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Antonio Simplicio de Almeida Neto 218 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 Ensino de História Indígena currículo identidade e diferença Antonio Simplicio de ALMEIDA NETO Resumo A temática do ensino de História e cultura indígena objeto da Lei 116452008 está implicada nas discussões sobre currículo e seus desdobramentos Da mesma forma não se dissocia do debate a concepção de história pressuposta no ensino dessa disciplina escolar especificamente as noções de sujeito tempo e fato históricos Também central é a maneira como compreendemos a cultura e a identidade indígenas para além da concepção que as toma por exóticas essencialistas fixas estáveis homogêneas e portanto a históricas Desse modo serão apresentadas algumas reflexões acerca do ensino dessa temática pensando intersecções entre currículo concepção de história e noção de cultura e identidade tomando esses povos por sujeitos históricos no presente e no passado condição que dialoga com as possibilidades de romper a invisibilidade indígena no passado e no presente Palavraschave Ensino de história indígena Lei 116452008 Interculturalismo Hibridismo cultural Cultura indígena Indigenous History Teaching curriculum identity and difference Abstract The issueregarding history and indigenous culture teaching object of the Law 116452008 is involved in discussions about curriculum and itsoutcomes Likewise the conception of history presumed in teaching this school discipline does not dissociate of the debate specifically the notions of subject time and historical facts Besides the way we understand the indigenous culture and identity is central beyond the concept that takes them as exotic essentialist fixed stable homogeneous and therefore ahistorical I present some reflections about teaching this subject considering intersections between curriculum concept of history and sense of culture and identity by taking these peoples as historical subjects in the present and past condition that dialogues with the possibilities of breaking the invisibility of indigenous people in the past and present Keywords Indigenous history teaching Law 116452008 Interculturalism Cultural hybridism Indigenous culture Professor Doutor Departamento de História e do Programa de PósGraduação em História Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas UNIFESP Universidade Federal de São Paulo Campus Guarulhos Estrada do Caminho Velho 333 Sítio Tanque Velho Bairro Pimentas CEP 07257312 Guarulhos São Paulo Brasil email asanetounifespbr Ensino de História Indígena 219 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 Introdução Sete de setembro feriado nacional comemoração do Dia da Pátria na cidade de São Gabriel da Cachoeira localizada na região conhecida como Cabeça do Cachorro extremo noroeste do Brasil interior do estado do Amazonas A população em peso ocupa as ruas da pequena e agradável cidade que fica às margens do rio Negro para assistir ao desfile nesse dia festivo no qual o exército brasileiro ocupa lugar de destaque em razão de sua forte presença nessa região de fronteira com Colômbia e Venezuela Adultos e crianças registram tudo com suas máquinas fotográficas celulares e filmadoras todos bem vestidos e arrumados para acompanhar o grande evento Esse município possui uma particularidade sua população é majoritariamente indígena chegando a 881 do total de habitantes segundo Censo de 2010 do IBGE sendo 11 mil na área urbana e 18 mil na área rural Isso fica evidente nos rostos alegres que acompanham atentamente o cortejo de Sete de Setembro O fenótipo da maioria da população presente não deixa dúvidas assim como a de muitos soldados do exército que desfilam marchando disciplinadamente pela Avenida Castelo Branco a de alguns policiais militares que fazem a segurança do evento e a do próprio prefeito e a do vice da cidade 20092012 que são da etnia Tariana e Baniwa respectivamente É um evento cívico efeméride da maior importância O Exército e algumas entidades locais passam em desfile Brigada de Infantaria de Selva Organizações Não Governamentais grupos de escoteiros instituições de ensino caminhões tanques de guerra carros de combate armas escudos soldados camuflados estudantes fanfarras faixas e bandeiras A população indígena e não indígena está especialmente trajada para assistir ao evento os jovens com seus cabelos arrepiados roupas transadas e tênis da moda algumas crianças foram fantasiadas por seus pais com miniuniformes do Exército Nacional comprados em lojas locais o que comprova a popularidade dessa instituição na região Como é de praxe as escolas locais públicas e privadas também vêm com seus professores e estudantes uniformizados marchando pequenos carros alegóricos faixas fanfarras demonstração de práticas esportivas Uma das escolas traz na carroceria de uma picape três crianças simbolizando as raças brasileiras índio negro e branco O garoto que representa o índio está devidamente caracterizado com tanga sem camisa cocar maracá e pintura no rosto o estereótipo do indígena que destoa até daqueles que estão assistindo ao desfile dos jovens com suas calças jeans camisetas coloridas cabelos impecavelmente arrumados no melhor estilo Neymar à época jogador do Santos F C ou dos indígenas evangélicos com seus ternos e vestidos discretos O curioso é que o menino que vai sobre a picape tem fortes traços indígenas ou seja temos um pequeno estudante indígena Antonio Simplicio de Almeida Neto 220 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 urbanizado provavelmente filho da classe média local fantasiado de indígena pelos professores conforme a mais surrada representação sobre esse grupo social que habita o imaginário da população brasileira Tudo é feito com as melhores intenções educativas e o desfile prossegue sem sobressaltos Figura 1 Representação das raças na Semana da Pátria 2010 Fonte Acervo pessoal do autor Esse episódio que ocorreu durante viagem de pesquisa1 realizada em setembro de 2010 na região do Alto Rio Negro explicita importantes e instigantes questionamentos referentes às representações constituídas sobre os indígenas sua cultura e história bem como sobre suas relações com o outro nesse caso o não indígena aspecto central quando discutimos a aplicação da Lei 11645 de 10 de março de 2008 que torna obrigatório o ensino de História e cultura indígenas além do ensino de História africana e afro brasileira já tornado obrigatório com a Lei 1063903 nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio público e privado Tornase evidente também o fato de não haver esse componente curricular nos cursos de Graduação e Licenciatura em História2 salvo raras exceções o que traz uma série de implicações àqueles professores que desejam cumprir a determinação legal pois devem suprir essa lacuna na formação pelos mais diversos meios disponíveis entre eles certamente destacase o livro didático esse produto cultural complexo STRAY apud CHOPPIN 2004 p 563 que acaba por exercer inusitado e importante papel na formação docente Ensino de História Indígena 221 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 No caso dos professores do Ensino Fundamental I o problema pode ser ainda mais delicado dado o fato de que pouquíssimas Licenciaturas em Pedagogia dedicam carga horária muito abaixo do razoável para tratar do ensino de História Em alguns cursos esse componente curricular divide quinze aulas semestrais com o ensino de Geografia Assim o debate historiográfico e seus desdobramentos nas discussões sobre o ensino de História são empobrecidos resultando em práticas escolares em que a história propriamente dita inexiste ou surge como cultura estereotipada simulacro tal qual a criança indígena fantasiada de indígena no evento acima descrito No presente artigo discutimos alguns aspectos implicados no ensino de história indígena considerados em curso de formação de professores de História na Universidade Federal de São Paulo UNIFESP e em Oficinas de Ensino oferecidas pelo GT de Ensino de História e Educação da Associação Nacional de História seção São Paulo ANPUHSP para disparar algumas reflexões sobre a temática Ensino de história indígena e hibridismo cultural Como se sabe os indígenas não se constituem como grupos dominantes na sociedade brasileira Entre os desdobramentos dessa condição está o fato de sua cultura ser considerada a outra diferente diversa exótica e estranha tanto que é objeto de legislação específica que a insere obrigatoriamente no currículo escolar situação que não ocorre com a cultura dominante ocidental branca europeia civilizada cristã tida como a normal Sujeita aos estigmas classificatórios a cultura desse outro será identificada como primitiva étnica inferior e atrasada será entendida como essencialista ou seja pura fixa imutável e estável portanto ahistórica Dessa forma o indígena que não se apresenta nesse suposto estado puro será considerado aculturado não índio sem identidade e sem tradição daí os índios serem representados predominantemente como figuras do passado mortas ou em franco processo de extinção fadados ao desaparecimento Desempenhando papéis secundários ou aparecendo na posição de vitimados representados como aliados ou inimigos guerreiros ou bárbaros escravos ou submetidos nunca sujeitos da ação uma vez dominados integrados e aculturados desapareceriam como índios na escrita histórica e não à toa estariam condenados ao desaparecimento também no presente prognóstico derrubado pelas evidências apontadas pelo censo demográfico do IBGE de 2010 que aponta crescimento de 178 no número de indígenas autodeclarados desde 1991 bem como a existência de 305 etnias e 274 línguas Além do deliberado intento de eliminação desses povos ou desejo de vitimálos para Manuela Carneiro da Cunha determinada concepção historiográfica também contribuiu para essa visão Antonio Simplicio de Almeida Neto 222 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 Por má consciência e boas intenções imperou durante muito tempo a noção de que os índios foram apenas vítimas do sistema mundial vítimas de uma política e de práticas que lhes eram externas e que os destruíram Essa visão além de seu fundamento moral tinha outro teórico é que a história movida pela metrópole pelo capital só teria nexo em seu epicentro A periferia do capital era também o lixo da história O resultado paradoxal dessa postura politicamente correta foi somar à eliminação física e étnica dos índios sua eliminação como sujeitos históricos 2012 p 22 Tal visão deita raízes no século XIX quando o Visconde de Porto Seguro Francisco Adolfo de Varnhagen 1854 escreveu que sobre os povos indígenas não se poderia falar em civilisação mas de barbarie e de atraso De taes povos na infancia não ha historia ha so ethnographia A infancia da humanidade na ordem moral como a do individuo na ordem physica é sempre acompanhada de pequenhez e miserias3 1877 p 2223 Antes dele Carl Friedrich Philippe Von Martius 1838 vaticinara que o indígena americano estava fadado a desaparecer apud MONTEIRO 2001 p 3 Tal vertente historiográfica da qual ouvimos ecos retira dos povos indígenas a própria historicidade condenandoos ao desaparecimento Não há passado não há futuro Lembra Monteiro que pelo menos até a década de 1980 a história dos índios no Brasil resumiase