse da abundância arrancaria os grilhões dessa barbárie civilizada que os críticos da cultura debitam na conta do progresso do espírito em vez de debitála na do atraso das condições materiais Os valores eternos aos quais a crítica cultural se refere espelham a doença perenizada O crítico da cultura se alimenta da teimosia mítica da cultura Porque a existência da crítica cultural qualquer que seja o seu conteúdo depende do sistema econômico e está atrelada ao seu destino Quanto mais completamente as ordens sociais contemporâneas especialmente as do Leste se apropriam dos processos de vida inclusive do ócio tanto mais se imprime a todos os fenômenos do espírito a marca da ordem Seja como entretenimento ou como edificação eles colaboram de imediato para a manutenção da ordem e são consumidos de modo exato como expoentes dessa ordem ou seja justamente em virtude de sua préformatação social Conhecidos garantidos e aprovados esses fenômenos do espírito se aninham na consciência regressiva recomendandose como naturais e permitindo a identificação com os poderes vigentes cuja preponderância não deixa outra alternativa senão a do falso amor Em outros casos os fenômenos culturais se transformam por sua discordância em raridades o que os torna novamente vendáveis No transcorrer da era liberal a cultura caiu na esfera da circulação O definhamento paulatino dessa esfera acabou afetando o próprio nervo vital da cultura Com a eliminação do comércio e de seus refúgios irracionais pelo calculado aparato de distribuição da indústria a mercantilização da cultura completase até a insânia inteiramente dominada administrada e de certa forma cultivada integralmente a cultura acaba por definhar A denunciadora frase de Spengler sobre o parentesco entre dinheiro e espírito provase correta Mas sua simpatia pelas formas imediatas de dominação fez com que ele defendesse uma concepção de existência distante tanto das mediações econômicas quanto das mediações espirituais Maliciosamente Spengler vincula o espírito a um tipo econômico na verdade já superado em vez de reconhecer que o espírito por mais que seja também um produto desse tipo econômico implica ao mesmo tempo a possibilidade objetiva de superálo Assim como a cultura surgiu no mercado no comércio na comunicação e na negociação como algo distinto da luta imediata pela autopreservação individual assim como ela se irmana no capitalismo clássico ao comércio e assim como os seus portadores se incluem difundida Mesmo os ideais abstratos de harmonia e bondade da sociedade são na época da publicidade universal concretos demais Mesmo os ideais abstratos apressamse em ser identificados como publicidade O discurso que apenas busca a verdade logo suscita a impaciência de que chegue com rapidez ao fim comercial que se supõe perseguir na ação prática A palavra que não é meio aparece privada de sentido a outra como ficcção e mentira Escutamos os juízos de valor como propaganda ou tagarelice inútil Mas a ideologia assim constrangida a manterse como um discurso vago não se torna por isso mais transparente nem tampouco mais débil Mesmo sua generalidade a recusa quase científica de empenharse sobre qualquer coisa de inverificável funciona como instrumento de domínio Pois ela se torna a decidida e sistemática proclamação do que é A indústria cultural tem a tendência de se converter em um conjunto de protocolos e por essa mesma razão de se tornar o irrefutável profeta do existente Entre a alternativa representada pela falsa notícia individualizada e pela verdade manifesta ela sai pela tangente habilmente repetindo este e aquele fenômeno opondo sua capacidade ao conhecimento e erigindo a ideal o próprio fenômeno em sua continuidade onipresente A ideologia cindese entre a fotografia da realidade bruta e a pura mentira do seu significado que não é formulada explicitamente mas sugerida e inculcada Pela demonstração de sua divindade o real é sempre e apenas cinicamente repetido Essa prova fotológica não é precisa mas é esmagadora Quem ainda duvida do poder da monotonia é um imbecil A indústria cultural por outro lado tem boas saídas para repeli as objeções feitas contra ela como as contra o mundo que ela duplica sem teses preconcebidas A única escolha é colaborar ou se marginalizar os provincianos que contra o cinema e o rádio entre as terceiras pessoas e se sustentam como intermediários assim a cultura considerada socialmente necessária segundo as regras clássicas ou seja algo que se reproduz economicamente restringese novamente ao âmbito em que se iniciou o da mera comunicação Sua alienação do humano desemboca na absoluta docilidade em relação a uma humanidade metamorfoseada em clientela pelos fornecedores Em nome dos consumidores os que dispõem sobre a cultura reprimem tudo o que poderia fazer com que ela escapasse à imanência total da sociedade vigente permitindo apenas o que serve inequivocamente aos seus propósitos A cultura dos consumidores pode por isso vangloriarse de não ser um luxo mas o simples prolongamento da produção Em consonância com isso as etiquetas políticas calculadas para a manipulação das massas estigmatizam unanimemente como luxo esnobismo e highbrow tudo o que na cultura desagrada aos comissários Somente quando a ordem estabelecida passa a ser aceita como medida de todas as coisas a sua mera reprodução na consciência convertese em verdade A crítica cultural aponta para isso reclamando contra a superficialidade e a perda de substância Ao restringir sua atenção porém ao entrelaçamento entre cultura e comércio a própria crítica cultural participa da superficialidade agindo de acordo com o esquema dos críticos sociais reacionários que contrapõem o capital produtivo ao capital usurário Na medida em que de fato toda cultura toma parte no contexto de culpa da sociedade ela deve sua existência à injustiça já cometida na esfera da produção O mesmo ocorre segundo a Dialética do esclarecimento com o comércio É por isso que a crítica cultural desloca a culpa ela é ideologia na medida em que permanece como mera crítica da ideologia Os regimes totalitários de ambos os gêneros buscando proteger o status quo das últimas inconveniências que temem de uma cultura já reduzida à condição de lacaio conseguem convencer pela força essa cultura e sua autoconsciência de seu servilismo Eles atacam o espírito que já se tornou insuportável em si mesmo e com isso ainda se sentem purificadores e revolucionários A função ideológica da crítica cultural atrela à ideologia sua própria verdade a resistência contra a ideologia A luta contra a mentira acaba beneficiando o mais puro terror Quando ouço falar em cultura destravo o meu revólver dizia o portavoz da Câmara de Cultura do Reich de Hitler Mas a crítica cultural somente pode reprovar tão incisivamente a cultura por sua decadência apontada como uma violação da pura autonomia do espírito uma prostituição porque a própria cultura surge da separação radical entre trabalho intelectual e trabalho