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Direitos Humanos

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COLEÇÃO POLÊMICA 2ª IMPRESSÃO DALMO DE ABREU DALLARI Direitos humanos e cidadania EDITORA MODERNA É 111 COORDENAÇÃO EDITORIAL José Carlos de Castro EDIÇÃO DE TEXTO Edna Viana dos Santos ASSISTÊNCIA EDITORIAL Sônia Valquiría Ascoli GERÊNCIA DA PREPARAÇÃO E DA REVISÃO José Gabriel Arroio REVISÃO Ivone Barbosa Groenilz Izílda de Oliveira Pereira GERÊNCIA DE PRODUÇÃOGRÁFICA Wilson Teodoro Garcia EDIÇÃO DE ARTE Edimilson Carvalho Vieira CAIA Continente com suas raças CreastockBavaria Síock Pbotos DIAGRAMAÇÀO Cbristiane fíorin SAÍDA DE FILMES HLIÍO P de Souza Hlbu Luiz A cia Silva REVISÃO DE FILMES Liberaío Verdile Júnior COORDENAÇÃO DO PCP limando Dalto Dcgau IMPRESSÃO E ACABAMENTO Gráfica c1 Editora Lida Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Dallari Dalmo de Abreu 1931 Direitos humanos e cidadania Dulmo de Abreu Dallari São Paulo Moderna 199X Colecào polémica Inclui suplemento de trabalho 1 Cidadania 2 Direitos humanos I Título II Série 982500 CBD373 índices para catálogo sistemático l Direitos humanos e cidadania Estudo e ensino 373 ISBN 8516021807 Todos os direitos reservados EDITORA MODERNA LTDA Rua Padre Adelino 758 liclenxinho São Paulo SP Brasil CEP 03303904 Vencias e Atendimento Tel 011 60901500 Fax 011 60901501 wwwmodernaconibr 1999 Impresso no Brasil Reprodução proibida Ari184 do Código Penal e Lei 9610 de 19 de fevereiro de 1998 S U M l Introdução 5 O que são direitos humanos 7 Direitos humanos noção e significado 7 Pessoas com valor igual mas indivíduos e culturas diferentes7 Direitos humanos faculdade de pessoas livres 8 Direitos humanos dignidade da pessoa e solidariedade 9 A cidadania e sua história 10 A cidadania na Antiguidade 10 As revoluções burguesas e a cida dania 10 Injustiça legalizada discriminação pela cidadania 12 Direitos e deveres da cidadania 14 Cidadão cidadania e integração social 14 Cidadania participa ção na vida pública 14 A cidadania no Brasil atual 15 Convivência numa ordem democrática 17 A sociedade humana 17 Convivência necessária 18 A ordem de mocrática 19 Direito à vida 21 T Direito de ser pessoa 25 ll Direito à liberdade real 29 O Direito à igualdade de direitos e oportunidades 32 fo à moradia e à terra 36 1 fo ao trabalho em condições justas 40 1 1 Direito de participar das riquezas 44 1 sl Direito à educação 47 1 O Direito à saúde 52 1 l Direito ao meio ambiente sadio 56 1 Direito de participar do governo 59 1 fo de receber os serviços públicos 64 1 7 Direito à proteção dos direitos 69 Anexo Declaração Universal dos Direitos Humanos 72 Sugestões de leitura 78 I N T R O D U Ç Ã O Este é um livro de iniciação e sem pretender mais do que isso tem por objetivo oferecer os elementos básicos para a introdução da problemática dos direitos humanos preparando o intelecto e a consciência para estudos e refle xões de maior amplitude e profundidade Este não é um livro de especulações teóricas mas de considerações sobre os direitos humanos e sua prática Como ponto de partida associando elementos teóricos e informa ções históricas será estabelecida uma noção básica de direitos humanos chamando a atenção para o significado humano e social desses direitos A pessoa humana que é o bem mais valioso da humanidade estará sempre acima de qualquer outro valor É evidente que nessa colocação sintética estarão presentes os estudos as reflexões e as convicções do autor que invoca em seu favor uma intensa mili tância pela prática dos direitos humanos Lecionando falando e escrevendo sobre temas de direitos humanos mas ao mesmo tempo promovendo a defesa desses direitos em situações concretas mantendo contato com as comunidades indígenas brasileiras ou indo em missão de juristas aos campos de refugiados da Caxemira na índia o autor tem aperfeiçoado suas concepções teóricas e tem sentido os direitos humanos como problema concreto da humanidade Isso tem possibilitado a percepção de que em se tratando de direitos humanos as discussões sofisticadas sobre dúvidas teóricas não são indispen sáveis nem prioritárias Muitas vezes tais discussões podem ser até prejudi ciais à prática dos direitos pois colocam dúvidas estéreis sobre a validade de providências concretamente benéficas Os estudos e as discussões sobre direi tos humanos são importantes na medida em que contribuem para afastar obs táculos à sua efetivação ou para estimular sua defesa o que só acontece quan do além do interesse teórico há um efetivo compromisso com a prática Em continuidade às reflexões gerais sobre os direitos humanos e como complemento dessas este livro oferece algumas noções teóricas es senciais sobre o conceito de cidadania e mais adiante sobre a ordem de mocrática mostrando como a evolução histórica do conceito de cidadania 5 sofreu a forte influência de interesses e objetivos políticos às vezes anti democráticos Nessa trajetória o conceito de cidadania foi manipulado e distorcido passando a ser usado para legalizar discriminações manifesta mente injustas Feita essa demonstração seguemse considerações sobre a noção atual de cidadania palavra que em certo sentido tem valor simbó lico restaurando a busca de uma sociedade sem discriminações na qual os direitos e deveres fundamentais deverão ser iguais para todos Para completar a iniciação é proposto um conjunto de reflexões e discussões sobre aspectos particulares dos direitos humanos geralmente reconhecidos Em linguagem mais técnica podese dizer que depois do exame dos direitos humanos em geral passase à consideração dos direitos humanos em espécie O que a História nos ensina é que determinados di reitos receberam muito cedo o reconhecimento praticamente unânime en quanto outros só foram expressamente incorporados ao elenco dos direitos fundamentais da pessoa humana em épocas mais recentes Existem ainda alguns direitos que só agora começam a merecer especial consideração como vem ocorrendo por exemplo com o direito ao meio ambiente sadio Sem pretender o aprofundamento das discussões filosóficas sobre temas como a universalidade dos direitos fundamentais da pessoa humana e deixando de lado a questão teórica das sucessivas gerações de direitos humanos o que se procura neste livro é oferecer com simplicidade um fundamento filosófico para os direitos ligandoos às peculiaridades dana tureza humana A indicação desse fundamento e a consideração dessas peculiaridades incluem estes pressupostos básicos a a pessoa humana é essencialmente a mesma em toda parte b é indispensável ter em conta a individualidade das pessoas e a peculiaridade das culturas No desenvolvimento dos temas serão postos em evidência a importância de cada um dos direitos analisados e seu significado para as pessoas e as socie dades humanas sempre tendo em conta as circunstâncias