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MÉTODO E MIRAGEM:\nMURILO MENDES E\nPAUL VALÉRY\nRICARDO GONÇALVES BARRETO*\n\nRESUMO: Figura essencial no que tangência reflexão acerca do poético, Paul Valéry foi a base sobre a qual se delineou a continuidade do ideário estético que vai de Baudelaire aos poetas contemporâneos. Este trabalho tem por objetivo sondar as inter-relações entre as concepções do poeta francês e a obra de Murilo Mendes, indicando como Murilo vai se aproximando de um fazer poético marcado pela reflexão e pelo rigor, marcas indeléveis da poesia de Valéry. \nPALAVRAS-CHAVE: Teoria da Poesia; Modernidade; Paul Valéry; Murilo Mendes.\n\nPoème: Conspic\n\nLe ciel est nu. La fiamme flotte. Le mur brille.\nOh! que je voudrais penser davantage!\n\nPAUL VALÉRY\n\nEste trabalho se estrutura sob a seguinte proposta: discutir a presença significativa, porém enviesada, da figura de Paul Valéry no conjunto direto de referências da obra de Murilo Mendes. O trabalho se encaminhará em direção a uma sistematização teórica que examine as procedências dos dois poetas, anotando os contrastes e proximidades que, segundo uma perspectiva crítica ou outra, venham a ser marca da variação de tendências literárias às quais, tanto Valéry quanto Murilo, recorreram. Considerar-se-á, portanto, a multiplicidade de aspectos que aproximam ou distanciam os poetas em questão.\n\nEntendemos que a presença de Valéry no imaginário poético de Murilo não implica uma simples opção, definida por alguma espécie de \"gosto\". Sendo o autor dos Cahiers chave para a compreensão da poesia moderna, esse correto pressupositor alguma interferência sua na obra do poeta mineiro, na medida em\n que esta é, sobretudo, produto de um diálogo constante com a modernidade. A produção literária muriliana caracteriza-se, dentre outras coisas, por uma operação de potencialização do universo cultural, pois é em muito uma reflexão contínua sobre a arte e o fazer artístico. Sobre Valéry, Murilo parece reconhecer, ao final de um longo itinerário, é somente em Convergência que a poesia muriliana se posiciona nitidamente em relação ao poeta e ensaísta francês:\n\nInscrito numa paisagem quadrilíngue\nTento operar com violência\nEssa coluna vertebral, a linguagem.\n\nEsquadro nas palavras\nMeu espaço e meu tempo justapostos.\nE dobro-me ao fascínio dos fatos\nQue investem a página branca:\n\nPerdoa-me\nValéry\nDrummond1\n\nEncarnado como um dos fundadores da lírica moderna, disciplina o comportamento das idéias de Mallarmé e, de certa maneira, fixa da imagem do Mestre2, Valéry é quem talvez mais tenha refletido sobre as relações entre a poesia e a linguagem, indicando na direção de um projeto intelectual ampliador da produção de literatura. De certa forma, não é este o eido da lírica muriliana no panorama da poesia nacional? Contudo, a língua poética de Murilo representa, como podemos ver no poema em questão, a distância existente entre os procedimentos de composição específicos a cada um dos dois autores.\n\nNão restam dúvidas sobre a personalidade poética de Valéry entre nós. Vemos que em poetas muito próximos a Murilo, tais como João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade, a presença de Valéry ocupa um espaço de mesma importância, definido de uma procura pela clareza e pelo equilíbrio. A mostra disso se vê, por exemplo, em um poema de Cabral, \"A Paul Valéry\", incluído no volume O Engenheiro, que contém poemas de 1942 a 1945, e que foi, interessantemente, dedicado a Carlos Drummond de Andrade:\n\nÉ o diabo no corpo\nou o poema\nque me leva a cuspir\nsobre meu não higiênico?\n\nDoce tranquilidade\ndo não-fazer: paz,\n equilíbrio perfeito\ndo apetite de menos.\n\nDoce tranquilidade\nda estátua na praça\nentre a carne dos homens\nque cresce e cria.\n\nDoce tranquilidade\ndo pensamento da pedra,\nsem fuga, evaporação,\nfebre, vertigem.\n\nDoce tranquilidade\ndo homem na praia:\no calor evapora,\na areia absorve,\n\nas águas dissolvem\nos líquidos da vida;\no vento dispersa\nos sonhos, e apaga\n\na inaudível palavra\nfutura, – apenas\nsaída da boca,\nsorrida no silêncio.3\n\nPor sua vez, Drummond, em Claro Enigma, apresenta como epígrafe do livro uma frase de Valéry (\"Les événements m'énuient\"), estabelecendo um vínculo que se amplia na medida em que, em toda referência valeriana como eixo anunciado na epígrafe, acaba por ajudar a entender os procedimentos que, sem dúvida, apontam para relações intertextuais entre os poetas.