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Sociologia do Direito
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DOCTRINA ESTRANGEIRA A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS NO SISTEMA JURÍDICO NIKLAS LUHMANN Professor na Universidade de Bielefeld [Alemanha] Texto traduzido por Peter Naumann e revisado pela Profa. Vera Jacob de Fradere. Foram usados parênteses para destacar os termos alemães, cuja tradução o tradutor considera imperfeita. Além disso, os títulos das publicações em língua alemã, bem como os nomes de publicações periódicas em língua alemã foram citados no original, acrescentando-se à tradução portuguesa entre parênteses. O tradutor introduziu uma terminologia, adquirida 'autopoiética', termo central da teoria técnica de Niklas Luhmann, em língua original para impedir qualquer associação com o adjetivo 'poético', relativo à 'poesia', e enfatizar a etimologia. Assim 'autopoiético', sempre destacado por aspas simples, significa: que se faz a si mesmo (nota do tradutor). A posição dos Tribunais no sistema jurídico é determinada preponderantemente pela distinção entre legislação e jurisdição. Os Tribunais são um lado dessa distinção; do outro lado encontramos a legislação. A própria distinção é vista como um instrumento de autodisciplina do sistema jurídico, com base em uma tradição que remonta à antiguidade (1). Ela impede que todas as questões jurídicas sejam decididas a partir de um ponto, a partir de um centro, que poderia servir simultaneamente de ponto de interferência a interesses sociais. No mundo antigo esse princípio se voltava contra a diferenciação segmentária dos negócios e parentes 'mais próximos' dos 'mais distantes' e, de maneira limitada, também contra a centralização do poder no topo da sociedade, portanto contra a estratificação. Liberdade (2) – também e precisamente a liberdade do Juiz – consiste em ter de obedecer apenas às leis. 150/A posição dos tribunais no sistema jurídico Mas somente no séc. XVIII essa forma da diferenciação do sistema jurídico acabou por impor-se plenamente. Antes estava em jogo um princípio de significação apenas limitada, necessário apenas para efeitos de técnica de regulamentação. Esse princípio estava na iurisdiction, concebida como unidade e como tarefa da societas civilis, quer dizer, desde o fim da Idade Média como tarefa do estado territorial governado pelo príncipe (3). Qualquer separação mais profunda entre legislação e jurisdição teria posto em perigo a unidade do estado territorial política e juridicamente autônomo, que estava então em formação. Somente no séc. XVIII os homens passam a aceitar, sob a proteção do Direito natural e do Direito da razão, a ideia de que todo o qualquer Direito é Direito Positivo segundo a substantividade da eficácia e a efetividade; somente com isso a ideia de autonomia converteu-se em realidade. Que o rei designado acima como procedente através do Direito natural e do Direito da razão pode ser importante como referência em questões de justificação, mas no próprio sistema jurídico cabe a autonomia do Direito Positivo, que pode ser reduzido ao próprio sistema (4). (2) — Colonna, em outra passagem, p. 548. (3) — Cfe. aqui Pietro Costa, Iuridictio: Semantica del Potere Politico nella Pubblicistica Medievale (1100-1433), Milão, 1969; Brian Tierney, Religion, Law and the Growth of Constitutional Thought, 1150-1650, Cambridge/Grã-Bretanha, 1982, p. 308 e segs. (4) — Podemos reconhecer como um processo evolutivo rigorosamente paralelo o surgimento de uma ética estritamente utilitarista. Ela explica e respe60 especifica, no séc. XVII e nas primeiras décadas do séc. XVIII, a vontade de Deus, fundamentadora de toda e qualquer moral. Cfe., para tal N. E. Simmonds, The Decline of Juridical Reason: Doctrine and Theory in the Legal Order, Manchester, 1984, p. 53 e segs. 151/A posição dos tribunais no sistema jurídico A diferenciação de um sistema jurídico autoconstituinte encontra um respaldo organizacional na diferenciação de legislação e jurisdição, isso acarreta numerosas consequências, que podemos sugerir aqui apenas em breves tópicos. (1) — Torna-se possível incluir os fundamentos da vigência do Direito no próprio sistema jurídico na forma de uma lei constitucional (5), embora na forma de uma regulamentação especial, para a qual as regras jurídicas costumeiras (por exemplo a regra da colisão, pela qual o Direito novo derroga em caso de contradição o Direito mais antigo) quando este é incompatível. Não tem vigência. Ao mesmo tempo a legislação constitucional exige uma reorganização da referência externa, pois não podemos "esperar com bons argumentos que Deus ou o monarca, que o representa, providenciem o texto no ano exato da revolução. Como é sabido, a solução chama-se 'povo'. (2) — Os fundamentos da vigência podem ser ampliados. A common law conservou sua tradição básica ao