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Weber Offrinizador Gabriel Cohn Coordenador Florestan Fernandes SOCIOLOGIA ea Consultoria geral Florestan Fernandes Coordenação editorial Maria Carolina de Araújo Tradução Amélia Cohn e Gabriel Cohn Redação Danilo A Q Morales Produção gráfica Elaine Regina de Oliveira Layout de capa Elifas Andreato ISBN 85 08 01145 8 2003 Todos os direitos reservados pela Editora Atica Rua Barão de Iguape 110 CEP 01507900 Caixa Postal 2937 CEP 01065970 São PauloSP TeL 0XX11 33463000 Fax 0XX11 32774146 Internet httpwwwaticacombr email editoraaticacombr IMPRESSÃO E ACABAMENTO B a rlira G ráfica e E ditora Ltda ABPR EDITORA AFILIADA 233 if ájMÁRIO INTRODUÇÃO por Gabriel Cohn 7 TEXTOS DE WEBER 1 As causas sociais do declínio da cultura antiga 37 2 0 Estado nacional e a política econômica 58 3 A objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais 79 4 Os três tipos puros de dominação legítima 128 5 Religião e racionalidade econômica 142 ÍNDICE ANALÍTICO E ONOMÁSTICO 160 Textos para esta edição extraídos de W e b e r M Gesammelte Aufsatze zur Sozialund Wirtschaftsgeschichte 1 ed Tübingen J C B M ohr Paul Siebeck 1924 Gesammelte politische Schriften 3 ed Tübingen J C B Mohr Paul Siebeck 1971 Gesammelte Aufsatze zur Wissenschaftlehre 4 ed Tübingen J C B M ohr Paul Siebeck 1973 Wirtschaft und Gesellschajt 4 ed Tübingen J C B Mohr Paul Siebeck 1956 v II Gesammelte Aufsatze zur Religionssoziologie 5 ed 6 ed 1972 v I Tübingen J C B Mohr Paul Siebeck 1972 v II Gabriel Cohn Professor LivreDocente de Sociologia da FFLCHUSP Exagerar é a minha profissão Essa resposta de Max Weber a um colega chocado com a sua veemên cia num debate diz muito a respeito da sua figura humana e também da sua obra O contato apaixona do com os grandes problemas polí ticos do dia a busca incansável do conhecimento através de uma eru dição sem paralelo nas ciências sociais deste século a intensidade da dedicação à pesquisa e à re flexão metodológica o desgaste pessoal até ao pleno colapso psí quico e a recuperação fulgurante da capacidade criadora o ímpeto exacerbado das investidas contra o que lhe parecia errado contidas no momento mesmo em que tudo parecia darlhe razão tudo isso está presente no mais alto no mais exagerado grau na sua vida e na sua obra Dois exemplos retirados de áreas diversas da sua atividade permitem ilustrar isso O primeiro diz respeito à sua postura diante das questões práticas do dia Durante a fase decisiva da Primeira Guerra Mundial as críticas de Weber às hesitações e aos erros do governo alemão representado pelo rei Guilherme II por exemplo ao não se dar conta de que ao intensificar a guerra submarina a Alemanha atraía contra si a entrada norteamericana no conflito o que lhe seria fatal cresciam em virulência en caminhando aquilo que Weber encarava como um ajuste de contas 8 com Guilherme II após a guerra por via judicial se possível no qual as responsabilidades pela derrota alemã que previa seriam trazidas à luz Encerrada a guerra contudo o monarca é levado a renunciar em meio a uma turbulência política que para muitos prenunciava a revolução socialista e que acabou desembocando no regime que tomando o nome da cidade onde foi redigida a sua Constituição ficou conhecido como República de Weimar Diante disso Weber recusase a usar palavras duras a seu respeito pois isso não seria digno de um cavalheiro E passa a investir sem preocuparse com o cavalheirismo contra os grupos revolu cionários que no seu entender comprometiam com sua ação a própria integridade nacional da Alemanha derrotada na guerra para em seguida sufocada a revolução pelo governo socialdemo crata associado à grande burguesia e aos militares voltarse com o mesmo ardor contra a direita em ascensão Atitudes pouco coerentes com a concepção convencional do político mas perfeita mente ajustadas ao modo de ser de alguém como Weber que certa feita observou ser mais cientista do que político porque o político precisa fazer compromissos e ao cientista isso é vedado O segundo exemplo concerne à sua postura teórica O nome de Weber está intimamente associado na literatura sociológica à formulação de um conceito básico para a análise históricosocial o tipo ideal Tratase de recurso metodológico para ensejar a orientação do cientista no interior da inesgotável variedade de fenômenos observáveis na vida social Consiste em enfatizar determinados traços da realidade por exemplo aqueles que permitam caracterizar a conduta do burocrata profissional e a organização em que ele atua até concebêlos na sua expressão mais pura e conseqüente que jamais se apresenta assim nas situações efetivamente observáveis Por isso mesmo esses tipos necessitam ser construídos no pensamento do pesquisador exis tem no plano das idéias sobre os fenômenos e não nos próprios fenômenos Assim concebido esse conceito de tipo ideal que é amplamente discutido pelo próprio Weber no terceiro texto deste volume não é senão a forma assumida no plano metodológico pela mesma vocação para o exagero pois corresponde ao pres suposto de que a realidade social só pode ser conhecida quando aqueles traços seus que interessam intensamente ao pesquisador são metodicamente exagerados para em seguida se poderem for mular com clareza as questões relevantes sobre as relações entre os fenômenos observados 9 Max Weber nasceu em 21 de abril de 1864 como primo gênito de oito filhos e herdeiro do nome do pai um jurista e político geralmente descrito como homem pragmático e acomo dado Sua mãe Helene Weber esforçouse sempre por imprimir no filho o timbre da sua concepção severamente protestante do mundo Há uma forte tendência entre os intérpretes de Weber no sentido de atribuírem ao contraste entre seu pai e sua mãe um papel importante na formação daquilo que adaptandose um termo do próprio Weber seria a sua conduta pessoal de vida sempre tensa entre a reflexão e a ação e entre a repressão ascética dos impulsos em nome da autodisciplina e uma postura mais tolerante e descontraída Na casa paterna Weber teve oportuni dade de conviver com as figuras de renome no mundo político e intelectual que habitualmente a freqüentavam num prenuncio do círculo de freqüentadores da sua própria casa na sua maturidade quando entre seus amigos se incluíam figuras tão estimulantes e diversas entre si como Georg Simmel e Georg Lukács Durante toda a vida teve a atenção dividida e dada a sua concepção das coisas esse termo deve ser tomado no seu sentido literal entre a atividade intelectual e a participação prática na vida política alemã embora nessa segunda área ele não tenha chegado a ocupar qualquer posição oficial O mais próximo que chegou disso foi quando participou da comissão encarregada de redigir a Constituição da República de Weimar em 1919 e quando integrou o corpo de assessores de alto nível da delegação de paz alemã em Versalhes também em 1919 Sua formação acadêmica foi muito ampla concentrada nos estudos de Direito mas com profundas incursões pela História a Economia a Filo sofia e mesmo a Teologia Sua dedicação explícita à Sociologia somente ocorreu na fase final de sua vida embora suas contribui ções básicas nessa área já estivessem prontas em 1913 Sua obra não é o resultado de um fluxo contínuo e regular de trabalho mas de períodos de concentração e produção extremamente intensivas O período de 1891 a 1897 foi de atividade muito acentuada in terrompida por uma profunda crise psíquica que durou cinco anos Program ado nesta coleção volume organizado por Evâristo de M oraes Filho N da Ed 45 Lukács Org José Paulo Netto v 20 desta coleção N da Ed 10 e praticamente o afastou da atividade docente que detestava pelo resto da vida Em 1903 recebeu o título de professor honorário da presti giosa Universidade de Heidelberg o que lhe permitiria dispor livremente do seu tempo de trabalho acadêmico A maior parte da produção que lhe deu fama foi realizada em três períodos de quatro anos cada de 1903 a 1906 de 1911 a 1913 e de 1916 a 1919 No primeiro deles publicou a sua célebre análise sobre A ética protestante e o espírito do capitalismo e os seus princi pais estudos metodológicos além de importantes análises sobre a revolução russa de 1905 escritas no calor dos próprios aconteci mentos No segundo redigiu o essencial da sua obra máxima Economia e sociedade e publicou o seu único trabalho em que o termo sociologia figura no título Sobre algumas categorias da Sociologia compreensiva No último retomou e deu forma final a vários temas de que já se vinha ocupando anteriormente redigiu três dos seus quatro estudos previstos sobre a ética econômica das religiões mundiais e dedicouse intensamente ao exame das tendências da política alemã da época Após a sua morte em 14 de junho de 1920 a sua viúva Marianne Weber que também se dedicava ao trabalho intelectual e participara do movimento feminista da época organizou muito do material disperso por ele deixado e promoveu a sua publicação além de redigir uma extensa biografia de Max Weber publicada em 1926 e que por muito tempo constituiu a única fonte de con sulta nessa área Os textos selecionados para este volume proporcionam uma visão panorâmica da produção de Weber desde a sua primeira etapa até à sua maturidade intelectual Permitem também cons tatar a notável coerência da sua obra na qual os temas e o modo de tratálos vão ganhando forma ao longo dos anos mas já estão claramente delineados nos seus primeiros trabalhos Vale a pena assim iniciar o exame da contribuição weberiana através de um levantamento das primeiras questões contidas neles na ordem em que se apresentam O primeiro deles sobre as causas sociais do declínio da cultura antiga baseiase numa conferência pronunciada em 1896 e incorpora os resultados das intensivas pesquisas históricas nessa 11 área a que Weber havia se dedicado na fase inicial da sua carreira É verdade que nesse texto ainda não vamos encontrar direta mente uma definição dos grandes temas e posições weberianas mas eles já estão presentes nas entrelinhas A tese central do trabalho é a de que as causas do declínio da cultura européia antiga não são externas ao Império Romano que a sustentava e que lhe sobreviveu como organização política por mais alguns séculos mas devem ser procuradas no seu interior são causas sociais Isso dá o tom da análise Weber procura mostrar como a cultura antiga decai em conseqüência de uma lenta erosão das suas bases que são sociais no sentido amplo do termo visto que a análise se concentra sobre processos econômicos e políticos para examinar como se desagregam as instituições básicas do mundo antigo as cidades a organização escravista do trabalho e o comércio exterior costeiro No desenvolvimento dessa análise Weber opera com outra tese fundamental a de que há uma continuidade na passagem da Antiguidade para o mundo medieval O desenvolvimento da sociedade feudal já estava no ar do im pério romano tardio Há no entanto uma questão que permeia todo o texto para a qual a resposta oferecida por Weber revela que ele ainda não lhe havia dedicado a longa reflexão a que se entregaria depois A questão é em que medida essa narrativa histórica é importante para nós qual é o seu significado contemporâneo A resposta de Weber nessa ocasião é de que não há vínculos entre o processo examinado e o mundo contemporâneo tratase de universos radicalmente heterogêneos Inútil procurar nele um caráter exem plar ou a resposta para questões atuais Inútil portanto proceder como Marx o fizera ao tratar da formação histórica do capita lismo de te fabula narratur é de ti que se fala À primeira vista a postura assumida por Weber apresentase aqui como se fosse meramente contemplativa O declínio de uma velha cultura é um espetáculo grandioso digno de ser reconstruído pela pesquisa histórica mas o seu interesse é estritamente histórico Esse é o ponto o que vem a ser um interesse histórico Tudo indica que Weber está tão preocupado com marcar suas diferenças tanto em face das interpretações que buscam causas externas para o processo examinado quanto de qualquer concepção que envolva as idéias de progresso ou evolução objetiva do decurso histórico 12 entre as quais ele inclui o materialismo histórico que ele acaba não se dando conta de toda a amplitude desse tema que muito o ocuparia mais tarde É que se esse espetáculo histórico é digno de ser visto apesar de não haver qualquer vínculo objetivo de caráter evolutivo ou outro entre ele e o mundo contemporâneo deve haver naquilo que diz respeito ao caráter particular de que se reveste para nós ou seja que solicita o nosso interesse histó rico algo que justifique a sua seleção Vale dizer que o simples fato de ter sido feita a seleção desse processo específico o da derrocada de uma cultura já é significativo não tanto em relação ao caráter objetivo do próprio tema mas sim quanto à orientação do interesse do historiador Falar num estrito interesse histórico por um evento ou pro cesso implica afinal levantar a questão da presença desse próprio interesse E isso só é reforçado pela idéia weberiana já implícita nesse texto de que não havendo uma linha unívoca nem um curso objetivamente progressivo no interior da História cabe à pesquisa histórica tratar do que é particular daquilo que permite identificar na sua peculiaridade uma configuração cultural e buscar explica ções causais para essa particularidade Essa questão somente viria a ser examinada a fundo por Weber em 1904 no ensaio sobre a objetividade nas ciências sociais incluído neste volume Neste momento interessa examinar como ela se apresenta na sua forma ainda embrionária e ver as implicações disso A leitura do texto permite constatar desde logo que na realidade Weber não se limita a uma postura contemplativa diante do processo que examina e que as referências e alusões a proble mas contemporâneos se multiplicam no texto Com efeito já aqui transparece uma característica básica do estilo weberiano que é o seu caráter eminentemente crítico ele sempre escreve contra alguém ou alguma coisa do seu tempo Esse tom polêmico sempre orientado pela busca de uma posição autônoma manifestase tanto no tratamento de questões substantivas do dia quanto no domínio teórico Este último ponto por sinal merece uma referência agora para evitar malentendidos na leitura do texto selecionado Nesse encontramse termos tomados de empréstimo ao marxismo como infraestrutura e superestrutura o que pode dar a impressão de que ele estaria de algum modo aderindo à teoria da qual esses termos fazem parte Mas não é bem assim Tratase mais de um recurso polêmico Ele usa esses termos para enfatizar a impor 13 tância dos fatores econômicos materiais para a explicação do processo em exame contra as interpretações idealistas correntes na época mas ao mesmo tempo afastase do materialismo histó rico ao negar a possibilidade de encontrarse um curso objetivo e determinado dos processos históricos No tocante às referências a questões substantivas não é difícil discernir na exposição webe riana dos dilemas políticos e econômicos de um império antigo em declínio a marca das suas preocupações com os problemas da Alemanha pósbismarckiana às voltas com difíceis problemas de liderança política É mesmo possível demonstrar com base nesse texto e na obra de maior envergadura que lhe serviu de base que já nessa época Weber estava às voltas com a distinção metodológica entre duas ordens diversas de problemas que somente se definiria para ele mais tarde e que resultaria na diferenciação entre uma perspec tiva historiográfica e uma sociológica Por um lado temos a preocupação com o caráter peculiar de uma configuração cultural e com as causas disso por outro põese a questão dos elementos dessa configuração que tenham um caráter mais geral e possam ser encontrados em outras épocas e outros lugares Já na sua obra mais abrangente sobre história antiga publicada em 1891 sob o título de A história agrária de Roma e sua importância para o Direito Público e Privado Weber lançava as bases para um trata mento mais amplo de praticamente todos os aspectos que o absor veriam ao longo da sua vida acerca do seu grande tema de estudos o capitalismo moderno e o processo de racionalização da conduta de vida da qual ele é expressão Isso ficaria explícito numa retomada sintética da mesma temática publicada em 1909 sob o título de Condições agrárias da Antigüidade No final desse trabalho lêse Todo capitalismo converte a riqueza das camadas proprietárias em capital o Im pério Romano eliminava o capital e atinhase à riqueza das camadas proprietárias Competia às classes pro prietárias servilo com a sua propriedade como garantia de suas rendas e necessidades estatais e não mais com a espada e o es cudo como ocorria na pólis antiga Para que essa utilização direta dos súditos providos de posses na form a do Estado litúr gico fosse substituída pela utilização indireta na form a da aliança entre monarquia e capital no Estado mercantilista moderno foi necessário o desenvolvimento do capitalismo industrial e o exemplo da riqueza capitalista privada dos Países Baixos e da 14 ç ln g la te rra O bloqueio da iniciativa econômica privada pela burocracia não é específico da Antiguidade Toda burocracia tem a tendência de alcançar o mesmo efeito pela sua expansão Também a nossa E enquanto na Antiguidade a pólis tinha que ser o marcapasso do capitalismo este é hoje o marcapasso da burocratização da economia O burguês alemão atual não guarda muito mais da qualidade dos seus antepassados da época das ligas de cidades do que o ateniense da época dos césares tinha das qualidades dos combatentes de M aratona Seu emblema é a ordem no mais das vezes também quando ele é socialdemocrata Tudo indica que a burocratização da socie dade irá assenhorearse do capitalismo entre nós em algum mo mento tal como ocorreu na Antiguidade Então também entre nós a anarquia da produção dará lugar àquela ordem que caracteriza o período monárquico romano e ainda mais o novo reino egípcio e o domínio dos Ptolomeus Mas essas perspectivas não cabem aqui O contínuo do desenvolvimento cultural europeumediterrâneo não conheceu até agora ciclos fechados nem uma evolução linear unívoca Por vezes fenômenos inteiramente desaparecidos da cultura antiga reaparecem num mundo que lhes era alheio Por outro lado os domínios fundiá rios da Antiguidade tardia representam no contexto agrário uma preliminar da Idade Média assim como as cidades da Antigui dade tardia especialmente do helenismo o eram no contexto das indústrias Como se vê já nos primeiros trabalhos de Weber estavam presentes os grandes temas que iriam absorver seguidamente o seu esforço ao lado da preocupação com o modo adequado de concebêlos e tratálos  primeira vista a passagem citada acima parece entrar em contradição com a postura adotada no ensaio sobre o declínio da cultura antiga Se o estudo do mundo antigo nada nos pode dizer sobre o presente como se justificam as referências ao capitalismo moderno e à sua tendência para a burocratização E como é poss ível falar da organização agrária ou das cidades antigas como preliminares do mundo medieval Na realidade mesmo que os problemas ainda não estivessem cla ramente delineados para o próprio Weber nesses textos como atestam as suas hesitações essas perspectivas não cabem aqui a concepção de História e de Historiografia neles presente é coerente Weber está enfatizando a sua idéia básica de que não é possível encarar um período histórico como se nele estivesse já configurada a época seguinte seja em termos de progresso 15 ou de qualquer noção similar que pressuponha a presença das mesmas causas operando ao longo do tempo em diferentes con figurações históricas Mas isso não impede um exame comparativo entre traços de um período e traços encontrados em outros admitindose a espe cificidade de cada um e a circunstância de que a comparação sempre incidirá sobre aspectos parciais e selecionados dos pro cessos em confronto No texto aqui utilizado cabe apontar a propósito o exemplo do confronto entre a cidade antiga e a cidade medieval Weber afirma que sob determinado aspecto ambas têm características semelhantes mas as suas análises mais amplas do tema assinalam que colocados nos seus contextos par ticulares esses dois tipos de cidade são inteiramente diversos pois a cidade antiga é uma instituição basicamente política ao passo que a cidade medieval é fundamentalmente econômica A análise comparativa não opera então na busca do que seja comum a várias ou a todas as configurações históricas mas pelo contrário permitirá trazer à tona o que é peculiar a cada uma delas Nas análises a que Weber se dedicaria posteriormente essa visão comparativa irseia apurando cada vez mais orientada pela busca daquilo que é específico ao mundo ocidental moderno a presença de um capitalismo organizado em moldes racionais e a racionalização da conduta em todas as esferas da existência humana em termos da busca em outras configurações históri cas de traços que não fossem congruentes com essa racionalização especificamente européia da vida Desde logo portanto a pesquisa histórica pode ajudarnos em duas coisas apontar os traços que reputamos importantes no nosso mundo contemporâneo e que também estejam presentes em outras épocas e lugares devido a causas específicas a serem examinadas em cada caso e assinalar traços existentes no nosso universo histórico particular que possam ser apontados como responsáveis pelas diferenças entre ele e os demais sendo que eles figurarão na análise como causas dessa diferença Na realidade a atenção de Weber sempre se concentrou sobre a particularidade da configuração histórica em que vivia e a extraordinária envergadura do seu conhecimento empírico e teó rico sempre foi subordinada a isso Mas o seu ponto de referência concreto era ainda mais particular o Estado nacional e mais 16 especificamente a Alemanha da sua época Isso transparece de maneira especialmente acentuada no segundo texto do presente volume sobre o Estado nacional e a política econômica Nele reproduzse a conferência proferida por Weber em 1895 na con dição de professor recémdesignado para a disciplina Ciência do Estado na Universidade de Freiburg Tratase de texto muito expressivo do estilo weberiano Nele combinase a tomada de posição muito firme até às vezes um tanto chocante no tom convém não esquecer que se trata de um discurso destinado a suscitar controvérsias e não um trabalho estritamente científico em face dos problemas práticos do dia com reflexões bastante amplas sobre temas teóricos Para o leitor atual é um tanto estranho defrontarse com um texto apresentado como tratando do papel que as diferenças raciais entre nacionalidades desempenham na luta econômica pela existência Logo se verá contudo que esse é apenas o ponto de partida para a discussão dos problemas prioritários para Weber na época a integridade cultural da nação alemã e a definição dos seus segmentos aptos a dirigila num período de crise do poder A noção de diferenças raciais é trabalhada criticamente e dife renciada da de cultura sobretudo através da demonstração de que uma alta capacidade adaptativa às condições exteriores de vida não é sinônimo de nível cultural elevado Mais importante do que a idéia de adaptação no entanto é a de seleção Weber encara com reservas o seu uso em termos em um darwinismo social mas não a abandona de todo Ao contrário uma vez despojada das analogias biológicas ela seria incorporada ao seu esquema analítico e associada à idéia de luta que desempenha papel fundamental no esquema weberiano como um componente significativo nuclear de toda a relação social A persistência dessa idéia em Weber pode ser apreciada quando se lê o que ele publicou na sua fase de plena maturidade em 1917 retomando trabalho originalmente escrito em 1914 sobre o sentido da neutralidade valorativa nas ciências sociais Somente se pode falar de problemas realmente solucionáveis por meios empíricos nos casos em que procuremos os meios apropriados a um fim dado de modo absolutamente unívoco A proposição é o único meio para y não passa na realidade da simples inversão da proposição a x seguese y O conceito de adaptabilidade e todos os similares nunca oferece e isso é essencial a mínima informação acerca das avaliações 17 últimas em que se fundamenta Ao contrário limitase a ocultálas Conforme o modo como se interpreta esse conceito é possível dizerse que no domínio da cultura tudo é adaptado ou nada é adaptado Pois é impossível eliminar a luta de qualquer vida cultural Podemse modificar os seus meios o seu objetivo e mesmo a sua orientação básica e os seus portadores mas ela própria não pode ser suprimida A luta encontrase em toda parte e por vezes afirmase tanto mais quanto menos é percebida ou quando adota no seu trans curso a forma de uma omissão cômoda ou de uma complacência ilusória ou enfim quando se exerce sob a capa da seleção A paz significa apenas um deslocamento das formas dos adversários ou do objeto da luta ou finalmente das chances de seleção É evidente que nada se pode dizer em geral sobre se essas mudanças podem sustentar a prova de um julgamento de valor ético ou de qualquer outro tipo Uma coisa no entanto é segura quando se decide avaliar uma ordenação das relações sociais de qualquer natureza é preciso examinar sempre e sem exceções a que tipo de pessoas ela oferece as maiores chances de tornaremse domi nantes pela via da seleção externa ou interna entendendose interna como referente aos motivos da ação Pois além do mais não só o exame empírico jamais é realmente exaustivo como também inexiste a base fatual para uma avaliação que pretenda ter uma validade conscientemente subjetiva ou objetiva Gostaria de recordar isso pelo menos àqueles numerosos colegas que crêem na possibilidade de operar com conceitos unívocos baseados na idéia de progresso no tratamento de desenvolvi mentos sociais Assinalese de passagem que no texto sobre o Estado na cional e a política econômica aparece um bom exemplo da diferença radical entre a perspectiva analítica de Weber e a de seu contemporâneo Durkheim que nunca recuou diante do recurso às analogias biológicas Essa diferença referese à relação entre o processo de diferenciação interna e integração da sociedade e a luta pela existência em seu interior Para Weber que invoca essa questão no contexto de uma defesa da autonomia do Estado nacional no confronto com outros essa luta pelo controle das suas próprias condições de existência não desaparece mas apenas assume outras formas e segundo ele cabe indagar se essas formas Durkheim Org por José Albertino Rodrigues v 1 desta coleção N da Ed 18 devem ser encaradas como uma suavização ou mais propriamente como uma interiorização e aguçamento da luta Até na escolha dos termos isso soa como se fosse uma resposta a Durkheim que via na diferenciação social e sobretudo na divisão do trabalho uma forma de suavização da luta pela vida É que diversa mente de Durkheim é Weber o analista por excelência do conflito do confronto de interesses e valores inconciliáveis da dominação e do poder No texto selecionado a luta pela existência que ocorre no confronto entre alemães e poloneses nas fronteiras da Prússia é analisada contra o pano de fundo da luta pela direção da socie dade alemã como um todo da qual a organização do Estado e a política econômica são expressões É da discussão disso que Weber extrai a sua tese central de que o poder econômico e a vocação para a direção política nacional nem sempre coincidem com base na qual condena o domínio político dos estamentos agrários ao mesmo tempo que aponta a falta de maturidade da burguesia alemã e dos trabalhadores para substituílos Merece também atenção nesse texto o modo pelo qual Weber conduz a análise dos dados empíricos Nele transparece tanto a sua formação prévia de historiador habituado a manejar vasta documentação quanto a sua experiência de pesquisa propriamente sociológica devida à sua participação em minuciosos levanta mentos sobre a situação agrária na Alemanha realizadas no período de 18921894 Digno de nota é o desembaraço no manejo dos dados estatísticos incluindo o modo como determinados dados são usados como indicadores de condições para os quais não há informações diretas disponíveis Nessa etapa da sua ati vidade científica Weber dedicouse intensamente à pesquisa social empírica trabalhando com diversas fontes de dados e com questões também variadas que iam das condições agrárias à organização do trabalho industrial passando por uma pesquisa planejada e não realizada sobre a imprensa para a qual ele previa uma análise de jornais em termos daquilo que atualmente se designaria por análise de conteúdo Finalmente esse texto deve ser lido com atenção no seu tratamento do tema tão importante para Weber da relação entre juízos de valor e conhecimento científico Nele bem mais clara 19 mente do que nos trabalhos anteriores fica explícita a posição de que a adesão a determinados valores éticos estéticos ou de qualquer natureza sempre está envolvida na seleção de um tema para análise ainda que esta necessariamente seja despojada de valorações no seu desenvolvimento interno Apontase especial mente que noções como cultura e nação são conceitos de valor que orientam a pesquisa e não podem ser neutralizadas ou eliminadas como simples prejuízos Igualmente fica marcada a posição destacada que dimensão política vale dizer relativa à luta pelo poder ocuparia sempre no pensamento weberiano Daí a sua ênfase nesse texto sobre a Economia entendida como ciência da política econômica nacional subordinada aos inte resses de poder nacionais Isso não significa é claro que a Economia perca a sua autonomia como ciência e como dimensão particular da atividade humana O que se está defendendo é a autonomia da dimensão política em parte para exorcizar a idéia de que ela seja determi nada pela Economia sobretudo no sentido mais extremo que Weber atribui a essa idéia de que o exame das condições da atividade econômica permitiria deduzir de alguma forma as condições correspondentes da atividade política Devese distinguir claramente no entanto entre a ciência econômica no sentido es trito do termo como disciplina preocupada com o uso mais adequado de meios específicos para a obtenção de fins também específicos num contexto de escassez da política propriamente dita que envolve decisões baseadas em valores fundamentais e inquestionados Enquanto economista no sentido estrito do termo o cientista deve absterse de qualquer juízo de valor na sua análise precisamente porque enquanto cientista não lhe cabe reivindicar um caráter imperativo para as suas conclusões Isso anuncia um dos grandes temas weberianos que seria retomado nos seus últimos trabalhos as conferências sobre Ciên cia como vocação e Política como vocação Tratase da distinção muito enfática que ele propõe entre a postura correta do cientista para quem só é lícito reconstruir os fatos considera dos significativos e analisálos conforme as exigências universais do método científico e a do homem de ação voltado para as questões práticas que deve tomar decisões impulsionadas por interesses que entrarão em choque com interesses alheios e que têm por fundamento último certos valores que igualmente colidem 20 com outros Enfim o domínio das questões relativas ao ser é radicalmente diverso daquele do dever ser E a distinção não é feita para desacreditar os imperativos para a ação em nome de algum ascetismo científico mas precisamente para preserválos de considerações que lhes são alheias e que não captam o seu real âlcance Weber formulou essa idéia em numerosas ocasiões e de maneira especialmente enfática numa intervenção pública feita alguns anos após a publicação do texto sobre o Estado nacional Nessa oportunidade ele dizia A razão pela qual em todas as ocasiões eu argumento tão enfaticamente e talvez polemicamente contra a fusão entre o ser e o dever ser não reside em que eu subestime as questões relativas ao dever ser mas pelo contrário em que eu não posso suportar quando problemas da mais alta importância do maior alcance intelectual e espiritual sejam transformados aqui em questões de um a produtividade técnicoeconômica e sejam con vertidas em tópico de discussão de um a disciplina técnica como a Econom ia Essa ordem de problemas remete ao texto seguinte do pre sente volume dedicado à questão da objetividade do conhecimento nas ciências sociais Nesse texto fundamental publicado em 1904 como definição programática da revista Arquivo para a Ciência Social e a Política Social de cuja direção Weber participava os principais temas da sua concepção de metodologia da ciência social e das relações entre conhecimento científico e prática são minuciosamente expostos Alguns desses temas serão examinados mais adiante mas convém situar desde logo o texto e expor algumas das formulações da sua parte introdutória que não é reproduzida no presente volume O ponto de referência inicial adotado por Weber é o da Economia embora na segunda parte do texto reproduzido aqui vários problemas metodológicos sejam tratados com referência à Historiografia Esse ponto de partida revelase oportuno por dois motivos Primeiro é que na ciência econômica se concentravam os partidários da concepção que Weber se propõe combater qual seja a de que a Economia Política pode e deve produzir juízos de valor a partir de uma visão do mundo de caráter econômico Contra isso vaise argumentar que como ciência empírica a Economia nunca poderá ter como tarefa a descoberta de normas 21 e ideais de caráter imperativo das quais se pudessem deduzir algumas receitas para a prática Em seguida e como a citação anterior já sugere a Economia entra como suporte para uma crí tica àquilo que Weber chama de concepção econômica da História Finalmente a Economia dentre as ciências humanas é a que mais diretamente se dedica ao tema da relação entre meios e fins que interessa de perto a Weber na medida em que consti tuirá um dos fios condutores da sua argumentação Qualquer análise reflexiva dos elementos últimos da ação significativa huma na está em princípio ligada às categorias de fim e meio escreve ele E boa parte do seu esforço será no sentido de definir o domínio da ciência empírica como o dos meios e não o dos fins Vale dizer a ciência não pode propor fins à ação prática Pode isso sim ministrar elementos para a avaliação da conveniência de certos meios propostos para se atingirem fins dados Pode ainda assinalar as conseqüências que adviriam da consecução de certos fins pelos meios propostos dando uma estimativa do que deverá ser sacrificado para se atingir o objetivo da forma proposta Finalmente pode ministrar ao agente o conhecimento dos próprios valores envolvidos no objetivo procurado Em suma uma ciência empírica não está apta a ensinar a ninguém aquilo que deve mas sim apenas aquilo que pode e em certas circunstâncias aquilo que quer fazer Weber combate resolutamente a idéia de que a Ciência possa engendrar concepções do mundo de validade universal fundadas no sentido objetivo do decurso histórico Esse sentido objetivo não existe e por isso mesmo não existe uma ciência social livre de pressupostos valorativos O que existe é a luta constante que extravasa o domínio da Ciência pela atribuição prática de um sentido ao mundo e pela sua sustentação diante das alternativas concretamente existentes O destino de uma época que comeu da árvore do conhecimento consiste em ter de saber que não podemos colher o sentido do decurso do mundo do resultado da sua investigação por mais completo que ele seja mas temos que estar aptos a criálos nós próprios que visões do mundo jamais podem ser produto da m archa do conhecimento empírico e que portanto os ideais mais elevados que mais fortemente nos comovem somente atuam no combate eterno com outros ideais que são tão sagrados para outros quanto os nossos para nós 22 Cumpre portanto distinguir com o máximo rigor entre os enunciados que exprimem um conhecimento empírico e os que exprimem juízos de valor Mas o que se está condenando é a confusão entre essas duas ordens heterogêneas de idéias e de modo algum a tomada de partido pelos próprios ideais Weber não está empenhado em absoluto na defesa de uma postura indi ferente ou amorfa perante o mundo nem tampouco na busca de compromissos entre valores inconciliáveis A carência de con vicções e a objetividade científica não têm qualquer afinidade interna escreve ele No entanto é fácil perceber que a idéia da objetividade do conhecimento continua sendo problemática para Weber tanto assim que ele sempre usa o termo entre aspas É que como o texto também mostra não é possível para ele entenderse essa objetividade no seu sentido convencional de respeito sem pres supostos às características dadas do objeto tal como o faria Durkheim por exemplo O objeto do conhecimento social não se impõe à análise como já dado mas é constituído nela própria através dos procedimentos metódicos do pesquisador Não se pode presumir que a realidade social empírica tomada como um todo tenha uma ordem interna e leis gerais capazes de impor a qualquer pesquisador a simples busca da fidelidade a ela A tarefa do conhecimento científico consiste na ordenação racional da reali dade empírica Ou seja não se trata de reproduzir em idéias uma ordem objetiva já dada mas de atribuir uma ordem a aspectos selecionados daquilo que se apresenta à experiência como uma multiplicidade infinita de fenômenos É claro que isso envolve uma postura ativa do pesquisador que não é concebido como um metódico registrador de dados mas tampouco é mero veículo para a introdução de tais ou quais visões do mundo nos resul tados da pesquisa Daí toda a discussão por Weber da questão da referência a valores no conhecimento científico e sua crítica à idéia de uma ciência social isenta de pressupostos mas também a sua ênfase em que a validade do conhecimento obtido se mede pelo confronto com o real e não com quaisquer valores ou visões do mundo O texto seguinte trata da contribuição de Weber que ao lado dos seus estudos sobre Sociologia da Religião mais fundamente marcou o desenvolvimento posterior das ciências sociais a sua construção dos três tipos puros de dominação legítima O tema 23 é amplamente examinado na obra máxima de Weber Economia e sociedade mas o texto utilizado não foi incorporado original mente nessa obra Trata de uma publicação feita em 1920 e provavelmente redigida no mesmo período em que foi elaborado o manuscrito de Economia e sociedade entre 1911 e 1913 Como se trata de uma exposição sistemática e sintética incluída nesse volume para assegurar a presença nele desse tema fundamental podemos passar diretamente para o texto seguinte O texto sobre religião e racionalidade econômica é uma montagem de excertos das conclusões de dois dos trabalhos de Weber sobre a ética econômica das religiões mundiais os estudos sobre hinduísmo e budismo e sobre confucionismo e taoísmo isto é sobre as religiões da Índia e da China Tratase de análise bastante abrangente que não se limita ao âmbito das religiões asiáticas mas retoma numa síntese os grandes temas da Sociologia da Religião de Weber Representam a sua obra de plena maturidade e foram redigidos durante a Primeira Guerra Mundial entre 1916 e 1917 logo após a sua dispensa do serviço militar O efeito dos trabalhos sobre Sociologia da Religião de Weber nos debates científicos foi enorme O impacto inicial cujas reverberações sentimos até hoje foi dado já em 1905 com a publicação do seu célebre estudo sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo Nele Weber procurava demonstrar a exis tência de uma íntima afinidade entre a idéia protestante de voca ção e a contenção do impulso irracional para o lucro através da atividade metódica e racional em busca do êxito econômico representado pela empresa Por essa via apresentavase a idéia de que um determinado tipo de orientação da conduta na esfera religiosa a ética protestante poderia ser encarado como uma causa do desenvolvimento da conduta racional em moldes capitalistas na esfera econômica Não é esse o lugar para expor o conteúdo dessa obra nem a interminável polêmica que ela desencadeou O próprio Weber respondendo a um dos seus primeiros críticos procurou explicitar a problemática que o preocupava ao escrevêla Afirmava ele nessa ocasião que estava e provavelmente estaria como efe tivamente ocorreu preocupado com o estudo de aspectos da moderna conduta da vida e seu significado prático para a Econo mia especialmente no que dizia respeito ao desenvolvimento de 24 uma regulação práticoracionalista da conduta da vida E após mencionar que a gênese do espírito capitalista no meu sentido do term o pode ser pensada como a passagem do romantismo das aventuras econômicas para a conduta racional da vida econômica assinala que no seu entender parece haver uma espécie de afinidade entre certos princípios conceituais importantes para a regulação racional da conduta e o modo de pensar protestante É a existência dessa afinidade interna que o trabalho de Weber procura demonstrar Essa demonstração contudo visa ter o caráter de uma explicação causai é verdade que não exaustiva visto que conforme a perspectiva de Weber não há uma seqüên cia causai única e abrangente na História e toda a causa apontada para um determinado fenômeno será uma entre múltiplas outras possíveis e igualmente acessíveis ao conhecimento científico Levantar a idéia de que a ética protestante possa ser encarada como um componente causai significativo para o desenvolvimento do capitalismo moderno entendido como tipo de orientação da ação econômica implica sustentar que na hipótese da sua ausên cia o capitalismo não existiria na forma como o conhecemos A contrapartida lógica disso é a hipótese de que sempre que a ética religiosa de sociedades historicamente dadas tenha características significativamente diversas da protestante isso deveria representar um empecilho ao desenvolvimento de uma orientação da conduta econômica análoga à capitalista racional No caso europeu veri ficavase uma afinidade interna entre a orientação da conduta nas esferas religiosa e econômica na medida em que ambas ensejavam um domínio racional sobre os impulsos irracionais e sobre o mundo mas também pode haver uma tensão entre os sentidos das ações nessas duas esferas da existência Os estudos que Weber dedicou à ética econômica das religiões mundiais hinduísmo budismo judaísmo antigo e como projeto inacabado o islamismo em boa medida estavam voltados para a explora ção desse campo de indagações como o texto aqui reproduzido demonstra A análise das relações entre protestantismo e capitalismo foi interpretada por numerosos comentaristas como uma ten tativa de refutação do materialismo histórico na medida em que 1 25 Weber estaria preocupado com inverter a ordem causai e demons trar que fatores espirituais seriam mais importantes do que os materiais na análise históricosocial Isso é totalmente equivo cado e realmente não faz justiça à sofisticação do pensamento weberiano e ao de M arx Há sem dúvida aqui como em outros pontos da obra de Weber um intuito polêmico com relação ao materialismo histórico mas ele incide sobre outro ponto É que Weber estava preocupado com refutar a idéia de uma determi nação das diversas esferas da vida social pela econômica mas não com o recurso primário de uma mera inversão do problema Ao fazer isso desenvolveu uma concepção que desempenha papel de extrema importância no seu esquema analítico a de que no processo que percorrem as diversas esferas da existên cia a econômica a religiosa a jurídica a artística e assim por diante são autônomas entre si no sentido de que se articulam em cada momento e ao longo do tempo conforme à sua lógica interna específica à sua legalidade própria para usar o termo weberiano Assim não é possível encontrar a explicação do desenvolvimento de uma delas em termos do desenvolvimento de qualquer outra O máximo que se pode fazer e é nos estudos sobre Sociologia da Religião que Weber faz isso mais claramente é buscar as afinidades e as tensões no modo como a orienta ção da conduta de vida ou seja da ação cotidiana de agentes individuais se dá em esferas diferentes Por essa via podese encontrar ou não uma congruência entre os sentidos que os homens imprimem à sua ação em diferentes esferas da sua exis tência e expor essas descobertas a um tratamento causai As questões levantadas nos comentários aos textos selecio nados conduzemnos neste ponto ao próprio esquema analítico de Weber Weber definiuse como sociólogo numa etapa já bastante avançada da sua carreira E muito caracteristicamente o fez numa atitude crítica em face das tendências dominantes da Socio logia Em 1920 já no final da sua vida ele escrevia numa carta ao economista Robert Liefmann que se agora sou sociólogo então é essencialmente para pôr um fim nesse negócio de trabalhar com conceitos coletivos Em outras palavras também a Sociologia somente pode ser implementada 26 tomandose como ponto de partida a ação do indivíduo ou de um número maior ou menor de indivíduos portanto de modo estritamente individualista quanto ao método Por conseguinte o objeto de análise sociológica não pode ser definido como a sociedade ou o grupo social ou mediante qual quer outro conceito com referência coletiva No entanto é claro que a Sociologia trata de fenômenos coletivos cuja existência não ocorreria a Weber negar O que ele sustenta é que o ponto de partida da análise sociológica só pode ser dado pela ação de indivíduos e que ela é individualista quanto ao método Isso é inteiramente coerente com a posição sempre sustentada por ele de que no estudo dos fenômenos sociais não se pode presumir a existência já dada de estruturas sociais dotadas de um sentido intrínseco vale dizer em termos sociológicos de um sentido independente daqueles que os indivíduos imprimem às suas ações Ao propor esse caminho como o único válido para a Socio logia e ao disporse a explicitar sistematicamente os fundamentos da análise sociológica assim concebida Weber defrontouse com uma tarefa formidável É que na ausência dos atalhos oferecidos pela referência direta a entidades coletivas ele necessita ir cons truindo passo a passo um esquema coerente e internamente consistente que permita ao sociólogo operar com segurança com conceitos como por exemplo o de Estado sem atribuir a essa entidade qualquer realidade substantiva fora das ações concretas dos indivíduos pertinentes É isso que ele busca fazer sobretudo em Economia e sociedade Passemos então a uma reconstrução sumária dos conceitos fundamentais envolvidos nessa obra e da articulação entre eles Cumpre portanto examinar unicamente quanto ao papel que desempenham no esquema analítico webe riano a seguinte seqüência conceituai ação social sentido com preensão agente individual tipo ideal relação social legitimação e dominação Quanto ao mais será suficiente recorrer ao que já foi dito antes nos comentários aos textos selecionados para satisfazer aos obviamente limitados propósitos dessa exposição Para Weber a Sociologia é uma ciência voltada para a compreensão interpretativa da ação social e por essa via para a explicação causai dela no seu transcurso e nos seus efeitos A ação social mencionada nessa definição é uma modalidade específica de ação ou seja de conduta à qual o próprio agente associa um sentido É aquela ação orientada significativamente 27 pelo agente conforme a conduta de outros e que transcorre ein consonância com isso Para que isso se tome inteligível no en tanto é preciso ver o que Weber entende por sentido E nesse ponto ele não ajuda muito pelo menos nas suas formulações iniciais sobre o tema É que ele está mais preocupado com enfatizar que o sentido a que ele se refere é aquele subjetivamente visado pelo