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Texto de pré-visualização

Nome Annelise Loureiro e Marcelle Castello Turma 9º BM TEMA O entendimento dos tribunais brasileiros acerca da partilha de bens em relações poliamorosas Pergunta de pesquisa Como os tribunais brasileiros se posicionam atualmente perante lides que exigem o reconhecimento de relações poliamorosas no processo de abertura de inventário e partilha de bens A ideia da dupla é produzir um artigo científico que verse acerca das multifaces do instituto da família demonstrando a importância do vínculo afetivo para sua constituição e advogando pelo reconhecimento dessas uniões frente ao princípio da monogamia A dupla dividirá o trabalho em três capítulos sendo o primeiro focado na caracterização da família por meio do laço afetivo demonstrando que deve o ordenamento comportar também as situações nas quais há duas ou mais relações afetivas paralelas com conhecimento e aceitação dos partícipes em uma relação múltipla e aberta o segundo voltado para a jurisprudência atual entre os tribunais sobre a matéria destacase desde já que a maioria dos poucos julgados decidem pelo nãoreconhecimento da união poligâmica para fins de partilha Apelação cível n 70038296141 Resp 912926RS REsp 1183378 Recurso Extraordinário 878694 ARE 656298 RGSE REsp n 1185337 e em terceiro momento a apresentação da triação como alternativa para que a partilha de bens em relações poligâmicas sem a violação dos dispositivos legais já positivados sobre a abertura do inventário como se observa no caso da AP n 70039284542 2010 A conclusão demonstrará o entendimento atual dos tribunais assunto e a opinião da dupla acerca dos rumos a serem tomados pelo direito brasileiro na matéria 1 Base teórica direito de Herança 2 Poliamorismo e relações familiares 3 Enfrentamento pelos tribunais ESTOU ENVIANDO LIVRO EM CONJUNTO ACREDITO QUE AJUDARÁ APAGAR ESSE TRECHO POLIAMORISMO E RELAÇÕES FAMILIARES Ao tratarmos de uma acepção histórica os seres humanos se baseiam em relações não monogâmicas há tempos de tal monta ser impossível identificar essa origem Tomando por base a Bíblia Sagrada podemos citar exemplos de relações não monogâmicas vistas em Salomão Sansão e principal exemplo por ter sido o primeiro Lameque que aparece logo no livro de Gênesis o primeiro livro da Bíblia Avançando um pouco na história podemos ver a relação não monogâmica intencional entre Maria Antonieta e Luís XVI rei e rainha da França no momento da Revolução Francesa No livro que leva o nome da rainha vêse uma relação entre Maria Antonieta e o general do exército francês de Luís XVI onde ele sabia o que acontecia e consentia com o fato Tomando um momento mais moderno da humanidade as revoluções progressistas dos anos 50 60 e 70 foram grandes influenciadores para o surgimento de relações não monogâmicas tendo uma pausa nos anos 80 devido ao surgimento da AIDS SANTIAGO 2015 p 129 Para começar a definirmos poliamor podemos utilizar o conceito de um site português que foi o primeiro a tratar do assunto o poliamorpt Segundo o site um tipo de relação em que cada pessoa tem a liberdade de manter mais do que um relacionamento ao mesmo temo Não segue a monogamia como modelo de felicidade o que não implica porém a promiscuidade Não se trata de procurar obsessivamente novas relações pelo facto de ter essa possibilidade sempre em aberto mas sim de viver naturalmente tendo essa liberdade em mente POLIAMORPT 2022 grifo nosso Mister destacar que poliamor de longe esbarra no conceito de bagunça ou desordem Talvez por ignorância ou discriminação a sociedade como um todo rejeita essa condição como uma formação de família Ora nos exemplos supracitados TODOS formaram família de tal forma que existia vínculo relacional com todos Ainda em sites que merecem destaque e menção ao acessar o site LovingMore site de relevância mundial para adeptos dessa forma familiar e incentivador de tal define o poliamor como o amor romântico sentido por mais de uma pessoa marcado pela honestidade e pela ética bem como pelo total conhecimento e consentimento de todos os interessados LOVINGMORE 2022 No conceito social as relações não monogâmicas intencionais têm sido demonizadas tratadas de forma marginal e sem proteção jurídica sendo colocadas a beira de seus direitos Nas palavras de Maria Berenice Dias 2013 p54 justificativas não faltam a quem quer negar efeitos jurídicos ao poli amor A alegação primeira é afronta ao princípio da monogamia desrespeito ao dever de fidelidade com certeza rejeição que decorre muito mais do medo das próprias fantasias O fato é que descabe realizar juízo prévio e geral de reprovabilidade frente a formações conjugais plurais e muito menos subtrair qualquer sequela à manifestação de vontade firmada livremente pelos seus integrantes Ao se falar de intervenção mínima do Estado nas relações familiares ao contrário senso deve existir uma aceitação essa família formada e dita proteção Nas palavras de Nelson Rosenvald e Cristiano Farias 2013 p 157 toda e qualquer ingerência estatal somente será legítima e justificável quanto tiver como fundamento a proteção dos sujeitos de direito notadamente daqueles vulneráveis Sendo assim o Estado DEVE atuar quando é necessário assegurar garantias mínimas e fundamentais a seus titulares O entrave jurídico de reconhecer uma relação familiar se deve ao fato de não entender o aumento da dimensão familiar que passa a abranger valores e vivências subjetivas de maneira a assumir um caráter plural aberto e multifacetado Assim a relação jurídica de família deve ser entendida como reflexiva prospectiva discursiva e relativa FARIAS ROSENVALD 2013 p 4445 Quando os autores colocam a característica de reflexivas subtendese a abertura aos novos valores sociais seja a flexibilização da moralidade sexual seja a equiparação da mulher e do homem assim como a perda da influência religiosa na sociedade É diante desse aspecto que os signos sociais exercem grande influência na opinião pública e buscam manter tudo na ordem já préestabelecida sem questionar novas situações São desses novos valores sociais e também de fatos sociais que surgem novas formas de famílias A qualidade de prospectiva por seu turno coloca interpretações novas com condão de proteger o ordenamento jurídico ou seja as relações poliamorosas são uma realidade na sociedade brasileira e exigem uma devida discussão com vistas aos valores e princípios constitucionais já enraizados na sociedade como todo O Estado e o Direito não devem ser a todo tempo preventivos a situações sociais Por vezes o Direito deve observar as regulações socais deixando elas acontecerem atentos apenas aos vulneráveis Assim o poliamor não pode ser encaixado como um brinquedo lego dentro das normas do Direito Nas palavras de Rafael da Silva Santiago SANTIAGO 2014 p 157 A família deve ser o reflexo de valores e vivências subjetivas e não de valores objetivamente impostos pela aparente vontade do texto legal Tratando por seu turno da instituição família e suas relações há de se observar alguns princípios valores e regras consagrados pela Constituição quais sejam a solidariedade cooperação e o respeito à dignidade de cada componente da relação familiar Em curtas palavras as relações familiares ditas tem suas bases estabelecidas na ética e na preservação de seus membros As relações familiares devem se tornar um meio adequado para que se produza uma pessoa humana digna com aspirações e desenvolvendo sua personalidade Ainda que não explícito na Constituição brasileira como é na Constituição dos Estados Unidos da América o Direito a Felicidade deve ser observado na reunião familiar pois assim como nas ditas relações tradicionais monogâmicas há de existir alguma relação familiar poliamorosa que não se estrutura nos valores ora citados fragilizando assim a relação e demandando de uma intervenção Estatal seja monogâmica ou poliamorosa As relações poliamorosas se revestem de um preceito importante não só para o caso concreto mas para qualquer caso o amor romântico No conceito grego Eros era atribuído ao amor romântico muito bem descrito por Luís de Camões em O amor é fogo que arde sem se ver é querer estar preso por vontade É servir a quem vence o vencedor É ter com quem nos mata lealdade Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade Se tão contrário a si é o mesmo Amor O que torna incompreensível no intelecto coletivo social é que esse amorEros é sentido por mais de uma pessoa mútua e reciprocamente de tal forma que se firmam as bases entre todos e todos cooperam para a formação da entidade família se relacionando de maneiras idênticas as relações monogâmicas Se fosse possível dissolver o conceito de família em uma só palavra essa seria AFETO Sem afeto uns com os outros não há como fixar uma família O afeto entre os membros é o que dá força para estes aguentarem por muitas vezes rotinas estressantes e exaustivas pois sabem dos membros que irão encontrar ao retorno para casa e como estão felizes por têlo no seio familiar Por definição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa VOLP afeto significa inclinação pendor para alguma coisa Ora no caso concreto a inclinação se faz para os membros da relação poliamorosa Nas palavras de Rafael da Silva Santiago O traço diferenciador do poliamor que é capaz de originar uma família é o afeto Da mesma forma as circunstâncias do caso concreto devem lastrear o posicionamento no sentido de conferirlhe status familiar Isso porque para o seu reconhecimento jurídico o poliamorismo deve observar todos os princípios regras e valores da ordem jurídica familiar notadamente aqueles consagrados em sede constitucional SANTIAGO 2014 p 195 É imperioso destacar que relações familiares poliamorosas se distinguem das relações de uniões estáveis putativas Estas se definem quando um dos membros desconhece a situação impeditiva de constituição matrimonial previsto no Código Civil vigente Ou seja as relações aqui situadas podem ser consideradas paralelas decorrentes da quebra de confiança por parte de um dos membros ocultando informações de sua formação familiar anterior e muitas vezes posterior também Aqui exaltase o ponto da confiança na relação amorosa Ponto esse que se distingue da relação do poliamor como dito anteriormente baseado entre tantas outras características na confiança Sendo assim tomemos por exemplo um indivíduo com família formada monogâmica em união estável já concebida com filhos Ele trabalha como caminhoneiro viajando o país inteiro Dado momento conhece outra mulher se apaixona criando também união estável com esta e porque não filhos A situação citada ainda que não aceita abertamente pela coletividade social não é rechaçada pela mesma que por vezes se esquiva com a desculpas um tanto quanto bobas A dizer do Direito por sua vez que reconhece direitos e deveres da situação descrita Ora fazendo uma analogia entendese que este relacionamento poderia muito bem ser um relacionamento poliamoroso faltando para tal o acordo entre as partes Nas palavras de Cristiano Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 542 grifo nosso a pessoa que participa de uma relação afetiva sem ter ciência de que a sua relação é concubinária ou seja sem saber que o seu companheiro é casado ou tem uma união estável anterior sem ruptura da convivência caracterizando um paralelismo deve ter sua dignidade protegida da mesma forma que a pessoa enganada Até porque a confiança legítimas expectativas de ambos é a mesma e reclama justa tutela jurídica É por formação lógica e sem demandar muito esforço chegar a conclusão que se a pessoa enganada deve ter sua dignidade protegida o que dizer da dignidade dos membros da relação poliamorosa que não é enganado senão concordam com tal relacionamento Frisase um tanto quanto as relações jurídicas em face ao poliamor devido a premissa básica de que os julgamentos dos tribunais superiores formam e moldam a sociedade os acostumando a fatos novos É notória a aceitação popular quanto a união homoafetiva pós tribunais a tratarem como uma união estável independente do sexo dos componentes De tal monta os coletivos LGBTQIA conseguem avançar suas pautas sem tantos entraves sociais e jurídicos Reconhecimento de união estável destacase foi a porta de entrada e a principal para esse avanço no reconhecimento de direitos sociais Desse modo é necessário fazer o mesmo entendimento ao poliamor Uma vez aceito pelos tribunais o que não vem acontecendo na atualidade a sociedade começa a dissolver seus dogmas e axiomas e por fim aceitando as relações quiçá ajudando em situações de abusos como acontece rotineiramente nas relações monogâmicas sejam heterossexuais ou homossexuais GAGLIANO Pablo Stolze PAMPLONA FILHO Rodolfo Novo curso de direito civil direito de família as famílias em perspectiva constitucional 2ed São Paulo Saraiva 2012 Livro Eletrônico SANTIAGO Rafael da Silva Poliamor e Direito das famílias reconhecimento e consequências jurídicas 1ª ed Curitiba Juruá Editora 2015 livro eletrõnico TARTUCE Flávio Manual de Direito Civil volume único 11ª ed São Paulo Saraiva 2021 livro eletrônico Rafael da Silva Santiago POLIAMOR E DIREITO DAS FAMÍLIAS Reconhecimento e Consequências Jurídicas JURUÁ EDITORA RAFAEL DA SILVA SANTIAGO Mestre em Direito Estado e Constituição pela Universidade de Brasília UnB Professor nos cursos de graduação em Direito da UnB e do Centro Universitário de Brasília UniCEUB Advogado Voluntário do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade de Brasília NPJUnB Advogado em Brasília DF POLIAMOR E DIREITO DAS FAMÍLIAS Reconhecimento e Consequências Jurídicas EDITORA AFILIADA Visite nossos sites na Internet wwwjuruacombr e wwweditorialjuruacom email editorajuruacombr ISBN 9788536249698 JURUÁ Brasil Av Munhoz da Rocha 143 Juvevê Fone 41 40093900 EDITORA Fax 41 32521311 CEP 80030475 Curitiba Paraná Brasil Europa Rua General Torres 1220 Lojas 15 e 16 Fone 351 223 710 600 Centro Comercial DOuro 4400096 Vila Nova de GaiaPorto Portugal Editor José Ernani de Carvalho Pacheco Santiago Rafael da Silva S235 Poliamor e direito das famílias reconhecimento e consequências jurídicas Rafael da Silva Santiago Curitiba Juruá 2015 262p 1 Direito de família I Título CDD 346015 22ed CDU 3476 0216 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus fonte constante de força conforto segurança proteção e paz sem o qual a vida seria impossível de ser vivida Agradeço à minha eterna esposa Rafaella alicerce de minha família que dá sentido à minha vida e explica a razão pela qual vim ao mundo Obrigado por existir e por permitir que eu exista Agradeço à minha família em especial aos meus pais Ana Christina e Roberto e aos meus avós Altiberto Florice e Mary por todo incentivo apoio e orientação ao meu irmão Luis Gabriel e aos meus primos Fábio e Maurício Agradeço ao professor e amigo Frederico Henrique Viegas de Lima não apenas pela orientação nesta pesquisa mas sobretudo por auxiliar no meu crescimento profissional e acadêmico Agradeço à professora e amiga Suzana Borges Viegas de Lima responsável direta por todo o meu interesse pelo Direito das Famílias bem como pela construção de minha carreira acadêmica Agradeço ao professor e amigo Pablo Malheiros da Cunha Frota por todo o apoio para a publicação do livro e por sempre estar disposto a me auxiliar na minha formação teórica e profissional Agradeço também aos meus amigos em especial Vitor Brum Lara Parreira Fernanda Garcez e Natalia Calvillo amigos muito queridos Agradeço a todos os meus alunos que sempre me incentivaram na busca pela construção de uma carreira profissional sólida e que ofereça contribuições para toda a sociedade Agradeço ao fundador da Igreja de Todos os Mundos Mr Oberon Zell pela entrevista concedida para a pesquisa Agradeço ao amigo português Daniel dos Santos Cardoso um dos precursores no âmbito da Universidade Nova de Lisboa no estudo acadêmico do poliamor pela ajuda no desenvolvimento deste trabalho APRESENTAÇÃO O livro que ora apresentamos é resultado de um estudo inovador realizado pelo autor durante o seu mestrado no Programa de PósGraduação em Direito na Universidade de Brasília no qual enfrenta a discussão acerca da monogamia atualmente muito presente nas relações familiares brasileiras em contraste com a realidade das relações afetivas que decorrem do poliamor Com a finalidade de conferir não só legitimidade mas também proteção jurídica às famílias constituídas sob a modalidade do poliamor o autor examina a monogamia em suas diversas concepções para justificar a clara incompatibilidade com o justo reconhecimento da família poliafetiva Perante a constitucionalização do Direito Civil e o consequente estabelecimento de novas modalidades familiares em nossa realidade jurídica o autor se alicerça nos princípios da dignidade da pessoa humana da liberdade de orientação sexual da liberdade nas relações familiares da igualdade da autodeterminação afetiva da solidariedade familiar da pluralidade nas relações familiares e da mínima intervenção estatal na família como princípios basilares para o reconhecimento jurídico dessa nova concepção familiar A pesquisa em que se baseia o presente livro foi desenvolvida com o rigor científico que demanda uma dissertação de mestrado tendo como característica a diversidade de fontes tais como livros periódicos decisões judiciais sites de consulta na internet além de dados obtidos por meio de entrevista Tal metodologia reflete tanto a atualidade como a qualidade do estudo que certamente será de grande contribuição para o moderno Direito das Famílias Suzana Borges Viegas de Lima Professora Adjunta de Direito Civil da Universidade de Brasília PREFÁCIO É inegável que o Direito das Famílias encontrase em constante modificação E um de seus temas mais desafiadores é justamente o poliamor É uma tarefa bastante difícil entender seu conteúdo e consequências para o Direito bem como identificar qual a aplicação mais adequada das várias normas jurídicas que regulam as relações privadas Tarefa essa que é muito bem enfrentada pelo autor do presente livro A obra de Rafael da Silva Santiago que tive a felicidade de orientar no âmbito do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Brasília UnB consolida para o universo jurídico uma nova forma de originar famílias que se coaduna com todo o atual estágio de desenvolvimento desse novo Direito Civil que não mais se contenta em buscar disposições legais frias e afastadas da realidade na medida em que se renova a partir de uma leitura constitucional posicionando a pessoa humana no seu núcleo protetivo O livro deixa bem clara a necessidade de se estabelecer uma visão mais humanista ao Direito das Famílias reforçando o papel de destaque da Constituição como filtro hermenêutico e valorativo possibilitando uma análise das relações familiares livre de preconceitos e de pressões sociais sempre em busca da construção de argumentos jurídicos que mesmo indo de encontro à Moral social dominante encontram repercussão em uma das principais e mais importantes funções do Direito contemporâneo viabilizar e sedimentar condições para que as pessoas exerçam direitos fundamentais e exteriorizem livremente aspectos de sua intimidade e personalidade Em sua pesquisa Rafael da Silva Santiago parte de pressupostos teóricos sólidos para asseverar conclusões de grande relevância para o Direito das Famílias porquanto elimina qualquer dúvida acerca da possibilidade de se reconhecer juridicamente o poliamor como uma forma de relacionamento capaz de dar origem a uma entidade familiar Assim a contribuição do autor para a comunidade acadêmica e para o Direito Civil brasileiro se mostra bastante consistente sobretudo por se tratar de uma das primeiras obras jurídicas que se debruçam