basicamente à crônica de sua extinção 2001 p 4 de modo que com exceções predominaram abordagens que fossilizavam os indígenas impedindo de vêlos em perspectiva histórica As imbricações entre história e antropologia particularmente no âmbito da História Cultural PESAVENTO 2008 p 24 possibilitaram a percepção da cultura em sua historicidade como dinâmica e flexível produzida pelos homens que a vivenciam e isso inclui evidentemente a ressignificação da cultura indígena Desse modo Almeida aponta que o foco de análise da história indígena se deslocou dos colonizadores para os índios procurando identificar suas formas de compreensão e seus próprios objetivos nas várias situações de contato por eles vividas 2010 p 23 Também a constituição dos indígenas na história recente como sujeitos de direitos sobretudo territoriais e o reconhecimento a esses povos do direito de manter sua própria cultura garantidos pela Constituição de 1988 assim como sua maior visibilidade em lutas pela garantia desses direitos tiraram esses grupos dos bastidores da história garantindo lhes um lugar no palco despertando o interesse dos historiadores e de outros pesquisadores que passaram a percebêlos como sujeitos participando ativamente dos processos históricos possibilitando novos entendimentos das ações dos grupos indígenas nos processos em que estavam envolvidos Tais aspectos constituem o modo como a cultura dos povos indígenas é percebida e como esses grupos são identificados Para Canclini discutindo o conceito de hibridação cultural quando se define uma identidade mediante um processo de abstração de traços língua tradições condutas estereotipadas frequentemente se tende a desvincular Ensino de História Indígena 223 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 essas práticas da história de misturas em que se formaram o que torna impossível para esse antropólogo falar das identidades como se se tratasse apenas de um conjunto de traços fixos nem afirmálas como a essência de uma etnia ou de uma nação 2008 p XXIII Nesse sentido Almeida chama nossa atenção para o necessário entendimento das identidades como construções fluídas e cambiáveis que se constroem por meio de complexos processos de apropriações e ressignificações culturais nas experiências entre grupos e indivíduos que interagem 2010 p 24 que tornou possível nova mirada dos historiadores sobre a identidade genérica imposta sobre esses grupos a começar pela denominação índios como se constituíssem um bloco homogêneo desconsiderando não só as diferenças étnicas e linguísticas com os diferentes interesses objetivos motivações e ações desses grupos nas relações entre si e com os colonizadores europeus que como não poderia deixar de ser foram se modificando com a dinâmica da colonização Tal perspectiva pode ser observada por exemplo em Sposito que ao dissertar sobre conflitos entre subgrupos Guaranis e Kaingangs durante o período colonial e entrando pelo século XIX lembra que é preciso entender o papel que a guerra representava na organização dos povos indígenas definindo e ressignificando a sua própria cultura dentro de um movimento de resgate das lutas passadas para a reconstrução da identidade presente 2012 p 187 Noutro exemplo apontando a necessária compreensão do universo cultural dos grupos indígenas para a construção do conhecimento histórico Almeida ressalta o papel do escambo e do casamento na cultura Tupinambá A troca de objetos entre os grupos tupis era comum e podia envolver também grupos rivais que interrompiam as hostilidades para efetuar trocas Os casamentos solidificavam relações e ampliavam o poder dos guerreiros que quanto mais cunhados e genros tivessem mais poderosos se tornavam Tratavase afinal de uma sociedade na qual a troca era um valor a ser sustentado característica fundamental que deve ser considerada quando interpretamos suas relações de contato com os estrangeiros 2010 p 378 Nesse sentido Sposito discutindo o papel das populações indígenas na província paulista da primeira metade do século XIX toma esses grupos por sujeitos históricos ativos nos diversos modos de relação envolvidos no período a kaiowás negociando mel e cera por roupas e ferramentas com os viajantes 2012 p 176 b subgrupos Kaingangs Kamés Votorons Dorins lutando entre si e eventualmente se aliando a inimigos históricos ou aos conquistadores 2012 p 184 c grupos procurando estabelecer contato amigável com moradores da fazenda Pirituba na vila de Itapeva da Faxina 2012 p 191 d indígenas que usufruíam dos bens lavouras e animais dos invasores brancos colocados em suas terras 2012 p 202 e embora tenham sido aprisionados escravizados e vendidos como em Antonio Simplicio de Almeida Neto 224 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 Itapeva em 1827 2012 p 206 em Rio Claro o índio Antonio Guaianen utilizando os mecanismos legais do período Carta Régia de 01041809 requereu liberdade ao Conselho Provincial alegando maus tratos em 1826 2012 p 207 e f no ano de 1826 os indígenas trazidos para trabalhar na construção da Estrada de Cubatão fugiram para as matas 2012 p 211 Essa perspectiva trazida para a sala de aula confere volume e densidade ao ensino de história indígena com uma abordagem que não fossiliza e nem pasteuriza as culturas desses povos restituilhes a condição de sujeitos históricos e dandolhes visibilidade no passado e no presente O protagonismo eles já possuem Ensino de história indígena e concepção de área Entre as diversas questões implicadas no ensino de História duas são fundamentais a seleção de conteúdos e as possibilidades metodológicas de trabalho com esses conteúdos Em outras palavras num determinado anosérie da educação básica é mais adequado trabalhar com história do bairro história do Brasil ou história geral Egito antigo ou história indígena História afrobrasileira ou revolução industrial História da África ou da América Conteúdos canônicos ou alternativos Por outro lado como devem ser trabalhados esses conteúdos É melhor usar livro didático apostilas ou produzir materiais próprios Usar mapas históricos filmes ou textos Jogos ou ilustrações e fotos Documentos históricos ou objetos geradores Aulas expositivas ou atividades em grupo Em suma quais os conteúdos e a metodologia mais adequados para cada série da Educação Básica Um aspecto que precede toda essa discussão é a chamada visão de área de História ou seja como concebemos essa área de conhecimento e ensino Esse debate envolve fundamentalmente três conceitos noção de sujeito de tempo e de fato históricos Esses conceitos de forma alguma se constituem como uma novidade e estão presentes por exemplo nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História BRASIL 1997 p 3539 no entanto convém que sejam retomados pois seu entendimento tem desdobramentos no modo como definimos conteúdos e metodologias no ensino de História O conceito sujeito histórico referese àqueles que atuam na história àqueles que fazem a história por assim dizer e estão envolvidos direta ou indiretamente nos acontecimentos ditos históricos Pois bem a questão é Como concebemos esses sujeitos Quem são eles Seriam os chamados heróis os grandes vultos da história indivíduos de grande projeção social e política como imperadores políticos mártires e generais Nessa concepção a História é estudada como sendo dependente do destino de poucos homens de ações isoladas e de vontades individuais de poderosos BRASIL 1997 p 36 Ensino de História Indígena 225 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 Ou poderiam ser homens mulheres e crianças comuns sujeitos anônimos Ou poderiam ser ainda os sujeitos coletivos como camponeses indígenas trabalhadores afrodescendentes migrantes Nesse entendimento sujeitos históricos são todos aqueles que localizados em contextos históricos exprimem suas especificidades e características sendo líderes de lutas para transformações ou permanências mais amplas ou de situações cotidianas que atuam em grupo ou isoladamente e produzem para si ou para a coletividade BRASIL 1997 p 36 Exemplificando são sujeitos históricos apenas D Pedro I Duque de Caxias Carlos Magno Tiradentes e Getúlio Vargas ou podem ser também um escravo fugitivo de origem africana do Brasil colonial um moleiro italiano morto pela Inquisição no século XVI e um retirante nordestino que migrou para São Paulo na década de 1950 tornandose operário Da mesma forma podemos questionar o que são fatos históricos Quais são os fatos passíveis de serem considerados históricos pesquisados pelos historiadores figurar nos livros e bibliotecas serem estudados nas escolas Seriam os grandes acontecimentos revoluções golpes de Estado derrubada de monarquias e guerras Seriam os eventos cívicos e acontecimentos políticos Ou poderiam entrar nessa lista os fatos cotidianos mudanças de comportamento e de modo de pensar movimentos sociais e culturais Seriam eventos que pertencem ao passado mais próximo ou distante de caráter material ou mental que destaquem mudanças ou permanências ocorridas na vida coletiva BRASIL 1997 p 3536 Ou seja são fatos históricos apenas o golpe militar de 1964 a morte de Tiradentes o suicídio de Getúlio Vargas a revolução francesa a queda de Constantinopla e a eleição de Lula para presidência da república do Brasil Ou os movimentos migratórios de grupos indígenas do Amapá do século XIX o cotidiano escolar de professores durante o regime militar brasileiro a religiosidade afrobrasileira no Brasil do século XVIII as mudanças de hábitos alimentares o disciplinamento dos corpos a relação homemmeio ambiente as representações sobre educação e as relações de gênero também podem ser considerados fatos históricos a serem estudados O entendimento desses dois aspectos é central na definição dos conteúdos a serem trabalhados em História pois implicam em escolhas significativas sobre as temáticas e respectivas abordagens trazidas para a sala de aula Um professor jamais trabalhará com história local por exemplo de um bairro da cidade de Guarulhos sua população deslocamentos migratórios manifestações culturais movimentos sociais lutas políticas transformações urbanas memórias etc se considerar que esses acontecimentos não têm relevância histórica Não há a menor possibilidade de um professor inserir as discussões sobre história e cultura indígena Lei nº 116452008 ou africana e afrobrasileira Lei nº 106392003 no currículo escolar se em seu entendimento apenas os chamados heróis e Antonio Simplicio de Almeida Neto 226 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 grandes vultos são sujeitos históricos e somente os conflitos das monarquias europeias do Antigo Regime são fatos históricos No livro Apologia da História ou O Ofício do Historiador March Bloch define história Ciência dos homens dissemos É ainda vago demais É preciso acrescentar dos homens no tempo 2001 p 55 História como ciência dos homens no tempo é uma assertiva que atesta a importância da noção de tempo histórico que no entanto no âmbito da história escolar é frequentemente identificado com o tempo cronológico que avança dia a dia ano a ano século a século numa sucessão de datas associadas a fatos históricos que avançam progressivamente um após o outro sugerindo uma transformação histórica na qual a partir de determinadas datas iriam ocorrendo as mudanças Conforme esse entendimento o estudo da libertação