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Sociologia do Direito

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UMA DEFINIÇÃO SÓCIO-JURÍDICA DO DIREITO E SUA APLICABILIDADE\n\nCLÁUDIO SOUTO\nBrasil\n\nParece ingênuo pensar atualmente que o direito tem à sua origem no Estado -o qual, como se viu, mesmo em nossas sociedades globais, não é senão um dos inúmeros grupos sociais, embora grupo social de importância acentuada. O conhecimento de relações, que bem poderiam ser chamadas de jurídicas, existentes em sociedades primitivas, onde não há qualquer organização estatal no sentido moderno, o tem mostrado. A administração da justiça, as penalidades aos infratores e os procedimentos em relações ligadas fundamentalmente à organização e equilíbrio das sociedades e, até, segundo Malinowsky (1959: 56-59), algo que equivaleria, em termos primitivos, ao nosso direito civil, já se encontraram em sociedades primitivas sem Estado.\n\nNota bem Malinowsky, a respeito do que chama “uma definição antropológica do direito”: “As regras do direito se distinguem das restantes nisso que são sentidas a vistas como as obrigações de uma pessoa e as justas (‘rightful’) pretensões de outra. São sancionadas não por um mero motivo psicológico, mas por um mecanismo social definido de força vinculante (‘binding force’), baseado, como sabemos, sobre dependência mútua e realizado no arranjo equivalente de serviços recíprocos, assim como na combinação de tais pretensões em linhas (‘strands’) de relação múltipla. A maneira cerimonial em que a maioria das transações são efectuadas, que vincula (‘entails’) controle e crítica públicos, acrescenta ainda mais à sua força obrigatória (‘binding force’)”. (Malinowsky, 1959: 55).\n\nUma definição de direito da qual se possam extrair conceitos básicos, como o do crime, capaz de ser válida nas diferentes sociedades, é algo com que se preocupa a Sociologia do Direito. Assim, em uma perspectiva sócio-jurídica abrangente, o critério legalmente adotado para conceituar o crime não é válido. Embora os criminólogos tendam “a empregar um critério estatutário de criminalidade”. Ora, CLAUDIO SOUTO\nDe fato, as explicações sobre a origem e desenvolvimento do direito têm sido intensivamente procuradas nas proposições coercitivas, enquanto que a explicação do fenômeno social jurídico se deveria tentar quanto ao fenômeno básico mesmo, o homem, que representa o objeto vivo, e isso em relação a seu comportamento social e aos padrões fundamentais desse comportamento. Pois as propostas coercitivas já são formas que se dão a algum conteúdo, não raro fórmulas escritas e às vezes velhas fórmulas.\nEsse o caminho seguido por nós, em que, inicialmente com base na introspecção e na observação informal (1958:69 e 35-36), se constatou a conjunção, na realidade normativa social, entre 1) dados científicos e 2) um sentido permanente humano do dever ser a se refletir no normativo. Como esse sentido do que deve ser é, em outros termos, o sentido do justo, do ou reto, e como os dados científicos de conhecimento são, por definição, adequados ou corretos, achamos razoável e de acordo com o senso comum designar com a palavra \"direito\" aquela conjunção que se designa assim composto. Daí a definição: \"Direito em consonância com o sentimento humano de justiça e com dados de conhecimento científico-empírico; e seria conduta jurídica aquela em consonância com a norma de direito.\nConsequentemente, chamamos aquilo a que os juristas se referem com a expressão \"direito positivo\" simplesmente de formas coercitivas (lei, costume, decisão judicial, etc.) —sendo \"coercitivo\" simplesmente \"o que pode ser coagido\"—, pois o conteúdo desse \"direito positivo\", ou dessas formas de coercibilidade, nem sempre é justo e correto. De outra parte, a regra em consonância com o sentimento humano de justiça e com dados de ciência pode manifestar-se socialmente sem ser qualquer forma escrita ou oral. (1964:91-98) Reconhecemos porém a destacada importância, para as sociedades complexas organizadas em Estado, dessas formas de coercibilidade estatal, nessas sociedades tendo as UMA DEFINIÇÃO SÓCIO-JURÍDICA DO DIREITO\nregras em consonância com o sentimento de justiça e com dados de ciência —as regras de direito da nossa terminologia— a ser conteúdo dessas formas para ganharem maior força de atuação social ou maior positivação. (1964:85).