·
Direito ·
Sociologia do Direito
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Prefere sua atividade resolvida por um tutor especialista?
- Receba resolvida até o seu prazo
- Converse com o tutor pelo chat
- Garantia de 7 dias contra erros
Recomendado para você
35
Introdução à Sociologia da Administração da Justiça
Sociologia do Direito
MACKENZIE
11
Sabadell a Posição das Mulheres no Direito
Sociologia do Direito
MACKENZIE
35
Max Weber: Direito e Ascensão do Capitalismo - Análise e Contribuições
Sociologia do Direito
UNICURITIBA
20
Max Weber e a Racionalização: Impactos nas Ordens Social, Econômica e Política
Sociologia do Direito
ESAMC
17
Conceito e Definição do Direito como Fato Social
Sociologia do Direito
UMG
11
Luhmann Niklas a Posição dos Tribunais no Sistema Jurídico
Sociologia do Direito
IMED
9
4 a Aplicação do Direito
Sociologia do Direito
UMG
7
Resenha Crítica 5 de Vingança
Sociologia do Direito
FB
14
Capítulo 3: Algumas Convergências na Sociologia do Direito
Sociologia do Direito
PUC
22
6 - a Evolução da Sociedade Política
Sociologia do Direito
UMG
Texto de pré-visualização
sociologia do direito Sociologia do DireitomioloP3indd 1 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 2 020822 1037 Alberto Febbrajo sociologia do direito conceitos e problemas de eHrlicH a lUHmann tradUção de FERNANDO RISTER DE SOUSA LIMA E SAMANTHA BENEDETTI Sociologia do DireitomioloP3indd 3 020822 1037 Copyright 2021 Editora WMF Martins Fontes Ltda São Paulo para a presente edição Todos os direitos reservados Este livro não pode ser reproduzido no todo ou em parte armazenado em sistemas eletrônicos recuperáveis nem transmitido por nenhuma forma ou meio eletrônico mecânico ou outros sem a prévia autorização por escrito do editor 1ª edição 2021 Acompanhamento editorial Ana Paula Luccisano Preparação de texto Célia Regina Camargo Revisões Ana Paula Luccisano e Ana Caperuto Edição de arte Gisleine Scandiuzzi Produção gráfica Geraldo Alves Paginação Renato Carbone Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Barreto Evelyn Projetos de paz perpétua no direito internacional contemporâneo Evelyn Barreto prefácio Paulo Borba Casella Apresentação Cláudia PerroneMoisés São Paulo Editora WMF Martins Fontes 2021 Biblioteca Jurídica WMF Bibliografia ISBN 9786586016857 1 Direito internacional público 2 Kant Immanuel 17241804 3 Relações Interna cionais Filosofia I PerroneMoisés Cláudia II Título III Série 2174228 cdU341 Índice para catálogo sistemático 1 Direito internacional público 341 Cibele Maria Dias Bibliotecária CRB89427 Todos os direitos desta edição reservados à Editora WMF Martins Fontes Ltda Rua Prof Laerte Ramos de Carvalho 133 01325030 São Paulo SP Brasil Tel 11 32938150 email infowmfmartinsfontescombr httpwwwwmfmartinsfontescombr Sociologia do DireitomioloP3indd 4 020822 1037 Prefácio VII Introdução O objeto da sociologia do direito 1 Primeira Parte ConCeitos 1 O conceito de direito 31 11 A controvérsia entre Kelsen e Ehrlich 34 12 O conceito de direito vivo 43 13 Direito como instituição 54 2 O conceito de cultura jurídica 63 21 Definição 64 22 As premissas do modelo de Weber 74 23 As aplicações do modelo de Weber 82 24 Implicações e desenvolvimento 97 3 Algumas convergências 105 31 Três conceitos de direito 105 32 Funções do direito 110 segunda Parte Problemas 4 O problema da eficácia 121 sUmário Sociologia do DireitomioloP3indd 5 020822 1037 41 Ordem social e ordem jurídica 124 42 Norma e sanção 132 43 A institucionalização das sanções 142 44 Cálculo obrigatório e segurança jurídica 148 45 Sanção e memória coletiva 154 46 Comportamento e percepções do direito 160 47 As raízes da eficácia 168 5 O problema da evolução 189 51 As razões da evolução 193 52 As ferramentas evolutivas 205 53 Os filtros da evolução 213 54 Algumas implicações da abordagem sistêmica 222 55 Constituição e evolução 242 6 Conclusão 265 61 Os novos problemas 269 62 Endereços de pesquisa emergentes 276 63 Para uma sociologia do direito crítica 285 Referências bibliográficas 295 Sociologia do DireitomioloP3indd 6 020822 1037 Esta introdução à sociologia do direito originalmente concebida para o público italiano centrase em questões teóricas comuns aos diversos ordenamentos jurídicos nacionais que têm sido en frentadas sobretudo por autores hoje considerados clássicos Deve portanto também poder falar com leitores que possuem diferen tes experiências jurídicas Em geral porém devese notar que as relações entre a Itália e o Brasil estão recentemente se desenvolvendo em um quadro que torna cada vez mais fluidas as rígidas distinções usadas para tipificar a preestabelecida superioridade da realidade jurídica e política concentrada sobretudo na Europa e nos Estados Unidos Em geral atenuouse o contraste entre a democracia ocidental historicamente considerada madura mas na realidade cada vez mais visivelmente imperfeita e outras democracias entre um centro empenhado em produzir legislação cada vez mais avan çada em relação ao resto do mundo e uma periferia capaz de se alinhar apenas tardiamente e de modo incompleto com os últi mos desenvolvimentos legislativos entre um Norte apenas apa rentemente comprometido com os valores da igualdade jurídica e econômica e um Sul caracterizado por crônicas desigualdades nesses âmbitos preFácio Sociologia do DireitomioloP3indd 7 020822 1037 Viii sociologia do direito Mais especificamente é apenas o caso de recordar que laços complexos se desenvolveram nas últimas décadas entre Itália e Brasil facilitados não somente pelo estreito parentesco linguístico mas também pelas influências recíprocas entre escolas científi cas que fomentaram importantes paralelos culturais em vários setores do ordenamento jurídico dos dois países Uma influência significativa por exemplo foi exercida pela escola fundada em São Paulo por Tullio Ascarelli orientada sobretudo para o direi to comercial bem como pela Escola de Enrico Tullio Liebman que inspirou relevantes estudos históricos e comparativos sobre um momento essencial da vida do direito o processo1 Não é por acaso que nos anos 1960 o estudo do processo e da administra ção da justiça tornaramse os temas centrais sobre os quais se baseou a nascente pesquisa sociológicojurídica italiana Subli nharamse então problemas comuns a vários Estados como a defesa dos seus interesses de classe pelos magistrados e anteci paramse também problemas específicos hoje cada vez mais atuais na Itália como a tendência do Judiciário a articularse em diversas correntes ideológicopolíticas2 No mais para além das distinções entre os Estados a socio logia do direito também tende a identificar distinções transver sais capazes de contrastar várias culturas jurídicas mais ou menos próximas da cultura jurídica oficial entendidas em tese como lentes que mostram a realidade do direito de forma dife 1 Entre os mais recentes expoentes da escola de Liebman devo lembrar Michele Taruffo com quem realizei atividades de pesquisa nos anos 1960 na Universidade de Pavia onde nós dois nos formamos Taruffo que faleceu recentemente exer ceu influência significativa na Itália e no Brasil 2 TREVES R Giustizia e giudici nella società italiana Bari Laterza 1972 Entre as pesquisas mais interessantes realizadas no âmbito desse projeto também or ganizado com o apoio de Vittorio Denti mestre de Taruffo e estritamente liga do a Liebman ver MORIONDO E L ideologia della magistratura italiana Bari Laterza 1967 Sociologia do DireitomioloP3indd 8 020822 1037 preFácio iX rente e que podem se influenciar reciprocamente no quadro da circularidade essencial de todo discurso sobre o direito3 O vínculo entre a pesquisa sociológica e o mundo dos juristas sempre foi muito estreito e tem contribuído para o desenvolvimen to da sociologia do direito Muitos dos principais sociólogos que influenciaram direta ou indiretamente a disciplina como Marx e Weber receberam treinamento jurídico o que fez com que de senvolvessem grande interesse pela filosofia e pela história para melhor lidar com a complexidade dos problemas enfrentados Tal processo cultural pode ser em parte explicado por coin cidências biográficas aleatórias mas sem dúvida tem razões pro fundas como a convergência natural do direito e da sociologia em relação a um tema central para a teoria sociológica a ordem social De fato o tipo de milagre que vemos acontecer diaria mente em diferentes sociedades embora em grande parte imper feito o de uma coesão substancial que envolve de modo direto ou indireto milhões e milhões de indivíduos sempre foi um tema de extrema importância tanto para a reflexão sociológica quanto para a jurídica pois abarca de modo claro a dupla face das regras sociais e das normas jurídicas A sociologia do direito busca combinar os dois pontos de vista tratando não apenas dos instrumentos formais de que o direito dispõe para controlar a sociedade mas também das ferramentas informais com as quais ela consegue se organizar Isso significa que o direito para o so ciólogo do direito abrange muito mais e ao mesmo tempo muito menos do que o direito escrito Muito mais porque o direito es crito na legislação oficial pode ser considerado simplesmente a 3 Assim também se falou de uma cultura de revistas jurídicas Grossi 1984 So bre os vários modelos de cultura jurídica ver FEBBRAJO A ed Law Legal Culture and Society Mirrored Identities of the Legal Order LondresNova York Routledge 2018 Sociologia do DireitomioloP3indd 9 020822 1037 X sociologia do direito ponta de um iceberg apoiado por uma massa invisível de outras regras que são cruciais para lhe dar a estabilidade e a duração de que precisa mas também muito menos porque grande parte das normas do direito escrito tem relevância limitada ou quase nula para a conduta real dos eventos sociais Saindo dessa área de pesquisa que compreende além do direito escrito as regras sociais e os aparelhos que ajudam a pro duzila e aplicála a sociologia do direito em cerca de um século tem experimentado desenvolvimentos significativos e uma cres cente afirmação internacional Devese ressaltar também que na Europa como em muitos outros países a partir da Segunda Guerra Mundial a sociologia do direito recuperou o impulso tornandose testemunho de uma profunda necessidade de reno vação percebida pelo mundo do direito bem como de demandas generalizadas por um direito melhor vindo da sociedade Por tanto sobretudo a partir da década de 1970 a sociologia do direi to vem se concentrando em cursos que promovem estudos que foram simultaneamente estabelecidos em vários países sem dei xar de recuperar o enorme legado dessa sociologia clássica que já no início do século passado contribuiu de modo decisivo para seu nascimento Com o crescente sucesso da disciplina aumen tou consideravelmente tanto o número de sociólogos do direito quanto o de juristas dispostos a usar de modo explícito ou implí cito ferramentas sociológicas para realizar melhor o seu traba lho Isso tem ajudado a transformar a sociologia do direito de observadora para produtora de cultura jurídica sinalizando a circularidade essencial de qualquer discurso sobre o direito des tinado a fazer parte de seu objeto no momento em que é recebido dentro da cultura jurídica oficial Tudo isso embora sem dúvida tenha enriquecido o contexto dos estudos sociológicos e jurídi cos também produziu uma considerável fragmentação e uma Sociologia do DireitomioloP3indd 10 020822 1037 preFácio Xi falta de sistemática que no momento atual parece muito difícil e talvez até prematuro tentar solucionar Para superar essas dificuldades de enquadramento passa mos a falar não de uma sociologia do direito mas de mais de uma sociologia do direito distinguindose em particular aque la dos sociólogos mais atenta ao papel social do direito como um todo e aquela dos juristas mais atenta às implicações sociais das normas individuais que se enquadram na sua área específica de competência No lugar do nome tradicional sociologia do direi to às vezes foram usadas outras denominações ainda mais ge rais e imprecisas direito e sociedade law and society droit et société derecho y sociedad Devese notar no entanto que embora heterogêneos os es tudos sociológicojurídicos desde a sua origem têm comparti lhado alguns objetos de pesquisa comuns e buscado explicálos de modo que se compreenda a relação real que existe entre direi to e sociedade além de uma intenção pragmática movidos pelo desejo de interpretálos com vista a melhorálos Tudo isso pare ce ter uma consequência importante o lugar em que o ensino da sociologia do direito mostrase mais apropriadamente institucio nalizado são as faculdades de direito e em particular os cursos nos quais os futuros profissionais da área jurídica são prepara dos para atuar Essa consequência no entanto não parece total mente óbvia A rápida disseminação da sociologia do direito foi resultado do crescente interesse de um círculo diversificado de possíveis usuários com diferentes orientações As expectativas sobre as tarefas da sociologia do direito são múltiplas Aqueles que a veem sobretudo como resultado da diferenciação e especialização do conhecimento sociológico têm apoiado sua inclusão nos cursos preparatórios dos futuros soció logos mas aqueles que a percebem como uma forma de estudar Sociologia do DireitomioloP3indd 11 020822 1037 Xii sociologia do direito os complexos instrumentos de controle da política na sociedade ou os processos de aprendizagem e internalização de normas em especial normas jurídicas têm contemplado sua inclusão tam bém em outros cursos Para identificar um quadro unitário de referência este livro centrará a atenção em alguns dos principais conceitos e questões da disciplina considerando que mesmo diante da pluralidade de diferentes variantes nesse nível geral é possível reconhecer na sociologia do direito uma identidade fundamental e destacar sig nificativas convergências fundamentais entre as suas diferentes orientações Em particular com relação aos conceitos fundamen tais a primeira parte do livro tratará da definição da precondição essencial de qualquer pesquisa sociojurídica que é o conceito so cioeconômico de direito Além disso será feita uma tentativa de ampliar o discurso para o que parece ser a pedra angular in substituível das inúmeras relações entre direito e sociedade o conceito de cultura jurídica fundamentalmente compreendi do como o conjunto de lentes por meio das quais os diferentes atores sociais veem o direito e os operadores jurídicos No capítulo 3 após apontar algumas convergências entre as diversas propostas conceituais discutidas será feita uma tentativa de estabelecer uma ponte entre a primeira e a segunda parte do livro a partir do conceito sociológico de função que aplicado ao direito pode incluir uma ampla gama de significados úteis para a identificação dos principais problemas da sociologia do direito O foco serão questões essenciais independentemente das diferentes abordagens escolhidas a da eficácia do direito ques tionando como ele pode se impor sobre o comportamento dos atores sociais e a da evolução do direito questionando como a sociedade pode influenciálo e mudar suas estruturas e seus con teúdos A primeira pergunta mostrase de particular interesse Sociologia do DireitomioloP3indd 12 020822 1037 preFácio Xiii para o lado normativo da disciplina e das técnicas de controle social a segunda sobretudo para o aspecto cognitivo e os fatores que podem explicar as mudanças no direito No capítulo final será feita uma tentativa de identificar o que muda no que diz respeito a revisitar o conjunto de conceitos a serem utilizados e os problemas a serem abordados a fim de caracterizar a sociologia do direito contemporânea Nesse contexto um lugar particular será reservado à obra de Luhmann cujo amplo projeto de pesquisa terminou pouco antes de sua morte e ainda está aberto a novos desenvolvimentos A sua teoria que em um olhar mais atento sugere sobretudo um diferente modo de pensar propõese a evitar a rígida distinção sujeitoobjeto que pode levar a julgar apenas o externo da socie dade e em vez disso tenta estudar também o interno de estrutu ras com várias articulações funcionais desde o enfrentamento de riscos as improváveis conexões e as redundantes alternativas de um sistema social como a que o direito dispõe em suas relações com o ambiente4 A influência exercida pela obra desse autor tanto na Itália quanto no Brasil parece constituir um importante ponto de con tato para a sociologia do direito dos dois países5 4 Já no final dos anos 1960 começaram a se delinear os elementos fundamentais de sua abordagem teórica partindo não apenas de temas da sociologia do direito mas também da sociologia política e da administração sobre esses primeiros tra balhos ver FEBBRAJO A Funzionalismo strutturale e sociologia del diritto nellopera di Niklas Luhmann Milão Giuffrè 1975 Ainda assim Luhmann era um verdadeiro mestre para jovens pesquisadores um precioso ponto de referência para discussões e pesquisas Acompanhei então sua produção tentando introdu zir na Itália algumas de suas inúmeras obras Sociologia del diritto Bari Laterza 1977 Sistema giuridico e dogmática giuridica Bolonha Il Mulino 1978 Stato di diritto e sistema sociale Nápoles Guia de 1978 Sistemi sociali Bologna Il Mulino 1990 Procesimenti giuridici e legittimazione sociale Milão Giuffrè 1995 5 Entre os estudiosos italianos mais envolvidos na difusão do pensamento de Luhmann no Brasil está Raffaele de Giorgi Entre as contribuições brasileiras Sociologia do DireitomioloP3indd 13 020822 1037 XiV sociologia do direito No decorrer do livro serão contempladas abordagens histó ricas diferentes daquelas que compreendem diferentes aspectos do comportamental ao antropológico Da mesma forma o di mensionamento dos contrastes e o surgimento de posições inter mediárias mais diversas e compostas serão levados em conta nas escolhas teóricas A seleção dos autores foi forçosamente muito seletiva partindo do princípio de que é preferível centrar mais em alguns deles em vez de dizer pouco sobre muitos Em vez de enfatizar as diferenças entre as ideias dos autores tentamos res saltar as conexões entre eles e as dívidas que assumiram mutua mente para trazer um quadro comum Este livro está voltado sobretudo para estudantes de sociolo gia do direito interessados no desenvolvimento de uma teoria sociológica do direito É dedicado à memória de Renato Treves que depois de ter estendido seus interesses filosóficos jurídicos aos estudos socio lógicos nos anos de exílio na América Latina teve o grande mé rito de ter difundido a sociologia do direito na Itália Treves 1968 e 1988 para o estudo da obra de Luhmann ver CAMPILONGO C F AMATO L F BARROS M A L L rev Luhmann and SocioLegal Research An Empiral Agenda for Social Systemns Theory London New York Routledge 2021 GON ÇALVES G L VILLAS BÔAS FILHO O Teoria dos sistemas sociais direito e sociedade na obra de Niklas Luhmann São Paulo Saraiva 2013 LIMA F R So ciologia do direito o direito e o processo à luz da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann Curitiba Juruá 2012 SEVERO R L KING M SCHWARTZ G A verdade sobre a autopoiese no direito Porto Alegre Livraria do Advogado 2009 Sociologia do DireitomioloP3indd 14 020822 1037 Uma introdução à sociologia do direito requer antes de tudo que seja delimitado pelo menos ao mínimo possível o objeto do qual se ocupa1 Tal objeto em geral é definido por uma fórmu la que pode parecer quase tautológica o estudo das relações en tre direito e sociedade Essa definição aparentemente simples e intuitiva exige algumas especificações Em primeiro lugar a definição por si só não se restringe de modo exclusivo à sociologia do direito pois o sociólogo do direi to não é o único que se ocupa deste para se referir diretamente à sociedade O historiador por exemplo busca integrar e interpre tar os documentos jurídicos de outras épocas enquadrandoos em seu contexto social o filósofo busca descobrir dentro ou aci ma das normas valores largamente compartilhados e radicados nas razões de uma convivência pacífica mesmo o juiz tenta apli car a determinados indivíduos de carne e osso as normas gerais e abstratas Ou seja são todos sujeitos empenhados em recons truir as relações entre direito e sociedade ao menos na medida em que se revelam essenciais para o seu trabalho 1 Para uma ampla e detalhada exposição dos diversos temas de estudo que a dis ciplina enfrenta em âmbito internacional ver BANAKAR R TRAVERS M rev Law and Social Theory Oxford Portland Hart 2013 introdUção O ObjetO da sOciOlOgia dO direitO Sociologia do DireitomioloP3indd 1 020822 1037 2 sociologia do direito A sociologia jurídica caracterizase como ciência não porque se ocupe de modo meramente instrumental ou ocasional das re lações entre direito e sociedade mas sim porque a toma como objeto específico da própria pesquisa o que não ocorre com as disciplinas antes mencionadas Com efeito direito e sociedade são distintos mas comple mentares A sociedade pode ser representada não só como a soma de indivíduos mas como as relações que acontecem entre eles e em um nível logicamente superior as relações entre tais relações O direito pode ser por sua vez visto como o instrumen to mais sofisticado que apropriado a tais níveis suplementares regula as relações interindividuais Sociedade e direito não se exaurem então nos seus aspectos imediatamente visíveis Con siderar o direito como um somatório de textos escritos significa não reconhecer a sua essência assim como considerar a sociedade como mera pluralidade de indivíduos significa não compreender a sua humanidade Para o sociólogo do direito tudo o que move os homens são relações interindividuais reguladas para orientações difusas a uma ideia mais ou menos vaga de normatividade Um exemplo pode servir para ilustrar esse aspecto imaginemos um grupo de pedestres parado em um semáforo à espera de que se acenda a luz verde para que atravessem uma via pública Esses indivíduos provenientes de várias partes da cidade provavelmente com di ferentes destinos nada têm em comum senão aquela breve para da Eles constituem portanto uma simples plateia causal pouco relevante para um sociólogo O único aspecto que os aproxima é que param e se movem obedecendo aos sinais de um semáforo seguindo fielmente uma norma que regula os ritmos dos seus movimentos e de modo homogêneo as relações entre eles que são puramente anônimas e casuais É fácil então também para Sociologia do DireitomioloP3indd 2 020822 1037 introdUção 3 um observador externo concluir que os pedestres são ligados entre si não por uma relação simples mas por relações reguladas por uma norma que todos ao menos de maneira implícita reco nhecem mesmo aqueles que com pressa e diante de condições de tráfego e da falta de guardas de trânsito eventualmente atra vessam a rua antes dos outros Para a sociologia do direito contudo a relação entre socieda de e direito não é uma relação puramente simétrica Essa ciência pressupõe que a sociedade não o direito é o elemento mais im portante As relações entre direito e sociedade não podem ser vis tas apenas como os relacionamentos entre quem comanda e quem obedece pois na verdade é a sociedade que de maneira simultâ nea é a causa primeira e a destinatária das ações reguladoras das normas Em outros termos a sociedade pode ser comparada ao lançador de bumerangue destinado a ser golpeado pelo mesmo objeto que lançou mas haveria sempre a possibilidade de fazêlo cair no vazio Isso significa que as relações entre sociedade e di reito não são de contraposição frontal nem de exclusão recíproca mas sim caracterizadas por um constante intercâmbio pelo qual o direito tem com a sociedade estreitas e orgânicas relações e a sociedade é concebida de modo que reconheça como idôneos os espaços do próprio direito embora mantendo com ele uma posi ção de proeminência Como já foi dito as relações entre direito e sociedade não são simétricas mas circulares Direito e sociedade obedecem às lógi cas convergentes de modo que o direito contribui para a sobre vivência de tudo o que é inteiro e ainda é a razão da existência da parte Como se diz Ubi societas ibi ius a recíproca também pode ser dita Ubi ius ibi societas Romano 1918 pp 256 Por tanto os relacionamentos entre direito e sociedade não represen tam um conjunto com soma zero de modo que uma expansão da Sociologia do DireitomioloP3indd 3 020822 1037 4 sociologia do direito área do direito não implica necessariamente uma correspon dente redução do âmbito da autonomia da sociedade A multipli cação das normas jurídicas longe de potencializar a capacidade reguladora do direito pode ser um sinal da sua debilidade e da sua insuficiente incivilidade e por conseguinte não comporta obrigatoriamente uma compreensão dos espaços de manobra dos destinatários Para individualizar tal concepção permitese que a socie dade mantenha uma relativa independência nos confrontos do direito e a este permitese uma relativa independência nos confrontos da sociedade Isto ocorre por meio de filtros especí ficos selecionandose o grau de suas intensas e constantes inte rações impedindo que qualquer um dos polos da relação acabe por se mesclar ou se confundir com o outro Além disso as relações entre direito e sociedade para não se tornarem rigida mente bipolares são sempre submetidas às ações de conjuntos de variáveis diferentes que podem influenciar o externo de vá rios modos O direito tem diferentes relacionamentos com quase todos os âmbitos do social e os condicionamentos que partem da so ciedade seguem percursos mais ou menos indiretos para que possam ir da política à economia antes de atingir o direito even tualmente enriquecendose ou enfraquecendose durante esse longo trajeto A sociologia do direito deve por isso reconstruir essas complexas relações entre fatores sociais direta ou indireta mente relevantes para o direito de modo amplo e diversificado o suficiente de acordo com seu âmbito específico político econô mico e outros Movendose sob tais premissas a sociologia do direito tem desenvolvido um aparato conceitual e teórico que lhe permitiu assumir pontos de vista abstratos o suficiente para representar os Sociologia do DireitomioloP3indd 4 020822 1037 introdUção 5 incontáveis condicionamentos recíprocos do direito e da socie dade Desse modo foram individualizados conceitos e enfrenta dos problemas relevantes seja sociológica ou judicialmente a fim de superar os horizontes limitados dos operadores indivi duais do direito ou dos destinatários comuns das normas jurí dicas Como toda pesquisa sociológica a sociologia do direito se justifica em suma pelo fato de oferecer aos indivíduos que atuam na sociedade uma espécie de grande espelho no qual po dem ver a si mesmos permitindolhes perceber e decifrar as re lações que os conectam aos outros indivíduos e ao restante da sociedade de modo que tenha mais consciência do sentido das suas ações em uma perspectiva em termos temporais e espaciais mais ampla do que permitiriam os horizontes individuais Deve também ser lembrado que a elaboração de uma abor dagem sociológica para o estudo do direito foi o resultado de um longo processo que passo a passo levou a sociologia do direito a definir a própria posição no âmbito da cultura jurídica oficial Na base desse percurso está a aspiração originária da sociologia de encarnar um ideal de ciência da realidade social metodologi camente assimilável às ciências da natureza superando com isso a ciência jurídica tradicional No caso da sociologia do di reito essa aspiração é baseada numa contraposição fundamental entre fatos sociais e normas jurídicas pressupondo que somente uma ciência sociológica relativa aos fatos sociais seria considera da uma verdadeira ciência Esse pressuposto alimentou um lon go debate sobre a possibilidade da existência de uma ciência empírica do direito debate que influenciou como se verá as vá rias definições do conceito de direito propostas pelos fundado res da sociologia do direito Sociologia do DireitomioloP3indd 5 020822 1037 6 sociologia do direito Sociologia do direito e modelos de ciência No início do século passado debatiase vigorosamente a fal ta de um estudo normativo do direito a ponto de ele ser colocado no centro das atenções do mundo dos juristas O debate aconteci do no início do século XIX entre Anton Friedrich Justus Thibaut e Friedrich Carl von Savigny continua ainda hoje rico em pon tos de reflexão Enquanto o primeiro defendia a necessidade de um novo Código Civil o outro sustentava a ideia romântica de um direito criado não a partir das leis mas da cultura de um povo acreditando que o direito não é nem pode se tornar o produto arbitrário da vontade individual mas deve permanecer fruto de um processo anônimo e coletivo que se prolonga no tempo fazen do que mais gerações de juristas assumissem o papel de intérpretes das forças e dos movimentos sociais que por si só seriam mais importantes do que as próprias leis Thibaut 1814 sobre esse de bate ver Hattenhauer 1973 Essas posições opostas provavelmente seriam mantidas fecha das no interior dos diversos endereços da cultura jurídica oficial se na segunda metade do século XIX graças à obra de Auguste Comte não fosse imposta uma atenção especial a um novo mo delo de ciência a sociologia baseada na possibilidade de intro duzir nas ciências humanas níveis de previsibilidade comparáveis aos das ciências naturais A nova lente promissora da sociologia que sob o impulso de uma crescente fé no desenvolvimento científico utilizava o ex perimentado marco do positivismo poderia com efeito consentir com o sucesso da pesquisa de um novo objeto de estudo baseado na sociedade e não limitado às normas da ciência jurídica dog mática Portanto como acontece com frequência se essa nova lente acabou condicionando a pesquisa do novo objeto as exi gências deste também não faltaram ao impor qualquer adapta Sociologia do DireitomioloP3indd 6 020822 1037 introdUção 7 ção à lente que deveria utilizar um foco mais nítido Tiemeyer 1969 Assim uma ciência geral da sociedade poderia de qual quer modo tentar oferecer uma alternativa à difusa desconfian ça no valor da ciência jurídica dogmática e se prestar também a um repensar do papel do jurista Segundo Comte os juristas e também os metafísicos ti nham adquirido poder ao suceder aos teólogos e aos militares na função de guiar a sociedade mas estavam destinados a ceder tal poder aos cientistas e técnicos que tinham constituído a classe dirigente da futura era positivista e industrial Com relação aos juristas e aos metafísicos especialistas na arte da persuasão os cientistas e técnicos seriam capazes na verdade de decifrar me lhor a sociedade porque eram especialistas nos métodos da ob servação e da experimentação Nessa visão da dinâmica social e do futuro da humanidade refletiase claramente não apenas uma confiança na possibili dade de conhecer as leis reais da sociedade mediante uma física social denominada sociologia mas também uma desconfiança nas leis do direito com as quais tinham de lidar os juristas desti nados a se tornar cada vez mais estrangeiros no mundo real Comte 1864 v V Surgiu percebida sobretudo pelo fundador da socio logia uma evidente lacuna entre o senso comum e a concepção técnicojurista que tem conhecido momentos de maior ou de menor importância mas possui origens muito antigas para poder voltar à afirmação de um direito escrito sobre o direito oral Ao se tornar reconhecível com o contrato ao menos em prin cípio por aqueles que sabiam ler MacCannell e MacCannell 1982 p 26 o direito para evitar o perigo de se estender de modo excessivo à área do juridicamente possível deveria ser protegido em termos lógicos e terminológicos por uma barreira de prote ção constituída por tecnicismos todos podem conhecer o direito mas nem todos podem falar sobre ele que poderia dentre outros Sociologia do DireitomioloP3indd 7 020822 1037 8 sociologia do direito aspectos ajudar a afrontar a exigência dos operadores de se orien tar com rapidez em uma massa de dados e de precedentes de ou tro modo de difícil gestão Tal fechamento terminológico foi obviamente o favorito por interesses de classes assim como pela preocupação em defender aos olhos dos usuários a capacidade do direito enquanto tal de resolver os conflitos Em suma os instrumentos sofisticados padronizados para poucos necessários à aplicação do direito foram utilizados e em momento posterior refinados para melhor delimitar um campo de interpretação que se tornaria potencialmente incontrolável caso fosse aberto aos muitos adeptos desse trabalho Schiavone 1976 Portanto não é um caso em que na fantasia popular a imagem do homem da lei fosse sempre associada aos estereótipos caracte rizados pela excessiva reverência formal nos confrontos das nor mas e por uma perda praticamente total do contato com o mundo real Os operadores do direito receberam apelidos como chica neiros ou impostores difundidos na linguagem comum e no mundo da literatura Porém é verdade que tais formas de sutil marginalização cultural foram por vezes acompanhadas e com pensadas por relevantes posições de prestígio Entretanto também é verdade que se trata de apelidos tão antigos que constituem um preço a pagar por quem se ocupa profissionalmente do direito Dessa forma era compreensível que a emergente sociologia do direito se contrapusesse em um primeiro momento àquela ciência jurídica dogmática que no saber jurídico transmitido na universidade às novas gerações tinha desempenhado e ainda de sempenhava papel predominante2 2 Ver Olgiati 2007 Recordese aqui que no início da década de 1950 foi propos to um modelo de ciência jurídica como alternativa a um ensino formalista e co dificante do direito particularmente próximo dos métodos indutivos em vez dos métodos destrutivos da doutrina e portanto mais flexível e menos sistemático que o último Viehweg 1953 Giuliani 1957 Sociologia do DireitomioloP3indd 8 020822 1037 introdUção 9 Os limites que rendiam discussões à ciência jurídica dogmá tica jurisprudência eram com efeito numerosos e de várias na turezas Von Kirchmann 1848 utilizando uma feliz semelhança que enfatizava a contingência das leis no final do século XIX se perguntou como era possível concentrar toda a atenção do juris ta em uma ciência que frente a três palavras inovadoras do legis lador correria o risco de destruir bibliotecas inteiras Kirchmann sugeriu antes de tudo entender os limites da ciên cia jurídica dogmática como defeito da capacidade de corresponder a certo ideal científico a despeito de outras ciências a fim de reali zar melhor tal ideal Os mesmos aspectos das forças da dogmática podiam em tal contexto transformarse em defeitos De fato era difícil sustentar que o conjunto das normas jurí dicas vigentes da qual se ocupava a ciência jurídica dogmática fosse provido dos requisitos demandados por um modelo positi vista de ciência dotado de estabilidade de conteúdo exclusiva mente determinado eficaz a ponto de ver traduzidas as próprias proposições em realidade Um direito potencialmente efêmero pela constante possibilidade de reescrever normas de conteúdo indeterminado dada a relatividade e a instabilidade dos critérios por vezes adotados pela frequência variável dos comportamentos previstos poderia ser considerado sobretudo com o surgimento da nova ciência sociológica como um obstáculo à obtenção de um modelo ideal da cientificidade embasado na tendência cons tante ou pelo menos na não arbitrariedade do seu próprio objeto Com relação ao nível programático o método dedutivo da ciência jurídica dogmática resultava da mera convicção técnica das argumentações usadas para justificar certa decisão mas não se ocupava dos resultados efetivamente alcançados Fiat iustitia pereat mundus que o mundo pereça mas façase a justiça Com isso poderia ser alvo de crítica de parte de quem tinha uma Sociologia do DireitomioloP3indd 9 020822 1037 10 sociologia do direito visão orientada mais para o nível substancial do que para aquele formal do direito Do outro lado o caráter abstrato dos princí pios do normativismo poderia facilitar a frequente variação nos conteúdos das normas positivas o melhor direito em tal contex to não é mais aquele velho mas aquele novo o que se tornaria de difícil controle pela mesma dogmática jurídica para a manu tenção dos níveis aceitáveis de unidade e coerência3 Os truques para superar tais limites podem ser encontra dos já no interior do ordenamento elevando ainda mais os ní veis de abstração do direito e consequentemente utilizando a segunda das circunstâncias 1 referências normativas mais duradouras como as normas organizadoras que em um ordenamento diferenciado regulam a produção de novas normas norma de normas 2 referências valorativas mais amplas como os conjuntos de valores em grau de legitimar os princípios inspiradores do inte rior dos ordenamentos valoração de valorações 3 referências sociais mais gerais como as regularidades típi cas que podem canalizar as interações sociais padronizadas de longo percurso regularidade de regularidades Falaremos sobre algumas das diversas estratégias de estabi lização interna do direito na medida em que possam interessar à sociologia do direito se tivermos a oportunidade de voltar ao assunto adiante Aqui nos limitaremos a observar que a ciência jurídica proveu a tudo isso com o auxílio de um aparato técnico e conceitual cada vez mais complexo e sofisticado como no caso da ciência do pandectismo a operação de sínteses inspira 3 Entre os autores italianos que enfrentaram o problema da cientificidade da ciência jurídica dogmática ver Leoni 1940 e Capograssi 1937 1962 Opocher 1991 destaca temas do pensamento de Capograssi que se aproximam particular mente da perspectiva sociológicojurídica Sociologia do DireitomioloP3indd 10 020822 1037 introdUção 11 das no direito romano que ainda hoje admiramos Cappellini 19841985 Todavia permaneceu o período que de tal maneira se acabas se por encerrar a maioria dos operadores jurídicos dentro de gaio las conceituais distantes de um exame realista das condições em que o direito opera na sociedade Inversamente o novo modelo cientificista que seria proposto pela sociologia colocava o enfoque sobre a realidade social e comportava uma percepção diferente não apenas da sociedade da parte dos juristas mas também dos juris tas da parte da sociedade Dux 1978 Röhl 1987 pp 43 ss De qualquer modo isso era inevitável Qualquer um que tente estudar o produto de uma atividade cultural plurimilenar como o direito deve concentrar a atenção também nas modalida des desenvolvidas pelos seus adeptos para poder voltálo para a vida prática Do mesmo modo quem tem a intenção de falar em termos sociológicos de religião não pode deixar de considerar a influência que teólogos e sacerdotes exercem no interior da vida da Igreja a que pertencem A convicção de que no seu trabalho de sistematização a ciên cia jurídica dogmática deveria ampliar o próprio horizonte e sair das próprias muralhas deparava com as posteriores argumenta ções relativas à delimitação e à gestão coerente daquelas normas jurídicas de diferentes naturezas substanciais mas também or ganizadoras e interpretativas que normalmente são colocadas dentro do grande recipiente normativo chamado ordenamento As várias disciplinas jurídicas a que a ciência jurídica em geral aparece articulada do direito privado ao penal do direito público ao comercial devem na verdade contemplar as necessidades não apenas relativas a aspectos formais abstratos mas também aos âmbitos do agir humano de modo que ao longo do tempo pos sam modificarse e receber novas classificações e novos limites Sociologia do DireitomioloP3indd 11 020822 1037 12 sociologia do direito Diante dessas dificuldades é lícito perguntar é realmente possível sustentar que exista uma ciência do direito capaz de rea lizar todas as tarefas requeridas pela gestão do direito na socie dade Não seria mais oportuno em vez de eleger um modelo coletivo de ciência para todas as ciências jurídicas adotar mode los distintos de ciência para as diferentes exigências que o orde namento jurídico no seu conjunto é chamado a satisfazer Se for será afirmada a tese sustentada por Kantorowicz 1962 pp 6981 de que seria necessário institucionalizar modelos diferentes de ciência para as diversas possibilidades de ciência do direito Tal tese embora não seja nova parece ainda predomi nante Bobbio 1958 Rehbinder 1993 Rottleuthner 1981 1987 Raiser 1973 2007 Desse modo o direito pode ser visto como algo além da norma também como valor e fato Essa tríplice di mensão justifica uma articulação correspondente à ciência jurí dica que desse modo é entendida ou como ciência dos valores jurídicos filosofia do direito ou como ciência das normas jurí dicas dogmática jurídica ou ainda como ciência dos fatos jurí dicos sociologia do direito Com efeito os três modelos de referência mencionados não excluem um ao outro Por vezes eles parecem destinados a sus tentar um ao outro e o ponto de referência que os caracteriza em relação à ação a orientação às normas aos valores aos fatos não pode ser exclusivo Em particular a mesma pesquisa sociológi cojurídica que desde as suas origens foi inspirada em um mo delo positivista de ciência emprestado das ciências naturais é predominantemente mas não exclusivamente orientada aos fa tos Deveria estudar as relações entre direito e sociedade mas antes de tudo cabelhe identificar os fatos relevantes em termos jurídicos algo que os fatos não podem fazer sozinhos O soció logo do direito também deve moverse por um critério de juridi Sociologia do DireitomioloP3indd 12 020822 1037 introdUção 13 cidade do direito Em suma a abordagem normativista pode ser superada pela sociologia do direito mas não ignorada Também por essa razão o normativismo permaneceu por muito tempo orientado predominantemente para a formação do jurista e não apenas na Itália Tal abordagem na versão elabora da por Hans Kelsen apegase a um modelo de direito baseado em alguns dos seus pressupostos fundamentais o ordenamento jurídico positivo posto pelo Estado deve ser capaz de imporse nos confrontos de normativização provenientes dos setores da sociedade externos a ela essa autonomia deve assegurar a atua ção dos operadores a confiança nas decisões a coerência dos métodos e a legitimidade do conteúdo vale dizer todos aqueles requisitos que parecem essenciais ao funcionamento do ordena mento jurídico a ciência deve ser capaz de reproduzir uma figu ra de que consiga satisfazer não mais a solicitações específicas e pontuais mas à solicitação geralmente compartilhada de servir de terceiro confiável na solução dos conflitos Nessa perspectiva a abordagem do estudo dogmático do direito parece tornar natural aquilo que é normativo O verdadei ro eixo da preparação dos juristas resulta desse modo no direito vigente posto pelo Estado num quadro que confia às matérias históricas e filosóficas um papel predominantemente cultural e de enquadramento que não subverte a imposição dogmática de fundo dos estudos jurídicos Roselli 2007 Palazzo Roselli 2007 A grande separação entre o mundo das normas e o dos fatos poderia ser vista portanto como um instrumento capaz de proteger contra possíveis degradações uma práxis jurídica preo cupada em defender a própria autonomia Eis então o sucesso alcançado por uma imposição ao estudo do direito inspirada pelo normativismo de Hans Kelsen que en fatizava a orientação do mundo das normas positivas a uma con Sociologia do DireitomioloP3indd 13 020822 1037 14 sociologia do direito cessão hierárquica das fontes e do direito estatal O fechamento do ordenamento jurídico e o seu rigor metodológico eram com efeito garantidos via conexão formal entre as diversas normas e os níveis hierárquicos em que o mesmo ordenamento era articu lado A construção em graus do ordenamento jurídico era neces sária para a introdução da hipótese de uma norma fundamental Grundnorm ou seja de uma norma pressuposta e não posta capaz de romper o recurso que em princípio poderia prosseguir ao infinito de uma norma válida a outra norma válida subordi nada à precedente e ainda posta por uma norma superior Kel sen 1911 1960 1962 sobre a abordagem de Kelsen e suas relações com a realidade social cf Losano 1981 Tais princípios organizadores que garantiam ao sistema ju rídico não apenas uma coerência dinâmica interna mas também limites seguros ao externo buscavam resgatar a ciência jurídica de forma pura ou como se diz na atualidade autorreferencial contribuindo para reservar ao jurista a tarefa crucial de intérpre te das normas de boca da lei Era esperado portanto que fosse feita referência à variável normativa da validade mais do que àquela empírica da eficácia Isso impunha ao operador e ao es tudioso do direito concentrar a atenção na proveniência e na trans missão das normas superiores àquelas subordinadas Assim eles se voltavam para as fontes das normas dando as costas aos seus efeitos na sociedade Para o modelo de normatividade rigorosa a sociologia do direito não podia limitarse a se contrapor a um modelo de rigo rosa factualidade Ambos os modelos representam polarizações heuristicamente úteis mas não permitem sozinhos que se exa mine o tema da relação entre direito e sociedade de modo satis fatório Dessa forma a sociologia do direito estava no curso da sua história sempre ciente Os diferentes percursos que seguiu Sociologia do DireitomioloP3indd 14 020822 1037 introdUção 15 podem ser percebidos não como resultado de meras incertezas mas como espiões das numerosas dificuldades que a sociologia do direito metodologicamente crítica buscou superar na aborda gem sociológica do estudo do direito Na verdade o sociólogo do direito ao desenvolver o seu tra balho não tem usado uma mesma língua para falar do mesmo objeto As variantes até agora testadas de tempos em tempos mos tramse distintas da segunda colocação que próxima aos fatos foi reservada para as normas e os valores Em consequência pas souse dos estudos dos comportamentos sociais relevantes em termos jurídicos àqueles majoritariamente dispostos a reconhe cer o inegável papel que as diferentes posturas valorativas assu miram na realidade social e até mesmo àquelas que colocandose em um nível macrossociológico tentam estabilizar as relações intercorrentes entre determinados ordenamentos jurídicos e de terminados sistemas sociais vistos na sua globalidade Essa pluralidade de propostas não poderia deixar de refletir nas definições que a sociologia do direito era capaz de formular sobre a finalidade do seu próprio trabalho Devese dar atenção a esse aspecto porque isso é importante pela própria definição do objeto da disciplina Os objetivos da sociologia do direito Como já foi apontado a sociologia do direito não buscou apenas descrições nem foi estimulada apenas por interesses ex plicativos mas esteve estritamente ligada a movimentos impor tantes que buscavam ampliar em âmbito interno a sensibilidade sociológica dos operadores do direito Duas correntes de pensamento orientadas de vários modos a intentos pragmáticos exerceram ampla influência sobre a cul tura jurídica oficial no mesmo período em que no início do sécu lo passado surgiam as primeiras contribuições de uma fundação Sociologia do DireitomioloP3indd 15 020822 1037 16 sociologia do direito à sociologia do direito Antes de mais nada vale mencionar a ju risprudência dos interesses a Interessenjurisprudenz Heck 1912 Contrapondose às imposições mais formalistas da jurispru dência dos conceitos a Begriffsjurisprudenz foi articulada de vá rios modos De um lado utilizava uma abordagem orgânica que considerava a lei como resultado de uma mediação entre interesses em competição A lei aparecia retratada como a diagonal de um paralelogramo no qual os lados correspondiam às diversas forças sociais envolvidas De outro lado utilizava uma abordagem ope rativa que movendose pelo conteúdo de certa lei atribuía aos intérpretes a tarefa de solucionar as lacunas e eliminar as ambi guidades inevitavelmente presentes no nível normativo através de uma ponderação acurada dos interesses em jogo Em segundo lugar devese lembrar a Escola do Direito Livre a Freirechtsschule Ehrlich 1903 Fuchs 1912 Kantorowicz 1958 que em uma va riante decisionista confiava explicitamente a solução concreta dos casos jurisprudenciais ao filtro da personalidade de um juiz considerado capaz de levar em conta o contexto social da própria decisão enquanto no caso da variante descritiva confiava tais so luções a averiguações pontuais e à recepção das regras de diversa natureza e origem observadas em determinado contexto Tanto a jurisprudência dos conceitos como a Escola do Di reito Livre conseguiram atrair a atenção de muitos estudiosos e juristas com interesses sociológicos A sociologia do direito por sua vez não ignorava mas buscava reconhecer ou mesmo rece ber internamente esses encaminhamentos de doutrina Por essa razão falouse de uma sociologia do direito dos sociólogos com preendida como uma ciência voltada a determinar as relações entre direito e sociedade com um escopo exclusivamente cogni tivo e de uma sociologia do direito dos juristas com um escopo exclusivamente prático voltado a fornecer ao operador conheci Sociologia do DireitomioloP3indd 16 020822 1037 introdUção 17 mentos úteis para tornálo ciente das consequências de seu tra balho4 Esses dois modelos de sociologia do direito podem ser não obstante considerados os extremos idealizados de um conti nuum interno no qual se encontram várias linhas de pesquisa caracterizadas por uma maior ou menor consideração pelos ideais cognitivos ou pelas exigências da prática jurídica Como disciplina integrada pela atividade prática do operador jurídico a sociologia do direito não se preocupa apenas em am pliar os aparatos do conhecimento à disposição do jurista mas busca também renovar a cultura jurídica na qual se move Ela tentou fazer com que os juristas tivessem maior consciência dos vínculos internos com os quais costumam se orientar no seu tra balho Primeiro ainda que o direito possa ser encontrado nos li vros o sociólogo do direito se ocupou da representação que os operadores têm do direito ou que tentam implicitamente aplicar em certo contexto cultural Para alcançar esse ambicioso objetivo os sociólogos do direito têm buscado não apenas recolher dados sociológicos relacionados às questões jurídicas concretas mas uti lizálos para fazer com que os juristas tenham uma consciência diversa das questões a serem examinadas No terreno de uma crítica interna da cultura jurídica dos operadores existem na época atual dois setores de pesquisa ecléticos na fundamentação teórica e ambiciosos nos objetivos práticos aquele dos estudos críticos do direito Critical Legal Studies5 que se desenvolveu principalmente nos anos de 1970 e 1980 e aquele dos estudos sobre as profissões jurídicas Legal 4 Na República Federal da Alemanha essa distinção já estava institucionalizada no início dos anos 1970 em distinções subdisciplinares correspondentes Laut mann 1971 Rottleuthner 1973 Opp 1973 5 Ver Unger 1976 Kennedy 1992 Klausa et al 1980 Arnaud 1981 e Santos de Sousa 2009 Na Itália uma intenção crítica semelhante é amplamente desenvol vida por Barcellona 1973 Donati 1980 e Baratta 1982 Sociologia do DireitomioloP3indd 17 020822 1037 18 sociologia do direito Professions uma referência essencial para essa linha de estudos é Abel Lewis 1988 Enquanto os teóricos dos estudos críticos do direito têm concentrado sua atenção nos aparatos destinados ao controle social e nas variáveis culturais capazes de influenciar as estratégias de tratamento dos comportamentos desviantes que podem resultar em práticas distintas dependendo da percepção cultural do crime e do réu os estudos sobre as profissões jurídi cas concentraram sua atenção nas modalidades de exercício da advocacia e da administração da justiça em diferentes países Dessa maneira os teóricos destacaram os fatores ideológicos entendidos como defesa dissimulada dos interesses de classe que acompanharam nos vários contextos os processos de institu cionalização e de autonomização das diferentes ordens profissio nais com frequência contando com organizações autônomas e ocupando posições de prestígio elevado Ambos os campos de pesquisa mesmo com ênfases diferen tes e sem aspirar a uma colocação disciplinar bem definida en frentam temas que a sociologia do direito não pode contemplar O direito com os seus aparatos está a serviço da sociedade ou apenas de uma parte dela Os operadores são imunes à suspeita de que a pretensão de terceiros nos fatos é muito mais limitada do que não se quer admitir A atividade deles está voltada mais para interesses particulares do que para interesses comuns Registrar criticamente as diferentes representações internas do direito pode contribuir para tornar explícitos os humores e as tendências da cultura jurídica oficial para acertar os condiciona mentos aos quais às vezes de modo inadvertido ela é submetida por parte dos paradigmas culturais difundidos na sociedade Des sa forma também podem ser superados modelos formalísticos de masiadamente simplificados no papel que o direito e em particular os operadores jurídicos desenvolve na sociedade Sociologia do DireitomioloP3indd 18 020822 1037 introdUção 19 Na República Federal alemã do início dos anos 1970 antecipan do em poucos anos o que mais tarde viria a se tornar a Itália Ernst E Hirsch 1966 e o seu discípulo Manfred Rehbinder 1993 tentaram combinar a relevância prática de uma pesquisa socio jurídica realizada pelos operadores do direito com as suas ambi ções científicas Para Hirsch 1966 p 45 a sociologia do direito por ter a capacidade de se servir de instrumentos especifica mente sociológicos deveria poder tornarse um instrumento útil para integrar a bagagem técnicojurídica de que os operado res do direito dispõem Em particular a sociologia do direito deveria tentar ajudálos na tarefa de selecionar de maneira cien tífica as diferentes alternativas de normas relacionadas à base de um conhecimento das possibilidades operativas efetivas que em situações sociais de fato se constituem sob a aparência dos com portamentos dos interesses e dos valores difundidos Hirsch 1966 p 37 Movendose por posições metodológicas análogas Manfred Rehbinder agrega seu conhecimento a duas grandes áreas da jurisprudência sociológica e da sociologia do direito que sob perspectivas diferentes buscam desenvolver uma maior sensibilidade empírica no tratamento do direito isto é outro setor de pesquisa aquele sobre o estudo dos fatos do direito Rechtstatsachenforschung pesquisa factual legal Nussbaum 1968 Rehbinder 1970 Röhl 1974 Hartwieg 1975 Enquanto a sociologia do direito entendida no sentido estri to emprega os próprios instrumentos empíricos ou teóricos para fins predominantemente cognitivos a jurisprudência so ciológica busca utilizar conhecimentos sociológicos com o obje tivo de melhorar as suas várias fases a provisão legal a aplicação e a execução das normas jurídicas O estudo dos fatos do direito inserese em uma posição intermediária localizada no ponto de intersecção entre uma sociologia do direito pragmática e uma ju risprudência sociológica que persegue objetivos teóricos e tam bém se move pela perspectiva dos operadores do direito Sociologia do DireitomioloP3indd 19 020822 1037 20 sociologia do direito Em relação às considerações dos fatos do direito guiados pe las valorações normativas próprias da jurisprudência socioló gica e pelo conjunto dos conhecimentos teóricos e empíricos próprios da sociologia do direito em sentido estrito o estudo dos fatos do direito funcionaria como um lugar de confronto e ao mesmo tempo de integração seja das indicações normativas da jurisprudência sociológica seja das indicações teóricas da so ciologia do direito Isso se constituiria em suma no componente científico de uma jurisprudência sociológica situada no âmbito da dogmática jurídica não rigorosamente neutra Além disso a parte empírica de uma sociologia do direito teórica estaria situa da no âmbito das ciências sociais As propostas de Hirsch e Rehbinder remetem a um cenário metodológico geral em que a pesquisa da sociologia jurídica seja capaz de contribuir para melhorar o trabalho dos operadores do direito sem que para isso renuncie a uma postura de neutralida de científica Em uma posição intermediária entre sociologia do direito e jurisprudência sociológica pode ser colocada uma dire ção complementar denominada engenharia social social engi neering que estuda as partes de integração social nas quais as relações humanas vêm sendo organizadas por meio das decisões jurídicas com o fim de melhorar o conhecimento sobre os efei tos de tais decisões e contribuir para uma dinâmica social mais eficiente Podgórecki Alexander Shields 1996 Tais campos de estudo que se fundam sobre uma concepção instrumental do direito encontraram no início do século passa do uma teorização da obra de Roscoe Pound 1910 1912 1942 Ele se propôs enfrentar os problemas conexos à mensuração do im pacto das normas sobre o comportamento social para que este funcionasse como um instrumento de reforço da coesão social e da redução dos conflitos num uso objetivado Em conexão com Sociologia do DireitomioloP3indd 20 020822 1037 introdUção 21 a proposta de uma engenharia social da parte de Pound desen volveuse nos mesmos anos nos Estados Unidos a corrente do realismo jurídico cf Tarello 1962 que se propunha registrar empiricamente a realidade do direito sobretudo no momento do processo Partese do pressuposto de que nem todas as regras de um ordenamento podem ser encontradas em textos escritos law in the books assim como nem todas as normas jurídicas efetiva mente aplicadas law in action seriam sozinhas capazes de dar conta da realidade inteira do direito Jurisprudência Sociológica Estudo dos fatos do direito Engenharia Social Gesetzgebungslehre Valoração Fatos sociais Empírica Teórica Sociologia do Direito Figura 1 Abordagem sociológica dos estudos do direito Fonte Rehbinder 1993 O direito válido mas não aplicado resulta em um direito simples de papel paper rule enquanto o direito aplicado embora não eficaz seria simplesmente um direito inútil Nesse contexto deve ser por fim mencionado como um modo aparentemente mais técnico de modificar o interior da cultura jurídica aquele representado pela teoria da legislação Gesetzgebungslehre Aqui se propõe melhorar a comunicação entre destinatários e autores das normas jurídicas através de uma prática de escrita menos voltada às exigências dos adeptos aos trabalhos mais dispostos a levar em conta em nome da transparência das normas jurídicas as exigências e as expectativas comunicativas de seus destinatá rios Noll 1973 Sociologia do DireitomioloP3indd 21 020822 1037 22 sociologia do direito Esses modos diferentes de estudo das relações entre direito e sociedade podem ser representados no esquema resumido na Fi gura 1 Também na Itália sobretudo a partir dos anos 1970 as duas vertentes fundamentais a cognitiva e a prática foram ex plicitamente reconhecidas pela sociologia do direito e ambas fo ram incluídas entre os seus objetivos Desse modo a sociologia do direito italiana não é apresentada como portadora de uma anticultura dos confrontos do normativismo mas simplesmente de uma cultura que pode contribuir para relativizar e integrar essa abordagem Na Itália o autor que mais contribuiu para sustentar o en sino universitário com o modelo positivista de imposição de Kel sen foi Norberto Bobbio 1958 1960 1981 Em sua vasta obra na qual mostra não obstante respeito ao positivismo e vários níveis de adesão não ideológicos mas problemáticos Bobbio buscou construir as concepções normativas da ciência jurídica em repa ro a dois perigosos contrapontos aquele que deriva próximo à falácia naturalista entendida como o erro lógico do qual se busca extrair normas dos fatos apenas porque resultam constantemen te repetidas do fato reiterado de que os peixes grandes comem os pequenos não é possível deduzir que os peixes grandes de vam comer os pequenos sobre o tema ver Carcaterra 1969 e aquele que a tentação jusnaturalista poderia constituir uma ameaça à manutenção da neutralidade do intérprete introduzin do valores não inseridos nas normas do ordenamento Bobbio 1965 Scarpelli 1965 De um ponto de vista rigorosamente positivista apontar es ses dois riscos poderia equivaler a refutar em aceitar uma forma qualquer de contaminação dos fatos e valores no mundo das normas Levando em conta a exigência de evitar um potencial fechamento e por conseguinte de descrever e representar o di Sociologia do DireitomioloP3indd 22 020822 1037 introdUção 23 reito nas suas conexões com a vida social a sociologia do direito italiana começou enfrentando um vasto espectro de temas Entre esses temas foi reservado lugar central às modalidades efetivas de organização da administração da justiça O conjunto orgânico das pesquisas então conduzidas para enfrentar tal complexidade temática representa todavia dada a vastidão dos objetivos e a amplitude dos interesses interdiscipli nares um ponto de referência essencial para a pesquisa sociológi cojurídica que pode ser utilizada como um caso de escola a fim de exemplificar as perspectivas que podem ser movidas para ana lisar as relações entre direito e sociedade O programa de pesqui sa definido por Treves em linhas gerais já no fim dos anos 1960 propunha estudar a complexa máquina da administração da jus tiça e em particular o processo entendido como o principal mo mento de contato entre o ordenamento jurídico e a sociedade6 Da encosta da ideologia interna da magistratura foram estu dadas as modalidades de autorrepresentação dos magistrados por meio do exame dos jornais da categoria que com circulação restrita e limitada ao âmbito dos especialistas preocupavamse sobretudo com temas relacionados aos deveres e ao status dos magistrados em geral não explicitados e significativos apenas para o estudo do processo de consolidação de um senso comum de filiação Dessa pesquisa sobre os instrumentos de comunica ção interna emergiria o valor estratégico a eles atribuído pelos magistrados de tal modo que fosse possível associála ainda em seu estado nascente diante da necessidade de modificar a ordem normativa vigente e melhorar a qualidade da prestação do siste ma judiciário na sua complexidade Moriondo 1967 6 Treves 1972 Sobre o tema uma literatura significativa já havia surgido em especial em países de common law Ver Kirchheimer 1961 Schubert 1963 1964 Nagel 1969 Grossman Tanenhaus 1969 Schubert Danelski 1969 Sociologia do DireitomioloP3indd 23 020822 1037 24 sociologia do direito Uma pesquisa posterior focalizou os problemas organizacio nais da magistratura e se baseava em uma investigação estrutural e em uma série de entrevistas com o objetivo de registrar as orien tações predominantes na magistratura levando em conta os dife rentes momentos da carreira dos magistrados Di Federico 1969 Os resultados alcançados colocavam em evidência a importância que argumentos como a tutela de autonomia entendida como imparcialidade mas também como independência em relação ao poder político e como defesa nos confrontos de estruturas inter nas excessivamente hierárquicas assumiram nas autorrepresen tações destinadas a influenciar o núcleo identitário que estava se formando no interior da magistratura Vinha também indagan do o lado operativo da administração da justiça Nesse contexto tentavase verificar se diante de temas de forte impacto social e em presença de margens relevantes de discricionariedade inter pretativa o trabalho da magistratura seria capaz de fazer emergir valores socioculturais compartilhados Odorisio et al 1970 Os numerosos temas préselecionados nesse contexto envol vendo as relações Estadocidadãos no que tange ao trabalho à ética familiar e aos bons costumes revelaram por meio de uma análise conduzida pela magistratura sobre materiais jurispru denciais substanciais uma série de posturas bastante diferentes entre eles e a presença de divergências significativas não tanto em relação à deslocação geográfica das sedes mas às generaliza ções variáveis e de modo correlativo aos diversos níveis hierár quicos resultando em diferentes decisões nos graus inferiores da magistratura no mérito relacionado à cassação Foi estudada ainda a vertente funcional da administração da justiça Em tal contexto foi realizado um estudo sistemático dos níveis de eficiência da máquina da justiça que alcançando re sultados particularmente decepcionantes esclarecia as dramáti Sociologia do DireitomioloP3indd 24 020822 1037 introdUção 25 cas disfunções atuais como a longa duração dos processos e a consequente elevação dos custos sociais da justiça À luz de uma análise das operações desenvolvidas junto à ProcuradoriaGeral e à Corte de Cassação acerca da discussão dos recursos da exten são das sentenças e das respectivas maximizações não só foram constatados escassos níveis de eficiência dificilmente superá veis mediante episódios interventivos e não coordenados mas se trazia à luz também uma tendência de autodefesa da parte da instituição que fora de uma programação geral buscava com pletar de modo autônomo a lacuna existente entre uma pergunta em rápida expansão e uma oferta incapaz de organizarse de modo adequado ou ao menos de realizar as mínimas correções para organizarse como uma melhor distribuição de pessoal Castel lano et al 1968 Forte Bondonio 1970 Além disso foi confrontado o tema da postura do público em relação à justiça Tomeo 1973 Leonardi 1968 Nesse âmbito colocouse em evidência que as várias disfunções apontadas in fluenciavam negativamente o juízo relativo ao aparato judiciário mas isso não refletiu sobre o prestígio social do juiz enquanto tal que em vez disso permanecia bem mais elevado do que aquele do advogado O estudo da figura do magistrado representada na mídia e em particular na filmografia italiana daqueles anos ma nifestava uma predileção difusa no confronto de figuras nem um pouco burocráticas capazes de enfrentar os equívocos recor rendo à coragem pessoal e sem poder se valer de um suporte ade quado da parte da organização Esse conjunto de pesquisas7 teve o mérito de coagular com petências diversas em um único projeto cognitivo que buscava 7 Entre as outras pesquisas incluídas no mesmo projeto vale mencionar Di Fede rico 1968 Neppi Modona 1969 e Governatori 1970 A essas pesquisas precisa mos acrescentar um pouco sucessiva a de Resta 1977 Sociologia do DireitomioloP3indd 25 020822 1037 26 sociologia do direito recorrer por tais razões à administração da justiça sendo do tada de uma juridicidade própria e específica não assimilável às outras organizações públicas sendo que a classe dos magistra dos não mantinha com os órgãos do Estado relacionamentos si milares àqueles das classes profissionais O funcionamento da Justiça continua com efeito a apresentar uma série de problemas de organização e de eficiência não impu táveis apenas a razões internas que têm consequências sobre o ní vel geral de confiança das instituições jurídicas Não obstante os problemas apontados pelas pesquisas pioneiras do início dos anos 1970 ocuparam o centro das atenções dos operadores e do público a demora dos processos a dificuldade de individualizar dentro da máquina organizativa da Justiça os pontos críticos para a reforma sem prejudicar a autonomia garantida pela Constituição Guasti ni 1995 a lacuna entre as diferentes propostas que vinham sendo recorrentemente apresentadas sobre o assunto os conteúdos de uma cultura jurídica interna dos adeptos ao trabalho que de um lado deve concentrarse sobre o suporte de alguns pedidos mas de outro deve evitar tanto quanto possível que o enfraquecimen to da legitimidade social da legislação reflita negativamente sobre a mesma legitimação que as leis devem aplicar Ferrarese 1984 Pappalardo 1987 Raiteri 1990 Rebuffa 1993a Morisi 1999 Guar nieri Pederzoli 2002 Quassoli Stefanizzi 2002 Clark 2003 Sarzotti 2006 Di Federico 2008 Luminati 2007 Em geral as pesquisas empíricas que a sociologia do direito conduz sucessivamente utilizando instrumentos de vários ra mos da sociologia sociologia das profissões das organizações econômica da comunicação receberam a crítica de esquecer a juridicidade essencial que caracteriza o seu objeto Tal questão que protege aquela mais ampla da possibilidade de uma sociologia do direito exclusivamente orientada para a so Sociologia do DireitomioloP3indd 26 020822 1037 introdUção 27 ciedade parecer que não contempla direitos merece alguns es clarecimentos É preciso antes de tudo distinguir a relevância de uma pesquisa em certo campo de estudo da sua associação a tal campo de estudo É óbvio que os resultados de uma pesquisa na medida em que são relevantes para outro campo de estudo devem ser aceitos por este Todo campo de estudo deveria antes abrirse a escopos convencionalmente separados a partir dele já que isso permitiria a melhor compreensão dos temas tratados como mostram os elevados níveis de inovação dos estudos inter disciplinares ou de fronteira Os vários modos de interpretar as tarefas da sociologia do direito seja aquelas que permanecem em seu interior ou as que se utilizam de instrumentos comuns de campos limítrofes ou ainda aquelas que se colocam em um terreno intermediário têm tido o indubitável mérito de se individualizar e buscar superar algumas distorções unilaterais que os desenvolvimentos mais recentes da disciplina informaram como nenhum outro re motamente De um lado a excessiva sociologização do saber sociológicojurídico que perderia de vista os aspectos técnico jurídicos dos temas examinados não permitindo discernir os condicionamentos sociais das decisões jurídicas individuais dos condicionamentos atribuíveis ao modo de argumentar e operar dos juristas De outro lado a excessiva judicialização que impul siona o sociólogo a assumir de maneira implícita o mesmo hori zonte do jurista o que faz que negligencie aquelas conexões importantes entre o direito e seu ambiente social que podem fu gir também a um bom jurista quando não contempladas de modo explícito na norma Uma pesquisa para poder ser considerada enquanto tal no quadro das pesquisas sociológicojurídicas deverá em todo caso adotar ao menos de maneira implícita um conceito sociológico Sociologia do DireitomioloP3indd 27 020822 1037 28 sociologia do direito de direito que não esteja totalmente afastado dos fatos Para de limitar o campo de estudo da sociologia do direito resulta essen cial a questão De qual direito pode ser a sociologia do direito A resposta a tal indagação mostrase tanto mais crucial enquan to baseada no quanto é dito ela deverá consentir outro estudo factualmente verificável das normas mas também o estudo nor mativamente consciente dos fatos No próximo capítulo com o objetivo de colher as razões histó ricas que têm acompanhado o surgimento de um conceito de direi to capaz de satisfazer tais requisitos será analisada a definição proposta pelo fundador da sociologia do direito Eugen Ehrlich e a sua explícita contraposição a uma abordagem rigidamente nor mativista O discurso abarcará um conceito de direito não apenas factualmente verificado mas também normativamente conscien te levando em conta no capítulo que se segue o conceito de direi to proposto por Max Weber que se refere de um modo maduro em termos metodológicos a um conceitochave a ele pontual mente relacionado aquele da cultura jurídica Sociologia do DireitomioloP3indd 28 020822 1037 P r i M e i r a Pa r t e cONceitOs Sociologia do DireitomioloP3indd 29 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 30 020822 1037 Para isolar os elementos que possam caracterizar uma definição sociológica do conceito de direito partese de uma definição ge nérica que considera o direito como uma estrutura normativa específica mais complexa do que as demais por estes motivos é dotada de um aparato sancionatório próprio é capaz de predeterminar procedimentos por meio dos quais reage aos estímulos provenientes da sociedade é capaz de manter aceitáveis os níveis de coesão social é aplicável em princípio a todos os campos da vida social Percebese que os elementos que compõem essa definição apontam um conceito de direito que inclui normas voltadas aos consorciados com o objetivo de guiar os seus comportamentos e consentir expectativas recíprocas nos vários âmbitos da socieda de Além disso esse conceito também inclui normas internas voltadas aos operadores para definir critérios e princípios da sua intervenção O direito precisa ser uma estrutura normativa capaz de re gulamentar a si mesma antes de regulamentar a sociedade O pressuposto lógico aparentemente indiscutível é que apenas um conjunto de normas ordenadas de modo coerente com o seu in c a p Í t U l o 1 o conceito de direito Sociologia do DireitomioloP3indd 31 020822 1037 32 sociologia do direito terno pode ser capaz de ordenar de modo coerente qualquer ob jeto posto externamente a ele Isso entretanto não significa que a decisão de um único operador constitua mera aplicação da or dem já estabelecida pelas normas e que a ordem social possa ser considerada o espelho fiel de tais ordens A decisão jurídica indi vidual pode não se limitar a aplicar com rigor a ordem estabele cida pelas normas e o direito escrito pode não ser o reflexo fiel da realidade Podese porém questionar em que medida o con ceito sociológico do direito que leva em conta o direito em ação e não o direito em papel pode se dissociar do conceito normativo do direito Para iniciar uma reflexão sobre o assunto é preciso retomar antes de tudo os motivos que a partir do século passado justifi caram o surgimento e o embasamento de um estudo sociológico do direito mencionados no capítulo anterior Será portanto ne cessário remeter ao conceito de direito daquele que é comumente considerado o fundador da sociologia do direito Eugen Ehrlich Na visão de Kelsen Ehrlich contrapõe uma concessão do direito voltada a privilegiar o estudo de fenômenos sociais elementares que pouco a pouco conseguem estabelecer um fundamento normativo sólido e duradouro a partir do qual possa desenvol verse o direito positivo posto pelo Estado As concessões de Kel sen e de Ehrlich estão ligadas a duas visões de orientação distintas acerca da normatividade do direito uma baseada em normas ju rídicas formalmente produzidas pelo Estado e a outra baseada em fatos sociais que no curso do tempo produzem a consolida ção e a institucionalização das estruturas normativas uma ba seada em normas entendidas como resultado de um processo condicionado por variáveis exclusivamente internas ao ordena mento jurídicopositivo e a outra baseada em normas entendidas Sociologia do DireitomioloP3indd 32 020822 1037 o conceito de direito 33 como resultado de um processo condicionado por variáveis his tóricas e sociológicas externas a tal ordenamento A descontinuidade fisiológica não apenas terminológica mas substancial entre o mundo dos fatos e o mundo do direito não exclui o pressuposto que os dois mundos se assumem Toda via o direito positivo de Kelsen filho legítimo das decisões do legislador e o direito espontâneo elementar de Ehrlich filho na tural da sociedade e de seu gradual desenvolvimento são o resul tado de várias diretrizes básicas técnicas no caso da primeira voltadas a render possíveis futuras decisões previsíveis histó ricas no caso da segunda voltadas a retornar às origens do direi to nas sociedades humanas Em suma para Kelsen não há direito sem normas formais enquanto para Ehrlich não há direito sem regularidade factual O local ideal para compreender essas distinções de grande importância para conhecer um conceito sociológico de direito é o debate entre Kelsen e Ehrlich que se desenvolve na ocasião da pu blicação em 1913 da mais notável obra de Ehrlich Grundlegung der Soziologie des Rechts O trabalho foi objeto de uma revisão crí tica de Kelsen e alimentou uma extensa polêmica marcada por pontuações contradições e retificações Febbrajo 2010 pp 385 Entretanto devese observar que os dois estudiosos também em razão de suas diferentes biografias pareciam destinados a trabalhar diversas reconstruções do conceito de direito Kelsen expoente máximo do normativismo era professor em Viena en tão capital do grande Império AustroHúngaro Ehrlich era pro fessor em Czernowitch a principal cidade de Bucovina na época uma região mais tarde anexada primeiro pela Romênia depois pela Ucrânia e que localizada nos arredores do império era um ponto de encontro natural de diferentes etnias Sociologia do DireitomioloP3indd 33 020822 1037 34 sociologia do direito 11 A controvérsia entre Kelsen e Ehrlich Kelsen em sua crítica a Ehrlich parte das posições de uma doutrina pura do direito segundo a qual em relação ao mundo das normas e dos fatos é fundamental evitar qualquer possível ambiguidade e levar em conta que na ausência de uma qualifi cação normativa não se pode individualizar os fatos que seria relevante que fossem estudados para compreender a norma so mente do ponto de vista sociológico Kelsen pode assim acusar Ehrlich de confundir logicamen te ao colocar em evidência as raízes factuais dos ordenamentos normativos e as fronteiras entre um discurso relativo ao mundo das normas e um discurso relativo ao mundo dos fatos Ehrlich por sua vez delineia a prioridade temporal e social em relação ao direito posto pelo Estado do direito que nasce espontanea mente das relações sociais e justamente por isso é capaz de regu lálas de modo autônomo apenas em pequena medida para que seja consolidado como um direito positivo Com base nesses pressupostos as principais críticas de Kel sen a Ehrlich dizem respeito à delimitação do conceito de direito à definição de uma teoria das fontes e dos fatos do direito aos argumentos que sustentam abordagens declaradamente anties tatais e às ambições cognitivas da nova disciplina sociológicoju rídica da qual Ehrlich pretende estabelecer os fundamentos A primeira crítica de Kelsen referese à inconsistência do cri tério proposto por Ehrlich para separar o direito dos outros con juntos de regras do agir Para Ehrlich o direito é um conjunto de regras nas quais as funções consistem em estabelecer as tarefas específicas e a posição relativa de cada membro do grupo a sua subordenação ou subordinação Ao cumprir essas funções ele depara com conjuntos de normas não jurídicas equivalentes em número como as normas da moral da religião dos costumes da Sociologia do DireitomioloP3indd 34 020822 1037 o conceito de direito 35 honra da convivência da descrição da etiqueta da moda Nesse conjunto restrito de normas o direito viria a distinguirse não pela origem que reside em cada caso na estrutura normativa dos grupos sociais nem pelos conteúdos a proposição honre o pai e a mãe pode ser considerada um preceito do direito da moral da religião do costume da justiça da conveniência da etiqueta e da moda Para Ehrlich o direito caracterizase por recorrer à diferente intensidade de sentimentos que tais normas despertam e às diversas emoções na reação quando são transgredidas Por tanto ele distingue o sentimento de revolta que se segue à viola ção do direito da indignação provocada pela inobservância de uma lei moral do ressentimento suscitado por um comportamen to injusto da desaprovação por um ato inconveniente da zom baria e do sorriso de deboche que seguem as infrações das regras de etiqueta e do desdenho crítico que os campeões da moda re servam a quem não esteja ao seu nível Segundo Kelsen tal definição proposta em termos psicoló gicos seria baseada em elementos objetivamente evasivos e cons tituiria o vértice da curiosidade entre as não poucas tentativas de determinar a essência do direito Para ressaltar a inconsis tência do critério proposto observa bastaria desafiar Ehrlich a apontar concretamente qual o sentimento de revolta que se segue à violação do direito se ele se distingue dos sentimentos de in dignação de ressentimento de desaprovação com os quais reage à violação das outras normas sociais A essa crítica Ehrlich rebate observando que a definição por ele proposta não é definitiva ao contrário pode ser ainda mais refi nada e não é de todo isolada colocandose na esteira do modelo definidor da teoria do reconhecimento Anerkennungstheorie Desse modo Kelsen limitandose a criticar os elementos psicológi cos presentes na definição que contesta que por si só poderiam Sociologia do DireitomioloP3indd 35 020822 1037 36 sociologia do direito reentrar em um diferente e mais flexível modelo de cientificidade em relação àquele que propôs se limitaria a adotar critérios exces sivamente restritivos sobretudo quando comparados com aqueles que costumam ser utilizados pelas ciências humanas A segunda crítica de Kelsen referese à distinção que Ehrlich faz entre proposições jurídicas Rechtssätze e normas jurídi cas Rechtsnormen De acordo com essa distinção a proposi ção jurídica é a formulação contingente em geral obrigatória de uma prescrição jurídica contida em uma lei ou em um texto de direito enquanto a norma jurídica é o comando jurídico prati camente implementado que pode dominar a vida de certo grupo eventualmente de dimensões limitadíssimas mesmo sem proceder qualquer formulação verbal Ao sair dessa distinção o direito não parece ser composto exclusivamente de proposições jurídicas mas sobretudo de nor mas jurídicas que embora mutáveis seriam relevantes para a ação concreta dos consorciados não apenas nos estágios primi tivos de desenvolvimento como reconhece a própria ciência ju rídica oficial mas também naqueles mais avançados Para Ehrlich dessa forma seria errado fazer coincidir o surgimento e o desenvolvimento do direito com o surgimento e o desenvolvi mento das proposições jurídicas uma vez que estas parecem ser produto relativamente tardio e mais exaustivo da atividade de senvolvida pelos juristas sobre as normas individuais de decisões produzidas pelos tribunais e sobre as normas jurídicas produzi das pelos grupos sociais Kelsen critica essa posição ressaltando que enfatizar a prio ridade das normas jurídicas como regularidade de ações significa trocar uma relação temporal por uma lógica As proposições ju rídicas devem preceder as normas jurídicas de um ponto de vista lógico uma vez que uma proposição jurídica deve ser assumida Sociologia do DireitomioloP3indd 36 020822 1037 o conceito de direito 37 para se poder atribuir relevância jurídica a um caso específico Ehrlich por outro lado reitera que o direito não pode se exaurir em uma síntese de proposições jurídicas verbalmente formula das já que em todas as fases do seu desenvolvimento são nume rosas as normas ou as regularidades de comportamento que não são formalizadas De outro modo as mesmas proposições jurídi cas muitas vezes referemse a normas extrajudiciais boafé usos comerciais que as sustentam e fortalecem É a sociedade com as suas relações de poder as suas concep ções de interesse geral os seus interesses na interpretação da jus tiça que dita ao jurista o que ele deve generalizar unificar defender De fato as forças da sociedade são forças elementares contra as quais a vontade do homem não pode prevalecer ou ao menos não pode prevalecer no longo prazo A sociedade acolhe o que se adapta e repele o que não se encaixa nela Tratase portanto dos fatos do direito e não das proposições jurídicas sob as quais os tribunais decidem ou os órgãos administrativos procedem que influenciam direta e decisivamente o ordena mento jurídico da sociedade Em sua terceira crítica Kelsen remete à inconsistência da arti culação dos vários fatos do direito relações de dominação pos se declarações de vontade costumes que para Ehrlich constituem o núcleo fundamental do direito como o conhecemos Kelsen não acredita que o costume possa fazer parte de tais fatos pois sim plesmente indicaria o caminho pelo qual certos fatos se tornam juridicamente relevantes ou seja tornamse fatos do direito Ehrlich rebate declarando que ele mesmo atribui ao costume um lugar próprio entre os vários fatos do direito O costume ao contrário do direito consuetudinário é uma simples regularidade factual que representa a base da organização dos primeiros grupos sociais É portanto entre os fatos do direito o único originário Sociologia do DireitomioloP3indd 37 020822 1037 38 sociologia do direito e a sua importância nunca diminui por completo pois por meio do costume mesmo os grupos sociais mais complexos continuam a ser organizados nas várias fases do seu desenvolvimento Quanto aos outros fatos do direito estes do ponto de vista de Ehrlich são interrelacionados O domínio baseado no ex cesso de ordenamento dos membros individuais do grupo por si só é compatível com a unidade do grupo enquanto os domi cílios normalmente obtêm em troca de sua admiração a proteção e as contrapartes materiais de que necessitam numa perspectiva que pode ser contratualista A posse entendida como o domí nio do homem sobre a coisa é igualmente ligada ao ordenamen to da vida econômica e não envolve apenas a disponibilidade de determinado bem mas também a defesa contra eventuais dis túrbios o que assegura um nível mínimo de certeza ao tráfico de mercadorias Por fim a declaração de vontade nas formas relativamente tardias do contrato e do testamento guarda tam bém uma estreita relação com o ordenamento social do possui dor e com os propósitos essencialmente econômicos Ehrlich então observa que os fatos do direito representam um conjunto homogêneo que assegura um vínculo estável entre o ordena mento jurídico e a ordem econômica uma vez que o entendimen to da ordem econômica é a base para a compreensão das outras partes da ordem social e em particular do ordenamento jurídico da sociedade Uma quarta crítica de Kelsen referese à clara distinção que Ehrlich estabelece entre direito e Estado Essa distinção não é justificável pois o Estado é uma forma de unidade social não apenas conteúdo e em consequência no conceito de Estado não apenas algumas ou a maior parte das figuras historicamente conhecidas do Estado mas de todos os estados possíveis e conce bíveis devem encontrar um lugar Sociologia do DireitomioloP3indd 38 020822 1037 o conceito de direito 39 Ehrlich no entanto considera que o Estado em particular quando se trata de direito é um simples órgão da sociedade e deve portanto ser descrito segundo o seu conteúdo e os propó sitos que persegue Isso significa que os vários instrumentos uti lizados pelo Estado para desempenhar a função de alavancar o desenvolvimento social têm eficácia reduzida e o incontrolá vel fato histórico de que o direito estatal está ganhando terreno atesta não um desenvolvimento geral para a estatização de toda a sociedade mas a crescente demanda por uma base jurídica unificada para todos os grupos sociais independentes Tal base teria sido formada mesmo sem a intervenção do Estado por meio da mera intensificação das relações entre os diversos grupos Tal como a arte de regular os rios consiste não em escavar um novo leito para eles da nascente à foz mas em direcionar sua corrente para que eles próprios criem o novo leito as leis entendidas como barragens estabelecidas pelo Estado só alcançam seu ob jetivo quando são observadas pelo menos pela grande maioria das pessoas de forma espontânea Uma quinta crítica de Kelsen diz respeito à postura de supe rioridade científica que a sociologia do direito ehrlichiana as sume em relação à ciência jurídica prática Segundo Kelsen a abordagem de Ehrlich se baseia na ingênua convicção de que to das as ciências procedem de modo indutivo ignorando a possi bilidade de outros tipos de conhecimentos científicos baseados em um método dedutivo Com a sua aversão às incorporações abstratas da dogmática Ehrlich pretende portanto desconside rar que nenhum conhecimento pode renunciar a conceitos que necessariamente devem aparecer incorporados aos fenômenos concretos individuais e dessa forma redimensionaria de modo drástico o valor científico de uma ciência jurídica que mesmo que não se preocupe em compreender o significado dos compor Sociologia do DireitomioloP3indd 39 020822 1037 40 sociologia do direito tamentos sociais concretos possui uma essencial função prática no âmbito do ordenamento Ehrlich sustenta por outro lado que uma discussão teórica do direito requer uma ciência sociológica do direito não limitada por considerações práticas mas capaz de remeter em conjunto às partes isoladas do tecido social assumindo como ponto de referência os grupos sociais e seus ordenamentos espontâneos família comunidade entidades coletivas etc A sociologia do direito não é de fato resultado da ligação dos limites da validade dos ordenamentos jurídicos individuais Ela pode de outro modo tentar coletar características comuns aos di versos ordenamentos delineando com a ajuda dos historiadores do direito uma morfologia das formações jurídicas da vida so cial que permita desmistificar a estreita visão do jurista prático e integrála do ponto de vista teórico e empírico Isso significa que o constante progresso da sociologia não ameaçará a ciência jurídica prática mas permitirá como outros campos da cultura humana por exemplo a medicina e a engenharia indicar sempre o me lhor dos operadores isto é o juiz e o legislador se seus trabalhos produzem resultado ou se contrariando as leis do desenvolvimen to social desperdiçam em vão as forças da sociedade Isso leva à acusação fundamental a da confusão entre as duas esferas do ser e do dever ser da normatividade e da espon taneidade do agir social da dogmática jurídica e da sociologia Ehrlich segundo Kelsen faria tal confusão ao longo de sua obra mas de forma particularmente evidente no lugar em que afirma que é óbvio que uma regra do agir social é uma regra segundo a qual não apenas se age mas também se deve agir Ehrlich rebate essa acusação afirmando que Grundlegung não pretende fornecer um aparato conceitual seguro nem esta belecer distinções definitivas ou limites intransitáveis mas que é Sociologia do DireitomioloP3indd 40 020822 1037 o conceito de direito 41 precisamente o contínuo processo de enriquecimento do con teúdo das normas súbito no curso dos milênios que faz que se tornem genéricas e abstratas Ele observa Os artigos de uma lei e os textos jurídicos são como esboço de uma pintura à qual so mente a experiência e a observação da riqueza da vida podem dar forma e cor Além disso a linha de demarcação entre a doutrina das normas Normenlehre e as normas que são ensina das Lehrnormen é claramente tão tênue que deve ser negligen ciada por uma realidade que de modo contínuo transforma a doutrina em normas ocultando tal processo aos olhos daqueles que colaboram e participam dela Portanto é justo perguntar Como é possível ensinar o que é a norma sem que o conteúdo desses ensinamentos não se torne por sua vez uma norma A resposta para Ehrlich poderia ser apenas levando em conta a contínua conexão das normas com as necessidades da vida social e portanto interpretando não tanto as normas mas a sociedade No mesmo sentido é possível com preender o tão citado prefácio ao Grundlegung segundo o qual o centro de gravidade do desenvolvimento do direito não se en contra na legislação nem na ciência jurídica nem na jurispru dência mas na própria sociedade O debate se encerra diante de uma incompreensão recíproca e insuperável sem perdedores nem vencedores Afinal a mesma história equilibrou as razões de ambos os competidores Os mo tivos que em um estágio inicial de confiança predominante na legislação poderiam fazer que os argumentos do normativista Kelsen fossem mais bem compreendidos em um momento pos terior foram redimensionados pela progressiva abertura da cul tura jurídica também nos países da Europa continental uma sensibilidade histórica e evolutiva que referindose aos proces sos de formação do direito próprio do direito romano há muito Sociologia do DireitomioloP3indd 41 020822 1037 42 sociologia do direito se consolidou nos países de common law tradicionalmente refra tários a aceitar os mitos da codificação e a considerar a lei como um ponto de referência exaustivo das decisões do juiz O mérito de Kelsen no entanto foi ter representado as ra zões de uma visão centralista do direito que há muito tempo vem sendo considerada a mais adequada às exigências da ciência jurídica dogmática sem negar em princípio a legitimidade da escolha do campo de Ehrlich mas se limitando a apontar suas ambiguidades e oscilações terminológicas Além disso o próprio modelo de direito de Kelsen apresentase em uma análise mais aprofundada do seu tempo como normativo e descritivo É cla ramente normativo no que diz respeito ao conteúdo na medi da em que identifica a norma como seu elemento principal mas é também descritivo na medida em que se limita a apresentar o direito efetivamente percebido pela cultura jurídica dos opera dores que o tratam em termos profissionais Na verdade se fosse feita uma investigação empírica sobre qual termo está preferencialmente relacionado ao direito pelo juiz pelo policial pelo advogado pelo carcerário e por outros sujeitos direta ou indiretamente envolvidos na vida do ordena mento é provável que norma seria de longe o termo mais citado Isso não significa porém que mesmo uma definição da norma que é descritiva simplesmente por reconhecer o uso pre valecente pode se tornar normativa em relação ao método em pregado como tende a fazer Kelsen purificandoa de toda infiltração proveniente de fora do ordenamento jurídico Embora se reconheça o indubitável fascínio que as duas con cepções podem exercer é evidente que uma vez deixados de lado os pressupostos de cada uma suas forças como mencionado po dem com facilidade transformarse em fraquezas Para um so ciólogo a abordagem técnica de Kelsen não permite abordar os Sociologia do DireitomioloP3indd 42 020822 1037 o conceito de direito 43 problemas que apontam para variáveis não jurídicas em parti cular para a origem préjurídica das normas sociais ou seu im pacto na vida real Por outro lado a abordagem espontânea e harmônica de Ehrlich não parece se preocupar o suficiente com os problemas relacionados aos eventuais conflitos entre os orde namentos do direito positivo e do direito vivo Ambos os autores no entanto aceitam a distinção funda mental de dois mundos o do dever ser ou das normas e o do ser ou dos fatos com base em pressupostos kantianos aberta mente compartilhados Eles admitem então a possibilidade de que se desenvolvam duas ciências jurídicas uma teórica e fac tual a outra pragmática e normativa limitando em última ins tância o âmbito da sua dissidência aos relatórios dessas ciências que evidentemente mudarão se a prioridade for a lógica como gostaria Kelsen ou a histórica como defende Ehrlich Os dois polos da grande bipartição serdeverser devem as sim capturar duas dimensões diferentes que na realidade dos or denamentos jurídicos estão destinadas a coexistir até certo ponto Para focar tal zona cinzenta e extensa é necessário um ins trumento metodologicamente composto que não seja nem exclu sivamente normativo nem exclusivamente factual mas abarque os dois pontos de vista E é isso que Ehrlich seguindo a grande lição da história tenta fazer ainda que com algumas imprecisões detectadas por Kelsen ao concentrar sua atenção na continui dade das combinações entre norma e fato que funde em torno do conceito de direito vivo 12 O conceito de direito vivo Para reconstruir o conteúdo do conceito de direito vivo ao qual Ehrlich confia a tarefa de desenvolver de forma propositiva o desafio ao modelo de direito kelseniano é necessário conside Sociologia do DireitomioloP3indd 43 020822 1037 44 sociologia do direito rar que o direito aqui e agora eficaz não é resultado de uma única decisão mas de um longo processo intimamente relacio nado aos eventos culturais dos grupos sociais dos quais emana Uma espécie de laboratório para o estudo do campo do direi to vivo também se revelou ao próprio Ehrlich na região em que vivia Ele escreveu em 1912 na mesma época da elaboração de Grundlegung No principado da Bucovina vivem na época atual em quase perfeita harmonia entre si nove grupos étnicos os armênios os alemães os hebreus os romanos os russos da Lipovânia os rutênios e os eslovacos muitas vezes considerados poloneses os húngaros e os ciganos Um jurista de formação tradicional certamente sustentaria que todas essas populações têm um úni co direito aquele vigente em todo o Império Austríaco Toda via mesmo um olhar rápido seria suficiente para reconhecer que cada um desses grupos étnicos observa regras jurídicas completamente diversas em suas relações jurídicas cotidianas Ehrlich 1912 Em tal contexto a codificação poderia ser percebida como fenômeno distante ou mesmo irrelevante na medida em que as normas tradicionais vivenciadas antes de serem escritas não eram facilmente modificáveis devido ao peso do seu passado e continuavam a persistir fora das leis do Estado Já nas obras me todológicas que culminaram no Juristiche Logik Ehrlich procu rou reduzir o papel do direito estatal atribuindo à elaboração jurisprudencial uma posição comparável àquela ocupada em suas fases de maior esplendor pela jurisprudência romana Como no curso da experiência do direito romano e apesar do surgi mento de teorias estritamente centradas no Estado a elaboração jurisprudencial continua a ser uma ferramenta indispensável de Sociologia do DireitomioloP3indd 44 020822 1037 o conceito de direito 45 conhecimento sobre a qual deve ser concentrada a atenção de um verdadeiro cientista do direito Ehrlich 1925 O estudo dos eventos históricos do processo no direito ro mano e do papel nele desempenhado pela figura do juiz já havia mostrado a Ehrlich que apesar de um processo de estatização que buscaria modificar a distribuição da carga decisória ao con centrála nas mãos do legislador a jurisprudência continuou a desempenhar uma função de criação do direito função que não poderia ser ignorada por aqueles que desejavam determinar não tanto o direito válido em abstrato mas aquele efetivamente aplicado nas soluções dos casos concretos Por mais importante que seja no entanto a sentença judicial é apenas um dos indicadores do direito vivo Ehrlich combateu não apenas a subestimação da sentença mas também sua supe restimação como elemento cognitivo Em uma passagem que re sume seu pensamento sobre esse aspecto ele afirma Quando cerca de um quarto de século atrás comecei a traba lhar em uma obra sobre a declaração tácita de vontade mi nha intenção era examinar mais de seiscentos volumes de sen tenças proferidas pelos tribunais alemães austríacos e franceses com o objetivo de compor uma imagem de como a jurisprudên cia tinha interpretado a declaração tácita de vontade Logo po rém minha atenção se concentrou não tanto na decisão judi cial mas nos eventos reais que a sustentavam São esses eventos que conseguem dar razão à sentença e é por esse motivo que a atenção do pesquisador deve procurar pre valentemente descrever o real desenvolvimento das circunstân cias concretas que motivaram a sentença Ehrlich 1913 p 399 1893 Do ponto de vista de Ehrlich portanto a sociologia do direito e a história do direito são disciplinas fundamentalmente complementares Sociologia do DireitomioloP3indd 45 020822 1037 46 sociologia do direito Em geral a tarefa da história do direito consiste em forne cer à sociologia do direito o material de que ela necessita e em mostrar seguindo as orientações dos fundadores da Escola Histó rica que as proposições e as instituições jurídicas desenvolvem se a partir de toda a vida de um povo isto é do ordenamento social e econômico como um todo A adesão de Ehrlich à Escola Histórica todavia não aconte ceu sem reservas nem com indiferença Puchta e Savigny funda dores dessa Escola ao falarem de consciência jurídica pensam pelo menos para a era contemporânea na consciência jurídica de juristas que possuem o controle do ensinamento e da adminis tração da justiça Beseler pensa na consciência jurídica do povo que hoje como há muitos séculos criou as instituições jurídi cas Por um lado portanto Savigny e Puchta consideram que o direito aplicado nos tribunais é especialmente importante por outro lado Beseler observa que o direito regula as relações da vida mesmo sem a intervenção dos tribunais Para Ehrlich Be seler vai muito além de Savigny e Puchta e não se contenta em formular teorias sobre o direito do povo e sobre o direito dos juristas mas vai em busca de métodos para conseguir como cientista natural por meio da observação um conhecimento não modificado pelo direito do povo Em suma se examinarmos os pressupostos implícitos na posição de Beseler perceberemos que para Ehrlich quando se fala em direito não significa reme ter a proposições jurídicas mas pelo menos em parte a institui ções jurídicas ibid p 372 Ao referirse a essa variante institucionalista do pensa mento da Escola Histórica Ehrlich pode portanto afirmar que ainda hoje assim como na Antiguidade e no período medieval a história jurídica repousa não tanto no aparecimento ou desa parecimento de proposições jurídicas explícitas e verbalmente Sociologia do DireitomioloP3indd 46 020822 1037 o conceito de direito 47 formuladas mas no surgimento de novas instituições e na gra dual aceitação de novos conteúdos além daqueles que já existem ibid p 404 Tudo isso significa que mesmo na ciência jurídica deveria realizarse esse circuito virtuoso entre teoria e prática que carac teriza as ciências naturais Nesse sentido ao fazer a analogia entre ciência jurídica e ciência natural Ehrlich afirma que enquanto o médico e o engenheiro de hoje não somente aprendem mais facilmente as técnicas necessárias para exercer suas profissões mas também estudam em primeiro lugar os fundamentos cien tíficos na ciência jurídica só agora está sendo feita uma distin ção ainda não reconhecida pela maioria dos estudiosos entre a ciência do direito Rechtswissenschaft e a doutrina prática do direito praktische Rechtslehre ou ciência jurídica prática prak tische Jurisprudenz Admitindo que o processo de fundação científica de uma ciência jurídica prática seria lento Ehrlich afir ma que em um terreno cientificamente seguro poderiam ser movidos apenas os legisladores os juristas e os juízes dos próxi mos séculos1 ibid p 14 Ehrlich está convencido de que devemos sempre dar um início aos começos no entanto argumenta que é necessário ten tar delinear sem demora o conceito de direito vivo A centralida de desse conceito também é demonstrada pelo fato de que pode ser tanto de origem estatal quanto extraestatal Enquanto o di reito vivo de origem estatal representa somente uma pequena parte do direito posto pelo Estado o número de artigos do có digo civil austríaco que não tiveram influência na vida e que po deriam ser anulados o que seria irrelevante para a vida social 1 Não surpreendentemente lembra Ehrlich Anton Menger considerava a ciência do direito a mais retrógrada de todas as ciências comparável a uma cidade pro vinciana onde as modas abandonadas na capital são acolhidas como novidades Sociologia do DireitomioloP3indd 47 020822 1037 48 sociologia do direito talvez possa ser estimado em um terço de todo o código ibid p 446 é no direito vivo de origem extraestatal que Ehrlich con centra sua atenção Para ressaltar a importância desse último tipo de direito ele observa Se o jurista tivesse olhos tão treinados para observar seu tempo como os do historiador do direito são treinados para observar os séculos e os milênios passados ele não poderia escapar do fato de que nosso moderno direito de família é antes de tudo um ordenamento que surgiu não pelos preceitos do código mas pelas necessidades dos indivíduos que vivem na família e por tanto está destinado a se transformar e se desenvolver de acor do com essas necessidades Para ele enquanto o capítulo do código austríaco que trata de acordos matrimoniais contém somente quatro escassos artigos que se ocupam em geral da comunhão de bens qualquer um que tenha tido a oportunidade de ter contato com cidadãos austro alemães sabe que eles vivem quase exclusivamente em um regi me diferente de comunhão de bens A comunhão de bens entre os cônjuges que constitui o regime de propriedade escolhido sobre tudo pelos cidadãos austrogermanos não tem nada em comum com a comunhão de bens prevista no código civil austríaco e desse modo podese afirmar que as disposições do código civil não são mais aplicáveis Por outro lado esse não constitui um caso isolado e a limitada relevância dos artigos do código não se aplica apenas à família mas evidentemente também ao Estado à comunidade aos grupos de trabalho nas oficinas e nas fábricas à economia nacional e à economia mundial ibid p 317 Com a finalidade de delimitar as funções do direito vivo Ehrlich retoma a distinção entre as normas de agir voltadas a Sociologia do DireitomioloP3indd 48 020822 1037 o conceito de direito 49 regular o comportamento de todos e as normas de decisão des tinadas a regular o comportamento dos juízes no momento em que decidem as controvérsias apresentadas perante a corte Ele observa O direito é concebido como norma do agir humano pelo historiador assim como pelo simples viajante que esteve em um país estrangeiro Este contará como naquele país ocor re a mudança a vivência familiar e a celebração de contratos mas terá pouco a dizer sobre o conteúdo das regras que solucio nam as controvérsias jurídicas Todavia o conceito de direito que o jurista adota de forma involuntária ao estudar com interesse puramente científico o direito dos povos estrangeiros ou de tempos passados é abando nado sem justificativa quando ele se volta para o direito vigente no seu país e no seu tempo De modo totalmente inconsistente a regra pela qual os homens agem transformase na regra pela qual as ações dos homens devem ser julgadas pelos tribunais ou por outras autoridades isto é tornase uma norma de decisão A distinção entre norma de agir e norma de decisão deve ser en fatizada mais uma vez já que é essencial para a determinação do direito vivo como a regra do agir humano e a regra pela qual os juízes decidem as controvérsias jurídicas que podem ser com pletamente diferentes Na verdade os homens nem sempre agem seguindo as regras aplicadas para resolver suas controvér sias normas de decisão mas sim de acordo com as normas que atribuem a eles determinado papel dentro dos seus grupos so ciais normas de agir É evidente porém que quando surge uma controvérsia os grupos sociais normalmente já estão fora do seu ordenamento e portanto seria inútil tentar utilizar como base de julgamento normas que no âmbito do grupo social já perderam sua força regulatória Portanto o juiz ao não conse guir encontrar as soluções no ordenamento interno do grupo Sociologia do DireitomioloP3indd 49 020822 1037 50 sociologia do direito social pois se mostrou incapaz de criar tal solução utilizará normas particulares de decisão destinadas não ao relaciona mento pacífico mas à controvérsia jurídica ibid p 101 A distinção entre as normas de agir e as normas de decisão não deve entretanto ser confundida com aquela entre direito es tatal e direito não estatal Se as normas de agir são predominan temente de origem não estatal e constituem parte significativa do direito vivo o mesmo pode ser verdade tanto para as normas de decisão quanto para as normas cuja transgressão elas devem sa nar De fato enquanto a ciência jurídica entende que a norma transgredida deve ser jurídica argumentando que não seria tare fa dos tribunais tutelar as normas extrajurídicas seria suficiente um rápido olhar para perceber que isso é verdadeiro apenas para os órgãos estatais da administração da justiça e mesmo pa ra estes apenas se for considerado direito toda norma que os tribunais consideram para tomar suas decisões Dessa forma porém o problema se limita a uma mera questão terminológi ca que não pode ocultar o fato de que as normas extrajudiciais também desempenham importante papel nos tribunais esta tais Ibid p 103 Neste momento devese perguntar como é possível encon trar o precioso patrimônio normativo do direito vivo que mui tas vezes tem suas raízes em um passado remoto Na verdade apesar do fato irrefutável de que o presente encerra em qual quer caso menos mistérios que não são familiares para nós do que o passado e que conseguimos entender o passado através do presente e não o oposto Ehrlich declara a convicção de que a capacidade de ler nas entrelinhas do material que nos foi trans mitido e de extrair de cada palavra o que ela pressupõe aumen tou consideravelmente Sociologia do DireitomioloP3indd 50 020822 1037 o conceito de direito 51 A propósito devese recordar que no âmbito da heteroge neidade e da mutabilidade dos ordenamentos jurídicos estatais e extraestatais historicamente dados Ehrlich identifica nos fatos do direito estruturas jurídicas essencialmente estáveis no tempo e no espaço Os fatos do direito não são brutos mas institucio nais não contrastam a factualidade com a normatividade entre tanto superam a instabilidade espaçotemporal das camadas mais superficiais da experiência jurídica tornandose suscetíveis ao conhecimento cientificamente sólido Para conhecer o direito vivo das sociedades humanas incluindo aquelas de origem ex traestatal é necessário estabelecer os costumes as relações de domínio os contratos as declarações de vontade independente mente de já terem encontrado ou de ainda poderem encontrar expressão em uma sentença ou em uma lei Os fatos de direito em síntese refletem um direito muito mais estável com profun das raízes na sociedade do mundo abstrato e sempre variável das normas positivas e de outro lado fortalecem e consolidam a cultura de diferentes grupos sociais A tendência do Estado de transformar o direito extraestatal em direito estatal e desta maneira assumir cada vez mais a ad ministração da justiça e a criação do direito que originalmente pertencem apenas aos grupos sociais menores também pode ser explicada sob uma perspectiva sociológica Na verdade se considerarmos o Estado isolado completamente fora da socieda de essa postura será incompreensível por outro lado ela se torna rá explicável se pensarmos no Estado não como uma instituição suspensa no vácuo mas como um órgão da sociedade A expli cação portanto reside na crescente consciência de que todos os grupos sociais menores que em parte se sobrepõem em parte se interceptam e em parte se justapõem são sempre e apenas tijolos para construir grupos sociais maiores e toda a sociedade da qual fazem parte ibid p 120 Sociologia do DireitomioloP3indd 51 020822 1037 52 sociologia do direito Um grupo social absolutamente independente por exemplo um grupo parental ou uma família em uma ilha remota ou no deserto poderia criar seu próprio ordenamento de modo com pletamente autônomo o que considera matrimônio é matrimô nio e o que considera propriedade é propriedade Isso também se verifica nos pequenos grupos que formam a sociedade em maior medida quando vivem de maneira independente uns dos outros No entanto à medida que os grupos se desenvolvem se reúnem e se tornam membros do todo a situação muda Cada grupo da sociedade e a própria sociedade tornase cada vez mais sensível ao que acontece nos grupos que constituem o todo A sociedade ao criar formas rigidamente consolidadas em relação ao casamento e à família não pode com facilidade alterá las nem mesmo no que se mostra aparentemente secundário já que qualquer inovação poderia ameaçar a estabilidade do todo Ehrlich chega a afirmar que a sociedade elimina com cuidado tudo o que se mostra estranho a uma situação porque as pare des ciclópicas que venceram milênios poderão vacilar se uma única pedra for removida do seu lugar É exatamente isso que explica por que a sociedade tenta re gular de modo unificado e de acordo com suas exigências tam bém o ordenamento jurídico interno aos grupos sociais ibid Esse ordenamento deve ser estudado com particular atenção pe lo sociólogo do direito porém ele não poderá encontrálo apenas nas proposições jurídicas Se existe alguma regularidade nos fe nômenos da vida jurídica que cabe à sociologia do direito desco brir e expor ela só poderá residir na relação de dependência da vida do direito em relação ao ordenamento social e econômico se houver um desenvolvimento do direito que ocorra de acordo com determinadas leis ela poderá ser traçada e representada ape nas no contexto de todo o desenvolvimento econômico e social Sociologia do DireitomioloP3indd 52 020822 1037 o conceito de direito 53 Além disso afirma Ehrlich o jurista e o economista em todos os lugares têm que lidar com os mesmos fenômenos sociais pro priedade dinheiro cartões sociedade limitada crédito direito sucessório Dificilmente há um único objeto relevante em ter mos econômicos que também não pertença à ciência do direito Tanto a fábrica como o banco tanto o sindicato como a associa ção dos industriais têm um ordenamento e este possui um lado jurídico assim como a ordem do empreendimento comercial de dicada à regulamentação do código comercial Portanto qual quer mudança na sociedade e na economia envolve uma alteração no direito por outro lado é impossível modificar os fundamen tos jurídicos sem que aconteça uma mudança na sociedade e na economia ibid p 75 Para Ehrlich além dos interesses econômicos também um papel de liderança pertence às ideias de justiça que se seguiram ao longo da história Portanto ele se concentra na tese da alter nância de uma ideia coletivista e de uma ideia individualista de justiça destinadas a prevalecer ciclicamente em um processo em que não ocorre a prevalência definitiva de um sobre o outro mas que sem necessariamente resultar em uma iteração de cur sos e recursos faz avançar a espécie humana quase seguindo o fio de uma vida ibid p 193 O próprio direito vivo submerso na sociedade e difundido nos diferentes grupos dentro dos quais estabelece as diferentes posições e os papéis sociais dos indivíduos é apoiado por uma estrutura de interesses na qual o indivíduo que renuncia a parte da sua liberdade em favor do grupo ou de indivíduos consor ciados mais fortes acaba por proteger sua própria fraqueza O homem sempre age de acordo com o seu próprio interesse e qualquer um que possa apontar todos os interesses que movem os homens a agir teria resolvido não apenas o problema da coerção Sociologia do DireitomioloP3indd 53 020822 1037 54 sociologia do direito das normas mas praticamente todas as outras questões da ciên cia social ibid p 51 Não surpreende portanto que Ehrlich enfatize a importân cia do reconhecimento espontâneo como um fator que explica o comportamento adequado Certamente não há nada mais fal so do ponto de vista psicológico do que a visão generalizada de que os homens respeitariam a propriedade alheia apenas porque temem o direito penal ou pagariam suas dívidas apenas por cau sa da ameaça de apreensão judicial Mesmo no caso de todas as leis penais perderem sua força como muitas vezes acontece em casos de guerra e às vezes em casos de agitação interna é sem pre e apenas uma pequena parte da população que comete assas sinatos roubos saques em tempos normais a maior parte dos homens cumpre as obrigações assumidas sem pensar na sua exe cução forçada ibid p 50 Em outras palavras a sociedade possui sua própria coesão interna graças a uma ordem social cotidianamente produzida por diferentes costumes E o direito não só através dos juízes e juristas mas também por meio da legislação pode apenas limi tarse à leitura e à interpretação dessa ordem 13 Direito como instituição A concepção de Ehrlich que foi analisada em contraponto ao normativismo de Kelsen continua uma referência fundamen tal para a sociologia do direito Ela pode ser resumida por meio da formulação de algumas teses que retomam os aspectos essen ciais da exposição anterior O direito positivo escrito na forma de códigos ou leis em bora formalmente qualificado como jurídico em virtude de sua origem estatal mostrase invisível para o sociólogo Sociologia do DireitomioloP3indd 54 020822 1037 o conceito de direito 55 que estuda a realidade social na medida em que não é re conhecido nos comportamentos efetivos daqueles que de vem observála Os juristas e juízes desempenham papel essencial na ma nutenção do direito positivo e na orientação de sua inter pretação mas ao realizar tais tarefas também devem necessariamente levar em conta uma pluralidade de ou tros ordenamentos espontâneos que de maneira indepen dente da ação do Estado coexistem com o direito positivo integrandoo ou substituindoo em determinados âmbi tos sociais Além do direito positivo toda sociedade é estruturada em torno de um direito vivo que se forma não através do po der e do comando do Estado mas por meio do trabalho constante do tempo e da lenta consolidação dos costumes O direito vivo está intimamente ligado às necessidades bá sicas do homem que contribui não para reprimir mas para realizar canalizandoo em costumes socialmente relevan tes a partir das agregações sociais mais simples como os grupos sociais elementares até os grupos mais vastos até o grupo dos grupos que é o Estado No contexto histórico comparativo podem ser identifica dos alguns núcleos genéticos do direito vivo os chamados fatos do direito além do costume domínio sobre outros assuntos posse de coisas e declarações de vontade manifes tadas em contratos e testamentos fatos que ao se vincula rem a núcleos fundamentais de uma convivência humana representam um conjunto de elementos recorrentes nos diversos ordenamentos jurídicos O direito natural em tal contexto não parece um rígido metaordenamento que torna intocáveis determinados con Sociologia do DireitomioloP3indd 55 020822 1037 56 sociologia do direito teúdos do ordenamento jurídico mas representa um fator de variabilidade tendo em vista os grandes cenários que alternativamente podem surgir ao longo da história cor rigindo os erros uns dos outros A partir dessas teses a concepção de Ehrlich conduz a um pluralismo jurídico que além da redução do papel do Estado comporta o reconhecimento de uma série de ordenamentos me nores produzidos por agremiações sociais de diferentes impor tâncias e dimensões e equipados com estruturas normativas próprias partindo do grupo genético da família Os pressupos tos pluralistas deram a sua contribuição para alimentar as críti cas dos defensores de uma visão estadocêntrica do direito e hoje podem se apresentar como um elemento útil de reflexão sobre as dificuldades que o efetivo desempenho do papel tradicional mente atribuído ao Estado encontra na sociedade Na Grandlegung não faltam manifestações explícitas de tal pluralismo Em um texto esclarecedor Ehrlich afirma Como uma parte considerável da atividade social encontrou seu ponto focal na legislação na administração da justiça e na administração pública as outras formas que operam na socie dade não foram abolidas A Igreja a vida econômica a arte a ciência a opinião pública a família e os grupos pessoais manti veram no todo ou em parte sua independência em relação ao Estado São apenas centros de desenvolvimento de forças exclu sivamente sociais com as quais a legislação a administração da justiça e a administração pública devem confrontarse a todo instante O indivíduo nunca é um único ele é sistematiza do ordenado enquadrado inserido em um número tão grande de grupos sociais que a vida fora deles pareceria insuportável e muitas vezes até impossível Sociologia do DireitomioloP3indd 56 020822 1037 o conceito de direito 57 Diante do indivíduo o Estado se põe como uma entre tantas outras formas de agrupamento social e seu papel se não é total mente negado é reduzido ao mínimo necessário A partir dessa abordagem concluise que o controle social exercido pelo Estado não é um caso particular de alternativas De fato um olhar para a história do direito mostra que mesmo quando o Estado já havia assumido o controle da legislação sem pre aconteceram importantes inovações jurídicas que não foram produzidas por nenhuma lei Mas nem mesmo os autores da doutrina da onipotência do Estado teriam pensado seria mente que ele seria capaz de formular regras para todo o campo da ação humana De fato o Estado que tantas coisas pode ar ruinar que tantas coisas pode tirar de um para dar ao outro não é capaz de fazer uma única lâmina de grama crescer mais do que é permitido pelos recursos econômicos do povo A vontade do Estado terá portanto que levar em conta uma realidade au tônoma conhecida através de procedimentos científicos e terá que se habituar com a ideia de que certas coisas não podem ser produzidas mediante uma lei e de que para as consequências de uma lei as intenções do seu autor são completamente irrelevan tes ibid pp 300 ss O pluralismo jurídico de Ehrlich fundamentado em um an tiestatismo historicamente baseado em uma teoria composta de fontes que também inclui uma versão historicamente variável do direito natural hoje parece um ponto de referência que encontra amplo eco não apenas na reflexão sociológica do direito mas também na teoria jurídica mais aberta a temas comparativos De fato numerosas foram as tentativas que direta ou indire tamente contemplaram e aprofundaram os principais elementos da sua concepção Ao mesmo tempo que Ehrlich escreveu a teo ria do direito vivo William G Sumner 1906 do outro lado do Sociologia do DireitomioloP3indd 57 020822 1037 58 sociologia do direito Atlântico e com espírito análogo contrastava os costumes popu lares com os estatais A estes últimos ele atribuiu menos força inovadora do que aos primeiros que sendo resultado de uma ca pacidade normativa espontaneamente difundida entre a popula ção estavam portanto destinados a prevalecer os Estados não podem mudar os costumes Na mesma linha também deve ser mencionado o institucio nalismo que a partir de Maurice Hauriou 1967 e Santi Roma no 1918 conheceu versões cada vez mais articuladas Schelsky 1970a 1970b Krawietz 1984 MacCormick Weinberger 1985 Weinberg 1987 Com Hauriou que contrasta a majestade formal das normas com a concreta pressão dos grupos a teoria da ins tituição adquire sentido através do conflito entre o indivíduo e o Estadosociedade Ele fala da superação de tal conflito mediante uma análise das fontes sociais do direito dos caminhos difundi dos em toda a sociedade e não apenas concentrados no Estado nos quais as relações sociais se consolidam em efetivos ordena mentos jurídicos Baratta 1967 O profundo significado do insti tucionalismo na variante sustentada por Santi Romano consiste em ser capaz de abordar o problema da irreprimível sociabilidade do direito ou a irreprimível juricidade da sociedade O ordena mento jurídico portanto para Santi Romano 1918 é uma insti tuição e toda instituição é um ordenamento jurídico a equação entre os dois conceitos é necessária e absoluta p 27 Podese acrescentar que uma sutil diferença entre o institu cionalismo de Hauriou e o de Santi Romano reside no fato de que para o primeiro a instituição entendida como uma organi zação que alcançou certo grau de desenvolvimento e perfeição é a fonte do direito a razão profunda de sua sociabilidade en quanto para o outro a instituição e o ordenamento jurídico são unitária e coletivamente considerados a mesma coisa e por Sociologia do DireitomioloP3indd 58 020822 1037 o conceito de direito 59 tanto constituem uma unidade perfeita ibid pp 334 Anto nio Pigliaru outro ilustre representante do pluralismo jurídico italiano apresenta as mesmas razões para o institucionalismo em particular do pensamento de Santi Romano Em um volume declaradamente influenciado pelo ensinamento de Giuseppe Ca pograssi filósofo do direito ansioso por vincular a filosofia às posições imediatas da vida Pigliaru 1959 enfrenta com cora gem a tentativa de colocar em prática o projeto de Ehrlich que o institucionalismo havia retomado apenas no nível teórico e pros segue para a aplicação concreta mediante a reconstrução pon tual de um ordenamento não estatal mas radicado nos costumes de um povo Hoebel 1954 Nader 1969 Kurczewski 1974 Pi gliaru tem a convicção de que do ponto de vista da sociedade um ordenamento fechado merece ao menos a mesma atenção que um ordenamento positivo porque dotado de fundamentos culturais e antropológicos ainda mais fortes do que o último O ordenamento não escrito que Pigliaru se propõe a traduzir em proposições jurídicas é aquele que regula a vingança na Bar bagia uma região da Sardenha particularmente zelosa de seus costumes Ele redige um verdadeiro código articulado em três partes Princípios gerais As ofensas A medida da vingan ça composto de 23 artigos todos incluídos numa forma técnico jurídica que busca reproduzir fielmente o conteúdo e o espírito das normas consuetudinárias observadas na realidade O primei ro artigo prescreve A ofensa deve ser vingada Não é um homem de honra quem se subtrai ao dever da vingança salvo no caso em que tenha dado prova de sua própria virilidade a que tenha re nunciado por um motivo moral superior Pigliaru 1959 p 107 O segundo artigo define o quadro social de referência A lei da vingança obriga todos aqueles que vivem e trabalham no âmbito da comunidade qualquer que seja o motivo O terceiro artigo identifica os sujeitos titulares da vingança O titular do dever de Sociologia do DireitomioloP3indd 59 020822 1037 60 sociologia do direito vingança é o sujeito que foi ofendido como indivíduo ou como membro de um grupo consoante a ofensa seja intencionalmente dirigida a um único indivíduo enquanto tal ou ao grupo social como um todo A obra de Pigliaru enriquecida com um extenso número de notas e uma longa introdução tem o grande mérito de ser bemsucedida e dar voz e dignidade a um direito vivo até então silencioso Para os defensores do pluralismo jurídico tal direito testemunha de uma cultura antiga permite adaptar as próprias regras às situações e exigências do agrupamento social que o criou seguindo os ditames de uma sabedoria secular e possui também os requisitos conteudísticos requeridos para uma fiel tradução de uma linguagem jurídica moderna O ordenamento de tal direito portanto poderia vir a integrar quando fosse compatível o orde namento estatal pelo menos até o momento em que as exigências de autorregulação de situações históricas e institucionais que lhe deram origem Pennisi 1998 não forem de fato superadas Quanto à teoria das fontes elaborada por Ehrlich para dis por de uma variedade delas a ser aplicada nas pesquisas históri cocomparativas2 devese observar que encontrou significativas semelhanças na Itália no pensamento de Paolo Grossi3 historia dor do direito e de Rodolfo Sacco4 comparatista Um pelas ra zões cronologicamente verticais da história por assim dizer e o outro pelas razões horizontais de comparação desenvolveram 2 A importância dos usos e costumes como fonte do direito foi amplamente dis cutida por Balossini 1980 3 A história do direito continua a compartilhar elementos do pensamento de Ehrlich como o pluralismo jurídico a crítica a uma concepção hierárquica das fontes e a revisão do papel do Estado o que é evidenciado por Grossi 2006 e por outros historiadores da mesma escola ver Costa 1986 4 A partir das necessidades da pesquisa comparada Sacco 1989 veio a desenvol ver uma teoria dos formantes dos diversos ordenamentos jurídicos que tam bém pode ser útil ao sociólogo do direito e pode ser considerada uma especifica ção de algumas intuições presentes na obra de Ehrlich Sociologia do DireitomioloP3indd 60 020822 1037 o conceito de direito 61 de fato na cultura jurídica italiana uma abordagem que parece adequada para superar barreiras tão rígidas que agora mostram se excessivamente limitadas pela mesma dogmática jurídica Ao pluralismo que inspira a tentativa de Ehrlich de fundar uma sociologia do direito imune a qualquer superestimação do poder do Estado podese atribuir o mérito de chamar a atenção dos estudiosos para a utilidade de dar às próprias pesquisas uma ampla dimensão temporal e comparativa Dessa forma podese evitar considerar o direito de nossa sociedade como mais avan çado e racional do que o de outras sociedades com presunçoso etnocentrismo apenas pelo fato de afirmar o dogma do mono pólio do controle e da coerção social por parte do Estado Além disso a mesma sociologia do direito de Ehrlich ao recuperar dentro do seu campo de pesquisa o estudo histórico do direito vivo abrese para uma relação frutífera com a antropologia jurí dica isto é com aquela ciência social que mais do que a outra mantevese consciente da sobrevivência e da importância do ou tro lado não estatal do direito Norma Fato Figura 2 Cultura jurídica interna e externa CULTURA JURÍDICA EXTERNA CULTURA JURÍDICA INTERNA Sociologia do DireitomioloP3indd 61 020822 1037 62 sociologia do direito No entanto podese observar que o próprio conceito socio lógico de direito vivo sugere em suas diversas articulações uma significativa abertura para uma dimensão cultural capaz de fil trar e alimentar tanto do ponto de vista dos operadores quanto do público possíveis interpretações dos fatos juridicamente rele vantes e das normas socialmente eficazes5 O relacionamento bipolar fatonorma tornase desse modo uma relação mais complexa na qual as diversas culturas jurídi cas são capazes não só de multiplicar as representações do direito que surgem na sociedade mas também de mediar os seus condi cionamentos através de um relacionamento circular que pode tornar as relações entre fatos e normas mais flexíveis e em con sequência facilitar em vez de dificultar a ordem social Para melhor esclarecer essa conexão vamos a seguir tratar o conceitochave de cultura jurídica 5 Uma avaliação geral da relevância atual do conceito de direito vivo de Ehrlich é encontrada mais recentemente em Hertogh 2009 Sociologia do DireitomioloP3indd 62 020822 1037 Dada a sua centralidade o conceito de cultura jurídica acaba sen do a questão tratada de modo explícito ou implícito por boa par te das propostas metodológicas e teóricas de maior destaque na sociologia do direito Ao longo da história da disciplina houve uma tentativa de identificar a partir de uma perspectiva descriti va quais imagens das culturas jurídicas do direito eram capazes de se desenvolver em diferentes esferas sociais de outro lado foi feita uma tentativa de neutralizar quaisquer equívocos do direito que tal circulação de imagens poderia ajudar a difundir De modo geral as diferentes culturas jurídicas contribuem para esclarecer aspectos importantes da relação entre a sociedade e o direito Essas culturas são aquelas dos sujeitos orientadas em determinados contextos para o direito aquelas dos operadores que contribuem para sua implementação no âmbito das estrutu ras jurídicas e aquela dos observadores que tentando compreen der os comportamentos de ambos também precisam se deslocar a partir de certos modelos de cultura jurídica A referência às culturas jurídicas pode explicar entre outras coisas por que em determinadas circunstâncias certos pedidos são incorporados ao sistema jurídico e não a outros sistemas de determinados setores da sociedade e como algumas visões de Esta do ou representações do seu papel são elaboradas pelos operadores c a p Í t U l o 2 o conceito de cUltUra jUrÍdica Sociologia do DireitomioloP3indd 63 020822 1037 64 sociologia do direito O conceito de cultura jurídica portanto não só desempenha um papel fundamental podendo ser utilizado como explanandum e como explicans como parte do direito mas também pode con tribuir de maneira decisiva para que seja compreendido tendo em vista tanto as reflexões da sociedade sobre o direito quanto seu condicionamento na sociedade Usando esse conceito será possível identificar quais pressupostos normativos inspiram de terminados comportamentos ou quais diretrizes sociais permi tem explicar determinadas decisões jurídicas Embora o conceito de cultura jurídica seja de extrema im portância para os estudos sociológicojurídicos devese ressal tar que por essa razão tem sido submetido a uma sobrecarga considerável que não deixou de desgastar a nitidez dos limites de seus possíveis significados tornandoos genéricos e ambíguos ao extremo como aconteceu com muitos dos conceitos mais uti lizados nas ciências sociais Nelken 1997 Nelken Feest 2001 Bruinsma Nelken 2007 Rebuffa 1993b A fim de evitar pos síveis confusões de interpretação tentaremos delinear de forma esquemática algumas maneiras não necessariamente alternati vas mas que tendem a integrarse umas às outras de compreen der o conceito de cultura jurídica e dessa maneira concentrar a atenção na contribuição decisiva de Max Weber no campo dos estudos sociológicojurídicos ao uso desse conceito 21 Definição O conceito de cultura no sentido amplo pode ser entendido como o conjunto de atitudes opiniões e convicções que caracteri zam determinado grupo social garantindolhe a atribuição de significados compartilhados De forma específica no conceito de cultura jurídica prevalece a orientação descritiva do direito não como um sistema mas como uma instituição e não apenas das Sociologia do DireitomioloP3indd 64 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 65 normas jurídicas mas também dos aparelhos que estabelecem e monitoram o seu cumprimento Portanto o conceito de cultura jurídica pode ser aqui entendido como o conjunto de atitudes opi niões e crenças utilizadas por determinados atores em certo grupo social para avaliar interpretar e selecionar objetos definidos em relação à instituição jurídica em seus diversos aspectos Ao mesmo tempo podese levar em consideração o ponto de vista interno dos operadores jurídicos ou o ponto de vista ex terno dos leigos e do chamado público No primeiro caso fala se de uma cultura de direito própria dos operadores no segundo caso de uma cultura de direito própria do usuário comum Cada cultura jurídica é capaz de conceber diferentes ima gens do direito o que produz um quadro complexo Para simpli ficar a distinção entre cultura jurídica interna e cultura jurídica externa tem sido usada de forma bastante polarizada contras tandose uma cultura jurídica profissionalmente consciente que coincide com aquela dos juristas a uma cultura jurídica não tão capaz de compreender as sutilezas técnicas do direito que em geral coincide com a do público Também é feita uma distinção entre uma orientação formal à legalidade que pode ser conside rada típica do ponto de vista interno dos juristas e uma orienta ção ideológica à legitimidade que pode ser compreendida como típica do ponto de vista externo do público As correspondências são mostradas na Tabela 1 Tabela 1 Culturas jurídicas atores componentes diretrizes implicações Cultura do direito Juristas Jurídico Legalidade Não ideológica Cultura em direito Público Extrajurídico Legitimidade Ideológica Sociologia do DireitomioloP3indd 65 020822 1037 66 sociologia do direito Tal estrutura composta de elementos simetricamente agre gados apresenta inquestionáveis vantagens em termos de orien tação mas também revela uma possível unilateralidade Por exemplo considerase cultura jurídica ideológica aquela que ex põe o direito a uma infiltração proveniente de culturas não estritamente jurídicas inversamente técnicas e não ideológicas ou seja uma cultura jurídica que sendo filtrada pela dogmática jurídica e pela doutrina jurídica parece capaz de manter níveis mais elevados de consciência e autocontrole No entanto partindo de uma abordagem realista o oposto também pode ser susten tado ao se considerar como ideológico o maior fechamento da realidade típico dos operadores ver entre outros Wiethölter 1968 Cotterrell 1984 Além disso o conceito de ideologia em vez de mero desvio naturalmente condicionado pela realidade com frequência é rela cionado a um engano consciente realizado para atender interes ses particulares Nesse sentido tem sido apontado que os longos e precisos processos de socialização compartilhados pelos pro fissionais do direito se constituírem uma barreira suficientemen te sólida contra influências de outros contextos sociais também poderão apresentarse como um terreno fértil para o surgimento de tendências ideológicas que provenientes do papel em questão não possuem um valor apenas técnico mas visam a defesa de interesses corporativos Kaupen 1969 Kaupen Rasehorn 1971 Barcelona Hart Muckenberger 1973 Para evitar o risco de simplificações excessivas é aconselhá vel adotar como diretriz a clássica distinção entre cultura jurídi ca interna e externa desvinculandoa dos pares simétricos de variáveis vistas anteriormente Dessa forma o conceito de cultu ra jurídica pode ser articulado a elementos derivados dos com plexos processos de atribuição de significado que a caracterizam Sociologia do DireitomioloP3indd 66 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 67 como os papéis sociais por vezes vistos como portadores dela a partir do objeto em geral considerado e dos critérios de interpre tação utilizados em casos concretos individuais Febbrajo La Spina Raiteri 2006 Vamos a seguir explorar essas três variáveis a fim de estabe lecer a conexão entre as culturas jurídicas e o sistema jurídico Em geral o caso extremo de uma cultura que não pode ser considerada jurídica nem pelos papéis nem pelos conteúdos nem pelos critérios de interpretação não se encaixa nos possíveis signi ficados de uma cultura legal Por outro lado a hipótese de uma cultura jurídica considerada interna ao sistema tanto no que se refere aos objetos pertencentes à área de competência direta do próprio ordenamento quanto aos critérios adotados exclusiva mente técnicojurídicos e até às funções magistrados advogados notários ou outros operadores envolvidos profissionalmente no processo de implementação da lei positiva pode parecer uma es pécie de casolimite de uma cultura totalmente jurídica A partir desses casos extremos a distância entre casos con cretos individuais pode ser medida segundo sua maior ou menor legalidade Vejamos alguns exemplos simples que referindose em parte a elementos externos e em parte a elementos internos do ordenamento permitem identificar culturas parcialmente jurídicas como acontece sobretudo na vida cotidiana Um caso é o de uma cultura interna i no que diz respeito ao papel R e ao objeto O mas externa e no que se refere aos cri térios C adotados esquematicamente Ri Oi Ce Para ilustrar esse caso vamos usar um exemplo extraído de um episódio fre quente na vida cotidiana e portanto facilmente interpretável mesmo do ponto de vista de um observador não jurista Em uma estação alguns trabalhadores ferroviários conhe cedores dos movimentos dos trens atravessam pelos trilhos em Sociologia do DireitomioloP3indd 67 020822 1037 68 sociologia do direito grupos para chegar mais rápido ao escritório Apesar da sinali zação bem visível que avisa ser proibido atravessar pelos trilhos um homem carregando uma mala com certeza um viajante juntase ao grupo dos trabalhadores ferroviários Uma pessoa de uniforme que passa naquele momento percebe e impede que faça isso Após uma breve conversa o viajante é autorizado a conti nuar e deixa a estação sem ser incomodado Nesse exemplo a pessoa uniformizada que interrompe e de pois libera o viajante é um atendente que desempenha um papel oficial e atento para um comportamento interno ao sistema pois previsto na legislação vigente No entanto nesse caso ele acaba utilizando critérios que não são estritamente internos ao sistema jurídico uma vez que a infração cometida pelo viajante que apro veitando uma situação imitou o comportamento dos funcioná rios da ferrovia seria do ponto de vista regulatório claramente punível Nesse caso o elemento característico reside no fato de que a aplicação da sanção é confiada a um ator designado para isso mas que provavelmente se limita a lembrar a regra ao viajan te e apenas faz uma advertência genérica para o caso de o fato se repetir Portanto interpreta a norma de modo extremamente fle xível indiferente a outras pessoas como os ferroviários para os quais também seria importante que a regra fosse observada Vamos agora analisar um caso diferente no qual o elemento externo do nosso esquema não está mais localizado no nível de critérios C nem do objeto O mas naquele dos papéis R portanto Re Oi Ci Para exemplificar basta imaginar que um trem depois de cruzar uma fronteira estadual chega a uma esta ção na fronteira onde em um idioma diferente há a mesma sina lização avisando que é proibido atravessar os trilhos Nessa estação mesmo neste caso não há muita diferença em relação aos fatos realmente observados um viajante carrega várias ma Sociologia do DireitomioloP3indd 68 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 69 las tão volumosas que ele as mantém unidas com cordões Ele precisa alcançar rapidamente uma calçada próxima para pegar o trem que está para sair pois as checagens costumeiras na fron teira já foram realizadas Observa o entorno para se certificar de que nas proximidades não há ninguém com o uniforme dos tra balhadores ferroviários e carrega depressa um par de suas ma las pesadas para a outra calçada cruzando os trilhos Ao voltar para pegar outras malas e repetir a operação é severamente ad vertido por um transeunte idoso Ele interrompe o que está fa zendo e espera que o transeunte vá embora Ao perceber que a uma curta distância o transeunte para e continua a observálo o viajante decide fazer o transporte das outras malas usando a pas sagem subterrânea Devese notar que nesse caso o cumprimento da regra é assegurado por um simples homem da estrada que assume um papel que outras pessoas ausentes ou distraídas não cumprem talvez tendo em vista que o princípio fundamental de que a norma caso se aplique a uma das partes deve ser aplicada indiscriminadamente a todos Nesses exemplos no primeiro caso aquele que deve fazer cumprir uma regra assume uma atitude conciliatória e a cultura jurídica dos titulares de papéis internos mostrase mais flexí vel do que o necessário no segundo caso um papel exercido por um agente externo que por si só não deveria envolverse mostra relação direta com uma cultura jurídica tão profundamente in ternalizada a ponto de motivar uma pessoa a intervir e investir tempo e energia em um tipo de controle horizontal com o obje tivo de garantir que determinada norma seja respeitada também por outros destinatários Ao modificar as referências à lei mais uma vez podemos agora apresentar um terceiro exemplo no qual os papéis e crité rios adotados são internos mas o objeto é externo esquematica Sociologia do DireitomioloP3indd 69 020822 1037 70 sociologia do direito mente Ri Ci Oe Essa situação costuma acontecer quando especialistas atuam no processo judicial Sabese que no julga mento os especialistas precisam lidar com fatos empíricos e em particular verificálos e interpretálos a fim de que se transfor mem em casos juridicamente relevantes com base nos quais o juiz poderá tomar uma decisão Não é necessário lembrar as possíveis disfunções com as quais o especialista precisará lidar em sua delicada tarefa No exemplo apresentado a seguir a figura do especialista prevista em lei utiliza sua cultura profissional para interpretar um fato incumbência que recebeu de um juiz e descobre nele conexões psicológicas inesperadas e riscos sociais a serem relatados e ava liados pelo juiz E é precisamente nessa capacidade de extrair indicações de um fato que vão além do senso comum que a cul tura do especialista se manifesta Vamos nos limitar aqui a quase literalmente transcrever o relatório de um caso concreto exata mente como descrito Mellini 2004 Um menino está brincando em uma área de lazer de um condomínio e sem querer chuta uma bola que cai na varanda de um apartamento Imaginando de forma realista que talvez isso acontecesse muitas vezes em vez de bater na porta do morador ele sobe até a varanda e recupera a bola e faz isso repetidas vezes sempre que necessário O morador do apartamento entretanto talvez pelo fato de que o menino repete o comportamento muitas vezes ou talvez e mais provavelmente por conta dos antigos de sentendimentos entre os condôminos não encontra nada me lhor a fazer do que entrar com uma ação judicial contra a criança por violação de domicílio O Juizado da Infância encarregado do caso não encontra nada melhor a fazer escrupulosamente cumprindo a lei e a prática do que confiar a uma assistente so cial ou seja uma especialista destinada a se tornar a verdadeira Sociologia do DireitomioloP3indd 70 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 71 protagonista dessa história uma investigação sobre a personali dade e o ambiente em que a criança vive A assistente social ob serva no seu relatório que o menino órfão de mãe é filho de um marechal dos Carabinieri inclinado dada a sua profissão a ado tar uma educação muito rígida e severa Subir à varanda do vizi nho para pegar a bola portanto deve ser considerado uma espécie de fuga uma fuga libertadora de uma atmosfera opressi va e frustrante e portanto um evento que anuncia formas mais relevantes de transgressão Proposta feita ao tribunal o menor deve certamente ser afastado do poder paternal do marechal e confiado a uma instituição que cuida de menores O Juizado da Infância considera a tese de que uma educação como aquela que o marechal dos Carabinieri adota para seu filho implica a neces sidade de libertálo confiandoo a uma instituição o que é realmente insustentável No entanto nem mesmo ciente de igno rar por completo a opinião do especialista o Juizado prefere cor tar o mal pela metade e condicionar o futuro exercício do poder pátrio ao controle do serviço social provavelmente sobre o ma rechal não sobre o menor e pela mesma assistente social que ha via desempenhado a função de especialista Pela situação extrema que envolve não se pode considerar que o caso apresentado possa comumente se repetir e poderia até mes mo provocar risos se não tivesse realmente acontecido Devese notar no entanto que a cultura do especialista nesse caso não coincide com a de outro ator do sistema jurídico o juiz que por sua vez está exposto a influências culturais internas e externas ao ordenamento e opta em qualquer caso relacionado à situação con creta como vimos por uma solução que envolve compromisso Vamos agora apresentar um quarto e último caso em que a cultura jurídica não se mostra adequada a um único ator mas a uma pluralidade de atores que embora situados fora do sistema Sociologia do DireitomioloP3indd 71 020822 1037 72 sociologia do direito jurídico são direcionados a ele para realizar julgamentos e ava liações obviamente retirados de uma fonte não legal Esse vasto e complexo campo inclui o interesse central da linha de estu dos conhecida internacionalmente como KOL Knowledge and Opinion on Law Tomeo 1974 Esses estudos tratam da ma neira como a lei ou os seus elementos é percebida observada e avaliada pela população como um todo ou por grupos sociais específicos levados em consideração de tempos em tempos Obviamente esse tipo de cultura interna apenas em relação ao objeto de acordo com o esquema adotado Re Oi Ce pode fo car não somente normas ou instituições de direito mas também aparelhos destinados à sua implementação já que estes por ve zes estão abertos às opiniões do público Basta pensar no tribu nal de assembleia ou no júri anglosaxão os jurados são internos ao processo mas também têm a tarefa essencial de trazer sensi bilidade e diretrizes regulatórias a ele não extraídas de conhe cimentos especializados diretamente relacionados ao sistema jurídico mas desenvolvidas por outras parcelas da sociedade Moccia 1978 Contudo no exemplo em questão e ainda que de maneira diferente também nos outros que o precederam seria necessário levar em conta outra variável extremamente difícil de determi nar a profundidade das raízes culturais em parte legal tratada de tempos em tempos Parece provável que culturas com raízes menos profundas e exatamente por este motivo podem influen ciar os comportamentos dos atores de maneira mais imediata e direta mas ao mesmo tempo elas também podem experimentar mudanças com mais rapidez No caso das pesquisas da KOL será necessário verificar sobretudo se as reações entre os entrevistados podem ser consideradas meras respostas opiniões ou crenças ou mesmo elementos culturais com raízes mais profundas Sociologia do DireitomioloP3indd 72 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 73 Dado o ritmo acelerado das mudanças que na época atual afetam o conteúdo das normas legais a relação do público com a lei tende a se concentrar nos elementos das estruturas regulató rias que parecem mais fáceis de perceber Portanto para a maio ria das pessoas que está fora do sistema jurídico a imagem da lei tenderá a ser aquela que é produzida pelas funções dentro da or dem mais próxima para o usuário comum sobretudo a partir das funções dos operadores que exercem funções administrati vas e em particular para os critérios de aplicação da lei que uti lizam através de seus comportamentos que desejam observar De fato a cultura jurídica dos operadores caso se