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ÉTICA Resultado de Aprendizagem Justificar posicionamentos éticos em relação a situações práticas da sua vivência cidadã e profissional Jelson Roberto de Oliveira AUTOR Lattes Jelson Oliveira professor do Programa de PósGraduação em Filosofia da PUCPR possui mestrado em História da Filosofia Moderna e Contemporânea e doutorado em Filosofia Realizou estágio pósdoutoral na Universidade de Exeter No vídeo a seguir Jelson Oliveira apresenta os principais modelos éticos além de demonstrar a importância de compreender e aplicar esses conceitos no dia a dia Ética Introdução Ética Desafios éticos as crises contemporâneas e a convergência tecnológica Muitos pensadores têm classificado nosso tempo como tempo de crises Motivos para isso não faltam vivemos a maior crise sanitária dos últimos tempos com a pandemia do novo Coronavírus Assim estamos diante de uma emergência climática sem precedentes uma vez que a tecnologia promete alterar significativamente o nosso modo de vida a curto e médio prazo Essas são crises significativas que trazem questões importantes para o campo da ética reconhecida como uma reflexão sobre as nossas ações no mundo Podemos afirmar todavia que a crise contemporânea tem um sentido muito mais profundo porque suas raízes estão na nossa forma de existência tratase por isso de uma crise ética no sentido de que o nosso tempo vive a crise dos fundamentos dos valores e das virtudes que orientaram a vida social até agora É como se vivêssemos um tempo em que perdemos o sentido e a orientação da nossa vida não sabemos muito bem o que é certo e o que é errado não conseguimos definir com clareza o bem e o mal a ambiguidade das nossas ações aumenta e o seu poder de impacto multiplica o perigo de suas consequências Conforme expressou o filósofo alemão Hans Jonas agora trememos na nudez de um niilismo no qual o maior dos poderes se une ao maior dos vazios a maior das capacidades ao menor dos saberes sobre para que utilizar tal capacidade JONAS 2006 p 65 Ou seja temos muito poder mas não temos orientação sobre como usálo é assim que a crise ética se articula com o problema da tecnologia Vejamos a seguir como isso se efetiva 4 Um tempo de crises A situação em pauta faz com que o nosso tempo seja descrito com palavras pouco honrosas era dos extremos Eric Hobsbawm era do vazio sociedade da decepção Gilles Lipovetsky era do efêmero sociedade individualizada sociedade do cansaço ByungChul Han tempos líquidos Zygmunt Bauman tempo de perplexidades e de depressão Frei Betto Essas expressões refletem algumas características centrais da nossa vida ética nenhuma lei definitiva antinomismo ausência de regras definitivas aceitas pela maioria amoralismo ou mesmo imoralismo reivindicação de liberdade absoluta libertinismo promoção de certa apatia diante dos problemas comuns desinteresse pelo espaço público prisão ao presente imediatismo hostilidade ou indiferença em relação à natureza crença cega nos poderes da tecnologia consumismo etc Essa crise teria começado precisamente no final do século XIX quando vários pensadores tematizaram aquilo que ficou conhecido na filosofia com o nome de niilismo Em latim nihil significa nada e expressa um vazio um esvaziamento uma perda completa do sentido das coisas O niilismo embora tenha começado na literatura principalmente nas obras dos russos Dostoievsky e Ivan Tourgueniev chegou até a filosofia por meio do filósofo alemão Friedrich Nietzsche cujas obras podem ser consideradas uma espécie de diagnóstico da crise que se abatia sobre a cultura 5 Nesse contexto as cláusulas pétreas da civilização ocidental estavam em colapso porque a humanidade teria perdido três de seus valores centrais a ideia de finalidade de verdade e de unidade Tudo o que nós compreendemos como civilização ocidental estaria embasado nessas três ideias a finalidade é aquilo que dá sentido à nossa vida que impõe uma meta às nossas ações e orienta o que pode e o que não pode ser feito a verdade é o que se torna inspiração é o que confirma que estamos no caminho certo é o que fundamenta as nossas crenças a unidade tem a ver com a capacidade que temos de compreender o mundo ao nosso redor de reunir aquilo que é múltiplo e complexo em algo unitário de tornar compreensível a realidade Todas essas ideias estão no fundamento da nossa crise perdemos o sentido da vida reduzido a obrigações burocráticas e a desejos consumistas e individualistas perdemos a inspiração e a crença na verdade com letra maiúscula e passamos a acreditar em pequenas mentiras que nos levaram ao mundo das Fake News e da chamada pósverdade de forma a nos induzir a substituir o senso crítico pelo conforto e bemestar das notícias simples que nos chegam dos nossos amigos e membros das nossas bolhas de opinião Aqui inclusive primamos pelo acordo afetivo e não pelo debate de ideias que sempre inclui a discordância já não somos mais capazes de compreender a complexidade do mundo e por isso acabamos por optar muitas vezes pela ignorância fechando os olhos para a nossa tendência ao conhecimento Nietzsche traduziu a situação por meio de uma metáfora que ficou amplamente famosa e polêmica no fragmento 125 de seu livro A Gaia Ciência de 1882 ele afirmou que Deus morreu Deus nesse caso significa o fundamento último a autoridade maior que servia de orientação para as nossas ações no mundo Não se trata simplesmente do Deus religioso por isso Trata se da autoridade das autoridades do fundamento último dos nossos ideais de mundo das nossas expectativas das nossas esperanças e de nossas utopias Afirmar que Deus morreu é expor que todos os fundamentos se perderam ou se esvaziaram É como se o homem estivesse sozinho no mundo e agora tivesse de reconstruir a partir de si mesmo e somente a partir de si mesmo um caminho capaz de conduzilo para a vida boa ou seja à felicidade A crise das autoridades parentais 6 Para Nietzsche nem a filosofia racional herdada de Platão e Aristóteles tampouco o cristianismo e a modernidade foram capazes de oferecer esse caminho Por esse motivo temse a crise como parte da descrença em relação às suas promessas Para ele sozinho no mundo caberia ao ser humano construir alternativas a partir de si mesmo com base sempre na ideia de que a vida precisa ser afirmada independentemente do que ela seja A crise dos três fundamentos que nós denominamos cláusulas pétreas da cultura ocidental acabou por isso levando à crise das autoridades parentais ou seja daquelas autoridades cujo respeito atravessou a nossa história e traduziu os nossos ideais de mundo Podemos afirmar de forma resumida que são cinco as instituições que nos ajudavam a decidir o caminho do bem que transmitiam os valores de uma geração para outra que orientavam as nossas ações no mundo a família a escola o emprego as igrejas e o estado Nessas instituições a humanidade explicitou os desafios da vida ética ao longo dos tempos Cada uma delas guarda uma autoridade parental no caso da família o pai da escola o professor do emprego o patrão das igrejas o papa o padre ou pastor e do estado o político o presidente o parlamentar Curiosamente todas essas autoridades começam com a letra P Por essa razão podemos compreender que estamos diante do problema do P Agora vivemos no tempo em que essas autoridades precisam se reinventar Tratase de uma espécie de encruzilhada o que fomos até agora já não serve mais e não sabemos qual é o caminho que devemos tomar Paira um grande nevoeiro sobre a nossa estrada e não conseguimos enxergar muito bem o que deve ser feito o que é o melhor a fazer Esse é o nosso dilema essa é a nossa missão ao pensar sobre a nossa crise precisamos redescobrir maneiras de refundar essas autoridades darlhes um novo sentido Ninguém quer mais um pai que senta na ponta da mesa e dite todas as regras ou um político autoritário ou um modelo de professor que quebre uma régua nas nossas mãos No seu lugar queremos lideranças comprometidas que nos ajudem a crescer no diálogo na democracia na construção conjunta de alternativas para a nossa vida Eis a tarefa que nos cabe agora precisamente a nós que estamos atravessando essa crise 7 Podemos afirmar que a crise do niilismo alcançou o seu auge nos eventos em torno da Segunda Guerra Mundial Com esse acontecimento a crise dos fundamentos atingiu o seu auge na negação da própria essência ou natureza do ser humano Nenhum momento foi tão expressivo quanto a Segunda Guerra Mundial nesse sentido De um lado esvaziamos a dignidade humana criando os campos de concentração o nazismo e todas os experimentos com seres humanos realizados aí Quando alguém é simplesmente condenado à morte em uma câmara de gás porque simplesmente nasceu sendo quem é sem nenhuma culpa moral que não aquela inserida na sua própria essência enquanto ser humano então nesse caso o que se nega e o que se repreende e condena constituem mais do que o ato de uma pessoa mas é o fato mesmo de que ela exista Foi exatamente o que fizeram com os judeus os ciganos os homossexuais e outros indesejados sociais Além disso a Segunda Guerra Mundial explicitou como a racionalidade humana poderia ser maléfica para a vida em geral Com a invenção da bomba atômica a humanidade experimentou o gosto amargo dessa racionalidade usada agora para o empoderamento tecnológico tal racionalidade se expressou pela via da destruição e da morte não apenas dos seres humanos mas dos seres vivos em geral Com a bomba atômica os seres humanos descobriram o grande poder em suas mãos um poder que precisa como nunca de um controle capaz de orientar o seu uso responsável Do contrário não haveria justificativa para não usálo Em outras palavras nesse caso se podemos destruir povos inteiros ou mesmo a espécie humana