passo que, o princípio da precedência como obrigatoriedade, filho de uma fé religiosa acerca dos princípios que desapareceram quase totalmente, no entanto, emprestou às relações comerciais uma segurança jurídica que só foi designada como importante na segunda metade do séc. XIX (6). No entanto, o conteúdo da common law precisamente pelo decorrer da história, é reconhecido como Direito vigente por meio da interpretação dos Tribunais e a partir da importância da experiência histórica – mas isso somente enquanto o processo de uma codificação legal ainda não está concluído. (3) — A tradicional função administrativa local dos Tribunais como órgãos das instâncias centrais – podemos lembrar aqui que os Estados Unidos não conheciam nenhuma autoridade a nível local além dos Tribunais, na época em que a Constituição entrou em vigor sob o dogma da separação dos poderes e da soberania local e... (texto truncado) 152/A posição dos tribunais no sistema jurídico poderes (7) - é limitada significativamente e finalmente delegada integralmente às autoridades administrativas especialmente criadas para tal fim. A jurisdição (Gerichtsbarkeit) é neutralizada politicamente como função nuclear do sistema jurídico. Mas isso não significa que ela estaria condenada à ineficácia em questões de transformação do Direito (8). O contrário é verdadeiro: justamente por não poderem ser responsabilizados politicamente pelas consequências das suas decisões, os Tribunais ficam excluídos da participação na ação política (9), mas são por isso mesmo favorecidos na sua participação na transformação do Direito, sobretudo em áreas nas quais o legislador demonstrar ser relativamente inativo (10). (4) - Por volta do fim do séc. XVIII também o modelo de ordem/obediência sofre uma revisão com vistas à relação entre legislação e jurisprudência. Isso se manifesta no fato de se desistir da reserva de interpretação (Interpretationsvorbehalt) (réferé legislátif) do legislador, considerado até então necessário. (7) - Cf. Hendrik Hartog, The Public-Law in a Contry Court: Juridical Government in Eighteenth Century Massachusetts, in American Journal of Legal History 20 (1976), p. 282-329. Aqui encontramos as mesmas tentativas que se repetirão mais tarde entre nós — naquela época, contra as tentativas reformistas do Lorde Mansfield, mas também hoje ainda — conservaram com tamanha tenacidade a distinção de judge e jury. Tratava-se, se abstairmos das célebres conventions da Nova Inglaterra, da única forma de expressão de democracia local. (8) - Para tal é desempenhado uma lenda em torno de Montesquieu, v. Regina Ogoerek, De L'Esprit des Légendes oder wie Gewissamaber aus dem Nichts eine Interpretationstheorie Wurde (De L'Esprit des Légendes ou como de certa maneira o nada se transforma em uma doutrina de interpretação), in Rechtsthistorische Journal (Revista de Históría do Direito), 2 (1983). (9) - Assim argumenta por exemplo Ernst Forsthoff, Der Staat der Industriesellschaft: Dargestellt am Beispiel der Bundesrepublik Deutschland (O Estado da Sociedade Industrial. Apresentado com base no exemplo da República Federal da Alemanha), Munich, 1971, p. 133. Assim estudos empíricos de data mais recente demonstraram que a influência dos juristas (especializados no conhecimento do sistema judiciário) na política costuma ser superestimada, v. Robert L. Nelson/John P. Heinz, Lawyers and the Structure of Influence in Washington, in Law and Society Review 22 (1988), p. 237-300. (10) - V.; para a Escolcá David Lieberman, The Legal Needs of a Comercial Society: The Jurisprudence of Lord Karnes, in Istvan Hont/Michael Ignatieff (edd.), Wealth and Virtue: The Shaping of Political Economy in the Scottish Enlightenment, Cambridge/Grã-Bretanha, 1983, p. 203-231. 153/A posição dos tribunais no sistema jurídico a partir de agora não só a função da aplicação, mas também a da interpretação das Leis é delegada aos Tribunais (11). Somente isso torna possível que se possa exigir que os Tribunais decidam todos os casos que lhes são apresentados. A 'vinculação à lei' torna-se assim, por sua vez, objeto da interpretação por parte do Juiz. (5) - Concede-se gradativamente também à vontade 'privada' um poder de disposição cada vez maior sobre o símbolo 'vigência do Direito', e isso na forma de uma liberdade contratual isenta de toda e qualquer coação de tipos (12). (11) - Cf. sobre esse desenvolvimento Hermann Conrad, Richter und Gesetz im Übergang vom Absolutismus zum Verfassungsstaat (Juiz e Direito na Transição do Absolutismo para o Estado Constitucional), Graz, 1971 (12) - V. sobre o desenvolvimento em questão, Patrick S. Atiyeh, The Rise and Fall of Freedom and Contract, Oxford, 1979. De resto, nada mostra melhor a autonomia de evolução do sistema jurídico do que o contraste em primeira vista, entre a Alemanha e a Inglaterra do que na Inglaterra, muito mais avançada do ponto