dos escravos restringese ao episódio que ocorreu no dia 13 de maio de 1888 não havendo um processo anterior e a partir dessa data tudo se transformou E depois disso veio a Proclamação da República a República da Espada a República das Oligarquias a Revolução de 30 o Estado Novo e assim por diante até os dias atuais num fluxo contínuo e linear sem maiores percalços ou acidentes É muito comum que o aprendizado do tempo histórico seja confundido com decorar datas e aprender a grafar corretamente os algarismos romanos para identificar os séculos colocados numa linha do tempo que deve ser decorada Alguns professores ainda fazem avaliações para verificar a simples memorização de datas referentes a determinados acontecimentos históricos É evidente que o tempo institucionalizado em datas entendidas como marcos temporais é importante mas o tempo histórico pode ir muito além desse entendimento que restringe a transformação histórica a uma sucessão de fatos uniforme regular cumulativa progressiva evolutiva Outra possibilidade de pensar o tempo histórico é entendêlo valendose de seus níveis e ritmos de duração Para March Bloch o historiador deveria pensar o tempo com base na categoria da duração 1982 p 26 em cuja natureza haveria um contínuo e a mudança constante p 27 ou seja o tempo histórico se constituiria de mudanças e continuidades de cuja antítese viriam os grandes problemas da investigação histórica p 27 Fernand Braudel procurou apontar os ritmos e níveis dessa duração Segundo ele a primeira apreensão que se faz da história é o tempo de curta ou breve duração 1990 p 1011 são os acontecimentos como uma enchente um crime o aumento de preços um escândalo político No entanto algumas transformações seguem ritmos mais lentos e não muitos precisos um tempo de duração média são as conjunturas BRAUDEL 1990 p 12 como um estudo sobre a progressão demográfica ou sobre a ditadura militar brasileira Da mesma forma outros processos de transformação são estruturais possuem Ensino de História Indígena 227 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 uma longa duração BRAUDEL 1990 p 14 como o cristianismo o capitalismo comercial a estética renascentista Dessa maneira sem eliminar o tempo cronológico que é muito importante trabalhase com outra densidade que não a simplificação da linearidade que se restringe ao registro de uma sequência de datas de modo evolutivo contínuo e progressivo Adotando essa percepção do tempo histórico é possível pensar o ensino de História na educação básica observando as continuidades e rupturas as permanências e mudanças os avanços e recuos e os diferentes ritmos de duração breve longa e média Desse modo no trabalho com história local por exemplo importa discutir os processos de transformação procurando analisar com os alunos que a demolição de uma fábrica do bairro representa uma mudança de duração breve um acontecimento que não significa mudança estrutural já que o capitalismo se manifesta como permanênciamudança de longa duração embora aspectos das relações de trabalho tenham se alterado assim como elementos tecnológicos e políticos média duração Nesse caso é a demolição da fábrica que via de regra ficará registrada na memória como acontecimento histórico que contudo pouco explica Cabe ao professor lançando mão de recursos metodológicos adequados fazer os alunos irem além do episódio imediato estabelecendo relações e nexos com outros acontecimentos observando diferentes ritmos de duração mudanças permanências e rupturas de modo a buscar explicações mais densas para compreender as transformações da história local Portanto a discussão sobre como concebemos sujeito fato e tempo históricos é central para a seleção dos conteúdos a serem trabalhados em história supondo professores que tenham autonomia intelectual para efetuar essa seleção Da mesma forma esse debate acaba sendo definidor quanto aos aspectos metodológicos no ensino da disciplina escolar História Na perspectiva aqui sugerida não faz sentido adotar práticas de ensino de História que se pautem em discursos moralizadores e datas comemorativas com seus respectivos heróis a serem repetidos e decorados pelos alunos desprovidos de sentido e que nada explicam sobre as transformações históricas O ensino de história indígena temática desse artigo vai muito além da comemoração do Dia do Índio 19 de abril que pasteuriza a história tornandoa estéril e irrelevante Em sentido absolutamente contrário se concebermos os indígenas como sujeitos históricos as transformações pelas quais passaram e passam esses grupos sociais como fatos históricos objetiváveis e que nessas transformações ocorreram mudanças permanências e rupturas em diferentes ritmos de durações tornase necessário criar e adotar práticas metodológicas que apontem nessa direção que possibilitem que os alunos façam reflexões e busquem explicações mais densas e significativas para a compreensão dos grupos indígenas na história do Brasil Assim de acordo com as distintas faixas etárias e séries escolares dos alunos da Educação Básica podese lançar mão de uma infinidade de recursos metodológicos como Antonio Simplicio de Almeida Neto 228 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 uso de textos escritos relatos orais objetos músicas fotografias filmes e literatura tornados documentos históricos ou ainda estudos do meio visita a museus e dinâmicas variadas que disparem reflexões de natureza histórica conduzindo os alunos à compreensão da dinâmica dos processos da transformação histórica percebendo a si mesmos como sujeitos históricos capazes de pensar historicamente Ensino de história indígena e narrativas Em março de 2013 o jornal Folha de S Paulo publicou a carta de um leitor indignado com a ocupação indígena no antigo Museu do Índio nos arredores do estádio do Maracanã que seria demolido para a construção de um estacionamento e centro comercial conforme exigências da FIFA para a realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 Algumas pessoas supostamente descendentes de indígenas ocuparam o imóvel ilegalmente e se recusam a sair no que contam com um estranho apoio dos chamados movimentos de esquerda Esses mesmos movimentos procuram garantir moradia gratuita aos chamados quilombolas sob justificativa de que são descendentes de escravos comprovado apenas pela cor da pele Proponho então que sejam criados também um movimento para garantir moradia para os ateus sob a alegação dos sofrimentos infligidos pela Inquisição às pessoas desprovidas de fé religiosa JANOWITZER 2013 A3 Verificamos nesse breve exemplo um discurso que desqualifica as ações e lutas indígenas classificando esses povos como nãoindígenas A missiva do leitor remete a certa idealização do indígena imagem essencialista do índio puro o mesmo estereótipo presente no desfile acima comentado Por esse raciocínio um indígena que usa calça jeans smartphone tênis e cursa ensino superior não é índio mas um suposto índio Interessante notar que ninguém jamais diria que um autodenominado judeu é um suposto judeu por ter nascido no Brasil e não correspondesse à figura estereotipada do que seria um judeu Na visão desse leitor o que ocorreu no episódio da ocupação do Museu do Índio foi a ação de oportunistas que se passaram por indígenas insuflados pelos movimentos de esquerda Sua ação seria tão estapafúrdia e ilegítima quanto a dos supostos quilombolas que se valem ardilosamente de sua cor de pele para conseguir moradia gratuita Para a discussão proposta nesse artigo convém destacar o modo como esse outro é caracterizado no discurso do leitor que procura estabilizálo numa representação que fixa sua identidade na condição de indígena puro do passado desqualificando suas ações no presente por não corresponder a essa imagem idealizada pelo nãoíndio implícita na tipologia índio e supostamente descendente de índio Ensino de História Indígena 229 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 O mesmo jornal alguns meses depois em junho de 2013 publicou matéria sobre a reivindicação de terras pelos Terena no Mato Grosso do Sul Entre os mencionados na reportagem há um historiador um antropólogo um indígena Terena e um fazendeiro Sobre esse último informa Apesar dos vários registros da participação dos Terena da Guerra do Paraguai no século XIX os fazendeiros da região dizem que os Terena não são do território brasileiro São paraguaios Uns alegam que lutaram a favor do Brasil mas eu não acredito afirma Marcos Correa 33 dono de 3480 hectares dentro da área reivindicada CORREA 2013 A7 A julgar pelo fazendeiro seria feita uma revisão da história do Brasil e dos Terena alegando que esse povo não lutou na Guerra do Paraguai e como se não bastasse ainda seriam paraguaios portanto invasores do nosso território e por que não traidores que agora se passam por brasileiros para reivindicar a posse de territórios dos legítimos brasileiros Também nesse exemplo observamos a força do discurso que desqualifica os indígenas no passado e consequentemente suas ações no presente tornadas ilegítimas uma vez que são invasores Desse modo ambos os discursos veiculados no jornal a carta do leitor e a reportagem têm o efeito de distinguir o um e o outro o legítimo e o ilegítimo os puros e os impuros nós e eles assinalando produzindo e constituindo desse modo a identidade e a diferença Tomaz Tadeu da Silva lembra que essa operação discursiva que produz a identidade demarcando a diferença é social A identidade tal como a diferença é uma relação social Isso significa que sua definição está sujeita a vetores de força a relações de poder Elas não convivem harmoniosamente lado a lado em um campo sem hierarquias elas são disputadas 2012 p 81 Sendo produzida socialmente portanto a identidade não é uma essência não é um dado ou um fato seja da natureza seja da cultura A identidade não é fixa estável coerente unificada permanente A identidade tampouco é homogênea definitiva acabada idêntica transcendental Por outro lado podemos dizer que a identidade é uma construção um efeito um processo de produção uma relação um ato performativo A identidade é instável contraditória fragmentada inconsistente inacabada A identidade está ligada a estruturas discursivas e narrativas A identidade está ligada a sistemas de representação A identidade tem estreitas conexões com relações de poder SILVA T 2012 p 967 Nesse sentido podese afirmar que também o ensino de história indígena no âmbito escolar se constitui como um discurso implicado nas relações de poder que tal como os textos publicados na imprensa acima citados fixa e hierarquiza representações identitárias Antonio Simplicio de Almeida Neto 230 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 o que pode ser facilmente observado na seleção de conteúdos e abordagens nos materiais didáticos em filmes ilustrações e textos escolares Na breve menção aos povos indígenas como viventes apenas de um remoto tempo précolonial Na omissão pura e simples à existência desses povos nos acontecimentos históricos da história do Brasil Na vitimização ainda que engajada que lhes priva a condição de sujeitos históricos Nos frequentes anacronismos que os exclui do tempo histórico e portanto das transformações históricas No culto idílico a determinados valores e modo de vida indígenas Na inserção da temática indígena no currículo escolar em momentos