consolide em um conjunto de atitudes previsíveis dará origem ao que os juristas comparativos chamam de estilo do direito Merryman 19661967 Sua função permite mitigar as repercussões de uma regulamentação às vezes pouco clara instável ou desfavorável e tranquilizar os usuários fazendo que o direito se torne mais pró ximo e por assim dizer familiar Dessa maneira os operadores consciente ou inconscientemente influenciam a cultura jurídica externa na medida em que acreditam que qualquer que seja o conteúdo das normas estas em certa medida podem ser inter pretadas e absorvidas em seus efeitos pelo seu estilo jurídico e é com eles portanto mais do que com as regras que o público deve se acostumar a lidar Os exemplos apresentados até agora mostram como um todo um retrato dos diferentes modelos culturais que podem in tervir na relação entre ideias imagens e representações da lei por um lado e as composições sociais condicionadas por culturas não jurídicas por outro Esses exemplos foram escolhi dos para identificar culturas bastante difundidas que conflitam entre si diariamente nos dois primeiros exemplos a cultura da flexibilidade e a da estrita ausência de exceções nos outros dois Sociologia do DireitomioloP3indd 73 020822 1037 74 sociologia do direito exemplos a cultura do senso comum entendida como um con junto de opiniões difundidas entre os usuários especialistas e outros operadores Levando em conta a definição de Ehrlich do conceito de direi to vista no capítulo anterior o conceito de cultura jurídica pode ser articulado de acordo com os papéis os critérios e os objetos para o direito positivo ou direito vivo ou seja para o conjunto de regras incluídas nos sistemas jurídicos estatais e não estatais Com base nesses breves apontamentos podemos agora exa minar o conceito de cultura jurídica mais detalhadamente 22 As premissas do modelo de Weber Max Weber é sem dúvida o autor clássico que conseguiu melhor do que nenhum outro utilizar o conceito extremamente flexível de cultura jurídica de maneira metodologicamente cons ciente Em uma de suas obras mais complexas inspirada nas crí ticas de um livro de Rudolf Stammler 1906 Weber 1907 aborda a questão da possibilidade de usar as ferramentas de compreensão da sociologia para definir o vasto campo de relações entre ações juridicamente relevantes e culturas jurídicas capazes de atribuir significados a essas ações Febbrajo 2010 pp 89165 Esse trabalho sem dúvida escrito de uma só vez derivou da decepção provocada pela leitura de uma obra que embora em sua segunda edição permanece bastante imprecisa Weber por tanto buscou preencher as lacunas do livro de Stammler e para isso abordou algumas questões que permanecerão centrais na sua obra como aquelas relacionadas à definição sociológica dos conceitos de Estado e direito definição que consegue contem plar uma visão articulada da dimensão cultural da sociedade O leitor portanto é forçado a passar com rapidez da análise deta lhada de algumas partes do volume de Stammler para grandes Sociologia do DireitomioloP3indd 74 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 75 digressões metodológicas com a sensação singular de acompa nhar o desenvolvimento do pensamento do autor Weber baseiase na crítica à afirmação de Stammler em assu mir a regra da vida social como o caráter supremo da socie dade e ressalta que tal pesquisa historicamente deve se afastar de qualquer tentação determinística tanto eticamente avaliativa quan to empíricomaterialista Ao construir um diálogo imaginário en tre um espiritualista e um materialista tenta mostrar que é impossível chegar a um acordo sobre qual dos dois pontos de vista prevalece de forma definitiva uma vez que os interlocutores hipo téticos sempre serão capazes de reconstruir as regularidades sujei tas à sua pesquisa a fim de interromper em regressão causal o tipo de causa que cada um deles pretende privilegiar Se o observador pode manipular o resultado da pesquisa de tal maneira o problema passa a ser Até que ponto a regra em relação à ação individual ou da sociedade realmente existe ou é produto da atividade especulativa do observador Para respon der a essa questão Weber apresenta uma série de esclarecimen tos relacionados às raízes culturais do conceito de regra A distinção fundamental a partir da qual ele se move se con centra na relação entre regularidade no sentido de corres pondência a uma regra Regelnseligkeit e regulação no sentido de submissão a uma regra Geregeltheit Essa distin ção referese a regularidades puramente estatísticas que são independentes das diretrizes regulatórias do ator e a regula ridades que exigem diretrizes regulatórias vigentes É claro que embora distintos os dois tipos de regularidades po dem ser interligados Para ilustrar esse aspecto Weber usa o exemplo da digestão que pode ser natural e de modo incons ciente regular ou regulada artificialmente quando alguma perturbação ou irregularidade no que diz respeito à norma Sociologia do DireitomioloP3indd 75 020822 1037 76 sociologia do direito de higiene que estabelece os requisitos para uma boa diges tão requer o uso de meios coercitivos ou seja de medica mentos para restaurar sua regularidade original De fato até mesmo as regularidades fisiológicas do or ganismo leis da natureza uma vez que a partir de um nexo causal empírico tornamse absolutas e reconstruídas entram em certa cultura em particular na cultura do mé dico que prescreve medicamentos e assim podem orientar normativamente certos cursos de ação do ator avaliados de maneira positiva ou negativa por determinados papéis de controle social Uma segunda distinção apontada por Weber diz respeito a regras sociais e regras técnicas que ao contrário das ante riores podem ser independentes da vida social As regras técnicas são baseadas não em restrições regulatórias ou sim ples iterações factuais mas em conexões regular e empiri camente fundamentadas que podem ser úteis para certos propósitos máximos As regras técnicas distinguemse do comportamento regular destinado a evitar as penalidades que podem ser previstas pela violação de determinada regra Portanto o ladrão que foge após o roubo não obedece a uma regra técnica mas regras técnicas são aplicadas por um Robinson que na solidão de sua ilha administra os pró prios recursos para usálos de acordo com certos princípios econômicos derivados de sua própria experiência Numa vida social desse tipo se forem utilizados por mais de um de seus parceiros para atingir determinados objetivos po dem originar comportamentos regulares previsíveis ou mesmo complementares Nesse caso os modelos empregados por um observador não são descritivos mas simplesmente heurísticos pois apenas tornam absolutas as categorias hipotéticas de orien Sociologia do DireitomioloP3indd 76 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 77 tação para alcançar um propósito levando em conta que não po dem se reproduzir com a mesma completude e constância na realidade cotidiana Em suma a regra geral de orientação para fins por meio de regras técnicas ou máximas empiricamente só lidas resulta de uma abstração cujo papel explicativo pode ser esclarecido de tempos em tempos apenas levando em conta as condições históricas em que se busca agir de acordo com um ob jetivo e o fato de remeter a um caso limítrofe só pode ser abor dado na realidade com alguma aproximação Weber também trata extensivamente uma analogia impor tante entre regras jurídicas e regras do jogo Nos jogos as relações sociais regulamentadas deixam espaço para a au torregulação concreta isto é os movimentos individuais que não são derivados apenas da regra abstrata do jogo mas de fatores culturais que permitem ampla margem para in fluenciar a escolha de possíveis alternativas feitas por joga dores individuais Em outras palavras nos jogos os modos de comportamento e os critérios predeterminados de vitória são abstratos mas as estratégias para alcançar o objetivo de vencer o jogo não são Portanto as regras do jogo utilizam diferentes níveis de abstração sendo entendidas como crité rios empregados para escolher determinados comportamen tos e atribuirlhes um significado compartilhado dentro das conexões que o definem ou como critérios usados para ava liar a relevância estratégica de um movimento específico ou como condições de elegibilidade ou inelegibilidade adequa ção ou inadequação de estratégias específicas de jogo Weber tomando como exemplo o jogo de cartas alemão Skat ilustra esse ponto ao identificar várias hipóteses que podem ser consideradas sob inúmeras perspectivas No nível extremamente Sociologia do DireitomioloP3indd 77 020822 1037 78 sociologia do direito geral de um congresso da Skat podese perguntar se é apropria do estabelecer certa regra do ponto de vista dos valores eude monísticos que o Skat busca ou se de um ponto de vista formal um jogo deve ser considerado perdido no evento de supervisão de um jogador Além disso no nível dos movimentos individuais podese perguntar se determinado jogador atuou de maneira justa ou seja de acordo com a norma ou bem de acordo com o objetivo ou ainda de maneira moral obviamente conforme a especificação moral do Skat que culpa o jogo imprudente mas considera que o acordo entre dois jogadores contra um terceiro jogador é espremido por um acordo mútuo admissível Dessa forma um jogo de Skat e em particular o comporta mento dos jogadores são referidos às regras do que se pode cha mar de direito do Skat As regras do jogo são na verdade uma condição ou um pressuposto da possibilidade e capacidade de pensar nas partidas concretas Da mesma forma as regras jurídi cas quando não se limitam ao estabelecimento da natureza obri gatória de certos comportamentos sociais podem criar jogos co mo ocorre com contratos dentro dos quais e somente assim certos papéis e comportamentos ganham significado Isso dá às regras do jogo de Skat e paralelamente às leis um papel funda mental não apenas para os atores mas também para o observador Segundo Weber a regra que compõe o jogo pode contribuir para reconhecer empiricamente o objeto a ser estudado e usar o conhecimento que o observador possui para identificar os dados relevantes a fim de entender o pro gresso do jogo delimitar o objeto a ser observado a fim de separar o que é essencial para o conceito do jogo de Skat do meio contingente e dos múltiplos comportamentos irrele Sociologia do DireitomioloP3indd 78 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 79 vantes para a partida como fumar um charuto ou re tomar as discussões entre os jogadores o que no entanto constitui o constante quadro de um verda deiro Skat alemão explicar as ações reais dos jogadores como esses pa péis em geral assumem nas suas relações recíprocas o que cada um faz da regra do jogo a máxima ou o critério de sua própria ação Em suma a referência às regras do jogo serve a Weber para mostrar que tanto no caso de um jogo de cartas comum quanto no direito elas são o prérequisito cultural necessário para definir primeiro qual jogo está sendo jogado para conhecer as estraté gias desse jogo e por fim para explicar os movimentos indivi duais uma vez escolhidos os jogadores em um único jogo Passando das regras do direito Skat para as normas jurí dicas reais Weber pode portanto observar que mesmo para estudar determinado fenômeno jurídico o observa dor como o ator ainda terá de partir de uma ideia desse objeto e para isso precisará usar culturas de referência Para ilustrar isso ele usa um exemplo simples o de uma troca que acontece no centro da África entre um povo europeu e um povo de uma etnia africana O exemplo é usado para minimizar qualquer possibilidade de compar tilhamento imediato não apenas no que diz respeito a có digos legais mas também a elementos culturais entre os sujeitos envolvidos na troca De fato mesmo em uma interação simples intuitiva e univer sal como a troca é grande a possibilidade de os comportamentos dos atores serem mal compreendidos Um participante da troca pode supor erroneamente que a outra parte também está dispos Sociologia do DireitomioloP3indd 79 020822 1037 80 sociologia do direito ta a observar determinado padrão ou essa parte pode não estar disposta a usar sua ideia de troca como mera hipótese a ser revista com base na situação concreta Uma interpretação empí rica da troca com o objetivo de estabelecer o que os participantes fazem na realidade deve ser estritamente distinta da interpreta ção dogmática da troca com o objetivo de indicar qual deve ser o comportamento dos participantes do ponto de vista de deter minada norma jurídica Além disso o significado dogmático pode ajudar a com preender e explicar certos comportamentos de diferentes manei ras de acordo com a situação em que os atores estão envolvidos ou com os interesses do intérprete Em particular a perspectiva dogmática pode desempenhar importante papel ao buscar com preender o horizonte de ação de uma pessoa que tendo conhe cimento da existência de determinada regra do código está inclinada se preciso for a recorrer a um juiz mas pode desem penhar um papel de menor importância por exemplo explicar as relações de emprego na indústria têxtil na Baixa Saxônia que deverão obedecer à lógica não apenas jurídicoformal mas em certa medida dependente do real poder da relação contratual entre as partes por fim poderá ter um papel sem nenhuma impor tância no que diz respeito por exemplo às qualidades artísticas da Madonna Sistina de Rafael de uma perspectiva dogmática provavelmente seria capaz de esclarecer apenas certos aspectos jurídicos da relação do artista com o cliente Além disso as mes mas regras legais podem ser observadas sob múltiplas perspecti vas Assim um artigo do código pode ser objeto de considerações ou regulamentos dogmáticos no sentido estrito que tentam fazer valer seus significados a partir da cultura do próprio juris ta ou de considerações sociológicas que se perguntam quais os efeitos de certos conteúdos de um código ou de uma sentença Sociologia do DireitomioloP3indd 80 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 81 sobre determinados comportamentos ou mesmo de considera ções políticas que expressam avaliações relacionadas a certos ideais culturais ou postulados gerais Podese notar que uma pluralidade de perspectivas emerge do conceito de direito que Weber apresenta em seu grande traba lho Economia e sociedade Ele afirma que o direito é um sistema cuja legitimidade é reconhecida pelos seus destinatários pers pectiva política e cuja validade repousa na possibilidade de coer ção perspectiva sociológica feita por um conjunto de homens dispostos a isso perspectiva dogmática ou normativa em sentido estrito Em uma análise mais aprofundada essa última proposta do conceito de direito é resultado da combinação de diferentes estratégias que se referem a diferentes vertentes teóricojurídicas Se o momento da legitimidade é destacado a definição enquadra se na tipologia de sistemas legítimos e parece uma emanação da teoria do reconhecimento Anerkennungs Theorie Mas se qui sermos enfatizar as garantias indicadas por Weber quando ele busca distinguir o direito de fenômenos tradicionalmente asso ciados a ele como costume uso tradições a definição reserva um lugar decisivo para o caráter coercitivo e portanto parece uma emanação da teoria da coerção Zwangs Theorie Essa combinação dos dois elementos reconhecimento e coerção na mesma definição do conceito de direito pode ser entendida não apenas como uma homenagem obediente às dife rentes correntes da cultura jurídica da época mas também como um reflexo da tentativa de Weber de compor em seu aparato conceitual duas formas correspondentes de estabelecer a inves tigação sociológica A coerção com seu aspecto institucional requer para ser analisada uma perspectiva que leve em conside ração acima de tudo o ponto de vista do aparelho que a aplica enquanto o reconhecimento focalizando o significado re Sociologia do DireitomioloP3indd 81 020822 1037 82 sociologia do direito quer uma perspectiva que leve em conta acima de tudo o ponto de vista do ator social individual O conceito de direito de Weber portanto busca classificar as diferentes culturas jurídicas e em seguida incorporálas umas às outras Mas para isso o sociólogo precisa necessariamente recorrer a conceitos abstratos que possam ajudar a entender tan to a cultura interna da sanção quanto a cultura externa do reco nhecimento Nesse contexto Weber utiliza um conceito fundamental o da racionalidade devidamente modulado e suficientemente am plo para se adaptar a possíveis interpretações do conceito de direito Agora mostrase necessário compreender melhor como ele define no curso da vasta reconstrução comparativa que deli neou em Economia e sociedade as diferentes combinações dos conceitos de cultura jurídica e racionalidade utilizados para tipi ficar as situações históricas examinadas 23 As aplicações do modelo de Weber Na análise do conceito de regra conduzida em meio a críti cas a Stammler surgiram alguns modelos de ação que foram orientados por vezes segundo diferentes tipos de regras gerais e abstratas racionalidade formal comuns ligadas a necessida des elementares racionalidade tradicional técnicas racionali dade com relação ao objetivo e de avaliação racionalidade com relação a valores Na obra Economia e sociedade Weber trata historicamente essa polivalência do conceito de racionalidade em relação ao di reito afirmando que uma lei pode ser racional em um sentido muito diferente segundo a direção que o pensamento jurídico toma Weber 1956 vol I p 506 Ele enfatiza que quando fala mos de direito ordenamento jurídico princípio jurídico é Sociologia do DireitomioloP3indd 82 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 83 correto separar o ponto de vista jurídico do ponto de vista so ciológico já que o primeiro afirma o que é idealmente válido como direito isto é que sentido normativo deve ser atribuído de maneira logicamente correta a uma formação linguística que se apresenta como norma jurídica Ao distinguir o ponto de vista sociológico do jurídico Weber articula os dois por meio de uma série de tipologias que não apenas os enriquecem e rela tivizam mas os ligam através de uma ferramenta de vinculação de múltiplos propósitos como o conceito de cultura jurídica ibid v I p 509 Por essa definição se por cultura jurídica entendemos o con junto de diferentes maneiras como percebemos a nós mesmos e nos orientamos para o direito devemos diferenciar ainda mais o ponto de vista daqueles que observam um direito do qual são sim ples beneficiários e com relação ao qual podem se comportar de diferentes maneiras sem contudo conseguirem modificálo for malmente e o ponto de vista daqueles que por fazerem parte de uma instituição jurídica colaboram formal e oficialmente para a sua aplicação e interpretação ou para a sua produção e mudança Weber portanto especifica que a racionalização do direito pode consistir em uma generalização isto é um processo que implica uma simplificação e uma redução das razões relevantes para as decisões do caso concreto a um ou mais princípios e em uma sistematização ou seja um processo que envolve uma coordenação dos princípios jurídicos assim obtidos de modo que componha um sistema de regras logicamente claro livre de contradições internas e acima de tudo pelo menos em princípio livre de lacunas ibid v I p 28 Depois de ter reduzido e tor nado coerentes os princípios de decisão dos operadores do di reito um sistema jurídico que atingiu níveis relativamente altos de racionalidade caracterizase pelo fato de ser mais do que ou Sociologia do DireitomioloP3indd 83 020822 1037 84 sociologia do direito tros capaz de garantir a previsibilidade dos usuários ou seja os resultados da tomada de decisão Apesar da falta de um sentido unívoco Weber também in troduz o parâmetro complementar de formalidade destinado a ser combinado com o de racionalidade Na definição desse parâmetro entretanto fica evidente que com isso Weber pretende se referir sobretudo ao nível de abstra ção técnicojurídico efetivamente alcançado pelos sistemas jurí dicos que é relativamente elevado no caso do direito racional formal e relativamente baixo no caso apresentado como anti tético do direito racional material A dimensão formal do direito portanto tem ligação direta com a especificidade e a tec nicidade dos instrumentos empregados ou seja com a sua filia ção à área historicamente variável e dos critérios de decisão percebidos como legais A dimensão racional por sua vez é colo cada em conexão com a controlabilidade intersubjetiva dos resul tados da decisão e portanto com a necessidade de previsibilidade com que os usuários do direito tecnicamente rápidos também po dem contar Diante dos dois parâmetros fundamentais de racionalidade e formalidade de Weber parece que uma decisão jurídica pode ser definida como racional se também pode ser objeto de previ sões por não membros do aparato que a produz ao passo que pode ser considerada formal se deriva diretamente da aplica ção de critérios específicos do aparelho que a produz Os dois critérios podem mas não precisam necessariamente ser con gruentes Em outras palavras a racionalidade oposta à irracio nalidade implica uma perspectiva intersubjetiva e portanto envolve a capacidade de controle ou controlabilidade não exter na dos resultados de determinado processo de tomada de deci são enquanto a formalidade oposta à materialidade envolve a Sociologia do DireitomioloP3indd 84 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 85 adesão ou não de membros a certo procedimento em determi nado sistema baseado em uma perspectiva pelo menos de modo implícito interna ao ordenamento Ao usar conjuntamente os parâmetros de racionalidadeir racionalidade e formalidadematerialidade é possível ter uma estrutura que permite compreender tanto as culturas jurídicas internas dos especialistas quanto as culturas jurídicas externas dos destinatários das normas Com essa ferramenta de duas fa ces Weber tenta ordenar os diferentes sistemas jurídicos concre tos de acordo com a maneira como os dois pares de parâmetros de qualificação das instituições jurídicas racionalirracional materialformal se cruzam Existem portanto quatro hipó teses ideais típicas que aparecem resumidas na Tabela 2 Esse esquema permite tipificar diferentes sistemas jurídicos histori camente conhecidos levando em consideração que a lei racio nal formal é capaz de combinar um alto grau de previsibilidade e calculabilidade das decisões com critérios estritos de tomada de decisão Tabela 2 Tipos de racionalidade jurídica Especificidade dos critérios adotados Auditoria intersubjetiva de critérios adotados Alto graU de racionalidade Baixo graU de racionalidade Alto grau de formalidade Racionalidade formal direito estatutário Irracionalidade formal direito revelado oráculo Baixo grau de formalidade Racionalidade material direito identificado com base em ideologias políticas ou religiosas Irracionalidade material direito identificado com base em avaliações de natureza ética ou emocional Sociologia do DireitomioloP3indd 85 020822 1037 86 sociologia do direito Internamente ao sistema jurídico um direito revelado ou de terminado com base em oráculos pode atingir alto grau de tecni cidade jurídica mesmo garantindo baixo grau de previsibilidade das decisões um direito determinado com base em ideologias políticas e religiosas e portanto em critérios extrínsecos ao sis tema jurídico entretanto pode apresentar para o conhecimento geral desses critérios alto grau de previsibilidade um direito de rivado de avaliações éticas e emocionais por sua vez apresenta baixo grau de previsibilidade e critérios de decisão sobretudo externos ao sistema jurídico Pelo que foi dito fica bastante claro que a racionalidade for mal não deve ser confundida com a racionalidade em relação ao objetivo nem com a racionalidade em relação ao valor mas representa uma terceira hipótese que se situa entre esses dois pontos Concentrase não em elementos que podem ser determi nados conscientemente com base na perspectiva do ator como a adequação de valores aceitos ou propósitos compartilhados mas em elementos que também podem ser determinados com base em necessidades lógicas na esfera de ação em que se insere o assunto e portanto no nosso caso o campo do direito ibid p 27 Isso permite distinguir ação racional formal de ação afe tiva influenciada de maneira decisiva pela situação interna do ator quanto de ação tradicional influenciada por regularida des externas ao ator e percebidas por esse motivo como estáti cas e imutáveis Ao mesmo tempo é possível usar a dupla atenção à autono mia dos critérios e à controlabilidade interpessoal dos resultados que contribuem para caracterizar a racionalidade formal típica do direito ocidental para considerar o princípio metodológico complexo e fundamental da neutralidade da ciência Esse princí pio não deve ser compreendido apenas de modo negativo como o Sociologia do DireitomioloP3indd 86 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 87 fecharse da ciência a outros critérios a não ser o da verdade mas também de modo positivo como a abertura da ciência ao contro le de qualquer pessoa independente da sua área cultural Portan to parece não se tratar mais do que outro caso de aplicação da categoria geral de racionalidade formal Nessa perspectiva esse princípio metodológico não é aplicável apenas àquele ato em par ticular que é a ação dos teóricos e portanto não se destina a ser aceito ou rejeitado apenas nessa área mas referese à hipótese teó rica subjacente a todo o trabalho de Weber que apoia a crescente racionalização e automatização dos vários campos da atividade humana que devem portanto ser avaliados com base em crité rios internos Em resumo agora podemos apontar os elementos que carac terizam os cinco principais tipos de ações presentes na sociologia de Weber A Tabela 3 mostra que a interpretação da ação ra cionalformal não pressupõe o conhecimento das perspectivas ideais do ator ação racional em relação ao valor nem das pro váveis consequências de seu ato ação racional em relação ao ob jetivo nem o que ele sente emocionalmente ação afetiva nem o que aconteceu no passado no seu ambiente ação tradicional mas pressupõe o conhecimento do aparato ou da instituição que seleciona os critérios intersubjetivos específicos da sua decisão Tabela 3 Tipos de ação social Tipo de ação Elemento caracterizante Racional comparada ao escopo Racional comparada ao valor Afetivo Tradicional Racionalidade formal Consequências da ação Valor da própria ação em si Situação interna do ator Regularidades consolidadas da ação Critérios intersubjetivos específicos de certa área de ação Sociologia do DireitomioloP3indd 87 020822 1037 88 sociologia do direito Também se pode dizer que a ação racionalformal se refere a uma estrutura que filtra os critérios de decisão concretamente aplicáveis pelo ator e conhecêlos portanto é indispensável para compreender suas ações Em um sistema jurídico avançado a racionalidade formal se torna tão complexa que deve ser especializada e confiada aos ju ristas e operadores jurídicos enquanto o legislador que produz a lei em geral se orienta por uma racionalidade com relação ao ob jetivo que resulta do ponto de vista do ordenamento jurídico complementar à primeira Obviamente isso não significa que a mesma racionalidade formal não possa ser objeto de julgamento por parte de diferentes racionalidades como as que dizem respeito ao objetivo ou ao valor realizado por um observador exter no como o sociólogo De fato é possível perguntar qual é a utili dade da racionalidade formal com relação ao seu propósito e como deve ser avaliada com relação ao seu valor Nesses casos no entanto será necessário desconsiderar os julgamentos reais dos atores únicos já que estes não são conside rados capazes de avaliar melhor a utilidade e o valor de uma ca tegoria complexa como a racionalidade formal É o que o próprio Weber faz em Economia e sociedade quando afirma que a racio nalidade formal entendida como o cálculo das decisões e a es pecificidade dos critérios adotados produz no contexto jurídico e dentro da organização capitalista consequências factuais con flitantes e conflitos ideológicos que contrastam os valores de se gurança e liberdade Um importante exemplo de racionalização formal do direito é para Weber o direito probatório que em sistemas jurídicos complexos não visa encontrar sem limitação a evidência des tinada a demonstrar a verdade ou a falsidade de um fato mas limitase a estabelecer onde de que formas isto é com quais ins Sociologia do DireitomioloP3indd 88 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 89 trumentos técnicojurídicos e em que termos as evidências que podem contribuir para a solução do caso controverso devem ser produzidas ibid v I p 571 Embora orientado principalmente para uma racionalização de um tipo formal o direito ocidental apresenta áreas de impor tância não desprezível nas quais diferentes tipos de racionalidades são afirmados em relação a interesses particulares Um exemplo é a lei comercial Nesse direito estritamente formalista e vinculado aos dados sensíveis exigidos pelo tráfego interesses não formais de honestidade comercial são entendidos dentro dos limites que a interpretação lógica da von tade das partes ou a moral comercial consideram minima mente éticos Além disso ele é até mesmo empurrado por todos esses fatores como as aspirações da justiça material que alega tornar a prática jurídica um instrumento de equidade e não um instrumento para a solução neutra de conflitos de interesses De fato para a mesma classe de operadores pode parecer in digno assumir a posição de distribuidor automático de direito ibid p 720 enquanto Weber observa que em questões criminais a justiça popular dos jurados exerce em grande medida uma jus tiça de cádi irracional satisfazendo assim a sensibilidade dos não iniciados sem uma cultura jurídica especializada ibid p 655 Nesse contexto o relacionamento entre um direito como o racional formal e outros sistemas sociais em especial a econo mia é de particular interesse Estes últimos são objeto de ampla reflexão de Weber que tenta delinear um quadro geral da relação entre direito e economia identificando alguns elos entre o direi to racional formal e a economia capitalista Para mostrar em particular a reciprocidade das relações entre direito e economia que não podem ser reconstruídas de modo Sociologia do DireitomioloP3indd 89 020822 1037 90 sociologia do direito unilateral no sentido de uma derivação do direito da economia Weber estabelece alguns princípios gerais que guardam íntima re lação uns com os outros Em primeiro lugar ele cita o princípio que pode ser dito da pluralidade de interesses legalmente passíveis de proteção segundo os quais a lei não garante apenas interesses econômicos mas também interesses diferentes dos mais elementa res como a proteção da segurança pessoal e até bens intangíveis ou ideais tais como a própria honra e a dos poderes divinos Weber observa então que o direito garante também posições de autori dade política eclesiástica familiar e outras e em geral situações sociais de privilégio de todos os tipos que podem ser economica mente condicionadas e relevantes nos mais diversos relaciona mentos mas que por si só não representam nada de importância econômica nem mesmo algo necessariamente ou principalmente desejado por razões econômicas Ibid pp 745 ss Um segundo princípio que pode ser dito da relativa autono mia da ordem econômica em relação ao sistema jurídico sublinha que a coerção legal encontra limites significativos na regulação da atividade econômica Direito e economia são na verdade di ferentes mecanismos de controle social e utilizam ferramentas específicas que nem sempre conseguem integrar Por exemplo no caso de uma lei de economia desenvolvida mesmo que sejam realizadas intervenções coercitivas maciças ela encontrará forte resistência na condução dos processos econômicos como mos tra o fracasso geral de medidas destinadas a controlar os preços ibid p 762 Um terceiro princípio que pode ser dito da indiferença mú tua entre os dois sistemas destaca por um lado que um sistema jurídico em certas circunstâncias pode permanecer inalterado mesmo que as relações econômicas mudem de modo radical e que por outro lado a regulamentação jurídica pode variar pro Sociologia do DireitomioloP3indd 90 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 91 fundamente do ponto de vista das categorias do direito sem que as relações da economia e os efeitos práticos relativos para as partes interessadas sejam afetados de modo significativo ibid p 761 No entanto a relativa independência e autonomia que o di reito e a economia alcançaram nas sociedades ocidentais avança das não exclui as profundas relações de condicionamento mútuo existente entre essas áreas A garantia estatal do direito não é de um ponto de vista puramente teórico indispensável a qualquer fenômeno econômico A proteção da posse por exemplo pode ser apoiada pelo grupo parental e a proteção das dívidas somen te pode acontecer de maneira ainda mais eficaz se realizada pelas comunidades religiosas e através da ameaça de excomunhão No entanto também é verdade que uma ordem econômica especí fica moderna não pode sustentarse sem uma ordem jurídica dotada de qualidades racionais formais Weber destaca ainda as vantagens de uma racionalidade for mal ao afirmar que o poder universal da associação de merca do e a velocidade moderna do tráfego exigem um direito que funcione de maneira oportuna e segura garantida por um poder coercitivo o mais forte possível Ele observa que a própria eco nomia moderna ao ajudar a estruturar o direito em um sentido racional formal não apenas levou em consideração os interesses do tráfego econômico mas também acabou favorecendo um processo de monopolização da força pelo Estado Além disso salienta que a ação econômica também pode ser formalmente racional na medida em que o esforço econômico essencial a qualquer economia racional pode ser expresso em considerações numéricas e portanto através de um cálculo Um procedi mento econômico como o da formação de preços é capaz de ga rantir como nos processos de tomada de decisão dos operadores legais a previsibilidade de seus resultados e estes podem se tor Sociologia do DireitomioloP3indd 91 020822 1037 92 sociologia do direito nar objeto de cálculo para diversos sujeitos econômicos corre lativamente revelase a impessoalidade dos critérios utilizados para alcançar esse resultado se escolhidos com base em conside rações especificamente econômicas ibid p 716 Tudo isso mostra que na perspectiva de Weber tanto o direi to moderno quanto a economia através de ajustes em suas res pectivas culturas pertencem às mesmas categorias interpretativas de racionalidade e formalidade Em suma para ele as relações entre o direito racional formal e a economia capitalista devem ser reconstruídas não através de uma simples relação de causa e efeito mas por meio de uma relação mais articulada de afinida des estruturais e complementaridades funcionais adequadas para destacar que um ordenamento jurídico racionalformal pro duzido por fatores que não são necessária nem principalmente econômicos pode por razões de afinidade cultural favorecer o surgimento de empresas capitalistas inspiradas nos mesmos cri térios de racionalidade formal Essas complexas interrelações entre direito e economia são ilustradas em numerosos lugares de Economia e sociedade à luz de instituições jurídicas específicas Considerando que as situa ções econômicas não geram automaticamente novas formas jurí dicas apenas podem favorecer a possibilidade de que uma vez que surja uma invenção técnicojurídica ela também pode se espalhar ibid p 526 Weber se preocupa em concentrar sua análise em alguns produtos da elaboração técnicojurídica que favorecem o surgimento de uma economia capitalista Ele observa que o direito coletivo das sociedades atuais ao adaptar as rela ções da comunidade doméstica aos fins da empresa capitalista e ao reconhecer determinadas pessoas jurídicas definidas com base em certas regras é legitimado exclusivamente para assumir obrigações e adquirir direitos para que o grupo evite envolver Sociologia do DireitomioloP3indd 92 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 93 indivíduos e ativos individuais no tráfego comercial Desse modo é atingido o objetivo essencial para o surgimento de gran des organizações econômicas capitalistas de permitir o cresci mento das empresas por meio de novos investimentos sem elevar o nível de risco de capital além do limite de tolerabilidade de cada indivíduo ibid p 742 Weber também observa alguns efeitos discriminatórios que o capitalismo e as instituições jurídicas que o apoiam acabam ocultando em geral de modo implícito por trás de sua aparente neutralidade O mesmo princípio amplamente afirmado nos sistemas jurídicos avançados da chamada liberdade contra tual revela um significado cultural ambíguo nessa perspectiva Depois de observar que na lei moderna aumentou muito a possi bilidade de estabelecimento de relações contratuais com outros sujeitos no campo da troca de mercadorias de trabalho pessoal e prestação de serviços em comparação com o passado Weber ad verte que seria imprudente dizer que esse processo de natureza técnicojurídica tenha levado ao aumento da liberdade do in divíduo em determinar as condições de sua própria existência Essa questão observa não pode ser decidida apenas com base no desenvolvimento de formas jurídicas ibid p 56 a partir das quais não é possível atribuir de maneira acrítica princípios jurídicos abstratos à realidade social Entretanto uma vez que o direito de acordo com a definição de Weber vista anteriormente constitui uma ordem legítima pro tegida por um aparato coercitivo existe já no nível conceitual uma conexão fundamental do direito racional formal não ape nas com a economia mas também com o Estado moderno Isso ocorre no sentido de que a coerção de que a lei precisa pode ser exercida apenas por órgãos do Estado de organização única ca pazes de exercer coerção física legítima sobre a comunidade po Sociologia do DireitomioloP3indd 93 020822 1037 94 sociologia do direito lítica ibid pp 401 Weber portanto afasta os limites de uma sociologia do direito privado e processual para abordar a vasta questão do papel do Estado na vida pública Aqui nos limitare mos a identificar apenas alguns dos muitos pontos de conexão entre sociologia do direito e sociologia do poder que estão presentes em Economia e sociedade O Estado moderno é definido sociologicamente com base em meios específicos adequados a cada grupo político isto é com base no uso da força física O Estado portanto é uma empresa institucional de natureza política na qual o aparato ad ministrativo avança com sucesso uma reivindicação de um mo nopólio de coerção física legítima Essa conexão entre Estado e coerção jurídica destacada por Weber em nível conceitual tem implicações importantes tam bém em nível teórico já que o processo de construção da legisla ção que acompanha e sustenta o Estado moderno parece ser a extensão coerente da hipótese de racionalização formal das estru turas jurídicas desenvolvidas por ele no campo da sociologia do direito Na verdade em primeiro lugar o processo de monopoli zação da força do qual o Estado se origina não se limita a garan tir a centralização e a singularidade das decisões relacionadas ao uso da coerção física mas assegura dentro da comunidade políti ca aquela combinação de calculabilidade e especificidade fun cional que é apropriada ao conceito de direito racionalformal Além disso se o direito pressupõe o Estado este também pres supõe o direito em particular o direito racional formal como um instrumento regulador indispensável do poder por ele exer cido ibid p 503 Tudo isso explica por que o Estado moderno e o direito racional acabam se referindo à mesma fonte de legitimi dade ou seja crença na legalidade a disposição de obedecer regras formalmente corretas e estabelecidas de maneira usual Sociologia do DireitomioloP3indd 94 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 95 O poder jurídico no qual o Estado e o direito modernos se baseiam pode de fato utilizar diversas formas de organização Entre elas um lugar especial é ocupado pela organização buro crática considerada a maneira formalmente mais racional de exercer poder Weber observa que esse tipo de organização foi encontrado graças às suas inúmeras vantagens e rápida difusão não apenas na administração interna do Estado mas também em atividades legislativas e jurisdicionais bem como no empreendi mento econômico capitalista e em vários outros campos da cultu ra ocidental A burocracia tornouse segundo Weber inevitável da mesma forma que as máquinas são inevitáveis na produção de bens de massa uma vez que o fundamento decisivo de seu avanço tem sido sua superioridade técnica ibid p 202 Neste momento não parece interessante analisar o conheci do tratamento que Weber dá à burocracia mas sim destacar que do ponto de vista cultural mesmo na burocracia é feita referên cia explícita aos dois requisitos de racionalidade e formalida de nos sentidos antes especificados colocando em evidência a conexão não hierárquica mas estrutural entre a lei e o aparato estatal Se essa conexão estivesse limitada a produzir decisões em vez de se expandir e produzir decisões sobre decisões seria capaz em princípio de combinar previsibilidade velocidade impessoalidade e portanto a formalidade da decisão Weber faz referência explícita exatamente ao requisito da formalidade entendido como especificidade e autonomia dos critérios de decisão ao afirmar que a burocratização oferece acima de tudo a maior possibilidade de aplicação do princípio da divisão do trabalho administrativo com base em critérios pura mente objetivos com a atribuição de tarefas individuais a fun cionários especialmente treinados cada vez mais qualificados graças ao exercício contínuo Nesse contexto a organização Sociologia do DireitomioloP3indd 95 020822 1037 96 sociologia do direito moderna dos órgãos de administração separa por completo o lo cal do escritório da residência particular e dessa forma a ativi dade do escritório é completamente diferenciada como uma área isolada da esfera da vida privada e as finanças e os meios do cargo são diferenciados da posse privada do funcionário A con sequente profissionalização do escritório também requer um processo específico de socialização que para Weber se mani festa principalmente na solicitação de um curso de estudo rigo rosamente predeterminado de modo que absorva em geral por um longo tempo toda a capacidade no trabalho e em testes de qua lificação comumente prescritos como precondição para a con tratação ibid p 716 Já a exigência de racionalidade entendida como a capacidade de calcular os resultados dos procedimentos de tomada de deci são é defendida por Weber que enfatiza Na administração burocrática e especialmente na monocro mática confiada a funcionários individuais qualificados precisão rapidez exclusividade publicidade de documentos continuidade discrição coesão subordinação estrita redu ção das controvérsias são levadas ao melhor grau em comparação com todas as formas colegiais ou ofícios honorá rios exercidos como profissão secundária uma vez que nesse caso o cumprimento ocorre com base em regras previsíveis Ibid p 717 Entretanto é necessário acrescentar que embora construído de acordo com os princípios da racionalidade formal o Estado moderno deixa amplo espaço em seu funcionamento efetivo para momentos irracionais e materiais Weber observa o surgi mento de momentos materiais não especificamente políticos mas de natureza ética ou religiosa quando trata do papel com Sociologia do DireitomioloP3indd 96 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 97 plexo que no Estado moderno e nas codificações por ele produ zidas continuam a desempenhar as ideias naturalistas que não derivam sua dignidade de uma decisão arbitrária ao contrário legitimam sua força obrigatória ibid p 636 ou quando detecta a insuficiência da pura e simples legalidade do processo como fonte de legitimidade Ele observa portanto que em qualquer relação autoritária baseada no dever um mínimo de interesse pessoal que pode ser de natureza ideal ou material por parte da pessoa obediente permanece normalmente como uma fonte indispensável de obediência ibid p 249 24 Implicações e desenvolvimento Até agora evitamos uma interpretação em termos rigidamen te racionalistas ou irracionalistas da obra de Weber mas foi feita uma tentativa de enfatizar a complementaridade entre os dois enfoques Schluchter 1979 Andrini 1990 Rebuffa 1991 Ferra rotti 1995 O conceito de direito racionalformal com ênfase na necessidade de previsibilidade foi entendido como o ponto de equilíbrio entre diferentes impulsos culturais isto é entre uma racionalidade subjetiva típica sobretudo do indivíduo e uma ra cionalidade objetiva típica das instituições sociais entre a ne cessidade de justiça e a de consistência Na verdade o trabalho de Weber utiliza um aparato concei tual que permite desviar a atenção do micro para o macro do ator para as instituições dos processos de tomada de decisão do in divíduo para os das grandes organizações jurídicas econômicas e políticas Com um jogo apertado de campos e contracampos Weber mostra por exemplo que o que é racional para o ator pode não ser racional para a instituição à qual ele pertence e vicever sa Isso por si só produz no nível da sociedade como um todo uma variedade de critérios racionais subjetivos institucionais e Sociologia do DireitomioloP3indd 97 020822 1037 98 sociologia do direito mistos cuja prevalência é sugerida por situações históricocultu rais específicas Uma perspectiva culturalmente multidimensional ajuda a explicar por que a sociologia de Weber leva a resultados difíceis de resumir em proposições de escopo universal e incondicional e ainda hoje é capaz de oferecer abordagens profundamente dife rentes aos sujeitos Para o autor o mesmo processo de capacita ção e racionalização das instituições jurídicas permanece aberto a tendências de sinal oposto as relações entre direito racional formal e capitalismo não podem ser reconstruídas no sentido de um determinismo econômico do direito nem de um determinis mo jurídico da economia As relações entre direito e Estado em bora baseadas no pressuposto de que o Estado tem o monopólio da força física não excluem ao contrário pressupõem uma visão pluralista que reconheça a presença de outras pessoas junta mente com a organização do Estado legal e às vezes ferramentas mais eficazes de controle social A mesma tipologia de ação des taca o significado das ações individuais independente da cons ciência dos atores para agregados individuais desde instituições até grandes culturas como a ocidental E é exatamente essa flexibilidade incomum dos pontos de referência que muitas vezes confunde os intérpretes que faz do trabalho de Weber um importante nó no desenvolvimento his tórico da sociologia do direito Indo além da abordagem histo riográfica de Ehrlich o aparato conceitual que Weber constrói tende não tanto a ser guiado por eventos históricos mas a guiar sua compreensão com o uso de ferramentas de caráter típico ideal que não se consegue reproduzir na realidade e precisa mente por este motivo adequadas para ordenar os fenômenos reais de acordo com o grau de aproximação entre eles Preocupado com a superação de soluções monocausais Weber considera o significado das ações dos homens nas várias áreas da Sociologia do DireitomioloP3indd 98 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 99 sociedade intimamente entrelaçadas com o mundo dos fatos das normas e dos valores portanto tão complexo que não pode ser esgotado culturalmente em apenas um deles Nesse contexto a extensa série de referências conceituais e aplicações compara tivas que caracteriza a sociologia do direito do autor pode ser utilizada para compreender aspectos da estrutura e do funciona mento dos sistemas jurídicos que percebemos como problemáti cos já que sua complexidade não nos permite identificar soluções unívocas para os atores e pontos de vista privilegiados para o observador Uma maneira usada por Weber para representar essas dife rentes perspectivas na mesma situação é a analogia que faz entre direito e jogo anteriormente mencionada A feliz metáfora do jogo desenvolveu de fato uma longa tradição de uso no campo jurídico Huizinga 1949 que ainda hoje exerce considerável fas cínio na cultura jurídica interna sobretudo pela fronteira entre a sociologia e a teoria do direito Para ilustrar melhor essa analogia é necessário recordar uma distinção que no passado teve merecido sucesso sobretu do na teoria do direito e também muitas implicações para a so ciologia do direito entre regras reguladoras que se limitam a atribuir a certos comportamentos sociais a qualificação de re gras proibidas permitidas ou obrigatórias e as regras constitu tivas que não qualificam comportamentos que seriam possíveis em qualquer caso mas criam dentro do jogo jurídico novos comportamentos que de outra forma não seriam perceptíveis ou imagináveis Rawls 1955 Searle 1964 Count 1978 1981 1988 Carcaterra 1979 Em outras palavras as normas constitutivas não se referem aos fatos brutos que ocorrem naturalmente na sociedade mas criam possibilidades de comportamentos que se inserem em contextos capazes de lhes atribuir significados par Sociologia do DireitomioloP3indd 99 020822 1037 100 sociologia do direito ticulares Assim os diversos casos abstratos que não existem na natureza o objetivo no jogo de rúgbi ou no jogo de futebol por exemplo podem determinar o resultado do jogo enquanto o papel designado a ele o árbitro é o de reconhecer a existência das condições previstas para a sua atualização Para Weber no jogo do Skat da mesma forma que nos con tratos desde os menos sofisticados como a troca aos mais com plexos essa distinção é encontrada entre normas que dizem respeito ao fazer concreto ou ao não fazer dos atores e das nor mas que criam a possibilidade de atos que assumem significado apenas dentro do jogo Na verdade é a estrutura normativa que determina os limites de significado dentro dos quais o com portamento dos jogadores deve inserirse se eles não querem abandonar o jogo ou participar de um jogo diferente Uma con sequência disso não inteiramente óbvia é que quando uma re gra constitutiva do jogo é violada o comportamento em questão não é tão desviante mas sim irrelevante colocandose não contra mas fora das regras do jogo e do âmbito de ação de seus participantes e portanto também fora do escopo de qualquer aparato sancionador previsto pelo jogo Tudo isso significa que quando falamos em regras do jogo usamos uma expressão que pode se referir tanto ao que os atores realmente fazem mas também ao que eles fazem Os papéis previstos no jogo condicionam os atores a uma série de limita ções mas também se configuram como situações novas impen sáveis fora do jogo nas quais a ação concreta dos atores é apenas em parte predeterminada As partidas individuais de determi nado jogo tornamse ainda mais individuais diante da falta de informações e de controle que normalmente caracteriza a posi ção de um ator individual amplamente suscetível a interpreta ções específicas que variam de jogador para jogador de acordo Sociologia do DireitomioloP3indd 100 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 101 com as suas qualidades e a sua capacidade de avaliar os dados disponíveis e reagir a eles O direito também parece portanto ter seus jogadores suas regras seus árbitros Através de um jogo de direito podemos compreender uma interação estruturada por meio de normas so ciais e jurídicas em que cada ator tem a possibilidade de codificar um produto por não ter informações ou poder suficientes para fazer que se atinja determinado resultado mas baseandose em meras hipóteses que certamente não são alcançáveis Exemplos de regras constitutivas de jogos jurídicos são de fato dissemina dos por todo o ordenamento no direito privado e no público e em todas as instituições que não se limitam a definir conjuntos de direitos e deveres mas criam papéis antes inexistentes que não teriam sentido fora dessa área Uma extensão da analogia direitojogo em um sentido pró ximo à semelhança de Weber é desenvolvida por Bruno Leoni 1980 ao concentrar sua atenção no jogo das expectativas que as ações jurídicas e econômicas produzem Na verdade a partir das possíveis combinações entre cultura jurídica e cultura econômi ca Leoni esboça uma construção sociológicojurídica original que faz do direito o lugar onde não apenas as diferentes culturas jurídicas internas e externas mas também as diferentes cultu ras econômicas podem encontrarse graças à complementaridade de suas estruturas de tomada de decisão Ele argumenta que no sistema jurídico é possível determinar as normas que de fato dis tribuem direitos e deveres obrigações e poderes usando procedi mentos semelhantes àqueles com os quais no sistema econômico através da soma de decisões individuais é possível determinar a possibilidade de adquirir determinado ativo Em particular como o preço pode ser considerado o ponto de encontro e o equi líbrio por mais instável e mutável que possa ser das expectativas Sociologia do DireitomioloP3indd 101 020822 1037 102 sociologia do direito econômicas individuais o direito pode ser considerado o ponto de encontro e equilíbrio em contínua mudança entre as diver sas expectativas que eles buscam ser em geral protegidos na for ma de reivindicações legais Nenhum indivíduo mesmo dotado de todos os poderes que um Estado autoritário pode formalmente preestabelecer é capaz de canalizar de forma concreta todas as expectativas individuais É o jogo interativo das expectativas individuais que encontra através do mercado e não apenas da economia mas também da política um equilíbrio efetivo na lei e portanto naquele di reito que pode ser considerado o produto de uma infinidade de contribuições individuais provenientes da sociedade e não de decisões sobre determinados assuntos É preciso também lembrar que a ideia de consolidar uma possível sinergia entre uma cultura jurídica tipicamente orienta da para critérios formais e uma cultura econômica atenta princi palmente às consequências e aos custos das decisões constitui a base do currículo atual conhecido como lei e economia direi to e economia Na verdade as contribuições de estudiosos que têm desenvolvido com considerável sucesso essa vertente de es tudos a da racionalidade com relação ao propósito típica do pensamento econômico são usadas para delimitar o campo de alternativas dentro do qual a racionalidade formal pode ser exer cida Chiassoni 1992 Mattei Monateri Pardolesi 1999 Fran zoni 2003 Sobre o assunto podem ser mencionados Guido Calabresi 1970 um dos estudiosos mais conhecidos que tentou traçar um elemento de difícil constatação em termos jurídicos o de culpa em caso de acidente e estabelecer uma série de critérios de natureza econômica que buscam minimizar os custos para pessoas físicas e equipamentos administrativos Richard Posner Sociologia do DireitomioloP3indd 102 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 103 1970 que enfatizou a necessidade de deixar de lado pesquisas estatísticas sobre o comportamento real e buscar esclarecer a verdadeira importância econômica dos princípios jurídicos Ronald Coase 1988 que interpretou as regras jurídicas em vigor à luz não de teoremas econômicos abstratos mas de aspectos concretos da realidade econômica como os custos reais dos con tratos que também incluem o investimento em tempo e o com promisso necessários para as partes Entre as mais recentes contribuições que incorporaram ele mentos da analogia de Weber entre direito e jogo devese men cionar a proposta de François Ost e Michel van de Kerchove 1992 Esses autores a partir do conceito de jogo como movi mento em um quadro em que não são determinadas as possí veis ações dos jogadores rejeitam o conceito de jogo como um modelo capaz de prever ações destinadas a alcançar certo propó sito e portanto estendem a analogia do jogo aos vários aspectos da vida do direito a fim de mostrar a insustentabilidade da lógica dicotômica estruturada de acordo com alternativas rígidas ou ou que continuariam a sustentar o pensamento jurídico moderno Na verdade os resultados do jogo e em particular do jogo do direito não são necessariamente interpretados em ter mos de vitória ou sucesso de um ator e de maneira correlativa de derrota ou fracasso de outro ator mas também de outras ma neiras desaparecendo de acordo com as constelações culturais predominantes A dimensão não apenas formal mas também informal do jogo permite que cada jogador participe de vários jogos ao mes mo tempo A coexistência de critérios formais e informais per mite que os jogadores tentem vencer as disputas concordando por assim dizer em vencer o jogo e portanto em interpretálo Sociologia do DireitomioloP3indd 103 020822 1037 104 sociologia do direito para que o perdedor formal seja informalmente o vencedor ou viceversa Nesse contexto a interpretação culturalmente aberta do direito tende a se tornar um jogo real e com a sua institucio nalização abre um processo que é em princípio possível de ser reproduzido ilimitadamente Sociologia do DireitomioloP3indd 104 020822 1037 As considerações feitas aqui buscaram individualizar um qua dro comum no qual se pode encontrar um ponto de convergên cia entre o conceito de direito de Ehrlich e o de Weber além de outro aparentemente mais distante da sociologia jurídica o de Kelsen Procuramos retomar os principais aspectos desses con ceitos e destacar o que os torna relevantes em diferentes graus para a sociologia do direito Sobre essa base diversificada será possível tentar definir as funções do direito que constituem um conceito central de grande importância 31 Três conceitos de direito O conceito de direito de Kelsen fundase sobre as descrições dos processos de produção normativa do tipo hierárquico que são demasiadamente abstratas para conduzir uma pesquisa em pírica porém úteis para delimitar o âmbito de tal pesquisa As normas jurídicas formalmente válidas são de maneira direta ou indireta o ponto de referência para uma pluralidade de atores jurídicos desde operadores a simples destinatários Todos esses sujeitos fazem suas próprias escolhas levando em conta a relati vidade dos textos e as interpretações oficiais que receberam an teriormente ou com mais frequência mediante a observação c a p Í t U l o 3 algUmas convergências Sociologia do DireitomioloP3indd 105 020822 1037 106 sociologia do direito dos comportamentos dos outros sujeitos daí pressupondo o con teúdo de tais normas Com efeito como simples cidadãos no dia a dia em geral observam o direito sem conhecer em detalhes a sua versão escrita Por isso com mais frequência escolhem conformarse com o que os outros estão fazendo como faz o jogador de críquete um jogo complicado com regras que em geral são conhecidas apenas pelos poucos jogadores em campo Quando entramos num bar para tomar um café existe o contrato tácito de devolver a xícara de pois de consumir o líquido servirse do açúcar disponibilizado com moderação e não leválo embora ler o jornal possivelmente à mesa mas por um tempo limitado e deixálo onde foi encon trado e à vista de outros clientes Um jurista identificaria vários tipos de depósitos jurídicos nessa situação mas isso seria inútil para muitas pessoas que frequentam o lugar a menos que algu mas cometam alguma transgressão como levar o jornal para casa Isso viola não só os interesses dos outros clientes mas tam bém a prática do restaurante que por si só como todos sabem possui a própria força reguladora Por razões semelhantes considerando a prática que se esta belece espontaneamente nos vários grupos sociais Ehrlich con segue oporse à perspectiva de Kelsen ao não se concentrar tanto na delimitação e interpretação das normas escritas do ordena mento e sim na reconstrução da sua gênese o que requer proces sos graduais e históricos de consolidação Dessa maneira ele se diferencia de Kelsen ao substituir a hipótese sem dúvida irre futável de um direito que surge do Estado já adulto e pronto para marchar em direção à sociedade armado de sanções pela hipótese historicamente fundada de um direito que surge pouco a pouco da sociedade por meio da estratificação das tradições e que após uma longa jornada dividese mantendo por um lado a Sociologia do DireitomioloP3indd 106 020822 1037 algUmas convergências 107 sua espontaneidade e autonomia originais como direito vivo e por outro transformandose apenas em parte numa lei estatal mais rígida e distante das necessidades dos afiliados Weber prossegue nessa mesma linha pois a partir de uma perspectiva histórica leva o seu conceito de direito a processos complexos e articulados de produção normativa que podem ser considerados culturais em sentido amplo Dessa forma ele passa a considerar o direito posto pelo Estado como produto de complexas convergências de fatores que para serem reconstruí das requerem uma visão comparativa capaz de ressaltar as dife rentes conexões que vinculam o direito aos demais setores da sociedade Nesse contexto o trabalho de um operador jurídico é guiado por uma racionalidade formal orientada para a sim ples dedução lógica de certas consequências de determinadas suposições que através de um raciocínio impessoal é facilmen te previsível e pode ser útil para os propósitos de realização dos objetivos da economia capitalista caracterizada por uma racio nalidade teleológica orientada para a busca de determinados propósitos e portanto fortemente interessada em um direito previsível na sua aplicação Weber assume uma visão relativística e adota um conceito de direito diversificado que pode perseguir modelos racionais ou irracionais formais ou materiais conseguindo combinar os re quisitos de neutralidade da decisão em diferentes graus típicos da abordagem de Kelsen Além disso a abordagem de Weber tam bém é típica da burocracia a partir dos requisitos de continuida de inerentes à ideia de um direito consuetudinário e tradicional caro à abordagem de Ehrlich ou dos requisitos de adaptabilidade inerentes à racionalidade teleológica orientada para os propósi tos típicos da economia sem negligenciar a orientação avaliativa de duas faces características de um direito natural que como ele Sociologia do DireitomioloP3indd 107 020822 1037 108 sociologia do direito observa pode ser usado conforme interesse de maneira conser vadora ou revolucionária A comparação entre esses modelos de direito permite prefi gurar uma dinâmica articulada das relações direitosociedade Kelsen leva a dinâmica das normas de volta ao interior do orde namento Ehrlich por sua vez prefere movêla para o nível das relações historicamente existentes entre Estado e sociedade Já Weber ao analisar em detalhes a abordagem de Ehrlich visa uma catalogação das diversas formas culturais capaz de estabe lecer conexões variáveis entre a sociedade e o ordenamento jurí dico Em suma o problema fundamental da ordem social é abordado por esses autores a partir de diferentes perspectivas de cima por meio do Estado Kelsen de baixo por meio de inte resses generalizados Ehrlich e a partir de uma combinação de ambas as concepções por meio do uso com propósitos explica tivos de diferentes tipos de racionalidade Weber Tabela 4 Três conceitos de direito Kelsen Ehrlich Weber Ponto de vista Operador jurídico Grupos sociais Observador neutro Fonte Norma do Estado Consuetudinário Jogos sociais Contexto Ordenamento Grupo Racionalidade Abordagem Lógicodedutivo Histórico indutivo Relativístico comparativo Objetivo Produção de decisões Manutenção da autonomia social Atribuição de significado à ação social Princípio orientador Legalidade Eficiência Adequação burocrática tradicional teleológica Sociologia do DireitomioloP3indd 108 020822 1037 algUmas convergências 109 Os aspectos essenciais do conceito de direito vistos anterior mente podem ser resumidos em uma estrutura sinóptica Tabe la 4 articulada por meio de alguns elementos comuns o ponto de vista a partir do qual o direito é definido a fonte dessa defini ção o contexto em que está inserida essa definição a abordagem adotada para examinar os elementos anteriores o principal obje tivo prático ou teórico dessa definição e finalmente o princi pal princípio para o qual o direito definido é orientado Analisando a Tabela 4 podese concluir Kelsen concentra a atenção no ponto de vista do operador jurídico que para aplicar todas as normas válidas presen tes no ordenamento utiliza um esquema lógicodedutivo do tipo se então destinado sobretudo a verificar a existência de premissas para a seleção de determinadas con sequências jurídicas de modo que produz decisões que se jam juridicamente previsíveis e independentes da vontade individual Ehrlich assume a perspectiva social ao adotar o costume como um fato do direito original Dessa forma estabili za o direito que contribui historicamente para a manuten ção da autonomia social do grupo podendo ser adotadas normas jurídicas eficientes muito antes do que o Estado consegue fazer com as suas proposições jurídicas Weber adota uma perspectiva que vai além das posições anteriores Ele assume o ponto de vista de um observador externo que analisa os diferentes jogos sociais de modo que atribui diferentes sentidos à ação social de acordo com as situações culturais em que o direito opera Sociologia do DireitomioloP3indd 109 020822 1037 110 sociologia do direito Devese enfatizar aqui que os propósitos atribuídos ao direi to são diferentes de acordo com os princípios adotados Para Kelsen seu objetivo é produzir normas observando o princípio da legalidade entendido como garantia da dependência da tomada de decisão jurídica em relação a outras normas do orde namento Para Ehrlich o propósito é garantir que as normas produzidas pelos grupos sociais sejam aceitáveis em termos de custobenefício portanto que estejam baseadas no princípio da eficiência tendo passado pelos longos e utilitários testes da his tória Para Weber o objetivo é atribuir significado às ações dos operadores jurídicos e dos usuários garantindo o princípio da adequação mútua dos diferentes critérios de racionalidade que caracterizam as diversas áreas da sociedade Para diferenciar os propósitos do direito de suas funções é necessário deixar claro que estas não são realizadas com base em certos princípios adotados quase conscientemente Essas funções são identificadas pelo sociólogo que tenta superar o horizonte inevitavelmente limitado de indivíduos e instituições de deter minada sociedade 32 Funções do direito Ao falar sobre as funções do direito podemos ter dois enten dimentos e dois métodos de análise bastante diferentes1 O direito pode ser atribuído a funções gerais que dizem respeito à relação entre as normas jurídicas como um todo e o tecido social do modo como os nossos autores fizeram pelo menos de maneira implícita mas também podem ser elaboradas hipóteses relativas às funções desempenhadas por normas jurídicas específicas em 1 Sobre o conceito de função do direito em geral ver Vago 1988 e Atienza 1998 Para uma apresentação das duas abordagens opostas ver Evan 1980 Reasons Rich 1978 Campilongo 2000 e 2012 Sociologia do DireitomioloP3indd 110 020822 1037 algUmas convergências 111 situações específicas A hipótese funcional do primeiro tipo pode ser útil para orientar a interpretação do relacionamento geral en tre direito e sociedade embora sem dúvida seja difícil fazer uma verificação empírica em um número suficiente de casos por um período suficientemente longo e em relação a uma área social suficientemente extensa As funções que em geral podem ser atribuídas ao direito não são unívocas Cada conceito de direito pressupondo um modelo de sociedade dentro do qual opera está inevitavelmente vincu lado a uma ou mais funções a serem desempenhadas nesse con texto As diferentes maneiras de considerar o direito implicam diferentes formas de ver a sociedade que só podem ser funcio nalmente compatíveis com a sua própria lei A concepção de direito de Kelsen ao ressaltar certas maneiras de organizar as normas em um ordenamento jurídico interna mente coerente sugere em termos gerais uma visão da sociedade que para ser compatível com esse sistema deve ser estruturada de acordo com uma lógica centralista capaz de produzir coesão social através da orientação fundamental para o valor da certeza Scarpelli 1965 No trabalho de Ehrlich no entanto os órgãos centralistas como mencionado possuem a sua importância drasticamente reduzida na sociedade Dessa maneira a função fundamental do direito vivo não é apenas produzir coesão social mas também garantir a eficiência dos sistemas dos grupos individuais que compõem uma sociedade pluralista na qual o Estado central com a ajuda da ação mediadora dos juízes executa apenas tare fas subsidiárias em relação à periferia A visão da sociedade de Weber é por sua vez claramente cen trada no reconhecimento do papel que os fatores culturais de sempenham no apoio ao Estado A função do direito é para Sociologia do DireitomioloP3indd 111 020822 1037 112 sociologia do direito Weber fundamentalmente uma metafunção uma vez que consis te em produzir coesão social de modo que garanta que as várias parcelas da sociedade desempenhem suas funções de maneira mu tuamente compatível e sejam capazes de apoiar umas às outras Notese também que o uso do funcionalismo geral e abstrato sugeriu que além de uma abordagem harmônica focada em um direito entendido como instrumento de coesão social fosse ado tada uma abordagem conflitante centrada em um direito enten dido como ferramenta destinada a produzir fortalecer e camuflar contradições sociais Isso significa que no momento em que a sociedade se autorregula o direito é capaz de contemplar uma pluralidade de situações que não são apenas harmônicas com re lação ao restante da sociedade mas também podem por si só revelarse potencialmente conflitantes2 Embora inserida em uma teoria da sociedade que dedica mais atenção às variáveis econômicas e lida apenas incidental mente com o direito a concepção de Marx assumiu importância preeminente entre as visões conflituosas da relação entre socie dade e direito Em seus escritos maduros Marx enfatizou quatro características importantes das funções do direito seu caráter estrutural ou seja o reconhecimento de que é a estrutura das relações sociais e em particular das relações econômicas que condiciona o caráter superestrutural da política e do direito es sencialmente dependentes da primeira seu caráter ideológico isto é a capacidade de mascarar as reais relações de poder dentro da sociedade por trás de uma aparente neutralidade formal seu caráter repressivo ou seja a tendência de subordinarse aos inte resses da classe que representa a maioria da sociedade capaz de 2 Ver Tomeo 1981 Aplicações clássicas da abordagem conflitualista de inspira ção marxista à sociologia do direito são encontradas em Adler 1922 e Renner 1929 Sociologia do DireitomioloP3indd 112 020822 1037 algUmas convergências 113 impor as leis e seu caráter autorreprodutivo no sentido de que as assimetrias nas relações de poder tendem a se fortalecer até não haver necessidade de um colapso das estruturas consolida das por meio de uma revolução capaz de estabelecer um novo regime verdadeiramente igualitário Marx 2011 O pensamento marxista experimentou evidentes mudanças de perspectiva no curso do seu desenvolvimento e também foi interpretado de diversas maneiras por autores nele interessados por razões científicas ou ideológicas que destacaram e reinterpre taram alguns aspectos em vez de outros e com diferentes ênfases Dessa maneira sob uma perspectiva estruturalista preocupada em não predeterminar o conteúdo das ideologias jurídicas desta case a autonomia relativa que preserva o direito em relação às estruturas sociais Edelman 1979 Também foi feita uma tentativa de seguir o caminho oposto recorrendose a análises empíricas concretas das relações entre os principais conceitos do pensa mento marxista a fim de minimizar sua imprecisão original como é o caso do conceito fundamental de classe Collins 1982 Além disso ao desviar o foco para o campo da teoria do direito buscouse formalizar o pensamento marxista a fim de formular uma teoria do direito público e privado que pressupondo que o único direito é o do Estado consegue mostrar de forma juridica mente articulada que o princípio da igualdade de direitos e deve res serve para ocultar uma economia de mercado apenas nas aparências igual para todos Pashukanis 1924 A função geral de manter a ordem social Cohen 1967 Kel lermann 1967 por outro lado inspirou uma pluralidade de modelos muito diferentes que oscilam entre uma ordem cons truída de maneira consciente pelos indivíduos e uma ordem produzida de modo involuntário por multidões de atores entre uma ordem correspondente a um equilíbrio social verdadeira Sociologia do DireitomioloP3indd 113 020822 1037 114 sociologia do direito mente definido e uma ordem instável cuja conquista seria garan tida pela possível coincidência entre o que é aplicável em termos legais e o que é sociologicamente sustentável Nesse contexto o direito pode ser visto como uma instituição consolidada que na estrutura social está destinada a absorver e canalizar con flitos que favorecem o status quo ou seja uma instituição des tinada a apoiar e promover mudanças suportáveis em termos sociológicos A ambiguidade do conceito de ordem social que reúne ne cessariamente as funções de estabilização e inovação não é su perada ao se definir o direito como um instrumento de controle social Por meio dessa definição podese de fato aludir à sua capacidade de manter a situação social existente ou provocar uma mudança nela ou ainda e esta é a visão mais pessimista podese enxergar na lei apenas o poder no seu aspecto negativo o que exige obediência e priva a vida social de possibilidades que de outro modo poderiam ser exploradas Nesse contexto vale lembrar o trabalho de Foucault que exerceu profunda influência no pensamento sociológicojurídico instigando uma reflexão frutífera do instrumento de controle visto como uma forma de disciplina exercida por meio do poder generalizado na socieda de e não apenas na prisão3 Em seu trabalho mais conhecido Foucault 1975 parte de uma análise dos efeitos desejados e indesejados da tortura atra vés da qual o corpo do condenado se torna símbolo da força e da opressão do soberano e portanto não constitui apenas um aviso sobre as consequências da insanidade da desobediência mas um sinal de revolta Em seguida ele passa a analisar historicamente 3 Sobre o assunto ver também Smart 1985 Strazzeri 1996 2007 Dandeker 1990 Rufino 1996 Sociologia do DireitomioloP3indd 114 020822 1037 algUmas convergências 115 a evolução da punição através de uma interpretação estrutural das técnicas utilizadas e observa pelo menos simbolicamente uma série de condições como a certeza da punição ou a preva lência da vantagem esperada pelo crime a fim de definir uma política criminal coerente Em um momento posterior Foucault aborda os dois tópicos relacionados à disciplina e à prisão vistos como maneiras de controlar os corpos dos condenados que po dem ser exemplificados através da estrutura do panóptico Esta estrutura permitiu ao preso observar sem ser visto ao mesmo tempo que experimentou a sensação de ser um objeto constante mente observado revelando que o controle sobre ele pode ser exercido de maneira completa e internalizado em seu dócil corpo A análise da dimensão simbólica e funcional do controle não exclui pelo contrário evidencia duas abordagens em princípio opostas a harmônica e a conflituosa na medida em que é possí vel reconhecêlas na prática e que dão origem a múltiplas indi cações funcionais que podem ser complementares entre si Karl Llewellyn 1940 representante autoritário do realismo america no enfatizou a expansão da área funcional do direito nas socie dades contemporâneas Entre as principais funções atribuídas ao direito moderno que atravessam a bipartição harmônicoconfli tante podem ser lembradas a função da resolução de conflitos que não se refere ape nas aos casos patológicos da vida do direito como crimes e outras ofensas mas também aos fenômenos fisiológicos de tensão entre o direito e a sociedade e portanto não en volve uma atitude de condenação e repressão em relação ao conflito mas de sua antecipação e canalização a função da regulação comportamental que consiste em estabelecer e manter o curso normal da vida de grupos subgrupos e outras formas de agregação social Sociologia do DireitomioloP3indd 115 020822 1037 116 sociologia do direito a função de legitimidade e organização do poder na socie dade que se sobrepõe pelo menos em parte às anteriores uma vez que a composição de um conflito pelo aparato coer citivo exige por sua vez uma autorregulação de sua inter venção por esse mesmo aparato a função de estruturação das condições de vida nos diver sos setores da sociedade que deve promover as atividades de grupo e determinar as diretrizes gerais voltadas para ela a função da administração da justiça dividida em dois setores se usada como uma interpretação teleológica pode ser adotada uma dogmática jurídica aberta às influências do conhecimento sociológico tendo em vista a conse cução de determinados objetivos ou uma ciência expe rimental do direito que consiste em corrigir o método interpretativo anterior através da possível substituição da queles propósitos que por vezes mostramse inviáveis Talcott Parsons oferece em sua obra uma maneira de reto mar muitas dessas indicações em uma perspectiva articulada que se tornou referência para vários autores que o sucederam Ele desenvolveu em alguns lugares o trabalho de Llewellyn e também se referiu a Max Weber ao elaborar um esquema funcio nal mais amplo que inclui os quatro principais prérequisitos funcionais de cada sistema social Para Parsons o direito é um instrumento de dominação projetado não apenas para estabilizar mas também para orientar e corrigir a vida social4 A função integrativa portanto recai precisamente sobre o direito mas de maneira mais geral para cada subsistema social capaz de exercer um controle que visa garantir o cumprimento forçado das ex pectativas atribuíveis às estruturas regulatórias compartilhadas 4 Parsons 1962 geralmente 1951 Em tom crítico ver Giasanti 1977 1985 Sociologia do DireitomioloP3indd 116 020822 1037 algUmas convergências 117 O esquema de Parsons também atribui a função de alcançar os objetivos em geral confiados a uma sociedade diferenciada à política pois ela visa preparar as perspectivas para o desenvolvi mento futuro de cada sociedade a função adaptativa é desempe nhada sobretudo pela economia uma vez que é especificamente orientada para a preparação dos métodos ideais de utilização dos recursos humanos e materiais disponíveis a função de manter o modelo latente é assumida pela cultura e por todos os processos de recepção e transmissão dos ativos cognitivos e de avaliação de uma sociedade que apesar de quaisquer mudanças historica mente intervenientes depende da preservação da identidade do sistema social como um todo É fácil perceber que essas diferentes macrofunções corres pondem a diversos sistemas sociais específicos direito política economia cultura mas não se afirma que cada um deles possui uma única função nem que uma função é atribuível a um único ordenamento Além disso nesse contexto a função do direito produzido pelo Estado não parece mais atribuível a um ordena mento que está no topo de uma escala de ordens para assumir os deveres de regulador supremo ou controlador dos controladores Em última análise o direito é comparável a um carro que pode ser dirigido de diferentes maneiras dependendo da potên cia do motor e das condições da estrada Se uma pessoa pressio nar o pedal do acelerador poderá alcançar a potência que lhe permitirá superar os obstáculos as lacunas as pedras e os bura cos que as normas jurídicas encontram no caminho traçado pelo programa regulatório a ser implementado Por outro lado se pressionar o freio utilizará o processo mais lento de aplicação da norma e descobrirá o tempo necessário para observar a estrada e se adaptar a ela mesmo alterando os caminhos regulatórios tra çados em princípio No primeiro caso o problema a ser resolvi Sociologia do DireitomioloP3indd 117 020822 1037 118 sociologia do direito do sobretudo utilizando a sanção para superar a resistência da sociedade é o da eficácia no segundo caso o problema a ser re solvido iniciando o processo de correção dos layouts regulató rios com base em roteiros irrealistas é o da evolução Nessa duplicidade de funções é possível reconhecer os dois níveis problemáticos pelos quais a sociologia do direito passa o de estabilização estritamente conectado à aplicação de estrutu ras jurídicas com o objetivo de mostrar que o direito se traduz em ações compatíveis com aquelas dos destinatários das normas problema da eficácia do direito e o de variação com o objetivo de mostrar que o direito altera conscientemente seu conteúdo em resposta às mudanças no ambiente social problema da evo lução do direito Em ambos os casos as culturas jurídicas apa recem como objeto de estudo de importância estratégica Elas coletam um conjunto de possibilidades de critérios de ação e ava liação que garantem uma grande reserva de estabilização e varia ção a ser transmitida à vida do direito Os dois capítulos a seguir serão dedicados às questões de efi cácia e evolução Eles enfatizarão que o pêndulo da função do direito na sociedade oscila entre conservação e mudança entre o problema da eficácia que ressalta o papel do controle do direito em um sentido predominantemente de frenagem em relação à sociedade e o problema da evolução que sublinha o papel da aceleração ou pelo menos de permitir que o direito em determi nadas circunstâncias seja solicitado a desempenhar certos pa péis em relação à sociedade Sociologia do DireitomioloP3indd 118 020822 1037 s e g u N d a Pa r t e PrObleMas Sociologia do DireitomioloP3indd 119 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 120 020822 1037 Diante da análise conceitual realizada no capítulo anterior parece que o único direito sociologicamente relevante é o direito efeti vo ou seja aquele cujo conteúdo normativo encontra correspon dência na realidade através de uma ampla aceitação apoiada por culturas jurídicas sobretudo externas cujo suporte é adequado aos aparelhos guiados por culturas jurídicas predominantemen te internas Isso significa que o direito totalmente ineficaz ao não ser aplicado na prática permanecerá registrado no papel e não terá do ponto de vista empírico nenhuma influência sobre o com portamento das pessoas Tal direito seria comparável às ordens que segundo o relato de Manzoni as autoridades competentes mandaram publicar e executar nas paredes de Milão quando uma praga tomou a cidade embora fosse fácil prever dada a situação que ninguém daria atenção a elas No entanto uma não aplicação generalizada mesmo que não produza um direito efetivo não é irrelevante para o sociólogo do direito que pode tentar identificar em relação a quais conteúdos normativos específicos e em quais condições existe um desejo generalizado de ignorar o direito escrito Em uma investigação mais detalhada essa atitude se consciente e manifesta fere o di c a p Í t U l o 4 o problema da eFicácia Sociologia do DireitomioloP3indd 121 020822 1037 122 sociologia do direito reito mais do que uma recusa à obediência o ladrão em fuga admite pelo menos implicitamente a existência da norma viola da já aquele que se comporta como se a norma não existisse es taria negando explicitamente a existência dela Mas o direito eficaz realmente pode coincidir com o direito como um todo De modo paradoxal podese dizer que a hipóte se de um direito que é constantemente e sem exceção aplicado parece ainda menos interessante para o sociólogo do direito do que aquele que não é aplicado Imaginemos uma sociedade em que os comportamentos das pessoas sejam naturalmente harmo niosos em que elas evitem ações que possam prejudicar terceiros e busquem seus próprios interesses de maneira pacífica adotan do constantemente soluções que também são aceitáveis para os outros Em tal sociedade que estaria livre de conflitos e tribu nais de vítimas e infratores o direito se tornaria completamente supérfluo e em seu lugar uma moral ou pelo menos um costu me compartilhado seria imposta Portanto resta determinar o que se entende por direito eficaz e de que modo ele é relevante para a sociedade Em geral a relevância do direito que se mostra eficaz para a sociedade pode ser expressa de várias maneiras Afirmase que o direito está ligado à sociedade ou que reflete a sociedade ou ainda que é o espelho da sociedade A ideia de que o direito está ligado à sociedade limitase a hipotetizar uma relação entre os dois de modo que a mudança em um implica necessariamente a mudança no outro a ideia de que o direito reflete a sociedade pressupõe que tal mudança mesmo com possíveis distorções implica alguma semelhança entre os dois a ideia de que o direito é espelho da sociedade pressupõe uma identidade total entre os dois É evidente portanto que apenas neste último caso o direito poderia desaparecer ou ser absorvido pela sociedade o que suge Sociologia do DireitomioloP3indd 122 020822 1037 o problema da eFicácia 123 re uma imagem tão fiel que ele não mais teria rosto nem identi dade própria Na verdade o direito como o conhecemos busca dar uma orientação à sociedade de alguma maneira não se preocupa apenas em descrevêla Portanto está destinado a enfrentar inevitavelmente alguma forma de resistência por parte dela Rostek 1971 O sociólogo do direito enfrenta dia a dia um di reito que não é totalmente ineficaz nem eficaz que não é total mente invisível nem desnecessário e ao abordar o problema fundamental da eficácia ele não será muito questionado sobre como garantir o cumprimento de todos os comportamentos de acordo com estruturas regulatórias mas sim sobre como neu tralizar os efeitos nocivos à coesão social das inevitáveis viola ções das normas jurídicas BoruckaArctowa 1975 Ziegert 1975 Friedman 1975 Devese acrescentar que a eficácia parcial ou a ineficácia do direito podem ser verificadas tanto do ponto de vista macrosso ciológico e neste caso serão levadas em consideração as diferen tes formas de organização da sociedade e de controle da eficácia ou ineficácia utilizadas por determinado ordenamento quanto do ponto de vista microssociológico e neste caso será realizada uma tentativa de averiguar os níveis de observância de determi nadas normas e as possíveis reações que sua violação é capaz de provocar na prática dos tribunais e no comportamento de seus destinatários Em particular levando em consideração os objetivos podem ser identificadas divergências dentro das orientações do legislador não apenas de natureza instrumental mas também de natureza puramente simbólica ou seja buscase mostrar sensibilidade para determinada questão sem pretender resolvêla por exemplo no caso das chamadas leis manifestas que têm como finalidade Sociologia do DireitomioloP3indd 123 020822 1037 124 sociologia do direito manifestar uma vontade operacional de intervir em vez de al cançar de modo efetivo certos resultados Levando em conside ração as variáveis relativas às orientações dos usuários é possível estabelecer em que medida eles podem sustentar mesmo que in consistentemente a eficácia da norma por exemplo podese dizer que a legislação que proíbe fumar em locais públicos é respeita da mas muitos ignoram o risco do ato de fumar em suas casas ou em outros lugares não públicos Por fim levando em conta as variáveis do contexto é possível verificar se uma norma é apli cada com sucesso em relação aos objetivos declarados e se pode produzir consequências imprevistas em outros sistemas por exemplo no sistema econômico causando custos excessivos Isso deve aconselhar em uma perspectiva de engenharia social pelo menos a correção de uma lei desse tipo Podgorecki Alexander Shields 1996 Nos parágrafos que se seguem será feita uma abordagem que se baseia nos princípios do realismo jurídico ou seja na quela escolha metódica radical que ao contrário do positivismo jurídico busca focar o direito eficaz evitando os fatores que po dem distorcer o conhecimento da realidade empírica do direito Essa abordagem parece benéfica em termos educativos pois é capaz de fornecer um núcleo de referência essencial que poste riormente pode ser enriquecido e complementado com outras variáveis 41 Ordem social e ordem jurídica A primeira questão que pode ser tratada ao abordar o pro blema da eficácia em um nível macrossociológico diz respeito à identificação das conexões entre certos tipos de normas jurídi cas e determinados tipos de organizações sociais Sociologia do DireitomioloP3indd 124 020822 1037 o problema da eFicácia 125 O problema foi explicitamente abordado por Émile Durkheim 1893 que continua a ser referência obrigatória para a reflexão sociológicojurídica Ele observa que o pressuposto da ordem so cial e portanto da efetividade das normas jurídicas constitui um nível adequado de solidariedade social Esta não permane ce apesar de seu caráter imaterial em um estado de pura poten cialidade mas se manifesta por efeitos sensíveis relevantes para um sociólogo interessado em substituir o fato interno que nos ilude pelo fato externo que a simboliza Obviamente a solida riedade do ponto de vista pluralista não se baseia apenas no direito mas em vários outros sistemas regulatórios a começar pelos costumes É improvável no entanto que estes estabeleçam uma ordem alternativa ao direito já que normalmente não se opõem ao direito e de fato formam a base Para definir as diversas formas de solidariedade social e o direito que elas manifestam uma referência fundamental é a san ção Se por preceito jurídico se entende de fato uma regra de conduta sujeita a sanção devese também afirmar que as san ções mudam de acordo com a importância dos preceitos o lugar que ocupam na consciência pública e o papel que desempenham na sociedade Portanto é possível classificar as normas jurídicas de acordo com as diferentes sanções a elas relacionadas Para Durkheim as sanções podem ser de dois tipos O pri meiro diz respeito ao direito penal que costuma impor sanções que envolvem dor ou pelo menos uma privação infligida ao agente têm o objetivo de atacálo em sua fortuna em sua honra em sua vida ou em sua liberdade para priválo de algo de que gosta por esses motivos chamadas de sanções repressivas O segundo tipo concerne ao direito civil ao direito comercial ao direito processual ao direito administrativo e ao direito consti tucional e não impõe necessariamente sofrimento para o agente Sociologia do DireitomioloP3indd 125 020822 1037 126 sociologia do direito consistindo apenas em uma reparação ou seja no restabeleci mento de relações perturbadas à sua forma normal1 Esses dois tipos de penalidades podem prevalecer nos orde namentos jurídicos de acordo com o tipo de solidariedade que caracteriza determinada sociedade A solidariedade que por si só seria invisível é então identificada através da sanção visível que caracteriza o direito de certa sociedade Durkheim correla ciona a prevalência do primeiro tipo de direito e sanção a uma solidariedade mecânica baseada na semelhança entre indiví duos Essa solidariedade atinge seu nível máximo quando a consciência coletiva coincide ponto a ponto com a nossa cons ciência total ou seja quando a personalidade individual é ab sorvida pela personalidade coletiva com a replicação de sentimentos semelhantes e homogêneos Segundo Durkheim a prevalência do segundo tipo de direito corresponde a uma soli dariedade orgânica baseada em uma estrutura diferenciada da sociedade na qual diferentes órgãos são autônomos cada um com sua própria função específica Deparamos aqui com duas tendências que conduzem a for mas totalmente diferentes de coesão social e de fortalecimento da eficácia do direito formas potencialmente antitéticas uma centrípeta e outra centrífuga que por esse motivo não podem expandirse de modo simultâneo apenas subtrair espaço uma da outra De fato não podemos ao mesmo tempo caminhar em duas direções opostas portanto não podemos ao mesmo tempo ser individualistas e pensar e agir como os outros também não podemos ser conformistas e ter inclinação para o pensamento e a ação pessoais nem podemos tentar passar uma imagem única 1 Sobre o conceito de direito em Durkheim ver Marra 1986 e Toscano 1975 Sobre a influência do pensamento de Durkheim sobre os precursores da sociolo gia do direito ver Petrucci 1984 e Villas Bôas Filho 2019 Sociologia do DireitomioloP3indd 126 020822 1037 o problema da eFicácia 127 e querer parecer com todos ibid p 122 Nesses casos o tipo de sanção que o direito prevê para eventuais desvios pode carac terizar as formas predominantes de solidariedade social e por tanto de toda a sociedade Uma conexão análoga entre diferentes tipos de sociedades e diferentes relações entre indivíduos e entre estes e a forma como a eficácia das normas jurídicas é assegurada é proposta pela dico tomia delineada por Tönnies 1887 que contrapõe a comunida de Gemeinschaft à sociedade Gesellschaft O autor aponta a alternativa entre duas maneiras diferentes e opostas de compreen der as relações sociais Na comunidade ao assumir as implica ções do conceito romântico de espírito do povo ele observa o condicionamento da ação dos membros do grupo a uma vonta de comum que constitui o princípio da unidade da vida e é elevada acima dos instintos sociais para determinar e susten tar toda a civilização de um povo pp 123 ss Na sociedade por outro lado a ação dos membros do grupo parece determina da por uma vontade que pode ser definida como arbitrária na medida em que se baseia no intelecto frio Para ilustrar o contraste entre esses dois tipos de vontades Tönnies escreve que o primeiro derivaria dos impulsos quentes do coração e o segundo do intelecto frio ibid p 212 Do pon to de vista sociológico tanto o modelo de comunidade entendido como vida real e orgânica quanto aquele entendido como forma ção ideal e mecânica caracterizamse por diversos elementos es truturais que se relacionam com as formas de organização dos grupos sociais e portanto com seus respectivos direitos o mode lo comunitário é caracterizado pelo direito de família enquanto o modelo de sociedade se caracteriza pelo direito das obrigações Com base nessa oposição a coesão social é comparada reto mando as razões de tradição orgânica àquela coesão presente Sociologia do DireitomioloP3indd 127 020822 1037 128 sociologia do direito em um organismo vivo no qual as partes colaboram para a so brevivência do todo recorrendo às razões da tradição contratual é comparada àquela realizada por um contrato no qual as partes reúnem livremente suas vontades individuais O termo comu nidade coincide portanto com a prioridade do grupo sobre o indivíduo organicismo enquanto o termo sociedade coincide com a prioridade do indivíduo sobre o grupo contratualismo A comunidade portanto é uma condição e prérequisito da sociedade que esta não pode apagar historicamente destinada a sobreviver nela Isso significa que as formas relacionais primiti vas de caráter comunitário persistem ao longo da história e são simplesmente resguardadas pelas formas mais sofisticadas e su perficiais da sociedade que empurram as primeiras para cama das mais profundas da consciência coletiva Portanto não desaparecem mas permanecem vitais mesmo que ocultas nas dobras de formas associativas mais evoluídas ou nas profunde zas da memória de um povo Assim os muitos processos de mar ginalização ou inclusão presentes na sociedade atual como aquele que se denomina de oposição entre o grupo a que as pes soas pertencem ingroup e o grupo dos outros outgroup po dem ser vistos como um mecanismo coletivo de construção do ego que parece ter raízes em um conceito tribal não completa mente removido pelos atores sociais das sociedades avançadas Ambas as dicotomias a de Tönnies entre Gemeinschaft e Gesellschaft e a de Durkheim entre solidariedade mecânica e so lidariedade orgânica são retomadas por Theodor Geiger 1964 que em meados do século XX através do filtro de uma aborda gem metodológica diretamente inspirada no realismo da Escola Uppsala2 faz uma revisão delas Ele tenta distinguir com a ajuda 2 Sobre o realismo jurídico escandinavo ver Castignone 1974 e Pattaro 1975 Em particular Geiger 1946 1952 compartilha o compromisso da Escola de Upp Sociologia do DireitomioloP3indd 128 020822 1037 o problema da eFicácia 129 de indicadores empíricos os ordenamentos sociais nos quais a coordenação é produzida por meio de uma adaptação recíproca e espontânea dos indivíduos daqueles que comparados aos ante riores são ditos artificiais já que a composição harmônica dos comportamentos é guiada por normas específicas No primeiro caso existe uma ordem natural cujo fundamen to não é um ato de vontade mas uma conexão íntima e necessária entre o indivíduo e a sociedade A existência dessa ordem é justi ficada com base no postulado de que a sociedade reduzida ao seu conteúdo mais simples envolve uma dependência mútua entre os indivíduos e que uma forma existencial de estar junto aos ou tros é parte integrante do mesmo conceito de ser humano Esse tipo fundamental de ordem social está concentrado em torno de três aspectos da relação ego alter Esses aspectos minimamente controláveis por meio da vontade ou arbitrarieda de individual são uma independência social na qual prevalece um sentimento instintivo de coesão baseado na necessidade de cada indivíduo de sobreviver e realizar sua existência física e psí quica juntamente com os outros e com a ajuda dos outros uma interrelação vital na qual com base em uma empatia em relação ao outro um se comporta como se o outro tivesse uma vida inte rior igual à dele e considera portanto que é possível interpretar e compreender ou acreditar que compreende as atitudes do ou tro da mesma forma que o outro é capaz de compreender e inter pretar as suas atitudes uma interrelação conjuntural na qual predomina a praticidade de adaptação ao comportamento alheio a partir de suposições intuitivas sobre as suas possíveis reações sala de desmistificar todas as ideologias não apenas as jurídicas Para Geiger 1970 pp 557 ss no entanto a crítica das superestruturas verbais que ocultam os fatos em vez de descrevêlos não exclui como se verá o reconhecimento da im portância das raízes psicológicas da observância e eficácia das normas Sociologia do DireitomioloP3indd 129 020822 1037 130 sociologia do direito Esses diversos aspectos das relações entre pessoas embora en volvam diferentes graus de consciência podem ser guiados pelo indivíduo de maneira predominantemente instintiva e portan to não envolvem um controle totalmente racional das comple xas cadeias de ações e reações sociais que estão relacionadas a cada comportamento O segundo conceito de ordem surge quando se passa do nível de interdependência Interdependenz ao nível de coordenação Koordination dos comportamentos sociais tipificados de acor do com os seus respectivos papéis Esse segundo tipo de ordem que pode ser diferenciado do anterior a partir do termo geral de ordenamento é necessário para que o indivíduo possa prever com certa segurança como os outros se comportarão em situa ções típicas e muitas vezes recorrentes de acordo com Geiger 1964 p 41 A reconstrução que este autor faz da formação da ordem social está portanto centrada no contraste entre uma so ciedade baseada na simples interdependência das diversas ações e outra baseada na coordenação de diferentes papéis Além dessa distinção entre os dois modelos de ordem so cial separáveis apenas no abstrato na sua pureza mas concre tamente combinados de formas variadas Geiger propõe outra distinção fundamental já anunciada por Weber aquela entre a regularidade de comportamento meramente iterativo Regelhaf tigkeiten e a do comportamento normativo Regelmässigkeiten em que os comportamentos seguindo as normas exigem inter venções corretivas ou sancionatórias em caso de infrações e também obrigam para o futuro Essa distinção é de central im portância para um estudo bem fundamentado das normas como o de Geiger na observação das regularidades do comportamento e de sua sancionalidade Sociologia do DireitomioloP3indd 130 020822 1037 o problema da eFicácia 131 NORMA Verbal Subsistente Proclamativa Declarativa Latente Atual Figura 3 Distinção das normas As outras distinções que Geiger propõe relativas ao conceito de norma aparecem resumidas na Figura 3 que mostra como a partir de ampla distinção entre normas verbais e subsisten tes ou seja entre normas formuladas verbalmente e normas apenas de fato observadas existem outras distinções As nor mas verbais podem ser proclamativas ou declarativas o que depende de levarem ou não em conta normas ou mudanças pree xistentes As normas subsistentes por sua vez podem ser la tentes ou atuais o que depende de sua sancionabilidade ainda não ter sido violada ou de já terem sido demonstradas através de violações sancionadas ibid p 85 Esta última distinção é de par ticular importância na medida em que deixa claro que a san ção para Geiger é um conceito que como o de flexibilidade pode ser chamado de disposicional da mesma forma que a elas ticidade de um corpo não pode ser estabelecida caso não esteja sujeita a tração não se pode dizer que uma regularidade possui ou não caráter normativo caso não tenha sido violada pois so mente nesse caso pode ser verificado que a violação resultou em uma sanção eficaz Sociologia do DireitomioloP3indd 131 020822 1037 132 sociologia do direito 42 Norma e sanção Fiel aos pressupostos do realismo Geiger absorve a validade formal Gültigkeit e a obrigatoriedade efetiva Verbindlichkeit e passa a submetêlas ao mesmo indicador o da sanção Em suma a sanção visível em suas diversas formas de aplicação é o prin cipal indicador da existência de normas na mente dos homens e de sua eficácia A partir dessa premissa Geiger desenvolve em torno dos conceitos de sanção e eficácia uma construção forma lizada que busca representar em bases estritamente comporta mentais as diferentes etapas da formação de sistemas sociais e jurídicos Ele utiliza símbolos e letras para indicar relações su cintas linguagem certamente não usual em uma obra sociológi cojurídica mas o seu uso pode ser justificado por pelo menos duas boas razões dessa forma o leitor pode compreender me lhor a linearidade do raciocínio e todos os elementos utilizados podem ser tratados com maior neutralidade São estes os principais símbolos e letras usados por Geiger Σ Grupo social integrado Α Destinatário de uma norma uma pluralidade de destina tários é representada por AA Β Beneficiário de uma norma uma pluralidade de benefi ciários é representada por BB Η Ator que age sem ser diretamente destinatário de qual quer norma uma pluralidade de atores é representada por HH Αd Destinatário desviante que tendo violado uma norma expõese à consequente reação a essa atitude Μ Associação única do integrado social Σ uma pluralidade de associados é representada por MM Ω Opinião pública entendida como um conjunto poten Sociologia do DireitomioloP3indd 132 020822 1037 o problema da eFicácia 133 cial de membros do grupo social Σ que reage à violação de uma norma s Situação tipicamente recorrente no grupo social inte grado Σ c Comportamento regular adotado por membros do gru po em determinada situação s c Comportamento diferente do comportamento regular c ou comportamento desviante r Reação à violação de uma norma v Estigma de obrigação de uma norma Δ Juiz ou instância jurisdicional chamado a responder em caso de violação de uma norma institucionalizada Θ Legislador П Órgão que exerce o poder central em Σ Símbolo de desigualdade Símbolo de igualdade Símbolo que indica a ausência ou a irrelevante presença de um dos papéis indicados antes por exemplo no lu gar de B sugere que a norma não possui beneficiários diretos Nessa simbologia utilizada por Geiger podese dizer que cada ordenamento social repousa no fato de que em determina do grupo integrado Σ existe uma relação estável ou pelo menos estatisticamente provável entre certas situações típicas s e deter minados modos típicos de comportamento c Essa conexão na qual todas as formas de coordenação social se baseiam é expres sa por Geiger através da fórmula s c em que a seta indica que em uma situação s normalmente existe c ou por meio da fórmu la s c que indica uma situação s em que existe c ou seja um comportamento diferente daquele predominante em termos es tatísticos ibid p 96 Sociologia do DireitomioloP3indd 133 020822 1037 134 sociologia do direito O complexo entrelaçamento de expectativas sociais gira em torno de esquemas como s c ou s c Esses padrões servem ao ator numa perspectiva sobretudo operacional como modelo para seus comportamentos e para o espectador numa perspec tiva principalmente cognitiva como ferramentas para prever possíveis comportamentos do ator Obviamente para que o processo de coordenação seja concluí do o ator segundo Geiger deverá levar em conta as expectativas dos observadores e suas possíveis reações Podese portanto di zer que em cada grupo integrado qualquer associado M direcio nará suas ações para as reações esperadas dos outros associados M1 M2 Mn Seria no entanto simples demais pressupor que o comporta mento de M pode ser guiado pelo princípio da mera formalidade em relação ao comportamento de outros associados MM Em ge ral e ainda mais em uma sociedade diferenciada o princípio norteador da coordenação social será de fato o da compatibili dade e da coerência dos comportamentos em relação aos papéis individuais exercidos de tempos em tempos Em outras palavras certo membro do grupo Σ não esperará de todos os outros membros um comportamento idêntico ao dele na mesma situação mas poderá pressupor comportamentos diferentes nos quais os papéis de M1 M2 Mn serão diferentes Por exemplo se determinado membro M1 assume em Σ um papel diferente de M2 então mesmo em uma situação idêntica s serão permitidos comportamentos diferentes e portanto caberá a ex pressão c M1 c M2 Esse princípio de conformidade de comportamentos em re lação a funções e situações provoca duas consequências na cons trução de Geiger Em primeiro lugar os elementos que se tornam parte da situação s entendida em sentido amplo abarcam não tanto aspectos relacionados às circunstâncias externas e aos as Sociologia do DireitomioloP3indd 134 020822 1037 o problema da eFicácia 135 pectos puramente físicos mas sobretudo relativos à posição so cial dos diferentes sujeitos ibid p 112 Em segundo lugar podese distinguir dois componentes no próprio ordenamento social ao lado de uma ordem de ação que determina os diversos comportamentos em diferentes situa ções há uma ordem estrutural que estabelece os critérios de atribuição dos diversos papéis e posições sociais e indica os com portamentos típicos a eles associados Com base nesse ordena mento modelos comportamentais particulares são atribuídos aos membros de certos subgrupos dentro de Σ ibid p 48 Geiger propõe portanto usar a fórmula simples s c ape nas para indicar que de certa maneira existe uma correlação estatisticamente fundada para a qual dado s temse c Sugere em vez disso utilizar a fórmula s cv caracterizada pela adi ção do estigma de obrigatoriedade v que significa vinculação para indicar que a conexão entre parênteses possui não apenas uma base estatística mas também uma base normativa tanto para os destinatários AA quanto para eventuais beneficiários BB Mais precisamente de acordo com Geiger todas as normas sociais podem ser rastreadas até a fórmula s c v AA BB Por essa fórmula a conexão entre determinada situação s e certo comportamento c será obrigatória vinculante se os desti natários da norma AA se comportarem do modo esperado em relação aos beneficiários BB Assim se AA indica a pluralidade de destinatários da norma e BB a pluralidade de seus beneficiá rios o sinal de fração que separa esses símbolos indica que a variável designada pelo símbolo AA atua diretamente sobre a va riável designada pelo símbolo BB Sociologia do DireitomioloP3indd 135 020822 1037 136 sociologia do direito Em suma em cada padrão quatro elementos fundamentais podem ser distinguidos pelo menos em princípio 1 o núcleo s c 2 o estigma da obrigatoriedade v 3 os destinatários AA 4 os eventuais beneficiários BB Se então como é o caso da norma elementar Os ciclistas AA são obrigados v após o anoitecer s a ligar os faróis c não há beneficiário explicitamente indicado a fórmula aplicável é s c v A Desse modo tendo estabelecido a definição de obrigatorieda de v de um ponto de vista formal o problema é encontrar indi cadores de v que sejam empiricamente observáveis Geiger parte de duas observações preliminares em primeiro lugar a atribui ção de um caráter obrigatório a um padrão de comportamento s c só faz sentido se para AA for possível além de c um com portamento diferente que pode ser representado na simbologia de Geiger como c Em segundo lugar a natureza obrigatória de s c não pressupõe necessariamente um comportamento uni forme de todos os destinatários Se em geral a maioria dos AA realizar o núcleo s c em suas ações enquanto outros agem de forma diferente de acordo com o esquema s c não seria ne cessário não considerar s c obrigatório Na verdade seria um verdadeiro absurdo considerar que tal esquema é obrigatório ou vinculativo apenas para os AA que o seguem ibid p 104 pois nesse caso a possibilidade de um desvio seria excluída À luz dessas premissas podese argumentar que o conceito de regra não apenas admite mas necessariamente implica o con Sociologia do DireitomioloP3indd 136 020822 1037 o problema da eFicácia 137 ceito de desvio De acordo com Geiger para identificar a natureza vinculativa da correlação s c entre uma situação s e um com portamento c s c é necessário observar o que acontece diante de um comportamento diferente c por parte de um des tinatário A ou mais precisamente por um Ad em que d signi fica desviante Se o comportamento desviante c for adotado como reação dos membros de Σ ou pela opinião pública Ω essa reação será suficiente para considerar s c obrigatório ou vin culante recebendo o estigma v se por outro lado essa reação não ocorrer isso será suficiente para considerar s c não obrigató rio não vinculativo do ponto de vista sociológico Traduzindo essas correlações para a simbologia de Geiger temse a fórmula s c v AA s c v Ad r Ω Ad Em outras palavras dado que em determinada situação s deve ser adotado um comportamento c obrigatório por parte dos destinatários AA em relação aos beneficiários não identificáveis é possível presumir que na mesma situação s o comportamento não compatível com c seja adotado por um destinatário desvian te Ad em relação aos beneficiários não identificáveis e em um momento posterior o comportamento será seguido por uma reação da opinião pública Ω em relação a Ad Isso significa que o estigma de obrigação v não deve ser necessariamente realizado de modo obediente pelos destinatários AA mas pela reação do grupo à possível desobediência de AA A norma portanto não é obrigatória porque seus destina tários atribuem a ela em suas representações a qualificação de obrigatória e portanto adaptamse a ela mas sim porque es tão efetivamente sujeitas à alternativa realização ou reação Em suma é essa alternativa e não as razões subjetivas que na Sociologia do DireitomioloP3indd 137 020822 1037 138 sociologia do direito verdade pode trazer um elemento sociologicamente decisivo para estabelecer de modo empiricamente verificável o caráter obriga tório da norma A validade sociológica da correlação s c pode ser expressa pela seguinte disjunção ou o destinatário A realiza c em uma si tuação s ou ele se torna Ad destinatário desviante executando c e neste caso estará sujeito à reação r da opinião pública Ω Na simbologia de Geiger v s c A c Ad r Ω Ad ou mais brevemente v s c em que significa o o c r O resultado alcançado seguindo a lógica de Geiger permite que o conceito de obrigatoriedade seja apurado a partir de ele mentos metafísicos e ideológicos incompatíveis com uma pers pectiva realista Dessa forma o autor consegue recuperar aquele conteúdo real não apenas empiricamente observável mas em princípio quantificável que ao tornar obrigatórias puníveis as normas não apenas as categoriza como obrigatórias ou não obri gatórias mas como obrigatórias em maior ou menor grau Se a obrigatoriedade é entendida como a probabilidade de que determinada pessoa em certa situação estabelecida pela norma adotará determinado comportamento caso contrário es tará sujeita à reação do público fica prefigurada a eventualidade de que em determinado número de casos o descumprimento da Sociologia do DireitomioloP3indd 138 020822 1037 o problema da eFicácia 139 norma não é acompanhado por nenhuma reação da opinião pú blica devido à interferência de diversos fatores como o desco nhecimento da infração da parte de A a indisponibilidade de A a impossibilidade temporária de exercer r e outros Em geral a fórmula que expressa a possibilidade da natureza obrigatória da norma é v e s que expressa a relação entre o número de casos em que a norma é eficaz e e o número total de casos s em que se deve ter c Ob viamente o caso é mal julgado do ponto de vista da obrigação quando e s e portanto v 1 isso também tornaria a norma desprovida do indicador de reação Essas e outras observações formais têm reduzida relevância sociológica a menos que também se estabeleçam quais variáveis sociais determinam os índices de eficácia ou ineficácia das normas e portanto o seu grau de obrigatoriedade Geiger observa que a medida de v é função de duas variáveis relacionadas por um lado a relevância de c para a vida de Σ por outro a atenção dada pela opinião pública Ω à manutenção dos modelos s c Isso significa que quanto mais independentes de Σ forem os associados indivi duais de MM mais facilmente eles poderão assumir uma posição autônoma em relação a Σ e a manutenção da obrigatoriedade das regras tornase ainda mais incerta ibid p 95 Quanto à variável Ω Geiger observa que a reação r nem sem pre equivale à implementação coercitiva de c mas pode ter como objetivo simplesmente infligir um dano ao desviante Ad repre sália ou desempenhar uma simples função preventiva influen ciando o comportamento concreto dos destinatários AA apenas por meio da ameaça de sanções ou ainda pode operar sem re Sociologia do DireitomioloP3indd 139 020822 1037 140 sociologia do direito correr a tal ameaça mas apenas com o auxílio de uma série de razões colaterais de dissuasão como o pensamento de que um B interessado em s c será capaz de retaliar em uma ocasião pos terior e outros No que diz respeito à composição da opinião pública Ω Geiger observa que nas sociedades primitivas em princípio ela é composta de todos os MMΣ exceto é claro aqueles contra os quais é exercida de tempos em tempos No entanto este é sim plesmente um dos casos possíveis pois também pode incluir apenas determinada área de MMΣ ou pode reservar ao benefi ciário B uma posição específica de controle da norma violada ou ainda e este é o caso evolutivamente mais rico em consequências pode estar sujeito como veremos a um processo de instituciona lização centralizado em uma instância específica destinada ao exercício profissional da reação social ibid p 96 Devese notar também que a disposição de cada associado M de reagir ao comportamento desviante pode mudar quando em vez do papel de Ω ele assume o papel de destinatário da norma Portanto é possível supor que certo M considere um mesmo comportamento lícito se praticado por ele próprio ou repreensí vel se adotado por outros dupla moral Mesmo nesses casos de conflito de papéis no entanto o ponto de referência decisivo para a atribuição de validade não será a atitude do indivíduo A mas a reação real de Ω Se for estabelecido que os associados ou pelo menos parte deles também são beneficiários BB do comporta mento esperado e se reconectar com a implementação de c um significado vital para qualquer possível omissão de c por parte de Ad não provocará apenas surpresa ou decepção mas também indignação e questionamento por parte dos vários BB Tais rea ções por sua vez encontrarão confirmação e apoio na atitude dos demais associados não diretamente envolvidos e diferentes de B ou seja MM e seu apoio a B resultará pelo menos de modo im Sociologia do DireitomioloP3indd 140 020822 1037 o problema da eFicácia 141 plícito na aprovação de s c Isso deveria ter sido feito Essa é segundo Geiger a forma original pela qual o estigma da obriga toriedade se manifesta enquanto a regra social é transformada na norma s cv O uso tornase assim uma norma subsistente uma espécie de costume e não ocorrerá apenas o desvio de uma regularidade empírica factual mas também a violação de uma re gularidade obrigatória exigida pela sociedade O costume em suma é uma norma criada dentro de um gru po através de um procedimento amplo e não controlado não con duzido por órgãos centrais e sua existência como a das demais normas se manifesta apenas no caso de uma violação ao compor tamento esperado Um nível mais elevado de eficácia é obtido com a transição do costume para a norma estabelecida o que en volve inovações fundamentais na estrutura dos ordenamentos normativos no que diz respeito a pelo menos três aspectos enquanto a norma consuetudinária não tem início nem autor definido a norma estabelecida tem origem que pode ser datada com precisão e é atribuível a um ato humano específico enquanto a norma consuetudinária tem uma relação re troativa com o tempo o que foi feito ontem também deve ser feito hoje a norma estabelecida inversamente guar da uma relação prospectiva com o tempo amanhã e o fu turo serão feitos como foi estabelecido hoje enquanto a norma consuetudinária pertence à esfera da vida irrefletida e da espontaneidade a norma estabelecida é sem pre a expressão de reflexões teleológicas da instância que a promulga e portanto pertence à esfera da decisão Essas inovações exigem como principal condição prévia por tanto a capacidade dos membros Σ de conceber uma representa Sociologia do DireitomioloP3indd 141 020822 1037 142 sociologia do direito ção abstrata da norma que supere a mera ideia da iteração de comportamentos já implementados outros também fazem isso e passe a considerar as normas como pretensões formula das em termos gerais por meio de um estatuto criado por um poder central capaz de institucionalizar quaisquer sanções 43 A institucionalização das sanções A reconstrução das fases pelas quais o processo de estabele cimento de sanções se manifesta é uma oportunidade interes sante para Geiger esclarecer a partir de seu próprio simbolismo as relações entre a diferenciação interna da sociedade e a estrutura do sistema jurídico O autor distingue várias etapas no processo de institucionalização de sanções A primeira é caracterizada pela reduzida diferenciação social e pela natureza generalizada das normas individuais que tendem a atingir de maneira indiscri minada todos os membros MM da integração social sem isolar nenhum grupo específico de beneficiários A segunda etapa ca racterizase por um maior grau de diferenciação social e portan to por uma maior especificidade das normas que se dirigem a determinados destinatários e favorecem certos grupos Tratase de uma importante transformação da sanção que de coletiva ou seja exercida por todos os membros de Σ tornase pessoal exercida diretamente pelos beneficiários BB que se decepcio nam com suas expectativas Portanto não há mais r MM Ad mas sim r B Ad Sociologia do DireitomioloP3indd 142 020822 1037 o problema da eFicácia 143 No entanto para que qualquer membro do grupo Σ possa ter influência direta sobre outro membro do mesmo estrato social duas condições devem ser atendidas é preciso que Ad possa rea gir diretamente em relação a B quando este violar uma norma lei de retaliação a comunidade deve se abster de reagir ao bene ficiário B que exerce diretamente a reação reação coletiva nega tiva Na terceira fase a reação volta a ser exercida por M contra o indivíduo A mas não mais em defesa dos interesses gerais po rém de interesses particulares afetados pela violação de normas específicas Dado que os destinatários e beneficiários de uma norma são menos numerosos do que os demais associados AA MM BB MM a reação de Ω apoiará de tempos em tempos os interesses de certos grupos da sociedade diferenciada Σ em rela ção a outros grupos reação coletiva específica Somente na quarta fase ocorre a reação institucionalizada através da criação de um órgão especial Δ Nesse ponto devese deixar claro que se a disponibilidade de reação pelas diversas instâncias mencionadas constitui um componente constituinte da obrigatoriedade das normas o fato de parte de uma dessas instâncias não exercer a sanção pode por sua vez provocar uma reação da comunidade contra essa instância pela omissão Podese dizer que essa reação que se distingue da anterior é de segundo grau pois produz o efeito de restaurar a natureza obrigatória de uma norma de primeiro grau de outra forma comprometida e portanto envolve uma expansão significativa do conceito de va lidade É o caso por exemplo de uma norma pela qual a reação institucionalizada obrigatória de Δ depende da ocorrência de uma das três seguintes hipóteses relacionadas à norma que rege o que fazer na situação s existir como esperado o comporta mento c do destinatário A não existir o comportamento c por parte do desviante Ad seguindose uma reação da instância ju Sociologia do DireitomioloP3indd 143 020822 1037 144 sociologia do direito diciária Δ contra o desviante Ad existir o comportamento não compatível c por parte do desviante Ad não se seguindo uma reação r da parte da instância judiciária Δ ocorrendo portanto uma reação geral de Ω contra a instância judicial que mostrará que a sociedade não aceita a não aplicação da norma por parte de Δ ibid p 149 Esquematicamente essas três hipóteses podem ser assim ex pressas c A c Ad r Δ Ad v s c Ad r Δ Ad Ω Δ Dessa forma Geiger consegue mostrar que qualquer norma de comportamento de primeiro grau implica uma norma de segundo grau que prevê uma sanção para aqueles que não conse guem reagir contra um eventual transgressor a uma regra de primeiro grau A interligação entre esses dois níveis de normas e a reação final de Ω pode ser assim resumida uma norma vinculante resul ta em caso de desvio em uma reação por parte da instância Δ ou se isso não acontecer haverá uma reação pública em relação a Δ ibid pp 150 ss Em suma a decisão constitui o culminar de um processo histórico que evidencia estágios bastante avançados da consoli dação do direito e representa um dos elementos mais importantes que marca a transição das sociedades arcaicas para as civilizadas A decisão tem sua origem no âmbito do direito e aparece nos sis temas sociais de natureza extrajudicial apenas como resultado do processo de replicação da lei Com a sua introdução a abor Sociologia do DireitomioloP3indd 144 020822 1037 o problema da eFicácia 145 dagem de Geiger atinge um importante ponto de virada em que o campo dos ordenamentos normativos é abandonado para con centrar a atenção no objeto central da análise sociológicojurídi ca a estrutura e o funcionamento do ordenamento jurídico em relação ao ambiente social A reconstrução que Geiger faz da estrutura do ordenamento jurídico começa como visto com uma essencial referência ao conceito de Estado No entanto ele se distancia das visões esta distas em pelo menos dois aspectos Do ponto de vista formal não deixa de criticar as definições atuais de Estado observando que seus principais elementos território povo soberania se riam em um exame mais atento óbvios ou tautológicos Propõe evitar o máximo possível o uso do termo Estado que prefere substituir por conceitos mais neutros como o do poder político centralizado e o de sociedade jurídica entendida como o inte grado social em que um poder centralizado se estabeleceu Além disso de um ponto de vista substancial Geiger se des taca de algumas variantes do estatismo ao enfatizar fortemente o caráter pluralista da sua concepção Para o autor o ordenamento jurídico nunca é o único sistema dentro de uma sociedade dife renciada mas apresentase em comparação com inúmeros gru pos aos quais está articulado como uma rede que os cerca sem contudo substituílos ou eliminálos Portanto abaixo do espa ço superior e compreendendo o ordenamento jurídico restaria um espaço mais ou menos amplo ocupado por outros sistemas sociais autônomos no que diz respeito à organização jurídica e independente do poder central Esse pluralismo subjacente no entanto não implica que quando se trata de determinar os fato res sociais que influenciam a formação um patamar acima dos grupos sociais de uma organização estatal ou seja no que diz respeito ao problema que deve permitir uma concepção socioló Sociologia do DireitomioloP3indd 145 020822 1037 146 sociologia do direito gica como a de Geiger sejam explicitamente superadas as teorias estatais tradicionais e as indicações do autor tornamse extre mamente vagas Geiger se limita a distinguir fatores exógenos de formação da organização estatal como a subjugação militar de uma popu lação por outra e fatores endógenos que remetendo a Tönnies e Gurvitch ele identifica fundamentalmente na transição gra dual de um tipo de sociedade préjurídica dominada pela con fiança e pela espontaneidade das relações sociais para uma sociedade jurídica dominada pelo egoísmo desenfreado e pela desconfiança mútua Esses fatores levam a um rompimento de valores da comunidade no primeiro caso devido à heterogenei dade das populações que fazem parte do novo grupo no segun do devido à ingenuidade perdida das relações sociais e é essa decadência do éthos comunitário que Geiger de modo parado xal usa para mostrar que o ordenamento jurídico constitui uma resposta funcionalmente adequada à necessidade de coordena ção social que os ordenamentos espontâneos não são mais capa zes de satisfazer Contudo vinculandose a uma tipificação das várias fases da institucionalização da sanção ele não consegue atribuir a devida importância ao papel que mesmo na presen ça de uma suposta monopolização do aparato coercitivo por parte do Estado as sanções sociais como instrumentos de forta lecimento ou correção das estruturas jurídicas continuam a de sempenhar e acima de tudo não aponta os fatores que levam a sociedade a seguir o caminho da diferenciação progressiva de grupos e valores produzindo as condições que levam ao surgi mento do direito e do Estado Geiger parafraseando a famosa introdução de Ehrlich a Grundlegung reitera uma concepção pluralista do problema das fontes e especifica seus componentes Nem o legislador nem o Sociologia do DireitomioloP3indd 146 020822 1037 o problema da eFicácia 147 juiz nem a ciência jurídica podem ser considerados cada um isoladamente fonte de validade das normas jurídicas A fonte de validade é sempre a vida dinamicamente estruturada em que a sociedade jurídica realiza a interdependência que lhe é própria ibid pp 169 ss Vamos esclarecer agora o papel relativo que cada uma das fontes listadas desempenharia na vida do direito A instância Θ ou seja o legislador em geral produz mesmo que não exclu sivamente proposições normativas que pretendem alterar o con junto de normas já consolidadas No entanto para se tornarem modelos comportamentais que tragam o estigma v da obrigato riedade essas proposições devem estar sujeitas a duas condições não devem ser desconsideradas pelos destinatários de modo ge ral nem boicotadas pela instância Δ condições amplamente in dependentes da área de influência de Θ e portanto que limitam sua capacidade efetiva de controle social No que diz respeito à aplicação a instância judicial Δ como depositária do monopólio coercitivo é decisiva para atribuir va lidade a determinado modelo de comportamento apenas nos ca sos em que esse modelo seja violado A validade da norma no entanto não depende apenas da sanção mas também inclui como se sabe outra condição alternativa a observância espontâ nea dos destinatários que pelo menos em grande parte inde pende do comportamento da instância Δ Geiger no entanto não considera completamente sustentá vel a ideia dominante na ciência do direito clássico de que existe uma clara separação funcional entre o legislador e o juiz entre o fornecimento da norma e sua aplicação Em vez disso ele acredi ta que essa distinção só pode se aplicar à maneira como a criação judicial funciona em comparação com a criação legislativa a primeira seria tipicamente voltada para a produção de proposi Sociologia do DireitomioloP3indd 147 020822 1037 148 sociologia do direito ções regulatórias declarativas não proclamadas e apresentaria em comparação com a segunda maior flexibilidade servindo como modelo para futuras decisões e não apenas como diretriz geral de conduta3 A dupla hipótese de legislação que impulsiona ou segue o desenvolvimento social é representada graficamente por Geiger nos dois diagramas mostrados na Figura 4 As setas pontilhadas indicam as tendências do desenvolvimento social natural en quanto as linhas escalariformes representam os impulsos trans mitidos pela legislação para retardar ou acelerar esse desenvolvi mento e as linhas sólidas representam as tendências reais do desenvolvimento social à medida que resultam da combinação dos dois primeiros fatores Figura 4 Legislação e desenvolvimento social Fonte Geiger 1964 p 197 44 Cálculo obrigatório e segurança jurídica A falsa ideia conveniente e simplista ao extremo até agora mantida de que a atribuição de validade diz respeito a modelos de comportamento com uma área semântica exclusivamente de terminável pode ser abandonada neste momento Não apenas a atribuição de validade a determinado modelo de comportamen 3 No entanto devese notar que Geiger referindose a Illum 1945 acredita que a maioria das normas jurídicas tende a ser implementada de forma espontânea mesmo sem recurso aos tribunais Sociologia do DireitomioloP3indd 148 020822 1037 o problema da eFicácia 149 to mas a própria determinação do núcleo regulatório desse mo delo não são uma constante para Geiger mas experimentariam profundas variações na complexa interação das várias instâncias que atuam como fontes jurídicas Geiger portanto distingue dois aspectos fundamentais do processo de produção compulsório A questão da validade ou obrigatoriedade da norma pode ter uma direção dupla depen de se ela se refere ao se ou ao o quê No primeiro caso a questão é sobre o estigma v e pretendese saber se determinado modelo de comportamento é válido a questão da validade for mal no segundo caso a questão é colocada no núcleo norma tivo como s c e se a relação entre destinatários e beneficiários também é levada em conta a fórmula deve ser expressa da se guinte maneira s A B c A B Nesse segundo caso é preciso estabelecer quais são as si tuações os comportamentos e os assuntos incluídos no núcleo s c questão de obrigação substancial A questão da obrigação substancial sugere portanto que Geiger deve ser capaz de apontar a natureza ilusória da teoria da subsunção pela qual seria possível uma interpretação automati camente predeterminada de posições regulatórias Nenhuma definição pode eliminar a lacuna entre conceito e realidade afirma o que significa que somente na aplicação de proposições normativas seu conteúdo real é determinado ibid pp 58 ss Sem um direito ideal no sentido jurídico positivista é possível falar em erro jurídico apenas se o tribunal faz uma reconstru ção defeituosa ou distorcida do caso concreto erro jurídico ma terial ou se a tentativa do juiz de alterar a área estaticamente Sociologia do DireitomioloP3indd 149 020822 1037 150 sociologia do direito consolidada de aplicação de determinada proposição normativa não consegue uma afirmação efetiva na vida do direito que en volva a intervenção corretiva de uma instância superior erro ju rídico formal O conteúdo de um ordenamento jurídico sob uma perspec tiva realista portanto não resulta dos esquemas conceituais das proposições normativas nem do direito idealmente correto mas apenas do direito realmente aplicado sem se questionar se é justo ou injusto bom ou ruim No entanto isso não significa que a instância Δ tenha um escopo ilimitado de atuação Se tal instância pode ignorar uma proposição regulatória descum prindo sua obrigação no que diz respeito a sua atividade decisó ria em relação a determinadas proposições normativas ela não pode deixar de levar em conta a extensão de sua área semântica como estabelecido pelas convenções linguísticas Em geral por tanto podese dizer que se o regime conceitual da proposta regulatória tem potencialmente um diâmetro máximo e um diâmetro mínimo na área entre as duas circunferências esses serão os limites variáveis do escopo das normas que serão utili zados na vida jurídica Graficamente isso é representado por Geiger por meio de uma figura na qual a linha contínua indica os limites da área de validade de determinado padrão estabelecido pelas diversas decisões judiciais e as duas circunferências pontilhadas indicam respectivamente o limite máximo e mínimo de variabilidade dessa área de acordo com o que está estabelecido pelas conven ções linguísticas Figura 5 A complexidade dos procedimentos que leva à atribuição da natureza vinculativa de certos modelos de comportamento no lugar de outros na reconstrução que Geiger faz do funciona mento do sistema jurídico torna extremamente difícil manter a Sociologia do DireitomioloP3indd 150 020822 1037 o problema da eFicácia 151 chamada segurança jurídica4 A pluralidade de fontes de pro dução de validade a falta de uma estrutura hierárquica rígida que resolva os conflitos dentro do sistema de maneira unívoca e automática e a crescente relevância atribuída às forças que de fora do sistema podem atuar para condicionar a imposição de restrição pelas várias instâncias são elementos que trazem incerteza para a vida do direito divulgando apenas o que até cer to momento mostrouse válido em relação a casos concretos já definidos mas não o que se tornará direito válido no futuro em relação a casos concretos ainda em grande parte imprevisíveis Geiger afirma categoricamente Ninguém pode dizer com cer teza do ponto de vista de uma doutrina empírica do direito o que é certo aqui e agora se determinada norma é obrigatória para este ou aquele caso Com esta afirmação que parece amea 4 Nesse ponto a concepção geigeriana é semelhante à de Hart que admite a inde terminação e a variabilidade dos limites das estruturas da linguagem mas tam bém a existência em sua esfera de núcleos de significado fixos e imutáveis Ver Hart 1961 pp 146 ss Eckmann 1969 e Zaccaria 1990 Figura 5 Âmbito de validade das normas Fonte Geiger 1964 p 262 Sociologia do DireitomioloP3indd 151 020822 1037 152 sociologia do direito çar os fundamentos da ciência jurídica e do próprio direito o autor realmente visa destacar a distinção fundamental entre uma consideração científica que pretende descrever o direito como uma conexão real e uma consideração de tipo pragmáti conormativa que pretende postular o direito como algo devi do ibid p 113 O pressuposto normativo da homogeneidade da jurispru dência é portanto rejeitado por Geiger Aqueles que afirmam submeter o direito à consideração teórica limitandose apenas ao estudo de proposições normativas e que acreditam poder en contrar uma maneira de determinar quais decisões serão corre tas em relação a essas proposições assumem que a proposição normativa possui um conteúdo suscetível à interpretação teóri cológica totalmente previsível Os juristas por outro lado re gistram constantemente em sua prática cotidiana quão raros são os casos de núcleos que já estão consolidados no campo da juris prudência e se tendem a esconder essa verdade com sua própria linguagem e a referência frequente a critérios objetivos de julga mento Isso se deve a uma distorção profissional que pode ser provocada por diversos fatores como o fascínio pela ideia de unidade e constância em geral ligada à ideia jurídica de ordena mento o condicionamento da mentalidade profissional dos ju ristas como resultado do tipo de formação universitária que recebem a tecnicização e o planejamento do trabalho decisório do juiz de acordo com esquemas simples capazes de absorver pelo menos formalmente a sua responsabilidade direta Por mais evidente que possa parecer o contraste entre a pers pectiva sociológica e a normativista a mesma concepção de Geiger não pode deixar de reconhecer a importância da segu rança jurídica não apenas por razões de coerência interna ao sistema jurídico mas sobretudo para garantir a interação har moniosa e a coordenação de comportamentos essenciais para a Sociologia do DireitomioloP3indd 152 020822 1037 o problema da eFicácia 153 sobrevivência de uma sociedade organizada Para a vida do di reito o que valia no passado como lei não tem interesse imediato Do ponto de vista prático é sempre uma questão de saber agora hoje ou amanhã o que é obrigatório Assim se A deseja conhe cer os riscos que corre em determinada situação s executando um ato de violação de c por sua vez B deseja saber qual é o com portamento de A e este o que deve esperar de Δ nessa situação e assim por diante Portanto parece haver uma profunda discrepância entre os limites da capacidade do sistema jurídico de produzir certeza e o quanto a sociedade necessita de segurança que ele próprio de tecta Essa discrepância é superada por Geiger com a introdução de um elemento não exclusivamente aleatório nem rigidamente controlável mas apenas probabilístico que une o passado ao fu turo do sistema jurídico o cálculo da obrigatoriedade Assim como o cálculo econômico o cálculo dos fatores obrigatórios in clui elementos em maior ou menor grau e visa oferecer indica ções relevantes não apenas no nível cognitivo mas também no prático Utiliza elementos de situações e comportamentos que já ocorreram e portanto são objetivamente detectáveis e quantifi cáveis a fim de prever situações e comportamentos futuros na vida do ordenamento jurídico ibid p 138 O primeiro elemento que pode ser usado como referência para esse cálculo é a jurisprudência constante ou pelo menos única No entanto na vida jurídica podem ocorrer casos para os quais não existe uma cadeia regular de decisões já consolidadas Assim no que diz respeito a uma nova lei sobre a qual ainda não existe um discurso jurisprudencial formado uma primeira série de indicações relativas à probabilidade de aplicála pode ser identificada a partir de elementos internos ao núcleo regulatório do direito como a influência social efetiva dos beneficiários BB dessa norma o que presumivelmente favorecerá que seja adotada Sociologia do DireitomioloP3indd 153 020822 1037 154 sociologia do direito ou o exame da situação ambiental que pode por exemplo suge rir dificuldades no exercício da coerção e incentivar fortemente a não aplicação Quando se trata de uma norma que não é aplicada há muito tempo o cálculo das condições obrigatórias deverá estabelecer se essa desaplicação depende de simples falta de litígio ou de extin ção gradual da própria norma com base em uma comparação entre as funções por ela desempenhadas no período da primeira aplicação e as funções que seria capaz de desempenhar em um momento posterior de acordo com as condições sociais Também no que diz respeito aos operadores legais Geiger propõe a necessidade de certeza como critério interpretativo da ação Ele fala em particular de um cálculo de implementação que do mesmo modo que o cálculo de obrigatoriedade pelo usuário seria executado pelo juiz para resolver problemas de coerência e imagem relacionados ao seu papel além sobretudo de cumprir as estruturas já consolidadas do sistema jurídico e afastarse do risco de ver as próprias decisões serem corrigidas por outros tri bunais ibid p 145 Dessa maneira existe uma coincidência de perspectivas entre o usuário do direito e o operador jurídico ambos interessados em uma jurisprudência constante que reduz o risco de frustrações Além disso é confirmada a suposição na qual se baseia todo o cálculo de natureza obrigatória do usuário de que os juízes con tinuarão a decidir no futuro de acordo com critérios interpretati vos semelhantes 45 Sanção e memória coletiva Uma hipótese geral que Geiger considera útil para o propósi to de reconstruir a formação de sistemas sociais deriva de uma Sociologia do DireitomioloP3indd 154 020822 1037 o problema da eFicácia 155 aplicação extensiva da teoria mecanicista5 feita por Richard Semon 1911 De acordo com essa teoria cada percepção impri miria no cérebro do sujeito um traço ou engrama no caso de percepções compostas de vários elementos um conjunto de en gramas que por sua vez pode ser lembrado por meio de asso ciações ecforia pela percepção renovada de apenas um dos seus elementos produzindo nele um estímulo para repetir as ações executadas em conjunto com a primeira percepção Essa teoria que guarda aparente afinidade com a mais co nhecida teoria comportamental dos reflexos condicionados é destacada pelo próprio Geiger e pode explicar pelo menos em princípio sem sérias dificuldades a origem dos sistemas sociais isto é das ordens constituídas pela iteração de padrões de com portamento do tipo s c A percepção repetida dessa mesma correlação produziria na mente de determinado ator um conjunto de engramas correspondentes e portanto através do funciona mento do mecanismo gráficoecfórico haveria uma predispo sição cada vez mais forte do sujeito a repetir em determinada situação certo comportamento previamente associado a ele As sim um sistema circular de autorreprodução de modelos de com portamento seria estabelecido em sistemas sociais nos quais a iteração reforça a probabilidade de persistência de determinado modelo de comportamento e esta persistência por sua vez for talece a probabilidade de sua iteração O mecanismo gráficoecfórico opera portanto de maneira cumulativa e progressiva tendendo a transformar s c em um costume estável para o ator H Isso ocorre sobretudo se c está co nectado a situações que ocorrem com muita frequência Geiger 5 Sobre a mesma questão do ponto de vista da abordagem comportamental ver Skinner 1969 Sociologia do DireitomioloP3indd 155 020822 1037 156 sociologia do direito pode dizer Quantas vezes H o ator encontrouse em s e res pondeu com o comportamento c ainda mais improvável será que H responda em s com c Inversamente quanto maior o in tervalo de tempo entre os vários casos em que ocorre s mais di fícil se torna manter o rastro deixado pelo primeiro s c A rigidez do mecanismo gráficoecfórico e os limites da hi pótese geral e formal emprestada de Semon são evidentes para o próprio Geiger que tenta expandir sua aplicabilidade prática através de uma série de hipóteses suplementares com alta pro babilidade que levam em consideração além da frequência e do número de engramas variáveis intervenientes adicionais Uma aplicação importante do mecanismo gráficoecfórico ocorre quando Geiger tenta estabelecer o que acontece no momento crítico para a vida de cada grupo integrado Σ em que a ordem começa a operar em um novo membro Mn1 Nesse caso a regu laridade do comportamento do indivíduo M1 M2 Mn seu exemplo coletivo exercerá através da iteração de impressões sensoriais do tipo Em uma situação s existe o comportamento c e portanto s c uma pressão social eficaz sobre o novo membro para que após algum tempo c se apresente em Mn1 como a maneira mais evidente de agir quando estiver em s Mas é legítimo perguntar neste momento como são forma das as regularidades generalizadas de comportamento capazes de exercer uma pressão social tão eficaz sobre os membros indivi duais O mesmo mecanismo gráficoecfórico aplicado ao com portamento do ator permite elucidar a gênese dos costumes indi viduais e é usado por Geiger para explicar a formação de hábitos coletivos e sua transição para os sistemas normativos sem aban donar o terreno comportamental Geiger argumenta que como o ator os espectadores de um comportamento em uma situação típica e recorrente também Sociologia do DireitomioloP3indd 156 020822 1037 o problema da eFicácia 157 acabam memorizando um engrama complexo de acordo com o qual em determinada situação s H é o ator que se comporta em geral como c mesmo que não se possam identificar beneficiários Então simbolicamente temse s H c H e em uma situação semelhante uma percepção subsequente de s H permitirá que os espectadores antecipem o outro elemento do engrama c H antecipando assim o comportamento de H Por outro lado também neste caso o mesmo mecanismo pode originar um processo imitativo pelo qual o sujeito que no papel de espectador está acostumado a esperar a correlação típi ca s c encontrase na mesma situação e o sujeito no papel de ator é levado a executar um processo analógico c Dessa maneira os mesmos mecanismos que levam à forma ção de costumes individuais adquirem uma eficácia interindivi dual e transformam a iteração automática do indivíduo em uso coletivo Geiger ressalta que o uso coletivo é em si moralmente indiferente não pressupõe representações normativas e sim plesmente consiste na regularidade factual do comportamento de certos grupos de atores em determinadas situações Por con seguinte distinguese tanto dos costumes individuais quanto das normas reais Sociologia do DireitomioloP3indd 157 020822 1037 158 sociologia do direito O uso coletivo também é relevante sobretudo em sociedades ditas primitivas e levemente diferenciadas eou em grupos relati vamente pequenos nos quais afiliados individuais MM podem observar uns aos outros diretamente e agir em situações que são basicamente comuns a todos os MM Em tais situações a distin ção entre experiência pessoal e observação de outras pessoas pode envolver apenas intensidades diferentes de percepção mas não diferenças substanciais Portanto se H já se encontrou em s e respondeu com c a recorrência de s ceteris paribus e do compor tamento c é mais provável do que qualquer outro ibid p 266 Além disso a característica fundamental do uso coletivo é que sua violação pode resultar em surpresas ou na incapacidade de compreensão mas não em desaprovação ou condenação A hipótese disjuntiva típica do uso exclui ao contrário das normas reais a possibilidade da reação r Em outras palavras na situa ção o conjunto de comportamentos compatíveis é maior do que o de comportamentos desviantes e o peso social que tem mero valor estatístico para casos de conformidade garante que o uso persista em caso de violações individuais sem a necessidade de recorrer a sanções Na simbologia de Geiger essa prevalência de comportamen tos compatíveis ou não compatíveis com c característica do uso é expressa da seguinte forma s c c c c As maneiras como os usos costumeiros ou as meras regula ridades podem ser incluídos no sistema jurídico são diferentes Elas podem ser distinguidas principalmente de acordo com as seguintes condições Sociologia do DireitomioloP3indd 158 020822 1037 o problema da eFicácia 159 A instância Δ seleciona certas regularidades habituais co locandoas como base da sua atividade de tomada de deci são opção jurisdicional A legislação autoriza explicitamente certas regularidades costumeiras relacionadas a um campo específico da vida social autorização legislativa O legislador seleciona certas regularidades costumeiras e transpõe seu conteúdo para uma lei opção legislativa Nesse contexto a ciência jurídica tem função puramente cog nitiva e não se apresenta como fonte de validade do direito que pode ser colocado no mesmo nível das outras fontes A tarefa que é desempenhada com base na sua visão geral do sistema consis te em dar à produção das outras fontes do direito uma unidade que na prática parece continuamente ameaçada por diversos fa tores como o excesso de produção do mecanismo de legislação chamado para regular novas áreas da vida social em sociedades avançadas a concorrência de diferentes vias jurídicas a coexis tência na ordem de diferentes núcleos legislativos produzidos em diferentes épocas e situações sociais Podese dizer em suma que a ciência jurídica dando ordem à produção prévia de nor mas jurídicas atua como arquivista da memória do direito pelo qual a cultura jurídica interna é orientada Tudo isso justifica a importância da tarefa unificadora reali zada pela ciência jurídica por meio de propostas para a reorga nização do material jurídico Estas se destinam a afirmar na prática não somente a autoridade do