de vista econômico; a Inglaterra inicialmente se tinha satisfeita com ampliações extremamente cautelosas no âmbito da doutrina do consideration (obrigação em respeito a um serviço [Gegenleistung) já prestado ou a ser prestado. O fundamento da teoria da consideration repousa sobre uma ideia de reciprocidade: uma promessa só se transforma em contrato juridicamente válido quando algo possível de ser avaliado economicamente é dado em troca), admitindo obrigações futuras puras somente no início do séc. XIX. A título de comparação, v. Max Rheinstein, Die Struktur der Vertragslichen Schuldverhältnisse im Anglo-Amerikanischen Recht (A Estrutura das Relações de Obrigações Contratuais no Direito Anglo-Americano, Berlin, 1932). Cf. ainda A. W. B. Simpson, A History of the Common Law of Contract: The Rise of the Action of Assumpsit, Oxford, 1975; Morton J. Howitz, The Transformation of American Law, 1780-1860, Cambridge/Mass., 1977; A. W. B. Simpson, Innovation in Nineteenth Century Contract Law, in ibid., Legal Theory and Legal History: Essays on the Common Law, London, 1987, p. 171-202. A diferença fica esclarecida (sem que isso pudesse explicar a evolução distinta do Direito Privado) se levarmos em consideração as regulamentações introduzidas pelas autoridades, que hoje seriam localizadas na esfera do Direito Público, quer dizer, restrições do comércio de ideias, da produção de mercadorias, do comércio e dos relacionamentos de serviço; pois elas foram desvitalizadas muito antes na Inglaterra do que no continente. Para tal v. Dieter Grimm, Soziale, Wirtschaftliche und Politische Voraussetzungen der Vertragsfreiheit: Eine Vergleichende Skizze (Pressupostos Sociais, Econômicos e Políticos da Liberdade de Contrato: um Esboço Comparativo), in ibid., Recht und Staat der Bürgerlichen Gesellschaft (Direito e Estado da Sociedade Burguesa), Frankfurt/Main, 1987, p.165-191. 154/A posição dos tribunais no sistema jurídico Como essa liberdade contratual pressupõe fundamentos não-contratuais, a doutrina positivista das fontes do Direito não reconheceu os contratos como fonte sui generis do Direito e pode assim contribuir para velar o alcance da transformação. Mas os Tribunais reconhecem as 'vontades das partes contratantes' como objeto da sua interpretação, quer dizer como um substitutivo do texto. E de qualquer maneira o conceito do 'privado' permanece sendo um conceito jurídico controlado no sistema jurídico. (6) - Quanto mais se reconhece essa competência da vontade privada para a positivização do Direito, tanto mais o meio assim criado de um acoplamento quase ad libitum de vontades demonstra ser o campo por excelência da manifestação da intervenção política, que por sua vez se vale da legislação e se deixa controlar pela jurisprudência. O ponto culminante da doutrina da liberdade contratual - já determinada ideologicamente enquanto formulação, pois antes tinha sido ideologia sem fórmula - é da mesma maneira também uma causa do surgimento de obrigações - é ultrapassada rapidamente. Na Inglaterra isso se dá por volta de 1870, mas nos Estados Unidos duas a três décadas mais tarde, o surgimento de obrigações, quanto o Direito Traviswohn, Limitou o Direito dos cartéis, o qual naquela altura contratual precisava ser garantido controlar a mesma, e, surge bem mais tarde, também no Direito social (13). No entanto, apenas a análise retrospectiva desse processo mostra com clareza até que ponto a liberação da propriedade e do contrato tinha criado formas que podiam mais tarde servir de meio limitável para o sistema político. Sem intervenção na liberdade não existe nenhuma competência regulativa. Mas na Idade Média e ainda no estado territorial mercantilista justamente a liberdade tinha sido inversamente uma exceção às limitações normalmente vigentes, concedida como um 'privilégio'. (7) - Como resultado de tudo isso a separação estrita de legislação e jurisprudência desde o séc. XIX cria a possibilidade de sujeitar um lado à vontade politica e o outro à vontade privada; com isso ela cria, portanto, a possibilidade de operar com distintos acoplamentos estruturais do sistema jurídico ao sistema político, através das constituições, é, ao sistema econômico, através da propriedade e do contrato. A separação de legislação e jurisprudência é então formulada paradoxalmente como não-separação, como 'vinculação do Juiz à lei', e isso possibilita na prática a intervenção politicamente motivada. (13) - Para uma crítica v. por exemplo Roscoe Pound, Liberty of Contract, in Yale Law Review 18 (1909), p. 454-487. A posição dos tribunais no sistema jurídico/155 na propriedade e no contrato. Mas tudo isso depende da manutenção da separação e, com isso, da canalização diferencial de influências externas. A desistência da manutenção da separação acarretaria o colapso do sistema jurídico e, consequentemente, também o colapso da diferenciação