como um todo por que não devemos fazer Essa é a pergunta que a ética agora precisa enfrentar cabe a ela justificar e fundamentar as ações humanas em um novo patamar aquele que nasce do uso das tecnologias Os campos de concentração e o evento da bomba atômica são os dois maiores eventos técnicos do século XX e concomitantemente podemos afirmar que são os dois maiores crimes éticos desse mesmo século Nas palavras de Octavio Paz esse foi um tempo de contradição o século da saúde da higiene dos contraceptivos das drogas milagrosas e dos alimentos sintéticos é também o século dos campos de concentração do Estado policialesco da exterminação atômica e da morder story PAZ 2004 p 62 Os desafios éticos da tecnologia o sentido ético dos campos de concentração e da bomba atômica 8 Depois da Segunda Guerra Mundial foi precisamente a tecnologia que cresceu exponencialmente Chegamos ao século XXI com poderes inéditos em todos os âmbitos da existência do micro até o macrocosmos Inventamos procedimentos objetos e processos impressionantes que nos dão condições de alterar geneticamente a vida de melhorar pretensamente o ser humano incluindo nele novas capacidades habilidades e aumentando a sua performance de retardar o envelhecimento e até mesmo curar o ser humano da morte de fazer upload de nossas mentes em uma máquina ou em um corpo sintético de inventar novos seres em laboratório de conectar células vivas a máquinas de viajar pelo universo descobrindo novas galáxias e horizontes nunca antes imaginados Atualmente discutimos acerca da manipulação genética de controle do comportamento de clonagem de hipercognição de transplante de cabeça de criogenia de cirurgias estéticas Nossas máquinas estão cada vez mais poderosas e diante disso talvez devemos nos perguntar se um dia elas não tomaram de fato como alguns sugerem o controle A tecnologia como nova utopia 9 Obviamente a sociedade industrial que se iniciou no século XVII com o uso das máquinas também chegou ao nosso tempo provocando o desgaste da natureza e o esgotamento dos recursos naturais As máquinas precisam de energia para se movimentar e após usála devolvem à atmosfera resíduos na forma de gases poluentes principalmente advindos da queima do petróleo do gás natural e do carvão Ao esgotar os recursos naturais e gerar poluição a sociedade industrial acabou por trazer o grande desafio das mudanças climáticas para o centro da pauta ética Precisamos agora preocuparnos com nossas ações não apenas no âmbito intrahumano e do presente mas no âmbito extrahumano e no âmbito do futuro O que fazemos agora precisa estar em conexão de responsabilidade com os demais seres vivos e com as gerações que ainda virão sobre as quais temos uma ligação embora não direta pelo menos de responsabilidade O filósofo alemão Hans Jonas explicitou essa questão por meio de um novo imperativo ético Aja de modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a terra JONAS 2006 p 47 Para ele o princípio orientador das nossas ações diante desses novos poderes deveria ser a responsabilidade no seu uso não significa que a tecnologia deveria ser cancelada mas que deveríamos usála de forma parcimoniosa e cuidadosa a fim de evitar ao máximo suas consequências danosas que poderiam colocar em risco o meio ambiente a vida no futuro Não se trata de ter uma atitude tecnofóbica portanto Tratase de que todos os agentes da tecnologia estejam dispostos ao compromisso responsável com a vida Todos nós sabemos que esses novos poderes estão já presentes no nosso dia a dia seja na forma dos nossos eletrodomésticos da internet das coisas das redes de comunicação da medicina dos estudos sobre a ação e o poder do nosso cérebro Esse movimento tem sido denominado convergência tecnológica e tem atuado decisivamente no objetivo de promover mudanças na performance do ser humano agora trabalham de forma convergente a biotecnologia a nanotecnologia a infotecnologia e as ciências cognitivas Essas quatro áreas da tecnologia juntas deram ao ser humano um poder imenso que passou a substituir as antigas utopias religiosas ou políticas A convergência tecnológica e o desafio de uma convergência ética 10 Ética Debate 01 O avanço dos poderes tecnológicos Atualmente se pensarmos no melhoramento do mundo tais promessas estão nas mãos da tecnologia O modo como nascemos como vivemos e como morremos depende dela O futuro está sendo desenhado a partir delas É por isso que precisamos estar atentos para o seu uso interesses financeiros ou ideológicos nunca poderão estar à frente da ética e do bem comum A intenção dessa articulação das tecnologias é reformar o homem gerenciar sua condição definir seu futuro suas esperanças a legitimidade de suas ações e a medida de seus poderes Tal processo tem sido conhecido como transumanismo um movimento que reúne filósofos e cientistas que acreditam que o ser humano deve usar a tecnologia para aprimorar suas capacidades Esses chamados bioliberais porque defendem a liberdade plena na manipulação da vida são contrapostos aos bioconservadores em geral eticistas que chamam a atenção para os riscos desses procedimentos e para a responsabilidade diante desses processos No vídeo a seguir conversamos com uma especialista da área de biotecnologia para avaliarmos os desafios éticos trazidos por essa realidade Embora essas ideias não sejam novas na cultura tal movimento tem sua origem em 2002 quando é publicado nos Estados Unidos o relatório Converging Technologies for Improving Human Performance Nanotechnology Biotechnology Information Technology and Cognitive Science CTNBIC seguido pela publicação de um segundo relatório em 2004 por parte da União Europeia intitulado Converging Technologies shaping the future of European Societies que se opunha à euforia que marcava o documento norteamericano em torno das chamadas ambições transhumanistas e anunciava que tal tarefa não deveria ser assumida como prioritária e que as tecnologias deveriam ser mantidas em seu uso exclusivamente terapêutico 11 Em 2009 um novo relatório é publicado pelo Parlamento Europeu sob o título Human Enhancement no qual são diluídas as diferenças entre terapia e melhoramento e que reconhece o transumanismo como um ator central no debate em todos os níveis filosóficoreligioso ético político Esse relatório de 2009 define o Human Enhancement nas seguintes palavras Vemos assim que estamos diante de um enorme desafio para o campo da ética Até onde podemos ir no uso desses poderes Qual é o limite dessas mudanças Podemos alterar definitivamente o ser humano O que restará da humanidade se por acaso essas mudanças forem implementadas Temos o direito de uma aposta tão séria Até onde vai a nossa responsabilidade Essas são questões centrais de nossa época que precisamos estar prontosas para responder Afinal a tecnologia precisa estar a nosso favor e não o contrário O termo guardachuva aprimoramento humano se refere a uma ampla gama de tecnologias visionárias existentes e emergentes incluindo produtos farmacêuticos neuroimplantes que fornecem uma substituição para a visão ou outros sentidos artificiais drogas que aumentam o poder do cérebro engenharia de linha germinal humana e tecnologias reprodutivas existentes suplementos nutricionais novas tecnologias de estimulação do cérebro para aliviar o sofrimento e controle do humor doping genético no esporte cirurgia estética hormônios de crescimento para crianças de baixa estatura medicamentos de antienvelhecimento e aplicações protéticas altamente sofisticadas que podem fornecer a entrada de estímulos sensoriais especializados ou a saída mecânica Todas essas tecnologias assinalam a tese da diluição das fronteiras entre terapia reparadora e intervenções que visam trazer melhorias que se estendem para além de tal terapia Como a maioria delas derivam do domínio médico eles podem aumentar as tendências sociais da medicalização quando usadas cada vez mais para tratar condições não patológicas COENEN et al 2009 p 6 tradução nossa 12 NIILISMO E TECNOLOGIA ARTIGO Leia com atenção o texto sobre Niilismo e tecnologia destacando os pontos que articulam a crise ética com o avanço da tecnologia Tente fazer uma lista dos principais desafios éticos que você consegue compreender a partir do texto Disponível em httprevistasunisinosbrindexphpfilosofiaarticleviewfsu202021107 Fonte OLIVEIRA J R de Nihilism and technology Filosofia Unisinos v 21 n 1 p 7278 2020 UM ADÃO BIOTECNOLÓGICO SOBRE A SECULARIZAÇÃO DOS ANTIGOS IDEAIS RELIGIOSOS PELO TRANSHUMANISMO ARTIGO Leia o texto com especial atenção sobre o processo de substituição dos ideais religiosos pelos ideais tecnológicos Pense sobre quais seriam os efeitos dessas questões na sua vida cotidiana caso essas previsões viessem a se efetivar Disponível em httpswwwredalycorgpdf4497449755240015pdf Fonte OLIVEIRA J R de Um Adão biotecnológico sobre a secularização dos antigos ideais religiosos pelo transhumanismo Revista Pistis Praxis Teologia e Pastoral v 9 n 3 p 861886 2017 Fique de Olho 13 Ética Debate 02 A diferença entre ética e moral Ética moral e lei Precisamos fazer uma distinção entre os conceitos de ética moral e lei para bem compreender o que cada um deles significa Para começar essa reflexão vamos ouvir a opinião de um Head de Desenvolvimento Humano para ver como esses conceitos são vividos na sua realidade de trabalho Comecemos pela distinção entre ética e moral Por mais que no dia a dia utilizamos tais expressões como sinônimos do ponto de vista didático é necessário diferenciar o que é ética daquilo que compreendemos por moral Obviamente essa diferença tem por objetivo demonstrar o potencial questionador que é necessário que cada um de nós tenha como cidadão e cidadã diante dos padrões morais estabelecidos pela