históricas políticas e sociais e ressaltando a insuficiência da proclamação apenas formal desses di reitos Além disso considerando a pessoa em suas dimensões material e espiri tual os direitos serão analisados como faculdades naturais e exigências práti cas de uma pessoa humana que não existe fora do social Desse modo se chega à solidariedade humana como exigência ética e natural bem como ao direito e dever de participação de todos nas decisões de interesse comum Finalmente é importante ter em conta que este livro deverá ser utilizado como um ponto de partida um repositório básico de informações e de ideias um roteiro para trabalhos individuais e para reflexões em grupos Seria im possível produzir um livro que abrangesse todas as situações que implicam problemas de direitos humanos ou que considerasse toda a extensão de cada um dos direitos A observação e a reflexão além da própria evolução históri ca é que irão revelando novas abrangências O que se pretende é que este livro contribua para despertar o interesse pelos direitos humanos e para a per cepção de que a garantia desses direitos de modo igual para todos os seres humanos é indispensável para que as pessoas sejam felizes e vivam em paz Ó O QUE SÃO DIREITOS HUMANOS DIREITOS HUMANOS NOÇÃO E SIGNIFICADO A expressão direitos huma nos é uma forma abreviada de men cionar os direitos fundamentais da pessoa humana JSsses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não conse gue existir ou não é capaz de se de senvolver e de participar plenamente da vida Todos os seres humanos de vem ter asseguradas desde o nasci mento as condições mínimas neces sárias para se tornarem úteis à huma nidade como também devem ter a possibilidade de receber os benefícios que a vida em sociedade pode propor cionar Eseonjunto de condições e de possibilidades associa as caracte rísticas naturais dos seres humanos a capacidade natural de cada pessoa e os meios de que a pessoa pode valer se como resultado da organização so cial É a esse conjunto que se dá o nome de direitos humanos Para entendermos com facili dade o que significam direitos huma nos basta dizer que tais direitos cor respondem a necessidades essenciais da pessoa humana Tratase daquelas necessidades que são iguais para to dos osseres humanos e que devem ser atendidas para que a pessoa possa viver com a dignidade que deve ser assegurada a todas as pessoas Assim por exemplo a vida é um direito hu mano fundamental porque sem ela a pessoa não existe Então a preserva ção da vida é uma necessidade de to das as pessoas humanas Mas obser vando como são e como vivem os se res humanos vamos percebendo a existência de outras necessidades que são também fundamentais como a alimentação a saúde a moradia a educação e tantas outras coisas PESSOAS COM VALOR IGUAL MAS INDIVÍDUOS E CULTURAS DIFERENTES Não é difícil reconhecer que todas as pessoas humanas têm aque las necessidades e por esse motivo como todas as pessoas são iguais uma não vale mais do que a outra 7 li DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA inaa não vale menos do que a outra reconhecemos também que todos devem ter a possibilidade de satisfa zer aquelas necessidades Um ponto deve ficar claro des de logo a afirmação da igualdade de todos os seres humanos não quer di zer igualdade física nem intelectual ou psicológica Cada pessoa humana tem sua individualidade sua persona lidade seu modo próprio de ver e de sentir as coisas Assim também os grupos sociais têm sua cultura pró pria que é resultado de condições naturais e sociais Um grupo humano que sempre viveu perto do mar será diferente daquele que vive tradicio nalmente na mata na montanha ou numa região de planícies Do mesmo modo os costumes e as relações so ciais da população de uma grande metrópole não serão os mesmos da população de uma cidadezinha pobre do interior distante e isolada dos grandes centros Da mesma forma ainda a cultura de uma população predominantemente católica será di ferente da cultura de uma população muçulmana ou budista Em tal sentido as pessoas são diferentes mas continuam todas iguais como seres humanos tendo as mesmas necessidades e faculda des essenciais Disso decorre a existência de direitos fundamentais que são iguais para todos DIREITOS HUMANOS FACULDADE DE PESSOAS LIVRES Todas as pessoas nascem es sencialmente iguais e portanto com direitos iguais Mas ao mesmo tempo que nascem iguais todas as pessoas nascem livres Essa liber dade está dentro delas em sua inte ligência e consciência É evidente que todos os seres humanos acaba rão sofrendo as influências da edu cação que receberem e do meio so cial em que viverem mas isso não elimina sua liberdade essencial É por isso que muitas vezes uma pes soa mantém um modo de vida até certa idade e depois muda comple tamente Essa pessoa estava viven do sob certas influências mas con tinuava livre e num determinado momento decidiu usar sua liberda de para mudar de rumo Uma consequência disso é que não podemos obrigar uma pes soa a usar de todos os seus direitos pois é preciso respeitar a liberdade que também é um direito funda mental da pessoa humana Mas é indispensável que todos tenham concretamente a mesma possibili dade de gozar dos direitos funda mentais Por esse motivo dizemos que gozar de um direito é uma fa culdade da pessoa humana não uma obrigação Assim pois é preciso ter sempre em conta que todas as pes soas nascem com os mesmos direi tos fundamentais Não importa se a pessoa é homem ou mulher não importa onde a pessoa nasceu nem a cor de sua pele não importa se a pessoa é rica ou pobre como tam bém não são importantes o nome de família a profissão a preferência política ou a crença religiosa Os direitos humanos fundamentais são os mesmos para todos os seres hu manos E esses direitos continuam existindo mesmo para aqueles que cometem crimes ou praticam atos que prejudicam as pessoas ou a so ciedade Nesses casos aquele que praticou o ato contrário ao bem da humanidade deve sofrer a punição prevista numa lei já existente mas sem esquecer que o criminoso ou quem praticou um ato antisocial continua a ser uma pessoa humana DIREITOS HUMANOS DIGNIDADE DA PESSOA E SOLIDARIEDADE Para os seres humanos não pode haver coisa mais valiosa do que a pessoa humana Essa pessoa por suas características naturais por ser dotada de inteligência consciência e vontade por ser mais do que uma simples porção de ma téria tem uma dignidade que a co loca acima de todas as coisas da na tureza Mesmo as teorias chamadas materialistas que não querem acei tar a espiritualidade da pessoa hu mana sempre foram forçadas a re conhecer que existe em todos os se res humanos uma parte nãomaterial Existe uma dignidade inerente à condição humana e a preservação dessa dignidade faz parte dos direi tos humanos O respeito pela dignidade da pessoa humana