·

História ·

História

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Texto de pré-visualização

Capítulo 2 O Encilhamento A Política Econômica de Rui Barbosa os Bancos a Imprensa e o Colapso Financeiro A Crise do Encilhamento não foi um fenômeno isolado mas sim o resultado de um conjunto de decisões econômicas e políticas tomadas em um contexto de instabilidade institucional e de euforia modernizadora A nomeação de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda no governo provisório de Deodoro da Fonseca foi central para o desencadeamento desse processo Sua política econômica inspirada em princípios do liberalismo buscava criar uma base industrial sólida para o Brasil recémrepublicano No entanto a ausência de mecanismos de controle e a fragilidade das instituições financeiras provocaram efeitos contrários aos esperados Rui Barbosa acreditava que o desenvolvimento do país dependia da ampliação do crédito e da democratização do acesso ao capital Para isso promoveu a criação de uma legislação permissiva que facilitava a fundação de bancos emissores e empresas por ações Como aponta BresserPereira 2003 a política monetária e creditícia adotada por Rui foi profundamente expansionista baseada na crença de que o mercado seria capaz de regularse por si só sem a intervenção do Estado A reforma bancária promovida por Rui com base no Decreto nº 956A de 1890 permitiu a criação de bancos emissores privados os quais passaram a emitir moeda lastreada em títulos e ações de empresas recémcriadas muitas delas fantasiosas ou sem base produtiva real Entre as instituições fundadas nesse período destacamse o Banco de Crédito Real de Campinas o Banco Hipotecário e Agrícola do Brasil e o Banco Popular Brasileiro Esses bancos atuavam muitas vezes com critérios frágeis de concessão de crédito incentivando um ambiente de especulação Nesse contexto surgiram centenas de novas empresas das quais muitas não tinham existência física concreta ou operavam apenas no papel Exemplos emblemáticos foram a Companhia Territorial e Agrícola do Brasil a Sociedade Industrial Brasileira e a Companhia Carbonífera e Industrial Brasileira criadas com capital inflado e objetivos muitas vezes irreais Como pontua Prado Júnior 1981 o país viveu uma verdadeira alucinação empresarial onde o capital fictício substituiu o trabalho produtivo e a especulação financeira sobrepôsse à produção A emissão descontrolada de moeda foi um dos pilares centrais dessa crise Entre 1889 e 1891 a base monetária praticamente dobrou sem o respaldo necessário em reservas ou produção real o que gerou um processo inflacionário que corroeu o poder de compra da população O historiador Boris Fausto 1995 ressalta que o crescimento desordenado da moeda em circulação sem o correspondente aumento da produção contribuiu para a formação de uma bolha que ao explodir arrastou consigo a confiança no sistema econômico e político A imprensa da época desempenhou um papel fundamental na divulgação e crítica desses acontecimentos O jornal Gazeta de Notícias sediado no Rio de Janeiro acompanhou de perto o desenrolar da crise e adotou um tom crítico frente às políticas de Rui Barbosa Em edição publicada em abril de 1891 o jornal escreveu Multiplicamse diariamente os estabelecimentos bancários e industriais cujas fachadas luxuosas contrastam com a ausência de qualquer atividade real O povo iludido por promessas de progresso começa a sentir no bolso os efeitos de uma política temerária Esse tipo de cobertura reforça o clima de desconfiança que se instalava entre os cidadãos A análise do discurso da Gazeta de Notícias evidencia uma postura de desilusão com a República nascente que não conseguia oferecer estabilidade econômica nem respaldo moral O Correio Paulistano outro veículo de destaque também passou a criticar abertamente o governo e a denunciar os abusos cometidos no sistema bancário Conforme relata o editorial de julho de 1891 A República prometia liberdade e progresso mas entreganos inflação falências e um mar de incertezas Essas publicações exerceram importante influência sobre a opinião pública alimentando o clima de insatisfação e instabilidade que culminaria na Revolta da Armada A falência de bancos o fechamento de empresas fantasmas e o aumento do desemprego contribuíram para o descrédito da política econômica e da própria república ainda em processo de consolidação A crítica de Rui Barbosa ao modelo monárquico foi substituída por críticas à sua própria gestão econômica evidenciando a fragilidade de um sistema que tentava se construir sem bases sólidas Para Carvalho 2006 o Encilhamento simboliza a transição traumática do Brasil agrário para um Brasil urbano industrial marcada por um liberalismo mal compreendido e por instituições frágeis diante dos desafios da modernidade O colapso final do Encilhamento em meados de 1891 não apenas derrubou as políticas de Rui Barbosa que viria a renunciar como também enfraqueceu o governo de Deodoro da Fonseca A crise contribuiu diretamente para a instabilidade política que levou à sua renúncia ainda em 1891 e à ascensão de Floriano Peixoto num cenário já marcado por disputas civis e militares A análise da política econômica de Rui Barbosa revela não apenas uma tentativa de modernização financeira mas também a importação acrítica de modelos liberais europeus para um contexto social e institucional que não estava preparado para assimilálos Rui inspirouse em experiências de emissão de moeda fiduciária como as observadas nos Estados Unidos durante o greenback period mas falhou ao ignorar as particularidades estruturais da economia brasileira ainda baseada no agrarismo e na dependência externa BRESSERPEREIRA 2003 A ausência de uma indústria consolidada e de uma classe empresarial coesa fez com que o capital gerado pela emissão fosse rapidamente absorvido por esquemas especulativos desvirtuando o objetivo original de desenvolvimento produtivo Ademais a crença excessiva no papel autorregulador do mercado típica do liberalismo econômico do século XIX revelouse ineficaz em um país onde as instituições de fiscalização e controle eram praticamente inexistentes Como argumenta Maria Lúcia L PallaresBurke 1999 Rui Barbosa subestimou a necessidade de regulação estatal e acreditou que a abertura ao crédito por si só geraria prosperidade ignorando que o ambiente era propício ao oportunismo Isso reforça a ideia de que o Encilhamento mais do que uma crise econômica foi um fracasso políticoideológico de implantação forçada de um modelo alheio à realidade nacional Além disso a confiança exagerada nas forças do capital gerou um abismo entre os interesses da elite econômica e as necessidades da população que começou a enfrentar o aumento de preços escassez de bens e incertezas sobre o futuro Como aponta Ricardo Salles 2007 as camadas populares desprovidas de acesso ao crédito e aos investimentos foram as primeiras a sofrer os efeitos inflacionários aprofundando o sentimento de exclusão da recémproclamada República O Encilhamento portanto revelou a limitação do projeto republicano ao não contemplar políticas sociais efetivas que assegurassem a inclusão econômica dos mais vulneráveis A imprensa do período embora relevante como espaço de denúncia e crítica também esteve marcada por interesses políticos e regionais Enquanto jornais como a Gazeta de Notícias adotaram uma postura crítica quanto à política financeira outros veículos foram coniventes ou silenciosos especialmente aqueles ligados às elites bancárias emergentes ABREU 2011 Isso demonstra que a construção da opinião pública era permeada por disputas ideológicas e econômicas sendo a imprensa não apenas observadora mas também agente participante da crise O Encilhamento evidencia ainda a fragilidade da transição entre o Império e a República em que a ruptura institucional não foi acompanhada de transformações estruturais profundas Como explica Lilia Schwarcz 2015 o novo regime político herdou práticas clientelistas patrimonialistas e personalistas que dificultaram a formação de um Estado moderno e eficiente Nesse sentido a crise foi também resultado de continuidades históricas disfarçadas sob a roupagem de uma modernidade superficial Rui Barbosa embora visionário não conseguiu romper com a lógica da concentração de poder e da ausência de responsabilidade fiscal herdadas do Império Por fim a experiência do Encilhamento serve como alerta para os riscos de políticas econômicas desconectadas da realidade social e institucional O episódio demonstra que não basta a boa intenção modernizadora se não houver planejamento controle e sobretudo capacidade de adaptação ao contexto nacional A crítica contemporânea ao Encilhamento vai além do julgamento de seus resultados ela questiona a maneira como o Brasil historicamente tratou a modernidade muitas vezes tentando importála sem internalizála o que resultou em sucessivos fracassos estruturais FAUSTO 1995 21 A Imprensa e o Discurso Público durante o Encilhamento Análise e Reflexão Histórica 211 O papel da imprensa como mediadora da crise Durante o período do Encilhamento 18891892 a imprensa exerceu