exclusivamente sobre o tema de forma tão detalhada e brilhante De fato o leitor encontrará uma grande fonte de conhecimento e de fundamentos teóricos para melhor compreender as relações familiares Frederico Henrique Viegas de Lima Professor Titular da Faculdade de Direito da UnB SUMÁRIO INTRODUÇÃO 13 1 OS PILARES DO RECONHECIMENTO JURÍDICO DO POLIAMOR 17 11 Constitucionalização do Direito Civil 17 12 Repersonalização do Direito das Famílias 23 13 Intervenção Mínima do Estado nas Relações Familiares 28 14 Trajetória da Família 34 141 Desenvolvimento Histórico 35 142 Família PósModerna 41 15 Como se Forma uma Família 47 16 Família Eudemonista 51 2 CARACTERIZANDO A AFETIVIDADE COMO PRINCÍPIO E A MONOGAMIA COMO VALOR 55 21 Afetividade Elemento Central do Núcleo Familiar 57 211 Construção da Natureza Principiológica da Afetividade 63 212 Fins que Justificam a Natureza Principiológica da Afetividade 67 213 Noções Gerais sobre Princípio 74 2131 Confirmação da natureza principiológica da afetividade 78 22 Monogamia 80 221 Origem o Estudo de Friedrich Engels 83 222 Mito da Monogamia 92 2221 Perspectiva jurídica 93 2222 Perspectivas antropológica e psicológica 97 223 Valor 103 224 Monogamia como Valor 109 3 POLIAMOR 125 31 Origem e Correntes 126 32 Entendendo o Poliamor 134 321 Informações Encontradas na Internet 136 3211 Definições 136 3212 Conteúdo 138 322 Informações Encontradas no Contexto Acadêmico e Literário 139 3221 Definições 140 3222 Conteúdo 143 33 Princípios do Poliamorismo Elizabeth Emens 148 34 Características do Poliamor 151 35 Modelos de Relações de Poliamor 153 4 CONSTRUINDO O RECONHECIMENTO JURÍDICO DO POLIAMOR 155 41 Dignidade da Pessoa Humana 157 42 Liberdade nas Relações Familiares 165 43 Solidariedade Familiar 169 44 Igualdade 171 45 Afetividade 178 46 Especial Proteção que Merece a Família 181 47 Pluralismo das Entidades Familiares 183 48 Mínima Intervenção do Estado nas Relações Familiares 190 5 OS ASPECTOS PRÁTICOS DO POLIAMOR 193 51 A Relação de Poliamor que Pode Ser Entendida como Família Respeito aos Padrões Constitucionais Mínimos da Família PósModerna 194 511 Polifidelidade 196 512 Poliamorismo Aberto 196 513 Poliamorismo com Redes de Relacionamentos Íntimos Hierarquizados 199 514 Poliamorismo Individual 200 52 Diferença do Poliamor em Relação às Uniões Estáveis Putativas 200 53 Homoafetividade 204 54 Poliamor uma Identidade Relacional como Outra Qualquer 207 541 União Estável 208 542 Casamento 212 543 Impedimento de Pessoa Casada 214 55 Efeitos Jurídicos Oriundos do Poliamor 218 56 Filiação 221 57 Crime de Bigamia 228 CONCLUSÃO 233 REFERÊNCIAS 241 ÍNDICE ALFABÉTICO 249 INTRODUÇÃO Nos últimos anos o Direito das Famílias vem vivenciando um relevante processo evolutivo Com a vigência da Constituição de 1988 a família passa a incorporar um significado social ratificado pela preocupação do constituinte em lhe garantir proteção incidente sob todas as suas formas de manifestação A família na sociedade pósmoderna sofreu um alargamento em seu conceito passando a ser entendida como um instrumento de realização da personalidade e da dignidade de seus componentes Uma pesquisa acadêmica que tenha como enfoque a não monogamia e o poliamorismo se mostra relevante sobretudo por se relacionar ao reconhecimento jurídico de organizações sociais posicionadas à margem da proteção normativa garantindo direitos fundamentais a indivíduos que não seguem o padrão relacional estabelecido pela sociedade Outrossim a principal justificativa para o desenvolvimento da pesquisa se refere à atual situação de diversos sujeitos de direitos fundamentais que não têm a sua autodeterminação afetiva respeitada porquanto não seja reconhecida ao menos por grande parte daqueles investidos na função do Estadojuiz a sua intenção de constituir uma família poliamorosa Por esses motivos a argumentação se mostra indispensável para a solução dessa situação prejudicial à dignidade humana dos praticantes do poliamor O primeiro passo da pesquisa se refere à análise do Direito das Famílias por intermédio da perspectiva civilconstituciona edificando os pilares para o reconhecimento jurídico do poliamor que se assentam a na constitucionalização do Direito Civil b na repersonalização do Direito das Famílias c na intervenção mínima do Estado nas relações familiares d na trajetória da família e nos aspectos da formação da entidade familiar e f na família eudemonista Quanto às relações de poliamor elas se caracterizam como uma forma de relacionamento em que é possível válido e compensatório manter simultaneamente relações íntimas sexuais eou amorosas com mais de uma pessoa em geral por longos períodos no tempo HARITAWORN LIN KLESSE 2006 p 515 Nesse cenário o marco teórico para a construção dos argumentos que embasam sua proteção normativa se consubstancia na valoração do afeto presente no caso concreto Portanto diante da divergência doutrinária quanto à sua natureza jurídica fazse mister demonstrar com apoio na teoria dos princípios do professor gaúcho Humberto Ávila que a afetividade é um princípio norteador do Direito das Famílias providência imprescindível para o reconhecimento jurídico do poliamor já que essa identidade relacional se funda no afeto Outra providência imprescindível é a compreensão do real significado da monogamia no Direito das Famílias demonstrando sua natureza meramente axiológica para identificála como um valor por intermédio sobretudo da já mencionada teoria dos princípios de Humberto Ávila e das lições do professor alemão Jurgen Habermas Voltando ao poliamor tornase necessária a realização de um estudo a respeito de todas as suas características buscando identificar a possibilidade de se conferir natureza jurídica à prática da não monogamia responsável em contraposição à própria monogamia A partir da identificação dos elementos que caracterizam o cenário do Direito das Famílias contemporâneo do papel da monogamia como valor no Direito e da compreensão de todas as características do poliamorismo cumpre verificar se esse fenômeno social é capaz de configurar uma família Para tanto o reconhecimento jurídico do poliamor será construído a partir i da dignidade da pessoa humana ii da liberdade nas relações familiares iii da solidariedade familiar iv da igualdade v da afetividade vi da especial proteção reservada à família vii do pluralismo das entidades familiares e viii da mínima intervenção do Estado na família os quais possibilitam concluir que o poliamor é uma identidade relacional capaz de dar origem a uma ou várias famílias que tem o condão de constituir uniões estáveis e matrimônios devendo o Estado garantir a mesma proteção normativa tanto para a família monogâmica quanto para a família poliamorosa Diante disso a pesquisa tem como objetivo geral compreender as relações de poliamor como uma identidade relacional capaz de dar origem a uma família merecedora portanto de especial proteção por parte do Direito das Famílias notadamente quando analisada à luz da Constituição de 1988 utilizandose pois de argumentos do Direito CivilConstitucional de modo a desconstruir a normatividade da monogamia viabilizando o reconhecimento jurídico da não monogamia responsável Em relação aos seus objetivos específicos a pesquisa procura i identificar a partir de uma abordagem jurídica antropológica e sociológica os elementos que configuram uma organização familiar de modo a formular o conceito de família no contexto da pósmodernidade ii compreender o atual momento do Direito das Famílias iii analisar a monogamia no âmbito desse Direito de modo a desconstruir sua normatividade iv caracterizar as relações de poliamor como capazes de originar entidades familiares à luz da afetividade v selecionar os argumentos de Direito CivilConstitucional que permitam concluir que o poliamor pode dar origem a entidades familiares merecendo reconhecimento jurídico e vi posicionar as relações de poliamor no âmbito do Direito das Famílias de forma a delimitar de maneira precisa os contornos de sua proteção normativa Pelo fato de possuir natureza qualitativa a pesquisa busca descrever e interpretar a monogamia e o poliamor conferindolhes o devido tratamento jurídico Além disso inserese no grupo de técnicas e procedimentos metodológicos relacionados à pesquisa teórica porquanto prioriza a construção de conceitos específicos pertinentes à família à monogamia e ao poliamorismo procedendose à utilização de processos discursivos e argumentativos para a fundamentação das conclusões propostas A abordagem perpassa também por uma pesquisa documental consubstanciada na análise de conteúdo vez que se configura a partir do reexame de teorias visando à obtenção de novas interpretações por intermédio da inserção de construções doutrinárias em um contexto diferente propondose a supressão da força normativa da monogamia e o reconhecimento do poliamor como mecanismo capaz de originar entidades familiares Assim o procedimento de pesquisa se fundamenta na aplicação da tipologia jurídicoprospectiva passandose à exploração das premissas e condições relativas ao tema com o intuito de se propor tendências futuras acerca do reconhecimento jurídico de relações de poliamor Para tanto temse a necessidade de utilização de dados primários e de dados secundários bem como de fontes jurídicas tradicionais vigentes no sistema Novos tempos implicam uma nova noção jusfilosófica sobre o Direito Civil FARIAS ROSENVALD 2012 p 59 capaz de se adequar aos anseios de uma nova sociedade As influências do período histórico burguês e liberal em que o Direito Civil era concebido orientado tão somente para a tutela do patrimônio e fundado apenas na proteção da propriedade e da autonomia privada de cunho econômico que identificava o Código Civil como centro do sistema vão se dissipando de forma progressiva MORAES 2006a p 234 A dispersão da legislação esparsa sob a envergadura de estatutos especializados tidos como microssistemas legislativos tornou insustentável a defesa da centralidade do Código frente a esse verdadeiro polissistema que encontra agora na Constituição sua unidade sistemática e axiológica MORAES 2006a p 234235 Nesse sentido Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2012 p 59 inclusive estabelecem que a fonte primária do Direito Civil e de todo o ordenamento jurídico é a Constituição da República que confere uma nova feição à ciência civilista por intermédio de seus princípios e regras A partir da Constituição de 1988 diversos elementos fundamentais redirecionaram a jurisprudência a doutrina e a legislação razão pela qual o aprimoramento do Direito Civil das Famílias abrange o Direito Constitucional das Famílias Esse fenômeno significou no Brasil um novo cenário jurídico para o Direito Civil contemporâneo FACHIN 2013 p 56 O Código Civil perdeu o seu papel de constituição do Direito Privado na medida em que os textos constitucionais estabelecem princípios ligados a temas antes reservados de forma exclusiva ao Código Civil e à autonomia da vontade a função social da propriedade os limites da atividade econômica a organização da família ou seja matérias típicas de direito privado passam a integrar uma nova ordem pública constitucional HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 464 Os valores consagrados na Constituição marcam presença em todas as hipóteses do sistema normativo de forma que todas as normas infraconstitucionais devem refletir os princípios estatuídos pela Lex Fundamentalis sob pena de em virtude da falta de sintonia com o ordenamento serem consideradas inconstitucionais e terem sua validade arguida HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 464465 A funcionalização dos institutos clássicos do Direito Civil aos objetivos superiores estabelecidos na Constituição como se observa p ex na instrumentalização da entidade familiar ao livre desenvolvimento de seus membros tornouse uma consequência necessária do respeito obrigatório à hierarquia das fontes MORAES 2006a p 235 Nos dizeres de Paulo Lôbo 2012 p 49 a constitucionalização do Direito Civil é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil que passam a condicionar a observância pelos cidadãos e a aplicação pelos tribunais da legislação infraconstitucional pertinente Tratase de uma modificação na estrutura intrínseca dos institutos e conceitos fundamentais do Direito Civil conferindolhes nova roupagem e determinando a imprescindibilidade de uma redefinição de suas adjacências à luz da nova tábua valorativa determinada pela Lei Maior1 FARIAS ROSENVALD 2012 p 67 Mário Luiz Delgado 2011 p 240 assevera que Além do deslocamento de determinadas matérias do âmbito do Código Civil para a Constituição essa corrente também vem pregando a aplicação direta dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais positivados na Carta Magna à horizontalidade das relações privadas pungando inclusive pelo fim da oposição entre direito público e direito privado mesmo porque o direito deve visar a um objetivo único disciplinar a colaboração humana de modo que a todos possam ser asseguradas vida e existência dignas Como decorrência desse fenômeno qualquer interpretação do Direito Privado deve se utilizar necessariamente do filtro da Constituição2 A 1 Pietro Perlingieri 2008 p 2 ensina que A expressão revisão dos institutos do direito civil à luz da Constituição ainda que com certa dose de ambiguidade visa destacar não só que o objeto da interpretação com fins aplicativos seja o dispositivo infraconstitucional regulador de cada um dos institutos adequado ou conforme à norma constitucional mas também que o objeto da interpretação são as disposições infraconstitucionais integradas às normas constitucionais um em função dos outros e viceversa coordenados segundo a conhecida técnica de aplicação combinação de normas Técnica esta destinada a evitar que a Constituição seja lida e interpretada à luz da lei ordinária em uma espécie de direção hermenêutica de duas mãos precursora de grandes ambiguidades 2 Nesse sentido Pietro Perlingieri 2008 p 34 estabelece que o controle de conformidade da lei à Constituição é uma constante de toda interpretação que busque individualizar em um caso concreto a solução que deve ser coerente adequada razoável e correspondente à tábua dos valores normativamente relevantes presentes na Constituição Mesmo porque uma lex clara em seu texto ou dura na sua aplicação que esteja em contraste com os princípios normativos da Constituição é ilegítima teria uma ratio inconstitucional e não integraria a legalidade constitucional a que o intérprete está vinculado Poliamor e Direito das Famílias 21 nova passagem metodológica que busca compreender os institutos privados a partir da Constituição e também e eventualmente os mecanismos constitucionais a partir do Código Civil e da legislação infraconstitucional HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 473 Especificamente quanto ao Direito das Famílias Mário Luiz Delgado 2011 p 245 informa que Essa nova concepção hermenêutica fez com que as cortes constitucionais passassem a transformar radicalmente o direito civil impondo modificações profundas sobretudo em matéria de direito de família reconhecendo por exemplo igualdade entre cônjuges direitos aos filhos extramatimoniais direitos decorrentes de uniões de fato e até mesmo alguns direitos decorrentes de relações homossexuais No espaço familiar deve ser desenvolvida a personalidade de cada integrante dessa comunidade natural de agrupamento e de proteção de indivíduos cuja união se realiza por intermédio do sangue e da afeição tendo a Lex Fundamentalis o papel de assegurar a efetivação dos direitos e das liberdades fundamentais do homem MADALENO 2011 p 160 O Direito das Famílias passa por um processo de constitucionalização afastandose da concepção individualista tradicional conservadora e elitista da época das codificações do século passado Agora qualquer norma jurídica de direito das famílias exige a presença de fundamento de validade constitucional Essa é a nova tábua de valores da Constituição Federal especialmente no tocante à igualdade de tratamento dos cônjuges DIAS 2012 p 36 O modelo igualitário de família constitucionalizada contemporânea vai de encontro ao modelo autoritário do Código Civil de 1916 O consenso a solidariedade e o respeito à dignidade de seus membros são os fundamentos dessa grande mudança paradigmática LÔBO 2011 p 33 porque ganharam em sua essência uma regulamentação fundamental em sede constitucional Mesmo porque não se trata de um processo de publicização do Direito Civil que significa a transferência de matérias tradicionais de Direito Privado para a seara do Direito Público LÔBO 2012 p 50 Nesse mesmo sentido Luiz Edson Fachin 2003 p 7576 não obstante este fenômeno crescente de publicização e a constitucionalização do Direito de Família podese dizer que o conjunto de princípios e regras que dizem respeito à família ainda se enquadram no Direito Privado caso se queira manter esta distinção entre Direito Público e Direito Privado Entretanto há que se ressaltar na esteira dos ensinamentos de Pietro Perlingieri 2008 p 5 que a contraposição de privadopúblico se enfraquece estabelecendo uma nova formulação dos institutos e das instituições realçados pela igualdade e pela diferenciação mas notadamente pela solidariedade como função primária de um Estado moderno interpretação do Direito Civil deve ser feita apenas em conformidade com a Lei Maior que passa a exercer o papel de filtro axiológico pelo qual deve ser lido interpretado e aplicado o Código Civil DELGADO 2011 p 244 Esse novo conjunto de normas e princípios que regulam a vida privada e se referem à proteção da pessoa em suas mais variadas dimensões fundamentais desde os valores existenciais até os interesses patrimoniais integrados pela Constituição é definido como Direito CivilConstitucional FARIAS ROSENVALD 2012 p 67 Pietro Perlingieri 2008 p 01 um dos maiores civilistas do mundo divide os principais pressupostos teóricos da doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional resultado da aplicação do constitucionalismo contemporâneo ao movimento de produção legislativa e particularmente das codificações referese a à natureza normativa das constituições b à complexidade e ao caráter unitário do ordenamento jurídico e ao pluralismo das fontes do direito c a uma renovada teoria da interpretação jurídica com fins aplicativos Assim devese reconhecer o valor normativo e a supremacia dos princípios e das normas constitucionais que além de estipularem os fundamentos e as justificações de normatividade de valor interdisciplinar das institutições e institutos jurídicos indicam parâmetros de avaliação dos atos das atividades e das condutas como princípios de relevância normativa nas relações entre os sujeitos PERLINGIERI 2008 p 2 O sistema normativo é uno e complexo com os princípios constitucionais exercendo o papel de valores guias e assumindo uma função central na articulada pluralidade das fontes do Direito o que impossibilita a divisão do ordenamento jurídico em ramos autônomos e separados que não se comunicam entre si PERLINGIERI 2008 p 2 Além disso Pietro Perlingieri 2008 p 3 afirma ser preciso construir uma teoria da interpretação jurídica que não tenha natureza formalística e nem encontre fundamento no mecanismo lógicoteórico da subsunção do fato concreto à norma abstrata mas que seja capaz de oferecer uma interpretação das disposições normativas quanto à hierarquia das fontes e dos valores em uma acepção necessariamente sistemática e axiológica Por outro lado há que se ressaltar que o Direito Civil continuará sendo Direito Civil o Direito Constitucional continuará sendo Direito Constitucional3 Entretanto o Direito CivilConstitucional representa uma