jurista individual por ra zões internas à mesma ciência mas também pela disponibilidade de Δ de assegurar sua aplicação por meio de sanções Podese acrescentar ainda que o caráter policêntrico do ordenamento leva Geiger a se posicionar acerca de duas questões teóricas tra dicionais Em primeiro lugar ele admite a possibilidade de o ti Sociologia do DireitomioloP3indd 159 020822 1037 160 sociologia do direito tular do poder se autoobrigar uma vez que a estrutura geral do grupo jurídicoestatal é capaz de alcançar através do conhe cido instrumento da divisão de poderes um complicado jogo de equilíbrios e checagens mútuas entre as várias instâncias Em segundo lugar ele chega a refutar as chamadas teorias da von tade Willenstheorien que buscando de diferentes formas iden tificar o sujeito da vontade jurídica ignoraria que tal vontade em um sistema jurídico avançado nunca é apenas aquela do so berano mas também aquela das muitas pessoas concretas que participam por vezes com intenções opostas dos processos de produção das normas 46 Comportamento e percepções do direito Os diversos elementos da construção proposta por Geiger até agora identificados desde o núcleo normativo s c até os des tinatários da norma AA o estigma da obrigatoriedade v com a opinião pública Ω constituem os fundamentos de uma teoria geral dos sistemas jurídicos claramente focada no direito efetivo e caracterizada pela adesão a uma estrutura metodológica que pode ser resumida em dois princípios fundamentais evitar que elementos irreais que não podem ser sensorialmente percebi dos embacem a visão da realidade do direito e adotar uma chave de investigação em que o conceito de obrigatoriedade reduzido à sanção pode ser expresso por um indicador empiricamente observável que constitui a reação ao comportamento desviante Isso não significa que o modelo comportamental de Geiger em si negue a importância de explicar as representações mentais dos atores O autor escreve A existência social também tem um lado subjetivo a sociologia não pode satisfazerse com o sim ples registro das formas de agir dos homens mas deve tentar descobrir e descrever as atitudes subjetivas que sustentam tais Sociologia do DireitomioloP3indd 160 020822 1037 o problema da eFicácia 161 comportamentos Para ele um sociólogo empírico excessiva mente ortodoxo deixar de lado os elementos subjetivos da exis tência social seja porque não são quantificáveis ou porque são irreais e portanto irrelevantes em termos científicos seria como jogar fora a água suja com a criança e em última instância per mitirse ser guiado na escolha das questões não pela importân cia delas mas pela mensurabilidade dos fenômenos ibid p 329 Geiger afirma de modo ainda mais explícito Experiências e ob servações de conteúdo normativo acompanhadas por processos psíquicos é algo que sentimos em nós mesmos e nenhum com portamento empírico pode nos impedir de atribuir empatica mente nossas experiências a outras pessoas ibid p 303 Um exemplo claro dessa maneira de entender o comporta mento é a análise que Geiger faz das atitudes dos receptores das normas Ele escreve Ninguém quer questionar o fato de que em geral os receptores do AA têm uma representação das normas obrigatórias E de fato seria extremamente improvável que a maioria dos AA não tivesse essa representação uma vez que es tão sujeitos a pressões sociais que tendem a fortalecêla e que ainda que em poucos casos podem garantir que a norma seja tanto internalizada quanto percebida como obrigatória pelo desti natário que se transforma em sua segunda natureza No entan to ele se apressa a esclarecer que essa relevância não significa que a variável em questão tenha importância decisiva De fato se o destinatário individual A em princípio possui uma represen tação da norma obrigatória isso não significa que essa representa ção funcione para ele como motivação no momento de uma ação Em outras palavras agir de acordo com a norma efetiva imple mentando o modelo de comportamento por ela prescrito não significa necessariamente observar a norma no sentido de dire cionar de forma consciente seu comportamento a ela Sociologia do DireitomioloP3indd 161 020822 1037 162 sociologia do direito Geiger também argumenta que a representação que pode levar A à implementação do núcleo normativo s c é uma re presentação da natureza obrigatória da norma e pressupõe que ela não pode ser representada a natureza obrigatória da norma sendo objeto ou pressuposto de tal representação subjetiva deve necessariamente preexistir à sua representação e não pode ser ba seada nela O autor em suma não nega a importância das representações subjetivas nem exclui do âmbito da sociologia as atitudes atribuí veis aos diversos elementos da sua construção apenas se limita a negar que esses fatores sejam decisivos para o estabelecimento de sistemas sociais e tenta evitar que se tornem objeto de conheci mento intuitivo sem consciência crítica Portanto ele apenas enfatiza seus limites explicativos e argumenta que é possível ten tar conhecer fenômenos subjetivos através de fenômenos ex ternos ou comportamentos aos quais em geral são associados Nesse sentido ressalta que são precisamente os indicadores das atitudes dos atores individuais que parecem de mais fácil acesso ou seja as respostas dos sujeitos em entrevistas ou questioná rios não seriam totalmente confiáveis uma vez que a correspon dência entre as formulações verbais do sujeito por um lado e suas ações e seus pensamentos por outro pode ser distorcida mesmo de modo inconsciente tanto pelo entrevistado quanto pelo entrevistador Isso restringe a área de comportamentos relevantes e nesse contexto a escolha parece necessariamente orientada para com portamentos interativos pois é nesse nível que é assegurado o caráter de intersubjetividade das normas sociais que como ins trumentos de coordenação social devem necessariamente possuir Não surpreende portanto que os comportamentos que Geiger leva em conta sejam sobretudo reações aos comportamentos de Sociologia do DireitomioloP3indd 162 020822 1037 o problema da eFicácia 163 outros sujeitos em particular a comportamentos desviantes A experiência mostra que as reações ao comportamento não des viante são mais sutis ou até mesmo não acontecem enquanto a violação de uma norma presumida cria uma situação de crise em que o indivíduo eou a comunidade não podem deixar de as sumir posições explícitas e inescrutáveis Isso não significa que com relação aos elementos do núcleo regulador em particular a situação s Geiger advirta sobre a natu reza problemática do conceito de situação nas ciências sociais Ele ressalta que esse conceito não pode ser considerado como acontece com qualquer ciência experimental como um conjunto de circunstâncias que constituem o cenário em que c é implemen tado e ressalta que embora operemos com o conceito de s como se fosse uma magnitude objetivamente acessível devemos admi tir que não sabemos exatamente o que constitui na representação de determinadas pessoas certo conteúdo de s Duas situações na verdade nunca são idênticas e os critérios de igualdade são arbi trários e variáveis para diferentes sujeitos Aquilo que para deter minado sujeito H aparece como a repetição de uma situação s pode parecer uma nova situação para o sujeito H A análise da pluralidade de significados e conexões com outras variáveis que s pode apresentar em um nível subjetivo leva Geiger a abordar a importante questão da intersubjetividade de s Não está absoluta mente claro que em uma sociedade diferenciada a situação s seja determinada da mesma maneira pelos diferentes membros do in tegrante social Σ chamado a interpretála tanto de AA como de BB de Δ quanto de Θ Por outro lado não há dúvida de que sem uma homogeneidade entre as várias interpretações de s as corre lações s c que constituem a espinha dorsal da coordenação social não forneceriam pontos de orientação aos vários atores nem hipóteses explicativas plausíveis aos estudiosos Sociologia do DireitomioloP3indd 163 020822 1037 164 sociologia do direito Mas o que são além de uma imitação mecanicista e uma coordenação de estímulos e respostas os mecanismos sociais concretos que garantem uma homogeneidade de interpretações As comunicações recíprocas entre os vários atores A existência de sistemas de valores comuns Geiger para evitar referências que podem parecer puramente subjetivas responde a essas per guntas afirmando que a condição de coordenação do comporta mento é a interdependência social que não se baseia na mera representação das interrelações entre os vários MM nem tem relação com nenhuma comunhão de valores mas é uma condi ção factual do seu comportamento e como tal opera de ma neira independente do quanto MM está realmente ciente disso Dessa forma a atenção voltase da regra para suas exceções ou seja para comportamentos que embora não sejam compatíveis podem ter razões que devem ser compreendidas mesmo que apenas para ampliar a possibilidade de controlálos Devese assim ressaltar a hipótese de que o caráter de uma regularidade de comportamento seria determinável se ao desvio se seguisse uma reação podendo ser redundante para atos que possuem mera função simbólica A natureza obrigatória de uma regra poderia ser verificada na ausência de comportamento com patível com ela e de sanções no caso de o autor não violála ou não cumprila mas sim contestála Assim o objetor de cons ciência que desconsidera a carta de preceito com que é chamado ao serviço militar atua em função dessa obrigação e nesse sentido atesta a existência de tal obrigação mas não cumpre nem viola essa obrigação ao mesmo tempo em que também não se expõe às sanções consequentes6 Na construção de Geiger no entanto a norma efetiva está no centro das atenções tanto a primária que prescreve determina 6 Devo essa observação a Amedeo G Conte Sociologia do DireitomioloP3indd 164 020822 1037 o problema da eFicácia 165 do comportamento quanto a secundária que prescreve certa sanção como reação à não adoção desse comportamento Presu mese que o comportamento regulatório reforça a probabilidade de outros comportamentos regulares e portanto um comporta mento gera outro comportamento semelhante ou complementar Em suma podese dizer que o comportamento de Geiger é es tratégico pois parte de uma reflexão direta que visa não supe restimar o real potencial explicativo dos instrumentos cognitivos disponíveis nem subestimar a real relevância de certos aspectos da realidade social Na verdade mesmo uma questão aparente mente quantitativa pode ser condicionada em termos culturais e por vezes ideológicos como aquela do número de normas ju rídicas eficazes em determinado sistema para a manutenção da ordem social Considerese por exemplo o possível contraste entre uma cultura jurídica voltada para a regulamentação pontual e deta lhada da sociedade e outra orientada por outro lado para uma forte autolimitação das intervenções regulatórias A primeira parte do princípio de que o aumento do número de regras garante maior segurança e portanto melhor justiça A outra parte do princípio oposto de que apenas um pequeno número de regras desde que objetivas e claras é capaz de garantir a segurança e a justiça como um padrão jurídico potencialmente difundido por todos os aspec tos da vida social mas incapaz de evitar um desbotamento incon trolável de provisões Friedman 1975 Bettini 1983 1987 É necessário observar que as duas culturas em princípio opostas na realidade podem combinarse dando origem a for mas mistas que exigem absorver interesses conflitantes Assim no decurso dos processos de descentralização uma cultura jurí dica pode ser afirmada nos mais altos níveis de determinado sis tema administrativo e ser capaz não apenas de manter alguma Sociologia do DireitomioloP3indd 165 020822 1037 166 sociologia do direito referência simbólica aos poderes mais amplos do passado mas também de se adaptar voluntariamente à redução de seu papel regulatório e ao desempenho de funções de simples direção Nos níveis mais baixos no entanto será possível testemunhar apenas adiante e gradualmente o crescimento correspondente de uma cultura jurídica que implica a disposição de assumir novas habi lidades e responsabilidades Além disso as dificuldades de im plementação encontradas em recentes tentativas de reorganizar a administração pública e os eventos alternados da nova mais declarada do que realizada cultura de avaliação mostram que a maior resistência às tentativas de otimizar os efeitos não vem tanto da parte daqueles que deveriam perder competências regu latórias mas daqueles que tendo que aceitar novas competências relutam em assumir todas as consequências que isso implicaria em termos de responsabilidade Cassese 1971 Mayntz 1978 Devese notar também que a difusão de modelos de compor tamento por imitação explica por que apesar do amplo desco nhecimento da legislação e de uma aparente inadequação do real grau de conhecimento do direito a grande maioria das relações sociais não é significativamente diferente das normas escritas não apenas daquelas mais conhecidas estabelecidas pela Consti tuição mas também daquelas muito mais fáceis de modificar da legislação Aubert 1965 Podese supor que o amplo desco nhecimento dos ditames do direito pode ser combinado com um comportamento juridicamente compatível A prática jurídica es tabelecida tende a ser orientada para as direções culturais em geral difundidas e internalizadas pelos estratos da sociedade com os quais tem contato Da mesma forma em uma comunida de religiosamente homogênea é possível que os comportamen tos estejam substancialmente de acordo com a ordem moral de referência mesmo na falta de conhecimento adequado dos tex Sociologia do DireitomioloP3indd 166 020822 1037 o problema da eFicácia 167 tos fundamentais pois estarão de acordo com a adesão às atitu des difundidas pelo restante da comunidade Os operadores jurídicos e sobretudo as estruturas adminis trativas com as quais os destinatários das normas estão mais fre quentemente em contato desempenham um papel de particular importância em seus deveres cautelares de préorientação jurídi ca É este último de fato que indica em casos individuais atra vés de um nível médio de implementação um grau de certeza relativa de aplicação da regra em que é possível basear na vida social expectativas e diretrizes regulatórias que provavelmente não decepcionam mesmo sem intervenção protetora efetiva dos aparatos estatais Além disso não saber poderá se tornar um fator útil para a eficácia se envolver taxas de violação muito elevadas pois como observado esse conhecimento pode prejudicar seriamente o pres tígio das normas e reduzir a propensão à obediência Popitz 1968 Mas alguém pode perguntar A ineficácia é sempre uma categoria desconfortável que deve ser reduzida tanto quanto possível Uma vez que a sociedade desempenha um papel ativo na for mação do direito a ineficácia pode ser uma resposta social útil na presença não apenas de normas supérfluas mas potencial mente prejudiciais Há casos em que uma desaplicação repetida de uma regra formalmente válida mas que não é adequada para o alcance dos efeitos declarados ou se mostra prejudicial conse gue sinalizar uma reação fisiológica do organismo social que por vezes de modo inconsciente desafia um instrumento que se aplicado poderia provocar problemas piores do que aqueles que gostaria de neutralizar A ineficácia pode desempenhar função corretiva em relação a normas tecnicamente equivocadas em algumas de suas partes Nestes casos se exercida de modo seletivo ela pode ser uma ma Sociologia do DireitomioloP3indd 167 020822 1037 168 sociologia do direito neira de salvar o recuperável sem fazer que determinada ativi dade regulamentada de maneira equivocada ou redundante seja completamente bloqueada Este é um caso muito difundido quando a aplicação total e fiel da legislação em vigor pode ser usada como uma espécie de ameaça para os efeitos paralisantes que isso implica a chamada greve branca Nesse caso a revol ta mais do que formal é mental pois implica uma espécie de ataque de inteligência que se nega a discernir o que é importante e o que não se encontra em determinado regulamento e ainda avaliar os prováveis efeitos das regras Isso explica a dupla definição que Geiger atribui ao desvio d e ao sujeito desviante Ad Além de uma visão mecanicista de desvio que parece basearse no simples critério de correspon dência ou não correspondência com relação ao conteúdo da nor ma em sua construção existe um significado mais flexível que leva em conta as margens de interpretação que um texto norma tivo inevitavelmente pressupõe No caso de um desvio funda mentado em certa interpretação da norma pelo destinatário pode ser possível pelo menos sugerir uma interpretação de se gundo nível com o objetivo de justificar os motivos que levaram o destinatário a interpretar a norma a fim de empurrála para uma aplicação parcial ou para a total não aplicação LévyBruhl 1990 Trotha 1982 Pitch 1982 47 As raízes da eficácia Como ciência empírica a sociologia do direito sempre man teve uma relação de indiferença se não de total desconfiança ou abertura em relação a qualquer abordagem avaliativa do estudo do direito A sociologia do direito de Geiger é nesse sentido um exemplo radical de que ao enquadrarse na corrente mais ampla do realismo evita fazer referências explícitas às diretrizes avalia Sociologia do DireitomioloP3indd 168 020822 1037 o problema da eFicácia 169 tivas gerais e busca delinear uma concepção sociológica da eficá cia ancorada o máximo possível na observação de fatos externos A referência sobretudo aos fatos à suposição de uma pers pectiva não prescritiva à aversão a qualquer visão distorcida das relações entre direito e realidade social não impediu no entanto que muitos sociólogos tentassem estudar e compreender atitudes avaliativas relacionadas ao direito que emergem dos diferentes se tores da sociedade e que são relevantes para explicar o complexo problema da eficácia da lei Para abordar esse aspecto da oferta teó rica da sociologia do direito serão consideradas algumas propostas que embora de maneiras diferentes e com objetivos diferentes vi sam a recuperação no tratamento do problema da eficácia dos pontos de vista avaliativos psicológicos ou antropológicos Vamos começar com um autor cuja importância como às vezes acontece é muito maior do que a sua sorte Leon Petrazycki 1955 antecipando as razões da Escola Uppsala tem o mérito indiscutível de ter tentado oferecer um quadro sociológico de fatores psicológicos relevantes para a explicação do comporta mento coletivo concentrandose em particular naqueles que fa vorecem a formação e a eficácia dos sistemas reguladores7 Ele tratou um fator específico chamado ajuste inconscientemente agradável que fornece uma adaptação filocêntrica direciona da à afinidade biológica uma adaptação sociocêntrica voltada para a sociedade e uma adaptação egocêntrica dirigida sobre tudo ao ego A adaptação filocêntrica leva em consideração o destino das espécies Isso motiva os pais a defenderem a vida de seus filhos por exemplo superando seu instinto natural de sobrevivência 7 Nesse sentido Petrazycki pode ser considerado precursor dos estudos sobre o comportamento coletivo ver Smelser 1963 Sociologia do DireitomioloP3indd 169 020822 1037 170 sociologia do direito do contrário o futuro da espécie estaria comprometido Esse tipo de adaptação estabelece uma conexão profunda e essencial entre a sociedade humana e outras sociedades como as sociedades animais que podem mostrar que possuem sob essa perspectiva uma base regulatória comum Pocar 1998 A adaptação sociocêntrica referese a um ponto de vista ex terno capaz de vincular um comportamento a um critério de avaliação superior Em geral a avaliação de um comportamento não é imediata nem evidente mas desenvolvida e refinada ao longo do tempo com base na experiência coletiva do grupo que gradualmente selecionará os comportamentos individuais a ser encorajados e incentivados e aqueles que em vez disso deverão ser desencorajados e reprimidos Se um indivíduo de uma tribo realiza uma série de atos que guardam certa semelhança como o assassinato de vários homens esses atos serão avaliados de for ma diferente pela comunidade se a vítima for membro da mesma tribo o ato será considerado crime e portanto passível de puni ção se a vítima pertencer a outra tribo provavelmente o ato será considerado heroico e portanto será recompensado Esse processo de seleção dos comportamentos a ser sancio nados ao mesmo tempo que tende a certo grau de abstração de verá servir de base para futuras decisões Não se limitará a uma esfera de racionalidade formalizada de forma asséptica e neutra mas provavelmente será confiado a uma espécie de contágio emocional que se espalhará dos tribunais a outros locais de agre gação social produzindo generalizações não apenas e não tanto baseadas na lógica mas instintivas contemplando assim os sen timentos predominantes e as trocas de experiências da cultura jurídica da comunidade Por fim a adaptação egocêntrica busca orientarse para as condições externas mais favoráveis ao indivíduo Ao tratar tal Sociologia do DireitomioloP3indd 170 020822 1037 o problema da eFicácia 171 adaptação Petrazycki também usa argumentos bastante seme lhantes aos que mais tarde seriam formulados com diferente sucesso por Pavlov No exemplo do cão educado para morar em apartamento que acaba se adaptando à vontade do dono sem entendêlo e portanto mistura associações racionais com ou tras que do nosso ponto de vista seriam irracionais evidenciase a importância dos reflexos adquiridos com base em experiências anteriores Esses reflexos podem fazer que o cão evite objetos que lembrem punição apenas porque o acompanhavam aleato riamente no passado sem nenhuma relação direta com isso Mais uma vez a estreita conexão e as claras semelhanças en tre o comportamento humano e o comportamento animal são aqui reiteradas O indivíduo ao tentar evitar punições e buscar recompen sas também utiliza processos de aprendizado que seguindo o esquema de tentativa e erro levam à generalização de regras de comportamento com base em reflexos condicionados Petrazycki parte da hipótese de que esses três tipos de adaptações podem produzir ações convergentes desenvolvendose uma consciência normativa comum Eles podem divergir pelo menos em parte e em relação a algumas questões mas neste caso as estratégias para atribuir taxas aceitáveis de eficácia às regras coletivas do grupo podem deixar nos indivíduos alguns resíduos emocio nais não absorvidos Para absorver ou pelo menos reduzir esses resíduos ao nível do agregado social dois sistemas jurídicos complementares de sempenham uma tarefa fundamental o direito e a moral Am bos se mostram capazes de impor aos indivíduos as normas que com persuasão mas não somente com isso são estabilizadas den tro deles A lógica norteadora não é o indivíduo e não é de todo excluída a existência de diferenças na maneira de avaliar os mes Sociologia do DireitomioloP3indd 171 020822 1037 172 sociologia do direito mos eventos tudo depende de a pessoa se colocar no nível do indivíduo ou do grupo social Por isso é necessário desenvolver um alto grau de socializa ção para viabilizar o desenvolvimento desse nível normativo su perior no qual a moral e o direito assumem funções diferentes mas convergentes Enquanto o direito busca criar um modelo de um cidadão humano com direitos e reivindicações a moral visa moldar os indivíduos que são capazes de assumir obrigações em nome de certos princípios enquanto o direito é dirigido a todos e lida com o comportamento da massa a moral voltase apenas para aqueles capazes de apreciála enquanto o direito pode usar instrumentos de sanção aplicáveis a todos os destinatários das normas em caso de violação e confia a um aparelho específico sua execução tendendo a unificar seus próprios preceitos a mo ral não considera tanto o que é feito quem faz ou como faz mas é flexível e não precisa de equipamentos de execução O direito é equiparado por Petrazycki à água indispensável e vital para toda a sociedade enquanto a moral seria uma espécie de champanhe não destinado a todos e apreciado por poucos Dentro desses limites a moral representa um importante apoio ao direito pois além de impor certos comportamentos a determi nados grupos de pessoas pode ajudálo a se impor em situações nas quais a resistência seria particularmente forte facilitando os processos de socialização e internalização de que necessita Com base nesses dois pilares regulatórios a sociedade é ca paz de selecionar por um lado através de uma infinidade de adaptações simpáticas e involuntárias aqueles comportamentos de maior ou menor risco contra os quais as ferramentas de con trole social podem ser utilizadas e por outro lado os comporta mentos úteis à sociedade mas não suficientemente difundidos que devem ser favorecidos com recompensas ou incentivos Ao Sociologia do DireitomioloP3indd 172 020822 1037 o problema da eFicácia 173 realizar tal seleção o direito pode ser apoiado pela moral tanto no que diz respeito à revisão dos deveres dos associados criando novos tipos de condutas distinguindo por exemplo assassinato de eutanásia quanto facilitar as sanções e aprimorar as motiva ções por exemplo fazer do trabalho um direito a ser exercido individualmente e não um dever Petrazycki conecta funções a esses diferentes aspectos da vida do direito a função organizacional que visa coordenar os comportamentos individuais a fim de garantir a ordem social e a função educacional que pretende alterar tanto os comporta mentos quanto as motivações e os impulsos que tornam o ho mem mais adequado à coexistência Esta segunda função está claramente destinada a fazer crescer sua importância em uma sociedade democrática na qual as liberdades devem ser gerencia das buscando o bem comum e portanto referindose a limita ções pessoais mesmo morais A ordem moral e o direito são ainda distinguidos um do ou tro por Petrazycki por outros critérios como o de serem positi vos ou intuitivos Em particular o direito pode ser positivo em um sentido mais amplo do que o normativismo de Kelsen ao incluir também os fatos normativos ou seja não apenas as nor mas individuais mas também os aparelhos e operadores jurídicos enquanto o direito intuitivo é o conjunto de deveres percebidos pelos indivíduos como tais independente dos aparelhos que de vem aplicálos Podese portanto dizer que o direito positivo en contra correspondência sobretudo na cultura jurídica oficial enquanto o direito intuitivo encontra correspondência princi palmente no direito informal O paralelismo no entanto é apenas tendencial para Petra zycki e admite situações intermediárias É possível ter um direito positivo e oficial quando um tribunal condena um réu com base Sociologia do DireitomioloP3indd 173 020822 1037 174 sociologia do direito em determinado artigo do código penal uma vez que nesse caso o direito é positivo pela sua referência a um fato jurídico e é oficial porque provém de um agente institucional mas também é possível ter um direito positivo e não oficial quando um árbi tro agindo como órgão não oficial escolhido pelas próprias par tes para fins de uma transação decide acerca de uma questão que pode ser considerada com todos os efeitos jurídicos Além disso é possível ter um direito intuitivo e oficial quando um tri bunal decide sobre determinado fato do direito não com base em uma norma do código mas aplicando o princípio geral que lhe permite no caso de uma lacuna regulatória decidir como se fos se o legislador ou mesmo um direito intuitivo e não oficial no caso de um indivíduo que deve fazer justiça a si mesmo porque nesse fato o código não é aplicado mas o autor do comportamen to a ser sancionado não estaria autorizado a agir dessa forma É evidente no entanto que além de casos particulares um direito efetivo deve ser não apenas oficial e positivo mas também pelo menos na medida do possível intuitivo Senão haveria conflitos em parte evidentes por exemplo quando um direito positivo fa lha em se impor a um direito intuitivo vinculado ao passado ou quando um direito intuitivo desafia um direito positivo que é incompatível com ele Após Petrazycki que no campo da ciência jurídica russa e polonesa no início do século passado produziu uma escola qua lificada ver Timasheff 1955 Adam Podgorecki 1974 1991 pro curou desenvolver uma concepção da eficácia do direito que em muitos aspectos se aproxima daquela de Geiger O autor consi dera que a relação entre norma e comportamento individual vai além de um esquema duplo em que A reconhece a afirmação de B dandolhe a coisa desejada Esse esquema na verdade em ge ral não depende de uma solicitação aleatória de B mas faz parte Sociologia do DireitomioloP3indd 174 020822 1037 o problema da eFicácia 175 de uma dupla relação que leva em conta quatro elementos a rei vindicação de B a A o reconhecimento da reivindicação de B por A os direitos que A com base no princípio da reciprocidade argumenta contra B e os deveres que B sempre com base na re ciprocidade deve reconhecer a A Somente com esse duplo vín culo institucionalizado as relações entre A e B poderão acontecer de maneira previsível e eficaz em ambos os lados A ideia é que o direito selecione através de processos de erro e correção os modelos de comportamento mais adequados para se tornar eficaz testados positivamente como funcionais à inte gração social capazes de fortalecer certos padrões de comporta mento e de garantir uma aceitação estável da sanção ou da recompensa De fato a eficácia de Podgorecki é resultado de um processo complexo no qual não entram apenas as variáveis psi cológicas A norma jurídica individual pode ter seus efeitos alte rados por diversas variáveis psíquicoindividual de subculturas jurídicas socioeconômicas Essas variáveis ao atuar em separa do umas das outras e seguir diferentes lógicas podem acabar produzindo não apenas maior ou menor eficácia mas também efeitos distorcidos e indesejados Daí o reconhecimento nos pas sos de Petrazycki de um direito intuitivo que atua diretamente sobre o comportamento capaz de reduzir distorções e aumentar a eficácia das normas jurídicas Podgorecki 1974 Também na linha de reconstrução das razões para a eficácia do direito baseada nos aspectos psicológicos do problema inse remse as contribuições de Hans Ryffel 1969 1974 A sociologia do direito de Ryffel possui um fundamento antropológico explí cito Seu ponto de partida é a tentativa de determinar a tarefa Aufgabe que o direito realiza na existência do homem Reconec tandose com as vertentes que remontam à antropologia alemã Ryffel concebe o homem como uma entidade com adaptabilida Sociologia do DireitomioloP3indd 175 020822 1037 176 sociologia do direito de plastisches Wesen capaz de mudar o próprio modo de exis tência de acordo com o ambiente em que vive e em particular de acordo com as possíveis alternativas de comportamento que são sempre superiores à capacidade de implementação que o am biente às vezes oferece ao indivíduo Ryffel faz uma declaração muito significativa A realidade humana é um conjunto de vá rias possibilidades de comportamento entrelaçadas de diversas maneiras ou seja de conteúdo cognitivo de valores de normas de convicções de sentimentos de disposições de projetos etc e a implementação de comportamentos ou seja comportamentos reais realizados em determinado mundo É portanto caracterizado por certa distância e tensão en tre o comportamento potencial e o real A existência do homem consiste na realização de possibilidades de comportamento que só foram reduzidas pela história das gerações anteriores e com as quais portanto o problema da escolha surge cada vez com maior urgência As possibilidades de comportamento a princí pio estreitamente ligadas ao comportamento atual se separam cada vez mais dele e se mostram individualmente para que se possa dizer que o homem vive cada vez mais nas possibilidades Ryffel 1974 pp 122 ss A escolha entre diferentes possibilidades de comportamento constitui o caráter específico do homem ibid p 134 e por tanto precisa ser regulada de alguma maneira Essa necessidade de regulamentação faz com que as normas assumam uma impor tância cada vez maior na medida em que as escolhas se tornam mais conscientes e portanto mais problemáticas Daí a impor tância inegável de normas dentro de sociedades complexas As regras são entendidas por Ryffel como aquelas possibilidades de comportamento em geral vencidas que configuram orientam a existência humana sem as quais isso não seria concebível Sociologia do DireitomioloP3indd 176 020822 1037 o problema da eFicácia 177 De acordo com as diferentes necessidades existenciais que regulam as normas podem ter um caráter mais ou menos abs trato Quando são gerais ou seja possuem alto grau de abstração e precisam de intensa atividade de concretização podese falar mais apropriadamente em fins diretrizes e critérios As diretri zes presentes em leis e instituições possuem um significado para a existência do homem e orientam a seleção de possibilidades de comportamentos em vista da tarefa que pertence a todo ser humano a autorrealização Selbstverwirklichung Isso não sig nifica que todo homem deva realizarse contra todos os outros pelo contrário tal autorrealização deve ocorrer em comunhão com os outros De fato já no grande número original de possibi lidades de comportamento é fundada a socialidade no sentido especificamente humano ou seja a possibilidade de conceber alternativas de comportamento que não sejam apenas individuais mas comuns a outros homens e que por meio da harmonização mútua também sejam capazes de dar origem a normas gerais Toda a sociedade é portanto entendida como um conjunto de normas nas quais a realização comum do homem é executada ibid p 129 O caráter comunitário da realização humana envolve a har monização das várias alternativas de comportamento e portanto inevitavelmente se refere a algum critério do direito richtig Sobre esse aspecto Ryffel é explícito O homem deve sempre fazer o que é certo essa necessidade nunca pode ser evitada por ele É claro que o conteúdo do que é certo às vezes se mostra problemático No entanto é possível identificar comportamen tos que precisam ser implementados ou devem ser evitados em qualquer situação Entre esses conteúdos normativos essenciais para uma convivência humana pacífica na qual pode haver uma espécie de conteúdo ético mínimo de qualquer ordem Ryffel Sociologia do DireitomioloP3indd 177 020822 1037 178 sociologia do direito menciona a proibição de matar indiscriminadamente no interior de determinado grupo e de impor a promiscuidade sexual Além de uma orientação geral para a justiça característica de todo ordenamento normativo os ordenamentos jurídicos são marcados pela sua eficácia As normas jurídicas são por tanto dotadas de eficácia Wirksamkeit Effektivität e justiça Richtigkeit Sua tarefa é estruturar a sociedade de acordo com critérios justos e efetivos enquanto a natureza específica do sistema jurídico é vista em um planejamento consciente orien tado para objetivos específicos da realidade social ibid p 132 O conceito de direito implica a validade jurídica justiça e a validade factual eficácia pois ambos os tipos de validades são pressupostos no trabalho dos juristas assim como a validade téc nicojurídica legalidade As três modalidades de validade nor mativas factuais técnicojurídicas não podem ser separadas mas podem ser integradas a um conceito de direito que captura a essência do fenômeno A referência na definição do direito a uma dimensão antropológica que supera tanto a perspectiva so ciológica quanto a jurídica permitiria manter a unidade do direi to e da sociedade evitando assim perder de vista o caráter interativo de seus relacionamentos e o sentido que eles têm para realizar o potencial existencial do homem ibid p 371 O processo de aprimoramento que a existência humana vi vencia surgindo possibilidades de comportamento cada vez mais numerosas e diversificadas em resposta à crescente diferenciação da sociedade humana marca o surgimento do direito como ins trumento de harmonização social No entanto vinculado a ele de maneira indissolúvel aparece o Estado entendido como um conjunto de instituições pessoais e materiais para a determinação e execução do sistema jurídico e para a realização das tarefas da comunidade Estado e direito fazem parte de uma política en Sociologia do DireitomioloP3indd 178 020822 1037 o problema da eFicácia 179 tendida como o conjunto de possibilidades direcionadas à criação e mudança do direito e do Estado Segundo Ryffel tal concepção do homem e a tarefa que o direito realiza na existência humana permite especificar o problema que a disciplina da sociologia do direito deve enfrentar É verdade que a difusão e o estreitamento das conexões entre direito e sociedade dificultam a definição de uma disciplina sociológicojurídica autônoma Podese falar de uma potencial onipresença da perspectiva sociológica na ciência do direito ibid p 167 Mas ao lado dessa sociologia do direito em sentido amplo Ryffel argumenta que também se pode legiti mamente falar em uma sociologia do direito no sentido estrito atenta aos aspectos sociais e culturais jurídicos O princípio da historicidade das representações dos justos leva no entanto à rejeição das concepções globais e dogmáticas do justo e à afirmação em seu lugar de uma atitude crítica in tersubjetivamente suscetível à discussão e ao controle Por meio dessa busca pelo justo que não abraça ideias preconcebidas mas propõe diferentes concepções de acordo com as diferentes situa ções históricas surgem alguns princípios agora estabelecidos de maneira duradoura em nossos sistemas jurídicos como os direi tos de liberdade e igualdade de todos os homens bem como os princípios de uma regulação da vida social baseada na tolerância e na compreensão das próprias concepções e dos homens sobre os justos A estrutura regulatória resultante exclui a violência pelo menos em princípio A solução dos conflitos ocorreria através da referência ao que é comum e pode ser encontrada nas diferen tes concepções dos justos apoiados pelas partes opostas ou atra vés da renúncia equilibrada de cada uma de suas reivindicações ou através da neutralização ou seja da suspensão do julgamento de questões de atrito maior e mais radical que comprometeriam Sociologia do DireitomioloP3indd 179 020822 1037 180 sociologia do direito de modo irreparável qualquer forma de coexistência O princí pio da relativa estabilidade dos sistemas jurídicos também exi ge que mesmo nos sistemas mais flexíveis e abertos à intervenção inovadora dos indivíduos o direito mantenha certa constância e resistência ao longo do tempo Essa condição é indispensável para que seja possível executar pelo menos até certo ponto a tarefa que ele realiza institucionalmente ou seja a estrutura estabilizado ra de uma sociedade Essa tarefa pelo contrário tem importân cia em sistemas regulatórios flexíveis Partindo da suposição de que a estabilidade dos sistemas ju rídicos se baseia em geral na necessidade de aliviar o homem da tarefa de regular cada caso de modo individual e de manter a mesma regulamentação em casos semelhantes que surjam sub sequentemente Ryffel salienta que a constante referência às nor mas gerais e os procedimentos estáveis na produção de novas regras permitem manter uma clareza indispensável na regulação das relações sociais Tudo isso explica a razão de os sistemas re gulatórios mutáveis também apresentarem uma tendência natu ral à autopreservação e de serem alterados apenas se houver motivos bem fundamentados para tal Isso nos leva à importante questão da distorção do direito Como o direito não deve apenas ser eficaz mas também justo tornase relevante identificar os fatores que o distorcem e fazem que deixe de ser justo Para resolver esse problema o autor parte do modelo regulatório de uma implementação do direito me nos distorcida Mas quais são os fatores que impedem a minimi zação da distorção ou a maximização da justiça em vários casos concretos Esses fatores de distorção do direito adquirem parti cular importância do ponto de vista sociológicojurídico quando dão origem a ideologias isto é complexos de ideias referentes à sociedade em sua totalidade portanto também aos sistemas Sociologia do DireitomioloP3indd 180 020822 1037 o problema da eFicácia 181 jurídicos estaduais refratárias a revisões baseadas em um co nhecimento mais próximo da realidade ibid p 363 A partir das diferentes ideologias no entanto é necessário distinguir a ideia transcendente dos justos que vários sistemas jurídicos concretos abordam afastandose de situações particu lares É a referência a essa ideia e não um simples apelo positivista aos fatos que permite ao homem estruturar a própria existência na comunidade de maneira responsável e significativa Ryffel sustenta que não pode haver justiça perfeita nem sociedade perfeita nem mesmo um direito que não seja distorcido até certo ponto O direito na verdade embora sempre permita o desen volvimento de alguns indivíduos ou grupos em certas direções inevitavelmente reprime e limita o desenvolvimento de outros indivíduos e grupos ibid p 376 Ryffel parte de um modelo regulatório baseado na hipótese de que normas jurídicas são livremente observadas por serem consideradas justas Essa hipótese típicaideal que não é encon trada na realidade é usada como referência para identificar os principais fatores perturbadores que repetidamente impedem sua efetiva realização Esses fatores são diferenciados por Ryffel em quatro grupos usando como critério o fato de se relaciona rem com as próprias regras métodos de comunicação e circula ção social das regras com o comportamento dos destinatários métodos de aceitação e fontes de justificativa para um compor tamento compatível com a personalidade dos destinatários por exemplo dados demográficos relevantes como idade sexo ocupação classe de pertença nível de educação ou atitudes ava liativas estruturas de caráter etc ou com o contexto em que os destinatários das normas operam por exemplo subculturas ju rídicas constelações econômicas etc ibid p 275 Em consequência e isto deve ser ressaltado Ryffel reduz ex plicitamente o papel da coerção como ferramenta para motivar Sociologia do DireitomioloP3indd 181 020822 1037 182 sociologia do direito os membros de um grupo a aceitarem o direito Além disso ele chama a atenção para outros tipos de sanções que assumem crescente importância inclusive no direito penal Esse desenvol vimento de sanções positivas se encaixa muito bem na concepção por ele proposta uma concepção que visa não apenas compreen der a tarefa defensiva do direito mas também a tarefa promocio nal que ele realiza através da identificação de uma série de possibilidades de incentivo a certos comportamentos Nesse sentido podese notar que todos os autores que abor damos neste capítulo Petrazycki Podgorecki e Ryffel além dos contextos em que se inserem convergem na tentativa de reduzir a importância do medo da sanção ou do interesse do indivíduo como razões de eficácia Além disso chamam a atenção para um direito que não é apenas do homem mas também para o ho mem que surge para Ryffel a partir de um sentido inato do di reito ou mais formalmente de um critério de reciprocidade Nesse contexto portanto entendese a insistência desses autores em sublinhar a importância das sanções positivas prêmios ou recompensas paralelamente ou no lugar das sanções negativas Esse é um aspecto relevante para a sociologia do direito pois pode ter implicações importantes em termos de política legisla tiva e faz parte de um campo da engenharia social capaz de utilizar até mesmo ferramentas não coercitivas para garantir a eficácia das normas No entanto é necessário distinguir o direito de recompensa do direito promocional No direito de recom pensa como no direito repressivo é perceptível a referência a uma perspectiva individualista o prêmio assim como a puni ção se refere à estrutura das necessidades e dos interesses indivi duais de seus destinatários Na lei promocional por outro lado há referência a uma perspectiva mais ampla que leva em conta não tanto os destinatários individuais da regra mas os efeitos que esse direito é capaz de produzir sobre todo o sistema Sociologia do DireitomioloP3indd 182 020822 1037 o problema da eFicácia 183 social Em resumo a função promocional pode ser verificada apenas referindose às reais consequências que o comportamen to desejado exerce dentro de um horizonte macrossociológico do qual quem adota certo comportamento nem sempre tem uma percepção adequada Febbrajo 1983 Facchi 1994 Fica evidente que tanto no caso do direito de recompensa quanto no caso do direito de promoção os efeitos relativos po dem ser realmente alcançados o primeiro na esfera individual o outro na social ou apenas desejados pelo legislador sem mesmo ser em parte realizados permanecendo apenas intencionais Se as distinções apontadas forem combinadas fica fácil per ceber e este é o ponto que queremos enfatizar que a correla ção recompensapromoção não é indissolúvel nem necessária De fato são concebíveis recompensas que possuem uma função de não promoção como defender o status quo por exemplo o direito que permite aos infratores assumir o papel protegido de penitentes e as sanções negativas capazes de desempenhar indiretamente uma função promocional por exemplo as pena lidades previstas para aqueles que obstruem a implementação de uma lei de reforma Tabela 5 Sanções positivas e negativas Perspectiva microssociológica indivíduo Perspectiva Macrossocio lógica siste ma social Tipos de sanções Racionalidade comparada ao valor Racionalidade comparada ao objetivo Sanção positiva Recompensa Incentivo Função promocional Sanção negativa Punição Desincentivo Função de controle Sociologia do DireitomioloP3indd 183 020822 1037 184 sociologia do direito A Tabela 5 ilustra a possibilidade de ambas as combinações sanções positivas individualmente com funções promocionais socialmente e sanções negativas individualmente com fun ções de preservação social socialmente Devese acrescentar no entanto que dependendo das dire trizes da política legislativa pode existir uma fase mais complexa predominantemente de recompensa e repressiva caracterizada por diferentes dimensões da sanção e por uma série de possíveis figuras intermediárias Black 1976 Além da visão do destinatá rio da norma a questão da eficácia também deve ser levada em conta na tarefa de reagir a possíveis violações a ela Tabela 6 Tabela 6 Dimensão da sanção Dimensão Objeto Problema Solução Repressiva Proibição Transgressão Punição Recompensa negativa Perdão Arrependimento Graça Restitutiva Obrigação Dívida dano Pagamento Terapêutica Uniformidade Desvio Correção Pacificadora Harmonia Conflito Conciliação Redistributiva Igualdade Disparidade Compensação Recompensa positiva Reconhecimento Conformidade Recompensa Promoção Invasão Indiferença Incentivo Como a atitude daqueles que devem obedecer está longe de ser única essa tarefa é particularmente sensível por uma série de fatores a quantidade incontável de regras que em princípio devem ser aplicadas a limitação relativa dos meios repressivos dis poníveis que deixa amplo espaço para fatores seletivos de condi Sociologia do DireitomioloP3indd 184 020822 1037 o problema da eFicácia 185 cionamento cultural e instrumental as dificuldades de aplicação e os possíveis efeitos negativos de determinadas regras a hete rogeneidade das políticas de controle prevenção e dissuasão adotadas de tempos em tempos De tudo isso verificase que a legalidade é de fato para os próprios operadores um valorlimi te que pode ser abordado com base em escolhas culturais especí ficas apenas de forma parcial e imperfeita Febbrajo La Spina Raiteri 2006 Compreensivelmente os profissionais podem ser levados a exercer as tarefas repressivas que lhes são confiadas de maneiras bastante diferentes de acordo com as diversas condições cultu rais Assim é possível limitar o rigor esperado nos casos em que há um envolvimento particular do infrator com a vítima por exemplo no caso de uma pessoa matar ou ferir um companhei ro ou em relação ao tipo de crime ou de infrator por exemplo crimes particularmente repugnantes ou minorias de risco pre sumido ou mesmo com relação ao tipo de medidas adotadas por exemplo uma reação mais fraca pode apoiarse na ideia de que não é possível contar com o apoio da opinião pública ou de su periores Também é necessário levar em conta as ferramentas disponíveis que variam nos sistemas jurídicos individuais e as diferentes articulações das forças policiais que podem atuar de diversos modos Apesar das diferenças locais no entanto o fato de estar na linha de frente e ter de gerenciar um confronto direto com o mundo do crime tem forte impacto nos métodos de intervenção da polícia exatamente da mesma forma que as diferentes funções desempenhadas no processo podem influen ciar estratégias e formas comportamentais dos operadores indi viduais Reiner 2000 Outras variáveis que podem ser relacionadas com aquelas já abordadas são as geracionais as geográficas e as ideológicas Sociologia do DireitomioloP3indd 185 020822 1037 186 sociologia do direito Além disso em muitos casos as intervenções sancionatórias só podem ocorrer mediante solicitação o que significa que uma sanção somente será efetivada se duas culturas a de denúncia e a de reação se cruzarem Nesse contexto o mecanismo de apli cação das normas se torna ainda mais complexo tanto que mui tos crimes não surgem no horizonte do aparato sancionador como no caso de estupro que impõe exposição pública indese jada à vítima Nesses casos é particularmente evidente a impor tância da combinação concreta de diferentes culturas jurídicas a dos operadores tendencialmente orientada para a aplicação da norma e a da vítima bem mais exposta às condições das nor mas sociais que muitas vezes podem ser travadas antes da re clamação Thomas 2000 A dificuldade em identificar uma estratégia de controle social ideal implica uma tendência a mudar de acordo com a situação das diferentes estratégias alternativas que podem ser combinadas umas com as outras uma estratégia genuinamente comprometi da com o controle solidário comum em pequenas comunidades e baseada na persuasão e na proximidade visa envolver várias ins tâncias para prevenir o crime e também apoiar psicologicamente as pessoas em risco Hughes Edwards 2002 uma estratégia orientada para um controle hierárquico baseado na adoção anô nima e impessoal de procedimentos rotineiramente organizados pode afetar além do indivíduo seu equilíbrio psíquico a ponto de anular sua resistência Althusser 1969 um exemplo literário dessa estratégia particularmente difundida em países sem ga rantias democráticas é encontrada em Kafka 2010 Nas diversas situações históricas é possível encontrar inú meras outras estratégias que ao longo do tempo diferem signi ficativamente no mesmo país É o caso dos Estados Unidos que com base em um sistema federal apresentam um quadro forte Sociologia do DireitomioloP3indd 186 020822 1037 o problema da eFicácia 187 mente divergente em termos da filosofia da punição como ocor re com a pena de morte nos estados Ao longo de sua história eles viveram diferentes fases de gerenciamento do crime varian do desde as mais drásticas formas de punição até aquelas inspi radas em uma maior humanização das ferramentas de reação O condicionamento cultural da maneira como operadores e cida dãos encaram esse aspecto sombrio e inevitável de qualquer so ciedade é extremamente complexo Qualquer sociedade pode ter vergonha do crime mas deve considerálo já que a multiplicação de prisões policiais ou magistrados não eliminará sua presença nem evitará como acontece em todas as guerras intermináveis qualquer contato informal ou negociação entre os dois lados em guerra No entanto o objetivo de reduzir os limites mínimos de criminalidade é alcançado por meio de programas de prevenção eficazes mas caros para os quais até um país como os Estados Unidos não possui fundos suficientes Friedman 1993 No que diz respeito à área obscura do crime da qual nenhu ma sociedade consegue se libertar por completo também é ne cessário adicionar outra área que pode ser considerada ainda mais oculta pois nela o olho do controlador oficial não consegue descansar os chamados submersos Tratase de um campo extremamente variado que pode contemplar as atividades bem intencionadas mas que por várias razões são consideradas incontroláveis É o caso da prostituição que muitas vezes é mo nitorada apenas de longe pressupondose que uma intervenção direta só poderia movêla tornandoa ainda mais inacessível ao contrabando Em certas situações pode ser considerada uma rede informal de segurança social devido ao duplo circuito de táxis e ao comércio abusivo que as partes interessadas estão dis postas a tolerar dentro de certos limites como as violações que pressionam a acusação compulsória que não implicam conse Sociologia do DireitomioloP3indd 187 020822 1037 188 sociologia do direito quências sociais mas permanecem limitadas à vida privada dos indivíduos Na vastidão de suas articulações cuja quantificação só pode ser presumida o submerso deve ser visto como uma ma neira de aumentar as capacidades seletivas de determinado orde namento excluindo das inúmeras possibilidades sancionadoras do direito positivo o que do ponto de vista da regulação social não é considerado provável que apareça na tela do direito formal do Estado Bettini 1987 Sociologia do DireitomioloP3indd 188 020822 1037 No capítulo anterior dedicado à eficácia do direito foi feita uma tentativa de estabelecer os limites dentro dos quais uma estrutura regulatória que pode ser chamada de contrafactual pode confiar nas ferramentas de controle que um sistema jurídico em geral pos sui uma vez que é destinada a lidar com os fatos sem ceder a eles Tais ferramentas são principalmente as sanções que com mais fre quência constituem penalidades negativas sanções negativas mas há também penalidades positivas sanções de prêmio e que conse guem exercer uma força de fiscalização sobre o comportamento dos destinatários No entanto as atitudes generalizadas e até mesmo avaliativas não devem ser negligenciadas pois além das sanções são capazes de justificar um consenso em relação ao ordenamen to ou às regras individuais e ainda influenciar a ação dos próprios operadores que se veem obrigados a reagir às violações Neste capítulo a perspectiva muda radicalmente Será ob servada a relação entre normas jurídicas e sociedade com ênfase na capacidade dos fatos de mudar as normas ou na capacidade das normas de aprender com os fatos Dessa forma será possível compreender como aconteceu a evolução do direito O fenômeno é extremamente complexo para uma análise sociológica A experiência histórica mostra que os impulsos da c a p Í t U l o 5 o problema da evolUção Sociologia do DireitomioloP3indd 189 020822 1037 190 sociologia do direito evolução do direito em geral provêm não tanto dos indivíduos ou do legislador mas de áreas da sociedade aparentemente distantes da legislação Portanto pode ser comparado ao caso da dinâmica dos eventos naturais em que o epicentro em geral localizado longe da área mais atingida pode causar efeitos violentos No caso das mudanças no direito a causa mais próxima não é neces sariamente a mais importante pois a energia que gera alteração pode produzir consequências significativas e indesejadas mes mo vindas de longe Isso explica por que é dada especial atenção à análise do problema da evolução do direito a partir de uma perspectiva sis têmica que o percebe como um conjunto de elementos com es treita relação uns com os outros e conectados com outros setores sociais parcialmente distantes A suposição de que nada é irrele vante mesmo o bater das asas de uma borboleta que pode origi nar consequências significativas em termos quantitativos tem o mérito de mudar o foco para fatores que não são visíveis de ime diato ampliando de maneira significativa o horizonte de pesquisa São inúmeras as hipóteses macrossociológicas funcionalmente básicas que procuram explicar o problema da evolução do direi to vinculando tipos relevantes de organizações no nível de toda a sociedade aos tipos de organizações relevantes no nível do di reito para demonstrar que ambos podem mudar de forma coor denada coevolução Uma importante hipótese macrossociológica desse tipo foi enunciada por Henry Sumner Maine 1861 Sua teoria evolutiva procura destacar as implicações de um movimento geral da socie dade do status ao contrato A dissolução gradual das conexões que em sociedades tendencialmente estáticas implica assumir posições sociais transmitidas pelo nascimento leva ao surgimen to de sociedades nas quais a dinâmica das relações está centrada Sociologia do DireitomioloP3indd 190 020822 1037 o problema da evolUção 191 nas relações contratuais e nos vínculos individuais independen te do status original A transição do status para o contrato é por tanto comparada com duas formas típicas de direito a primeira está enraizada na vida familiar e na propriedade da terra e é es sencialmente baseada no costume a segunda mostrase aberta à convergência de diferentes vontades no contrato e baseiase na ordem convencional de comércio e tráfego O modelo de transição do status para o contrato lembra a tese da diferenciação progressiva da sociedade que para Durkheim 1893 consiste na passagem de uma diferenciação predominan temente segmentar que caracteriza as sociedades compostas de uma pluralidade de agregados semelhantes famílias múltiplas tribos múltiplas clãs múltiplos etc a uma diferenciação funcio nal que caracteriza as sociedades compostas de uma plurali dade de agregados diferentes em que cada um deles tende a se tornar cada vez mais autônomo a fim de melhor desempenhar sua função Ambas as hipóteses macrossociológicas levam a um aumen to decisivo na demanda por regulação social Os símbolos gene ralizados da unidade social recorrentes nas sociedades baseadas no status ou diferenciados por segmentos perdem relevância enquanto os requisitos específicos de regulamentação adequada são multiplicados para contemplar os diferentes tipos de contra tos e as funções particulares deste ou daquele setor social Partindo em particular da hipótese de Durkheim de uma crescente diferenciação funcional a sociologia do direito con temporâneo desenvolveu uma abordagem para o problema da evolução do direito utilizando as ferramentas da teoria geral do sistema O problema fundamental a ser resolvido é a forma que permite combinar a mudança social e a manutenção da identida de do sistema ou seja os limites dentro dos quais um sistema Sociologia do DireitomioloP3indd 191 020822 1037 192 sociologia do direito como o jurídico pode experimentar até mesmo mudanças pro fundas sem perder sua identidade Se no caso dos indivíduos o conceito de identidade apesar das constantes mudanças relacio nadas ao crescimento e à velhice consegue manter limites claros e indiscutíveis isso não ocorre no caso de um sistema cujos limi tes não são concretos mas que é delimitado por critérios estabe lecidos pelos próprios sistemas de acordo com suas necessidades funcionais1 Niklas Luhmann merece especial menção entre os autores que adotam uma abordagem sistêmica Em seus muitos escritos que buscam com um termo inovador temáticas dos pa radoxos da evolução Luhmann 1972 1981 1993 o conceito de sistema social está indissociavelmente conectado ao conceito de direito e é visto como a principal referência para uma evolu ção aberta e imprevisível O sistema social apresentase como um conjunto de elementos interrelacionados que para sobrevi ver em um ambiente complexo incontrolável e variado precisa desenvolver uma complexidade interna adequada determinada pelos diversos subsistemas dos quais é composto e pelas relações entre eles Nesse contexto de relações externas o sistema social exige a presença decisiva de um subsistema jurídico cujas fronteiras são estabelecidas pela cultura jurídica interna semelhante ao que a cultura econômica faz com o sistema econômico Para isso a co dificação binária típica no caso do direito legalilegal de acor do com a leinão de acordo com a lei no caso da economia rico pobre útilinútil é necessária para traçar os limites de signifi cado do sistema As reivindicações de pureza uma vez vigoro samente apoiadas por Kelsen podem ser de novo propostas de 1 Em geral sobre a teoria dos sistemas aplicada ao direito ver Canaris 1969 Damm 1976 Villas Bôas Filho 2006 Lima 2012 Gonçalves 2013 Guerra Filho 2011 Sociologia do DireitomioloP3indd 192 020822 1037 o problema da evolUção 193 uma maneira mais sofisticada e fundamentada na sociologia Dado que o problema da evolução é crucial em uma perspectiva sistêmica não é de surpreender que no trabalho de Luhmann seja abordado em três estágios diferentes cada um levando em consideração os fatores de mudança no sistema decorrente de seu interior de seu exterior e de ambas as faces Em particular essas fases referemse respectivamente aos fatores sociais que podem pressionar o direito a mudar si mesmo a fim de continuar realizando suas tarefas espe cíficas razões de evolução aos mecanismos do direito que como os procedimentos são capazes de produzir inovação mesmo em um quadro de continuidade ferramentas de evolução aos canais que permitem ao subsistema jurídico selecionar e traduzir internamente e em seu próprio idioma todos os pedidos de renovação provenientes da sociedade filtros da evolução 51 As razões da evolução Entendido como um subsistema do sistema social mais am plo o direito como qualquer subsistema em um organismo vivo é chamado a garantir benefícios ligados à sua própria evolução e à evolução do sistema social do qual o subsistema jurídico faz parte Com suas estruturas regulatórias ele realiza um desempe nho evolutivo essencial que consiste em fornecer critérios de orientação generalizados para os atores sociais A evolução do direito é o resultado de um processo mais amplo que envolve to dos os subsistemas sociais e cada um deles deve se adaptar à complexidade do ambiente e portanto dos outros subsistemas Assim é possível afirmar que a evolução é resultado de um pro cesso geral de adaptação mútua dos subsistemas e que nenhuma Sociologia do DireitomioloP3indd 193 020822 1037 194 sociologia do direito parte do sistema social a partir do direito pode escapar comple tamente dele mesmo se os níveis de condicionamento são muito diferentes Luhmann 1993 pp 239 ss Em um sistema como acontece em um corpo dágua qual quer movimento se espalha para toda a sociedade e o direito não pode permanecer indiferente a essas conexões Usando o exemplo de Luhmann se os nômades domam o cavalo eles adquirem uma superioridade de guerra que pode mover outros povos a construir fortificações e aceitar uma organização política estável com con sequências também no campo do direito Em suma a partir de uma técnica relacionada a um setor de atividade limitado podem surgir consequências difusas possivelmente também relevantes para o direito Mas para identificar essas interrelações e as con sequentes mudanças na esfera jurídica devemos primeiro nos perguntar Por que uma lei é necessária em um sistema social em evolução Ou de maneira mais geral Por que ainda há a necessi dade de regulação em um sistema social Luhmann 1972 p 114 Em resposta a essa pergunta Luhmann descreve alguns me canismos elementares que levam os sistemas sociais a perceber e satisfazer em sua evolução uma demanda fundamental por re gulação Em primeiro lugar as estruturas regulatórias para o autor funcionam conectadas ao conceito de possibilidade ibid pp 29 ss Como vimos no sistema humano o sistema sociedade é capaz de perceber apenas de modo parcial as possibilidades ofe recidas pelo ambiente Além disso a situação existencial do sis tema humano tem como ponto de partida um potencial muito limitado para a percepção atual e consciente do ambiente Há por tanto um desequilíbrio significativo entre as inúmeras possibi lidades de experiência e ação oferecidas ao indivíduo pelo mundo em que ele vive e o limitado potencial de experiência e ação que ele organicamente possui ibid p 26 Sociologia do DireitomioloP3indd 194 020822 1037 o problema da evolUção 195 O caráter fundamental da complexidade do mundo deriva dessa desproporção entre as possibilidades oferecidas pelo am biente e a capacidade de implementar o sistema A complexidade é nesse sentido um excesso de possibilidades com que todo in divíduo ou sistema social inevitavelmente depara A complexidade do mundo deve portanto ser reduzida e essa redução não pode ser deixada ao acaso pois é necessário garantir que o sistema embora menos complexo e portanto mais improvável do que seu ambiente ainda seja capaz de sobre viver Para isso há sobretudo um caminho a percorrer o siste ma deve transformar a complexidade externa em complexidade interna de acordo com o princípio fundamental geral de que quanto maior a complexidade interna de um sistema maior a porção do mundo que ele consegue captar e quanto mais dife renciadas as suas respostas maiores as suas chances de sobrevi vência Ashby 1956 Pannarale 1988 A estratégia de adaptação interna à complexidade externa é alcançada através do desenvolvimento de estruturas Nessa perspectiva a estrutura é o mecanismo utilizado para selecio nar uma gama estreita de possíveis alternativas comportamen tais a fim de possibilitar a formação de expectativas Luhmann 1972 p 40 A estrutura deve portanto utilizar critérios que garantam certa previsibilidade filtrando de todos os eventos abstratamente possíveis o conjunto mais estreito daqueles que provavelmente serão realizados Apenas esses eventos podem ser objeto de expectativas Nesse sentido do ponto de vista de um sistema social e de um sistema individual a estrutura serve para reduzir a quantidade de decepções que a complexidade do mundo pode causar Um importante exemplo de estrutura de certa forma análo ga ao direito é a linguagem Por si só ela oferece grande número Sociologia do DireitomioloP3indd 195 020822 1037 196 sociologia do direito de possibilidades de expressão e portanto insere aqueles que a utilizam em um processo de seleção articulada Depois de fazer uma primeira seleção limitando as inúmeras possibilidades de articulação de sons que o sujeito comunicante possui a lingua gem permite que nesse campo convencionalmente definido e portanto suscetível às expectativas ele possa selecionar ainda mais os sinais e sons a utilizar em seus discursos Em suma a lingua gem como tal completa uma dupla seleção de alternativas possí veis selecionando em uma primeira fase o que os indivíduos deverão escolher em diferentes situações em uma segunda fase Essa complexa operação de seleção detalhada pode ser ga rantida por qualquer estrutura A presença de estruturas tanto para a sociedade quanto para o indivíduo reduz mas não exclui a probabilidade de que as expectativas não sejam atendidas O mundo na verdade além de complexo é contingente O termo contingência referese precisamente à possibilidade de que eventos prováveis do ponto de vista de determinada estrutura não se materializem ou ocorram de modo diferente do esperado Em particular há dois tipos de contingências a chamada contin gência simples serve para indicar a insegurança na realização de expectativas em relação a eventos físicos ou em qualquer caso independentes da vontade humana já a chamada contin gência dupla referese às relações entre sujeitos capazes de pre ver seus comportamentos e serve para indicar a insegurança de atender às expectativas relacionadas a eventos dependentes da vontade de outros ibid p 24 Esse segundo tipo de contingência é naturalmente o mais relevante para um estudo sociológico do direito Envolve por um lado a antecipação das perspectivas de outros assuntos e portanto uma enorme expansão da capacidade da experiência individual mas por outro lado implica também o reconheci Sociologia do DireitomioloP3indd 196 020822 1037 o problema da evolUção 197 mento da liberdade dos outros e portanto maior probabilidade de decepção em relação às expectativas Em outras palavras o preço que você tem de pagar para passar do simples contingen ciamento do campo da percepção de objetos ao duplo contin genciamento do mundo social é um aumento significativo da insegurança e o sistema social responde a ele com a constituição de estruturas de expectativas mais complexas de segundo e ter ceiro nível expectativas de expectativas e assim por diante ibid p 33 O objeto de uma expectativa sociologicamente rele vante não pode ser um fato simples mas a expectativa que outro sujeito tem em relação a determinado fato Tudo isso pode parecer excessivamente complexo mas na realidade é fácil alcançar um nível de reflexividade das expecta tivas mesmo no cotidiano2 Assim de acordo com o exemplo de Luhmann é possível que uma esposa suponha que seu marido ao retornar do trabalho à noite espere um simples jantar frio segundo nível além disso é possível que o marido terceiro ní vel conheça essa expectativa da sua esposa e portanto sabe que se exigisse um jantar quente ela realizaria uma ação inesperada e poderia até prever as consequências de tal ação No entanto se um triplo nível de expectativas for facilmente alcançado nas relações sociais será perceptível o quanto é neces sário para a estabilidade das expectativas sociais garantir a pos sibilidade de um entendimento entre os sujeitos e estabelecer as ferramentas eficientes para fortalecer a coesão social É claro que quanto mais complexas as estruturas de expectativa maio res as possibilidades de erros e malentendidos quando compa radas com as estruturas mais simples Luhmann 1969 p 33 Os 2 Lembremos aqui que o exemplo se remete ao cotidiano vivenciado por Luh mann e por tal motivo a um modo de viver não mais condizente com a realidade dos dias atuais Sociologia do DireitomioloP3indd 197 020822 1037 198 sociologia do direito elementos fundamentais da estrutura teórica aqui descritos po dem ser resumidos no diagrama mostrado na Figura 6 Conceito elementar Qualidade mundial Complexidade Redução Contingência Estabilidade Problema no sistema Resposta do sistema Figura 6 Função da estrutura social POSSIBILIDADE ESTRUTURA Observase que os pressupostos teóricos indicados não ex cluem a possibilidade de decepções Para Luhmann as estruturas das expectativas são tipicamente expostas à decepção É preci samente a partir disso que um impulso importante pode surgir para a correção das estruturas e portanto para sua evolução De fato é possível reagir à decepção quanto a uma expectativa usan do duas estratégias corrigir a expectativa não atendida para se adaptar à realidade estratégia cognitiva ou manter firme a ex pectativa mesmo no caso de decepção estratégia regulatória Estratégias cognitivas e regulatórias são funcionalmente equiva lentes o que significa que ambas podem desempenhar ainda que de maneira diferente a mesma função de neutralizar os riscos de correntes de expectativas não atendidas Essa intercambialidade é uma importante vantagem para o sistema que pode adotar suas estratégias de forma alternativa ou simultânea em diferentes situações o que faz aumentar sua fle Sociologia do DireitomioloP3indd 198 020822 1037 o problema da evolUção 199 xibilidade em relação ao ambiente Dependendo da importância e do significado da expectativa não atendida podem prevalecer os requisitos cognitivos de adaptação à realidade ou de manuten ção da expectativa Isso não significa que entre as duas estratégias a regulamen tação seja muito mais fácil de usar em um mundo incerto Se hou vesse apenas a possibilidade de assumir uma atitude cognitiva que permitisse um aprendizado constante seria difícil suportar no longo prazo a carga pragmática contínua voltada para a produ ção de variações que isso implicaria Uma atitude exclusivamente cognitiva em princípio só pode ser institucionalizada e generali zada em relação a campos específicos como o da ciência A ação regulatória por outro lado tanto no sistema humano quanto no da sociedade pode se estender a um campo de aplicação muito mais amplo Ser capaz de classificar o comportamento das expec tativas como desviante encontra segurança nessa possibilidade já no presente Luhmann 1972 p 129 Além disso por meio dessa estabilização de expectativas o número de ações que podem ser coordenadas entre si e portanto o número de ações socialmente possíveis destinadas a não decepcionar podem ser aumentados de acordo com o necessário O argumento até agora segue a linha adoção de estruturas regulatórias aumento da capacidade redu tiva do sistema aumento da estabilidade interna do sistema e sugere a hipótese de que com a evolução do sistema as normas assumem cada vez maior importância como instrumentos de orientação e coesão social Luhmann 1969 p 30 Um passo decisivo para alcançar aquelas estruturas regu latórias específicas que são as estruturas jurídicas é dado por Luhmann ao distinguir como acabamos de ver estruturas de ex pectativas normativas de estruturas de expectativas cognitivas em um contexto mais amplo Essa distinção baseiase em uma Sociologia do DireitomioloP3indd 199 020822 1037 200 sociologia do direito dimensão temporal à luz da qual as estruturas cognitivas são mais instáveis ao longo do tempo ao passo que as regulatórias são mais estáveis pois não podem ser corrigidas após experiên cias diferentes A não correção das estruturas regulatórias re quer a disponibilidade de estratégias voltadas para a produção de consenso e a absorção das inevitáveis decepções a fim de garan tir a defesa das expectativas em qualquer caso Para ilustrar essas estratégias que podem ou não ser sancio nadas Luhmann utiliza o exemplo de um compromisso perdido Se tenho um encontro com um amigo no bar e o encontro não acontecer ficarei decepcionado não apenas no que diz respeito a minhas expectativas cognitivas mas também às normativas De fato a pontualidade tendencial é uma obrigação socialmente reconhecida Dessa forma é necessário um tratamento da de cepção e por isso inúmeras estratégias não sancionatórias estão disponíveis como reclamar ao garçom eou a todos os presentes buscando a confirmação do princípio da pontualidade violada ou a estratégia de continuar esperando na suposição de que mais cedo ou mais tarde o amigo chegará para causar na magnitude do dano sofrido maior ressonância à violação da norma Ade mais também é possível canalizar a decepção sempre de forma não sancionatória ignorando a violação da lei e portanto não tomando conhecimento dela Tal estratégia pode ser chamada de fingir não ver e tem uma dupla vantagem protege a norma de diferentes informações que a colocam em questão e ao mesmo tempo protege aqueles que se decepcionam com a necessidade de reagir Luhmann 1972 p 49 Comum a todas essas estraté gias é o ato de simplesmente tentar restaurar o caráter regulató rio das expectativas não atendidas sem causar consequências desagradáveis para o infrator Além de uma dimensão temporal as estruturas das expectativas também possuem uma dimensão Sociologia do DireitomioloP3indd 200 020822 1037 o problema da evolUção 201 social que diz respeito à sua capacidade de alcançar um consen so em determinado grupo humano Luhmann ressalta que a atenção de cada membro do grupo limitase à pluralidade de comportamentos socialmente relevantes Isso torna quase im possível para um ator ter sempre todos os outros subordinados a ele como espectadores a menos que se trate de situações excep cionais ou grupos em que todos conhecem todos ou eventos em que como nos escândalos atraem muito a atenção do grupo Daí a necessidade de mecanismos para formar consenso no interior do grupo ibid p 50 Esses mecanismos objetivam não obter um consentimento inatingível para todos mas considerar o consentimento não expresso como se fosse expresso Esses me canismos levam à institucionalização do consenso ou seja à superestimação da consistência numérica real dos julgamentos favoráveis a fim de tornálos expressão fictícia da vontade de todo o grupo Um mecanismo de institucionalização do consenso é cons tituído pelas manifestações em massa o consenso visível dos presentes neste caso é usado para simbolizar o consentimento invisível dos ausentes A institucionalização também é possível no sentido antitético quando a inatividade política crônica de parte do grupo é considerada unilateralmente uma manifestação de uma dissidência tácita da maioria em relação às estruturas de po der em vigor o argumento da chamada maioria silenciosa A terceira dimensão das estruturas das expectativas não diz respeito nem à dimensão temporal e portanto à sua duração nem à dimensão social e portanto ao consenso que elas são capazes de despertar mas sim à identificação do seu conteúdo Limitada às estruturas de expectativas normativas nem é neces sário ressaltar que elas apresentam diferentes níveis de abstração com base nos quais seu conteúdo pode ser determinado Cada Sociologia do DireitomioloP3indd 201 020822 1037 202 sociologia do direito um desses níveis possui características particulares e a escolha de um deles visa atender certas necessidades ambientais Por exemplo uma norma muito concreta pode ter o defeito de limi tar em excesso sua capacidade de aprendizado enquanto uma norma abstrata demais pode impedir seu destinatário de fazer esforços efetivos para alcançála Dependendo do grau de abstração exigido uma norma pode se referir a pessoas papéis programas valores ibid p 27 Caso as expectativas regulatórias se relacionem a uma pessoa elas permanecerão em um nível tão concreto que não poderão ser generalizadas Portanto fica claro que esse tipo de identifica ção do conteúdo das regras é de particular importância em pe quenos grupos nos quais a interação entre os diversos membros permite o conhecimento direto e portanto uma referência às expectativas do indivíduo Por outro lado se forem necessárias expectativas regulatórias mais abstratas elas poderão se referir a determinada função ou seja poderão ignorar caracteres indivi duais levando em consideração apenas os caracteres típicos que entram na definição da função Os papéis na verdade são conjuntos de expectativas não destinadas a certos indivíduos mas apenas à sua posição social Um aumento adicional na abstração é alcançado ao referirse a um conjunto de expectativas regulatórias de determinado pro grama ou seja a uma estrutura de decisão formulada em ter mos gerais e cujas condições de aplicação são especificadas de acordo com a situação O programa ao contrário de uma regra tem a capacidade de ampliar ainda mais a margem de discrição do destinatário deixando a ele a tarefa de especificar certas va riáveis por exemplo os meios a serem utilizados através de cer tos propósitos ou os propósitos a serem determinados através dos meios Sociologia do DireitomioloP3indd 202 020822 1037 o problema da evolUção 203 Finalmente um aumento adicional na abstração ocorre se um conjunto de expectativas regulatórias se relaciona com de terminados valores Ao contrário dos programas os valores têm relações uns com os outros que não são fixadas de maneira defini tiva mas podem variar em caso de conflito resultando em fato res que não são exclusivamente determináveis Nessa perspectiva os valores são pontos de vista que em si mesmos não especificam quais ações devem ser preferidas apenas oferecem indicações de prioridades em grande parte indeterminadas e com diferentes interpretações ibid p 88 O conteúdo sobre o tamanho das es truturas de expectativas pode ser resumido como no esquema apresentado na Tabela 7 Tabela 7 Dimensões das estruturas de expectativas Dimensão das expectativas Aspecto relevante Mecanismo de controle típico Temporal Duração Normalização Social Consentimento Institucionalização Material Conteúdo Abstração Nesse diagrama parece que essas três dimensões permitem compreender mais amplamente aspectos das estruturas das ex pectativas e os mecanismos sociais a elas associados Juntos es ses mecanismos aparecem como instrumentos de generalização ou seja como instrumentos que servem para tornar as estrutu ras das expectativas indiferentes a determinadas variações da realidade social Assim a normalização dá continuidade a uma expectativa independente de os indivíduos estarem momenta neamente decepcionados a institucionalização assume consen Sociologia do DireitomioloP3indd 203 020822 1037 204 sociologia do direito so geral independente de os indivíduos discordarem uns dos outros a abstração garante unidade de significado e coesão às expectativas independente de sua heterogeneidade real O fato de que todos os mecanismos vistos podem ser considerados me canismos de generalização no entanto não garante sua consis tência em todas as situações Por exemplo é possível supor que em determinada sociedade o mecanismo de padronização fun cione além da sua capacidade real de institucionalizar o consen timento das normas em determinada situação E é justamente diante da possibilidade de tais desequilíbrios que surge a necessidade de um sistema jurídico interno à socie dade que possa garantir o funcionamento harmonioso dos me canismos de generalização de expectativas Assim o direito pode ser definido como a estrutura de um sistema social cuja função consiste na generalização congruente das expectativas normativas de comportamento entendendose generalização congruente como a maneira de integrar o sistema social de modo que permita a padronização a institucionalização e a abs tração de operar de forma mutuamente compatível com o mes mo conjunto de expectativas ibid p 94 Essa tarefa do direito não é de forma alguma simples e deve necessariamente ser realizada de maneira diferente em situações históricas diferentes Portanto o direito deve necessariamente evoluir para poder enfrentar os problemas relacionados à diferen ciação funcional que a própria sociedade produz Luhmann acre dita que o constante aumento da complexidade da sociedade tem efeitos significativos sobre os sistemas individuais dos quais é composta já que provoca o fortalecimento simultâneo dos três mecanismos necessários para a evolução de sistemas complexos os mecanismos que servem para produzir novas possibilidades de ação e experiência os mecanismos utilizados para selecionar pos Sociologia do DireitomioloP3indd 204 020822 1037 o problema da evolUção 205 sibilidades utilizáveis e rejeitar as inutilizáveis os mecanismos que servem para preservar e estabilizar as possibilidades escolhidas O processo evolutivo desse modo parece envolver em uma investigação mais aprofundada uma espécie infindável de avan ços do direito em relação à sociedade uma vez que o sistema que atingiu um nível mais elevado de complexidade interna também é capaz por essa mesma razão de perceber e portanto identificar como um problema uma maior parcela da complexidade am biental Da mesma forma se você aumentar o cone de luz a cir cunferência da sombra circundante também aumentará mais luz não deixa de produzir mais sombra Então a pergunta que deve ser feita nesse contexto é se o sis tema jurídico é capaz de acompanhar o aumento geral da comple xidade ou atender aos limites do aumento da sua complexidade interna e portanto se deve reagir ou isolarse do processo de mu dança social ou dar lugar a outros sistemas com maior elastici dade estrutural Essa evidentemente é uma questão central para uma teoria da evolução do direito Por um lado há aqueles que teorizam das mais diversas formas o inevitável declínio do di reito além de certo nível de complexidade social por outro lado outros acreditam que o direito pode aumentar ainda mais sua complexidade realizando novas tarefas como de planejamento e promocionais bem como tarefas coercitivas tradicionais A res posta de Luhmann é no sentido de admitir uma constante adap tação da complexidade interna do sistema jurídico à crescente complexidade externa produzida pela diferenciação funcional Vamos ver a seguir como ele chega a tal solução 52 As ferramentas evolutivas A capacidade evolutiva do direito pode ser multiplicada com o uso de mecanismos jurídicos que mantendo sua regulamenta Sociologia do DireitomioloP3indd 205 020822 1037 206 sociologia do direito ção característica são projetados para produzir com a contri buição de fatores externos resultados imprevisíveis capazes de inovar o direito Segundo Luhmann isso é possível sobretudo através do procedimento Para o autor o termo procedimento referese não apenas ao direito processual mas a qualquer sucessão juridicamente re levante de atos com desfecho incerto Além do processo judicial também as eleições políticas o processo legislativo os processos decisórios da administração pública são exemplos de processos Em suma embora o procedimento em geral seja definido enfati zando acima de tudo o aspecto da sucessão ordenada dos atos que o compõem ele pode ser compreendido de modo mais adequado quando considerado uma espécie de sistema social que em ní veis relativamente avançados de desenvolvimento desempenha a função particular de produzir decisões imprevisíveis e vincula tivas para o futuro e que são de alguma forma inovadoras Assim como todos os sistemas sociais o procedimento tam bém é constituído pela delimitação de limites para um ambiente Ou seja o que é válido no mundo não se aplica ao processo mas deve ser introduzido através de filtros específicos Historicamen te houve uma mudança constante nos filtros que regem a entrada de informações no processo Exemplos desses filtros podem ser para o processo judicial por um lado o julgamento de Deus que confia a decisão final a um único evento por outro lado o pro cesso moderno no qual inúmeros critérios de relevância cons tantemente exigem que o juiz desconsidere tudo o que não é importante para o julgamento As partes portanto são obriga das a deixar de fora do processo qualquer outro papel social que possam desempenhar A incerteza do resultado é absorvida no decorrer do próprio procedimento por meio de um processo se letivo de tomada de decisão capaz de se legitimar Sociologia do DireitomioloP3indd 206 020822 1037 o problema da evolUção 207 A teoria oculta do procedimento evidencia que as inovações são produzidas através de decisões aceitas pelas partes interessa das mesmo que não totalmente previsíveis Essa teoria baseiase no fato de inserir o indivíduo em um conjunto coordenado de pa péis internos ao processo e dessa forma conseguir pressionálo a aceitar as decisões finais produzidas independentemente do seu conteúdo e das motivações pessoais dos atores individuais Segundo Luhmann esse resultado é alcançado ao transformar o conflito regulatório que constitui o objeto real do procedi mento em uma questão cognitiva ibid p 27 Uma coisa julgada deve necessariamente ser aceita pois não há mais possibilidade de alterála ou ignorála A aceitação no entanto significa algo mais ou seja manifesta que o ressentimento e as decepções que podem resultar de uma sentença desfavorável não são institucio nalizados mas permanecem confinados a um nível privado sem ganhar a relevância dos conflitos sociais Se aquele que perdeu a causa tenta socializar a própria decepção assume a posição de desajustado o queixoso seu comportamento é considerado es tranho e desviante pois é o resultado de uma recusa em aprender a adaptar as expectativas de alguém ao resultado do julgamento ibid p 128 Para que o resultado do processo seja aceito é necessário portanto desenvolver estratégias voltadas para o envolvimento da parte Essas estratégias baseiamse sobretudo no princípio da coerência responsável pela regulação das interações sociais ibid p 129 Esperase portanto que todos os afiliados demonstrem certa medida de coerência na representação de si mesmos como base de orientação e como premissa para a interação social de ma neira duradoura Assim por exemplo aqueles que se apresentaram como não fumantes certamente não podem começar a fumar No processo essa expectativa social que permanece consistente exerce pressão significativa sobre as partes vinculandoas Além Sociologia do DireitomioloP3indd 207 020822 1037 208 sociologia do direito disso mesmo as funções processuais assumidas apenas uma vez obrigam à consistência e limitam as variações disponíveis sem perder a identidade adquirida É evidente que para que a parte se sinta vinculada a uma continuidade de autorrepresentação ela deve se sentir livre em suas afirmações Nesse contexto as garantias processuais favo recem a vinculação da parte ou seja sua responsabilidade não seria assumida caso não pudesse decidir sobre seu comporta mento e suas escolhas Dessa maneira o ônus de assumir pelo menos de forma implícita uma atitude de aceitação em relação ao resultado final é dispensada antecipadamente Aqueles que aparecem acorrentados e falam sob chicotadas dizem ao mesmo tempo que suas afirmações não dependem deles ibid p 130 e podem portanto se desvincular do que foi dito ou feito durante o julgamento Mas se não for esse o caso uma retratação tardia parece difícil de justificar O processo cerimonial também é um importante meio de envolver a parte Ele desempenha a função de vincular progres sivamente o comportamento dela como uma cadeia de promes sas e isso é feito não apenas por meio de seus atos verbais que transformam o comportamento das partes em história do pro cedimento e portanto em uma restrição para elas próprias mas também através do clima do julgamento A cena e o cerimonial do debate tornamse assim produtores de normas e às vezes podem ser transformados em uma armadilha para as partes que não querem se comprometer a tal ponto Aqueles que percebem que não podem prever as consequências de uma participação ati va são portanto induzidos a planejar estratégias de desengaja mento ou mesmo a silenciar a última tentativa de escapar de alguma forma das implicações simbólicas para o significado vin culante de sua presença ibid p 131 Sociologia do DireitomioloP3indd 208 020822 1037 o problema da evolUção 209 Tudo isso se aplica tanto ao tribunal quanto aos demais par ticipantes do processo para os quais não deve se manifestar um preconceito social que possa desacreditálos em seus outros papéis além daqueles que constam no processo A incerteza do resultado do processo deve ser mantida e deve justificar visivel mente a ação de acordo com o papel Se o resultado já fosse claro a priori o procedimento seria rígido em um cerimonial organizado formalmente ibid p 126 No entanto não se pode desconsiderar que o processo algu mas vezes leva aqueles que estão enganados a entendêlo e pode disponibilizar um acordo àqueles que conhecem seu direito Entretanto nem produzir nem reconhecer erros constitui a ver dadeira ideia de informação ou mesmo a função latente do pro cedimento do sistema O processo é por si só capaz de inovar e isso se deve justamente à sua característica de poder processar informações vindas de fora por conta própria tornandoas vin culativas Mas podese perguntar quais são as condições para que isso aconteça Luhmann ressalta que o procedimento se limita ao mundo exterior ao nível dos temas e papéis já que a receptividade dos sistemas sociais em relação às inovações jurídicas depende de as interdependências entre os diversos subsistemas não ser muito altas Se tudo dependesse de tudo e não houvesse filtros interme diários entre um sistema e outro a dispersão das consequências de uma decisão seria muito alta e portanto seria quase impos sível produzir efeitos direcionados Entre os fatores que em um sistema social diferenciado são capazes de interromper as rea ções em cadeia causadas por uma inovação jurídica e canalizar seus efeitos está a capacidade dos sistemas de se autorregular reagindo com estratégias específicas a mudanças específicas Tor nase assim possível limitar o trabalho de um hipotético engenhei Sociologia do DireitomioloP3indd 209 020822 1037 210 sociologia do direito ro social impedindo que no momento da inovação do direito se pense e deseje alcançar além ibid p 134 Luhmann aborda também outros processos paralelos aos judiciais Em relação ao processo legislativo ele observa que o programa de tomada de decisão não é o condicional se en tão mas um programa de propósito Isso leva a um aumento na tomada de decisões que neste caso é mantido dentro de limites aceitáveis graças a uma estrutura dupla na qual operam em con junto tanto os procedimentos parlamentares formalmente pre tendidos com deliberações finais adotadas por maioria quanto os arranjos decisórios concretos nos quais as relações pessoais e informais estão entrelaçadas Quanto aos destinatários das deci sões eles podem aproveitar as mudanças introduzidas pelo pro cesso legislativo no direito mas em geral são submetidos a elas como eventos a ser tomados apenas cognitivamente Assim os des tinatários mudam suas expectativas de maneira correspondente sem que grandes complicações ou discrepâncias ocorram nos papéis adicionais que desempenharam ibid p 203 Quanto aos procedimentos eleitorais que permitem a intera ção entre atores institucionais partidos e sociais eleitores a ca nalização de possíveis decepções para formas institucionalizadas e não violentas de expressão é assegurada pelo fato de que as eleições políticas oferecem a oportunidade de expressar discor dâncias sem colocar em risco a estrutura Eles fazem portanto parte dos mecanismos de absorção de protestos e nessa pers pectiva contribuem para o cumprimento da mesma função dos processos judiciais Para que o processo eleitoral crie precondi ções decisivas e contribuições parciais para o processo de legiti mação do sistema político devem ser respeitados os princípios da universalidade do acesso ao papel de eleitor da igualdade do peso de todos os votos além do sigilo da votação Eleições que Sociologia do DireitomioloP3indd 210 020822 1037 o problema da evolUção 211 observam esses princípios podem institucionalizar certa varia bilidade independente da política em relação a outros setores da sociedade permitindo assim uma espécie de autonomia opera cional da própria política Na verdade nas eleições é reduzida a incerteza em relação ao resultado final pois diminui a possibilidade de indivíduos pro gramas e partidos ganharem destaque ibid p 164 Além disso nas eleições o cidadão simplesmente vota participando de for ma bastante genérica de uma distribuição concreta de papéis A democracia tem a grande vantagem de permitir que as decisões sejam tomadas sem eliminar a possibilidade de que sejam corri gidas no futuro mantendo assim o sistema aberto a estágios de evolução de modo que combine as necessidades de continuidade e mudança para que se mostrem suportáveis para o corpo social Outra maneira de inovar o direito é o procedimento adminis trativo em geral regulado por programas mistos tanto condicio nais quanto propositais Luhmann acredita que a administração está muito aberta à participação do usuário A confiança da ad ministração de que conseguirá o consentimento dos usuários implicaria de fato uma renúncia às vantagens de uma diferen ciação funcional entre política e administração ibid p 213 Por outro lado ao contrário de outros procedimentos o proces so administrativo não decepciona necessariamente as partes en volvidas Portanto os processos da administração pública devem ser libertados da necessidade de se preocupar em excesso com sentimentos e legitimidade e em vez disso devem ser organiza dos de forma puramente instrumental ibid p 236 Esses exemplos servem para destacar o grande valor para a evolução jurídica da adequada condução dos processos que por um lado assegura certas regras do jogo e por outro não preju dica o resultado final e legitimao Em suma o procedimento é Sociologia do DireitomioloP3indd 211 020822 1037 212 sociologia do direito entendido como um sistema de atos legalmente ordenados sem resultado determinado capaz de produzir decisões por vezes ino vadoras e aceitálas a priori não tanto pela capacidade real ou potencial de proteger valores ancorados no ordenamento como os da verdade e da justiça mas sobretudo em virtude dos meca nismos para assumir papéis Esses mecanismos sociológicos e os fatores psicológicos obrigam aqueles que participam do processo a aceitar seu resultado pois pelo menos em princípio contribuí ram para a sua produção e portanto os participantes tornamse socialmente responsáveis pelo resultado obtido na medida em que os procedimentos são utilizados em uma estrutura democrática O processo também significa que qualquer tipo de estabiliza ção assim que alcançada pode por sua vez tornarse motivo para uma nova mudança Em particular a solução judicial de um caso além de ser por si só incerta como visto e portanto até cer to ponto inovadora é capaz de criar condições para inovações no tribunal ou mesmo na esfera legislativa uma vez que o procedi mento é ao mesmo tempo um fator de mudança e de estabiliza ção do direito Não se deve ignorar porém que a legislação responsável pela adoção de uma racionalidade teleológica ou orientada para fins teleológicos normalmente possui apenas uma vaga ideia dos ob jetivos a serem perseguidos a curto e médio prazos e quase ne nhuma ideia do que deve ser buscado a longo prazo Mais do que isso é capaz de avaliar em certa medida os efeitos imediatos de suas intervenções Estes provavelmente deverão experimentar re petidas ações corretivas pelo menos enquanto a questão a ser re gulamentada atrair a atenção de uma opinião pública que por um lado é capaz de condicionar a cultura jurídica interna do le gislador mas por outro lado está condicionada por culturas jurí dicas externas bem articuladas em uma sociedade diferenciada Sociologia do DireitomioloP3indd 212 020822 1037 o problema da evolUção 213 53 Os filtros da evolução Para evitar que a evolução induzida pelo ambiente destrua a identidade do sistema de direito e redefina por meio de aprova ções subsequentes todas as diferenças em relação ao restante do sistema social ele não pode ser exposto sem proteções à onda de mudança social e portanto deve ser protegido pelos seus pró prios filtros internos Uma importante consequência dessa abordagem é que os resultados do desenvolvimento jurídico como em qualquer evo lução não devem ser considerados do ponto de vista determinís tico uma vez que não podem realizar totalmente um projeto predeterminado Essa questão será retornada adiante Ressalte se aqui que a evolução como tal depende de uma pluralidade de fases que incluem processos sucessivos de variação capazes de abrir o horizonte do direito a novas possibilidades portanto não apenas à seleção dessas possibilidades mas também à es tabilização das seleções realizadas em um processo circular de correções adaptações e novas correções que podem ser divididas em uma miríade de pequenos passos dados por atores indivi duais Para que tudo isso gere não o caos mas reconhecidas ino vações é necessário permanecer na colmeia de um sistema capaz de oferecer um ponto de referência comum de significado aos vários atores que sem se conhecerem e de maneira independente uns dos outros competem para a sua evolução Em suma só é possível falar em evolução se e dentro dos limites em que existe um sistema de referência Para poder desmembrar os processos que regulam a corre ção das estruturas regulatórias que se consolidaram em deter minado estágio de seu desenvolvimento na última fase de sua produção teórica Luhmann elabora alguns conceitos que cor respondem a métodos de regulação de abertura e fechamento do Sociologia do DireitomioloP3indd 213 020822 1037 214 sociologia do direito sistema jurídico Todos os sistemas ele observa possuem um fechamento operacional Luhmann 1993 pp 34 ss Isso sig nifica que as operações implementadas surgem e permanecem dentro do sistema na medida em que guardam íntima relação com as operações anteriormente realizadas pelo mesmo sistema e com as operações que ele produzirá no futuro Uma decisão jurídica é resultado de outra decisão jurídica e um argumento semelhante pode ser aplicado a uma decisão política e a uma de cisão econômica Isso é claro não significa que mesmo fatos per tencentes ao ambiente ou seja a outros sistemas possam ser considerados relevantes dentro de um sistema Esses fatos no entanto para que sejam levados em conta em um sistema como o sistema jurídico devem necessariamente ser filtrados e recons truídos com base em critérios legais Quando o direito reconhece certos fatos como relevantes e portanto estabelece certas expec tativas de comportamento em geral percebidas pela sociedade como normativas leva em consideração seus próprios critérios de seleção e seus próprios canais de comunicação para que se possa dizer que nesse caso o direito só pode reconhecer o direito De fato o operador encontra o que o seu olhar técnicojurí dico permite que veja Ele não apenas não pode mas não deve lidar com todo o resto Nesse sentido o programa condicional com o típico esquema se então repousa dentro do sistema jurídico tanto no primeiro pilar hipótese juridicamente formu lada quanto no segundo consequência juridicamente definida impedindo que a realidade não relevante para o direito passe sob essa ponte Retomando a analogia empregada por Luhmann a Torre Eiffel permanece fora do processo de produção da foto que a reproduz processo que envolve de maneira direta outros fato res presentes no laboratório como a câmera o fotógrafo o papel o processo de desenvolvimento Isso não implica um isolamento Sociologia do DireitomioloP3indd 214 020822 1037 o problema da evolUção 215 total do sistema jurídico de qualquer tipo de influência ou inter dependência externa ibid p 44 mas torna adequada para esse sistema a orientação de cada operação jurídica para a rede global de operações No caso do sistema jurídico o fechamento operacional pode portanto ser chamado de fechamento regulatório uma vez que se replica ao longo do tempo através de referência às suas operações mas não exclui a possibilidade de aprendizagem des de que seletiva da realidade externa O sistema pode passar de um fechamento regulatório para uma abertura operacional des de que seja regulado pois a capacidade de aprender não pode ser ilimitada É evidente que o tribunal ou os legisladores podem aprender sob certas condições mesmo que algumas pessoas se comportem de modo que violem determinadas normas e que a enorme quantidade de violações que qualquer ordem é forçada a tolerar no dia a dia já constitui uma importante reserva de apren dizado e autocorreção para os operadores Em suma para o sistema jurídico o aprendizado não consti tui um problema se é préselecionado juridicamente por meio de canais de aprendizado Para isso utilizase o conceito de co nexão operacional ibid pp 440 ss Ao usar essa conexão um sistema embora não deixe seu escopo de relevância pode reali zar suas próprias operações conectandoas com o ambiente de outro sistema Isso ocorre por exemplo quando um relaciona mento jurídico prevê a obrigação de um pagamento entendido como uma operação econômica ou no máximo préjurídica Neste caso não é o comportamento individual que entra no sis tema jurídico mas é o sistema que seletivamente percebe cer tos comportamentos e os reconhece como capazes de produzir efeitos legais e ter reconhecimento legal Conectado à conexão operacional o conceito de conexão estrutural é responsável por Sociologia do DireitomioloP3indd 215 020822 1037 216 sociologia do direito definir a possibilidade de que um sistema assuma de forma sus tentável certas qualidades de seu ambiente confiando estrutu ralmente neles ibid p 441 Dinheiro ou tempo por exemplo podem sempre influenciar as estruturas do sistema jurídico de fora É precisamente esse critério estrutural de relevância que é levado em conta pelo sistema Ao ser confrontado com seu am biente com base na distinção fundamental entre o que é e o que não é relevante a conexão estrutural pode não facilitar ou difi cultar a relação entre o sistema e o ambiente conforme as cir cunstâncias Os termos de uma prescrição podem aumentar ou diminuir ao longo do eixo temporal o valor de uma multa pode aumentar ou diminuir ao longo do eixo da moeda Independente dos casos individuais um contato estrutural entre o direito e o tempo ou entre o direito e a moeda permanece insolúvel No que diz respeito ao tempo também se pode observar que seu uso simultâneo por múltiplos sistemas não significa que es tes estejam sincronizados Compartilhar tempo não significa ter os mesmos horários O tempo do direito pode variar dentro do sistema jurídico mas não é necessariamente o mesmo da econo mia da política da família e outros Em relação à família pode se dizer que representa um caso exemplar de conexão estrutural plural presente no sistema jurídico e em uma variedade de ou tros sistemas sociais em que cada um assume diferentes tempos e se correlaciona seguindo diferentes regras de comportamento e critérios para interpretálas Em todos esses casos há interpene trações ibid p 90 entre sistemas Esse termo ao contrário do que pensa Parsons indica a possibilidade de que imagens de ou tros sistemas apareçam na tela de um sistema em particular no jurídico Em vez de apurar as fronteiras entre sistemas diferentes a interpenetração sugere um processo em que imagens de outros sistemas são captadas pelo sistema receptor primeira seleção Sociologia do DireitomioloP3indd 216 020822 1037 o problema da evolUção 217 traduzidas de forma compatível com as especificidades das ope rações desse sistema segunda seleção e com as estruturas que ordenam tais operações terceira seleção e eventualmente são usadas como fatores de inovação na medida em que excedem os filtros estabelecidos pelos limites regulatórios para aprender so bre o sistema Correlativamente o conceito de irritação ibid pp 69 ss3 principalmente no sentido de estresse negativo é empregado para indicar todas as mensagens externas que superando as barreiras seletivas impostas pelo sistema em defesa de sua identidade cau sam reações de rejeição ou pelo menos de neutralização compa ráveis àquelas produzidas por um sistema imunológico Ao levar em consideração os elementos aqui destacados é possível obser var que no trabalho de Luhmann há uma atenção particular às possibilidades e limitações de uma concepção da relação entre os sistemas e seus ambientes que hoje poderiam ser considerados comunicativos As estruturas e os procedimentos desenvolvi dos no âmbito de um modelo de estado de direito são conside rados legítimos não tanto por serem formalmente válidos justos ou eficazes mas porque atendem às necessidades funcionais de todo o sistema e portanto são capazes de evitar conflitos usan do técnicas argumentativas e expressivas Ao utilizar sua própria retórica específica em um contexto sistêmico o direito tende a se tornar cada vez mais sensível à lógica da comunicação O tipo de operação que por meio das mutações imperceptí veis obtidas por atos individuais redefine os limites do sistema é 3 Na teoria mais recente dos sistemas os termos de origem latina são frequente mente preferidos como a irritação inglesa ou a irritação alemã Traduzido lite ralmente como irritação eles podem no entanto ser ambíguos Portanto é preferível usar aqui um termo como solicitação ou perturbação se o sentido for claramente negativo Sociologia do DireitomioloP3indd 217 020822 1037 218 sociologia do direito atribuível à comunicação significativa ou seja que se caracteriza não apenas pela estrutura da linguagem ou pelas intenções do comunicador mas também pela interpretação e previsão de seus possíveis efeitos sobre o tecido social Podese dizer portanto que se a linguagem usada para comunicar as solicitações externas for reconhecida como normativamente relevante elas poderão ser tra duzidas para a linguagem do direito e este poderá apropriarse delas transformandoas em comunicações jurídicas e portanto em fatores de produção legítimos Estrutura linguística intenções interpretações e previsões dos atores envolvidos no processo de comunicação contribuem como um todo para determinar os limites de um sistema jurídico dentro do qual existem não apenas as comunicações referentes ao direito mas também os atos comunicativos provocados por tais comunicações pelo menos até que o processo relacionado à repro dução da comunicação pela comunicação não perca em definitivo a referência original ao direito Quando isso acontece a comuni cação deixa de conectar um sistema a outro depois de passar por uma zona intermediária de relevância para diferentes sistemas Uma ferramenta simples que permite controlar essa dificul dade para delimitar a comunicação intersistêmica referindose às características essenciais do sistema jurídico e ao mesmo tem po evitando questões insolúveis relacionadas às reais intenções dos interlocutores é o código binário típico do sistema jurídico legalilegal de acordo com a leinão de acordo com a lei Mas esse código ao ser aplicado sugere que o sistema jurídico é capaz de observar a si mesmo À luz dessa autopreservação é possível de terminar se e em que medida certos atos comunicativos abran gem esse código que naturalmente será interpretado levando em consideração o outro código binário o de expectativadecepção individualmente confiado aos destinatários das normas jurídicas Sociologia do DireitomioloP3indd 218 020822 1037 o problema da evolUção 219 Com a ajuda de tais estruturas binárias tornase possível combinar expectativas cognitivas e regulatórias em diferentes níveis Assim podemos esperar cognitiva ou legalmente e em consequência mudar ou não nossas expectativas no caso de ex periências decepcionantes podemos esperar normativamente para aplicar expectativas cognitivas ou esperar cognitivamen te para aplicar expectativas regulatórias Em suma o direito é um sistema pronto para se tornar cada vez mais aberto sem renun ciar a defender certa margem de fechamento e é capaz de combi nar momentos de padronização ou de endurecimento coercitivo em relação a comportamentos decepcionantes e desviantes mo mentos de aprendizado ou de uso do desvio para modificar as expectativas não atendidas A legislação e a juridificação são dentro da estrutura do sistema jurídico os principais subsistemas em que essa dupla estratégia encontrase mais explicitamente institucionalizada A legislação que é o principal mecanismo de aprendizado do sistema jurídico estimula mudanças através de um processo interminável de autorreprodução O resultado é uma reação em cadeia que pode sair do controle na medida em que o simples es quema de erro e correção é aplicado de forma mecânica e ilimi tada Uma situação caótica poderia portanto ser gerada para escapar de uma reviravolta como a desjuridificação que igno ra os pressupostos funcionais da juridificação e não parece uma receita completamente confiável A abordagem sistêmica de Luhmann tem o mérito de ofere cer uma razão cada vez mais relevante para os sistemas jurídicos contemporâneos a tensão entre a necessidade de diferenciação interna e recomposição de unidades externas entre tendências estruturais para dividir os encargos decisórios dos operadores em seções caracterizadas por programas específicos e a necessi dade do observador de ser capaz de qualificar o direito de forma Sociologia do DireitomioloP3indd 219 020822 1037 220 sociologia do direito unificada e complexa A abordagem sistêmica através de sua ca pacidade de se estender horizontalmente absorvendo cadeias de conexões em princípio ilimitadas e de desenvolverse vertical mente através de inúmeros processos reflexivos como observa ções de observações tem a peculiaridade de ser capaz de absorver abordagens mais simples tornandoas complementares Em particular os conceitos de fechamento operacional co nexão operacional adequação estrutural e outros a eles relacio nados não apenas recebem designações diferentes parcialmente estáveis ou intermitentes para abrir ou fechar o sistema com direi to ao seu ambiente mas também são diversas as formas de esta belecer seus limites Kelsen Luhmann Lógica do ordenamento Lógica de redução de complexidade Figura 7 Luhmann e Kelsen DIREITO POSITIVO No trabalho de Luhmann prevalece o foco no funcionamento das estruturas do direito em particular no problema fundamen tal do seu estudo entendido como uma análise da relação entre o estudo dogmático e o estudo sociológico do direito Luhmann 19744 Os dois tipos de estudos são reconhecidos por Luhmann em suas necessidades essenciais o primeiro sobretudo na orientação 4 Para uma ampla reflexão sobre as relações entre sociologia do direito e sociolo gia da política ver King e Thornhill 2006 Sociologia do DireitomioloP3indd 220 020822 1037 o problema da evolUção 221 regulatória e autorreferencial indispensável para a manutenção e reprodução do próprio sistema o segundo especialmente na aber tura cognitiva do sistema ao ambiente Devese lembrar também que neste último os motivos de Kelsen são particularmente evi dentes por meio de uma terminologia inspirada em uma con cepção autopoiética que considera o direito como um sistema autorreferencial capaz de produzir decisões jurídicas a partir de outras decisões jurídicas e que portanto permanecem dentro do próprio sistema No entanto este não é um mero retorno a Kelsen adiante da maior conscientização que o sistema jurídico deve as sumir levando em consideração a inevitável predisposta à mu dança imposta pela lógica da redução de uma complexidade que incessantemente se autorreproduz ver Figura 7 A prevalência que Luhmann atribui ao problema da recompo sição da unidade do sistema jurídico apesar ou melhor precisa mente através da distinção funcional entre programas decisórios típicos do Judiciário do Legislativo e da administração pública reserva apenas uma posição marginal para o que sob essa luz se apresenta como uma tendência cada vez mais frequente na reali dade a desestabilização dessa distinção funcional Isso às vezes acontece tanto através de uma legalização do Legislativo cha mado a resolver conflitos particulares e não gerais quanto atra vés de uma legalização do Judiciário solicitado a compensar as lacunas legislativas ou pelo menos a manifestar a vontade do Es tado de intervir em áreas em que a legislação inadequada efetiva mente impede medidas mais severas Além disso as dicotomias fundamentais nas quais Luhmann insiste entre cognitivo e normativo abertura e fechamento teleológico e condicional não são adequadas apenas para ser combinadas de formas mistas na administração pública mas tam bém para ser mais articuladas Através de seus diferentes níveis Sociologia do DireitomioloP3indd 221 020822 1037 222 sociologia do direito de autoconsciência o sistema jurídico parece cada vez mais inse guro com relação a sua identidade fundamental e não é de todo controlado por esse sentido de ferro do eu que é ou deveria ser garantido por dogmáticos jurídicos Tudo isso sugere uma per cepção diferente da unidade do sistema cujos níveis de significado variam dentro das estruturas regulatórias de forma muito mais fragmentada do que o chamado salvavidas da forma Irti 2007 o que se revela na prática 54 Algumas implicações da abordagem sistêmica A abordagem sistêmica como visto parte fundamentalmente da ideia de que a interação entre o ambiente e as estruturas regu latórias é completamente impessoal e que os resultados relevantes do ponto de vista evolutivo só podem ser produzidos através de um processo constituído por uma série de inúmeras microinter venções para a abertura e o fechamento do sistema e sua sucessão e seu conteúdo real não são previsíveis nem projetáveis Para ilustrar essa abordagem é possível utilizar o exemplo extraído de outro contexto de uma das típicas realizações arqui tetônicas que todos podem admirar na paisagem urbana a praça Nela as características essenciais adaptadas de tempos em tem pos a situações específicas tamanho forma geométrica locali zação da sede das principais instituições do município à igreja são amplamente recorrentes Essas características podem ser vis tas como uma espécie de jurisprudência consolidada da praça mas raramente podem ser atribuídas a um projeto específico a uma lei atribuível a determinado sujeito ou a um único legisla dor De maneira geral devem ser atribuídas a um direito natu ral da praça reconhecido pelo seu compromisso de facilitar as relações humanas tanto quanto possível ao permitir alta visibi lidade garantida por uma grande área aberta Sociologia do DireitomioloP3indd 222 020822 1037 o problema da evolUção 223 As praças italianas não são o resultado de um projeto criado por um único arquiteto mas de uma série de contribuições às vezes mínimas às vezes de longa data que fizeram que cresces sem e pudessem evoluir traduzindo necessidades externas con tingentes dentro de uma lógica funcional e dentro de cânones estéticos que pelo menos em certo período da história italiana foram amplamente compartilhados e portanto representavam o equivalente ao que em certos momentos da sua evolução as culturas jurídicas eram para o direito5 Isso significa que as solicitações individuais vindas de fora tanto para o jurista quanto para o arquiteto deverão parecer ao mesmo tempo não inteiramente repetitivas e portanto até certo ponto inovadoras mas também não completamente inesperadas e portanto em alguma medida antigas Apenas superando essa antinomia aparente um sistema como o jurídico poderá modifi car suas estruturas normativas para uma visão geral das antino mias próprias da teoria do direito cf Friedman 1967 pp 82 ss No entanto durante o curso da evolução histórica as mudan ças registradas pelos sistemas sociais individuais não são unidi recionais mas podem permitir que ilhas de resistência persistam contra as tendências evolutivas dominantes Em sociedades que atingiram níveis mais elevados de desenvolvimento formas de nível inferior podem ser preservadas embora com menor im portância e difusão6 Quanto ao direito as mudanças que expe rimenta podem ser parciais e atrasadas Assim falase de uma defasagem cultural crônica do direito cultural lag que faz a so 5 Essa analogia me foi sugerida por uma inesquecível aula de história da arquite tura de Manfredo Tafuri 2002 2007 6 Entre os sociólogos do direito Gurvitch 1942 é aquele que mais do que qual quer outro insiste na importância da presença de várias camadas de culturas ju rídicas abaixo da superfície da cultura jurídica oficial Sociologia do DireitomioloP3indd 223 020822 1037 224 sociologia do direito ciedade ser a primeira a se mover em uma perspectiva evolutiva Ogburn 1950 No entanto também é possível verificar a hipó tese oposta ou seja de que o direito por sua vez é capaz de an tecipar as orientações da sociedade ou de parte dela Exemplos em ambas as direções não faltam na experiência italiana É pos sível que na ausência de argumentos contrários o legislador incorpore propostas e orientações culturais desenvolvidas em setores de elite relativamente restritos e quase ignorados pelo restante da sociedade como foi o caso da legislação que aboliu as instituições de asilo Entretanto também diretrizes amplas pos sivelmente transpostas através de pesquisas ou procedimentos formais específicos como referendos podem prevalecer em rela ção a propostas e orientações elaboradas em esferas culturais eminentemente técnicas como aconteceu quando o plano de iní cio da construção de usinas nucleares foi rejeitado Além disso também há casos em que a cultura do legislador está de acordo com as considerações de uma matriz éticoreligiosa conseguin do se impor a uma vasta sensibilidade cultural de sinal oposto como ocorreu com a abolição das chamadas casas fechadas Há ainda ocorrências em que por outro lado são as orientações cul turais mais compartilhadas que se impõem a considerações éti coreligiosas como no caso da legislação sobre divórcio e aborto Também não se deve esquecer que a mudança pode ocorrer através do transplante de partes de um sistema a outro diferen tes em história e cultura Esse transplante às vezes é obra de uma cultura jurídica interna que vê de modo favorável as experiências jurídicas de outros países mas pode ser apoiada por movimentos ativos na cultura jurídica externa dos potenciais receptores das normas A integração europeia por exemplo foi produto de um movimento que sem dúvida envolveu pelo menos em um pri meiro momento a cultura jurídica interna e externa dos novos Sociologia do DireitomioloP3indd 224 020822 1037 o problema da evolUção 225 paísesmembros apesar da aceitação forçada de uma enorme massa de disposições vinculantes Para que um transplante jurídico se torne parte do novo sis tema e execute de maneira efetiva as funções previstas em geral as partes devem encontrar condições adequadas para desenvol ver raízes culturais reais que as estabilizem depois de possivel mente alterálo para evitar reações de rejeição Também nesse caso portanto as culturas jurídicas podem ser vistas como fato res capazes de influenciar a evolução do sistema jurídico de vá rias maneiras Elas podem ser colocadas em níveis culturais mais superficiais e rapidamente mutáveis ou envolver camadas mais profundas com uma série de efeitos que por vezes são de acei tação geral aculturação bem como de reinterpretação e adapta ção de aspectos específicos inculturação As instituições de direito penal revelamse particularmente problemáticas nesse sentido pois com facilidade podem provo car fortes reações ou resistências culturais generalizadas contra as normas formalmente implementadas sobretudo se o ambien te cultural e religioso é diferente Nesse contexto são interessan tes as diferenças entre o direito penal da Itália e dos Estados Unidos Dados os diferentes contextos culturais as ideias e prá ticas sancionadoras nos dois países não podem ser exportadas e importadas livremente7 O conceito de enraizamento permite isolar uma série de indicadores relevantes a fim de analisar de maneira concreta a possibilidade de essas normas se enraizarem em um terreno culturalmente diferente o nível de repressão dos sistemas jurídicos o nível de disponibilidade de contratação dos tomadores de decisão para assumir a responsabilidade e portan 7 Comentários de David Nelken 2006 sobre algumas contribuições de Dario Melossi 2000 2001 2002 Sociologia do DireitomioloP3indd 225 020822 1037 226 sociologia do direito to o receio de cometer erros ao estabelecer uma sentença de pri são os condicionamentos religiosos ligados a uma ideologia protestante que pareceria mais pronta a impor sanções do que uma ideologia católica mais inclinada ao perdão os diferentes tipos de normas a serem transplantadas seus métodos de circu lação e difusão e por fim os fatores históricos políticos e eco nômicos que tornam o quadro de variáveis extremamente amplo O resultado é que um transplante poderá ter sucesso não apenas se houver uma atitude favorável por parte da cultura jurídica in terna mas também se os fatores ambientais como um todo per mitirem que as instituições transplantadas no novo organismo se enraízem As questões relacionadas à evolução do direito tratadas até agora mostram que a crescente complexidade das relações entre o sistema jurídico e a sociedade requer a superação de uma pers pectiva meramente hierárquica e a adoção de outra interativa Entre os autores que embora de diferentes ângulos abordaram o problema da evolução do direito formulando propostas teóri cas amplas e elaboradas sobre o tema cabe mencionar Jürgen Habermas Ele não apenas teve o mérito de expressar os princi pais motivos inspiradores da Escola de Frankfurt em uma lin guagem mais moderna mas também procurou reconstruir o funcionamento dos sistemas sociais começando não de dentro de suas estruturas mas sobretudo a partir das estruturas exter nas ou seja do ponto de vista dos destinatários das normas Se a atenção está voltada para esses atores sociais o problema central da evolução passa a ser se e como a autenticidade dos sis temas reguladores espontâneos produzidos diretamente pelas várias esferas da sociedade pode ser ameaçada por uma padro nização que é estranha a eles e portanto pode não ser capaz de respeitar e reconhecer suas necessidades Na visão de Habermas Sociologia do DireitomioloP3indd 226 020822 1037 o problema da evolUção 227 um papel importante é desempenhado pelos conceitoschave de mundo vital e colonização utilizados para designar a relação que nas sociedades caracterizadas por uma regulação jurídica cada vez mais incisiva é estabelecida entre o direito e a reali dade social Os imperativos dos subsistemas autônomos en tre os quais está o direito assim que são despojados de seu véu ideológico penetram do exterior para o mundo vital como colonizadores em relação a uma sociedade primitiva e impõem assimilação Habermas 1981 Habermas aponta as principais etapas do processo de evolu ção do direito que parte de uma institucionalização do dinheiro e do poder ou seja da mídia que sustenta a diferenciação entre os sistemas da economia e da política até um Estado democrático que acaba constitucionalizando as relações de poder Os produtos desta última etapa da evolução são a redução da jornada de tra balho liberdade sindical e autonomia contratual proteção contra demissões seguro social etc Em todos esses casos a lei voltada para si mesma tenta equilibrar através de novos regulamentos jurídicos o poder produzido dentro de uma esfera de ação já juri dicamente constituída para uma análise mais aprofundada da reflexão de Habermas sobre esse assunto cf Günther 1988 Essa reconstrução faz que Habermas estabeleça a distinção entre dois tipos de direito como meio e como instituição O direito como meio simplesmente serve como uma ferramenta organizacional para os subsistemas que se autonomizaram e portanto pode ser legitimado por meio de procedimentos dada a dificuldade de encontrar uma justificativa material em qualquer caso O direito como instituição que inclui os funda mentos do direito constitucional os princípios do direito penal e o direito do processo penal bem como todos os regulamentos de formas criminais contíguas à moral como aquelas relacionadas Sociologia do DireitomioloP3indd 227 020822 1037 228 sociologia do direito ao assassinato aborto à violência carnal etc não pode ser su ficientemente legitimado mediante o apelo positivista aos pro cedimentos pois suas normas pertencem aos sistemas legítimos do mesmo mundo vital e constituem o pano de fundo da ação comunicativa Habermas 1981 Essa sobreposição do direito pelo menos nos estágios mais avançados do seu desenvolvimento em relação aos sistemas elaborados pelos mundos vitais implica a formação acima deles de uma ordem artificial e coercitiva com caráter inovador em relação à realidade social anterior que não se justifica por si só Nesse contexto a questão não é tanto por que os homens não obedecem mas o motivo pelo qual obe decem a um novo comando jurídico que vem de fora de sua esfe ra de ação Habermas 1992 Habermas descreve um processo de produção de consenso através do último que utilizando ferramentas da teoria da lin guagem tornase uma das razões norteadoras da sua análise Desde seu primeiro trabalho em que reconstrói o surgimento de uma esfera pública nas sociedades ocidentais do século XIX Ha bermas 1962 ele procura identificar ferramentas úteis para o desenvolvimento de uma democracia discursiva capaz de colocar não apenas indivíduos ou grupos de especialistas mas o maior número possível de sujeitos em posição para enfrentar as princi pais questões regulatórias com a convicção de poder alcançar mesmo nessa área uma espécie de verdade A possibilidade de assumir uma atitude cognitiva é portanto generalizada Para se referir à pluralidade de culturas jurídicas heterogêneas o direito deve garantir não apenas uma ordem social de conduta mas também uma compatibilidade cultural das diferentes diretrizes jurídicas ou extrajurídicas capaz de equilibrar a matéria parti culada e a anonimização generalizada recorrendo a uma redefi nição universal do ato comunicativo Sociologia do DireitomioloP3indd 228 020822 1037 o problema da evolUção 229 O modelo de Habermas 1992 desse ponto de vista derruba a perspectiva antropológica da abordagem sistêmica Enquanto essa abordagem observa a redução da complexidade como função fundamental das estruturas sociais em particular das estruturas regulatórias objetivando manter o equilíbrio entre a complexida de interna e externa do sistema o modelo dele aborda as estrutu ras sociais em particular as estruturas jurídicas comprometidas em proteger a autêntica possibilidade de expressão dos mundos vitais A visão predominante para Habermas é portanto a de conectar o sistema a uma perspectiva comunicativa ainda não baseada como em Luhmann na necessidade de que ele mante nha sua adequação funcional e sim na necessidade de desenvol ver mesmo no nível de atores individuais relações discursivas racionalmente ordenadas e não condicionadas de forma atenuante Em suma a antropologia dos limites defendida por Luhmann que enfatiza as funções positivas das estruturas reguladoras em termos de redução da complexidade se opõe à antropologia das possibilidades que chama a atenção para as funções injustifica damente mortificantes que o direito pode jogar contra a capaci dade das pessoas de agir Na abordagem de Habermas portanto por trás de um léxico sofisticado emergem motivos característicos do pluralismo de Ehrlich e de sua abordagem espontânea A visão implícita no trabalho de Ehrlich de que as estruturas jurídicas do Estado re presentam uma limitação injusta imposta às necessidades dos homens que seriam capazes de construir as estruturas regulató rias para orientar sua ação é adotada por Habermas ao conside rar com desconfiança um direito que se pretende portador de limites que podem levar à colonização de mundos vitais frus trando sua autenticidade Ao considerar a intervenção regulatória do direito estatal como uma desordem real capaz de ameaçar a vida ordenada de Sociologia do DireitomioloP3indd 229 020822 1037 230 sociologia do direito um cosmos já suficientemente autorregulado Habermas con centrase na crise das ideologias que sustenta o Estado Além disso ele não observa no processo de crescente diferenciação caracte rística das sociedades complexas contemporâneas uma perspec tiva de melhoria das condições de vida e sim a possibilidade de uma prevalência unilateral e coercitiva do direito que poderia impor uma ordem superior de novas tensões e conflitos a um tecido social já capaz de se autorregular Habermas 1981 O di reito como expressão de poder em particular poder de Estado longe de ser o instrumento indispensável de uma ordem impos sível tornase um potencial membro de um ordenamento e de um equilíbrio que a sociedade e seus súditos seriam capazes de alcançar espontaneamente Ehrlich Habermas Consenso Razão Figura 8 Habermas e Ehrlich DIREITO POSITIVO A Figura 8 indica em seus elementos essenciais a profunda convergência entre o pensamento de Habermas e a concepção de Ehrlich Ressaltese que do ponto de vista da autorregulação tan to por meio de um consentimento concedido espontaneamente Ehrlich quanto através de um discurso baseado na razão Ha bermas o direito pode ser visto como um instrumento de or dem social não sustentado pela força e portanto capaz mesmo sem usar o poder institucionalizado do Estado de evoluir por Sociologia do DireitomioloP3indd 230 020822 1037 o problema da evolUção 231 conta própria como defendido por Ehrlich Esse processo por tanto seria responsável pela diminuição do papel do direito po sitivo e do Estado Um retrato da evolução do direito combinando os requisi tos estruturais apontados por Luhmann com as necessidades dos sujeitos e seus mundos vitais pressupostos por Habermas foi apresentado por Gunther Teubner Ele tentou desenvolver a perspectiva predominantemente estrutural de Luhmann dis tinguindo na categoria geral de autorreferência vários tipos de relacionamentos capazes de aumentar a complexidade de um sis tema como o jurídico autoobservação autodescrição autoor ganização autorregulação até a chamada autopoiese entendida como a autoprodução do direito e capaz de resumir todas elas Teubner 1989 2019 O primeiro componente do pensamento de Teubner está en raizado na dogmática jurídica e na análise conduzida do ponto de vista interno dos múltiplos mecanismos que o caracterizam Em particular esses mecanismos são submetidos a uma investigação crítica detalhada ilustrada com vários exemplos Na introdução do trabalho em que desenvolve a teoria do direito como um siste ma autopoiético para ilustrar a autorreferencialidade do direito Teubner parte de uma narrativa que pode ser assim resumida Aconteceu uma vez segundo esse relato que os rabinos reunidos na sinagoga não conseguiram chegar a um acordo sobre a solução a ser dada a um problema jurídico inferido pelo Talmude O rabi no Eliezer que se opôs à opinião da maioria convencido da justiça de sua posição minoritária disse que se ele estivesse certo uma árvore fora da sinagoga daria um passo Isso aconteceu mas os outros rabinos não ficaram impressionados Então Eliezer argu mentou que se estivesse certo um córrego próximo teria de fluir na direção oposta Isso também aconteceu mas os outros rabinos Sociologia do DireitomioloP3indd 231 020822 1037 232 sociologia do direito não mudaram de opinião Neste momento o próprio Deus fez uma voz celestial confirmar o direito da posição de Eliezer Mas os rabinos mais uma vez não apoiaram sua opinião tomando o cui dado de transformar o que poderia parecer uma desobediência aberta em um ato de obediência rigorosa Na verdade afirmaram que era impossível para eles ouvir a voz do céu já que o próprio Deus havia escrito na Torá que era preciso se curvar à vontade da maioria Neste momento Deus disse rindo Meus filhos me ven ceram ibid Nessa história a racionalidade formal pode até prevalecer sobre a opinião diferente de Deus TodoPoderoso que de fato é habilmente vinculada pelos sacerdotes usando as regras que ele mesmo estabeleceu Isso expressa a superioridade do princípio geral da coerência sobre o da justiça e portanto a força da ideia de autorreferência do direito O sistema jurídico no entanto não é visto por Teubner ape nas como um sistema social mas como um sistema que usando as dicotomias legalilegal lícitoilícito conforme à leinão con forme à lei é capaz de aplicar critérios jurídicos e portanto autorreferenciais em relação a fatos e ações juridicamente rele vantes de acordo com os métodos predefinidos por lei De fato embora permaneça fechado o sistema jurídico ainda é capaz de estabelecer uma espécie de comunicação indireta com o mundo exterior e em particular com outros sistemas Para o direito por exemplo a evolução da economia como outros fatos exter nos representa um ruído em relação ao qual ela pode recons truir de modo seletivo sua própria ordem Na verdade na medida em que o direito permanece em si a reconstrução jurídica do desenvolvimento econômico pode fazer sentido para a própria economia Nesse sentido devese observar que as regras sobre controle de preços não constituem uma regulamentação rigoro sa da economia pelo direito uma vez que só poderão ter conse Sociologia do DireitomioloP3indd 232 020822 1037 o problema da evolUção 233 quências econômicas se a reconstrução das prescrições jurídicas executadas pelo sistema econômico reconhecer essas prescrições como economicamente racionais Se a evolução do sistema eco nômico chamar a atenção do legislador isso acontecerá apenas de modo indireto ou seja utilizando critérios de seleção inter nos ao sistema jurídico Essa tradução para a linguagem de diferentes sistemas de ruídos nos permite emergir de uma espécie de condenação da total incomunicabilidade entre os sistemas porque para evoluir eles não podem como os personagens de uma comédia de Iones co sempre repetir as mesmas frases como se estivessem falando sozinhos independente do que os outros digam Portanto pode se dizer que os sistemas estão abertos para o exterior mas de uma maneira relativamente cega na medida em que suas mu danças são elaboradas e condicionadas pelo que eles podem ver do mundo externo A capacidade do sistema jurídico de organi zarse e regularse com base nos sinais fracos que conseguem alcançálo determina portanto a evolução do direito através de uma série de filtros Existem vários modelos de direito que podem orientar a sua evolução Em particular Teubner no seu trabalho propõe três modelos que apresentam soluções mais sofisticadas Em uma primeira fase ele lida com o modelo de direito reflexivo que não se destina apenas à regulamentação da sociedade mas também à regulação das autorregulamentações autônomas de diversas áreas do setor social Teubner 1983 1985 Teubner Willke 1984 Isso é apresentado como uma ferramenta capaz de regular os siste mas sociais já regulados internamente por meio de regras e pro cessos organizacionais de distribuição de habilidades a fim de coordenálos com outros sistemas sociais Portanto sob o regi me de direito reflexivo o controle jurídico da ação social tornase indireto e abstrato na medida em que o sistema jurídico se limi Sociologia do DireitomioloP3indd 233 020822 1037 234 sociologia do direito ta a determinar as premissas e os procedimentos organizacionais da ação Em suma o direito reflexivo parece desempenhar sua função de guiar a sociedade fazendo apenas uso indireto das normas como se quisesse curála usando ela mesma como nas estratégias terapêuticas da medicina homeopática Em uma segunda fase Teubner propõe o modelo de direito policontextual que parece favorecer o momento de estabilização e ao mesmo tempo um pluralismo que pode ser considerado dialógico e não hierárquico na medida em que se limita a regu lar as comunicações intersistêmicas após traduzilas para a lin guagem do direito Em uma terceira fase propõe o modelo de direito de autopoié tica que parece favorecer o momento de variação e ao mesmo tempo um pluralismo que pode ser considerado metacomunica tivo pois com base na alternância de momentos de abertura e de fechamento do direito ao ambiente social parece comprometido em informar as comunicações recebidas do exterior Simplificando esse modelo podese dizer que os componentes dos hiperciclos são de um ponto de vista comparativo os for mantes de todo o direito positivo8 que como um todo podem garantir a abertura regulada pelo direito autopoiético9 Utilizan doos nesse contexto podese dizer que a fase de seleção é assu mida pelos procedimentos administrativos a fase de variação pela legislação e a fase de estabilização pelos processos jurispru denciais por fim a fase da autorrepresentação das estruturas dogmáticaconceituais pode ser atribuída à doutrina que exerce a tarefa de dar unidade e coerência a todo o sistema jurídico ca paz de garantir em altos níveis de evolução social a autopreser vação a autoconsistência e o autocontrole do sistema jurídico 8 Para uma teoria dos formantes ver Sacco 1989 9 O esquema aqui proposto é bastante simplificado por razões expositivas Sociologia do DireitomioloP3indd 234 020822 1037 o problema da evolUção 235 Tabela 8 Os três níveis de complexidade do direito Modelos Tipos de pluralismo Oposições internas Momentos predominantes Reflexivo Ecológico Cognitivo normativo Seleção Policontextual Diálogo Funcional disfuncional Estabilização Autopoiético Metacomunicativo Abertofechado Valorização Tabela 9 O hiperciclo do direito autopoiético Momentos autopoiéticos Circuito interno Estabilização Jurisprudência Seleção Administração Variação Legislação Autorrepresentação Doutrina Além disso Teubner dedica especial atenção à cultura jurídi ca interna pois dá a devida importância à parábola amplamente aplicável do décimo segundo camelo que empresta do próprio Luhmann submetendoo a uma ampla discussão Rufino Teubner 2005 A parábola fala de um velho condutor de came los que deixa todos os animais para os três filhos No entanto ele estabelece critérios de distribuição metade para o primeiro filho metade da metade para o segundo filho e um sexto para o terceiro filho No entanto uma vez que os camelos na época da divisão eram onze imediatamente surgem conflitos entre os herdeiros O primogênito alegava ter seis camelos e não cinco e os irmãos esta vam dispostos a reconhecer isso O cádi juiz muçulmano chamado Sociologia do DireitomioloP3indd 235 020822 1037 236 sociologia do direito para resolver a disputa apenas entregou o seu próprio camelo aos três irmãos pressupondo que ao final da distribuição ele seria de volvido Os camelos agora em número de doze podiam ser dividi dos sem problemas seis para o primogênito três para o segundo filho dois para o terceiro e em conformidade com o acordo o dé cimo segundo camelo deveria ser devolvido para o cádi O décimo segundo camelo e este é o ponto central acabou desempenhando uma função simbólica essencial e portanto de várias maneiras incompreensível Isso pode ser visto como evi dência do papel decisivo que a cultura jurídica interna de tipo téc nico desempenha no momento da implementação da regra uma vez que diante de dificuldades aparentemente intransponíveis é necessário compensar quaisquer inadequações e uma cultura ju rídica externa estreita e egoísta tomando decisões que de outra forma seriam mantidas inviáveis e impedindo o surgimento de conflitos No entanto o décimo segundo camelo também pode re presentar a entrada na disputa de uma cultura não jurídica a ma temática neste caso pois a soma das cotas estabelecidas pelo pai é desde o início menor que a totalidade e portanto a partir de sua contribuição decisiva para uma cultura jurídica impotente a inte gração temporária da cota perdida poderia ser descendente Sem se estender sobre esse exemplo devese ressaltar que o objetivo final de Teubner é colocar a cultura jurídica interna de senvolvendo suas habilidades em posição de alcançar uma sínte se entre uma dimensão pragmática e cognitiva a fim de tornar mais clara para os operadores uma nova forma de produzir o direito através da produção de uma nova maneira de conhe cer o direito Teubner também compartilha com Habermas a ideia de que a função do direito consiste em regular estruturas capazes de se autorregular para não distorcer seu conteúdo e não destruir Sociologia do DireitomioloP3indd 236 020822 1037 o problema da evolUção 237 como temia Habermas padrões de comportamento estabeleci dos na vida social Daí a importância particular que Teubner atribui ao trilema regulatório segundo o qual qualquer intervenção regulatória pode ser irrelevante ou pode produzir efeitos negativos na área regulamentada ou ainda pode produzir tais efeitos no âmbito do direito Teubner 1987 Essas alternativas muitas vezes trata das isoladamente conseguem como um todo tornar os mode los de relações entre o direito e os sistemas sociais mais complexos e enfatizar que para conhecer o impacto real dele nas diversas esferas sociais legalmente regulamentadas é necessário antes de tudo saber como essas áreas elaboram por meio de sistemas au tônomos de regras o que para eles são simples informações re gulatórias provenientes do sistema jurídico Teubner constrói três hipóteses que devem abranger as prin cipais variantes da relação direitosociedade numa perspectiva evolutiva A hipótese da inconsistência da realidade do direito no que diz respeito à realidade social e viceversa da realida de social em relação ao direito A hipótese da hiperlegalização da sociedade que ocorre quando o regulamento jurídico influencia a ação interna dos elementos a ponto de comprometer sua autorregula ção causando efeitos desintegrantes no campo regulado que Habermas havia definido como colonização A hipótese de hipersocialização do direito que diferente mente da posição de Habermas ocorre quando o direito e não a sociedade sucumbe ou seja o seu esforço para alcan çar o maior número possível de objetivos dentro daqueles explicitados repercute em sua estrutura interna o que pro vavelmente o próprio direito não consegue mais controlar Sociologia do DireitomioloP3indd 237 020822 1037 238 sociologia do direito A consequência dessa última situação que representa exata mente o oposto da hiperjuridificação é nesse caso o direito sub misso do lado de fora e portanto politizado economizado pedagógico etc o que para Teubner significa como resultado negativo que a autoprodução dos elementos regulatórios do di reito está exposta a tendências desintegradoras Um exemplo do surgimento progressivo de um direito reflexi vo hipersocializado é a regulamentação jurídica das associações privadas A intervenção do Estado nesses casos não se destina apenas a nivelar suas relações internas de poder mas também a conscientizálas sobre os efeitos sociais de sua organização e de senvolver suas habilidades de autocontrole No entanto os grupos de interesses inclusive devido ao impulso das inovações tecnoló gicas que constituem uma variável independente capaz de criar convergências de objetivos não limitados pelas fronteiras dos Es tados tendem a expandir ainda mais a área de sua influência tor nandose por vezes capazes de grandes agregações para poder atuar simultaneamente em vários Estados mesmo que permane çam fora da sede oficial do direito supranacional É evidente que os sistemas não podem ser construídos se guindo uma lógica de total abertura à mudança sob pena de per der suas fronteiras e portanto desaparecer e se liquefazer em uma sociedade líquida indistinta privada das meticulosas dife renças adquiridas ao longo do processo de evolução No entanto isso não significa que não possam construir estruturas adequa das para regular aquelas que surgiram de maneira espontânea e que por outro lado mais indivíduos possam construir suas pró prias estruturas sociais de caráter normativo mas não estatal em uma visão pluralista Além de superar o contraste entre ra cionalidade formal e racionalidade material em geral ancorado no conflito entre regulação jurídica formal e autorregulação Sociologia do DireitomioloP3indd 238 020822 1037 o problema da evolUção 239 social material Teubner também propõe a hipótese de uma ra cionalidade jurídica que não consiste na escolha de um único ponto de orientação sociedade em vez de direito mas na inser ção dentro do direito de vários momentos reflexivos capazes de combinar ambos Em suma a abordagem de Teubner é muito complexa pois como vimos ele está simultaneamente engajado em duas frentes na frente de Luhmann buscando enfatizar a importância da ra cionalidade formal para proteger a identidade do direito como um sistema e ao mesmo tempo na frente de Habermas a fim de aprimorar a natureza insubstituível da racionalidade material de modo que garanta a comunicação intersistêmica do direito Além disso essa abordagem parece tentar alcançar com diferen tes ferramentas o projeto de Weber de síntese das duas formas de racionalidade formal e material Portanto podese dizer que Teubner coletando elementos da sociologia do direito clássico combinaos com esquemas próprios não apenas da teoria geral dos sistemas mas também tenta abordar sobretudo Max Weber dado o caráter eclético de sua abordagem que diminui mas não rejeita uma racionalidade jurídica formal Devese enfatizar que o próprio direito autopoiético com sua capacidade característica de combinar abertura e fechamen to em relação ao ambiente é capaz de absorver internamente não só a tensão entre normas jurídicas e normas sociais nas quais se baseiam todas as formas de pluralismo mas também uma ins tância crítica fundamental o critério da justiça O controle da jus tiça segundo Teubner 2008 parece fazer parte do modelo de direito autopoiético De fato esse direito é capaz de revisar corri gir e reformular as próprias normas a ponto de utilizar o mesmo critério de justiça eliminando seu caráter potencialmente subver sivo na medida em que consegue identificar a capacidade das decisões jurídicas de se adaptar ao sistema social como um todo Sociologia do DireitomioloP3indd 239 020822 1037 240 sociologia do direito Weber Teubner Racionalidade formal Racionalidade material Hiperciclo Constituições sociais Figura 9 Teubner e Weber DIREITO POSITIVO Diante desses argumentos o controle da justiça pode ser considerado não apenas no sentido de Teubner uma espécie de irrupção da irracionalidade no mundo racional do direito nem mais tradicionalmente um controle de igualdade e de recipro cidade mas sim a soma dos critérios de eficiência e adequação típicos dos modelos de direito da sociologia do direito clássico O controle da justiça exige o controle dos efeitos e dos efeitos dos efeitos das decisões jurídicas que para não ser indefinida mente repetidas devem ser delimitadas de uma maneira per cebida como justa10 A justiça poderia portanto ser entendida como uma espécie de critério em um nível superior ao anterior capaz de indicar se o grau de resistência de qualquer ineficiên cia e inadequação das normas positivas foi superado nas diver sas áreas do setor social afetadas