papel fundamental não apenas como meio de informação mas como agente ativo na formação do debate público Em um país onde a taxa de alfabetização ainda era limitada os jornais concentravam a atenção da elite urbana e das classes médias emergentes funcionando como arenas de disputa entre os diversos grupos políticos Como destaca Sodré 1966 a imprensa do final do século XIX estava longe de ser neutra ela era um instrumento de combate refletindo os interesses de frações específicas do poder A imprensa brasileira do final do século XIX não apenas reportava os acontecimentos mas também desempenhava um papel ativo na formação da opinião pública e na mediação das crises políticas e econômicas Durante o Encilhamento os jornais tornaramse arenas de debate e crítica refletindo as tensões entre diferentes grupos sociais e políticos A Gazeta de Notícias por exemplo adotou uma postura crítica em relação às políticas de Rui Barbosa destacando os riscos da emissão descontrolada de papelmoeda e alertando para a possibilidade de uma crise financeira iminente Gazeta de Notícias 1891 Por outro lado o Correio Paulistano representando os interesses da elite cafeeira paulista apresentou uma visão mais moderada reconhecendo os benefícios potenciais da política de Rui Barbosa para a industrialização mas também expressando preocupações sobre os efeitos inflacionários e a especulação desenfreada Correio Paulistano 1891 Essa dualidade na cobertura jornalística evidencia como a imprensa refletia as divisões regionais e de classe existentes no Brasil da época Além disso a imprensa funcionava como um espaço de construção de narrativas sobre a modernidade e o progresso Enquanto alguns jornais exaltavam as oportunidades de crescimento econômico proporcionadas pelas novas políticas outros denunciavam os abusos e a falta de regulamentação que permitiam a proliferação de empresas fictícias e a manipulação do mercado financeiro SODRÉ 1966 Essa disputa narrativa influenciava diretamente a percepção pública sobre a legitimidade do novo regime republicano e suas políticas econômicas A atuação da imprensa durante o Encilhamento também revela a ausência de uma imprensa verdadeiramente independente já que muitos jornais estavam ligados a grupos políticos ou econômicos específicos Essa ligação comprometia a imparcialidade das reportagens e contribuía para a polarização do debate público A análise crítica desse período destaca a necessidade de uma imprensa livre e responsável como pilar fundamental para a consolidação de regimes democráticos e para a fiscalização das ações governamentais 212 A Gazeta de Notícias e o tom de crítica à política monetária A Gazeta de Notícias jornal carioca de grande circulação assumiu um tom crítico e por vezes alarmista frente às ações de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda Suas manchetes e editoriais sobretudo entre 1890 e 1891 denunciaram com frequência os efeitos especulativos das emissões monetárias tratando o fenômeno como uma ruína financeira anunciada Gazeta de Notícias edições de janfev 1891 Em editoriais assinados por seus redatores mais influentes a Gazeta acusava o governo provisório de fomentar uma economia de papel sustentada pela ficção do crédito sem correspondência na realidade produtiva nacional Gazeta de Notícias 1891 p 2 O tom predominante era de desconfiança com vocabulário carregado de pessimismo e com analogias à bancarrota A Gazeta de Notícias sediada no Rio de Janeiro firmouse como um dos principais veículos de crítica às políticas econômicas implementadas por Rui Barbosa durante o Encilhamento O jornal frequentemente publicava editoriais alertando para os perigos da emissão excessiva de papelmoeda e da especulação financeira desenfreada Em uma edição de fevereiro de 1891 a Gazeta afirmou que a política monetária atual é uma aventura temerária que coloca em risco a estabilidade econômica do país Gazeta de Notícias 1891 p 2 A crítica da Gazeta não se limitava às políticas econômicas mas também abordava a falta de transparência e a ausência de mecanismos eficazes de fiscalização O jornal denunciava a criação de empresas fantasmas e a manipulação do mercado de ações apontando a conivência de autoridades governamentais com essas práticas Essa postura crítica contribuiu para o aumento da pressão pública sobre o governo e para a erosão da confiança nas instituições republicanas recémestabelecidas A atuação da Gazeta de Notícias durante o Encilhamento exemplifica o papel da imprensa como fiscalizadora do poder público e como formadora de opinião Ao expor as falhas e os riscos das políticas econômicas adotadas o jornal desempenhou uma função essencial na mobilização da sociedade civil e na promoção de um debate mais amplo sobre os rumos do país Essa atuação reforça a importância de uma imprensa livre e crítica para o fortalecimento da democracia e para a prevenção de abusos de poder Contudo é importante reconhecer que a Gazeta de Notícias também refletia os interesses de determinados grupos sociais e econômicos o que influenciava sua linha editorial Assim embora sua crítica às políticas do Encilhamento tenha sido relevante ela também estava inserida em um contexto de disputas políticas e econômicas mais amplas Essa complexidade ressalta a necessidade de uma análise crítica da imprensa considerando não apenas seu conteúdo mas também seus vínculos e interesses subjacentes 213 O Correio Paulistano e a dualidade entre crítica e pragmatismo Já o Correio Paulistano órgão representativo das elites cafeeiras paulistas adotou um discurso mais ambíguo Embora manifestasse preocupação com a instabilidade gerada pelo excesso de crédito e a proliferação de empresas fictícias também reconhecia a necessidade de ampliação do sistema bancário e de financiamento à indústria nacional Segundo Abreu 2011 esse jornal oscilava entre a crítica à irresponsabilidade fiscal e a defesa de instrumentos modernos para dinamizar a economia Em artigo de abril de 1891 o periódico declarava É preciso distinguir a intenção da execução A política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 O tom aqui era mais técnico e político buscando preservar os interesses da oligarquia local sem confrontar abertamente a ordem republicana nascente O Correio Paulistano jornal se configurou na época como um dos jornais dos mais influentes em São Paulo adotando uma postura mais ambígua em relação às políticas econômicas do Encilhamento Embora reconhecesse os riscos associados à emissão excessiva de papelmoeda e à especulação financeira o jornal também destacava os potenciais benefícios dessas políticas para a industrialização e o desenvolvimento econômico do país Em um editorial de abril de 1891 o Correio afirmou que a política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 Essa dualidade refletia os interesses da elite cafeeira paulista que via na industrialização uma oportunidade de diversificação econômica e de fortalecimento de sua posição no cenário nacional Ao mesmo tempo havia preocupações legítimas sobre os efeitos inflacionários e a instabilidade financeira decorrentes das políticas adotadas O Correio Paulistano buscava portanto equilibrar a crítica às falhas de implementação com a defesa dos objetivos mais amplos das reformas econômicas A postura do Correio também evidencia as tensões regionais existentes no Brasil da época Enquanto o Rio de Janeiro sede do governo federal concentrava o poder político São Paulo emergia como centro econômico dinâmico com interesses próprios e uma visão distinta sobre o desenvolvimento nacional A cobertura do Correio Paulistano durante o Encilhamento ilustra como essas tensões se manifestavam na imprensa e influenciavam o debate público A análise da atuação do Correio Paulistano durante o Encilhamento destaca a complexidade das posições adotadas pela imprensa que não se limitavam a uma dicotomia entre apoio e oposição mas envolviam nuances e considerações pragmáticas Essa complexidade reforça a importância de uma leitura crítica da imprensa histórica levando em conta os contextos regionais os interesses econômicos e as estratégias políticas que moldavam suas narrativas 214 O discurso da imprensa como indício da cisão política Esse contraste entre os jornais revela não apenas diferenças editoriais mas a cisão política que se intensificava na Primeira República nascente A imprensa ao selecionar suas pautas vocabulário e ênfases refletia a tensão entre o projeto republicano centralizador do Rio de Janeiro e o desejo de maior autonomia das províncias economicamente mais dinâmicas como São Paulo Conforme Capelato 1989 a imprensa do período servia como mediadora das contradições da República nascente ora atuando como defensora do progresso ora como denunciante do caos promovido pelas elites republicanas A análise comparativa dos discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento revela uma cisão política e ideológica significativa no Brasil do final do século XIX Enquanto a Gazeta representava uma visão mais centralizadora e crítica das políticas econômicas do governo o Correio expressava uma