nova passagem metodológica que busca compreender os institutos privados a partir da Constituição e também e eventualmente os mecanismos constitucionais a partir do Código Civil e da legislação infraconstitucional HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 473 Especificamente quanto ao Direito das Famílias Mário Luiz Delgado 2011 p 245 informa que Essa nova concepção hermenêutica fez com que as cortes constitucionais passassem a transformar radicalmente o direito civil impondo modificações profundas sobretudo em matéria de direito de família reconhecendo por exemplo igualdade entre cônjuges direitos aos filhos extramatimoniais direitos decorrentes de uniões de fato e até mesmo alguns direitos decorrentes de relações homossexuais No espaço familiar deve ser desenvolvida a personalidade de cada integrante dessa comunidade natural de agrupamento e de proteção de indivíduos cuia união se realiza por intermédio do sangue e da afeição tendo a Lex Fundamentalis o papel de assegurar a efetivação dos direitos e das liberdades fundamentais do homem MADALENO 2011 p 160 O Direito das Famílias passa por um processo de constitucionalização afastandose da concepção individualista tradicional conservadora e elitista da época das codificações do século passado Agora qualquer norma jurídica de direito das famílias exige a presença de fundamento de validade constitucional Essa é a nova tábua de valores da Constituição Federal especialmente no tocante à igualdade de tratamento dos cônjuges DIAS 2012 p 36 O modelo igualitário de família constitucionalizada contemporânea vai de encontro ao modelo autoritário do Código Civil de 1916 O consenso a solidariedade e o respeito à dignidade de seus membros são os fundamentos dessa grande mudança paradigmática LÔBO 2011 p 33 porque ganharam em sua essência uma regulamentação fundamental em sede constitucional Mesmo porque não se trata de um processo de publicização do Direito Civil que significa a transferência de matérias tradicionais de Direito Privado para a seara do Direito Público LÔBO 2012 p 50 Nesse mesmo sentido Luiz Edson Fachin 2003 p 7576 não obstante este fenômeno crescente de publicização e a constitucionalização do Direito de Família podese dizer que o conjunto de princípios e regras que dizem respeito à família ainda se enquadram no Direito Privado caso se queira manter esta distinção entre Direito Público e Direito Privado Entretanto há que se ressaltar na esteira dos ensinamentos de Pietro Perlingieri 2008 p 5 que a contraposição de privadopúblico se enfraquece estabelecendo uma nova formulação dos institutos e das instituições realçados pela igualdade e pela diferenciação mas notadamente pela solidariedade como função primária de um Estado moderno 3Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2012 p 66 afirmam Não que institutos do Direito Civil tenham passado a constituir matéria de direito público mas sim são um valor conquistado com a dignidade humana representando um elemento constitutivo e caracterizador do direito positivo na medida em que a Constituição possui normatividade Como consequência a primazia dos valores da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais impossibilita que o Direito Civil se restrinja a uma concepção patrimonialista fundada ora sobre a centralidade da propriedade ora sobre a noção da empresa O Direito CivilConstitucional reconhece que a forte ideia do sistema não é somente o mercado mas também a dignidade da pessoa de uma perspectiva que tende a despatrimonializar o direito PERLINGIERI 2008 p 5 A proteção da família deve estar ligada necessariamente à tutela do indivíduo por meio dos princípios constitucionais razão pela qual desequilibrar a proteção da pessoa humana sob o argumento de proteger a organização familiar representa verdadeira subversão hermenêutica que viola a Lex Fundamentalis FARIAS ROSENVALD 2013 p 44 Daí se extrai a justificativa constitucional de que a proteção a ser conferida aos novos arranjos familiares tem como destinatária direta a pessoa humana merecedora de tutela especial capaz de garantir sua dignidade e igualdade FARIAS ROSENVALD 2013 p 47 Nesse sentido Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald8 2013 p 47 Grifo nosso ensinam que a proteção ao núcleo familiar tem como ponto de partida e de chegada a tutela da própria pessoa humana sendo descabida e inconstitucional toda e qualquer forma de violação da dignidade do homem sob o pretexto de garantir proteção à família Superamse em caráter definitivo os lastimáveis argumentos históricos de que a tutela da lei se justificava pelo interesse da família como se houvesse uma proteção para o núcleo familiar em si mesmo9 O espaço da família na ordem 8 Gustavo Tepedino 2008 p 295 Grifo nosso também se orienta de forma semelhante A família no direito positivo brasileiro é atribuída proteção especial na medida em que a Constituição entrevé o seu importantíssimo papel na promoção da dignidade humana Sua tutela privilegiada entretanto é condicionada ao atendimento desta mesma função Por isso mesmo o exame da disciplina jurídica das entidades familiares depende da concreta verificação do entendimento desse pressuposto finalístico merecerá tutela jurídica e especial proteção do Estado a entidade familiar que efetivamente promova a dignidade e a realização da personalidade de seus componentes 9 Em idêntica orientação Anderson Schreiber 2013 p 300 estabelece que não se pode ceder à tentação de enxergar o direito de família como um conjunto de normas destinado à proteção de entidades familiares quando seu objeto consiste em verdade nas relações de família ostentadas por cada pessoa humana cuja dignidade merece a mais jurídica se justifica como um núcleo privilegiado para o desenvolvi mento da pessoa humana A família contemporânea só pode ser compreendida como um ambiente de realização pessoal afetiva no qual os interesses patrimoniais perderam sua função de principal protagonista A repersonalização de suas relações revitaliza as entidades familiares em seus variados tipos ou arranjos LÔBO 2011 p 27 Tratase de um fenômeno que avança em todos os povos ocidentais revalorizando a dignidade humana e considerando a pessoa como o núcleo da tutela jurídica antes distorcida pela priorização dos interesses patrimoniais LÔBO 2011 p 28 A grande preocupação com os interesses patrimoniais que ganhou destaque no Direito de Família tradicional não encontra sintonia com a família de hoje sustentada por outros interesses de natureza pessoal ou humana reunidos por um elemento aglutinador e nuclear distinto a afetividade Esse elemento estabelece o suporte fático da família protegida pela Constituição conduzindo à repersonalização LÔBO 2011 p 26 Aliás a restauração da primazia da pessoa nas relações familiares com base na garantia da realização da afetividade é a condição principal de adequação do Direito à realidade LÔBO 2011 p 26 Como bem ressalta Paulo Lôbo 2011 p 26 a repersonalização não traduz um retorno ao individualismo liberal mesmo porque a entidade familiar nessa concepção deveria ser um objeto para a perpetuação das relações de produção existentes Pelo contrário completa Paulo Lôbo 2011 p 26 O desafio que se coloca ao jurista e ao direito é a capacidade de ver a pessoa humana em toda sua dimensão ontológica e não como simples e abstrato sujeito de relação jurídica A pessoa humana deve ser colocada como centro das destinações jurídicas valorizandose o ser e não o ter isto é sendo fator de medida do patrimônio que passa a ter função complementar Com efeito a repersonalização não significa um retorno ao individualismo do período liberal mas a afirmação da finalidade mais importante elevada proteção do ordenamento constitucional A família não deve ser enxergada como valor em si mas tão somente como comunidade funcionalizada à proteção e ao desenvolvimento da personalidade daqueles que a integram Maria Berenice Dias 2013 p 36 enumera algumas consequências desse fenômeno no regime jurídicofamiliar Procedeu o legislador constituinte ao alargamento do conceito de família calcado na nova realidade que se impôs emprestando juridicidade ao relacionamento existente fora do casamento Afastou da ideia de família o pressuposto do casamento identificando como família também a união estável entre um homem e uma mulher A família à margem do casamento passou a merecer tutela constitucional porque apresenta condições de sentimento estabilidade e responsabilidade necessários ao desempenho das funções reconhecidamente familiares Nesse redimensionamento passaram a integrar o conceito de entidade familiar as relações monoparentais um pai com os seus filhos Agora para a configuração da família deixou de se exigir necessariamente a exigência de um par o que consequentemente subtraiu de seu conceito a finalidade procriativa Paulo Lôbo 2011 p 3536 também realiza o mesmo exercício listando alguns efeitos provenientes da Constituição de 1988 que aumentou a proteção estatal à família promovendo grandes modificações a a proteção do Estado alcança qualquer entidade familiar sem restrições b a família entendida como entidade assume claramente a posição de sujeito de direitos e obrigações c os interesses das pessoas humanas integrantes da família recebem primazia sobre os interesses patrimonializantes d a natureza socioafetiva da filiação tornase gênero abrangente das espécies biológica e não biológica e consumase a igualdade entre os gêneros e entre os filhos f reafirmase a liberdade de constituir manter e extinguir entidade familiar e a liberdade de planejamento familiar sem imposição estatal g a família configurase no espaço de realização pessoal da dignidade humana de seus membros4 Exemplificando ainda os efeitos da constitucionalização do Direito Civil no âmbito da família Rolf Madaleno 2011 p 97 destaca i o art 227 da Constituição que abrange uma série de regras consideradas como direitos fundamentais orientadas à proteção das crianças e dos adolescentes ii o art 227 6º que proíbe qualquer discriminação entre os filhos e iii o art 229 que impõe o dever dos pais de assistir criar e educar os filhos menores Por fim mencionese que o fenômeno da constitucionalização caminho sem volta dentro da noção do Direito como ciência democrática possui relação direta com a tendência de valorização da pessoa humana denominada de repersonalização do Direito Civil HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 472472 movimento que será estudado a seguir 12 REPERSONALIZAÇÃO DO DIREITO DAS FAMÍLIAS A codificação civil liberal elegia como valor necessário para a realização da pessoa a propriedade em torno da qual giravam todos os demais interesses privados tutelados pelo Direito O patrimônio realizava o indivíduo Porém esse cenário ofuscava a pessoa humana que passou a representar um simples e formal polo de relação jurídica LÔBO 2012 p 59 A primazia da patrimonialização das relações civis não se mostra compatível com os valores fundados na dignidade da pessoa humana e adotados pela Constituição Dessa forma O desafio que se coloca aos civilistas é a capacidade de ver as pessoas em toda a sua dimensão ontológica e através dela seu patrimônio superando o individualismo proprietário da modernidade liberal e por igual do individualismo de massa do consumidor na contemporaneidade A restauração da primazia da pessoa humana nas relações civis é a condição primeira de adequação do direito aos fundamentos e valores constitucionais LÔBO 2012 p 59 Grifo nosso Não se pode considerar qualquer posição doutrinária que no passado enxergava em institutos do Direito das Famílias uma proteção supraindividual seja em razão de objetos políticos indo ao encontro de ideologias autoritárias seja por inspiração religiosa TEPEDINO 2008 p 394395 Ao se transformar em espaço de realização da afetividade humana a família marca a transição da função econômica política religiosa e procracional para essa nova função Tal contexto se amolda ao fenômeno jurídicosocial denominado de repersonalização das relações civis que valoriza o interesse da pessoa humana mais do que suas relações patrimoniais É a recusa da coisificação ou reificação da pessoa para ressaltar sua dignidade A família é o espaço por excelência da repersonalização do direito LÔBO 2011 p 22 Grifo nosso da família a concretização da afetividade pela pessoa no agrupamento familiar LÔBO 2011 p 29 Em linhas gerais portanto a repersonalização das relações familiares significa que as alterações em sua esfera possuem como objetivo fazer com que o Direito das Famílias passe a girar fundamentalmente em torno dos fenômenos humanos relacionados à seara afetiva espiritual e psicológica das pessoas envolvidas e não em torno de aspectos de natureza predominantemente patrimonial PEREIRA 2013a p 314 Traduz a valorização do interesse da pessoa humana na sua dimensão do ser em detrimento dos interesses e relações patrimoniais presentes em sua dimensão do ter Desse modo a família contemporânea apenas pode ser compreendida como um espaço de realização pessoal e afetiva em que os interesses patrimoniais perderam sua função de principais protagonistas GAMA 2008 p 126 É certo que a partir do momento em que o modelo hierárquico da família abriu espaço para sua democratização10 na qual as relações são muito mais de igualdade de respeito mútuo e de lealdade não há mais justificativas de natureza moral religiosa política física ou natural que autorizem à excessiva e indevida ingerência do Estado na vida das pessoas DIAS 2013 p 58 Entretanto a repersonalização do Direito das Famílias não é incompatível com a intervenção do Estado nas relações familiares principalmente aquela de natureza protetora tutelando sujeitos e reequilibrando as forças no âmbito da família A proibição se aplica à excessiva e nefasta ingerência do Estado no agrupamento familiar porque desarrazoada e desvinculada dos valores constitucionais que lhe deram causa 13 INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO NAS RELAÇÕES FAMILIARES O Direito das Famílias contemporâneo representa a expressão mais pura de uma relação jurídica privada submetida desse modo ao exercício da autonomia privada11 dos indivíduos Nesse cenário toda e qualquer ingerência estatal somente será legítima e justificável quando tiver como fundamento a proteção dos sujeitos de direito notadamente daqueles vulneráveis como a criança e o adolescente bem como a pessoa idosa FARIAS ROSENVALD 2013 p 157 Grifo nosso A intervenção mínima do Estado nas relações familiares portanto traduz a simples projeção da autonomia privada12 a elemento central das relações regidas pelo Direito Civil como corolário do reconhecimento da liberdade de atuação do titular na seara privada Com isso o Estado apenas deverá atuar nas relações privadas para assegurar garantias mínimas fundamentais ao titular FARIAS ROSENVALD 2013 p 157158 Tratase de um princípio expressamente consagrado pelo Código Civil que em seu art 1513 salienta ser proibido a qualquer pessoa de Direito Público ou de Direito Privado interferir na comunhão de vida instituída pela família A análise desse texto legal é muito bem realizada por Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 157 Notese que este dispositivo chama a atenção para o fato de que não só o Estado mas qualquer pessoa seja de direito público ou privado está impedida de interferir na comunhão de vida instituída pela família A proteção à privacidade familiar portanto é máxima somente comportando exceções se a intervenção for feita pelo Estado em tutela aos direitos fundamentais dos participantes da família e desde que expressamente prevista em lei Do contrário a liberdade afetiva ou em outros termos a comunhão plena de vida deve prevalecer Muito embora não mencione de maneira expressa o princípio da intervenção mínima do Estado nas relações familiares Maria Helena Diniz 11 Nesse momento vale ressaltar os ensinamentos de Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 153 registrese que a autonomia privada no campo familiar pode ser exercida de inúmeras formas a saber na liberdade de escolha e de extinção da entidade familiar liberdade de aquisição e administração do patrimônio familiar liberdade de planejamento familiar liberdade de formação dos filhos dentre outras 12 Em verdade é uma autonomia privada que não pode ser exercida de forma arbitrária mas em harmonia com a tábua axiológica estabelecida constitucionalmente Nesse sentido Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 110 Ao revés de um exercício individualista egocêntrico e excessivamente patrimonialista constatase que no Estado Democrático de Direito a autonomia privada deve estar sempre atenta aos direitos fundamentais estampados na Constituição Federal Por conta disso atribuise à autonomia privada uma função social funcionalização no sentido de que ela deve estar em conformidade com os valores que mais interessam à sociedade 2012 p 4445 ao constatar a intervenção do Estado no Direito das Famílias descreve uma atuação estatal protetora dos direitos e garantias dos componentes da entidade familiar criando condições para o livre exercício dos valores constitucionalmente consagrados A intervenção protetora do Estado então seria um elemento universal na medida em que o Poder Público de todas as nações visa à garantia da família tutelandoa evitando abusos possibilitando melhores condições de vida às novas gerações auxiliandoa a exercer seus poderes de forma benéfica criando órgãos sociais que a protegem DINIZ 2012 p 45 enfim garantindo o mínimo necessário para o exercício da liberdade com dignidade Anteriormente a atuação estatal nas relações familiares se mostrava bastante excessiva em especial por meio da edição de normas jurídicas limitadoras da vontade do titular O Estado adentrava as relações familiares com o objetivo de impor comportamentos padronizados que deveriam ser satisfeitos por todos os membros do grupo FARIAS ROSENVALD 2013 p 158 No entanto com a consagração constitucional da tutela à pessoa humana tornase impositiva a observância do movimento de limitação da presença do Estado nas relações de família respeitando a liberdade dos componentes das organizações familiares em uma clara demonstração de afirmação da autonomia privada no Direito das Famílias FARIAS ROSENVALD 2013 p 158 A partir da Constituição de 1988 a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas implicou que a autonomia privada perdesse sua natureza exclusivamente patrimonial típica do período do Estado Liberal passando a ganhar aplicação também em relações extrapatrimoniais como aquelas travadas no Direito das Famílias ALVES 2010 p 145 Isso significa que os membros das famílias podem desenvolver livremente seus projetos de vida familiar sendo ilegítima a intervenção do Estado quando a relação familiar é travada por pessoas livres e iguais O intervencionismo estatal se justifica apenas com o propósito de assegurar o exercício de liberdades FARIAS ROSENVALD 2013 p 158 Contudo a presença do Estadoadministração do Estadolegislador e do Estadojuiz na família não pode ser negada sendo até mesmo necessária em vários aspectos quando se deve garantir o cumprimento de princípios como o da igualdade embora a submissão das questões familiares internas ao debate judicial configure uma exposição da fratura do projeto parental FACHIN 2003 p 307 Além disso com a Constituição de 1988 houve uma verdadeira crise nas categorias jurídicas préconstitucionais que entraram em colisão com as categorias recémcriadas cuja finalidade precipua é a preservação da dignidade da pessoa humana o que culminou na revisão de regras e institutos do Direito Civil a partir de um movimento de despatrimonialização e de uma ênfase na pessoa humana compreendendo