\nDistinguimos as regras jurídicas das morais, e da equidade, pelo elemento cognitivo desses três compostos afetivo-cognitivos: tanto as regras jurídicas, como as morais e como a equidade, significam pautas de conduta em consonância com o sentimento humano do que deve ser (o sentimento de justiça, justificação-se etimologicamente o emprego da palavra justiça mesmo em relação à moral: δίκην, Dik, Dic = indicação, ditame, regra, norma). Mas, enquanto as regras jurídicas são aquelas em consonância com dados do conhecimento científico-empírico, as morais são as em consonância com dados de conhecimento metacientífico (não empíricamente comprovável); ao passo que a equidade seria a pauta de conduta em consonância com dados de conhecimento positivo concreto do singular. (1964: 62-63 e 50-51).\nA distinção entre normas jurídicas e morais é baseada, como se viu, no conhecimento; ou seja, o direito é o que está de acordo com o sentimento do dever ser e com um conhecimento metacientífico. Assim, a regra de acordo com a qual a sacralidade deve ser preservada pelo ser humano, é uma regra moral, porque seu conhecimento possui um caráter não científico-empírico, mas metacientífico, baseado em revelação sobrenatural ou numa filosofia de vida.\nDados da Etnologia poderão esclarecer, de modo simplificado, a conexão —sentimento e ideia. Trata-se de práticas religiosas, colhidas de certas áreas culturais, que, não obstante estarem em nítida oposição a normas dos credos atuais dos povos civilizados, nem assim carecem de um sentido de elevação, por vezes bem claro.\nÉ renúncia ética, de fato, o que se descobre na prática de oferecer aos poderes superiores os próprios primogênitos —e não já animais recém-nascidos ou os primeiros frutos. Ou em preparar, desde a infância, entre os sacerdotes, mediante penitências e exercícios espirituais, um jovem para a morte. Repare-se que os deuses eram alimentados de sacrifícios humanos com o objetivo de que se nutrissessem das almas dos sacrificados e as crianças lhes eram sacrificadas não só como nutrição, mas como mensageiros dos homens. Muito características é a área cultural mexicana, cujos sangrentos sacríficos religiosos ocultavam um rito elevado: anualmente eram mortos milhares de pessoas, para que seu sangue alimentasse os deuses e assim se conservar a marcha normal do mundo. (Walter Krickeber, 1946: 372; Kaj Birket-Smith, 1952: 155-156). CLAUDIO SOUTO\nNão é difícil compreender que tais padrões de elevação ética estão, se os adentramos, longe de contradizer substancialmente a moral civilizada. Em realidade, a diferença entre esta última e a moral dos sacrifícantes é tão só uma diferença de conhecimento, ambas atuando em agradabilidade o sentimento do dever ser.\nÉ análoga a maneira de ver do psicólogo social Asch, que critica a posição do relativismo cultural por entender que ela \"não considera, especialmente, a relação de avaliação (.) como as condições cognitivas dadas\". Asch lembra, a respeito, o costume do filho matar pai ou mãe, em certa idade destes, mesmo que tenham saúde boa, salientando que \"na sociedade que apresenta este costume, predomina a crença de que as pessoas continuam a ter, no outro mundo, a mesma vida que levavam neste e que mantêm para sempre a condição de saúde e vigor que gozavam na ocasião da morte. É, portanto, um dever filial matar os pais, ato que conta com o inteiro apoio dos pais e da comunidade\" (Salomon E. Asch, 1960: 117, 106 e 118).\nA referência a um \"sentimento do dever ser\" pretende expressar pergunta a ele, por exemplo, se um conteúdo normativo de uma forma vigente de coercibilidade (lei, costume, decisão judicial, etc.) deve ser, ou seja, se deve ser um dever ser. Claro que se pode julgar que um conteúdo normativo não deve ser um \"dever ser\", contudo, atuar de acordo com esse conteúdo, contrariando o sentimento ético básico do dever ser. Essa conduta, algo desagradável, explica-se pela liberdade humana de escolha entre padrões e suas consequências.\nA expressão \"dever ser\" não faz, de si mesma, alusão necessária ao vasto domínio ético, mas pode ter um significado meramente lógico.\nHuntington Cairns o salienta, aduzindo um exemplo clássico: num sistema completamente determinado, não haveria diferença de conteúdo entre as proposições \"se 2ab é acrescendo a a? + b? o resultado será\" e \"a fim de obter um quadrado perfeito devemos acrescentar 2ab a a? + b?