sociedade muitos dos quais já estavam estabelecidos antes de que chegássemos aqui e devem continuar sem nós Com essa afirmação já podemos começar a pensar essa diferença se a ética tem um papel crítico de questionamento e de análise a moral geralmente busca a padronização e a normatização dos comportamentos principalmente por meio da definição de valores e virtudes estabelecidas em função dos interesses de determinada comunidade em determinado tempo histórico A moral depende desses interesses e é produto dos esforços dos indivíduos para satisfazer as suas necessidades em um tempo e lugar específicos e com isso alcançar o bemestar social Isso ocorre porque nenhuma sociedade pode viver sem normas ou seja onde tem seres humanos reunidos é preciso que tal reunião seja orientada por determinadas regras que sempre demandam dos indivíduos determinados sacrifícios pessoais em benefício da segurança e da felicidade no âmbito do coletivo 14 Um dos autores a problematizar essa questão foi Sigmund Freud segundo ele sempre trocamos um pouco de nossa felicidade individual por mais segurança e tranquilidade na vida social Essa troca embora possa trazer insatisfação é necessária para que não apenas realizemos as nossas vontades e desejos mais íntimos mas para que possamos nos realizar como seres sociais Nenhuma coletividade pode se fundar afinal unicamente sobre os anseios impulsos e instintos individuais e egoístas Como todos os indivíduos os seres humanos podem ser considerados animais políticos no sentido em que são gregários e dependem uns dos outros então eles também precisam se comportar segundo determinadas normas É esse conjunto de normas que denominamos moral A moral corresponde aos padrões às regras e às normas que orientam o comportamento dos indivíduos em sociedade A ética por sua vez é uma reflexão sobre esses valores uma análise detalhada de como eles são criados dos interesses que os fundam dos conceitos que representam dos seus benefícios e malefícios das mudanças históricas e geográficas que eles provocam Todas as vezes que fazemos uma análise desse tipo estamos fazendo ética Todas as vezes que simplesmente obedecemos às normas sociais estamos praticando a moral 15 A ética é uma disciplina de filosofia ao lado de outras como estética filosofia política epistemologia ontologia etc Aliás se a estética poderia ser também denominada uma filosofia da arte ou uma filosofia do belo a ética também poderia ser chamada de uma filosofia da moral esse é o outro nome da ética porque como ciência do agir ela coloca em questão a ação humana ela é uma ciência ou seja um conhecimento uma reflexão sobre o agir a ação as atitudes e os comportamentos Foi por isso que Aristóteles considerou a ética ao lado da política como as duas ciências práticas que seriam distintas das ciências produtivas aquelas que produzem coisas e das ciências teóricas que são meramente contemplativas Nesse caso a ética é prática precisamente porque está ligada à ação do ser humano no mundo No dia a dia encontramos pendurados nas paredes de nossas empresas ou escritos nos panfletos que são distribuídos aos clientes os chamados códigos de ética Repare entretanto que esses códigos na verdade pretendem orientar ou muitas vezes padronizar o comportamento dos colaboradores de tal empresa ou organização e sendo assim tal código de ética seria mais corretamente um código de moral Mesmo sabendo dessa diferença não quebraremos os quadros ou rasgar os documentos mas compreender o seu sentido mais profundo e ao fazer isso praticar o que chamamos de ética Filosofia da moral o outro nome da ética 16 Obviamente essa distinção se torna importante para compreender porque a ética exige sempre um raciocínio uma análise e um exame das ações acreditando que com isso poderemos encontrar melhores motivos e razões para justificar o nosso comportamento o qual assim compartilhado pode ser direcionado para o bem comum Pensando sobre o que fazemos fazemos melhor ou seja conseguimos nos comportar em vista do bem de todas as pessoas com as quais compartilhamos a vida Por esse motivo a ética sempre primou pelo uso da razão em equilíbrio com os afetos em vista do controle dos nossos sentimentos morais Embora tenhamos ódio inveja e violência não podemos deixar que esses sentimentos sejam exteriorizados isto é convertemse em ações e influenciam nossos comportamentos no dia a dia Para tanto precisamos avaliar o que fazemos para garantir que o bem a vida boa ou em outras palavras a felicidade realizese Aliás foi também Aristóteles quem explicou que a felicidade é a meta da ética como a ciência do sumo bem ou seja do bem mais importante de todos Veremos isso com mais eficácia adiante Por ora deixemos claro que como disciplina filosófica a ética é um convite ao pensamento Sua matéria consiste nos comportamentos humanos em sociedade Em outras palavras o assunto o tema e a questão central da ética constituem a própria moral Isso significa que não fazemos ética a todo momento e por isso precisamos ser convocados para o pensamento No cotidiano geralmente obedecemos ou não às regras sociais e fazemos isso de forma mais ou menos natural ou automática sem que tenhamos de dar explicações sobre isso porque afinal é isso que a sociedade espera de nós e preparou para que todos fizessem A maior parte de nossas atitudes não precisa de uma análise racional pois costumamos introjetar dentro de nós essas regras A ética contudo não gosta desse tipo de atitude impensada ao contrário a ética pretende acordar o ser humano de dois sonos o sono da maioria quando fazemos sempre aquilo que todos os outros fazem e o sono interior quando as regras são seguidas de forma cega A ética é um convite ao pensamento sobre nossas ações 17 Para a ética essas atitudes não são boas porque significa que não pensamos por nós mesmos mas apenas seguimos o que os outros esperam de nós Ora quem não pensa por si mesmo e costuma seguir a maioria corre grandes riscos de errar uma vez que quando participa de um grupo social em que determinada atitude é tida como correta aceita e pratica tal coisa mas ao se mudar de um grupo social e os seus membros têm outros valores então tal pessoa facilmente muda de lado Eis o papel de nossa disciplina a ética pretende ao mesmo tempo nos ajudar a pensar sobre o que fazemos e oferecer argumentos que fundamentam essas ações Em outras palavras se todos somos animais políticos isso significa que todos nós agimos em sociedade e interferimos no seu destino Todavia essa interferência precisa ser analisada refletida para que bons resultados sejam alcançados Ademais a situação se agrava quanto mais se evidencia o poder de impacto de nossas ações por exemplo dependendo do cargo que ocupamos na sociedade as consequências das ações podem ser maiores do que aquelas praticadas por um cidadão comum isso exige uma maior responsabilidade das lideranças as quais devem zelar mais por suas atitudes É pertinente destacar que no mundo contemporâneo o poder de intervenção em especial no âmbito da vida com a biotecnologia exige uma responsabilidade ampliada para evitar possíveis consequências danosas Do ponto de vista etimológico a palavra ética vem do grego ethos que significa caráter ou modo de ser Moral por sua vez vem do latim morus que significa costume De um lado portanto aquilo que nos identifica como seres humanos racionais Do outro os costumes e as regras sociais Para o grego o caráter de um indivíduo ou seja aquilo que ele é em sua essência seria manifestado pelo seu comportamento Por isso a ética tem a ver tanto com esse lado mais interior do caráter quanto com seu comportamento exterior o costume Ao traduzir a ideia de ethos para o latim priorizouse o fato de que o comportamento de um indivíduo portanto aquilo que ele é na sua essência deve se adaptar e ser moldado pelos costumes da sociedade na qual ele está inserido Ética entre o caráter e os costumes 18 Nesse sentido outra definição para ética seria o fato de ela ser um conjunto de conhecimentos que nascem justamente do exame desses comportamentos humanos e da tentativa de explicar como surgem e se mantêm as normas sociais e os padrões de comportamento Nessa mesma perspectiva a moral seria o conjunto de regras usadas no cotidiano para orientar as ações A partir dessas regras podese avaliar se uma coisa é certa ou errada moral ou imoral se está encaminhada para o bem ou para o mal Podemos mesmo afirmar que definir o bem e o mal de uma ação a partir de uma análise criteriosa de suas motivações e consequências é a tarefa própria da ética Aliás sobre isso cabe uma explicação muitas pessoas usam a expressão falta de ética ou mesmo antiético para expressar uma crítica ou advertência em relação a um comportamento de um determinado indivíduo Ponderamos por exemplo que uma pessoa é sem ética que faltou ética a tal político que aquela ação é antiética Na verdade em todos esses casos estamos nos referindo a algo imoral ou seja a uma atitude contrária às regras estabelecidas portanto contrário à moralidade àquilo que a sociedade esperava que tais indivíduos fizessem Na vida social além das regras morais somos obrigados a respeitar as leis A diferença entre a moral e a lei é que a primeira tem regras simbólicas enquanto a segunda tem um caráter obrigatório é fundamentada em uma relação de justiça ou de direito entre os vários indivíduos de uma sociedade No caso das leis estão previstos os impedimentos e as punições para usar atos considerados ilegais ou seja socialmente indesejados Embora seja necessário reconhecer que nem tudo que está na lei é justo depreendese que ela não resume a ideia de justiça e o seu cumprimento não significa que seja suficiente para garantir o bem comum As leis são no fundo apenas