por certo padrão jurídico ou se está causando situações desconfortáveis que podem ser conside radas injustas11 10 Assim de acordo com uma perspectiva intersistêmica um turno noturno mesmo bem remunerado que comporte consequências negativas na esfera priva da ou na coesão familiar dos trabalhadores pode revelarse injusto 11 Por exemplo no caso da determinação de impostos de maneira proporcional ao lucro o legislador que segue explícita e exclusivamente uma política de equi dade tributária não terá apenas uma progressão que considere justa Sociologia do DireitomioloP3indd 240 020822 1037 o problema da evolUção 241 Isso significa que o critério mais visível socialmente parece ser a injustiça e não a justiça É a injustiça que costuma gerar reações fortes e generalizadas e pode provocar escândalos ao acionar um alarme cultural contra regulamentos incompatíveis com seu ambiente social Podemos portanto falar não tanto da alternativa justiçainjustiça mas de maior ou menor justiça ten do que identificar o grau de justiça ou de injustiça de acordo com um continuum e não segundo uma simples alternativa binária12 Tabela 10 Modelo de direito na sociologia jurídica contemporânea Aproxi mação Objeto Ponto de referência Perspectiva Fundação Sistêmico Estruturas Fechamento predominante Autorrefe rencial Lógica binária Dialógico Atores Abertura predominante Comunicativa Lógica discursiva Misto Critério de decisão Fechamento abertura Autocorretiva Lógica intersistêmica Para compreender as especificidades das diferentes posições dos autores vistas neste capítulo em relação ao problema da evo lução do direito é possível apontar três elementos básicos que aparecem de várias formas 12 Citando uma razão sociológicojurídica implícita recorrente nas aulas do meu professor de Instituições de Direito Romano Gabrio Lombardi devo lembrar aqui que a busca da justiça é temporalmente limitada e portanto não pode supe rar o valor absorvente da resolução oportuna de conflitos Tendo em conta o tempo variável para avaliar a justiça de uma decisão será necessário no decurso de cada julgamento equilibrar o maior grau de justiça obtido por meio da pror rogação do prazo processual com os maiores custos sociais também em termos de maior incerteza que isso inevitavelmente acarreta Sociologia do DireitomioloP3indd 241 020822 1037 242 sociologia do direito 1 o conjunto de estruturas que selecionam os sistemas regu latórios e as normas individuais que podem fazer parte de determinado processo de legitimação 2 o conjunto de sujeitos individuais e coletivos interessados em utilizar essas estruturas 3 o conjunto de critérios capazes de estabelecer uma cone xão entre as estruturas e os sujeitos antes mencionados A solução sistêmica portanto está conectada às estruturas que garantem o fechamento do sistema em uma perspectiva au torreferencial que permite uma série de níveis de autorreflexão com base nos critérios de uma lógica estritamente binária que assegura a manutenção da identidade do sistema individual A solução de diálogo independente de intervenções internas forta lece as capacidades seletivas das estruturas por se basear na tro ca interativa e aberta de comunicação entre vários sujeitos de acordo com os critérios de uma lógica discursiva A solução de natureza mista visando a mediação entre instrumentos reflexi vos e comunicativos busca o aprimoramento da capacidade de autocorreção dos critérios de decisão dos sujeitos e as estruturas de uma troca intersistêmica que garante uma alternância de mo mentos de abertura e de fechamento do sistema jurídico 55 Constituição e evolução Outra implicação de particular relevância para a sociologia do direito das contribuições vistas neste capítulo é a questão da evolução da Constituição considerada ao mesmo tempo supor te necessário e limite inevitável a mudanças no direito Essen cialmente a Constituição é uma maneira de limitar o poder através do poder mas no desempenho dessa função as Consti tuições revestemse de formas bastante diferentes Sociologia do DireitomioloP3indd 242 020822 1037 o problema da evolUção 243 Se a Constituição sobretudo nos séculos XVI e XVII era percebida principalmente como prova de uma autolimitação vo luntária da forma estatal orientada pelo compromisso de prote ger os valores fundamentais nos séculos XVIII e XIX ela tende a se tornar acima de tudo um ato fundador do Estado nacional Fioravanti 2009 que assume a tarefa de determinar seu desti no por meio de uma política de expansão de sua área de inter venção em escala global Na teoria constitucional do século XIX a Constituição pode combinar diferentes significados dependendo da principal tare fa que lhe é confiada É entendida como um limite que sele ciona e filtra o funcionamento dos órgãos e aparelhos do Estado como um contrato que se supõe celebrado por todos os sujeitos envolvidos e como um ponto de equilíbrio cuja definição é confiada a critérios extremamente gerais Rebuffa 1990 Isso implica que embora por meio de uma série de ficções e de um ponto de vista formal e hierárquico a solução geral da relação Estadosociedade poderia ser confiada a uma Constituição en tendida de maneira única No século XX as Constituições receberam interpretações diversas e revistas de modelos anteriores desde o do Estado libe ral que concebe a Constituição como ferramenta para a prote ção de escolhas individuais que não devem ser influenciadas por atores públicos ao Estado programado que buscando objetivos considerados prioritários para todo o sistema social pode justi ficar a redução drástica de áreas individuais de escolha Após a Segunda Guerra Mundial as novas Constituições estaduais em alguns casos passaram a representar uma descontinuidade em sua história na Europa e portanto um ponto de ruptura cons ciente em relação a organizações estatais anteriores e em alguns casos um ponto de convergência para formas de integração ainda Sociologia do DireitomioloP3indd 243 020822 1037 244 sociologia do direito a ser definidas como a União Europeia Para uma perspectiva positivista centrada na lei do Estado o termo constituição é usado para designar o ponto de fechamento do processo de re produção interna de determinado ordenamento jurídico dotado de uma estrutura normativa hierárquica A função jurídica essencial da Constituição reside portanto não apenas em representar oficialmente a certidão de nascimen to de certa estrutura estatal caracterizada por novos equilíbrios entre os vários poderes estabelecidos mas também em permitir pelo menos de maneira formal o encerramento da ordem jurí dica Para ser inserida dentro da estrutura piramidal do sistema jurídico uma norma deve fazer que sua fonte de validade derive de um padrão mais elevado Isso implica um processo que se re pete em todos os níveis do sistema até que seja alcançada uma norma final a Constituição capaz de atribuir validade a todas as outras normas sem por sua vez tirar validade de nenhuma de las É evidente aqui além das técnicas positivistas jurídicas a analogia que vincula a Constituição a uma visão orgânica dos sistemas jurídicos Também no que diz respeito à cadeia biológi ca da vida um declínio capaz de se estender ao infinito só pode ser interrompido assumindo um elemento de fechamento que não se origina mas dá origem a toda a criação Neste capítulo aspectos semelhantes foram ressaltados sob uma perspectiva não formal ou hierárquica à luz da qual a Cons tituição pode ser considerada uma espécie de sistema de segundo nível que por um lado sustenta o sistema jurídico e por outro baseiase em um amplo espectro de culturas jurídicas externas ao sistema jurídico Na Constituição portanto são definidas as estruturas regulatórias com suas limitações os contratos sociais estabelecidos pelos sujeitos e os critérios de decisão adotados de maneira equilibrada Desse modo enquanto para o restante do Sociologia do DireitomioloP3indd 244 020822 1037 o problema da evolUção 245 ordenamento a estabilidade de apenas um desses elementos pode ser suficiente a Constituição tende a exigir a estabilidade de mais de um desses elementos e sempre que possível sua variação har mônica e coerente através de uma espécie de convenção inter pretativa que leva em conta os diversos momentos históricos É certo no entanto que a relação entre o sistema jurídico e o sistema político diante da redução do papel de um Estado que assumiu a função de coordenação e unificação da produção regulatória per manece mais fracamente controlada e portanto pode com faci lidade alterar o papel da mesma Constituição A Constituição portanto não se apresenta simplesmente como o instrumento que garante a unidade do sistema jurídico no mais alto nível ou o ponto a partir do qual um sistema jurí dico pode ser reconhecido de fora mas pode ser vista como o cruzamento de todos os principais canais internos e externos de comunicação do sistema No sistema jurídico desempenha a função fundamental de estabilizar previamente as possíveis mu danças no direito O próprio Luhmann consideraa um exemplo de acoplamento estrutural Luhmann 1993 p 266 Febbrajo Harste 2013 e como tal capaz de conectar o sistema político ao sistema jurídico Ao combinar cultura política com cultura jurídica e regras de organização estatal com normas do direito a Constituição apresentase como a parte mais jurídica do sistema político e ao mesmo tempo como a parte mais política do sistema jurídico Parece capaz de atuar como garantidora suprema dos valores ju rídicos da ordem e sua fonte fundamental de legitimidade Não apenas mantém em constante contato o sistema jurídico e o sis tema político mas também tende a confiar sua atualização a uma espécie de diálogo constitucional entendido em um senti do amplo em um nível interestadual e afeta em suas áreas de Sociologia do DireitomioloP3indd 245 020822 1037 246 sociologia do direito competência outros sistemas jurídicos e não jurídicos como os de economia ou religião Devese notar no entanto que a Constituição não é o único instrumento de acoplamento estrutural que pode ser imaginado no âmbito das relações intersistêmicas que partem do direito para as diversas áreas da sociedade Seguindo essa linha de argu mentação também é possível identificar outras possíveis ferra mentas de acoplamento estrutural que afetam o sistema jurídico Outro modelo de acoplamento estrutural é a democracia enten dida como o lugar em que as normas da política e do direito es tão entrelaçadas à medida que emergem da cultura política e jurídica dos atores sociais A democracia desempenha a função essencial de manter o sistema jurídico aberto às inovações de po líticas por meio de procedimentos como o eleitoral que permi tem a quantificação periódica do consentimento diante de uma possível alternância entre maioriaminoria A democracia assume assim a tarefa de não levar em conta as oportunidades de inovação não utilizadas no presente dei xandoas para o futuro e garantindo a constante mudança de decisões políticas bem como a renovação periódica das classes dominantes e de seus programas Como instrumentos de aco plamento estrutural os procedimentos eleitorais tendem a assu mir o papel de abrir estruturas políticas à contribuição decisiva das culturas jurídicas externas garantindo por meio da defini ção democrática das estruturas majoritárias que determinam a legislação a possível alternância de novas fontes de variação no conteúdo das estruturas regulatórias que podem ser periodica mente revistas Quanto ao mercado ele também é capaz de se apresentar como uma ferramenta de acoplamento estrutural na medida em que fazendo a mediação entre direito e economia influencia as Sociologia do DireitomioloP3indd 246 020822 1037 o problema da evolUção 247 tendências de preços de maneira impessoal através das normas jurídicas que as controlam Contribui em particular para sele cionar possibilidades de tomada de decisão juridicamente rele vantes por meio de uma pluralidade de decisões econômicas individuais que são arriscadas pois incapazes de produzir em geral consequências completamente previsíveis do ponto de vis ta do ator individual Em particular o mecanismo de mercado baseiase no acoplamento estrutural da cultura econômica e da cultura jurídica que combinadas de maneira adequada podem garantir uma seleção constante das diferentes possibilidades de tomada de decisão dos atores econômicos e jurídicos envolvidos Nesse contexto o principal meio é o dinheiro quantificado atra vés do preço dos produtos no mercado por conexões intersistê micas que selecionam as margens de tolerância nas diversas áreas envolvidas de quaisquer decisões de compra Entre os canais que garantem contatos constantes não ape nas dentro das estruturas jurídicas mas também no nível inter sistêmico para fazer circular as solicitações necessárias para o seu funcionamento incluise o direito autopoiético que faz uso de inúmeras conexões intersistêmicas como a interferência quando diversos contextos sistêmicos são conectados por co municações com diferentes significados em seus respectivos contextos ou por irritações provenientes de outros sistemas que precisam ser traduzidas para a linguagem jurídica Assim em suas relações com a economia o sistema jurídico pode cons truir sua própria ordem e suas próprias normas adotando de modo seletivo solicitações ou irritações econômicas Somente se e na medida em que permanece em si sem sobrepor outros sistemas o direito é capaz de elaborar uma reconstrução jurídi ca do desenvolvimento econômico que faça sentido para a pró pria economia Sociologia do DireitomioloP3indd 247 020822 1037 248 sociologia do direito Tabela 11 Ultraciclos intersistêmicos do direito autopoiético Momento autopoiético Circuito interno externo Acoplamentos estruturais Estabilização Políticacultura jurídica interna Constituição Seleção Economiadireito Mercado Variação Políticacultura jurídica externa Democracia Hoje a Constituição não parece capaz de desempenhar um papel que proporcione estabilidade que evite o envolvimento di reto nos processos evolutivos A crescente percepção de que até mesmo as Constituições dos Estados e não apenas o direito que as legitima estão sujeitas ao condicionamento da sociedade e que as reivindicações de centralidade do Estado e da política de vem ser fortemente redimensionadas justifica o outro lado da moeda o de surgimento de Constituições civis que fora da polí tica atestam a capacidade de autorregulação dos mais diversos setores da sociedade Essas Constituições são portanto diversifi cadas a partir de um constitucionalismo multinível capaz de ressaltar os diferentes níveis estatal e supraestatal da atual orga nização constitucional com particular referência às complexas relações entre as Constituições dos paísesmembros da União Eu ropeia Partridge 2002 e à situação de interlegalidade dada a coexistência de múltiplas referências jurídicas estatais e supraes tatais não organizadas hierarquicamente Santos de Sousa 2002 De fato com a expressão Constituições civis Teubner de clina provocativamente o termo Constituição no plural pre tendendo sublinhar a superação de uma fase estadocêntrica em que a Constituição no singular é capaz de legitimar o ordena Sociologia do DireitomioloP3indd 248 020822 1037 o problema da evolUção 249 mento jurídico e se autolegitimar representando a principal garantia da autorreferencialidade do direito Portanto ele faz ampliar o campo semântico do termo Constituição para in cluir aquela série de Constituições civis que de modo indepen dente do Estado são capazes de se conectar entre si de maneira não hierárquica formando uma rede que contribui para oferecer uma estrutura autônoma à estrutura social Teubner 2005 Quanto mais os processos autônomos de regulação de inte resses são fortalecidos como resultado de normas estabelecidas independentemente dos Estados mais as Constituições civis são fortalecidas e por sua vez criam novas figuras jurídicas capazes de se autorregular tanto no âmbito intraestadual quanto no su pranacional O complexo fenômeno da ruptura do elo exclusivo entre Constituição e Estado permite em suma focalizar melhor o fenômeno agora amplamente percebido do enfraquecimento do Estado e de o direito ser colocado contra a sociedade e as fi guras coletivas que produz O caso das Constituições civis pode portanto não apenas ajudar a perceber o potencial mas também as dificuldades que os movimentos culturais externos ao direito e à política encontram para se tornar relevantes para seus respec tivos sistemas de referência Voltando agora à Constituição do Estado devese dizer que ela pode ser entendida como o sistema que constitui e regula o jogo do direito e por meio disso os jogos sociais Nesse contex to pode ser definida por elementos como legitimidade tarefas formas de mudança a duração que parece caracterizála hoje Vamos agora examinar brevemente esses elementos que podem contribuir para entender a importância da Constituição para a evolução do direito Se do ponto de vista jurídico o povo tem uma Constitui ção do ponto de vista cultural mais amplo o povo é uma Sociologia do DireitomioloP3indd 249 020822 1037 250 sociologia do direito Constituição em parte boa pelo que contribuiu ou deveria ter contribuído com sua cultura Na realidade a Constituição do ponto de vista sociológico não é ape nas uma norma original mas encontrase no topo de um complexo processo de síntese entre culturas que não são necessariamente homogêneas implementadas de maneira coordenada e feitas para se tornarem os mais altos padrões de referência de um sistema jurídico Isso não deixa de ter efeitos sobre a legitimidade da Constituição Abandonado o mito romântico de um sentimento nacional capaz de expressar com base em uma memória cultural comum esse plebiscito diário virtual em favor da Constituição de que Ernest Renan falou 1882 sentimonos compelidos a aceitar uma espécie de legitimação negativa que simplesmente se limita a des legitimar aqueles que fazem uma tentativa de deslegitimar a Constituição Isto é especialmente verdadeiro em relação ao pa pel da cidadela dos chamados direitos fundamentais que de vem orientar as decisões dos operadores de tempos em tempos e traçar os caminhos destinados a dar as respostas mais inovado ras do sistema às mudanças sociais PecesBarba Martínez 1991 Esses direitos podem ser legitimados naturalmente por meio de estratégias argumentativas jusnaturalistas centradas em valo res ou juspositivistas baseadas em leis limitadas ao ditado consti tucional ou mesmo a tertium datur por argumentos focados nos prováveis efeitos na sociedade Os direitos fundamentais liberdade de movimento de opinião e de imprensa direitos humanos já reco nhecidos internacionalmente Alston Bustelo Heenan 1999 foram de fato considerados funcionalmente voltados sobretudo para uma ordem específica de uma sociedade específica que atra vés da sua observância seria capaz de fazer funcionar o modelo sociopolítico escolhido Luhmann 1965 Palombella 2002 Sociologia do DireitomioloP3indd 250 020822 1037 o problema da evolUção 251 A Constituição pode ser entendida como o ponto de equilí brio de uma síntese complexa na qual se juntam contribui ções inovadoras dos mais diversos setores da sociedade Em termos de teoria dos sistemas ela realmente assume a tarefa geral de gerenciar duas fronteiras interna e externa de um ponto de vista cultural em direção ao direito e à sociedade A tarefa duplamente seletiva realizada pela Constituição deve assegurar a constante congruência da cultura jurídica interna e externa com relação aos textos constitucionais A afirmação de segundo nível de que o intérprete procederia principalmente do texto é portanto uma ficção indis pensável sobretudo se for levada em conta a uniformidade metodológica exigida pelos diversos níveis de interpretação Por outro lado o intérprete da Constituição deve de fato também referirse a esses cristais culturais que se assen tam além ou deste lado a montante ou a jusante do texto jurídico Häberle 1982 trad 2001 p 33 Para garantir que essa dupla seleção ocorra de forma equilibrada as Consti tuições modernas preveem instâncias de controle responsá veis por garantir a unidade de critérios interpretativos para aqueles que no âmbito judiciário e no legislativo podem cruzar os limites do significado da Constituição Do ponto de vista sociológico no entanto é legítimo per guntar se considerando o texto escrito como a certidão de nas cimento da Constituição à qual todo o sistema jurídico deve se adaptar o papel central da cultura jurídica não é subestimado e portanto a causa não deve ser trocada pelo efeito De fato não há dúvida de que o termo Constituição mesmo em seu sentido mais estritamente jurídico implica uma relevância sociológica confirmada pelas referências implícitas a ela ou pelas principais abordagens para o estudo da sociedade Os atuais desafios de Sociologia do DireitomioloP3indd 251 020822 1037 252 sociologia do direito origem social não podem ser cancelados ou resolvidos pela Cons tituição mas a própria Constituição embora pretendida como o mais alto símbolo da identidade e da continuidade do sistema não parece capaz de ignorar a fase de transformação social e evo lução jurídica que deve contribuir para absorver Thornhill 2011 Um atalho frequente para permitir que a Constituição cum pra suas tarefas e se renove pode ser o recebimento de extensas partes de outras Constituições Embora não sejam poucos os ca sos em que Constituições impostas ou transpostas do exterior conseguem permanecer vivas por décadas essa estratégia pode mais criar do que resolver problemas Por exemplo a Constitui ção preparada por especialistas italianos para o novo Estado da Somália destinada a substituir o protetorado da era colonial em bora tenha sido bemsucedida em nível formal e literário logo foi cancelada pela autoridade militar devido à falta de condições mínimas indispensáveis para o seu transplante estrutural Dada a mudança dos jogos sociais que a Constituição re gula não é de surpreender que preveja sua própria mudan ça desde o seu surgimento De fato o processo de adaptação da estrutura do Estado à Constituição que começa logo após sua promulgação exigiria uma Constituição já aceita mas isso não é realista também porque o processo de legi timidade é sociologicamente contínuo Nesses casos a Constituição promoverá orientações culturais amplas que sinalizam a necessidade de adaptação à vontade do partido que prevaleceu eou a necessidade de iniciar um novo ca minho no cenário internacional Pode portanto tornarse pelo menos em seus primórdios uma espécie de modelo construído de maneira abstrata inatingível em sua totali dade mas exatamente por essa razão capaz de traçar uma situação normativa ideal com relação à qual a realidade Sociologia do DireitomioloP3indd 252 020822 1037 o problema da evolUção 253 simplesmente apresentaria uma réplica pálida que é per mitida de tempos em tempos pela situação factual Häberle 1982 trad 2001 p 31 Além disso nas democracias recen tes uma lei aprovada por um parlamento eleito demo craticamente pode desfrutar na cultura jurídica interna e externa uma legitimidade tão ampla que a intervenção restritiva de um órgão não eleito como o tribunal cons titucional pode ser entendida como uma ameaça ao li vre exercício da democracia parlamentar recémadquirida Sadurski 2002 No entanto não se diz que desde o início esses objetivos sejam compartilhados por uma corrente cultural majoritária e apoiados de maneira convincente por setores significativos da estrutura do Estado A Constituição recentemente foi menciona da de maneira imprópria para sinalizar novas soluções organiza cionais na União Europeia necessárias pelo alargamento mais do que quadruplicado em relação ao seu tamanho original Pri ban 2005 MacCormick 2005 Joerges Meny Weiler 2000 O uso do termo Constituição em geral reservado no cam po jurídico a momentos de renascimento ou regeneração de outra extensão não conseguiu em nenhum caso garantir um efeito legitimador suficiente Mesmo as Constituições surgidas con juntamente com eventos traumáticos sérios conflitos internos guerras embora não sejam capazes de produzir de imediato uma evolução cultural adequada podem ao longo do tempo ga rantir bases cada vez mais amplas de consenso Quanto à expe riência italiana parece desnecessário lembrar que ela resume muitas das características antes apontadas Em 1948 no final de um longo e sangrento conflito mundial de proporções nunca an tes conhecidas e após um curto período de transição a Itália mu Sociologia do DireitomioloP3indd 253 020822 1037 254 sociologia do direito dou sua Constituição e com ela sua própria forma de Estado e de governo Essa fundamentação foi então compartilhada por muitos outros Estados europeus cientes como a Itália de que se encon travam em uma fase histórica caracterizada por uma forte retra ção cultural política e estratégica da antiga centralidade mundial da Europa Paralelamente às pressões constitucionais nacionais forças unificadoras peremptórias foram direcionadas à forma ção de uma entidade supranacional europeia dotada de uma es pécie de metaconstituição material e de habilidades específicas em setores de importância estratégica para a reconstrução e o desenvolvimento dos países que a fundaram Itália França Repú blica Federal da Alemanha Bélgica Holanda Luxemburgo13 Portanto podese dizer que nos anos pósguerra o processo de constitucionalização iniciado foi na verdade duplo Por um lado foi direcionado ao presente e atribuiu aos Estados novas 13 Ao final da Segunda Guerra Mundial em que ocorreu o suicídio da Europa os Estados Unidos que não quiseram participar desse conflito viramse assumin do um papel de liderança mundial para o qual não estavam preparados Desde então os países europeus têm se empenhado na difícil tentativa de voltar a de sempenhar um papel global por meio de várias formas de integração jurídica econômica administrativa No entanto a persistente diversidade de seus inte resses impediu até agora apesar de alguns sucessos importantes a realização de prérequisitos essenciais para uma verdadeira união política como a aprovação popular de uma Constituição comum a afirmação de processos decisórios de mocráticos e não burocraticamente oligárquicos a determinação de fronteiras territoriais compartilhadas do processo de alargamento em curso a superação de conflitos internos devido à cessação da capacidade industrial em relação à de manda atual do mercado a criação de uma defesa comum autônoma a identifi cação de uma política externa unitária de fato a Alemanha olha historicamente para o Oriente a Espanha e Portugal olham para a América Latina e a França olha para a África e para as excolônias Esses limites que parecem ser supera dos com uma maior solidariedade europeia são objeto de recorrentes reflexões críticas por parte daqueles que continuam a acreditar em uma UE mais próxima dos seus ideais originais Ver WEILER J The Constitution of Europe Do the New Clothes have an Emperor Cambridge Cambridge University Press 1998 MONGARDINI C rev LEuropa come idea e come progetto Roma Bulzoni 2009 Sociologia do DireitomioloP3indd 254 020822 1037 o problema da evolUção 255 bases constitucionais que respeitavam suas respectivas identida des nacionais por outro lado tendo em vista o futuro próximo preocupouse em criar o primeiro núcleo de uma realidade jurí dica comunitária dentro do qual os Estados individuais estavam destinados a ser inseridos e eventualmente absorvidos Ambos os processos de constitucionalização mostraram a fragilidade da tese de que um fato eminentemente jurídico como a promulga ção de uma nova Constituição seria capaz não apenas de sancio nar formalmente os princípios inspiradores de um novo Estado ou de uma comunidade de Estados mas também de produzir as transformações sociais necessárias na realidade Além disso como sabemos a Constituição italiana surgiu de uma série de compromissos que combinam em um único texto várias tradições culturais como as ideologias católicas liberais e socialistas como eram então politicamente representadas o que se mostraria uma ferramenta útil para expandir a longevidade da Constituição De fato embora heterogêneas diferentes cultu ras jurídicas em geral conseguem coexistir não apenas formal mente na Constituição graças à coexistência de disposições de diferentes orientações ideológicas e políticas mas também subs tancialmente na sociedade No nível formal essa coabitação contribui para uma abertura interpretativa adequada fruto da cultura jurídica dos especialistas que é desenvolvida e repassada nas universidades cf Calamandrei 1995 É desnecessário lem brar que para a Constituição italiana a abertura às culturas jurídicas de sujeitos externos aos procedimentos legislativos sempre pode ocorrer após a promulgação das leis por meio de uma instituição o referendo com o objetivo de promover a revo gação da lei que não está em conformidade devido ao seu con teúdo ou a quaisquer efeitos produzidos com a cultura jurídica predominante na sociedade Sociologia do DireitomioloP3indd 255 020822 1037 256 sociologia do direito Nesse contexto a interpretação é um momento essencial na vida da Constituição pois permite que sua forma permaneça inalterada mesmo que sejam realizados contínuos ajustes subs tanciais culturalmente orientados e necessários para mudar seu escopo ao longo do tempo No caso da própria Constituição ita liana cujo processo de aplicação mostrouse particularmente lento uma das primeiras etapas de sua gradual implementação foi a criação de um tribunal constitucional Como a experiência demonstrou a estrutura composta do tribunal na qual compo nentes do Judiciário operam ao lado de componentes universi tários e políticos com a duração excepcional do mandato e a ausência de formalização de parecer dissidente têm facilitado o desempenho sem grande resistência de sua complexa tarefa que não é apenas jurídica em sentido formal Dessa maneira foi produzida uma jurisdição visivelmente sensível ao problema dos efeitos previsíveis produzidos pelas decisões em boa parte inspi rada pela oportunidade política e jurídica de manter o equilíbrio institucional14 Exatamente por serem colocadas em um nível um tanto elevado e atemporal as Constituições parecem destinadas a valer por períodos muito mais longos do que os reservados para a legislação comum Uma Constituição estatal dife rentemente das Constituições civis que possuem uma ex pectativa de tempo de validade muito mais limitada deve sobreporse ao tempo e às mudanças inevitáveis que são 14 Além disso para integrar as funções da Corte Constitucional recorrese há algum tempo a um conjunto de estruturas formalmente autônomas em relação ao governo e ao parlamento as chamadas autoridades administrativas indepen dentes que são dotadas de poderes de penetração e devem assegurar interven ções mais rápidas e operacionais em matérias constitucionalmente relevantes Pepe 2005 Sociologia do DireitomioloP3indd 256 020822 1037 o problema da evolUção 257 gradualmente produzidas pela sociedade A Constituição na verdade marca o surgimento de uma nova ordem fun dada e legitimada por si mesma com a função de regular a vida não apenas da geração daqueles que viveram no mes mo momento histórico dos fundadores Eles podem por tanto sentirse vinculados por um ato normativo que os viu nascer mas também pelas gerações subsequentes que deverão declinarse à vontade das gerações anteriores das quais inevitavelmente estarão separadas por uma signifi cativa lacuna cultural Alexander 1998 Esse paradoxo no entanto não significa que com o passar do tempo a Constituição estará destinada a rejeitar a evolução e se tornar a menos culturalmente enraizada das leis Febbrajo Cor si 2016 De fato podese argumentar que são exatamente os mui tos e diversas vezes contraditórios elementos contidos em uma Constituição moderna que permitem manter essa mistura singu lar de rigidez e flexibilidade e que ela sobreviva ao seu tempo Essa capacidade é muitas vezes conquistada ao preço de uma abstração simbólica cada vez maior e uma capacidade cada vez menor de encontrar soluções práticas de maneira unívoca Também é possí vel adiar uma decisão essencial para certos assuntos constitucio nais para momentos posteriores recorrendo àquela fórmula que Carl Schmitt chamou de compromisso dilatório Schmitt 1932 isto é formulação normativa pela qual o compromisso de posições não reconciliáveis ocorre por meio de uma decisão formal A cons tante releitura e reinterpretação da Constituição formal deve no entanto permitir que a cultura jurídica interna dos operadores mantenha contato ao longo do tempo com a Constituição mate rial o que inevitavelmente é o caso da sociedade Mortati 1940 Também se deve ressaltar que as consideráveis dificuldades que uma Constituição encontra na combinação de diferentes re Sociologia do DireitomioloP3indd 257 020822 1037 258 sociologia do direito gulamentações jurídicas e sociais em uma visão não sistêmica mas intersistêmica que utiliza diferentes mídias como dinheiro consentimento e legitimidade é agravada por uma dificuldade adicional que surge da profunda diversidade de percepções do tempo nos vários sistemas15 O tempo parece ter se tornado em uma sociedade complexa um recurso problemático não apenas pela sua escassez e impossibilidade de ser reintegrado mas tam bém pela variedade de maneiras de ser percebido Nos vários sub sistemas sociais não é possível criar o equivalente a uma moeda única responsável pela medição dos valores temporais de manei ra homogênea e generalizável O tempo portanto que deve forne cer um quadro de referência comum entra inevitavelmente em conflito consigo mesmo quando certos subsistemas exigem deci sões rápidas que devem lidar com procedimentos caracterizados por uma relativa lentidão e uma indiferença em relação ao exterior Esses conflitos temporais também podem ocorrer em institui ções individuais em especial se representam casos de acoplamen to estrutural que ao estabelecer linhas recíprocas de demarcação podem produzir incompatibilidade e provocar crises funcionais Assim na universidade os diferentes horizontes temporais ine rentes à função de formação e pesquisa e as complexas relações entre esses horizontes e os dos diferentes usuários dificultam muito a autoavaliação coerente da instituição A função de pesquisa que exige um horizonte temporal ex tremamente amplo está intimamente ligada à função de treina mento que requer um horizonte temporal bem delimitado o que pode levar a ignorar na regulação dos processos de treina mento os limites de tolerabilidade de possíveis extensões das es 15 Para uma discussão introdutória ver Elias 1986 Lima 2010 Neves 2007 Neves 2013 Schwartz 2018 Sociologia do DireitomioloP3indd 258 020822 1037 o problema da evolUção 259 calas de tempo institucionalmente planejadas para treinamento em relação aos sistemas indiretamente afetados de tempos em tempos família trabalho e outros Portanto parece apropriado afirmar a necessidade de regulação social mas sobretudo de regulamentação jurídica que tenha seu ápice na Constituição para recuperar um nível mais alto de percepção em relação aos diferentes tempos de cada subsistema social e ser capaz de re fletir sobre as diferenças no tempo que afetam o regulador de forma diferente da regulação calibrando melhor com base nes sas diferenças os tempos de possíveis ajustes Uma solução para esses desequilíbrios temporais não depende necessariamente de escolhas conscientes no nível da legislação es tatal ou supraestatal nem de mudanças constitucionais difíceis e improváveis nem de ajustes espontâneos que possam se consoli dar de maneira que não seja totalmente programável mas por meio de uma interação entre normas sociais e normas jurídicas que permita aumentar a sensibilidade temporal delas Em geral mesmo em momentos de crise devido a situações de necessida de que exigem reações mais rápidas do que os tempos de delibe ração da reação regulatória ou em situações em que a estratégia de superação das crises pode levar a um uso mais longo uma combi nação de normas sociais e normas jurídicas poderia impedir a uti lização da irracionalidade parcial possivelmente produzida pelos subsistemas individuais fora do alcance de qualquer intervenção por parte dos órgãos centrais e poderia se fortalecer mutuamente e se reproduzir de maneira incontrolável Não se deve esquecer porém que se a Constituição é funda mentalmente autolimitação do poder um campo de análise sociológica e culturalmente relevante ainda é constituído pelo estudo dos métodos de arquivamento de redundâncias ou seja as possibilidades de tomada de decisão que são descartadas por Sociologia do DireitomioloP3indd 259 020822 1037 260 sociologia do direito processos de autolimitação mas não canceladas em vista de sua eventual recuperação para mudanças de necessidades De fato todos os processos de constitucionalização exigem o que segun do Luhmann todo regime democrático faz quando não elimina as possibilidades regulatórias descartadas a fim de deixálas à dis posição dos tomadores de decisão posteriormente eleitos Além dos momentos de seleção estabilização e inovação considerados essenciais no processo autopoiético é necessário levar em con ta o momento de armazenamento e possível recuperação das gigantescas nuvens virtuais ou dos buracos negros em que são utilizadas inúmeras possibilidades e depois descartadas ou sim plesmente nunca consideradas por razões culturais contingentes Não apenas as Constituições estatais mas também as so ciais podem recorrer a esse enorme patrimônio que em certa medida é preservado e estabilizado na memória coletiva com base em critérios que não coincidem necessariamente com os critérios de diferenciação funcional dos sistemas a fim de inovar as escolhas feitas antes Problemas com profundas raízes históri cas e portanto apenas na aparência novos podem assim ser solucionados com sucesso usandose pelo menos em parte so luções propostas em momento anterior16 O novo de fato nem sempre precisa ser respondido com o novo e a gestão de um con junto variado de possibilidades de tomada de decisão deixadas de lado pode ajudar a reconstruir o significado das Constitui ções estaduais e sociais e as culturas das quais elas continuam sendo expressão mesmo após várias gerações 16 Um exemplo disso é oferecido pela fase de transição dos Estadosmembros que aderiram recentemente à União Europeia Nesses países as circunstâncias am bientais alteradas sugeriram durante a elaboração das novas Constituições a recuperação de princípios e modelos que remontam a outras fases constitucio nais e surpreendentemente não cancelados da cultura jurídica após mais de meio século Febbrajo Sadurski 2010 Sociologia do DireitomioloP3indd 260 020822 1037 o problema da evolUção 261 Atualmente vários outros fatores tendem a reverberar o papel tradicional da Constituição De fato se por um lado ela continua sendo o mais alto critério jurídico de racionalidade das normas e o instrumento político mais influente para transformar legitima mente a vontade da maioria em vontade geral por outro é cada vez mais confrontada com a necessidade de abordar problemas relevantes para diversos ordenamentos estatais e deve portanto superar os horizontes limitados de seu próprio ordenamento A Constituição é assim levada a aceitar um diálogo com ou tras Constituições para substituir o monoteísmo imposto por uma visão limitada ao Estado único com uma perspectiva plu ralista capaz de articular diferentes outros ordenamentos estatal internacional supranacional transnacional e local O resultado é uma espécie de transconstitucionalismo que ao cruzar o âmbi to territorial do Estado amplia a área dos possíveis critérios in terpretativos da constituição a ponto de ter de rever os tradicionais requisitos formais de coerência e previsibilidade17 Nesse complexo quadro os diferentes modelos de transcons titucionalismo podem ser conectados em particular a diferen tes perspectivas temporais um modelo tradicional orientado para o passado leva em conta principalmente as relações entre as Constituições estaduais e os conjuntos de normas tão profunda mente enraizados na cultura local e na história de determinadas minorias que assumem o papel de verdadeiras e próprias Cons tituições um modelo simétrico orientado para o presente leva em conta principalmente as intensas relações entre Constituições de diferentes Estados com significativas convergências culturais um modelo teleológico orientado para o futuro leva em conta 17 Para uma ampla discussão desse tópico do ponto de vista da teoria dos siste mas ver NEVES M Transconstitucionalismo São Paulo WMF Martins Fontes 2009 e revista Transcostitutionalism Oxford e Portland 2013 Sociologia do DireitomioloP3indd 261 020822 1037 262 sociologia do direito principalmente as exigências de organizações transnacionais que para continuar a desempenhar suas funções específicas de vem ser capazes de esculpir suas próprias áreas as quais serão impostas à Constituição do Estado finalmente podemos falar de um modelo utópico cujo futuro ainda longe e difícil de al cançar deve ser caracterizado por relações entre diferentes Cons tituições estaduais efetivamente inspiradas em valores e normas de significância global capaz de ser realmente afirmado mesmo em relação a Estados particularmente influentes considerados mais Estados do que outros Esses modelos de transconstitucionalismo geralmente se re ferem de acordo com seu âmbito prevalente não tanto ao Esta do mas a à comunidade cujos membros derivam sua própria identidade de sua história comum b a pessoas que veem sua ca pacidade de realizarse autonomamente protegidas por vários estados c aos papéis específicos que são definidos por organiza ções interessadas em alcançar objetivos transnacionais d ao in divíduo que com base no critério universalmente difundido deve ser amparado por uma espécie de direito global Galgano 2005 Ferrarese 2020 Observase no entanto que se em uma perspectiva trans constitucional a Constituição única se mostra capaz de superar os limites do Estado único mesmo a democracia apesar de suas limitações18 deve transformarse paralelamente em uma trans democracia capaz de submeter os programas políticos corres pondentes aos interesses de uma pluralidade de Estados à escolha dos cidadãos Neves 2017 Isso de fato pode ocorrer se algumas questões impostas por situações de necessidade forem consideradas elementos in 18 Sobre o tema muito claro e referente não apenas à realidade italiana CASSESE Sabino La democrazia e i suoi limiti Milão Mondadori 2017 Sociologia do DireitomioloP3indd 262 020822 1037 o problema da evolUção 263 substituíveis da agenda política dos Estados Hoje estão princi palmente conectados em uma perspectiva evolutiva ao grande problema da suportabilidade intenso como a suportabilidade natural do aproveitamento de energia ecologia e a suportabili dade social da hospitalidade migração Essas questões no entanto também considerando os hori zontes estreitos das democracias atuais e da opinião pública a que se referem parecem destinadas a ser mais discutidas do que concretamente abordadas dada a tendência generalizada dos Es tados individuais de reduzir ou desarregar ao externo os custos das soluções que de tempos em tempos se tornam necessárias19 19 Um esquema argumentativo análogo vem seguido de CD Nimby Not In My Backyard Mesmo no nível dos Estados bem como das autoridades locais eles preferem hospedar os resíduos perigosos que produzem em outro lugar Ver SPINA F Sociologia dei Nimby Nardò Salento Books 2010 Sociologia do DireitomioloP3indd 263 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 264 020822 1037 O exame dos problemas de eficácia e evolução do direito permi tiu constatar que somente superando a tela normativa do direito escrito é possível entender por que um direito não é aplicado e quais fatores impedem que evolua de acordo com o que exige o contexto social Devese ressaltar também que do ponto de vista da sociologia do direito os dois problemas são distintos mas in terligados Deixar de resolver o problema da eficácia pode afetar a solução do problema da evolução e viceversa Em particular a ineficácia pode ser o resultado de uma falha na evolução do di reito por exemplo a não aplicação de normas relativas a institui ções como o dote ou a vontade holográfica de forma ampla é provocada pelo reconhecimento pelo legislador de que essas ins tituições haviam perdido sua razão cultural original Ferrari 1972 Por outro lado a falha na evolução do direito pode ser re sultado de uma ineficácia prolongada por exemplo é impossível inovar determinado sistema tributário eliminando ou reduzindo impostos que não possuem mais significado social se um alto nível de sonegação e portanto a ineficácia das normas relativas permanece Leroy 2011 Devese ressaltar que as instituições sociais possuem dife rentes capacidades reativas em relação ao direito A família por c a p Í t U l o 6 conclUsão Sociologia do DireitomioloP3indd 265 020822 1037 266 sociologia do direito exemplo devido às suas funções ligadas às necessidades bási cas em geral tende a criar regulamentos jurídicos externos que procuram modificála e por outro lado pode exercer pressões evolutivas decisivas sobre um legislador que muitas vezes acaba incorporandoos Maggioni 1990 Pocar Ronfani 1991 1992 2004 Commaille 1996 Ronfani 2001 Em outras palavras enfrentar sociologicamente os proble mas de eficácia e evolução significa abordar a questão da capaci dade de interagir com as várias áreas da sociedade com uma estrutura relativamente rígida como o direito escrito No caso de ineficácia a esfera social a ser regulamentada é cega em re lação a certas normas jurídicas comportandose como se elas não existissem no caso da não evolução é o direito que por outro lado é surdo em relação às mudanças sociais que exigem ajus tes regulatórios Tudo isso faz levantar outra questão até que ponto o direito pode aprender com a sociedade sem perder a normatividade que em retrospectiva envolve essencialmente sua capacidade de re sistir aos fatos utilizando ferramentas coercitivas se necessário em vez de se adaptar a eles Em outras palavras como uma es trutura normativa tal qual o direito pode aprender a se comuni car com as várias esferas sociais A sociologia do direito sempre se preocupou em enfatizar a importância da comunicação entre o direito e a sociedade Os problemas de eficácia e de evolução do direito podem portanto ser abordados seguindo um esquema comum o direito escrito que por si só é artificial e portanto exposto ao risco de ser ine ficaz ou de não se adaptar à sociedade podendo se comunicar indiretamente com ela por meio de outro direito intermediá rio que deriva de fontes sociais capazes de produzir normas por exemplo de grupos ou culturas jurídicas Desse modo o direito Sociologia do DireitomioloP3indd 266 020822 1037 conclUsão 267 oficial pode permanecer em constante harmonia com a socieda de graças à formação paralela de regulamentos sociais eficazes em si e capazes de evoluir com ela localizados entre a própria sociedade e o direito oficial ou ao lado deste último Em outras palavras os problemas da eficácia e da evolução do direito podem ser tratados cobrindo a sociedade com um traje regulador orgâ nico tão próximo a ela que se compara a uma espécie de epider me que se adapta com perfeição ao corpo social e cresce de modo espontâneo com ele uma vez que não é imposta à sociedade de fora e não corre o risco de com o tempo se tornar muito larga ou muito justa Esse padrão é evidente sobretudo em Ehrlich para quem o direito vivo se move diretamente das necessidades sociais orga nizadas em grupos mas também em Weber para quem pergun tar por que obedecemos às leis eficácia ou por que as próprias leis são alteradas evolução significa remeter a fatores culturais que condicionam a legitimidade do direito em diferentes situações históricas Os problemas da eficácia e da evolução do direito no entanto passam a cruzarse explicitamente nas perspectivas de Durkheim e Geigerian O instrumento característico para prote ger a eficácia dos ordenamentos jurídicos a sanção por sua vez se torna objeto de evolução modificando métodos e estratégias à medida que a sociedade se transforma tanto que Durkheim como vimos estabelece um paralelo importante entre as estraté gias de sanção repressivas ou restauradoras e os tipos de solida riedade social mecânica ou orgânica Na época atual a situação parece ter mudado bastante devi do à transformação geral da imagem do direito e do Estado Na recente teoria dos sistemas o direito escrito parece orientado não tanto para regular a autorregulamentação social de cima mas para tentar não perturbála com intervenções desnecessárias Sociologia do DireitomioloP3indd 267 020822 1037 268 sociologia do direito A cultura jurídica interna por sua vez também abandonou a re presentação de um direito caracterizado sobretudo por um con trole exercido hierarquicamente por meio de instituições estatais capazes de manter pelo menos em nível formal o monopólio do poder e propôs um modelo de direito mais flexível ou mais ameno e esperançosamente fraterno comprometido em garantir o cumprimento das regras de comunicação não conflitantes en tre diferentes culturas em particular entre diferentes culturas jurídicas Zagrebelsky 1992 Resta 2002 2008 A novidade teórica tanto para sociólogos quanto para juris tas reside no fato de que o elo final na cadeia de comunicações voltado para a prevenção de casos de ineficácia ou deficiências evolutivas não é mais considerado direito estatal já que o Estado atualmente vem modificando suas relações com a sociedade e não parece mais gozar de uma posição comunicativa privilegiada De fato a atual propagação de uma inflação real de mensagens com interesses e visões setoriais tende a tirar do Estado e do direito por ele produzido a posição preeminente ocupada no passado O Estado agora tem dificuldade em impor sua voz aos ou tros órgãos sociais e parece destinado a perder a autoridade O contraste entre o direito artificial do Estado e as regras sociais portanto não se limita ao equilíbrio mas acaba questionando até mesmo o papel do próprio Estado que há muito tempo está definido Essa renovação teórica embora ainda não claramen te delineada não parece resultar de um narcisismo teórico implementado por meio de uma operação autorreferencial de desconstrução sistemática dos conceitos tradicionais nem da ne cessidade objetiva de abordar com ferramentas adequadas os no vos problemas que o exame das atuais relações direitosociedade não deixa de apontar Mas quais são os principais problemas que na época atual exigem que a sociologia do direito revisite suas Sociologia do DireitomioloP3indd 268 020822 1037 conclUsão 269 categorias a fim de garantir maior capacidade de aprendizagem a um direito estatal que de muitas formas é considerado des necessariamente invasivo mas ainda aparentemente capaz de unificar de maneira formal o conteúdo das normas jurídicas e proteger sua identidade 61 Os novos problemas A gravidade da atual crise do Estado e do seu direito vem sendo atribuída a uma série de variações que simultaneamente afetam a relação entre normas jurídicas e esferas sociais Essas mudanças atingem a os pilares da representação tradicional do Estado soberania território povo b a imagem externa das normas incluídas na ordem estatal que parecem cada vez menos consistentes unitárias e reconhecíveis c os principais elementos dos sistemas jurídicos vistos anteriormente isto é o conjunto de estruturas que estabilizam os sistemas regulatórios o conjunto de atores individuais e coletivos interessados na utilização dessas estruturas através da inserção com base em suas necessidades de elementos inovadores e o conjunto de critérios capazes de selecionar as possibilidades de decisão d as relações renovadas entre direito e economia direito e política direito e ciência que não permitem mais utilizar cláusulas para a leitura da comuni cação direitosociedade testada no passado Tudo isso traz à tona alguns problemas de difícil resolução a O primeiro problema está particularmente vinculado à relação entre direito e economia Os fenômenos relaciona dos à globalização do direito põem em causa as fronteiras tradicionais do Estado cada vez mais chamado a resolver questões da economia global que possuem dimensões muito maiores do que o seu território Isso implica maior com plexidade estrutural das relações entre direito e sociedade Sociologia do DireitomioloP3indd 269 020822 1037 270 sociologia do direito que desloca a distinção entre normas jurídicas estaduais e regras sociais para fora do Estado Ao mesmo tempo a oposição públicoprivado já bastante problemática pela crescente complexidade das relações jurídicas em sistemas individuais é elaborada pelos novos atores transnacio nais da economia global que com frequência motivados por interesses privados contribuem para uma relevância transversal do direito privado e público como fica evidente nos recentes riscos de catástrofes que atingiram os merca dos financeiros globais Kjaer Teubner Febbrajo 2011 Nesse contexto a crise do Estado revela suas raízes econômicas também devido à crescente volatilidade das fontes tradicionais de financiamento A estabilidade das fon tes de tributação antes vinculadas a ativos indissociáveis ligados ao território estatal como terrenos ou edifícios adquiridos em caso de necessidade identificada e atribuída a certos proprietários é inevitavelmente diminuída quan do grande parte da riqueza do patrimônio dos Estados é acumulada em capital que com facilidade e rapidez pode ser transferido de um continente a outro Portanto o Es tado que teve o capital efetivamente protegido durante grande parte do século passado perde de maneira inexo rável a estabilidade da oferta de recursos financeiros de que há muito tempo desfrutava sobretudo no Ocidente onde Constituições capazes de garantir liberdades indivi duais de empreendimento econômico haviam proporcio nado um prérequisito indispensável para o desenvolvi mento econômico Luhmann 1965 Tais questões que afetam setores privados da so ciedade mundial não podem entrar na esfera de controle de um único Estado Além disso as tentativas de efetiva regulação das atividades econômicas em nível multina Sociologia do DireitomioloP3indd 270 020822 1037 conclUsão 271 cional por exemplo protegendo o exercício da efetiva li berdade de comércio de acordo com princípios como a concorrência podem apenas em parte receber apoio Em vista da afirmação desejada por alguns e temida por ou tros de um verdadeiro direito global para o qual seriam necessários elementos ainda não difundidos como uma cultura jurídica dotada de adequados níveis de abstração e de adequado poder sancionador seriam delineadas nu merosas áreas nas quais a proteção dos princípios estabe lecidos pelas suas respectivas Constituições seria confiada a autoridades internacionais capazes de reunir legislado res nacionais ou conjuntos de regras supranacionais ba seadas em procedimentos quase judiciais b O segundo problema diz respeito acima de tudo à relação entre direito e política A complexidade relacional que carac teriza a vida social no Estado agora excede a rígida dicotomia de pertencimentoestranheza construída para o predomi nante pluralismo intraestatal e em vez disso empurra para que seja levado em conta o enfraquecimento do princípio de identidade subjacente ao conceito de povo A suposta homo geneidade cultural desse conceito com frequência é articu lada em uma infinidade de instâncias heterogêneas difíceis de rastrear de volta a histórias sensibilidades e memórias comuns Além disso na União Europeia os processos de codificação supranacional em geral são acompanhados pela consolidação de normas regionais que levam em conta re gionalismos e localismos reemergentes Nesse caso ainda mais do que no caso da globalização e internacionalização podemos falar de fenômenos não apenas econômicos e admi nistrativos mas também culturais que a abordagem cen trada no Estado não tinha superado completamente Sociologia do DireitomioloP3indd 271 020822 1037 272 sociologia do direito Tal regionalismo cultural não imposto de cima mas consciente das verdadeiras e profundas razões culturais da diferenciação deveria conseguir apresentar marcos comuns em nível nacional capazes de dar sentido àquele passado multicultural nacional sobre o qual e aqui a refe rência é a Itália múltiplas culturas urbanas e muitas pai sagens culturais deixaram uma herança cultural única no mundo Häberle 2003 p 91 Diante de uma pluralidade de identidades a capaci dade da cultura política de produzir símbolos e projetos de interesse geral mostrase cada vez mais inadequada também em razão da menor capacidade de mediação dos organismos intermediários tradicionais Em particular os partidos políticos burocratizados encontram cada vez mais dificuldades para interceptar novas correntes de opi nião com a prontidão necessária o que favorece o aumen to dos pedidos de participação direta nos procedimentos legislativos de produção nem sempre suficientemente le gitimados Além disso a disseminação de novos meios de comunicação que só podem ser minimamente institucio nalizados internet parece ampliar a possibilidade de uma dupla seleção relacionada a questões e opiniões Ain da mesmo na presença de temas gerais capazes de com o apoio da mídia tradicional atuar como oportunidade de diálogo além das fronteiras culturais de um Estado é fácil registrar a fragmentação de opiniões em decorrência da complexidade dos problemas da variedade de soluções possíveis da espontaneidade das respostas Fici 2002 c O terceiro problema diz respeito à relação entre direito e ciência A proliferação de fontes de conhecimento cada vez mais ricas em dados nem sempre verificáveis dificulta Sociologia do DireitomioloP3indd 272 020822 1037 conclUsão 273 cada vez mais em nível substancial as decisões das estru turas do Estado e portanto dos operadores e do legisla dor bem como as previsões dos destinatários das normas A princípio é tão difícil estabelecer se e como intervir em questões emaranhadas em termos de causalidade que eles nem sequer reconhecem qual nó deve ser cortado é difí cil prever não apenas como mas também se determinada questão pode ser juridicamente resolvida Grimm in Za grebelsky Portinaro Lutero 1996 pp 12966 Cadeias longas e complexas de conexões de causaefeito rela cionadas ao passado ou projeções ainda mais desiguais relacio nadas ao futuro podem se tornar juridicamente relevantes sem oferecer elementos apreciáveis de certeza Isso leva a um aumen to significativo na percepção dos riscos do direito que se torna superabundante em comparação com a capacidade das estrutu ras jurídicas de dar respostas e produzir decisões No entanto de vese enfatizar que a sensibilidade aos efeitos das intervenções regulatórias tende agora a ultrapassar as fronteiras dos campos de ação diretamente sujeitos à regulamentação e portanto sua capacidade de risco entendida como uma lacuna entre a certeza esperada e a certeza oferecida institucionalmente também pode ser percebida em áreas adjacentes àquelas originalmente envolvi das Ladeur 2004 Nesse sentido é necessário fazer uma distinção entre risco e perigo Ao contrário do risco o simples perigo não seria percebido nem avaliado ou quantificado pois não requer por mais limita do que seja o controle do ambiente Na sociedade atual a verda deira novidade não reside tanto na presença e na frequência dos perigos mas na crescente capacidade de transformálos em ris cos percebidos Luhmann 2003 Marinelli 1993 Obviamente a distinção não está imune ao condicionamento de fatores cultu Sociologia do DireitomioloP3indd 273 020822 1037 274 sociologia do direito rais que podem contribuir para tornar invisíveis ou subdimen sionar situações perigosas o que impede que sejam percebidas como arriscadas Basta pensar nos diversos riscos não suficiente mente percebidos como tais o alto número de acidentes de trânsito em determinados dias da semana e em certos horários não impede que muitos jovens dirijam o carro nas situações mais arriscadas ou os riscos que embora percebidos como tais são ignorados com base em restrições e pressões sociais que influen ciam o tomador de decisão individual o fato de que comprar medicamentos sem receita pode causar danos à saúde nem sem pre leva a uma redução do seu consumo embora os custos sejam economicamente relevantes o alto número de graduados que não encontram trabalho adequado nem sempre direciona as suas es colhas de maneira diferente ao se matricularem na universidade Riscos como os ecológicos que embora causados pelas pes soas afetam potencialmente toda a humanidade parecem difíceis de controlar e com frequência são mencionados sem levar em con ta as avaliações feitas pelos fóruns científicos que chamam a aten ção para eles de forma unívoca ou pelo menos para que possam ser adequadamente combatidos A crescente sensibilidade aos efei tos manifestos ou latentes do progresso tecnológico que podem ser entendidos como uma ferramenta universal para adaptar a natureza às necessidades humanas mas também para manipulála de maneira contraproducente ou arriscada em relação às suas ne cessidades fundamentais parece destinada a permanecer sem res postas a menos que se recorra a soluções arriscadas que vão além dos limites da soberania dos Estados individuais Beck 1986 Considerados em conjunto os problemas que tratamos estão ligados a um aumento da complexidade social que exige que as relações do direito com a ciência a economia e a política sejam Sociologia do DireitomioloP3indd 274 020822 1037 conclUsão 275 mais visíveis do que no passado Eles apontam sumariamente al gumas deficiências do modelo de direito tradicional que exi gem a estruturas regulatórias mais adequadas aos níveis atuais de globalização para lidar com questões que não coincidem com os limites espaciais do território do Estado b atores não mais compreendidos no conceito tradicional de povo mas inseridos em tendências de caráter cosmopolita critérios de tomada de de cisão mais articulados e coordenados que devem exceder os limites de decisão do Estado a fim de gerenciar o aumento das incertezas e riscos dentro de uma estrutura regulatória mais am pla As conexões indicadas aparecem resumidas na Tabela 12 Tabela 12 Implicações jurídicas dos novos problemas sociais Dimensão dos elementos de Estado Dicotomias Objeto Laços inter sistêmicos Espacial território Da vertical à horizontal Estrutura Economia Relacional povo Da cidadania à rede Atores sociais Política Substancial soberania Da certeza à incerteza Critério de decisão Ciência Diante de um direito que devido à evidente erosão do papel do Estado parece cada vez menos dotado de uma organização hierárquica eficiente e de autoridade suficiente é necessário um retorno ao tema inicial ou seja a definição do conceito de direi to agora a ser reexaminado à luz dos problemas que pelo menos implicitamente condicionam recentes pesquisas sociológicoju rídicas Friedman 1999 Sociologia do DireitomioloP3indd 275 020822 1037 276 sociologia do direito 62 Endereços de pesquisa emergentes Os processos de globalização e transnacionais com os quais lidamos exerceram crescente pressão social sobre os sistemas ju rídicos que a sociologia do direito não pode ignorar Comparado à sociologia clássica deve haver um pluralismo capaz de mudar o centro de gravidade dos problemas e suas causas para fora do Estado A ênfase da pesquisa passa assim de uma sociologia des tinada a enfatizar os limites do direito estatal para uma sociolo gia voltada a identificar as perspectivas de um direito pósestatal emergente Essa mudança de perspectiva foi pontualmente subli nhada no trabalho realizado pelos sociólogos jurídicos nas últi mas duas décadas Arnaud 2013 Cotterrell 2013 Nesse período o foco passou de uma perspectiva voltada para a instrumentali dade do direito direcionada sobretudo à pesquisa que busca melhorar o desempenho do aparato estatal para uma perspectiva baseada na redefinição da atuação do direito voltada sobretudo para o esclarecimento do papel do direito estatal agora abertamen te confrontado por um novo pluralismo fora do Estado Estamos portanto testemunhando o crescimento de um transnacionalis mo jurídico que concentra a atenção dos sociólogos do direito em um direito ainda incipiente com fronteiras indefinidas Tabela 13 Novos endereços de pesquisa Dimensão Perspectiva clássica Perspectiva contemporânea Espacial Institucionalização interna Institucionalização generalizada Relacional Multiculturalismo limitado Multiculturalismo ilimitado Substancial Regulação unitária Regulação fragmentada Sociologia do DireitomioloP3indd 276 020822 1037 conclUsão 277 Ao mesmo tempo a cultura jurídica também foi atravessada por uma multiplicidade de correntes e direções que atestam a grande necessidade de rever as lentes tradicionais de observar o direito abandonando uma visão centrada no Estado Tendo em vista os poderes limitados disponíveis para Estados individuais para um Maquiavel do século XXI um poder regulador que real mente atenda aos problemas a serem enfrentados em âmbito in ternacional deve exigir a transferência de ações soberanas em favor de um superpríncipe que portanto seria capaz de governar uma sociedade soberana de forma não apenas jurídica mas tam bém eficaz eficiente e adequada No entanto a institucionaliza ção de uma reductio ad unum do poder anteriormente atribuído ao Estado parece um empreendimento muito difícil pois precisa lidar com uma série de canais que tomam o poder do Estado e o desviam para outras instituições sem um desenho unitário Os dois pontos de vista o sociológico próprio de um obser vador externo e o jurídico próprio dos operadores internos po dem portanto ser combinados em um modelo de direito mais amplo no qual as diretrizes de pesquisa convergem influenciadas pelas opiniões do público1 que desempenham importante papel na formação do clima cultural no qual ocorre o cotidiano do direi to Com isso os novos problemas substanciais espaciais e relacio nais passariam a ser abordados sob a perspectiva transnacional emergente concentrando a atenção a em uma institucionaliza ção generalizada devido ao colapso das fronteiras anteriores re 1 Essa direção de pesquisa há muito atrai a atenção de vários estudiosos Podgó recki et al 1973 Tomeo Cerutti Biancardi 1975 Carzo 1977 Giasanti Maggioni 1979 Supiot 1990 Commaille 1994 Devese lembrar também que recentemente ganhou autonomia uma linha de investigação particularmente promissora que considera não apenas as opiniões do público mas também as obras literárias um indicador privilegiado das culturas jurídicas presentes em determinados contextos sociais ver por exemplo Ward 1995 e Mittica 1996 Sociologia do DireitomioloP3indd 277 020822 1037 278 sociologia do direito lacionadas ao Estado b em um multiculturalismo ilimitado conectado a uma névoa de identidades culturais em vastas regiões do globo c em uma regulamentação fragmentada devido ao ex cesso de complexidade externa que as estruturas jurídicas não podem mais reduzir de maneira coerente e unitária a Institucionalização generalizada A mudança no equilí brio da relação entre direito e economia tradicionalmente organizada pelos Estados já evidenciou uma ruptura sig nificativa em relação ao período da história europeia mar cado pela absoluta preeminência do Estado A globalização representa uma espécie de fuga da economia do contêiner estatal e uma tendência em afirmar sua autonomia e au tossuficiência em relação ao processo político Ferrarese 2000 2002 ver também Heydebrand 2001 Marconi 2002 No impulso da globalização espalhouse um mercado renovado que de fato excede as áreas de soberania dos Es tados apresentandose como uma espécie de metarregula ção destinada a controlar além das fronteiras estaduais um tráfego internacional cada vez mais intenso devido à presença simultânea em diversos contextos nacionais de sujeitos capazes de evitar controles efetivos por parte de Estados individuais O quadro comum da chamada glo balização altera em particular as condições em que as formas de pressão de alguns Estados em relação a esses atores econômicos são implementadas sobretudo quando os conflitos são tão importantes que não podem ser resol vidos através da mediação de órgãos de terceiros Ao mes mo tempo as frentes dos conflitos entre Estados estão se tornando mais fluidas do que no passado principalmente devido à crescente heterogeneidade dos países industriali zados e às diferentes cadências de seus ciclos econômicos Sociologia do DireitomioloP3indd 278 020822 1037 conclUsão 279 que permitem o rápido surgimento de Estados destinados a desempenhar um papel não mais de coadjuvantes no ce nário do comércio mundial Galgano 2005 Embora o papel dos Estados no cenário internacional precise ser redesenhado devese levar em conta que a econo mia não pode prescindir de um direito ainda amplamente produzido pelos Estados seja de maneira individual ou dentro de comunidades de diferentes tamanhos O quadro geral de referência portanto parece ser o de uma transição gradual de um estatismo do passado não totalmente mor to para um pósestatismo do presente ainda a ser defini do que reconhece que os Estados têm um papel em muitos aspectos relevantes mas não decisivos Sassen 2007 Nesse contexto embora o uso de conflitos de guerra seja cada vez mais improvável devido aos desequilíbrios intransponíveis entre os aparatos militares se ainda ocor rerem como razão extrema tenderão a se tornar um ins trumento para resolver possivelmente com o apoio da comunidade internacional e de forma local e indireta questões direta ou indiretamente econômicas porém li gadas a um renascimento de diferentes modos daquela or ganização oligárquica que durante séculos orientou as re lações internacionais Febbrajo Gambino 2013 Fischer Lescano Teubner 2004 Nesse contexto a controversa constitucionalização da proibição dos déficits financeiros no âmbito estadual da União Europeia pode ter o efeito preventivo de atribuir legitimidade às intervenções destinadas a limitar o gasto público ou a função terapêutica de justificar intervenções drásticas em situações em que a dívida já acumulada deve ser reduzida a estágios forçados e mesmo assim confirma Sociologia do DireitomioloP3indd 279 020822 1037 280 sociologia do direito em nível simbólico a ambiguidade das limitações da ação de cada Estado pela União Europeia na medida em que ela pretende impor externamente aos Estados a internali zação de compromissos em nível constitucional apresen tandoos como limites internos Bifulco Roselli 2013 b Multiculturalismo ilimitado A presença de atores so ciais com posição indeterminada no cenário político de vido à heterogeneidade cultural tornase mais visível pela circulação acelerada de indivíduos em um espaço agora transnacional Em particular eventos como as recentes on das de migração produto de múltiplos fatores Mancini 1998 Belvisi 2000 Facchi 2001 tornam o conceito de cidadania ainda mais fluido Há situações de marginali zação que chegam a criar verdadeiros subsistemas delimi tados étnica e culturalmente por fronteiras que por um lado afastam aqueles que fazem parte deles de qualquer contro le e portanto representam uma ameaça potencial para a proteção da segurança do restante da população e por ou tro lado não garantem o pleno gozo dos direitos básicos àqueles que fazem parte desses subsistemas Marci 2008 Nesse contexto também são propostas questões como a expansão limitada dos processos de democratização em nível global para os quais ainda não se desenvolveu uma cultura adequada devido à desproporção entre a vastidão transnacional da dimensão do problema e os instrumentos jurídicos disponíveis que ainda estão sendo utilizados para problemas muito mais limitados Morlino 2003 No que diz respeito à União Europeia a padronização dos no vos Estadosmembros com base nesses requisitos muitas vezes como resultado de uma adaptação ao acervo comuni tário em relação aos princípios de abrangência universal mostrase potencialmente contraditória Sociologia do DireitomioloP3indd 280 020822 1037 conclUsão 281 Essas diferentes formas de padronização baseadas em uma cultura jurídica futurista caracterizada pela aspira ção a uma dimensão transnacional e a um alcance univer sal estimularam o ressurgimento de culturas jurídicas tradicionais voltadas para o passado e caracterizadas por raízes fortes e bem consolidadas na história e na identidade de cada país Dessa maneira foi possível testemunhar um crescimento simultâneo de direitos locais e universais ao contrário do que um simples raciocínio em termos de vasos comunicantes poderia sugerir Febbrajo Sadurski 2010 Por outro lado essas formas de padronização são recu sadas de várias maneiras pela cultura jurídica interna que com frequência coleta e relata estímulos e sensibilidades so ciologicamente orientados no campo da ciência jurídica ofi cial questões como a relação entre liberdade de imprensa e privacidade ou entre técnica e moral que se referem a pro blemas mais gerais relacionados aos direitos já não do homem cidadão mas do homem como tal tendo em vista sobretudo a proteção de sua esfera irreprimível de liberdade Rodotà 2012 A busca por valores que atuam como uma bússola em nível transnacional no entanto tornase tão ur gente que um conceito como o de pessoa é usado repetida mente e definido à luz de uma esfera de direitos intangíveis de natureza jurídica e extrajudicial apresentados como in compatíveis com uma aceitação dos efeitos produzidos pe las leis positivas e dos pedidos relacionados ao progresso da sociedade Rescigno 1987 Perlingeri 2003 c Regulamentação fragmentada A escala dos problemas associados à globalização requer uma cooperação inter nacional mais estreita pois o conceito de soberania do Es tado individual não pode ser deixado intacto tanto que Sociologia do DireitomioloP3indd 281 020822 1037 282 sociologia do direito na época atual devemos falar em soberania limitada De fato para uma série de questões regulatórias uma ação isolada limitada ao potencial de um único Estado não é proporcional ao tamanho das questões a abordar mas re quer colaboração internacional que consiga impor limites de decisão em troca de melhores resultados práticos e me nores riscos de falha MacCormick 2002 Walker 2006 No que diz respeito às estratégias regulatórias o geren ciamento de riscos elevados com o uso de ferramentas de tomada de decisão ineficazes pode favorecer uma cultura jurídica de detalhes difundida sobretudo na União Euro peia com o objetivo de reduzir as margens de incerteza na aplicação das normas Dessa forma buscase promover uma interpretação burocráticaimpessoal aparentemente capaz de superar as diferenças culturais de possíveis intér pretes com base no pressuposto de que quanto mais preci sas forem as normas maior a previsibilidade do controle que elas conseguirão alcançar Também é possível priori zar a transferência de risco do autor das normas para o in térprete e a partir daí para o destinatário como é o caso do uso de um genérico princípio de precaução que substan cialmente baseado em uma não decisão também parece adaptado para defender diante dos sujeitos diretamente expostos a possíveis riscos os aparatos burocráticoadmi nistrativos que carregam o ônus de tomar decisões arrisca das mesmo não dispondo dos dados necessários Ladeur 2006 Feenan 2002 Mais importante a mudança de ênfase do governo para a governança em vários níveis levou a uma maior demanda de participação que em muitos casos está des tinada a permanecer insatisfeita DAlbergo Segatori Sociologia do DireitomioloP3indd 282 020822 1037 conclUsão 283 2012 Ferrarese 2010 Costabile Fantozzi Turi 2006 De fato quando a incerteza de uma decisão não pode ser resolvida fora da esfera jurídicoinstitucional como é o caso da realocação de plantas potencialmente prejudiciais à saúde em outros lugares o recurso à consulta poderá não ser conclusivo se não deixar prevalecer o interlocutor politicamente mais forte Spina 2009 Do ponto de vista sociológico no entanto o direito es tatal não é a única estrutura capaz de desempenhar a fun ção de regular e absorver riscos Em comparação com a gestão de riscos que envolve quase todas as instituições sociais de diferentes maneiras ele pode ser considerado uma estrutura residual no sentido de que apenas é cha mado a intervir para regular os riscos que outras estrutu ras sociais não conseguem regular de maneira legítima generalizável e não confrontante A família por exemplo como grupo original tradicio nalmente desempenha a função de proteger seus membros dos riscos fundamentais da existência proporcionando em tempos de necessidade não apenas apoio econômico mas também psicológico A proteção contra possíveis ris cos requer uma vasta rede de proteção que para desem penhar uma função substituta em relação à família vem sendo cada vez mais confiada a soluções espontâneas e participativas provenientes de diferentes jurisdições do Estado Dessa maneira é possível recorrer a instituições caracterizadas por uma orientação moral e não jurídica como no caso de agências sem fins lucrativos Donati Colozzi 2004 Em geral na consciência das muitas fontes de indecisão que tornam o direito não apenas incerto quanto aos efeitos produzi Sociologia do DireitomioloP3indd 283 020822 1037 284 sociologia do direito dos e portanto inseguro mas também incerto quanto ao con teúdo da decisão e portanto imprevisível chegamos a sugerir abertamente um distanciamento gradual e cada vez mais aberto do mito da segurança jurídica Isso não pode mais ser assegurado de modo satisfatório com o emprego de estratégias exclusiva mente técnicojurídicas para reduzir a intervenção de influên cias culturais externas nas estruturas jurídicas mas deve ser substituído pela função latente e muito mais realista de manter a incerteza dentro de margens suportáveis A consequência disso foi o surgimento de um verdadeiro niilismo jurídico que ob servando que nada é mais firme e necessário considera que nos casos em que outras decisões não são possíveis e tornase arriscado não decidir a lei é forçada a deixar os antigos limites dos códigos sem se importar mais com o valor da unidade do ordenamento Irti 2004 A premissa comum dessas diretrizes de pesquisa ou seja o enfraquecimento do direito estatal e a crescente conscientização em relação à inadequação do controle centralizado aumenta a im portância de papéis intersticiais que dentro e fora do ordena mento desempenham a função de verdadeiros mediadores entre diferentes culturas As competências mais articuladas que o direi to parece ter em relação a outros sistemas regulatórios não jurídi cos tendem a atribuir a ele a tarefa não de simplesmente impor ordens ou diretrizes mas de combinar uma série de níveis de re gulamentação a regulação dos fatos pelas normas a regulação de normas por culturas jurídicas a regulação das culturas jurídicas por valores que por sua vez permitem decifrar fatos sociais Nesse contexto as profissões jurídicas desempenham papel decisivo para a proteção transcultural do valor da justiça assim como outras ordens profissionais o fazem em relação a outros bens por exemplo a ordem dos médicos e o bem da saúde Esses ser Sociologia do DireitomioloP3indd 284 020822 1037 conclUsão 285 viços fundamentais são sustentados e orientados por um conjun to de conhecimentos bem como por códigos de ética Febbrajo 1987a Danovi 2000 que podem permitir extensas áreas de subs tituição do Estado compensando ainda que em parte as disfun ções crônicas para assumir as funções essenciais de resolução de conflitos e mediação cultural Schultz Shaw 2003 Também não se deve esquecer que a perda generalizada de confiança na capacidade do direito de resolver os conflitos a ele sujeitos de forma justa e dentro de prazos aceitáveis causa uma crescente propensão a contornar os longos e arriscados instru mentos da justiça comum e usálos talvez também de modo arris cado mas sem dúvida em tempo menor no lugar daqueles de uma justiça informal baseada em soluções consensuais também em ní vel transnacional Feenan 2002 Matthews 1988 Abel 1982 63 Para uma sociologia do direito crítica A crescente consciência do declínio do Estado e a necessi dade de analisar esse processo utilizando um conceito adequado de direito não podem deixar de influenciar o desempenho da tarefa crítica que a sociologia do direito vem tentando reali zar desde os seus primórdios Se criticar significa analisar um objeto de estudo com o uso de ferramentas externas a sociologia do direito é em si crítica já que estudando o direito por um ân gulo sociológico é capaz de compreender conexões que mesmo aqueles que operam dentro do próprio direito nem sempre con seguem perceber como peixes que não veem a água em que estão imersos Febbrajo 1984 Na atual fase caracterizada por uma grande heterogeneidade das abordagens disponíveis o que paradoxalmente parece coin cidir com um êxtase na produção de novas ofertas teóricas não se deve contudo ter receio de prosseguir com enxertos e hibridiza Sociologia do DireitomioloP3indd 285 020822 1037 286 sociologia do direito ções na esperança de alcançar resultados estimulantes para o de senvolvimento de futuras pesquisas A anedota do bêbado que procurou as chaves de sua casa sob um poste de luz é bem conhe cida e quando questionado por que olhou ali respondeu que era a única parte iluminada da calçada A resposta sem dúvida de sarmante pode fazer sorrir mas pede que se evitem encontros produzidos por modas e que se tente mover sempre que possível sob novas luzes da rua A sociologia do direito deve portanto dar mais alguns passos tentando mover as pedras não removidas que encontra em seu caminho sem medo de tropeçar por falta de iluminação É importante perceber as expectativas cognitivas atuais da disciplina considerando que a característica fundamental do direi to é a maior capacidade de produzir e corrigir as próprias normas a partir de uma perspectiva transnacional Isso é claro também requer uma disposição adequada à aprendizagem por parte do sociólogo do direito Independente dos objetos escolhidos a in tensificação da pesquisa pode ajudar a superar um grande obstá culo do desenvolvimento de qualquer disciplina sociológica ou seja a interação insuficiente entre pesquisa teórica e pesquisa empírica Tal interação se realmente aberta a correções de am bos os lados pode trazer benefícios cognitivos significativos de modo que a pesquisa empírica não apenas comprove uma hipó tese teórica já conhecida mas também faça o ponto de partida da pesquisa coincidir necessariamente com o da chegada Para que uma sociologia do direito crítica seja assim enten dida algumas precondições devem ser observadas a A tarefa de uma sociologia do direito crítica que não dese ja ser paradoxalmente camuflada no dogmatismo latente não pode ser alcançada apenas de uma maneira A sociolo Sociologia do DireitomioloP3indd 286 020822 1037 conclUsão 287 gia do direito deve interpretar a linguagem dos fatos colo candoa em uma estrutura normativa de referência na consciência de que os chamados fatos do direito não são imediatamente conhecidos pelo pesquisador mas tornam se conhecidos apenas no contexto de uma conexão senso rial estabelecida de acordo com as necessidades e com base em alguma referência regulatória Se houver falta de cone xão a qualidade da pesquisa empírica ficará comprometida e os sociólogos do direito não serão capazes de compreen der as razões jurídicas dos fatos estudados Para que isso ocorra é necessário passar pelo menos implicitamente de um conceito de direito que inclua um direito extralegisla tivo e extraestatal e que no entanto refirase a um escopo mais amplo do conceito usual do direito centrado no Esta do dos juristas Mas a sociologia do direito justamente por estar interessada no problema da sua eficácia e da sua evo lução ou seja no direito efetivamente aplicado law in ac tion e na imagem dele adotada na prática dos tribunais ou no comportamento dos usuários do direito legal culture não pode ignorar a existência de um direito escrito law in the books ou apenas usálo como ponto de referência e destaque no curso da pesquisa Para abordar de forma crítica a questão das razões da diversidade dos sistemas jurídicos a sociologia do direi to deve necessariamente recorrer a fatores extrajudiciais A heterogeneidade de perspectivas das quais a capacidade crítica da abordagem sociológicojurídica depende em re lação ao seu objeto não implica portanto um contraste absoluto com o mundo das normas jurídicas Afinal uma das razões que sustentaram as fortunas da sociologia do direito foi o fato de os operadores do Sociologia do DireitomioloP3indd 287 020822 1037 288 sociologia do direito direito proporem uma forma diferente de conhecer os ordenamentos jurídicos capaz de superar as recorrentes crises de identidade de sua cultura e ajudálos a decidir me lhor ou pelo menos de maneira mais consciente Da mes ma forma uma sociologia da educação não pode ignorar o padrão de educação adotado pelos educadores e uma so ciologia da religião não pode ignorar o modelo religioso dos sacerdotes De fato quaisquer diferenças nesses mode los e em outros por exemplo em relação aos estudantes ou aos fiéis podem constituir uma ferramenta útil para enten der o funcionamento das instituições a eles relacionadas b A pluralidade de possíveis abordagens críticas é evidencia da pela mesma sociologia do direito que ao longo de sua história mudou o foco de sua pesquisa de acordo com as situações em que os autores individuais operam Passando de um contraste explícito com relação às ciências jurídi cas tradicionais para a crítica do direito positivo foi ala vancada a gênese de um direito cujo centro de gravidade também se encontra sobretudo fora do Estado Ehrlich a conexão entre diferentes culturas que conseguem se con templar na sociedade moderna produzindo normas legíti mas Weber o acúmulo quantitativo de comportamentos individuais que produzem normas estatisticamente sancio nadas Geiger a possibilidade de produzir direito dentro de um sistema cuja lógica é decifrada por uma ilumina ção sociológica Luhmann a possibilidade de impedir o direito de reduzir as habilidades expressivas de sujeitos imersos em comunicações intersistêmicas Habermas Não é por acaso que a sociologia do direito historicamente tem variado os métodos de realização de sua vocação crí tica e se apresentado como heterogênea em relação à cul Sociologia do DireitomioloP3indd 288 020822 1037 conclUsão 289 tura jurídica oficial adotando instrumentos que dentro de uma pluralidade de abordagens sugerem diferentes ob jetivos de pesquisa a serem utilizados de forma multidi mensional Podgórecki LoŚ 1979 Devemos agora nos perguntar até que ponto as pro postas apresentadas podem ser usadas para abordar cri ticamente a situação atual O contraste entre as regras sociais e o direito estatal continua válido apesar do enfra quecimento deste último e muitas das propostas teóricas subsequentes sobretudo nesta fase atual de globalização demonstram a necessidade de pesquisas que permitam avaliar antecipadamente as dificuldades de aplicação e os custos sociais das intervenções regulatórias em diversos níveis em que o direito é chamado a intervir c Para garantir a implementação satisfatória de suas múlti plas tarefas críticas a sociologia do direito não pode per manecer isolada mas deve necessariamente estar aberta a contribuições de disciplinas a ela relacionadas Em outras palavras é importante que não se isole em si mesma de modo que comprometa a sua vocação interdisciplinar e a sua potencial capacidade crítica limitando em excesso seus instrumentos e suas perspectivas Em particular a sociologia do direito pode manter re lações úteis com a teoria do direito que sendo capaz de perceber diretamente as orientações da cultura jurídica interna desempenha a tarefa essencial de desenvolver as autorrepresentações do direito consideradas mais ade quadas à cultura jurídica interna2 com a sociologia políti 2 Para uma tentativa de estabelecer um léxico comum entre teoria e sociologia do direito ver Arnaud 1993 Macedo Junior 2017 e Vesting 2015 Sociologia do DireitomioloP3indd 289 020822 1037 290 sociologia do direito ca que representa um ponto de referência obrigatório para enfrentar os problemas cruciais da legitimidade po lítica das normas e o papel efetivo do poder estatal em diferentes sistemas políticos3 com a história do direito que contribui para fazêlos adquirir aquele desapego temporal e a perspectiva comparativa que pode evitar tentações ideo lógicas ou crônicas4 e com a filosofia e a antropologia do direito a fim de poder se adequar ao tema fundamental da interpretação das necessidades dos destinatários das nor mas começando pela necessidade fundamental de justiça para a qual os diferentes sistemas jurídicos são aparente mente orientados embora se distingam nas diversas estra tégias adotadas5 Tudo isso pode ser feito de forma mais incisiva desa gregando o lado jurídico da sociologia do direito de modo que leve em conta as especificidades dos diferentes ramos do direito positivo incluídos na mesma ordem mas ca racterizados por diferentes estágios de abertura ao mun do dos fatos sociais Houve épocas de grande sensibilidade sociológica no direito do trabalho que nem sempre coin cidiram com passos semelhantes na sociologia do direito administrativo ou do direito constitucional A sociologia do direito pode ser proposta como uma contribuição que amplia as perspectivas disciplinares tam 3 Um tratamento sociológicojurídico bemsucedido centrado no conceito de po der encontrase em Chambliss e Seidman 1971 Sobre o mesmo tema ver tam bém Strazzeri 2003 4 Sobre a importância de abrir a sociologia do direito aos estudos da história do direito ver Dilcher Horn 1978 Febbrajo 1984 e Lopes 2014 5 Para uma discussão conjunta das disciplinas intimamente relacionadas entre si ver por exemplo Díaz 1971 Essa conexão é exemplificada pelo próprio traba lho de Treves ver Tanzi 1988 Sociologia do DireitomioloP3indd 290 020822 1037 conclUsão 291 bém do lado sociológico e portanto permite ter uma sociologia política do direito constitucional ou uma so ciologia econômica do direito do trabalho Além disso é evidente que no triângulo do direito a política e a econo mia podem encontrar pontos de encontro proveitosos para juristas e sociólogos interessados em aprofundar as mesmas questões Por outro lado as questões específicas aqui tratadas devem ser abordadas não apenas a partir da experiência de cada país Devese evitar portanto falar de uma sociolo gia italiana ou brasileira do direito mas em mais de uma sociologia do direito italiano ou brasileiro não fechada para a comparação com tópicos semelhantes tra tados no âmbito de outras tradições históricoculturais6 Parece desnecessário acrescentar nesse contexto que a saída de um quadro nacional ainda é exigida por um con ceito jurídico caracterizado por um escopo transnacional e às vezes universal No entanto isso não deve nos fazer esquecer que a ampliação das questões não corresponde necessariamente a um aprimoramento adequado das len tes disponíveis d Finalmente devese notar que uma sociologia do direito não poderá ser crítica se não for também autocrítica A so ciologia do direito contemporâneo está ciente de que fora de certas áreas políticas econômicas e juridicamente ho mogêneas é fácil encontrar realidades profundamente di ferentes que não compartilham as mesmas coordenadas 6 Uma possível convergência das várias sociologias nacionais para temas e hipó teses teóricas comuns obviamente com diferentes soluções concretas tem sido destacada por Treves 1966 1968 Sociologia do DireitomioloP3indd 291 020822 1037 292 sociologia do direito interpretativas e portanto é possível que objetos de pes quisa não relacionados a uma cultura sejam abordados a partir de uma espécie de etnocentrismo maligno oculto que se estende às nossas nobres mas não generalizáveis cate gorias mentais relacionadas à ligação entre o direito e a so ciedade em culturas distantes das europeias e ocidentais Para evitar o perigo de simplificações e aprovações excessivas que levam à repetição dos mesmos passos ex plicativos por força da inércia devese lembrar que o di reito de muitos países segue linhas de desenvolvimento completamente diferentes e conhece diversas condições de eficácia Esta abordagem relativística lembra a abordagem de Renato Treves que não surpreendentemente reserva um lugar importante para um pluralismo metodológico teó rico e disciplinar no âmbito de uma visão comparativa da sociologia do direito O sociólogo do direito deve antes de tudo estar ciente de que a avaliação éticopolítica se refere a valores e concepções ge rais da sociedade que não possuem um caráter absoluto e de finitivo mas um caráter relativo e temporário condicionado por fatores históricos sociológicos psicológicos e assim por diante A sociologia do direito de que estamos falando tam bém deve trazer à tona esses valores e concepções que frequen temente intervêm no estado latente Com esse esclarecimento espero que fique claro que ao dizer que o sociólogo do direito na realização de sua pesquisa deve conciliar as necessidades da ciência com as da avaliação digo ao mesmo tempo que deve conciliar as necessidades da razão com as da liberdade Em suma a vocação da sociologia do direito não consiste em criticar a sociedade quando ela não se adapta às representações Sociologia do DireitomioloP3indd 292 020822 1037 conclUsão 293 autolegitimadoras do direito nem em criticar o direito quando este não se adequa às expectativas simplificadoras da sociedade Consiste em observar o observador por suas próprias lentes es pecíficas para identificar por meio dessa observação de segundo nível os obstáculos que no contexto dos elevados níveis de com plexidade alcançados pela diferenciação sistêmica tornam mais difícil o recíproco adequamento da sociedade e do direito Uma última observação a necessária interpenetração das duas dimensões a da crítica e a da autocrítica de particular relevância para a sociologia do direito que como vimos é parte integrante da cultura jurídica que estuda e aborda o modelo so ciológico do direito crítico de que Treves fala ao que Alvin Gould ner chama de sociologia reflexiva ou radical Essa sociologia não é constituída diz Gouldner 1970 simplesmente por uma crítica ao mundo exterior O teste decisivo de uma sociologia radical não é dado por sua atitude em relação a problemas dis tantes da vida do sociólogo Gouldner 1970 trad 1972 pp 726 ss mas a qualidade de seu radicalismo também deve vir à tona pela maneira como reage dia a dia às disfunções do ambiente coti diano À luz dessa forma autocrítica de argumentar o estudante que grita slogans nas manifestações em apoio a revoluções no exterior mas não faz nada para mudar a situação da universida de em que vive ou o professor que denuncia o imperialismo mas não se esforça para entender seus alunos revelam uma desconti nuidade entre teoria e prática que contrasta como em uma du pla moral o que é pessoal ao que é público e coletivo A disposição para preferir os custos que cada escolha coerente implica às vantagens em geral reconhecidas na nossa sociedade por aqueles que apenas imitam tais atitudes pode ser justificada não apenas em termos éticos mas também funcionais como fer ramenta indispensável para garantir credibilidade e prestígio a Sociologia do DireitomioloP3indd 293 020822 1037 294 sociologia do direito qualquer pesquisa sociológica capaz de ser conscientemente crí tica Parece apropriado recordar essas considerações em um trabalho dedicado a Renato Treves que suportou o peso da per seguição e cuja vida tem sido uma lição de coerência para muitos jovens Sociologia do DireitomioloP3indd 294 020822 1037 Abel R L The Politics of Informal Justice Nova York Academic Press 1982 2v Abel R L Lewis P S C org Lawyers in Society Berkeley Califór nia University of California Press 1988 3v Adler M Die Staatsauffassung des Marxismus Ein Beitrag zur Unters cheidung von soziologischer und juristischer Methode Wien Verlag der Wiener Volksbuchhandlung 1992 Racinaro R org e in trod La concezione dello Stato nel marxismo Confronto con le posizioni di Hans Kelsen Bari De Donato 1979 Alexander L org Constitutionalism Philosophical Foundations Cambridge Cambridge University Press 1998 Alston P BUstelo M Heenan J org The Eu and Human Rights Oxford Oxford University Press 1999 AltHUsser L Lénine et la philosophie Paris Maspero 1969 Lenin e la filosofia Milão Jaca Book 1974 Andrini S La pratica della razionalità Diritto e potere in Max Weber Milão Angeli 1990 ArnaUd AJ Critique de la raison juridique Paris Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence 1981 ArnaUd AJ org Dictionnaire encyclopédique de theorie et de socio logie du droit 2 ed ParisBruxelas Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence 1993 reFerências bibliográFicas Sociologia do DireitomioloP3indd 295 020822 1037 296 sociologia do direito ArnaUd AJ The Transplanetary Journey of a Legal Sociologist In Febbrajo A Harste G org Law and Intersystemic Communi cation Understanding Structural Coupling Farnham Ashgate 2013 AsHby W R An Introduction to Cybernetics Londres Chapman Hall 1956 Nasti M org Introduzione alla cibernetica Turim Einaudi 1971 Atienza M Introducción al derecho Alicante Universidad de Alican te 1998 AUbert V Alcune funzioni sociali della legislazione Quaderni di So ciologia XIV 1965 pp 31338 AUbert V org Sociology of Law Selected Readings Harmondsworth Penguin 1969 Balloni A Mosconi G Prina F Cultura giuridica e attori della giustizia penale Milão Angeli 2004 Balossini C E La rilevanza giuridica delle regole sociali Milão Giuffrè 1980 Baratta A Presentazione In HaUrioU M Teoria dellistituzione e della fondazione Org de W Cesarini Sforza Milão Giuffrè 1967 Trad it de Aux sources du droit Le pouvoir lordre et la liberté Pa ris Bloud Gay 1933 e de Leçons sur le mouvement social Paris Librairie de la Société du Recueil Général des Lois Baratta A Criminologia critica e critica del diritto penale Bolonha Il Mulino 1982 Barbera A Le basi filosofiche del costituzionalismo RomaBari Laterza 1997 Barcellona P org Luso alternativo del diritto RomaBari Laterza 1973 2v Barcellona P Hart D Mückenberger U Leducazione del giurista Capitalismo dei monopoli e cultura giuridica Bari De Donato 1973 Beck U Risikogesellschaft auf dem Weg in eine andere Moderne Frank furt aM Suhrkamp 1986 La società del rischio Verso una secon da modernità Roma Carocci 2000 Sociologia do DireitomioloP3indd 296 020822 1037 reFerências bibliográFicas 297 Belvisi F Società multiculturale diritti costituzione Una prospettiva realista Bolonha Clueb 2000 Bettini R Il circolo vizioso legislativo Efficacia del diritto ed efficienza degli apparati pubblici in Italia Milão Angeli 1983 Bettini R org Informale e sommerso Devianza supplenza e cam biamento in Italia Milão Angeli 1987 BiFUlco R Roselli O org Crisi economica e trasformazione della dimensione giuridica La costituzionalizzazione del pareggio di bi lancio tra internazionalizzazione economica processo di integrazio ne europea e sovranità nazionale Turim Giappichelli 2013 Bisi R org Vittimologia Dinamiche relazionali tra vittimizzazione e mediazione Pref di A Balloni Milão Angeli 2004 Black D The Behavior of Law Nova York Academic Press 1976 BlankenbUrg E KlaUsa E RottleUtHner H org Alternative Rechtsformen und Alternativen zum Recht Jahrbuch für Rechtsso ziologie und Rechtstheorie 6 1980 Bobbio N Teoria della norma giuridica Turim Giappichelli 1958 Bobbio N Teoria dellordinamento giuridico Turim Giappichelli 1960 Bobbio N Giusnaturalismo e positivismo giuridico Milão Edizioni di Comunità 1965 Bobbio N Max Weber e Hans Kelsen Sociologia del Diritto VIII 1 1981 pp 13554 BorUckaarctowa M Die gesellschaftliche Wirkung des Rechts Ber lim Duncker Humblot 1975 BrUinsma F Nelken D org Explorations in Legal Cultures Grave nhage Reed Business 2007 Calabresi G The Costs of Accidents A Legal and Economic Analysis New Haven Conn Yale University Press 1970 Calamandrei P Questa nostra Costituzione Milão Bompiani 1995 Campilongo Celso Fernandes O direito na sociedade complexa São Paulo Max Limonad 2000 Sociologia do DireitomioloP3indd 297 020822 1037 298 sociologia do direito Campilongo Celso Fernandes Interpretação do direito e movimentos sociais Rio de Janeiro Elsevier 2012 Canaris CW Systemdenken und Systembegriff in der Jurisprudenz entwickelt am Beispiel des deutschen Privatrechts Berlim Duncker Humblot 1969 Capograssi G Il problema della scienza del diritto Ed rev e org por P Piovani Milão Giuffrè 1962 1 ed 1937 Cappellini P Systema juris Genesi del sistema e nascita della scienza delle pandette Milão Giuffrè 19845 2v Carbonnier J Flexible droit Textes pour une sociologie du droit sans rigueur 4 ed Paris Librairie Générale de Droit et de Jurispruden ce 1979 Carbonnier J Sociologie juridique 3 ed Paris Colin 1994 Carcaterra G Il problema della fallacianaturalistica La derivazione del dover essere dallessere Milão Giuffrè 1969 Carcaterra G La forza costitutiva delle norme Roma Bulzoni 1979 Carrino A Lordine delle norme Politica e diritto in Hans Kelsen Ná poles Edizioni Scientifiche Italiane 1984 Carrino A Fatto e valore nella sociologia del diritto Saggi sulla scienza sociale tedesca tra Vienna e Weimar Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 1992 Carzo D La società codificata Simboli normativi e comunicazione so ciale Bari Cacucci 1977 Cassese S Cultura e politica del diritto amministrativo Bolonha Il Mulino 1971 Cassese S Il diritto globale Giustizia e democrazia oltre lo Stato Tu rim Einaudi 2009 Cassese S La democrazia e i suoi limiti Milan Mondadori 2017 Castellano C et al Lefficienza della giustizia italiana e i suoi effetti economicosociali Bari Laterza 1970 1968 Castignone S La macchina del diritto Il realismo giuridico in Svezia Milão Edizioni di Comunità 1974 Sociologia do DireitomioloP3indd 298 020822 1037 reFerências bibliográFicas 299 CHambliss W J Seidman R B Law Order and Power Reading Mass Addison Wesley 1971 Introduzione allo studio del diritto Turim Loescher 1987 CHiassoni P Law and Economics Lanalisi economica del diritto negli Stati Uniti Turim Giappichelli 1992 Clark D S Italian Styles Criminal Justice and the Rise of an Active Magistracy In Friedman L M Pérez Perdomo R org Legal Culture in the Age of Globalization Latin America and Latin Europe Stanford Califórnia Stanford University Press 2003 pp 23884 Coase R H The Firm the Market and the Law Chicago Illinois Uni versity of Chicago Press 1988 Impresa mercato e diritto Bolo nha Il Mulino 2006 CoHen G A Karl Marxs Theory of History Oxford Oxford University Press 1978 CoHen M R Law and the Social Order Hamden Connecticut Ar chon Books 1967 Collins H Marxism and Law Oxford Oxford University Press 1982 Commaille J Lexercice de la fonction de justice comme enjeu de pou voir entre justice et médias Droit et Société XXIV 1994 pp 118 Commaille J Misères de la famille question dÉtat Paris Presses de la Fondation Nationale de Sciences Politiques 1996 Comte A Cours de philosophie positive Org de E Littré Paris Borra ni et Droz 183552 6v 1864 Corso di filosofia positiva Lezioni XLVILX Org de Ferrarotti Turim Utet 1967 2v Conte A G Parerga Leibnitiana In Martino A A Maretti E E Ciampi C org Logica informatica diritto Firenze Le Monnier 1978 pp 24555 Conte A G Konstitutive Regeln und Deontik In E MorscHer E Stranzinger R org Ethik Grundlagen und Anwendungen Wien HölderPichlerTempsky 1981 Conte A G Minima deontica Rivista internazionale di filosofia del diritto LXV 1988 pp 42575 Sociologia do DireitomioloP3indd 299 020822 1037 300 sociologia do direito Costa P Lo stato immaginario Metafore e paradigmi nella cultura giu ridica italiana fra Ottocento e Novecento Milão Giuffrè 1986 Costabile A Fantozzi P TUri P org Manuale di sociologia poli tica Roma Carocci 2006 Costantino S Criminalità e devianze Società e divergenze mafie e Stati nella seconda modernità Roma Editori Riuniti 2004 Cotterrell R The Sociology of Law An Introduction Londres Butterworths 1984 Cotterrell R The Growth of Legal Transnationalism In Febbrajo A Harste G org Law and Intersystemic Communication Un derstanding Structural Coupling Farnham Ashgate 2013 pp 3150 Dalbergo E Segatori R Governance e partecipazione politica Teorie e ricerche sociologiche Milão Angeli 2012 Dalessandro L Pouvoir savoir Su Michel Foucault Nápoles Guida 1981 Damm R Systemtheorie und Recht Zur Normentheorie Talcott Par sons Berlim Duncker Humblot 1976 Dandeker C Surveillance Power and Modernity Bureaucracy and Discipline from 1700 to the Present Day Cambridge Polity Press 1990 Danovi R Codici deontologici Milão Egea 2000 DÍaz E Sociología y filosofía del derecho Madri Taurus 1971 Di Federico G Il reclutamento dei magistrati La giustizia come orga nizzazione Bari Laterza 1968 Di Federico G La Corte di Cassazione Giustizia come organizzazio ne Bari Laterza 1969 Di Federico G org Ordinamento giudiziario Uffici giudiziari CSM e governo della magistratura Pádova Cedam 2008 DilcHer G Horn N org Sozialwissenschaften im Studium des Re chts Rechtsgeschichte Munique Beck 1978 v IV Donati C org Dizionario critico del diritto Roma Savelli 1980 Sociologia do DireitomioloP3indd 300 020822 1037 reFerências bibliográFicas 301 Donati P P Colozzi I Il privato sociale che emerge Realtà e dilem mi Bolonha Il Mulino 2004 DUrkHeim É De la division du travail social Paris Presses Universi taires de France 1893 La divisione del lavoro sociale Milão Edi zioni di Comunità 1962 DUx G Rechtssoziologie Eine Einführung Stuttgart Kohlhammer 1978 Eckmann H Rechtspositivismus und sprachanalytische Philosophie Der Begriff des Rechts in der Rechtstheorie H L A Harts Berlim Duncker Humblot 1969 Edelman B Ownership of the Image Elements for a Marxist Theory of Law Londres Routledge Kegan Paul 1979 EHrenzweig A A Psychoanalytische Rechtswissenschaft Berlim Duncker Humblot 1973 EHrlicH E Die stillschweigende Willenserklärung rist anast Berlim Darmstadt 1893 EHrlicH E Freie Rechtsfindung und freie Rechtswissenschaft rist anast Aalen Scientia 1903 EHrlicH E Grundlegung der Soziologie des Rechts Munique Duncker Humblot 1913 I fondamenti della sociologia del diritto Org de A Febbrajo Milão Giuffrè 1976 EHrlicH E Die juristische Logik Tübingen Mohr 1925 EHrlicH E Recht und Leben Berlim Duncker Humblot 1967 EHrlicH E Kelsen H Scienza giuridica e sociologia del diritto Org de A Carrino Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 1992 Elias N Über die Zeit Frankfurt aM Suhrkamp 1986 Saggio sul tempo Bolonha Il Mulino 1986 Evan W M org The Sociology of Law A Socialstructural Perspecti ve Nova YorkLondres The Free PressMacmillan 1980 FaccHi A Diritto e ricompense Ricostruzione storica di unidea Turim Giappichelli 1994 Sociologia do DireitomioloP3indd 301 020822 1037 302 sociologia do direito FaccHi A I diritti nellEuropa multiculturale RomaBari Laterza 2001 Faria José Eduardo Campilongo Celso Fernandes A sociologia jurí dica no Brasil Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1991 Febbrajo A Funzionalismo strutturale e sociologia del diritto nellopera di Niklas Luhmann Milão Giuffrè 1975 Febbrajo A Pene e ricompense come problemi di politica legislativa In Diritto premiale e sistema penale Milão Giuffrè 1983 pp 97119 Febbrajo A Storia e sociologia del diritto Quaderni fiorentini XIII 1984 pp 731 Febbrajo A The Rules of the Game in the Welfare State In TeUbner G org Dilemmas of Law in the Welfare State BerlimNova York De Gruyter 1986 pp 12850 Febbrajo A Struttura e funzioni delle deontologie professionali In ToUsijn W org Le libere professioni in Italia Bolonha Il Muli no 1987a pp 5586 Febbrajo A Kapitalismus moderner Staat und rationalformales Recht In ReHbinder M Tieck KP org Max Weber ALS Rechtssoziologe Berlim Duncker Humblot 1987b pp 5578 Febbrajo A From Hierarchical to Circular Models in the Sociology of Law Some Introductory Remarks European Yearbook in the Sociology of Law 1988 pp 321 Febbrajo A org Verso un concetto sociologico di diritto Milão Giuffrè 2010 Febbrajo A org Le radici della sociologia del diritto Milão Giuffrè 2013 Febbrajo A org Law Legal Culture and Society Mirrored Identi ties of the Legal Order Londres Nova York Routledge 2020 Febbrajo A Corsi G org Sociology of Constitutions A Paradoxi cal Perspective Londres Nova York Routledge 2018 Febbrajo A Gambino F org Il diritto frammentato Milão Giuffrè 2013 Sociologia do DireitomioloP3indd 302 020822 1037 reFerências bibliográFicas 303 Febbrajo A Harste G org Law and Intersystemic Communica tion Understanding Structural Coupling Farnham Ashgate 2013 Febbrajo A La Spina A Raiteri M org Cultura giuridica e politiche pubbliche in Italia Milão Giuffrè 2006 Febbrajo A SadUrski W org Central and Eastern Europe after TransitionTowards a New Sociological Semantics Farnham Ashgate 2010 Feenan D Informal Criminal Justice Aldershot Ashgate 2002 Ferrarese M R Listituzione difficile La magistratura tra professione e sistema politico Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 1984 Ferrarese M R Diritto e mercato Il caso degli Stati Uniti Turim Gia ppichelli 1992 Ferrarese M R Le istituzioni della globalizzazione Diritto e diritti nella società transnazionale Bolonha Il Mulino 2000 Ferrarese M R Il diritto al presente Globalizzazione e tempo delle istituzioni Bolonha Il Mulino 2002 Ferrarese M R Diritto sconfinato Inventiva giuridica e spazi nel mondo globale RomaBari Laterza 2006 Ferrarese M R La governance tra politica e diritto Bolonha Il Muli no 2010 Ferrari V Successione per testamento e trasformazioni sociali Milão Edizioni di Comunità 1972 Ferrari V org Developing Sociology of Law A Worldwide Docu mentary Enquiry Milão Giuffrè 1990 Ferrari V Diritto e società Elementi di sociologia del diritto Roma Bari Laterza 2004a Ferrari V Lineamenti di sociologia del diritto Azione giuridica e siste ma normativo RomaBari Laterza 2004b Ferrari V RonFani P Stabile S org Conflitti e diritti nella socie tà transnazionale Milão Angeli 2001 Ferrarotti F Max Weber Fra nazionalismo e democrazia Nápoles Liguori 1995 Sociologia do DireitomioloP3indd 303 020822 1037 304 sociologia do direito Fici A Internet e le nuove forme della partecipazione politica Milão Angeli 2002 Fioravanti M Costituzionalismo Percorsi della storia e tendenze at tuali RomaBari Laterza 2009 FiscHer Lescano A TeUbner G Regimecollisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law XXV 2004 pp 9991046 Forte F Bondonio P V Costi e benefici della giustizia italiana Ana lisi economica della spesa pubblica per la giustizia Bari Laterza 1970 FoUcaUlt M Surveiller et punir Naissance de la prison Paris Galli mard 1975 Sorvegliare e punire Nascita della prigione Turim Einaudi 1976 FoUcaUlt M La verità e le forme giuridiche Org de L DAlessandro Nápoles La Città del Sole 1994 Franzoni L A Introduzione alleconomia del diritto Bolonha Il Muli no 2003 Friedman L M The Legal System A Social Science Perspective Nova York Russell Sage Foundation 1975 Il sistema giuridico nella pros pettiva delle scienze sociali Org de Tarello Bolonha Il Mulino 1978 Friedman L M Crime and Punishment in American History Nova York Basic Books 1993 Friedman L M The Horizontal Society New Haven ConnLondres Yale University Press 1999 La società orizzontale Org de G Pino Bolonha Il Mulino 2002 Friedman L M Impact How Law affects Behavior Cambridge Har vard University Press 2016 Friedman L M MacaUlay S Law and the Behavioral Sciences In dianápolis Ind Nova York The BobbsMerrill Co 1969 Friedman W Legal Theory 5 ed Londres Stevens Sons 1967 FUcHs E Juristischer Kulturkampf Karlsruhe Braun 1912 Sociologia do DireitomioloP3indd 304 020822 1037 reFerências bibliográFicas 305 Galgano F La globalizzazione nello specchio del diritto Bolonha Il Mulino 2005 Geiger T Debat med Uppsala on Moral og Ret Lund Boktryckeri 1946 Geiger T Ideologie und Wahrheit Eine soziologische Kritik des Denkens StuttgartWien Humboldt 1952 Geiger T Vorstudien zu einer Soziologie des Rechts Neuwied Luch terhand 1964 Geiger T Saggi sulla società industriale Turim Utet 1970 Gessner V CembUdak A org Emerging Legal Certainty Empirical Studies on the Globalization of Law Aldershot Ashgate 1998 GHezzi M L Diversità e pluralismo La sociologia del diritto penale nello studio didevianza e criminalità Milão Cortina 1995 Giasanti A org Marxismo e funzionalismo Materiali per unanalisi Messina Edas 1977 Giasanti A org Controllo e ordine sociale Milão Giuffrè 1985 Giasanti A Maggioni G org Opinione pubblica e devianza in Italia Milão Angeli 1979 GiUliani A Sistematica e casemethod come metodi di istruzione giuridicaJus 1957 VIII 4 pp 17 Gonçalves Guilherme Leite Direito entre certeza e incerteza hori zontes críticos para a teoria dos sistemas São Paulo Saraiva 2013 Gonçalves Guilherme Leite Villas Bôas FilHo Orlando Teoria dos sistemas sociais direito e sociedade na obra de Niklas Luh mann São Paulo Saraiva 2013 GoUldner A W The Coming Crisis of Western Sociology Nova York Basic Books 1970 La crisi della sociologia Bolonha Il Mulino 1972 Governatori F Stato e cittadino in tribunale Valutazioni politiche nelle sentenze Bari Laterza 1970 Grossi P org Società diritto stato Un recupero per il diritto Milão Giuffrè 2006 Sociologia do DireitomioloP3indd 305 020822 1037 306 sociologia do direito Grossman J B TanenHaUs J org Frontiers of Judicial Research Nova York Wiley 1969 GrUter M Die Bedeutung der Verhaltensforschung für die Rechtswis senschaft Berlim Duncker Humblot 1976 GUarnieri C Pederzoli P La magistratura nelle democrazie con temporanee RomaBari Laterza 2002 GUastini R Il giudice e la legge Lezioni di diritto costituzionale Tu rim Giappichelli 1995 GUerra FilHo Willis Santiago Posição das cortes constitucionais no sistema jurídico pequena contribuição para discutir fundamentos racionais do pensar nos tempos de judicializar do direito a partir da teoria de sistemas sociais autopoiéticos In Lima Fernando Rister de Sousa Martins Otávio Henrique Oliveira Rafael Sérgio Lima de coord Poder Judiciário direitos sociais e racio nalidade jurídica São Paulo Campus Jurídico 2011 GüntHer K Der Sinn für Angemessenheit Frankfurt aM Suhrkamp 1988 GUrvitcH G Sociology of Law Nova York Philosophical Library 1942 Sociologia del diritto 2 ed Milão Etas Kompass 1967 Häberle P Verfassungslehre als Kulturwissenschaft Berlim Duncker Humblot 1982 Per una dottrina della costituzione come scienza della cultura Roma Carocci 2001 Häberle P Wahrheitsprobleme im Verfassungsstaat BadenBaden Nomos 1995 Diritto e verità Turim Einaudi 2000 Häberle P Cultura dei diritti e diritti della cultura nello spazio costitu zionale europeo Milão Giuffrè 2003 Habermas J Strukturwandel der Öffentlichkeit Neuwied Luchterhand 1962 Storia e critica dellopinione pubblica RomaBari Laterza 1999 Habermas J Zur Rekonstruktion des historischen Materialismus Frank furt aM Suhrkamp 1976 Per la ricostruzione del materialism storico Org de F Cerutti Milão Etas Libri 1979 Sociologia do DireitomioloP3indd 306 020822 1037 reFerências bibliográFicas 307 Habermas J Theorie des kommunikativen Handelns Frankfurt aM Suhrkamp 1981 2v Teoria dellagire comunicativo Bolonha Il Mulino 1986 2v Habermas J Faktizität und Geltung Beiträge zur Diskurstheorie des Re chts und des demokratischen Rechtsstaats Frankfurt aM Suhrkamp 1992 Fatti e norme Contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia Org de L Coppa Milão Guerini e Associati 1996 Hakan H Sociology of Law as the Science of Norms Londres Nova York Routledge 2022 Hart H L AThe Concept of Law Oxford Oxford University Press 1961 Il concetto di diritto Turim Einaudi 1965 Hartwieg O Rechtsstatsachenforschung im Übergang Bestandsauf nahme zur empirischen Rechtssoziologie in der Bundesrepublik Deutschland Göttingen Vandenboeck Ruprecht 1975 HattenHaUer H org Thibaut und Savigny Ihre programmatischen Schriften Munique Vahlen 1973 HaUrioU M Teoria dellistituzione e della fondazione Org de W Cesari ni Sforza Milão Giuffrè 1967 Aux sources du droit Le pouvoir lordre et la liberté Paris Bloud Gay 1933 Leçons sur le mouve ment social Paris Librairie de la Société du Recueil Général des Lois Heck P Das Problem der Rechtsgewinnung Berlim Technische Uni versität 1912 Heck P Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz Tübingen Mohr 1932 HertogH M org Living Law Reconsidering Eugen Ehrlich Oxford Hart 2009 Heydebrand W Globalization and the Rule of Law at the End of the 20th Century In Febbrajo A Nelken D Olgiati V org So cial Processes and Patterns of Legal Control Milão Giuffrè 2001 pp 25127 Hillgenberg H A Fresh Look at Soft Law European Journal of Inter national Law X 1999 pp 499515 Sociologia do DireitomioloP3indd 307 020822 1037 308 sociologia do direito HirscH E E Das Recht im sozialen Ordnungsgefüge Beiträge zur Re chtssoziologie Berlim Duncker Humblot 1966 HirscH E E ReHbinder M Studien und Materialen zur Rechtsso ziologie Kölner Zeitschrift für Soziologie und Sozialpsychologie Sonderheft 11 1967 Hoebel E A The Law of Primitive Man A Study in Comparative Legal Dynamics Cambridge Mass Harvard University Press 1954 Il diritto delle società primitive Uno studio comparato sulla dinamica dei fenomeni giuridici Bolonha Il Mulino 1973 HUgHes G Edwards A org Crime Control and Community The New Politics of Public Safety Portland Or Willan 2002 HUizinga J Homo ludens 4 ed Milão Il Saggiatore 1983 1949 IllUm K Lov og ret København Nyt Nordisk Forl 1945 Irti N Nichilismo giuridico RomaBari Laterza 2004 Irti N Norma e luoghi Problemi di geodiritto RomaBari Laterza 2006 Irti N Il salvagente della forma RomaBari Laterza 2007 Jenkins I Social Order and the Limits of Law A Theorethical Essay Princeton NJ Princeton University Press 1980 Joerges C Meny Y Weiler J H H org What Kind of Constitu tion for What Kind of Polity Responses to Joschka Fischer Firenze Cambridge Mass European University InstituteHarvard Law School 2000 KaFka F Il processo Milão Mondadori 2010 1925 Kantorowicz H Der Kampf um die Rechtswissenschaft Heidelberg Winter 1906 La lotta per la scienza del diritto Palermo Sandron 1908 Kantorowicz H The Definition of Law Londres Cambridge Uni versity Press 1958 La definizione del diritto Introd de N Bobbio Turim Giappichelli 1962 Kantorowicz H Rechtswissenschaft und Soziologie Ausgewählte Schriften zur Wissenschaftslehre Org de T Würtenberger Karlsruhe Müller 1962 Sociologia do DireitomioloP3indd 308 020822 1037 reFerências bibliográFicas 309 KaUpen W Die Hüter von Recht und Ordnung Die soziale Herkunft Erziehung und Ausbildung der deutschen Juristen Eine soziologis che Analyse NeuwiedBerlim Luchterhand 1969 KaUpen W RaseHorn Th Die Justiz zwischen Obrigkeitsstaat und Demokratie NeuwiedBerlim Luchterhand 1971 Kellermann P Kritik einer Soziologie der Ordnung Organismus und System bei Comte Spencer und Parsons Freiburg Rombach 1967 Kelsen H Über Grenzen zwischen juristischer und soziologischer Me thode Tübingen Mohr 1911 Kelsen H Reine Rechtslehre Wien Deuticke 1960 La dottrina pura del diritto Introd de MG Losano Turim Einaudi 1966 Kelsen H Der soziologische und der juristische Staatsbegriff Kritische Untersuchung des Verhältnisses von Staat und Recht Aalen Scien tia 1962 1928 2 ed Kennedy D Breve storia dei Critical legal studies negli Stati Uniti Rivista Critica del Diritto Privato X 1992 pp 63946 KercHove M van de Ost F Le droit ou les paradoxes du jeu Paris Presses Universitaires de France 1992 Il diritto ovvero i paradossi del gioco Milão Giuffrè 1995 King M THornHill C org Luhmann on Law and Politics Critical Appraisals and Applications Oxford Hart 2006 KircHHeimer O Political Justice The Use of Legal Procedure for Poli tical Ends Princeton NJ Princeton University Press 1961 KircHmann J H von Die Wertlosigkeit der Jurisprudenz als Wissens chaft Berlim 1938 1848 La mancanza di valore della giurispru denza come scienza In KircHmann J H WolF E Il valore scien tifico della giurisprudenza Milão Giuffrè 1964 pp 135 Kjaer P TeUbner G Febbrajo A org The Financial Crisis in Constitutional Perspective The Dark Side of Functional Differentia tion Oxford Hart 2011 Sociologia do DireitomioloP3indd 309 020822 1037 310 sociologia do direito KlaUsa E et al Rezension eines Denkansatzes die Conference on Critical Legal Studies Zeitschrift für Rechtssoziologie I 1980 pp 85125 Krawietz W Begründung des Rechts anthropologisch betrachtet Zur Institutionentheorie von Weinberger und Schelsky In Theorie der Normen Festgabe für Ota Weinberger zum 65 Geburtstag Ber lim Duncker Humblot 1984 pp 25571 Krawietz W Der soziologische Begriff des Rechts Rechtshistorisches Journal 1988 VII pp 15777 KUrczewski J Ethnographic Approach In Podgórecki A Law and Society LondresBoston Mass Routledge Kegan Paul 1974 LadeUr K H Abwägung Ein neues Paradigma des Verwaltungsrechts Frankfurt aM Campus 1984 LadeUr K H Public Governance in the Age of Globalization Alder shot Ashgate 2004 LadeUr K H Der Staat gegen die Gesellschaft Zur Verteidigung der Rationalität der Privatrecht Gesellschaft Aldershot Ashgate 2006 La Spina A La decisione legislativa Lineamenti di una teoria Milão Giuffrè 1989 LaUtmann R Soziologie vor den Toren der Jurisprudenz Zur Koopera tion der beiden Disziplinen Stuttgart ua Kohlhammer 1971 Leonardi F Il cittadino e la giustizia Pádova Marsilio 1968 Leoni B Il problema della scienza giuridica Turim Giappichelli 1940 Leoni B Scritti di scienza politica e teoria del diritto Milão Giuffrè 1980 Leroy M The concrete rationality of taxpayers Sociologia del Diritto 2 2011 pp 3360 LévyBrUHl H Sociologie du droit 7 ed Paris Presses Universitaires de France 1990 Istituzioni di sociologia del diritto Con unappendice sui problemi della sociologia criminale Org de M Strazzeri Lecce Pensa MultiMedia 1997 Sociologia do DireitomioloP3indd 310 020822 1037 reFerências bibliográFicas 311 Lima Fernando Rister de Sousa Sociologia do direito o direito e o pro cesso à luz da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann 2 ed rev e atual Curitiba Juruá 2012 Lima Fernando Rister de Sousa Constituição Federal acoplamento estrutural entre os sistemas político e jurídico Direito Público Porto Alegre Síntese ano 7 n 32 pp 201 marabr 2010 Llewellyn K N The Normative the Legal and the Lawjobs The Problem of Juristic Method The Yale Law Journal XLIX 8 1940 pp 1355400 Lopes José Reinaldo de Lima O direito na história Lições introdutó rias 5 ed São Paulo Atlas 2014 Losano M G Forma e realtà in Kelsen Milão Edizioni di Comunità 1981 LUHmann N Grundrechte als Institution 2 ed Berlim Duncker Humblot 1999 1965 I diritti fondamentali come istituzione Org de G Palombella e L Pannarale Bari Dedalo 2002 LUHmann N Normen in soziologischer Perspektive Soziale Welt XX 1969 pp 2848 LUHmann N Soziologische Aufklärung Opladen Westdeutscher Verl 1970 Illuminismo sociologico Org de D Zolo Milão Il Saggiato re 1983 LUHmann N Rechtssoziologie Reinbek bei Hamburg Rowohlt 1972 Sociologia del diritto Org de A Febbrajo RomaBari Laterza 1977 LUHmann N Rechtssystem und Rechtsdogmatik Stuttgart Kohlham mer 1974 Sistema giuridico e dogmatica giuridica Org de A Febbrajo Bolonha Il Mulino 1978 LUHmann N Stato di diritto e sistema sociale Organização de Alberto Febbrajo Nápoles Guida 1984 LUHmann N Ausdifferenzierung des Rechts Beiträge zur Rechtssozio logie und Rechtstheorie Frankfurt aM Suhrkamp 1981 La diffe Sociologia do DireitomioloP3indd 311 020822 1037 312 sociologia do direito renziazione del diritto Contributi alla sociologia e alla teoria del diritto Org de R De Giorgi Bolonha Il Mulino 1990 LUHmann N Legitimation durch Verfahren Frankfurt aM Suhrkamp 1983 Procedimenti giuridici e legittimazione sociale Org de A Febbrajo Milão Giuffrè 1995 LUHmann N Soziale Systeme Grundrißeiner allgemeinen Theorie Frankfurt aM Suhrkamp 1984 Sistemi sociali Fondamenti di una teoria generale Org de A Febbrajo Bolonha Il Mulino 1990 LUHmann N Das Recht der Gesellschaft Frankfurt aM Suhrkamp 1993 LUHmann N La costituzione come acquisizione evolutiva In Zagre belsky G Portinaro P P LUtHer J org Il futuro della costi tuzione Turim Einaudi 1996 LUHmann N Soziologie des Risikos BerlimNova York De Gruyter 2003 LUminati M Priester der Themis Richterliches Selbsverständnis in Ita lien nach 1945 Frankfurt aM Klostermann 2007 MacCannell D MacCannell J F The Time of the Sign A Semiotic Interpretation of Modern Culture Bloomington Indiana University Press 1982 MacCormick D N Questioning Sovereignty Law State and Nation in the European Commonwealth Oxford Oxford University Press 2002 MacCormick D N Whos Afraid of a European Constitution Exeter Imprint Academic 2005 MacCormick D N Weinberger O Grundlagen des institutionalis tischen Rechtspositivismus Berlim Duncker Humblot 1985 Maggioni G Il divorzio in Italia Studio dellapplicazione di una legge nuova Milão Angeli 1990 Maggioni G Pocar V RonFani P La separazione senza giudice Il conflitto coniugale e gli operatori del diritto Milão Angeli 1988 Maine H S Ancient Law Londres Dent Nova York Dutton 1972 1861 Diritto antico Org de V Ferrari Milão Giuffrè 1998 Sociologia do DireitomioloP3indd 312 020822 1037 reFerências bibliográFicas 313 Mancini L Immigrazione musulmana e cultura giuridica Osservazio ni empiriche su due comunità di egiziani Milão Giuffrè 1998 Marci T Laltra persona Problemi della soggettività nella società con temporanea Milão Angeli 2008 Marconi P I diritti della globalizzazione Sociologia del Diritto XXIX 1 pp 1735 2002 Marinelli A La costruzione del rischio Modelli e paradigmi interpre tativi nelle scienze sociali Milão F Angeli 1993 Marra R Il diritto in Durkheim Sensibilità e riflessione nella produ zione normativa Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 1986 Marra R Dalla comunità al diritto moderno La formazione giuridica di Max Weber 18821889 Turim Giappichelli 1992 MarsHall T H Citizenship and Social Class In Sociology at the Crossroad Londres Heinemann 1963 1949 Cittadinanza e clas se sociale Org de G Maranini Turim Utet 1976 Marx K Il Capitale Critica delleconomia politica Org de R Fines chi In Marx K Engles F Opere complete Nápoles La Città del Sole 2011 v XXXI Masia M Il controllo sulluso della terra Analisi sociogiuridica sugli usi civili in Sardegna Cagliari Cluec 1992 Mastroeni G Giuseppe Capograssi tra filosofia del diritto e sociologia Messina Peloritana 1983 Mattei U Monateri P G Pardolesi R Il mercato delle regole Analisi economica del diritto civile Bolonha Il Mulino 1999 MattHews R org Informal Justice Londres Sage 1988 Mayntz R Soziologie der öffentlichen Verwaltung Heidelberg Müller 1978 Sociologia dellamministrazione pubblica Bolonha Il Muli no 1982 Mellini M Intorno allignoranza Il Giusto Processo 13 2004 pp 95106 Melossi D Translating Social Control Reflections on the Compari son of Italian and North American Cultures In Karstedt S Sociologia do DireitomioloP3indd 313 020822 1037 314 sociologia do direito BUssmann K org Social Dynamics of Crime and Control New Theories for a World in Transition Oxford Hart 2000 pp 14356 Melossi D The Cultural Embeddedness of Social Control Reflections on the Comparison of Italian and North American Cultures concer ning Punishment Theoretical Criminology 5 4 2001 pp 40324 Melossi D Stato controllo sociale devianza Milão Bruno Mondado ri 2002 Merryman J Lo stile italiano Rivista Trimestrale di Diritto e Procedu ra Civile 4 3 19661967 pp 1169216 70954 Mittica P Il divenire nellordine Linterazione normativa nella società omerica Milão Giuffrè 1996 Moccia L Lesperienza inglese della partecipazione dei laici allammi nis trazione della giustizia Rivista di Diritto Processuale XXXIII 4 1978 pp 74164 Moriondo E Lideologia della magistratura italiana Bari Laterza 1967 Morisi M Anatomia della magistratura italiana Bolonha Il Mulino 1999 Morlino L Democrazie e democratizzazioni Bolonha Il Mulino 2003 Mortati C La Costituzione in senso materiale Milão Giuffrè 1940 MörtH U Soft Law in Governance and Regulation An Interdisciplina ry Analysis Cheltenham Elgar 2004 Mosconi G Criminalità sicurezza e opinione pubblica nel Veneto Pa dova Cleup 2000 MUlligan G Lederman B Social Facts and Rules of Practice Ame rican Journal of Sociology LXXXIII 1977 pp 53950 Nader L Law in Culture and Society Chicago Ill Aldine 1969 Nagel S S The Legal Process from a Behavioral Perspective Homewood Ill Dorsey Press 1969 Nelken D org The Futures of Criminology Thousand Oaks Calif Sage 1994 Sociologia do DireitomioloP3indd 314 020822 1037 reFerências bibliográFicas 315 Nelken D org Comparing Legal Cultures Aldershot Dartmouth 1997 Nelken D org Riflessioni intorno al radicamento di un sistema penale In Febbrajo A La Spina A Raiteri M org Cultu ra giuridica e politiche pubbliche in Italia Milão Giuffrè 2006 pp 44782 Nelken D Febbrajo A Olgati V org Social Processes and Pat terns of Legal Control European Yearbook in the Sociology of Law Milão Giuffrè 2000 Nelken D Febbrajo A Olgati V org Social Processes and Pat terns of Legal Control European Yearbook in the Sociology of Law Milão Giuffrè 2000 Nelken D Feest J org Adapting Legal Cultures Oxford Hart 2001 Neppi Modona G Sciopero potere politico e magistratura 18701922 Bari Laterza 1969 Neves M Entre Hidra e Hércules princípios e regras constitucionais São Paulo WMF Martins Fontes 2013 Neves M A constitucionalização simbólica São Paulo Martins Fontes 2007 Neves M Transconstitucionalismo São Paulo WMF Martins Fontes 2009 Neves M Transconstitucionalism Oxford Portland Hart Publishing 2013 Noll P Gesetzgebungslehre Reinbek bei Hamburg Rowohlt 1973 Nonet P Selznick P Law and Society in Transition Nova York Har per Row 1978 NUssbaUm A Die Rechtstatsachenforschung Berlim Duncker Hum blot 1968 Odorisio R et al Valori socioculturali della giurisprudenza Introd de L Bianchi dEspinosa Bari Laterza 1970 OgbUrn W F Social Change with Respect to Culture and Original Nature Technology and Culture XLV 2 1950 pp 396405 Sociologia do DireitomioloP3indd 315 020822 1037 316 sociologia do direito Olgiati V Saggi sullavvocatura Lavvocato italiano tra diritto potere e società Milão Giuffrè 1990 Olgiati V Le professioni giuridiche in Europa Politiche del diritto e dinamica sociale Urbino QuattroVenti 1996 Olgiati V org Higher Legal Culture and Postgraduate Legal Educa tion in Europe Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 2007 OpocHer E La filosofia del diritto di Giuseppe Capograssi Nápoles Guida 1991 Opp K D Soziologie im Recht Reinbek bei Hamburg Rowohlt 1973 Palazzo F Roselli O org I professionisti della giustizia La forma zione degli operatori dellamministrazione della giustizia Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 2007 Palombella G Lautorità dei diritti I diritti fondamentali tra istituzio ni e norme RomaBari Laterza 2002 Pannarale L Il diritto e le aspettative Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 1988 Pappalardo S Gli iconoclasti Magistratura Democratica nellambito dellAssociazione Nazionale Magistrati Milão Angeli 1987 Parsons T The Social System Glencoe Ill The Free Press 1951 Il sis tema sociale Int de L Gallino Milão Edizioni di Comunità 1965 Parsons T The Law and Social Control In Evan W M org Law and Sociology Exploratory Essays Nova York The Free Press of Glencoe 1962 La teoria funzionale del diritto 2 ed Org de A Giasanti e V Pocar Milão Unicopli 1983 PasHUkanis E The General Theory of Law And Marxism in Selected Writings on Marxism and Law Org de P Beirne e R Sharlet Lon dres Academic Press 1980 1924 La teoria generale del diritto e il marxismo Bari De Donato 1975 Pattaro E Il realismo giuridico scandinavo Bolonha Clueb 1975 v I PecesBarba MartÍnez G Curso de derechos fundamentales I Teo ría general Madri Edema 1991 Teoria dei diritti fondamentali Org de V Ferrari Milão Giuffrè 1993 Sociologia do DireitomioloP3indd 316 020822 1037 reFerências bibliográFicas 317 Pennisi C Istituzioni e cultura giuridica Turim Giappichelli 1998 Pepe V Il processo di istituzionalizzazione delle autorità indipendenti Lantitrust Pref de A La Spina Milão Angeli 2005 Perlingieri P Il diritto dei contratti fra persona e mercato problemi del diritto civile Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 2003 Pernice I Multilevel Constitutionalism in the European Union Euro pean Law Review XXVII 2002 pp 511 ss Petrazycki L Law and Morality Leon Petravycki Intro de N Tima sheff Cambridge Mass Harvard University Press 1955 PetrUcci V Alle origini della sociologia giuridica Leon Duguit Nápo les Istituto Italiano per gli Studi Filosofici 1984 PigliarU A Il banditismo in Sardegna La vendetta barbaricina come ordinamento giuridico Milão Giuffrè 1959 PitcH T La devianza Firenze La Nuova Italia 1982 Pocar V Gli animali non umani Per una sociologia dei diritti Roma Bari Laterza 1998 Pocar V RonFani P org Forme delle famiglie forme del diritto Mutamenti della famiglia e delle istituzioni nellEuropa occidentale Milão Angeli 1991 Pocar V RonFani P org Coniugi senza matrimonio La conviven za nella società contemporanea Milão Cortina 1992 Pocar V RonFani P org Il giudice e i diritti dei minori Roma Bari Laterza 2004 Podgórecki A Law and Society LondresBoston Mass Routledge Kegan Paul 1974 Podgórecki A A Sociological Theory of Law Milão Giuffrè 1991 Podgórecki A Alexander J SHields B org Social Engineering Ottawa Carleton University Press 1996 Podgórecki A et al Knowledge and Opinion about Law Londres M Robertson 1973 Podgórecki A LoŚ M Multidimensional Sociology LondresBos ton Mass Routledge Kegan Paul 1979 Sociologia do DireitomioloP3indd 317 020822 1037 318 sociologia do direito Popitz H Über die Präventivwirkung des Nichtwissens Dunkelziffer Norm und Strafe Tübingen Mohr Siebeck 1968 Posner R A Review of Guido Calabresi The Costs of Accidents A Legal and Economic Analysis University of Chicago Law Review 37 1970 pp 63648 PoUnd R Law in the Books and Law in Action American Law Review XLIV 1910 pp 112 PoUnd R The Scope and Purpose of Sociological Jurisprudence Har vard Law Review XXV 1912 pp 489 ss PoUnd R Social Control through Law New Haven ConnLondres Yale University PressHumphrey MilfordOxford University Press 1942 Priban J European Union ConstitutionMaking Political Identity and Central European Reflections European Law Journal XI 2 2005 pp 13553 Prigogine I La fin des certitudes Temps chaos et les lois de la nature Paris Odile Jacob 1996 QUassoli F SteFanizzi S I magistrati italiani Unanalisi esplorativa delle caratteristiche sociodemografiche e dei percorsi di mobilità Sociologia del Diritto XXIX 1 2002 pp 89115 Raiser T Einführung in die Rechtssoziologie Juristische Arbeitsblät ter Sonderheft 9 1973 Raiser T Grundlagen der Rechtssoziologie 4 ed rev Tübingen Mohr Siebeck 2007 Raiteri M Il giudice selettore Riformulazione degli assetti di interessi e determinazione di equilibri sociogiuridici Milão Giuffrè 1990 Rawls J Two Concepts of Rules The Philosophical Review LXIV 1955 pp 332 Reasons C E RicH R M The Sociology of Law A Conflict Perspecti ve Toronto Butterworths 1978 RebUFFa G Costituzioni e costituzionalismi Turim Giappichelli 1990 RebUFFa G Nel crepuscolo della democrazia Max Weber tra sociologia del diritto e sociologia dello stato Bolonha Il Mulino 1991 Sociologia do DireitomioloP3indd 318 020822 1037 reFerências bibliográFicas 319 RebUFFa G La funzione giudiziaria Turim Giappichelli 1993a RebUFFa G Culture juridique In ArnaUd AJ Dictionnaire Encyclo pédique de Théorie et de Sociologie du Droit ParisBruxelas Librai rie Générale de Droit et de Jurisprudence 1993b pp 13941 ReHbinder M Die Begründung der Rechtssoziologie durch Eugen Ehr lich Berlim Duncker Humblot 1967 ReHbinder M Die Rechtstatsachenforschung im Schnittpunkt von Rechtssoziologie und soziologischer Jurisprudenz In LaUtmann R MaiHoFer E H ScHelsky W org Die Funktion des Rechts in der modernen Gesellschaft Bielefeld Bertelsmann Universitäts verlag 1970 pp 33359 ReHbinder M Le funzioni sociali del diritto Quaderni di Sociologia 1973 pp 10324 ReHbinder M Rechtssoziologie BerlimNova York De Gruyter 1993 Reiner R The Politics of the Police Oxford Oxford University Press 2000 Renan E Questce quune nation In ConFérence Faite en Sor bonne 11 mar 1882 Paris Lévy 1882 Che cosè una nazione e altri saggi Roma Donzelli 2004 Renner K Die Rechtsinstitute des Privatrechts und ihre soziale Funktion Wien Wiener Volksbuch 1965 1929 Gli istituti del diritto priva to e la loro funzione giuridica Un contributo alla critica del diritto civile Bolonha Il Mulino 1981 Rescigno P Persona e comunità Saggi di diritto privato Padova Ce dam 1987 Resta E Conflitti sociali e giustizia Bari De Donato 1977 Resta E Diritto fraterno RomaBari Laterza 2002 Resta E Diritto vivente RomaBari Laterza 2008 RocHa Leonel Severo Observações sobre a observação luhmanniana In RocHa Leonel Severo ScHwartz Michael King Germano A verdade sobre a autopoiese no direito Porto Alegre Livraria do Advogado 2009 Sociologia do DireitomioloP3indd 319 020822 1037 320 sociologia do direito Rodotà S Tecnologie e diritti Bolonha Il Mulino 1995 Rodotà S Il diritto di avere diritti RomaBari Laterza 2012 RöHl K F Das Dilemma der Rechtstatsachenforschung Tübingen Mohr 1974 RöHl K F Rechtssoziologie Ein Lehrbuch Köln ua Heymanns 1987 Romano B Filosofia e diritto dopo Luhmann Il tragico del moderno Roma Bulzoni 1996 Romano S Lordinamento giuridico Firenze Sansoni 1918 RonFani P I diritti del minore Cultura giuridica e rappresentazioni sociali 2 ed Milão Guerini 2001 Roselli O org Osservatorio sulla formazione giuridica 2006 Nápo les Edizioni Scientifiche Italiane 2007 Rostek H Der rechtlich unverbindliche Befehl Ein Beitrag zur Effekti vitätskontrolle des Rechts Berlim Duncker Humblot 1971 RottleUtHner H Richterliches Handeln Zur Kritik der juristischen Dogmatik Frankfurt aM Athenäum Verlag 1973 RottleUtHner H Rechtstheorie und Rechtssoziologie FreiburgMün chen Alber 1981 Teoria del diritto e sociologia del diritto Bolo nha Il Mulino 1983 RottleUtHner H Einführung in die Rechtssoziologie Darmstadt Wissenschaftliche Buchgesellschaft 1987 RUFino A Nascita e difesa della società Foucault dopo Foucault Nápo les La Città del Sole 1996 RUFino A TeUbner G Il diritto possibile Funzioni e prospettive del medium giuridico Milão Guerini 2005 RyFFel H Grundprobleme der Rechtsund Staatsphilosophie Philoso phische Anthropologie des Politischen NeuwiedBerlim Luchterhand 1969 RyFFel H Rechtssoziologie Eine systematische Orientierung Neuwied Berlim Luchter Hand 1974 Sacco R Introduzione al diritto comparato 3 ed Turim Giappichelli 1989 Sociologia do DireitomioloP3indd 320 020822 1037 reFerências bibliográFicas 321 SadUrski W org Constitutional Justice East and West Democratic Legitimacy and Constitutional Courts in Postcommunist Europe in a Comparative Perspective Den HaagLondresNova York Kluwer Law International 2002 Santos de SoUsa B Toward a New Legal Common Sense Law Globa lization and Emancipation Londres Butterworth 2002 Santos de SoUsa B Sociología jurídica crítica Para un nuevo sentido común en el derecho Madri Trotta 2009 Sarzotti C Cultura giuridica e culture della pena I discorsi inaugura li dellanno giudiziario dei procuratori generali Turim LHarmattan Italia 2006 Sassen S A Sociology of Globalization Nova York Norton 2007 Una sociologia della globalizzazione Turim Einaudi 2008 Savigny F C von Vom Beruf unsrer Zeit für Gesetzgebung und Re chtswissenschaft Heidelberg Mohr und Zimmer rist anast 1814 In Thibaut und Savigny Ihre programmatischen Schriften Introd de H Hattenhauer München Vahlen 1973 Savona E U Diritto e discriminazione razziale La legislazione inglese come fattore di mutamento sociale tra gli anni sessanta e gli anni ottanta Milão Angeli 1980 Savona E U Mezzanotte L La corruzione in Europa Roma Ca rocci 1998 Scarpelli U Cosè il positivismo giuridico Milão Edizioni di Comu nità 1965 ScHelsky H Zur Theorie der Institution Düsseldorf Bertelsmann 1970a ScHelsky H Systemfunktionaler anthropologischer und person funktionaler Ansatz der Rechtssoziologie Jahrbuch für Rechtsso ziologie und Rechtstheorie I 1970b pp 3789 ScHiavone A Nascita della giurisprudenza Cultura aristocratica e pensiero giuridico nella Roma tardorepubblicana RomaBari La terza 1976 Sociologia do DireitomioloP3indd 321 020822 1037 322 sociologia do direito ScHlUcHter W Die Entwicklung des okzidentalen Rationalismus Tübingen Mohr 1979 ScHmitt C Legalität und Legitimität MünchenLeipzig Duncker Humblot 1932 ScHmitt C Le categorie del politico Saggi di teoria politica Org de G Miglio e P Schiera Bolonha Il Mulino 1972 ScHUbert G org Judicial Decisionmaking Nova York The Free Press of Glencoe 1963 ScHUbert G org Judicial Behavior A Reader in Theory and Research Chicago Ill Rand McNally 1964 ScHUbert G Danelski D J org Comparative Judicial Behavior Crosscultural Studies of Political Decisionmaking in the East and West Nova York Oxford University Press 1969 ScHUltz U SHaw G org Women in the Legal Profession An Inter national Study Oxford Hart 2003 ScHwartz Germano As Constituições estão mortas Rio de Janeiro Lumen Juris 2018 Searle J R How to derive Ought from Is The Philosophical Review LXXIII 1964 pp 4358 Semon R Die Mneme als erhaltendes Prinzip im Wechsel des organis chen Geschehens 3 ed Leipzig Engelmann 1911 Skinner B F Contigencies of Reinforcement A Theoretical Analysis Nova York Meredith 1969 Smart B Michel Foucault Londres Tavistock 1985 Smelser N J Theory of Collective Behavior Nova York Macmillan 1963 Il comportamento collettivo Firenze Vallecchi 1968 Spina F Sociologia dei Nimby I conflitti di localizzazione tra movimen ti e istituzioni Nardò Besa 2009 Spittler G Norm und SanktionUntersuchungen zum Sanktionsme chanismus Olten Walter 1967 Sociologia do DireitomioloP3indd 322 020822 1037 reFerências bibliográFicas 323 Stammler R Wirtschaft und Recht nach der materialischen Geschicht sauffassung Eine sozialphilosophische Untersuchung 2 ed Leipzig Veit Comp 1906 Strazzeri M Il Giano bifronte Giuridicità e socialità della norma Bari Palomar 1996 Strazzeri M org Potere strategie discorsive controllo sociale Per corsi foucaultiani San Cesario di Lecce Manni 2003 Strazzeri M org Il teatro della legge Lenunciabile e il visibile Bari Palomar 2007 SUmner W G Folkways A Study of the Sociological Importance of Usa ges Manners Customs Mores and Morals Boston Mass Ginn Co 1906 Costumi di gruppo Introd de A M Cinese Milão Edi zioni di Comunità 1962 SUpiot A Le jeu de miroirs du droit et des médias Droit et Société XVI 1990 pp 28998 TaFUri M Progetto e utopia Architettura e sviluppo capitalistico In trod de F Purini RomaBari Laterza 2007 Tanzi A Renato Treves Dalla filosofia alla sociologia del diritto Nápo les Edizioni Scientifiche Italiane 1988 Tarello G Il realismo giuridico americano Milão Giuffrè 1962 TeUbner G Substantive and Reflexive Elements in Modern Law Law Society Review XVII 1983 pp 239 ss TeUbner G After Legal Instrumentalism Strategic Models of Post regulatory Law In Dilemmas of Law in the Welfare State Berlim De Gruyter 1985 pp 299325 TeUbner G Il trilemma regolativo A proposito della polemica sui modelli giuridici poststrumentali Politica del Diritto XVIII 1 1987 pp 85118 TeUbner G Recht als autopoietisches System Frankfurt aM Surhkamp 1989 Il diritto come sistema autopoietico Org de A Febbrajo e C Pennisi Milão Giuffrè 1996 Sociologia do DireitomioloP3indd 323 020822 1037 324 sociologia do direito TeUbner G org Global Law without a State Aldershot Ashgate 1997 TeUbner G La cultura del diritto nellepoca della globalizzazione Lemergere delle costituzioni civili Org de R Prandini Roma Ar mando 2005 TeUbner G Selbstsubversive Gerechtigkeit Kontingenzoder Transzen denzformel des Rechts Zeitschrift für Rechtssoziologie XIX 1 2008 pp 936 TeUbner G Nuovi conflitti costituzionali Milão Bruno Mondadori 2012 TeUbner G Febbrajo A State Law and Economy as autopoietic Sys tems Regulation and Autonomy in a New Perspective European Yearbook in the Sociology of Law Milão Giuffrè 1992 TeUbner G Willke H Kontext und Autonomie Gesellschaftliche Selbststeuerung durch reflexives Recht Zeitschrift für Rechtssozio logie V 1 1984 pp 435 THibaUt A F J Über die Nothwendigkeit eines allgemeinen bürgerli chen Rechts für Deutschland Heidelberg Mohr und Zimmer rist anast 1814 In Thibaut und Savigny Ihre programmatischen Schrif ten Introd de H Hattenhauer München Vahlen 1973 THomas T Sex Crime Sex Offending and Society Portland Or Willan 2000 THornHill C A Sociology of Constitutions Constitutions and State Legitimacy in HistoricalSociological Perspective Cambridge Cam bridge University Press 2011 Tiemeyer J Zur Methodenfrage der Rechtssoziologie Über die wissens chaftstheoretische Möglichkeit die Rechtssoziologie wie eine Na turwissenschaft zu betreiben Berlim Duncker Humblot 1969 TimasHeFF N S Sociological Theory Its Nature and Growth Garden City NY Doubleday Co 1955 Tomeo V Il giudice sullo schermo Magistratura e polizia nel cinema italiano RomaBari Laterza 1973 Sociologia do DireitomioloP3indd 324 020822 1037 reFerências bibliográFicas 325 Tomeo V Teoria ricerca e giudizi di valore Sociologia del Diritto I 1 1974 pp 285 ss Tomeo V Il diritto come struttura del conflitto Milão Angeli 1981 Tomeo V CerUtti P G Biancardi R Giustizia norma e sanzione Una ricerca pilota sullatteggiamento degli adolescenti Sociologia del Diritto II 1 1975 pp 11741 Tönnies F Gemeinschaft und Gesellschaft Leipzig Reislad 1887 Co munità e società RomaBari Laterza 2011 Toscano M A Evoluzione e crisi del mondo normativo Durkheim e Weber RomaBari Laterza 1975 Treves R org La sociologia del diritto Problemi e ricerche Milão Edizioni di Comunità 1966 Treves R org Nuovi sviluppi della sociologia del diritto Milão Edi zioni di Comunità 1968 Treves R org Giustizia e giudici nella società italiana Problemi e ricerche di sociologia del diritto Bari Laterza 1972 Treves R org Sociologia del diritto e sociologia dellidea di giusti zia in Hans Kelsen Sociologia del Diritto VIII 3 1981 pp 105 Treves R org Sociologia del diritto Cinquanta anni di esperienza giuridica in Italia MessinaTaormina 38 nov 1981 Milão Giuffrè 1982 Treves R org Sociologia del diritto Origini ricerche problemi Tu rim Einaudi 1988 TrotHa T von Recht und Kriminalität Tübingen Mohr 1982 Unger R M Knowledge and Politics Nova York The Free Press 1975 Unger R M Law in Modern Society Toward a Criticism of Social The ory Nova YorkLondres The Free PressMacmillan 1976 Vago S Law and Society 2 ed Englewood Cliffs NJ Prentice Hall 1988 VerscHaegen G Systems Theory and the Paradox of Human Rights In King M THornHill C org Luhmann on Law and Politics Oxford Hart 2006 Sociologia do DireitomioloP3indd 325 020822 1037 326 sociologia do direito Vesting Thomas Teoria do direito uma introdução São Paulo Sarai va 2015 VieHweg T Topik und Jurisprudenz München Beck 1953 Topica e giurisprudenza Org de G Crifò Milão Giuffrè 1962 Villas Bôas FilHo Orlando O direito na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann São Paulo Max Limonad 2006 Walker N org Sovereignty in Transition Oxford Hart 2006 Ward I Law and Literature Possibilities and Perspectives Cambridge Cambridge University Press 1995 Weber M R Stammlers Überwindung der materialistischen Geschi chtsauffassung Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik XXIV 1907 pp 94151 Rudolf Stammler e il superamento della concezione materialistica della storia In Saggi sul metodo delle scienze storicosociali Milão Edizioni di Comunità 2001 pp 279 63 A proposito di Economia e diritto di Rudolf Stammler In EHrlicH E Kelsen H Weber M Verso un concetto sociologico di diritto Org de A Febbrajo Milão Giuffrè 2010 pp 89165 Weber M R Wirtschaft und Gesellschaft Tübingen Mohr 1922 Eco nomia e società Introd de P Rossi Milão Edizioni di Comunità 1968 Weber M R Zur Geschichte der Handelsgesellschaften im Mittelalter Tübingen Mohr 1924 Weinberger O Recht Institution und Rechtspolitik Grundprobleme der Rechtstheorie und Sozialphilosophie Stuttgart Steiner 1987 WietHölter R Rechtswissenschaft Frankfurt aM Fischer 1968 Le formule magiche della scienza giuridica RomaBari Laterza 1975 Zaccaria G Larte dellinterpretazione Saggi sullermeneutica giuridi ca contemporanea Padova Cedam 1990 Zagrebelsky G Il diritto mite Turim Einaudi 1992 Zagrebelsky G Portinaro P P LUtHer J org Il futuro della costituzione Turim Einaudi 1996 Sociologia do DireitomioloP3indd 326 020822 1037 reFerências bibliográFicas 327 Ziegert K A Zur Effektivität der Rechtssoziologie Die Rekonstruktion der Gesellschaft durch Recht Stuttgart Enke 1975 ZUmbansen P Transnational Law York Osgoode Hall Law School In Comparative ResearcH in Law and Political Economy clpe Research Paper n 9 2008 Sociologia do DireitomioloP3indd 327 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 328 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 329 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 330 020822 1037