deve existir sempre em todos os lugares e de maneira igual para todos O crescimento económico e o progresso material de um povo têm valor negativo se forem conseguidos à custa de ofen O QUE SÃO DIREITOS HUMANOS sãs à dignidade de seres humanos O sucesso político ou militar de uma pessoa ou de um povo bem como o prestígio social ou a con quista de riquezas nada disso é vá lido ou merecedor de respeito se for conseguido mediante ofensas à dig nidade e aos direitos fundamentais dos seres humanos No ano de 1948 a Organização das Nações Unidas ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz em seu artigo pri meiro que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos Além disso segundo a Declaração todos devem agir em relação uns aos outros com espíri to de fraternidade A pessoa cons ciente do que é e do que os outros são a pessoa que usa sua inteligên cia para perceber a realidade sabe que não teria nascido e sobrevivido sem o amparo e a ajuda de muitos E todos mesmo os adultos saudáveis e muito ricos podem facilmente per ceber que não podem dispensar a ajuda constante de muitas pessoas para conseguirem satisfazer suas ne cessidades básicas Existe portanto uma solidariedade natural que de corre da fragilidade da pessoa huma na e que deve ser completada com o sentimento de solidariedade Aí está o ponto de partida para a concepção básica dos direitos hu manos neste final de milénio Se houver respeito aos direitos huma nos de todos e se houver solidarie dade mais do que egoísmo no rela cionamento entre as pessoas as in justiças sociais serão eliminadas e a humanidade poderá viver em paz 8 9 A CIDADANIA E SUA HISTÓRIA A CIDADANIA E SUA HISTÓRIA A CIDADANIA NA ANTIGUIDADE A paavrajidadania foi usa da na Roma antiga para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa tinha ou podia exercer A sociedade romana fazia discriminações e separava as pessoas em classes sociais Havia em primeiro lugar os romanos e os estrangeiros mas os romanos não eram considerados todos iguais existindo várias categorias Em re lação à liberdade das pessoas era feita a diferenciação entre livres e escravos mas entre os que eram li vres também não havia igualdade fazendose distinção entre os patrí cios membros das famílias mais importantes que tinham participado da fundação de Roma e por isso considerados nobres e os ple beus pessoas comuns que não ti nham o direito de ocupar todos os cargos políticos Com o tempo fo ram sendo criadas categorias inter mediárias para que alguns plebeu recebessem um título que os colo cava mais próximos dos patrícios e lhes permitia ter acesso aos cargos mais importantes Quanto à possibilidade de par ticipar das atividades políticas e ad ministrativas havia uma distinção importante entre os próprios roma nos Os romanos livres tinham cida dania eram portanto cidadãos mas nem todos podiam ocupar os cargos políticos como o de senador ou de magistrado nem os mais altos cargos administrativos Faziase uma distin ção entre cidadania e cidadania ati va Só os cidadãos ativos tinham o direito de participar das atividades políticas e de ocupar os mais altos postos da Administração Pública Uma particularidade que deve ser ressaltada é que as mulheres não ti nham a cidadania ativa e por esse motivo nunca houve mulheres no Se nado nem nas magistraturas romanas As REVOLUÇÕES BURGUESAS E A CIDADANIA Nos séculos dezessete e de zoito quando na Europa já estavam começando os tempos modernos havia também a divisão da socieda de em classes lembrando muito a antiga divisão romana Os nobres gozavam de muitos privilégios eram proprietários de grandes ex tensões de terras não pagavam im postos e ocupavam os cargos polí ticos mais importantes Ao lado deles existiam as pessoas chamadas comuns mas entre estas havia gran de diferença entre os que eram ri cos que compunham a burguesia e os outros que por não terem ri queza viviam de seu trabalho no campo ou na cidade Nessa fase da história da humanidade vamos en contrar os reis que governavam sem nenhuma limitação com poderes absolutos e por isso o período é conhecido como do absolutismo Houve um momento em que os burgueses e os trabalhadores já não suportavam as arbitrariedades e as injustiças praticadas pelos reis absolutistas e pela nobreza e por esse motivo unindose todos con tra os nobres fizeram uma série de revoluções conhecidas como re voluções burguesas Desse modo foi feita a revolução na Inglaterra nos anos de 1688 e 1689 quando o rei perdeu muito de seus poderes e os burgueses passaram a dominar o Parlamento passando os nobres que eram chamados lordes para segundo plano Nessa época a In glaterra tinha 13 colónias na Amé rica do Norte Influenciadas pelo que acontecia na Inglaterra as pes soas mais ricas dessas colónias in cluindo os proprietários de terras e s grandes comerciantes promo veram uma revolução no século seguinte Desse modo proclama ram a independência das colónias em 1776 Alguns anos mais tarde em 1787 resolveram unirse e cri aram um novo Estado que recebeu o nome de Estados Unidos da América Dois anos depois em 1789 ocprreu na França um movimento revolucionário semelhante que passou para a história com o nome de Revolução Francesa Esse mo vimento foi muito importante por que influiu para que grande parte do mundo adotasse o novo modelo de sociedade criado em consequên cia da Revolução Foi nesse mo mento e nesse ambiente que nasceu a moderna concepção de cidadania que surgiu para afirmar a elimina ção de privilégios mas que pouco depois foi utilizada exatamente para garantir a superioridade de no vos privilegiados No dia 14 de julho de 1789 o povo invadiu a prisão da Bastilha na cidade de Paris onde se acha vam presos os acusados de serem inimigos do regime político absolu tista Esse fato marcou o início de uma série de modificações impor tantes na organização social da França e no seu sistema de gover no estando entre essas modifica ções a eliminação dos privilégios da nobreza Por esse motivo a to mada da Bastilha passou a ser co memorada como o dia da Revolu ção Francesa mas a revolução se caracteriza por um conjunto de fa tos que tem início bem antes daque la data 70 7 1 DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA A CIDADANIA E SUA HISTÓRIA Uma das inovações importan tes ocorrida algumas décadas an tes foi justamente o uso das pala vras cidadão s cidadã para simbo lizar a igualdade de todos Vários escritores políticos vinham defen dendo a ideia de que todos os seres humanos nascem livres e são iguais devendo ter os mesmos di reitos Isso foi defendido pelos bur gueses que desejavam ter o direito de participar do governo para não ficarem mais sujeitos a regras que só convinham ao rei e aos nobres O povo que trabalhava que vivia de salários e que dependia dos mais ri cos também queria o reconheci mento da igualdade achando