a dignidade como cerne do sujeito e das relações jurídicas PEREIRA 2012b p 179 A Lex Fundamentalis como menciona Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 145 trouxe um novo perfil para a família que permitiu que ela se tornasse uma instituição verdadeiramente democrática na qual a preocupação maior é com a felicidade pessoal dos seus membros com a implementação da sua dignidade com a realização dos seus direitos fundamentais motivo pelo qual ela deixa de ser uma entidade estatal e ganha contornos de entidade social célula básica da sociedade o que autoriza o exercício da autonomia privada no seu âmago Desse modo houve um aumento do campo de aplicação da autonomia privada que gerou consequências sobretudo no âmbito das relações familiares na medida em que são os membros da família que devem estabelecer seu próprio regramento de convivência PEREIRA 2012b p 179 O reconhecimento do afeto tem como consequência direta permitir o exercício da autonomia privada por parte dos membros da família Cada indivíduo em seu espaço familiar deve ter a liberdade para realizar sua própria dignidade da maneira que achar mais adequada sob pena de frustração de seu projeto pessoal de felicidade ALVES 2010 p 148 Envolta em nova roupagem e desempenhando um novo papel a família contemporânea não permite mais a ingerência do Estado em especial no que diz respeito à intimidade de seus membros PEREIRA 2012b p 182 Com efeito a intervenção estatal deve apenas tutelar a família e conferirlhe garantias inclusive de ampla manifestação de vontade e de que seus membros vivam em condições adequadas à manutenção do núcleo afetivo PEREIRA 2012b p 182 Isso porque o Estado não deve interferir no âmbito familiar sendo necessário assegurar um espaço íntimo para que seus próprios integrantes por intermédio do afeto busquem a própria felicidade desenvolvam sua personalidade e por conseguinte promovam a satisfação uns dos outros ALVES 2010 p 150151 Portanto o Direito das Famílias mínimo consubstancia um Direito das Famílias em que deve predominar como regra geral o exercício da autonomia privada dos integrantes de uma família porquanto apenas dessa maneira será possível assegurarlhes efetivamente a concretização dos seus direitos fundamentais e a promoção de sua personalidade ALVES 2010 p 153 Por óbvio essa mínima intervenção do Estado no seio familiar deve estar regida pelo respeito à dignidade das pessoas não sendo possível determinar condutas atentatórias à liberdade de autodeterminação humana13 A regra geral é o reconhecimento da autonomia privada propiciando aos indivíduos o cultivo e o desenvolvimento das relações afetivas da forma que mais lhe interessar FARIAS ROSENVALD 2013 p 158 Com efeito Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 158159 ensinam que o Estado não deve se imiscuir no âmago familiar mantendo incólume o espaço de autodeterminação afetiva de cada pessoa humana componente do núcleopermitindo a busca da realização plena e da felicidade através das opções e comportamentos É o que se convencionou chamar de família eudemonista com os seus membros buscando a felicidade plena Até porque a presença excessiva estatal na relação familiar pode asfixiar a autonomia privada restringindo a liberdade das pessoas Destarte é preciso reconhecer a abolição definitiva da indevida e excessiva intervenção do Estado nas relações familiares impedindo sua intromissão em aspectos personalíssimos da vida privada que se referem apenas à vontade e à liberdade de autodeterminação do próprio titular como expressão mais pura de sua dignidade O Estado se afasta de uma ambientação que não lhe diz respeito FARIAS ROSENVALD 2013 p 159 Em resumo portanto o Estado somente deve interferir nas entidades familiares para efetivar a promoção dos direitos e garantias especialmente os fundamentais dos seus componentes assegurando a dignidade FARIAS ROSENVALD 2013 p 159 Em outras palavras a intervenção estatal justificase apenas como uma função instrumental para constituir meio garantidor de realização pessoal de seus membros PEREIRA 2012b p 183184 13 Mesmo porque o Estado não pode pretender dominar as relações familiares devendo permitir o exercício da liberdade afetiva por parte de seus integrantes ALVES 2010 p 151 Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 154 também se posiciona da mesma forma Em verdade o Estado somente deve interferir no âmbito familiar para efetivar a promoção dos direitos fundamentais dos seus membros como a dignidade a igualdade a liberdade a solidariedade etc e contornando determinadas distorções permitir o próprio exercício da autonomia privada dos mesmos o desenvolvimento da sua personalidade e o alcance da felicidade pessoal de cada um deles bem como a manutenção do núcleo afetivo Em outras palavras o Estado apenas deve utilizarse do Direito de Família quando essa atividade implicar uma autêntica melhora na situação dos componentes da família Essa é a concepção do princípio da intervenção mínima no âmbito do Direito das Famílias a intervenção do Estado nas relações familiares só deve ocorrer de forma excepcional em situações extremas como ultima ratio na medida em que deve prevalecer a regra geral da liberdade dos integrantes da família ALVES 2010 p 153 Por fim vale ratificar que a mínima intervenção do Estado nas relações familiares é um verdadeiro princípio norteador do Direito das Famílias nos termos dos ensinamentos do professor Rodrigo da Cunha Pereira14 2012b p 178 Em verdade como diz o aludido autor O desafio fundamental para a família e das normas que a disciplinam é conseguir conciliar o direito à autonomia e à liberdade de escolha com os interesses de ordem pública que se consubstancia na atuação do Estado apenas como protetor Esta conciliação deve ser feita por meio de uma hermenêutica comprometida com os princípios fundamentais do Direito de Família especialmente o da autonomia privada desconsiderando tudo aquilo que põe o sujeito em posição de indignidade e o assujeite ao objeto da relação ou ao gozo de outrem sem o seu consentimento PEREIRA 2012b p 189 14 Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 150 também identifica a intervenção mínima nas relações familiares como um princípio do Direito das Famílias O autor inclusive aduz que a nova lei de adoção Lei n 12010 de 3 de agosto de 2009 consagrou expressamente o princípio da intervenção mínima do Estado nos moldes aqui propostos ao tratar dos princípios que regem a aplicação das medidas específicas de proteção aos menores de idade no artigo 100 parágrafo único inciso VII do Estatuto da Criança e do Adolescente Além disso Leonardo Alves 2010 p 155156 destaca o art 1513 do Código Civil que proíbe a interferência de qualquer pessoa na comunhão de vida instituída pela família como outro instrumento consagrador da intervenção mínima no Direito das Famílias Como decorrência do fenômeno da constitucionalização pelo qual o Direito Civil vem passando nos últimos anos a função a ser realizada pela família tornouse mais nítida sendo possível concluir pela ocorrência de uma inafastável repersonalização5 de forma que a própria pessoa humana em sua dimensão existencial e familiar passa a ser a especial destinatária das normas de Direito das Famílias GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 63 Em sentido contrário ao patrimonialismo dos códigos oitocentistas que orientou o ordenamento jurídico brasileiro nos últimos séculos buscase recolocar o ser humano e os valores existenciais no centro da ordem jurídica6 considerando que a pessoa humana é o valor que deve nortear todo e qualquer ramo do Direito notadamente o Direito Civil DELGADO 2011 p 243 As influências oriundas das mudanças socioeconômicas mundiais tiveram como resultado inevitável a repersonalização das atuais relações familiares que se encontra em estágio bastante avançado em contraste com a família da sociedade préindustrial Hoje se dá maior relevância à liberdade e à igualdade entre os membros da entidade familiar em detrimento do patriarcado LISBOA 2013 p 31 De acordo com a antropóloga Cynthia Andersen Sarti 2000 p 43 o amor o casamento a família a sexualidade e o trabalho antes vividos a partir de funções preestabelecidas passam a ser compreendidos como parte de um projeto no qual a individualidade conta decisivamente e adquire importância social crescente A repersonalização contemporânea das relações familiares evidencia o roteiro de afirmação da pessoa humana como objetivo central do Di 25 reito LÔBO 2011 p 25 A família deve existir em função dos seus membros e não o contrário GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 63 O fenômeno da repersonalização7 é extraído do princípio da dignidade da pessoa humana fundamento da República previsto expressamente no art 1º inc III da Constituição Ele vai ao encontro da longa história da emancipação humana no sentido de recolocar o indivíduo como centro do Direito Civil passando o patrimônio para o papel de coadjuvante nem sempre imprescindível HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 489 A dignidade humana valor mais importante da ordem jurídica brasileira determina o reconhecimento da elevação do ser humano ao vértice de todo o sistema jurídico de modo que as normas são feitas para a pessoa e para a sua realização existencial devendo assegurar um mínimo de direitos fundamentais que sejam capazes de lhe possibilitar vida com dignidade FARIAS ROSENVALD 2012 p 160 Nesse sentido Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2012 p 94 sobreleva reconhecer como incontroversa tendência do Direito Civil especialmente a partir de sua compreensão na legalidade constitucional a repersonalização da ciência privada voltando a pessoa humana a ser a grande referência do Direito Civil só que desta feita conferindose maior relevância à promoção da inderrogável dignidade da pessoa humana Com efeito a pessoa humana mais do que simples titular de negócios e bens jurídicos passa a ser o centro epistemológico do Direito Civil a ratio essendi da ciência privada que passa a ter como finalidade a afirmação de sua dignidade Uma das consequências dos pressupostos teóricos da doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional de Perlingieri 2008 p 5 diz respeito ao reconhecimento de que de acordo com o moderno constitucionalismo e os tratados internacionais o indivíduo e seus direitos fundamentais 5 Qual o motivo de se falar em repersonalização do Direito das Famílias e não em personalização Isso porque a repersonalização contemporânea das relações familiares retoma a trajetória da afirmação da pessoa humana como finalidade central do Direito como ensina Paulo Lôbo 2011 p 25 No mundo antigo o conceito romano de humanitas era o da natureza compartilhada por todos os seres humanos No Digesto 1 5 2 encontrase o famoso enunciado hominum causa ius constitutum sit todo direito é constituído por causa dos homens Essa centralidade na pessoa humana foi acentuada na modernidade desde seu início principalmente com o iluminismo despontando na construção grandiosa dos direitos humanos fundamentais e do conceito de dignidade da pessoa humana 6 Vale ressaltar que Maria Celina Bodin de Moraes 2008 p 30 Grifo nosso elenca como características essenciais do Direito CivilConstitucional a prevalência das situações existenciais em relação às situações patrimoniais ou a subordinação destas àquelas a preocupação com a historicidade e a relatividade na interpretaçãoaplicação do direito a prioridade da função dos institutos jurídicos em relação à sua estrutura 7 Vale selecionar algumas tendências destacadas por Paulo Lôbo 2012 p 6061 oriundas da repersonalização das relações civis que repercutem diretamente no Direito das Famílias a a aplicação crescente pela jurisprudência dos tribunais do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento para solução dos conflitos c os direitos da personalidade entendidos como inatos ao conceito de pessoa e a ampla utilização de princípios cláusulas gerais e conceitos indeterminados a permitir a humanização efetiva das soluções jurídicas a partir das situações concretas h o respeito às diferenças i a concepção da família como espaço de convivência socioafetiva e de realização das dignidades de seus membros j a revisão dos conceitos e categorias do direito sucessório no sentido de sua função social e da realização do princípio da solidariedade 14 TRAJETÓRIA DA FAMÍLIA Fonte de exclusão as relações familiares começaram a ser reinventadas para originar um espaço de afeto solidariedade e mútua constituição de uma história comum no qual a realização das individualidades se exterioriza na paixão e amadurece no amor que une e elimina barreiras É a tentativa de superar essa discriminação histórica e cultural sem gerar aniquilamentos ou supremacia FACHIN 2003 p 116117 Destarte a trajetória da família é outro elemento importante para se definir as atuais características da família pósmoderna no intuito de enquadrar o poliamor em seu âmbito de possibilidade Antes de qualquer consideração acerca dessa trajetória é importante mencionar o que se entende por uma sociedade pósmoderna a qual é delineada por elementos de reflexões críticas a respeito da insuficiência dos paradigmas desenvolvidos e instituídos pela modernidade ocidental BITTAR 2008 p 131 No que se refere à conceituação do termo pósmodernidade de acordo com os ensinamentos do professor Eduardo Carlos Bianca Bittar 2008 p 131 a expressão é polêmica e não traduz nenhum consenso assim como seu uso não somente é contestado como também se associa a diversas reações ou a concepções divergentes A literatura a respeito do tema é pródiga mas as interpretações do fenômeno são as mais divergentes A despeito de toda essa discussão para o presente trabalho se mostra suficiente identificar apenas a primeira característica da pósmodernidade BITTAR 2008 p 132 que é justamente a incapacidade de gerar consensos Em resumo falase portanto de uma sociedade contemporânea que seja objeto e ao mesmo tempo protagonista de um processo de modificações Trazendo esses conceitos para o regime jurídicofamiliar tratase de um período de ausência de uniformidade acerca da definição da família espaço no qual há muito tempo paradigmas como o matrimônio a união de pessoas de sexos diferentes e a filiação biológica vêm sendo questionados Ciente disso cumpre analisar o desenvolvimento histórico da família bem como sua perspectiva pósmoderna o que conferirá subsídios para a compreensão do poliamor como uma identidade relacional que merece proteção do Direito 141 Desenvolvimento Histórico A descrição histórica da família possui diversos significados Dependendo do entendimento da expressão p ex os primeiros grupamentos humanos podem ser considerados organizações familiares porquanto a reunião de pessoas com a finalidade de formação de uma coletividade de proteção recíproca produção eou reprodução já propiciava o desenvolvimento do afeto e da busca da completude existencial GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 46 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 2012 p 47 ressaltam que Se o nosso conceito genérico de família é de um núcleo existencial integrado por pessoas unidas por um vínculo socioafetivo teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes a formação de grupamentos em sociedades antigas já permitiria realizar algumas finalidades ainda que rudimentares como a de produção o trabalho conjunto para satisfação das necessidades básicas de subsistência a de reprodução preocupação procricional na formação de descendência e a de assistência defesa contra inimigos e seguro contra a velhice Entretanto a migração de um período de satisfação individual das necessidades básicas de comida bebida sono e sexo para a construção de um conglomerado de pessoas que se identificassem reciprocamente como integrantes de uma efetiva coletividade e não de um mero agrupamento de individualidades representou a base para o reconhecimento de uma família GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 47 Antes da formação da família romanista as tentativas de verificação histórica se embasam em duas interpretações FACHIN 2003 p 56 A primeira não tradicional enxerga a família originária como uma família comunal traduzida em uma comunidade sem restrições de parentesco e sem a autoridade central do pai um modelo de família que se encerra com a formação do Estado e com o estatuto da propriedade privada FACHIN 2003 p 56 Encontra nos períodos mais primitivos a presença do matriarcado o parentesco da linhagem feminina que não derivava exclusivamente da supremacia abstrata da mulher mas sim de uma circunstância bastante concreta na medida em que era a mulher quem se ocupava da organização familiar e da economia doméstica FACHIN 2003 p 56 Por seu turno outra interpretação de forma contrária toma o fato apreendido no mundo jurídico sem se utilizar da história e da sociologia da família FACHIN 2003 p 56 Certo é que a partir do momento em que o Direito e o Estado se apropriam sob a autoridade masculina da ordem das ideias o parentesco da linhagem feminina acaba por ruir sendo substituído pela agrupação em torno da instituição que tem como chefe senhor e sacerdote o pai e marido dando origem ao pátrio poder FACHIN 2003 p 57 Deixando de lado as discussões sobre um modelo inicial único patriarcal ou matriarcal monogâmico ou poligâmico de família devese reconhecer que na Antiguidade os núcleos familiares eram formados não por meio da afetividade mas sim da instintiva luta pela sobrevivência independentemente da geração de uma relação de afeto GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 49 A análise dos registros históricos dos monumentos literários e dos fragmentos jurídicos demonstra que a família ocidental viveu um grande período sob a forma patriarcal Assim foi reconhecida nas civilizações mediterrâneas nas civilizações romanas e nas documentações bíblicas PEREIRA 2013a p 30 Em Roma a família era estruturada a partir do princípio da autoridade e abrangia todos aqueles que a ela estavam submetidos sendo organizada também em razão da ideia religiosa O pater era ao mesmo tempo chefe político sacerdote e juiz Comandava oficiava o culto dos deuses domésticos penates e distribuía justiça Exercia sobre os filhos direito de vida e de morte ius vitae ac necis podia imporlhes pena corporal vendêlos tirarlhes a vida A mulher vivia in loco filiae totalmente subordinada à autoridade marital in manu mariti nunca adquirindo autonomia pois que passava da condição de filha à de esposa sem alteração na sua capacidade não tinha direitos próprios PEREIRA 2013a p 31 A família era orientada como uma unidade econômica política militar e religiosa comandada sempre por um indivíduo do sexo masculino o pater familias que era o ascendente mais velho de determinado núcleo reunindo os descendentes sob sua absoluta autoridade GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 50 Pouco importando a idade ou a convoção de matrimônio todos os descendentes continuavam a lhe dever respeito e obediência permanecendo o pater como o chefe do agrupamento familiar até seu falecimento GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 50 Nessa época o critério predominante na estipulação do parentesco não era a consanguinidade mas a sujeição ao pater familias GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 51 Luiz Edson Fachin 2003 p 63 reúne as principais características da família romana a a família como unidade política jurídica e religiosa b a família como estrutura análoga a do Estado c a família romana centrada na figura do pater familias d estado monogâmico e exogâmico ou seja as relações pessoais também passam a ser privadas e é proibido