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JEANPAUL SARTRE AS MOSCAS 2 AS MOSCAS por JEAHPAUL SARTRE 2 edição Traducão de NUNO VALADAS EDITORIAL PRESENÇA LISBOA 1965 Books scans Sandman cassiosg1111gmailcom 3 4 Sumário PRIMEIRO ACTO 5 CENA I 6 CENAII 20 CENA III 26 CENA IV 28 CENA V 35 CENA VI 43 SEGUNDO ACTO 45 PRIMEIRO QUADRO 46 CENA I 46 CENA II 51 CENA III 57 CENA IV 64 SEGUNDO QUADRO 78 CENA I 78 CENA II 78 CENAIII 82 CENA IV 85 CENA V 85 CENA VI 95 CENA VII 98 CENA VIII 100 TERCEIRO ACTO 104 CENA I 105 CENA II 115 CENA III 129 CENA IV 131 CENA V 132 CENA VI 134 PRIMEIRO ACTO 5 6 Uma praça em Argos Uma estátua de Júpiter deus das moscas e da morte com os olhos revirados e o rosto manchado de sangue CENA I Algumas velhas vestidas de preto entram em procissão e fazem libações em frente da estátua Ao fundo está o idiota sentado no chão Entram Orestes e o Pedagogo e a seguir Júpiter ORESTES Eh Mulherzinhas As velhas voltamse dando um grito O PEDAGOGO Podeis dizernos As velhas escarram no chão recuando um passo O PEDAGOGO Escutai somos caminhantes perdidos Peçovos apenas uma indicação As velhas fogem deixando cair as urnas O PEDAGOGO 7 Estafermos Cobiçovos eu porventura Ah Meu senhor que viagem agradável Que bela inspiração a vossa em aqui vir quando há mais de quinhentas cidades tanto na Grécia como na Itália que têm bons vinhos estalagens acolhedoras e ruas cheias de gente Estes montanheses parece que nunca viram turistas cem vezes perguntei pelo nosso caminho nesta maldita cidadezeca a corar ao sol Pois por toda a parte deparei como as mesmas exclamações de terror e as mesmas debandadas e tive que fazer longos percursos negros nas ruas ofuscantes Puf Estas ruas desertas esta atmosfera vacilante e este sol Haverá alguma coisa mais sinistra do que o sol ORESTES Aqui nasci O PEDAGOGO Ao que parece Mas se fosse comigo não me gabaria ORESTES Aqui nasci e contudo tenho que perguntar pelo meu caminho como se fora um caminhante Bate a essa porta O PEDAGOGO E que esperais disso Que vos atendam Olhaime estas casas e dizeime o que vos parecem Onde estão as janelas Penso que dão para bem fechados e sombrios saguões e que as casas viram para a rua o trazeiro Gesto de Orestes Pronto eu bato embora sem esperança Bate Silêncio Bate novamente a porta entreabrese UMA VOZ Que quereis 8 O PEDAGOGO Apenas uma informação Sabeis onde mora A porta fechase bruscamente O PEDAGOGO Ide para o inferno Estais contente e chegavos esta experiência senhor Orestes Posso se quiserdes bater a todas as portas ORESTES Não Deixa lá O PEDAGOGO Olha Mas está aqui alguém Aproximase do idiota Monsenhor O IDIOTA Aââ O PEDAGOGO cumprimentando novamente Monsenhor O IDIOTA Aââ O PEDAGOGO Podereis indicarnos a casa do Egísto O IDIOTA 9 Aââ O PEDAGOGO De Egísto o rei de Argos O IDIOTA Aââ Aââ Júpiter passa ao fundo O PEDAGOGO Pouca sorte O primeiro que não foge é idiota Júpiter volta o passar Olhem que esta Seguiunos até cá ORESTES Quem O PEDAGOGO O barbudo ORESTES Estas a sonhar O PEDAGOGO Acabo de o ver passar ORESTES Com certeza que te enganaste O PEDAGOGO 10 Impossível Nunca na vida vi uma tal barba salvo aquela em bronze que enfeita o rosto de Júpiter Aenobarbo em Palermo Olhai ei lo que passa novamente Que nos quererá ORESTES Anda em viagem como nos O PEDAGOGO Ora Encontrámolo na estrada de Delfos E quando embarcámos em Iteia já ele exibia as barbas no barco Em Naúplia não podíamos dar um passo sem o ter à perna e agora eilo aqui Se calhar achais que são tudo simples coincidências Enxota as moscas com as mãos Ah Estas moscas de Argos parecemme bem mais sociáveis que as pessoas Olhai olhai estas Aponta um olho do idiota São doze num só olho como se fosse numa fatia de pão com doce e contudo sorri encantado com ar de quem gosta que lhe suguem os olhos E reparai escorrelhe dali uma gordura branca que parece leite coalhado Enxota as moscas Basta meninas basta Olhai aí as tendes vós Enxotaas Ao menos isto põe vos à vontade vós que tanto vos lamentáveis de ser um estranho na vossa própria terra aí tendes esses animaizinhos que vos saúdam com animação e parecem reconhecervos Enxotaas Vamos basta Basta de efusões De onde virão elas Fazem mais barulho que molinetes e são maiores que libélulas JÚPITER que entretanto se aproximara Não passam de moscas carnívoras um bocado gordas Há uns quinze anos que um forte cheiro a cadáver as atraiu à cidade Desde então que engordam Dentro de quinze anos terão o tamanho de rãzinhas Um silêncio O PEDAGOGO Com quem temos a honra de falar 11 JÚPITER O meu nome é Demétrio Venho de Atenas ORESTES Parece que vos vi no barco a quinzena passada JÚPITER Também vos vi lá Gritos horríveis no palácio O PEDAGOGO Eh lá Eh lá Isto começa a não me cheirar nada bem e a minha opinião é que faríamos melhor se nos puséssemos a andar ORESTES Calate JÚPITER Nada tendes a temer Hoje é o dia dos mortos Estes gritos marcam o começo da cerimónia ORESTES Pareceis saber muito a respeito de Argos JÚPITER Venho cá com frequência Não sei se sabeis que eu estava presente quando do regresso do rei Agamémnon no momento em que a frota vitoriosa dos Gregos ancorou na baía de Naúplia Avistavamse as velas brancas do alto das muralhas Enxota as moscas Nesse tempo 12 ainda não havia moscas e Argos não passava duma cidadezinha de província que se aborrecia preguiçosamente ao sol Subi com os outros ao caminho da ronda durante os dias que se seguiram e ficámos a olhar demoradamente o cortejo real que vinha pela planíce Ao anoitecer do segundo dia a rainha Clitemnestra veio às muralhas acompanhada de Egisto o actual rei O povo de Argos viu as suas faces avermelhadas pelo sol poente viuos debruçarse sobre as ameias e olhar longamente na direcção do mar e pensou Más coisas vão acontecer Mas nada disse Egisto como já o deveis saber era o amante da rainha Clitemnestra Um debochado que já nessa época tinha propensão para a melancolia Estais fatigado ORESTES É da longa caminhada que fiz e deste maldito calor Mas interessame o que dizeis JÚPITER Agamémnon era bom homem mas cometera um grande erro Nunca permitira que as execuções capitais tivessem lugar em público É pena Um bom enforcamento na província sempre distrai e insensibiliza um bocado as pessoas quanto à morte Esta gente nada disse porque se aborrecia e queria ver uma morte violenta Nada disseram quando viram o seu rei aparecer as portas da cidade E quando viram Clitemnestra estenderlhe os belos braços perfumados também nada disseram E contudo nesse momento teria bastado uma palavra mas todos se calaram e cada um guardava já na mente a visão dum enorme cadáver de rosto despedaçado ORESTES E vós também nada dissestes JÚPITER Isso irritavos meu jovem Fico bem contente que assim seja 13 pois prova que tendes bons sentimentos Pois bem não falei não senhor não sou de cá e o assunto não me tocava de perto E quanto aos habitantes de Ârgos quando no dia seguinte ouviram no palácio os uivos de dor que dava o seu rei voltaram a não dizer nada e deixaram cair as pálpebras sobre os olhos revirados de volúpia ficando a cidade inteira como uma mulher aluada ORESTES E o assassino continua a reinar Já conheceu quinze anos de felicidade Eu julgava que os deuses fossem justos JÚPITER Eh lá Não incrimineis tão depressa os deuses Achais que deverão sempre castigar Então não seria melhor que aproveitassem a desordem em benefício da ordem moral ORESTES E fizeramno JÚPITER Mandaram as moscas O PEDAGOGO Para que são as moscas aqui chamadas JÚPITER Oh São um símbolo Mas o que elas fizeram julgaio por isto olhai ali aquela centopeia velha que arrasta as negras patitas rasando a parede é um belo espécime dessa fauna negra e achatada que pulula nas fendas É num instante que a apanho e volo trago aqui Salta sobre a velha e trála para a boca da cena Aqui está o pescado Vede que horror 14 Uh Tens os olhos semicerrados e todavia vós todos estais já bem habituados aos ofuscantes raios que o sol dardeja Que me dizeis destes estremeções de peixe filado pelo anzol Diz lá velha deves ter perdido dúzias de filhos estás de preto da cabeça aos pés Vamos fala e talvez te largue Por quem trazes luto A VELHA É o trajar de Argos JÚPITER O trajar de Argos Ah Já percebo É o luto pelo teu rei pelo teu rei assassinado que trazes em cima A VELHA Calate Por amor de Deus calate JÚPITER Que tu és suficientemente velha para os ter ouvido a esses gritos lancinantes que rodopiaram toda a manhã pelas ruas da cidade Que fizestes então A VELHA O meu homem estava para o campo que é que eu podia fazer Aferrolhei a porta JÚPITER Sim mas abriste a janela para ouvir melhor e pusestete a espiar por detrás das cortinas com a respiração suspensa e umas cócegas esquisitas no baixoventre 15 A VELHA Calate JÚPITER Com que energia deves ter amado nessa noite Foi um gozo hem A VELHA Ah Meu senhor foi um gozo bem horrível JÚPITER Um gozo vermelho cuja memória nunca haveis podido enterrar A VELHA Senhor Sereis um morto JÚPITER Um morto Vai vai louca Não te preocupes com quem eu sou será melhor que trates de ti e de ganhar o perdão do Céu pelo teu arrependimento A VELHA Ah Mas eu estou arrependida meu senhor Ah Se vós soubésseis como estou arrependida E também a minha filha está arrependida o meu genro sacrifica uma vaca todos os anos e ao meu neto que vai para os sete anos já o educámos no arrependimento é manso como um cordeiro muito loiro e já penetrado pelo sentimento do seu pecado original JÚPITER 16 Está bem põete a andar velha imunda e trata de te arrepender até que rebentes É a tua única esperança de salvação A velha foge Ou eu me engano muito meus senhores ou temos aqui piedade da boa à antiga assente sòlidamente sobre o terror ORESTES Mas que espécie de homem sois vós JÚPITER Que interessa a minha pessoa Falávamos dos deuses Ora bem deveria Egisto ter sido fulminado ORESTES Deveria Ah Sei lá o que deveria ter acontecido quero lá saber disso não sou de cá E Egisto Está arrependido JÚPITER Egisto Muito me espantará Mas que importa se uma cidade inteira se arrepende por ele No arrepender é o peso que conta Gritos horríveis no palácio Escutai Para que eles jamais esqueçam os gritos de agonia do seu rei um boieiro escolhido pela sua voz forte uiva desta maneira a cada aniversário no salão do palácio Orestes faz um gesto de repulsa Bah E isto ainda não é nada que direis então quando libertarem os mortos Há quinze anos precisos que Agamémnon foi assassinado Ah Como mudou desde então este leviano povo de Argos e como está agora perto do meu coração ORESTES Do vosso coração JÚPITER 17 Não façais caso meu jovem Era comigo mesmo que falava Deveria ter dito perto do coração dos deuses ORESTES De verdade Paredes manchadas de sangue moscas aos milhões um cheiro a matadouro um calor de rebentar as ruas desertas um deus com cara de assassino essas larvas aterradas que batem nos peitos no recôndito das suas casas e estes gritos insuportáveis é então isto o que agrada a Júpiter JÚPITER Ah Meu jovem não julgueis os deuses que eles têm dolorosos segredos Um silêncio ORESTES Agamémnon tinha uma filha não tinha Uma filha chamada Electra JÚPITER Sim Vive aqui No palácio de Egisto que é esse aí ORESTES Ah É o palácio de Egisto E que pensa Electra de tudo isso JÚPITER Bah É uma criança Havia também um filho um tal Orestes Dizem que morreu ORBSTES 18 Morreu Talvez O PEDAGOGO Mas com certeza meu senhor bem sabeis que morreu As pessoas em Náuplia contaramnos que Egisto tinha ordenado que o assassinassem pouco tempo depois da morte de Agamémnon JÚPITER Houve quem pretendesse que ficara vivo Os seus algozes apiedados têloiam abandonado na floresta Teria então sido recolhido e educado por ricos burgueses de Atenas Eu por mim desejaria que tivesse morrido ORESTES E porquê Não me dizeis JÚPITER Imaginai que ele aparece um dia às portas desta cidade ORESTES E daí JÚPITER Bah Se eu nessa altura o encontrasse dirlheia dirlheia assim Meu jovem Chamáloia de jovem visto que ele se está vivo tem aproximadamente a vossa idade A propósito senhor podeisme dizer o vosso nome ORESTES Chamome Filebo e sou de Corinto Viajo para me instruir com 19 um escravo que foi meu preceptor JÚPITER Perfeitamente Eu diria então Meu jovem idevos embora Que vindes aqui buscar Quereis fazer valer os vossos direitos Eh Sois ardente e forte daríeis num belo capitão num exército combativo podeis fazer melhor do que reinar numa cidade semimorta numa carcassa de cidade atormentada pelas moscas Os habitantes daqui são grandes pecadores mas eilos que se empenham no caminho do resgate Deixai os meu jovem deixaios respeitai a sua dolorosa empresa e afastaivos nas pontas dos pés Vós jamais poderíeis compartilhar do seu arrependimento visto que não haveis tomado parte no seu crime e a vossa inocência impertinente vos separa deles como um fosso profundo Ide vos se é que os amais ao menos um pouco Idevos senão fareis com que se percam se os fizerdes arrepiar caminho ao abandonar um instante que seja os seus remorsos todos os seus pecados acabarão por se coagular sobre eles próprios como gordura arrefecida Têm um peso na consciência têm medo e o medo e a consciência pesada exalam um aroma delicioso para as narinas dos deuses Sim essas almas dignas de piedade são aquelas que agradam aos deuses Queríeis vós tirarlhes o favor divino E que lhes daríeis em troca Digestões tranquilas a melancólica paz provinciana e o tédio ah o tédio quotidiano da felicidade Boa viagem meu jovem boa viagem a ordem numa cidade como a ordem nas almas é instável se lhe tocais provocareis uma catástrofe Olhandoa Uma terrível catástrofe que sobre vós recairá ORESTES De verdade Seria então isso o que diríeis Pois bem se eu fosse esse jovem respondervosia Medemse com o olhar o Pedagogo tosse Bah Sei lá o que vos responderia Talvez tenhais razão além de que o assunto não me diz respeito JÚPITER 20 Ora aí está Quem me dera que Orestes fosse tão razoável como voz Que a paz seja convosco tenho que ir à minha vida ORESTES A paz seja convosco JÚPITER A propósito se essas moscas vos incomodam aqui está o meio de vos livrardes delas olhai esse enxame que zumbe em vosso redor um movimento com o pulso um gesto com o braço e é só dizer Abraxás gálá gálá tsé tsé E é como vedes eilas que rebolam e rastejam que nem lagartas ORESTES Por Júpiter JÚPITER Isso é pouca coisa Apenas um joguinho de sociedade Sou encantador de moscas nas horas vagas Bons dias Voltaremos a vernos Sai CENAII ORESTES E O PEDAGOGO 21 O PEDAGOGO Desconfiai Este homem sabe quem sois ORESTES E será um homem O PEDAGOGO Ah Meu senhor como me fazeis pena Para que serviram então as minhas lições e esse cepticismo sorridente que vos ensinei Será um homem Com certeza pois ninguém mais existe além dos homens e estes já bastam Este barbudo é um homem e algum espião de Egisto ORESTES Deixa lá a tua filosofia Bem mal me fez O PEDAGOGO Mal Então achais que é causar mal às pessoas o darlhes a liberdade de espírito Ah Como estais mudado Lia dentro de vós noutro tempo Quereis dizerme em que meditais Por que razão me haveis arrastado até aqui E que pretendeis cá fazer ORESTES Acaso já te disse que queria cá fazer alguma coisa Ora vamos Calate Aproximasse do palacio Eis o meu palácio Foi aí que nasceu meu pai Foi aí que uma p e o seu chulo o assassinaram E foi aí também que eu nasci Já tinha quase três anos quando os esbirros de Egisto me levaram De certeza que passámos por esta porta um deles seguravame nos braços e eu devia ir de olhos esbugalhados a chorar Ah Nem a mais leve recordação eu tenho Vejo um grande edifício mudo erguido na sua solenidade provinciana Vejoo pela primeira vez 22 O PEDAGOGO Nenhuma recordação meu amo ingrato quando consagrei dez anos da minha vida em volas proporcionar E todas essas viagens que fizemos E essas cidades que visitámos E esse curso de arqueologia que vos ministrei somente a vos Nenhuma recordação Quando ainda há bem pouco tempo existiam tantos palácios santuários templos para povoar a vossa memória que teríeis podido como o geógrafo Pausânías escrever uma guia da Grécia ORESTES PaláciosÉ verdade Palácios colunas estátuas Nem sei porque não sou mais pesado com tantas pedras na cabeça E não me falas nos trezentos e oitenta e sete degraus do templo de Éfeso Subios um por um e lembrome deles todos Se bem me recordo o décimo sétimo estava partido Ah Um cão velho a aquecerse deitado ao pé da lareira e que se soergue um pouco quando o dono entra a ganir docemente para o saudar esse cão tem mais memória que eu é o seu dono que reconhece O seu dono Agora eu o que possuo O PEDAGOGO E então a cultura senhor É vossa a cultura que possuis e que para vós arranjei com amor como um ramo de flores casando os frutos da minha sabedoria com os tesouros da minha experiência Não vos fiz eu ler em pouco tempo todos os livros para que vos familiarizásseis com a diversidade das opiniões humanas e percorrer cem Estados fazendovos ver em cada caso como são variáveis os costumes dos homens Eisvos agora jovem rico e belo sensato como um ancião liberto de todas as servidões e crenças sem família nem pátria ou profissão livre para todos os compromissos mas sabendo que nunca vos deveis comprometer enfim um homem superior e capaz além disso de ensinar filosofia ou arquitectura numa grande cidade universitária E queixaivos vós ORESTES 23 Enganaste eu não me queixo Nem me poderia queixar tu deixasteme uma liberdade igual à desse fios que o vento arranca as teias de aranha e que flutuam a dez pés do solo ando pelos ares e não peso mais do que um fio Sei que é uma sorte e como tal a aprecio Pausa Há homens que nascem comprometidos não têm outra alternativa pois os impeliram para certo caminho mas no fim desse caminho há um acto que os espera o seu acto e lá vão eles de pés descalços a comprimir a terra com força e a arranharse nos calhaus Achas isto grosseiro este contentamento em ir para certo lugar E ainda há outros os taciturnos que sentem no fundo do seu coração o peso das visões terrenas e turvas a sua vida mudou porque certo dia da sua infância com cinco anos sete anos Está bem não são homens superiores Agora eu já aos sete anos sabia que era um exilado os aromas e os sons o barulho dá chuva nos telhados as cintilações da luz tudo isso eu deixava escorregarme pelo corpo e cair à minha volta já sabia que era aos outros que essas coisas pertenciam e que jamais poderia fazer delas as minhas recordações As recordações são na verdade um rico alimento para o espírito dos que possuem as casas os animais os criados e os campos Mas eu Eu sou livre graças a Deus Ah Como sou livre E que esplêndido vazio trago na alma Aproximase do palácio Poderia ter vivido aí Não teria lido nenhum dos teus livros e até talvez nem soubesse ler é raro um príncipe que saiba ler Mas teria entrado e saído dez mil vezes por esse portão Em criança teria brincado com os seus batentes têlos empurrado de pés fincados no chão e eles teriam apenas rangido sem ceder ficando assim os meus braços a conhecer a sua resistência Mais tarde têlosia empurrado de noite às escondidas para ir ter com as raparigas E ainda mais tarde no dia da minha maioridade os escravos teriam aberto as portas de par em par e eu teria transposto a soleira a cavalo Meu velho portão de madeira Seria capaz de encontrar de olhos fechados a tua aldrava E essa esfoladela aí em baixo talvez tivesse sido eu quem ta tivesse feito por imperícia no primeiro dia em que me tivessem confiado uma lança Põese a certa distância Estilo pequenodôrico não é E que te parecera essas incrustações em ouro Vi as parecidas em Dodona é um belo trabalho Olha para te agradar vou te dizer não é o meu palácio nem o meu portão E nada temos aqui a 24 fazer O PEDAGOGO Até que enfim sois razoável Que teríeis ganho aqui vivendo O vosso espírito estaria agora abatido por um arrependimento abjecto ORESTES com vivacidade Mas ao menos seria meu E seria meu este calor que me cresta os cabelos E meu o zumbir destas moscas A esta mesma hora estaria eu num quarto escuro no palácio a observar pela abertura duma gelosia o vermelho da luz e a esperar que o sol declinasse e que subisse do chão como um aroma a sombra fresca dum entardecer em Argos semelhante a cem mil outros mas sempre novo a sombra dum entardecer meu Vemte embora pedagogo não vês que acabamos por apodrecer ao calor dos outros O PEDAGOGO AhSenhor como me tranquilizais Nestes últimos meses para ser exacto desde que vos revelei a vossa origem viavos mudar de dia para dia e já nem dormia Tinha medo ORESTES De quê O PEDAGOGO Zangarvoseis ORESTES Não Fala O PEDAGOGO 25 Eu temia mesmo quando estamos acostumados à ironia céptica temos às vezes ideias tolas em resumo eu perguntava a mim mesmo se vós não pensaríeis em expulsar Egisto para tomar o seu lugar ORESTES com lentidão Expulsar Egisto Pausa Podes ficar descansado velhote que já é demasiado tarde Não é a vontade que me falta de agarrar pelas barbas esse rato de sacristia e arrancálo do trono de meu pai Mas quê Que tenho eu a ver com esta gente Não lhes vi nascer nenhum dos filhos nem assisti às bodas das filhas não compartilho dos seus remorsos e não conheço um só dos seus homens O barbudo é que tem razão um rei deve ter as mesmas recordações que os seus súbditos Deixemolos meu velho Vamonos embora Na ponta dos pés Ah Se pudesse haver um acto sabes um acto que me desse foros de cidadania entre eles se eu me pudesse apoderar nem que fosse com um crime das suas memórias do seu terror e das suas esperanças para encher o vazio do meu coração ainda que tivesse que matar a minha própria mãe O PEDAGOGO Senhor OBESTES Sim Isto são tudo sonhos Vamos Vê lá se nos podem aí arranjar cavalos que iremos até Esparta onde tenho amigos Entra Medra 26 CENA III OS MESMOS E ELECTRA ELECTRA Segurando uma caixa aproximase da estátua de Júpiter sem os ver Nojento Podes olharme à vontade com esses olhos redondos nessa cara suja de sumos de framboesa que não me metes medo Vieram esta manhã essas beatas essas bruxas velhas e negras não vieram E andaram a ranger os pés à tua volta não foi E tu todo contente hem meu monstro Gostas delas das velhas quanto mais parecem mortas mais tu gostas delas Derramaram sobre os teus pés os seus vinhos mais preciosos por ser o teu dia e das suas saias subiam ao teu nariz uns odores a bafio e a bolor as tuas narinas fremem ainda com esse delicioso perfume Roçando se por ele Pois bem cheirame agora a mim cheira este odor a carne fresca Sou jovem e estou viva o que te deve horrorizar Também cá te venho trazer as minhas oferendas enquanto a cidade inteira está a rezar Olhai aqui tens o lixo a cinza da lareira bocados de carne cheios de bichos e ainda um naco de pão tão imundo que nem os porcos o quiseram mas as tuas moscas vão gostar Bela festa não haja dúvida e oxalá seja a última Não sou bastante forte para te atirar ao chão O mais que posso fazerte é escarrarte em cima Mas aquele que eu espero virá com a sua espada enorme Olhará para ti divertido com as mãos nos quadris e o corpo atirado para trás A seguir puxará pelo sabre e abrirteá de meio a meio assim E as duas metades de Júpiter rebolarão cada uma para seu lado e toda a gente verá que é de madeira branca É todo de madeira branca o deus dos mortos O horror e o sangue que tem na cara bem como o verdeescuro dos olhos não passam de pintura não é verdade Bem sabes que és todo branco por dentro todo clarinho como o corpo dum bébé de leite bem sabes que uma espadeirada pode racharte ao meio e que nem sangrarias Madeira branca Rica Madeira branca Que bem que arde Reparando em Orestes Ah 27 ORESTES Não tenhas medo EUECTRA Não tenho medo Não tenho medo nenhum Quem ês tu OBESTES Um forasteiro ELECTRA Sê bemvindo Agradame tudo o que venha de fora desta terra Como te chamas ORESTES Chamome Filebo e sou de Corinto ELECTRA Ah De Corinto A mim chamamme Electra ORESTES Electra Para o Pedagogo Deixanos sós 28 CENA IV ORESTES E ELECTRA ELECTRA Por que me olhas assim ORESTES És bela Não te pareces com as pessoas daqui ELECTRA Bela Tens a certeza de que sou bela Tão bela como as moças de Corinto ORESTES Sim ELECTRA Aqui não mo dizem Não querem que o saiba Aliás para que me serve se não passo duma criada ORESTES Tu Uma criada ELECTEA A última das criadas lavo a roupa do rei e da rainha É uma roupa bem suja e cheia de porcaria Todas as roupas de baixo as camisas que lhes embrulharam os corpos podres e ainda a que Clitemnestra põe 29 quando o rei compartilha do seu leito tudo isso eu lavo E a loiça também Não me acreditas Olhame estas mãos Estão todas gretadas não é Que cara pândega que fazes Parecemse alguma coisa com as mãos duma princesa ORESTES Pobres mãos não parecem mãos duma princesa Mas adiante que mais te obrigam a fazer ELECTRA Olha todas as manhãs tenho que esvaziar o caixote do lixo Tragoo cá para fora e depois tu bem viste o que lhe fiz A esse velhote de pau esse Júpiter deus da morte e das moscas Há dias o Grande Sacerdote quando vinha fazerlhe as suas mesuras andou a pisar talos de couve e de nabo e cascas de mexilhão Julgou que endoidecia Olha cá não me vais denunciar pois não ORESTES Não ELECTRA Podes denunciarme à vontade quero lá saber Que mais me podem fazer Baterme Já me bateram Encerrarme lá no cimo duma enorme torre Não seria má ideia para eu não lhes pôr mais a vista em cima Imagina tu que me recompensam à noite quando acabo o meu trabalho tenho que me aproximar duma mulher grande e gorda de cabelos pintados lábios grossos e mãos muito brancas umas mãos de rainha a cheirar a mel Põeme essas mãos nos ombros colame os lábios à testa e diz Boa noite Electra Todas as noites Todas as noites sinto palpitar na minha pele aquela carne quente e gulosa Mas tenho conseguido dominarme e nunca desmaiei Sabes é a minha mãe Se eu fosse para a tal torre nunca mais me beijaria 30 ORESTES E jamais pensaste em fugir ELECTRA Não tenho coragem para tanto Teria medo sozinha por esses caminhos ORESTES Não tens uma amiga que pudesse acompanharte ELECTRA Não sou sozinha É como se fosse sarnenta ou pestífera as pessoas to dirão Não tenho amigas ORESTES O quê nem mesmo uma ama uma velha que te tenha visto nascer e que te tenha ao menos algum amor ELCEOTRA Nem isso Pergunta à minha mãe eu desanimaria as almas mais ternas que houvesse ORESTES E ficarás aqui toda a vida ELECTRA num grito Ah Toda a vida não Escuta estou à espera duma coisa ORESTES 31 Duma coisa ou de alguém ELECTRA Não to direi Falame agora de ti Também és belo Vais cá ficar muito tempo ORESTES Devia partir hoje mesmo Mas agora ELECTRA Agora ORESTES Já não sei ELECTRA Corinto é uma cidade bonita ORESTES Linda ELECTRA Amala Orgulhaste dela ORESTES Sim ELECTRA Como me parecia bizarro orgulharme da minha cidade natal 32 Explicame isso ORESTES Olha Não sei Não posso explicarto ELECTRA Não podes Pousa Ê verdade que em Corinto há praças cheias de sombra Praças onde à noite as pessoas passeiam ORESTES É verdade ELECTRA E toda a gente vem cá para fora Toda a gente passeia ORESTES Toda a gente ELECTRA Os rapazes com as raparigas ORESTES Os rapazes com as raparigas ELECTRA E têm sempre coisas a dizer entre si Divertemse mutuamente Ouvemse pela noite fora as suas gargalhadas ORESTES 33 Sim ELECTRA Achasme parva É que me custa tanto imaginar passeios sorrisos e cantos As pessoas daqui vivem roídas pelo medo E eu ORESTES Tu ELECTRA Pelo ódio E que fazem durante o dia as raparigas de Corinto ORESTES Enfeitamse depois cantam e tocam alaúde e a seguir fazem visitas às amigas à noite vão ao baile ELECTRA E não têm quaisquer preocupações ORESTES Têm mas muito pequenas ELECTRA Ah sim Escuta e têm remorsos as pessoas de Corinto ORESTES Algumas vezes Mas não muitas ELECTRA 34 Então fazem o que querem e depois não pensam mais nisso ORESTES Exactamente ELECTRA Coisa estranha Pausa Mas já agora dizme mais isto que preciso de saber por causa de certa pessoa de certa pessoa de quem estou à espera Supõe tu que um rapaz de Corinto um desses que à noite gracejam com as raparigas encontra ao regressar duma viagem o pai assassinado a mãe na cama do assassino e a irmã feita escrava Mostrar seia dócil o tal rapaz de Corinto indose embora às arrecuas a fazer vénias correndo a buscar consolação junto das amiguinhas Ou pelo contrário puxaria da espada golpearia o assassino até dar cabo dele Não respondes ORESTES Não sei ELECTRA Como Não sabes A voz de Clitemnestra Electra ELECTRA Schiu ORESTES O que há ELECTRA 35 É a minha mãe a rainha Clitemnestra CENA V ORESTES ELECTRA CLITEMNESTRA ELECTRA Então que dizes Filebo Assustate ORESTES De tantas vezes ter tentado imaginar esse rosto que achei por o ver cansado e amolecido sob o reluzir dos unguentos O que eu não esperava era estes olhos sem vida CITEMNESTRA Electra O rei manda que te aprontes para a cerimónia Porás o teu vestido preto e as tuas jóias Então Que querem dizer esses olhos no chão Apertas os cotovelos contra as tuas ancas estreitas o corpo incomodate Tens o costume de te pôr assim na minha presença mas essas macaquices já me não enganam ainda agora pela janela vi outra Electra toda gestos largos com os olhos brilhantes Olhas para mim ou não Então não me respondes ELECTRA Precisam desta desmazeladona para realçar o brilho da vossa 36 festa CITEMNESTRA Deixate de comédias És uma princesa Electra e o povo espera te como nos outros anos ELECTRA Serei mesmo uma princesa E só vos lembrais disso uma vez por ano quando o povo quer ver uma imagem da nossa vida familiar para sua edificação Rica princesa que lava a loiça e guarda os porcos Irá Egisto passarme o braço pelos ombros como no ano passado e sorrir junto à minha cara enquanto murmurava ameaças ao meu ouvido CITEMNESTRA É de ti que depende que seja doutra maneira ELECTRA Sim se me deixar infectar pelos vossos remorsos e implorar o perdão de Deus para um crime que não cometi Sim se beijar as mãos de Egisto e lhe chamar pai Puf Tem sangue seco debaixo das unhas CITEMNESTRA Faz como quiseres Há já muito tempo que renunciei a darte ordens em meu nome Apenas te comuniquei as que foram dadas pelo rei ELECTRA Que tenho eu a ver com as ordens de Egisto É o vosso marido minha mãe o vosso querido marido e não o meu CITEMNESTRA 37 Nada tenho a dizerte Electra Vejo que trabalhas para a tua e para a nossa perda Mas como te poderia eu aconselhar se arruinei a minha vida numa só manhã Odeiasme rainha filha mas ainda o que mais me inquieta é que te pareces comigo também tive esse rosto afilado esse sangue inquieto esse olhar falso e daí não veio nada de bem ELECTRA Não quero parecerme convosco Filebo tu que