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História Econômica

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PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 2 FERNAND BRAUDEL A DINÂMICA DO CAPITALISMO Rocco 1987 PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 3 Título original LA DYNAMIQUE DU CAPITALISME Les Éditions Arthaud Paris 1985 Todos os direitos reservados Direitos para a língua portuguesa reservados com exclusividade para o Brasil à EDITORA ROCCO LTDA Rua Visconde de Pirajá 414 Gr 1405 CEP 22410 Rio de Janeiro RJ Tel 287 1493 Printed in BrasilImpresso no Brasil Capa ANA MARIA DUARTE Revisão ARGEMIRO DE FIGUEIREDO OSCAR GUILHERME LOPES HENRIQUE TARNAPOLSKY CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ Braudel Fernand A dinâmica do capitalismo Fernand Braudel tradução Álvaro Cabral Rio de Janeiro Rocco 1987 Tradução de La dynamique du capitalisme 1 Capitalismo I Título B834d861303 CDD 330122 CDU 33034214 PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 4 ESTE pequeno volume reproduz o texto de três conferências que proferi na Universidade de Johns Hopkins nos Estados unidos em 1977 O texto foi traduzido para o inglês sob o título Afterthoughts on Material Civilizations and Capitalism depois em italiano La Dinamica Del Capitalismo A presente edição não introduz nenhuma correção no texto inicial que cumpre advertir o leitor é anterior à publicação do livro Civilisation matérielle Économie et Capitalisme em 1979 pela editora Armand Colin Estando essa obra então quase inteiramente redigida foime solicitado que a apresentasse em suas três grandes linhas FB PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 5 SUMÁRIO CAPÍTULO I Repensando a vida material e a vida econômica CAPÍTULO II Os jogos da troca CAPÍTULO III O tempo do mundo PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 6 CAPÍTULO I REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONÔMICA PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 7 COMECEI pensando em Civilisation matérielle Économie et Capitalisme essa extensa e ambiciosa obra já lá vão muitos anos em 1950 O tema me fora então proposto ou melhor dizendo amistosamente imposto por Lucien Febvre que acabava de organizar e fazer o lançamento de uma coleção de história geral Destins du Monde a mesma cuja difícil continuação me coube assumir após o falecimento de seu diretor em 1956 Quanto a ele Lucien Febvre propunhase escrever Pensées et croyances dOccidente du XVe au XVIIIe siècle Pensamentos e crenças do Ocidente dos séculos XV a XVIII um livro que deveria acompanhar e completar o meu mas que lamentavelmente nunca chegou a ser publicado A minha obra viuse privada de uma vez para sempre desse acompanhamento Entretanto mesmo limitado em geral ao domínio da economia não deixou esse livro de me criar muitos problemas em virtude da massa enorme de documentos a absorver das controvérsias que seu tema suscita é evidente que a economia em si é coisa que não existe em decorrência enfim das intermináveis dificuldades que provoca uma historiografia em constante evolução porquanto incorpora obrigatoriamente ainda que de um modo bastante lento de bom ou de mau grado as outras ciências do homem Essa historiografia em constante gestação jamais a mesma de um ano para outro só conseguimos acompanhála correndo e deixando de lado os nossos trabalhos habituais adaptandonos o melhor que podemos às exigências e solicitações nunca as mesmas Quanto a mim tenho um prazer imenso em escutar esse canto das sereias E os anos passam Invadenos então o desespero de chegar ao porto Terei consagrado 25 anos à história do Mediterrâneo e quase 20 à Civilização material É muito sem dúvida é demais PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 8 I A chamada história econômica cuja construção se encontra ainda e tãosomente em curso esbarra em certos preconceitos não é a história nobre A história nobre é o navio que Lucien Febvre construía não Jakob Fugger mas Lutero mas Rabelais Nobre ou não nobre ou menos nobre que uma outra a história econômica nem por isso deixa de apresentar todos os problemas inerentes à nossa profissão ela é a história inteira dos homens considerada de um certo ponto de vista É simultaneamente a história daqueles que se considera como os grandes atores um Jacques Coeur um John Law a história dos grandes acontecimentos a história da conjuntura e das crises e enfim a história maciça e estrutural que evolui lentamente ao longo dos tempos E aí está realmente a nossa dificuldade porque tratandose de quatro séculos e do mundo como um todo de que modo organizar tal soma de fatos e explicações Tinha que se escolher Por minha parte escolhi os equilíbrios e desequilíbrios profundos a longo prazo O que me parece primordial na economia préindustrial com efeito é a coexistência das rigidezes inércias e ponderosidades de uma economia ainda elementar com os movimentos limitados e minoritários mas vivos mas possantes de um crescimento moderno De um lado os camponeses em suas aldeias que vivem de um modo quase autônomo quase em autarquia do outro uma economia de mercado e um capitalismo em expansão que se dilatam imperceptivelmente se forjam pouco a pouco já prefiguram o próprio mundo em que vivemos Portanto dois universos pelo menos dois gêneros de vida estranhos um ao outro e cujas massas respectivas se explicam entretanto uma pela outra Quis começar pelas inércias à primeira vista uma história obscura fora da consciência clara dos homens nesse jogo muito mais agidos do que agentes É o que procura explicar da melhor maneira possível o primeiro volume da minha obra que tinha pensado em intitular em 1967 na sua primeira edição Le Possible et lImpossible Les hommes face à leur vie quotidienne e mudei PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 9 em seguida para Les Structures du quotidien Mas pouco importa o título O objetivo da investigação é tão claro quanto possível ainda que essa busca se revele aleatória repleta de lacunas de eventuais armadilhas e desprezos Com efeito todas as palavras postas em destaque inconsciente cotidianidade estruturas profundidade são por si mesmas obscuras E não se pode tratar na ocorrência do inconsciente da psicanálise se bem que este se encontre igualmente em causa se bem que haja a descobrir talvez um inconsciente coletivo cuja realidade atormentou Karl Gustav Jung tão profundamente Mas é raro que esse grande assunto seja abordado a não ser por seus três lados menores Aguarda ainda o seu historiador Por minha parte fiquei nos critérios concretos Parti do cotidiano daquilo que na vida se encarrega de nós sem que o saibamos sequer o hábito melhor a rotina mil gestos que florescem se concluem por si mesmos e em face dos quais ninguém tem que tomar uma decisão que se passam na verdade fora de nossa plena consciência Creio que a humanidade está pela metade enterrada no cotidiano Inumeráveis gestos herdados acumulados a esmo repetidos infinitamente até chegarem a nós ajudamnos a viver aprisionamnos decidem por nós ao longo da existência São incitações pulsões modelos modos ou obrigações de agir que por vezes e mais freqüentemente do que se supõe remontam ao mais remoto fundo dos tempos Muito antigo e sempre vivo um passado multissecular desemboca no tempo presente como o Amazonas projeta no Atlântico a massa enorme de suas águas agitadas Foi tudo isso que tentei captar sob o nome cômodo mas inexato como todas as palavras de significação excessivamente ampla de vida material Bem entendido tratase de uma parte apenas da vida ativa dos homens tão profundamente inventores quanto rotineiros Mas no início repito não me preocupei em definir com precisão os limites ou a natureza dessa vida mais suportada do que ativamente conduzida Quis ver e fazer ver essa PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 10 massa geralmente mal apercebida de história mediocremente vivida e nela mergulhar familiarizarme com ela Depois somente depois chegaria o momento de sair dela A impressão profunda imediata após essa pesca submarina e de que estamos em águas muito antigas no meio de uma história que de algum modo não teria idade que reencontraríamos em suma dois ou três séculos ou dez séculos mais cedo e que por vezes num momento nos e dado enxergar ainda hoje com os nossos próprios olhos Essa vida material tal como a compreendo e o que a humanidade no transcurso de sua história anterior incorporou profundamente à sua própria vida como nas próprias entranhas dos homens para quem tais experiências ou intoxicações de outrora se converteram em necessidades do cotidiano em banalidades E ninguém as observa com atenção II Tal e o fio condutor do meu primeiro livro seu objetivo uma exploração Seus capítulos apresentamse por si mesmos nada mais do que enunciando seus títulos como a enumeração de forças obscuras que trabalham e impulsionam para diante o conjunto da vida material e para além ou para cima a história inteira da humanidade Primeiro capítulo O Número de Homens É a potência biológica por excelência que impele o homem como todos os seres vivos a reproduzirse o tropismo da primavera dizia Georges Lefebvre Mas existem outros tropismos outros determinismos Essa matéria humana em perpétuo movimento comanda sem que os indivíduos tomem consciência disso uma boa parte dos destinos de conjuntos de seres vivos Alternadamente estes em tais ou tais condições gerais ou são numerosos demais ou não suficientemente numerosos o jogo demográfico tende para o equilíbrio mas este PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 11 raras vezes se atinge A partir de 1450 na Europa o número de pessoas cresce com rapidez e porque se faz necessário compensar porque e então possível compensar as enormes perdas sofridas no século precedente na esteira da Peste Negra Houve recuperação até ao refluxo seguinte Sucessivos fluxos e refluxos como que esperados de antemão aos olhos dos historiadores desenham revelam regras tendenciais regras de longa duração que continuarão válidas até ao século XVIII Somente no século XVIII ocorrerá a explosão das fronteiras do impossível superação de um teto até então intransponível Desde então o número de seres humanos nunca mais parou de aumentar não voltou a haver suspensões nem reversões do movimento Poderá surgir amanhã tal reversão Em todo o caso até ao século XVIII o sistema vivo está fechado num círculo quase intangível Mal a circunferência e atingida quase imediatamente ocorre uma retração um recuo Não faltam os modos e as ocasiões para restabelecer o equilíbrio penúrias escassez fome duras condições da vida de todos os dias guerras enfim e sobretudo o longo cortejo das doenças Hoje elas ainda atuam ontem eram os flagelos do apocalipse a peste em epidemias regulares que só deixarão a Europa no século XVIII o tifo que com o inverno bloqueará Napoleão e seu exército no coração da Rússia a tifóide e a varíola que são endêmicas a tuberculose presente desde cedo nos campos e que no século XIX submerge as cidades e convertese no mal romântico por excelência enfim as doenças venéreas a sífilis que renasce ou melhor dizendo explode por combinação de espécies microbianas após a descoberta da América As deficiências da higiene a má qualidade da água potável fazem o resto Como o homem após seu frágil nascimento escaparia a todas essas agressões A mortalidade infantil e enorme como em certos países subdesenvolvidos de hoje ou de ontem o estado sanitário geral precário Possuímos centenas de relatos de autópsias desde o século XVI São alucinantes A descrição das deformações das PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 12 deteriorações dos corpos e da pele a população anormal de parasitas alojados nos pulmões e nas vísceras deixariam estupefato um médico de hoje Portanto até tempos recentes uma realidade biológica malsã domina implacavelmente a história dos homens Tem que se pensar nisso quando se pergunta Quantos são eles De que sofrem Poderão conjurar seus males Outras questões apresentadas nos capítulos seguintes O que comem O que bebem Como se vestem Como se alojam Perguntas incongruentes que exigem quase uma viagem de descoberta porque como sabem o homem não come nem bebe nos livros de história tradicional Foi bem dito há muito muito tempo Der Mensch ist was er isst O homem é o que come mas talvez seja sobretudo pelo prazer do jogo de palavras que a língua alemã permite Entretanto não creio que se deva relegar para o anedótico o surgimento de tantos produtos alimentares desde o açúcar o café e o chá até ao álcool Eles são de fato a cada vez intermináveis importantes fluxos de história E não se poderia exagerar em todo o caso a importância dos cereais plantas dominantes da alimentação antiga O trigo o arroz o milho são o resultado de escolhas milenares e de inúmeras experiências sucessivas as quais pelo efeito de derivas multisseculares segundo a palavra de Pierre Gourou o maior dos geógrafos franceses tornaramse escolhas da civilização O trigo que devora a terra que exige que esta repouse regularmente implica permite a criação de gado poderíamos imaginar a história da Europa sem os seus animais domésticos suas charruas suas parelhas de cavalos ou de bois suas carroças O arroz nasceu de uma espécie de jardinagem de uma cultura intensa em que o homem não deixa lugar aos animais O milho e certamente a mais cômoda e a mais fácil de obter das refeições cotidianas ele regula o tempo de ócio daí as corvéias camponesas e os enormes monumentos ameríndios Uma força de trabalho desempregada foi confiscada pela sociedade E poderíamos discutir também sobre as rações e as calorias que elas representam sobre as insuficiências e as PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 13 mudanças de dieta através dos tempos Eis alguns temas tão apaixonantes não e verdade quanto o destino do império de Carlos V ou os esplendores fugazes e discutíveis do que se chama a hegemonia francesa na época de Luís XIV E sem dúvida temas repletos de conseqüências a história dos antigos intoxicantes o álcool o fumo a maneira fulgurante como o fumo em particular conquistou o mundo deulhe uma volta completa não será uma advertência para as ainda mais perigosas drogas de hoje Constatações análogas impõemse a respeito das técnicas História maravilhosa na verdade que acompanha de perto o trabalho dos homens e seus progressos muito lentos na luta cotidiana contra o meio exterior e contra eles próprios Tudo e técnica desde sempre o esforço violento mas também o esforço paciente e monótono dos homens modelando uma pedra um pedaço de madeira ou de ferro para fazer disso uma ferramenta ou uma arma Não e essa uma atividade rente ao chão conservadora por essência de transformação lenta e que a ciência que e a sua superestrutura tardia recobre devagar quando a recobre As grandes concentrações econômicas pedem as concentrações de meios técnicos e o desenvolvimento da tecnologia assim ocorreu com o Arsenal de Veneza no século XV com a Holanda no século XVII com a Inglaterra no século XVIII E de todas as vezes a ciência por mais balbuciante que fosse estará presente ao encontro Aí é conduzida à força Desde sempre todas as técnicas todos os elementos da ciência se permutam viajam através do mundo há uma difusão incessante Mas o que se difunde mal são as associações os agrupamentos de técnicas o leme de cadaste o casco construído em chapas parcialmente sobrepostas mais a artilharia a bordo dos navios mais a navegação de altomar do mesmo modo o capitalismo soma de artifícios de hábitos de performances Foram a navegação de altomar e o capitalismo que criaram a supremacia PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 14 da Europa pelo simples fato de que não se difundiram por massas inteiras Mas perguntareis por que os seus dois últimos capítulos são dedicados à moeda e às cidades Quis livrar desses temas o volume seguinte e verdade Mas essa razão evidentemente não e por si só suficiente A verdade e que as moedas e as cidades mergulham ao mesmo tempo no cotidiano imemorável e na modernidade mais recente A moeda e uma invenção muito velha se entendo por moeda todo o meio que acelera a troca E sem troca não há sociedade Quanto às cidades elas existem desde a préhistória São as estruturas multisseculares da vida mais comum Mas são também os multiplicadores capazes de se adaptar à mudança de a ajudar poderosamente Poderseia dizer que as cidades e a moeda fabricaram a modernidade mas também segundo a regra de reciprocidade cara a Georges Gurvitch que à modernidade a massa em movimento da vida dos homens impeliu para diante a expansão da moeda construiu a tirania crescente das cidades Cidades e moedas são ao mesmo tempo motores e indicadores elas provocam e assinalam a mudança São também a conseqüência