de política e economia. Esse breve esboço deverá bastar para mostrar quais foram as influências nas transformações ideológicas, políticas e jurídicas, nas quais a diferença de legislação e jurisprudência se viu obrigada a se afirmar. Ela logrou sobreviver enquanto distinção relacionada e materializada na organização. Pois numa distinção assim concretizada na organização ninguém se lembrará de solicitar o divórcio ao parlamento ou de requerer a modificação de uma lei junto a um juiz e vice-versa. Nesse sentido justifica-se na prática a distinção importante do ponto de vista da estrutura do sistema e sobretudo do ponto de vista da estrutura da sociedade, que vê no sistema (funcionalmente diferenciado) de organizações um tipo completamente novo de realidade social. Aos poucos se formaram organizações que interagem segundo a divisão do trabalho e cumprem as suas respectivas funções. Mas a função da distinção entre legislação e jurisprudência não se localiza no plano da unidade, mas da reprodução pelos termos próprios da sociedade. Assim o paradoxo da unidade que se distingue de si mesmo do ponto de vista organizacional o fato da distinção vale como pressuposição da especificação de tarefas. Do ponto de vista social a distinção vale como unidade, como forma. Ela fornece, na sua ação conjunta com outras distinções, sobretudo nas distinções entre codificação binária e programação, igualmente, na diferença entre Direito e não-Direito, por um lado, e normas jurídico-positivas, de outro lado, o pressuposto para que o próprio sistema jurídico se possa diferenciar do seu mundo circundante e para que ele possa, enquanto sistema operativamente fechado, reproduzir suas próprias operações através da rede de operações próprias (15). 156/A posição dos tribunais no sistema jurídico II A análise histórica das causas, que forneceram à distinção entre legislação e jurisprudência o seu significado atual, explica ao mesmo tempo determinadas fraquezas da descrição teórica dessa distinção. A sua posição central enquanto armação estrutural para o processamento de questões jurídicas quase não é negada e é questionada 'criticamente' apenas de longe e sem consideração de outras possibilidades (16). Mas a pergunta pela acepção precisa dessa distinção não é formulada, como se a resposta fosse evidente de per si: os parlamentos estariam então num lado e os Tribunais noutro. Na Constituição (GG, art. 97) lemos com clareza compreensível para juristas o seguinte: 'Os Juízes são independentes e estão sujeitos apenas à lei'. Independentes, mas não independentes, conforme lê o leigo. Com efeito, essa fórmula da tradição contém a decisão jurídica sobre a diferenciação do Direito, o que pode ver no fato de que ela distribui as expectativas totalitárias interna aqui e no procedimento complicado de controle da legislação. A relevância interna do sistema jurídico (jurídica, judicial e legística) está entre as relações que caracterizam a administração da justiça e contribuem para determinar o significado da decisão. Ao mesmo tempo, a expressão da 'independente' produz um deslocamento da perspectiva no interior do sujeito da instrução, isto é, na direção de um problema que podemos reconhecer em casos individuais e remeter assim à própria Justiça. E então a fórmula assegura o desiderato costumeiro de todas as hierarquias: a unidade do poder de instrução. Assim a descrição oficial parte de um modelo hierárquico, segundo o qual a legislação tem precedência sobre a jurisprudência. Isso soa plausível e não aparece necessitar de maior fundamentação, se lembrarmos que a jurisprudência deve levar em consideração o Direito vigente, em que pesem todas as liberdades de interpretação concedidas. Somente num exame mais acurado as relações se evidenciam mais complexas. Assim sabemos muito bem que a legislação teria pouca sorte com as suas leis se ele descurasse da 'justicialidade'. A posição dos tribunais no sistema jurídico/157 O Juiz deve compreender e aplicar a instrução, o que equivale a poder operá-la como idêntica no contexto de uma multiplicidade de decisões em circunstâncias (Sachlagen) muito diferentes entre si. Além disso foram descobertas numerosas ligações de feedback entre a legislação e a jurisprudência (18). Para concretizar as regulamentações globais, o legislador remete aos Tribunais, ao passo que estes remetem ao legislador, quando eles não conseguem chegar por si só a uma decisão justa (19). Justamente se aceitamos que ambos os órgãos do sistema jurídico participam do aperfeiçoamento do Direito, resultam então interdependências, que não podem ser tornadas tão facilmente assimétricas com uma distinção simples entre 'grau superior' e 'grau inferior'. Permanece uma clara regra de colisão; no caso de um conflito vale a decisão do legislador e não do Juiz. Mas são os Tribunais que decidem se estamos diante de um caso de conflito ou