nos estás a ver às duas uma ao pé da outra diz lá não é verdade que não me pareço com ela ORESTES Que posso dizer O seu rosto parece um campo devastado peio granizo e pela trovoada Mas no teu há como que uma promessa de tempestade um dia a paixão vai fazêlo arder até aos ossos ELECTRA Uma promessa de tempestade Seja Aceito essa parecença Oxalá tenhas dito a verdade CITEMNESTRA E tu que encaras assim as pessoas quem és Deixa que te olhe por minha vez E que fazes aqui ELECTRA com vivacidade Ê um Coríntio chamado Filebo Anda em viagem CITEMNESTRA Filebo Ah ELECTRA 38 Parece que temíeis outro nome CLITEMENSTRA Temer Se alguma coisa ganhei com o perderme foi o não temer hoje o que quer que seja Aproximate estrangeiro e sê bemvindo Como és jovem Que idade tens ELECTRA Dezoito anos CITBMNESTRA Aindem vivem os teus pais ORESTES Meu pai morreu CITEMNESTRA E a tua mãe Deve ter mais ou menos a minha idade não Não dizes nada É que se calhar ela parecete mais nova que eu e pode ainda rir e cantar na tua companhia Amala Mas responde Por que a deixaste ORESTES Vou a Esparta alistarme nas tropas mercenárias CITEMNESTRA E já te disseram que vivemos esmagados por um crime imperdoável cometido há quinze anos ORESTES 39 Já CITEMNESTEA E que a rainha Clitemnestra era de todos a mais culpada E que o seu nome era de todos o mais maldito ORESTES Sim CITEMNESTRA E mesmo assim vieste Estrangeiro eu sou a rainha Clitemnestra ELECTRA Não te comovas Filebo a rainha está a divertirse com o nosso jogo nacional o jogo das confissões públicas Aqui cada um grita os seus pecados em frente de todos os outros e não raramente nos dias feriados se vê um ou outro comerciante que depois de ter corrido a cortina de ferro da sua loja se arrasta de joelhos pelas ruas a esfregar os cabelos com terra e a gritar que é um assassino um adúltero ou um prevaricador Mas os habitantes de Argos já começam a aborrecerse pois cada um conhece já de cor os crimes dos outros os da rainha em especial já não divertem ninguém visto que por assim dizer são crimes oficiais quase históricos Podes calcular a sua alegria quando te viu jovem recém chegado ignorando mesmo o seu nome Que ocasião excepcional Até lhe parece que é a primeira vez que se confessa CLITEMNESTRA Calate Qualquer um me pode escarrar na cara e chamarme prostituta e criminosa Mas ninguém tem o direito de julgar dos meus remorsos ELECTRA 40 Estais a ver Filebo São estas as regras do jogo Todas as pessoas te vão implorar que as condenes Mas toma cuidado e julgaas só pelos seus erros que te confessarem pois os outros a ninguém dizem respeito e ficarão todos muito pouco satisfeitos contigo se os descobrires CLITEMNESTRA Há quinze anos era eu a mais bela mulher da Grécia Agora olha para a minha cara e avalia quanto tenho sofrido E com franqueza que te digo não é da morte do velho bode que eu sinto pena Quando o vi a sangrar na banheira cantei e dancei de alegria E ainda hoje já passados quinze anos não penso nisso sem um estremecimento de prazer Mas eu tinha um filho que teria agora a tua idade Quando Egisto o entregou aos mercenários eu ELECTRA Também tínheis uma filha minha mãe ao que parece e fizestes dela uma lavadeira de loiça Mas esse pecado não vos atormenta muito CLITEMNESTRA És jovem Electra Quem é jovem e não teve ainda tempo de praticar o mal está em boas condições para condenar Mas deixa lá que um dia também arrastarás contigo um crime imperdoável Julgarás a cada passo afastarte dele e contudo continuará sempre tão difícil de arrastar Voltarteás e vêloás atrás de ti fora do teu alcance puro e tenebroso como um cristal negro E então já o não compreenderás e dirás assim Não fui eu não fui um que fiz E todavia ele lá estará cem vezes renegado lá estará a puxarte para trás Ficarás então a saber que comprometeste a tua vida numa única jogada definitivamente e que já nada mais poderás fazer senão rebocar o teu crime até à morte Justa ou injusta é assim a lei do arrependimento Veremos então no que dará esse jovem orgulho ELECTRA 41 O meu jovem orgulho Vêse que é a vossa juventude que lastimais mais ainda que o vosso crime é a minha juventude que odiais mais ainda que a minha inocência CLITEMNESTRA O que odeio em ti Electra é eu própria Não é a juventude oh não é a minha ELECTRA Pois eu é a vós é mesmo a vós que odeio CLITEMMESTRA Que vergonha Estamos a injuriarnos como duas mulheres da mesma idade que uma rivalidade amorosa tivesse atirado uma contra a outra E contudo sou tua mãe Não sei quem és tu rapaz nem o que vens fazer entre nós mas a tua presença é nefasta Electra odeiame e eu já o sabia Mas sempre nos calámos durante quinze anos e só os nossos olhares nos atraiçoavam Agora tu viestes e falastes connosco e aqui estamos a mostrar os dentes uma à outra e a rosnar como cadelas As leis da cidade obrigamnos a oferecerte hospitalidade Mas não te escondo que desejaria que te fosses embora Quanto a ti minha filha imagem fiel de mim própria é verdade que não te amo Porém preferia cortar a mão direita a ter que te fazer mal Mas não te aconselho a erguer contra Egisto a tua peçonhenta cabeça ele sabe bem com uma paulada partir a espinha às víboras E melhor que faças o que te manda se não te queres arrepender ELECTRA Podeis dizer ao rei que não vou à festa Sabes o que fazem Filebo Há na parte alta da cidade uma caverna cujo fundo nunca foi atingido pelo rapazio dizem que comunica com os infernos e o Grande Sacerdote mandoua tapar com uma pedra enorme Pois bem acreditarás no que te vou dizer Em cada aniversário o povo juntase diante dessa 42 caverna os soldados empurram para o lado a pedra que lhe tapa a entrada e pelo que dizem os nossos mortos vindos do inferno espalhamse pela cidade Põemlhes os talheres nas mesas dãolhes cadeiras e leitos e chegamse mais uns para os outros para lhes dar lugar ao serão Os mortos correm tudo e todas as atenções e cuidados são para eles Estás já a ver como são as lamentações dos vivos não estás Meu mortozinho meu mortozinho não te quiz ofender perdoame Amanhã de manhã ao cantar do galo voltarão para debaixo da terra a pedra será empurrada contra a entrada da gruta e tudo estará terminado até ao ano que vem Não quero tomar parte nessas macacadas É dos seus mortos que se trata não dos meus CLITEMNESTRA Se não quiseres obedecer o rei já ordenou que te levem à força ELECTRA À força Ah Ah À força Está bem Minha boa mãe peçovos que assevereis ao rei a minha obediência Comparecerei à festa e já que o povo me quer lá ver não o desiludirei E quanto a ti Filebo peçote que adies a tua partida e assistas à nossa festa Acharás lá talvez motivo para rir Até já Voume arranjar Sai CLITEMNESTRA a Orestes Vaite Tenho a certeza que nos causarás alguma desgraça Não podes querernos mal uma vez que nada te fizemos Vaite Pela tua mãe suplicote que vás Sai ORESTES Pela minha mãe 43 Entra Júpiter CENA VI ORESTES E JÚPITER JÚPITER Acabo de ser informado pelo vosso criado de que ides partir Anda ele a correr em vão pela cidade à procura de cavalos Mas eu posso arranjarvos duas éguas já aparelhadas por um preço módico ORESTES Já não parto JÚPITER lentamente Já não partis Pausa Com vivacidade Então não vos deixo sois meu convidado Há na parte baixa da cidade uma estalagem razoável onde vamos ficar os dois Não vos arrependereis de ter escolhido a minha companhia Mas primeiro abraxás galá galá tsé tsé libertovos das moscas Além disso um homem da minha idade é as mais das vezes um bom conselheiro Poderia ser vosso pai e contarmeeis a vossa história Vinde meu jovem deixaivos levar sem resistir encontros destes são muitas vezes mais proveitosos do que o que se poderia julgar à primeira vista Vede por exemplo Telémaco o filho do rei Ulisses como 44 sabeis Um belo dia encontrou um velho chamado Mentor que se lhe juntou passando a seguilo por toda a parte Pois bem sabeis quem era esse Mentor Levao consigo conversando e o pano cai CAI O PANO SEGUNDO ACTO 45 46 PRIMEIRO QUADRO Uma plataforma na montanha  direita a caverna cuja entrada está tapada por uma pedra negra À esquerda alguns degraus conduzem a um templo CENA I A MULTIDAO E DEPOIS JÚPTER ORESTES E O PEDAGOGO UMA MULHER que se ajoelha diante dum filho Olha a gravata Com esta já são três vezes que te faço o nó Escovao com a mão Pronto Assim já estás limpo Tem juízo e chora como os outros quando te mandarem A CRIANÇA É por ali que eles vêm A MULHER 47 É A CRIANÇA Tenho medo A MULHER É bom ter medo queridinho Muito medo Para poderes vir a ser alguém UM HOMEM Está hoje um bom tempo para eles OUTRO HOMEM Ainda bem Oxalá ainda continuem sensíveis ao calor do sol O ano passado chovía e portaramse terrivelmente O PRIMEIRO Terrivelmente O SECUNDO Ai de nós TERCEIRO HOMEM Quando regressarem ao seu buraco e nos deixarem sou eu quem vai trepar até cá acima para olhar esta pedra e dizer Por agora já chega QUARTO HOMEM Sim Pois olhai que isso a mim não me consola A partir de 48 amanhã começarei a perguntarme Como se portarão no ano que vem De ano para ano vão ficando piores O SEGUNDO Gaiate desgraçado Pode ser que algum deles já se tenha esgueirado por qualquer fenda no rochedo e ande por aqui à nossa volta Há mortos que chegam adiantados à cerimónia Entreolhamse inquietos UMA MULHER AINDA NOVA Se ao menos pudesse começar já Onde estarão os do palácio Parece que não têm pressa A mim o que mais me custa é esta espera estar aqui sob um céu ardente com os olhos sempre em cima daquela pedra negra Ah E eles lá em baixo atrás da pedra também à espera como nós mas já a antegozar o mal que nos vão fazer A VELHA Pois é minha cabra A ti bem eu sei o que te assusta O teu homem morreu a Primavera passada com os cornos que já há dez anos lhe andavas a pôr MULHER NOVA Está bem confesso que o enganei tanto quanto pude mas gostava dele e davalhe uma bela vida nunca desconfiou de nada e quando morreu ainda me deitou um olhar meigo de cão agradecido Agora já sabe de tudo estragaramlhe a alegria e por isso sofre e odeia me É dentro em pouco têloei juntinho a mim com o corpo esfumado a penetrar o meu tão intimamente como nenhum vivo jamais o fez Ah Irá daqui comigo enrolado ao meu pescoço como se fosse uma pele Já lhe preparei uma pequena refeição das que ele gostava com umas comidinhas finas uns bolos de farinha etc Mas nada apaziguará o seu rancor e esta noite esta noite estará comigo na cama 49 UM HOMEM Ela tem razão pois claro Mas que é de Egisto Em que estará a pensar Já não aguento mais esta espera OUTRO HOMEM Não te queixes muito Julgas que Egisto tem menos medo que nós Gostarias de estar no lugar dele e passar vinte e quatro horas sozinho com Agamémnon MULHER NOVA Ah Que espera tão horrível Pareceme que já vos vejo a todos a afastaremse de mim lentamente Ainda não arrancaram dali a pedra e já cada um de nos está só como uma gota de água atormentado pelos seus mortos Entram Júpiter Orestes e o Pedagogo JÚPTER Vem por aqui ficamos melhor ORESTES São então estes os cidadões de Argos os mui fiéis súbditos do rei Agamémnon O PEDAGOGO Que feios que são Reparai senhor na sua palidez de cera e nos seus olhos encovados Esta gente está mesmo a morrer de medo Ora aqui tendes os efeitos da superstição Olhai Olhai E se quereis mais uma prova da excelência da minha filosofia reparai a seguir na frescura do meu rosto JÚPITER 50 Mas que beleza de frescura Mais bochecha rosada ou menos bochecha rosada não é isso que te vai impedir meu velhote de ser estrume aos olhos de Júpiter como todos estes Além disso deitas um cheiro insuportável sem o saberes Agora eles que têm as narinas cheias dos seus próprios odores conhecemse melhor do que tu A multidão começa a resmomear UM HOMEM subindo os degraus do templo dirigese à multidão Querem enlouquecernos Unamos as nossas vozes e chamemos Egisto Não podemos tolerar que nos façam esperar mais tempo pela cerimónia A MULTIDÃO Egisto Egisto Egisto UMA MULHER Ah sim Piedade Piedade Então ninguém tem piedade de mim Ele vai chegar com a garganta aberta esse homem que tanto odiei vai envolverme nos seus braços invisíveis e viscosos e ser meu amante a noite inteira a noite inteira Ah Desmaia ORESTES Que loucura É preciso dizer a esta gente JÚPITER O quê meu jovem tanto incômodo por uma mulher que tem um flato Vereis mais UM HOMEM ajoelhandose Vejam como tresando Sou uma carcassa imunda Olhai as 51 moscas andam em cima de mim como corvos Picai furai cavai o moscas vingadoras Furai esta carne até ao coração imundo Eu pequei cem mil vezes sou um esgoto uma fossa JÚPITER Como é bom este homem ALGUNS HOMENS erguendoo Está bem está bem Depois contalhes isso quando eles vierem O homem fica estupidifícado arqueja rebolando os olhos A MULTIDÃO Egrtsto Egisto Ordena que comece por piedade Não podemos mais Egisto aparece nos degraus do templo Atrás dele estão Clitemnestra o Grande Sacerdote e alguns guardas CENA II OS MESMOS EGISTO CLITEMNESTRA O GRANDE SACERDOTE E OS GUARDAS EGISTO Cães Tendes a ousadia de vos lamentardes Já vos não lembrais da vossa abjecção Por Júpiter que vos vou refrescar a memória Volta 52 se para Clitemnestra Vamos mesmo ter que começar sem ela Mas que tome cuidado Vou darlhe um castigo exemplar CLITEMNESTRA Tinhame prometido obedecervos Estou certa de que está a arranjarse talvez se tenha atrasado ao espelho EGISTO aos guardas Vão procurar Electra ao palácio e tragamna aqui quer queira quer não Os guardas saem Egisto dirigese novamente à multidão Aos vossos lugares Os homens à minha direita as mulheres e crianças à minha esquerda Assim Silêncio Egisto espera O GRANDE SACERDOTE Esta gente já não pode mais EGISTO Eu sei Se os guardas Os guardas regressam UM GUARDA Procurámos por toda a parte a princesa Senhor No palácio não está ninguém EGISTO Está bem Amanhã ajustaremos as contas Para o Grande Sacerdote Começa O GRANDE SACERDOTE 53 Tirem a pedra A MULTIDÃO Ah Os guardas tiram a pedra O Grande Sacerdote adiantase até à entrada da caverna O GRANDE SACERDOTE Vós ó olvidados ó abandonados ó desenganados vós que vos arrastais no escuro ao nível do chão como os gases das entranhas da terra e que nada mais tendes de vosso além do vosso despeito vós ó mortos De pé que é o vosso dia Vinde vinde como um enorme vapor de enxofre empurrado pelo vento vinde lá das entranhas da terra ó mortos cem vezes mortos Vós que morreis de novo a cada uma das nossas pulsações É em nome da ira da amargura e do espírito de vingança que vos invoco Vinde saciar o vosso ódio sobre os vivos Vinde e espalhai vos pelas nossas ruas como um nevoeiro espesso Introduzi as vossas legiões cerradas por entre a mãe e o filho e por entre os amantes Fazei nos ter pena de não estarmos mortos De pé ó vampiros larvas espectros harpias De pé ó terror das nossas noites De pé ó deserdados da sorte ó humilhados De pé ó mortos de fome cujo grito de agonia foi uma maldição Olhai ali os vivos as vossas gordas presas vivas Vamos carregai sobre eles em turbilhão e roeios até aos ossos De pé De pé De pé Ouvese um TamTam O Sacerdote dansa diante da entrada da caverna primeiro lentamente a seguir cada vez mais depressa até cair extenuado EGISTO Ai estão eles A MULTIDÃO 54 Que horror ORESTES Acho que já basta e vou JÚPITER Olha para mim rapaz olha para mim bem de frente Percebeste Agora calate ORESTES Quem sois vós JÚPITER Sabêloás mais tarde Egisto desce lentamente os degraus do palácio ETISTO Ai estão eles Um silêncio Aí está ele Aríeia o marido de quem zombaste Aí está ele juntinho a ti a apertarte nos seus braços Como te aperta como te ama como te odeia Nicias aí está ela a tua mãe que morreu por falta de cuidados E tu Cegestes infame usurário aí tens todos os teus infelizes devedores os que morreram na miséria e os que se enforcaram porque os estavas arruinando Aí estão eles e são eles hoje os teus credores E vós ó pais ó meigos pais baixai um pouco o vosso olhar olhai mais para baixo para o chão aí estão os vossos filhos mortos a estender as suas mãozinhas e todas as alegrias que lhes roubastes todas as penas que lhes infligistes pesam agora como chumbo nas suas alminhas ressentidas e desoladas A MULTIDÃO Piedade 55 EGISTO Ah pois Piedade Não sabeis que os mortos Não têm piedade As suas queixas são impossíveis de satisfazer já que as suas contas estão encerradas para sempre É com boas acções Nicias que esperas apagar o mal que fizeste à tua mãe Mas que boa acção poderia alguma vez chegar até ela A sua alma é um meiodia escaldante sem um sopro de vento onde nada se agita nada muda e nada vive Um enorme sol descarnado e imóvel a atormenta eternamente Os mortos já não existem se é que compreendeis esta frase implacável já não existem e é por isso que se tornaram nos guardadores incorruptíveis dos vossos crimes A MULTIDÃO Piedade EGISTO Piedade Ah Cabotinos que hoje tendes público Sentis pesar nas faces e nas mãos os olhares desses milhões de olhos fixos e desesperados Eles estão a vernos eles estão a vernos estamos nus diante da assembleia dos mortos Ah Ah Como estais embaraçados agora Como vos queima esse olhar invisível e puro mais inalterável que a memória dum olhar A MULTIDÃO Piedade OS HOMENS Perdoainos o vivermos enquanto estais mortos AS MULHERES Piedade Estamos rodeados pelos vossos rostos e pelos objectos que vos pertenceram trazemos sobre nós o luto eterno que por vós 56 deitámos e choramos da alvorada até à noite e da noite até à alvorada Por mais que façamos a vossa memória apagase e deslizanos por entre os dedos cada dia empalidece um pouco mais e ficamos assim um pouco mais culpadas Vós idesnos deixando idesnos deixando ides saindo de dentro de nós e é como se nos sangrassem E contudo se é que isto pode saciar as vossas almas ó queridos ausentes ficai sabendo que nos estragastes a vida OS HOMENS Perdoainos o vivermos enquanto estais mortos AS CRIANÇAS Piedade Não foi por nossa vontade que nascemos e temos até vergonha de estar crescendo Como teríamos podido ofendervos Reparai que mal temos vida e como estamos magros pálidos e pequeninos não fazemos ruído e passamos sem mesmo agitar o ar à nossa volta E temos medo de vós oh sim tanto medo OS HOMENS Perdoainos o vivermos enquanto estais mortos EGISTO Basta Basta Se vos lamentais assim que direi então eu o vosso rei O meu suplício vai começar já treme o chão e já o ambiente escureceu vai aparecer o maior de entre todos os mortos Agamémnon aquele que matei por minhas próprias mãos ORESTES puxando pela espada Debochado Não permitirei que mistures o nome de meu pai nas tuas pantominices JÚPITER agarrandoo pelo meio do corpo 57 Quieto jovem quieto EGISTO voltandose Quem ousa Electra aparece de vestido branco ao cimo dos degraus do templo Egisto vêa Electra A MULTIDÃO Electra CENA III OS MESMOS E ELECTRA EGISTO Que quer dizer esse trajo Electra ELECTRA Pus o mais belo dos meus vestidos É ou não hoje o dia de festa O GRANDE SACERDOTE Vens aqui desafiar os mortos Bem sabes que é o seu dia e por isso deverias comparecer vestida de luto ELECTRA 58 De luto Porquê de luto Dos meus mortos não tenho medo e com os vossos não tenho nada EGISTO Disseste a verdade os teus mortos não são os nossos Olhaia com o seu trajo de p a neta de Atreu desse Atreu que assassinou cobardemente os sobrinhos Quem és tu pois senão a última descendente duma raça maldita Tolereite até aqui por piedade no meu palácio mas reconheço hoje o meu erro pois te corre ainda nas veias o velho sangue podre dos Átridas e acabarias por nos contaminar a todos se eu não tratasse de o evitar Espera um pouco cadela e verás se sei ou não castigar Não terás lágrimas que te cheguem A MULTIDÃO Sacrilégio EGISTO Estás a ouvir desgraçada como atroa a vois desse povo que ofendeste e como classifica a tua conduta A MULTIDÃO Sacrilégio ELECTRA É por acaso um sacrilégio estar contente Por que não se alegram também eles Quem disso os impede EGISTO Ela a rirse e é o seu próprio pai que aí está com sangue coagulado na face 59 ELECTRA Como ousais falar em Agamémnon Sabeis por acaso se ele não vem à noite falarme ao ouvido Sabeis que palavras de amor me sussurra a sua voz rouca e cansada Rio é verdade rio e sintome feliz Julgais que a minha felicidade não alegra o coração do meu pai Ah Se ele estiver aqui e vir a sua filha de vestido branco a sua filha que vós reduzistes à abjecta condição de escrava se vir que ela traz agora o rosto levantado e que a desgraça não abateu a sua nobreza de alma não pensará com certeza em amaldiçoarme brilham seus olhos em seu rosto torturado e tentam sorrir os seus lábios ensanguentados A MULHER NOVA Não mente está doida Electra vaite por favor senão a tua impiedade recairá sobre nós ELECTRA Mas de que tendes medo Olho à vossa volta e apenas vejo as vossas sombras Agora escutai o que acabo de saber e que desconheceis talvez há cidades felizes na Grécia Cidades claras e calmas que se aquecem ao sol como lagartos A esta mesma hora sob este mesmo céu há crianças a brincar nas praças de Corinto E as mães não pedem qualquer perdão por os ter trazido ao mundo Olhamnos sorrindo e têm orgulho deles Sois ainda capazes de compreender o orgulho duma mulher que olha o seu filho e pensa Foi eu que o trouxe no meu seio EGISTO Se não te calas farteei engolir todas essas palavras VOZES na multidão Sim sim Que se cale Basta basta OUTRAS VOZES 60 Não deixaia falar Deixaia falar É Agamémnon que a inspira ELECTRA Está um lindo dia Por toda a parte na planície os homens levantam o rosto dizem Está um lindo dia e ficam contentes Ó carrascos de vós próprios já esquecestes a humilde satisfação do camponês quando passa sobre a sua terra e diz Que lindo dial Aí estais vós de braços pendentes e cabeça baixa respirando a custo Os vossos mortos colamse a vós e ficais imóveis com receio de os acotovelar ao menor gesto Seria horrível não é Se as vossas mãos penetrassem de repente uma pequena nuvem húmida que seria a alma do vosso pai ou avô Agora olhai para mim estendo os braços esticome toda como se despertasse e ocupo o meu lugar ao sol todo o meu lugar Caime por acaso o céu na cabeça Olhai como danço e nada mais sinto além do sopro do vento nos cabelos Onde estão os mortos Julgais que dançam ao meu compasso O GRANDE SACERDOTE Habitantes de Argos digovos que esta mulher é sacrílega Que a desgraça caia sobre ela e sobreos que a escutarem EUECTRA Ô meus mortos queridos Ifigênia minha irmã mais velha e Agamémnon meu pai e meu único rei escutai a minha prece Se sou sacrílega e ofendo os vossos nomes cheios de dor fazeime depressa um sinal para que o saiba Mas se me aprovais ô meus queridos então calaí vos por favor e que nem uma folha se mexa nem um rebento de erva se agite e nenhum ruído venha perturbar a minha dança sagrada Que eu danço para que haja alegria danço para que haja paz entre os homens para que haja felicidade e haja vida O meus mortos reclamo o vosso silêncio para que os homens que me rodeiam saibam que estais comigo do coração Dança 61 VOZES na multidão E dança Olhaia leve como a chama a dançar ao sol como uma bandeira ao vento E os mortos calamse A MULHER NOVA Olhai a sua face em êxtase Não não é o rosto duma descrente Então Egisto Egisto Não dizes nada Por que não respondes EGISTO Discutese porventura com os animais asquerosos O que se faz é aniquilálos Fiz mal em a poupar outrora mas é um mal reparável não temais vou esmagála e a sua raça acabará com ela A MULTIDÃO Ameaçar não é responder Egisto Sô tens isso para nos dizer A MULHER NOVA Dança sorri está contente e os mortos parecem protegêla Ah Electra como te invejo Olha também eu abro os braços e ofereço sol ao meu peito VOZES na multidão Os mortos calamse Mentistenos Egisto ORESTES Querida Electra JÚPITER Pois voulhe fazer meter a viola no saco a está catria Estendendo o braço Posidom caribu caribom lalabal 62 A enorme pedra que obstruía a entrada da caravana rola com estrondo de encontro aos degraus do templo Electra pára de dançar A MULTIDÃO Que horror Um longo silêncio O GRANDE SACERDOTE Ô povo cobarde e demasiado leviano ai tendes a vingança dos mortos Olhai as moscas como carregam sobre nós em espessos turbilhões Escutastes uma voz sacrílega e ficámos amaldiçoados A MULTIDÃO Nós não fizemos nada não tivemos culpa ela veio e seduziunos com as suas palavras envenenadas Ao rio com a bruxa ao rio À fogueira UMA VELHA apontando a mulher nova E a esta aqui que bebia as suas palavras como se fossem mel arrancailhe o vestido deixaia nua e chicoteaia até fazer sangue A mulher nova é agarrada e alguns homens transpõem os degraus da escada precipitandose sobre Electra EGISTO entretanto recompôsse Silêncio cães Regressai aos vossos lugares em boa ordem e deixai comigo a punição Silêncio Então vistes quanto custa não me obedecer Duvidais acaso ainda do vosso rei Regressai às vossas casas os mortos irão convosco e serão vossos hóspedes todo o dia e toda a noite Dailhes um lugar à vossa mesa à lareira e na vossa cama Fazei com que o vosso comportamento exemplar lhes faça esquecer tudo quanto aqui se passou Quanto a mim eu vos perdoo embora as vossas dúvidas me tenham magoado Agora tu Electra 63 ELECTRA Eu o quê Desta vez falhei Para a próxima será melhor EGISTO Não terás tal oportunidade Ás leis da cidade proibemme de te castigar neste dia de festa Tu sabialo e por isso abusaste Mas agora já não fazes parte da cidade e por isso te vou expulsar Irás descalça sem bagagem e com esse vestido infame em cima do corpo Se amanhã à alvorada ainda estiveres dentro dos nossos muros darei ordem para que sejas abatida como uma ovelha tinhosa por quem quer que te encontre Sai seguido pelos guardas A multidão passa diante de Electra acenandolhe com o punho fechado JÚPITER para Orestes Então senhor Ficastes edificado Ou eu me engano muito ou aqui temos uma história bem moral os maus foram castigados e os bons recompensados Apontando Electra Essa mulher ORESTES Essa mulher é minha irmã velho Vaite embora que lhe quero falar JÚPITER olhado por um momento e em seguida encolhe os ombros Como quiseres Sai seguido pelo Pedagogo 64 CENA IV ELECTRA nos degraus do templo e ORESTES ORESTES Electra ELECTRA levanta a cabeça e olha paar ele Ah Estás aí Filebo ORESTES Não podes ficar na cidade nem mais uma hora Electra Estás em perigo ELECTRA Em perigo Ah É verdade Viste como falhei Tens culpa também mas não te quero mal por isso ORESTES Que fiz eu ELECTRA Enganasteme Desce até ele Deixame ver a tua cara Sim prendime nos teus olhos ORESTES O tempo urge Electra Escuta vamos fugir os dois Já mandei 65 arranjar cavalos Levarteei na garupa ELECTRA Não ORESTES Não queres fugir comigo ELECTRA Não quero fugir ORESTES Levarteei a Corinto ELECTRA rindo Ah Corinto Estás a ver não fazes de propósito mas continuas a enganarme Que faria eu em Corinto Tenho que ser razoável Ainda ontem tinha desejos tão modestos enquanto servia à mesa de olhos semicerrados e olhava por entre as pestanas o real par ela a velha beleza morta e ele gordo e pálido com a sua boca mole e aquela barba preta que lhe vai de orelha a orelha como um regimento de aranhas sonhava com ver um dia uma nuvem uma nuvenzinha sair dos seus ventres abertos como o bafo que nos sai da boca nas manhas irias Nada mais eu queria Filebo jurote Não sei o que queres mas não devo acreditarte o teu olhar não é modesto Sabes o que pensava antes de te conhecer Era que a única coisa sensata que se pode desejar na terra é pagar com mal o mal que nos fizeram ORESTES Electra se vieres comigo verás que se podem desejar também muitas outras coisas sem perder a sensatez 66 ELECTRA Não quero ouvirte mais causasteme muito mal Vieste com os olhos ávidos nesse rosto gentil de rapariga e fizesteme esquecer o meu ódio abri as mãos e deixei cair aos pés o meu único tesouro Viste o que aconteceu eles gostam do seu penar sentem a necessidade de uma ferida que lhes seja familiar e que mantenham aberta arranhandoa com as unhas sujas É pela violência que terão de ser curados pois não se pode vencer um mal senão com outro mal Adeus Filebo vaite e deixame com os meus sonhos maus ORESTES Vão matarte ELECTRA Há aqui um santuário que é o templo de Apolo os criminosos refugiamse nele às vezes e enquanto lá estão ninguém pode tocarlhes num só cabelo que seja Vou lá esconderme ORESTES Por que recusas a minha ajuda ELECTRA Não és tu quem me deve ajudar Outro alguém virá libertarme Uma pausa Sei que o meu irmão não morreu E estou à sua espera ORESTES E se ele não vier EIECTRA Virá não pode deixar de vir li da nossa raça sabes Tem como 67 eu no sangue o crime e a desgraça Deve ser um destes soldados fortes com os grandes olhos avermelhados do nosso pai sempre a curtir a sua cólera Estou convencida de que sofre e já se enredou no seu destino tal como os cavalos estripados enredam as patas nos próprios intestinos agora a cada movimento que fizer é como se arrancasse as entranhas Virá tenho a certeza de que esta cidade o atrai pois é aqui que mais mal pode fazer tanto a si próprio como aos outros Virá de cabeça baixa agitado e a sofrer Meteme medo todas as noites o vejo em sonhos e acordo a gritar Mas estou à sua espera e amoo Tenho que ficar aqui para guiar o seu rancor que eu tenho miolos para lhe apontar os culpados e para lhe dizer Aí estão eles Fere Orestes fere ORESTES E se ele não for como tu o imaginas ELECTRA Como queres que seja o filho de Agamémnon e de Clitemnestra ORESTES E se porventura ele estiver farto de toda essa sangueira visto ter crescido numa terra feliz ELECTRA Nesse caso escarrarlheia na cara e dirlheia Vaite cão vai para junto das mulheres pois não és senão uma mulher Mas estás muito enganado és neto de Atreu e não fugirás ao destino dos Atridas É contigo se preferiste a vergonha ao crime Mas a destino irá ter contigo à cama sentirás primeiro a vergonha e cometerás depois o crime a despeito de ti próprio ORESTES Electra eu sou Orestes 68 ELECTRA num grito Mentes Jurote pelos manes de Agaméranon meu pai sou Orestes Silêncio Então Por que esperas para me escarrar na cara ELECTRA Como o poderia eu Olhao Essa bela fronte é a do meu irmão Esses olhos que brilham são os do meu irmão Orestes Ah Gostaria antes que continuasses a ser Filebo e que meu irmão estivesse morto Timidamente É verdade que viveste em Corinto ORESTES Não Foram uns burgueses de Atenas que me educaram ELECTRA Como pareces jovem Já te bateste alguma vez Essa espada que aí trazes nunca a usaste ORESTES Nunca ELECTRA Sentiame menos só quando ainda não te conhecia Esperava o outro Só pensava na sua força e não na minha fraqueza Agora aqui estás eras tu Orestes Olhote e vejo que somos dois órfãos Pausa Mas eu amote sabes Mais do que o teria