agente e não qualquer sentido objetivamente correto da ação ou algum sentido metafisicamente definido como verda deiro do que com definir o conceito Interessa enfim aquele sentido que se manifesta em ações concretas e que envolve um motivo sustentado pelo agente como fundamento da sua ação Mas em nenhum ponto se encontrará uma definição de sentido como aliás também ocorre com o conceito de compreensão Nesse ponto o raciocínio de Weber parece ser circular sentido é o que se compreende e compreensão é captação do sentido Apesar disso já temos elementos para avançar se considerar mos o conceito de motivo que permite estabelecer uma ponte entre sentido e compreensão Do ponto de vista do agente o motivo é o fundamento da ação para o sociólogo cuja tarefa é compreender essa ação a reconstrução do motivo é fundamental porque da sua perspectiva ele figura como a causa da ação Numerosas distinções podem ser estabelecidas aqui e Weber real mente o faz No entanto apenas interessa assinalar que quando se fala de sentido na sua acepção mais importante para a análise não se está cogitando da gênese da ação mas sim daquilo para o que ela aponta para o objetivo visado nela para o seu fim em suma Isso sugere que o sentido tem muito a ver com o modo como se encadeia o processo de ação tomandose a ação efetiva dotada de sentido como um meio para alcançar um fim justamente aquele subjetivamente visado pelo agente Convém salientar que a ação social não é um ato isolado mas um processo no qual se percorre uma seqüência definida de elos significativos admitindo se que não haja interferência alguma de elementos não pertinentes à ação em tela o que jamais ocorre na experiência empírica e só é pensável em termos típicoideais Basta pensar em qualquer ação social por exemplo despachar uma carta para visualizar isso Os elementos desse processo articulamse naquilo que Weber chama de cadeia motivacional cada ato parcial realizado no processo opera como fundamento do ato seguinte até completarse 28 a seqüência Em nome do que podemos então falar de um processo de ação que não se esfacela em múltiplos atos isolados Aqui atingimos um ponto em que é possível um melhor entendi mento do papel desempenhado pelo conceito de sentido em Weber Ao tratar das categorias fundamentais da vida econômica em E conom ia e sociedade Weber comenta que todos os processos e objetos econômicos adquirem o seu cunho econômico através do sentido que a ação humana lhe dá como objetivo meio obstáculo conseqüência acessória mas que isso não significa que se trate de fenômenos psíquicos O que ocorre é que essas entidades econômicas têm um sentido visado de natureza parti cular e que somente esse sentido constitui a unidade dos processos em questão e os torna compreensíveis Esta última formulação é fundamental o sentido é responsável pela unidade dos processos de ação e é através dessa que os torna com preensíveis Ou seja é somente através do sentido que podemos apreender os nexos entre os diversos elos significativos de um processo particular de ação e reconstruir esse processo como uma unidade que não se desfaz numa poeira de atos isolados Realizar isso é precisamente com preender o sentido da ação Por outro lado essa formulação também permite frisar que a compreensão nada tem a ver com qualquer forma de intuição nem se reduz à captação imediata de vivências mas somente é possível através da reconstrução do encadeamento significativo do processo de ação Finalmente fica também enfatizado que a referência à compreensão do sentido subjetivamente visado nada tem a ver com processos psicológicos que ocorram no agente visto que o que se compreende não é o agente mas o sentido da sua ação Por isso mesmo Weber formula a exigência de que o recurso à compreensão se dê mediante um distanciamento do pesquisa dor em relação ao seu objeto e nunca através de algum procedi mento de identificação empática com o agente em questão Cumpre agora examinar o papel do conceito de agente nesse esquema Por que Weber enfatiza tanto que a ação sempre é de agentes individuais quando ele pretende fazer análise socio lógica e de modo algum psicológica Pelo que já vimos antes a primeira resposta é imediata porque o agente individual é a única entidade capaz de conferir sentido às ações Mas há outro ponto da maior importância Já foi assinalado no comentário sobre a Sociologia da Religião de Weber a importância que ele dá à 29 autonomia interna das diferentes esferas da existência humana ou mais precisamente da ação social orientada por sentidos particulares como é o caso da ação econômica citada acima A importância fundamental da referência ao agente individual nesse ponto consiste em que ele é a única entidade em que os sentidos específicos dessas diferentes esferas da ação estão simultaneamente presentes e podem entrar em contato Ou seja se as diversas esferas da existência correm paralelas movidas pelas suas legali dades próprias e se está afastada a idéia de alguma delas ser objetiva e efetivamente determinante em relação às demais a análise das relações entre elas ou melhor entre seus sentidos só é possível com referência a essa entidade que as sustenta pela sua ação e é a portadora simultânea de múltiplas delaso agente individual Portanto não existem vínculos objetivos entre es feras da ação só vínculos subjetivos isto é que passam pelos sujeitosagentes Assim toda a análise weberiana das afinidades ou tensões entre o sentido da ação religiosa e o sentido da ação econômica implica serem tomados os agentes individuais que são simultaneamente portadores de sentidos econômicos e religiosos como ponto de referência Por outro lado os agentes e os sentidos das suas ações não podem ser incorporados à análise científica tal como se apresen tam empiricamente visto que como tal são feixes inesgotavelmente diversificados de processos que se mesclam de todas as maneiras Por conseguinte já nesse ponto impõese de forma perfeitamente coerente com as premissas weberianas a construção desse instru mento de orientação na realidade empírica e meio para a elabora ção de hipóteses que é o tipo ideal apresentado e discutido por Weber no seu ensaio sobre a objetividade Por outro lado a análise sociológica opera com base no fato empiricamente constatável de que existem certas regularidades na ação social ou seja de que certos processos de ação repetemse ao longo do tempo tomandose rotina e incorporandose ao coti diano de múltiplos agentes Nisso por sinal ela se distingue da análise histórica que busca explicações causais para eventos ou processos singulares tomados como importantes na sua particula ridade A passagem para o nível propriamente sociológico da análise requer portanto conceitos capazes de dar conta tanto dessas 30 regularidades de conduta quanto do fato de que elas têm caráter coletivo no sentido de que múltiplos indivíduos agem significati vamente de maneira análoga O conceito que permite essa passa gem é um desdobramento do de ação social é o de relação social que se refere à conduta de múltiplos agentes que se orientam reciprocamente em conformidade com um conteúdo específico do próprio sentido das suas ações A diferença entre ação social e relação social é importante na primeira a conduta do agente está orientada significativamente pela conduta de outro ou outros ao passo que na segunda a conduta de cada qual entre múltiplos agentes envolvidos que tanto podem ser apenas dois e em presença direta quanto um grande número e sem contato direto entre si no momento da ação orientase por um conteúdo de sentido reciprocamente compartilhado Assim um aperto de mão é uma ação social porque a conduta de cada parti cipante é orientada significativamente pela conduta de outro já a amizade é uma relação social porque envolve um conteúdo de sentido capaz de orientar regularmente a ação de cada indivíduo em relação a múltiplos outros possíveis e que portanto se mani festa sempre que as ações correspondentes são realizadas por isso mesmo podemos designar esse conteúdo de sentido pelo termo genérico amizade Claro que a amizade como qualquer relação social não existe senão quando se traduz em condutas efetivas E como não há garantia prévia de que isso se dê a ocorrência de qualquer relação social só pode ser pensada em termos de probabilidade que será maior ou menor conforme o grau de aceitação do conteúdo do sentido da ação pelos seus participantes Neste ponto tornase importante a consideração por um tipo específico de relação social aquela cujo conteúdo de sentido é incorporado pelos agentes como uma regra orientadora da sua conduta na medida em que é aceito como legítimo Nesse caso o conteúdo de sentido assim aceito assume a forma de validação de uma ordem que pode ser convencional ou jurídica legítima O importante nesse conceito de ordem legítima é que ele permite operar com conceitos de referência coletiva como Es tado Igreja e assim por diante sem correr o risco de atribuir a essas entidades uma realidade substantiva fora das ações efetivas dos agentes visto que só elas lhes dão vigência Consideremos a título de ilustração um caso particularmente expressivo disso 31 podemos falar de uma ordem econômica em termos dos con teúdos de sentido das relações sociais referentes ao mercado ou de uma ordem social relativa aos conteúdos de sentido das relações sociais referentes a uma concepção de honra e a um estilo de vida dos agentes ou ainda de uma ordem política relativa aos conteúdos de sentido referentes à apropriação e luta pelo poder Se por outro lado considerarmos os agentes sociais em termos da sua participação nas relações sociais correspondentes a cada uma dessas ordens teremos condições para definir três conceitos fundamentais de referência coletiva novamente sem atri buir às entidades em questão qualquer existência fora das ações efetivas que lhes dão vigência Os conceitos em questão são os de classe relativo à ordem econômica estamento relativo à ordem social e partido relativo à ordem política Convém finalmente enfatizar a importância da referência feita à legitimação pelos agentes como fundamento da persistência sempre apenas provável de determinadas linhas de ação É que é possível sustentar que a persistência de linhas de ação é funda mentalmente concebida no esquema weberiano em termos da operação efetiva de processos de dominação ou seja de processos que envolvem a capacidade de certos agentes obterem obediência para seus mandatos dos quais a legitimação é contrapartida Não se trata portanto de uma continuidade decorrente do fun cionamento de um sistema social já dado nem do exercício de um consenso geral mas de uma persistência problemática que envolve o confronto de interesses e a possibilidade sempre pre sente de ruptura por abandono pelos dominados da crença na legitimidade dos mandatos Em relação a isso Weber tem algumas de suas contribuições mais importantes sobretudo quando analisa a tendência em qualquer tipo de dominação para o aparecimento de um quadro administrativo encarregado de implementar o cumprimento e a aceitação como legítima da vontade dos domi nantes e examina a dinâmica das relações entre dominantes quadro administrativo e dominados Munidos dessa sumária reconstrução das grandes linhas do esquema analítico de Weber é tempo de irmos aos próprios textos Bibliografia A presente bibliografia arrola exclusivamente textos de e sobre Max Weber publicados no Brasil em form a de livro tendo em vista que importa sobretudo o fácil acesso a eles e que o leitor interessado encontrará neles os meios para compor uma bibliografia mais ampla Um rápido comentário procura dar as informações básicas sobre cada texto Bibliografia de Weber A ética protestante e o espírito do capitalismo Trad de M aria Irene de Q F Szmrecsányi e Tamás J M K Szmrecsányi São Paulo Livraria Pioneira Editora 1967 A única das obras fundamentais de Weber disponível na íntegra em edição brasileira Ensaios de Sociologia Organização e uma importante Introdução por Hans G erth e C Wright Mills Trad de Waltensir D utra com revisão técnica de Fernando Henrique Cardoso 1 ed 3 ed 1977 Rio Zahar 1971 Excelente seleção de textos Leitura indispensável junto com a obra citada acima para quem busca um contato básico com a obra de Weber Com a presente cole tânea dá um panorama bastante amplo da produção weberiana Ciência e Política duas vocações Trad de Leônidas Hegenberg com Introdução de Manoel Tosta Berlinck 2 ed São Paulo Cultrix 1972 Dois textos importantes também disponíveis na coletânea de Gerth e Mills História geral da Economia Trad de Calógeras Pajuaba São Paulo Mestre Jou 1968 Péssima edição de um trabalho pouco repre sentativo de Weber cuja edição original póstuma foi promovida por dois exalunos dele com base em anotações de um curso seu sobre História Econômica geral Max Weber Seleção de Maurício Tragtenberg São Paulo Abril Cultu ral 1974 Col Os Pensadores v XXXV II Inclui importante 33 estudo sobre Parlamentarismo e governo numa Alemanha recons truída publicado originalmente em maio de 1918 ao lado de outros textos facilmente acessíveis em outras edições Mas o texto sobre a Alemanha que se propõe fazer uma crítica política do funcionalismo e da política partidária p 791 justifica o livro Bibliografia sobre Weber C o h n Gabriel Crítica e resignação Estudo sobre o pensamento de M ax Weber e a sua compreensão São Paulo T A Queiroz Editor 1979 Desenvolve em profundidade a interpretação de Weber proposta na introdução ao presente volume org Sociologia para ler os clássicos São Paulo Livros Téc nicos e Científicos 1977 Três textos dessa coletânea tratam de Weber J a s p e r s Karl Método e visão do mundo em Max Weber p 12135 F l e i s c h m a n n Eugene Weber e Nietzsche p 13685 e A s c h c r a f t Richard A análise do liberalismo em Marx e Weber p 186239 D i a s Fernando Correia Presença de Max Weber na sociologia brasi leira contemporânea Revista de Administração de Empresas FGV v 14 n 4 1974 F e r n a n d e s Florestan Fundamentos empíricos da explicação socioló gica São Paulo Livros Técnicos e Científicos 1978 1 ed São Paulo Companhia Editora Nacional 1959 A seção dedicada a Weber parte II V constitui um exame sintético muito rico de aspectos fundamentais da metodologia weberiana F r e u n d Julien Sociologia de M ax Weber Rio Forense 1970 Expo sição convencional mas útil da obra de Weber G i o d e n s Anthony O capitalismo e a teoria social moderna Rio Tempo Brasileiro 1978 Analisa a obra de Weber juntamente com as de Durkheim e de Marx O autor é profundo conhecedor de Weber H i r a n o Sedi Castas estamentos e classes sociais São Paulo Alfa Omega 1974 Examina o tema com base em Weber e Marx Sistemático e bem informado H i r s t Paul Q Evolução social e categorias sociológicas Rio Zahar 1977 A segunda parte p 51138 é dedicada a um exame crítico do pensamento de Weber de uma perspectiva marxista 34 Ia n n i Octavio org Teorias de estratificação social 3 ed São Paulo Companhia Editora Nacional 1 9 7 8 Inclui dois textos importantes de Weber O conceito de casta p 1 3 6 6 3 e Feudalismo e estado estamental p 1 8 6 2 3 8 M a c R a e Donald G As idéias de M ax Weber 1 ed São Paulo Cultrix 1977 Mais interessante pelo que apresenta sobre a figura de Weber e a sua época do que pela exposição das suas idéias M o y a Carlos Imagem crítica da Sociologia São Paulo Cultrix 1975 O capítulo dedicado a Weber p 7694 é de muito bom nível como de resto o é todo o livro R o d r i g u e s José Honório Capitalismo e protestantismo In Histó ria e historiografia Petrópolis Vozes 1971 p 23159 T r a g t e n b e r g Maurício Burocracia e ideologia São Paulo Ed Ática 1974 Col Ensaios 9 Todo o capítulo IV p 10885 desse livro trata de Max Weber e o capítulo A crise da consciência liberal alemã p 93107 também tem interesse para o tema Finalmente dois artigos importantes sobre a incorporação de Max Weber pelas Ciências Sociais no Brasil um de levantamento siste mático e outro de relevo pelo seu caráter pioneiro publicado originalmente em 1946 TEXTOS DE WEBER Seleção e Organização Gabriel Cohn Tradução Amélia Cohn e Gabriel Cohn 1 AS CAUSAS SOCIAIS DO DECLÍNIO DA CULTURA ANTIGA 1 Não foram externas as causas da derrocada do Império Romano uma superioridade numérica de seus inimigos talvez ou incapacidade de seus dirigentes políticos Nos últimos séculos de sua História Roma teve seus chanceleres de ferro como Bismarck conduziamna figu ras heróicas como Stillico que somava à audácia germânica uma refinada arte diplomática Por que não conseguiram o que os analfabetos den tre os povos merovíngios carolíngios e saxões haviam logrado e sustentado frente a hunos e sarracenos De há muito o Império não era o mesmo quando se fragmentou não foi subitamente no embate com força poderosa A invasão dos bárbaros nada fez senão explicitar um longo processo Fazse mister advertir desde logo que a desagregação do Império não coincide com a derrocada da cultura da Roma Antiga O Império Romano considerado como entidade política sobreviveu vários séculos ao apogeu de sua cultura Já em princípios do século III a literatura romana haviase esgotado A arte dos juristas assim como suas escolas haviam decaído A poesia latina e grega dormiam o sono da morte A Historiografia consumiase lentamente até quase desaparecer e mesmo as inscrições começaram a faltar A língua latina entrava a seguir em plena degeneração Quando século e meio mais tarde ao extinguirse a dignidade imperial do Ocidente advém a derrocada externa temse a impressão de que já de há muito os bárbaros haviam triunfado a partir Reproduzido de W e b e r M Die sozialen Gründe des Untergangs der antiken Kultur In Gesammelte Aufsatze zur Sozialund Wirtschaftsgeschichte 1 ed Tübingen J C B Mohr Paul Siebeck 1924 p 289331 Trad por Amélia Cohn de La decadencia de la cultura antigua sus causas sociales Revista de Occidente v XIII p 2559 1926 Revisto conforme o original por Gabriel Cohn As notas explicativas do Organizador estão inseridas no próprio texto dentro de colchetes 38 de dentro Tampouco se produzem como re ultado da invasão con dições completamente novas no que havia sido território do destruído Império O império merovíngio pelo menos nas Gálias ostentou a princípio todos os traços de uma província romana Assim pois a questão que se nos apresenta é esta a que se deve então o crepúsculo da cultura no Mundo Antigo Deste fenômeno costumase dar explicações as mais diversas Umas totalmente equivocadas outras que adotam um ponto de vista correto mas iluminado de uma perspectiva inadequada Assim o despotismo necessariamente teria em certa medida como que esmagado psiquicamente o homem antigo sua vida pública sua cultura Mas o despotismo de Frederico o Grande foi a alavanca de um grande impulso espiritual Ou então o suposto luxo e a real imoralidade dos círculos sociais mais elevados teriam invocado a justiça vingativa da História Mas ambos por seu turno não passam de sintomas Outros fenômenos mais formidáveis que as culpas dos indivíduos levaram como veremos adiante à derrocada da cultura antiga Ou ainda a mulher romana emancipada e o rompimento do vínculo matrimonial entre as classes dominantes teriam desfeito as bases da sociedade O que um reacionário tendencioso como Tácito fabula sobre a mulher germânica aquela infeliz besta de trabalho ainda hoje o repetem vozes semelhantes Mas na realidade a inevitável mulher alemã não contribuiu mais para a vitória dos germanos do que o inevitável mestre de escola prussiano para a batalha de Kõniggràtz fem que a Prússia derrotou a Áustria em 1866 Ao contrário posterior mente veremos que o ocaso da cultura antiga coincide com o restabele cim ento da família nas camadas inferiores da população Da própria Antiguidade nos chega a voz de Plínio Latifundia perdidere Italiam Assim pois isto significaria para uns que os grandes senhores da terra foram os que perderam Roma Sim res pondem outros mas unicamente porque sucumbiram à importação de grãos estrangeiros Ou seja com medidas protecionistas ao latifúndio os césares ainda estariam no poder Depois veremos precisamente que o primeiro passo para o restabelecim ento do estamento cam ponês deuse ao declinar a cultura antiga Para que não falte tampouco ao caso uma pretensa hipótese dar winista afirmase que o processo de seleção praticado no recrutamento 39 do exército e que condenou ao celibato os mais fortes acabou por degenerar a raça antiga Mas posteriormente veremos que pelo contrário a decadência do Império coincide com o crescente recruta mento do exército no seu próprio interior Com isso basta Só mais uma observação porém antes de passar ao que interessa O narrador causa maior impressão quando seu público pensa que se fala dele de te narratur fabula e pode concluir com uma advertência discite moniti A exposição que se segue não se encon tra nessa situação favorável Pouco ou nada podemos aprender na História da Antiguidade que sirva para os problemas sociais de hoje Um proletário de nossos dias e um escravo antigo não se entenderiam melhor que um europeu e um chinês Nossos problemas são de ordem completamente diferente O espetáculo que presenciamos tem somente um interesse histórico ainda que um dos mais singulares que a História conhece a dissolução interna de uma velha cultura É por esta razão que primeiramente devemos tomar claras as peculiaridades há pouco ressaltadas da estrutura social da Anti guidade Veremos como o ciclo de desenvolvimento da cultura antiga está determinado por elas 2 Em primeiro lugar a cultura antiga é essencialmente uma cultura urbana A cidade é portadora da vida política assim como da arte e da literatura Mesmo no aspecto econômico ela se ajusta ao menos nos primórdios históricos a essa forma de economia que hoje convencionamos chamar economia urbana A cidade antiga da época helênica não é essencialmente distinta da cidade medieval Na medida em que sejam distintas o são nas diferenças entre a raça e clima me diterrâneos e os centroeuropeus da mesma maneira como hoje se diferenciam o trabalhador inglês e o italiano o artesão italiano e o alemão Economicamente também a cidade antiga se baseia originaria mente na troca no mercado da cidade dos produtos da indústria urbana com os frutos da estreita orla agrícola circundante Essa troca direta imediata entre produtores e consumidores cobre no essencial as necessidades sem importação do exterior O ideal de Aristóteles a autarquia o bastarse a si mesmo da cidade era característica da maioria das cidades gregas 40 Verdade é que já desde a remota Antiguidade sobrepõese a essa infraestrutura local um comércio internacional que abrange um consi derável território e numerosas mercadorias A História somente nos fala das cidades cujos navios mantêm esse comércio Mas precisamente por isso esquecemos uma coisa sua pouca importância quantitativa Pri meiramente a cultura antiga da Europa é uma cultura litorânea assim como sua história é de início a história das cidades costeiras Junto ao tráfico urbano tecnicamente refinado e perfeito erguese bruscamente a economia natural dos camponeses bárbaros que habitam o interior sob o senhorio de patriarcas feudais ou em comunidades rurais Somente por via marítima ou pelos grandes rios mantémse um tráfico internacional constante Na Europa antiga não existia um comércio interior semelhante ao da Idade Média As tão elogiadas estradas romanas tampouco eram suportes de um tráfico que evoque sequer remotamente as relações modernas como o fazem os correios romanos A diferença entre a rentabilidade das propriedades do interior com as situadas ao longo das vias fluviais era enorme A proximidade das rotas terrestres não era considerada em geral nos tempos de Roma como uma vantagem mas como uma calamidade devido ao alojamento de tropas e à infestação porque eram caminhos militares e não vias de comércio Neste compacto solo de economia natural não se enraíza profun damente o intercâmbio Este reduziase a uma fina cam ada de artigos de grande valor Constituíam unicamente objeto de um constante comér cio os metais preciosos o âmbar os tecidos opulentos alguns ferros a cerâmica em sua maioria objetos de luxo que devido ao seu preço elevado podiam suportar os grandes gastos de transporte Um comércio desse tipo não se pode comparar em nada com o moderno Seria como se hoje se tratasse somente de vinhos de Champagne tecidos de seda etc quando as estatísticas nos mostram que as cifras nos balanços comerciais são constituídas fundamentalmente por mercadorias de consumo de massa certo que algumas cidades como Atenas e Roma necessitadas de cereais também se viram obrigadas a importar Mas sempre se trata de fenômenos anômalos na História antiga e de uma necessidade cuja satisfação a coletividade toma a seu encargo porque não quer nem pode abandonála ao comércio livre O tráfico internacional não interessava às massas com suas neces sidades cotidianas mas a uma fina camada constituída pelas classes possuidoras Disso resulta que na Antiguidade o pressuposto necessário para o aumento da prosperidade comercial é a crescente diferenciação 41 das fortunas Essa diferenciação das fortunas no entanto e com isto chegamos a um terceiro ponto decisivo realizase de forma e numa direção bem determinadas A cultura antiga é uma cultura escravista Desde o início coexiste com o trabalho livre da cidade o trabalho servil agrícola ao lado da livre divisão do trabalho mediante o intercâmbio no mercado urbano a divisão obrigatória do trabalho pela organização da produção em economia fechada nas senhorias rurais novamente tal como na Idade Média E também como na Idade Média existiu na Antiguidade o natural antagonismo entre essas duas formas de associação do trabalho humano O progresso descansa na progressiva divisão do trabalho No trabalho livre essa divisão é primeiramente um processo que se identifica com a crescente âilatação do mercado de modo extensivo pela ampliação geográfica e intensivo pela ampliação pessoal da área de trocas Conseqüentemente os habitantes dos burgos tentarão romper os muros das senhorias e introduzir seus vassalos no comércio livre Pelo contrário no trabalho servil a divisão do trabalho se efetua graças a uma progressiva acumulação de homens quanto maior for o número de escravos e vassalos mais fácil a especialização dos ofícios servis Mas enquanto na Idade Média o trabalho livre e o comércio de gêneros saem vencedores em escala crescente na Antiguidade o desenvolvi mento caminha em sentido oposto Qual a causa É a mesma que limitou o progresso técnico da cultura antiga o baixo preço dos homens que deriva do caráter das incessantes guerras da Antiguidade A guerra antiga era por sua vez caça de escravos levava constante mente material humano para o mercado de escravos e desta maneira fomentava o trabalho servil e a acumulação de homens Por isso a indústria livre ficou condenada a estacionar na fase do trabalho pago por tarefa realizado pelos homens sem propriedade Isso impediu que graças ao desenvolvimento da concorrência de empresários livres que trabalham com assalariados livres para o abastecimento do mercado se originasse o prêmio econômico para as invenções poupadoras de mãodeobra que as suscitou nos tempos modernos Pelo contrário na Antiguidade aumenta incessantemente a preponderância do trabalho servil no oikos ou seja na organização da economia natural com centro na unidade doméstica patriarcal ou patrimonial Somente os proprietários de escravos podiam prover suas necessidades mediante o trabalho de seus escravos e produzir além do necessário para sua con servação Somente o trabalho dos escravos podia produzir não só para 42 cobrir suas próprias necessidades como em escala crescente para o mercado Com isso o desenvolvimento econômico da Antiguidade orientase para sua trajetória peculiar divergente daquela que seguiu a medieval Na Idade Média desenvolveuse primeiro a divisão do trabalho livre em termos intensivos no interior do domínio local da economia urbana com base na produção de encomendas para clientes e do mercado local Em seguida o crescente comércio exterior com divisão interlocal da produção primeiramente no sistema de provisão e posteriormente na manufatura dá origem a formas de empresa para a venda em mercados estranhos com base no trabalho livre A evolução da economia nacional moderna corre paralelamente à circunstância de que as necessidades das grandes massas se satisfaçam cada vez mais por meio do comércio interlocal primeiramente e internacional por fim Por outro lado vimos que na Antiguidade a evolução do comércio internacional corre paralela à acumulação do trabalho servil na grande possessão de escravos Desta forma inserese sob a superestrutura comercial uma infraestrutura em constante expansão dedicada ao consumo não comercial os conjuntos de escravos que absorviam sem cessar os homens cujas necessidades não se satisfaziam comprando no mercado mas no interior do próprio domínio econômico Quanto mais progredia o repertório de necessidades das camadas superiores dos proprietários de homens e com ela a evolução extensiva do tráfico tanto mais perdia o comércio em inten sidade tanto mais se desenvolvia numa fina rede que se estendia sobre um fundo de economia natural cujas malhas se fechavam e se aperfei çoavam na medida em que seus fios se tornavam cada vez mais finos Em troca na Idade Média preparase a passagem da produção local por encomenda para a produção interlocal graças à lenta penetração da empresa e do princípio da concorrência de fora para dentro no fundo da comunidade econômica local enquanto que na Antiguidade o comércio internacional fomenta as unidades econômicas domésticas oikos subtraindo assim à economia de comércio local toda base de sustentação 3 Esse desenvolvimento ocorreu de maneira mais intensa em Roma Roma é depois da vitória da plebe um estado de lavradores conquistadores ou melhor dizendo um estado de cidadãoslavradores Toda guerra significa apropriação de terra que não herda de seu pai 43 luta nos exércitos para possuir terras próprias e conquistar assim o direito à plena cidadania Aqui reside o segredo da força expansiva de Roma Com a conquista de alémmar acaba esse estado de coisas então o que impõe sua norma não é mais o interesse colonizador dos lavradores mas o interesse de exploração das províncias pela aristocracia As guerras propiciam a caça de homens e o confisco de terras para sua exploração por meio de grandes parceiros e arrendatários Ademais a segunda guerra púnica dizimou o estamento agrário na metrópole romana os resultados de sua decadência constituem em parte a vin gança póstuma de Aníbal A reação contra o movimento dos Gracos decide definitivamente a vitória do trabalho escravo na economia rural Desde então são os proprietários de escravos que sustentam as neces sidades cada vez maiores da vida o aumento do comércio o desen volvimento da produção para o mercado Não que o trabalho livre houvesse desaparecido por completo mas as empresas escravistas eram o único elemento progressivo Os escritores agrários de Roma vêem no trabalho dos escravos a base evidente da organização do trabalho A inclusão de grandes áreas de terras interioranas Espanha as Gálias Ilíria os países danubianos no círculo do mundo romano fortaleceu de modo decisivo a significação cultural do trabalho servil O centro de gravidade da população do Império Romano transladouse para o interior Com isso a cultura antiga tentava mudar seu cenário convertendose de cultura litorânea numa cultura interiorana Estendeu se então por um território imenso em que durante séculos não foi possível o tráfico e a satisfação comercial das necessidades numa escala que se assemelhasse sequer remotamente ao que era na costa do Mediterrâneo Se como fica dito o comércio interlocal da Antiguidade representava mesmo no litoral só um manto muito fino claro é que as malhas da rede comercial nas terras do interior tinham que ser consideravelmente mais frouxas No interior não havia de início condição alguma para o progresso cultural mercê de uma livre divisão do trabalho produzido por um tráfico mercantil intensivo Somente pela ascensão de uma aristocracia fundiária que descansava sobre a proprie dade de escravos e a divisão servil do trabalho sobre o oikos podese dar aqui a assimilação gradual no círculo da cultura mediter rânea Em maior grau ainda que na costa tinha que se limitar ao interior o custoso tráfico voltado exclusivamente para as necessidades de luxo da camada social mais alta proprietária de homens assim como a possibilidade de uma produção destinada à venda estava reservada a uma estreita camada de grandes empresas escravistas 44 O proprietário de escravos converteuse assim no suporte econô mico da cultura antiga e a organização do trabalho de escravos constitui a infraestrutura imprescindível da sociedade romana cuja particulari dade social requer agora melhor exame A imagem mais clara disso nos é propiciada pela situação das fontes das empresas rurais nos últimos tempos da República e nos primórdios do Império A grande propriedade é igualmente a forma fundamental de riqueza na qual também descansam os capitais aplica dos na especulação também o grande especulador romano é em regra geral grande proprietário de terra ainda que fosse porque na espe culação mais lucrativa o arrendamento e sublocação das rendas públicas estava prescrita uma garantia de terras 4 O tipo do grande proprietário de terra romano não é o do agricultor que dirige pessoalmente a empresa mas é o homem que vive na cidade pratica a política e quer antes de tudo perceber rendas em dinheiro A gestão de suas terras está nas mãos de servos inspetores villici No que diz respeito à maneira de administrar as seguintes condições eram decisivas A produção de grãos em sua maior parte não era rentável no mercado Roma por exemplo é um mercado fechado à entrada de trigo em virtude do aprovisionamento estatal além de que o preço não suporta o transporte do interior Somase a isso o fato de o trabalho de escravos não ser o mais apropriado para o cultivo dos cereais sobretudo com o sistema romano de cultivos alternados que exigem uma lavoura cuidadosa e portanto o próprio interesse do lavrador Daí o fato de no mais das vezes as terras de cultivo de trigo serem arrendadas pelo menos em parte a coloni vale dizer a lavradores parceiros que constituíam os remanescentes da agricultura livre expulsa pela grande propriedade Mas este colono não é desde o princípio um arrendatário livre independente um empresário rural O senhor dá os instrumentos o villicus controla a empresa Desde o início é claro que foi freqüente que se impusessem encargos de trabalho princi palmente a prestação corporal em tempos de colheita A concessão de campos aos colonos eqüivale a uma forma de administração pelo senhor mediante parceiros per colonos Pelo contrário a produção para a venda por gestão própria compreende sobretudo os produtos de alto preço azeite vinho horta 45 liças gado cria de aves cultivos especiais para abastecer a exigente mesa da alta sociedade romana a única com capacidade aquisitiva Esses cultivos fizeram retroceder a semeadura de grãos a terras menos férteis ocupadas pelos colonos A empresa forânea é do tipo das de plantation e os trabalhadores são escravos Também na época im perial as famílias de escravos e colonos misturadas constituem em regra geral a população das grandes herdades Mas o que mais nos interessa são naturalmente os escravos Como os encontramos Examinemos o esquema ideal que nos transmitem os escritores agrários de Roma Encontramos o alojamento do instrumento falante instrumentum vocale vale dizer o estábulo dos escravos na mesma casa que o do gado instrumentum semivocale Ele é constituído pelo dormitório uma enfermaria ou lazareto valetudinarium uma preven ção cárcere uma oficina para os trabalhadores ergastulum e de pronto se compõe ante nossos olhos uma visão muito familiar a todos os que vestiram uniforme o quartel E com efeito a vida do escravo é normalmente uma vida de quartel Dorme e come em comum sob a vigilância do villicus a indumentária de tipo melhor é entregue a um guardaroupa cuidado pela mulher do inspetor villica que atua como suboficial de câmara e mensalmente se faz uma revista do vestuário O trabalho é rigorosamente disciplinado à moda militar as seções decuriae sob o mando de um cabo são formadas de manhã bem cedo e partem sob a inspeção dos capatazes monitores Isto era imprescindível Produzir para o mercado por meio do trabalho servil não teria sido possível por muito tempo sem o emprego do látego Mas para nós interessa sobretudo um aspecto que deriva dessa forma de vida de quartel o escravorecruta não somente carece de propriedade mas também de família Somente o villicus convive numa habitação com uma mulher sob o regime de matrimônio escravo contunbernium de forma semelhante à vida hoje nos quartéis dos suboficiais e sargentos Tratase mesmo segundo os autores agrá rios de uma obrigação que se deve impor ao villicus no interesse de seu senhor E assim como à propriedade independente corresponde a família independente também aqui o matrimônio escravo corresponde à propriedade servil O villicus segundo tais autores unicamente ele tem um pecúlio originalmente como o nome indica uma proprie dade em cabeças de gado que pastam nas pastagens do senhor A grande massa dos escravos carece de pecúlio assim como de relação sexual monogâmica O comércio sexual é uma espécie de prostituição 46 controlada com prêmios concedidos às escravas para a cria de seus filhos Às que haviam criado três filhos muitos senhores concediam liberdade Já esta última forma de procedimento indica as conseqüências que vai engendrando a falta de família monogâmica Só no seio da família se desenvolve o homem O quartel de escravos não pode se reproduzir por si mesmo e tinha que ser complementado pela compra constante de escravos Com efeito os escritores agrários tomam por pressuposto que essa compra se fazia com toda regularidade A antiga empresa escravista é tão ávida por homens como nossos altosfornos por carvão O mercado de escravos e seu aprovisionamento regular e suficiente em material humano é a condição imprescindível do quartel de escravos que produz para o mercado Compravase barato Varro recomenda que se aceite o malfeitoT e outro material barato semelhante com este argumento característico semelhante chusma tem que ser mais viva velocior est animus hominum im proborum Assim pois a empresa agrícola dependia do fornecimento regular de homens para o mercado de escravos O que ocorreria se este viesse a falhar Isto tinha que influir nos quartéis de escravos da mesma forma que influiria o esgotamento dos depósitos de carvão nos altos fomos E este momento se apresentou Com ele chegamos ao ponto crítico na evolução da cultura antiga 5 Quando se pergunta em que momento deve datarse a decadência primeiro latente e em seguida patente da cultura e do poderio romano de nenhuma cabeça alemã se poderá erradicar a idéia de que a batalha de Teutoburgo assinala o começo E na realidade nesta idéia popular existe um germe de justificação apesar de ela contradizer as aparências que nos apresenta o Império sob Trajano no ápice do seu poderio Mas o decisivo não foi na verdade a própria batalha uma derrota semelhante à que toda nação sofre em seus avanços contra bárbaros mas o que a ela se somou a suspensão da guerra de conquista no Reno por Tibério que teve seu paralelo no Danúbio com o abandono da Dácia sob Adriano Com isso preparavase um fim na tendência expansionista do Império Romano e com a pacificação interna e no principal também externa do antigo âmbito cultural contraiuse e reduziuse o aprovisionamento regular do mercado de escravos com material humano A conseqüência parece ter sido já sob Tibério uma aguda crise de mãodeobra Contase de Tibério que teve de fazer 47 registrar os cárceres das herdades porque os grandes proprietários de terra se dedicavam ao roubo de homens Como salteadores eles se postavam segundo parece nos caminhos não só à espreita de bolsas como também de mãodeobra para seus campos despovoados Mais importante foi o efeito crônico lento mas profundo a impossibili dade de que a produção progredisse com base nos quartéis de escravos Estes supunham como condição o contínuo aprovisionamento de homens porque não podiam se sustentar por si mesmos e necessaria mente tiveram que decair quando esse aprovisionamento se detinha prolongadamente A diminuição do baixo custo do material humano parece se nos ativermos à impressão que se tira dos últimos escritores agrários ter conduzido no início para a melhoria da técnica mediante a criação de trabalhadores de qualidade Mas depois das últimas guerras ofensivas do século II AD que de fato já se haviam convertido em aprovisionamento de escravos chegouse ao fim e as grandes plantações com seus escravos sem pecúlio e sem mulher tinham que definhar Podemos saber como isso realmente se deu comparando a situação dos escravos nas grandes empresas rurais tal como as descrevem os escritores rom anos com sua situação nas terras da época carolíngia que conhecemos com base nas instruções dominiais de Carlos Magno capiíulare de viilis im perialibus e dos inventários dos mosteiros daquele tempo Aqui como lá encontramos os escravos como trabalha dores do campo e antes de tudo submetidos ao mesmo poder ilimitado do senhor sobre sua força de trabalho Nisso não se manifesta diferença alguma Do mesmo modo foram adotados numerosos pormenores do direito senhorial romano e voltamos a encontrar até a terminologia por exemplo a casa das mulheres o gineceu da Antiguidade no genitum Mas um a coisa mudou radicalmente Encontramos os escravos romanos vivendo no quartel comunista mas os servos da época carolíngia vivem nos casarios m ansus servilis em terra cedida pelo senhor como pequenos lavradores sujeitos à prestação pessoal nas glebas O servo foi devolvido para a fam ília e com a família se apresenta paralelamente a propriedade pessoal Esta disper são dos escravos fora do oikos aconteceu nos últimos tempos de Roma e com efeito essa tinha que ser a conseqüência do decrescente autorepovoamento do quartel de escravos Mas colocando o escravo como vassalo no seio da família independente o senhor assegurava a renovação e portanto uma provisão permanente de força de trabalho que já não podia ser procurada na compra de escravos no mercado 48 exausto cujos últimos restos desapareceram na época carolíngia O senhor liberavase assim das contingências da conservação do escravo que ele senhor havia levado para as plantações encarregandose dela o próprio escravo A importância dessa evolução lenta mas segura foi profunda Tratase de um forte processo de transformação nas camadas mais inferiores da sociedade a família e a propriedade pessoal lhes são restituídas E neste ponto gostaria unicamente de indicar como esse processo se dá paralelamente ao desenvolvimento vitorioso do cristianismo Nos quartéis de escravos o cristianismo dificilmente teria encontrado solo fértil mas os lavradores servos da África nos tempos de Santo Agostinho já eram de antemão portadores de um movimento de seita Assim enquanto o escravo se elevava socialmente à condição de lavrador sujeito à gleba o colonus descendia à condição de lavrador vassalo Ocorria isso na medida em que sua relação com o senhor assumia o caráter de uma relação de trabalho Inicialmente era a renda que pagava o que importava principalmente para seu senhor ainda que como disse também havia prestações na fazenda senhorial Já nos pri meiros tempos do Império porém os autores agrários dão ênfase ao trabalho do colono e isto deve ter ocorrido na medida em que o trabalho dos escravos se tomava insuficiente Inscrições africanas do tempo de Comodo demonstramnos que o colono se havia convertido já num servo que cultivava a terra conferida pelo senhor e em com pensação estava obrigado a determinadas prestações E essa mudança econômica na situação do colono produziu em seguida uma mudança jurídica anexa na qual se expressa também formalmente essa maneira de considerar o colono como uma jorça de trabalho adscrita ao senho rio a sujeição à gleba Para compreender sua gênese temos que entremear aqui algumas breves considerações jurídicoadministrativas A organização administrativa de Roma descansava no final da República e início do Império sobre a comunidade urbana o munici pium como base administrativa da mesma forma que a cidade era a base econômica da cultura antiga O território da confederação imperial havia sido organizado em comunidades urbanas nos graus mais diversos de dependência política com o Estado e a forma jurídico administrativa do Município havia se estendido por todo o Império A cidade é o distrito administrativo a jurisdição normal mais inferior Os magistrados das cidades respondem ante o Estado pelos impostos e pelo recrutamento Mas no transcurso da época imperial se produz uma mudança nesse processo As grandes propriedades tentam com bom 49 êxito subtrairse da dependência das comunidades À medida que o centro de gravidade do Império se desloca para o interior ao crescer a população do interior o recrutamento alimentase tanto mais da população agrária o que faz com que tanto mais pesem os interesses dos agrários da Antiguidade os grandes proprietários de terras na política do Estado Assim como encontramos hoje antes de 1914 uma grande resistência contra o projeto de incluir as grandes proprie dades da Alemanha oriental nos municípios rurais assim também foi escassa a resistência do Estado romano dos césares à nãoinclusão das herdades no âmbito municipal Por isso junto às cidades encontramos em massa os saltus e territoria como distritos independentes em que o proprietário é ao mesmo tempo a autoridade local da mesma forma como o são os nobres proprietários de senhorios nos distritos senhoriais da Alemanha oriental Aqui era o Estado que se apoiava no proprietário tendo em vista os impostos territoriais ele adian tavaos a seus vassalos e posteriormente os ressarcia cobrandoos O proprietário fundiário também fazia o recrutamento no senhorio Por essa razão o serviço militar logo foi considerado como qualquer pres tação pública como um encargo do senhorio cuja força de trabalho os colonos dizimava Dessa forma ficaram aplainados os caminhos para a vinculação jurídica do colono à gleba No Império Romano nunca existiu prescindindo de determinadas situações políticas uma liberdade geral de domiciliarse sob garantias jurídicas Recordemos por exemplo que o autor do Evangelho segundo Lucas expressa com freqüência a idéia de que todo homem podia ser levado a seu lugar de nascimento origo nós diríamos a seu domicílio de assistência para fins fiscais assim os pais de Cristo podiam ser conduzidos a Belém O origo do colono no entanto é o domínio de seu senhor Já muito antes encontramos o instituto da reposição compulsiva para o cumprimento de deveres públicos e jurídicos Verdade é que o senador que desertava muito tempo de seu posto era somente penhorado mas com o conselho municipal ao decurião que se furtava a seu dever guardavam menos considerações era detido mediante petição do Muni cípio Essa medida foi necessária com alguma freqüência porque o cargo de conselheiro municipal oferecia poucos incentivos já que respondia ao débito de contribuição da cidade E quando mais tarde com o desvanecimento e a mistura de todas as formas jurídicas essas 50 ações compulsivas se transformaram no conceito único de direito à restituição na antiga queixa material vindicatio então os municípios perseguiam com essa demanda os conselheiros que desertavam de seu posto como se se1 tratasse de uma rês comunal desgarrada O que valia para o decurião valia tanto mais para o colono A servidão que devia ao senhor