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lUtGIS JOLITET ProfeÍsor de Filosofia Decano da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Lyon TRATADO DE FILOSOFIA III METAFÍSICA TRADUÇÃO DE MARIA DA GLóRIA PEREIRA PINTO ALCURE CAPA DE HELENA GEBARA DE MACEDO 1965 Livraria AGlR Edllôra RIO DE J ANEIRO Cop11right ele ARTES GRÃFibAS INDÚSTRIAS RllUNIDAS S A AGIR Título do original francês Traité de Philosophie III Métaphysique 5e édition Lyon Paris Emmanuel Vitte Nihil obstat Rio de Janeiro 19XI60 P Emilio Silva Ph Dr Censor lmprimaiur Rio 26XI60 Mons José Silveira V Geral Livraria AGIR Cdilôra Rua Btáulio Gomes 126 ao 1ado da Blbl Hun lel 348300 Caiª Postal O 040 sto Paulo S P Rua México 98B Te 428321 Caixa Poatal 3 291ZCOO Rio de Janeiro Guanabara Av Afonso Pena 910 Tel Z3038 Caixa Postal 733 Belo Horizonte MintlB Gerais INDICE DAS MATRIAS 1NDI CE GERAL l INTRODUÇÃO À METAFÍSICA 13 Art I Noção da Metafísica 13 Art II Objeto da Metafísica 23 LIVRO PRIMEIRO CRITICA DO CONHECIMENTO PRIMEIRA PARTE POSIÇÃO E MÉTODO DO PROBLEMA CRiTICO 35 CAPÍTULO 1 HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DESDE A ANTIGÜI DADE ATÉ DESCARTES 31 Art I A antigüidade 38 Art II A idade média 46 Art III O cartesianismo 60 CAPÍTULO II NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO 72 Art 1 Objeto da Crítica 12 Art II Método da Crítica 83 SEGUNDA PARTE NATUREZA DO CONHECIMENTO INTELECTUAL 95 CAPÍTULO 1 A EXISTmNCIA DA CERTEZA 97 Art I O fato da certeza 98 Art II A legitimidade da certeza 102 8 METAFÍSICA CAPITULO II As CAUSAS SUBJETIVAS DA CERTEZA 110 Art I As doutrinas empiristas 111 Art II A atividade do sujeito cognoscente 131 CAPfTULO III As CAUSAS OBJETIVAS DA CERTEZA 142 Art I O idealismo 143 Art II A causalidade do objeto 163 ÇONCLUSÃO 175 LIVRO SEGUNDO ONTOLOGIA INTRODUÇÃO 183 Art Art I Método da Ontologia 184 II Divisão da Ontologia 196 CAPÍTULO 0 SER EM SI MESMO 198 Art I Art II Art III Art IV A natureza do ser O ato e a potência A essência e a existência O possível 199 216 230 241 CAPfTULO II AS PROPRIEDADES TRANSCENDENTAIS 244 Art I Art II Art III Art IV Art V Art VI CAPÍTULO III Noção Uno A verdade O bem Os primeiros princípios A beleza a arte e as belasartes OS PREDICAMENTOS 245 247 248 251 254 259 370 Art I Substância e acidente em geral 271 Art II A qualidade e a relação 281 ÍNDICE DAS MATÉRIAS CAPÍTULO IV As CAUSAS 289 Art I A noção da causa 290 Art II A causa eficiente 297 Art III A causa final 312 LIVRO TERCEIRO TEODICEIA INTRODUÇÃO 325 PRIMEIRA PARTE A EXISTÊNCIA DE DEUS 331 CAPÍTULO I DEMONSTRABILIDADE DA EXISTÊNCIA DE DEUS 333 Art I Possibilidade da prova de Deus 333 Art II Necessidade da demonstração 342 CAPÍTULO II PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS 359 Art I A causa primeira 360 Art II O perfeito subsistente 376 Art III O fim universal 386 Art IV Provas científicas e provas para a experiência mística 395 SEGUNDA PARTE A NATUREZA DE DEUS 399 CAPÍTULO I A ESSÊNCIA DIVINA 401 Art I O método da analogia 401 Art II A essência lógica de Deus 405 CAPÍTULO II OS ATRIBUTOS DIVINOS 411 Art I Os atributos entitativos 412 Art II Os atributos operativos 418 METAFÍSICA CAPÍTULO III A TRANSCENDÊNCIA E A PERSONALIDADE DE DEUS 442 Art I Imanência e transcendência de Deus 443 Art II A personalidade de Deus 454 Art III A crença em Deus 457 ÍNDICE ANALÍTICO 459 INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO À METAFISICA SUMÁRIO 1 ART I NOÇÃO DA METAFISICA Definição Fronteiras da Metafísica Domínio da Metafísica Noções modernas da Metafísica Ciência do imaterial Ciência do real em si próprio enquanto tal Ciência do incognoscível Ciência do Absoluto Conhecimento sistemático universal Conhecimento a priori e teoria crítica ART II OBJETO DA METAFISICA Os graus de abstração Princípio da distinção Os três níveis de abstração A ciência metafísica Especificidade da Metafísica Divisão ART I NOÇÃO DA METAFISICA 1 Se volvermos os olhos para a história o termo metafísica parecerá sujeito aos mais diversos e menos compatíveis sentidos A razão desta confusão reside no fato de os filósofos definirem a metafísica em função de suas próprias concepções e doutrinas em vez de partirem de uma definição nominal com a qual todos se possam pôr de acordo Uma tal definição teria a vantagem de nada preconceber uma vez que não diria respeito senão ao sentido do término metafísica sem implicar nenhuma solução quer afirmativa quer negativa do problema 1 Cf ARISTÓTELES Métaphysique IIV SANTO TOMÁS In Metaphysicam L IIV In Boethium de Trinitate q VI art 1 SUAREZ Disputationes Metaphysicae Disp I s 1 e 2 MERCIER Ontologie Introdução e 1a parte 1 J MARITAIN Les degrés du savoir Paris 1932 págs 399 sg P DESCOQS Institutiones Metaphysicae generalis Paris 1935 págs 941 A FOREST Du Consentement à lêtre Paris 1936 LALANDE Vocabulaire technique et critique de la Philosophie na palavra Métaphysique t I pág 457 J LACHELIER Psychologie et Métaphysique H BERGSON Introduction à la Métaphysique em Revue de Métaphysique et de Morale jan 1903 págs 1 sg M HEIDEGGER Quest ce que la Métaphysique trad francesa de H CORBIN Paris 1937 J WAHL Traité de Métaphysique Paris 1953 ALAIN Lettres sur la philosophie première Paris 1955 14 METAFISICA de saber se a metafísica é possível Tratase em suma de saber de que se fala o que não pode passar por um refinamento de dialético 2 1 DEFINIÇÃO A metafísica apresentase como uma ciência relativa ao que ultrapassa o domínio da física e conseqüentemente como uma ciência do imaterial formalmente distinta da filosofia da natureza A Fronteiras da metafísica 1 O que ultrapassa o domínio da Física O termo metafísica μετὰ τὰ φυσικά primitivamente designava as obras de ARISTÓTELES que na coleção de ANDRÓNICO DE RODES vinham depois da Física e diziam respeito à ciência das realidades que transcendem o mundo visível e sensível No mesmo sentido o termo metafísica foi reempregado e definitivamente adotado na Idade Média para designar a ciência transfísica isto é a que vindo depois da Filosofia da natureza Cosmologia e Psicologia introduz a partir das realidades sensíveis anteriormente estudadas ao estudo do nãosensível 3 ARISTÓTELES e a Idade Média chamavam Física ao que nós denominamos Fílosofia da naturaleza Hoje nos devemos servir desta última expressão a fım de evitar qualquer confusão entre os dois domínios já agora bem distintos e delimitados das ciências experimentais e da filosofia da natureza Aliás os modernos falam mais freqüentemente em filosofia das ciências ou filosofia cientifíca que em filosofia da natureza mesmo aqueles que dependem da corrente positivista reduzem toda a metafísica a esta filosofia científica O mal é que as especulações assim chamadas nada têm a ver com a metafísica e muito menos com a filosofia Não existe propriamente falando filosofia das ciências nem filosofia científica pois a filosofia tem objeto e métodos essencialmente diferentes daqueles das ciências positivas e é impossível deduzirse uma filosofia 2 Os algarismos impressos em itálico no texto e precedidos de algarismos romanos I ou II remetem aos números marginais dos volumes precedentes I Lógica e Cosmologia tradução brasileira programada para 1965 II Psicologia AGIR 1963 Os algarismos sem indicação do tomo remetem aos números marginais do presente volume 3 Cf SANTO TOMÁS In Boethii de Trinitate q VI art 1 Dicitur Metaphysica id est transphysica quia post physicam dicenda occurrit nobis quibus ex sensibilibus competit in insensibilia devenire Metaphysica Prooemium Metaphysica in quantum considerat ens et ea quae consequuntur ipsum haec enim transphysica inveniuntur in via resolutionis sicut magis communia post minus communia INTRODUÇÃO À METAFISICA 15 diretamente de dados positivos Uma filosofia científica é a própria negação da filosofia e da sua primordialidade Também N BERDIAEFF observa com razão que a filosofia das ciências é a filosofia dos que nada têm a dizer em filosofia Cinq Méditations sur lexistence Paris 1936 pág 21 2 Ciência do imaterial Vimos que em seu sentido mais geral a metafísica se define por oposição à física Sendo esta a ciência filosofia do sensível a metafísica será a ciência daquilo que é nãosensível isto é imaterial O Vocabulaire technique et critique de la Philosophie Paris 1928 t I pág 454 afirma que a primeira alteração apreciável do sentido da palavra metafísica é a que imprime Descartes e os cartesianos que consideram a imaterialidade como o traço característico dos objetos metafísicos Vêse que esta asserção é inexata uma vez que a imaterialidade tem servido desde Aristóteles e os Escolásticos para definir as realidades metafísicas Mas é verdade que entre estes últimos o termo imaterial na definição do metafísico nada mais significa senão o que é nãosensível isto é o ser enquanto tal Os seres imateriais Deus os puros espíritos nem são dados nem tampouco estão implicados nesta noção que visa apenas primeiro e essencialmente ao ser enquanto ser ao contrário dos cartesianos e em geral dos nominalistas que visam primeiro e formalmente aos próprios seres imateriais Deus e a alma Disto decorre que para eles a metafísica é essencialmente a ciência de Deus e da alma 4 3 Metafísica e Filosofia da Natureza Esta concepção da metafísica leva a considerar a filosofia da natureza inclusive a psicologia como uma ciência essencialmente distinta da metafísica contrariamente à teoria e à prática modernas de origem wolfiana e kantiana Com efeito a filosofia da natureza tem na realidade o ser por objeto e é nisto que ela constitui uma filosofia e como tal se distingue das ciências positivas da natureza I 281 mas o ser que ela considera é o ser em devenir o ser sujeito ao movimento movimento local movimento de geração e corrupção substancial e não o ser na sua generalidade mais elevada O ser da filosofia da natureza é portanto ainda o ser material ou ligado à matéria embora considerado com abstração de suas determinações quantitativas concretas objetos das ciências da natureza ao passo que o ser da metafísica é o ser enquanto ser O que aqui se pretende procurar descobrir é a inteligibilidade do ser en 4 Cf DESCARTES Principes de la Philosophie prefácio Depois da matemática é necessário começarmos logo a nos aplicar à verdadeira filosofia da qual a primeira parte é a metafísica que contém os princípios do conhecimento entre os quais está a explicação dos principais atributos de Deus da imaterialidade de nossas almas e de todas as noções claras e simples que existem em nós quanto ser e não apenas a inteligibilidade do ser móvel e sensível enquanto móvel precisamente móvel e sensível B O domínio da Metafísica 1 Ciência do ser enquanto ser É o sentido de ARISTÓTELES e de SANTO TOMÁS e o que resulta imediatamente do termo metafísica uma vez que o transensível se define primeiramente para nós pelo abstrato e pelo universal e no grau mais elevado pela noção de ser Tratase portanto somente aqui de constatar que a filosofia natural referindose ao ser afetado de determinações diversas resta considerarmos o ser em si mesmo em sua própria natureza independentemente de todas das determinações que o possam afetar O estudo do ser assim compreendido comporta igualmente o estudo das paixões próprias do ser e de seus princípios próprios pelos quais o ser como tal tornase inteligível 2 Metafísica e Teologia natural Uma tal definição nada prejulga quanto ao alcance efetivo da pesquisa metafísica Ela não faz senão delimitar de um modo abstrato e problemático um domínio que não pertence evidentemente a nenhuma outra ciência e que é o mais universal de todos A teologia natural ou ciência de Deus pela pura razão está ela mesma subentendida na definição da metafísica ao passo que é o estudo das causas do ser que levará a afirmar Deus como Princípio universal do ser Em sua noção mais formal a metafísica não é pois senão a ciência do ser enquanto tal e a teologia natural ou teodicéia é dela apenas uma parte É o que mostra SANTO TOMÁS no Preâmbulo da Metafísica Partindo do princípio de que as ciências devem reduzirse à unidade sob a regulamentação de uma ciência suprema e diretora sabedoria ou ciência dos princípios SANTO TOMÁS observa que esta ciência diretora será necessariamente a mais intelectual de todas ou seja aquela que terá por objeto as realidades mais inteligíveis Ora estas são de três tipos segundo o pontodevista em que nos colocamos a saber as primeiras causas os princípios primeiros universais o ser e aquilo que a ele se relaciona essencialmente e os seres positivamente imateriais Deus e os puros espíritos Mas acrescenta SANTO TOMÁS este tríplice pontodevista não dá origem a três ciências distintas especificamente diferentes Só existe aqui um único objeto sob três aspectos diversos como sejam o ser comum ens commune e consequentemente uma única ciência a Metafísica Com efeito é a mesma ciência que cabe considerar as causas próprias de uma determinada espécie de ser e esta espécie de ser em si mesma Assim o sábio estuda simultaneamente a natureza dos fenômenos e suas causas empíricas Mas o objeto próprio de uma ciência não está constituído pela causa do ser ou do fenômeno em questão este objeto é o próprio ser ou fenômeno considerado em sua natureza e em suas propriedades A pesquisa das causas é a finalidade da ciência e deve apoiarse sobre o conhecimento do objeto desta ciência Assim a metafísica embora comporte os pontosdevista diferentes que mencionamos consideraos somente em função do ser comum e universal que é o seu único objeto 3 Essência e existência Convém fazer desde agora uma observação importante sobre à qual teremos de voltar mais adiante Se o ser pode ser encarado sob dois sentidos como essência ou natureza e como existência o objeto próprio da metafísica é o ens commune isto é aquilo que é o que abrange a essência e a existência id quod est Inferese entretanto que é de fato à existência mesma o est e não o id quod ao que visa formalmente a Filosofia I 3 e especialmente a metafísica A Filosofia dizíamos procura definir as condições absolutas da existência isto é tornar inteligível em todos os seus níveis este ser esse que é a atualidade mesma dos seres sem o que não se poderia dizer de maneira alguma que os seres são Este propósito fundamental caracteriza de um modo todo especial a metafísica enquanto esta visa ao ser na sua pureza ontológica e na sua inteligibilidade própria pois que para ela não se trata mais dos seres diversamente qualificados da ordem sensível mas do ser em sua universalidade absoluta Se portanto já nos níveis inferiores de abstração a Filosofia tem por objeto determinar as condições pelas quais os seres existem com maior razão a metafísica terá por finalidade definir as condições mais gerais do ser isto é da existência Sem dúvida será necessário aqui como alhures visar ao ser através da essência primeiro porque um ser é uma essência que existe em seguida porque a existência não pode ser imaginada senão quando conceitualizada Mas a análise das essências nunca é senão um meio o meio adequado à nossa inteligência que progride apenas por via de abstração compondo e dividindo para chegar a explicar o que existe isto é o real e a existência Sob este aspecto a metafísica tomista é fundamentalmente existencialista e o é mesmo por definição quando exclui toda possibilidade de jamais alcançar a existência pelo caminho da análise das essências e quando professa que a existência não é um acidente de essência mas a própria atualidade desta sem o que não haveria essência nem determinação alguma Deste pontodevista se existe uma ciência do real este título cabe primeiro e de algum modo exclusivamente à Filosofia e à Metafísica 2 NOÇÕES MODERNAS DA METAFÍSICA As definições da metafísica propostas a partir de DESCARTES são geralmente ou inexatas e incompletas e concebem de antemão e de modo arbitrário tudo o que se discute ou então atribuem à metafísica um domínio que pertence própria mente a outras partes da filosofia É o que vamos verificar examinando as principais dentre estas definições cuja discussão nos ajudará a precisar o objeto e as fronteiras da metafísica ao mesmo tempo que às exigências de uma concepção isenta de preconceitos e de a priori tal qual se apresenta no contexto aristotélico e tomista LALANDE Vocabulaire Technique et critique de la Philosophie I págs 455459 distingue na idade moderna duas maneiras de caracterizar ou definir o termo metafísica segundo se acentue mais quer a idéia de certos seres ou de uma certa ordem de realidade objeto especial da metafísica quer a idéia de um modo especial de conhecimento Mas não vemos como uma ciência possa ser definida por um modo de conhecer Definiremos a astronomia como uma ciência que usa telescópios A biologia como a que utiliza microscópios Uma ciência seja qual for definese por seu objeto A designação de um modo especial de conhecer é uma questão de método que depende estritamente da definição do objeto formal da ciência em causa Com efeito se muitos filósofos modernos fazem das realidades metafísicas o objeto de uma apreensão intuitiva ou um objeto de fé irracional é preciso ver aí não um princípio mas uma simples consequência de sua maneira de conceber o objeto da metafísica É evidentemente o caso de KANT de FICHTE de LACHELIER e de BERGSON De modo que não existe senão um princípio de classificação das definições da metafísica qual seja o que se toma do objeto atribuído à metafísica Caberia observar outrossim que é de uma lógica duvidosa pedir uma definição nominal a um modo de conhecimento a definição de um termo consiste em dizer o que significa esse termo isto é explicitálo em seu sentido recorrendo a termos mais claros ou à etimologia O resto é teoria mas não definição 1 Ciência do imaterial Esta definição é a dos cartesianos espiritualistas Já observamos que ela é apenas materialmente exata e que se torna arbitrária e errônea quando o termo imaterial serve para designar imediata e essencialmente Deus e a alma espiritual Com efeito não podemos saber no início da metafísica se Deus existe nem o que Ele é Não podemos conhecer Deus na sua existência e natureza senão por meio do ser o que significa que não é Deus como tal que é o objeto próprio da metafísica mas primeiro e essencialmente o próprio ser enquanto tal A definição cartesiana da metafísica conduzirá fatalmente à constituição de uma teologia natural a priori sob a forma de vasto argumento ontológico Quanto à psicologia ela permanece como parte integrante da filosofia da natureza uma vez que a alma humana é aí considerada como forma do corpo orgânico e por isso dependente mesmo nas suas operações mais elevadas se bem que apenas extrinsecamente dos órgãos corpóreos II 637 Contudo o fato de a alma humana ser de natureza espiritual de ser suscetível de atividades inteiramente imateriais em si próprias e ser capaz de subsistir imaterialmente dá à psicologia uma espécie de acabamento metafísico 2 Ciência do real em si mesmo Esta definição deriva da crítica kantiana Ela se baseia efetivamente sobre a oposição do real em si e não aparente e os fenômenos ou aparências sensíveis SCHOPENHAUER fornece a respeito uma fórmula perfeitamente clara Entendo por metafísica todo conhecimento que se apresenta como algo que ultrapassa a possibilidade da experiência e por conseguinte a natureza ou a aparência das coisas tal como nos é dada para nos possibilitar o acesso àquilo pelo que se acha condicionada ou para falar de maneira mais simples àquilo que se esconde atrás da natureza e a torna possível A diferença entre a física e a metafísica repousa principalmente sobre a distinção kantiana entre fenômeno e coisa em si Die Welt I sup cap XVII ed Grossherzog Wilhelm Ernst II pág 882 BERGSON retomou este pontodevista Se existe um meio de possuir absolutamente uma realidade escreve em vez de a conhecer relativamente de se colocar nela em vez de se adotar pontosdevista sobre ela de terse dela a intuição em vez de analisála enfim de apreendêla livre de toda expressão tradução ou representação simbólica isto é a metafísica A metafísica é pois a ciência que pretende dispensar os símbolos Introduction à la Métaphysique na Revue de Métaphysique 1903 pág 4 BERGSON define portanto a metafísica exatamente como KANT é a ciência do real em si apreendido diretamente na sua realidade existencial e concreta A diferença é que KANT nega que uma tal ciência seja possível enquanto BERGSON afirma que ela é possível pela via da intuição supraracional O pontodevista de KANT como o de BERGSON parece primeiramente aproximarse da concepção aristotélica da metafísica enquanto o objeto desta é definido como o que está além do sensível ou do fenômeno e o que compõe o real além da aparência Na realidade toda uma filosofia já está incluída arbitrariamente na definição kantiana e bergsoniana qual seja a de que o ser em si Ding in sich seria caso exista uma coisa totalmente estranha à experiência sensível ou racional e por conseguinte só unicamente afirmável ou acessível por meio de processos sofísticos KANT ou de processos supraracionais BERGSON Eis porque SCHOPENHAUER declara que a metafísica é um pretenso conhecimento enquanto BERGSON a considera como uma ciência autêntica embora mais próxima da experiência mística que do saber racional Sem discutir por enquanto estas concepções observaremos que elas pressupõem tudo que está em causa e começam por negar a metafísica em sua própria definição da metafísica 3 Ciência do incognoscível É a definição proposta por alguns positivistas particularmente por LITTRÉ e SPENCER Encarada num determinado sentido esta definição seria evidentemente absurda De fato quer ela significar que a ciência e a filosofia nos levam a afirmar a existência de realidades INTRODUÇÃO À METAFÍSICA 21 sôbre as quais não temos meio algum de inf armação científica Deve existir além do real sensível e visível da ciência uma qualquer coisa a respeito da qual nada sabemos e nada jamais poderemos saber 12 Do pontodevista positivista é clarõ que a metafísica assim compreendida não seria de maneira alguma uma ciência Seria o domínio por excelência da conjetura e da imaginação Por outro lado a concepção spenceriana depende de teorias arbitrárias relativas simultâneamente à evolução humana que iria da etapa teológica à metafísica em seguida ao positivo e ao conhecimento nominalismo Daí se segue que desde o inicio a metafisica aparece a SPENCER sob o aspecto de reali dades situadas além do universo formando segundo a expres são de LITTRÉ um oceano para o qual não temos embarcação nem velas Mas isto é puro preconceito e puro a priori Se o metafísico tal qual se nos apresenta é primeiramente o que há de mais geral na experiência a metafisica nos surgirá legitimamente como uma ciência autêntica que tem um objeto real e dedicado a partir do real sensível e observável à pes quisa das condições da existência em geral r 4 Ciência do absoluto Depois dos fenômenos es creve L LIARD La Science positive et la métaphysique pre fácio pág 1 queremos conhecer o absoluto depois das con dições indagamos das razões da existência A metafísica seria a determinação dêste absoluto a descoberta desta razão Esta definição da metafísica como conhecimento do absoluto é das mais freqüentes entre os espiritualistas modernos De certo modo encerra algo de exato quando significa que a me tafísica é a ciência dos primeiros princípios e das causas pri meiras Contudo faltalhe precisão formal A maiúscula com que freqüentemente se grafa a palavra absoluto indica que é Deus que é dado como objeto imediato e próprio da metafísica enquanto a noção de Deus s6 virtualmente pode ser enton trada na definição do seu objeto 12 H SPENCER Les p1emieTs pTincipes 1 ª parte cap III 21 Por maio res que sejam os progressos alcançados reunindo os fatos e estabelecendo sôbre êlcs generalizações cada vez mais amplas por mais que se tenha levado a redução das verdades limitadas às verdades mais extensas e mais centrais a verdade fundamental perma11ece tão fora de alcance como nunca A expli cação do explicável pode apenas mostrar com mais clareza que o que per manece além é inexplicável 0 homem de ciência verifica assim que a substância e a origem das coisas objetivas como as das subjetivas são impenetráveis Em qualquer direção que leve suas investigações essas o conduzem sempre à presença de um enigma insolúvel e êle reconhece cada vez mais claramente sua insolUbilidade LIARD por outro lado pretende que a metafísica parta não de uma afirmação especulativa mas de uma afirmação moral ou prática Sob este aspecto a metafísica seria o conhecimento do deverser e do ideal como componentes de uma ordem de realidades superior à dos fatos que contêm a razão de ser desta Cf La Science positive et la métaphysique 3a parte cap VII Esta opinião além de ser ainda demasiado especificamente teológica parece derivar da doutrina kantiana que faz da existência de Deus um postulado da razão prática A metafísica assim compreendida não teria mais autonomia nem valor científico 5 Conhecimento sistemático universal Este pontodevista leva a metafísica a constituir a síntese tão integral quanto possível da experiência sobretudo da experiência interior base e condição de qualquer outra Esta concepção que se encontra freqüentemente entre os positivistas põe em evidência um determinado aspecto do saber metafísico qual seja o de constituir a ciência mais universal uma vez que se refere ao ser abstraído de toda determinação e às suas causas primeiras Ela é portanto essencialmente sistematizadora como observa SANIO TOMÁS denominandoa ciência diretora e filosofia primeira Mas o erro desta definição é deixar na penumbra a razão deste caráter sistemático e privar a ciência metafísica de seu objeto próprio e essencial que é o ser enquanto tal levando a sistematização metafísica a uma obra puramente formal e reduzindoa desta forma a apenas uma espécie de lógica 6 Conhecimento a priori e teoria crítica O nome de metafísica escreve KANT Critique de la Raison pure Metodologia transcendental cap III pode ser dado a toda a filosofia pura inclusive à crítica e abranger assim tanto a pesquisa de tudo o que jamais pode ser conhecido a priori quanto a exposição do que constitui um sistema de conhecimentos filosóficos puros desta espécie e se distingue de toda 13 FOUILLÉE Vocabulaire technique et critique de la philosophie I pág 457 Um texto de DUNAN Essais de Philosophie générale págs 436437 citado pelo Vocabulaire págs 457459 comenta claramente a concepção de FOUILLÉE A metafísica deve ser definida como uma concepção de algo em que entra com maior ou menor clareza e distinção uma concepção de todas as coisas Poderseia encontrar nessa definição uma designação do ser comum como objeto da metafísica no ser comum com efeito conhecemos todos os seres com o recurso da analogia Mas não é isto o que entendem FOUILLÉE e DUNAN Todo homem seja qual for continua esse tem seu sistema ou antes seus sistemas e eis porque também todo homem saiba ou não é um metafísico uma vez que fazer metafísica não é senão sistematizar isto é organizar idéias Toda a diferença que existe neste particular entre os metafísicos de profissão e o leigo é que entre os metafísicos a sistematização se refere a idéias mais extensas mais complexas melhor elaboradas do que as do comum dos homens utilização empírica e também de todo emprego matemático da razão Materialmente a metafísica se comporá pois de quatro partes principais a ontologia a fisiologia racional física e psicologia racional a cosmologia racional a teologia racional às quais convém acrescentar a crítica do conhecimento Há ainda uma metafísica dos costumes enunciando os princípios que determinam a priori e tornam necessários o fazer e o não fazer Vêse imediatamente que a definição que KANT propõe da metafísica como sistema de conhecimento a priori depende da crítica kantiana da razão KANT define não a metafísica mas a sua metafísica Aliás deseja realmente definir a metafísica mas como objetivamente esta se limita a uma pura sofística não resta de fato senão a crítica para fornecer um conteúdo à metafísica Se bem que para KANT toda a metafísica consiste num estudo crítico da razão resultando na demonstração de que a metafísica é impossível A metafísica se esgota em sua própria negação Não deveremos aqui levar em consideração as definições positivistas Para STUART MILL COMTE TAINE DURKHEIM etc não há metafísica possível sendo as realidades metafísicas absolutamente inacessíveis e constituindo de fato apenas o produto de uma imaginação ontológica a ser eliminada pelo advento do espírito positivo Podemos considerar o estado metafísico escreve COMTE Discours sur lesprit positif 10 como uma espécie de doença crônica naturalmente inerente à nossa evolução mental individual ou coletiva entre a infância e a virilidade O único interesse aliás puramente provisório da metafísica é de entreter uma espécie de espírito crítico e generalizador e de ajudar assim à dissolução definitiva do pensamento teológico Ibid 11 Deste pontodevista toda definição da metafísica será para os positivistas a de uma ciência sem objeto real É o que quer dizer W JAMES ao escrever que para o positivista um metafísico se assemelha a um cego procurando às apalpadelas num quarto escuro um chapéu preto que aí não se encontra Introduction à la Philosophie trad Picard pág 16 ART II OBJETO DA METAFÍSICA 10 As reflexões precedentes já nos forneceram uma primeira delimitação do domínio da metafísica As preci rias resultarão do recurso à doutrina dos graus de abstracão I 21 II 432 1 OS GRAUS DA ABSTRAÇÃO 1 Princípio da distinção Partimos do ser ou mesmo dos seres múltiplos e diversos oferecidos à experiência Isto é importante de ser observado pois não temos razão alguma contràriamente aos processos cartesianos para dar a nós mesmos desde o início um objeto diverso daquele que imediatamente se apresenta aos sentidos e à inteligência A questão consiste unicamente em saber se este objeto se acha estudado adequadamente sob todos os seus aspectos quer pelas ciências da natureza quer pela filosofia natural A resposta a esta pergunta não pode evidentemente resultar senão da distinção dos pontosdevista diversos sob os quais os seres da experiência podem ser considerados objeto formal Se as ciências da natureza e a própria filosofia natural deixam subsistir um pontodevista demasiado geral para elas este pontodevista constituirá o objeto formal da metafísica Com efeito havíamos admitido que as ciências empíricamente consideradas constituem da sociologia às matemáticas uma hierarquia em complexidade decrescente e em generalidade crescente seguese que o mais vasto pontodevista possível na consideração do real se encontra não sômente justificado mas aconselhado pelas exigências mesmas do saber científico 11 2 Os três níveis da abstração Estes três níveis ou graus determinam os três domínios especificadamente distintos da física da matemática e da metafísica a Física Nas realidades da experiência podemos num primeiro grau fazer abstração somente das notas individuais O objeto assim considerado é reduzido às qualidades sensíveis isto é ao que coloca os seres no devenir ens mobile É o domínio das ciências físicoquímicas que se referem às qualidades sensíveis enquanto observáveis e mensuráveis análise empiriológica e empiriométrica assim como o da filosofia da natureza que se refere ao ser sensível enquanto inteligível b Matemática Um grau superior leva a considerar o ser da experiência por abstração de todas as qualidades sensíveis unicamente como quantidade ens quantum Este domínio é simultâneamente o das ciências matemáticas que visam à quantidade número figura e por extensão movimento enquanto imaginável e ao domínio da filosofia da natureza que se aplica à quantidade enquanto forma inteligível Nestes dois primeiros graus de abstração a consideração da matéria permanece presente mas sob aspectos diversos No grau da Física a matéria é considerada sob sua forma sensível comum e a abstração limitase às determinações individuais pelas quais a matéria se torna isto ou aquilo No grau da Matemática não é mais a noção da matéria sensível comum que está em jogo mas somente a da matéria inteligível comum Com efeito a Matemática diz respeito aos números às dimensões e às figuras tudo coisas que podemos considerar sem as qualidades sensíveis mas não sem referência ao menos implícita aos seres que possuem uma quantidade Em outras palavras os objetos matemáticos não supõem a matéria em sua definição mas não podem existir senão na matéria c Metafísica Podemos ainda nos elevar a um grau de abstração pois no ser dado à experiência é possível fazer abstração da própria quantidade Esta é somente uma determinação podemos considerar apenas o próprio ser sem determinação que o torne um ser particular qualquer mas unicamente enquanto ser isto é considerado no seu tipo inteligível e por conseguinte em toda sua universalidade Este ser porque se abstrai de toda matéria simultâneamente da matéria sensível comum e da matéria inteligível comum é transfísico acessível somente ainda mais estritamente que o ser 30 METAFISICAcessário distinguir numa divisão feita deste pontodevista uma espécie de petição de princípio ou de argumento ontológico Contra todos os ontólogos e todas as formas de ontologismo SANTO TOMÁS não cessa de afirmar que não vemos Deus no ser mas o demonstramos a partir do ser Não é pois a noção do ser que nos introduz na Teologia natural pelo menos imediatamente mas a busca da causa do ser universal Daí se depreende por outro lado que Deus só é conhecido em filosofia sob o aspecto de princípio primeiro do ser e a Teologia natural não é de fato senão uma parte da metafísica e não uma disciplina que possui como a Teologia dogmática partindo da Revelação seus princípios próprios e independentes Os princípios da Teologia natural são os da metafísica17 3 Crítica do conhecimento Tudo o que acabamos de dizer do objeto da metafísica vale apenas como se viu ex hypothesi Podemos e devemos com efeito indagar se a inteligência é realmente capaz de atingir o ser isto é qual é o valor ontológico da razão Isto é o objeto próprio da crítica do conhecimento a qual compõe portanto como que uma introdução à metafísica Ela própria é aliás de natureza metafísica uma vez que diz respeito também ao ser extramental não certamente em si mesmo enquanto ser ou realidade objetiva objeto formal da ontologia mas enquanto cognoscível pela inteligênciaA crítica do conhecimento deve preceder a ontologia mas não pode vir senão depois da Psicologia pois como poderíamos inquerir sobre o valor ontológico do conhecer sem saber antecipadamente o que são de fato o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual A questão é saber se a crítica não se encontra de algum modo esgotada pelas observações feitas na psicologia no tocante aos processos do conhecimento Em todo caso se a crítica permanece no seio da metafísica uma disciplina particular provida de um objeto formal próprio ela só se poderá inferir do que SANTO TOMÁS denomina via judicii ou processo que consiste em ir das condições aos princípios racionais com propósito de examinar à sua luz tudo o que a inteligência pôde conhecer22 Na realidade como mais adiante melhor se verá a crítica é um aspecto especial do saber filosófico mais que uma disciplina parti22 Ia q 79 art 8 Et quia motus semper ab immobili procedit et ad aliquid quietum terminatur inde est quod ratiocinatio humana secundum viam inquisitionis vel inventionis procedit a quibusdam simpliciter intellectis quae sunt prima principia et rursus in via judicii resolvendo redit ad prima principia ad quae inventa examinat INTRODUÇÃO À METAFÍSICA 27 píricas da pura v1sao do espírito Cf SANTO TOMÁS ln Meta11h11sicam Prooemium As diversas ciências não estão no sentido estrito eia palavra su bordinadas à metafísica isto é no sentido em que por exemplo a óptica está subordinada à geometria A óptica com efeito é des provida de princípios próprios e procede das conclusõés da geome tria Ao contrário a filosofia natural tem seus prlncipios próprios que são evidentes por si mesmos exemplo tôda mudança exige um sujeito 1 313J Mas êstes princípios podem êles próprios ser redu zidos a princípios ainda mais universais que são da alçada da meta física e que esta proíbe ao menos negativamente por redução ao absurdo 18 Sob êste aspecto há uma certa subordinação das ciên cias à metafísica SANTO TOMÁS 1 Post Anal leit 25 e 41 Isto explica que se a metafisica tem sôbre tôdas as outras ciências uma prioridade de dignidade e de certeza seu estudo não poderia preceder o das ciências particulares nem o da filosofia natural e cosmologia e Psicologia pois do pontodevista da invenção ou da aquisição progressiva do saber podemos apenas ir do sensível ao nãosensível do concreto ao abstrato 14 3 Valor sintético do pontodevista do ser O ponto devista aristotélico e tomista impôsto como se viu pelo pro gresso e o ritmo natural do saber encontrase indiretamente j ustificado por seu caráter sintético Enquanto que de fato as diferentes definições modernas que discutimos se accluem mutuamente a noção de metafísica como ciência do ser en quanto ser implica tudo o que existe de verdadeiro e de po sitivo nas definições contestadas A ciência do ser enquanto tal é de fato a ciência do que é nãosensível quer dizer ima terial ainda que se não possa desde o princípio apreender no ser mais do que a possibilidade de sêres positivamente ima teriais 1º A metafísica é também ciência do reai em si meStno pois tratando do ser ela trata do mais real nas coisas uma vez que nada existe de real senão pelo ser Ela é ainda ciência do incognoscível ao menos no sentido de que seu obj e 111 Cf SANTO TOMÁS Conta Gent III 25 ln omnibus scientiis et artibus ordinaüs ad iliam videtur pertinere ultlmus finis quae est prae ceptiva et architectonica aliarum sivut ars gubematoria ad quam pertinet finis navis qui est usus ipsius est architectonica et praeceptiva respectu navifactivae Hoc autem modo se habet Philosophia prima ad alias scien tias speculativas nam ab ipsa omnes aliae dependent utpote ab ipsa acci pientes sua principia et directionem contra negantes principia 19 Isto deve ser entendido do pontodevista lógico e não necessàriamente do pontodevista cronológico Lógicamente a noção de existência de Deus é posterior à apreensão do ser uma vez que ela se estabelece por via causal a partir dessa apreensão Mas cronológicamente a existência de Deus pode ser apreendida quase intuitivamente como seja por uma inferência extre 1amenM rAplda e como que simultânea com a intuição do ser no ser dado a experiência em razão dos caracteres de contingência de que êle parece evidentemente afetado 28 METAFÍSICA to que é suprasensível pode ser apenas apreendido pelo re curso da analogia e quando se trata do principio primeiro do ser universal ultrapassa infinitamente a capacidade da nossa inteligência A Metafísica é também a ciência do absoluto E o é por dupla razão porque o esse é o absoluto de cada coisa e porque ela visa a definir as causas e os princípios absolutamente primeiros do universo Ela é um conheci mento sistemático universal uma vez que o pontodevista do ser é o mais sintético que possa existir pois que tudo se de fine se julga e se explica em função do ser Enfim a meta física pode ser considerada como conhecimento a priori no sentido de que está implicitamente contida tôda inteira nos princípios primeiros da razão isto é nas leis do ser que são apreendidas intuitivamente desde o primeiro contato da inte ligência com as coisas Apesar de suu criticas a PLATÃO a ARisTÓTELES e aos ESCOLÁS TICOS cf Sein unri Zett págs 12 HEIDEGGER retoma o essencial do pontodevista daqueles autores insistindo sôbre o fato de que o problema do ser que constitui a própria metafísica tornase uma maneira rie ser rio su1eito que inte1roga que é o existente interro gandose sôbre o ser da existência Com efeito unicamente porque o nada nos é revelado no fundo do Daseln somos suscetlveis de ser assaltados pela absoluta estranheza do eztstente A metafísica é êste Por quê que nasce da surprêsa isto é da manifestação do Nada e da angústia que ela determina cPor que afinal há mais existente que nada Mas é necessário compreender que êste pro blema não é formulado do exterior êle coloca em jôgo a nós mes mos De tal forma que pelo ato mesmo de existirmos estamos desde então agora e sempre em plena metafísica Donde a impor tãncla da metafísica que nenhuma ciência por mais rigorosa que seja poderia igualar Ccf HEIDEGGER Questceque la Métaphysique trad d e H CORBIN Paris 1938 págs 4144 Vemos também que esta concepção se apóia sôbre uma noção préontológica do ser e do nada que não nos cabe discutir aqui e que implica metoãológi camente o recurso à fenomenologia extstencial 1 8 bis é na aná lise do ôntico dado exfstenciaZJ que temos que descobrir o onto lógico ou extstencial Podemos aproximar êstes pontosdevista dos de JP SARTRE para quem a metafísica não é uma discussão estéril sôbre noções abstratas que escapam à experiência mas um esfôrço vivo para abranger pelo seu interior a condição huma na na sua totalidade Situations II pág 251 No Etre et le Néant pág 354 SARTRE apresentava o problema da me tafísica como sendo o da existência do existente a Ontologia sendo definida como a explicação das estruturas de ser do existente como totalidade B Divisão 15 A divisão da metafísica resulta da sua própria definição sendo a ciência do ser e do que lhe diz respeito essencialmente INTRODUÇÃO À METAFÍSICA 29 ela comportará duas partes principais segundo se considere a inteligibilidade intrínseca Ontologia ou a inteligibilidade ext1Ínseca do ser Teologia natural 1 Ontologia A metafísica se ocupa primeiramente do ser como tal em si mesmo isto é do que constitui sua inte ligibilidade intrínseca quer estàticamente o ser como trans cendental os gêneros supremos quer dinâmicamente o ser enquanto tal Esta primeira parte chamase Ontologia ou ciência do ser ou ainda Metafísica geral 20 l importante observar desde j á que o ser ele que se trata por hipótese em metafísica não pode ser senão o ser real ainda que encarado sob seu aspecto mais universal e não o ser de razão o ser puramente mental conceitos e idéias enquanto tais 1 43 o ser de razão como tal se filia à Lógica que determina a ordem a ser observada subjetivamente nos conceitos do entendimento Por que a metafisica visa ao ser real extramental objetivo não pode absolutamente se definir à maneira kantiana como Ein System der blossen Erkenntnis a priori aus blossen Begriffen sistema cons truído a priori por melo de noções estranhas à ciência A meta física em seu conceito mais evidente se apresenta ao contrário como uma ciência baseada na experiência num certo sentido deverseia mesmo dizer que é a mais positiva de tôdas quanto a seu obj eto abstraído da experiência sensivel é a mais universal e segura de nossas experiências Vemos por estas observações por que em WoLn a Ontologia sistema a priori como as matemáticas vem à frente da filosofia e porque ao contrário segundo o espírito de ARISTÓTELES e de SANTO TOllIÁS como também segundo as exigências progressivas do saber a metafísica não poàe vtr senão no final da filosofia especulattva 16 2 Teologia natural Contràriamente a uma op1mao demasiadamente freqüente 21 não cremos que a teologia na tural ou teodicéia venha a fazer parte da metafísica pelo fato de que se poderia distinguir a priori no ser quer o ser universal comum quer o ser positivamente imaterial Isto como já observamos 2 só materialmente é verdade Do pontodevista do progresso do pensamento cremos que não é assim que se passa da ontologia à teodicéia senão seria ne 20 De fato a expressão Metafísica geral é bastante imprópria e parece implicar uma concepção wolfiana da metafisica dividida por WoLFF por KANT e em geral pelos modernos em metafisica geral que seria a ontologia e em metaffsicas especiais cosmologia psicologia e teologia racionais Vimos que êsse pontodevista é errôneo pois para falar a rigor não existe meta física especial A Teologia natural é tão geral quanto a Ontologia uma vez que ai se trata da Causa do ser universal Outro tanto devese dizer da Critica do conhecimento que por um lado tratando do ser universal enquanto cognoscível possui a mesma generalidade da Ontologia e que por outro lado não depende da Ontologia mas estabelece a sua possibilidade 21 Cf P DEsCoQs Institutiones Met gen págs 24 sg cessário distinguir numa divisão feita dêsse pontodevista uma espécie de petição de princípio ou de argumento ontológico Contra todos os ontólogos e todas as formas de ontologismo SANTO TOMÁS não cessa de afirmar que não vemos Deus no ser mas o demonstramos a partir do ser Não é pois a noção do ser que nos introduz na Teologia natural pelo menos imediatamente mas a busca da causa do ser universal Daí se depreende por outro lado que Deus só é conhecido em filosofia sob o aspecto de princípio primeiro do ser e a Teologia natural não é de fato senão uma parte da metafísica e não uma disciplina que possuí como a Teologia dogmática partindo da Revelação seus princípios próprios e independentes Os princípios da Teologia natural são os da metafísica 3 Crítica do conhecimento Tudo o que acabamos de dizer do objeto da metafísica vale apenas como se viu ex hypothesi Podemos e devemos com efeito indagar se a inteligência é realmente capaz de atingir o ser isto é qual é o valor ontológico da razão Isto é o objeto próprio da crítica do conhecimento a qual compõe portanto como que uma introdução à metafísica Ela própria é aliás de natureza metafísica uma vez que diz respeito também ao ser extramental não certamente em si mesmo enquanto ser ou realidade objetiva objeto formal da ontologia mas enquanto cognoscível pela inteligência A crítica do conhecimento deve preceder a ontologia mas não pode vir senão depois da Psicologia pois como poderíamos inquerir sobre o valor ontológico do conhecer sem saber antecipadamente o que são de fato o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual A questão é saber se a crítica não se encontra de algum modo esgotada pelas observações feitas na psicologia no tocante aos processos do conhecimento Em todo caso se a crítica permanece no seio da metafísica uma disciplina particular provida de um objeto formal próprio ela só se poderá inferir do que SANTO TOMÁS denomina via judicii ou processo que consiste em ir das condições aos princípios racionais com propósito de examinar à sua luz tudo o que a inteligência pôde conhecer22 Na realidade como mais adiante melhor se verá a crítica é um aspecto especial do saber filosófico mais que uma disciplina parti INTRODUÇÃO Ã METAFÍSICA 31 cular De fato não é outra coisa no seu sentido mais geral senão a reflexão pela qual a inteligência à medida que avança na consti tuição do saber toma consciência de si e de seu poder e verifica de qualquer modo seus métodos e seus processos Por esta razão ela é sabedoria ao mesmo tempo que ciência Tudo isso deve so bressair claramente das diligências pelas quais ellboramos até ago1a o saber filosófico Cada vez que um nôvo objeto formalmente dis tinto se oferecia a nosso estudo devíamos verificar o alcance e o valor de nossos processos de investigação o que era propriamente instituir desde então uma critica do conhecimento Em metafisica conseqüentemente a critica será uma verificação metódtca da tnte ligéncia enquanto obretra do saber metafístco e esta verificação coincidirá com a própria constituição dêste saber ela será propria mente em sua significação a inteligência observandose agir meta fisicamente e tomando reflexivamente consciência de seus proces sos de seu valor de seus limites Se a crítica assume aqui uma importância especial e parece se destacar da metafisica é devido à particular importância do assunto em jôgo e também por razões que podem ser chamadas polêmicas porque dizem respeito aos múl tiplos problemas e às graves dificuldades levantadas neste domínio pela especulação moderna Tudo isto contudo em nada modifica a estrutura das coisas a critica do conhecimento não é uma ciência autônoma essencial mente distinta da metafísica Temos assim o plano e os princ1p1os segundo os quais se deve organizar nosso estudo da metafisica 2s 23 O plano aqui proposto para o estudo da metaílsica coincide essencial mente com o plano da Metafísica de ARISTÓTELES retomado por SA1TO TOMÃS no seu Comentário sóbre 11 Metafísica Com efeito a obra de ARIS TÓTELES pode ser dividida em três partes principais a saber introducão à metafisica ou metafisica critica 1IV ontologia CVX teologia natu1al XXIV da filosofia natural à pura inteligência É o que significa primeiro e essencialmente como vimos acima o termo metafísica 2 A CIÊNCIA METAFÍSICA A Especificidade da Metafísica 1 A metafísica como ciência autônoma A metafísica considerada como ciência do ser enquanto ser ou a ciência das condições da existência em geral se apresenta pois como um objeto bem definido que só a ela pertence Nenhuma ciência quer natural quer filosófica visa ao mesmo objeto neste nível de generalidade e isto bastaria para justificar a pretensão da metafísica de constituir uma ciência especificamente distinta de todas as outras e absolutamente autônoma Poderíamos objetar é verdade que esta especificidade e esta autonomia são apenas hipotéticas isto é dependem da realidade do objeto da metafísica Mas admitimos sem dificuldades o alcance desta objeção cujo sentido corresponde exatamente ao pontodevista sob o qual abordamos a metafísica De fato nada queremos prejulgar seguimos somente o movimento do pensamento que progride pela via da generalização isto é por abstrações cada vez mais extensas Este progresso nos conduz afinal a fazer abstração de todas as determinações que afetam o ser da experiência para considerar neste apenas aquilo que o constitui e o torna inteligível pura e simplesmente enquanto ser Quanto a saber se esta abstração é legítima e se deixa subsistir ainda o real adiante do espírito teremos que o pesquisar antes de abordar a metafísica 2 A metafísica como ciência diretora Inferese que a metafísica se ela é possível é uma ciência autêntica Ela é mesmo a mais elevada e a mais perfeita de todas as ciências Merece mesmo ser chamada ciência diretora enquanto seu objeto que é o ser universal considerado em toda a sua pureza inteligível está presente em toda parte e por esta razão os enunciados da metafísica valerão universalmente com o benefício da analogia para tudo o que existe ou possa existir de algum modo A metafísica é também por esta razão a ciência mais livre enquanto se apresenta como liberada da servidão do sensível isto é de tudo o que a matéria introduz de obscuro ao espírito e de acidental conseqüentemente de irracional nos objetos do saber e dependente unicamente em sua constituição formal mas não nas suas origens em LIVRO PRIMEmo CRITICA DO CONHECIMENTO CAPÍTULO 1 HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE A DESCARTES SUMARIO 1 ART I A ANTIGUIDADE O problema do ser e do real Heráclito Parmênides As posições críticas O ceticismo O nominalismo Crítica do conceito O fenomenismo e o idealismo O realismo Aristóteles Santo Agostinho ART II A IDADE MÉDIA O realismo crítico O realismo tomista A questão do realismo crítico O realismo platônico O realismo das essências O panteísmo O terminismo O princípio nominalista O princípio da imanência O idealismo problemático ART III O CARTESIANISMO A via modernorum Os temas da Idade Média O primado da Crítica O idealismo cartesiano A doutrina de Descartes O problema crítico após Descartes 21 Os modernos de bom grado fazem datar de DESCARTES o aparecimento do pontodevista crítico em filosofia Pela primeira vez na história pensam eles a razão para DESCARTES 1 Cf E BRÉHIER Histoire de la Philosophie t I e t II págs 1128 M DE WULF Histoire de la Philosophie médiévale UEBERWEGSGEYER Geschichte der Philosophie Die Patristische und Scholastische Zeit Berlim 1928 J MARÉCHAL Précis dHistoire de la Philosophie moderne I De la Renaissance à Kant Louvain 1933 GARDEIL Les étapes de la Philosophie idéaliste Paris 1935 J WAHL Étude sur le Parménide de Platon Paris 1926 R JOLIVET La Notion de Substance Paris 1929 Les Sources de lIdéalisme Paris 1936 R VERNEAUX Les sources cartésiennes et kantiennes de lidéalisme français Paris 1936 O HAMELIN Le système de Descartes 2a ed Paris 1921 Le système dAristote Paris 1920 J CHEVALIER Descartes Paris 1921 L BRUNSCHVICG Le progrès de la conscience Paris 1927 págs 139161 SIRVEN Les années dapprentissage de Descartes Paris 1928 G VAN RNET Lépistémologie thomiste Louvain 1946 PRIMEIRA PARTE POSIÇÃO E mrono DO PROBLEMA CRITICO 20 As questões que se apresentam nos umbrais da crítica do conhecimento são as que pizem respeito ao sentido do problema crítico e ao método que convém empregar para sua solução Estas questões adquirem aqui uma importância particular pois hã poucos pontos em filosofia a respeito dos quais se emitam opiniões tão diversas e confusas Deveremos pois começar por definir com a máxima precisão possível o obj eto formal e a finalidade da Crítica Para lá chegar o melhor meio consistirá em estudar como se apresentou de fato na história o problema crítico Discernirseá assim bem melhor do que por via abstrata que princípios ou que postulados diri gem os debates relativos ao valor do conhecimento e como sob vários aspectos as tão variadas teorias propostas não correspondem realmente senão a pseudoproblemas1 que uma psicologia ou uma cosmologia mais exatas poderiam antes eli minar como desprovidos de sentido e de fundamento Dêsse modo estaremos habilitados a delimitar com precisão o sen tido e a extensão reais do problema crítico assim como o método que êle requer Est11 exposição histórica é feita em função do problema crítico isto é por um lado ela não retém da história das doutrinas senão o que é relativo à critica do conhecimento ou resulta imediatamente das soluções propostas e por outro retém apenas nesta mesma ordem os nomes e as doutrinas que forpecem os temas especulativos maia precisos abandonando tudo que embora tão importante sob outros aspectos nada acrescentasse de essencial ao nosso estudo ou suscitasse repetições inúteis Blank page no text Blank page no text tomavase a si própria como objeto de estudo e se interrogava sobre seu próprio valor 2 Mas nada há de menos conforme aos fatos É natural para a razão interrogarse a respeito de seu valor e de seu alcance e desde a antiguidade esse problema foi formulado estudado senão resolvido com uma clareza perfeita Se o problema crítico tomou na idade moderna novas formas nada prova a priori que haja nisto um progresso verdadeiro nem que a solução geral deste problema dependa de princípios diferentes daqueles que a antiguidade e a Idade Média puseram em prática ART I A ANTIGUIDADE Na antiguidade grega o problema crítico parece ser antes de tudo o da capacidade da razão para conhecer a verdade com certeza Aparece proposto ao mesmo tempo pelo espetáculo da multiplicidade e da contradição das opiniões filosóficas pela exploração dos casos de erros ou de ilusões dos sentidos e pela crítica do conhecimento abstrato nominalismo Estes temas críticos dependem eles próprios dos dois pontosdevista antitéticos sobre a natureza do ser que definem os nomes de HERÁCLITO e PARMÊNIDES 3 1 O PROBLEMA DO SER E DO REAL Há um problema do ser que se apresenta do pontodevista empírico pelo conflito entre o pensamento conceptual que procede por meio de ideias universais e imutáveis e a realidade sensível que os sentidos nos fazem apreender como perpetuamente móvel Onde