amado a ele ORESTES Vem se me amas fujamos os dois 69 ELECTRA Fugir Contigo Não É aqui que se joga o destino dos Átridas e eu sou uma Átrida Nada te peço Já não quero pedir nada a Fílebo Mas fico aqui Júpiter aparece ao fundo da cena e escondesse para os escutar ORESTES Electra sou Orestes o teu irmão Também sou um Átrida e o teu lugar é a meu lado ELECTRA Não Tu não és o meu irmão nem te conheço Orestes morreu tanto melhor para ele daqui em diante respeitarei os seus manes tal como os do meu pai e de minha irmã Mas tu tu que vens reivindicar o nome de Átrida quem és para te considerares dos nossos Tens passado por acaso a vida à sombra dum crime Deves ter sido uma criança sossegada com um olhar doce e reflectido o orgulho do teu pai adoptivo uma criança limpa de olhos brilhantes de confiança Confiavas na vida por seres rico e teres muitos brinquedos uma vez por outra deves ter pensado que o mundo não era mau de todo e que era um prazer deixarmonos andar como num bom banho tépido a suspirar de satisfação Eu aos seis anos já era uma simples serva e desconfiava de tudo e de todos Pausa Vaite embora boa alma Não quero nada com as boas almas Era um cúmplice que eu queria ORESTES Julgas que te deixo sozinha Que farias aqui perdida a tua última esperança ELECTRA Isso é comigo Adeus Filebo 70 ORESTES Mandasme embora Dá uns passos e pára Tenho alguma culpa de não me parecer com esse brutamontes irado que esperavas Terlhe ias pegado na mão e dito Fere A mim não me pediste nada Quem sou então eu bom Deus para que até a minha irmã me repila sem ao menos me ter posto à prova ELECTRA Ah Filebo jamais poderia carregar com tal peso o teu coração sem ódio ORESTES sucumbido Dizes bem sem ódio E também sem amor A ti teria eu podido amarte Teria podido Mas quê Para amar ou odiar é preciso entregarmonos Como é belo na verdade o homem rico solidamente instalado entre os seus bens e que um dia se entrega ao amor ao ódio e que entrega consigo a sua terra a sua casa e as suas memórias Agora eu o que sou e que tenho para dar Mal existo de todos os fantasmas que andam hoje pela cidade nenhum é mais fantasma que eu Tive amores de fantasma hesitantes e diáfanos como vapores mas desconheço as paixões dos vivos Pausa Que vergonha Regressei à minha cidade natal e a minha irmã recusouse a reconhecerme Aonde irei agora Em que outra cidade terei ainda que vaguear ELECTRA Então não há nenhuma onde uma bonita rapariga esteja à tua espera ORESTES Ninguém está à minha espera Vou de terra em terra estranho aos outros e a mim próprio e as cidades fechamse atrás de mim como o mar calmo Se eu deixar Argos que ficará da minha passagem senão a tua 71 amarga desilusão ELECTRA Falasteme de cidades felizes ORESTES Não me interessa a felicidade O que eu quero são as mainhas recordações o meu solo o meu lugar entre os homens de Argos Silêncio Não sairei daqui Electra ELECTRA Suplicote Filebo vaite Tenho pena de ti e se me queres bem vaite Aqui só o mal te pode acontecer e a tua inocência faria fracassar os meus empreendimentos ORESTES Não sei ELECTRA E julgas que te vou deixar ficar com a tua pureza importuna como um juiz das minhas acções temível e mudo Por que teimas Ninguém te quer aqui ORESTES É a minha única oportunidade Não ma podes recusar Electra Procura compreenderme quero ser um homem dum lugar certo um homem entre os homens Olha um escravo quando passa cansado e resmungão carregando um fardo pesado a arrastar as pernas e a olhar os pés apenas os pés para evitar cair está na sua cidade como uma folha na folhagem ou a árvore na floresta Argos está à sua volta pesada e quente cheia de si própria Pois eu quero ser esse escravo Electra quero 72 estender a cidade à minha volta e enrolarme nela como num cobertor Não me irei embora ELECTRA Cem anos que ficasses entre nós e jamais passarias dum estrangeiro mais só que numa grande caminhada As pessoas olharteiam de esguelha por entre as pálpebras semicerradas e baixariam a voz quando passasses junto delas ORESTES É assim tão difícil o servirvos O meu braço pode defender a cidade e trago dinheiro para aliviar as pessoas miseráveis ELECTRA Não nos faltam capitães nem almas piedosas para praticar o bem ORESTES Então Dá uns passos de cabeça baixa Júpiter aparece e olhao esfregando as mãos ORESTES erguendo a cabeça Se ao menos eu visse claro no meio disto tudo Ah Zeus Zeus rei do céu raramente me tenho voltado para ti e nunca me foste muito favorável mas és testemunha de que nunca quis senão o Bem Presentemente estou cansado já não distingo o Bem do Mal e preciso que me indiquem o caminho Ó Zeus deve realmente um filho de rei expulso da sua cidade natal resignarse beatificamente ao exílio e abandonála como um cão rastejante É essa a tua vontade Não quero crêlo E todavia Todavia proibiste que se derramasse sangue Ah Quem fala agora em derramar sangue já nem sei o que digo Zeus implorote se a resignação e a humildade abjectiva são as leis que me impões manifesta 73 me então a tua vontade por qualquer sinal pois já não sei onde possa estar a verdade JÚPITER consigo próprio O quê É para já Abraxás abrâxás tsêtsé Irradia luz em volta da pedra ELECTRA rindo abertamente Ah Ah Hoje temos chuva de milagres Vês piedoso Filebo vês o que se ganha em consultar os deuses É sacudida por um riso louco Que bonito rapazinho o piedoso Filebo Dáme um sinal Zeus dáme um sinal E eis a luz que irradia em torno da pedra sagrada Vaite para Corinto Para Corinto Vaite ORESTES olhando a pedra É então isto o Bem Pausa contínua a olhar a pedra Serse dócil Muito dócil Dizer sempre Perdão e Obrigado É isto Pausa Continua a olhar a pedra O Bem O Bem deles Pausa Electra ELECTRA Põete a andar Põete a andar Não desiludas essa ama zelosa que se preocupa contigo lá no cimo do Olimpo Pára de falar espantada Que tens ORESTES com a voz mudada Há outra via ELECTRA assustada Não armes em mau Filebo Pediste ordens aos deuses pois bem aí as tens 74 ORESTES Ordens Ah sim Queres dizer a luz aí à volta desse pedregulho Não é para mim essa luz e a partir de agora já não recebo ordens de ninguém ELECTRA Falas por enigmas ORESTES Como te afastaste de mim repentinamente e como tudo mudou Havia à minha volta alguma coisa de vivo e de quente Alguma coisa que se extinguiu agora mesmo Como tudo é vazio Ah Que vazio imenso a perder de vista Dá algum passos Cai a noite Não te parece que está frio Mas que foi que foi então que se extinguiu ELECTRA Filebo ORESTES Sei que há outro caminho o meu caminho Não o vês Vai por aqui em direcção à cidade É preciso descer compreendes descer até vós que estais no fundo duma cova mesmo no fundo Avança para Electra És a minha irmã Electra e esta cidade é a minha cidade A minha irmã Tomalhe o braço ELECTRA Deixame Fazesme mal assustasme e não te pertenço ORESTES Eu sei Ainda não sou demasiado leve Preciso de lastro de 75 praticar uma má acção bastante pesada para me fazer ir a pique mesmo até ao fundo de Argos ELECTRA Que vais fazer ORESTES Espera Deixame dizer adeus a esta leveza de espírito imaculado como foi a minha Deixame dizer adeus à mocidade Ah Aquelas noites aquelas noites de Corinto ou de Atenas cheias de canções e odores e que jamais voltarão a ser minhas E aquelas manhãs Tão cheias de esperança Vamos Adeus Adeus Vem para junto de Electra Vem Electra olha a nossa cidade Ela aí está rubra de sol cheia de homens e de moscas e do torpor obstinado duma tarde de Verão todas as suas paredes os seus telhados e as suas portas cerradas me repelem E todavia heide conquistála sintoo desde esta manhã E também a ti Electra te heide conquistar Conquistarvosei Tornarmeei acha de armas e racharei ao meio essas muralhas teimosas abrirei o ventre dessas casas de beatice que exalarão pelas suas feridas vermelhas um odor a chiqueiro e a incenso Tornarmeei machado e penetrarei até ao âmago dessa cidade tal como o machado penetra até ao âmago do carvalho ELECTRA Como tu mudaste os teus olhos já não brilham estão sombrios e baços Ai eras tão meigo Filebo E de repente começaste a falarme como o outro me falava em sonhos ORESTES Escuta supõe que chamo sobre mim todos os crimes dessa gente que está agora a tremer encafuada em salas escuras rodeada pelos seus queridos defuntos Supõe que queira ser apodado de ladrão de remorsos e que chame a mim todos os seus arrependimentos tanto o da mulher que enganou o marido como o do mercador que deixou morrer a 76 mãe como ainda o do usurário que sugou os devedores até à morte Agora dizme nesse dia quando trouxer em mim mais remorsos do que moscas há em Argos quando estiverem comigo todos os remorsos da cidade terei ou não adquirido foros de cidadão perante vós Estarei ou não no meu ambiente no meio das vossas muralhas cobertas de sangue tal como o magarefe de avental avermelhado o está na sua loja entre os bois ensanguentados que acabou de esfolar ELECTRA Queres expiar por nós ORESTES Expiar O que eu disse foi que chamaria a mim os vossos arrependimentos não disse o que faria a essas aves barulhentas é provável que lhes torça o pescoço ELECTRA E como poderás chamar a ti os nossos males ORESTES Vós não quereis outra coisa que não seja desfazervos deles São o rei e a rainha quem os mantém à força no vosso coração ELECTRA O rei e a rainha Filebo ORESTES Os deuses são testemunhas de que eu não queria derramar o seu sangue Longo silêncio 77 ELECTRA És demasiado jovem e fraco ORESTES Recuarás agora Escondeme no palácio levame esta noite até junto do leito real e verás se sou demasiado fraco ELECTRA Orestes ORESTES Electra Chamasteme Orestes pela primeira vez ELECTRA Sim És mesmo tu És Orestes Não te reconheci logo porque não era assim que te esperava Mas este sabor amargo na minha boca este sabor a febre mil vezes o senti em sonhos e assim o reconheço agora Viestes enfim Orestes a tua decisão está tomada e eu aqui estou como nos sonhos no limiar dum acto irreparável e tenho medo como nos sonhos O momento tão ansiado e tão temido Agora os instantes vão encadearse como as engrenagens duma máquina e só teremos descanso quando ambos estiverem deitados de costas com os rostos iguais a duas amoras esmagadas Tanto sangue E és tu quem o vai derramar tu que tinhas os olhos tão doces Aí de mim que não voltarei a ver Filebo Orestes és o meu irmão mais velho e o chefe da nossa família tomame nos teus braços e protegeme porque vamos ao encontro dum grande sofrimento Orestes tomaa nos braços Júpiter sai do seu esconderijo e desaparece sem ruído 78 SEGUNDO QUADRO No palácio a sala do trono Uma estátua de Júpiter terrível e ensanguentado É dia CENA I Entra primeiro Electra que faz sinal a Orestes para que entre também ORESTES Vem aí alguém ELECTRA São os soldados da ronda Vem comigo vamonos esconder aqui Escondemse atrás do trono CENA II OS MESMOS escondidos E DOIS SOLDADOS 79 PRIMEIEO SOLDADO Não sei o que têm hoje as moscas andam doídas SEGUNDO SOLDADO Cheiralhes a mortos o que muito as contenta Já nem ouso bocejar com medo que elas me entrem pela boca abaixo e vão dançar de roda no fundo da minha goela Electra aparece por um momento e escondese novamente Olha ouvi qualquer coisa a estalar PRIMEIRO SOLDADO É Agamémnon a sentarse no trono SEGUNDO SOLDADO Com as enormes nádegas a fazer estalar as tábuas do assento É impossível colega os mortos não têm peso PRIMEIRO SOLDADO Só os plebeus é que não têm peso Agora ele que antes de ser um morto real era um realíssimo vivo 1 1 N T Trocadilho de difícil tradução Royal bon vivante deveria normalmente traduzirse por pessoa soa real de humor alegre e fácil Há aqui intenção de além de contrapor a expressão mort royal a royal vivaste indicar que Agamémnon era efectivamente um bom vivant ao Intercalar o adjectivo bon que andava em média pelos seus cento e vinte quilos Seria para espantar se ainda não restassem algumas libras 80 SEGUNDO SOLDADO Então acreditas que ele esteja ali PIMEIRO SOLDADO Onde queres que esteja Se eu fosse um rei morto e tivesse todos os anos uma licença de vinte e quatro horas de certeza que me viria sentar no trono e aí passaria o dia a recordar os bons tempos de outrora sem fazer mal a ninguém SEGUNDO SOLDADO Dizes isso porque estás vivo Mas se já o não estivesses terias o mesmo vício dos outros O primeiro soldado dálhe uma bofetada Eh lá Eh lá PRIMEIRO SOLDADO É para teu bem olha matei de uma só pancada um enxame inteiro SEGUNDO SOLDADO De mortos PRIMEIRO SOLDADO Não De moscas Fiquei com as mãos cheias de sangue Limpaas no calção Porcaria de moscas SEGUNDO SOLDADO Quem dera que os deuses as fizessem nascer mortas Repara nestes mortos todos que andam por aqui não tugem nem mugem e lá se arranjam para não aborrecer os outros Seria o mesmo com as moscas mortas 81 PRIMEIRO SOLDADO Calate olha agora se eu começo a pensar que ainda por cima andam aqui moscas fantasmas SEGUNDO SOLDADO E por que não PRIMEIRO SOLDADO Esses animaizinhos morrem aos milhões por dia Se deixassem andar à solta pela cidade todas as que já morreram desde o Verão passado haveria trezentas e sessenta e cinco mortas por cada viva a rodopiar à nossa volta O ar seria uma espécie de melaço de mosca as quais desceriam aos magotes viscosos pelos nossos brônquios e tripas abaixo Olha lá se calhar é por isso que andam por esta sala uns cheiros tão esquisitos SEGUNDO SOLDADO Bah Para uma sala de mil pés quadrados como esta bastam alguns mortos humanos para a empestar Já ouvi dizer que os nossos mortos têm mau hálito PRIMEIRO SOLDADO Escuta Parece que se mexem SEGUNDO SOLDADO Já te disse que há para aí alguma coisa o soalho estala Vão pela direita ver atrás do trono Orestes e Electra saem pela esquerda passam diante dos degraus do trono e voltam ao seu esconderijo pela direita no momento em que os soldados saem pela esquerda 82 PRIMEIRO SOLDADO Como vês não há ninguém Já te disse que é Agamémnon Deve estar sentado nestas almofadas direito como um fuso e a olharme não tem mais nada que fazer SEGUNDO SOLDADO Talvez fosse melhor se nos puséssemos direitos e se as moscas nos fizerem cócegas no nariz é aguentar PRIMEIRO SOLDADO Gostava muito mais de estar agora na casa da guarda a jogar uma boa partida Ao menos os mortos que lá aparecem são uns camaradões gente simples como nós Agora quando me ponho a pensar que o falecido rei está ali a contar os botões que faltam no meu dólman começo a sentir me mal tal como quando o general nos passa revista Entram Egisto e Clitemnestra acompanhados duns servos que trazem lâmpadas ESGISTO Deixemnos sós CENAIII EGISTO CLITEMNESTRA OMESTES e ELECTRA 83 estes dois escondidos CLITEMNESTRA Que tendes EGISTO Viste Se os não tivesse enchido de terror terseiam livrado dos seus remorsos num abrir e fechar de olhos CLITEMNESTRA É só isso o que vos preocupa Sabereis refrear a sua ousadia sempre que quiserdes EGISTO Talvez Sou na verdade muito hábil para estas comédias Pausa Desagradate o ter sido obrigado a castigar Electra CLITEMNESTRA Por ela ter nascido de mim Mas foi do vosso agrado Fazêlo e para mim está sempre bem tudo o que fazeis EGIST0 Mulher não é por ti que me desagrada CLITEMNESTRA Então por que é Vós não gostáveis de Electra EGISTO 84 Estou cansado Há quinze anos que sustento no ar à força de braço o remorso dum povo inteiro Há quinze anos que me visto como um espantalho todos estes trajes pretos acabaram por me influenciar o espírito CLITEMNESTRA Meu querido senhor chegase a ele EGISTO Deixame descarada Não tens vergonha à vista dele CLITEMNESTRA À vista dele Mas quem é que nos está a ver EGISTO Quem há de ser O Rei Soltaram os mortos esta manhã CLITEMNESTRA Suplicovos meu senhor Os mortos estão debaixo da terra e não nos incomodarão tão depressa já estais esquecido de que fostes vós mesmo quem inventou tais fábulas para uso do povo EGISTO Tens razão mulher Vês como estou fatigado Deixame que quero meditar um pouco Clitemnestra sai 85 CENA IV EGISTO ORESTES e ELECTRA Os dois últimos escondidos EGISTO Acaso é este Júpiter o rei de quem precisavam em Argos Ando de um lado para o outro sei gritar com voz forte passeio por toda a parte a minha grande figura terrível e quem me vê sentese culpado até à medula Mas não passo duma concha vazia um bicho qualquer comeu me por dentro de mim mesmo e vejo que estou mais morto que Agamémnon Disse que estava triste Se disse menti Não é triste nem alegre o deserto esse nada infinito de areia sob o nada consciente do céu é sinistro Ah Daria o meu reino para poder deitar uma lágrima Entra Júpiter CENA V OS MESMOS E JÚPITER JÚPITER Por que te lamentas És um rei igual aos outros EGISTO 86 Quem és tu Que andas aqui a fazer JÚPITER Não me reconheces EGISTO Sai daqui para fora ou mandote espancar pelos meus guardas JÚPITER Não me reconheces Mas já me viste Foi em sonhos É certo que tinha um ar mais terrível Trovões relâmpagos Júpiter toma um ar terrível Que tal EGISTO Júpiter JÚPITER Ora até que enfim Volta a sorrir e aproximase da estátua Sou eu este E assim que me vêem os habitantes de Argos quando dizem as suas orações É na verdade um caso raro um Deus poder olhar de frente a sua imagem Pausa Como sou feio Não devem gostar muito de mim EGISTO Tememvos JÚPITER Óptimo Também não quero ser amado E tu amasme EGISTO Que me quereis Não paguei já bastante 87 JÚPITER Nunca é bastante EGISTO Esta empreitada matame JÚPITER Não exageres Tens passado bem e estás gordo Não te censuro aliás O que é preciso é exactamente boa gordura real amarelada como o sebo duma vela Tu estás fadado para viver mais uns vinte anos EGISTO Ainda vinte anos JÚPITER Sim JÚPITER Se alguém aqui entrasse de espada desembainhada oferecerias o peito a essa espada EGISTO Não sei JÚPITER Ouve bem o que te digo se te deixares matar como um vitelo serás castigado de maneira exemplar Ficarás como rei no Tártaro até à eternidade Era isto o que te queria dizer EGISTO 88 Há alguém que me queira matar JÚPITER Parece que sim EGISTO Electra JÚPITER E mais outro EGISTO Quem JÚPITER Orestes EGISTO Ah Pausa Pois bem se está escrito que posso eu fazer JÚPITER Que posso eu fazer Mudando de tom Ordena imediatamente a captura de um jovem estrangeiro que diz chamarse Filebo Que o atirem juntamente com Electra para o fundo duma enxovia qualquer e autorizote a que os deixes por lá ficar e os esqueças Então Por que esperas Chama os guardas EGISTO Estou exausto 89 JÚPITER Por que olhas o chão Volta para mim esses enormes olhos estriados de sangue Sim És nobre e estúpido como um cavalo Mas a tua resistência não é das que me irritam é o picante que tornará daqui a pouco mais deliciosa ainda a tua submissão Porque eu sei que acabarás por ceder EGISTO Já vos disse que não quero entrar nos vossos planos Já me basta o que fiz até aqui JÚPITER Coragem Resiste Ah Como sou guloso de almas iguais à tua Os teus olhos chispam cerras os punhos e atiras a tua recusa à cara de Júpiter Mas apesar disso minha cabeça de alho chocho meu cavalicoque meu péssimo cavalicoque ainda aqui há uns tempos me disseste que sim Ora vamos acabaras por obedecer Julgas que é sem qualquer motivo que deixo o Olimpo Quis avisarte deste crime porque é da minha vontade impedilo EGISTO Avisarme Que estranha coisa JÚPITER Pelo contrário que coisa mais natural Quero afastar esse perigo de cima da tua cabeça EGISTO Quem volo pediu E a Agamémnon viestes avisálo E apesar disso ele queria viver 90 JÚPITER Ó natureza ingrata ó carácter desgraçado Estou a provarte que me és mais querido que Agamémnon e ainda te queixas EGISTO Mais querido que Agamémnon Eu É Orestes a quem quereis Não vos importastes com que eu me perdesse deixastesme correr direito à banheira do rei de machado em punho e com certeza que lá em cima vos lambíeis de prazer a pensar como a alma do pecador é deliciosa Mas hoje protegeis Orestes contra si próprio e escolheisme a mim a quem já impelistes a matar o pai para suster a mão do filho Eu estava destinado a dar um esplêndido assassino Agora ele alto lá para ele há sem dúvida outras coisas em vista JÚPITER Mas que estranho ciúme Sossega não o amo mais do que a ti Não amo ninguém EGISTO Então reparai no que fizestes de mim deus injusto E dizeime se quereis hoje impedir o crime que Orestes premedita por que haveis então permitido o meu JÚPITER Nem todos os crimes me desagradam de igual forma Egisto já que estamos entre reis falarteei com franqueza o primeiro crime quem o cometeu fui eu quando criei os homens mortais Depois que podíeis vós fazer vós os assassinos Dar a morte às vossas vítimas Ora vamos Elas já a traziam consigo quando multo apressáveis um pouco o seu desabrochar Sabes o que teria acontecido a Agamémnon se o não tivesses morto Três meses mais tarde teria morrido de apoplexia sobre o peito duma bonita escrava Mas o teu crime convinhame 91 EGISTO Convinhavos Eu estou a expiálo há quinze anos e convinha vos Oh Que desgraça JÚPITER Justamente Ê porque o estás a expiar que me convém gosto dos crimes que se apagam Gostei do teu porque era um assassinato cego e surdo ignorandose a si mesmo à antiga mais parecido com um cataclismo do que com uma empresa humana Não perdestes tempo a desafiarme feriste transportado pela raiva e pelo medo e depois uma vez desaparecida a exaltação olhaste o teu acto com horror e não quiseste reconhecêlo E todavia como foi rendoso para mim Por um homem morto vinte mil mergulhados no arrependimento é este o balanço Não foi um mau negócio EGISTO Já vi o que está por trás dessas palavras Orestes não terá remorsos JÚPITER Nem um para amostra A esta hora está ele a fazer os seus planos fria e simplesmente com método Para que quero eu um assassinato sem remorso um assassinato insolente pacífico leve como uma nuvem na alma do assassino Tratarei de o impedir Ah Como odeio os crimes desta geração são ingratos e estéreis como a erva daninha Esse meigo jovem matarteá como um frango e retirarseá de mãos ensanguentadas e consciência limpa serei eu o humilhado no teu lugar Vamos Chama os guardas EGISTO Já vos disse que não Basta que esse exime não seja do vosso agrado para que eu o queira 92 JÚPITER noutro tom Egisto és rei e é para a tua consciência de rei que apelo pois sei que gostas de reinar EGISTO E então JÚPITER Odeiasme mas somos aparentados foi à minha imagem que te criei um rei é um Deus sobre a terra é nobre e sinistro como um Deus EGISTO Sinistro Vós JÚPITER Olha para mim Longo silêncio Já te disse que foste criado à minha imagem Ambos fazemos reinar a ordem tu em Argos e eu no mundo o mesmo segredo nos pesa no coração EGISTO Eu não tenho segredos JÚPITER Tens O mesmo que eu O doloroso segredo dos deuses e dos reis é que os homens são livres São livres Egisto Tu sabelo eles é que são EGISTO É verdade se o soubessem deitariam fogo ao meu palácio Há quinze anos que represento esta comédia para lhes esconder o seu próprio poder 93 JÚPITER Então já vês como nos parecemos um com o outro EGISTO Parecemonos Por que ironia admitirá um deus parecerse comigo Desde que comecei a reinar todos os meus actos e palavras visam a compor a minha imagem quero que cada um dos meus súbditos a traga dentro de si e que sinta até mesmo na solidão o meu olhar severo a incidir sobre os seus mais íntimos pensamentos Mas sou eu próprio a minha primeira vítima pois já não me vejo senão como eles me vêem Debruçome sobre o abismo escancarado das suas almas e lá está bem no fundo a minha imagem que me repugna e fascina ao mesmo tempo Ó Deus todopoderoso que sou eu além do medo que os outros têm de mim JÚPITER E quem julgas tu que eu seja Apontando a estátua Também eu tenho a minha imagem Julgas que não me faz vertigens Há cem mil anos que danço diante dos homens Uma dança lenta e tenebrosa É preciso que me olhem enquanto tiverem os olhos pregados em mim esquecerseão de olhar para si próprios Se eu me descuidar um momento que seja se deixar que os seus olhos se afastem EGISTO E então JÚPITER Deixa lá É um assunto que só a mim diz respeito Estás cansado Egisto mas de que te queixas Morrerás um dia Ao passo que eu não Enquanto houver homens na terra estou condenado a dançar diante deles ESISTO 94 Ai de nós Mas quem nos condenou JÚPITER Mais ninguém senão nós mesmos Temos a mesma paixão Tu amas a ordem Egisto EGISTO A ordem É verdade Foi para bem da ordem que seduzi Clitemnestra e matei o meu rei queria que a ordem reinasse imposta por mim Vivi sem desejos sem amor sem esperança impus a ordem Ó paixão divina e terrível JÚPITER Não poderíamos ter outra eu sou Deus e tu nasceste para ser rei EGISTO Pobre de mim JÚPITER Egisto minha criatura e meu irmão mortal é em nome dessa ordem que ambos servimos que te ordeno apoderate de Orestes e da irmã EGISTO São assim tão perigosos JÚPITER Orestes sabe que é livre EGISTO com vivacidade 95 Sabe que é livre Então não basta pôlo a ferros Um homem livre numa cidade é como uma ovelha tinhosa num rebanho Vai contaminar todo o meu reino e arruinar a minha obra Deus todopoderoso que esperas para o fulminar JÚPITER com lentidão Para o fulminar Pausa Mostrase curvado e fatigado Egisto os deuses têm outro segredo EGISTO Não me digas Quando a liberdade explode na alma dum Homem os deuses perdem todo o poder sobre ele Passa entao a ser uma coisa puramente humana e só outros homens podem matálo ou deixálo viver EGISTO olhandoo Matálo Está bem Vou obedecerte Mas não digas mais nada e não fiques aqui muito tempo pois não o poderia suportar Júpiter sai CENA VI Egisto fica só por um momento aparecem depois Electra e Orestes 96 ELECTRA correndo para a porta Dálhe Não lhe dês tempo a gritar vou barricar a porta EGISTO És então tu Orestes ORESTES Defendete EGISTO Não me defenderei Já é tarde para chamar por socorro e estou contente que assim seja Mas não me defenderei quero que me assassines ORESTES Está bem Pouco me importa o meio Serei pois assassino Golpeiao com a espada EGISTO cambaleando Não falhaste o golpe Agarraste a Orestes Deixame olharte É verdade que não tens remorsos ORESTES Remorsos Porquê O que estou a fazer é justo EGISTO Só é justo o que Júpiter deseja Estavas aqui escondido e ouviste ORESTES 97 Que me interessa Júpiter A justiça é assunto dos homens e por isso não preciso que um deus me venha ensinar é justo esmagarte miserável e liquidar o teu poder sobre o povo de Argos é justo restituir lhe o sentimento da sua dignidade Repeleo EGISTO Estou a morrer ELECTRA cambaleia e o seu rosto está branco Que horror Como é feio um homem a morrer ORESTES Calate Que ele não leve para o tumulo outra lembrança que não seja a da nossa alegria EGISTO Malditos sejais ORESTES Acabas ou não de morrer Golpeiao Egisto cai EGISTO Toma cuidado com as moscas Orestes toma cuidado com as moscas Ainda não está tudo acabado Morre ORESTES empurrandoo com o pé 98 Para ele tudo acabou de qualquer maneira ELECTRA Orestes ORESTES Então ELECTRA Ela já não nos pode fazer mal ORESTES Então Já não te reconheço Há bem pouco tempo falavas doutra maneira ELECTRA Também a ti te não reconheço ORESTES Está bem irei só Sai CENA VII ELECTRA só 99 ELECTRA Irá gritar Pausa Faz menção de escutar Ele já vai no corredor Quando abrir a quarta porta Ah Fui eu que assim o quis E queroo é preciso que o queira ainda Olha Egisto Este está morto É então isto o que eu queria Não o imaginava assim Aproximase dele Cem vezes o vi em sonhos estendido neste mesmo sítio com uma espada enterrada no coração Os seus olhos estavam então fechados e parecia dormir Como eu o odiava e me comprazia em odiálo Mas agora não parece dormir tem os olhos abertos olhame Está morto e o meu ódio morreu com ele E aqui estou à espera a outra está viva ainda lá no fundo do quarto e não tarda nada que comece a gritar Vai gritar como um animal Ah Já não posso suportar este olhar Ajoelhase e põe uma capa a tapar o rosto de Egisto Mas afinal que queria eu Silêncio Depois gritos de Clitemnestra Feriua Era a nossa mãe e feriua Levantase Aqui está morreram os meus inimigos Durante anos antegozei esta morte e agora sinto o coração como que apertado num torno Terei mentido a mim mesma durante estes quinze anos Não é verdade Não é verdade Não pode ser verdade não sou covarde Desejei e desejo ainda este momento Quis ver este porco imundo estendido a meus pés Arranca a capa Que me importa esse olhar de peixe morto Fui eu que o quis esse olhar e dáme prazer Gritos mais fracos de Clitemnestra Que grite Que grite Quero os seus gritos de horror e o seu sofrimento Os gritos cessam Que alegria Que alegria Choro de alegria os meus inimigos morreram e meu pai está vingado Regressa Orestes de espada ensanguentada na mão Ela corre para ele 100 CENA VIII ELECTRA E ORESTES ELECTRA Orestes Atiraselhe nos braços ORESTES De que tens medo ELECTRA Não tenho medo Estou ébria Ébria de contentamento Que disse ela Pediu perdão durante muito tempo ORESTES Electra não me arrependerei do que fiz mas prefiro não falar nisso há recordações que se não partilham Basta que saibas que morreu ELECTRA A amaldiçoarnos Dizme sô isto a amaldiçoarnos ORESTES Sim A amaldiçoarnos ELECTRA Tomame nos teus braços meu bemamado e apertame com toda a tua força Como é densa a noite e como a luz destes archotes a penetra 101 com dificuldade Amasme ORESTES Já não é noite é um novo dia que começa Somos livres Electra Parece que te fiz nascer e que também nasci contigo amote e pertences me Ficamos duplamente ligados pelo sangue pois do mesmo sangue somos e sangue derramamos ELECTRA Deita fora a espada Dáme a tua mão Tomalhe a mão e beijaa Tens os dedos curtos e grossos bons para agarrar e reter Querida mão Como se fez pesada para abater os assassinos do nosso pai Esperai Vai buscar um archote e aproximada de Orestes Tenho que te iluminar a cara porque a escuridão aumenta e já não vejo bem Preciso de estar a verte quando não te vejo tenhote medo Por isso não posso tirarte os olhos de cima Amote Tenho que pensar que te amo Que ar tão estranho o teu ORESTES Sou livre Electra a liberdade abateuse sobre mim como um raio ELECTRA Livre Eu não me sinto livre Podes conseguir que tudo isto não tenha acontecido Sucedeu qualquer coisa que já não temos a liberdade de desfazer Podes impedir que sejamos para sempre os assassinos da nossa mãe ORESTES E julgas que me interessa impedilo Pratiquei o meu acto Electra e esse acto era bom Leváloei aos ombros como um barqueiro leva os viandantes fáloei passar para a outra margem e prestarei contas dele E quanto mais difícil for de levar mais contente ficarei pois é ele a minha liberdade Ainda ontem eu andava ao acaso sobre a terra com 102 milhares de caminhos a fugiremme sob os passos por pertencerem a outros Todos eles palmilhei tanto o dos sirgadores ao longo