muito específicos como Dia do Índio como exceção que confirma a regra Na pasteurização que empobrece simplifica e homogeneíza a diversidade dos povos indígenas Na abordagem folclorizada presente em festividades e eventos escolares que trata os indígenas como povos exóticos No vago e restrito reconhecimento da diversidade que não vai além da constatação Na pregação benevolente da tolerância que só faz reafirmar o papel dominador de quem tolera Na percepção essencialista de culturas indígenas puras desconsiderando o hibridismo cultural Cabe ao professor de História ensejar práticas com os mecanismos de que dispõe no ensino de sua disciplina por exemplo questionando matérias jornalísticas de revistas sites televisão e jornais como as anteriormente citadas propondo discussões sobre interculturalidade e hibridismo cultural ou refutando determinadas atividades escolares verdadeiros rituais pedagógicos que reproduzem estereótipos e produzem desinformação sobre povos indígenas No entanto é preciso retomar as questões anteriormente mencionadas referentes à concepção de história compreendendo os povos indígenas como sujeitos históricos dentro da história do Brasil como por exemplo na Guerra do Paraguai 18641870 que contou com a participação dos Terena como registrou Alfredo dEstragnolle Taunay em 1869 Ensino de História Indígena 231 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 Recebeu logo o 17º batalhão ordem de ir além do ponto atingido pelo 21 batalhão realizar um reconhecimento sob a direção do guia Lopes e em companhia de um grupo de Terenas e Guaicurus que desde algum tempo apresentara ao Coronel 1975 p 456 Neste dia fez a cólera nove vítimas Assinalaramse vinte casos novos o chefe dos Terenas Francisco das Chagas chegou moribundo numa rede que sua gente carregava Estavam estes desgraçados índios no auge do terror mas não podiam mais abandonar a coluna ocupado como se achava todo o campo por um inimigo que quando os apanhava jamais deixava de os fazer perecer nos mais horríveis suplícios 1975 p 106 Da mesma forma ainda sobre a Guerra do Paraguai é possível dispor de outras fontes documentais como os relatos orais utilizados no livro didático A História do Povo Terena escrito por Bittencourt e Ladeira por meio dos quais se evidenciam os fatos que ficaram registrados na memória desse povo antes da Guerra do Paraguai os Terena já habitavam na região de Miranda e mantinham relações com o povoado de Miranda Quando a cidade de Miranda foi invadida as aldeias que estavam situadas nessa região também foram atacadas Os Terena se organizaram para fazer frente utilizando as táticas próprias dos índios como por exemplo ataque noturno Os Terena investigavam onde ficava o acampamento dos paraguaios e cercavam no momento em que os inimigos não percebiam geralmente à noite Já os paraguaios atacavam só de dia Foram feitos vários enfrentamentos onde morriam índios Terena e também paraguaios Contase que na aldeia Babaçu os paraguaios mataram um Terena pendurandoo num pé de árvore Os Terena se escondiam nos matos e outros fugiam para a região de Bananal e Limão Verde Durante a guerra é que foi fundada a aldeia de Limão Verde Na área de Cachoeirinha existia um povoado chamado Pulóvouti e esta localidade servia de esconderijo durante a guerra porque era de difícil acesso por ser cercada de mata muito fechada relato de Olímpio Serra da aldeia de Argola 2000 p 6364 Esses mesmos relatos orais dos Terena informam que para esse povo a Guerra do Paraguai se constituiu como importante marco temporal pois assinala o início do período por eles denominado Tempos da Servidão quando ao retornarem do conflito para suas antigas aldeias muitas delas destruídas pelo combate encontraram novos proprietários exoficiais e comerciantes além de novos moradores que eram estimulados a ir para a região como forma de assegurar as fronteiras o que para esse povo significou a perda de suas terras e o início da submissão aos brancos O pessoal daquela época tinha medo porque ainda se lembrava do patrão que os chicoteava na fazenda Quem se atrasava para tomar chá de manhã era surrado foi o finado meu avô quem me contou Como castigo o pessoal tinha que arrancar o mato com as próprias mãos Quando a comida estava pronta eles mediam toda a sua tarefa Eram quinze braças de tarefa e mesmo não terminando a tarefa do dia de manhã mediam outra tarefa Antonio Simplicio de Almeida Neto 232 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 que acumulava relato de João Menootó Martins BITTENCOURT LADEIRA 2000 p 78 Na perspectiva de compreender outras narrativas históricas tornase relevante também apontarmos narrativas indígenas sobre o passado como as dos Kadiwéu registrada por Giovani José da Silva a história de admirar histórias sagradas que provocam espanto b história que aconteceram mesmo contadas pelos mais velhos entre as quais a da Guerra do Paraguai em que também lutaram c história que hoje se aprende nos bancos escolares como disciplina e inventada pelos não índios A história contida em livros e manuais supervalorizaria o escrito e desprezaria aquilo que é transmitido oralmente de uma geração à outra e d histórias apenas para contarem a pesquisadores brancos ávidos por informações e que volta e meia perambulam por suas terras 2012 p 6970 Desse modo discutemse outras formas de reconstruir o passado em outras culturas questionando a visão etnocêntrica ainda predominante no ensino de história indígena Considerações finais No alvorecer do século XXI quando grande entusiasmo frequentemente irrefletido ao sabor da sanha mercantil rondava as mentes propunha Sevcenko A grande vantagem de estudar história consiste justamente na possibilidade que ela nos propicia de uma compreensão mais articulada das circunstâncias por meio das quais chegamos ao ponto em que estamos e a partir daí na possibilidade de uma melhor avaliação das alternativas que se apresentam e que podemos vislumbrar graças à ampliação da perspectiva temporal O ato inicial para pensar ações transformadoras no presente é compreender que não se coloca mais a possibilidade de retorno a um contexto anterior situado no passado remoto ou recente ao qual pudéssemos regressar As mudanças históricas ou tecnológicas não são fatalidades mas uma vez desencadeadas estabelecem novos patamares e configurações de fatos grupos processos e circunstâncias exigindo que o pensamento se reformule em adequação aos novos termos para poder interagir com eficácia no novo contexto 2001 p 55 Por certo tomando essa assertiva por referência o ensino de história indígena no âmbito escolar pode potencialmente contribuir para ampliar essa perspectiva temporal possibilitando melhor compreensão dos arranjos sóciohistóricos e intervenções mais consequentes no presente no entanto sempre resvalamos no ardil da mitificação de novos personagens datas e fatos à guisa de uma suposta conscientização caudatária Como afirma Pereira Ensino de História Indígena 233 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 as diferentes formas de expressão identitária não podem ser vistas como essencialmente contrapostas ou adversas sob pena de transformarmos a sala de aula em palco para acerto de contas Disso decorre a possibilidade livre e democrática de emergência de formas identitárias negadas como as negras e indígenas através da ação educativa Porém esse pressuposto não implica que pela ação educativa venhamos a transformar a sala de aula em uma arena de conformação de consciências identitárias 2012 p 316 Sendo a produção da identidade e da diferença um território disputado o ensino de História pode e deve inserir outras narrativas que subvertam a estabilidade das representações dominantes que questionem os mecanismos e instituições de reprodução dessas identidades que estimulem o desequilíbrio poiético ato criativo que possibilita a transformação e oblitera a mera reprodução em educação possibilitando pensar os povos indígenas como sujeitos históricos no presente e no passado condição precípua para romper a invisibilidade indígena no passado e no presente Recebido em 2442014 Aprovado em 1552015 NOTAS 1 Tratase da pesquisa Escola Pamáali uma história do currículo parte do projeto Momentos e lugares da educação indígena memória instituições e práticas escolares realizada junto ao Observatório da Educação Escolar Indígena CAPESSECADINEP 2 Não à toa diversas pesquisas e publicações sobre os indígenas na história do Brasil foram feitas por antropólogos e não historiadores 3 Foi mantida a grafia original REFERÊNCIAS ALMEIDA Maria Regina Celestino de Os índios na História do Brasil Rio de Janeiro FGV 2010 BITTENCOURT Circe LADEIRA Maria Elisa A História do Povo Terena Brasília MEC 2000 Disponível em httpwwwdominiopublicogovbrdownloadtextome002034pdf Acesso em 25 mar 2014 BLOCH March Apologia da História ou O Ofício do Historiador Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2001 BLOCH March Introduccion a la Historia Buenos Aires Fondo de Cultura Económica 1982 BRAUDEL Fernand História e Ciências Sociais Lisboa Editorial Presença 1990 Antonio Simplicio de Almeida Neto 234 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 BRASIL Secretaria de Educação Fundamental Parâmetros curriculares nacionais história geografial Brasília MECSEF 1997 CANCLINI Nestor Culturas híbridas São Paulo Edusp 2008 CHOPPIN Alain História dos livros e das edições didáticas sobre o estado da arte Educação e Pesquisa São Paulo v 30 n 3 p 549566 set dez 2004 CORREA Marcos Painel do Leitor Folha de S Paulo São Paulo 10 jun 2013 Caderno 1 p A7 CUNHA Manuela Carneiro da Índios no Brasil história direitos e cidadania São Paulo Claro Enigma 2012 JANOWITZER Claudio Painel do Leitor Folha de S Paulo São Paulo 24 mar 2013 Caderno 1 p A3 MONTEIRO John Tupis Tapuias e Historiadores estudos da história indígena e do indigenismo 2001 233 folhas Tese Livre docência em Etnologia subárea História Indígena e Indigenismo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Universidade de Campinas Campinas 2001 PEREIRA Júnia Sales Do colorido à cor o complexo identitário na prática educativa In GONÇALVES Márcia de Almeida ROCHA Helenice REZNIK Luís MONTEIRO Ana Maria Org Qual o valor da história hoje Rio de Janeiro FGV 2012 p 3045 PESAVENTO Sandra Jatahy História História Cultural Belo Horizonte Autêntica 2008 SEVCENKO Nicolau A Corrida Para o Século XXI No Loop da Montanha Russa São Paulo Cia das Letras 2001 SILVA Giovani José da Categorias de entendimento do passado entre os Kadiwéu narrativas memórias e ensino de história indígena Revista História Hoje SI v 1 n 2 2012 Disponível em httprhhjanpuhorgojsindexphpRHHJarticleview41 Acesso em 25 mar 2014 SILVA Tomaz Tadeu da A produção social da identidade e da diferença In SILVA Tomaz Tadeu da Org Identidade e diferença a perspectiva dos Estudos Culturais Petropólis RJ Vozes 2012 SPOSITO Fernanda Nem cidadãos nem brasileiros indígenas na formação do estado nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo São Paulo Alameda 2012 TAUNAY Alfredo dEscragnolle A Retirada da Laguna episódio da Guerra do Paraguai São Paulo Melhoramentos 1975 VARNHAGEN Francisco Adolfo de História Geral do Brazil 2 ed Rio de Janeiro Editora Em casa de E H Laemmert 1877 v1 Disponível em httpwwwbrasilianauspbrbbdhandle191801819210page5mode1up Acesso em 25 mar 2014