perspectiva regionalista e pragmática buscando conciliar os interesses da elite paulista com as reformas em curso Essa divergência evidencia as disputas pelo controle do projeto republicano e pelos rumos do desenvolvimento nacional A imprensa nesse contexto não apenas refletia as divisões existentes mas também as amplificava contribuindo para a polarização do debate público Os jornais tornaramse instrumentos de mobilização política influenciando a formação de alianças e a definição de estratégias por parte dos diferentes grupos de poder Essa atuação reforça a ideia de que a imprensa desempenha um papel ativo na construção da realidade política e econômica moldando percepções e orientando ações Além disso a cisão evidenciada nos discursos da imprensa durante o Encilhamento antecipa as tensões que marcariam a Primeira República brasileira caracterizada por conflitos entre o poder central e as oligarquias regionais A disputa por hegemonia política e econômica manifestavase não apenas nas instituições formais mas também nos meios de comunicação que se tornavam arenas de confronto simbólico e ideológico A compreensão dessa dinâmica é fundamental para a análise crítica da história política brasileira pois revela como as estruturas de poder se articulam e se expressam através dos meios de comunicação A imprensa ao mediar os conflitos e as disputas contribui para a configuração do espaço público e para a definição dos contornos do regime político Assim o estudo dos discursos jornalísticos durante o Encilhamento oferece insights valiosos sobre os processos de construção e contestação da ordem republicana no Brasil 215 Comparativo crítico imprensa ideologia e contexto econômico A comparação entre os dois jornais evidencia que a crise do Encilhamento não pode ser compreendida apenas como fenômeno econômico A maneira como foi narrada pela imprensa revela um país em busca de identidade política e de coesão institucional Enquanto a Gazeta buscava responsabilizar moralmente Rui Barbosa e a elite republicana carioca o Correio Paulistano procurava preservar um discurso técnico e de moderação adequado aos interesses da elite agrícola paulista Como destaca Schwarcz e Starling 2015 o discurso jornalístico era carregado de ideologia e estava a serviço da construção de narrativas que legitimassem diferentes projetos de poder A imprensa portanto não foi apenas espectadora do colapso econômico mas parte ativa no processo de fragilização da confiança pública Em síntese firmase que o contraste entre os discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento reflete não apenas divergências editoriais mas também diferenças ideológicas e interesses econômicos distintos Enquanto a Gazeta adotava uma postura crítica e centralizadora alinhada aos interesses do Rio de Janeiro o Correio expressava uma visão mais pragmática e regionalista representando os interesses da elite cafeeira paulista Essa divergência ilustra como a imprensa se tornava um campo de disputa simbólica onde diferentes projetos de nação eram articulados e promovidos Assim sendo o Encilhamento foi mais que uma crise econômica representou uma ruptura entre promessas e realidades da República nascente A política de Rui Barbosa embora baseada em ideais modernos colapsou diante da especulação da ausência de controle e da fragilidade institucional A imprensa como vetor de informação e crítica teve papel relevante na formação do juízo público e na deslegitimação das ações do governo Ao final o Encilhamento lançou o país em uma de suas primeiras grandes crises republicanas com efeitos duradouros sobre a confiança na nova ordem política Referências ABREU Marcelo de Paiva A Ordem do Progresso cem anos de política econômica republicana 18891989 Rio de Janeiro Campus 2011 BRESSERPEREIRA Luiz Carlos Rui Barbosa e o Encilhamento uma tentativa frustrada de modernização econômica São Paulo Editora 34 2003 CAPELATO Maria Helena Imprensa e História no Brasil São Paulo Contexto 1989 CARVALHO José Murilo de Os Bestializados o Rio de Janeiro e a República que não foi São Paulo Companhia das Letras 2006 CORREIO PAULISTANO São Paulo janabr 1891 Acervo da Hemeroteca Digital Brasileira Fundação Biblioteca Nacional FAORO Raymundo Os Donos do Poder formação do patronato político brasileiro São Paulo Globo 1958 FAUSTO Boris História do Brasil São Paulo Edusp 1995 GAZETA DE NOTÍCIAS Rio de Janeiro janabr 1891 Acervo da Hemeroteca Digital Brasileira Fundação Biblioteca Nacional PRADO JÚNIOR Caio História Econômica do Brasil São Paulo Brasiliense 1981 PALLARESBURKE Maria Lúcia Garcia Rui Barbosa o poeta na política São Paulo Companhia das Letras 1999 SALLES Ricardo Nostalgia Imperial a formação do imaginário monárquico na Primeira República Rio de Janeiro FGV Editora 2007 SCHWARCZ Lilia Moritz Brasil uma biografia São Paulo Companhia das Letras 2015 SODRÉ Nelson Werneck História da Imprensa no Brasil Rio de Janeiro Mauad 1966 Capítulo 2 O Encilhamento A Política Econômica de Rui Barbosa os Bancos a Imprensa e o Colapso Financeiro A Crise do Encilhamento não foi um fenômeno isolado mas sim o resultado de um conjunto de decisões econômicas e políticas tomadas em um contexto de instabilidade institucional e de euforia modernizadora A nomeação de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda no governo provisório de Deodoro da Fonseca foi central para o desencadeamento desse processo Sua política econômica inspirada em princípios do liberalismo buscava criar uma base industrial sólida para o Brasil recémrepublicano No entanto a ausência de mecanismos de controle e a fragilidade das instituições financeiras provocaram efeitos contrários aos esperados Rui Barbosa acreditava que o desenvolvimento do país dependia da ampliação do crédito e da democratização do acesso ao capital Para isso promoveu a criação de uma legislação permissiva que facilitava a fundação de bancos emissores e empresas por ações Como aponta BresserPereira 2003 a política monetária e creditícia adotada por Rui foi profundamente expansionista baseada na crença de que o mercado seria capaz de regularse por si só sem a intervenção do Estado A reforma bancária promovida por Rui com base no Decreto nº 956A de 1890 permitiu a criação de bancos emissores privados os quais passaram a emitir moeda lastreada em títulos e ações de empresas recémcriadas muitas delas fantasiosas ou sem base produtiva real Entre as instituições fundadas nesse período destacamse o Banco de Crédito Real de Campinas o Banco Hipotecário e Agrícola do Brasil e o Banco Popular Brasileiro Esses bancos atuavam muitas vezes com critérios frágeis de concessão de crédito incentivando um ambiente de especulação Nesse contexto surgiram centenas de novas empresas das quais muitas não tinham existência física concreta ou operavam apenas no papel Exemplos emblemáticos foram a Companhia Territorial e Agrícola do Brasil a Sociedade Industrial Brasileira e a Companhia Carbonífera e Industrial Brasileira criadas com capital inflado e objetivos muitas vezes irreais Como pontua Prado Júnior 1981 o país viveu uma verdadeira alucinação empresarial onde o capital fictício substituiu o trabalho produtivo e a especulação financeira sobrepôsse à produção A emissão descontrolada de moeda foi um dos pilares centrais dessa crise Entre 1889 e 1891 a base monetária praticamente dobrou sem o respaldo necessário em reservas ou produção real o que gerou um processo inflacionário que corroeu o poder de compra da população O historiador Boris Fausto 1995 ressalta que o crescimento desordenado da moeda em circulação sem o correspondente aumento da produção contribuiu para a formação de uma bolha que ao explodir arrastou consigo a confiança no sistema econômico e político A imprensa da época desempenhou um papel fundamental na divulgação e crítica desses acontecimentos O jornal Gazeta de Notícias sediado no Rio de Janeiro acompanhou de perto o desenrolar da crise e adotou um tom crítico frente às políticas de Rui Barbosa Em edição publicada em abril de 1891 o jornal escreveu Multiplicamse diariamente os estabelecimentos bancários e industriais cujas fachadas luxuosas contrastam com a ausência de qualquer atividade real O povo iludido por promessas de progresso começa a sentir no bolso os efeitos de uma política temerária Esse tipo de cobertura reforça o clima de desconfiança que se instalava entre os cidadãos A análise do discurso da Gazeta de Notícias evidencia uma postura de desilusão com a República nascente que não conseguia oferecer estabilidade econômica nem respaldo moral O Correio Paulistano outro veículo de destaque também passou a criticar abertamente o governo e a denunciar os abusos cometidos no sistema bancário Conforme relata o editorial de julho de 1891 A República prometia liberdade e progresso mas entreganos inflação falências e um mar de incertezas Essas publicações exerceram importante influência sobre a opinião pública alimentando o clima de insatisfação e instabilidade que culminaria na Revolta da Armada A falência de bancos o fechamento de empresas fantasmas e o aumento do desemprego contribuíram