dos rios como o atalho do almocreve e a estrada calcetada dos condutores de carros nenhum porém me pertencia Mas hoje já não há senão um que é o meu caminho Que tens ELECTRA Já não te vejo Estas luzes nada iluminam Oiço a tua voz mas incomodame sintoa cortarme como uma faca Fará sempre assim escuro daqui em diante mesmo de dia Orestes Elas aí estão ORESTES Quem ELECTRA Elas ai estão Donde virão Estão suspensas do tecto como bagas de uva preta e são elas que enegrecem as paredes intrometemse entre a luz e os meus olhos e são as suas sombras que me escondem o teu rosto ORESTES As moscas ELECTRA Escuta Escuta o ruído das suas asas que parece o resfolegar duma forja Estão a cercarnos Orestes Espreitamnos e não tarda que caiam sobre nós sentirei então no meu corpo as suas mil patas viscosas Como fugiremos e para onde Orestes Olhaas a inchar a inchar já estão grandes como abelhas irão atrás de nós para onde quer que vamos em negros turbilhões Que horror Estou a ver os seus olhos esses milhões de olhos a espreitarnos ORESTES 103 Que nos importam as moscas ELECTRA São as Erínias Orestes as deusas do remorso VOZES atrás da porta Abri Abri Se eles não abrirem temos de arrombar a porta Pancadas surdas na porta ORESTES Os gritos de Clitemnestra atraíram os guardas Vem Levame ao santuário de Apolo passaremos lá a noite ao abrigo dos homens e das moscas Amanhã falarei ao meu povo CAI O PANO TERCEIRO ACTO 104 105 CENA I O templo de Apolo Penumbra Uma estátua de Apolo no meio da cena Electra e Orestes dormem aos pés da estátua rodeandolhe as pernas com os braços As Erinias fazem circulo à sua volta a dormir em pé como as aves pernoitas Ao fundo uma pesada porta de bronze PRIMEIRA ERÍNIA espreguiçandose Aaaah Dormi de pé hirta de raiva e tive muitos sonhos irados Ó bela flor da ira bela flor vermelha que trago no coração Roda em volta de Orestes e de Electra Dormem Como são brancos e doces Heide rebolar me nos seus ventres e nos seus peitos como a torrente sobre os seixos Darei pacientemente lustro a esta carne delicada esfregála raspálaei e consumilaei até aos ossos Dá alguns passos Ó límpida manhã cheia de ódio Que explêndido despertar eles dormem transpiram e cheiram a febre ao passo que eu velo dura e fria a minha alma é como se fosse de cobre e sintome inviolável e sagrada ELECTRA adormecida Ai PRIMEIRA ERÍNIA Está a gemer Tem paciência que já pouco falta para que proves as nossas mordeduras Háde então uivar com tais carícias Penetrarteeí como o macho à fêmea pois és a minha esposa e deverás sentir a força do 106 meu amor És bela Electra bem mais bela do que eu verás todavia como os meus beijos envelhecem as pessoas Antes de seis meses estarás acabada como uma velha ao passo que eu continuarei jovem Debruça se sobre eles Ah Que belas e saborosas presas mortais Olhoas respiro o hálito e sufoco de cólera Ah O prazer de sentir o ódio nascer dentro de nós o prazer de nos sentirmos garras e maxilas com fogo nas veias Invademe e sufocame o ódio que me inunda o seio como se fora leite Acordai irmãs acordai que chegou a manhã SEGUNDA ERÍNIA Sonhava que mordia PRIMEIRA ERÍNIA Tem paciência Hoje estão sob a protecção dum Deus mas depressa a sede e a fome os enxotarão deste abrigo Poderás então mordêlos à tua vontade TERCEIRA HÉRNIA Aaaah Quero arranhar m 107 PRIMEIRA ERÍNIA Espera não tarda que as tuas garras metálicas desenhem mil traços sanguíneos na carne dos culpados Vinde irmãs vinde vêlos UMA ERÍNIA Como são jovens PRIMEIRA ERÍNIA AlegraiVos pois as mais das vezes os criminosos são velhos e feios é bem raro o prazer delicado de destruir o que é belo AS ERÍNIAS Eiaah Eiaah TERCEIRA ERÍNIA Orestes é quase uma criança O meu ódio terá para com ele os carinhos duma mãe Encostarei aos joelhos o seu rosto pálido e farlheei festas na cabeça PRIMEIRA ERÍNIA E depois TERCEIRA ERÍNIA Depois espetarlheeí de repente estes dois dedos nos olhos Riem todas PRIMEIRA ERÍNIA Já suspiram e se agitam está próximo o seu despertar Vamos irmãs irmãs moscas tiremos os culpados do seu sono com o nosso 108 cantar CORO DAS ERÍNIAS Bzz Bzz Bzz Pousaremos no teu coração podre como moscas numa fatia de pão O coração podre ensanguentado e delicioso Sugaremos como abelhas o pus e a sânie do teu coração E deles faremos mel vais ver rico mel fresco Qual seria o amor que nos encheria de satis facão como este ódio Bzz bzz bzz bzz Seremos o olhar fixo das casas O rosnar do molosso que mostrará os dentes à tua passagem O zumbido que pairará no ar sobre a tua cabeça Os ruídos da floresta Os assobios o estralejar as chiadeiras os uivos Seremos a noite A densa noite da tua alma Bzz bzz bzz bzz Eiaah eiaah eiaahah Bzz bzz bzz bzz Somos as sugadoras de pus as moscas Tudo partilharemos contigo Iremos buscar os alimentos à tua boca e a luz ao fundo dos teus olhos Acompanharteemos à sepultura E só nos retiraremos perante os vermes Dançam ELECTRA despertando Quem está falando Quem sois 109 AS EEÍNIAS Bzz bzz bzz ELECTRA Ah Sois vós Então É mesmo verdade que os matámos ORESTES despertando Electra ELECTRA Quem és tu Ah És Orestes Vaite ORESTES Mas que tens ELECTRA Assustasme Sonhei que a nossa mãe tinha caído de costas a escorrer sangue e que este corria em fio por debaixo de todas as portas do palácio Apalpa as minhas mãos e vê como estão frias Não deixame Não me toques Sangrou muito ela ORESTES Calate ELECTRA despertando completamente Deixame olhar bem para ti tu matasteos Foste tu que os mataste Estás aqui acordaste agora mesmo nada está escrito no teu rosto e contudo matasteos 110 OBESTES E então Sim mateíos Pausa Também tu me assustas Estavas tão bela ontem Dirseía que um animai te destruiu o rosto com as garras ELECTRA Um animal Sim o teu crime que o sinto a arrancarme as pálpebras e a pele das faces de tal maneira que me parece ter os olhos e os dentes a nu E estas Quem são ORESTES Não te preocupes com elas Nada podem contra ti PRIMEIRA ERÍNIA Ela que venha para junto de nós se for capaz e veras então se não podemos nada contra ela ORESTES Basta cadelas Para a casota As Erínias rosnam Será possível que sejas aquela que ainda ontem vestida de branco dançava nos degraus do templo ELECTRA Envelheci Numa noite ORESTES Ainda és bela mas onde vi eu já esses olhos mortiços Electra começas a parecerte com ela com Clitemnestra Valeu então a pena têla morto Quando vejo o meu crime nesses olhos sinto horror 111 PRIMEIRA ERÍNIA É que ela temte horror É verdade É verdade que te causo horror ELECTRA Deixame PRIMEIRA ERÍNIA E então Ainda te resta a mínima dúvida Como não te odiar Vivia tranquila com os seus sonhos quando chegaste trazendo contigo a carnificina e o sacrilégio E agora eila a compartilhar do teu crime colada a esse pedestal que é o único pedaço de terra que lhe resta ORESTES Não lhe dês ouvidos PRIMEIRA ERÍNIA Para trás Para trás Repeleo Electra não te deixes tocar pela sua mão É um carniceiro que exala o cheiro enjoativo do sangue fresco E sabes que foi um desajeitado a matar a velha vendose obrigado a repetir o gesto várias vezes ELECTRA Não me estás a mentir PRIMEIRA ERÍNIA Podes acreditar no que te digo Eu estava a zumbir à sua volta ELECTRA 112 E ele golpeou por mais de uma vez PRIMEIRA ERÍNIA Foram umas dez E de cada vez a espada fazia crie na ferida Quando ela tentava proteger o rosto o ventre com as mãos ele cortou lhas ELECTRA Sofreu muito Não morreu logo ORESTES Não as olhes tapa os ouvidos e sobretudo não lhes perguntes nada estás perdida se as interrogas PRIMEIRA ERÍNIA Sofreu horrivelmente ELECTRA escondendo o rosto entre as mãos ORESTES Ela está a querer separarnos e a levantar à tua volta os muros da solidão Toma cuidado quando estiveres só completamente só e sem recursos cairão sobre ti Electra decidimos ambos este assassínio e por isso devemos ser ambos a suportarlhe as consequências ELECTRA Achas que o desejei ORESTES Então não é verdade 113 ELECTRA Não não é verdade Ou espera Sim Ah Já não sei Eu sonhei com este crime Agora tu tu cometesteo carrasco da tua própria mãe AS ERÍNIAS rindo e gritando Carrasco Carrasco Carniceiro ORESTES Electra atrás dessa porta está o mundo O mundo e a manhã Lá fora o sol ilumina os caminhos Depressa sairemos daqui e iremos por essas estradas cheias de luz estas filhas da noite perderão então o seu poder e os raios do sol trespassálasão como se fossem espadas ELECTRA O sol PRIMEIRA ERÍNIA Não voltarás a ver o sol Electra Ajuntarnosemos entre ti e ele como uma nuvem de gafanhotos e para onde quer que vás levarás a noite contigo ELECTRA Largaime Deixai de me torturar ORESTES A sua força é feita da tua fraqueza Já reparaste como a mim nada me dizem Escuta um horror sem nome caiu sobre ti e está a afastarnos um do outro E todavia por que coisas passaste que eu não tenha passado Julgas que aos meus ouvidos deixarão alguma vez de ecoar os gemidos de minha mãe E os seus olhos enormes como dois oceanos agitados 114 naquele rosto branco como a cal julgas também que os meus olhos deixarão alguma vez de os ver E a angústia que me devora pensas que deixará alguma vez de me roer Mas isso que me importa sou livre Para além da angústia e das recordações Livre E de acordo comigo próprio Não te deves odiar a ti mesma Electra Dáme a tua mão não mais te abandonarei ELECTRA Larga a minha mão Assustamme estas cadelas negras à minha volta mas tu ainda mais PRIMEIRA ERÍNIA Vês Vês Não é verdade minha boneca que te metemos menos medo do que ele Precisas de nós Electra és a nossa menina Precisas que as nossas unhas te arranhem a carne e que os nossos dentes mordam o teu peito precisas do nosso amor canibal para te distrair do ódio que alimentas contra ti própria e de sofrer na carne para que esqueças o que sofre a tua alma Vem Vem Só tens dois degraus a descer para caíres nos nossos braços e então os nossos beijos rasgarão a tua carne frágil e gozarás o esquecimento o esquecimento no grande e puro incêndio da dor AS ERÍNIAS Vem Vem Dançam muito lentamente como que para a fascinar Electra levantase ORESTES agarrandoa por um braço Não vás peçote seria a tua perda ELECTRA desembaraçandose com violência Ah Odeiote 115 Desce os degraus e as Erínias atiramse todas a ela ELECTRA Socorro Entra Júpiter CENA II OS MESMOS E JÚPITER JÚPITER Para a casota PRIMEIRA ERÍNIA O Senhor As Erínias afastamse de má vontade deixando Electra no chão JÚPITER Pobres crianças Eis aqui ao que chegastes O meu coração oscila entre a cólera e a piedade Levantate Electra enquanto eu aqui estiver as minhas cadelas não te farão mal Ajudadaa a levantarse Que cara horrível E bastou uma noite Bastou uma noite Onde está a tua frescura aldeã Numa só noite arruinaste fígado pulmões e baço está em estado miserável o teu corpo Ah Juventude louca e presunçosa olhai o mal que a vós próprios causastes 116 ORESTES Acaba lá com esse tom velhote fica mal ao rei dos deuses JÚPITER E tu acaba com esse tom arrogante que não convém muito a um culpado que expia o seu crime ORESTES Não sou um culpado e não és capaz de me fazer expiar aquilo que não reconheço como um crime JÚPITER Parece que te enganas mas deixa lá que não vais ficar muito tempo nessa heresia ORESTES Podes atormentarme à vontade não me arrependo de nada JÚPITER Nem mesmo da abjecção em que por tua culpa se encontra mergulhada a tua irmã ORESTES Nem mesmo JÚPITER Estás a ouvilo Electra Aqui está aquele que dizia amarte ORESTES 117 Amoa mais que a mim mesmo Mas o seu sofrimento é nela própria que tem origem e só ela se pode livrar dele pois é livre JÚPITER E tu Serás por acaso também livre ORESTES Bem o sabes JÚPITER Olha para ti mesmo creatura estúpida e imprudente que belo ar tens na verdade todo encolhido aos pés dum deus benfazejo com essas cadelas esfomeadas á assediarte Se tens a audácia de pretender que és livre acabaremos também por exaltar a liberdade do prisioneiro acorrentado no fundo duma enxovia e a do escravo crucificado ORESTES E por que não JÚPITER Toma cautela Estás a armar em fanfarrão porque te protege Apolo Mas Apolo é meu mui obediente servidor Basta que eu levante um dedo para que te abandone ORESTES Pois bem levanta esse dedo levanta a mão toda JÚPITER Para quê Não te disse já o quanto me repugna castigar Se aqui vim foi para vos salvar 118 ELECTRA Salvarnos Basta de troça senhor da vingança e da morte pois não é permitido nem a um Deus dar aos que sofrem uma esperança enganadora JÚPITER Poderias daqui sair dentro de um quarto de hora ELECTRA Sã e salva JÚPITER Doute a minha palavra ELECTRA Que me pedirás em troca JÚPITER Nada te pedirei minha filha ELECTRA Nada Terei ouvido bem bom Deus adorável Deus JÚPITER Ou quase nada Apenas o que me podes dar com a maior das facilidades um pouco de arrependimento ORESTES Toma cuidado Electra esse pouco pesará como uma montanha 119 sobre a tua alma JÚPITER para Electra Não o oiças Respondeme antes a isto o que te custa renegar este crime Foi Outro quem o cometeu Mal se pode disser que foste sua cúmplice ORESTES Electra Vais renegar quinze anos de ódio e de esperança JÚPITER Quem fala em os renegar Ela nunca quis aquele acto sacrílego ELECTRA Ai JÚPITER Ora vamos Podes confiar em mim É ou não é verdade que leio nos corações ELECTRA incrédula E lês no meu que eu não quis aquele crime Quando é verdade que sonhei durante quinze anos com o assassínio e a vingança JÚPITER Bah Esses sonhos sangrentos que te embalavam tinham uma certa inocência encobriam a teus olhos a escravidão que sofrias e suavizavam as feridas do teu orgulho Mas nunca pensaste a sério em realizálos Enganarmeei porventura ELECTRA 120 Ah Meu Deus meu querido Deus como desejo que te não enganes JÚPITER És ainda uma menina Electra As outras meninas gostariam de vir a ser as mais ricas ou as mais belas entre as mulheres Mas tu fascinada pelo destino atroz da tua raça quiseste ser a mais dolorosa e a mais criminosa Jamais quiseste o mal nada mais desejaste senão a tua própria desgraça Na tua idade as crianças brincam ainda com bonecas ou jogam à calha agora tu sem brinquedos nem companheiras pusestete a brincar aos assassinos visto ser um jogo que se pode jogar sozinho ELECTRA Ai que é assim Ai que é isso mesmo Quanto mais te oiço mais vejo claro dentro de mim ORESTES Electra Electra É agora que és culpada Aquilo que quiseste quem mais o pode saber senão tu Deixarás que seja outrem a decidilo Para quê alterar um passado que já não pode defenderse Porquê renegar essa Electra irada que foste essa jovem deusa do ódio que tanto amei Então não vês que esse Deus cruel está a fazer troça de ti JÚPITER Faço troça de vós Escutai só o que vos proponho se repudiardes o vosso crime instalarvosei aos dois no trono de Argos ORESTES No lugar das nossas vítimas JÚPITER 121 Assim é preciso ORESTES E vestirei a roupa ainda morna do defunto rei JÚPITER Essa ou outra não é isso que importa ORESTES Sim desde que seja preta não é verdade JÚPITER Então não estás de luto ORESTES Sim pela minha mãe já o esquecia E quanto aos meus súbditos deverei também mandálos vestir de preto JÚPITER Já o estão ORESTES Tens razão Devemos darlhes tempo a gastar esses velhos trajos Então Já percebeste Electra Se verteres algumas lágrimas darteão os saiotes e as camisas de Clitemnestra aquelas camisas imundas e fedorentas que durante quinze anos lavaste com as tuas próprias mãos Também te espera o seu papel e bastarteá retomálo a ilusão será perfeita e toda a gente julgará ver a tua mãe já que te tens empenhado em a imitar Eu é que sou mais esquisito não vou enfiar as cuecas desse bobo que matei 122 JÚPITER Levantas alto de mais essa cabeça golpeaste um homem que se não defendeu e uma velha que te pedia perdão mas quem te ouvir falar sem te conhecer é capaz de julgar que salvaste a tua cidade natal a combater sozinho contra trinta ORESTES Talvez tenha mesmo salvo a minha cidade natal JÚPITER Tu Sabes o que está por detrás dessa porta Os homens de Argos todos os homens de Argos Estão à espera do seu salvador com pedras ancinhos e varapaus para lhe testemunhar o seu reconhecimento Estás só como um leproso ORESTES Já sei JÚPITER Anda lá não te orgulhes disso Foi para a solidão do desprezo e do horror que te repeliram ó mais cobarde dos assassinos ORESTES O mais cobarde dos assassinos é o que tem remorsos JÚPITER Orestes Fui eu que te criei assim como todas as coisas Olha As paredes do templo abremse O céu aparece constelado de estrelas a girar Júpiter está ao fundo da cena A sua voz aumentou enormemente de volume microfone e todavia mal se vê o seu vulto Repara nesses 123 planetas que giram ordenadamente sem nunca se chocarem Fui eu quem lhes determinou as órbitas segundo o que é justo Escuta a harmonia celeste esse grande hino mineral em acção de graças que reboa pelos quatro cantos do firmamento Melodrama Sou eu a causa das espécies se perpetuarem fui eu quem ordenou que um homem gere sempre um homem e que o filho do cão seja cão sou eu a causa das marés virem docemente lamber as areias retirandose à hora marcada sou eu quem faz crescer as plantas e é o meu sopro que conduz à volta da terra as nuvens amarelas do pólen Esta não é a tua casa intruso Estás no mundo como o espinho na carne ou como o caçador furtivo na floresta senhorial porque o mundo é bom visto que o criei segundo a minha vontade e o Bem sou eu Agora tu tu praticaste o mal e as coisas acusamte com a sua voz petrificada Por toda a parte está o Bem na medula dos juncos na frescura da nascente nos seixos dos caminhos e no peso das pedras encontráloás mesmo na essência do fogo e da lua e até o corpo te atraiçoa obedecendo às minhas prescrições O Bem está dentro e fora de ti penetrate e baloiçate como o amor foi ele quem consentiu no êxito do teu mau empreendimento pois foi ele a claridade das velas a dureza da tua espada e a força do teu braço E esse mal de que tanto te orgulhas e do qual te dizes o autor que é senão um reflexo do ser um subterfúgio uma imagem enganadora cuja própria existência é mantida pelo Bem Regressa a ti próprio Orestes o universo condenate és um verme no universo Regressa à natureza filho desnaturado reconhece o teu erro abominao arrancao de ti como um dente cariado e fétido Senão preparate para que o mar recue diante de ti para que as nascentes sequem por onde passares para que as pedras e as rochas rolem para fora do teu caminho e para que a terra se desfaça sob os teus passos ORESTES Deixála desfazerse Que os rochedos me condenem e as plantas murchem à minha passagem não chegará o teu universo inteiro para me provar que não tenho razão És rei dos deuses Júpiter rei das pedras e das estrelas rei das ondas do mar Mas não és o rei dos homens As paredes voltam a fecharse e Júpiter reaparece curvado e fatigado já 124 com a sua voz natural JÚPITER Não sou o teu rei verme desavergonhado Quem então te criou ORESTES Foste tu Mas não me devias ter criado Livre JÚPITER Se te dei a liberdade foi para me servires ORESTES É possível mas eia acabou por se voltar contra ti sem que tu ou eu o pudéssemos Impedir JÚPITER Até que enfim Eis a desculpa ORESTES Não pretendo desculparme JÚPITER De verdade Mas sabes que parece mesmo uma desculpa essa Liberdade da qual te afirmas escravo ORESTES Não sou senhor nem escravo Júpiter Sou a minha liberdade Mal me criaste deixei de te pertencer ELECTRA 125 Peçote pelo nosso pai Orestes que não juntes ao crime a blasfêmia JÚPITER Estás a ouvila Perde então a esperança de a convenceres pela força dos teus argumentos essa tua linguagem é demasiado original para os seus ouvidos e demasiado chocante ORESTES Também para os meus Júpiter E até para a minha garganta que forma as palavras e para a minha língua que as modela à passagem é com dificuldade que me compreendo a mim próprio Ainda ontem tu eras como um véu sobre os meus olhos e um tampão de cera nos meus ouvidos ontem eu tinha uma desculpa eras tu a minha desculpa de existir pois me tinhas posto no mundo para servir os teus desígnios e o mundo era uma velha alcoviteira que me falava de ti sem cessar E de repente abandonasteme JÚPITER Abandonarte eu ORESTES Ontem estava junto de Electra toda a natureza essa sereia se agitava à minha volta a cantar o Bem e a prodigalizarme conselhos Para me incitar à brandura o dia escaldante suavizavase como um olhar velado para me pregar o perdão das ofensas o céu estava tão calmo como uma absolvição A minha juventude obedecendo às tuas ordens tinhase erguido e aí estava ela diante dos meus olhos suplicante como uma noiva que se vai abandonar pois era a última vez que eu a olhava Mas de repente sobre mim abateu se a liberdade que me paralisou recuou a natureza e foi como se já não tivesse idade Sozinho fiquei no meio desse teu pequeno e doce mundo como alguém que tivesse perdido a própria sombra E nada mais há no céu nem o Bem nem o Mal nem 126 ninguém para me dar ordens JÚPITER E então Serei por acaso abrigado a apreciar a ovelha que a sarna faz expulsar do rebanho ou o leproso encerrado no seu lazareto Não te esqueças disto Orestes fizeste parte do meu rebanho e comeste dos erva dos campos no meio das minhas ovelhas A tua liberdade não passa duma sarna a fazerte comichão não é mais do que um exílio ORESTES Dizeis a verdade é um exílio JÚPITER Mas o mal não é tão fundo como isso dura apenas desde ontem Volta ao nosso seio Volta Repara como estás só até a tua própria irmã te abandona Estás pálido e dilatate os olhos a angústia Esperas continuar a viver Vais sendo corroído por um mal desumano estranho à minha natureza estranho a ti próprio Volta Eu sou o esquecimento e o repouso ORESTES Eu sei que é estranho a mim próprio Não é natural é mesmo antinatural e sem justificação sem outro refúgio além de mim Mas não voltarei a viver sob a tua lei estou condenado a não ter outra lei além da minha Não regressarei à tua natureza todos os caminhos que nela se encontram a ti conduzem e eu não posso já seguir outro caminho que não seja o meu Porque sou homem Júpiter e cada homem deve descobrir o seu próprio caminho A natureza tem horror aos homens e tu o rei dos deuses também os odeias JÚPITER O que dizes é verdade odeioos quando se parecem contigo 127 ORESTES Toma cuidado acabas de confessar a tua fraqueza Eu não te odeio Que há entre nós dois Passaremos um pelo outro sem nos tocarmos como dois navios Tu és um Deus e eu sou livre estamos igualmente sós e é igual a nossa angústia Quem te diz que eu não procurei o remorso ao longo desta comprida noite O remorso O sono Mas já não posso ter remorsos Nem dormir Silêncio JÚPITER Que contas fazer ORESTES O povo de Argos é o meu povo É meu dever abrirlhe os olhos JÚPITER Pobre gente Vais presenteálos com a solidão e a vergonha Vais arrancar os panos com que eu os cobria revelandolhes de repente a sua existência a sua insípida e obscena existência que é bem gratuita afinal ORESTES Por que razão lhes recusaria eu o desespero que trago em mim se é essa também a sua sorte JÚPITER E que farão dele ORESTES O que quiserem são livres e a vida dos homens começa para além do desespero 128 Silêncio JÚPITER Sabes Orestes tudo isto fora já profetizado Um homem viria um dia anunciar o meu crepúsculo És então tu esse homem Quem o acreditaria ontem ao ver o teu rosto de menina ORESTES Têloia eu próprio acreditado As palavras que eu digo são demasiado grandes para a minha boca e rasgamna o destino que trago em mim tornouse demasiado pesado para a minha juventude e esmagou a JÚPITER Não te amo muito mas apesar disso lamentote ORESTES Também eu te lamento JÚPITER Adeus Orestes Dá alguns passos Quanto a ti Electra lembrate disto ainda falta muito para que acabe o meu reinado e não quero abandonar a luta Agora vê lá se és por mim ou contra mim Adeus ORESTES Adeus Júpiter sai 129 CENA III OS MESMOS MENOS JUPITER Electra erguese lentamente ORESTES Aonde vais ELECTRA Deixame Nada tenho que te dizer ORESTES Conheçote apenas de ontem e deverei já perderte para sempre ELECTRA Prouvesse aos deuses que jamais te tivesse conhecido ORESTES Electra Minha irmã minha querida Electra Meu único amor e única doçura da minha vida não me deixes só fica comigo ELECTRA Ladrão Quase nada tinha de meu além de um pouco de quietude e alguns sonhos Tudo me tomaste roubando assim uma pobre Eras o meu irmão o chefe da nossa família e tinhas o dever de me proteger mas o que fizeste foi mergulharme em sangue sintome vermelha como um boi esfolado Todas as moscas me perseguem essas gulosas e o meu coração é uma horrível colmeia 130 ORESTES É verdade meu amor tireite tudo e nada tenho para te dar além do meu crime Mas este é uma dádiva enorme Julgas que o não sinto a pesarme na alma como chumbo Nós éramos demasiado leves Electra mas agora os nossos pés enterramse no chão como as rodas dum carro nos seus trilhos Vem partiremos e caminharemos com o nosso passo pesado curvados sob o nosso precioso fardo Darmeás a mão e iremos ELECTRA Aonde ORESTES Não sei em direcção a nós próprios Para lá dos rios e das montanhas há um Orestes e uma Electra que estão à nossa espera Temos que os procurar com persistência ELECTRA Não quero ouvirte mais Só me ofereces a náusea e a desgraça Salta para o palco As Erínias aproximamse lentamente Socorro Júpiter rei dos deuses e dos homens meu rei tomame nos teus braços levame e protegeme Cumprirei a tua lei serei tua escrava e tua propriedade beijarteei os pés e os joelhos Defendeme das moscas de meu irmão e de mim própria não me deixes só e dedicarei a minha vida inteira à expiação Eu arrependome Júpiter eu arrependome Sai a correr 131 CENA IV ORESTES E AS ERÍNIAS As Erínias fazem um movimento em perseguição a Electra A primeira Erínia contémnas PRIMEIRA ERÍNIA Já nada podemos contra ela irmãs deixaia ir Mas este aqui vai nos durar muito tempo ao que parece pois tem uma almazinha bem coriácea Sofrerá por dois As Erínias começam a zumbir e aproximarse de Orestes ORESTES Estou completamente só PRIMEIRA ERÍNIA Isso é que não meu querido assassino pequenino estou ao pé de ti e verás as brincadeiras que descobrirei para te distrair ORESTES Picarei até à morte Depois PRIMEIRA ERÍNIA Coragem irmãs que ele já cede Vede como se abrem os seus olhos não tarda que os seus nervos ressoem como as cordas duma harpa sob os arpejos delicados do terror SEGUNDA ERÍNIA 132 Não tarda que a fome o expulse do seu asilo provaremos o sabor do seu sangue antes do anoitecer ORESTES Pobre Electra Entra o Pedagogo CENA V O PEDAGOGO Onde estais senhor Não se vê nada Tragovos aqui comida os homens de Argos cercam o templo e nem sequer podeis sonhar em de cá sair Vamos tentar sair esta noite Todavia podeis comer enquanto esperais As Erínias barramlhe o caminhou Ah Quem são estas Mais superstições Que saudades eu tenho dessa meiga Ática onde era a minha razão quem tinha razão ORESTES Não tentes aproximarte se não queres que te esfolem vivo O PEDAGOGO Calma minhas lindas Olhai tomai lá estas iguarias e esta fruta se é que as minhas dádivas têm o condão de vos acalmar ORESTES 133 Dizes então que os homens de Argos se concentram em frente do templo O PEDAGOGO E de que maneira Não vos sei dizer quais são os piores e os mais encarniçados em querer fazervos mal se estas lindas meninas aqui ou os vossos queridos súbditos ORESTES Óptimo Pausa Abre essa porta O PEDAGOGO Enlouquecestes Eles estão lá fora e armados ORESTES Faz o que te digo O PEDAGOGO Não desta vez peço licença para vos desobedecer Eles vão lapidarvos sou eu quem volo diz ORESTES Velho sou o teu senhor e ordenote que abras essa porta O Pedagogo entreabre aporta O PEDAGOGO Olhem que esta Olhem que esta ORESTES De par em par 134 O Pedagogo abre um pouco mais a porta e escondese por detrás dum dos batentes A multidão empurra com violência os dois batentes e pára indecisa à entrada Luz intensa CENA VI OS MESMOS A MULTIDÃO Gritos entre a multidão A morte A morte Lapidaio Cortaio em pedaços A morte ORESTES sem os ouvir O sol A MULTEDÃO Sacrilégio Assassino Carniceiro Vais para o garrote E havemos de te deitar chumbo derretido nas feridas UMA MULHER Heide arrancarte esses olhos UM HOMEM Heide trincarte esses fígados ORESTES depois de se endireitar 135 Eisnos aqui finalmente meus mui fiéis súbditos Sou Orestes o vosso rei o filho de Agamémnon e é hoje o dia da minha coroação A multidão murmura perturbada Já não gritais agora A multidão calase Bem sei que vos assusto Faz hoje precisamente quinze anos que outro assassino se ergueu diante de vos com as mãos enluvadas de vermelho até aos cotovelos enluvadas de sangue sem que vos assustasse pois tínheis lido nos seus olhos que era um dos vossos e que não era capaz de responder pelos seus actos Um crime que não pode ser suportado pelo seu autor já não é um crime não é verdade E quase um acidente E assim acolhestes o criminoso como vosso rei e o pobre crime começou por aí a vaguear e a gemer docemente como um cão que tivesse perdido o dono Estais agora a olharme ó povo de Argos e já compreendestes que o meu crime é bem meu reivindicoo à luz do sol é ele a minha razão de viver e o meu orgulho não podeis punirme nem lamentarme e é por isso que vos assusto Mas O meu povo amovos e foi por vós que matei Por vós vim para reclamar o meu reino e vós repelisteme por não ser dos vossos Mas agora já sou dos vossos estamos unidos pelo sangue e já mereço ser o vosso rei Os vossos pecados e remorsos as vossas angústias nocturnas o crime de Egisto tudo isso é meu tudo isso eu tomo sobre mim Que vos não assustem mais os vossos mortos pois agora são os meus mortos E olhai até as vossas fiéis moscas vos trocaram por mim Mas não temais ó povo de Argos que me vá sentar ensanguentado no trono da minha vitima um Deus mo ofereceu e eu recuseio Quero ser um rei sem reino nem súbditos Adeus meu povo tentai viver agora tudo é novo por aqui tudo vai começar Até para mim também a vida vai começar Uma vida estranha Escutai só isto um Verão Ciro foi invadida pelas ratazanas Era uma praga horrível que tudo roía e os habitantes chegaram a pensar que por causa dela acabariam por morrer Porém um dia chegou um tocador de flauta e todas as ratazanas reuniramse à sua volta Pôsse então o flautista em marcha em grandes passadas assim desce do pedestal gritando aos habitantes de Ciro Afastaivos A multidão afastase E as ratazanas levantaram a cabeça hesitantes como as moscas Olhai Olhai as moscas E depois de repente precipitaramse no seu encalço E 136 o tocador de flauta com as suas ratazanas desapareceu para sempre Assim Sai as Erínias precipitamse uivando no seu encalço CAI O PANO 137 Composto e Impresso na TIPOGRAFIA RIOS IRMÃO LDA Santa Maria de lamas