não, como para compensar os prejuízos causados pela regra. Mas é sobretudo o 'nodo' entre a legislação adequada e o texto do Direito Positivo que faz com que a hierarquização da relação entre a legislação e a jurisprudência se torne questionável. Ele retira dos Tribunais aquele respaldo natural e reduz a sua autonomia à medida do acompanhamento do aperfeiçoamento do Direito que, de resto, raras vezes é utilizado. Com isso assumimos, no entanto, o problema de que todo o Direito pode estar de acordo com ou contrário à Constituição (20). Acontece que onde a Constituição constitui e 158/A posição dos tribunais no sistema jurídico restringe as competências da legislação, surge a pergunta por quem deve tomar a decisão nesse caso. Cada transferência dessa tarefa ao legislador tornaria a restrição de modificações da Constituição sem sentido, embora ela pertença ao Direito vigente. Por isso só os Tribunais podem ser competentes. Mas isso só pode ser tolerado se os próprios Tribunais forem constituídos pela Constitui- ção, obrigados ao respeito do seu texto e deste último limitados (21). De qualquer maneira a simples existência das Cortes Constitucionais suscita dúvidas sobre se a descrição hierárquica da relação entre legislação e jurisprudência faz justiça ao problema ou se ela representa apenas uma solução de emergência, à qual recorreremos por ela nos parecer, num primeiro momento, apropriada para dis- solver a circularidade auto-referencial do sistema jurídico diferenciado, que é a sua própria fonte de direito. Um problema, que é, no mínimo, de igual importância, está num terceiro fator: na tolerância da ciência jurídica dominante no direito privado de contratos (22). Também diante desse fenômeno a teoria dominante do Direito encontra o seu compromisso. Mesmo se o sistema jurídico é descrito num sentido empre- gado como sistema, pensamos, principalmente nos organizadores de uma categoria profissional dos juristas. Em outras palavras: o sistema funcional dizendo o Direito e as organizações formuladas no âmbito desse sistema não são distinguíveis com suficiência. Não se vê ou ao menos não se considera suficien- te o fato da comunicação acerca do Direito e da disposição sobre o (21) - Alexander Hamilton encontra argumentos eloquentes para a 'inocuidade' de tal solução nos Federalist Papers n. 78, citados segundo a edição Middle/Conn., 1961, p. 521-534 (525 e segs.). V. também a argumentação de Marshall em Marbury v. Madison 1 Cranch (1803), p.137-180 (176 e segs.). (22) - A quantidade gigantesca de Direito Estatutário privado nas organizações do sistema econômico, que na prática é igualmente importante, pode ser reduzida formali- mente a contratos. Mas quanto ao seu conteúdo, não se trata de maneira alguma apenas de transações individuais. Por essa razão devemos ver para as revisitações da Direito das cor- porações, que inicia com as joint stock companhias do sec. XVIII e chega ao termo com a introdução legal de limitações de responsabilidade no sec. XIX, um fenômeno da mesma ordem, v. por exemplo Arthur J. Jacobson, The Private Use of Public Authority: Sov- erignity and Associations in the 18 th Century in: Buffalo Law Review 29 (1980), p. 599-665. Em cada caso aquilo que deve ser aceito posteriormente como ser previsto no Tribunais, ainda não tinha sido previsto pelo sistema jurídico. Os parceiros num contrato ao mesmo precisam, bem como determinam, ter formulado o que eles querem alcançar de tal maneira que os Tribunais possam reconhecê-lo.
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Aqui encontramos as mesmas tentativas que se repetirão mais tarde entre nós — naquela época, contra as tentativas reformistas do Lorde Mansfield, mas também hoje ainda — conservaram com tamanha tenacidade a distinção de judge e jury. Tratava-se, se abstairmos das célebres conventions da Nova Inglaterra, da única forma de expressão de democracia local. (8) - Para tal é desempenhado uma lenda em torno de Montesquieu, v. Regina Ogoerek, De L'Esprit des Légendes oder wie Gewissamaber aus dem Nichts eine Interpretationstheorie Wurde (De L'Esprit des Légendes ou como de certa maneira o nada se transforma em uma doutrina de interpretação), in Rechtsthistorische Journal (Revista de Históría do Direito), 2 (1983). (9) - Assim argumenta por exemplo Ernst Forsthoff, Der Staat der Industriesellschaft: Dargestellt am Beispiel der Bundesrepublik Deutschland (O Estado da Sociedade Industrial. Apresentado com base no exemplo da República Federal da Alemanha), Munich, 1971, p. 133. Assim estudos empíricos de data mais recente demonstraram que a influência dos juristas (especializados no conhecimento do sistema judiciário) na política costuma ser superestimada, v. Robert L. Nelson/John P. Heinz, Lawyers and the Structure of Influence in Washington, in Law and Society Review 22 (1988), p. 237-300. (10) - V.; para a Escolcá David Lieberman, The Legal Needs of a Comercial Society: The Jurisprudence of Lord Karnes, in Istvan Hont/Michael Ignatieff (edd.), Wealth and Virtue: The Shaping of Political Economy in the Scottish Enlightenment, Cambridge/Grã-Bretanha, 1983, p. 203-231. 