que se todos fossem iguais as pessoas mais humildes também poderiam partici par do governo e desse modo as leis seriam mais justas Cabe lembrar que as mulheres também tiveram importante partici pação nos movimentos políticos e sociais da Revolução Francesa Quando se falava nos direitos da ci dadania a intenção era dizer que to dos deveriam ter o mesmo direito de participar do governo não ha vendo mais diferença entre nobres e nãonobres nem entre ricos e po bres ou entre homens e mulheres INJUSTIÇA LEGALIZADA DISCRIMINAÇÃO PELA CIDADANIA No ano de 1791 os líderes da Revolução Francesa reunidos numa Assembleia aprovaram a pri meira Constituição francesa e aí já estabeleceram regras que deforma vam completamente a ideia de cida dania Recuperando a antiga dife renciação romana entre cidadania e cidadania ativa os membros da As sembleia e os legisladores que vie ram depois estabeleceram que para ter participação na vida política votando e recebendo mandato e ocupando cargos elevados na admi nistração pública era preciso ser cidadão ativo não bastava ser cida dão E dispuseram que para ter a ci dadania ativa eram necessários cer tos requisitos que logo mais serão especificados não bastando ser pessoa A partir daí a cidadania con tinuou a indicar o conjunto de pes soas com direito de participação política falandose nos direitos da cidadania para indicar os direi tos que permitem participar do go verno ou influir sobre ele o direi to de votar e ser votado bem como o direito de ocupar os cargos pú blicos considerados mais impor tantes Mas a cidadania deixou de ser um símbolo da igualdade de to dos e a derrubada dos privilégios da nobreza deu lugar ao apareci mento de uma nova classe de pri vilegiados A Constituição francesa de 1791 feita pouco depois da Decla ração de Direitos de 1789 mante ve a monarquia o que já significa va um privilégio para uma família Além disso contrariando a afirma ção de igualdade de todos estabe leceu que somente os cidadãos ati vos poderiam ser eleitos para a Assembleia Nacional Ficou sendo também um privilégio dos cida dãos ativos o direito de votar para escolher os membros da Assem bleia E para ser cidadão ativo era preciso ser francês do sexo mas culino ser proprietário de bens imóveis e ter uma renda mínima anual elevada As mulheres os trabalhado res as camadas mais pobres da so ciedade todos esses grupos sociais foram excluídos da cidadania ativa e tiveram que iniciar uma nova luta desde o começo do século dezeno ve para obterem os direitos da ci dadania Foram até agora duzen tos anos de lutas que já proporcio naram muitas vitórias mas ainda falta caminhar bastante para que a cidadania seja realmente expres são dos direitos de todos e não pri vifégio dos setores mais favoreci dos da sociedade 13 DIREITOS E DEVERES DA CIDADANIA DIREITOS E DEVERES DA CIDADANIA CIDADÃO CIDADANIA E V INTEGRAÇÃO SOCIAL A cidadania expressa um con junto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativa mentg da vida e do governo de seu povo Quem não tem cidadania está imarginalizadojju excluído da vida social e da tomada de decisões fi cando numa posição de inferiorida de dentro do grupo sociaLjor exten Silo 3 ClQ3Q3ni3 pOQG QCS121131 O conjunto das pessoas que gozam da queles direitos Assim por exemplo podese dizer que todo brasileiro no exercício de sua cidadania tem o di reito de influir sobre as decisões do governo Mas também se pode apli car isso ao conjunto dos brasileiros dizendose que a cidadania brasilei ra exige que seja respeitado seu di reito de influir nas decisões do go verno Neste caso se entende que a exigência não é de um cidadão mas do conjunto de cidadãos Na Grécia antiga como se lê no filósofo Aristóteles 384 aC322 aC já havia o reconhecimento do direito de participar ativamente da vida da cidade tomando decisões po líticas embora esse direito ficasse restrito a um número pequeno de pe soas Em Roma como anteriormente mencionado foi feita a classificação das pessoas para efeito de cidadania Os estrangeiros e os escravos estavam excluídos da cidadania e além disso só uma parte dos cidadãos romanos gozava da cidadania ativa E só o ci dadão ativo tinha o direito de ocupar cargos públicos importantes e de par ticipar das decisões políticas especi almente através do voto CIDADANIA PARTICIPAÇÃO NA VIDA PÚBLICA Foi a partir da concepção ro mana que se adotou o conceito de cidadania na França do século de zoito como foi acima exposto E foi também a partir da França que se introduziu nas legislações mo dernas a diferenciação entre cidada nia e cidadania ativa A cidadania que no século dezoito teve sentido político ligan dose ao princípio da igualdade de todos passou a expressar uma situ ação jurídica indicando um con junto de direitos e de deveres jurí dicos Na terminologia atual cida dão é p indivíduo vinculado à or dem jurídica de um Estado Essa vinculação pode ser determinada pelo local do nascimento ou pela descendência bem como por outros fatores dependendo das leis de cada Estado Assim por exemplo o Brasil considera seus cidadãos como regra geral as pessoas nasci das em território brasileiro ou que tenham mãe ou pai brasileiro Essa vinculação significa que o indivíduo terá todos os direitos que a lei assegura aos cidadãos da quele Estado tendo também o direi to de receber a proteção de seu Esta do se estiver em território estrangei ro Desde o começo do século deze nove foi estabelecida a ideia de que direitos específicos da cidadania são aqueles relacionados com o governo e a vida pública Em primeiro lugar o direito de votar e ser votado mas a par disso existem outros direitos exclusivos dos cidadãos Entre estes se acha o direito de ser membro do Tribunal do Júri além do direito de ter um cargo emprego ou função na Administração Pública A CIDADANIA NO BRASIL ATUAL A Constituição brasileira de 1988 assegura aos cidadãos brasi leiros os direitos já tradicionalmen te reconhecidos como o direito de votar para escolher representantes no Legislativo e no Executivo e o direito de se candidatar para esses cargos Não ficou porém apenas nisso sendo importante assinalar que essa Constituição ampliou bas tante os direitos da cidadania Como inovação foi dado ao cidadão o direito de apresentar pro jetos de lei por meio de iniciativa popular tanto ao Legislativo fede ral quanto às Assembleias Legisla tivas dos Estados e às Câmaras Mu nicipais Foi assegurado também o direito de participar de plebiscito ou referendo quando forem feitas consultas ao povo brasileiro sobre projetos de lei ou atos do governo Além disso foi atribuído também aos cidadãos brasileiros o direito de propor certas ações judiciais deno minadas garantias constitucionais especialmente previstas para a ga rantia de direitos fundamentais En tre essas ações estão a Ação Popu lar e o Mandado de Segurança que visam impedir