desta III Devese dizer que não é fácil definir os limites do imenso reino do habitual do rotineiro esse grande ausente da história Na realidade o habitual invade o conjunto da vida dos homens difunde se nela como a sombra da tarde enche uma paisagem Mas essa sombra essa falta de memória e de lucidez admitem simultaneamente zonas menos iluminadas e zonas mais claras do que outras Entre sombra e luz entre rotina e decisão consciente seria importante marcar o limite Uma vez reconhecido ele permitiria distinguir o que está à direita e o que está à esquerda do observador ou melhor acima e abaixo dele PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 15 Imaginemos portanto a enorme e múltipla extensão que representam para uma dada região todos os mercados elementares que ela possui ou seja uma nu vem de pontos para débitos freqüentemente medíocres Por essas múltiplas bocas principia o que chamamos a economia de troca situada entre a produção enorme domínio e o consumo um domínio igualmente enorme Nos séculos do Ancien Régime entre 1400 e 1800 ainda se trata de uma economia de troca muito imperfeita Sem dúvida por suas origens perdese na noite dos tempos mas não chega a unir toda a produção a todo o consumo perdendose uma enorme parte da produção no autoconsumo da família ou da aldeia pelo que não entra no circuito do mercado Devidamente considerada essa imperfeição subsiste o fato de que a economia de mercado está em progresso de que liga suficientemente burgos e cidades para já começar a organizar a produção a orientar e a controlar o consumo Serão precisos séculos sem dúvida mas entre esses dois universos a produção onde tudo nasce o consumo onde tudo se destrói a economia de mercado e a ligação o motor a zona estreita mas viva donde jorram as incitações as forças vivas as novidades as iniciativas as múltiplas tomadas de consciência os crescimentos e mesmo o progresso Gosto sem dele compartilhar inteiramente do comentário de Carl Brinkman para quem a história econômica se resume à história da economia de mercado seguida desde suas origens até o seu fim eventual Por isso observei longamente descrevi e fiz renascer os mercados elementares ao meu alcance Eles marcam uma fronteira um limite inferior da economia Tudo o que ficar fora do mercado só tem um valor de uso tudo o que transpuser a porta estreita e ingressar no mercado adquire um valor de troca Segundo se encontra de um lado ou do outro do mercado elementar o indivíduo o agente está ou não incluído na troca no que chamei a vida econômica para opôla à vida material e também para distinguilo PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 16 mas essa discussão ficará para mais tarde do capitalismo O artesão itinerante que vai de burgo em burgo oferecer seus modestos serviços de reempalhador de cadeiras ou de limpa chaminés embora um consumidor medíocre pertence no entanto ao mundo do mercado deve pedirlhe o seu alimento cotidiano Se ele conservou os vínculos com a sua terra natal e no momento da colheita ou da vindima retorna à sua aldeia volta a ser um camponês e transpõe a fronteira do mercado mas no sentido inverso O camponês que comercializa ele próprio regularmente uma parte da sua colheita e compra ferramentas vestuário já faz parte do mercado Aquele que só vai ao burgo para vender algumas mercadorias miúdas ovos uma galinha a fim de obter algumas moedas necessárias ao pagamento de seus impostos ou à compra de uma relha de charrua esse toca somente a fronteira do mercado Permanece na enorme massa do autoconsumo O camelô que vende nas ruas e o mascate que percorre o interior oferecendo mercadorias em pequenas quantidades estão do lado da vida de trocas do lado do cálculo do deve e haver por modestas que sejam suas trocas e seus cálculos Quanto ao lojista ele e francamente um agente da economia de mercado Ou vende o que fabrica e nesse caso é um artesãolojista ou vende o que outros produziram e está por conseguinte no estágio dos mercadores ou comerciantes A loja sempre aberta tem a vantagem de oferecer uma troca contínua enquanto que o mercado instalase uma ou duas vezes por semana Ainda mais a loja e a permuta adequada de crédito pois o lojista recebe sua mercadoria a crédito e vendea a crédito Neste ponto estendese através da troca toda uma seqüência de dívidas e de créditos Acima dos mercados e dos agentes elementares da troca as feiras e as Bolsas estas abertas todos os dias aquelas funcionando em datas fixas durante alguns dias e voltando aos mesmos lugares a intervalos mais ou menos longos desempenham um papel superior Mesmo que as feiras estejam abertas como e geralmente o caso aos PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 17 pequenos vendedores e aos comerciantes medíocres elas são tal como as Bolsas dominadas pelos grandes comerciantes atacadistas aqueles a que em breve se passará a chamar os negociantes e que não se ocupam do comércio de varejo Nos primeiros capítulos do volume II da minha obra intitulado Les Jeux de léchange Os jogos da Troca descrevi longamente esses diversos elementos da economia de mercado tentando ver as coisas de tão perto quanto possível Talvez me tenha entregue um pouco ao prazer dessa observação e o leitor achará sem dúvida que fui um tanto prolixo Mas não e bom que a história seja em primeiro lugar uma descrição simples observação classificação sem demasiadas idéias previas Ver fazer ver e a metade de nossa tarefa Ver se possível com os nossos próprios olhos Porquanto posso assegurarlhes que nada e mais fácil na Europa não digo nos Estados Unidos do que ver ainda o que pode ser um mercado na rua de uma cidade ou uma loja de antanho ou um mascate pronto a relatarnos suas viagens ou uma feira ou uma Bolsa Vá o leitor ao Brasil e percorra o interior da Bahia ou à Cabília ou à África Negra e reencontrará feiras e mercados arcaicos vivendo ainda sob os seus olhos E depois se nos dispusermos a lêlos existem milhares de documentos para nos falar das trocas de ontem arquivos de cidades registros de notários documentos de polícia e tantos relatos de viajantes para não falar dos pintores Vejamos o exemplo de Veneza Passeando pela cidade tão milagrosamente intata depois de ter perambulado por arquivos e museus podese quase recons tituir espetáculos de ontem Em Veneza nada de feiras ou não mais feiras de mercadorias a Sensa feira da Ascensão é uma festa com barracas de comerciantes na praça de São Marcos mascarados música e o espetáculo ritual dos esponsais do doge com o mar na altura de San Nicolo Alguns mercados funcionam em redor da praça de São Marcos em particular os mercados de pedras preciosas e de peles não menos preciosas Mas ontem como hoje o grande espetáculo mercantil e o PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 18 da praça de Rialto frente à ponte e ao Fondaco dei Tedeschi hoje o correio central de Veneza Em 1530 o Aretino que tinha sua casa sobre o Grande Canal divertiase olhando os barcos carregados de frutas de montanhas de melões vindos das ilhas da laguna até esse ventre de Veneza pois a praça dupla de Rialto Rialto Nuovo e Rialto Vecchio e o ventre e o centro ativo de todas as trocas de todos os negócios pequenos e grandes A dois passos das bancas ruidosas da dupla praça eis os grandes negociantes da cidade em sua Loggia construída em 1455 poderíamos dizer em sua Bolsa discutindo todas as manhãs discretamente seus negócios seguros marítimos fretes comprando vendendo assinando contratos entre eles ou com mercadores estrangeiros A dois passos em suas apertadas lojas os banchieri estão a postos para fechar de imediato essas transações mediante saques ou transferências de conta a conta Também nas proximidades onde ainda hoje se encontram a Herberia o mercado das verduras e legumes a Pescheria a lota ou mercado do peixe e um pouco mais longe na antiga Ca Quarini as Beccherie os açougues na vizinhança da igreja do padroeiro dos açougueiros San Matteo a qual somente veio a ser destruída no século XIX Estaríamos um pouco mais desambientados na algazarra da Bolsa de Amsterdam digamos no século XVII mas um corretor de hoje que se divertiria imenso lendo o surpreendente livro de José de la Vega Confusión de confusiones 1688 reconhecerseia sem dificuldade imagino no jogo já complicado e sofisticado das ações que se vendem e revendem sem as possuir segundo os procedimentos muito modernos das vendas à vista e a prazo Uma viagem a Londres visitando os célebres cafés da Change Alley revelaria as mesmas artimanhas e as mesmas acrobacias Mas detenhamonos nessas enumerações Simplificando distinguimos dois registros da economia de mercado um registro inferior os mercados as lojas os camelôs um registro superior as feiras e as Bolsas Primeira pergunta Em que e que esses PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 19 instrumentos da troca podem ajudarnos a explicar de um modo geral as vicissitudes da economia européia de Ancien Régime entre os séculos XV e XVIII Segunda pergunta Em que por semelhança ou por contraste podem eles elucidar para nós os mecanismos da economia nãoeuropéia da qual apenas se começa a conhecer alguma coisa São estas as duas questões a que desejaríamos responder na conclusão da presente conferência IV Em primeiro lugar a evolução do Ocidente no transcurso desses quatro séculos do XV ao XVIII O século XV sobretudo depois de 1450 assiste a uma retomada geral da economia em benefício das cidades as quais favorecidas pela elevação dos preços industriais ao mesmo tempo que os preços agrícolas estagnam ou declinam progridem mais depressa que o interior Nenhum erro possível nesse momento o papel propulsor é o das lojas de artesãos ou melhor ainda dos mercados urbanos São esses mercados que ditam a lei A retomada é assim marcada no nível mínimo da vida econômica No século seguinte quando a máquina recuperada se complica em virtude da própria velocidade readquirida o século XIII e o século XIV antes da Peste Negra tinham sido épocas de franca aceleração e em decorrência da ampliação da economia atlântica o movimento motor situase à altura das feiras internacionais feiras de Antuérpia de BergopZoom de Frankfurt de Medina del Campo de Lyon por um instante o centro do Ocidente ainda mais subseqüentes as chamadas feiras de Besançon de extrema sofisticação reduzidas aos tráficos do dinheiro e do crédito e instrumento durante pelo menos uma quarentena de anos de 1579 a 1621 da dominação dos genoveses senhores incontestáveis dos movimentos monetários internacionais Raymond de Roover pouco PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 20 propenso dada a sua prudência inata às generalizações não hesitou em caracterizar o século XVI como o apogeu das enormes feiras O desenvolvimento pujante desse século tão ativo seria em última análise a exuberância de um último patamar de uma superestrutura e ao mesmo tempo a proliferação dessa superestrutura que e inchada agora pelas chegadas de metais preciosos das Américas e mais ainda por um sistema de trocas que faz circular rapidamente uma massa de papel e de crédito Essa frágil obraprima dos banqueiros genoveses desmoronará na década de 1620 por mil razões ao mesmo tempo A vida ativa do século XVII emancipada dos sortilégios do Mediterrâneo desenvolvese através do vasto campo do oceano Atlântico Descreveuse freqüentemente esse século como uma época de recuo ou de estagnação econômica Há que atenuar sem dúvida esse quadro Pois se o impulso do século XVI foi certamente cortado na Itália e em outros centros a ascensão fantástica de Amsterdam não ocorre porém sob o signo do marasmo econômico Em todo o caso sobre esse ponto os historiadores estão todos de acordo a atividade que persiste apóiase num retorno decisivo à mercadoria a uma troca de base em suma tudo em benefício da Holanda de suas frotas da Bolsa de Amsterdam Ao mesmo tempo a feira cede o lugar às Bolsas às praças de comércio que estão para a feira como o mercado urbano para a loja comum ou seja um fluxo contínuo substitui os encontros intermitentes Eis uma história clássica por demais conhecida Mas a Bolsa não e a única em causa Os esplendores de Amsterdam ameaçam esconder de nós êxitos mais ordinários De fato o século XVII e também o do florescimento maciço das lojas um outro triunfo da continuidade Elas multiplicamse por toda a Europa onde criam redes compactas de redistribuição É Lope de Vega 1607 quem diz a respeito de Madri do Século de Ouro que todo se ha vuelto tiendas tudo se transformou em lojas PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 21 No século XVIII século de aceleração econômica geral todos os instrumentos da troca estão logicamente em serviço as Bolsas ampliam suas atividades Londres imita e tenta suplantar Amsterdam que tende agora a especializarse como a grande praça dos empréstimos internacionais enquanto que Genebra e Gênova participam nesses jogos perigosos Paris animase e começa a afinar pelo diapasão geral o dinheiro e o crédito correm assim cada vez mais livremente de um lugar para outro Nesse ambiente e natural que as feiras saiam perdendo feitas para ativar as transações tradicionais pela outorga de vantagens fiscais entre outras elas perdem sua razão de ser em período de trocas e de crédito fáceis Entretanto se elas começam declinando onde a vida se precipita mantêmse e prosperam onde perduram ainda economias tradicionais Enumerar as feiras ativas do século XVIII significa também assinalar as regiões marginais da economia européia na França a zona das feiras de Beaucaire na Itália a região dos Alpes Bolzano ou o sul Mais ainda os Bálcãs a Polônia a Rússia e para oeste alémAtlântico o Novo Mundo Seria inútil acrescentar que nesse período de elevado índice de consumo e de troca os mercados urbanos elementares e as lojas estão mais animados do que nunca Estas não chegam então às aldeias Os próprios mascates decuplicam suas atividades Desenvolvese enfim o que a historiografia inglesa chama o private market por oposição ao public market este vigiado pelas autoridades urbanas carrancudas aquele fora desses controles Tal private market que muito antes do século XVIII começou organizando em toda a Inglaterra as compras diretas freqüentemente antecipadas aos produtores a compra aos camponeses fora do mercado da lã do trigo dos panos etc significou o estabelecimento contra a regulamentação tradicional do mercado de cadeias comerciais autônomas bastante extensas livres em seus movimentos e que aliás se aproveitam sem escrúpulos dessa PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 22 liberdade Impuseramse por sua eficácia favorecendo os volumosos abastecimentos necessários ao exército ou às grandes capitais O ventre de Londres o ventre de Paris foram em suma revolucionários O século XVIII em poucas palavras terá desenvolvido tudo na Europa inclusive o contramercado Tudo isso é verdade da Europa Até agora só falamos dela Não que queiramos reduzir tudo à sua vida particular mediante uma visão eurocentrista demasiado cômoda Mas simplesmente porque o ofício de historiador desenvolveuse na Europa e foi ao próprio passado deles que os historiadores se ligaram Há alguns decênios entretanto produziuse uma inversão as fontes documentais na Índia no Japão na Turquia são sistematicamente exploradas e começamos a conhecer a história desses países não apenas pelos relatos de viajantes ou pelos livros dos historiadores europeus Já conhecemos o bastante sobre esses países para nos fazermos esta pergunta Se os mecanismos da troca que acabamos de descrever só para a Europa existem fora da Europa e existem na China na Índia através do Islã no Japão poderemos utilizálos para um ensaio de analise comparada O objetivo seria se possível situar a nãoEuropa em geral em relação à própria Europa ver se o crescente abismo que vai cavarse entre elas já era visível antes da Revolução Industrial antecipandose em relação ao resto do mundo Primeira constatação por toda a parte os mercados estão instalados mesmo em sociedades apenas esboçadas na África Negra e nas civilizações ameríndias A fortiori nas sociedades muito densas evoluídas que estão literalmente crivadas de mercados elementares Um pequeno esforço esses mercados estão diante dos nossos olhos ainda vivos ou fáceis de reconstituir Nos países islâmicos as cidades despojaram virtualmente as aldeias de seus mercados Tal como na Europa aquelas absorveramnos Os maiores desses mercados exibemse junto às portas monumentais das cidades em espaços que não são em suma nem campo nem cidade onde o citadino de um lado o campesino do outro PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 23 encontramse em terreno neutro Na própria cidade em ruas e praças estreitas os mercados de bairro logram introduzirse o cliente aí encontra o pão fresco do dia algumas mercadorias e