153/A posição dos tribunais no sistema jurídico a partir de agora não só a função da aplicação, mas também a da interpretação das Leis é delegada aos Tribunais (11). Somente isso torna possível que se possa exigir que os Tribunais decidam todos os casos que lhes são apresentados. A 'vinculação à lei' torna-se assim, por sua vez, objeto da interpretação por parte do Juiz. (5) - Concede-se gradativamente também à vontade 'privada' um poder de disposição cada vez maior sobre o símbolo 'vigência do Direito', e isso na forma de uma liberdade contratual isenta de toda e qualquer coação de tipos (12). (11) - Cf. sobre esse desenvolvimento Hermann Conrad, Richter und Gesetz im Übergang vom Absolutismus zum Verfassungsstaat (Juiz e Direito na Transição do Absolutismo para o Estado Constitucional), Graz, 1971 (12) - V. sobre o desenvolvimento em questão, Patrick S. Atiyeh, The Rise and Fall of Freedom and Contract, Oxford, 1979. De resto, nada mostra melhor a autonomia de evolução do sistema jurídico do que o contraste em primeira vista, entre a Alemanha e a Inglaterra do que na Inglaterra, muito mais avançada do ponto de vista econômico; a Inglaterra inicialmente se tinha satisfeita com ampliações extremamente cautelosas no âmbito da doutrina do consideration (obrigação em respeito a um serviço [Gegenleistung) já prestado ou a ser prestado. O fundamento da teoria da consideration repousa sobre uma ideia de reciprocidade: uma promessa só se transforma em contrato juridicamente válido quando algo possível de ser avaliado economicamente é dado em troca), admitindo obrigações futuras puras somente no início do séc. XIX. A título de comparação, v. Max Rheinstein, Die Struktur der Vertragslichen Schuldverhältnisse im Anglo-Amerikanischen Recht (A Estrutura das Relações de Obrigações Contratuais no Direito Anglo-Americano, Berlin, 1932). Cf. ainda A. W. B. Simpson, A History of the Common Law of Contract: The Rise of the Action of Assumpsit, Oxford, 1975; Morton J. Howitz, The Transformation of American Law, 1780-1860, Cambridge/Mass., 1977; A. W. B. Simpson, Innovation in Nineteenth Century Contract Law, in ibid., Legal Theory and Legal History: Essays on the Common Law, London, 1987, p. 171-202. A diferença fica esclarecida (sem que isso pudesse explicar a evolução distinta do Direito Privado) se levarmos em consideração as regulamentações introduzidas pelas autoridades, que hoje seriam localizadas na esfera do Direito Público, quer dizer, restrições do comércio de ideias, da produção de mercadorias, do comércio e dos relacionamentos de serviço; pois elas foram desvitalizadas muito antes na Inglaterra do que no continente. Para tal v. Dieter Grimm, Soziale, Wirtschaftliche und Politische Voraussetzungen der Vertragsfreiheit: Eine Vergleichende Skizze (Pressupostos Sociais, Econômicos e Políticos da Liberdade de Contrato: um Esboço Comparativo), in ibid., Recht und Staat der Bürgerlichen Gesellschaft (Direito e Estado da Sociedade Burguesa), Frankfurt/Main, 1987, p.165-191. 154/A posição dos tribunais no sistema jurídico Como essa liberdade contratual pressupõe fundamentos não-contratuais, a doutrina positivista das fontes do Direito não reconheceu os contratos como fonte sui generis do Direito e pode assim contribuir para velar o alcance da transformação. Mas os Tribunais reconhecem as 'vontades das partes contratantes' como objeto da sua interpretação, quer dizer como um substitutivo do texto. E de qualquer maneira o conceito do 'privado' permanece sendo um conceito jurídico controlado no sistema jurídico. (6) - Quanto mais se reconhece essa competência da vontade privada para a positivização do Direito, tanto mais o meio assim criado de um acoplamento quase ad libitum de vontades demonstra ser o campo por excelência da manifestação da intervenção política, que por sua vez se vale da legislação e se deixa controlar pela jurisprudência. O ponto culminante da doutrina da liberdade contratual - já determinada ideologicamente enquanto formulação, pois antes tinha sido ideologia sem fórmula - é da mesma maneira também uma causa do surgimento de obrigações - é ultrapassada rapidamente. Na Inglaterra isso se dá por volta de 1870, mas nos Estados Unidos duas a três décadas mais tarde, o surgimento de obrigações, quanto o Direito Traviswohn, Limitou o Direito dos cartéis, o qual naquela altura contratual precisava ser garantido controlar a mesma, e, surge bem mais tarde, também no Direito social (13). No entanto, apenas a análise retrospectiva desse processo mostra com clareza até que ponto a liberação da propriedade e do contrato tinha criado formas que podiam