não se diferenciava dos encargos públicos posto que a autoridade e o que tinha direito a ser servido eram uma só pessoa e conseqüentemente o colono era reduzido a sua obrigação quando se subtraía a ela Assim por essa prática administrativa o colono se converteu num servo da gleba atado pela vida à circunscrição senhorial e portanto sob o senhorio do proprietário Com relação ao Estado estava de certo modo mediatizado E sobre o colono se ergueu o estamento dos senhores imediatos do Império dos possui dores que encontramos como tipo persistente nos últimos tempos do Império assim como entre merovíngios e ostrogodos A articulação estamental havia começado a substituir a antiga e simples oposição entre livre e escravo Um desenvolvimento quase imperceptível em cada um de seus estágios seguia esse rumo porque a isso compeliam as condições econômicas O desenvolvimento da sociedade feudal estava já no ar do Império Romano tardio É patente que já então se apresenta à nossa vista o tipo de feudo medieval nesses senhorios do final do Império Neles existem justa postas as duas categorias de camponeses obrigados à gleba os servos servi com obrigações não taxadas e os livres com suas pessoas coloni tributari sujeitos a prestações determinadas em dinheiro a tributos em espécie e posteriormente cada vez em maior medida a quotas em espécie e ademais nem sempre mas em regra geral a prestações servis bem definidas Produzir para a venda por meio do trabalho prestado e nas condi ções da Antiguidade era contudo impossível Para a produção comercial era pressuposto imprescindível o quartel disciplinado de escravos Mas nas regiões internas principalmente em que os servos viviam esparra mados em casarios teve que acabar a produção para a venda e os sutis fios do comércio estendidos sobre aquele fundo de economia natural tiveram que adelgaçarse mais e por fim romperse Este fenômeno já está claramente presente no último autor agrário romano de importância Paladio que recomenda organizar as explorações de modo a que o trabalho da herdade cubra todas as necessidades se sustente a si mesmo e possa prescindir das compras Se desde há muito a fiação e os tecidos assim como o moinho eram mantidos pelas mulhe res da herdade então foram incluídos também a fundição a carpintaria e a marcenaria a alvenaria em resumo as necessidades coletivas entre os encargos industriais do senhorio a serem satisfeitos com trabalho servil com prestações de mãodeobra Com isso a fina camada dos trabalhadores industriais da cidade trabalhadores livres que em sua maioria trabalham pela diária e pela comida ainda perdeu parte de sua já relativa importância A economia do senhor rural que predominava cobria suas próprias necessidades no âmbito de uma economia natural A satisfação das necessidades do senhor pela divisão do trabalho no oikos convertese de modo crescente na meta econômica domi nante As grandes propriedades desligamse do mercado da cidade Com isso a multiplicidade de pequenas e médias cidades perdem o solo que nutre sua economia vale dizer a troca de gêneros e de trabalho com o campo circundante Mesmo através do turvo e estilhaçado espelho das fontes jurídicas do Império Romano tardio podemos ver que as cidades decaem por essa causa Os imperadores insurgemse repetidamente contra a emigração para o campo principalmente contra o fato de os possuidores abandonarem suas casas da cidade e transla darem seus artesãos e sua instalação para as propriedades campestres 6 Mas sobre essa decadência da cidade influi poderosamente também a política financeira do E stado Também por ela à medida que aumentam as necessidades financeiras o fisco convertese num sistema de economia natural que cobre suas necessidades na menor medida possível no mercado e na maior medida possível por seus próprios meios Mas assim se impede a formação da fortuna em dinheiro Do ponto de vista dos súditos foi um benefício que tivesse desaparecido a especulação principal o arrendamento dos tributos substituído pela administração direta Talvez fosse mais racional o aprovisionamento público de grãos por navios cujos gastos o Estado retribuía com bônus de terras do que por concessão a empresários Do ponto de vista financeiro também era vantajoso o monopólio cada vez maior de numerosos e lucrativos ramos do comércio e das explorações mi neiras Mas claro está que esse sistema impedia a formação de capitais privados e a possibilidade de que se desenvolvesse uma camada corres pondente à nossa moderna classe burguesa E a evolução dessa finança 52 de economia natural foi aumentando conforme o Império ia deixando de ser um conglomerado de cidades que exploravam o campo e cujo cen tro de gravidade estava na costa e no comércio litorâneo para se converter num Estado que tentava incorporar e organizar regiões interioranas que viviam de sua economia natural A finíssima camada do tráfico não permitia cobrir com dinheiro as necessidades do Estado cada vez maiores devido a essa transformação Teve assim que aumentar nas finanças do Estado até à hipertrofia o fator de econom ia natural Durante todo o tempo as contribuições das províncias para o Estado eram em boa parte contribuições em espécie sobretudo em grãos das quais se abasteciam os armazéns do Estado Na época do Império todos os produtos industriais necessários à administração eram obtidos cada vez menos por compra no mercado ou por contrato e cada vez mais mediante o fornecimento em espécie aos industriais da cidade que com respeito a isso estavam obrigados muitas vezes a formar grêmios Isso reduziu o artesão livre e necessitado à situação de um trabalhador que pertence hereditariamente a um grêmio As quantidades arrecadadas em espécie eram também desembolsadas em espécie pelo fisco em seus gastos E assim pretendeu cobrir as duas principais partes de seu orçamento de gastos a burocracia e o exército com pagamentos em espécie Mas aqui a economia natural encontrava seus limites Um grande Estado interior somente pode ser governado por uma burocracia profissional assalariada do que puderam prescindir as cidadesestados da Antiguidade Os salários dos empregados públicos sob a monarquia de Diocleciano são em sua maioria salários em espécie Os armazéns imperiais forneciam grão gado a quanti dade correspondente de sal azeite etc em suma tudo quanto o funcionário necessitava para sua alimentação vestuário e conservação em geral além de uma módica quantidade em moeda para gastos me nores Apesar dessa clara tendência de pagamento em espécie porém a manutenção de uma importante hierarquia administrativa obrigava a elevados desembolsos de numerário E isso se dava em grau ainda mais elevado quando se tratava de cobrir as necessidades militares do Im pério Um Estado interior cujas fronteiras estão ameaçadas necessita um exército perm anente O antigo exército de cidadãos baseado no serviço e equipamento obrigatório dos proprietários de terra já no final da República haviase transformado num exército municiado pelo Estado e recrutado entre os proletários sustentáculo dos césares O Império 53 criou depois não só de fato mas também legalmente um exército profissional permanente Mas a manutenção de tropas desse tipo exige duas coisas recrutas e dinheiro A necessidade do recrutamento foi a razão pela qual os soberanos mercantilistas na época do despotismo esclarecido como Frederico II e Maria Teresa impediram o desen volvimento das grandes empresas rurais ao proibir a expulsão de camponeses da sua gleba se ela fosse incorporada à grande propriedade Essa medida não se deve a razões de humanidade e amor ao camponês Não se protegia o camponês isolado o senhor podia escorraçálo tranqüilamente desde que pusesse outro em seu lugar A razão foi a seguinte se segundo Frederico Guilherme I os jovens camponeses supérfluos deveriam ser uma fonte de recrutamento era preciso que os houvesse Por isso impediuse que diminuísse o quantum de campo neses proibindo que suas terras fossem confiscadas pois tal fato ameaçava o recrutamento e despovoava os campos Por motivos análogos intervieram os césares na situação do colono e proibiram por exemplo que fossem aumentados seus encargos Por outro lado os soberanos mercantilistas fomentaram energicamente as grandes manufaturas pri meiro porque povoavam o território do Estado e depois porque traziam dinheiro ao país Frederico o Grande perseguia com suas requisições não só os soldados desertores como também os trabalhadores e fabricantes que desertavam Isso estava vedado aos césares posto que em seu tempo não existia nem se podia formar uma grande indústria que produzisse para a venda com trabalhadores livres Pelo contrário aconteceu que diante da decadência da cidade e do comércio e do retorno à economia rural ficou perdida a possibilidade de cobrar cres centes impostos em dinheiro E com a falta de trabalhadores devido à contração do mercado de escravos o recrutamento constituiu para a agricultura um encargo penoso que esta tentou evitar por todos os meios O moço sujeito ao serviço das armas fugia da cidade decadente para o campo e ingressava no colonato isso porque os possuidores sob a pressão da falta de trabalhadores estavam interessados em subtraílo ao recrutamento Os últimos césares combateram contra a fuga dos cidadãos para o campo como os últimos Hohenstaufen contra a fuga dos servos para a cidade O efeito dessa dificuldade no recrutamento aparece com toda clareza no exército da época imperial A partir de Vespasiano a Itália estava livre de recrutamento depois de Adriano desaparece a mescla dos contingentes e para poupar gastos tentase recrutar os exércitos no distrito de sua residência Este é o primeiro prenúncio da desagre 54 gação do Império Quando se acompanham através dos séculos os dados sobre a origem dos soldados licenciados vêse que o número dos chamados filhos do acampamento castrenses aumenta na época imperial de uma pequena percentagem até quase a metade Em outras palavras o exército romano é em proporção cada vez maior auto gerador Da mesma forma que o escravo aquartelado celibatário é substituído pelo lavrador que vive no seio da família assim também pelo menos em parte o soldado celibatário o verdadeiro soldado de acampamento é substituído pelo soldado profissional por herança que vive em regime de matrimônio militar Também o recrutamento praticado cada vez mais entre os bárbaros tinha por objetivo principal respeitar a força de trabalho da própria terra sobretudo das grandes propriedades Por fim tentouse suprir a defesa das fronteiras por um procedimento que vai ao encontro do sistema de economia natural a concessão de terras aos bárbaros em troca do serviço das armas E essa forma remota predecessora do feudo ganha crescente aplicação Assim pois o exército senhor do Império vaise transformando numa tropa de bárbaros cada vez mais desligado de toda relação com a população nativa Devido a isso a irrupção vitoriosa dos bárbaros do exterior em sua essência não significou para as províncias do inte rior num primeiro momento mais que uma mudança de aquartelamento foi mesmo aceita a forma de aquartelamento romano Parece que nas Gálias os bárbaros não foram recebidos com temor como conquista dores mas pelo contrário como os que libertavam o território do peso da administração romana E isso é facilmente compreensível Não foi a busca de recrutas dentro da própria população a única dificuldade em que o envelhecido Império tropeçou mas sim o fato de que oprimiam ainda mais os povos que voltavam a um regime de economia natural os impostos em dinheiro sem os quais é impos sível sustentar um exército a soldo Toda a condução do Estado girava cada vez mais em torno da busca de dinheiro e cada vez se revelava mais nitidamente a incapacidade econômica dos possuidores que no essencial apenas produziam para suas próprias necessidades de contribuir com entregas em dinheiro Com efeito se o imperador lhes tivesse dito Fazei com que vossos colonos vos forjem armas montai os cavalos e defendei comigo a gleba em que viveis a isso teriam podido os possuidores fazer frente economicamente Mas então as coisas já teriam passado para a Idade Média e o exército terseia convertido em exército feudal Realmente todo o processo último de Roma tendia como para uma meta para a constituição feudal do exército bem como 55 para a organização feudal da sociedade e no essencial essa meta já havia sido alcançada na época carolíngia após o breve e somente local recuo na época das invasões rumo a exércitos de camponeses colonizadores Mas com exércitos de cavaleiros feudais podese con quistar coroas guardar as fronteiras de um território reduzido mas não defender a unidade de um império mundial e as centenas de milhas de sua fronteira contra conquistadores famintos de terras Por essa razão foi impossível para a última época do Império passar para a forma de exército que correspondia ao regime de economia natural Daí Diocleciano tentar a reorganização das finanças públicas com base única em tributos de dinheiro e até o final a cidade continuou sendo oficial mente a célula inferior do organismo estatal Mas na realidade desaparecia gradualmente a base econômica formada pela grande massa das cidades romanas estas já não eram mais que ventosas da adminis tração pública ávida de dinheiro instaladas sobre um solo coberto por uma rede de grandes senhorios A queda do Império foi a forçosa conseqüência política do desaparecimento gradual do comércio e do conseguinte crescimento da economia natural E na essência significou tãosomente a eliminação daquele aparelho administrativo e portanto da superestrutura política de um regime de economia monetária que já não se ajustava à infraestrutura econômica que vivia num regime de economia natural 7 Assim pois quando cinco séculos depois o tardio executor testa menteiro de Diocleciano Carlos Magno despertou novamente a unidade política do Ocidente o fez com base estrita na economia natural A prova mais clara dessa afirmação encontrase na instrução para os administradores dos domínios senhoriais villici o famoso Capitulares de Villis que por seu conhecimento do assunto e por sua aspereza lembra os decretos de Frederico Guilherme I Junto ao rei figura tam bém a rainha como instância mais alta a dona de casa do rei é seu ministro da Fazenda E com razão essa administração financeira cuida preferencialmente das necessidades de mesa e da Casa Real que se identifica com a administração doméstica do Estado Dispõe sobré o que os inspetores vão fornecer à Corte por exemplo trigo carne tecidos quantidades notavelmente grandes de sabão e em suma tudç quanto o rei necessita para sua pessoa seus hóspedes e comensais e para o serviço político como cavalos e carros de guerra Desapareceu o exército permanente e a burocracia a soldo e com isto até mesmo 56 quanto ao conceito os impostos O rei mantém seus funcionários em sua mesa ou os dota de terras O exército autoprovedor está em vias de converterse definitivamente num exército de cavaleiros e portanto numa milícia de senhores proprietários de terra Desapareceu também a troca regional de gêneros romperamse os fios que enlaçavam as células independentes da vida econômica o comércio involui e retrocede ao estágio de indústria ambulante a cargo de troncos forasteiros gregos e judeus Desapareceu a cidade na época carolíngia a cidade não existe como conceito jurídico e administrativo Os grandes senhores forâneos são os sustentáculos da cultura e também dos mosteiros Os senhores proprietários de terras são os funcionários políticos um dentre eles o mais poderoso é o rei um analfabeto sobremaneira rural No campo estão seus palácios Não possui residência fixa Para sua subsistência viaja mais que qualquer monarca moderno vive mudando de palácio e consumindo as provisões que foram armazenadas neles A cultura tor nouse camponesa Completouse o ciclo da evolução econômica da Antiguidade Parece que seu trabalho espiritual foi aniquilado Ao desaparecer o comércio desapareceu também a magnificência marmórea da cidade antiga e com ela os tesouros espirituais que jaziam em seus muros a Artea Literatura a Ciência as refinadas formas do antigo Direito mer cantil Nas quintas dos possuidores e senhores ainda não ressoam os cantos do trovador Sem querer comovenos melancolicamente o espetáculo de uma evolução que ao aspirar o mais alto perde sua base material e rui sobre si mesma Assim sendo que significa na realidade esse formidável processo Nas profundezas da sociedade processaramse e tinham que se processar variações orgânicas de estrutura que em conjunto significaram um poderoso processo de saneamento A família e a propriedade privada foram restituídas à grande massa dos servos e estes se elevaram lentamente de uma situação de instrumento falante à condição de homem e o cristianismo vitorioso cercou sua vida familiar de fortes garantias morais Já as leis de proteção ao camponês ditadas em fins do Império reconheciam a coesão da família em escala não vista até então Não se pode negar que simultaneamente uma grande parte da população caiu na servidão e a refinada aristocracia antiga desceu à barbárie A base de economia natural que a hipertrofia do trabalho servil havia dado ao desenvolvimento cultural antigo estendia se cada vez mais na medida em que a propriedade de escravos diferen ciava os capitais e havia obrigado a todo o edifício comercial em sua 57 origem a assumir a forma que correspondia a sua estrutura pendente para o feudalismo enquanto o centro de gravidade político se trans feriu do litoral para o interior e se esgotou a provisão de homens Assim desapareceu o invólucro já muito delgado da cultura antiga e a vida espiritual do Ocidente afundou em longa noite Mas sua queda lembra aquele gigante do mito helênico que recobrava novas forças quando tocava o seio da mãeterra Certamente teria parecido estranho aos viajantes clássicos o mundo ao seu redor se um dentre eles tivesse despertado de seus pergaminhos na época carolíngia e contemplado o mundo de uma janela do convento o odor de esterco o teria atingido Mas os velhos clássicos dormiam então como a cultura o sono hibernai no seio de uma vida econômica que havia se tornado camponesa E também não os despertava o canto dos menestréis ou o alarido dos torneios medievais Somente mais tarde quando com base na divisão livre do trabalho e do tráfico a cidade na Idade Média tornou a reviver quando a passagem para a economia nacional preparou a liberdade burguesa quando ficou rompida a sujeição às autoridades externas e internas da época feudal somente então o velho gigante se recobrou dotado de nova força e elevou o legado espiritual da Antiguidade à luz da moderna cultura burguesa 2 O ESTADO NACIONAL E A POLÍTICA ECONÔMICA A formulação do meu tema promete muito mais do que posso e pretendo cumprir aqui Meu primeiro objetivo é expor através de um exemplo o papel que as diferenças físicas e psíquicas de caráter racial entre nacionalidades desempenham na luta econômica pela existência Com base nisso quero tecer alguns comentários acerca da posição de um Estado de base nacional como é o nosso no âmbito das considera ções de política econômica Para esse exemplo tomo um conjunto de eventos que se desenrolam distantes de nós mas que vem despertando a atenção pública desde há uma década Assim convidoos para acompanharemme às fronteiras orientais do reino para as planícies da província da Prússia Ocidental Nesse cenário combinamse as caracte rísticas de uma região nacional limite com diferenças excepcionalmente acentuadas nas condições de existência econômicas e sociais Lamento não poder evitar nesse passo a apresentação de uma série de dados secos para os quais solicito sua paciência A província compreende nos seus distritos rurais contrastes de três tipos Em primeiro lugar exibe extraordinárias diferenças ná qualidade da terra cultivável entre as terras férteis da planície e os solos arenosos mais altos as diferenças nas estimativas fiscais de rendimentos líquidos atingem magnitudes da ordem de 10 e 20 vezes Em seguida há contrastes na estratificação social da população que cultiva esse solo Como é de regra no leste também aqui os Reproduzido de W e b e r M Der Nationalstaat und die Volkswirtschaftspolitik In Gesammelíe politische Schriften 3 ed ampliada Tübingen J C B Mohr Paul Siebeck 1971 p 225 Trad por Gabriel Cohn 59 registros administrativos conhecem além da comunidade rural uma segunda forma de unidade comunal a circunscrição fundiária cujo centro é uma grande propriedade Em consonância com isso destacam se na paisagem por sobre as aldeias camponesas as propriedades senhoriais as sedes da classe que imprime sua marca sobre a con figuração social oriental os Junker quintas senhoriais cercadas pelas cabanas que o senhor reserva juntamente com parcelas cultiváveis e pastagens para os trabalhadores diaristas obrigados ao trabalho nas suas terras ao longo do ano O território dividese mais ou menos igualmente pelas duas formas Mas i as diversas regiões a participação das circunscrições fundiárias oscila entre poucos por cento até dois terços das áreas das comarcas Finalmente o terceiro contraste no interior dessa população assim estratificada em duas camadas sociais é o das nacionalidades E tam bém a composição nacional das diversas unidades comunais varia de região para região É esta diversidade que nos interessa Naturalmente a presença polonesa é mais densa à medida que nos aproximamos da fronteira Mas como revela qualquer mapa lingüístico ela também aumenta em proporção inversa à qualidade do solo Procurarseá de início e não totalmente sem razão explicar isso historicamente pela natureza da ocupação alemã que principiou pela área mais fértil Mas se perguntarmos sobre quais são as camadas sociais portadoras do germanismo ou da nacionalidade polonesa então os dados demográficos mais recentes de 1885 exibem um quadrò digno de nota Ainda que esses dados não forneçam diretamente a composição nacional das comunidades é possível se nos contentarmos com cifras aproxima das obtêlas indiretamente por intermédio da confissão religiosa que no território em questão coincide quase integralmente com a nacionalidade Quando separamos as categorias econômicas das aldeias camponesas e das propriedades senhoriais mediante a sua identificação igualmente imprecisa com as comunidades rurais por um lado e as circunscrições fundiárias pelo outro verificamos que há uma relação inversa entre a qualidade do solo e a sua composição por nacionalidade Nas áreas férteis encontramse os católicos vale dizer os poloneses em maior número nas propriedades e os evangélicos ou seja os alemães nas aldeias e a situação é exatamente a inversa nas áreas com solos de má qualidade Como ocorre isso Por que òs poloneses se concentram nas propriedades da planície e nas aldeias das terras altas Desde logo podese constatar que os poloneses tendem a concentrarse 60 na camada econômica e socialmente mais baixa da população Nas terras férteis como as da planície o camponês sempre tinha condições de vida superiores às do diarista nas grandes propriedades ao passo que nas terras piores e que só eram suscetíveis de exploração econômica racional em grande escala a propriedade senhorial era a portadora da cultura e por essa via da germanidade os paupérrimos pequenos camponeses ainda hoje têm condições de vida inferiores às dos diaristas Fora necessária outra forma de conhecer isso nós a teríamos na com posição etária da população Quando acompanhamos as aldeias até as áreas mais elevadas verificamos que a participação de crianças de menos de 14 anos na população aumenta na proporção da redução da quali dade do solo passando de 35 a 41 E quando comparamos as propriedades com isso verificamos que a proporção de crianças na planície é maior do que a das aldeias e aumenta à medida que subimos embora em escala inferior do que ocorre com as aldeias E finalmente quando atingimos as terras mais altas revelase menor Aqui tomo em toda parte o grande número de filhos acompanha a baixa condição de vida que sufoca as considerações sobre a manutenção no futuro Há uma identidade entre cultura econômica condições relativa mente elevadas de vida e germanidade na Prússia Ocidental No entanto ambas as nacionalidades concorrem entre si há séculos no mesmo solo e sob igualdade de condições Qual é então o fundamento dessa distinção Ficase tentado de imediato a acreditar numa diferença da capacidade adaptativa das duas nacionalidades que repouse em qualidades físicas e psíquicas de caráter racial E com efeito é essa a causa A prova disso está na tendência que se manifesta no desloca mento da população e das nacionalidades e que ao mesmo tempo revela o caráter fatal que essa diferença de capacidade adaptativa assume para a população alemã oriental Os dados disponíveis para a observação desses deslocamentos nas diversas comarcas restringemse ao período entre 1871 e 1885 e apenas nos permitem detectar de modo impreciso o início de um processo que segundo tudo o que sabemos temse acentuado extraordinariamente desde então Além disso a precisão dos dados numéricos naturalmente é afetada pela identificação incontornável mas não totalmente rigorosa entre confissão e nacionalidade por um lado e entre divisões administra tivas e estratificação social pelo outro Isso não nos impede contudo de ver com bastante clareza aquilo que interessa 61 A população rural da província como de resto a de grande parte de toda a região oriental ostentou uma tendência para o decréscimo no período entre 1880 e 1885 Assim como os fenômenos comentados até aqui também esse distribuise desigualmente em algu mas áreas essa tendência defrontase com um aumento da população rural O modo como essas ordens de fenômenos se distribuem é bastante peculiar Se tomarmos primeiramente as diversas qualidades de solo a suposição natural será de que o decréscimo terá afetado com mais força os piores solos nos quais a pressão da queda dos preços agrícolas terá feito sentirse primeiro Um exame dos números mostra que se deu o contrário áreas com rendas líquidas médias da ordem de 15 a 17 marcos sofreram a maior queda populacional ao passo que áreas com uma renda líquida da ordem de 5 a 6 marcos sofreram o aumento mais acentuado que se mantém constante desde 1871 Buscase uma explicação e a primeira questão é quais são as camadas sociais nas quais essa saída populacional tem origem e por outro lado quais são as beneficiadas por isso Um exame das áreas com forte decréscimo populacional revela que elas constituem sempre aquelas nas quais o domínio da grande propriedade fundiária é particularmente forte Se o exame se estende ao conjunto das circunscrições fundiárias verificase que apesar de elas já terem apresentado por volta de 1880 uma popu lação inferior em dois terços à das aldeias com igualdade de territórios ocupados são responsáveis por 3 4 do decréscimo populacional sendo que nelas próprias a população diminuiu em cerca de 37 Mas também entre as propriedades essa diminuição está desigualmente distribuída Em algumas houve um aumento e quando isolamos as regiões com forte diminuição da população fundiária revelase que precisamente as propriedades com solos bons sofreram uma retirada populacional especialmente forte Por outro lado o aumento populacional que se verificou nos solos áridos das regiões mais altas beneficiou primariamente as aldeias e com maior força precisamente as aldeias com solos de má qualidade em contraste com as da planície A tendência portanto é no sentido da diminuição dos assalariados diaristas das propriedades nos melhores solos e do aumento dos camponeses nos piores O que está em causa nisso e como se podefá explicálo é algo que se esclarece quando também aqui pomos a questão de como as nacionalidades se comportam em relação a esses deslocamentos 62 Na primeira metade do século XIX os poloneses pareciam estar recuando lenta mas persistentemente no leste alemão mas como é sabi do a partir dos anos 60 eles passaram a avançar da mesma maneira compassada Isso é confirmado nitidamente para o caso da Prússia Ocidental através dos levantamentos lingüísticos a despeito da insufi ciência das suas bases O deslocamento de uma fronteira entre naciona lidades pode darse de dois modos distintos em princípio Por um lado através da outorga gradativa da língua e dos costumes majoritários a minorias nacionais no território com mescla de nacionalidades de tal modo que elas sejam absorvidas Esse fenômeno também é encontradiço no leste alemão ele se processa de modo estatisticamente comprovável no caso dos alemães de confissão católica O laço ecle siástico é mais forte aqui do que o nacional envolvendo reminiscências da política anticatólica de Bismarck e a carência de um clero germani camente educado permite que eles se percam para a comunidade cultural nacional Mais importante para nós contudo e também mais interessante é a segunda forma do deslocamento de nacionalidades a de caráter econômico Esta ocorre no caso em exame Um exame das mudanças da participação das confissões nas unidades comunais rurais entre 1871 e 1885 revela que a saída dos assalariados está sistematicamente rela cionada com um decréscimo do protestantismo na planície enquanto que um acréscimo da população aldeã nas terras altas é acompanhado por um aumento relativo do catolicismo São principalmente os assala riados alemães que se retiram das áreas com elevada cultura são prin cipalmente os camponeses poloneses que se multiplicam nas áreas de baixo nível cultural Ambos os processos todavia a retirada aqui e o aumento lá conduzem afinal a uma mesma causa as baixas exigências quanto à condição de vida em termos materiais e também ideais que a raça eslava adquiriu por natureza ou por cultivo ao longo do seu passado Foi isso que a auxiliou na sua vitória Por que se retiram os assalariados alemães Não é por motivos materiais Os retirantes não são recrutados nas regiões com baixo nível salarial nem nas categorias de trabalhadores mal remunerados dificil mente se encontrará situação mais segura materialmente do que a de trabalhador nas propriedades da região oriental alemã Tampouco vale a freqüente invocação do anseio pelas delícias da cidade grande Ele 63 é motivo para a saída irrefletida de jovens mas não para a retirada de famílias de diaristas com longo tempo de serviço Além disso como se explica que esse desejo seja despertado precisamente entre aqueles que vivem nas áreas dominadas pela grande propriedade por que podemos provar que a saída de assalariados diminui na mesma proporção em que a aldeia camponesa domina a fisionomia da paisagem O motivo é este nos complexos fundiários da sua pátria somente existem para os diaristas o senhor e o serviçal e para os seus descendentes até os mais remotos apenas a perspectiva da labuta em solo alheio ao som do sino senhorial Nesse impulso obscuro e pouco consciente para longe se esconde algo de um idealismo primitivo Quem não conseguir decifrálo não conhece o fascínio da liberdade Com efeito é raro que o seu espírito nos comova no silêncio da biblioteca Os ingênuos ideais libertários da nossa juventude empalideceram e alguns entre nós tornaramse prematuramente velhos e por demais inteligentes Para estes um dos impulsos primordiais do coração humano foi levado à tumba com as frases de efeito de uma concepção política e econômica decadente Tratase de um processo de psicologia das massas os trabalhadores rurais alemães não mais conseguem adaptarse às condições de vida sociais da sua pátria Queixas sobre a sua autoconsciência vêmnos dos grandes proprietários rurais da Prússia Ocidental A velha relação patriarcal entre os ocupantes da propriedade fundiária que vinculava imediatamente o diarista aos interesses da produção rural na qualidade de pequeno lavrador com direito à participação está em vias de desa parecer O trabalho sazonal nas áreas produtoras de beterraba exige trabalhadores sazonais e salário monetário A sua perspectiva é a de uma existência puramente proletária mas sem a possibilidade daquela enérgica ascensão para a independência econômica que o proletariado industrial concentrado nas cidades preenche de maneira consciente O ajustamento a essas condições de existência é melhor realizado por aqueles que vêm substituir os alemães os trabalhadores itinerantes poloneses vagas nômades de dezenas de milhares que contratados por agentes na Rússia atravessam as fronteiras na primavera para nova mente partirem no outono Primeiramente eles aparecem na esteira do cultivo da beterraba para a produção de açúcar que converte o empreendimento agrícola numa indústria sazonal Depois sua presença se generaliza porque propiciam economias em habitações para traba 64 lhadores e em deveres sociais além de que como estrangeiros sua situação é precária e eles estão à mercê dos proprietários A agonia econômica dos antigos senhores fundiários prussianos dos Junker desenrolase com esses sintomas Nas propriedades dedicadas ao cultivo da beterraba o senhor fundiário patriarcal foi substituído por um esta mento de empresários industriais Enquanto isso nas terras altas a crise econômica faz ruir as propriedades e colônias de arrendatários e pequenos agricultores emergem nas suas franjas Desaparecem os fun damentos econômicos da posição 5le poder da antiga nobreza fundiária ela própria convertese em algo diverso do que era E por que são os camponeses poloneses que ganham terreno Será devido à superioridade da sua inteligência econômica ou do seu poder de capital Pelo contrário é ao inverso disso Sob um clima e num solo que permite ao lado da pecuária extensiva essencialmente a produção de forragens e batatas fica menos ameaçado pelos riscos do mercado aquele que leva os seus produtos ali onde eles menos se des valorizam pela queda dos preços ao seu próprio estômago Ou seja o produtor para subsistência Além disso é beneficiado aquele que pode aquilatar as suas necessidades no nível mais baixo que formula exi gências mínimas quanto à sua condição de vida do ponto de vista físico e ideal O pequeno agricultor polonês do leste alemão é um tipo que difere profundamente daquele que vemos dedicarse à miniagricultura e à horticultura nas cercanias das cidades neste abençoado vale do Reno O pequeno agricultor polonês ganha terreno porque ele de certo modo come a própria grama não apesar mas por causa dos seus hábitos de vida mesquinhos tanto física quanto espiritualmente Tudo indica que estamos diante de um processo de seleção Ambas as nacionalidades estão inseridas há longo tempo nas mesmas condições de existência A conseqüência não foi ao contrário do que concebe o materialismo vulgar que elas tenham adquirido as mesmas qualidades físicas e psíquicas mas sim que uma cede lugar para outra que vence aquela com maior capacidade de adaptação às dadas condições sociais e econômicas de vida Essas diferentes capacidades adaptativas parecem ser trazidas por elas como uma grandeza constante Talvez elas pudessem ser eliminadas após processos de cultivo que se estenderiam por gerações tal como possivelmente foram geradas ao longo de milênios Mas para as consi 65 derações do presente elas devem ser levadas em conta como algo dado1 Ao contrário do que pensam os otimistas entre nós vêse que nem sempre a seleção realizada num livre jogo de forças acaba beneficiando a nacionalidade mais desenvolvida ou melhor dotada economicamente A história humana conhece a vitória de tipos humanos evoluídos e a extinção de expressões mais elevadas da vida espiritual e moral quando a comunidade que era sua portadora perdeu a capacidade adaptativa em relação às suas condições de vida seja devido à sua organização social seja pelas suas qualidades raciais No nosso caso a nacionalidade situada mais abaixo em termos de desenvolvimento econômico é ajudada na sua vitória pela transformação das formas da empresa agrária e pela violenta crise da agricultura Há um efeito paralelo e conjunto do incentivo ao cultivo da beterraba e baixa rentabilidade da produção mercantil de cereais que operam no mesmo sentido o primeiro cria o trabalhador sazonal polonês o segundo engendra o pequeno agricultor polonês Admito sem hesitar que não tenho condições para desenvolver teoricamente o alcance das perspectivas que eventualmente possam ser obtidas a partir dos fatos que viemos examinando Não ouso sequer tocar na questão infinitamente difícil e por ora certamente insolúvel 1 Creio não ser necessário observar que as questões que se levantam nas ciências naturais acerca do alcance do princípio da seleção e de m odo geral o uso do conceito de cultivo nas ciências naturais e todas as considerações referentes a esse dom ínio que me é estranho são irrelevantes para as observações acima O con ceito de seleção é hoje um patrim ônio com um tal como por exemplo a hipótese heliocêntrica e a idéia do cultivo de hom ens já com parece na Repú blica platônica Am bos os conceitos já foram utilizados por exemplo por F A Lange na sua obra sobre a Q uestão operária e de há m uito são tão familiares entre nós que é impossível um malentendido por parte de quem quer que conheça a nossa literatura Uma questão mais difícil é a referente ao valor que possamos atribuir às tentativas mais recentes instigantes mas suscetíveis de sérias dúvidas quanto ao método e aos resultados c indubitavelm ente falhas em certos exageros no sentido de estender o alcance do ponto de vista da seleção conform e Darwin e W eismann ao canipo da pesquisa econômica Apesar disso as obras de Otto Ammon A seleção natural entre os hom ens A ordem social e seus fundam en tos naturais merecem mais atenção do que têm obtido apesar de todas as restrições cabíveis Uma falha da maior parte das contribuições para o esclare cim ento de problem as na nossa ciência proindas das ciências naturais reside na pretensão equivocada de refutarem o socialismo Tão em penhados se acham nisso que acabam involuntariam ente convertendo uma teoria de ciência natural da ordem social numa apologia dessa mesma ordem 1 acerca de onde se encontra o limite para a variabilidade das qualidades físicas e psíquicas de uma população sob a influência das condições de vida em que estão colocadas Nesse ponto a pergunta involuntária que de imediato ocorre a todos é o que pode e deve ocorrer aqui Permitamme no entanto dispensarme de tratar mais a fundo esse tema e que eu mencione as duas exigências que no meu entender devem ser postas da perspectiva do germanismo e efetivamente vêm sendo colocadas com crescente unanimidade A primeira é fechamento da fronteira oriental Ela foi realizada sob o príncipe Bismarck e revogada quando da sua retirada em 1890 o domicílio permanente continuou negado aos estrangeiros mas a sua entrada era permitida enquanto trabalhadores itinerantes Um latifundiário com consciência de classe posto à frente da Prússia excluiuos tendo em mente a manutenção da nossa nacionalidade e o odioso adversário dos grupos agrários admitiuos no interesse dos latifundiários que são os beneficiários exclusivos da sua incorporação Nem sempre como se vê o ponto de vista econômico de classe é decisivo nas questões de política econômica neste caso a circunstância decisiva foi a passagem do leme do Estado de uma mão forte para uma mais fraca A outra exigência é a compra sistemática de terras pelo Estado ou seja a expansão dos domínios de propriedade real por um lado e a colonização sistemática por agricultores alemães em terras próprias especificamente em terras de domínio apropriadas pelo outro Empreendimentos de grande vulto que só podem ser mantidos às custas da germanidade merecem perecer do ponto de vista nacional e aban donálas à própria sorte significaria permitir através do parcelamento gradual o surgimento de colônias de fome eslavas incapazes de se manterem E não é apenas o interesse na contenção do fluxo eslavo que demanda a passagem de partes importantes das terras orientais para as mãos do Estado mas também a devastadora crítica que os próprios latifundiários dirigem contra a manutenção da sua propriedade privada quando reclamam serem liberados do risco da responsabilidade pelo que possuem ou seja daquilo que é sua única autojustificativa através de um monopólio dos cereais e uma contribuição anual de meio milhão de marcos De todo modo não pretendo tratar hoje da questão prática da política agrária prussiana Pretendo determe sobre a circunstância de que uma questão como essa sequer ocorra entre nós Hiv que atribuamos 66 67 alguma importância à germanidade do leste que consideremos que ela deve ser protegida e que para tanto a política econômica do Estado também deva ser acionada É a circunstância de que nosso Estado é um Estado nacional que nos leva a nos sentirmos no direito a essa exigência Qual é no entanto a posição da política econômica em face disso Serão para ela esses juízos de valor nacionalistas prejuízos dos quais cumpriria livrarse cuidadosamente para poder aquilatar os fatos econô micos conforme o seu próprio critério de valor sem influências de reflexos emocionais E qual é esse critério de valor próprio da política econômica A essas questões pretendo dedicarme em seguida A luta econômica entre as nacionalidades também segue o seu curso sob a aparência de paz como vimos Não é no combate aberto que os camponeses e diaristas alemães do leste foram desalojados por adversários politicamente superiores é na silenciosa e enfadonha luta da vida econômica cotidiana que eles perdem em face de uma raça inferior abandonam a pátria e vão submergir num futuro obscuro Não há paz também na luta econômica pela existência somente quem toma aquela aparência de paz pela verdade pode crer que o futuro reserve paz e felicidade para os nossos descendentes Como sabemos a política econômica nacional é concebida vulgarmente como uma especulação sobre receitas para oferecer felicidade ao mundo Para quem pensa assim a melhoria da balança do prazer da existência humana é a única meta compreensível do nosso trabalho Basta no entanto a negra seriedade do problema populacional para impedirnos de ser eudemo nistas de presumir a paz e a felicidade humana escondidas no seio do futuro e de acreditar que haja outra forma de abrir seu espaço na exis tência terrena senão a da dura luta do homem com o homem Seguramente não existe trabalho na área da política econômica que não tenha fundamento altruísta Os frutos de todo o esforço de política econômica e social do presente apenas beneficiarão na sua grande maioria a próxima geração Nosso trabalho somente pode ser voltado para o futuro para nossos descendentes se é que deva ter um sentido Mas tampouco existe um trabalho de política econômica baseado em esperanças otimistas de felicidade Para o sonho da paz e da felicidade humana o portão do futuro desconhecido reserva a adver tência Iasciate ogni speranza A questão que move nosso pensamento para além da própria geração e que na realidade fundamenta qualquer trabalho de política 68 econômica não se refere a como estarão os homens do futuro mas sim a como serão Não buscamos criar o bemestar dos homens mas sim aquelas características às quais atribuímos a grandeza humana e a nobreza da nossa natureza As doutrinas econômicas têm alternativamente enfatizado ou mes mo identificado ingenuamente enquanto critérios de valor o problema técnicoeconômico da produção de bens e o problema da distribuição de bens da justiça social E contudo sempre acabou vindo à tona de modo semiinconsciente mas dominante o conhecimento de que uma ciência do homem como é a Economia Política pergunta antes de mais nada sobre a qualidade dos homens que são criados por essas condições de existência econômicas e sociais E nesse ponto temos que precaver nos contra uma ilusão A Economia Política enquanto cicncia explicativa e analítica é internacional mas tão logo pronuncia juízos de valor está vinculada àquela expressão da humanidade que encontramos no nosso próprio ser Isso vale com maior força precisamente quando imaginamos termo nos despido plenamente da nossa pele E para usar uma imagem um tanto fantástica se nos fosse dado retornar ao mundo dos vivos após milênios então seriam os traços remotos do nosso próprio ser que iríamos procurar na fisionomia da humanidade futura Também os nossos ideais terrenos mais sublimes são mutáveis e transitórios Não podemos tentar impôlos ao futuro Mas podemos querer que ele reco nheça no nosso modo de ser a figura dos seus próprios antepassados Nós como nosso trabalho e nosso ser queremos ser os antepassados da humanidade futura Assim a política econômica de um Estado alemão assim como o critério de valor do teórico econômico alemão somente podem ser alemães Será isso diferente desde que o desenvolvimento econômico come çou a formar uma comunidade econômica abrangente das nações para além das fronteiras nacionais Será necessário por isso lançar ao ferro velho o critério de julgamento nacionalista junto com o egoísmo nacional Será que a luta pela autonomia econômica com vistas à própria mulher e filhos esteja obsoleta desde que a família foi despida das suas antigas funções como comunidade produtiva e tenha sido integrada no círculo da comunidade econômica nacional Sabemos que esse não é o caso essa luta assumiu outras formas formas a respeito das quais ainda se poderia perguntar se devem ser encaradas como uma 69 suavização ou mais propriamente como uma interiorização e aguça mento dessa luta Desse modo a comunidade econômica nacional não passa de uma outra forma do embate entre as nações e isso de tal maneira que a luta pela afirmação da própria cultura não foi atenuada mas sim dificultada porque traz à arena interesses materiais existentes no próprio seio da nação que se aliam contra o seu futuro Não é a paz e a felicidade que devemos legar aos vindouros mas sim a eterna luta pela manutenção e aperfeiçoamento do nosso modo de ser nacional E não deveríamos rendernos à esperança otimista de que com o desenvolvimento máximo da cultura econômica entre nós essa tarefa esteja realizada e de que a seleção através do confronto econômico livre e pacífico conduza o tipo mais evoluído espontanea mente à vitória Seremos responsabilizados perante a História pelos nossos herdeiros não pela organização econômica que lhes legarmos mas pela amplitude do espaço de ação que consigamos e deixemos para eles Os processos de desenvolvimento econômico são também em última instância lutas de poder São interesses de poder nacional sempre que postos em ques tão e são os interesses últimos e decisivos que a política econômica de uma nação deve servir A ciência da política econômica nacional é uma ciência política Ela é uma serva da política não da política mo mentânea dos grupos e classes dominantes no momento mas dos perenes interesses de poder nacional E o Estado nàcional não repre senta para nós algo indefinido que se imagina estar elevando tanto mais alto quanto mais a sua essência fica recoberta por névoas místicas mas a organização mundana do poder nacional E nesse Estado nacional o critério de valor definitivo que vale também para o ponto de vista da política econômica é para nós a razão de Estado Ela não significa para nós ao contrário de um estranho malentendido a ajuda do Estado no lugar da ajuda própria a regulamentação estatal da vida econômica no lugar do livre jogo das forças econômicas O que queremos exprimir ao falarmos de razão de Estado é a reivin dicação de que o interesse de poder econômico e político da nossa nação e do seu portador o Estado nacional alemão seja a instância final e decisiva para as questões da política econômica alemã E isso referese também a questões como a de se o Estado deve e em que medida interferir na vida econômica ou então se e quando deve liberar as forças econômicas nacionais para