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Antonio Simplicio de Almeida Neto 218 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 Ensino de História Indígena currículo identidade e diferença Antonio Simplicio de ALMEIDA NETO Resumo A temática do ensino de História e cultura indígena objeto da Lei 116452008 está implicada nas discussões sobre currículo e seus desdobramentos Da mesma forma não se dissocia do debate a concepção de história pressuposta no ensino dessa disciplina escolar especificamente as noções de sujeito tempo e fato históricos Também central é a maneira como compreendemos a cultura e a identidade indígenas para além da concepção que as toma por exóticas essencialistas fixas estáveis homogêneas e portanto a históricas Desse modo serão apresentadas algumas reflexões acerca do ensino dessa temática pensando intersecções entre currículo concepção de história e noção de cultura e identidade tomando esses povos por sujeitos históricos no presente e no passado condição que dialoga com as possibilidades de romper a invisibilidade indígena no passado e no presente Palavraschave Ensino de história indígena Lei 116452008 Interculturalismo Hibridismo cultural Cultura indígena Indigenous History Teaching curriculum identity and difference Abstract The issueregarding history and indigenous culture teaching object of the Law 116452008 is involved in discussions about curriculum and itsoutcomes Likewise the conception of history presumed in teaching this school discipline does not dissociate of the debate specifically the notions of subject time and historical facts Besides the way we understand the indigenous culture and identity is central beyond the concept that takes them as exotic essentialist fixed stable homogeneous and therefore ahistorical I present some reflections about teaching this subject considering intersections between curriculum concept of history and sense of culture and identity by taking these peoples as historical subjects in the present and past condition that dialogues with the possibilities of breaking the invisibility of indigenous people in the past and present Keywords Indigenous history teaching Law 116452008 Interculturalism Cultural hybridism Indigenous culture Professor Doutor Departamento de História e do Programa de PósGraduação em História Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas UNIFESP Universidade Federal de São Paulo Campus Guarulhos Estrada do Caminho Velho 333 Sítio Tanque Velho Bairro Pimentas CEP 07257312 Guarulhos São Paulo Brasil email asanetounifespbr Ensino de História Indígena 219 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 Introdução Sete de setembro feriado nacional comemoração do Dia da Pátria na cidade de São Gabriel da Cachoeira localizada na região conhecida como Cabeça do Cachorro extremo noroeste do Brasil interior do estado do Amazonas A população em peso ocupa as ruas da pequena e agradável cidade que fica às margens do rio Negro para assistir ao desfile nesse dia festivo no qual o exército brasileiro ocupa lugar de destaque em razão de sua forte presença nessa região de fronteira com Colômbia e Venezuela Adultos e crianças registram tudo com suas máquinas fotográficas celulares e filmadoras todos bem vestidos e arrumados para acompanhar o grande evento Esse município possui uma particularidade sua população é majoritariamente indígena chegando a 881 do total de habitantes segundo Censo de 2010 do IBGE sendo 11 mil na área urbana e 18 mil na área rural Isso fica evidente nos rostos alegres que acompanham atentamente o cortejo de Sete de Setembro O fenótipo da maioria da população presente não deixa dúvidas assim como a de muitos soldados do exército que desfilam marchando disciplinadamente pela Avenida Castelo Branco a de alguns policiais militares que fazem a segurança do evento e a do próprio prefeito e a do vice da cidade 20092012 que são da etnia Tariana e Baniwa respectivamente É um evento cívico efeméride da maior importância O Exército e algumas entidades locais passam em desfile Brigada de Infantaria de Selva Organizações Não Governamentais grupos de escoteiros instituições de ensino caminhões tanques de guerra carros de combate armas escudos soldados camuflados estudantes fanfarras faixas e bandeiras A população indígena e não indígena está especialmente trajada para assistir ao evento os jovens com seus cabelos arrepiados roupas transadas e tênis da moda algumas crianças foram fantasiadas por seus pais com miniuniformes do Exército Nacional comprados em lojas locais o que comprova a popularidade dessa instituição na região Como é de praxe as escolas locais públicas e privadas também vêm com seus professores e estudantes uniformizados marchando pequenos carros alegóricos faixas fanfarras demonstração de práticas esportivas Uma das escolas traz na carroceria de uma picape três crianças simbolizando as raças brasileiras índio negro e branco O garoto que representa o índio está devidamente caracterizado com tanga sem camisa cocar maracá e pintura no rosto o estereótipo do indígena que destoa até daqueles que estão assistindo ao desfile dos jovens com suas calças jeans camisetas coloridas cabelos impecavelmente arrumados no melhor estilo Neymar à época jogador do Santos F C ou dos indígenas evangélicos com seus ternos e vestidos discretos O curioso é que o menino que vai sobre a picape tem fortes traços indígenas ou seja temos um pequeno estudante indígena Antonio Simplicio de Almeida Neto 220 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 urbanizado provavelmente filho da classe média local fantasiado de indígena pelos professores conforme a mais surrada representação sobre esse grupo social que habita o imaginário da população brasileira Tudo é feito com as melhores intenções educativas e o desfile prossegue sem sobressaltos Figura 1 Representação das raças na Semana da Pátria 2010 Fonte Acervo pessoal do autor Esse episódio que ocorreu durante viagem de pesquisa1 realizada em setembro de 2010 na região do Alto Rio Negro explicita importantes e instigantes questionamentos referentes às representações constituídas sobre os indígenas sua cultura e história bem como sobre suas relações com o outro nesse caso o não indígena aspecto central quando discutimos a aplicação da Lei 11645 de 10 de março de 2008 que torna obrigatório o ensino de História e cultura indígenas além do ensino de História africana e afro brasileira já tornado obrigatório com a Lei 1063903 nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio público e privado Tornase evidente também o fato de não haver esse componente curricular nos cursos de Graduação e Licenciatura em História2 salvo raras exceções o que traz uma série de implicações àqueles professores que desejam cumprir a determinação legal pois devem suprir essa lacuna na formação pelos mais diversos meios disponíveis entre eles certamente destacase o livro didático esse produto cultural complexo STRAY apud CHOPPIN 2004 p 563 que acaba por exercer inusitado e importante papel na formação docente Ensino de História Indígena 221 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 No caso dos professores do Ensino Fundamental I o problema pode ser ainda mais delicado dado o fato de que pouquíssimas Licenciaturas em Pedagogia dedicam carga horária muito abaixo do razoável para tratar do ensino de História Em alguns cursos esse componente curricular divide quinze aulas semestrais com o ensino de Geografia Assim o debate historiográfico e seus desdobramentos nas discussões sobre o ensino de História são empobrecidos resultando em práticas escolares em que a história propriamente dita inexiste ou surge como cultura estereotipada simulacro tal qual a criança indígena fantasiada de indígena no evento acima descrito No presente artigo discutimos alguns aspectos implicados no ensino de história indígena considerados em curso de formação de professores de História na Universidade Federal de São Paulo UNIFESP e em Oficinas de Ensino oferecidas pelo GT de Ensino de História e Educação da Associação Nacional de História seção São Paulo ANPUHSP para disparar algumas reflexões sobre a temática Ensino de história indígena e hibridismo cultural Como se sabe os indígenas não se constituem como grupos dominantes na sociedade brasileira Entre os desdobramentos dessa condição está o fato de sua cultura ser considerada a outra diferente diversa exótica e estranha tanto que é objeto de legislação específica que a insere obrigatoriamente no currículo escolar situação que não ocorre com a cultura dominante ocidental branca europeia civilizada cristã tida como a normal Sujeita aos estigmas classificatórios a cultura desse outro será identificada como primitiva étnica inferior e atrasada será entendida como essencialista ou seja pura fixa imutável e estável portanto ahistórica Dessa forma o indígena que não se apresenta nesse suposto estado puro será considerado aculturado não índio sem identidade e sem tradição daí os índios serem representados predominantemente como figuras do passado mortas ou em franco processo de extinção fadados ao desaparecimento Desempenhando papéis secundários ou aparecendo na posição de vitimados representados como aliados ou inimigos guerreiros ou bárbaros escravos ou submetidos nunca sujeitos da ação uma vez dominados integrados e aculturados desapareceriam como índios na escrita histórica e não à toa estariam condenados ao desaparecimento também no presente prognóstico derrubado pelas evidências apontadas pelo censo demográfico do IBGE de 2010 que aponta crescimento de 178 no número de indígenas autodeclarados desde 1991 bem como a existência de 305 etnias e 274 línguas Além do deliberado intento de eliminação desses povos ou desejo de vitimálos para Manuela Carneiro da Cunha determinada concepção historiográfica também contribuiu para essa visão Antonio Simplicio de Almeida Neto 222 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 Por má consciência e boas intenções imperou durante muito tempo a noção de que os índios foram apenas vítimas do sistema mundial vítimas de uma política e de práticas que lhes eram externas e que os destruíram Essa visão além de seu fundamento moral tinha outro teórico é que a história movida pela metrópole pelo capital só teria nexo em seu epicentro A periferia do capital era também o lixo da história O resultado paradoxal dessa postura politicamente correta foi somar à eliminação física e étnica dos índios sua eliminação como sujeitos históricos 2012 p 22 Tal visão deita raízes no século XIX quando o Visconde de Porto Seguro Francisco Adolfo de Varnhagen 1854 escreveu que sobre os povos indígenas não se poderia falar em civilisação mas de barbarie e de atraso De taes povos na infancia não ha historia ha so ethnographia A infancia da humanidade na ordem moral como a do individuo na ordem physica é sempre acompanhada de pequenhez e miserias3 1877 p 2223 Antes dele Carl Friedrich Philippe Von Martius 1838 vaticinara que o indígena americano estava fadado a desaparecer apud MONTEIRO 2001 p 3 Tal vertente historiográfica da qual ouvimos ecos retira dos povos indígenas a própria historicidade condenandoos ao desaparecimento Não há passado não há futuro Lembra Monteiro que pelo menos até a década de 1980 a história dos índios no Brasil resumiase basicamente