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JEANPAUL SARTRE AS MOSCAS 2 AS MOSCAS por JEAHPAUL SARTRE 2 edição Traducão de NUNO VALADAS EDITORIAL PRESENÇA LISBOA 1965 Books scans Sandman cassiosg1111gmailcom 3 4 Sumário PRIMEIRO ACTO 5 CENA I 6 CENAII 20 CENA III 26 CENA IV 28 CENA V 35 CENA VI 43 SEGUNDO ACTO 45 PRIMEIRO QUADRO 46 CENA I 46 CENA II 51 CENA III 57 CENA IV 64 SEGUNDO QUADRO 78 CENA I 78 CENA II 78 CENAIII 82 CENA IV 85 CENA V 85 CENA VI 95 CENA VII 98 CENA VIII 100 TERCEIRO ACTO 104 CENA I 105 CENA II 115 CENA III 129 CENA IV 131 CENA V 132 CENA VI 134 PRIMEIRO ACTO 5 6 Uma praça em Argos Uma estátua de Júpiter deus das moscas e da morte com os olhos revirados e o rosto manchado de sangue CENA I Algumas velhas vestidas de preto entram em procissão e fazem libações em frente da estátua Ao fundo está o idiota sentado no chão Entram Orestes e o Pedagogo e a seguir Júpiter ORESTES Eh Mulherzinhas As velhas voltamse dando um grito O PEDAGOGO Podeis dizernos As velhas escarram no chão recuando um passo O PEDAGOGO Escutai somos caminhantes perdidos Peçovos apenas uma indicação As velhas fogem deixando cair as urnas O PEDAGOGO 7 Estafermos Cobiçovos eu porventura Ah Meu senhor que viagem agradável Que bela inspiração a vossa em aqui vir quando há mais de quinhentas cidades tanto na Grécia como na Itália que têm bons vinhos estalagens acolhedoras e ruas cheias de gente Estes montanheses parece que nunca viram turistas cem vezes perguntei pelo nosso caminho nesta maldita cidadezeca a corar ao sol Pois por toda a parte deparei como as mesmas exclamações de terror e as mesmas debandadas e tive que fazer longos percursos negros nas ruas ofuscantes Puf Estas ruas desertas esta atmosfera vacilante e este sol Haverá alguma coisa mais sinistra do que o sol ORESTES Aqui nasci O PEDAGOGO Ao que parece Mas se fosse comigo não me gabaria ORESTES Aqui nasci e contudo tenho que perguntar pelo meu caminho como se fora um caminhante Bate a essa porta O PEDAGOGO E que esperais disso Que vos atendam Olhaime estas casas e dizeime o que vos parecem Onde estão as janelas Penso que dão para bem fechados e sombrios saguões e que as casas viram para a rua o trazeiro Gesto de Orestes Pronto eu bato embora sem esperança Bate Silêncio Bate novamente a porta entreabrese UMA VOZ Que quereis 8 O PEDAGOGO Apenas uma informação Sabeis onde mora A porta fechase bruscamente O PEDAGOGO Ide para o inferno Estais contente e chegavos esta experiência senhor Orestes Posso se quiserdes bater a todas as portas ORESTES Não Deixa lá O PEDAGOGO Olha Mas está aqui alguém Aproximase do idiota Monsenhor O IDIOTA Aââ O PEDAGOGO cumprimentando novamente Monsenhor O IDIOTA Aââ O PEDAGOGO Podereis indicarnos a casa do Egísto O IDIOTA 9 Aââ O PEDAGOGO De Egísto o rei de Argos O IDIOTA Aââ Aââ Júpiter passa ao fundo O PEDAGOGO Pouca sorte O primeiro que não foge é idiota Júpiter volta o passar Olhem que esta Seguiunos até cá ORESTES Quem O PEDAGOGO O barbudo ORESTES Estas a sonhar O PEDAGOGO Acabo de o ver passar ORESTES Com certeza que te enganaste O PEDAGOGO 10 Impossível Nunca na vida vi uma tal barba salvo aquela em bronze que enfeita o rosto de Júpiter Aenobarbo em Palermo Olhai ei lo que passa novamente Que nos quererá ORESTES Anda em viagem como nos O PEDAGOGO Ora Encontrámolo na estrada de Delfos E quando embarcámos em Iteia já ele exibia as barbas no barco Em Naúplia não podíamos dar um passo sem o ter à perna e agora eilo aqui Se calhar achais que são tudo simples coincidências Enxota as moscas com as mãos Ah Estas moscas de Argos parecemme bem mais sociáveis que as pessoas Olhai olhai estas Aponta um olho do idiota São doze num só olho como se fosse numa fatia de pão com doce e contudo sorri encantado com ar de quem gosta que lhe suguem os olhos E reparai escorrelhe dali uma gordura branca que parece leite coalhado Enxota as moscas Basta meninas basta Olhai aí as tendes vós Enxotaas Ao menos isto põe vos à vontade vós que tanto vos lamentáveis de ser um estranho na vossa própria terra aí tendes esses animaizinhos que vos saúdam com animação e parecem reconhecervos Enxotaas Vamos basta Basta de efusões De onde virão elas Fazem mais barulho que molinetes e são maiores que libélulas JÚPITER que entretanto se aproximara Não passam de moscas carnívoras um bocado gordas Há uns quinze anos que um forte cheiro a cadáver as atraiu à cidade Desde então que engordam Dentro de quinze anos terão o tamanho de rãzinhas Um silêncio O PEDAGOGO Com quem temos a honra de falar 11 JÚPITER O meu nome é Demétrio Venho de Atenas ORESTES Parece que vos vi no barco a quinzena passada JÚPITER Também vos vi lá Gritos horríveis no palácio O PEDAGOGO Eh lá Eh lá Isto começa a não me cheirar nada bem e a minha opinião é que faríamos melhor se nos puséssemos a andar ORESTES Calate JÚPITER Nada tendes a temer Hoje é o dia dos mortos Estes gritos marcam o começo da cerimónia ORESTES Pareceis saber muito a respeito de Argos JÚPITER Venho cá com frequência Não sei se sabeis que eu estava presente quando do regresso do rei Agamémnon no momento em que a frota vitoriosa dos Gregos ancorou na baía de Naúplia Avistavamse as velas brancas do alto das muralhas Enxota as moscas Nesse tempo 12 ainda não havia moscas e Argos não passava duma cidadezinha de província que se aborrecia preguiçosamente ao sol Subi com os outros ao caminho da ronda durante os dias que se seguiram e ficámos a olhar demoradamente o cortejo real que vinha pela planíce Ao anoitecer do segundo dia a rainha Clitemnestra veio às muralhas acompanhada de Egisto o actual rei O povo de Argos viu as suas faces avermelhadas pelo sol poente viuos debruçarse sobre as ameias e olhar longamente na direcção do mar e pensou Más coisas vão acontecer Mas nada disse Egisto como já o deveis saber era o amante da rainha Clitemnestra Um debochado que já nessa época tinha propensão para a melancolia Estais fatigado ORESTES É da longa caminhada que fiz e deste maldito calor Mas interessame o que dizeis JÚPITER Agamémnon era bom homem mas cometera um grande erro Nunca permitira que as execuções capitais tivessem lugar em público É pena Um bom enforcamento na província sempre distrai e insensibiliza um bocado as pessoas quanto à morte Esta gente nada disse porque se aborrecia e queria ver uma morte violenta Nada disseram quando viram o seu rei aparecer as portas da cidade E quando viram Clitemnestra estenderlhe os belos braços perfumados também nada disseram E contudo nesse momento teria bastado uma palavra mas todos se calaram e cada um guardava já na mente a visão dum enorme cadáver de rosto despedaçado ORESTES E vós também nada dissestes JÚPITER Isso irritavos meu jovem Fico bem contente que assim seja 13 pois prova que tendes bons sentimentos Pois bem não falei não senhor não sou de cá e o assunto não me tocava de perto E quanto aos habitantes de Ârgos quando no dia seguinte ouviram no palácio os uivos de dor que dava o seu rei voltaram a não dizer nada e deixaram cair as pálpebras sobre os olhos revirados de volúpia ficando a cidade inteira como uma mulher aluada ORESTES E o assassino continua a reinar Já conheceu quinze anos de felicidade Eu julgava que os deuses fossem justos JÚPITER Eh lá Não incrimineis tão depressa os deuses Achais que deverão sempre castigar Então não seria melhor que aproveitassem a desordem em benefício da ordem moral ORESTES E fizeramno JÚPITER Mandaram as moscas O PEDAGOGO Para que são as moscas aqui chamadas JÚPITER Oh São um símbolo Mas o que elas fizeram julgaio por isto olhai ali aquela centopeia velha que arrasta as negras patitas rasando a parede é um belo espécime dessa fauna negra e achatada que pulula nas fendas É num instante que a apanho e volo trago aqui Salta sobre a velha e trála para a boca da cena Aqui está o pescado Vede que horror 14 Uh Tens os olhos semicerrados e todavia vós todos estais já bem habituados aos ofuscantes raios que o sol dardeja Que me dizeis destes estremeções de peixe filado pelo anzol Diz lá velha deves ter perdido dúzias de filhos estás de preto da cabeça aos pés Vamos fala e talvez te largue Por quem trazes luto A VELHA É o trajar de Argos JÚPITER O trajar de Argos Ah Já percebo É o luto pelo teu rei pelo teu rei assassinado que trazes em cima A VELHA Calate Por amor de Deus calate JÚPITER Que tu és suficientemente velha para os ter ouvido a esses gritos lancinantes que rodopiaram toda a manhã pelas ruas da cidade Que fizestes então A VELHA O meu homem estava para o campo que é que eu podia fazer Aferrolhei a porta JÚPITER Sim mas abriste a janela para ouvir melhor e pusestete a espiar por detrás das cortinas com a respiração suspensa e umas cócegas esquisitas no baixoventre 15 A VELHA Calate JÚPITER Com que energia deves ter amado nessa noite Foi um gozo hem A VELHA Ah Meu senhor foi um gozo bem horrível JÚPITER Um gozo vermelho cuja memória nunca haveis podido enterrar A VELHA Senhor Sereis um morto JÚPITER Um morto Vai vai louca Não te preocupes com quem eu sou será melhor que trates de ti e de ganhar o perdão do Céu pelo teu arrependimento A VELHA Ah Mas eu estou arrependida meu senhor Ah Se vós soubésseis como estou arrependida E também a minha filha está arrependida o meu genro sacrifica uma vaca todos os anos e ao meu neto que vai para os sete anos já o educámos no arrependimento é manso como um cordeiro muito loiro e já penetrado pelo sentimento do seu pecado original JÚPITER 16 Está bem põete a andar velha imunda e trata de te arrepender até que rebentes É a tua única esperança de salvação A velha foge Ou eu me engano muito meus senhores ou temos aqui piedade da boa à antiga assente sòlidamente sobre o terror ORESTES Mas que espécie de homem sois vós JÚPITER Que interessa a minha pessoa Falávamos dos deuses Ora bem deveria Egisto ter sido fulminado ORESTES Deveria Ah Sei lá o que deveria ter acontecido quero lá saber disso não sou de cá E Egisto Está arrependido JÚPITER Egisto Muito me espantará Mas que importa se uma cidade inteira se arrepende por ele No arrepender é o peso que conta Gritos horríveis no palácio Escutai Para que eles jamais esqueçam os gritos de agonia do seu rei um boieiro escolhido pela sua voz forte uiva desta maneira a cada aniversário no salão do palácio Orestes faz um gesto de repulsa Bah E isto ainda não é nada que direis então quando libertarem os mortos Há quinze anos precisos que Agamémnon foi assassinado Ah Como mudou desde então este leviano povo de Argos e como está agora perto do meu coração ORESTES Do vosso coração JÚPITER 17 Não façais caso meu jovem Era comigo mesmo que falava Deveria ter dito perto do coração dos deuses ORESTES De verdade Paredes manchadas de sangue moscas aos milhões um cheiro a matadouro um calor de rebentar as ruas desertas um deus com cara de assassino essas larvas aterradas que batem nos peitos no recôndito das suas casas e estes gritos insuportáveis é então isto o que agrada a Júpiter JÚPITER Ah Meu jovem não julgueis os deuses que eles têm dolorosos segredos Um silêncio ORESTES Agamémnon tinha uma filha não tinha Uma filha chamada Electra JÚPITER Sim Vive aqui No palácio de Egisto que é esse aí ORESTES Ah É o palácio de Egisto E que pensa Electra de tudo isso JÚPITER Bah É uma criança Havia também um filho um tal Orestes Dizem que morreu ORBSTES 18 Morreu Talvez O PEDAGOGO Mas com certeza meu senhor bem sabeis que morreu As pessoas em Náuplia contaramnos que Egisto tinha ordenado que o assassinassem pouco tempo depois da morte de Agamémnon JÚPITER Houve quem pretendesse que ficara vivo Os seus algozes apiedados têloiam abandonado na floresta Teria então sido recolhido e educado por ricos burgueses de Atenas Eu por mim desejaria que tivesse morrido ORESTES E porquê Não me dizeis JÚPITER Imaginai que ele aparece um dia às portas desta cidade ORESTES E daí JÚPITER Bah Se eu nessa altura o encontrasse dirlheia dirlheia assim Meu jovem Chamáloia de jovem visto que ele se está vivo tem aproximadamente a vossa idade A propósito senhor podeisme dizer o vosso nome ORESTES Chamome Filebo e sou de Corinto Viajo para me instruir com 19 um escravo que foi meu preceptor JÚPITER Perfeitamente Eu diria então Meu jovem idevos embora Que vindes aqui buscar Quereis fazer valer os vossos direitos Eh Sois ardente e forte daríeis num belo capitão num exército combativo podeis fazer melhor do que reinar numa cidade semimorta numa carcassa de cidade atormentada pelas moscas Os habitantes daqui são grandes pecadores mas eilos que se empenham no caminho do resgate Deixai os meu jovem deixaios respeitai a sua dolorosa empresa e afastaivos nas pontas dos pés Vós jamais poderíeis compartilhar do seu arrependimento visto que não haveis tomado parte no seu crime e a vossa inocência impertinente vos separa deles como um fosso profundo Ide vos se é que os amais ao menos um pouco Idevos senão fareis com que se percam se os fizerdes arrepiar caminho ao abandonar um instante que seja os seus remorsos todos os seus pecados acabarão por se coagular sobre eles próprios como gordura arrefecida Têm um peso na consciência têm medo e o medo e a consciência pesada exalam um aroma delicioso para as narinas dos deuses Sim essas almas dignas de piedade são aquelas que agradam aos deuses Queríeis vós tirarlhes o favor divino E que lhes daríeis em troca Digestões tranquilas a melancólica paz provinciana e o tédio ah o tédio quotidiano da felicidade Boa viagem meu jovem boa viagem a ordem numa cidade como a ordem nas almas é instável se lhe tocais provocareis uma catástrofe Olhandoa Uma terrível catástrofe que sobre vós recairá ORESTES De verdade Seria então isso o que diríeis Pois bem se eu fosse esse jovem respondervosia Medemse com o olhar o Pedagogo tosse Bah Sei lá o que vos responderia Talvez tenhais razão além de que o assunto não me diz respeito JÚPITER 20 Ora aí está Quem me dera que Orestes fosse tão razoável como voz Que a paz seja convosco tenho que ir à minha vida ORESTES A paz seja convosco JÚPITER A propósito se essas moscas vos incomodam aqui está o meio de vos livrardes delas olhai esse enxame que zumbe em vosso redor um movimento com o pulso um gesto com o braço e é só dizer Abraxás gálá gálá tsé tsé E é como vedes eilas que rebolam e rastejam que nem lagartas ORESTES Por Júpiter JÚPITER Isso é pouca coisa Apenas um joguinho de sociedade Sou encantador de moscas nas horas vagas Bons dias Voltaremos a vernos Sai CENAII ORESTES E O PEDAGOGO 21 O PEDAGOGO Desconfiai Este homem sabe quem sois ORESTES E será um homem O PEDAGOGO Ah Meu senhor como me fazeis pena Para que serviram então as minhas lições e esse cepticismo sorridente que vos ensinei Será um homem Com certeza pois ninguém mais existe além dos homens e estes já bastam Este barbudo é um homem e algum espião de Egisto ORESTES Deixa lá a tua filosofia Bem mal me fez O PEDAGOGO Mal Então achais que é causar mal às pessoas o darlhes a liberdade de espírito Ah Como estais mudado Lia dentro de vós noutro tempo Quereis dizerme em que meditais Por que razão me haveis arrastado até aqui E que pretendeis cá fazer ORESTES Acaso já te disse que queria cá fazer alguma coisa Ora vamos Calate Aproximasse do palacio Eis o meu palácio Foi aí que nasceu meu pai Foi aí que uma p e o seu chulo o assassinaram E foi aí também que eu nasci Já tinha quase três anos quando os esbirros de Egisto me levaram De certeza que passámos por esta porta um deles seguravame nos braços e eu devia ir de olhos esbugalhados a chorar Ah Nem a mais leve recordação eu tenho Vejo um grande edifício mudo erguido na sua solenidade provinciana Vejoo pela primeira vez 22 O PEDAGOGO Nenhuma recordação meu amo ingrato quando consagrei dez anos da minha vida em volas proporcionar E todas essas viagens que fizemos E essas cidades que visitámos E esse curso de arqueologia que vos ministrei somente a vos Nenhuma recordação Quando ainda há bem pouco tempo existiam tantos palácios santuários templos para povoar a vossa memória que teríeis podido como o geógrafo Pausânías escrever uma guia da Grécia ORESTES PaláciosÉ verdade Palácios colunas estátuas Nem sei porque não sou mais pesado com tantas pedras na cabeça E não me falas nos trezentos e oitenta e sete degraus do templo de Éfeso Subios um por um e lembrome deles todos Se bem me recordo o décimo sétimo estava partido Ah Um cão velho a aquecerse deitado ao pé da lareira e que se soergue um pouco quando o dono entra a ganir docemente para o saudar esse cão tem mais memória que eu é o seu dono que reconhece O seu dono Agora eu o que possuo O PEDAGOGO E então a cultura senhor É vossa a cultura que possuis e que para vós arranjei com amor como um ramo de flores casando os frutos da minha sabedoria com os tesouros da minha experiência Não vos fiz eu ler em pouco tempo todos os livros para que vos familiarizásseis com a diversidade das opiniões humanas e percorrer cem Estados fazendovos ver em cada caso como são variáveis os costumes dos homens Eisvos agora jovem rico e belo sensato como um ancião liberto de todas as servidões e crenças sem família nem pátria ou profissão livre para todos os compromissos mas sabendo que nunca vos deveis comprometer enfim um homem superior e capaz além disso de ensinar filosofia ou arquitectura numa grande cidade universitária E queixaivos vós ORESTES 23 Enganaste eu não me queixo Nem me poderia queixar tu deixasteme uma liberdade igual à desse fios que o vento arranca as teias de aranha e que flutuam a dez pés do solo ando pelos ares e não peso mais do que um fio Sei que é uma sorte e como tal a aprecio Pausa Há homens que nascem comprometidos não têm outra alternativa pois os impeliram para certo caminho mas no fim desse caminho há um acto que os espera o seu acto e lá vão eles de pés descalços a comprimir a terra com força e a arranharse nos calhaus Achas isto grosseiro este contentamento em ir para certo lugar E ainda há outros os taciturnos que sentem no fundo do seu coração o peso das visões terrenas e turvas a sua vida mudou porque certo dia da sua infância com cinco anos sete anos Está bem não são homens superiores Agora eu já aos sete anos sabia que era um exilado os aromas e os sons o barulho dá chuva nos telhados as cintilações da luz tudo isso eu deixava escorregarme pelo corpo e cair à minha volta já sabia que era aos outros que essas coisas pertenciam e que jamais poderia fazer delas as minhas recordações As recordações são na verdade um rico alimento para o espírito dos que possuem as casas os animais os criados e os campos Mas eu Eu sou livre graças a Deus Ah Como sou livre E que esplêndido vazio trago na alma Aproximase do palácio Poderia ter vivido aí Não teria lido nenhum dos teus livros e até talvez nem soubesse ler é raro um príncipe que saiba ler Mas teria entrado e saído dez mil vezes por esse portão Em criança teria brincado com os seus batentes têlos empurrado de pés fincados no chão e eles teriam apenas rangido sem ceder ficando assim os meus braços a conhecer a sua resistência Mais tarde têlosia empurrado de noite às escondidas para ir ter com as raparigas E ainda mais tarde no dia da minha maioridade os escravos teriam aberto as portas de par em par e eu teria transposto a soleira a cavalo Meu velho portão de madeira Seria capaz de encontrar de olhos fechados a tua aldrava E essa esfoladela aí em baixo talvez tivesse sido eu quem ta tivesse feito por imperícia no primeiro dia em que me tivessem confiado uma lança Põese a certa distância Estilo pequenodôrico não é E que te parecera essas incrustações em ouro Vi as parecidas em Dodona é um belo trabalho Olha para te agradar vou te dizer não é o meu palácio nem o meu portão E nada temos aqui a 24 fazer O PEDAGOGO Até que enfim sois razoável Que teríeis ganho aqui vivendo O vosso espírito estaria agora abatido por um arrependimento abjecto ORESTES com vivacidade Mas ao menos seria meu E seria meu este calor que me cresta os cabelos E meu o zumbir destas moscas A esta mesma hora estaria eu num quarto escuro no palácio a observar pela abertura duma gelosia o vermelho da luz e a esperar que o sol declinasse e que subisse do chão como um aroma a sombra fresca dum entardecer em Argos semelhante a cem mil outros mas sempre novo a sombra dum entardecer meu Vemte embora pedagogo não vês que acabamos por apodrecer ao calor dos outros O PEDAGOGO AhSenhor como me tranquilizais Nestes últimos meses para ser exacto desde que vos revelei a vossa origem viavos mudar de dia para dia e já nem dormia Tinha medo ORESTES De quê O PEDAGOGO Zangarvoseis ORESTES Não Fala O PEDAGOGO 25 Eu temia mesmo quando estamos acostumados à ironia céptica temos às vezes ideias tolas em resumo eu perguntava a mim mesmo se vós não pensaríeis em expulsar Egisto para tomar o seu lugar ORESTES com lentidão Expulsar Egisto Pausa Podes ficar descansado velhote que já é demasiado tarde Não é a vontade que me falta de agarrar pelas barbas esse rato de sacristia e arrancálo do trono de meu pai Mas quê Que tenho eu a ver com esta gente Não lhes vi nascer nenhum dos filhos nem assisti às bodas das filhas não compartilho dos seus remorsos e não conheço um só dos seus homens O barbudo é que tem razão um rei deve ter as mesmas recordações que os seus súbditos Deixemolos meu velho Vamonos embora Na ponta dos pés Ah Se pudesse haver um acto sabes um acto que me desse foros de cidadania entre eles se eu me pudesse apoderar nem que fosse com um crime das suas memórias do seu terror e das suas esperanças para encher o vazio do meu coração ainda que tivesse que matar a minha própria mãe O PEDAGOGO Senhor OBESTES Sim Isto são tudo sonhos Vamos Vê lá se nos podem aí arranjar cavalos que iremos até Esparta onde tenho amigos Entra Medra 26 CENA III OS MESMOS E ELECTRA ELECTRA Segurando uma caixa aproximase da estátua de Júpiter sem os ver Nojento Podes olharme à vontade com esses olhos redondos nessa cara suja de sumos de framboesa que não me metes medo Vieram esta manhã essas beatas essas bruxas velhas e negras não vieram E andaram a ranger os pés à tua volta não foi E tu todo contente hem meu monstro Gostas delas das velhas quanto mais parecem mortas mais tu gostas delas Derramaram sobre os teus pés os seus vinhos mais preciosos por ser o teu dia e das suas saias subiam ao teu nariz uns odores a bafio e a bolor as tuas narinas fremem ainda com esse delicioso perfume Roçando se por ele Pois bem cheirame agora a mim cheira este odor a carne fresca Sou jovem e estou viva o que te deve horrorizar Também cá te venho trazer as minhas oferendas enquanto a cidade inteira está a rezar Olhai aqui tens o lixo a cinza da lareira bocados de carne cheios de bichos e ainda um naco de pão tão imundo que nem os porcos o quiseram mas as tuas moscas vão gostar Bela festa não haja dúvida e oxalá seja a última Não sou bastante forte para te atirar ao chão O mais que posso fazerte é escarrarte em cima Mas aquele que eu espero virá com a sua espada enorme Olhará para ti divertido com as mãos nos quadris e o corpo atirado para trás A seguir puxará pelo sabre e abrirteá de meio a meio assim E as duas metades de Júpiter rebolarão cada uma para seu lado e toda a gente verá que é de madeira branca É todo de madeira branca o deus dos mortos O horror e o sangue que tem na cara bem como o verdeescuro dos olhos não passam de pintura não é verdade Bem sabes que és todo branco por dentro todo clarinho como o corpo dum bébé de leite bem sabes que uma espadeirada pode racharte ao meio e que nem sangrarias Madeira branca Rica Madeira branca Que bem que arde Reparando em Orestes Ah 27 ORESTES Não tenhas medo EUECTRA Não tenho medo Não tenho medo nenhum Quem ês tu OBESTES Um forasteiro ELECTRA Sê bemvindo Agradame tudo o que venha de fora desta terra Como te chamas ORESTES Chamome Filebo e sou de Corinto ELECTRA Ah De Corinto A mim chamamme Electra ORESTES Electra Para o Pedagogo Deixanos sós 28 CENA IV ORESTES E ELECTRA ELECTRA Por que me olhas assim ORESTES És bela Não te pareces com as pessoas daqui ELECTRA Bela Tens a certeza de que sou bela Tão bela como as moças de Corinto ORESTES Sim ELECTRA Aqui não mo dizem Não querem que o saiba Aliás para que me serve se não passo duma criada ORESTES Tu Uma criada ELECTEA A última das criadas lavo a roupa do rei e da rainha É uma roupa bem suja e cheia de porcaria Todas as roupas de baixo as camisas que lhes embrulharam os corpos podres e ainda a que Clitemnestra põe 29 quando o rei compartilha do seu leito tudo isso eu lavo E a loiça também Não me acreditas Olhame estas mãos Estão todas gretadas não é Que cara pândega que fazes Parecemse alguma coisa com as mãos duma princesa ORESTES Pobres mãos não parecem mãos duma princesa Mas adiante que mais te obrigam a fazer ELECTRA Olha todas as manhãs tenho que esvaziar o caixote do lixo Tragoo cá para fora e depois tu bem viste o que lhe fiz A esse velhote de pau esse Júpiter deus da morte e das moscas Há dias o Grande Sacerdote quando vinha fazerlhe as suas mesuras andou a pisar talos de couve e de nabo e cascas de mexilhão Julgou que endoidecia Olha cá não me vais denunciar pois não ORESTES Não ELECTRA Podes denunciarme à vontade quero lá saber Que mais me podem fazer Baterme Já me bateram Encerrarme lá no cimo duma enorme torre Não seria má ideia para eu não lhes pôr mais a vista em cima Imagina tu que me recompensam à noite quando acabo o meu trabalho tenho que me aproximar duma mulher grande e gorda de cabelos pintados lábios grossos e mãos muito brancas umas mãos de rainha a cheirar a mel Põeme essas mãos nos ombros colame os lábios à testa e diz Boa noite Electra Todas as noites Todas as noites sinto palpitar na minha pele aquela carne quente e gulosa Mas tenho conseguido dominarme e nunca desmaiei Sabes é a minha mãe Se eu fosse para a tal torre nunca mais me beijaria 30 ORESTES E jamais pensaste em fugir ELECTRA Não tenho coragem para tanto Teria medo sozinha por esses caminhos ORESTES Não tens uma amiga que pudesse acompanharte ELECTRA Não sou sozinha É como se fosse sarnenta ou pestífera as pessoas to dirão Não tenho amigas ORESTES O quê nem mesmo uma ama uma velha que te tenha visto nascer e que te tenha ao menos algum amor ELCEOTRA Nem isso Pergunta à minha mãe eu desanimaria as almas mais ternas que houvesse ORESTES E ficarás aqui toda a vida ELECTRA num grito Ah Toda a vida não Escuta estou à espera duma coisa ORESTES 31 Duma coisa ou de alguém ELECTRA Não to direi Falame agora de ti Também és belo Vais cá ficar muito tempo ORESTES Devia partir hoje mesmo Mas agora ELECTRA Agora ORESTES Já não sei ELECTRA Corinto é uma cidade bonita ORESTES Linda ELECTRA Amala Orgulhaste dela ORESTES Sim ELECTRA Como me parecia bizarro orgulharme da minha cidade natal 32 Explicame isso ORESTES Olha Não sei Não posso explicarto ELECTRA Não podes Pousa Ê verdade que em Corinto há praças cheias de sombra Praças onde à noite as pessoas passeiam ORESTES É verdade ELECTRA E toda a gente vem cá para fora Toda a gente passeia ORESTES Toda a gente ELECTRA Os rapazes com as raparigas ORESTES Os rapazes com as raparigas ELECTRA E têm sempre coisas a dizer entre si Divertemse mutuamente Ouvemse pela noite fora as suas gargalhadas ORESTES 33 Sim ELECTRA Achasme parva É que me custa tanto imaginar passeios sorrisos e cantos As pessoas daqui vivem roídas pelo medo E eu ORESTES Tu ELECTRA Pelo ódio E que fazem durante o dia as raparigas de Corinto ORESTES Enfeitamse depois cantam e tocam alaúde e a seguir fazem visitas às amigas à noite vão ao baile ELECTRA E não têm quaisquer preocupações ORESTES Têm mas muito pequenas ELECTRA Ah sim Escuta e têm remorsos as pessoas de Corinto ORESTES Algumas vezes Mas não muitas ELECTRA 34 Então fazem o que querem e depois não pensam mais nisso ORESTES Exactamente ELECTRA Coisa estranha Pausa Mas já agora dizme mais isto que preciso de saber por causa de certa pessoa de certa pessoa de quem estou à espera Supõe tu que um rapaz de Corinto um desses que à noite gracejam com as raparigas encontra ao regressar duma viagem o pai assassinado a mãe na cama do assassino e a irmã feita escrava Mostrar seia dócil o tal rapaz de Corinto indose embora às arrecuas a fazer vénias correndo a buscar consolação junto das amiguinhas Ou pelo contrário puxaria da espada golpearia o assassino até dar cabo dele Não respondes ORESTES Não sei ELECTRA Como Não sabes A voz de Clitemnestra Electra ELECTRA Schiu ORESTES O que há ELECTRA 35 É a minha mãe a rainha Clitemnestra CENA V ORESTES ELECTRA CLITEMNESTRA ELECTRA Então que dizes Filebo Assustate ORESTES De tantas vezes ter tentado imaginar esse rosto que achei por o ver cansado e amolecido sob o reluzir dos unguentos O que eu não esperava era estes olhos sem vida CITEMNESTRA Electra O rei manda que te aprontes para a cerimónia Porás o teu vestido preto e as tuas jóias Então Que querem dizer esses olhos no chão Apertas os cotovelos contra as tuas ancas estreitas o corpo incomodate Tens o costume de te pôr assim na minha presença mas essas macaquices já me não enganam ainda agora pela janela vi outra Electra toda gestos largos com os olhos brilhantes Olhas para mim ou não Então não me respondes ELECTRA Precisam desta desmazeladona para realçar o brilho da vossa 36 festa CITEMNESTRA Deixate de comédias És uma princesa Electra e o povo espera te como nos outros anos ELECTRA Serei mesmo uma princesa E só vos lembrais disso uma vez por ano quando o povo quer ver uma imagem da nossa vida familiar para sua edificação Rica princesa que lava a loiça e guarda os porcos Irá Egisto passarme o braço pelos ombros como no ano passado e sorrir junto à minha cara enquanto murmurava ameaças ao meu ouvido CITEMNESTRA É de ti que depende que seja doutra maneira ELECTRA Sim se me deixar infectar pelos vossos remorsos e implorar o perdão de Deus para um crime que não cometi Sim se beijar as mãos de Egisto e lhe chamar pai Puf Tem sangue seco debaixo das unhas CITEMNESTRA Faz como quiseres Há já muito tempo que renunciei a darte ordens em meu nome Apenas te comuniquei as que foram dadas pelo rei ELECTRA Que tenho eu a ver com as ordens de Egisto É o vosso marido minha mãe o vosso querido marido e não o meu CITEMNESTRA 37 Nada tenho a dizerte Electra Vejo que trabalhas para a tua e para a nossa perda Mas como te poderia eu aconselhar se arruinei a minha vida numa só manhã Odeiasme rainha filha mas ainda o que mais me inquieta é que te pareces comigo também tive esse rosto afilado esse sangue inquieto esse olhar falso e daí não veio nada de bem ELECTRA Não quero parecerme convosco Filebo tu que nos estás a ver às duas uma