um meio para isso O caráter obrigatório das leis e a perspectiva simbólica da moral 19 Nesse sentido a própria definição de lei inclui tanto o fato de ela ser uma prescrição escrita quanto o fato de emanar de uma autoridade concedida pelo povo sobre o qual compete a obrigação de cumprila sob o risco de penas e sanções previstas na própria lei que inclui tanto o que deve ser feito quanto o que acontecerá com quem não cumpre o previsto Tratase como prevê a etimologia latina da palavra lex de uma obrigação imposta A lei sendo norma escrita implica sempre o poder e a solenidade do direito Segundo a Constituição Federal BRASIL 1988 no art 5º do inciso II a lei obriga os indivíduos a fazerem ou não fazerem determinada coisa e só perante a ela os cidadãos estariam obrigados a abrir mão de seus interesses próprios de nada mais Como norma escrita a lei envolve tanto a Constituição quanto as suas emendas as leis complementares ordinárias delegadas as medidas provisórias os decretos legislativos as resoluções e todos os demais processos que envolvem as obrigações dos indivíduos perante a sociedade Enquanto a moral age na maior parte das vezes com punições do tipo simbólico a lei impõe obrigações legais e as duas podem estar em desacordo Vejamos um exemplo do ponto de vista legal o divórcio está previsto e é um direito de qualquer cidadão que resolve romper um contrato afetivo amparado legalmente do ponto de vista moral em determinados grupos mesmo previsto legalmente o divórcio pode ser repreendido ou a pessoa divorciada por sofrer diversas punições simbólicas 20 CONTRA O ABUSO DA ÉTICA E DA MORAL ARTIGO Leia o texto e tente destacar porque segundo o autor temos de ter cuidado com o uso exacerbado dos termos ética e moral no nosso cotidiano Você concorda com os argumentos do autor Em que você não concordaria Disponível em httpswwwscielobrscielophppidS0101 73302001000300006scriptsciarttext Fonte ROMANO R Contra o abuso da ética e da moral Educação Sociedade v 22 n 76 p 94105 2001 O QUE É ÉTICA LIVRO Autor Álvaro L M Valls Ano 2017 ISBN 9788511351200 Editora Brasiliense Sinopse No livro temse uma análise detalhada do conceito de ética A obra apresenta sete capítulos que abordam as origens e a estruturação da ética juntamente com conceitos que se desenvolveram ao longo da História Ocidental Leia a obra pensando sobre o conceito de ética e como ele ajuda a orientar as nossas escolhas nos dias atuais Fonte VALLS Á L M O que é ética São Paulo Brasiliense 2017 Fique de Olho 21 Modelos éticos Os modelos éticos são formas resumidas que ajudam a compreender como determinada época elaborou orientações para a vida moral ou seja a respeito do bem e do mal Levando em consideração que a ética se pergunta sobre os fundamentos a partir dos quais as ações humanas são avaliadas podemos afirmar que ao longo da história ocidental alguns modelos compreendidos como referência foram elaborados Podemos identificar pelo menos quatro destacados na figura a seguir A mudança nesses modelos acompanha a mudança no cenário social e principalmente naquilo que foi considerado como necessidade anseio ou emergência de um povo em um determinado tempo histórico Foi assim que esses modelos se desenvolveram e embora possamos identificar as suas raízes históricas eles continuam em vigor até os nossos dias já que algumas pessoas podem agir dando preferência para um ou outro deles mesmo por vários ao mesmo tempo Tratase mais uma vez do modo como escolhemos as matrizes a partir das quais decidimos o que é certo e o que é errado Obviamente como já salientamos tratase de uma abreviação que enquanto tal é bastante limitada servindo para um uso meramente didático 22 Um dos primeiros modelos éticos que precisamos discutir diz respeito ao que chamamos de ética das virtudes No geral esse modelo serve de orientação das práticas humanas a partir de uma concepção de que o próprio ser humano por meio do hábito e das práticas orientado pela liberdade de deliberar a respeito de si mesmo poderia encontrar o caminho do bem Isso significa que esse modelo está baseado no uso da racionalidade como potencial capaz de dominar os instintos e as emoções em vista do alcance de um resultado favorável ao bem comum em vista daquilo que podemos chamar de felicidade Entre os autores desse modelo desenvolvido no mundo grego estão Platão e Aristóteles além de outros filósofos desse momento da história da filosofia que inclui o denominado período helenístico com o epicurismo e o estoicismo No seu livro Ética a Nicômaco Aristóteles define a virtude como uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consistente numa mediania isto é a mediania relativa a nós a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática 1973 p 273 Isso significa primeiro que a virtude depende da vontade do indivíduo de conduzir as suas ações da melhor maneira possível Como uma disposição a virtude é algo que precisa ser adquirido constantemente e praticado de tal forma que se torne um hábito e funde uma espécie de segunda natureza que se integre ao nosso caráter Por isso o filósofo acrescenta a virtude do homem será a disposição de caráter que o torna bom e que eu faz desempenhar bem a sua função ARISTÓTELES 1973 p 272 Além disso tal definição deixa evidente que essa orientação das ações está relacionada com a possibilidade de uma escolha refletida ou seja de uma deliberação por parte de cada indivíduo Ora toda escolha como ato de liberdade está fundada no uso da racionalidade usamos a razão para escolher os meios que estão em nosso poder e que podem nos conduzir para a prática do bem Outra questão importante que aparece na definição de virtude proposta por Aristóteles é o conceito de mediania Para ele virtude diz respeito às paixões e ações em que o excesso é uma forma de erro assim como a carência ao passo que o meio termo é uma forma de acerto digna de louvor ARISTÓTELES 1973 p 273 Assim para que uma ação seja considerada virtuosa ela deve fugir tanto do excesso quanto da falta por exemplo se consideramos a coragem uma virtude isso ocorre porque ela não é o medo que é a sua falta nem é a temeridade que é o seu excesso Ética das virtudes 23 A justa medida portanto deve orientar todas as ações humanas no mundo e ela tem a ver com uma sabedoria prática ou seja não com uma norma fixa que valha para todos em todos os tempos mas com a capacidade de cada indivíduo avaliar o bem conforme a ocasião ou seja na ocasião apropriada com referência objetos apropriados para com as pessoas apropriadas pelo motivo e da maneira conveniente ARISTÓTELES 1973 p 273 Obviamente tal capacidade de sabedoria depende do uso da racionalidade e isso significa que o princípio racional ajuda a avaliar e compreender bem as circunstâncias e decidir o que deve ser feito Por isso a sabedoria prática é ela mesma um tipo de virtude que envolve a capacidade de deliberar e avaliar bem as circunstâncias sobre as quais é necessário que se decida fazer alguma coisa Tratase de uma capacidade cotidiana não de uma regra geral e universal mas de um empenho do próprio indivíduo em buscar o bem na sua vida Para Aristóteles dessa capacidade nasceria a conquista da felicidade tida por ele como o sumo bem ou seja o bem mais importante Ora esse bem é precisamente segundo o filósofo o objeto principal da ética enquanto ciência do agir Aristóteles no seu livro elenca uma série de ciências para as quais a sua finalidade para que elas existem é o seu bem por exemplo o bem da economia seria a riqueza algo que também é a sua finalidade ou seja a economia existe para que as pessoas e mesmo a sociedade possam ser mais ricas qualquer coisa que isso signifique e não para que elas sejam mais pobres e miseráveis Assim o bem e a finalidade da economia é a riqueza Outro exemplo a finalidade da medicina é a saúde esta também é o seu bem Isso significa que deveria ser obrigação de todo médico promover a saúde e esse é o bem central da ciência que ele pratica A arte da guerra também é uma ciência e é descrita por Aristóteles sua finalidade e portanto seu bem é a vitória ninguém planeja uma guerra sem o objetivo de vencêla ou seja essa é a finalidade do planejamento Ocorre que a riqueza a saúde e a vitória são bens menores importantes mas não centrais para a conquista da felicidade Como bens a sua conquista dependeria de um raciocínio de um saber de uma ciência própria Ora todos esses bens menores estariam fundados no sumo bem ou seja sobre a finalidade última e mais importante da vida humana sobre o bem maior aquele que está acima de todos esses bens Aristóteles chama isso de felicidade 24 Significa que a riqueza a saúde e a vitória na guerra são importantes porque nos ajudam a encontrar a felicidade e não detêm a felicidade em si mesma É fácil entender que o dinheiro é importante para sermos felizes por exemplo mas não é uma garantia para isso há muita gente rica que não é feliz e inversamente muita gente pobre que é feliz Aristóteles destaca ainda que enquanto os bens menores são conquistados a partir das ciências particulares o sumo bem ou seja o maior bem de todos seria conquistado precisamente pela ética Portanto a ética é para esse autor tão relevante na nossa cultura a ciência do sumo bem porque ela nos ajuda a conquistar a felicidade precisamente por meio da prática das virtudes Outro autor importante para exemplificarmos esse tipo de modelo ético é Epicuro Embora tenha escrito muita coisa restounos desse autor alguns poucos fragmentos entre eles um texto muito famoso conhecido como Carta sobre a felicidade ou também como Carta a Meneceu que era seu amigo Como explica nessa carta para Epicuro a meta da vida seria a busca do prazer e a fuga da dor Essa busca contudo deveria ser equilibrada