sua livre expansão e derrubar suas peias 70 Terá sido supérfluo recordar essas aparentes obviedades Ou será esse o caso por serem elas evocadas precisamente por um representante mais jovem das ciências econômicas Não me parece pois tudo indica que é justamente a nossa geração que mais freqüentemente perde de vista os fundamentos mais simples do julgamento Somos testemunhas de como o seu interesse pelas questões que movem a nossa ciência aumenta de modo inaudito Avança em todos os domínios o modo econômico de considerar os problemas Política social no lugar da política relações de poder econômicas no lugar de relações jurídicas história da cultura e da economia no lugar da história política passam para o primeiro plano das considerações Um dos nossos teóricos mais talentosos não viu empecilhos para chamar a Jurisprudência de serva da Economia E com efeito também na Jurisprudência penetra a forma econômica de consideração mesmo no que ela tem de mais íntimo nos manuais dos comentaristas dos digestos do Direito Romano já se entrevê aqui e acolá o econômico E nos julgamentos dos tribu nais encontramos não raro onde os conceitos jurídicos não têm mais como prosseguir os chamados pontos de vista econômicos Enfim para adotar a frase dita um tanto em tom de censura por um colega jurista estamos na moda Uma forma de consideração dos problemas que abre o seu caminho com tanta segurança corre o risco de certas ilusões e de superestimar o alcance dos próprios pontos de vista sobretudo num sentido muito determinado Assim como a difusão dos temas da cogitação filosófica que já é perceptível externamente pelo fato de que as antigas cadeiras de Filosofia estão confiadas a por exemplo eminentes fisiólogos freqüentemente levou os leigos à opinião de que as velhas questões sobre a essência do conhecimento humano não constituam mais os problemas últimos e centrais da Filosofia assim também formouse nas mentes da geração emergente a idéia de que graças ao trabalho das ciências econômicas tenhase ampliado enormemente não apenas o conhecimento da essência das comunidades humanas como também que o critério pelo qual em última instância valorizamos os fatos tenha sido integralmente renovado A Economia Política é vista como tendo condições para retirar ideais específicos da sua matéria própria Percebese a ilusão de óptica que leva a conceber ideais econômicos ou sóciopolíticos independentes quando procuramos trazer à luz esses fundamentos próprios da avaliação com base na literatura da nossa ciência Ao fazêlo defrontamonos com um caos de critérios valora 71 tivos alguns de caráter eudemonista outros de caráter ético e com freqüência ambos obscuramente identificados Por todo lado pronun ciamse juízos de valor com desembaraço e renunciar a uma avaliação dos fenômenos econômicos significaria de fato desistir precisamente daquela tarefa que é exigida de nós Não é contudo a regra mas quase a exceção que aquele que emite os julgamentos esclareça os demais e a si próprio sobre o cerne subjetivo último das suas apreciações vale dizer sobre os ideais a partir dos quais ele avança para a avaliação dos processos observados Falta o autocontrole consciente as contradições internas do julgamento não chegam à consciência do escritor e quando ele se propõe formular genericamente o seu princípio especificamente econômico acaba caindo em formulações imprecisas Na realidade os ideais que introduzimos na matéria da nossa ciência não são especí ficos e independentes mas antes os velhos tipos gerais de ideais humanos Somente quem se fundamenta no interesse puramente platônico do tecnólogo ou inversamente nos interesses de fato de uma classe deter minada seja ela dominante ou dominada pode pretender extrair dessa matéria mesma o critério para o seu julgamento Seria então inútil que precisamente nós discípulos da escola histó rica alemã observemos essas verdades tão simples Justamente nós caímos facilmente numa ilusão aquela de que possamos absternos em geral do próprio julgamento de valor consciente A evidente conse qüência disso não é que ficamos fiéis a uma regra correspondente mas que incorremos em instintos simpatias e antipatias E ainda mais facilmente ocorre que o nosso ponto de partida para a análise e a explicação dos processos econômicos também se tome inconscientemente determinante para o nosso julgamento a respeito Talvez caiba justa mente a nós precavermonos de que aquelas grandes características dos mestres atuais e passados da nossa escola aos quais ela e a ciência devem seus êxitos convertamse em erros nossos Duas bases diversas para a consideração impõemse à atenção do ponto de vista prático Podemos observar o desenvolvimento econô mico de uma perspectiva superior do cimo da história administrativa dos grandes estados alemães cuja administração e conduta em assuntos econômicos e sociais perseguimos na sua gênese e dos quais nos torna mos involuntariamente apologetas Quando para permanecermos no nosso exemplo a administração decide fechar a fronteira oriental estaremos inclinados e aptos para encontrar nisso o final de uma série evolutiva histórica que suscita elevadas tarefas para o Estado atual em nome de grandes reminiscências do passado E se tal decisão não se 72 verifica é de se presumir que medidas radicais como essa são em parte inúteis e em parte não mais correspondem às concepções de hoje Ou ainda podemos observar o desenvolvimento econômico a partir de baixo Vemos então o grande espetáculo de como as lutas de emanci pação das classes ascendentes destacamse do caos dos conflitos de interesses econômicos observamos como a situação econômica de poder deslocase para o seu benefício e involuntariamente tomamos o partido daqueles que ascendem porque são mais fortes ou começam a tomarse Pelo mero fato de vencerem elas parecem provar que representam um tipo economicamente superior da humanidade Com demasiada facilidade o historiador é dominado pela idéia de que a vitória dos elementos mais evoluídos seja evidente e que a derrota na luta pela existência seja sintoma de atraso E sempre que esses numerosos sintomas daquele deslocamento de poder se verificam isso lhe causa uma satisfação que não deriva somente da comprovação das suas observações mas também de que ele sente neles de maneira pouco consciente um triunfo pessoal a história o confirmou As resistências encontradas por aquela evolução são observadas por ele com certa animosidade inconsciente elas não lhe parecem conseqüências naturais de um evidente jogo de interesses mas uma espécie de revolta contra o julgamento da História A crítica que devemos aplicar também a eventos que se nos apresentam como resultados irrefletidos de tendências evolutivas históricas abandonanos no exato momento em que mais a necessitávamos De todo modo já nos é demasiado próxima a tentação de nos convertermos em seguidores do vencedor da luta pelo poder econômico e por essa via esquecermos que o poder econômico e a vocação para a direção política da nação nem sempre coincidem Aqui entramos numa última série de considerações de caráter mais práticopolítico pois é conforme esse critério de valor político que para nós nacionalistas econômicos é o único soberano que também medimos as classes que dirigem ou aspiram fazêlo a nação Perguntamonos pela sua maturidade política vale dizer pela sua capacidade em cada momento para antepor os interesses permanentes do poder nacional a quaisquer outras considerações É uma graça do destino para a nação quando a identificação ingênua dos interesses da própria classe com os da generalidade dos interesses permanentes de poder corresponde tam bém a estes Por outro lado é também um dos equívocos causados pela superestima moderna do econômico no sentido usual do termo quando se sustenta que os sentimentos políticos coletivos não suportam 73 o confronto com interesses econômicos divergentes do momento ou até mesmo sejam apenas um reflexo da infraestrutura econômica dessa situação mutável de interesses Isso só é válido e de modo aproximado para épocas de transformação social fundamental Uma coisa somente é verdadeira em nações nas quais diversa mente do que ocorre na Inglaterra a dependência do seu florescimento econômico em relação à sua posição política não é cotidianamente explicitada os próprios instintos para esses interesses especificamente políticos não residem pelo menos não em regra nas grandes massas da nação que estão às voltas com as necessidades do dia seria in justo exigir isso delas Nos grandes momentos no caso de guerra tam bém elas ficam sensibilizadas pela importância do poder nacional Então fica demonstrado que o Estado nacional também repousa em bases psicológicas profundas entre as amplas camadas economicamente domi nadas da nação e de modo algum é apenas uma superestrutura a organização da classe economicamente dominante Ocorre que em épocas normais esse instinto político da massa cai abaixo do limiar da consciência Então convertese em função específica das camadas diri gentes econômica e politicamente serem as portadoras do sentido político que é a única base para justificarse politicamente a sua pre sença Em todas as épocas atingir o poder econômico foi o que permitiu a uma classe conceberse como candidata ao poder político É perigoso e incompatível a longo prazo com o interesse nacional que uma classe economicamente decadente mantenha em mãos a dominação política Mais perigoso ainda contudo é quando classes para as quais se movi menta o poder econômico e com isso a candidatura para a dominação política ainda não estejam politicamente maduras para a condução do Estado Ambos esses perigos ameaçam atualmente a Alemanha e nisso reside de fato a chave para os presentes perigos da nossa situação E também as mudanças na estrutura social do leste alemão às quais se referem os fenômenos discutidos acima pertencem a esse contexto maior Àté o presente no Estado prussiano a dinastia apoiouse politica mente no estamento dos Junker prussianos É verdade que contra ele mas também apenas com ele ela criou o Estado prussiano Bem sei que o nome Junker soa hostil para ouvidos meridionais alemães Talvez se ache que eu falo uma língua prussiana quando digo uma palavra em seu favor Não saberia fazêlo na realidade Ainda hoje na Prússia muitos caminhos conduzem ao prestígio e ao poder para esse estamento 74 e também muitos caminhos para os ouvidos do monarca fechados para outros cidadãos estão abertos para ele O estamento Junker nem sempre usou esse poder de maneira que o habilite a responder perante a História e não vejo por que um intelectual burguês deveria amálo Mas apesar disso tudo a força dos seus instintos foi um dos maiores recursos disponíveis a serviço dos interesses de poder do Estado Os Junker realizaram a sua tarefa e sofrem agora a sua agonia econômica da qual nenhuma política estatal poderia reconduzilos ao seu antigo caráter social E também as tarefas do presente são diversas daquelas que eles poderiam desempenhar Durante um quarto de século esteve à frente da Alemanha o último e o maior dos Junker Bismarck e o aspecto trágico que marca a sua carreira de estadista ao lado da sua grandeza incomparável e que ainda hoje não é percebida por muitos será provavelmente identificada no futuro na circunstância de que sob a sua direção a obra das suas mãos a nação à qual deu unidade modificou lenta e irresistivelmente a sua estrutura econômica e se converteu numa outra num povo que forçosa mente reivindicaria outras ordenações que não aquelas congruentes com sua natureza cesarista que ele podialhe oferecer No final foi isso mesmo que provocou o fracasso parcial da obra da sua vida Pois essa obra deveria ter conduzido não somente à unificação externa mas tam bém interna da nação E todos sabemos que isso não foi alcançado nem poderia ser alcançado com os seus meios As grandes propriedades rurais do leste alemão constituíam os pontos de apoio da classe dominante prussiana dispersa pelo país e também o ponto de referência social do aparelho administrativo estatal Mas com a sua desagregação o fulcro da inteligência política deslocase irresistivelmente para as cidades ao desaparecer o caráter social da antiga nobreza fundiária Essa mudança é o momento político decisivo do desenvolvimento agrário do leste Para que mãos no entanto desliza essa função política dos Junker e como se definem esses beneficiários em termos de vocação política Sou membro da classe burguesa sintome como tal e fui educado nas suas concepções e nos seus ideais Cumpre contudo justamente à nossa ciência dizer o que não se aprecia ouvir para cima para baixo e também para a própria classe E quando eu me pergunto se a bur guesia alemã está madura para ser a classe politicamente dirigente da nação então não tenho como responder hoje pela afirmativa O Estado alemão não foi criado pela força própria da burguesia e quando ele foi 75 forjado estava à frente da nação aquela figura majestosa talhada em madeira diferente da burguesa As grandes tarefas de uma política de potência não foram apresentadas desde logo à nação Somente muito mais tarde e de modo tímido e um tanto contrafeito começou uma política de potência extraeuropéia que não merece esse nome Após ter sido conquistada assim a unidade nacional e quando a sua saturação política estava estabelecida a burguesia alemã ébria de triunfo e sequiosa de paz foi tomada por um singular espírito ahistórico e apolítico A história alemã parecia terse encerrado O presente era a plena realização dos milênios anteriores quem se dispunha a perguntar se o futuro poderia julgar de modo diverso Era como se a modéstia impedisse a história universal de abandonar esses êxitos da nação alemã e retomar a agenda do seu decurso cotidiano Hoje tornamonos sóbrios atrainos a experiência de levantar o véu das ilusões que nos escondem o lugar da nossa geração na evolução histórica da pátria E pareceme que então julgamos de outro modo Sobre o nosso berço pesava a maior maldição que a História possa reservar para uma estirpe humana o duro destino de sermos os que vieram depois epígonos políticos Não nos apresenta agora mesmo a pátria um semblante lamen tável Nos episódios dos últimos meses pelos quais a responsabilidade cabe primordialmente a políticos burgueses em muito daquilo que se disse no Parlamento e para ele aqueles entre nós que não perderam a capacidade de odiar a mesquinharia reconheceram com a paixão da tristeza revoltada a atividade menor de epígonos políticos O formidável sol que ocupava o zênite da Alemanha e fazia brilhar o nome alemão nos rincões mais remotos parecia mesmo ser demasiado grande para nós Seu fogo aniquilou a nascente capacidade de julgamento da burguesia Pois o que ela nos apresenta É por demais patente a ansiedade de uma parcela da grande burguesia pelo advento de um novo César que a proteja tanto para baixo contra as massas populares em as censão quanto para cima contra veleidades de política social que suspeita existirem nas dinastias alemãs E uma outra parcela de há muito submergiu nas preocupações menores das quais amplas camadas da pequena burguesia jamais despertaram Quando logo após as guerras de unificação as primeiras tarefas positivas da nação se apresentaram e com elas a idéia de uma expansão extraeuropéia já lhes faltava até mesmo a compreensão econômica elementar que lhes faria ver quanto representaria para o comércio alemão em mares longínquos a presença da bandeira da Alemanha nessas costas 76 Não são causas econômicas nem a tão alegada política de interesses que outras nações conhecem tão bem quanto nós as res ponsáveis pela imaturidade política de amplas camadas da burguesia alemã A causa está no seu passado apolítico está em que a educação política de um século não pode ser recuperada numa década e de que o domínio de um grande homem nem sempre é um meio de educação política E a séria questão para o futuro político da burguesia alemã é agora a de se já não é tarde demais para recuperar esse atraso Ne nhuma instância econômica pode substituir essa educação política Serão outras classes as portadoras de um futuro político mais elevado O proletariado moderno apresentase cheio de segurança como herdeiro dos ideais burgueses Quais são as suas qualificações para reivindicar a condução política da nação Quem dissesse hoje para a classe trabalhadora alemã que ela está politicamente madura ou em vias de atingir a maturidade política seria um adulador e um aspirante à duvidosa coroa da popularidade Do ponto de vista ecpnômico as camadas mais elevadas da classe trabalhadora alemã são muito mais maduras do que o egoísmo das classes proprietárias está disposto a reconhecer e é com toda a razão que ela reiyindica a liberdade de fazer representar os seus interesses tambem sob a forma da luta abertamente organizada pelo poder econô mico Do ponto de vista político ela é infinitamente mais imatura do que desejalhe fazer crer uma claque de jornalistas desejosa de mono polizar a sua direção Nos círculos desses burgueses desclassificados são muito apreciadas as reminiscências da época de há mais de 100 anos e conseguiuse de fato instilar aqui e acolá em mentes temerosas a idéia de que rieles estejam os herdeiros espirituais de 1848 Só que eles são infinitamente mais inofensivos do que imaginam ser Neles não vive uma centelha sequer daquela energia catilinária da ação mas evidente mente também nenhum traço da violenta paixão nacional que movia os homens de 1848 Não passam de lamentáveis artesões políticos faltamlhes os grandes instintos de poder de uma classe chamada para a condução política Não são apenas os interesses do capital os adversários políticos da participação dos trabalhadores no domínio do Estado ao contrário do que se lhes faz crer Um exame dos gabinetes de trabalho doS eru ditos alemães revelaria poucos traços de uma comunidade entre os seus interesses e os do capital No entanto também a eles perguntamos pela sua maturidade política E como nada há de mais aniquilador do que 77 a condução por uma mediocridade desprovida de educação política e como o proletariado alemão ainda não perdeu esse caráter por isso somos seus adversários políticos E por que o proletariado da Inglaterra e da França é em parte diferente A causa disso não reside apenas no trabalho educativo econômico que a luta organizada de interesses pro piciou aos trabalhadores ingleses Encontrase mais uma vez numa instância eminentemente política a ressonância da posição de potência mundial que continuamente põe o Estado diante de grandes tarefas de política de potência e envolve o indivíduo num aprendizado político crônico que ele só sente entre nós quando há uma ameaça aguda nas fronteiras É decisivo também para o nosso desenvolvimento se uma grande política será capaz de fazernos ver novamente a significação das grandes questões políticas de poder Devemos compreender que a uni ficação da Alemanha foi uma proeza juvenil que a nação cometeu nos seus dias tardios e que melhor seria que não tivesse feito se ela deveria representar o encerramento e não o início de uma política de potência mundial da Alemanha O ameaçador da nossa situação no entanto é que as classes bur guesas parecem fenecer enquanto portadoras dos interesses de poder nacionais e que ainda não há sinais de que as classes trabalhadoras estejam começando a adquirir maturidade para tomarem o seu lugar Ao contrário do que acreditam aqueles que olham hipnotizados para as profundezas da sociedade não é nas massas que reside o perigo Não é uma questão sobre a situação econômica dos dominados mas sim aquela sobre a qualificação política das classes dominantes e emer gentes que constitui o conteúdo último do problema políticosocial O objetivo do nosso trabalho políticosocial não é a felicidade do mundo mas sim a unificação social da nação que foi rompida pelo desenvolvi mento econômico moderno tendo em vista as pesadas lutas vindouras Caso fosse possível efetivamente criar uma aristocracia operária portadora da visão política de que atualmente sentimos falta no movimento trabalhista somente então a lança para a qual o braço da burguesia ainda não parece ser bastante robusto poderia passar para esses ombros mais largos Até lá ainda parece haver um longo caminho Para agora contudo o que vemos é a necessidade de um inaudito trabalho de educação política e não há dever mais sério para nós do que cada qual no seu pequeno círculo estarmos conscientes precisa mente dessa tarefa a de colaborar na educação política da nossa nação E este também deve permanecer como o objetivo último da nossa ciência A evolução econômica em períodos de transição ameaça desa 78 gregar os instintos políticos naturais Seria uma lástima se também a ciência econômica seguisse o mesmo rumo na medida em que ela acalentasse um eudemonismo macio por mais espiritualizado que fosse na forma por detrás da ilusão de ideais sóciopolíticos indepen dentes Também em face da violenta penúria das massas da nação que pesa sobre a consciência social mais apurada da nova geração devemos reconhecer francamente que ainda mais fortemente pesa sobre nós a consciência da nossa responsabilidade perante a História Não será dado à nossa geração ver se a luta em que nos empenhamos dará fru tos se o mundo vindouro nos reconhecerá como seus antepassados Somente conseguiremos quebrar a maldição sob a qual nos encontramos a de sermos descendentes de uma era politicamente grandiosa se sou bermos tornarnos algo diverso a saber os precursores de uma época maior 3 A OBJETIVIDADE DO CONHECIMENTO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS A revista Arquivo para a Ciência Social e Política Social sempre tratou todos os objetos de suas análises como de natureza sócioeconô mica Embora não seja esse o momento para dedicarse a determinações de conceitos e delimitações de ciências impõese um esclarecimento sumário acerca do sentido disso Todos aqueles fenômenos que no sentido mais amplo designamos por sócioeconômicos vinculamse ao fato básico de que a nossa existência física assim como a satisfação das nossas necessidades mais ideais defrontamse por todos os lados com a limitação quantitativa e a insuficiência qualitativa dos meios externos que demandam a pre visão planejada e o trabalho a luta com a natureza e a associação com homens Por sua vez o caráter de fenômeno sócioeconômico de um evento não é algo que lhe seja objetivamente inerente Pelo contrário ele está condicionado pela orientação do nosso interesse de conheci mento e essa orientação definese conforme o significado cultural que atribuímos ao evento em questão em cada caso particular Sempre que um evento da vida cultural vinculase direta ou indiretamente àquele fato básico através daqueles elementos da sua especificidade nos quais repousa para nós o seu significado próprio ele contém ou pelo menos pode conter conforme o caso um problema de ciência social ou seja envolve uma tarefa para uma disciplina que toma por objeto a pesquisa do alcance do fato básico apontado acima Entre os problemas econômicosociais podemos estabelecer distin ções Temos eventos e complexos deles normas instituições etc cujo Reproduzido de W e b e r M Die Objektivitàt Sozialwissenschaftlicher und Sozial politischer Erkenntniss In Gesammelte Aufsatze zur Wissenschaftlehre 4 ed organizada e revista por Johannes Winkelmann Tübingen J C B Mohr Paul Siebeck 1973 p 161214 Não foi incluída a seção introdutória do ensaio p 14661 Trad por Gabriel Cohn significado cultural para nós repousa basicamente no seu aspecto econô mico Por exemplo acontecimentos da vida bancária e da bolsa que desde logo nos interessam essencialmente sob esse ponto de vista Em regra mas não exclusivamente isso sucede quando se trata de instituições que foram criadas ou são utilizadas conscientemente para fins econômi cos Esses objetos do nosso conhecimento podem ser chamados em sentido estrito de eventos ou instituições econômicas A isso somamse outros como por exemplo acontecimentos da vida religiosa que não nos interessam ou por certo não o fazem pri mordialmente do ângulo do seu significado econômico e em nome dele mas que em determinadas circunstâncias podem adquirir um significado econômico sob esse ponto de vista dado que deles resultam determinados efeitos que nos interessam sob uma perspectiva econômica São fenô menos economicamente relevantes E finalmente entre os fenômenos que não são econômicos neste nosso sentido encontramse alguns cujos efeitos econômicos pouco ou nenhum interesse oferecem para nós como por exemplo a orientação do gosto artístico de uma dada época No entanto tais fenômenos mostram em determinados aspectos significativos do seu caráter uma influência mais ou menos intensa de motivos econômicos no nosso caso talvez pela composição social do público interessado pela arte São fenômenos economicamente condicionados Assim por exemplo o complexo de relações humanas normas e condições normativamente determinadas que designamos por Estado é um fenômeno econômico no que se refere às finanças públicas Na medida em que intervém na vida econômica por vias legislativas ou de qualquer outro modo mesmo nos casos em que o seu comportamento é determinado conscientemente por pontos de vista completamente diferentes dos econômicos é economicamente relevante Finalmente na medida em que a sua conduta e o seu caráter são determinados por motivos econômicos também em outras relações que não as econô micas é economicamente condicionado Compreendese diante disso que por um lado o âmbito das mani festações econômicas é fluido e não pode ser delimitado com rigor e por outro que os aspectos econômicos de um fenômeno nem são apenas economicamente condicionados nem apenas economicamente eficazes e que um fenômeno só conserva a sua qualidade de econô mico na estrita medida em que o nosso interesse está exclusivamente centrado no seu significado para a luta material pela existência 80 81 A nossa revista tal como a ciência econômicosocial a partir de Marx e Roscher não se ocupa apenas dos fenômenos econômicos mas também dos economicamente relevantes e economicamente con dicionados Naturalmente o âmbito desses objetos que varia conforme a orientação do nosso interesse em cada caso abrange a totalidade dos eventos culturais Os motivos especificamente econômicos isto é aqueles que pelas suas particularidades significativas para nós estão ligados a esse fato básico atuam sempre onde a satisfação de uma necessidade por mais imaterial que seja envolve a utilização de meios externos limitados O seu ímpeto contribui assim em todo lugar para determinar e trans formar não só a forma da satisfação como também o conteúdo das necessidades culturais mesmo as de tipo mais íntimo A influência indireta das relações sociais instituições e agru pamentos humanos submetidos à pressão de interesses materiais estendese muitas vezes de modo inconsciente por todos os domínios da cultura sem exceção mesmo dos mais delicados matizes do senti mento estético e religioso Tanto os acontecimentos da vida quotidiana como os fenômenos históricos de alta política tanto os fenômenos coletivos ou de massa como as ações individuais dos estadistas ou as realizações literárias e artísticas sofrem a sua influência são economi camente condicionados Por outro lado o conjunto de todos os fenômenos e condições de existência de uma cultura historicamente dada influi sobre a configu ração das necessidades materiais sobre o modo de satisfazêlas sobre a formação dos grupos de interesses materiais e sobre a natureza dos seus meios de poder e por essa via sobre a natureza do curso do desenvol vimento econômico tornandose assim economicamente relevante Na medida em que a nossa ciência pela regressão causai atribui causas individuais de caráter econômico ou não a fenômenos culturais econômicos ela busca um conhecimento histórico Na medida em que persegue um elemento específico dos fenômenos culturais neste caso o elemento econômico através dos mais variados com plexos culturais no intuito de discernir o seu significado cultural ela busca uma interpretação histórica sob um ponto de vista específico Oferece assim uma imagem parcial um trabalho preliminar para o conhecimento histórico completo da cultura Embora nem sempre que ocorra uma intervenção de elementos econômicos sob a forma de causa ou de efeitos defrontemonos com 82 um problema econômicosocial pois este apenas se produz onde o significado de tais fatores é problemático e só pode comprovarse me diante a aplicação dos métodos da ciência econômicosocial o alcance do domínio de trabalho do modo de consideração sócioeconômico não deixa de ser quase ilimitado Com deliberada autolimitação a nossa revista sempre renunciou ao cultivo de uma série de domínios específicos muito importantes da nossa disciplina tais como a Economia Descritiva a História da Economia em sentido estrito e a Estatística Do mesmo modo deixou para outros órgãos o estudo dos problemas técnicofinanceiros e técnico econômicos da formação do mercado e dos preços na moderna economia de troca A revista tem mantido como campo de trabalho o significado atual e o desenvolvimento histórico de determinadas constelações de interesses e de conflitos nascidos na economia dos modernos países civilizados com base no papel preponderante que o capital neles desempenhou em sua busca de valorização Nisso ela não se limitou aos problemas práticos e do desenvolvimento histórico da chamada questão social em sentido estrito tais como as relações entre a moderna classe dos assalariados e a ordem social existente É claro que o estudo científico aprofundado do crescente interesse que este problema teve no nosso país no decorrer da década de 1880 constituiu forçosamente uma das suas tarefas essenciais No entanto à medida que o estudo prático das condições operárias se converteu também entre nós em objeto constante da legislação e da discussão pública o centro de gravidade do trabalho científico foi obrigado a deslocarse no sentido do estabelecimento das relações mais universais de que estes problemas fazem parte Assim teve que desembocar na tarefa de analisar todos os problemas culturais modernos criados pela natureza particular dos fundamentos econômicos da nossa cultura e portanto dela específicos Deste modo a revista logo preocupouse com as mais diversas condições de vida em parte economicamente relevantes e em parte economicamente condicionadas das demais grandes classes das mo dernas nações civilizadas assim como em examinar sob um ponto de vista histórico estatístico e teórico as relações entre elas Assim apenas deduzimos as conseqüências desta atitude quando afirmamos que o campo de trabalho característico da nossa revista é a pesquisa científica do significado cultural geral da estrutura sócio 83 econômica da vida social humana e das suas formas de organização históricas É precisamente isto e não qualquer outra coisa o que pretendemos dizer ao intitular a nossa revista Arquivo para a Ciência Social Este termo abrange aqui o estudo histórico e teórico dos mesmos problemas cuja solução prática constitui o objeto da política social no sentido mais lato da palavra Fazemos uso nisso do direito de utilizar a ex pressão social no significado determinado pelos problemas concretos da atualidade Quando se dá o nome de ciências da cultura às disci plinas que estudam os acontecimentos da vida humana a partir da sua significação cultural então a ciência social tal como nós a enten demos aqui pertence a esta categoria Em breve veremos que conse qüências de princípio daí decorrem Não há dúvida que sublinhar o aspecto econômicosocial da vida cultural constitui uma delimitação muito sensível dos nossos temas Objetarseá que o ponto de vista econômico ou como se diz de modo impreciso materialista a partir do qual consideramos a vida cultural revelase parcial Certamente e essa parcialidade é intencional A crença em que a tarefa do trabalho científico consiste em curar esta parcialidade da perspectiva econômica mediante a sua ampliação até uma ciência geral do social sofre desde logo do defeito de que o ponto de vista do social isto é o das relações entre os homens somente possui uma exatidão suficiente para delimitar problemas científico quando provido de algum predicado especial que determine o seu conteúdo Do contrário considerado como objeto de uma ciência abrangeria naturalmente tanto a Filologia como a História da Igreja e em especial todas as disciplinas que se ocupam do mais importante elemento constitutivo de qualquer vida cultural o Estado e da mais importante forma de regulamentação normativa o Direito Assim como o fato de a economia social se ocupar dos fenômenos da vida ou dos fenômenos num corpo celeste não obrigam a considerála como parte da Biologia ou de uma futura Astronomia aperfeiçoada também a circunstância de tratar de relações sociais não constitui razão para ser considerada como precedente necessário de uma ciência social geral O domínio do trabalho científico não tem por base as conexões objetivas entre as coisas mas as conexões conceituais entre os pro blemas Só quando se estuda um novo problema com o auxílio de um 84 método novo e se descobrem verdades que abrem novas e importantes perspectivas é que nasce uma nova ciência Não é por casualidade que o conceito de social que parece ter sentido muito geral adquire logo que o seu emprego é submetido a um controle um significado muito particular e específico embora geral mente indefinido O que nele há de geral devese com efeito à sua indeterminação Porque se é encarado no seu significado geral não oferece qualquer ponto de vista específico a partir do qual se possa iluminar a significação de determinados elementos culturais Libertos do preconceito obsoleto de que a totalidade dos fenômenos culturais poderia ser deduzida como produto ou como função de deter minadas constelações de interesses materiais cremos no entanto que a análise dos fenômenos sociais e dos eventos culturais sob a perspectiva especial do seu condicionamento e alcance econômico foi um princípio científico de fecundidade criadora e continuará a sêlo enquanto dele se fizer um uso prudente e livre de inibições dogmáticas Quanto à chamada concepção materialista da História é preciso repelila com a maior firmeza enquanto concepção do mundo ou quando encarada como denominador comum da explicação causai da realidade histórica já o cultivo de uma interpretação econômica da História é um dos fins essenciais da nossa revista Isso exige uma explicação mais concreta Atualmente a chamada concepção materialista da História se gundo por exemplo o antigo sentido genialprimitivo do Manifesto Comunista talvez apenas subsista nas mentes de leigos ou diletantes Entre esses com efeito encontrase ainda muito difundido o singular fenômeno de que a sua necessidade de explicação causai de um fenômeno histórico não fica satisfeita enquanto não se demonstre mesmo que só na aparência a intervenção de causas econômicas Feito isso eles passam a contentarse com as hipóteses mais frágeis e as formulações mais genéricas pois já se deu satisfação à sua necessi dade dogmática segundo a qual as forças econômicas são as únicas causas autênticas verdadeiras e sempre determinantes em última instância Este fenômeno nada tem de extraordinário Quase todas as ciências desde a Filologia até à Biologia mostraram numa ocasião ou noutra a pretensão de produzir não só os seus conhecimentos especí ficos como até concepções do mundo E sob o impulso produzido pela enorme significação cultural das modernas transformações eco nômicas e principalmente pelo transcendente alcance da questão operária não é de estranhar que também viesse desembocar neste 85 caminho a inextirpável tendência monista de todo o conhecimento refratário à autocrítica Hoje no momento em que as nações se enfrentam com hostilidade crescente numa luta política e econômica pelo domínio do mundo a citada tendência redunda em proveito da Antropologia É hoje opinião corrente que em última análise o decurso histórico não seria mais que a resultante da rivalidade de qualidades raciais inatas A mera descrição acrítica das características de um povo foi substituída pela montagem menos crítica ainda de teorias da sociedade supostamente baseadas nas ciências da natureza Na nossa revista seguiremos de muito perto o desenvolvimento da investigação antropológica sempre que se revele importante para os nossos pontos de vista É de esperarse que a situação em que tomar a raça como elo final da cadeia causai meramente documentava o nosso nãosaber como ocorreu de modo semelhante em relação ao ambiente ou anteriormente às circunstâncias da época possa vir a ser lentamente superada através de um trabalho metodologica mente fundamentado Se até este momento houve alguma coisa que tenha prejudicado esta investigação tratase da idéia de diletantes zelosos de que poderiam fornecer ao conhecimento de cultura algo de especificamente diferente e mais importante que o simples alargamento da possibilidade de uma atribuição segura dos acontecimentos culturais concretos e individuais da realidade histórica a certas causas concretas historicamente dadas mediante a obtenção de um material de observação exato com perspectivas específicas É apenas na medida em que a Antropologia possa proporcionarnos conhecimentos deste tipo que os seus resultados serão suscetíveis de interesse e que a biologia racial adquirirá uma importância superior à de um mero produto da moderna febre de instaurar ciências Algo de semelhante sucede com a importância da interpretação econômica do histórico Se hoje em dia após um período de desme dida supervalorização quase existe o perigo de se subestimar a sua capacidade científica isso não é mais que a conseqüência da inaudita ausência de espírito crítico relativamente à interpretação econômica da realidade concebida como método universal no sentido de uma dedu ção de conjunto dos fenômenos culturais isto é de tudo o que para nós é essencial neles a partir de condições que em última instância seriam econômicas Hoje em dia a forma lógica sob a qual se apresenta esta interpretação não é perfeitamente homogênea Quando a explicação puramente econômica depara com dificuldades dispõe de vários meios 86 para manter a sua validade geral como fator causai decisivo Isto é trata tudo aquilo que na realidade histórica não pode ser deduzido a partir de motivos econômicos como algo que por isso mesmo seria acidental e cientificamente insignificante Ou então amplia o conceito de economia até o desfigurar de modo a que nele encontram lugar todos aqueles interesses humanos que de uma maneira ou de outra se ligam a meios externos No caso de existir a prova histórica de que face a duas situações idênticas sob o ponto de vista econômico houve reações diferentes em conseqüência de diferenças nas determinantes políticas religiosas climáticas ou quaisquer outras não econômicas todos estes fatores são então rebaixados ao nível de condições histori camente acidentais sob as quais os motivos econômicos atuam como causais tendo em vista preservar a supremacia do econômico É de entenderse contudo que todos esses aspectos casuais para a perspectiva econômica seguem as suas próprias leis no mesmo sentido em que o fazem os aspectos econômicos e que para uma abordagem que persegue o seu significado específico as respectivas condições econômicas são tão historicamente acidentais quanto na recíproca Finalmente uma tentativa muito comum para manter apesar de tudo o significado preponderante da economia consiste em interpretar as constantes cooperações e interações dos diferentes elementos da vida cultural como dependendo causai ou funcionalmente uns dos outros ou melhor ainda de um único elemento o econômico Deste modo quando uma determinada instituição não econômica realizou também historica mente uma determinada função ao serviço de quaisquer interesses econômicos de classe isto é quando se converteu em instrumento desta como no caso de determinadas instituições religiosas que se deixam utilizar como polícia negra essa instituição é apresentada como expressamente criada para tal função ou em sentido completa mente metafísico como tendo sido moldada por uma tendência de desenvolvimento de caráter econômico Atualmente um perito na matéria dispensará ser informado de que esta interpretação dos fins da análise econômica da civilização era resultante em parte de uma determinada conjuntura histórica que orientou o interesse científico para certos problemas culturais economi camente condicionados e em parte também de um raivoso apego à especialidade científica e de que essa interpretação está hoje pelo menos envelhefcida Em nenhum domínio dos fenômenos culturais pode a redução unicamente a causas econômicas ser exaustiva mesmo no caso específico dos fenômenos econômicos 87 Em princípio a história bancária de não importa que povo que apenas se valesse de motivos econômicos na sua explicação é natural mente tão impossível como por exemplo a explicação da Madona da Capela Sistina a partir das bases sócioeconômicas da vida cultural da época da sua criação e de modo algum é mais exaustiva que por exemplo a explicação que fizesse derivar o capitalismo de certas trans formações dos conteúdos da consciência religiosa que contribuíram para a gênese do espírito capitalista ou ainda a que interpretasse qualquer configuração política a partir de determinados condicionamentos geográ ficos Em todos estes casos é decisivo para a determinação da impor tância a ser concedida aos condicionamentos econômicos a classe de causas que devemos atribuir àqueles elementos específicos do fenômeno em questão que consideramos significativos em cada caso particular O direito à análise unilateral da realidade cultural a partir de perspectivas específicas no nosso caso a do seu condicionamento econômico resulta desde logo e em termos puramente metodológicos da circunstância de que o treino da atenção para observar o efeito de determinadas categorias causais qualitativamente semelhantes assim como a constante utilização do mesmo aparelho metodológicoconceitual oferece todas as vantagens da divisão do trabalho Ela não é arbitrária enquanto o seu êxito falar por ela isto é enquanto oferecer um conhe cimento de relações que demonstrem ser valiosas para a atribuição de causas a determinados acontecimentos históricos concretos Mas a par cialidade e irrealidade da interpretação puramente econômica apenas constituem um caso especial de um princípio de validade muito genera lizada para o conhecimento científico da realidade cultural Todas as subseqüentes discussões terão como fim essencial esclarecer as bases lógicas e as conseqüências gerais de método do que fica exposto Não existe qualquer análise científica puramente objetiva da vida cultural ou o que pode significar algo mais limitado mas segura mente não essencialmente diverso para nossos propósitos dos fenômenos sociais que seja independente de determinadas perspecti vas especiais e parciais graças às quais estas manifestações possam ser explícita ou implicitamente consciente ou inconscientemente seleciona das analisadas e organizadas na exposição enquanto objeto de pesquisa Devese isso ao caráter particular do alvo do conhecimento de qualquer trabalho das ciências sociais que se proponha ir além de um estudo meramente formal das normas legais ou convencionais da con vivência social 88 A ciência social que nós pretendemos praticar é uma ciência da realidade Procuramos compreender a realidade da vida que nos rodeia e na qual nos encontramos situados naquilo que tem de específico por um lado as conexões e a significação cultural das suas diversas mani festações na sua configuração atual e por outro as causas pelas quais se desenvolveu historicamente assim e não de outro modo Ocorre que tão logo tentamos tomar consciência do modo como se nos apresenta imediatamente a vida verificamos que se nos mani festa dentro e fora de nós sob uma quase infinita diversidade de eventos que aparecem e desaparecem sucessiva e simultaneamente E a àbsoluta infinidade dessa diversidade subsiste sem qualquer atenuante do seu caráter intensivo mesmo quando prestamos a nossa atenção isoladamente a um único objeto por exemplo uma transação concreta e isso tão logo tentamos sequer descrever de forma exaus tiva essa singularidade em todos os seus componentes individuais e muito mais ainda quando tentamos captála naquilo que tem de causal mente determinado Assim todo o conhecimento reflexivo da realidade infinita realizado pelo espírito humano finito baseiase na premissa tácita de que apenas um fragmento limitado dessa realidade poderá constituir de cada vez o objeto da compreensão científica e de que só ele será essencial no sentido de digno de ser conhecido E segundo que princípios se isola esse fragmento Constantemente se acreditou poder encontrar o critério decisivo também nas ciências da cultura na repetição regular conforme leis de determinadas conexões causais Segundo esta concepção o conteúdo das leis que somos capazes de reconhecer na inesgotável diversidade do curso dos fenômenos deverá ser o único fator considerado cientificamente es sencial Tão logo tenhamos demonstrado a regularidade de uma conexão causai seja mediante uma ampla indução histórica ou pelo estabelecimento para a experiência íntima da sua evidência imediata mente intuitiva admitese que todos os casos semelhantes por muito numerosos que sejam ficam subordinados à fórmula assim encon trada Tudo aquilo que na realidade individual continue a resistir à seleção feita a partir desta regularidade ou é considerado como um remanescente ainda não elaborado cientificamente mas que mediante aperfeiçoamentos contínuos deverá ser integrado no sistema das leis ou é deixado de lado Ou seja é considerado casual e cientificamente secundário precisamente porque se revela ininteligível face às leis e não se integra no processo típico de modo que se tornará objeto de uma curiosidade ociosa 89 Em vista disso e mesmo entre os representantes da escola histórica reaparece constantemente a concepção de que o ideal para o qual tende ou pode tender todo o conhecimento mesmo o das ciências da cultura ainda que seja num futuro longínquo consistirá num sistema de proposições das quais seria possível deduzir a realidade Sabese que um dos portavozes das ciências da natureza julgou mesmo poder caracterizar a meta ideal praticamente inalcançável dessa elaboração da realidade cultural como conhecimento astronômico dos fenômenos da vida Por muito debatida que seja esta questão não poupamos esforços para um exame mais detido do tema Em primeiro lugar salta à vista que esse conhecimento astronô mico em que se pensa no caso citado não é de modo algum um conhecimento de leis mas pelo contrário extrai de outras disciplinas como a mecânica as leis com as quais trabalha à maneira de premissas Quanto à própria Astronomia interessalhe saber qual o efeito individual produzido pela ação dessas leis sobre uma constelação individual dado que essas constelações têm importância para nós Como é natural toda a constelação individual que a Astronomia nos explica ou prediz só poderá ser causalmente explicável como uma conseqüência de outra constelação igualmente individual que a precede E por muito que recuemos na obscuridade do mais longínquo passado a realidade para a qual tais leis são válidas permanece também individual e igualmente rejratária a uma dedução a partir de leis Compreendese que um estado original cósmico que não pos suísse um caráter individual ou que o tivesse em menor grau que a realidade cósmica atual seria evidentemente um pensamento sem qualquer sentido No entanto não sobrevive na nossa especialidade um resto de representações semelhantes quando