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
35
Introdução à Sociologia da Administração da Justiça
Sociologia do Direito
MACKENZIE
11
Sabadell a Posição das Mulheres no Direito
Sociologia do Direito
MACKENZIE
35
Max Weber: Direito e Ascensão do Capitalismo - Análise e Contribuições
Sociologia do Direito
UNICURITIBA
20
Max Weber e a Racionalização: Impactos nas Ordens Social, Econômica e Política
Sociologia do Direito
ESAMC
17
Conceito e Definição do Direito como Fato Social
Sociologia do Direito
UMG
11
Luhmann Niklas a Posição dos Tribunais no Sistema Jurídico
Sociologia do Direito
IMED
9
4 a Aplicação do Direito
Sociologia do Direito
UMG
7
Resenha Crítica 5 de Vingança
Sociologia do Direito
FB
14
Capítulo 3: Algumas Convergências na Sociologia do Direito
Sociologia do Direito
PUC
22
6 - a Evolução da Sociedade Política
Sociologia do Direito
UMG
Texto de pré-visualização
sociologia do direito Sociologia do DireitomioloP3indd 1 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 2 020822 1037 Alberto Febbrajo sociologia do direito conceitos e problemas de eHrlicH a lUHmann tradUção de FERNANDO RISTER DE SOUSA LIMA E SAMANTHA BENEDETTI Sociologia do DireitomioloP3indd 3 020822 1037 Copyright 2021 Editora WMF Martins Fontes Ltda São Paulo para a presente edição Todos os direitos reservados Este livro não pode ser reproduzido no todo ou em parte armazenado em sistemas eletrônicos recuperáveis nem transmitido por nenhuma forma ou meio eletrônico mecânico ou outros sem a prévia autorização por escrito do editor 1ª edição 2021 Acompanhamento editorial Ana Paula Luccisano Preparação de texto Célia Regina Camargo Revisões Ana Paula Luccisano e Ana Caperuto Edição de arte Gisleine Scandiuzzi Produção gráfica Geraldo Alves Paginação Renato Carbone Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Barreto Evelyn Projetos de paz perpétua no direito internacional contemporâneo Evelyn Barreto prefácio Paulo Borba Casella Apresentação Cláudia PerroneMoisés São Paulo Editora WMF Martins Fontes 2021 Biblioteca Jurídica WMF Bibliografia ISBN 9786586016857 1 Direito internacional público 2 Kant Immanuel 17241804 3 Relações Interna cionais Filosofia I PerroneMoisés Cláudia II Título III Série 2174228 cdU341 Índice para catálogo sistemático 1 Direito internacional público 341 Cibele Maria Dias Bibliotecária CRB89427 Todos os direitos desta edição reservados à Editora WMF Martins Fontes Ltda Rua Prof Laerte Ramos de Carvalho 133 01325030 São Paulo SP Brasil Tel 11 32938150 email infowmfmartinsfontescombr httpwwwwmfmartinsfontescombr Sociologia do DireitomioloP3indd 4 020822 1037 Prefácio VII Introdução O objeto da sociologia do direito 1 Primeira Parte ConCeitos 1 O conceito de direito 31 11 A controvérsia entre Kelsen e Ehrlich 34 12 O conceito de direito vivo 43 13 Direito como instituição 54 2 O conceito de cultura jurídica 63 21 Definição 64 22 As premissas do modelo de Weber 74 23 As aplicações do modelo de Weber 82 24 Implicações e desenvolvimento 97 3 Algumas convergências 105 31 Três conceitos de direito 105 32 Funções do direito 110 segunda Parte Problemas 4 O problema da eficácia 121 sUmário Sociologia do DireitomioloP3indd 5 020822 1037 41 Ordem social e ordem jurídica 124 42 Norma e sanção 132 43 A institucionalização das sanções 142 44 Cálculo obrigatório e segurança jurídica 148 45 Sanção e memória coletiva 154 46 Comportamento e percepções do direito 160 47 As raízes da eficácia 168 5 O problema da evolução 189 51 As razões da evolução 193 52 As ferramentas evolutivas 205 53 Os filtros da evolução 213 54 Algumas implicações da abordagem sistêmica 222 55 Constituição e evolução 242 6 Conclusão 265 61 Os novos problemas 269 62 Endereços de pesquisa emergentes 276 63 Para uma sociologia do direito crítica 285 Referências bibliográficas 295 Sociologia do DireitomioloP3indd 6 020822 1037 Esta introdução à sociologia do direito originalmente concebida para o público italiano centrase em questões teóricas comuns aos diversos ordenamentos jurídicos nacionais que têm sido en frentadas sobretudo por autores hoje considerados clássicos Deve portanto também poder falar com leitores que possuem diferen tes experiências jurídicas Em geral porém devese notar que as relações entre a Itália e o Brasil estão recentemente se desenvolvendo em um quadro que torna cada vez mais fluidas as rígidas distinções usadas para tipificar a preestabelecida superioridade da realidade jurídica e política concentrada sobretudo na Europa e nos Estados Unidos Em geral atenuouse o contraste entre a democracia ocidental historicamente considerada madura mas na realidade cada vez mais visivelmente imperfeita e outras democracias entre um centro empenhado em produzir legislação cada vez mais avan çada em relação ao resto do mundo e uma periferia capaz de se alinhar apenas tardiamente e de modo incompleto com os últi mos desenvolvimentos legislativos entre um Norte apenas apa rentemente comprometido com os valores da igualdade jurídica e econômica e um Sul caracterizado por crônicas desigualdades nesses âmbitos preFácio Sociologia do DireitomioloP3indd 7 020822 1037 Viii sociologia do direito Mais especificamente é apenas o caso de recordar que laços complexos se desenvolveram nas últimas décadas entre Itália e Brasil facilitados não somente pelo estreito parentesco linguístico mas também pelas influências recíprocas entre escolas científi cas que fomentaram importantes paralelos culturais em vários setores do ordenamento jurídico dos dois países Uma influência significativa por exemplo foi exercida pela escola fundada em São Paulo por Tullio Ascarelli orientada sobretudo para o direi to comercial bem como pela Escola de Enrico Tullio Liebman que inspirou relevantes estudos históricos e comparativos sobre um momento essencial da vida do direito o processo1 Não é por acaso que nos anos 1960 o estudo do processo e da administra ção da justiça tornaramse os temas centrais sobre os quais se baseou a nascente pesquisa sociológicojurídica italiana Subli nharamse então problemas comuns a vários Estados como a defesa dos seus interesses de classe pelos magistrados e anteci paramse também problemas específicos hoje cada vez mais atuais na Itália como a tendência do Judiciário a articularse em diversas correntes ideológicopolíticas2 No mais para além das distinções entre os Estados a socio logia do direito também tende a identificar distinções transver sais capazes de contrastar várias culturas jurídicas mais ou menos próximas da cultura jurídica oficial entendidas em tese como lentes que mostram a realidade do direito de forma dife 1 Entre os mais recentes expoentes da escola de Liebman devo lembrar Michele Taruffo com quem realizei atividades de pesquisa nos anos 1960 na Universidade de Pavia onde nós dois nos formamos Taruffo que faleceu recentemente exer ceu influência significativa na Itália e no Brasil 2 TREVES R Giustizia e giudici nella società italiana Bari Laterza 1972 Entre as pesquisas mais interessantes realizadas no âmbito desse projeto também or ganizado com o apoio de Vittorio Denti mestre de Taruffo e estritamente liga do a Liebman ver MORIONDO E L ideologia della magistratura italiana Bari Laterza 1967 Sociologia do DireitomioloP3indd 8 020822 1037 preFácio iX rente e que podem se influenciar reciprocamente no quadro da circularidade essencial de todo discurso sobre o direito3 O vínculo entre a pesquisa sociológica e o mundo dos juristas sempre foi muito estreito e tem contribuído para o desenvolvimen to da sociologia do direito Muitos dos principais sociólogos que influenciaram direta ou indiretamente a disciplina como Marx e Weber receberam treinamento jurídico o que fez com que de senvolvessem grande interesse pela filosofia e pela história para melhor lidar com a complexidade dos problemas enfrentados Tal processo cultural pode ser em parte explicado por coin cidências biográficas aleatórias mas sem dúvida tem razões pro fundas como a convergência natural do direito e da sociologia em relação a um tema central para a teoria sociológica a ordem social De fato o tipo de milagre que vemos acontecer diaria mente em diferentes sociedades embora em grande parte imper feito o de uma coesão substancial que envolve de modo direto ou indireto milhões e milhões de indivíduos sempre foi um tema de extrema importância tanto para a reflexão sociológica quanto para a jurídica pois abarca de modo claro a dupla face das regras sociais e das normas jurídicas A sociologia do direito busca combinar os dois pontos de vista tratando não apenas dos instrumentos formais de que o direito dispõe para controlar a sociedade mas também das ferramentas informais com as quais ela consegue se organizar Isso significa que o direito para o so ciólogo do direito abrange muito mais e ao mesmo tempo muito menos do que o direito escrito Muito mais porque o direito es crito na legislação oficial pode ser considerado simplesmente a 3 Assim também se falou de uma cultura de revistas jurídicas Grossi 1984 So bre os vários modelos de cultura jurídica ver FEBBRAJO A ed Law Legal Culture and Society Mirrored Identities of the Legal Order LondresNova York Routledge 2018 Sociologia do DireitomioloP3indd 9 020822 1037 X sociologia do direito ponta de um iceberg apoiado por uma massa invisível de outras regras que são cruciais para lhe dar a estabilidade e a duração de que precisa mas também muito menos porque grande parte das normas do direito escrito tem relevância limitada ou quase nula para a conduta real dos eventos sociais Saindo dessa área de pesquisa que compreende além do direito escrito as regras sociais e os aparelhos que ajudam a pro duzila e aplicála a sociologia do direito em cerca de um século tem experimentado desenvolvimentos significativos e uma cres cente afirmação internacional Devese ressaltar também que na Europa como em muitos outros países a partir da Segunda Guerra Mundial a sociologia do direito recuperou o impulso tornandose testemunho de uma profunda necessidade de reno vação percebida pelo mundo do direito bem como de demandas generalizadas por um direito melhor vindo da sociedade Por tanto sobretudo a partir da década de 1970 a sociologia do direi to vem se concentrando em cursos que promovem estudos que foram simultaneamente estabelecidos em vários países sem dei xar de recuperar o enorme legado dessa sociologia clássica que já no início do século passado contribuiu de modo decisivo para seu nascimento Com o crescente sucesso da disciplina aumen tou consideravelmente tanto o número de sociólogos do direito quanto o de juristas dispostos a usar de modo explícito ou implí cito ferramentas sociológicas para realizar melhor o seu traba lho Isso tem ajudado a transformar a sociologia do direito de observadora para produtora de cultura jurídica sinalizando a circularidade essencial de qualquer discurso sobre o direito des tinado a fazer parte de seu objeto no momento em que é recebido dentro da cultura jurídica oficial Tudo isso embora sem dúvida tenha enriquecido o contexto dos estudos sociológicos e jurídi cos também produziu uma considerável fragmentação e uma Sociologia do DireitomioloP3indd 10 020822 1037 preFácio Xi falta de sistemática que no momento atual parece muito difícil e talvez até prematuro tentar solucionar Para superar essas dificuldades de enquadramento passa mos a falar não de uma sociologia do direito mas de mais de uma sociologia do direito distinguindose em particular aque la dos sociólogos mais atenta ao papel social do direito como um todo e aquela dos juristas mais atenta às implicações sociais das normas individuais que se enquadram na sua área específica de competência No lugar do nome tradicional sociologia do direi to às vezes foram usadas outras denominações ainda mais ge rais e imprecisas direito e sociedade law and society droit et société derecho y sociedad Devese notar no entanto que embora heterogêneos os es tudos sociológicojurídicos desde a sua origem têm comparti lhado alguns objetos de pesquisa comuns e buscado explicálos de modo que se compreenda a relação real que existe entre direi to e sociedade além de uma intenção pragmática movidos pelo desejo de interpretálos com vista a melhorálos Tudo isso pare ce ter uma consequência importante o lugar em que o ensino da sociologia do direito mostrase mais apropriadamente institucio nalizado são as faculdades de direito e em particular os cursos nos quais os futuros profissionais da área jurídica são prepara dos para atuar Essa consequência no entanto não parece total mente óbvia A rápida disseminação da sociologia do direito foi resultado do crescente interesse de um círculo diversificado de possíveis usuários com diferentes orientações As expectativas sobre as tarefas da sociologia do direito são múltiplas Aqueles que a veem sobretudo como resultado da diferenciação e especialização do conhecimento sociológico têm apoiado sua inclusão nos cursos preparatórios dos futuros soció logos mas aqueles que a percebem como uma forma de estudar Sociologia do DireitomioloP3indd 11 020822 1037 Xii sociologia do direito os complexos instrumentos de controle da política na sociedade ou os processos de aprendizagem e internalização de normas em especial normas jurídicas têm contemplado sua inclusão tam bém em outros cursos Para identificar um quadro unitário de referência este livro centrará a atenção em alguns dos principais conceitos e questões da disciplina considerando que mesmo diante da pluralidade de diferentes variantes nesse nível geral é possível reconhecer na sociologia do direito uma identidade fundamental e destacar sig nificativas convergências fundamentais entre as suas diferentes orientações Em particular com relação aos conceitos fundamen tais a primeira parte do livro tratará da definição da precondição essencial de qualquer pesquisa sociojurídica que é o conceito so cioeconômico de direito Além disso será feita uma tentativa de ampliar o discurso para o que parece ser a pedra angular in substituível das inúmeras relações entre direito e sociedade o conceito de cultura jurídica fundamentalmente compreendi do como o conjunto de lentes por meio das quais os diferentes atores sociais veem o direito e os operadores jurídicos No capítulo 3 após apontar algumas convergências entre as diversas propostas conceituais discutidas será feita uma tentativa de estabelecer uma ponte entre a primeira e a segunda parte do livro a partir do conceito sociológico de função que aplicado ao direito pode incluir uma ampla gama de significados úteis para a identificação dos principais problemas da sociologia do direito O foco serão questões essenciais independentemente das diferentes abordagens escolhidas a da eficácia do direito ques tionando como ele pode se impor sobre o comportamento dos atores sociais e a da evolução do direito questionando como a sociedade pode influenciálo e mudar suas estruturas e seus con teúdos A primeira pergunta mostrase de particular interesse Sociologia do DireitomioloP3indd 12 020822 1037 preFácio Xiii para o lado normativo da disciplina e das técnicas de controle social a segunda sobretudo para o aspecto cognitivo e os fatores que podem explicar as mudanças no direito No capítulo final será feita uma tentativa de identificar o que muda no que diz respeito a revisitar o conjunto de conceitos a serem utilizados e os problemas a serem abordados a fim de caracterizar a sociologia do direito contemporânea Nesse contexto um lugar particular será reservado à obra de Luhmann cujo amplo projeto de pesquisa terminou pouco antes de sua morte e ainda está aberto a novos desenvolvimentos A sua teoria que em um olhar mais atento sugere sobretudo um diferente modo de pensar propõese a evitar a rígida distinção sujeitoobjeto que pode levar a julgar apenas o externo da socie dade e em vez disso tenta estudar também o interno de estrutu ras com várias articulações funcionais desde o enfrentamento de riscos as improváveis conexões e as redundantes alternativas de um sistema social como a que o direito dispõe em suas relações com o ambiente4 A influência exercida pela obra desse autor tanto na Itália quanto no Brasil parece constituir um importante ponto de con tato para a sociologia do direito dos dois países5 4 Já no final dos anos 1960 começaram a se delinear os elementos fundamentais de sua abordagem teórica partindo não apenas de temas da sociologia do direito mas também da sociologia política e da administração sobre esses primeiros tra balhos ver FEBBRAJO A Funzionalismo strutturale e sociologia del diritto nellopera di Niklas Luhmann Milão Giuffrè 1975 Ainda assim Luhmann era um verdadeiro mestre para jovens pesquisadores um precioso ponto de referência para discussões e pesquisas Acompanhei então sua produção tentando introdu zir na Itália algumas de suas inúmeras obras Sociologia del diritto Bari Laterza 1977 Sistema giuridico e dogmática giuridica Bolonha Il Mulino 1978 Stato di diritto e sistema sociale Nápoles Guia de 1978 Sistemi sociali Bologna Il Mulino 1990 Procesimenti giuridici e legittimazione sociale Milão Giuffrè 1995 5 Entre os estudiosos italianos mais envolvidos na difusão do pensamento de Luhmann no Brasil está Raffaele de Giorgi Entre as contribuições brasileiras Sociologia do DireitomioloP3indd 13 020822 1037 XiV sociologia do direito No decorrer do livro serão contempladas abordagens histó ricas diferentes daquelas que compreendem diferentes aspectos do comportamental ao antropológico Da mesma forma o di mensionamento dos contrastes e o surgimento de posições inter mediárias mais diversas e compostas serão levados em conta nas escolhas teóricas A seleção dos autores foi forçosamente muito seletiva partindo do princípio de que é preferível centrar mais em alguns deles em vez de dizer pouco sobre muitos Em vez de enfatizar as diferenças entre as ideias dos autores tentamos res saltar as conexões entre eles e as dívidas que assumiram mutua mente para trazer um quadro comum Este livro está voltado sobretudo para estudantes de sociolo gia do direito interessados no desenvolvimento de uma teoria sociológica do direito É dedicado à memória de Renato Treves que depois de ter estendido seus interesses filosóficos jurídicos aos estudos socio lógicos nos anos de exílio na América Latina teve o grande mé rito de ter difundido a sociologia do direito na Itália Treves 1968 e 1988 para o estudo da obra de Luhmann ver CAMPILONGO C F AMATO L F BARROS M A L L rev Luhmann and SocioLegal Research An Empiral Agenda for Social Systemns Theory London New York Routledge 2021 GON ÇALVES G L VILLAS BÔAS FILHO O Teoria dos sistemas sociais direito e sociedade na obra de Niklas Luhmann São Paulo Saraiva 2013 LIMA F R So ciologia do direito o direito e o processo à luz da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann Curitiba Juruá 2012 SEVERO R L KING M SCHWARTZ G A verdade sobre a autopoiese no direito Porto Alegre Livraria do Advogado 2009 Sociologia do DireitomioloP3indd 14 020822 1037 Uma introdução à sociologia do direito requer antes de tudo que seja delimitado pelo menos ao mínimo possível o objeto do qual se ocupa1 Tal objeto em geral é definido por uma fórmu la que pode parecer quase tautológica o estudo das relações en tre direito e sociedade Essa definição aparentemente simples e intuitiva exige algumas especificações Em primeiro lugar a definição por si só não se restringe de modo exclusivo à sociologia do direito pois o sociólogo do direi to não é o único que se ocupa deste para se referir diretamente à sociedade O historiador por exemplo busca integrar e interpre tar os documentos jurídicos de outras épocas enquadrandoos em seu contexto social o filósofo busca descobrir dentro ou aci ma das normas valores largamente compartilhados e radicados nas razões de uma convivência pacífica mesmo o juiz tenta apli car a determinados indivíduos de carne e osso as normas gerais e abstratas Ou seja são todos sujeitos empenhados em recons truir as relações entre direito e sociedade ao menos na medida em que se revelam essenciais para o seu trabalho 1 Para uma ampla e detalhada exposição dos diversos temas de estudo que a dis ciplina enfrenta em âmbito internacional ver BANAKAR R TRAVERS M rev Law and Social Theory Oxford Portland Hart 2013 introdUção O ObjetO da sOciOlOgia dO direitO Sociologia do DireitomioloP3indd 1 020822 1037 2 sociologia do direito A sociologia jurídica caracterizase como ciência não porque se ocupe de modo meramente instrumental ou ocasional das re lações entre direito e sociedade mas sim porque a toma como objeto específico da própria pesquisa o que não ocorre com as disciplinas antes mencionadas Com efeito direito e sociedade são distintos mas comple mentares A sociedade pode ser representada não só como a soma de indivíduos mas como as relações que acontecem entre eles e em um nível logicamente superior as relações entre tais relações O direito pode ser por sua vez visto como o instrumen to mais sofisticado que apropriado a tais níveis suplementares regula as relações interindividuais Sociedade e direito não se exaurem então nos seus aspectos imediatamente visíveis Con siderar o direito como um somatório de textos escritos significa não reconhecer a sua essência assim como considerar a sociedade como mera pluralidade de indivíduos significa não compreender a sua humanidade Para o sociólogo do direito tudo o que move os homens são relações interindividuais reguladas para orientações difusas a uma ideia mais ou menos vaga de normatividade Um exemplo pode servir para ilustrar esse aspecto imaginemos um grupo de pedestres parado em um semáforo à espera de que se acenda a luz verde para que atravessem uma via pública Esses indivíduos provenientes de várias partes da cidade provavelmente com di ferentes destinos nada têm em comum senão aquela breve para da Eles constituem portanto uma simples plateia causal pouco relevante para um sociólogo O único aspecto que os aproxima é que param e se movem obedecendo aos sinais de um semáforo seguindo fielmente uma norma que regula os ritmos dos seus movimentos e de modo homogêneo as relações entre eles que são puramente anônimas e casuais É fácil então também para Sociologia do DireitomioloP3indd 2 020822 1037 introdUção 3 um observador externo concluir que os pedestres são ligados entre si não por uma relação simples mas por relações reguladas por uma norma que todos ao menos de maneira implícita reco nhecem mesmo aqueles que com pressa e diante de condições de tráfego e da falta de guardas de trânsito eventualmente atra vessam a rua antes dos outros Para a sociologia do direito contudo a relação entre socieda de e direito não é uma relação puramente simétrica Essa ciência pressupõe que a sociedade não o direito é o elemento mais im portante As relações entre direito e sociedade não podem ser vis tas apenas como os relacionamentos entre quem comanda e quem obedece pois na verdade é a sociedade que de maneira simultâ nea é a causa primeira e a destinatária das ações reguladoras das normas Em outros termos a sociedade pode ser comparada ao lançador de bumerangue destinado a ser golpeado pelo mesmo objeto que lançou mas haveria sempre a possibilidade de fazêlo cair no vazio Isso significa que as relações entre sociedade e di reito não são de contraposição frontal nem de exclusão recíproca mas sim caracterizadas por um constante intercâmbio pelo qual o direito tem com a sociedade estreitas e orgânicas relações e a sociedade é concebida de modo que reconheça como idôneos os espaços do próprio direito embora mantendo com ele uma posi ção de proeminência Como já foi dito as relações entre direito e sociedade não são simétricas mas circulares Direito e sociedade obedecem às lógi cas convergentes de modo que o direito contribui para a sobre vivência de tudo o que é inteiro e ainda é a razão da existência da parte Como se diz Ubi societas ibi ius a recíproca também pode ser dita Ubi ius ibi societas Romano 1918 pp 256 Por tanto os relacionamentos entre direito e sociedade não represen tam um conjunto com soma zero de modo que uma expansão da Sociologia do DireitomioloP3indd 3 020822 1037 4 sociologia do direito área do direito não implica necessariamente uma correspon dente redução do âmbito da autonomia da sociedade A multipli cação das normas jurídicas longe de potencializar a capacidade reguladora do direito pode ser um sinal da sua debilidade e da sua insuficiente incivilidade e por conseguinte não comporta obrigatoriamente uma compreensão dos espaços de manobra dos destinatários Para individualizar tal concepção permitese que a socie dade mantenha uma relativa independência nos confrontos do direito e a este permitese uma relativa independência nos confrontos da sociedade Isto ocorre por meio de filtros especí ficos selecionandose o grau de suas intensas e constantes inte rações impedindo que qualquer um dos polos da relação acabe por se mesclar ou se confundir com o outro Além disso as relações entre direito e sociedade para não se tornarem rigida mente bipolares são sempre submetidas às ações de conjuntos de variáveis diferentes que podem influenciar o externo de vá rios modos O direito tem diferentes relacionamentos com quase todos os âmbitos do social e os condicionamentos que partem da so ciedade seguem percursos mais ou menos indiretos para que possam ir da política à economia antes de atingir o direito even tualmente enriquecendose ou enfraquecendose durante esse longo trajeto A sociologia do direito deve por isso reconstruir essas complexas relações entre fatores sociais direta ou indireta mente relevantes para o direito de modo amplo e diversificado o suficiente de acordo com seu âmbito específico político econô mico e outros Movendose sob tais premissas a sociologia do direito tem desenvolvido um aparato conceitual e teórico que lhe permitiu assumir pontos de vista abstratos o suficiente para representar os Sociologia do DireitomioloP3indd 4 020822 1037 introdUção 5 incontáveis condicionamentos recíprocos do direito e da socie dade Desse modo foram individualizados conceitos e enfrenta dos problemas relevantes seja sociológica ou judicialmente a fim de superar os horizontes limitados dos operadores indivi duais do direito ou dos destinatários comuns das normas jurí dicas Como toda pesquisa sociológica a sociologia do direito se justifica em suma pelo fato de oferecer aos indivíduos que atuam na sociedade uma espécie de grande espelho no qual po dem ver a si mesmos permitindolhes perceber e decifrar as re lações que os conectam aos outros indivíduos e ao restante da sociedade de modo que tenha mais consciência do sentido das suas ações em uma perspectiva em termos temporais e espaciais mais ampla do que permitiriam os horizontes individuais Deve também ser lembrado que a elaboração de uma abor dagem sociológica para o estudo do direito foi o resultado de um longo processo que passo a passo levou a sociologia do direito a definir a própria posição no âmbito da cultura jurídica oficial Na base desse percurso está a aspiração originária da sociologia de encarnar um ideal de ciência da realidade social metodologi camente assimilável às ciências da natureza superando com isso a ciência jurídica tradicional No caso da sociologia do di reito essa aspiração é baseada numa contraposição fundamental entre fatos sociais e normas jurídicas pressupondo que somente uma ciência sociológica relativa aos fatos sociais seria considera da uma verdadeira ciência Esse pressuposto alimentou um lon go debate sobre a possibilidade da existência de uma ciência empírica do direito debate que influenciou como se verá as vá rias definições do conceito de direito propostas pelos fundado res da sociologia do direito Sociologia do DireitomioloP3indd 5 020822 1037 6 sociologia do direito Sociologia do direito e modelos de ciência No início do século passado debatiase vigorosamente a fal ta de um estudo normativo do direito a ponto de ele ser colocado no centro das atenções do mundo dos juristas O debate aconteci do no início do século XIX entre Anton Friedrich Justus Thibaut e Friedrich Carl von Savigny continua ainda hoje rico em pon tos de reflexão Enquanto o primeiro defendia a necessidade de um novo Código Civil o outro sustentava a ideia romântica de um direito criado não a partir das leis mas da cultura de um povo acreditando que o direito não é nem pode se tornar o produto arbitrário da vontade individual mas deve permanecer fruto de um processo anônimo e coletivo que se prolonga no tempo fazen do que mais gerações de juristas assumissem o papel de intérpretes das forças e dos movimentos sociais que por si só seriam mais importantes do que as próprias leis Thibaut 1814 sobre esse de bate ver Hattenhauer 1973 Essas posições opostas provavelmente seriam mantidas fecha das no interior dos diversos endereços da cultura jurídica oficial se na segunda metade do século XIX graças à obra de Auguste Comte não fosse imposta uma atenção especial a um novo mo delo de ciência a sociologia baseada na possibilidade de intro duzir nas ciências humanas níveis de previsibilidade comparáveis aos das ciências naturais A nova lente promissora da sociologia que sob o impulso de uma crescente fé no desenvolvimento científico utilizava o ex perimentado marco do positivismo poderia com efeito consentir com o sucesso da pesquisa de um novo objeto de estudo baseado na sociedade e não limitado às normas da ciência jurídica dog mática Portanto como acontece com frequência se essa nova lente acabou condicionando a pesquisa do novo objeto as exi gências deste também não faltaram ao impor qualquer adapta Sociologia do DireitomioloP3indd 6 020822 1037 introdUção 7 ção à lente que deveria utilizar um foco mais nítido Tiemeyer 1969 Assim uma ciência geral da sociedade poderia de qual quer modo tentar oferecer uma alternativa à difusa desconfian ça no valor da ciência jurídica dogmática e se prestar também a um repensar do papel do jurista Segundo Comte os juristas e também os metafísicos ti nham adquirido poder ao suceder aos teólogos e aos militares na função de guiar a sociedade mas estavam destinados a ceder tal poder aos cientistas e técnicos que tinham constituído a classe dirigente da futura era positivista e industrial Com relação aos juristas e aos metafísicos especialistas na arte da persuasão os cientistas e técnicos seriam capazes na verdade de decifrar me lhor a sociedade porque eram especialistas nos métodos da ob servação e da experimentação Nessa visão da dinâmica social e do futuro da humanidade refletiase claramente não apenas uma confiança na possibili dade de conhecer as leis reais da sociedade mediante uma física social denominada sociologia mas também uma desconfiança nas leis do direito com as quais tinham de lidar os juristas desti nados a se tornar cada vez mais estrangeiros no mundo real Comte 1864 v V Surgiu percebida sobretudo pelo fundador da socio logia uma evidente lacuna entre o senso comum e a concepção técnicojurista que tem conhecido momentos de maior ou de menor importância mas possui origens muito antigas para poder voltar à afirmação de um direito escrito sobre o direito oral Ao se tornar reconhecível com o contrato ao menos em prin cípio por aqueles que sabiam ler MacCannell e MacCannell 1982 p 26 o direito para evitar o perigo de se estender de modo excessivo à área do juridicamente possível deveria ser protegido em termos lógicos e terminológicos por uma barreira de prote ção constituída por tecnicismos todos podem conhecer o direito mas nem todos podem falar sobre ele que poderia dentre outros Sociologia do DireitomioloP3indd 7 020822 1037 8 sociologia do direito aspectos ajudar a afrontar a exigência dos operadores de se orien tar com rapidez em uma massa de dados e de precedentes de ou tro modo de difícil gestão Tal fechamento terminológico foi obviamente o favorito por interesses de classes assim como pela preocupação em defender aos olhos dos usuários a capacidade do direito enquanto tal de resolver os conflitos Em suma os instrumentos sofisticados padronizados para poucos necessários à aplicação do direito foram utilizados e em momento posterior refinados para melhor delimitar um campo de interpretação que se tornaria potencialmente incontrolável caso fosse aberto aos muitos adeptos desse trabalho Schiavone 1976 Portanto não é um caso em que na fantasia popular a imagem do homem da lei fosse sempre associada aos estereótipos caracte rizados pela excessiva reverência formal nos confrontos das nor mas e por uma perda praticamente total do contato com o mundo real Os operadores do direito receberam apelidos como chica neiros ou impostores difundidos na linguagem comum e no mundo da literatura Porém é verdade que tais formas de sutil marginalização cultural foram por vezes acompanhadas e com pensadas por relevantes posições de prestígio Entretanto também é verdade que se trata de apelidos tão antigos que constituem um preço a pagar por quem se ocupa profissionalmente do direito Dessa forma era compreensível que a emergente sociologia do direito se contrapusesse em um primeiro momento àquela ciência jurídica dogmática que no saber jurídico transmitido na universidade às novas gerações tinha desempenhado e ainda de sempenhava papel predominante2 2 Ver Olgiati 2007 Recordese aqui que no início da década de 1950 foi propos to um modelo de ciência jurídica como alternativa a um ensino formalista e co dificante do direito particularmente próximo dos métodos indutivos em vez dos métodos destrutivos da doutrina e portanto mais flexível e menos sistemático que o último Viehweg 1953 Giuliani 1957 Sociologia do DireitomioloP3indd 8 020822 1037 introdUção 9 Os limites que rendiam discussões à ciência jurídica dogmá tica jurisprudência eram com efeito numerosos e de várias na turezas Von Kirchmann 1848 utilizando uma feliz semelhança que enfatizava a contingência das leis no final do século XIX se perguntou como era possível concentrar toda a atenção do juris ta em uma ciência que frente a três palavras inovadoras do legis lador correria o risco de destruir bibliotecas inteiras Kirchmann sugeriu antes de tudo entender os limites da ciên cia jurídica dogmática como defeito da capacidade de corresponder a certo ideal científico a despeito de outras ciências a fim de reali zar melhor tal ideal Os mesmos aspectos das forças da dogmática podiam em tal contexto transformarse em defeitos De fato era difícil sustentar que o conjunto das normas jurí dicas vigentes da qual se ocupava a ciência jurídica dogmática fosse provido dos requisitos demandados por um modelo positi vista de ciência dotado de estabilidade de conteúdo exclusiva mente determinado eficaz a ponto de ver traduzidas as próprias proposições em realidade Um direito potencialmente efêmero pela constante possibilidade de reescrever normas de conteúdo indeterminado dada a relatividade e a instabilidade dos critérios por vezes adotados pela frequência variável dos comportamentos previstos poderia ser considerado sobretudo com o surgimento da nova ciência sociológica como um obstáculo à obtenção de um modelo ideal da cientificidade embasado na tendência cons tante ou pelo menos na não arbitrariedade do seu próprio objeto Com relação ao nível programático o método dedutivo da ciência jurídica dogmática resultava da mera convicção técnica das argumentações usadas para justificar certa decisão mas não se ocupava dos resultados efetivamente alcançados Fiat iustitia pereat mundus que o mundo pereça mas façase a justiça Com isso poderia ser alvo de crítica de parte de quem tinha uma Sociologia do DireitomioloP3indd 9 020822 1037 10 sociologia do direito visão orientada mais para o nível substancial do que para aquele formal do direito Do outro lado o caráter abstrato dos princí pios do normativismo poderia facilitar a frequente variação nos conteúdos das normas positivas o melhor direito em tal contex to não é mais aquele velho mas aquele novo o que se tornaria de difícil controle pela mesma dogmática jurídica para a manu tenção dos níveis aceitáveis de unidade e coerência3 Os truques para superar tais limites podem ser encontra dos já no interior do ordenamento elevando ainda mais os ní veis de abstração do direito e consequentemente utilizando a segunda das circunstâncias 1 referências normativas mais duradouras como as normas organizadoras que em um ordenamento diferenciado regulam a produção de novas normas norma de normas 2 referências valorativas mais amplas como os conjuntos de valores em grau de legitimar os princípios inspiradores do inte rior dos ordenamentos valoração de valorações 3 referências sociais mais gerais como as regularidades típi cas que podem canalizar as interações sociais padronizadas de longo percurso regularidade de regularidades Falaremos sobre algumas das diversas estratégias de estabi lização interna do direito na medida em que possam interessar à sociologia do direito se tivermos a oportunidade de voltar ao assunto adiante Aqui nos limitaremos a observar que a ciência jurídica proveu a tudo isso com o auxílio de um aparato técnico e conceitual cada vez mais complexo e sofisticado como no caso da ciência do pandectismo a operação de sínteses inspira 3 Entre os autores italianos que enfrentaram o problema da cientificidade da ciência jurídica dogmática ver Leoni 1940 e Capograssi 1937 1962 Opocher 1991 destaca temas do pensamento de Capograssi que se aproximam particular mente da perspectiva sociológicojurídica Sociologia do DireitomioloP3indd 10 020822 1037 introdUção 11 das no direito romano que ainda hoje admiramos Cappellini 19841985 Todavia permaneceu o período que de tal maneira se acabas se por encerrar a maioria dos operadores jurídicos dentro de gaio las conceituais distantes de um exame realista das condições em que o direito opera na sociedade Inversamente o novo modelo cientificista que seria proposto pela sociologia colocava o enfoque sobre a realidade social e comportava uma percepção diferente não apenas da sociedade da parte dos juristas mas também dos juris tas da parte da sociedade Dux 1978 Röhl 1987 pp 43 ss De qualquer modo isso era inevitável Qualquer um que tente estudar o produto de uma atividade cultural plurimilenar como o direito deve concentrar a atenção também nas modalida des desenvolvidas pelos seus adeptos para poder voltálo para a vida prática Do mesmo modo quem tem a intenção de falar em termos sociológicos de religião não pode deixar de considerar a influência que teólogos e sacerdotes exercem no interior da vida da Igreja a que pertencem A convicção de que no seu trabalho de sistematização a ciên cia jurídica dogmática deveria ampliar o próprio horizonte e sair das próprias muralhas deparava com as posteriores argumenta ções relativas à delimitação e à gestão coerente daquelas normas jurídicas de diferentes naturezas substanciais mas também or ganizadoras e interpretativas que normalmente são colocadas dentro do grande recipiente normativo chamado ordenamento As várias disciplinas jurídicas a que a ciência jurídica em geral aparece articulada do direito privado ao penal do direito público ao comercial devem na verdade contemplar as necessidades não apenas relativas a aspectos formais abstratos mas também aos âmbitos do agir humano de modo que ao longo do tempo pos sam modificarse e receber novas classificações e novos limites Sociologia do DireitomioloP3indd 11 020822 1037 12 sociologia do direito Diante dessas dificuldades é lícito perguntar é realmente possível sustentar que exista uma ciência do direito capaz de rea lizar todas as tarefas requeridas pela gestão do direito na socie dade Não seria mais oportuno em vez de eleger um modelo coletivo de ciência para todas as ciências jurídicas adotar mode los distintos de ciência para as diferentes exigências que o orde namento jurídico no seu conjunto é chamado a satisfazer Se for será afirmada a tese sustentada por Kantorowicz 1962 pp 6981 de que seria necessário institucionalizar modelos diferentes de ciência para as diversas possibilidades de ciência do direito Tal tese embora não seja nova parece ainda predomi nante Bobbio 1958 Rehbinder 1993 Rottleuthner 1981 1987 Raiser 1973 2007 Desse modo o direito pode ser visto como algo além da norma também como valor e fato Essa tríplice di mensão justifica uma articulação correspondente à ciência jurí dica que desse modo é entendida ou como ciência dos valores jurídicos filosofia do direito ou como ciência das normas jurí dicas dogmática jurídica ou ainda como ciência dos fatos jurí dicos sociologia do direito Com efeito os três modelos de referência mencionados não excluem um ao outro Por vezes eles parecem destinados a sus tentar um ao outro e o ponto de referência que os caracteriza em relação à ação a orientação às normas aos valores aos fatos não pode ser exclusivo Em particular a mesma pesquisa sociológi cojurídica que desde as suas origens foi inspirada em um mo delo positivista de ciência emprestado das ciências naturais é predominantemente mas não exclusivamente orientada aos fa tos Deveria estudar as relações entre direito e sociedade mas antes de tudo cabelhe identificar os fatos relevantes em termos jurídicos algo que os fatos não podem fazer sozinhos O soció logo do direito também deve moverse por um critério de juridi Sociologia do DireitomioloP3indd 12 020822 1037 introdUção 13 cidade do direito Em suma a abordagem normativista pode ser superada pela sociologia do direito mas não ignorada Também por essa razão o normativismo permaneceu por muito tempo orientado predominantemente para a formação do jurista e não apenas na Itália Tal abordagem na versão elabora da por Hans Kelsen apegase a um modelo de direito baseado em alguns dos seus pressupostos fundamentais o ordenamento jurídico positivo posto pelo Estado deve ser capaz de imporse nos confrontos de normativização provenientes dos setores da sociedade externos a ela essa autonomia deve assegurar a atua ção dos operadores a confiança nas decisões a coerência dos métodos e a legitimidade do conteúdo vale dizer todos aqueles requisitos que parecem essenciais ao funcionamento do ordena mento jurídico a ciência deve ser capaz de reproduzir uma figu ra de que consiga satisfazer não mais a solicitações específicas e pontuais mas à solicitação geralmente compartilhada de servir de terceiro confiável na solução dos conflitos Nessa perspectiva a abordagem do estudo dogmático do direito parece tornar natural aquilo que é normativo O verdadei ro eixo da preparação dos juristas resulta desse modo no direito vigente posto pelo Estado num quadro que confia às matérias históricas e filosóficas um papel predominantemente cultural e de enquadramento que não subverte a imposição dogmática de fundo dos estudos jurídicos Roselli 2007 Palazzo Roselli 2007 A grande separação entre o mundo das normas e o dos fatos poderia ser vista portanto como um instrumento capaz de proteger contra possíveis degradações uma práxis jurídica preo cupada em defender a própria autonomia Eis então o sucesso alcançado por uma imposição ao estudo do direito inspirada pelo normativismo de Hans Kelsen que en fatizava a orientação do mundo das normas positivas a uma con Sociologia do DireitomioloP3indd 13 020822 1037 14 sociologia do direito cessão hierárquica das fontes e do direito estatal O fechamento do ordenamento jurídico e o seu rigor metodológico eram com efeito garantidos via conexão formal entre as diversas normas e os níveis hierárquicos em que o mesmo ordenamento era articu lado A construção em graus do ordenamento jurídico era neces sária para a introdução da hipótese de uma norma fundamental Grundnorm ou seja de uma norma pressuposta e não posta capaz de romper o recurso que em princípio poderia prosseguir ao infinito de uma norma válida a outra norma válida subordi nada à precedente e ainda posta por uma norma superior Kel sen 1911 1960 1962 sobre a abordagem de Kelsen e suas relações com a realidade social cf Losano 1981 Tais princípios organizadores que garantiam ao sistema ju rídico não apenas uma coerência dinâmica interna mas também limites seguros ao externo buscavam resgatar a ciência jurídica de forma pura ou como se diz na atualidade autorreferencial contribuindo para reservar ao jurista a tarefa crucial de intérpre te das normas de boca da lei Era esperado portanto que fosse feita referência à variável normativa da validade mais do que àquela empírica da eficácia Isso impunha ao operador e ao es tudioso do direito concentrar a atenção na proveniência e na trans missão das normas superiores àquelas subordinadas Assim eles se voltavam para as fontes das normas dando as costas aos seus efeitos na sociedade Para o modelo de normatividade rigorosa a sociologia do direito não podia limitarse a se contrapor a um modelo de rigo rosa factualidade Ambos os modelos representam polarizações heuristicamente úteis mas não permitem sozinhos que se exa mine o tema da relação entre direito e sociedade de modo satis fatório Dessa forma a sociologia do direito estava no curso da sua história sempre ciente Os diferentes percursos que seguiu Sociologia do DireitomioloP3indd 14 020822 1037 introdUção 15 podem ser percebidos não como resultado de meras incertezas mas como espiões das numerosas dificuldades que a sociologia do direito metodologicamente crítica buscou superar na aborda gem sociológica do estudo do direito Na verdade o sociólogo do direito ao desenvolver o seu tra balho não tem usado uma mesma língua para falar do mesmo objeto As variantes até agora testadas de tempos em tempos mos tramse distintas da segunda colocação que próxima aos fatos foi reservada para as normas e os valores Em consequência pas souse dos estudos dos comportamentos sociais relevantes em termos jurídicos àqueles majoritariamente dispostos a reconhe cer o inegável papel que as diferentes posturas valorativas assu miram na realidade social e até mesmo àquelas que colocandose em um nível macrossociológico tentam estabilizar as relações intercorrentes entre determinados ordenamentos jurídicos e de terminados sistemas sociais vistos na sua globalidade Essa pluralidade de propostas não poderia deixar de refletir nas definições que a sociologia do direito era capaz de formular sobre a finalidade do seu próprio trabalho Devese dar atenção a esse aspecto porque isso é importante pela própria definição do objeto da disciplina Os objetivos da sociologia do direito Como já foi apontado a sociologia do direito não buscou apenas descrições nem foi estimulada apenas por interesses ex plicativos mas esteve estritamente ligada a movimentos impor tantes que buscavam ampliar em âmbito interno a sensibilidade sociológica dos operadores do direito Duas correntes de pensamento orientadas de vários modos a intentos pragmáticos exerceram ampla influência sobre a cul tura jurídica oficial no mesmo período em que no início do sécu lo passado surgiam as primeiras contribuições de uma fundação Sociologia do DireitomioloP3indd 15 020822 1037 16 sociologia do direito à sociologia do direito Antes de mais nada vale mencionar a ju risprudência dos interesses a Interessenjurisprudenz Heck 1912 Contrapondose às imposições mais formalistas da jurispru dência dos conceitos a Begriffsjurisprudenz foi articulada de vá rios modos De um lado utilizava uma abordagem orgânica que considerava a lei como resultado de uma mediação entre interesses em competição A lei aparecia retratada como a diagonal de um paralelogramo no qual os lados correspondiam às diversas forças sociais envolvidas De outro lado utilizava uma abordagem ope rativa que movendose pelo conteúdo de certa lei atribuía aos intérpretes a tarefa de solucionar as lacunas e eliminar as ambi guidades inevitavelmente presentes no nível normativo através de uma ponderação acurada dos interesses em jogo Em segundo lugar devese lembrar a Escola do Direito Livre a Freirechtsschule Ehrlich 1903 Fuchs 1912 Kantorowicz 1958 que em uma va riante decisionista confiava explicitamente a solução concreta dos casos jurisprudenciais ao filtro da personalidade de um juiz considerado capaz de levar em conta o contexto social da própria decisão enquanto no caso da variante descritiva confiava tais so luções a averiguações pontuais e à recepção das regras de diversa natureza e origem observadas em determinado contexto Tanto a jurisprudência dos conceitos como a Escola do Di reito Livre conseguiram atrair a atenção de muitos estudiosos e juristas com interesses sociológicos A sociologia do direito por sua vez não ignorava mas buscava reconhecer ou mesmo rece ber internamente esses encaminhamentos de doutrina Por essa razão falouse de uma sociologia do direito dos sociólogos com preendida como uma ciência voltada a determinar as relações entre direito e sociedade com um escopo exclusivamente cogni tivo e de uma sociologia do direito dos juristas com um escopo exclusivamente prático voltado a fornecer ao operador conheci Sociologia do DireitomioloP3indd 16 020822 1037 introdUção 17 mentos úteis para tornálo ciente das consequências de seu tra balho4 Esses dois modelos de sociologia do direito podem ser não obstante considerados os extremos idealizados de um conti nuum interno no qual se encontram várias linhas de pesquisa caracterizadas por uma maior ou menor consideração pelos ideais cognitivos ou pelas exigências da prática jurídica Como disciplina integrada pela atividade prática do operador jurídico a sociologia do direito não se preocupa apenas em am pliar os aparatos do conhecimento à disposição do jurista mas busca também renovar a cultura jurídica na qual se move Ela tentou fazer com que os juristas tivessem maior consciência dos vínculos internos com os quais costumam se orientar no seu tra balho Primeiro ainda que o direito possa ser encontrado nos li vros o sociólogo do direito se ocupou da representação que os operadores têm do direito ou que tentam implicitamente aplicar em certo contexto cultural Para alcançar esse ambicioso objetivo os sociólogos do direito têm buscado não apenas recolher dados sociológicos relacionados às questões jurídicas concretas mas uti lizálos para fazer com que os juristas tenham uma consciência diversa das questões a serem examinadas No terreno de uma crítica interna da cultura jurídica dos operadores existem na época atual dois setores de pesquisa ecléticos na fundamentação teórica e ambiciosos nos objetivos práticos aquele dos estudos críticos do direito Critical Legal Studies5 que se desenvolveu principalmente nos anos de 1970 e 1980 e aquele dos estudos sobre as profissões jurídicas Legal 4 Na República Federal da Alemanha essa distinção já estava institucionalizada no início dos anos 1970 em distinções subdisciplinares correspondentes Laut mann 1971 Rottleuthner 1973 Opp 1973 5 Ver Unger 1976 Kennedy 1992 Klausa et al 1980 Arnaud 1981 e Santos de Sousa 2009 Na Itália uma intenção crítica semelhante é amplamente desenvol vida por Barcellona 1973 Donati 1980 e Baratta 1982 Sociologia do DireitomioloP3indd 17 020822 1037 18 sociologia do direito Professions uma referência essencial para essa linha de estudos é Abel Lewis 1988 Enquanto os teóricos dos estudos críticos do direito têm concentrado sua atenção nos aparatos destinados ao controle social e nas variáveis culturais capazes de influenciar as estratégias de tratamento dos comportamentos desviantes que podem resultar em práticas distintas dependendo da percepção cultural do crime e do réu os estudos sobre as profissões jurídi cas concentraram sua atenção nas modalidades de exercício da advocacia e da administração da justiça em diferentes países Dessa maneira os teóricos destacaram os fatores ideológicos entendidos como defesa dissimulada dos interesses de classe que acompanharam nos vários contextos os processos de institu cionalização e de autonomização das diferentes ordens profissio nais com frequência contando com organizações autônomas e ocupando posições de prestígio elevado Ambos os campos de pesquisa mesmo com ênfases diferen tes e sem aspirar a uma colocação disciplinar bem definida en frentam temas que a sociologia do direito não pode contemplar O direito com os seus aparatos está a serviço da sociedade ou apenas de uma parte dela Os operadores são imunes à suspeita de que a pretensão de terceiros nos fatos é muito mais limitada do que não se quer admitir A atividade deles está voltada mais para interesses particulares do que para interesses comuns Registrar criticamente as diferentes representações internas do direito pode contribuir para tornar explícitos os humores e as tendências da cultura jurídica oficial para acertar os condiciona mentos aos quais às vezes de modo inadvertido ela é submetida por parte dos paradigmas culturais difundidos na sociedade Des sa forma também podem ser superados modelos formalísticos de masiadamente simplificados no papel que o direito e em particular os operadores jurídicos desenvolve na sociedade Sociologia do DireitomioloP3indd 18 020822 1037 introdUção 19 Na República Federal alemã do início dos anos 1970 antecipan do em poucos anos o que mais tarde viria a se tornar a Itália Ernst E Hirsch 1966 e o seu discípulo Manfred Rehbinder 1993 tentaram combinar a relevância prática de uma pesquisa socio jurídica realizada pelos operadores do direito com as suas ambi ções científicas Para Hirsch 1966 p 45 a sociologia do direito por ter a capacidade de se servir de instrumentos especifica mente sociológicos deveria poder tornarse um instrumento útil para integrar a bagagem técnicojurídica de que os operado res do direito dispõem Em particular a sociologia do direito deveria tentar ajudálos na tarefa de selecionar de maneira cien tífica as diferentes alternativas de normas relacionadas à base de um conhecimento das possibilidades operativas efetivas que em situações sociais de fato se constituem sob a aparência dos com portamentos dos interesses e dos valores difundidos Hirsch 1966 p 37 Movendose por posições metodológicas análogas Manfred Rehbinder agrega seu conhecimento a duas grandes áreas da jurisprudência sociológica e da sociologia do direito que sob perspectivas diferentes buscam desenvolver uma maior sensibilidade empírica no tratamento do direito isto é outro setor de pesquisa aquele sobre o estudo dos fatos do direito Rechtstatsachenforschung pesquisa factual legal Nussbaum 1968 Rehbinder 1970 Röhl 1974 Hartwieg 1975 Enquanto a sociologia do direito entendida no sentido estri to emprega os próprios instrumentos empíricos ou teóricos para fins predominantemente cognitivos a jurisprudência so ciológica busca utilizar conhecimentos sociológicos com o obje tivo de melhorar as suas várias fases a provisão legal a aplicação e a execução das normas jurídicas O estudo dos fatos do direito inserese em uma posição intermediária localizada no ponto de intersecção entre uma sociologia do direito pragmática e uma ju risprudência sociológica que persegue objetivos teóricos e tam bém se move pela perspectiva dos operadores do direito Sociologia do DireitomioloP3indd 19 020822 1037 20 sociologia do direito Em relação às considerações dos fatos do direito guiados pe las valorações normativas próprias da jurisprudência socioló gica e pelo conjunto dos conhecimentos teóricos e empíricos próprios da sociologia do direito em sentido estrito o estudo dos fatos do direito funcionaria como um lugar de confronto e ao mesmo tempo de integração seja das indicações normativas da jurisprudência sociológica seja das indicações teóricas da so ciologia do direito Isso se constituiria em suma no componente científico de uma jurisprudência sociológica situada no âmbito da dogmática jurídica não rigorosamente neutra Além disso a parte empírica de uma sociologia do direito teórica estaria situa da no âmbito das ciências sociais As propostas de Hirsch e Rehbinder remetem a um cenário metodológico geral em que a pesquisa da sociologia jurídica seja capaz de contribuir para melhorar o trabalho dos operadores do direito sem que para isso renuncie a uma postura de neutralida de científica Em uma posição intermediária entre sociologia do direito e jurisprudência sociológica pode ser colocada uma dire ção complementar denominada engenharia social social engi neering que estuda as partes de integração social nas quais as relações humanas vêm sendo organizadas por meio das decisões jurídicas com o fim de melhorar o conhecimento sobre os efei tos de tais decisões e contribuir para uma dinâmica social mais eficiente Podgórecki Alexander Shields 1996 Tais campos de estudo que se fundam sobre uma concepção instrumental do direito encontraram no início do século passa do uma teorização da obra de Roscoe Pound 1910 1912 1942 Ele se propôs enfrentar os problemas conexos à mensuração do im pacto das normas sobre o comportamento social para que este funcionasse como um instrumento de reforço da coesão social e da redução dos conflitos num uso objetivado Em conexão com Sociologia do DireitomioloP3indd 20 020822 1037 introdUção 21 a proposta de uma engenharia social da parte de Pound desen volveuse nos mesmos anos nos Estados Unidos a corrente do realismo jurídico cf Tarello 1962 que se propunha registrar empiricamente a realidade do direito sobretudo no momento do processo Partese do pressuposto de que nem todas as regras de um ordenamento podem ser encontradas em textos escritos law in the books assim como nem todas as normas jurídicas efetiva mente aplicadas law in action seriam sozinhas capazes de dar conta da realidade inteira do direito Jurisprudência Sociológica Estudo dos fatos do direito Engenharia Social Gesetzgebungslehre Valoração Fatos sociais Empírica Teórica Sociologia do Direito Figura 1 Abordagem sociológica dos estudos do direito Fonte Rehbinder 1993 O direito válido mas não aplicado resulta em um direito simples de papel paper rule enquanto o direito aplicado embora não eficaz seria simplesmente um direito inútil Nesse contexto deve ser por fim mencionado como um modo aparentemente mais técnico de modificar o interior da cultura jurídica aquele representado pela teoria da legislação Gesetzgebungslehre Aqui se propõe melhorar a comunicação entre destinatários e autores das normas jurídicas através de uma prática de escrita menos voltada às exigências dos adeptos aos trabalhos mais dispostos a levar em conta em nome da transparência das normas jurídicas as exigências e as expectativas comunicativas de seus destinatá rios Noll 1973 Sociologia do DireitomioloP3indd 21 020822 1037 22 sociologia do direito Esses modos diferentes de estudo das relações entre direito e sociedade podem ser representados no esquema resumido na Fi gura 1 Também na Itália sobretudo a partir dos anos 1970 as duas vertentes fundamentais a cognitiva e a prática foram ex plicitamente reconhecidas pela sociologia do direito e ambas fo ram incluídas entre os seus objetivos Desse modo a sociologia do direito italiana não é apresentada como portadora de uma anticultura dos confrontos do normativismo mas simplesmente de uma cultura que pode contribuir para relativizar e integrar essa abordagem Na Itália o autor que mais contribuiu para sustentar o en sino universitário com o modelo positivista de imposição de Kel sen foi Norberto Bobbio 1958 1960 1981 Em sua vasta obra na qual mostra não obstante respeito ao positivismo e vários níveis de adesão não ideológicos mas problemáticos Bobbio buscou construir as concepções normativas da ciência jurídica em repa ro a dois perigosos contrapontos aquele que deriva próximo à falácia naturalista entendida como o erro lógico do qual se busca extrair normas dos fatos apenas porque resultam constantemen te repetidas do fato reiterado de que os peixes grandes comem os pequenos não é possível deduzir que os peixes grandes de vam comer os pequenos sobre o tema ver Carcaterra 1969 e aquele que a tentação jusnaturalista poderia constituir uma ameaça à manutenção da neutralidade do intérprete introduzin do valores não inseridos nas normas do ordenamento Bobbio 1965 Scarpelli 1965 De um ponto de vista rigorosamente positivista apontar es ses dois riscos poderia equivaler a refutar em aceitar uma forma qualquer de contaminação dos fatos e valores no mundo das normas Levando em conta a exigência de evitar um potencial fechamento e por conseguinte de descrever e representar o di Sociologia do DireitomioloP3indd 22 020822 1037 introdUção 23 reito nas suas conexões com a vida social a sociologia do direito italiana começou enfrentando um vasto espectro de temas Entre esses temas foi reservado lugar central às modalidades efetivas de organização da administração da justiça O conjunto orgânico das pesquisas então conduzidas para enfrentar tal complexidade temática representa todavia dada a vastidão dos objetivos e a amplitude dos interesses interdiscipli nares um ponto de referência essencial para a pesquisa sociológi cojurídica que pode ser utilizada como um caso de escola a fim de exemplificar as perspectivas que podem ser movidas para ana lisar as relações entre direito e sociedade O programa de pesqui sa definido por Treves em linhas gerais já no fim dos anos 1960 propunha estudar a complexa máquina da administração da jus tiça e em particular o processo entendido como o principal mo mento de contato entre o ordenamento jurídico e a sociedade6 Da encosta da ideologia interna da magistratura foram estu dadas as modalidades de autorrepresentação dos magistrados por meio do exame dos jornais da categoria que com circulação restrita e limitada ao âmbito dos especialistas preocupavamse sobretudo com temas relacionados aos deveres e ao status dos magistrados em geral não explicitados e significativos apenas para o estudo do processo de consolidação de um senso comum de filiação Dessa pesquisa sobre os instrumentos de comunica ção interna emergiria o valor estratégico a eles atribuído pelos magistrados de tal modo que fosse possível associála ainda em seu estado nascente diante da necessidade de modificar a ordem normativa vigente e melhorar a qualidade da prestação do siste ma judiciário na sua complexidade Moriondo 1967 6 Treves 1972 Sobre o tema uma literatura significativa já havia surgido em especial em países de common law Ver Kirchheimer 1961 Schubert 1963 1964 Nagel 1969 Grossman Tanenhaus 1969 Schubert Danelski 1969 Sociologia do DireitomioloP3indd 23 020822 1037 24 sociologia do direito Uma pesquisa posterior focalizou os problemas organizacio nais da magistratura e se baseava em uma investigação estrutural e em uma série de entrevistas com o objetivo de registrar as orien tações predominantes na magistratura levando em conta os dife rentes momentos da carreira dos magistrados Di Federico 1969 Os resultados alcançados colocavam em evidência a importância que argumentos como a tutela de autonomia entendida como imparcialidade mas também como independência em relação ao poder político e como defesa nos confrontos de estruturas inter nas excessivamente hierárquicas assumiram nas autorrepresen tações destinadas a influenciar o núcleo identitário que estava se formando no interior da magistratura Vinha também indagan do o lado operativo da administração da justiça Nesse contexto tentavase verificar se diante de temas de forte impacto social e em presença de margens relevantes de discricionariedade inter pretativa o trabalho da magistratura seria capaz de fazer emergir valores socioculturais compartilhados Odorisio et al 1970 Os numerosos temas préselecionados nesse contexto envol vendo as relações Estadocidadãos no que tange ao trabalho à ética familiar e aos bons costumes revelaram por meio de uma análise conduzida pela magistratura sobre materiais jurispru denciais substanciais uma série de posturas bastante diferentes entre eles e a presença de divergências significativas não tanto em relação à deslocação geográfica das sedes mas às generaliza ções variáveis e de modo correlativo aos diversos níveis hierár quicos resultando em diferentes decisões nos graus inferiores da magistratura no mérito relacionado à cassação Foi estudada ainda a vertente funcional da administração da justiça Em tal contexto foi realizado um estudo sistemático dos níveis de eficiência da máquina da justiça que alcançando re sultados particularmente decepcionantes esclarecia as dramáti Sociologia do DireitomioloP3indd 24 020822 1037 introdUção 25 cas disfunções atuais como a longa duração dos processos e a consequente elevação dos custos sociais da justiça À luz de uma análise das operações desenvolvidas junto à ProcuradoriaGeral e à Corte de Cassação acerca da discussão dos recursos da exten são das sentenças e das respectivas maximizações não só foram constatados escassos níveis de eficiência dificilmente superá veis mediante episódios interventivos e não coordenados mas se trazia à luz também uma tendência de autodefesa da parte da instituição que fora de uma programação geral buscava com pletar de modo autônomo a lacuna existente entre uma pergunta em rápida expansão e uma oferta incapaz de organizarse de modo adequado ou ao menos de realizar as mínimas correções para organizarse como uma melhor distribuição de pessoal Castel lano et al 1968 Forte Bondonio 1970 Além disso foi confrontado o tema da postura do público em relação à justiça Tomeo 1973 Leonardi 1968 Nesse âmbito colocouse em evidência que as várias disfunções apontadas in fluenciavam negativamente o juízo relativo ao aparato judiciário mas isso não refletiu sobre o prestígio social do juiz enquanto tal que em vez disso permanecia bem mais elevado do que aquele do advogado O estudo da figura do magistrado representada na mídia e em particular na filmografia italiana daqueles anos ma nifestava uma predileção difusa no confronto de figuras nem um pouco burocráticas capazes de enfrentar os equívocos recor rendo à coragem pessoal e sem poder se valer de um suporte ade quado da parte da organização Esse conjunto de pesquisas7 teve o mérito de coagular com petências diversas em um único projeto cognitivo que buscava 7 Entre as outras pesquisas incluídas no mesmo projeto vale mencionar Di Fede rico 1968 Neppi Modona 1969 e Governatori 1970 A essas pesquisas precisa mos acrescentar um pouco sucessiva a de Resta 1977 Sociologia do DireitomioloP3indd 25 020822 1037 26 sociologia do direito recorrer por tais razões à administração da justiça sendo do tada de uma juridicidade própria e específica não assimilável às outras organizações públicas sendo que a classe dos magistra dos não mantinha com os órgãos do Estado relacionamentos si milares àqueles das classes profissionais O funcionamento da Justiça continua com efeito a apresentar uma série de problemas de organização e de eficiência não impu táveis apenas a razões internas que têm consequências sobre o ní vel geral de confiança das instituições jurídicas Não obstante os problemas apontados pelas pesquisas pioneiras do início dos anos 1970 ocuparam o centro das atenções dos operadores e do público a demora dos processos a dificuldade de individualizar dentro da máquina organizativa da Justiça os pontos críticos para a reforma sem prejudicar a autonomia garantida pela Constituição Guasti ni 1995 a lacuna entre as diferentes propostas que vinham sendo recorrentemente apresentadas sobre o assunto os conteúdos de uma cultura jurídica interna dos adeptos ao trabalho que de um lado deve concentrarse sobre o suporte de alguns pedidos mas de outro deve evitar tanto quanto possível que o enfraquecimen to da legitimidade social da legislação reflita negativamente sobre a mesma legitimação que as leis devem aplicar Ferrarese 1984 Pappalardo 1987 Raiteri 1990 Rebuffa 1993a Morisi 1999 Guar nieri Pederzoli 2002 Quassoli Stefanizzi 2002 Clark 2003 Sarzotti 2006 Di Federico 2008 Luminati 2007 Em geral as pesquisas empíricas que a sociologia do direito conduz sucessivamente utilizando instrumentos de vários ra mos da sociologia sociologia das profissões das organizações econômica da comunicação receberam a crítica de esquecer a juridicidade essencial que caracteriza o seu objeto Tal questão que protege aquela mais ampla da possibilidade de uma sociologia do direito exclusivamente orientada para a so Sociologia do DireitomioloP3indd 26 020822 1037 introdUção 27 ciedade parecer que não contempla direitos merece alguns es clarecimentos É preciso antes de tudo distinguir a relevância de uma pesquisa em certo campo de estudo da sua associação a tal campo de estudo É óbvio que os resultados de uma pesquisa na medida em que são relevantes para outro campo de estudo devem ser aceitos por este Todo campo de estudo deveria antes abrirse a escopos convencionalmente separados a partir dele já que isso permitiria a melhor compreensão dos temas tratados como mostram os elevados níveis de inovação dos estudos inter disciplinares ou de fronteira Os vários modos de interpretar as tarefas da sociologia do direito seja aquelas que permanecem em seu interior ou as que se utilizam de instrumentos comuns de campos limítrofes ou ainda aquelas que se colocam em um terreno intermediário têm tido o indubitável mérito de se individualizar e buscar superar algumas distorções unilaterais que os desenvolvimentos mais recentes da disciplina informaram como nenhum outro re motamente De um lado a excessiva sociologização do saber sociológicojurídico que perderia de vista os aspectos técnico jurídicos dos temas examinados não permitindo discernir os condicionamentos sociais das decisões jurídicas individuais dos condicionamentos atribuíveis ao modo de argumentar e operar dos juristas De outro lado a excessiva judicialização que impul siona o sociólogo a assumir de maneira implícita o mesmo hori zonte do jurista o que faz que negligencie aquelas conexões importantes entre o direito e seu ambiente social que podem fu gir também a um bom jurista quando não contempladas de modo explícito na norma Uma pesquisa para poder ser considerada enquanto tal no quadro das pesquisas sociológicojurídicas deverá em todo caso adotar ao menos de maneira implícita um conceito sociológico Sociologia do DireitomioloP3indd 27 020822 1037 28 sociologia do direito de direito que não esteja totalmente afastado dos fatos Para de limitar o campo de estudo da sociologia do direito resulta essen cial a questão De qual direito pode ser a sociologia do direito A resposta a tal indagação mostrase tanto mais crucial enquan to baseada no quanto é dito ela deverá consentir outro estudo factualmente verificável das normas mas também o estudo nor mativamente consciente dos fatos No próximo capítulo com o objetivo de colher as razões histó ricas que têm acompanhado o surgimento de um conceito de direi to capaz de satisfazer tais requisitos será analisada a definição proposta pelo fundador da sociologia do direito Eugen Ehrlich e a sua explícita contraposição a uma abordagem rigidamente nor mativista O discurso abarcará um conceito de direito não apenas factualmente verificado mas também normativamente conscien te levando em conta no capítulo que se segue o conceito de direi to proposto por Max Weber que se refere de um modo maduro em termos metodológicos a um conceitochave a ele pontual mente relacionado aquele da cultura jurídica Sociologia do DireitomioloP3indd 28 020822 1037 P r i M e i r a Pa r t e cONceitOs Sociologia do DireitomioloP3indd 29 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 30 020822 1037 Para isolar os elementos que possam caracterizar uma definição sociológica do conceito de direito partese de uma definição ge nérica que considera o direito como uma estrutura normativa específica mais complexa do que as demais por estes motivos é dotada de um aparato sancionatório próprio é capaz de predeterminar procedimentos por meio dos quais reage aos estímulos provenientes da sociedade é capaz de manter aceitáveis os níveis de coesão social é aplicável em princípio a todos os campos da vida social Percebese que os elementos que compõem essa definição apontam um conceito de direito que inclui normas voltadas aos consorciados com o objetivo de guiar os seus comportamentos e consentir expectativas recíprocas nos vários âmbitos da socieda de Além disso esse conceito também inclui normas internas voltadas aos operadores para definir critérios e princípios da sua intervenção O direito precisa ser uma estrutura normativa capaz de re gulamentar a si mesma antes de regulamentar a sociedade O pressuposto lógico aparentemente indiscutível é que apenas um conjunto de normas ordenadas de modo coerente com o seu in c a p Í t U l o 1 o conceito de direito Sociologia do DireitomioloP3indd 31 020822 1037 32 sociologia do direito terno pode ser capaz de ordenar de modo coerente qualquer ob jeto posto externamente a ele Isso entretanto não significa que a decisão de um único operador constitua mera aplicação da or dem já estabelecida pelas normas e que a ordem social possa ser considerada o espelho fiel de tais ordens A decisão jurídica indi vidual pode não se limitar a aplicar com rigor a ordem estabele cida pelas normas e o direito escrito pode não ser o reflexo fiel da realidade Podese porém questionar em que medida o con ceito sociológico do direito que leva em conta o direito em ação e não o direito em papel pode se dissociar do conceito normativo do direito Para iniciar uma reflexão sobre o assunto é preciso retomar antes de tudo os motivos que a partir do século passado justifi caram o surgimento e o embasamento de um estudo sociológico do direito mencionados no capítulo anterior Será portanto ne cessário remeter ao conceito de direito daquele que é comumente considerado o fundador da sociologia do direito Eugen Ehrlich Na visão de Kelsen Ehrlich contrapõe uma concessão do direito voltada a privilegiar o estudo de fenômenos sociais elementares que pouco a pouco conseguem estabelecer um fundamento normativo sólido e duradouro a partir do qual possa desenvol verse o direito positivo posto pelo Estado As concessões de Kel sen e de Ehrlich estão ligadas a duas visões de orientação distintas acerca da normatividade do direito uma baseada em normas ju rídicas formalmente produzidas pelo Estado e a outra baseada em fatos sociais que no curso do tempo produzem a consolida ção e a institucionalização das estruturas normativas uma ba seada em normas entendidas como resultado de um processo condicionado por variáveis exclusivamente internas ao ordena mento jurídicopositivo e a outra baseada em normas entendidas Sociologia do DireitomioloP3indd 32 020822 1037 o conceito de direito 33 como resultado de um processo condicionado por variáveis his tóricas e sociológicas externas a tal ordenamento A descontinuidade fisiológica não apenas terminológica mas substancial entre o mundo dos fatos e o mundo do direito não exclui o pressuposto que os dois mundos se assumem Toda via o direito positivo de Kelsen filho legítimo das decisões do legislador e o direito espontâneo elementar de Ehrlich filho na tural da sociedade e de seu gradual desenvolvimento são o resul tado de várias diretrizes básicas técnicas no caso da primeira voltadas a render possíveis futuras decisões previsíveis histó ricas no caso da segunda voltadas a retornar às origens do direi to nas sociedades humanas Em suma para Kelsen não há direito sem normas formais enquanto para Ehrlich não há direito sem regularidade factual O local ideal para compreender essas distinções de grande importância para conhecer um conceito sociológico de direito é o debate entre Kelsen e Ehrlich que se desenvolve na ocasião da pu blicação em 1913 da mais notável obra de Ehrlich Grundlegung der Soziologie des Rechts O trabalho foi objeto de uma revisão crí tica de Kelsen e alimentou uma extensa polêmica marcada por pontuações contradições e retificações Febbrajo 2010 pp 385 Entretanto devese observar que os dois estudiosos também em razão de suas diferentes biografias pareciam destinados a trabalhar diversas reconstruções do conceito de direito Kelsen expoente máximo do normativismo era professor em Viena en tão capital do grande Império AustroHúngaro Ehrlich era pro fessor em Czernowitch a principal cidade de Bucovina na época uma região mais tarde anexada primeiro pela Romênia depois pela Ucrânia e que localizada nos arredores do império era um ponto de encontro natural de diferentes etnias Sociologia do DireitomioloP3indd 33 020822 1037 34 sociologia do direito 11 A controvérsia entre Kelsen e Ehrlich Kelsen em sua crítica a Ehrlich parte das posições de uma doutrina pura do direito segundo a qual em relação ao mundo das normas e dos fatos é fundamental evitar qualquer possível ambiguidade e levar em conta que na ausência de uma qualifi cação normativa não se pode individualizar os fatos que seria relevante que fossem estudados para compreender a norma so mente do ponto de vista sociológico Kelsen pode assim acusar Ehrlich de confundir logicamen te ao colocar em evidência as raízes factuais dos ordenamentos normativos e as fronteiras entre um discurso relativo ao mundo das normas e um discurso relativo ao mundo dos fatos Ehrlich por sua vez delineia a prioridade temporal e social em relação ao direito posto pelo Estado do direito que nasce espontanea mente das relações sociais e justamente por isso é capaz de regu lálas de modo autônomo apenas em pequena medida para que seja consolidado como um direito positivo Com base nesses pressupostos as principais críticas de Kel sen a Ehrlich dizem respeito à delimitação do conceito de direito à definição de uma teoria das fontes e dos fatos do direito aos argumentos que sustentam abordagens declaradamente anties tatais e às ambições cognitivas da nova disciplina sociológicoju rídica da qual Ehrlich pretende estabelecer os fundamentos A primeira crítica de Kelsen referese à inconsistência do cri tério proposto por Ehrlich para separar o direito dos outros con juntos de regras do agir Para Ehrlich o direito é um conjunto de regras nas quais as funções consistem em estabelecer as tarefas específicas e a posição relativa de cada membro do grupo a sua subordenação ou subordinação Ao cumprir essas funções ele depara com conjuntos de normas não jurídicas equivalentes em número como as normas da moral da religião dos costumes da Sociologia do DireitomioloP3indd 34 020822 1037 o conceito de direito 35 honra da convivência da descrição da etiqueta da moda Nesse conjunto restrito de normas o direito viria a distinguirse não pela origem que reside em cada caso na estrutura normativa dos grupos sociais nem pelos conteúdos a proposição honre o pai e a mãe pode ser considerada um preceito do direito da moral da religião do costume da justiça da conveniência da etiqueta e da moda Para Ehrlich o direito caracterizase por recorrer à diferente intensidade de sentimentos que tais normas despertam e às diversas emoções na reação quando são transgredidas Por tanto ele distingue o sentimento de revolta que se segue à viola ção do direito da indignação provocada pela inobservância de uma lei moral do ressentimento suscitado por um comportamen to injusto da desaprovação por um ato inconveniente da zom baria e do sorriso de deboche que seguem as infrações das regras de etiqueta e do desdenho crítico que os campeões da moda re servam a quem não esteja ao seu nível Segundo Kelsen tal definição proposta em termos psicoló gicos seria baseada em elementos objetivamente evasivos e cons tituiria o vértice da curiosidade entre as não poucas tentativas de determinar a essência do direito Para ressaltar a inconsis tência do critério proposto observa bastaria desafiar Ehrlich a apontar concretamente qual o sentimento de revolta que se segue à violação do direito se ele se distingue dos sentimentos de in dignação de ressentimento de desaprovação com os quais reage à violação das outras normas sociais A essa crítica Ehrlich rebate observando que a definição por ele proposta não é definitiva ao contrário pode ser ainda mais refi nada e não é de todo isolada colocandose na esteira do modelo definidor da teoria do reconhecimento Anerkennungstheorie Desse modo Kelsen limitandose a criticar os elementos psicológi cos presentes na definição que contesta que por si só poderiam Sociologia do DireitomioloP3indd 35 020822 1037 36 sociologia do direito reentrar em um diferente e mais flexível modelo de cientificidade em relação àquele que propôs se limitaria a adotar critérios exces sivamente restritivos sobretudo quando comparados com aqueles que costumam ser utilizados pelas ciências humanas A segunda crítica de Kelsen referese à distinção que Ehrlich faz entre proposições jurídicas Rechtssätze e normas jurídi cas Rechtsnormen De acordo com essa distinção a proposi ção jurídica é a formulação contingente em geral obrigatória de uma prescrição jurídica contida em uma lei ou em um texto de direito enquanto a norma jurídica é o comando jurídico prati camente implementado que pode dominar a vida de certo grupo eventualmente de dimensões limitadíssimas mesmo sem proceder qualquer formulação verbal Ao sair dessa distinção o direito não parece ser composto exclusivamente de proposições jurídicas mas sobretudo de nor mas jurídicas que embora mutáveis seriam relevantes para a ação concreta dos consorciados não apenas nos estágios primi tivos de desenvolvimento como reconhece a própria ciência ju rídica oficial mas também naqueles mais avançados Para Ehrlich dessa forma seria errado fazer coincidir o surgimento e o desenvolvimento do direito com o surgimento e o desenvolvi mento das proposições jurídicas uma vez que estas parecem ser produto relativamente tardio e mais exaustivo da atividade de senvolvida pelos juristas sobre as normas individuais de decisões produzidas pelos tribunais e sobre as normas jurídicas produzi das pelos grupos sociais Kelsen critica essa posição ressaltando que enfatizar a prio ridade das normas jurídicas como regularidade de ações significa trocar uma relação temporal por uma lógica As proposições ju rídicas devem preceder as normas jurídicas de um ponto de vista lógico uma vez que uma proposição jurídica deve ser assumida Sociologia do DireitomioloP3indd 36 020822 1037 o conceito de direito 37 para se poder atribuir relevância jurídica a um caso específico Ehrlich por outro lado reitera que o direito não pode se exaurir em uma síntese de proposições jurídicas verbalmente formula das já que em todas as fases do seu desenvolvimento são nume rosas as normas ou as regularidades de comportamento que não são formalizadas De outro modo as mesmas proposições jurídi cas muitas vezes referemse a normas extrajudiciais boafé usos comerciais que as sustentam e fortalecem É a sociedade com as suas relações de poder as suas concep ções de interesse geral os seus interesses na interpretação da jus tiça que dita ao jurista o que ele deve generalizar unificar defender De fato as forças da sociedade são forças elementares contra as quais a vontade do homem não pode prevalecer ou ao menos não pode prevalecer no longo prazo A sociedade acolhe o que se adapta e repele o que não se encaixa nela Tratase portanto dos fatos do direito e não das proposições jurídicas sob as quais os tribunais decidem ou os órgãos administrativos procedem que influenciam direta e decisivamente o ordena mento jurídico da sociedade Em sua terceira crítica Kelsen remete à inconsistência da arti culação dos vários fatos do direito relações de dominação pos se declarações de vontade costumes que para Ehrlich constituem o núcleo fundamental do direito como o conhecemos Kelsen não acredita que o costume possa fazer parte de tais fatos pois sim plesmente indicaria o caminho pelo qual certos fatos se tornam juridicamente relevantes ou seja tornamse fatos do direito Ehrlich rebate declarando que ele mesmo atribui ao costume um lugar próprio entre os vários fatos do direito O costume ao contrário do direito consuetudinário é uma simples regularidade factual que representa a base da organização dos primeiros grupos sociais É portanto entre os fatos do direito o único originário Sociologia do DireitomioloP3indd 37 020822 1037 38 sociologia do direito e a sua importância nunca diminui por completo pois por meio do costume mesmo os grupos sociais mais complexos continuam a ser organizados nas várias fases do seu desenvolvimento Quanto aos outros fatos do direito estes do ponto de vista de Ehrlich são interrelacionados O domínio baseado no ex cesso de ordenamento dos membros individuais do grupo por si só é compatível com a unidade do grupo enquanto os domi cílios normalmente obtêm em troca de sua admiração a proteção e as contrapartes materiais de que necessitam numa perspectiva que pode ser contratualista A posse entendida como o domí nio do homem sobre a coisa é igualmente ligada ao ordenamen to da vida econômica e não envolve apenas a disponibilidade de determinado bem mas também a defesa contra eventuais dis túrbios o que assegura um nível mínimo de certeza ao tráfico de mercadorias Por fim a declaração de vontade nas formas relativamente tardias do contrato e do testamento guarda tam bém uma estreita relação com o ordenamento social do possui dor e com os propósitos essencialmente econômicos Ehrlich então observa que os fatos do direito representam um conjunto homogêneo que assegura um vínculo estável entre o ordena mento jurídico e a ordem econômica uma vez que o entendimen to da ordem econômica é a base para a compreensão das outras partes da ordem social e em particular do ordenamento jurídico da sociedade Uma quarta crítica de Kelsen referese à clara distinção que Ehrlich estabelece entre direito e Estado Essa distinção não é justificável pois o Estado é uma forma de unidade social não apenas conteúdo e em consequência no conceito de Estado não apenas algumas ou a maior parte das figuras historicamente conhecidas do Estado mas de todos os estados possíveis e conce bíveis devem encontrar um lugar Sociologia do DireitomioloP3indd 38 020822 1037 o conceito de direito 39 Ehrlich no entanto considera que o Estado em particular quando se trata de direito é um simples órgão da sociedade e deve portanto ser descrito segundo o seu conteúdo e os propó sitos que persegue Isso significa que os vários instrumentos uti lizados pelo Estado para desempenhar a função de alavancar o desenvolvimento social têm eficácia reduzida e o incontrolá vel fato histórico de que o direito estatal está ganhando terreno atesta não um desenvolvimento geral para a estatização de toda a sociedade mas a crescente demanda por uma base jurídica unificada para todos os grupos sociais independentes Tal base teria sido formada mesmo sem a intervenção do Estado por meio da mera intensificação das relações entre os diversos grupos Tal como a arte de regular os rios consiste não em escavar um novo leito para eles da nascente à foz mas em direcionar sua corrente para que eles próprios criem o novo leito as leis entendidas como barragens estabelecidas pelo Estado só alcançam seu ob jetivo quando são observadas pelo menos pela grande maioria das pessoas de forma espontânea Uma quinta crítica de Kelsen diz respeito à postura de supe rioridade científica que a sociologia do direito ehrlichiana as sume em relação à ciência jurídica prática Segundo Kelsen a abordagem de Ehrlich se baseia na ingênua convicção de que to das as ciências procedem de modo indutivo ignorando a possi bilidade de outros tipos de conhecimentos científicos baseados em um método dedutivo Com a sua aversão às incorporações abstratas da dogmática Ehrlich pretende portanto desconside rar que nenhum conhecimento pode renunciar a conceitos que necessariamente devem aparecer incorporados aos fenômenos concretos individuais e dessa forma redimensionaria de modo drástico o valor científico de uma ciência jurídica que mesmo que não se preocupe em compreender o significado dos compor Sociologia do DireitomioloP3indd 39 020822 1037 40 sociologia do direito tamentos sociais concretos possui uma essencial função prática no âmbito do ordenamento Ehrlich sustenta por outro lado que uma discussão teórica do direito requer uma ciência sociológica do direito não limitada por considerações práticas mas capaz de remeter em conjunto às partes isoladas do tecido social assumindo como ponto de referência os grupos sociais e seus ordenamentos espontâneos família comunidade entidades coletivas etc A sociologia do direito não é de fato resultado da ligação dos limites da validade dos ordenamentos jurídicos individuais Ela pode de outro modo tentar coletar características comuns aos di versos ordenamentos delineando com a ajuda dos historiadores do direito uma morfologia das formações jurídicas da vida so cial que permita desmistificar a estreita visão do jurista prático e integrála do ponto de vista teórico e empírico Isso significa que o constante progresso da sociologia não ameaçará a ciência jurídica prática mas permitirá como outros campos da cultura humana por exemplo a medicina e a engenharia indicar sempre o me lhor dos operadores isto é o juiz e o legislador se seus trabalhos produzem resultado ou se contrariando as leis do desenvolvimen to social desperdiçam em vão as forças da sociedade Isso leva à acusação fundamental a da confusão entre as duas esferas do ser e do dever ser da normatividade e da espon taneidade do agir social da dogmática jurídica e da sociologia Ehrlich segundo Kelsen faria tal confusão ao longo de sua obra mas de forma particularmente evidente no lugar em que afirma que é óbvio que uma regra do agir social é uma regra segundo a qual não apenas se age mas também se deve agir Ehrlich rebate essa acusação afirmando que Grundlegung não pretende fornecer um aparato conceitual seguro nem esta belecer distinções definitivas ou limites intransitáveis mas que é Sociologia do DireitomioloP3indd 40 020822 1037 o conceito de direito 41 precisamente o contínuo processo de enriquecimento do con teúdo das normas súbito no curso dos milênios que faz que se tornem genéricas e abstratas Ele observa Os artigos de uma lei e os textos jurídicos são como esboço de uma pintura à qual so mente a experiência e a observação da riqueza da vida podem dar forma e cor Além disso a linha de demarcação entre a doutrina das normas Normenlehre e as normas que são ensina das Lehrnormen é claramente tão tênue que deve ser negligen ciada por uma realidade que de modo contínuo transforma a doutrina em normas ocultando tal processo aos olhos daqueles que colaboram e participam dela Portanto é justo perguntar Como é possível ensinar o que é a norma sem que o conteúdo desses ensinamentos não se torne por sua vez uma norma A resposta para Ehrlich poderia ser apenas levando em conta a contínua conexão das normas com as necessidades da vida social e portanto interpretando não tanto as normas mas a sociedade No mesmo sentido é possível com preender o tão citado prefácio ao Grundlegung segundo o qual o centro de gravidade do desenvolvimento do direito não se en contra na legislação nem na ciência jurídica nem na jurispru dência mas na própria sociedade O debate se encerra diante de uma incompreensão recíproca e insuperável sem perdedores nem vencedores Afinal a mesma história equilibrou as razões de ambos os competidores Os mo tivos que em um estágio inicial de confiança predominante na legislação poderiam fazer que os argumentos do normativista Kelsen fossem mais bem compreendidos em um momento pos terior foram redimensionados pela progressiva abertura da cul tura jurídica também nos países da Europa continental uma sensibilidade histórica e evolutiva que referindose aos proces sos de formação do direito próprio do direito romano há muito Sociologia do DireitomioloP3indd 41 020822 1037 42 sociologia do direito se consolidou nos países de common law tradicionalmente refra tários a aceitar os mitos da codificação e a considerar a lei como um ponto de referência exaustivo das decisões do juiz O mérito de Kelsen no entanto foi ter representado as ra zões de uma visão centralista do direito que há muito tempo vem sendo considerada a mais adequada às exigências da ciência jurídica dogmática sem negar em princípio a legitimidade da escolha do campo de Ehrlich mas se limitando a apontar suas ambiguidades e oscilações terminológicas Além disso o próprio modelo de direito de Kelsen apresentase em uma análise mais aprofundada do seu tempo como normativo e descritivo É cla ramente normativo no que diz respeito ao conteúdo na medi da em que identifica a norma como seu elemento principal mas é também descritivo na medida em que se limita a apresentar o direito efetivamente percebido pela cultura jurídica dos opera dores que o tratam em termos profissionais Na verdade se fosse feita uma investigação empírica sobre qual termo está preferencialmente relacionado ao direito pelo juiz pelo policial pelo advogado pelo carcerário e por outros sujeitos direta ou indiretamente envolvidos na vida do ordena mento é provável que norma seria de longe o termo mais citado Isso não significa porém que mesmo uma definição da norma que é descritiva simplesmente por reconhecer o uso pre valecente pode se tornar normativa em relação ao método em pregado como tende a fazer Kelsen purificandoa de toda infiltração proveniente de fora do ordenamento jurídico Embora se reconheça o indubitável fascínio que as duas con cepções podem exercer é evidente que uma vez deixados de lado os pressupostos de cada uma suas forças como mencionado po dem com facilidade transformarse em fraquezas Para um so ciólogo a abordagem técnica de Kelsen não permite abordar os Sociologia do DireitomioloP3indd 42 020822 1037 o conceito de direito 43 problemas que apontam para variáveis não jurídicas em parti cular para a origem préjurídica das normas sociais ou seu im pacto na vida real Por outro lado a abordagem espontânea e harmônica de Ehrlich não parece se preocupar o suficiente com os problemas relacionados aos eventuais conflitos entre os orde namentos do direito positivo e do direito vivo Ambos os autores no entanto aceitam a distinção funda mental de dois mundos o do dever ser ou das normas e o do ser ou dos fatos com base em pressupostos kantianos aberta mente compartilhados Eles admitem então a possibilidade de que se desenvolvam duas ciências jurídicas uma teórica e fac tual a outra pragmática e normativa limitando em última ins tância o âmbito da sua dissidência aos relatórios dessas ciências que evidentemente mudarão se a prioridade for a lógica como gostaria Kelsen ou a histórica como defende Ehrlich Os dois polos da grande bipartição serdeverser devem as sim capturar duas dimensões diferentes que na realidade dos or denamentos jurídicos estão destinadas a coexistir até certo ponto Para focar tal zona cinzenta e extensa é necessário um ins trumento metodologicamente composto que não seja nem exclu sivamente normativo nem exclusivamente factual mas abarque os dois pontos de vista E é isso que Ehrlich seguindo a grande lição da história tenta fazer ainda que com algumas imprecisões detectadas por Kelsen ao concentrar sua atenção na continui dade das combinações entre norma e fato que funde em torno do conceito de direito vivo 12 O conceito de direito vivo Para reconstruir o conteúdo do conceito de direito vivo ao qual Ehrlich confia a tarefa de desenvolver de forma propositiva o desafio ao modelo de direito kelseniano é necessário conside Sociologia do DireitomioloP3indd 43 020822 1037 44 sociologia do direito rar que o direito aqui e agora eficaz não é resultado de uma única decisão mas de um longo processo intimamente relacio nado aos eventos culturais dos grupos sociais dos quais emana Uma espécie de laboratório para o estudo do campo do direi to vivo também se revelou ao próprio Ehrlich na região em que vivia Ele escreveu em 1912 na mesma época da elaboração de Grundlegung No principado da Bucovina vivem na época atual em quase perfeita harmonia entre si nove grupos étnicos os armênios os alemães os hebreus os romanos os russos da Lipovânia os rutênios e os eslovacos muitas vezes considerados poloneses os húngaros e os ciganos Um jurista de formação tradicional certamente sustentaria que todas essas populações têm um úni co direito aquele vigente em todo o Império Austríaco Toda via mesmo um olhar rápido seria suficiente para reconhecer que cada um desses grupos étnicos observa regras jurídicas completamente diversas em suas relações jurídicas cotidianas Ehrlich 1912 Em tal contexto a codificação poderia ser percebida como fenômeno distante ou mesmo irrelevante na medida em que as normas tradicionais vivenciadas antes de serem escritas não eram facilmente modificáveis devido ao peso do seu passado e continuavam a persistir fora das leis do Estado Já nas obras me todológicas que culminaram no Juristiche Logik Ehrlich procu rou reduzir o papel do direito estatal atribuindo à elaboração jurisprudencial uma posição comparável àquela ocupada em suas fases de maior esplendor pela jurisprudência romana Como no curso da experiência do direito romano e apesar do surgi mento de teorias estritamente centradas no Estado a elaboração jurisprudencial continua a ser uma ferramenta indispensável de Sociologia do DireitomioloP3indd 44 020822 1037 o conceito de direito 45 conhecimento sobre a qual deve ser concentrada a atenção de um verdadeiro cientista do direito Ehrlich 1925 O estudo dos eventos históricos do processo no direito ro mano e do papel nele desempenhado pela figura do juiz já havia mostrado a Ehrlich que apesar de um processo de estatização que buscaria modificar a distribuição da carga decisória ao con centrála nas mãos do legislador a jurisprudência continuou a desempenhar uma função de criação do direito função que não poderia ser ignorada por aqueles que desejavam determinar não tanto o direito válido em abstrato mas aquele efetivamente aplicado nas soluções dos casos concretos Por mais importante que seja no entanto a sentença judicial é apenas um dos indicadores do direito vivo Ehrlich combateu não apenas a subestimação da sentença mas também sua supe restimação como elemento cognitivo Em uma passagem que re sume seu pensamento sobre esse aspecto ele afirma Quando cerca de um quarto de século atrás comecei a traba lhar em uma obra sobre a declaração tácita de vontade mi nha intenção era examinar mais de seiscentos volumes de sen tenças proferidas pelos tribunais alemães austríacos e franceses com o objetivo de compor uma imagem de como a jurisprudên cia tinha interpretado a declaração tácita de vontade Logo po rém minha atenção se concentrou não tanto na decisão judi cial mas nos eventos reais que a sustentavam São esses eventos que conseguem dar razão à sentença e é por esse motivo que a atenção do pesquisador deve procurar pre valentemente descrever o real desenvolvimento das circunstân cias concretas que motivaram a sentença Ehrlich 1913 p 399 1893 Do ponto de vista de Ehrlich portanto a sociologia do direito e a história do direito são disciplinas fundamentalmente complementares Sociologia do DireitomioloP3indd 45 020822 1037 46 sociologia do direito Em geral a tarefa da história do direito consiste em forne cer à sociologia do direito o material de que ela necessita e em mostrar seguindo as orientações dos fundadores da Escola Histó rica que as proposições e as instituições jurídicas desenvolvem se a partir de toda a vida de um povo isto é do ordenamento social e econômico como um todo A adesão de Ehrlich à Escola Histórica todavia não aconte ceu sem reservas nem com indiferença Puchta e Savigny funda dores dessa Escola ao falarem de consciência jurídica pensam pelo menos para a era contemporânea na consciência jurídica de juristas que possuem o controle do ensinamento e da adminis tração da justiça Beseler pensa na consciência jurídica do povo que hoje como há muitos séculos criou as instituições jurídi cas Por um lado portanto Savigny e Puchta consideram que o direito aplicado nos tribunais é especialmente importante por outro lado Beseler observa que o direito regula as relações da vida mesmo sem a intervenção dos tribunais Para Ehrlich Be seler vai muito além de Savigny e Puchta e não se contenta em formular teorias sobre o direito do povo e sobre o direito dos juristas mas vai em busca de métodos para conseguir como cientista natural por meio da observação um conhecimento não modificado pelo direito do povo Em suma se examinarmos os pressupostos implícitos na posição de Beseler perceberemos que para Ehrlich quando se fala em direito não significa reme ter a proposições jurídicas mas pelo menos em parte a institui ções jurídicas ibid p 372 Ao referirse a essa variante institucionalista do pensa mento da Escola Histórica Ehrlich pode portanto afirmar que ainda hoje assim como na Antiguidade e no período medieval a história jurídica repousa não tanto no aparecimento ou desa parecimento de proposições jurídicas explícitas e verbalmente Sociologia do DireitomioloP3indd 46 020822 1037 o conceito de direito 47 formuladas mas no surgimento de novas instituições e na gra dual aceitação de novos conteúdos além daqueles que já existem ibid p 404 Tudo isso significa que mesmo na ciência jurídica deveria realizarse esse circuito virtuoso entre teoria e prática que carac teriza as ciências naturais Nesse sentido ao fazer a analogia entre ciência jurídica e ciência natural Ehrlich afirma que enquanto o médico e o engenheiro de hoje não somente aprendem mais facilmente as técnicas necessárias para exercer suas profissões mas também estudam em primeiro lugar os fundamentos cien tíficos na ciência jurídica só agora está sendo feita uma distin ção ainda não reconhecida pela maioria dos estudiosos entre a ciência do direito Rechtswissenschaft e a doutrina prática do direito praktische Rechtslehre ou ciência jurídica prática prak tische Jurisprudenz Admitindo que o processo de fundação científica de uma ciência jurídica prática seria lento Ehrlich afir ma que em um terreno cientificamente seguro poderiam ser movidos apenas os legisladores os juristas e os juízes dos próxi mos séculos1 ibid p 14 Ehrlich está convencido de que devemos sempre dar um início aos começos no entanto argumenta que é necessário ten tar delinear sem demora o conceito de direito vivo A centralida de desse conceito também é demonstrada pelo fato de que pode ser tanto de origem estatal quanto extraestatal Enquanto o di reito vivo de origem estatal representa somente uma pequena parte do direito posto pelo Estado o número de artigos do có digo civil austríaco que não tiveram influência na vida e que po deriam ser anulados o que seria irrelevante para a vida social 1 Não surpreendentemente lembra Ehrlich Anton Menger considerava a ciência do direito a mais retrógrada de todas as ciências comparável a uma cidade pro vinciana onde as modas abandonadas na capital são acolhidas como novidades Sociologia do DireitomioloP3indd 47 020822 1037 48 sociologia do direito talvez possa ser estimado em um terço de todo o código ibid p 446 é no direito vivo de origem extraestatal que Ehrlich con centra sua atenção Para ressaltar a importância desse último tipo de direito ele observa Se o jurista tivesse olhos tão treinados para observar seu tempo como os do historiador do direito são treinados para observar os séculos e os milênios passados ele não poderia escapar do fato de que nosso moderno direito de família é antes de tudo um ordenamento que surgiu não pelos preceitos do código mas pelas necessidades dos indivíduos que vivem na família e por tanto está destinado a se transformar e se desenvolver de acor do com essas necessidades Para ele enquanto o capítulo do código austríaco que trata de acordos matrimoniais contém somente quatro escassos artigos que se ocupam em geral da comunhão de bens qualquer um que tenha tido a oportunidade de ter contato com cidadãos austro alemães sabe que eles vivem quase exclusivamente em um regi me diferente de comunhão de bens A comunhão de bens entre os cônjuges que constitui o regime de propriedade escolhido sobre tudo pelos cidadãos austrogermanos não tem nada em comum com a comunhão de bens prevista no código civil austríaco e desse modo podese afirmar que as disposições do código civil não são mais aplicáveis Por outro lado esse não constitui um caso isolado e a limitada relevância dos artigos do código não se aplica apenas à família mas evidentemente também ao Estado à comunidade aos grupos de trabalho nas oficinas e nas fábricas à economia nacional e à economia mundial ibid p 317 Com a finalidade de delimitar as funções do direito vivo Ehrlich retoma a distinção entre as normas de agir voltadas a Sociologia do DireitomioloP3indd 48 020822 1037 o conceito de direito 49 regular o comportamento de todos e as normas de decisão des tinadas a regular o comportamento dos juízes no momento em que decidem as controvérsias apresentadas perante a corte Ele observa O direito é concebido como norma do agir humano pelo historiador assim como pelo simples viajante que esteve em um país estrangeiro Este contará como naquele país ocor re a mudança a vivência familiar e a celebração de contratos mas terá pouco a dizer sobre o conteúdo das regras que solucio nam as controvérsias jurídicas Todavia o conceito de direito que o jurista adota de forma involuntária ao estudar com interesse puramente científico o direito dos povos estrangeiros ou de tempos passados é abando nado sem justificativa quando ele se volta para o direito vigente no seu país e no seu tempo De modo totalmente inconsistente a regra pela qual os homens agem transformase na regra pela qual as ações dos homens devem ser julgadas pelos tribunais ou por outras autoridades isto é tornase uma norma de decisão A distinção entre norma de agir e norma de decisão deve ser en fatizada mais uma vez já que é essencial para a determinação do direito vivo como a regra do agir humano e a regra pela qual os juízes decidem as controvérsias jurídicas que podem ser com pletamente diferentes Na verdade os homens nem sempre agem seguindo as regras aplicadas para resolver suas controvér sias normas de decisão mas sim de acordo com as normas que atribuem a eles determinado papel dentro dos seus grupos so ciais normas de agir É evidente porém que quando surge uma controvérsia os grupos sociais normalmente já estão fora do seu ordenamento e portanto seria inútil tentar utilizar como base de julgamento normas que no âmbito do grupo social já perderam sua força regulatória Portanto o juiz ao não conse guir encontrar as soluções no ordenamento interno do grupo Sociologia do DireitomioloP3indd 49 020822 1037 50 sociologia do direito social pois se mostrou incapaz de criar tal solução utilizará normas particulares de decisão destinadas não ao relaciona mento pacífico mas à controvérsia jurídica ibid p 101 A distinção entre as normas de agir e as normas de decisão não deve entretanto ser confundida com aquela entre direito es tatal e direito não estatal Se as normas de agir são predominan temente de origem não estatal e constituem parte significativa do direito vivo o mesmo pode ser verdade tanto para as normas de decisão quanto para as normas cuja transgressão elas devem sa nar De fato enquanto a ciência jurídica entende que a norma transgredida deve ser jurídica argumentando que não seria tare fa dos tribunais tutelar as normas extrajurídicas seria suficiente um rápido olhar para perceber que isso é verdadeiro apenas para os órgãos estatais da administração da justiça e mesmo pa ra estes apenas se for considerado direito toda norma que os tribunais consideram para tomar suas decisões Dessa forma porém o problema se limita a uma mera questão terminológi ca que não pode ocultar o fato de que as normas extrajudiciais também desempenham importante papel nos tribunais esta tais Ibid p 103 Neste momento devese perguntar como é possível encon trar o precioso patrimônio normativo do direito vivo que mui tas vezes tem suas raízes em um passado remoto Na verdade apesar do fato irrefutável de que o presente encerra em qual quer caso menos mistérios que não são familiares para nós do que o passado e que conseguimos entender o passado através do presente e não o oposto Ehrlich declara a convicção de que a capacidade de ler nas entrelinhas do material que nos foi trans mitido e de extrair de cada palavra o que ela pressupõe aumen tou consideravelmente Sociologia do DireitomioloP3indd 50 020822 1037 o conceito de direito 51 A propósito devese recordar que no âmbito da heteroge neidade e da mutabilidade dos ordenamentos jurídicos estatais e extraestatais historicamente dados Ehrlich identifica nos fatos do direito estruturas jurídicas essencialmente estáveis no tempo e no espaço Os fatos do direito não são brutos mas institucio nais não contrastam a factualidade com a normatividade entre tanto superam a instabilidade espaçotemporal das camadas mais superficiais da experiência jurídica tornandose suscetíveis ao conhecimento cientificamente sólido Para conhecer o direito vivo das sociedades humanas incluindo aquelas de origem ex traestatal é necessário estabelecer os costumes as relações de domínio os contratos as declarações de vontade independente mente de já terem encontrado ou de ainda poderem encontrar expressão em uma sentença ou em uma lei Os fatos de direito em síntese refletem um direito muito mais estável com profun das raízes na sociedade do mundo abstrato e sempre variável das normas positivas e de outro lado fortalecem e consolidam a cultura de diferentes grupos sociais A tendência do Estado de transformar o direito extraestatal em direito estatal e desta maneira assumir cada vez mais a ad ministração da justiça e a criação do direito que originalmente pertencem apenas aos grupos sociais menores também pode ser explicada sob uma perspectiva sociológica Na verdade se considerarmos o Estado isolado completamente fora da socieda de essa postura será incompreensível por outro lado ela se torna rá explicável se pensarmos no Estado não como uma instituição suspensa no vácuo mas como um órgão da sociedade A expli cação portanto reside na crescente consciência de que todos os grupos sociais menores que em parte se sobrepõem em parte se interceptam e em parte se justapõem são sempre e apenas tijolos para construir grupos sociais maiores e toda a sociedade da qual fazem parte ibid p 120 Sociologia do DireitomioloP3indd 51 020822 1037 52 sociologia do direito Um grupo social absolutamente independente por exemplo um grupo parental ou uma família em uma ilha remota ou no deserto poderia criar seu próprio ordenamento de modo com pletamente autônomo o que considera matrimônio é matrimô nio e o que considera propriedade é propriedade Isso também se verifica nos pequenos grupos que formam a sociedade em maior medida quando vivem de maneira independente uns dos outros No entanto à medida que os grupos se desenvolvem se reúnem e se tornam membros do todo a situação muda Cada grupo da sociedade e a própria sociedade tornase cada vez mais sensível ao que acontece nos grupos que constituem o todo A sociedade ao criar formas rigidamente consolidadas em relação ao casamento e à família não pode com facilidade alterá las nem mesmo no que se mostra aparentemente secundário já que qualquer inovação poderia ameaçar a estabilidade do todo Ehrlich chega a afirmar que a sociedade elimina com cuidado tudo o que se mostra estranho a uma situação porque as pare des ciclópicas que venceram milênios poderão vacilar se uma única pedra for removida do seu lugar É exatamente isso que explica por que a sociedade tenta re gular de modo unificado e de acordo com suas exigências tam bém o ordenamento jurídico interno aos grupos sociais ibid Esse ordenamento deve ser estudado com particular atenção pe lo sociólogo do direito porém ele não poderá encontrálo apenas nas proposições jurídicas Se existe alguma regularidade nos fe nômenos da vida jurídica que cabe à sociologia do direito desco brir e expor ela só poderá residir na relação de dependência da vida do direito em relação ao ordenamento social e econômico se houver um desenvolvimento do direito que ocorra de acordo com determinadas leis ela poderá ser traçada e representada ape nas no contexto de todo o desenvolvimento econômico e social Sociologia do DireitomioloP3indd 52 020822 1037 o conceito de direito 53 Além disso afirma Ehrlich o jurista e o economista em todos os lugares têm que lidar com os mesmos fenômenos sociais pro priedade dinheiro cartões sociedade limitada crédito direito sucessório Dificilmente há um único objeto relevante em ter mos econômicos que também não pertença à ciência do direito Tanto a fábrica como o banco tanto o sindicato como a associa ção dos industriais têm um ordenamento e este possui um lado jurídico assim como a ordem do empreendimento comercial de dicada à regulamentação do código comercial Portanto qual quer mudança na sociedade e na economia envolve uma alteração no direito por outro lado é impossível modificar os fundamen tos jurídicos sem que aconteça uma mudança na sociedade e na economia ibid p 75 Para Ehrlich além dos interesses econômicos também um papel de liderança pertence às ideias de justiça que se seguiram ao longo da história Portanto ele se concentra na tese da alter nância de uma ideia coletivista e de uma ideia individualista de justiça destinadas a prevalecer ciclicamente em um processo em que não ocorre a prevalência definitiva de um sobre o outro mas que sem necessariamente resultar em uma iteração de cur sos e recursos faz avançar a espécie humana quase seguindo o fio de uma vida ibid p 193 O próprio direito vivo submerso na sociedade e difundido nos diferentes grupos dentro dos quais estabelece as diferentes posições e os papéis sociais dos indivíduos é apoiado por uma estrutura de interesses na qual o indivíduo que renuncia a parte da sua liberdade em favor do grupo ou de indivíduos consor ciados mais fortes acaba por proteger sua própria fraqueza O homem sempre age de acordo com o seu próprio interesse e qualquer um que possa apontar todos os interesses que movem os homens a agir teria resolvido não apenas o problema da coerção Sociologia do DireitomioloP3indd 53 020822 1037 54 sociologia do direito das normas mas praticamente todas as outras questões da ciên cia social ibid p 51 Não surpreende portanto que Ehrlich enfatize a importân cia do reconhecimento espontâneo como um fator que explica o comportamento adequado Certamente não há nada mais fal so do ponto de vista psicológico do que a visão generalizada de que os homens respeitariam a propriedade alheia apenas porque temem o direito penal ou pagariam suas dívidas apenas por cau sa da ameaça de apreensão judicial Mesmo no caso de todas as leis penais perderem sua força como muitas vezes acontece em casos de guerra e às vezes em casos de agitação interna é sem pre e apenas uma pequena parte da população que comete assas sinatos roubos saques em tempos normais a maior parte dos homens cumpre as obrigações assumidas sem pensar na sua exe cução forçada ibid p 50 Em outras palavras a sociedade possui sua própria coesão interna graças a uma ordem social cotidianamente produzida por diferentes costumes E o direito não só através dos juízes e juristas mas também por meio da legislação pode apenas limi tarse à leitura e à interpretação dessa ordem 13 Direito como instituição A concepção de Ehrlich que foi analisada em contraponto ao normativismo de Kelsen continua uma referência fundamen tal para a sociologia do direito Ela pode ser resumida por meio da formulação de algumas teses que retomam os aspectos essen ciais da exposição anterior O direito positivo escrito na forma de códigos ou leis em bora formalmente qualificado como jurídico em virtude de sua origem estatal mostrase invisível para o sociólogo Sociologia do DireitomioloP3indd 54 020822 1037 o conceito de direito 55 que estuda a realidade social na medida em que não é re conhecido nos comportamentos efetivos daqueles que de vem observála Os juristas e juízes desempenham papel essencial na ma nutenção do direito positivo e na orientação de sua inter pretação mas ao realizar tais tarefas também devem necessariamente levar em conta uma pluralidade de ou tros ordenamentos espontâneos que de maneira indepen dente da ação do Estado coexistem com o direito positivo integrandoo ou substituindoo em determinados âmbi tos sociais Além do direito positivo toda sociedade é estruturada em torno de um direito vivo que se forma não através do po der e do comando do Estado mas por meio do trabalho constante do tempo e da lenta consolidação dos costumes O direito vivo está intimamente ligado às necessidades bá sicas do homem que contribui não para reprimir mas para realizar canalizandoo em costumes socialmente relevan tes a partir das agregações sociais mais simples como os grupos sociais elementares até os grupos mais vastos até o grupo dos grupos que é o Estado No contexto histórico comparativo podem ser identifica dos alguns núcleos genéticos do direito vivo os chamados fatos do direito além do costume domínio sobre outros assuntos posse de coisas e declarações de vontade manifes tadas em contratos e testamentos fatos que ao se vincula rem a núcleos fundamentais de uma convivência humana representam um conjunto de elementos recorrentes nos diversos ordenamentos jurídicos O direito natural em tal contexto não parece um rígido metaordenamento que torna intocáveis determinados con Sociologia do DireitomioloP3indd 55 020822 1037 56 sociologia do direito teúdos do ordenamento jurídico mas representa um fator de variabilidade tendo em vista os grandes cenários que alternativamente podem surgir ao longo da história cor rigindo os erros uns dos outros A partir dessas teses a concepção de Ehrlich conduz a um pluralismo jurídico que além da redução do papel do Estado comporta o reconhecimento de uma série de ordenamentos me nores produzidos por agremiações sociais de diferentes impor tâncias e dimensões e equipados com estruturas normativas próprias partindo do grupo genético da família Os pressupos tos pluralistas deram a sua contribuição para alimentar as críti cas dos defensores de uma visão estadocêntrica do direito e hoje podem se apresentar como um elemento útil de reflexão sobre as dificuldades que o efetivo desempenho do papel tradicional mente atribuído ao Estado encontra na sociedade Na Grandlegung não faltam manifestações explícitas de tal pluralismo Em um texto esclarecedor Ehrlich afirma Como uma parte considerável da atividade social encontrou seu ponto focal na legislação na administração da justiça e na administração pública as outras formas que operam na socie dade não foram abolidas A Igreja a vida econômica a arte a ciência a opinião pública a família e os grupos pessoais manti veram no todo ou em parte sua independência em relação ao Estado São apenas centros de desenvolvimento de forças exclu sivamente sociais com as quais a legislação a administração da justiça e a administração pública devem confrontarse a todo instante O indivíduo nunca é um único ele é sistematiza do ordenado enquadrado inserido em um número tão grande de grupos sociais que a vida fora deles pareceria insuportável e muitas vezes até impossível Sociologia do DireitomioloP3indd 56 020822 1037 o conceito de direito 57 Diante do indivíduo o Estado se põe como uma entre tantas outras formas de agrupamento social e seu papel se não é total mente negado é reduzido ao mínimo necessário A partir dessa abordagem concluise que o controle social exercido pelo Estado não é um caso particular de alternativas De fato um olhar para a história do direito mostra que mesmo quando o Estado já havia assumido o controle da legislação sem pre aconteceram importantes inovações jurídicas que não foram produzidas por nenhuma lei Mas nem mesmo os autores da doutrina da onipotência do Estado teriam pensado seria mente que ele seria capaz de formular regras para todo o campo da ação humana De fato o Estado que tantas coisas pode ar ruinar que tantas coisas pode tirar de um para dar ao outro não é capaz de fazer uma única lâmina de grama crescer mais do que é permitido pelos recursos econômicos do povo A vontade do Estado terá portanto que levar em conta uma realidade au tônoma conhecida através de procedimentos científicos e terá que se habituar com a ideia de que certas coisas não podem ser produzidas mediante uma lei e de que para as consequências de uma lei as intenções do seu autor são completamente irrelevan tes ibid pp 300 ss O pluralismo jurídico de Ehrlich fundamentado em um an tiestatismo historicamente baseado em uma teoria composta de fontes que também inclui uma versão historicamente variável do direito natural hoje parece um ponto de referência que encontra amplo eco não apenas na reflexão sociológica do direito mas também na teoria jurídica mais aberta a temas comparativos De fato numerosas foram as tentativas que direta ou indire tamente contemplaram e aprofundaram os principais elementos da sua concepção Ao mesmo tempo que Ehrlich escreveu a teo ria do direito vivo William G Sumner 1906 do outro lado do Sociologia do DireitomioloP3indd 57 020822 1037 58 sociologia do direito Atlântico e com espírito análogo contrastava os costumes popu lares com os estatais A estes últimos ele atribuiu menos força inovadora do que aos primeiros que sendo resultado de uma ca pacidade normativa espontaneamente difundida entre a popula ção estavam portanto destinados a prevalecer os Estados não podem mudar os costumes Na mesma linha também deve ser mencionado o institucio nalismo que a partir de Maurice Hauriou 1967 e Santi Roma no 1918 conheceu versões cada vez mais articuladas Schelsky 1970a 1970b Krawietz 1984 MacCormick Weinberger 1985 Weinberg 1987 Com Hauriou que contrasta a majestade formal das normas com a concreta pressão dos grupos a teoria da ins tituição adquire sentido através do conflito entre o indivíduo e o Estadosociedade Ele fala da superação de tal conflito mediante uma análise das fontes sociais do direito dos caminhos difundi dos em toda a sociedade e não apenas concentrados no Estado nos quais as relações sociais se consolidam em efetivos ordena mentos jurídicos Baratta 1967 O profundo significado do insti tucionalismo na variante sustentada por Santi Romano consiste em ser capaz de abordar o problema da irreprimível sociabilidade do direito ou a irreprimível juricidade da sociedade O ordena mento jurídico portanto para Santi Romano 1918 é uma insti tuição e toda instituição é um ordenamento jurídico a equação entre os dois conceitos é necessária e absoluta p 27 Podese acrescentar que uma sutil diferença entre o institu cionalismo de Hauriou e o de Santi Romano reside no fato de que para o primeiro a instituição entendida como uma organi zação que alcançou certo grau de desenvolvimento e perfeição é a fonte do direito a razão profunda de sua sociabilidade en quanto para o outro a instituição e o ordenamento jurídico são unitária e coletivamente considerados a mesma coisa e por Sociologia do DireitomioloP3indd 58 020822 1037 o conceito de direito 59 tanto constituem uma unidade perfeita ibid pp 334 Anto nio Pigliaru outro ilustre representante do pluralismo jurídico italiano apresenta as mesmas razões para o institucionalismo em particular do pensamento de Santi Romano Em um volume declaradamente influenciado pelo ensinamento de Giuseppe Ca pograssi filósofo do direito ansioso por vincular a filosofia às posições imediatas da vida Pigliaru 1959 enfrenta com cora gem a tentativa de colocar em prática o projeto de Ehrlich que o institucionalismo havia retomado apenas no nível teórico e pros segue para a aplicação concreta mediante a reconstrução pon tual de um ordenamento não estatal mas radicado nos costumes de um povo Hoebel 1954 Nader 1969 Kurczewski 1974 Pi gliaru tem a convicção de que do ponto de vista da sociedade um ordenamento fechado merece ao menos a mesma atenção que um ordenamento positivo porque dotado de fundamentos culturais e antropológicos ainda mais fortes do que o último O ordenamento não escrito que Pigliaru se propõe a traduzir em proposições jurídicas é aquele que regula a vingança na Bar bagia uma região da Sardenha particularmente zelosa de seus costumes Ele redige um verdadeiro código articulado em três partes Princípios gerais As ofensas A medida da vingan ça composto de 23 artigos todos incluídos numa forma técnico jurídica que busca reproduzir fielmente o conteúdo e o espírito das normas consuetudinárias observadas na realidade O primei ro artigo prescreve A ofensa deve ser vingada Não é um homem de honra quem se subtrai ao dever da vingança salvo no caso em que tenha dado prova de sua própria virilidade a que tenha re nunciado por um motivo moral superior Pigliaru 1959 p 107 O segundo artigo define o quadro social de referência A lei da vingança obriga todos aqueles que vivem e trabalham no âmbito da comunidade qualquer que seja o motivo O terceiro artigo identifica os sujeitos titulares da vingança O titular do dever de Sociologia do DireitomioloP3indd 59 020822 1037 60 sociologia do direito vingança é o sujeito que foi ofendido como indivíduo ou como membro de um grupo consoante a ofensa seja intencionalmente dirigida a um único indivíduo enquanto tal ou ao grupo social como um todo A obra de Pigliaru enriquecida com um extenso número de notas e uma longa introdução tem o grande mérito de ser bemsucedida e dar voz e dignidade a um direito vivo até então silencioso Para os defensores do pluralismo jurídico tal direito testemunha de uma cultura antiga permite adaptar as próprias regras às situações e exigências do agrupamento social que o criou seguindo os ditames de uma sabedoria secular e possui também os requisitos conteudísticos requeridos para uma fiel tradução de uma linguagem jurídica moderna O ordenamento de tal direito portanto poderia vir a integrar quando fosse compatível o orde namento estatal pelo menos até o momento em que as exigências de autorregulação de situações históricas e institucionais que lhe deram origem Pennisi 1998 não forem de fato superadas Quanto à teoria das fontes elaborada por Ehrlich para dis por de uma variedade delas a ser aplicada nas pesquisas históri cocomparativas2 devese observar que encontrou significativas semelhanças na Itália no pensamento de Paolo Grossi3 historia dor do direito e de Rodolfo Sacco4 comparatista Um pelas ra zões cronologicamente verticais da história por assim dizer e o outro pelas razões horizontais de comparação desenvolveram 2 A importância dos usos e costumes como fonte do direito foi amplamente dis cutida por Balossini 1980 3 A história do direito continua a compartilhar elementos do pensamento de Ehrlich como o pluralismo jurídico a crítica a uma concepção hierárquica das fontes e a revisão do papel do Estado o que é evidenciado por Grossi 2006 e por outros historiadores da mesma escola ver Costa 1986 4 A partir das necessidades da pesquisa comparada Sacco 1989 veio a desenvol ver uma teoria dos formantes dos diversos ordenamentos jurídicos que tam bém pode ser útil ao sociólogo do direito e pode ser considerada uma especifica ção de algumas intuições presentes na obra de Ehrlich Sociologia do DireitomioloP3indd 60 020822 1037 o conceito de direito 61 de fato na cultura jurídica italiana uma abordagem que parece adequada para superar barreiras tão rígidas que agora mostram se excessivamente limitadas pela mesma dogmática jurídica Ao pluralismo que inspira a tentativa de Ehrlich de fundar uma sociologia do direito imune a qualquer superestimação do poder do Estado podese atribuir o mérito de chamar a atenção dos estudiosos para a utilidade de dar às próprias pesquisas uma ampla dimensão temporal e comparativa Dessa forma podese evitar considerar o direito de nossa sociedade como mais avan çado e racional do que o de outras sociedades com presunçoso etnocentrismo apenas pelo fato de afirmar o dogma do mono pólio do controle e da coerção social por parte do Estado Além disso a mesma sociologia do direito de Ehrlich ao recuperar dentro do seu campo de pesquisa o estudo histórico do direito vivo abrese para uma relação frutífera com a antropologia jurí dica isto é com aquela ciência social que mais do que a outra mantevese consciente da sobrevivência e da importância do ou tro lado não estatal do direito Norma Fato Figura 2 Cultura jurídica interna e externa CULTURA JURÍDICA EXTERNA CULTURA JURÍDICA INTERNA Sociologia do DireitomioloP3indd 61 020822 1037 62 sociologia do direito No entanto podese observar que o próprio conceito socio lógico de direito vivo sugere em suas diversas articulações uma significativa abertura para uma dimensão cultural capaz de fil trar e alimentar tanto do ponto de vista dos operadores quanto do público possíveis interpretações dos fatos juridicamente rele vantes e das normas socialmente eficazes5 O relacionamento bipolar fatonorma tornase desse modo uma relação mais complexa na qual as diversas culturas jurídi cas são capazes não só de multiplicar as representações do direito que surgem na sociedade mas também de mediar os seus condi cionamentos através de um relacionamento circular que pode tornar as relações entre fatos e normas mais flexíveis e em con sequência facilitar em vez de dificultar a ordem social Para melhor esclarecer essa conexão vamos a seguir tratar o conceitochave de cultura jurídica 5 Uma avaliação geral da relevância atual do conceito de direito vivo de Ehrlich é encontrada mais recentemente em Hertogh 2009 Sociologia do DireitomioloP3indd 62 020822 1037 Dada a sua centralidade o conceito de cultura jurídica acaba sen do a questão tratada de modo explícito ou implícito por boa par te das propostas metodológicas e teóricas de maior destaque na sociologia do direito Ao longo da história da disciplina houve uma tentativa de identificar a partir de uma perspectiva descriti va quais imagens das culturas jurídicas do direito eram capazes de se desenvolver em diferentes esferas sociais de outro lado foi feita uma tentativa de neutralizar quaisquer equívocos do direito que tal circulação de imagens poderia ajudar a difundir De modo geral as diferentes culturas jurídicas contribuem para esclarecer aspectos importantes da relação entre a sociedade e o direito Essas culturas são aquelas dos sujeitos orientadas em determinados contextos para o direito aquelas dos operadores que contribuem para sua implementação no âmbito das estrutu ras jurídicas e aquela dos observadores que tentando compreen der os comportamentos de ambos também precisam se deslocar a partir de certos modelos de cultura jurídica A referência às culturas jurídicas pode explicar entre outras coisas por que em determinadas circunstâncias certos pedidos são incorporados ao sistema jurídico e não a outros sistemas de determinados setores da sociedade e como algumas visões de Esta do ou representações do seu papel são elaboradas pelos operadores c a p Í t U l o 2 o conceito de cUltUra jUrÍdica Sociologia do DireitomioloP3indd 63 020822 1037 64 sociologia do direito O conceito de cultura jurídica portanto não só desempenha um papel fundamental podendo ser utilizado como explanandum e como explicans como parte do direito mas também pode con tribuir de maneira decisiva para que seja compreendido tendo em vista tanto as reflexões da sociedade sobre o direito quanto seu condicionamento na sociedade Usando esse conceito será possível identificar quais pressupostos normativos inspiram de terminados comportamentos ou quais diretrizes sociais permi tem explicar determinadas decisões jurídicas Embora o conceito de cultura jurídica seja de extrema im portância para os estudos sociológicojurídicos devese ressal tar que por essa razão tem sido submetido a uma sobrecarga considerável que não deixou de desgastar a nitidez dos limites de seus possíveis significados tornandoos genéricos e ambíguos ao extremo como aconteceu com muitos dos conceitos mais uti lizados nas ciências sociais Nelken 1997 Nelken Feest 2001 Bruinsma Nelken 2007 Rebuffa 1993b A fim de evitar pos síveis confusões de interpretação tentaremos delinear de forma esquemática algumas maneiras não necessariamente alternati vas mas que tendem a integrarse umas às outras de compreen der o conceito de cultura jurídica e dessa maneira concentrar a atenção na contribuição decisiva de Max Weber no campo dos estudos sociológicojurídicos ao uso desse conceito 21 Definição O conceito de cultura no sentido amplo pode ser entendido como o conjunto de atitudes opiniões e convicções que caracteri zam determinado grupo social garantindolhe a atribuição de significados compartilhados De forma específica no conceito de cultura jurídica prevalece a orientação descritiva do direito não como um sistema mas como uma instituição e não apenas das Sociologia do DireitomioloP3indd 64 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 65 normas jurídicas mas também dos aparelhos que estabelecem e monitoram o seu cumprimento Portanto o conceito de cultura jurídica pode ser aqui entendido como o conjunto de atitudes opi niões e crenças utilizadas por determinados atores em certo grupo social para avaliar interpretar e selecionar objetos definidos em relação à instituição jurídica em seus diversos aspectos Ao mesmo tempo podese levar em consideração o ponto de vista interno dos operadores jurídicos ou o ponto de vista ex terno dos leigos e do chamado público No primeiro caso fala se de uma cultura de direito própria dos operadores no segundo caso de uma cultura de direito própria do usuário comum Cada cultura jurídica é capaz de conceber diferentes ima gens do direito o que produz um quadro complexo Para simpli ficar a distinção entre cultura jurídica interna e cultura jurídica externa tem sido usada de forma bastante polarizada contras tandose uma cultura jurídica profissionalmente consciente que coincide com aquela dos juristas a uma cultura jurídica não tão capaz de compreender as sutilezas técnicas do direito que em geral coincide com a do público Também é feita uma distinção entre uma orientação formal à legalidade que pode ser conside rada típica do ponto de vista interno dos juristas e uma orienta ção ideológica à legitimidade que pode ser compreendida como típica do ponto de vista externo do público As correspondências são mostradas na Tabela 1 Tabela 1 Culturas jurídicas atores componentes diretrizes implicações Cultura do direito Juristas Jurídico Legalidade Não ideológica Cultura em direito Público Extrajurídico Legitimidade Ideológica Sociologia do DireitomioloP3indd 65 020822 1037 66 sociologia do direito Tal estrutura composta de elementos simetricamente agre gados apresenta inquestionáveis vantagens em termos de orien tação mas também revela uma possível unilateralidade Por exemplo considerase cultura jurídica ideológica aquela que ex põe o direito a uma infiltração proveniente de culturas não estritamente jurídicas inversamente técnicas e não ideológicas ou seja uma cultura jurídica que sendo filtrada pela dogmática jurídica e pela doutrina jurídica parece capaz de manter níveis mais elevados de consciência e autocontrole No entanto partindo de uma abordagem realista o oposto também pode ser susten tado ao se considerar como ideológico o maior fechamento da realidade típico dos operadores ver entre outros Wiethölter 1968 Cotterrell 1984 Além disso o conceito de ideologia em vez de mero desvio naturalmente condicionado pela realidade com frequência é rela cionado a um engano consciente realizado para atender interes ses particulares Nesse sentido tem sido apontado que os longos e precisos processos de socialização compartilhados pelos pro fissionais do direito se constituírem uma barreira suficientemen te sólida contra influências de outros contextos sociais também poderão apresentarse como um terreno fértil para o surgimento de tendências ideológicas que provenientes do papel em questão não possuem um valor apenas técnico mas visam a defesa de interesses corporativos Kaupen 1969 Kaupen Rasehorn 1971 Barcelona Hart Muckenberger 1973 Para evitar o risco de simplificações excessivas é aconselhá vel adotar como diretriz a clássica distinção entre cultura jurídi ca interna e externa desvinculandoa dos pares simétricos de variáveis vistas anteriormente Dessa forma o conceito de cultu ra jurídica pode ser articulado a elementos derivados dos com plexos processos de atribuição de significado que a caracterizam Sociologia do DireitomioloP3indd 66 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 67 como os papéis sociais por vezes vistos como portadores dela a partir do objeto em geral considerado e dos critérios de interpre tação utilizados em casos concretos individuais Febbrajo La Spina Raiteri 2006 Vamos a seguir explorar essas três variáveis a fim de estabe lecer a conexão entre as culturas jurídicas e o sistema jurídico Em geral o caso extremo de uma cultura que não pode ser considerada jurídica nem pelos papéis nem pelos conteúdos nem pelos critérios de interpretação não se encaixa nos possíveis signi ficados de uma cultura legal Por outro lado a hipótese de uma cultura jurídica considerada interna ao sistema tanto no que se refere aos objetos pertencentes à área de competência direta do próprio ordenamento quanto aos critérios adotados exclusiva mente técnicojurídicos e até às funções magistrados advogados notários ou outros operadores envolvidos profissionalmente no processo de implementação da lei positiva pode parecer uma es pécie de casolimite de uma cultura totalmente jurídica A partir desses casos extremos a distância entre casos con cretos individuais pode ser medida segundo sua maior ou menor legalidade Vejamos alguns exemplos simples que referindose em parte a elementos externos e em parte a elementos internos do ordenamento permitem identificar culturas parcialmente jurídicas como acontece sobretudo na vida cotidiana Um caso é o de uma cultura interna i no que diz respeito ao papel R e ao objeto O mas externa e no que se refere aos cri térios C adotados esquematicamente Ri Oi Ce Para ilustrar esse caso vamos usar um exemplo extraído de um episódio fre quente na vida cotidiana e portanto facilmente interpretável mesmo do ponto de vista de um observador não jurista Em uma estação alguns trabalhadores ferroviários conhe cedores dos movimentos dos trens atravessam pelos trilhos em Sociologia do DireitomioloP3indd 67 020822 1037 68 sociologia do direito grupos para chegar mais rápido ao escritório Apesar da sinali zação bem visível que avisa ser proibido atravessar pelos trilhos um homem carregando uma mala com certeza um viajante juntase ao grupo dos trabalhadores ferroviários Uma pessoa de uniforme que passa naquele momento percebe e impede que faça isso Após uma breve conversa o viajante é autorizado a conti nuar e deixa a estação sem ser incomodado Nesse exemplo a pessoa uniformizada que interrompe e de pois libera o viajante é um atendente que desempenha um papel oficial e atento para um comportamento interno ao sistema pois previsto na legislação vigente No entanto nesse caso ele acaba utilizando critérios que não são estritamente internos ao sistema jurídico uma vez que a infração cometida pelo viajante que apro veitando uma situação imitou o comportamento dos funcioná rios da ferrovia seria do ponto de vista regulatório claramente punível Nesse caso o elemento característico reside no fato de que a aplicação da sanção é confiada a um ator designado para isso mas que provavelmente se limita a lembrar a regra ao viajan te e apenas faz uma advertência genérica para o caso de o fato se repetir Portanto interpreta a norma de modo extremamente fle xível indiferente a outras pessoas como os ferroviários para os quais também seria importante que a regra fosse observada Vamos agora analisar um caso diferente no qual o elemento externo do nosso esquema não está mais localizado no nível de critérios C nem do objeto O mas naquele dos papéis R portanto Re Oi Ci Para exemplificar basta imaginar que um trem depois de cruzar uma fronteira estadual chega a uma esta ção na fronteira onde em um idioma diferente há a mesma sina lização avisando que é proibido atravessar os trilhos Nessa estação mesmo neste caso não há muita diferença em relação aos fatos realmente observados um viajante carrega várias ma Sociologia do DireitomioloP3indd 68 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 69 las tão volumosas que ele as mantém unidas com cordões Ele precisa alcançar rapidamente uma calçada próxima para pegar o trem que está para sair pois as checagens costumeiras na fron teira já foram realizadas Observa o entorno para se certificar de que nas proximidades não há ninguém com o uniforme dos tra balhadores ferroviários e carrega depressa um par de suas ma las pesadas para a outra calçada cruzando os trilhos Ao voltar para pegar outras malas e repetir a operação é severamente ad vertido por um transeunte idoso Ele interrompe o que está fa zendo e espera que o transeunte vá embora Ao perceber que a uma curta distância o transeunte para e continua a observálo o viajante decide fazer o transporte das outras malas usando a pas sagem subterrânea Devese notar que nesse caso o cumprimento da regra é assegurado por um simples homem da estrada que assume um papel que outras pessoas ausentes ou distraídas não cumprem talvez tendo em vista que o princípio fundamental de que a norma caso se aplique a uma das partes deve ser aplicada indiscriminadamente a todos Nesses exemplos no primeiro caso aquele que deve fazer cumprir uma regra assume uma atitude conciliatória e a cultura jurídica dos titulares de papéis internos mostrase mais flexí vel do que o necessário no segundo caso um papel exercido por um agente externo que por si só não deveria envolverse mostra relação direta com uma cultura jurídica tão profundamente in ternalizada a ponto de motivar uma pessoa a intervir e investir tempo e energia em um tipo de controle horizontal com o obje tivo de garantir que determinada norma seja respeitada também por outros destinatários Ao modificar as referências à lei mais uma vez podemos agora apresentar um terceiro exemplo no qual os papéis e crité rios adotados são internos mas o objeto é externo esquematica Sociologia do DireitomioloP3indd 69 020822 1037 70 sociologia do direito mente Ri Ci Oe Essa situação costuma acontecer quando especialistas atuam no processo judicial Sabese que no julga mento os especialistas precisam lidar com fatos empíricos e em particular verificálos e interpretálos a fim de que se transfor mem em casos juridicamente relevantes com base nos quais o juiz poderá tomar uma decisão Não é necessário lembrar as possíveis disfunções com as quais o especialista precisará lidar em sua delicada tarefa No exemplo apresentado a seguir a figura do especialista prevista em lei utiliza sua cultura profissional para interpretar um fato incumbência que recebeu de um juiz e descobre nele conexões psicológicas inesperadas e riscos sociais a serem relatados e ava liados pelo juiz E é precisamente nessa capacidade de extrair indicações de um fato que vão além do senso comum que a cul tura do especialista se manifesta Vamos nos limitar aqui a quase literalmente transcrever o relatório de um caso concreto exata mente como descrito Mellini 2004 Um menino está brincando em uma área de lazer de um condomínio e sem querer chuta uma bola que cai na varanda de um apartamento Imaginando de forma realista que talvez isso acontecesse muitas vezes em vez de bater na porta do morador ele sobe até a varanda e recupera a bola e faz isso repetidas vezes sempre que necessário O morador do apartamento entretanto talvez pelo fato de que o menino repete o comportamento muitas vezes ou talvez e mais provavelmente por conta dos antigos de sentendimentos entre os condôminos não encontra nada me lhor a fazer do que entrar com uma ação judicial contra a criança por violação de domicílio O Juizado da Infância encarregado do caso não encontra nada melhor a fazer escrupulosamente cumprindo a lei e a prática do que confiar a uma assistente so cial ou seja uma especialista destinada a se tornar a verdadeira Sociologia do DireitomioloP3indd 70 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 71 protagonista dessa história uma investigação sobre a personali dade e o ambiente em que a criança vive A assistente social ob serva no seu relatório que o menino órfão de mãe é filho de um marechal dos Carabinieri inclinado dada a sua profissão a ado tar uma educação muito rígida e severa Subir à varanda do vizi nho para pegar a bola portanto deve ser considerado uma espécie de fuga uma fuga libertadora de uma atmosfera opressi va e frustrante e portanto um evento que anuncia formas mais relevantes de transgressão Proposta feita ao tribunal o menor deve certamente ser afastado do poder paternal do marechal e confiado a uma instituição que cuida de menores O Juizado da Infância considera a tese de que uma educação como aquela que o marechal dos Carabinieri adota para seu filho implica a neces sidade de libertálo confiandoo a uma instituição o que é realmente insustentável No entanto nem mesmo ciente de igno rar por completo a opinião do especialista o Juizado prefere cor tar o mal pela metade e condicionar o futuro exercício do poder pátrio ao controle do serviço social provavelmente sobre o ma rechal não sobre o menor e pela mesma assistente social que ha via desempenhado a função de especialista Pela situação extrema que envolve não se pode considerar que o caso apresentado possa comumente se repetir e poderia até mes mo provocar risos se não tivesse realmente acontecido Devese notar no entanto que a cultura do especialista nesse caso não coincide com a de outro ator do sistema jurídico o juiz que por sua vez está exposto a influências culturais internas e externas ao ordenamento e opta em qualquer caso relacionado à situação con creta como vimos por uma solução que envolve compromisso Vamos agora apresentar um quarto e último caso em que a cultura jurídica não se mostra adequada a um único ator mas a uma pluralidade de atores que embora situados fora do sistema Sociologia do DireitomioloP3indd 71 020822 1037 72 sociologia do direito jurídico são direcionados a ele para realizar julgamentos e ava liações obviamente retirados de uma fonte não legal Esse vasto e complexo campo inclui o interesse central da linha de estu dos conhecida internacionalmente como KOL Knowledge and Opinion on Law Tomeo 1974 Esses estudos tratam da ma neira como a lei ou os seus elementos é percebida observada e avaliada pela população como um todo ou por grupos sociais específicos levados em consideração de tempos em tempos Obviamente esse tipo de cultura interna apenas em relação ao objeto de acordo com o esquema adotado Re Oi Ce pode fo car não somente normas ou instituições de direito mas também aparelhos destinados à sua implementação já que estes por ve zes estão abertos às opiniões do público Basta pensar no tribu nal de assembleia ou no júri anglosaxão os jurados são internos ao processo mas também têm a tarefa essencial de trazer sensi bilidade e diretrizes regulatórias a ele não extraídas de conhe cimentos especializados diretamente relacionados ao sistema jurídico mas desenvolvidas por outras parcelas da sociedade Moccia 1978 Contudo no exemplo em questão e ainda que de maneira diferente também nos outros que o precederam seria necessário levar em conta outra variável extremamente difícil de determi nar a profundidade das raízes culturais em parte legal tratada de tempos em tempos Parece provável que culturas com raízes menos profundas e exatamente por este motivo podem influen ciar os comportamentos dos atores de maneira mais imediata e direta mas ao mesmo tempo elas também podem experimentar mudanças com mais rapidez No caso das pesquisas da KOL será necessário verificar sobretudo se as reações entre os entrevistados podem ser consideradas meras respostas opiniões ou crenças ou mesmo elementos culturais com raízes mais profundas Sociologia do DireitomioloP3indd 72 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 73 Dado o ritmo acelerado das mudanças que na época atual afetam o conteúdo das normas legais a relação do público com a lei tende a se concentrar nos elementos das estruturas regulató rias que parecem mais fáceis de perceber Portanto para a maio ria das pessoas que está fora do sistema jurídico a imagem da lei tenderá a ser aquela que é produzida pelas funções dentro da or dem mais próxima para o usuário comum sobretudo a partir das funções dos operadores que exercem funções administrati vas e em particular para os critérios de aplicação da lei que uti lizam através de seus comportamentos que desejam observar De fato a cultura jurídica dos operadores caso se consolide em um conjunto de atitudes previsíveis dará origem ao que os juristas comparativos