se deve descobrir o ser verdadeiro no mundo do devenir ou no universo imóvel das 2 É o próprio DESCARTES quem aliás enunciou esta opinião cf em particular na Carta ao tradutor de Principes de la Philosophie com uma segurança que não justificam de modo algum as considerações históricas inexatas sumárias e injustas que ele expõe ao mesmo tempo BRUNSCHVICG Le Progrès de la conscience dans la Philosophie occidentale t I pág 142 julga que a história confirma o pontodevista cartesiano Com DESCARTES a razão do homem desconhecida há vinte séculos tanto na pureza espiritual de seus princípios quanto na sua capacidade de se tornar senhora do universo foi finalmente trazida à luz Em nenhuma parte o acontecimento decisivo foi proclamado com uma consciência de si tão luminosa e tão insolente como nas primeiras páginas do Traité du Monde consagrada a pôr em paralelo e em oposição o Mundo dos Filósofos que DESCARTES abandona à logomaquia da potência e do ato e o mundo baseando no movimento verdadeiro 3 Cf J BURNET Lautore de la Philosophie grecque trad Reymond Paris 1919 págs 145228 idéias A primeira solução é a de HERÁCLITO a segunda a de PARMÊNIDES 1 Heráclito de Efeso HERÁCLITO cerca de 500 A C impressionouse com a lei universal da mudança Tudo passa disse nada permanece O universo é como um rio no qual não se pode banhar duas vezes O que existe se transforma pelo próprio fato de existir o que equivale a dizer que o ser enquanto realidade estável e durável não existe existe somente o devenir que é a própria substância das coisas Poderseia aliás mostrar dialeticamente que não se pode admitir a realidade do ser sem tornar impossível e ininteligível a mudança Com efeito o que vem a ser não pode vir nem do nãoser uma vez que do nada nada vem nem do ser uma vez que o ser por definição é e o que é não está por devenir Do pontodevista psicológico e crítico a doutrina de HERÁCLITO leva ao mais radical ceticismo pois que resulta na negação do princípio de identidade Se tudo está em tudo se os contrários se identificam se nada em absoluto é estável é impossível nada afirmar ou negar ou antes podese tudo afirmar e tudo negar pois nada é verdadeiro e nada é falso O ceticismo sem dúvida não foi professado pelo próprio HERÁCLITO Os textos que parecem negar o princípio de identidade não se deveriam tomar em sentido lógico mas somente seriam relativos à natureza e marcariam sob uma forma paradoxal ao mesmo tempo o fluxo universal e a correlação necessária dos contrários a verdade e o falso são inseparáveis como o dia e a noite o que agora é verdade tornarseá falso e inversamente uma coisa não se torna boa se não for má e inversamente etc Contudo ARISTÓTELES que parece isentar HERÁCLITO de haver negado expressamente o princípio de contradição nota justamente que professando a teoria da redução do ser ao devenir HERÁCLITO devia chegar logicamente a suprimir o verdadeiro e o falso o bem e o mal e a se chocar contra as exigências racionais do pensamento Meta V 7 1005 b 241012 a 24 Podese julgar que neste ponto a posição de ARISTÓTELES em relação a HERÁCLITO é muito moderada e não se pode entrever que haja ocasião de suspeitar como BURNET loc cit pág 163 quer de sua boafé quer de sua inteligência 23 2 Parmênides de Eléia PARMÊNIDES entre 530 e 444 propõe uma doutrina contraditoriamente oposta à de HERÁCLITO O real diz ele é o ser e não o devenir O devenir é apenas aparência sensível Se o ser estivesse sujeito à mudança viria do nãoser o que é absurdo A mudança é pois impossível O destino não permite ao ser nascer ou perecer mas o conserva imóvel e eterno Fora do ser nada existe de real O Ser é o Uno e o Tudo Este pontodevista ontológico implica no domínio psicológico e crítico a afirmação essencial de que o pensamento é a mesma coisa que o ser e de que o pensamento é idêntico ao objeto do pensamento O real se reduz à Idéia imutável e necessária e por isto não haverá ciência autêntica senão das idéias J BURNET loc cit pág 210 observa com razão que PARMÊNIDES é o pai do materialismo pois o princípio o que é é antes de tudo para ele a afirmação da realidade do mundo exterior como um plenum contínuo indivisível imutável finito e completo em si próprio Mas se é verdade que não há materialismo que não dependa da concepção da realidade não se deduz absolutamente que PARMÊNIDES não possa ao mesmo tempo ser o pai do idealismo Materialismo e idealismo não são termos e concepções inconciliáveis Vemolo através da história Ademais o que nos importa aqui são as consequências lógicas das doutrinas Deste pontodevista PLATÃO reconheceu que seu próprio idealismo dependia das opiniões do grande PARMÊNIDES Por outro lado ARISTÓTELES mostrou que HERÁCLITO e PARMÊNIDES estavam pela sua ignorância da noção de potência intermediária entre o ser e o nãoser condenados ao nominalismo 4 Um e outro de fato por não compreenderem que o ser é imanente ao real singular e móvel e por conseguinte que o inteligível é imanente em potência ao sensível subtrairam do conhecer sua raiz experimental Desta posição que lhes é comum vão derivar tanto o empirismo fenomenista dos sofistas e dos céticos como o idealismo platônico 2As POSIÇÕES CRÍTICAS A O ceticismo 24 Os sofistas gregos são essencialmente céticos Mas se distinguem entre si pela maior ou menor extensão do seu ceticismo Os pirrônicos discípulos de PIRRO DE ELÉIA professam um ceticismo universal e radical nunca nem sobre ponto algum é o homem capaz de conhecer uma verdade certa por falta de possuir um critério que permita distinguir seguramente o verdadeiro do falso Toda demonstração do valor da razão conduziria aliás a um círculo vicioso uma vez que ela não se poderia fazer senão por meio da razão argumento do 4 Cf Metaphys I c 9 990 a 34991 b 20 A discussão de ARISTÓTELES é feita sobretudo do pontodevista ontológico Mas o aspecto epistemológico e crítico do problema está claramente ressaltado O que nos causa mais embaraço escreve ARISTÓTELES é perguntarmonos para que podem servir as idéias às coisas sensíveis seja às que são eternas seja às que nascem e perecem Porquanto as idéias não lhes são causas de nenhum movimento nem de nenhuma mudança Na verdade elas de nada servem também ao conhecimento das outras coisas pois as idéias não são a essência das outras coisas pois em tal caso estariam nestas coisas elas não servem tampouco ao ser das outras coisas ao menos se elas não se acham nas coisas que participam nas idéias HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTIOO DA ANTIGUIDADE 41 dialeto Os probabilistas neoacadêmicos atenuam bas tante o ceticismo pirrônico e admite1n que a razão pode chegar a estabelecer probabüidades mas sem jamais ultrapassar êste nível inferior à certeza suficiente quanto ao mais para a vida prática B O nominalismo 25 Numerosos filósofos da antiguidade estabelecem o pro blema crítico e o resolvem de um modo inteiramente diferente do dos céticos O seu pontodepartida reside numa crítica cerrada da inteligência abstrata isto é do conceito ou idéia geral ao qual negam absolutamente valor reduzindo todo co nhecimento válido ao puro sensível sensualismo atomistas epicuristas estóicos ou ao puro inteligível idealismo pla tônico 1 Critica do conceito PLATÃO deixounos em seus Diálogos particularmente no SOFISTA e no PROTÁGORAS os temas p1incipais desta crítica habitual a GORGIAS e a PRO TÁGORAS e que êlc admitia por sua própria conta mas tirando dela conclusões completamente diferentes das dos sofistas Ela comporta três asserções essenciais que poderíamos resumir da seguinte maneira Se pretendemos confiar no conceito como instrumento de conhecimento seguese imediatamente que tôda afirmação é contraditória Com efeito uma vez que dizemos que o não ser é o nãoser afirmamos simultâneamente que o nãoser é alguma coisa que êle é real e que existe Se dizemos que SÓCRATES é filósofo afirmamos que êle é coisa diversa do que é que é e não é ao mesmo tempo Por outro lado o pensa mento tem caracteres opostos aos do objeto as idéias são fixas e imutáveis enquanto os objetos estão em perpétua mutação Nada pois se lhes corresponde verdadeiramente no real Enfim mesmo que o Jer fôsse conhecido seu conhecimento seria incmnunicável porque as palavras nada têm de estável ao contrário do pensamento que elas pretendem transmitir e além disso não podem exprimir senão o sensível enquanto muitos objetos nada têm de sensível o número o silêncio PROTÁGORAS conclui daí que todo conhecimento é relativo e trâdúz a11enas o estado subjetivo daquele que o enuncia mas nunca o ser real que nos escapa invencivelmente SEXTO EMPÍRICO retomando no século II de nossa era o conjunto das objeções céticas formula claramente uma distin ção que se 11ai tornar clássica na cttftica idealista do conheci mento qual seja a dos fenômenos e do ser ou essência Nosso ceticismo escreve consiste essencialmente em opor os fenô menos e as essências estas isoladas não são cognoscíveis mas dizer que nosso ceticismo destrói os fenômenos isto é os dados subjetivos é não mais nos entender Os ESTÓICOS partindo dos mesmos princípios negam qualquer valor a não ser o puramente lógico ao conceito e o consideram como um simples nome comum que serve para resumir um grupo de sensações ou de indivíduos semelhantes nominalismo A ciência para êles nunca será mais que uma expressão da sensação 2 O fenomenismo e o idealismo a Nominalismo e fenomenismo A doutrina segundo a qual os únicos dados empíricos certos se reduzem aos fenômenos ou dados subjetivos é claramente na antiguidade o postulado comum ao mesmo tempo ao empirismo nominalista e ao idealismo Acabamos de ver com que precisão o tema fenomenista foi formulado por SEXTO EMPÍRICO e determinava néle um ceticismo radical com relação ao saber metafísico Com efeito da dupla crítica instituída pela sofística grega do conhecimento sensível tornado suspeito em virtude dos erros dos sentidos e do conceito ou idéia geral necessàriamente estranha diziase então ao movimento contínuo e incessante das aparências e às realidades singulares deduziase que não podemos ter certeza senão das realidades subjetivas idéias imagens sensações e conseqüentemente que o mundo das realidades objetivas poderia perfeitamente não ser para nós senão uma simples ilusão Não há pois senão um universo certo o do sujeito e por conseguinte de acordo com a célebre fórmula de PROTÁGORAS o homem é a medida de todas as coisas Vemos assim como o nominalismo antigo leva muito logicamente ao fenomenismo b Nominalismo e idealismo platônico Por outro caminho o nominalismo vai orientar igualmente o idealismo platônico que se apresenta como uma solução para os problemas criados pela sofística Com efeito PLATÃO admite que o inteligível não seja imanente ao sensível êsse último tal como lhe impõe uma visão empirista do universo é essencialmente múltiplo e descontínuo fugaz e mutável afetado por uma irremediável contradição interna uma vez que o devenir faz dêle um misto de ser e de nãoser Ele é apenas portanto uma sombra ou uma aparência O verdadeiro real é a Idéia isto é o mundo das essências incorruptíveis que apreendemos pelo pensamento acima do mundo das aparências fugidias e instáveis Eis aí segundo PLATÃO o que não havia compreendido a sofística fenomenta tanto que em lugar de extrair do conflito do inteligível e do sensível quer dizer da idéia e da sensação um conselho de ceticismo convém diz PLATÃO apoiar aí tôda a nossa certeza pois o verdadeiro real não é o que se oferece aos sentidos e está submetido ao devenir mas o mundo das Idéias eterno e imutável Só há certeza na idéia e tôda ciência verdadeira se cinge a idéias Eis porque PLATÃO propõe na República 511 b uma dialética que sem utilizar nada de sensível servese ùnicamente das idéias para ir por elas a outras idéias e terminar nelas Este idealismo platônico é ao mesmo tempo um ontologismo e um inéisno no sentido de que de um lado o mundo das Idéias é considerado no sistema de PLATÃO tal pelo menos como ARISTÓTELES o interpreta como um mundo real subsistente e separado do universo sensível ontologismo de outro lado PLATÃO supõe que a alma tendo contemplado as Idéias em uma vida anterior possui inata a ciência das Idéias que se atualizará aos poucos sob a provocação do sensível o qual participa das Idéias ineísmo Mas êstes são aspectos particulares do idealismo platônico Sem dúvida ontologismo e inéismo estão na própria lógica do idealismo DESCARTES retomará o inéismo e MALEBRANCHE o ontologismo Contudo o tema idealista reduzido ao que tem de essencial consistirá em afirmar a partir da crítica nominalista do conhecimento e do fenomenismo que ela implica que a única realidade dada ao conhecimento é a Idéia e que todo o saber autêntico se limita apenas a puras idéias O movimento do conhecer não consistirá pois em ir das coisas ao pensamento mas do pensamento ou da idéia às coisas a coisa aliás nada mais sendo para o idealista do que a realidade objetiva da idéia C O realismo A própria crítica cética e nominalista do conhecimento encontrase vigorosamente criticada e refutada na antiguidade em dois pontosdevista bem diferentes por ARISTÓTELES e por SANTO AGOSTINHO 1 Aristóteles Do pontodevista crítico a obra aristotélica poderia ser definida como uma justificação do conceito enquanto instrumento de conhecimento do real Sôbre êste ponto aliás ARISTÓTELES procede da tradição socrática O mérito particular de SÓCRATES contra os céticos havia sido o de mostrar que tôda verdadeira ciência era feita de definições e conseqüentemente de conceitos e de idéias gerais Faltava apoiar esta asserção essencial sôbre uma análise exata dos processos do conhecimento Foi a isto que se aplicou ARISTÓTELES mostrando que o conceito não é o objeto direto e primeiro do conhecimento mas apenas o sinal mental do objeto e o instrumento do saber Sem dúvida a realidade que êle contém e exprime não existe fora do espírito sob a forma universal de que ela se reveste no pensamento pois só o in divíduoe o singular são reais mas esta realidade é abstraída pela inteligência dos dados sensíveis nos quais ela existe sob forma potencial Se os gêneros e as espécies conceitos existem somente no espírito há no próprio real formas ou idéias realizadas sob forma singular e é função própria da inteligência apreendêlas por via da abstração Dêste modo ARISTÓTELES fundava uma teoria realista do conhecimento inteiramente oposta ao nominalismo empirista e mostrava que a ordenação essencial da inteligência é a de estar conforme ao real Assim ficava igualmente refutado o ceticismo radical dos sofistas Do pontodevista aristotélico permanecia verdade como no idealismo que não há ciência autêntica salvo a das essências e a das idéias uma vez que são os conceitos que compõem os materiais do saber não há senão a ciência do geral mas contràriamente ao idealismo ARISTÓTELES estabelecia que a origem primeira das idéias e dos conceitos residia no próprio sensível O inteligível ou seja a idéia voltava a ser imanente ao sensível em lugar de aparecer como uma construção arbitrária do espírito sem relação com o real tese do empirísmo nominalista ou como o fruto de uma intuição referente a um mundo de essências superior e exterior ao universo da percepção tese do idealismo platônico 2 Santo Agostinho a O neoplatonismo cristão SANTO AGOSTINHO procede da tradição platônica da qual é o herdeiro por intermédio do neoplatonismo de PLOTINO Mas esta tradição êle a incorpora num contexto cristão e por esta razão a transforma profundamente ao mesmo tempo que a completa e a aprimora nela corrigindo o que havia de mais discutível AGOSTINHO não admite com efeito nem o Universo inteligível das idéias subsistentes nem o inéismo platônico Mas estas duas opiniões errôneas lhe pareciam envolver magníficos pressentimentos da verdade Pois é de fato verdade que deve existir um mundo inteligível ou mundo das idéias uma vez que o nosso pensamento procede por meio de idéias eternas e necessárias e por meio de referência a normas absolutas e imutáveis que não desconstammos evidentemente no universo da percepção móvel mutável e essencialmente múltiplo Unicamente êle mundo das idéias é a Razão divina com a qual é preciso que estejamos de algum modo em comunicação pois é únicamente por esta via que se conseguirá explicar que pensamos e julgamos segundo normas que transcendem o espaço e o tempo ilumi nação Há pois um certo inéismo das idéias que é lícito professar Não entretanto no sentido platônico mas no sentido de que a alma por sua natureza espiritual e pelo efeito da luz iluminadora que ela recebe de Deus possui uma aptidão natural seja para perceber o inteligível nela presente isto é ela própria e Deus seja para apreender imediatamente ao chamado das impressões corpóreas o inteligível de que participa e que é sua regra imutável b A tradição agostiniana Sôbre êstes dois pontos AGOSTINHO vai êIe próprio chefiar uma tradição que virá se incorporar ao aristotelismo e lhe fornecerá os complementos de que necessitava Nem PLATÃO nem ARISTÓTELES se bastavam Por um lado com efeito PLATÃO partindo como os empiristas de uma espécie de ceticismo sensível propunha um idealismo ontologista que só explicava o conhecimento inteligível à custa de hipóteses arbitrárias Mas ARISTÓTELES que tinha feito uma análise admiravelmente precisa e penetrante dos processos do conhecimento fracassava ao explicar o que havia na ciência de necessário e de eterno ou em todo caso se descobriria nas essências abstraídas pela inteligência conceitual o necessário e o eterno não chegava contudo pela ausência da noção de criação a explicar inteligivelmente êstes caracteres das essências Em suma o que faltava a seu sistema era uma justificativa metafísica da ciência isto é da verdade sob seu aspecto ontológico e não simplesmente lógico e psicológico ARISTÓTELES propõe uma justificacão empírica do saber científico isto é descritiva e psicológica que é uma maravilha de análise minuciosa e lúcida Tanto quanto PLATÃO êle não podia porém apresentar uma justificativa metafísica da verdade que depende de uma doutrina da criação que nenhum dos dois possuía e que é de fato senão de direito de fonte judaicocristã A razão humana está apta por suas próprias luzes naturais a estabelecer de modo seguro que o universo procede de Deus por via de criação ex nihilo Mas de fato e historicamente esta noção de criação se encontra ligada à revelação judaicocristã afirmando solenemente que Deus criou o céu e a terra In principio creavit Deus coelum et terram Gênesis I 1 Nem PLATÃO que admite uma matéria preexistente χώρα nem ARISTÓTELES que se prenda à idéia da eternidade do mundo sem suspeitar que esta eternidade racionalmente hipotética não é suficiente de modo algum para tornar inteligível a existência do universo tiveram a noção de criação propriamente dita Cf nosso Essai sur les relations entre pensée grecque et pensée chrétienne Cap 1 Aristotle et saint Thomas ou la notion de création ART II A IDADE MÉDIA 29 A Idade Média pode ser definida do pontodevista crítico pela discussão dos Universais Expusemos o aspecto psicológico desta discussão II 422423 O aspecto crítico está evidentemente dependente do precedente no sentido de que o juízo que se há de fazer sôbre o valor do conhecimento depende da maneira pela qual descrevemos as operações cognoscitivas sensíveis e intelectuais Eis porque podemos aqui distinguir três correntes principais o realismo moderado ou crítico o realismo platônico e o nominalismo 1 O REALISMO CRÍTICO 1 Natureza do realismo crítico O realismo crítico é essencialmente a posição que defende SANTO TOMÁS Do pontodevista psicológico isto é no que diz respeito à análise dos processos do conhecimento a doutrina tomista retoma precisandoas as teses aristotélicas em particular as que se referem à crítica da inteligência conceptual Do pontodevista da crítica do conhecimento a doutrina tomista procede da tradição agostiniana e platônica também na medida em que o pensamento de SANTO AGOSTINHO está êle próprio dependente do platonismo A contribuição capital de AGOSTINHO à crítica do conhecimento foi com efeito como acabamos de ver a de fornecer as linhas gerais de uma justificacão metafísica da verdade doutrina no seu entender tão essencial que êle não atribui senão um interesse secundário à análise psicológica dos processos do conhecimento SANTO TOMÁS assimi lando ao aristotelismo uma parte do pensamento agostiniano saberá conservar inteiramente a riqueza e a precisão psicológica que caracterizam a doutrina de ARISTÓTELES mas ao mesmo tempo estará em condição de coroar todo êste sistema incompleto com uma crítica da razão que procede diretamente de SANTO AGOSTINHO Esta doutrina agostiniana da iluminação SANTO TOMÁS a faz absolutamente sua quanto ao seu princípio essencial A certeza diz êle é em nós uma participação da luz divina o espírito humano não pode possuir por si mesmo a regra infalível da verdade embora a possua em si mesmo a saber à luz do intelecto agente do qual procede tôda certeza Mas SANTO TOMÁS fiel às análises de ARISTÓTELES que lhe parecem ser a descrição mais estritamente positiva dos processos do conhecimento se afasta de AGOSTINHO quanto à maneira de conceber o modo de iluminação Pois se é verdade que para êle nós conhecemos tôdas as coisas nas razões eternas isto não requer nenhuma luz especial distinta da luz da inteligência Com efeito para SANTO TOMÁS dizer que a alma possui em si mesma a regra infalível da verdade significa que esta regra constitui um todo com a inteligência e que a constitui intrinsecamente enquanto para SANTO AGOSTINHO isto significa apenas uma recepção na alma de uma luz que a informa extrinsecamente Quanto à maneira de explicar psicologicamente esta participação modo de iluminação SANTO TOMÁS declara que importa pouco dizer como faz SANTO AGOSTINHO que é dos próprios inteligíveis que par ticipamos ou dizer como em sua própria doutrina que participamos da luz que faz os inteligíveis 10 Importa pouco entendamos isto no sentido de que num e noutro caso o princípio de iluminação está a salvo Mas quando se trata ao contrário de fundar uma psicologia exata dos processos intelectuais a insistência de Santo Tomás em afastar a forma agostiniana da iluminação basta para mostrar que isto importa grandemente É que o desacôrdo entre Agostinho e Santo Tomás vai incidir sobre uma doutrina que se situa no centro da psicologia tomista do conhecimento qual seja sôbre a doutrina da abstração essencial ao tomismo e ao aristotelismo e estranha a Santo Agostinho como também a Platão para um os inteligíveis são tirados do sensível para o outro são vistos à luz iluminadora Pontosdevista completamente diferentes que nenhuma dialética chegará a reduzir à unidade O acôrdo achase além dos dados da pura psicologia na idêntica submissão ao princípio certo de que para nós não pode haver verdade senão empírica e sem justificação última senão pela participação da Razão incri adaVerdade capital que domina tôdas as discussões de escola e que mais que a questão dos modos de iluminação era a preocupação essencial de Santo Agostinho11 Tanto que êle próprio como Santo Tomás não hesitou em escrever quanto ao resto Non multum refert 2 A questão do realismo crítico 30 a O realismo metódico Designamos a doutrina de Santo Tomás que acabamos de expor como um realismo crítico Contestouse por vêzes a legitimidade desta expressão para caracterizar a doutrina de Santo Tomás Gilson observa com efeito Realismo significa num primeiro sentido doutrina que se opõe ao idealismo na medida em que pretende que a passagem do sujeito ao objeto seja possível aplicado à metafísica medieval êste epíteto significa doutrina na qual se dá como dado a existência real do objeto porque se nega que haja aí um problema a resolver 12 Assim falar de rea lismo crítico a propósito de Santo Tomás significaria atribuir ao tomismo a solução de um problema que esta doutrina jamais suspeitou Sem contar acrescenta Gilson que o realismo jamais poderá ser estabelecido pelo método crítico cuja essência consiste em tentar reencontrar o objeto a partir do sujeito Um tal método está fatalmente condenado ao idealismo Insistiremos mais tarde sôbre êste último ponto Quanto ao primeiro que é de ordem histórica digamos aqui que o pontodevista de Gilson é muito contestável Sem dúvida Gilson tem razão em notar que o realismo tomista é essencialmente um realismo metódico no sentido em que êle não é o fruto de uma crítica do conhecimento consistindo à maneira idealista em descobrir se existe uma passagem do pensamento ao ser suposto primeiramente exterior ao pensamento mas o resultado de um método que contém em si mesmo a sua verificação justificandose pelo seu próprio êxito e pela concordância que êle busca constantemente entre os dados da experiência e as exigências da inteligibilidade Isto é certo Entretanto se é verdade também como o veremos que há várias formas de críticas por que o realismo tomista não seria também êle chamado crítico no sentido que lhe convém Com efeito a própria recusa de uma crítica prévia do conhecimento anterior absolutamente à filosofia já é parecenos uma posição crítica um julgamento feito sôbre uma certa maneira de encarar o conhecimento Seguramente esta recusa existe apenas implicitamente na doutrina de Santo Tomás e é sobretudo o cartesianismo13 que nos conduz a explicitála 31 b O pontodevista especìficamente crítico Mais há porém a dizer O tomismo não é unicamente a recusa de um determinado método crítico definido pelo propósito de ìr do pensamento ao ser êle comporta também uma crítica explícita do conhecimento Esta crítica consiste por um lado em establecer por via psicológica verificando aqui a Crítica por reflexão expressa sôbre a atividade intelectual os dados da Psicologia que a inteligência sendo a faculdade do ser é ao mesmo tempo e necessariamente objetiva desde que ela se conforme à sua própria lei Por outro lado o tomismo de et Critique de la connaissance Paris 1939 Gilson resume de bom grado seu pensamento no dilema seguinte ou o realismo está acima da dúvida e representa uma evidência absoluta e não precisa ser crítico isto é demonstrarse ou o realismo do conhecer pode ser discutido e neste caso o realismo fazendose crítico tomará um caminho que só pode conduzir ao idealismo 13 Veremos com efeito mais adiante que mesmo antes de Descartes o terminismo medieval resultava numa posição crítica que já é a do idealismo acôrdo nisso com a inspiração agostiniana esforçase por ultrapassar o pontodevista especificamente psicológico da análise dos processos do conhecimento com o propósito de explicar o caráter necessário e absoluto do nosso saber inteligível Que êste problema se apresente e forneça à Crítica seu objeto formal próprio nada melhor indica do que as dificuldades em que se debate o pensamento aristotélico para fazer concordar o contingente com o necessário e o necessário com o contingente O conflito entre essas noções está aqui sem solução A contingência dos seres singulares da experiência não se torna inteligível senão pelo recurso à geração circular das causas e dos efeitos cuja eternidade fornece uma explicação análoga à necessidade analítica a qual define a lei do pensamento 14 Mas por outro lado a necessidade tipo único da inteligibilidade não é para Aristóteles outra coisa senão a necessidade interna ou lógica das essências e das formas Ora tratarseia de saber por que essas essências e essas formas são necessárias Eis o problema capital que do pontodevista crítico toma à seguinte forma o que em suma fundamenta a caráter absoluto e necessário de nosso pensamento Aristóteles a respeito disso não dá resposta ou pelo menos a resposta que dá dizendo que as formas e as essências são necessárias porque são eternas De Coelo I 12 282 a 25 282 a 30 Gen et Corr II 11 337 b 35 Phys II 5 196 b 12 não é evidentemente uma solução o necessário e o eterno sendo rigorosamente conversíveis Faltaria de fato explicar por que elas são eternas e por outro lado sua eternidade hipotética não resolveria de modo algum o problema de sua necessidade Finalmente Aristóteles não ultrapassa o nível do fato empírico15 c O problema da verdade É preciso portanto que o realismo metódico se faça crítico não sômente para com os 14 Cf J Chevalier La Notion du Nécessaire chez Aristote et ses prédécesseurs Paris 1915 págs 160 sg Sôbre a geração circular ver os seguintes textos Aristóteles Gen et Corr II 4 3331 a 8 b 2 6 333 b 5 10 337 a 6 11 338 a 6 An post II 12 95 b 38 A natureza escreve J Chevalier pág 161 n 1 é pois essencialmente a forma Phys II 1 193 a 30 A espécie ou o tipo é portanto o que parece melhor convir à definição da natureza a natureza com efetior é o permanente pra o que permanece na geração é o tipo que exprime a forma própria à espécie a natureza é pois a forma ou o tipo Esta concepção da natureza e da forma conduznos diretamente à teoria da geração circular o homem vem de um homem e prepara um outro a criança gera o adulto e inversamente como a água vem das nuvens e gera por sua vez as nuvens que produzem a água 15 Cf J Chevalier loc cit págs 145179 R Jolivet Essai sur les rapports entre pensée grecque et pensée chrétienne pág 70 sg HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE 51 outros mas também para consigo mesmo Ele deve descobrir e estabelecer a partir das aquisições da psicologia o que em última análise fundamenta a certeza em que se encontra a inteligência de ser capaz de afirmar a verdade e de possuir o direito absoluto de transcender em suas afirmações o espaço e o tempo Não é o problema idealista do ser extramental que assim se levanta Mas é um problema muito mais vasto e muito mais radical qual seja o problema da verdade Nada há que seja tão essencial fundamental e propriamente crítico do que este problema 2 O REALISMO PLATÔNICO 32 Na Idade Média uma corrente importante professa um realismo de tipo platônico que pouco a pouco evolui para o panteísmo Tratase sempre de explicar os conceitos universais ou os universais Como PLATÃO os realistas admitem sob formas aliás bastante diversas que as essências idéias ou universais são seres reais ou de realidades subsistentes uma vez que a inteligência os conhece mas como essa última não poderia de modo algum percebêlos no sensível que é singular e está submetido ao devenir devese admitir que os universais subsistem num mundo inteligível com o qual a inteligência está de algum modo em comunicação As diversas etapas desta corrente realista podem ser definidas pelos nomes de GUILHERME DE CHAMPEAUX 10701120 de GILBERTO DE LA PORRÉE 10761154 de AMAURI DE BÈNES ET DAVID DE DINANT início do século XIII A O realismo das essências 1 Teoria da identidade A concepção realista das essências foi defendida por GUILHERME DE CHAMPEAUX Na verdade este pensador evolui depois para um realismo mais moderado Mas como são as teorias que nos importam mais 10 A disputa dos universais procede historicamente da questão que levantava PORFÍRIO no fim de seu Isagoge Introdução às Categorias de ARISTÓTELES conhecida na Idade Média pela tradução latina de BOÉCIO De generibus et speciebus illud quidem sive subsistant sive in nudis intellectibus posita sunt sive subsistentia corporalia sint an incorporalia et utrum separata a sensibus an in sensibilibus posita et circa haec consistentia dicere recusabo altissimum enim mysterium est hujusmodi et majoris indigens inquisitionis 17 Cf M DE WULF Histoire de la Philosophie médiévale Paris 1925 t I págs 93107 139 sg UBERWEGSGEYER Geschichte der Philosophie t II págs 209 sg Berlim 1928 52 METAFÍSICA aqui do que a história das doutrinas individuais consideraremos a primeira tese de GUILHERME DE CHAMPEAUX como tipo de uma solução realista do problema dos universais É necessário admitirse diz ele que cada essência é numericamente uma e identicamente a mesma em todos os indivíduos da mesma espécie e que ela está completamente realizada em cada um deles Não há por exemplo senão uma humanidade e cada homem a possui integralmente São apenas os acidentes que distinguem entre si os diferentes indivíduos da mesma espécie Devido às objeções de ABELARDO GUILHERME DE CHAMPEAUX substituiu posteriormente a esta teoria da identidade a teoria da indiferença Ele concorda de fato desde então que as essências são múltiplas como os indivíduos mas que cada essência possui um duplo elemento um pessoal e incomunicável outro comum a todos e indiferente o qual constitui propriamente o universal gênero ou espécie e só comporta uma unidade de semelhança e não mais de identidade como na primeira teoria 33 2 O realismo ontológico de Chartres GILBERTO DE LA PORRÉE 10761154 que é com BERNARDO 1130 e THIERRY DE CHARTRES 1155 um dos mestres da Escola de Chartres defende uma teoria que é ainda de inspiração platônica mas que marca sob certos aspectos uma etapa para um realismo moderado Para explicar a distinção e resolver o conflito existente entre o singular concreto da experiência e o universal do pensamento BERNARDO e THIERRY DE CHARTRES diziam que a individualidade vem da matéria subsistindo à parte sob forma desorganizada e caótica a χῶρα platônica e que os universais idéias ou conceitos são simultaneamente formas criadas por Deus e noções inatas à inteligência formas nativas e só se podem explicar como cópias das Idéias exemplares modelos ou arquétipos imutáveis e eternas segundo as quais Deus multiplica na matéria que as individualiza os gêneros e as espécies GILBERTO DE LA PORRÉE retoma estas teses de inspiração claramente platônica Mas ele as precisa ou as corrige num ponto importante Ele professa de fato de um lado do pontodevista ontológico que as formas nativas idéias inatas ou cópias das Idéias divinas são realmente distintas destas Idéias ponto deixado obscuro por BERNARDO e THIERRY e que os fêz serem tachados erradamente parece de panteístas e de outro lado que psicologicamente a idéia universal ou conceito se explica por uma espécie de abstração quodammodo abstrahit In Boeth de Trinitate Migne t HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE 53 LXIV col 1374 extraindo dos indivíduos da mesma espécie uma forma ou essência comum a todos 3 O neoeleatismo Essa última teoria orientava o platonismo de CHARTRES para o realismo moderado Esse movimento na verdade não chegou a nada e GILBERTO DE LA PORRÉE não consegue desligarse completamente do realismo ontológico platônico porque a abstração tal como ele a concebe está ainda totalmente impregnada de um nominalismo latente sua tarefa é de fato apenas a de pôr a parte ou de separar elementos comuns aos diversos indivíduos II 425 Dêsse pontodevista haverá dentro dos próprios indivíduos formas realmente distintas tão numerosas quanto as idéias pelas quais nós as apreendemos tudo o que distinguimos e separamos por uma idéia é realmente distinto e separado na existência Em Pedro a individualidade a humanidade a racionalidade a animalidade a vida a unidade etc às quais correspondem igual número de conceitos distintos serão coisas realmente múltiplas e distintas Há aí uma forma de pensamento muito importante a assinalar pois ela vai ser reencontrada sob diferentes aspectos em toda a história do problema crítico até mesmo entre os idealistas modernos Se com efeito o universo apreendido pelo pensamento é apenas um universo de essências ou de idéias impõese o problema de explicar como as idéias se combinam entre si ou seja como o conjunto das idéias ou conceitos que compõem pontodevista ontológico ou definem pontodevista psicológico ou crítico um indivíduo se podem reduzir à unidade Problema árduo no contexto ontologista e no contexto idealista que aqui se confundem Uma essência universal idéia ou conceito se basta inteiramente por si mesma um universo de essências é como tal um mundo de átomos inteligíveis no seio do qual a composição e o movimento são incoercíveis PLATÃO já havia deparado Filebo com este problema da mistura das Idéias μεῖξ τιὼν ἰδεῶν sem lhe poder dar uma solução satisfatória Vêloemos surgir novamente entre os nominalistas particularmente em HEGEL Sua origem primeira reside numa concepção errônea da função abstrativa da inteligência e da natureza do conceito B O panteísmo 35 1 Averróes O realismo platônico por outro caminho conduzia logicamente ao panteísmo Se com efeito a inteligência não se exercita sem buscar por assim dizer seu conhecimento em tudo que ele tem de necessário e de absoluto de um mundo inteligível distinto e separado do mundo sen sível podemos pensar que propriamente falando não é mais a inteligência finita que pensa em nós mas imediatamente o Pensamento Divino É por este caminho que se lança AVERRÕES ou IBN ROSCHD 11261198 após AVICENAS IBN SINA 9801036 baseandose numa discutível interpretação de certos textos ambíguos de ARISTÓTELES Estes textos são aquéles De Anima III cap V 10 a 20 onde ARISTÓTELES declara que o intelectoagente está separado impassível não misturado Segundo a interpretação mais plausível quer em funçâo do contexto quer de outros textos relativos ao mesmo problema ARISTÓTELES quer dizer que o intelecto agente II 434 não é composto de partes materiais e nem se exerce por meio de órgãos corporais Estas negações visam especialmente às teorias de EMPÉDOCLES criticadas em De Anima III cap IV 1029 pouco antes do trecho anterior Entretanto um comentador de ARISTÓTELES ALEXANDRE DE AFRODÍSIO fim do século X tinha entendido o texto do De Anima relativo ao intelecto agente no sentido de que esse devia ser considerado idêntico ao Ato puro único e impessoal Donde decorria que sendo o intelectoagente mortal no homem só existia a imortalidade impessoal19 SANTO TOMÁS em seu comentário do De Anima III Leit 10 n 734738 Cathala mostra quanto este modo de compreender ARISTÓTELES é pouco convincente Com efeito de um lado ARISTÓTELES afirmou claramente que o intelecto agente é como o intelecto paciente uma parte quer dizer uma faculdade da alma e não uma substância separada Por outro lado na interpretação de ALEXANDRE DE AFRODÍSIO o homem não seria mais o princípio primeiro de suas próprias operações intelectuais o que iria diretamente contra a integridade de sua natureza e também contra o sentimento invencível que êIe experimenta de ser princípio e pai de seu pensamento e de seus atos São aliás tanto quanto as exegeses de ALEXANDRE DE AFRODÍSIO20 influências neoplatônicas exercidas pela apócrifa 19 A dificuldade do texto aristotélico está na realidade em outra parte ARISTÓTELES deixou em suspenso a questão de saber como o nous ato do corpo humano pode ser também enquanto nous ato e substância sem se confundir com o você divino Não é o nous humano um ato imaterial como o próprio Deus Teriam razão Alexandre e Averroeis indagava a si próprio M DE CORTE La définition aristotélicienne de lâme na Revue Thomiste julhosetembro 1939 pág 501 Certamente não pois interpretar ARISTÓTELES à sua moda seria desconhecer totalmente o próprio espírito do aristotelismo Como o feroz defensor da individualidade das substâncias que é o Estagirista teria podido cair na concepção de uma abstração platônica e confundir o concreto com o geral Não é o mundo para ARISTÓTELES uma hierarquia de substâncias individuais De fato ARISTÓTELES se atém à evidência empírica da distinção e da individualidade das substâncias imateriais sem as justificar de pleno direito sem mesmo as poder justificar por carecer de uma noção da criação 20 M DE CORTE loc cit pág 499 observa aliás com justa razão que a interpretação daquele que os Antigos chamavam o Comentador por excelência de Aristóteles está secretamente impregnada de platonismo e conduz diretamente ao mais legítimo averroísmo HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE 55 Teologia de Aristóteles e o De Causis igualmente atribuído a ARISTÓTELES que conduzem AVERRÕES na direção do panteísmo AVERRÕES não somente julga que o Intelecto agente é único e constitui a Razão impessoal comum a todas as inteligências mas que o Intelecto passivo ou inteligência propriamente dita sendo em sua parte superior separado espiritual e imaterial é ele também necessariamente único para todos os homens Na realidade não há senão um Pensamento como não existe senão uma Razão As inteligências singulares não são senão formas passageiras e finitas pelas quais a Razão impessoal pensa o necessário e o eterno quando das imagens da percepção sensível 36 2 O Averroísmo latino Estas teses panteísticas se repetem nos latinos por AMAURI DE BÈNES DAVID DE DINANT e SIGER DE BRABANT O primeiro 1216 propõe um panteísmo idealista mui logicamente enxertado no realismo platônico do qual é uma das consequências possíveis Para êIe Deus se manifesta pelas diversas Idéias que se realizam na perfeição de cada ser tanto que é preciso dizer de acordo com a expressão de SANTO TOMÁS Ia q 3 art 8 que Deus é o princípio formal ou a forma de cada coisa I 391 DAVID DE DINANT pelo contrário defende um panteísmo materialista Segundo ele o múltiplo e o singular são puras aparências O real não é senão a Idéia a Forma ou o Tipo e se apresenta sob três aspectos a matéria primeira a inteligência e Deus Estes três aspectos pertencem a mesma e única realidade que sendo essencialmente simples não tem em si aquilo com o que estabelecer diversidades reais Em 1270 SIGER DE BRABANT publica seu De Anima intellectiva provavelmente em resposta ao trabalho que SANTO TOMÁS tinha publicado neste mesmo ano De unitate intellectus contra Averroistas21 SIGER expõe aí em toda sua amplitude a tese averroísta da unidade numérica da Inteligência na espécie humana Além da vida que informa cada organismo humano é necessário admitir diz ele que existe uma alma intelectual separadodo corpo por sua natureza mas que a este se une momentâneamente para produzir o ato do pensamento Esta alma intelectual só pode ser única uma vez que como Forma pura exclui absolutamente a matéria pela qual se operam a individualização e a multiplicação na espécie 21 SANTO TOMÁS tratou ainda da mesma questão no De Spiritualibus creaturis e nos Quolibet IIII IV V e XII 3 As fontes do averroísmo moderno Estes diferentes temas de pensamento tornam a aparecer em muitos idealistas modernos em particular nos panteístas da Renascença em SPINOZA e nos PÓSKANTIANOS alemães em TAINE VACHEROT etc O panteísmo é com efeito uma das possíveis consequências do idealismo Desde que o universo pelo jôgo dos postulados nominalistas se acha reduzido ao pensamento e a seu conteúdo imanente somos levados a dizer que o universo só aparece como uma lógica viva porque êIe é atualmente pensado em sua unidade por um Pensamento absoluto cujos pensamentos singulares não são senão modos finitos O pensamento meu pensamento senão em suas manifestações acidentais pelo menos em sua essência mais profunda nada mais é que o Pensamento divino se revelando ao mesmo tempo no pensamento individual e naquilo em que para um tal pensamento se apresenta compondo o mundo da experiência 3 O TERMINISMO 87 1 O princípio nominalista No começo do século XIV o nominalismo se acha sistematicamente defendido nas obras de DURAND DE SAINTPOURÇAIN 1334 e de PEDRO AURIOL 1322 DURAND sustenta a tese essencial do nominalismo segundo a qual os universais ou idéias gerais a nada correspondem na realidade PEDRO AURIOL propõe por sua vez uma tese que se tornará clássica no idealismo sob o nome de princípio de imanência a saber que o termo do conhecimento não é o objeto real mas a idéia ou a imagem22 São entretanto GUILHERME DOCKAM e seu discípulo NICOLAU DAUTRECOURT os que virão formular com todo seu rigor e suas consequências a teoria nominalista do conhecimento23 A inteligência declara OCKAM só pode conhecer o singular As idéias gerais de fato nada mais são que termos substituindo os objetos singulares da experiência quer dizer das imagens Por isso mesmo nem os princípios nem as noções universais transcendentais têm valor objetivo Não estamos absolutamente certos senão de nossa existência e das apariências naturais quer dizer dos fenômenos ou mais pre 22 Cf M DE WULF Histoire de la Philosophie médiévale t II págs 159163 23 Chamamolos de terministas porque eles afirmam que os universais nada mais são que termos termini Terminismo é portanto sinônimo de nominalismo moderado quer dizer o que admite a realidade do universal no pensamento II 423 cisamente ainda das sensações Não podemos de maneira alguma saber senão pela fé se existem outras pessoas ou objetos reais correspondendo a nossas sensações 24 2 O princípio de imanência Acabamos de ver como o terminismo medieval partindo dos princípios nominalistas acabava por propor a questão da realidade de um universo extramental Éste problema estava implicitamente contido na afirmação de PEDRO AURIOL de OCKAM e de NICOLAU DAUTRECOURT de que o término do conhecer não é o objeto real mas a idéia ou a imagem subjetiva O encadeamento doutrinal é de uma clareza perfeita OCKAM recusa tôda realidade objetiva a êste universal direto do qual o realismo moderado de SANTO TOMÁS fazia o objeto próprio da inteligência humana mas admite que êste universal existe realmente no espírito Sua função dêste pontodevista poderá ser apenas a de substituir as realidades singulares da experiência o universal não é mais uma represemtad das coisas mas um simples sinal evocando como tal um objeto de natureza inteiramente diferente Assim o objeto imediato e direto do espírito não é a pŕopria coisa mas o que supõe ou suplementa por ela o que é seu sinal mental natural ou arbitrário quer dizer propriamente a intenção ou o conceito a idéia ou o tęrmo A coisa em si enquanto realidade extramental vem a ser de uma só vez o objeto indireto do espírito o têrmo de uma espécie de inferência quer dizer um problema a resolver O princípio de imanência se apresenta pois como uma consequencia das premissas empiristas e nominalistas e é em consequencia disto que a existência mesma das coisas se tornará um problema Achase assim incitada uma corrente de pensamento que conduzirá naturalmente às conclusões idealistas mais ousadas 25 24 Sôbre o sistema de OCKAM e de NICOLAU DAUTRECOURT ver nossas Sources de lIdéalisme Paris 1936 págs 2444 Cf G OCKAM In Sent I d 2 q 4 Scientia realis non est semper de rebus tanquam de iillis quae sciuntur quia solae propositiones sciuntur Ergo eodem modo proportionabiliter de propositionibus in mente quae vere possunt sciri a nobis pro statu isto quia omnes termini illarum propositionum sunt tantum conceptus et non sunt ipsae substantiae extra 25 Essas conseqüências são aliás claramente assinaladas por OCKAM Cf In Sent d 2 2 4 Nihil ergo refert ad scientiam realem an termini propositionis scitae sint res extra animam vel tantum sint in anima dummodo stent et supponant pro ipsis rebus extra et propter scientiam realem non oportet ponere res universales distinctas realiter a rebus singularibus 58 METAFÍSICA 3 O idealismo problemático 89 a Teoria fenomenista O idealismo pelo menos sob a forma problemática não é somente uma conseqüência implí cita do sistema terminista Encontramolo formulado com cla reza por NICOLAU D AUTRECOURT que encarece as teses de OCKAM levandoas às suas últimas conseqüências Para êle com efeito por causa de seu empirismo e de seu nominalismo os fenômenos não estão mais de agora em diante relacionados entre si ordenados e unificados como acidentes de sujeitos ou substâncias reais Não formam mais que uma sombra de aparências naturais que como tais são a única realidade da qual estejamos verdadeiramente certos O resto é obra de sonho imaginação vazia 28 b Teoria mecamista Em virtude dos mesmos princí pios NICOLAU DAUTRECOURT tenta eXlicOlr unicamiente pelo meca1nismo os objetos empíricos A geração a transformação a corrupção isto é todo o movimento das aparências natu rais fenômenos ou acidentes se explica da maneira mais simples e mais clara sem recorrer às obscuras noções de for mas ou de substâucias porque o movimento local dos átomos tal como o percebem os sentidos basta para explicálos ade quadamente Um sujeito que começa a ser não é efetivamente mais que uma nova associação de átomos num todo determi nado a corrupção não é senão uma desagregação dêste todo pela dispersão espacial dos elementos que o constituem a transformação enfim não passa de uma transferência dos átomos num todo dado 21 Não é por acaso que NICOLAU D AUTRECOURT fornece assim de antemão como que o esquema da física cartesiana É que da mesma maneira que em DESCARTES que tanto insis tiu sôbre isto a física dependia da metafísica quer dizer da teoria do conhecimento e o nominaiismo s6 pode admitir uma explicação mecânica dos fenômenos Uma vez que êstes nesta 20 Conhecemos as opiniões de NICOLAU D AuTRECOURT pelos documentos de retratação que foi obrigado a assinar em 1346 Cf Chartularium Uni versitatis Paris II 580 1 Quod de rebus per apparentia naturalia nulla certitudo poiest haberi HAUREAU Nollices et eetT de mH lat de la Bibt 11at t XXXIX 2 p pág 333 cita o seguinte texto de um certo mestre GILLES que reproduz as opiniões de NICOLAU DAUTRECOURT Ex his cona mini probare quod Aristoteles non habuit evidentem noticiam de aliqua susbtsntia quia de tali vel habuisset noticiam vel ante Oinnem dis ursum quod non potest esse quia non apparent intuitive et etiam rustici cirent tales substantias esse nec per discursum inferendo ex perceptis esse nte omnem discursum nam probatum est quod ex una re non potest evi enter inferri alia 27 Cf Chart II 582 37 concepção estão privados de todo princípio interno de coesão e de unidade só podem estar ligados por fora mecanicamente Não é aliás possível ficar aí porque o mecanismo não explica nada Êle próprio requer uma explicação tratase de saber por que existem tais ou quais construções atômicas e que existem com uma constância que o acaso não pode justificar Ora como nenhuma finalidade objetiva quer dizer nenhuma realidade metafísica os pode explicar visto que isto está excluído pelo nominalismo e pelo empirismo não há outra solução senão explicálos como obra do espírito LEIBNIZ assinalava marcadamente esta inevitável conseqüência quando escrevia contra o mecanismo cartesiano Se os corpos se reduzem aos fenômenos se apenas os julgamos de acordo com o que percebem os sentidos cessam por isto mesmo de ser reais Philosophischen Schrift GERHARDT II pág 438 Implicitamente NICOLAU DAUTRECOURT admite esta conseqüência quando reduz unicamente a fenômenos o universo realmente cognoscível e mesmo por uma tendência bem visível nos escassos documentos que nos restam o universo real Chart II 580 9 c O problema do mundo exterior Por outro caminho NICOLAU DAUTRECOURT se dirige claramente para um idealismo radical É ainda o processus cartesiano que se vislumbra em suas linhas gerais pela crítica do princípio de causalidade Éste princípio diz êle consiste em afirmar que se uma coisa A efeito que antes não era começa a existir concluise que outra coisa B causa distinta de A deve existir Ora éste modo de argumentar de nada vale pois é evidente que ultrapassa o que fornece a experiência cada vez que B causa não pode ser dissociado experimentalmente É o que acontece em particular quando se conclui das aparências naturais às substâncias e essências que nenhuma experiência nos revela O argumento não prova tampouco quando se lhe pede que estabeleça a realidade do mundo exterior pretendendo passar dos fenômenos únicos dados dos quais tenhamos uma experiência autêntica à exterioridade absoluta 28 De fato conclui NICOLAU DAUTRECOURT nossa própria existência é a única da qual estejamos absolutamente certos 29 28 Cf Chart II 385 Quod in lumine naturali intellectus viatoris non potest habere noticiam evidentiae de existentia rerum evidentia reducta seu reductibili in evidentiam seu certitudinem primi principii 29 Cf Chart II 577 10 Item dixi in epistola secunda ad Bernardum quod de substantia materiali alia ab anima nostra non habemus certitudinem evidentiae d As fontes do idealismo moderno Tais são os argumentos de NICOLAU DAUTRECOURT e de um modo geral dos terministas medievais Percebese logo como a doutrina idealista vem mui naturalmente se enxertar no empirismo admitido no princípio O universo reduzido a uma pura multiplicidade fenomenal não tem mais consistência bastante para se afirmar em si como um objeto distinto do sujeito cognoscente Desvanecese por assim dizer em puras aparências engendradas misteriosamente das virtualidades do sujeito Temos então desde aí formulados com clareza os argumentos essenciais do idealismo moderno Êstes dois argumentos nominalismo e princípio de imanência são com efeito todo o idealismo mas de tal modo que o princípio de imanência nada mais é senão o fruto de um empirismo radical Pois se o objeto primeiro e imediato o objeto único do pensamento vem a ser o fenômeno isto é o pensamento ou a sensação é porque graças à uma concepção nominalista todo o universo foi reduzido a uma pura coleção de fenômenos e êstes desprovidos de todo substrato e de todo princípio metafísico não conservaram outra realidade que a de uma modificação completamente subjetiva do cognoscente ART III O CARTESIANISMO 1 A VIA MODERNORUM 1 Os temas da Idade Média Do pontodevista crítico se nos ativermos ao essencial a época moderna nada traz de absolutamente novo e não é sem razão que OCKAM se vangloriava de inaugurar com suas teses nominalistas a via modernorum em oposição às diversas formas do realismo definidas como via antiquarum De fato não fazia mais que renovar uma tradição largamente representada na antiguidade grega do mesmo modo que DESCARTES que imaginava romper como todo o passado e sem o saber mas muito logicamente seus princípios sendo os mesmos seguia os passos dos terministas medievais É assim que vamos reencontrar em todo o correr da época moderna as mesmas correntes que as da Idade Média e da antiguidade apoiadas nos mesmos argumentos e dirigidas pelos mesmos princípios MONTAIGNE Essais e CHARRON De la Sagesse repetem os temas do pirronismo antigo O platonismo de B TELESIO de G BRUNO de T CAMPANELLA conflui como o averroísmo medieval e o averroísmo paduense e bolonhês a uma espécie de panteísmo emanatista que é um dos mais salientes caracteres da filosofia da Renascença As Universidades de Pádua com ALEXANDER ACHILLINUS e AUGUSTINUS NIPHUS e de Bolonha com PETRUS POMPONATIUS se dedicam no momento da Renascença à restauração do verdadeiro aristotelismo provávelmente desfigurado pela Escolástica medieval Efetivamente é ora a AVERRÕES ora a ALEXANDRE DE AFRODISIO que conduzem êstes novos campeões do aristotelismo e é a imortalidade da alma que constitui o principal tema de suas discussões Os averroístas paduanos admitem a imortalidade impessoal enquanto que os alexandrístas bolonheses professam que a alma humana perece inteiramente com o corpo enquanto forma do corpo orgânico Uns e outros estão de acordo quando negam a Providência e o livre arbítrio Cf M DE WULF Histoire de la philosophie médiévale t II págs 252253 Por sua vez no século XVII SPINOZA propora um panteísmo realista que aparecerá como o resultado solidário do nominalismo radical e do platonismo exasperado e por isto mesmo como uma das consequências possíveis do sistema cartesiano Cf P LACHIÈZEREY Les origines cartésiennes du Dieu de Spinoza Paris 1931 Depois de DESCARTES e apoiado também na ambigüidade de sua doutrina o fenomenismo empirista vai empreender uma brilhante carreira e dominar o pensamento de dois séculos sob as duas formas de que se pode revestir segundo se insista sôbre o fenomenismo que se orienta então para o idealismo ou sôbre o empirismo que compõe a corrente positivista Enfim com DESCARTES o idealismo trará a inovação de tentar se constituir em sistema abraçando