à crônica de sua extinção 2001 p 4 de modo que com exceções predominaram abordagens que fossilizavam os indígenas impedindo de vêlos em perspectiva histórica As imbricações entre história e antropologia particularmente no âmbito da História Cultural PESAVENTO 2008 p 24 possibilitaram a percepção da cultura em sua historicidade como dinâmica e flexível produzida pelos homens que a vivenciam e isso inclui evidentemente a ressignificação da cultura indígena Desse modo Almeida aponta que o foco de análise da história indígena se deslocou dos colonizadores para os índios procurando identificar suas formas de compreensão e seus próprios objetivos nas várias situações de contato por eles vividas 2010 p 23 Também a constituição dos indígenas na história recente como sujeitos de direitos sobretudo territoriais e o reconhecimento a esses povos do direito de manter sua própria cultura garantidos pela Constituição de 1988 assim como sua maior visibilidade em lutas pela garantia desses direitos tiraram esses grupos dos bastidores da história garantindo lhes um lugar no palco despertando o interesse dos historiadores e de outros pesquisadores que passaram a percebêlos como sujeitos participando ativamente dos processos históricos possibilitando novos entendimentos das ações dos grupos indígenas nos processos em que estavam envolvidos Tais aspectos constituem o modo como a cultura dos povos indígenas é percebida e como esses grupos são identificados Para Canclini discutindo o conceito de hibridação cultural quando se define uma identidade mediante um processo de abstração de traços língua tradições condutas estereotipadas frequentemente se tende a desvincular Ensino de História Indígena 223 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 essas práticas da história de misturas em que se formaram o que torna impossível para esse antropólogo falar das identidades como se se tratasse apenas de um conjunto de traços fixos nem afirmálas como a essência de uma etnia ou de uma nação 2008 p XXIII Nesse sentido Almeida chama nossa atenção para o necessário entendimento das identidades como construções fluídas e cambiáveis que se constroem por meio de complexos processos de apropriações e ressignificações culturais nas experiências entre grupos e indivíduos que interagem 2010 p 24 que tornou possível nova mirada dos historiadores sobre a identidade genérica imposta sobre esses grupos a começar pela denominação índios como se constituíssem um bloco homogêneo desconsiderando não só as diferenças étnicas e linguísticas com os diferentes interesses objetivos motivações e ações desses grupos nas relações entre si e com os colonizadores europeus que como não poderia deixar de ser foram se modificando com a dinâmica da colonização Tal perspectiva pode ser observada por exemplo em Sposito que ao dissertar sobre conflitos entre subgrupos Guaranis e Kaingangs durante o período colonial e entrando pelo século XIX lembra que é preciso entender o papel que a guerra representava na organização dos povos indígenas definindo e ressignificando a sua própria cultura dentro de um movimento de resgate das lutas passadas para a reconstrução da identidade presente 2012 p 187 Noutro exemplo apontando a necessária compreensão do universo cultural dos grupos indígenas para a construção do conhecimento histórico Almeida ressalta o papel do escambo e do casamento na cultura Tupinambá A troca de objetos entre os grupos tupis era comum e podia envolver também grupos rivais que interrompiam as hostilidades para efetuar trocas Os casamentos solidificavam relações e ampliavam o poder dos guerreiros que quanto mais cunhados e genros tivessem mais poderosos se tornavam Tratavase afinal de uma sociedade na qual a troca era um valor a ser sustentado característica fundamental que deve ser considerada quando interpretamos suas relações de contato com os estrangeiros 2010 p 378 Nesse sentido Sposito discutindo o papel das populações indígenas na província paulista da primeira metade do século XIX toma esses grupos por sujeitos históricos ativos nos diversos modos de relação envolvidos no período a kaiowás negociando mel e cera por roupas e ferramentas com os viajantes 2012 p 176 b subgrupos Kaingangs Kamés Votorons Dorins lutando entre si e eventualmente se aliando a inimigos históricos ou aos conquistadores 2012 p 184 c grupos procurando estabelecer contato amigável com moradores da fazenda Pirituba na vila de Itapeva da Faxina 2012 p 191 d indígenas que usufruíam dos bens lavouras e animais dos invasores brancos colocados em suas terras 2012 p 202 e embora tenham sido aprisionados escravizados e vendidos como em Antonio Simplicio de Almeida Neto 224 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 Itapeva em 1827 2012 p 206 em Rio Claro o índio Antonio Guaianen utilizando os mecanismos legais do período Carta Régia de 01041809 requereu liberdade ao Conselho Provincial alegando maus tratos em 1826 2012 p 207 e f no ano de 1826 os indígenas trazidos para trabalhar na construção da Estrada de Cubatão fugiram para as matas 2012 p 211 Essa perspectiva trazida para a sala de aula confere volume e densidade ao ensino de história indígena com uma abordagem que não fossiliza e nem pasteuriza as culturas desses povos restituilhes a condição de sujeitos históricos e dandolhes visibilidade no passado e no presente O protagonismo eles já possuem Ensino de história indígena e concepção de área Entre as diversas questões implicadas no ensino de História duas são fundamentais a seleção de conteúdos e as possibilidades metodológicas de trabalho com esses conteúdos Em outras palavras num determinado anosérie da educação básica é mais adequado trabalhar com história do bairro história do Brasil ou história geral Egito antigo ou história indígena História afrobrasileira ou revolução industrial História da África ou da América Conteúdos canônicos ou alternativos Por outro lado como devem ser trabalhados esses conteúdos É melhor usar livro didático apostilas ou produzir materiais próprios Usar mapas históricos filmes ou textos Jogos ou ilustrações e fotos Documentos históricos ou objetos geradores Aulas expositivas ou atividades em grupo Em suma quais os conteúdos e a metodologia mais adequados para cada série da Educação Básica Um aspecto que precede toda essa discussão é a chamada visão de área de História ou seja como concebemos essa área de conhecimento e ensino Esse debate envolve fundamentalmente três conceitos noção de sujeito de tempo e de fato históricos Esses conceitos de forma alguma se constituem como uma novidade e estão presentes por exemplo nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História BRASIL 1997 p 3539 no entanto convém que sejam retomados pois seu entendimento tem desdobramentos no modo como definimos conteúdos e metodologias no ensino de História O conceito sujeito histórico referese àqueles que atuam na história àqueles que fazem a história por assim dizer e estão envolvidos direta ou indiretamente nos acontecimentos ditos históricos Pois bem a questão é Como concebemos esses sujeitos Quem são eles Seriam os chamados heróis os grandes vultos da história indivíduos de grande projeção social e política como imperadores políticos mártires e generais Nessa concepção a História é estudada como sendo dependente do destino de poucos homens de ações isoladas e de vontades individuais de poderosos BRASIL 1997 p 36 Ensino de História Indígena 225 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 Ou poderiam ser homens mulheres e crianças comuns sujeitos anônimos Ou poderiam ser ainda os sujeitos coletivos como camponeses indígenas trabalhadores afrodescendentes migrantes Nesse entendimento sujeitos históricos são todos aqueles que localizados em contextos históricos exprimem suas especificidades e características sendo líderes de lutas para transformações ou permanências mais amplas ou de situações cotidianas que atuam em grupo ou isoladamente e produzem para si ou para a coletividade BRASIL 1997 p 36 Exemplificando são sujeitos históricos apenas D Pedro I Duque de Caxias Carlos Magno Tiradentes e Getúlio Vargas ou podem ser também um escravo fugitivo de origem africana do Brasil colonial um moleiro italiano morto pela Inquisição no século XVI e um retirante nordestino que migrou para São Paulo na década de 1950 tornandose operário Da mesma forma podemos questionar o que são fatos históricos Quais são os fatos passíveis de serem considerados históricos pesquisados pelos historiadores figurar nos livros e bibliotecas serem estudados nas escolas Seriam os grandes acontecimentos revoluções golpes de Estado derrubada de monarquias e guerras Seriam os eventos cívicos e acontecimentos políticos Ou poderiam entrar nessa lista os fatos cotidianos mudanças de comportamento e de modo de pensar movimentos sociais e culturais Seriam eventos que pertencem ao passado mais próximo ou distante de caráter material ou mental que destaquem mudanças ou permanências ocorridas na vida coletiva BRASIL 1997 p 3536 Ou seja são fatos históricos apenas o golpe militar de 1964 a morte de Tiradentes o suicídio de Getúlio Vargas a revolução francesa a queda de Constantinopla e a eleição de Lula para presidência da república do Brasil Ou os movimentos migratórios de grupos indígenas do Amapá do século XIX o cotidiano escolar de professores durante o regime militar brasileiro a religiosidade afrobrasileira no Brasil do século XVIII as mudanças de hábitos alimentares o disciplinamento dos corpos a relação homemmeio ambiente as representações sobre educação e as relações de gênero também podem ser considerados fatos históricos a serem estudados O entendimento desses dois aspectos é central na definição dos conteúdos a serem trabalhados em História pois implicam em escolhas significativas sobre as temáticas e respectivas abordagens trazidas para a sala de aula Um professor jamais trabalhará com história local por exemplo de um bairro da cidade de Guarulhos sua população deslocamentos migratórios manifestações culturais movimentos sociais lutas políticas transformações urbanas memórias etc se considerar que esses acontecimentos não têm relevância histórica Não há a menor possibilidade de um professor inserir as discussões sobre história e cultura indígena Lei nº 116452008 ou africana e afrobrasileira Lei nº 106392003 no currículo escolar se em seu entendimento apenas os chamados heróis e Antonio Simplicio de Almeida Neto 226 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 grandes vultos são sujeitos históricos e somente os conflitos das monarquias europeias do Antigo Regime são fatos históricos No livro Apologia da História ou O Ofício do Historiador March Bloch define história Ciência dos homens dissemos É ainda vago demais É preciso acrescentar dos homens no tempo 2001 p 55 História como ciência dos homens no tempo é uma assertiva que atesta a importância da noção de tempo histórico que no entanto no âmbito da história escolar é frequentemente identificado com o tempo cronológico que avança dia a dia ano a ano século a século numa sucessão de datas associadas a fatos históricos que avançam progressivamente um após o outro sugerindo uma transformação histórica na qual a partir de determinadas datas iriam ocorrendo as mudanças Conforme esse entendimento o estudo da libertação dos