para o descrédito da política econômica e da própria república ainda em processo de consolidação A crítica de Rui Barbosa ao modelo monárquico foi substituída por críticas à sua própria gestão econômica evidenciando a fragilidade de um sistema que tentava se construir sem bases sólidas Para Carvalho 2006 o Encilhamento simboliza a transição traumática do Brasil agrário para um Brasil urbanoindustrial marcada por um liberalismo mal compreendido e por instituições frágeis diante dos desafios da modernidade O colapso final do Encilhamento em meados de 1891 não apenas derrubou as políticas de Rui Barbosa que viria a renunciar como também enfraqueceu o governo de Deodoro da Fonseca A crise contribuiu diretamente para a instabilidade política que levou à sua renúncia ainda em 1891 e à ascensão de Floriano Peixoto num cenário já marcado por disputas civis e militares A análise da política econômica de Rui Barbosa revela não apenas uma tentativa de modernização financeira mas também a importação acrítica de modelos liberais europeus para um contexto social e institucional que não estava preparado para assimilálos Rui inspirouse em experiências de emissão de moeda fiduciária como as observadas nos Estados Unidos durante o greenback period mas falhou ao ignorar as particularidades estruturais da economia brasileira ainda baseada no agrarismo e na dependência externa BRESSERPEREIRA 2003 A ausência de uma indústria consolidada e de uma classe empresarial coesa fez com que o capital gerado pela emissão fosse rapidamente absorvido por esquemas especulativos desvirtuando o objetivo original de desenvolvimento produtivo Ademais a crença excessiva no papel autorregulador do mercado típica do liberalismo econômico do século XIX revelouse ineficaz em um país onde as instituições de fiscalização e controle eram praticamente inexistentes Como argumenta Maria Lúcia L PallaresBurke 1999 Rui Barbosa subestimou a necessidade de regulação estatal e acreditou que a abertura ao crédito por si só geraria prosperidade ignorando que o ambiente era propício ao oportunismo Isso reforça a ideia de que o Encilhamento mais do que uma crise econômica foi um fracasso políticoideológico de implantação forçada de um modelo alheio à realidade nacional Além disso a confiança exagerada nas forças do capital gerou um abismo entre os interesses da elite econômica e as necessidades da população que começou a enfrentar o aumento de preços escassez de bens e incertezas sobre o futuro Como aponta Ricardo Salles 2007 às camadas populares desprovidas de acesso ao crédito e aos investimentos foram as primeiras a sofrer os efeitos inflacionários aprofundando o sentimento de exclusão da recémproclamada República O Encilhamento portanto revelou a limitação do projeto republicano ao não contemplar políticas sociais efetivas que assegurassem a inclusão econômica dos mais vulneráveis A imprensa do período embora relevante como espaço de denúncia e crítica também esteve marcada por interesses políticos e regionais Enquanto jornais como a Gazeta de Notícias adotaram uma postura crítica quanto à política financeira outros veículos foram coniventes ou silenciosos especialmente aqueles ligados às elites bancárias emergentes ABREU 2011 Isso demonstra que a construção da opinião pública era permeada por disputas ideológicas e econômicas sendo a imprensa não apenas observadora mas também agente participante da crise O Encilhamento evidencia ainda a fragilidade da transição entre o Império e a República em que a ruptura institucional não foi acompanhada de transformações estruturais profundas Como explica Lilia Schwarcz 2015 o novo regime político herdou práticas clientelistas patrimonialistas e personalistas que dificultaram a formação de um Estado moderno e eficiente Nesse sentido a crise foi também resultado de continuidades históricas disfarçadas sob a roupagem de uma modernidade superficial Rui Barbosa embora visionário não conseguiu romper com a lógica da concentração de poder e da ausência de responsabilidade fiscal herdadas do Império Por fim a experiência do Encilhamento serve como alerta para os riscos de políticas econômicas desconectadas da realidade social e institucional O episódio demonstra que não basta a boa intenção modernizadora se não houver planejamento controle e sobretudo capacidade de adaptação ao contexto nacional A crítica contemporânea ao Encilhamento vai além do julgamento de seus resultados ela questiona a maneira como o Brasil historicamente tratou a modernidade muitas vezes tentando importála sem internalizála o que resultou em sucessivos fracassos estruturais FAUSTO 1995 21 A Imprensa e o Discurso Público durante o Encilhamento Análise e Reflexão Histórica 211 O papel da imprensa como mediadora da crise Durante o período do Encilhamento 18891892 a imprensa exerceu papel fundamental não apenas como meio de informação mas como agente ativo na formação do debate público Em um país onde a taxa de alfabetização ainda era limitada os jornais concentravam a atenção da elite urbana e das classes médias emergentes funcionando como arenas de disputa entre os diversos grupos políticos Como destaca Sodré 1966 a imprensa do final do século XIX estava longe de ser neutra ela era um instrumento de combate refletindo os interesses de frações específicas do poder A imprensa brasileira do final do século XIX não apenas reportava os acontecimentos mas também desempenhava um papel ativo na formação da opinião pública e na mediação das crises políticas e econômicas Durante o Encilhamento os jornais tornaramse arenas de debate e crítica refletindo as tensões entre diferentes grupos sociais e políticos A Gazeta de Notícias por exemplo adotou uma postura crítica em relação às políticas de Rui Barbosa destacando os riscos da emissão descontrolada de papelmoeda e alertando para a possibilidade de uma crise financeira iminente Gazeta de Notícias 1891 Por outro lado o Correio Paulistano representando os interesses da elite cafeeira paulista apresentou uma visão mais moderada reconhecendo os benefícios potenciais da política de Rui Barbosa para a industrialização mas também expressando preocupações sobre os efeitos inflacionários e a especulação desenfreada Correio Paulistano 1891 Essa dualidade na cobertura jornalística evidencia como a imprensa refletia as divisões regionais e de classe existentes no Brasil da época Além disso a imprensa funcionava como um espaço de construção de narrativas sobre a modernidade e o progresso Enquanto alguns jornais exaltavam as oportunidades de crescimento econômico proporcionadas pelas novas políticas outros denunciavam os abusos e a falta de regulamentação que permitiam a proliferação de empresas fictícias e a manipulação do mercado financeiro SODRÉ 1966 Essa disputa narrativa influenciava diretamente a percepção pública sobre a legitimidade do novo regime republicano e suas políticas econômicas A atuação da imprensa durante o Encilhamento também revela a ausência de uma imprensa verdadeiramente independente já que muitos jornais estavam ligados a grupos políticos ou econômicos específicos Essa ligação comprometia a imparcialidade das reportagens e contribuía para a polarização do debate público A análise crítica desse período destaca a necessidade de uma imprensa livre e responsável como pilar fundamental para a consolidação de regimes democráticos e para a fiscalização das ações governamentais 212 A Gazeta de Notícias e o tom de crítica à política monetária A Gazeta de Notícias foi um dos jornais mais influentes do Brasil no final do século XIX com circulação diária no Rio de Janeiro entre 1875 e 1942 Fundado pelos editores Ferreira de Araújo Manuel Carneiro e Elísio Mendes e pelos redatores Henrique Chaves e Lino de Assunção O redatorchefe Ferreira de Araújo foi o grande nome e condutor do periódico de 1875 até 1900 quando faleceu Destacouse pelo pioneirismo gráfico e editorial sendo o primeiro a utilizar rotativas clichês caricaturas e entrevistas o que consolidou seu formato moderno e atrativo Alcançou amplamente a população urbana alfabetizada da capital especialmente das camadas médias e da elite interessadas em política economia e literatura A Gazeta de Notícias jornal carioca de grande circulação assumiu um tom crítico e por vezes alarmista frente às ações de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda Suas manchetes e editoriais sobretudo entre 1890 e 1891 denunciaram com frequência os efeitos especulativos das emissões monetárias tratando o fenômeno como uma ruína financeira anunciada Gazeta de Notícias edições de janfev 1891 Em editoriais assinados por seus redatores mais influentes a Gazeta acusava o governo provisório de fomentar uma economia de papel sustentada pela ficção do crédito sem correspondência na realidade produtiva nacional Gazeta de Notícias 1891 p 2 O tom predominante era de desconfiança com vocabulário carregado de pessimismo e com analogias à bancarrota A Gazeta de Notícias sediada no Rio de Janeiro firmouse como um dos principais veículos de crítica às políticas econômicas implementadas por Rui Barbosa durante