resolutamente as consequências idealistas que os pensadores medievais não tinham aceito claramente e que não tinham entrevisto em suma 62 METAFÍSICA senão como paradoxos ou utopias 81 Entretanto quanto ao fundo DESCARTES nada inventa no domínio que temos em vista Se concreta e histõricamente não depende de seus predeces sores terministas o movimento de pensamento que o conduz ao idealismo problemático é logicamente o mesmo a partir de iguais princípios nominalistas o que temos estudado em ÜCKAM OU NICOLAU D AUTRECOURT Não temos portanto porque voltar sôbre o pormenor dos temas doutrinais onde se exprimem as diferentes soluções do problema crítico Bastarnosá mostrar de que forma se re vestem no cartesianismo e nos modernos as diversas corren tes críticas que a antiguidade e a Idade Média tão claramente já haviam esboçado 2 O primado da Jrittca Um ponto entretanto ca racteriza especialmente a filosofia moderna Esta se trans forma a partir de DESCARTES exclusivamente numa filosofia do sujeito quer dizer que o problema critico constitui por si só quase tôda a filosofia Nem ontologia a não ser more geo metrico como em DESCAREES para quem a física é geomé trica e em WoLFF que é idealista nem Filosofia da natureza são concebíveis num contexto doutrinal onde o co nhecimento é concebido como algo que só atinge realmente o sujeito pensante e o conteúdo imanente de sua consciência Tôda especulação está de agora em diame centrada sôbre êste sujeito não tanto para o conhecer ontologicamente por que segundo uma lógica imperiosa êle vai por sua vez dis solverse em fenômenos II 569579 mas para tentar desco brir como se pode engendrar a partir de sua misteriosa sub jetividade o mundo empírico das aparências Durante dois séculos a filosofia se obstina em resolver o singular problema de saber como um sujeito que provàvelmente conhece unica mente a si e a seu pensC111nento pode entretanto afirmar algo diferente de si 2 0 IDEALISMO CARTESIANO A A doutrina de Descartes U 1 o método matemático o idealismo como viinós acima é muito anterior a DESCARTES Todos os pensadores 31 De fato era pela fé que os terministas declaravam conhecer de um modo diverso do da opinião a realidade das coisas exteriores DESCARTES que recorre à veracidade divina para se certificar da realidade existencial do universo MALEBRANCHE que com o mesmo fito invoca a Revelação não têm sôbre êste ponto posição diferente da dos nominalistas da Idade Média HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTIOO DA ANTIGUIDADE 63 nominalistas na antiguidade e na Idade Média admitiram que o pensamento só atinge imediatamente a si mesmo e a seu conteúdo imanente o que propriamente é o idealismo En tretanto só com DESCARTES o método idealista se apresenta como método de pleno direito em filosofia enquanto que até aí o idealismo só tinha aparecido como uma espécie de im passe ou utopia a que conduziam aliás logicámente o empi rismo e o nominalismo DESCARTES ao contrário estabelece em princípio com decisão e clareza a exclusiva autenticidade do método da matemática Quando dizemos de alguma coisa que está contida numa natureza ou conceito é como se dis séssemos que esta coisa é verdadeira desta natureza ou pode ser afirmada desta natureza Cum quid dicimus in alicujus rei natura sive conceptu contineri idem est ac si diceremus id de er reverum esse sive de ipsa posse affirmari 82 PLATÃO entretanto como assinalamos 26 j á havia proposto com grande clareza a fórmula do método idealista BRUNSCHVICG objeta que aquêle não se limitou a êste método e que o pensamento platônico parece haver completado seu ciclo Voltandose contra si mesmo Le Ptogres de la consctence dans la philosophte occi dentale I pág 32 O que é exato pelo menos materialmente Mas DESCARTES também não se limitou ao método idealista Quanto ao mais será possivel parar ai 2 A dúvida metódica O aparelhamento da dúvida metódica tal como a expõem o Discurso e as Meditações pa rece visar à refutação do ceticismo pela valorização de uma verdade tão evidente que não seja possível nenhuma contes tação e tal ao mesmo tempo que sôbre ela possamos recons truir todo o edifício do saber Seu objetivo real é criar o mé todo matemático em filosofia assim como nas ciências da na tureza onde êle representará pelo menos o ideal de uma ciên cia inteiramente dedutiva e a priori e excluir todo método de inspiração realista Sabemos como DESCARTES constata o seu poder de duvidar seja à custa de suposições extravagantes da realidade das coisas externas e até de seu próprio corpo 33 da verdade 32 Cf E BRÉHIER Histoire de la PhiiosYPhie t II pãg 348 A filosofia moderna só se estabeleceu com Descartes fazendo da idéia o objeto ime diato do conhecimento a s Méditation premiêre Tudo que recebi até o presente como o mais verdadeiro e certo aprendi dos sentidos e pelos sentidos ora algumas vêzes verifiquei que os sentidos me enganavam e é prudente não nos fiarmos jamais inteiramente naqueles que uma vez nos enganaram Mas pode ser que embora os sentidos nos enganem algumas vêzes a respeito de coisas bem pouco sensíveis e até suficientemente afastadas muitas outras hã entre tanto a respeito das quais não podemos razoàveInente duvidar por 64 METAFÍSICA absoluta das proposições matemáticas ª4 e em geral da ve racidade das ciências sensíveis e nacionais hipótese do gênio maligno aplicada a perturbar e a falsear em tôdas as coisas o conhecimento humano DESCARTES estabelece depois que em todo caso enganemonos ou não sonhemos ou não este jamos ou não perturbados e alucinados é absolutamente im possível duvidarmos do próprio pensamento e por isto mesmo da própria existência Penso logo existo O ser captado no pensamento eis ao mesmo tempo o princípio primeiro de tôda certeza e a forma de tôda afir mação certa no sentido de que ruio haverá outra afirm4ção apoditicamente válida seniio a que estabelece o serpensamento ou idéia porque tudo o que está além do pensamento é neces sàrionnente objeto de uma dúvida radical Por isso mesmo o critério da certeza residirá na clareza e distinção da idéia Discours 4a parte Esta fórmula aceita comumente como critério de tôda verdade é de fato a eçressão meos equivoca do idealismo e não se a pode compreender sem o idealismo Serfa com efeito tinicamente na hipótese de o pensamento atingir na realidade sàmente idéias e não coisas reais por intermédio das idéias que se poderia e deveria buscar na idéia mesma o critério ãa veràaàe Esta não será mais portanto uma adequação ou uma conformidade do espirlto com o real mas uma simples qualidade interna da idéia l 117 É o que acontece no conhecimento matemático onde a verdade define pura e simples mente a coerência interna dos conceitos matemáticos isto é sua clareza distinção e o rigor de seu encadeamento formal É por isto também que o método matemático transformase em DESCARTES no tipo universal de todo conhecimento Como o próprio DESCARTES observa Méditation premiereJ ª aritmética a geometria e outras ciências desta natureza têm a vantagem de não se preocuparem muito em saber se as coisas de que tratam existem ou não na na tureza exemplo que estou aqui sentado perto do fogo vestido com um robe de chambre tendo êste papel entre as mãos e Todavia tenho que con siderar que sou homem e por conseguinte tenho o hábito de dormir Quantas vêzes me aconteceu sonhar à noite que me encontrava neste lugar vestido e que estava perto do fogo Detendome neste pensamento vejo manifestamente que não existem indfcios certos por onde possamos claramente distinguir a vigilia do sono 84 Méditation premiire Sei e u acaso se Deus não terá feito com que não exista nem terra nem céu nem corpo extenso nenhuma figura grandeza ou lugar não obstante tenha eu os sentimentos de tôdas estas coisas e isto não me pareça existir de uma maneira diversa da qual as vejo E sei eu acaso também se não terá itle feito que me engane também tôdas as vêzes que somo dois e dois ou quando dou nome aos lados de um quadrado ou quando julgo algo ainda mais fácil 3 O problema do mundo exterior Compreendemos então que de agora em diante a existência de um universo exterior ao pensamento não é mais um dado da experiência nem uma evidência imediata mas um problema a resolver Intuitivamente só apreendemos um conjunto de idéias tratase de saber se fora do espírito algo de real lhe corresponde DESCARTES julga que convém responder afirmativamente pelo fato de que Deus criando o homem com todo um sistema de idéias inatas colocou nele a inclinação poderosa e incoercível de crer que a estas idéias correspondem coisas Ora não nos podendo Deus enganar devemos pensar que a nossa inclinação natural é fundamentada É em virtude desta conclusão que às vêzes DESCARTES é colocado entre os realistas Neste mesmo sentido KANT define o sistema cartesiano como um idealismo problemático Para se dizer a verdade o termo realismo não pode ser empregado em relação a DESCARTES senão num sentido bastante impróprio Em primeiro lugar realismo na medida em que queremos designar um sistema como o de ARISTÓTELES ou de SANTO TOMÁS empregase em oposição a nominalismo Dêste pontodevista é impossível considerar DESCARTES como um realista Ele é resoluta e integralmente nominalista O têrmo realismo é também empregado em oposição a idealismo para designar as doutrinas que admitem a realidade do mundo exterior Neste sentido DESCARTES é realista tanto quanto MALEBRANCHE SPINOZA KANT e o próprio FICHTE que não compreende o progresso do conhecimento senão mediante o jôgo de entrechoques ou acontecimentos contingentes isto é sem que aliás se saiba ao certo como externos Vale dizer que realismo não significa coisa alguma com precisão É que é próprio do realismo admitir não somente que as coisas existem mas que a sua realidade é apreendida imediatamente sem dedução alguma e por conseguinte sem dúvida possível mesmo hiperbólica de tal maneira que a simples dúvida concorrente a esta realidade implica um absurdo radical Ora DESCARTES assim como MALEBRANCHE KANT e todos os idealistas está nos antípodas desta concepção Seu realismo não é de fato no sistema senão uma peça estranha e tão completamente inútil que dela se pode prescindir sem a menor dificuldade e mesmo com grandes vantagens Sabese que DESCARTES reputava êse realismo necessário à ciência Mas esta convicção se explica mal numa doutrina em que só se dão idéias ou estados subjetivos Que podemos com efeito pedir às leis da física senão nos permitir prever a única coisa que possamos aprender e que interessa ao físico isto é a ordem do mundo que nada mais é senão a ordem da percepção Admitir que amanhã haverá um eclipse não significa absolutamente que estabe lecamos a existência do sol da lua da terra ou da luz fora do sujeito cognoscente mas simplesmente que se prevê a série exatamente determinada das percepções que na consciência humana correspondem à palavra eclipse De um mesmo modo os dados da geologia não significam absolutamente a existência de um passado anterior ao geólogo e independente de seu ato de conhecer mas unicamente que êstes dados são necessários à coerência de duas observações ou percepções atuais A hipótese realista não se impunha portanto no contexto cartesiano Mas a lógica do cartesianismo e do idealismo de um modo geral levava muito mais longe Ia direto ao solipsismo isto é à negação pura e simples não só das coisas mas também das pessoas distintas do sujeito cognoscente Porque as pessoas não se impõem à nossa experiência diferentemente das coisas e não podem ter sôbre estas nenhum privilégio Estou portanto sozinho e o universo inteiro inclusive as pessoas se reduzem adequadamente ao sistema de minha representação A maioria dos filósofos idealistas hesita diante desta conseqüência que se choca contra tão poderosas evidências e acaba privando de todo o significado os problemas da filosofia e da ciência Mas esta hesitação diante do salto no absurdo é o mais claro sinal de uma má consciência filosófica 4 O nominalismo a O privilégio da intuição Outra consequência do matematicismo cartesiano é que os universais são relegados ao nada da imaginação ontológica DESCARTES declara em sua Resposta às objeções de GASSENDI O que alegas contra os universais dos dialéticos em nada me afeta pois que concebo tudo de maneira diversa dês Des choses qui ont été objectées contra la 5e Méditation I 52 Os universais só podem efetivamente ser concebidos como abstraídos da experiência se e na mesma medida em que admitimos que o objeto primeiro oferecido à percepção é o universo das naturezas materiais ens in quidditate sensibili existens II 437 Num contexto doutrinal em que a idéia é o objeto imediato do pensamento isto é o inteligível que necessidade de abstração para produzir naturezas universais Toda percepção se reduz à intuição do singular É o que explica DESCARTES nas Regulae onde propõe uma lógica a um só tempo adaptada a êste nominalismo e construída inteiramente sôbre o tipo das matemáticas I 82 Enumeremos aqui escreve DESCARTES Regulae ad directionem ingenii III todos os atos da inteligência pôr meio dos quais podemos atingir a percepção das coisas sem nenhum receio de êrro Só admitimos dois a intuição e a indução Entendo por intuição não a crença no testemunho variável dos sentidos ou os juízos enganosos da imaginação má reguladora mas a concepção de um espírito são e atento tão fácil e distinto que nenhuma dúvida reste sôbre o que compreendemos ou então o que dá no mesmo a concepção firme que nasce de um espírito são e atento unicamente às luzes da razão HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE 67 A dedução nada mais é que uma forma de intuição é uma intuição sucessiva ou uma sucessão de intuições isto é um movimento contínuo e não interrompido do pensamento ou uma intuição clara de cada coisa Assim podemos saber que o último elo de uma longa cadeia está unido ao primeiro ainda que não possamos abranger com um único olhar todos os elos intermediários que os unem desde que sucessivamente os tenhamos percorrido e que nos lembramos de que do primeiro ao último cada elo sustenta o que o precede e o que o segue Estas declarações revelam de um lado que toda demonstração autêntica é racional ou a priori isto é proveniente únicamente das luzes da razão e de outro que ela consiste somente em perceber idéias A percepção é imediata e perfeita quando a idéia é clara e distinta evidência Muitas vezes porém a idéia é complexa e não pode constituir o objeto de uma percepção clara e distinta quer dizer que carece de evidência imediata Por idéia complexa não devemos entender idéia geral Para DESCARTES não existem idéias gerais ou universais A idéia geral é uma pseudoidéia e se reduz de fato a uma imagem grosseiramente confusa Uma idéia autêntica é sempre singular mas pode ser complexa quando exprime ao mesmo tempo causa e efeito essência e atributos o todo e as partes o modelo e o que se lhe assemelha a medida e os objetos mensurados etc Regula VI Quando se trata de uma idéia complexa a intuição deve dirigirse primeiro para a idéia ou elemento mais simples e mais fácil que é necessariamente aquilo de que depende todo o resto ou o absoluto e passar depois por um movimento contínuo ou intuições sucessivas de um elemento a outro da série Regula VI Quanto à indução ou enumeração não é mais que um processo complementar para verificar metodicamente a dedução percorrendo com um único movimento sem omitir um único intermediário toda a cadeia de conclusões de maneira a perceber todas as relações estabelecidas de um só golpe de vista quase sem a ajuda da memória Regula VII 48 b Mecanismo e nominalismo O nominalismo cartesiano se apresenta portanto como uma consequência da dúvida metódica Entretanto é lícito duvidar que seja exatamente este o caminho seguido por DESCARTES 33 O que se poderia chamar o aparato cênico da dúvida metódica não é mais que um artifício de exposição destinado a introduzir o idealismo e por conseguinte dirigido por este mesmo idealismo Na argumentação cética da dúvida podese com efeito subtender toda uma concepção nominalista do conhecimento e do ser sem a qual a dialética da dúvida metódica não teria sido nem mesmo concebível É certo com efeito segundo todas as declarações de DESCARTES36 como também segundo a ordem que ele institui para o saber a 35 Cf ET GILSON R Descartes Discours de la Méthode Texte et Commentaire pág 121 36 Na Epístola dedicatória das Méditations aos Senhores Decanos e Doutôres da Sagrada Faculdade de Teologia de Paris DESCARTES afirma que sua intenção era antes de tudo empenharse na causa de Deus e da 68 METAFÍSICA metafísica se constituindo em base deste e dirigindo por intermédio de seus princípios a física a mecânica a medicina e a moral37 que o fim primeiro e essencial que ele tinha em vista era fundar toda a ciência sobre o mecanismo Tal era possivelmente o inventum mirabile de que falavam os Olympica38 Ora por esta razão era necessário antes de tudo destruir o edifício da ciência aristotélica e especialmente a metafísica de ARISTÓTELES sobre a qual este edifício parecia repousar Foi com este fim que DESCARTES foi levado a substituir o realismo moderado que lhe tinha sido ensinado em La Flèche e que parecia dirigir como tal uma física puramente qualitativa pelo nominalismo mais radical e como lhe parecia o mais apto a sustentar uma concepção mecanística do universo Neste nominalismo DESCARTES devia ter sido iniciado pelas disputas escolares de La Flèche Mas nada nos autoriza a supor que ele tenha conhecido as teses mecanísticas que os terministas medievais tão nitidamente tinham deduzido do nominalismo 39 A lógica que os unia ao nominalismo era bastante rigorosa para que DESCARTES apreendesse rapidamente que esta posição gnoseológica era exigida por suas ambições científicas Cf as nossas Sources de lIdéalisme 7883 B O problema crítico após Descartes 49 DESCARTES deixa a seus sucessores sobretudo problemas a resolver que comporão de aí em diante os diversos capítulos do que se chamou depois o problema crítico Religião Mas ao mesmo tempo escreve a MERSENNE 28 de janeiro de 1641 A T III pág 297 que aquelas Meditações sobre a filosofia primeira nas quais se prova claramente a existência de Deus e a distinção real entre a alma e o corpo do homem são essencialmente destinadas a introduzir a física cartesiana E eu vos direi entre nós que estas seis Meditações contêm todos os fundamentos da minha Física Mas por favor não se deve dizêlo porque os partidários de Aristóteles poderiam talvez mais dificuldades na sua aprovação e espero que aqueles que as lerem se acostumarão com os seus princípios e lhes reconhecerão a verdade sem se darem conta que destroem os de Aristóteles Cf ET GILSON Études sur le rôle de la pensée médiévale dans la formation du système cartésien Paris 1930 págs 174 sg 37 Cf DESCARTES Les Principes de la Philosophie Prefácio Assim toda a filosofia é como uma árvore cujas raízes são a metafísica o trono é a física e os ramos que saem deste tronco são todas as outras ciências que se reduzem a três principais a saber a medicina a mecânica e a moral acho a mais alta e a mais perfeita a moral que pressupondo um inteiro conhecimento das outras ciências é o último grau da sabedoria 38 Olympica era o título de um manuscrito hoje perdido de DESCARTES BAILLET resumiuo na sua Vie de monsieur des Cartes 1691 e citoulhe as primeiras linhas X Novembris 1619 cum plenus forem Enthusiasmo et mirabilis Scientiae fundamenta reperirem A margem deste texto havia também XI Novembris 1620 coepi intelligere fundamentum inventi mirabilis HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE 69 de quebracabeças filosófico Se o ato de conhecer atinge apenas direta e imediatamente o pensamento tratase de saber se existem verdadeiramente fora do pensamento coisas que correspondam a nossas idéias Em outras palavras onde se assinala bem o absurdo deste pseudoproblema gerado por um erro inicial nominalismo a respeito da natureza do conhecer tratase de descobrir pelo pensamento e no pensamento um universo exterior ao pensamento39 2 Problema da ordem O idealismo terá igualmente que resolver um problema que os séculos XVII e XVIII chamaram de o problema da comunicação das substâncias II 640642 A questão da união da alma e do corpo não é senão um ângulo particular deste problema Em seu aspecto geral o problema consiste em saber como as coisas podem atuar umas sobre as outras e como elas podem formar entre si todos naturais sistemas compor uma ordem estável Este problema é a prova crucial do nominalismo A exclusão das noções e das realidades metafísicas essências naturezas formas e substâncias não deixa subsistir diante do pensamento senão as coisas singulares entre as quais a única distinção inteligível é a distinção real maior que implica separabilidade I 48 Daí a fórmula tão nítida de NICOLAU DAUTRECOURT retomada por todos os pensadores empiristas e nominalistas Quod quaecumque distinguuntur summe distinguuntur Que é exatamente o pontodevista de DESCARTES toda distinção fundamentada implica diz ele subsistência e separabilidade das coisas distintas inversamente cada vez que é impossível conceber duas coisas como subsistindo ou sendo capazes de subsistir uma sem a outra estas coisas não são realmente distintas Cf Principes de la Philosophie 1a Parte cap LXLXII Por isso afirma DESCARTES que toda a substância da alma consiste apenas no pensamento e que toda a substância do corpo consiste apenas na extensão De uma maneira mais geral ainda concluise desta doutrina que os aspectos das coisas isto é os graus do ser impossíveis de identificar entre si tornamse outras tantas coisas distintas e sua unidade constitui um mistério impenetrável Vemos assim que rejeitando os seres metafísicos o 39 Cf BOUTROUX Revue de Métaphysique maio 1894 O problema central da metafísica cartesiana é a passagem do pensamento à existência Só o pensamento é indissoluvelmente inerente a ela como pois com que direito em que sentido podemos afirmar as existências A existência que para os antigos era uma coisa determinada e percebida que só competia analisar é aqui um objeto distante que temos que atingir se é que é possível atingilo HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE 71 50 3 O problema da verdade l o problema essencial da Critica Mas para resolvêlo DESCARTES apenas propõe um P6icoiogismo insuficiente 42 Sua ambição não ultrapassa aqui a análise do sujeito pensante ou da coisa que pensa e se mantém ainda decididamente empírica É o que observa HUSSERL em suas Méditations cartésienruui Paris 1931 págs 20 sg contestando que a redução eidética do Cogito conduza realmente a um principio primeiro irredutível e ta chando esta redução de simples concessão ao empirismo De fato o movimento da especulação consistirá não em seguir o caminho aberto por DESCARTES mas em retornar a uma forma de reflexão que bem podemos chamar tramscerulental incluída na mais autêntica tradição augustiana e tomista e consistindo em tentar descobrir no ato mesmo do pensamento as leis que governam êste pensamento e fundam por direito ao menos seu valor absoluto da vida a doutrina aristotélica e tomista O certo é que a sua é enquanto explicação geral da natureza e ressalva feita em favor das consciências humanas verdadeiro e puro materialismo 1 verdade que é um materia lismo abstrato e idealista à sua moda muito diferente do de Epicuro e de Ga5Sendi Mas não deixa de ser um materialismo no sentido de que é um mecanismo e Descartes pode ser considerado em grande parle como res ponsãvel pelo triunfo do materialismo anônimo do século XVIII 42 Chamamos psicologismo tôda teoria que pretende relacionar ou de fato relaciona os problemas filosóficos lógicos morais metafísicos a pro blemas psicológicos e por isto mesmo relaciona em todos os campos de pesquisa o direito ao fato a essência universal a imagens as normas lógicas à experiência intelectual ou a convenções o valor a uma apreciação sub jedva etc Discutimos em Lógica I 32 82 e em Psicologia II 226228 402404 426428 451452 454 etc as formas diversas dêste psicologismo que nada mais é que uma conseqüência do nominalismo CAPÍTULO II NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO SUMARIO 1 ART I OBJETO DA CRÍTICA O pseudoproblema do mundo exterior Os argumentos idealistas Discussão Os fatos de relatividade sensorial A hipótese do sonho coerente As contradições do idealismo O objeto formal da Crítica O valor do conhecimento intelectual Os fundamentos da certeza ART II MÉTODO DA CRÍTICA A reflexāo crítica Natureza da reflexāo crítica Os pressupostos da reflexāo crítica O pontodepartida da Crítica 0 Cogito realista A dúvida crítica Natureza da dúvida crítica Forma do problema A dúvida Cartesiana A dúvida hipotética Problemática da crítica do conhecimento Crítica da inteligência Crítica dos processos do conhecimento 55 A exposição histórica que precede nos ajudará a definir com precisão a natureza e a forma do problema crítico assim como o método que exige Vimos com efeito que grande número de problemas só são expostos por serem consequências de princípios discutíveis ou de postulados errôneos Estes problemas não são senão pseudoproblemas e como tais perfeitamente insolúveis Não entram no contexto da crítica se NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO 73 não por abuso Devemos portanto eliminálos de nossa pro cura não em conseqiiência de uma decisão a priori mas mos trando de um lado que êstes pretensos problemas só se ClJre sentam em furuão de teorias contestáveis ou falsas e de outro que sua posição mesma é absurda Esta discussão nos condu zirá a limitar estritamente o objeto da Crítica que pouco a pouco tinha chegado a se constituir em tôda a filosofia O primeiro dever da Crítica porém é sem dúvida o de se cri ticar a si mesma ART 1 OBJETO DA CRITICA 56 O problema da existência do mundo exterior constituiu desde DESCARTES a essência do proQlema critico enquanto a questão fundamental do valor do conhecimento inteligível se encontrava ao mesmo tempo resolvida sem discussão na maior parte dos filósofos pelo postulado nominalista Eis aí uma inversão da ordem dos problemas que não somente falseia gravemente o pontodevista crítico mas impede de chegar jamais a uma concepção coerente e firme do conhe cimento 1 0 PSEUDOPROBLEMA DO MUNDO EXTERIOR Vimos que êste problema era apresentado como conse qüêncilJ do postulado nominalista e do princípio de imanência derivado por sua vez êle próprio rJo nominalismo e que afirma que o objeto primeiro e direto do pensaTMnto é a idéia ou a ilmagem Concluise dai imediatamente que a existência das coisas se torna um problema a solucionar 2 Não aconteceassim na concepção realista do conhecimen to em que a realidade do objeto independente do cognoscente é uma evidência imediata e absoluta excluindo como tal tôda espécie de dúvida Tratase pois aqui primeira e essencialmente da na tureza do conhecimento intelectual Podemos entretanto mos trar ad honiimern que a própria posição do pseudoptoblema do mundo exterior é absurda e contraditória 2 Seria difícil resumir esta dialética mais claramente do que no Reguinte texto de BRUNSCHVICG La modalitl du fugement Paris 1894 pág 118 0 pensamento é C o antipoda do real A afirmação não implica outra certeza que a do próprio ato de afirmar o que a isto ultrapassa é objeto de uma dúvida ao menos possível 7 4 METAFÍSICA A Os argumentos idealistas 1 O critério de apoditicidade A dúvida concernente à realidade do mundo exterior se apresenta como baseada em duas espécies de argumentos tendentes a estabelecer que a existência não é apoditicamente certa isto é absolutamente evidente Pois do pontodevista crítico segundo DESCARTES só deve ser admitido o que está fora de dúvida seja a coisa mais extravagante isto é o que torna absolutamente inconcebível o nãoser asserção contraditória do que é dado como cer teza evidente Cf E HussERL Méditwtions cartésiennes pág 13 Podemos admitir êste princípio no início porque está claro que a Critica nada deve prejulgar mas pelo contrário deva levan a discussão às próprias raízes do conhecimento Não obstante convém observar que a inconcebilidade absoluta da nãoexistência que define a evidência apodítica não deve ser limitada à foconcebilidade abstrata ou l6giCCL Esta não se refere senão às essências puras e por conseguinte vale apenas em relação aos possíveis Como a Crítica tem por objeto aquilo que é a inconcebilidade que servirá de critério será a concer nente à experiência senão estaríamos na ordem Lógica e não na ordem real sendo esta definida pelo conjunto da experiên cia mas aqui sem afirmação de objetividade e de subjeti vidade a 2 Forma do Problema Tôda a questão se reduz pois a saber se é possível sendo a experiência total o que é for mular a hipótese idealista Se com efeito é simplesmente possível formulála sem cairmos num absurdo seremos leva dos a discutir a realidade de um universo extramental Pois DESCARTES e os idealistas costumam apresentar aqui duas es pécies de razões que são realmente os únicos argumentos com aparência de fundamento 4 São êles de um lado o argu mento tirado dos fatos da relatividade sensorial erros e ilu a SANTO TOMÁS definiu a evidência apoditica pelas três condições se guintes Tres sunt conditiones firrnissimi principli J0 quod circa hoc non possit aliquis mentiri sive errare 2º ut non sit conditionale sed per se notum 30 ut non acquiratur per demonstrationem sed adveniat quasi per naturam habenti ipsum ln Metaphis Lib IV lect 6 Cathala n 597 4 Mostramos mais acima que êstes argumentos não são no contexlo di dúvida cartesiana mais que uma espécie de aparato único destinado a justificar uma aporia que deriva ern primeiro lugar do principio da imanência e do nominalismo NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO 75 sões dos sentidos de outro o argumento de que o con junto da experiência poderia muito bem ser apenas um sonho coerente 6 E HUSllERL Méd1tations cartésiennes pág 15 resume clara mente esta argumentação cA experiência sensivel universal através da qual o mundo nos é perpetuamente comunicado não poderia ser considerada sem mais como apoditlca isto é como excluindo de maneira absoluta a possibilidade de duvidar de existência do mundo quer dizer e possibilidade de sua nãoexistência Uma experiência individual pode perder seu valor e se ver rebaixada a uma simples eperêncle sensivel Ainda meis todo o conjunto de experiências cuja unidade podemos abranger pode revelarse como simples apa rência e ser apenas um sonho coerente B Discussão 57 Em virtude do critério de apoditicidade que admitimos podemos demonstrar que os dois argumentos invocados pelos idealistas são absurdos e por conseguinte que a nãoexistência do mundo é absolutamente inconcebível 1 Os fatos da relatividade sensorial Aqui não é ne cessário senão nos referirmos aos resultados da psicologia para sabermos se realmente os fenômenos classificados sob os nomes de erros e ilusões dos sentidos ou de alucinações são suscetíveis de nos fazer duvidar da objetividade da percepção a Imagens e percepção Tôda a argumentação carte siana repousa sôbre êste postulado implícito de que é impos sível distinguir uma imagem de uma percepção Mas a psico logia declarandoo falso defendese dêste postulado que KANT por sua vez já havia refutado com vigor Jmoginação e per cepção diferem essencialmente de tal modo que niú pode hauer confusão entre 1111a consciência puramente imaginotiva e unia consciência perceptiva II 177181 Psicologicamente é certo que os problemas relativos à exteriorização dos objetos e à sua localização no espaço são destituídos de sentido porque nunca temos na percepção ne cessidade de exteriorizar os objetos que se nos apresentam em conjunto como externos II 151 Tôda a argumentação de DESCARTES e dos idealistas depende da ilusão de imanência A imagem parece estar na consciência como uma espécie de retrato ou de objeto a observar o que reduz eviden temente a imaginação à percepção Em virtude desta redução arbi trária e falsa somos levados a indagar se procedendo a imaginação 5 DJSCARTES le1e Méditation 4 Cf PASCAL Pensées éd Brunschvicg n 0 424 empirismo e o nominalismo rompem os laços secretos das coisas e tornam ininteligível a unidade complexa do ser singular que é para eles entretanto o único objeto do conhecimento Daí concluise como já mostramos em Psicologia II 643 que a união da alma e do corpo considerados segunda a doutrina precedente como duas substâncias completas pensamento e extensão é ininteligível no cartesianismo Ela o era também pela mesma razão para os terministas medievais OCKAM se via obrigado a admitir que o homem formava plura esse partialia e era composto de três almas vegetativa sensitiva e racional OCKAM Quodlibet II q 10 Tal era pois o problema de DESCARTES ou de uma maneira geral o nominalismo propõe aos filósofos fenomenistas e idealistas posteriores explicar partindo das idéias os sistemas e os todos orgânicos de que se compõe o universo ou em outras palavras tomadas a LACHELIER tornar o pensamento real fazendoo se unir a partir da idéia ou do fenômeno ao concreto e individual da experiência Os idealistas assim como os fenomenistas pensaram às vezes poder resolver pelo mecanismo este problema É sobretudo a ilusão de DESCARTES que LEIBNIZ criticou tão vivamente 40 Na realidade como o demonstrávamos acima 41 a organização mecânica dos elementos não é uma solução mas a forma mesma do problema a resolver Entretanto se admitirmos que a explicação mecanista seja ao mesmo tempo válida e suficiente seremos levados a perguntar para que pode ainda servir o espírito ou o pensamento para fornecer um testemunho do homem Pois não é uma daquelas qualidades ocultas banidas de todo o saber inteligível pelos próprios princípios do cartesianismo A coisasmáquinas a animaismáquinas só pode corresponder um homemmáquina Cf LA METTRIE LHommeMachine Londres 1751 o pensamento nada mais é que o aspecto consciente das modificações que se produzem na máquina humana II 626632 É assim que o espiritualismo cartesiano espiritualismo extremado ou angelismo resultante do nominalismo inicial conduz diretamente ao materialismo 41 Desta pontodevista o eu sou idealista isto é a experiência certa reduzida à pura subjetividade é impossível porque tudo o que nos é dado é imediatamente o ser no mundo É tão impossível separar minha existência da do universo quanto me separar de meu próprio corpo Sintome existente sentindo o outro existir comigo O idealismo que se esforça para reduzir este sentimento é a negação mais arbitrária que existe de um imediato do qual não se pode duvidar Este imediato é tal que nem mesmo devemos dizer que a certeza e a evidência se referem a objetos dados na sensação pois isto suporia um intervalo entre o ato do sujeito e o próprio objeto Na realidade não existe nenhum intervalo sensação certeza evidência são aqui dados quer dizer são a mesma coisa sentida certa e evidente A sensação é uma participação imediata do que habitualmente chamamos sujeito de uma ambiência da qual nenhuma fronteira o separa e que não pode rejeitar sem ao mesmo tempo rejeitarse a si próprio uma vez que não é mais nada desde que dela se desligue É por isto que ARISTÓTELES e SANTO TOMÁS afirmavam que o sentido e o que se sente sensus et sensatum e em geral o cognoscente no ato de conhecer e o conhecido no ato de ser conhecido são uma única e mesma coisa 2 A hipótese do sonho coerente Esta hipótese está a um só tempo em contradição com a experiência e consigo mesma a O desmentido da experiência Não queremos prejudicar nada mas unicamente nos referirmos entre as experiências que constituem o nosso universo e seja qual for o sentido destas experiências à experiência do sonho Ora analisada fenomenológicamente esta experiência concluímos que ela depende por si mesma de experiências anteriores ao sonho Por outro lado um sonho coerente se revela como impossibilidade e isto não em virtude de qualquer noção a priori do sonho ou de um preconceito mas em virtude da própria experiência que unicamente pode aqui servir de critério uma vez que nossa experiência do sonho é em oposição a da véspera uma experiência de incoerência Enfim o sonho tal como se apresenta na experiência exclui absolutamente a reflexão sobre o sonho porque no sonho a consciência está presa ao jogo de imagens e qualquer reflexão sobre este jogo equivale à supressão do sonho Pelo contrário a consciência reflexiva confirma a percepção Consciência perceptiva e consciência onírica são portanto radicalmente diferentes De tudo isto concluise que se o universo fôsse um sonho coerente este sonho tornarseia tão real que a própria idéia de sonho nos seria absolutamente estranha A hipótese de uma experiência reduzida inteiramente ao sonho coerente suprimiria até a possibilidade do idealismo Num tal universo DESCARTES jamais teria existido A hipótese do sonho coerente é portanto inconcebível se levarmos em conta o conjunto da experiência Só se a pode formular e só pode ser aceita por um artifício do qual a argumentação de DESCARTES como de HUSSERL fornecem exemplos típicos Quando aceitamos converter hipotéticamente toda a experiência a um sonho coerente esta hipótese não se refere a nossa experiência mas a um pensamento possível que só pensaria um universo imanente isto é substituímos inconscientemente o problema de saber o que é concebível ou inconcebível em relação a nós pelo problema do concebível ou do inconcebível em si Podemos com efeito perguntarnos como um tal pensamento poderia ser submetido à evidência invencível da existência de um mundo exterior a nós mesmos Este problema conduz o idealismo à realidade Mas antes mesmo de encontrar este problema a hipótese como tal do universosonhocoerente encerra uma contradição interna que obriga a afas7 JP SARTRE LImaginaire Paris 1940 pág 206 observa com justa razão que a argumentação de DESCARTES encerra um sofisma certo Vejo claramente que não há indícios certos pelos quais possamos distinguir claramente a vigília do sono Primeira Meditação 4 Há um termo da comparação estabelecida por Descartes que posso facilmente atingir é a consciência que vela e que percebe Posso a cada instante fazer dela o objeto de uma consciência reflexiva que me esclarecerá com certeza à respeito da sua estrutura Esta consciência reflexiva me dá imediatamente um conhecimento precioso é possível que no sonho eu imagine que percebo Cada um pode tentar um instante fingir que sonha que este livro que lê é um livro sonhado verá imediatamente sem poder duvidar que esta ficção é absurda E para falar a verdade sua incongruência não é menor que a da proposição talvez eu não exista proposição que justamente para Descartes é verdadeiramente impensável 8 A mesma observação pode ser feita do pontodevista dos objetos Um mundo irreal anota JP SARTRE O Imaginação pág 171 é psicologicamente uma expressão desprovida de sentido O mundo é um todo orgânico no qual cada objeto tem seu lugar determinado e mantém relações com os outros objetos A própria idéia de mundo implica para seus objetos a seguinte dupla condição é preciso que sejam rigorosamente individualizados é preciso que estejam em equilíbrio com o meio É por isto que não existe o mundo irreal porque nenhum objeto irreal preenche esta dupla condição NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO 79 tála como absolutamente inconcebível universosonhocoe rente é uma noção do tipo círculo quadrado porque num universo de sonho a própria idéia de sonho seria impossível 60 b A ilusão do Kgo puro Os idealistas uma vez encer rados na pura subjetividade devem explicar como o sujeito pensante ou o puro eu contém o universo em seu pensamento sob forma de idéias ou imagens Veremos a que artifícios fo ram constrangidos os filósofos icfealistas para explicar êste universo imanente De fato êles não explicam nada mas im possibilitados de gerar o universo aceitamno como um dado o que os reconduz mas de máfé à posição realista A cmáfé é evidente no processus cartesiano pois a própria forma da dúvida metódica prova que DESCARTES só introduz esta dú vida paradoxal sôbre a realidade do mundo a de seu próprio corpo que faz parte do mundo após a decisão prévia imposta pelo no minalismo de partir do pensamento puro e com o fito de justificar a escolha dêste método 48 De fato o que significa neste con texto o apêlo à veracidade divina transformando o idealismo inicial em realismo de intenção senão que o realismo é uma evidência imediata e que discutilo representa apenas um pseudoproblema Se o método idealista isto é partindo do pensamento que apenas atinge imediatamente a si mesmo era impôsto pela realidade mesma das condições do conhecer como poderíamos experimentar a neces sidade de procurar uma garantia extrínseca para nossas afirmações csubjetivas das quais não somente a ilusão seria evidente mas a própria existência seria inconcebível Assim a evidência da existência do mundo é realnente apoditica no sentido de que sua nãoexistêncüi é pa1a mim absolutamente inconcebível 9 A epoché ou a colocação entre parêntesis do mundo objetivo se pudesse ser realizada colo carmeia diante do puro nada de um pensamento vazio im potente de pensarse a si mesmo Assim pretender que em relação à realidade absoluta e indubitável o sujeito que me dita não detenha senão a si mesmo enquanto ego puro e SWLS cogitações como indubitàvelmente existindo e não podendo ser êle mesmo suprimido se êste mundo não existisse HUSSERL loc cit pág 18 1º é provar o mais autêntico 9 Nas páginas seguintes colocamonos sem deixar o pontodevista car tesiano no pontodevista dito fencnnenológico proposto por HussERL nas suas Medttações cartesianas Adiante teremos oportunidade de estudar a Feno menologia em si mesma Aqui encaramos a épokhé ou a colocação entre parêntesis husserliana tal aliãs como HussERL a apresenta apenas como uma forma mais radical da dúvida cartesiana lO 1 exatamente o sentido da observação de DESCARTES de que posso fin gir que o mundo não tem realidade existencial e mesmo de que não possuo corpo mas não de que eu que me penso e penso o mundo Cogito não existo círculo vicioso visto como o ego puro ou Cogito só é realmente possível em função da experiência total de nossa consciência e porque esta consciência implica absolutamente a realidade existencial do mundo De fato o eu não se propõe a si mesmo senão por um objeto diferente de si e por conseguinte as cogitationes admitidas com o ego puro são necessariamente a expressão de realidade existenciais exteriores ao eu Podemos retorquir que o eu abstraído de suas cogitationes conservaria sua posição absoluta Mas isto de nada altera nossas observações porque o eu deste pontodevista não poderia ser proposto afirmado ou conhecido senão por um pensamento diferente daquele do mesmo eu o qual por isto mesmo não seria mais um sujeito um por si mas um objeto o que equivale ainda a constituir o universo independente do pensamento como condição do pensamento 3 As contradições do idealismo a A existência é dada na própria dúvida O idealismo não se pode propor sem se negar a si mesmo exatamente como o ceticismo não se pode afirmar sem se suprimir ao mesmo tempo Com efeito a dúvida sobre a realidade existencial do universo implica esta própria existência de maneira tão evidente que a própria dúvida seria rigorosamente impossível se este universo não tivesse sido dado de início É um outro aspecto da aporia do sonho Eu só posso supor dizíamos que o estado de vigília seja apenas um estado de sonho porque distingo desde já o estado de sonho do estado de vigília Da mesma maneira não posso fingir que o mundo exterior não existe só porque possuo de antemão com evidência irresistível a oposição entre o mundo de imagens e o mundo de objetos Na hipótese de que o mundo exterior não existisse e onde tudo se reduzisse a um universo imanente encerrando a ilu11 É o que admitem ao mesmo tempo ARISTÓTELES SANTO TOMÁS e KANT Crítica da razão pura Analytique transcendantale Refutation de lidealisme 3ème remarque De um modo geral a experiência interna só é possível pela experiência externa Quanto a saber se tal ou tal pretensa experiência seria simples imaginação é o que descobrimos por meio de nossas determinações particulares e com o auxílio da sua concordância com os critérios de qualquer experiência real Quanto à causa disto é diz SANTO TOMÁS que a inteligência antes de conhecer é pura potência Intellectus humanus est in potentia respectu intelligibilium et in principio est sicuo tabula rasa in qua nihil scriptum Iª q 79 art 2 Para que o pensamento seja acessível a si mesmo é preciso que a inteligência tenha sido previamente informada isto é elevada à inteligibilidade atual por um objeto que não ele mesmo Intellectus humanus se habet in genere rarum intelligibilium ut ens in potentia tantum Unde in seipso habet virtutem ut intelligat non autem ut intelligatur nisi secundum id quod fit actu Iª q 87 art 1 são de exterioridade e de existencialidade a epoché seria impossível e inconcebível A ilusão seria absoluta irredutível e definitiva b O paralogismo idealista Toda a argumentação idealista parece fundada num paralogismo do tipo seguinte Uma vez que a existência natural do mundo do mundo do qual posso falar pressupõe como que uma existência anterior a êIe mesmo a do ego puro e de suas cogitationes deduzse que ô domínio da existência natural possui apenas uma autoridade de segunda ordem e pressupõe sempre o domínio transcendental isto é o domínio do ego e das cogitationes HUSSERL loc cit pág 18 Nada porém é mais certo o mundo não existe para mim senão pensado por mim e como tal é posterior ao eu e ao pensamento que o condicionam enquanto universo pensado Mas isto que é evidente não está em jogo Tratase com efeito de outra coisa a saber de determinar não o que é condição do pensamento do universo mas o que é condição absoluta do pensamento mesmo isto é da posição do eu por si com o sistema de suas cogitationes Mas deste pontodevista temos que inverter a fórmula de HUSSERL e do idealismo e dizer que o ego puro e suas cogitationes pressupõem a existência natural do mundo porque sem ela como vimos acima não haveria nem cogitationes nem eu consciente de si 12 São estas mesmas observações que teremos de opor à dialética que quer basear tudo no primado do pensamento e que ED LE ROY desenvolveu da seguinte maneira Primeiro diz êIe é impossível pensar seja a que título ou grau um fora um para além do pensamento uma asserção qualquer seja da intenção ou de tendência negadora pressupõe entretanto sempre o pensamento Um segundo fato vizinho do primeiro luminoso como êste de evidência imediata logo que lançamos o olhar é que o pensamento é essencialmente algo que não pode ser gerado Assim portanto o pensamento se revela radicalmente indedutível e inconstrutível toda experiência de dedução ou de construção supondoo de antemão presente e atuante Eis como se demonstra o que chamo exigência idealista É o princípio de toda metafísica Lexigence idéaliste et le fait de lEvolution Paris 1927 págs XXII 12 Cf as observações seguintes de VON RINTELEN na La Phénomenologie Paris 1933 pág 47 Admito de boa vontade que ao contrário do formalismo kantiano com seu modo de tudo deduzir dos únicos princípios do sujeito universal a nova fenomenologia ensinounos a deixar falar o próprio objeto Mas como é possível então que HUSSERL não tenha sido levado ao mesmo tempo a empreender uma volta ao real Este objeto que em razão de seu conteúdo não saberíamos puramente deduzir unicamente das condições do sujeito o que é então que nãolô dá se êIe não está na existência HUSSERL pondo a existência entre parêntesis se proíbe de abordar a questão última que deve decidir tudo como a percepção essa não se reduziria à imaginação Este é exatamente o tipo do pseudoproblema b Erros e ilusões dos sentidos Ainda sobre este ponto não toleram os mais seguros dados da psicologia a hipótese idealista Primeiramente os erros dos sentidos não são de fato senão erros de juízo e portanto se referem não à existência de um objeto independente dos sentidos mas à natureza deste objeto Isto é tanto mais certo quanto o fato de os sentidos se corrigem uns aos outros o que implica a evidência a realidade de uma existência exterior aos sentidos pois por falta desta existência os juízos não seriam suscetíveis de nenhuma retificação mas apareceriam como necessariamente verdadeiros uma vez que teriam por objeto somente o puro estado subjetivo o qual é o que é e não pode dar lugar a nenhum erro Por conseguinte se é possível falar de erros dos sentidos é em função da evidência imediata e absoluta da existência de uma realidade que ultrapassa os sentidos isto é aqui o puro fenômeno subjetivo Quanto às ilusões de percepção II 158 poderiam autorizar uma dúvida sobre a exatidão da percepção dos objetos nunca porém sobre sua existência A hipótese de que o mundo exterior seria o efeito de uma espécie de alucinação alucinação verdadeira foi formulada por TAINE e traduz muito bem o aspecto da concepção idealista Ora esta hipótese é absurda porque num mundo em que a alucinação seria o estado normal não se trataria mais de alucinação II 149 Psicologicamente falando os fatos da alucinação não tem sentido senão em função da realidade do universo É esta mesma observação que faz KANT relativamente às dificuldades extraídas dos fatos de relatividade sensorial Critique de la Raison Pure Analítica transcendental Refutação do Idealismo terceira nota Toda representação intuitiva das coisas exteriores escreve não encerra necessariamente a existência destas porque esta representação bem pode ser simples efeito da imaginação como acontece nos sonhos ou na loucura Mas mesmo assim ela só ocorre pela reprodução de antigas percepções exteriores as quais como o demonstramos apenas são possíveis pela realidade de objetos exteriores 58 c A ilusão do intervalo A maioria das dificuldades que se apresentam aqui relativamente a sensação provém do que poderíamos chamar a ilusão do intervalo que é uma forma da ilusão de imanência supomos que entre a sensação como processus subjetivo e a percepção do objeto haja uma espécie de espaço a transpor Mas a psicologia nos mostrou que não existe nada disto e que toda sensação é percepção II 130134 Assim é de fato o Pensamento o último ponto de regressão possível O pensamento envolve portanto tudo e tudo deve diante dêle se justificar enquanto êIe só se justifica diante de si mesmo Toda esta dialética provêm de uma ilusão fácil de esclarecer Ela consiste em considerar o ser como uma determinação do pensamento Ora é pelo contrário o pensamento que se revela como uma determinação do ser Cogito significa eu penso 13 Isto é que o pensamento qualifica o ser e é uma determinação do ser Senão sendo o próprio ser a idéia não haveria mais ser da idéia quer dizer não haveria pensamento porque não haveria absolutamente mais ser O ser falando de modo absoluto é então anterior ao pensamento 14 2 O OBJETO FORMAL DA CRÍTICA 1 O valor do conhecimento intelectual Estamos agora capacitados a definir exatamente o objeto formal da Crítica isto é os problemas reais que ela deve resolver Êstes problemas se resumem essencialmente na determinação do valor do conhecimento intelectual Uma vez que a evidência primeira e absoluta espontaneamente vivida pela inteligência é a apreensão do ser e da realidade tratase na Crítica de tomar posição reflexivamente em relação a tudo que implica e significa esta evidência fundamental isto é determinar sob que condições e em que medida o pensamento está conforme ao ser evidentemente existente que é seu objeto primeiro e próprio O paradoxo do idealismo é de ser provavelmente uma filosofia do sujeito e de ter apenas uma psicologia indigente Filosofias do ser como as de ARISTÓTELES e de SANTO TOMÁS encerram ao contrário uma psicologia do conhecer rica de profundas e numerosas análises Semelhante observação faz N HARTMANN Zum Probleme der Realitätsgegebenheit KANTGESELLSCHAFT HEFT 2 pág 9 1931 no idealismo esquecemonos do essencial que é a relação com a coisa das Seiende para a qual vale o conhecimento Tanto que na posição do problema crítico perdemos de vista o fenômeno do conhecer Daí derivar a singular situação pela qual são justamente as teorias que mais falam do conhecimento as que ignoram absolutamente o verdadeiro problema do conhecimento 13 É o que DESCARTES reconheceu implicitamente ao evitar apresentar o Cogito como um silogismo até mesmo por uma interferência imediata Principes de la Philosophie I 7 Réponses aux instances de Gasendi 6 Adam et Tannery IX 205 14 Cf L LAVELLE La Présences totale págs 4041 O ser não pode em nenhum grau ser considerado como um modo de pensamento pois que o próprio pensamento deve de antemão ser definido como um modo do ser Imaginamos muitas vezes que o pensamento propondose propõe o caráter subjetivo de tudo que pode ser mas para se propor é preciso que primeiramente êIe proponha sua existência isto é a objetividade de sua própria subjetividade NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO 83 2 Os fundamentos da certeza A determinação do valor do conhecimento intelectual s6 se pode fazer à base de uma análise psicológica dos processos do conhecimento a fim de definir o que é o aspecto propriamente crítico da questão quais mo as causas objetivas e subjetivas da certeza Assim com efeito estaremos capacitados a precisar qual é a relação do pensamento com o ser quer dizer ao mesmo tempo como o ser se torna presente no pensamento e como o pensamento se insere nas complexidades do ser e pelo mesmo confirma de alguma maneira a prova da certeza fun damental de que a inteligência é medida pelo ser Vemos assim que a Critica realiza uma dupla dillgência que se desenvolve entre o que poderíamos chamar os dois pólos do conheci mento a saber o espírito no ato de conhecer e o obj eto conhecido Duplo movimento que volve cada vez a uma das fontes de conheci mento a fim de desvendar ao mesmo tempo sua natureza e sua relação com o outro têrmo A Crítica é portanto ao mesmo tempo uma crítica do espirita e uma critica da ciência Tal é pelo menos o plano que lhe assinala SANTO ToJllÁS De Verttate q 3 art 2 ad 2m ln cognltions est duo considerare scilicet ipsam naturam cognitionis et haec sequitur speciem secundum comparationem quam habet ad intellectum in quo est et determlnationem cognitio nis ad cognitum et haec sequttur relattonem especiei ad rem ipsam ART II MÉTODO DA CRITICA 68 O método que é impôsto pela forma mesma do problema crítico não poderá consistir por definição uma vez que se trata aqui de julgar o conhecimento senão numa reflexão da inteligência sôbre si mesma visando a determinar sua natu reza essencial e o valor de suas operações Poderíamos com maior precisão ainda dizer servindonos dos mesmos têrmos que SANTO TOMÁS De lerifJate q 3 art 2 ad 2m que a Critica é uma refleXál sôbre a espéoie inteligível ou o conceito para definir po1 um lado sua 1elação com a inteligência da qual procede e por outro SUa relação com a própria coisa que ewPime sob forma imaterial e universal Esta reflexão crí tica para ser válida não deve evidentemente admitir em seu pontodepartida nenhum preconceito quer dizer estar con dicionada por uma dúvida inicial abrangendo tudo o que na ordem do conhecimento é suscetível de ser discutido 1 A REFLEXÃO CRÍTICA 64 1 Natureza da reflexão critica A critica do conhe cimento supõe evidentemente o fato do conhecimento o juízo a f aculdade de conhecer supõe o p1évio exercício desta fClr 84 llrlETAFfSICA cuMode Seria absurdo pretender como fizeram os modernos em continuação a DESCARTES e KANT que a reflexão critica pudesse constituir absolutamente a