contrariamente ao uso comum da Europa muitos pratos cozinhados espetinhos de carne cabeças de carneiro assadas coscorões doces Os grandes centros comerciais simultaneamente mercados concentrações de lojas e galerias à européia são os fondouks os bazars como o Besestan de Istambul Na Índia notamos uma particularidade não há unia aldeia que não possua o seu mercado em razão da necessidade de transformar aí pela intervenção do mercador baniano as taxas entregues em natura pela comunidade aldeã em taxas em dinheiro seja para o GrãoMogol seja para os senhores de seu séquito Devese ver nessa nebulosa de mercados aldeões uma imperfeição na Índia da penhora urbana Ou pelo contrário imaginar que os mercadores banianos praticam uma espécie de private market apossandose da produção na fonte na própria aldeia A organização mais surpreendente no estágio dos mercados elementares é certamente a da China a tal ponto que o seu caso depende de uma geografia exata quase matemática Vejamos a titulo de exemplo um burgo ou uma cidade pequena Marquese um ponto numa folha em branco Em redor desse ponto dispõemse de seis a dez aldeias a uma distância tal que o camponês possa durante o dia ir ao burgo e regressar Esse conjunto geométrico um ponto no centro e dez pontos em torno dele e o que chamaríamos um cantão a zona de irradiação de um mercado de burgo Praticamente esse mercado dividese segundo as ruas e as praças do burgo agregase às lojas dos revendedores dos usurários dos escrivães públicos dos mercadores de gêneros alimentícios das casas de chá e de saque W Skinner tem razão e nesse espaço cantonal que se situa a matriz da China camponesa não na aldeia O leitor aceitará também sem dificuldade que os burgos gravitam por sua vez em torno de uma cidade que eles envolvem a uma distância conveniente PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 24 e reabastecem e pela qual estão vinculados aos tráficos longínquos e às mercadorias que não são produzidas localmente Que o todo seja um sistema e o que diz claramente o fato de que o calendário dos mercados dos diversos burgos e da cidade são fixados de modo a não se sobreporem De um mercado ao outro de um burgo ao outro circulam sem parar mascates e artesãos porque na China a loja do artesão e ambulante e é no mercado que se lhe alugam seus serviços se bem que o ferreiro ou o barbeiro se deslocarão para executar seu trabalho ao domicílio do freguês Em suma a massa chinesa é atravessada animada por cadeias de mercados regulares mutuamente ligados e todos rigorosamente fiscalizados As lojas os camelôs os mascates são igualmente muito numerosos podese dizer que pululam mas as feiras e as Bolsas mecanismos superiores estão ausentes Existem algumas feiras sim mas todas elas marginais nas fronteiras da Mongólia ou em Cantão para as mercadorias estrangeiras também uma forma de vigiálas Então das duas uma ou o governo e hostil a essas formas superiores de troca ou então a circulação capilar dos mercados elementares bastava à economia chinesa as artérias e as veias não lhe seriam necessárias Por uma ou outra dessas razões ou pelas duas ao mesmo tempo a troca na China e aparada nivelada e veremos numa outra conferência que isso teve sua grande importância para o nãodesenvolvimento do capitalismo chinês Os estágios superiores da troca são melhor desenhados no Japão onde as redes de grandes comerciantes estão perfeitamente organizadas Melhor desenhadas também na Insulíndia velha encruzilhada mercantil que tem suas feiras regulares suas Bolsas se assim entendermos tal como na Europa dos séculos XVXVI e até mais tarde as reuniões cotidianas dos grandes comerciantes atacadistas de uma dada praça Assim em Bantam na ilha de Java por largo tempo a cidade mais ativa da ilha mesmo após a fundação de Batavia em 1619 os negociantes reúnemse todos os dias numa das praças da cidade à hora em que o mercado aí termina PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 25 A Índia é por excelência o país das feiras vastas reuniões simultaneamente mercantis e religiosas porquanto se celebram a maioria das vezes nos lugares de peregrinação Toda a península e agitada por essas reuniões gigantescas Admiramos sua onipresença e sua importância não eram entretanto o sinal de uma economia tradicional de uma certa maneira voltada para o passado Em contrapartida no mundo islâmico embora as feiras tenham existido não eram tão numerosas nem tão vastas quanto as da Índia Exceções como as feiras de Meca apenas confirmam a regra Com efeito as cidades muçulmanas superdesenvolvidas e superdinâmicas possuíam os mecanismos e os instrumentos dos estágios superiores da troca Ordens de pagamento e promissórias circulavam tão correntemente quanto na Índia e emparelhavam com a utilização direta do dinheiro vivo Toda uma rede de crédito ligava as cidades muçulmanas ao Extremo Oriente Um viajante inglês de regresso das Índias em 1759 e prestes a passar de Basra para Constantinopla não querendo deixar seu dinheiro em depósito na East India Company em Surat entregou 2000 piastras em espécie a um banqueiro de Basra que lhe deu uma carta redigida em língua franca e endereçada a um banqueiro de Alepo Devia ter teoricamente retirado um lucro na transação mas não ganhou tanto quanto esperava Não se pode ganhar sempre Em resumo se a comparamos com as economias do resto do mundo a economia européia parece ter ficado devendo seu desenvolvimento mais célebre à superioridade de seus instrumentos e de suas instituições as Bolsas e as diversas formas de crédito Mas sem uma única exceção todos os mecanismos e artifícios da troca se reencontram fora da Europa desenvolvidos e utilizados em graus diversos e podese aí discernir uma hierarquia no estágio quase superior o Japão talvez a Insulíndia e o Islã certamente a Índia com sua rede de crédito desenvolvida pelos mercadores banianos sua prática de empréstimo de dinheiro às iniciativas arriscadas seus seguros marítimos no estágio inferior habituada a PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 26 viver voltada para si mesma a China e finalmente logo abaixo dela milhares de economias ainda primitivas O fato de estabelecer uma classificação entre as economias do mundo não e isento de significado Conservarei em mente essa hierarquia no capítulo seguinte quando tentarei avaliar as posições ocupadas pela economia de mercado e o capitalismo Com efeito essa ordenação vertical permitirá que a análise renda seus frutos Acima da massa imensa da vida material de todos os dias a economia de mercado estendeu suas malhas e manteve em vida suas diversas redes E foi habitualmente acima da economia de mercado propriamente dita que o capitalismo prosperou Poderia dizerse que a economia do mundo inteiro e visível num verdadeiro mapa em relevo PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 27 CAPÍTULO II OS JOGOS DA TROCA PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 28 NA minha conferência precedente apontei o lugar característico dos séculos XV a XVIII de um enorme setor de autoconsumo que no essencial permanece inteiramente estranho à economia de troca A Europa mesmo a mais desenvolvida está salpicada até o século XVIII e mesmo depois de zonas que participam pouco na vida geral e em seu isolamento obstinamse em levar sua própria existência quase inteiramente fechada sobre si mesma Gostaria de abordar agora o que depende propriamente da troca e que designaremos ao mesmo tempo como a economia de mercado e como o capitalismo Essa dupla denominação indica que entendemos distinguir um do outro esses dois setores que a nossos olhos não se confundem Repetimos entretanto que esses dois grupos de atividade economia de mercado e capitalismo são até o século XVIII minoritários que a massa das ações dos homens permanece contida absorvida no imenso domínio da vida material Se a economia de mercado e em extensão se ia cobre vastíssimas superfícies e conhece êxitos espetaculares faltalhe ainda com bastante freqüência espessura Quanto às realidades do Ancien Régime que designo com ou sem razão por capitalismo elas decorrem de um estágio brilhante sofisticado mas estreito que não engloba o conjunto da vida econômica nem cria a exceção confirmando a regra o modo de produção que lhe seria próprio e tenderia por si mesmo a generalizarse Seria mesmo necessário que esse capitalismo qualificado comumente de mercantil compreendesse e manipulasse em seu conjunto a economia de mercado se bem que esta seja a sua indispensável condição prévia E no entanto o papel nacional internacional mundial do capitalismo já é evidente PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 29 I A economia de mercado de que já falei no primeiro capítulo apresentasenos sem ambigüidade excessiva Os historiadores concederamlhe na verdade um lugar primacial Todos a privilegiam Em comparação a produção e o consumo são continentes ainda mais explorados por uma pesquisa quantitativa que apenas se encontra em seus primórdios Não se compreende esse universo com facilidade A economia de mercado pelo contrário não se cansa de fazer falar dela Enche páginas e páginas de documentos de arquivos arquivos urbanos arquivos privados de famílias de comerciantes documentos de justiça e de polícia deliberações das câmaras de comércio registros de notários etc Assim como não a localizar com exatidão e não se interessar por ela De fato ela ocupa continuamente a cena É evidente que o perigo consiste em só ver a ela em descrevê la com um luxo de detalhes que sugere uma presença dominante insistente quando não passa de um fragmento num vasto conjunto pela sua própria natureza que a reduz ao papel de ligação entre a produção e o consumo e pelo fato de que antes do século XIX era uma simples camada mais ou menos espessa e resistente por vezes muito delgada entre o oceano da vida cotidiana que a inclui e os processos do capitalismo que uma vez em cada duas a manobram de cima Poucos historiadores possuem o sentimento claro dessa limitação que restringindoa define a economia de mercado e assinala o seu verdadeiro papel Witold Kula pertence ao número daqueles que não se deixam impor demais pelo movimento dos preços do mercado seus altos e baixos suas crises suas correlações longínquas e suas tendências para o uníssono ou seja tudo o que torna palpável o aumento regular do volume das trocas Para usar uma de suas imagens e importante olhar sempre para o fundo do PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 30 poço até a massa profunda da água da vida material que os preços do mercado tocam mas não penetram e nem sempre agitam Toda a história econômica que não seja de duplo registro a saber a saída do poço e o poço em profundidade corre também o risco de ser terrivelmente incompleta Posto isto fica evidente que entre os séculos XV e XVIII não parou de se ampliar a zona dessa vida rápida que e a economia de mercado O sinal que o anuncia e o prova e através do espaço a variação em cadeia dos preços dos mercados Esses preços movimentamse no mundo inteiro na Europa segundo inúmeras observações no Japão e na China na Índia e através dos países islâmicos como no império turco na América onde os metais preciosos desempenham um papel precoce isto e na Nova Espanha no Brasil no Peru E bem ou mal todos esses preços se correspondem seguemse com desajustes mais ou menos acentuados defasagens quase insensíveis através da Europa inteira onde as economias se engatam umas nas outras mas que em contrapartida retardariam de uma vintena de anos pelo menos em relação à Europa o avanço da Índia do final do século XVI e começo do XVII Em suma bem ou mal uma certa economia liga entre si os diferentes mercados do mundo uma economia que não só traz em sua esteira algumas mercadorias excepcionais mas também os metais preciosos viajantes privilegiados que já dão a volta ao mundo Os dobrões espanhóis cunhados com o metal branco da América atravessam o Mediterrâneo atravessam o império turco e a Pérsia atingem a Índia e a China A partir de 1572 via Manila o metal branco americano atravessa também o Pacífico e em fim de viagem chega uma vez mais à China agora por essa nova rota Essas ligações essas cadeias esses tráfegos esses transportes essenciais como não atrairiam os olhares dos historiadores Esses espetáculos os fascinam tal como fascinaram os contemporâneos Mesmo os primeiros economistas que estudam eles de fato se não PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 31 a oferta e demanda no mercado O que e a política econômica das cidades sobranceiras senão a vigilância de seus mercados de seu abastecimento de seus preços É o Príncipe a partir do momento em que uma política econômica se desenha em seus atos não é a propósito do mercado nacional da bandeira nacional que cumpre defender da indústria nacional ligada ao mercado interno e ao mercado externo que importa adotar uma política de promoção É nessa zona estreita e sensível do mercado que se torna possível e lógico agir Ela repercute as medidas tomadas como a prática o mostra todos os dias De modo que se acabou por crer com razão ou sem ela que as trocas têm em si mesmas um papel decisivo equilibrador que elas igualam pela concorrência os desnivelamentos ajustam a oferta e a demanda que o mercado é um deus escondido e benevolente a mão ínvisível de Adam Smith o mercado autoregulador do século XIX a pedra angular da economia se nos ativermos ao laissez faire laissez passer Há uma parte de verdade uma parte de má fé mas também de ilusão Pode se esquecer quantas vezes o mercado foi manipulado ou falseado o preço arbitrariamente fixado pelos monopólios de fato ou de direito E sobretudo admitindo as virtudes concorrenciais do mercado o primeiro computador posto ao serviço dos homens importa assinalar pelo menos que o mercado entre produção e consumo e apenas uma ligação imperfeita que mais não seja na medida em que ela continua sendo parcial Sublinhemos esta última palavra parcial De fato creio nas virtudes e na importância de uma economia de mercado mas não acredito em seu reinado exclusivo Isso não impede que até uma época relativamente próxima de nós os economistas só raciocinassem a partir de seus esquemas e de suas lições Para Turgot a circulação e realmente o conjunto da vida econômica Do mesmo modo David Ricardo muito mais tarde só enxerga o rio estreito mas vivo da economia de mercado E se depois de mais de 50 anos os economistas instruídos pela experiência já não defendem mais as virtudes automáticas do laissez PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 32 faire o mito ainda não se apagou na opinião pública e nas discussões políticas de hoje II Finalmente se lancei a palavra capitalismo no debate a propósito de uma época onde ainda não se lhe conhecia o direito de cidade foi sobretudo porque tive necessidade de uma outra palavra que não economia de mercado para designar atividades que são comprovadamente diferentes A minha intenção não era por certo introduzir o lobo no redil Eu sabia bem tanto os historiadores ia o repetiram e com conhecimento de causa que essa palavra de combate é ambígua terrivelmente carregada de atualidade e virtualmente de anacronismo Se contra toda a prudência lhe abri a porta foi por múltiplas razões Em primeiro lugar entre os séculos XV e XVIII certos processos reclamam uma designação especial Quando observados de perto seria quase absurdo incluílos e dispôlos sem mais nem menos na economia ordinária de mercado A palavra que então acode mais espontaneamente ao espírito e bem capitalismo Irritados expulsamola pela porta e ela volta em seguida a entrar pela janela Pois não lhe encontramos um substituto adequado e isso e sintomático Como diz um economista norteamericano a melhor razão para nos servirmos da palavra capitalismo por mais desacreditada que esteja e que no fim de contas não se encontrou outra para substituíIa Sem dúvida ela tem o inconveniente de arrastar a reboque inúmeras querelas e discussões Mas essas querelas as boas as menos boas e as ociosas e na verdade impossível evitálas agir e discutir como se elas não existissem Inconveniente ainda pior a palavra está repleta de sentidos que lhe são dados pela vida de hoje PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 33 Pois capitalismo em seu uso mais amplo data do começo do século XX Vejoo no lançamento verdadeiro com um pouco de arbitrário em 1902 do muito conhecido livro de Werner Sombart Der moderne Kapitalismus Esta palavra praticamente será ignorada por Marx Eisnos portanto e diretamente ameaçados do pior dos pecados o do anacronismo Nada de capitalismo antes da Revolução Industrial gritava um dia um historiador ainda jovem O capital sim o capitalismo não Entretanto jamais existe entre passado mesmo passado longínquo e tempo presente uma ruptura total uma