o Encilhamento O jornal frequentemente publicava editoriais alertando para os perigos da emissão excessiva de papelmoeda e da especulação financeira desenfreada Em uma edição de fevereiro de 1891 a Gazeta afirmou que a política monetária atual é uma aventura temerária que coloca em risco a estabilidade econômica do país Gazeta de Notícias 1891 p 2 A crítica da Gazeta não se limitava às políticas econômicas mas também abordava a falta de transparência e a ausência de mecanismos eficazes de fiscalização O jornal denunciava a criação de empresas fantasmas e a manipulação do mercado de ações apontando a conivência de autoridades governamentais com essas práticas Essa postura crítica contribuiu para o aumento da pressão pública sobre o governo e para a erosão da confiança nas instituições republicanas recémestabelecidas A atuação da Gazeta de Notícias durante o Encilhamento exemplifica o papel da imprensa como fiscalizadora do poder público e como formadora de opinião Ao expor as falhas e os riscos das políticas econômicas adotadas o jornal desempenhou uma função essencial na mobilização da sociedade civil e na promoção de um debate mais amplo sobre os rumos do país Essa atuação reforça a importância de uma imprensa livre e crítica para o fortalecimento da democracia e para a prevenção de abusos de poder Contudo é importante reconhecer que a Gazeta de Notícias também refletia os interesses de determinados grupos sociais e econômicos o que influenciava sua linha editorial Assim embora sua crítica às políticas do Encilhamento tenha sido relevante ela também estava inserida em um contexto de disputas políticas e econômicas mais amplas Essa complexidade ressalta a necessidade de uma análise crítica da imprensa considerando não apenas seu conteúdo mas também seus vínculos e interesses subjacentes 213 O Correio Paulistano e a dualidade entre crítica e pragmatismo O Correio Paulistano foi um importante jornal brasileiro fundado em 1829 com destaque na cidade de São Paulo Era um periódico de grande relevância no contexto da imprensa brasileira principalmente durante o período imperial Em termos de materialidade o jornal era impresso em papel como a maioria dos jornais da época com edições produzidas em tipografia Sua impressão era feita em grandes folhas dobradas para formar as páginas do jornal e distribuída para o público A periodicidade do Correio Paulistano variava mas em seus primeiros anos era publicado diariamente Essa frequência ajudava a consolidar a imprensa como meio de comunicação essencial para a população atualizando constantemente as notícias políticas sociais e culturais da época O jornal se destacou por seu compromisso com a liberdade de expressão sendo um dos primeiros a trazer um debate mais profundo sobre questões políticas e sociais Já o Correio Paulistano órgão representativo das elites cafeeiras paulistas adotou um discurso mais ambíguo Embora manifestasse preocupação com a instabilidade gerada pelo excesso de crédito e a proliferação de empresas fictícias também reconhecia a necessidade de ampliação do sistema bancário e de financiamento à indústria nacional Segundo Abreu 2011 esse jornal oscilava entre a crítica à irresponsabilidade fiscal e a defesa de instrumentos modernos para dinamizar a economia Em artigo de abril de 1891 o periódico declarava É preciso distinguir a intenção da execução A política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 O tom aqui era mais técnico e político buscando preservar os interesses da oligarquia local sem confrontar abertamente a ordem republicana nascente O Correio Paulistano se configurou na época como um dos jornais mais influentes em São Paulo adotando uma postura mais ambígua em relação às políticas econômicas do Encilhamento Embora reconhecesse os riscos associados à emissão excessiva de papelmoeda e à especulação financeira o jornal também destacava os potenciais benefícios dessas políticas para a industrialização e o desenvolvimento econômico do país Em um editorial de abril de 1891 o Correio afirmou que a política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 Essa dualidade refletia os interesses da elite cafeeira paulista que via na industrialização uma oportunidade de diversificação econômica e de fortalecimento de sua posição no cenário nacional Ao mesmo tempo havia preocupações legítimas sobre os efeitos inflacionários e a instabilidade financeira decorrentes das políticas adotadas O Correio Paulistano buscava portanto equilibrar a crítica às falhas de implementação com a defesa dos objetivos mais amplos das reformas econômicas A postura do Correio também evidencia as tensões regionais existentes no Brasil da época Enquanto o Rio de Janeiro sede do governo federal concentrava o poder político São Paulo emergia como centro econômico dinâmico com interesses próprios e uma visão distinta sobre o desenvolvimento nacional A cobertura do Correio Paulistano durante o Encilhamento ilustra como essas tensões se manifestavam na imprensa e influenciavam o debate público A análise da atuação do Correio Paulistano durante o Encilhamento destaca a complexidade das posições adotadas pela imprensa que não se limitavam a uma dicotomia entre apoio e oposição mas envolviam nuances e considerações pragmáticas Essa complexidade reforça a importância de uma leitura crítica da imprensa histórica levando em conta os contextos regionais os interesses econômicos e as estratégias políticas que moldavam suas narrativas 214 O discurso da imprensa como indício da cisão política Esse contraste entre os jornais revela não apenas diferenças editoriais mas a ruptura política que se intensificava na Primeira República nascente A imprensa ao selecionar suas pautas vocabulário e ênfases refletia a tensão entre o projeto republicano centralizador do Rio de Janeiro e o desejo de maior autonomia das províncias economicamente mais dinâmicas como São Paulo Conforme Capelato 1989 a imprensa do período servia como mediadora das contradições da República nascente ora atuando como defensora do progresso ora como denunciante do caos promovido pelas elites republicanas A análise comparativa dos discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento revela uma ruptura política e ideológica significativa no Brasil do final do século XIX Enquanto a Gazeta representava uma visão mais centralizadora e crítica das políticas econômicas do governo o Correio expressava uma perspectiva regionalista e pragmática buscando conciliar os interesses da elite paulista com as reformas em curso Essa divergência evidencia as disputas pelo controle do projeto republicano e pelos rumos do desenvolvimento nacional A imprensa nesse contexto não apenas refletia as divisões existentes mas também as amplificava contribuindo para a polarização do debate público Os jornais tornaramse instrumentos de mobilização política influenciando a formação de alianças e a definição de estratégias por parte dos diferentes grupos de poder Essa atuação reforça a ideia de que a imprensa desempenha um papel ativo na construção da realidade política e econômica moldando percepções e orientando ações Além disso a cisão evidenciada nos discursos da imprensa durante o Encilhamento antecipa as tensões que marcariam a Primeira República brasileira caracterizada por conflitos entre o poder central e a sociedade IPEA2011 A disputa por hegemonia política e econômica manifestavase não apenas nas instituições formais mas também nos meios de comunicação que se tornaram arenas de confronto simbólico e ideológico A compreensão dessa dinâmica é fundamental para a análise crítica da história política brasileira pois revela como as estruturas de poder se articulam e se expressam através dos meios de comunicação A imprensa ao mediar os conflitos e as disputas contribui para a configuração do espaço público e para a definição dos contornos do regime político Assim o estudo dos discursos jornalísticos durante o Encilhamento oferece insights valiosos sobre os processos de construção e contestação da ordem republicana no Brasil 215 Comparativo crítico imprensa ideologia e contexto econômico A comparação entre os dois jornais evidencia que a crise do Encilhamento não pode ser compreendida apenas como fenômeno econômico A maneira como foi narrada pela imprensa revela um país em busca de identidade política e de coesão institucional Enquanto a Gazeta buscava responsabilizar moralmente Rui Barbosa e a elite republicana carioca o Correio Paulistano procurava preservar um discurso técnico e de moderação adequado aos interesses da elite agrícola paulista Como destaca Schwarcz e Starling 2015 o discurso jornalístico era carregado de ideologia e estava a serviço da construção de narrativas que legitimassem diferentes projetos de poder A imprensa portanto não foi apenas espectadora do colapso econômico mas parte ativa no processo de fragilização da confiança pública Em síntese firmase que o contraste entre os discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento reflete não apenas divergências editoriais mas também diferenças ideológicas e interesses econômicos