primeira investigação de tôda a filosofia Como pedir ao conhecimento que trace a priori seus próprios limites e presida assim a um inquérito que deveria ser transcendente à ordem do conhecer 111 Na realidade aB condições e os limites de conhecimento s6 se podem descobrir por uma volta da inteligêncút sôbre suas ope rações em seu ezercício a um tempo espontâneo cientifico e filos6fico Devemos portanto distinguir esta reflexão ezpontânea da inteligência ou reflexão in actu exercito sôbre sua ati vidade reflexão que está contida em qualquer juízo 1 60 e forma um todo com êle II 150 461 Pelo fato da inteligência se pronunciar sôbre aquilo que é ela capta e afirma sua própria conformidade com aquilo que é aí está a essência do juizo 18 A reflexão crltica in actu signato constitui um ato nôvo que é uma volta explícita da inteligêncút sôbre seu ato e termina num conceito nôvo Esta reflexão se disingue formalmente daquela implícita que cons titui o juízo 1 1 por isto que não podemos definir simplesmente a Critica como ca revisão de nossas adesões espontlneas D Moema Crltenologfa 5ª ed 1908 pág 86 Esta revisão das adesões espontlneas é o próprio objeto de tõda a filosofia Isto significa seguramente que a constituição da filosofia supõe uma crítica ao menos implícita continuamente em ação além do mais a Critica enquanto reflexão expressa tn actu signatoJ sôbre a inteligência e suas operações tem outro objeto formal que não a revisão das adesões espontlneas ela visa a julgar de algum modo esta revisão mesma para erigila em direito pela justificação explicita dos processos que realiza CCf J JB TONQUÉDEC La Critique ae la Connaissance Paris 1929 pág 445 111 HEGEL Logtque trad Vera t I pág 193 observava que todo conhe cimento nio se pode fazer senão conhecendo e dirigir suas buscas sôbre êste pretenso instrumento do conhecimento nada mais é que conhecer Mas acrescenta liBGEL querer conhecer antes de conhecer é tão absurdo quanto a sâbia precaução diste escolástico que queria aprender a nadar antes de se jogar nágua n 18 Cf SANTO ToMÁS in Perihermeneias I lect 3 Cognoscere autem praedictam habitudlnem isto é sua conformaçio cim o que é nihil est aliud quam judicare ita esse ln re vel non esse quod est compllnere et dividere et ideo lntellectum non cognoscit veritatem nisi componendo et dividendo per suum judicium 1T Cf SANTO ToMÁs De Veritate I art 9 Veritas est in intellectu sicut consequence actum intellectus et sicut cognlta per intellectum con sequftur nemque intellectus operationem secundum quod judicium intellectus est de re secundum quod est Cognoscitur autem ab intellectu secundum quod intellectW reflectitur supra actum suwn non solum quod cognoscit actum suupi sed secundwn quod cognoscit proportionem ejus ad rem 2 Os pressupostos da reflexão crítica A reflexão crítica por supor o fato do conhecimento quer dizer por não ser e não poder ser senão um ato segundo implica com evidência o conhecimento prévio dado na reflexão vivida in actu exercito da atividade judicativa da natureza da inteligência ou de sua finalidade natural que é estar conforme com o que é do ato de julgar como atividade própria da inteligência e da faculdade da qual procede êste ato da natureza do habitus que é o princípio imediato do ato de conhecer da existência da alma enquanto princípio radical ou sujeito da atividade intelectual enfim da existência real ou possível do objeto ao qual se refere o juízo 3 O pontodepartida da Crítica Vemos por isto como é arbitrário e irreal o pontodevista cartesiano e idealista que pretende tomar como pontodepartida absoluto da Crítica um Cogito levado à pura afirmação de um pensamento que se pensa a si mesmo De fato o pontodepartida da Crítica será se quisermos um Cogito isto é uma reflexão sobre o pensamento real a saber sobre um pensamento que não conhece senão medindose a si mesmo sobre o ser e que não se conhece verdadeiro senão conhecendose conforme àquilo que é o que implica ao mesmo tempo a irrecusável evidência do princípio de identidade como lei universal do pensamento em conformidade com o ser o qual é necessariamente o que é II 484 O ofício próprio da crítica consistirá em aplicar a reflexão da inteligência expressamente sobre êstes dados primeiros isto é logicamente primeiros enquanto envolvidos em qualquer exercício do pensamento para os julgar e justificar com referência à suas condições absolutas 4 O cogito realista a Ego cogito ens Objetamos algumas vezes contra êste método reflexivo que 86 poderia conduzir ao idealismo E GILSON Réalisme thomiste et critique de la connaissance Paris 1939 pág 49 Mas esta objeção erra quando reduz tôda reflexão sobre o pensamento ao tipo de reflexão definida pelo Cogito cartesiano Ora não é o considerar o pensamento que conduz ao idealismo mas o afirmar a priori como fazem os idealistas que no pensamento apenas existe o pensamento Na realidade toda reflexão crítica em qualquer que seja a doutrina parte necessariamente de um Cogito como SANTO TOMÁS o observa implicitamente quando diz que a justificação do conhecer consiste na crítica da espécie O pro blema crítico sendo essencialmente o da relação com o ser é no próprio pensamento no ponto em que o ser e o pensamento se unem que a Crítica situará seu pontodepartida Devemos então partir do Cogito mas do Cogito real isto é não devemos procurar provar partindo do puro pensamento a realidade absoluta do ser presente ao pensamento esta realidade vimos acima se encontra de maneira absolutamente evidente além da dúvida uma vez que a própria dúvida a supõe Tratase de algo bem diferente isto é de encontrar no pensamento com o qual penso o ser e me penso a mim mesmo pensando o ser as razões em que se baseiam minhas afirmações sobre o ser e justificam que elas sejam o que são b Cogito ou Cognosco Gilson concorda implicitamente com isto quando admite que a reflexão da inteligência deverá ter como objeto um Cognosco e não um Cogito de tipo idealista que é exatamente o que dizemos aqui Cf também nosso estudo sobre Le Thomiste et la Critique de la connaissance págs 1928 91110 135143 A reflexão sobre o Cogito tal como a compreendemos só pode ser para nós também uma análise reflexiva das condições totais do conhecimento que considera como dado tudo o que é de fato dado tanto no objeto como no sujeito Gilson loc cit pág 90 n 1 A disputa em torno do Cogito se reduziria então a uma questão de palavras Quanto a dizer como Gilson que partir do Cognosco ou do que chamamos o Cogito real significaria a exclusão rigorosa de qualquer crítica do conhecimento é ainda uma questão de palavras porque se é com efeito a exclusão absoluta de toda crítica do tipo idealista que procura reencontrar o ser provavelmente a partir do puro pensamento é expressamente a própria forma de uma Crítica do tipo tomista na qual o realismo não é nem pode ser discutido mas onde se trata essencialmente de retornar sobre o ato da inteligência para definir sua legitimidade e seu valor Concluamos então que o Cogito não pode significar senão o ato de conhecer que conhecemos de conhecerse cognoscente e conhecendo o ser e por conseguinte que a Crítica não poderá ser senão uma reflexão sobre o conhecimento atual para fundar sua legitimidade e definir ao mesmo tempo seus modos seus limites suas condições absolutas e sua finalidade última 2 A DÚVIDA CRÍTICA Dissemos que a Crítica para ser sincera nada devia pressupor de tudo o que pode ser discutido Como por outro lado é o próprio valor do conhecimento intelectual que aqui está em jogo deduzimos que a dúvida crítica deverá necessariamente ter um alcance universal É isto o que afirmam Aristóteles e Santo Tomás quando apresentam como condição para a Crítica uma universalis dubitatio de veritate Como conciliar esta universalidade necessária da dúvida com a impossibilidade que reconhecemos de realmente discutir as evidências imediatas dadas no exercício direto do conhecimento Tal é exatamente o problema da dúvida crítica A A natureza da dúvida crítica 1 A forma do problema O problema pode ser resumido no seguinte dilema ou a dúvida deve ser universal e neste caso não pode ser real ou deve ser real mas não pode ser universal O dilema é rigoroso isto é deveremos optar por um ou outro termo da alternativa Com efeito se escolhermos uma dúvida real necessariamente teremos que excluir as evidências imediatas Em primeiro lugar uma evidência imediata e apodítica nunca se põe realmente em dúvida porque é absolutamente impossível Nenhum artifício nenhum esforço nenhuma hipérbole como se exprime Descartes dá a possibilidade de duvidar da evidência Depois o simples fato de pretender submeter a evidência imediata a uma dúvida real constitui uma empresa contraditória em si mesmo e que arruinaria de antemão qualquer tentativa de chegar à certeza 2 A dúvida cartesiana Sabemos que a dúvida cartesiana que pretende ao mesmo tempo ser real e universal tem como finalidade descobrir uma verdade absolutamente evidente Mas como poderia aí chegar do momento que admite que verdades evidentes espontâneamente admitidas antes da dúvida por causa mesmo de sua evidência pudessem ser simples erros Antes como depois é sempre a mesma faculdade que conhece se pôde errar gravemente antes que garantia temos de que não se enganará depois Se a evidência não tem valor antes da dúvida como valerá durante ou após A Crítica assim compreendida tornase um empreendimento absurdo uma vez que consiste em recusar e arruinar de antemão o critério que deve servir para indubitavelmente estabelecer a verdade isto é a evidência imediata Era isto o que Gassendi objetava justamente a Descartes em suas Obections contre la Cinquième Meditation 96 Como dizia ele admitir a validade da demonstração da existência de Deus e a veracidade divina quando de antemão se admitiu que era possível duvidar da verdade das demonstrações geométricas que são de tal evidência e certeza que sem esperar nossa deliberação nos arran cam por si mesmas o consentimento A demonstração da existência de Deus é comparativamente menos certa como prova o fato de que muitos há que põem em dúvida a existência de Deus a criação do mundo uma porção de outras coisas que se dizem de Deus Ainda mais do pontodevista cartesiano a certeza de que em todo triângulo retângulo o quadrado da base é igual aos quadrados dos lados depende ela própria da certeza de que há um Deus que não nos engana etc Estamos em pleno círculo vicioso uma vez que as demonstrações matemáticas se apóiam sobre o princípio das idéias claras e distintas que serve para provar Deus o qual garante o valor e a certeza das idéias claras e distintas De fato a dúvida cartesiana é ao mesmo tempo demasiadamente ampla enquanto realidade e indevidamente restrita enquanto dúvida a A dúvida cartesiana é muito extensa Que razão invocar de antemão para levar em consideração as mais extravagantes suposições dos céticos Sem dúvida uma vez que são formuladas devem ser refutadas Mas não é a melhor maneira de o fazer consentir provisóriamente em têlas por legítimas quando é claro que se chocam com a evidência imediata Contra elas só valeria como o demonstram Aristóteles e Santo Tomás a refutação pelo absurdo que no fundo é apenas um apelo indireto à evidência imediata Deste pontodevista a dúvida cartesiana ultrapassa os limites do domínio onde há realmente problema quer dizer matéria para uma dúvida metódica real NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO 89 Podemos aliás demonstrar concretamente quão injustificados e injustificáveis são as razões de duvidar formuladas por DESCARTES Estas razões se referem à realidade de um universo independente do pensamento e à realidade de meu próprio corpo às verdades matemáticas à veracidade radical da intellgência hipótese do gênio maligno Mostramos acima que era absolutamente impos sível duvidar realmente da elfstência do unwerso hipótese do uni versosonhocoerente Quanto à dúvida sôbre a realidade de meu próprW corpo não é ela mesma senão uma ficção resultante da ilusão pela qual reduzo o corpo para pensálo à idéia do corpo 11 64 Isto é a um objeto neste caso que me é dado na totalidade concreta da experiência como sujeito Podemos por outro lado duvidar realmente das verdades mate máticas mesmo cas mais simples por exemplo que 2 e 2 são qua tro Para Isto seria necessário poder duvidar do próprio principio de Identidade Isto é admitir como o supõe DESCARTES que um gênio maligno não menos astucioso e enganador quão poderoso empregou tõda sua lndlistria em me enganar hipótese que expressamente põe em jôgo o critério da evidência imediata Ora neste caso acabouse definitivamente tôda certeza uma vez que qualquer demonstração não pode ser feita senão em função da evidência do principio de identidade Mesmo se se admite que a certeza do ceu pensante resiste a tõdas estas razões de dúvida será impossível ir mas longe o progresso para a certeza estará bloqueado desde o comêço a o que assinala com razão K JASPBRS Descartes et la philo sophie trad francesa Paris 1938 pág 15 cA certeza primeira é pois de tal natureza que DESCARTES graças a ela encalha por assim dizer num banco de areia Ela não lhe pode servir de pontodepartida para deduzir outra com a mesma indiscutivel evidência Certamente êle encontrou uma base mas esta não lhe permite avançar nem parar DESCARTES pensa sair das dificuldades pelo principio das Idéias claras e dis tintas como fundamento de tõda certeza Mas êste principio foi discutido pela dúvida aplicada às verdades matemáticas Sem dú vida DEscAJlTES crê estabelecer seu valor absoluto pela garantia da veracidade divina Mas há ai um circulo vtciosó que cega visto como a eXistência de Deus só pode ser estabelecida sôbre a base da verdade absoluta das Idéias claras e distintas Asttm o Cogtto tal como o entende DESCARTES nada mata prova senão a st mesmo e não garante nenhuma verdade ulterior A dúvida é deftntttva e Irredutível 69 b A dúvida cartesiana é muito restrita Podemos por outro lado dizer que a dúvida tal como DESCARTES a propõe não tem tôda a amplitude que deveria comportar Sem dúvida é radical Entretanto êste radicalismo é apenas aparente por que as razões que invoca mesnw as do gênio maligno são razões panticulares que 1Uio tmn como tais nenJium alcance real e por isto mesmo por falta de eficácia deixam efetiva mente fora da dúvida crítica asserções que wgicamente nela deveriam estar incluídas Porque a Crítica deve referirse a dlatamente o dado num punhado de fatos heteróclitos Ela não corresponde a nenhuma Instância real da busca cientifica Esta reclama ao em vez do alarde da dúvida universal a constituição de uma pToblemáHca NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRfTICO 91 mente o valor das razões que tem para afirmar a verdade e para se julgar com razões para o afirmar u As mesmas observações poderiam ser feitas sôbre A Epoché feno menológica de HuSSERL A concepção da dúvida crítica se apresenta aqui como muito mais radical que a de DESCARTES visto como se trata de reconstituir tôda a filosofia sem sair da époché ou colo cação entre parêntesis de todo o ser extramental Mas ai há uma ilusão completa que termina por transformar a fenomenologia num ingênuo realismo do mesmo tipo do realismo final de DESCARTES Com efeito HuSSBJlL reintegra pouco a pouco ao interior da epoché tudo o que dela foi eliminado de tal maneira que no fim de contas como o observa J MARITAIN Les Degrés àu savoir pág 205 não há mais parêntesis e não há mais epoché Mantendo até o fim a époché suprimiuse a o que é um grande sucesso de ilusionismo transcen dental mas também uma inegável contradição vivida Jll a con tradição que agrava todo o idealismo como acima o demonstramos Com a pretensão de reconstruir o universo partindo de uma dúvida radical sôbre tôda a realidade existencial para substituir em tôda parte o direito ao fato pxovàvelmente irracional constantemente recorreu êle ao arbítrio do puro dado Quando não deveria admitir senão o necessário não cessa êle de apelar para o contingente e fica obrigado a aceitar sem compreender nem explicar o que FICHTB chamava os cchoques da experiência Chega asstm ao reaHsmo bruto menos tnteHgfvel 1á que é obrigado a attrmar o real exterior ao espfrito sem ser capaz de dizer nem o que é nem de onde vem nem o que signiftca Ordenado por essência para reduzir tudo ao direito nada mais faz afinal senão aceitar a servidão do fato B Problemática da critica do conhecimento 71 Estamos agora de posse do único método possível ao exame do problema crítico Sste método consistirá em tomar reflexi vamente consciência das razões sôbre as quais se apóia nossa convicção de sermos capazes de conhecer e afirmar a verdade Ela parte portanto da experiência que fazemos no conheci mento direto de nossa inteligência como faculdade do ser que se exercita à luz do primeiro princípio do ser que é o princípio de identidade Por isto mesmo fica exatamente delimitada a problemática da Crítica do conhecimento 1 Critica da inteligência Uma vez que o pensamento se apresenta em conjunto como determinado e medido por um ser independente dêle é preciso verificar refleiivannente a realidade desta ordenação essencial ste problema se encontra efetivamente estabelecido pelo fato dos múltiplos erros da in teligência É de fato sôbre êstes erros que se baseia o ceti 2 Cf J DE ToNQUÉDEC La crtique de la cOnnaissance Paris 1929 págs 441449 92 METAFÍSICA cismo que consiste em discutir o princípio mesmo da objeti vidade do conhecer isto é da ordenação essencial da inteli gência ao conhecimento da realidade 2 Critica dos processos do conhecimento Encontra mos aqui o fato pôsto em relêvo pela análise e descrição dos processos da inteligência de que o saber apreensão e juízo ciência e filosofia é o fruto de uma elaboração do dado sensível Tratase de verificar se a inteligência permanece fiel até o fim às exigências objetivas do ser Pela reflexão da inteligência sôbre seu ato temos certa mente a evidência da presença do ser Mas êste ser é o ser abstrato que estabelece o problema do exato valor ontológico da semelhança pela qual o atingimos e o possuímos Esta se melhança comporta graus exige distinções e precisões SANTO TOMÁS observa a êste respeito que o modo do conhecimento e por conseguinte seu valQI depende da relação de conve niência da semelhança com o objeto do qual é a semelhança De Veritate q 8 art 8 in e E é por isto que êle quer que após a verificação da natureza da inteligência dete1mi nemos a relação da espécie com a própria coisa De Veritate q 3 art 2 ad 3m O que leva aqui a admitir que existe um problema é portanto o fato de que conhecer é de um certo modo construir o objeto ou como o demonstra SANTO TOMÁS recorrer a uma composição e uma divisão próprias ao espírito e não à coisa De Veritate q I art 3 in e No mesmo sentido SANTO TOMÁS explica ainda que a verdade se dizendo dos complexos enquanto o ser só se diz para uma coisa que existe indivisa fora da alma o problema está em justificar a afirmação de ser que constitui o juizo pela prova de que a atribuição está dirigida pela percepção do objeto e não por uma ilusória indução 26 O conhecimento per essentiam suprimiria ao contrário o pro blema critico já que significa que o ser está presente não somente êle próprio mas por êle próprio ao pensamento Se há verdadeira 2G Ct De Veritate q I art 3 in e lntellectus formans quidditates non habet nisi similitudinem rei exlstentis extra animam slcut et sensus in quantum accipit speciem rei sensibilis sed quando incipit judicare de re apprehensa tunc ipsum judicium lntellectus est quoddam proprium ei quod non invenitur extra in re Tunc autem judicat intellectus de re apprehensa quando diclt quod aliquid est vel non est quod est intellectus componentis et dividentls unde et Philosophus dicit VI Metaph quod com positio et divisio est in intellectus et non in rebus SEGUNDA PARTE NATUREZA DO CONHECDIENTO INTELECTUAL 75 O problema da natureza do conhecimento intelectual reduz se essencialmente em saber se a inteligência tem um valor ontológico Com efeito tôda nossa atividade cognoscitiva está baseada na convicção dêste valor espontâneamente por uma intuição simultânea a seu exercício a inteligência se conheee a si própria como medida pelo ser Partimos desta convicção e tentamos verificar suas razões pela 1efleião sôbre a natureza e processos do conhecimento Tratase pois por um lado de estabelecer contra o ceticismo a realidade da certeza por outro lado de verificar o fundamento desta certeza em suas causas a um tempo subjetivas e objetivas visando a julgar o valor ontológico dos processos do conhecimento e estabelecer qual o fundamento último e absoluto da certeza CAPÍTULO I A EXISTeNCIA DA CERTEZA SUMÁRIO 1 ART I o FATO DA CERTEZA o dogmatismo dos céttcos O ceticismo como doutrina O ceticismo absoluto O ceticismo provável A dúvida que duvida de si O ceticismo como fato A certeza primeira Certezas de ordem especulativa Certezas de ordem prática ART II A LEGITIMIDADE DA CERTEZA o argumento do êrro Os erros da inteligência As contradições dos filó sofos As variações do pensamento individual Dis cussão A humanidade crê na verdade A humanidade progride no conhecimento da verdade o gôsto do abso luto O êrro só é acidental Os erros dos sentidos o argumento do dialelo o defeito do critério defini tivo A petição de principio Discussão o critério da evidência A evidência d0s princípios Valor do conhecimento Inconsistência do probabilismo Novos problemas 7 6 O ceticismo consiste em pretender que a razão não possui nenhuma certeza e não pode realmente possuíla O ceticismo universal e o probabilismo estão de acôrdo neste ponto Quando os probabilistas concordam em afiançar que a razão pode che gar à ve1ossimilhança apenas acrescentam uma contradição às que já agravam o ceticismo pirrônico pois como saber se uma asserção tem as aparências de verdade se não se conhece a verdade mas na realidade nada mudam à posição cética verdade e certeza estão fora do nosso alcance nunca estamos e nem podemos estar certos de nada Essas duas afirmativas 1 Cf ARISTÓTELES Métaphisique L IV eh III VIII SANTO TOMÁS ln Metaphys L IV lect 517 SANTO AcosTJNHO ContTa Acadêmicos ed Desclée de Brouwer Dialogues philosophiques t 1 V BRoCHARD Les soeptques gTécs 2e éd Paris 1923 J MARÉCHAL PTécis dHistoiTe de ta Phil06ophie moderne t I págs 3657 E BRíHIER HistoiTe de la Philoso phie t I 98 METAFÍSICA fundamentais é o que vamos discutir estabelecendo de um lado a realidade da certeza e de outro a ineficácia dos argumentos que tendem em geral a provar a impossibilidade radical da certeza ART I O FA TO DA CERTEZA Visamos a estabelecer aqui apenas o fato da certeza pela impossibilidade de suprimila impossibilidade de tal modo absoluto que a afirmação crítica tornase certeza e incorre numa contradição radical Afirmar crendo na vemcidade da afirmação é uma ope1ação vital tJão natural e necessária quanto a de respirar e exercida de tal maneira que a inteligência se reconhece espontâneamente como feita para a verdade 1 0 DOGMATISMO DOS CÉTICOS 77 O ceticismo especulativo não se pode propor sem se des truir tle inclÚi pela recusa a tôda certeza uma contradição fundamental que o torna impensável e pràticamente insusten tável Podemos demonstrálo considerando o ceticismo ora como doutrina ora simplesmente como afirmação do fato da certeza universal Seria bom distinguir ao lado do ceticismo teórico um ceticismo prático o estado de todos aquêles que sem aderir explicitamente a nenhuma doutrina filosófica sôbre o valor da razão se fecham no dominio da ação numa indiferença mais ou menos completa à ver dade e ao bem como se ambos estivessem fora do nosso alcance e tivessem apenas um valor relativo Entretanto podemos ver sem dificuldades que êste cettcismo práttco supõe também êle apesar das aparê11cias e sob forma implícita uma teoria do conhecimento as razões que motivam a indiferença à verdade estão disfarçadas mas não são menos reais A medida que esta atitude prática é le vada a se justificar fálo sempre invocando um e outro dos argu mentos do ceticismo especulativo Também muitas vêzes é verdade ela resulta de uma falência intelectual e moral e serve para dissi mulála neste caso o ceticismo prático oculta mas de máfé o covardia diante das exigências da vida Portanto cabe mais ao mo ralista que ao lógico ou ao crítico apreciar esta conduta Cf M BLONDEL LActton t II Paris 1937 págs 3988 Por outro lado encontramos e encontreremos ainda na ordem especulativa propriamente dita ao estudar a história do problema crítico muitas formas ou graus de ceticismo particularmente a forma empirista e nominalista nominalistas antigos e medievais HERÁCLITO EPICURO ZENÃO OCKAM fenomenistas HUME e positivistas COMTE modernos Não nos ocuparemos dêles aqui onde encara mos apenas o ceticismo explícito e de princípio e não as teorias que tem como conseqüência intro duzir um ceticismo parcial relativo a um ou outro dos aspectos do conhecer A EXISTÊNCIA DA CERTEZA 107 B Discussão 86 O argumento do dialelo têm apenas aparências de rigor É o que podemos mostrar colocandonos nos dois pontosde vista que temos considerado 1 O critério da evidência E certo que a verdade deve ter caracteres através dos quais ela se distingue absolutamente do falso Em outros têrmos é preciso que haja um critério último da verdade um instrumento permitindo discernila certa e definitivamente Mas êste critério por definição mes ma valerá por si e de maneira alguma exigirá ser julgado por um outro ctfitério 126128 se êle não valesse por si mes mo se tivesse necessidade de uma justificação ulterior não seria mais um critério Ora êste critério supremo e universal da verdade existe realmente e não é outro senão a evidência quer dizer o fato de o objeto estar presente à apreensão sensível ou intelectual A evidência é uma presença uma vez achada nada mais temos a procurar nem podemos sonhar em lhe pedir títulos diferentes dela mesma não há mais dúvida nem discussões possíveis 6 Não estamos portanto na roda como queria MONTAIGNE uma vez que em nossa busca da verdade podemos chegar ao ponto onde o espírito realiza sua profunda ambição de ver a verdade em plena luz e acabar seu movimento nesta visão que é sua própria prova 2 A evidência dos princípios Estas observações que precedem permitem resolver a objeção cética relativa aos prin cípios da demonstração Por um lado com efeito não se trata de demonstrar os princípios nem de postular sua verdade nos dois casos haverá círculo vicioso Na realidade os primeiros princípios que são efetivamente utilizados pela razão até no enunciado do ceticismo como vimos têm a propriedade de serem evidentes por si mesmos e dados ao espírito numa in tuição que não deixa lugar à dúvida nem à hesitação É ver dade que alguns pretenderam duvidar realmente do princípio de contradição mas diz ARISTÓTELES Métaph IV c 4 não se é obrigado a concordar com tudo o que se diz Esta in tuição é propriamente a do ser e a evidência dos princípios não é seTliio a presença do ser no espírito dada com suas G Cf Logique de PortRoyal lr Discours Como não há necessidade de outros sinais para distinguir a luz das trevas senão a própria luz que se faz sentir assim não são precisos outros sinais para reconhecer a verdade além da própria claridade que a cerca e a que se submete o espírito e o persuade A EXISTÊNCIA DA CERTEZA 109 oscilar mais para a esquerda que para a direita aumentaia esta onça de verossimilhança que inclina a balança multiplicaia por cem por mil onças resultará enfim que a balança se Inclinará para um dos lados e abraçará uma escolha e uma verdade inteira Mas como se deixam inclinar à verossimilhança se êles não conhecem a verdade Como conhecem o parecida daquilo de que não conhecem a essência Ou somos capazes de julgar inteiramente ou não o so mos Se nossas faculdades intelectuais e sensíveis carecem de funda mento e de apoio se apenas flutuam em vão deixamos que nosso j uízo se incline para uma e outra das partes a posição mais segura para nosso entendimento seria aquela na qual êle se mantivesse sossegado calmo reto inflexível sem oscilação nem agitação C Os novos problemas 88 A discussão do ceticismo já nos permitiu precisar alguns aspectos do problema das fontes da certeza Não basta porém ter estabelecido a existência da certeza nem ter mostrado que esta está necessàriamente implícita em tôda atividade prática É necessário ainda que determinemos quais são os fundamen tos próximos desta certeza ou se preferirmos os modos se gundo os quais se realiza esta presença do ser na inteligência de que acabamos de falar Umas vêzes com efeito quisemos reduzir tôda certeza legítima a apreensão dos dados sensíveis fenômenos ou sensações que pareciam se impor por si sem nenhuma intervenção do espírito nomiMlismo e empirismo Outras vêzes ao contrário se pretendeu reduzir tôdas as certezas válidas àquelas que resultariam provàvelmente da pura atividade do sujeito inteligente quer a experiência sen sível aparecesse ilusõda idealismo materiaU quer admitida como real ela parece ser apenas quanto à sua forma um efeito de atividade subjetiva do cognoscente idsalismo formal Contra estas concepções mostraremos que a certeza do conhecimento não se pode ecplicar e justificM seniio em função ao mesrao tempo do objeto e do sujeito Dito de outra ma neira a certeza tem causas subjetivas e objetivas ela é a obra comum do sujeito e do objeto estes novos problemas devem ser distinguidos do pontodevista crítico do da origem das irléfas que é psicológico 11 422446 Tra tase com efeito em Psicologia de descrever concretamente o jôgo da inteligência em Critica de julgar esta mesma inteligência como faculdade do ser Todavia como dissemos é evidente que o ponto devista critico está estreitamente dependente do pontodevista psicológico 112 METAFÍSICA Já sabemos II 866367 que esta tese é o pontodepartida do sistema no qual CoNDILLAC pretende explicar universalmen te o conhecimento que não seria finalmente até em suas mais altas formas mais que uma sensação transformada 91 2 Análise das idéias A mesma doutrina é desenvol vida por HUME no início do Enquiry 2 Há certamente obser va êle uma grande diferença entre a sensação e a memória desta mesma sensação Memória e imaginação podem copiar as percepções sensíveis mas nunca podem salvo os casos de doença ou loucura atingir a fôrça ou a vivacidade da sensação original O pensamento ou a mais forte imagem memorial é sempre inferior à mais fraca sensação O mesmo acontece com tôdas as outras percepções do espírito afeições e senti mentos bem menos vivos que as emoções que lembram Tam bém podemos distinguir duas sortes de percepções apoiando nos sôbre o critério da vivacidade As impressões percepções vivas e as idéias percepções fracas Na realidade o pensamento ou sistema de idéias não constitui uma atividade original todo seu poder se Jimita a compor transpor aumentar ou diminuir os materiais forne cidos pela experiência i assim que a idéia de uma montanha de ouro resultou de duas idéias dadas pela sensação Tudo nos vem da eaperiencia sensfvel e nossas idéias não são em difinitivo senão cópias de nossas impressões Elas valem por tanto apenas à medida que podem ser reduzidas a impressões ou sensações O abstrato como tal nada significa e a nada corresponde 3 Discussão do fenomenismo a O postulado empirista O empirismo tem razão sem dúvida ao afirmar que todo nosso conhecimento tem sua ori gem primeira ou seu pontodepartida na experiência sen sível II 480 Mas a menos que identifiquemos as noções de origem e de causa não podemos passar imediatamente desta constatação certa à asserção de que a causa única e total de nossas idéias seja a experiência sensível isto é a sensação e a imagem Estabelecemos do pontodevista psicológico que era impossível reduzir a idéia abstrata e univeJsal à imagem e à sensação II 414121 Não voltaremos a falar sôbre isto Mas deveremos observar que o poritOdevista empirista consiste em desconhecer ou falsear o processo da abstração na eZaboração do saber inteligível 2 HvME An Enqui111 concerning human understanding section II AS CAUSAS SUBJETIVAS DA CERTEZA 1 1 9 Com mais razão ainda se a ciência já implica e lança mão de tôda uma filosofia seria impossível reduzila a apenas uma pura síntese das ciências positivas Na realidade em ul trapassando o saber positivo a filosofia não faz senão conti nWJr um movimento já dado nas ciências e atualizJh as exi gências metafísicas incluúlas virtualmente na eiperiência sen sível e nas ciências de natureza Todos nossos estudos prece dentes em Lógica em Cosmologia em Psicologia nos levaram constantemente a esta evidência sublinhada acima uma vez mais de que o mecanicismo nunca é uma explicação mas um problema Sem dúvida temos o direito de partir da própria ordem da natureza considerada como um dado É o que fazem as ciências positivas Mas uma constatação não é uma expli cação A razão mesmo na ciência aspira a descobrir as razões da ordem conhecer as coisas pelos seus princípios e causas Por isso podíamos dizer f 18 que a metafísica está matis perto do saber positivo e eiperirmental que do próprio saber ainda que sob forma potencial ou virtual Ela é propriamente o ato de uma razão que obedece as exigências inteligíveis do ser dado na percepção e na ciência 3 A CORRENTE ANTIINlELECTUALISTA 99 As doutrinas antiintelectuais que se desenvolveram pelos fins do século XIX e no comêço do século XX marcam uma reação contra as negações metafísicas do positivismo e do cri ticismo kantiano Mas em vez de discutir os postulados fun damentais nominalismo e empirismo dêstes sistemas as doutrinas anUintelectuais partem dêstes mesmos postulados considerados como evidentes e indiscutíveis e pretendem res tabelecer a metafísica nos seus direitos por OUtrUJ vias que não as racionais provàveltmente impraticáveis Assim o pragma tismo preconiza o caminho da vida e da ação e recorre ao cri tério específico da ação e da vida que é o sucesso a verdacie será geralmente o que é bem sucedido O bergsonismo por sua vez crê descobrir numa intuição supraintelectual o ins trumento apropriado de uma metafísica experimental e po sitiva as doutrinas existencialistas afirmam que só os fatos emocionais podem justificar e garantir a afirmação de uma realidade extramental A O pragmatismo 1 Origens do pragmatismo O movimento pragma tista escreve WILLIAM JAMES Le Pragmatisme trad fran cesa por LE BRUN Paris 1914 pág 57 parece se ter for AS CAUSAS SUBJETIVAS DA CERTEZA 141 conceitos que os progressos do saber nos obrigam a formar o são na maioria das Vêzes em função dos conceitos antigos e não correspondem senão imperfeitamente às essências obje tivas na sua realidade extramental SANTO TOMÁS De Anima III lect 11 n 760763 b O êrro no juízo Quanto aos enunciados judicativos nos quais somente é possível encontrar propriamente a ver dade e o êrro êstes resultam sempre uma vez que o jufzo é uma sfntese do fato de que a inteligência seplff o que está unUlo e une o que está separado no seT O êrro neste caso como a verdade é sempre relativo ao esse enquanto coloca como dados na existência real ou possível realidades que não o são e nem o podem ser SANTO Tonds De Anima III lect 11 n 743 Assim é evidente qae a verdade como a falsidade do co nhecer não se podem compreender senão pela atividade pr6 pria da inteligência 21 23 Cf P HoENEN La théorie du jugement dllPTés Saint Thomds dAquim Rome 1948 144 METAFÍSICA HUME tentou um nôvo caminho mais psicológico recor rendo à associação como princípio de uma explicação geral capaz de explicar ao mesmo tempo a realidade e a ordem do universo 1 CJritlca do assoeiaelonlsmo iEsta explicação KANT a julga radicalmente inadequada O universo enquanto sis tema ordenado de fenômenos tal como é dado na representa ção não pode ser de maneira alguma explicado pelo simples jôgo da coexistência e da sucessão dos fenômenos Coexistên cia e sucessão sõmente implicam uma necessidade determinada nas coisas quando os objetos da percepção estão ligados entre si por relações de natureza inteligível Convencernosemos disto ao considerar que a relação entre um objeto e outro seja de A à B coexistência ou sucessão pouco importa pode ser sempre invertida enquanto ao contrário seria impossivel invertêla se se tratasse de uma relação de causa e efeito ou de substâocia e acidente f preciso portanto convir que oa objetos se os pensamos em seu ser ou em swa constituição interna são feixes de quaJidadetr de natureza mteiramumte di ferente da que a assooiação psicológica é capaz de produzir Por isso assim como a associação não os criou do mesmo modo uma associação diferente ou contrária jamais será capaz de destruílos nem por conseguinte de modificar de uma manei ra qualquer o organismo objetivo do entendimento Kritik der reinen Vernunft ed Valentier pág 723 Alertado pelo fra casso de HUME KANT se orientará noutra direção a da forma a priori da sensibilidade e do entendimento Mas é preciso entender claramente para êle se trata apenas de legaJizar de algwm modo o nominalismo resolvendo de uma maneira in teligível os problemas que propõe à especulação 128 2 O postulado nominalista KANT é integralmente nominalista O coneeito diz êle de modo aJgum deriva da eiperiência 8 É absolutamente a priori Com efeito uma abstração efetuada no sensível não pode fornecer conceitos qne ultrapassem o nivel do conhecimento sensível que mesmo 8 Ct KANT De mundi iensibilis atque intelligibiHs foMnG et princlpiis 0770 Sectio Iª 8 Quod autem intellectu41Mi stricte tatta attinet in q11ibus tLBtL8 intellectus est realls conceptus tales tam objectorum quam respectuum dantur per ipsam naturam intellectus neque ab ullo sensuwn usu sunt abstracti nec formam ullam continent conitionis sensitivae qua talis 146 METAFÍSICA 7 section no 4 Com efeito diz a simples consc1encia de minha própria existência é ao mesnw tempo uma consciência imediata da existência de outras coisas fom de 1n1Jm Minha ezperiêncria intetna é uma experiência de determinação no tempo isto é a sucessão de minhas representações está deter minada Ora esta determinação implica algo de permanente existindo fora de mim já que a experiência pura definida pelo Cogito darmeia minha existência mas não suas deter minações no tempo isto é a experiência Minla experiência interna só pode portanto ser ekplicada pela percepão de coisas exte1iores a mim KANT acrescenta as observações seguintes que dizem respeito a esta argumentação cNotarseé na prova precedente que o jôgo do idealismo se voltou contra êste sistema Gste admitia que a única experiência Imediata é a experiência interna e que dai apenas con clutmos a existência de coisas exteriores mas que aqui como em todos os casos em que concluimos de efeitos dados a causas deter minadas a conclusão é incerta porque a causa das representações pode também estar em nós mesmos e talvez falsamente as atribua mos a coisas exteriores Mas esté demonstrado aqui que a expe riência exterior é prôprilfmente imediata e que unicamente por meio desta experiência é possível não a consciência de nossa própria exis tência mas a determinação desta existência no tempo isto é a experiência interna Não há portanto para KANT demonstração da realidade do mundo exterior mas somente do imediatismo da percepção do mundo exterior o mundo exterior não se demonstra Percebese A atitude critica consiste aqui simplesmente em tomar uma consciência reflexa do caráter imediato de nossa experiência exterior KANT reduz êsse problema ao da distinção da imagem e da percepção d evidente diz êle que mesmo para podermos ima ginar alguma coisa como exterior é necesário que tenhamos ji um sentido externo e que assim distinguíssemos Imediatamente a simples receptividade de uma intuição externa da espontaniedade que caracteriza tôda imaginação 11 181 130 2 A ordem do universo O universo que percebo é um universo ordenado submisso à jurisdição das categorias do espaço e do tempo e das categorias da razão pu1a 6 Ora estas catego1ias graças as quais o universo forma um sistema e um sistema de sistemas não podem de maneira alguma cle clara KANT postulado nominalista provir da experiência que apenas nos dá puros f enôrnenos singulares e contingentes 0ntmca o absoluto e o necessri0 Sãorporlanto cOne6itos puros irto é a priori do entendimento que resulta1n da 8 KANT propõe o seguinte quadro das categorias do entendimento puro Analytique transcendentale 3e section 10 1ª QuanDtdade Uni ade Pluralidade Totalidade 2ª QuaHdade Realidade Negação Limitação 3 Relação Substância e acidente Causa e efeito Ação reciproca entre agente e paciente 4 Modalidade PossibilidadeImpossibilidade Exis tência Nãoexistência Necessidade Contingência AS CAUSAS OBJETIVAS DA CERTEZA 147 f4ruão lógica dêste últinno ou em outras palavras de nossa e1ttrutu1a mental lstes conceitos nos são úteis para organizar o dado fenomenal e para construir a ciência A natureza isto é o universo enquanto organização inteligível é portanto um produto do espírito Tal é a doutrina que KANT definiu como um idealismo 01mal ou transcendental Desta doutrina KANT dá como prova que êle julga absoluta ntente decisiva os juízos que chama sintétcos a priori isto é juízos nos quais o predicado acrescenta algo à noção do sujeito realiza Ubl8 sintese mas de um modo puramente a priori KANT dá como eleemplos tudo o que começa a ser tem uma causa centre dois pontos a linha reta é a mais curta 1 5 12 Em tais julzos diz KANT não é a intuição que torna possível a síntese do sujeito e do predicado já que a experiência é sempre singular ao passo que êstes juízos são universais e necessários l forçoso concluir que são o efeito de nossa estrutura mental Mostramos em Lógica 1 65 que não há juízos sintéticos a prlOri O êrro de KANT é limitar o Juizo analitico ao primeiro modo de atribuição por si 1 50 no qual o predicado compõe ora a essência o homem é um animal racional ora uma parte da essên cia o homem é um ser racional do sujeito Ora os juizos nos quais o predicado é uma propriedade do sujeito devem ser considerados também como analíticos no sentido de que estas propriedades im plicam necessàriamente seu sujeito isto é aqui é o sujeito que é da razão do predicado segunda maneira de atribuição por sll Por isso que se não se pode extrair a noção de cser causado daquela de O que começa a ser nem a noção de 12 da de 1 5 as noções de cser causado e de 12 são propriedades essenciais daquilo que começa a ser e de 15 o que equivale a dizer que estas noções estão unidas entre si de uma maneira necessária e que esta união é per cebida em virtude mesmo das exigências do objeto e e Os problemas do kantismo 191 KANT como DESCARTES deixava mais problemas para re solver que resolvidos ou mais exatamente as soluções encer 7 Tal é a fórmula do que KANT chama sua revolução copérnica Assim como Copérnico estabeleceu que era a Terra que girava em volta do Sol lCANT pensa ter demonstrado que são as coisas que giram ao redor do espírito 8 Cf KANT Critique de la raison pure Dialectique transcendantale section IV O que poderia acontecer de mais desagradável a estas pes quisas é que alguém fizesse esta descoberta inesperada de que em nenhuma plllte existe o conhecimento a priOri e de que não pode existir Mas dêste lado não há nenhum perigo 8 Cf SANTO TOMÁS I q 44 art 1 ad 1 Licet habitudo ad causam non mtret definitionem entis quod est causatum tamen sequitur ad ea quae sunt de ejus ratione quia ex hoc quod aliquid per participationem est ens sequitur quod sit causatum ab alio Unde hujusmodi ens non potest esse qum causatum sicut nec homo quin sit risibilis Sed quia esse causatum non est de ratione entis simpliciter propter hoc invenitur allquod ens non causatum AS CAUSAS OBJETIVAS DA cERTEZA 149 como lAINE DE BIRAN RAVAISON COURNOT 11 Esta coisa em si que o kantismo deixava subsistir diante do entendi mento como um dado irracional como não podemos exorcizála ou explicar sua gênese paradoxal dispensálaemos de agora em diante de uma maneira absoluta Uns puros idealistas eliminálaão definitivamente o idealismo formal de KANT se transforma com FICHTE SCHELLING HEGEL e de acôrdo com a lógica do fenomenismo em idealismo radical KANT em bora a contragosto levou água ao moinho idealista 12 Ou tros pensadores desafiando as abstrusas especulações dos idea listas acharão muito mais simples fazer abstração completa do problema metafísico e limitar a ambição da filosofia a ser apenas uma reflexão sôbre a ciência 188 2 Problema da ordem KANT tinha se gabado de ex plicar porque a ciência triunia Mas seu sistema não chegava a explicar seus fracassos nem tampouco suas apalpadelas e andanças Se com efeito somos nós que introduzimos nos fenômenos a ordem e a regularidade que compõem o que cha mamos a natureza é difícil compreender como esta natureza nos resiste tanto e como seus segredos permanecem guardados com tanto ciúme A hipótese das formas ti priori não se adapta bem cio fato constantemente renovado das aproxirnagões e dos erros da etiência Mas além disso não se compreende como desempenham de uma maneira tão concorde as duas f on tes separadas da represent9ão que são as formas ti priori da sensibilidade e as do entendimento KANT postula êste acôrdo sem poder justificálo tanto que a justificação da ciên cia que significa aqui a natureza ou a ordem do universo longe de ter o caráter transcendental que êle tinha em vista é puramente empírica e arbitrária 11 Também MAINE DE BIRAN e CouaNolJT aio ambos parclahnente depen dentes da critica kantiana do qual nio sonham discutir os princípios mas somente as conseqüências S o que se nota claramente através de uma curiosa observação de CoURNOT que aprova ter MAINE DB BIRAN feito o fato primi tivo consistir na apreensão do eu como causa e não como subst4ncia pois acrescentava COURNOT a idéia de substância é uma idéia que se poderia quaJJflcar de fatal ao espírito humano no sentido de que êste sempre se precipitoq em abismos sem fim desde que a quis penetrar Essat ltW les fcmdements de la conRGissaTCe pég 381 Esta observação de ComtKOT é justa mas na realidade apenas vai contra a concepção empirista da substân cia como coisa em si ou substrato inerte II 577 CoVRNar como MADIB DE BDAN erra ao pensar que tôda noção de sujeito substancial só pode ser do tipo empirista e kantiano 12 LACHitz1Rn Lidáalisme pcmtien Paris 1931 acha depois do UebiflTgang obra póstuma de ltun que êste se orientou uo fim da vida para uma teoria propriamente idealista que consiste em dizer que o espfrito se revela a si mesmo de uma maneha absolutamente imediata como ativi dade pura AS CAUSAS OBJETIVAS DA CERTEZA 167 coisa ou coisa em si e sabemos quantos problemas nascem desta concepção Deveremos com efeito explicar como o objeto pode existir no espírito e ser o que é isto é determinado de tal ou tal modo em virtude das únicas exigências da consci ência sem recurso algum a uma coisa p10vàvelmente dêle se parada e até perfeitamente ilusória mas que nem por isto deixa de estar invencivelmente presente na consciência Vimos que êstes problemas aos quais o idealismo nunca pode for necer solução inteligível são apenas pseudoproblemas gerados por uma concepção errônea do conhecimento 148 2 A idéia real A coisa não só não está separada do objeto mas se dá com Ie e nêle e até mesmo devemos dizer que o objeto é a própria coisa como natureza inteligível O objeto nem em sua existência nem em sua forma pode ser explicado sem a coisa que exprime e significa na consciência a A existência dos objetos de pensamento Num de terminado sentido o problema da existência não está mais suprimido pela concepção idealista dos objetos puros no seio da consciência Porque se êstes objetos não mais existem como ooisa existem como objetos e tratase de explicatr esta exis tência consciencial A questão reduzse a saber se a consciên eia como tal é necessàriamente capaz de objetivar isto é se a constituição de um mwndo de objetos é uma propriedade es sencial a qualquer consciência na hipótese afirmativa se a consciência é necessàriamente constitutiva de um tal uni verso ou seja falando com propriedade do meu universo com suas pessoas suas coisas e sua história Ora sôbre o primeiro ponto há razão para dizer que a consciência como tal é necessàriamente capaz de objetivar porque isto é sua própria definição Tôda consciência é cons ciência de alguma coisa isto é de objeto Uma consciência de nada seria um nada de consciência Quando a Psicologia fala de consciência vazia tratase apenas como na ordem física de um vazio relativo ou melhor de um estado de con fusão de que de estado de vacuidade E tal a necessidade de objetivar para uma consciência real que ela mesma só pode ser consciência de si se se fizer objeto para si e pelo menos se se trata de uma consciência humana só pode vir a sel por reflexão objeto para si inventando um outro objeto ttistinto de si De fato sem êste objeto a consciência seria um nada de consciência e não poderia por conseguinte se objetivar Esta análise da noção de consciência levanos então a constatar que se a consciência é necessàriamente objetivante não o é absolutamente por si mesma Não há consciência spm objeto mas o objeto rião é pela consciência Por conseguinte O O N C L U S Ã O 158 Para concluir êstes estudos de Crítica não nos inte1essa tanto resumir os pontos essenciais de nossa exposição quanto demonstrar o que significa o realismo que nos impôs tôda nossa discussão como a única solução suscetível de explicar adequa damente o conhecimento humano 1 Realismo e IdeaJismo a O real é idéia Vimos que nossa posição por mais realista que seja admite tudo o que o idealis1no encerra de justo e de verdadeiro A ontologia a que nos leva nosso estudo é realista no sentido de que as coisas tal como as concebemos têm graças aos princípios metafísicos que encerram e que recebem segundo o caso os nomes de essência de forma de sujeito têm dizemos bastante consistência para se afirmar em si para formar um cosmos coerente Os fenômenos não formam mais unidades discretas diante do espírito e tais que só uma fôrça mecânica as poderia reunir mas são os sêres de um ser de um sujeito do qual procedem e que lhes confere sua unidade O próprio sujeito não pode ser concebido como um bloco inerte sob o movimento das aparências mas ao mes mo tempo como um principio permanente e perpetuamente móvel e como uma essência ou uma idéia que define um ser no seio da realidade 40 Essência e idéia o real assim conce bido se acha portanto adaptado ao espírito uma vez que é êle mesmo ou espírito ou análogo ao espírito 154 b A idéia é real É um fato que pwra a inteligência bymana conhecer é sempre ser medida por uma coisa A inte ligência humana não é criadora Só se pode submeter ao de terminado Contra isto os idealistas vivamente protestaram A coisa para êles seria um obstáculo ao desenvolvimento do pensa 40 São êstes dois aspectos de uma mesma realidade que o Escolásticos após ARISTÓTELES chamavam substância primeira e substância segunda CONCLUSÃO 179 157 4 A intuiio do ser Assim respondemos à pergunta que nos fazíamos no princípio da Metafísica será a inteligên cia humana realmente capaz de atingir o ser e de justificar o valor das afirmações que ela enuncia sôbre o real Vimos com efeito que a inteligência por uma ordenação constitutiva de sua própria natureza conhecese como ordenada para o ser conforme ao ser É isto por outro lado o que nos ensinaram nossos estudos das diferentes operações do espírito e dos pro cessos do conhecimento ao estabelecer que a inteligênâa está constantemente medida pelo ser que ela encontra em todos seus conceitos e que compõe a lei suprema de todos os seus juízos O ser é de um certo modo a atmosfera em que respira nossa inteligência É entretanto próprio da filosofia e especialmente da Me tafísica elevarse pouco a pouco acima de tôdas as determina ções do ser e separar expressamente in actu sigruito êste objeto de conceito que é dado no movimento expontãneo da inteligência apenas em ato vivido in actu exercito ou im plicitamente e considerálo em si mesmo enquanto ser Tem desde já a razão com o que ultrOJassar todo o domínio sen sível porque compreende que o ser abstraído da experiência sensível tem um valor suprasensível e supraexperimental e que os princípios que definem suas leis universais e abstra tas têm graças à analogia como o ser que se baseiam um alcance universal 48 Nenhuma necessidade inteligível exige que o ser e os transcendentais com êle conversíveis o uno a verdade e o bem se realizem apenas na matéria Se a inte ligência ordenada de início para o ser que existe no sensível e que depende de fato em seu exercício de condições orgânicas não pode apreender experimentalmente realidades nas quais o ser existe sem matéria pode pelo menos ao mesmo tempo conceber a possibilidade absoluta de tais realidades positiva mente imateriais e como o veremos em Teodicéia deduzir com certeza pelo jôgo de raciocínios baseados sôbre as exigên cias lo ser dado à experiência a existência necessária de um Ser Ato puro e Princípio primeiro do ser universal non potest nisi cognoscatur natura principii activi quod est ipse intellectus in cujus natura est ut rebus conformetur unde secundum hoc cognoscit veritatem intellectus quod supra seipsum reflectitur O sentido pelo contrário embora se conheça modificado pelo objeto sensível não conhece por sua própria natureza e por conseguinte não conhece nem a natureza de seu ato nem sua proporção aos objetos sensíveis nem sua verdade 48 SANTO TOMÁS De Veritate q 11 art 1 Praeexistunt ín nobis quae dam scientiarum semina scilicet primae intellectus conceptiones ut ratio entis unius et hujusmodi quae statim intellectus apprehendit In istis autem principiis universalibus omnia principia includuntur 180 METAFÍSICA A Metafísica está assim justificada em tôda sua extensão não sob a falaz garantia de intuições supraintelectuais de postulados indemonstráveis ou de aspirações de ordem afe tiva mas sob a garantia desta primeira apreensão abstrativa 49 do ser na qual diz SANTO TOMÁS estão vi1tualmente contidos todo o saber e tôda a certeza Go 411 o têrmo intuição intelectual do ser não deve ser entendido como o que designa uma apreensão concreta e singular como por exemplo o caso da intuição sensível O ser não é uma coisa Na realidade o Têrmo in tuição conota somente uma apreensão que se faz statim et sine discursu Cf De Veritate q 8 art 15 ln c Sicut nos sine discursu principia cognoscimus simplici intuitu Podemos fazer uma tal apreensão pela via da abstração o que é eminentemente o caso da apreensão do ser CCf Iª q 59 art 1 ad lm Ratio per discursum pervenit ad cognoscendum illud quod intellectus sine discursu cognoscit scilicet universale A abs tração efetuase com a espontaneidade de uma operação de natureza da o têrmo de intuição intelectual CJ MAllrAIN Sept leçons sur lltTe Paris 1934 pág 66 propõe chamar esta intuição de intuição eiditica Volve remos mais adiante para precisála sôbre a abstração impropriamente cha mada do ser 110 Cf De Veritatie q 11 art 1 ad 5m ln eo qui docetur scientia praexistebat non quidem actu completo sed quasi in rationibus seminalibus secundum quod universales conceptiones quarum cognitio est nobis natu raliter insita sunt quasi semina quaedam omnium sequentium cognitorum Iª q 10 art 6 ln c Et sic in lumine intellectus agentis no bis est quodammodo oxnnis scientia originaliter indita mediantibus universalibus conceptionibus quae statim lumine intellectus agentis cognoscuntur per quas sicut per universalia principia judicamus de aliis De Veritate q 11 art 1 ad 13m Certitudo scientiae tota oritur ex certitudine princioiorum tunc enim concJUSiones per certitudinem sciuntur quando resolvuntur in principia