racionalmente existiriam para ele os prazeres naturais e necessários os prazeres naturais mas não necessários e os prazeres que não são nem naturais nem necessários Por exemplo seria um prazer natural e necessário comer muito seria natural mas não necessário viver de luxo não seria nem natural nem necessário Para esse autor os prazeres deveriam ser ponderados em vista da escolha dos prazeres de primeiro tipo ou seja os prazeres naturais e necessários os quais em resumo são os mais simples Entre esse tipo de prazer estariam por exemplo a vida entre os amigos o aproveitamento de uma refeição ou a simplicidade da vida no campo Epicuro não por acaso vivia em uma espécie de chácara na periferia de Atenas junto com seus amigos Para ele a experiência da vida feliz poderia ser resumida nesses prazeres simples A vida conduzida pela virtude seria o único caminho capaz de levar à felicidade e ela poderia ser alcançada com uma vida autoanalisada com o exercício da liberdade entre os amigos Em outras palavras ser livre ter amigos e levar uma vida sempre racionalmente avaliada poderíamos afirmar que isso é também viver filosoficamente poderiam contribuir para que o ser humano pudesse alcançar o sumo bem Nesse caso à ética compete ajudar o ser humano a praticar as virtudes capazes de aproximar a luz da felicidade 25 A ética do dever está baseada na concepção de que o homem sozinho não pode alcançar o bem e que por isso deve obedecer a uma força exterior a si mesmo Tal modelo pode ser compreendido a partir de dois momentos históricos diferentes a era medieval e a era moderna A ética do dever na era medieval Ao contrário do que aconteceu entre os gregos a ascensão do cristianismo na cultura ocidental trouxe uma alteração também no campo da ética Tratase agora não mais de acreditar que o ser humano poderia sozinho encontrar o caminho do bem ao contrário compreendido como um ser imperfeito pecador e incompleto o ser humano jamais poderia fazer isso sem contar com a ajuda externa representada pela figura de Deus O pano de fundo dessa concepção é uma espécie de visão negativa sobre o ser humano reconhecido em sua tendência para o mal contra a qual a racionalidade embora importante não seria suficiente Por isso autores como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino desenvolvem uma teoria segundo a qual o homem deveria seguir as orientações de Deus caso quisesse encontrar o caminho do bem Nesse caso não é mais a prática das virtudes mas a obediência às normas advindas do criador e salvador que conduziria um homem a uma vida boa a uma vida feliz geralmente associada à ideia de beatitude no pósmorte Esse modelo ético conhecido então como ética do dever explicase precisamente porque exige a obediência a uma norma exterior que está baseada na interpretação da palavra de Deus por parte da igreja medieval Como nessa época a Bíblia só podia ser lida pelas autoridades máximas da igreja então a ética também passou a ser orientada por essas autoridades Ao homem comum cabe o esforço da fé tida como a primeira das virtudes teologais porque sem fé o ser humano não se abriria para a mensagem de Deus e correria sério risco de andar pelo caminho que leva ao pecado e à maldade0 É como se o ser humano fosse uma espécie de copo de água pela metade essa água pode ser a racionalidade cuja quantidade ainda é insuficiente para matar a sede humana de verdade e de bem Precisase portanto preencher esse copo com a água que vem de Deus a fim de que a saciedade seja plena Por isso em Santo Agostinho é a falta de bem ou seja o fato de o homem virar as costas para Deus e achar que pode encontrar o caminho do bem sozinho que o leva ao erro Ética do dever 26 Ética Debate 03 A ética do dever e a religião na sociedade É a verdade divina revelada portanto que orienta a ética medieval O apelo ao amor à compaixão e à benevolência deveria orientar o cristão a partir do reconhecimento de que o outro é seu irmão e o seu próximo ao qual ele está ligado pelo amor filial que vem de Deus tendo como recompensa a bemaventurança futura O estilo de vida agora orientado pelas ideias de salvação de criação de amor incondicional mostra como o caminho do bem depende da mensagem advinda da sabedoria divina Para Santo Agostinho no período denominado Patrística a moralidade cristã é orientada pela ideia do livro arbítrio cada ser humano pode escolher porque Deus lhe deu esse potencial mas suas escolhas precisam ser encaminhadas segundo as normas advindas do criador Para Tomás de Aquino a moralidade deveria ser esclarecida ou seja contar também com argumentos racionais Todo o esforço desse autor que vive no século XIII período da escolástica reunido na sua obra Suma Teológica tem como objetivo conciliar a fé e a razão São Tomás reconhece a natureza racional do homem como algo doado por Deus embora também reconheça no livrearbítrio a raíz de todo mal Nesse caso a ação deliberada do homem é a origem do mal cuja saída seria a obediência às normas divinas Para ele a virtude é uma boa ação que torna melhor aquele que a pratica dependendo também do hábito a fim de evitar o vício Podemos afirmar que o mote central desse modelo ético é a crença no amor fomentada pelo imperativo do outro que está por sua vez inspirada no sacrifício de Cristo que dá a vida pelo ser humano Assim Deus inspira o homem na prática do bem oferecendolhe uma redenção final associada à ideia de felicidade Para exemplificarmos melhor o papel da religião na orientação moral da sociedade veja a seguir como um religioso compreende esse tema e como ele pensa sobre os desafios éticos das religiões e das Igrejas no mundo contemporâneo 27 A ética do dever na modernidade A ética do dever assume uma nova face na era moderna todos sabemos que a partir do Renascimento ou seja de meados do século XV em diante a sociedade ocidental se volta novamente para o mundo grego em busca das referências capazes de orientar a vida humana sem contar necessariamente com o horizonte teológico da Idade Média Assim autores como Hobbes Locke Rousseau e Kant formularam teorias que pretendiam pensar a ética ainda sob a perspectiva do dever embora não mais de um dever religioso mas um dever humano de tipo civil por assim dizer A formulação desses autores de um estado de contratos pactos normas e constituições mais ou menos independentes da figura divina mostra o esforço de formulação de um modelo de orientação da ação humana cujo fundamento consiste nos acordos voluntários e associativos entre os próprios homens Se a era moderna começa com uma celebração da força da racionalidade por meio do filósofo francês René Descartes esses ideais emancipatórios da razão foram importantes no movimento do Iluminismo na reforma protestante nos novos descobrimentos de mundos no avanço da ciência e mesmo nas revoluções francesas e americanas Um dos autores mais importantes desse momento será o alemão Immanuel Kant Seu conceito de Alfklärung ou seja de esclarecimento exige que o ser humano faça um movimento de saída da sua menoridade em direção a uma tomada das rédeas da sua própria vida por meio do uso da razão autônoma liberta das tutelas vindas da religião da política e da pedagogia Para ele permanecer dependentes dessa tutela seria no mínimo um ato de covardia preguiça e comodismo O esclarecimento portanto deve ser compreendido como uma exigência dado que todo ser humano é detentor do princípio universal da racionalidade Por isso o ser humano deveria utilizar a razão para controlar os seus instintos naturais e corporais Afinal no reino da natureza não haveria moralidade sendo esta um produto do chamado reino da razão Como o homem não é apenas pertencente ao reino da razão mas também da natureza porque tem um corpo nele estão sempre em conflito a necessidade e a liberdade Ora para Kant todas as decisões as escolhas e mesmo as normas morais são produtos do reino da liberdade ou seja da racionalidade Nesse caso a virtude seria produto da capacidade que um indivíduo tem de impor as decisões do reino da liberdade sobre o reino da necessidade 28 Para tanto o filósofo alemão formulou o chamado imperativo categórico ou seja uma norma universal capaz de orientar as práticas dos seres humanos aja apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal KANT 1973 p 223 Como imperativo tal norma impõe um dever ao ser humano ele só pode fazer aquilo que ele gostaria que todos fizessem Em outras palavras por que não devo roubar Porque eu não gostaria que todos roubassem Por que não posso matar Porque eu não gostaria que toda sociedade também o fizesse inclusive contra mim E assim por diante Ou seja todas as ações deveriam ser orientadas por esse princípio que se impõe como uma norma isto é um critério que deve ser obedecido por todos os seres humanos A ética proposta por Kant nesse caso é uma ética de tipo deontológica ou seja ela primeiro estabelece o que é obrigatório e correto para só depois encontrar o bem Além disso para que uma ação seja moral ela deve segundo Kant 1973 ser realizada em respeito ao dever Em outras palavras qualquer indivíduo só pode ser reconhecido como um agente moral se aquilo que ele faz está de acordo com aquilo que está previsto no dever Ou seja vale a norma vale a lei Por exemplo não interessa se alguém na sua subjetividade gosta de pessoas negras ou de homossexuais o que interessa é que a sociedade na qual ele vive a sociedade humana o obriga a cumprir uma norma que diga que ele precisa respeitar os direitos de todas as pessoas Contudo Kant introduz a ideia de boa vontade o agir deve ser determinado por ele mesmo ou seja o próprio querer deve estar orientado para o bem sem que seja necessário recorrer à avaliação dos resultados de sua ação Isso significa que não é porque alguma