distintos Enquanto a Gazeta adotava uma postura crítica e centralizadora alinhada aos interesses do Rio de Janeiro o Correio expressava uma visão mais pragmática e regionalista representando os interesses da elite cafeeira paulista Essa divergência ilustra como a imprensa se tornava um campo de disputa simbólica onde diferentes projetos de nação eram articulados e promovidos Assim sendo o Encilhamento foi mais que uma crise econômica representou uma ruptura entre promessas e realidades da República nascente A política de Rui Barbosa embora baseada em ideais modernos colapsou diante da especulação da ausência de controle e da fragilidade institucional A imprensa como vetor de informação e crítica teve papel relevante na formação do juízo público e na deslegitimação das ações do governo Ao final o Encilhamento lançou o país em uma de suas primeiras grandes crises republicanas com efeitos duradouros sobre a confiança na nova ordem política REFERÊNCIAS ABREU Marcelo de Paiva A Ordem do Progresso cem anos de política econômica republicana 18891989 Rio de Janeiro Campus 2011 BRESSERPEREIRA Luiz Carlos Rui Barbosa e o Encilhamento uma tentativa frustrada de modernização econômica São Paulo Editora 34 2003 CAPELATO Maria Helena Imprensa e História no Brasil São Paulo Contexto 1989 CARVALHO José Murilo de Os Bestializados o Rio de Janeiro e a República que não foi São Paulo Companhia das Letras 2006 CORREIO PAULISTANO São Paulo janabr 1891 Acervo da Hemeroteca Digital Brasileira Fundação Biblioteca Nacional FAORO Raymundo Os Donos do Poder formação do patronato político brasileiro São Paulo Globo 1958 FAUSTO Boris História do Brasil São Paulo Edusp 1995 GAZETA DE NOTÍCIAS Rio de Janeiro janabr 1891 Acervo da Hemeroteca Digital Brasileira Fundação Biblioteca Nacional HISTÓRIA Encilhamento crise financeira e República Desafios do Desenvolvimento Brasília DF Ipea ano 8 n 65 5 maio 2011 Disponível emhttpswwwipeagovbrdesafiosindexphp optioncomcontentid2490catid28 Acesso em 6 jul 2025 PRADO JÚNIOR Caio História Econômica do Brasil São Paulo Brasiliense 1981 PALLARESBURKE Maria Lúcia Garcia Rui Barbosa o poeta na política São Paulo Companhia das Letras 1999 SALLES Ricardo Nostalgia Imperial a formação do imaginário monárquico na Primeira República Rio de Janeiro FGV Editora 2007 SCHWARCZ Lilia Moritz Brasil uma biografia São Paulo Companhia das Letras 2015 SODRÉ Nelson Werneck História da Imprensa no Brasil Rio de Janeiro Mauad 1966 Capítulo 2 O Encilhamento A Política Econômica de Rui Barbosa os Bancos a Imprensa e o Colapso Financeiro A Crise do Encilhamento não foi um fenômeno isolado mas sim o resultado de um conjunto de decisões econômicas e políticas tomadas em um contexto de instabilidade institucional e de euforia modernizadora A nomeação de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda no governo provisório de Deodoro da Fonseca foi central para o desencadeamento desse processo Sua política econômica inspirada em princípios do liberalismo buscava criar uma base industrial sólida para o Brasil recémrepublicano No entanto a ausência de mecanismos de controle e a fragilidade das instituições financeiras provocaram efeitos contrários aos esperados Rui Barbosa acreditava que o desenvolvimento do país dependia da ampliação do crédito e da democratização do acesso ao capital Para isso promoveu a criação de uma legislação permissiva que facilitava a fundação de bancos emissores e empresas por ações Como aponta BresserPereira 2003 a política monetária e creditícia adotada por Rui foi profundamente expansionista baseada na crença de que o mercado seria capaz de regularse por si só sem a intervenção do Estado A reforma bancária promovida por Rui com base no Decreto nº 956A de 1890 permitiu a criação de bancos emissores privados os quais passaram a emitir moeda lastreada em títulos e ações de empresas recémcriadas muitas delas fantasiosas ou sem base produtiva real Entre as instituições fundadas nesse período destacamse o Banco de Crédito Real de Campinas o Banco Hipotecário e Agrícola do Brasil e o Banco Popular Brasileiro Esses bancos atuavam muitas vezes com critérios frágeis de concessão de crédito incentivando um ambiente de especulação Nesse contexto surgiram centenas de novas empresas das quais muitas não tinham existência física concreta ou operavam apenas no papel Exemplos emblemáticos foram a Companhia Territorial e Agrícola do Brasil a Sociedade Industrial Brasileira e a Companhia Carbonífera e Industrial Brasileira criadas com capital inflado e objetivos muitas vezes irreais Como pontua Prado Júnior 1981 o país viveu uma verdadeira alucinação empresarial onde o capital fictício substituiu o trabalho produtivo e a especulação financeira sobrepôsse à produção A emissão descontrolada de moeda foi um dos pilares centrais dessa crise Entre 1889 e 1891 a base monetária praticamente dobrou sem o respaldo necessário em reservas ou produção real o que gerou um processo inflacionário que corroeu o poder de compra da população O historiador Boris Fausto 1995 ressalta que o crescimento desordenado da moeda em circulação sem o correspondente aumento da produção contribuiu para a formação de uma bolha que ao explodir arrastou consigo a confiança no sistema econômico e político A imprensa da época desempenhou um papel fundamental na divulgação e crítica desses acontecimentos O jornal Gazeta de Notícias sediado no Rio de Janeiro acompanhou de perto o desenrolar da crise e adotou um tom crítico frente às políticas de Rui Barbosa Em edição publicada em abril de 1891 o jornal escreveu Multiplicamse diariamente os estabelecimentos bancários e industriais cujas fachadas luxuosas contrastam com a ausência de qualquer atividade real O povo iludido por promessas de progresso começa a sentir no bolso os efeitos de uma política temerária Esse tipo de cobertura reforça o clima de desconfiança que se instalava entre os cidadãos A análise do discurso da Gazeta de Notícias evidencia uma postura de desilusão com a República nascente que não conseguia oferecer estabilidade econômica nem respaldo moral O Correio Paulistano outro veículo de destaque também passou a criticar abertamente o governo e a denunciar os abusos cometidos no sistema bancário Conforme relata o editorial de julho de 1891 A República prometia liberdade e progresso mas entreganos inflação falências e um mar de incertezas Essas publicações exerceram importante influência sobre a opinião pública alimentando o clima de insatisfação e instabilidade que culminaria na Revolta da Armada A falência de bancos o fechamento de empresas fantasmas e o aumento do desemprego contribuíram para o descrédito da política econômica e da própria república ainda em processo de consolidação A crítica de Rui Barbosa ao modelo monárquico foi substituída por críticas à sua própria gestão econômica evidenciando a fragilidade de um sistema que tentava se construir sem bases sólidas Para Carvalho 2006 o Encilhamento simboliza a transição traumática do Brasil agrário para um Brasil urbanoindustrial marcada por um liberalismo mal compreendido e por instituições frágeis diante dos desafios da modernidade O colapso final do Encilhamento em meados de 1891 não apenas derrubou as políticas de Rui Barbosa que viria a renunciar como também enfraqueceu o governo de Deodoro da Fonseca A crise contribuiu diretamente para a instabilidade política que levou à sua renúncia ainda em 1891 e à ascensão de Floriano Peixoto num cenário já marcado por disputas civis e militares A análise da política econômica de Rui Barbosa revela não apenas uma tentativa de modernização financeira mas também a importação acrítica de modelos liberais europeus para um contexto social e institucional que não estava preparado para assimilálos Rui inspirouse em experiências de emissão de moeda fiduciária como as observadas nos Estados Unidos durante o greenback period mas falhou ao ignorar as particularidades estruturais da economia brasileira ainda baseada no agrarismo e na dependência externa BRESSERPEREIRA 2003 A ausência de uma indústria consolidada e de uma classe empresarial coesa fez com que o capital gerado pela emissão fosse rapidamente absorvido por esquemas especulativos desvirtuando o objetivo original de desenvolvimento produtivo Ademais a crença excessiva no papel autorregulador do mercado típica do liberalismo econômico do século XIX revelouse ineficaz em um país onde as instituições de fiscalização e controle eram praticamente inexistentes Como argumenta Maria Lúcia L PallaresBurke 1999 Rui Barbosa subestimou a necessidade de regulação estatal e acreditou que a abertura ao crédito por si só geraria prosperidade ignorando que o ambiente era propício ao oportunismo Isso reforça a ideia de que o Encilhamento mais do que uma crise econômica foi um fracasso políticoideológico de implantação forçada de um modelo alheio à realidade nacional Além disso a confiança exagerada nas forças do capital gerou um abismo entre os interesses da elite econômica e as necessidades da população que começou a enfrentar o aumento de preços escassez de bens e