escravos restringese ao episódio que ocorreu no dia 13 de maio de 1888 não havendo um processo anterior e a partir dessa data tudo se transformou E depois disso veio a Proclamação da República a República da Espada a República das Oligarquias a Revolução de 30 o Estado Novo e assim por diante até os dias atuais num fluxo contínuo e linear sem maiores percalços ou acidentes É muito comum que o aprendizado do tempo histórico seja confundido com decorar datas e aprender a grafar corretamente os algarismos romanos para identificar os séculos colocados numa linha do tempo que deve ser decorada Alguns professores ainda fazem avaliações para verificar a simples memorização de datas referentes a determinados acontecimentos históricos É evidente que o tempo institucionalizado em datas entendidas como marcos temporais é importante mas o tempo histórico pode ir muito além desse entendimento que restringe a transformação histórica a uma sucessão de fatos uniforme regular cumulativa progressiva evolutiva Outra possibilidade de pensar o tempo histórico é entendêlo valendose de seus níveis e ritmos de duração Para March Bloch o historiador deveria pensar o tempo com base na categoria da duração 1982 p 26 em cuja natureza haveria um contínuo e a mudança constante p 27 ou seja o tempo histórico se constituiria de mudanças e continuidades de cuja antítese viriam os grandes problemas da investigação histórica p 27 Fernand Braudel procurou apontar os ritmos e níveis dessa duração Segundo ele a primeira apreensão que se faz da história é o tempo de curta ou breve duração 1990 p 1011 são os acontecimentos como uma enchente um crime o aumento de preços um escândalo político No entanto algumas transformações seguem ritmos mais lentos e não muitos precisos um tempo de duração média são as conjunturas BRAUDEL 1990 p 12 como um estudo sobre a progressão demográfica ou sobre a ditadura militar brasileira Da mesma forma outros processos de transformação são estruturais possuem Ensino de História Indígena 227 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 uma longa duração BRAUDEL 1990 p 14 como o cristianismo o capitalismo comercial a estética renascentista Dessa maneira sem eliminar o tempo cronológico que é muito importante trabalhase com outra densidade que não a simplificação da linearidade que se restringe ao registro de uma sequência de datas de modo evolutivo contínuo e progressivo Adotando essa percepção do tempo histórico é possível pensar o ensino de História na educação básica observando as continuidades e rupturas as permanências e mudanças os avanços e recuos e os diferentes ritmos de duração breve longa e média Desse modo no trabalho com história local por exemplo importa discutir os processos de transformação procurando analisar com os alunos que a demolição de uma fábrica do bairro representa uma mudança de duração breve um acontecimento que não significa mudança estrutural já que o capitalismo se manifesta como permanênciamudança de longa duração embora aspectos das relações de trabalho tenham se alterado assim como elementos tecnológicos e políticos média duração Nesse caso é a demolição da fábrica que via de regra ficará registrada na memória como acontecimento histórico que contudo pouco explica Cabe ao professor lançando mão de recursos metodológicos adequados fazer os alunos irem além do episódio imediato estabelecendo relações e nexos com outros acontecimentos observando diferentes ritmos de duração mudanças permanências e rupturas de modo a buscar explicações mais densas para compreender as transformações da história local Portanto a discussão sobre como concebemos sujeito fato e tempo históricos é central para a seleção dos conteúdos a serem trabalhados em história supondo professores que tenham autonomia intelectual para efetuar essa seleção Da mesma forma esse debate acaba sendo definidor quanto aos aspectos metodológicos no ensino da disciplina escolar História Na perspectiva aqui sugerida não faz sentido adotar práticas de ensino de História que se pautem em discursos moralizadores e datas comemorativas com seus respectivos heróis a serem repetidos e decorados pelos alunos desprovidos de sentido e que nada explicam sobre as transformações históricas O ensino de história indígena temática desse artigo vai muito além da comemoração do Dia do Índio 19 de abril que pasteuriza a história tornandoa estéril e irrelevante Em sentido absolutamente contrário se concebermos os indígenas como sujeitos históricos as transformações pelas quais passaram e passam esses grupos sociais como fatos históricos objetiváveis e que nessas transformações ocorreram mudanças permanências e rupturas em diferentes ritmos de durações tornase necessário criar e adotar práticas metodológicas que apontem nessa direção que possibilitem que os alunos façam reflexões e busquem explicações mais densas e significativas para a compreensão dos grupos indígenas na história do Brasil Assim de acordo com as distintas faixas etárias e séries escolares dos alunos da Educação Básica podese lançar mão de uma infinidade de recursos metodológicos como Antonio Simplicio de Almeida Neto 228 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 uso de textos escritos relatos orais objetos músicas fotografias filmes e literatura tornados documentos históricos ou ainda estudos do meio visita a museus e dinâmicas variadas que disparem reflexões de natureza histórica conduzindo os alunos à compreensão da dinâmica dos processos da transformação histórica percebendo a si mesmos como sujeitos históricos capazes de pensar historicamente Ensino de história indígena e narrativas Em março de 2013 o jornal Folha de S Paulo publicou a carta de um leitor indignado com a ocupação indígena no antigo Museu do Índio nos arredores do estádio do Maracanã que seria demolido para a construção de um estacionamento e centro comercial conforme exigências da FIFA para a realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 Algumas pessoas supostamente descendentes de indígenas ocuparam o imóvel ilegalmente e se recusam a sair no que contam com um estranho apoio dos chamados movimentos de esquerda Esses mesmos movimentos procuram garantir moradia gratuita aos chamados quilombolas sob justificativa de que são descendentes de escravos comprovado apenas pela cor da pele Proponho então que sejam criados também um movimento para garantir moradia para os ateus sob a alegação dos sofrimentos infligidos pela Inquisição às pessoas desprovidas de fé religiosa JANOWITZER 2013 A3 Verificamos nesse breve exemplo um discurso que desqualifica as ações e lutas indígenas classificando esses povos como nãoindígenas A missiva do leitor remete a certa idealização do indígena imagem essencialista do índio puro o mesmo estereótipo presente no desfile acima comentado Por esse raciocínio um indígena que usa calça jeans smartphone tênis e cursa ensino superior não é índio mas um suposto índio Interessante notar que ninguém jamais diria que um autodenominado judeu é um suposto judeu por ter nascido no Brasil e não correspondesse à figura estereotipada do que seria um judeu Na visão desse leitor o que ocorreu no episódio da ocupação do Museu do Índio foi a ação de oportunistas que se passaram por indígenas insuflados pelos movimentos de esquerda Sua ação seria tão estapafúrdia e ilegítima quanto a dos supostos quilombolas que se valem ardilosamente de sua cor de pele para conseguir moradia gratuita Para a discussão proposta nesse artigo convém destacar o modo como esse outro é caracterizado no discurso do leitor que procura estabilizálo numa representação que fixa sua identidade na condição de indígena puro do passado desqualificando suas ações no presente por não corresponder a essa imagem idealizada pelo nãoíndio implícita na tipologia índio e supostamente descendente de índio Ensino de História Indígena 229 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 O mesmo jornal alguns meses depois em junho de 2013 publicou matéria sobre a reivindicação de terras pelos Terena no Mato Grosso do Sul Entre os mencionados na reportagem há um historiador um antropólogo um indígena Terena e um fazendeiro Sobre esse último informa Apesar dos vários registros da participação dos Terena da Guerra do Paraguai no século XIX os fazendeiros da região dizem que os Terena não são do território brasileiro São paraguaios Uns alegam que lutaram a favor do Brasil mas eu não acredito afirma Marcos Correa 33 dono de 3480 hectares dentro da área reivindicada CORREA 2013 A7 A julgar pelo fazendeiro seria feita uma revisão da história do Brasil e dos Terena alegando que esse povo não lutou na Guerra do Paraguai e como se não bastasse ainda seriam paraguaios portanto invasores do nosso território e por que não traidores que agora se passam por brasileiros para reivindicar a posse de territórios dos legítimos brasileiros Também nesse exemplo observamos a força do discurso que desqualifica os indígenas no passado e consequentemente suas ações no presente tornadas ilegítimas uma vez que são invasores Desse modo ambos os discursos veiculados no jornal a carta do leitor e a reportagem têm o efeito de distinguir o um e o outro o legítimo e o ilegítimo os puros e os impuros nós e eles assinalando produzindo e constituindo desse modo a identidade e a diferença Tomaz Tadeu da Silva lembra que essa operação discursiva que produz a identidade demarcando a diferença é social A identidade tal como a diferença é uma relação social Isso significa que sua definição está sujeita a vetores de força a relações de poder Elas não convivem harmoniosamente lado a lado em um campo sem hierarquias elas são disputadas 2012 p 81 Sendo produzida socialmente portanto a identidade não é uma essência não é um dado ou um fato seja da natureza seja da cultura A identidade não é fixa estável coerente unificada permanente A identidade tampouco é homogênea definitiva acabada idêntica transcendental Por outro lado podemos dizer que a identidade é uma construção um efeito um processo de produção uma relação um ato performativo A identidade é instável contraditória fragmentada inconsistente inacabada A identidade está ligada a estruturas discursivas e narrativas A identidade está ligada a sistemas de representação A identidade tem estreitas conexões com relações de poder SILVA T 2012 p 967 Nesse sentido podese afirmar que também o ensino de história indígena no âmbito escolar se constitui como um discurso implicado nas relações de poder que tal como os textos publicados na imprensa acima citados fixa e hierarquiza representações identitárias Antonio Simplicio de Almeida Neto 230 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 o que pode ser facilmente observado na seleção de conteúdos e abordagens nos materiais didáticos em filmes ilustrações e textos escolares Na breve menção aos povos indígenas como viventes apenas de um remoto tempo précolonial Na omissão pura e simples à existência desses povos nos acontecimentos históricos da história do Brasil Na vitimização ainda que engajada que lhes priva a condição de sujeitos históricos Nos frequentes anacronismos que os exclui do tempo histórico e portanto das transformações históricas No culto idílico a determinados valores e modo de vida indígenas Na inserção da temática indígena no currículo escolar em momentos muito