descontinuidade absoluta ou se preferirem uma nãocontaminação As experiências do passado não cessam de prolongarse na vida presente de a fecundar Além disso muitos historiadores e não dos de menor gabarito apercebemse hoje de que a Revolução Industrial se anuncia muito tempo antes do século XVIII Talvez a melhor razão para nos persuadirmos disso seja o espetáculo de certos países subdesenvolvidos de hoje que tentam e com o modelo de sucesso por assim dizer diante dos olhos fracassam em sua Revolução Industrial Em suma essa dialética sem fim repetidamente posta em causa passado presente presente passado ameaça ser muito simplesmente o âmago e a razão de ser da própria história III Só se disciplinará só se definirá a palavra capitalismo para colocaIa a serviço exclusivo da explicação histórica se a enquadrarmos seriamente entre as duas palavras que a subentendem e lhe conferem seu sentido capital e capitalista O capital realidade tangível massa de meios facilmente identificáveis permanentemente em ação o capitalista o homem que preside ou procura presidir à inserção do capital no processo incessante de produção a que todas as sociedades estão condenadas o capitalismo PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 34 e grosso modo mas só grosso modo a forma como se conduz para fins usualmente pouco altruístas esse jogo constante de inserção A palavrachave é o capital Este nos estudos dos economistas assumiu o sentido apoiado de bem de capital não designa somente as acumulações de dinheiro mas os resultados utilizáveis e utilizados de todo o trabalho anteriormente realizado uma casa e um capital o trigo enceleirado e um capital um navio uma estrada são capitais Mas um bem de capital só merece tal nome se participar no processo renovado da produção o dinheiro de um tesouro sem emprego não é um capital do mesmo modo que não é uma floresta inexplorada etc Dito isto haverá uma única sociedade até onde chega o nosso conhecimento que não tenha acumulado que não acumule bens de capital que não os utilize regularmente para o seu trabalho e que pelo trabalho não os reconstitua e não os faça frutificar A mais modesta aldeia do Ocidente no século XV tem seus caminhos seus campos limpos de pedras suas terras cultivadas suas florestas organizadas suas sebes vivas seus pomares suas rodas de moinho suas reservas de grãos Cálculos feitos pelos economistas antigos dão entre o produto bruto de um ano de trabalho e a massa dos bens de capital aquilo a que chamamos o patrimônio uma relação de 1 para 3 ou 4 a mesma em suma que Keynes aceitava para a economia das sociedades atuais Cada sociedade teria assim atrás dela o equivalente de três ou quatro anos de trabalho acumulado posto em reserva de que ela se serviria para levar a bom termo a sua produção sendo o patrimônio além disso usado só parcialmente para esse fim nunca os 100 como e óbvio Mas deixemos esses problemas O leitor conheceos tão bem quanto eu De fato soulhe devedor de uma única explicação como e que posso validamente distinguir o capitalismo da economia de mercado E reciprocamente PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 35 Bem entendido o leitor não está esperando de minha parte uma distinção peremptória do gênero a água de um lado o azeite por cima dela A realidade econômica nunca se apóia em corpos simples Mas aceitará sem muita dificuldade que possam existir pelo menos duas formas da chamada economia de mercado A B discerníveis com um pouco de atenção que mais não seja pelas relações humanas econômicas e sociais que elas instauram Na primeira categoria A colocarei de bom grado as trocas cotidianas do mercado os tráficos locais ou a pouca distância assim o trigo a madeira que e encaminhada para a cidade próxima e mesmo os comércios de maior raio de ação quando são regulares previsíveis rotineiros abertos tanto aos pequenos quanto aos grandes comerciantes assim o encaminhamento dos cereais do Báltico a partir de Dantzig até Amsterdam no século XVII assim do sul para o norte da Europa o comércio do azeite ou do vinho penso naquelas caravanas de carroças alemãs que iam buscar todos os anos o vinho branco da Ístria Dessas trocas sem surpresas transparentes das quais cada um conhece de antemão os limites e as particularidades e cujos lucros sempre medidos e sempre possível avaliar o mercado de um burgo oferecese como um bom exemplo Reúne sobretudo produtores camponeses camponesas artesãos e clientes uns do próprio burgo os outros das aldeias vizinhas No máximo haverá uma vez por outra dois ou três comerciantes isto é entre o cliente e o produtor o terceiro homem o intermediário E esse comerciante pode ocasionalmente perturbar o mercado dominálo influir sobre os preços por manobras de estocagem mesmo um pequeno revendedor pode contra os regulamentos anteciparse aos camponeses na entrada de um burgo comprar a preços mais reduzidos as mercadorias deles e em seguida ofereceIas ele próprio aos compradores essa é uma fraude elementar presente na periferia de todos os burgos e mais ainda de todas as cidades capaz quando se amplia em grandes proporções de fazer subir os preços Assim PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 36 mesmo no burgo ideal que imaginamos com seu comércio regulamentado leal transparente olho no olho mão na mão como dizem os alemães a troca segundo a categoria B a dos intermediários e atravessadores fugindo à transparência e ao controle não está totalmente ausente Do mesmo modo o comércio regular que anima os grandes comboios de trigo do Báltico e um comércio transparente as curvas de preço na partida em Dantzig e na chegada em Amsterdam são sincrônicas e a margem de lucro e ao mesmo tempo segura e moderada Mas basta que a fome grasse no Mediterrâneo como ocorreu em 1590 por exemplo e veremos comerciantes internacionais representando grandes clientes desviarem de sua rota habitual navios inteiros cuja carga transportada para Livorno ou Gênova terá triplicado ou quadruplicado de preço Também nesse caso a economia A pode ceder o passo à economia B Desde que se suba na hierarquia das trocas e o segundo tipo de economia que predomina e desenha sob os nossos olhos uma esfera de circulação evidentemente diferente Os historiadores ingleses assinalaram a partir do século XV a importância crescente ao lado do mercado público tradicional o public market do que eles batizaram de private market o mercado privado eu direi de bom grado para acentuar a diferença o contramercado Com efeito não busca ele desembaraçarse das regras do mercado tradicional freqüentemente paralisador em excesso Mercadores itinerantes marchantes agentes de grandes atacadistas contatam os produtores em suas casas Ao camponês eles compram diretamente a lã o cânhamo os animais em pé os couros a cevada ou o trigo as aves domésticas etc Ou compramlhes até esses produtos antecipadamente a lã antes da tosquia dos carneiros o trigo quando ainda está verde Um simples bilhete assinado na estalagem da aldeia ou na própria fazenda sela o contrato Em seguida eles encaminham suas compras por carroças animais de carga ou barcaças para as grandes cidades ou os portos exportadores Tais PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 37 exemplos são encontrados no mundo inteiro em torno de Paris tanto quanto de Londres em Segóvia para as lãs em Nápoles para o trigo na Puglia para o azeite na Insulíndia para a pimenta Quando ele próprio não se entrega à exploração agrícola o mercador itinerante marca seus encontros na periferia do mercado à margem da praça onde ele se desenrola ou então com maior freqüência instala sua base numa estalagem as estalagens são as mudas para as carruagens em trânsito as oficinas do transporte Que esse tipo de troca substitui as condições normais do mercado coletivo por transações individuais cujos termos variam arbitrariamente segundo a situação respectiva dos interessados e comprovado sem ambigüidade na Inglaterra pelos numerosos processos que a interpretação dos pequenos bilhetes assinados pelos vendedores engendrou É evidente que se trata de trocas desiguais em que a concorrência lei essencial da chamada economia de mercado dificilmente tem lugar e onde o comerciante dispõe de duas vantagens ele rompeu as relações diretas entre o produtor e aquele a quem a mercadoria se destina finalmente só ele conhece as condições do mercado nas duas pontas da cadeia e portanto a margem de lucro que obterá e dispõe de dinheiro para compras à vista o que constitui seu principal argumento Assim as extensas cadeias mercantis estendemse entre a produção e o consumo e foi certamente a sua eficácia que as impôs em especial para o abastecimento das grandes cidades e o que incitou as autoridades a fecharem os olhos ou pelo menos a relaxar o controle Ora quanto mais essas cadeias se alongam mais escapam às regras e aos controles habituais mais o processo capitalista emerge claramente Emerge de maneira fulgurante no comércio a distância o Fernhandel no qual os historiadores alemães não são os únicos a ver o superlativo da vida de troca O Fernhandel e por excelência um domínio de livre manobra opera a distâncias que o colocam ao abrigo das fiscalizações ordinárias ou lhe permitem contornaIas atuará conforme o caso desde a costa de Coromandel ou do golfo PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 38 de Bengala até Amsterdam de Amsterdam a um determinado armazém de revenda na Pérsia ou na China ou no Japão Nessa vasta zona operacional existe a possibilidade de escolher e ele escolhe o que maximiza seus lucros o comércio das Antilhas está dando apenas lucros modestos Não importa no mesmo instante o comércio na Índia ou na China está garantindo lucros dobrados Basta trocar o fuzil de ombro Desses grandes lucros derivam as consideráveis acumulações de capitais tanto mais que o comércio a distância se reparte apenas entre poucas mãos Não entra nele quem quer O comércio local pelo contrário dispersase numa multidão de partes interessadas Por exemplo no século XVI o comércio interno de Portugal visto em sua massa e em todo o seu valor monetário estimado e de longe superior ao comércio da pimenta das especiarias e das drogas Mas esse comércio interno está freqüentemente sob o signo da troca direta do valor de uso O comércio das especiarias está na linha da economia monetária E só os grandes comerciantes o praticam e concentram em suas mãos lucros anormais As mesmas considerações são válidas para a Inglaterra no tempo de Defoe Não é por acaso que em todos os países do mundo um grupo de grandes negociantes se destaca nitidamente da massa dos comerciantes e que esse grupo e por uma parte muito reduzido e por outra está sempre ligado entre outras atividades ao comércio a distância O fenômeno e visível na Alemanha a partir do século XIV em Paris desde o século XIII nas cidades da Itália desde o século XII e talvez mais cedo O tayir no Islã mesmo antes do aparecimento dos primeiros negociantes ocidentais ia era um importadorexportador que de sua casa o comércio já tinha uma matriz fixa dirigia agentes e comissionários Ele nada tem em comum com o hawanti o pequeno comerciante com sua loja no soukh mercado Na Índia em Agra ainda uma grande cidade por volta de 1640 um viajante descreve o que se designa pelo nome de sogador aquele a quem chamaríamos na Espanha um mercader PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 39 mas alguns ornamse com o nome especial de katari o titulo mais eminente entre aqueles que professam nesses países a arte mercantil e que significa mercador riquíssimo e de grande crédito No Ocidente o vocabulário assinala diferenças análogas O negociante o katari francês a palavra aparece no século XVII Na Itália a distância e enorme entre o mercante a taglio comerciante retalhista e o negoziante o mesmo ocorre na Inglaterra entre o tradesman e o merchant que nos portos ingleses ocupase sobretudo da exportação e do comércio a distância na Alemanha entre os Krämer por uma parte e o Kaufmann ou o Kaufherr por outra Será necessário dizer que esses capitalistas tanto no Islã quanto na cristandade são os amigos do príncipe aliados ou exploradores do Estado Muito cedo desde sempre eles ultrapassam os limites nacionais entendemse com os comerciantes de praças estrangeiras Têm mil formas de trapacear no jogo a favor deles pela manipulação do crédito pelo jogo frutuoso das boas contra as más moedas indo as boas moedas de ouro e prata para as grandes transações para o Capital as más de cobre para os pequenos salários e os pagamentos cotidianos portanto para o Trabalho Têm a superioridade da informação da inteligência da cultura E apossamse à sua volta de tudo o que e bom de possuir a terra os imóveis as rendas Quem duvidaria de que eles dispõem dos monopólios ou simplesmente têm o poderio necessário para nove vezes em dez apagar a concorrência Escrevendo a um de seus comparsas em Bordéus um negociante holandês recomendavalhe que mantivesse seus projetos em segredo caso contrário acrescentava ele aconteceria com esse negócio o mesmo que com tantos outros em que quando há concorrência deixa de haver água para beber Enfim e pela massa de seus capitais que os capitalistas estão em condições de preservar seus privilégios e de se reservar os grandes negócios internacionais da época Por uma parte porque nessa época os transportes muito lentos do grande comércio impõem PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 40 longos prazos para o giro de capitais há que esperar meses quando não anos para que as somas investidas retornem aumentadas dos lucros Por outra parte porque de um modo geral o grande comerciante não utiliza somente seus próprios capitais ele recorre ao crédito ao dinheiro de outros Enfim esses capitais deslocamse A partir do final do século XIV os arquivos de Francesco di Marco Datini comerciante de Prato perto de Florença assinalamnos o vaivém de letras de câmbio entre as cidades da Itália e os pontos quentes do capitalismo europeu Barcelona Montpellier Avignon Paris Londres Bruges Mas esses eram jogos tão estranhos para o comum dos mortais quanto o são hoje as deliberações ultra secretas da Banque des Règlements Internationaux em Basiléia Assim o mundo da mercadoria ou da troca encontrase estritamente hierarquizado desde os ofícios mais humildes lixeiros estivadores camelôs carroceiros marinheiros até aos caixeiros lojistas corretores de denominações diversas prestamistas e no topo os negociantes A coisa à primeira vista surpreendente e que a especialização a divisão do trabalho que não faz senão acentuarse rapidamente à medida do progresso da economia de mercado afeta toda essa sociedade mercantil exceto em seu topo ocupado pelos negociantescapitalistas Assim o processo de fragmentação das funções essa modernização manifestouse primeiro somente na base os ofícios os lojistas até mesmo os mascates especializamse O mesmo não ocorre no alto da pirâmide visto que até o século XIX o negociante de altos vôos jamais se limitou por assim dizer a uma única atividade e negociante sem dúvida mas nunca num único ramo e também e segundo as ocasiões armador segurador prestamista financista banqueiro ou até empresário industrial ou agrícola Em Barcelona no século XVIII o varejista o botiguer e sempre especializado vende ou tecidos ou mantéis ou especiarias Se enriquece suficientemente para tornarse um dia um negociante passa logo da especialização PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 41 à nãoespecialização Doravante todo bom negócio ao seu alcance será de sua competência qualquer que seja o ramo Essa anomalia foi freqüentemente assinalada mas a explicação comum não nos pode satisfazer muito o negociante dizemnos divide suas atividades entre diversos setores a fim de limitar seus riscos perderá na cochonilhadocarmim ganhará nas especiarias perderá numa transação mercantil mas ganhará jogando com os câmbios ou emprestando dinheiro a um camponês para garantirse uma renda Em suma seguiria o conselho do provérbio que recomenda não colocar todos os ovos no mesmo cesto De fato eu penso que o comerciante não se especializa porque nenhum ramo ao seu alcance e suficientemente nutrido para absorver toda sua atividade Acreditase com freqüência que o capitalismo de antanho era modesto por falta de capitais que tinha primeiro de acumular por muito tempo para só depois deslanchar Entretanto as correspondências de comerciantes ou as atas de câmaras de comércio mostram amiúde que havia capitais buscando inutilmente onde investirse O capitalista será então tentado pela aquisição de terras valor refúgio valor social mas também por vezes de terras exploraveis de maneira moderna e fonte de receitas substanciais como na Inglaterra na Venécia e em outras regiões européias Ou então se deixará tentar pelas especulações