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lUtGIS JOLITET ProfeÍsor de Filosofia Decano da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Lyon TRATADO DE FILOSOFIA III METAFÍSICA TRADUÇÃO DE MARIA DA GLóRIA PEREIRA PINTO ALCURE CAPA DE HELENA GEBARA DE MACEDO 1965 Livraria AGlR Edllôra RIO DE J ANEIRO Cop11right ele ARTES GRÃFibAS INDÚSTRIAS RllUNIDAS S A AGIR Título do original francês Traité de Philosophie III Métaphysique 5e édition Lyon Paris Emmanuel Vitte Nihil obstat Rio de Janeiro 19XI60 P Emilio Silva Ph Dr Censor lmprimaiur Rio 26XI60 Mons José Silveira V Geral Livraria AGIR Cdilôra Rua Btáulio Gomes 126 ao 1ado da Blbl Hun lel 348300 Caiª Postal O 040 sto Paulo S P Rua México 98B Te 428321 Caixa Poatal 3 291ZCOO Rio de Janeiro Guanabara Av Afonso Pena 910 Tel Z3038 Caixa Postal 733 Belo Horizonte MintlB Gerais INDICE DAS MATRIAS 1NDI CE GERAL l INTRODUÇÃO À METAFÍSICA 13 Art I Noção da Metafísica 13 Art II Objeto da Metafísica 23 LIVRO PRIMEIRO CRITICA DO CONHECIMENTO PRIMEIRA PARTE POSIÇÃO E MÉTODO DO PROBLEMA CRiTICO 35 CAPÍTULO 1 HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DESDE A ANTIGÜI DADE ATÉ DESCARTES 31 Art I A antigüidade 38 Art II A idade média 46 Art III O cartesianismo 60 CAPÍTULO II NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO 72 Art 1 Objeto da Crítica 12 Art II Método da Crítica 83 SEGUNDA PARTE NATUREZA DO CONHECIMENTO INTELECTUAL 95 CAPÍTULO 1 A EXISTmNCIA DA CERTEZA 97 Art I O fato da certeza 98 Art II A legitimidade da certeza 102 8 METAFÍSICA CAPITULO II As CAUSAS SUBJETIVAS DA CERTEZA 110 Art I As doutrinas empiristas 111 Art II A atividade do sujeito cognoscente 131 CAPfTULO III As CAUSAS OBJETIVAS DA CERTEZA 142 Art I O idealismo 143 Art II A causalidade do objeto 163 ÇONCLUSÃO 175 LIVRO SEGUNDO ONTOLOGIA INTRODUÇÃO 183 Art Art I Método da Ontologia 184 II Divisão da Ontologia 196 CAPÍTULO 0 SER EM SI MESMO 198 Art I Art II Art III Art IV A natureza do ser O ato e a potência A essência e a existência O possível 199 216 230 241 CAPfTULO II AS PROPRIEDADES TRANSCENDENTAIS 244 Art I Art II Art III Art IV Art V Art VI CAPÍTULO III Noção Uno A verdade O bem Os primeiros princípios A beleza a arte e as belasartes OS PREDICAMENTOS 245 247 248 251 254 259 370 Art I Substância e acidente em geral 271 Art II A qualidade e a relação 281 ÍNDICE DAS MATÉRIAS CAPÍTULO IV As CAUSAS 289 Art I A noção da causa 290 Art II A causa eficiente 297 Art III A causa final 312 LIVRO TERCEIRO TEODICEIA INTRODUÇÃO 325 PRIMEIRA PARTE A EXISTÊNCIA DE DEUS 331 CAPÍTULO I DEMONSTRABILIDADE DA EXISTÊNCIA DE DEUS 333 Art I Possibilidade da prova de Deus 333 Art II Necessidade da demonstração 342 CAPÍTULO II PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS 359 Art I A causa primeira 360 Art II O perfeito subsistente 376 Art III O fim universal 386 Art IV Provas científicas e provas para a experiência mística 395 SEGUNDA PARTE A NATUREZA DE DEUS 399 CAPÍTULO I A ESSÊNCIA DIVINA 401 Art I O método da analogia 401 Art II A essência lógica de Deus 405 CAPÍTULO II OS ATRIBUTOS DIVINOS 411 Art I Os atributos entitativos 412 Art II Os atributos operativos 418 METAFÍSICA CAPÍTULO III A TRANSCENDÊNCIA E A PERSONALIDADE DE DEUS 442 Art I Imanência e transcendência de Deus 443 Art II A personalidade de Deus 454 Art III A crença em Deus 457 ÍNDICE ANALÍTICO 459 INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO À METAFISICA SUMÁRIO 1 ART I NOÇÃO DA METAFISICA Definição Fronteiras da Metafísica Domínio da Metafísica Noções modernas da Metafísica Ciência do imaterial Ciência do real em si próprio enquanto tal Ciência do incognoscível Ciência do Absoluto Conhecimento sistemático universal Conhecimento a priori e teoria crítica ART II OBJETO DA METAFISICA Os graus de abstração Princípio da distinção Os três níveis de abstração A ciência metafísica Especificidade da Metafísica Divisão ART I NOÇÃO DA METAFISICA 1 Se volvermos os olhos para a história o termo metafísica parecerá sujeito aos mais diversos e menos compatíveis sentidos A razão desta confusão reside no fato de os filósofos definirem a metafísica em função de suas próprias concepções e doutrinas em vez de partirem de uma definição nominal com a qual todos se possam pôr de acordo Uma tal definição teria a vantagem de nada preconceber uma vez que não diria respeito senão ao sentido do término metafísica sem implicar nenhuma solução quer afirmativa quer negativa do problema 1 Cf ARISTÓTELES Métaphysique IIV SANTO TOMÁS In Metaphysicam L IIV In Boethium de Trinitate q VI art 1 SUAREZ Disputationes Metaphysicae Disp I s 1 e 2 MERCIER Ontologie Introdução e 1a parte 1 J MARITAIN Les degrés du savoir Paris 1932 págs 399 sg P DESCOQS Institutiones Metaphysicae generalis Paris 1935 págs 941 A FOREST Du Consentement à lêtre Paris 1936 LALANDE Vocabulaire technique et critique de la Philosophie na palavra Métaphysique t I pág 457 J LACHELIER Psychologie et Métaphysique H BERGSON Introduction à la Métaphysique em Revue de Métaphysique et de Morale jan 1903 págs 1 sg M HEIDEGGER Quest ce que la Métaphysique trad francesa de H CORBIN Paris 1937 J WAHL Traité de Métaphysique Paris 1953 ALAIN Lettres sur la philosophie première Paris 1955 14 METAFISICA de saber se a metafísica é possível Tratase em suma de saber de que se fala o que não pode passar por um refinamento de dialético 2 1 DEFINIÇÃO A metafísica apresentase como uma ciência relativa ao que ultrapassa o domínio da física e conseqüentemente como uma ciência do imaterial formalmente distinta da filosofia da natureza A Fronteiras da metafísica 1 O que ultrapassa o domínio da Física O termo metafísica μετὰ τὰ φυσικά primitivamente designava as obras de ARISTÓTELES que na coleção de ANDRÓNICO DE RODES vinham depois da Física e diziam respeito à ciência das realidades que transcendem o mundo visível e sensível No mesmo sentido o termo metafísica foi reempregado e definitivamente adotado na Idade Média para designar a ciência transfísica isto é a que vindo depois da Filosofia da natureza Cosmologia e Psicologia introduz a partir das realidades sensíveis anteriormente estudadas ao estudo do nãosensível 3 ARISTÓTELES e a Idade Média chamavam Física ao que nós denominamos Fílosofia da naturaleza Hoje nos devemos servir desta última expressão a fım de evitar qualquer confusão entre os dois domínios já agora bem distintos e delimitados das ciências experimentais e da filosofia da natureza Aliás os modernos falam mais freqüentemente em filosofia das ciências ou filosofia cientifíca que em filosofia da natureza mesmo aqueles que dependem da corrente positivista reduzem toda a metafísica a esta filosofia científica O mal é que as especulações assim chamadas nada têm a ver com a metafísica e muito menos com a filosofia Não existe propriamente falando filosofia das ciências nem filosofia científica pois a filosofia tem objeto e métodos essencialmente diferentes daqueles das ciências positivas e é impossível deduzirse uma filosofia 2 Os algarismos impressos em itálico no texto e precedidos de algarismos romanos I ou II remetem aos números marginais dos volumes precedentes I Lógica e Cosmologia tradução brasileira programada para 1965 II Psicologia AGIR 1963 Os algarismos sem indicação do tomo remetem aos números marginais do presente volume 3 Cf SANTO TOMÁS In Boethii de Trinitate q VI art 1 Dicitur Metaphysica id est transphysica quia post physicam dicenda occurrit nobis quibus ex sensibilibus competit in insensibilia devenire Metaphysica Prooemium Metaphysica in quantum considerat ens et ea quae consequuntur ipsum haec enim transphysica inveniuntur in via resolutionis sicut magis communia post minus communia INTRODUÇÃO À METAFISICA 15 diretamente de dados positivos Uma filosofia científica é a própria negação da filosofia e da sua primordialidade Também N BERDIAEFF observa com razão que a filosofia das ciências é a filosofia dos que nada têm a dizer em filosofia Cinq Méditations sur lexistence Paris 1936 pág 21 2 Ciência do imaterial Vimos que em seu sentido mais geral a metafísica se define por oposição à física Sendo esta a ciência filosofia do sensível a metafísica será a ciência daquilo que é nãosensível isto é imaterial O Vocabulaire technique et critique de la Philosophie Paris 1928 t I pág 454 afirma que a primeira alteração apreciável do sentido da palavra metafísica é a que imprime Descartes e os cartesianos que consideram a imaterialidade como o traço característico dos objetos metafísicos Vêse que esta asserção é inexata uma vez que a imaterialidade tem servido desde Aristóteles e os Escolásticos para definir as realidades metafísicas Mas é verdade que entre estes últimos o termo imaterial na definição do metafísico nada mais significa senão o que é nãosensível isto é o ser enquanto tal Os seres imateriais Deus os puros espíritos nem são dados nem tampouco estão implicados nesta noção que visa apenas primeiro e essencialmente ao ser enquanto ser ao contrário dos cartesianos e em geral dos nominalistas que visam primeiro e formalmente aos próprios seres imateriais Deus e a alma Disto decorre que para eles a metafísica é essencialmente a ciência de Deus e da alma 4 3 Metafísica e Filosofia da Natureza Esta concepção da metafísica leva a considerar a filosofia da natureza inclusive a psicologia como uma ciência essencialmente distinta da metafísica contrariamente à teoria e à prática modernas de origem wolfiana e kantiana Com efeito a filosofia da natureza tem na realidade o ser por objeto e é nisto que ela constitui uma filosofia e como tal se distingue das ciências positivas da natureza I 281 mas o ser que ela considera é o ser em devenir o ser sujeito ao movimento movimento local movimento de geração e corrupção substancial e não o ser na sua generalidade mais elevada O ser da filosofia da natureza é portanto ainda o ser material ou ligado à matéria embora considerado com abstração de suas determinações quantitativas concretas objetos das ciências da natureza ao passo que o ser da metafísica é o ser enquanto ser O que aqui se pretende procurar descobrir é a inteligibilidade do ser en 4 Cf DESCARTES Principes de la Philosophie prefácio Depois da matemática é necessário começarmos logo a nos aplicar à verdadeira filosofia da qual a primeira parte é a metafísica que contém os princípios do conhecimento entre os quais está a explicação dos principais atributos de Deus da imaterialidade de nossas almas e de todas as noções claras e simples que existem em nós quanto ser e não apenas a inteligibilidade do ser móvel e sensível enquanto móvel precisamente móvel e sensível B O domínio da Metafísica 1 Ciência do ser enquanto ser É o sentido de ARISTÓTELES e de SANTO TOMÁS e o que resulta imediatamente do termo metafísica uma vez que o transensível se define primeiramente para nós pelo abstrato e pelo universal e no grau mais elevado pela noção de ser Tratase portanto somente aqui de constatar que a filosofia natural referindose ao ser afetado de determinações diversas resta considerarmos o ser em si mesmo em sua própria natureza independentemente de todas das determinações que o possam afetar O estudo do ser assim compreendido comporta igualmente o estudo das paixões próprias do ser e de seus princípios próprios pelos quais o ser como tal tornase inteligível 2 Metafísica e Teologia natural Uma tal definição nada prejulga quanto ao alcance efetivo da pesquisa metafísica Ela não faz senão delimitar de um modo abstrato e problemático um domínio que não pertence evidentemente a nenhuma outra ciência e que é o mais universal de todos A teologia natural ou ciência de Deus pela pura razão está ela mesma subentendida na definição da metafísica ao passo que é o estudo das causas do ser que levará a afirmar Deus como Princípio universal do ser Em sua noção mais formal a metafísica não é pois senão a ciência do ser enquanto tal e a teologia natural ou teodicéia é dela apenas uma parte É o que mostra SANTO TOMÁS no Preâmbulo da Metafísica Partindo do princípio de que as ciências devem reduzirse à unidade sob a regulamentação de uma ciência suprema e diretora sabedoria ou ciência dos princípios SANTO TOMÁS observa que esta ciência diretora será necessariamente a mais intelectual de todas ou seja aquela que terá por objeto as realidades mais inteligíveis Ora estas são de três tipos segundo o pontodevista em que nos colocamos a saber as primeiras causas os princípios primeiros universais o ser e aquilo que a ele se relaciona essencialmente e os seres positivamente imateriais Deus e os puros espíritos Mas acrescenta SANTO TOMÁS este tríplice pontodevista não dá origem a três ciências distintas especificamente diferentes Só existe aqui um único objeto sob três aspectos diversos como sejam o ser comum ens commune e consequentemente uma única ciência a Metafísica Com efeito é a mesma ciência que cabe considerar as causas próprias de uma determinada espécie de ser e esta espécie de ser em si mesma Assim o sábio estuda simultaneamente a natureza dos fenômenos e suas causas empíricas Mas o objeto próprio de uma ciência não está constituído pela causa do ser ou do fenômeno em questão este objeto é o próprio ser ou fenômeno considerado em sua natureza e em suas propriedades A pesquisa das causas é a finalidade da ciência e deve apoiarse sobre o conhecimento do objeto desta ciência Assim a metafísica embora comporte os pontosdevista diferentes que mencionamos consideraos somente em função do ser comum e universal que é o seu único objeto 3 Essência e existência Convém fazer desde agora uma observação importante sobre à qual teremos de voltar mais adiante Se o ser pode ser encarado sob dois sentidos como essência ou natureza e como existência o objeto próprio da metafísica é o ens commune isto é aquilo que é o que abrange a essência e a existência id quod est Inferese entretanto que é de fato à existência mesma o est e não o id quod ao que visa formalmente a Filosofia I 3 e especialmente a metafísica A Filosofia dizíamos procura definir as condições absolutas da existência isto é tornar inteligível em todos os seus níveis este ser esse que é a atualidade mesma dos seres sem o que não se poderia dizer de maneira alguma que os seres são Este propósito fundamental caracteriza de um modo todo especial a metafísica enquanto esta visa ao ser na sua pureza ontológica e na sua inteligibilidade própria pois que para ela não se trata mais dos seres diversamente qualificados da ordem sensível mas do ser em sua universalidade absoluta Se portanto já nos níveis inferiores de abstração a Filosofia tem por objeto determinar as condições pelas quais os seres existem com maior razão a metafísica terá por finalidade definir as condições mais gerais do ser isto é da existência Sem dúvida será necessário aqui como alhures visar ao ser através da essência primeiro porque um ser é uma essência que existe em seguida porque a existência não pode ser imaginada senão quando conceitualizada Mas a análise das essências nunca é senão um meio o meio adequado à nossa inteligência que progride apenas por via de abstração compondo e dividindo para chegar a explicar o que existe isto é o real e a existência Sob este aspecto a metafísica tomista é fundamentalmente existencialista e o é mesmo por definição quando exclui toda possibilidade de jamais alcançar a existência pelo caminho da análise das essências e quando professa que a existência não é um acidente de essência mas a própria atualidade desta sem o que não haveria essência nem determinação alguma Deste pontodevista se existe uma ciência do real este título cabe primeiro e de algum modo exclusivamente à Filosofia e à Metafísica 2 NOÇÕES MODERNAS DA METAFÍSICA As definições da metafísica propostas a partir de DESCARTES são geralmente ou inexatas e incompletas e concebem de antemão e de modo arbitrário tudo o que se discute ou então atribuem à metafísica um domínio que pertence própria mente a outras partes da filosofia É o que vamos verificar examinando as principais dentre estas definições cuja discussão nos ajudará a precisar o objeto e as fronteiras da metafísica ao mesmo tempo que às exigências de uma concepção isenta de preconceitos e de a priori tal qual se apresenta no contexto aristotélico e tomista LALANDE Vocabulaire Technique et critique de la Philosophie I págs 455459 distingue na idade moderna duas maneiras de caracterizar ou definir o termo metafísica segundo se acentue mais quer a idéia de certos seres ou de uma certa ordem de realidade objeto especial da metafísica quer a idéia de um modo especial de conhecimento Mas não vemos como uma ciência possa ser definida por um modo de conhecer Definiremos a astronomia como uma ciência que usa telescópios A biologia como a que utiliza microscópios Uma ciência seja qual for definese por seu objeto A designação de um modo especial de conhecer é uma questão de método que depende estritamente da definição do objeto formal da ciência em causa Com efeito se muitos filósofos modernos fazem das realidades metafísicas o objeto de uma apreensão intuitiva ou um objeto de fé irracional é preciso ver aí não um princípio mas uma simples consequência de sua maneira de conceber o objeto da metafísica É evidentemente o caso de KANT de FICHTE de LACHELIER e de BERGSON De modo que não existe senão um princípio de classificação das definições da metafísica qual seja o que se toma do objeto atribuído à metafísica Caberia observar outrossim que é de uma lógica duvidosa pedir uma definição nominal a um modo de conhecimento a definição de um termo consiste em dizer o que significa esse termo isto é explicitálo em seu sentido recorrendo a termos mais claros ou à etimologia O resto é teoria mas não definição 1 Ciência do imaterial Esta definição é a dos cartesianos espiritualistas Já observamos que ela é apenas materialmente exata e que se torna arbitrária e errônea quando o termo imaterial serve para designar imediata e essencialmente Deus e a alma espiritual Com efeito não podemos saber no início da metafísica se Deus existe nem o que Ele é Não podemos conhecer Deus na sua existência e natureza senão por meio do ser o que significa que não é Deus como tal que é o objeto próprio da metafísica mas primeiro e essencialmente o próprio ser enquanto tal A definição cartesiana da metafísica conduzirá fatalmente à constituição de uma teologia natural a priori sob a forma de vasto argumento ontológico Quanto à psicologia ela permanece como parte integrante da filosofia da natureza uma vez que a alma humana é aí considerada como forma do corpo orgânico e por isso dependente mesmo nas suas operações mais elevadas se bem que apenas extrinsecamente dos órgãos corpóreos II 637 Contudo o fato de a alma humana ser de natureza espiritual de ser suscetível de atividades inteiramente imateriais em si próprias e ser capaz de subsistir imaterialmente dá à psicologia uma espécie de acabamento metafísico 2 Ciência do real em si mesmo Esta definição deriva da crítica kantiana Ela se baseia efetivamente sobre a oposição do real em si e não aparente e os fenômenos ou aparências sensíveis SCHOPENHAUER fornece a respeito uma fórmula perfeitamente clara Entendo por metafísica todo conhecimento que se apresenta como algo que ultrapassa a possibilidade da experiência e por conseguinte a natureza ou a aparência das coisas tal como nos é dada para nos possibilitar o acesso àquilo pelo que se acha condicionada ou para falar de maneira mais simples àquilo que se esconde atrás da natureza e a torna possível A diferença entre a física e a metafísica repousa principalmente sobre a distinção kantiana entre fenômeno e coisa em si Die Welt I sup cap XVII ed Grossherzog Wilhelm Ernst II pág 882 BERGSON retomou este pontodevista Se existe um meio de possuir absolutamente uma realidade escreve em vez de a conhecer relativamente de se colocar nela em vez de se adotar pontosdevista sobre ela de terse dela a intuição em vez de analisála enfim de apreendêla livre de toda expressão tradução ou representação simbólica isto é a metafísica A metafísica é pois a ciência que pretende dispensar os símbolos Introduction à la Métaphysique na Revue de Métaphysique 1903 pág 4 BERGSON define portanto a metafísica exatamente como KANT é a ciência do real em si apreendido diretamente na sua realidade existencial e concreta A diferença é que KANT nega que uma tal ciência seja possível enquanto BERGSON afirma que ela é possível pela via da intuição supraracional O pontodevista de KANT como o de BERGSON parece primeiramente aproximarse da concepção aristotélica da metafísica enquanto o objeto desta é definido como o que está além do sensível ou do fenômeno e o que compõe o real além da aparência Na realidade toda uma filosofia já está incluída arbitrariamente na definição kantiana e bergsoniana qual seja a de que o ser em si Ding in sich seria caso exista uma coisa totalmente estranha à experiência sensível ou racional e por conseguinte só unicamente afirmável ou acessível por meio de processos sofísticos KANT ou de processos supraracionais BERGSON Eis porque SCHOPENHAUER declara que a metafísica é um pretenso conhecimento enquanto BERGSON a considera como uma ciência autêntica embora mais próxima da experiência mística que do saber racional Sem discutir por enquanto estas concepções observaremos que elas pressupõem tudo que está em causa e começam por negar a metafísica em sua própria definição da metafísica 3 Ciência do incognoscível É a definição proposta por alguns positivistas particularmente por LITTRÉ e SPENCER Encarada num determinado sentido esta definição seria evidentemente absurda De fato quer ela significar que a ciência e a filosofia nos levam a afirmar a existência de realidades INTRODUÇÃO À METAFÍSICA 21 sôbre as quais não temos meio algum de inf armação científica Deve existir além do real sensível e visível da ciência uma qualquer coisa a respeito da qual nada sabemos e nada jamais poderemos saber 12 Do pontodevista positivista é clarõ que a metafísica assim compreendida não seria de maneira alguma uma ciência Seria o domínio por excelência da conjetura e da imaginação Por outro lado a concepção spenceriana depende de teorias arbitrárias relativas simultâneamente à evolução humana que iria da etapa teológica à metafísica em seguida ao positivo e ao conhecimento nominalismo Daí se segue que desde o inicio a metafisica aparece a SPENCER sob o aspecto de reali dades situadas além do universo formando segundo a expres são de LITTRÉ um oceano para o qual não temos embarcação nem velas Mas isto é puro preconceito e puro a priori Se o metafísico tal qual se nos apresenta é primeiramente o que há de mais geral na experiência a metafisica nos surgirá legitimamente como uma ciência autêntica que tem um objeto real e dedicado a partir do real sensível e observável à pes quisa das condições da existência em geral r 4 Ciência do absoluto Depois dos fenômenos es creve L LIARD La Science positive et la métaphysique pre fácio pág 1 queremos conhecer o absoluto depois das con dições indagamos das razões da existência A metafísica seria a determinação dêste absoluto a descoberta desta razão Esta definição da metafísica como conhecimento do absoluto é das mais freqüentes entre os espiritualistas modernos De certo modo encerra algo de exato quando significa que a me tafísica é a ciência dos primeiros princípios e das causas pri meiras Contudo faltalhe precisão formal A maiúscula com que freqüentemente se grafa a palavra absoluto indica que é Deus que é dado como objeto imediato e próprio da metafísica enquanto a noção de Deus s6 virtualmente pode ser enton trada na definição do seu objeto 12 H SPENCER Les p1emieTs pTincipes 1 ª parte cap III 21 Por maio res que sejam os progressos alcançados reunindo os fatos e estabelecendo sôbre êlcs generalizações cada vez mais amplas por mais que se tenha levado a redução das verdades limitadas às verdades mais extensas e mais centrais a verdade fundamental perma11ece tão fora de alcance como nunca A expli cação do explicável pode apenas mostrar com mais clareza que o que per manece além é inexplicável 0 homem de ciência verifica assim que a substância e a origem das coisas objetivas como as das subjetivas são impenetráveis Em qualquer direção que leve suas investigações essas o conduzem sempre à presença de um enigma insolúvel e êle reconhece cada vez mais claramente sua insolUbilidade LIARD por outro lado pretende que a metafísica parta não de uma afirmação especulativa mas de uma afirmação moral ou prática Sob este aspecto a metafísica seria o conhecimento do deverser e do ideal como componentes de uma ordem de realidades superior à dos fatos que contêm a razão de ser desta Cf La Science positive et la métaphysique 3a parte cap VII Esta opinião além de ser ainda demasiado especificamente teológica parece derivar da doutrina kantiana que faz da existência de Deus um postulado da razão prática A metafísica assim compreendida não teria mais autonomia nem valor científico 5 Conhecimento sistemático universal Este pontodevista leva a metafísica a constituir a síntese tão integral quanto possível da experiência sobretudo da experiência interior base e condição de qualquer outra Esta concepção que se encontra freqüentemente entre os positivistas põe em evidência um determinado aspecto do saber metafísico qual seja o de constituir a ciência mais universal uma vez que se refere ao ser abstraído de toda determinação e às suas causas primeiras Ela é portanto essencialmente sistematizadora como observa SANIO TOMÁS denominandoa ciência diretora e filosofia primeira Mas o erro desta definição é deixar na penumbra a razão deste caráter sistemático e privar a ciência metafísica de seu objeto próprio e essencial que é o ser enquanto tal levando a sistematização metafísica a uma obra puramente formal e reduzindoa desta forma a apenas uma espécie de lógica 6 Conhecimento a priori e teoria crítica O nome de metafísica escreve KANT Critique de la Raison pure Metodologia transcendental cap III pode ser dado a toda a filosofia pura inclusive à crítica e abranger assim tanto a pesquisa de tudo o que jamais pode ser conhecido a priori quanto a exposição do que constitui um sistema de conhecimentos filosóficos puros desta espécie e se distingue de toda 13 FOUILLÉE Vocabulaire technique et critique de la philosophie I pág 457 Um texto de DUNAN Essais de Philosophie générale págs 436437 citado pelo Vocabulaire págs 457459 comenta claramente a concepção de FOUILLÉE A metafísica deve ser definida como uma concepção de algo em que entra com maior ou menor clareza e distinção uma concepção de todas as coisas Poderseia encontrar nessa definição uma designação do ser comum como objeto da metafísica no ser comum com efeito conhecemos todos os seres com o recurso da analogia Mas não é isto o que entendem FOUILLÉE e DUNAN Todo homem seja qual for continua esse tem seu sistema ou antes seus sistemas e eis porque também todo homem saiba ou não é um metafísico uma vez que fazer metafísica não é senão sistematizar isto é organizar idéias Toda a diferença que existe neste particular entre os metafísicos de profissão e o leigo é que entre os metafísicos a sistematização se refere a idéias mais extensas mais complexas melhor elaboradas do que as do comum dos homens utilização empírica e também de todo emprego matemático da razão Materialmente a metafísica se comporá pois de quatro partes principais a ontologia a fisiologia racional física e psicologia racional a cosmologia racional a teologia racional às quais convém acrescentar a crítica do conhecimento Há ainda uma metafísica dos costumes enunciando os princípios que determinam a priori e tornam necessários o fazer e o não fazer Vêse imediatamente que a definição que KANT propõe da metafísica como sistema de conhecimento a priori depende da crítica kantiana da razão KANT define não a metafísica mas a sua metafísica Aliás deseja realmente definir a metafísica mas como objetivamente esta se limita a uma pura sofística não resta de fato senão a crítica para fornecer um conteúdo à metafísica Se bem que para KANT toda a metafísica consiste num estudo crítico da razão resultando na demonstração de que a metafísica é impossível A metafísica se esgota em sua própria negação Não deveremos aqui levar em consideração as definições positivistas Para STUART MILL COMTE TAINE DURKHEIM etc não há metafísica possível sendo as realidades metafísicas absolutamente inacessíveis e constituindo de fato apenas o produto de uma imaginação ontológica a ser eliminada pelo advento do espírito positivo Podemos considerar o estado metafísico escreve COMTE Discours sur lesprit positif 10 como uma espécie de doença crônica naturalmente inerente à nossa evolução mental individual ou coletiva entre a infância e a virilidade O único interesse aliás puramente provisório da metafísica é de entreter uma espécie de espírito crítico e generalizador e de ajudar assim à dissolução definitiva do pensamento teológico Ibid 11 Deste pontodevista toda definição da metafísica será para os positivistas a de uma ciência sem objeto real É o que quer dizer W JAMES ao escrever que para o positivista um metafísico se assemelha a um cego procurando às apalpadelas num quarto escuro um chapéu preto que aí não se encontra Introduction à la Philosophie trad Picard pág 16 ART II OBJETO DA METAFÍSICA 10 As reflexões precedentes já nos forneceram uma primeira delimitação do domínio da metafísica As preci rias resultarão do recurso à doutrina dos graus de abstracão I 21 II 432 1 OS GRAUS DA ABSTRAÇÃO 1 Princípio da distinção Partimos do ser ou mesmo dos seres múltiplos e diversos oferecidos à experiência Isto é importante de ser observado pois não temos razão alguma contràriamente aos processos cartesianos para dar a nós mesmos desde o início um objeto diverso daquele que imediatamente se apresenta aos sentidos e à inteligência A questão consiste unicamente em saber se este objeto se acha estudado adequadamente sob todos os seus aspectos quer pelas ciências da natureza quer pela filosofia natural A resposta a esta pergunta não pode evidentemente resultar senão da distinção dos pontosdevista diversos sob os quais os seres da experiência podem ser considerados objeto formal Se as ciências da natureza e a própria filosofia natural deixam subsistir um pontodevista demasiado geral para elas este pontodevista constituirá o objeto formal da metafísica Com efeito havíamos admitido que as ciências empíricamente consideradas constituem da sociologia às matemáticas uma hierarquia em complexidade decrescente e em generalidade crescente seguese que o mais vasto pontodevista possível na consideração do real se encontra não sômente justificado mas aconselhado pelas exigências mesmas do saber científico 11 2 Os três níveis da abstração Estes três níveis ou graus determinam os três domínios especificadamente distintos da física da matemática e da metafísica a Física Nas realidades da experiência podemos num primeiro grau fazer abstração somente das notas individuais O objeto assim considerado é reduzido às qualidades sensíveis isto é ao que coloca os seres no devenir ens mobile É o domínio das ciências físicoquímicas que se referem às qualidades sensíveis enquanto observáveis e mensuráveis análise empiriológica e empiriométrica assim como o da filosofia da natureza que se refere ao ser sensível enquanto inteligível b Matemática Um grau superior leva a considerar o ser da experiência por abstração de todas as qualidades sensíveis unicamente como quantidade ens quantum Este domínio é simultâneamente o das ciências matemáticas que visam à quantidade número figura e por extensão movimento enquanto imaginável e ao domínio da filosofia da natureza que se aplica à quantidade enquanto forma inteligível Nestes dois primeiros graus de abstração a consideração da matéria permanece presente mas sob aspectos diversos No grau da Física a matéria é considerada sob sua forma sensível comum e a abstração limitase às determinações individuais pelas quais a matéria se torna isto ou aquilo No grau da Matemática não é mais a noção da matéria sensível comum que está em jogo mas somente a da matéria inteligível comum Com efeito a Matemática diz respeito aos números às dimensões e às figuras tudo coisas que podemos considerar sem as qualidades sensíveis mas não sem referência ao menos implícita aos seres que possuem uma quantidade Em outras palavras os objetos matemáticos não supõem a matéria em sua definição mas não podem existir senão na matéria c Metafísica Podemos ainda nos elevar a um grau de abstração pois no ser dado à experiência é possível fazer abstração da própria quantidade Esta é somente uma determinação podemos considerar apenas o próprio ser sem determinação que o torne um ser particular qualquer mas unicamente enquanto ser isto é considerado no seu tipo inteligível e por conseguinte em toda sua universalidade Este ser porque se abstrai de toda matéria simultâneamente da matéria sensível comum e da matéria inteligível comum é transfísico acessível somente ainda mais estritamente que o ser 30 METAFISICAcessário distinguir numa divisão feita deste pontodevista uma espécie de petição de princípio ou de argumento ontológico Contra todos os ontólogos e todas as formas de ontologismo SANTO TOMÁS não cessa de afirmar que não vemos Deus no ser mas o demonstramos a partir do ser Não é pois a noção do ser que nos introduz na Teologia natural pelo menos imediatamente mas a busca da causa do ser universal Daí se depreende por outro lado que Deus só é conhecido em filosofia sob o aspecto de princípio primeiro do ser e a Teologia natural não é de fato senão uma parte da metafísica e não uma disciplina que possui como a Teologia dogmática partindo da Revelação seus princípios próprios e independentes Os princípios da Teologia natural são os da metafísica17 3 Crítica do conhecimento Tudo o que acabamos de dizer do objeto da metafísica vale apenas como se viu ex hypothesi Podemos e devemos com efeito indagar se a inteligência é realmente capaz de atingir o ser isto é qual é o valor ontológico da razão Isto é o objeto próprio da crítica do conhecimento a qual compõe portanto como que uma introdução à metafísica Ela própria é aliás de natureza metafísica uma vez que diz respeito também ao ser extramental não certamente em si mesmo enquanto ser ou realidade objetiva objeto formal da ontologia mas enquanto cognoscível pela inteligênciaA crítica do conhecimento deve preceder a ontologia mas não pode vir senão depois da Psicologia pois como poderíamos inquerir sobre o valor ontológico do conhecer sem saber antecipadamente o que são de fato o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual A questão é saber se a crítica não se encontra de algum modo esgotada pelas observações feitas na psicologia no tocante aos processos do conhecimento Em todo caso se a crítica permanece no seio da metafísica uma disciplina particular provida de um objeto formal próprio ela só se poderá inferir do que SANTO TOMÁS denomina via judicii ou processo que consiste em ir das condições aos princípios racionais com propósito de examinar à sua luz tudo o que a inteligência pôde conhecer22 Na realidade como mais adiante melhor se verá a crítica é um aspecto especial do saber filosófico mais que uma disciplina parti22 Ia q 79 art 8 Et quia motus semper ab immobili procedit et ad aliquid quietum terminatur inde est quod ratiocinatio humana secundum viam inquisitionis vel inventionis procedit a quibusdam simpliciter intellectis quae sunt prima principia et rursus in via judicii resolvendo redit ad prima principia ad quae inventa examinat INTRODUÇÃO À METAFÍSICA 27 píricas da pura v1sao do espírito Cf SANTO TOMÁS ln Meta11h11sicam Prooemium As diversas ciências não estão no sentido estrito eia palavra su bordinadas à metafísica isto é no sentido em que por exemplo a óptica está subordinada à geometria A óptica com efeito é des provida de princípios próprios e procede das conclusõés da geome tria Ao contrário a filosofia natural tem seus prlncipios próprios que são evidentes por si mesmos exemplo tôda mudança exige um sujeito 1 313J Mas êstes princípios podem êles próprios ser redu zidos a princípios ainda mais universais que são da alçada da meta física e que esta proíbe ao menos negativamente por redução ao absurdo 18 Sob êste aspecto há uma certa subordinação das ciên cias à metafísica SANTO TOMÁS 1 Post Anal leit 25 e 41 Isto explica que se a metafisica tem sôbre tôdas as outras ciências uma prioridade de dignidade e de certeza seu estudo não poderia preceder o das ciências particulares nem o da filosofia natural e cosmologia e Psicologia pois do pontodevista da invenção ou da aquisição progressiva do saber podemos apenas ir do sensível ao nãosensível do concreto ao abstrato 14 3 Valor sintético do pontodevista do ser O ponto devista aristotélico e tomista impôsto como se viu pelo pro gresso e o ritmo natural do saber encontrase indiretamente j ustificado por seu caráter sintético Enquanto que de fato as diferentes definições modernas que discutimos se accluem mutuamente a noção de metafísica como ciência do ser en quanto ser implica tudo o que existe de verdadeiro e de po sitivo nas definições contestadas A ciência do ser enquanto tal é de fato a ciência do que é nãosensível quer dizer ima terial ainda que se não possa desde o princípio apreender no ser mais do que a possibilidade de sêres positivamente ima teriais 1º A metafísica é também ciência do reai em si meStno pois tratando do ser ela trata do mais real nas coisas uma vez que nada existe de real senão pelo ser Ela é ainda ciência do incognoscível ao menos no sentido de que seu obj e 111 Cf SANTO TOMÁS Conta Gent III 25 ln omnibus scientiis et artibus ordinaüs ad iliam videtur pertinere ultlmus finis quae est prae ceptiva et architectonica aliarum sivut ars gubematoria ad quam pertinet finis navis qui est usus ipsius est architectonica et praeceptiva respectu navifactivae Hoc autem modo se habet Philosophia prima ad alias scien tias speculativas nam ab ipsa omnes aliae dependent utpote ab ipsa acci pientes sua principia et directionem contra negantes principia 19 Isto deve ser entendido do pontodevista lógico e não necessàriamente do pontodevista cronológico Lógicamente a noção de existência de Deus é posterior à apreensão do ser uma vez que ela se estabelece por via causal a partir dessa apreensão Mas cronológicamente a existência de Deus pode ser apreendida quase intuitivamente como seja por uma inferência extre 1amenM rAplda e como que simultânea com a intuição do ser no ser dado a experiência em razão dos caracteres de contingência de que êle parece evidentemente afetado 28 METAFÍSICA to que é suprasensível pode ser apenas apreendido pelo re curso da analogia e quando se trata do principio primeiro do ser universal ultrapassa infinitamente a capacidade da nossa inteligência A Metafísica é também a ciência do absoluto E o é por dupla razão porque o esse é o absoluto de cada coisa e porque ela visa a definir as causas e os princípios absolutamente primeiros do universo Ela é um conheci mento sistemático universal uma vez que o pontodevista do ser é o mais sintético que possa existir pois que tudo se de fine se julga e se explica em função do ser Enfim a meta física pode ser considerada como conhecimento a priori no sentido de que está implicitamente contida tôda inteira nos princípios primeiros da razão isto é nas leis do ser que são apreendidas intuitivamente desde o primeiro contato da inte ligência com as coisas Apesar de suu criticas a PLATÃO a ARisTÓTELES e aos ESCOLÁS TICOS cf Sein unri Zett págs 12 HEIDEGGER retoma o essencial do pontodevista daqueles autores insistindo sôbre o fato de que o problema do ser que constitui a própria metafísica tornase uma maneira rie ser rio su1eito que inte1roga que é o existente interro gandose sôbre o ser da existência Com efeito unicamente porque o nada nos é revelado no fundo do Daseln somos suscetlveis de ser assaltados pela absoluta estranheza do eztstente A metafísica é êste Por quê que nasce da surprêsa isto é da manifestação do Nada e da angústia que ela determina cPor que afinal há mais existente que nada Mas é necessário compreender que êste pro blema não é formulado do exterior êle coloca em jôgo a nós mes mos De tal forma que pelo ato mesmo de existirmos estamos desde então agora e sempre em plena metafísica Donde a impor tãncla da metafísica que nenhuma ciência por mais rigorosa que seja poderia igualar Ccf HEIDEGGER Questceque la Métaphysique trad d e H CORBIN Paris 1938 págs 4144 Vemos também que esta concepção se apóia sôbre uma noção préontológica do ser e do nada que não nos cabe discutir aqui e que implica metoãológi camente o recurso à fenomenologia extstencial 1 8 bis é na aná lise do ôntico dado exfstenciaZJ que temos que descobrir o onto lógico ou extstencial Podemos aproximar êstes pontosdevista dos de JP SARTRE para quem a metafísica não é uma discussão estéril sôbre noções abstratas que escapam à experiência mas um esfôrço vivo para abranger pelo seu interior a condição huma na na sua totalidade Situations II pág 251 No Etre et le Néant pág 354 SARTRE apresentava o problema da me tafísica como sendo o da existência do existente a Ontologia sendo definida como a explicação das estruturas de ser do existente como totalidade B Divisão 15 A divisão da metafísica resulta da sua própria definição sendo a ciência do ser e do que lhe diz respeito essencialmente INTRODUÇÃO À METAFÍSICA 29 ela comportará duas partes principais segundo se considere a inteligibilidade intrínseca Ontologia ou a inteligibilidade ext1Ínseca do ser Teologia natural 1 Ontologia A metafísica se ocupa primeiramente do ser como tal em si mesmo isto é do que constitui sua inte ligibilidade intrínseca quer estàticamente o ser como trans cendental os gêneros supremos quer dinâmicamente o ser enquanto tal Esta primeira parte chamase Ontologia ou ciência do ser ou ainda Metafísica geral 20 l importante observar desde j á que o ser ele que se trata por hipótese em metafísica não pode ser senão o ser real ainda que encarado sob seu aspecto mais universal e não o ser de razão o ser puramente mental conceitos e idéias enquanto tais 1 43 o ser de razão como tal se filia à Lógica que determina a ordem a ser observada subjetivamente nos conceitos do entendimento Por que a metafisica visa ao ser real extramental objetivo não pode absolutamente se definir à maneira kantiana como Ein System der blossen Erkenntnis a priori aus blossen Begriffen sistema cons truído a priori por melo de noções estranhas à ciência A meta física em seu conceito mais evidente se apresenta ao contrário como uma ciência baseada na experiência num certo sentido deverseia mesmo dizer que é a mais positiva de tôdas quanto a seu obj eto abstraído da experiência sensivel é a mais universal e segura de nossas experiências Vemos por estas observações por que em WoLn a Ontologia sistema a priori como as matemáticas vem à frente da filosofia e porque ao contrário segundo o espírito de ARISTÓTELES e de SANTO TOllIÁS como também segundo as exigências progressivas do saber a metafísica não poàe vtr senão no final da filosofia especulattva 16 2 Teologia natural Contràriamente a uma op1mao demasiadamente freqüente 21 não cremos que a teologia na tural ou teodicéia venha a fazer parte da metafísica pelo fato de que se poderia distinguir a priori no ser quer o ser universal comum quer o ser positivamente imaterial Isto como já observamos 2 só materialmente é verdade Do pontodevista do progresso do pensamento cremos que não é assim que se passa da ontologia à teodicéia senão seria ne 20 De fato a expressão Metafísica geral é bastante imprópria e parece implicar uma concepção wolfiana da metafisica dividida por WoLFF por KANT e em geral pelos modernos em metafisica geral que seria a ontologia e em metaffsicas especiais cosmologia psicologia e teologia racionais Vimos que êsse pontodevista é errôneo pois para falar a rigor não existe meta física especial A Teologia natural é tão geral quanto a Ontologia uma vez que ai se trata da Causa do ser universal Outro tanto devese dizer da Critica do conhecimento que por um lado tratando do ser universal enquanto cognoscível possui a mesma generalidade da Ontologia e que por outro lado não depende da Ontologia mas estabelece a sua possibilidade 21 Cf P DEsCoQs Institutiones Met gen págs 24 sg cessário distinguir numa divisão feita dêsse pontodevista uma espécie de petição de princípio ou de argumento ontológico Contra todos os ontólogos e todas as formas de ontologismo SANTO TOMÁS não cessa de afirmar que não vemos Deus no ser mas o demonstramos a partir do ser Não é pois a noção do ser que nos introduz na Teologia natural pelo menos imediatamente mas a busca da causa do ser universal Daí se depreende por outro lado que Deus só é conhecido em filosofia sob o aspecto de princípio primeiro do ser e a Teologia natural não é de fato senão uma parte da metafísica e não uma disciplina que possuí como a Teologia dogmática partindo da Revelação seus princípios próprios e independentes Os princípios da Teologia natural são os da metafísica 3 Crítica do conhecimento Tudo o que acabamos de dizer do objeto da metafísica vale apenas como se viu ex hypothesi Podemos e devemos com efeito indagar se a inteligência é realmente capaz de atingir o ser isto é qual é o valor ontológico da razão Isto é o objeto próprio da crítica do conhecimento a qual compõe portanto como que uma introdução à metafísica Ela própria é aliás de natureza metafísica uma vez que diz respeito também ao ser extramental não certamente em si mesmo enquanto ser ou realidade objetiva objeto formal da ontologia mas enquanto cognoscível pela inteligência A crítica do conhecimento deve preceder a ontologia mas não pode vir senão depois da Psicologia pois como poderíamos inquerir sobre o valor ontológico do conhecer sem saber antecipadamente o que são de fato o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual A questão é saber se a crítica não se encontra de algum modo esgotada pelas observações feitas na psicologia no tocante aos processos do conhecimento Em todo caso se a crítica permanece no seio da metafísica uma disciplina particular provida de um objeto formal próprio ela só se poderá inferir do que SANTO TOMÁS denomina via judicii ou processo que consiste em ir das condições aos princípios racionais com propósito de examinar à sua luz tudo o que a inteligência pôde conhecer22 Na realidade como mais adiante melhor se verá a crítica é um aspecto especial do saber filosófico mais que uma disciplina parti INTRODUÇÃO Ã METAFÍSICA 31 cular De fato não é outra coisa no seu sentido mais geral senão a reflexão pela qual a inteligência à medida que avança na consti tuição do saber toma consciência de si e de seu poder e verifica de qualquer modo seus métodos e seus processos Por esta razão ela é sabedoria ao mesmo tempo que ciência Tudo isso deve so bressair claramente das diligências pelas quais ellboramos até ago1a o saber filosófico Cada vez que um nôvo objeto formalmente dis tinto se oferecia a nosso estudo devíamos verificar o alcance e o valor de nossos processos de investigação o que era propriamente instituir desde então uma critica do conhecimento Em metafisica conseqüentemente a critica será uma verificação metódtca da tnte ligéncia enquanto obretra do saber metafístco e esta verificação coincidirá com a própria constituição dêste saber ela será propria mente em sua significação a inteligência observandose agir meta fisicamente e tomando reflexivamente consciência de seus proces sos de seu valor de seus limites Se a crítica assume aqui uma importância especial e parece se destacar da metafisica é devido à particular importância do assunto em jôgo e também por razões que podem ser chamadas polêmicas porque dizem respeito aos múl tiplos problemas e às graves dificuldades levantadas neste domínio pela especulação moderna Tudo isto contudo em nada modifica a estrutura das coisas a critica do conhecimento não é uma ciência autônoma essencial mente distinta da metafísica Temos assim o plano e os princ1p1os segundo os quais se deve organizar nosso estudo da metafisica 2s 23 O plano aqui proposto para o estudo da metaílsica coincide essencial mente com o plano da Metafísica de ARISTÓTELES retomado por SA1TO TOMÃS no seu Comentário sóbre 11 Metafísica Com efeito a obra de ARIS TÓTELES pode ser dividida em três partes principais a saber introducão à metafisica ou metafisica critica 1IV ontologia CVX teologia natu1al XXIV da filosofia natural à pura inteligência É o que significa primeiro e essencialmente como vimos acima o termo metafísica 2 A CIÊNCIA METAFÍSICA A Especificidade da Metafísica 1 A metafísica como ciência autônoma A metafísica considerada como ciência do ser enquanto ser ou a ciência das condições da existência em geral se apresenta pois como um objeto bem definido que só a ela pertence Nenhuma ciência quer natural quer filosófica visa ao mesmo objeto neste nível de generalidade e isto bastaria para justificar a pretensão da metafísica de constituir uma ciência especificamente distinta de todas as outras e absolutamente autônoma Poderíamos objetar é verdade que esta especificidade e esta autonomia são apenas hipotéticas isto é dependem da realidade do objeto da metafísica Mas admitimos sem dificuldades o alcance desta objeção cujo sentido corresponde exatamente ao pontodevista sob o qual abordamos a metafísica De fato nada queremos prejulgar seguimos somente o movimento do pensamento que progride pela via da generalização isto é por abstrações cada vez mais extensas Este progresso nos conduz afinal a fazer abstração de todas as determinações que afetam o ser da experiência para considerar neste apenas aquilo que o constitui e o torna inteligível pura e simplesmente enquanto ser Quanto a saber se esta abstração é legítima e se deixa subsistir ainda o real adiante do espírito teremos que o pesquisar antes de abordar a metafísica 2 A metafísica como ciência diretora Inferese que a metafísica se ela é possível é uma ciência autêntica Ela é mesmo a mais elevada e a mais perfeita de todas as ciências Merece mesmo ser chamada ciência diretora enquanto seu objeto que é o ser universal considerado em toda a sua pureza inteligível está presente em toda parte e por esta razão os enunciados da metafísica valerão universalmente com o benefício da analogia para tudo o que existe ou possa existir de algum modo A metafísica é também por esta razão a ciência mais livre enquanto se apresenta como liberada da servidão do sensível isto é de tudo o que a matéria introduz de obscuro ao espírito e de acidental conseqüentemente de irracional nos objetos do saber e dependente unicamente em sua constituição formal mas não nas suas origens em LIVRO PRIMEmo CRITICA DO CONHECIMENTO CAPÍTULO 1 HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE A DESCARTES SUMARIO 1 ART I A ANTIGUIDADE O problema do ser e do real Heráclito Parmênides As posições críticas O ceticismo O nominalismo Crítica do conceito O fenomenismo e o idealismo O realismo Aristóteles Santo Agostinho ART II A IDADE MÉDIA O realismo crítico O realismo tomista A questão do realismo crítico O realismo platônico O realismo das essências O panteísmo O terminismo O princípio nominalista O princípio da imanência O idealismo problemático ART III O CARTESIANISMO A via modernorum Os temas da Idade Média O primado da Crítica O idealismo cartesiano A doutrina de Descartes O problema crítico após Descartes 21 Os modernos de bom grado fazem datar de DESCARTES o aparecimento do pontodevista crítico em filosofia Pela primeira vez na história pensam eles a razão para DESCARTES 1 Cf E BRÉHIER Histoire de la Philosophie t I e t II págs 1128 M DE WULF Histoire de la Philosophie médiévale UEBERWEGSGEYER Geschichte der Philosophie Die Patristische und Scholastische Zeit Berlim 1928 J MARÉCHAL Précis dHistoire de la Philosophie moderne I De la Renaissance à Kant Louvain 1933 GARDEIL Les étapes de la Philosophie idéaliste Paris 1935 J WAHL Étude sur le Parménide de Platon Paris 1926 R JOLIVET La Notion de Substance Paris 1929 Les Sources de lIdéalisme Paris 1936 R VERNEAUX Les sources cartésiennes et kantiennes de lidéalisme français Paris 1936 O HAMELIN Le système de Descartes 2a ed Paris 1921 Le système dAristote Paris 1920 J CHEVALIER Descartes Paris 1921 L BRUNSCHVICG Le progrès de la conscience Paris 1927 págs 139161 SIRVEN Les années dapprentissage de Descartes Paris 1928 G VAN RNET Lépistémologie thomiste Louvain 1946 PRIMEIRA PARTE POSIÇÃO E mrono DO PROBLEMA CRITICO 20 As questões que se apresentam nos umbrais da crítica do conhecimento são as que pizem respeito ao sentido do problema crítico e ao método que convém empregar para sua solução Estas questões adquirem aqui uma importância particular pois hã poucos pontos em filosofia a respeito dos quais se emitam opiniões tão diversas e confusas Deveremos pois começar por definir com a máxima precisão possível o obj eto formal e a finalidade da Crítica Para lá chegar o melhor meio consistirá em estudar como se apresentou de fato na história o problema crítico Discernirseá assim bem melhor do que por via abstrata que princípios ou que postulados diri gem os debates relativos ao valor do conhecimento e como sob vários aspectos as tão variadas teorias propostas não correspondem realmente senão a pseudoproblemas1 que uma psicologia ou uma cosmologia mais exatas poderiam antes eli minar como desprovidos de sentido e de fundamento Dêsse modo estaremos habilitados a delimitar com precisão o sen tido e a extensão reais do problema crítico assim como o método que êle requer Est11 exposição histórica é feita em função do problema crítico isto é por um lado ela não retém da história das doutrinas senão o que é relativo à critica do conhecimento ou resulta imediatamente das soluções propostas e por outro retém apenas nesta mesma ordem os nomes e as doutrinas que forpecem os temas especulativos maia precisos abandonando tudo que embora tão importante sob outros aspectos nada acrescentasse de essencial ao nosso estudo ou suscitasse repetições inúteis Blank page no text Blank page no text tomavase a si própria como objeto de estudo e se interrogava sobre seu próprio valor 2 Mas nada há de menos conforme aos fatos É natural para a razão interrogarse a respeito de seu valor e de seu alcance e desde a antiguidade esse problema foi formulado estudado senão resolvido com uma clareza perfeita Se o problema crítico tomou na idade moderna novas formas nada prova a priori que haja nisto um progresso verdadeiro nem que a solução geral deste problema dependa de princípios diferentes daqueles que a antiguidade e a Idade Média puseram em prática ART I A ANTIGUIDADE Na antiguidade grega o problema crítico parece ser antes de tudo o da capacidade da razão para conhecer a verdade com certeza Aparece proposto ao mesmo tempo pelo espetáculo da multiplicidade e da contradição das opiniões filosóficas pela exploração dos casos de erros ou de ilusões dos sentidos e pela crítica do conhecimento abstrato nominalismo Estes temas críticos dependem eles próprios dos dois pontosdevista antitéticos sobre a natureza do ser que definem os nomes de HERÁCLITO e PARMÊNIDES 3 1 O PROBLEMA DO SER E DO REAL Há um problema do ser que se apresenta do pontodevista empírico pelo conflito entre o pensamento conceptual que procede por meio de ideias universais e imutáveis e a realidade sensível que os sentidos nos fazem apreender como perpetuamente