\". E observa Cairns: \"No exemplo do quadrado perfeito, o dever ser ('ought') (. . .), se verdade é a correspondência objetiva do pensamento e fato, não tem valor moral, desde que não é dependente de volição\" (Huntington Cairns, 1963:347). O que não ocorre com a maneira de ver que está sendo exposta, relativa ao mundo moral lato sensu: sente-se em função de uma ideia de que algo deve ou não deve ser e quer-se atuar de acordo ou não com tal sentimento-ideia. Nesse modo de ver, sendo permanente o sentimento de dever ser (ou sentimento de justiça, ou, simplesmente, justiça) é, contudo, amplissimamente variável a ideia da justiça, porque o elemento ideia da permanente humana tem um conteúdo essencialmente relativo. Repare-se bem que a afirmação de permanência do elemento \"sentimento\" não exclui a possibilidade de sua variação de indivíduo a indivíduo. Sem identificar o que é diverso, poderíamos lembrar que algo de semelhantemente ocorreria, por exemplo, com o sentido humano da visão que, embora permanente em relação ao homem -isto é, todas as pessoas normais o possuem-, a acuidade visual diverte entre indivíduos. Alessandro Levi escrevia: \"... emprego indiferentemente essas palavras e esses dois conceitos —sentimento e ideia— porque do primeiro à segunda se passa por graus quase imperceptíveis\" (Alessandro Levi, 1949: 158). Certamente é útil diferenciar-se sentimento do dever ser e ideia, mas tudo indica que nessa diferenciação difícil de apreender-se está a chave dos problemas seculares da justiça, da educação, do direito e de moral, fenômenos cujas definições podem ser beneficiadas não só por dados etnológicos, mas por pesquisas sociológicas empíricas. Finalmente, uma classificação operativa do direito importante para pesquisa das relações de influência recíproca entre direito e manifestações típicas da vida social total seria, para nós, aquela que distingue \"como produto de conhecimento refletidos e atualmente insuperáveis (direito refletido) e (...) como produto de certos conhecimentos espontâneos, daqueles que a ciência atual não possa contradizer ou inovar — conhecimentos estes correspondentes a todo um mundo de aprendizagem social (direito espontâneo)\". Conhecimentos espontâneos esses que a ciência azolhe \"como algo seu, como o que melhor se adapta aos fatos\". (1964: 74 a 73). A definição sócio-jurídica do direito apresentada, em sua composição, é de simples manejo operacional, pois é basicamente um composto cultural secundário de elementos humanos primários fundamentais, sentimento e ideia do que deve ser. Contudo, apesar disso, posto cultural secundário de elementos humanos primários fundamentais, sentimento e ideia do que deve ser. Contudo, apesar disso, posto cultural secundário de elementos humanos primários fundacionais, \"sentimento e ideia\" do que deve ser. Contudo, em um sentido mais amplo, sob uma fórmula que assinala uma definição do que se quer denotar pelo próprio ponto de foco da observação, é necessário acentuar — sem desvio da presença humana em todos os seus conteúdos sociais. Inicialmente, a definição parece corresponder àquelas condições que o próprio Geiger aponta como necessárias a um conceito manejável (\"handler Begriff\") do direito: se livre de contradições era si mesmo, alcançar todos os fenômenos de traços essenciais como, subordinar-se a um genus proximum (no caso o ético lato sensu), não se afastar mais que o necessário das ideias centrais que o uso lingüístico ora liga à palavra direito. (Geiger, 1964:127). Note-se que o uso lingüístico comum, de fundo etimológico, será aquele lembrado por H. Lévy-Bruhl: \"A palavra ‘droit’ em francês (como em inglês right, em alemão Recht, em italiano diritto, etc.) se liga a uma metáfora onde uma figura geométrica tomou sentido moral, depois jurídico: o direito é a linha direita, que se opõe à curva, ou à obliqua, o que se aparenta com as noções de retidão, de sinceridade, de lealdade nas relações humanas\". (1964:5) A verdade é que o uso lingüístico particular dos juristas que chamam de direito tudo que for conteúdo normativo de formas de coercibilidade estatal —desconhecendo eles como \"direito positivo\" o que não for tal conteúdo— não é igual ao uso lingüístico comum da sociedade. Assim é que o psicólogo social Asch escreve: \"Os teóricos do direito e os metafísicos podem identificar lei e justiça; mas nós ainda sabemos o significado de uma lei injusta, e não achamos desagradável pensar em apreender as ideias de que o próprio Estado precisa ser julgado; o que às vezes, é necessário lutar contra o Estado para a realização de fins justos.