imobiliárias urbanas Ou ainda por incursões prudentes mas repetidas no domínio da indústria bem como pelas especulações mineiras séculos XVXVI Mas e significativo que salvo exceção ele não se interesse pelo sistema de produção e se contente pelo sistema de trabalho domiciliar de putting out em controlar a produção artesanal a fim de melhor se assegurar da sua comercialização Em face do artesão e do sistema de putting out as manufaturas só representarão até o século XIX uma parcela muito pequena da produção PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 42 que se o grande comerciante muda com tanta freqüência de atividade e porque o grande lucro muda incessantemente de setor O capitalismo é por essência conjetural Ainda hoje uma de suas grandes forças e a sua facilidade de adaptação e de reconversão que uma única especialização teve por vezes tendência a manifestarse na vida mercantil o comércio do dinheiro Mas o seu êxito nunca foi de longa duração como se o edifício econômico não pudesse alimentar suficientemente esse ponto alto da economia A banca florentina um instante fulgurante soçobra com os Bardi e os Peruzzi no século XIV depois com os Medici no século XV A partir de 1579 as feiras genovesas de Piacenza convertemse na câmara de compensação o clearing de quase todos os pagamentos europeus mas a extraordinária aventura dos banqueiros genoveses durará menos de meio século até 1621 No século XVII Amsterdam dominará brilhantemente por sua vez os circuitos do crédito europeu e a experiência se saldará também desta vez por um fracasso no século seguinte Só no século XIX depois de 1830 1860 o capitalismo financeiro verá seus esforços coroados de êxito quando a banca se apossará de tudo da indústria e depois da mercadoria e a economia em geral terá adquirido suficiente vigor para sustentar definitivamente essa construção Resumindo dois tipos de troca um terraaterra competitivo pois que transparente o outro superior sofisticado dominante Não são os mesmos mecanismos nem os mesmos agentes que regem esses dois tipos de atividade e não e no primeiro mas no segundo que se situa a esfera do capitalismo Não nego que pudesse existir ardiloso e cruel um capitalismo aldeão de tamancos Lênin pelo que me disse o Professor Daline de Moscou sustentava inclusive que num país socialista uma vez concedida a liberdade a um mercado de aldeia seria possível reconstituir a árvore inteira do capitalismo Tampouco nego que existisse um microcapitalismo dos lojistas Gerschenkron pensa que o verdadeiro capitalismo saiu daí A relação de forças na base do capitalismo pode esboçarse e ser PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 43 reencontrada em todas as etapas da vida social Mas enfim e no topo da socíedade que o primeiro capitalismo se desenvolve afirma a sua força e se revela a nossos olhos E é à altura dos Bardi dos Jacques Coeur dos Jakob Fugger dos John Law ou dos Necker que se deve ir procurálo que se tem uma chance de descobrilo Se de ordinário não se distingue capitalismo e economia de mercado e porque um e outra progrediram na mesma cadência da Idade Média aos nossos dias e por que se apresentou freqüentemente o capitalismo como o motor ou o apogeu do progresso econômico Na realidade tudo e transportado nas costas enormes da vida material ela incha tudo avança rapidamente apropria economia de mercado incha às suas custas num abrir e fechar de olhos amplia suas ligações Ora dessa extensão dessa ampliação o capitalismo e sempre o beneficiário Não creio que Josef Schumpeter tenha razão em fazer do empresário o deus ex machina Acredito obstinadamente que e o movimento de conjunto o fator determinante e que todo o capitalismo e comensurável em primeiro lugar com as economias que lhe são subjacentes IV Privilégio da minoria o capitalismo é impensável sem a cumplicidade ativa da sociedade É forçosamente uma realidade da ordem social até mesmo uma realidade da ordem política uma realidade da civilização Pois e necessário que de uma certa maneira a sociedade inteira aceite mais ou menos conscientemente os valores daquele Mas nem sempre e esse o caso Toda a sociedade densa se decompõe em vários conjuntos o econômico o político o cultural o social hierárquico O econômico só se compreenderá em ligação com os outros conjuntos dispersandose neles mas abrindo também suas portas para os vizinhos Há ação e interação Essa forma particular e parcial do PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 44 econômico que e o capitalismo só se explicará plenamente à luz dessas vizinhanças e dessas intrusões aí acabará por assumir o seu verdadeiro rosto Assim o Estado moderno que não fez o capitalismo mas o herdou ora o favorece ora o desfavorece ora o deixa estenderse ora lhe quebra as molas O capitalismo só triunfa quando se identifica com o Estado quando ele e o Estado Em sua primeira grande fase nas cidadesEstados da Itália em Veneza em Gênova em Florença e a elite do dinheiro quem detém o poder Na Holanda no século XVII a aristocracia dos Regentes governa no interesse e inclusive de acordo com as diretrizes traçadas pelos homens de negócios negociantes e administradores de fundos Na Inglaterra a revolução de 1688 marca analogamente um advento dos negócios à holandesa A França está atrasada em mais de um século e com a revolução de julho de 1830 que aburguesia comercial se instala enfim confortavelmente no governo Assim o Estado e favorável ou hostil ao mundo do dinheiro segundo o seu próprio equilíbrio e a sua própria força de resistência O mesmo pode ser dito no tocante à cultura e à religião Em princípio a religião força tradicional diz não às novidades do mercado do dinheiro da especulação da usura Mas há acomodações com a Igreja Esta não deixa de dizer não mas acaba por dizer sim às exigências imperiosas do século Em poucas palavras ela aceita um aggiornamento terseia dito ontem um modernismo Augustin Renaudet recorda que Santo Tomás de Aquino 12251274 tinha formulado o primeiro modernismo fadado a ter êxito Mas se a religião e portanto a cultura eliminou bastante cedo seus obstáculos ela manteve porém uma forte oposição de principio em especial no que se refere ao empréstimo a juros condenado como usura Pôdese mesmo sustentar um pouco apressadamente e verdade que esses escrúpulos só foram suscitados pela Reforma e que está aí a razão profunda da ascensão capitalista dos países do Norte da Europa Para Max Weber o capitalismo no PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 45 sentido moderno da palavra teria sido nem mais nem menos uma criação do protestantismo ou melhor do puritanismo Todos os historiadores se opõem a essa tese sutil embora não consigam desembaraçarse dela de uma vez por todas ela não cessa de ressurgir diante dos olhos deles E no entanto e uma tese manifestamente falsa Os países do Norte nada mais fizeram do que tomar o lugar ocupado por muito tempo e brilhantemente antes deles pelos velhos centros capitalistas do Mediterrâneo Os nórdicos nada inventaram nem na técnica nem na condução dos negócios Amsterdam copiou Veneza tal como Londres copiará Amsterdam tal como Nova Iorque copiará Londres O que está em jogo de cada vez e o deslocamento do centro de gravidade da economia mundial por razões econômicas e que não envolvem a natureza própria ou secreta do capitalismo Esse deslizamento definitivo no final do século XVI do Mediterrâneo para os mares do Norte e o triunfo de um país novo sobre um velho país E é também uma vasta mudança de escala A favor da nova supremacia do Atlântico há uma ampliação da economia em geral das trocas das reservas monetárias e uma vez mais é o progresso vivo da economia de mercado que fiel ao rendezvous de Amsterdam carregará em suas costas as construções ampliadas do capitalismo Finalmente o erro de Max Weber pareceme derivar essencialmente no começo de uma exageração do papel do capitalismo como promotor do mundo moderno Mas o problema essencial não está aí O verdadeiro destino do capitalismo jogouse com efeito em face das hierarquias sociais Toda a sociedade evoluída admite várias hierarquias digamos várias escadas que permitem abandonar o andar térreo onde vegeta a massa popular de base o Grundvolk de Werner Sombart hierarquia religiosa hierarquia política hierarquia militar diversas hierarquias do dinheiro De uma para a outra segundo os séculos e segundo os lugares existem oposições ou compromissos ou alianças por vezes até há confusão No seculo XIII em Roma a PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 46 hierarquia política e a hierarquia religiosa confundemse mas em torno da cidade a terra e os rebanhos criam uma classe de grandes senhores perigosos enquanto que os banqueiros da Cúria instalados em Siena já estão em franca ascensão Em Florença no final do século XIV a antiga nobreza feudal e a nova grande burguesia mercantil são apenas uma classe formando a elite do dinheiro que também se apossa logicamente do poder político Em outros contextos sociais pelo contrário uma hierarquia política pode esmagar as outras é o caso da China dos Ming e dos manchus É também o caso mas de um modo menos nítido e contínuo da França monárquica do Ancien Régime a qual só concede por largo tempo aos comerciantes ainda que ricos um papel sem prestígio e empurra para a primeira linha a hierarquia decisiva da nobreza Na França de Luís XIII o caminho do poderio consiste em aproximar se do rei e da corte O primeiro passo da verdadeira carreira de Richelieu titular do bispado miserável de Luçon foi tornarse o esmoler da rainhamãe Maria de Medici o que o fez assim chegar à corte e introduzirse no estreito círculo dos governantes Quantas as sociedades tantos os caminhos para a ambição dos indivíduos Tantos os tipos de êxitos No Ocidente embora não sejam raros os êxitos de indivíduos isolados a história repete sem fim a mesma lição a saber que o sucesso individual deve quase sempre inscreverse no ativo de famílias vigilantes atentas empenhadas em aumentar pouco a pouco sua fortuna e sua influência A ambição delas não exclui a paciência manifestase a longo prazo Devese então cantar as glórias e os méritos das longas famílias das linhagens É colocar em destaque para o Ocidente o que chamamos a traços largos usando um termo que se impôs tardiamente a história da burguesia portadora do processo capitalista criadora ou utilizadora da hierarquia sólida que será a espinha dorsal do capitalismo Este com efeito para estabelecer sua fortuna e seu poderio apóiase sucessiva ou simultaneamente sobre o comércio sobre a usura sobre o comércio a distância sobre o PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 47 ofício administrativo e sobre a terra valor seguro e que além disso e mais do que se pensa confere um evidente prestígio em face da própria sociedade Se estivermos atentos a essas longas cadeias familiares à lenta acumulação de patrimônios e honrarias a passagem do regime feudal ao regime capitalista na Europa torna se quase compreensível O regime feudal é em benefício de famílias senhoriais uma forma duradoura de partilha da riqueza fundiária essa riqueza de base ou seja uma ordem estável em sua textura A burguesia ao longo dos séculos terá parasitado essa classe privilegiada vivendo perto dela contra ela tirando proveito de seus erros de seu luxo de sua ociosidade de sua imprevidência para se apoderar de seus bens com freqüência graças à usura introduzirse finalmente em suas fileiras e depois aí se perder Mas outros burgueses estão a postos para reencetar o assalto para recomeçar a mesma luta Em suma parasitismo de longa duração a burguesia não acaba de destruir a classe dominante para alimentarse dela Mas sua escalada foi lenta paciente a ambição projetada sem fim nos filhos e netos E assim sucessivamente Uma sociedade desse tipo derivando de uma sociedade feudal ela própria ainda meio feudal e uma sociedade onde a propriedade os privilégios sociais estão relativamente protegidos onde as famílias podem desfrutar deles numa relativa tranqüilidade sendo a propriedade por assim dizer sacrossanta onde cada um permanece em seu lugar Ora são imprescindíveis essas águas calmas ou relativamente calmas para que a acumulação se faça para que cresçam e se mantenham as linhagens para que com a ajuda da economia monetária o capitalismo finalmente surja Na ocorrência ele destruiu certos baluartes da alta sociedade mas para reconstruir outros em seu proveito tão sólidos e tão duradouros Essas longas gestações de fortunas familiares culminando um belo dia em êxitos espetaculares nos são a tal ponto familiares no passado ou no tempo presente que fica difícil nos darmos conta de que se trata de fato de uma característica essencial das sociedades PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 48 do Ocidente Na verdade só nos apercebemos dela quando nos expatriamos olhando o espetáculo diferente que oferecem as sociedades fora da Europa Nessas sociedades aquilo a que chamamos ou podemos chamar o capitalismo defrontase em geral com obstáculos sociais pouco fáceis ou impossíveis de transpor São esses obstáculos que nos colocam por contraste no caminho de uma explicação geral Deixaremos de lado a sociedade japonesa onde o processo é de um modo geral o mesmo que na Europa uma sociedade feudal aí se deteriora lentamente uma sociedade capitalista acaba por desprenderse dela o Japão é o país onde as dinastias mercantis tiveram a mais longa duração algumas nascidas no século XVII ainda hoje prosperam Mas as sociedades ocidental e japonesa são os únicos exemplos que a história comparada pôde reter de sociedades que passaram quase por si mesmas da ordem feudal à ordem monetária Em outras sociedades as posições respectivas do Estado do privilégio da posição hierárquica e do privilégio do dinheiro são muito diferentes e é dessas diferenças que procuraremos extrair um ensinamento Vejamos a China e o Islã Na China as estatísticas imperfeitas que se nos oferecem deixam a impressão de que a mobilidade social na vertical e aí maior do que na Europa Não que o número de privilegiados aí seja relativamente maior mas a sociedade chinesa e muito menos estável A porta aberta a hierarquia aberta e a dos concursos dos mandarins Embora esses concursos não sejam sempre realizados num contexto de honestidade absoluta eles são em princípio acessíveis a todos os meios sociais infinitamente mais acessíveis em todo o caso do que as grandes universidades do Ocidente no século XIX Os exames que abrem o acesso às altas funções do mandarinato são de fato redistribuições das cartas do jogo social um constante New Deal Mas aqueles que assim chegam ao topo sempre aí estão a título precário a título vitalício se se quiser E as fortunas que os mandarins amealham com freqüência PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 49 no exercício de suas funções pouco servem para fundar o que se chamaria na Europa uma grande família Aliás as famílias excessivamente ricas e poderosas são por princípio suspeitas aos olhos do Estado que é de direito o único possuidor de terras o único habilitado a criar impostos sobre os camponeses e que fiscaliza de perto as empresas mineiras industriais ou mercantis O Estado chinês apesar das cumplicidades locais de mercadores e de mandarins corruptos foi permanentemente hostil ao florescimento de um capitalismo que toda vez que cresce ao sabor das circunstâncias e em última instância devolvido à ordem por um Estado de certo modo totalitário estando a palavra despida de seu atual sentido pejorativo Só existe verdadeiro capitalismo chinês fora da China na Insulíndia por exemplo onde o mercador chinês age e reina com toda a liberdade Nos vastos países do Islã sobretudo antes do século XVIII a posse da terra é provisória pois que ela também aí pertence de direito ao príncipe Os historia dores diriam na linguagem da Europa do Ancien Régime que existem benefícios isto e bens atribuídos a título vitalício não os feudos familiares Por outras palavras os senhorios quer dizer as terras as aldeias as rendas fundiárias são distribuídos pelo Estado como já o fazia outrora o Estado carolíngio e ficam disponíveis de novo toda vez que morre o beneficiário Para o príncipe essa e uma forma de pagar e de assegurarse dos serviços dos soldados e dos cavaleiros Morre o senhor o seu senhorio e todos os seus bens revertem ao sultão em Istambul ou ao GrãoMongol em Delhi Digamos que esses grandes príncipes enquanto dura a autoridade deles podem mudar de sociedade dominante de classe elitista como quem muda de camisa e eles não se privam de fazêlo Portanto a cúpula da sociedade renovase com muita freqüência as famílias não têm qualquer possibilidade de aí se incrustarem Um estudo recente sobre o Cairo no século XVIII assinalamos que os grandes mercadores não