incertezas sobre o futuro Como aponta Ricardo Salles 2007 às camadas populares desprovidas de acesso ao crédito e aos investimentos foram as primeiras a sofrer os efeitos inflacionários aprofundando o sentimento de exclusão da recémproclamada República O Encilhamento portanto revelou a limitação do projeto republicano ao não contemplar políticas sociais efetivas que assegurassem a inclusão econômica dos mais vulneráveis A imprensa do período embora relevante como espaço de denúncia e crítica também esteve marcada por interesses políticos e regionais Enquanto jornais como a Gazeta de Notícias adotaram uma postura crítica quanto à política financeira outros veículos foram coniventes ou silenciosos especialmente aqueles ligados às elites bancárias emergentes ABREU 2011 Isso demonstra que a construção da opinião pública era permeada por disputas ideológicas e econômicas sendo a imprensa não apenas observadora mas também agente participante da crise O Encilhamento evidencia ainda a fragilidade da transição entre o Império e a República em que a ruptura institucional não foi acompanhada de transformações estruturais profundas Como explica Lilia Schwarcz 2015 o novo regime político herdou práticas clientelistas patrimonialistas e personalistas que dificultaram a formação de um Estado moderno e eficiente Nesse sentido a crise foi também resultado de continuidades históricas disfarçadas sob a roupagem de uma modernidade superficial Rui Barbosa embora visionário não conseguiu romper com a lógica da concentração de poder e da ausência de responsabilidade fiscal herdadas do Império Por fim a experiência do Encilhamento serve como alerta para os riscos de políticas econômicas desconectadas da realidade social e institucional O episódio demonstra que não basta a boa intenção modernizadora se não houver planejamento controle e sobretudo capacidade de adaptação ao contexto nacional A crítica contemporânea ao Encilhamento vai além do julgamento de seus resultados ela questiona a maneira como o Brasil historicamente tratou a modernidade muitas vezes tentando importála sem internalizála o que resultou em sucessivos fracassos estruturais FAUSTO 1995 21 A Imprensa e o Discurso Público durante o Encilhamento Análise e Reflexão Histórica 211 O papel da imprensa como mediadora da crise Durante o período do Encilhamento 18891892 a imprensa exerceu papel fundamental não apenas como meio de informação mas como agente ativo na formação do debate público Em um país onde a taxa de alfabetização ainda era limitada os jornais concentravam a atenção da elite urbana e das classes médias emergentes funcionando como arenas de disputa entre os diversos grupos políticos Como destaca Sodré 1966 a imprensa do final do século XIX estava longe de ser neutra ela era um instrumento de combate refletindo os interesses de frações específicas do poder A imprensa brasileira do final do século XIX não apenas reportava os acontecimentos mas também desempenhava um papel ativo na formação da opinião pública e na mediação das crises políticas e econômicas Durante o Encilhamento os jornais tornaramse arenas de debate e crítica refletindo as tensões entre diferentes grupos sociais e políticos A Gazeta de Notícias por exemplo adotou uma postura crítica em relação às políticas de Rui Barbosa destacando os riscos da emissão descontrolada de papelmoeda e alertando para a possibilidade de uma crise financeira iminente Gazeta de Notícias 1891 Por outro lado o Correio Paulistano representando os interesses da elite cafeeira paulista apresentou uma visão mais moderada reconhecendo os benefícios potenciais da política de Rui Barbosa para a industrialização mas também expressando preocupações sobre os efeitos inflacionários e a especulação desenfreada Correio Paulistano 1891 Essa dualidade na cobertura jornalística evidencia como a imprensa refletia as divisões regionais e de classe existentes no Brasil da época Além disso a imprensa funcionava como um espaço de construção de narrativas sobre a modernidade e o progresso Enquanto alguns jornais exaltavam as oportunidades de crescimento econômico proporcionadas pelas novas políticas outros denunciavam os abusos e a falta de regulamentação que permitiam a proliferação de empresas fictícias e a manipulação do mercado financeiro SODRÉ 1966 Essa disputa narrativa influenciava diretamente a percepção pública sobre a legitimidade do novo regime republicano e suas políticas econômicas A atuação da imprensa durante o Encilhamento também revela a ausência de uma imprensa verdadeiramente independente já que muitos jornais estavam ligados a grupos políticos ou econômicos específicos Essa ligação comprometia a imparcialidade das reportagens e contribuía para a polarização do debate público A análise crítica desse período destaca a necessidade de uma imprensa livre e responsável como pilar fundamental para a consolidação de regimes democráticos e para a fiscalização das ações governamentais 212 A Gazeta de Notícias e o tom de crítica à política monetária A Gazeta de Notícias foi um dos jornais mais influentes do Brasil no final do século XIX com circulação diária no Rio de Janeiro entre 1875 e 1942 Fundado pelos editores Ferreira de Araújo Manuel Carneiro e Elísio Mendes e pelos redatores Henrique Chaves e Lino de Assunção O redatorchefe Ferreira de Araújo foi o grande nome e condutor do periódico de 1875 até 1900 quando faleceu Destacouse pelo pioneirismo gráfico e editorial sendo o primeiro a utilizar rotativas clichês caricaturas e entrevistas o que consolidou seu formato moderno e atrativo Alcançou amplamente a população urbana alfabetizada da capital especialmente das camadas médias e da elite interessadas em política economia e literatura A Gazeta de Notícias jornal carioca de grande circulação assumiu um tom crítico e por vezes alarmista frente às ações de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda Suas manchetes e editoriais sobretudo entre 1890 e 1891 denunciaram com frequência os efeitos especulativos das emissões monetárias tratando o fenômeno como uma ruína financeira anunciada Gazeta de Notícias edições de janfev 1891 Em editoriais assinados por seus redatores mais influentes a Gazeta acusava o governo provisório de fomentar uma economia de papel sustentada pela ficção do crédito sem correspondência na realidade produtiva nacional Gazeta de Notícias 1891 p 2 O tom predominante era de desconfiança com vocabulário carregado de pessimismo e com analogias à bancarrota A Gazeta de Notícias sediada no Rio de Janeiro firmouse como um dos principais veículos de crítica às políticas econômicas implementadas por Rui Barbosa durante o Encilhamento O jornal frequentemente publicava editoriais alertando para os perigos da emissão excessiva de papelmoeda e da especulação financeira desenfreada Em uma edição de fevereiro de 1891 a Gazeta afirmou que a política monetária atual é uma aventura temerária que coloca em risco a estabilidade econômica do país Gazeta de Notícias 1891 p 2 A crítica da Gazeta não se limitava às políticas econômicas mas também abordava a falta de transparência e a ausência de mecanismos eficazes de fiscalização O jornal denunciava a criação de empresas fantasmas e a manipulação do mercado de ações apontando a conivência de autoridades governamentais com essas práticas Essa postura crítica contribuiu para o aumento da pressão pública sobre o governo e para a erosão da confiança nas instituições republicanas recémestabelecidas A atuação da Gazeta de Notícias durante o Encilhamento exemplifica o papel da imprensa como fiscalizadora do poder público e como formadora de opinião Ao expor as falhas e os riscos das políticas econômicas adotadas o jornal desempenhou uma função essencial na mobilização da sociedade civil e na promoção de um debate mais amplo sobre os rumos do país Essa atuação reforça a importância de uma imprensa livre e crítica para o fortalecimento da democracia e para a prevenção de abusos de poder Contudo é importante reconhecer que a Gazeta de Notícias também refletia os interesses de determinados grupos sociais e econômicos o que influenciava sua linha editorial Assim embora sua crítica às políticas do Encilhamento tenha sido relevante ela também estava inserida em um contexto de disputas políticas e econômicas mais amplas Essa complexidade ressalta a necessidade de uma análise crítica da imprensa considerando não apenas seu conteúdo mas também seus vínculos e interesses subjacentes 213 O Correio Paulistano e a dualidade entre crítica e pragmatismo O Correio Paulistano foi um importante jornal brasileiro fundado em 1829 com destaque na cidade de São Paulo Era um periódico de grande relevância no contexto da imprensa brasileira principalmente durante o período imperial Em termos de materialidade o jornal era impresso em papel como a maioria dos jornais da época com edições produzidas em tipografia Sua impressão era feita em grandes folhas dobradas para formar as páginas do jornal e distribuída para o público A periodicidade do Correio Paulistano variava mas em seus primeiros anos era publicado diariamente Essa