ação possa trazer algum tipo de benefício que ela deve ser praticada mas simplesmente porque o ser humano está obrigado a fazer o que está previsto na norma independentemente das consequências Notase assim como o modelo deontológico proposto por Kant é um exemplo de como a modernidade pensou um modelo ético no qual o ser humano deve obedecer a normas que advêm de fora embora seja necessário reconhecer que tal fato não compromete o conceito de liberdade que é central na modernidade obedecer no fundo é obedecer a uma norma criada pelo próprio ser humano não por mim nem por você talvez mas por todos nós como membros da espécie humana Obedecer à lei portanto não coloca em xeque a nossa liberdade É precisamente o contrário quanto mais obedecemos a lei notoriamente mais exercemos a nossa liberdade porque a lei é produto do reino da razão e da liberdade o reino da ética 29 Um terceiro modelo ético que devemos levar em consideração é o modelo utilitarista Essa corrente ligada a Jeremy Bentham 1979 e mais precisamente a John Stuart Mill especialmente em sua obra Utilitarismo de 1861 diz respeito a um padrão de comportamento que busque sempre o maior índice de felicidade para o maior índice de pessoas Nesse caso a ética seguiria a ideia de que a ação útil é a mais valiosa precisamente pelo índice de satisfação que ela pode promover O lema que poderia resumir essa teoria prevê que o indivíduo deve agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de bemestar para o maior número de pessoas Dessa forma o que determinaria se uma ação é conduzida para o bem ou se uma decisão é correta seria o benefício que ela trouxesse à coletividade quanto maior for esse benefício em termos de felicidade geral e quanto maior for o número de pessoas que pudessem acessála maior seria a correção moral dessa ação Assim todas as ações humanas seriam julgadas segundo as suas consequências no que tange ao bemestar coletivo O critério geral da validade moral de uma ação nesse caso seria precisamente o seu benefício em termos de bemestar de felicidade de bem e de beleza Como se deduz facilmente a racionalidade tem papel importante para que essa ação seja bem equalizada segundo a sua utilidade geral que está ligada aos prazeres e à redução do sofrimento Para Mill 2000 as regras seriam valiosas precisamente na medida em que trouxessem não apenas uma maior quantidade de prazeres mas sobretudo uma intensificação na sua qualidade Dessa forma não se trata apenas de buscar mais prazer mas de encontrar mais intensidade do prazer e esse seria o critério principal para avaliar a ação moral Notase que essa corrente está muito ligada à reflexão sobre as consequências dos atos humanos Por isso muitos de seus preceitos dizem respeito ao consequencialismo ético que se distingue do principialismo precisamente porque enquanto este diz respeito ao princípio que orienta a ação aquele se preocupa mais com as consequências dessa ação O que diferencia o utilitarismo e o consequencialismo talvez seja o fato de que o utilitarismo pretende trazer o maior bemestar para todos os indivíduos igualmente incluindo aí segundo uma corrente mais contemporânea os animais não humanos segundo as ideias desenvolvidas por Peter Singer Ética da utilidade 30 Observase também como o utilitarismo está pautado em um elemento importante herdado da ética das virtudes segundo a qual a felicidade era considerada como o princípio relevante da ação moral A maximização do bem por isso é apresentada sempre como elemento central dessa teoria porque seus arautos acreditam que a felicidade é o produto do bem e este por sua vez é alcançado por meio de escolhas orientadas pelo princípio do que é útil para o bemestar geral A ética da responsabilidade é o modelo mais contemporâneo do pensamento ético Embora o conceito de responsabilidade seja usado desde Aristóteles sua importância ganhou destaque a partir do século XVII A novidade principal dessa corrente está ligada à ascensão dos poderes tecnológicos cuja consequência tem sido destacada como um grande risco tendo em vista a ambiguidade e a magnitude da tecnologia nos nossos dias Em outras palavras levando em consideração que toda ação humana é assunto da ética o modelo da responsabilidade parte de uma leitura bastante acurada das novas dimensões dos poderes trazidos pela tecnologia que não são apenas inéditos em termos de impactos futuros mas também em se tratando das consequências geográficas Ou seja como nossos poderes de impacto no tempo e no espaço aumentaram de forma impressionante nos últimos séculos também a nossa responsabilidade deve aumentar dando conta de fornecer orientações para o uso desses poderes Um dos autores centrais dessa teoria é o filósofo alemão Hans Jonas Nascido em 1903 e falecido em 1993 esse autor atravessou o século XX e pode assistir de perto o cenário das duas grandes guerras o agravamento da crise dos valores e o crescimento da ciência e da tecnologia principalmente a partir dos anos 1970 A preocupação de Jonas diz respeito tanto ao tema do meio ambiente das mudanças climáticas e da extinção da vida no planeta quanto ao uso da medicina e da biotecnologia na mudança e na alteração genética dos seres humanos e não humanos De um lado a sua preocupação se dirige aos impactos da chamada civilização tecnológica sobre o âmbito da natureza e à obrigação incondicional do ser humano de cuidar dos outros seres e das condições da vida legado que ele precisa repassar para as gerações futuras de outro lado Ética da responsabilidade 31 ele precisa examinar até onde os procedimentos de intervenção na genética no controle de comportamento no prolongamento da vida e em todos os demais procedimentos da moderna biotecnologia não colocariam em risco a existência de uma autêntica vida humana no futuro Assim a ética da responsabilidade parte de um dado ontológico ou seja que está ligado à essência do ser humano como um ser capaz de responsabilidade o único na verdade capaz disso Essa capacidade pelo simples fato de existir no ser humano tornase uma obrigação se o ser humano pode ele deve então assumir essa responsabilidade para que possa afinal realizarse plenamente como ser humano Negar essa responsabilidade seria negar esse dado ontológico que lhe é mais próprio Assim a responsabilidade deveria ser usada como instrumento não apenas para impor o que Jonas chama de freios voluntários lá onde a ação tecnológica se torne perigosa e arriscada demais mas sobretudo para levar em consideração os riscos das ações tecnológicas Por isso para Jonas tratase de desenvolver um modelo ético que não esteja mais limitado ao horizonte do antigo antropocentrismo que marcava as éticas tradicionais afinal agora precisamos cuidar da vida como um todo e não apenas do ser humano da visão de neutralidade ética da natureza porque os novos poderes elevam as possibilidades de que a ação humana interfira de forma decisiva no mundo natural da constância da entidade homem agora objeto da técnica reconfiguradora embora sem uma imagem capaz de orientar essa tarefa o curto prazo do planejamento da ação agora precisamos prever em longo prazo no tempo as consequências das nossas ações e ao círculo imediato da ação atualmente precisamos pensar nas gerações futuras porque muitas de nossas ações se estendem no tempo de forma sequer calculável Esse modelo ético tem como intenção enfrentar um dogma do pensamento filosófico contemporâneo que negava qualquer fundação metafísica dos valores Para Jonas ao contrário o princípio ético da responsabilidade parte de uma antiga pergunta filosófica fundamental formulada por Leibniz por que o Ser e não antes o nada Tal pergunta contudo assume um novo sentido no cenário tecnológico se temos o poder de destruir a vida como um todo quais são os critérios capazes de nos impedir de fazêlo ou em outras palavras se podemos matar a vida por que não o fazer por que afinal a vida merece ser preservada e por que devemos orientar os nossos atos em direção à sua preservação 32 A ética proposta por Jonas adquire portanto uma base tanto ontológica quanto metafísica na medida em que ela parte de uma pergunta sobre o Ser que se apresenta em sua forma viva por assim dizer É onde a sua ética se apoia em sua ontologia a vida segundo Jonas diz sim a si mesma e como é parte da história evolutiva do espírito o ser humano é o único ser de responsabilidade porque ele é aquele que tendo ascendido a graus superiores de espiritualidade pode entender essa afirmação e assumir a sua responsabilidade sobre os demais até porque ele se tornou um perigo para si e para as demais formas de vida Com isso Jonas enfrenta um dos principais dogmas da filosofia ele afirma que diante da emergência dos novos tempos é não apenas possível como necessário que retiremos do Ser um dever ser A ética deve agora pela primeira vez garantir a existência de seu próprio objeto Para Jonas a responsabilidade evoca três questões centrais precisamos reconhecer a vulnerabilidade da natureza e as novas dimensões do poder humano que tornam muito perigosa qualquer intervenção precisamos prever os danos possíveis antes de que eles aconteçam a responsabilidade nesse caso não é apenas imputabilidade mas tem a ver com a previsibilidade ou seja com a capacidade de vislumbrar os efeitos em longo prazo das nossas ações e em terceiro lugar perante a previsão dar preferência para o prognóstico negativo e alterar a ação a fim de evitálo Para tanto a nova ética deve reunir o máximo de informações advindas das demais ciências a fim de forjar um diagnóstico o mais preciso possível dos danos que atingem no momento presente a vida como um todo Ademais é preciso combater a ingenuidade das promessas do progresso tecnológico que acabam forjando uma