\" (Asch, 1960, II: 102). Outra consideração que parece objetiva a respeito da definição proposta e sua manejabilidade transnacional, abrangidos inclusivamente, é a de que, mesmo sob seu conteúdo, se define de modo vago. Isso justamente porque a definição reflete elementos primários universais do homem, sobretudo sentimento e ideia. E porque o correspondente embrião da ciência atual se encontrava no conhecimento dos primitivos. Ou, como esclareceremos alhures: \"... se definirmos o direito como a formulação científico-positiva atualmente insuperável do sentido básico permanentemente humano do dever ser, não estaremos como isso afirmando que essa definição alcança o jurídico em todo espaço-tempo humano, ou seja, que não é ela universalmente válida? ( .. .) Parece-nos que não. Sem dúvida há uma antecedência do jurídico, como há uma antecedência do científico. Podem-nos tanto falar da ciência dos primitivos, como do direito deles —sem que uma e outra coisa se possa dizer no sentido atual, pois não importa como critério.\" (1964:71-72) De fato, nesse particular, o problema de um direito dos primitivos será exatamente o mesmo de uma ciência dos primitivos. mesmo das sociedades, mas todas parecem sempre tender a aceitar o critério de ciência dos cientistas. De outra parte, a definição em exame descreve uma substância normativa social - e não uma forma de imposição normativa, sem consideração essencial do conteúdo dessa forma, que pode então ser o mais diverso o contradictório. É claramente formal a perspectiva positivista que chama de direito tudo aquilo que o Estado reconhece, e impõe como tal, através de qualquer de suas agências de controle. Mas é ainda formal a perspectiva do positivismo sociologista que chama de direito tudo que qualquer grupo social, estatal ou não, aceita e sancione como tal. Poder-se-ia, nesse caso, eventualmente chamar inclusive de direito o funcionamento inadequado ou torto, em nítida contradição terminológica. Com efeito, tanto a perspectiva positivista estatista, como aquela mais aberta, a sociologista, pelo seu formalismo intrínseco de significar um elemento que logicamente não pode ser senão instrumental e marginal, a sanção, seja ela estatal ou social, não atinge senão a perspectiva de uma ideia de um direito. Se não fosse o carregamento filosófico da expressão \"direito natural\", semelhante à nossa perspectiva atual; se, aliás, antes daquele \"naturalismo social\" que o sociólogo norte-americano Philip Selznick considera que marcará o futuro da Sociologia Jurídica, lembrando que se há princípios de crítica do direito positivo, há também princípios de crítica do \"direito vivo\" e afirmando que \"isto nos trará, não posso duvidar, a aceitação de alguma versão de uma doutrina do direito natural, embora ela não possa e talvez não deva, ser chamada assim, dadas suas associações históricas\". (1959:1161 e 124-127) Pois, na perspectiva que estamos relatando, é adequado chamar de direito a pauta de conduta social que esteja em consonância com o sentimento humano universal de justiça —algo de intrinsecamente justo, pois - com dados de ciência empírica —algo necessariamente racional, portanto, e de racionalidade comprovável. Contudo, os dados de ciência empírica se marcam da relatividade do conhecimento humano e não se pode pretender que sejam os princípios invariáveis, necessariamente formais e vagos, afirmados pela teoria tradicional do direito natural. Como nota Pennock, \"mesmo aquelas noções modernas que falam de ‘direito natural com conteúdo variável’ retêm a ideia de um núcleo central, embora seja uma questão de forma antes que de substância que é eterna.\" (1964:459) Em Filosofia do Direito, já se notara que o jurídico media entre estado e sociedade (neste sentido, Andrés Ollero, 1973: 108, 141), e, de fato, o que podemos dizer direito não se confunde necessariamente com uma definição do direito positivista. mente com estado ou sociedade (entendida esta como sociedade global). Mas parece que tal noção se torna mais precisa se decidirmos, a luz do exposto, chamar direito o fenômeno que é necessariamente igual à correspondência com l. dados de ciência atual e 2. com o sentimento humano de dever ser – este último juntamente com o impulso, em geral predominante, de conservação do indivíduo e da espécie (e temos aí duas verificações indicativas de correspondência). A menção que fazemos ao sentimento do dever ser diz respeito, de modo óbvio, à normalidade do sentimento, isto é, ao sentimento do dever ser que comumente se observa em seres humanos. Mas é perfeitamente