frequência ajudava a consolidar a imprensa como meio de comunicação essencial para a população atualizando constantemente as notícias políticas sociais e culturais da época O jornal se destacou por seu compromisso com a liberdade de expressão sendo um dos primeiros a trazer um debate mais profundo sobre questões políticas e sociais Já o Correio Paulistano órgão representativo das elites cafeeiras paulistas adotou um discurso mais ambíguo Embora manifestasse preocupação com a instabilidade gerada pelo excesso de crédito e a proliferação de empresas fictícias também reconhecia a necessidade de ampliação do sistema bancário e de financiamento à indústria nacional Segundo Abreu 2011 esse jornal oscilava entre a crítica à irresponsabilidade fiscal e a defesa de instrumentos modernos para dinamizar a economia Em artigo de abril de 1891 o periódico declarava É preciso distinguir a intenção da execução A política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 O tom aqui era mais técnico e político buscando preservar os interesses da oligarquia local sem confrontar abertamente a ordem republicana nascente O Correio Paulistano se configurou na época como um dos jornais mais influentes em São Paulo adotando uma postura mais ambígua em relação às políticas econômicas do Encilhamento Embora reconhecesse os riscos associados à emissão excessiva de papelmoeda e à especulação financeira o jornal também destacava os potenciais benefícios dessas políticas para a industrialização e o desenvolvimento econômico do país Em um editorial de abril de 1891 o Correio afirmou que a política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 Essa dualidade refletia os interesses da elite cafeeira paulista que via na industrialização uma oportunidade de diversificação econômica e de fortalecimento de sua posição no cenário nacional Ao mesmo tempo havia preocupações legítimas sobre os efeitos inflacionários e a instabilidade financeira decorrentes das políticas adotadas O Correio Paulistano buscava portanto equilibrar a crítica às falhas de implementação com a defesa dos objetivos mais amplos das reformas econômicas A postura do Correio também evidencia as tensões regionais existentes no Brasil da época Enquanto o Rio de Janeiro sede do governo federal concentrava o poder político São Paulo emergia como centro econômico dinâmico com interesses próprios e uma visão distinta sobre o desenvolvimento nacional A cobertura do Correio Paulistano durante o Encilhamento ilustra como essas tensões se manifestavam na imprensa e influenciavam o debate público A análise da atuação do Correio Paulistano durante o Encilhamento destaca a complexidade das posições adotadas pela imprensa que não se limitavam a uma dicotomia entre apoio e oposição mas envolviam nuances e considerações pragmáticas Essa complexidade reforça a importância de uma leitura crítica da imprensa histórica levando em conta os contextos regionais os interesses econômicos e as estratégias políticas que moldavam suas narrativas 214 O discurso da imprensa como indício da cisão política Esse contraste entre os jornais revela não apenas diferenças editoriais mas a ruptura política que se intensificava na Primeira República nascente A imprensa ao selecionar suas pautas vocabulário e ênfases refletia a tensão entre o projeto republicano centralizador do Rio de Janeiro e o desejo de maior autonomia das províncias economicamente mais dinâmicas como São Paulo Conforme Capelato 1989 a imprensa do período servia como mediadora das contradições da República nascente ora atuando como defensora do progresso ora como denunciante do caos promovido pelas elites republicanas A análise comparativa dos discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento revela uma ruptura política e ideológica significativa no Brasil do final do século XIX Enquanto a Gazeta representava uma visão mais centralizadora e crítica das políticas econômicas do governo o Correio expressava uma perspectiva regionalista e pragmática buscando conciliar os interesses da elite paulista com as reformas em curso Essa divergência evidencia as disputas pelo controle do projeto republicano e pelos rumos do desenvolvimento nacional A imprensa nesse contexto não apenas refletia as divisões existentes mas também as amplificava contribuindo para a polarização do debate público Os jornais tornaramse instrumentos de mobilização política influenciando a formação de alianças e a definição de estratégias por parte dos diferentes grupos de poder Essa atuação reforça a ideia de que a imprensa desempenha um papel ativo na construção da realidade política e econômica moldando percepções e orientando ações Além disso a cisão evidenciada nos discursos da imprensa durante o Encilhamento antecipa as tensões que marcariam a Primeira República brasileira caracterizada por conflitos entre o poder central e a sociedade IPEA2011 A disputa por hegemonia política e econômica manifestavase não apenas nas instituições formais mas também nos meios de comunicação que se tornaram arenas de confronto simbólico e ideológico A compreensão dessa dinâmica é fundamental para a análise crítica da história política brasileira pois revela como as estruturas de poder se articulam e se expressam através dos meios de comunicação A imprensa ao mediar os conflitos e as disputas contribui para a configuração do espaço público e para a definição dos contornos do regime político Assim o estudo dos discursos jornalísticos durante o Encilhamento oferece insights valiosos sobre os processos de construção e contestação da ordem republicana no Brasil 215 Comparativo crítico imprensa ideologia e contexto econômico A comparação entre os dois jornais evidencia que a crise do Encilhamento não pode ser compreendida apenas como fenômeno econômico A maneira como foi narrada pela imprensa revela um país em busca de identidade política e de coesão institucional Enquanto a Gazeta buscava responsabilizar moralmente Rui Barbosa e a elite republicana carioca o Correio Paulistano procurava preservar um discurso técnico e de moderação adequado aos interesses da elite agrícola paulista Como destaca Schwarcz e Starling 2015 o discurso jornalístico era carregado de ideologia e estava a serviço da construção de narrativas que legitimassem diferentes projetos de poder A imprensa portanto não foi apenas espectadora do colapso econômico mas parte ativa no processo de fragilização da confiança pública Em síntese firmase que o contraste entre os discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento reflete não apenas divergências editoriais mas também diferenças ideológicas e interesses econômicos distintos Enquanto a Gazeta adotava uma postura crítica e centralizadora alinhada aos interesses do Rio de Janeiro o Correio expressava uma visão mais pragmática e regionalista representando os interesses da elite cafeeira paulista Essa divergência ilustra como a imprensa se tornava um campo de disputa simbólica onde diferentes projetos de nação eram articulados e promovidos Assim sendo o Encilhamento foi mais que uma crise econômica representou uma ruptura entre promessas e realidades da República nascente A política de Rui Barbosa embora baseada em ideais modernos colapsou diante da especulação da ausência de controle e da fragilidade institucional A imprensa como vetor de informação e crítica teve papel relevante na formação do juízo público e na deslegitimação das ações do governo Ao final o Encilhamento lançou o país em uma de suas primeiras grandes crises republicanas com efeitos duradouros sobre a confiança na nova ordem política REFERÊNCIAS ABREU Marcelo de Paiva A Ordem do Progresso cem anos de política econômica republicana 18891989 Rio de Janeiro Campus 2011 BRESSERPEREIRA Luiz Carlos Rui Barbosa e o Encilhamento uma tentativa frustrada de modernização econômica São Paulo Editora 34 2003 CAPELATO Maria Helena Imprensa e História no Brasil São Paulo Contexto 1989 CARVALHO José Murilo de Os Bestializados o Rio de Janeiro e a República que não foi São Paulo Companhia das Letras 2006 CORREIO PAULISTANO São Paulo janabr 1891 Acervo da Hemeroteca Digital Brasileira Fundação Biblioteca Nacional FAORO Raymundo Os Donos do Poder formação do patronato político brasileiro São Paulo Globo 1958 FAUSTO Boris História do Brasil São Paulo Edusp 1995 GAZETA DE NOTÍCIAS Rio de Janeiro janabr 1891 Acervo da Hemeroteca Digital Brasileira Fundação Biblioteca Nacional HISTÓRIA Encilhamento crise financeira e República Desafios do Desenvolvimento Brasília DF Ipea ano 8 n 65 5 maio 2011 Disponível emhttpswwwipeagovbrdesafiosindexphpoptioncomcontentid2490c atid28 Acesso em 6 jul 2025 PRADO JÚNIOR Caio História Econômica do Brasil São Paulo Brasiliense 1981 PALLARESBURKE Maria Lúcia Garcia Rui Barbosa o poeta na política São Paulo Companhia das Letras 1999 SALLES Ricardo Nostalgia Imperial a formação do imaginário monárquico na Primeira República Rio de Janeiro FGV Editora 2007 SCHWARCZ Lilia Moritz Brasil uma biografia São Paulo Companhia das Letras 2015 SODRÉ Nelson Werneck História da Imprensa no Brasil Rio de Janeiro Mauad 1966