abusos de autorida des em prejuízo de direitos de um cidadão ou de toda a cidadania A par disso a Constituição prevê a participação obrigatória de representantes da comunidade em órgãos de consulta e decisão sobre os direitos da criança e do adoles cente bem como na área da educa ção e da saúde Essa participação configura o exercício de direitos da cidadania e é muito importante para a democratização da sociedade Em todos os Estados do mun do inclusive no Brasil a legislação estabelece exigências mínimas para 14 DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA que um cidadão exerça os direitos relacionados com a vida pública o que significa a imposição de restri ções para que alguém exerça os di reitos da cidadania De certo modo isso mantém a diferenciação entre cidadãos e cidadãos ativos O dado novo é que no século vinte sobre tudo a partir de sua segunda meta de houve o reconhecimento de que muitas dessas restrições eram anti democráticas e por isso elas foram sendo eliminadas Um exemplo muito expressivo dessa mudança é o que aconteceu com os direitos de cidadania das mulheres Em grande parte do mundo as mulheres con quistaram o direito de votar e de ocupar todos os cargos públicos eliminandose uma discriminação injusta que no entanto para muitos efeitos ainda permanece na prática Por último é importante assi nalar que os direitos da cidadania são ao mesmo tempo deveres Pode parecer estranho dizer que uma pes soa tem o dever de exercer seus di reitos porque isso dá a impressão de que tais direitos são convertidos em obrigações Mas a natureza associa tiva da pessoa humana a solidarie dade natural característica da huma nidade a fraqueza dos indivíduos isolados quando devem enfrentar o Estado ou grupos sociais poderosos são fatores que tornam necessária a participação de todos nas atividades sociais Acrescentese a isso a im possibilidade de viver democratica mente se os membros da sociedade não externarem suas opiniões e sua vontade Tudo isso torna imprescin dível que os cidadãos exerçam seus direitos de cidadania CONVIVÊNCIA NUMA ORDEM DEMOCRÁTICA A SOCIEDADE HUMANA A sociedade humana é um conjunto de pessoas ligadas entre si pela necessidade de se ajudarem umas às outras no plano material bem como pela necessidade de co municação intelectual afetiva e es piritual a fim de que possam garan tir a continuidade da vida e satisfa zer seus interesses e desejos Sem a vida em sociedade as pessoas não conseguiriam sobrevi ver pois o ser humano desde que nasce e durante muito tempone cessita de nitros para conseguir ali mentação abrigo e outros bens e serviços indispensáveis E no mun do moderno com a grande maioria das pessoas morando nas cidades e com o aumento das populações persistiram e ganharam maior volu me as antigas necessidades e a elas se acrescentaram outras em conse quência de hábitos e modos de vida Que tornaram necessários muitos outros bensjOs avanços tecnológi 2icriamnovas possibilidades c muitas vezes facilitam a vida das pessoas mas ao mesmo tempo im põem a mudança de hábitos e ge ram dependências criando novas necessidades que só podem ser atendidas mediante o concurso de muitas pessoas Basta lembrar a enorme quantidade e variedade de objetos que utilizam metais trabalhados o que pressupõe a extração de miné rios seu transporte sua transforma ção e sua industrialização ou sua manipulação artesanal Observação semelhante pode ser feita em rela ção à busca de fontes de energia e à utilização de objetos de matéria plástica Não há quem não necessi te muitas vezes por dia desses e de outros bens que só podem ser obti dos com o trabalho de grande nú mero de pessoas Mas as necessidades dos seres humanos não são apenas de ordem material como alimentos roupas moradia meios de transporte e cui dados de saúde Elas são também de ordem espiritual e psicológica Toda pessoa humana necessita de afeto precisa amar e sentirse amada quer 16 17 É DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA sempre que alguém lhe dê atenção e que todos a respeitem Além disso todo ser humano tem suas crenças tem sua fé em alguma coisa que é a base de suas esperanças CONVIVÊNCIA NECESSÁRIA J3s seresjiurnanos não vivern juntos não vivem em sociedade apenas porque escolhem esse modo de vidajnas porque a vida em só ciedade é uma necessidade da natu reza humana Assim por exemplo se dependesse apenas da vontade seria possível uma pessoa muito rica isolarse em algum lugar onde tivesse armazenada grande quanti dade de alimentos Mas essa pessoa estaria em pouco tempo sentindo falta de companhia sofrendo a tris teza da solidão precisando de al guém com quem falar e trocar ideias necessitada de dar e receber afeto E muito provavelmente ficaria lou ca se continuasse sozinha por mui to tempo Mas justamente porque viven do em sociedade é que a pessoa hu mana pode satisfazer suas necessida des é preciso que a sociedade seja organizada de tal modo que sirva re almente para esse fim Não basta que a vida social permita a satisfa ção de todas as necessidades 3èãpe nas algumas pessoas é necessário considerar as necessidades de todos os membros da sociedade E para im pedir que todos sejam submetidos aos interesses dos mais fortes e po derosos é indispensável a existência de regras de convivência que fixem direitos e obrigações CONVIVÊNCIA NUMA ORDEM DEMOCRÁTICA As regras de comportamento social mesmo quando refletem a vontade da grande maioria dos membros de um grupo social são vistas sempre como limitações que restringem a liberdade individual Entretanto é preciso ter em conta antes de tudo que o ser humano é associativo por natureza Isso já foi afirmado há mais de dois mil anos pelo filósofo grego Aristóteles quando escreveu que o homem é um animal político querendo di zer em linguagem de hoje que o ser humano é um animal que não vive fora da sociedade Cada ser humano é um indi víduo e tem seus direitos próprios mas nenhum pode viver sem a com panhia e o apoio de outros indiví duos que têm os mesmos direitos fundamentais Isso torna indispen sável a convivência permanente e é por esse motivo que existem as sociedades humanas Como todos os seres humanos são livres e cada um tem sua indivi dualidade a convivência é fonte permanente de divergências e de conflitos Para que seja possível a convivência harmónica necessária e benéfica é indispensável que existam as regras de organização e de comportamento social Essas re gras não devem ser impostas por uma pessoa ou por um grupo social sem a participação dos demais membros da sociedade pois isso afrontaria o direito à igualdade As sim por mecanismos democráticos respeitando a liberdade e a igualda de de todos são fixadas as regras E aquelas consideradas mais impor 8 tantes são de obediência obrigató ria É assim e para isso que nasce o direito e é desse modo que se es tabelece