versão limitada e enganosa dos benefícios futuros das ações técnicas do presente para isso é preciso dar preferência ao prognóstico negativo por meio daquilo que Jonas chama de heurística do temor JONAS 2006 p 70 ou seja em termos técnicos o reconhecimento do malum deve ter preferência ao do bonum Cabe à ética afinal prever os efeitos distantes da ação técnica operando por meio de diagnósticos hipotéticos relativos ao que se deve esperar ao que se deve incentivar ou ao que se deve evitar JONAS 2006 p 70 A partir daí tal ética precisa mobilizar um sentimento de responsabilidade capaz de orientar as ações do presente para que o mal futuro seja evitado o efeito final imaginado deve conduzir à decisão sobre o que fazer agora e ao que renunciar algo que afinal justifique a renúncia a um desejável efeito próximo em favor de um efeito distante JONAS 2006 p 74 a fim de que ele não nos atinja jamais 33 Para Jonas 2006 a responsabilidade tem por isso um horizonte maior do que a obrigação na medida em que ela está amparada no valor da previsão a previsibilidade de certo usos e suas consequências pode e em boa parte dos casos deve levar a um exercício negativo da responsabilidade Cabe a ele fazer um balanço entre essa responsabilidade negativa não fazer algo em função de seus perigos e a responsabilidade positiva servir com a pesquisa a fins benéficos promotores da vida JONAS 2006 p 89 Tal balanço traz à tona evidentemente a ambiguidade da ciência e com ela o cientista deve lidar há nesse ciência tanto utilidade quanto risco de dano pois todo poder é poder para ambas as coisas e amiúde provoca ambas sem a vontade de quem o exerce JONAS 2006 p 89 É essa ambiguidade unida à magnitude dos novos poderes que torna a previsibilidade um dos valores centrais da ética do futuro Por esse motivo Jonas forja uma ética pautada em um dever primário com o Ser em oposição ao nada 2006 p 87 interpretado agora como o risco do nada absoluto ou seja o desaparecimento das várias formas de vida no planeta Tal perspectiva leva à formulação de um novo imperativo cujo cerne é a prudência e cuja formulação parte do dever de existir da própria humanidade no futuro aja de modo que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra JONAS 2006 p 47 A ética da responsabilidade pretende por isso deter o saque a depauperação de espécies e a contaminação do planeta que estão se desenvolvendo a toda velocidade além de prevenir um esgotamento de suas reservas inclusive uma mudança insana no clima mundial causada pelo homem Para isso propõese uma nova austeridade em nossos hábitos de consumo e uma nova parcimônia no uso e na aquisição de nossos poderes JONAS 2006 p 49 34 UTILITARISMO LIVRO Autor Tim Mulgan Ano 2007 ISBN 9788532644800 Editora Vozes Sinopse No livro temse um resumo do utilitarismo clássico bem como a evolução dos principais temas do pensamento utilitarista no decorrer do século XX Leia a Introdução e o Capítulo 2 da obra tentando compreender o que é o utilitarismo e quais são as suas raízes históricas Disponível em httpsbooksgooglecombrbookshlptBRlridLd wbBAAAQBAJoifndpgPT2dqoqueC3A9utilitarismoots2 CClYmW0aFsigNHXzubpPEYbL55yjYtllWfE8rugvonepageqo20 que20C3A920utilitarismoffalse Fonte MULGAN T Utilitarismo Petrópolis Editora Vozes 2012 CONFISSÕES LIVRO Autor Santo Agostinho Ano 2017 ISBN 9788532655684 Editora Vozes Sinopse O livro Confissões de Santo Agostinho é mais do que um dos primeiros relatos autobiográficos da História Ocidental ele representa Fique de Olho 35 O HOMEM COMO OBJETO DA TÉCNICA ARTIGO Leia o texto analisando como o homem deixou de ser apenas um sujeito para se tornar também um objeto da tecnologia Veja quais as três formas dessa passagem no mundo contemporâneo e quais os riscos que cada um deles traz como desafio ético Disponível em httpsperiodicosufpbbrindexphpproblemataarticleview16966 Fonte OLIVEIRA J R de O homem como objeto da técnica segundo Hans Jonas o desafio da biotecnologia Problemata Revista Internacional de Filosofia v 4 n 2 p 1338 2013 também uma espécie de testamento da importância central que Deus desempenha na vida ética da Era MedievalLeia a obra tentando identificar as características da ética do dever presentes na reflexão agostiniana Disponível em httpsbooksgooglecombrbookshlptBRlrido4w wDwAAQBAJoifndpgPT360dqsantoagostinhoconfissC3B5e sotsbuwQUBBL5asigBkXwbPNU583goyQthgm6oa3Dj8Uvonepage qsanto20agostinho20confissC3B5esffalse Fonte AGOSTINHO S Confissões Petrópolis Editora Vozes 2017 36 Ética Debate 04 Ética e direito Dilemas éticos Como vimos até aqui a ética é a ciência do agir e sua intenção é contribuir para que as ações humanas sejam realizadas e encaminhadas da melhor maneira possível tendo em vista principalmente a realização do bemestar humano ou seja a sua felicidade A ética existe precisamente para nos ajudar diante daquilo que nós chamamos de dilemas éticos momentos e situações nas quais somos desafiados pelo cotidiano e precisamos tomar alguma atitude Em outras palavras os dilemas éticos são as situações que exigem de nós uma tomada de decisão e que pela gravidade das suas consequências e pela ambiguidade das questões envolvidas tornase difícil alcançar a certeza sobre se o caminho seguido é o correto Aparecem portanto questões como fazer ou não fazer o que e como fazer qual é a melhor escolha quais são as consequências de tal ação etc Obviamente esse tipo de pergunta está constantemente em nosso entorno Desde a hora em que levantamos até a hora em que vamos dormir somos seres de escolhas e precisamos fazer com que essas escolhas sejam as melhores possíveis Tudo que nós fazemos portanto exige essa capacidade de pensamento crítico de avaliação e escolha Ocorre que em alguns momentos da nossa vida individual e da nossa vida coletiva ou seja da nossa vida em sociedade essas decisões são muito mais delicadas seja pela gravidade das consequências seja pelo impacto e os efeitos que uma escolha errada pode ter sobre nós e sobre as outras pessoas com as quais convivemos seja com a natureza em geral seja com as pessoas que ainda sequer existem como é o caso das gerações do futuro Quanto mais cresce o poder desse impacto maior é a obrigação de resolvermos esses dilemas da melhor forma possível Agora veja no vídeo a seguir a opinião de um Especialista em Direito Contemporâneo sobre as leis e a orientação ética 37 Muitas vezes o dilema aparece pois estamos diante de um paradoxo no qual a nossa escolha pode ser entre dois ou mais imperativos morais ou modelos éticos em que nem tudo está claramente decidido isto é não basta apenas o recurso à lei ou à consciência sendo necessário realizar uma reflexão bem mais aprofundada a fim de evitar ao máximo um possível dano Geralmente esses dilemas colocam em xeque os sistemas éticos e o cálculo racional cuidadoso se torna imprescindível Temas como eutanásia adultério suicídio aborto prisão perpétua pena de morte clonagem direitos dos animais e da natureza em geral eou procedimentos melhorísticos ligados ao aumento e à melhoria da performance humana estão entre os casos que sempre traduzem esses paradoxos Diante desses casos quando principalmente referemse a decisões cujo impacto se relaciona com a vida ou a morte de outros seres impacto que é geralmente irreversível precisamos ampliar nossa capacidade de pensamento crítico e de exame da situação não bastando apenas boa vontade no cumprimento das leis e das normas mas sobretudo um conhecimento profundo dos vários modelos éticos das argumentações e dos debates desenvolvidos por especialistas de todas as áreas para que possamos ter uma decisão mais clara possível em vista do bem comum Dessa forma os dilemas éticos podem ser resolvidos com o uso da racionalidade ora para desvendar possíveis enganos que se impõem à situação ora para mostrar que o dilema não existe enquanto tal ora para verificar qual é o fundamento ou a referência preferível ou seja as teorias disponíveis e os modelos que podem ajudar a decidir o que é o bem e o mal quando se trata de solucionar o dilema Nesses casos no geral precisamos encontrar alternativas criativas que levem em consideração o maior número possível de informações sobre o caso comparandoo com outros modelos e outras situações nas quais as respostas encontradas obtiveram sucesso Em casos como esse o dilema ético que aparentemente é um problema pode ser mais desejado do que o absolutismo dogmático de uma única resposta que pode ser perigosa na medida em que se oferece como uma saída fácil ou uma resposta pronta Muitas vezes os dilemas incluem contradições entre imperativos e sua análise envolve um conhecimento do contexto e das teorias e no final há um ganho ético porque o raciocínio pode criar o que no direito denominamos jurisprudência as respostas encontradas podem ajudar a inspirar e a resolver outros dilemas 38 Um exemplo de dilema ético diz respeito à obrigação de alimentar a família mas para que isso seja necessário um indivíduo acaba roubando alimentos de um supermercado O que seria mais adequado roubar alimento para salvar a família poderia nesse caso utilizar os argumentos da ética da utilidade ou seguir o imperativo que proíbe radicalmente o roubo como poderia ser o caso do modelo da ética do dever Como decidir sem levar em consideração o conflito em seu contexto adequado Muitas vezes para solucionar esse tipo de dilema devemos fazer trocas de prioridades e tomar decisões pautadas na revisão dos argumentos e como já salientamos na análise de dilemas semelhantes já vividos no passado Assiduamente como a decisão pode ser tomada tendo em vista uma exposição ideológica ou mesmo uma disputa ligada às várias classes que formam uma sociedade não é raro que os dilemas éticos se tornem também parte das divisões