logravam manterse no lugar além de uma única geração A PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 50 sociedade política devoravaos Se na Índia a vida mercantil e mais sólida e porque se desenvolve fora da sociedade instável da cúpula no âmbito protetor das castas de mercadores e banqueiros Dito isto o leitor verá melhor a tese que sustento bastante simples verossímil existem condições sociais para o surto e o êxito do capitalismo Este exige uma certa tranqüilidade da ordem social assim como uma certa neutralidade ou fraqueza ou complacência por parte do Estado E no próprio Ocidente existem graus para essa complacência e por razões predominantemente sociais e incrustadas em seu passado que a França foi sempre um país menos favorável ao capitalismo do que digamos a Inglaterra Creio que este ponto de vista não suscita objeções sérias Em contrapartida um novo problema se apresenta O capitalismo tem necessidade de uma hierarquia Mas o que e uma hierarquia em si aos olhos de um historiador que vê desfilar diante dele centenas e centenas de sociedades que têm todas suas hierarquias Que resultam todas na cúpula em um punhado de privilegiados e de responsáveis Verdade de ontem na Veneza do século XIII na Europa do Ancien Régime na França de Thiers ou na de 1936 onde os slogans populares denunciavam o poder das duzentas famílias Mas também no Japão na China na Turquia na Índia É verdade ainda hoje mesmo nos Estados Unidos o capitalismo não inventa as hierarquias utilizaas do mesmo modo que não inventou o mercado ou o consumo Ele é na longa perspectiva da história o visitante da noite Chega quando tudo já está em seus devidos lugares Por outras palavras o problema em si da hierarquia superao transcendeo comandao de antemão E as sociedades nãocapitalistas não suprimiram ai de nós as hierarquias Tudo isso abre a porta para longas discussões que tentei sem concluir apresentar no meu livro Pois e certamente o problema chave o problema dos problemas Devese quebrar a hierarquia a dependência de um homem em face de outro homem Sim disse JeanPaul Sartre em 1968 Mas será verdadeiramente possível PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 51 CAPÍTULO III O TEMPO DO MUNDO PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 52 NOS meus dois capítulos precedentes as peças do quebra cabeça foram apresentadas ou isoladamente ou reagrupadas numa ordem arbitrária pelas necessidades da explicação Tratase agora de reconstruir o quebracabeça É esse o objetivo do terceiro e último volume do meu livro Le Temps du monde O título sugere por si só a minha ambição vincular o capitalismo sua evolução e seus meios a uma história geral do mundo Uma história quer dizer uma sucessão cronológica de formas de experiências O conjunto do mundo isto é entre os séculos XV e XVIII essa unidade que se desenha e faz sentir progressivamente o seu peso sobre a vida inteira dos homens sobre todas as sociedades economias e civilizações do mundo Ora esse mundo afirmase sob o signo da desigualdade A imagem atual países prósperos de um lado países subdesenvolvidos do outro já e verdadeira mutatis mutandis entre os séculos XV e XVIII É claro de Jacques Coeur a Jean Bodin Adam Smith e Keynes os países prósperos e os países pobres não permaneceram imutavelmente os mesmos a roda girou Mas em sua lei o mundo praticamente não mudou continua no plano estrutural repartido entre privilegiados e nãoprivilegiados Existe uma espécie de sociedade mundial tão hierarquizada quanto uma sociedade ordinária e que é como a sua imagem ampliada mas reconhecível Microcosmo e macrocosmo têm em última análise a mesma textura Por quê É o que tentarei dizer mas não estou certo de o conseguir O historiador vê mais comodamente os como do que os porquê e melhor as conseqüências do que as origens dos grandes problemas Razão de sobra bem entendido para que ele ainda mais se apaixone pela descoberta dessas origens que tão regularmente lhe escapam e o desafiam PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 53 I Uma vez mais há interesse em fixar o vocabulário Com efeito necessitaremos utilizar duas expressões economia mundial e economiamundo a segunda mais importante ainda do que a primeira Por economia mundial entendese a economia do mundo considerada em seu todo o mercado de todo o universo como já dizia Sismondi Por economiamundo palavra que forjei a partir do vocábulo alemão Weltwirtschaft entendo a economia de somente uma porção do nosso planeta na medida em que essa porção forma um todo econômico Escrevi já faz tempo que o Mediterrâneo do século XVI era por si só uma Weltwirtschaft uma economiamundo podendo igualmente chamarselhe em alemão ein Welt für sich um mundo em si mesmo Uma economiamundo podese definir como uma tríplice realidade Ela ocupa um espaço geográfico dado portanto tem limites que a explicam e que variam embora com uma certa lentidão Ocorrem mesmo forçosamente de tempos em tempos mas a longos intervalos rupturas Assim foi após as Grandes Descobertas do final do século XV Assim foi em 1689 quando a Rússia pela mão de Pedro o Grande abriuse para a economia européia Imaginamos hoje uma franca total e definitiva abertura das economias da China e da URSS haveria então uma ruptura dos limites do espaço ocidental como o que atualmente existe Uma economiamundo aceita sempre um pólo um centro representado por uma cidade dominante outrora uma cidadeEstado hoje uma capital entendase uma capital econômica nos Estados Unidos Nova Iorque não Washington Aliás podem existir inclusive de modo prolongado dois centros simultâneos numa mesma economiamundo Roma e Alexandria ao tempo de Augusto Antônio e Cleópatra Veneza e Gênova ao tempo da guerra de PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 54 Chioggia 13781381 Londres e Amsterdam no século XVIII antes da eliminação definitiva da Holanda Pois um desses dois centros acaba sempre por ser eliminado Em 1929 o centro do mundo com um pouco de hesitação passou assim sem ambigüidade de Londres para Nova Iorque Toda a economiamundo se reparte em zonas sucessivas O núcleo e a região que se estende em torno do centro as Províncias Unidas mas não todas as Províncias Unidas quando Amsterdam domina o mundo no século XVII a Inglaterra mas não toda a Inglaterra quando Londres a partir da década de 1780 suplanta definitivamente Amsterdam Depois vêm as zonas intermediárias em torno desse núcleo central Finalmente muito amplas as margens que na divisão de trabalho que caracteriza a economia mundo são mais subordinadas e dependentes do que participantes Nessas zonas periféricas a vida dos homens evoca freqüentemente o Purgatório ou mesmo o Inferno E a razão suficiente disso é realmente a sua situação geográfica Estas observações muito rápidas exigiriam evidentemente comentários e justificações O leitor os encontrará no terceiro volume do meu livro mas poderá for mar uma noção exata da questão no livro The Modern WorldSystem de Immanuel Wallerstein publicado em 1974 nos Estados Unidos e traduzido na França com o título de Le Systeme du monde du XVe siècle à nos jours ed Flammarion Pouco importa que eu não esteja sempre de acordo com o autor sobre tal ou tal ponto até mesmo sobre uma ou duas linhas gerais Os nossos pontos de vista quanto ao essencial são idênticos ainda que para Immanuel Wallerstein não haja outra economiamundo além da da Europa fundada a partir do século XVI somente enquanto que para mim muito antes de ter sido conhecido pelo homem da Europa na sua totalidade desde a Idade Média e mesmo desde a Antigüidade o mundo ia estava dividido em zonas econômicas mais ou menos centralizadas mais ou menos coerentes ou seja em várias economiasmundos que coexistem PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 55 Essas economias coexistentes que só têm entre elas trocas extremamente limitadas situamse no espaço povoado do planeta de uma parte e de outra em regiões limítrofes bastante vastas que o comércio em geral tem poucas vantagens em atravessar salvo raras exceções Até Pedro o Grande a Rússia e em si uma dessas economiasmundos vivendo essencialmente de si mesma e para si mesma O imenso império turco até ao fim do século XVIII e também uma dessas economiasmundos Em contrapartida o império de Carlos V ou de Filipe II apesar de sua imensidade não o é desde o seu início está incluído na vasta malha da economia antiga e vivaz constituída a partir da Europa Pois desde antes de 1492 antes da viagem de Cristóvão Colombo a Europa mais o Mediterrâneo com suas antenas voltadas na direção do Extremo Oriente é também uma economiamundo centrada então nas glórias de Veneza Ela se ampliará com as Grandes Descobertas anexará o Atlântico suas ilhas e suas margens depois o interior lento em conquistar do continente americano multiplicará também seus laços com as economiasmundos ainda autônomas que constituem então a Índia a Insulíndia e a China Ao mesmo tempo na própria Europa seu centro de gravidade deslocarseá do sul para o norte para Antuérpia e depois Amsterdam e não sublinhese para os centros do império hispânico ou português Sevilha ou Lisboa Assim e possível colocar no mapa e na história do mundo um decalque transparente onde para cada época dada um traço a lápis delimita grosso modo as várias economiasmundos Como essas economias mudam lentamente temos todo o tempo necessário para estudaIas vêIas viver e avaliarlhes o peso Lentas em deformar se elas assinalam uma história profunda do mundo Essa história profunda somente a citaremos porquanto o nosso problema consiste unicamente em mostrar de que modo as sucessivas economias mundos construídas na Europa a partir da expansão européia explicam ou não os jogos do capitalismo e sua própria expansão Não hesitaríamos em dizer desde ia que essas economiasmundos PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 56 típicas foram as matrizes do capitalismo europeu e depois mundial É em todo o caso a explicação para a qual pretendo encaminhar me com bastante prudência e também de um modo bastante lento II Uma história profunda Não a descobrimos apenas a trazemos para a luz do dia Lucien Febvre disse Nós lhe conferimos dignidade E já é muito O leitor se persuadirá se insisto sucessivamente nas mudanças de centro as descentragens das economiasmundos depois sobre a divisão de toda a economia mundo em zonas concêntricas Toda a vez que ocorre uma descentragem operase uma recentragem como se uma economiamundo não pudesse viver sem um centro de gravidade sem um pólo Mas essas descentragens e recentragens são raras o que as reveste ainda de mais importância No caso da Europa e das zonas que ela anexa operouse uma centragem na década de 1380 em benefício de Veneza Por volta de 1500 houve um salto brusco e gigantesco de Veneza para Antuérpia depois em 15501560 um retorno ao Mediterrâneo mas desta vez em favor de Gênova enfim por volta de 15901610 uma transferência para Amsterdam onde o centro econômico da zona européia se estabilizará por quase dois séculos Entre 1790 e 1815 deslocarseá para Londres Em 1929 atravessa o Atlântico e situa se em Nova Iorque No relógio do mundo europeu a hora fatídica terá assim soado cinco vezes e de cada vez esses deslocamentos realizaramse no transcorrer de lutas de choques de fortes crises econômicas De ordinário é mesmo o mau tempo econômico que acaba por abater o centro antigo já ameaçado e confirma o surgimento do novo Tudo isso evidentemente sem regularidade matemática uma crise insistente é uma provação que os fortes superam e vencem os fracos PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 57 lhe sucumbem Portanto o centro não racha a cada golpe Pelo contrário as crises do século XVII resultaram na maioria dos casos em benefício de Amsterdam Vivemos hoje há alguns anos uma crise mundial que se anuncia forte e duradoura Se Nova Iorque sucumbir à provação no que realmente não creio o mundo deve encontrar ou inventar um novo centro se os Estados Unidos resistem como tudo nos deixa prever poderão sair mais fortes da experiência pois que as outras economias correm o risco de sofrer muito mais do que os Estados Unidos em decorrência da conjuntura hostil que atravessamos Em todo o caso centragem descentragem recentragem parecem usualmente ligadas a crises prolongadas da economia geral Portanto é através dessas crises que se deve sem dúvida abordar o difícil estudo desses mecanismos de conjunto por meio dos quais a história geral se reconstitui Um exemplo observado de perto nos dispensará de um comentário excessivamente longo Em conseqüência de transformações de acidentes políticos em virtude até da nãoconsolidação do centro do mundo em Antuérpia o Mediterrâneo inteiro desforrouse durante a segunda metade do século XVI O metal branco que chegando em grandes quantidades das minas da América passava até então por prioridade da Espanha na Flandres pelo Atlântico tomou a partir de 1568 o caminho do mar interior e Gênova converteuse no seu centro redistribuidor O Mediterrâneo conheceu então uma espécie de Renascença econômica desde o estreito de Gibraltar até aos mares do Levante Mas esse século dos genoveses como se chamou a esse período durou pouco A situação deteriorase e as feiras genovesas de Piacenza que tinham sido durante quase meio século o grande centro de clearing dos negócios europeus perdem seu importante papel ainda antes de 1621 O Mediterrâneo volta a ser como era bastante lógico após as Grandes Descobertas um espaço secundário o que continuará sendo por largo tempo PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 58 Essa decadência do Mediterrâneo um século após Cristóvão Colombo portanto ao termo de um longo e espantoso período de apogeu e um dos problemas cruciais por mim levantados no grosso volume que publiquei há muito tempo sobre o espaço mediterrâneo Que data atribuir a esse refluxo 1610 1620 1650 Sobretudo que processo apontar como responsável Esta última pergunta a mais importante foi resolvida de modo brilhante e em minha opinião exato num artigo de Richard T Rapp The Journal of Economic History 1975 Direi de bom grado que e um dos mais belos artigos que me foi dado ler desde longa data O que nos e provado e que o mundo mediterrâneo a partir da década de 1570 foi acossado flagelado sacudido e pilhado pelos navios e os mercadores nórdicos e que estes não construíram sua primeira fortuna graças à Companhia das Índias e às aventuras nos sete mares do mundo Eles lançaramse sobre as riquezas armazenadas ao longo do Mediterrâneo e apoderaramse delas por todos os meios os melhores e os piores Inundaram o Mediterrâneo de produtos baratos quase sempre de péssima qualidade mas imitando deliberadamente os excelentes têxteis do sul ornandoos até com os mundialmente famosos selos venezianos a fim de venderem suas fancarias sob essa etiqueta nos mercados habituais de Veneza De uma assentada a indústria mediterrânea perdia ao mesmo tempo sua clientela e sua reputação Imaginese o que aconteceria se durante 20 30 ou 40 anos países novos tivessem a possibilidade de se impor nos mercados externos ou mesmo internos dos Estados Unidos vendendolhes seus produtos com a etiqueta Made in USA Em resumo o triunfo dos nórdicos não teria resultado de uma melhor concepção dos negócios nem dó jogo natural da concorrência industrial embora tivessem sido certamente favorecidos pelo pagamento de salários inferiores nem ao fato de terem adotado a Reforma A política deles consistiu simplesmente em conquistar o lugar dos antigos ganhadores sendo a violência um dos recursos usados Será necessária dizer que essa regra persiste A PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 59 partilha violenta do mundo quando da I Guerra Mundial denunciada por Lênin e menos nova do que se acreditava E não é ainda uma realidade do mundo atual Aqueles que estão no centro ou perto do centro têm todos os direitos sobre os outros E isso acarreta a segunda questão anunciada a divisão de toda a economiamundo em zonas concêntricas cada vez menos favorecidas à medida que se distanciam de seu pólo triunfante O esplendor a riqueza a alegria de viver reúnemse no centro da economiamundo em seu núcleo É aí que o sol da história faz brilhar as cores mais vivas e aí que se manifestam os preços altos os salários altos os bancos as mercadorias reais as indústrias lucrativas as agriculturas capitalistas e aí que se situam o ponto de partida e o ponto de chegada dos extensos tráficos o afluxo dos metais preciosos das moedas fortes dos títulos de crédito Toda uma modernidade econômica em avanço aí se aloja o viajante assinalao quando vê Veneza no século XV ou Amsterdam no século XVII ou Londres no século XVIII ou Nova Iorque hoje As técnicas de ponta também aí estão habitualmente e a ciência fundamental acompanhaas está com elas As liberdades