se supõem estados primitivos sócioeconômicos sem qualquer casualidade histórica quer inferidos do Direito natural quer verificados mediante a observação dos povos primitivos É o caso por exemplo do comunismo agrá rio primitivo da promiscuidade sexual etc dos quais nasceria mediante uma espécie de queda pecaminosa no concreto o desen volvimento histórico individual Não há qualquer dúvida de que o ponto de partida do interesse pelas ciências sociais reside na configuração real e portanto individual da vida sóciocultural que nos rodeia quando queremos apreendêla no seu contexto universal nem por isso menos individual e no seu desen volvimento a partir de outros estados sócioculturais naturalmente 90 individuais também Tornase evidente que também nós nos encontra mos perante a situação extrema que acabamos de expor no caso da Astronomiae que os lógicos também utilizam regularmente e até de um modo especificamente acentuado Enquanto que no campo da Astro nomia os corpos celestes apenas despertam o nosso interesse pelas suas relações quantitativas suscetíveis de medições exatas no campo das ciências sociais pelo contrário o que nos interessa é o aspecto quali tativo dos fatos Devemos ainda acrescentar que nas ciências sociais se trata da intervenção de fenômenos espirituais cuja compreensão por revivência constitui uma tarefa especificamente diferente da que poderiam ou quereriam resolver as fórmulas do conhecimento exato da natureza Apesar de tudo tais diferenças não são categóricas como à primeira vista poderiam parecer Salvo o caso da mecânica pura nenhuma ciência da natureza pode prescindir da noção de qualidade Além disso deparamos no nosso próprio campo com a opinião errônea de que o fenômeno fun damental para a nossa civilização do comércio financeiro é suscetível de quantificação e portanto cognoscível mediante leis Por último dependeria da definição mais ou menos lata do conceito de lei que nele se pudessem incluir as regularidades não suscetíveis de uma expres são numérica devido ao fato de não serem quantificáveis No que respeita especialmente à intervenção de motivos espiri tuais esta de modo algum exclui o estabelecimento de regras para uma atuação racional Mas sobretudo sucede que ainda hoje não desapareceu completamente a opinião de que é tarefa da Psicologia desempenhar para as diversas ciências do espírito um papel compa rável ao das matemáticas para as ciências da natureza Para tal ela deveria decompor os complicados fenômenos da vida social nas suas condições e efeitos psíquicos reduzilos a fatores psíquicos os mais simples possíveis e enfim classificar estes últimos por gêneros e analisar as suas relações funcionais Assim terseia conseguido criar se não uma mecânica pelo menos uma química da vida social nas suas bases psíquicas Não nos cabe decidir aqui se tais análises poderão alguma vez contribuir com resultados particulares que sejam valiosos e o que é diferente úteis para as ciências da cultura No entanto isso não afeta de modo algum a possibilidade de se atingir a meta do conhecimento sócioeconômico tal como o entendemos aqui ou seja o conhecimento da realidade concreta segundo o seu significado cultural e as suas relações de causa mediante a busca da repetição regular 91 Supondo que alguma vez quer mediante a Psicologia quer de qualquer outro modo se conseguisse decompor em fatores últimos e simples todas as conexões causais imagináveis da coexistência humana tanto as que já foram observadas como as que um dia será possível estabelecer e se conseguisse abrangêlas de modo exaustivo numa imensa casuística de conceitos e regras com a validade rigorosa de leis que significaria esse resultado para o conhecimento quer do mundo cultural historicamente dado quer de algum fenômeno particular como o do capitalismo na sua evolução e no seu significado cultural Como meio de conhecimento não significa nem mais nem menos que aquilo que um dicionário das combinações da Química Orgânica significa para o conhecimento biogenético dos reinos animal e vegetal Tanto num caso como noutro terseá realizado um importante e útil trabalho preliminar Todavia e tanto num caso como noutro tornarseia impossível chegar alguma vez a deduzir a realidade da vida a partir destas leis e fatores Não porque subsistissem ainda nos fenômenos vitais determinadas forças superiores e misteriosas dominantes enteléquias ou outras o que já constitui outro problema mas simplesmente porque para o conhecimento da reali dade apenas nos interessa a constelação em que esses fatores hipoté ticos se agrupam formando um fenômeno cultural historicamente significativo para nós e também porque se pretendemos explicar causalmente esses agrupamentos individuais teríamos que nos reportar constantemente a outros agrupamentos igualmente individuais a partir dos quais os explicaríamos embora utilizando naturalmente os citados hipotéticos conceitos denominados leis Assim o estabelecimento de táis leis e fatores hipotéticos apenas constituiria para nós a primeira de várias operações às quais o conhecimento a que aspiramos nos conduziria A segunda operação completamente nova e independente apesar de se basear nessa tarefa preliminar seria a análise e a exposição ordenada do agrupamento individual desses fatores historicamente dados e da sua combinação concreta e significativa dele resultante mas acima de tudo consistiria em tornar inteligível a causa e a natureza dessa significação A terceira operação seria remontar o mais possível no passado e observar como se desenvolveram as diferentes características individuais dos agrupa mentos de importância para o presente e proporcionar uma explicação histórica a partir destas constelações anteriores igualmente individuais Por último uma possível quarta operação consistiria na avaliação das constelações possíveis no futuro 92 Para todas estas finalidades seria muito útil quase indispensável a existência de conceitos claros e o conhecimento destas hipotéticas leis como meios heurísticos mas unicamente como tal Mas mesmo com esta função existe um ponto decisivo que demonstra o limite do seu alcance com o que somos conduzidos à peculiaridade decisiva do método nas ciências da cultura ou seja nas disciplinas que aspiram a conhecer os fenômenos da vida segundo a sua significação cultural A significação da configuração de um fenômeno cultural e a causa dessa significação não podem contudo deduzirse de qualquer sistema de conceitos de leis por muito perfeito que seja como também não podem ser justificados nem explicados por ele dado que pressupõem a relação dos fenômenos culturais com idéias de valor O conceito de cultura é um conceito de valor A realidade empírica é cultura para nós porque e na medida em que a relacionamos a idéias de valor Ela abrange aqueles e somente aqueles componentes da realidade que através desta relação tornamse significativos para nós Uma parcela ínfima da realidade individual que observamos em cada caso é matizada pela ação do nosso interesse condicionado por essas idéias de valor somente ela tem significado para nós precisamente porque revela relações tornadas importantes graças à sua vinculação a idéias de valor É somente por isso e na medida em que isso ocorre que nos interessa conhecer a sua característica individual Entretanto o que para nós se reveste de significação não poderá ser deduzido de um estudo isento de pressupostos do empiricamente dado pelo con trário é a comprovação desta significação que constitui a premissa para que algo se converta em objeto da análise Naturalmente o significativo como tal não coincide com qualquer lei como tal e isto tanto menos quanto mais geral for a validade dessa lei Porque a significação que para nós tem um fragmento da realidade não se encontra evidentemente nas relações que compartilha com o maior número possível de outros elementos A relação da realidade com idéias de valor que lhe conferem uma significação assim como o sublinhar e ordenar os elementos do real matizados por esta relação sob o ponto de vista de sua significação cultural constituem perspectivas completamente diferentes e distintas da análise da realidade levada a cabo para conhecer as suas leis e a ordenar segundo conceitos gerais Ambas as modalidades de pensamento ordenador do real não mantêm entre si qualquer relação lógica necessária Poderá suceder que num caso concreto venham alguma vez a coincidir mas se essa coincidência 93 casual nos ocultar a sua discrepância de princípio isso poderá acarretar as mais funestas conseqüências A significação cultural de um fenômeno por exemplo o do comércio monetário pode consistir no fato de se manifestar como fenômeno de massa um dos elementos fundamentais da civilização contemporânea Mas ato contínuo o fato histórico de desempenhar esse papel é que constitui o que deverá ser compreendido sob o ponto de vista da sua significação cultural e explicado causalmente sob a perspectiva da sua origem histórica A análise da essência geral da troca e da técnica do tráfico comer cial constituem uma tarefa preliminar muito embora extremamente importante e indispensável Mas não fica assim resolvida a questão de como a troca chegou historicamente a alcançar a fundamental signi ficação que hoje possui nem a que em última análise nos interessa qual a significação cultural da economia monetária Pois é por ela que nos interessamos pela descrição da técnica de circulação e por ela também que existe hoje uma ciência que trata dessa técnica De qual quer modo não se deduz de nenhuma dessas leis As características genéricas da troca da compra etc interessam ao jurista Mas o que a nós interessa é a tarefa de analisar a significação cultural do fato histórico de a troca constituir hoje um fenômeno de massa Quando esse fato deve ser explicado quando pretendemos compreender a diferença entre a nossa civilização sócioeconômica e a da Antiguidade onde a troca apresentava exatamente as mesmas qualidades genéricas que hoje quando queremos saber em que consiste a significação da economia monetária surgem então na análise princípios lógicos de origem claramente heterogênea Por certo que enquanto contenham elementos significativos da nossa cultura utilizaremos os conceitos que a análise dos elementos genéricos dos fenômenos econômicos de massa nos oferece como meios de exposição Mas por muito exata que seja a distinção desses conceitos e leis não só não teremos alcançado o alvo da nossa tarefa como a questão sobre qual deve ser o objeto da formação de conceitos genéricos não ficará livre de pressupostos dado que foi decidida em função da significação que possuem para a cultura determinados elementos dessa multiplicidade infinita que cha mamos comércio Aspiramos ao conhecimento de um fenômeno histórico isto é significativo na sua especificidade E o que aqui existe de decisivo é o fato de só adquirir sentido lógico a idéia de um conhecimento dos fenômenos individuais mediante a premissa de que apenas uma parte 94 finita da infinita diversidade de fenômenos é significativa Mesmo com o mais amplo conhecimento de todas as Zm do devir ficaríamos per plexos ante o problema de como é possível em geral a explicação causai de um fato individual posto que nem sequer se pode pensar a mera descrição exaustiva do mais ínfimo fragmento da realidade Pois o número e a natureza das causas que determinaram qualquer aconteci mento individual são sempre infinitos e não existe nas próprias coisas critério algum que permita escolher dentre elas uma fração que possa entrar isoladamente em linha de conta A tentativa de um conheci mento da realidade livre de pressupostos apenas conseguiria produzir um caos de juízos existenciais acerca de inúmeras percepções parti culares E mesmo este resultado só na aparência seria possível já que a realidade de cada uma das percepções expostas a uma análise detalhada oferece um semnúmero de elementos particulares que nunca poderão ser expressos de modo exaustivo nos juízos de percepção Este caos só pode ser ordenado pela circunstância de que em qualquer caso unicamente um segmento da realidade individual possui interesse e significado para nós posto que só ele se encontra em relação com as idéias de valor culturais com que abordamos a realidade Por tanto só alguns aspectos dos fenômenos particulares infinitamente diver sos e precisamente aqueles a que conferimos uma significação geral para a cultura merecem ser conhecidos pois apenas eles são objeto da explicação causai Também esta explicação causai oferece por sua vez o mesmo caráter pois uma regressão causai exaustiva a partir de qual quer fenômeno concreto para captar a sua plena realidade não só resulta praticamente impossível como é pura e simplesmente um absurdo Apenas pomos em relevo as causas a que se podem atribuir num caso concreto os elementos essenciais de um acontecimento Quando se trata da individualidade de um fenômeno o problema da causalidade não incide sobre as leis mas sobre conexões causais concretas não se trata de saber a que fórmula se deve subordinar o fenômeno a título de exemplar mas sim a que constelação deve ser imputado como resultado Tratase portanto de um problema de imputação Onde quer que se trate de explicação causai de um fenômeno cultural ou de uma individualidade histórica expressão já utilizada relativa mente à metodologia da nossa disciplina e agora habitual na lógica com uma formulação mais precisa o conhecimento das leis da causalidade não poderá constituir o fim mas antes o meio do estudo Ele facilita e possibilita a imputação causai dos elementos dos fenô menos tornados importantes para a cultura pela sua individualidade 95 às suas causas concretas É apenas na medida em que presta esse serviço que poderá ter valor para o conhecimento das conexões individuais E quanto mais gerais isto é abstratas são as leis menos contribuem para as necessidades da imputação causai dos fenômenos individuais e indiretamente para a compreensão da significação dos acontecimentos culturais Que se conclui de tudo isto De modo algum que no campo das ciências da cultura o conhe cimento do geral a formação de conceitos genéricos abstratos o co nhecimento de regularidades e a tentativa de formulação de relações regulares não tenham uma justificação científica Muito pelo con trário Se o conhecimento causai do historiador consiste numa imputação de certos resultados concretos a determinadas causas concretas então é impossível uma imputação válida de qualquer resultado individual sem a utilização de um conhecimento nomológico isto é do conhecimento das regularidades das conexões causais Para saber se a um elemento individual e singular de uma conexão cabe atribuir na realidade uma importância causai para o resultado que se trata de explicar causalmente apenas existe a possibilidade de proceder à avalia ção das influências que nos habituamos a esperar geralmente tanto deste como de outros elementos do mesmo complexo que sejam pertinentes à explicação Essas influências constituem por conseguinte os efeitos adequados dos elementos causais em questão Saber até que ponto o historiador no sentido mais lato da palavra é capaz de realizar com segurança esta imputação com o auxílio da sua imaginação metodicamente educada e alimentada pela sua expe riência pessoal da vida e até que ponto estará dependente do auxílio de determinadas ciências especializadas postas ao seu alcance é algo que depende de cada caso particular Mas em qualquer caso e portanto também no campo dos fenômenos econômicos complexos a segurança da imputação é tanto maior quanto mais seguro e amplo for o nosso conhecimento geral O valor desta afirmação não fica de modo algum diminuído pelo fato de que nunca mesmo nas chamadas leis econô micas se trata de conexões regulares no sentido estrito das ciências da natureza mas sim de conexões causais adequadas expressas em regras e portanto de uma aplicação da categoria da possibilidade objetiva que não analisaremos aqui com mais pormenores Ocorre que o estabelecimento de tais regularidades não é a finalidade mas sim um meio do conhecimento E quanto a saber se tem sentido formular 96 como lei uma regularidade de conexões causais observada na expe riência quotidiana não é mais que uma questão de conveniência em cada caso concreto Para as ciências exatas da natureza as leis são tanto mais importantes e valiosas quanto mais geral é a sua validade Para o conhecimento das condições concretas dos fenômenos históricos as leis mais gerais são freqüentemente as menos valiosas por serem as mais vazias de conteúdo Isto porque quanto mais vasto é o campo abrangido pela validade de úm conceito genérico isto é quanto maior a sua extensão tanto mais nos afasta da riqueza da realidade posto que para poder abranger o que existe de comum no maior número possível de fenômenos forçosamente deverá ser o mais abstrato e pobre de conteúdo No campo das ciências da cultura o conhecimento do geral nunca tem valor por si próprio De tudo o que até aqui se disse resulta que carece de razão de ser um estudo objetivo dos acontecimentos culturais no sentido em que o fim ideal do trabalho científico deveria consistir numa redução da realidade empírica a certas leis Carece de razão de ser não porque como freqüentemente se sustentou os acontecimentos culturais ou se se quiser os fenômenos espirituais evoluam objetivamente de modo menos sujeito a leis mas a porque o conhecimento de leis sociais não é um conhecimento do socialmente real mas unicamente um dos diversos meios auxiliares que o nosso pensamento utiliza para esse efeito e b porque nenhum conhecimento dos acontecimentos culturais poderá ser concebido senão com base na significação que a realidade da vida sempre configurada de modo individual possui para nós em determinadas relações singulares Não existe qualquer lei que nos mostre em que sentido e em que condições isso sucede pois o decisivo são as idéias de valor prisma sob o qual consideramos a cultura em cada caso A cultura é um segmento finito do decurso infinito e destituído de sentido próprio do mundo a que o pensamento conferiu do ponto de vista do homem um sentido e uma significação E continua a ser assim mesmo para quem se opõe a uma cultura concreta como inimigo implacável e pre coniza o regresso à natureza Pois apenas pode adotar essa posição quando compara esta cultura concreta às suas próprias idéias de valor afigurandoselhe aquela como demasiado superficial Referimonos precisamente a esta circunstância puramente lógica e formal quando afirmamos que todo o indivíduo histórico está arraigado de modo logicamente necessário em idéias de valor 97 A premissa transcendental de qualquer ciência da cultura reside não no fato de considerarmos valiosa uma cultura determinada ou qualquer mas sim na circunstância de sermos homens de cultura dota dos da capacidade e da vontade de assumirmos uma posição consciente face ao mundo e de lhe conferirmos um sentido Qualquer que seja este sentido influirá para que no decurso da nossa vida extraiamos dele nossas avaliações de determinados fenômenos da convivência humana e assumamos perante eles considerados significativos uma posição posi tiva ou negativa Qualquer que seja o conteúdo dessa tomada de posição estes fenômenos possuem para nós uma significação cultural que constitui a base única do seu interesse científico Por conseguinte quando utilizamos aqui a terminologia dos lógicos modernos Rickert e dizemos que o conhecimento cultural é condicio nado por determinadas idéias de valor esperamos que isso não seja suscetível de malentendidos tão grosseiros como a opinião de que apenas se deve atribuir significação cultural aos fenômenos valiosos Pois tanto a prostituição como a religião ou o dinheiro são fenômenos culturais E todos três o são única e exclusivamente enquanto a sua existência e a forma que historicamente adotam correspondem direta ou indiretamente aos nossos interesses culturais enquanto animam o nosso desejo de conhecimento a partir de pontos de vista derivados das idéias de valor as quais tornam significativo para nós o fragmento de realidade expresso naqueles conceitos Disso resulta que todo o conhecimento da realidade cultural é sempre um conhecimento subordinado a pontos de vista especificamente particulares Quando exigimos do historiador ou do sociólogo a premissa elementar de saber distinguir entre o essencial e o secundário de possuir para esse fim os pontos de vista necessários queremos unicamente dizer que ele deverá saber referir consciente ou inconscientemente os elementos da realidade a valores culturais universais e destacar aquelas conexões que para nós se revistam de significado E se é fre qüente a opinião de que tais pontos de vista poderão ser deduzidos da própria matéria isto apenas se deve à ingênua ilusão do especialista que não se dá conta de que desde o início e em virtude das idéias de valor com que inconscientemente abordou o tema destacou da imensidade absoluta um fragmento ínfimo e particularmente aquele cujo exame lhe importa A propósito desta seleção de aspectos especiais e individuais do devir que sempre e em todos os casos se realiza consciente ou 98 inconscientemente reina também essa concepção do trabalho científico cultural que constitui a base da tão repetida afirmação de que o elemento pessoal é o que verdadeiramente confere valor a uma obra científica Ou seja de que qualquer obra deveria exprimir uma perso nalidade paralelamente a outras qualidades Por certo que sem as idéias de valor do investigador não existiria qualquer princípio de seleção nem conhecimento sensato do real singular e assim como sem a crença do pesquisador na significação de um con teúdo cultural qualquer resultaria completamente desprovido de sentido todo o estudo do conhecimento da realidade individual também a orientação da sua convicção pessoal e a difração dos valores no espelho da sua alma conferem ao seu trabalho uma direção E os valores a que o gênio científico refere os objetos da sua investigação poderão determinar a concepção que se fará de toda uma época Isto é não só poderão ser decisivos para aquilo que nos fenômenos se considera valiosos mas ainda para o que passa por ser significativo ou insigni ficante importante ou secundário O conhecimento científicocultural tal como o entendemos encon trase preso portanto a premissas subjetivas pelo fato de apenas se ocupar daqueles elementos da realidade que apresentem alguma relação por muito indireta que seja com os acontecimentos a que conferimos uma significação cultural Apesar disso continua naturalmente a ser um conhecimento puramente causai exatamente como o conhecimento de eventos naturais individuais importantes que têm caráter qualitativo Paralelamente às numerosas confusões originadas pelo imiscuir do pensamento jurídico formalista na esfera das ciências culturais surgiu recentemente em obra do jurista R Stammler entre outras a tentativa de refutar a concepção materialista da História através de uma série de engenhosos sofismas Para tanto argumentase que dado que toda a vida econômica deveria evoluir dentro de determinadas formas reguladas de modo legal ou convencional qualquer evolução econômica deveria adotar o aspecto de aspirações para a criação de novas formas jurídicas Isto é que apenas poderia ser compreensível a partir de certas máximas morais e seria por isso diferente em essência de qualquer evolução natural O conhecimento da evolução econômica teria assim um caráter teleológico Sem querermos discutir aqui o significado ambíguo que o conceito de evolução comporta nas ciências sociais nem o conceito igualmente 99 ambíguo do ponto de vista lógico de teleológico cabe deixar assente que a economia não é necessariamente teleológica tal como pressupõe essa concepção Mesmo no caso de uma total identidade de forma das normas jurídicas vigentes pode mudar de modo radical a significação cultural das relações jurídicas de caráter normativo e conseqüentemente as próprias normas Pois se nos permitirmos um mergulho em divagações sobre o futuro poderseia imaginar por exemplo como teoricamente realizada uma socialização dos meios de produção sem que se houvesse produzido qualquer aspiração conscientemente dirigida para esse resultado e sem que houvesse necessidade de acrescentar ou supri mir qualquer artigo da nossa atual legislação Em compensação a freqüência estatística das diversas relações legalmente normalizadas seria sem dúvida modificada de modo radical e em numerosos casos ficaria reduzida a zero e uma grande parte das normas jurídicas perderia praticamente qualquer significação e toda a sua significação para a cultura se tornaria irreconhecível Por conseguinte a concepção ma terialista da História poderia assim eliminar com razão as discussões de lege ferenda referentes à legislação futura dado que o seu ponto de vista básico afirmava precisamente a mudança inevitável de signifi cação das instituições jurídicas Todo aquele que crê que o modesto trabalho da compreensão causai da realidade histórica constitui uma tarefa inferior poderá desinteressarse dele mas é realmente impossível substituílo por qualquer teleologia Na nossa concepção fim é a representação de um resultado que se converte em causa de uma ação E tomamola em consideração tal como a qualquer causa que contribua ou possa contribuir para um resultado significativo A sua significação específica baseiase unicamente em que podemos e queremos não só constatar a atividade humana como também compreendêla É indubitável que as idéias de valor são subjetivas Entre o interesse pela evolução dos maiores fenômenos imagináveis que durante largas épocas foram e continuam a ser comuns a uma nação ou a toda a humanidade existe uma escala infinita de significações cujos graus se apresentarão para cada um de nós numa ordem diferente E natu ralmente esta ordem também varia historicamente de acordo com o caráter da cultura e do pensamento que domina os homens É evidente no entanto que não devemos deduzir de tudo isto que a investigação científicocultural apenas conseguiria obter resultados subjetivos no sentido em que são válidos para uns mas não para outros O que varia é o grau de interesse que se manifesta por um ou 100 por outro Por outras palavras apenas as idéias de valor que dominam o investigador e uma época podem determinar o objeto do estudo e os limites desse estudo No que se refere ao método da investigação o como é o ponto de vista dominante que determina a formação dos conceitos auxiliares de que se utiliza e quanto ao modo de utilizálos o investigador encontrase evidentemente ligado às normas de nosso pensamento Porque só é uma verdade científica aquilo que pretende ser válido para todos os que querem a verdade Ora daqui se deduz a total insensatez da crença que por vezes encontramos mesmo entre historiadores da nossa especialidade segundo a qual o alvo das ciências da cultura poderia ser a elaboração de um sistema fechado de conceitos que de um modo ou de outro sintetizaria a realidade mediante uma articulação dejinitiva a partir da qual se poderia de novo deduzila O fluxo do devir incomensurável flui incessantemente ao encontro da eternidade Os problemas culturais que fazem mover a humanidade renascem a cada instante e sob um aspecto diferente e permanece variável o âmbito daquilo que no fluxo eternamente infinito do individual adquire para nós importância e significação e se converte em indivi dualidade histórica Mudam também as relações intelectuais sob as quais são estudados e cientificamente compreendidos Por conseguinte os pontos de partida das ciências da cultura continuarão a ser variáveis no imenso futuro enquanto uma espécie de imobilidade chinesa da vida espiritual não desacostumar a humanidade de fazer perguntas à sempre inesgotável vida Um sistema das ciências culturais embora só o fosse no sentido de uma fixação definitiva objetivamente válida e sistematizadora das questões e dos campos dos quais se espera que tratem seria um absurdo em si Uma tentativa deste tipo poderá apenas rematar por uma justa posição de diferentes pontos de vista especificamente particulares e muitas vezes heterogêneos e díspares entre si sob os quais a realidade tem sido e permanecerá para nós cultura isto é significativa na sua particularidade Após essas prolongadas discussões podemos finalmente dedicarnos à questão que nos interessa metodologicamente a propósito do estudo da objetividade do conhecimento nas ciências da cultura Qual é a função lógica e a estrutura dos conceitos com os quais trabalha a nossa ciência à semelhança de qualquer outra Ou para o dizer de outro modo e em função do problema decisivo Qual a significação da teoria e da formação teórica dos conceitos para o conhecimento da realidade cultural Como já vimos a economia política tinha sido originalmente uma técnica pelo menos no que se refere ao núcleo dos seus estudos Isto é considerava os fenômenos da realidade sob uma perspectiva prática de valor estável e unívoca pelo menos na aparência a da perspectiva do crescimento da riqueza da população num país Por outro lado desde o início que a Economia Política não era apenas uma técnica dado que se incorporou à poderosa unidade da concepção do mundo do século XVIII de caráter racionalista e orientada pelo Direito natural Mas a particularidade dessa concepção do mundo com a sua fé otimista na racionalização teórica e prática do real comportou um efeito essen cial ao evitar que fosse descoberto o caráter problemático da perspectiva que ela pressupunha ser evidente Do mesmo modo que o estudo racional da realidade social havia nascido em estreita relação com a evolução moderna das ciências da natureza assim também continuou semelhante a elas no modo de encarar o seu objeto Ora desde o início que nas disciplinas das ciências da natureza a perspectiva prática de valor relativa ao que é diretamente útil tecnica mente se encontrava em estreita relação com a esperança herdada da Antiguidade e desenvolvida posteriormente de que pelo caminho generalizador da abstração e da análise do empírico orientadas para as relações legais seria possível chegar a um conhecimento puramente objetivo isso significa aqui um conhecimento desligado de todos os valores e ao mesmo tempo absolutamente racional ou seja um conhecimento monista fundado num princípio único de toda a realidade e livre de qualquer contingência individual sob o aspecto de um sistema conceituai de validade metafísica e forma matemática As disciplinas das ciências da natureza que se encontram ligadas a pontos de vista axiológicos tais como a Medicina clínica e mais ainda a chamada Tecnologia converteramse em puras artes práticas Desde o princípio que estavam determinados os valores que deveriam servir a saúde do paciente o aperfeiçoamento técnico de um processo de produção etc Os meios a que recorreram eram e só podiam ser a aplicação prática dos conceitos de lei descobertos pelas disciplinas teóricas Qualquer progresso de princípio na formação das leis era também e podia sêlo um progresso na disciplina prática Porque quando os fins permanecem inalteráveis a redução progressiva de ques tões práticas um caso de doença um problema técnico a leis de validade geral e a conseqüente ampliação do conhecimento teórico 102 ligamse à ampliação das possibilidades técnicas e práticas e se identifica com ela Quando a Biologia moderna conseguiu englobar igualmente os elementos da realidade que nos interessam historicamente pelo fato de haverem ocorrido precisamente assim e não de qualquer outro modo dentro do conceito de um princípio de evolução de validade geral que pelo menos na aparência mas não na realidade permitia ordenar todo o essencial daqueles objetos dentro de um esquema de leis com validade geral dirseia que sobre todas as ciências pairava ameaça doramente o crepúsculo dos deuses de todas as perspectivas axiológicas Dado que também o chamado devir histórico era um fragmento da realidade total e que o princípio de causalidade premissa de qualquer trabalho científico parecia exigir a redução de todo o devir a leis de validade geral e dado também o descomunal êxito das ciências da natureza que haviam incorporado esse princípio parecia impossível conceber um trabalho científico que não fosse o da descoberta de leis do devir em geral O elemento científico essencial dos fenômenos apenas podia ser constituído pelo aspecto legal enquanto que os aconte cimentos individuais só podiam levarse em linha de conta como tipos o que significa aqui como representantes ilustrativos das leis O interesse por eles próprios e enquanto tais não era considerado um interesse científico Tornase impossível pormenorizar aqui as importantes repercussões deste estado de espírito cheio de confiança do monismo naturalista sobre as disciplinas econômicas Quando a crítica socialista e o trabalho dos historiadores começaram a transformar em problemas as perspec tivas axiológicas originais a poderosa evolução da investigação biológica por um lado e a influência do panlogismo doutrina da razão universal hegeliano por outro impediram que a Economia Política reconhecesse com precisão toda a amplitude da relação entre o conceito e a realidade O resultado disso no que nos interessa aqui é que apesar do formidável dique erguido pela filosofia idealista alemã desde Fichte pelos sucessos da escola histórica do Direito e pelos trabalhos da escola histórica alemã da Economia Política contra a infiltração dos dogmas naturalistas não foram ainda superados em determinados aspectos decisivos os pontos de vista do naturalismo e em parte essa situação ocorre por causa desse esforço Entre eles cabe citar a relação ainda problemática que na nossa disciplina existe entre o trabalho teórico e o histórico 103 Ainda hoje o método teórico e abstrato se opõe de maneira direta e aparentemente incontornável à investigação históricoempírica Ele reconhece com toda a exatidão a impossibilidade metodológica de substituir o conhecimento histórico da realidade pela formulação de leis ou de pelo contrário chegar ao estabelecimento das leis no sentido estrito do termo mediante a mera justaposição de observações históricas Para conseguir estabelecêlas pois está convencido de que esse é o fim supremo da Ciência parte do fato de que experimen tamos constantemente as relações da atividade humana na sua realidade imediata Em face disso julga poder tornar esse curso dos eventos diretamente inteligível com evidência axiomática e assim explorálos nas suas leis A única forma exata do conhecimento a formulação de leis imediata e intuitivamente evidentes seria ao mesmo tempo a única que nos permitiria deduzir os acontecimentos não diretamente observá veis Conseqüentemente o estabelecimento de um sistema de proposi ções abstratas e puramente formais por analogia com as proposições das ciências exatas seria o único meio de dominar intelectualmente a diversidade social pelo menos no que se refere aos fenômenos fundamentais da vida econômica Apesar de ter sido o criador desta teoria H Gossen precursor da teoria marginalista na Economia em 1854 o primeiro e único a efetuar uma distinção metodológica de princípio entre o conhecimento legal e o histórico atribuiu uma validade empírica às proposições da teoria abstrata no sentido de uma possibilidade de dedução da realidade a partir destas leis É certo que o não fazia no sentido da validade empírica das proposições econômicas abstratas por elas próprias mas sim no sentido de uma vez alcançadas teorias exatas correspondentes a todos os outros elementos que entram em linha de conta dever o conjunto de todas estas teorias abstratas conter a verdadeira realidade das coisas isto é tudo aquilo que da realidade fosse digno de ser conhecido A teoria exata da Economia estabeleceria a influência de um motivo psicológico enquanto que outras teorias teriam como tarefa desenvolver analogamente todos os restantes motivos num conjunto de proposições de validade hipotética Em relação com o resultado do trabalho teórico isto é das teorias abstratas da formação dos preços dos juros dos rendimentos etc houve quem divagasse que numa suposta analogia com as pro posições da Física seria possível empregálas para deduzir de premissas reais dadas resultados quantitativamente determinados portanto leis em sentido estrito com validade para a realidade da vida posto que 104 face a fins dados a economia humana ficaria claramente determinada em relação aos meios Não se levava em consideração que para alcançar tal resultado ainda que fosse no mais fácil dos casos seria necessário estabelecer previamente como dada e pressupor como conhecida a totalidade da realidade histórica incluindo todas as suas relações causais E que se alguma vez o espírito finito conseguisse alcançar esse conhe cimento não seria imaginável qual o valor epistemológico de uma teoria abstrata O preconceito naturalista segundo o qual se deveria nesses conceitos elaborar algo de semelhante às ciências exatas havia precisamente levado a uma interpretação errônea do sentido dessas formações teóricas do pensamento Acreditavase que se tratava do isolamento psicológico de impulso específico do homem a do instinto da aquisição ou então da observação isolada de uma máxima específica da atividade humana a do chamado princípio econômico A teoria abstrata julgava poder apoiarse em axiomas psicológicos Isso teve como conseqüência os historiadores exigirem uma psicologia empírica de molde a comprovar a não validez desses axiomas e poderem deduzir psicologicamente o curso dos processos econômicos Não é nossa intenção criticar aqui em pormenor a significação de uma ciência sistemática da psicologia social ainda não constituída como futura base das ciências culturais e especialmente da economia social As tentativas em parte brilhantes de que temos conhecimento até agora de uma interpretação psicológica dos fenômenos econômicos demonstram precisamente que a partir da análise das qualidades psico lógicas do homem não se progride indo até à análise das instituições sociais mas sim que inversamente o esclarecimento das condições e dos efeitos psicológicos das instituições pressupõe o exato conhecimento destas últimas e a análise científica das suas relações A análise psicológica significa pois meramente em cada caso concreto um valioso aprofundar do conhecimento do seu condicionamento histórico e da sua significação cultural O que nos interessa na conduta do homem dentro do âmbito das suas relações sociais é especificamente particuiarizado segundo a significação cultural específica da relação em causa Tratase de causas e influências psíquicas extremamente heterogêneas entre si e extremamente concretas na sua composição A investigação sociopsicológica significa um exame aprofundado dos diversos gêneros particulares e díspares de elementos culturais tendo em vista a sua acessibilidade para a nossa revivência compreensiva Partindo do conhe cimento das instituições particulares esse exame auxiliarnosá a com 105 preender intelectualmente e em medida crescente o seu condicionamento e significação culturais mas não nos ajudará a explicar as instituições a partir de leis psicológicas ou de fenômenos psicológicos elementares Por conseguinte bem pouco fecunda tem sido a polêmica desen cadeada ao redor da questão da legitimidade psicológica das construções teóricas e abstratas bem como do alcance do instinto de aquisição do princípio econômico etc As construções da teoria abstrata só na aparência são deduções a partir de motivos psicológicos fundamentais Na realidade tratase antes do caso especial de uma forma da construção dos conceitos própria das ciências da cultura humana e em certo grau indispensável Vale a pena empreender aqui a sua caracterização mais profunda dado que assim nos aproximaremos da questão lógica sobre a significação da teoria nas ciências sociais Para tanto passaremos por alto e de uma vez para sempre a questão de saber se as construções teóricas que utili zaremos como exemplos ou a que faremos referência correspondem tal como são ao fim a que se destinam Isto é se foram formadas praticamente de maneira apropriada Afinal a questão de saber até onde se deve levar a atual teoria abstrata é também uma questão da economia do trabalho científico que comporta ainda outros problemas Também a teoria de utilidade marginal está subordinada à lei da utilidade marginal Na teoria econômica abstrata temos um exemplo dessas sínteses a que se costuma dar o nome de idéias dos fenômenos históricos Oferecenos um quadro ideal dos eventos no mercado dos bens de con sumo no caso de uma sociedade organizada segundo o princípio da troca da concorrência livre e de uma ação estritamente racional Este quadro do pensamento reúne determinadas relações e acontecimentos da vida histórica para formar um cosmos não contraditório de relações pensadas Pelo seu conteúdo essa construção revestese do caráter de uma utopia obtida mediante a acentuação mental de determinados elementos da realidade A sua relação com os fatos empiricamente dados consiste apenas em que onde quer que se comprove ou suspeite de que determinadas relações do tipo das representadas de modo abstrato na citada construção a saber as dos acontecimentos depen dentes do mercado chegaram a atuar em algum grau sobre a realidade podemos representar e tornar compreensível pragmaticamente a natureza particular dessas relações mediante um tipo ideal Esta possibilidade pode ser valiosa e mesmo indispensável tanto para a investigação como para a exposição 106 No que se refere à investigação o conceito do tipo ideal propõese formar o juízo de atribuição Não é uma hipótese mas pretende apontar o caminho para a formação de hipóteses Embora não constitua uma exposição da realidade pretende conferira ela meios expressivos unívocos É portanto a idéia da organização moderna e historica mente dada da sociedade numa economia de mercado idéia essa que evolui de acordo com os mesmos princípios lógicos que serviram por exemplo para formar a da economia urbana da Idade Média à maneira de um conceito genético Não é pelo estabèlecimento de uma média dos princípios econômicos que realmente existiram em todas as cidades examinadas mas antes pela construção de um tipo ideal que neste último caso se forma o conceito de economia urbana Obtémse um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista e mediante o encadeamento de grande quan tidade de fenômenos isoladamente dados difusos e discretos que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentua dos a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento Tornase impossível encontrar empiricamente na realidade esse quadro na sua pureza conceituai pois tratase de uma utopia A atividade historio gráfica defrontase com a tarefa de determinar em cada caso particular a proximidade ou afastamento entre a realidade e o quadro ideal em que medida portanto o caráter econômico das condições de determinada cidade poderá ser qualificado como economia urbana em sentido conceituai Ora desde que cuidadosamente aplicado esse conceito cumpre as funções específicas que dele se esperam em benefício da investigação e da representação Para analisarmos ainda outro exemplo podese traçar igualmente a idéia do artesanato sob a forma de uma utopia para o que se procede à reunião de determinados traços que se manifestam de modo difuso entre os artesãos das mais diversas épocas e países acentuando de modo unilateral as suas conseqüências num quadro ideal não con traditório e referindoo a uma expressão de pensamento que nele se manifeste Além disso podese tentar delinear uma sociedade na qual os ramos da atividade econômica e mesmo a atividade intelectual se encontrem dominados por máximas que nos parecem ser aplicações do mesmo princípio que caracteriza o artesanato elevado ao nível de tipo ideal E a esse tipo ideal do artesanato pode ainda oporse por antítese um tipo ideal correspondente a uma estrutura capitalista da 107 indústria obtido a partir da abstração de determinados traços da grande indústria moderna para com base nisso tentarse traçar a utopia de uma cultura capitalista isto é dominada unicamente pelo interesse de valorização dos capitais privados Ela acentuaria diferentes traços difusos da vida cultural material e espiritual moderna e os reuniria num quadro ideal não contraditório para efeitos da nossa investigação Este quadro constituiria então uma tentativa de traçar uma idéia da cultura capitalista quanto a saber se isso é possível e como não será tratado agora Ocorre que é possível e deve mesmo considerarse como certo formular muitas e mesmo inúmeras utopias deste tipo das quais ne nhuma se pareceria com outra das quais nenhuma poderia ser observada na realidade empírica como ordem realmente válida numa sociedade mas cada uma das quais pretenderia ser uma representação da idéia da cultura capitalista e cada uma das quais poderia realmente pretender na medida em que selecionou certas características da nossa cultura significativas na sua especificidade reunilas num quadro ideal homo gêneo Pois os fenômenos que nos interessam como manifestações culturais derivam regra geral o seu interesse a sua significação cultural de idéias de valor muito diferentes com as quais podemos relacionálas Do mesmo modo que existem os mais diferentes pontos de vista a partir dos quais podemos considerar como significativos os fenômenos citados pode igualmente fazerse uso dos mais diferentes princípios de seleção para as relações suscetíveis de serem integradas no tipo ideal de uma determinada cultura Qual é em face disso a significação desses conceitos de tipo ideal para uma ciência empírica tal como nós pretendemos praticála Que remos sublinhar desde logo a necessidade de que os quadros de pensa mento que aqui tratamos ideais em sentido puramente lógico sejam rigorosamente separados da noção do dever ser do exemplar Tratase da construção de relações que parecem suficientemente motivadas para a nossa imaginação e conseqüentemente objetivamente possíveis e que parecem adequadas ao nosso saber nomológico Quem for da opinião de que o conhecimento da realidade histórica deveria ou poderia ser uma cópia sem pressuposições de fatos obje tivos negarlhesá qualquer valor E mesmo quem tiver reconhecido que no âmbito da realidade nada está isento de pressuposições em sentido lógico e que o mais simples extrato de atas ou documentos apenas poderá ter algum sentido científico em relação a significações 108 e assim em última análise em relação a idéias de valor considerará no entanto a construção de qualquer espécie de utopia histórica como um meio ilustrativo perigoso para a objetividade do trabalho científico e com mais freqüência como um simples jogo E de fato nunca se poderá decidir a priori se se trata de mero jogo mental ou de uma cons trução conceituai fecunda para a ciência Também aqui apenas existe um critério o da eficácia para o conhecimento de fenômenos culturais concretos tanto nas suas conexões como no seu condicionamento causai e na sua significação Portanto a construção de tipos ideais abstratos não interessa como fim mas única e exclusivamente como meio do conhecimento Qualquer exame atento dos elementos conceituais da exposição histórica mostra no entanto que o historiador logo que tenta ir além da mera comprovação de relações concretas para determinar a significação cultural de um evento individual por mais simples que seja isto é para caracterizálo trabalha e tem de trabalhar com con ceitos que via de regra apenas podem ser determinados de modo preciso e unívoco sob a forma de tipos ideais Ou será que o conteúdo de conceitos tais como individualismo imperialismo feudalismo mercantilismo convencional assim como as inúmeras construções conceituais deste tipo mediante as quais