ao pé da outra diz lá não é verdade que não me pareço com ela ORESTES Que posso dizer O seu rosto parece um campo devastado peio granizo e pela trovoada Mas no teu há como que uma promessa de tempestade um dia a paixão vai fazêlo arder até aos ossos ELECTRA Uma promessa de tempestade Seja Aceito essa parecença Oxalá tenhas dito a verdade CITEMNESTRA E tu que encaras assim as pessoas quem és Deixa que te olhe por minha vez E que fazes aqui ELECTRA com vivacidade Ê um Coríntio chamado Filebo Anda em viagem CITEMNESTRA Filebo Ah ELECTRA 38 Parece que temíeis outro nome CLITEMENSTRA Temer Se alguma coisa ganhei com o perderme foi o não temer hoje o que quer que seja Aproximate estrangeiro e sê bemvindo Como és jovem Que idade tens ELECTRA Dezoito anos CITBMNESTRA Aindem vivem os teus pais ORESTES Meu pai morreu CITEMNESTRA E a tua mãe Deve ter mais ou menos a minha idade não Não dizes nada É que se calhar ela parecete mais nova que eu e pode ainda rir e cantar na tua companhia Amala Mas responde Por que a deixaste ORESTES Vou a Esparta alistarme nas tropas mercenárias CITEMNESTRA E já te disseram que vivemos esmagados por um crime imperdoável cometido há quinze anos ORESTES 39 Já CITEMNESTEA E que a rainha Clitemnestra era de todos a mais culpada E que o seu nome era de todos o mais maldito ORESTES Sim CITEMNESTRA E mesmo assim vieste Estrangeiro eu sou a rainha Clitemnestra ELECTRA Não te comovas Filebo a rainha está a divertirse com o nosso jogo nacional o jogo das confissões públicas Aqui cada um grita os seus pecados em frente de todos os outros e não raramente nos dias feriados se vê um ou outro comerciante que depois de ter corrido a cortina de ferro da sua loja se arrasta de joelhos pelas ruas a esfregar os cabelos com terra e a gritar que é um assassino um adúltero ou um prevaricador Mas os habitantes de Argos já começam a aborrecerse pois cada um conhece já de cor os crimes dos outros os da rainha em especial já não divertem ninguém visto que por assim dizer são crimes oficiais quase históricos Podes calcular a sua alegria quando te viu jovem recém chegado ignorando mesmo o seu nome Que ocasião excepcional Até lhe parece que é a primeira vez que se confessa CLITEMNESTRA Calate Qualquer um me pode escarrar na cara e chamarme prostituta e criminosa Mas ninguém tem o direito de julgar dos meus remorsos ELECTRA 40 Estais a ver Filebo São estas as regras do jogo Todas as pessoas te vão implorar que as condenes Mas toma cuidado e julgaas só pelos seus erros que te confessarem pois os outros a ninguém dizem respeito e ficarão todos muito pouco satisfeitos contigo se os descobrires CLITEMNESTRA Há quinze anos era eu a mais bela mulher da Grécia Agora olha para a minha cara e avalia quanto tenho sofrido E com franqueza que te digo não é da morte do velho bode que eu sinto pena Quando o vi a sangrar na banheira cantei e dancei de alegria E ainda hoje já passados quinze anos não penso nisso sem um estremecimento de prazer Mas eu tinha um filho que teria agora a tua idade Quando Egisto o entregou aos mercenários eu ELECTRA Também tínheis uma filha minha mãe ao que parece e fizestes dela uma lavadeira de loiça Mas esse pecado não vos atormenta muito CLITEMNESTRA És jovem Electra Quem é jovem e não teve ainda tempo de praticar o mal está em boas condições para condenar Mas deixa lá que um dia também arrastarás contigo um crime imperdoável Julgarás a cada passo afastarte dele e contudo continuará sempre tão difícil de arrastar Voltarteás e vêloás atrás de ti fora do teu alcance puro e tenebroso como um cristal negro E então já o não compreenderás e dirás assim Não fui eu não fui um que fiz E todavia ele lá estará cem vezes renegado lá estará a puxarte para trás Ficarás então a saber que comprometeste a tua vida numa única jogada definitivamente e que já nada mais poderás fazer senão rebocar o teu crime até à morte Justa ou injusta é assim a lei do arrependimento Veremos então no que dará esse jovem orgulho ELECTRA 41 O meu jovem orgulho Vêse que é a vossa juventude que lastimais mais ainda que o vosso crime é a minha juventude que odiais mais ainda que a minha inocência CLITEMNESTRA O que odeio em ti Electra é eu própria Não é a juventude oh não é a minha ELECTRA Pois eu é a vós é mesmo a vós que odeio CLITEMMESTRA Que vergonha Estamos a injuriarnos como duas mulheres da mesma idade que uma rivalidade amorosa tivesse atirado uma contra a outra E contudo sou tua mãe Não sei quem és tu rapaz nem o que vens fazer entre nós mas a tua presença é nefasta Electra odeiame e eu já o sabia Mas sempre nos calámos durante quinze anos e só os nossos olhares nos atraiçoavam Agora tu viestes e falastes connosco e aqui estamos a mostrar os dentes uma à outra e a rosnar como cadelas As leis da cidade obrigamnos a oferecerte hospitalidade Mas não te escondo que desejaria que te fosses embora Quanto a ti minha filha imagem fiel de mim própria é verdade que não te amo Porém preferia cortar a mão direita a ter que te fazer mal Mas não te aconselho a erguer contra Egisto a tua peçonhenta cabeça ele sabe bem com uma paulada partir a espinha às víboras E melhor que faças o que te manda se não te queres arrepender ELECTRA Podeis dizer ao rei que não vou à festa Sabes o que fazem Filebo Há na parte alta da cidade uma caverna cujo fundo nunca foi atingido pelo rapazio dizem que comunica com os infernos e o Grande Sacerdote mandoua tapar com uma pedra enorme Pois bem acreditarás no que te vou dizer Em cada aniversário o povo juntase diante dessa 42 caverna os soldados empurram para o lado a pedra que lhe tapa a entrada e pelo que dizem os nossos mortos vindos do inferno espalhamse pela cidade Põemlhes os talheres nas mesas dãolhes cadeiras e leitos e chegamse mais uns para os outros para lhes dar lugar ao serão Os mortos correm tudo e todas as atenções e cuidados são para eles Estás já a ver como são as lamentações dos vivos não estás Meu mortozinho meu mortozinho não te quiz ofender perdoame Amanhã de manhã ao cantar do galo voltarão para debaixo da terra a pedra será empurrada contra a entrada da gruta e tudo estará terminado até ao ano que vem Não quero tomar parte nessas macacadas É dos seus mortos que se trata não dos meus CLITEMNESTRA Se não quiseres obedecer o rei já ordenou que te levem à força ELECTRA À força Ah Ah À força Está bem Minha boa mãe peçovos que assevereis ao rei a minha obediência Comparecerei à festa e já que o povo me quer lá ver não o desiludirei E quanto a ti Filebo peçote que adies a tua partida e assistas à nossa festa Acharás lá talvez motivo para rir Até já Voume arranjar Sai CLITEMNESTRA a Orestes Vaite Tenho a certeza que nos causarás alguma desgraça Não podes querernos mal uma vez que nada te fizemos Vaite Pela tua mãe suplicote que vás Sai ORESTES Pela minha mãe 43 Entra Júpiter CENA VI ORESTES E JÚPITER JÚPITER Acabo de ser informado pelo vosso criado de que ides partir Anda ele a correr em vão pela cidade à procura de cavalos Mas eu posso arranjarvos duas éguas já aparelhadas por um preço módico ORESTES Já não parto JÚPITER lentamente Já não partis Pausa Com vivacidade Então não vos deixo sois meu convidado Há na parte baixa da cidade uma estalagem razoável onde vamos ficar os dois Não vos arrependereis de ter escolhido a minha companhia Mas primeiro abraxás galá galá tsé tsé libertovos das moscas Além disso um homem da minha idade é as mais das vezes um bom conselheiro Poderia ser vosso pai e contarmeeis a vossa história Vinde meu jovem deixaivos levar sem resistir encontros destes são muitas vezes mais proveitosos do que o que se poderia julgar à primeira vista Vede por exemplo Telémaco o filho do rei Ulisses como 44 sabeis Um belo dia encontrou um velho chamado Mentor que se lhe juntou passando a seguilo por toda a parte Pois bem sabeis quem era esse Mentor Levao consigo conversando e o pano cai CAI O PANO SEGUNDO ACTO 45 46 PRIMEIRO QUADRO Uma plataforma na montanha  direita a caverna cuja entrada está tapada por uma pedra negra À esquerda alguns degraus conduzem a um templo CENA I A MULTIDAO E DEPOIS JÚPTER ORESTES E O PEDAGOGO UMA MULHER que se ajoelha diante dum filho Olha a gravata Com esta já são três vezes que te faço o nó Escovao com a mão Pronto Assim já estás limpo Tem juízo e chora como os outros quando te mandarem A CRIANÇA É por ali que eles vêm A MULHER 47 É A CRIANÇA Tenho medo A MULHER É bom ter medo queridinho Muito medo Para poderes vir a ser alguém UM HOMEM Está hoje um bom tempo para eles OUTRO HOMEM Ainda bem Oxalá ainda continuem sensíveis ao calor do sol O ano passado chovía e portaramse terrivelmente O PRIMEIRO Terrivelmente O SECUNDO Ai de nós TERCEIRO HOMEM Quando regressarem ao seu buraco e nos deixarem sou eu quem vai trepar até cá acima para olhar esta pedra e dizer Por agora já chega QUARTO HOMEM Sim Pois olhai que isso a mim não me consola A partir de 48 amanhã começarei a perguntarme Como se portarão no ano que vem De ano para ano vão ficando piores O SEGUNDO Gaiate desgraçado Pode ser que algum deles já se tenha esgueirado por qualquer fenda no rochedo e ande por aqui à nossa volta Há mortos que chegam adiantados à cerimónia Entreolhamse inquietos UMA MULHER AINDA NOVA Se ao menos pudesse começar já Onde estarão os do palácio Parece que não têm pressa A mim o que mais me custa é esta espera estar aqui sob um céu ardente com os olhos sempre em cima daquela pedra negra Ah E eles lá em baixo atrás da pedra também à espera como nós mas já a antegozar o mal que nos vão fazer A VELHA Pois é minha cabra A ti bem eu sei o que te assusta O teu homem morreu a Primavera passada com os cornos que já há dez anos lhe andavas a pôr MULHER NOVA Está bem confesso que o enganei tanto quanto pude mas gostava dele e davalhe uma bela vida nunca desconfiou de nada e quando morreu ainda me deitou um olhar meigo de cão agradecido Agora já sabe de tudo estragaramlhe a alegria e por isso sofre e odeia me É dentro em pouco têloei juntinho a mim com o corpo esfumado a penetrar o meu tão intimamente como nenhum vivo jamais o fez Ah Irá daqui comigo enrolado ao meu pescoço como se fosse uma pele Já lhe preparei uma pequena refeição das que ele gostava com umas comidinhas finas uns bolos de farinha etc Mas nada apaziguará o seu rancor e esta noite esta noite estará comigo na cama 49 UM HOMEM Ela tem razão pois claro Mas que é de Egisto Em que estará a pensar Já não aguento mais esta espera OUTRO HOMEM Não te queixes muito Julgas que Egisto tem menos medo que nós Gostarias de estar no lugar dele e passar vinte e quatro horas sozinho com Agamémnon MULHER NOVA Ah Que espera tão horrível Pareceme que já vos vejo a todos a afastaremse de mim lentamente Ainda não arrancaram dali a pedra e já cada um de nos está só como uma gota de água atormentado pelos seus mortos Entram Júpiter Orestes e o Pedagogo JÚPTER Vem por aqui ficamos melhor ORESTES São então estes os cidadões de Argos os mui fiéis súbditos do rei Agamémnon O PEDAGOGO Que feios que são Reparai senhor na sua palidez de cera e nos seus olhos encovados Esta gente está mesmo a morrer de medo Ora aqui tendes os efeitos da superstição Olhai Olhai E se quereis mais uma prova da excelência da minha filosofia reparai a seguir na frescura do meu rosto JÚPITER 50 Mas que beleza de frescura Mais bochecha rosada ou menos bochecha rosada não é isso que te vai impedir meu velhote de ser estrume aos olhos de Júpiter como todos estes Além disso deitas um cheiro insuportável sem o saberes Agora eles que têm as narinas cheias dos seus próprios odores conhecemse melhor do que tu A multidão começa a resmomear UM HOMEM subindo os degraus do templo dirigese à multidão Querem enlouquecernos Unamos as nossas vozes e chamemos Egisto Não podemos tolerar que nos façam esperar mais tempo pela cerimónia A MULTIDÃO Egisto Egisto Egisto UMA MULHER Ah sim Piedade Piedade Então ninguém tem piedade de mim Ele vai chegar com a garganta aberta esse homem que tanto odiei vai envolverme nos seus braços invisíveis e viscosos e ser meu amante a noite inteira a noite inteira Ah Desmaia ORESTES Que loucura É preciso dizer a esta gente JÚPITER O quê meu jovem tanto incômodo por uma mulher que tem um flato Vereis mais UM HOMEM ajoelhandose Vejam como tresando Sou uma carcassa imunda Olhai as 51 moscas andam em cima de mim como corvos Picai furai cavai o moscas vingadoras Furai esta carne até ao coração imundo Eu pequei cem mil vezes sou um esgoto uma fossa JÚPITER Como é bom este homem ALGUNS HOMENS erguendoo Está bem está bem Depois contalhes isso quando eles vierem O homem fica estupidifícado arqueja rebolando os olhos A MULTIDÃO Egrtsto Egisto Ordena que comece por piedade Não podemos mais Egisto aparece nos degraus do templo Atrás dele estão Clitemnestra o Grande Sacerdote e alguns guardas CENA II OS MESMOS EGISTO CLITEMNESTRA O GRANDE SACERDOTE E OS GUARDAS EGISTO Cães Tendes a ousadia de vos lamentardes Já vos não lembrais da vossa abjecção Por Júpiter que vos vou refrescar a memória Volta 52 se para Clitemnestra Vamos mesmo ter que começar sem ela Mas que tome cuidado Vou darlhe um castigo exemplar CLITEMNESTRA Tinhame prometido obedecervos Estou certa de que está a arranjarse talvez se tenha atrasado ao espelho EGISTO aos guardas Vão procurar Electra ao palácio e tragamna aqui quer queira quer não Os guardas saem Egisto dirigese novamente à multidão Aos vossos lugares Os homens à minha direita as mulheres e crianças à minha esquerda Assim Silêncio Egisto espera O GRANDE SACERDOTE Esta gente já não pode mais EGISTO Eu sei Se os guardas Os guardas regressam UM GUARDA Procurámos por toda a parte a princesa Senhor No palácio não está ninguém EGISTO Está bem Amanhã ajustaremos as contas Para o Grande Sacerdote Começa O GRANDE SACERDOTE 53 Tirem a pedra A MULTIDÃO Ah Os guardas tiram a pedra O Grande Sacerdote adiantase até à entrada da caverna O GRANDE SACERDOTE Vós ó olvidados ó abandonados ó desenganados vós que vos arrastais no escuro ao nível do chão como os gases das entranhas da terra e que nada mais tendes de vosso além do vosso despeito vós ó mortos De pé que é o vosso dia Vinde vinde como um enorme vapor de enxofre empurrado pelo vento vinde lá das entranhas da terra ó mortos cem vezes mortos Vós que morreis de novo a cada uma das nossas pulsações É em nome da ira da amargura e do espírito de vingança que vos invoco Vinde saciar o vosso ódio sobre os vivos Vinde e espalhai vos pelas nossas ruas como um nevoeiro espesso Introduzi as vossas legiões cerradas por entre a mãe e o filho e por entre os amantes Fazei nos ter pena de não estarmos mortos De pé ó vampiros larvas espectros harpias De pé ó terror das nossas noites De pé ó deserdados da sorte ó humilhados De pé ó mortos de fome cujo grito de agonia foi uma maldição Olhai ali os vivos as vossas gordas presas vivas Vamos carregai sobre eles em turbilhão e roeios até aos ossos De pé De pé De pé Ouvese um TamTam O Sacerdote dansa diante da entrada da caverna primeiro lentamente a seguir cada vez mais depressa até cair extenuado EGISTO Ai estão eles A MULTIDÃO 54 Que horror ORESTES Acho que já basta e vou JÚPITER Olha para mim rapaz olha para mim bem de frente Percebeste Agora calate ORESTES Quem sois vós JÚPITER Sabêloás mais tarde Egisto desce lentamente os degraus do palácio ETISTO Ai estão eles Um silêncio Aí está ele Aríeia o marido de quem zombaste Aí está ele juntinho a ti a apertarte nos seus braços Como te aperta como te ama como te odeia Nicias aí está ela a tua mãe que morreu por falta de cuidados E tu Cegestes infame usurário aí tens todos os teus infelizes devedores os que morreram na miséria e os que se enforcaram porque os estavas arruinando Aí estão eles e são eles hoje os teus credores E vós ó pais ó meigos pais baixai um pouco o vosso olhar olhai mais para baixo para o chão aí estão os vossos filhos mortos a estender as suas mãozinhas e todas as alegrias que lhes roubastes todas as penas que lhes infligistes pesam agora como chumbo nas suas alminhas ressentidas e desoladas A MULTIDÃO Piedade 55 EGISTO Ah pois Piedade Não sabeis que os mortos Não têm piedade As suas queixas são impossíveis de satisfazer já que as suas contas estão encerradas para sempre É com boas acções Nicias que esperas apagar o mal que fizeste à tua mãe Mas que boa acção poderia alguma vez chegar até ela A sua alma é um meiodia escaldante sem um sopro de vento onde nada se agita nada muda e nada vive Um enorme sol descarnado e imóvel a atormenta eternamente Os mortos já não existem se é que compreendeis esta frase implacável já não existem e é por isso que se tornaram nos guardadores incorruptíveis dos vossos crimes A MULTIDÃO Piedade EGISTO Piedade Ah Cabotinos que hoje tendes público Sentis pesar nas faces e nas mãos os olhares desses milhões de olhos fixos e desesperados Eles estão a vernos eles estão a vernos estamos nus diante da assembleia dos mortos Ah Ah Como estais embaraçados agora Como vos queima esse olhar invisível e puro mais inalterável que a memória dum olhar A MULTIDÃO Piedade OS HOMENS Perdoainos o vivermos enquanto estais mortos AS MULHERES Piedade Estamos rodeados pelos vossos rostos e pelos objectos que vos pertenceram trazemos sobre nós o luto eterno que por vós 56 deitámos e choramos da alvorada até à noite e da noite até à alvorada Por mais que façamos a vossa memória apagase e deslizanos por entre os dedos cada dia empalidece um pouco mais e ficamos assim um pouco mais culpadas Vós idesnos deixando idesnos deixando ides saindo de dentro de nós e é como se nos sangrassem E contudo se é que isto pode saciar as vossas almas ó queridos ausentes ficai sabendo que nos estragastes a vida OS HOMENS Perdoainos o vivermos enquanto estais mortos AS CRIANÇAS Piedade Não foi por nossa vontade que nascemos e temos até vergonha de estar crescendo Como teríamos podido ofendervos Reparai que mal temos vida e como estamos magros pálidos e pequeninos não fazemos ruído e passamos sem mesmo agitar o ar à nossa volta E temos medo de vós oh sim tanto medo OS HOMENS Perdoainos o vivermos enquanto estais mortos EGISTO Basta Basta Se vos lamentais assim que direi então eu o vosso rei O meu suplício vai começar já treme o chão e já o ambiente escureceu vai aparecer o maior de entre todos os mortos Agamémnon aquele que matei por minhas próprias mãos ORESTES puxando pela espada Debochado Não permitirei que mistures o nome de meu pai nas tuas pantominices JÚPITER agarrandoo pelo meio do corpo 57 Quieto jovem quieto EGISTO voltandose Quem ousa Electra aparece de vestido branco ao cimo dos degraus do templo Egisto vêa Electra A MULTIDÃO Electra CENA III OS MESMOS E ELECTRA EGISTO Que quer dizer esse trajo Electra ELECTRA Pus o mais belo dos meus vestidos É ou não hoje o dia de festa O GRANDE SACERDOTE Vens aqui desafiar os mortos Bem sabes que é o seu dia e por isso deverias comparecer vestida de luto ELECTRA 58 De luto Porquê de luto Dos meus mortos não tenho medo e com os vossos não tenho nada EGISTO Disseste a verdade os teus mortos não são os nossos Olhaia com o seu trajo de p a neta de Atreu desse Atreu que assassinou cobardemente os sobrinhos Quem és tu pois senão a última descendente duma raça maldita Tolereite até aqui por piedade no meu palácio mas reconheço hoje o meu erro pois te corre ainda nas veias o velho sangue podre dos Átridas e acabarias por nos contaminar a todos se eu não tratasse de o evitar Espera um pouco cadela e verás se sei ou não castigar Não terás lágrimas que te cheguem A MULTIDÃO Sacrilégio EGISTO Estás a ouvir desgraçada como atroa a vois desse povo que ofendeste e como classifica a tua conduta A MULTIDÃO Sacrilégio ELECTRA É por acaso um sacrilégio estar contente Por que não se alegram também eles Quem disso os impede EGISTO Ela a rirse e é o seu próprio pai que aí está com sangue coagulado na face 59 ELECTRA Como ousais falar em Agamémnon Sabeis por acaso se ele não vem à noite falarme ao ouvido Sabeis que palavras de amor me sussurra a sua voz rouca e cansada Rio é verdade rio e sintome feliz Julgais que a minha felicidade não alegra o coração do meu pai Ah Se ele estiver aqui e vir a sua filha de vestido branco a sua filha que vós reduzistes à abjecta condição de escrava se vir que ela traz agora o rosto levantado e que a desgraça não abateu a sua nobreza de alma não pensará com certeza em amaldiçoarme brilham seus olhos em seu rosto torturado e tentam sorrir os seus lábios ensanguentados A MULHER NOVA Não mente está doida Electra vaite por favor senão a tua impiedade recairá sobre nós ELECTRA Mas de que tendes medo Olho à vossa volta e apenas vejo as vossas sombras Agora escutai o que acabo de saber e que desconheceis talvez há cidades felizes na Grécia Cidades claras e calmas que se aquecem ao sol como lagartos A esta mesma hora sob este mesmo céu há crianças a brincar nas praças de Corinto E as mães não pedem qualquer perdão por os ter trazido ao mundo Olhamnos sorrindo e têm orgulho deles Sois ainda capazes de compreender o orgulho duma mulher que olha o seu filho e pensa Foi eu que o trouxe no meu seio EGISTO Se não te calas farteei engolir todas essas palavras VOZES na multidão Sim sim Que se cale Basta basta OUTRAS VOZES 60 Não deixaia falar Deixaia falar É Agamémnon que a inspira ELECTRA Está um lindo dia Por toda a parte na planície os homens levantam o rosto dizem Está um lindo dia e ficam contentes Ó carrascos de vós próprios já esquecestes a humilde satisfação do camponês quando passa sobre a sua terra e diz Que lindo dial Aí estais vós de braços pendentes e cabeça baixa respirando a custo Os vossos mortos colamse a vós e ficais imóveis com receio de os acotovelar ao menor gesto Seria horrível não é Se as vossas mãos penetrassem de repente uma pequena nuvem húmida que seria a alma do vosso pai ou avô Agora olhai para mim estendo os braços esticome toda como se despertasse e ocupo o meu lugar ao sol todo o meu lugar Caime por acaso o céu na cabeça Olhai como danço e nada mais sinto além do sopro do vento nos cabelos Onde estão os mortos Julgais que dançam ao meu compasso O GRANDE SACERDOTE Habitantes de Argos digovos que esta mulher é sacrílega Que a desgraça caia sobre ela e sobreos que a escutarem EUECTRA Ô meus mortos queridos Ifigênia minha irmã mais velha e Agamémnon meu pai e meu único rei escutai a minha prece Se sou sacrílega e ofendo os vossos nomes cheios de dor fazeime depressa um sinal para que o saiba Mas se me aprovais ô meus queridos então calaí vos por favor e que nem uma folha se mexa nem um rebento de erva se agite e nenhum ruído venha perturbar a minha dança sagrada Que eu danço para que haja alegria danço para que haja paz entre os homens para que haja felicidade e haja vida O meus mortos reclamo o vosso silêncio para que os homens que me rodeiam saibam que estais comigo do coração Dança 61 VOZES na multidão E dança Olhaia leve como a chama a dançar ao sol como uma bandeira ao vento E os mortos calamse A MULHER NOVA Olhai a sua face em êxtase Não não é o rosto duma descrente Então Egisto Egisto Não dizes nada Por que não respondes EGISTO Discutese porventura com os animais asquerosos O que se faz é aniquilálos Fiz mal em a poupar outrora mas é um mal reparável não temais vou esmagála e a sua raça acabará com ela A MULTIDÃO Ameaçar não é responder Egisto Sô tens isso para nos dizer A MULHER NOVA Dança sorri está contente e os mortos parecem protegêla Ah Electra como te invejo Olha também eu abro os braços e ofereço sol ao meu peito VOZES na multidão Os mortos calamse Mentistenos Egisto ORESTES Querida Electra JÚPITER Pois voulhe fazer meter a viola no saco a está catria Estendendo o braço Posidom caribu caribom lalabal 62 A enorme pedra que obstruía a entrada da caravana rola com estrondo de encontro aos degraus do templo Electra pára de dançar A MULTIDÃO Que horror Um longo silêncio O GRANDE SACERDOTE Ô povo cobarde e demasiado leviano ai tendes a vingança dos mortos Olhai as moscas como carregam sobre nós em espessos turbilhões Escutastes uma voz sacrílega e ficámos amaldiçoados A MULTIDÃO Nós não fizemos nada não tivemos culpa ela veio e seduziunos com as suas palavras envenenadas Ao rio com a bruxa ao rio À fogueira UMA VELHA apontando a mulher nova E a esta aqui que bebia as suas palavras como se fossem mel arrancailhe o vestido deixaia nua e chicoteaia até fazer sangue A mulher nova é agarrada e alguns homens transpõem os degraus da escada precipitandose sobre Electra EGISTO entretanto recompôsse Silêncio cães Regressai aos vossos lugares em boa ordem e deixai comigo a punição Silêncio Então vistes quanto custa não me obedecer Duvidais acaso ainda do vosso rei Regressai às vossas casas os mortos irão convosco e serão vossos hóspedes todo o dia e toda a noite Dailhes um lugar à vossa mesa à lareira e na vossa cama Fazei com que o vosso comportamento exemplar lhes faça esquecer tudo quanto aqui se passou Quanto a mim eu vos perdoo embora as vossas dúvidas me tenham magoado Agora tu Electra 63 ELECTRA Eu o quê Desta vez falhei Para a próxima será melhor EGISTO Não terás tal oportunidade Ás leis da cidade proibemme de te castigar neste dia de festa Tu sabialo e por isso abusaste Mas agora já não fazes parte da cidade e por isso te vou expulsar Irás descalça sem bagagem e com esse vestido infame em cima do corpo Se amanhã à alvorada ainda estiveres dentro dos nossos muros darei ordem para que sejas abatida como uma ovelha tinhosa por quem quer que te encontre Sai seguido pelos guardas A multidão passa diante de Electra acenandolhe com o punho fechado JÚPITER para Orestes Então senhor Ficastes edificado Ou eu me engano muito ou aqui temos uma história bem moral os maus foram castigados e os bons recompensados Apontando Electra Essa mulher ORESTES Essa mulher é minha irmã velho Vaite embora que lhe quero falar JÚPITER olhado por um momento e em seguida encolhe os ombros Como quiseres Sai seguido pelo Pedagogo 64 CENA IV ELECTRA nos degraus do templo e ORESTES ORESTES Electra ELECTRA levanta a cabeça e olha paar ele Ah Estás aí Filebo ORESTES Não podes ficar na cidade nem mais uma hora Electra Estás em perigo ELECTRA Em perigo Ah É verdade Viste como falhei Tens culpa também mas não te quero mal por isso ORESTES Que fiz eu ELECTRA Enganasteme Desce até ele Deixame ver a tua cara Sim prendime nos teus olhos ORESTES O tempo urge Electra Escuta vamos fugir os dois Já mandei 65 arranjar cavalos Levarteei na garupa ELECTRA Não ORESTES Não queres fugir comigo ELECTRA Não quero fugir ORESTES Levarteei a Corinto ELECTRA rindo Ah Corinto Estás a ver não fazes de propósito mas continuas a enganarme Que faria eu em Corinto Tenho que ser razoável Ainda ontem tinha desejos tão modestos enquanto servia à mesa de olhos semicerrados e olhava por entre as pestanas o real par ela a velha beleza morta e ele gordo e pálido com a sua boca mole e aquela barba preta que lhe vai de orelha a orelha como um regimento de aranhas sonhava com ver um dia uma nuvem uma nuvenzinha sair dos seus ventres abertos como o bafo que nos sai da boca nas manhas irias Nada mais eu queria Filebo jurote Não sei o que queres mas não devo acreditarte o teu olhar não é modesto Sabes o que pensava antes de te conhecer Era que a única coisa sensata que se pode desejar na terra é pagar com mal o mal que nos fizeram ORESTES Electra se vieres comigo verás que se podem desejar também muitas outras coisas sem perder a sensatez 66 ELECTRA Não quero ouvirte mais causasteme muito mal Vieste com os olhos ávidos nesse rosto gentil de rapariga e fizesteme esquecer o meu ódio abri as mãos e deixei cair aos pés o meu único tesouro Viste o que aconteceu eles gostam do seu penar sentem a necessidade de uma ferida que lhes seja familiar e que mantenham aberta arranhandoa com as unhas sujas É pela violência que terão de ser curados pois não se pode vencer um mal senão com outro mal Adeus Filebo vaite e deixame com os meus sonhos maus ORESTES Vão matarte ELECTRA Há aqui um santuário que é o templo de Apolo os criminosos refugiamse nele às vezes e enquanto lá estão ninguém pode tocarlhes num só cabelo que seja Vou lá esconderme ORESTES Por que recusas a minha ajuda ELECTRA Não és tu quem me deve ajudar Outro alguém virá libertarme Uma pausa Sei que o meu irmão não morreu E estou à sua espera ORESTES E se ele não vier EIECTRA Virá não pode deixar de vir li da nossa raça sabes Tem como 67 eu no sangue o crime e a desgraça Deve ser um destes soldados fortes com os grandes olhos avermelhados do nosso pai sempre a curtir a sua cólera Estou convencida de que sofre e já se enredou no seu destino tal como os cavalos estripados enredam as patas nos próprios intestinos agora a cada movimento que fizer é como se arrancasse as entranhas Virá tenho a certeza de que esta cidade o atrai pois é aqui que mais mal pode fazer tanto a si próprio como aos outros Virá de cabeça baixa agitado e a sofrer Meteme medo todas as noites o vejo em sonhos e acordo a gritar Mas estou à sua espera e amoo Tenho que ficar aqui para guiar o seu rancor que eu tenho miolos para lhe apontar os culpados e para lhe dizer Aí estão eles Fere Orestes fere ORESTES E se ele não for como tu o imaginas ELECTRA Como queres que seja o filho de Agamémnon e de Clitemnestra ORESTES E se porventura ele estiver farto de toda essa sangueira visto ter crescido numa terra feliz ELECTRA Nesse caso escarrarlheia na cara e dirlheia Vaite cão vai para junto das mulheres pois não és senão uma mulher Mas estás muito enganado és neto de Atreu e não fugirás ao destino dos Atridas É contigo se preferiste a vergonha ao crime Mas a destino irá ter contigo à cama sentirás primeiro a vergonha e cometerás depois o crime a despeito de ti próprio ORESTES Electra eu sou Orestes 68 ELECTRA num grito Mentes Jurote pelos manes de Agaméranon meu pai sou Orestes Silêncio Então Por que esperas para me escarrar na cara ELECTRA Como o poderia eu Olhao Essa bela fronte é a do meu irmão Esses olhos que brilham são os do meu irmão Orestes Ah Gostaria antes que continuasses a ser Filebo e que meu irmão estivesse morto Timidamente É verdade que viveste em Corinto ORESTES Não Foram uns burgueses de Atenas que me educaram ELECTRA Como pareces jovem Já te bateste alguma vez Essa espada que aí trazes nunca a usaste ORESTES Nunca ELECTRA Sentiame menos só quando ainda não te conhecia Esperava o outro Só pensava na sua força e não na minha fraqueza Agora aqui estás eras tu Orestes Olhote e vejo que somos dois órfãos Pausa Mas eu amote sabes Mais do que o teria amado a ele ORESTES Vem se