móvel Onde se deve descobrir o ser verdadeiro no mundo do devenir ou no universo imóvel das 2 É o próprio DESCARTES quem aliás enunciou esta opinião cf em particular na Carta ao tradutor de Principes de la Philosophie com uma segurança que não justificam de modo algum as considerações históricas inexatas sumárias e injustas que ele expõe ao mesmo tempo BRUNSCHVICG Le Progrès de la conscience dans la Philosophie occidentale t I pág 142 julga que a história confirma o pontodevista cartesiano Com DESCARTES a razão do homem desconhecida há vinte séculos tanto na pureza espiritual de seus princípios quanto na sua capacidade de se tornar senhora do universo foi finalmente trazida à luz Em nenhuma parte o acontecimento decisivo foi proclamado com uma consciência de si tão luminosa e tão insolente como nas primeiras páginas do Traité du Monde consagrada a pôr em paralelo e em oposição o Mundo dos Filósofos que DESCARTES abandona à logomaquia da potência e do ato e o mundo baseando no movimento verdadeiro 3 Cf J BURNET Lautore de la Philosophie grecque trad Reymond Paris 1919 págs 145228 idéias A primeira solução é a de HERÁCLITO a segunda a de PARMÊNIDES 1 Heráclito de Efeso HERÁCLITO cerca de 500 A C impressionouse com a lei universal da mudança Tudo passa disse nada permanece O universo é como um rio no qual não se pode banhar duas vezes O que existe se transforma pelo próprio fato de existir o que equivale a dizer que o ser enquanto realidade estável e durável não existe existe somente o devenir que é a própria substância das coisas Poderseia aliás mostrar dialeticamente que não se pode admitir a realidade do ser sem tornar impossível e ininteligível a mudança Com efeito o que vem a ser não pode vir nem do nãoser uma vez que do nada nada vem nem do ser uma vez que o ser por definição é e o que é não está por devenir Do pontodevista psicológico e crítico a doutrina de HERÁCLITO leva ao mais radical ceticismo pois que resulta na negação do princípio de identidade Se tudo está em tudo se os contrários se identificam se nada em absoluto é estável é impossível nada afirmar ou negar ou antes podese tudo afirmar e tudo negar pois nada é verdadeiro e nada é falso O ceticismo sem dúvida não foi professado pelo próprio HERÁCLITO Os textos que parecem negar o princípio de identidade não se deveriam tomar em sentido lógico mas somente seriam relativos à natureza e marcariam sob uma forma paradoxal ao mesmo tempo o fluxo universal e a correlação necessária dos contrários a verdade e o falso são inseparáveis como o dia e a noite o que agora é verdade tornarseá falso e inversamente uma coisa não se torna boa se não for má e inversamente etc Contudo ARISTÓTELES que parece isentar HERÁCLITO de haver negado expressamente o princípio de contradição nota justamente que professando a teoria da redução do ser ao devenir HERÁCLITO devia chegar logicamente a suprimir o verdadeiro e o falso o bem e o mal e a se chocar contra as exigências racionais do pensamento Meta V 7 1005 b 241012 a 24 Podese julgar que neste ponto a posição de ARISTÓTELES em relação a HERÁCLITO é muito moderada e não se pode entrever que haja ocasião de suspeitar como BURNET loc cit pág 163 quer de sua boafé quer de sua inteligência 23 2 Parmênides de Eléia PARMÊNIDES entre 530 e 444 propõe uma doutrina contraditoriamente oposta à de HERÁCLITO O real diz ele é o ser e não o devenir O devenir é apenas aparência sensível Se o ser estivesse sujeito à mudança viria do nãoser o que é absurdo A mudança é pois impossível O destino não permite ao ser nascer ou perecer mas o conserva imóvel e eterno Fora do ser nada existe de real O Ser é o Uno e o Tudo Este pontodevista ontológico implica no domínio psicológico e crítico a afirmação essencial de que o pensamento é a mesma coisa que o ser e de que o pensamento é idêntico ao objeto do pensamento O real se reduz à Idéia imutável e necessária e por isto não haverá ciência autêntica senão das idéias J BURNET loc cit pág 210 observa com razão que PARMÊNIDES é o pai do materialismo pois o princípio o que é é antes de tudo para ele a afirmação da realidade do mundo exterior como um plenum contínuo indivisível imutável finito e completo em si próprio Mas se é verdade que não há materialismo que não dependa da concepção da realidade não se deduz absolutamente que PARMÊNIDES não possa ao mesmo tempo ser o pai do idealismo Materialismo e idealismo não são termos e concepções inconciliáveis Vemolo através da história Ademais o que nos importa aqui são as consequências lógicas das doutrinas Deste pontodevista PLATÃO reconheceu que seu próprio idealismo dependia das opiniões do grande PARMÊNIDES Por outro lado ARISTÓTELES mostrou que HERÁCLITO e PARMÊNIDES estavam pela sua ignorância da noção de potência intermediária entre o ser e o nãoser condenados ao nominalismo 4 Um e outro de fato por não compreenderem que o ser é imanente ao real singular e móvel e por conseguinte que o inteligível é imanente em potência ao sensível subtrairam do conhecer sua raiz experimental Desta posição que lhes é comum vão derivar tanto o empirismo fenomenista dos sofistas e dos céticos como o idealismo platônico 2As POSIÇÕES CRÍTICAS A O ceticismo 24 Os sofistas gregos são essencialmente céticos Mas se distinguem entre si pela maior ou menor extensão do seu ceticismo Os pirrônicos discípulos de PIRRO DE ELÉIA professam um ceticismo universal e radical nunca nem sobre ponto algum é o homem capaz de conhecer uma verdade certa por falta de possuir um critério que permita distinguir seguramente o verdadeiro do falso Toda demonstração do valor da razão conduziria aliás a um círculo vicioso uma vez que ela não se poderia fazer senão por meio da razão argumento do 4 Cf Metaphys I c 9 990 a 34991 b 20 A discussão de ARISTÓTELES é feita sobretudo do pontodevista ontológico Mas o aspecto epistemológico e crítico do problema está claramente ressaltado O que nos causa mais embaraço escreve ARISTÓTELES é perguntarmonos para que podem servir as idéias às coisas sensíveis seja às que são eternas seja às que nascem e perecem Porquanto as idéias não lhes são causas de nenhum movimento nem de nenhuma mudança Na verdade elas de nada servem também ao conhecimento das outras coisas pois as idéias não são a essência das outras coisas pois em tal caso estariam nestas coisas elas não servem tampouco ao ser das outras coisas ao menos se elas não se acham nas coisas que participam nas idéias HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTIOO DA ANTIGUIDADE 41 dialeto Os probabilistas neoacadêmicos atenuam bas tante o ceticismo pirrônico e admite1n que a razão pode chegar a estabelecer probabüidades mas sem jamais ultrapassar êste nível inferior à certeza suficiente quanto ao mais para a vida prática B O nominalismo 25 Numerosos filósofos da antiguidade estabelecem o pro blema crítico e o resolvem de um modo inteiramente diferente do dos céticos O seu pontodepartida reside numa crítica cerrada da inteligência abstrata isto é do conceito ou idéia geral ao qual negam absolutamente valor reduzindo todo co nhecimento válido ao puro sensível sensualismo atomistas epicuristas estóicos ou ao puro inteligível idealismo pla tônico 1 Critica do conceito PLATÃO deixounos em seus Diálogos particularmente no SOFISTA e no PROTÁGORAS os temas p1incipais desta crítica habitual a GORGIAS e a PRO TÁGORAS e que êlc admitia por sua própria conta mas tirando dela conclusões completamente diferentes das dos sofistas Ela comporta três asserções essenciais que poderíamos resumir da seguinte maneira Se pretendemos confiar no conceito como instrumento de conhecimento seguese imediatamente que tôda afirmação é contraditória Com efeito uma vez que dizemos que o não ser é o nãoser afirmamos simultâneamente que o nãoser é alguma coisa que êle é real e que existe Se dizemos que SÓCRATES é filósofo afirmamos que êle é coisa diversa do que é que é e não é ao mesmo tempo Por outro lado o pensa mento tem caracteres opostos aos do objeto as idéias são fixas e imutáveis enquanto os objetos estão em perpétua mutação Nada pois se lhes corresponde verdadeiramente no real Enfim mesmo que o Jer fôsse conhecido seu conhecimento seria incmnunicável porque as palavras nada têm de estável ao contrário do pensamento que elas pretendem transmitir e além disso não podem exprimir senão o sensível enquanto muitos objetos nada têm de sensível o número o silêncio PROTÁGORAS conclui daí que todo conhecimento é relativo e trâdúz a11enas o estado subjetivo daquele que o enuncia mas nunca o ser real que nos escapa invencivelmente SEXTO EMPÍRICO retomando no século II de nossa era o conjunto das objeções céticas formula claramente uma distin ção que se 11ai tornar clássica na cttftica idealista do conheci mento qual seja a dos fenômenos e do ser ou essência Nosso ceticismo escreve consiste essencialmente em opor os fenô menos e as essências estas isoladas não são cognoscíveis mas dizer que nosso ceticismo destrói os fenômenos isto é os dados subjetivos é não mais nos entender Os ESTÓICOS partindo dos mesmos princípios negam qualquer valor a não ser o puramente lógico ao conceito e o consideram como um simples nome comum que serve para resumir um grupo de sensações ou de indivíduos semelhantes nominalismo A ciência para êles nunca será mais que uma expressão da sensação 2 O fenomenismo e o idealismo a Nominalismo e fenomenismo A doutrina segundo a qual os únicos dados empíricos certos se reduzem aos fenômenos ou dados subjetivos é claramente na antiguidade o postulado comum ao mesmo tempo ao empirismo nominalista e ao idealismo Acabamos de ver com que precisão o tema fenomenista foi formulado por SEXTO EMPÍRICO e determinava néle um ceticismo radical com relação ao saber metafísico Com efeito da dupla crítica instituída pela sofística grega do conhecimento sensível tornado suspeito em virtude dos erros dos sentidos e do conceito ou idéia geral necessàriamente estranha diziase então ao movimento contínuo e incessante das aparências e às realidades singulares deduziase que não podemos ter certeza senão das realidades subjetivas idéias imagens sensações e conseqüentemente que o mundo das realidades objetivas poderia perfeitamente não ser para nós senão uma simples ilusão Não há pois senão um universo certo o do sujeito e por conseguinte de acordo com a célebre fórmula de PROTÁGORAS o homem é a medida de todas as coisas Vemos assim como o nominalismo antigo leva muito logicamente ao fenomenismo b Nominalismo e idealismo platônico Por outro caminho o nominalismo vai orientar igualmente o idealismo platônico que se apresenta como uma solução para os problemas criados pela sofística Com efeito PLATÃO admite que o inteligível não seja imanente ao sensível êsse último tal como lhe impõe uma visão empirista do universo é essencialmente múltiplo e descontínuo fugaz e mutável afetado por uma irremediável contradição interna uma vez que o devenir faz dêle um misto de ser e de nãoser Ele é apenas portanto uma sombra ou uma aparência O verdadeiro real é a Idéia isto é o mundo das essências incorruptíveis que apreendemos pelo pensamento acima do mundo das aparências fugidias e instáveis Eis aí segundo PLATÃO o que não havia compreendido a sofística fenomenta tanto que em lugar de extrair do conflito do inteligível e do sensível quer dizer da idéia e da sensação um conselho de ceticismo convém diz PLATÃO apoiar aí tôda a nossa certeza pois o verdadeiro real não é o que se oferece aos sentidos e está submetido ao devenir mas o mundo das Idéias eterno e imutável Só há certeza na idéia e tôda ciência verdadeira se cinge a idéias Eis porque PLATÃO propõe na República 511 b uma dialética que sem utilizar nada de sensível servese ùnicamente das idéias para ir por elas a outras idéias e terminar nelas Este idealismo platônico é ao mesmo tempo um ontologismo e um inéisno no sentido de que de um lado o mundo das Idéias é considerado no sistema de PLATÃO tal pelo menos como ARISTÓTELES o interpreta como um mundo real subsistente e separado do universo sensível ontologismo de outro lado PLATÃO supõe que a alma tendo contemplado as Idéias em uma vida anterior possui inata a ciência das Idéias que se atualizará aos poucos sob a provocação do sensível o qual participa das Idéias ineísmo Mas êstes são aspectos particulares do idealismo platônico Sem dúvida ontologismo e inéismo estão na própria lógica do idealismo DESCARTES retomará o inéismo e MALEBRANCHE o ontologismo Contudo o tema idealista reduzido ao que tem de essencial consistirá em afirmar a partir da crítica nominalista do conhecimento e do fenomenismo que ela implica que a única realidade dada ao conhecimento é a Idéia e que todo o saber autêntico se limita apenas a puras idéias O movimento do conhecer não consistirá pois em ir das coisas ao pensamento mas do pensamento ou da idéia às coisas a coisa aliás nada mais sendo para o idealista do que a realidade objetiva da idéia C O realismo A própria crítica cética e nominalista do conhecimento encontrase vigorosamente criticada e refutada na antiguidade em dois pontosdevista bem diferentes por ARISTÓTELES e por SANTO AGOSTINHO 1 Aristóteles Do pontodevista crítico a obra aristotélica poderia ser definida como uma justificação do conceito enquanto instrumento de conhecimento do real Sôbre êste ponto aliás ARISTÓTELES procede da tradição socrática O mérito particular de SÓCRATES contra os céticos havia sido o de mostrar que tôda verdadeira ciência era feita de definições e conseqüentemente de conceitos e de idéias gerais Faltava apoiar esta asserção essencial sôbre uma análise exata dos processos do conhecimento Foi a isto que se aplicou ARISTÓTELES mostrando que o conceito não é o objeto direto e primeiro do conhecimento mas apenas o sinal mental do objeto e o instrumento do saber Sem dúvida a realidade que êle contém e exprime não existe fora do espírito sob a forma universal de que ela se reveste no pensamento pois só o in divíduoe o singular são reais mas esta realidade é abstraída pela inteligência dos dados sensíveis nos quais ela existe sob forma potencial Se os gêneros e as espécies conceitos existem somente no espírito há no próprio real formas ou idéias realizadas sob forma singular e é função própria da inteligência apreendêlas por via da abstração Dêste modo ARISTÓTELES fundava uma teoria realista do conhecimento inteiramente oposta ao nominalismo empirista e mostrava que a ordenação essencial da inteligência é a de estar conforme ao real Assim ficava igualmente refutado o ceticismo radical dos sofistas Do pontodevista aristotélico permanecia verdade como no idealismo que não há ciência autêntica salvo a das essências e a das idéias uma vez que são os conceitos que compõem os materiais do saber não há senão a ciência do geral mas contràriamente ao idealismo ARISTÓTELES estabelecia que a origem primeira das idéias e dos conceitos residia no próprio sensível O inteligível ou seja a idéia voltava a ser imanente ao sensível em lugar de aparecer como uma construção arbitrária do espírito sem relação com o real tese do empirísmo nominalista ou como o fruto de uma intuição referente a um mundo de essências superior e exterior ao universo da percepção tese do idealismo platônico 2 Santo Agostinho a O neoplatonismo cristão SANTO AGOSTINHO procede da tradição platônica da qual é o herdeiro por intermédio do neoplatonismo de PLOTINO Mas esta tradição êle a incorpora num contexto cristão e por esta razão a transforma profundamente ao mesmo tempo que a completa e a aprimora nela corrigindo o que havia de mais discutível AGOSTINHO não admite com efeito nem o Universo inteligível das idéias subsistentes nem o inéismo platônico Mas estas duas opiniões errôneas lhe pareciam envolver magníficos pressentimentos da verdade Pois é de fato verdade que deve existir um mundo inteligível ou mundo das idéias uma vez que o nosso pensamento procede por meio de idéias eternas e necessárias e por meio de referência a normas absolutas e imutáveis que não desconstammos evidentemente no universo da percepção móvel mutável e essencialmente múltiplo Unicamente êle mundo das idéias é a Razão divina com a qual é preciso que estejamos de algum modo em comunicação pois é únicamente por esta via que se conseguirá explicar que pensamos e julgamos segundo normas que transcendem o espaço e o tempo ilumi nação Há pois um certo inéismo das idéias que é lícito professar Não entretanto no sentido platônico mas no sentido de que a alma por sua natureza espiritual e pelo efeito da luz iluminadora que ela recebe de Deus possui uma aptidão natural seja para perceber o inteligível nela presente isto é ela própria e Deus seja para apreender imediatamente ao chamado das impressões corpóreas o inteligível de que participa e que é sua regra imutável b A tradição agostiniana Sôbre êstes dois pontos AGOSTINHO vai êIe próprio chefiar uma tradição que virá se incorporar ao aristotelismo e lhe fornecerá os complementos de que necessitava Nem PLATÃO nem ARISTÓTELES se bastavam Por um lado com efeito PLATÃO partindo como os empiristas de uma espécie de ceticismo sensível propunha um idealismo ontologista que só explicava o conhecimento inteligível à custa de hipóteses arbitrárias Mas ARISTÓTELES que tinha feito uma análise admiravelmente precisa e penetrante dos processos do conhecimento fracassava ao explicar o que havia na ciência de necessário e de eterno ou em todo caso se descobriria nas essências abstraídas pela inteligência conceitual o necessário e o eterno não chegava contudo pela ausência da noção de criação a explicar inteligivelmente êstes caracteres das essências Em suma o que faltava a seu sistema era uma justificativa metafísica da ciência isto é da verdade sob seu aspecto ontológico e não simplesmente lógico e psicológico ARISTÓTELES propõe uma justificacão empírica do saber científico isto é descritiva e psicológica que é uma maravilha de análise minuciosa e lúcida Tanto quanto PLATÃO êle não podia porém apresentar uma justificativa metafísica da verdade que depende de uma doutrina da criação que nenhum dos dois possuía e que é de fato senão de direito de fonte judaicocristã A razão humana está apta por suas próprias luzes naturais a estabelecer de modo seguro que o universo procede de Deus por via de criação ex nihilo Mas de fato e historicamente esta noção de criação se encontra ligada à revelação judaicocristã afirmando solenemente que Deus criou o céu e a terra In principio creavit Deus coelum et terram Gênesis I 1 Nem PLATÃO que admite uma matéria preexistente χώρα nem ARISTÓTELES que se prenda à idéia da eternidade do mundo sem suspeitar que esta eternidade racionalmente hipotética não é suficiente de modo algum para tornar inteligível a existência do universo tiveram a noção de criação propriamente dita Cf nosso Essai sur les relations entre pensée grecque et pensée chrétienne Cap 1 Aristotle et saint Thomas ou la notion de création ART II A IDADE MÉDIA 29 A Idade Média pode ser definida do pontodevista crítico pela discussão dos Universais Expusemos o aspecto psicológico desta discussão II 422423 O aspecto crítico está evidentemente dependente do precedente no sentido de que o juízo que se há de fazer sôbre o valor do conhecimento depende da maneira pela qual descrevemos as operações cognoscitivas sensíveis e intelectuais Eis porque podemos aqui distinguir três correntes principais o realismo moderado ou crítico o realismo platônico e o nominalismo 1 O REALISMO CRÍTICO 1 Natureza do realismo crítico O realismo crítico é essencialmente a posição que defende SANTO TOMÁS Do pontodevista psicológico isto é no que diz respeito à análise dos processos do conhecimento a doutrina tomista retoma precisandoas as teses aristotélicas em particular as que se referem à crítica da inteligência conceptual Do pontodevista da crítica do conhecimento a doutrina tomista procede da tradição agostiniana e platônica também na medida em que o pensamento de SANTO AGOSTINHO está êle próprio dependente do platonismo A contribuição capital de AGOSTINHO à crítica do conhecimento foi com efeito como acabamos de ver a de fornecer as linhas gerais de uma justificacão metafísica da verdade doutrina no seu entender tão essencial que êle não atribui senão um interesse secundário à análise psicológica dos processos do conhecimento SANTO TOMÁS assimi lando ao aristotelismo uma parte do pensamento agostiniano saberá conservar inteiramente a riqueza e a precisão psicológica que caracterizam a doutrina de ARISTÓTELES mas ao mesmo tempo estará em condição de coroar todo êste sistema incompleto com uma crítica da razão que procede diretamente de SANTO AGOSTINHO Esta doutrina agostiniana da iluminação SANTO TOMÁS a faz absolutamente sua quanto ao seu princípio essencial A certeza diz êle é em nós uma participação da luz divina o espírito humano não pode possuir por si mesmo a regra infalível da verdade embora a possua em si mesmo a saber à luz do intelecto agente do qual procede tôda certeza Mas SANTO TOMÁS fiel às análises de ARISTÓTELES que lhe parecem ser a descrição mais estritamente positiva dos processos do conhecimento se afasta de AGOSTINHO quanto à maneira de conceber o modo de iluminação Pois se é verdade que para êle nós conhecemos tôdas as coisas nas razões eternas isto não requer nenhuma luz especial distinta da luz da inteligência Com efeito para SANTO TOMÁS dizer que a alma possui em si mesma a regra infalível da verdade significa que esta regra constitui um todo com a inteligência e que a constitui intrinsecamente enquanto para SANTO AGOSTINHO isto significa apenas uma recepção na alma de uma luz que a informa extrinsecamente Quanto à maneira de explicar psicologicamente esta participação modo de iluminação SANTO TOMÁS declara que importa pouco dizer como faz SANTO AGOSTINHO que é dos próprios inteligíveis que par ticipamos ou dizer como em sua própria doutrina que participamos da luz que faz os inteligíveis 10 Importa pouco entendamos isto no sentido de que num e noutro caso o princípio de iluminação está a salvo Mas quando se trata ao contrário de fundar uma psicologia exata dos processos intelectuais a insistência de Santo Tomás em afastar a forma agostiniana da iluminação basta para mostrar que isto importa grandemente É que o desacôrdo entre Agostinho e Santo Tomás vai incidir sobre uma doutrina que se situa no centro da psicologia tomista do conhecimento qual seja sôbre a doutrina da abstração essencial ao tomismo e ao aristotelismo e estranha a Santo Agostinho como também a Platão para um os inteligíveis são tirados do sensível para o outro são vistos à luz iluminadora Pontosdevista completamente diferentes que nenhuma dialética chegará a reduzir à unidade O acôrdo achase além dos dados da pura psicologia na idêntica submissão ao princípio certo de que para nós não pode haver verdade senão empírica e sem justificação última senão pela participação da Razão incri adaVerdade capital que domina tôdas as discussões de escola e que mais que a questão dos modos de iluminação era a preocupação essencial de Santo Agostinho11 Tanto que êle próprio como Santo Tomás não hesitou em escrever quanto ao resto Non multum refert 2 A questão do realismo crítico 30 a O realismo metódico Designamos a doutrina de Santo Tomás que acabamos de expor como um realismo crítico Contestouse por vêzes a legitimidade desta expressão para caracterizar a doutrina de Santo Tomás Gilson observa com efeito Realismo significa num primeiro sentido doutrina que se opõe ao idealismo na medida em que pretende que a passagem do sujeito ao objeto seja possível aplicado à metafísica medieval êste epíteto significa doutrina na qual se dá como dado a existência real do objeto porque se nega que haja aí um problema a resolver 12 Assim falar de rea lismo crítico a propósito de Santo Tomás significaria atribuir ao tomismo a solução de um problema que esta doutrina jamais suspeitou Sem contar acrescenta Gilson que o realismo jamais poderá ser estabelecido pelo método crítico cuja essência consiste em tentar reencontrar o objeto a partir do sujeito Um tal método está fatalmente condenado ao idealismo Insistiremos mais tarde sôbre êste último ponto Quanto ao primeiro que é de ordem histórica digamos aqui que o pontodevista de Gilson é muito contestável Sem dúvida Gilson tem razão em notar que o realismo tomista é essencialmente um realismo metódico no sentido em que êle não é o fruto de uma crítica do conhecimento consistindo à maneira idealista em descobrir se existe uma passagem do pensamento ao ser suposto primeiramente exterior ao pensamento mas o resultado de um método que contém em si mesmo a sua verificação justificandose pelo seu próprio êxito e pela concordância que êle busca constantemente entre os dados da experiência e as exigências da inteligibilidade Isto é certo Entretanto se é verdade também como o veremos que há várias formas de críticas por que o realismo tomista não seria também êle chamado crítico no sentido que lhe convém Com efeito a própria recusa de uma crítica prévia do conhecimento anterior absolutamente à filosofia já é parecenos uma posição crítica um julgamento feito sôbre uma certa maneira de encarar o conhecimento Seguramente esta recusa existe apenas implicitamente na doutrina de Santo Tomás e é sobretudo o cartesianismo13 que nos conduz a explicitála 31 b O pontodevista especìficamente crítico Mais há porém a dizer O tomismo não é unicamente a recusa de um determinado método crítico definido pelo propósito de ìr do pensamento ao ser êle comporta também uma crítica explícita do conhecimento Esta crítica consiste por um lado em establecer por via psicológica verificando aqui a Crítica por reflexão expressa sôbre a atividade intelectual os dados da Psicologia que a inteligência sendo a faculdade do ser é ao mesmo tempo e necessariamente objetiva desde que ela se conforme à sua própria lei Por outro lado o tomismo de et Critique de la connaissance Paris 1939 Gilson resume de bom grado seu pensamento no dilema seguinte ou o realismo está acima da dúvida e representa uma evidência absoluta e não precisa ser crítico isto é demonstrarse ou o realismo do conhecer pode ser discutido e neste caso o realismo fazendose crítico tomará um caminho que só pode conduzir ao idealismo 13 Veremos com efeito mais adiante que mesmo antes de Descartes o terminismo medieval resultava numa posição crítica que já é a do idealismo acôrdo nisso com a inspiração agostiniana esforçase por ultrapassar o pontodevista especificamente psicológico da análise dos processos do conhecimento com o propósito de explicar o caráter necessário e absoluto do nosso saber inteligível Que êste problema se apresente e forneça à Crítica seu objeto formal próprio nada melhor indica do que as dificuldades em que se debate o pensamento aristotélico para fazer concordar o contingente com o necessário e o necessário com o contingente O conflito entre essas noções está aqui sem solução A contingência dos seres singulares da experiência não se torna inteligível senão pelo recurso à geração circular das causas e dos efeitos cuja eternidade fornece uma explicação análoga à necessidade analítica a qual define a lei do pensamento 14 Mas por outro lado a necessidade tipo único da inteligibilidade não é para Aristóteles outra coisa senão a necessidade interna ou lógica das essências e das formas Ora tratarseia de saber por que essas essências e essas formas são necessárias Eis o problema capital que do pontodevista crítico toma à seguinte forma o que em suma fundamenta a caráter absoluto e necessário de nosso pensamento Aristóteles a respeito disso não dá resposta ou pelo menos a resposta que dá dizendo que as formas e as essências são necessárias porque são eternas De Coelo I 12 282 a 25 282 a 30 Gen et Corr II 11 337 b 35 Phys II 5 196 b 12 não é evidentemente uma solução o necessário e o eterno sendo rigorosamente conversíveis Faltaria de fato explicar por que elas são eternas e por outro lado sua eternidade hipotética não resolveria de modo algum o problema de sua necessidade Finalmente Aristóteles não ultrapassa o nível do fato empírico15 c O problema da verdade É preciso portanto que o realismo metódico se faça crítico não sômente para com os 14 Cf J Chevalier La Notion du Nécessaire chez Aristote et ses prédécesseurs Paris 1915 págs 160 sg Sôbre a geração circular ver os seguintes textos Aristóteles Gen et Corr II 4 3331 a 8 b 2 6 333 b 5 10 337 a 6 11 338 a 6 An post II 12 95 b 38 A natureza escreve J Chevalier pág 161 n 1 é pois essencialmente a forma Phys II 1 193 a 30 A espécie ou o tipo é portanto o que parece melhor convir à definição da natureza a natureza com efetior é o permanente pra o que permanece na geração é o tipo que exprime a forma própria à espécie a natureza é pois a forma ou o tipo Esta concepção da natureza e da forma conduznos diretamente à teoria da geração circular o homem vem de um homem e prepara um outro a criança gera o adulto e inversamente como a água vem das nuvens e gera por sua vez as nuvens que produzem a água 15 Cf J Chevalier loc cit págs 145179 R Jolivet Essai sur les rapports entre pensée grecque et pensée chrétienne pág 70 sg HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE 51 outros mas também para consigo mesmo Ele deve descobrir e estabelecer a partir das aquisições da psicologia o que em última análise fundamenta a certeza em que se encontra a inteligência de ser capaz de afirmar a verdade e de possuir o direito absoluto de transcender em suas afirmações o espaço e o tempo Não é o problema idealista do ser extramental que assim se levanta Mas é um problema muito mais vasto e muito mais radical qual seja o problema da verdade Nada há que seja tão essencial fundamental e propriamente crítico do que este problema 2 O REALISMO PLATÔNICO 32 Na Idade Média uma corrente importante professa um realismo de tipo platônico que pouco a pouco evolui para o panteísmo Tratase sempre de explicar os conceitos universais ou os universais Como PLATÃO os realistas admitem sob formas aliás bastante diversas que as essências idéias ou universais são seres reais ou de realidades subsistentes uma vez que a inteligência os conhece mas como essa última não poderia de modo algum percebêlos no sensível que é singular e está submetido ao devenir devese admitir que os universais subsistem num mundo inteligível com o qual a inteligência está de algum modo em comunicação As diversas etapas desta corrente realista podem ser definidas pelos nomes de GUILHERME DE CHAMPEAUX 10701120 de GILBERTO DE LA PORRÉE 10761154 de AMAURI DE BÈNES ET DAVID DE DINANT início do século XIII A O realismo das essências 1 Teoria da identidade A concepção realista das essências foi defendida por GUILHERME DE CHAMPEAUX Na verdade este pensador evolui depois para um realismo mais moderado Mas como são as teorias que nos importam mais 10 A disputa dos universais procede historicamente da questão que levantava PORFÍRIO no fim de seu Isagoge Introdução às Categorias de ARISTÓTELES conhecida na Idade Média pela tradução latina de BOÉCIO De generibus et speciebus illud quidem sive subsistant sive in nudis intellectibus posita sunt sive subsistentia corporalia sint an incorporalia et utrum separata a sensibus an in sensibilibus posita et circa haec consistentia dicere recusabo altissimum enim mysterium est hujusmodi et majoris indigens inquisitionis 17 Cf M DE WULF Histoire de la Philosophie médiévale Paris 1925 t I págs 93107 139 sg UBERWEGSGEYER Geschichte der Philosophie t II págs 209 sg Berlim 1928 52 METAFÍSICA aqui do que a história das doutrinas individuais consideraremos a primeira tese de GUILHERME DE CHAMPEAUX como tipo de uma solução realista do problema dos universais É necessário admitirse diz ele que cada essência é numericamente uma e identicamente a mesma em todos os indivíduos da mesma espécie e que ela está completamente realizada em cada um deles Não há por exemplo senão uma humanidade e cada homem a possui integralmente São apenas os acidentes que distinguem entre si os diferentes indivíduos da mesma espécie Devido às objeções de ABELARDO GUILHERME DE CHAMPEAUX substituiu posteriormente a esta teoria da identidade a teoria da indiferença Ele concorda de fato desde então que as essências são múltiplas como os indivíduos mas que cada essência possui um duplo elemento um pessoal e incomunicável outro comum a todos e indiferente o qual constitui propriamente o universal gênero ou espécie e só comporta uma unidade de semelhança e não mais de identidade como na primeira teoria 33 2 O realismo ontológico de Chartres GILBERTO DE LA PORRÉE 10761154 que é com BERNARDO 1130 e THIERRY DE CHARTRES 1155 um dos mestres da Escola de Chartres defende uma teoria que é ainda de inspiração platônica mas que marca sob certos aspectos uma etapa para um realismo moderado Para explicar a distinção e resolver o conflito existente entre o singular concreto da experiência e o universal do pensamento BERNARDO e THIERRY DE CHARTRES diziam que a individualidade vem da matéria subsistindo à parte sob forma desorganizada e caótica a χῶρα platônica e que os universais idéias ou conceitos são simultaneamente formas criadas por Deus e noções inatas à inteligência formas nativas e só se podem explicar como cópias das Idéias exemplares modelos ou arquétipos imutáveis e eternas segundo as quais Deus multiplica na matéria que as individualiza os gêneros e as espécies GILBERTO DE LA PORRÉE retoma estas teses de inspiração claramente platônica Mas ele as precisa ou as corrige num ponto importante Ele professa de fato de um lado do pontodevista ontológico que as formas nativas idéias inatas ou cópias das Idéias divinas são realmente distintas destas Idéias ponto deixado obscuro por BERNARDO e THIERRY e que os fêz serem tachados erradamente parece de panteístas e de outro lado que psicologicamente a idéia universal ou conceito se explica por uma espécie de abstração quodammodo abstrahit In Boeth de Trinitate Migne t HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE 53 LXIV col 1374 extraindo dos indivíduos da mesma espécie uma forma ou essência comum a todos 3 O neoeleatismo Essa última teoria orientava o platonismo de CHARTRES para o realismo moderado Esse movimento na verdade não chegou a nada e GILBERTO DE LA PORRÉE não consegue desligarse completamente do realismo ontológico platônico porque a abstração tal como ele a concebe está ainda totalmente impregnada de um nominalismo latente sua tarefa é de fato apenas a de pôr a parte ou de separar elementos comuns aos diversos indivíduos II 425 Dêsse pontodevista haverá dentro dos próprios indivíduos formas realmente distintas tão numerosas quanto as idéias pelas quais nós as apreendemos tudo o que distinguimos e separamos por uma idéia é realmente distinto e separado na existência Em Pedro a individualidade a humanidade a racionalidade a animalidade a vida a unidade etc às quais correspondem igual número de conceitos distintos serão coisas realmente múltiplas e distintas Há aí uma forma de pensamento muito importante a assinalar pois ela vai ser reencontrada sob diferentes aspectos em toda a história do problema crítico até mesmo entre os idealistas modernos Se com efeito o universo apreendido pelo pensamento é apenas um universo de essências ou de idéias impõese o problema de explicar como as idéias se combinam entre si ou seja como o conjunto das idéias ou conceitos que compõem pontodevista ontológico ou definem pontodevista psicológico ou crítico um indivíduo se podem reduzir à unidade Problema árduo no contexto ontologista e no contexto idealista que aqui se confundem Uma essência universal idéia ou conceito se basta inteiramente por si mesma um universo de essências é como tal um mundo de átomos inteligíveis no seio do qual a composição e o movimento são incoercíveis PLATÃO já havia deparado Filebo com este problema da mistura das Idéias μεῖξ τιὼν ἰδεῶν sem lhe poder dar uma solução satisfatória Vêloemos surgir novamente entre os nominalistas particularmente em HEGEL Sua origem primeira reside numa concepção errônea da função abstrativa da inteligência e da natureza do conceito B O panteísmo 35 1 Averróes O realismo platônico por outro caminho conduzia logicamente ao panteísmo Se com efeito a inteligência não se exercita sem buscar por assim dizer seu conhecimento em tudo que ele tem de necessário e de absoluto de um mundo inteligível distinto e separado do mundo sen sível podemos pensar que propriamente falando não é mais a inteligência finita que pensa em nós mas imediatamente o Pensamento Divino É por este caminho que se lança AVERRÕES ou IBN ROSCHD 11261198 após AVICENAS IBN SINA 9801036 baseandose numa discutível interpretação de certos textos ambíguos de ARISTÓTELES Estes textos são aquéles De Anima III cap V 10 a 20 onde ARISTÓTELES declara que o intelectoagente está separado impassível não misturado Segundo a interpretação mais plausível quer em funçâo do contexto quer de outros textos relativos ao mesmo problema ARISTÓTELES quer dizer que o intelecto agente II 434 não é composto de partes materiais e nem se exerce por meio de órgãos corporais Estas negações visam especialmente às teorias de EMPÉDOCLES criticadas em De Anima III cap IV 1029 pouco antes do trecho anterior Entretanto um comentador de ARISTÓTELES ALEXANDRE DE AFRODÍSIO fim do século X tinha entendido o texto do De Anima relativo ao intelecto agente no sentido de que esse devia ser considerado idêntico ao Ato puro único e impessoal Donde decorria que sendo o intelectoagente mortal no homem só existia a imortalidade impessoal19 SANTO TOMÁS em seu comentário do De Anima III Leit 10 n 734738 Cathala mostra quanto este modo de compreender ARISTÓTELES é pouco convincente Com efeito de um lado ARISTÓTELES afirmou claramente que o intelecto agente é como o intelecto paciente uma parte quer dizer uma faculdade da alma e não uma substância separada Por outro lado na interpretação de ALEXANDRE DE AFRODÍSIO o homem não seria mais o princípio primeiro de suas próprias operações intelectuais o que iria diretamente contra a integridade de sua natureza e também contra o sentimento invencível que êIe experimenta de ser princípio e pai de seu pensamento e de seus atos São aliás tanto quanto as exegeses de ALEXANDRE DE AFRODÍSIO20 influências neoplatônicas exercidas pela apócrifa 19 A dificuldade do texto aristotélico está na realidade em outra parte ARISTÓTELES deixou em suspenso a questão de saber como o nous ato do corpo humano pode ser também enquanto nous ato e substância sem se confundir com o você divino Não é o nous humano um ato imaterial como o próprio Deus Teriam razão Alexandre e Averroeis indagava a si próprio M DE CORTE La définition aristotélicienne de lâme na Revue Thomiste julhosetembro 1939 pág 501 Certamente não pois interpretar ARISTÓTELES à sua moda seria desconhecer totalmente o próprio espírito do aristotelismo Como o feroz defensor da individualidade das substâncias que é o Estagirista teria podido cair na concepção de uma abstração platônica e confundir o concreto com o geral Não é o mundo para ARISTÓTELES uma hierarquia de substâncias individuais De fato ARISTÓTELES se atém à evidência empírica da distinção e da individualidade das substâncias imateriais sem as justificar de pleno direito sem mesmo as poder justificar por carecer de uma noção da criação 20 M DE CORTE loc cit pág 499 observa aliás com justa razão que a interpretação daquele que os Antigos chamavam o Comentador por excelência de Aristóteles está secretamente impregnada de platonismo e conduz diretamente ao mais legítimo averroísmo HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE 55 Teologia de Aristóteles e o De Causis igualmente atribuído a ARISTÓTELES que conduzem AVERRÕES na direção do panteísmo AVERRÕES não somente julga que o Intelecto agente é único e constitui a Razão impessoal comum a todas as inteligências mas que o Intelecto passivo ou inteligência propriamente dita sendo em sua parte superior separado espiritual e imaterial é ele também necessariamente único para todos os homens Na realidade não há senão um Pensamento como não existe senão uma Razão As inteligências singulares não são senão formas passageiras e finitas pelas quais a Razão impessoal pensa o necessário e o eterno quando das imagens da percepção sensível 36 2 O Averroísmo latino Estas teses panteísticas se repetem nos latinos por AMAURI DE BÈNES DAVID DE DINANT e SIGER DE BRABANT O primeiro 1216 propõe um panteísmo idealista mui logicamente enxertado no realismo platônico do qual é uma das consequências possíveis Para êIe Deus se manifesta pelas diversas Idéias que se realizam na perfeição de cada ser tanto que é preciso dizer de acordo com a expressão de SANTO TOMÁS Ia q 3 art 8 que Deus é o princípio formal ou a forma de cada coisa I 391 DAVID DE DINANT pelo contrário defende um panteísmo materialista Segundo ele o múltiplo e o singular são puras aparências O real não é senão a Idéia a Forma ou o Tipo e se apresenta sob três aspectos a matéria primeira a inteligência e Deus Estes três aspectos pertencem a mesma e única realidade que sendo essencialmente simples não tem em si aquilo com o que estabelecer diversidades reais Em 1270 SIGER DE BRABANT publica seu De Anima intellectiva provavelmente em resposta ao trabalho que SANTO TOMÁS tinha publicado neste mesmo ano De unitate intellectus contra Averroistas21 SIGER expõe aí em toda sua amplitude a tese averroísta da unidade numérica da Inteligência na espécie humana Além da vida que informa cada organismo humano é necessário admitir diz ele que existe uma alma intelectual separadodo corpo por sua natureza mas que a este se une momentâneamente para produzir o ato do pensamento Esta alma intelectual só pode ser única uma vez que como Forma pura exclui absolutamente a matéria pela qual se operam a individualização e a multiplicação na espécie 21 SANTO TOMÁS tratou ainda da mesma questão no De Spiritualibus creaturis e nos Quolibet IIII IV V e XII 3 As fontes do averroísmo moderno Estes diferentes temas de pensamento tornam a aparecer em muitos idealistas modernos em particular nos panteístas da Renascença em SPINOZA e nos PÓSKANTIANOS alemães em TAINE VACHEROT etc O panteísmo é com efeito uma das possíveis consequências do idealismo Desde que o universo pelo jôgo dos postulados nominalistas se acha reduzido ao pensamento e a seu conteúdo imanente somos levados a dizer que o universo só aparece como uma lógica viva porque êIe é atualmente pensado em sua unidade por um Pensamento absoluto cujos pensamentos singulares não são senão modos finitos O pensamento meu pensamento senão em suas manifestações acidentais pelo menos em sua essência mais profunda nada mais é que o Pensamento divino se revelando ao mesmo tempo no pensamento individual e naquilo em que para um tal pensamento se apresenta compondo o mundo da experiência 3 O TERMINISMO 87 1 O princípio nominalista No começo do século XIV o nominalismo se acha sistematicamente defendido nas obras de DURAND DE SAINTPOURÇAIN 1334 e de PEDRO AURIOL 1322 DURAND sustenta a tese essencial do nominalismo segundo a qual os universais ou idéias gerais a nada correspondem na realidade PEDRO AURIOL propõe por sua vez uma tese que se tornará clássica no idealismo sob o nome de princípio de imanência a saber que o termo do conhecimento não é o objeto real mas a idéia ou a imagem22 São entretanto GUILHERME DOCKAM e seu discípulo NICOLAU DAUTRECOURT os que virão formular com todo seu rigor e suas consequências a teoria nominalista do conhecimento23 A inteligência declara OCKAM só pode conhecer o singular As idéias gerais de fato nada mais são que termos substituindo os objetos singulares da experiência quer dizer das imagens Por isso mesmo nem os princípios nem as noções universais transcendentais têm valor objetivo Não estamos absolutamente certos senão de nossa existência e das apariências naturais quer dizer dos fenômenos ou mais pre 22 Cf M DE WULF Histoire de la Philosophie médiévale t II págs 159163 23 Chamamolos de terministas porque eles afirmam que os universais nada mais são que termos termini Terminismo é portanto sinônimo de nominalismo moderado quer dizer o que admite a realidade do universal no pensamento II 423 cisamente ainda das sensações Não podemos de maneira alguma saber senão pela fé se existem outras pessoas ou objetos reais correspondendo a nossas sensações 24 2 O princípio de imanência Acabamos de ver como o terminismo medieval partindo dos princípios nominalistas acabava por propor a questão da realidade de um universo extramental Éste problema estava implicitamente contido na afirmação de PEDRO AURIOL de OCKAM e de NICOLAU DAUTRECOURT de que o término do conhecer não é o objeto real mas a idéia ou a imagem subjetiva O encadeamento doutrinal é de uma clareza perfeita OCKAM recusa tôda realidade objetiva a êste universal direto do qual o realismo moderado de SANTO TOMÁS fazia o objeto próprio da inteligência humana mas admite que êste universal existe realmente no espírito Sua função dêste pontodevista poderá ser apenas a de substituir as realidades singulares da experiência o universal não é mais uma represemtad das coisas mas um simples sinal evocando como tal um objeto de natureza inteiramente diferente Assim o objeto imediato e direto do espírito não é a pŕopria coisa mas o que supõe ou suplementa por ela o que é seu sinal mental natural ou arbitrário quer dizer propriamente a intenção ou o conceito a idéia ou o tęrmo A coisa em si enquanto realidade extramental vem a ser de uma só vez o objeto indireto do espírito o têrmo de uma espécie de inferência quer dizer um problema a resolver O princípio de imanência se apresenta pois como uma consequencia das premissas empiristas e nominalistas e é em consequencia disto que a existência mesma das coisas se tornará um problema Achase assim incitada uma corrente de pensamento que conduzirá naturalmente às conclusões idealistas mais ousadas 25 24 Sôbre o sistema de OCKAM e de NICOLAU DAUTRECOURT ver nossas Sources de lIdéalisme Paris 1936 págs 2444 Cf G OCKAM In Sent I d 2 q 4 Scientia realis non est semper de rebus tanquam de iillis quae sciuntur quia solae propositiones sciuntur Ergo eodem modo proportionabiliter de propositionibus in mente quae vere possunt sciri a nobis pro statu isto quia omnes termini illarum propositionum sunt tantum conceptus et non sunt ipsae substantiae extra 25 Essas conseqüências são aliás claramente assinaladas por OCKAM Cf In Sent d 2 2 4 Nihil ergo refert ad scientiam realem an termini propositionis scitae sint res extra animam vel tantum sint in anima dummodo stent et supponant pro ipsis rebus extra et propter scientiam realem non oportet ponere res universales distinctas realiter a rebus singularibus 58 METAFÍSICA 3 O idealismo problemático 89 a Teoria fenomenista O idealismo pelo menos sob a forma problemática não é somente uma conseqüência implí cita do sistema terminista Encontramolo formulado com cla reza por NICOLAU D AUTRECOURT que encarece as teses de OCKAM levandoas às suas últimas conseqüências Para êle com efeito por causa de seu empirismo e de seu nominalismo os fenômenos não estão mais de agora em diante relacionados entre si ordenados e unificados como acidentes de sujeitos ou substâncias reais Não formam mais que uma sombra de aparências naturais que como tais são a única realidade da qual estejamos verdadeiramente certos O resto é obra de sonho imaginação vazia 28 b Teoria mecamista Em virtude dos mesmos princí pios NICOLAU DAUTRECOURT tenta eXlicOlr unicamiente pelo meca1nismo os objetos empíricos A geração a transformação a corrupção isto é todo o movimento das aparências natu rais fenômenos ou acidentes se explica da maneira mais simples e mais clara sem recorrer às obscuras noções de for mas ou de substâucias porque o movimento local dos átomos tal como o percebem os sentidos basta para explicálos ade quadamente Um sujeito que começa a ser não é efetivamente mais que uma nova associação de átomos num todo determi nado a corrupção não é senão uma desagregação dêste todo pela dispersão espacial dos elementos que o constituem a transformação enfim não passa de uma transferência dos átomos num todo dado 21 Não é por acaso que NICOLAU D AUTRECOURT fornece assim de antemão como que o esquema da física cartesiana É que da mesma maneira que em DESCARTES que tanto insis tiu sôbre isto a física dependia da metafísica quer dizer da teoria do conhecimento e o nominaiismo s6 pode admitir uma explicação mecânica dos fenômenos Uma vez que êstes nesta 20 Conhecemos as opiniões de NICOLAU D AuTRECOURT pelos documentos de retratação que foi obrigado a assinar em 1346 Cf Chartularium Uni versitatis Paris II 580 1 Quod de rebus per apparentia naturalia nulla certitudo poiest haberi HAUREAU Nollices et eetT de mH lat de la Bibt 11at t XXXIX 2 p pág 333 cita o seguinte texto de um certo mestre GILLES que reproduz as opiniões de NICOLAU DAUTRECOURT Ex his cona mini probare quod Aristoteles non habuit evidentem noticiam de aliqua susbtsntia quia de tali vel habuisset noticiam vel ante Oinnem dis ursum quod non potest esse quia non apparent intuitive et etiam rustici cirent tales substantias esse nec per discursum inferendo ex perceptis esse nte omnem discursum nam probatum est quod ex una re non potest evi enter inferri alia 27 Cf Chart II 582 37 concepção estão privados de todo princípio interno de coesão e de unidade só podem estar ligados por fora mecanicamente Não é aliás possível ficar aí porque o mecanismo não explica nada Êle próprio requer uma explicação tratase de saber por que existem tais ou quais construções atômicas e que existem com uma constância que o acaso não pode justificar Ora como nenhuma finalidade objetiva quer dizer nenhuma realidade metafísica os pode explicar visto que isto está excluído pelo nominalismo e pelo empirismo não há outra solução senão explicálos como obra do espírito LEIBNIZ assinalava marcadamente esta inevitável conseqüência quando escrevia contra o mecanismo cartesiano Se os corpos se reduzem aos fenômenos se apenas os julgamos de acordo com o que percebem os sentidos cessam por isto mesmo de ser reais Philosophischen Schrift GERHARDT II pág 438 Implicitamente NICOLAU DAUTRECOURT admite esta conseqüência quando reduz unicamente a fenômenos o universo realmente cognoscível e mesmo por uma tendência bem visível nos escassos documentos que nos restam o universo real Chart II 580 9 c O problema do mundo exterior Por outro caminho NICOLAU DAUTRECOURT se dirige claramente para um idealismo radical É ainda o processus cartesiano que se vislumbra em suas linhas gerais pela crítica do princípio de causalidade Éste princípio diz êle consiste em afirmar que se uma coisa A efeito que antes não era começa a existir concluise que outra coisa B causa distinta de A deve existir Ora éste modo de argumentar de nada vale pois é evidente que ultrapassa o que fornece a experiência cada vez que B causa não pode ser dissociado experimentalmente É o que acontece em particular quando se conclui das aparências naturais às substâncias e essências que nenhuma experiência nos revela O argumento não prova tampouco quando se lhe pede que estabeleça a realidade do mundo exterior pretendendo passar dos fenômenos únicos dados dos quais tenhamos uma experiência autêntica à exterioridade absoluta 28 De fato conclui NICOLAU DAUTRECOURT nossa própria existência é a única da qual estejamos absolutamente certos 29 28 Cf Chart II 385 Quod in lumine naturali intellectus viatoris non potest habere noticiam evidentiae de existentia rerum evidentia reducta seu reductibili in evidentiam seu certitudinem primi principii 29 Cf Chart II 577 10 Item dixi in epistola secunda ad Bernardum quod de substantia materiali alia ab anima nostra non habemus certitudinem evidentiae d As fontes do idealismo moderno Tais são os argumentos de NICOLAU DAUTRECOURT e de um modo geral dos terministas medievais Percebese logo como a doutrina idealista vem mui naturalmente se enxertar no empirismo admitido no princípio O universo reduzido a uma pura multiplicidade fenomenal não tem mais consistência bastante para se afirmar em si como um objeto distinto do sujeito cognoscente Desvanecese por assim dizer em puras aparências engendradas misteriosamente das virtualidades do sujeito Temos então desde aí formulados com clareza os argumentos essenciais do idealismo moderno Êstes dois argumentos nominalismo e princípio de imanência são com efeito todo o idealismo mas de tal modo que o princípio de imanência nada mais é senão o fruto de um empirismo radical Pois se o objeto primeiro e imediato o objeto único do pensamento vem a ser o fenômeno isto é o pensamento ou a sensação é porque graças à uma concepção nominalista todo o universo foi reduzido a uma pura coleção de fenômenos e êstes desprovidos de todo substrato e de todo princípio metafísico não conservaram outra realidade que a de uma modificação completamente subjetiva do cognoscente ART III O CARTESIANISMO 1 A VIA MODERNORUM 1 Os temas da Idade Média Do pontodevista crítico se nos ativermos ao essencial a época moderna nada traz de absolutamente novo e não é sem razão que OCKAM se vangloriava de inaugurar com suas teses nominalistas a via modernorum em oposição às diversas formas do realismo definidas como via antiquarum De fato não fazia mais que renovar uma tradição largamente representada na antiguidade grega do mesmo modo que DESCARTES que imaginava romper como todo o passado e sem o saber mas muito logicamente seus princípios sendo os mesmos seguia os passos dos terministas medievais É assim que vamos reencontrar em todo o correr da época moderna as mesmas correntes que as da Idade Média e da antiguidade apoiadas nos mesmos argumentos e dirigidas pelos mesmos princípios MONTAIGNE Essais e CHARRON De la Sagesse repetem os temas do pirronismo antigo O platonismo de B TELESIO de G BRUNO de T CAMPANELLA conflui como o averroísmo medieval e o averroísmo paduense e bolonhês a uma espécie de panteísmo emanatista que é um dos mais salientes caracteres da filosofia da Renascença As Universidades de Pádua com ALEXANDER ACHILLINUS e AUGUSTINUS NIPHUS e de Bolonha com PETRUS POMPONATIUS se dedicam no momento da Renascença à restauração do verdadeiro aristotelismo provávelmente desfigurado pela Escolástica medieval Efetivamente é ora a AVERRÕES ora a ALEXANDRE DE AFRODISIO que conduzem êstes novos campeões do aristotelismo e é a imortalidade da alma que constitui o principal tema de suas discussões Os averroístas paduanos admitem a imortalidade impessoal enquanto que os alexandrístas bolonheses professam que a alma humana perece inteiramente com o corpo enquanto forma do corpo orgânico Uns e outros estão de acordo quando negam a Providência e o livre arbítrio Cf M DE WULF Histoire de la philosophie médiévale t II págs 252253 Por sua vez no século XVII SPINOZA propora um panteísmo realista que aparecerá como o resultado solidário do nominalismo radical e do platonismo exasperado e por isto mesmo como uma das consequências possíveis do sistema cartesiano Cf P LACHIÈZEREY Les origines cartésiennes du Dieu de Spinoza Paris 1931 Depois de DESCARTES e apoiado também na ambigüidade de sua doutrina o fenomenismo empirista vai empreender uma brilhante carreira e dominar o pensamento de dois séculos sob as duas formas de que se pode revestir segundo se insista sôbre o fenomenismo que se orienta então para o idealismo ou sôbre o empirismo que compõe a corrente positivista Enfim com DESCARTES o idealismo trará a inovação de tentar se constituir em sistema