uma organização justa para a sociedade humana Como síntese da organização justa podese dizer que existe jus tiça quando todos os meios de que a sociedade dispõe são organizados e utilizados para consecução do bem comum e não do bem particu lar de um indivíduo ou de um gru po A expressão bem comum que já aparece na obra de Aristóteles filósofo grego que viveu em Atenas no quarto século antes da era cristã foi desvirtuada por alguns autores do século vinte interessados exclu sivamente nas riquezas materiais Desse modo deramlhe o sentido de bemestar material Entretanto cor rigindo essa distorsão e afirmando que a sociedade e o Estado devem procurar o benefício da pessoa hu mana integral em suas dimensões material e espiritual o papa João XXIII em suas encíclicas sociais assim conceituou o bem comum conjunto das condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da pessoa humana Está implícito que a soci edade deve ser organizada e deve existir em benefício de todas as pessoas humanas e não de pessoas ou grupos privilegiados Fica evidente portanto que as regras de comportamento social que também podem ser denomina das regras de convivência são ne cessárias e benéficas para a huma nidade mesmo que signifiquem restrições ao comportamento das pessoas Mas é preciso que essas regras sejam justas não sendo usa das para garantir privilégios nem para impor tratamento indigno a uma parte da humanidade Socieda de organizada com justiça é aquela em que se procura fazer com que todas as pessoas sem discrimina ções de qualquer espécie possam satjsfazer suas necessidades essen ciais é aquela em que todos desde o momento em que nascem têm as mesmas oportunidades aquela em que os benefícios e encargos são repartidos igualmente entre todos Para que essa repartição se faça com justiça é preciso que to dos procurem conhecer seus direi tos e exijam que eles sejam respei tados como também devem conhe cer e cumprir seus deveres e suas responsabilidades sociais A ORDEM DEMOCRÁTICA Como já foi demonstrado to dos os seres humanos necessitam da convivência e esta por sua vez traz a necessidade de regras de organi zação e comportamento para que haja harmonia e solidariedade em benefício de todos Não basta po rém a simples existência de regras as quais teoricamente poderiam ser fixadas por uma pessoa ou um grupo social e impostas à obediên cia de todos É necessário que tais regras sejam justas levando em conta as características e os direi tos fundamentais de todos os seres humanos Ao conjunto sistemático e harmonioso de regras dáse o nome 79 i DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA de ordem sendo indispensável ter em conta em primeiro lugar que a ordem humana é uma organização de seres dotados de inteligência e de vontade Além disso tratase de uma ordem dinâmica em constante mutação não se confundindo com o simples conjunto de regras escritas que se pretende que sejam constan tes As leis de um Estado expressam uma parte dessa ordem mas não de vem ser confundidas com a própria ordem pois esta inclui também os valores sociais que influem sobre os comportamentos assim como os costumes tradicionais e a jurispru dência Ordem social e ordem jurí dica são conceitos muito mais am plos do que ordem legal Desde a Antiguidade especi almente na Grécia vem sendo pro curada a ordem mais conveniente para a convivência humana Aristó teles observou que a sociedade pode ser governada por um só indi víduo por um grupo de indivíduos ou por muitos considerando esta última forma que está mais próxi ma da moderna concepção de de mocracia a mais justa e mais con veniente Nos séculos dezessete e de zoito quando grande parte da Eu ropa tinha governos absolutistas que não eram limitados por regras e por isso cometiam muitas vio lências contra a pessoa humana foi retomada a ideia de democracia Dos estudos e das discussões desse período podese concluir que a or dem democrática se fundamenta essencialmente em três pontos o respeito à liberdade reconhecida como direito fundamental da pes soa humana o reconhecimento da igualdade como outro direito huma no fundamental condicionante da organização social a supremacia da vontade do povo que deve ter a possibilidade de decidir diretamen te ou por meio de representantes eleitos sobre todos os assuntos im portantes de seu interesse Na consideração da liberdade individual deve estar presente a res ponsabilidade social que deriva da natureza associativa dos seres hu manos A igualdade democrática deve levar em conta a igualdade quanto aos direitos fundamentais mas também a efetiva igualdade de oportunidades que é bem mais do que a igualdade apenas formal ou a igualdade perante a lei E a escolha de representantes deve ser verda deiramente livre para ser democrá tica além de não excluir a possibi lidade de controle do desempenho dos representantes pelo povo bem como a permanente influência do povo sobre o comportamento dos eleitos Atendidos esses requisitos a ordem democrática será ao mes mo tempo uma ordem justa ade quada para a proteção e promoção dos direitos humanos fundamentais e da dignidade de todos os seres humanos DIREITO À VIDA A vida é necessária para que uma pessoa exista Todos os bens de uma pessoa o dinheiro e as coi sas que ela acumulou seu prestígio político seu poder militar o cargo que ela ocupa sua importância na sociedade até mesmo seus direitos tudo isso deixa de ser importante quando acaba a vida Tudo o que uma pessoa tem perde o valor dei xa de ter sentido quando ela perde a vida Por isso podese dizer que a vida é o bem principal de qualquer pessoa é o primeiro valor moral de todos os seres humanos Nãojião os homens que criam a vida No máximo os homens são capazes de perceber que em deter minadas condições quando se jun tam certos elementos avida come Ça a existir Os cientistas podem até juntar num vidrinho numa proveta os elementos que geram a vida mas não conseguem criar Cesses elemen to s Na verdade nenhum homem conseguiu inventar ou criar a vida dominar o começo da vida E como não é capaz de criar a Vlda de um ser humano nenhum homem deve ter o direito de matar outro ser humano de fazer acabar a vida de outro homem A vida não é dada pelos homens pela sociedade ou pelo governo e quem não é ca paz de dar a vida não deve ter o di reito de tirála E preciso lembrar que a vida é um bem de todas as pessoas de todas as idades e de todas as partes do mundo Nenhuma vida humana é diferente de outra nenhuma vale mais nem vale menos do que outra E nenhum bem humano é superior à vida Por esses motivos não é jus to matar uma pessoa ou muitas pes soas para que alguns homens fi quem mais ricos ou mais podero sos para satisfazer as ambições ou a intolerância de alguns nem para que uma parte da humanidade viva com mais conforto ou imponha ao resto do mundo seu sistema de vida Quando uma