o incesto e a família patriarcal na qual a esposa e os filhos eram considerados incapazes Ao longo do tempo as regras severas do Direito Romano foram sendo alvo de flexibilizações Houve o surgimento do casamento sine manu e às necessidades militares impulsionaram a criação de patrimônio independente para os filhos constituído pelos bens adquiridos como soldados recebidos no exercício de atividades intelectuais artísticas ou funcionais ou havidos de forma diversa PEREIRA 2013a p 31 A partir do século IV com o Imperador Constantino o Direito Romano passa a vivenciar uma concepção cristã de família em que as preocupações de natureza moral preponderam com base na inspiração do espírito de caridade sacrificando parte da autoridade do pater familias mas conservando seu caráter autocrático PEREIRA 2013a p 3132 Ao longo da Idade Média as relações familiares eram reguladas exclusivamente pelo Direito Canônico sendo o casamento religioso o único conhecido Ainda que as normas romanas continuassem a desempenhar grande influência quanto ao pátrio poder e às relações patrimoniais entre os cônjuges era possível notar a crescente presença de diversas regras de origem germânica GONÇALVES 2010 p 32 Em sua evolução pósromana a entidade familiar recebeu influência do Direito Germânico de forma a abranger a espiritualidade cristã e a reduzir o grupo familiar aos pais e filhos assumindo caráter sacramental PEREIRA 2013a p 32 Com a derrocada do Império Romano e o crescimento do Cristianismo houve uma gradativa modificação do significado da família GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2013 p 51 Enquanto a família pagã romana consistia em uma unidade com multiplicidade funcional a família cristã se desenvolveu com base em um modelo patriarcal concebido como célula básica da Igreja e por conseguinte da sociedade GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2013 p 51 Baseada essencialmente no matrimônio que de situação de fato foi alçado à condição de sacramento tal modelo se tornou hegemônico na sociedade ocidental passando da Antiguidade para a Idade Média até chegar à Idade Moderna marginalizando potencialmente outras modalidades de composição familiar GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2013 p 51 Vale ressaltar que com o advento do cristianismo houve uma evolução da ideia de renúncia às relações sexuais completas e mistas em favor do casamento bem como a negação da institucionalização do divórcio e à realização de um segundo matrimônio salvo no caso de morte de um dos cônjuges ou da existência do adultério Com isso mostrouse presente a valorização da família constituída por intermédio do casamento LISBOA 2013 p 26 A família cristã representou o formato dominante por séculos até que com a chegada da Revolução Industrial em meados do século XVIII15 uma nova alteração começou a se efetivar nas entidades familiares visto que sua visão clássica centrada no pai de família como líder espiritual e provedor necessário do lar sofreu grande abalo com os novos anseios da coletividade GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2013 p 51 Na Idade Contemporânea a família variou em razão do regime econômico do período histórico Com isso na sociedade eminentemente agrária em que o trabalho era realizado pela célula familiar a autoridade dos pais era preservada assim como a convivência entre pais e filhos e própria unidade da família NADER 2011 p 1112 Em uma sociedade conservadora para obterem a devida aceitação social e o reconhecimento jurídico os vínculos afetivos precisavam ser raticados pelo matrimônio A família representava uma verdadeira comunidade rural composta por todos os parentes significando uma unidade de produção com amplo incentivo à procriação DIAS 2013 p 28 Como a família traduzia uma entidade patrimonializada seus integrantes consistiam em força de trabalho O crescimento da família implicava melhores condições na sobrevivência de todos A organização familiar era dotada ainda de um perfil hierarquizado e patriarcal DIAS 2013 p 28 15 Ressaltese entretanto que o modelo clássico da família influenciado pelo Direito Romano ainda encontrou ressonância no Código Civil francês de 1804 Retomamse mais tarde essas fontes e em torno do Código Civil francês de 1804 se compôs o modelo clássico a família patriarcal e hierarquizada FACHIN 2003 p 65 Portanto na época precedente à Revolução Industrial a família desempenhava em conjunto a sua atividade de trabalho Ao redor do chefe da família estavam os colaboradores de ofício quais sejam a mulher e seus filhos LISBOA 2013 p 26 Com a Revolução Industrial houve um aumento da necessidade de mão de obra de forma que a mulher ingressou no mercado de trabalho16 deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família DIAS 2013 p 28 Com a utilização das máquinas o trabalho artesanal de natureza tipicamente familiar não conseguiu concorrer com a produção fabril razão pela qual houve uma marcante redução da renda artesanal e os membros da família tiveram que procurar outras fontes de renda trabalhando nas fábricas LISBOA 2013 p 26 Uma gradual repersonalização das relações familiares estava por acontecer com enfoque na saída da mulher de sua casa para o exercício da jornada de trabalho e na quebra do ciclo de continuidade da atividade paterna pelos filhos que passaram a desempenhar outros modelos de labor LISBOA 2013 p 26 A estrutura da família se modificou tornandose nuclear restrita ao casal e à sua prole Houve o término da predominância do seu caráter produtivo e reprodutivo A família saiu do campo para as cidades e passou a conviver em espaços menores o que levou à aproximação de seus integrantes sendo mais relevante o vínculo afetivo que os envolve Surge a concepção da família formada por laços afetivos de carinho de amor DIAS 2013 p 28 No direito moderno a família passou de uma organização autocrática para uma orientação democráticoafetiva O núcleo de sua constituição trasladouse do princípio da autoridade para o princípio da compreensão e do 16 Nesse momento vale mencionar um trecho da palestra da antropóloga Helen Fisher 2006 Tradução nossa que aborda a questão da entrada da mulher no mercado de trabalho Eu pesquisei entre 130 e 150 sociedades por meio dos dados demográficos da ONU e em 129 de 130 dessas sociedades as mulheres não estão apenas entrando no mercado de trabalho mas estão lentamente diminuindo o abismo entre homens e mulheres em termos de poder econômico saúde e educação É um processo muito lento mas de fato as mulheres estão retornando ao mercado de trabalho Eu digo retornando pois esse fenômeno não é novo Por milhões de anos em algumas regiões da África as mulheres se juntavam e faziam a colheita de legumes Elas retornavam às suas casas com cerca de 60 ou 80 da refeição noturna A família com duplo provimento era o padrão As mulheres eram vistas tão poderosas econômica social e sexualmente quanto os homens Em resumo estamos na verdade avançando para o passado amor As relações de parentesco substituiram o fundamento político pela vinculação biológica da consanguinidade PEREIRA 2013a p 32 A dispersão mundial de um novo modelo econômico a partir do século XX abalou as bases da família como instituição dando início ao fim da concepção uniforme e conservadora de um único formato de família Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 2012 p 52 elencam alguns acontecimentos que corroboraram para essa mudança A formação dos grandes centros urbanos a revolução sexual o movimento feminista a disseminação do divórcio como uma alternativa moralmente válida a valorização da tutela da infância juventude e terceira idade a mudança de papéis nos lares a supremacia da dignidade sobre valores pecuniários o reconhecimento do amor como elo mais importante da formação de um LAR Lugar de Afeto e Respeito tudo isso e muito mais contribuiu para o repensar do conceito de família na contemporaneidade A sociedade avançou sob a égide de novos valores e o desenvolvimento científico alcançou limites nunca antes imaginados Nesse cenário tornouse necessária a preocupação com a tutela da pessoa humana ruindo o império do ter e sobressai ndo a proteção do ser FARIAS ROSENVALD 2013 p 40 Os novos valores que permeiam a sociedade contemporânea rompem de forma definitiva com a percepção tradicional da família A estrutura da sociedade moderna determina um arranjo familiar descentralizado democrático igualitário e desmatrimonializado A finalidade principal da família passa a ser a solidariedade social bem como as outras condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso do homem com a organização familiar regida pelo afeto como mola propulsora FARIAS ROSENVALD 2013 p 4041 Desse modo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 41 ensinam de maneira precisa que a família tem o seu quadro evolutivo atrelado ao próprio avanço do homem e da sociedade17 mutável de acordo com as novas conquistas da humanidade e descobertas científicas não sendo crível nem admissível que esteja submetida a ideias estáticas presas a valores pertencentes a um passado distante nem a suposições incertas de um futuro remoto É realidade viva adaptada aos valores vigentes18 Dessa forma é possível perceber que progressivamente com o surgimento do desenho de afeto no âmbito dos fatos a família se insere em uma trajetória de direitos subjetivos de espaço de poder se volta para o terreno da liberdade do direito de ser ou de estar e como quer ser ou estar FACHIN 2003 p 6 142 Família PósModerna A partir da década de 60 o feminismo e os movimentos de liberação sexual ganhando feição revolucionária realizaram um grande ataque contra a noção de família então compreendida como um modelo centrado no matrimônio e na submissão inclusive jurídica da mulher e dos filhos ao poder patriarcal SCHREIBER 2013 p 298 Ao contrário da anunciada abolição da família as décadas seguintes presenciaram com perplexidade um movimento em que as antigas vítimas do modelo dominante mulheres crianças homossexuais etc passaram a pleitear não a ruptura com toda e qualquer perspectiva de família mas o reconhecimento de uma nova visão plural e igualitária do espaço familiar SCHREIBER 2013 p 298 A família contemporânea é sustentada pela solidariedade pela cooperação e pelo respeito à dignidade de cada um de seus componentes que se obrigam de forma recíproca em uma comunidade de vida LÔBO 2011 p 27 Fundase portanto a família pósmoderna em sua feição jurídica e socio lógica no afeto na ética na solidariedade recíproca entre os seus membros e na preservação da dignidade deles Estes são os referenciais da família contemporânea FARIAS ROSENVALD 2013 p 41 Grifo nosso Do avanço tecnológico científico e cultural decorre a supressão de fronteiras construídas pelo sistema jurídicosocial clássico possibilitando a formação de uma família contemporânea plural aberta multifacetária favorável às influências da nova sociedade que abrange consigo uma série de necessidades universais FARIAS ROSENVALD 2013 p 42 18 Essa é a mesma orientação de Luiz Edson Fachin 2003 p 49 Parece inegável que a família como realidade sociológica apresenta na sua evolução histórica desde a família patriarcal romana até a família nuclear da sociedade industrial contemporânea íntima ligação com as transformações operadas nos fenômenos sociais A passagem da família como uma unidade econômica para uma compreensão igualitária orientada para a promoção do desenvolvimento da personalidade de seus membros ratifica uma nova feição agora fundada no afeto19 Seu novo balizamento faz refletir um espaço privilegiado para que os seres humanos se complementem e se completem Tratase de um núcleo privilegiado para o desenvolvimento da personalidade do homem FARIAS ROSENVALD 2013 p 42 Como bem ressaltam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 42 afirmase um caráter instrumental sendo a família o meio de promoção da pessoa humana e não a finalidade almejada Deixando de lado seu entendimento como núcleo econômico e reprodutivo a família caminhou para uma compreensão socioafetiva como exteriorização de uma unidade de afeto e entreajuda o que teve como consequência o surgimento natural de novos arranjos familiares O casamento não é mais o ponto referencial necessário mas sim a busca da proteção e o desenvolvimento da personalidade do homem É a busca da dignidade humana dominando valores meramente patrimoniais FARIAS ROSENVALD 2013 p 43 Houve portanto uma alteração no conceito de unidade familiar antes construído pela aglutinação formal de pais e filhos legítimos embasada no casamento para um conceito flexível e instrumental que tem como objetivo a ligação substancial de pelo menos um dos genitores com seus filhos tendo como origem não apenas o casamento e é integralmente orientado para a realização espiritual e o desenvolvimento da personalidade de seus membros TEPEDINO 2008 p 422 A contemporaneidade possibilitou o entendimento da família como uma organização subjetiva fundamental para o alcance individual da felicidade Além da família tradicional fundada no casamento outros modelos familiares cumprem a função que a sociedade contemporânea atribuiu à família entidade de transmissão da cultura e formação da pessoa humana digna FARIAS ROSENVALD 2013 p 43 A família deve ser compreendida como um verdadeiro sistema democrático substituindo o caráter centralizador e patriarcal por um espaço aberto ao diálogo entre os seus componentes em que a confiança recíproca é sempre buscada Essa democratização20 da intimidade e do cenário familiar pode ser sustentada a partir da nova tábua axiomática do Direito Civil com a promoção dos princípios da dignidade da pessoa humana da solidariedade social e da isonomia substancial FARIAS ROSENVALD 2013 p 4344 Nesse sentido Maria Berenice Dias 2013 p 42 constata a existência de uma verdadeira democratização dos sentimentos em que o respeito mútuo e a liberdade individual são preservados Cada vez mais é atribuído o direito de escolha às pessoas podendo transitar de uma comunidade de vida para outra que lhe seja mais atrativa e gratificante Maria Celina Bodin de Moraes 2008 p 36 ensina que na família democrática não há direitos sem responsabilidades bem como autoridade desprovida de democracia A democratização no contexto da família implica segundo Giddens que a propõe alguns pressupostos igualdade respeito mútuo autonomia tomada de decisão através da comunicação resguardo da violência e integração social Nesta família democrática distribuise igualmente o poder de decisão com relacionamentos saudáveis entre seus membros todos com iguais e adequadas oportunidades de falar e capazes e interessados em ouvir O adjetivo democrático diz respeito à rejeição de qualquer discriminação e preconceito à liberdade de decidir o curso da própria vida e ao direito de protagonizar igual papel ao forjar um destino comum A família democrática é aquela na qual a dignidade das pessoas que a compõem é respeitada incentivada e tutelada A família dignificada ou seja aquela compreendida pelo conceito de dignidade é necessariamente uma família democratizada MORAES 2008 p 36 20 Isso é tão importante para a sociedade que a antropóloga Cynthia Andersen Sarti 2000 p 48 constata que a experiência de democratização da vida cotidiana familiar refletese no plano da cidadania ao prover os indivíduos de recursos para participar democraticamente na esfera pública a partir da internalização do princípio da autonomia que potencializa sua capacidade de discernir julgar e escolher A proteção da entidade familiar deve estar obrigatoriamente ligada à tutela do indivíduo por meio dos princípios da Constituição Por isso desnivelar a proteção da pessoa humana sob o argumento de proteger a instituição familiar é cometer gravíssima subversão hermenêutica violando frontalmente o comando constitucional FARIAS ROSENVALD 2013 p 44 Grifo nosso Desse modo Gustavo Tepedino 2008 p 422 ensina que a família embora tenha ampliado com a Carta de 1988 o seu prestígio constitucional deixa de ter valor intrínseco como instituição capaz de merecer tutela jurídica pelo simples fato de existir passando a ser valorada de maneira instrumental tutelada na medida em que e somente na exata medida em que se constitua em um núcleo intermediário de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da dignidade de seus integrantes À luz das relações jurídicas da família na pósmodernidade fica claro perceber a existência de um aumento da dimensão familiar abrangendo valores e vivências subjetivas formando um diálogo importante com os ramos do conhecimento adquirindo um caráter plural aberto e multifacetado de forma a se fundar no afeto e na solidariedade recíproca FARIAS ROSENVALD 2013 p 44 Por sua vez Roberto Senise Lisboa 2013 p 31 destaca uma característica fática importante da entidade familiar pósmoderna A reunião de toda a família durante o dia tornase cada vez mais complicada quase impossível em especial nos grandes centros urbanos o que repercute no regime jurídicofamiliar Nos raros momentos em que a família pósmoderna consegue se reunir pouco dialoga cercandose de outros atrativos que cada membro considera mais interessantes como televisão internet música etc LISBOA 2013 p 31 A sociedade da informação possibilita uma maior interação de cada componente da família com a coletividade local regional nacional e transnacional ao mesmo tempo em que constrói verdadeiros espaços de privacidade das pessoas da família que vivem na mesma casa A família pósmodema interage com menor intensidade que a préindustrial porém as funções dos seus membros encontramse redimensionadas em face da igualdade de direitos entre o homem e a mulher e da não discriminação entre os filhos LISBOA 2013 p 31 Portanto almejase hoje a garantia dos direitos da personalidade de cada membro do núcleo familiar pouco importando o papel que exerce 30 seja genitor ou genitora filho havido ou não havido do casamento etc LISBOA 2013 p 31 Maria Berenice Dias 2013 p 42 ressalta a perspectiva pluralista da família pósmoderna aduzindo que É necessário ter uma visão pluralista da família abrigando os mais diversos arranjos familiares devendose buscar o elemento que permite enlacar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade independentemente de sua conformação O desafio dos dias de hoje é achar o toque identificador das estruturas interpessoais que autorize nominála como família Esse referencial só pode ser identificado no vínculo que une seus integrantes O traço diferenciador da família pósmoderna é o afeto de forma que ela pode ser conceituada como uma organização ou grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade DIAS 2013 p 42 Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 146 inclusive estabelece que a família pósmoderna tem como uma de suas principais marcas o afeto sem o qual ela não existe ainda que haja formalmente um vínculo jurídico ligando determinados indivíduos Assim Maria Berenice Dias 2013 p 43 expõe sua visão acerca da família atual O novo modelo da família fundase sobre os pilares da repersonalização da afetividade da pluralidade e do eudemonismo impingindo nova roupagem axiológica ao direito de família Agora a tônica reside no indivíduo e não mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar A famíliainstituição foi substituída pela famíliainstrumento ou seja ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade justificando com isso a sua proteção pelo Estado Ademais a família da pósmodernidade busca sua identificação na solidariedade como um dos fundamentos da afetividade após o individualismo que predominara nos dois últimos séculos LÔBO 2011 p 18 A realização pessoal da afetividade em um cenário de convivência e solidariedade