mais tarde servir de meio limitável para o sistema político. Sem intervenção na liberdade não existe nenhuma competência regulativa. Mas na Idade Média e ainda no estado territorial mercantilista justamente a liberdade tinha sido inversamente uma exceção às limitações normalmente vigentes, concedida como um 'privilégio'. (7) - Como resultado de tudo isso a separação estrita de legislação e jurisprudência desde o séc. XIX cria a possibilidade de sujeitar um lado à vontade politica e o outro à vontade privada; com isso ela cria, portanto, a possibilidade de operar com distintos acoplamentos estruturais do sistema jurídico ao sistema político, através das constituições, é, ao sistema econômico, através da propriedade e do contrato. A separação de legislação e jurisprudência é então formulada paradoxalmente como não-separação, como 'vinculação do Juiz à lei', e isso possibilita na prática a intervenção politicamente motivada. (13) - Para uma crítica v. por exemplo Roscoe Pound, Liberty of Contract, in Yale Law Review 18 (1909), p. 454-487. A posição dos tribunais no sistema jurídico/155 na propriedade e no contrato. Mas tudo isso depende da manutenção da separação e, com isso, da canalização diferencial de influências externas. A desistência da manutenção da separação acarretaria o colapso do sistema jurídico e, consequentemente, também o colapso da diferenciação de política e economia. Esse breve esboço deverá bastar para mostrar quais foram as influências nas transformações ideológicas, políticas e jurídicas, nas quais a diferença de legislação e jurisprudência se viu obrigada a se afirmar. Ela logrou sobreviver enquanto distinção relacionada e materializada na organização. Pois numa distinção assim concretizada na organização ninguém se lembrará de solicitar o divórcio ao parlamento ou de requerer a modificação de uma lei junto a um juiz e vice-versa. Nesse sentido justifica-se na prática a distinção importante do ponto de vista da estrutura do sistema e sobretudo do ponto de vista da estrutura da sociedade, que vê no sistema (funcionalmente diferenciado) de organizações um tipo completamente novo de realidade social. Aos poucos se formaram organizações que interagem segundo a divisão do trabalho e cumprem as suas respectivas funções. Mas a função da distinção entre legislação e jurisprudência não se localiza no plano da unidade, mas da reprodução pelos termos próprios da sociedade. Assim o paradoxo da unidade que se distingue de si mesmo do ponto de vista organizacional o fato da distinção vale como pressuposição da especificação de tarefas. Do ponto de vista social a distinção vale como unidade, como forma. Ela fornece, na sua ação conjunta com outras distinções, sobretudo nas distinções entre codificação binária e programação, igualmente, na diferença entre Direito e não-Direito, por um lado, e normas jurídico-positivas, de outro lado, o pressuposto para que o próprio sistema jurídico se possa diferenciar do seu mundo circundante e para que ele possa, enquanto sistema operativamente fechado, reproduzir suas próprias operações através da rede de operações próprias (15). 156/A posição dos tribunais no sistema jurídico II A análise histórica das causas, que forneceram à distinção entre legislação e jurisprudência o seu significado atual, explica ao mesmo tempo determinadas fraquezas da descrição teórica dessa distinção. A sua posição central enquanto armação estrutural para o processamento de questões jurídicas quase não é negada e é questionada 'criticamente' apenas de longe e sem consideração de outras possibilidades (16). Mas a pergunta pela acepção precisa dessa distinção não é formulada, como se a resposta fosse evidente de per si: os parlamentos estariam então num lado e os Tribunais noutro. Na Constituição (GG, art. 97) lemos com clareza compreensível para juristas o seguinte: 'Os Juízes são independentes e estão sujeitos apenas à lei'. Independentes, mas não independentes, conforme lê o leigo. Com efeito, essa fórmula da tradição contém a decisão jurídica sobre a diferenciação do Direito, o que pode ver no fato de que ela distribui as expectativas totalitárias interna aqui e no procedimento complicado de controle da legislação. A relevância interna do sistema jurídico (jurídica, judicial e legística) está entre as relações que caracterizam a administração da justiça e contribuem para determinar o significado da decisão. Ao mesmo tempo, a expressão da 'independente' produz um deslocamento da perspectiva no interior do sujeito da instrução, isto é, na direção de um problema que podemos reconhecer em casos individuais e remeter assim à própria Justiça. E então a fórmula assegura o desiderato costumeiro de todas as hierarquias: a unidade do poder de instrução. Assim a descrição oficial parte de um modelo hierárquico, segundo o qual a legislação tem precedência sobre a jurisprudência. Isso