procuramos dominar a reali dade pela reflexão e a compreensão deverá ser determinado mediante a descrição sem pressupostos de um fenômeno concreto ou então mediante a síntese por abstração daquilo que é comum a vários fenômenos concretos A linguagem em que o historiador fala contém centenas de palavras que comportam semelhantes quadros mentais e que são imprecisas porque escolhidas segundo as necessidades de expressão no vocabulário corrente não elaborado pela reflexão e cuja significação inicialmente só é intuída sem ser pensada com clareza Em inúmeros casos e sobretudo no campo da história política descritiva o caráter impreciso do conteúdo dos conceitos não prejudica de modo algum a clareza da exposição Nesses casos basta que sintamos aquilo de que o historiador tem uma vaga concepção ou então que nos conten temos com a presença difusa de uma especificação particular do con teúdo conceituai no caso singular de que ele cogita Mas quanto mais clara consciência se pretende ter do caráter significativo de um fenômeno cultural tanto mais imperiosa se toma a necessidade de trabalhar com conceitos claros que não tenham sido determinados segundo um só aspecto particular mas segundo todos Ora será absurdo conferir a essas sínteses do pensamento histórico uma 109 definição segundo o esquema genus proximum differentia specifica que se faça a prova Este modo de comprovação da significação das palavras apenas existe no campo das disciplinas dogmáticas que tra balham com silogismos Também não existe ou apenas na aparência uma mera decomposição descritiva desses conceitos nos seus elemen tos posto que o que importa é saber quais desses elementos deverão ser considerados essenciais Se queremos tentar uma definição genética do conteúdo do conceito apenas resta a forma do tipo ideal no sentido anteriormente estabelecido Tratase de um quadro de pensamento e não da realidade histórica e muito menos da realidade autêntica e não serve de esquema no qual se pudesse incluir a realidade à maneira de exemplar Tem antes o significado de um conceito limite pura mente ideal em relação ao qual se mede a realidade a fim de esclarecer o conteúdo empírico de alguns dos seus elementos importantes e com o qual esta é comparada Tais conceitos são configurações nas quais construímos relações pela utilização da categoria da possibilidade obje tiva que a nossa imaginação formada e orientada segundo a realidade julga adequadas Nesta função o tipo ideal é acima de tudo uma tentativa para apreender os indivíduos históricos ou os seus diversos elementos em conceitos genéticos Tomemos como exemplo os conceitos igreja e seita Mediante a classificação pura podemos analisálos num com plexo de características com o que não só o limite entre ambos os conceitos como o seu conteúdo permanecerão indistintos Pelo contrário se queremos compreender o conceito de seita de modo genético isto é com referência a certas significações culturais importantes que o espí rito sectário teve para a civilização moderna tornamse então essenciais certas características precisas de ambos dado que se encontram numa relação causai adequada relativamente àqueles efeitos Ora os conceitos se tornam então tipos ideais isto é não se manifestam na sua plena pureza conceituai ou apenas de forma esporádica o fazem Aqui como em qualquer outro campo qualquer conceito que não seja puramente classificatório nos afasta da realidade Mas a natureza discursiva do nosso conhecimento a circunstância de apenas captarmos a realidade através de uma cadeia de transforma ções na ordem da representação postula este tipo de taquigrafia con ceituai É bem certo que a nossa imaginação pode com freqüência prescindir da sua formulação conceituai explícita ao nível dos meios da investigação mas em numerosos casos tornase imprescindível a sua 110 utilização no campo da análise cultural quando se trata da exposição e enquanto esta pretender ser unívoca Quem dela prescinde completa mente forçosamente se deverá limitar ao aspecto formal dos fenômenos culturais como por exemplo o históricojurídico O universo das normas jurídicas pode ser claramente determinado a partir do ponto de vista conceituai e ao mesmo tempo é válido para a realidade histórica em sentido jurídico Mas é da sua significação prática que se ocupa o trabalho das ciências sociais tal como as entendemos É muito fre qüente porém apenas se poder tomar univocamente consciência desta significação quando se refere o empiricamente dado a um caso limite ideal Se o historiador no sentido mais lato da palavra rejeita a tenta tiva de formular um tipo ideal como esse sob o pretexto de constituir uma construção teórica ou seja algo inútil ou desnecessário para o fim concreto do conhecimento resulta então regra geral que este historiador utiliza consciente ou inconscientemente outras construções análogas sem as formular explicitamente e sem elaboração lógica ou então fica encalhado na esfera do vagamente sentido Nada há decerto de mais perigoso que a confusão entre teoria e história nascida dos preconceitos naturalistas Esta confusão pode apresentarse quer sob a forma de se acreditar na fixação em tais qua dros conceituais e teóricos do conteúdo propriamente dito ou da sua utilização à maneira de leito de Procrusto no qual a História deverá ser introduzida à força ou ainda hipostasiando as idéias como se fossem a realidade propriamente dita ou as forças reais que por detrás do fluxo dos acontecimentos manifestamse na História Este último perigo é tanto mais constante quanto mais habituados estamos a entender por idéias de uma época os pensamentos e ideais que governaram a massa ou uma parte historicamente decisiva dos homens dessa época e que por esse mesmo motivo constituíram elementos significativos para o aspecto particular da cultura citada A tudo isso convém acrescentar mais duas coisas Em primeiro lugar a circunstância de que entre a idéia no sentido de tendência do pensamento prático e teórico de uma época e a idéia no sentido de tipo ideal desta época por nós construído como meio conceituai auxiliar existem por via de regra determinadas relações Um tipo ideal de condições sociais determinadas obtido através da abstração de deter minadas manifestações sociais características de uma época pode ter efetivamente passado aos olhos dos seus contemporâneos como um ideal a ser alcançado na prática ou pelo menos como máxima para a 111 regulação de certas relações sociais Assim acontece com a idéia da proteção dos bens de subsistência e de outras teorias dos canônicos especialmente de Santo Tomás de Aquino em relação com o já citado conceito típicoideal da economia urbana medieval utilizado atual mente E com maior razão assim sucede com o famigerado conceito fundamental da Economia Política o do valor econômico Desde a escolástica até à teoria marxista aqui se entrecruzam duas noções a do objetivamente válido isto é de um dever ser e a de uma abstração a partir do processo empírico da formação de preços A idéia de que o valor dos bens deveria ser regulado segundo determinados princípios do direito natural teve um incomensurável significado para o desen volvimento da nossa civilização e não apenas na Idade Média e ainda hoje o tem Em especial influiu intensamente no processo empírico da formação dos preços Ora é apenas mediante uma construção rigorosa dos conceitos ou seja graças ao tipo ideal que se toma possível expor de forma uní voca o que se entende e pode entender pelo conceito teórico do valor Era isto o que o sarcasmo acerca das robinsonadas da teoria abstrata deveria ter em conta pelo menos enquanto não for capaz de nos oferecer em seu lugar algo de melhor o que aqui significa algo de mais claro A relação de causalidade entre a idéia historicamente comprovável que domina os homens e os elementos da realidade histórica dos quais se pode fazer a abstração do tipo ideal correspondente pode adotar formas extremamente variáveis Em princípio deveremos apenas recor dar que ambas as coisas são fundamentalmente diferentes E aqui surge a nossa segunda observação As idéias que domi naram os homens de uma época isto é as que neles atuaram de forma difusa só poderão ser compreendidas sempre que formem um quadro do pensamento complicado com rigor conceituai sob a forma de um tipo ideal pois empiricamente elas habitam as mentes de uma quantidade indeterminada e mutável de indivíduos nos quais estavam expostas aos mais diversos matizes segundo a forma e o conteúdo a clareza e o sentido Os elementos da vida espirituál dos diversos indivíduos em determinada época da Idade Média por exemplo que poderíamos designar pelo termo de cristianismo dos indivíduos em questão cons tituiriam caso fôssemos capazes de expôlos por completo um caos de relações intelectuais e de sentimentos de todos os tipos infinitamente diferenciados e extremamente contraditórios se bem que a Igreja da Idade Média tenha sido capaz de impor em elevado grau a unidade 112 da fé e dos costumes Posta a questão do que correspondia no meio daquele caos ao cristianismo medieval com o qual temos de traba lhar continuamente como se se tratasse de um conceito já estabelecido ou o problema de saber em que consistia o elemento cristão que encontramos nas instituições da Idade Média logo descobriremos que utilizamos constantemente um quadro mental puro por nós criado Tratase de uma combinação de artigos de fé de normas éticas e de direito canônico de máximas para o comportamento na vida e de inúmeras relações particulares que nós combinamos numa só idéia numa síntese que seriamos incapazes de estabelecer de modo não con traditório sem recorrer a conceitos típicoideais Claro que tanto a estrutura lógica dos sistemas conceituais em que expomos essas idéias como a sua relação com o imediatamente dado na realidade empírica são evidentemente muito diferentes As coisas apresentamse no entanto de forma bastante simples sempre que se trate de casos em que um ou alguns raros princípios diretores teóricos facilmente traduzíveis em fórmulas como a fé de Calvino na pre destinação ou então certos postulados morais formuláveis com clareza tenham governado os homens e hajam produzido determinados efeitos históricos de modo que nos seja possível introduzir a idéia numa hierarquia de pensamentos inferidos logicamente desses princípios diretores Já então se passa por alto que por muito importante que tenha sido o poder constritivo puramente lógico do pensamento na História de que o marxismo é um exemplo notável o processo empírico histórico que se desenvolveu na mente das pessoas deverá ser geralmente compreendido como um processo condicionado psicologicamente e não logieamente O caráter típicoideal dessas sínteses de idéias que tiveram uma ação histórica manifestase de forma ainda mais clara se esses princípios diretores e postulados fundamentais não vivem ou já não vivem nas mentes dos indivíduos ainda que estes continuem dominados por pen samentos que são a conseqüência lógica destes princípios ou que deles saíram por associação quer porque a idéia historicamente original que lhes servia de base se extinguiu ou porque apenas conseguira ter influência através das suas conseqüências E essas sínteses adotam ainda mais o caráter de idéia por nós construída quando de início esses princípios diretores fundamentais não tenham sido captados ou apenas de modo incompleto pela consciência dos homens ou ainda quando não tenha adotado a forma de um conjunto claro e coerente de pen samentos 113 Assim se nos empenhamos neste procedimento como tantas vezes sucede e deverá suceder essa idéia que formamos como a do liberalismo de um determinado período a do metodismo ou a de qualquer variante embrionária do socialismo não é mais que um tipo ideal puro com o mesmo caráter que as sínteses dos princípios de uma época econômica de que falamos acima Quanto mais vastas são as relações que se devem expor e quanto mais variada tenha sido a sua significação cultural tanto mais se aproximará do tipo ideal a sua apresentação sistemática e global num sistema conceituai e mental e tanto menos se torna possível ficarse com um único conceito deste gênero E daí resulta ser tanto mais natural e necessário repetir a tentativa de construir novos conceitos de tipo ideal com a finalidade de tomar consciência de aspectos significativos sempre novos das relações Assim por exemplo todos os enunciados de uma essência do cristia nismo constituem tipos ideais que constante e necessariamente apenas têm uma validade muito relativa e problemática se reivindicarem qua lidade de enunciado histórico do empiricamente dado Por outro lado possuem um elevado valor heurístico para a investigação e um enorme valor sistemático para a exposição se apenas forem utilizadas como meios conceituais para comparar e medir relativamente a eles a realidade Com esta função tornamse mesmo indispensáveis Tais exposições típicoideais contudo comportam em regra mais outro aspecto que complica ainda mais a sua significação Geralmente pretendem ser ou inconscientemente o são tipos ideais não somente no sentido lógico mas também no sentido prático Ou seja tipos exem plares que seguindo o nosso exemplo contêm aquilo que o cristia nismo deve ser segundo o ponto de vista do cientista aquilo que na sua opinião é essencial nesta religião porque representa um valor permanente para ele Ora no caso em que isso ocorra de forma cons ciente ou mais freqüentemente inconsciente tais descrições contêm determinados ideais aos quais o pesquisador refere o cristianismo ava liandoo isto é as tarefas e finalidades segundo as quais orienta a sua idéia de cristianismo Claro que tais ideais podem ser completamente diferentes e sem dúvida que o serão sempre dos valores com que por exemplo os contemporâneos dos primitivos cristãos compararam o cristianismo Neste caso as idéias já não são meios auxiliares pura mente lógicos nem conceitos relativamente aos quais se mede a realidade de modo comparativo mas antes são ideais a partir dos quais se julga a realidade avaliandoa Já não se trata aqui do processo puramente teórico da relação do empírico com determinados valores mas sim de 114 juízos de valor adotados no conceito do cristianismo Dado que o tipo ideal reivindica aqui uma validade empírica penetra na região da interpretação avaliadora do cristianismo abandonase o campo da ciên cia experimental para se fazer uma profissão de fé pessoal não uma construção conceituai típicoideal Por muito notável que seja esta diferença quanto aos princípios confusão entre estas duas significações fundamentalmente diferentes da noção de idéia dáse com extraordinária freqüência no decorrer do trabalho histórico Dáse sempre que o historiador começa a desen volver a sua própria apreensão de uma personalidade ou de uma época Contrariamente aos padrões éticos constantes que Schlosser esta beleceu segundo o espírito do racionalismo o historiador moderno de espírito relativista que por um lado se propõe compreender por si própria a época de que fala e que por outro também quer avaliála sente a necessidade de obter os padrões dos seus juízos a partir da própria matéria do seu estudo Isto é deixa que a idéia no sentido de ideal nasça da idéia no sentido de tipo ideal E o atrativo estético desse procedimento constantemente o incita a esquecer a linha que separa ambas donde esta situação intermediária que por um lado não pode reprimir o juízo de valor e que por outro tende a declinar a res ponsabilidade dos seus juízos E necessário opor a tudo isto um dever elementar do autocontrole científico único meio suscetível de evitar surpresas que nos convida a realizar uma distinção estrita entre a relação que compara a realidade com tipos ideais em sentido lógico e a apreciação avaliadora dessa rea lidade a partir de ideais Devemos repetir mais uma vez que no sentido que lhe damos um tipo ideal é algo de completamente diferente da apreciação avaliadora pois nada tem em comum com qualquer per feição salvo com a de caráter puramente lógico Existem tipos ideais tanto de bordéis comó de religiões E entre os primeiros tanto existem uns que segundo a atual perspectiva da ética policial poderiam parecer tecnicamente oportunos como outros em que aconteceria o contrário Vemonos obrigados a passar por alto a discussão pormenorizada do caso que é sob muitos aspectos o mais complicado e interessante a questão da estrutura lógica do conceito de Estado A este respeito pretendemos apenas fazer notar que quando perguntamos o que corres ponde à noção de Estado na realidade empírica deparamos com uma infinidade de ações e sujeições humanas difusas e discretas de relações 115 reais e juridicamente ordenadas singulares ou regularmente repetidas e unificadas por uma idéia a crença em normas que se encontram efeti vamente em vigor ou que deveriam estar assim como em determinadas relações de domínio do homem pelo homem Esta crença é parcial mente uma posse espiritual desenvolvida em pensamento em parte sentida confusamente e em parte aceita de modo passivo e que se manifesta com os mais diferentes matizes nas mentes dos indivíduos Se os homens chegassem a conceber com toda a clareza esta idéia não precisariam da teoria geral do Estado que se propõe esclarecêla O conceito científico do Estado qualquer que seja a forma pela qual se formule constitui sempre uma síntese que nós realizamos para determinados fins do conhecimento Mas por outro lado obtemolo também por abstração das obscuras sínteses que encontramos nas mentes dos homens históricos Apesar de tudo o conteúdo concreto que a noção histórica de Estado adota poderá ser apreendido com clareza mediante uma orientação segundo os conceitos de tipo ideal E além disso não há a menor dúvida de que o modo como os contemporâneos realizam essas sínteses de uma forma lógica sempre imperfeita ou seja as idéias que eles têm do Estado por exemplo a idéia orgânica de Estado da metafísica alemã em oposição à concepção comercial dos americanos possui uma eminente significação prática Por outras palavras também aqui a idéia prática em cuja validade se crê assim como o tipo ideal teórico construído para as necessidades da investiga ção correm paralelos e mostram uma constante tendência para mutua mente se confundirem Mais acima encaramos intencionalmente o tipo ideal como uma construção intelectual destinada à medição e à caracterização sistemática das relações individuais isto é significativas pela sua especificidade tais como o cristianismo o capitalismo etc Isso se deu para eliminar a opinião corrente de que no domínio dos fenômenos culturais o típico abstrato é idêntico ao genérico abstrato Esse não é o caso Sem pro curarmos analisar aqui logicamente o conceito de típico tão discutido e tão desacreditado pelo abuso que dele se faz podemos já deduzir dos nossos estudos precedentes que a formação de conceitos de tipos no sentido da eliminação do acidental também e sobretudo tem lugar no estudo das individualidades históricas Como é natural também aos conceitos genéricos que encontramos continuamente sob a forma de elementos constitutivos dos enunciados 116 históricos e dos conceitos históricos concretos podemos conferir a forma de tipo ideal com o auxílio da abstração e da acentuação de determi nados dos seus elementos conceitualmente essenciais Tratase mesmo de um dos modos práticos mais freqüentes e importantes de aplicar os conceitos de tipo ideal pois cada tipo ideal individual é composto de elementos conceituais que têm um caráter genérico e foram elaborados à maneira de tipos ideais Também neste caso exibese a função lógica específica dos con ceitos de tipo ideal O conceito de troca por exemplo é um simples conceito genérico no sentido de um complexo de características que são comuns a vários fenômenos sempre que eu deixe de considerar a significação dos elementos conceituais e portanto limitarme a analisálo nos termos da linguagem cotidiana Se este conceito contudo é posto em relação com a lei da utilidade marginal e se forma o conceito da troca econômica à maneira de um processo econômico racional este conceito como qualquer outro integralmente elaborado de forma lógica conterá um juízo sobre as condições típicas da troca Assume então um caráter genético e convertese em típicoideal no sentido ló gico isto é afastase da realidade empírica que apenas se pode comparar e referir a ele Algo de semelhante se pode dizer acerca de todos os supostos conceitos fundamentais da Economia Política só é possível desenvolvêlos de forma genética enquanto tipos ideais A diferença entre conceitos genéricos simples que apenas reúnem as características comuns a diversos fenômenos empíricos e os tipos ideais genéricos como por exemplo um conceito de tipo ideal da essência do artesanato naturalmente é fluida nos pormenores Mas nenhum conceito genérico possui enquanto tal um caráter típico como também não existe um tipo médio puramente genérico Sempre que falamos de grandezas típicas como na Estatística por exemplo encontramos algo mais que um mero termo médio Quanto mais se trata de classificações de processos que se manifestam na realidade de uma forma maciça tanto mais se trata de conceitos genéricos Pelo contrário quanto mais se atribui uma forma conceituai aos elementos que constituem o fundamento da significação cultural específica das relações históricas complexas tanto mais o conceito ou o sistema de conceitos adquirirá o caráter de tipo ideal Porque a finalidade da formação de conceitos de tipo ideal consiste sempre em tomar rigorosa mente consciência não do que é genérico mas muito pelo contrário do que é específico a fenômenos culturais 117 O fato de poderem ser utilizados os tipos ideais incluídos os de caráter genérico e de efetivamente o serem apenas oferece um interesse metodológico relativamente a outra circunstância Até este momento temonos principalmente ocupado com os tipos ideais no seu aspecto essencial de conceitos abstratos de relações que concebemos como relações estáveis no fluxo do devir como indivíduos históricos nos quais se processam desenvolvimentos Mas apresentase nos agora uma complicação que o preconceito naturàlista segundo o qual a meta das ciências sociais deverá ser a redução da realidade a leis introduz na nossa disciplina com grande facilidade valendose do conceito de típico que também é possível construir tipos ideais de desenvolvimentos e estas construções podem ter um valor heurístico muito considerável No entanto surge neste caso o perigo iminente de que se confundam o tipo ideal e a realidade Assim por exemplo pode chegarse ao resultado teórico de que num sociedade organizada rigorosamente segundo normas artesanais a única forite dè acumulação de capital seria a renda da terra A partir daqui poderseia taivez construir não cabe examinar agora a exati dão dessa construção um quadro ideal puro da transformação da forma econômica artesanal na capitalista com base apenas em deter minados fatores simples tais como a escassez do solo o crescimento da população a abundância de metais preciosos e a racionalização do modo de vida Para saber se o curso empírico do desenvolvimento foi efetiva mente o mesmo que o construído é necessário comproválo com o auxílio desta construção tomada como meio heurístico procedendose a uma comparação entre o tipo ideal e os fatos Se o tipo ideal tiver sido construído de forma correta e o decurso efetivo não corresponder ao decurso de tipo ideal teríamos a prova de que em determinadas relações a sociedade medieval não foi uma sociedade estritamente artesanal E no caso de o tipo ideal ter sido construído de modo heuristicamente ideal não interessa saber aqui se e como no pre sente exemplo esse caso poderia darse então orientaria a investigação para o caminho que conduz a um estudo mais profundo da natureza particular e da significação histórica dos elementos da sociedade me dieval que não têm caráter artesanal Se conduzir a esse resultado terá cumprido o seu papel lógico precisamente ao tornar manifesta a sua própria irrealidade Constitui nesse caso a prova de uma hipótese O processo não desperta qualquer objeção metodológica enquanto se tiver presente que a história e a construção típicoideal do desenvolvimento 118 devem ser rigorosamente diferenciadas e que a construção apenas serviu como meio para realizar metodicamente a atribuição válida de um processo histórico às suas causas reais entre as possíveis na situação dada do nosso conhecimento Tal como mostra a experiência tornase extremamente difícil manter com rigor essa diferença e por uma circunstância precisa No interesse da demonstração clara do tipo ideal ou do desenvolvimento de tipo ideal ela deverá ser ilustrada mediante um material da realidade empíricohistórica O perigo deste procedimento legítimo em si reside em que o saber histórico aparece como servidor da teoria em vez de suceder o contrário O teórico facilmente se vê tentado a considerar como normal esta relação ou então o que é pior ainda a misturar a teoria e a História até ao ponto de as confundir Esse perigo é ainda mais ameaçador quando se chega a combinar dentro de uma classifi cação genética a construção ideal de um desenvolvimento com a classi ficação conceituai de tipos ideais de determinadas configurações culturais por exemplo as formas da empresa industrial a partir da economia doméstica fechada ou ainda os conceitos religiosos a partir dos deuses do momento A seqüência de tipos que resulta das características conceituais selecionadas corre o risco de ser tomada como uma sucessão histórica de tipos que obedecem à necessidade de uma lei A ordem lógica dos conceitos por um lado e a distribuição empírica daquilo que é conceitualizado no espaço no tempo e na conexão causai por outro aparecem então de tal modo ligados entre si que quase chega a ser irresistível a tentação de violentar a realidade para consolidar a validade efetiva da construção na realidade Intencionalmente deixou de ser demonstrada a nossa concepção no exemplo de longe o mais importante de construções de tipo ideal o de Marx E isto para não complicar a exposição com a introdução das interpretações de Marx e também para não antecipar as futuras discussões da nossa revista nas quais se submeterão a uma análise crítica das obras escritas sobre este grande pensador ou inspiradas nas suas doutrinas Limitamonos a constatar aqui que todas as leis e construções do desenvolvimento histórico especificamente marxistas naturalmente possuem um caráter de tipo ideal na medida em que sejam teoricamente corretas Quem quer que tenha trabalhado com os conceitos marxistas conhece a eminente e inigualável importância heu rística destes tipos ideais quando utilizados para os comparar com a realidade mas conhece igualmente o seu perigo logo que são apresenta dos como construções com validade empírica ou até mesmo como 119 tendências ou forças ativas reais o que na verdade significa meta físicas Conceitos genéricos tipo ideal conceitos genéricos de estrutura típicoideais ideais no sentido de combinações de pensamentos que influem empiricamente nos homens históricos tipos ideais dessas idéias ideais que dominam os homens tipos ideais desses ideais ideais a que o historiador refere a História construções teóricas com utilização ilus trativa do empírico investigação histórica com utilização de conceitos teóricos como casoslimite ideais e enfim as mais diversas complicações possíveis que apenas pudemos aqui assinalar tudo isso são construções ideais cuja relação com a realidade empírica do imediatamente dado é em cada caso particular problemática Esta breve lista demonstra já o constante entrelaçar dos problemas metodológicos e conceituais que continuamente revivem no campo das ciências da cultura E dado que nos limitamos aqui a referir os problemas vimonos obrigados a renunciar ao aprofundamento das questões da metodologia e a discutir em pormenor as relações entre o conhecimento de tipo ideal e o obtido por leis entre os conceitos de tipo ideal e os conceitos coletivos etc Após todas estas discussões o historiador continuará no entanto a insistir em que a preponderância da forma típicoideal na formação e construção dos conceitos não é mais que um sintoma específico da juventude de uma disciplina científica E em certa medida devemos darlhe razão embora com conseqüências muito diferentes das que ele deduzirá Tomemos alguns exemplos de outras disciplinas Não há dúvida de que tanto o atormentado aluno de curso elementar como o filólogo primitivo imaginam em princípio que uma língua é algo de orgânico isto é uma totalidade supraempírica e regida por normas atribuindo à ciência a tarefa que consiste em estabelecer o que deve ter validade como normas lingüísticas A primeira tarefa a que geralmente se lança qualquer filologia é a de elaborar de forma lógica a língua escrita tal como por exemplo o fez a Academia delia Crusca reduzindo o seu conteúdo a determinadas regras E se face a isto um dos principais filólogos da atualidade proclama que o objeto da Filologia é a fala de cada indivíduo a instituição de um tal programa apenas parece possível depois de existir já na linguagem escrita um tipo ideal relativamente fixo com o qual a análise possa trabalhar ainda que implicitamente no interior da infinita diversidade da fala sem o que se encontraria com pletamente desprovida de qualquer direção e delimitação 120 Este mesmo papel foi representado pelas construções das teorias do Estado com base no Direito natural e na concepção organicista ou ainda para evocarmos um tipo ideal na nossa acepção pela teoria do Es tado antigo segundo Benjamin Constant São por assim dizer portos de abrigo à espera de que se consiga uma orientação no mar imenso dos fatos empíricos Na verdade a ciência amadurecida significa sempre uma superação de tipo ideal enquanto se lhe atribui uma validade em pírica ou o valor de um conceito genérico Ora hoje em dia não só se torna completamente legítima a utilização da brilhante construção de Constant para demonstrar determinados aspectos e particularidades históricas da vida política antiga na condição de se manter cuidadosa mente o seu caráter de tipo ideal como ainda e principalmente existem ciências dotadas de eterna juventude É o caso por exemplo de todas as disciplinas históricas de todas aquelas para as quais o fluxo cons tantemente progressivo da cultura continuamente suscita novos proble mas Na essência da sua tarefa está o caráter transitório de todas as construções típicoideais mas também no serem inevitáveis construções típicoideais sempre novas Continuamente se repetem as tentativas para determinar o sentido autêntico e verdadeiro dos conceitos históricos sem jamais alcan çarem o seu fim É por isso normal que as sínteses com que a História constantemente trabalha não sejam mais que conceitos determinados relativamente ou ainda que logo que se exige ao conteúdo conceituai um caráter unívoco se trate de tipos ideais abstratos Neste último caso o conceito revela um ponto de vista teórico e portanto unilateral que embora esclareça a realidade demonstra ser impróprio para se tomar um esquema no qual essa realidade pudesse ficar completamente in cluída Porque nenhum desses sistemas de pensamento que são imprescindíveis para a compreensão dos elementos significativos da realidade pode esgotar a sua infinita riqueza Todos estes sistemas não passam de tentativas para conferir uma ordem ao caos dos fatos que incluímos no âmbito do nosso interesse e que são realizadas com base no estado atual dos nossos conhecimentos e nas estruturas conceituais de que dispomos O aparelho intelectual que se desenvolveu no passado mediante uma elaboração reflexiva ou a rigor mediante uma transformação reflexiva da realidade imediatamente dada e ainda através da sua integração nos conceitos que correspondiam ao estado do conhecimento e à orientação assumida pelos interesses encontrase em contínuo confronto com tudo o que podemos e queremos adquirir quanto a conhecimento novo da 121 realidade nessa luta que se realiza o progresso do trabalho científico no domínio cultural O seu resultado é um constante processo de transformação dos conceitos através dos quais tentamos apreender a realidade Por conseguinte a história das ciências da vida social é e conti nuará a ser uma alternância constante entre a tentativa de ordenar teoricamente os fatos mediante uma construção de conceitos a decom posição dos quadros mentais assim obtidos devido a uma ampliação e deslocamento do horizonte científico e a construção de novos conceitos sobre a base assim modificada Nisto de modo algum se expressa o caráter errôneo da intenção de criar em geral sistemas conceituais pois qualquer ciência mesmo a simples história descritiva trabalha o repertório conceituai da sua época Antes se exprime aqui o fato de que nas ciências da cultura humana a construção de conceitos depende do modo de propor os problemas e de que este último varia de acordo com o conteúdo da cultura A relação entre o conceito e o concebido comporta nas ciências da cultura o caráter transitório de qualquer destas sínteses No campo da nossa ciência grandes tentativas de construções conceituais deviam o seu valor precisamente ao fato de porem a descoberto os limites da significação do ponto de vista que lhes servia de alicerce Os maiores progressos no campo das ciências sociais estão ligados substantivamente ao deslocamento dos problemas práticos da civilização e assumem a forma de uma crítica da construção dos conceitos Uma das principais tarefas da nossa revista consistirá pois em servir às finalidades da citada crítica e por conseguinte ao exame dos princípios da síntese no campo das ciências sociais Se deduzirmos as conseqüências do que fica dito chegaremos a um ponto em que as nossas opiniões talvez se diferenciem num ou noutro aspecto das opiniões de muitos representantes eminentes da escola histórica à qual também pertencemos Pois estes últimos persistem quer de forma expressa quer implícita na opinião de que a finalidade e alvo último de qualquer ciência consiste em ordenar toda a sua matéria de estudo num sistema de conceitos cujo conteúdo deveria ser estabelecido e progressivamente aperfeiçoado mediante a observação de regularidades empíricas a construção de hipóteses e a verificação das mesmas até que um dia daqui nascesse uma ciência perfeita e conseqüentemente dedutiva Para isso o trabalho histórico e indutivo contemporâneo constituiria apenas uma tarefa preliminar condicionada pela imperfei 122 ção da nossa disciplina Segundo o ponto de vista desta concepção nada poderia pois existir de mais grave que a construção e aplicação de conceitos rigorosos que pudessem vir a antecipar de forma prematura essa meta a ser atingida apenas num futuro longínquo Esta concepção seria em princípio incontestável no campo da teoria do conhecimento antigo e escolástico que perdura profundamente viva na massa de trabalhadores especializados da escola histórica cujo pressuposto é que os conceitos são cópias representativas da realidade objetiva daí a constante alusão à irrealidade de todos os conceitos rigorosos Para aquele que desenvolve até às suas últimas conseqüências a idéia fundamental da moderna teoria do conhecimento baseada em Kant segundo a qual os conceitos são e apenas podem ser meios intelectuais para o domínio espiritual do empiricamente dado a circuns tância de que os conceitos genéticos rigorosos são tipos ideais não constitui uma razão para que se oponha à sua construção Para ele deverseia inverter a relação entre conceito e trabalho historiográfico essa meta final acima citada parecelhe logicamente impossível e os conceitos não são a meta mas meios para o conhecimento das relações significativas sob pontos de vista individuais Precisamente porque o conteúdo dos conceitos históricos é variável é preciso formulálos de cada vez com maior precisão Ele exigirá apenas que ao utilizar tais conceitos se mantenha cuidadosamente o seu caráter de tipo ideal e que não se confunda o tipo ideal e a História Dado que devido à inevi tável variação das idéias de valor básicas não há conceitos históricos verdadeiramente definitivos suscetíveis de serem considerados como fim último geral ele admitirá que precisamente por se formarem conceitos rigorosos e unívocos para o ponto de vista singular que orienta o tra balho será possível darse conta claramente dos limites da sua validade Não deixaremos de dar a entender e aliás já o admitimos que num caso particular é possível que o desenvolvimento de uma relação histórica concreta possa ser exposto com clareza sem relacionálo cons tantemente com conceitos definidos E conseqüentemente poderseia reivindicar para o historiador da nossa disciplina o mesmo direito concedido ao historiador político isto é falar a linguagem da vida Decerto Mas quanto a isso cabe dizer que neste procedimento é em grande escala acidental que o ponto de vista segundo o qual o evento tratado ganha significação tornese claramente consciente Regra geral não nos encontramos na favorável situação do historiador político para o qual os conteúdos culturais a que se refere a sua descrição são habitual mente unívocos ou pelo menos parecem sêlo Qualquer descrição 123 meramente intuitiva fazse acompanhar do fenômeno particular da importância assumida pelo enunciado estético Cada um vê o que tem no coração Os juízos válidos pressupõem sempre pelo contrário a elaboração lógica do intuitivo isto é a utilização de conceitos E embora se torne possível e muitas vezes agradável sob o ponto de vista estético conserválos in petto há no entanto o perigo de se compro meter a segurança da orientação do leitor e freqüentemente do próprio escritor quanto ao conteúdo e alcance dos seus juízos Mas a omissão da construção de conceitos rigorosos pode chegar ao ponto de ser extremamente perigosa no caso das discussões práticas de política econômica e social Assim um leigo não poderia imaginar a confusão que suscita por exemplo o emprego do termo valor tormento da Economia Política ao qual apenas se poderá conferir um sentido unívoco através do tipo ideal ou então a confusão suscitada por expressões como produtivo sob o ponto de vista econômico etc que não resistem a uma análise conceitualmente clara São sobre tudo os conceitos coletivos tomados à linguagem cotidiana os que provocam mais danos Tomese pois a título de exemplo o conceito de agricultura tal como aparece na expressão os interesses agrários Consideremos em primeiro lugar estes interesses agrários como representações subjetivas mais ou menos claras e verificáveis empiricamente que os diferentes agentes econômicos individuais têm dos seus interesses sem levar em conta os inúmeros conflitos de interesses dos agricultores quer se dediquem à criação de animais à engorda de gado ou à cultura do trigo à sua transformação em forragem ou à sua destilação Qualquer especialista e até talvez os leigos conhecem o monumental entrelaçar de relações de valor opostas e contraditórias que a citada expressão pode representar Queremos apenas expor alguns os interesses dos agricul tores que desejam vender as suas terras pelo que apenas lhes interessa uma rápida elevação do preço dos terrenos o interesse diametralmente oposto daqueles que querem comprar terras aumentálas ou tomálas por arrendamento o interesse dos que estão empenhados em conservar uma propriedade para obterem vantagens sociais para os seus descen dentes pelo que estão interessados numa estabilização da propriedade o interesse contrário desses outros que com vistas a si próprios ou a seus filhos desejam uma redistribuição das terras em benefício do que melhor as explora ou o que não é o mesmo do comprador mais sólido em capitais o interesse puramente econômico que o explorador mais eficaz no sentido da economia privada encontra na liberdade 124 econômica da troca de propriedades o interesse oposto de certas camadas dominantes da sociedade em conservar a posição social política tradicional do seu estamento e dos seus descendentes o interesse social das camadas sociais não dominantes pela supressão dessas cama das elevadas que para elas significam uma opressão o interesse por vezes oposto de considerar que nos estratos superiores há dirigentes políticos capazes de protegerem os interesses das classes inferiores Poderíamos prolongar indefinidamente a lista embora tenhamos proce dido de modo muito impreciso e sumário Passaremos também por alto que os interesses sobretudo egoístas deste tipo estão ocasionalmente misturados com os mais diversos valores puramente ideais que podem desviálos ou reprimilos Recordaremos principalmente que sempre que falamos dos inte resses agrários via de regra pensamos não só nesses valores materiais e ideais a que os agricultores referem os seus interesses como ainda pensamos nas idéias de valor em parte totalmente heterogêneas às quais nós próprios referimos a agricultura Assim por exemplo os interesses da produção que tanto decorrem do interesse em proporcionar à população produtos baratos como do interesse nem sempre coinci dente em lhe fornecer produtos de qualidade Neste ponto os inte resses urbanos podem apresentar as mais variadas divergências em rela ção aos interesses agrários assim como os interesses presentes podem colidir com os interesses prováveis das gerações vindouras Há ainda os interesses demográficos como o de um país em possuir uma população rural numerosa quer derive dos interesses de Estado por razões de política externa ou interna quer de outros interesses ideais muito dife rentes como por exemplo o que se espera da influência de uma numerosa população rural sobre as peculiaridades culturais de um país Esse inte resse demográfico pode por sua vez colidir com os mais variados interes ses da economia privada de todos os setores da população rural de um país e talvez mesmo com todos os interesses presentes da população em bloco Podemos considerar ainda o interesse por determinado tipo de estrutura social da população rural devido à natureza das influências políticas ou culturais que daí derivam Este último é capaz de colidir segundo a sua óptica com todos os interesses imagináveis presentes e futuros tanto dos agricultores como do Estado Mas o que vem ainda complicar mais a questão é que o Estado a cujo interesse referimos com tanta facilidade os interesses parti culares deste tipo é para nós apenas uma expressão que envolve um enredamento obscuro de idéias de valor às quais o reportamos nos 125 casos particulares Tais idéias de valor podem ser a pura segurança militar relativamente ao exterior a manutenção do predomínio de uma dinastia ou de determinadas classes no interior o interesse pela manu tenção e fortalecimento da unidade formal do Estado quer seja por ele próprio quer para conservar determinados valores culturais objetivos e diferenciados entre si que nós acreditamos que devemos defender na nossa qualidade de povo unificado no seio de um Estado ou a transformação do caráter social do Estado no sentido de determinados ideais culturais por sua vez muito variados Enfim mesmo a mera enumeração de tudo quanto está envolvido na expressão interesses do Estado à qual podemos referir a agricultura nos levaria demasiado longe Tanto o exemplo escolhido como a nossa análise sumária são toscos e simples Por isso convido o leigo a analisar de modo seme lhante e com mais profundidade o conceito de interesses da classe operária para que veja por si próprio que emaranhado contraditório essa expressão encerra por se compor de interesses e ideais da classe operária e em parte também de interesses a partir dos quais nós próprios consideramos os trabalhadores Tomase impossível superar os slo gans suscitados pela luta de interesses mediante uma acentuação puramente empírica do seu caráter relativo O único caminho que nos permite superar a vacuidade retórica é o da determinação clara rigorosa e conceituai dos diferentes pontos de vista possíveis O argumento da livre troca como concepção do mundo ou como norma empiricamente válida é ridículo Contudo seja qual for a natu reza dos ideais que cada indivíduo se propõe defender o fato de haver subestimado o valor heurístico da velha sabedoria dos maiores comer ciantes do mundo expressas nessas fórmulas típicoideais causou grandes prejuízos aos nossos estudos sobre a política comercial Só mediante fórmulas conceituais típicoideais é que se chega a compreen der realmente a natureza particular dos pontos de vista que interessam no caso particular graças a um confronto entre o empírico e o tipo ideal A utilização de conceitos coletivos não diferenciados com os quais trabalha a linguagem quotidiana oculta sempre confusões do pensamento ou da vontade muitas vezes é o instrumento de perigosas ilusões e sempre é um meio de inibir o desenvolvimento do enunciado correto dos problemas Chegamos ao final da nossa discussão que teve como único pro pósito o de destacar a linha quase imperceptível que separa a Ciência da crença e o de pôr a descoberto o sentido do esforço do conheci mento sócioeconômico A validade objetiva de todo o saber empírico 126 baseiase única e exclusivamente na ordenação da realidade dada segundo categorias que são subjetivas no sentido específico de represen tarem o pressuposto do nosso conhecimento e de se ligarem ao pres suposto de que é valiosa aquela verdade que só o conhecimento empírico nos pode proporcionar Com os meios da nossa ciência nada poderemos oferecer àquele que considere que essa verdade não tem valor dado que a crença no valor da verdade científica é produto de determinadas culturas e não um dado da natureza Mas o certo c que buscará em vão outra verdade que substitua a Ciência naquilo que somente ela pode fornecer isto é conceitos e juízos que não constituem a realidade empírica nem podem reproduzila mas que permitem ordenála pelo pensamento de modo válido Já vimos que no campo das ciências sociais empíricas da cultura a possibilidade de um conhecimento dotado de sentido daquilo que para nós é essencial na infinita riqueza do devir ligase à utilização ininter rupta de pontos de vista de caráter especificamente particular que em última instância são orientados por idéias de valor Estas por seu lado podem ser comprovadas e vividas empiricamente como elementos de qualquer ação humana significativa mas o fundamento da sua validade não deriva da própria matéria empírica A objetividade do conhecimento no campo das ciências sociais depende antes do fato de o empiricamente dado estar constantemente orientado por idéias de valor que são as únicas a conferirlhe valor de conhecimento e ainda que a significação desta objetividade apenas se compreenda a partir de tais idéias de valor não se trata de converter isso em pedestal de uma prova empiricamente impossível da sua validade E a crença que todos nós alimentamos sob uma forma ou outra na validade supraempírica de idéias de valor últimas e supremas em que fundamentamos o sentido da nossa existência não exclui antes pelo contrário inclui a variabilidade incessante dos pontos de vista concretos a partir dos quais a realidade empírica adquire significado A realidade irracional da vida e o seu conteúdo de significações possíveis são ines gotáveis e também a configuração concreta das relações valorativas mantémse flutuante submetida às variações do obscuro futuro da cul tura humana A luz propagada por essas idéias de valor supremas ilumina de cada vez uma parte finita e continuamente modificada do caótico curso de eventos que flui através do tempo É preciso não darmos a tudo isso uma falsa interpretação no sen tido de considerarmos que a autêntica tarefa das ciências sociais consiste 127 numa perpétua caça a novos pontos de vista e construções conceituais Pelo contrário convém insistir mais