chamam de estilo do direito Merryman 19661967 Sua função permite mitigar as repercussões de uma regulamentação às vezes pouco clara instável ou desfavorável e tranquilizar os usuários fazendo que o direito se torne mais pró ximo e por assim dizer familiar Dessa maneira os operadores consciente ou inconscientemente influenciam a cultura jurídica externa na medida em que acreditam que qualquer que seja o conteúdo das normas estas em certa medida podem ser inter pretadas e absorvidas em seus efeitos pelo seu estilo jurídico e é com eles portanto mais do que com as regras que o público deve se acostumar a lidar Os exemplos apresentados até agora mostram como um todo um retrato dos diferentes modelos culturais que podem in tervir na relação entre ideias imagens e representações da lei por um lado e as composições sociais condicionadas por culturas não jurídicas por outro Esses exemplos foram escolhi dos para identificar culturas bastante difundidas que conflitam entre si diariamente nos dois primeiros exemplos a cultura da flexibilidade e a da estrita ausência de exceções nos outros dois Sociologia do DireitomioloP3indd 73 020822 1037 74 sociologia do direito exemplos a cultura do senso comum entendida como um con junto de opiniões difundidas entre os usuários especialistas e outros operadores Levando em conta a definição de Ehrlich do conceito de direi to vista no capítulo anterior o conceito de cultura jurídica pode ser articulado de acordo com os papéis os critérios e os objetos para o direito positivo ou direito vivo ou seja para o conjunto de regras incluídas nos sistemas jurídicos estatais e não estatais Com base nesses breves apontamentos podemos agora exa minar o conceito de cultura jurídica mais detalhadamente 22 As premissas do modelo de Weber Max Weber é sem dúvida o autor clássico que conseguiu melhor do que nenhum outro utilizar o conceito extremamente flexível de cultura jurídica de maneira metodologicamente cons ciente Em uma de suas obras mais complexas inspirada nas crí ticas de um livro de Rudolf Stammler 1906 Weber 1907 aborda a questão da possibilidade de usar as ferramentas de compreensão da sociologia para definir o vasto campo de relações entre ações juridicamente relevantes e culturas jurídicas capazes de atribuir significados a essas ações Febbrajo 2010 pp 89165 Esse trabalho sem dúvida escrito de uma só vez derivou da decepção provocada pela leitura de uma obra que embora em sua segunda edição permanece bastante imprecisa Weber por tanto buscou preencher as lacunas do livro de Stammler e para isso abordou algumas questões que permanecerão centrais na sua obra como aquelas relacionadas à definição sociológica dos conceitos de Estado e direito definição que consegue contem plar uma visão articulada da dimensão cultural da sociedade O leitor portanto é forçado a passar com rapidez da análise deta lhada de algumas partes do volume de Stammler para grandes Sociologia do DireitomioloP3indd 74 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 75 digressões metodológicas com a sensação singular de acompa nhar o desenvolvimento do pensamento do autor Weber baseiase na crítica à afirmação de Stammler em assu mir a regra da vida social como o caráter supremo da socie dade e ressalta que tal pesquisa historicamente deve se afastar de qualquer tentação determinística tanto eticamente avaliativa quan to empíricomaterialista Ao construir um diálogo imaginário en tre um espiritualista e um materialista tenta mostrar que é impossível chegar a um acordo sobre qual dos dois pontos de vista prevalece de forma definitiva uma vez que os interlocutores hipo téticos sempre serão capazes de reconstruir as regularidades sujei tas à sua pesquisa a fim de interromper em regressão causal o tipo de causa que cada um deles pretende privilegiar Se o observador pode manipular o resultado da pesquisa de tal maneira o problema passa a ser Até que ponto a regra em relação à ação individual ou da sociedade realmente existe ou é produto da atividade especulativa do observador Para respon der a essa questão Weber apresenta uma série de esclarecimen tos relacionados às raízes culturais do conceito de regra A distinção fundamental a partir da qual ele se move se con centra na relação entre regularidade no sentido de corres pondência a uma regra Regelnseligkeit e regulação no sentido de submissão a uma regra Geregeltheit Essa distin ção referese a regularidades puramente estatísticas que são independentes das diretrizes regulatórias do ator e a regula ridades que exigem diretrizes regulatórias vigentes É claro que embora distintos os dois tipos de regularidades po dem ser interligados Para ilustrar esse aspecto Weber usa o exemplo da digestão que pode ser natural e de modo incons ciente regular ou regulada artificialmente quando alguma perturbação ou irregularidade no que diz respeito à norma Sociologia do DireitomioloP3indd 75 020822 1037 76 sociologia do direito de higiene que estabelece os requisitos para uma boa diges tão requer o uso de meios coercitivos ou seja de medica mentos para restaurar sua regularidade original De fato até mesmo as regularidades fisiológicas do or ganismo leis da natureza uma vez que a partir de um nexo causal empírico tornamse absolutas e reconstruídas entram em certa cultura em particular na cultura do mé dico que prescreve medicamentos e assim podem orientar normativamente certos cursos de ação do ator avaliados de maneira positiva ou negativa por determinados papéis de controle social Uma segunda distinção apontada por Weber diz respeito a regras sociais e regras técnicas que ao contrário das ante riores podem ser independentes da vida social As regras técnicas são baseadas não em restrições regulatórias ou sim ples iterações factuais mas em conexões regular e empiri camente fundamentadas que podem ser úteis para certos propósitos máximos As regras técnicas distinguemse do comportamento regular destinado a evitar as penalidades que podem ser previstas pela violação de determinada regra Portanto o ladrão que foge após o roubo não obedece a uma regra técnica mas regras técnicas são aplicadas por um Robinson que na solidão de sua ilha administra os pró prios recursos para usálos de acordo com certos princípios econômicos derivados de sua própria experiência Numa vida social desse tipo se forem utilizados por mais de um de seus parceiros para atingir determinados objetivos po dem originar comportamentos regulares previsíveis ou mesmo complementares Nesse caso os modelos empregados por um observador não são descritivos mas simplesmente heurísticos pois apenas tornam absolutas as categorias hipotéticas de orien Sociologia do DireitomioloP3indd 76 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 77 tação para alcançar um propósito levando em conta que não po dem se reproduzir com a mesma completude e constância na realidade cotidiana Em suma a regra geral de orientação para fins por meio de regras técnicas ou máximas empiricamente só lidas resulta de uma abstração cujo papel explicativo pode ser esclarecido de tempos em tempos apenas levando em conta as condições históricas em que se busca agir de acordo com um ob jetivo e o fato de remeter a um caso limítrofe só pode ser abor dado na realidade com alguma aproximação Weber também trata extensivamente uma analogia impor tante entre regras jurídicas e regras do jogo Nos jogos as relações sociais regulamentadas deixam espaço para a au torregulação concreta isto é os movimentos individuais que não são derivados apenas da regra abstrata do jogo mas de fatores culturais que permitem ampla margem para in fluenciar a escolha de possíveis alternativas feitas por joga dores individuais Em outras palavras nos jogos os modos de comportamento e os critérios predeterminados de vitória são abstratos mas as estratégias para alcançar o objetivo de vencer o jogo não são Portanto as regras do jogo utilizam diferentes níveis de abstração sendo entendidas como crité rios empregados para escolher determinados comportamen tos e atribuirlhes um significado compartilhado dentro das conexões que o definem ou como critérios usados para ava liar a relevância estratégica de um movimento específico ou como condições de elegibilidade ou inelegibilidade adequa ção ou inadequação de estratégias específicas de jogo Weber tomando como exemplo o jogo de cartas alemão Skat ilustra esse ponto ao identificar várias hipóteses que podem ser consideradas sob inúmeras perspectivas No nível extremamente Sociologia do DireitomioloP3indd 77 020822 1037 78 sociologia do direito geral de um congresso da Skat podese perguntar se é apropria do estabelecer certa regra do ponto de vista dos valores eude monísticos que o Skat busca ou se de um ponto de vista formal um jogo deve ser considerado perdido no evento de supervisão de um jogador Além disso no nível dos movimentos individuais podese perguntar se determinado jogador atuou de maneira justa ou seja de acordo com a norma ou bem de acordo com o objetivo ou ainda de maneira moral obviamente conforme a especificação moral do Skat que culpa o jogo imprudente mas considera que o acordo entre dois jogadores contra um terceiro jogador é espremido por um acordo mútuo admissível Dessa forma um jogo de Skat e em particular o comporta mento dos jogadores são referidos às regras do que se pode cha mar de direito do Skat As regras do jogo são na verdade uma condição ou um pressuposto da possibilidade e capacidade de pensar nas partidas concretas Da mesma forma as regras jurídi cas quando não se limitam ao estabelecimento da natureza obri gatória de certos comportamentos sociais podem criar jogos co mo ocorre com contratos dentro dos quais e somente assim certos papéis e comportamentos ganham significado Isso dá às regras do jogo de Skat e paralelamente às leis um papel funda mental não apenas para os atores mas também para o observador Segundo Weber a regra que compõe o jogo pode contribuir para reconhecer empiricamente o objeto a ser estudado e usar o conhecimento que o observador possui para identificar os dados relevantes a fim de entender o pro gresso do jogo delimitar o objeto a ser observado a fim de separar o que é essencial para o conceito do jogo de Skat do meio contingente e dos múltiplos comportamentos irrele Sociologia do DireitomioloP3indd 78 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 79 vantes para a partida como fumar um charuto ou re tomar as discussões entre os jogadores o que no entanto constitui o constante quadro de um verda deiro Skat alemão explicar as ações reais dos jogadores como esses pa péis em geral assumem nas suas relações recíprocas o que cada um faz da regra do jogo a máxima ou o critério de sua própria ação Em suma a referência às regras do jogo serve a Weber para mostrar que tanto no caso de um jogo de cartas comum quanto no direito elas são o prérequisito cultural necessário para definir primeiro qual jogo está sendo jogado para conhecer as estraté gias desse jogo e por fim para explicar os movimentos indivi duais uma vez escolhidos os jogadores em um único jogo Passando das regras do direito Skat para as normas jurí dicas reais Weber pode portanto observar que mesmo para estudar determinado fenômeno jurídico o observa dor como o ator ainda terá de partir de uma ideia desse objeto e para isso precisará usar culturas de referência Para ilustrar isso ele usa um exemplo simples o de uma troca que acontece no centro da África entre um povo europeu e um povo de uma etnia africana O exemplo é usado para minimizar qualquer possibilidade de compar tilhamento imediato não apenas no que diz respeito a có digos legais mas também a elementos culturais entre os sujeitos envolvidos na troca De fato mesmo em uma interação simples intuitiva e univer sal como a troca é grande a possibilidade de os comportamentos dos atores serem mal compreendidos Um participante da troca pode supor erroneamente que a outra parte também está dispos Sociologia do DireitomioloP3indd 79 020822 1037 80 sociologia do direito ta a observar determinado padrão ou essa parte pode não estar disposta a usar sua ideia de troca como mera hipótese a ser revista com base na situação concreta Uma interpretação empí rica da troca com o objetivo de estabelecer o que os participantes fazem na realidade deve ser estritamente distinta da interpreta ção dogmática da troca com o objetivo de indicar qual deve ser o comportamento dos participantes do ponto de vista de deter minada norma jurídica Além disso o significado dogmático pode ajudar a com preender e explicar certos comportamentos de diferentes manei ras de acordo com a situação em que os atores estão envolvidos ou com os interesses do intérprete Em particular a perspectiva dogmática pode desempenhar importante papel ao buscar com preender o horizonte de ação de uma pessoa que tendo conhe cimento da existência de determinada regra do código está inclinada se preciso for a recorrer a um juiz mas pode desem penhar um papel de menor importância por exemplo explicar as relações de emprego na indústria têxtil na Baixa Saxônia que deverão obedecer à lógica não apenas jurídicoformal mas em certa medida dependente do real poder da relação contratual entre as partes por fim poderá ter um papel sem nenhuma impor tância no que diz respeito por exemplo às qualidades artísticas da Madonna Sistina de Rafael de uma perspectiva dogmática provavelmente seria capaz de esclarecer apenas certos aspectos jurídicos da relação do artista com o cliente Além disso as mes mas regras legais podem ser observadas sob múltiplas perspecti vas Assim um artigo do código pode ser objeto de considerações ou regulamentos dogmáticos no sentido estrito que tentam fazer valer seus significados a partir da cultura do próprio juris ta ou de considerações sociológicas que se perguntam quais os efeitos de certos conteúdos de um código ou de uma sentença Sociologia do DireitomioloP3indd 80 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 81 sobre determinados comportamentos ou mesmo de considera ções políticas que expressam avaliações relacionadas a certos ideais culturais ou postulados gerais Podese notar que uma pluralidade de perspectivas emerge do conceito de direito que Weber apresenta em seu grande traba lho Economia e sociedade Ele afirma que o direito é um sistema cuja legitimidade é reconhecida pelos seus destinatários pers pectiva política e cuja validade repousa na possibilidade de coer ção perspectiva sociológica feita por um conjunto de homens dispostos a isso perspectiva dogmática ou normativa em sentido estrito Em uma análise mais aprofundada essa última proposta do conceito de direito é resultado da combinação de diferentes estratégias que se referem a diferentes vertentes teóricojurídicas Se o momento da legitimidade é destacado a definição enquadra se na tipologia de sistemas legítimos e parece uma emanação da teoria do reconhecimento Anerkennungs Theorie Mas se qui sermos enfatizar as garantias indicadas por Weber quando ele busca distinguir o direito de fenômenos tradicionalmente asso ciados a ele como costume uso tradições a definição reserva um lugar decisivo para o caráter coercitivo e portanto parece uma emanação da teoria da coerção Zwangs Theorie Essa combinação dos dois elementos reconhecimento e coerção na mesma definição do conceito de direito pode ser entendida não apenas como uma homenagem obediente às dife rentes correntes da cultura jurídica da época mas também como um reflexo da tentativa de Weber de compor em seu aparato conceitual duas formas correspondentes de estabelecer a inves tigação sociológica A coerção com seu aspecto institucional requer para ser analisada uma perspectiva que leve em conside ração acima de tudo o ponto de vista do aparelho que a aplica enquanto o reconhecimento focalizando o significado re Sociologia do DireitomioloP3indd 81 020822 1037 82 sociologia do direito quer uma perspectiva que leve em conta acima de tudo o ponto de vista do ator social individual O conceito de direito de Weber portanto busca classificar as diferentes culturas jurídicas e em seguida incorporálas umas às outras Mas para isso o sociólogo precisa necessariamente recorrer a conceitos abstratos que possam ajudar a entender tan to a cultura interna da sanção quanto a cultura externa do reco nhecimento Nesse contexto Weber utiliza um conceito fundamental o da racionalidade devidamente modulado e suficientemente am plo para se adaptar a possíveis interpretações do conceito de direito Agora mostrase necessário compreender melhor como ele define no curso da vasta reconstrução comparativa que deli neou em Economia e sociedade as diferentes combinações dos conceitos de cultura jurídica e racionalidade utilizados para tipi ficar as situações históricas examinadas 23 As aplicações do modelo de Weber Na análise do conceito de regra conduzida em meio a críti cas a Stammler surgiram alguns modelos de ação que foram orientados por vezes segundo diferentes tipos de regras gerais e abstratas racionalidade formal comuns ligadas a necessida des elementares racionalidade tradicional técnicas racionali dade com relação ao objetivo e de avaliação racionalidade com relação a valores Na obra Economia e sociedade Weber trata historicamente essa polivalência do conceito de racionalidade em relação ao di reito afirmando que uma lei pode ser racional em um sentido muito diferente segundo a direção que o pensamento jurídico toma Weber 1956 vol I p 506 Ele enfatiza que quando fala mos de direito ordenamento jurídico princípio jurídico é Sociologia do DireitomioloP3indd 82 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 83 correto separar o ponto de vista jurídico do ponto de vista so ciológico já que o primeiro afirma o que é idealmente válido como direito isto é que sentido normativo deve ser atribuído de maneira logicamente correta a uma formação linguística que se apresenta como norma jurídica Ao distinguir o ponto de vista sociológico do jurídico Weber articula os dois por meio de uma série de tipologias que não apenas os enriquecem e rela tivizam mas os ligam através de uma ferramenta de vinculação de múltiplos propósitos como o conceito de cultura jurídica ibid v I p 509 Por essa definição se por cultura jurídica entendemos o con junto de diferentes maneiras como percebemos a nós mesmos e nos orientamos para o direito devemos diferenciar ainda mais o ponto de vista daqueles que observam um direito do qual são sim ples beneficiários e com relação ao qual podem se comportar de diferentes maneiras sem contudo conseguirem modificálo for malmente e o ponto de vista daqueles que por fazerem parte de uma instituição jurídica colaboram formal e oficialmente para a sua aplicação e interpretação ou para a sua produção e mudança Weber portanto especifica que a racionalização do direito pode consistir em uma generalização isto é um processo que implica uma simplificação e uma redução das razões relevantes para as decisões do caso concreto a um ou mais princípios e em uma sistematização ou seja um processo que envolve uma coordenação dos princípios jurídicos assim obtidos de modo que componha um sistema de regras logicamente claro livre de contradições internas e acima de tudo pelo menos em princípio livre de lacunas ibid v I p 28 Depois de ter reduzido e tor nado coerentes os princípios de decisão dos operadores do di reito um sistema jurídico que atingiu níveis relativamente altos de racionalidade caracterizase pelo fato de ser mais do que ou Sociologia do DireitomioloP3indd 83 020822 1037 84 sociologia do direito tros capaz de garantir a previsibilidade dos usuários ou seja os resultados da tomada de decisão Apesar da falta de um sentido unívoco Weber também in troduz o parâmetro complementar de formalidade destinado a ser combinado com o de racionalidade Na definição desse parâmetro entretanto fica evidente que com isso Weber pretende se referir sobretudo ao nível de abstra ção técnicojurídico efetivamente alcançado pelos sistemas jurí dicos que é relativamente elevado no caso do direito racional formal e relativamente baixo no caso apresentado como anti tético do direito racional material A dimensão formal do direito portanto tem ligação direta com a especificidade e a tec nicidade dos instrumentos empregados ou seja com a sua filia ção à área historicamente variável e dos critérios de decisão percebidos como legais A dimensão racional por sua vez é colo cada em conexão com a controlabilidade intersubjetiva dos resul tados da decisão e portanto com a necessidade de previsibilidade com que os usuários do direito tecnicamente rápidos também po dem contar Diante dos dois parâmetros fundamentais de racionalidade e formalidade de Weber parece que uma decisão jurídica pode ser definida como racional se também pode ser objeto de previ sões por não membros do aparato que a produz ao passo que pode ser considerada formal se deriva diretamente da aplica ção de critérios específicos do aparelho que a produz Os dois critérios podem mas não precisam necessariamente ser con gruentes Em outras palavras a racionalidade oposta à irracio nalidade implica uma perspectiva intersubjetiva e portanto envolve a capacidade de controle ou controlabilidade não exter na dos resultados de determinado processo de tomada de deci são enquanto a formalidade oposta à materialidade envolve a Sociologia do DireitomioloP3indd 84 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 85 adesão ou não de membros a certo procedimento em determi nado sistema baseado em uma perspectiva pelo menos de modo implícito interna ao ordenamento Ao usar conjuntamente os parâmetros de racionalidadeir racionalidade e formalidadematerialidade é possível ter uma estrutura que permite compreender tanto as culturas jurídicas internas dos especialistas quanto as culturas jurídicas externas dos destinatários das normas Com essa ferramenta de duas fa ces Weber tenta ordenar os diferentes sistemas jurídicos concre tos de acordo com a maneira como os dois pares de parâmetros de qualificação das instituições jurídicas racionalirracional materialformal se cruzam Existem portanto quatro hipó teses ideais típicas que aparecem resumidas na Tabela 2 Esse esquema permite tipificar diferentes sistemas jurídicos histori camente conhecidos levando em consideração que a lei racio nal formal é capaz de combinar um alto grau de previsibilidade e calculabilidade das decisões com critérios estritos de tomada de decisão Tabela 2 Tipos de racionalidade jurídica Especificidade dos critérios adotados Auditoria intersubjetiva de critérios adotados Alto graU de racionalidade Baixo graU de racionalidade Alto grau de formalidade Racionalidade formal direito estatutário Irracionalidade formal direito revelado oráculo Baixo grau de formalidade Racionalidade material direito identificado com base em ideologias políticas ou religiosas Irracionalidade material direito identificado com base em avaliações de natureza ética ou emocional Sociologia do DireitomioloP3indd 85 020822 1037 86 sociologia do direito Internamente ao sistema jurídico um direito revelado ou de terminado com base em oráculos pode atingir alto grau de tecni cidade jurídica mesmo garantindo baixo grau de previsibilidade das decisões um direito determinado com base em ideologias políticas e religiosas e portanto em critérios extrínsecos ao sis tema jurídico entretanto pode apresentar para o conhecimento geral desses critérios alto grau de previsibilidade um direito de rivado de avaliações éticas e emocionais por sua vez apresenta baixo grau de previsibilidade e critérios de decisão sobretudo externos ao sistema jurídico Pelo que foi dito fica bastante claro que a racionalidade for mal não deve ser confundida com a racionalidade em relação ao objetivo nem com a racionalidade em relação ao valor mas representa uma terceira hipótese que se situa entre esses dois pontos Concentrase não em elementos que podem ser determi nados conscientemente com base na perspectiva do ator como a adequação de valores aceitos ou propósitos compartilhados mas em elementos que também podem ser determinados com base em necessidades lógicas na esfera de ação em que se insere o assunto e portanto no nosso caso o campo do direito ibid p 27 Isso permite distinguir ação racional formal de ação afe tiva influenciada de maneira decisiva pela situação interna do ator quanto de ação tradicional influenciada por regularida des externas ao ator e percebidas por esse motivo como estáti cas e imutáveis Ao mesmo tempo é possível usar a dupla atenção à autono mia dos critérios e à controlabilidade interpessoal dos resultados que contribuem para caracterizar a racionalidade formal típica do direito ocidental para considerar o princípio metodológico complexo e fundamental da neutralidade da ciência Esse princí pio não deve ser compreendido apenas de modo negativo como o Sociologia do DireitomioloP3indd 86 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 87 fecharse da ciência a outros critérios a não ser o da verdade mas também de modo positivo como a abertura da ciência ao contro le de qualquer pessoa independente da sua área cultural Portan to parece não se tratar mais do que outro caso de aplicação da categoria geral de racionalidade formal Nessa perspectiva esse princípio metodológico não é aplicável apenas àquele ato em par ticular que é a ação dos teóricos e portanto não se destina a ser aceito ou rejeitado apenas nessa área mas referese à hipótese teó rica subjacente a todo o trabalho de Weber que apoia a crescente racionalização e automatização dos vários campos da atividade humana que devem portanto ser avaliados com base em crité rios internos Em resumo agora podemos apontar os elementos que carac terizam os cinco principais tipos de ações presentes na sociologia de Weber A Tabela 3 mostra que a interpretação da ação ra cionalformal não pressupõe o conhecimento das perspectivas ideais do ator ação racional em relação ao valor nem das pro váveis consequências de seu ato ação racional em relação ao ob jetivo nem o que ele sente emocionalmente ação afetiva nem o que aconteceu no passado no seu ambiente ação tradicional mas pressupõe o conhecimento do aparato ou da instituição que seleciona os critérios intersubjetivos específicos da sua decisão Tabela 3 Tipos de ação social Tipo de ação Elemento caracterizante Racional comparada ao escopo Racional comparada ao valor Afetivo Tradicional Racionalidade formal Consequências da ação Valor da própria ação em si Situação interna do ator Regularidades consolidadas da ação Critérios intersubjetivos específicos de certa área de ação Sociologia do DireitomioloP3indd 87 020822 1037 88 sociologia do direito Também se pode dizer que a ação racionalformal se refere a uma estrutura que filtra os critérios de decisão concretamente aplicáveis pelo ator e conhecêlos portanto é indispensável para compreender suas ações Em um sistema jurídico avançado a racionalidade formal se torna tão complexa que deve ser especializada e confiada aos ju ristas e operadores jurídicos enquanto o legislador que produz a lei em geral se orienta por uma racionalidade com relação ao ob jetivo que resulta do ponto de vista do ordenamento jurídico complementar à primeira Obviamente isso não significa que a mesma racionalidade formal não possa ser objeto de julgamento por parte de diferentes racionalidades como as que dizem respeito ao objetivo ou ao valor realizado por um observador exter no como o sociólogo De fato é possível perguntar qual é a utili dade da racionalidade formal com relação ao seu propósito e como deve ser avaliada com relação ao seu valor Nesses casos no entanto será necessário desconsiderar os julgamentos reais dos atores únicos já que estes não são conside rados capazes de avaliar melhor a utilidade e o valor de uma ca tegoria complexa como a racionalidade formal É o que o próprio Weber faz em Economia e sociedade quando afirma que a racio nalidade formal entendida como o cálculo das decisões e a es pecificidade dos critérios adotados produz no contexto jurídico e dentro da organização capitalista consequências factuais con flitantes e conflitos ideológicos que contrastam os valores de se gurança e liberdade Um importante exemplo de racionalização formal do direito é para Weber o direito probatório que em sistemas jurídicos complexos não visa encontrar sem limitação a evidência des tinada a demonstrar a verdade ou a falsidade de um fato mas limitase a estabelecer onde de que formas isto é com quais ins Sociologia do DireitomioloP3indd 88 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 89 trumentos técnicojurídicos e em que termos as evidências que podem contribuir para a solução do caso controverso devem ser produzidas ibid v I p 571 Embora orientado principalmente para uma racionalização de um tipo formal o direito ocidental apresenta áreas de impor tância não desprezível nas quais diferentes tipos de racionalidades são afirmados em relação a interesses particulares Um exemplo é a lei comercial Nesse direito estritamente formalista e vinculado aos dados sensíveis exigidos pelo tráfego interesses não formais de honestidade comercial são entendidos dentro dos limites que a interpretação lógica da von tade das partes ou a moral comercial consideram minima mente éticos Além disso ele é até mesmo empurrado por todos esses fatores como as aspirações da justiça material que alega tornar a prática jurídica um instrumento de equidade e não um instrumento para a solução neutra de conflitos de interesses De fato para a mesma classe de operadores pode parecer in digno assumir a posição de distribuidor automático de direito ibid p 720 enquanto Weber observa que em questões criminais a justiça popular dos jurados exerce em grande medida uma jus tiça de cádi irracional satisfazendo assim a sensibilidade dos não iniciados sem uma cultura jurídica especializada ibid p 655 Nesse contexto o relacionamento entre um direito como o racional formal e outros sistemas sociais em especial a econo mia é de particular interesse Estes últimos são objeto de ampla reflexão de Weber que tenta delinear um quadro geral da relação entre direito e economia identificando alguns elos entre o direi to racional formal e a economia capitalista Para mostrar em particular a reciprocidade das relações entre direito e economia que não podem ser reconstruídas de modo Sociologia do DireitomioloP3indd 89 020822 1037 90 sociologia do direito unilateral no sentido de uma derivação do direito da economia Weber estabelece alguns princípios gerais que guardam íntima re lação uns com os outros Em primeiro lugar ele cita o princípio que pode ser dito da pluralidade de interesses legalmente passíveis de proteção segundo os quais a lei não garante apenas interesses econômicos mas também interesses diferentes dos mais elementa res como a proteção da segurança pessoal e até bens intangíveis ou ideais tais como a própria honra e a dos poderes divinos Weber observa então que o direito garante também posições de autori dade política eclesiástica familiar e outras e em geral situações sociais de privilégio de todos os tipos que podem ser economica mente condicionadas e relevantes nos mais diversos relaciona mentos mas que por si só não representam nada de importância econômica nem mesmo algo necessariamente ou principalmente desejado por razões econômicas Ibid pp 745 ss Um segundo princípio que pode ser dito da relativa autono mia da ordem econômica em relação ao sistema jurídico sublinha que a coerção legal encontra limites significativos na regulação da atividade econômica Direito e economia são na verdade di ferentes mecanismos de controle social e utilizam ferramentas específicas que nem sempre conseguem integrar Por exemplo no caso de uma lei de economia desenvolvida mesmo que sejam realizadas intervenções coercitivas maciças ela encontrará forte resistência na condução dos processos econômicos como mos tra o fracasso geral de medidas destinadas a controlar os preços ibid p 762 Um terceiro princípio que pode ser dito da indiferença mú tua entre os dois sistemas destaca por um lado que um sistema jurídico em certas circunstâncias pode permanecer inalterado mesmo que as relações econômicas mudem de modo radical e que por outro lado a regulamentação jurídica pode variar pro Sociologia do DireitomioloP3indd 90 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 91 fundamente do ponto de vista das categorias do direito sem que as relações da economia e os efeitos práticos relativos para as partes interessadas sejam afetados de modo significativo ibid p 761 No entanto a relativa independência e autonomia que o di reito e a economia alcançaram nas sociedades ocidentais avança das não exclui as profundas relações de condicionamento mútuo existente entre essas áreas A garantia estatal do direito não é de um ponto de vista puramente teórico indispensável a qualquer fenômeno econômico A proteção da posse por exemplo pode ser apoiada pelo grupo parental e a proteção das dívidas somen te pode acontecer de maneira ainda mais eficaz se realizada pelas comunidades religiosas e através da ameaça de excomunhão No entanto também é verdade que uma ordem econômica especí fica moderna não pode sustentarse sem uma ordem jurídica dotada de qualidades racionais formais Weber destaca ainda as vantagens de uma racionalidade for mal ao afirmar que o poder universal da associação de merca do e a velocidade moderna do tráfego exigem um direito que funcione de maneira oportuna e segura garantida por um poder coercitivo o mais forte possível Ele observa que a própria eco nomia moderna ao ajudar a estruturar o direito em um sentido racional formal não apenas levou em consideração os interesses do tráfego econômico mas também acabou favorecendo um processo de monopolização da força pelo Estado Além disso salienta que a ação econômica também pode ser formalmente racional na medida em que o esforço econômico essencial a qualquer economia racional pode ser expresso em considerações numéricas e portanto através de um cálculo Um procedi mento econômico como o da formação de preços é capaz de ga rantir como nos processos de tomada de decisão dos operadores legais a previsibilidade de seus resultados e estes podem se tor Sociologia do DireitomioloP3indd 91 020822 1037 92 sociologia do direito nar objeto de cálculo para diversos sujeitos econômicos corre lativamente revelase a impessoalidade dos critérios utilizados para alcançar esse resultado se escolhidos com base em conside rações especificamente econômicas ibid p 716 Tudo isso mostra que na perspectiva de Weber tanto o direi to moderno quanto a economia através de ajustes em suas res pectivas culturas pertencem às mesmas categorias interpretativas de racionalidade e formalidade Em suma para ele as relações entre o direito racional formal e a economia capitalista devem ser reconstruídas não através de uma simples relação de causa e efeito mas por meio de uma relação mais articulada de afinida des estruturais e complementaridades funcionais adequadas para destacar que um ordenamento jurídico racionalformal pro duzido por fatores que não são necessária nem principalmente econômicos pode por razões de afinidade cultural favorecer o surgimento de empresas capitalistas inspiradas nos mesmos cri térios de racionalidade formal Essas complexas interrelações entre direito e economia são ilustradas em numerosos lugares de Economia e sociedade à luz de instituições jurídicas específicas Considerando que as situa ções econômicas não geram automaticamente novas formas jurí dicas apenas podem favorecer a possibilidade de que uma vez que surja uma invenção técnicojurídica ela também pode se espalhar ibid p 526 Weber se preocupa em concentrar sua análise em alguns produtos da elaboração técnicojurídica que favorecem o surgimento de uma economia capitalista Ele observa que o direito coletivo das sociedades atuais ao adaptar as rela ções da comunidade doméstica aos fins da empresa capitalista e ao reconhecer determinadas pessoas jurídicas definidas com base em certas regras é legitimado exclusivamente para assumir obrigações e adquirir direitos para que o grupo evite envolver Sociologia do DireitomioloP3indd 92 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 93 indivíduos e ativos individuais no tráfego comercial Desse modo é atingido o objetivo essencial para o surgimento de gran des organizações econômicas capitalistas de permitir o cresci mento das empresas por meio de novos investimentos sem elevar o nível de risco de capital além do limite de tolerabilidade de cada indivíduo ibid p 742 Weber também observa alguns efeitos discriminatórios que o capitalismo e as instituições jurídicas que o apoiam acabam ocultando em geral de modo implícito por trás de sua aparente neutralidade O mesmo princípio amplamente afirmado nos sistemas jurídicos avançados da chamada liberdade contra tual revela um significado cultural ambíguo nessa perspectiva Depois de observar que na lei moderna aumentou muito a possi bilidade de estabelecimento de relações contratuais com outros sujeitos no campo da troca de mercadorias de trabalho pessoal e prestação de serviços em comparação com o passado Weber ad verte que seria imprudente dizer que esse processo de natureza técnicojurídica tenha levado ao aumento da liberdade do in divíduo em determinar as condições de sua própria existência Essa questão observa não pode ser decidida apenas com base no desenvolvimento de formas jurídicas ibid p 56 a partir das quais não é possível atribuir de maneira acrítica princípios jurídicos abstratos à realidade social Entretanto uma vez que o direito de acordo com a definição de Weber vista anteriormente constitui uma ordem legítima pro tegida por um aparato coercitivo existe já no nível conceitual uma conexão fundamental do direito racional formal não ape nas com a economia mas também com o Estado moderno Isso ocorre no sentido de que a coerção de que a lei precisa pode ser exercida apenas por órgãos do Estado de organização única ca pazes de exercer coerção física legítima sobre a comunidade po Sociologia do DireitomioloP3indd 93 020822 1037 94 sociologia do direito lítica ibid pp 401 Weber portanto afasta os limites de uma sociologia do direito privado e processual para abordar a vasta questão do papel do Estado na vida pública Aqui nos limitare mos a identificar apenas alguns dos muitos pontos de conexão entre sociologia do direito e sociologia do poder que estão presentes em Economia e sociedade O Estado moderno é definido sociologicamente com base em meios específicos adequados a cada grupo político isto é com base no uso da força física O Estado portanto é uma empresa institucional de natureza política na qual o aparato ad ministrativo avança com sucesso uma reivindicação de um mo nopólio de coerção física legítima Essa conexão entre Estado e coerção jurídica destacada por Weber em nível conceitual tem implicações importantes tam bém em nível teórico já que o processo de construção da legisla ção que acompanha e sustenta o Estado moderno parece ser a extensão coerente da hipótese de racionalização formal das estru turas jurídicas desenvolvidas por ele no campo da sociologia do direito Na verdade em primeiro lugar o processo de monopoli zação da força do qual o Estado se origina não se limita a garan tir a centralização e a singularidade das decisões relacionadas ao uso da coerção física mas assegura dentro da comunidade políti ca aquela combinação de calculabilidade e especificidade fun cional que é apropriada ao conceito de direito racionalformal Além disso se o direito pressupõe o Estado este também pres supõe o direito em particular o direito racional formal como um instrumento regulador indispensável do poder por ele exer cido ibid p 503 Tudo isso explica por que o Estado moderno e o direito racional acabam se referindo à mesma fonte de legitimi dade ou seja crença na legalidade a disposição de obedecer regras formalmente corretas e estabelecidas de maneira usual Sociologia do DireitomioloP3indd 94 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 95 O poder jurídico no qual o Estado e o direito modernos se baseiam pode de fato utilizar diversas formas de organização Entre elas um lugar especial é ocupado pela organização buro crática considerada a maneira formalmente mais racional de exercer poder Weber observa que esse tipo de organização foi encontrado graças às suas inúmeras vantagens e rápida difusão não apenas na administração interna do Estado mas também em atividades legislativas e jurisdicionais bem como no empreendi mento econômico capitalista e em vários outros campos da cultu ra ocidental A burocracia tornouse segundo Weber inevitável da mesma forma que as máquinas são inevitáveis na produção de bens de massa uma vez que o fundamento decisivo de seu avanço tem sido sua superioridade técnica ibid p 202 Neste momento não parece interessante analisar o conheci do tratamento que Weber dá à burocracia mas sim destacar que do ponto de vista cultural mesmo na burocracia é feita referên cia explícita aos dois requisitos de racionalidade e formalida de nos sentidos antes especificados colocando em evidência a conexão não hierárquica mas estrutural entre a lei e o aparato estatal Se essa conexão estivesse limitada a produzir decisões em vez de se expandir e produzir decisões sobre decisões seria capaz em princípio de combinar previsibilidade velocidade impessoalidade e portanto a formalidade da decisão Weber faz referência explícita exatamente ao requisito da formalidade entendido como especificidade e autonomia dos critérios de decisão ao afirmar que a burocratização oferece acima de tudo a maior possibilidade de aplicação do princípio da divisão do trabalho administrativo com base em critérios pura mente objetivos com a atribuição de tarefas individuais a fun cionários especialmente treinados cada vez mais qualificados graças ao exercício contínuo Nesse contexto a organização Sociologia do DireitomioloP3indd 95 020822 1037 96 sociologia do direito moderna dos órgãos de administração separa por completo o lo cal do escritório da residência particular e dessa forma a ativi dade do escritório é completamente diferenciada como uma área isolada da esfera da vida privada e as finanças e os meios do cargo são diferenciados da posse privada do funcionário A con sequente profissionalização do escritório também requer um processo específico de socialização que para Weber se mani festa principalmente na solicitação de um curso de estudo rigo rosamente predeterminado de modo que absorva em geral por um longo tempo toda a capacidade no trabalho e em testes de qua lificação comumente prescritos como precondição para a con tratação ibid p 716 Já a exigência de racionalidade entendida como a capacidade de calcular os resultados dos procedimentos de tomada de deci são é defendida por Weber que enfatiza Na administração burocrática e especialmente na monocro mática confiada a funcionários individuais qualificados precisão rapidez exclusividade publicidade de documentos continuidade discrição coesão subordinação estrita redu ção das controvérsias são levadas ao melhor grau em comparação com todas as formas colegiais ou ofícios honorá rios exercidos como profissão secundária uma vez que nesse caso o cumprimento ocorre com base em regras previsíveis Ibid p 717 Entretanto é necessário acrescentar que embora construído de acordo com os princípios da racionalidade formal o Estado moderno deixa amplo espaço em seu funcionamento efetivo para momentos irracionais e materiais Weber observa o surgi mento de momentos materiais não especificamente políticos mas de natureza ética ou religiosa quando trata do papel com Sociologia do DireitomioloP3indd 96 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 97 plexo que no Estado moderno e nas codificações por ele produ zidas continuam a desempenhar as ideias naturalistas que não derivam sua dignidade de uma decisão arbitrária ao contrário legitimam sua força obrigatória ibid p 636 ou quando detecta a insuficiência da pura e simples legalidade do processo como fonte de legitimidade Ele observa portanto que em qualquer relação autoritária baseada no dever um mínimo de interesse pessoal que pode ser de natureza ideal ou material por parte da pessoa obediente permanece normalmente como uma fonte indispensável de obediência ibid p 249 24 Implicações e desenvolvimento Até agora evitamos uma interpretação em termos rigidamen te racionalistas ou irracionalistas da obra de Weber mas foi feita uma tentativa de enfatizar a complementaridade entre os dois enfoques Schluchter 1979 Andrini 1990 Rebuffa 1991 Ferra rotti 1995 O conceito de direito racionalformal com ênfase na necessidade de previsibilidade foi entendido como o ponto de equilíbrio entre diferentes impulsos culturais isto é entre uma racionalidade subjetiva típica sobretudo do indivíduo e uma ra cionalidade objetiva típica das instituições sociais entre a ne cessidade de justiça e a de consistência Na verdade o trabalho de Weber utiliza um aparato concei tual que permite desviar a atenção do micro para o macro do ator para as instituições dos processos de tomada de decisão do in divíduo para os das grandes organizações jurídicas econômicas e políticas Com um jogo apertado de campos e contracampos Weber mostra por exemplo que o que é racional para o ator pode não ser racional para a instituição à qual ele pertence e vicever sa Isso por si só produz no nível da sociedade como um todo uma variedade de critérios racionais subjetivos institucionais e Sociologia do DireitomioloP3indd 97 020822 1037 98 sociologia do direito mistos cuja prevalência é sugerida por situações históricocultu rais específicas Uma perspectiva culturalmente multidimensional ajuda a explicar por que a sociologia de Weber leva a resultados difíceis de resumir em proposições de escopo universal e incondicional e ainda hoje é capaz de oferecer abordagens profundamente dife rentes aos sujeitos Para o autor o mesmo processo de capacita ção e racionalização das instituições jurídicas permanece aberto a tendências de sinal oposto as relações entre direito racional formal e capitalismo não podem ser reconstruídas no sentido de um determinismo econômico do direito nem de um determinis mo jurídico da economia As relações entre direito e Estado em bora baseadas no pressuposto de que o Estado tem o monopólio da força física não excluem ao contrário pressupõem uma visão pluralista que reconheça a presença de outras pessoas junta mente com a organização do Estado legal e às vezes ferramentas mais eficazes de controle social A mesma tipologia de ação des taca o significado das ações individuais independente da cons ciência dos atores para agregados individuais desde instituições até grandes culturas como a ocidental E é exatamente essa flexibilidade incomum dos pontos de referência que muitas vezes confunde os intérpretes que faz do trabalho de Weber um importante nó no desenvolvimento his tórico da sociologia do direito Indo além da abordagem histo riográfica de Ehrlich o aparato conceitual que Weber constrói tende não tanto a ser guiado por eventos históricos mas a guiar sua compreensão com o uso de ferramentas de caráter típico ideal que não se consegue reproduzir na realidade e precisa mente por este motivo adequadas para ordenar os fenômenos reais de acordo com o grau de aproximação entre eles Preocupado com a superação de soluções monocausais Weber considera o significado das ações dos homens nas várias áreas da Sociologia do DireitomioloP3indd 98 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 99 sociedade intimamente entrelaçadas com o mundo dos fatos das normas e dos valores portanto tão complexo que não pode ser esgotado culturalmente em apenas um deles Nesse contexto a extensa série de referências conceituais e aplicações compara tivas que caracteriza a sociologia do direito do autor pode ser utilizada para compreender aspectos da estrutura e do funciona mento dos sistemas jurídicos que percebemos como problemáti cos já que sua complexidade não nos permite identificar soluções unívocas para os atores e pontos de vista privilegiados para o observador Uma maneira usada por Weber para representar essas dife rentes perspectivas na mesma situação é a analogia que faz entre direito e jogo anteriormente mencionada A feliz metáfora do jogo desenvolveu de fato uma longa tradição de uso no campo jurídico Huizinga 1949 que ainda hoje exerce considerável fas cínio na cultura jurídica interna sobretudo pela fronteira entre a sociologia e a teoria do direito Para ilustrar melhor essa analogia é necessário recordar uma distinção que no passado teve merecido sucesso sobretu do na teoria do direito e também muitas implicações para a so ciologia do direito entre regras reguladoras que se limitam a atribuir a certos comportamentos sociais a qualificação de re gras proibidas permitidas ou obrigatórias e as regras constitu tivas que não qualificam comportamentos que seriam possíveis em qualquer caso mas criam dentro do jogo jurídico novos comportamentos que de outra forma não seriam perceptíveis ou imagináveis Rawls 1955 Searle 1964 Count 1978 1981 1988 Carcaterra 1979 Em outras palavras as normas constitutivas não se referem aos fatos brutos que ocorrem naturalmente na sociedade mas criam possibilidades de comportamentos que se inserem em contextos capazes de lhes atribuir significados par Sociologia do DireitomioloP3indd 99 020822 1037 100 sociologia do direito ticulares Assim os diversos casos abstratos que não existem na natureza o objetivo no jogo de rúgbi ou no jogo de futebol por exemplo podem determinar o resultado do jogo enquanto o papel designado a ele o árbitro é o de reconhecer a existência das condições previstas para a sua atualização Para Weber no jogo do Skat da mesma forma que nos con tratos desde os menos sofisticados como a troca aos mais com plexos essa distinção é encontrada entre normas que dizem respeito ao fazer concreto ou ao não fazer dos atores e das nor mas que criam a possibilidade de atos que assumem significado apenas dentro do jogo Na verdade é a estrutura normativa que determina os limites de significado dentro dos quais o com portamento dos jogadores deve inserirse se eles não querem abandonar o jogo ou participar de um jogo diferente Uma con sequência disso não inteiramente óbvia é que quando uma re gra constitutiva do jogo é violada o comportamento em questão não é tão desviante mas sim irrelevante colocandose não contra mas fora das regras do jogo e do âmbito de ação de seus participantes e portanto também fora do escopo de qualquer aparato sancionador previsto pelo jogo Tudo isso significa que quando falamos em regras do jogo usamos uma expressão que pode se referir tanto ao que os atores realmente fazem mas também ao que eles fazem Os papéis previstos no jogo condicionam os atores a uma série de limita ções mas também se configuram como situações novas impen sáveis fora do jogo nas quais a ação concreta dos atores é apenas em parte predeterminada As partidas individuais de determi nado jogo tornamse ainda mais individuais diante da falta de informações e de controle que normalmente caracteriza a posi ção de um ator individual amplamente suscetível a interpreta ções específicas que variam de jogador para jogador de acordo Sociologia do DireitomioloP3indd 100 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 101 com as suas qualidades e a sua capacidade de avaliar os dados disponíveis e reagir a eles O direito também parece portanto ter seus jogadores suas regras seus árbitros Através de um jogo de direito podemos compreender uma interação estruturada por meio de normas so ciais e jurídicas em que cada ator tem a possibilidade de codificar um produto por não ter informações ou poder suficientes para fazer que se atinja determinado resultado mas baseandose em meras hipóteses que certamente não são alcançáveis Exemplos de regras constitutivas de jogos jurídicos são de fato dissemina dos por todo o ordenamento no direito privado e no público e em todas as instituições que não se limitam a definir conjuntos de direitos e deveres mas criam papéis antes inexistentes que não teriam sentido fora dessa área Uma extensão da analogia direitojogo em um sentido pró ximo à semelhança de Weber é desenvolvida por Bruno Leoni 1980 ao concentrar sua atenção no jogo das expectativas que as ações jurídicas e econômicas produzem Na verdade a partir das possíveis combinações entre cultura jurídica e cultura econômi ca Leoni esboça uma construção sociológicojurídica original que faz do direito o lugar onde não apenas as diferentes culturas jurídicas internas e externas mas também as diferentes cultu ras econômicas podem encontrarse graças à complementaridade de suas estruturas de tomada de decisão Ele argumenta que no sistema jurídico é possível determinar as normas que de fato dis tribuem direitos e deveres obrigações e poderes usando procedi mentos semelhantes àqueles com os quais no sistema econômico através da soma de decisões individuais é possível determinar a possibilidade de adquirir determinado ativo Em particular como o preço pode ser considerado o ponto de encontro e o equi líbrio por mais instável e mutável que possa ser das expectativas Sociologia do DireitomioloP3indd 101 020822 1037 102 sociologia do direito econômicas individuais o direito pode ser considerado o ponto de encontro e equilíbrio em contínua mudança entre as diver sas expectativas que eles buscam ser em geral protegidos na for ma de reivindicações legais Nenhum indivíduo mesmo dotado de todos os poderes que um Estado autoritário pode formalmente preestabelecer é capaz de canalizar de forma concreta todas as expectativas individuais É o jogo interativo das expectativas individuais que encontra através do mercado e não apenas da economia mas também da política um equilíbrio efetivo na lei e portanto naquele di reito que pode ser considerado o produto de uma infinidade de contribuições individuais provenientes da sociedade e não de decisões sobre determinados assuntos É preciso também lembrar que a ideia de consolidar uma possível sinergia entre uma cultura jurídica tipicamente orienta da para critérios formais e uma cultura econômica atenta princi palmente às consequências e aos custos das decisões constitui a base do currículo atual conhecido como lei e economia direi to e economia Na verdade as contribuições de estudiosos que têm desenvolvido com considerável sucesso essa vertente de es tudos a da racionalidade com relação ao propósito típica do pensamento econômico são usadas para delimitar o campo de alternativas dentro do qual a racionalidade formal pode ser exer cida Chiassoni 1992 Mattei Monateri Pardolesi 1999 Fran zoni 2003 Sobre o assunto podem ser mencionados Guido Calabresi 1970 um dos estudiosos mais conhecidos que tentou traçar um elemento de difícil constatação em termos jurídicos o de culpa em caso de acidente e estabelecer uma série de critérios de natureza econômica que buscam minimizar os custos para pessoas físicas e equipamentos administrativos Richard Posner Sociologia do DireitomioloP3indd 102 020822 1037 o conceito de cUltUra jUrÍdica 103 1970 que enfatizou a necessidade de deixar de lado pesquisas estatísticas sobre o comportamento real e buscar esclarecer a verdadeira importância econômica dos princípios jurídicos Ronald Coase 1988 que interpretou as regras jurídicas em vigor à luz não de teoremas econômicos abstratos mas de aspectos concretos da realidade econômica como os custos reais dos con tratos que também incluem o investimento em tempo e o com promisso necessários para as partes Entre as mais recentes contribuições que incorporaram ele mentos da analogia de Weber entre direito e jogo devese men cionar a proposta de François Ost e Michel van de Kerchove 1992 Esses autores a partir do conceito de jogo como movi mento em um quadro em que não são determinadas as possí veis ações dos jogadores rejeitam o conceito de jogo como um modelo capaz de prever ações destinadas a alcançar certo propó sito e portanto estendem a analogia do jogo aos vários aspectos da vida do direito a fim de mostrar a insustentabilidade da lógica dicotômica estruturada de acordo com alternativas rígidas ou ou que continuariam a sustentar o pensamento jurídico moderno Na verdade os resultados do jogo e em particular do jogo do direito não são necessariamente interpretados em ter mos de vitória ou sucesso de um ator e de maneira correlativa de derrota ou fracasso de outro ator mas também de outras ma neiras desaparecendo de acordo com as constelações culturais predominantes A dimensão não apenas formal mas também informal do jogo permite que cada jogador participe de vários jogos ao mes mo tempo A coexistência de critérios formais e informais per mite que os jogadores tentem vencer as disputas concordando por assim dizer em vencer o jogo e portanto em interpretálo Sociologia do DireitomioloP3indd 103 020822 1037 104 sociologia do direito para que o perdedor formal seja informalmente o vencedor ou viceversa Nesse contexto a interpretação culturalmente aberta do direito tende a se tornar um jogo real e com a sua institucio nalização abre um processo que é em princípio possível de ser reproduzido ilimitadamente Sociologia do DireitomioloP3indd 104 020822 1037 As considerações feitas aqui buscaram individualizar um qua dro comum no qual se pode encontrar um ponto de convergên cia entre o conceito de direito de Ehrlich e o de Weber além de outro aparentemente mais distante da sociologia jurídica o de Kelsen Procuramos retomar os principais aspectos desses con ceitos e destacar o que os torna relevantes em diferentes graus para a sociologia do direito Sobre essa base diversificada será possível tentar definir as funções do direito que constituem um conceito central de grande importância 31 Três conceitos de direito O conceito de direito de Kelsen fundase sobre as descrições dos processos de produção normativa do tipo hierárquico que são demasiadamente abstratas para conduzir uma pesquisa em pírica porém úteis para delimitar o âmbito de tal pesquisa As normas jurídicas formalmente válidas são de maneira direta ou indireta o ponto de referência para uma pluralidade de atores jurídicos desde operadores a simples destinatários Todos esses sujeitos fazem suas próprias escolhas levando em conta a relati vidade dos textos e as interpretações oficiais que receberam an teriormente ou com mais frequência mediante a observação c a p Í t U l o 3 algUmas convergências Sociologia do DireitomioloP3indd 105 020822 1037 106 sociologia do direito dos comportamentos dos outros sujeitos daí pressupondo o con teúdo de tais normas Com efeito como simples cidadãos no dia a dia em geral observam o direito sem conhecer em detalhes a sua versão escrita Por isso com mais frequência escolhem conformarse com o que os outros estão fazendo como faz o jogador de críquete um jogo complicado com regras que em geral são conhecidas apenas pelos poucos jogadores em campo Quando entramos num bar para tomar um café existe o contrato tácito de devolver a xícara de pois de consumir o líquido servirse do açúcar disponibilizado com moderação e não leválo embora ler o jornal possivelmente à mesa mas por um tempo limitado e deixálo onde foi encon trado e à vista de outros clientes Um jurista identificaria vários tipos de depósitos jurídicos nessa situação mas isso seria inútil para muitas pessoas que frequentam o lugar a menos que algu mas cometam alguma transgressão como levar o jornal para casa Isso viola não só os interesses dos outros clientes mas tam bém a prática do restaurante que por si só como todos sabem possui a própria força reguladora Por razões semelhantes considerando a prática que se esta belece espontaneamente nos vários grupos sociais Ehrlich con segue oporse à perspectiva de Kelsen ao não se concentrar tanto na delimitação e interpretação das normas escritas do ordena mento e sim na reconstrução da sua gênese o que requer proces sos graduais e históricos de consolidação Dessa maneira ele se diferencia de Kelsen ao substituir a hipótese sem dúvida irre futável de um direito que surge do Estado já adulto e pronto para marchar em direção à sociedade armado de sanções pela hipótese historicamente fundada de um direito que surge pouco a pouco da sociedade por meio da estratificação das tradições e que após uma longa jornada dividese mantendo por um lado a Sociologia do DireitomioloP3indd 106 020822 1037 algUmas convergências 107 sua espontaneidade e autonomia originais como direito vivo e por outro transformandose apenas em parte numa lei estatal mais rígida e distante das necessidades dos afiliados Weber prossegue nessa mesma linha pois a partir de uma perspectiva histórica leva o seu conceito de direito a processos complexos e articulados de produção normativa que podem ser considerados culturais em sentido amplo Dessa forma ele passa a considerar o direito posto pelo Estado como produto de complexas convergências de fatores que para serem reconstruí das requerem uma visão comparativa capaz de ressaltar as dife rentes conexões que vinculam o direito aos demais setores da sociedade Nesse contexto o trabalho de um operador jurídico é guiado por uma racionalidade formal orientada para a sim ples dedução lógica de certas consequências de determinadas suposições que através de um raciocínio impessoal é facilmen te previsível e pode ser útil para os propósitos de realização dos objetivos da economia capitalista caracterizada por uma racio nalidade teleológica orientada para a busca de determinados propósitos e portanto fortemente interessada em um direito previsível na sua aplicação Weber assume uma visão relativística e adota um conceito de direito diversificado que pode perseguir modelos racionais ou irracionais formais ou materiais conseguindo combinar os re quisitos de neutralidade da decisão em diferentes graus típicos da abordagem de Kelsen Além disso a abordagem de Weber tam bém é típica da burocracia a partir dos requisitos de continuida de inerentes à ideia de um direito consuetudinário e tradicional caro à abordagem de Ehrlich ou dos requisitos de adaptabilidade inerentes à racionalidade teleológica orientada para os propósi tos típicos da economia sem negligenciar a orientação avaliativa de duas faces características de um direito natural que como ele Sociologia do DireitomioloP3indd 107 020822 1037 108 sociologia do direito observa pode ser usado conforme interesse de maneira conser vadora ou revolucionária A comparação entre esses modelos de direito permite prefi gurar uma dinâmica articulada das relações direitosociedade Kelsen leva a dinâmica das normas de volta ao interior do orde namento Ehrlich por sua vez prefere movêla para o nível das relações historicamente existentes entre Estado e sociedade Já Weber ao analisar em detalhes a abordagem de Ehrlich visa uma catalogação das diversas formas culturais capaz de estabe lecer conexões variáveis entre a sociedade e o ordenamento jurí dico Em suma o problema fundamental da ordem social é abordado por esses autores a partir de diferentes perspectivas de cima por meio do Estado Kelsen de baixo por meio de inte resses generalizados Ehrlich e a partir de uma combinação de ambas as concepções por meio do uso com propósitos explica tivos de diferentes tipos de racionalidade Weber Tabela 4 Três conceitos de direito Kelsen Ehrlich Weber Ponto de vista Operador jurídico Grupos sociais Observador neutro Fonte Norma do Estado Consuetudinário Jogos sociais Contexto Ordenamento Grupo Racionalidade Abordagem Lógicodedutivo Histórico indutivo Relativístico comparativo Objetivo Produção de decisões Manutenção da autonomia social Atribuição de significado à ação social Princípio orientador Legalidade Eficiência Adequação burocrática tradicional teleológica Sociologia do DireitomioloP3indd 108 020822 1037 algUmas convergências 109 Os aspectos essenciais do conceito de direito vistos anterior mente podem ser resumidos em uma estrutura sinóptica Tabe la 4 articulada por meio de alguns elementos comuns o ponto de vista a partir do qual o direito é definido a fonte dessa defini ção o contexto em que está inserida essa definição a abordagem adotada para examinar os elementos anteriores o principal obje tivo prático ou teórico dessa definição e finalmente o princi pal princípio para o qual o direito definido é orientado Analisando a Tabela 4 podese concluir Kelsen concentra a atenção no ponto de vista do operador jurídico que para aplicar todas as normas válidas presen tes no ordenamento utiliza um esquema lógicodedutivo do tipo se então destinado sobretudo a verificar a existência de premissas para a seleção de determinadas con sequências jurídicas de modo que produz decisões que se jam juridicamente previsíveis e independentes da vontade individual Ehrlich assume a perspectiva social ao adotar o costume como um fato do direito original Dessa forma estabili za o direito que contribui historicamente para a manuten ção da autonomia social do grupo podendo ser adotadas normas jurídicas eficientes muito antes do que o Estado consegue fazer com as suas proposições jurídicas Weber adota uma perspectiva que vai além das posições anteriores Ele assume o ponto de vista de um observador externo que analisa os diferentes jogos sociais de modo que atribui diferentes sentidos à ação social de acordo com as situações culturais em que o direito opera Sociologia do DireitomioloP3indd 109 020822 1037 110 sociologia do direito Devese enfatizar aqui que os propósitos atribuídos ao direi to são diferentes de acordo com os princípios adotados Para Kelsen seu objetivo é produzir normas observando o princípio da legalidade entendido como garantia da dependência da tomada de decisão jurídica em relação a outras normas do orde namento Para Ehrlich o propósito é garantir que as normas produzidas pelos grupos sociais sejam aceitáveis em termos de custobenefício portanto que estejam baseadas no princípio da eficiência tendo passado pelos longos e utilitários testes da his tória Para Weber o objetivo é atribuir significado às ações dos operadores jurídicos e dos usuários garantindo o princípio da adequação mútua dos diferentes critérios de racionalidade que caracterizam as diversas áreas da sociedade Para diferenciar os propósitos do direito de suas funções é necessário deixar claro que estas não são realizadas com base em certos princípios adotados quase conscientemente Essas funções são identificadas pelo sociólogo que tenta superar o horizonte inevitavelmente limitado de indivíduos e instituições de deter minada sociedade 32 Funções do direito Ao falar sobre as funções do direito podemos ter dois enten dimentos e dois métodos de análise bastante diferentes1 O direito pode ser atribuído a funções gerais que dizem respeito à relação entre as normas jurídicas como um todo e o tecido social do modo como os nossos autores fizeram pelo menos de maneira implícita mas também podem ser elaboradas hipóteses relativas às funções desempenhadas por normas jurídicas específicas em 1 Sobre o conceito de função do direito em geral ver Vago 1988 e Atienza 1998 Para uma apresentação das duas abordagens opostas ver Evan 1980 Reasons Rich 1978 Campilongo 2000 e 2012 Sociologia do DireitomioloP3indd 110 020822 1037 algUmas convergências 111 situações específicas A hipótese funcional do primeiro tipo pode ser útil para orientar a interpretação do relacionamento geral en tre direito e sociedade embora sem dúvida seja difícil fazer uma verificação empírica em um número suficiente de casos por um período suficientemente longo e em relação a uma área social suficientemente extensa As funções que em geral podem ser atribuídas ao direito não são unívocas Cada conceito de direito pressupondo um modelo de sociedade dentro do qual opera está inevitavelmente vincu lado a uma ou mais funções a serem desempenhadas nesse con texto As diferentes maneiras de considerar o direito implicam diferentes formas de ver a sociedade que só podem ser funcio nalmente compatíveis com a sua própria lei A concepção de direito de Kelsen ao ressaltar certas maneiras de organizar as normas em um ordenamento jurídico interna mente coerente sugere em termos gerais uma visão da sociedade que para ser compatível com esse sistema deve ser estruturada de acordo com uma lógica centralista capaz de produzir coesão social através da orientação fundamental para o valor da certeza Scarpelli 1965 No trabalho de Ehrlich no entanto os órgãos centralistas como mencionado possuem a sua importância drasticamente reduzida na sociedade Dessa maneira a função fundamental do direito vivo não é apenas produzir coesão social mas também garantir a eficiência dos sistemas dos grupos individuais que compõem uma sociedade pluralista na qual o Estado central com a ajuda da ação mediadora dos juízes executa apenas tare fas subsidiárias em relação à periferia A visão da sociedade de Weber é por sua vez claramente cen trada no reconhecimento do papel que os fatores culturais de sempenham no apoio ao Estado A função do direito é para Sociologia do DireitomioloP3indd 111 020822 1037 112 sociologia do direito Weber fundamentalmente uma metafunção uma vez que consis te em produzir coesão social de modo que garanta que as várias parcelas da sociedade desempenhem suas funções de maneira mu tuamente compatível e sejam capazes de apoiar umas às outras Notese também que o uso do funcionalismo geral e abstrato sugeriu que além de uma abordagem harmônica focada em um direito entendido como instrumento de coesão social fosse ado tada uma abordagem conflitante centrada em um direito enten dido como ferramenta destinada a produzir fortalecer e camuflar contradições sociais Isso significa que no momento em que a sociedade se autorregula o direito é capaz de contemplar uma pluralidade de situações que não são apenas harmônicas com re lação ao restante da sociedade mas também podem por si só revelarse potencialmente conflitantes2 Embora inserida em uma teoria da sociedade que dedica mais atenção às variáveis econômicas e lida apenas incidental mente com o direito a concepção de Marx assumiu importância preeminente entre as visões conflituosas da relação entre socie dade e direito Em seus escritos maduros Marx enfatizou quatro características importantes das funções do direito seu caráter estrutural ou seja o reconhecimento de que é a estrutura das relações sociais e em particular das relações econômicas que condiciona o caráter superestrutural da política e do direito es sencialmente dependentes da primeira seu caráter ideológico isto é a capacidade de mascarar as reais relações de poder dentro da sociedade por trás de uma aparente neutralidade formal seu caráter repressivo ou seja a tendência de subordinarse aos inte resses da classe que representa a maioria da sociedade capaz de 2 Ver Tomeo 1981 Aplicações clássicas da abordagem conflitualista de inspira ção marxista à sociologia do direito são encontradas em Adler 1922 e Renner 1929 Sociologia do DireitomioloP3indd 112 020822 1037 algUmas convergências 113 impor as leis e seu caráter autorreprodutivo no sentido de que as assimetrias nas relações de poder tendem a se fortalecer até não haver necessidade de um colapso das estruturas consolida das por meio de uma revolução capaz de estabelecer um novo regime verdadeiramente igualitário Marx 2011 O pensamento marxista experimentou evidentes mudanças de perspectiva no curso do seu desenvolvimento e também foi interpretado de diversas maneiras por autores nele interessados por razões científicas ou ideológicas que destacaram e reinterpre taram alguns aspectos em vez de outros e com diferentes ênfases Dessa maneira sob uma perspectiva estruturalista preocupada em não predeterminar o conteúdo das ideologias jurídicas desta case a autonomia relativa que preserva o direito em relação às estruturas sociais Edelman 1979 Também foi feita uma tentativa de seguir o caminho oposto recorrendose a análises empíricas concretas das relações entre os principais conceitos do pensa mento marxista a fim de minimizar sua imprecisão original como é o caso do conceito fundamental de classe Collins 1982 Além disso ao desviar o foco para o campo da teoria do direito buscouse formalizar o pensamento marxista a fim de formular uma teoria do direito público e privado que pressupondo que o único direito é o do Estado consegue mostrar de forma juridica mente articulada que o princípio da igualdade de direitos e deve res serve para ocultar uma economia de mercado apenas nas aparências igual para todos Pashukanis 1924 A função geral de manter a ordem social Cohen 1967 Kel lermann 1967 por outro lado inspirou uma pluralidade de modelos muito diferentes que oscilam entre uma ordem cons truída de maneira consciente pelos indivíduos e uma ordem produzida de modo involuntário por multidões de atores entre uma ordem correspondente a um equilíbrio social verdadeira Sociologia do DireitomioloP3indd 113 020822 1037 114 sociologia do direito mente definido e uma ordem instável cuja conquista seria garan tida pela possível coincidência entre o que é aplicável em termos legais e o que é sociologicamente sustentável Nesse contexto o direito pode ser visto como uma instituição consolidada que na estrutura social está destinada a absorver e canalizar con flitos que favorecem o status quo ou seja uma instituição des tinada a apoiar e promover mudanças suportáveis em termos sociológicos A ambiguidade do conceito de ordem social que reúne ne cessariamente as funções de estabilização e inovação não é su perada ao se definir o direito como um instrumento de controle social Por meio dessa definição podese de fato aludir à sua capacidade de manter a situação social existente ou provocar uma mudança nela ou ainda e esta é a visão mais pessimista podese enxergar na lei apenas o poder no seu aspecto negativo o que exige obediência e priva a vida social de possibilidades que de outro modo poderiam ser exploradas Nesse contexto vale lembrar o trabalho de Foucault que exerceu profunda influência no pensamento sociológicojurídico instigando uma reflexão frutífera do instrumento de controle visto como uma forma de disciplina exercida por meio do poder generalizado na socieda de e não apenas na prisão3 Em seu trabalho mais conhecido Foucault 1975 parte de uma análise dos efeitos desejados e indesejados da tortura atra vés da qual o corpo do condenado se torna símbolo da força e da opressão do soberano e portanto não constitui apenas um aviso sobre as consequências da insanidade da desobediência mas um sinal de revolta Em seguida ele passa a analisar historicamente 3 Sobre o assunto ver também Smart 1985 Strazzeri 1996 2007 Dandeker 1990 Rufino 1996 Sociologia do DireitomioloP3indd 114 020822 1037 algUmas convergências 115 a evolução da punição através de uma interpretação estrutural das técnicas utilizadas e observa pelo menos simbolicamente uma série de condições como a certeza da punição ou a preva lência da vantagem esperada pelo crime a fim de definir uma política criminal coerente Em um momento posterior Foucault aborda os dois tópicos relacionados à disciplina e à prisão vistos como maneiras de controlar os corpos dos condenados que po dem ser exemplificados através da estrutura do panóptico Esta estrutura permitiu ao preso observar sem ser visto ao mesmo tempo que experimentou a sensação de ser um objeto constante mente observado revelando que o controle sobre ele pode ser exercido de maneira completa e internalizado em seu dócil corpo A análise da dimensão simbólica e funcional do controle não exclui pelo contrário evidencia duas abordagens em princípio opostas a harmônica e a conflituosa na medida em que é possí vel reconhecêlas na prática e que dão origem a múltiplas indi cações funcionais que podem ser complementares entre si Karl Llewellyn 1940 representante autoritário do realismo america no enfatizou a expansão da área funcional do direito nas socie dades contemporâneas Entre as principais funções atribuídas ao direito moderno que atravessam a bipartição harmônicoconfli tante podem ser lembradas a função da resolução de conflitos que não se refere ape nas aos casos patológicos da vida do direito como crimes e outras ofensas mas também aos fenômenos fisiológicos de tensão entre o direito e a sociedade e portanto não en volve uma atitude de condenação e repressão em relação ao conflito mas de sua antecipação e canalização a função da regulação comportamental que consiste em estabelecer e manter o curso normal da vida de grupos subgrupos e outras formas de agregação social Sociologia do DireitomioloP3indd 115 020822 1037 116 sociologia do direito a função de legitimidade e organização do poder na socie dade que se sobrepõe pelo menos em parte às anteriores uma vez que a composição de um conflito pelo aparato coer citivo exige por sua vez uma autorregulação de sua inter venção por esse mesmo aparato a função de estruturação das condições de vida nos diver sos setores da sociedade que deve promover as atividades de grupo e determinar as diretrizes gerais voltadas para ela a função da administração da justiça dividida em dois setores se usada como uma interpretação teleológica pode ser adotada uma dogmática jurídica aberta às influências do conhecimento sociológico tendo em vista a conse cução de determinados objetivos ou uma ciência expe rimental do direito que consiste em corrigir o método interpretativo anterior através da possível substituição da queles propósitos que por vezes mostramse inviáveis Talcott Parsons oferece em sua obra uma maneira de reto mar muitas dessas indicações em uma perspectiva articulada que se tornou referência para vários autores que o sucederam Ele desenvolveu em alguns lugares o trabalho de Llewellyn e também se referiu a Max Weber ao elaborar um esquema funcio nal mais amplo que inclui os quatro principais prérequisitos funcionais de cada sistema social Para Parsons o direito é um instrumento de dominação projetado não apenas para estabilizar mas também para orientar e corrigir a vida social4 A função integrativa portanto recai precisamente sobre o direito mas de maneira mais geral para cada subsistema social capaz de exercer um controle que visa garantir o cumprimento forçado das ex pectativas atribuíveis às estruturas regulatórias compartilhadas 4 Parsons 1962 geralmente 1951 Em tom crítico ver Giasanti 1977 1985 Sociologia do DireitomioloP3indd 116 020822 1037 algUmas convergências 117 O esquema de Parsons também atribui a função de alcançar os objetivos em geral confiados a uma sociedade diferenciada à política pois ela visa preparar as perspectivas para o desenvolvi mento futuro de cada sociedade a função adaptativa é desempe nhada sobretudo pela economia uma vez que é especificamente orientada para a preparação dos métodos ideais de utilização dos recursos humanos e materiais disponíveis a função de manter o modelo latente é assumida pela cultura e por todos os processos de recepção e transmissão dos ativos cognitivos e de avaliação de uma sociedade que apesar de quaisquer mudanças historica mente intervenientes depende da preservação da identidade do sistema social como um todo É fácil perceber que essas diferentes macrofunções corres pondem a diversos sistemas sociais específicos direito política economia cultura mas não se afirma que cada um deles possui uma única função nem que uma função é atribuível a um único ordenamento Além disso nesse contexto a função do direito produzido pelo Estado não parece mais atribuível a um ordena mento que está no topo de uma escala de ordens para assumir os deveres de regulador supremo ou controlador dos controladores Em última análise o direito é comparável a um carro que pode ser dirigido de diferentes maneiras dependendo da potên cia do motor e das condições da estrada Se uma pessoa pressio nar o pedal do acelerador poderá alcançar a potência que lhe permitirá superar os obstáculos as lacunas as pedras e os bura cos que as normas jurídicas encontram no caminho traçado pelo programa regulatório a ser implementado Por outro lado se pressionar o freio utilizará o processo mais lento de aplicação da norma e descobrirá o tempo necessário para observar a estrada e se adaptar a ela mesmo alterando os caminhos regulatórios tra çados em princípio No primeiro caso o problema a ser resolvi Sociologia do DireitomioloP3indd 117 020822 1037 118 sociologia do direito do sobretudo utilizando a sanção para superar a resistência da sociedade é o da eficácia no segundo caso o problema a ser re solvido iniciando o processo de correção dos layouts regulató rios com base em roteiros irrealistas é o da evolução Nessa duplicidade de funções é possível reconhecer os dois níveis problemáticos pelos quais a sociologia do direito passa o de estabilização estritamente conectado à aplicação de estrutu ras jurídicas com o objetivo de mostrar que o direito se traduz em ações compatíveis com aquelas dos destinatários das normas problema da eficácia do direito e o de variação com o objetivo de mostrar que o direito altera conscientemente seu conteúdo em resposta às mudanças no ambiente social problema da evo lução do direito Em ambos os casos as culturas jurídicas apa recem como objeto de estudo de importância estratégica Elas coletam um conjunto de possibilidades de critérios de ação e ava liação que garantem uma grande reserva de estabilização e varia ção a ser transmitida à vida do direito Os dois capítulos a seguir serão dedicados às questões de efi cácia e evolução Eles enfatizarão que o pêndulo da função do direito na sociedade oscila entre conservação e mudança entre o problema da eficácia que ressalta o papel do controle do direito em um sentido predominantemente de frenagem em relação à sociedade e o problema da evolução que sublinha o papel da aceleração ou pelo menos de permitir que o direito em determi nadas circunstâncias seja solicitado a desempenhar certos pa péis em relação à sociedade Sociologia do DireitomioloP3indd 118 020822 1037 s e g u N d a Pa r t e PrObleMas Sociologia do DireitomioloP3indd 119 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 120 020822 1037 Diante da análise conceitual realizada no capítulo anterior parece que o único direito sociologicamente relevante é o direito efeti vo ou seja aquele cujo conteúdo normativo encontra correspon dência na realidade através de uma ampla aceitação apoiada por culturas jurídicas sobretudo externas cujo suporte é adequado aos aparelhos guiados por culturas jurídicas predominantemen te internas Isso significa que o direito totalmente ineficaz ao não ser aplicado na prática permanecerá registrado no papel e não terá do ponto de vista empírico nenhuma influência sobre o com portamento das pessoas Tal direito seria comparável às ordens que segundo o relato de Manzoni as autoridades competentes mandaram publicar e executar nas paredes de Milão quando uma praga tomou a cidade embora fosse fácil prever dada a situação que ninguém daria atenção a elas No entanto uma não aplicação generalizada mesmo que não produza um direito efetivo não é irrelevante para o sociólogo do direito que pode tentar identificar em relação a quais conteúdos normativos específicos e em quais condições existe um desejo generalizado de ignorar o direito escrito Em uma investigação mais detalhada essa atitude se consciente e manifesta fere o di c a p Í t U l o 4 o problema da eFicácia Sociologia do DireitomioloP3indd 121 020822 1037 122 sociologia do direito reito mais do que uma recusa à obediência o ladrão em fuga admite pelo menos implicitamente a existência da norma viola da já aquele que se comporta como se a norma não existisse es taria negando explicitamente a existência dela Mas o direito eficaz realmente pode coincidir com o direito como um todo De modo paradoxal podese dizer que a hipóte se de um direito que é constantemente e sem exceção aplicado parece ainda menos interessante para o sociólogo do direito do que aquele que não é aplicado Imaginemos uma sociedade em que os comportamentos das pessoas sejam naturalmente harmo niosos em que elas evitem ações que possam prejudicar terceiros e busquem seus próprios interesses de maneira pacífica adotan do constantemente soluções que também são aceitáveis para os outros Em tal sociedade que estaria livre de conflitos e tribu nais de vítimas e infratores o direito se tornaria completamente supérfluo e em seu lugar uma moral ou pelo menos um costu me compartilhado seria imposta Portanto resta determinar o que se entende por direito eficaz e de que modo ele é relevante para a sociedade Em geral a relevância do direito que se mostra eficaz para a sociedade pode ser expressa de várias maneiras Afirmase que o direito está ligado à sociedade ou que reflete a sociedade ou ainda que é o espelho da sociedade A ideia de que o direito está ligado à sociedade limitase a hipotetizar uma relação entre os dois de modo que a mudança em um implica necessariamente a mudança no outro a ideia de que o direito reflete a sociedade pressupõe que tal mudança mesmo com possíveis distorções implica alguma semelhança entre os dois a ideia de que o direito é espelho da sociedade pressupõe uma identidade total entre os dois É evidente portanto que apenas neste último caso o direito poderia desaparecer ou ser absorvido pela sociedade o que suge Sociologia do DireitomioloP3indd 122 020822 1037 o problema da eFicácia 123 re uma imagem tão fiel que ele não mais teria rosto nem identi dade própria Na verdade o direito como o conhecemos busca dar uma orientação à sociedade de alguma maneira não se preocupa apenas em descrevêla Portanto está destinado a enfrentar inevitavelmente alguma forma de resistência por parte dela Rostek 1971 O sociólogo do direito enfrenta dia a dia um di reito que não é totalmente ineficaz nem eficaz que não é total mente invisível nem desnecessário e ao abordar o problema fundamental da eficácia ele não será muito questionado sobre como garantir o cumprimento de todos os comportamentos de acordo com estruturas regulatórias mas sim sobre como neu tralizar os efeitos nocivos à coesão social das inevitáveis viola ções das normas jurídicas BoruckaArctowa 1975 Ziegert 1975 Friedman 1975 Devese acrescentar que a eficácia parcial ou a ineficácia do direito podem ser verificadas tanto do ponto de vista macrosso ciológico e neste caso serão levadas em consideração as diferen tes formas de organização da sociedade e de controle da eficácia ou ineficácia utilizadas por determinado ordenamento quanto do ponto de vista microssociológico e neste caso será realizada uma tentativa de averiguar os níveis de observância de determi nadas normas e as possíveis reações que sua violação é capaz de provocar na prática dos tribunais e no comportamento de seus destinatários Em particular levando em consideração os objetivos podem ser identificadas divergências dentro das orientações do legislador não apenas de natureza instrumental mas também de natureza puramente simbólica ou seja buscase mostrar sensibilidade para determinada questão sem pretender resolvêla por exemplo no caso das chamadas leis manifestas que têm como finalidade Sociologia do DireitomioloP3indd 123 020822 1037 124 sociologia do direito manifestar uma vontade operacional de intervir em vez de al cançar de modo efetivo certos resultados Levando em conside ração as variáveis relativas às orientações dos usuários é possível estabelecer em que medida eles podem sustentar mesmo que in consistentemente a eficácia da norma por exemplo podese dizer que a legislação que proíbe fumar em locais públicos é respeita da mas muitos ignoram o risco do ato de fumar em suas casas ou em outros lugares não públicos Por fim levando em conta as variáveis do contexto é possível verificar se uma norma é apli cada com sucesso em relação aos objetivos declarados e se pode produzir consequências imprevistas em outros sistemas por exemplo no sistema econômico causando custos excessivos Isso deve aconselhar em uma perspectiva de engenharia social pelo menos a correção de uma lei desse tipo Podgorecki Alexander Shields 1996 Nos parágrafos que se seguem será feita uma abordagem que se baseia nos princípios do realismo jurídico ou seja na quela escolha metódica radical que ao contrário do positivismo jurídico busca focar o direito eficaz evitando os fatores que po dem distorcer o conhecimento da realidade empírica do direito Essa abordagem parece benéfica em termos educativos pois é capaz de fornecer um núcleo de referência essencial que poste riormente pode ser enriquecido e complementado com outras variáveis 41 Ordem social e ordem jurídica A primeira questão que pode ser tratada ao abordar o pro blema da eficácia em um nível macrossociológico diz respeito à identificação das conexões entre certos tipos de normas jurídi cas e determinados tipos de organizações sociais Sociologia do DireitomioloP3indd 124 020822 1037 o problema da eFicácia 125 O problema foi explicitamente abordado por Émile Durkheim 1893 que continua a ser referência obrigatória para a reflexão sociológicojurídica Ele observa que o pressuposto da ordem so cial e portanto da efetividade das normas jurídicas constitui um nível adequado de solidariedade social Esta não permane ce apesar de seu caráter imaterial em um estado de pura poten cialidade mas se manifesta por efeitos sensíveis relevantes para um sociólogo interessado em substituir o fato interno que nos ilude pelo fato externo que a simboliza Obviamente a solida riedade do ponto de vista pluralista não se baseia apenas no direito mas em vários outros sistemas regulatórios a começar pelos costumes É improvável no entanto que estes estabeleçam uma ordem alternativa ao direito já que normalmente não se opõem ao direito e de fato formam a base Para definir as diversas formas de solidariedade social e o direito que elas manifestam uma referência fundamental é a san ção Se por preceito jurídico se entende de fato uma regra de conduta sujeita a sanção devese também afirmar que as san ções mudam de acordo com a importância dos preceitos o lugar que ocupam na consciência pública e o papel que desempenham na sociedade Portanto é possível classificar as normas jurídicas de acordo com as diferentes sanções a elas relacionadas Para Durkheim as sanções podem ser de dois tipos O pri meiro diz respeito ao direito penal que costuma impor sanções que envolvem dor ou pelo menos uma privação infligida ao agente têm o objetivo de atacálo em sua fortuna em sua honra em sua vida ou em sua liberdade para priválo de algo de que gosta por esses motivos chamadas de sanções repressivas O segundo tipo concerne ao direito civil ao direito comercial ao direito processual ao direito administrativo e ao direito consti tucional e não impõe necessariamente sofrimento para o agente Sociologia do DireitomioloP3indd 125 020822 1037 126 sociologia do direito consistindo apenas em uma reparação ou seja no restabeleci mento de relações perturbadas à sua forma normal1 Esses dois tipos de penalidades podem prevalecer nos orde namentos jurídicos de acordo com o tipo de solidariedade que caracteriza determinada sociedade A solidariedade que por si só seria invisível é então identificada através da sanção visível que caracteriza o direito de certa sociedade Durkheim correla ciona a prevalência do primeiro tipo de direito e sanção a uma solidariedade mecânica baseada na semelhança entre indiví duos Essa solidariedade atinge seu nível máximo quando a consciência coletiva coincide ponto a ponto com a nossa cons ciência total ou seja quando a personalidade individual é ab sorvida pela personalidade coletiva com a replicação de sentimentos semelhantes e homogêneos Segundo Durkheim a prevalência do segundo tipo de direito corresponde a uma soli dariedade orgânica baseada em uma estrutura diferenciada da sociedade na qual diferentes órgãos são autônomos cada um com sua própria função específica Deparamos aqui com duas tendências que conduzem a for mas totalmente diferentes de coesão social e de fortalecimento da eficácia do direito formas potencialmente antitéticas uma centrípeta e outra centrífuga que por esse motivo não podem expandirse de modo simultâneo apenas subtrair espaço uma da outra De fato não podemos ao mesmo tempo caminhar em duas direções opostas portanto não podemos ao mesmo tempo ser individualistas e pensar e agir como os outros também não podemos ser conformistas e ter inclinação para o pensamento e a ação pessoais nem podemos tentar passar uma imagem única 1 Sobre o conceito de direito em Durkheim ver Marra 1986 e Toscano 1975 Sobre a influência do pensamento de Durkheim sobre os precursores da sociolo gia do direito ver Petrucci 1984 e Villas Bôas Filho 2019 Sociologia do DireitomioloP3indd 126 020822 1037 o problema da eFicácia 127 e querer parecer com todos ibid p 122 Nesses casos o tipo de sanção que o direito prevê para eventuais desvios pode carac terizar as formas predominantes de solidariedade social e por tanto de toda a sociedade Uma conexão análoga entre diferentes tipos de sociedades e diferentes relações entre indivíduos e entre estes e a forma como a eficácia das normas jurídicas é assegurada é proposta pela dico tomia delineada por Tönnies 1887 que contrapõe a comunida de Gemeinschaft à sociedade Gesellschaft O autor aponta a alternativa entre duas maneiras diferentes e opostas de compreen der as relações sociais Na comunidade ao assumir as implica ções do conceito romântico de espírito do povo ele observa o condicionamento da ação dos membros do grupo a uma vonta de comum que constitui o princípio da unidade da vida e é elevada acima dos instintos sociais para determinar e susten tar toda a civilização de um povo pp 123 ss Na sociedade por outro lado a ação dos membros do grupo parece determina da por uma vontade que pode ser definida como arbitrária na medida em que se baseia no intelecto frio Para ilustrar o contraste entre esses dois tipos de vontades Tönnies escreve que o primeiro derivaria dos impulsos quentes do coração e o segundo do intelecto frio ibid p 212 Do pon to de vista sociológico tanto o modelo de comunidade entendido como vida real e orgânica quanto aquele entendido como forma ção ideal e mecânica caracterizamse por diversos elementos es truturais que se relacionam com as formas de organização dos grupos sociais e portanto com seus respectivos direitos o mode lo comunitário é caracterizado pelo direito de família enquanto o modelo de sociedade se caracteriza pelo direito das obrigações Com base nessa oposição a coesão social é comparada reto mando as razões de tradição orgânica àquela coesão presente Sociologia do DireitomioloP3indd 127 020822 1037 128 sociologia do direito em um organismo vivo no qual as partes colaboram para a so brevivência do todo recorrendo às razões da tradição contratual é comparada àquela realizada por um contrato no qual as partes reúnem livremente suas vontades individuais O termo comu nidade coincide portanto com a prioridade do grupo sobre o indivíduo organicismo enquanto o termo sociedade coincide com a prioridade do indivíduo sobre o grupo contratualismo A comunidade portanto é uma condição e prérequisito da sociedade que esta não pode apagar historicamente destinada a sobreviver nela Isso significa que as formas relacionais primiti vas de caráter comunitário persistem ao longo da história e são simplesmente resguardadas pelas formas mais sofisticadas e su perficiais da sociedade que empurram as primeiras para cama das mais profundas da consciência coletiva Portanto não desaparecem mas permanecem vitais mesmo que ocultas nas dobras de formas associativas mais evoluídas ou nas profunde zas da memória de um povo Assim os muitos processos de mar ginalização ou inclusão presentes na sociedade atual como aquele que se denomina de oposição entre o grupo a que as pes soas pertencem ingroup e o grupo dos outros outgroup po dem ser vistos como um mecanismo coletivo de construção do ego que parece ter raízes em um conceito tribal não completa mente removido pelos atores sociais das sociedades avançadas Ambas as dicotomias a de Tönnies entre Gemeinschaft e Gesellschaft e a de Durkheim entre solidariedade mecânica e so lidariedade orgânica são retomadas por Theodor Geiger 1964 que em meados do século XX através do filtro de uma aborda gem metodológica diretamente inspirada no realismo da Escola Uppsala2 faz uma revisão delas Ele tenta distinguir com a ajuda 2 Sobre o realismo jurídico escandinavo ver Castignone 1974 e Pattaro 1975 Em particular Geiger 1946 1952 compartilha o compromisso da Escola de Upp Sociologia do DireitomioloP3indd 128 020822 1037 o problema da eFicácia 129 de indicadores empíricos os ordenamentos sociais nos quais a coordenação é produzida por meio de uma adaptação recíproca e espontânea dos indivíduos daqueles que comparados aos ante riores são ditos artificiais já que a composição harmônica dos comportamentos é guiada por normas específicas No primeiro caso existe uma ordem natural cujo fundamen to não é um ato de vontade mas uma conexão íntima e necessária entre o indivíduo e a sociedade A existência dessa ordem é justi ficada com base no postulado de que a sociedade reduzida ao seu conteúdo mais simples envolve uma dependência mútua entre os indivíduos e que uma forma existencial de estar junto aos ou tros é parte integrante do mesmo conceito de ser humano Esse tipo fundamental de ordem social está concentrado em torno de três aspectos da relação ego alter Esses aspectos minimamente controláveis por meio da vontade ou arbitrarieda de individual são uma independência social na qual prevalece um sentimento instintivo de coesão baseado na necessidade de cada indivíduo de sobreviver e realizar sua existência física e psí quica juntamente com os outros e com a ajuda dos outros uma interrelação vital na qual com base em uma empatia em relação ao outro um se comporta como se o outro tivesse uma vida inte rior igual à dele e considera portanto que é possível interpretar e compreender ou acreditar que compreende as atitudes do ou tro da mesma forma que o outro é capaz de compreender e inter pretar as suas atitudes uma interrelação conjuntural na qual predomina a praticidade de adaptação ao comportamento alheio a partir de suposições intuitivas sobre as suas possíveis reações sala de desmistificar todas as ideologias não apenas as jurídicas Para Geiger 1970 pp 557 ss no entanto a crítica das superestruturas verbais que ocultam os fatos em vez de descrevêlos não exclui como se verá o reconhecimento da im portância das raízes psicológicas da observância e eficácia das normas Sociologia do DireitomioloP3indd 129 020822 1037 130 sociologia do direito Esses diversos aspectos das relações entre pessoas embora en volvam diferentes graus de consciência podem ser guiados pelo indivíduo de maneira predominantemente instintiva e portan to não envolvem um controle totalmente racional das comple xas cadeias de ações e reações sociais que estão relacionadas a cada comportamento O segundo conceito de ordem surge quando se passa do nível de interdependência Interdependenz ao nível de coordenação Koordination dos comportamentos sociais tipificados de acor do com os seus respectivos papéis Esse segundo tipo de ordem que pode ser diferenciado do anterior a partir do termo geral de ordenamento é necessário para que o indivíduo possa prever com certa segurança como os outros se comportarão em situa ções típicas e muitas vezes recorrentes de acordo com Geiger 1964 p 41 A reconstrução que este autor faz da formação da ordem social está portanto centrada no contraste entre uma so ciedade baseada na simples interdependência das diversas ações e outra baseada na coordenação de diferentes papéis Além dessa distinção entre os dois modelos de ordem so cial separáveis apenas no abstrato na sua pureza mas concre tamente combinados de formas variadas Geiger propõe outra distinção fundamental já anunciada por Weber aquela entre a regularidade de comportamento meramente iterativo Regelhaf tigkeiten e a do comportamento normativo Regelmässigkeiten em que os comportamentos seguindo as normas exigem inter venções corretivas ou sancionatórias em caso de infrações e também obrigam para o futuro Essa distinção é de central im portância para um estudo bem fundamentado das normas como o de Geiger na observação das regularidades do comportamento e de sua sancionalidade Sociologia do DireitomioloP3indd 130 020822 1037 o problema da eFicácia 131 NORMA Verbal Subsistente Proclamativa Declarativa Latente Atual Figura 3 Distinção das normas As outras distinções que Geiger propõe relativas ao conceito de norma aparecem resumidas na Figura 3 que mostra como a partir de ampla distinção entre normas verbais e subsisten tes ou seja entre normas formuladas verbalmente e normas apenas de fato observadas existem outras distinções As nor mas verbais podem ser proclamativas ou declarativas o que depende de levarem ou não em conta normas ou mudanças pree xistentes As normas subsistentes por sua vez podem ser la tentes ou atuais o que depende de sua sancionabilidade ainda não ter sido violada ou de já terem sido demonstradas através de violações sancionadas ibid p 85 Esta última distinção é de par ticular importância na medida em que deixa claro que a san ção para Geiger é um conceito que como o de flexibilidade pode ser chamado de disposicional da mesma forma que a elas ticidade de um corpo não pode ser estabelecida caso não esteja sujeita a tração não se pode dizer que uma regularidade possui ou não caráter normativo caso não tenha sido violada pois so mente nesse caso pode ser verificado que a violação resultou em uma sanção eficaz Sociologia do DireitomioloP3indd 131 020822 1037 132 sociologia do direito 42 Norma e sanção Fiel aos pressupostos do realismo Geiger absorve a validade formal Gültigkeit e a obrigatoriedade efetiva Verbindlichkeit e passa a submetêlas ao mesmo indicador o da sanção Em suma a sanção visível em suas diversas formas de aplicação é o prin cipal indicador da existência de normas na mente dos homens e de sua eficácia A partir dessa premissa Geiger desenvolve em torno dos conceitos de sanção e eficácia uma construção forma lizada que busca representar em bases estritamente comporta mentais as diferentes etapas da formação de sistemas sociais e jurídicos Ele utiliza símbolos e letras para indicar relações su cintas linguagem certamente não usual em uma obra sociológi cojurídica mas o seu uso pode ser justificado por pelo menos duas boas razões dessa forma o leitor pode compreender me lhor a linearidade do raciocínio e todos os elementos utilizados podem ser tratados com maior neutralidade São estes os principais símbolos e letras usados por Geiger Σ Grupo social integrado Α Destinatário de uma norma uma pluralidade de destina tários é representada por AA Β Beneficiário de uma norma uma pluralidade de benefi ciários é representada por BB Η Ator que age sem ser diretamente destinatário de qual quer norma uma pluralidade de atores é representada por HH Αd Destinatário desviante que tendo violado uma norma expõese à consequente reação a essa atitude Μ Associação única do integrado social Σ uma pluralidade de associados é representada por MM Ω Opinião pública entendida como um conjunto poten Sociologia do DireitomioloP3indd 132 020822 1037 o problema da eFicácia 133 cial de membros do grupo social Σ que reage à violação de uma norma s Situação tipicamente recorrente no grupo social inte grado Σ c Comportamento regular adotado por membros do gru po em determinada situação s c Comportamento diferente do comportamento regular c ou comportamento desviante r Reação à violação de uma norma v Estigma de obrigação de uma norma Δ Juiz ou instância jurisdicional chamado a responder em caso de violação de uma norma institucionalizada Θ Legislador П Órgão que exerce o poder central em Σ Símbolo de desigualdade Símbolo de igualdade Símbolo que indica a ausência ou a irrelevante presença de um dos papéis indicados antes por exemplo no lu gar de B sugere que a norma não possui beneficiários diretos Nessa simbologia utilizada por Geiger podese dizer que cada ordenamento social repousa no fato de que em determina do grupo integrado Σ existe uma relação estável ou pelo menos estatisticamente provável entre certas situações típicas s e deter minados modos típicos de comportamento c Essa conexão na qual todas as formas de coordenação social se baseiam é expres sa por Geiger através da fórmula s c em que a seta indica que em uma situação s normalmente existe c ou por meio da fórmu la s c que indica uma situação s em que existe c ou seja um comportamento diferente daquele predominante em termos es tatísticos ibid p 96 Sociologia do DireitomioloP3indd 133 020822 1037 134 sociologia do direito O complexo entrelaçamento de expectativas sociais gira em torno de esquemas como s c ou s c Esses padrões servem ao ator numa perspectiva sobretudo operacional como modelo para seus comportamentos e para o espectador numa perspec tiva principalmente cognitiva como ferramentas para prever possíveis comportamentos do ator Obviamente para que o processo de coordenação seja concluí do o ator segundo Geiger deverá levar em conta as expectativas dos observadores e suas possíveis reações Podese portanto di zer que em cada grupo integrado qualquer associado M direcio nará suas ações para as reações esperadas dos outros associados M1 M2 Mn Seria no entanto simples demais pressupor que o comporta mento de M pode ser guiado pelo princípio da mera formalidade em relação ao comportamento de outros associados MM Em ge ral e ainda mais em uma sociedade diferenciada o princípio norteador da coordenação social será de fato o da compatibili dade e da coerência dos comportamentos em relação aos papéis individuais exercidos de tempos em tempos Em outras palavras certo membro do grupo Σ não esperará de todos os outros membros um comportamento idêntico ao dele na mesma situação mas poderá pressupor comportamentos diferentes nos quais os papéis de M1 M2 Mn serão diferentes Por exemplo se determinado membro M1 assume em Σ um papel diferente de M2 então mesmo em uma situação idêntica s serão permitidos comportamentos diferentes e portanto caberá a ex pressão c M1 c M2 Esse princípio de conformidade de comportamentos em re lação a funções e situações provoca duas consequências na cons trução de Geiger Em primeiro lugar os elementos que se tornam parte da situação s entendida em sentido amplo abarcam não tanto aspectos relacionados às circunstâncias externas e aos as Sociologia do DireitomioloP3indd 134 020822 1037 o problema da eFicácia 135 pectos puramente físicos mas sobretudo relativos à posição so cial dos diferentes sujeitos ibid p 112 Em segundo lugar podese distinguir dois componentes no próprio ordenamento social ao lado de uma ordem de ação que determina os diversos comportamentos em diferentes situa ções há uma ordem estrutural que estabelece os critérios de atribuição dos diversos papéis e posições sociais e indica os com portamentos típicos a eles associados Com base nesse ordena mento modelos comportamentais particulares são atribuídos aos membros de certos subgrupos dentro de Σ ibid p 48 Geiger propõe portanto usar a fórmula simples s c ape nas para indicar que de certa maneira existe uma correlação estatisticamente fundada para a qual dado s temse c Sugere em vez disso utilizar a fórmula s cv caracterizada pela adi ção do estigma de obrigatoriedade v que significa vinculação para indicar que a conexão entre parênteses possui não apenas uma base estatística mas também uma base normativa tanto para os destinatários AA quanto para eventuais beneficiários BB Mais precisamente de acordo com Geiger todas as normas sociais podem ser rastreadas até a fórmula s c v AA BB Por essa fórmula a conexão entre determinada situação s e certo comportamento c será obrigatória vinculante se os desti natários da norma AA se comportarem do modo esperado em relação aos beneficiários BB Assim se AA indica a pluralidade de destinatários da norma e BB a pluralidade de seus beneficiá rios o sinal de fração que separa esses símbolos indica que a variável designada pelo símbolo AA atua diretamente sobre a va riável designada pelo símbolo BB Sociologia do DireitomioloP3indd 135 020822 1037 136 sociologia do direito Em suma em cada padrão quatro elementos fundamentais podem ser distinguidos pelo menos em princípio 1 o núcleo s c 2 o estigma da obrigatoriedade v 3 os destinatários AA 4 os eventuais beneficiários BB Se então como é o caso da norma elementar Os ciclistas AA são obrigados v após o anoitecer s a ligar os faróis c não há beneficiário explicitamente indicado a fórmula aplicável é s c v A Desse modo tendo estabelecido a definição de obrigatorieda de v de um ponto de vista formal o problema é encontrar indi cadores de v que sejam empiricamente observáveis Geiger parte de duas observações preliminares em primeiro lugar a atribui ção de um caráter obrigatório a um padrão de comportamento s c só faz sentido se para AA for possível além de c um com portamento diferente que pode ser representado na simbologia de Geiger como c Em segundo lugar a natureza obrigatória de s c não pressupõe necessariamente um comportamento uni forme de todos os destinatários Se em geral a maioria dos AA realizar o núcleo s c em suas ações enquanto outros agem de forma diferente de acordo com o esquema s c não seria ne cessário não considerar s c obrigatório Na verdade seria um verdadeiro absurdo considerar que tal esquema é obrigatório ou vinculativo apenas para os AA que o seguem ibid p 104 pois nesse caso a possibilidade de um desvio seria excluída À luz dessas premissas podese argumentar que o conceito de regra não apenas admite mas necessariamente implica o con Sociologia do DireitomioloP3indd 136 020822 1037 o problema da eFicácia 137 ceito de desvio De acordo com Geiger para identificar a natureza vinculativa da correlação s c entre uma situação s e um com portamento c s c é necessário observar o que acontece diante de um comportamento diferente c por parte de um des tinatário A ou mais precisamente por um Ad em que d signi fica desviante Se o comportamento desviante c for adotado como reação dos membros de Σ ou pela opinião pública Ω essa reação será suficiente para considerar s c obrigatório ou vin culante recebendo o estigma v se por outro lado essa reação não ocorrer isso será suficiente para considerar s c não obrigató rio não vinculativo do ponto de vista sociológico Traduzindo essas correlações para a simbologia de Geiger temse a fórmula s c v AA s c v Ad r Ω Ad Em outras palavras dado que em determinada situação s deve ser adotado um comportamento c obrigatório por parte dos destinatários AA em relação aos beneficiários não identificáveis é possível presumir que na mesma situação s o comportamento não compatível com c seja adotado por um destinatário desvian te Ad em relação aos beneficiários não identificáveis e em um momento posterior o comportamento será seguido por uma reação da opinião pública Ω em relação a Ad Isso significa que o estigma de obrigação v não deve ser necessariamente realizado de modo obediente pelos destinatários AA mas pela reação do grupo à possível desobediência de AA A norma portanto não é obrigatória porque seus destina tários atribuem a ela em suas representações a qualificação de obrigatória e portanto adaptamse a ela mas sim porque es tão efetivamente sujeitas à alternativa realização ou reação Em suma é essa alternativa e não as razões subjetivas que na Sociologia do DireitomioloP3indd 137 020822 1037 138 sociologia do direito verdade pode trazer um elemento sociologicamente decisivo para estabelecer de modo empiricamente verificável o caráter obriga tório da norma A validade sociológica da correlação s c pode ser expressa pela seguinte disjunção ou o destinatário A realiza c em uma si tuação s ou ele se torna Ad destinatário desviante executando c e neste caso estará sujeito à reação r da opinião pública Ω Na simbologia de Geiger v s c A c Ad r Ω Ad ou mais brevemente v s c em que significa o o c r O resultado alcançado seguindo a lógica de Geiger permite que o conceito de obrigatoriedade seja apurado a partir de ele mentos metafísicos e ideológicos incompatíveis com uma pers pectiva realista Dessa forma o autor consegue recuperar aquele conteúdo real não apenas empiricamente observável mas em princípio quantificável que ao tornar obrigatórias puníveis as normas não apenas as categoriza como obrigatórias ou não obri gatórias mas como obrigatórias em maior ou menor grau Se a obrigatoriedade é entendida como a probabilidade de que determinada pessoa em certa situação estabelecida pela norma adotará determinado comportamento caso contrário es tará sujeita à reação do público fica prefigurada a eventualidade de que em determinado número de casos o descumprimento da Sociologia do DireitomioloP3indd 138 020822 1037 o problema da eFicácia 139 norma não é acompanhado por nenhuma reação da opinião pú blica devido à interferência de diversos fatores como o desco nhecimento da infração da parte de A a indisponibilidade de A a impossibilidade temporária de exercer r e outros Em geral a fórmula que expressa a possibilidade da natureza obrigatória da norma é v e s que expressa a relação entre o número de casos em que a norma é eficaz e e o número total de casos s em que se deve ter c Ob viamente o caso é mal julgado do ponto de vista da obrigação quando e s e portanto v 1 isso também tornaria a norma desprovida do indicador de reação Essas e outras observações formais têm reduzida relevância sociológica a menos que também se estabeleçam quais variáveis sociais determinam os índices de eficácia ou ineficácia das normas e portanto o seu grau de obrigatoriedade Geiger observa que a medida de v é função de duas variáveis relacionadas por um lado a relevância de c para a vida de Σ por outro a atenção dada pela opinião pública Ω à manutenção dos modelos s c Isso significa que quanto mais independentes de Σ forem os associados indivi duais de MM mais facilmente eles poderão assumir uma posição autônoma em relação a Σ e a manutenção da obrigatoriedade das regras tornase ainda mais incerta ibid p 95 Quanto à variável Ω Geiger observa que a reação r nem sem pre equivale à implementação coercitiva de c mas pode ter como objetivo simplesmente infligir um dano ao desviante Ad repre sália ou desempenhar uma simples função preventiva influen ciando o comportamento concreto dos destinatários AA apenas por meio da ameaça de sanções ou ainda pode operar sem re Sociologia do DireitomioloP3indd 139 020822 1037 140 sociologia do direito correr a tal ameaça mas apenas com o auxílio de uma série de razões colaterais de dissuasão como o pensamento de que um B interessado em s c será capaz de retaliar em uma ocasião pos terior e outros No que diz respeito à composição da opinião pública Ω Geiger observa que nas sociedades primitivas em princípio ela é composta de todos os MMΣ exceto é claro aqueles contra os quais é exercida de tempos em tempos No entanto este é sim plesmente um dos casos possíveis pois também pode incluir apenas determinada área de MMΣ ou pode reservar ao benefi ciário B uma posição específica de controle da norma violada ou ainda e este é o caso evolutivamente mais rico em consequências pode estar sujeito como veremos a um processo de instituciona lização centralizado em uma instância específica destinada ao exercício profissional da reação social ibid p 96 Devese notar também que a disposição de cada associado M de reagir ao comportamento desviante pode mudar quando em vez do papel de Ω ele assume o papel de destinatário da norma Portanto é possível supor que certo M considere um mesmo comportamento lícito se praticado por ele próprio ou repreensí vel se adotado por outros dupla moral Mesmo nesses casos de conflito de papéis no entanto o ponto de referência decisivo para a atribuição de validade não será a atitude do indivíduo A mas a reação real de Ω Se for estabelecido que os associados ou pelo menos parte deles também são beneficiários BB do comporta mento esperado e se reconectar com a implementação de c um significado vital para qualquer possível omissão de c por parte de Ad não provocará apenas surpresa ou decepção mas também indignação e questionamento por parte dos vários BB Tais rea ções por sua vez encontrarão confirmação e apoio na atitude dos demais associados não diretamente envolvidos e diferentes de B ou seja MM e seu apoio a B resultará pelo menos de modo im Sociologia do DireitomioloP3indd 140 020822 1037 o problema da eFicácia 141 plícito na aprovação de s c Isso deveria ter sido feito Essa é segundo Geiger a forma original pela qual o estigma da obriga toriedade se manifesta enquanto a regra social é transformada na norma s cv O uso tornase assim uma norma subsistente uma espécie de costume e não ocorrerá apenas o desvio de uma regularidade empírica factual mas também a violação de uma re gularidade obrigatória exigida pela sociedade O costume em suma é uma norma criada dentro de um gru po através de um procedimento amplo e não controlado não con duzido por órgãos centrais e sua existência como a das demais normas se manifesta apenas no caso de uma violação ao compor tamento esperado Um nível mais elevado de eficácia é obtido com a transição do costume para a norma estabelecida o que en volve inovações fundamentais na estrutura dos ordenamentos normativos no que diz respeito a pelo menos três aspectos enquanto a norma consuetudinária não tem início nem autor definido a norma estabelecida tem origem que pode ser datada com precisão e é atribuível a um ato humano específico enquanto a norma consuetudinária tem uma relação re troativa com o tempo o que foi feito ontem também deve ser feito hoje a norma estabelecida inversamente guar da uma relação prospectiva com o tempo amanhã e o fu turo serão feitos como foi estabelecido hoje enquanto a norma consuetudinária pertence à esfera da vida irrefletida e da espontaneidade a norma estabelecida é sem pre a expressão de reflexões teleológicas da instância que a promulga e portanto pertence à esfera da decisão Essas inovações exigem como principal condição prévia por tanto a capacidade dos membros Σ de conceber uma representa Sociologia do DireitomioloP3indd 141 020822 1037 142 sociologia do direito ção abstrata da norma que supere a mera ideia da iteração de comportamentos já implementados outros também fazem isso e passe a considerar as normas como pretensões formula das em termos gerais por meio de um estatuto criado por um poder central capaz de institucionalizar quaisquer sanções 43 A institucionalização das sanções A reconstrução das fases pelas quais o processo de estabele cimento de sanções se manifesta é uma oportunidade interes sante para Geiger esclarecer a partir de seu próprio simbolismo as relações entre a diferenciação interna da sociedade e a estrutura do sistema jurídico O autor distingue várias etapas no processo de institucionalização de sanções A primeira é caracterizada pela reduzida diferenciação social e pela natureza generalizada das normas individuais que tendem a atingir de maneira indiscri minada todos os membros MM da integração social sem isolar nenhum grupo específico de beneficiários A segunda etapa ca racterizase por um maior grau de diferenciação social e portan to por uma maior especificidade das normas que se dirigem a determinados destinatários e favorecem certos grupos Tratase de uma importante transformação da sanção que de coletiva ou seja exercida por todos os membros de Σ tornase pessoal exercida diretamente pelos beneficiários BB que se decepcio nam com suas expectativas Portanto não há mais r MM Ad mas sim r B Ad Sociologia do DireitomioloP3indd 142 020822 1037 o problema da eFicácia 143 No entanto para que qualquer membro do grupo Σ possa ter influência direta sobre outro membro do mesmo estrato social duas condições devem ser atendidas é preciso que Ad possa rea gir diretamente em relação a B quando este violar uma norma lei de retaliação a comunidade deve se abster de reagir ao bene ficiário B que exerce diretamente a reação reação coletiva nega tiva Na terceira fase a reação volta a ser exercida por M contra o indivíduo A mas não mais em defesa dos interesses gerais po rém de interesses particulares afetados pela violação de normas específicas Dado que os destinatários e beneficiários de uma norma são menos numerosos do que os demais associados AA MM BB MM a reação de Ω apoiará de tempos em tempos os interesses de certos grupos da sociedade diferenciada Σ em rela ção a outros grupos reação coletiva específica Somente na quarta fase ocorre a reação institucionalizada através da criação de um órgão especial Δ Nesse ponto devese deixar claro que se a disponibilidade de reação pelas diversas instâncias mencionadas constitui um componente constituinte da obrigatoriedade das normas o fato de parte de uma dessas instâncias não exercer a sanção pode por sua vez provocar uma reação da comunidade contra essa instância pela omissão Podese dizer que essa reação que se distingue da anterior é de segundo grau pois produz o efeito de restaurar a natureza obrigatória de uma norma de primeiro grau de outra forma comprometida e portanto envolve uma expansão significativa do conceito de va lidade É o caso por exemplo de uma norma pela qual a reação institucionalizada obrigatória de Δ depende da ocorrência de uma das três seguintes hipóteses relacionadas à norma que rege o que fazer na situação s existir como esperado o comporta mento c do destinatário A não existir o comportamento c por parte do desviante Ad seguindose uma reação da instância ju Sociologia do DireitomioloP3indd 143 020822 1037 144 sociologia do direito diciária Δ contra o desviante Ad existir o comportamento não compatível c por parte do desviante Ad não se seguindo uma reação r da parte da instância judiciária Δ ocorrendo portanto uma reação geral de Ω contra a instância judicial que mostrará que a sociedade não aceita a não aplicação da norma por parte de Δ ibid p 149 Esquematicamente essas três hipóteses podem ser assim ex pressas c A c Ad r Δ Ad v s c Ad r Δ Ad Ω Δ Dessa forma Geiger consegue mostrar que qualquer norma de comportamento de primeiro grau implica uma norma de segundo grau que prevê uma sanção para aqueles que não conse guem reagir contra um eventual transgressor a uma regra de primeiro grau A interligação entre esses dois níveis de normas e a reação final de Ω pode ser assim resumida uma norma vinculante resul ta em caso de desvio em uma reação por parte da instância Δ ou se isso não acontecer haverá uma reação pública em relação a Δ ibid pp 150 ss Em suma a decisão constitui o culminar de um processo histórico que evidencia estágios bastante avançados da consoli dação do direito e representa um dos elementos mais importantes que marca a transição das sociedades arcaicas para as civilizadas A decisão tem sua origem no âmbito do direito e aparece nos sis temas sociais de natureza extrajudicial apenas como resultado do processo de replicação da lei Com a sua introdução a abor Sociologia do DireitomioloP3indd 144 020822 1037 o problema da eFicácia 145 dagem de Geiger atinge um importante ponto de virada em que o campo dos ordenamentos normativos é abandonado para con centrar a atenção no objeto central da análise sociológicojurídi ca a estrutura e o funcionamento do ordenamento jurídico em relação ao ambiente social A reconstrução que Geiger faz da estrutura do ordenamento jurídico começa como visto com uma essencial referência ao conceito de Estado No entanto ele se distancia das visões esta distas em pelo menos dois aspectos Do ponto de vista formal não deixa de criticar as definições atuais de Estado observando que seus principais elementos território povo soberania se riam em um exame mais atento óbvios ou tautológicos Propõe evitar o máximo possível o uso do termo Estado que prefere substituir por conceitos mais neutros como o do poder político centralizado e o de sociedade jurídica entendida como o inte grado social em que um poder centralizado se estabeleceu Além disso de um ponto de vista substancial Geiger se des taca de algumas variantes do estatismo ao enfatizar fortemente o caráter pluralista da sua concepção Para o autor o ordenamento jurídico nunca é o único sistema dentro de uma sociedade dife renciada mas apresentase em comparação com inúmeros gru pos aos quais está articulado como uma rede que os cerca sem contudo substituílos ou eliminálos Portanto abaixo do espa ço superior e compreendendo o ordenamento jurídico restaria um espaço mais ou menos amplo ocupado por outros sistemas sociais autônomos no que diz respeito à organização jurídica e independente do poder central Esse pluralismo subjacente no entanto não implica que quando se trata de determinar os fato res sociais que influenciam a formação um patamar acima dos grupos sociais de uma organização estatal ou seja no que diz respeito ao problema que deve permitir uma concepção socioló Sociologia do DireitomioloP3indd 145 020822 1037 146 sociologia do direito gica como a de Geiger sejam explicitamente superadas as teorias estatais tradicionais e as indicações do autor tornamse extre mamente vagas Geiger se limita a distinguir fatores exógenos de formação da organização estatal como a subjugação militar de uma popu lação por outra e fatores endógenos que remetendo a Tönnies e Gurvitch ele identifica fundamentalmente na transição gra dual de um tipo de sociedade préjurídica dominada pela con fiança e pela espontaneidade das relações sociais para uma sociedade jurídica dominada pelo egoísmo desenfreado e pela desconfiança mútua Esses fatores levam a um rompimento de valores da comunidade no primeiro caso devido à heterogenei dade das populações que fazem parte do novo grupo no segun do devido à ingenuidade perdida das relações sociais e é essa decadência do éthos comunitário que Geiger de modo parado xal usa para mostrar que o ordenamento jurídico constitui uma resposta funcionalmente adequada à necessidade de coordena ção social que os ordenamentos espontâneos não são mais capa zes de satisfazer Contudo vinculandose a uma tipificação das várias fases da institucionalização da sanção ele não consegue atribuir a devida importância ao papel que mesmo na presen ça de uma suposta monopolização do aparato coercitivo por parte do Estado as sanções sociais como instrumentos de forta lecimento ou correção das estruturas jurídicas continuam a de sempenhar e acima de tudo não aponta os fatores que levam a sociedade a seguir o caminho da diferenciação progressiva de grupos e valores produzindo as condições que levam ao surgi mento do direito e do Estado Geiger parafraseando a famosa introdução de Ehrlich a Grundlegung reitera uma concepção pluralista do problema das fontes e especifica seus componentes Nem o legislador nem o Sociologia do DireitomioloP3indd 146 020822 1037 o problema da eFicácia 147 juiz nem a ciência jurídica podem ser considerados cada um isoladamente fonte de validade das normas jurídicas A fonte de validade é sempre a vida dinamicamente estruturada em que a sociedade jurídica realiza a interdependência que lhe é própria ibid pp 169 ss Vamos esclarecer agora o papel relativo que cada uma das fontes listadas desempenharia na vida do direito A instância Θ ou seja o legislador em geral produz mesmo que não exclu sivamente proposições normativas que pretendem alterar o con junto de normas já consolidadas No entanto para se tornarem modelos comportamentais que tragam o estigma v da obrigato riedade essas proposições devem estar sujeitas a duas condições não devem ser desconsideradas pelos destinatários de modo ge ral nem boicotadas pela instância Δ condições amplamente in dependentes da área de influência de Θ e portanto que limitam sua capacidade efetiva de controle social No que diz respeito à aplicação a instância judicial Δ como depositária do monopólio coercitivo é decisiva para atribuir va lidade a determinado modelo de comportamento apenas nos ca sos em que esse modelo seja violado A validade da norma no entanto não depende apenas da sanção mas também inclui como se sabe outra condição alternativa a observância espontâ nea dos destinatários que pelo menos em grande parte inde pende do comportamento da instância Δ Geiger no entanto não considera completamente sustentá vel a ideia dominante na ciência do direito clássico de que existe uma clara separação funcional entre o legislador e o juiz entre o fornecimento da norma e sua aplicação Em vez disso ele acredi ta que essa distinção só pode se aplicar à maneira como a criação judicial funciona em comparação com a criação legislativa a primeira seria tipicamente voltada para a produção de proposi Sociologia do DireitomioloP3indd 147 020822 1037 148 sociologia do direito ções regulatórias declarativas não proclamadas e apresentaria em comparação com a segunda maior flexibilidade servindo como modelo para futuras decisões e não apenas como diretriz geral de conduta3 A dupla hipótese de legislação que impulsiona ou segue o desenvolvimento social é representada graficamente por Geiger nos dois diagramas mostrados na Figura 4 As setas pontilhadas indicam as tendências do desenvolvimento social natural en quanto as linhas escalariformes representam os impulsos trans mitidos pela legislação para retardar ou acelerar esse desenvolvi mento e as linhas sólidas representam as tendências reais do desenvolvimento social à medida que resultam da combinação dos dois primeiros fatores Figura 4 Legislação e desenvolvimento social Fonte Geiger 1964 p 197 44 Cálculo obrigatório e segurança jurídica A falsa ideia conveniente e simplista ao extremo até agora mantida de que a atribuição de validade diz respeito a modelos de comportamento com uma área semântica exclusivamente de terminável pode ser abandonada neste momento Não apenas a atribuição de validade a determinado modelo de comportamen 3 No entanto devese notar que Geiger referindose a Illum 1945 acredita que a maioria das normas jurídicas tende a ser implementada de forma espontânea mesmo sem recurso aos tribunais Sociologia do DireitomioloP3indd 148 020822 1037 o problema da eFicácia 149 to mas a própria determinação do núcleo regulatório desse mo delo não são uma constante para Geiger mas experimentariam profundas variações na complexa interação das várias instâncias que atuam como fontes jurídicas Geiger portanto distingue dois aspectos fundamentais do processo de produção compulsório A questão da validade ou obrigatoriedade da norma pode ter uma direção dupla depen de se ela se refere ao se ou ao o quê No primeiro caso a questão é sobre o estigma v e pretendese saber se determinado modelo de comportamento é válido a questão da validade for mal no segundo caso a questão é colocada no núcleo norma tivo como s c e se a relação entre destinatários e beneficiários também é levada em conta a fórmula deve ser expressa da se guinte maneira s A B c A B Nesse segundo caso é preciso estabelecer quais são as si tuações os comportamentos e os assuntos incluídos no núcleo s c questão de obrigação substancial A questão da obrigação substancial sugere portanto que Geiger deve ser capaz de apontar a natureza ilusória da teoria da subsunção pela qual seria possível uma interpretação automati camente predeterminada de posições regulatórias Nenhuma definição pode eliminar a lacuna entre conceito e realidade afirma o que significa que somente na aplicação de proposições normativas seu conteúdo real é determinado ibid pp 58 ss Sem um direito ideal no sentido jurídico positivista é possível falar em erro jurídico apenas se o tribunal faz uma reconstru ção defeituosa ou distorcida do caso concreto erro jurídico ma terial ou se a tentativa do juiz de alterar a área estaticamente Sociologia do DireitomioloP3indd 149 020822 1037 150 sociologia do direito consolidada de aplicação de determinada proposição normativa não consegue uma afirmação efetiva na vida do direito que en volva a intervenção corretiva de uma instância superior erro ju rídico formal O conteúdo de um ordenamento jurídico sob uma perspec tiva realista portanto não resulta dos esquemas conceituais das proposições normativas nem do direito idealmente correto mas apenas do direito realmente aplicado sem se questionar se é justo ou injusto bom ou ruim No entanto isso não significa que a instância Δ tenha um escopo ilimitado de atuação Se tal instância pode ignorar uma proposição regulatória descum prindo sua obrigação no que diz respeito a sua atividade decisó ria em relação a determinadas proposições normativas ela não pode deixar de levar em conta a extensão de sua área semântica como estabelecido pelas convenções linguísticas Em geral por tanto podese dizer que se o regime conceitual da proposta regulatória tem potencialmente um diâmetro máximo e um diâmetro mínimo na área entre as duas circunferências esses serão os limites variáveis do escopo das normas que serão utili zados na vida jurídica Graficamente isso é representado por Geiger por meio de uma figura na qual a linha contínua indica os limites da área de validade de determinado padrão estabelecido pelas diversas decisões judiciais e as duas circunferências pontilhadas indicam respectivamente o limite máximo e mínimo de variabilidade dessa área de acordo com o que está estabelecido pelas conven ções linguísticas Figura 5 A complexidade dos procedimentos que leva à atribuição da natureza vinculativa de certos modelos de comportamento no lugar de outros na reconstrução que Geiger faz do funciona mento do sistema jurídico torna extremamente difícil manter a Sociologia do DireitomioloP3indd 150 020822 1037 o problema da eFicácia 151 chamada segurança jurídica4 A pluralidade de fontes de pro dução de validade a falta de uma estrutura hierárquica rígida que resolva os conflitos dentro do sistema de maneira unívoca e automática e a crescente relevância atribuída às forças que de fora do sistema podem atuar para condicionar a imposição de restrição pelas várias instâncias são elementos que trazem incerteza para a vida do direito divulgando apenas o que até cer to momento mostrouse válido em relação a casos concretos já definidos mas não o que se tornará direito válido no futuro em relação a casos concretos ainda em grande parte imprevisíveis Geiger afirma categoricamente Ninguém pode dizer com cer teza do ponto de vista de uma doutrina empírica do direito o que é certo aqui e agora se determinada norma é obrigatória para este ou aquele caso Com esta afirmação que parece amea 4 Nesse ponto a concepção geigeriana é semelhante à de Hart que admite a inde terminação e a variabilidade dos limites das estruturas da linguagem mas tam bém a existência em sua esfera de núcleos de significado fixos e imutáveis Ver Hart 1961 pp 146 ss Eckmann 1969 e Zaccaria 1990 Figura 5 Âmbito de validade das normas Fonte Geiger 1964 p 262 Sociologia do DireitomioloP3indd 151 020822 1037 152 sociologia do direito çar os fundamentos da ciência jurídica e do próprio direito o autor realmente visa destacar a distinção fundamental entre uma consideração científica que pretende descrever o direito como uma conexão real e uma consideração de tipo pragmáti conormativa que pretende postular o direito como algo devi do ibid p 113 O pressuposto normativo da homogeneidade da jurispru dência é portanto rejeitado por Geiger Aqueles que afirmam submeter o direito à consideração teórica limitandose apenas ao estudo de proposições normativas e que acreditam poder en contrar uma maneira de determinar quais decisões serão corre tas em relação a essas proposições assumem que a proposição normativa possui um conteúdo suscetível à interpretação teóri cológica totalmente previsível Os juristas por outro lado re gistram constantemente em sua prática cotidiana quão raros são os casos de núcleos que já estão consolidados no campo da juris prudência e se tendem a esconder essa verdade com sua própria linguagem e a referência frequente a critérios objetivos de julga mento Isso se deve a uma distorção profissional que pode ser provocada por diversos fatores como o fascínio pela ideia de unidade e constância em geral ligada à ideia jurídica de ordena mento o condicionamento da mentalidade profissional dos ju ristas como resultado do tipo de formação universitária que recebem a tecnicização e o planejamento do trabalho decisório do juiz de acordo com esquemas simples capazes de absorver pelo menos formalmente a sua responsabilidade direta Por mais evidente que possa parecer o contraste entre a pers pectiva sociológica e a normativista a mesma concepção de Geiger não pode deixar de reconhecer a importância da segu rança jurídica não apenas por razões de coerência interna ao sistema jurídico mas sobretudo para garantir a interação har moniosa e a coordenação de comportamentos essenciais para a Sociologia do DireitomioloP3indd 152 020822 1037 o problema da eFicácia 153 sobrevivência de uma sociedade organizada Para a vida do di reito o que valia no passado como lei não tem interesse imediato Do ponto de vista prático é sempre uma questão de saber agora hoje ou amanhã o que é obrigatório Assim se A deseja conhe cer os riscos que corre em determinada situação s executando um ato de violação de c por sua vez B deseja saber qual é o com portamento de A e este o que deve esperar de Δ nessa situação e assim por diante Portanto parece haver uma profunda discrepância entre os limites da capacidade do sistema jurídico de produzir certeza e o quanto a sociedade necessita de segurança que ele próprio de tecta Essa discrepância é superada por Geiger com a introdução de um elemento não exclusivamente aleatório nem rigidamente controlável mas apenas probabilístico que une o passado ao fu turo do sistema jurídico o cálculo da obrigatoriedade Assim como o cálculo econômico o cálculo dos fatores obrigatórios in clui elementos em maior ou menor grau e visa oferecer indica ções relevantes não apenas no nível cognitivo mas também no prático Utiliza elementos de situações e comportamentos que já ocorreram e portanto são objetivamente detectáveis e quantifi cáveis a fim de prever situações e comportamentos futuros na vida do ordenamento jurídico ibid p 138 O primeiro elemento que pode ser usado como referência para esse cálculo é a jurisprudência constante ou pelo menos única No entanto na vida jurídica podem ocorrer casos para os quais não existe uma cadeia regular de decisões já consolidadas Assim no que diz respeito a uma nova lei sobre a qual ainda não existe um discurso jurisprudencial formado uma primeira série de indicações relativas à probabilidade de aplicála pode ser identificada a partir de elementos internos ao núcleo regulatório do direito como a influência social efetiva dos beneficiários BB dessa norma o que presumivelmente favorecerá que seja adotada Sociologia do DireitomioloP3indd 153 020822 1037 154 sociologia do direito ou o exame da situação ambiental que pode por exemplo suge rir dificuldades no exercício da coerção e incentivar fortemente a não aplicação Quando se trata de uma norma que não é aplicada há muito tempo o cálculo das condições obrigatórias deverá estabelecer se essa desaplicação depende de simples falta de litígio ou de extin ção gradual da própria norma com base em uma comparação entre as funções por ela desempenhadas no período da primeira aplicação e as funções que seria capaz de desempenhar em um momento posterior de acordo com as condições sociais Também no que diz respeito aos operadores legais Geiger propõe a necessidade de certeza como critério interpretativo da ação Ele fala em particular de um cálculo de implementação que do mesmo modo que o cálculo de obrigatoriedade pelo usuário seria executado pelo juiz para resolver problemas de coerência e imagem relacionados ao seu papel além sobretudo de cumprir as estruturas já consolidadas do sistema jurídico e afastarse do risco de ver as próprias decisões serem corrigidas por outros tri bunais ibid p 145 Dessa maneira existe uma coincidência de perspectivas entre o usuário do direito e o operador jurídico ambos interessados em uma jurisprudência constante que reduz o risco de frustrações Além disso é confirmada a suposição na qual se baseia todo o cálculo de natureza obrigatória do usuário de que os juízes con tinuarão a decidir no futuro de acordo com critérios interpretati vos semelhantes 45 Sanção e memória coletiva Uma hipótese geral que Geiger considera útil para o propósi to de reconstruir a formação de sistemas sociais deriva de uma Sociologia do DireitomioloP3indd 154 020822 1037 o problema da eFicácia 155 aplicação extensiva da teoria mecanicista5 feita por Richard Semon 1911 De acordo com essa teoria cada percepção impri miria no cérebro do sujeito um traço ou engrama no caso de percepções compostas de vários elementos um conjunto de en gramas que por sua vez pode ser lembrado por meio de asso ciações ecforia pela percepção renovada de apenas um dos seus elementos produzindo nele um estímulo para repetir as ações executadas em conjunto com a primeira percepção Essa teoria que guarda aparente afinidade com a mais co nhecida teoria comportamental dos reflexos condicionados é destacada pelo próprio Geiger e pode explicar pelo menos em princípio sem sérias dificuldades a origem dos sistemas sociais isto é das ordens constituídas pela iteração de padrões de com portamento do tipo s c A percepção repetida dessa mesma correlação produziria na mente de determinado ator um conjunto de engramas correspondentes e portanto através do funciona mento do mecanismo gráficoecfórico haveria uma predispo sição cada vez mais forte do sujeito a repetir em determinada situação certo comportamento previamente associado a ele As sim um sistema circular de autorreprodução de modelos de com portamento seria estabelecido em sistemas sociais nos quais a iteração reforça a probabilidade de persistência de determinado modelo de comportamento e esta persistência por sua vez for talece a probabilidade de sua iteração O mecanismo gráficoecfórico opera portanto de maneira cumulativa e progressiva tendendo a transformar s c em um costume estável para o ator H Isso ocorre sobretudo se c está co nectado a situações que ocorrem com muita frequência Geiger 5 Sobre a mesma questão do ponto de vista da abordagem comportamental ver Skinner 1969 Sociologia do DireitomioloP3indd 155 020822 1037 156 sociologia do direito pode dizer Quantas vezes H o ator encontrouse em s e res pondeu com o comportamento c ainda mais improvável será que H responda em s com c Inversamente quanto maior o in tervalo de tempo entre os vários casos em que ocorre s mais di fícil se torna manter o rastro deixado pelo primeiro s c A rigidez do mecanismo gráficoecfórico e os limites da hi pótese geral e formal emprestada de Semon são evidentes para o próprio Geiger que tenta expandir sua aplicabilidade prática através de uma série de hipóteses suplementares com alta pro babilidade que levam em consideração além da frequência e do número de engramas variáveis intervenientes adicionais Uma aplicação importante do mecanismo gráficoecfórico ocorre quando Geiger tenta estabelecer o que acontece no momento crítico para a vida de cada grupo integrado Σ em que a ordem começa a operar em um novo membro Mn1 Nesse caso a regu laridade do comportamento do indivíduo M1 M2 Mn seu exemplo coletivo exercerá através da iteração de impressões sensoriais do tipo Em uma situação s existe o comportamento c e portanto s c uma pressão social eficaz sobre o novo membro para que após algum tempo c se apresente em Mn1 como a maneira mais evidente de agir quando estiver em s Mas é legítimo perguntar neste momento como são forma das as regularidades generalizadas de comportamento capazes de exercer uma pressão social tão eficaz sobre os membros indivi duais O mesmo mecanismo gráficoecfórico aplicado ao com portamento do ator permite elucidar a gênese dos costumes indi viduais e é usado por Geiger para explicar a formação de hábitos coletivos e sua transição para os sistemas normativos sem aban donar o terreno comportamental Geiger argumenta que como o ator os espectadores de um comportamento em uma situação típica e recorrente também Sociologia do DireitomioloP3indd 156 020822 1037 o problema da eFicácia 157 acabam memorizando um engrama complexo de acordo com o qual em determinada situação s H é o ator que se comporta em geral como c mesmo que não se possam identificar beneficiários Então simbolicamente temse s H c H e em uma situação semelhante uma percepção subsequente de s H permitirá que os espectadores antecipem o outro elemento do engrama c H antecipando assim o comportamento de H Por outro lado também neste caso o mesmo mecanismo pode originar um processo imitativo pelo qual o sujeito que no papel de espectador está acostumado a esperar a correlação típi ca s c encontrase na mesma situação e o sujeito no papel de ator é levado a executar um processo analógico c Dessa maneira os mesmos mecanismos que levam à forma ção de costumes individuais adquirem uma eficácia interindivi dual e transformam a iteração automática do indivíduo em uso coletivo Geiger ressalta que o uso coletivo é em si moralmente indiferente não pressupõe representações normativas e sim plesmente consiste na regularidade factual do comportamento de certos grupos de atores em determinadas situações Por con seguinte distinguese tanto dos costumes individuais quanto das normas reais Sociologia do DireitomioloP3indd 157 020822 1037 158 sociologia do direito O uso coletivo também é relevante sobretudo em sociedades ditas primitivas e levemente diferenciadas eou em grupos relati vamente pequenos nos quais afiliados individuais MM podem observar uns aos outros diretamente e agir em situações que são basicamente comuns a todos os MM Em tais situações a distin ção entre experiência pessoal e observação de outras pessoas pode envolver apenas intensidades diferentes de percepção mas não diferenças substanciais Portanto se H já se encontrou em s e respondeu com c a recorrência de s ceteris paribus e do compor tamento c é mais provável do que qualquer outro ibid p 266 Além disso a característica fundamental do uso coletivo é que sua violação pode resultar em surpresas ou na incapacidade de compreensão mas não em desaprovação ou condenação A hipótese disjuntiva típica do uso exclui ao contrário das normas reais a possibilidade da reação r Em outras palavras na situa ção o conjunto de comportamentos compatíveis é maior do que o de comportamentos desviantes e o peso social que tem mero valor estatístico para casos de conformidade garante que o uso persista em caso de violações individuais sem a necessidade de recorrer a sanções Na simbologia de Geiger essa prevalência de comportamen tos compatíveis ou não compatíveis com c característica do uso é expressa da seguinte forma s c c c c As maneiras como os usos costumeiros ou as meras regula ridades podem ser incluídos no sistema jurídico são diferentes Elas podem ser distinguidas principalmente de acordo com as seguintes condições Sociologia do DireitomioloP3indd 158 020822 1037 o problema da eFicácia 159 A instância Δ seleciona certas regularidades habituais co locandoas como base da sua atividade de tomada de deci são opção jurisdicional A legislação autoriza explicitamente certas regularidades costumeiras relacionadas a um campo específico da vida social autorização legislativa O legislador seleciona certas regularidades costumeiras e transpõe seu conteúdo para uma lei opção legislativa Nesse contexto a ciência jurídica tem função puramente cog nitiva e não se apresenta como fonte de validade do direito que pode ser colocado no mesmo nível das outras fontes A tarefa que é desempenhada com base na sua visão geral do sistema consis te em dar à produção das outras fontes do direito uma unidade que na prática parece continuamente ameaçada por diversos fa tores como o excesso de produção do mecanismo de legislação chamado para regular novas áreas da vida social em sociedades avançadas a concorrência de diferentes vias jurídicas a coexis tência na ordem de diferentes núcleos legislativos produzidos em diferentes épocas e situações sociais Podese dizer em suma que a ciência jurídica dando ordem à produção prévia de nor mas jurídicas atua como arquivista da memória do direito pelo qual a cultura jurídica interna é orientada Tudo isso justifica a importância da tarefa unificadora reali zada pela ciência jurídica por meio de propostas para a reorga nização do material jurídico Estas se destinam a afirmar na prática não somente a autoridade do jurista individual por ra zões internas à mesma ciência mas também pela disponibilidade de Δ de assegurar