específicos como Dia do Índio como exceção que confirma a regra Na pasteurização que empobrece simplifica e homogeneíza a diversidade dos povos indígenas Na abordagem folclorizada presente em festividades e eventos escolares que trata os indígenas como povos exóticos No vago e restrito reconhecimento da diversidade que não vai além da constatação Na pregação benevolente da tolerância que só faz reafirmar o papel dominador de quem tolera Na percepção essencialista de culturas indígenas puras desconsiderando o hibridismo cultural Cabe ao professor de História ensejar práticas com os mecanismos de que dispõe no ensino de sua disciplina por exemplo questionando matérias jornalísticas de revistas sites televisão e jornais como as anteriormente citadas propondo discussões sobre interculturalidade e hibridismo cultural ou refutando determinadas atividades escolares verdadeiros rituais pedagógicos que reproduzem estereótipos e produzem desinformação sobre povos indígenas No entanto é preciso retomar as questões anteriormente mencionadas referentes à concepção de história compreendendo os povos indígenas como sujeitos históricos dentro da história do Brasil como por exemplo na Guerra do Paraguai 18641870 que contou com a participação dos Terena como registrou Alfredo dEstragnolle Taunay em 1869 Ensino de História Indígena 231 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 Recebeu logo o 17º batalhão ordem de ir além do ponto atingido pelo 21 batalhão realizar um reconhecimento sob a direção do guia Lopes e em companhia de um grupo de Terenas e Guaicurus que desde algum tempo apresentara ao Coronel 1975 p 456 Neste dia fez a cólera nove vítimas Assinalaramse vinte casos novos o chefe dos Terenas Francisco das Chagas chegou moribundo numa rede que sua gente carregava Estavam estes desgraçados índios no auge do terror mas não podiam mais abandonar a coluna ocupado como se achava todo o campo por um inimigo que quando os apanhava jamais deixava de os fazer perecer nos mais horríveis suplícios 1975 p 106 Da mesma forma ainda sobre a Guerra do Paraguai é possível dispor de outras fontes documentais como os relatos orais utilizados no livro didático A História do Povo Terena escrito por Bittencourt e Ladeira por meio dos quais se evidenciam os fatos que ficaram registrados na memória desse povo antes da Guerra do Paraguai os Terena já habitavam na região de Miranda e mantinham relações com o povoado de Miranda Quando a cidade de Miranda foi invadida as aldeias que estavam situadas nessa região também foram atacadas Os Terena se organizaram para fazer frente utilizando as táticas próprias dos índios como por exemplo ataque noturno Os Terena investigavam onde ficava o acampamento dos paraguaios e cercavam no momento em que os inimigos não percebiam geralmente à noite Já os paraguaios atacavam só de dia Foram feitos vários enfrentamentos onde morriam índios Terena e também paraguaios Contase que na aldeia Babaçu os paraguaios mataram um Terena pendurandoo num pé de árvore Os Terena se escondiam nos matos e outros fugiam para a região de Bananal e Limão Verde Durante a guerra é que foi fundada a aldeia de Limão Verde Na área de Cachoeirinha existia um povoado chamado Pulóvouti e esta localidade servia de esconderijo durante a guerra porque era de difícil acesso por ser cercada de mata muito fechada relato de Olímpio Serra da aldeia de Argola 2000 p 6364 Esses mesmos relatos orais dos Terena informam que para esse povo a Guerra do Paraguai se constituiu como importante marco temporal pois assinala o início do período por eles denominado Tempos da Servidão quando ao retornarem do conflito para suas antigas aldeias muitas delas destruídas pelo combate encontraram novos proprietários exoficiais e comerciantes além de novos moradores que eram estimulados a ir para a região como forma de assegurar as fronteiras o que para esse povo significou a perda de suas terras e o início da submissão aos brancos O pessoal daquela época tinha medo porque ainda se lembrava do patrão que os chicoteava na fazenda Quem se atrasava para tomar chá de manhã era surrado foi o finado meu avô quem me contou Como castigo o pessoal tinha que arrancar o mato com as próprias mãos Quando a comida estava pronta eles mediam toda a sua tarefa Eram quinze braças de tarefa e mesmo não terminando a tarefa do dia de manhã mediam outra tarefa Antonio Simplicio de Almeida Neto 232 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 que acumulava relato de João Menootó Martins BITTENCOURT LADEIRA 2000 p 78 Na perspectiva de compreender outras narrativas históricas tornase relevante também apontarmos narrativas indígenas sobre o passado como as dos Kadiwéu registrada por Giovani José da Silva a história de admirar histórias sagradas que provocam espanto b história que aconteceram mesmo contadas pelos mais velhos entre as quais a da Guerra do Paraguai em que também lutaram c história que hoje se aprende nos bancos escolares como disciplina e inventada pelos não índios A história contida em livros e manuais supervalorizaria o escrito e desprezaria aquilo que é transmitido oralmente de uma geração à outra e d histórias apenas para contarem a pesquisadores brancos ávidos por informações e que volta e meia perambulam por suas terras 2012 p 6970 Desse modo discutemse outras formas de reconstruir o passado em outras culturas questionando a visão etnocêntrica ainda predominante no ensino de história indígena Considerações finais No alvorecer do século XXI quando grande entusiasmo frequentemente irrefletido ao sabor da sanha mercantil rondava as mentes propunha Sevcenko A grande vantagem de estudar história consiste justamente na possibilidade que ela nos propicia de uma compreensão mais articulada das circunstâncias por meio das quais chegamos ao ponto em que estamos e a partir daí na possibilidade de uma melhor avaliação das alternativas que se apresentam e que podemos vislumbrar graças à ampliação da perspectiva temporal O ato inicial para pensar ações transformadoras no presente é compreender que não se coloca mais a possibilidade de retorno a um contexto anterior situado no passado remoto ou recente ao qual pudéssemos regressar As mudanças históricas ou tecnológicas não são fatalidades mas uma vez desencadeadas estabelecem novos patamares e configurações de fatos grupos processos e circunstâncias exigindo que o pensamento se reformule em adequação aos novos termos para poder interagir com eficácia no novo contexto 2001 p 55 Por certo tomando essa assertiva por referência o ensino de história indígena no âmbito escolar pode potencialmente contribuir para ampliar essa perspectiva temporal possibilitando melhor compreensão dos arranjos sóciohistóricos e intervenções mais consequentes no presente no entanto sempre resvalamos no ardil da mitificação de novos personagens datas e fatos à guisa de uma suposta conscientização caudatária Como afirma Pereira Ensino de História Indígena 233 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 as diferentes formas de expressão identitária não podem ser vistas como essencialmente contrapostas ou adversas sob pena de transformarmos a sala de aula em palco para acerto de contas Disso decorre a possibilidade livre e democrática de emergência de formas identitárias negadas como as negras e indígenas através da ação educativa Porém esse pressuposto não implica que pela ação educativa venhamos a transformar a sala de aula em uma arena de conformação de consciências identitárias 2012 p 316 Sendo a produção da identidade e da diferença um território disputado o ensino de História pode e deve inserir outras narrativas que subvertam a estabilidade das representações dominantes que questionem os mecanismos e instituições de reprodução dessas identidades que estimulem o desequilíbrio poiético ato criativo que possibilita a transformação e oblitera a mera reprodução em educação possibilitando pensar os povos indígenas como sujeitos históricos no presente e no passado condição precípua para romper a invisibilidade indígena no passado e no presente Recebido em 2442014 Aprovado em 1552015 NOTAS 1 Tratase da pesquisa Escola Pamáali uma história do currículo parte do projeto Momentos e lugares da educação indígena memória instituições e práticas escolares realizada junto ao Observatório da Educação Escolar Indígena CAPESSECADINEP 2 Não à toa diversas pesquisas e publicações sobre os indígenas na história do Brasil foram feitas por antropólogos e não historiadores 3 Foi mantida a grafia original REFERÊNCIAS ALMEIDA Maria Regina Celestino de Os índios na História do Brasil Rio de Janeiro FGV 2010 BITTENCOURT Circe LADEIRA Maria Elisa A História do Povo Terena Brasília MEC 2000 Disponível em httpwwwdominiopublicogovbrdownloadtextome002034pdf Acesso em 25 mar 2014 BLOCH March Apologia da História ou O Ofício do Historiador Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2001 BLOCH March Introduccion a la Historia Buenos Aires Fondo de Cultura Económica 1982 BRAUDEL Fernand História e Ciências Sociais Lisboa Editorial Presença 1990 Antonio Simplicio de Almeida Neto 234 São Paulo Unesp v 10 n 2 p 218234 julhodezembro 2014 ISSN 18081967 BRASIL Secretaria de Educação Fundamental Parâmetros curriculares nacionais história geografial Brasília MECSEF 1997 CANCLINI Nestor Culturas híbridas São Paulo Edusp 2008 CHOPPIN Alain História dos livros e das edições didáticas sobre o estado da arte Educação e Pesquisa São Paulo v 30 n 3 p 549566 set dez 2004 CORREA Marcos Painel do Leitor Folha de S Paulo São Paulo 10 jun 2013 Caderno 1 p A7 CUNHA Manuela Carneiro da Índios no Brasil história direitos e cidadania São Paulo Claro Enigma 2012 JANOWITZER Claudio Painel do Leitor Folha de S Paulo São Paulo 24 mar 2013 Caderno 1 p A3 MONTEIRO John Tupis Tapuias e Historiadores estudos da história indígena e do indigenismo 2001 233 folhas Tese Livre docência em Etnologia subárea História Indígena e Indigenismo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Universidade de Campinas Campinas 2001 PEREIRA Júnia Sales Do colorido à cor o complexo identitário na prática educativa In GONÇALVES Márcia de Almeida ROCHA Helenice REZNIK Luís MONTEIRO Ana Maria Org Qual o valor da história hoje Rio de Janeiro FGV 2012 p 3045 PESAVENTO Sandra Jatahy História História Cultural Belo Horizonte Autêntica 2008 SEVCENKO Nicolau A Corrida Para o Século XXI No Loop da Montanha Russa São Paulo Cia das Letras 2001 SILVA Giovani José da Categorias de entendimento do passado entre os Kadiwéu narrativas memórias e ensino de história indígena Revista História Hoje SI v 1 n 2 2012 Disponível em httprhhjanpuhorgojsindexphpRHHJarticleview41 Acesso em 25 mar 2014 SILVA Tomaz Tadeu da A produção social da identidade e da diferença In SILVA Tomaz Tadeu da Org Identidade e diferença a perspectiva dos Estudos Culturais Petropólis RJ Vozes 2012 SPOSITO Fernanda Nem cidadãos nem brasileiros indígenas na formação do estado nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo São Paulo Alameda 2012 TAUNAY Alfredo dEscragnolle A Retirada da Laguna episódio da Guerra do Paraguai São Paulo Melhoramentos 1975 VARNHAGEN Francisco Adolfo de História Geral do Brazil 2 ed Rio de Janeiro Editora Em casa de E H Laemmert 1877 v1 Disponível em httpwwwbrasilianauspbrbbdhandle191801819210page5mode1up Acesso em 25 mar 2014