do que nunca sobre o seguinte servir o conhecimento da significação cultural de complexos históricos e concretos constitui o único fim último e exclusivo ao qual juntamente com outros meios está também dedicado o trabalho da construção e crítica de conceitos Utilizando os termos de F Th Vischer concluiremos que na nossa disciplina também existem cientistas que cultivam a matéria e outros que cultivam o espírito O apetite dos primeiros ávido de fatos apenas se sacia com massas de documentos com tabelas estatís ticas e sondagens mas revelase insensível aos manjares delicados da idéia nova O requinte gustativo dos segundos chega a perder o gosto pelos fatos através de constantes destilações de novos pensamentos O virtuosismo legítimo que entre os historiadores Ranke possuía em tão elevado grau costuma manifestarse precisamente pelo poder de criar algo de novo através da referência de certos fatos conhecidos a deter minados pontos de vista igualmente conhecidos Numa época de especialização qualquer trabalho nas ciências da cultura após terse orientado para determinada matéria através do seu modo determinado de colocar os problemas e uma vez adquiridos os seus princípios metodológicos verá na elaboração dessa matéria um fim em si próprio sem controlar continuamente e de forma consciente o valor cognitivo dos fatos isolados pela sua referência às idéias de valor últimas e mesmo sem tomar consciência da sua ligação com essas idéias de valor E é bom que assim seja Mas um dia tornase incerto o significado dos pontos de vista adotados irrefletidamente o caminho perdese no crepúsculo A luz dos grandes problemas culturais deslo couse para mais além Então a Ciência preparase também para mudar o seu cenário e o seu aparelho conceituai e fitar o fluxo do devir das alturas do pensamento Ela segue a rota dos astros que unicamente po dem dar sentido e rumo ao seu trabalho como o Fausto de Goethe desperta o novo impulso Lançome para sorver sua luz eterna Diante de mim o dia e atrás a noite Acima de mim o céu abaixo as ondas Ranke Org por Sérgio Buarque de Holanda v 8 desta coleção N da Ed 4 OS TRÊS TIPOS PUROS DE DOMINAÇÃO LEGITIMA A dominação ou seja a probabilidade de encontrar obediência a um determinado mandato pode fundarse em diversos motivos de sub missão Pode depender diretamente de uma constelação de interesses ou seja de considerações utilitárias de vantagens e inconvenientes por parte daquele que obedece Pode também depender de mero costume do hábito cego de um comportamento inveterado Ou pode fundarse finalmente no puro afeto na mera inclinação pessoal do súdito Não obstante a dominação que repousasse apenas nesses fundamentos seria relativamente instável Nas relações entre dominantes e dominados por outro lado a dominação costuma apoiarse internamente em bases jurí dicas nas quais se funda a sua legitimidade e o abalo dessa crença na legitimidade costuma acarretar conseqüências de grande alcance Em forma totalmente pura as bases de legitimidade da dominação são somente três cada uma das quais se acha entrelaçada no tipo puro com uma estrutura sociológica fundamentalmente diversa do quadro e dos meios administrativos 41 Dominação legal Dominação legal em virtude de estatuto Seu tipo mais puro é a dominação burocrática Sua idéia básica é qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma A associação dominante é eleita ou nomeada e ela própria e todas as suas partes são empresas Designase como serviço Reproduzido de W e b e r M Die drei reinen Typen der legitimen Herrschaft In Wirtschaft und Gesellschaft 4 ed organizada e revista por Johannes Winkelmann Tübingen J C B Mohr Paul Siebeck 1956 v II p 5518 Trad por Gabriel Cohn 129 uma eirpresa ou parte dela heterônona e heterocéfala isto é cujos regular lentos e órgãos executivos r io são definidos apenas inter namente a ela mas pela sua particjpação em formas de associação mais amplas portanto nãoautônoma nem autocéfala O quadro admi nistrativo consiste de funcionários nomeados pelo senhor e os subor dinados são membros da associação cidadãos camaradas Obedecese não à pessoa em virtude de seu direito próprio mas à regra estatuída que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer Também quem ordena obedece ao emitir uma ordem a uma regra à lei ou regulamento de uma norma formalmente abstrata O tipo daquele que ordena é o superior cujo direito de mando está legitimado por uma regra estatuída no âmbito de uma competência concreta cuja delimitação e especialização se ba seiam na utilidade objetiva e nas exigências profissionais estipuladas para a atividade do funcionário O tipo do funcionário é aquele de formação profissional cujas condições de serviço se baseiam num con trato com um pagamento fixo graduado segundo a hierarquia do cargo e não segundo o volume de trabalho e direito de ascensão conforme regras fixas Sua administração é trabalho profissional em virtude do dever objetivo do cargo Seu ideal é proceder sine ira et studio ou seja sem a menor influência de motivos pessoais e sem influências senti mentais de espécie alguma livre de arbítrio e capricho e particular mente sem consideração da pessoa de modo estritamente formal segundo regras racionais ou quando elas falham segundo pontos de vista de conveniência objetiva O dever de obediência está graduado numa hierarquia de cargos com subordinação dos inferiores aos supe riores e dispõe de um direito de queixa regulamentado A base do funcionamento técnico é a disciplina do serviço 1 Correspondem naturalmente ao tipo da dominação legal não apenas a estrutura moderna do Estado e do município mas tam bém a relação de domínio numa empresa capitalista privada numa associação com fins utilitários ou numa união de qualquer outra natu reza que disponha de um quadro administrativo numeroso e hierarqui camente articulado As associações políticas modernas constituem os representantes mais conspícuos do tipo Sem dúvida a dominação da empresa capitalista moderna é em parte heterônoma sua ordenação achase parcialmente prescrita pelo Estado E no que se refere ao quadro coercitivo é totalmente heterocéfala são os quadros judicial e policial estatais que normalmente executam essas funções Mas é autocéfala no tocante à organização administrativa cada vez mais buro 130 crática que lhe é própria O fato de o ingresso na associação dominante terse dado de modo formalmente voluntário nada muda no caráter do domínio posto que a exoneração e a renúncia são igualmente livres o que normalmente submete os dominados às normas da empresa devido às condições do mercado de trabalho O parentesco sociológico da dominação legal com o moderno domínio estatal mani festarseá ainda mais cláramente ao se examinarem os seus fundamentos econômicos A vigência do contrato como base da empresa capitalista impõelhe o timbre de um tipo eminente da relação de dominação legal 2 A burocracia constitui o tipo tecnicamente mais puro da do minação legal Nenhuma dominação todavia é exclusivamente burocrá tica já que nenhuma é exercida unicamente por funcionários contratados Tsso é totalmente impossível Com efeito os cargos mais altos das associações políticas ou são monarcas soberanos carismáticos here ditários ou presidentes eleitos pelo povo ou seja senhores caris máticoplebiscitários ou são eleitos por um colegiado parlamentar cujos senhores de fato não são propriamente os seus membros mas os chefes seja carismáticos seja de caráter dignitário honoratiores dos partidos majoritários Tampouco é possível encontrar um quadro administrativo que seja de fato puramente burocrático Costumam participar na admi nistração sob as formas mais diversas dignitários honoratiores de um lado e representantes de interesses por outro sobretudo na chamada administração autônoma É decisivo todavia que o trabalho rotineiro esteja entregue de maneira predominante e progressiva ao elemento burocrático Toda a história do desenvolvimento do Estado moderno particularmente identificase com a da moderna burocracia e da em presa burocrática da mesma forma que toda a evolução do grande capitalismo moderno se identifica com a burocratização crescente das empresas econômicas As formas de dominação burocrática estão em ascensão em todas as partes 3 A burocracia não é o único tipo de dominação legal Os funcionários designados por turno por sorte ou por eleição a admi nistração pelos parlamentos e pelos comitês assim como todas as moda lidades de corpos colegiados de governo e administração correspondem a esse conceito sempre que sua competência esteja fundada sobre re gras estatuídas e que o exercício do direito de domínio seja congruente com o tipo de administração legal Na época da fundação do Estado moderno as corporações colegiadas contribuíram de maneira decisiva para o desenvolvimento da forma de dominação legal e o conceito de 131 serviço em particular develhes a sua existência Por outro lado a burocracia eletiva desempenha papel importante na história anterior à da administração burocrática moderna e também hoje nas democracias 42 Dominação tradicional Dominação tradicional em virtude da crença na santidade das ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existentes Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal A associação dominante é de caráter comunitário O tipo daquele que ordena é o senhor e os que obedecem são súditos enquanto o quadro administrativo é formado por servidores Obedecese à pessoa em virtude de sua dignidade pró pria santificada pela tradição por fidelidade O conteúdo das ordens está fixado pela tradição cuja violação desconsiderada por parte do senhor poria em perigo a legitimidade do seu próprio domínio que repousa exclusivamente na santidade delas Em princípio considerase impossível criar novo direito diante das normas e da tradição Por conseguinte isso se dá de fato através do reconhecimento de um estatuto como válido desde sempre por sabedoria Por outro lado fora das normas tradicionais a vontade do senhor somente se acha fixada pelos limites que em cada caso lhe põe o sentimento de eqüidade ou seja de forma sumamente elástica Daí a divisão do seu domínio numa área estritamente firmada pela tradição e em outra da graça e do arbítrio livres onde age conforme seu prazer sua simpatia ou sua antipatia e de acordo com pontos de vista puramente pessoais sobretudo suscetíveis de se deixarem influen ciar por preferências também pessoais Não obstante na medida em que na base da administração e da composição dos litígios existem princípios estes são os da eqüidade ética material da justiça ou da utilidade prática mas não por outro lado os de caráter formal como é o caso na dominação legal No quadro administrativo as coisas ocorrem exatamente da mesma forma Ele consta de dependentes pessoais do senhor familiares ou funcionários domésticos ou de parentes ou de amidos pessoais favo ritos ou de pessoas que lhe estejam ligadas por um vínculo de fideli dade vassalos príncipes tributários Falta aqui o conceito burocrático de competência como esfera de jurisdição objetivamente delimitada A extensão do poder legítimo de mando do servidor particular é em cada caso regulado pela discrição do senhor da qual ele é também 132 completamente dependente no exercício desse poder nos cargos impor tantes ou mais altos De fato regese em grande parte pelo que os servidores podemse permitir frente à docilidade dos súditos Dominam as relações do quadro administrativo não o dever ou a disciplina objeti vamente ligados ao cargo mas a fidelidade pessoal do servidor Conforme a modalidade de posição desse quadro administrativo é possível observar contudo duas formas distintas em suas características 1 A estrutura puramente patriarcal de administração os servi dores são recrutados em completa dependência pessoal do senhor seja sob a forma puramente patrimonial escravos servos eunucos ou extrapatrimonial de camadas não totalmente desprovidas de direitos favoritos plebeus Sua administração é totalmente heterônoma e hete rocéfala não existe direito próprio algum do administrador sobre o cargo mas tampouco existem seleção profissional nem honra estamental para o funcionário os meios materiais da administração são aplicados em nome do senhor e por sua conta Sendo o quadro administrativo inteiramente dependente dele não existe nenhuma garantia contra o seu arbítrio cuja extensão possível é por conseguinte maior aqui do que em qualquer outra parte O tipo mais puro dessa dominação é o sulía nato Todos os verdadeiros despotismos tiveram esse caráter segundo o qual o domínio é tratado como um direito corrente de exercício do senhor 2 A estrutura estamental os servidores não o são pessoalmente do senhor e sim pessoas independentes de posição própria que lhes angaria proeminência social Estão investidos em seus cargos de modo efetivo ou conforme a ficção de legitimidade por privilégio ou conces são do senhor ou possuem em virtude de um negócio jurídico com pra penhora ou arrendamento um direito próprio do cargo do qual não se pode despojálos sem mais Assim sua administração ainda que limitada é autocéfala e autônoma exercendose por conta própria e não por conta do senhor É a dominação estamental A competição dos titulares dos cargos em relação ao âmbito dos mesmos e de suas rendas determina a delimitação recíproca dos seus conteúdos adminis trativos e figura no lugar da competência A articulação hierárquica é freqüentemente ferida pelo privilégio Falta a categoria de disciplina As relações gerais são reguladas pela tradição pelo privilégio pelas relações de fidelidade feudais ou patrimoniais pela honra estamental e pela boa vontade O poder senhorial achase pois repartido entre o senhor e o quadro administra 133 tivo com título de propriedade e de privilégio e esta divisão de poderes estamental imprime um caráter altamente estereotipado ao tipo de administração A dominação patriarcal do pai de família do chefe da parentela ou do soberano não é senão o tipo mais puro da dominação tradi cional Toda sorte de chefe que assume a autoridade legítima com um êxito que deriva simplesmente do hábito inveterado pertence à mes ma categoria ainda que não apresente uma caracterização tão clara A fidelidade inculcada pela educação e pelo hábito nas relações da criança com o chefe de família constitui o contraste mais típico com a posição do trabalhador ligado por contrato a uma empresa de um lado e com a relação religiosa emocional do membro de uma comunidade com relação a um profeta por outro E efetivamente a associação doméstica constitui uma célula reprodutora das relações tradicionais de domínio Os funcionários típicos do Estado patrimonial e feudal são empregados domésticos inicialmente encarregados de tarefas afetas puramente à administração doméstica senescal camareiro escanção mordomo A coexistência da esfera de atividade ligada estritamente à tradição com a da atividade livre é comum a todas as formas de dominação tradicional No âmbito dessa esfera livre a ação do senhor ou do seu quadro administrativo tem que ser comprada ou conquistada por meio de relações pessoais O sistema de taxas tem nisso uma das suas ori gens A falta de direito formal que é de importância decisiva e sua substituição pelo predomínio de princípios materiais em contraste com os princípios formais na administração e na conciliação de litígios é também comum a todas as formas de dominação tradicional e tem conseqüências de amplo alcance em particular no que diz respeito à relação com a economia O patriarca assim como o senhor patrimonial rege e decide segundo princípios da justiça do Cadi islâmico ou seja por um lado preso estritamente à tradição mas por outro e na medida em que esse vínculo deixa liberdade conforme pontos de vista juridicamente informais e irracionais de eqüidade e justiça em cada caso particular e com consideração da pessoa Todas as codificações e leis da dominação patrimonial respiram o espírito do chamado Estado providência predomina uma combinação de princípios éticosociais e utilitáriosociais que rompe toda rigidez jurídica formal A separação entre as estruturas patriarcal e estamental da domina ção tradicional é básica para toda a sociologia do Estado da época préburocrática Sem dúvida o contraste somente se toma totalmente compreensível quando associado ao seu aspecto econômico de que se 134 falará mais adiante separação do quadro administrativo com relação aos meios materiais de administração ou apropriação desses meios por aquele quadro Toda a questão sobre a existência de estamentos que tenham sido portadores de bens culturais ideais e sobre quais o teriam sido depende historicamente em primeiro lugar dessa separação A administração por meio de elementos patrimoniais dependentes escra vos servos tal como é encontrada no Oriente Médio e no Egito até a época dos mamelucos constitui o tipo mais extremo e aparentemente nem sempre na realidade mais conseqüente do domínio puramente patriarcal absolutamente desprovido de estamentos A administração por meio de plebeus livres situase relativamente próxima do sistema burocrático racional A administração por meio de letrados pode reves tir segundo o caráter deles contraste típico brâmanes hindus de um lado e mandarins chineses de outro e em confronto com ambos clérigos budistas e cristãos formas muito diferentes aproximandose sempre porém do tipo estamental Este está representado na sua forma mais nítida na administração pela nobreza e na sua modalidade mais pura pelo feudalismo que coloca a relação de lealdade totalmente pessoal e o apelo à honra estamental do cavaleiro investido no cargo no lugar da obrigação objetiva racional devida ao próprio cargo Toda forma de dominação estamental baseada numa apropriação mais ou menos fixa do poder de administração encontrase relativamente ao patriarcalismo mais próxima da dominação legal pois reveste em virtude das garantias que cercam as competências dos privilegiados o caráter de um fundamento jurídico de tipo especial conseqüência da divisão de poderes estamental que falta às configurações de caráter patriarcal com suas administrações totalmente dependentes do arbítrio do senhor Por outro lado porém a disciplina rígida e a falta do direito próprio do quadro administrativo no patriarcalismo situamse tecnicamente mais próximas da disciplina do cargo da dominação legal do que a administração fragmentada pela apropriação e por conseguinte estereotipada das configurações estamentais E o emprego de plebeus juristas a serviço do senhor praticamente constituiu na Europa o ele mento precursor do Estado moderno 43 Dominação carismática Dominação carismática em virtude de devoção afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais carisma e particularmente a faculdades mágicas revelações ou heroísmo poder intelectual ou de 135 oratória O sempre novo o extracotidiano o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam constituem aqui a fonte da devoção pessoal Seus tipos mais puros são a dominação do profeta do herói guerreiro e do grande demagogo A associação dominante é de caráter comunitário na comunidade ou no séquito O tipo que manda é o líder O tipo que obedece é o apóstolo Obedecese exclusivamente à pessoa do líder por suas qualidades excepcionais e não em virtude de sua posição esta tuída ou de sua dignidade tradicional e portanto também somente enquanto essas qualidades lhe são atribuídas ou seja enquanto seu carisma subsiste Por outro lado quando é abandonado pelo seu deus ou quando decaem a sua força heróica ou a fé dos que crêem em suas qualidades de líder então seu domínio também se torna caduco O quadro administrativo é escolhido segundo carisma e vocação pessoais e não devido à sua qualificação profissional como o funcio nário à sua posição como no quadro administrativo estamental ou à sua dependência pessoal de caráter doméstico ou outro como é o caso do quadro administrativo patriarcal Falta aqui o conceito racional de competência assim como o estamental de privilégio São exclu sivamente determinantes da extensão da legitimidade do sequaz desig nado ou do apóstolo a missão do senhor e sua qualificação carismática pessoal A administração na medida em que assim se possa dizer carece de qualquer orientação dada por regras sejam elas estatuídas ou tradicionais São características dela sobretudo a revelação ou a criação momentâneas a ação e o exemplo as decisões particulares ou seja em qualquer caso medido com a escala das ordenações esta tuídas o irracional Não está presa à tradição Está escrito porém eu lhes digo vale para o profeta enquanto para o herói guerreiro as ordenações legítimas desaparecem diante da nova criação pela força da espada e para o demagogo em virtude do direito natural revo lucionário que ele proclama e sugere A forma genuína da jurisdição e a conciliação de litígios carismáticos é a proclamação da sentença pelo senhor ou pelo sábio e sua aceitação pela comunidade de defesa ou de crença e esta sentença é obrigatória sempre que não se lhe oponha outra concorrente de caráter também carismático Neste caso encontra monos diante de uma luta de líderes que em última instância somente pode ser resolvida pela confiança da comunidade e na qual o direito somente pode estar de um dos lados ao passo que para o outro somente pode existir injustiça merecedora de castigo a O tipo de dominação carismática foi brilhantemente descrito pela primeira vez ainda que sem apreciála como tipo por R 136 Sohm em sua obra sobre Direito eclesiástico para a antiga comunidade cristã A partir de então a expressão foi sendo reiteradamente utilizada porém sem que sua extensão fosse apreciada por completo O passado antigo somente conhece ao lado de tentativas insignificantes de domínio estatuído que sem dúvida não faltam totalmente a divisão do con junto de todas as relações de dominação em tradição e carisma Ao lado do chefe econômico sachem dos índios norteamericanos tipo essencialmente tradicional figura o príncipe guerreiro carismático que corresponde ao duque alemão com seu séquito A caça e as campa nhas bélicas que requerem ambas um líder pessoal dotado de qualidades excepcionais constituem a área mundana da liderança carismática en quanto que a magia constitui seu âmbito espiritual A partir de então a dominação carismática dos profetas e dos príncipes guerreiros esten dese sobre os homens em todas as épocas através dos séculos O político carismático o demagogo é um produto da cidadeestado ocidental Na cidadeestado de Jerusalém somente aparecia com vesti menta religiosa como profeta Já em Atenas a partir das inovações de Péricles e Efialtes na reforma constitucional democrática de 462 aC a Constituição ajustavase exatamente à sua medida e a máquina estatal não teria podido funcionar sem ele b A autoridade carismática baseiase na crença no profeta ou no reconhecimento que encontram pessoalmente o herói guerreiro o herói da rua e o demagogo e com eles cai E todavia sua autoridade não deriva de forma alguma desse reconhecimento por parte dos sub metidos mas ao contrário a fé e o reconhecimento são considerados um dever cujo cumprimento aquele que se apóia na legitimidade caris mática exige para si e cuja negligência castiga Sem dúvida a autoridade carismática é uma das grandes forças revolucionárias da História porém em sua forma totalmente pura tem caráter eminentemente autoritário e dominador c É evidente que a expressão carisma é empregada aqui num sentido plenamente livre de juízos de valor Para o sociólogo a cólera maníaca do homemfera berserker nórdico os milagres e as reve lações de qualquer profeta de esquina ou os dotes demagógicos de Cleonte líder da facção oposicionista contra Pcricles do partido demo crático em Atenas de 4 3 1 a 422 aC são carisma com o mesmo título que as qualidades de um Napoleão de um Jesus ou de um Péricles Porque para nós o decisivo é se foram considerados e se atuaram como tal vale dizer se encontraram ou não reconhecimento O pressuposto 137 indispensável para isso é fazerse acreditar o senhor carismático tem de se fazer acreditar como senhor pela graça de Deus por meio de milagres êxitos e prosperidade do séquito e dos súditos Se lhe falha o êxito seu domínio oscila Esse conceito carismático da graça divina teve conseqüências decisivas onde vigorou O monarca chinês viase amea çado em sua posição tão logo a seca inundações perda de colheitas ou outras calamidades punham em tela de juízo se estava ou não sob a proteção do céu Tinha de proceder à autoacusação pública e de prati car penitência e se a calamidade persistia ameaçavamno de queda do trono e ainda eventualmente de sacrifício O fazerse acreditar por meio de milagres era exigido de todo profeta como ainda fizeram com Lutero os fanáticos de Zwickau A subsistência da grande maioria das relações de domínio de cará ter fundamental legal repousa na medida em que contribui para sua estabilidade a crença na legitimidade sobre bases mistas o hábito tra dicional e o prestígio carisma figuram ao lado da crença igual mente inveterada no final das contas na importância da legitimidade formal A comoção de uma dessas bases por exigências postas aos súdi tos de forma contrária à ditada pela tradição por uma adversidade aniquiladora do prestígio ou por violação da correção da forma legal usual abala igualmente a crença na legitimidade Contudo para a subsis tência continuada da submissão efetiva dos dominados é de suma impor tância em todas as relações de domínio o fato primordial da existência do quadro administrativo e de sua atuação ininterrupta no sentido da execução das ordenações e de assegurar direta ou indiretamente a submissão a elas A segurança dessa ação realizadora do domínio é o que se designa pela expressão organização E para a lealdade do quadro administrativo perante o senhor tão importante segundo o que se acaba de ver é por sua vez decisiva a solidariedade tanto ideal quanto material de interesses com relação a ele No que diz respeito às relações do senhor com o quadro administrativo é de aplicação geral a frase segundo a qual normalmente o senhor em virtude do isolamento dos membros desse quadro e da solidariedade de cada um deles para com ele mesmo é o mais forte diante de cada indivíduo renitente porém é em todo caso o mais fraco se estes como tem ocorrido ocasional mente tanto no passado quanto no presente se associam entre si Requerse todavia um acordo cuidadosamente planejado entre os mem bros do quadro administrativo para bloquear por meio da obstrução ou da reação deliberada a influência do senhor sobre a sua ação asso 138 ciada e por essa via paralisar o seu domínio E isso requer da mesma forma a criação de um quadro administrativo próprio d A dominação carismática é uma relação social especificamente extracotidiana e puramente pessoal E caso de subsistência continuada o mais tardar com o desaparecimento do portador do carisma a relação de domínio no último caso citado quando não se extingue de ime diato mas subsiste de alguma forma passando a autoridade do senhor a seus sucessores tende a tornarse rotineira cotidiana Isso pode ocorrer 7 Por conversão das ordenações carismáticas para o tipo tradi cional No lugar da reiterada recriação carismática na jurisprudência e na ordem administrativa pelo portador do carisma ou pelo quadro admi nistrativo carismaíicamente qualificado introduzse a autoridade dos prejuízos e dos precedentes que as protegem ou lhes são atribuídos 2 pela passagem do quadro administrativo carismático isto é do apostolado ou do séquito a um quadro legal ou estamental mediante assunção de direitos de dominação interna ou apropriados por privilégio feudos prebendas 3 por transformação do sentido do próprio carisma É deter minante para isso o tipo de solução da questão palpitante tanto por motivos ideais como materiais sobremaneira freqüentes do problema da sucessão A sucessão pode processarse de diversas maneiras A mera esperi passiva do aparecimento de um novo senhor carismaticamente creditadc ou qualificado costuma ser substituída sobretudo quando se prolong e interesses poderosos de qualquer natureza achamse ligados à subsis tência da associação dominante pela atuação direta tende em vista a sua obtenção a Pela busca de indícios da qualificação carismática Um tipo bastante puro é o da busca do novo Dalai Lama no Tibete O caráter estritamente pessoal e extraordinário do carisma convertese assim num atributo suscetível de verificação conforme regras b por meio do oráculo da sorte ou de outras técnicas de desig nação A crença na pessoa do qualificado convertese assim em crença na técnica correspondente c por designação do qualificado carismaticamente que por sua vez pode ocorrer de vários modos 139 1 Pelo próprio portador do carisma É a designação do sucessor forma muito freqüente tanto entre os profetas como entre os príncipes guerreiros A crença na legitimidade própria do carisma convertese assim na crença na aquisição legítima do domínio em virtude de desig nação jurídica ou divina 2 por um apostolado ou um séquito carismaticamente qualifi cados ao qual se soma o reconhecimento pela comunidade religiosa ou militar conforme o caso A concepção deste procedimento como direito de eleição ou de préeleição é secundária Este conceito moderno deve ser inteiramente descartado Com efeito de acordo com a idéia originária não se trata de uma votação referente a candidatos elegíveis entre os quais se dê uma eleição livre mas da comprovação e do reconhecimento do senhor certo daquele qualificado carismaticamente e chamado a assumir a sucessão Uma eleição errônea constituía por conseguinte uma injustiça a ser expiada O postulado propriamente dito era tinha que ser possível conseguir unanimidade já que o contrário comportava erro e debilidade Em todo caso a crença já não era direta mente na pessoa como tal mas no senhor correta e validamente designado e eventualmente entronizado ou instaurado de alguma outra forma no poder como um objeto de posse 3 por carisma hereditário na idéia de que a qualificação carismática está no sangue O pensamento óbvio em si é primeiro o de um direito de sucessão no domínio Este pensamento somente se impôs no Ocidente na Idade Média Freqüentemente o carisma está ligado à família e o novo portador efetivo tem de primeiro ser deter minado especialmente segundo uma das regras e métodos mencionados sob os números 1 a 3 Onde quer que existam regras fixas com relação à pessoa estas não são uniformes Somente no Ocidente medieval e no Japão foi imposto sem exceção e de modo unívoco o direito hereditário de primogenitura com considerável reforço da dominação corres pondente já que todas as demais formas suscitavam conflitos A crença não é então diretamente na pessoa como tal mas no herdeiro legítimo da dinastia O caráter puramente atual e extracotidiano do carisma transformase numa via acentuadamente tradicional e também o conceito da graça divina modificase completamente em seu sentido ou seja senhor por pleno direito próprio e não em virtude de carisma pessoal reconhecido pelos súditos A pretensão do domínio é neste caso inteira mente independente das qualidades pessoais 140 4 por objetivação ritual do carisma ou seja na crença de que se trata de uma qualidade mágica transferível ou suscetível de ser pro duzida mediante uma determinada espécie de hierurgia ação sacerdotal unção imposição de mãos ou outros atos sacramentais Então a crença já não está ligada à pessoa do portador do carisma de cujas quali dades a pretensão de domínio é antes absolutamente independente como aparece de forma especialmente clara no princípio católico do caráter indelével do sacerdote mas à eficácia do ato sacramental em questão 5 O princípio carismático de legitimidade interpretado conforme seu significado primário em sentido autoritário pode ser reinterpretado de forma antiautoritária A validade efetiva da dominação carismática baseiase no reconhecimento da pessoa concreta como carismaticamente qualificada e acreditada por parte dos súditos Conforme a concepção genuína do carisma este reconhecimento é devido ao pretendente legí timo enquanto qualificado Esta relação todavia pode facilmente ser interpretada por desvio no sentido de que o reconhecimento livre por parte dos súditos seja por sua vez a suposição da legitimidade e seu fundamento legitimidade democrática Nestas condições o reconheci mento convertese em eleição e o senhor legitimado em virtude do seu próprio carisma convertese em detentor de poder por graça dos súditos e em virtude de mandato Tanto a designação pelo séquito como a aclamação pela comunidade militar ou religiosa como o plebiscito adotaram freqüentemente na História o caráter de uma eleição efetuada por votação convertendo deste modo o senhor escolhido em virtude de suas pretensões carismáticas num funcionário eleito pelos súditos conforme sua vontade livre E de forma análoga convertese facilmente o princípio carismático segundo o qual uma ordem jurídica carismática deve ser anunciada à comunidade de defesa ou religiosa e ser reconhecida por esta de modo que a possibilidade de que concorram ordens diversas e opostas possa ser decidida por meios carismáticos e em última instância pela adesão da comunidade à ordenação correta na representação legal segundo a qual os súditos decidem livremente mediante manifestação da sua vontade sobre o direito que prevalecerá sendo o cômputo das vozes o meio legítimo para isso princípio majoritário A diferença entre um líder eleito e um funcionário eleito já não passa nessas condições do sentido que o próprio eleito dê à sua atitude 141 e conforme suas qualidades pessoais tenha condições para impri mir ao quadro administrativo e aos súditos O funcionário comportar seá em tudo como mandatário do seu senhor aqui pois dos eleito res e o líder diversamente agirá como responsável exclusivamente perante si próprio Ou seja enquanto aspire com êxito à confiança daqueles agirá estritamente segundo seu próprio arbítrio democracia de caudilho e não como funcionário consoante a vontade expressa ou suposta num mandato imperativo dos eleitores 5 RELIGIÃO E RACIONALIDADE ECONÔMICA 51 O caráter geral das religiões asiáticas Para a Ásia como um todo a China desempenhou um papel seme lhante ao da França no Ocidente moderno Dela provém todo o poli mento cosmopolita do Tibete até o Japão e as áreas mais remotas da índia Em confronto com isso coube à Índia uma significação análoga à do helenismo antigo Raras são na Ásia as concepções que trans cendam os interesses práticos cuja origem não deva finalmente ser bus cada nela Sobretudo as religiões de salvação indianas ortodoxas ou heterodoxas cumpriram para toda a Ásia um papel próximo ao do Cristianismo Com uma única diferença que à parte as exceções locais e no mais das vezes temporárias nenhuma delas foi alçada à condição de confissão dominante única como ocorreu na Europa durante a Idade Média e até após a paz de Westfália que encerrou a guerra dos 30 anos e estabeleceu a paridade entre as confissões em 1648 A Ásia era e permaneceu em princípio a terra da livre concorrência das religiões da tolerância tal como era entendida por exemplo na fase final do Mundo Antigo Isso significa que ficava ressalvado o âmbito da razão de Estado que afinal como não devemos esquecer persiste também hoje entre nós como o limite de toda tolerância religiosa só que com outras conseqüências Sempre que esses interesses políticos eram postos em questão não faltaram também na Ásia as perseguições religiosas no maior estilo principalmente na China mas também no Japão e em partes da Índia Assim como na Atenas da época de Sócrates também na Ásia a deisi Reproduzido de W e b e r M Die asiatische Sekten und Heilandsreligiositát e Konfuzianismus und Taoismus In Gesammelte Aufsãtze zur Religionssoziologie 5 ed 6 ed 1972 v I Tübingen J C B Mohr Paul Siebeck 1972 v II p 36378 v I p 52836 Trad por Gabriel Cohn 143 demonia culto oficial podia exigir um sacrifício em qualquer momento Finalmente as guerras religiosas das seitas e das ordens monásticas militarizadas também desempenham seu papel na Ásia até o século XIX No todo entretanto observamos aquela justaposição de cultos doutrinas seitas e ordens de todo tipo que também era própria da Anti guidade ocidental É claro que nem por isso essas orientações concorrentes eram equivalentes aos olhos dos grupos majoritários das camadas dominantes em cada momento e freqüentemente também não para os dos poderes políticos Havia doutrinas ordens e seitas ortodoxas e heterodoxas e entre as ortodoxas as mais ou menos clássicas De especial importância para nós é que elas também se distinguiam socialmente Por um lado e minoritariamente conforme as suas camadas sociais de origem Por outro lado e principalmente conforme o tipo de salvação que ofere ciam aos seus adeptos O primeiro aspecto manifestavase de duas maneiras ou bem o contraste entre a áspera rejeição de qualquer reli giosidade de salvação por uma camada social superior e as soterologias crenças de salvação populares entre as massas como é o caso típico da China ou bem o cultivo de formas diversas de soterologia por dife rentes camadas sociais Na maioria dos casos a saber sempre que não conduzia a seitas socialmente estratificadas esse aspecto é idên tico ao segundo aquele no qual a mesma religião oferece formas diver sas de bens de salvação cuja demanda varia em intensidade conforme as diferentes camadas sociais Com algumas poucas exceções as sotero logias asiáticas conheciam mandamentos que apenas eram acessíveis àqueles que levavam vida exemplar monástica no mais das vezes ao lado de outros válidos para os leigos Esse tipo encontrase quase sem exceção entre as soterologias de origem indiana As causas de ambos esses fenômenos eram semelhantes destacandose duas intimamente vinculadas Por um lado o hiato que separava os literariamente culti vados da massa iletrada dos entusiastas Por outro lado e ligada a isso a premissa comum em última análise a todas as filosofias e sotero logias asiáticas a de que o saber seja o saber literário seja a gnose mística seria finalmente a única via absoluta para a salvação suprema aqui e no além Um saber bem entendido que não é das coisas deste mundo do cotidiano da natureza e da vida social e das leis que dominam ambas mas um saber filosófico sobre o sentido do mundo e da vida Um saber dessa ordem evidentemente jamais pode ser substituído pelos meios da ciência empírica ocidental e conforme seu próprio fim tampouco pode ser perseguido por ela Ele a transcende 144 A Ásia e isso significa por sua vez a Índia é o local típico do empenho intelectual unicamente em busca de visão do mundo nesse sentido autêntico do termo de busca de um sentido da vida no mundo Podese assegurar aqui é claro que com as reservas compatíveis com a carência de prova para essa afirmação nessa exposição incompleta que nada há no domínio da reflexão sobre o sentido do mundo e da vida que não tenha sido pensado de uma forma ou outra na Ásia Esse saber que conforme seu próprio sentido inevitavelmente e de fato carrega consigo o caráter de conhecimento místico da gnose que o pensamento asiático perseguia constituía o único caminho para a salva ção e simultaneamente também a única via para a conduta correta se gundo toda soterologia genuinamente asiática vale dizer indiana Em lugar algum portanto atingiu tal evidência a proposição tão grata a todo e qualquer intelectualismo a de que a virtude pode ser aprendida e de que o conhecimento correto tem por conseqüência infalível a ação correta Mesmo para as lendas populares como as do maianismo que desempenham para as artes plásticas um papel semelhante ao das nossas narrativas bíblicas essa concepção forma o pressuposto totalmente evi dente Somente o saber ministra conforme o caso poder ético ou mágico sobre si próprio ou sobre outros Aquele aprendizado e esse conhecimento do que se há de saber não constituem em absoluto uma oferta e apreensão de conhecimentos empíricocientíficos que possibilitem o domínio racional da natureza e dos homens como no Ocidente São meios de domínio mágico e místico sobre si próprio gnose que é procurada através do mais intensivo treinamento do corpo e do espírito seja pela ascese ou regularmente mediante uma meditação intensiva e metodicamente regrada Duas conseqüências importantes decorrem do caráter místico do saber Por um lado o caráter aristocrático da salvação na soterologia pois a capacidade para a gnose mística é um dom um carisma e de nenhum modo acessível a todos Por outro e ligado a isso o seu caráter asocial e apolítico O conhecimento místico não é comunicável pelo menos de forma racional e adequada A soterologia asiática sempre conduz o pretendente à salvação suprema a um reino extraterreno e destituído de forma racional e por isso mesmo divino de contem plação ou posse de uma felicidade ou possessão por ela que não é deste mundo e que apesar disso pode e deve ser conquistada nessa vida atra vés da gnose Em todas as formas superiores de contemplação asiática ela é vivenciada como um vazio um vácuo do mundo e daquilo que ele move 145 Isso corresponde de resto ao próprio caráter significativo da mís tica que na Ásia é levada às suas últimas conseqüências A desvalori zação do mundo e do que nele ocorre é até psicologicamente a conse qüência inevitável desse conteúdo significativo e não mais suscetível de interpretação racional da posse mística da salvação Na sua formulação racional essa condição de graça misticamente experimentada aparece como a contraposição do repouso à atividade O primeiro é o divino a segunda é própria às criaturas transitória e limitada e portanto ape nas aparente ou então carente de valor de salvação A formulação mais racional dessa postura vivencialmente condicionada perante o mun do encontrase na doutrina indiana do Samsara e do Karma que por isso alcançou um predomínio quase universal na Ásia Por essa via o mundo da vida real que a soterologia desvalorizava ganhava um sentido racional relativo Nele rege segundo as concepções racionalmente mais desenvolvidas a lei do determinismo Na natureza exterior conforme a doutrina maianista desenvolvida especialmente no Japão vigora a causa lidade no sentido que nós emprestamos a ela nos destinos da alma o determinismo ético da expiação do Karma Deles não há escapatória senão na fuga através da gnose para aquele reino extramundano quer seja o destino da alma concebido como um permanecer quer como um estado de calma individual eterna semelhante a um sono sem sonhos ou então como um estado de eterna e calma beatitude na contemplação do divino ou como uma integração na unicidade divina De todo modo a idéia de que as ações transitórias de um ser transitório nessa terra possam acarretar castigos ou prêmios eternos num além e isso graças à presença de um Deus simultaneamente onipotente e benévolo é algo que sempre pareceu e sempre parecerá absurdo e espiritualmente subalterno para qualquer pensamento genuina mente asiático Com isso no entanto perdeuse a forte ênfase que a doutrina ocidental do além punha sobre o curto espaço dessa vida em termos de salvação A indiferença ao mundo era a ação dada quer revestisse a forma da fuga exterior do mundo quer a da conduta que embora intramundana era indiferente ao mundo portanto como uma pro va contra o mundo e a própria atividade não em ambos e através deles A concepção da divindade suprema como tendo caráter pessoal ou como é de regra nessas circunstâncias como sendo impessoal fazia uma dife rença gradual e não de princípio o que não é sem importância Mesmo a ocorrência rara mas ocasional da concepção de uma divindade pes soal supramundana não era eficaz Decisiva era a natureza do bem de salvação almejado Essa por sua vez era determinada finalmente pelo 146 fato de que a portadora da soterologia era uma camada de letrados dedicados à reflexão sobre o sentido do mundo sem outras preocupações senão esse próprio sentido E com essa soterologia de intelectuais que se defrontavam as cama das asiáticas envolvidas na ação prática na vida Não havia possibilidade de estabelecer laços internos entre o desempenho no mundo e a sotero logia extramundana A única forma internamente conseqüente até o fim era a soterologia das castas do bramanismo védico na Índia Sua con cepção de vocação tinha efeitos políticos sociais e econômicos de cará ter extremamente tradicionalista Mas constitui a única forma com plena coerência lógica da doutrina orgânica da salvação e da sociedade que jamais existiu As camadas leigas aristocráticas assumiram perante a soterologia a postura correspondente à sua situação interna Na medida em que elas próprias eram camadas aristocráticas de caráter estamental havia várias possibilidades Podiam ser uma nobreza secular literariamente cultivada que se defrontava com uma camada sacerdotal literariamente informada e independente como era o caso na Índia e na nobreza cortesã japonesa Nesse caso elas em parte envolveramse na criação das soterologias sacerdotais como ocorreu particularmente na Índia ou então assumiram posição cética em face de todas as questões religiosas como fizeram uma parcela dos leigos aristocratas da Índia antiga e pon deráveis segmentos das camadas intelectuais aristocráticas do Japão Na medida em que apesar do seu ceticismo elas eram levadas a tratar dos costumes religiosos faziamno em regra de modo ritual e formalista Assim ocorreu com partes das camadas aristocráticas cultas na Índia e no Japão antigos Ou então eram funcionários e militares como na índia Nesse caso apenas essa última atitude se manifestava Em todos os casos examinados até aqui a própria conduta de vida dessas camadas leigas era organizada ritualmente de modo consentâneo com suas legalidades próprias pela camada sacerdotal sempre que ela linha o poder para isso como ocorria na Índia No Japão a camada sacerdotal carecia de poder após sua derrota pelos xóguns subordina dos diretos do Imperador administradores da casa real para regula mentar de outi a maneira que meramente externa a conduta de vida da nobreza Há também o caso contrário ao examinado antes quando os aristocratas leigos não eram apenas funcionários seculares beneficiá rios de posições e candidatos a ela numa burocracia patrimonial como também os portadores do culto estatal sem a concorrência de um sacer dotado poderoso Nesse caso elas desenvolveram uma conduta de vida 147 estritamente cerimoniosa e com orientação puramente intramundana Também o ritual era tratado como um cerimonial estamental como o era o confucionismo na China para a sua camada de letrados recrutados de maneira relativamente democrática No Japão a nobreza secular ilus trada relativamente livre do poder dos sacerdotes não tinha o caráter chinês de candidatura a posições e prebendas apesar de também lá se encontrarem os deveres rituais vinculados à própria situação de chefia política tratavase de uma camada de cavaleiros nobres e cortesões Por conseguinte faltavalhes o elemento livresco e escolástico do confUcio nismo Constituíam uma camada de ilustrados sem mais particular mente dispostos à recepção e ao sincretismo de toda sorte de elementos culturais de qualquer origem ainda que nuclearmente presos a uma concepção feudal de honra Em face da peculiaridade da soterologia asiática a situação da ca mada média não letrada na Ásia ou seja dos comerciantes e de par celas do artesanato divergia de maneira particular das condições corres pondentes ocidentais Suas camadas mais altas contribuíram em parte para sustentar a constituição das soterologias dos intelectuais Isso ocor reu na medida em que essas propagavam o repúdio ao ritualismo e ao saber livresco juntamente com a ênfase na importância decisiva do em penho pessoal pela salvação No entanto o caráter gnóstico e místico dessas