possível a alteração do sentimento no psiquismo doentio. E de insistir-se, finalmente, em que por trás do sentimento de dever ser o homem normal está o impulso de conservação do indivíduo e da espécie, o qual, de forma refinada (tipicamente humana), aparece como um postulado ético básico: o homem e o mundo devem ser e desenvolver-se (ou ser cada vez mais produtivo). Se a ciência empírica ela própria descansa em postulados metacientíficos (\"o mundo existe\", \"podemos conhecer o mundo\", \"os fenômenos são causalmente relacionados\"), etc., por que não desconsiderar o direito, em última análise, em um postulado ético, mera tradução humana do impulso geral animal de ser, que é o dever ser fundamental? Destarte, o fenômeno direito, como alguma coisa acorde com ciência empírica, com SENTIMENTO e com impulso de ser, corresponde, de maneira menos imprecisa, à natureza e à natureza humana – e isso independentemente de qualquer obsoletismo jusnaturalista. Tradicionalmente se reconhece que o direito representa um mínimo de preceitos de conduta considerados indispensáveis à convivência social: é o \"mínimo ético\", segundo a fórmula clássica que significa um máximo de importância para o jurídico. E tradicionalmente se admite que o direito, devendo construir a segurança nas relações sociais, deve apresentar o máximo possível de precisão e certeza em suas formulações. Ora, o máximo possível de precisão e certeza nas formulações se encontra nas formulações científicas (ou científico-empíricas, caso se prefira). As formulações metacientíficas – assim as formulações filosóficas – são muito mais largas, e por isso mesmo muito mais hipotéticas, que as formulações estritamente científicas, pois não são comprovaíveis por métodos e técnicas de pesquisa empírica. Mais ainda: o máximo possível de precisão e certeza nas formulações se encontra nas formulações científico-empíricas atualmente insuperáveis. O conhecimento científico, como todo conhecimento humano, é relativo, e, assim sendo, é claro que a maior precisão estará na fórmula atualmente insuperável. Considerando as bases tradicionais que acabamos de expor, parece fácil saber qual a ideia ou conhecimento que informa o direito e assim obter a sua definição operacional. Dito de modo simplificado, direito seria então o que está de acordo com o sentimento de dever ser e com a ciência actual. Seja norma ou seja conduta. Seja prerrogativa ou seja dever. Mas sentimento de dever ser ou sentimento de justiça, ou, apenas, justiça, são expressos aqui usadas em sinônima. Assim, direito seria simplesmente a ideia científico-empírica da justiça. Parece que a definição proposta à prática da composição social do direito é de fácil compreensão imediata pelos estudiosos do jurídico. De fato, as expressões dela são tradicionais e muito conhecidas: ciência empírica (ou ciência positiva, ou, apenas, ciência) e uma dessas expressões, entendida a palavra ciência no significado de conhecimento que explique social ou não) comprovável por métodos e técnicas de pesquisa empírica; enquanto dever ser é a outra expressão, entendida, segundo o que se contradiz. A agudíssima indecisão tradicional quanto ao que sejam justiça e direito se alimenta de uma \"ideia de justiça\" tradicionalmente vaga acerca de resultados práticos negativos que são facilmente constatáveis pelos cientistas sociais, a exemplo do antropólogo Hoebel, que escreve: \"Por mais egoísta que seja a motivação de um disjuntor, a não ser seja ele de fato um tolo, faz descansar sua pretensão em princípios sociais 'corretos', em correção geral, e no bem-estar de todo o grupo social. De outra maneira, como poderia adquirir aceitação social duradoura para sua posição?\" (E. Adamson Hoebel 1958: 479). Tanto quanto possível preciso que seja aquele conceito sociológico geral do direito, será ele, porém, uma novidade tão acentuada em face à tradição, que se rejeite como corpo estranho pela prática legislativa ou forense? Ou o conceito sociológico do direito aqui apresentado, como síntese que é entre racionalidade científico-empírica e sentimento de justiça, deita razões na própria prática do direito? Decerto, e é evidente. Poder-se-á porventura negar que haja leis e sentenças, estrangeiras ou nacionais, que se baseiem em dados de ciência empírica, por exemplo de natureza sanitária ou econômica? Ou que se fundamentem no sentido de justiça do legislador e do juiz, os quais possuem o sentimento de dever ser que comumente se observa em seres