\n\nEm resumo, podemos, mesmo que genericamente, dizer que Cabral e Drummond reconhecem em Valéry um paradigma de anterioridade, uma experiência \"entre poetas e precursores\" em que o fundamento da criação literária passa a ser a leitura e, consequente, a apropriação de aspectos estilísticos do precursor pelo poeta. O poema de Cabral, dito acima, não este ebrar-se sobre a obra de Valéry. A \"doce tranquilidade da estátua na praça\", a qual se refere o poema, revela a identidade com o poeta francês, aquela espécie de paralisia contemplativa que encontramos tanto em Le Jeune Parque quanto em Le Cimetière Marin. A contemplação \"do pensamento da pedra\", que observou a colorar o vazio, assumindo tempo em se observar a dissolução dos \"líquidos da vida\" pela água, captura imagens extremamente possíveis após uma leitura rigorosa de Valéry. A \"paz\" e o \"equilíbrio\".\n perfeitos sugeridos por Cabral constroem um quadro de imobilidade e alheamento, distante da realidade imediata dos homens, pois tem como objeto de contemplação a problematização do próprio poético. Esta poesia enclaustrada volta sobre si mesma, distanciada dos mesmos \"acontecimentos que entendiam\" da epígrafe drummondiana, acaba por \"servir ao silêncio\". É esse niilismo valeriano, esse auto-anquilamento, podendo em Cabral e Drummond, a fonte deste vejo poético. total do mundo, \"em que realidade e irrealidade, lógica e fantasia, a banalidade e a sublimação da existência formam uma unidade indissolúvel e inexplicável.\" Os \"retróicos\", artistas conhecidos da tradição, definem a literatura como linguagem comunicativa, defendendo esta possibilidade como a única capaz de estanque ou movimento para a destruição, direção ao silêncio absoluto e ao suicídio intelectual a que se submete a primeira linha. Os \"destruidores\" não acreditam que haja qualquer objetivo que se realize sob a forma artística, ou seja, querem e creem crédito como forma real de expressão verdadeira do homem. Não acreditam na prevalência da razão e da inteligência como organizadores do impulso criativo. Como toda definição desta ordem, a organização estabelecida por Paulhan dá conta de localizar um conjunto de fenômenos em um dado momento de análise. Permite, por exemplo, compararmos procedimentos estéticos de diversos quanto os de Schönberg em relação a um Picasso. Contudo, essa abordagem não leva exatamente ao acompanhamento de uma leitura mais detida das transformações dentro do campo recreativo. A evolução em cada autor, medida pela adesão a determinados temas, novos recursos teóricos a que se pode adquirir e referências que se vão acumulando ao longo de seus percursos, levaria-nos, com certeza, a perceber variações ou a reconhecer, de uma maneira ou de outra. Mas esta proposta não pode ser descartada. Em vez de separar do ponto de vista teorético, a história da arte serve como um subsídio para a compreensão daquilo que constituiu no segundo dos dois poetas, que por sua vez, são continuadores diretos das transformações iniciadas pelo poeta de Les Fleurs du Mal. São eles Rimbaud e Mallarmé. Muito haveria para falar sobre cada um desses autores. As possibilidades que inauguram a partir das obras que escreveram são também imensas. Há algo, porém, que nos interessa especificamente. O processo que irá se desenvolver posteriormente a Baudelaire é básico para a compreensão da literatura presente. Já está em Baudelaire as formulações primordiais acerca do Simbolismo e de toda uma tradição posterior. O fragmento acima chama atenção para um elemento importante no que diz respeito à linhagem de autores modernos. A partir de Baudelaire, a lírica se dividiria em dois eixos – o texto chega a sugerir três – correspondendo àstandres de dois poetas que, por sua vez, são continuadores diretos das transformações iniciadas pelo poeta de Les Fleurs du Mal. São eles Rimbaud e Mallarmé. Muito haveria para falar sobre cada um desses autores. As possibilidades que inauguram a partir das obras que escreveram são também imensas. Há algo, porém, que nos interessa especificamente. O processo que irá se desenvolver posteriormente a Baudelaire é básico para a compreensão da literatura presente.