pessoa mata ou tra por ódio por vingança ou para obter algum proveito está come tendo um ato imoral está ofenden do o bem maior a vida a que ne nhum outro se iguala 20 21 DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA ambição sem limites de alguns ho mens que provocam a morte de ou tros com o objetivo de ganhar di nheiro A poluição provocada por muitas indústrias e pelo uso de ve nenos e substâncias tóxicas na agricultura é bem um exemplo de agressão à vida Assim também a situação de pobreza em que são obrigadas a vi ver milhões de pessoas é um aten tado contra a vida A morte não ocorre de um momento para outro mas essas pessoas estão morrendo rapidamente um pouco por dia por falta de alimentos de assistência médica e de condições mínimas para a conservação da vida O mesmo acontece com os trabalhadores que são obrigados a trabalhar em condições perigosas ou muitos prejudiciais à saúde Sua vida não está sendo respeitada pois mediante o pagamento de um salário o empregador fica com o direito de exigir que eles arris quem a vida constantemente ou vi vam num ambiente de trabalho que apressará sua morte O respeito à vida de uma pes soa não significa apenas não matar essa pessoa com violência mas também dar a ela a garantia de que todas as suas necessidades funda mentais serão atendidas Toda pes soa tem necessidades materiais as necessidades do corpo que se não forem plenamente atendidas leva rão à morte ou a uma vida incom pleta que não se realiza totalmente e que já é um começo de morte As sim também as pessoas têm neces sidades espirituais como a necessi dade de amor de beleza de liber dade de gozar do respeito dos se melhantes de ter suas crenças de sonhar de ter esperança Todos os seres humanos têm o direito de exigir que respeitem sua vida E só existe respeito quan do a vida além de ser mantida pode ser vivida com dignidade DIREITO DE SER PESSOA Para que um ser humano te nha direitos e para que possajíxer exesses direitos é indispensável que seja reconhecido e tratado corno pessoa Isso deve acontecer com todos os seres humanos Reconhecer e tratar alguém como pessoa é respeitar sua vida mas exige que também seja respei tada a dignidade própria de todos os seres humanos Nenhuma pessoa deve ser escrava de outra nenhum homem deve ser humilhado ou agredido por outro ninguém deve ser obrigado a viver em situação de que se envergonhe perante os de mais ou que os outros considerem indigna ou imoral Antes de tudo como exigência para viver com dignidade a toda pessoa humana deve ser garantido o direito de ter um nome e de ser co nhecida e respeitada por esse nome U nome identifica a pessoa e faz par e de sua personalidade Porsses IHgtívoso direito ao nome está con tld nodjratpdeserrjessoa Todo ser humano tem o direi 0 de não ser agredido ou ferido por outro Esse é o direito à integridade física Em qualquer situação mes mo que esteja preso por ter cometi do um crime o ser humano deve ter respeitada a integridade de seu cor po Assim como não deve ser tole rado que uma pessoa agrida outra por qualquer motivo quando as duas estão livres e podem defender se com mais razão não se pode ad mitir que um policial pratique vio lência física contra um preso que não tem como se defender As violências praticadas pela Polícia que são muito comuns no Brasil e que ocorrem também em países ditos mais desenvolvidos como por exemplo Estados Uni dos além de serem imorais e ilegais são contraditórias pois as Polícias existem para proteger as pessoas e fazer respeitar o direito Assim o policial arbitrário e violento que agride as pessoas e que muitas ve zes usa de sua arma para ferir ou matar uma pessoa sob pretexto de manter a ordem sem que exista real necessidade de uso extremado da força está agindo ilegalmente e de 24 25 DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA modo contraditório O policial deve ser treinado para compreender que mesmo aquele indivíduo que age contra a lei continua a ser pessoa e por isso deve ser contido e se for o caso deve sofrer uma punição mas do modo previsto em lei e sem agredir a dignidade humana O caso do preso exige cuida dos especiais pois a pessoa presa está indefesa e se acha sob os cui dados de uma autoridade pública que tem o dever de zelar por sua in tegridade É comum o desrespeito ao preso sob alegação de se tratar de um criminoso ou pelo menos de alguém acusado de cometer um cri me A tortura de presos os presídi os sujos e superlotados a péssima alimentação a falta de cuidados de saúde o desrespeito absoluto à in timidade do preso tudo isso que é muito comum na prática além de ser ilegal porque nenhuma lei au toriza representa agressão à pessoa humana e à sua dignidade Quando se fala em respeito à integridade física de uma pessoa a primeira ideia que se tem é de que não deve ser tolerada a violência direta e intencional Mas é preciso ter em conta que há muitas situa ções em que uma pessoa pode cau sar prejuízo físico a outra sem que a agressão cause a revolta de ou tras pessoas e mesmo sem que muitos percebam que está havendo uma violência Aqui também é preciso lem brar as condições de vida e de tra balho Muitas vezes uma pessoa é obrigada a viver ou trabalhar em condições que acarretam grande prejuízo físico ou porque a falta de alimentos ou de cuidados de higie ne e saúde causam doenças e o en fraquecimento físico ou porque a falta de segurança sujeita a pessoa a sofrer acidentes e a perder sua ca pacidade física Em todas essas si tuações não está sendo respeitado o direito à integridade física das pessoas Igualmente grave é o sofri mento psíquico ou moral imposto a uma pessoa Nesses casos geral mente poucos percebem que está havendo uma violência e que não se está respeitando a dignidade huma na mas os efeitos da agressão po dem ser até mais graves do que aqueles provocados por uma vio lência física Essa possibilidade de agressão à pessoa deve ser objeto de especial atenção quando se trata de uma cri ança Na realidade a criança já é uma pessoa humana e por isso me recedora de todos os cuidados e todo o respeito que se deve a qualquer pessoa Acrescentese porém que a criança é uma pessoa especial mais frágil e menos capaz de autoprote gerse tanto por sua fraqueza física quanto por seu ainda insuficiente desenvolvimento psíquico e por não ter pleno conhecimento dos costu mes dos adultos Por tais motivos tanto nas normas internacionais quanto na Constituição brasileira são fixadas regras especiais de pro teção à criança que por suas carac terísticas inclusive por sua especial sensibilidade é uma pessoa que sen te com maior intensidade os efeitos de uma agressão 26 Considerese por exemplo a situação de uma criança que é re preendida ou castigada com muito rigor ou injustamente ou que é ri dicularizada perante outras crianças ou na frente de adultos Mais do que o