humanos? Ou que se lastreiem leis e sentenças na síntese: razão científico-empírica e sentimento de justiça? De fato, o problema da aplicabilidade daquele conceito teórico- geral sociológico à praxis legislativa e forense não é o de que essa aplicação não exista ainda, pois é evidente sua ocorrência, mas sim o da extensão em que existe atualmente em confronto com a extensão que poderia racionalmente existir. Naturalmente, não se pode pretender que um sistema legal nacional atual, qualquer que seja, fique de todo acorde com aquilo que chamamos de direito, ou seja, totalmente acorde com algo em consonância com ciência empírica e sentimento de justiça. Na verdade, a vida requer decisões rápidas e irrecuáveis, não raro antes que o científico-empírico se possa formalizar em lei, de fato nem sempre existindo dados científicos disponíveis para o legislador ou o juiz que porventura queiram utilizá-los a posteriori. UMA DEFINIÇÃO SÓCIO-JURÍDICA DO DIREITO\npode somente aspirar a fatos no alcance médio\" (Kalven, Jr., 1968: 66 e 67).\nOra, a conclusão de Kalven, Jr., é que soa falsa, pois nem todas as premissas profundas de um legislador constitucional atualmente possível são insuscetíveis de informação científico-empírica. Nossa própria e modestíssima construção teórico-geral do social, a que remetemos o interessado, apresenta diversas propostas, por exemplo, sobre distância social, e, mais especificamente, sobre \"equilíbrio e desequilíbrio dos sistemas sociais\", que envolvem claramente a possibilidade de retirar-se aquele domínio uma excludibilidade metacientífica (vejam-se Cláudio Souto, 1977: 49-51).\nEssa possibilidade se confirma mesmo tradicionalmente, embora no modo casuístico: \"o sociólogo pode\", escrevia Leon Husson, \"por exemplo, apresentar ao governo ou ao legislador as consequências de um divórcio ou de uma guerra\" (Husson, 1958: 53-54).\nSe isso é verdade, é claro que a aplicação de ciência social é alarmante legal, ao contrário do que pensa Kalven, Jr., influindo consideravelmente por Robert Merton (Kalven, Jr., 1968: 67), não só pode, como deve, aspirar a fatos no longo alcance.\nPor outro lado, a conclusão soa também falsa porque as premissas lugar- comum, embora não necessitem de confirmação científica sistemática que lhes seja especialmente dirigida, por corresponderem ao que já se sabe, contudo nem por isso deixam de poder estar acordes com a ciência empírica atual, que pode acolhê-las, em certo sentido, como algo seu, como o que melhor se adapta aos fatos. Tratar-se-á, então, de certos conhecimentos espontâneos, daqueles que a ciência atual possa contradizer ou inovar, e que, destarte, podem informar regras jurídicas espontâneas não menos racionais que as regras jurídicas que se firmem de maneira refletida (Veja-se, a propósito, Cláudio Souto, 1971: 114). Note-se que basta a definição sociológica geral do direito como fato social aqui proposta que o conhecimento informado desse fato seja acorde com a ciência empírica atual, não igual a ela.\nNão há como desconhecer, entretanto, que o escasso desenvolvimento das ciências do homem pode significar que, em inúmeros casos, os juízes não disponham de dados científicos satisfatórios para a fundamentação de suas decisões. Um dos exemplos, lembrado por Patterson: \"a liberdade de expressão literária excede em valor um fim social que desvaloriza (disvalores) a preocupação excessiva com a licenciosidade ('license') e a perversão sexuais? Não sei como se poderia instituir um teste científico das consequências de tais decisões (Patterson, 1963: 28).\nA decisão judicial, então, na melhor das hipóteses, será fundada em conhecimento metacientífico e no sentimento de justiça do juiz, isto é, será, em nossa perspectiva, moral. Mas o julgador consciente deverá procurar informar-se das hipóteses científicas existentes e poderá aceitar uma que lhe pareça razoável. BIBLIOGRAFIA\nASCH, Solomon E.--Psicologia Social, vols. I e II, Trad. de Dante Moreira Leite e Miriam Moreira Leite, Companhias Editores Nacional, São Paulo, 1960.\nBERMAN, Harold J.--The Nature and Function of Law: an Introduction for Students of the Arts and Sciences, Brooklyn, The Foundation Press, 1958.\nBEUTEL, Frederick K.--Some Potentialities of Experimental Jurisprudence as a New Branch of Social Science, Lincoln, University of Nebraska Press, 1957.\nBIRKETT-SMITH, Jas.--Vida e Historia das Culturas; Etnologia Geral, Trad. de F.G. Schufele e D.G. 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