caracteriza a função básica da família do atual período Suas antigas funções religiosa política econômica e procracional desapareceram ou passaram a exercer papel secundário Mesmo a função procracional com a marcante secularização do Direito das Famílias e a primazia do afeto não carrega mais sua finalidade principal LÔBO 2011 p 20 31 No momento em que a entidade familiar deixou de ser entendida como base do Estado para ser um âmbito de realizações existenciais manifestouse uma tendência do indivíduo moderno de privatizar suas relações amorosas e afetivas de impedir que sua esfera de intimidade esteja sob a tutela da sociedade do Estado e com isso do Direito LÔBO 2011 p 20 A mutação social da família patriarcal para a família celular autoriza que as prestações vitais de afetividade e realização individual sejam alcançadas perdendo importância a sua antiga natureza sagrada e os tabus que circunscrevem a maternidade e a paternidade de modo a interessar mais sua formação natural e espontânea MADALENO 2011 p 36 A família matrimonializada patriarcal hierarquizada heteroparental biológica institucional compreendida como uma unidade de produção e reprodução foi substituída por uma família pluralizada democrática igualitária hetero ou homoparental biológica ou socioafetiva formada a partir da afetividade e dotada de caráter instrumental MADALENO 2011 p 28 Ressaltando a influência da Constituição de 1988 na família brasileira Giselda Hironaka José Simão e Flávio Tartuce21 2009 p 505506 elegem os principais paradigmas do novo cenário familiar 1 a família plural O reconhecimento da família plural implica no dever de proteção pelo Estado a várias outras formas de configuração familiar 2 cidadania e dignidade humana a significar que os diversos arranjos familiares impelem os operadores de Direito de Família a pensar em organização jurídica dentro do conceito de cidadania ou seja na perspectiva de inserção das diversas formas de configuração familiar na valorização do indivíduo no respeito à diferença A valorização de princípios constitucionais como o da dignidade humana passa a ser balizadora das decisões judiciais na área de família 3 o afeto como valor jurídico o que pode ser considerado como a quebra do paradigma da parentalidade biológica Os autores destacam ainda os temas que mais se modificaram com a percepção da família atual 1 a parentalidade socioafetiva envolvendo tanto direitos quanto responsabilidades 2 o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares e portanto também a adoção por pares homoafetivos 3 a indenização por abandono afetivo 4 a guarda compartilhada 5 o reconhecimento da obrigação alimentar dos avós 6 a união estável bigamia namoro contrato de namoro 7 a culpa na separação 8 a mediação como forma de desfragmentação de conflitos familiares 9 a possibilidade de separação de divórcio e de inventário pela via extrajudicial Lei 114412005 10 o combate à violência doméstica pela aplicação plena do Estatuto da Criança e do Adolescente do Estatuto do Idoso da Lei Maria da Penha HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 506 Por fim Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 2012 p 44 trazem um conceito de família adequado ao atual momento do regime jurídicofamiliar definindoa como o núcleo existencial composto por seres humanos unidos por vínculo socioafetivo teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena de seus integrantes de acordo com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana A partir de uma perspectiva pósmoderna Anderson Schreiber 2013 p 300 também traz uma importante definição da família como um complexo de relações de natureza existencial que vincula o seu titular a outras pessoas humanas com base em fundamentos que podem ser bastante distintos entre si como o parentesco a afinidade e a afetividade Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 45 também procuram elaborar uma definição da família pósmoderna ressaltando que ela possui uma concepção múltipla plural podendo dizer respeito a um ou mais indivíduos ligados por traços biológicos ou sóciopsicoafetivos com intenção de estabelecer eticamente o desenvolvimento da personalidade de cada um Portanto não se pode fugir da conclusão de que a família cumpre na pósmodernidade um papel funcionalizado devendo efetivamente servir como espaço propício para a promoção da dignidade e a realização da personalidade de seus componentes integrando sentimentos esperanças e valores servindo como elemento fundamental para a busca da felicidade FARIAS ROSENVALD 2013 p 48 15 COMO SE FORMA UMA FAMÍLIA A partir da influência da Psicanálise22 o Direito não pode mais deixar de considerar a família como uma estruturação psíquica no sentido de apreender mais profunda e corretamente as relações que busca legislar e ordenar Caso contrário o Direito das Famílias continuará sem alcançar a melhor adequação à realidade PEREIRA 2012a p 151 As novas estruturas parentais e conjugais passaram a obter seu lugar no ordenamento jurídico brasileiro a partir inclusive da compreensão da família como estruturação psíquica verdadeiro núcleo formador do sujeito locus do amor e da afetividade propulsor de direitos e deveres tendo 22 Para maiores esclarecimentos acerca da relação entre a Psicanálise e o Direito das Famílias ver a excelente obra PEREIRA Rodrigo da Cunha Direito de família uma abordagem psicanalítica 4 ed Rio de Janeiro Forense 2012 como base o princípio da responsabilidade e da solidariedade PEREIRA 2012a p 151 O homem passou a ser compreendido como o centro de todo o ordenamento jurídico sendo seu valor íntimo e suas necessidades elementos favorecedores do desenvolvimento da sistematização de um direito geral da personalidade que ofereceu ao longo da história da humanidade um fortalecimento e uma positivação que passaram a ser tutelados pela norma expressa MALUF 2010 p 54 A identidade representa uma característica pessoal que aproxima o indivíduo de um grupo específico e o distancia de outro configurando um sentimento de pertencimento a um locus determinado que está diretamente ligado aos relacionamentos sociais e escolhas amorosas do cidadão MALUF 2010 p 59 Referindose ao fenômeno da democratização da esfera privada Anthony Giddens 1993 p 202 afirma que a ideia da autonomia vincula as aspirações tendentes à construção de relações livres e iguais entre as pessoas Autonomia representa a capacidade de autorreflexão e autodeterminação dos indivíduos Na vida pessoal a autonomia configura a realização bemsucedida do projeto reflexivo do eu entendido por Anthony Giddens 1993 p 206 como a condição para se relacionar com outras pessoas de uma forma igualitária permitindo o respeito pelas capacidades alheias algo intrínseco à ordem democrática Por sua vez Anthony Giddens 1993 p 206 informa que A autonomia também ajuda a configurar os limites pessoais necessários à administração bemsucedida dos relacionamentos Tais limites são transferidos quando uma pessoa usa outra como um meio de representar antigas disposições psicológicas ou quando é desenvolvida uma compulsividade recíproca como no caso da codependência O direito de autodeterminação sexual dos indivíduos se mostra conectado à sua especificidade física e moral e à sua individualidade estando também atrelado ao direito à diferença tendo em vista as peculiaridades próprias determinadas desde as intrínsecas características biológicas até a estipulação de estilos de vida ou padrões de comportamento não predominantes MALUF 2010 p 60 O fundamento jurídico para a formação do direito à orientação sexual como direito personalíssimo atributo intrínseco e inegável da pessoa humana pode ser encontrado na consagração constitucional da liberdade e da igualdade sem distinção de qualquer natureza bem como da inviolabilidade da intimidade e da vida privada FACHIN 2003 p 121 O direito à intimidade traduz o direito de inserção social política e familiar do ser humano assegurado o respeito às peculiaridades de cada indivíduo suas necessidades e potencialidades valorizadas pelos princípios constitucionais e amparadas na cultura de cada povo e no período histórico em que se vive MALUF 2010 p 60 Dentre os direitos da personalidade23 de acordo com Adriana Maluf 2010 p 61 Incluise aqui o direito à convivência familiar e social que goza de proteção constitucional e é de suma importância para a promoção da dignidade da pessoa humana uma vez que envolve diversos direitos da personalidade que perpassam desde o direito à vida ao nome ao lar à saúde à alimentação ao respeito à segurança à liberdade à identidade à intimidade ao recato entre outros Nesse cenário fica claro que o direito à liberdade se manifesta na formação da família no sentido de conferir aos indivíduos o direito de submeterse a determinada entidade familiar e ao planejamento da prole bem como ao acesso às diferentes maneiras de filiação natural adotiva ou decorrente de assistência às técnicas de reprodução assistida MALUF 2010 p 61 A constituição de uma família traduz um ato de liberdade tal como formalmente prevista a liberdade seja a família oriunda do casamento ou não Representa o desejo de fundar uma unidade que se qualifique como família de forma que tanto o seu ingresso quanto a sua saída dizem respeito a um ato da autonomia privada FACHIN 2003 p 76 O Direito se apresenta como um fenômeno cultural com larga criatividade humana voltado à garantia de uma convivência justa solidária e pacífica na sociedade devendo proteger os interesses individuais do ser humano assegurandolhe um âmbito de liberdade para gozar dos direitos inerentes à sua personalidade MALUF 2011 p 61 Nesse cenário a formação da família se assenta de acordo com Luiz Edson Fachin 2003 p 318 em um verdadeiro tripé composto pelo 23 Adriana Maluf 2010 p 63 ensina que os direitos da personalidade traduzem as emanações mais íntimas da pessoa humana possibilitando a sua autodeterminação a elucidação dos seus valores mais íntimos a sua maneira particular de existir suas crenças e seus valores sua forma de se demonstrar na sociedade em que vive Consiste plenamente na sua própria individualidade mosaico da diversidade e pelo ninho de comunhão no espaço plural da tolerância Tripé de fundação como se explica Diversidade cuja existência do outro torna possível fundar a família na realização pessoal do indivíduo que respeitando o outro edifica seu próprio respeito e sua individualidade no coletivo familiar Comunhão que valoriza o afeto afeição que recoloca novo sangue para correr nas veias de um renovado parentesco informado pela substância de sua própria razão de ser e não apenas pelos vínculos formais ou cosanguíneos Tolerância que compreende o convívio de identidades espectro plural sem supremacia desmedida sem diferenças discriminatórias sem aniquilamentos Tolerância que supõe possibilidade e limites Um tripé que feito desenho podese mostrar apto a abrir portas e escancarar novas questões É importante dizer que a formação da família deve respeitar seus traços conceituais distintivos Em outras palavras para formar família é preciso também respeitar os traços que a diferenciam de outras organizações sociais Nesse sentido Anderson Schreiber 2013 p 299 ensina que Embora reconhecendo o caráter aberto do fenômeno familiar os juristas têm procurado apontar traços conceituais distintivos que permitiram estremar as entidades familiares de outras formas de convívio que seriam estranhas à noção ou às noções de família Assim como requisitos imprescindíveis à configuração de uma entidade familiar a doutrina tem mencionado i a afetividade ii a estabilidade e iii a ostentabilidade A afetividade será amplamente estudada em momento oportuno24 sendo o elemento diferenciador na identificação das relações familiares A estabilidade tem o condão de diferenciar as famílias dos relacionamentos episódicos e ocasionais em que apesar de existir afeto faltaria a segura consolidação no tempo imprescindível à caracterização de uma entidade familiar Em relação à ostentabilidade ela diz respeito a uma organização familiar que se apresente assim publicamente SCHREIBER 2013 p 299 No entanto Anderson Schreiber 2013 p 299 afirma que tais traços conceituais distintivos não são absolutos para a construção de uma família Ainda que esses três requisitos se mostrem presentes na maioria dos arranjos familiares certas relações de família podem ser caracterizadas mesmo sem algumas dessas qualificações 24 Ver tópico 2 CARACTERIZANDO A AFETIVIDADE COMO PRINCÍPIO E A MONOGAMIA COMO VALOR p 55 e ss Assim o casal homoafetivo que não exterioriza publicamente sua condição com o intuito de se proteger do conservadorismo de alguns setores da sociedade também forma entidade familiar ainda que ausente a ostentabilidade Do mesmo modo o pai que não nutre afetividade pelo filho não se desvincula em razão disso do poder familiar Tampouco a eventual ausência de estabilidade em uma relação amorosa com rompimentos e retomadas constantes pode excluir a natureza familiar de uma organização social SCHREIBER 2013 p 299 No que se refere às relações conjugais Russel Parry Scott 2012 p 495 professor de Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco UFPE aduz que elas se constituem pelo estabelecimento de ligações pretensamente duradouras de duas pessoas que praticam sexo e convivem cotidianamente no âmbito privado Assim a conjugalidade indica a intenção de ter filhos e formar família mas sem que isso seja obrigatório para a sua existência A formação do casal é uma aliança entre duas pessoas que costuma redundar na construção de novas relações entre seus respectivos grupos de parentesco e de amizade SCOTT 2012 p 495 Enquanto as já mencionadas mudanças na sociedade sugerem uma queda na conjugalidade tradicional alguns observadores e atores dos processos sociais na contemporaneidade sustentam a evidência de uma perspectiva de adaptação tanto na conjugalidade quanto nas noções de família de forma a valorizar os filhos a vivência da sexualidade e arranjos domiciliares SCOTT 2012 p 498 16 FAMÍLIA EUDEMONISTA De início vale ressaltar que o afeto estrutura e norteia a promoção da personalidade bem como garante o pleno desenvolvimento do ser humano A busca da felicidade a supremacia do amor e a vitória da solidariedade possibilitam o reconhecimento do afeto como única maneira eficaz de definição da família e de preservação da vida Para esse novo momento de identificação da entidade familiar por intermédio do seu envolvimento afetivo surgiu um novo nome família eudemonista DIAS 2013 p 58 A família eudemonista almeja a felicidade individual vivendo um processo de emancipação de seus integrantes na medida em que o eudemonismo representa a doutrina que enfatiza o sentido da busca pelo sujeito de sua felicidade DIAS 2013 p 58 O reconhecimento do princípio eudemonista pelo sistema normativo modifica o sentido da tutela jurídica da família deslocandoa da instituição para o indivíduo DIAS 2013 p 58 A família existe em razão de seus membros e não estes em função daquela valorizando de forma definitiva a pessoa humana É o que se chama de família eudemonista marcada pela busca da felicidade pessoal e solidária de cada um de seus integrantes Tratase de um novo arranjo familiar que traduz o deslocamento do eixo fundamental do Direito das Famílias da instituição para a proteção especial da pessoa humana FARIAS ROSENVALD 2013 p 48 Enquanto base da sociedade a família assim como outros institutos do Direito Privado foi objeto de um verdadeiro processo de funcionalização passando a ser dotada de uma função social Da mesma forma que a propriedade o contrato e a empresa a família também exerce um papel importante e frente ao aspecto teleológico é qualificada por uma funcionalidade GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 62 Nesse cenário a família hoje tem a função de permitir em uma visão filosóficaeudemonista a cada um dos seus membros a realização dos seus projetos pessoais de vida GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 63 A família eudemonista caracteriza aquela organização familiar que busca a felicidade individual e vivencia um processo de emancipação de seus membros O Direito de Família não mais se restringe aos valores destacados de ser e ter porque ao menos entre nós desde o advento da Carta Política de 1988 prevalece a busca e o direito pela conquista da felicidade a partir da afetividade MADALENO 2011 p 25 A percepção da entidade familiar oriunda da Constituição de 1988 tem a função única e específica de fazer valer em seu âmbito a dignidade dos seus integrantes como forma de assegurar sua felicidade pessoal A construção de sonhos a realização do amor a partilha do sofrimento e todos os demais sentimentos humanos devem ser vivenciados conjuntamente nesse espaço de afeto e respeito ALVES 2010 p 131 Biológica ou não decorrente do casamento ou não matrilinear ou patrilinear monogâmica ou poligâmica monoparental ou poliparental enfim a estrutura não importa Tampouco importa o lugar que o indivíduo ocupe em sua organização se de pai de mãe ou de filho O importante é pertencer ao seu âmago estando naquele espaço idealizado em que é possível integrar sentimentos esperanças valores e se sentir por isso a caminho da realização de seu projeto de felicidade pessoal HIRONAKA 2003 p 1 A teoria e a prática das instituições de família estão sujeitas em última análise à competência em dar e receber amor A família está mais empenhada do que nunca em ser feliz de forma que a sua manutenção tem como objetivo principal a busca pela felicidade Não é mais obrigatório manter a família razão pela qual ela só sobrevive quando vale a pena DIAS 2013 p 43 implicando a felicidade de seus membros Com base em relações de afeto de solidariedade e de cooperação proclamase a perspectiva eudemonista da família não é mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento mas a família e o casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal em busca de sua aspiração à felicidade FACHIN 2003 p 32 Nesse contexto de acordo com Carlos Eduardo Ruzyk 2005 p 28 a família eudemonista não se orienta pelo alcance da felicidade puramente individual Por óbvio a felicidade individual é importante mas desde que se submeta a um espectro coexistencial a tutela jurídica da busca da felicidade por meio da família diz respeito a uma felicidade coexistencial e não puramente individual Por evidente não se trata o eudemonismo constitucional de busca hedonista pelo prazer individual que transforma o outro em instrumento da satisfação do eu Se a relação familiar pode ser vista como instrumento os entes que a compõem não são objetos uns dos outros Uma concepção desse jaez aviltaria a dignidade dos componentes da família por meio de sua reificação O deverser da família constitucionalizada impõe respeito e proteção mútua da dignidade coexistencial de seus componentes Com efeito o trabalho se propõe a eliminar qualquer dúvida acerca da qualificação da afetividade como princípio contribuindo para a demonstração de sua existência no Direito das Famílias Tratase de um princípio que irradia seus efeitos para todas as relações familiares devendo ser observado por todos os integrantes da família Para qualificála como princípio após a análise de seu conteúdo e de seus efeitos no regime jurídicofamiliar serão realizadas duas tarefas i primeiramente a construção da natureza principiológica da afetividade a partir de uma das técnicas de construção de princípios enunciadas por Riccardo Guastini e ii logo após a confirmação dessa natureza à luz da teoria dos princípios de Humberto Ávila Por sua vez a monogamia é um dos dogmas do Direito das Famílias A doutrina e os tribunais costumam mencionála como um princípio jurídico