braçal extraindo dessa separação desse pecado original a sua força Quando a cultura simplesmente nega essa separação e finge uma união harmoniosa regride a algo anterior ao seu próprio conceito Somente o espírito que no delírio de seu caráter absoluto se afasta por inteiro do mero existente determina verdadeiramente o mero existente em sua negatividade mesmo que apenas um mínimo do espírito permaneça ligado à reprodução da vida ele também há de ficar comprometido com ela O desprezo dos ateniense pelo vulgar consistia basicamente em duas coisas o orgulho arrogante de quem não suja as próprias mãos com aqueles de cujo trabalho vive e a preservação da imagem de uma existência que aponta para além da coerção existente por trás de todo trabalho Ao dar voz à má consciência projetandoa nas vítimas como baixeza essa atitude denuncia ao mesmo tempo o estado em que as vítimas se encontram a submissão dos homens às formas vigentes da reprodução da vida Toda cultura pura tem causado malestar aos portavozes do poder Platão e Aristóteles sabiam muito bem por que não podiam deixar vingar essa concepção de cultura preferindo defender em questões sobre o julgamento da arte um pragmatismo que se encontra em surpreendente contraste com o pathos dos dois grandes metafísicos A mais recente crítica cultural burguesa tornouse sem dúvida demasiado cautelosa para seguilos abertamente neste ponto embora se acalme secretamente com a divisão entre alta cultura e cultura popular entre arte e entretenimento entre conhecimento e visão de mundo descomprometida Essa crítica cultural burguesa é tão mais antivulgar do que a antiga elite ateniense quanto o proletariado é mais perigoso do que os escravos O moderno conceito de cultura pura e autônoma indica que o antagonismo tornouse inconciliável tanto pela falta de compromisso para com o que é para outro quanto pela hybris da ideologia que se entroniza como o que é em si A crítica cultural compartilha com seu objeto o ofuscamento Ela é incapaz de deixar aflorar o reconhecimento de sua fragilidade que é intrínseca à separação entre trabalho intelectual e trabalho manual Nenhuma sociedade que contradiga o seu próprio conceito o de humanidade pode ter plena consciência de si mesma Para impedir que isso ocorra não é preciso nem mesmo o aparato ideológico subjetivo ainda que este em períodos de grandes mudanças sociais costume reforçar o ofuscamento objetivo Pelo contrário a afirmação de que todas as formas de repressão foram necessárias de acordo com o estado da técnica para a preservação da sociedade geral e que a sociedade tal como ela é reproduziu de fato apesar de todo o seu absurdo a vida sob as condições existentes suscita objetivamente a aparência de legitimação social A cultura enquanto conteúdo essencial da autoconsciência de uma sociedade constituída por classes antagônicas não pode libertarse dessa aparência como também não o pode aquela crítica cultural que mede a cultura segundo seu próprio ideal Em uma fase na qual a irracionalidade e a falsidade objetiva se escondem atrás da racionalidade e da necessidade objetiva a aparência tornouse total Ainda assim em virtude de sua violência real os antagonismos acabam se impondo também na consciência Justamente porque a cultura para a glorificação da sociedade afirma como válido o princípio de harmonia na sociedade antagônica não pode evitar o confronto da sociedade com o seu próprio conceito de harmonia o que leva a cultura a tropeçar em desarmonias A ideologia que afirma a vida entra em contradição com a vida pelo impulso imanente do ideal O espírito que percebe que a realidade não se iguala a ele em tudo mas sim está sujeita a uma dinâmica inconsciente e fatal é impelido contra a sua própria vontade para além da apologia O fato de que a teoria se transforma em um poder real quando empolga os homens fundamentase na objetividade do próprio espírito que por força do cumprimento de sua função ideológica tem de perder a fé na ideologia Movido pela incompatibilidade da ideologia com a existência o espírito ao expressar o ofuscamento expressa ao mesmo tempo a tentativa de escapar a ele Desiludido o espírito percebe a crueza da mera existência e passa a responsabilidade à crítica Então ou ele amaldiçoa a base material a partir do sempre questionável critério de seu princípio puro ou toma consciência por sua incompatibilidade com a base material de sua própria 83 questionabilidade Por força da dinâmica da sociedade a cultura tornase crítica cultural Esta mantém o conceito de cultura demolindo porém as suas manifestações contemporâneas como meras mercadorias e meios de emburrecimento Uma tal consciência crítica permanece submissa à cultura na medida em que lidando com ela apartase do horror mas ao mesmo tempo essa consciência crítica também a determina como complemento do horror A postura ambivalente da teoria social em relação à crítica cultural é uma consequência disso O procedimento da crítica cultural está ele mesmo submetido a uma crítica permanente tanto em seus pressupostos gerais em sua imanência à sociedade vigente quanto nos juízos concretos que enuncia Pois a subserviência da crítica cultural acaba se revelando por seu conteúdo específico e somente nele esta subserviência pode ser captada de modo conclusivo Simultaneamente porém a teoria dialética caso não queira sucumbir ao mero economicismo e a uma mentalidade que acredita que a transformação do mundo se esgota no aumento da produção está obrigada a assumir para si mesma a crítica cultural que é verdadeira na medida em que traz a inverdade à consciência de si mesma Se a teoria dialética mostrase desinteressada pela cultura enquanto um mero epifenômeno acaba contribuindo para que a confusão cultural continue a se propagar e colabora na reprodução do que é ruim O tradicionalismo cultural e o terror dos novos déspotas russos possuem o mesmo sentido O faro de que ambos afirmam seu compromisso com a cultura como um todo ao mesmo tempo que proscrevem todas as formas de consciência não ajustadas não é algo menos ideológico do que a atitude da crítica que se limita a denunciar diante do seu tribunal uma cultura desorientada ou responsabilizar seu alegado negativismo pelo que há de nefasto Aceitar a cultura como um todo já é retirarlhe o fermento de sua própria verdade a negação O entusiasmo pela cultura está em consonância com o clima produzido pela pintura de cenas de batalha e pela música militar O que distingue a crítica dialética da crítica cultural é o fato de a primeira elevar a crítica até a própria suspensão Aufhebung do conceito de cultura Contra a crítica imanente da cultura podese argumentar que ela sonega o aspecto decisivo o papel assumido pela ideologia nos conflitos sociais Supor ainda que apenas metodologicamente algo como uma lógica autônoma da cultura seria colaborar pelo desmembramento da cultura com o proton pseudos ideológico pois o conteúdo da cultura não residiria exclusivamente em si mesma mas em