abraçando resolutamente as consequências idealistas que os pensadores medievais não tinham aceito claramente e que não tinham entrevisto em suma 62 METAFÍSICA senão como paradoxos ou utopias 81 Entretanto quanto ao fundo DESCARTES nada inventa no domínio que temos em vista Se concreta e histõricamente não depende de seus predeces sores terministas o movimento de pensamento que o conduz ao idealismo problemático é logicamente o mesmo a partir de iguais princípios nominalistas o que temos estudado em ÜCKAM OU NICOLAU D AUTRECOURT Não temos portanto porque voltar sôbre o pormenor dos temas doutrinais onde se exprimem as diferentes soluções do problema crítico Bastarnosá mostrar de que forma se re vestem no cartesianismo e nos modernos as diversas corren tes críticas que a antiguidade e a Idade Média tão claramente já haviam esboçado 2 O primado da Jrittca Um ponto entretanto ca racteriza especialmente a filosofia moderna Esta se trans forma a partir de DESCARTES exclusivamente numa filosofia do sujeito quer dizer que o problema critico constitui por si só quase tôda a filosofia Nem ontologia a não ser more geo metrico como em DESCAREES para quem a física é geomé trica e em WoLFF que é idealista nem Filosofia da natureza são concebíveis num contexto doutrinal onde o co nhecimento é concebido como algo que só atinge realmente o sujeito pensante e o conteúdo imanente de sua consciência Tôda especulação está de agora em diame centrada sôbre êste sujeito não tanto para o conhecer ontologicamente por que segundo uma lógica imperiosa êle vai por sua vez dis solverse em fenômenos II 569579 mas para tentar desco brir como se pode engendrar a partir de sua misteriosa sub jetividade o mundo empírico das aparências Durante dois séculos a filosofia se obstina em resolver o singular problema de saber como um sujeito que provàvelmente conhece unica mente a si e a seu pensC111nento pode entretanto afirmar algo diferente de si 2 0 IDEALISMO CARTESIANO A A doutrina de Descartes U 1 o método matemático o idealismo como viinós acima é muito anterior a DESCARTES Todos os pensadores 31 De fato era pela fé que os terministas declaravam conhecer de um modo diverso do da opinião a realidade das coisas exteriores DESCARTES que recorre à veracidade divina para se certificar da realidade existencial do universo MALEBRANCHE que com o mesmo fito invoca a Revelação não têm sôbre êste ponto posição diferente da dos nominalistas da Idade Média HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTIOO DA ANTIGUIDADE 63 nominalistas na antiguidade e na Idade Média admitiram que o pensamento só atinge imediatamente a si mesmo e a seu conteúdo imanente o que propriamente é o idealismo En tretanto só com DESCARTES o método idealista se apresenta como método de pleno direito em filosofia enquanto que até aí o idealismo só tinha aparecido como uma espécie de im passe ou utopia a que conduziam aliás logicámente o empi rismo e o nominalismo DESCARTES ao contrário estabelece em princípio com decisão e clareza a exclusiva autenticidade do método da matemática Quando dizemos de alguma coisa que está contida numa natureza ou conceito é como se dis séssemos que esta coisa é verdadeira desta natureza ou pode ser afirmada desta natureza Cum quid dicimus in alicujus rei natura sive conceptu contineri idem est ac si diceremus id de er reverum esse sive de ipsa posse affirmari 82 PLATÃO entretanto como assinalamos 26 j á havia proposto com grande clareza a fórmula do método idealista BRUNSCHVICG objeta que aquêle não se limitou a êste método e que o pensamento platônico parece haver completado seu ciclo Voltandose contra si mesmo Le Ptogres de la consctence dans la philosophte occi dentale I pág 32 O que é exato pelo menos materialmente Mas DESCARTES também não se limitou ao método idealista Quanto ao mais será possivel parar ai 2 A dúvida metódica O aparelhamento da dúvida metódica tal como a expõem o Discurso e as Meditações pa rece visar à refutação do ceticismo pela valorização de uma verdade tão evidente que não seja possível nenhuma contes tação e tal ao mesmo tempo que sôbre ela possamos recons truir todo o edifício do saber Seu objetivo real é criar o mé todo matemático em filosofia assim como nas ciências da na tureza onde êle representará pelo menos o ideal de uma ciên cia inteiramente dedutiva e a priori e excluir todo método de inspiração realista Sabemos como DESCARTES constata o seu poder de duvidar seja à custa de suposições extravagantes da realidade das coisas externas e até de seu próprio corpo 33 da verdade 32 Cf E BRÉHIER Histoire de la PhiiosYPhie t II pãg 348 A filosofia moderna só se estabeleceu com Descartes fazendo da idéia o objeto ime diato do conhecimento a s Méditation premiêre Tudo que recebi até o presente como o mais verdadeiro e certo aprendi dos sentidos e pelos sentidos ora algumas vêzes verifiquei que os sentidos me enganavam e é prudente não nos fiarmos jamais inteiramente naqueles que uma vez nos enganaram Mas pode ser que embora os sentidos nos enganem algumas vêzes a respeito de coisas bem pouco sensíveis e até suficientemente afastadas muitas outras hã entre tanto a respeito das quais não podemos razoàveInente duvidar por 64 METAFÍSICA absoluta das proposições matemáticas ª4 e em geral da ve racidade das ciências sensíveis e nacionais hipótese do gênio maligno aplicada a perturbar e a falsear em tôdas as coisas o conhecimento humano DESCARTES estabelece depois que em todo caso enganemonos ou não sonhemos ou não este jamos ou não perturbados e alucinados é absolutamente im possível duvidarmos do próprio pensamento e por isto mesmo da própria existência Penso logo existo O ser captado no pensamento eis ao mesmo tempo o princípio primeiro de tôda certeza e a forma de tôda afir mação certa no sentido de que ruio haverá outra afirm4ção apoditicamente válida seniio a que estabelece o serpensamento ou idéia porque tudo o que está além do pensamento é neces sàrionnente objeto de uma dúvida radical Por isso mesmo o critério da certeza residirá na clareza e distinção da idéia Discours 4a parte Esta fórmula aceita comumente como critério de tôda verdade é de fato a eçressão meos equivoca do idealismo e não se a pode compreender sem o idealismo Serfa com efeito tinicamente na hipótese de o pensamento atingir na realidade sàmente idéias e não coisas reais por intermédio das idéias que se poderia e deveria buscar na idéia mesma o critério ãa veràaàe Esta não será mais portanto uma adequação ou uma conformidade do espirlto com o real mas uma simples qualidade interna da idéia l 117 É o que acontece no conhecimento matemático onde a verdade define pura e simples mente a coerência interna dos conceitos matemáticos isto é sua clareza distinção e o rigor de seu encadeamento formal É por isto também que o método matemático transformase em DESCARTES no tipo universal de todo conhecimento Como o próprio DESCARTES observa Méditation premiereJ ª aritmética a geometria e outras ciências desta natureza têm a vantagem de não se preocuparem muito em saber se as coisas de que tratam existem ou não na na tureza exemplo que estou aqui sentado perto do fogo vestido com um robe de chambre tendo êste papel entre as mãos e Todavia tenho que con siderar que sou homem e por conseguinte tenho o hábito de dormir Quantas vêzes me aconteceu sonhar à noite que me encontrava neste lugar vestido e que estava perto do fogo Detendome neste pensamento vejo manifestamente que não existem indfcios certos por onde possamos claramente distinguir a vigilia do sono 84 Méditation premiire Sei e u acaso se Deus não terá feito com que não exista nem terra nem céu nem corpo extenso nenhuma figura grandeza ou lugar não obstante tenha eu os sentimentos de tôdas estas coisas e isto não me pareça existir de uma maneira diversa da qual as vejo E sei eu acaso também se não terá itle feito que me engane também tôdas as vêzes que somo dois e dois ou quando dou nome aos lados de um quadrado ou quando julgo algo ainda mais fácil 3 O problema do mundo exterior Compreendemos então que de agora em diante a existência de um universo exterior ao pensamento não é mais um dado da experiência nem uma evidência imediata mas um problema a resolver Intuitivamente só apreendemos um conjunto de idéias tratase de saber se fora do espírito algo de real lhe corresponde DESCARTES julga que convém responder afirmativamente pelo fato de que Deus criando o homem com todo um sistema de idéias inatas colocou nele a inclinação poderosa e incoercível de crer que a estas idéias correspondem coisas Ora não nos podendo Deus enganar devemos pensar que a nossa inclinação natural é fundamentada É em virtude desta conclusão que às vêzes DESCARTES é colocado entre os realistas Neste mesmo sentido KANT define o sistema cartesiano como um idealismo problemático Para se dizer a verdade o termo realismo não pode ser empregado em relação a DESCARTES senão num sentido bastante impróprio Em primeiro lugar realismo na medida em que queremos designar um sistema como o de ARISTÓTELES ou de SANTO TOMÁS empregase em oposição a nominalismo Dêste pontodevista é impossível considerar DESCARTES como um realista Ele é resoluta e integralmente nominalista O têrmo realismo é também empregado em oposição a idealismo para designar as doutrinas que admitem a realidade do mundo exterior Neste sentido DESCARTES é realista tanto quanto MALEBRANCHE SPINOZA KANT e o próprio FICHTE que não compreende o progresso do conhecimento senão mediante o jôgo de entrechoques ou acontecimentos contingentes isto é sem que aliás se saiba ao certo como externos Vale dizer que realismo não significa coisa alguma com precisão É que é próprio do realismo admitir não somente que as coisas existem mas que a sua realidade é apreendida imediatamente sem dedução alguma e por conseguinte sem dúvida possível mesmo hiperbólica de tal maneira que a simples dúvida concorrente a esta realidade implica um absurdo radical Ora DESCARTES assim como MALEBRANCHE KANT e todos os idealistas está nos antípodas desta concepção Seu realismo não é de fato no sistema senão uma peça estranha e tão completamente inútil que dela se pode prescindir sem a menor dificuldade e mesmo com grandes vantagens Sabese que DESCARTES reputava êse realismo necessário à ciência Mas esta convicção se explica mal numa doutrina em que só se dão idéias ou estados subjetivos Que podemos com efeito pedir às leis da física senão nos permitir prever a única coisa que possamos aprender e que interessa ao físico isto é a ordem do mundo que nada mais é senão a ordem da percepção Admitir que amanhã haverá um eclipse não significa absolutamente que estabe lecamos a existência do sol da lua da terra ou da luz fora do sujeito cognoscente mas simplesmente que se prevê a série exatamente determinada das percepções que na consciência humana correspondem à palavra eclipse De um mesmo modo os dados da geologia não significam absolutamente a existência de um passado anterior ao geólogo e independente de seu ato de conhecer mas unicamente que êstes dados são necessários à coerência de duas observações ou percepções atuais A hipótese realista não se impunha portanto no contexto cartesiano Mas a lógica do cartesianismo e do idealismo de um modo geral levava muito mais longe Ia direto ao solipsismo isto é à negação pura e simples não só das coisas mas também das pessoas distintas do sujeito cognoscente Porque as pessoas não se impõem à nossa experiência diferentemente das coisas e não podem ter sôbre estas nenhum privilégio Estou portanto sozinho e o universo inteiro inclusive as pessoas se reduzem adequadamente ao sistema de minha representação A maioria dos filósofos idealistas hesita diante desta conseqüência que se choca contra tão poderosas evidências e acaba privando de todo o significado os problemas da filosofia e da ciência Mas esta hesitação diante do salto no absurdo é o mais claro sinal de uma má consciência filosófica 4 O nominalismo a O privilégio da intuição Outra consequência do matematicismo cartesiano é que os universais são relegados ao nada da imaginação ontológica DESCARTES declara em sua Resposta às objeções de GASSENDI O que alegas contra os universais dos dialéticos em nada me afeta pois que concebo tudo de maneira diversa dês Des choses qui ont été objectées contra la 5e Méditation I 52 Os universais só podem efetivamente ser concebidos como abstraídos da experiência se e na mesma medida em que admitimos que o objeto primeiro oferecido à percepção é o universo das naturezas materiais ens in quidditate sensibili existens II 437 Num contexto doutrinal em que a idéia é o objeto imediato do pensamento isto é o inteligível que necessidade de abstração para produzir naturezas universais Toda percepção se reduz à intuição do singular É o que explica DESCARTES nas Regulae onde propõe uma lógica a um só tempo adaptada a êste nominalismo e construída inteiramente sôbre o tipo das matemáticas I 82 Enumeremos aqui escreve DESCARTES Regulae ad directionem ingenii III todos os atos da inteligência pôr meio dos quais podemos atingir a percepção das coisas sem nenhum receio de êrro Só admitimos dois a intuição e a indução Entendo por intuição não a crença no testemunho variável dos sentidos ou os juízos enganosos da imaginação má reguladora mas a concepção de um espírito são e atento tão fácil e distinto que nenhuma dúvida reste sôbre o que compreendemos ou então o que dá no mesmo a concepção firme que nasce de um espírito são e atento unicamente às luzes da razão HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE 67 A dedução nada mais é que uma forma de intuição é uma intuição sucessiva ou uma sucessão de intuições isto é um movimento contínuo e não interrompido do pensamento ou uma intuição clara de cada coisa Assim podemos saber que o último elo de uma longa cadeia está unido ao primeiro ainda que não possamos abranger com um único olhar todos os elos intermediários que os unem desde que sucessivamente os tenhamos percorrido e que nos lembramos de que do primeiro ao último cada elo sustenta o que o precede e o que o segue Estas declarações revelam de um lado que toda demonstração autêntica é racional ou a priori isto é proveniente únicamente das luzes da razão e de outro que ela consiste somente em perceber idéias A percepção é imediata e perfeita quando a idéia é clara e distinta evidência Muitas vezes porém a idéia é complexa e não pode constituir o objeto de uma percepção clara e distinta quer dizer que carece de evidência imediata Por idéia complexa não devemos entender idéia geral Para DESCARTES não existem idéias gerais ou universais A idéia geral é uma pseudoidéia e se reduz de fato a uma imagem grosseiramente confusa Uma idéia autêntica é sempre singular mas pode ser complexa quando exprime ao mesmo tempo causa e efeito essência e atributos o todo e as partes o modelo e o que se lhe assemelha a medida e os objetos mensurados etc Regula VI Quando se trata de uma idéia complexa a intuição deve dirigirse primeiro para a idéia ou elemento mais simples e mais fácil que é necessariamente aquilo de que depende todo o resto ou o absoluto e passar depois por um movimento contínuo ou intuições sucessivas de um elemento a outro da série Regula VI Quanto à indução ou enumeração não é mais que um processo complementar para verificar metodicamente a dedução percorrendo com um único movimento sem omitir um único intermediário toda a cadeia de conclusões de maneira a perceber todas as relações estabelecidas de um só golpe de vista quase sem a ajuda da memória Regula VII 48 b Mecanismo e nominalismo O nominalismo cartesiano se apresenta portanto como uma consequência da dúvida metódica Entretanto é lícito duvidar que seja exatamente este o caminho seguido por DESCARTES 33 O que se poderia chamar o aparato cênico da dúvida metódica não é mais que um artifício de exposição destinado a introduzir o idealismo e por conseguinte dirigido por este mesmo idealismo Na argumentação cética da dúvida podese com efeito subtender toda uma concepção nominalista do conhecimento e do ser sem a qual a dialética da dúvida metódica não teria sido nem mesmo concebível É certo com efeito segundo todas as declarações de DESCARTES36 como também segundo a ordem que ele institui para o saber a 35 Cf ET GILSON R Descartes Discours de la Méthode Texte et Commentaire pág 121 36 Na Epístola dedicatória das Méditations aos Senhores Decanos e Doutôres da Sagrada Faculdade de Teologia de Paris DESCARTES afirma que sua intenção era antes de tudo empenharse na causa de Deus e da 68 METAFÍSICA metafísica se constituindo em base deste e dirigindo por intermédio de seus princípios a física a mecânica a medicina e a moral37 que o fim primeiro e essencial que ele tinha em vista era fundar toda a ciência sobre o mecanismo Tal era possivelmente o inventum mirabile de que falavam os Olympica38 Ora por esta razão era necessário antes de tudo destruir o edifício da ciência aristotélica e especialmente a metafísica de ARISTÓTELES sobre a qual este edifício parecia repousar Foi com este fim que DESCARTES foi levado a substituir o realismo moderado que lhe tinha sido ensinado em La Flèche e que parecia dirigir como tal uma física puramente qualitativa pelo nominalismo mais radical e como lhe parecia o mais apto a sustentar uma concepção mecanística do universo Neste nominalismo DESCARTES devia ter sido iniciado pelas disputas escolares de La Flèche Mas nada nos autoriza a supor que ele tenha conhecido as teses mecanísticas que os terministas medievais tão nitidamente tinham deduzido do nominalismo 39 A lógica que os unia ao nominalismo era bastante rigorosa para que DESCARTES apreendesse rapidamente que esta posição gnoseológica era exigida por suas ambições científicas Cf as nossas Sources de lIdéalisme 7883 B O problema crítico após Descartes 49 DESCARTES deixa a seus sucessores sobretudo problemas a resolver que comporão de aí em diante os diversos capítulos do que se chamou depois o problema crítico Religião Mas ao mesmo tempo escreve a MERSENNE 28 de janeiro de 1641 A T III pág 297 que aquelas Meditações sobre a filosofia primeira nas quais se prova claramente a existência de Deus e a distinção real entre a alma e o corpo do homem são essencialmente destinadas a introduzir a física cartesiana E eu vos direi entre nós que estas seis Meditações contêm todos os fundamentos da minha Física Mas por favor não se deve dizêlo porque os partidários de Aristóteles poderiam talvez mais dificuldades na sua aprovação e espero que aqueles que as lerem se acostumarão com os seus princípios e lhes reconhecerão a verdade sem se darem conta que destroem os de Aristóteles Cf ET GILSON Études sur le rôle de la pensée médiévale dans la formation du système cartésien Paris 1930 págs 174 sg 37 Cf DESCARTES Les Principes de la Philosophie Prefácio Assim toda a filosofia é como uma árvore cujas raízes são a metafísica o trono é a física e os ramos que saem deste tronco são todas as outras ciências que se reduzem a três principais a saber a medicina a mecânica e a moral acho a mais alta e a mais perfeita a moral que pressupondo um inteiro conhecimento das outras ciências é o último grau da sabedoria 38 Olympica era o título de um manuscrito hoje perdido de DESCARTES BAILLET resumiuo na sua Vie de monsieur des Cartes 1691 e citoulhe as primeiras linhas X Novembris 1619 cum plenus forem Enthusiasmo et mirabilis Scientiae fundamenta reperirem A margem deste texto havia também XI Novembris 1620 coepi intelligere fundamentum inventi mirabilis HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE 69 de quebracabeças filosófico Se o ato de conhecer atinge apenas direta e imediatamente o pensamento tratase de saber se existem verdadeiramente fora do pensamento coisas que correspondam a nossas idéias Em outras palavras onde se assinala bem o absurdo deste pseudoproblema gerado por um erro inicial nominalismo a respeito da natureza do conhecer tratase de descobrir pelo pensamento e no pensamento um universo exterior ao pensamento39 2 Problema da ordem O idealismo terá igualmente que resolver um problema que os séculos XVII e XVIII chamaram de o problema da comunicação das substâncias II 640642 A questão da união da alma e do corpo não é senão um ângulo particular deste problema Em seu aspecto geral o problema consiste em saber como as coisas podem atuar umas sobre as outras e como elas podem formar entre si todos naturais sistemas compor uma ordem estável Este problema é a prova crucial do nominalismo A exclusão das noções e das realidades metafísicas essências naturezas formas e substâncias não deixa subsistir diante do pensamento senão as coisas singulares entre as quais a única distinção inteligível é a distinção real maior que implica separabilidade I 48 Daí a fórmula tão nítida de NICOLAU DAUTRECOURT retomada por todos os pensadores empiristas e nominalistas Quod quaecumque distinguuntur summe distinguuntur Que é exatamente o pontodevista de DESCARTES toda distinção fundamentada implica diz ele subsistência e separabilidade das coisas distintas inversamente cada vez que é impossível conceber duas coisas como subsistindo ou sendo capazes de subsistir uma sem a outra estas coisas não são realmente distintas Cf Principes de la Philosophie 1a Parte cap LXLXII Por isso afirma DESCARTES que toda a substância da alma consiste apenas no pensamento e que toda a substância do corpo consiste apenas na extensão De uma maneira mais geral ainda concluise desta doutrina que os aspectos das coisas isto é os graus do ser impossíveis de identificar entre si tornamse outras tantas coisas distintas e sua unidade constitui um mistério impenetrável Vemos assim que rejeitando os seres metafísicos o 39 Cf BOUTROUX Revue de Métaphysique maio 1894 O problema central da metafísica cartesiana é a passagem do pensamento à existência Só o pensamento é indissoluvelmente inerente a ela como pois com que direito em que sentido podemos afirmar as existências A existência que para os antigos era uma coisa determinada e percebida que só competia analisar é aqui um objeto distante que temos que atingir se é que é possível atingilo HISTÓRIA DO PROBLEMA CRÍTICO DA ANTIGUIDADE 71 50 3 O problema da verdade l o problema essencial da Critica Mas para resolvêlo DESCARTES apenas propõe um P6icoiogismo insuficiente 42 Sua ambição não ultrapassa aqui a análise do sujeito pensante ou da coisa que pensa e se mantém ainda decididamente empírica É o que observa HUSSERL em suas Méditations cartésienruui Paris 1931 págs 20 sg contestando que a redução eidética do Cogito conduza realmente a um principio primeiro irredutível e ta chando esta redução de simples concessão ao empirismo De fato o movimento da especulação consistirá não em seguir o caminho aberto por DESCARTES mas em retornar a uma forma de reflexão que bem podemos chamar tramscerulental incluída na mais autêntica tradição augustiana e tomista e consistindo em tentar descobrir no ato mesmo do pensamento as leis que governam êste pensamento e fundam por direito ao menos seu valor absoluto da vida a doutrina aristotélica e tomista O certo é que a sua é enquanto explicação geral da natureza e ressalva feita em favor das consciências humanas verdadeiro e puro materialismo 1 verdade que é um materia lismo abstrato e idealista à sua moda muito diferente do de Epicuro e de Ga5Sendi Mas não deixa de ser um materialismo no sentido de que é um mecanismo e Descartes pode ser considerado em grande parle como res ponsãvel pelo triunfo do materialismo anônimo do século XVIII 42 Chamamos psicologismo tôda teoria que pretende relacionar ou de fato relaciona os problemas filosóficos lógicos morais metafísicos a pro blemas psicológicos e por isto mesmo relaciona em todos os campos de pesquisa o direito ao fato a essência universal a imagens as normas lógicas à experiência intelectual ou a convenções o valor a uma apreciação sub jedva etc Discutimos em Lógica I 32 82 e em Psicologia II 226228 402404 426428 451452 454 etc as formas diversas dêste psicologismo que nada mais é que uma conseqüência do nominalismo CAPÍTULO II NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO SUMARIO 1 ART I OBJETO DA CRÍTICA O pseudoproblema do mundo exterior Os argumentos idealistas Discussão Os fatos de relatividade sensorial A hipótese do sonho coerente As contradições do idealismo O objeto formal da Crítica O valor do conhecimento intelectual Os fundamentos da certeza ART II MÉTODO DA CRÍTICA A reflexāo crítica Natureza da reflexāo crítica Os pressupostos da reflexāo crítica O pontodepartida da Crítica 0 Cogito realista A dúvida crítica Natureza da dúvida crítica Forma do problema A dúvida Cartesiana A dúvida hipotética Problemática da crítica do conhecimento Crítica da inteligência Crítica dos processos do conhecimento 55 A exposição histórica que precede nos ajudará a definir com precisão a natureza e a forma do problema crítico assim como o método que exige Vimos com efeito que grande número de problemas só são expostos por serem consequências de princípios discutíveis ou de postulados errôneos Estes problemas não são senão pseudoproblemas e como tais perfeitamente insolúveis Não entram no contexto da crítica se NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO 73 não por abuso Devemos portanto eliminálos de nossa pro cura não em conseqiiência de uma decisão a priori mas mos trando de um lado que êstes pretensos problemas só se ClJre sentam em furuão de teorias contestáveis ou falsas e de outro que sua posição mesma é absurda Esta discussão nos condu zirá a limitar estritamente o objeto da Crítica que pouco a pouco tinha chegado a se constituir em tôda a filosofia O primeiro dever da Crítica porém é sem dúvida o de se cri ticar a si mesma ART 1 OBJETO DA CRITICA 56 O problema da existência do mundo exterior constituiu desde DESCARTES a essência do proQlema critico enquanto a questão fundamental do valor do conhecimento inteligível se encontrava ao mesmo tempo resolvida sem discussão na maior parte dos filósofos pelo postulado nominalista Eis aí uma inversão da ordem dos problemas que não somente falseia gravemente o pontodevista crítico mas impede de chegar jamais a uma concepção coerente e firme do conhe cimento 1 0 PSEUDOPROBLEMA DO MUNDO EXTERIOR Vimos que êste problema era apresentado como conse qüêncilJ do postulado nominalista e do princípio de imanência derivado por sua vez êle próprio rJo nominalismo e que afirma que o objeto primeiro e direto do pensaTMnto é a idéia ou a ilmagem Concluise dai imediatamente que a existência das coisas se torna um problema a solucionar 2 Não aconteceassim na concepção realista do conhecimen to em que a realidade do objeto independente do cognoscente é uma evidência imediata e absoluta excluindo como tal tôda espécie de dúvida Tratase pois aqui primeira e essencialmente da na tureza do conhecimento intelectual Podemos entretanto mos trar ad honiimern que a própria posição do pseudoptoblema do mundo exterior é absurda e contraditória 2 Seria difícil resumir esta dialética mais claramente do que no Reguinte texto de BRUNSCHVICG La modalitl du fugement Paris 1894 pág 118 0 pensamento é C o antipoda do real A afirmação não implica outra certeza que a do próprio ato de afirmar o que a isto ultrapassa é objeto de uma dúvida ao menos possível 7 4 METAFÍSICA A Os argumentos idealistas 1 O critério de apoditicidade A dúvida concernente à realidade do mundo exterior se apresenta como baseada em duas espécies de argumentos tendentes a estabelecer que a existência não é apoditicamente certa isto é absolutamente evidente Pois do pontodevista crítico segundo DESCARTES só deve ser admitido o que está fora de dúvida seja a coisa mais extravagante isto é o que torna absolutamente inconcebível o nãoser asserção contraditória do que é dado como cer teza evidente Cf E HussERL Méditwtions cartésiennes pág 13 Podemos admitir êste princípio no início porque está claro que a Critica nada deve prejulgar mas pelo contrário deva levan a discussão às próprias raízes do conhecimento Não obstante convém observar que a inconcebilidade absoluta da nãoexistência que define a evidência apodítica não deve ser limitada à foconcebilidade abstrata ou l6giCCL Esta não se refere senão às essências puras e por conseguinte vale apenas em relação aos possíveis Como a Crítica tem por objeto aquilo que é a inconcebilidade que servirá de critério será a concer nente à experiência senão estaríamos na ordem Lógica e não na ordem real sendo esta definida pelo conjunto da experiên cia mas aqui sem afirmação de objetividade e de subjeti vidade a 2 Forma do Problema Tôda a questão se reduz pois a saber se é possível sendo a experiência total o que é for mular a hipótese idealista Se com efeito é simplesmente possível formulála sem cairmos num absurdo seremos leva dos a discutir a realidade de um universo extramental Pois DESCARTES e os idealistas costumam apresentar aqui duas es pécies de razões que são realmente os únicos argumentos com aparência de fundamento 4 São êles de um lado o argu mento tirado dos fatos da relatividade sensorial erros e ilu a SANTO TOMÁS definiu a evidência apoditica pelas três condições se guintes Tres sunt conditiones firrnissimi principli J0 quod circa hoc non possit aliquis mentiri sive errare 2º ut non sit conditionale sed per se notum 30 ut non acquiratur per demonstrationem sed adveniat quasi per naturam habenti ipsum ln Metaphis Lib IV lect 6 Cathala n 597 4 Mostramos mais acima que êstes argumentos não são no contexlo di dúvida cartesiana mais que uma espécie de aparato único destinado a justificar uma aporia que deriva ern primeiro lugar do principio da imanência e do nominalismo NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO 75 sões dos sentidos de outro o argumento de que o con junto da experiência poderia muito bem ser apenas um sonho coerente 6 E HUSllERL Méd1tations cartésiennes pág 15 resume clara mente esta argumentação cA experiência sensivel universal através da qual o mundo nos é perpetuamente comunicado não poderia ser considerada sem mais como apoditlca isto é como excluindo de maneira absoluta a possibilidade de duvidar de existência do mundo quer dizer e possibilidade de sua nãoexistência Uma experiência individual pode perder seu valor e se ver rebaixada a uma simples eperêncle sensivel Ainda meis todo o conjunto de experiências cuja unidade podemos abranger pode revelarse como simples apa rência e ser apenas um sonho coerente B Discussão 57 Em virtude do critério de apoditicidade que admitimos podemos demonstrar que os dois argumentos invocados pelos idealistas são absurdos e por conseguinte que a nãoexistência do mundo é absolutamente inconcebível 1 Os fatos da relatividade sensorial Aqui não é ne cessário senão nos referirmos aos resultados da psicologia para sabermos se realmente os fenômenos classificados sob os nomes de erros e ilusões dos sentidos ou de alucinações são suscetíveis de nos fazer duvidar da objetividade da percepção a Imagens e percepção Tôda a argumentação carte siana repousa sôbre êste postulado implícito de que é impos sível distinguir uma imagem de uma percepção Mas a psico logia declarandoo falso defendese dêste postulado que KANT por sua vez já havia refutado com vigor Jmoginação e per cepção diferem essencialmente de tal modo que niú pode hauer confusão entre 1111a consciência puramente imaginotiva e unia consciência perceptiva II 177181 Psicologicamente é certo que os problemas relativos à exteriorização dos objetos e à sua localização no espaço são destituídos de sentido porque nunca temos na percepção ne cessidade de exteriorizar os objetos que se nos apresentam em conjunto como externos II 151 Tôda a argumentação de DESCARTES e dos idealistas depende da ilusão de imanência A imagem parece estar na consciência como uma espécie de retrato ou de objeto a observar o que reduz eviden temente a imaginação à percepção Em virtude desta redução arbi trária e falsa somos levados a indagar se procedendo a imaginação 5 DJSCARTES le1e Méditation 4 Cf PASCAL Pensées éd Brunschvicg n 0 424 empirismo e o nominalismo rompem os laços secretos das coisas e tornam ininteligível a unidade complexa do ser singular que é para eles entretanto o único objeto do conhecimento Daí concluise como já mostramos em Psicologia II 643 que a união da alma e do corpo considerados segunda a doutrina precedente como duas substâncias completas pensamento e extensão é ininteligível no cartesianismo Ela o era também pela mesma razão para os terministas medievais OCKAM se via obrigado a admitir que o homem formava plura esse partialia e era composto de três almas vegetativa sensitiva e racional OCKAM Quodlibet II q 10 Tal era pois o problema de DESCARTES ou de uma maneira geral o nominalismo propõe aos filósofos fenomenistas e idealistas posteriores explicar partindo das idéias os sistemas e os todos orgânicos de que se compõe o universo ou em outras palavras tomadas a LACHELIER tornar o pensamento real fazendoo se unir a partir da idéia ou do fenômeno ao concreto e individual da experiência Os idealistas assim como os fenomenistas pensaram às vezes poder resolver pelo mecanismo este problema É sobretudo a ilusão de DESCARTES que LEIBNIZ criticou tão vivamente 40 Na realidade como o demonstrávamos acima 41 a organização mecânica dos elementos não é uma solução mas a forma mesma do problema a resolver Entretanto se admitirmos que a explicação mecanista seja ao mesmo tempo válida e suficiente seremos levados a perguntar para que pode ainda servir o espírito ou o pensamento para fornecer um testemunho do homem Pois não é uma daquelas qualidades ocultas banidas de todo o saber inteligível pelos próprios princípios do cartesianismo A coisasmáquinas a animaismáquinas só pode corresponder um homemmáquina Cf LA METTRIE LHommeMachine Londres 1751 o pensamento nada mais é que o aspecto consciente das modificações que se produzem na máquina humana II 626632 É assim que o espiritualismo cartesiano espiritualismo extremado ou angelismo resultante do nominalismo inicial conduz diretamente ao materialismo 41 Desta pontodevista o eu sou idealista isto é a experiência certa reduzida à pura subjetividade é impossível porque tudo o que nos é dado é imediatamente o ser no mundo É tão impossível separar minha existência da do universo quanto me separar de meu próprio corpo Sintome existente sentindo o outro existir comigo O idealismo que se esforça para reduzir este sentimento é a negação mais arbitrária que existe de um imediato do qual não se pode duvidar Este imediato é tal que nem mesmo devemos dizer que a certeza e a evidência se referem a objetos dados na sensação pois isto suporia um intervalo entre o ato do sujeito e o próprio objeto Na realidade não existe nenhum intervalo sensação certeza evidência são aqui dados quer dizer são a mesma coisa sentida certa e evidente A sensação é uma participação imediata do que habitualmente chamamos sujeito de uma ambiência da qual nenhuma fronteira o separa e que não pode rejeitar sem ao mesmo tempo rejeitarse a si próprio uma vez que não é mais nada desde que dela se desligue É por isto que ARISTÓTELES e SANTO TOMÁS afirmavam que o sentido e o que se sente sensus et sensatum e em geral o cognoscente no ato de conhecer e o conhecido no ato de ser conhecido são uma única e mesma coisa 2 A hipótese do sonho coerente Esta hipótese está a um só tempo em contradição com a experiência e consigo mesma a O desmentido da experiência Não queremos prejudicar nada mas unicamente nos referirmos entre as experiências que constituem o nosso universo e seja qual for o sentido destas experiências à experiência do sonho Ora analisada fenomenológicamente esta experiência concluímos que ela depende por si mesma de experiências anteriores ao sonho Por outro lado um sonho coerente se revela como impossibilidade e isto não em virtude de qualquer noção a priori do sonho ou de um preconceito mas em virtude da própria experiência que unicamente pode aqui servir de critério uma vez que nossa experiência do sonho é em oposição a da véspera uma experiência de incoerência Enfim o sonho tal como se apresenta na experiência exclui absolutamente a reflexão sobre o sonho porque no sonho a consciência está presa ao jogo de imagens e qualquer reflexão sobre este jogo equivale à supressão do sonho Pelo contrário a consciência reflexiva confirma a percepção Consciência perceptiva e consciência onírica são portanto radicalmente diferentes De tudo isto concluise que se o universo fôsse um sonho coerente este sonho tornarseia tão real que a própria idéia de sonho nos seria absolutamente estranha A hipótese de uma experiência reduzida inteiramente ao sonho coerente suprimiria até a possibilidade do idealismo Num tal universo DESCARTES jamais teria existido A hipótese do sonho coerente é portanto inconcebível se levarmos em conta o conjunto da experiência Só se a pode formular e só pode ser aceita por um artifício do qual a argumentação de DESCARTES como de HUSSERL fornecem exemplos típicos Quando aceitamos converter hipotéticamente toda a experiência a um sonho coerente esta hipótese não se refere a nossa experiência mas a um pensamento possível que só pensaria um universo imanente isto é substituímos inconscientemente o problema de saber o que é concebível ou inconcebível em relação a nós pelo problema do concebível ou do inconcebível em si Podemos com efeito perguntarnos como um tal pensamento poderia ser submetido à evidência invencível da existência de um mundo exterior a nós mesmos Este problema conduz o idealismo à realidade Mas antes mesmo de encontrar este problema a hipótese como tal do universosonhocoerente encerra uma contradição interna que obriga a afas7 JP SARTRE LImaginaire Paris 1940 pág 206 observa com justa razão que a argumentação de DESCARTES encerra um sofisma certo Vejo claramente que não há indícios certos pelos quais possamos distinguir claramente a vigília do sono Primeira Meditação 4 Há um termo da comparação estabelecida por Descartes que posso facilmente atingir é a consciência que vela e que percebe Posso a cada instante fazer dela o objeto de uma consciência reflexiva que me esclarecerá com certeza à respeito da sua estrutura Esta consciência reflexiva me dá imediatamente um conhecimento precioso é possível que no sonho eu imagine que percebo Cada um pode tentar um instante fingir que sonha que este livro que lê é um livro sonhado verá imediatamente sem poder duvidar que esta ficção é absurda E para falar a verdade sua incongruência não é menor que a da proposição talvez eu não exista proposição que justamente para Descartes é verdadeiramente impensável 8 A mesma observação pode ser feita do pontodevista dos objetos Um mundo irreal anota JP SARTRE O Imaginação pág 171 é psicologicamente uma expressão desprovida de sentido O mundo é um todo orgânico no qual cada objeto tem seu lugar determinado e mantém relações com os outros objetos A própria idéia de mundo implica para seus objetos a seguinte dupla condição é preciso que sejam rigorosamente individualizados é preciso que estejam em equilíbrio com o meio É por isto que não existe o mundo irreal porque nenhum objeto irreal preenche esta dupla condição NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO 79 tála como absolutamente inconcebível universosonhocoe rente é uma noção do tipo círculo quadrado porque num universo de sonho a própria idéia de sonho seria impossível 60 b A ilusão do Kgo puro Os idealistas uma vez encer rados na pura subjetividade devem explicar como o sujeito pensante ou o puro eu contém o universo em seu pensamento sob forma de idéias ou imagens Veremos a que artifícios fo ram constrangidos os filósofos icfealistas para explicar êste universo imanente De fato êles não explicam nada mas im possibilitados de gerar o universo aceitamno como um dado o que os reconduz mas de máfé à posição realista A cmáfé é evidente no processus cartesiano pois a própria forma da dúvida metódica prova que DESCARTES só introduz esta dú vida paradoxal sôbre a realidade do mundo a de seu próprio corpo que faz parte do mundo após a decisão prévia imposta pelo no minalismo de partir do pensamento puro e com o fito de justificar a escolha dêste método 48 De fato o que significa neste con texto o apêlo à veracidade divina transformando o idealismo inicial em realismo de intenção senão que o realismo é uma evidência imediata e que discutilo representa apenas um pseudoproblema Se o método idealista isto é partindo do pensamento que apenas atinge imediatamente a si mesmo era impôsto pela realidade mesma das condições do conhecer como poderíamos experimentar a neces sidade de procurar uma garantia extrínseca para nossas afirmações csubjetivas das quais não somente a ilusão seria evidente mas a própria existência seria inconcebível Assim a evidência da existência do mundo é realnente apoditica no sentido de que sua nãoexistêncüi é pa1a mim absolutamente inconcebível 9 A epoché ou a colocação entre parêntesis do mundo objetivo se pudesse ser realizada colo carmeia diante do puro nada de um pensamento vazio im potente de pensarse a si mesmo Assim pretender que em relação à realidade absoluta e indubitável o sujeito que me dita não detenha senão a si mesmo enquanto ego puro e SWLS cogitações como indubitàvelmente existindo e não podendo ser êle mesmo suprimido se êste mundo não existisse HUSSERL loc cit pág 18 1º é provar o mais autêntico 9 Nas páginas seguintes colocamonos sem deixar o pontodevista car tesiano no pontodevista dito fencnnenológico proposto por HussERL nas suas Medttações cartesianas Adiante teremos oportunidade de estudar a Feno menologia em si mesma Aqui encaramos a épokhé ou a colocação entre parêntesis husserliana tal aliãs como HussERL a apresenta apenas como uma forma mais radical da dúvida cartesiana lO 1 exatamente o sentido da observação de DESCARTES de que posso fin gir que o mundo não tem realidade existencial e mesmo de que não possuo corpo mas não de que eu que me penso e penso o mundo Cogito não existo círculo vicioso visto como o ego puro ou Cogito só é realmente possível em função da experiência total de nossa consciência e porque esta consciência implica absolutamente a realidade existencial do mundo De fato o eu não se propõe a si mesmo senão por um objeto diferente de si e por conseguinte as cogitationes admitidas com o ego puro são necessariamente a expressão de realidade existenciais exteriores ao eu Podemos retorquir que o eu abstraído de suas cogitationes conservaria sua posição absoluta Mas isto de nada altera nossas observações porque o eu deste pontodevista não poderia ser proposto afirmado ou conhecido senão por um pensamento diferente daquele do mesmo eu o qual por isto mesmo não seria mais um sujeito um por si mas um objeto o que equivale ainda a constituir o universo independente do pensamento como condição do pensamento 3 As contradições do idealismo a A existência é dada na própria dúvida O idealismo não se pode propor sem se negar a si mesmo exatamente como o ceticismo não se pode afirmar sem se suprimir ao mesmo tempo Com efeito a dúvida sobre a realidade existencial do universo implica esta própria existência de maneira tão evidente que a própria dúvida seria rigorosamente impossível se este universo não tivesse sido dado de início É um outro aspecto da aporia do sonho Eu só posso supor dizíamos que o estado de vigília seja apenas um estado de sonho porque distingo desde já o estado de sonho do estado de vigília Da mesma maneira não posso fingir que o mundo exterior não existe só porque possuo de antemão com evidência irresistível a oposição entre o mundo de imagens e o mundo de objetos Na hipótese de que o mundo exterior não existisse e onde tudo se reduzisse a um universo imanente encerrando a ilu11 É o que admitem ao mesmo tempo ARISTÓTELES SANTO TOMÁS e KANT Crítica da razão pura Analytique transcendantale Refutation de lidealisme 3ème remarque De um modo geral a experiência interna só é possível pela experiência externa Quanto a saber se tal ou tal pretensa experiência seria simples imaginação é o que descobrimos por meio de nossas determinações particulares e com o auxílio da sua concordância com os critérios de qualquer experiência real Quanto à causa disto é diz SANTO TOMÁS que a inteligência antes de conhecer é pura potência Intellectus humanus est in potentia respectu intelligibilium et in principio est sicuo tabula rasa in qua nihil scriptum Iª q 79 art 2 Para que o pensamento seja acessível a si mesmo é preciso que a inteligência tenha sido previamente informada isto é elevada à inteligibilidade atual por um objeto que não ele mesmo Intellectus humanus se habet in genere rarum intelligibilium ut ens in potentia tantum Unde in seipso habet virtutem ut intelligat non autem ut intelligatur nisi secundum id quod fit actu Iª q 87 art 1 são de exterioridade e de existencialidade a epoché seria impossível e inconcebível A ilusão seria absoluta irredutível e definitiva b O paralogismo idealista Toda a argumentação idealista parece fundada num paralogismo do tipo seguinte Uma vez que a existência natural do mundo do mundo do qual posso falar pressupõe como que uma existência anterior a êIe mesmo a do ego puro e de suas cogitationes deduzse que ô domínio da existência natural possui apenas uma autoridade de segunda ordem e pressupõe sempre o domínio transcendental isto é o domínio do ego e das cogitationes HUSSERL loc cit pág 18 Nada porém é mais certo o mundo não existe para mim senão pensado por mim e como tal é posterior ao eu e ao pensamento que o condicionam enquanto universo pensado Mas isto que é evidente não está em jogo Tratase com efeito de outra coisa a saber de determinar não o que é condição do pensamento do universo mas o que é condição absoluta do pensamento mesmo isto é da posição do eu por si com o sistema de suas cogitationes Mas deste pontodevista temos que inverter a fórmula de HUSSERL e do idealismo e dizer que o ego puro e suas cogitationes pressupõem a existência natural do mundo porque sem ela como vimos acima não haveria nem cogitationes nem eu consciente de si 12 São estas mesmas observações que teremos de opor à dialética que quer basear tudo no primado do pensamento e que ED LE ROY desenvolveu da seguinte maneira Primeiro diz êIe é impossível pensar seja a que título ou grau um fora um para além do pensamento uma asserção qualquer seja da intenção ou de tendência negadora pressupõe entretanto sempre o pensamento Um segundo fato vizinho do primeiro luminoso como êste de evidência imediata logo que lançamos o olhar é que o pensamento é essencialmente algo que não pode ser gerado Assim portanto o pensamento se revela radicalmente indedutível e inconstrutível toda experiência de dedução ou de construção supondoo de antemão presente e atuante Eis como se demonstra o que chamo exigência idealista É o princípio de toda metafísica Lexigence idéaliste et le fait de lEvolution Paris 1927 págs XXII 12 Cf as observações seguintes de VON RINTELEN na La Phénomenologie Paris 1933 pág 47 Admito de boa vontade que ao contrário do formalismo kantiano com seu modo de tudo deduzir dos únicos princípios do sujeito universal a nova fenomenologia ensinounos a deixar falar o próprio objeto Mas como é possível então que HUSSERL não tenha sido levado ao mesmo tempo a empreender uma volta ao real Este objeto que em razão de seu conteúdo não saberíamos puramente deduzir unicamente das condições do sujeito o que é então que nãolô dá se êIe não está na existência HUSSERL pondo a existência entre parêntesis se proíbe de abordar a questão última que deve decidir tudo como a percepção essa não se reduziria à imaginação Este é exatamente o tipo do pseudoproblema b Erros e ilusões dos sentidos Ainda sobre este ponto não toleram os mais seguros dados da psicologia a hipótese idealista Primeiramente os erros dos sentidos não são de fato senão erros de juízo e portanto se referem não à existência de um objeto independente dos sentidos mas à natureza deste objeto Isto é tanto mais certo quanto o fato de os sentidos se corrigem uns aos outros o que implica a evidência a realidade de uma existência exterior aos sentidos pois por falta desta existência os juízos não seriam suscetíveis de nenhuma retificação mas apareceriam como necessariamente verdadeiros uma vez que teriam por objeto somente o puro estado subjetivo o qual é o que é e não pode dar lugar a nenhum erro Por conseguinte se é possível falar de erros dos sentidos é em função da evidência imediata e absoluta da existência de uma realidade que ultrapassa os sentidos isto é aqui o puro fenômeno subjetivo Quanto às ilusões de percepção II 158 poderiam autorizar uma dúvida sobre a exatidão da percepção dos objetos nunca porém sobre sua existência A hipótese de que o mundo exterior seria o efeito de uma espécie de alucinação alucinação verdadeira foi formulada por TAINE e traduz muito bem o aspecto da concepção idealista Ora esta hipótese é absurda porque num mundo em que a alucinação seria o estado normal não se trataria mais de alucinação II 149 Psicologicamente falando os fatos da alucinação não tem sentido senão em função da realidade do universo É esta mesma observação que faz KANT relativamente às dificuldades extraídas dos fatos de relatividade sensorial Critique de la Raison Pure Analítica transcendental Refutação do Idealismo terceira nota Toda representação intuitiva das coisas exteriores escreve não encerra necessariamente a existência destas porque esta representação bem pode ser simples efeito da imaginação como acontece nos sonhos ou na loucura Mas mesmo assim ela só ocorre pela reprodução de antigas percepções exteriores as quais como o demonstramos apenas são possíveis pela realidade de objetos exteriores 58 c A ilusão do intervalo A maioria das dificuldades que se apresentam aqui relativamente a sensação provém do que poderíamos chamar a ilusão do intervalo que é uma forma da ilusão de imanência supomos que entre a sensação como processus subjetivo e a percepção do objeto haja uma espécie de espaço a transpor Mas a psicologia nos mostrou que não existe nada disto e que toda sensação é percepção II 130134 Assim é de fato o Pensamento o último ponto de regressão possível O pensamento envolve portanto tudo e tudo deve diante dêle se justificar enquanto êIe só se justifica diante de si mesmo Toda esta dialética provêm de uma ilusão fácil de esclarecer Ela consiste em considerar o ser como uma determinação do pensamento Ora é pelo contrário o pensamento que se revela como uma determinação do ser Cogito significa eu penso 13 Isto é que o pensamento qualifica o ser e é uma determinação do ser Senão sendo o próprio ser a idéia não haveria mais ser da idéia quer dizer não haveria pensamento porque não haveria absolutamente mais ser O ser falando de modo absoluto é então anterior ao pensamento 14 2 O OBJETO FORMAL DA CRÍTICA 1 O valor do conhecimento intelectual Estamos agora capacitados a definir exatamente o objeto formal da Crítica isto é os problemas reais que ela deve resolver Êstes problemas se resumem essencialmente na determinação do valor do conhecimento intelectual Uma vez que a evidência primeira e absoluta espontaneamente vivida pela inteligência é a apreensão do ser e da realidade tratase na Crítica de tomar posição reflexivamente em relação a tudo que implica e significa esta evidência fundamental isto é determinar sob que condições e em que medida o pensamento está conforme ao ser evidentemente existente que é seu objeto primeiro e próprio O paradoxo do idealismo é de ser provavelmente uma filosofia do sujeito e de ter apenas uma psicologia indigente Filosofias do ser como as de ARISTÓTELES e de SANTO TOMÁS encerram ao contrário uma psicologia do conhecer rica de profundas e numerosas análises Semelhante observação faz N HARTMANN Zum Probleme der Realitätsgegebenheit KANTGESELLSCHAFT HEFT 2 pág 9 1931 no idealismo esquecemonos do essencial que é a relação com a coisa das Seiende para a qual vale o conhecimento Tanto que na posição do problema crítico perdemos de vista o fenômeno do conhecer Daí derivar a singular situação pela qual são justamente as teorias que mais falam do conhecimento as que ignoram absolutamente o verdadeiro problema do conhecimento 13 É o que DESCARTES reconheceu implicitamente ao evitar apresentar o Cogito como um silogismo até mesmo por uma interferência imediata Principes de la Philosophie I 7 Réponses aux instances de Gasendi 6 Adam et Tannery IX 205 14 Cf L LAVELLE La Présences totale págs 4041 O ser não pode em nenhum grau ser considerado como um modo de pensamento pois que o próprio pensamento deve de antemão ser definido como um modo do ser Imaginamos muitas vezes que o pensamento propondose propõe o caráter subjetivo de tudo que pode ser mas para se propor é preciso que primeiramente êIe proponha sua existência isto é a objetividade de sua própria subjetividade NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO 83 2 Os fundamentos da certeza A determinação do valor do conhecimento intelectual s6 se pode fazer à base de uma análise psicológica dos processos do conhecimento a fim de definir o que é o aspecto propriamente crítico da questão quais mo as causas objetivas e subjetivas da certeza Assim com efeito estaremos capacitados a precisar qual é a relação do pensamento com o ser quer dizer ao mesmo tempo como o ser se torna presente no pensamento e como o pensamento se insere nas complexidades do ser e pelo mesmo confirma de alguma maneira a prova da certeza fun damental de que a inteligência é medida pelo ser Vemos assim que a Critica realiza uma dupla dillgência que se desenvolve entre o que poderíamos chamar os dois pólos do conheci mento a saber o espírito no ato de conhecer e o obj eto conhecido Duplo movimento que volve cada vez a uma das fontes de conheci mento a fim de desvendar ao mesmo tempo sua natureza e sua relação com o outro têrmo A Crítica é portanto ao mesmo tempo uma crítica do espirita e uma critica da ciência Tal é pelo menos o plano que lhe assinala SANTO ToJllÁS De Verttate q 3 art 2 ad 2m ln cognltions est duo considerare scilicet ipsam naturam cognitionis et haec sequitur speciem secundum comparationem quam habet ad intellectum in quo est et determlnationem cognitio nis ad cognitum et haec sequttur relattonem especiei ad rem ipsam ART II MÉTODO DA CRITICA 68 O método que é impôsto pela forma mesma do problema crítico não poderá consistir por definição uma vez que se trata aqui de julgar o conhecimento senão numa reflexão da inteligência sôbre si mesma visando a determinar sua natu reza essencial e o valor de suas operações Poderíamos com maior precisão ainda dizer servindonos dos mesmos têrmos que SANTO TOMÁS De lerifJate q 3 art 2 ad 2m que a Critica é uma refleXál sôbre a espéoie inteligível ou o conceito para definir po1 um lado sua 1elação com a inteligência da qual procede e por outro SUa relação com a própria coisa que ewPime sob forma imaterial e universal Esta reflexão crí tica para ser válida não deve evidentemente admitir em seu pontodepartida nenhum preconceito quer dizer estar con dicionada por uma dúvida inicial abrangendo tudo o que na ordem do conhecimento é suscetível de ser discutido 1 A REFLEXÃO CRÍTICA 64 1 Natureza da reflexão critica A critica do conhe cimento supõe evidentemente o fato do conhecimento o juízo a f aculdade de conhecer supõe o p1évio exercício desta fClr 84 llrlETAFfSICA cuMode Seria absurdo pretender como fizeram os modernos em continuação a DESCARTES e KANT que a reflexão critica pudesse constituir absolutamente