me amas fujamos os dois 69 ELECTRA Fugir Contigo Não É aqui que se joga o destino dos Átridas e eu sou uma Átrida Nada te peço Já não quero pedir nada a Fílebo Mas fico aqui Júpiter aparece ao fundo da cena e escondesse para os escutar ORESTES Electra sou Orestes o teu irmão Também sou um Átrida e o teu lugar é a meu lado ELECTRA Não Tu não és o meu irmão nem te conheço Orestes morreu tanto melhor para ele daqui em diante respeitarei os seus manes tal como os do meu pai e de minha irmã Mas tu tu que vens reivindicar o nome de Átrida quem és para te considerares dos nossos Tens passado por acaso a vida à sombra dum crime Deves ter sido uma criança sossegada com um olhar doce e reflectido o orgulho do teu pai adoptivo uma criança limpa de olhos brilhantes de confiança Confiavas na vida por seres rico e teres muitos brinquedos uma vez por outra deves ter pensado que o mundo não era mau de todo e que era um prazer deixarmonos andar como num bom banho tépido a suspirar de satisfação Eu aos seis anos já era uma simples serva e desconfiava de tudo e de todos Pausa Vaite embora boa alma Não quero nada com as boas almas Era um cúmplice que eu queria ORESTES Julgas que te deixo sozinha Que farias aqui perdida a tua última esperança ELECTRA Isso é comigo Adeus Filebo 70 ORESTES Mandasme embora Dá uns passos e pára Tenho alguma culpa de não me parecer com esse brutamontes irado que esperavas Terlhe ias pegado na mão e dito Fere A mim não me pediste nada Quem sou então eu bom Deus para que até a minha irmã me repila sem ao menos me ter posto à prova ELECTRA Ah Filebo jamais poderia carregar com tal peso o teu coração sem ódio ORESTES sucumbido Dizes bem sem ódio E também sem amor A ti teria eu podido amarte Teria podido Mas quê Para amar ou odiar é preciso entregarmonos Como é belo na verdade o homem rico solidamente instalado entre os seus bens e que um dia se entrega ao amor ao ódio e que entrega consigo a sua terra a sua casa e as suas memórias Agora eu o que sou e que tenho para dar Mal existo de todos os fantasmas que andam hoje pela cidade nenhum é mais fantasma que eu Tive amores de fantasma hesitantes e diáfanos como vapores mas desconheço as paixões dos vivos Pausa Que vergonha Regressei à minha cidade natal e a minha irmã recusouse a reconhecerme Aonde irei agora Em que outra cidade terei ainda que vaguear ELECTRA Então não há nenhuma onde uma bonita rapariga esteja à tua espera ORESTES Ninguém está à minha espera Vou de terra em terra estranho aos outros e a mim próprio e as cidades fechamse atrás de mim como o mar calmo Se eu deixar Argos que ficará da minha passagem senão a tua 71 amarga desilusão ELECTRA Falasteme de cidades felizes ORESTES Não me interessa a felicidade O que eu quero são as mainhas recordações o meu solo o meu lugar entre os homens de Argos Silêncio Não sairei daqui Electra ELECTRA Suplicote Filebo vaite Tenho pena de ti e se me queres bem vaite Aqui só o mal te pode acontecer e a tua inocência faria fracassar os meus empreendimentos ORESTES Não sei ELECTRA E julgas que te vou deixar ficar com a tua pureza importuna como um juiz das minhas acções temível e mudo Por que teimas Ninguém te quer aqui ORESTES É a minha única oportunidade Não ma podes recusar Electra Procura compreenderme quero ser um homem dum lugar certo um homem entre os homens Olha um escravo quando passa cansado e resmungão carregando um fardo pesado a arrastar as pernas e a olhar os pés apenas os pés para evitar cair está na sua cidade como uma folha na folhagem ou a árvore na floresta Argos está à sua volta pesada e quente cheia de si própria Pois eu quero ser esse escravo Electra quero 72 estender a cidade à minha volta e enrolarme nela como num cobertor Não me irei embora ELECTRA Cem anos que ficasses entre nós e jamais passarias dum estrangeiro mais só que numa grande caminhada As pessoas olharteiam de esguelha por entre as pálpebras semicerradas e baixariam a voz quando passasses junto delas ORESTES É assim tão difícil o servirvos O meu braço pode defender a cidade e trago dinheiro para aliviar as pessoas miseráveis ELECTRA Não nos faltam capitães nem almas piedosas para praticar o bem ORESTES Então Dá uns passos de cabeça baixa Júpiter aparece e olhao esfregando as mãos ORESTES erguendo a cabeça Se ao menos eu visse claro no meio disto tudo Ah Zeus Zeus rei do céu raramente me tenho voltado para ti e nunca me foste muito favorável mas és testemunha de que nunca quis senão o Bem Presentemente estou cansado já não distingo o Bem do Mal e preciso que me indiquem o caminho Ó Zeus deve realmente um filho de rei expulso da sua cidade natal resignarse beatificamente ao exílio e abandonála como um cão rastejante É essa a tua vontade Não quero crêlo E todavia Todavia proibiste que se derramasse sangue Ah Quem fala agora em derramar sangue já nem sei o que digo Zeus implorote se a resignação e a humildade abjectiva são as leis que me impões manifesta 73 me então a tua vontade por qualquer sinal pois já não sei onde possa estar a verdade JÚPITER consigo próprio O quê É para já Abraxás abrâxás tsêtsé Irradia luz em volta da pedra ELECTRA rindo abertamente Ah Ah Hoje temos chuva de milagres Vês piedoso Filebo vês o que se ganha em consultar os deuses É sacudida por um riso louco Que bonito rapazinho o piedoso Filebo Dáme um sinal Zeus dáme um sinal E eis a luz que irradia em torno da pedra sagrada Vaite para Corinto Para Corinto Vaite ORESTES olhando a pedra É então isto o Bem Pausa contínua a olhar a pedra Serse dócil Muito dócil Dizer sempre Perdão e Obrigado É isto Pausa Continua a olhar a pedra O Bem O Bem deles Pausa Electra ELECTRA Põete a andar Põete a andar Não desiludas essa ama zelosa que se preocupa contigo lá no cimo do Olimpo Pára de falar espantada Que tens ORESTES com a voz mudada Há outra via ELECTRA assustada Não armes em mau Filebo Pediste ordens aos deuses pois bem aí as tens 74 ORESTES Ordens Ah sim Queres dizer a luz aí à volta desse pedregulho Não é para mim essa luz e a partir de agora já não recebo ordens de ninguém ELECTRA Falas por enigmas ORESTES Como te afastaste de mim repentinamente e como tudo mudou Havia à minha volta alguma coisa de vivo e de quente Alguma coisa que se extinguiu agora mesmo Como tudo é vazio Ah Que vazio imenso a perder de vista Dá algum passos Cai a noite Não te parece que está frio Mas que foi que foi então que se extinguiu ELECTRA Filebo ORESTES Sei que há outro caminho o meu caminho Não o vês Vai por aqui em direcção à cidade É preciso descer compreendes descer até vós que estais no fundo duma cova mesmo no fundo Avança para Electra És a minha irmã Electra e esta cidade é a minha cidade A minha irmã Tomalhe o braço ELECTRA Deixame Fazesme mal assustasme e não te pertenço ORESTES Eu sei Ainda não sou demasiado leve Preciso de lastro de 75 praticar uma má acção bastante pesada para me fazer ir a pique mesmo até ao fundo de Argos ELECTRA Que vais fazer ORESTES Espera Deixame dizer adeus a esta leveza de espírito imaculado como foi a minha Deixame dizer adeus à mocidade Ah Aquelas noites aquelas noites de Corinto ou de Atenas cheias de canções e odores e que jamais voltarão a ser minhas E aquelas manhãs Tão cheias de esperança Vamos Adeus Adeus Vem para junto de Electra Vem Electra olha a nossa cidade Ela aí está rubra de sol cheia de homens e de moscas e do torpor obstinado duma tarde de Verão todas as suas paredes os seus telhados e as suas portas cerradas me repelem E todavia heide conquistála sintoo desde esta manhã E também a ti Electra te heide conquistar Conquistarvosei Tornarmeei acha de armas e racharei ao meio essas muralhas teimosas abrirei o ventre dessas casas de beatice que exalarão pelas suas feridas vermelhas um odor a chiqueiro e a incenso Tornarmeei machado e penetrarei até ao âmago dessa cidade tal como o machado penetra até ao âmago do carvalho ELECTRA Como tu mudaste os teus olhos já não brilham estão sombrios e baços Ai eras tão meigo Filebo E de repente começaste a falarme como o outro me falava em sonhos ORESTES Escuta supõe que chamo sobre mim todos os crimes dessa gente que está agora a tremer encafuada em salas escuras rodeada pelos seus queridos defuntos Supõe que queira ser apodado de ladrão de remorsos e que chame a mim todos os seus arrependimentos tanto o da mulher que enganou o marido como o do mercador que deixou morrer a 76 mãe como ainda o do usurário que sugou os devedores até à morte Agora dizme nesse dia quando trouxer em mim mais remorsos do que moscas há em Argos quando estiverem comigo todos os remorsos da cidade terei ou não adquirido foros de cidadão perante vós Estarei ou não no meu ambiente no meio das vossas muralhas cobertas de sangue tal como o magarefe de avental avermelhado o está na sua loja entre os bois ensanguentados que acabou de esfolar ELECTRA Queres expiar por nós ORESTES Expiar O que eu disse foi que chamaria a mim os vossos arrependimentos não disse o que faria a essas aves barulhentas é provável que lhes torça o pescoço ELECTRA E como poderás chamar a ti os nossos males ORESTES Vós não quereis outra coisa que não seja desfazervos deles São o rei e a rainha quem os mantém à força no vosso coração ELECTRA O rei e a rainha Filebo ORESTES Os deuses são testemunhas de que eu não queria derramar o seu sangue Longo silêncio 77 ELECTRA És demasiado jovem e fraco ORESTES Recuarás agora Escondeme no palácio levame esta noite até junto do leito real e verás se sou demasiado fraco ELECTRA Orestes ORESTES Electra Chamasteme Orestes pela primeira vez ELECTRA Sim És mesmo tu És Orestes Não te reconheci logo porque não era assim que te esperava Mas este sabor amargo na minha boca este sabor a febre mil vezes o senti em sonhos e assim o reconheço agora Viestes enfim Orestes a tua decisão está tomada e eu aqui estou como nos sonhos no limiar dum acto irreparável e tenho medo como nos sonhos O momento tão ansiado e tão temido Agora os instantes vão encadearse como as engrenagens duma máquina e só teremos descanso quando ambos estiverem deitados de costas com os rostos iguais a duas amoras esmagadas Tanto sangue E és tu quem o vai derramar tu que tinhas os olhos tão doces Aí de mim que não voltarei a ver Filebo Orestes és o meu irmão mais velho e o chefe da nossa família tomame nos teus braços e protegeme porque vamos ao encontro dum grande sofrimento Orestes tomaa nos braços Júpiter sai do seu esconderijo e desaparece sem ruído 78 SEGUNDO QUADRO No palácio a sala do trono Uma estátua de Júpiter terrível e ensanguentado É dia CENA I Entra primeiro Electra que faz sinal a Orestes para que entre também ORESTES Vem aí alguém ELECTRA São os soldados da ronda Vem comigo vamonos esconder aqui Escondemse atrás do trono CENA II OS MESMOS escondidos E DOIS SOLDADOS 79 PRIMEIEO SOLDADO Não sei o que têm hoje as moscas andam doídas SEGUNDO SOLDADO Cheiralhes a mortos o que muito as contenta Já nem ouso bocejar com medo que elas me entrem pela boca abaixo e vão dançar de roda no fundo da minha goela Electra aparece por um momento e escondese novamente Olha ouvi qualquer coisa a estalar PRIMEIRO SOLDADO É Agamémnon a sentarse no trono SEGUNDO SOLDADO Com as enormes nádegas a fazer estalar as tábuas do assento É impossível colega os mortos não têm peso PRIMEIRO SOLDADO Só os plebeus é que não têm peso Agora ele que antes de ser um morto real era um realíssimo vivo 1 1 N T Trocadilho de difícil tradução Royal bon vivante deveria normalmente traduzirse por pessoa soa real de humor alegre e fácil Há aqui intenção de além de contrapor a expressão mort royal a royal vivaste indicar que Agamémnon era efectivamente um bom vivant ao Intercalar o adjectivo bon que andava em média pelos seus cento e vinte quilos Seria para espantar se ainda não restassem algumas libras 80 SEGUNDO SOLDADO Então acreditas que ele esteja ali PIMEIRO SOLDADO Onde queres que esteja Se eu fosse um rei morto e tivesse todos os anos uma licença de vinte e quatro horas de certeza que me viria sentar no trono e aí passaria o dia a recordar os bons tempos de outrora sem fazer mal a ninguém SEGUNDO SOLDADO Dizes isso porque estás vivo Mas se já o não estivesses terias o mesmo vício dos outros O primeiro soldado dálhe uma bofetada Eh lá Eh lá PRIMEIRO SOLDADO É para teu bem olha matei de uma só pancada um enxame inteiro SEGUNDO SOLDADO De mortos PRIMEIRO SOLDADO Não De moscas Fiquei com as mãos cheias de sangue Limpaas no calção Porcaria de moscas SEGUNDO SOLDADO Quem dera que os deuses as fizessem nascer mortas Repara nestes mortos todos que andam por aqui não tugem nem mugem e lá se arranjam para não aborrecer os outros Seria o mesmo com as moscas mortas 81 PRIMEIRO SOLDADO Calate olha agora se eu começo a pensar que ainda por cima andam aqui moscas fantasmas SEGUNDO SOLDADO E por que não PRIMEIRO SOLDADO Esses animaizinhos morrem aos milhões por dia Se deixassem andar à solta pela cidade todas as que já morreram desde o Verão passado haveria trezentas e sessenta e cinco mortas por cada viva a rodopiar à nossa volta O ar seria uma espécie de melaço de mosca as quais desceriam aos magotes viscosos pelos nossos brônquios e tripas abaixo Olha lá se calhar é por isso que andam por esta sala uns cheiros tão esquisitos SEGUNDO SOLDADO Bah Para uma sala de mil pés quadrados como esta bastam alguns mortos humanos para a empestar Já ouvi dizer que os nossos mortos têm mau hálito PRIMEIRO SOLDADO Escuta Parece que se mexem SEGUNDO SOLDADO Já te disse que há para aí alguma coisa o soalho estala Vão pela direita ver atrás do trono Orestes e Electra saem pela esquerda passam diante dos degraus do trono e voltam ao seu esconderijo pela direita no momento em que os soldados saem pela esquerda 82 PRIMEIRO SOLDADO Como vês não há ninguém Já te disse que é Agamémnon Deve estar sentado nestas almofadas direito como um fuso e a olharme não tem mais nada que fazer SEGUNDO SOLDADO Talvez fosse melhor se nos puséssemos direitos e se as moscas nos fizerem cócegas no nariz é aguentar PRIMEIRO SOLDADO Gostava muito mais de estar agora na casa da guarda a jogar uma boa partida Ao menos os mortos que lá aparecem são uns camaradões gente simples como nós Agora quando me ponho a pensar que o falecido rei está ali a contar os botões que faltam no meu dólman começo a sentir me mal tal como quando o general nos passa revista Entram Egisto e Clitemnestra acompanhados duns servos que trazem lâmpadas ESGISTO Deixemnos sós CENAIII EGISTO CLITEMNESTRA OMESTES e ELECTRA 83 estes dois escondidos CLITEMNESTRA Que tendes EGISTO Viste Se os não tivesse enchido de terror terseiam livrado dos seus remorsos num abrir e fechar de olhos CLITEMNESTRA É só isso o que vos preocupa Sabereis refrear a sua ousadia sempre que quiserdes EGISTO Talvez Sou na verdade muito hábil para estas comédias Pausa Desagradate o ter sido obrigado a castigar Electra CLITEMNESTRA Por ela ter nascido de mim Mas foi do vosso agrado Fazêlo e para mim está sempre bem tudo o que fazeis EGIST0 Mulher não é por ti que me desagrada CLITEMNESTRA Então por que é Vós não gostáveis de Electra EGISTO 84 Estou cansado Há quinze anos que sustento no ar à força de braço o remorso dum povo inteiro Há quinze anos que me visto como um espantalho todos estes trajes pretos acabaram por me influenciar o espírito CLITEMNESTRA Meu querido senhor chegase a ele EGISTO Deixame descarada Não tens vergonha à vista dele CLITEMNESTRA À vista dele Mas quem é que nos está a ver EGISTO Quem há de ser O Rei Soltaram os mortos esta manhã CLITEMNESTRA Suplicovos meu senhor Os mortos estão debaixo da terra e não nos incomodarão tão depressa já estais esquecido de que fostes vós mesmo quem inventou tais fábulas para uso do povo EGISTO Tens razão mulher Vês como estou fatigado Deixame que quero meditar um pouco Clitemnestra sai 85 CENA IV EGISTO ORESTES e ELECTRA Os dois últimos escondidos EGISTO Acaso é este Júpiter o rei de quem precisavam em Argos Ando de um lado para o outro sei gritar com voz forte passeio por toda a parte a minha grande figura terrível e quem me vê sentese culpado até à medula Mas não passo duma concha vazia um bicho qualquer comeu me por dentro de mim mesmo e vejo que estou mais morto que Agamémnon Disse que estava triste Se disse menti Não é triste nem alegre o deserto esse nada infinito de areia sob o nada consciente do céu é sinistro Ah Daria o meu reino para poder deitar uma lágrima Entra Júpiter CENA V OS MESMOS E JÚPITER JÚPITER Por que te lamentas És um rei igual aos outros EGISTO 86 Quem és tu Que andas aqui a fazer JÚPITER Não me reconheces EGISTO Sai daqui para fora ou mandote espancar pelos meus guardas JÚPITER Não me reconheces Mas já me viste Foi em sonhos É certo que tinha um ar mais terrível Trovões relâmpagos Júpiter toma um ar terrível Que tal EGISTO Júpiter JÚPITER Ora até que enfim Volta a sorrir e aproximase da estátua Sou eu este E assim que me vêem os habitantes de Argos quando dizem as suas orações É na verdade um caso raro um Deus poder olhar de frente a sua imagem Pausa Como sou feio Não devem gostar muito de mim EGISTO Tememvos JÚPITER Óptimo Também não quero ser amado E tu amasme EGISTO Que me quereis Não paguei já bastante 87 JÚPITER Nunca é bastante EGISTO Esta empreitada matame JÚPITER Não exageres Tens passado bem e estás gordo Não te censuro aliás O que é preciso é exactamente boa gordura real amarelada como o sebo duma vela Tu estás fadado para viver mais uns vinte anos EGISTO Ainda vinte anos JÚPITER Sim JÚPITER Se alguém aqui entrasse de espada desembainhada oferecerias o peito a essa espada EGISTO Não sei JÚPITER Ouve bem o que te digo se te deixares matar como um vitelo serás castigado de maneira exemplar Ficarás como rei no Tártaro até à eternidade Era isto o que te queria dizer EGISTO 88 Há alguém que me queira matar JÚPITER Parece que sim EGISTO Electra JÚPITER E mais outro EGISTO Quem JÚPITER Orestes EGISTO Ah Pausa Pois bem se está escrito que posso eu fazer JÚPITER Que posso eu fazer Mudando de tom Ordena imediatamente a captura de um jovem estrangeiro que diz chamarse Filebo Que o atirem juntamente com Electra para o fundo duma enxovia qualquer e autorizote a que os deixes por lá ficar e os esqueças Então Por que esperas Chama os guardas EGISTO Estou exausto 89 JÚPITER Por que olhas o chão Volta para mim esses enormes olhos estriados de sangue Sim És nobre e estúpido como um cavalo Mas a tua resistência não é das que me irritam é o picante que tornará daqui a pouco mais deliciosa ainda a tua submissão Porque eu sei que acabarás por ceder EGISTO Já vos disse que não quero entrar nos vossos planos Já me basta o que fiz até aqui JÚPITER Coragem Resiste Ah Como sou guloso de almas iguais à tua Os teus olhos chispam cerras os punhos e atiras a tua recusa à cara de Júpiter Mas apesar disso minha cabeça de alho chocho meu cavalicoque meu péssimo cavalicoque ainda aqui há uns tempos me disseste que sim Ora vamos acabaras por obedecer Julgas que é sem qualquer motivo que deixo o Olimpo Quis avisarte deste crime porque é da minha vontade impedilo EGISTO Avisarme Que estranha coisa JÚPITER Pelo contrário que coisa mais natural Quero afastar esse perigo de cima da tua cabeça EGISTO Quem volo pediu E a Agamémnon viestes avisálo E apesar disso ele queria viver 90 JÚPITER Ó natureza ingrata ó carácter desgraçado Estou a provarte que me és mais querido que Agamémnon e ainda te queixas EGISTO Mais querido que Agamémnon Eu É Orestes a quem quereis Não vos importastes com que eu me perdesse deixastesme correr direito à banheira do rei de machado em punho e com certeza que lá em cima vos lambíeis de prazer a pensar como a alma do pecador é deliciosa Mas hoje protegeis Orestes contra si próprio e escolheisme a mim a quem já impelistes a matar o pai para suster a mão do filho Eu estava destinado a dar um esplêndido assassino Agora ele alto lá para ele há sem dúvida outras coisas em vista JÚPITER Mas que estranho ciúme Sossega não o amo mais do que a ti Não amo ninguém EGISTO Então reparai no que fizestes de mim deus injusto E dizeime se quereis hoje impedir o crime que Orestes premedita por que haveis então permitido o meu JÚPITER Nem todos os crimes me desagradam de igual forma Egisto já que estamos entre reis falarteei com franqueza o primeiro crime quem o cometeu fui eu quando criei os homens mortais Depois que podíeis vós fazer vós os assassinos Dar a morte às vossas vítimas Ora vamos Elas já a traziam consigo quando multo apressáveis um pouco o seu desabrochar Sabes o que teria acontecido a Agamémnon se o não tivesses morto Três meses mais tarde teria morrido de apoplexia sobre o peito duma bonita escrava Mas o teu crime convinhame 91 EGISTO Convinhavos Eu estou a expiálo há quinze anos e convinha vos Oh Que desgraça JÚPITER Justamente Ê porque o estás a expiar que me convém gosto dos crimes que se apagam Gostei do teu porque era um assassinato cego e surdo ignorandose a si mesmo à antiga mais parecido com um cataclismo do que com uma empresa humana Não perdestes tempo a desafiarme feriste transportado pela raiva e pelo medo e depois uma vez desaparecida a exaltação olhaste o teu acto com horror e não quiseste reconhecêlo E todavia como foi rendoso para mim Por um homem morto vinte mil mergulhados no arrependimento é este o balanço Não foi um mau negócio EGISTO Já vi o que está por trás dessas palavras Orestes não terá remorsos JÚPITER Nem um para amostra A esta hora está ele a fazer os seus planos fria e simplesmente com método Para que quero eu um assassinato sem remorso um assassinato insolente pacífico leve como uma nuvem na alma do assassino Tratarei de o impedir Ah Como odeio os crimes desta geração são ingratos e estéreis como a erva daninha Esse meigo jovem matarteá como um frango e retirarseá de mãos ensanguentadas e consciência limpa serei eu o humilhado no teu lugar Vamos Chama os guardas EGISTO Já vos disse que não Basta que esse exime não seja do vosso agrado para que eu o queira 92 JÚPITER noutro tom Egisto és rei e é para a tua consciência de rei que apelo pois sei que gostas de reinar EGISTO E então JÚPITER Odeiasme mas somos aparentados foi à minha imagem que te criei um rei é um Deus sobre a terra é nobre e sinistro como um Deus EGISTO Sinistro Vós JÚPITER Olha para mim Longo silêncio Já te disse que foste criado à minha imagem Ambos fazemos reinar a ordem tu em Argos e eu no mundo o mesmo segredo nos pesa no coração EGISTO Eu não tenho segredos JÚPITER Tens O mesmo que eu O doloroso segredo dos deuses e dos reis é que os homens são livres São livres Egisto Tu sabelo eles é que são EGISTO É verdade se o soubessem deitariam fogo ao meu palácio Há quinze anos que represento esta comédia para lhes esconder o seu próprio poder 93 JÚPITER Então já vês como nos parecemos um com o outro EGISTO Parecemonos Por que ironia admitirá um deus parecerse comigo Desde que comecei a reinar todos os meus actos e palavras visam a compor a minha imagem quero que cada um dos meus súbditos a traga dentro de si e que sinta até mesmo na solidão o meu olhar severo a incidir sobre os seus mais íntimos pensamentos Mas sou eu próprio a minha primeira vítima pois já não me vejo senão como eles me vêem Debruçome sobre o abismo escancarado das suas almas e lá está bem no fundo a minha imagem que me repugna e fascina ao mesmo tempo Ó Deus todopoderoso que sou eu além do medo que os outros têm de mim JÚPITER E quem julgas tu que eu seja Apontando a estátua Também eu tenho a minha imagem Julgas que não me faz vertigens Há cem mil anos que danço diante dos homens Uma dança lenta e tenebrosa É preciso que me olhem enquanto tiverem os olhos pregados em mim esquecerseão de olhar para si próprios Se eu me descuidar um momento que seja se deixar que os seus olhos se afastem EGISTO E então JÚPITER Deixa lá É um assunto que só a mim diz respeito Estás cansado Egisto mas de que te queixas Morrerás um dia Ao passo que eu não Enquanto houver homens na terra estou condenado a dançar diante deles ESISTO 94 Ai de nós Mas quem nos condenou JÚPITER Mais ninguém senão nós mesmos Temos a mesma paixão Tu amas a ordem Egisto EGISTO A ordem É verdade Foi para bem da ordem que seduzi Clitemnestra e matei o meu rei queria que a ordem reinasse imposta por mim Vivi sem desejos sem amor sem esperança impus a ordem Ó paixão divina e terrível JÚPITER Não poderíamos ter outra eu sou Deus e tu nasceste para ser rei EGISTO Pobre de mim JÚPITER Egisto minha criatura e meu irmão mortal é em nome dessa ordem que ambos servimos que te ordeno apoderate de Orestes e da irmã EGISTO São assim tão perigosos JÚPITER Orestes sabe que é livre EGISTO com vivacidade 95 Sabe que é livre Então não basta pôlo a ferros Um homem livre numa cidade é como uma ovelha tinhosa num rebanho Vai contaminar todo o meu reino e arruinar a minha obra Deus todopoderoso que esperas para o fulminar JÚPITER com lentidão Para o fulminar Pausa Mostrase curvado e fatigado Egisto os deuses têm outro segredo EGISTO Não me digas Quando a liberdade explode na alma dum Homem os deuses perdem todo o poder sobre ele Passa entao a ser uma coisa puramente humana e só outros homens podem matálo ou deixálo viver EGISTO olhandoo Matálo Está bem Vou obedecerte Mas não digas mais nada e não fiques aqui muito tempo pois não o poderia suportar Júpiter sai CENA VI Egisto fica só por um momento aparecem depois Electra e Orestes 96 ELECTRA correndo para a porta Dálhe Não lhe dês tempo a gritar vou barricar a porta EGISTO És então tu Orestes ORESTES Defendete EGISTO Não me defenderei Já é tarde para chamar por socorro e estou contente que assim seja Mas não me defenderei quero que me assassines ORESTES Está bem Pouco me importa o meio Serei pois assassino Golpeiao com a espada EGISTO cambaleando Não falhaste o golpe Agarraste a Orestes Deixame olharte É verdade que não tens remorsos ORESTES Remorsos Porquê O que estou a fazer é justo EGISTO Só é justo o que Júpiter deseja Estavas aqui escondido e ouviste ORESTES 97 Que me interessa Júpiter A justiça é assunto dos homens e por isso não preciso que um deus me venha ensinar é justo esmagarte miserável e liquidar o teu poder sobre o povo de Argos é justo restituir lhe o sentimento da sua dignidade Repeleo EGISTO Estou a morrer ELECTRA cambaleia e o seu rosto está branco Que horror Como é feio um homem a morrer ORESTES Calate Que ele não leve para o tumulo outra lembrança que não seja a da nossa alegria EGISTO Malditos sejais ORESTES Acabas ou não de morrer Golpeiao Egisto cai EGISTO Toma cuidado com as moscas Orestes toma cuidado com as moscas Ainda não está tudo acabado Morre ORESTES empurrandoo com o pé 98 Para ele tudo acabou de qualquer maneira ELECTRA Orestes ORESTES Então ELECTRA Ela já não nos pode fazer mal ORESTES Então Já não te reconheço Há bem pouco tempo falavas doutra maneira ELECTRA Também a ti te não reconheço ORESTES Está bem irei só Sai CENA VII ELECTRA só 99 ELECTRA Irá gritar Pausa Faz menção de escutar Ele já vai no corredor Quando abrir a quarta porta Ah Fui eu que assim o quis E queroo é preciso que o queira ainda Olha Egisto Este está morto É então isto o que eu queria Não o imaginava assim Aproximase dele Cem vezes o vi em sonhos estendido neste mesmo sítio com uma espada enterrada no coração Os seus olhos estavam então fechados e parecia dormir Como eu o odiava e me comprazia em odiálo Mas agora não parece dormir tem os olhos abertos olhame Está morto e o meu ódio morreu com ele E aqui estou à espera a outra está viva ainda lá no fundo do quarto e não tarda nada que comece a gritar Vai gritar como um animal Ah Já não posso suportar este olhar Ajoelhase e põe uma capa a tapar o rosto de Egisto Mas afinal que queria eu Silêncio Depois gritos de Clitemnestra Feriua Era a nossa mãe e feriua Levantase Aqui está morreram os meus inimigos Durante anos antegozei esta morte e agora sinto o coração como que apertado num torno Terei mentido a mim mesma durante estes quinze anos Não é verdade Não é verdade Não pode ser verdade não sou covarde Desejei e desejo ainda este momento Quis ver este porco imundo estendido a meus pés Arranca a capa Que me importa esse olhar de peixe morto Fui eu que o quis esse olhar e dáme prazer Gritos mais fracos de Clitemnestra Que grite Que grite Quero os seus gritos de horror e o seu sofrimento Os gritos cessam Que alegria Que alegria Choro de alegria os meus inimigos morreram e meu pai está vingado Regressa Orestes de espada ensanguentada na mão Ela corre para ele 100 CENA VIII ELECTRA E ORESTES ELECTRA Orestes Atiraselhe nos braços ORESTES De que tens medo ELECTRA Não tenho medo Estou ébria Ébria de contentamento Que disse ela Pediu perdão durante muito tempo ORESTES Electra não me arrependerei do que fiz mas prefiro não falar nisso há recordações que se não partilham Basta que saibas que morreu ELECTRA A amaldiçoarnos Dizme sô isto a amaldiçoarnos ORESTES Sim A amaldiçoarnos ELECTRA Tomame nos teus braços meu bemamado e apertame com toda a tua força Como é densa a noite e como a luz destes archotes a penetra 101 com dificuldade Amasme ORESTES Já não é noite é um novo dia que começa Somos livres Electra Parece que te fiz nascer e que também nasci contigo amote e pertences me Ficamos duplamente ligados pelo sangue pois do mesmo sangue somos e sangue derramamos ELECTRA Deita fora a espada Dáme a tua mão Tomalhe a mão e beijaa Tens os dedos curtos e grossos bons para agarrar e reter Querida mão Como se fez pesada para abater os assassinos do nosso pai Esperai Vai buscar um archote e aproximada de Orestes Tenho que te iluminar a cara porque a escuridão aumenta e já não vejo bem Preciso de estar a verte quando não te vejo tenhote medo Por isso não posso tirarte os olhos de cima Amote Tenho que pensar que te amo Que ar tão estranho o teu ORESTES Sou livre Electra a liberdade abateuse sobre mim como um raio ELECTRA Livre Eu não me sinto livre Podes conseguir que tudo isto não tenha acontecido Sucedeu qualquer coisa que já não temos a liberdade de desfazer Podes impedir que sejamos para sempre os assassinos da nossa mãe ORESTES E julgas que me interessa impedilo Pratiquei o meu acto Electra e esse acto era bom Leváloei aos ombros como um barqueiro leva os viandantes fáloei passar para a outra margem e prestarei contas dele E quanto mais difícil for de levar mais contente ficarei pois é ele a minha liberdade Ainda ontem eu andava ao acaso sobre a terra com 102 milhares de caminhos a fugiremme sob os passos por pertencerem a outros Todos eles palmilhei tanto o dos sirgadores ao longo dos rios como o atalho do