sua relação com algo que lhe seria externo o processo material da vida A cultura conforme Marx ensinou a propósito das relações jurídicas e das formas de Estado não poderia ser entendida a partir de si mesma nem a partir do assim chamado desenvolvimento universal do espírito humano Ignorar isso significaria praticamente transformar a ideologia no próprio tema da discussão e com isso fortalecêla De fato a versão dialética da crítica cultural não deve hipostasiar os critérios da cultura A crítica dialética posicionase de modo dinâmico ao compreender a posição da cultura no interior do todo Sem essa liberdade sem o transcender da consciência para além da imanência cultural a própria crítica imanente não seria concebível só é capaz de acompanhar a dinâmica própria do objeto aquele que não estiver completamente envolvido por ele Mas a exigência tradicional de uma crítica da ideologia também está sujeita a uma dinâmica histórica Ela foi concebida contra o idealismo visto 85 como a forma filosófica na qual se espelharia a fetichização da cultura Hoje no entanto a determinação da consciência pelo Ser tornouse um meio de escamotear toda consciência que não estiver de acordo com o existente O momento da objetividade da verdade sem o qual não se pode conceber a dialética passa a ser tacitamente substituído pelo positivismo vulgar e pelo pragmatismo ou seja em última instância pelo subjetivismo burguês Na era burguesa a teoria predominante era a ideologia e a práxis oposicionista se contrapunha imediatamente a ela Hoje a rigor quase não há mais teoria e a ideologia é como o ruído produzido pelas engrenagens da práxis inexorável Não se ousa mais pensar nenhuma frase que não inclua gentilmente em todas as áreas indicações precisas sobre a quem ela deveria favorecer o que antigamente era tarefa da polêmica descobrir Mas o pensamento não ideológico é aquele que não se deixa reduzir a operational terms procurando em vez disso ajudar a conduzir a própria coisa àquela linguagem que seria de outro modo bloqueada pela linguagem dominante Desde que toda associação políticoeconômica avançada passou a considerar óbvio e evidente que o que importa é modificar o mundo e que é bobagem ficar interpretandoo tornouse difícil simplesmente invocar as Teses contra Feuerbach A dialética inclui também a relação entre ação e contemplação Em uma época na qual as ciências sociais burguesas segundo Scheler saquearam o conceito marxista de ideologia diluindoo no relativismo generalizado o perigo de se desconhecer a função das ideologias já é menor do que o perigo representado pela tendência de se dispor de maneira administrativa classificatória e estranha ao objeto sobre as formações espirituais enxertandoas simploriamente nas constelações de poder vigentes que caberia ao espírito desvendar Como vários outros elementos do materialismo dialético também a noção de ideologia foi transformada de um meio de conhecimento em um meio de controle do conhecimento Em nome da dependência da superestrutura em relação à infraestrutura passase a vigiar a utilização das ideologias em vez de criticálas Ninguém mais se preocupa com o conteúdo objetivo das ideologias desde que essas cumpram sua função Mas a própria função das ideologias tornase manifestamente cada vez mais abstrata A suspeita dos antigos críticos culturais se confirmou em um mundo onde a educação é um privilégio e o aprisionamento da consciência impede de toda maneira o acesso das massas à experiência autêntica das formações espirituais já não importam tanto os conteúdos ideológicos específicos mas o fato de que simplesmente haja algo preenchendo o vácuo da consciência expropriada e desviando a atenção do segredo conhecido por todos No contexto de seu efeito social é talvez menos importante saber quais as doutrinas ideológicas específicas que um filme sugere aos seus espectadores do que o fato de que estes ao voltar para casa estão mais interessados nos nomes dos atores e em seus casos amorosos Conceitos vulgares como entretenimento são muito mais adequados do que considerações pretensiosas sobre o fato de um escritor ser representante da pequena burguesia e outro da alta burguesia A cultura tornouse ideológica não só como a quintessência das manifestações subjetivamente elaboradas pelo espírito objetivo mas em maior medida também como esfera da vida privada Essa esconde sob a aparência de importância e autonomia o fato de que é mantida apenas como apêndice do processo social A vida se transforma em ideologia da reificação em máscara mortuária E por isso que a tarefa da crítica na maioria das vezes não é tanto sair em busca de determinados grupos de interesse aos quais devem subordinarse os fenômenos culturais mas sim decifrar quais elementos da tendência geral da sociedade se manifestam através desses fenômenos por meio dos quais se efetivam os interesses mais poderosos A crítica cultural convertese em fisiognomonia social Quanto mais o todo é despojado de seus elementos espontâneos e socialmente mediado e filtrado quanto mais ele é consciência tanto mais se torna cultura O processo material de produção se manifesta finalmente como aquilo que era em sua origem ao lado dos meios de manutenção da vida na relação de troca como uma falsa consciência das partes contratantes uma a respeito da outra como ideologia Inversamente contudo a consciência tornase cada vez mais um mero momento de transição na montagem do todo Hoje ideologia significa sociedade enquanto aparência Embora seja mediada pela totalidade atrás da qual se esconde a dominação do parcial a ideologia não é redutível pura e simplesmente a um interesse parcial por isso de certo modo está em todas as suas partes à mesma distância do centro A teoria crítica não pode admitir a alternativa entre colocar em questão a partir de fora a cultura como um todo submetida ao conceito supremo de ideologia ou confrontála com as normas que ela mesma cristalizou Quanto à decisão de adotar uma postura imanente ou transcendente tratase de uma recaída na lógica tradicional criticada na polêmica de Hegel contra Kant todo e qualquer método que determina limites e se mantém dentro dos limites de seu objeto suplanta justamente por isso esses limites A posição que transcende a cultura é em certo sentido pressuposta pela dialética como aquela consciência que não se submete de antemão à fetichização da esfera do espírito Dialética significa intransigência contra toda e qualquer reificação O método transcendente que se dirige ao todo parece mais radical do que o método imanente que pressupõe desde o início este todo questionável O método transcendente pretende assumir uma posição semelhante a um ponto arquimediano que transcenda a cultura e a rede de ofuscamento a partir da qual a consciência conseguisse pôr em movimento a totalidade por maior que fosse a inércia desta O ataque ao todo retira sua força do fato de que quanto mais o mundo possui a aparência de unidade e totalidade maior é o avanço