sua aplicação por meio de sanções Podese acrescentar ainda que o caráter policêntrico do ordenamento leva Geiger a se posicionar acerca de duas questões teóricas tra dicionais Em primeiro lugar ele admite a possibilidade de o ti Sociologia do DireitomioloP3indd 159 020822 1037 160 sociologia do direito tular do poder se autoobrigar uma vez que a estrutura geral do grupo jurídicoestatal é capaz de alcançar através do conhe cido instrumento da divisão de poderes um complicado jogo de equilíbrios e checagens mútuas entre as várias instâncias Em segundo lugar ele chega a refutar as chamadas teorias da von tade Willenstheorien que buscando de diferentes formas iden tificar o sujeito da vontade jurídica ignoraria que tal vontade em um sistema jurídico avançado nunca é apenas aquela do so berano mas também aquela das muitas pessoas concretas que participam por vezes com intenções opostas dos processos de produção das normas 46 Comportamento e percepções do direito Os diversos elementos da construção proposta por Geiger até agora identificados desde o núcleo normativo s c até os des tinatários da norma AA o estigma da obrigatoriedade v com a opinião pública Ω constituem os fundamentos de uma teoria geral dos sistemas jurídicos claramente focada no direito efetivo e caracterizada pela adesão a uma estrutura metodológica que pode ser resumida em dois princípios fundamentais evitar que elementos irreais que não podem ser sensorialmente percebi dos embacem a visão da realidade do direito e adotar uma chave de investigação em que o conceito de obrigatoriedade reduzido à sanção pode ser expresso por um indicador empiricamente observável que constitui a reação ao comportamento desviante Isso não significa que o modelo comportamental de Geiger em si negue a importância de explicar as representações mentais dos atores O autor escreve A existência social também tem um lado subjetivo a sociologia não pode satisfazerse com o sim ples registro das formas de agir dos homens mas deve tentar descobrir e descrever as atitudes subjetivas que sustentam tais Sociologia do DireitomioloP3indd 160 020822 1037 o problema da eFicácia 161 comportamentos Para ele um sociólogo empírico excessiva mente ortodoxo deixar de lado os elementos subjetivos da exis tência social seja porque não são quantificáveis ou porque são irreais e portanto irrelevantes em termos científicos seria como jogar fora a água suja com a criança e em última instância per mitirse ser guiado na escolha das questões não pela importân cia delas mas pela mensurabilidade dos fenômenos ibid p 329 Geiger afirma de modo ainda mais explícito Experiências e ob servações de conteúdo normativo acompanhadas por processos psíquicos é algo que sentimos em nós mesmos e nenhum com portamento empírico pode nos impedir de atribuir empatica mente nossas experiências a outras pessoas ibid p 303 Um exemplo claro dessa maneira de entender o comporta mento é a análise que Geiger faz das atitudes dos receptores das normas Ele escreve Ninguém quer questionar o fato de que em geral os receptores do AA têm uma representação das normas obrigatórias E de fato seria extremamente improvável que a maioria dos AA não tivesse essa representação uma vez que es tão sujeitos a pressões sociais que tendem a fortalecêla e que ainda que em poucos casos podem garantir que a norma seja tanto internalizada quanto percebida como obrigatória pelo desti natário que se transforma em sua segunda natureza No entan to ele se apressa a esclarecer que essa relevância não significa que a variável em questão tenha importância decisiva De fato se o destinatário individual A em princípio possui uma represen tação da norma obrigatória isso não significa que essa representa ção funcione para ele como motivação no momento de uma ação Em outras palavras agir de acordo com a norma efetiva imple mentando o modelo de comportamento por ela prescrito não significa necessariamente observar a norma no sentido de dire cionar de forma consciente seu comportamento a ela Sociologia do DireitomioloP3indd 161 020822 1037 162 sociologia do direito Geiger também argumenta que a representação que pode levar A à implementação do núcleo normativo s c é uma re presentação da natureza obrigatória da norma e pressupõe que ela não pode ser representada a natureza obrigatória da norma sendo objeto ou pressuposto de tal representação subjetiva deve necessariamente preexistir à sua representação e não pode ser ba seada nela O autor em suma não nega a importância das representações subjetivas nem exclui do âmbito da sociologia as atitudes atribuí veis aos diversos elementos da sua construção apenas se limita a negar que esses fatores sejam decisivos para o estabelecimento de sistemas sociais e tenta evitar que se tornem objeto de conheci mento intuitivo sem consciência crítica Portanto ele apenas enfatiza seus limites explicativos e argumenta que é possível ten tar conhecer fenômenos subjetivos através de fenômenos ex ternos ou comportamentos aos quais em geral são associados Nesse sentido ressalta que são precisamente os indicadores das atitudes dos atores individuais que parecem de mais fácil acesso ou seja as respostas dos sujeitos em entrevistas ou questioná rios não seriam totalmente confiáveis uma vez que a correspon dência entre as formulações verbais do sujeito por um lado e suas ações e seus pensamentos por outro pode ser distorcida mesmo de modo inconsciente tanto pelo entrevistado quanto pelo entrevistador Isso restringe a área de comportamentos relevantes e nesse contexto a escolha parece necessariamente orientada para com portamentos interativos pois é nesse nível que é assegurado o caráter de intersubjetividade das normas sociais que como ins trumentos de coordenação social devem necessariamente possuir Não surpreende portanto que os comportamentos que Geiger leva em conta sejam sobretudo reações aos comportamentos de Sociologia do DireitomioloP3indd 162 020822 1037 o problema da eFicácia 163 outros sujeitos em particular a comportamentos desviantes A experiência mostra que as reações ao comportamento não des viante são mais sutis ou até mesmo não acontecem enquanto a violação de uma norma presumida cria uma situação de crise em que o indivíduo eou a comunidade não podem deixar de as sumir posições explícitas e inescrutáveis Isso não significa que com relação aos elementos do núcleo regulador em particular a situação s Geiger advirta sobre a natu reza problemática do conceito de situação nas ciências sociais Ele ressalta que esse conceito não pode ser considerado como acontece com qualquer ciência experimental como um conjunto de circunstâncias que constituem o cenário em que c é implemen tado e ressalta que embora operemos com o conceito de s como se fosse uma magnitude objetivamente acessível devemos admi tir que não sabemos exatamente o que constitui na representação de determinadas pessoas certo conteúdo de s Duas situações na verdade nunca são idênticas e os critérios de igualdade são arbi trários e variáveis para diferentes sujeitos Aquilo que para deter minado sujeito H aparece como a repetição de uma situação s pode parecer uma nova situação para o sujeito H A análise da pluralidade de significados e conexões com outras variáveis que s pode apresentar em um nível subjetivo leva Geiger a abordar a importante questão da intersubjetividade de s Não está absoluta mente claro que em uma sociedade diferenciada a situação s seja determinada da mesma maneira pelos diferentes membros do in tegrante social Σ chamado a interpretála tanto de AA como de BB de Δ quanto de Θ Por outro lado não há dúvida de que sem uma homogeneidade entre as várias interpretações de s as corre lações s c que constituem a espinha dorsal da coordenação social não forneceriam pontos de orientação aos vários atores nem hipóteses explicativas plausíveis aos estudiosos Sociologia do DireitomioloP3indd 163 020822 1037 164 sociologia do direito Mas o que são além de uma imitação mecanicista e uma coordenação de estímulos e respostas os mecanismos sociais concretos que garantem uma homogeneidade de interpretações As comunicações recíprocas entre os vários atores A existência de sistemas de valores comuns Geiger para evitar referências que podem parecer puramente subjetivas responde a essas per guntas afirmando que a condição de coordenação do comporta mento é a interdependência social que não se baseia na mera representação das interrelações entre os vários MM nem tem relação com nenhuma comunhão de valores mas é uma condi ção factual do seu comportamento e como tal opera de ma neira independente do quanto MM está realmente ciente disso Dessa forma a atenção voltase da regra para suas exceções ou seja para comportamentos que embora não sejam compatíveis podem ter razões que devem ser compreendidas mesmo que apenas para ampliar a possibilidade de controlálos Devese assim ressaltar a hipótese de que o caráter de uma regularidade de comportamento seria determinável se ao desvio se seguisse uma reação podendo ser redundante para atos que possuem mera função simbólica A natureza obrigatória de uma regra poderia ser verificada na ausência de comportamento com patível com ela e de sanções no caso de o autor não violála ou não cumprila mas sim contestála Assim o objetor de cons ciência que desconsidera a carta de preceito com que é chamado ao serviço militar atua em função dessa obrigação e nesse sentido atesta a existência de tal obrigação mas não cumpre nem viola essa obrigação ao mesmo tempo em que também não se expõe às sanções consequentes6 Na construção de Geiger no entanto a norma efetiva está no centro das atenções tanto a primária que prescreve determina 6 Devo essa observação a Amedeo G Conte Sociologia do DireitomioloP3indd 164 020822 1037 o problema da eFicácia 165 do comportamento quanto a secundária que prescreve certa sanção como reação à não adoção desse comportamento Presu mese que o comportamento regulatório reforça a probabilidade de outros comportamentos regulares e portanto um comporta mento gera outro comportamento semelhante ou complementar Em suma podese dizer que o comportamento de Geiger é es tratégico pois parte de uma reflexão direta que visa não supe restimar o real potencial explicativo dos instrumentos cognitivos disponíveis nem subestimar a real relevância de certos aspectos da realidade social Na verdade mesmo uma questão aparente mente quantitativa pode ser condicionada em termos culturais e por vezes ideológicos como aquela do número de normas ju rídicas eficazes em determinado sistema para a manutenção da ordem social Considerese por exemplo o possível contraste entre uma cultura jurídica voltada para a regulamentação pontual e deta lhada da sociedade e outra orientada por outro lado para uma forte autolimitação das intervenções regulatórias A primeira parte do princípio de que o aumento do número de regras garante maior segurança e portanto melhor justiça A outra parte do princípio oposto de que apenas um pequeno número de regras desde que objetivas e claras é capaz de garantir a segurança e a justiça como um padrão jurídico potencialmente difundido por todos os aspec tos da vida social mas incapaz de evitar um desbotamento incon trolável de provisões Friedman 1975 Bettini 1983 1987 É necessário observar que as duas culturas em princípio opostas na realidade podem combinarse dando origem a for mas mistas que exigem absorver interesses conflitantes Assim no decurso dos processos de descentralização uma cultura jurí dica pode ser afirmada nos mais altos níveis de determinado sis tema administrativo e ser capaz não apenas de manter alguma Sociologia do DireitomioloP3indd 165 020822 1037 166 sociologia do direito referência simbólica aos poderes mais amplos do passado mas também de se adaptar voluntariamente à redução de seu papel regulatório e ao desempenho de funções de simples direção Nos níveis mais baixos no entanto será possível testemunhar apenas adiante e gradualmente o crescimento correspondente de uma cultura jurídica que implica a disposição de assumir novas habi lidades e responsabilidades Além disso as dificuldades de im plementação encontradas em recentes tentativas de reorganizar a administração pública e os eventos alternados da nova mais declarada do que realizada cultura de avaliação mostram que a maior resistência às tentativas de otimizar os efeitos não vem tanto da parte daqueles que deveriam perder competências regu latórias mas daqueles que tendo que aceitar novas competências relutam em assumir todas as consequências que isso implicaria em termos de responsabilidade Cassese 1971 Mayntz 1978 Devese notar também que a difusão de modelos de compor tamento por imitação explica por que apesar do amplo desco nhecimento da legislação e de uma aparente inadequação do real grau de conhecimento do direito a grande maioria das relações sociais não é significativamente diferente das normas escritas não apenas daquelas mais conhecidas estabelecidas pela Consti tuição mas também daquelas muito mais fáceis de modificar da legislação Aubert 1965 Podese supor que o amplo desco nhecimento dos ditames do direito pode ser combinado com um comportamento juridicamente compatível A prática jurídica es tabelecida tende a ser orientada para as direções culturais em geral difundidas e internalizadas pelos estratos da sociedade com os quais tem contato Da mesma forma em uma comunida de religiosamente homogênea é possível que os comportamen tos estejam substancialmente de acordo com a ordem moral de referência mesmo na falta de conhecimento adequado dos tex Sociologia do DireitomioloP3indd 166 020822 1037 o problema da eFicácia 167 tos fundamentais pois estarão de acordo com a adesão às atitu des difundidas pelo restante da comunidade Os operadores jurídicos e sobretudo as estruturas adminis trativas com as quais os destinatários das normas estão mais fre quentemente em contato desempenham um papel de particular importância em seus deveres cautelares de préorientação jurídi ca É este último de fato que indica em casos individuais atra vés de um nível médio de implementação um grau de certeza relativa de aplicação da regra em que é possível basear na vida social expectativas e diretrizes regulatórias que provavelmente não decepcionam mesmo sem intervenção protetora efetiva dos aparatos estatais Além disso não saber poderá se tornar um fator útil para a eficácia se envolver taxas de violação muito elevadas pois como observado esse conhecimento pode prejudicar seriamente o pres tígio das normas e reduzir a propensão à obediência Popitz 1968 Mas alguém pode perguntar A ineficácia é sempre uma categoria desconfortável que deve ser reduzida tanto quanto possível Uma vez que a sociedade desempenha um papel ativo na for mação do direito a ineficácia pode ser uma resposta social útil na presença não apenas de normas supérfluas mas potencial mente prejudiciais Há casos em que uma desaplicação repetida de uma regra formalmente válida mas que não é adequada para o alcance dos efeitos declarados ou se mostra prejudicial conse gue sinalizar uma reação fisiológica do organismo social que por vezes de modo inconsciente desafia um instrumento que se aplicado poderia provocar problemas piores do que aqueles que gostaria de neutralizar A ineficácia pode desempenhar função corretiva em relação a normas tecnicamente equivocadas em algumas de suas partes Nestes casos se exercida de modo seletivo ela pode ser uma ma Sociologia do DireitomioloP3indd 167 020822 1037 168 sociologia do direito neira de salvar o recuperável sem fazer que determinada ativi dade regulamentada de maneira equivocada ou redundante seja completamente bloqueada Este é um caso muito difundido quando a aplicação total e fiel da legislação em vigor pode ser usada como uma espécie de ameaça para os efeitos paralisantes que isso implica a chamada greve branca Nesse caso a revol ta mais do que formal é mental pois implica uma espécie de ataque de inteligência que se nega a discernir o que é importante e o que não se encontra em determinado regulamento e ainda avaliar os prováveis efeitos das regras Isso explica a dupla definição que Geiger atribui ao desvio d e ao sujeito desviante Ad Além de uma visão mecanicista de desvio que parece basearse no simples critério de correspon dência ou não correspondência com relação ao conteúdo da nor ma em sua construção existe um significado mais flexível que leva em conta as margens de interpretação que um texto norma tivo inevitavelmente pressupõe No caso de um desvio funda mentado em certa interpretação da norma pelo destinatário pode ser possível pelo menos sugerir uma interpretação de se gundo nível com o objetivo de justificar os motivos que levaram o destinatário a interpretar a norma a fim de empurrála para uma aplicação parcial ou para a total não aplicação LévyBruhl 1990 Trotha 1982 Pitch 1982 47 As raízes da eficácia Como ciência empírica a sociologia do direito sempre man teve uma relação de indiferença se não de total desconfiança ou abertura em relação a qualquer abordagem avaliativa do estudo do direito A sociologia do direito de Geiger é nesse sentido um exemplo radical de que ao enquadrarse na corrente mais ampla do realismo evita fazer referências explícitas às diretrizes avalia Sociologia do DireitomioloP3indd 168 020822 1037 o problema da eFicácia 169 tivas gerais e busca delinear uma concepção sociológica da eficá cia ancorada o máximo possível na observação de fatos externos A referência sobretudo aos fatos à suposição de uma pers pectiva não prescritiva à aversão a qualquer visão distorcida das relações entre direito e realidade social não impediu no entanto que muitos sociólogos tentassem estudar e compreender atitudes avaliativas relacionadas ao direito que emergem dos diferentes se tores da sociedade e que são relevantes para explicar o complexo problema da eficácia da lei Para abordar esse aspecto da oferta teó rica da sociologia do direito serão consideradas algumas propostas que embora de maneiras diferentes e com objetivos diferentes vi sam a recuperação no tratamento do problema da eficácia dos pontos de vista avaliativos psicológicos ou antropológicos Vamos começar com um autor cuja importância como às vezes acontece é muito maior do que a sua sorte Leon Petrazycki 1955 antecipando as razões da Escola Uppsala tem o mérito indiscutível de ter tentado oferecer um quadro sociológico de fatores psicológicos relevantes para a explicação do comporta mento coletivo concentrandose em particular naqueles que fa vorecem a formação e a eficácia dos sistemas reguladores7 Ele tratou um fator específico chamado ajuste inconscientemente agradável que fornece uma adaptação filocêntrica direciona da à afinidade biológica uma adaptação sociocêntrica voltada para a sociedade e uma adaptação egocêntrica dirigida sobre tudo ao ego A adaptação filocêntrica leva em consideração o destino das espécies Isso motiva os pais a defenderem a vida de seus filhos por exemplo superando seu instinto natural de sobrevivência 7 Nesse sentido Petrazycki pode ser considerado precursor dos estudos sobre o comportamento coletivo ver Smelser 1963 Sociologia do DireitomioloP3indd 169 020822 1037 170 sociologia do direito do contrário o futuro da espécie estaria comprometido Esse tipo de adaptação estabelece uma conexão profunda e essencial entre a sociedade humana e outras sociedades como as sociedades animais que podem mostrar que possuem sob essa perspectiva uma base regulatória comum Pocar 1998 A adaptação sociocêntrica referese a um ponto de vista ex terno capaz de vincular um comportamento a um critério de avaliação superior Em geral a avaliação de um comportamento não é imediata nem evidente mas desenvolvida e refinada ao longo do tempo com base na experiência coletiva do grupo que gradualmente selecionará os comportamentos individuais a ser encorajados e incentivados e aqueles que em vez disso deverão ser desencorajados e reprimidos Se um indivíduo de uma tribo realiza uma série de atos que guardam certa semelhança como o assassinato de vários homens esses atos serão avaliados de for ma diferente pela comunidade se a vítima for membro da mesma tribo o ato será considerado crime e portanto passível de puni ção se a vítima pertencer a outra tribo provavelmente o ato será considerado heroico e portanto será recompensado Esse processo de seleção dos comportamentos a ser sancio nados ao mesmo tempo que tende a certo grau de abstração de verá servir de base para futuras decisões Não se limitará a uma esfera de racionalidade formalizada de forma asséptica e neutra mas provavelmente será confiado a uma espécie de contágio emocional que se espalhará dos tribunais a outros locais de agre gação social produzindo generalizações não apenas e não tanto baseadas na lógica mas instintivas contemplando assim os sen timentos predominantes e as trocas de experiências da cultura jurídica da comunidade Por fim a adaptação egocêntrica busca orientarse para as condições externas mais favoráveis ao indivíduo Ao tratar tal Sociologia do DireitomioloP3indd 170 020822 1037 o problema da eFicácia 171 adaptação Petrazycki também usa argumentos bastante seme lhantes aos que mais tarde seriam formulados com diferente sucesso por Pavlov No exemplo do cão educado para morar em apartamento que acaba se adaptando à vontade do dono sem entendêlo e portanto mistura associações racionais com ou tras que do nosso ponto de vista seriam irracionais evidenciase a importância dos reflexos adquiridos com base em experiências anteriores Esses reflexos podem fazer que o cão evite objetos que lembrem punição apenas porque o acompanhavam aleato riamente no passado sem nenhuma relação direta com isso Mais uma vez a estreita conexão e as claras semelhanças en tre o comportamento humano e o comportamento animal são aqui reiteradas O indivíduo ao tentar evitar punições e buscar recompen sas também utiliza processos de aprendizado que seguindo o esquema de tentativa e erro levam à generalização de regras de comportamento com base em reflexos condicionados Petrazycki parte da hipótese de que esses três tipos de adaptações podem produzir ações convergentes desenvolvendose uma consciência normativa comum Eles podem divergir pelo menos em parte e em relação a algumas questões mas neste caso as estratégias para atribuir taxas aceitáveis de eficácia às regras coletivas do grupo podem deixar nos indivíduos alguns resíduos emocio nais não absorvidos Para absorver ou pelo menos reduzir esses resíduos ao nível do agregado social dois sistemas jurídicos complementares de sempenham uma tarefa fundamental o direito e a moral Am bos se mostram capazes de impor aos indivíduos as normas que com persuasão mas não somente com isso são estabilizadas den tro deles A lógica norteadora não é o indivíduo e não é de todo excluída a existência de diferenças na maneira de avaliar os mes Sociologia do DireitomioloP3indd 171 020822 1037 172 sociologia do direito mos eventos tudo depende de a pessoa se colocar no nível do indivíduo ou do grupo social Por isso é necessário desenvolver um alto grau de socializa ção para viabilizar o desenvolvimento desse nível normativo su perior no qual a moral e o direito assumem funções diferentes mas convergentes Enquanto o direito busca criar um modelo de um cidadão humano com direitos e reivindicações a moral visa moldar os indivíduos que são capazes de assumir obrigações em nome de certos princípios enquanto o direito é dirigido a todos e lida com o comportamento da massa a moral voltase apenas para aqueles capazes de apreciála enquanto o direito pode usar instrumentos de sanção aplicáveis a todos os destinatários das normas em caso de violação e confia a um aparelho específico sua execução tendendo a unificar seus próprios preceitos a mo ral não considera tanto o que é feito quem faz ou como faz mas é flexível e não precisa de equipamentos de execução O direito é equiparado por Petrazycki à água indispensável e vital para toda a sociedade enquanto a moral seria uma espécie de champanhe não destinado a todos e apreciado por poucos Dentro desses limites a moral representa um importante apoio ao direito pois além de impor certos comportamentos a determi nados grupos de pessoas pode ajudálo a se impor em situações nas quais a resistência seria particularmente forte facilitando os processos de socialização e internalização de que necessita Com base nesses dois pilares regulatórios a sociedade é ca paz de selecionar por um lado através de uma infinidade de adaptações simpáticas e involuntárias aqueles comportamentos de maior ou menor risco contra os quais as ferramentas de con trole social podem ser utilizadas e por outro lado os comporta mentos úteis à sociedade mas não suficientemente difundidos que devem ser favorecidos com recompensas ou incentivos Ao Sociologia do DireitomioloP3indd 172 020822 1037 o problema da eFicácia 173 realizar tal seleção o direito pode ser apoiado pela moral tanto no que diz respeito à revisão dos deveres dos associados criando novos tipos de condutas distinguindo por exemplo assassinato de eutanásia quanto facilitar as sanções e aprimorar as motiva ções por exemplo fazer do trabalho um direito a ser exercido individualmente e não um dever Petrazycki conecta funções a esses diferentes aspectos da vida do direito a função organizacional que visa coordenar os comportamentos individuais a fim de garantir a ordem social e a função educacional que pretende alterar tanto os comporta mentos quanto as motivações e os impulsos que tornam o ho mem mais adequado à coexistência Esta segunda função está claramente destinada a fazer crescer sua importância em uma sociedade democrática na qual as liberdades devem ser gerencia das buscando o bem comum e portanto referindose a limita ções pessoais mesmo morais A ordem moral e o direito são ainda distinguidos um do ou tro por Petrazycki por outros critérios como o de serem positi vos ou intuitivos Em particular o direito pode ser positivo em um sentido mais amplo do que o normativismo de Kelsen ao incluir também os fatos normativos ou seja não apenas as nor mas individuais mas também os aparelhos e operadores jurídicos enquanto o direito intuitivo é o conjunto de deveres percebidos pelos indivíduos como tais independente dos aparelhos que de vem aplicálos Podese portanto dizer que o direito positivo en contra correspondência sobretudo na cultura jurídica oficial enquanto o direito intuitivo encontra correspondência princi palmente no direito informal O paralelismo no entanto é apenas tendencial para Petra zycki e admite situações intermediárias É possível ter um direito positivo e oficial quando um tribunal condena um réu com base Sociologia do DireitomioloP3indd 173 020822 1037 174 sociologia do direito em determinado artigo do código penal uma vez que nesse caso o direito é positivo pela sua referência a um fato jurídico e é oficial porque provém de um agente institucional mas também é possível ter um direito positivo e não oficial quando um árbi tro agindo como órgão não oficial escolhido pelas próprias par tes para fins de uma transação decide acerca de uma questão que pode ser considerada com todos os efeitos jurídicos Além disso é possível ter um direito intuitivo e oficial quando um tri bunal decide sobre determinado fato do direito não com base em uma norma do código mas aplicando o princípio geral que lhe permite no caso de uma lacuna regulatória decidir como se fos se o legislador ou mesmo um direito intuitivo e não oficial no caso de um indivíduo que deve fazer justiça a si mesmo porque nesse fato o código não é aplicado mas o autor do comportamen to a ser sancionado não estaria autorizado a agir dessa forma É evidente no entanto que além de casos particulares um direito efetivo deve ser não apenas oficial e positivo mas também pelo menos na medida do possível intuitivo Senão haveria conflitos em parte evidentes por exemplo quando um direito positivo fa lha em se impor a um direito intuitivo vinculado ao passado ou quando um direito intuitivo desafia um direito positivo que é incompatível com ele Após Petrazycki que no campo da ciência jurídica russa e polonesa no início do século passado produziu uma escola qua lificada ver Timasheff 1955 Adam Podgorecki 1974 1991 pro curou desenvolver uma concepção da eficácia do direito que em muitos aspectos se aproxima daquela de Geiger O autor consi dera que a relação entre norma e comportamento individual vai além de um esquema duplo em que A reconhece a afirmação de B dandolhe a coisa desejada Esse esquema na verdade em ge ral não depende de uma solicitação aleatória de B mas faz parte Sociologia do DireitomioloP3indd 174 020822 1037 o problema da eFicácia 175 de uma dupla relação que leva em conta quatro elementos a rei vindicação de B a A o reconhecimento da reivindicação de B por A os direitos que A com base no princípio da reciprocidade argumenta contra B e os deveres que B sempre com base na re ciprocidade deve reconhecer a A Somente com esse duplo vín culo institucionalizado as relações entre A e B poderão acontecer de maneira previsível e eficaz em ambos os lados A ideia é que o direito selecione através de processos de erro e correção os modelos de comportamento mais adequados para se tornar eficaz testados positivamente como funcionais à inte gração social capazes de fortalecer certos padrões de comporta mento e de garantir uma aceitação estável da sanção ou da recompensa De fato a eficácia de Podgorecki é resultado de um processo complexo no qual não entram apenas as variáveis psi cológicas A norma jurídica individual pode ter seus efeitos alte rados por diversas variáveis psíquicoindividual de subculturas jurídicas socioeconômicas Essas variáveis ao atuar em separa do umas das outras e seguir diferentes lógicas podem acabar produzindo não apenas maior ou menor eficácia mas também efeitos distorcidos e indesejados Daí o reconhecimento nos pas sos de Petrazycki de um direito intuitivo que atua diretamente sobre o comportamento capaz de reduzir distorções e aumentar a eficácia das normas jurídicas Podgorecki 1974 Também na linha de reconstrução das razões para a eficácia do direito baseada nos aspectos psicológicos do problema inse remse as contribuições de Hans Ryffel 1969 1974 A sociologia do direito de Ryffel possui um fundamento antropológico explí cito Seu ponto de partida é a tentativa de determinar a tarefa Aufgabe que o direito realiza na existência do homem Reconec tandose com as vertentes que remontam à antropologia alemã Ryffel concebe o homem como uma entidade com adaptabilida Sociologia do DireitomioloP3indd 175 020822 1037 176 sociologia do direito de plastisches Wesen capaz de mudar o próprio modo de exis tência de acordo com o ambiente em que vive e em particular de acordo com as possíveis alternativas de comportamento que são sempre superiores à capacidade de implementação que o am biente às vezes oferece ao indivíduo Ryffel faz uma declaração muito significativa A realidade humana é um conjunto de vá rias possibilidades de comportamento entrelaçadas de diversas maneiras ou seja de conteúdo cognitivo de valores de normas de convicções de sentimentos de disposições de projetos etc e a implementação de comportamentos ou seja comportamentos reais realizados em determinado mundo É portanto caracterizado por certa distância e tensão en tre o comportamento potencial e o real A existência do homem consiste na realização de possibilidades de comportamento que só foram reduzidas pela história das gerações anteriores e com as quais portanto o problema da escolha surge cada vez com maior urgência As possibilidades de comportamento a princí pio estreitamente ligadas ao comportamento atual se separam cada vez mais dele e se mostram individualmente para que se possa dizer que o homem vive cada vez mais nas possibilidades Ryffel 1974 pp 122 ss A escolha entre diferentes possibilidades de comportamento constitui o caráter específico do homem ibid p 134 e por tanto precisa ser regulada de alguma maneira Essa necessidade de regulamentação faz com que as normas assumam uma impor tância cada vez maior na medida em que as escolhas se tornam mais conscientes e portanto mais problemáticas Daí a impor tância inegável de normas dentro de sociedades complexas As regras são entendidas por Ryffel como aquelas possibilidades de comportamento em geral vencidas que configuram orientam a existência humana sem as quais isso não seria concebível Sociologia do DireitomioloP3indd 176 020822 1037 o problema da eFicácia 177 De acordo com as diferentes necessidades existenciais que regulam as normas podem ter um caráter mais ou menos abs trato Quando são gerais ou seja possuem alto grau de abstração e precisam de intensa atividade de concretização podese falar mais apropriadamente em fins diretrizes e critérios As diretri zes presentes em leis e instituições possuem um significado para a existência do homem e orientam a seleção de possibilidades de comportamentos em vista da tarefa que pertence a todo ser humano a autorrealização Selbstverwirklichung Isso não sig nifica que todo homem deva realizarse contra todos os outros pelo contrário tal autorrealização deve ocorrer em comunhão com os outros De fato já no grande número original de possibi lidades de comportamento é fundada a socialidade no sentido especificamente humano ou seja a possibilidade de conceber alternativas de comportamento que não sejam apenas individuais mas comuns a outros homens e que por meio da harmonização mútua também sejam capazes de dar origem a normas gerais Toda a sociedade é portanto entendida como um conjunto de normas nas quais a realização comum do homem é executada ibid p 129 O caráter comunitário da realização humana envolve a har monização das várias alternativas de comportamento e portanto inevitavelmente se refere a algum critério do direito richtig Sobre esse aspecto Ryffel é explícito O homem deve sempre fazer o que é certo essa necessidade nunca pode ser evitada por ele É claro que o conteúdo do que é certo às vezes se mostra problemático No entanto é possível identificar comportamen tos que precisam ser implementados ou devem ser evitados em qualquer situação Entre esses conteúdos normativos essenciais para uma convivência humana pacífica na qual pode haver uma espécie de conteúdo ético mínimo de qualquer ordem Ryffel Sociologia do DireitomioloP3indd 177 020822 1037 178 sociologia do direito menciona a proibição de matar indiscriminadamente no interior de determinado grupo e de impor a promiscuidade sexual Além de uma orientação geral para a justiça característica de todo ordenamento normativo os ordenamentos jurídicos são marcados pela sua eficácia As normas jurídicas são por tanto dotadas de eficácia Wirksamkeit Effektivität e justiça Richtigkeit Sua tarefa é estruturar a sociedade de acordo com critérios justos e efetivos enquanto a natureza específica do sistema jurídico é vista em um planejamento consciente orien tado para objetivos específicos da realidade social ibid p 132 O conceito de direito implica a validade jurídica justiça e a validade factual eficácia pois ambos os tipos de validades são pressupostos no trabalho dos juristas assim como a validade téc nicojurídica legalidade As três modalidades de validade nor mativas factuais técnicojurídicas não podem ser separadas mas podem ser integradas a um conceito de direito que captura a essência do fenômeno A referência na definição do direito a uma dimensão antropológica que supera tanto a perspectiva so ciológica quanto a jurídica permitiria manter a unidade do direi to e da sociedade evitando assim perder de vista o caráter interativo de seus relacionamentos e o sentido que eles têm para realizar o potencial existencial do homem ibid p 371 O processo de aprimoramento que a existência humana vi vencia surgindo possibilidades de comportamento cada vez mais numerosas e diversificadas em resposta à crescente diferenciação da sociedade humana marca o surgimento do direito como ins trumento de harmonização social No entanto vinculado a ele de maneira indissolúvel aparece o Estado entendido como um conjunto de instituições pessoais e materiais para a determinação e execução do sistema jurídico e para a realização das tarefas da comunidade Estado e direito fazem parte de uma política en Sociologia do DireitomioloP3indd 178 020822 1037 o problema da eFicácia 179 tendida como o conjunto de possibilidades direcionadas à criação e mudança do direito e do Estado Segundo Ryffel tal concepção do homem e a tarefa que o direito realiza na existência humana permite especificar o problema que a disciplina da sociologia do direito deve enfrentar É verdade que a difusão e o estreitamento das conexões entre direito e sociedade dificultam a definição de uma disciplina sociológicojurídica autônoma Podese falar de uma potencial onipresença da perspectiva sociológica na ciência do direito ibid p 167 Mas ao lado dessa sociologia do direito em sentido amplo Ryffel argumenta que também se pode legiti mamente falar em uma sociologia do direito no sentido estrito atenta aos aspectos sociais e culturais jurídicos O princípio da historicidade das representações dos justos leva no entanto à rejeição das concepções globais e dogmáticas do justo e à afirmação em seu lugar de uma atitude crítica in tersubjetivamente suscetível à discussão e ao controle Por meio dessa busca pelo justo que não abraça ideias preconcebidas mas propõe diferentes concepções de acordo com as diferentes situa ções históricas surgem alguns princípios agora estabelecidos de maneira duradoura em nossos sistemas jurídicos como os direi tos de liberdade e igualdade de todos os homens bem como os princípios de uma regulação da vida social baseada na tolerância e na compreensão das próprias concepções e dos homens sobre os justos A estrutura regulatória resultante exclui a violência pelo menos em princípio A solução dos conflitos ocorreria através da referência ao que é comum e pode ser encontrada nas diferen tes concepções dos justos apoiados pelas partes opostas ou atra vés da renúncia equilibrada de cada uma de suas reivindicações ou através da neutralização ou seja da suspensão do julgamento de questões de atrito maior e mais radical que comprometeriam Sociologia do DireitomioloP3indd 179 020822 1037 180 sociologia do direito de modo irreparável qualquer forma de coexistência O princí pio da relativa estabilidade dos sistemas jurídicos também exi ge que mesmo nos sistemas mais flexíveis e abertos à intervenção inovadora dos indivíduos o direito mantenha certa constância e resistência ao longo do tempo Essa condição é indispensável para que seja possível executar pelo menos até certo ponto a tarefa que ele realiza institucionalmente ou seja a estrutura estabilizado ra de uma sociedade Essa tarefa pelo contrário tem importân cia em sistemas regulatórios flexíveis Partindo da suposição de que a estabilidade dos sistemas ju rídicos se baseia em geral na necessidade de aliviar o homem da tarefa de regular cada caso de modo individual e de manter a mesma regulamentação em casos semelhantes que surjam sub sequentemente Ryffel salienta que a constante referência às nor mas gerais e os procedimentos estáveis na produção de novas regras permitem manter uma clareza indispensável na regulação das relações sociais Tudo isso explica a razão de os sistemas re gulatórios mutáveis também apresentarem uma tendência natu ral à autopreservação e de serem alterados apenas se houver motivos bem fundamentados para tal Isso nos leva à importante questão da distorção do direito Como o direito não deve apenas ser eficaz mas também justo tornase relevante identificar os fatores que o distorcem e fazem que deixe de ser justo Para resolver esse problema o autor parte do modelo regulatório de uma implementação do direito me nos distorcida Mas quais são os fatores que impedem a minimi zação da distorção ou a maximização da justiça em vários casos concretos Esses fatores de distorção do direito adquirem parti cular importância do ponto de vista sociológicojurídico quando dão origem a ideologias isto é complexos de ideias referentes à sociedade em sua totalidade portanto também aos sistemas Sociologia do DireitomioloP3indd 180 020822 1037 o problema da eFicácia 181 jurídicos estaduais refratárias a revisões baseadas em um co nhecimento mais próximo da realidade ibid p 363 A partir das diferentes ideologias no entanto é necessário distinguir a ideia transcendente dos justos que vários sistemas jurídicos concretos abordam afastandose de situações particu lares É a referência a essa ideia e não um simples apelo positivista aos fatos que permite ao homem estruturar a própria existência na comunidade de maneira responsável e significativa Ryffel sustenta que não pode haver justiça perfeita nem sociedade perfeita nem mesmo um direito que não seja distorcido até certo ponto O direito na verdade embora sempre permita o desen volvimento de alguns indivíduos ou grupos em certas direções inevitavelmente reprime e limita o desenvolvimento de outros indivíduos e grupos ibid p 376 Ryffel parte de um modelo regulatório baseado na hipótese de que normas jurídicas são livremente observadas por serem consideradas justas Essa hipótese típicaideal que não é encon trada na realidade é usada como referência para identificar os principais fatores perturbadores que repetidamente impedem sua efetiva realização Esses fatores são diferenciados por Ryffel em quatro grupos usando como critério o fato de se relaciona rem com as próprias regras métodos de comunicação e circula ção social das regras com o comportamento dos destinatários métodos de aceitação e fontes de justificativa para um compor tamento compatível com a personalidade dos destinatários por exemplo dados demográficos relevantes como idade sexo ocupação classe de pertença nível de educação ou atitudes ava liativas estruturas de caráter etc ou com o contexto em que os destinatários das normas operam por exemplo subculturas ju rídicas constelações econômicas etc ibid p 275 Em consequência e isto deve ser ressaltado Ryffel reduz ex plicitamente o papel da coerção como ferramenta para motivar Sociologia do DireitomioloP3indd 181 020822 1037 182 sociologia do direito os membros de um grupo a aceitarem o direito Além disso ele chama a atenção para outros tipos de sanções que assumem crescente importância inclusive no direito penal Esse desenvol vimento de sanções positivas se encaixa muito bem na concepção por ele proposta uma concepção que visa não apenas compreen der a tarefa defensiva do direito mas também a tarefa promocio nal que ele realiza através da identificação de uma série de possibilidades de incentivo a certos comportamentos Nesse sentido podese notar que todos os autores que abor damos neste capítulo Petrazycki Podgorecki e Ryffel além dos contextos em que se inserem convergem na tentativa de reduzir a importância do medo da sanção ou do interesse do indivíduo como razões de eficácia Além disso chamam a atenção para um direito que não é apenas do homem mas também para o ho mem que surge para Ryffel a partir de um sentido inato do di reito ou mais formalmente de um critério de reciprocidade Nesse contexto portanto entendese a insistência desses autores em sublinhar a importância das sanções positivas prêmios ou recompensas paralelamente ou no lugar das sanções negativas Esse é um aspecto relevante para a sociologia do direito pois pode ter implicações importantes em termos de política legisla tiva e faz parte de um campo da engenharia social capaz de utilizar até mesmo ferramentas não coercitivas para garantir a eficácia das normas No entanto é necessário distinguir o direito de recompensa do direito promocional No direito de recom pensa como no direito repressivo é perceptível a referência a uma perspectiva individualista o prêmio assim como a puni ção se refere à estrutura das necessidades e dos interesses indivi duais de seus destinatários Na lei promocional por outro lado há referência a uma perspectiva mais ampla que leva em conta não tanto os destinatários individuais da regra mas os efeitos que esse direito é capaz de produzir sobre todo o sistema Sociologia do DireitomioloP3indd 182 020822 1037 o problema da eFicácia 183 social Em resumo a função promocional pode ser verificada apenas referindose às reais consequências que o comportamen to desejado exerce dentro de um horizonte macrossociológico do qual quem adota certo comportamento nem sempre tem uma percepção adequada Febbrajo 1983 Facchi 1994 Fica evidente que tanto no caso do direito de recompensa quanto no caso do direito de promoção os efeitos relativos po dem ser realmente alcançados o primeiro na esfera individual o outro na social ou apenas desejados pelo legislador sem mesmo ser em parte realizados permanecendo apenas intencionais Se as distinções apontadas forem combinadas fica fácil per ceber e este é o ponto que queremos enfatizar que a correla ção recompensapromoção não é indissolúvel nem necessária De fato são concebíveis recompensas que possuem uma função de não promoção como defender o status quo por exemplo o direito que permite aos infratores assumir o papel protegido de penitentes e as sanções negativas capazes de desempenhar indiretamente uma função promocional por exemplo as pena lidades previstas para aqueles que obstruem a implementação de uma lei de reforma Tabela 5 Sanções positivas e negativas Perspectiva microssociológica indivíduo Perspectiva Macrossocio lógica siste ma social Tipos de sanções Racionalidade comparada ao valor Racionalidade comparada ao objetivo Sanção positiva Recompensa Incentivo Função promocional Sanção negativa Punição Desincentivo Função de controle Sociologia do DireitomioloP3indd 183 020822 1037 184 sociologia do direito A Tabela 5 ilustra a possibilidade de ambas as combinações sanções positivas individualmente com funções promocionais socialmente e sanções negativas individualmente com fun ções de preservação social socialmente Devese acrescentar no entanto que dependendo das dire trizes da política legislativa pode existir uma fase mais complexa predominantemente de recompensa e repressiva caracterizada por diferentes dimensões da sanção e por uma série de possíveis figuras intermediárias Black 1976 Além da visão do destinatá rio da norma a questão da eficácia também deve ser levada em conta na tarefa de reagir a possíveis violações a ela Tabela 6 Tabela 6 Dimensão da sanção Dimensão Objeto Problema Solução Repressiva Proibição Transgressão Punição Recompensa negativa Perdão Arrependimento Graça Restitutiva Obrigação Dívida dano Pagamento Terapêutica Uniformidade Desvio Correção Pacificadora Harmonia Conflito Conciliação Redistributiva Igualdade Disparidade Compensação Recompensa positiva Reconhecimento Conformidade Recompensa Promoção Invasão Indiferença Incentivo Como a atitude daqueles que devem obedecer está longe de ser única essa tarefa é particularmente sensível por uma série de fatores a quantidade incontável de regras que em princípio devem ser aplicadas a limitação relativa dos meios repressivos dis poníveis que deixa amplo espaço para fatores seletivos de condi Sociologia do DireitomioloP3indd 184 020822 1037 o problema da eFicácia 185 cionamento cultural e instrumental as dificuldades de aplicação e os possíveis efeitos negativos de determinadas regras a hete rogeneidade das políticas de controle prevenção e dissuasão adotadas de tempos em tempos De tudo isso verificase que a legalidade é de fato para os próprios operadores um valorlimi te que pode ser abordado com base em escolhas culturais especí ficas apenas de forma parcial e imperfeita Febbrajo La Spina Raiteri 2006 Compreensivelmente os profissionais podem ser levados a exercer as tarefas repressivas que lhes são confiadas de maneiras bastante diferentes de acordo com as diversas condições cultu rais Assim é possível limitar o rigor esperado nos casos em que há um envolvimento particular do infrator com a vítima por exemplo no caso de uma pessoa matar ou ferir um companhei ro ou em relação ao tipo de crime ou de infrator por exemplo crimes particularmente repugnantes ou minorias de risco pre sumido ou mesmo com relação ao tipo de medidas adotadas por exemplo uma reação mais fraca pode apoiarse na ideia de que não é possível contar com o apoio da opinião pública ou de su periores Também é necessário levar em conta as ferramentas disponíveis que variam nos sistemas jurídicos individuais e as diferentes articulações das forças policiais que podem atuar de diversos modos Apesar das diferenças locais no entanto o fato de estar na linha de frente e ter de gerenciar um confronto direto com o mundo do crime tem forte impacto nos métodos de intervenção da polícia exatamente da mesma forma que as diferentes funções desempenhadas no processo podem influen ciar estratégias e formas comportamentais dos operadores indi viduais Reiner 2000 Outras variáveis que podem ser relacionadas com aquelas já abordadas são as geracionais as geográficas e as ideológicas Sociologia do DireitomioloP3indd 185 020822 1037 186 sociologia do direito Além disso em muitos casos as intervenções sancionatórias só podem ocorrer mediante solicitação o que significa que uma sanção somente será efetivada se duas culturas a de denúncia e a de reação se cruzarem Nesse contexto o mecanismo de apli cação das normas se torna ainda mais complexo tanto que mui tos crimes não surgem no horizonte do aparato sancionador como no caso de estupro que impõe exposição pública indese jada à vítima Nesses casos é particularmente evidente a impor tância da combinação concreta de diferentes culturas jurídicas a dos operadores tendencialmente orientada para a aplicação da norma e a da vítima bem mais exposta às condições das nor mas sociais que muitas vezes podem ser travadas antes da re clamação Thomas 2000 A dificuldade em identificar uma estratégia de controle social ideal implica uma tendência a mudar de acordo com a situação das diferentes estratégias alternativas que podem ser combinadas umas com as outras uma estratégia genuinamente comprometi da com o controle solidário comum em pequenas comunidades e baseada na persuasão e na proximidade visa envolver várias ins tâncias para prevenir o crime e também apoiar psicologicamente as pessoas em risco Hughes Edwards 2002 uma estratégia orientada para um controle hierárquico baseado na adoção anô nima e impessoal de procedimentos rotineiramente organizados pode afetar além do indivíduo seu equilíbrio psíquico a ponto de anular sua resistência Althusser 1969 um exemplo literário dessa estratégia particularmente difundida em países sem ga rantias democráticas é encontrada em Kafka 2010 Nas diversas situações históricas é possível encontrar inú meras outras estratégias que ao longo do tempo diferem signi ficativamente no mesmo país É o caso dos Estados Unidos que com base em um sistema federal apresentam um quadro forte Sociologia do DireitomioloP3indd 186 020822 1037 o problema da eFicácia 187 mente divergente em termos da filosofia da punição como ocor re com a pena de morte nos estados Ao longo de sua história eles viveram diferentes fases de gerenciamento do crime varian do desde as mais drásticas formas de punição até aquelas inspi radas em uma maior humanização das ferramentas de reação O condicionamento cultural da maneira como operadores e cida dãos encaram esse aspecto sombrio e inevitável de qualquer so ciedade é extremamente complexo Qualquer sociedade pode ter vergonha do crime mas deve considerálo já que a multiplicação de prisões policiais ou magistrados não eliminará sua presença nem evitará como acontece em todas as guerras intermináveis qualquer contato informal ou negociação entre os dois lados em guerra No entanto o objetivo de reduzir os limites mínimos de criminalidade é alcançado por meio de programas de prevenção eficazes mas caros para os quais até um país como os Estados Unidos não possui fundos suficientes Friedman 1993 No que diz respeito à área obscura do crime da qual nenhu ma sociedade consegue se libertar por completo também é ne cessário adicionar outra área que pode ser considerada ainda mais oculta pois nela o olho do controlador oficial não consegue descansar os chamados submersos Tratase de um campo extremamente variado que pode contemplar as atividades bem intencionadas mas que por várias razões são consideradas incontroláveis É o caso da prostituição que muitas vezes é mo nitorada apenas de longe pressupondose que uma intervenção direta só poderia movêla tornandoa ainda mais inacessível ao contrabando Em certas situações pode ser considerada uma rede informal de segurança social devido ao duplo circuito de táxis e ao comércio abusivo que as partes interessadas estão dis postas a tolerar dentro de certos limites como as violações que pressionam a acusação compulsória que não implicam conse Sociologia do DireitomioloP3indd 187 020822 1037 188 sociologia do direito quências sociais mas permanecem limitadas à vida privada dos indivíduos Na vastidão de suas articulações cuja quantificação só pode ser presumida o submerso deve ser visto como uma ma neira de aumentar as capacidades seletivas de determinado orde namento excluindo das inúmeras possibilidades sancionadoras do direito positivo o que do ponto de vista da regulação social não é considerado provável que apareça na tela do direito formal do Estado Bettini 1987 Sociologia do DireitomioloP3indd 188 020822 1037 No capítulo anterior dedicado à eficácia do direito foi feita uma tentativa de estabelecer os limites dentro dos quais uma estrutura regulatória que pode ser chamada de contrafactual pode confiar nas ferramentas de controle que um sistema jurídico em geral pos sui uma vez que é destinada a lidar com os fatos sem ceder a eles Tais ferramentas são principalmente as sanções que com mais fre quência constituem penalidades negativas sanções negativas mas há também penalidades positivas sanções de prêmio e que conse guem exercer uma força de fiscalização sobre o comportamento dos destinatários No entanto as atitudes generalizadas e até mesmo avaliativas não devem ser negligenciadas pois além das sanções são capazes de justificar um consenso em relação ao ordenamen to ou às regras individuais e ainda influenciar a ação dos próprios operadores que se veem obrigados a reagir às violações Neste capítulo a perspectiva muda radicalmente Será ob servada a relação entre normas jurídicas e sociedade com ênfase na capacidade dos fatos de mudar as normas ou na capacidade das normas de aprender com os fatos Dessa forma será possível compreender como aconteceu a evolução do direito O fenômeno é extremamente complexo para uma análise sociológica A experiência histórica mostra que os impulsos da c a p Í t U l o 5 o problema da evolUção Sociologia do DireitomioloP3indd 189 020822 1037 190 sociologia do direito evolução do direito em geral provêm não tanto dos indivíduos ou do legislador mas de áreas da sociedade aparentemente distantes da legislação Portanto pode ser comparado ao caso da dinâmica dos eventos naturais em que o epicentro em geral localizado longe da área mais atingida pode causar efeitos violentos No caso das mudanças no direito a causa mais próxima não é neces sariamente a mais importante pois a energia que gera alteração pode produzir consequências significativas e indesejadas mes mo vindas de longe Isso explica por que é dada especial atenção à análise do problema da evolução do direito a partir de uma perspectiva sis têmica que o percebe como um conjunto de elementos com es treita relação uns com os outros e conectados com outros setores sociais parcialmente distantes A suposição de que nada é irrele vante mesmo o bater das asas de uma borboleta que pode origi nar consequências significativas em termos quantitativos tem o mérito de mudar o foco para fatores que não são visíveis de ime diato ampliando de maneira significativa o horizonte de pesquisa São inúmeras as hipóteses macrossociológicas funcionalmente básicas que procuram explicar o problema da evolução do direi to vinculando tipos relevantes de organizações no nível de toda a sociedade aos tipos de organizações relevantes no nível do di reito para demonstrar que ambos podem mudar de forma coor denada coevolução Uma importante hipótese macrossociológica desse tipo foi enunciada por Henry Sumner Maine 1861 Sua teoria evolutiva procura destacar as implicações de um movimento geral da socie dade do status ao contrato A dissolução gradual das conexões que em sociedades tendencialmente estáticas implica assumir posições sociais transmitidas pelo nascimento leva ao surgimen to de sociedades nas quais a dinâmica das relações está centrada Sociologia do DireitomioloP3indd 190 020822 1037 o problema da evolUção 191 nas relações contratuais e nos vínculos individuais independen te do status original A transição do status para o contrato é por tanto comparada com duas formas típicas de direito a primeira está enraizada na vida familiar e na propriedade da terra e é es sencialmente baseada no costume a segunda mostrase aberta à convergência de diferentes vontades no contrato e baseiase na ordem convencional de comércio e tráfego O modelo de transição do status para o contrato lembra a tese da diferenciação progressiva da sociedade que para Durkheim 1893 consiste na passagem de uma diferenciação predominan temente segmentar que caracteriza as sociedades compostas de uma pluralidade de agregados semelhantes famílias múltiplas tribos múltiplas clãs múltiplos etc a uma diferenciação funcio nal que caracteriza as sociedades compostas de uma plurali dade de agregados diferentes em que cada um deles tende a se tornar cada vez mais autônomo a fim de melhor desempenhar sua função Ambas as hipóteses macrossociológicas levam a um aumen to decisivo na demanda por regulação social Os símbolos gene ralizados da unidade social recorrentes nas sociedades baseadas no status ou diferenciados por segmentos perdem relevância enquanto os requisitos específicos de regulamentação adequada são multiplicados para contemplar os diferentes tipos de contra tos e as funções particulares deste ou daquele setor social Partindo em particular da hipótese de Durkheim de uma crescente diferenciação funcional a sociologia do direito con temporâneo desenvolveu uma abordagem para o problema da evolução do direito utilizando as ferramentas da teoria geral do sistema O problema fundamental a ser resolvido é a forma que permite combinar a mudança social e a manutenção da identida de do sistema ou seja os limites dentro dos quais um sistema Sociologia do DireitomioloP3indd 191 020822 1037 192 sociologia do direito como o jurídico pode experimentar até mesmo mudanças pro fundas sem perder sua identidade Se no caso dos indivíduos o conceito de identidade apesar das constantes mudanças relacio nadas ao crescimento e à velhice consegue manter limites claros e indiscutíveis isso não ocorre no caso de um sistema cujos limi tes não são concretos mas que é delimitado por critérios estabe lecidos pelos próprios sistemas de acordo com suas necessidades funcionais1 Niklas Luhmann merece especial menção entre os autores que adotam uma abordagem sistêmica Em seus muitos escritos que buscam com um termo inovador temáticas dos pa radoxos da evolução Luhmann 1972 1981 1993 o conceito de sistema social está indissociavelmente conectado ao conceito de direito e é visto como a principal referência para uma evolu ção aberta e imprevisível O sistema social apresentase como um conjunto de elementos interrelacionados que para sobrevi ver em um ambiente complexo incontrolável e variado precisa desenvolver uma complexidade interna adequada determinada pelos diversos subsistemas dos quais é composto e pelas relações entre eles Nesse contexto de relações externas o sistema social exige a presença decisiva de um subsistema jurídico cujas fronteiras são estabelecidas pela cultura jurídica interna semelhante ao que a cultura econômica faz com o sistema econômico Para isso a co dificação binária típica no caso do direito legalilegal de acor do com a leinão de acordo com a lei no caso da economia rico pobre útilinútil é necessária para traçar os limites de signifi cado do sistema As reivindicações de pureza uma vez vigoro samente apoiadas por Kelsen podem ser de novo propostas de 1 Em geral sobre a teoria dos sistemas aplicada ao direito ver Canaris 1969 Damm 1976 Villas Bôas Filho 2006 Lima 2012 Gonçalves 2013 Guerra Filho 2011 Sociologia do DireitomioloP3indd 192 020822 1037 o problema da evolUção 193 uma maneira mais sofisticada e fundamentada na sociologia Dado que o problema da evolução é crucial em uma perspectiva sistêmica não é de surpreender que no trabalho de Luhmann seja abordado em três estágios diferentes cada um levando em consideração os fatores de mudança no sistema decorrente de seu interior de seu exterior e de ambas as faces Em particular essas fases referemse respectivamente aos fatores sociais que podem pressionar o direito a mudar si mesmo a fim de continuar realizando suas tarefas espe cíficas razões de evolução aos mecanismos do direito que como os procedimentos são capazes de produzir inovação mesmo em um quadro de continuidade ferramentas de evolução aos canais que permitem ao subsistema jurídico selecionar e traduzir internamente e em seu próprio idioma todos os pedidos de renovação provenientes da sociedade filtros da evolução 51 As razões da evolução Entendido como um subsistema do sistema social mais am plo o direito como qualquer subsistema em um organismo vivo é chamado a garantir benefícios ligados à sua própria evolução e à evolução do sistema social do qual o subsistema jurídico faz parte Com suas estruturas regulatórias ele realiza um desempe nho evolutivo essencial que consiste em fornecer critérios de orientação generalizados para os atores sociais A evolução do direito é o resultado de um processo mais amplo que envolve to dos os subsistemas sociais e cada um deles deve se adaptar à complexidade do ambiente e portanto dos outros subsistemas Assim é possível afirmar que a evolução é resultado de um pro cesso geral de adaptação mútua dos subsistemas e que nenhuma Sociologia do DireitomioloP3indd 193 020822 1037 194 sociologia do direito parte do sistema social a partir do direito pode escapar comple tamente dele mesmo se os níveis de condicionamento são muito diferentes Luhmann 1993 pp 239 ss Em um sistema como acontece em um corpo dágua qual quer movimento se espalha para toda a sociedade e o direito não pode permanecer indiferente a essas conexões Usando o exemplo de Luhmann se os nômades domam o cavalo eles adquirem uma superioridade de guerra que pode mover outros povos a construir fortificações e aceitar uma organização política estável com con sequências também no campo do direito Em suma a partir de uma técnica relacionada a um setor de atividade limitado podem surgir consequências difusas possivelmente também relevantes para o direito Mas para identificar essas interrelações e as con sequentes mudanças na esfera jurídica devemos primeiro nos perguntar Por que uma lei é necessária em um sistema social em evolução Ou de maneira mais geral Por que ainda há a necessi dade de regulação em um sistema social Luhmann 1972 p 114 Em resposta a essa pergunta Luhmann descreve alguns me canismos elementares que levam os sistemas sociais a perceber e satisfazer em sua evolução uma demanda fundamental por re gulação Em primeiro lugar as estruturas regulatórias para o autor funcionam conectadas ao conceito de possibilidade ibid pp 29 ss Como vimos no sistema humano o sistema sociedade é capaz de perceber apenas de modo parcial as possibilidades ofe recidas pelo ambiente Além disso a situação existencial do sis tema humano tem como ponto de partida um potencial muito limitado para a percepção atual e consciente do ambiente Há por tanto um desequilíbrio significativo entre as inúmeras possibi lidades de experiência e ação oferecidas ao indivíduo pelo mundo em que ele vive e o limitado potencial de experiência e ação que ele organicamente possui ibid p 26 Sociologia do DireitomioloP3indd 194 020822 1037 o problema da evolUção 195 O caráter fundamental da complexidade do mundo deriva dessa desproporção entre as possibilidades oferecidas pelo am biente e a capacidade de implementar o sistema A complexidade é nesse sentido um excesso de possibilidades com que todo in divíduo ou sistema social inevitavelmente depara A complexidade do mundo deve portanto ser reduzida e essa redução não pode ser deixada ao acaso pois é necessário garantir que o sistema embora menos complexo e portanto mais improvável do que seu ambiente ainda seja capaz de sobre viver Para isso há sobretudo um caminho a percorrer o siste ma deve transformar a complexidade externa em complexidade interna de acordo com o princípio fundamental geral de que quanto maior a complexidade interna de um sistema maior a porção do mundo que ele consegue captar e quanto mais dife renciadas as suas respostas maiores as suas chances de sobrevi vência Ashby 1956 Pannarale 1988 A estratégia de adaptação interna à complexidade externa é alcançada através do desenvolvimento de estruturas Nessa perspectiva a estrutura é o mecanismo utilizado para selecio nar uma gama estreita de possíveis alternativas comportamen tais a fim de possibilitar a formação de expectativas Luhmann 1972 p 40 A estrutura deve portanto utilizar critérios que garantam certa previsibilidade filtrando de todos os eventos abstratamente possíveis o conjunto mais estreito daqueles que provavelmente serão realizados Apenas esses eventos podem ser objeto de expectativas Nesse sentido do ponto de vista de um sistema social e de um sistema individual a estrutura serve para reduzir a quantidade de decepções que a complexidade do mundo pode causar Um importante exemplo de estrutura de certa forma análo ga ao direito é a linguagem Por si só ela oferece grande número Sociologia do DireitomioloP3indd 195 020822 1037 196 sociologia do direito de possibilidades de expressão e portanto insere aqueles que a utilizam em um processo de seleção articulada Depois de fazer uma primeira seleção limitando as inúmeras possibilidades de articulação de sons que o sujeito comunicante possui a lingua gem permite que nesse campo convencionalmente definido e portanto suscetível às expectativas ele possa selecionar ainda mais os sinais e sons a utilizar em seus discursos Em suma a lingua gem como tal completa uma dupla seleção de alternativas possí veis selecionando em uma primeira fase o que os indivíduos deverão escolher em diferentes situações em uma segunda fase Essa complexa operação de seleção detalhada pode ser ga rantida por qualquer estrutura A presença de estruturas tanto para a sociedade quanto para o indivíduo reduz mas não exclui a probabilidade de que as expectativas não sejam atendidas O mundo na verdade além de complexo é contingente O termo contingência referese precisamente à possibilidade de que eventos prováveis do ponto de vista de determinada estrutura não se materializem ou ocorram de modo diferente do esperado Em particular há dois tipos de contingências a chamada contin gência simples serve para indicar a insegurança na realização de expectativas em relação a eventos físicos ou em qualquer caso independentes da vontade humana já a chamada contin gência dupla referese às relações entre sujeitos capazes de pre ver seus comportamentos e serve para indicar a insegurança de atender às expectativas relacionadas a eventos dependentes da vontade de outros ibid p 24 Esse segundo tipo de contingência é naturalmente o mais relevante para um estudo sociológico do direito Envolve por um lado a antecipação das perspectivas de outros assuntos e portanto uma enorme expansão da capacidade da experiência individual mas por outro lado implica também o reconheci Sociologia do DireitomioloP3indd 196 020822 1037 o problema da evolUção 197 mento da liberdade dos outros e portanto maior probabilidade de decepção em relação às expectativas Em outras palavras o preço que você tem de pagar para passar do simples contingen ciamento do campo da percepção de objetos ao duplo contin genciamento do mundo social é um aumento significativo da insegurança e o sistema social responde a ele com a constituição de estruturas de expectativas mais complexas de segundo e ter ceiro nível expectativas de expectativas e assim por diante ibid p 33 O objeto de uma expectativa sociologicamente rele vante não pode ser um fato simples mas a expectativa que outro sujeito tem em relação a determinado fato Tudo isso pode parecer excessivamente complexo mas na realidade é fácil alcançar um nível de reflexividade das expecta tivas mesmo no cotidiano2 Assim de acordo com o exemplo de Luhmann é possível que uma esposa suponha que seu marido ao retornar do trabalho à noite espere um simples jantar frio segundo nível além disso é possível que o marido terceiro ní vel conheça essa expectativa da sua esposa e portanto sabe que se exigisse um jantar quente ela realizaria uma ação inesperada e poderia até prever as consequências de tal ação No entanto se um triplo nível de expectativas for facilmente alcançado nas relações sociais será perceptível o quanto é neces sário para a estabilidade das expectativas sociais garantir a pos sibilidade de um entendimento entre os sujeitos e estabelecer as ferramentas eficientes para fortalecer a coesão social É claro que quanto mais complexas as estruturas de expectativa maio res as possibilidades de erros e malentendidos quando compa radas com as estruturas mais simples Luhmann 1969 p 33 Os 2 Lembremos aqui que o exemplo se remete ao cotidiano vivenciado por Luh mann e por tal motivo a um modo de viver não mais condizente com a realidade dos dias atuais Sociologia do DireitomioloP3indd 197 020822 1037 198 sociologia do direito elementos fundamentais da estrutura teórica aqui descritos po dem ser resumidos no diagrama mostrado na Figura 6 Conceito elementar Qualidade mundial Complexidade Redução Contingência Estabilidade Problema no sistema Resposta do sistema Figura 6 Função da estrutura social POSSIBILIDADE ESTRUTURA Observase que os pressupostos teóricos indicados não ex cluem a possibilidade de decepções Para Luhmann as estruturas das expectativas são tipicamente expostas à decepção É preci samente a partir disso que um impulso importante pode surgir para a correção das estruturas e portanto para sua evolução De fato é possível reagir à decepção quanto a uma expectativa usan do duas estratégias corrigir a expectativa não atendida para se adaptar à realidade estratégia cognitiva ou manter firme a ex pectativa mesmo no caso de decepção estratégia regulatória Estratégias cognitivas e regulatórias são funcionalmente equiva lentes o que significa que ambas podem desempenhar ainda que de maneira diferente a mesma função de neutralizar os riscos de correntes de expectativas não atendidas Essa intercambialidade é uma importante vantagem para o sistema que pode adotar suas estratégias de forma alternativa ou simultânea em diferentes situações o que faz aumentar sua fle Sociologia do DireitomioloP3indd 198 020822 1037 o problema da evolUção 199 xibilidade em relação ao ambiente Dependendo da importância e do significado da expectativa não atendida podem prevalecer os requisitos cognitivos de adaptação à realidade ou de manuten ção da expectativa Isso não significa que entre as duas estratégias a regulamen tação seja muito mais fácil de usar em um mundo incerto Se hou vesse apenas a possibilidade de assumir uma atitude cognitiva que permitisse um aprendizado constante seria difícil suportar no longo prazo a carga pragmática contínua voltada para a produ ção de variações que isso implicaria Uma atitude exclusivamente cognitiva em princípio só pode ser institucionalizada e generali zada em relação a campos específicos como o da ciência A ação regulatória por outro lado tanto no sistema humano quanto no da sociedade pode se estender a um campo de aplicação muito mais amplo Ser capaz de classificar o comportamento das expec tativas como desviante encontra segurança nessa possibilidade já no presente Luhmann 1972 p 129 Além disso por meio dessa estabilização de expectativas o número de ações que podem ser coordenadas entre si e portanto o número de ações socialmente possíveis destinadas a não decepcionar podem ser aumentados de acordo com o necessário O argumento até agora segue a linha adoção de estruturas regulatórias aumento da capacidade redu tiva do sistema aumento da estabilidade interna do sistema e sugere a hipótese de que com a evolução do sistema as normas assumem cada vez maior importância como instrumentos de orientação e coesão social Luhmann 1969 p 30 Um passo decisivo para alcançar aquelas estruturas regu latórias específicas que são as estruturas jurídicas é dado por Luhmann ao distinguir como acabamos de ver estruturas de ex pectativas normativas de estruturas de expectativas cognitivas em um contexto mais amplo Essa distinção baseiase em uma Sociologia do DireitomioloP3indd 199 020822 1037 200 sociologia do direito dimensão temporal à luz da qual as estruturas cognitivas são mais instáveis ao longo do tempo ao passo que as regulatórias são mais estáveis pois não podem ser corrigidas após experiên cias diferentes A não correção das estruturas regulatórias re quer a disponibilidade de estratégias voltadas para a produção de consenso e a absorção das inevitáveis decepções a fim de garan tir a defesa das expectativas em qualquer caso Para ilustrar essas estratégias que podem ou não ser sancio nadas Luhmann utiliza o exemplo de um compromisso perdido Se tenho um encontro com um amigo no bar e o encontro não acontecer ficarei decepcionado não apenas no que diz respeito a minhas expectativas cognitivas mas também às normativas De fato a pontualidade tendencial é uma obrigação socialmente reconhecida Dessa forma é necessário um tratamento da de cepção e por isso inúmeras estratégias não sancionatórias estão disponíveis como reclamar ao garçom eou a todos os presentes buscando a confirmação do princípio da pontualidade violada ou a estratégia de continuar esperando na suposição de que mais cedo ou mais tarde o amigo chegará para causar na magnitude do dano sofrido maior ressonância à violação da norma Ade mais também é possível canalizar a decepção sempre de forma não sancionatória ignorando a violação da lei e portanto não tomando conhecimento dela Tal estratégia pode ser chamada de fingir não ver e tem uma dupla vantagem protege a norma de diferentes informações que a colocam em questão e ao mesmo tempo protege aqueles que se decepcionam com a necessidade de reagir Luhmann 1972 p 49 Comum a todas essas estraté gias é o ato de simplesmente tentar restaurar o caráter regulató rio das expectativas não atendidas sem causar consequências desagradáveis para o infrator Além de uma dimensão temporal as estruturas das expectativas também possuem uma dimensão Sociologia do DireitomioloP3indd 200 020822 1037 o problema da evolUção 201 social que diz respeito à sua capacidade de alcançar um consen so em determinado grupo humano Luhmann ressalta que a atenção de cada membro do grupo limitase à pluralidade de comportamentos socialmente relevantes Isso torna quase im possível para um ator ter sempre todos os outros subordinados a ele como espectadores a menos que se trate de situações excep cionais ou grupos em que todos conhecem todos ou eventos em que como nos escândalos atraem muito a atenção do grupo Daí a necessidade de mecanismos para formar consenso no interior do grupo ibid p 50 Esses mecanismos objetivam não obter um consentimento inatingível para todos mas considerar o consentimento não expresso como se fosse expresso Esses me canismos levam à institucionalização do consenso ou seja à superestimação da consistência numérica real dos julgamentos favoráveis a fim de tornálos expressão fictícia da vontade de todo o grupo Um mecanismo de institucionalização do consenso é cons tituído pelas manifestações em massa o consenso visível dos presentes neste caso é usado para simbolizar o consentimento invisível dos ausentes A institucionalização também é possível no sentido antitético quando a inatividade política crônica de parte do grupo é considerada unilateralmente uma manifestação de uma dissidência tácita da maioria em relação às estruturas de po der em vigor o argumento da chamada maioria silenciosa A terceira dimensão das estruturas das expectativas não diz respeito nem à dimensão temporal e portanto à sua duração nem à dimensão social e portanto ao consenso que elas são capazes de despertar mas sim à identificação do seu conteúdo Limitada às estruturas de expectativas normativas nem é neces sário ressaltar que elas apresentam diferentes níveis de abstração com base nos quais seu conteúdo pode ser determinado Cada Sociologia do DireitomioloP3indd 201 020822 1037 202 sociologia do direito um desses níveis possui características particulares e a escolha de um deles visa atender certas necessidades ambientais Por exemplo uma norma muito concreta pode ter o defeito de limi tar em excesso sua capacidade de aprendizado enquanto uma norma abstrata demais pode impedir seu destinatário de fazer esforços efetivos para alcançála Dependendo do grau de abstração exigido uma norma pode se referir a pessoas papéis programas valores ibid p 27 Caso as expectativas regulatórias se relacionem a uma pessoa elas permanecerão em um nível tão concreto que não poderão ser generalizadas Portanto fica claro que esse tipo de identifica ção do conteúdo das regras é de particular importância em pe quenos grupos nos quais a interação entre os diversos membros permite o conhecimento direto e portanto uma referência às expectativas do indivíduo Por outro lado se forem necessárias expectativas regulatórias mais abstratas elas poderão se referir a determinada função ou seja poderão ignorar caracteres indivi duais levando em consideração apenas os caracteres típicos que entram na definição da função Os papéis na verdade são conjuntos de expectativas não destinadas a certos indivíduos mas apenas à sua posição social Um aumento adicional na abstração é alcançado ao referirse a um conjunto de expectativas regulatórias de determinado pro grama ou seja a uma estrutura de decisão formulada em ter mos gerais e cujas condições de aplicação são especificadas de acordo com a situação O programa ao contrário de uma regra tem a capacidade de ampliar ainda mais a margem de discrição do destinatário deixando a ele a tarefa de especificar certas va riáveis por exemplo os meios a serem utilizados através de cer tos propósitos ou os propósitos a serem determinados através dos meios Sociologia do DireitomioloP3indd 202 020822 1037 o problema da evolUção 203 Finalmente um aumento adicional na abstração ocorre se um conjunto de expectativas regulatórias se relaciona com de terminados valores Ao contrário dos programas os valores têm relações uns com os outros que não são fixadas de maneira defini tiva mas podem variar em caso de conflito resultando em fato res que não são exclusivamente determináveis Nessa perspectiva os valores são pontos de vista que em si mesmos não especificam quais ações devem ser preferidas apenas oferecem indicações de prioridades em grande parte indeterminadas e com diferentes interpretações ibid p 88 O conteúdo sobre o tamanho das es truturas de expectativas pode ser resumido como no esquema apresentado na Tabela 7 Tabela 7 Dimensões das estruturas de expectativas Dimensão das expectativas Aspecto relevante Mecanismo de controle típico Temporal Duração Normalização Social Consentimento Institucionalização Material Conteúdo Abstração Nesse diagrama parece que essas três dimensões permitem compreender mais amplamente aspectos das estruturas das ex pectativas e os mecanismos sociais a elas associados Juntos es ses mecanismos aparecem como instrumentos de generalização ou seja como instrumentos que servem para tornar as estrutu ras das expectativas indiferentes a determinadas variações da realidade social Assim a normalização dá continuidade a uma expectativa independente de os indivíduos estarem momenta neamente decepcionados a institucionalização assume consen Sociologia do DireitomioloP3indd 203 020822 1037 204 sociologia do direito so geral independente de os indivíduos discordarem uns dos outros a abstração garante unidade de significado e coesão às expectativas independente de sua heterogeneidade real O fato de que todos os mecanismos vistos podem ser considerados me canismos de generalização no entanto não garante sua consis tência em todas as situações Por exemplo é possível supor que em determinada sociedade o mecanismo de padronização fun cione além da sua capacidade real de institucionalizar o consen timento das normas em determinada situação E é justamente diante da possibilidade de tais desequilíbrios que surge a necessidade de um sistema jurídico interno à socie dade que possa garantir o funcionamento harmonioso dos me canismos de generalização de expectativas Assim o direito pode ser definido como a estrutura de um sistema social cuja função consiste na generalização congruente das expectativas normativas de comportamento entendendose generalização congruente como a maneira de integrar o sistema social de modo que permita a padronização a institucionalização e a abs tração de operar de forma mutuamente compatível com o mes mo conjunto de expectativas ibid p 94 Essa tarefa do direito não é de forma alguma simples e deve necessariamente ser realizada de maneira diferente em situações históricas diferentes Portanto o direito deve necessariamente evoluir para poder enfrentar os problemas relacionados à diferen ciação funcional que a própria sociedade produz Luhmann acre dita que o constante aumento da complexidade da sociedade tem efeitos significativos sobre os sistemas individuais dos quais é composta já que provoca o fortalecimento simultâneo dos três mecanismos necessários para a evolução de sistemas complexos os mecanismos que servem para produzir novas possibilidades de ação e experiência os mecanismos utilizados para selecionar pos Sociologia do DireitomioloP3indd 204 020822 1037 o problema da evolUção 205 sibilidades utilizáveis e rejeitar as inutilizáveis os mecanismos que servem para preservar e estabilizar as possibilidades escolhidas O processo evolutivo desse modo parece envolver em uma investigação mais aprofundada uma espécie infindável de avan ços do direito em relação à sociedade uma vez que o sistema que atingiu um nível mais elevado de complexidade interna também é capaz por essa mesma razão de perceber e portanto identificar como um problema uma maior parcela da complexidade am biental Da mesma forma se você aumentar o cone de luz a cir cunferência da sombra circundante também aumentará mais luz não deixa de produzir mais sombra Então a pergunta que deve ser feita nesse contexto é se o sis tema jurídico é capaz de acompanhar o aumento geral da comple xidade ou atender aos limites do aumento da sua complexidade interna e portanto se deve reagir ou isolarse do processo de mu dança social ou dar lugar a outros sistemas com maior elastici dade estrutural Essa evidentemente é uma questão central para uma teoria da evolução do direito Por um lado há aqueles que teorizam das mais diversas formas o inevitável declínio do di reito além de certo nível de complexidade social por outro lado outros acreditam que o direito pode aumentar ainda mais sua complexidade realizando novas tarefas como de planejamento e promocionais bem como tarefas coercitivas tradicionais A res posta de Luhmann é no sentido de admitir uma constante adap tação da complexidade interna do sistema jurídico à crescente complexidade externa produzida pela diferenciação funcional Vamos ver a seguir como ele chega a tal solução 52 As ferramentas evolutivas A capacidade evolutiva do direito pode ser multiplicada com o uso de mecanismos jurídicos que mantendo sua regulamenta Sociologia do DireitomioloP3indd 205 020822 1037 206 sociologia do direito ção característica são projetados para produzir com a contri buição de fatores externos resultados imprevisíveis capazes de inovar o direito Segundo Luhmann isso é possível sobretudo através do procedimento Para o autor o termo procedimento referese não apenas ao direito processual mas a qualquer sucessão juridicamente re levante de atos com desfecho incerto Além do processo judicial também as eleições políticas o processo legislativo os processos decisórios da administração pública são exemplos de processos Em suma embora o procedimento em geral seja definido enfati zando acima de tudo o aspecto da sucessão ordenada dos atos que o compõem ele pode ser compreendido de modo mais adequado quando considerado uma espécie de sistema social que em ní veis relativamente avançados de desenvolvimento desempenha a função particular de produzir decisões imprevisíveis e vincula tivas para o futuro e que são de alguma forma inovadoras Assim como todos os sistemas sociais o procedimento tam bém é constituído pela delimitação de limites para um ambiente Ou seja o que é válido no mundo não se aplica ao processo mas deve ser introduzido através de filtros específicos Historicamen te houve uma mudança constante nos filtros que regem a entrada de informações no processo Exemplos desses filtros podem ser para o processo judicial por um lado o julgamento de Deus que confia a decisão final a um único evento por outro lado o pro cesso moderno no qual inúmeros critérios de relevância cons tantemente exigem que o juiz desconsidere tudo o que não é importante para o julgamento As partes portanto são obriga das a deixar de fora do processo qualquer outro papel social que possam desempenhar A incerteza do resultado é absorvida no decorrer do próprio procedimento por meio de um processo se letivo de tomada de decisão capaz de se legitimar Sociologia do DireitomioloP3indd 206 020822 1037 o problema da evolUção 207 A teoria oculta do procedimento evidencia que as inovações são produzidas através de decisões aceitas pelas partes interessa das mesmo que não totalmente previsíveis Essa teoria baseiase no fato de inserir o indivíduo em um conjunto coordenado de pa péis internos ao processo e dessa forma conseguir pressionálo a aceitar as decisões finais produzidas independentemente do seu conteúdo e das motivações pessoais dos atores individuais Segundo Luhmann esse resultado é alcançado ao transformar o conflito regulatório que constitui o objeto real do procedi mento em uma questão cognitiva ibid p 27 Uma coisa julgada deve necessariamente ser aceita pois não há mais possibilidade de alterála ou ignorála A aceitação no entanto significa algo mais ou seja manifesta que o ressentimento e as decepções que podem resultar de uma sentença desfavorável não são institucio nalizados mas permanecem confinados a um nível privado sem ganhar a relevância dos conflitos sociais Se aquele que perdeu a causa tenta socializar a própria decepção assume a posição de desajustado o queixoso seu comportamento é considerado es tranho e desviante pois é o resultado de uma recusa em aprender a adaptar as expectativas de alguém ao resultado do julgamento ibid p 128 Para que o resultado do processo seja aceito é necessário portanto desenvolver estratégias voltadas para o envolvimento da parte Essas estratégias baseiamse sobretudo no princípio da coerência responsável pela regulação das interações sociais ibid p 129 Esperase portanto que todos os afiliados demonstrem certa medida de coerência na representação de si mesmos como base de orientação e como premissa para a interação social de ma neira duradoura Assim por exemplo aqueles que se apresentaram como não fumantes certamente não podem começar a fumar No processo essa expectativa social que permanece consistente exerce pressão significativa sobre as partes vinculandoas Além Sociologia do DireitomioloP3indd 207 020822 1037 208 sociologia do direito disso mesmo as funções processuais assumidas apenas uma vez obrigam à consistência e limitam as variações disponíveis sem perder a identidade adquirida É evidente que para que a parte se sinta vinculada a uma continuidade de autorrepresentação ela deve se sentir livre em suas afirmações Nesse contexto as garantias processuais favo recem a vinculação da parte ou seja sua responsabilidade não seria assumida caso não pudesse decidir sobre seu comporta mento e suas escolhas Dessa maneira o ônus de assumir pelo menos de forma implícita uma atitude de aceitação em relação ao resultado final é dispensada antecipadamente Aqueles que aparecem acorrentados e falam sob chicotadas dizem ao mesmo tempo que suas afirmações não dependem deles ibid p 130 e podem portanto se desvincular do que foi dito ou feito durante o julgamento Mas se não for esse o caso uma retratação tardia parece difícil de justificar O processo cerimonial também é um importante meio de envolver a parte Ele desempenha a função de vincular progres sivamente o comportamento dela como uma cadeia de promes sas e isso é feito não apenas por meio de seus atos verbais que transformam o comportamento das partes em história do pro cedimento e portanto em uma restrição para elas próprias mas também através do clima do julgamento A cena e o cerimonial do debate tornamse assim produtores de normas e às vezes podem ser transformados em uma armadilha para as partes que não querem se comprometer a tal ponto Aqueles que percebem que não podem prever as consequências de uma participação ati va são portanto induzidos a planejar estratégias de desengaja mento ou mesmo a silenciar a última tentativa de escapar de alguma forma das implicações simbólicas para o significado vin culante de sua presença ibid p 131 Sociologia do DireitomioloP3indd 208 020822 1037 o problema da evolUção 209 Tudo isso se aplica tanto ao tribunal quanto aos demais par ticipantes do processo para os quais não deve se manifestar um preconceito social que possa desacreditálos em seus outros papéis além daqueles que constam no processo A incerteza do resultado do processo deve ser mantida e deve justificar visivel mente a ação de acordo com o papel Se o resultado já fosse claro a priori o procedimento seria rígido em um cerimonial organizado formalmente ibid p 126 No entanto não se pode desconsiderar que o processo algu mas vezes leva aqueles que estão enganados a entendêlo e pode disponibilizar um acordo àqueles que conhecem seu direito Entretanto nem produzir nem reconhecer erros constitui a ver dadeira ideia de informação ou mesmo a função latente do pro cedimento do sistema O processo é por si só capaz de inovar e isso se deve justamente à sua característica de poder processar informações vindas de fora por conta própria tornandoas vin culativas Mas podese perguntar quais são as condições para que isso aconteça Luhmann ressalta que o procedimento se limita ao mundo exterior ao nível dos temas e papéis já que a receptividade dos sistemas sociais em relação às inovações jurídicas depende de as interdependências entre os diversos subsistemas não ser muito altas Se tudo dependesse de tudo e não houvesse filtros interme diários entre um sistema e outro a dispersão das consequências de uma decisão seria muito alta e portanto seria quase impos sível produzir efeitos direcionados Entre os fatores que em um sistema social diferenciado são capazes de interromper as rea ções em cadeia causadas por uma inovação jurídica e canalizar seus efeitos está a capacidade dos sistemas de se autorregular reagindo com estratégias específicas a mudanças específicas Tor nase assim possível limitar o trabalho de um hipotético engenhei Sociologia do DireitomioloP3indd 209 020822 1037 210 sociologia do direito ro social impedindo que no momento da inovação do direito se pense e deseje alcançar além ibid p 134 Luhmann aborda também outros processos paralelos aos judiciais Em relação ao processo legislativo ele observa que o programa de tomada de decisão não é o condicional se en tão mas um programa de propósito Isso leva a um aumento na tomada de decisões que neste caso é mantido dentro de limites aceitáveis graças a uma estrutura dupla na qual operam em con junto tanto os procedimentos parlamentares formalmente pre tendidos com deliberações finais adotadas por maioria quanto os arranjos decisórios concretos nos quais as relações pessoais e informais estão entrelaçadas Quanto aos destinatários das deci sões eles podem aproveitar as mudanças introduzidas pelo pro cesso legislativo no direito mas em geral são submetidos a elas como eventos a ser tomados apenas cognitivamente Assim os des tinatários mudam suas expectativas de maneira correspondente sem que grandes complicações ou discrepâncias ocorram nos papéis adicionais que desempenharam ibid p 203 Quanto aos procedimentos eleitorais que permitem a intera ção entre atores institucionais partidos e sociais eleitores a ca nalização de possíveis decepções para formas institucionalizadas e não violentas de expressão é assegurada pelo fato de que as eleições políticas oferecem a oportunidade de expressar discor dâncias sem colocar em risco a estrutura Eles fazem portanto parte dos mecanismos de absorção de protestos e nessa pers pectiva contribuem para o cumprimento da mesma função dos processos judiciais Para que o processo eleitoral crie precondi ções decisivas e contribuições parciais para o processo de legiti mação do sistema político devem ser respeitados os princípios da universalidade do acesso ao papel de eleitor da igualdade do peso de todos os votos além do sigilo da votação Eleições que Sociologia do DireitomioloP3indd 210 020822 1037 o problema da evolUção 211 observam esses princípios podem institucionalizar certa varia bilidade independente da política em relação a outros setores da sociedade permitindo assim uma espécie de autonomia opera cional da própria política Na verdade nas eleições é reduzida a incerteza em relação ao resultado final pois diminui a possibilidade de indivíduos pro gramas e partidos ganharem destaque ibid p 164 Além disso nas eleições o cidadão simplesmente vota participando de for ma bastante genérica de uma distribuição concreta de papéis A democracia tem a grande vantagem de permitir que as decisões sejam tomadas sem eliminar a possibilidade de que sejam corri gidas no futuro mantendo assim o sistema aberto a estágios de evolução de modo que combine as necessidades de continuidade e mudança para que se mostrem suportáveis para o corpo social Outra maneira de inovar o direito é o procedimento adminis trativo em geral regulado por programas mistos tanto condicio nais quanto propositais Luhmann acredita que a administração está muito aberta à participação do usuário A confiança da ad ministração de que conseguirá o consentimento dos usuários implicaria de fato uma renúncia às vantagens de uma diferen ciação funcional entre política e administração ibid p 213 Por outro lado ao contrário de outros procedimentos o proces so administrativo não decepciona necessariamente as partes en volvidas Portanto os processos da administração pública devem ser libertados da necessidade de se preocupar em excesso com sentimentos e legitimidade e em vez disso devem ser organiza dos de forma puramente instrumental ibid p 236 Esses exemplos servem para destacar o grande valor para a evolução jurídica da adequada condução dos processos que por um lado assegura certas regras do jogo e por outro não preju dica o resultado final e legitimao Em suma o procedimento é Sociologia do DireitomioloP3indd 211 020822 1037 212 sociologia do direito entendido como um sistema de atos legalmente ordenados sem resultado determinado capaz de produzir decisões por vezes ino vadoras e aceitálas a priori não tanto pela capacidade real ou potencial de proteger valores ancorados no ordenamento como os da verdade e da justiça mas sobretudo em virtude dos meca nismos para assumir papéis Esses mecanismos sociológicos e os fatores psicológicos obrigam aqueles que participam do processo a aceitar seu resultado pois pelo menos em princípio contribuí ram para a sua produção e portanto os participantes tornamse socialmente responsáveis pelo resultado obtido na medida em que os procedimentos são utilizados em uma estrutura democrática O processo também significa que qualquer tipo de estabiliza ção assim que alcançada pode por sua vez tornarse motivo para uma nova mudança Em particular a solução judicial de um caso além de ser por si só incerta como visto e portanto até cer to ponto inovadora é capaz de criar condições para inovações no tribunal ou mesmo na esfera legislativa uma vez que o procedi mento é ao mesmo tempo um fator de mudança e de estabiliza ção do direito Não se deve ignorar porém que a legislação responsável pela adoção de uma racionalidade teleológica ou orientada para fins teleológicos normalmente possui apenas uma vaga ideia dos ob jetivos a serem perseguidos a curto e médio prazos e quase ne nhuma ideia do que deve ser buscado a longo prazo Mais do que isso é capaz de avaliar em certa medida os efeitos imediatos de suas intervenções Estes provavelmente deverão experimentar re petidas ações corretivas pelo menos enquanto a questão a ser re gulamentada atrair a atenção de uma opinião pública que por um lado é capaz de condicionar a cultura jurídica interna do le gislador mas por outro lado está condicionada por culturas jurí dicas externas bem articuladas em uma sociedade diferenciada Sociologia do DireitomioloP3indd 212 020822 1037 o problema da evolUção 213 53 Os filtros da evolução Para evitar que a evolução induzida pelo ambiente destrua a identidade do sistema de direito e redefina por meio de aprova ções subsequentes todas as diferenças em relação ao restante do sistema social ele não pode ser exposto sem proteções à onda de mudança social e portanto deve ser protegido pelos seus pró prios filtros internos Uma importante consequência dessa abordagem é que os resultados do desenvolvimento jurídico como em qualquer evo lução não devem ser considerados do ponto de vista determinís tico uma vez que não podem realizar totalmente um projeto predeterminado Essa questão será retornada adiante Ressalte se aqui que a evolução como tal depende de uma pluralidade de fases que incluem processos sucessivos de variação capazes de abrir o horizonte do direito a novas possibilidades portanto não apenas à seleção dessas possibilidades mas também à es tabilização das seleções realizadas em um processo circular de correções adaptações e novas correções que podem ser divididas em uma miríade de pequenos passos dados por atores indivi duais Para que tudo isso gere não o caos mas reconhecidas ino vações é necessário permanecer na colmeia de um sistema capaz de oferecer um ponto de referência comum de significado aos vários atores que sem se conhecerem e de maneira independente uns dos outros competem para a sua evolução Em suma só é possível falar em evolução se e dentro dos limites em que existe um sistema de referência Para poder desmembrar os processos que regulam a corre ção das estruturas regulatórias que se consolidaram em deter minado estágio de seu desenvolvimento na última fase de sua produção teórica Luhmann elabora alguns conceitos que cor respondem a métodos de regulação de abertura e fechamento do Sociologia do DireitomioloP3indd 213 020822 1037 214 sociologia do direito sistema jurídico Todos os sistemas ele observa possuem um fechamento operacional Luhmann 1993 pp 34 ss Isso sig nifica que as operações implementadas surgem e permanecem dentro do sistema na medida em que guardam íntima relação com as operações anteriormente realizadas pelo mesmo sistema e com as operações que ele produzirá no futuro Uma decisão jurídica é resultado de outra decisão jurídica e um argumento semelhante pode ser aplicado a uma decisão política e a uma de cisão econômica Isso é claro não significa que mesmo fatos per tencentes ao ambiente ou seja a outros sistemas possam ser considerados relevantes dentro de um sistema Esses fatos no entanto para que sejam levados em conta em um sistema como o sistema jurídico devem necessariamente ser filtrados e recons truídos com base em critérios legais Quando o direito reconhece certos fatos como relevantes e portanto estabelece certas expec tativas de comportamento em geral percebidas pela sociedade como normativas leva em consideração seus próprios critérios de seleção e seus próprios canais de comunicação para que se possa dizer que nesse caso o direito só pode reconhecer o direito De fato o operador encontra o que o seu olhar técnicojurí dico permite que veja Ele não apenas não pode mas não deve lidar com todo o resto Nesse sentido o programa condicional com o típico esquema se então repousa dentro do sistema jurídico tanto no primeiro pilar hipótese juridicamente formu lada quanto no segundo consequência juridicamente definida impedindo que a realidade não relevante para o direito passe sob essa ponte Retomando a analogia empregada por Luhmann a Torre Eiffel permanece fora do processo de produção da foto que a reproduz processo que envolve de maneira direta outros fato res presentes no laboratório como a câmera o fotógrafo o papel o processo de desenvolvimento Isso não implica um isolamento Sociologia do DireitomioloP3indd 214 020822 1037 o problema da evolUção 215 total do sistema jurídico de qualquer tipo de influência ou inter dependência externa ibid p 44 mas torna adequada para esse sistema a orientação de cada operação jurídica para a rede global de operações No caso do sistema jurídico o fechamento operacional pode portanto ser chamado de fechamento regulatório uma vez que se replica ao longo do tempo através de referência às suas operações mas não exclui a possibilidade de aprendizagem des de que seletiva da realidade externa O sistema pode passar de um fechamento regulatório para uma abertura operacional des de que seja regulado pois a capacidade de aprender não pode ser ilimitada É evidente que o tribunal ou os legisladores podem aprender sob certas condições mesmo que algumas pessoas se comportem de modo que violem determinadas normas e que a enorme quantidade de violações que qualquer ordem é forçada a tolerar no dia a dia já constitui uma importante reserva de apren dizado e autocorreção para os operadores Em suma para o sistema jurídico o aprendizado não consti tui um problema se é préselecionado juridicamente por meio de canais de aprendizado Para isso utilizase o conceito de co nexão operacional ibid pp 440 ss Ao usar essa conexão um sistema embora não deixe seu escopo de relevância pode reali zar suas próprias operações conectandoas com o ambiente de outro sistema Isso ocorre por exemplo quando um relaciona mento jurídico prevê a obrigação de um pagamento entendido como uma operação econômica ou no máximo préjurídica Neste caso não é o comportamento individual que entra no sis tema jurídico mas é o sistema que seletivamente percebe cer tos comportamentos e os reconhece como capazes de produzir efeitos legais e ter reconhecimento legal Conectado à conexão operacional o conceito de conexão estrutural é responsável por Sociologia do DireitomioloP3indd 215 020822 1037 216 sociologia do direito definir a possibilidade de que um sistema assuma de forma sus tentável certas qualidades de seu ambiente confiando estrutu ralmente neles ibid p 441 Dinheiro ou tempo por exemplo podem sempre influenciar as estruturas do sistema jurídico de fora É precisamente esse critério estrutural de relevância que é levado em conta pelo sistema Ao ser confrontado com seu am biente com base na distinção fundamental entre o que é e o que não é relevante a conexão estrutural pode não facilitar ou difi cultar a relação entre o sistema e o ambiente conforme as cir cunstâncias Os termos de uma prescrição podem aumentar ou diminuir ao longo do eixo temporal o valor de uma multa pode aumentar ou diminuir ao longo do eixo da moeda Independente dos casos individuais um contato estrutural entre o direito e o tempo ou entre o direito e a moeda permanece insolúvel No que diz respeito ao tempo também se pode observar que seu uso simultâneo por múltiplos sistemas não significa que es tes estejam sincronizados Compartilhar tempo não significa ter os mesmos horários O tempo do direito pode variar dentro do sistema jurídico mas não é necessariamente o mesmo da econo mia da política da família e outros Em relação à família pode se dizer que representa um caso exemplar de conexão estrutural plural presente no sistema jurídico e em uma variedade de ou tros sistemas sociais em que cada um assume diferentes tempos e se correlaciona seguindo diferentes regras de comportamento e critérios para interpretálas Em todos esses casos há interpene trações ibid p 90 entre sistemas Esse termo ao contrário do que pensa Parsons indica a possibilidade de que imagens de ou tros sistemas apareçam na tela de um sistema em particular no jurídico Em vez de apurar as fronteiras entre sistemas diferentes a interpenetração sugere um processo em que imagens de outros sistemas são captadas pelo sistema receptor primeira seleção Sociologia do DireitomioloP3indd 216 020822 1037 o problema da evolUção 217 traduzidas de forma compatível com as especificidades das ope rações desse sistema segunda seleção e com as estruturas que ordenam tais operações terceira seleção e eventualmente são usadas como fatores de inovação na medida em que excedem os filtros estabelecidos pelos limites regulatórios para aprender so bre o sistema Correlativamente o conceito de irritação ibid pp 69 ss3 principalmente no sentido de estresse negativo é empregado para indicar todas as mensagens externas que superando as barreiras seletivas impostas pelo sistema em defesa de sua identidade cau sam reações de rejeição ou pelo menos de neutralização compa ráveis àquelas produzidas por um sistema imunológico Ao levar em consideração os elementos aqui destacados é possível obser var que no trabalho de Luhmann há uma atenção particular às possibilidades e limitações de uma concepção da relação entre os sistemas e seus ambientes que hoje poderiam ser considerados comunicativos As estruturas e os procedimentos desenvolvi dos no âmbito de um modelo de estado de direito são conside rados legítimos não tanto por serem formalmente válidos justos ou eficazes mas porque atendem às necessidades funcionais de todo o sistema e portanto são capazes de evitar conflitos usan do técnicas argumentativas e expressivas Ao utilizar sua própria retórica específica em um contexto sistêmico o direito tende a se tornar cada vez mais sensível à lógica da comunicação O tipo de operação que por meio das mutações imperceptí veis obtidas por atos individuais redefine os limites do sistema é 3 Na teoria mais recente dos sistemas os termos de origem latina são frequente mente preferidos como a irritação inglesa ou a irritação alemã Traduzido lite ralmente como irritação eles podem no entanto ser ambíguos Portanto é preferível usar aqui um termo como solicitação ou perturbação se o sentido for claramente negativo Sociologia do DireitomioloP3indd 217 020822 1037 218 sociologia do direito atribuível à comunicação significativa ou seja que se caracteriza não apenas pela estrutura da linguagem ou pelas intenções do comunicador mas também pela interpretação e previsão de seus possíveis efeitos sobre o tecido social Podese dizer portanto que se a linguagem usada para comunicar as solicitações externas for reconhecida como normativamente relevante elas poderão ser tra duzidas para a linguagem do direito e este poderá apropriarse delas transformandoas em comunicações jurídicas e portanto em fatores de produção legítimos Estrutura linguística intenções interpretações e previsões dos atores envolvidos no processo de comunicação contribuem como um todo para determinar os limites de um sistema jurídico dentro do qual existem não apenas as comunicações referentes ao direito mas também os atos comunicativos provocados por tais comunicações pelo menos até que o processo relacionado à repro dução da comunicação pela comunicação não perca em definitivo a referência original ao direito Quando isso acontece a comuni cação deixa de conectar um sistema a outro depois de passar por uma zona intermediária de relevância para diferentes sistemas Uma ferramenta simples que permite controlar essa dificul dade para delimitar a comunicação intersistêmica referindose às características essenciais do sistema jurídico e ao mesmo tem po evitando questões insolúveis relacionadas às reais intenções dos interlocutores é o código binário típico do sistema jurídico legalilegal de acordo com a leinão de acordo com a lei Mas esse código ao ser aplicado sugere que o sistema jurídico é capaz de observar a si mesmo À luz dessa autopreservação é possível de terminar se e em que medida certos atos comunicativos abran gem esse código que naturalmente será interpretado levando em consideração o outro código binário o de expectativadecepção individualmente confiado aos destinatários das normas jurídicas Sociologia do DireitomioloP3indd 218 020822 1037 o problema da evolUção 219 Com a ajuda de tais estruturas binárias tornase possível combinar expectativas cognitivas e regulatórias em diferentes níveis Assim podemos esperar cognitiva ou legalmente e em consequência mudar ou não nossas expectativas no caso de ex periências decepcionantes podemos esperar normativamente para aplicar expectativas cognitivas ou esperar cognitivamen te para aplicar expectativas regulatórias Em suma o direito é um sistema pronto para se tornar cada vez mais aberto sem renun ciar a defender certa margem de fechamento e é capaz de combi nar momentos de padronização ou de endurecimento coercitivo em relação a comportamentos decepcionantes e desviantes mo mentos de aprendizado ou de uso do desvio para modificar as expectativas não atendidas A legislação e a juridificação são dentro da estrutura do sistema jurídico os principais subsistemas em que essa dupla estratégia encontrase mais explicitamente institucionalizada A legislação que é o principal mecanismo de aprendizado do sistema jurídico estimula mudanças através de um processo interminável de autorreprodução O resultado é uma reação em cadeia que pode sair do controle na medida em que o simples es quema de erro e correção é aplicado de forma mecânica e ilimi tada Uma situação caótica poderia portanto ser gerada para escapar de uma reviravolta como a desjuridificação que igno ra os pressupostos funcionais da juridificação e não parece uma receita completamente confiável A abordagem sistêmica de Luhmann tem o mérito de ofere cer uma razão cada vez mais relevante para os sistemas jurídicos contemporâneos a tensão entre a necessidade de diferenciação interna e recomposição de unidades externas entre tendências estruturais para dividir os encargos decisórios dos operadores em seções caracterizadas por programas específicos e a necessi dade do observador de ser capaz de qualificar o direito de forma Sociologia do DireitomioloP3indd 219 020822 1037 220 sociologia do direito unificada e complexa A abordagem sistêmica através de sua ca pacidade de se estender horizontalmente absorvendo cadeias de conexões em princípio ilimitadas e de desenvolverse vertical mente através de inúmeros processos reflexivos como observa ções de observações tem a peculiaridade de ser capaz de absorver abordagens mais simples tornandoas complementares Em particular os conceitos de fechamento operacional co nexão operacional adequação estrutural e outros a eles relacio nados não apenas recebem designações diferentes parcialmente estáveis ou intermitentes para abrir ou fechar o sistema com direi to ao seu ambiente mas também são diversas as formas de esta belecer seus limites Kelsen Luhmann Lógica do ordenamento Lógica de redução de complexidade Figura 7 Luhmann e Kelsen DIREITO POSITIVO No trabalho de Luhmann prevalece o foco no funcionamento das estruturas do direito em particular no problema fundamen tal do seu estudo entendido como uma análise da relação entre o estudo dogmático e o estudo sociológico do direito Luhmann 19744 Os dois tipos de estudos são reconhecidos por Luhmann em suas necessidades essenciais o primeiro sobretudo na orientação 4 Para uma ampla reflexão sobre as relações entre sociologia do direito e sociolo gia da política ver King e Thornhill 2006 Sociologia do DireitomioloP3indd 220 020822 1037 o problema da evolUção 221 regulatória e autorreferencial indispensável para a manutenção e reprodução do próprio sistema o segundo especialmente na aber tura cognitiva do sistema ao ambiente Devese lembrar também que neste último os motivos de Kelsen são particularmente evi dentes por meio de uma terminologia inspirada em uma con cepção autopoiética que considera o direito como um sistema autorreferencial capaz de produzir decisões jurídicas a partir de outras decisões jurídicas e que portanto permanecem dentro do próprio sistema No entanto este não é um mero retorno a Kelsen adiante da maior conscientização que o sistema jurídico deve as sumir levando em consideração a inevitável predisposta à mu dança imposta pela lógica da redução de uma complexidade que incessantemente se autorreproduz ver Figura 7 A prevalência que Luhmann atribui ao problema da recompo sição da unidade do sistema jurídico apesar ou melhor precisa mente através da distinção funcional entre programas decisórios típicos do Judiciário do Legislativo e da administração pública reserva apenas uma posição marginal para o que sob essa luz se apresenta como uma tendência cada vez mais frequente na reali dade a desestabilização dessa distinção funcional Isso às vezes acontece tanto através de uma legalização do Legislativo cha mado a resolver conflitos particulares e não gerais quanto atra vés de uma legalização do Judiciário solicitado a compensar as lacunas legislativas ou pelo menos a manifestar a vontade do Es tado de intervir em áreas em que a legislação inadequada efetiva mente impede medidas mais severas Além disso as dicotomias fundamentais nas quais Luhmann insiste entre cognitivo e normativo abertura e fechamento teleológico e condicional não são adequadas apenas para ser combinadas de formas mistas na administração pública mas tam bém para ser mais articuladas Através de seus diferentes níveis Sociologia do DireitomioloP3indd 221 020822 1037 222 sociologia do direito de autoconsciência o sistema jurídico parece cada vez mais inse guro com relação a sua identidade fundamental e não é de todo controlado por esse sentido de ferro do eu que é ou deveria ser garantido por dogmáticos jurídicos Tudo isso sugere uma per cepção diferente da unidade do sistema cujos níveis de significado variam dentro das estruturas regulatórias de forma muito mais fragmentada do que o chamado salvavidas da forma Irti 2007 o que se revela na prática 54 Algumas implicações da abordagem sistêmica A abordagem sistêmica como visto parte fundamentalmente da ideia de que a interação entre o ambiente e as estruturas regu latórias é completamente impessoal e que os resultados relevantes do ponto de vista evolutivo só podem ser produzidos através de um processo constituído por uma série de inúmeras microinter venções para a abertura e o fechamento do sistema e sua sucessão e seu conteúdo real não são previsíveis nem projetáveis Para ilustrar essa abordagem é possível utilizar o exemplo extraído de outro contexto de uma das típicas realizações arqui tetônicas que todos podem admirar na paisagem urbana a praça Nela as características essenciais adaptadas de tempos em tem pos a situações específicas tamanho forma geométrica locali zação da sede das principais instituições do município à igreja são amplamente recorrentes Essas características podem ser vis tas como uma espécie de jurisprudência consolidada da praça mas raramente podem ser atribuídas a um projeto específico a uma lei atribuível a determinado sujeito ou a um único legisla dor De maneira geral devem ser atribuídas a um direito natu ral da praça reconhecido pelo seu compromisso de facilitar as relações humanas tanto quanto possível ao permitir alta visibi lidade garantida por uma grande área aberta Sociologia do DireitomioloP3indd 222 020822 1037 o problema da evolUção 223 As praças italianas não são o resultado de um projeto criado por um único arquiteto mas de uma série de contribuições às vezes mínimas às vezes de longa data que fizeram que cresces sem e pudessem evoluir traduzindo necessidades externas con tingentes dentro de uma lógica funcional e dentro de cânones estéticos que pelo menos em certo período da história italiana foram amplamente compartilhados e portanto representavam o equivalente ao que em certos momentos da sua evolução as culturas jurídicas eram para o direito5 Isso significa que as solicitações individuais vindas de fora tanto para o jurista quanto para o arquiteto deverão parecer ao mesmo tempo não inteiramente repetitivas e portanto até certo ponto inovadoras mas também não completamente inesperadas e portanto em alguma medida antigas Apenas superando essa antinomia aparente um sistema como o jurídico poderá modifi car suas estruturas normativas para uma visão geral das antino mias próprias da teoria do direito cf Friedman 1967 pp 82 ss No entanto durante o curso da evolução histórica as mudan ças registradas pelos sistemas sociais individuais não são unidi recionais mas podem permitir que ilhas de resistência persistam contra as tendências evolutivas dominantes Em sociedades que atingiram níveis mais elevados de desenvolvimento formas de nível inferior podem ser preservadas embora com menor im portância e difusão6 Quanto ao direito as mudanças que expe rimenta podem ser parciais e atrasadas Assim falase de uma defasagem cultural crônica do direito cultural lag que faz a so 5 Essa analogia me foi sugerida por uma inesquecível aula de história da arquite tura de Manfredo Tafuri 2002 2007 6 Entre os sociólogos do direito Gurvitch 1942 é aquele que mais do que qual quer outro insiste na importância da presença de várias camadas de culturas ju rídicas abaixo da superfície da cultura jurídica oficial Sociologia do DireitomioloP3indd 223 020822 1037 224 sociologia do direito ciedade ser a primeira a se mover em uma perspectiva evolutiva Ogburn 1950 No entanto também é possível verificar a hipó tese oposta ou seja de que o direito por sua vez é capaz de an tecipar as orientações da sociedade ou de parte dela Exemplos em ambas as direções não faltam na experiência italiana É pos sível que na ausência de argumentos contrários o legislador incorpore propostas e orientações culturais desenvolvidas em setores de elite relativamente restritos e quase ignorados pelo restante da sociedade como foi o caso da legislação que aboliu as instituições de asilo Entretanto também diretrizes amplas pos sivelmente transpostas através de pesquisas ou procedimentos formais específicos como referendos podem prevalecer em rela ção a propostas e orientações elaboradas em esferas culturais eminentemente técnicas como aconteceu quando o plano de iní cio da construção de usinas nucleares foi rejeitado Além disso também há casos em que a cultura do legislador está de acordo com as considerações de uma matriz éticoreligiosa conseguin do se impor a uma vasta sensibilidade cultural de sinal oposto como ocorreu com a abolição das chamadas casas fechadas Há ainda ocorrências em que por outro lado são as orientações cul turais mais compartilhadas que se impõem a considerações éti coreligiosas como no caso da legislação sobre divórcio e aborto Também não se deve esquecer que a mudança pode ocorrer através do transplante de partes de um sistema a outro diferen tes em história e cultura Esse transplante às vezes é obra de uma cultura jurídica interna que vê de modo favorável as experiências jurídicas de outros países mas pode ser apoiada por movimentos ativos na cultura jurídica externa dos potenciais receptores das normas A integração europeia por exemplo foi produto de um movimento que sem dúvida envolveu pelo menos em um pri meiro momento a cultura jurídica interna e externa dos novos Sociologia do DireitomioloP3indd 224 020822 1037 o problema da evolUção 225 paísesmembros apesar da aceitação forçada de uma enorme massa de disposições vinculantes Para que um transplante jurídico se torne parte do novo sis tema e execute de maneira efetiva as funções previstas em geral as partes devem encontrar condições adequadas para desenvol ver raízes culturais reais que as estabilizem depois de possivel mente alterálo para evitar reações de rejeição Também nesse caso portanto as culturas jurídicas podem ser vistas como fato res capazes de influenciar a evolução do sistema jurídico de vá rias maneiras Elas podem ser colocadas em níveis culturais mais superficiais e rapidamente mutáveis ou envolver camadas mais profundas com uma série de efeitos que por vezes são de acei tação geral aculturação bem como de reinterpretação e adapta ção de aspectos específicos inculturação As instituições de direito penal revelamse particularmente problemáticas nesse sentido pois com facilidade podem provo car fortes reações ou resistências culturais generalizadas contra as normas formalmente implementadas sobretudo se o ambien te cultural e religioso é diferente Nesse contexto são interessan tes as diferenças entre o direito penal da Itália e dos Estados Unidos Dados os diferentes contextos culturais as ideias e prá ticas sancionadoras nos dois países não podem ser exportadas e importadas livremente7 O conceito de enraizamento permite isolar uma série de indicadores relevantes a fim de analisar de maneira concreta a possibilidade de essas normas se enraizarem em um terreno culturalmente diferente o nível de repressão dos sistemas jurídicos o nível de disponibilidade de contratação dos tomadores de decisão para assumir a responsabilidade e portan 7 Comentários de David Nelken 2006 sobre algumas contribuições de Dario Melossi 2000 2001 2002 Sociologia do DireitomioloP3indd 225 020822 1037 226 sociologia do direito to o receio de cometer erros ao estabelecer uma sentença de pri são os condicionamentos religiosos ligados a uma ideologia protestante que pareceria mais pronta a impor sanções do que uma ideologia católica mais inclinada ao perdão os diferentes tipos de normas a serem transplantadas seus métodos de circu lação e difusão e por fim os fatores históricos políticos e eco nômicos que tornam o quadro de variáveis extremamente amplo O resultado é que um transplante poderá ter sucesso não apenas se houver uma atitude favorável por parte da cultura jurídica in terna mas também se os fatores ambientais como um todo per mitirem que as instituições transplantadas no novo organismo se enraízem As questões relacionadas à evolução do direito tratadas até agora mostram que a crescente complexidade das relações entre o sistema jurídico e a sociedade requer a superação de uma pers pectiva meramente hierárquica e a adoção de outra interativa Entre os autores que embora de diferentes ângulos abordaram o problema da evolução do direito formulando propostas teóri cas amplas e elaboradas sobre o tema cabe mencionar Jürgen Habermas Ele não apenas teve o mérito de expressar os princi pais motivos inspiradores da Escola de Frankfurt em uma lin guagem mais moderna mas também procurou reconstruir o funcionamento dos sistemas sociais começando não de dentro de suas estruturas mas sobretudo a partir das estruturas exter nas ou seja do ponto de vista dos destinatários das normas Se a atenção está voltada para esses atores sociais o problema central da evolução passa a ser se e como a autenticidade dos sis temas reguladores espontâneos produzidos diretamente pelas várias esferas da sociedade pode ser ameaçada por uma padro nização que é estranha a eles e portanto pode não ser capaz de respeitar e reconhecer suas necessidades Na visão de Habermas Sociologia do DireitomioloP3indd 226 020822 1037 o problema da evolUção 227 um papel importante é desempenhado pelos conceitoschave de mundo vital e colonização utilizados para designar a relação que nas sociedades caracterizadas por uma regulação jurídica cada vez mais incisiva é estabelecida entre o direito e a reali dade social Os imperativos dos subsistemas autônomos en tre os quais está o direito assim que são despojados de seu véu ideológico penetram do exterior para o mundo vital como colonizadores em relação a uma sociedade primitiva e impõem assimilação Habermas 1981 Habermas aponta as principais etapas do processo de evolu ção do direito que parte de uma institucionalização do dinheiro e do poder ou seja da mídia que sustenta a diferenciação entre os sistemas da economia e da política até um Estado democrático que acaba constitucionalizando as relações de poder Os produtos desta última etapa da evolução são a redução da jornada de tra balho liberdade sindical e autonomia contratual proteção contra demissões seguro social etc Em todos esses casos a lei voltada para si mesma tenta equilibrar através de novos regulamentos jurídicos o poder produzido dentro de uma esfera de ação já juri dicamente constituída para uma análise mais aprofundada da reflexão de Habermas sobre esse assunto cf Günther 1988 Essa reconstrução faz que Habermas estabeleça a distinção entre dois tipos de direito como meio e como instituição O direito como meio simplesmente serve como uma ferramenta organizacional para os subsistemas que se autonomizaram e portanto pode ser legitimado por meio de procedimentos dada a dificuldade de encontrar uma justificativa material em qualquer caso O direito como instituição que inclui os funda mentos do direito constitucional os princípios do direito penal e o direito do processo penal bem como todos os regulamentos de formas criminais contíguas à moral como aquelas relacionadas Sociologia do DireitomioloP3indd 227 020822 1037 228 sociologia do direito ao assassinato aborto à violência carnal etc não pode ser su ficientemente legitimado mediante o apelo positivista aos pro cedimentos pois suas normas pertencem aos sistemas legítimos do mesmo mundo vital e constituem o pano de fundo da ação comunicativa Habermas 1981 Essa sobreposição do direito pelo menos nos estágios mais avançados do seu desenvolvimento em relação aos sistemas elaborados pelos mundos vitais implica a formação acima deles de uma ordem artificial e coercitiva com caráter inovador em relação à realidade social anterior que não se justifica por si só Nesse contexto a questão não é tanto por que os homens não obedecem mas o motivo pelo qual obe decem a um novo comando jurídico que vem de fora de sua esfe ra de ação Habermas 1992 Habermas descreve um processo de produção de consenso através do último que utilizando ferramentas da teoria da lin guagem tornase uma das razões norteadoras da sua análise Desde seu primeiro trabalho em que reconstrói o surgimento de uma esfera pública nas sociedades ocidentais do século XIX Ha bermas 1962 ele procura identificar ferramentas úteis para o desenvolvimento de uma democracia discursiva capaz de colocar não apenas indivíduos ou grupos de especialistas mas o maior número possível de sujeitos em posição para enfrentar as princi pais questões regulatórias com a convicção de poder alcançar mesmo nessa área uma espécie de verdade A possibilidade de assumir uma atitude cognitiva é portanto generalizada Para se referir à pluralidade de culturas jurídicas heterogêneas o direito deve garantir não apenas uma ordem social de conduta mas também uma compatibilidade cultural das diferentes diretrizes jurídicas ou extrajurídicas capaz de equilibrar a matéria parti culada e a anonimização generalizada recorrendo a uma redefi nição universal do ato comunicativo Sociologia do DireitomioloP3indd 228 020822 1037 o problema da evolUção 229 O modelo de Habermas 1992 desse ponto de vista derruba a perspectiva antropológica da abordagem sistêmica Enquanto essa abordagem observa a redução da complexidade como função fundamental das estruturas sociais em particular das estruturas regulatórias objetivando manter o equilíbrio entre a complexida de interna e externa do sistema o modelo dele aborda as estrutu ras sociais em particular as estruturas jurídicas comprometidas em proteger a autêntica possibilidade de expressão dos mundos vitais A visão predominante para Habermas é portanto a de conectar o sistema a uma perspectiva comunicativa ainda não baseada como em Luhmann na necessidade de que ele mante nha sua adequação funcional e sim na necessidade de desenvol ver mesmo no nível de atores individuais relações discursivas racionalmente ordenadas e não condicionadas de forma atenuante Em suma a antropologia dos limites defendida por Luhmann que enfatiza as funções positivas das estruturas reguladoras em termos de redução da complexidade se opõe à antropologia das possibilidades que chama a atenção para as funções injustifica damente mortificantes que o direito pode jogar contra a capaci dade das pessoas de agir Na abordagem de Habermas portanto por trás de um léxico sofisticado emergem motivos característicos do pluralismo de Ehrlich e de sua abordagem espontânea A visão implícita no trabalho de Ehrlich de que as estruturas jurídicas do Estado re presentam uma limitação injusta imposta às necessidades dos homens que seriam capazes de construir as estruturas regulató rias para orientar sua ação é adotada por Habermas ao conside rar com desconfiança um direito que se pretende portador de limites que podem levar à colonização de mundos vitais frus trando sua autenticidade Ao considerar a intervenção regulatória do direito estatal como uma desordem real capaz de ameaçar a vida ordenada de Sociologia do DireitomioloP3indd 229 020822 1037 230 sociologia do direito um cosmos já suficientemente autorregulado Habermas con centrase na crise das ideologias que sustenta o Estado Além disso ele não observa no processo de crescente diferenciação caracte rística das sociedades complexas contemporâneas uma perspec tiva de melhoria das condições de vida e sim a possibilidade de uma prevalência unilateral e coercitiva do direito que poderia impor uma ordem superior de novas tensões e conflitos a um tecido social já capaz de se autorregular Habermas 1981 O di reito como expressão de poder em particular poder de Estado longe de ser o instrumento indispensável de uma ordem impos sível tornase um potencial membro de um ordenamento e de um equilíbrio que a sociedade e seus súditos seriam capazes de alcançar espontaneamente Ehrlich Habermas Consenso Razão Figura 8 Habermas e Ehrlich DIREITO POSITIVO A Figura 8 indica em seus elementos essenciais a profunda convergência entre o pensamento de Habermas e a concepção de Ehrlich Ressaltese que do ponto de vista da autorregulação tan to por meio de um consentimento concedido espontaneamente Ehrlich quanto através de um discurso baseado na razão Ha bermas o direito pode ser visto como um instrumento de or dem social não sustentado pela força e portanto capaz mesmo sem usar o poder institucionalizado do Estado de evoluir por Sociologia do DireitomioloP3indd 230 020822 1037 o problema da evolUção 231 conta própria como defendido por Ehrlich Esse processo por tanto seria responsável pela diminuição do papel do direito po sitivo e do Estado Um retrato da evolução do direito combinando os requisi tos estruturais apontados por Luhmann com as necessidades dos sujeitos e seus mundos vitais pressupostos por Habermas foi apresentado por Gunther Teubner Ele tentou desenvolver a perspectiva predominantemente estrutural de Luhmann dis tinguindo na categoria geral de autorreferência vários tipos de relacionamentos capazes de aumentar a complexidade de um sis tema como o jurídico autoobservação autodescrição autoor ganização autorregulação até a chamada autopoiese entendida como a autoprodução do direito e capaz de resumir todas elas Teubner 1989 2019 O primeiro componente do pensamento de Teubner está en raizado na dogmática jurídica e na análise conduzida do ponto de vista interno dos múltiplos mecanismos que o caracterizam Em particular esses mecanismos são submetidos a uma investigação crítica detalhada ilustrada com vários exemplos Na introdução do trabalho em que desenvolve a teoria do direito como um siste ma autopoiético para ilustrar a autorreferencialidade do direito Teubner parte de uma narrativa que pode ser assim resumida Aconteceu uma vez segundo esse relato que os rabinos reunidos na sinagoga não conseguiram chegar a um acordo sobre a solução a ser dada a um problema jurídico inferido pelo Talmude O rabi no Eliezer que se opôs à opinião da maioria convencido da justiça de sua posição minoritária disse que se ele estivesse certo uma árvore fora da sinagoga daria um passo Isso aconteceu mas os outros rabinos não ficaram impressionados Então Eliezer argu mentou que se estivesse certo um córrego próximo teria de fluir na direção oposta Isso também aconteceu mas os outros rabinos Sociologia do DireitomioloP3indd 231 020822 1037 232 sociologia do direito não mudaram de opinião Neste momento o próprio Deus fez uma voz celestial confirmar o direito da posição de Eliezer Mas os rabinos mais uma vez não apoiaram sua opinião tomando o cui dado de transformar o que poderia parecer uma desobediência aberta em um ato de obediência rigorosa Na verdade afirmaram que era impossível para eles ouvir a voz do céu já que o próprio Deus havia escrito na Torá que era preciso se curvar à vontade da maioria Neste momento Deus disse rindo Meus filhos me ven ceram ibid Nessa história a racionalidade formal pode até prevalecer sobre a opinião diferente de Deus TodoPoderoso que de fato é habilmente vinculada pelos sacerdotes usando as regras que ele mesmo estabeleceu Isso expressa a superioridade do princípio geral da coerência sobre o da justiça e portanto a força da ideia de autorreferência do direito O sistema jurídico no entanto não é visto por Teubner ape nas como um sistema social mas como um sistema que usando as dicotomias legalilegal lícitoilícito conforme à leinão con forme à lei é capaz de aplicar critérios jurídicos e portanto autorreferenciais em relação a fatos e ações juridicamente rele vantes de acordo com os métodos predefinidos por lei De fato embora permaneça fechado o sistema jurídico ainda é capaz de estabelecer uma espécie de comunicação indireta com o mundo exterior e em particular com outros sistemas Para o direito por exemplo a evolução da economia como outros fatos exter nos representa um ruído em relação ao qual ela pode recons truir de modo seletivo sua própria ordem Na verdade na medida em que o direito permanece em si a reconstrução jurídica do desenvolvimento econômico pode fazer sentido para a própria economia Nesse sentido devese observar que as regras sobre controle de preços não constituem uma regulamentação rigoro sa da economia pelo direito uma vez que só poderão ter conse Sociologia do DireitomioloP3indd 232 020822 1037 o problema da evolUção 233 quências econômicas se a reconstrução das prescrições jurídicas executadas pelo sistema econômico reconhecer essas prescrições como economicamente racionais Se a evolução do sistema eco nômico chamar a atenção do legislador isso acontecerá apenas de modo indireto ou seja utilizando critérios de seleção inter nos ao sistema jurídico Essa tradução para a linguagem de diferentes sistemas de ruídos nos permite emergir de uma espécie de condenação da total incomunicabilidade entre os sistemas porque para evoluir eles não podem como os personagens de uma comédia de Iones co sempre repetir as mesmas frases como se estivessem falando sozinhos independente do que os outros digam Portanto pode se dizer que os sistemas estão abertos para o exterior mas de uma maneira relativamente cega na medida em que suas mu danças são elaboradas e condicionadas pelo que eles podem ver do mundo externo A capacidade do sistema jurídico de organi zarse e regularse com base nos sinais fracos que conseguem alcançálo determina portanto a evolução do direito através de uma série de filtros Existem vários modelos de direito que podem orientar a sua evolução Em particular Teubner no seu trabalho propõe três modelos que apresentam soluções mais sofisticadas Em uma primeira fase ele lida com o modelo de direito reflexivo que não se destina apenas à regulamentação da sociedade mas também à regulação das autorregulamentações autônomas de diversas áreas do setor social Teubner 1983 1985 Teubner Willke 1984 Isso é apresentado como uma ferramenta capaz de regular os siste mas sociais já regulados internamente por meio de regras e pro cessos organizacionais de distribuição de habilidades a fim de coordenálos com outros sistemas sociais Portanto sob o regi me de direito reflexivo o controle jurídico da ação social tornase indireto e abstrato na medida em que o sistema jurídico se limi Sociologia do DireitomioloP3indd 233 020822 1037 234 sociologia do direito ta a determinar as premissas e os procedimentos organizacionais da ação Em suma o direito reflexivo parece desempenhar sua função de guiar a sociedade fazendo apenas uso indireto das normas como se quisesse curála usando ela mesma como nas estratégias terapêuticas da medicina homeopática Em uma segunda fase Teubner propõe o modelo de direito policontextual que parece favorecer o momento de estabilização e ao mesmo tempo um pluralismo que pode ser considerado dialógico e não hierárquico na medida em que se limita a regu lar as comunicações intersistêmicas após traduzilas para a lin guagem do direito Em uma terceira fase propõe o modelo de direito de autopoié tica que parece favorecer o momento de variação e ao mesmo tempo um pluralismo que pode ser considerado metacomunica tivo pois com base na alternância de momentos de abertura e de fechamento do direito ao ambiente social parece comprometido em informar as comunicações recebidas do exterior Simplificando esse modelo podese dizer que os componentes dos hiperciclos são de um ponto de vista comparativo os for mantes de todo o direito positivo8 que como um todo podem garantir a abertura regulada pelo direito autopoiético9 Utilizan doos nesse contexto podese dizer que a fase de seleção é assu mida pelos procedimentos administrativos a fase de variação pela legislação e a fase de estabilização pelos processos jurispru denciais por fim a fase da autorrepresentação das estruturas dogmáticaconceituais pode ser atribuída à doutrina que exerce a tarefa de dar unidade e coerência a todo o sistema jurídico ca paz de garantir em altos níveis de evolução social a autopreser vação a autoconsistência e o autocontrole do sistema jurídico 8 Para uma teoria dos formantes ver Sacco 1989 9 O esquema aqui proposto é bastante simplificado por razões expositivas Sociologia do DireitomioloP3indd 234 020822 1037 o problema da evolUção 235 Tabela 8 Os três níveis de complexidade do direito Modelos Tipos de pluralismo Oposições internas Momentos predominantes Reflexivo Ecológico Cognitivo normativo Seleção Policontextual Diálogo Funcional disfuncional Estabilização Autopoiético Metacomunicativo Abertofechado Valorização Tabela 9 O hiperciclo do direito autopoiético Momentos autopoiéticos Circuito interno Estabilização Jurisprudência Seleção Administração Variação Legislação Autorrepresentação Doutrina Além disso Teubner dedica especial atenção à cultura jurídi ca interna pois dá a devida importância à parábola amplamente aplicável do décimo segundo camelo que empresta do próprio Luhmann submetendoo a uma ampla discussão Rufino Teubner 2005 A parábola fala de um velho condutor de came los que deixa todos os animais para os três filhos No entanto ele estabelece critérios de distribuição metade para o primeiro filho metade da metade para o segundo filho e um sexto para o terceiro filho No entanto uma vez que os camelos na época da divisão eram onze imediatamente surgem conflitos entre os herdeiros O primogênito alegava ter seis camelos e não cinco e os irmãos esta vam dispostos a reconhecer isso O cádi juiz muçulmano chamado Sociologia do DireitomioloP3indd 235 020822 1037 236 sociologia do direito para resolver a disputa apenas entregou o seu próprio camelo aos três irmãos pressupondo que ao final da distribuição ele seria de volvido Os camelos agora em número de doze podiam ser dividi dos sem problemas seis para o primogênito três para o segundo filho dois para o terceiro e em conformidade com o acordo o dé cimo segundo camelo deveria ser devolvido para o cádi O décimo segundo camelo e este é o ponto central acabou desempenhando uma função simbólica essencial e portanto de várias maneiras incompreensível Isso pode ser visto como evi dência do papel decisivo que a cultura jurídica interna de tipo téc nico desempenha no momento da implementação da regra uma vez que diante de dificuldades aparentemente intransponíveis é necessário compensar quaisquer inadequações e uma cultura ju rídica externa estreita e egoísta tomando decisões que de outra forma seriam mantidas inviáveis e impedindo o surgimento de conflitos No entanto o décimo segundo camelo também pode re presentar a entrada na disputa de uma cultura não jurídica a ma temática neste caso pois a soma das cotas estabelecidas pelo pai é desde o início menor que a totalidade e portanto a partir de sua contribuição decisiva para uma cultura jurídica impotente a inte gração temporária da cota perdida poderia ser descendente Sem se estender sobre esse exemplo devese ressaltar que o objetivo final de Teubner é colocar a cultura jurídica interna de senvolvendo suas habilidades em posição de alcançar uma sínte se entre uma dimensão pragmática e cognitiva a fim de tornar mais clara para os operadores uma nova forma de produzir o direito através da produção de uma nova maneira de conhe cer o direito Teubner também compartilha com Habermas a ideia de que a função do direito consiste em regular estruturas capazes de se autorregular para não distorcer seu conteúdo e não destruir Sociologia do DireitomioloP3indd 236 020822 1037 o problema da evolUção 237 como temia Habermas padrões de comportamento estabeleci dos na vida social Daí a importância particular que Teubner atribui ao trilema regulatório segundo o qual qualquer intervenção regulatória pode ser irrelevante ou pode produzir efeitos negativos na área regulamentada ou ainda pode produzir tais efeitos no âmbito do direito Teubner 1987 Essas alternativas muitas vezes trata das isoladamente conseguem como um todo tornar os mode los de relações entre o direito e os sistemas sociais mais complexos e enfatizar que para conhecer o impacto real dele nas diversas esferas sociais legalmente regulamentadas é necessário antes de tudo saber como essas áreas elaboram por meio de sistemas au tônomos de regras o que para eles são simples informações re gulatórias provenientes do sistema jurídico Teubner constrói três hipóteses que devem abranger as prin cipais variantes da relação direitosociedade numa perspectiva evolutiva A hipótese da inconsistência da realidade do direito no que diz respeito à realidade social e viceversa da realida de social em relação ao direito A hipótese da hiperlegalização da sociedade que ocorre quando o regulamento jurídico influencia a ação interna dos elementos a ponto de comprometer sua autorregula ção causando efeitos desintegrantes no campo regulado que Habermas havia definido como colonização A hipótese de hipersocialização do direito que diferente mente da posição de Habermas ocorre quando o direito e não a sociedade sucumbe ou seja o seu esforço para alcan çar o maior número possível de objetivos dentro daqueles explicitados repercute em sua estrutura interna o que pro vavelmente o próprio direito não consegue mais controlar Sociologia do DireitomioloP3indd 237 020822 1037 238 sociologia do direito A consequência dessa última situação que representa exata mente o oposto da hiperjuridificação é nesse caso o direito sub misso do lado de fora e portanto politizado economizado pedagógico etc o que para Teubner significa como resultado negativo que a autoprodução dos elementos regulatórios do di reito está exposta a tendências desintegradoras Um exemplo do surgimento progressivo de um direito reflexi vo hipersocializado é a regulamentação jurídica das associações privadas A intervenção do Estado nesses casos não se destina apenas a nivelar suas relações internas de poder mas também a conscientizálas sobre os efeitos sociais de sua organização e de senvolver suas habilidades de autocontrole No entanto os grupos de interesses inclusive devido ao impulso das inovações tecnoló gicas que constituem uma variável independente capaz de criar convergências de objetivos não limitados pelas fronteiras dos Es tados tendem a expandir ainda mais a área de sua influência tor nandose por vezes capazes de grandes agregações para poder atuar simultaneamente em vários Estados mesmo que permane çam fora da sede oficial do direito supranacional É evidente que os sistemas não podem ser construídos se guindo uma lógica de total abertura à mudança sob pena de per der suas fronteiras e portanto desaparecer e se liquefazer em uma sociedade líquida indistinta privada das meticulosas dife renças adquiridas ao longo do processo de evolução No entanto isso não significa que não possam construir estruturas adequa das para regular aquelas que surgiram de maneira espontânea e que por outro lado mais indivíduos possam construir suas pró prias estruturas sociais de caráter normativo mas não estatal em uma visão pluralista Além de superar o contraste entre ra cionalidade formal e racionalidade material em geral ancorado no conflito entre regulação jurídica formal e autorregulação Sociologia do DireitomioloP3indd 238 020822 1037 o problema da evolUção 239 social material Teubner também propõe a hipótese de uma ra cionalidade jurídica que não consiste na escolha de um único ponto de orientação sociedade em vez de direito mas na inser ção dentro do direito de vários momentos reflexivos capazes de combinar ambos Em suma a abordagem de Teubner é muito complexa pois como vimos ele está simultaneamente engajado em duas frentes na frente de Luhmann buscando enfatizar a importância da ra cionalidade formal para proteger a identidade do direito como um sistema e ao mesmo tempo na frente de Habermas a fim de aprimorar a natureza insubstituível da racionalidade material de modo que garanta a comunicação intersistêmica do direito Além disso essa abordagem parece tentar alcançar com diferen tes ferramentas o projeto de Weber de síntese das duas formas de racionalidade formal e material Portanto podese dizer que Teubner coletando elementos da sociologia do direito clássico combinaos com esquemas próprios não apenas da teoria geral dos sistemas mas também tenta abordar sobretudo Max Weber dado o caráter eclético de sua abordagem que diminui mas não rejeita uma racionalidade jurídica formal Devese enfatizar que o próprio direito autopoiético com sua capacidade característica de combinar abertura e fechamen to em relação ao ambiente é capaz de absorver internamente não só a tensão entre normas jurídicas e normas sociais nas quais se baseiam todas as formas de pluralismo mas também uma ins tância crítica fundamental o critério da justiça O controle da jus tiça segundo Teubner 2008 parece fazer parte do modelo de direito autopoiético De fato esse direito é capaz de revisar corri gir e reformular as próprias normas a ponto de utilizar o mesmo critério de justiça eliminando seu caráter potencialmente subver sivo na medida em que consegue identificar a capacidade das decisões jurídicas de se adaptar ao sistema social como um todo Sociologia do DireitomioloP3indd 239 020822 1037 240 sociologia do direito Weber Teubner Racionalidade formal Racionalidade material Hiperciclo Constituições sociais Figura 9 Teubner e Weber DIREITO POSITIVO Diante desses argumentos o controle da justiça pode ser considerado não apenas no sentido de Teubner uma espécie de irrupção da irracionalidade no mundo racional do direito nem mais tradicionalmente um controle de igualdade e de recipro cidade mas sim a soma dos critérios de eficiência e adequação típicos dos modelos de direito da sociologia do direito clássico O controle da justiça exige o controle dos efeitos e dos efeitos dos efeitos das decisões jurídicas que para não ser indefinida mente repetidas devem ser delimitadas de uma maneira per cebida como justa10 A justiça poderia portanto ser entendida como uma espécie de critério em um nível superior ao anterior capaz de indicar se o grau de resistência de qualquer ineficiên cia e inadequação das normas positivas foi superado nas diver sas áreas do setor social afetadas por certo padrão jurídico ou se está causando situações desconfortáveis que podem ser conside radas