almocreve e a estrada calcetada dos condutores de carros nenhum porém me pertencia Mas hoje já não há senão um que é o meu caminho Que tens ELECTRA Já não te vejo Estas luzes nada iluminam Oiço a tua voz mas incomodame sintoa cortarme como uma faca Fará sempre assim escuro daqui em diante mesmo de dia Orestes Elas aí estão ORESTES Quem ELECTRA Elas ai estão Donde virão Estão suspensas do tecto como bagas de uva preta e são elas que enegrecem as paredes intrometemse entre a luz e os meus olhos e são as suas sombras que me escondem o teu rosto ORESTES As moscas ELECTRA Escuta Escuta o ruído das suas asas que parece o resfolegar duma forja Estão a cercarnos Orestes Espreitamnos e não tarda que caiam sobre nós sentirei então no meu corpo as suas mil patas viscosas Como fugiremos e para onde Orestes Olhaas a inchar a inchar já estão grandes como abelhas irão atrás de nós para onde quer que vamos em negros turbilhões Que horror Estou a ver os seus olhos esses milhões de olhos a espreitarnos ORESTES 103 Que nos importam as moscas ELECTRA São as Erínias Orestes as deusas do remorso VOZES atrás da porta Abri Abri Se eles não abrirem temos de arrombar a porta Pancadas surdas na porta ORESTES Os gritos de Clitemnestra atraíram os guardas Vem Levame ao santuário de Apolo passaremos lá a noite ao abrigo dos homens e das moscas Amanhã falarei ao meu povo CAI O PANO TERCEIRO ACTO 104 105 CENA I O templo de Apolo Penumbra Uma estátua de Apolo no meio da cena Electra e Orestes dormem aos pés da estátua rodeandolhe as pernas com os braços As Erinias fazem circulo à sua volta a dormir em pé como as aves pernoitas Ao fundo uma pesada porta de bronze PRIMEIRA ERÍNIA espreguiçandose Aaaah Dormi de pé hirta de raiva e tive muitos sonhos irados Ó bela flor da ira bela flor vermelha que trago no coração Roda em volta de Orestes e de Electra Dormem Como são brancos e doces Heide rebolar me nos seus ventres e nos seus peitos como a torrente sobre os seixos Darei pacientemente lustro a esta carne delicada esfregála raspálaei e consumilaei até aos ossos Dá alguns passos Ó límpida manhã cheia de ódio Que explêndido despertar eles dormem transpiram e cheiram a febre ao passo que eu velo dura e fria a minha alma é como se fosse de cobre e sintome inviolável e sagrada ELECTRA adormecida Ai PRIMEIRA ERÍNIA Está a gemer Tem paciência que já pouco falta para que proves as nossas mordeduras Háde então uivar com tais carícias Penetrarteeí como o macho à fêmea pois és a minha esposa e deverás sentir a força do 106 meu amor És bela Electra bem mais bela do que eu verás todavia como os meus beijos envelhecem as pessoas Antes de seis meses estarás acabada como uma velha ao passo que eu continuarei jovem Debruça se sobre eles Ah Que belas e saborosas presas mortais Olhoas respiro o hálito e sufoco de cólera Ah O prazer de sentir o ódio nascer dentro de nós o prazer de nos sentirmos garras e maxilas com fogo nas veias Invademe e sufocame o ódio que me inunda o seio como se fora leite Acordai irmãs acordai que chegou a manhã SEGUNDA ERÍNIA Sonhava que mordia PRIMEIRA ERÍNIA Tem paciência Hoje estão sob a protecção dum Deus mas depressa a sede e a fome os enxotarão deste abrigo Poderás então mordêlos à tua vontade TERCEIRA HÉRNIA Aaaah Quero arranhar m 107 PRIMEIRA ERÍNIA Espera não tarda que as tuas garras metálicas desenhem mil traços sanguíneos na carne dos culpados Vinde irmãs vinde vêlos UMA ERÍNIA Como são jovens PRIMEIRA ERÍNIA AlegraiVos pois as mais das vezes os criminosos são velhos e feios é bem raro o prazer delicado de destruir o que é belo AS ERÍNIAS Eiaah Eiaah TERCEIRA ERÍNIA Orestes é quase uma criança O meu ódio terá para com ele os carinhos duma mãe Encostarei aos joelhos o seu rosto pálido e farlheei festas na cabeça PRIMEIRA ERÍNIA E depois TERCEIRA ERÍNIA Depois espetarlheeí de repente estes dois dedos nos olhos Riem todas PRIMEIRA ERÍNIA Já suspiram e se agitam está próximo o seu despertar Vamos irmãs irmãs moscas tiremos os culpados do seu sono com o nosso 108 cantar CORO DAS ERÍNIAS Bzz Bzz Bzz Pousaremos no teu coração podre como moscas numa fatia de pão O coração podre ensanguentado e delicioso Sugaremos como abelhas o pus e a sânie do teu coração E deles faremos mel vais ver rico mel fresco Qual seria o amor que nos encheria de satis facão como este ódio Bzz bzz bzz bzz Seremos o olhar fixo das casas O rosnar do molosso que mostrará os dentes à tua passagem O zumbido que pairará no ar sobre a tua cabeça Os ruídos da floresta Os assobios o estralejar as chiadeiras os uivos Seremos a noite A densa noite da tua alma Bzz bzz bzz bzz Eiaah eiaah eiaahah Bzz bzz bzz bzz Somos as sugadoras de pus as moscas Tudo partilharemos contigo Iremos buscar os alimentos à tua boca e a luz ao fundo dos teus olhos Acompanharteemos à sepultura E só nos retiraremos perante os vermes Dançam ELECTRA despertando Quem está falando Quem sois 109 AS EEÍNIAS Bzz bzz bzz ELECTRA Ah Sois vós Então É mesmo verdade que os matámos ORESTES despertando Electra ELECTRA Quem és tu Ah És Orestes Vaite ORESTES Mas que tens ELECTRA Assustasme Sonhei que a nossa mãe tinha caído de costas a escorrer sangue e que este corria em fio por debaixo de todas as portas do palácio Apalpa as minhas mãos e vê como estão frias Não deixame Não me toques Sangrou muito ela ORESTES Calate ELECTRA despertando completamente Deixame olhar bem para ti tu matasteos Foste tu que os mataste Estás aqui acordaste agora mesmo nada está escrito no teu rosto e contudo matasteos 110 OBESTES E então Sim mateíos Pausa Também tu me assustas Estavas tão bela ontem Dirseía que um animai te destruiu o rosto com as garras ELECTRA Um animal Sim o teu crime que o sinto a arrancarme as pálpebras e a pele das faces de tal maneira que me parece ter os olhos e os dentes a nu E estas Quem são ORESTES Não te preocupes com elas Nada podem contra ti PRIMEIRA ERÍNIA Ela que venha para junto de nós se for capaz e veras então se não podemos nada contra ela ORESTES Basta cadelas Para a casota As Erínias rosnam Será possível que sejas aquela que ainda ontem vestida de branco dançava nos degraus do templo ELECTRA Envelheci Numa noite ORESTES Ainda és bela mas onde vi eu já esses olhos mortiços Electra começas a parecerte com ela com Clitemnestra Valeu então a pena têla morto Quando vejo o meu crime nesses olhos sinto horror 111 PRIMEIRA ERÍNIA É que ela temte horror É verdade É verdade que te causo horror ELECTRA Deixame PRIMEIRA ERÍNIA E então Ainda te resta a mínima dúvida Como não te odiar Vivia tranquila com os seus sonhos quando chegaste trazendo contigo a carnificina e o sacrilégio E agora eila a compartilhar do teu crime colada a esse pedestal que é o único pedaço de terra que lhe resta ORESTES Não lhe dês ouvidos PRIMEIRA ERÍNIA Para trás Para trás Repeleo Electra não te deixes tocar pela sua mão É um carniceiro que exala o cheiro enjoativo do sangue fresco E sabes que foi um desajeitado a matar a velha vendose obrigado a repetir o gesto várias vezes ELECTRA Não me estás a mentir PRIMEIRA ERÍNIA Podes acreditar no que te digo Eu estava a zumbir à sua volta ELECTRA 112 E ele golpeou por mais de uma vez PRIMEIRA ERÍNIA Foram umas dez E de cada vez a espada fazia crie na ferida Quando ela tentava proteger o rosto o ventre com as mãos ele cortou lhas ELECTRA Sofreu muito Não morreu logo ORESTES Não as olhes tapa os ouvidos e sobretudo não lhes perguntes nada estás perdida se as interrogas PRIMEIRA ERÍNIA Sofreu horrivelmente ELECTRA escondendo o rosto entre as mãos ORESTES Ela está a querer separarnos e a levantar à tua volta os muros da solidão Toma cuidado quando estiveres só completamente só e sem recursos cairão sobre ti Electra decidimos ambos este assassínio e por isso devemos ser ambos a suportarlhe as consequências ELECTRA Achas que o desejei ORESTES Então não é verdade 113 ELECTRA Não não é verdade Ou espera Sim Ah Já não sei Eu sonhei com este crime Agora tu tu cometesteo carrasco da tua própria mãe AS ERÍNIAS rindo e gritando Carrasco Carrasco Carniceiro ORESTES Electra atrás dessa porta está o mundo O mundo e a manhã Lá fora o sol ilumina os caminhos Depressa sairemos daqui e iremos por essas estradas cheias de luz estas filhas da noite perderão então o seu poder e os raios do sol trespassálasão como se fossem espadas ELECTRA O sol PRIMEIRA ERÍNIA Não voltarás a ver o sol Electra Ajuntarnosemos entre ti e ele como uma nuvem de gafanhotos e para onde quer que vás levarás a noite contigo ELECTRA Largaime Deixai de me torturar ORESTES A sua força é feita da tua fraqueza Já reparaste como a mim nada me dizem Escuta um horror sem nome caiu sobre ti e está a afastarnos um do outro E todavia por que coisas passaste que eu não tenha passado Julgas que aos meus ouvidos deixarão alguma vez de ecoar os gemidos de minha mãe E os seus olhos enormes como dois oceanos agitados 114 naquele rosto branco como a cal julgas também que os meus olhos deixarão alguma vez de os ver E a angústia que me devora pensas que deixará alguma vez de me roer Mas isso que me importa sou livre Para além da angústia e das recordações Livre E de acordo comigo próprio Não te deves odiar a ti mesma Electra Dáme a tua mão não mais te abandonarei ELECTRA Larga a minha mão Assustamme estas cadelas negras à minha volta mas tu ainda mais PRIMEIRA ERÍNIA Vês Vês Não é verdade minha boneca que te metemos menos medo do que ele Precisas de nós Electra és a nossa menina Precisas que as nossas unhas te arranhem a carne e que os nossos dentes mordam o teu peito precisas do nosso amor canibal para te distrair do ódio que alimentas contra ti própria e de sofrer na carne para que esqueças o que sofre a tua alma Vem Vem Só tens dois degraus a descer para caíres nos nossos braços e então os nossos beijos rasgarão a tua carne frágil e gozarás o esquecimento o esquecimento no grande e puro incêndio da dor AS ERÍNIAS Vem Vem Dançam muito lentamente como que para a fascinar Electra levantase ORESTES agarrandoa por um braço Não vás peçote seria a tua perda ELECTRA desembaraçandose com violência Ah Odeiote 115 Desce os degraus e as Erínias atiramse todas a ela ELECTRA Socorro Entra Júpiter CENA II OS MESMOS E JÚPITER JÚPITER Para a casota PRIMEIRA ERÍNIA O Senhor As Erínias afastamse de má vontade deixando Electra no chão JÚPITER Pobres crianças Eis aqui ao que chegastes O meu coração oscila entre a cólera e a piedade Levantate Electra enquanto eu aqui estiver as minhas cadelas não te farão mal Ajudadaa a levantarse Que cara horrível E bastou uma noite Bastou uma noite Onde está a tua frescura aldeã Numa só noite arruinaste fígado pulmões e baço está em estado miserável o teu corpo Ah Juventude louca e presunçosa olhai o mal que a vós próprios causastes 116 ORESTES Acaba lá com esse tom velhote fica mal ao rei dos deuses JÚPITER E tu acaba com esse tom arrogante que não convém muito a um culpado que expia o seu crime ORESTES Não sou um culpado e não és capaz de me fazer expiar aquilo que não reconheço como um crime JÚPITER Parece que te enganas mas deixa lá que não vais ficar muito tempo nessa heresia ORESTES Podes atormentarme à vontade não me arrependo de nada JÚPITER Nem mesmo da abjecção em que por tua culpa se encontra mergulhada a tua irmã ORESTES Nem mesmo JÚPITER Estás a ouvilo Electra Aqui está aquele que dizia amarte ORESTES 117 Amoa mais que a mim mesmo Mas o seu sofrimento é nela própria que tem origem e só ela se pode livrar dele pois é livre JÚPITER E tu Serás por acaso também livre ORESTES Bem o sabes JÚPITER Olha para ti mesmo creatura estúpida e imprudente que belo ar tens na verdade todo encolhido aos pés dum deus benfazejo com essas cadelas esfomeadas á assediarte Se tens a audácia de pretender que és livre acabaremos também por exaltar a liberdade do prisioneiro acorrentado no fundo duma enxovia e a do escravo crucificado ORESTES E por que não JÚPITER Toma cautela Estás a armar em fanfarrão porque te protege Apolo Mas Apolo é meu mui obediente servidor Basta que eu levante um dedo para que te abandone ORESTES Pois bem levanta esse dedo levanta a mão toda JÚPITER Para quê Não te disse já o quanto me repugna castigar Se aqui vim foi para vos salvar 118 ELECTRA Salvarnos Basta de troça senhor da vingança e da morte pois não é permitido nem a um Deus dar aos que sofrem uma esperança enganadora JÚPITER Poderias daqui sair dentro de um quarto de hora ELECTRA Sã e salva JÚPITER Doute a minha palavra ELECTRA Que me pedirás em troca JÚPITER Nada te pedirei minha filha ELECTRA Nada Terei ouvido bem bom Deus adorável Deus JÚPITER Ou quase nada Apenas o que me podes dar com a maior das facilidades um pouco de arrependimento ORESTES Toma cuidado Electra esse pouco pesará como uma montanha 119 sobre a tua alma JÚPITER para Electra Não o oiças Respondeme antes a isto o que te custa renegar este crime Foi Outro quem o cometeu Mal se pode disser que foste sua cúmplice ORESTES Electra Vais renegar quinze anos de ódio e de esperança JÚPITER Quem fala em os renegar Ela nunca quis aquele acto sacrílego ELECTRA Ai JÚPITER Ora vamos Podes confiar em mim É ou não é verdade que leio nos corações ELECTRA incrédula E lês no meu que eu não quis aquele crime Quando é verdade que sonhei durante quinze anos com o assassínio e a vingança JÚPITER Bah Esses sonhos sangrentos que te embalavam tinham uma certa inocência encobriam a teus olhos a escravidão que sofrias e suavizavam as feridas do teu orgulho Mas nunca pensaste a sério em realizálos Enganarmeei porventura ELECTRA 120 Ah Meu Deus meu querido Deus como desejo que te não enganes JÚPITER És ainda uma menina Electra As outras meninas gostariam de vir a ser as mais ricas ou as mais belas entre as mulheres Mas tu fascinada pelo destino atroz da tua raça quiseste ser a mais dolorosa e a mais criminosa Jamais quiseste o mal nada mais desejaste senão a tua própria desgraça Na tua idade as crianças brincam ainda com bonecas ou jogam à calha agora tu sem brinquedos nem companheiras pusestete a brincar aos assassinos visto ser um jogo que se pode jogar sozinho ELECTRA Ai que é assim Ai que é isso mesmo Quanto mais te oiço mais vejo claro dentro de mim ORESTES Electra Electra É agora que és culpada Aquilo que quiseste quem mais o pode saber senão tu Deixarás que seja outrem a decidilo Para quê alterar um passado que já não pode defenderse Porquê renegar essa Electra irada que foste essa jovem deusa do ódio que tanto amei Então não vês que esse Deus cruel está a fazer troça de ti JÚPITER Faço troça de vós Escutai só o que vos proponho se repudiardes o vosso crime instalarvosei aos dois no trono de Argos ORESTES No lugar das nossas vítimas JÚPITER 121 Assim é preciso ORESTES E vestirei a roupa ainda morna do defunto rei JÚPITER Essa ou outra não é isso que importa ORESTES Sim desde que seja preta não é verdade JÚPITER Então não estás de luto ORESTES Sim pela minha mãe já o esquecia E quanto aos meus súbditos deverei também mandálos vestir de preto JÚPITER Já o estão ORESTES Tens razão Devemos darlhes tempo a gastar esses velhos trajos Então Já percebeste Electra Se verteres algumas lágrimas darteão os saiotes e as camisas de Clitemnestra aquelas camisas imundas e fedorentas que durante quinze anos lavaste com as tuas próprias mãos Também te espera o seu papel e bastarteá retomálo a ilusão será perfeita e toda a gente julgará ver a tua mãe já que te tens empenhado em a imitar Eu é que sou mais esquisito não vou enfiar as cuecas desse bobo que matei 122 JÚPITER Levantas alto de mais essa cabeça golpeaste um homem que se não defendeu e uma velha que te pedia perdão mas quem te ouvir falar sem te conhecer é capaz de julgar que salvaste a tua cidade natal a combater sozinho contra trinta ORESTES Talvez tenha mesmo salvo a minha cidade natal JÚPITER Tu Sabes o que está por detrás dessa porta Os homens de Argos todos os homens de Argos Estão à espera do seu salvador com pedras ancinhos e varapaus para lhe testemunhar o seu reconhecimento Estás só como um leproso ORESTES Já sei JÚPITER Anda lá não te orgulhes disso Foi para a solidão do desprezo e do horror que te repeliram ó mais cobarde dos assassinos ORESTES O mais cobarde dos assassinos é o que tem remorsos JÚPITER Orestes Fui eu que te criei assim como todas as coisas Olha As paredes do templo abremse O céu aparece constelado de estrelas a girar Júpiter está ao fundo da cena A sua voz aumentou enormemente de volume microfone e todavia mal se vê o seu vulto Repara nesses 123 planetas que giram ordenadamente sem nunca se chocarem Fui eu quem lhes determinou as órbitas segundo o que é justo Escuta a harmonia celeste esse grande hino mineral em acção de graças que reboa pelos quatro cantos do firmamento Melodrama Sou eu a causa das espécies se perpetuarem fui eu quem ordenou que um homem gere sempre um homem e que o filho do cão seja cão sou eu a causa das marés virem docemente lamber as areias retirandose à hora marcada sou eu quem faz crescer as plantas e é o meu sopro que conduz à volta da terra as nuvens amarelas do pólen Esta não é a tua casa intruso Estás no mundo como o espinho na carne ou como o caçador furtivo na floresta senhorial porque o mundo é bom visto que o criei segundo a minha vontade e o Bem sou eu Agora tu tu praticaste o mal e as coisas acusamte com a sua voz petrificada Por toda a parte está o Bem na medula dos juncos na frescura da nascente nos seixos dos caminhos e no peso das pedras encontráloás mesmo na essência do fogo e da lua e até o corpo te atraiçoa obedecendo às minhas prescrições O Bem está dentro e fora de ti penetrate e baloiçate como o amor foi ele quem consentiu no êxito do teu mau empreendimento pois foi ele a claridade das velas a dureza da tua espada e a força do teu braço E esse mal de que tanto te orgulhas e do qual te dizes o autor que é senão um reflexo do ser um subterfúgio uma imagem enganadora cuja própria existência é mantida pelo Bem Regressa a ti próprio Orestes o universo condenate és um verme no universo Regressa à natureza filho desnaturado reconhece o teu erro abominao arrancao de ti como um dente cariado e fétido Senão preparate para que o mar recue diante de ti para que as nascentes sequem por onde passares para que as pedras e as rochas rolem para fora do teu caminho e para que a terra se desfaça sob os teus passos ORESTES Deixála desfazerse Que os rochedos me condenem e as plantas murchem à minha passagem não chegará o teu universo inteiro para me provar que não tenho razão És rei dos deuses Júpiter rei das pedras e das estrelas rei das ondas do mar Mas não és o rei dos homens As paredes voltam a fecharse e Júpiter reaparece curvado e fatigado já 124 com a sua voz natural JÚPITER Não sou o teu rei verme desavergonhado Quem então te criou ORESTES Foste tu Mas não me devias ter criado Livre JÚPITER Se te dei a liberdade foi para me servires ORESTES É possível mas eia acabou por se voltar contra ti sem que tu ou eu o pudéssemos Impedir JÚPITER Até que enfim Eis a desculpa ORESTES Não pretendo desculparme JÚPITER De verdade Mas sabes que parece mesmo uma desculpa essa Liberdade da qual te afirmas escravo ORESTES Não sou senhor nem escravo Júpiter Sou a minha liberdade Mal me criaste deixei de te pertencer ELECTRA 125 Peçote pelo nosso pai Orestes que não juntes ao crime a blasfêmia JÚPITER Estás a ouvila Perde então a esperança de a convenceres pela força dos teus argumentos essa tua linguagem é demasiado original para os seus ouvidos e demasiado chocante ORESTES Também para os meus Júpiter E até para a minha garganta que forma as palavras e para a minha língua que as modela à passagem é com dificuldade que me compreendo a mim próprio Ainda ontem tu eras como um véu sobre os meus olhos e um tampão de cera nos meus ouvidos ontem eu tinha uma desculpa eras tu a minha desculpa de existir pois me tinhas posto no mundo para servir os teus desígnios e o mundo era uma velha alcoviteira que me falava de ti sem cessar E de repente abandonasteme JÚPITER Abandonarte eu ORESTES Ontem estava junto de Electra toda a natureza essa sereia se agitava à minha volta a cantar o Bem e a prodigalizarme conselhos Para me incitar à brandura o dia escaldante suavizavase como um olhar velado para me pregar o perdão das ofensas o céu estava tão calmo como uma absolvição A minha juventude obedecendo às tuas ordens tinhase erguido e aí estava ela diante dos meus olhos suplicante como uma noiva que se vai abandonar pois era a última vez que eu a olhava Mas de repente sobre mim abateu se a liberdade que me paralisou recuou a natureza e foi como se já não tivesse idade Sozinho fiquei no meio desse teu pequeno e doce mundo como alguém que tivesse perdido a própria sombra E nada mais há no céu nem o Bem nem o Mal nem 126 ninguém para me dar ordens JÚPITER E então Serei por acaso abrigado a apreciar a ovelha que a sarna faz expulsar do rebanho ou o leproso encerrado no seu lazareto Não te esqueças disto Orestes fizeste parte do meu rebanho e comeste dos erva dos campos no meio das minhas ovelhas A tua liberdade não passa duma sarna a fazerte comichão não é mais do que um exílio ORESTES Dizeis a verdade é um exílio JÚPITER Mas o mal não é tão fundo como isso dura apenas desde ontem Volta ao nosso seio Volta Repara como estás só até a tua própria irmã te abandona Estás pálido e dilatate os olhos a angústia Esperas continuar a viver Vais sendo corroído por um mal desumano estranho à minha natureza estranho a ti próprio Volta Eu sou o esquecimento e o repouso ORESTES Eu sei que é estranho a mim próprio Não é natural é mesmo antinatural e sem justificação sem outro refúgio além de mim Mas não voltarei a viver sob a tua lei estou condenado a não ter outra lei além da minha Não regressarei à tua natureza todos os caminhos que nela se encontram a ti conduzem e eu não posso já seguir outro caminho que não seja o meu Porque sou homem Júpiter e cada homem deve descobrir o seu próprio caminho A natureza tem horror aos homens e tu o rei dos deuses também os odeias JÚPITER O que dizes é verdade odeioos quando se parecem contigo 127 ORESTES Toma cuidado acabas de confessar a tua fraqueza Eu não te odeio Que há entre nós dois Passaremos um pelo outro sem nos tocarmos como dois navios Tu és um Deus e eu sou livre estamos igualmente sós e é igual a nossa angústia Quem te diz que eu não procurei o remorso ao longo desta comprida noite O remorso O sono Mas já não posso ter remorsos Nem dormir Silêncio JÚPITER Que contas fazer ORESTES O povo de Argos é o meu povo É meu dever abrirlhe os olhos JÚPITER Pobre gente Vais presenteálos com a solidão e a vergonha Vais arrancar os panos com que eu os cobria revelandolhes de repente a sua existência a sua insípida e obscena existência que é bem gratuita afinal ORESTES Por que razão lhes recusaria eu o desespero que trago em mim se é essa também a sua sorte JÚPITER E que farão dele ORESTES O que quiserem são livres e a vida dos homens começa para além do desespero 128 Silêncio JÚPITER Sabes Orestes tudo isto fora já profetizado Um homem viria um dia anunciar o meu crepúsculo És então tu esse homem Quem o acreditaria ontem ao ver o teu rosto de menina ORESTES Têloia eu próprio acreditado As palavras que eu digo são demasiado grandes para a minha boca e rasgamna o destino que trago em mim tornouse demasiado pesado para a minha juventude e esmagou a JÚPITER Não te amo muito mas apesar disso lamentote ORESTES Também eu te lamento JÚPITER Adeus Orestes Dá alguns passos Quanto a ti Electra lembrate disto ainda falta muito para que acabe o meu reinado e não quero abandonar a luta Agora vê lá se és por mim ou contra mim Adeus ORESTES Adeus Júpiter sai 129 CENA III OS MESMOS MENOS JUPITER Electra erguese lentamente ORESTES Aonde vais ELECTRA Deixame Nada tenho que te dizer ORESTES Conheçote apenas de ontem e deverei já perderte para sempre ELECTRA Prouvesse aos deuses que jamais te tivesse conhecido ORESTES Electra Minha irmã minha querida Electra Meu único amor e única doçura da minha vida não me deixes só fica comigo ELECTRA Ladrão Quase nada tinha de meu além de um pouco de quietude e alguns sonhos Tudo me tomaste roubando assim uma pobre Eras o meu irmão o chefe da nossa família e tinhas o dever de me proteger mas o que fizeste foi mergulharme em sangue sintome vermelha como um boi esfolado Todas as moscas me perseguem essas gulosas e o meu coração é uma horrível colmeia 130 ORESTES É verdade meu amor tireite tudo e nada tenho para te dar além do meu crime Mas este é uma dádiva enorme Julgas que o não sinto a pesarme na alma como chumbo Nós éramos demasiado leves Electra mas agora os nossos pés enterramse no chão como as rodas dum carro nos seus trilhos Vem partiremos e caminharemos com o nosso passo pesado curvados sob o nosso precioso fardo Darmeás a mão e iremos ELECTRA Aonde ORESTES Não sei em direcção a nós próprios Para lá dos rios e das montanhas há um Orestes e uma Electra que estão à nossa espera Temos que os procurar com persistência ELECTRA Não quero ouvirte mais Só me ofereces a náusea e a desgraça Salta para o palco As Erínias aproximamse lentamente Socorro Júpiter rei dos deuses e dos homens meu rei tomame nos teus braços levame e protegeme Cumprirei a tua lei serei tua escrava e tua propriedade beijarteei os pés e os joelhos Defendeme das moscas de meu irmão e de mim própria não me deixes só e dedicarei a minha vida inteira à expiação Eu arrependome Júpiter eu arrependome Sai a correr 131 CENA IV ORESTES E AS ERÍNIAS As Erínias fazem um movimento em perseguição a Electra A primeira Erínia contémnas PRIMEIRA ERÍNIA Já nada podemos contra ela irmãs deixaia ir Mas este aqui vai nos durar muito tempo ao que parece pois tem uma almazinha bem coriácea Sofrerá por dois As Erínias começam a zumbir e aproximarse de Orestes ORESTES Estou completamente só PRIMEIRA ERÍNIA Isso é que não meu querido assassino pequenino estou ao pé de ti e verás as brincadeiras que descobrirei para te distrair ORESTES Picarei até à morte Depois PRIMEIRA ERÍNIA Coragem irmãs que ele já cede Vede como se abrem os seus olhos não tarda que os seus nervos ressoem como as cordas duma harpa sob os arpejos delicados do terror SEGUNDA ERÍNIA 132 Não tarda que a fome o expulse do seu asilo provaremos o sabor do seu sangue antes do anoitecer ORESTES Pobre Electra Entra o Pedagogo CENA V O PEDAGOGO Onde estais senhor Não se vê nada Tragovos aqui comida os homens de Argos cercam o templo e nem sequer podeis sonhar em de cá sair Vamos tentar sair esta noite Todavia podeis comer enquanto esperais As Erínias barramlhe o caminhou Ah Quem são estas Mais superstições Que saudades eu tenho dessa meiga Ática onde era a minha razão quem tinha razão ORESTES Não tentes aproximarte se não queres que te esfolem vivo O PEDAGOGO Calma minhas lindas Olhai tomai lá estas iguarias e esta fruta se é que as minhas dádivas têm o condão de vos acalmar ORESTES 133 Dizes então que os homens de Argos se concentram em frente do templo O PEDAGOGO E de que maneira Não vos sei dizer quais são os piores e os mais encarniçados em querer fazervos mal se estas lindas meninas aqui ou os vossos queridos súbditos ORESTES Óptimo Pausa Abre essa porta O PEDAGOGO Enlouquecestes Eles estão lá fora e armados ORESTES Faz o que te digo O PEDAGOGO Não desta vez peço licença para vos desobedecer Eles vão lapidarvos sou eu quem volo diz ORESTES Velho sou o teu senhor e ordenote que abras essa porta O Pedagogo entreabre aporta O PEDAGOGO Olhem que esta Olhem que esta ORESTES De par em par 134 O Pedagogo abre um pouco mais a porta e escondese por detrás dum dos batentes A multidão empurra com violência os dois batentes e pára indecisa à entrada Luz intensa CENA VI OS MESMOS A MULTIDÃO Gritos entre a multidão A morte A morte Lapidaio Cortaio em pedaços A morte ORESTES sem os ouvir O sol A MULTEDÃO Sacrilégio Assassino Carniceiro Vais para o garrote E havemos de te deitar chumbo derretido nas feridas UMA MULHER Heide arrancarte esses olhos UM HOMEM Heide trincarte esses fígados ORESTES depois de se endireitar 135 Eisnos aqui finalmente meus mui fiéis súbditos Sou Orestes o vosso rei o filho de Agamémnon e é hoje o dia da minha coroação A multidão murmura perturbada Já não gritais agora A multidão calase Bem sei que vos assusto Faz hoje precisamente quinze anos que outro assassino se ergueu diante de vos com as mãos enluvadas de vermelho até aos cotovelos enluvadas de sangue sem que vos assustasse pois tínheis lido nos seus olhos que era um dos vossos e que não era capaz de responder pelos seus actos Um crime que não pode ser suportado pelo seu autor já não é um crime não é verdade E quase um acidente E assim acolhestes o criminoso como vosso rei e o pobre crime começou por aí a vaguear e a gemer docemente como um cão que tivesse perdido o dono Estais agora a olharme ó povo de Argos e já compreendestes que o meu crime é bem meu reivindicoo à luz do sol é ele a minha razão de viver e o meu orgulho não podeis punirme nem lamentarme e é por isso que vos assusto Mas O meu povo amovos e foi por vós que matei Por vós vim para reclamar o meu reino e vós repelisteme por não ser dos vossos Mas agora já sou dos vossos estamos unidos pelo sangue e já mereço ser o vosso rei Os vossos pecados e remorsos as vossas angústias nocturnas o crime de Egisto tudo isso é meu tudo isso eu tomo sobre mim Que vos não assustem mais os vossos mortos pois agora são os meus mortos E olhai até as vossas fiéis moscas vos trocaram por mim Mas não temais ó povo de Argos que me vá sentar ensanguentado no trono da minha vitima um Deus mo ofereceu e eu recuseio Quero ser um rei sem reino nem súbditos Adeus meu povo tentai viver agora tudo é novo por aqui tudo vai começar Até para mim também a vida vai começar Uma vida estranha Escutai só isto um Verão Ciro foi invadida pelas ratazanas Era uma praga horrível que tudo roía e os habitantes chegaram a pensar que por causa dela acabariam por morrer Porém um dia chegou um tocador de flauta e todas as ratazanas reuniramse à sua volta Pôsse então o flautista em marcha em grandes passadas assim desce do pedestal gritando aos habitantes de Ciro Afastaivos A multidão afastase E as ratazanas levantaram a cabeça hesitantes como as moscas Olhai Olhai as moscas E depois de repente precipitaramse no seu encalço E 136 o tocador de flauta com as suas ratazanas desapareceu para sempre Assim Sai as Erínias precipitamse uivando no seu encalço CAI O PANO 137 Composto e Impresso na TIPOGRAFIA RIOS IRMÃO LDA Santa Maria de lamas

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