soa plausível e não aparece necessitar de maior fundamentação, se lembrarmos que a jurisprudência deve levar em consideração o Direito vigente, em que pesem todas as liberdades de interpretação concedidas. Somente num exame mais acurado as relações se evidenciam mais complexas. Assim sabemos muito bem que a legislação teria pouca sorte com as suas leis se ele descurasse da 'justicialidade'. A posição dos tribunais no sistema jurídico/157 O Juiz deve compreender e aplicar a instrução, o que equivale a poder operá-la como idêntica no contexto de uma multiplicidade de decisões em circunstâncias (Sachlagen) muito diferentes entre si. Além disso foram descobertas numerosas ligações de feedback entre a legislação e a jurisprudência (18). Para concretizar as regulamentações globais, o legislador remete aos Tribunais, ao passo que estes remetem ao legislador, quando eles não conseguem chegar por si só a uma decisão justa (19). Justamente se aceitamos que ambos os órgãos do sistema jurídico participam do aperfeiçoamento do Direito, resultam então interdependências, que não podem ser tornadas tão facilmente assimétricas com uma distinção simples entre 'grau superior' e 'grau inferior'. Permanece uma clara regra de colisão; no caso de um conflito vale a decisão do legislador e não do Juiz. Mas são os Tribunais que decidem se estamos diante de um caso de conflito ou não, como para compensar os prejuízos causados pela regra. Mas é sobretudo o 'nodo' entre a legislação adequada e o texto do Direito Positivo que faz com que a hierarquização da relação entre a legislação e a jurisprudência se torne questionável. Ele retira dos Tribunais aquele respaldo natural e reduz a sua autonomia à medida do acompanhamento do aperfeiçoamento do Direito que, de resto, raras vezes é utilizado. Com isso assumimos, no entanto, o problema de que todo o Direito pode estar de acordo com ou contrário à Constituição (20). Acontece que onde a Constituição constitui e 158/A posição dos tribunais no sistema jurídico restringe as competências da legislação, surge a pergunta por quem deve tomar a decisão nesse caso. Cada transferência dessa tarefa ao legislador tornaria a restrição de modificações da Constituição sem sentido, embora ela pertença ao Direito vigente. Por isso só os Tribunais podem ser competentes. Mas isso só pode ser tolerado se os próprios Tribunais forem constituídos pela Constitui- ção, obrigados ao respeito do seu texto e deste último limitados (21). De qualquer maneira a simples existência das Cortes Constitucionais suscita dúvidas sobre se a descrição hierárquica da relação entre legislação e jurisprudência faz justiça ao problema ou se ela representa apenas uma solução de emergência, à qual recorreremos por ela nos parecer, num primeiro momento, apropriada para dis- solver a circularidade auto-referencial do sistema jurídico diferenciado, que é a sua própria fonte de direito. Um problema, que é, no mínimo, de igual importância, está num terceiro fator: na tolerância da ciência jurídica dominante no direito privado de contratos (22). Também diante desse fenômeno a teoria dominante do Direito encontra o seu compromisso. Mesmo se o sistema jurídico é descrito num sentido empre- gado como sistema, pensamos, principalmente nos organizadores de uma categoria profissional dos juristas. Em outras palavras: o sistema funcional dizendo o Direito e as organizações formuladas no âmbito desse sistema não são distinguíveis com suficiência. Não se vê ou ao menos não se considera suficien- te o fato da comunicação acerca do Direito e da disposição sobre o (21) - Alexander Hamilton encontra argumentos eloquentes para a 'inocuidade' de tal solução nos Federalist Papers n. 78, citados segundo a edição Middle/Conn., 1961, p. 521-534 (525 e segs.). V. também a argumentação de Marshall em Marbury v. Madison 1 Cranch (1803), p.137-180 (176 e segs.). (22) - A quantidade gigantesca de Direito Estatutário privado nas organizações do sistema econômico, que na prática é igualmente importante, pode ser reduzida formali- mente a contratos. Mas quanto ao seu conteúdo, não se trata de maneira alguma apenas de transações individuais. Por essa razão devemos ver para as revisitações da Direito das cor- porações, que inicia com as joint stock companhias do sec. XVIII e chega ao termo com a introdução legal de limitações de responsabilidade no sec. XIX, um fenômeno da mesma ordem, v. por exemplo Arthur J. Jacobson, The Private Use of Public Authority: Sov- erignity and Associations in the 18 th Century in: Buffalo Law Review 29 (1980), p. 599-665. Em cada caso aquilo que deve ser aceito posteriormente como ser previsto no Tribunais, ainda não tinha sido previsto pelo sistema jurídico. Os parceiros num contrato ao mesmo precisam, bem como determinam, ter formulado o que eles querem alcançar de tal maneira que os Tribunais possam reconhecê-lo.