da reificação e portanto da divisão Mas a liquidação sumária da ideologia que na esfera soviética já se tornou um pretexto para o terror cínico na forma de respeito ao objetivismo concede demasiada honra a essa totalidade Essa atitude compra en bloc da sociedade a sua cultura sem levar em conta a maneira pela qual a sociedade a utiliza A ideologia ou seja a aparência socialmente necessária é hoje a própria sociedade real na medida em que o seu poder integral e sua inexorabilidade a sua irresistível existência em si substitui o sentido por ela própria exterminado A escolha de um ponto de vista subtraído da órbita da ideologia é tao fictícia quanto somente o foi a elaboração de utopias abstratas E por isso que a crítica transcendente da cultura semelhante à crítica burguesa da cultura vêse obrigada a retroceder conjurando aquele ideal do natural que já é por si mesmo uma peçachave da ideologia burguesa O ataque transcendente à cultura fala geralmente a linguagem da falsa ruptura a linguagem do homem natural Naturbursche Ele despreza o espírito as formações espirituais apesar de tudo são feitas pelo homem e servem apenas para encobrir a vida natural Em nome dessa suposta futilidade as formações espirituais deixamse manipular arbitrariamente sendo utilizadas para fins de dominação Isso explica a insuficiência da maioria das contribuições socialistas à crítica cultural elas fogem à experiência daquilo com que se ocupam Ao desejar como que por um golpe de borracha apagar o todo desenvolvem afinidades com a barbárie e as suas simpatias são inegavelmente com o mais primitivo o menos diferenciado por mais que isso também esteja em contradição com o próprio estágio de desenvolvimento da força de produção intelectual A rejeição peremptória da cultura tornase pretexto para promover os mais rudes os mais saudáveis eles mesmos repressivos e sobretudo para resolver obstinadamente a favor da sociedade o eterno conflito entre sociedade e individuo um conflito que deixa marcas em ambos segundo os critérios dos administradores que se apoderaram da sociedade A partir desse ponto basta um passo para a reintrodução oficial da cultura O procedimento imanente por ser o mais essencialmente dialético resiste contra isso Ele leva a sério o princípio de que o não verdadeiro não é a ideologia em si mas a sua pretensão de coincidir com a realidade Crítica imanente de formações espirituais significa entender na análise de sua conformação e de seu sentido a contradição entre a ideia objetiva dessas formações e aquela pretensão nomeando aquilo que expressa em si a consistência e a inconsistência dessas formações em face da constituição da existência Uma crítica como essa não se limita ao reconhecimento geral da servidão do espírito objetivo mas procura transformar esse reconhecimento em força de observação da própria coisa A compreensão da negatividade da cultura só é concludente quando demonstra ser a prova certeira da verdade ou inverdade de um conhecimento da coerência ou incoerência de um pensamento do acerto ou desacerto de uma formação da substancialidade ou nulidade de uma figura de linguagem Quando depara com insuficiências não as atribui precipitadamente ao indivíduo e sua psicologia ou à mera imagem encobridora do fracasso mas procura deriválas da irreconciliabilidade dos momentos do objeto Essa crítica persegue a lógica de suas aporias a insolubilidade intrínseca à própria tarefa Compreende nestas antinomias as antinomias sociais Para a crítica imanente uma formação bemsucedida não é porém aquela que reconcilia as contradições objetivas no engodo da harmonia mas sim a que exprime negativamente a ideia de harmonia ao imprimir na sua estrutura mais íntima de maneira pura e firme as contradições Diante dessas formações perde sentido o veredito de que algo é mera ideologia Ao mesmo tempo no entanto a crítica imanente não cansa de pôr em evidência que todo espírito até hoje encontrase submetido a uma interdição Ele não tem o poder de suspender a partir de si mesmo as contradições nas quais trabalha Mesmo a mais radical reflexão quanto ao próprio fracasso é limitada pelo fato de que permanece apenas uma reflexão sem alterar a existência que testemunha o fracasso do espírito Por isso a crítica imanente não consegue se confortar com seu conceito Ela não é vaidosa o suficiente para acreditar que sua imersão no espírito corresponderia imediatamente à libertação de seu cativeiro nem é suficientemente ingênua para acreditar que por força da lógica da coisa a firme imersão no objeto levaria à verdade como se o conhecimento subjetivo sobre a má totalidade não se imiscuísse a todo instante como que vindo de fora na determinação do objeto Quanto menos o método dialético pode hoje pressupor a identidade hegeliana de sujeito e objeto tanto mais ele está obrigado a levar em conta a dualidade dos momentos a relacionar o conhecimento da sociedade como totalidade bem como o conhecimento da imbricação do espírito nela com a pretensão do objeto a ser reconhecido como tal segundo o seu conteúdo específico Por isso a dialética não permite que nenhuma exigência de pureza lógica a impeça de passar de um gênero a outro de fazer com que a coisa fechada sobre si própria se ilumine através do olhar voltado para a sociedade de apresentar à sociedade a conta que a coisa não é capaz de pagar Por fim a própria oposição entre um conhecimento que se imponha de fora e um que se imponha de dentro tornase para o método dialético suspeita de ser um sintoma daquela reificação que ele é obrigado a denunciar À atribuição abstrata a um pensamento igualmente administrativo no primeiro caso corresponde no segundo o fetichismo de um objeto que é cego quanto a sua gênese que se tornou prerrogativa do especialista Mas se a consideração obstinadamente imanente ameaça recair no idealismo na ilusão de um espírito autossuficiente que dispõe sobre si e sobre a realidade assim também a consideração transcendente corre o risco de esquecer o trabalho do conceito e se contentar com a rotulação prescrita em geral o termo pequenoburguês e com o ucasse2 vindo do alto O pensamento topológico que sabe o lugar de cada fenômeno mas não sabe as características de nenhum possui um secreto parentesco com o sistema paranoico da loucura que se encontra alheio à experiência do objeto O mundo passa a ser dividido em preto e branco por categorias que giram em falso e desta forma é preparado para a dominação contra a qual os conceitos haviam sido outrora concebidos Nenhuma teoria nem sequer a verdadeira está segura de jamais se perverter em suposição se alguma vez renunciar a uma relação espontânea com o objeto A dialética tem de se resguardar contra essa perversão tanto quanto tem de se proteger do perigo de ficar aprisionada pelo objeto cultural Não deve se sujeitar ao culto do espírito nem à hostilidade contra o espírito O crítico dialético da cultura deve participar e não participar da cultura Só assim fará justiça à coisa e a