que orienta a formação das relações familiares sem no entanto construir sua natureza principiológica partindo de premissas tradicionais e ultrapassadas para viabilizar sua aplicação desprezando todo o arcabouço pósmoderno do aludido ramo do Direito Poucos são os autores que realizam um procedimento metodológico que comprove a natureza de princípio da monogamia a qual costuma ser aceita como uma verdade prévia inquestionável tão somente reproduzida pelos manuais e pelos juízes que não se preocupam em demonstrála a partir de qualquer que seja o marco teórico Contudo a monogamia não pode se revestir de pretensão de obrigatoriedade e universalidade diante do atual cenário da família brasileira vocacionado à realização da pessoa humana e de sua felicidade em detrimento de qualquer dogma inclusive a monogamia Foise o tempo em que o padrão relacional imposto pela sociedade vinculava todos os indivíduos uma vez que a família passa a ser um ambiente democrático por excelência Portanto fazse mister identificar o real papel da monogamia no regime jurídicofamiliar Para tanto propõese a sua análise com base sobretudo na teoria dos princípios de Humberto Ávila e nos ensinamentos de Jurgen Habermas que demonstrarão o seu caráter meramente axiológico e não principiológico em virtude de sua incompatibilidade com diversos preceitos constitucionais e por suas características serem próprias dos valores e não dos princípios judicial para impor a alguém dedicar afeto amor a outra pessoa Como os autores não fizeram a diferenciação entre afeto e afetividade bem como não elencaram em sua obra a afetividade como princípio do Direito das Famílias chegase à conclusão de que eles lhe negam natureza principiológica Qualificar a afetividade como princípio e a monogamia como valor é providência imprescindível para possibilitar o reconhecimento jurídico do poliamorismo 21 AFETIVIDADE ELEMENTO CENTRAL DO NÚCLEO FAMILIAR No século XIX a família era marcada pelo seu caráter patriarcal estruturandose em volta do patrimônio familiar na medida em que sua finalidade principal era econômica possuindo também grande representatividade religiosa e política com o pater familias assumindo a função de grande chefe dotado de vários poderes PEREIRA 2012b p 210 No entanto como bem ressalta Roberto Senise Lisboa 2013 p 33 a entidade familiar foi objeto de grandes transformações O crescente envolvimento da mulher em atividades externas a libertação sexual a institucionalização do divórcio a constituição de relações íntimas e informais mesmo por pessoas já casadas a obtenção abundante de informações sobre as mais variadas tendências culturais por intermédio dos mais variados meios de comunicação como a Internet o desenvolvimento precoce das crianças a maior integração infantojuvenil a desconstrução social da chamada era da inocência as relações sexuais iniciadas em idade cada vez mais tenra enfim a quantidade de motivos para a desestruturação da família patriarcal do século XIX é tão imensa que poderiam ser escritos tratados sobre o assunto Portanto com a saída da mulher dos limites domésticos e com as aludidas transformações da sociedade a família contemporânea26 passa a ter como elemento central sua vinculação e manutenção relacionadas aos elos afetivos deixando de lado motivações econômicas que passaram a se revestir de importância secundária PEREIRA 2012b p 211 A entidade familiar se transforma na proporção em que se exacerbam as relações de sentimentos entre seus integrantes ou seja na proporção 26 Fábio Ulhoa Coelho 2013 p 2122 ensina que a família contemporânea é resultado da mudança significativa na condição da mulher na sociedade ocorrida na segunda metade do século passado Podendo exercer sua sexualidade com mais liberdade graças à pílula anticoncepcional e ocupando no mercado de trabalho lugar de importância equivalente ao do homem a mulher pode ser independente não tem mais que aceitar minimamente a ideia de casar ou deixar de casar em função da vontade do pai A chefia da família contemporânea não é mais do homem e as decisões importantes surgem de intensa negociação com a mulher e os filhos em que as funções afetivas da família são valorizadas Novos modelos de arranjo familiar mais igualitários quanto ao sexo e à idade começam a surgir sendo mais flexíveis em suas temporalidades e em seus componentes com uma dependência menor da regra e maior do desejo DIAS 2013 p 7374 A família e o casamento passam a ter um novo perfil orientado para a realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes consubstanciando a concepção eudemonista da família A comunhão do afeto é incompatível com o modelo único matrimonializado da família Por isso a afetividade entrou nas cogitações dos juristas buscando explicar as relações familiares contemporâneas DIAS 2013 p 74 Cumpre mencionar que a afetividade é o núcleo central desse novo paradigma substituindo a consanguinidade e as clássicas definições circunscritas por noções como normalidade e capacidade para ter filhos A nova família compreendida como uma comunidade de afeto foi consagrada pela Constituição de 1988 Nesse contexto uma entidade familiar não pode se sustentar por motivos de dependência econômica mútua mas tão somente por se constituir em um núcleo afetivo que se justifica a priori pela solidariedade recíproca de modo que para a caracterização de uma família tornase necessário o afeto familiar seja ele conjugal ou parental PEREIRA 2012b p 211 A organização familiar tendo deixado de lado suas funções tradicionais reencontrouse no fundamento da afetividade na comunhão de afeto sendo totalmente desimportante o modelo que adote LÔBO 2011 p 72 ainda que seus integrantes não optem por seguir o padrão relacional praticado pela sociedade Dispensada das funções econômicas religiosas e em parte da educacional e assistencial a família tende a ser cada vez mais o espaço para aflorar a afetividade sendo determinante para que homens e mulheres cresçam psicologicamente sadios com autoestima e identidade COELHO 2013 p 20 O novo enfoque sobre a sexualidade aglutinou os vínculos conjugais embasandose no amor e no afeto Nesse sentido o Direito das Famílias construiu uma nova ordem jurídica para a entidade familiar atribuindo valor jurídico ao afeto DIAS 2013 p 74 Em outras palavras a família dispensada das funções que vinha e em certa medida vem desempenhando é o espaço por excelência da afetividade COELHO 2013 p 26 Vale ressaltar que o princípio da afetividade é aquele que introduz no Direito das Famílias a noção de estabilidade das relações socioafetivas e de comunhão de vida com a priorização do elemento anímico sobre aspectos de ordem patrimonial ou biológica GAMA 2008 p 8283 A família retomou a função que esteve em suas origens a de organização unida por desejos e laços afetivos em comunhão de vida O princípio jurídico da afetividade é o propulsor do salto à frente da pessoa humana nas relações familiares LÔBO 2011 p 71 Os vínculos de afetividade projetamse no âmbito jurídico como a essência das relações familiares O afeto consubstancia a diferença que define a entidade familiar27 Representa o sentimento entre duas ou mais pessoas que se afeiçoam pelo convívio diário como decorrência de uma origem comum ou em razão de um destino comum que faz unir suas vidas de forma íntima gerando efeitos patrimoniais e morais PEREIRA 2013a p 35 Em outras palavras o que identifica a família atualmente não é nem a celebração do casamento nem a diferença de sexo do par ou o envolvimento de natureza sexual O elemento distintivo da família que a coloca sob o manto da juridicidade é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns gerando comprometimento mútuo DIAS 2013 p 40 No cerne da concepção contemporânea da família está situada a mútua assistência afetiva definida como a vontade específica de formar uma relação íntima e estável de união conectando as vidas e gerenciando em parceria os aspectos práticos da vivência BARROSO 2011 p 130 Nesse cenário fica fácil perceber que o afeto consubstancia elemento essencial de qualquer núcleo familiar inerente a todo relacionamento conjugal ou parental Contudo nem todo afeto dá origem a uma entidade familiar O que se defende é que o afeto familiar é necessário como garantia da existência de uma família PEREIRA 2012b p 212 Portanto Rodrigo da Cunha Pereira 2012b p 212213 ensina que não obstante a relevância do afeto como vínculo formador de família ele por si só não é o único elemento para se verificar a existência de um núcleo familiar Ele deve coexistir com outros embora sua presença seja decisiva e justificadora para a constituição e subsistência de uma família A organização familiar apenas faz sentido para o Direito a partir do momento em que representa um elemento funcionalizado à promoção 27 Um exemplo dessa assertiva pode ser extraído dos ensinamentos de Luiz Edson Fachin 2003 p 23 acerca do afeto no âmbito da filiação Se o afeto é a base das relações familiares entre elas as de paternidade há que se verificar a sua manifestação fática para averiguarse a existência ou não de hipótese em que a filiação pode ser afirmada da dignidade de seus membros Com essa transformação no seio da família o ordenamento jurídico assimilou tal mudança passando a tratar o afeto como um valor jurídico de extrema importância para o Direito das Famílias PEREIRA 2012b p 214215 Dessa forma como bem ressalta Rodrigo da Cunha Pereira 2012b p 223 Grifo nosso a afetividade ascendeu a um novo patamar no Direito de Família de valor a princípio Isto porque a família atual só faz sentido se for alicerçada no afeto razão pela qual perdeu suas antigas características matrimonializada hierarquizada que valorizava a linhagem masculina A verdadeira família só se justifica na liberdade e na experiência da afetividade O aludido autor 2010 p 49 estabelece ainda que o princípio da afetividade é a base para todos os princípios fundamentais norteadores do Direito das Famílias não obstante seja o mais novo deles Pode ser inclusive qualificado como tal a partir do momento em que as relações familiares deixam de ser essencialmente uma esfera econômica e de reprodução De acordo com Paulo Lôbo 2011 p 71 a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles mesmo que haja desamor ou desafeição entre eles cessando seus efeitos apenas com o falecimento de um dos sujeitos ou se houver a perda do poder familiar No que se refere aos cônjuges o dever de assistência que é uma das consequências do princípio jurídico da afetividade tem o condão de projetar seus efeitos para além da convivência como ocorre na prestação de alimentos e no dever de segredo sobre a intimidade e vida privada LÔBO 2011 p 72 Especificando suas aplicações Paulo Lôbo 2011 p 73 preconiza que A doutrina jurídica brasileira tem vislumbrado aplicação do princípio da afetividade em variadas situações do direito de família nas dimensões a da solidariedade e da cooperação b da concepção eudemonista c da funcionalização da família para o desenvolvimento da personalidade de seus membros d do redirecionamento dos papéis masculino e feminino e da relação entre legalidade e subjetividade e dos efeitos jurídicos da reprodução humana medicamente assistida f da colisão de direitos fundamentais g da primazia do estado de filiação independentemente da origem biológica ou não biológica Por sua vez Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 154 ao identificarem no Direito das Famílias pelo próprio cerne de suas normas relações de natureza essencialmente existencial que dizem respeito ao âmago da pessoa humana atribuem o afeto à confiança existente nas relações familiares A família a partir de sua concepção como entidade orientada à promoção do desenvolvimento da personalidade de seus membros passa a trazer consigo uma nova feição fundada no afeto e na solidariedade Esse cenário traduz um espaço privilegiado para a confiança exigida entre os seus integrantes FARIAS ROSENVALD 2013 p 154 Destarte o afeto define o núcleo familiar como uma verdadeira rede de solidariedade formada para o desenvolvimento e promoção da pessoa não se coadunando com a violação da natural confiança depositada entre seus integrantes que se relaciona com a contemplação de sua dignidade humana garantida constitucionalmente FARIAS ROSENVALD 2013 p 154 Além disso Cristiano e Nelson 2013 p 154 ensinam que o afeto traduz a confiança que é esperada por todos os membros do núcleo familiar e que em concreto se materializa no necessário e imprescindível respeito às peculiaridades de cada um de seus membros preservando a imprescindível dignidade de todos Em síntese é a ética exigida nos comportamentos humanos inclusive familiares fazendo com que a confiança existente em tais núcleos seja o refúgio das garantias fundamentais reconhecidas a cada um dos cidadãos Maria Berenice Dias 2013 p 73 preconiza que o princípio jurídico da afetividade tem como consequência direta a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos bem como o respeito a seus direitos fundamentais O sentimento de solidariedade recíproca não pode ser violado pela preponderância de interesses patrimoniais Isso representa a priorização da pessoa humana nas relações familiares O afeto não é resultado da Biologia na medida em que os laços afetivos e de solidariedade decorrem da convivência familiar e não de aspectos sanguíneos Desse modo a posse de estado de filho exterioriza o reconhecimento jurídico do afeto com o marcante objetivo de assegurar a felicidade como um direito a ser alcançado DIAS 2013 p 73 Paulo Lôbo 2011 p 27 inclusive estabelece que as relações de consanguinidade na prática social são menos importantes que as decorrentes de laços de afetividade e da convivência familiar constituintes do estado de filiação que deve preponderar quando houver conflito com o aspecto biológico salvo se o princípio do melhor interesse da criança ou da dignidade da pessoa humana indicarem orientação diversa Por seu turno Carlos Roberto Gonçalves 2010 p 24 preceitua que o princípio da afetividade denominado por ele de princípio da comunhão plena de vida baseada na afeição entre os cônjuges ou conviventes relacionase com o aspecto espiritual da entidade familiar e com o companheirismo que nela deve se fazer presente tendo em vista a necessidade de tornála mais humana Com essa priorização da convivência familiar o jurista então deparase ora com um grupo formado no casamento ou no companheirismo ora com a família monoparental sujeita aos mesmos deveres e possuindo os mesmos direitos tudo como decorrência da afetividade que inclusive conduz o Direito das Famílias a novos rumos fundados em laços de afetividade em detrimento dos aspectos meramente formais GONÇALVES 2010 p 24 Enfim o princípio da afetividade em conjunto com outros princípios fez nascer outra compreensão para o Direito das Famílias edificando novos paradigmas no sistema jurídico brasileiro PEREIRA 2010 p 50 que refletem a promoção da dignidade e da personalidade dos membros da entidade familiar a valorização do afeto a priorização de sua autodeterminação afetiva e a garantia de igualdade e da liberdade de constituir família que passa a merecer uma especial proteção por parte do Estado Entretanto não se pode confundir o princípio jurídico da afetividade com a afeição propriamente dita LISBOA 2013 p 48 também denominada de afeto por alguns doutrinadores LÔBO 2011 p 71 Isso porque não é possível exigir juridicamente o afeto uma vez que o seu caráter espontâneo impedirá qualquer provocação judicial para impor a alguém dedicar afeto amor a outra pessoa FARIAS ROSENVALD 2013 p 155 A afeição é a conexão existente entre os integrantes da família por decorrência dos sentimentos que os unem Identificada a partir de seu sentido estrito não traduz um dever legal determinado a cada componente da família na medida em que não é possível obrigar uma pessoa a ter apreço pela outra LISBOA 2013 p 48 Como bem ressalta Roberto Senise Lisboa 2013 p 48 A afeição é um sentimento que se tem em relação a determinada pessoa ou a algum bem Afeiçoarse significa identificarse ter afeto amizade ou amor Os membros de uma família em sua maioria possuem laços de afeição uns com os outros Entretanto isso não é uma realidade absoluta lecidos o que impõe a realização de uma integração subjetiva por parte do intérprete Dessa forma o princípio é dotado de um sentido e alcance mínimos um verdadeiro núcleo essencial A partir de determinado ponto no entanto ingressase em um espaço de indeterminação no qual a demarcação de seu conteúdo estará sujeita à concepção ideológica ou filosófica do intérprete BARCELLOS BARROSO 2003 p 316 Isso não significa que o intérprete tem a liberdade de fazer qualquer conexão entre as normas e os fins a cuja realização elas se instrumentalizam Como bem ressalta Humberto Ávila 2012 p 3738 Grifo nosso O ordenamento jurídico estabelece a realização de fins a preservação de valores e a manutenção ou a busca de determinados bens jurídicos essenciais à realização daqueles fins e à preservação desses valores O intérprete não pode desprezar esses pontos de partida Exatamente por isso a atividade de interpretação traduz melhor uma atividade de reconstrução o intérprete deve interpretar os dispositivos constitucionais de modo a explicitar suas versões de significado de acordo com os fins e os valores entremostrados na linguagem constitucional A determinação do sentido de um princípio bem como a eleição dos comportamentos que concretizarão seus fins dependem da demonstração por parte do intérprete de um fundamento racional que legitima sua atuação BARCELLOS BARROSO 2003 p 318 e encontra suas razões em preceitos constitucionais Em orientação semelhante o professor alemão Friedrich Muller 2005 p 39 preconiza que não é o teor literal de uma norma constitucional que regulamenta um caso jurídico concreto mas o órgão legislativo o Poder Público o agente da Administração Pública o tribunal que edita a decisão regulamentadora do caso isto é o intérprete sempre em consonância com o fio condutor da formulação linguística dessa norma constitucional Mesmo porque a normatividade das decisões práticas não se orienta tão somente pelo texto da norma jurídica A decisão é formulada com o auxílio de materiais legais livros estudos monográficos de precedentes e de outras fontes de informação isto é com a ajuda de diversos textos que ultrapassam o mero teor literal da norma MÜLLER 2005 p 3940 e que de certa forma servem de base e traduzem as conexões axiológicas construídas pelo intérprete Ressaltese que o texto da norma dirige e limita as possibilidades legítimas e legais de concretização do Direito no seu âmbito de aplicabilidade Com isso De acordo com Riccardo Guastini 2005 p 193 os princípios não expressos31 são resultados da integração do Direito realizada pelos operadores Esses princípios são identificados pelos intérpretes a partir de normas singulares de um conjunto de normas ou até mesmo do ordenamento jurídico como um todo Como não há uma expressa manifestação da autoridade normativa qualificando determinado enunciado como princípio temse uma verdadeira valoração do intérprete que identifica como princípios certas disposições normativas no momento da interpretação mesmo com a ausência de determinação expressa do legislador nesse sentido GUASTINI 1999 p 39 A identificação de um princípio por meio de uma norma singular ocorre todas as vezes em que se supõe uma meta que a norma visa ou um valor pelo qual a norma é motivada GUASTINI 2005 p 193 Por simetria a dedução de um princípio por meio de um conjunto de normas deve ter como base os objetivos que esse agrupamento normativo visa a atingir bem como os valores por ele contemplados Riccardo Guastini 1999 p 42 ensina a