a primeira investigação de tôda a filosofia Como pedir ao conhecimento que trace a priori seus próprios limites e presida assim a um inquérito que deveria ser transcendente à ordem do conhecer 111 Na realidade aB condições e os limites de conhecimento s6 se podem descobrir por uma volta da inteligêncút sôbre suas ope rações em seu ezercício a um tempo espontâneo cientifico e filos6fico Devemos portanto distinguir esta reflexão ezpontânea da inteligência ou reflexão in actu exercito sôbre sua ati vidade reflexão que está contida em qualquer juízo 1 60 e forma um todo com êle II 150 461 Pelo fato da inteligência se pronunciar sôbre aquilo que é ela capta e afirma sua própria conformidade com aquilo que é aí está a essência do juizo 18 A reflexão crltica in actu signato constitui um ato nôvo que é uma volta explícita da inteligêncút sôbre seu ato e termina num conceito nôvo Esta reflexão se disingue formalmente daquela implícita que cons titui o juízo 1 1 por isto que não podemos definir simplesmente a Critica como ca revisão de nossas adesões espontlneas D Moema Crltenologfa 5ª ed 1908 pág 86 Esta revisão das adesões espontlneas é o próprio objeto de tõda a filosofia Isto significa seguramente que a constituição da filosofia supõe uma crítica ao menos implícita continuamente em ação além do mais a Critica enquanto reflexão expressa tn actu signatoJ sôbre a inteligência e suas operações tem outro objeto formal que não a revisão das adesões espontlneas ela visa a julgar de algum modo esta revisão mesma para erigila em direito pela justificação explicita dos processos que realiza CCf J JB TONQUÉDEC La Critique ae la Connaissance Paris 1929 pág 445 111 HEGEL Logtque trad Vera t I pág 193 observava que todo conhe cimento nio se pode fazer senão conhecendo e dirigir suas buscas sôbre êste pretenso instrumento do conhecimento nada mais é que conhecer Mas acrescenta liBGEL querer conhecer antes de conhecer é tão absurdo quanto a sâbia precaução diste escolástico que queria aprender a nadar antes de se jogar nágua n 18 Cf SANTO ToMÁS in Perihermeneias I lect 3 Cognoscere autem praedictam habitudlnem isto é sua conformaçio cim o que é nihil est aliud quam judicare ita esse ln re vel non esse quod est compllnere et dividere et ideo lntellectum non cognoscit veritatem nisi componendo et dividendo per suum judicium 1T Cf SANTO ToMÁs De Veritate I art 9 Veritas est in intellectu sicut consequence actum intellectus et sicut cognlta per intellectum con sequftur nemque intellectus operationem secundum quod judicium intellectus est de re secundum quod est Cognoscitur autem ab intellectu secundum quod intellectW reflectitur supra actum suwn non solum quod cognoscit actum suupi sed secundwn quod cognoscit proportionem ejus ad rem 2 Os pressupostos da reflexão crítica A reflexão crítica por supor o fato do conhecimento quer dizer por não ser e não poder ser senão um ato segundo implica com evidência o conhecimento prévio dado na reflexão vivida in actu exercito da atividade judicativa da natureza da inteligência ou de sua finalidade natural que é estar conforme com o que é do ato de julgar como atividade própria da inteligência e da faculdade da qual procede êste ato da natureza do habitus que é o princípio imediato do ato de conhecer da existência da alma enquanto princípio radical ou sujeito da atividade intelectual enfim da existência real ou possível do objeto ao qual se refere o juízo 3 O pontodepartida da Crítica Vemos por isto como é arbitrário e irreal o pontodevista cartesiano e idealista que pretende tomar como pontodepartida absoluto da Crítica um Cogito levado à pura afirmação de um pensamento que se pensa a si mesmo De fato o pontodepartida da Crítica será se quisermos um Cogito isto é uma reflexão sobre o pensamento real a saber sobre um pensamento que não conhece senão medindose a si mesmo sobre o ser e que não se conhece verdadeiro senão conhecendose conforme àquilo que é o que implica ao mesmo tempo a irrecusável evidência do princípio de identidade como lei universal do pensamento em conformidade com o ser o qual é necessariamente o que é II 484 O ofício próprio da crítica consistirá em aplicar a reflexão da inteligência expressamente sobre êstes dados primeiros isto é logicamente primeiros enquanto envolvidos em qualquer exercício do pensamento para os julgar e justificar com referência à suas condições absolutas 4 O cogito realista a Ego cogito ens Objetamos algumas vezes contra êste método reflexivo que 86 poderia conduzir ao idealismo E GILSON Réalisme thomiste et critique de la connaissance Paris 1939 pág 49 Mas esta objeção erra quando reduz tôda reflexão sobre o pensamento ao tipo de reflexão definida pelo Cogito cartesiano Ora não é o considerar o pensamento que conduz ao idealismo mas o afirmar a priori como fazem os idealistas que no pensamento apenas existe o pensamento Na realidade toda reflexão crítica em qualquer que seja a doutrina parte necessariamente de um Cogito como SANTO TOMÁS o observa implicitamente quando diz que a justificação do conhecer consiste na crítica da espécie O pro blema crítico sendo essencialmente o da relação com o ser é no próprio pensamento no ponto em que o ser e o pensamento se unem que a Crítica situará seu pontodepartida Devemos então partir do Cogito mas do Cogito real isto é não devemos procurar provar partindo do puro pensamento a realidade absoluta do ser presente ao pensamento esta realidade vimos acima se encontra de maneira absolutamente evidente além da dúvida uma vez que a própria dúvida a supõe Tratase de algo bem diferente isto é de encontrar no pensamento com o qual penso o ser e me penso a mim mesmo pensando o ser as razões em que se baseiam minhas afirmações sobre o ser e justificam que elas sejam o que são b Cogito ou Cognosco Gilson concorda implicitamente com isto quando admite que a reflexão da inteligência deverá ter como objeto um Cognosco e não um Cogito de tipo idealista que é exatamente o que dizemos aqui Cf também nosso estudo sobre Le Thomiste et la Critique de la connaissance págs 1928 91110 135143 A reflexão sobre o Cogito tal como a compreendemos só pode ser para nós também uma análise reflexiva das condições totais do conhecimento que considera como dado tudo o que é de fato dado tanto no objeto como no sujeito Gilson loc cit pág 90 n 1 A disputa em torno do Cogito se reduziria então a uma questão de palavras Quanto a dizer como Gilson que partir do Cognosco ou do que chamamos o Cogito real significaria a exclusão rigorosa de qualquer crítica do conhecimento é ainda uma questão de palavras porque se é com efeito a exclusão absoluta de toda crítica do tipo idealista que procura reencontrar o ser provavelmente a partir do puro pensamento é expressamente a própria forma de uma Crítica do tipo tomista na qual o realismo não é nem pode ser discutido mas onde se trata essencialmente de retornar sobre o ato da inteligência para definir sua legitimidade e seu valor Concluamos então que o Cogito não pode significar senão o ato de conhecer que conhecemos de conhecerse cognoscente e conhecendo o ser e por conseguinte que a Crítica não poderá ser senão uma reflexão sobre o conhecimento atual para fundar sua legitimidade e definir ao mesmo tempo seus modos seus limites suas condições absolutas e sua finalidade última 2 A DÚVIDA CRÍTICA Dissemos que a Crítica para ser sincera nada devia pressupor de tudo o que pode ser discutido Como por outro lado é o próprio valor do conhecimento intelectual que aqui está em jogo deduzimos que a dúvida crítica deverá necessariamente ter um alcance universal É isto o que afirmam Aristóteles e Santo Tomás quando apresentam como condição para a Crítica uma universalis dubitatio de veritate Como conciliar esta universalidade necessária da dúvida com a impossibilidade que reconhecemos de realmente discutir as evidências imediatas dadas no exercício direto do conhecimento Tal é exatamente o problema da dúvida crítica A A natureza da dúvida crítica 1 A forma do problema O problema pode ser resumido no seguinte dilema ou a dúvida deve ser universal e neste caso não pode ser real ou deve ser real mas não pode ser universal O dilema é rigoroso isto é deveremos optar por um ou outro termo da alternativa Com efeito se escolhermos uma dúvida real necessariamente teremos que excluir as evidências imediatas Em primeiro lugar uma evidência imediata e apodítica nunca se põe realmente em dúvida porque é absolutamente impossível Nenhum artifício nenhum esforço nenhuma hipérbole como se exprime Descartes dá a possibilidade de duvidar da evidência Depois o simples fato de pretender submeter a evidência imediata a uma dúvida real constitui uma empresa contraditória em si mesmo e que arruinaria de antemão qualquer tentativa de chegar à certeza 2 A dúvida cartesiana Sabemos que a dúvida cartesiana que pretende ao mesmo tempo ser real e universal tem como finalidade descobrir uma verdade absolutamente evidente Mas como poderia aí chegar do momento que admite que verdades evidentes espontâneamente admitidas antes da dúvida por causa mesmo de sua evidência pudessem ser simples erros Antes como depois é sempre a mesma faculdade que conhece se pôde errar gravemente antes que garantia temos de que não se enganará depois Se a evidência não tem valor antes da dúvida como valerá durante ou após A Crítica assim compreendida tornase um empreendimento absurdo uma vez que consiste em recusar e arruinar de antemão o critério que deve servir para indubitavelmente estabelecer a verdade isto é a evidência imediata Era isto o que Gassendi objetava justamente a Descartes em suas Obections contre la Cinquième Meditation 96 Como dizia ele admitir a validade da demonstração da existência de Deus e a veracidade divina quando de antemão se admitiu que era possível duvidar da verdade das demonstrações geométricas que são de tal evidência e certeza que sem esperar nossa deliberação nos arran cam por si mesmas o consentimento A demonstração da existência de Deus é comparativamente menos certa como prova o fato de que muitos há que põem em dúvida a existência de Deus a criação do mundo uma porção de outras coisas que se dizem de Deus Ainda mais do pontodevista cartesiano a certeza de que em todo triângulo retângulo o quadrado da base é igual aos quadrados dos lados depende ela própria da certeza de que há um Deus que não nos engana etc Estamos em pleno círculo vicioso uma vez que as demonstrações matemáticas se apóiam sobre o princípio das idéias claras e distintas que serve para provar Deus o qual garante o valor e a certeza das idéias claras e distintas De fato a dúvida cartesiana é ao mesmo tempo demasiadamente ampla enquanto realidade e indevidamente restrita enquanto dúvida a A dúvida cartesiana é muito extensa Que razão invocar de antemão para levar em consideração as mais extravagantes suposições dos céticos Sem dúvida uma vez que são formuladas devem ser refutadas Mas não é a melhor maneira de o fazer consentir provisóriamente em têlas por legítimas quando é claro que se chocam com a evidência imediata Contra elas só valeria como o demonstram Aristóteles e Santo Tomás a refutação pelo absurdo que no fundo é apenas um apelo indireto à evidência imediata Deste pontodevista a dúvida cartesiana ultrapassa os limites do domínio onde há realmente problema quer dizer matéria para uma dúvida metódica real NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRÍTICO 89 Podemos aliás demonstrar concretamente quão injustificados e injustificáveis são as razões de duvidar formuladas por DESCARTES Estas razões se referem à realidade de um universo independente do pensamento e à realidade de meu próprio corpo às verdades matemáticas à veracidade radical da intellgência hipótese do gênio maligno Mostramos acima que era absolutamente impos sível duvidar realmente da elfstência do unwerso hipótese do uni versosonhocoerente Quanto à dúvida sôbre a realidade de meu próprW corpo não é ela mesma senão uma ficção resultante da ilusão pela qual reduzo o corpo para pensálo à idéia do corpo 11 64 Isto é a um objeto neste caso que me é dado na totalidade concreta da experiência como sujeito Podemos por outro lado duvidar realmente das verdades mate máticas mesmo cas mais simples por exemplo que 2 e 2 são qua tro Para Isto seria necessário poder duvidar do próprio principio de Identidade Isto é admitir como o supõe DESCARTES que um gênio maligno não menos astucioso e enganador quão poderoso empregou tõda sua lndlistria em me enganar hipótese que expressamente põe em jôgo o critério da evidência imediata Ora neste caso acabouse definitivamente tôda certeza uma vez que qualquer demonstração não pode ser feita senão em função da evidência do principio de identidade Mesmo se se admite que a certeza do ceu pensante resiste a tõdas estas razões de dúvida será impossível ir mas longe o progresso para a certeza estará bloqueado desde o comêço a o que assinala com razão K JASPBRS Descartes et la philo sophie trad francesa Paris 1938 pág 15 cA certeza primeira é pois de tal natureza que DESCARTES graças a ela encalha por assim dizer num banco de areia Ela não lhe pode servir de pontodepartida para deduzir outra com a mesma indiscutivel evidência Certamente êle encontrou uma base mas esta não lhe permite avançar nem parar DESCARTES pensa sair das dificuldades pelo principio das Idéias claras e dis tintas como fundamento de tõda certeza Mas êste principio foi discutido pela dúvida aplicada às verdades matemáticas Sem dú vida DEscAJlTES crê estabelecer seu valor absoluto pela garantia da veracidade divina Mas há ai um circulo vtciosó que cega visto como a eXistência de Deus só pode ser estabelecida sôbre a base da verdade absoluta das Idéias claras e distintas Asttm o Cogtto tal como o entende DESCARTES nada mata prova senão a st mesmo e não garante nenhuma verdade ulterior A dúvida é deftntttva e Irredutível 69 b A dúvida cartesiana é muito restrita Podemos por outro lado dizer que a dúvida tal como DESCARTES a propõe não tem tôda a amplitude que deveria comportar Sem dúvida é radical Entretanto êste radicalismo é apenas aparente por que as razões que invoca mesnw as do gênio maligno são razões panticulares que 1Uio tmn como tais nenJium alcance real e por isto mesmo por falta de eficácia deixam efetiva mente fora da dúvida crítica asserções que wgicamente nela deveriam estar incluídas Porque a Crítica deve referirse a dlatamente o dado num punhado de fatos heteróclitos Ela não corresponde a nenhuma Instância real da busca cientifica Esta reclama ao em vez do alarde da dúvida universal a constituição de uma pToblemáHca NATUREZA E MÉTODO DO PROBLEMA CRfTICO 91 mente o valor das razões que tem para afirmar a verdade e para se julgar com razões para o afirmar u As mesmas observações poderiam ser feitas sôbre A Epoché feno menológica de HuSSERL A concepção da dúvida crítica se apresenta aqui como muito mais radical que a de DESCARTES visto como se trata de reconstituir tôda a filosofia sem sair da époché ou colo cação entre parêntesis de todo o ser extramental Mas ai há uma ilusão completa que termina por transformar a fenomenologia num ingênuo realismo do mesmo tipo do realismo final de DESCARTES Com efeito HuSSBJlL reintegra pouco a pouco ao interior da epoché tudo o que dela foi eliminado de tal maneira que no fim de contas como o observa J MARITAIN Les Degrés àu savoir pág 205 não há mais parêntesis e não há mais epoché Mantendo até o fim a époché suprimiuse a o que é um grande sucesso de ilusionismo transcen dental mas também uma inegável contradição vivida Jll a con tradição que agrava todo o idealismo como acima o demonstramos Com a pretensão de reconstruir o universo partindo de uma dúvida radical sôbre tôda a realidade existencial para substituir em tôda parte o direito ao fato pxovàvelmente irracional constantemente recorreu êle ao arbítrio do puro dado Quando não deveria admitir senão o necessário não cessa êle de apelar para o contingente e fica obrigado a aceitar sem compreender nem explicar o que FICHTB chamava os cchoques da experiência Chega asstm ao reaHsmo bruto menos tnteHgfvel 1á que é obrigado a attrmar o real exterior ao espfrito sem ser capaz de dizer nem o que é nem de onde vem nem o que signiftca Ordenado por essência para reduzir tudo ao direito nada mais faz afinal senão aceitar a servidão do fato B Problemática da critica do conhecimento 71 Estamos agora de posse do único método possível ao exame do problema crítico Sste método consistirá em tomar reflexi vamente consciência das razões sôbre as quais se apóia nossa convicção de sermos capazes de conhecer e afirmar a verdade Ela parte portanto da experiência que fazemos no conheci mento direto de nossa inteligência como faculdade do ser que se exercita à luz do primeiro princípio do ser que é o princípio de identidade Por isto mesmo fica exatamente delimitada a problemática da Crítica do conhecimento 1 Critica da inteligência Uma vez que o pensamento se apresenta em conjunto como determinado e medido por um ser independente dêle é preciso verificar refleiivannente a realidade desta ordenação essencial ste problema se encontra efetivamente estabelecido pelo fato dos múltiplos erros da in teligência É de fato sôbre êstes erros que se baseia o ceti 2 Cf J DE ToNQUÉDEC La crtique de la cOnnaissance Paris 1929 págs 441449 92 METAFÍSICA cismo que consiste em discutir o princípio mesmo da objeti vidade do conhecer isto é da ordenação essencial da inteli gência ao conhecimento da realidade 2 Critica dos processos do conhecimento Encontra mos aqui o fato pôsto em relêvo pela análise e descrição dos processos da inteligência de que o saber apreensão e juízo ciência e filosofia é o fruto de uma elaboração do dado sensível Tratase de verificar se a inteligência permanece fiel até o fim às exigências objetivas do ser Pela reflexão da inteligência sôbre seu ato temos certa mente a evidência da presença do ser Mas êste ser é o ser abstrato que estabelece o problema do exato valor ontológico da semelhança pela qual o atingimos e o possuímos Esta se melhança comporta graus exige distinções e precisões SANTO TOMÁS observa a êste respeito que o modo do conhecimento e por conseguinte seu valQI depende da relação de conve niência da semelhança com o objeto do qual é a semelhança De Veritate q 8 art 8 in e E é por isto que êle quer que após a verificação da natureza da inteligência dete1mi nemos a relação da espécie com a própria coisa De Veritate q 3 art 2 ad 3m O que leva aqui a admitir que existe um problema é portanto o fato de que conhecer é de um certo modo construir o objeto ou como o demonstra SANTO TOMÁS recorrer a uma composição e uma divisão próprias ao espírito e não à coisa De Veritate q I art 3 in e No mesmo sentido SANTO TOMÁS explica ainda que a verdade se dizendo dos complexos enquanto o ser só se diz para uma coisa que existe indivisa fora da alma o problema está em justificar a afirmação de ser que constitui o juizo pela prova de que a atribuição está dirigida pela percepção do objeto e não por uma ilusória indução 26 O conhecimento per essentiam suprimiria ao contrário o pro blema critico já que significa que o ser está presente não somente êle próprio mas por êle próprio ao pensamento Se há verdadeira 2G Ct De Veritate q I art 3 in e lntellectus formans quidditates non habet nisi similitudinem rei exlstentis extra animam slcut et sensus in quantum accipit speciem rei sensibilis sed quando incipit judicare de re apprehensa tunc ipsum judicium lntellectus est quoddam proprium ei quod non invenitur extra in re Tunc autem judicat intellectus de re apprehensa quando diclt quod aliquid est vel non est quod est intellectus componentis et dividentls unde et Philosophus dicit VI Metaph quod com positio et divisio est in intellectus et non in rebus SEGUNDA PARTE NATUREZA DO CONHECDIENTO INTELECTUAL 75 O problema da natureza do conhecimento intelectual reduz se essencialmente em saber se a inteligência tem um valor ontológico Com efeito tôda nossa atividade cognoscitiva está baseada na convicção dêste valor espontâneamente por uma intuição simultânea a seu exercício a inteligência se conheee a si própria como medida pelo ser Partimos desta convicção e tentamos verificar suas razões pela 1efleião sôbre a natureza e processos do conhecimento Tratase pois por um lado de estabelecer contra o ceticismo a realidade da certeza por outro lado de verificar o fundamento desta certeza em suas causas a um tempo subjetivas e objetivas visando a julgar o valor ontológico dos processos do conhecimento e estabelecer qual o fundamento último e absoluto da certeza CAPÍTULO I A EXISTeNCIA DA CERTEZA SUMÁRIO 1 ART I o FATO DA CERTEZA o dogmatismo dos céttcos O ceticismo como doutrina O ceticismo absoluto O ceticismo provável A dúvida que duvida de si O ceticismo como fato A certeza primeira Certezas de ordem especulativa Certezas de ordem prática ART II A LEGITIMIDADE DA CERTEZA o argumento do êrro Os erros da inteligência As contradições dos filó sofos As variações do pensamento individual Dis cussão A humanidade crê na verdade A humanidade progride no conhecimento da verdade o gôsto do abso luto O êrro só é acidental Os erros dos sentidos o argumento do dialelo o defeito do critério defini tivo A petição de principio Discussão o critério da evidência A evidência d0s princípios Valor do conhecimento Inconsistência do probabilismo Novos problemas 7 6 O ceticismo consiste em pretender que a razão não possui nenhuma certeza e não pode realmente possuíla O ceticismo universal e o probabilismo estão de acôrdo neste ponto Quando os probabilistas concordam em afiançar que a razão pode che gar à ve1ossimilhança apenas acrescentam uma contradição às que já agravam o ceticismo pirrônico pois como saber se uma asserção tem as aparências de verdade se não se conhece a verdade mas na realidade nada mudam à posição cética verdade e certeza estão fora do nosso alcance nunca estamos e nem podemos estar certos de nada Essas duas afirmativas 1 Cf ARISTÓTELES Métaphisique L IV eh III VIII SANTO TOMÁS ln Metaphys L IV lect 517 SANTO AcosTJNHO ContTa Acadêmicos ed Desclée de Brouwer Dialogues philosophiques t 1 V BRoCHARD Les soeptques gTécs 2e éd Paris 1923 J MARÉCHAL PTécis dHistoiTe de ta Phil06ophie moderne t I págs 3657 E BRíHIER HistoiTe de la Philoso phie t I 98 METAFÍSICA fundamentais é o que vamos discutir estabelecendo de um lado a realidade da certeza e de outro a ineficácia dos argumentos que tendem em geral a provar a impossibilidade radical da certeza ART I O FA TO DA CERTEZA Visamos a estabelecer aqui apenas o fato da certeza pela impossibilidade de suprimila impossibilidade de tal modo absoluto que a afirmação crítica tornase certeza e incorre numa contradição radical Afirmar crendo na vemcidade da afirmação é uma ope1ação vital tJão natural e necessária quanto a de respirar e exercida de tal maneira que a inteligência se reconhece espontâneamente como feita para a verdade 1 0 DOGMATISMO DOS CÉTICOS 77 O ceticismo especulativo não se pode propor sem se des truir tle inclÚi pela recusa a tôda certeza uma contradição fundamental que o torna impensável e pràticamente insusten tável Podemos demonstrálo considerando o ceticismo ora como doutrina ora simplesmente como afirmação do fato da certeza universal Seria bom distinguir ao lado do ceticismo teórico um ceticismo prático o estado de todos aquêles que sem aderir explicitamente a nenhuma doutrina filosófica sôbre o valor da razão se fecham no dominio da ação numa indiferença mais ou menos completa à ver dade e ao bem como se ambos estivessem fora do nosso alcance e tivessem apenas um valor relativo Entretanto podemos ver sem dificuldades que êste cettcismo práttco supõe também êle apesar das aparê11cias e sob forma implícita uma teoria do conhecimento as razões que motivam a indiferença à verdade estão disfarçadas mas não são menos reais A medida que esta atitude prática é le vada a se justificar fálo sempre invocando um e outro dos argu mentos do ceticismo especulativo Também muitas vêzes é verdade ela resulta de uma falência intelectual e moral e serve para dissi mulála neste caso o ceticismo prático oculta mas de máfé o covardia diante das exigências da vida Portanto cabe mais ao mo ralista que ao lógico ou ao crítico apreciar esta conduta Cf M BLONDEL LActton t II Paris 1937 págs 3988 Por outro lado encontramos e encontreremos ainda na ordem especulativa propriamente dita ao estudar a história do problema crítico muitas formas ou graus de ceticismo particularmente a forma empirista e nominalista nominalistas antigos e medievais HERÁCLITO EPICURO ZENÃO OCKAM fenomenistas HUME e positivistas COMTE modernos Não nos ocuparemos dêles aqui onde encara mos apenas o ceticismo explícito e de princípio e não as teorias que tem como conseqüência intro duzir um ceticismo parcial relativo a um ou outro dos aspectos do conhecer A EXISTÊNCIA DA CERTEZA 107 B Discussão 86 O argumento do dialelo têm apenas aparências de rigor É o que podemos mostrar colocandonos nos dois pontosde vista que temos considerado 1 O critério da evidência E certo que a verdade deve ter caracteres através dos quais ela se distingue absolutamente do falso Em outros têrmos é preciso que haja um critério último da verdade um instrumento permitindo discernila certa e definitivamente Mas êste critério por definição mes ma valerá por si e de maneira alguma exigirá ser julgado por um outro ctfitério 126128 se êle não valesse por si mes mo se tivesse necessidade de uma justificação ulterior não seria mais um critério Ora êste critério supremo e universal da verdade existe realmente e não é outro senão a evidência quer dizer o fato de o objeto estar presente à apreensão sensível ou intelectual A evidência é uma presença uma vez achada nada mais temos a procurar nem podemos sonhar em lhe pedir títulos diferentes dela mesma não há mais dúvida nem discussões possíveis 6 Não estamos portanto na roda como queria MONTAIGNE uma vez que em nossa busca da verdade podemos chegar ao ponto onde o espírito realiza sua profunda ambição de ver a verdade em plena luz e acabar seu movimento nesta visão que é sua própria prova 2 A evidência dos princípios Estas observações que precedem permitem resolver a objeção cética relativa aos prin cípios da demonstração Por um lado com efeito não se trata de demonstrar os princípios nem de postular sua verdade nos dois casos haverá círculo vicioso Na realidade os primeiros princípios que são efetivamente utilizados pela razão até no enunciado do ceticismo como vimos têm a propriedade de serem evidentes por si mesmos e dados ao espírito numa in tuição que não deixa lugar à dúvida nem à hesitação É ver dade que alguns pretenderam duvidar realmente do princípio de contradição mas diz ARISTÓTELES Métaph IV c 4 não se é obrigado a concordar com tudo o que se diz Esta in tuição é propriamente a do ser e a evidência dos princípios não é seTliio a presença do ser no espírito dada com suas G Cf Logique de PortRoyal lr Discours Como não há necessidade de outros sinais para distinguir a luz das trevas senão a própria luz que se faz sentir assim não são precisos outros sinais para reconhecer a verdade além da própria claridade que a cerca e a que se submete o espírito e o persuade A EXISTÊNCIA DA CERTEZA 109 oscilar mais para a esquerda que para a direita aumentaia esta onça de verossimilhança que inclina a balança multiplicaia por cem por mil onças resultará enfim que a balança se Inclinará para um dos lados e abraçará uma escolha e uma verdade inteira Mas como se deixam inclinar à verossimilhança se êles não conhecem a verdade Como conhecem o parecida daquilo de que não conhecem a essência Ou somos capazes de julgar inteiramente ou não o so mos Se nossas faculdades intelectuais e sensíveis carecem de funda mento e de apoio se apenas flutuam em vão deixamos que nosso j uízo se incline para uma e outra das partes a posição mais segura para nosso entendimento seria aquela na qual êle se mantivesse sossegado calmo reto inflexível sem oscilação nem agitação C Os novos problemas 88 A discussão do ceticismo já nos permitiu precisar alguns aspectos do problema das fontes da certeza Não basta porém ter estabelecido a existência da certeza nem ter mostrado que esta está necessàriamente implícita em tôda atividade prática É necessário ainda que determinemos quais são os fundamen tos próximos desta certeza ou se preferirmos os modos se gundo os quais se realiza esta presença do ser na inteligência de que acabamos de falar Umas vêzes com efeito quisemos reduzir tôda certeza legítima a apreensão dos dados sensíveis fenômenos ou sensações que pareciam se impor por si sem nenhuma intervenção do espírito nomiMlismo e empirismo Outras vêzes ao contrário se pretendeu reduzir tôdas as certezas válidas àquelas que resultariam provàvelmente da pura atividade do sujeito inteligente quer a experiência sen sível aparecesse ilusõda idealismo materiaU quer admitida como real ela parece ser apenas quanto à sua forma um efeito de atividade subjetiva do cognoscente idsalismo formal Contra estas concepções mostraremos que a certeza do conhecimento não se pode ecplicar e justificM seniio em função ao mesrao tempo do objeto e do sujeito Dito de outra ma neira a certeza tem causas subjetivas e objetivas ela é a obra comum do sujeito e do objeto estes novos problemas devem ser distinguidos do pontodevista crítico do da origem das irléfas que é psicológico 11 422446 Tra tase com efeito em Psicologia de descrever concretamente o jôgo da inteligência em Critica de julgar esta mesma inteligência como faculdade do ser Todavia como dissemos é evidente que o ponto devista critico está estreitamente dependente do pontodevista psicológico 112 METAFÍSICA Já sabemos II 866367 que esta tese é o pontodepartida do sistema no qual CoNDILLAC pretende explicar universalmen te o conhecimento que não seria finalmente até em suas mais altas formas mais que uma sensação transformada 91 2 Análise das idéias A mesma doutrina é desenvol vida por HUME no início do Enquiry 2 Há certamente obser va êle uma grande diferença entre a sensação e a memória desta mesma sensação Memória e imaginação podem copiar as percepções sensíveis mas nunca podem salvo os casos de doença ou loucura atingir a fôrça ou a vivacidade da sensação original O pensamento ou a mais forte imagem memorial é sempre inferior à mais fraca sensação O mesmo acontece com tôdas as outras percepções do espírito afeições e senti mentos bem menos vivos que as emoções que lembram Tam bém podemos distinguir duas sortes de percepções apoiando nos sôbre o critério da vivacidade As impressões percepções vivas e as idéias percepções fracas Na realidade o pensamento ou sistema de idéias não constitui uma atividade original todo seu poder se Jimita a compor transpor aumentar ou diminuir os materiais forne cidos pela experiência i assim que a idéia de uma montanha de ouro resultou de duas idéias dadas pela sensação Tudo nos vem da eaperiencia sensfvel e nossas idéias não são em difinitivo senão cópias de nossas impressões Elas valem por tanto apenas à medida que podem ser reduzidas a impressões ou sensações O abstrato como tal nada significa e a nada corresponde 3 Discussão do fenomenismo a O postulado empirista O empirismo tem razão sem dúvida ao afirmar que todo nosso conhecimento tem sua ori gem primeira ou seu pontodepartida na experiência sen sível II 480 Mas a menos que identifiquemos as noções de origem e de causa não podemos passar imediatamente desta constatação certa à asserção de que a causa única e total de nossas idéias seja a experiência sensível isto é a sensação e a imagem Estabelecemos do pontodevista psicológico que era impossível reduzir a idéia abstrata e univeJsal à imagem e à sensação II 414121 Não voltaremos a falar sôbre isto Mas deveremos observar que o poritOdevista empirista consiste em desconhecer ou falsear o processo da abstração na eZaboração do saber inteligível 2 HvME An Enqui111 concerning human understanding section II AS CAUSAS SUBJETIVAS DA CERTEZA 1 1 9 Com mais razão ainda se a ciência já implica e lança mão de tôda uma filosofia seria impossível reduzila a apenas uma pura síntese das ciências positivas Na realidade em ul trapassando o saber positivo a filosofia não faz senão conti nWJr um movimento já dado nas ciências e atualizJh as exi gências metafísicas incluúlas virtualmente na eiperiência sen sível e nas ciências de natureza Todos nossos estudos prece dentes em Lógica em Cosmologia em Psicologia nos levaram constantemente a esta evidência sublinhada acima uma vez mais de que o mecanicismo nunca é uma explicação mas um problema Sem dúvida temos o direito de partir da própria ordem da natureza considerada como um dado É o que fazem as ciências positivas Mas uma constatação não é uma expli cação A razão mesmo na ciência aspira a descobrir as razões da ordem conhecer as coisas pelos seus princípios e causas Por isso podíamos dizer f 18 que a metafísica está matis perto do saber positivo e eiperirmental que do próprio saber ainda que sob forma potencial ou virtual Ela é propriamente o ato de uma razão que obedece as exigências inteligíveis do ser dado na percepção e na ciência 3 A CORRENTE ANTIINlELECTUALISTA 99 As doutrinas antiintelectuais que se desenvolveram pelos fins do século XIX e no comêço do século XX marcam uma reação contra as negações metafísicas do positivismo e do cri ticismo kantiano Mas em vez de discutir os postulados fun damentais nominalismo e empirismo dêstes sistemas as doutrinas anUintelectuais partem dêstes mesmos postulados considerados como evidentes e indiscutíveis e pretendem res tabelecer a metafísica nos seus direitos por OUtrUJ vias que não as racionais provàveltmente impraticáveis Assim o pragma tismo preconiza o caminho da vida e da ação e recorre ao cri tério específico da ação e da vida que é o sucesso a verdacie será geralmente o que é bem sucedido O bergsonismo por sua vez crê descobrir numa intuição supraintelectual o ins trumento apropriado de uma metafísica experimental e po sitiva as doutrinas existencialistas afirmam que só os fatos emocionais podem justificar e garantir a afirmação de uma realidade extramental A O pragmatismo 1 Origens do pragmatismo O movimento pragma tista escreve WILLIAM JAMES Le Pragmatisme trad fran cesa por LE BRUN Paris 1914 pág 57 parece se ter for AS CAUSAS SUBJETIVAS DA CERTEZA 141 conceitos que os progressos do saber nos obrigam a formar o são na maioria das Vêzes em função dos conceitos antigos e não correspondem senão imperfeitamente às essências obje tivas na sua realidade extramental SANTO TOMÁS De Anima III lect 11 n 760763 b O êrro no juízo Quanto aos enunciados judicativos nos quais somente é possível encontrar propriamente a ver dade e o êrro êstes resultam sempre uma vez que o jufzo é uma sfntese do fato de que a inteligência seplff o que está unUlo e une o que está separado no seT O êrro neste caso como a verdade é sempre relativo ao esse enquanto coloca como dados na existência real ou possível realidades que não o são e nem o podem ser SANTO Tonds De Anima III lect 11 n 743 Assim é evidente qae a verdade como a falsidade do co nhecer não se podem compreender senão pela atividade pr6 pria da inteligência 21 23 Cf P HoENEN La théorie du jugement dllPTés Saint Thomds dAquim Rome 1948 144 METAFÍSICA HUME tentou um nôvo caminho mais psicológico recor rendo à associação como princípio de uma explicação geral capaz de explicar ao mesmo tempo a realidade e a ordem do universo 1 CJritlca do assoeiaelonlsmo iEsta explicação KANT a julga radicalmente inadequada O universo enquanto sis tema ordenado de fenômenos tal como é dado na representa ção não pode ser de maneira alguma explicado pelo simples jôgo da coexistência e da sucessão dos fenômenos Coexistên cia e sucessão sõmente implicam uma necessidade determinada nas coisas quando os objetos da percepção estão ligados entre si por relações de natureza inteligível Convencernosemos disto ao considerar que a relação entre um objeto e outro seja de A à B coexistência ou sucessão pouco importa pode ser sempre invertida enquanto ao contrário seria impossivel invertêla se se tratasse de uma relação de causa e efeito ou de substâocia e acidente f preciso portanto convir que oa objetos se os pensamos em seu ser ou em swa constituição interna são feixes de quaJidadetr de natureza mteiramumte di ferente da que a assooiação psicológica é capaz de produzir Por isso assim como a associação não os criou do mesmo modo uma associação diferente ou contrária jamais será capaz de destruílos nem por conseguinte de modificar de uma manei ra qualquer o organismo objetivo do entendimento Kritik der reinen Vernunft ed Valentier pág 723 Alertado pelo fra casso de HUME KANT se orientará noutra direção a da forma a priori da sensibilidade e do entendimento Mas é preciso entender claramente para êle se trata apenas de legaJizar de algwm modo o nominalismo resolvendo de uma maneira in teligível os problemas que propõe à especulação 128 2 O postulado nominalista KANT é integralmente nominalista O coneeito diz êle de modo aJgum deriva da eiperiência 8 É absolutamente a priori Com efeito uma abstração efetuada no sensível não pode fornecer conceitos qne ultrapassem o nivel do conhecimento sensível que mesmo 8 Ct KANT De mundi iensibilis atque intelligibiHs foMnG et princlpiis 0770 Sectio Iª 8 Quod autem intellectu41Mi stricte tatta attinet in q11ibus tLBtL8 intellectus est realls conceptus tales tam objectorum quam respectuum dantur per ipsam naturam intellectus neque ab ullo sensuwn usu sunt abstracti nec formam ullam continent conitionis sensitivae qua talis 146 METAFÍSICA 7 section no 4 Com efeito diz a simples consc1encia de minha própria existência é ao mesnw tempo uma consciência imediata da existência de outras coisas fom de 1n1Jm Minha ezperiêncria intetna é uma experiência de determinação no tempo isto é a sucessão de minhas representações está deter minada Ora esta determinação implica algo de permanente existindo fora de mim já que a experiência pura definida pelo Cogito darmeia minha existência mas não suas deter minações no tempo isto é a experiência Minla experiência interna só pode portanto ser ekplicada pela percepão de coisas exte1iores a mim KANT acrescenta as observações seguintes que dizem respeito a esta argumentação cNotarseé na prova precedente que o jôgo do idealismo se voltou contra êste sistema Gste admitia que a única experiência Imediata é a experiência interna e que dai apenas con clutmos a existência de coisas exteriores mas que aqui como em todos os casos em que concluimos de efeitos dados a causas deter minadas a conclusão é incerta porque a causa das representações pode também estar em nós mesmos e talvez falsamente as atribua mos a coisas exteriores Mas esté demonstrado aqui que a expe riência exterior é prôprilfmente imediata e que unicamente por meio desta experiência é possível não a consciência de nossa própria exis tência mas a determinação desta existência no tempo isto é a experiência interna Não há portanto para KANT demonstração da realidade do mundo exterior mas somente do imediatismo da percepção do mundo exterior o mundo exterior não se demonstra Percebese A atitude critica consiste aqui simplesmente em tomar uma consciência reflexa do caráter imediato de nossa experiência exterior KANT reduz êsse problema ao da distinção da imagem e da percepção d evidente diz êle que mesmo para podermos ima ginar alguma coisa como exterior é necesário que tenhamos ji um sentido externo e que assim distinguíssemos Imediatamente a simples receptividade de uma intuição externa da espontaniedade que caracteriza tôda imaginação 11 181 130 2 A ordem do universo O universo que percebo é um universo ordenado submisso à jurisdição das categorias do espaço e do tempo e das categorias da razão pu1a 6 Ora estas catego1ias graças as quais o universo forma um sistema e um sistema de sistemas não podem de maneira alguma cle clara KANT postulado nominalista provir da experiência que apenas nos dá puros f enôrnenos singulares e contingentes 0ntmca o absoluto e o necessri0 Sãorporlanto cOne6itos puros irto é a priori do entendimento que resulta1n da 8 KANT propõe o seguinte quadro das categorias do entendimento puro Analytique transcendentale 3e section 10 1ª QuanDtdade Uni ade Pluralidade Totalidade 2ª QuaHdade Realidade Negação Limitação 3 Relação Substância e acidente Causa e efeito Ação reciproca entre agente e paciente 4 Modalidade PossibilidadeImpossibilidade Exis tência Nãoexistência Necessidade Contingência AS CAUSAS OBJETIVAS DA CERTEZA 147 f4ruão lógica dêste últinno ou em outras palavras de nossa e1ttrutu1a mental lstes conceitos nos são úteis para organizar o dado fenomenal e para construir a ciência A natureza isto é o universo enquanto organização inteligível é portanto um produto do espírito Tal é a doutrina que KANT definiu como um idealismo 01mal ou transcendental Desta doutrina KANT dá como prova que êle julga absoluta ntente decisiva os juízos que chama sintétcos a priori isto é juízos nos quais o predicado acrescenta algo à noção do sujeito realiza Ubl8 sintese mas de um modo puramente a priori KANT dá como eleemplos tudo o que começa a ser tem uma causa centre dois pontos a linha reta é a mais curta 1 5 12 Em tais julzos diz KANT não é a intuição que torna possível a síntese do sujeito e do predicado já que a experiência é sempre singular ao passo que êstes juízos são universais e necessários l forçoso concluir que são o efeito de nossa estrutura mental Mostramos em Lógica 1 65 que não há juízos sintéticos a prlOri O êrro de KANT é limitar o Juizo analitico ao primeiro modo de atribuição por si 1 50 no qual o predicado compõe ora a essência o homem é um animal racional ora uma parte da essên cia o homem é um ser racional do sujeito Ora os juizos nos quais o predicado é uma propriedade do sujeito devem ser considerados também como analíticos no sentido de que estas propriedades im plicam necessàriamente seu sujeito isto é aqui é o sujeito que é da razão do predicado segunda maneira de atribuição por sll Por isso que se não se pode extrair a noção de cser causado daquela de O que começa a ser nem a noção de 12 da de 1 5 as noções de cser causado e de 12 são propriedades essenciais daquilo que começa a ser e de 15 o que equivale a dizer que estas noções estão unidas entre si de uma maneira necessária e que esta união é per cebida em virtude mesmo das exigências do objeto e e Os problemas do kantismo 191 KANT como DESCARTES deixava mais problemas para re solver que resolvidos ou mais exatamente as soluções encer 7 Tal é a fórmula do que KANT chama sua revolução copérnica Assim como Copérnico estabeleceu que era a Terra que girava em volta do Sol lCANT pensa ter demonstrado que são as coisas que giram ao redor do espírito 8 Cf KANT Critique de la raison pure Dialectique transcendantale section IV O que poderia acontecer de mais desagradável a estas pes quisas é que alguém fizesse esta descoberta inesperada de que em nenhuma plllte existe o conhecimento a priOri e de que não pode existir Mas dêste lado não há nenhum perigo 8 Cf SANTO TOMÁS I q 44 art 1 ad 1 Licet habitudo ad causam non mtret definitionem entis quod est causatum tamen sequitur ad ea quae sunt de ejus ratione quia ex hoc quod aliquid per participationem est ens sequitur quod sit causatum ab alio Unde hujusmodi ens non potest esse qum causatum sicut nec homo quin sit risibilis Sed quia esse causatum non est de ratione entis simpliciter propter hoc invenitur allquod ens non causatum AS CAUSAS OBJETIVAS DA cERTEZA 149 como lAINE DE BIRAN RAVAISON COURNOT 11 Esta coisa em si que o kantismo deixava subsistir diante do entendi mento como um dado irracional como não podemos exorcizála ou explicar sua gênese paradoxal dispensálaemos de agora em diante de uma maneira absoluta Uns puros idealistas eliminálaão definitivamente o idealismo formal de KANT se transforma com FICHTE SCHELLING HEGEL e de acôrdo com a lógica do fenomenismo em idealismo radical KANT em bora a contragosto levou água ao moinho idealista 12 Ou tros pensadores desafiando as abstrusas especulações dos idea listas acharão muito mais simples fazer abstração completa do problema metafísico e limitar a ambição da filosofia a ser apenas uma reflexão sôbre a ciência 188 2 Problema da ordem KANT tinha se gabado de ex plicar porque a ciência triunia Mas seu sistema não chegava a explicar seus fracassos nem tampouco suas apalpadelas e andanças Se com efeito somos nós que introduzimos nos fenômenos a ordem e a regularidade que compõem o que cha mamos a natureza é difícil compreender como esta natureza nos resiste tanto e como seus segredos permanecem guardados com tanto ciúme A hipótese das formas ti priori não se adapta bem cio fato constantemente renovado das aproxirnagões e dos erros da etiência Mas além disso não se compreende como desempenham de uma maneira tão concorde as duas f on tes separadas da represent9ão que são as formas ti priori da sensibilidade e as do entendimento KANT postula êste acôrdo sem poder justificálo tanto que a justificação da ciên cia que significa aqui a natureza ou a ordem do universo longe de ter o caráter transcendental que êle tinha em vista é puramente empírica e arbitrária 11 Também MAINE DE BIRAN e CouaNolJT aio ambos parclahnente depen dentes da critica kantiana do qual nio sonham discutir os princípios mas somente as conseqüências S o que se nota claramente através de uma curiosa observação de CoURNOT que aprova ter MAINE DB BIRAN feito o fato primi tivo consistir na apreensão do eu como causa e não como subst4ncia pois acrescentava COURNOT a idéia de substância é uma idéia que se poderia quaJJflcar de fatal ao espírito humano no sentido de que êste sempre se precipitoq em abismos sem fim desde que a quis penetrar Essat ltW les fcmdements de la conRGissaTCe pég 381 Esta observação de ComtKOT é justa mas na realidade apenas vai contra a concepção empirista da substân cia como coisa em si ou substrato inerte II 577 CoVRNar como MADIB DE BDAN erra ao pensar que tôda noção de sujeito substancial só pode ser do tipo empirista e kantiano 12 LACHitz1Rn Lidáalisme pcmtien Paris 1931 acha depois do UebiflTgang obra póstuma de ltun que êste se orientou uo fim da vida para uma teoria propriamente idealista que consiste em dizer que o espfrito se revela a si mesmo de uma maneha absolutamente imediata como ativi dade pura AS CAUSAS OBJETIVAS DA CERTEZA 167 coisa ou coisa em si e sabemos quantos problemas nascem desta concepção Deveremos com efeito explicar como o objeto pode existir no espírito e ser o que é isto é determinado de tal ou tal modo em virtude das únicas exigências da consci ência sem recurso algum a uma coisa p10vàvelmente dêle se parada e até perfeitamente ilusória mas que nem por isto deixa de estar invencivelmente presente na consciência Vimos que êstes problemas aos quais o idealismo nunca pode for necer solução inteligível são apenas pseudoproblemas gerados por uma concepção errônea do conhecimento 148 2 A idéia real A coisa não só não está separada do objeto mas se dá com Ie e nêle e até mesmo devemos dizer que o objeto é a própria coisa como natureza inteligível O objeto nem em sua existência nem em sua forma pode ser explicado sem a coisa que exprime e significa na consciência a A existência dos objetos de pensamento Num de terminado sentido o problema da existência não está mais suprimido pela concepção idealista dos objetos puros no seio da consciência Porque se êstes objetos não mais existem como ooisa existem como objetos e tratase de explicatr esta exis tência consciencial A questão reduzse a saber se a consciên eia como tal é necessàriamente capaz de objetivar isto é se a constituição de um mwndo de objetos é uma propriedade es sencial a qualquer consciência na hipótese afirmativa se a consciência é necessàriamente constitutiva de um tal uni verso ou seja falando com propriedade do meu universo com suas pessoas suas coisas e sua história Ora sôbre o primeiro ponto há razão para dizer que a consciência como tal é necessàriamente capaz de objetivar porque isto é sua própria definição Tôda consciência é cons ciência de alguma coisa isto é de objeto Uma consciência de nada seria um nada de consciência Quando a Psicologia fala de consciência vazia tratase apenas como na ordem física de um vazio relativo ou melhor de um estado de con fusão de que de estado de vacuidade E tal a necessidade de objetivar para uma consciência real que ela mesma só pode ser consciência de si se se fizer objeto para si e pelo menos se se trata de uma consciência humana só pode vir a sel por reflexão objeto para si inventando um outro objeto ttistinto de si De fato sem êste objeto a consciência seria um nada de consciência e não poderia por conseguinte se objetivar Esta análise da noção de consciência levanos então a constatar que se a consciência é necessàriamente objetivante não o é absolutamente por si mesma Não há consciência spm objeto mas o objeto rião é pela consciência Por conseguinte O O N C L U S Ã O 158 Para concluir êstes estudos de Crítica não nos inte1essa tanto resumir os pontos essenciais de nossa exposição quanto demonstrar o que significa o realismo que nos impôs tôda nossa discussão como a única solução suscetível de explicar adequa damente o conhecimento humano 1 Realismo e IdeaJismo a O real é idéia Vimos que nossa posição por mais realista que seja admite tudo o que o idealis1no encerra de justo e de verdadeiro A ontologia a que nos leva nosso estudo é realista no sentido de que as coisas tal como as concebemos têm graças aos princípios metafísicos que encerram e que recebem segundo o caso os nomes de essência de forma de sujeito têm dizemos bastante consistência para se afirmar em si para formar um cosmos coerente Os fenômenos não formam mais unidades discretas diante do espírito e tais que só uma fôrça mecânica as poderia reunir mas são os sêres de um ser de um sujeito do qual procedem e que lhes confere sua unidade O próprio sujeito não pode ser concebido como um bloco inerte sob o movimento das aparências mas ao mes mo tempo como um principio permanente e perpetuamente móvel e como uma essência ou uma idéia que define um ser no seio da realidade 40 Essência e idéia o real assim conce bido se acha portanto adaptado ao espírito uma vez que é êle mesmo ou espírito ou análogo ao espírito 154 b A idéia é real É um fato que pwra a inteligência bymana conhecer é sempre ser medida por uma coisa A inte ligência humana não é criadora Só se pode submeter ao de terminado Contra isto os idealistas vivamente protestaram A coisa para êles seria um obstáculo ao desenvolvimento do pensa 40 São êstes dois aspectos de uma mesma realidade que o Escolásticos após ARISTÓTELES chamavam substância primeira e substância segunda CONCLUSÃO 179 157 4 A intuiio do ser Assim respondemos à pergunta que nos fazíamos no princípio da Metafísica será a inteligên cia humana realmente capaz de atingir o ser e de justificar o valor das afirmações que ela enuncia sôbre o real Vimos com efeito que a inteligência por uma ordenação constitutiva de sua própria natureza conhecese como ordenada para o ser conforme ao ser É isto por outro lado o que nos ensinaram nossos estudos das diferentes operações do espírito e dos pro cessos do conhecimento ao estabelecer que a inteligênâa está constantemente medida pelo ser que ela encontra em todos seus conceitos e que compõe a lei suprema de todos os seus juízos O ser é de um certo modo a atmosfera em que respira nossa inteligência É entretanto próprio da filosofia e especialmente da Me tafísica elevarse pouco a pouco acima de tôdas as determina ções do ser e separar expressamente in actu sigruito êste objeto de conceito que é dado no movimento expontãneo da inteligência apenas em ato vivido in actu exercito ou im plicitamente e considerálo em si mesmo enquanto ser Tem desde já a razão com o que ultrOJassar todo o domínio sen sível porque compreende que o ser abstraído da experiência sensível tem um valor suprasensível e supraexperimental e que os princípios que definem suas leis universais e abstra tas têm graças à analogia como o ser que se baseiam um alcance universal 48 Nenhuma necessidade inteligível exige que o ser e os transcendentais com êle conversíveis o uno a verdade e o bem se realizem apenas na matéria Se a inte ligência ordenada de início para o ser que existe no sensível e que depende de fato em seu exercício de condições orgânicas não pode apreender experimentalmente realidades nas quais o ser existe sem matéria pode pelo menos ao mesmo tempo conceber a possibilidade absoluta de tais realidades positiva mente imateriais e como o veremos em Teodicéia deduzir com certeza pelo jôgo de raciocínios baseados sôbre as exigên cias lo ser dado à experiência a existência necessária de um Ser Ato puro e Princípio primeiro do ser universal non potest nisi cognoscatur natura principii activi quod est ipse intellectus in cujus natura est ut rebus conformetur unde secundum hoc cognoscit veritatem intellectus quod supra seipsum reflectitur O sentido pelo contrário embora se conheça modificado pelo objeto sensível não conhece por sua própria natureza e por conseguinte não conhece nem a natureza de seu ato nem sua proporção aos objetos sensíveis nem sua verdade 48 SANTO TOMÁS De Veritate q 11 art 1 Praeexistunt ín nobis quae dam scientiarum semina scilicet primae intellectus conceptiones ut ratio entis unius et hujusmodi quae statim intellectus apprehendit In istis autem principiis universalibus omnia principia includuntur 180 METAFÍSICA A Metafísica está assim justificada em tôda sua extensão não sob a falaz garantia de intuições supraintelectuais de postulados indemonstráveis ou de aspirações de ordem afe tiva mas sob a garantia desta primeira apreensão abstrativa 49 do ser na qual diz SANTO TOMÁS estão vi1tualmente contidos todo o saber e tôda a certeza Go 411 o têrmo intuição intelectual do ser não deve ser entendido como o que designa uma apreensão concreta e singular como por exemplo o caso da intuição sensível O ser não é uma coisa Na realidade o Têrmo in tuição conota somente uma apreensão que se faz statim et sine discursu Cf De Veritate q 8 art 15 ln c Sicut nos sine discursu principia cognoscimus simplici intuitu Podemos fazer uma tal apreensão pela via da abstração o que é eminentemente o caso da apreensão do ser CCf Iª q 59 art 1 ad lm Ratio per discursum pervenit ad cognoscendum illud quod intellectus sine discursu cognoscit scilicet universale A abs tração efetuase com a espontaneidade de uma operação de natureza da o têrmo de intuição intelectual CJ MAllrAIN Sept leçons sur lltTe Paris 1934 pág 66 propõe chamar esta intuição de intuição eiditica Volve remos mais adiante para precisála sôbre a abstração impropriamente cha mada do ser 110 Cf De Veritatie q 11 art 1 ad 5m ln eo qui docetur scientia praexistebat non quidem actu completo sed quasi in rationibus seminalibus secundum quod universales conceptiones quarum cognitio est nobis natu raliter insita sunt quasi semina quaedam omnium sequentium cognitorum Iª q 10 art 6 ln c Et sic in lumine intellectus agentis no bis est quodammodo oxnnis scientia originaliter indita mediantibus universalibus conceptionibus quae statim lumine intellectus agentis cognoscuntur per quas sicut per universalia principia judicamus de aliis De Veritate q 11 art 1 ad 13m Certitudo scientiae tota oritur ex certitudine princioiorum tunc enim concJUSiones per certitudinem sciuntur quando resolvuntur in principia