si mesmo A tradicional critica transcendente da ideologia é obsoleta Por princípio devido à transposição direta do conceito de causalidade do âmbito da natureza física para o da sociedade o método sucumbe exatamente àquela reificação que tem como tema critico regredindo a uma posição inferior a seu próprio objeto Mesmo assim o método transcendente pode invocar em sua defesa que só utiliza conceitos essencialmente reificados na medida em que a própria sociedade está reificada que com a crueza e rigidez do conceito de causalidade coloca uma espécie de espelho diante da sociedade que por sua vez transpõe para o espírito a sua própria crueza e rigidez bem como a sua degradação Mas a tenebrosa sociedade unitária não tolera mais sequer aqueles momentos relativamente autônomos e distanciados aos quais outrora se referia a teoria da dependência causal entre superestrutura e infraestrutura Nessa prisão ao ar livre em que o mundo está se transformando já nem importa mais o que depende do quê pois tudo se tornou uno Todos os fenômenos enrijecemse em insignias da dominação absoluta do que existe Não há mais ideologia no sentido próprio de falsa consciência mas somente propaganda a favor do mundo mediante a sua duplicação e a mentira provocadora que não pretende ser acreditada mas que pede o silêncio Exatamente por isso a questão da dependência causal da cultura que logo ressoa como a voz daquilo que lhe impõe a dependência contém algo de primitivo No fim das contas entretanto até mesmo o método imanente é atingido por isso Ele é arrastado por seu objeto para o abismo A cultura materialisticamente transparente não se tornou materialisticamente mais honesta apenas mais vulgar Com a perda de sua própria particularidade perdeu também o sal da verdade que antigamente consistia em sua oposição a outras particularidades Colocála diante da responsabilidade que recusa é apenas afirmar sua pretensão de relevância cultural Neutralizada e préfabricada a totalidade da cultura tradicional acaba sendo hoje aniquilada através de um processo inexorável a sua herança reclamada pelos russos com ar virtuoso tornouse dispensável e supérflua em larga escala um refugo para o qual os mercadores da cultura de massa podem então novamente apontar com um sorriso irônico já que eles a tratam exatamente dessa forma Quanto mais totalitária for a sociedade tanto mais reificado será também o espírito e tanto mais paradoxal será o seu intento de escapar por si mesmo da reificação Mesmo a mais extremada consciência do perigo corre o risco de degenerar em conversa fiada A crítica cultural encontrase diante do último estágio da dialética entre cultura e barbárie escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro e isso corrói até mesmo o conhecimento de por que hoje se tornou impossível escrever poemas Enquanto o espírito crítico permanecer em si mesmo em uma contemplação autossuficiente não será capaz de enfrentar a reificação absoluta que pressupõe o progresso do espírito como um de seus elementos e que hoje se prepara para absorvêlo inteiramente 95 NOTAS 1 Tradução de Augustin Wernet e Jorge M B de Almeida Publicado originalmente em Prismas São Paulo Ática 1998 2 Decreto despótico proferido pelo czar na Rússia absolutista Tempo livre1 Theodor W Adorno 1969 A questão do tempo livre o que as pessoas fazem com ele que chances eventualmente oferece o seu desenvolvimento não pode ser formulada em generalidade abstrata A expressão de origem recente aliás antes se dizia ócio e este era um privilégio de uma vida folgada e portanto algo qualitativamente distinto e muito mais grato mesmo desde o ponto de vista do conteúdo aponta a uma diferença específica que o distingue do tempo não livre aquele que é preenchido pelo trabalho e poderíamos acrescentar na verdade determinado desde fora O tempo livre é acorrentado ao seu oposto Essa oposição a relação em que ela se apresenta imprimelhe traços essenciais Além do mais muito mais fundamentalmente o tempo livre dependerá da situação geral da sociedade Mas essa agora como antes mantém as pessoas sob um fascínio Nem em seu trabalho nem em sua consciência dispõem de si mesmas com real liberdade Até mesmo aquelas sociologias conciliadoras que utilizam o conceito de papéis como chave reconhecem isso enquanto como sugere esse conceito de papéis tomado do teatro a existência que a sociedade impõe às pessoas não se identifica com o que as pessoas são ou poderiam ser em si mesmas Decerto não se pode traçar uma divisão tão simples entre as pessoas em si e seus assim chamados papéis sociais Esses penetram profundamente nas próprias características das pessoas em sua constituição íntima Numa época de integração social sem precedentes fica difícil estabelecer de forma geral o que resta nas pessoas além do determinado pelas funções Isso pesa muito sobre a questão do tempo livre Não significa menos do que mesmo onde o encantamento se atenua e as pessoas estão ao menos subjetivamente convictas de que agem por vontade própria essa vontade é modelada por aquilo de que desejam estar livres fora do horário de trabalho A indagação adequada ao fenômeno do tempo livre seria hoje porventura esta Que ocorre com ele com o aumento da produtividade no trabalho mas persistindo as condições de não liberdade isto é sob relações de produção em que as pessoas nascem inseridas e que hoje como antes lhes prescrevem as regras de sua existência Já agora o tempo livre aumentou sobremaneira graças às invenções ainda não totalmente utilizadas em termos econômicos nos campos da energia atômica e da automação poderá aumentar cada vez mais Se se quisesse responder à questão sem asserções ideológicas seria tornada imperiosa a suspeita de que o tempo livre tende em direção contrária à de seu próprio conceito tornandose paródia deste Nele se prolonga a não liberdade tão desconhecida da maioria das pessoas não livres como a sua não liberdade em si mesma Para esclarecer o problema eu gostaria de fazer uso de uma pequena experiência pessoal Em entrevistas e levantamentos de dados sempre se é questionado sobre o seu hobby Quando as revistas ilustradas informam a respeito de algum figurão da indústria cultural falar dos quais é por sua vez a ocupação principal da indústria cultural poucas vezes perdem o ensejo de relatar algo mais ou menos íntimo sobre os hobbies dos mesmos Quando me toca essa questão fico apavorado Eu não tenho nenhum hobby Não que eu seja uma besta de trabalho que não sabe fazer consigo nada além de esforçarse e fazer aquilo que deve fazer Mas aquilo com o que me ocupo fora da minha profissão oficial é para mim sem exceção tão sério que me sentiria chocado com a ideia de que se tratasse de hobbies portanto ocupações nas quais me jogaria absurdamente só para matar o tempo se minha experiência contra todo tipo de manifestações de barbárie que se tomaram como que coisas naturais não me tivesse endurecido Compor música escutar música ler concentradamente são momentos integrais