soterologias não ministrava bases para o desenvolvimento de uma conduta de vida intramundana com o caráter metodicamente racional que seria congruente com elas Em face disso e na medida em que a sua religiosidade era sublimada sob a influência das doutrinas de salva ção converteramse em portadoras da religiosidade do Salvador nas suas diversas formas Mas também nesse ponto foi decisiva a influência do caráter penetrantemente gnóstico e místico de todas as soterologias intelectuais asiáticas e a afinidade interna entre a intimidade a posse e a possessão divinas entre mística e magia Em todos os pontos da Ásia em que não foi violentamente subjugada como ocorreu na China e no Japão a religiosidade do Salvador revestiu a forma de hagiolatria adoração de santos e especificamente a hagiolatria de salvadores vivos dos gurus e propiciadores de graças assemelhados seja mais mis tagógicos dedicados à iniciação nos mistérios sacros seja mais mágicos Isso imprimiu a marca decisiva na religiosidade da camada média não letrada O poder freqüentemente ilimitado desses portadores no mais das vezes hereditários de carisma somente foi rompido de maneira mais amDla na China e no Japão por motivos políticos e pelo uso da força 148 Na China em benefício da obediência perante a camada de letrados política no Japão em favor de uma perda de prestígio de todas as forças clericais e mágicas No mais essa camada carismática determinou em toda a Ásia a conduta prática de vida das massas e ofereceulhes salvação mágica A submissão ao salvador vivo foi o tipo caracterís tico da piedade asiática Ao lado da persistência da magia em geral e do poder da parentela essa continuidade do carisma na sua acepção mais antiga como poder puramente mágico constituiu o traço típico da ordem social asiática É verdade que as camadas letradas nobres de caráter político ou hierocrático de dominação religiosa lograram de modo geral sublimar e desnaturar a orgiástica das massas convertendoa em canto ou devoção ao salvador ou em formalismo e ritualismo hagio látrico de adoração de santos ainda que nem sempre com êxito com pleto Tiveram maior sucesso na China no Japão no Tibete e na região oriental budista da índia mas muito pouco no resto da índia O rompimento do domínio da magia no entanto só constituiu um objetivo e uma tentativa prática dessas camadas letradas de modo oca sional e com êxito por reduzido lapso de tempo Não era portanto o milagre mas sim o encanto mágico a substância nuclear da religio sidade de massa principalmente dos camponeses e dos trabalhadores mas também da camada média No Ocidente a emergência da ética racional intramundana está ligada ao surgimento de pensadores e profetas que deitavam raízes nos problemas políticos de uma configuração social alheia à cultura asiática o estamento político burguês da cidade sem a qual são inconcebíveis tan to o judaísmo quanto o cristianismo como também o desenvolvimento do pensamento grego Na Ásia contudo o surgimento da cidade nessa acepção foi bloqueado em parte pela manutenção do poder da paren tela e em parte pela separação entre as castas Os interesses da intelectualidade asiática na medida em que trans cendiam o cotidiano tinham no mais das vezes orientação diversa da política Mesmo o intelectual político o confuciano era mais um eru dito letrado com formação estética e quando muito homem de conver sação isto é de salão do que um político A política e a administração eram meramente suas fontes de prebendas e ele as deixava nas mãos de auxiliares subalternos em tudo que dizia respeito a medidas práticas Por sua vez o homem cultivado hinduísta ou budista ortodoxo ou hete rodoxo encontrava seus verdadeiros interesses totalmente fora das coisas desse mundo na busca da salvação mística e atemporal da alma e do escape do mecanismo sem sentido da roda da existência 149 A inexistência do racionalismo econômico e de todo método racio nal de vida na Ásia foi basicamente condicionada naquilo que não diz respeito a causas pertinentes à história das idéias pelo caráter continental das configurações sociais devido à estrutura geográfica Os focos de cultura ocidentais desenvolveramse sempre em locais dè comércio exte rior ou de passagem a Babilônia o delta do Nilo a pólis antiga e mes mo a confederação israelita nas vias de caravanas da Síria Diversa mente na Ásia Os povos asiáticos colocaramse predominantemente na posição da exclusão ou da restrição extrema do comércio exterior Assim procede ram até à abertura forçada a China o Japão a Coréia o Tibete até hoje e em escala inferior mas também sensível a maioria dos terri tórios da índia Na China e na Coréia a restrição ao comércio exterior foi condicionada pelo processo de distribuição de prebendas que con duzia automaticamente para a estabilidade tradicionalista da economia Qualquer mudança podia afetar interesses de renda de algum mandarim No Japão o interesse do feudalismo na estabilização da economia teve efeito semelhante Além disso e isso valia igualmente para o Tibete operavam motivos rituais o acesso de estrangeiros aos locais sagra dos inquietava os espíritos e poderia acarretar danos mágicos Na índia que era o território menos fechado ainda assim tiveram efeitos a crescente desconfiança ritual contra as viagens particularmente para territórios ritualmente impuros contra o comércio ativo e também as dúvidas de caráter político limitando o mais possível a entrada de estran geiros Foram de resto as considerações políticas as responsáveis decisi vas em todo o resto e especialmente nos territórios do leste asiático da liberdade deixada pelos poderes políticos ao temor ritual aos estran geiros Terá essa rigorosa clausura da cultura local propiciado o apareci mento de algo como um sentimento nacional A resposta deve ser negativa A peculiaridade das camadas intelectuais asiáticas impediu no essencial a criação de configurações políticas nacionais sequer do tipo daquelas que já se desenvolviam no Ocidente desde a baixa Idade Média apesar de que a plena concepção da idéia de nação também só tenhase desenvolvido entre nós pelas camadas intelectuais ocidentais modernas Os territórios culturais asiáticos careciam no essencial de comunidade lingüística A língua cultural tinha caráter sacro ou era de letrados o sânscrito no domínio da nobreza indiana a língua chinesa dos mandarins na China Coréia e Japão Em parte essas línguas ocupa vam posição correspondente à do latim medieval em parte ao helênico 150 da Antiguidade oriental tardia ou ao árabe do mundo islâmico ou ainda ao eslavo eclesiástico e hebraico nos respectivos domínios culturais No domínio cultural maianístico ficouse nisso No domínio do hinaianismo Birmânia Ceilão Sião que fundamentalmente conhecia o idioma po pular como língua missionária a teocracia dos gurus era tão absoluta que não se poderia cogitar de associações políticoseculares na camada intelectual que era formada por monges Somente no Japão o desenvol vimento feudal trouxe elementos de uma consciência comunitária verda deiramente nacional ainda que principalmente sobre bases cavalhei rescoestamentais Quanto à China no entanto o hiato que separava a cultura letrada estética do confucionismo de tudo que fosse popular era de tal ordem que somente existia uma comunidade estamental baseada na educação cuja consciência comunitária apenas atingia de resto até os limites da sua influência direta ainda que evidentemente não pequena o império Este consistia no fundo de uma federação de províncias que apenas se fundia numa unidade graças à troca periódica obrigatória dos altos mandarins que sempre eram estranhos às regiões sob sua administração É verdade que na China assim como no Japão existia uma camada que unia a orientação para interesses políticos à formação literária Mas é precisamente essa que faltava em toda a Ásia onde quer que a soterologia hindu penetrasse exceto onde como no Tibete ela pairava sobre as massas na qualidade de camada senhorial detentora das terras dos mosteiros e por isso mesmo não tinha relações nacio nais com elas As camadas ilustradas asiáticas permaneciam plenamente confinadas nos seus interesses específicos Onde quer que uma camada intelectual busca alcançar o sentido do mundo e da própria vida através do pensamento e após o malogro desse esforço diretamente racionalista procura captála existencial mente e em seguida num procedimento indiretamente racionalista se esforça para trazer essa vivência para o plano consciente ela acabará seguindo o caminho da mística inefável hindu E por outro lado onde quer qué um estamento de intelectuais renunciando a qualquer esforço de fuga do mundo encontra ao invés disso e de modo claro e delibe rado o objetivo máximo da perfeição intramundana na graça e digni dade do belo gesto ele chegará de alguma maneira ao ideal confuciano da fidalguia E é desses dois componentes que se cruzam e se interpe netram que se constitui uma parte essencial de toda cultura de inte lectuais asiática A idéia de obter através de uma simples ação conforme à exigência do dia aquela relação com o mundo real que fundamenta todo sentido especificamente ocidental de personalidade permanece lhe tão distante quanto o racionalismo puramente objetivo do Ocidente que procura dominar praticamente o mundo mediante a descoberta das suas próprias regularidades impessoais Por outro lado a rigorosa estili zação cerimoniosa e hierática da sua conduta de vida protegea de seguir a maneira ocidental moderna è tentar pela caça àquilo que seja peculiar a apenas tal ou qual singularidade puxarse pelos próprios cabelos para fora do pântano e tornarse uma personalidade um es forço tão baldado como a tentativa de inventar planejadamente uma forma artística própria que se proponha ser estilo Mas esses objetivos par cialmente místicos e parcialmente de caráter puramente estéticointra mundanos da sua autodisciplina não podiam senão resultarem num esva ziamento das forças reais da vida e ficavam distantes dos interesses das massas praticamente ativas que por conseguinte ficavam abandonadas à persistência dos seus vínculos mágicos O mundo social dividiase na camada dos sábios e letrados por um lado e nas massas plebéias destituídas de formação por outro Os aristocratas ficavam à parte das ordens internas objetivas do mundo real da natureza como da arte da ética como da economia porque elas lhes pareciam desprovidas de qualquer interesse A sua conduta de vida orien tavase no esforço pelo extracotidiano conforme seus profetas e sábios exemplares Para os plebeus no entanto não surgia uma profecia mis sionária ética que organizasse racionalmente o seu cotidiano Entretanto o seu aparecimento no Ocidente e sobretudo no Oriente próximo com as amplas questões conexas foi condicionado por constelações históricas extremamente particulares sem as quais apesar de todas as diferenças de condições naturais o desenvolvimento nessas regiões facilmente pode ria desembocar em vias semelhantes àquelas da Ásia sobretudo da Índia 52 Confucionismo e puritanismo Para apreciar o nível de racionalização que uma religião representa podemos usar dois critérios básicos que se interrelacionam de várias maneiras O primeiro é o grau em que uma religião despojouse da ma gia o outro é o grau de coerência sistemática que imprime à relação entre Deus e o mundo e em consonância com isso à sua própria relação ética com o mundo No tocante ao primeiro ponto o protestantismo ascético nas suas várias manifestações representa um grau extremo As suas manifestações mais características eliminaram a magia do modo mais completo 152 O pleno desencantamento do mundo foi levado apenas nelas às suas últimas conseqüências verdade que isso não significava livrarse da quilo que hoje costumamos chamar de superstição A caça às feiti ceiras também floresceu na Nova Inglaterra Mas enquanto o confucio nismo deixava intacta a magia na sua significação positiva de salvação aqui toda a magia tornouse demoníaca e apenas tinha valor religioso o racionalmente ético a ação conforme ao mandamento divino e mesmo isso apenas a partir do sentimento piedoso A ética puritana em forte contraste com a postura desenvolta do confucionismo perante as coisas terrenas deslocavase para o contexto de uma formidável e trágica tensão em face do mundo Toda religião que se defronta com o mundo com exigências éticas racionais acaba por verse numa relação de tensão com as suas irracionalidades Essas tensões incidem sobre pontos muito diferentes conforme as religiões e assim tanto a natureza quanto a intensidade da tensão são diversas Isso depende fortemente da natureza da via de salvação dada através das promessas metafísicas de cada religião Antes de mais nada o grau de desvalorização religiosa do mundo não é idêntico ao grau da sua rejeição prática O confucionismo foi a ética racional na intenção que reduziu a um mínimo absoluto a tensão contra o mundo tanto na sua desvalori zação religiosa quanto na sua rejeição prática Uma profecia legítima gera uma orientação sistemática da conduta de vida a partir de dentro conforme um critério de valor de tal modo que o mundo aparece como o material a ser formado eticamente segundo a norma Inversamente o confucionismo consistia na adaptação para fora às condições do mundo Um homem plenamente adaptado racionalizado apenas no tocante à necessidade adaptativa da sua con duta de vida não é contudo uma unidade sistemática mas uma combi nação de qualidades isoladas úteis A persistência das representações animísticas acerca da multiplicidade de almas no indivíduo na religiosi dade popular chinesa quase poderia servir de símbolo para isso Na ausência de qualquer transcendência em relação ao mundo também devia faltar o peso próprio perante ele Disso podia derivar a domesticação das massas e a correta postura do cavalheiro mas o estilo que eles imprimiam à conduta de vida tinha que ser caracterizada por traços essencialmente negativos e não podia permitir o surgimento daquele em penho pela integração a partir de dentro que associamos ao conceito de personalidade A vida permanecia como uma série de eventos e não 153 como uma totalidade metodicamente subordinada a uma meta trans cendente O contraste entre essa posição de ética social e a ética religiosa ocidental era insuperável Externamente poderia parecer que houvesse semelhanças entre certos aspectos patriarcais da ética tomista e também da luterana e o confucionismo Mas essa aparência é externa Pois nenhuma ética cristã por mais que estivesse envolvida num compromisso com as ordens mundanas poderia eliminar tão radicalmente a tensão pessimista entre o mundo e a determinação supramundana do indivíduo como o sistema confuciano Toda tensão entre a natureza e a divindade entre exigências éticas e imperfeições humanas entre o sentimento de pecado e a necessidade de redenção entre ações terrenas e perdão no além entre o dever religioso e as realidades políticosociais estavam totalmente ausentes dessa ética E por isso mesmo faltava também qualquer motivo para a in fluência sobre a conduta de vida por forças internas que fossem livres da tradição e da convenção Entre as forças que influíam sobre a con duta de vida de longe a mais poderosa era a da piedade familiar baseada na crença nos espíritos Em termos substantivos os deveres de um confuciano chinês sempre consistiam na piedade para com pessoas concretas vivas ou mortas e perante aquelas que lhe estavam próximas pela sua posição na vida O confuciano nada devia a um Deus supra mundano Portanto jamais estava preso a uma causa ou idéia sagradas pois o Tao ordem cósmica não era uma coisa nem outra simplesmente era a corporificação do ritual obrigatório e tradicionalista e seu mandamento não era a ação mas o vazio O obstáculo perso nalista à objetivação indubitavelmente teve considerável importância para a mentalidade econômica como obstáculo para a racionalização objeti vadora na medida em que tendia a reiterar os laços do indivíduo com familiares ou assemelhados mas sempre com pessoas e não com tarefas objetivas empresas Esse personalismo estava intimamente ligado à religiosidade chinesa àquele obstáculo à racionalização da ética religiosa que a camada cultivada decisiva mantinha no interesse da preservação da sua própria posição É de grande importância econômica a circunstância de basearse toda a confiança fundamento de todas as relações comerciais em rela ções puramente pessoais de parentesco ou similares como ocorreu muito fortemente na China A grande realização das religiões éticas principal mente das seitas éticas e ascéticas do protestantismo foi o rompimento dos laços de parentesco a constituição da supremacia da comunidade 154 de conduta de vida baseada na crença e na ética diante da comunidade de sangue e em grande medida mesmo da família De uma perspectiva econômica isso significava a fundamentação da confiança nos negócios em qualidades éticas dos indivíduos singulares as quais se comprovavam no trabalho objetivo de vocação É de se presumir visto que carecemos de métodos de medida que as conseqüências econômicas da descon fiança generalizada derivada do predomínio da falsidade convencional e da importância exclusiva da manutenção da aparência no confucionis mo terão sido consideráveis O confucionismo e a mentalidade confuciana adoradora da riqueza poderiam ter propiciado medidas correspondentes de política econômica como também o fez no Ocidente o Renascimento aberto para o mundo Mas é justamente aqui que podemos ver o limite da importância da política econômica em face da mentalidade econômica Jamais em lugar algum o bemestar econômico foi colocado como alvo último em nações cultas com tanta ênfase como na China As concepções de política econômica de Confúcio correspondiam a algo como as dos cameralistas funcionários germânicos do século XVII preocupados com uma polí tica econômica e administrativa para uso do príncipe entre nós O con fuciano Se Ma Tsien autor de um tratado sobre a balança comercial o mais antigo documento da Economia chinesa sublinhava a utilidade da riqueza também a obtida pelo comércio A política econômica alter nava medidas fiscalistas com as de tipo laissezfaire mas quanto à inten ção não era anticrematista contra a riqueza Os comerciantes eram tão desprezados na Idade Média européia e o são hoje pelos literatos quanto na China Mas não se cria uma mentalidade econômica com uma política econômica Os lucros monetários dos comerciantes da Época dos Estados Beligerantes de 403 aC até a unificação pelo imperador Chin em 221 aC constituíam ganho político de fornecedores do Estado As elevadas taxas obtidas da mineração eram empregadas na busca do ouro No entanto nenhum elo intermediário conduzia do confucionismo e da sua ética tão firmemente arraigada quanto o cristianismo para um método de vida burguês Mas é somente este que importava E o puri tanismo inteiramente contra a sua vontade o criou O paradoxo do efeito diante da vontade o homem e o destino o destino como conseqüência da sua ação contra a sua intenção eis o que nos pode ensinar essa aparente inversão do natural estranha apenas para o primeiro e mais superficial olhar O típico radicalmente oposto de tratamento racional do mundo é representado pelo puritanismo O específico desse tipo em con 155 fronto com o confuciano consistia em que aqui vigorava o contrário da fuga do mundo a sua racionalização apesar ou melhor precisamente na forma da rejeição ascética do mundo Os homens eram por natureza todos igualmente pecaminosos mas as chances religiosas eram desiguais no mais alto grau e não só temporariamente mas de modo definitivo Mas sempre reinava nessas diferenças a Providência e a graça injustificada e imerecida livre de um Deus supramundano Por isso a crença na predestinação ainda que não a única era de longe a formulação dogmática mais conseqüente dessa religiosidade de virtuo sos Tudo se orientava portanto para a livre graça de Deus e para o destino no além e a vida terrena era apenas um vale de lágrimas ou então somente uma passagem Por isso mesmo uma ênfase extraordinária era posta sobre esse diminuto lapso de tempo Não porque fosse possível conquistar a salvação eterna pelo puro desempenho próprio Isso era impossível Mas porque a própria vocação para a salvação só era concedida ao indivíduo e sobretudo só podia ser conhe cida através da consciência de uma relação nuclear unitária dessa sua curta vida para com o Deus ultramundano e sua vontade na santi ficação Esta por sua vez e como em toda ascese ativa apenas podia ser comprovada na atividade cara a Deus portanto numa ação ética sobre a qual repousava a bênção divina dando assim ao indivíduo a certeza da salvação na segurança de que era um instrumento de Deus Com isso ficava reservado o prêmio íntimo mais forte que se pudesse conceber para uma vida moral metodicamente racional O em penho na obra daquele que me mandou enquanto é dia tornavase aqui um dever e essas tarefas não eram de natureza ritual mas ético racional O contraste com o confucionismo é claro Ambas as éticas tinham suas raízes irracionais lá a magia aqui os desígnios finalmente inescru táveis de um Deus supramundano Mas tendo em vista que os meios mágicos já comprovados e finalmente todas as formas adquiridas de conduta de vida não poderiam ser violadas sob pena de atrair a ira dos espíritos a crença na magia conduz à inviolabilidade da tradição Em confronto com isso a conseqüência da relação com o Deus supra mundano e com o mundo irracional pervertido pelas criaturas era o caráter absolutamente não sagrado da tradição e a tarefa absolutamente infinita do trabalho reiterado no controle e domínio ético e racional do mundo dado a objetividade racional do progresso Portanto o contraste é entre a adaptação ao mundo num caso e a transformação racional do mundo no outro O confucionismo exigia o autodomínio 156 permanente e atento no interesse da manutenção da dignidade do per feito homem do mundo aperfeiçoado em todos os campos a ética puri tana o fazia no interesse da unidade metódica da sintonia com a vontade divina A ética confuciana valorizava as relações pessoais a puritana as desvalorizava Disso derivavam diferenças praticamente muito importantes entre essas concepções éticas embora designemos ambas como racionalistas e a despeito de que ambas tenham tido conseqüências utilitaristas É verdade que não somente em virtude dessa postura éticosocial mas também devido à legalidade própria quanto às suas relações internas da estrutura de dominação política Mas essencialmente também dela derivava a manutenção dos vínculos de parentela na China o caráter inteiramente referido às relações pessoais das formas de organização políticas e econômicas que manifestamente careciam relativamente da objetivação racional e do caráter abstrato e transpessoal das associações voltadas para o alcance de metas a começar pela falta de autênticas comunidades especialmente nas cidades até a ausência de formas de associação e de empresas econômicas ligadas de modo puramente objetivo a fins Nenhuma delas teve origem de raízes puramente chinesas Toda a ação social permanecia lá abrangida e condicionada por relações puramente pessoais especialmente as de parentesco ao lado daquelas geradas nas comunidades profissionais Por sua vez o puritanismo im primia a tudo um cunho objetivo dissolvia tudo em empresas racio nais e relações comerciais puramente objetivas e punha o direito e o acordo racionais no lugar da força da tradição do costume local e do favor pessoal e concreto do funcionário vigentes na China Ainda mais importante parece ser um outro ponto O utilitarismo aberto para o mundo e a convicção no valor ético da riqueza como meio universal de aperfeiçoamento moral geral combinados com a formi dável densidade demográfica elevaram a uma intensidade inaudita em outros lugares o cálculo e a frugalidade Cada centavo era contado e disputado e cotidianamente o pequeno comerciante verificava sua caixa Viajantes fidedignos testemunham que o dinheiro e os interesses monetários constituíam um tema de conversa entre os nativos numa escala rara em outros lugares É especialmente digno de nota contudo que essa faina econômica infinitamente intensiva e esse tão freqüente mente lamentado crasso materialismo não tenham dado origem a gran des concepções comerciais metódicas de natureza racional como pressu punha o capitalismo pelo menos não no domínio econômico e que elas tenham ficado alheias à China exceto onde não tenham sido intro 157 duzidas pela influência estrangeira no passado como em Cantão por exemplo ou como agora pela pressão do capitalismo ocidental no seu avanço inexorável É justamente nessa terra mais típica do lucro que podemos estudar como o impulso aquisitivo a valorização elevada exclusiva mesmo da riqueza e o racionalismo utilitarista de per si nada têm a ver com o capitalismo moderno O confuciano não conhecia aquela pe culiar limitação e repressão dos impulsos naturais que acompanha a racio nalização ética rigorosamente fundada na vontade e que estava arraigada no puritano Para o confuciano a riqueza era conforme ensina explicitamente uma frase do fundador da sua doutrina o meio mais im portante para poder viver de maneira virtuosa vale dizer digna e dedi carse ao aperfeiçoamento pessoal A resposta à questão de como me lhorar os homens era portanto enriqueçaos Pois somente assim seria possível viver de acordo com a posição ocupada Para o puritano o lucro era conseqüência involuntária mas sintoma importante da pró pria virtude mas o dispêndio da riqueza para fins de consumo próprio era muito facilmente submissão idólatra ao mundo A aquisição de ri queza não seria desdenhada de per si por Confúcio mas ela parecia insegura e por conseguinte poderia conduzir à perturbação do equilíbrio aristocrático da alma e toda atividade profissional puramente econô mica era tida como coisa de meros especialistas Para o confuciano no entanto não havia como elevar o especialista à dignidade realmente positiva nem mesmo por força do seu valor socialutilitário Pois e isso era decisivo o cavalheiro não era instrumento Vale dizer ele era no seu aperfeiçoamento pessoal ajustado ao mundo um fim próprio último e não um meio para fins objetivos de qualquer natureza Essa proposição nuclear da ética confuciana rejeitava a especialização profissional a moderna burocracia especializada e a educação especia lizada e sobretudo a educação econômica para fins profissionais A essa máxima idólatra o puritanismo contrapunha a tarefa da com provação diante dos fins objetivos especiais do mundo e da vida pro fissional O contraste entre o puritano e o confuciano podenos ensinar que também a mera sobriedade e frugalidade combinadas com o impulso aquisitivo e a valorização da riqueza nem de longe eram espírito capitalista no sentido do homem de vocação econômica especificamente moderno nem podiam suscitar o seu surgimento Em segundo lu gar podemos aprender também que o racionalismo estava contido no espírito de ambas as éticas Mas apenas a ética racional puritana orien 158 tada para além do mundo levou às últimas conseqüências o racionalismo econômico níramundano justamente porque nada lhe era mais alheio do que exatamente isso justamente porque para ela o trabalho intra mundano não passava de expressão do esforço por uma meta transcen dente Conforme o prometido o mundo davase ao puritano porque unicamente ele tinhase empenhado por Deus e sua justiça Pois é nisso que reside a diferença fundamental entre essas duas modalidades de racionalismo O racionalismo confuciano significava adaptação ra cional ao mundo O racionalismo puritano significava dominação racio nal do mundo Tanto o puritano quanto o confuciano eram sóbrios Mas a sobriedade racional do puritano repousava sobre um poderoso entusiasmo que faltava totalmente ao confuciano o mesmo entusiasmo que habitava os monges do Ocidente Pois a rejeição do mundo da ascese ocidental combinavase nele de modo inextricável com a aspiração ao domínio do mundo que constituía a sua outra face porque as suas exigências em nome de um Deus supramundano dirigiamse ao monge e de forma derivada e atenuada ao mundo Nada repugna tanto o ideal aristocrático confuciano quanto a idéia de vocação O homem nobre era valor estético e por isso também não instrumento de um Deus O cristão genuíno e da maneira mais acabada o asceta extra ou intramundano não queria ser outra coisa senão precisamente isso Pois é exatamente nisso que ele procurava a sua dignidade E porque ele queria ser isso ele era um instrumento útil para transformar e dominar racionalmente o mundo Tudo indica que o chinês seria tão capaz talvez mais capaz do que o japonês de assimilar o capitalismo que atingiu o seu pleno desen volvimento técnico e econômico no domínio cultural contemporâneo Manifestamente não é de se cogitar que ele não fosse dotado por natureza para isso Apesar das variadas condições externamente favorá veis ao surgimento do capitalismo em relação ao Ocidente ele contudo foi tampouco criado na China quanto na Antiguidade ocidental e oriental ou na índia e no domínio islâmico embora em cada uma dessas áreas condições diversas mas igualmente favoráveis pareciam ir ao encontro da sua formação Muitas das condições que lhe poderiam e deveriam ser desfavoráveis na China também existiam no Ocidente e isso justamente na época da formação definitiva do capitalismo moderno Entre essas condições adversas contamse os traços patrimoniais da dominação e da burocracia ou então a confusão e estado primário da economia monetária que estava muito mais desenvolvida no Egito ptoloméico século II d C do que na Europa do séculos XV e XVI 159 Dentre as circunstâncias que habitualmente consideramos inibidoras do desenvolvimento capitalista no Ocidente faltavam na China desde há milênios a servidão feudal e fundiária em parte também a das corpo rações e aparentemente também uma parte apreciável dos monopólios de toda natureza típicos do Ocidente e bloqueadores da circulação de mercadorias A China também conheceu abundantemente aquelas con dições políticas que desde a época babilônica e a Antiguidade sempre suscitaram o capitalismo politicamente condicionado que é comum à época moderna e a toda a Antiguidade a guerra e a preparação bélica de Estados concorrentes Poderseia crer que o ulterior abandono dessa orientação essencial mente política da acumulação de riquezas e valorização do capital daria oportunidades mais favoráveis ao capitalismo especificamente moderno e orientado para a livre troca à semelhança de como a quase total ausência de organização bélica na América do Norte em tempos recentes deixou a mais ampla liberdade para o desenvolvimento capitalista avançado A pacificação do império chinês pelo menos explica imediatamente a ausência do capitalismo político comum à Antiguidade ocidental até o Império ao Oriente e à Idade Média mas não explica a ausência do capitalismo orientado em termos puramente econômicos na China Será difícil deixar de considerar que as peculiaridades fundamentais da men talidade nesse caso da tomada de posição prática perante o mundo tenham tido devido aos efeitos atribuíveis às suas leis internas pró prias uma forte participação nessas inibições ao surgimento do capita lismo moderno na China E isso por mais que o desenvolvimento da própria mentalidade também tenha sido por sua vez condicionada por destinos políticos e econômicos INDKTE ANALÍTICO E ONOMÁSTICO A ação econômica sentido da 2829 ação religiosa sentido da 29 ação social 26 27 29 30 156 adaptabilidade precariedade do conceito de 1617 Adriano 46 53 agente individual 26 2731 agentes sociais e relações sociais 31 Agostinho Santo 48 Alemanha pósbismarckiana 13 Ammon O 65 análise econômica 86 análise histórica 29 análise sociológica ponto de partida da 26 base de operação da 29 anticatólica política 62 anticrematista 154 Antiguidade domínios fundiários da 14 Antropologia 85 Aquino Santo Tomás de 111 aristocracia fundiária 43 Aristóteles 39 artes práticas 101 artesanato com o utopia 106 tipo ideal de 10607 116 Aschcraft Richard 33 assalariados moderna classe dos 82 Astronomia 83 89 90 atividade historiográfica tarefa da 106 autocéfala administração 132 B balança comercial 154 bárbaros triunfo dos 3738 Berlink Manoel Tosta 32 berserker 136 biogenético conhecimento 91 Biologia 83 84 85 102 biológicas analogias 17 Bismarck 37 62 66 74 brâmanes hindus 134 bramanismo védico 146 budismo 23 24 burocracia como dominação legal 130 artesanato com o utopia 106 e iniciativa privada 14 patrimonial 146 c cadeia motivacional 2728 Calvino 112 camadas inferiores transformações nas 48 capacidade adaptativa de alemães e poloneses 60 capital papel do 82 acumulação do 117 capitalismo assimilação oriental do 158 e consciência religiosa 87 evolução do 91 industrial 13 161 moderno 13 14 24 157 159 na China 158 159 ocidental 157 político 159 Cardoso Fernando Henrique 32 carismática liderança 136 Carlos Magno 47 55 casuística de conceitos e regras 91 catolicismo aumento do 62 Chin imperador 154 ciências da cultura 90 127 alvo das 100 campo das 83 9597 conceito e concebido nas 121 conhecimento nas 89 objetividade do conhecimento nas 100 problemas das 119 ciências da sociedade 85 ciências sociais campo das 90 126 e realidade 88 neutralidade valorativa nas 16 normas jurídicas e 110 objetividade nas 12 20 126 preconceito naturalista e 117 princípios da síntese nas 121 teoria nas 105 classe burguesa 51 conceito de 31 consciência de 66 interesses de 124 125 interesses econômicos de 86 operária 125 Cleonte 136 clérigos budistas 134 cristãos 1 34 Cohn Amélia 37 Cohn Gabriel 33 37 58 79 128 142 colono situação do 48 49 comércio decadência do 53 financeiro 90 involução do 56 monopólio do 51 sexual 45 46 Comodo 48 compreensão 26 27 conexões causais regularidade das 95 96 Confúcio 154 157 confucionismo 23 147 150 15255 conhecimento astronômico 89 conhecimento científico da realidade cultural 87 objetividade do 79 et seqs referência a valores no 22 conhecimento histórico Ciência e 81 Constant Benjamin 120 contemplação 145 cristianismo 148 154 essência do 113 interpretação avaliadora do 114 na África 48 na Idade Média 11112 vitória do 48 56 Cristo 49 136 cultura conceito de 92 sentido e significação da 96 cultura antiga declínio da 10 11 3757 ponto crítico na evolução da 46 D Dalai Lama 138 Darwin C 65 darwinismo social 16 deisidemonia 14243 dem agogo 136 democracia de caudilho 141 descrição acrítica 85 desenvolvimento cultural europeu mediterrâneo 14 despotismo esclarecido 53 diferenças raciais papel das 5867 entre nacionalidades 16 Diocleciano 52 55 Direito 83 canônico 112 1 162 escola histórica do 102 formal 133 natural 89 101 120 135 dominação bases jurídicas e 128 burocrática 130 carismática 13440 estamental 132 134 legal 12831 legitimidade da 128 na empresa capitalista 129 patriarcal 131 133 134 processos de 31 tipos de 2223 26 12841 Durkheim Emile 17 18 22 33 Dutra Waltensir 32 E Economia ampliação do conceito de 86 burocratização da 14 camponesa 40 chinesa 154 como ciência empírica 20 de mercado 106 Descritiva 82 doméstica fechada 118 história da 82 monetária 93 nãoteleológica 99 natural 51 52 5456 teoria marginalista na 103 urbana 39 106 111 Efialtes 136 elementos econômicos intervenção de 8182 enteléquias 91 escola histórica 89 escravos romanos dispersão dos 47 fim do recrutamento dos 53 mercado de 53 quartéis de 45 47 50 situação dos 45 46 espírito sectário 109 Estado administração doméstica do 55 caráter econômico do 80 conceito de 11415 e burocracia 52 e empresa capitalista 129 e exército 52 estrutura moderna do 129 mercantilista 13 necessidades do 51 patrimonial e feudal 133 razão de 142 sociologia do 133 teoria do 120 teoria geral do 115 unidade formal do 125 Estados Beligerantes época dos 154 estamental estrutura 132 estamento camponês 38 43 conceito de 31 de empresários industriais 64 dos Junker prussianos 73 74 no fim do Império Romano 50 posição tradicional do 124 Estatística 82 116 estratificação social 60 ética confuciana 156 luterana 153 protestante 23 24 puritana 156 exército feudal 54 explicação causai 94 tipos de 87 F família monogâmica 46 fatores econômicos importância dos 1213 fatores psíquicos 90 fenômeno coletivo 81 cultural 85 86 econômico 86 e leis 88 histórico 81 84 k individualidade de um 94 social 87 sócioeconômico 79 Fernandes Florestan 33 feudo 54 138 Fichte 102 filhos do acampamento castrenses 54 Filologia 83 84 119 financeiro comércio 90 Fleischmann Eugène 33 forças econômicas 84 formação de preços processo empírico de 111 Frederico Guilherme I 53 55 Frederico o Grande 53 Frederico II 53 Freund Julien 33 função 86 funcionais relações 90 G genéricos abstratos conceitos 65 germanidade na Prússia Ocidental 60 germanismo 66 camadas sociais portadoras do 59 Gerth Hans 32 Giddens Anthony 33 gnose mística 143 144 Goethe 127 Gossen H 103 gosto artístico influência econômica do 80 Graco irmãos 43 grandes manufaturas fomentos das 53 Guilherme II rei 7 8 gurus 147 150 H hagiolatria 147 Hegenberg Leônidas 32 heterônoma administração 132 heurísticos meios 92 hierurgia 140 hinaianismo 150 hinduísmo 23 24 hipótese construção e verificação de 121 heliocêntrica 65 prova de uma 117 Hirano Sedi 33 Hirst Paul Q 33 História bancária 87 concepção materialista da 84 98 da Igreja 83 descritiva 121 do Estado moderno 130 e tipo ideal 122 política 108 sínteses e 120 historiador conhecimento causai do 95 espírito relativista do 114 e tipo ideal 108 110 exigências ao 97 imaginação do 95 108 linguagem do 108 político 122 Hohenstaufen 53 Holanda Sérgio Buarque de 127 homens cultivo de 65 I Ianni Octavio 34 idéias de valor 95 124 125 cultura e 96 e conhecimento cultural 97 e fenômenos culturais 92 Igreja história da 83 imperialismo 108 Império Romano base administrativa do 48 desagregação do 5354 55 fim do expansionismo do 46 163 164 garantias jurídicas no 49 município no 48 impostos territoriais 49 imputação 95 problema da 94 individualidade histórica 94 indução histórica 88 infraestrutura 12 40 42 44 econômica 55 instituições religiosas como polícia negra 86 investigação antropológica 85 histórica 119 históricoempírica 102 islamismo 24 J Jaspers Karl 33 judaísmo 148 antigo 24 juízo de valor 19 20 22 68 114 e conhecimento científico 18 juízos de percepção 94 juízos existenciais 94 Junker 59 64 73 jurídico formalista pensamento 98 Jurisprudência serva da Economia 70 justiça do Cadi 133 K Kant I 122 Karma doutrina do 145 Kõniggrátz batalha de 38 L Lange F A 65 latifundiário consciência de classe do 66 romano 44 lavradores servos 48 legitimação 26 31 leis como meios heurísticos 92 conhecimento de 89 conhecimento mediante 90 da realidade 92 do dever 93 e conexões causais 88 94 gerais ou abstratas 95 intuitivamente evidentes 103 marxistas 118 psicológicas 105 redução da realidade a 96 sociais 96 tipo ideal e 119 validade rigorosa de 91 letrados administração por meio de 134 Liefmann Robert 25 literatura romana esgotamento da 37 lógica 94 lógicos modernos terminologia dos 97 Lucas 49 Lukács G 9 luta econômica 85 luta política pelo domínio do mundo 85 Lutero M 137 M MacRae Donald G 34 magia crença na 155 maianismo 144 maianista doutrina 145 mamelucos 134 mandarins chineses 134 149 150 Manifesto Comunista sentido antigo do 84 Maratona combatentes de 14 Maria Teresa 53 Marx Karl 25 33 81 118 marxismo 12 112 118 massa fenômeno de 93 165 massas psicologia das 63 matemática 90 forma 101 materialismo crasso 156 vulgar 64 materialismo histórico afastamento do 13 refutação do 24 25 meditação intensiva 144 meios de produção socialização dos 99 método teórico e abstrato 102 universal 85 metodológicoconceitual aparelho 87 monista conhecimento 101 Moraes Filho Evaristo de 9 Moya Carlos 34 N nacionalidade polonesa camadas sociais portadoras de 5960 nacionalidades deslocamento das 60 Napoleão 136 naturalista monismo 102 natureza ciências exatas da 96 regresso à 96 Netto José Paulo 9 Nietzsche 33 normas estudo formal das 87 jurídicas 99 110 norteamericanos índios 136 nova ciência nascimento de uma 8384 O objetividade científica 22 do conhecimento 22 obra científica valor da 98 ofícios servis especialização dos 41 operária classe 125 ordem econômica 31 ordem legítima conceito de 30 ordem política 31 ordem social 31 65 82 ordens monásticas militarizadas 143 P Pajuaba Calógeras 32 Paladio 50 panlogismo 102 partido conceito de 31 patriarcal estrutura 132 Péricles 136 pesquisa econômica conceito de seleção na 65 Plínio 38 poder crise do 16 luta pelo 31 política econômica 6768 154 e Estado nacional 16 política social objeto da 83 população crescimento da 49 61 deslocamento da 60 riqueza da 101 rural 61 povos primitivos 89 prebendas 138 14749 preços formação de 111 primitivo comunismo agrário 85 Procrusto 110 proletariado 63 76 77 propriedade privada 56 66 protestantismo capitalismo e 2325 decréscimo do 62 prova histórica 86 província rural contrastes da 5860 Psicologia 90 91 empírica 104 social 104 puritanismo 154 156 157 166 Q qualidades de solo população e 61 qualidades raciais inatas 85 questão operária 84 questão social 82 R raça elo final da cadeia causai 85 racionalidade econômica religião e 14259 racionalismo econômico 149 espírito do 114 racionalismo confuciano 158 racionalismo puritano 158 Ranke L von 127 realidade ciência da 88 conhecimento da 91 93 concreta 90 cultural 87 100 empírica 92 96 empíricohistórica 118 interpretação econômica da 85 histórica 84 86 99 104 107 109 transformação reflexiva da 120 regras conexões causais expressas em 95 para uma atuação racional 90 regressão causai 94 na Ciência 81 relação de trabalho 48 relação social 26 30 31 156 e ação social 30 relações humanas complexo de 80 relações jurídicas caráter normativo das 99 relações sociais avaliação das 17 influência indireta das 81 religiões asiáticas caráter geral das 14251 religiosa consciência 87 renda 48 61 República platônica 65 Rickert 97 robinsonadas 111 Roscher 81 s saber nomológico 107 sachem 136 Sa Ma Tsien 154 Samsara doutrina do 145 santificação 155 Schlosser 114 seleção processo de 64 65 sentido 2528 conteúdo de 30 31 serviço militar 23 49 servos inspetores 44 sexual promiscuidade 89 silogismos 109 Simmel Georg 9 social conceito de 84 socialismo 65 113 sociedade feudal 50 55 Sociologia definição de 26 do Estado 133 Sociologia da Religião 22 23 25 28 sociólogo exigências ao 97 tarefa do 27 Sócrates 142 Sohm R 13536 soldados licenciados origem dos 54 soterologias 143 144 146 147 150 Stillico 37 superestrutura 12 42 73 política 55 Szmrecsányi Maria Irene de Q F 32 Szmrecsányi Tamás 32 T Tácito 38 Tao 153 167 taoísmo 23 taquigrafia conceituai 109 técnica economia política como 101 Tecnologia 99 teleológico conhecimento 98 99 tendência monista do conhecimento 85 teoria marxista 111 teorias da sociedade 85 Tibério imperador 46 tipo ideal 8 26 29 105 109 118 122 123 aplicação do conceito de 116 como meio do conhecimento 108 de cristianismo 113 de economia urbana 111 de determinada cultura 107 Estado e 115 História e 117 122 leis marxistas e 118 obtenção do 106 puro 113 realidade e 114 117 sentido do 114 validade empírica do 114 tomista ética 153 trabalhadores diaristas 59 60 61 63 trabalho divisão do 414357 87 servil 4142 51 trabalho científico domínio do 83 economia do 105 fim ideal do 96 objetividade do 108 premissa do 102 progresso do 121 tráfico comercial 93 Tragtenberg Maurício 33 Trajano imperador 46 transformações econômicas significação cultural das 84 tributos arrendamento dos 51 troca análise da 93 u utilidade marginal lei da 105 116 utopia 105 106 de uma cultura capitalista 107 histórica 108 V valor conceito de 92 cultural 97 econômico 111 emprego do termo 123 heurístico 113 117 125 Varro 46 Versalhes paz alemã em 9 Vespasiano 53 vida cultural aspecto econômicosocial da 83 análise objetiva da 87 vida religiosa 80 vida sóciocultural 89 villici ver servos inspetores visão do mundo busca de 144 e conhecimento empírico 21 nos resultados da pesquisa 22 w Weber Helene 9 Weber Marianne 10 Weber Max 729 3135 37 58 79 128 142 weberiano esquema analítico 2531 Weimar República de 9 Winkelmann Johannes 79 128 Wright Mills C 32 X xóguns 146 z Zwickau fanáticos de 137 GRANDES CIENTISTAS SOCIAIS Coleção coordenada por Florestan Fernandes 1 DURKHEIM José Albertino Rodrigues 2 FEBVRE Carlos Guilherme Mota 3 RADCLIFFEBROWN Juíio Cezar Melatti 4 KÕHLER Arno Engelmann 5 LENIN Florestan Fernandes 6 KEYNES Tamás Szmrecsányi 7 COMTE Evaristo de Moraes Filho 8 RANKE Sérgio B de Holanda 9 VARNHAGEN Nilo Odália 10 MARX Sociologia Octavio lanni 11 MAUSS Roberto C de Oliveira 12 PAVLOV Isaías Pessotti 13 WEBER Gabriel Cohn 14 DELLA VOLPE Wilcon J Pereira 15 HABERMAS Barbara Freitag e Sérgio Paulo Rouanet 16 KALECKI Jorge M iglioli 17 ENGELS José Paulo Netto 18 OSKAR LANGE Lenina Pomeranz 19 CHE GUEVARA Eder Sader 20 LUKACS José Paulo Netto 21 GODELIER Edgard de Assis Carvalho 22 TROTSKI Orlando Miranda 23 JOAQUIM NABUCO Paula Beiguelman 24 MALTHUS Tamás Szmrecsányi 25 MANNHEIM M arialice M Foracchi 26 CAIO PRADO JR Francisco Iglésias 27 MARIATEGUI Manoel L Bellotto e Anna Maria M Corrêa 28 DEUTSCHER Juarez Brandão Lopes 29 STALIN José Paulo Netto 30 MAO TSETUNG Eder Sader 31 MARX Economia Paul Singer 32 MELANIE KLEIN Fábio A Herrmann e Amazonas A Lima 33 CELSO FURTADO Francisco de Oliveira TA S1MMEL rvlrisi de Morae Filho 35 5ARMJENTO Lôn Pamor 35 MAHXEKGELS H iTÔrij norestsn Fernandes 07 ROGEK BASTI de Maria Isaura P dc Ouciraz 35 EDMUWO LLACH áobeito Ou Marm 30 PIERRt BOURDIEU Ranoto Orti 40 BOLÍVAR Manoel L F i Icirto k Anno fÍRra M Ciwrfií 41 KILLER Racbcl Rodripio Kirtfuy 42 HO CHI Ml NIC Marta Elena Alviirçx 43 p a r e t o JoC AICinn Rxryufe V QUESNAV Rclf Kunt 45 ElICL IDES D A CUNHA Wíilnlcc Nogucim Gilvão 4S M AX SO RRE Jnnuirio Franclseo ysgal 47 POULAWTZAS Paulo Sivciri 43 WRICHT MILLS Heloso R FciTnrtcs 43 fillSÉE FEOLUS Mnnicl Cnrr1 Andrade 50 W ALIER BENJAMIM riiivio R Xuti 51 SúRGIO B DE HOLANDA M Odíla L a S üías 52 HEMM WALLON Maria losé iarcia Werebe liiQufeliiiK Naüfí UrlJíârl 53 DIETER PRÚKOP Ciro Manoides Filho 54 iHEObOfl W ADORNO Gabrlél Cohn 55 MAUNÔW SKI Etrlce It Juiharn 55 PnOUDHON l8uloE4sr A Rcscndc c tdsoi lasetM 57 FIDEL CASTRO ta lr Ssdcí 5tf FLORESTAM FERNANDES OctJYÍO lnnni WEBER A importância cie Max Weber 1 36419201 para o desenvol vim ento das cicncias sociais é imensa As contribuições weberianas sc es tendem por todas as áreas das ciências sociais com exceção da Antropologia A Sociologia o reconhece como um dos seus m estres máximos e quase não há trabalho sociológico em que a presença das suas idéias não sc faça senLir explicita ou im plicitam ente e não raro a con tragosLo dos próprios autores A presença muito forte de Weber no pensamenlo socioló gico latinoamericano foi facilitada pelo em preendimento pioneiro da edição mcxicana de sua obra máxima Cconomia e Sociedade já em 1944 a edição integral norteamericana é de 1968 e a franccsa se faz neste momento Apontar a presença dc W eber no Brasil eqüivale praticamente a arrolar os principais autores e m uitoí dos e defina cura sivo q cionai base do seu pensamento Max Weber 00000023220 ca 1 se ro es ior ma jdo GRANDES CIENTISTAS SOCIAIS Te xto s básicos do Ciências Sociais w h i w i com a supervisão w ê I Iií P ro f Floreslan Fe rn a m lr Abran g end o sois llsclpltiw fundam entais dsi etôm i mm a Sociologia H lfM rla Ec o n o m ia Psicoloflto Política e Ânlropoinflifl a coíeçào aprcsenln o i M lo r t i m odern os o contcm pflfínfN de m aior deslaquo im nnlM l focalizados a liavés ÍP introdução critica e biobibliográfica asslnflílí por especialistas da universidade Ijrw llw ítt A essa introdução crllIcH segue se um a co le tto iM to te xtos m ais representativo do cada autor ISBU flr IIA lli I 7885UÜ