aí se alojam não sendo inteiramente mitos nem inteiramente realidades Pensese no que se chamou a liberdade da vida em Veneza ou as liberdades na Holanda ou as liberdades na Inglaterra Esse nível da existência baixa de um tom quando se atinge os países intermediários esses vizinhos esses concorrentes esses êmulos do centro Aí poucos camponeses livres poucos homens livres trocas imperfeitas organizações bancárias e financeiras incompletas mantidas freqüentemente do exterior indústrias relativamente tradicionais Por muito bela que a França pareça ser no século XVIII o seu nível de vida não se compara com o da Inglaterra John Bull superalimentado comedor de carne calça PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 60 sapatos e o francês Jacques Bonhomme franzino comedor de pão macilento envelhecido prematuramente calça tamancos Mas como se está longe da França quando se aborda as regiões marginais Por volta de 1650 para usar um ponto de referência o centro do mundo e a minúscula Holanda ou melhor Amsterdam As zonas intermediárias as zonas segundas são o resto da Europa muito ativa ou seja os países do Báltico do mar do Norte a Inglaterra a Alemanha do Reno e do Elba a França Portugal Espanha a Itália ao norte de Roma E as regiões marginais são ao norte a Escócia a Irlanda a Escandinávia toda a Europa a leste de uma linha HamburgoVeneza a Itália ao sul de Roma Nápoles a Sicília enfim alémAtlântico a América europeizada margem por excelência Se excetuarmos o Canadá e as colônias inglesas da América em seus começos o Novo Mundo está por inteiro sob o signo da escravatura Do mesmo modo a margem da Europa central até à Polônia e além e a zona da segunda servidão ou seja de uma servidão que depois de ter quase desaparecido como tal no Ocidente aí foi restabelecida no século XVI Em resumo a economiamundo européia em 1650 e a justaposição a coexistência de sociedades que vão desde a sociedade já capitalista a holandesa até às sociedades servis e escravistas no fundo da escala Essa simultaneidade esse sincronismo fixam todos os problemas ao mesmo tempo De fato o capitalismo vive dessa sobreposição regular as zonas externas alimentam as zonas medianas e sobretudo as centrais E o que é o centro senão a ponta dominante a superestrutura capitalista do conjunto da construção Como há reciprocidade das perspectivas se o centro depende dos abastecimentos provenientes da periferia esta depende por sua vez das necessidades do centro que lhe dita sua lei No fim de contas foi a Europa Ocidental quem transferiu e como que reinventou a escravatura à moda antiga no âmbito do Novo Mundo e pelas exigências de sua economia induziu a segunda servidão na Europa do leste Daí o peso da afirmação de PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 61 Immanuel Wallerstein o capitalismo é uma criação da desigualdade do mundo para desenvolverse necessita das conivências da economia internacional É filho da organização autoritária de um espaço evidentemente desmedido Não teria progredido de um modo tão pujante num espaço econômico limitado Talvez não tivesse progredido nada sem o recurso ao trabalho servil de outrem Essa tese é uma explicação diferente do habitual modelo sucessivo escravatura servidão capitalismo Postula uma simultaneidade um sincronismo singular demais para não ser de grande alcance Mas não explicatudo não pode explicar tudo Que mais não seja sobre um ponto que creio essencial para as origens do capitalismo moderno quer dizer o que se passa além das fronteiras da economiamundo européia Com efeito até ao final do século XVIII e ao aparecimento de uma verdadeira economia mundial a Ásia conheceu por seu lado economiasmundos solidamente organizadas e exploradas penso na China no Japão no bloco ÍndiaInsulíndia no Islã É de boa regra afirmar e é exato aliás que se afirme que as relações entre essas economias e as da Europa são superficiais que envolvem apenas algumas mercadorias de luxo pimentas especiarias e seda em particular trocadas contra espécies monetárias e que o todo pouco conta em face das massas econômicas em presença Sem dúvida mas essas trocas restritas e soitdisant superficiais são aquelas que se reserva de cada lado o grande capital e isso tampouco é não pode ser um acaso Chego mesmo a pensar que toda a economia mundo se manipula freqüentemente desde fora A grande história da Europa o diz com insistência e ninguém pensa que ela esteja errada em colocar em destaque a chegada de Vasco da Gama a Calicut em 1498 a escala do holandês Cornelius Houtman em Bantam a grande cidade de Java em 1595 a vitória de Robert Clive em Plassey em 1757 que entrega Bengala à Inglaterra O destino tem botas de sete léguas Atinge muito longe PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 62 III Já falei de uma sucessão de economiasmundos na Europa a propósito dos centros que as criaram e animaram uma após outra Assinalese que até por volta de 1750 esses centros dominadores foram sempre cidades ou cidadesEstados Porquanto se pode muito bem dizer que Amsterdam que domina o mundo da economia ainda em meados do século XVIII foi a última das cidadesEstados das pólis da história Por trás dela as Províncias Unidas exercem apenas uma sombra de governo Amsterdam reina sozinha farol luminoso que se vê do mundo inteiro desde o mar das Antilhas até às costas do Japão Pelo contrário em meados do Século das Luzes começa uma era diferente Londres a nova soberana não é uma cidade Estado é a capital das ilhas britânicas que lhe fornecem a força irresistível de um mercado nacional Portanto duas fases as criações e dominações urbanas as criações e dominações nacionais Tudo isso a ser visto muito rapidamente não só porque o leitor está ao corrente desses fatos conhecidos não só porque já falei deles mas também porque a meus olhos somente importa o conjunto desses fatos conhecidos pois e a respeito desse conjunto que o problema do capitalismo se põe e se esclarece de maneira bastante nova A Europa terá sucessivamente até 1750 gravitado em torno de cidades essenciais transformadas por seu próprio papel em monstros sagrados Veneza Antuérpia Gênova Amsterdam Entretanto nenhuma cidade dessa ordem domina ainda a vida econômica no século XIII Não que a Europa não seja já uma economiamundo estruturada organizada O Mediterrâneo conquistado por um tempo pelo Islã foi reaberto ao cristão e o comércio do Levante oferece ao Ocidente essa antena longínqua e prestigiosa sem a qual não existe sem dúvida economiamundo digna desse nome Duas regiõespilotos se individualizaram PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 63 nitidamente a Itália ao sul os Países Baixos ao norte E o centro de gravidade do conjunto estabilizouse entre essas duas zonas a meio caminho nas feiras de Champagne e de Brie essas feiras que são cidades artificiais adicionadas a uma quase grande cidade Troyes e a três cidades secundárias Provins BarsurAube e Lagny Seria um exagero dizer que esse centro de gravidade situase no vazio tanto mais que não se encontra muito distante de Paris então uma grande praça comercial no pleno fulgor da monarquia de São Luís e do excepcional brilhantismo de sua Universidade Giuseppe Toffanin historiador do Humanismo não se enganou em seu livro com um título característico Il Secolo senza Roma entendase o século XIII durante o qual Roma perdeu em benefício de Paris seu reinado cultural Mas e perfeitamente óbvio que o brilho de Paris nesse tempo tem algo a ver com as feiras ruidosas e ativas de Champagne lugar quase contínuo de encontros internacionais Os panos e têxteis do norte dos Países Baixos lato sensu vasta nebulosa de oficinas familiares que trabalham a lã o cânhamo o linho desde as margens do Marne até ao Zuyderzee são trocados pela pimenta as especiarias e o dinheiro dos mercadores e prestamistas italianos Essas trocas restritas de produtos de luxo são suficientes entretanto para pôr em marcha um enorme aparelho de comércio de indústrias de transportes e de crédito e a fazer dessas feiras o centro econômico da Europa da época O declínio das feiras de Champagne é marcado com o fim do século XIII por razões diversas a realização de uma ligação marítima direta entre o Mediterrâneo e Bruges desde 1297 o mar leva a melhor sobre a terra a valorização da via nortesul das cidades alemãs pelo Símplon e o SaintGothard a industrialização enfim das cidades italianas elas não se contentavam mais em tingir os panos crus do Norte doravante fabricamnos e a Arte della lana ganha impulso em Florença Mas sobretudo a grave crise econômica que não tarda em acompanhar a tragédia da Peste Negra PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 64 no século XIV vai desempenhar seu papel habitual a Itália a parceira mais poderosa das trocas de Champagne sairá triunfante da provação Ela tornouse ou voltou a ser o centro indiscutível da vida européia Vai encarregarse de todas as trocas entre Norte e Sul e além disso as mercadorias que lhe chegam do Extremo Oriente pelo golfo Pérsico o mar Vermelho e as caravanas do Levante abremlhe a priori todos os mercados da Europa Na verdade o primado italiano se dividirá por muito tempo entre quatro cidades poderosas Veneza Milão Florença e Gênova Somente após a derrota de Gênova em 1381 e que começa o longo reinado nem sempre tranqüilo de Veneza Durará entretanto mais de um século por todo o tempo em que Veneza dominar as praças do Levante e atuará como redistribuidora principal para a Europa inteira que a visita pressurosa dos produtos mais procurados que chegavam do Extremo Oriente No século XVI Antuérpia suplanta a cidade de São Marcos é que ela tornouse o entreposto da pimenta que Portugal importa em grandes quantidades via Atlântico e por conseguinte o porto do Escalda onde os portugueses estabeleceram sua feitoria na Flandres converteuse num enorme centro dominando o tráfego do Atlântico e da Europa do norte Subseqüentemente diversas razões políticas cuja explicação seria demasiado longa e que estão ligadas à guerra dos espanhóis nos Países Baixos darão o posto dominante a Gênova A fortuna da cidade de São Jorge não se baseia quanto a ela no comércio do Levante mas no do Novo Mundo no comércio de Sevilha e nos caudais de prata provenientes das minas americanas de que ela se tornou o redistribuidor europeu Enfim Amsterdam põe todos de acordo sua longa preponderância mais de século e meio exercida desde o Báltico ao Levante e às Molucas depende essencialmente de seu incontestado controle das mercadorias do Norte por um lado e por outro das especiarias finas canela cravo etc de que os holandeses encamparam rapidamente todas as PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 65 fontes de suprimento no Extremo Oriente Esse quasemonopólio permitiu a Amsterdam jogar um pouco por toda a parte a seu modo Mas deixemos essas cidadesimpérios para chegar rapidamente ao grande problema dos mercados nacionais e das economias nacionais Uma economia nacional e um espaço político transformado pelo Estado em virtude das necessidades e inovações da vida material num espaço econômico coerente unificado cujas atividades podem encaminharse em conjunto numa mesma direção Somente a Inglaterra terá realizado precocemente essa façanha A seu respeito falase de revoluções agrícola política financeira industrial Cumpre acrescentar a essa lista dandolhe o nome que se queira a revolução que criou o seu mercado nacional Otto Hintze criticando Sombart foi um dos primeiros a sublinhar a importância dessa transformação a qual decorre da abundância relativa num território bastante exíguo dos meios de transporte somandose a cabotagem marítima à rede compacta de rios e canais e às numerosas viaturas e animais de carga Por intermédio de Londres as províncias inglesas trocam seus produtos e os exportam tanto mais que o espaço inglês foi desde cedo liberado de suas alfândegas e seus pedágios internos Finalmente a Inglaterra realizou sua união com a Escócia em 1707 com a Irlanda em 1801 A façanha pensará o leitor já tinha sido realizada pelas Províncias Unidas mas seu território era minúsculo incapaz até de alimentar sua população Esse mercado interno não entra nos cálculos dos capitalistas holandeses inteiramente voltados para o mercado externo Quanto à França defrontouse com obstáculos demais seu atraso econômico sua imensidade relativa sua renda pro capite demasiado frágil suas ligações internas difíceis e para terminar uma centragem imperfeita Portanto um país PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 66 excessivamente vasto em relação aos transportes da época excessivamente diverso e desorganizado Edward Fox num livro que causou grande alarido não teve dificuldade em mostrar que havia pelo menos duas Franças uma marítima viva flexível sacudida pelo impulso econômico do século XVIII mas que está pouco vinculada ao hinterland todas as suas atenções voltadas para o mundo exterior e a outra continental presa à terra conservadora habituada aos estreitos horizontes locais inconsciente das vantagens econômicas de um capitalismo internacional E foi esta segunda França que teve regularmente em suas mãos o poder econômico Tanto mais que o centro governamental do país Paris no interior rural nem mesmo e a capital econômica da França esse papel foi desempenhado por muito tempo por Lyon desde o estabelecimento de suas feiras em 1461 Esboçouse no final do século XVI um movimento a favor de Paris mas não teve seguimento Só depois de 1709 e da bancarrota de Samuel Bernard e que Paris se torna o centro econômico do mercado francês e que este após a reorganização da Bolsa de Paris em 1724 começa a desempenhar o seu papel Mas e tarde e o motorembora ganhe embalo na época de Luís XVI não chega a animar a subjugar a totalidade do espaço francês A Inglaterra teve um destino diverso e muito mais simples Só havia um centro Londres centro econômico e político desde o século XV e que formandose rapidamente modela ao mesmo tempo o mercado inglês de acordo com as suas conveniências ou seja as conveniências dos grandes comerciantes locais Por outra parte a sua insularidade ajudou a Inglaterra a separarse de outrem a desprenderse da ingerência do capitalismo estrangeiro Assim aconteceu em face de Antuérpia graças a Thomas Gresham em 1558 com a criação da Stock Exchange Bolsa de Valores Assim aconteceu com a Liga Hanseática quando do encerramento do Stalhof em 1597 e da revogação dos privilégios de seus antigos hóspedes Assim aconteceu em face de PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 67 Amsterdam desde o primeiro Navigation Act de 1651 Nessa época Amsterdam dominao essencial do comércio europeu Mas a Inglaterra dispunha contra ela de um meio de pressão os veleiros holandeses têm com efeito a necessidade constante dado o regime de ventos dominantes de fazer escala nos portos ingleses É o que explica sem dúvida que a Holanda tenha aceitado da Inglaterra medidas protecionistas que não aceitou de mais ninguém Em todo o caso a Inglaterra soube proteger o seu mercado nacional e a sua indústria nascente melhor do que qualquer outro pais da Europa A vitória inglesa sobre a França lenta em afirmarse precoce em detonar em minha opinião desde o tratado de Utrecht em 1713 atinge o seu auge em 1786 o tratado de Eden e tornase triunfal em 1815 vitória de Waterloo Com o advento de Londres foi virada uma página da história econômica da Europa e do mundo pois o estabelecimento da preponderância econômica da Ingla terra preponderância que se estende também à liderança política marca o fim de uma era multissecular a das economias de conduta urbana e não menos a das economiasmundos que apesar do impulso e das cobiças da Europa teriam sido incapazes de englobar o resto do universo O que a Inglaterra logrou às custas de Amsterdam não foi somente o recomeço das antigas proezas mas a sua superação Essa conquista do universo foi difícil cortada de incidentes e de dramas mas a preponderância inglesa mantevese superou os obstáculos Pela primeira vez a economia mundial européia abalando as outras vai pretender dominar a economia mundial e identificarse com ela através de um universo onde todo e qualquer obstáculo se apagará diante do inglês ele primeiro mas também diante do europeu Isso até 1914 André Siegfried que nascido em 1875 tinha 25 anos no inicio do nosso século recordava com delicia muito mais tarde num mundo eriçado de fronteiras que tinha feito então a volta ao mundo portando como único documento PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 68 de identidade o seu cartão de visita Milagre da pax britannica da qual evidentemente um certo numero de homens pagava o preço IV A Revolução Industrial inglesa de que nos falta falar foi para a preponderância da ilha um banho de rejuvenescimento um novo convênio com