da minha existência a palavra hobby seria escárnio em relação a elas Inversamente meu trabalho a produção filosófica e sociológica e o ensino na universidade têmme sido tão gratos até o momento que não conseguiria considerálos como opostos ao tempo livre como a habitualmente cortante divisão requer das pessoas Sem dúvida estou consciente de que estou falando como privilegiado com a cota de casualidade e de culpa que isso comporta como alguém que teve a rara chance de escolher e organizar seu trabalho essencialmente segundo as próprias intenções Esse aspecto conta não em último lugar para o fato de que aquilo que faço fora do horário de trabalho não se encontre em estrita oposição em relação a este Caso um dia o tempo livre se transformasse efetivamente naquela situação em que aquilo que antes fora privilégio agora se tornasse benefício de todos e algo disso alcançou a sociedade burguesa em comparação com a feudal eu imaginaria este tempo livre segundo o modelo que observei em mim mesmo embora esse modelo em circunstâncias diferentes ficasse por sua vez modificado Quando se aceita como verdadeiro o pensamento de Marx de que na sociedade burguesa a força de trabalho tornouse mercadoria e por isso o trabalho foi coisificado então a palavra hobby conduz ao paradoxo de que aquele estado que se entende como o contrário de coisificação como reserva de vida imediata em um sistema total completamente mediado é por sua vez coisificado da mesma maneira que a rígida delimitação entre trabalho e tempo livre Neste prolongamse as formas de vida social organizada segundo o regime do lucro A própria ironia da expressão negócios do tempo livre Freizeitgeschäft está tão profundamente esquecida quanto se leva a sério o show business É bem conhecido e nem por isso menos verdadeiro que os fenômenos específicos do tempo livre como o turismo e o camping são acionados e organizados em função do lucro Simultaneamente a distinção entre trabalho e tempo livre foi incutida como norma a consciência e inconsciência das pessoas Como segundo a moral do trabalho vigente o tempo em que se está livre do trabalho tem por função restaurar a força de trabalho o tempo livre do trabalho precisamente porque é um mero apêndice do trabalho vem a ser separado deste com zelo puritano Aqui nos deparamos com um esquema de conduta do caráter burguês Por um lado devese estar concentrado no trabalho não se distrair não cometer disparates sobre essa base repousou outrora o trabalho assalariado e suas normas foram interiorizadas Por outro lado deve o tempo livre provavelmente para que depois se possa trabalhar melhor não lembrar em nada o trabalho Essa é a razão da imbecilidade de muitas ocupações do tempo livre Por baixo do pano porém são introduzidas de contrabando formas de comportamento próprias do trabalho o qual não dá folga às pessoas Nos boletins escolares havia outrora notas para a atenção Isso correspondia ao cuidado talvez subjetivamente bemintencionado dos pais de que as crianças não se esforçassem demais no tempo livre não ler demais não deixar a luz acesa por muito tempo à noite Secretamente os pais farejavam por trás disso uma rebeldia do espírito ou também uma insistência no prazer a qual é incompatível com a divisão racional da existência Toda mescla aliás toda falta de distinção nítida inequívoca tornase suspeita ao espírito dominante Essa rígida divisão da vida em duas metades enaltece a coisificação que entremtes subjugou quase completamente o tempo livre Podemos esclarecer isso de maneira simples através da ideologia do hobby Na naturalidade da pergunta sobre qual hobby se tem está subentendido que se deve ter um porventura também já escolhido de acordo com a oferta do negócio do tempo livre Liberdade organizada é coercitiva Aí de ti se não tens um hobby se não tens ocupação para o tempo livre então tu és um pretensioso ou antiquado um bicho raro e cais em ridículo perante a sociedade a qual te impinge o que deve ser o teu tempo livre Tal coação não é de nenhum modo somente exterior Ela se liga às necessidades das pessoas sob um sistema funcional No camping no antigo movimento juvenil gostavase de acampar havia protesto contra o tédio e o convencionalismo burguês O que os jovens queriam era sair no duplo sentido da palavra Passar a noite a céu aberto equivalia a escapar da casa da família Essa necessidade depois da morte do movimento juvenil foi aproveitada e institucionalizada pela indústria do camping que não poderia obrigar as pessoas a comprar barracas e motorhomes além de inúmeros utensílios auxiliares se algo nas pessoas não ansiasse por isso Mas a própria necessidade de liberdade é funcionalizada e reproduzida pelo comércio o que as pessoas querem lhes é mais uma vez imposto Por isso a integração do tempo livre é alcançada sem maiores dificuldades as pessoas não 100 101 percebem o quanto não são livres lá onde mais livres se sentem porque a regra de tal ausência de liberdade foi abstraída delas Se o conceito de tempo livre em oposição ao de trabalho é colocado de maneira tão estrita como ao menos corresponde a uma velha ideologia hoje talvez ultrapassada então ele se torna algo nulo Hegel teria dito abstrato Exemplar é o comportamento daqueles que se deixam queimar ao sol só por amor ao bronzeado e embora o estado de letargia a pleno sol não seja prazeroso de maneira nenhuma e talvez desagradável fisicamente o certo é que torna as pessoas espiritualmente inativas O caráter fetichista da mercadoria se apodera através do bronzeado da pele que de resto pode ficar muito bem das pessoas em si elas se transformam em fetiches para si mesmas A ideia de que uma garota graças à sua pele bronzeada tenha um atrativo erótico especial é provavelmente apenas uma racionalização O bronzeado tornouse um fim em si mais importante que o flerte para o qual talvez devesse servir em princípio Quando um funcionário retorna das férias sem ter obtido a cor obrigatória pode estar certo de que os colegas perguntarão mordazes Mas não estavas de férias O fetichismo que medra no tempo livre está sujeito a controles sociais suplementares Que a indústria dos cosméticos com sua propaganda avassaladora e inevitável contribua para isso é tão natural e evidente quanto o é que as pessoas condescendentes o reprimam No estado de letargia culmina um momento decisivo do tempo livre nas condições atuais o tédio Insaciáveis são também as sátiras sobre as maravilhas que as pessoas esperam das viagens de férias ou de qualquer situação excepcional do tempo livre enquanto tampouco aqui conseguem escapar do sempreigual que não se dissipa mais como o ennui enfado de Baudelaire com a distância Gracejos em relação à vítima são o acompanhamento dos mecanismos que a tomam tal Schopenhauer formulou cedo uma teoria sobre o tédio De acordo com o seu pessimismo metafísico ele ensinava que ou as pessoas sofrem pelo apetite insatisfeito de sua cega vontade ou se entediam tão pronto aquele esteja satisfeito A teoria