injustas11 10 Assim de acordo com uma perspectiva intersistêmica um turno noturno mesmo bem remunerado que comporte consequências negativas na esfera priva da ou na coesão familiar dos trabalhadores pode revelarse injusto 11 Por exemplo no caso da determinação de impostos de maneira proporcional ao lucro o legislador que segue explícita e exclusivamente uma política de equi dade tributária não terá apenas uma progressão que considere justa Sociologia do DireitomioloP3indd 240 020822 1037 o problema da evolUção 241 Isso significa que o critério mais visível socialmente parece ser a injustiça e não a justiça É a injustiça que costuma gerar reações fortes e generalizadas e pode provocar escândalos ao acionar um alarme cultural contra regulamentos incompatíveis com seu ambiente social Podemos portanto falar não tanto da alternativa justiçainjustiça mas de maior ou menor justiça ten do que identificar o grau de justiça ou de injustiça de acordo com um continuum e não segundo uma simples alternativa binária12 Tabela 10 Modelo de direito na sociologia jurídica contemporânea Aproxi mação Objeto Ponto de referência Perspectiva Fundação Sistêmico Estruturas Fechamento predominante Autorrefe rencial Lógica binária Dialógico Atores Abertura predominante Comunicativa Lógica discursiva Misto Critério de decisão Fechamento abertura Autocorretiva Lógica intersistêmica Para compreender as especificidades das diferentes posições dos autores vistas neste capítulo em relação ao problema da evo lução do direito é possível apontar três elementos básicos que aparecem de várias formas 12 Citando uma razão sociológicojurídica implícita recorrente nas aulas do meu professor de Instituições de Direito Romano Gabrio Lombardi devo lembrar aqui que a busca da justiça é temporalmente limitada e portanto não pode supe rar o valor absorvente da resolução oportuna de conflitos Tendo em conta o tempo variável para avaliar a justiça de uma decisão será necessário no decurso de cada julgamento equilibrar o maior grau de justiça obtido por meio da pror rogação do prazo processual com os maiores custos sociais também em termos de maior incerteza que isso inevitavelmente acarreta Sociologia do DireitomioloP3indd 241 020822 1037 242 sociologia do direito 1 o conjunto de estruturas que selecionam os sistemas regu latórios e as normas individuais que podem fazer parte de determinado processo de legitimação 2 o conjunto de sujeitos individuais e coletivos interessados em utilizar essas estruturas 3 o conjunto de critérios capazes de estabelecer uma cone xão entre as estruturas e os sujeitos antes mencionados A solução sistêmica portanto está conectada às estruturas que garantem o fechamento do sistema em uma perspectiva au torreferencial que permite uma série de níveis de autorreflexão com base nos critérios de uma lógica estritamente binária que assegura a manutenção da identidade do sistema individual A solução de diálogo independente de intervenções internas forta lece as capacidades seletivas das estruturas por se basear na tro ca interativa e aberta de comunicação entre vários sujeitos de acordo com os critérios de uma lógica discursiva A solução de natureza mista visando a mediação entre instrumentos reflexi vos e comunicativos busca o aprimoramento da capacidade de autocorreção dos critérios de decisão dos sujeitos e as estruturas de uma troca intersistêmica que garante uma alternância de mo mentos de abertura e de fechamento do sistema jurídico 55 Constituição e evolução Outra implicação de particular relevância para a sociologia do direito das contribuições vistas neste capítulo é a questão da evolução da Constituição considerada ao mesmo tempo supor te necessário e limite inevitável a mudanças no direito Essen cialmente a Constituição é uma maneira de limitar o poder através do poder mas no desempenho dessa função as Consti tuições revestemse de formas bastante diferentes Sociologia do DireitomioloP3indd 242 020822 1037 o problema da evolUção 243 Se a Constituição sobretudo nos séculos XVI e XVII era percebida principalmente como prova de uma autolimitação vo luntária da forma estatal orientada pelo compromisso de prote ger os valores fundamentais nos séculos XVIII e XIX ela tende a se tornar acima de tudo um ato fundador do Estado nacional Fioravanti 2009 que assume a tarefa de determinar seu desti no por meio de uma política de expansão de sua área de inter venção em escala global Na teoria constitucional do século XIX a Constituição pode combinar diferentes significados dependendo da principal tare fa que lhe é confiada É entendida como um limite que sele ciona e filtra o funcionamento dos órgãos e aparelhos do Estado como um contrato que se supõe celebrado por todos os sujeitos envolvidos e como um ponto de equilíbrio cuja definição é confiada a critérios extremamente gerais Rebuffa 1990 Isso implica que embora por meio de uma série de ficções e de um ponto de vista formal e hierárquico a solução geral da relação Estadosociedade poderia ser confiada a uma Constituição en tendida de maneira única No século XX as Constituições receberam interpretações diversas e revistas de modelos anteriores desde o do Estado libe ral que concebe a Constituição como ferramenta para a prote ção de escolhas individuais que não devem ser influenciadas por atores públicos ao Estado programado que buscando objetivos considerados prioritários para todo o sistema social pode justi ficar a redução drástica de áreas individuais de escolha Após a Segunda Guerra Mundial as novas Constituições estaduais em alguns casos passaram a representar uma descontinuidade em sua história na Europa e portanto um ponto de ruptura cons ciente em relação a organizações estatais anteriores e em alguns casos um ponto de convergência para formas de integração ainda Sociologia do DireitomioloP3indd 243 020822 1037 244 sociologia do direito a ser definidas como a União Europeia Para uma perspectiva positivista centrada na lei do Estado o termo constituição é usado para designar o ponto de fechamento do processo de re produção interna de determinado ordenamento jurídico dotado de uma estrutura normativa hierárquica A função jurídica essencial da Constituição reside portanto não apenas em representar oficialmente a certidão de nascimen to de certa estrutura estatal caracterizada por novos equilíbrios entre os vários poderes estabelecidos mas também em permitir pelo menos de maneira formal o encerramento da ordem jurí dica Para ser inserida dentro da estrutura piramidal do sistema jurídico uma norma deve fazer que sua fonte de validade derive de um padrão mais elevado Isso implica um processo que se re pete em todos os níveis do sistema até que seja alcançada uma norma final a Constituição capaz de atribuir validade a todas as outras normas sem por sua vez tirar validade de nenhuma de las É evidente aqui além das técnicas positivistas jurídicas a analogia que vincula a Constituição a uma visão orgânica dos sistemas jurídicos Também no que diz respeito à cadeia biológi ca da vida um declínio capaz de se estender ao infinito só pode ser interrompido assumindo um elemento de fechamento que não se origina mas dá origem a toda a criação Neste capítulo aspectos semelhantes foram ressaltados sob uma perspectiva não formal ou hierárquica à luz da qual a Cons tituição pode ser considerada uma espécie de sistema de segundo nível que por um lado sustenta o sistema jurídico e por outro baseiase em um amplo espectro de culturas jurídicas externas ao sistema jurídico Na Constituição portanto são definidas as estruturas regulatórias com suas limitações os contratos sociais estabelecidos pelos sujeitos e os critérios de decisão adotados de maneira equilibrada Desse modo enquanto para o restante do Sociologia do DireitomioloP3indd 244 020822 1037 o problema da evolUção 245 ordenamento a estabilidade de apenas um desses elementos pode ser suficiente a Constituição tende a exigir a estabilidade de mais de um desses elementos e sempre que possível sua variação har mônica e coerente através de uma espécie de convenção inter pretativa que leva em conta os diversos momentos históricos É certo no entanto que a relação entre o sistema jurídico e o sistema político diante da redução do papel de um Estado que assumiu a função de coordenação e unificação da produção regulatória per manece mais fracamente controlada e portanto pode com faci lidade alterar o papel da mesma Constituição A Constituição portanto não se apresenta simplesmente como o instrumento que garante a unidade do sistema jurídico no mais alto nível ou o ponto a partir do qual um sistema jurí dico pode ser reconhecido de fora mas pode ser vista como o cruzamento de todos os principais canais internos e externos de comunicação do sistema No sistema jurídico desempenha a função fundamental de estabilizar previamente as possíveis mu danças no direito O próprio Luhmann consideraa um exemplo de acoplamento estrutural Luhmann 1993 p 266 Febbrajo Harste 2013 e como tal capaz de conectar o sistema político ao sistema jurídico Ao combinar cultura política com cultura jurídica e regras de organização estatal com normas do direito a Constituição apresentase como a parte mais jurídica do sistema político e ao mesmo tempo como a parte mais política do sistema jurídico Parece capaz de atuar como garantidora suprema dos valores ju rídicos da ordem e sua fonte fundamental de legitimidade Não apenas mantém em constante contato o sistema jurídico e o sis tema político mas também tende a confiar sua atualização a uma espécie de diálogo constitucional entendido em um senti do amplo em um nível interestadual e afeta em suas áreas de Sociologia do DireitomioloP3indd 245 020822 1037 246 sociologia do direito competência outros sistemas jurídicos e não jurídicos como os de economia ou religião Devese notar no entanto que a Constituição não é o único instrumento de acoplamento estrutural que pode ser imaginado no âmbito das relações intersistêmicas que partem do direito para as diversas áreas da sociedade Seguindo essa linha de argu mentação também é possível identificar outras possíveis ferra mentas de acoplamento estrutural que afetam o sistema jurídico Outro modelo de acoplamento estrutural é a democracia enten dida como o lugar em que as normas da política e do direito es tão entrelaçadas à medida que emergem da cultura política e jurídica dos atores sociais A democracia desempenha a função essencial de manter o sistema jurídico aberto às inovações de po líticas por meio de procedimentos como o eleitoral que permi tem a quantificação periódica do consentimento diante de uma possível alternância entre maioriaminoria A democracia assume assim a tarefa de não levar em conta as oportunidades de inovação não utilizadas no presente dei xandoas para o futuro e garantindo a constante mudança de decisões políticas bem como a renovação periódica das classes dominantes e de seus programas Como instrumentos de aco plamento estrutural os procedimentos eleitorais tendem a assu mir o papel de abrir estruturas políticas à contribuição decisiva das culturas jurídicas externas garantindo por meio da defini ção democrática das estruturas majoritárias que determinam a legislação a possível alternância de novas fontes de variação no conteúdo das estruturas regulatórias que podem ser periodica mente revistas Quanto ao mercado ele também é capaz de se apresentar como uma ferramenta de acoplamento estrutural na medida em que fazendo a mediação entre direito e economia influencia as Sociologia do DireitomioloP3indd 246 020822 1037 o problema da evolUção 247 tendências de preços de maneira impessoal através das normas jurídicas que as controlam Contribui em particular para sele cionar possibilidades de tomada de decisão juridicamente rele vantes por meio de uma pluralidade de decisões econômicas individuais que são arriscadas pois incapazes de produzir em geral consequências completamente previsíveis do ponto de vis ta do ator individual Em particular o mecanismo de mercado baseiase no acoplamento estrutural da cultura econômica e da cultura jurídica que combinadas de maneira adequada podem garantir uma seleção constante das diferentes possibilidades de tomada de decisão dos atores econômicos e jurídicos envolvidos Nesse contexto o principal meio é o dinheiro quantificado atra vés do preço dos produtos no mercado por conexões intersistê micas que selecionam as margens de tolerância nas diversas áreas envolvidas de quaisquer decisões de compra Entre os canais que garantem contatos constantes não ape nas dentro das estruturas jurídicas mas também no nível inter sistêmico para fazer circular as solicitações necessárias para o seu funcionamento incluise o direito autopoiético que faz uso de inúmeras conexões intersistêmicas como a interferência quando diversos contextos sistêmicos são conectados por co municações com diferentes significados em seus respectivos contextos ou por irritações provenientes de outros sistemas que precisam ser traduzidas para a linguagem jurídica Assim em suas relações com a economia o sistema jurídico pode cons truir sua própria ordem e suas próprias normas adotando de modo seletivo solicitações ou irritações econômicas Somente se e na medida em que permanece em si sem sobrepor outros sistemas o direito é capaz de elaborar uma reconstrução jurídi ca do desenvolvimento econômico que faça sentido para a pró pria economia Sociologia do DireitomioloP3indd 247 020822 1037 248 sociologia do direito Tabela 11 Ultraciclos intersistêmicos do direito autopoiético Momento autopoiético Circuito interno externo Acoplamentos estruturais Estabilização Políticacultura jurídica interna Constituição Seleção Economiadireito Mercado Variação Políticacultura jurídica externa Democracia Hoje a Constituição não parece capaz de desempenhar um papel que proporcione estabilidade que evite o envolvimento di reto nos processos evolutivos A crescente percepção de que até mesmo as Constituições dos Estados e não apenas o direito que as legitima estão sujeitas ao condicionamento da sociedade e que as reivindicações de centralidade do Estado e da política de vem ser fortemente redimensionadas justifica o outro lado da moeda o de surgimento de Constituições civis que fora da polí tica atestam a capacidade de autorregulação dos mais diversos setores da sociedade Essas Constituições são portanto diversifi cadas a partir de um constitucionalismo multinível capaz de ressaltar os diferentes níveis estatal e supraestatal da atual orga nização constitucional com particular referência às complexas relações entre as Constituições dos paísesmembros da União Eu ropeia Partridge 2002 e à situação de interlegalidade dada a coexistência de múltiplas referências jurídicas estatais e supraes tatais não organizadas hierarquicamente Santos de Sousa 2002 De fato com a expressão Constituições civis Teubner de clina provocativamente o termo Constituição no plural pre tendendo sublinhar a superação de uma fase estadocêntrica em que a Constituição no singular é capaz de legitimar o ordena Sociologia do DireitomioloP3indd 248 020822 1037 o problema da evolUção 249 mento jurídico e se autolegitimar representando a principal garantia da autorreferencialidade do direito Portanto ele faz ampliar o campo semântico do termo Constituição para in cluir aquela série de Constituições civis que de modo indepen dente do Estado são capazes de se conectar entre si de maneira não hierárquica formando uma rede que contribui para oferecer uma estrutura autônoma à estrutura social Teubner 2005 Quanto mais os processos autônomos de regulação de inte resses são fortalecidos como resultado de normas estabelecidas independentemente dos Estados mais as Constituições civis são fortalecidas e por sua vez criam novas figuras jurídicas capazes de se autorregular tanto no âmbito intraestadual quanto no su pranacional O complexo fenômeno da ruptura do elo exclusivo entre Constituição e Estado permite em suma focalizar melhor o fenômeno agora amplamente percebido do enfraquecimento do Estado e de o direito ser colocado contra a sociedade e as fi guras coletivas que produz O caso das Constituições civis pode portanto não apenas ajudar a perceber o potencial mas também as dificuldades que os movimentos culturais externos ao direito e à política encontram para se tornar relevantes para seus respec tivos sistemas de referência Voltando agora à Constituição do Estado devese dizer que ela pode ser entendida como o sistema que constitui e regula o jogo do direito e por meio disso os jogos sociais Nesse contex to pode ser definida por elementos como legitimidade tarefas formas de mudança a duração que parece caracterizála hoje Vamos agora examinar brevemente esses elementos que podem contribuir para entender a importância da Constituição para a evolução do direito Se do ponto de vista jurídico o povo tem uma Constitui ção do ponto de vista cultural mais amplo o povo é uma Sociologia do DireitomioloP3indd 249 020822 1037 250 sociologia do direito Constituição em parte boa pelo que contribuiu ou deveria ter contribuído com sua cultura Na realidade a Constituição do ponto de vista sociológico não é ape nas uma norma original mas encontrase no topo de um complexo processo de síntese entre culturas que não são necessariamente homogêneas implementadas de maneira coordenada e feitas para se tornarem os mais altos padrões de referência de um sistema jurídico Isso não deixa de ter efeitos sobre a legitimidade da Constituição Abandonado o mito romântico de um sentimento nacional capaz de expressar com base em uma memória cultural comum esse plebiscito diário virtual em favor da Constituição de que Ernest Renan falou 1882 sentimonos compelidos a aceitar uma espécie de legitimação negativa que simplesmente se limita a des legitimar aqueles que fazem uma tentativa de deslegitimar a Constituição Isto é especialmente verdadeiro em relação ao pa pel da cidadela dos chamados direitos fundamentais que de vem orientar as decisões dos operadores de tempos em tempos e traçar os caminhos destinados a dar as respostas mais inovado ras do sistema às mudanças sociais PecesBarba Martínez 1991 Esses direitos podem ser legitimados naturalmente por meio de estratégias argumentativas jusnaturalistas centradas em valo res ou juspositivistas baseadas em leis limitadas ao ditado consti tucional ou mesmo a tertium datur por argumentos focados nos prováveis efeitos na sociedade Os direitos fundamentais liberdade de movimento de opinião e de imprensa direitos humanos já reco nhecidos internacionalmente Alston Bustelo Heenan 1999 foram de fato considerados funcionalmente voltados sobretudo para uma ordem específica de uma sociedade específica que atra vés da sua observância seria capaz de fazer funcionar o modelo sociopolítico escolhido Luhmann 1965 Palombella 2002 Sociologia do DireitomioloP3indd 250 020822 1037 o problema da evolUção 251 A Constituição pode ser entendida como o ponto de equilí brio de uma síntese complexa na qual se juntam contribui ções inovadoras dos mais diversos setores da sociedade Em termos de teoria dos sistemas ela realmente assume a tarefa geral de gerenciar duas fronteiras interna e externa de um ponto de vista cultural em direção ao direito e à sociedade A tarefa duplamente seletiva realizada pela Constituição deve assegurar a constante congruência da cultura jurídica interna e externa com relação aos textos constitucionais A afirmação de segundo nível de que o intérprete procederia principalmente do texto é portanto uma ficção indis pensável sobretudo se for levada em conta a uniformidade metodológica exigida pelos diversos níveis de interpretação Por outro lado o intérprete da Constituição deve de fato também referirse a esses cristais culturais que se assen tam além ou deste lado a montante ou a jusante do texto jurídico Häberle 1982 trad 2001 p 33 Para garantir que essa dupla seleção ocorra de forma equilibrada as Consti tuições modernas preveem instâncias de controle responsá veis por garantir a unidade de critérios interpretativos para aqueles que no âmbito judiciário e no legislativo podem cruzar os limites do significado da Constituição Do ponto de vista sociológico no entanto é legítimo per guntar se considerando o texto escrito como a certidão de nas cimento da Constituição à qual todo o sistema jurídico deve se adaptar o papel central da cultura jurídica não é subestimado e portanto a causa não deve ser trocada pelo efeito De fato não há dúvida de que o termo Constituição mesmo em seu sentido mais estritamente jurídico implica uma relevância sociológica confirmada pelas referências implícitas a ela ou pelas principais abordagens para o estudo da sociedade Os atuais desafios de Sociologia do DireitomioloP3indd 251 020822 1037 252 sociologia do direito origem social não podem ser cancelados ou resolvidos pela Cons tituição mas a própria Constituição embora pretendida como o mais alto símbolo da identidade e da continuidade do sistema não parece capaz de ignorar a fase de transformação social e evo lução jurídica que deve contribuir para absorver Thornhill 2011 Um atalho frequente para permitir que a Constituição cum pra suas tarefas e se renove pode ser o recebimento de extensas partes de outras Constituições Embora não sejam poucos os ca sos em que Constituições impostas ou transpostas do exterior conseguem permanecer vivas por décadas essa estratégia pode mais criar do que resolver problemas Por exemplo a Constitui ção preparada por especialistas italianos para o novo Estado da Somália destinada a substituir o protetorado da era colonial em bora tenha sido bemsucedida em nível formal e literário logo foi cancelada pela autoridade militar devido à falta de condições mínimas indispensáveis para o seu transplante estrutural Dada a mudança dos jogos sociais que a Constituição re gula não é de surpreender que preveja sua própria mudan ça desde o seu surgimento De fato o processo de adaptação da estrutura do Estado à Constituição que começa logo após sua promulgação exigiria uma Constituição já aceita mas isso não é realista também porque o processo de legi timidade é sociologicamente contínuo Nesses casos a Constituição promoverá orientações culturais amplas que sinalizam a necessidade de adaptação à vontade do partido que prevaleceu eou a necessidade de iniciar um novo ca minho no cenário internacional Pode portanto tornarse pelo menos em seus primórdios uma espécie de modelo construído de maneira abstrata inatingível em sua totali dade mas exatamente por essa razão capaz de traçar uma situação normativa ideal com relação à qual a realidade Sociologia do DireitomioloP3indd 252 020822 1037 o problema da evolUção 253 simplesmente apresentaria uma réplica pálida que é per mitida de tempos em tempos pela situação factual Häberle 1982 trad 2001 p 31 Além disso nas democracias recen tes uma lei aprovada por um parlamento eleito demo craticamente pode desfrutar na cultura jurídica interna e externa uma legitimidade tão ampla que a intervenção restritiva de um órgão não eleito como o tribunal cons titucional pode ser entendida como uma ameaça ao li vre exercício da democracia parlamentar recémadquirida Sadurski 2002 No entanto não se diz que desde o início esses objetivos sejam compartilhados por uma corrente cultural majoritária e apoiados de maneira convincente por setores significativos da estrutura do Estado A Constituição recentemente foi menciona da de maneira imprópria para sinalizar novas soluções organiza cionais na União Europeia necessárias pelo alargamento mais do que quadruplicado em relação ao seu tamanho original Pri ban 2005 MacCormick 2005 Joerges Meny Weiler 2000 O uso do termo Constituição em geral reservado no cam po jurídico a momentos de renascimento ou regeneração de outra extensão não conseguiu em nenhum caso garantir um efeito legitimador suficiente Mesmo as Constituições surgidas con juntamente com eventos traumáticos sérios conflitos internos guerras embora não sejam capazes de produzir de imediato uma evolução cultural adequada podem ao longo do tempo ga rantir bases cada vez mais amplas de consenso Quanto à expe riência italiana parece desnecessário lembrar que ela resume muitas das características antes apontadas Em 1948 no final de um longo e sangrento conflito mundial de proporções nunca an tes conhecidas e após um curto período de transição a Itália mu Sociologia do DireitomioloP3indd 253 020822 1037 254 sociologia do direito dou sua Constituição e com ela sua própria forma de Estado e de governo Essa fundamentação foi então compartilhada por muitos outros Estados europeus cientes como a Itália de que se encon travam em uma fase histórica caracterizada por uma forte retra ção cultural política e estratégica da antiga centralidade mundial da Europa Paralelamente às pressões constitucionais nacionais forças unificadoras peremptórias foram direcionadas à forma ção de uma entidade supranacional europeia dotada de uma es pécie de metaconstituição material e de habilidades específicas em setores de importância estratégica para a reconstrução e o desenvolvimento dos países que a fundaram Itália França Repú blica Federal da Alemanha Bélgica Holanda Luxemburgo13 Portanto podese dizer que nos anos pósguerra o processo de constitucionalização iniciado foi na verdade duplo Por um lado foi direcionado ao presente e atribuiu aos Estados novas 13 Ao final da Segunda Guerra Mundial em que ocorreu o suicídio da Europa os Estados Unidos que não quiseram participar desse conflito viramse assumin do um papel de liderança mundial para o qual não estavam preparados Desde então os países europeus têm se empenhado na difícil tentativa de voltar a de sempenhar um papel global por meio de várias formas de integração jurídica econômica administrativa No entanto a persistente diversidade de seus inte resses impediu até agora apesar de alguns sucessos importantes a realização de prérequisitos essenciais para uma verdadeira união política como a aprovação popular de uma Constituição comum a afirmação de processos decisórios de mocráticos e não burocraticamente oligárquicos a determinação de fronteiras territoriais compartilhadas do processo de alargamento em curso a superação de conflitos internos devido à cessação da capacidade industrial em relação à de manda atual do mercado a criação de uma defesa comum autônoma a identifi cação de uma política externa unitária de fato a Alemanha olha historicamente para o Oriente a Espanha e Portugal olham para a América Latina e a França olha para a África e para as excolônias Esses limites que parecem ser supera dos com uma maior solidariedade europeia são objeto de recorrentes reflexões críticas por parte daqueles que continuam a acreditar em uma UE mais próxima dos seus ideais originais Ver WEILER J The Constitution of Europe Do the New Clothes have an Emperor Cambridge Cambridge University Press 1998 MONGARDINI C rev LEuropa come idea e come progetto Roma Bulzoni 2009 Sociologia do DireitomioloP3indd 254 020822 1037 o problema da evolUção 255 bases constitucionais que respeitavam suas respectivas identida des nacionais por outro lado tendo em vista o futuro próximo preocupouse em criar o primeiro núcleo de uma realidade jurí dica comunitária dentro do qual os Estados individuais estavam destinados a ser inseridos e eventualmente absorvidos Ambos os processos de constitucionalização mostraram a fragilidade da tese de que um fato eminentemente jurídico como a promulga ção de uma nova Constituição seria capaz não apenas de sancio nar formalmente os princípios inspiradores de um novo Estado ou de uma comunidade de Estados mas também de produzir as transformações sociais necessárias na realidade Além disso como sabemos a Constituição italiana surgiu de uma série de compromissos que combinam em um único texto várias tradições culturais como as ideologias católicas liberais e socialistas como eram então politicamente representadas o que se mostraria uma ferramenta útil para expandir a longevidade da Constituição De fato embora heterogêneas diferentes cultu ras jurídicas em geral conseguem coexistir não apenas formal mente na Constituição graças à coexistência de disposições de diferentes orientações ideológicas e políticas mas também subs tancialmente na sociedade No nível formal essa coabitação contribui para uma abertura interpretativa adequada fruto da cultura jurídica dos especialistas que é desenvolvida e repassada nas universidades cf Calamandrei 1995 É desnecessário lem brar que para a Constituição italiana a abertura às culturas jurídicas de sujeitos externos aos procedimentos legislativos sempre pode ocorrer após a promulgação das leis por meio de uma instituição o referendo com o objetivo de promover a revo gação da lei que não está em conformidade devido ao seu con teúdo ou a quaisquer efeitos produzidos com a cultura jurídica predominante na sociedade Sociologia do DireitomioloP3indd 255 020822 1037 256 sociologia do direito Nesse contexto a interpretação é um momento essencial na vida da Constituição pois permite que sua forma permaneça inalterada mesmo que sejam realizados contínuos ajustes subs tanciais culturalmente orientados e necessários para mudar seu escopo ao longo do tempo No caso da própria Constituição ita liana cujo processo de aplicação mostrouse particularmente lento uma das primeiras etapas de sua gradual implementação foi a criação de um tribunal constitucional Como a experiência demonstrou a estrutura composta do tribunal na qual compo nentes do Judiciário operam ao lado de componentes universi tários e políticos com a duração excepcional do mandato e a ausência de formalização de parecer dissidente têm facilitado o desempenho sem grande resistência de sua complexa tarefa que não é apenas jurídica em sentido formal Dessa maneira foi produzida uma jurisdição visivelmente sensível ao problema dos efeitos previsíveis produzidos pelas decisões em boa parte inspi rada pela oportunidade política e jurídica de manter o equilíbrio institucional14 Exatamente por serem colocadas em um nível um tanto elevado e atemporal as Constituições parecem destinadas a valer por períodos muito mais longos do que os reservados para a legislação comum Uma Constituição estatal dife rentemente das Constituições civis que possuem uma ex pectativa de tempo de validade muito mais limitada deve sobreporse ao tempo e às mudanças inevitáveis que são 14 Além disso para integrar as funções da Corte Constitucional recorrese há algum tempo a um conjunto de estruturas formalmente autônomas em relação ao governo e ao parlamento as chamadas autoridades administrativas indepen dentes que são dotadas de poderes de penetração e devem assegurar interven ções mais rápidas e operacionais em matérias constitucionalmente relevantes Pepe 2005 Sociologia do DireitomioloP3indd 256 020822 1037 o problema da evolUção 257 gradualmente produzidas pela sociedade A Constituição na verdade marca o surgimento de uma nova ordem fun dada e legitimada por si mesma com a função de regular a vida não apenas da geração daqueles que viveram no mes mo momento histórico dos fundadores Eles podem por tanto sentirse vinculados por um ato normativo que os viu nascer mas também pelas gerações subsequentes que deverão declinarse à vontade das gerações anteriores das quais inevitavelmente estarão separadas por uma signifi cativa lacuna cultural Alexander 1998 Esse paradoxo no entanto não significa que com o passar do tempo a Constituição estará destinada a rejeitar a evolução e se tornar a menos culturalmente enraizada das leis Febbrajo Cor si 2016 De fato podese argumentar que são exatamente os mui tos e diversas vezes contraditórios elementos contidos em uma Constituição moderna que permitem manter essa mistura singu lar de rigidez e flexibilidade e que ela sobreviva ao seu tempo Essa capacidade é muitas vezes conquistada ao preço de uma abstração simbólica cada vez maior e uma capacidade cada vez menor de encontrar soluções práticas de maneira unívoca Também é possí vel adiar uma decisão essencial para certos assuntos constitucio nais para momentos posteriores recorrendo àquela fórmula que Carl Schmitt chamou de compromisso dilatório Schmitt 1932 isto é formulação normativa pela qual o compromisso de posições não reconciliáveis ocorre por meio de uma decisão formal A cons tante releitura e reinterpretação da Constituição formal deve no entanto permitir que a cultura jurídica interna dos operadores mantenha contato ao longo do tempo com a Constituição mate rial o que inevitavelmente é o caso da sociedade Mortati 1940 Também se deve ressaltar que as consideráveis dificuldades que uma Constituição encontra na combinação de diferentes re Sociologia do DireitomioloP3indd 257 020822 1037 258 sociologia do direito gulamentações jurídicas e sociais em uma visão não sistêmica mas intersistêmica que utiliza diferentes mídias como dinheiro consentimento e legitimidade é agravada por uma dificuldade adicional que surge da profunda diversidade de percepções do tempo nos vários sistemas15 O tempo parece ter se tornado em uma sociedade complexa um recurso problemático não apenas pela sua escassez e impossibilidade de ser reintegrado mas tam bém pela variedade de maneiras de ser percebido Nos vários sub sistemas sociais não é possível criar o equivalente a uma moeda única responsável pela medição dos valores temporais de manei ra homogênea e generalizável O tempo portanto que deve forne cer um quadro de referência comum entra inevitavelmente em conflito consigo mesmo quando certos subsistemas exigem deci sões rápidas que devem lidar com procedimentos caracterizados por uma relativa lentidão e uma indiferença em relação ao exterior Esses conflitos temporais também podem ocorrer em institui ções individuais em especial se representam casos de acoplamen to estrutural que ao estabelecer linhas recíprocas de demarcação podem produzir incompatibilidade e provocar crises funcionais Assim na universidade os diferentes horizontes temporais ine rentes à função de formação e pesquisa e as complexas relações entre esses horizontes e os dos diferentes usuários dificultam muito a autoavaliação coerente da instituição A função de pesquisa que exige um horizonte temporal ex tremamente amplo está intimamente ligada à função de treina mento que requer um horizonte temporal bem delimitado o que pode levar a ignorar na regulação dos processos de treina mento os limites de tolerabilidade de possíveis extensões das es 15 Para uma discussão introdutória ver Elias 1986 Lima 2010 Neves 2007 Neves 2013 Schwartz 2018 Sociologia do DireitomioloP3indd 258 020822 1037 o problema da evolUção 259 calas de tempo institucionalmente planejadas para treinamento em relação aos sistemas indiretamente afetados de tempos em tempos família trabalho e outros Portanto parece apropriado afirmar a necessidade de regulação social mas sobretudo de regulamentação jurídica que tenha seu ápice na Constituição para recuperar um nível mais alto de percepção em relação aos diferentes tempos de cada subsistema social e ser capaz de re fletir sobre as diferenças no tempo que afetam o regulador de forma diferente da regulação calibrando melhor com base nes sas diferenças os tempos de possíveis ajustes Uma solução para esses desequilíbrios temporais não depende necessariamente de escolhas conscientes no nível da legislação es tatal ou supraestatal nem de mudanças constitucionais difíceis e improváveis nem de ajustes espontâneos que possam se consoli dar de maneira que não seja totalmente programável mas por meio de uma interação entre normas sociais e normas jurídicas que permita aumentar a sensibilidade temporal delas Em geral mesmo em momentos de crise devido a situações de necessida de que exigem reações mais rápidas do que os tempos de delibe ração da reação regulatória ou em situações em que a estratégia de superação das crises pode levar a um uso mais longo uma combi nação de normas sociais e normas jurídicas poderia impedir a uti lização da irracionalidade parcial possivelmente produzida pelos subsistemas individuais fora do alcance de qualquer intervenção por parte dos órgãos centrais e poderia se fortalecer mutuamente e se reproduzir de maneira incontrolável Não se deve esquecer porém que se a Constituição é funda mentalmente autolimitação do poder um campo de análise sociológica e culturalmente relevante ainda é constituído pelo estudo dos métodos de arquivamento de redundâncias ou seja as possibilidades de tomada de decisão que são descartadas por Sociologia do DireitomioloP3indd 259 020822 1037 260 sociologia do direito processos de autolimitação mas não canceladas em vista de sua eventual recuperação para mudanças de necessidades De fato todos os processos de constitucionalização exigem o que segun do Luhmann todo regime democrático faz quando não elimina as possibilidades regulatórias descartadas a fim de deixálas à dis posição dos tomadores de decisão posteriormente eleitos Além dos momentos de seleção estabilização e inovação considerados essenciais no processo autopoiético é necessário levar em con ta o momento de armazenamento e possível recuperação das gigantescas nuvens virtuais ou dos buracos negros em que são utilizadas inúmeras possibilidades e depois descartadas ou sim plesmente nunca consideradas por razões culturais contingentes Não apenas as Constituições estatais mas também as so ciais podem recorrer a esse enorme patrimônio que em certa medida é preservado e estabilizado na memória coletiva com base em critérios que não coincidem necessariamente com os critérios de diferenciação funcional dos sistemas a fim de inovar as escolhas feitas antes Problemas com profundas raízes históri cas e portanto apenas na aparência novos podem assim ser solucionados com sucesso usandose pelo menos em parte so luções propostas em momento anterior16 O novo de fato nem sempre precisa ser respondido com o novo e a gestão de um con junto variado de possibilidades de tomada de decisão deixadas de lado pode ajudar a reconstruir o significado das Constitui ções estaduais e sociais e as culturas das quais elas continuam sendo expressão mesmo após várias gerações 16 Um exemplo disso é oferecido pela fase de transição dos Estadosmembros que aderiram recentemente à União Europeia Nesses países as circunstâncias am bientais alteradas sugeriram durante a elaboração das novas Constituições a recuperação de princípios e modelos que remontam a outras fases constitucio nais e surpreendentemente não cancelados da cultura jurídica após mais de meio século Febbrajo Sadurski 2010 Sociologia do DireitomioloP3indd 260 020822 1037 o problema da evolUção 261 Atualmente vários outros fatores tendem a reverberar o papel tradicional da Constituição De fato se por um lado ela continua sendo o mais alto critério jurídico de racionalidade das normas e o instrumento político mais influente para transformar legitima mente a vontade da maioria em vontade geral por outro é cada vez mais confrontada com a necessidade de abordar problemas relevantes para diversos ordenamentos estatais e deve portanto superar os horizontes limitados de seu próprio ordenamento A Constituição é assim levada a aceitar um diálogo com ou tras Constituições para substituir o monoteísmo imposto por uma visão limitada ao Estado único com uma perspectiva plu ralista capaz de articular diferentes outros ordenamentos estatal internacional supranacional transnacional e local O resultado é uma espécie de transconstitucionalismo que ao cruzar o âmbi to territorial do Estado amplia a área dos possíveis critérios in terpretativos da constituição a ponto de ter de rever os tradicionais requisitos formais de coerência e previsibilidade17 Nesse complexo quadro os diferentes modelos de transcons titucionalismo podem ser conectados em particular a diferen tes perspectivas temporais um modelo tradicional orientado para o passado leva em conta principalmente as relações entre as Constituições estaduais e os conjuntos de normas tão profunda mente enraizados na cultura local e na história de determinadas minorias que assumem o papel de verdadeiras e próprias Cons tituições um modelo simétrico orientado para o presente leva em conta principalmente as intensas relações entre Constituições de diferentes Estados com significativas convergências culturais um modelo teleológico orientado para o futuro leva em conta 17 Para uma ampla discussão desse tópico do ponto de vista da teoria dos siste mas ver NEVES M Transconstitucionalismo São Paulo WMF Martins Fontes 2009 e revista Transcostitutionalism Oxford e Portland 2013 Sociologia do DireitomioloP3indd 261 020822 1037 262 sociologia do direito principalmente as exigências de organizações transnacionais que para continuar a desempenhar suas funções específicas de vem ser capazes de esculpir suas próprias áreas as quais serão impostas à Constituição do Estado finalmente podemos falar de um modelo utópico cujo futuro ainda longe e difícil de al cançar deve ser caracterizado por relações entre diferentes Cons tituições estaduais efetivamente inspiradas em valores e normas de significância global capaz de ser realmente afirmado mesmo em relação a Estados particularmente influentes considerados mais Estados do que outros Esses modelos de transconstitucionalismo geralmente se re ferem de acordo com seu âmbito prevalente não tanto ao Esta do mas a à comunidade cujos membros derivam sua própria identidade de sua história comum b a pessoas que veem sua ca pacidade de realizarse autonomamente protegidas por vários estados c aos papéis específicos que são definidos por organiza ções interessadas em alcançar objetivos transnacionais d ao in divíduo que com base no critério universalmente difundido deve ser amparado por uma espécie de direito global Galgano 2005 Ferrarese 2020 Observase no entanto que se em uma perspectiva trans constitucional a Constituição única se mostra capaz de superar os limites do Estado único mesmo a democracia apesar de suas limitações18 deve transformarse paralelamente em uma trans democracia capaz de submeter os programas políticos corres pondentes aos interesses de uma pluralidade de Estados à escolha dos cidadãos Neves 2017 Isso de fato pode ocorrer se algumas questões impostas por situações de necessidade forem consideradas elementos in 18 Sobre o tema muito claro e referente não apenas à realidade italiana CASSESE Sabino La democrazia e i suoi limiti Milão Mondadori 2017 Sociologia do DireitomioloP3indd 262 020822 1037 o problema da evolUção 263 substituíveis da agenda política dos Estados Hoje estão princi palmente conectados em uma perspectiva evolutiva ao grande problema da suportabilidade intenso como a suportabilidade natural do aproveitamento de energia ecologia e a suportabili dade social da hospitalidade migração Essas questões no entanto também considerando os hori zontes estreitos das democracias atuais e da opinião pública a que se referem parecem destinadas a ser mais discutidas do que concretamente abordadas dada a tendência generalizada dos Es tados individuais de reduzir ou desarregar ao externo os custos das soluções que de tempos em tempos se tornam necessárias19 19 Um esquema argumentativo análogo vem seguido de CD Nimby Not In My Backyard Mesmo no nível dos Estados bem como das autoridades locais eles preferem hospedar os resíduos perigosos que produzem em outro lugar Ver SPINA F Sociologia dei Nimby Nardò Salento Books 2010 Sociologia do DireitomioloP3indd 263 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 264 020822 1037 O exame dos problemas de eficácia e evolução do direito permi tiu constatar que somente superando a tela normativa do direito escrito é possível entender por que um direito não é aplicado e quais fatores impedem que evolua de acordo com o que exige o contexto social Devese ressaltar também que do ponto de vista da sociologia do direito os dois problemas são distintos mas in terligados Deixar de resolver o problema da eficácia pode afetar a solução do problema da evolução e viceversa Em particular a ineficácia pode ser o resultado de uma falha na evolução do di reito por exemplo a não aplicação de normas relativas a institui ções como o dote ou a vontade holográfica de forma ampla é provocada pelo reconhecimento pelo legislador de que essas ins tituições haviam perdido sua razão cultural original Ferrari 1972 Por outro lado a falha na evolução do direito pode ser re sultado de uma ineficácia prolongada por exemplo é impossível inovar determinado sistema tributário eliminando ou reduzindo impostos que não possuem mais significado social se um alto nível de sonegação e portanto a ineficácia das normas relativas permanece Leroy 2011 Devese ressaltar que as instituições sociais possuem dife rentes capacidades reativas em relação ao direito A família por c a p Í t U l o 6 conclUsão Sociologia do DireitomioloP3indd 265 020822 1037 266 sociologia do direito exemplo devido às suas funções ligadas às necessidades bási cas em geral tende a criar regulamentos jurídicos externos que procuram modificála e por outro lado pode exercer pressões evolutivas decisivas sobre um legislador que muitas vezes acaba incorporandoos Maggioni 1990 Pocar Ronfani 1991 1992 2004 Commaille 1996 Ronfani 2001 Em outras palavras enfrentar sociologicamente os proble mas de eficácia e evolução significa abordar a questão da capaci dade de interagir com as várias áreas da sociedade com uma estrutura relativamente rígida como o direito escrito No caso de ineficácia a esfera social a ser regulamentada é cega em re lação a certas normas jurídicas comportandose como se elas não existissem no caso da não evolução é o direito que por outro lado é surdo em relação às mudanças sociais que exigem ajus tes regulatórios Tudo isso faz levantar outra questão até que ponto o direito pode aprender com a sociedade sem perder a normatividade que em retrospectiva envolve essencialmente sua capacidade de re sistir aos fatos utilizando ferramentas coercitivas se necessário em vez de se adaptar a eles Em outras palavras como uma es trutura normativa tal qual o direito pode aprender a se comuni car com as várias esferas sociais A sociologia do direito sempre se preocupou em enfatizar a importância da comunicação entre o direito e a sociedade Os problemas de eficácia e de evolução do direito podem portanto ser abordados seguindo um esquema comum o direito escrito que por si só é artificial e portanto exposto ao risco de ser ine ficaz ou de não se adaptar à sociedade podendo se comunicar indiretamente com ela por meio de outro direito intermediá rio que deriva de fontes sociais capazes de produzir normas por exemplo de grupos ou culturas jurídicas Desse modo o direito Sociologia do DireitomioloP3indd 266 020822 1037 conclUsão 267 oficial pode permanecer em constante harmonia com a socieda de graças à formação paralela de regulamentos sociais eficazes em si e capazes de evoluir com ela localizados entre a própria sociedade e o direito oficial ou ao lado deste último Em outras palavras os problemas da eficácia e da evolução do direito podem ser tratados cobrindo a sociedade com um traje regulador orgâ nico tão próximo a ela que se compara a uma espécie de epider me que se adapta com perfeição ao corpo social e cresce de modo espontâneo com ele uma vez que não é imposta à sociedade de fora e não corre o risco de com o tempo se tornar muito larga ou muito justa Esse padrão é evidente sobretudo em Ehrlich para quem o direito vivo se move diretamente das necessidades sociais orga nizadas em grupos mas também em Weber para quem pergun tar por que obedecemos às leis eficácia ou por que as próprias leis são alteradas evolução significa remeter a fatores culturais que condicionam a legitimidade do direito em diferentes situações históricas Os problemas da eficácia e da evolução do direito no entanto passam a cruzarse explicitamente nas perspectivas de Durkheim e Geigerian O instrumento característico para prote ger a eficácia dos ordenamentos jurídicos a sanção por sua vez se torna objeto de evolução modificando métodos e estratégias à medida que a sociedade se transforma tanto que Durkheim como vimos estabelece um paralelo importante entre as estraté gias de sanção repressivas ou restauradoras e os tipos de solida riedade social mecânica ou orgânica Na época atual a situação parece ter mudado bastante devi do à transformação geral da imagem do direito e do Estado Na recente teoria dos sistemas o direito escrito parece orientado não tanto para regular a autorregulamentação social de cima mas para tentar não perturbála com intervenções desnecessárias Sociologia do DireitomioloP3indd 267 020822 1037 268 sociologia do direito A cultura jurídica interna por sua vez também abandonou a re presentação de um direito caracterizado sobretudo por um con trole exercido hierarquicamente por meio de instituições estatais capazes de manter pelo menos em nível formal o monopólio do poder e propôs um modelo de direito mais flexível ou mais ameno e esperançosamente fraterno comprometido em garantir o cumprimento das regras de comunicação não conflitantes en tre diferentes culturas em particular entre diferentes culturas jurídicas Zagrebelsky 1992 Resta 2002 2008 A novidade teórica tanto para sociólogos quanto para juris tas reside no fato de que o elo final na cadeia de comunicações voltado para a prevenção de casos de ineficácia ou deficiências evolutivas não é mais considerado direito estatal já que o Estado atualmente vem modificando suas relações com a sociedade e não parece mais gozar de uma posição comunicativa privilegiada De fato a atual propagação de uma inflação real de mensagens com interesses e visões setoriais tende a tirar do Estado e do direito por ele produzido a posição preeminente ocupada no passado O Estado agora tem dificuldade em impor sua voz aos ou tros órgãos sociais e parece destinado a perder a autoridade O contraste entre o direito artificial do Estado e as regras sociais portanto não se limita ao equilíbrio mas acaba questionando até mesmo o papel do próprio Estado que há muito tempo está definido Essa renovação teórica embora ainda não claramen te delineada não parece resultar de um narcisismo teórico implementado por meio de uma operação autorreferencial de desconstrução sistemática dos conceitos tradicionais nem da ne cessidade objetiva de abordar com ferramentas adequadas os no vos problemas que o exame das atuais relações direitosociedade não deixa de apontar Mas quais são os principais problemas que na época atual exigem que a sociologia do direito revisite suas Sociologia do DireitomioloP3indd 268 020822 1037 conclUsão 269 categorias a fim de garantir maior capacidade de aprendizagem a um direito estatal que de muitas formas é considerado des necessariamente invasivo mas ainda aparentemente capaz de unificar de maneira formal o conteúdo das normas jurídicas e proteger sua identidade 61 Os novos problemas A gravidade da atual crise do Estado e do seu direito vem sendo atribuída a uma série de variações que simultaneamente afetam a relação entre normas jurídicas e esferas sociais Essas mudanças atingem a os pilares da representação tradicional do Estado soberania território povo b a imagem externa das normas incluídas na ordem estatal que parecem cada vez menos consistentes unitárias e reconhecíveis c os principais elementos dos sistemas jurídicos vistos anteriormente isto é o conjunto de estruturas que estabilizam os sistemas regulatórios o conjunto de atores individuais e coletivos interessados na utilização dessas estruturas através da inserção com base em suas necessidades de elementos inovadores e o conjunto de critérios capazes de selecionar as possibilidades de decisão d as relações renovadas entre direito e economia direito e política direito e ciência que não permitem mais utilizar cláusulas para a leitura da comuni cação direitosociedade testada no passado Tudo isso traz à tona alguns problemas de difícil resolução a O primeiro problema está particularmente vinculado à relação entre direito e economia Os fenômenos relaciona dos à globalização do direito põem em causa as fronteiras tradicionais do Estado cada vez mais chamado a resolver questões da economia global que possuem dimensões muito maiores do que o seu território Isso implica maior com plexidade estrutural das relações entre direito e sociedade Sociologia do DireitomioloP3indd 269 020822 1037 270 sociologia do direito que desloca a distinção entre normas jurídicas estaduais e regras sociais para fora do Estado Ao mesmo tempo a oposição públicoprivado já bastante problemática pela crescente complexidade das relações jurídicas em sistemas individuais é elaborada pelos novos atores transnacio nais da economia global que com frequência motivados por interesses privados contribuem para uma relevância transversal do direito privado e público como fica evidente nos recentes riscos de catástrofes que atingiram os merca dos financeiros globais Kjaer Teubner Febbrajo 2011 Nesse contexto a crise do Estado revela suas raízes econômicas também devido à crescente volatilidade das fontes tradicionais de financiamento A estabilidade das fon tes de tributação antes vinculadas a ativos indissociáveis ligados ao território estatal como terrenos ou edifícios adquiridos em caso de necessidade identificada e atribuída a certos proprietários é inevitavelmente diminuída quan do grande parte da riqueza do patrimônio dos Estados é acumulada em capital que com facilidade e rapidez pode ser transferido de um continente a outro Portanto o Es tado que teve o capital efetivamente protegido durante grande parte do século passado perde de maneira inexo rável a estabilidade da oferta de recursos financeiros de que há muito tempo desfrutava sobretudo no Ocidente onde Constituições capazes de garantir liberdades indivi duais de empreendimento econômico haviam proporcio nado um prérequisito indispensável para o desenvolvi mento econômico Luhmann 1965 Tais questões que afetam setores privados da so ciedade mundial não podem entrar na esfera de controle de um único Estado Além disso as tentativas de efetiva regulação das atividades econômicas em nível multina Sociologia do DireitomioloP3indd 270 020822 1037 conclUsão 271 cional por exemplo protegendo o exercício da efetiva li berdade de comércio de acordo com princípios como a concorrência podem apenas em parte receber apoio Em vista da afirmação desejada por alguns e temida por ou tros de um verdadeiro direito global para o qual seriam necessários elementos ainda não difundidos como uma cultura jurídica dotada de adequados níveis de abstração e de adequado poder sancionador seriam delineadas nu merosas áreas nas quais a proteção dos princípios estabe lecidos pelas suas respectivas Constituições seria confiada a autoridades internacionais capazes de reunir legislado res nacionais ou conjuntos de regras supranacionais ba seadas em procedimentos quase judiciais b O segundo problema diz respeito acima de tudo à relação entre direito e política A complexidade relacional que carac teriza a vida social no Estado agora excede a rígida dicotomia de pertencimentoestranheza construída para o predomi nante pluralismo intraestatal e em vez disso empurra para que seja levado em conta o enfraquecimento do princípio de identidade subjacente ao conceito de povo A suposta homo geneidade cultural desse conceito com frequência é articu lada em uma infinidade de instâncias heterogêneas difíceis de rastrear de volta a histórias sensibilidades e memórias comuns Além disso na União Europeia os processos de codificação supranacional em geral são acompanhados pela consolidação de normas regionais que levam em conta re gionalismos e localismos reemergentes Nesse caso ainda mais do que no caso da globalização e internacionalização podemos falar de fenômenos não apenas econômicos e admi nistrativos mas também culturais que a abordagem cen trada no Estado não tinha superado completamente Sociologia do DireitomioloP3indd 271 020822 1037 272 sociologia do direito Tal regionalismo cultural não imposto de cima mas consciente das verdadeiras e profundas razões culturais da diferenciação deveria conseguir apresentar marcos comuns em nível nacional capazes de dar sentido àquele passado multicultural nacional sobre o qual e aqui a refe rência é a Itália múltiplas culturas urbanas e muitas pai sagens culturais deixaram uma herança cultural única no mundo Häberle 2003 p 91 Diante de uma pluralidade de identidades a capaci dade da cultura política de produzir símbolos e projetos de interesse geral mostrase cada vez mais inadequada também em razão da menor capacidade de mediação dos organismos intermediários tradicionais Em particular os partidos políticos burocratizados encontram cada vez mais dificuldades para interceptar novas correntes de opi nião com a prontidão necessária o que favorece o aumen to dos pedidos de participação direta nos procedimentos legislativos de produção nem sempre suficientemente le gitimados Além disso a disseminação de novos meios de comunicação que só podem ser minimamente institucio nalizados internet parece ampliar a possibilidade de uma dupla seleção relacionada a questões e opiniões Ain da mesmo na presença de temas gerais capazes de com o apoio da mídia tradicional atuar como oportunidade de diálogo além das fronteiras culturais de um Estado é fácil registrar a fragmentação de opiniões em decorrência da complexidade dos problemas da variedade de soluções possíveis da espontaneidade das respostas Fici 2002 c O terceiro problema diz respeito à relação entre direito e ciência A proliferação de fontes de conhecimento cada vez mais ricas em dados nem sempre verificáveis dificulta Sociologia do DireitomioloP3indd 272 020822 1037 conclUsão 273 cada vez mais em nível substancial as decisões das estru turas do Estado e portanto dos operadores e do legisla dor bem como as previsões dos destinatários das normas A princípio é tão difícil estabelecer se e como intervir em questões emaranhadas em termos de causalidade que eles nem sequer reconhecem qual nó deve ser cortado é difí cil prever não apenas como mas também se determinada questão pode ser juridicamente resolvida Grimm in Za grebelsky Portinaro Lutero 1996 pp 12966 Cadeias longas e complexas de conexões de causaefeito rela cionadas ao passado ou projeções ainda mais desiguais relacio nadas ao futuro podem se tornar juridicamente relevantes sem oferecer elementos apreciáveis de certeza Isso leva a um aumen to significativo na percepção dos riscos do direito que se torna superabundante em comparação com a capacidade das estrutu ras jurídicas de dar respostas e produzir decisões No entanto de vese enfatizar que a sensibilidade aos efeitos das intervenções regulatórias tende agora a ultrapassar as fronteiras dos campos de ação diretamente sujeitos à regulamentação e portanto sua capacidade de risco entendida como uma lacuna entre a certeza esperada e a certeza oferecida institucionalmente também pode ser percebida em áreas adjacentes àquelas originalmente envolvi das Ladeur 2004 Nesse sentido é necessário fazer uma distinção entre risco e perigo Ao contrário do risco o simples perigo não seria percebido nem avaliado ou quantificado pois não requer por mais limita do que seja o controle do ambiente Na sociedade atual a verda deira novidade não reside tanto na presença e na frequência dos perigos mas na crescente capacidade de transformálos em ris cos percebidos Luhmann 2003 Marinelli 1993 Obviamente a distinção não está imune ao condicionamento de fatores cultu Sociologia do DireitomioloP3indd 273 020822 1037 274 sociologia do direito rais que podem contribuir para tornar invisíveis ou subdimen sionar situações perigosas o que impede que sejam percebidas como arriscadas Basta pensar nos diversos riscos não suficiente mente percebidos como tais o alto número de acidentes de trânsito em determinados dias da semana e em certos horários não impede que muitos jovens dirijam o carro nas situações mais arriscadas ou os riscos que embora percebidos como tais são ignorados com base em restrições e pressões sociais que influen ciam o tomador de decisão individual o fato de que comprar medicamentos sem receita pode causar danos à saúde nem sem pre leva a uma redução do seu consumo embora os custos sejam economicamente relevantes o alto número de graduados que não encontram trabalho adequado nem sempre direciona as suas es colhas de maneira diferente ao se matricularem na universidade Riscos como os ecológicos que embora causados pelas pes soas afetam potencialmente toda a humanidade parecem difíceis de controlar e com frequência são mencionados sem levar em con ta as avaliações feitas pelos fóruns científicos que chamam a aten ção para eles de forma unívoca ou pelo menos para que possam ser adequadamente combatidos A crescente sensibilidade aos efei tos manifestos ou latentes do progresso tecnológico que podem ser entendidos como uma ferramenta universal para adaptar a natureza às necessidades humanas mas também para manipulála de maneira contraproducente ou arriscada em relação às suas ne cessidades fundamentais parece destinada a permanecer sem res postas a menos que se recorra a soluções arriscadas que vão além dos limites da soberania dos Estados individuais Beck 1986 Considerados em conjunto os problemas que tratamos estão ligados a um aumento da complexidade social que exige que as relações do direito com a ciência a economia e a política sejam Sociologia do DireitomioloP3indd 274 020822 1037 conclUsão 275 mais visíveis do que no passado Eles apontam sumariamente al gumas deficiências do modelo de direito tradicional que exi gem a estruturas regulatórias mais adequadas aos níveis atuais de globalização para lidar com questões que não coincidem com os limites espaciais do território do Estado b atores não mais compreendidos no conceito tradicional de povo mas inseridos em tendências de caráter cosmopolita critérios de tomada de de cisão mais articulados e coordenados que devem exceder os limites de decisão do Estado a fim de gerenciar o aumento das incertezas e riscos dentro de uma estrutura regulatória mais am pla As conexões indicadas aparecem resumidas na Tabela 12 Tabela 12 Implicações jurídicas dos novos problemas sociais Dimensão dos elementos de Estado Dicotomias Objeto Laços inter sistêmicos Espacial território Da vertical à horizontal Estrutura Economia Relacional povo Da cidadania à rede Atores sociais Política Substancial soberania Da certeza à incerteza Critério de decisão Ciência Diante de um direito que devido à evidente erosão do papel do Estado parece cada vez menos dotado de uma organização hierárquica eficiente e de autoridade suficiente é necessário um retorno ao tema inicial ou seja a definição do conceito de direi to agora a ser reexaminado à luz dos problemas que pelo menos implicitamente condicionam recentes pesquisas sociológicoju rídicas Friedman 1999 Sociologia do DireitomioloP3indd 275 020822 1037 276 sociologia do direito 62 Endereços de pesquisa emergentes Os processos de globalização e transnacionais com os quais lidamos exerceram crescente pressão social sobre os sistemas ju rídicos que a sociologia do direito não pode ignorar Comparado à sociologia clássica deve haver um pluralismo capaz de mudar o centro de gravidade dos problemas e suas causas para fora do Estado A ênfase da pesquisa passa assim de uma sociologia des tinada a enfatizar os limites do direito estatal para uma sociolo gia voltada a identificar as perspectivas de um direito pósestatal emergente Essa mudança de perspectiva foi pontualmente subli nhada no trabalho realizado pelos sociólogos jurídicos nas últi mas duas décadas Arnaud 2013 Cotterrell 2013 Nesse período o foco passou de uma perspectiva voltada para a instrumentali dade do direito direcionada sobretudo à pesquisa que busca melhorar o desempenho do aparato estatal para uma perspectiva baseada na redefinição da atuação do direito voltada sobretudo para o esclarecimento do papel do direito estatal agora abertamen te confrontado por um novo pluralismo fora do Estado Estamos portanto testemunhando o crescimento de um transnacionalis mo jurídico que concentra a atenção dos sociólogos do direito em um direito ainda incipiente com fronteiras indefinidas Tabela 13 Novos endereços de pesquisa Dimensão Perspectiva clássica Perspectiva contemporânea Espacial Institucionalização interna Institucionalização generalizada Relacional Multiculturalismo limitado Multiculturalismo ilimitado Substancial Regulação unitária Regulação fragmentada Sociologia do DireitomioloP3indd 276 020822 1037 conclUsão 277 Ao mesmo tempo a cultura jurídica também foi atravessada por uma multiplicidade de correntes e direções que atestam a grande necessidade de rever as lentes tradicionais de observar o direito abandonando uma visão centrada no Estado Tendo em vista os poderes limitados disponíveis para Estados individuais para um Maquiavel do século XXI um poder regulador que real mente atenda aos problemas a serem enfrentados em âmbito in ternacional deve exigir a transferência de ações soberanas em favor de um superpríncipe que portanto seria capaz de governar uma sociedade soberana de forma não apenas jurídica mas tam bém eficaz eficiente e adequada No entanto a institucionaliza ção de uma reductio ad unum do poder anteriormente atribuído ao Estado parece um empreendimento muito difícil pois precisa lidar com uma série de canais que tomam o poder do Estado e o desviam para outras instituições sem um desenho unitário Os dois pontos de vista o sociológico próprio de um obser vador externo e o jurídico próprio dos operadores internos po dem portanto ser combinados em um modelo de direito mais amplo no qual as diretrizes de pesquisa convergem influenciadas pelas opiniões do público1 que desempenham importante papel na formação do clima cultural no qual ocorre o cotidiano do direi to Com isso os novos problemas substanciais espaciais e relacio nais passariam a ser abordados sob a perspectiva transnacional emergente concentrando a atenção a em uma institucionaliza ção generalizada devido ao colapso das fronteiras anteriores re 1 Essa direção de pesquisa há muito atrai a atenção de vários estudiosos Podgó recki et al 1973 Tomeo Cerutti Biancardi 1975 Carzo 1977 Giasanti Maggioni 1979 Supiot 1990 Commaille 1994 Devese lembrar também que recentemente ganhou autonomia uma linha de investigação particularmente promissora que considera não apenas as opiniões do público mas também as obras literárias um indicador privilegiado das culturas jurídicas presentes em determinados contextos sociais ver por exemplo Ward 1995 e Mittica 1996 Sociologia do DireitomioloP3indd 277 020822 1037 278 sociologia do direito lacionadas ao Estado b em um multiculturalismo ilimitado conectado a uma névoa de identidades culturais em vastas regiões do globo c em uma regulamentação fragmentada devido ao ex cesso de complexidade externa que as estruturas jurídicas não podem mais reduzir de maneira coerente e unitária a Institucionalização generalizada A mudança no equilí brio da relação entre direito e economia tradicionalmente organizada pelos Estados já evidenciou uma ruptura sig nificativa em relação ao período da história europeia mar cado pela absoluta preeminência do Estado A globalização representa uma espécie de fuga da economia do contêiner estatal e uma tendência em afirmar sua autonomia e au tossuficiência em relação ao processo político Ferrarese 2000 2002 ver também Heydebrand 2001 Marconi 2002 No impulso da globalização espalhouse um mercado renovado que de fato excede as áreas de soberania dos Es tados apresentandose como uma espécie de metarregula ção destinada a controlar além das fronteiras estaduais um tráfego internacional cada vez mais intenso devido à presença simultânea em diversos contextos nacionais de sujeitos capazes de evitar controles efetivos por parte de Estados individuais O quadro comum da chamada glo balização altera em particular as condições em que as formas de pressão de alguns Estados em relação a esses atores econômicos são implementadas sobretudo quando os conflitos são tão importantes que não podem ser resol vidos através da mediação de órgãos de terceiros Ao mes mo tempo as frentes dos conflitos entre Estados estão se tornando mais fluidas do que no passado principalmente devido à crescente heterogeneidade dos países industriali zados e às diferentes cadências de seus ciclos econômicos Sociologia do DireitomioloP3indd 278 020822 1037 conclUsão 279 que permitem o rápido surgimento de Estados destinados a desempenhar um papel não mais de coadjuvantes no ce nário do comércio mundial Galgano 2005 Embora o papel dos Estados no cenário internacional precise ser redesenhado devese levar em conta que a econo mia não pode prescindir de um direito ainda amplamente produzido pelos Estados seja de maneira individual ou dentro de comunidades de diferentes tamanhos O quadro geral de referência portanto parece ser o de uma transição gradual de um estatismo do passado não totalmente mor to para um pósestatismo do presente ainda a ser defini do que reconhece que os Estados têm um papel em muitos aspectos relevantes mas não decisivos Sassen 2007 Nesse contexto embora o uso de conflitos de guerra seja cada vez mais improvável devido aos desequilíbrios intransponíveis entre os aparatos militares se ainda ocor rerem como razão extrema tenderão a se tornar um ins trumento para resolver possivelmente com o apoio da comunidade internacional e de forma local e indireta questões direta ou indiretamente econômicas porém li gadas a um renascimento de diferentes modos daquela or ganização oligárquica que durante séculos orientou as re lações internacionais Febbrajo Gambino 2013 Fischer Lescano Teubner 2004 Nesse contexto a controversa constitucionalização da proibição dos déficits financeiros no âmbito estadual da União Europeia pode ter o efeito preventivo de atribuir legitimidade às intervenções destinadas a limitar o gasto público ou a função terapêutica de justificar intervenções drásticas em situações em que a dívida já acumulada deve ser reduzida a estágios forçados e mesmo assim confirma Sociologia do DireitomioloP3indd 279 020822 1037 280 sociologia do direito em nível simbólico a ambiguidade das limitações da ação de cada Estado pela União Europeia na medida em que ela pretende impor externamente aos Estados a internali zação de compromissos em nível constitucional apresen tandoos como limites internos Bifulco Roselli 2013 b Multiculturalismo ilimitado A presença de atores so ciais com posição indeterminada no cenário político de vido à heterogeneidade cultural tornase mais visível pela circulação acelerada de indivíduos em um espaço agora transnacional Em particular eventos como as recentes on das de migração produto de múltiplos fatores Mancini 1998 Belvisi 2000 Facchi 2001 tornam o conceito de cidadania ainda mais fluido Há situações de marginali zação que chegam a criar verdadeiros subsistemas delimi tados étnica e culturalmente por fronteiras que por um lado afastam aqueles que fazem parte deles de qualquer contro le e portanto representam uma ameaça potencial para a proteção da segurança do restante da população e por ou tro lado não garantem o pleno gozo dos direitos básicos àqueles que fazem parte desses subsistemas Marci 2008 Nesse contexto também são propostas questões como a expansão limitada dos processos de democratização em nível global para os quais ainda não se desenvolveu uma cultura adequada devido à desproporção entre a vastidão transnacional da dimensão do problema e os instrumentos jurídicos disponíveis que ainda estão sendo utilizados para problemas muito mais limitados Morlino 2003 No que diz respeito à União Europeia a padronização dos no vos Estadosmembros com base nesses requisitos muitas vezes como resultado de uma adaptação ao acervo comuni tário em relação aos princípios de abrangência universal mostrase potencialmente contraditória Sociologia do DireitomioloP3indd 280 020822 1037 conclUsão 281 Essas diferentes formas de padronização baseadas em uma cultura jurídica futurista caracterizada pela aspira ção a uma dimensão transnacional e a um alcance univer sal estimularam o ressurgimento de culturas jurídicas tradicionais voltadas para o passado e caracterizadas por raízes fortes e bem consolidadas na história e na identidade de cada país Dessa maneira foi possível testemunhar um crescimento simultâneo de direitos locais e universais ao contrário do que um simples raciocínio em termos de vasos comunicantes poderia sugerir Febbrajo Sadurski 2010 Por outro lado essas formas de padronização são recu sadas de várias maneiras pela cultura jurídica interna que com frequência coleta e relata estímulos e sensibilidades so ciologicamente orientados no campo da ciência jurídica ofi cial questões como a relação entre liberdade de imprensa e privacidade ou entre técnica e moral que se referem a pro blemas mais gerais relacionados aos direitos já não do homem cidadão mas do homem como tal tendo em vista sobretudo a proteção de sua esfera irreprimível de liberdade Rodotà 2012 A busca por valores que atuam como uma bússola em nível transnacional no entanto tornase tão ur gente que um conceito como o de pessoa é usado repetida mente e definido à luz de uma esfera de direitos intangíveis de natureza jurídica e extrajudicial apresentados como in compatíveis com uma aceitação dos efeitos produzidos pe las leis positivas e dos pedidos relacionados ao progresso da sociedade Rescigno 1987 Perlingeri 2003 c Regulamentação fragmentada A escala dos problemas associados à globalização requer uma cooperação inter nacional mais estreita pois o conceito de soberania do Es tado individual não pode ser deixado intacto tanto que Sociologia do DireitomioloP3indd 281 020822 1037 282 sociologia do direito na época atual devemos falar em soberania limitada De fato para uma série de questões regulatórias uma ação isolada limitada ao potencial de um único Estado não é proporcional ao tamanho das questões a abordar mas re quer colaboração internacional que consiga impor limites de decisão em troca de melhores resultados práticos e me nores riscos de falha MacCormick 2002 Walker 2006 No que diz respeito às estratégias regulatórias o geren ciamento de riscos elevados com o uso de ferramentas de tomada de decisão ineficazes pode favorecer uma cultura jurídica de detalhes difundida sobretudo na União Euro peia com o objetivo de reduzir as margens de incerteza na aplicação das normas Dessa forma buscase promover uma interpretação burocráticaimpessoal aparentemente capaz de superar as diferenças culturais de possíveis intér pretes com base no pressuposto de que quanto mais preci sas forem as normas maior a previsibilidade do controle que elas conseguirão alcançar Também é possível priori zar a transferência de risco do autor das normas para o in térprete e a partir daí para o destinatário como é o caso do uso de um genérico princípio de precaução que substan cialmente baseado em uma não decisão também parece adaptado para defender diante dos sujeitos diretamente expostos a possíveis riscos os aparatos burocráticoadmi nistrativos que carregam o ônus de tomar decisões arrisca das mesmo não dispondo dos dados necessários Ladeur 2006 Feenan 2002 Mais importante a mudança de ênfase do governo para a governança em vários níveis levou a uma maior demanda de participação que em muitos casos está des tinada a permanecer insatisfeita DAlbergo Segatori Sociologia do DireitomioloP3indd 282 020822 1037 conclUsão 283 2012 Ferrarese 2010 Costabile Fantozzi Turi 2006 De fato quando a incerteza de uma decisão não pode ser resolvida fora da esfera jurídicoinstitucional como é o caso da realocação de plantas potencialmente prejudiciais à saúde em outros lugares o recurso à consulta poderá não ser conclusivo se não deixar prevalecer o interlocutor politicamente mais forte Spina 2009 Do ponto de vista sociológico no entanto o direito es tatal não é a única estrutura capaz de desempenhar a fun ção de regular e absorver riscos Em comparação com a gestão de riscos que envolve quase todas as instituições sociais de diferentes maneiras ele pode ser considerado uma estrutura residual no sentido de que apenas é cha mado a intervir para regular os riscos que outras estrutu ras sociais não conseguem regular de maneira legítima generalizável e não confrontante A família por exemplo como grupo original tradicio nalmente desempenha a função de proteger seus membros dos riscos fundamentais da existência proporcionando em tempos de necessidade não apenas apoio econômico mas também psicológico A proteção contra possíveis ris cos requer uma vasta rede de proteção que para desem penhar uma função substituta em relação à família vem sendo cada vez mais confiada a soluções espontâneas e participativas provenientes de diferentes jurisdições do Estado Dessa maneira é possível recorrer a instituições caracterizadas por uma orientação moral e não jurídica como no caso de agências sem fins lucrativos Donati Colozzi 2004 Em geral na consciência das muitas fontes de indecisão que tornam o direito não apenas incerto quanto aos efeitos produzi Sociologia do DireitomioloP3indd 283 020822 1037 284 sociologia do direito dos e portanto inseguro mas também incerto quanto ao con teúdo da decisão e portanto imprevisível chegamos a sugerir abertamente um distanciamento gradual e cada vez mais aberto do mito da segurança jurídica Isso não pode mais ser assegurado de modo satisfatório com o emprego de estratégias exclusiva mente técnicojurídicas para reduzir a intervenção de influên cias culturais externas nas estruturas jurídicas mas deve ser substituído pela função latente e muito mais realista de manter a incerteza dentro de margens suportáveis A consequência disso foi o surgimento de um verdadeiro niilismo jurídico que ob servando que nada é mais firme e necessário considera que nos casos em que outras decisões não são possíveis e tornase arriscado não decidir a lei é forçada a deixar os antigos limites dos códigos sem se importar mais com o valor da unidade do ordenamento Irti 2004 A premissa comum dessas diretrizes de pesquisa ou seja o enfraquecimento do direito estatal e a crescente conscientização em relação à inadequação do controle centralizado aumenta a im portância de papéis intersticiais que dentro e fora do ordena mento desempenham a função de verdadeiros mediadores entre diferentes culturas As competências mais articuladas que o direi to parece ter em relação a outros sistemas regulatórios não jurídi cos tendem a atribuir a ele a tarefa não de simplesmente impor ordens ou diretrizes mas de combinar uma série de níveis de re gulamentação a regulação dos fatos pelas normas a regulação de normas por culturas jurídicas a regulação das culturas jurídicas por valores que por sua vez permitem decifrar fatos sociais Nesse contexto as profissões jurídicas desempenham papel decisivo para a proteção transcultural do valor da justiça assim como outras ordens profissionais o fazem em relação a outros bens por exemplo a ordem dos médicos e o bem da saúde Esses ser Sociologia do DireitomioloP3indd 284 020822 1037 conclUsão 285 viços fundamentais são sustentados e orientados por um conjun to de conhecimentos bem como por códigos de ética Febbrajo 1987a Danovi 2000 que podem permitir extensas áreas de subs tituição do Estado compensando ainda que em parte as disfun ções crônicas para assumir as funções essenciais de resolução de conflitos e mediação cultural Schultz Shaw 2003 Também não se deve esquecer que a perda generalizada de confiança na capacidade do direito de resolver os conflitos a ele sujeitos de forma justa e dentro de prazos aceitáveis causa uma crescente propensão a contornar os longos e arriscados instru mentos da justiça comum e usálos talvez também de modo arris cado mas sem dúvida em tempo menor no lugar daqueles de uma justiça informal baseada em soluções consensuais também em ní vel transnacional Feenan 2002 Matthews 1988 Abel 1982 63 Para uma sociologia do direito crítica A crescente consciência do declínio do Estado e a necessi dade de analisar esse processo utilizando um conceito adequado de direito não podem deixar de influenciar o desempenho da tarefa crítica que a sociologia do direito vem tentando reali zar desde os seus primórdios Se criticar significa analisar um objeto de estudo com o uso de ferramentas externas a sociologia do direito é em si crítica já que estudando o direito por um ân gulo sociológico é capaz de compreender conexões que mesmo aqueles que operam dentro do próprio direito nem sempre con seguem perceber como peixes que não veem a água em que estão imersos Febbrajo 1984 Na atual fase caracterizada por uma grande heterogeneidade das abordagens disponíveis o que paradoxalmente parece coin cidir com um êxtase na produção de novas ofertas teóricas não se deve contudo ter receio de prosseguir com enxertos e hibridiza Sociologia do DireitomioloP3indd 285 020822 1037 286 sociologia do direito ções na esperança de alcançar resultados estimulantes para o de senvolvimento de futuras pesquisas A anedota do bêbado que procurou as chaves de sua casa sob um poste de luz é bem conhe cida e quando questionado por que olhou ali respondeu que era a única parte iluminada da calçada A resposta sem dúvida de sarmante pode fazer sorrir mas pede que se evitem encontros produzidos por modas e que se tente mover sempre que possível sob novas luzes da rua A sociologia do direito deve portanto dar mais alguns passos tentando mover as pedras não removidas que encontra em seu caminho sem medo de tropeçar por falta de iluminação É importante perceber as expectativas cognitivas atuais da disciplina considerando que a característica fundamental do direi to é a maior capacidade de produzir e corrigir as próprias normas a partir de uma perspectiva transnacional Isso é claro também requer uma disposição adequada à aprendizagem por parte do sociólogo do direito Independente dos objetos escolhidos a in tensificação da pesquisa pode ajudar a superar um grande obstá culo do desenvolvimento de qualquer disciplina sociológica ou seja a interação insuficiente entre pesquisa teórica e pesquisa empírica Tal interação se realmente aberta a correções de am bos os lados pode trazer benefícios cognitivos significativos de modo que a pesquisa empírica não apenas comprove uma hipó tese teórica já conhecida mas também faça o ponto de partida da pesquisa coincidir necessariamente com o da chegada Para que uma sociologia do direito crítica seja assim enten dida algumas precondições devem ser observadas a A tarefa de uma sociologia do direito crítica que não dese ja ser paradoxalmente camuflada no dogmatismo latente não pode ser alcançada apenas de uma maneira A sociolo Sociologia do DireitomioloP3indd 286 020822 1037 conclUsão 287 gia do direito deve interpretar a linguagem dos fatos colo candoa em uma estrutura normativa de referência na consciência de que os chamados fatos do direito não são imediatamente conhecidos pelo pesquisador mas tornam se conhecidos apenas no contexto de uma conexão senso rial estabelecida de acordo com as necessidades e com base em alguma referência regulatória Se houver falta de cone xão a qualidade da pesquisa empírica ficará comprometida e os sociólogos do direito não serão capazes de compreen der as razões jurídicas dos fatos estudados Para que isso ocorra é necessário passar pelo menos implicitamente de um conceito de direito que inclua um direito extralegisla tivo e extraestatal e que no entanto refirase a um escopo mais amplo do conceito usual do direito centrado no Esta do dos juristas Mas a sociologia do direito justamente por estar interessada no problema da sua eficácia e da sua evo lução ou seja no direito efetivamente aplicado law in ac tion e na imagem dele adotada na prática dos tribunais ou no comportamento dos usuários do direito legal culture não pode ignorar a existência de um direito escrito law in the books ou apenas usálo como ponto de referência e destaque no curso da pesquisa Para abordar de forma crítica a questão das razões da diversidade dos sistemas jurídicos a sociologia do direi to deve necessariamente recorrer a fatores extrajudiciais A heterogeneidade de perspectivas das quais a capacidade crítica da abordagem sociológicojurídica depende em re lação ao seu objeto não implica portanto um contraste absoluto com o mundo das normas jurídicas Afinal uma das razões que sustentaram as fortunas da sociologia do direito foi o fato de os operadores do Sociologia do DireitomioloP3indd 287 020822 1037 288 sociologia do direito direito proporem uma forma diferente de conhecer os ordenamentos jurídicos capaz de superar as recorrentes crises de identidade de sua cultura e ajudálos a decidir me lhor ou pelo menos de maneira mais consciente Da mes ma forma uma sociologia da educação não pode ignorar o padrão de educação adotado pelos educadores e uma so ciologia da religião não pode ignorar o modelo religioso dos sacerdotes De fato quaisquer diferenças nesses mode los e em outros por exemplo em relação aos estudantes ou aos fiéis podem constituir uma ferramenta útil para enten der o funcionamento das instituições a eles relacionadas b A pluralidade de possíveis abordagens críticas é evidencia da pela mesma sociologia do direito que ao longo de sua história mudou o foco de sua pesquisa de acordo com as situações em que os autores individuais operam Passando de um contraste explícito com relação às ciências jurídi cas tradicionais para a crítica do direito positivo foi ala vancada a gênese de um direito cujo centro de gravidade também se encontra sobretudo fora do Estado Ehrlich a conexão entre diferentes culturas que conseguem se con templar na sociedade moderna produzindo normas legíti mas Weber o acúmulo quantitativo de comportamentos individuais que produzem normas estatisticamente sancio nadas Geiger a possibilidade de produzir direito dentro de um sistema cuja lógica é decifrada por uma ilumina ção sociológica Luhmann a possibilidade de impedir o direito de reduzir as habilidades expressivas de sujeitos imersos em comunicações intersistêmicas Habermas Não é por acaso que a sociologia do direito historicamente tem variado os métodos de realização de sua vocação crí tica e se apresentado como heterogênea em relação à cul Sociologia do DireitomioloP3indd 288 020822 1037 conclUsão 289 tura jurídica oficial adotando instrumentos que dentro de uma pluralidade de abordagens sugerem diferentes ob jetivos de pesquisa a serem utilizados de forma multidi mensional Podgórecki LoŚ 1979 Devemos agora nos perguntar até que ponto as pro postas apresentadas podem ser usadas para abordar cri ticamente a situação atual O contraste entre as regras sociais e o direito estatal continua válido apesar do enfra quecimento deste último e muitas das propostas teóricas subsequentes sobretudo nesta fase atual de globalização demonstram a necessidade de pesquisas que permitam avaliar antecipadamente as dificuldades de aplicação e os custos sociais das intervenções regulatórias em diversos níveis em que o direito é chamado a intervir c Para garantir a implementação satisfatória de suas múlti plas tarefas críticas a sociologia do direito não pode per manecer isolada mas deve necessariamente estar aberta a contribuições de disciplinas a ela relacionadas Em outras palavras é importante que não se isole em si mesma de modo que comprometa a sua vocação interdisciplinar e a sua potencial capacidade crítica limitando em excesso seus instrumentos e suas perspectivas Em particular a sociologia do direito pode manter re lações úteis com a teoria do direito que sendo capaz de perceber diretamente as orientações da cultura jurídica interna desempenha a tarefa essencial de desenvolver as autorrepresentações do direito consideradas mais ade quadas à cultura jurídica interna2 com a sociologia políti 2 Para uma tentativa de estabelecer um léxico comum entre teoria e sociologia do direito ver Arnaud 1993 Macedo Junior 2017 e Vesting 2015 Sociologia do DireitomioloP3indd 289 020822 1037 290 sociologia do direito ca que representa um ponto de referência obrigatório para enfrentar os problemas cruciais da legitimidade po lítica das normas e o papel efetivo do poder estatal em diferentes sistemas políticos3 com a história do direito que contribui para fazêlos adquirir aquele desapego temporal e a perspectiva comparativa que pode evitar tentações ideo lógicas ou crônicas4 e com a filosofia e a antropologia do direito a fim de poder se adequar ao tema fundamental da interpretação das necessidades dos destinatários das nor mas começando pela necessidade fundamental de justiça para a qual os diferentes sistemas jurídicos são aparente mente orientados embora se distingam nas diversas estra tégias adotadas5 Tudo isso pode ser feito de forma mais incisiva desa gregando o lado jurídico da sociologia do direito de modo que leve em conta as especificidades dos diferentes ramos do direito positivo incluídos na mesma ordem mas ca racterizados por diferentes estágios de abertura ao mun do dos fatos sociais Houve épocas de grande sensibilidade sociológica no direito do trabalho que nem sempre coin cidiram com passos semelhantes na sociologia do direito administrativo ou do direito constitucional A sociologia do direito pode ser proposta como uma contribuição que amplia as perspectivas disciplinares tam 3 Um tratamento sociológicojurídico bemsucedido centrado no conceito de po der encontrase em Chambliss e Seidman 1971 Sobre o mesmo tema ver tam bém Strazzeri 2003 4 Sobre a importância de abrir a sociologia do direito aos estudos da história do direito ver Dilcher Horn 1978 Febbrajo 1984 e Lopes 2014 5 Para uma discussão conjunta das disciplinas intimamente relacionadas entre si ver por exemplo Díaz 1971 Essa conexão é exemplificada pelo próprio traba lho de Treves ver Tanzi 1988 Sociologia do DireitomioloP3indd 290 020822 1037 conclUsão 291 bém do lado sociológico e portanto permite ter uma sociologia política do direito constitucional ou uma so ciologia econômica do direito do trabalho Além disso é evidente que no triângulo do direito a política e a econo mia podem encontrar pontos de encontro proveitosos para juristas e sociólogos interessados em aprofundar as mesmas questões Por outro lado as questões específicas aqui tratadas devem ser abordadas não apenas a partir da experiência de cada país Devese evitar portanto falar de uma sociolo gia italiana ou brasileira do direito mas em mais de uma sociologia do direito italiano ou brasileiro não fechada para a comparação com tópicos semelhantes tra tados no âmbito de outras tradições históricoculturais6 Parece desnecessário acrescentar nesse contexto que a saída de um quadro nacional ainda é exigida por um con ceito jurídico caracterizado por um escopo transnacional e às vezes universal No entanto isso não deve nos fazer esquecer que a ampliação das questões não corresponde necessariamente a um aprimoramento adequado das len tes disponíveis d Finalmente devese notar que uma sociologia do direito não poderá ser crítica se não for também autocrítica A so ciologia do direito contemporâneo está ciente de que fora de certas áreas políticas econômicas e juridicamente ho mogêneas é fácil encontrar realidades profundamente di ferentes que não compartilham as mesmas coordenadas 6 Uma possível convergência das várias sociologias nacionais para temas e hipó teses teóricas comuns obviamente com diferentes soluções concretas tem sido destacada por Treves 1966 1968 Sociologia do DireitomioloP3indd 291 020822 1037 292 sociologia do direito interpretativas e portanto é possível que objetos de pes quisa não relacionados a uma cultura sejam abordados a partir de uma espécie de etnocentrismo maligno oculto que se estende às nossas nobres mas não generalizáveis cate gorias mentais relacionadas à ligação entre o direito e a so ciedade em culturas distantes das europeias e ocidentais Para evitar o perigo de simplificações e aprovações excessivas que levam à repetição dos mesmos passos ex plicativos por força da inércia devese lembrar que o di reito de muitos países segue linhas de desenvolvimento completamente diferentes e conhece diversas condições de eficácia Esta abordagem relativística lembra a abordagem de Renato Treves que não surpreendentemente reserva um lugar importante para um pluralismo metodológico teó rico e disciplinar no âmbito de uma visão comparativa da sociologia do direito O sociólogo do direito deve antes de tudo estar ciente de que a avaliação éticopolítica se refere a valores e concepções ge rais da sociedade que não possuem um caráter absoluto e de finitivo mas um caráter relativo e temporário condicionado por fatores históricos sociológicos psicológicos e assim por diante A sociologia do direito de que estamos falando tam bém deve trazer à tona esses valores e concepções que frequen temente intervêm no estado latente Com esse esclarecimento espero que fique claro que ao dizer que o sociólogo do direito na realização de sua pesquisa deve conciliar as necessidades da ciência com as da avaliação digo ao mesmo tempo que deve conciliar as necessidades da razão com as da liberdade Em suma a vocação da sociologia do direito não consiste em criticar a sociedade quando ela não se adapta às representações Sociologia do DireitomioloP3indd 292 020822 1037 conclUsão 293 autolegitimadoras do direito nem em criticar o direito quando este não se adequa às expectativas simplificadoras da sociedade Consiste em observar o observador por suas próprias lentes es pecíficas para identificar por meio dessa observação de segundo nível os obstáculos que no contexto dos elevados níveis de com plexidade alcançados pela diferenciação sistêmica tornam mais difícil o recíproco adequamento da sociedade e do direito Uma última observação a necessária interpenetração das duas dimensões a da crítica e a da autocrítica de particular relevância para a sociologia do direito que como vimos é parte integrante da cultura jurídica que estuda e aborda o modelo so ciológico do direito crítico de que Treves fala ao que Alvin Gould ner chama de sociologia reflexiva ou radical Essa sociologia não é constituída diz Gouldner 1970 simplesmente por uma crítica ao mundo exterior O teste decisivo de uma sociologia radical não é dado por sua atitude em relação a problemas dis tantes da vida do sociólogo Gouldner 1970 trad 1972 pp 726 ss mas a qualidade de seu radicalismo também deve vir à tona pela maneira como reage dia a dia às disfunções do ambiente coti diano À luz dessa forma autocrítica de argumentar o estudante que grita slogans nas manifestações em apoio a revoluções no exterior mas não faz nada para mudar a situação da universida de em que vive ou o professor que denuncia o imperialismo mas não se esforça para entender seus alunos revelam uma desconti nuidade entre teoria e prática que contrasta como em uma du pla moral o que é pessoal ao que é público e coletivo A disposição para preferir os custos que cada escolha coerente implica às vantagens em geral reconhecidas na nossa sociedade por aqueles que apenas imitam tais atitudes pode ser justificada não apenas em termos éticos mas também funcionais como fer ramenta indispensável para garantir credibilidade e prestígio a Sociologia do DireitomioloP3indd 293 020822 1037 294 sociologia do direito qualquer pesquisa sociológica capaz de ser conscientemente crí tica Parece apropriado recordar essas considerações em um trabalho dedicado a Renato Treves que suportou o peso da per seguição e cuja vida tem sido uma lição de coerência para muitos jovens Sociologia do DireitomioloP3indd 294 020822 1037 Abel R L The Politics of Informal Justice Nova York Academic Press 1982 2v Abel R L Lewis P S C org Lawyers in Society Berkeley Califór nia University of California Press 1988 3v Adler M Die Staatsauffassung des Marxismus Ein Beitrag zur Unters cheidung von soziologischer und juristischer Methode Wien Verlag der Wiener Volksbuchhandlung 1992 Racinaro R org e in trod La concezione dello Stato nel marxismo Confronto con le posizioni di Hans Kelsen Bari De Donato 1979 Alexander L org Constitutionalism Philosophical Foundations Cambridge Cambridge University Press 1998 Alston P BUstelo M Heenan J org The Eu and Human Rights Oxford Oxford University Press 1999 AltHUsser L Lénine et la philosophie Paris Maspero 1969 Lenin e la filosofia Milão Jaca Book 1974 Andrini S La pratica della razionalità Diritto e potere in Max Weber Milão Angeli 1990 ArnaUd AJ Critique de la raison juridique Paris Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence 1981 ArnaUd AJ org Dictionnaire encyclopédique de theorie et de socio logie du droit 2 ed ParisBruxelas Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence 1993 reFerências bibliográFicas Sociologia do DireitomioloP3indd 295 020822 1037 296 sociologia do direito ArnaUd AJ The Transplanetary Journey of a Legal Sociologist In Febbrajo A Harste G org Law and Intersystemic Communi cation Understanding Structural Coupling Farnham Ashgate 2013 AsHby W R An Introduction to Cybernetics Londres Chapman Hall 1956 Nasti M org Introduzione alla cibernetica Turim Einaudi 1971 Atienza M Introducción al derecho Alicante Universidad de Alican te 1998 AUbert V Alcune funzioni sociali della legislazione Quaderni di So ciologia XIV 1965 pp 31338 AUbert V org Sociology of Law Selected Readings Harmondsworth Penguin 1969 Balloni A Mosconi G Prina F Cultura giuridica e attori della giustizia penale Milão Angeli 2004 Balossini C E La rilevanza giuridica delle regole sociali Milão Giuffrè 1980 Baratta A Presentazione In HaUrioU M Teoria dellistituzione e della fondazione Org de W Cesarini Sforza Milão Giuffrè 1967 Trad it de Aux sources du droit Le pouvoir lordre et la liberté Pa ris Bloud Gay 1933 e de Leçons sur le mouvement social Paris Librairie de la Société du Recueil Général des Lois Baratta A Criminologia critica e critica del diritto penale Bolonha Il Mulino 1982 Barbera A Le basi filosofiche del costituzionalismo RomaBari Laterza 1997 Barcellona P org Luso alternativo del diritto RomaBari Laterza 1973 2v Barcellona P Hart D Mückenberger U Leducazione del giurista Capitalismo dei monopoli e cultura giuridica Bari De Donato 1973 Beck U Risikogesellschaft auf dem Weg in eine andere Moderne Frank furt aM Suhrkamp 1986 La società del rischio Verso una secon da modernità Roma Carocci 2000 Sociologia do DireitomioloP3indd 296 020822 1037 reFerências bibliográFicas 297 Belvisi F Società multiculturale diritti costituzione Una prospettiva realista Bolonha Clueb 2000 Bettini R Il circolo vizioso legislativo Efficacia del diritto ed efficienza degli apparati pubblici in Italia Milão Angeli 1983 Bettini R org Informale e sommerso Devianza supplenza e cam biamento in Italia Milão Angeli 1987 BiFUlco R Roselli O org Crisi economica e trasformazione della dimensione giuridica La costituzionalizzazione del pareggio di bi lancio tra internazionalizzazione economica processo di integrazio ne europea e sovranità nazionale Turim Giappichelli 2013 Bisi R org Vittimologia Dinamiche relazionali tra vittimizzazione e mediazione Pref di A Balloni Milão Angeli 2004 Black D The Behavior of Law Nova York Academic Press 1976 BlankenbUrg E KlaUsa E RottleUtHner H org Alternative Rechtsformen und Alternativen zum Recht Jahrbuch für Rechtsso ziologie und Rechtstheorie 6 1980 Bobbio N Teoria della norma giuridica Turim Giappichelli 1958 Bobbio N Teoria dellordinamento giuridico Turim Giappichelli 1960 Bobbio N Giusnaturalismo e positivismo giuridico Milão Edizioni di Comunità 1965 Bobbio N Max Weber e Hans Kelsen Sociologia del Diritto VIII 1 1981 pp 13554 BorUckaarctowa M Die gesellschaftliche Wirkung des Rechts Ber lim Duncker Humblot 1975 BrUinsma F Nelken D org Explorations in Legal Cultures Grave nhage Reed Business 2007 Calabresi G The Costs of Accidents A Legal and Economic Analysis New Haven Conn Yale University Press 1970 Calamandrei P Questa nostra Costituzione Milão Bompiani 1995 Campilongo Celso Fernandes O direito na sociedade complexa São Paulo Max Limonad 2000 Sociologia do DireitomioloP3indd 297 020822 1037 298 sociologia do direito Campilongo Celso Fernandes Interpretação do direito e movimentos sociais Rio de Janeiro Elsevier 2012 Canaris CW Systemdenken und Systembegriff in der Jurisprudenz entwickelt am Beispiel des deutschen Privatrechts Berlim Duncker Humblot 1969 Capograssi G Il problema della scienza del diritto Ed rev e org por P Piovani Milão Giuffrè 1962 1 ed 1937 Cappellini P Systema juris Genesi del sistema e nascita della scienza delle pandette Milão Giuffrè 19845 2v Carbonnier J Flexible droit Textes pour une sociologie du droit sans rigueur 4 ed Paris Librairie Générale de Droit et de Jurispruden ce 1979 Carbonnier J Sociologie juridique 3 ed Paris Colin 1994 Carcaterra G Il problema della fallacianaturalistica La derivazione del dover essere dallessere Milão Giuffrè 1969 Carcaterra G La forza costitutiva delle norme Roma Bulzoni 1979 Carrino A Lordine delle norme Politica e diritto in Hans Kelsen Ná poles Edizioni Scientifiche Italiane 1984 Carrino A Fatto e valore nella sociologia del diritto Saggi sulla scienza sociale tedesca tra Vienna e Weimar Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 1992 Carzo D La società codificata Simboli normativi e comunicazione so ciale Bari Cacucci 1977 Cassese S Cultura e politica del diritto amministrativo Bolonha Il Mulino 1971 Cassese S Il diritto globale Giustizia e democrazia oltre lo Stato Tu rim Einaudi 2009 Cassese S La democrazia e i suoi limiti Milan Mondadori 2017 Castellano C et al Lefficienza della giustizia italiana e i suoi effetti economicosociali Bari Laterza 1970 1968 Castignone S La macchina del diritto Il realismo giuridico in Svezia Milão Edizioni di Comunità 1974 Sociologia do DireitomioloP3indd 298 020822 1037 reFerências bibliográFicas 299 CHambliss W J Seidman R B Law Order and Power Reading Mass Addison Wesley 1971 Introduzione allo studio del diritto Turim Loescher 1987 CHiassoni P Law and Economics Lanalisi economica del diritto negli Stati Uniti Turim Giappichelli 1992 Clark D S Italian Styles Criminal Justice and the Rise of an Active Magistracy In Friedman L M Pérez Perdomo R org Legal Culture in the Age of Globalization Latin America and Latin Europe Stanford Califórnia Stanford University Press 2003 pp 23884 Coase R H The Firm the Market and the Law Chicago Illinois Uni versity of Chicago Press 1988 Impresa mercato e diritto Bolo nha Il Mulino 2006 CoHen G A Karl Marxs Theory of History Oxford Oxford University Press 1978 CoHen M R Law and the Social Order Hamden Connecticut Ar chon Books 1967 Collins H Marxism and Law Oxford Oxford University Press 1982 Commaille J Lexercice de la fonction de justice comme enjeu de pou voir entre justice et médias Droit et Société XXIV 1994 pp 118 Commaille J Misères de la famille question dÉtat Paris Presses de la Fondation Nationale de Sciences Politiques 1996 Comte A Cours de philosophie positive Org de E Littré Paris Borra ni et Droz 183552 6v 1864 Corso di filosofia positiva Lezioni XLVILX Org de Ferrarotti Turim Utet 1967 2v Conte A G Parerga Leibnitiana In Martino A A Maretti E E Ciampi C org Logica informatica diritto Firenze Le Monnier 1978 pp 24555 Conte A G Konstitutive Regeln und Deontik In E MorscHer E Stranzinger R org Ethik Grundlagen und Anwendungen Wien HölderPichlerTempsky 1981 Conte A G Minima deontica Rivista internazionale di filosofia del diritto LXV 1988 pp 42575 Sociologia do DireitomioloP3indd 299 020822 1037 300 sociologia do direito Costa P Lo stato immaginario Metafore e paradigmi nella cultura giu ridica italiana fra Ottocento e Novecento Milão Giuffrè 1986 Costabile A Fantozzi P TUri P org Manuale di sociologia poli tica Roma Carocci 2006 Costantino S Criminalità e devianze Società e divergenze mafie e Stati nella seconda modernità Roma Editori Riuniti 2004 Cotterrell R The Sociology of Law An Introduction Londres Butterworths 1984 Cotterrell R The Growth of Legal Transnationalism In Febbrajo A Harste G org Law and Intersystemic Communication Un derstanding Structural Coupling Farnham Ashgate 2013 pp 3150 Dalbergo E Segatori R Governance e partecipazione politica Teorie e ricerche sociologiche Milão Angeli 2012 Dalessandro L Pouvoir savoir Su Michel Foucault Nápoles Guida 1981 Damm R Systemtheorie und Recht Zur Normentheorie Talcott Par sons Berlim Duncker Humblot 1976 Dandeker C Surveillance Power and Modernity Bureaucracy and Discipline from 1700 to the Present Day Cambridge Polity Press 1990 Danovi R Codici deontologici Milão Egea 2000 DÍaz E Sociología y filosofía del derecho Madri Taurus 1971 Di Federico G Il reclutamento dei magistrati La giustizia come orga nizzazione Bari Laterza 1968 Di Federico G La Corte di Cassazione Giustizia come organizzazio ne Bari Laterza 1969 Di Federico G org Ordinamento giudiziario Uffici giudiziari CSM e governo della magistratura Pádova Cedam 2008 DilcHer G Horn N org Sozialwissenschaften im Studium des Re chts Rechtsgeschichte Munique Beck 1978 v IV Donati C org Dizionario critico del diritto Roma Savelli 1980 Sociologia do DireitomioloP3indd 300 020822 1037 reFerências bibliográFicas 301 Donati P P Colozzi I Il privato sociale che emerge Realtà e dilem mi Bolonha Il Mulino 2004 DUrkHeim É De la division du travail social Paris Presses Universi taires de France 1893 La divisione del lavoro sociale Milão Edi zioni di Comunità 1962 DUx G Rechtssoziologie Eine Einführung Stuttgart Kohlhammer 1978 Eckmann H Rechtspositivismus und sprachanalytische Philosophie Der Begriff des Rechts in der Rechtstheorie H L A Harts Berlim Duncker Humblot 1969 Edelman B Ownership of the Image Elements for a Marxist Theory of Law Londres Routledge Kegan Paul 1979 EHrenzweig A A Psychoanalytische Rechtswissenschaft Berlim Duncker Humblot 1973 EHrlicH E Die stillschweigende Willenserklärung rist anast Berlim Darmstadt 1893 EHrlicH E Freie Rechtsfindung und freie Rechtswissenschaft rist anast Aalen Scientia 1903 EHrlicH E Grundlegung der Soziologie des Rechts Munique Duncker Humblot 1913 I fondamenti della sociologia del diritto Org de A Febbrajo Milão Giuffrè 1976 EHrlicH E Die juristische Logik Tübingen Mohr 1925 EHrlicH E Recht und Leben Berlim Duncker Humblot 1967 EHrlicH E Kelsen H Scienza giuridica e sociologia del diritto Org de A Carrino Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 1992 Elias N Über die Zeit Frankfurt aM Suhrkamp 1986 Saggio sul tempo Bolonha Il Mulino 1986 Evan W M org The Sociology of Law A Socialstructural Perspecti ve Nova YorkLondres The Free PressMacmillan 1980 FaccHi A Diritto e ricompense Ricostruzione storica di unidea Turim Giappichelli 1994 Sociologia do DireitomioloP3indd 301 020822 1037 302 sociologia do direito FaccHi A I diritti nellEuropa multiculturale RomaBari Laterza 2001 Faria José Eduardo Campilongo Celso Fernandes A sociologia jurí dica no Brasil Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1991 Febbrajo A Funzionalismo strutturale e sociologia del diritto nellopera di Niklas Luhmann Milão Giuffrè 1975 Febbrajo A Pene e ricompense come problemi di politica legislativa In Diritto premiale e sistema penale Milão Giuffrè 1983 pp 97119 Febbrajo A Storia e sociologia del diritto Quaderni fiorentini XIII 1984 pp 731 Febbrajo A The Rules of the Game in the Welfare State In TeUbner G org Dilemmas of Law in the Welfare State BerlimNova York De Gruyter 1986 pp 12850 Febbrajo A Struttura e funzioni delle deontologie professionali In ToUsijn W org Le libere professioni in Italia Bolonha Il Muli no 1987a pp 5586 Febbrajo A Kapitalismus moderner Staat und rationalformales Recht In ReHbinder M Tieck KP org Max Weber ALS Rechtssoziologe Berlim Duncker Humblot 1987b pp 5578 Febbrajo A From Hierarchical to Circular Models in the Sociology of Law Some Introductory Remarks European Yearbook in the Sociology of Law 1988 pp 321 Febbrajo A org Verso un concetto sociologico di diritto Milão Giuffrè 2010 Febbrajo A org Le radici della sociologia del diritto Milão Giuffrè 2013 Febbrajo A org Law Legal Culture and Society Mirrored Identi ties of the Legal Order Londres Nova York Routledge 2020 Febbrajo A Corsi G org Sociology of Constitutions A Paradoxi cal Perspective Londres Nova York Routledge 2018 Febbrajo A Gambino F org Il diritto frammentato Milão Giuffrè 2013 Sociologia do DireitomioloP3indd 302 020822 1037 reFerências bibliográFicas 303 Febbrajo A Harste G org Law and Intersystemic Communica tion Understanding Structural Coupling Farnham Ashgate 2013 Febbrajo A La Spina A Raiteri M org Cultura giuridica e politiche pubbliche in Italia Milão Giuffrè 2006 Febbrajo A SadUrski W org Central and Eastern Europe after TransitionTowards a New Sociological Semantics Farnham Ashgate 2010 Feenan D Informal Criminal Justice Aldershot Ashgate 2002 Ferrarese M R Listituzione difficile La magistratura tra professione e sistema politico Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 1984 Ferrarese M R Diritto e mercato Il caso degli Stati Uniti Turim Gia ppichelli 1992 Ferrarese M R Le istituzioni della globalizzazione Diritto e diritti nella società transnazionale Bolonha Il Mulino 2000 Ferrarese M R Il diritto al presente Globalizzazione e tempo delle istituzioni Bolonha Il Mulino 2002 Ferrarese M R Diritto sconfinato Inventiva giuridica e spazi nel mondo globale RomaBari Laterza 2006 Ferrarese M R La governance tra politica e diritto Bolonha Il Muli no 2010 Ferrari V Successione per testamento e trasformazioni sociali Milão Edizioni di Comunità 1972 Ferrari V org Developing Sociology of Law A Worldwide Docu mentary Enquiry Milão Giuffrè 1990 Ferrari V Diritto e società Elementi di sociologia del diritto Roma Bari Laterza 2004a Ferrari V Lineamenti di sociologia del diritto Azione giuridica e siste ma normativo RomaBari Laterza 2004b Ferrari V RonFani P Stabile S org Conflitti e diritti nella socie tà transnazionale Milão Angeli 2001 Ferrarotti F Max Weber Fra nazionalismo e democrazia Nápoles Liguori 1995 Sociologia do DireitomioloP3indd 303 020822 1037 304 sociologia do direito Fici A Internet e le nuove forme della partecipazione politica Milão Angeli 2002 Fioravanti M Costituzionalismo Percorsi della storia e tendenze at tuali RomaBari Laterza 2009 FiscHer Lescano A TeUbner G Regimecollisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law XXV 2004 pp 9991046 Forte F Bondonio P V Costi e benefici della giustizia italiana Ana lisi economica della spesa pubblica per la giustizia Bari Laterza 1970 FoUcaUlt M Surveiller et punir Naissance de la prison Paris Galli mard 1975 Sorvegliare e punire Nascita della prigione Turim Einaudi 1976 FoUcaUlt M La verità e le forme giuridiche Org de L DAlessandro Nápoles La Città del Sole 1994 Franzoni L A Introduzione alleconomia del diritto Bolonha Il Muli no 2003 Friedman L M The Legal System A Social Science Perspective Nova York Russell Sage Foundation 1975 Il sistema giuridico nella pros pettiva delle scienze sociali Org de Tarello Bolonha Il Mulino 1978 Friedman L M Crime and Punishment in American History Nova York Basic Books 1993 Friedman L M The Horizontal Society New Haven ConnLondres Yale University Press 1999 La società orizzontale Org de G Pino Bolonha Il Mulino 2002 Friedman L M Impact How Law affects Behavior Cambridge Har vard University Press 2016 Friedman L M MacaUlay S Law and the Behavioral Sciences In dianápolis Ind Nova York The BobbsMerrill Co 1969 Friedman W Legal Theory 5 ed Londres Stevens Sons 1967 FUcHs E Juristischer Kulturkampf Karlsruhe Braun 1912 Sociologia do DireitomioloP3indd 304 020822 1037 reFerências bibliográFicas 305 Galgano F La globalizzazione nello specchio del diritto Bolonha Il Mulino 2005 Geiger T Debat med Uppsala on Moral og Ret Lund Boktryckeri 1946 Geiger T Ideologie und Wahrheit Eine soziologische Kritik des Denkens StuttgartWien Humboldt 1952 Geiger T Vorstudien zu einer Soziologie des Rechts Neuwied Luch terhand 1964 Geiger T Saggi sulla società industriale Turim Utet 1970 Gessner V CembUdak A org Emerging Legal Certainty Empirical Studies on the Globalization of Law Aldershot Ashgate 1998 GHezzi M L Diversità e pluralismo La sociologia del diritto penale nello studio didevianza e criminalità Milão Cortina 1995 Giasanti A org Marxismo e funzionalismo Materiali per unanalisi Messina Edas 1977 Giasanti A org Controllo e ordine sociale Milão Giuffrè 1985 Giasanti A Maggioni G org Opinione pubblica e devianza in Italia Milão Angeli 1979 GiUliani A Sistematica e casemethod come metodi di istruzione giuridicaJus 1957 VIII 4 pp 17 Gonçalves Guilherme Leite Direito entre certeza e incerteza hori zontes críticos para a teoria dos sistemas São Paulo Saraiva 2013 Gonçalves Guilherme Leite Villas Bôas FilHo Orlando Teoria dos sistemas sociais direito e sociedade na obra de Niklas Luh mann São Paulo Saraiva 2013 GoUldner A W The Coming Crisis of Western Sociology Nova York Basic Books 1970 La crisi della sociologia Bolonha Il Mulino 1972 Governatori F Stato e cittadino in tribunale Valutazioni politiche nelle sentenze Bari Laterza 1970 Grossi P org Società diritto stato Un recupero per il diritto Milão Giuffrè 2006 Sociologia do DireitomioloP3indd 305 020822 1037 306 sociologia do direito Grossman J B TanenHaUs J org Frontiers of Judicial Research Nova York Wiley 1969 GrUter M Die Bedeutung der Verhaltensforschung für die Rechtswis senschaft Berlim Duncker Humblot 1976 GUarnieri C Pederzoli P La magistratura nelle democrazie con temporanee RomaBari Laterza 2002 GUastini R Il giudice e la legge Lezioni di diritto costituzionale Tu rim Giappichelli 1995 GUerra FilHo Willis Santiago Posição das cortes constitucionais no sistema jurídico pequena contribuição para discutir fundamentos racionais do pensar nos tempos de judicializar do direito a partir da teoria de sistemas sociais autopoiéticos In Lima Fernando Rister de Sousa Martins Otávio Henrique Oliveira Rafael Sérgio Lima de coord Poder Judiciário direitos sociais e racio nalidade jurídica São Paulo Campus Jurídico 2011 GüntHer K Der Sinn für Angemessenheit Frankfurt aM Suhrkamp 1988 GUrvitcH G Sociology of Law Nova York Philosophical Library 1942 Sociologia del diritto 2 ed Milão Etas Kompass 1967 Häberle P Verfassungslehre als Kulturwissenschaft Berlim Duncker Humblot 1982 Per una dottrina della costituzione come scienza della cultura Roma Carocci 2001 Häberle P Wahrheitsprobleme im Verfassungsstaat BadenBaden Nomos 1995 Diritto e verità Turim Einaudi 2000 Häberle P Cultura dei diritti e diritti della cultura nello spazio costitu zionale europeo Milão Giuffrè 2003 Habermas J Strukturwandel der Öffentlichkeit Neuwied Luchterhand 1962 Storia e critica dellopinione pubblica RomaBari Laterza 1999 Habermas J Zur Rekonstruktion des historischen Materialismus Frank furt aM Suhrkamp 1976 Per la ricostruzione del materialism storico Org de F Cerutti Milão Etas Libri 1979 Sociologia do DireitomioloP3indd 306 020822 1037 reFerências bibliográFicas 307 Habermas J Theorie des kommunikativen Handelns Frankfurt aM Suhrkamp 1981 2v Teoria dellagire comunicativo Bolonha Il Mulino 1986 2v Habermas J Faktizität und Geltung Beiträge zur Diskurstheorie des Re chts und des demokratischen Rechtsstaats Frankfurt aM Suhrkamp 1992 Fatti e norme Contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia Org de L Coppa Milão Guerini e Associati 1996 Hakan H Sociology of Law as the Science of Norms Londres Nova York Routledge 2022 Hart H L AThe Concept of Law Oxford Oxford University Press 1961 Il concetto di diritto Turim Einaudi 1965 Hartwieg O Rechtsstatsachenforschung im Übergang Bestandsauf nahme zur empirischen Rechtssoziologie in der Bundesrepublik Deutschland Göttingen Vandenboeck Ruprecht 1975 HattenHaUer H org Thibaut und Savigny Ihre programmatischen Schriften Munique Vahlen 1973 HaUrioU M Teoria dellistituzione e della fondazione Org de W Cesari ni Sforza Milão Giuffrè 1967 Aux sources du droit Le pouvoir lordre et la liberté Paris Bloud Gay 1933 Leçons sur le mouve ment social Paris Librairie de la Société du Recueil Général des Lois Heck P Das Problem der Rechtsgewinnung Berlim Technische Uni versität 1912 Heck P Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz Tübingen Mohr 1932 HertogH M org Living Law Reconsidering Eugen Ehrlich Oxford Hart 2009 Heydebrand W Globalization and the Rule of Law at the End of the 20th Century In Febbrajo A Nelken D Olgiati V org So cial Processes and Patterns of Legal Control Milão Giuffrè 2001 pp 25127 Hillgenberg H A Fresh Look at Soft Law European Journal of Inter national Law X 1999 pp 499515 Sociologia do DireitomioloP3indd 307 020822 1037 308 sociologia do direito HirscH E E Das Recht im sozialen Ordnungsgefüge Beiträge zur Re chtssoziologie Berlim Duncker Humblot 1966 HirscH E E ReHbinder M Studien und Materialen zur Rechtsso ziologie Kölner Zeitschrift für Soziologie und Sozialpsychologie Sonderheft 11 1967 Hoebel E A The Law of Primitive Man A Study in Comparative Legal Dynamics Cambridge Mass Harvard University Press 1954 Il diritto delle società primitive Uno studio comparato sulla dinamica dei fenomeni giuridici Bolonha Il Mulino 1973 HUgHes G Edwards A org Crime Control and Community The New Politics of Public Safety Portland Or Willan 2002 HUizinga J Homo ludens 4 ed Milão Il Saggiatore 1983 1949 IllUm K Lov og ret København Nyt Nordisk Forl 1945 Irti N Nichilismo giuridico RomaBari Laterza 2004 Irti N Norma e luoghi Problemi di geodiritto RomaBari Laterza 2006 Irti N Il salvagente della forma RomaBari Laterza 2007 Jenkins I Social Order and the Limits of Law A Theorethical Essay Princeton NJ Princeton University Press 1980 Joerges C Meny Y Weiler J H H org What Kind of Constitu tion for What Kind of Polity Responses to Joschka Fischer Firenze Cambridge Mass European University InstituteHarvard Law School 2000 KaFka F Il processo Milão Mondadori 2010 1925 Kantorowicz H Der Kampf um die Rechtswissenschaft Heidelberg Winter 1906 La lotta per la scienza del diritto Palermo Sandron 1908 Kantorowicz H The Definition of Law Londres Cambridge Uni versity Press 1958 La definizione del diritto Introd de N Bobbio Turim Giappichelli 1962 Kantorowicz H Rechtswissenschaft und Soziologie Ausgewählte Schriften zur Wissenschaftslehre Org de T Würtenberger Karlsruhe Müller 1962 Sociologia do DireitomioloP3indd 308 020822 1037 reFerências bibliográFicas 309 KaUpen W Die Hüter von Recht und Ordnung Die soziale Herkunft Erziehung und Ausbildung der deutschen Juristen Eine soziologis che Analyse NeuwiedBerlim Luchterhand 1969 KaUpen W RaseHorn Th Die Justiz zwischen Obrigkeitsstaat und Demokratie NeuwiedBerlim Luchterhand 1971 Kellermann P Kritik einer Soziologie der Ordnung Organismus und System bei Comte Spencer und Parsons Freiburg Rombach 1967 Kelsen H Über Grenzen zwischen juristischer und soziologischer Me thode Tübingen Mohr 1911 Kelsen H Reine Rechtslehre Wien Deuticke 1960 La dottrina pura del diritto Introd de MG Losano Turim Einaudi 1966 Kelsen H Der soziologische und der juristische Staatsbegriff Kritische Untersuchung des Verhältnisses von Staat und Recht Aalen Scien tia 1962 1928 2 ed Kennedy D Breve storia dei Critical legal studies negli Stati Uniti Rivista Critica del Diritto Privato X 1992 pp 63946 KercHove M van de Ost F Le droit ou les paradoxes du jeu Paris Presses Universitaires de France 1992 Il diritto ovvero i paradossi del gioco Milão Giuffrè 1995 King M THornHill C org Luhmann on Law and Politics Critical Appraisals and Applications Oxford Hart 2006 KircHHeimer O Political Justice The Use of Legal Procedure for Poli tical Ends Princeton NJ Princeton University Press 1961 KircHmann J H von Die Wertlosigkeit der Jurisprudenz als Wissens chaft Berlim 1938 1848 La mancanza di valore della giurispru denza come scienza In KircHmann J H WolF E Il valore scien tifico della giurisprudenza Milão Giuffrè 1964 pp 135 Kjaer P TeUbner G Febbrajo A org The Financial Crisis in Constitutional Perspective The Dark Side of Functional Differentia tion Oxford Hart 2011 Sociologia do DireitomioloP3indd 309 020822 1037 310 sociologia do direito KlaUsa E et al Rezension eines Denkansatzes die Conference on Critical Legal Studies Zeitschrift für Rechtssoziologie I 1980 pp 85125 Krawietz W Begründung des Rechts anthropologisch betrachtet Zur Institutionentheorie von Weinberger und Schelsky In Theorie der Normen Festgabe für Ota Weinberger zum 65 Geburtstag Ber lim Duncker Humblot 1984 pp 25571 Krawietz W Der soziologische Begriff des Rechts Rechtshistorisches Journal 1988 VII pp 15777 KUrczewski J Ethnographic Approach In Podgórecki A Law and Society LondresBoston Mass Routledge Kegan Paul 1974 LadeUr K H Abwägung Ein neues Paradigma des Verwaltungsrechts Frankfurt aM Campus 1984 LadeUr K H Public Governance in the Age of Globalization Alder shot Ashgate 2004 LadeUr K H Der Staat gegen die Gesellschaft Zur Verteidigung der Rationalität der Privatrecht Gesellschaft Aldershot Ashgate 2006 La Spina A La decisione legislativa Lineamenti di una teoria Milão Giuffrè 1989 LaUtmann R Soziologie vor den Toren der Jurisprudenz Zur Koopera tion der beiden Disziplinen Stuttgart ua Kohlhammer 1971 Leonardi F Il cittadino e la giustizia Pádova Marsilio 1968 Leoni B Il problema della scienza giuridica Turim Giappichelli 1940 Leoni B Scritti di scienza politica e teoria del diritto Milão Giuffrè 1980 Leroy M The concrete rationality of taxpayers Sociologia del Diritto 2 2011 pp 3360 LévyBrUHl H Sociologie du droit 7 ed Paris Presses Universitaires de France 1990 Istituzioni di sociologia del diritto Con unappendice sui problemi della sociologia criminale Org de M Strazzeri Lecce Pensa MultiMedia 1997 Sociologia do DireitomioloP3indd 310 020822 1037 reFerências bibliográFicas 311 Lima Fernando Rister de Sousa Sociologia do direito o direito e o pro cesso à luz da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann 2 ed rev e atual Curitiba Juruá 2012 Lima Fernando Rister de Sousa Constituição Federal acoplamento estrutural entre os sistemas político e jurídico Direito Público Porto Alegre Síntese ano 7 n 32 pp 201 marabr 2010 Llewellyn K N The Normative the Legal and the Lawjobs The Problem of Juristic Method The Yale Law Journal XLIX 8 1940 pp 1355400 Lopes José Reinaldo de Lima O direito na história Lições introdutó rias 5 ed São Paulo Atlas 2014 Losano M G Forma e realtà in Kelsen Milão Edizioni di Comunità 1981 LUHmann N Grundrechte als Institution 2 ed Berlim Duncker Humblot 1999 1965 I diritti fondamentali come istituzione Org de G Palombella e L Pannarale Bari Dedalo 2002 LUHmann N Normen in soziologischer Perspektive Soziale Welt XX 1969 pp 2848 LUHmann N Soziologische Aufklärung Opladen Westdeutscher Verl 1970 Illuminismo sociologico Org de D Zolo Milão Il Saggiato re 1983 LUHmann N Rechtssoziologie Reinbek bei Hamburg Rowohlt 1972 Sociologia del diritto Org de A Febbrajo RomaBari Laterza 1977 LUHmann N Rechtssystem und Rechtsdogmatik Stuttgart Kohlham mer 1974 Sistema giuridico e dogmatica giuridica Org de A Febbrajo Bolonha Il Mulino 1978 LUHmann N Stato di diritto e sistema sociale Organização de Alberto Febbrajo Nápoles Guida 1984 LUHmann N Ausdifferenzierung des Rechts Beiträge zur Rechtssozio logie und Rechtstheorie Frankfurt aM Suhrkamp 1981 La diffe Sociologia do DireitomioloP3indd 311 020822 1037 312 sociologia do direito renziazione del diritto Contributi alla sociologia e alla teoria del diritto Org de R De Giorgi Bolonha Il Mulino 1990 LUHmann N Legitimation durch Verfahren Frankfurt aM Suhrkamp 1983 Procedimenti giuridici e legittimazione sociale Org de A Febbrajo Milão Giuffrè 1995 LUHmann N Soziale Systeme Grundrißeiner allgemeinen Theorie Frankfurt aM Suhrkamp 1984 Sistemi sociali Fondamenti di una teoria generale Org de A Febbrajo Bolonha Il Mulino 1990 LUHmann N Das Recht der Gesellschaft Frankfurt aM Suhrkamp 1993 LUHmann N La costituzione come acquisizione evolutiva In Zagre belsky G Portinaro P P LUtHer J org Il futuro della costi tuzione Turim Einaudi 1996 LUHmann N Soziologie des Risikos BerlimNova York De Gruyter 2003 LUminati M Priester der Themis Richterliches Selbsverständnis in Ita lien nach 1945 Frankfurt aM Klostermann 2007 MacCannell D MacCannell J F The Time of the Sign A Semiotic Interpretation of Modern Culture Bloomington Indiana University Press 1982 MacCormick D N Questioning Sovereignty Law State and Nation in the European Commonwealth Oxford Oxford University Press 2002 MacCormick D N Whos Afraid of a European Constitution Exeter Imprint Academic 2005 MacCormick D N Weinberger O Grundlagen des institutionalis tischen Rechtspositivismus Berlim Duncker Humblot 1985 Maggioni G Il divorzio in Italia Studio dellapplicazione di una legge nuova Milão Angeli 1990 Maggioni G Pocar V RonFani P La separazione senza giudice Il conflitto coniugale e gli operatori del diritto Milão Angeli 1988 Maine H S Ancient Law Londres Dent Nova York Dutton 1972 1861 Diritto antico Org de V Ferrari Milão Giuffrè 1998 Sociologia do DireitomioloP3indd 312 020822 1037 reFerências bibliográFicas 313 Mancini L Immigrazione musulmana e cultura giuridica Osservazio ni empiriche su due comunità di egiziani Milão Giuffrè 1998 Marci T Laltra persona Problemi della soggettività nella società con temporanea Milão Angeli 2008 Marconi P I diritti della globalizzazione Sociologia del Diritto XXIX 1 pp 1735 2002 Marinelli A La costruzione del rischio Modelli e paradigmi interpre tativi nelle scienze sociali Milão F Angeli 1993 Marra R Il diritto in Durkheim Sensibilità e riflessione nella produ zione normativa Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 1986 Marra R Dalla comunità al diritto moderno La formazione giuridica di Max Weber 18821889 Turim Giappichelli 1992 MarsHall T H Citizenship and Social Class In Sociology at the Crossroad Londres Heinemann 1963 1949 Cittadinanza e clas se sociale Org de G Maranini Turim Utet 1976 Marx K Il Capitale Critica delleconomia politica Org de R Fines chi In Marx K Engles F Opere complete Nápoles La Città del Sole 2011 v XXXI Masia M Il controllo sulluso della terra Analisi sociogiuridica sugli usi civili in Sardegna Cagliari Cluec 1992 Mastroeni G Giuseppe Capograssi tra filosofia del diritto e sociologia Messina Peloritana 1983 Mattei U Monateri P G Pardolesi R Il mercato delle regole Analisi economica del diritto civile Bolonha Il Mulino 1999 MattHews R org Informal Justice Londres Sage 1988 Mayntz R Soziologie der öffentlichen Verwaltung Heidelberg Müller 1978 Sociologia dellamministrazione pubblica Bolonha Il Muli no 1982 Mellini M Intorno allignoranza Il Giusto Processo 13 2004 pp 95106 Melossi D Translating Social Control Reflections on the Compari son of Italian and North American Cultures In Karstedt S Sociologia do DireitomioloP3indd 313 020822 1037 314 sociologia do direito BUssmann K org Social Dynamics of Crime and Control New Theories for a World in Transition Oxford Hart 2000 pp 14356 Melossi D The Cultural Embeddedness of Social Control Reflections on the Comparison of Italian and North American Cultures concer ning Punishment Theoretical Criminology 5 4 2001 pp 40324 Melossi D Stato controllo sociale devianza Milão Bruno Mondado ri 2002 Merryman J Lo stile italiano Rivista Trimestrale di Diritto e Procedu ra Civile 4 3 19661967 pp 1169216 70954 Mittica P Il divenire nellordine Linterazione normativa nella società omerica Milão Giuffrè 1996 Moccia L Lesperienza inglese della partecipazione dei laici allammi nis trazione della giustizia Rivista di Diritto Processuale XXXIII 4 1978 pp 74164 Moriondo E Lideologia della magistratura italiana Bari Laterza 1967 Morisi M Anatomia della magistratura italiana Bolonha Il Mulino 1999 Morlino L Democrazie e democratizzazioni Bolonha Il Mulino 2003 Mortati C La Costituzione in senso materiale Milão Giuffrè 1940 MörtH U Soft Law in Governance and Regulation An Interdisciplina ry Analysis Cheltenham Elgar 2004 Mosconi G Criminalità sicurezza e opinione pubblica nel Veneto Pa dova Cleup 2000 MUlligan G Lederman B Social Facts and Rules of Practice Ame rican Journal of Sociology LXXXIII 1977 pp 53950 Nader L Law in Culture and Society Chicago Ill Aldine 1969 Nagel S S The Legal Process from a Behavioral Perspective Homewood Ill Dorsey Press 1969 Nelken D org The Futures of Criminology Thousand Oaks Calif Sage 1994 Sociologia do DireitomioloP3indd 314 020822 1037 reFerências bibliográFicas 315 Nelken D org Comparing Legal Cultures Aldershot Dartmouth 1997 Nelken D org Riflessioni intorno al radicamento di un sistema penale In Febbrajo A La Spina A Raiteri M org Cultu ra giuridica e politiche pubbliche in Italia Milão Giuffrè 2006 pp 44782 Nelken D Febbrajo A Olgati V org Social Processes and Pat terns of Legal Control European Yearbook in the Sociology of Law Milão Giuffrè 2000 Nelken D Febbrajo A Olgati V org Social Processes and Pat terns of Legal Control European Yearbook in the Sociology of Law Milão Giuffrè 2000 Nelken D Feest J org Adapting Legal Cultures Oxford Hart 2001 Neppi Modona G Sciopero potere politico e magistratura 18701922 Bari Laterza 1969 Neves M Entre Hidra e Hércules princípios e regras constitucionais São Paulo WMF Martins Fontes 2013 Neves M A constitucionalização simbólica São Paulo Martins Fontes 2007 Neves M Transconstitucionalismo São Paulo WMF Martins Fontes 2009 Neves M Transconstitucionalism Oxford Portland Hart Publishing 2013 Noll P Gesetzgebungslehre Reinbek bei Hamburg Rowohlt 1973 Nonet P Selznick P Law and Society in Transition Nova York Har per Row 1978 NUssbaUm A Die Rechtstatsachenforschung Berlim Duncker Hum blot 1968 Odorisio R et al Valori socioculturali della giurisprudenza Introd de L Bianchi dEspinosa Bari Laterza 1970 OgbUrn W F Social Change with Respect to Culture and Original Nature Technology and Culture XLV 2 1950 pp 396405 Sociologia do DireitomioloP3indd 315 020822 1037 316 sociologia do direito Olgiati V Saggi sullavvocatura Lavvocato italiano tra diritto potere e società Milão Giuffrè 1990 Olgiati V Le professioni giuridiche in Europa Politiche del diritto e dinamica sociale Urbino QuattroVenti 1996 Olgiati V org Higher Legal Culture and Postgraduate Legal Educa tion in Europe Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 2007 OpocHer E La filosofia del diritto di Giuseppe Capograssi Nápoles Guida 1991 Opp K D Soziologie im Recht Reinbek bei Hamburg Rowohlt 1973 Palazzo F Roselli O org I professionisti della giustizia La forma zione degli operatori dellamministrazione della giustizia Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 2007 Palombella G Lautorità dei diritti I diritti fondamentali tra istituzio ni e norme RomaBari Laterza 2002 Pannarale L Il diritto e le aspettative Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 1988 Pappalardo S Gli iconoclasti Magistratura Democratica nellambito dellAssociazione Nazionale Magistrati Milão Angeli 1987 Parsons T The Social System Glencoe Ill The Free Press 1951 Il sis tema sociale Int de L Gallino Milão Edizioni di Comunità 1965 Parsons T The Law and Social Control In Evan W M org Law and Sociology Exploratory Essays Nova York The Free Press of Glencoe 1962 La teoria funzionale del diritto 2 ed Org de A Giasanti e V Pocar Milão Unicopli 1983 PasHUkanis E The General Theory of Law And Marxism in Selected Writings on Marxism and Law Org de P Beirne e R Sharlet Lon dres Academic Press 1980 1924 La teoria generale del diritto e il marxismo Bari De Donato 1975 Pattaro E Il realismo giuridico scandinavo Bolonha Clueb 1975 v I PecesBarba MartÍnez G Curso de derechos fundamentales I Teo ría general Madri Edema 1991 Teoria dei diritti fondamentali Org de V Ferrari Milão Giuffrè 1993 Sociologia do DireitomioloP3indd 316 020822 1037 reFerências bibliográFicas 317 Pennisi C Istituzioni e cultura giuridica Turim Giappichelli 1998 Pepe V Il processo di istituzionalizzazione delle autorità indipendenti Lantitrust Pref de A La Spina Milão Angeli 2005 Perlingieri P Il diritto dei contratti fra persona e mercato problemi del diritto civile Nápoles Edizioni Scientifiche Italiane 2003 Pernice I Multilevel Constitutionalism in the European Union Euro pean Law Review XXVII 2002 pp 511 ss Petrazycki L Law and Morality Leon Petravycki Intro de N Tima sheff Cambridge Mass Harvard University Press 1955 PetrUcci V Alle origini della sociologia giuridica Leon Duguit Nápo les Istituto Italiano per gli Studi Filosofici 1984 PigliarU A Il banditismo in Sardegna La vendetta barbaricina come ordinamento giuridico Milão Giuffrè 1959 PitcH T La devianza Firenze La Nuova Italia 1982 Pocar V Gli animali non umani Per una sociologia dei diritti Roma Bari Laterza 1998 Pocar V RonFani P org Forme delle famiglie forme del diritto Mutamenti della famiglia e delle istituzioni nellEuropa occidentale Milão Angeli 1991 Pocar V RonFani P org Coniugi senza matrimonio La conviven za nella società contemporanea Milão Cortina 1992 Pocar V RonFani P org Il giudice e i diritti dei minori Roma Bari Laterza 2004 Podgórecki A Law and Society LondresBoston Mass Routledge Kegan Paul 1974 Podgórecki A A Sociological Theory of Law Milão Giuffrè 1991 Podgórecki A Alexander J SHields B org Social Engineering Ottawa Carleton University Press 1996 Podgórecki A et al Knowledge and Opinion about Law Londres M Robertson 1973 Podgórecki A LoŚ M Multidimensional Sociology LondresBos ton Mass Routledge Kegan Paul 1979 Sociologia do DireitomioloP3indd 317 020822 1037 318 sociologia do direito Popitz H Über die Präventivwirkung des Nichtwissens Dunkelziffer Norm und Strafe Tübingen Mohr Siebeck 1968 Posner R A Review of Guido Calabresi The Costs of Accidents A Legal and Economic Analysis University of Chicago Law Review 37 1970 pp 63648 PoUnd R Law in the Books and Law in Action American Law Review XLIV 1910 pp 112 PoUnd R The Scope and Purpose of Sociological Jurisprudence Har vard Law Review XXV 1912 pp 489 ss PoUnd R Social Control through Law New Haven ConnLondres Yale University PressHumphrey MilfordOxford University Press 1942 Priban J European Union ConstitutionMaking Political Identity and Central European Reflections European Law Journal XI 2 2005 pp 13553 Prigogine I La fin des certitudes Temps chaos et les lois de la nature Paris Odile Jacob 1996 QUassoli F SteFanizzi S I magistrati italiani Unanalisi esplorativa delle caratteristiche sociodemografiche e dei percorsi di mobilità Sociologia del Diritto XXIX 1 2002 pp 89115 Raiser T Einführung in die Rechtssoziologie Juristische Arbeitsblät ter Sonderheft 9 1973 Raiser T Grundlagen der Rechtssoziologie 4 ed rev Tübingen Mohr Siebeck 2007 Raiteri M Il giudice selettore Riformulazione degli assetti di interessi e determinazione di equilibri sociogiuridici Milão Giuffrè 1990 Rawls J Two Concepts of Rules The Philosophical Review LXIV 1955 pp 332 Reasons C E RicH R M The Sociology of Law A Conflict Perspecti ve Toronto Butterworths 1978 RebUFFa G Costituzioni e costituzionalismi Turim Giappichelli 1990 RebUFFa G Nel crepuscolo della democrazia Max Weber tra sociologia del diritto e sociologia dello stato Bolonha Il Mulino 1991 Sociologia do DireitomioloP3indd 318 020822 1037 reFerências bibliográFicas 319 RebUFFa G La funzione giudiziaria Turim Giappichelli 1993a RebUFFa G Culture juridique In ArnaUd AJ Dictionnaire Encyclo pédique de Théorie et de Sociologie du Droit ParisBruxelas Librai rie Générale de Droit et de Jurisprudence 1993b pp 13941 ReHbinder M Die Begründung der Rechtssoziologie durch Eugen Ehr lich Berlim Duncker Humblot 1967 ReHbinder M Die Rechtstatsachenforschung im Schnittpunkt von Rechtssoziologie und soziologischer Jurisprudenz In LaUtmann R MaiHoFer E H ScHelsky W org Die Funktion des Rechts in der modernen Gesellschaft Bielefeld Bertelsmann Universitäts verlag 1970 pp 33359 ReHbinder M Le funzioni sociali del diritto Quaderni di Sociologia 1973 pp 10324 ReHbinder M Rechtssoziologie BerlimNova York De Gruyter 1993 Reiner R The Politics of the Police Oxford Oxford University Press 2000 Renan E Questce quune nation In ConFérence Faite en Sor bonne 11 mar 1882 Paris Lévy 1882 Che cosè una nazione e altri saggi Roma Donzelli 2004 Renner K Die Rechtsinstitute des Privatrechts und ihre soziale Funktion Wien Wiener Volksbuch 1965 1929 Gli istituti del diritto priva to e la loro funzione giuridica Un contributo alla critica del diritto civile Bolonha Il Mulino 1981 Rescigno P Persona e comunità Saggi di diritto privato Padova Ce dam 1987 Resta E Conflitti sociali e giustizia Bari De Donato 1977 Resta E Diritto fraterno RomaBari Laterza 2002 Resta E Diritto vivente RomaBari Laterza 2008 RocHa Leonel Severo Observações sobre a observação luhmanniana In RocHa Leonel Severo ScHwartz Michael King Germano A verdade sobre a autopoiese no direito Porto Alegre Livraria do Advogado 2009 Sociologia do DireitomioloP3indd 319 020822 1037 320 sociologia do direito Rodotà S Tecnologie e diritti Bolonha Il Mulino 1995 Rodotà S Il diritto di avere diritti RomaBari Laterza 2012 RöHl K F Das Dilemma der Rechtstatsachenforschung Tübingen Mohr 1974 RöHl K F Rechtssoziologie Ein Lehrbuch Köln ua Heymanns 1987 Romano B Filosofia e diritto dopo Luhmann Il tragico del moderno Roma Bulzoni 1996 Romano S Lordinamento giuridico Firenze Sansoni 1918 RonFani P I diritti del minore Cultura giuridica e rappresentazioni sociali 2 ed Milão Guerini 2001 Roselli O org Osservatorio sulla formazione giuridica 2006 Nápo les Edizioni Scientifiche Italiane 2007 Rostek H Der rechtlich unverbindliche Befehl Ein Beitrag zur Effekti vitätskontrolle des Rechts Berlim Duncker Humblot 1971 RottleUtHner H Richterliches Handeln Zur Kritik der juristischen Dogmatik Frankfurt aM Athenäum Verlag 1973 RottleUtHner H Rechtstheorie und Rechtssoziologie FreiburgMün chen Alber 1981 Teoria del diritto e sociologia del diritto Bolo nha Il Mulino 1983 RottleUtHner H Einführung in die Rechtssoziologie Darmstadt Wissenschaftliche Buchgesellschaft 1987 RUFino A Nascita e difesa della società Foucault dopo Foucault Nápo les La Città del Sole 1996 RUFino A TeUbner G Il diritto possibile Funzioni e prospettive del medium giuridico Milão Guerini 2005 RyFFel H Grundprobleme der Rechtsund Staatsphilosophie Philoso phische Anthropologie des Politischen NeuwiedBerlim Luchterhand 1969 RyFFel H Rechtssoziologie Eine systematische Orientierung Neuwied Berlim Luchter Hand 1974 Sacco R Introduzione al diritto comparato 3 ed Turim Giappichelli 1989 Sociologia do DireitomioloP3indd 320 020822 1037 reFerências bibliográFicas 321 SadUrski W org Constitutional Justice East and West Democratic Legitimacy and Constitutional Courts in Postcommunist Europe in a Comparative Perspective Den HaagLondresNova York Kluwer Law International 2002 Santos de SoUsa B Toward a New Legal Common Sense Law Globa lization and Emancipation Londres Butterworth 2002 Santos de SoUsa B Sociología jurídica crítica Para un nuevo sentido común en el derecho Madri Trotta 2009 Sarzotti C Cultura giuridica e culture della pena I discorsi inaugura li dellanno giudiziario dei procuratori generali Turim LHarmattan Italia 2006 Sassen S A Sociology of Globalization Nova York Norton 2007 Una sociologia della globalizzazione Turim Einaudi 2008 Savigny F C von Vom Beruf unsrer Zeit für Gesetzgebung und Re chtswissenschaft Heidelberg Mohr und Zimmer rist anast 1814 In Thibaut und Savigny Ihre programmatischen Schriften Introd de H Hattenhauer München Vahlen 1973 Savona E U Diritto e discriminazione razziale La legislazione inglese come fattore di mutamento sociale tra gli anni sessanta e gli anni ottanta Milão Angeli 1980 Savona E U Mezzanotte L La corruzione in Europa Roma Ca rocci 1998 Scarpelli U Cosè il positivismo giuridico Milão Edizioni di Comu nità 1965 ScHelsky H Zur Theorie der Institution Düsseldorf Bertelsmann 1970a ScHelsky H Systemfunktionaler anthropologischer und person funktionaler Ansatz der Rechtssoziologie Jahrbuch für Rechtsso ziologie und Rechtstheorie I 1970b pp 3789 ScHiavone A Nascita della giurisprudenza Cultura aristocratica e pensiero giuridico nella Roma tardorepubblicana RomaBari La terza 1976 Sociologia do DireitomioloP3indd 321 020822 1037 322 sociologia do direito ScHlUcHter W Die Entwicklung des okzidentalen Rationalismus Tübingen Mohr 1979 ScHmitt C Legalität und Legitimität MünchenLeipzig Duncker Humblot 1932 ScHmitt C Le categorie del politico Saggi di teoria politica Org de G Miglio e P Schiera Bolonha Il Mulino 1972 ScHUbert G org Judicial Decisionmaking Nova York The Free Press of Glencoe 1963 ScHUbert G org Judicial Behavior A Reader in Theory and Research Chicago Ill Rand McNally 1964 ScHUbert G Danelski D J org Comparative Judicial Behavior Crosscultural Studies of Political Decisionmaking in the East and West Nova York Oxford University Press 1969 ScHUltz U SHaw G org Women in the Legal Profession An Inter national Study Oxford Hart 2003 ScHwartz Germano As Constituições estão mortas Rio de Janeiro Lumen Juris 2018 Searle J R How to derive Ought from Is The Philosophical Review LXXIII 1964 pp 4358 Semon R Die Mneme als erhaltendes Prinzip im Wechsel des organis chen Geschehens 3 ed Leipzig Engelmann 1911 Skinner B F Contigencies of Reinforcement A Theoretical Analysis Nova York Meredith 1969 Smart B Michel Foucault Londres Tavistock 1985 Smelser N J Theory of Collective Behavior Nova York Macmillan 1963 Il comportamento collettivo Firenze Vallecchi 1968 Spina F Sociologia dei Nimby I conflitti di localizzazione tra movimen ti e istituzioni Nardò Besa 2009 Spittler G Norm und SanktionUntersuchungen zum Sanktionsme chanismus Olten Walter 1967 Sociologia do DireitomioloP3indd 322 020822 1037 reFerências bibliográFicas 323 Stammler R Wirtschaft und Recht nach der materialischen Geschicht sauffassung Eine sozialphilosophische Untersuchung 2 ed Leipzig Veit Comp 1906 Strazzeri M Il Giano bifronte Giuridicità e socialità della norma Bari Palomar 1996 Strazzeri M org Potere strategie discorsive controllo sociale Per corsi foucaultiani San Cesario di Lecce Manni 2003 Strazzeri M org Il teatro della legge Lenunciabile e il visibile Bari Palomar 2007 SUmner W G Folkways A Study of the Sociological Importance of Usa ges Manners Customs Mores and Morals Boston Mass Ginn Co 1906 Costumi di gruppo Introd de A M Cinese Milão Edi zioni di Comunità 1962 SUpiot A Le jeu de miroirs du droit et des médias Droit et Société XVI 1990 pp 28998 TaFUri M Progetto e utopia Architettura e sviluppo capitalistico In trod de F Purini RomaBari Laterza 2007 Tanzi A Renato Treves Dalla filosofia alla sociologia del diritto Nápo les Edizioni Scientifiche Italiane 1988 Tarello G Il realismo giuridico americano Milão Giuffrè 1962 TeUbner G Substantive and Reflexive Elements in Modern Law Law Society Review XVII 1983 pp 239 ss TeUbner G After Legal Instrumentalism Strategic Models of Post regulatory Law In Dilemmas of Law in the Welfare State Berlim De Gruyter 1985 pp 299325 TeUbner G Il trilemma regolativo A proposito della polemica sui modelli giuridici poststrumentali Politica del Diritto XVIII 1 1987 pp 85118 TeUbner G Recht als autopoietisches System Frankfurt aM Surhkamp 1989 Il diritto come sistema autopoietico Org de A Febbrajo e C Pennisi Milão Giuffrè 1996 Sociologia do DireitomioloP3indd 323 020822 1037 324 sociologia do direito TeUbner G org Global Law without a State Aldershot Ashgate 1997 TeUbner G La cultura del diritto nellepoca della globalizzazione Lemergere delle costituzioni civili Org de R Prandini Roma Ar mando 2005 TeUbner G Selbstsubversive Gerechtigkeit Kontingenzoder Transzen denzformel des Rechts Zeitschrift für Rechtssoziologie XIX 1 2008 pp 936 TeUbner G Nuovi conflitti costituzionali Milão Bruno Mondadori 2012 TeUbner G Febbrajo A State Law and Economy as autopoietic Sys tems Regulation and Autonomy in a New Perspective European Yearbook in the Sociology of Law Milão Giuffrè 1992 TeUbner G Willke H Kontext und Autonomie Gesellschaftliche Selbststeuerung durch reflexives Recht Zeitschrift für Rechtssozio logie V 1 1984 pp 435 THibaUt A F J Über die Nothwendigkeit eines allgemeinen bürgerli chen Rechts für Deutschland Heidelberg Mohr und Zimmer rist anast 1814 In Thibaut und Savigny Ihre programmatischen Schrif ten Introd de H Hattenhauer München Vahlen 1973 THomas T Sex Crime Sex Offending and Society Portland Or Willan 2000 THornHill C A Sociology of Constitutions Constitutions and State Legitimacy in HistoricalSociological Perspective Cambridge Cam bridge University Press 2011 Tiemeyer J Zur Methodenfrage der Rechtssoziologie Über die wissens chaftstheoretische Möglichkeit die Rechtssoziologie wie eine Na turwissenschaft zu betreiben Berlim Duncker Humblot 1969 TimasHeFF N S Sociological Theory Its Nature and Growth Garden City NY Doubleday Co 1955 Tomeo V Il giudice sullo schermo Magistratura e polizia nel cinema italiano RomaBari Laterza 1973 Sociologia do DireitomioloP3indd 324 020822 1037 reFerências bibliográFicas 325 Tomeo V Teoria ricerca e giudizi di valore Sociologia del Diritto I 1 1974 pp 285 ss Tomeo V Il diritto come struttura del conflitto Milão Angeli 1981 Tomeo V CerUtti P G Biancardi R Giustizia norma e sanzione Una ricerca pilota sullatteggiamento degli adolescenti Sociologia del Diritto II 1 1975 pp 11741 Tönnies F Gemeinschaft und Gesellschaft Leipzig Reislad 1887 Co munità e società RomaBari Laterza 2011 Toscano M A Evoluzione e crisi del mondo normativo Durkheim e Weber RomaBari Laterza 1975 Treves R org La sociologia del diritto Problemi e ricerche Milão Edizioni di Comunità 1966 Treves R org Nuovi sviluppi della sociologia del diritto Milão Edi zioni di Comunità 1968 Treves R org Giustizia e giudici nella società italiana Problemi e ricerche di sociologia del diritto Bari Laterza 1972 Treves R org Sociologia del diritto e sociologia dellidea di giusti zia in Hans Kelsen Sociologia del Diritto VIII 3 1981 pp 105 Treves R org Sociologia del diritto Cinquanta anni di esperienza giuridica in Italia MessinaTaormina 38 nov 1981 Milão Giuffrè 1982 Treves R org Sociologia del diritto Origini ricerche problemi Tu rim Einaudi 1988 TrotHa T von Recht und Kriminalität Tübingen Mohr 1982 Unger R M Knowledge and Politics Nova York The Free Press 1975 Unger R M Law in Modern Society Toward a Criticism of Social The ory Nova YorkLondres The Free PressMacmillan 1976 Vago S Law and Society 2 ed Englewood Cliffs NJ Prentice Hall 1988 VerscHaegen G Systems Theory and the Paradox of Human Rights In King M THornHill C org Luhmann on Law and Politics Oxford Hart 2006 Sociologia do DireitomioloP3indd 325 020822 1037 326 sociologia do direito Vesting Thomas Teoria do direito uma introdução São Paulo Sarai va 2015 VieHweg T Topik und Jurisprudenz München Beck 1953 Topica e giurisprudenza Org de G Crifò Milão Giuffrè 1962 Villas Bôas FilHo Orlando O direito na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann São Paulo Max Limonad 2006 Walker N org Sovereignty in Transition Oxford Hart 2006 Ward I Law and Literature Possibilities and Perspectives Cambridge Cambridge University Press 1995 Weber M R Stammlers Überwindung der materialistischen Geschi chtsauffassung Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik XXIV 1907 pp 94151 Rudolf Stammler e il superamento della concezione materialistica della storia In Saggi sul metodo delle scienze storicosociali Milão Edizioni di Comunità 2001 pp 279 63 A proposito di Economia e diritto di Rudolf Stammler In EHrlicH E Kelsen H Weber M Verso un concetto sociologico di diritto Org de A Febbrajo Milão Giuffrè 2010 pp 89165 Weber M R Wirtschaft und Gesellschaft Tübingen Mohr 1922 Eco nomia e società Introd de P Rossi Milão Edizioni di Comunità 1968 Weber M R Zur Geschichte der Handelsgesellschaften im Mittelalter Tübingen Mohr 1924 Weinberger O Recht Institution und Rechtspolitik Grundprobleme der Rechtstheorie und Sozialphilosophie Stuttgart Steiner 1987 WietHölter R Rechtswissenschaft Frankfurt aM Fischer 1968 Le formule magiche della scienza giuridica RomaBari Laterza 1975 Zaccaria G Larte dellinterpretazione Saggi sullermeneutica giuridi ca contemporanea Padova Cedam 1990 Zagrebelsky G Il diritto mite Turim Einaudi 1992 Zagrebelsky G Portinaro P P LUtHer J org Il futuro della costituzione Turim Einaudi 1996 Sociologia do DireitomioloP3indd 326 020822 1037 reFerências bibliográFicas 327 Ziegert K A Zur Effektivität der Rechtssoziologie Die Rekonstruktion der Gesellschaft durch Recht Stuttgart Enke 1975 ZUmbansen P Transnational Law York Osgoode Hall Law School In Comparative ResearcH in Law and Political Economy clpe Research Paper n 9 2008 Sociologia do DireitomioloP3indd 327 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 328 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 329 020822 1037 Sociologia do DireitomioloP3indd 330 020822 1037