sofrimento físico ou inde pendentemente dele essa criança sentirá um grande sofrimento espi ritual que poderá durar muito tem po e até pela vida inteira Esse mesmo sofrimento psi cológico e moral será imposto ao empregado que for tratado de modo grosseiro e desrespeitoso por seu empregador ou por seus superiores O relacionamento respeitoso deve rá ser observado entre professores e alunos bem como entre qualquer pessoa que presta um serviço e os que recebem o serviço pois a víti ma do desrespeito estará sofrendo uma agressão moral e psicológica As agressões dessa espécie são mais comuns nas situações em que alguém ou tem uma posição de autoridade pública ou pode exigir a obediência de outros O abuso da autoridade a atitude arrogante de quem manda a imposição de humi lhação aos subordinados tudo isso caracteriza agressão psicológica ou moral e portanto desrespeito ao direito de ser pessoa Esse mesmo desrespeito está presente em todas as situações so ciais em que alguém é obrigado a hcar em posição humilhante ou de iferioridade moral perante outras Assoas Isso acontece por exem quando uma pessoa é forçada a ver ern tal estado de pobreza que recisa mendigar para obter ali DIREITO DE SER PESSOA mentos e outros bens essenciais para a sobrevivência ou a vida em sociedade A mesma coisa se verifica quando pessoas e famílias são obri gadas por sua pobreza a morar em favelas ou cortiços a se vestir com roupas esfarrapadas e a revelar em cada situação que são muito mais pobres do que as outras As pessoas que sofrem essa forma de agressão podem não demonstrar revolta mas seu sofrimento psicológico e moral existe Elas sabem que são tratadas como inferiores e sofrem com isso Outras formas de ofensa ao direito de ser pessoa são os precon ceitos e as discriminações sociais Essa ofensa ocorre quando alguém é tratado como inferior ou não é ad mitido em algum lugar por causa de sua raça sua cor suas crenças suas ideias ou sua condição social No Brasil atualmente está generalizada e se agrava cada vez mais uma forma de ofensa ao direi to de ser pessoa que é praticada em muitos lugares todos os dias como se fosse um procedimento normal Essa ofensa está no fato de que todas as pessoas são frequen temente tratadas como suspeitas como desonestas como prováveis criminosas sem que haja qualquer motivo concreto para esse trata mento A Constituição brasileira estabelece expressamente que to dos devem ser considerados ino centes enquanto não sofrerem uma condenação judicial definitiva pela prática de um crime Esse princí pio é chamado de presunção de inocência e deveria ser aplicado 27 DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA mesmo às pessoas que tenham sido formalmente acusadas e estejam sendo processadas sob suspeita de terem praticado um crime O que se tem na prática en tretanto é exatamente o contrário Pelo grande acúmulo de pessoas nas maiores cidades bem como pelo aumento da criminalidade de modo geral em decorrência dos profundos desníveis económicos e sociais e de outros fatores de discri minação e marginalização passou se a desconfiar de todos Em lugar de se adotarem providências pre ventivas para evitar e prevenir a possível ação de pessoas desones tas passouse à prática de se consi derarem potencialmente desonestas todas as pessoas Assim todos pas saram a ser tratados como deso nestos até prova em contrário Essa prática estabelece uma situa ção de generalizada desconfiança e consequentemente de insegurança além de configurar grave desrespei to à pessoa Para combatêla e fazê la regredir é necessário que a popu lação tome consciência de que isso é degradante para todos e comece a recusar a se submeter ao tratamen to humilhante que frequentemente lhe é imposto Não existe respeito à pessoa humana e ao direito de ser pessoa se não for respeitada em todos os momentos em todos os lugares e em todas as situações a integrida de física psíquica e moral da pes soa E não há qualquer justificativa para que umas pessoas sejam mais respeitadas do que outras DIREITO À LIBERDADE REAL A Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que todas as pessoas nascem livres A mesma coisa foi dita por muitos filósofos e estudiosos da natureza e do com portamento dos seres humanos Essa é uma afirmação muito impor tante pois quer dizer que a liberda de faz parte da natureza humana Por esse motivo o direito à liberda de não pode ser tirado dos seres hu manos porque sem liberdade a pes soa humana não está completa Para que se diga que uma pessoa tem o direito de ser livre é indispensável que essa pessoa pos sa tomar suas próprias decisões so bre o que pensar e fazer e que seus sentimentos sejam respeitados pe ias outras O direito de ser livre deve existir portanto no plano dacons ciência Ninguém é livrese njo pode fazer sua própria escolha cm Bateria de religião de política ou sobre aquilo em que vai ou não acreditar ou se é forçado a escon er seus sentimentos ou a gostardo 9ue os outros gostam contra sua vontade Assim sendo a liberdade de pensamento de opinião e de sen timento faz parte do direito à liber dade que deve ser assegurado a to dos osseres humanos Mas o direito de ser livre não deve ser limitado apenas ao pensa mento e ao sentimento das pessoas É preciso que também em assuntos de ordem prática naquilo que as pessoas fazem em sua vida diária esse direito seja respeitado Para que uma pessoa tenha o direito de ser livre é necessário que possa es colher o seu modo de vida e plane jar o seu futuro É indispensável também que possa escolher uma profissão de acordo com seu gosto e sua capacidade que possa consti tuir uma família e viver com ela que possa enfim tomar suas pró prias decisões sobre todos os assun tos de seu interesse Muitas vezes tem acontecido que um indivíduo ou um governo procure tirar a liberdade de muitas pessoas ou controlar a vida e o com portamento dessas pessoas alegando que elas não estão preparadas para 28 29 C O L E Ç Ã O Direitos humanas e cidadania Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade Artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos Atualmente a questão dos direitos humanos vem sendo largamente discutida não só no Brasil como também em vários outros lugares do planeta Na sociedade brasileira ocupa espaço tanto na televisão no rádio e na imprensa como em congressos comunidades de base associações de bairro e salas de aula Direitos humanos e cidadania do eminente jurista brasileiro Dalmo de Abreu Dallari numa homenagem aos cinquenta anos de existência da Declaração Universal dos Direitos Humanos tem o objetivo de contribuir para a ampliação e o aprofundamento desse debate Tratase de obra de iniciação dirigida ao público nãoespecializado que ajudará o leitor a tomar consciência da importância da luta pela preservação dos direitos humanos ISBN 8516021807 EDITORA MODERNA