a potência Mas não se assustem não vou lançarme irrefletidamente nesse enorme problema de história que na verdade chega até nós assedianos A indústria está sempre à nossa volta sempre revolucionária e ameaçadora Tranqüilizemse pretendo apenas expor os primórdios desse enorme movimento e cuidarei bem de não me lançar nas brilhantes controvérsias em que mergulham os historiadores anglosaxônicos eles em primeiro lugar e os outros Aliás o meu problema e restrito quero assinalar em que medida a industrialização inglesa se harmoniza com os esquemas e modelos que desenhei e em que medida ela se integra à história geral do capitalismo já tão rico em golpes teatrais Precisemos que a palavra revolução e aqui como sempre empregada numa acepção contrária Uma revolução segundo a etimologia e o movimento de uma roda de um astro que gira um movimento rápido desde o instante em que começa sabese que está fadado a terminar bastante depressa Ora a Revolução Industrial foi por excelência um movimento lento e em seus começos pouco discernível O próprio Adam Smith viveu no meio dos primeiros sinais dessa Revolução sem se aperceber disso Que a Revolução tenha sido muito lenta portanto difícil complexa não o explica o tempo presente Sob os nossos olhos uma parte do Terceiro Mundo industrializase mas com uma dificuldade inaudita com inúmeros fracassos e uma morosidade que parece a priori anormal Uma vez e o setor agrícola que não acompanhou a modernização ou há escassez de mãodeobra PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 69 qualificada ou a demanda do mercado interno revelouse insuficiente outra vez os capitalistas locais preferiram aos investimentos no país colocar o dinheiro no exterior em negócios mais seguros e mais lucrativos ou o Estado revelou ser esbanjador ou prevaricador ou a técnica importada e inadaptada ou custa muito caro e pesa sobre o preço de custo ou as importações necessárias não são compensadas pelas exportações o mercado internacional por este ou aquele motivo revelouse hostil e sua hostilidade teve a última palavra Ora todas essas transformações produzemse quando a Revolução ia não tem que ser inventada quando os modelos estão à disposição de todo o mundo Portanto a priori tudo deveria ser fácil E nada funciona facilmente De fato a situação de todos esses países não lembra muito mais o que se passou antes da experiência inglesa ou seja o fracasso de tantas revoluções antigas virtualmente possíveis no plano técnico O Egito ptolemaico conhecia a força do vapor de água mas só servia como divertimento O mundo romano dispunha de um vasto acervo técnico e tecnológico que por mais de uma vez terá atravessado sem que o notassem os séculos da alta Idade Média para reviver nos séculos XII e XIII Nesses séculos de renascença a Europa aumenta de um modo fantástico suas fontes de energia multiplicando os moinhos de água que Roma tinha conhecido e os moinhos de vento é já uma revolução industrial Parece que a China descobriu no século XIV a fundição a coque mas essa revolução virtual não teve continuidade alguma No século XVI todo um sistema de elevação bombeamento e esgotamento de água é instalado nas minas profundas mas essas primeiras fábricas modernas usinas avant la lettre depois de terem seduzido o capital serão rapidamente vítimas das leis dos rendimentos decrescentes No século XVII o uso do carvão mineral ampliouse na Inglaterra e John U Nef teve razão em falar a esse respeito de uma primeira revolução inglesa mas uma revolução incapaz de se propagar e de acarretar grandes transformações Quanto à França os sinais de um PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 70 progresso industrial são nítidos no século XVIII as invenções técnicas sucedemse e a ciência fundamental e pelo menos tão brilhante quanto alémMancha Mas enfim é na Inglaterra que são dados os passos decisivos Aí tudo se processou como que naturalmente e é esse o problema apaixonante que apresenta a primeira Revolução Industrial do mundo a maior cesura da história moderna Mas por quê a Inglaterra Os historiadores ingleses estudaram tanto esses problemas que o historiador estrangeiro perdese facilmente no meio de controvérsias que ele compreende uma de cada vez mas cuja soma em nada simplifica a explicação A única coisa segura é que as explicações fáceis e tradicionais foram descartadas A tendência é cada vez mais para considerar a Revolução Industrial como um fenômeno de conjunto e um fenômeno lento que implica por conseguinte origens longínquas e profundas Se nos reportarmos aos crescimentos difíceis e caóticos de que falei há um instante nas zonas mal desenvolvidas do mundo de hoje não e surpreendente que o boom da revolução pela máquina inglesa da primeira produção em massa tenha podido desenvolverse no final do século XVIII e prosseguido durante o século XIX como um fantástico crescimento nacional sem que em nenhuma parte o motor enguice sem que em nenhuma parte se produzam estrangulamentos Os campos ingleses esvaziaramse de homens sem que deixassem de manter sua capacidade de produção os novos industriais encontraram a mãodeobra qualificada e nãoqualificada de que necessitavam o mercado interno continuou se desenvolvendo apesar da alta dos preços a técnica acompanhou propondo regularmente seus serviços sempre que se fazia necessário os mercados externos abriramse em cadeia um após outro E mesmo os lucros decrescentes a queda muito forte por exemplo dos lucros da indústria do algodão depois do primeiro boom não provocaram uma crise os enormes capitais acumulados foram transferidos para outro lugar e as estradas de ferro sucederam ao algodão PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 71 Em suma todos os setores da economia inglesa responderam às exigências dessa investida vigorosa da produção sem bloqueios sem avarias Logo não é toda a economia nacional que deve ser responsabilizada Aliás na Inglaterra a revolução do algodão surgiu da vida comum Na maioria dos casos as descobertas são feitas por artesãos Os industriais são com freqüência de origem humilde Os capitais investidos fáceis de obter através de empréstimos foram no início de escasso volume Não foi a riqueza adquirida não foi Londres e seu capitalismo mercantil e financeiro quem provocou a espantosa mutação Londres só obterá o controle da indústria depois da década de 1830 Assim se vê admiravelmente e com base num vasto exemplo que é a força a vida da economia de mercado e mesmo da economia de base da pequena indústria inovadora e não menos do funcionamento global da produção e das trocas que têm a responsabilidade pelo desenvolvimento do que em breve será chamado de capitalismo industrial Este só pôde crescer adquirir forma e força na medida do avanço da economia subjacente Entretanto a Revolução Industrial inglesa certamente não teria sido o que foi sem as circunstâncias que fizeram então da Inglaterra praticamente a senhora in contestada do mundo A Revolução Francesa e as guerras napoleônicas como se sabe para isso contribuíram largamente E se o boom do algodão se consolidou de forma duradoura foi porque o motor se viu incessantemente realimentado pela abertura de novos mercados a América portuguesa a América espanhola o império turco as Índias O mundo foi o cúmplice eficaz sem querer da Revolução Inglesa De modo que a discussão tão acerba entre os que somente aceitam uma explicação interna do capitalismo e da Revolução Industrial por uma transformação das estruturas sócioeconômicas e aqueles que só querem ver uma explicação externa na verdade a exploração imperialista do mundo essa discussão pareceme sem objetivo Não explora o mundo quem quer É necessária uma potência prévia lentamente amadurecida Mas é certo que essa PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 72 potência se se forma mediante um trabalho lento sobre si mesma reforçase péla exploração de outros e no decorrer desse duplo processo a distância que a separa deles aumenta As duas explicações interna e externa estão pois inextricavelmente misturadas Eisme chegado ao momento de concluir Não estou certo de que tenha convencido o leitor Mas duvido ainda mais de que consiga convencelo agora confiando lhe para terminar as minhas explicações o que penso do mundo e do capitalismo hodiernos à luz do mundo e do capitalismo de ontem tal como os vejo e como tentei descrevelos Mas não e mister que a explicação histórica vá até ao tempo presente Que ela se justifique por esse encontro Sem dúvida o capitalismo de hoje mudou de tamanho e de proporções de um modo fantástico Adequouse às mudanças de base e dos meios estes fantasticamente ampliados também Mas mutatis mutandis duvido de que a natureza do capitalismo tenha mudado radicalmente Três provas vêm em meu apoio O capitalismo permanece fundamentado numa exploração dos recursos e das possibilidades internacionais por outras palavras existe em dimensões mundiais ou pelo menos tende para o mundo inteiro Sua grande tarefa atual reconstituir esse universalismo Apóiase sempre obstinadamente em monopólios de direito ou de fato apesar das violências desencadeadas a esse respeito contra ele A organização como se diz hoje continua a fazer funcionar o mercado Mas e errôneo considerar que seja esse um fato verdadeiramente novo Mais ainda apesar do que habitualmente se diz o capitalismo não abrange toda a economia toda a sociedade que trabalha jamais encerra uma e outra num sistema o dele e que seria PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 73 perfeito a tripartição de que falei antes vida material economia de mercado economia capitalista esta com enormes adjunções conserva um surpreendente valor atual de discriminação e de explicação Para nos convencermos disso basta conhecer por dentro algumas atividades presentes características situadas nesses diferentes patamares No andar térreo mesmo na Europa onde existe ainda tanto autoconsumo serviços que a contabilidade nacional não integra tantas barracas e pequenas lojas artesanais No patamar médio seja exemplo um confeccionador de vestuário ele está submetido em sua produção e no escoamento de sua produção à estrita e mesmo feroz lei da concorrência um momento de desatenção ou de fraqueza de sua parte e é a débâcle Mas eu poderia citar no último andar entre outras duas enormes firmas que conheço supostamente concorrentes e as únicas concorrentes no mercado europeu uma francesa a outra alemã Ora élhes perfeitamente indiferente que as encomendas sejam confiadas a uma ou a outra porquanto há uma fusão de seus interesses seja qual for a via adotada para esse efeito Confirmome assim na minha opinião à qual aderi pessoal e lentamente a saber o capitalismo deriva por excelência das atividades econômicas desenvolvidas na cúpula ou que tendem para a cúpula Por conseguinte esse capitalismo de alto vôo flutua sobre a dupla espessura subjacente da vida material e da economia coerente do mercado representa a zona de alto lucro Fiz assim dele um superlativo O leitor poderá criticarme por isso mas não sou o único dessa opinião Em seu opúsculo de 1917 O Imperialismo estágio supremo do capitalismo Lênin afirma por duas vezes O capitalismo é a produção mercantil em seu mais alto grau de desenvolvimento dezenas de milhares de grandes empresas são tudo dezenas de milhões de pequenas empresas nada são Mas essa verdade evidente de 1917 é uma verdade velha muito velha O defeito dos estudos de jornalistas economistas sociólogos e com freqüência o de não levarem em conta as dimensões e as PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 74 perspectivas históricas Muitos historiadores não fazem aliás a mesma coisa como se o período que eles estudam existisse em si fosse um começo e um fim Lenin que é um espírito perspicaz assim escreve no mesmo opúsculo de 1917 O que caracterizava o antigo capitalismo onde reinava a livre concorrência era a exportação de mercadorias O que caracteriza o capitalismo atual onde reinam os monopólios e a exportação de capitais Estas afirmações são mais do que discutíveis o capitalismo sempre foi monopolista e mercadorias e capitais nunca deixaram de viajar simultaneamente tendo os capitais e o crédito sido sempre o meio mais seguro de alcançar e forçar um mercado exterior Muito antes do século XX a exportação de capitais foi uma realidade cotidiana para Florença desde o século XIII para Augsburgo Antuérpia e Genova no século XVI No século XVIII os capitais correm a Europa e o mundo Todos os meios procedimentos e estratagemas do dinheiro não nasceram em 1900 ou em 1914 precisaria dizêlo O capitalismo conheceos todos e ontem como hoje a sua característica e a sua força são de poder passar de um estratagema para outro de uma forma de ação para outra de mudar dez vezes suas baterias segundo as circunstâncias da conjuntura e assim fazendo permanecer bastante fiel bastante semelhante a si mesmo O que lamento por minha parte Pão como historiador mas como homem do meu tempo é que tanto no mundo capitalista quanto no mundo socialista seja recusada uma distinção entre capitalismo e economia de mercado Àqueles que no Ocidente atacam os malefícios do capitalismo os homens políticos e os economistas respondem ser esse um mal menor o avesso obrigatório da livre empresa e da economia de mercado Não creio nisso Àqueles que segundo um movimento sensível até na URSS se inquietam com a falta de agilidade da economia socialista e gostariam de lhe propiciar mais espontaneidade eu traduziria mais liberdade a resposta e ser esse um mal menor o avesso obrigatório da destruição do flagelo capitalista Tampouco creio PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 75 nisso Mas a sociedade que para mim seria ideal e possível Em todo o caso não penso que ela tenha muitos partidários através do mundo É com esta afirmação geral que poria fim de bom grado às minhas explicações se não tivesse uma última confidência de historiador a fazer A história está sempre recomeçando está sempre se fazendo e se superando Seu destino e o mesmo de todas as ciências do homem Não acredito pois que os livros de história que escrevemos sejam válidos por decênios e decênios Não existe um livro escrito de uma vez por todas e todos nós o sabemos A minha interpretação do capitalismo e da economia baseiase numa vasta e assídua freqüentação de arquivos e em numerosas leituras mas em última instância em números não suficientemente numerosos não suficientemente ligados uns aos outros mais no qualitativo do que no quantitativo As monografias que dão curvas de produção taxas de lucro taxas de poupança que apresentam balanços sérios de empresas que mais não sejam uma estimativa aproximada da usura do capital fixo são raríssimas Procurei em vão junto de colegas e amigos informações mais precisas nesses diversos domínios Mas com magros resultados Ora e nessa direção em meu entender que pode existir uma saída para fora das explicações em que me encerrei à falta de melhor Dividir para melhor compreender dividir entre três planos ou três etapas é mutilar forçar a realidade econômica e social bem mais complexa Na verdade e o conjunto que cumpre apreender para ao mesmo tempo entender as razões da mudança das taxas de crescimento que ocorreu simultaneamente com o maquinismo Uma história totalizante globalizante seria possível se no domínio da economia do passado lográssemos incorporar os métodos modernos de uma certa contabilidade nacional de uma certa macroeconomia Acompanhar o movimento da renda nacional da renda nacional pro PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom Fernand Braudel A dinâmica do capitalismo 76 capite reconsiderar uma obra pioneira de história a de Renê Baehrel sobre a Provença dos séculos XVII e XVIII tentar estabelecer correlações entre orçamento e renda nacional tentar medir o intervalo diferente segundo as épocas entre produto bruto e produto líquido segundo os conselhos de Simon Kuznets cujas hipóteses a esse respeito me parecem capitais para uma compreensão do crescimento moderno tais são as tarefas que eu proporia de bom grado a jovens historiadores Nos meus livros abri de tempos em tempos uma janela sobre essas paisagens que só se vislumbram imprecisamente mas uma janela não pode ser suficiente Seria indispensável uma investigação se não coletiva pelo menos coordenada O que não quer dizer bem entendido que essa história de amanhã venha a ser a história econômica ne varietur A contabilidade econômica tanto quanto possível é um estudo do fluxo das variações da renda nacional não a medida da massa dos patrimônios das fortunas nacionais Ora essa massa também acessível deve ser estudada Haverá sempre para os historiadores e para todas as outras ciências do homem e para todas as ciências objetivas uma América a descobrir PDF Creator PDF4Free v20 httpwwwpdf4freecom