políticas econômicas nas quais os indivíduos são envolvidos por lutas recorrentes entre facções partidos ou grupos sociais diferentes Disso decorrese que a saída do dilema ético deve evitar essa ideologização e ter sempre em vista o bem comum ou seja o bem de toda a sociedade e não apenas de um grupo em específico Ora para que isso seja possível precisamos de instituições sérias que nos ajudem a organizar essas decisões legitimando e justificando as respostas encontradas 39 Um dilema ético pode ser facilmente detectado quando somos convidados a pensar sobre o que fazer diante de uma situação moral Sócrates no diálogo de Platão denominado Críton enfrenta a questão ele está preso condenado injustamente pela sociedade na qual ele vive e seus amigos trazem a notícia de que uma fuga era possível e mais ainda que havia um consenso de que ele deveria fugir porque afinal era inocente Por que mesmo assim Sócrates não fugiu como se sabe ele é condenado a beber a cicuta e morreu envenenado Essa questão é o mote central da reflexão de Platão que pode nos ajudar a entender como solucionar os nossos próprios dilemas éticos Platão começa lembrando aquilo que podemos chamar de as três premissas da ética socrática não se deixar influenciar pela emoção usar sempre a razão não se deixar influenciar pelo consenso porque os outros podem errar devemos pensar por nós mesmos não se deixar influenciar pelas consequências usar o critério do certo e errado da moral aqui e agora Além disso Platão levanta três argumentos utilizados por Sócrates para não violar as leis nunca lesar ninguém a fuga de Sócrates lesaria o Estado pela transgressão da lei à qual ele jurou fidelidade sempre manter as nossas promessas Sócrates vivia no Estado e havia aceitado as suas regras e sempre obedecer aos pais e mestres Sócrates considerava que o Estado é o pai ou mestre Nesse caso se fugisse Sócrates estaria portanto ofendendo a sociedade faltando a uma promessa desobedecendo ao seu pai e mestre Ao ter em vista essas três premissas e esses três argumentos diante do dilema ético fugir ou não fugir notese como Sócrates faz uso do raciocínio pensa muito sobre o assunto avalia e pondera as consequências sempre tentando encontrar um caminho próprio e não simplesmente seguindo a opinião dos outros mesmo que confiasse nos seus amigos Esse é um exemplo típico de um raciocínio ético No exemplo de Sócrates os três argumentos conduzem a uma mesma conclusão Há casos em que isso não ocorre muitas vezes há conflitos de deveres em que as regras não convergem e que o dilema se agrava ainda mais É precisamente aí que precisamos apelar para a precedência de uma regra sobre a outra perguntando qual é a mais importante O exemplo de Sócrates 40 Em outro texto intitulado Apologia de Sócrates Platão esclarece o que fez Sócrates ele teria escolhido uma regra como mais importante diz que ele não pode cumprir a vontade do Estado parar de ensinar porque Apolo lhe atribuiu essa tarefa porque seus ensinamentos são necessários para o bem do Estado Nesse caso em que há um conflito de deveres ele criou uma ordem de precedência que o leva tanto a afirmar que ele está no caminho certo quanto a obedecer a lei imposta pelos seus conterrâneos Sócrates morre pois decide não ferir os argumentos que ele acreditava depois de muita análise serem os mais corretos Podemos nos indagar no lugar de Sócrates o que eu faria Obviamente poucos de nós viveremos uma situação tão delicada em que a nossa vida e a nossa morte estejam em jogo Mas mesmo assim é muito comum que precisemos usar esse tipo de raciocínio para encontrar o caminho mais correto diante de uma situação moral Uma das ocasiões mais comuns para o surgimento de dilemas éticos é a nossa vida profissional Embora muitas regras da prática das profissões estejam previstas nos códigos e nos estatutos específicos de cada profissão como é o caso dos chamados códigos de ética que orientam as decisões dos médicos advogados psicólogos etc muitas vezes as situações concretas não podem ser resolvidas simplesmente lendo essas normas Como nossa dinâmica social é instável e marcada por muitas mudanças que afetam diretamente nossa vida profissional também nesses casos estamos diante de desafios complexos que exigem decisões rápidas e legítimas Há ocasiões além disso que o próprio seguimento das normas previstas nesses regulamentos acaba por levar os profissionais a serem considerados antiéticos por parte de seus pares ou até mesmo da população em geral Casos desse tipo são muito comuns Por exemplo um dilema comum tem a ver com a denúncia de práticas escusas realizadas por um colega de trabalho se descubro que isso está ocorrendo como agir Se não denuncio estou quebrando o contrato que fiz com minha organização ou empresa que espera de mim o cumprimento das normas éticas previstas mas se o denuncio pode ser que as relações pessoais dentro da empresa fiquem abaladas e em nome da amizade muitos passem a me considerar um traidor Aceitar ou pagar suborno tem sido outra ocasião na qual nossa vida profissional é contraposta com as exigências éticas da nossa profissão Os dilemas éticos da vida profissional 41 Os casos de corrupção que aparecem na grande mídia geralmente ligados aos políticos são gestados nas práticas cotidianas da nossa vida e na dificuldade que temos de solucionar os dilemas éticos que vivenciamos nas nossas realidades profissionais Outro caso bastante comum tem a ver com a política de metas das empresas em que muitas vezes a competição gera práticas extremamente questionáveis e disputas que fogem das regras previstas levando a dilemas imprevisíveis vividos pelos indivíduos os quais devem optar por esse tipo de prática em nome da garantia do emprego Nesses casos e em tantos outros o único caminho a fazer é ser transparente contar com a ajuda e com a experiência das demais pessoas ser humilde e reconhecer erros esforçando se sempre para evitar o mal e para corrigir os equívocos e recompensar os prejuízos Ninguém de nós está livre de tomar decisões erradas ao contrário todos nós podemos facilmente incorrer em equívocos Errar é humano como se afirma Mas permanecer no erro manterse no caminho errado é algo que devemos sempre evitar Nunca é tarde para corrigir os problemas que aparecem nas nossas vidas e certamente seremos melhores profissionais não apenas porque não erramos mas sobretudo porque aprendemos com nossos erros e os utilizamos para ajudar outras pessoas a evitarem os seus próprios equívocos CRÍTON LIVRO Autor Platão Ano 1972 ISBN 19725217 Editora Clássicos Cultrix Sinopse O livro traz a antologia de alguns dos mais importantes diálogos de Platão a qual reúne Defesa de Sócrates Um banquete Êutifron Critão e O dever e Fédon Fique de Olho 42 Leia a obra de Platão tentando compreender como Sócrates enfrentou o dilema ético central de sua vida aceitar a condenação à morte ou fugir Disponível em httpssaudeglobaldotorg1fileswordpresscom201308te1platc3a3o crc3adtonpdf Fonte PLATÃO Diálogos Tradução de Jaime Bruna Clássicos Cultrix 1972 APOLOGIA DE SÓCRATES LIVRO Autor Platão Ano 2002 ISBN 3237000001783 Editora Escala Sinopse Apologia de Sócrates é uma obra literária desenvolvida pelo filósofo Platão Neste livro Platão 427347 aC apresenta Sócrates considerado um dos seus discípulos mais dedicados A obra está estruturada sob a forma de diálogos Na primeira parte exposta no link temos a apresentação da defesa de Sócrates Leia o texto e tente detectar as razões pelas quais segundo Platão Sócrates decidiu morrer e não fugir como os seus amigos propunham Preste atenção no tom do texto Platão está tecendo comentários que elevam o ato do seu mestre Por quê Disponível em httpsedisciplinasuspbrpluginfilephp270801modresourcecontent1 platao20apologia20de20socratespdf Fonte PLATÃO Apologia de Sócrates Tradução de Maria Lacerda de Souza São Paulo Editora Escala 2002 43 Ética Conclusão Considerações finais Vimos como a ética exige um raciocínio diante de situações decisivas de nossa vida Como ciência do agir ao longo da história ocidental foram desenvolvidos vários modos de enfrentar essas dificuldades Os modos de responder a esses problemas são conhecidos como modelos éticos no mundo grego prevaleceu o que denominamos ética das virtudes no modelo medieval a ética do dever na modernidade além da ética do dever temse a ética da utilidade e no mundo contemporâneo há a ética da responsabilidade Todos esses modelos éticos são importantes para que nós possamos enfrentar os chamados dilemas éticos situações que pela complexidade exigem raciocínios cuidadosos e profundos análises e julgamentos adequados e sobretudo parcimônia e humildade Veja no vídeo a seguir as considerações finais que Jelson Oliveira nos traz pontuando as principais discussões em torno dos modelos éticos 44 Referências ARISTÓTELES Ética a Nicômaco São Paulo Abril SA Cultural e Industrial1973 BENTHAM J Os pensadores São Paulo Abril Cultural 1979 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Brasília DF Presidência da República 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicao htm Acesso em 29 jun 2020 COENEN C et al Human Enhancement study Bruxelas European Parliament 2009 Disponível em httpswwweuroparleuropaeuRegDataetudesetudesjoin2009417483IPOLJOIN ET2009417483ENpdf Acesso em 29 jun 2020 JONAS H O principio responsabilidade ensaio de uma ética para a civilização tecnológica Tradução de Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez Rio de Janeiro Contraponto 2006 KANT I Fundamentação da Metafisica dos Costumes São Paulo Abril Cultural 1973 Os Pensadores MILL J S O utilitarismo São Paulo Iluminuras 2000 PAZ O El labirinto de la soledad Posdata Vuelta a El labirinto de la soledad 3 ed Cidade do México FCE 2004