descreve muito bem o que ocorre com o tempo livre das pessoas sob aquelas condições que Kant teria denominado situação de heteronomia e que hoje em alemão moderno se costuma chamar de heterodeterminação também o arrogante dito de Schopenhauer de que as pessoas são produtos fabris da natureza atinge através de seu cinismo algo daquilo que determina nas pessoas a totalidade do caráter de mercadoria Seu irado cinismo sempre as dignifica mais do que as solenes afirmações de que elas possuem um núcleo imperdível Apesar disso a teoria schopenhaueriana não deve ser hipostasiada nem ser considerada pura e simplesmente válida ou porventura ser encarada como condição original da espécie humana O tédio existe em função da vida sob a coação do trabalho e sob a rigorosa divisão do trabalho Não teria que existir Sempre que a conduta no tempo livre é verdadeiramente autônoma determinada pelas próprias pessoas enquanto seres livres é difícil que se instale o tédio tampouco ali onde elas perseguem seu anseio de felicidade ou onde sua atividade no tempo livre é racional em si mesma como algo em si pleno de sentido O próprio bobear BlödeIn não precisa ser obtuso podendo ser beatificamente desfrutado como dispensa dos autcontroles Se as pessoas pudessem decidir sobre si mesmas e sobre suas vidas se não estivessem encerradas no sempreigual então não se entediariam Tédio é o reflexo do cinza objetivo Ocorre com ele algo semelhante ao que se dá com a apatia política A razão mais importante para esta última é o 102 103 sentimento de nenhum modo injustificado das massas de que com a margem de participação na política que lhes é reservada pela sociedade pouco podem mudar em sua existência bem como talvez em todos os sistemas da terra atualmente O nexo entre a política e os seus próprios interesses lhes é opaco por isso recuam diante da atividade política Em íntima relação com o tédio está o sentimento justificado ou neurótico de impotência tédio é o desespero objetivo Mas ao mesmo tempo também a expressão de deformações que a constituição global da sociedade produz nas pessoas A mais importante sem dúvida é a detração da fantasia e seu atrofiamento A fantasia fica tão suspeita quanto a curiosidade sexual e o anseio pelo proibido assim como dela suspeita o espírito de uma ciência que já não é mais espírito Quem quiser adaptarse deve renunciar cada vez mais à fantasia Em geral mutilada por alguma experiência da primeira infância nem consegue desenvolvêla A falta de fantasia implantada e insistentemente recomendada pela sociedade deixa as pessoas desamparadas em seu tempo livre A pergunta descarada sobre o que o povo fará com todo o tempo livre de que hoje dispõe como se esse fosse uma esmola e não um direito humano baseiase nisso Que efetivamente as pessoas só consigam fazer tão pouco de seu tempo livre se deve a que de antemão já lhes foi amputado o que poderia tornar prazeroso o tempo livre Tanto ele lhes foi recusado e difamado que já nem o querem mais A diversão por cuja superficialidade o conservadorismo cultural as esnoba ou injuria lhes é necessária para forjar no horário de trabalho aquela tensão que o ordenamento da sociedade elogiado por este mesmo conservadorismo cultural exige delas Essa não é a última das razões por que as pessoas seguem acorrentadas ao trabalho e ao sistema que as adestra para o trabalho depois que em grande medida ele já nem necessitaria desse trabalho Sob as condições vigentes seria inoportuno e insensato esperar ou exigir das pessoas que realizem algo produtivo em seu tempo livre uma vez que se destruiu nelas justamente a produtividade a capacidade criativa Aquilo que produzem no tempo livre na melhor das hipóteses nem é muito melhor que o ominoso hobby imitações de poesias ou pinturas as quais sob a divisão do trabalho dificilmente revogável outros fazem bem melhor que os artistas das horas vagas Freizeitler O que produzem tem algo de supérfluo Essa superfluidadacomunicase à qualidade inferior da produção ficando com isso estragada a alegria do trabalho Também a atividade supérflua e sem sentido do tempo livre é socialmente integrada Novamente entra em jogo uma necessidade social Certas formas de serviços em especial os domésticos extinguemse a demanda é desproporcional em relação à oferta Nos Estados Unidos somente pessoas realmente abastadas podem manter criadas a Europa segue rapidamente pelo mesmo caminho Isso obriga muitas pessoas a realizar atividades subalternas que antes eram delegadas A isso se vincula o lema do it yourself faça você mesmo como conselho prático sem dúvida também no fastio que as pessoas experimentam ante a mecanização que as alivia de uma carga sem que elas e esse fato não é contestável somente sua interpretação habitual saibam fazer uso do tempo ganho Daí que novamente no interesse de indústrias especializadas sejam encorajadas a fazer elas mesmas o que outros poderiam fazer por elas melhor e mais facilmente e que no fundo por isso mesmo elas têm que desdenhar De resto 104 105 pertence a uma camada muito antiga da consciência burguesa que o dinheiro gasto com serviços na sociedade de divisão do trabalho poderia ser economizado por obstinado interesse pessoal cego ao fato de que o mecanismo todo só se mantém vivo através das trocas de práticas especializadas Guilherme Tell o abominável protótipo de uma personalidade rude preconiza que o machado em casa economiza o carpinteiro assim também das máximas de Schiller seria possível compilar toda uma ontologia da consciência burguesa O do it yourself um tipo de comportamento recomendado atualmente para o tempo livre inscrevese não obstante em um contexto mais amplo Eu já o designei há mais de trinta anos atrás como pseudoatividade Desde então a pseudoatividade ampliouse assustadoramente também é precisamente entre aqueles que se sentem como questionadores da sociedade De uma forma geral podese presumir na pseudoatividade uma necessidade represada de mudanças nas relações fossilizadas Pseudoatividade é espontaneidade mal orientada Mal orientada mas não por acaso e sim porque as pessoas pressentem surdamente quão difícil seria para elas mudar o que pesa sobre seus ombros Preferem deixarse desviar para atividades aparentes ilusórias para satisfações compensatórias institucionalizadas a tomar consciência de quão obstruída está hoje tal possibilidade Pseudoatividade são ficções e paródias daquela produtividade que a sociedade por um lado reclama incessantemente e por outro lado refreia e não quer muito nos indivíduos Tempo livre produtivo só seria possível para pessoas emancipadas não para aquelas que sob a heteronomia tornaramse heterônomas também para si próprias 106 Tempo livre entretanto não está em oposição somente com trabalho Em um sistema no qual o pleno emprego tornouse um ideal em si mesmo o tempo livre segue diretamente o trabalho como sua sombra Ainda faz falta uma penetrante sociologia do esporte sobretudo do espectador esportivo Todavia parece evidente a hipótese entre outras de que mediante os esforços requeridos pelo esporte mediante a funcionalização do corpo no team que se realiza precisamente nos esportes prediletos as pessoas adestramse sem sabêlo para as formas de comportamento mais ou menos sublimadas que delas se espera no processo do trabalho A velha argumentação de que se pratica esporte para permanecer fit é falsa só pelo fato de colocar a fitness como fim em si fitness para o trabalho é contudo uma das finalidades secretas do esporte De muitas maneiras no esporte nós nos obrigaremos a fazer certas coisas e então gozaremos como sendo triunfo da própria liberdade que sob a pressão social nós temos que obrigarnos a fazer e ainda temos que achar palatável Permitamme ainda uma palavra sobre a relação entre o tempo livre e a indústria cultural Sobre essa enquanto meio de domínio e de integração foi escrito tanto desde que Horkheimer e eu introduzimos o seu conceito há mais de vinte anos que me limitarei a destacar um problema específico de que não conseguimos darnos conta na ocasião O crítico da ideologia que se ocupa da indústria cultural haverá de inclinarse para a opinião de que uma vez que os standards da indústria cultural são os mesmos dos velhos passatemos e da arte menor congelados ela domina e controla de fato e totalmente a consciência e inconsciência daqueles aos quais se dirige e de cujo gosto ela procede desde a era liberal Além disso há motivos para admitir 107 que a produção regula o consumo tanto na vida material quanto na espiritual sobretudo ali onde se aproximou tanto do material como na indústria cultural Deveríamos portanto pensar que a indústria cultural e seus consumidores são adequados um ao outro Como porém a indústria cultural entretanto tornouse totalmente fenômeno do sempreigual do qual promete afastar temporariamente as pessoas é de se duvidar se a equação entre a indústria cultural e a consciência dos consumidores é precedente Há alguns anos no Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt realizamos um estudo consagrado a esse problema Infelizmente a valoração do material teve que ceder lugar a tarefas mais urgentes Mesmo assim uma ligeira vistadolhos desse material pode ser relevante em alguns pontos para o assim chamado problema do tempo livre O estudo era relativo ao casamento da princesa Beatriz da Holanda com o jovem diplomata alemão Claus von Arnsberg Deveríamos verificar como o povo alemão reagia a este casamento o qual difundido por todos os meios de comunicação de massa e minuciosamente descrito pelas revistas ilustradas era consumido durante o tempo livre Dado o modo de apresentação e a quantidade de artigos que foram escritos sobre o acontecimento atribuindolhe importância extraordinária esperávamos que também os telespectadores e os leitores o considerariam igualmente importante Acreditávamos em especial que operaria a hoje típica ideologia da personalização que consiste em atribuirse importância desmedida a pessoas individuais e a relações privadas contra o efetivamente determinante desde o ponto de vista social evidentemente como compensação da funcionalização da realidade Com toda prudência gostaria de dizer que tais expectativas eram demasiado simples O estudo oferece diretamente um paradigma de como uma reflexão teórico crítica pode aprender da investigação social empírica e retificarse sobre a base desta Esboçamse sintomas de uma consciência duplicada Por um lado o acontecimento foi degustado como um aqui e agora como algo que a vida geralmente nega às pessoas devia ser único einmalig segundo o clichê da moda na linguagem alemã de hoje Até aqui a reação dos espectadores encaixouse no conhecido esquema que transforma em bem de consumo inclusive as notícias atuais e quiçá as políticas Mas em nosso questionário complementamos para efeito de controle as perguntas tendentes a conhecer as reações imediatas com outras orientadas a averiguar que significação política atribuiam os interrogados ao tão alardeado acontecimento Verificamos que muitos a proporção não vem ao caso agora inesperadamente se portavam de modo bem realista e avaliavam com sentido crítico a importância política e social de um acontecimento cuja singularidade bem propagada os havia mantido em suspenso ante a tela do televisor Em consequência se minha conclusão não é muito apressada as pessoas aceitam e consomem o que a indústria cultural lhes oferece para o tempo livre mas com um tipo de reserva de forma semelhante à maneira como mesmo os mais ingênuos não consideram reais os episódios oferecidos pelo teatro e pelo cinema Talvez mais ainda não se acredita inteiramente neles É evidente que ainda não se alcançou inteiramente a integração da consciência e do tempo livre Os interesses reais do indivíduo ainda são suficientemente fortes para dentro de certos limites resistir à apreensão Erfassung total Isso coincidiria com o prognóstico social segundo o qual uma sociedade cujas contradições fundamentais permanecem inalteradas também não poderia ser totalmente integrada pela consciência A coisa não funciona assim tão sem dificuldades 108 109 e menos no tempo livre que sem dúvida envolve as pessoas mas segundo seu próprio conceito não pode envolvêlas completamente sem que isso fosse demasiado para elas Renuncio a esboçar as consequências disso penso porém que se vislumbra aí uma chance de emancipação que poderia enfim contribuir algum dia com a sua parte para que o tempo livre Freizeit se transforme em liberdade Freizeit NOTA 1 Tradução de Maria Helena Ruschel Publicado originalmente em Palavras e sinais Petrópolis Vozes 1995 110 Este livro foi composto na tipografia Minion Pro em corpo 11516 e impresso em papel offwhite no Sistema Cameron da Divisão Gráfica da Distribuidora Record empobrecimento da experiência e da desvalorização do ócio e do desenvolvimento artístico A partir da discussão sobre os principais meios de difusão de sua época o rádio e o cinema Adorno abre portas que nos permitem compreender manifestações culturais artísticas e de entretenimento dos séculos XX e XXI Diante desses ensaios clássicos da filosofia da comunicação e da estética podemos conhecer e questionar as atuais implicações e imposições da ideologia e da técnica Se até agora estivemos diante do sempreigual com este livro será possível refletir e modificar a pseudocultura da indústria cultural THEODOR W ADORNO foi um filósofo sociólogo musicólogo e compositor alemão de descendência judaica Nasceu em Frankfurt em 1903 e emigrou para os Estados Unidos em função das perseguições nazistas Após o fim da Segunda Guerra retornou à Alemanha e passou a fazer parte da Escola de Frankfurt voltada aos estudos de pensamentos filosóficos e sociológicos e à pesquisa social de cunho marxista Pela Paz e Terra publicou Educação e emancipação ARTE DE CAPA 2021 The Andy Warhol Foundation for the Visual Arts Inc Licensed by AUTVIS Brasil Andy Warhol Marilyn 1967 Detalhes Serigrafia em papel Localização Tate