existência de ao menos três técnicas de construção de princípios i a primeira é realizada pela indução de normas gerais mediante procedimento de universalização tendo como pontos de partida normas particulares ii a segunda se refere à elaboração de uma norma implícita que se supõe instrumental para a atuação de um princípio sendolhe atribuído caráter principiológico A terceira consiste em iii identificar as razões os fins as intenções os valores que orientaram o legislador para a construção de uma norma ou de um conjunto de normas GUASTINI 1999 p 42 Essa será a técnica utilizada para se construir a natureza principiológica da afetividade Dessa forma o princípio constitucional implícito da afetividade é resultado da interpretação sistemática e teleológica i do art 226 3º e 6º que tratam respectivamente da união estável e do divórcio ii do art 227 caput e 1º que estabelecem respectivamente a absoluta prioridade da criança jovem e adolescente e a assistência integral do Estado a esses sujeitos de direitos GAMA 2008 p 82 31 Os princípios não expressos de Guastini equivalem aos princípios implícitos tratados no trabalho pois são princípios não expressos os que carecem de disposição isto é os que não estão explicitamente formulados em nenhuma disposição constitucional ou legislativa mas são elaborados ou construídos pelos intérpretes Entendese que os intérpretes quando formulam um princípio não expresso não se convertem em legisladores mas assumem que tal princípio está implícito latente no discurso das fontes GUASTINI 1999 p 41 Tradução nossa ção admite a semelhança existente entre a união estável organização familiar notadamente marcada pelo afeto e o casamento no que se refere à possibilidade de se originar uma família Com efeito deixando de lado as formalidades devese dar especial proteção ao afeto qualificado pelo ânimo de constituir família O que se deve garantir é a especial proteção da vida em comum por meio de uniões sem formalidades com o objetivo de proteger todos os modos de constituição de família pouco importando sua origem Mesmo porque a concepção familiar possui caráter instrumental não se justificando para protegêla por si mesma senão em razão de seus componentes o que significa que os companheiros merecem a mesma proteção conferida às pessoas casadas FARIAS ROSENVALD 2013 p 507 já que a Constituição prioriza o afeto e não as formalidades decorrentes do casamento Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 507 Grifo nosso ensinam que seja no casamento seja na união estável seja em qualquer outro modelo de família é certo que toda e qualquer entidade familiar está sempre fundada na mesma base sólida o afeto E não se justifica por certo discriminar realidades idênticas todas lastreadas no amor e na solidariedade recíproca com vistas à realização plena dos seus componentes Por isso exigese do ordenamento jurídico o mínimo de coerência para respeitar o elemento afetivo que marca as relações do Direito das Famílias Dessa forma o reconhecimento constitucional da união estável traz consigo o reconhecimento da afetividade como elemento estruturante das organizações familiares Por não ser possível ignorar a realidade social que demonstra que a base de toda entidade familiar é o afeto entre seus integrantes a Constituição contemplando o princípio da afetividade respeita o elemento afetivo que marca a união estável garantindo a proteção de seus efeitos Nesse sentido Maria Berenice Dias 2013 p 72 ensina que o reconhecimento como entidade familiar merecedora da proteção jurídica das uniões estáveis que se formâm sem as solenidades do casamento significa que a afetividade que une duas pessoas obteve reconhecimento e inserção no sistema jurídico Por outro lado ao afirmar que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio art 226 6º o constituinte não estabeleceu tratamento inferior à união estável muito menos construiu graus de importância nas entida des familiares Seguramente não é essa a interpretação que respeita com mais amplitude os valores consagrados dentre as garantias fundamentais FARIAS ROSENVALD 2013 p 508 Pelo contrário ao determinar a facilitação da conversão da união estável em casamento o constituinte apenas tornou menos solene e complexo o matrimônio daqueles indivíduos que em momento anterior já conviviam maritalmente FARIAS ROSENVALD 2013 p 508 Mais uma vez é possível perceber a influência da autodeterminação afetiva na formulação da disposição constitucional O respeito e a proteção ao afeto existente entre sujeitos que já vivem como se casados fossem impõem ao Estado que facilite a conversão dessa organização familiar em casamento Tratase de uma norma que novamente valoriza a afetividade em detrimento das formalidades na medida em que garante especial proteção à família como elemento propulsor do afeto e da dignidade de seus integrantes e não como instrumento de promoção dos padrões relacionais idealizados pela maioria da sociedade Mesmo porque não se pode ignorar a realidade social É preciso afastar do Direito das Famílias a hipocrisia que tanto o impregnou com o intuito de reconhecer o afeto como elemento propulsor das relações familiares Destarte tratar a união estável de forma desigual consistiria em eliminar proteção de alguém por ter optado formar uma família sem as solenidades próprias do casamento FARIAS ROSENVALD 2013 p 509 Além disso desde o momento em que o Direito das Famílias passou a admitir o divórcio sem relacionar o direito potestativo ao divórcio com o fundamento da culpa de um dos cônjuges a priorização da ideia de afetividade passou a ser fundamental nas relações conjugais GAMA 2008 p 83 Dessa forma é possível perceber que o divórcio é mais um instituto relacionado à afetividade Em outras palavras também a dissolução do matrimônio por intermédio do divórcio encontrase atrelada a elementos afetivos do núcleo familiar O art 227 da Constituição assegura a prioridade a ser conferida à criança ao adolescente e ao jovem garantindo em seu 1º a assistência integral do Estado a esses sujeitos de direitos Ao colocálos a salvo de qualquer forma de negligência discriminação exploração violência crueldade e opressão o constituinte fez refletir o mínimo de cuidado e de respeito à criança e ao adolescente na esfera familiar Como visto anteriormente a afetividade não determina que o pai nutra sentimentos de amor e carinho por seus filhos mas lhe impõe condutas tendentes a respeitar sua dignidade humana e a possibilitar a promoção de sua personalidade Assim a afetividade impõe uma conduta mínima de respeito consideração e cuidado dos integrantes da família em relação à criança e ao adolescente Essa conduta mínima é um fim que o constituinte procurou garantir com a edição do aludido dispositivo Especificamente no que se refere ao direito parental o princípio da afetividade pode ser identificado em alguns modos de constituição dos vínculos de paternidade de maternidade e de filiação atrelados à noção de parentesco civil art 1593 do Código Civil de 2002 como nos casos de adoção e de posse de estado de filho E a própria consideração de que se o vínculo se estabeleceu a partir dos pressupostos para a constituição de paternidadefiliação por exemplo ainda que posteriormente haja desafeição entre o pai e o filho socioafetivos devese entender pela impossibilidade da desconstituição do vínculo devido à própria ideia da indisponibilidade do estado de filiação GAMA 2008 p 84 Destarte em virtude da necessidade de se garantir o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente conservando vínculos mínimos de paternidade de maternidade e de cuidado fins e valores que permeiam o conteúdo da afetividade o constituinte estabeleceu a prioridade a ser conferida a esses sujeitos de direitos Em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana fundamento da República Constituição art 1º inc III sua essência está carregada de sentimentos e emoções A preocupação com a promoção dos Direitos Humanos e da justiça social fez com que o constituinte elevasse a dignidade da pessoa humana ao posto de valor nuclear da ordem constitucional DIAS 2013 p 65 Traduzindo essa preocupação para o Direito das Famílias o constitutinte ao elegêla como princípio fundante do Estado Democrático de Direito buscou potencializar ao máximo a organização familiar como espaço primordial do indivíduo para a promoção de sua personalidade assegurando o exercício pleno de sua liberdade sexual liberdade de constituir família e autodeterminação afetiva Apenas com o reconhecimento de uma família eudemonista e plural fundada no afeto entre seus membros que o núcleo familiar se tornará um espaço para a promoção da dignidade de seus componentes Em outras palavras apenas a valoração jurídica da afetividade como verdadeiro princípio é capaz de propiciar o respeito à dignidade humana no ambiente familiar A dignidade da pessoa humana encontra na família o terreno adequado para se desenvolver Nesse cenário Maria Berenice Dias 2013 p 66 informa que a multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares o afeto a solidariedade a união o respeito a confiança o amor o projeto de vida comum permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada participe com base em ideais pluralistas solidaristas democráticos e humanistas Além disso o princípio da dignidade da pessoa humana representa em última análise igual dignidade para todas as famílias Assim caso se afirme que um de seus fins se refira ao fato de ser indigno dar tratamento diferenciado às diversas formas de constituição de entidades familiares DIAS 2013 p 66 a afetividade aflora como princípio visto que uma de suas finalidades é garantir o tratamento igualitário no âmbito das relações familiares Destarte a dignidade humana encontrase ligada à legitimação e à inclusão no laço social de todas as modalidades de família bem como ao respeito às diferenças e a todos os vínculos afetivos Representa ainda a consideração e o respeito à autonomia dos sujeitos PEREIRA 2012b p 121 de modo que desses valores e fins pode ser extraída a natureza principiológica da afetividade Quanto ao princípio da solidariedade previsto no art 3º inc I da Constituição sua própria origem já justifica a natureza principiológica da afetividade visto que ele advém dos vínculos afetivos Além disso também por compreender a fraternidade e a reciprocidade DIAS 2013 p 69 a solidariedade se relaciona diretamente com o afeto no sentido de estabelecer uma cadeia de sentimentos recíprocos de cuidado entre os integrantes da família Paulo Lôbo 2011 p 64 estabelece que a solidariedade no espaço familiar deve ser entendida como solidariedade recíproca dos cônjuges e companheiros notadamente quanto à assistência moral e material A solidariedade em relação aos filhos diz respeito à exigência de a pessoa ser mantida instruída e educada para sua plena formação social Esse dever de cuidado inerente ao princípio da solidariedade é o fim que se relaciona com a afetividade ratificando sua natureza principiológica Por outro lado o princípio da liberdade exposto no caput do art 5º da Lex Fundamentalis representa no âmbito familiar a autonomia privada no espaço da liberdade de escolha de constituição manutenção e extinção da entidade familiar sem que haja qualquer espécie de determinação externa das pessoas dos familiares GAMA 2008 p 75 Esses fins e valores tutelados pelo princípio da liberdade podem ser traduzidos na autodeterminação afetiva uma das facetas do princípio da afetividade A liberdade de constituição da família possui estreita ligação com o princípio da autonomia da vontade notadamente nos relacionamentos mais íntimos do ser humano cujo valor supremo é o alcance da felicidade PEREIRA 2012b p 214 A priorização do afeto significa um verdadeiro avanço no Direito das Famílias vez que retrata a valorização da liberdade e da autonomia dos indivíduos A especial proteção que merece a família nos termos do caput do art 226 da Constituição ratifica o status da entidade familiar como espaço privilegiado de realização existencial de seus integrantes e de afirmação e consolidação de suas dignidades GAMA 2008 p 71 o que demonstra a necessidade de garantia do afeto como princípio jurídico pelos motivos anteriormente expostos Assegurar especial proteção à família significa reconhecêla como ambiente principal de promoção da personalidade de seus integrantes tornando necessário garantir todas as suas facetas tais quais a liberdade de sua constituição a dignidade de seus integrantes a solidariedade enfim garantir todos os valores que se relacionam em última análise com a afetividade A igualdade entre os filhos art 227 6º tem como objetivo evitar diferenciações entre filhos fundadas na natureza do vínculo que os une aos genitores além de impedir distinções justificadas por sua origem biológica ou afetiva FARIAS ROSENVALD 2013 p 133 o que já demonstra que esse princípio busca assegurar o reconhecimento dos laços afetivos alcançandoos a categoria jurídica equivalente aos laços biológicos Ao possuir como valores tutelados a proteção da dignidade dos filhos no âmbito das relações familiares a consideração de seu afeto e a garantia de seus direitos o princípio da igualdade entre os filhos também edifica razões para se ratificar a existência do princípio da afetividade Nesse sentido Luiz Edson Fachin 2003 p 22 afirma que a Constituição de 1988 ao proibir o tratamento discriminatório dos filhos por intermédio dos princípios da igualdade e da inocência consolidou o afeto como elemento de maior importância no que se refere à paternidade Com a derrocada do patriarcalismo e com a emancipação da mulher esta passa a ser titular de uma igualdade de direitos em relação ao seu marido no decorrer do casamento A igualdade entre os cônjuges art 226 5º significa não haver mais estado de sujeição de forma que a mulher deve tomar as decisões em conjunto com seu marido LISBOA 2013 p 39 o que representa a valorização da autodeterminação afetiva da mulher nas relações familiares Com isso o princípio da igualdade entre o homem e a mulher na constância do casamento tem como finalidade proteger e garantir a liberdade da mulher sua consciência e poder de escolha respeitando seus sentimentos e garantindo o livre exercício do afeto no espaço familiar Tratase de mais um valor protegido por uma norma jurídica a partir do qual se extrai a natureza principiológica da afetividade Por outro lado a adoção como escolha afetiva retirada dos 5º e 6º do art 227 da Lex Fundamentalis reflete uma medida de tutela e uma instituição de natureza humanitária que tem por finalidade dar filhos àqueles a quem a natureza negou e concretizar um objetivo assistencial caracterizando uma forma de implementar a condição moral e material do adotado DINIZ 2012 p 559 A adoção foi posicionada pela Constituição no mesmo plano de dignidade da filiação natural confundindose com esta e revelando a primazia dos interesses existenciais e repersonalizantes fundada em razões de solidariedade LÔBO 2011 p 27 Os valores e fins protegidos pela adoção possuem relação evidente com o princípio da afetividade na medida em que ela busca criar um ambiente sadio equilibrado e que permita ao adotando um crescimento físico espiritual emocional e intelectual DINIZ 2012 p 559 criando um mínimo necessário para o desenvolvimento dos aspectos de natureza existencial daquele que será adotado o que compreende a afetividade A razão de o constituinte ter conferido status constitucional à adoção se refere à necessidade de tutelar o desejo de amar e de ser amado de exteriorização do afeto a pessoas que se situam à margem da sociedade e da família Essa razão traduz uma das várias vertentes da afetividade enquanto princípio jurídico Afinal como bem ressalta Maria Berenice Dias 2013 p 498 A adoção constitui um parentesco eletivo pois decorre exclusivamente de um ato de vontade A verdadeira paternidade fundase no desejo de amar e ser amado Tratase de modalidade de filiação construída no amor na feliz expressão de Luiz Edson Fachin gerando vínculo de parentesco por opção A adoção consagra a paternidade socioafetiva baseandose não em fator biológico mas em fator sociológico Ademais no que se refere à proteção à família monoparental Constituição art 226 4º temse que a monoparentalidade advém da própria liberdade dos indivíduos de escolherem sua relação amorosa FARIAS ROSENVALD 2013 p 102103 Com isso a razão do constituinte nesse caso diz respeito à tutela da liberdade enquanto valor que como já visto está diretamente ligada à afetividade Por fim a garantia de assistência estatal à família afirmada pelo art 226 8º da Lei Maior reflete nada mais a necessidade de proteção do núcleo familiar da autodeterminação afetiva da liberdade e dos sentimentos de seus membros motivos que demonstram a natureza principiológica da afetividade visto que se encontram compreendidos no seu âmbito de aplicação 213 Noções Gerais sobre Princípio De início é preciso deixar claro que a definição dos princípios jurídicos depende diretamente do critério em razão do qual ela é edificada Isso porque as categorias jurídicas são instrumentos analíticos abstratos tornandose impossível a existência de uma só acepção de princípio ÁVILA 2001 p 5 Ciente disso de acordo com Humberto Ávila 2012 p 85 Os princípios são normas imediatamente finalísticas primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção Humberto Ávila 2001 p 21 ao se basear no critério de abstração da prescrição normativa também define os princípios como normas que estabelecem diretamente fins para cuja concretização estabelecem com menor exatidão qual o comportamento devido menor grau de determinação da ordem e maior generalidade dos destinatários e por isso dependem mais intensamente da sua relação com outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretação para a determinação da conduta devida Com efeito o autor qualifica os princípios como normas primariamente complementares e preliminarmente parciais porquanto ao compreenderem apenas parte dos aspectos relevantes para uma tomada de decisão não têm a pretensão de originar uma solução específica mas de auxiliar ao lado de outras razões a tomada de decisão ÁVILA 2012 p 83 É verdade que a teoria dos princípios de Humberto Ávila parte de pressupostos peculiares como se percebe a seguir por detrás da proposta aqui defendida está a compreensão do Direito como um conjunto composto de normas princípios regras cuja interpretação e aplicação depende de postulados normativos unidade coerência hierarquização supremacia da Constituição etc critérios normativos superioridade cronologia e especialidade topoi interesse público bem comum etc e valores ÁVILA 2001 p 17 No entanto isso não prejudica a argumentação realizada no presente trabalho na medida em que seu objeto principal não é a construção de uma teoria sobre princípios mas a construção da natureza principiológica de um enunciado tendo como base o critério de definição de princípios de Humberto Ávila que é compartilhado por outros doutrinadores Assim estáse utilizando o critério de definição de princípios de Humberto Ávila que se relaciona com a natureza imediatamente finalística dessas normas e sua prescrição indireta de condutas o que não significa defender a aplicação dos demais elementos da teoria do aludido autor Em resumo estão sendo utilizadas para fundamentar a natureza principiológica da afetividade apenas as características dos princípios trazidas por Humberto Ávila Contudo seria possível defender a aplicabilidade integral dessa teoria no âmbito do Direito das Famílias Nesse sentido o regime jurídicofamiliar pode ser conceituado como um conjunto de regras e princípios cuja aplicação e interpretação são orientadas por postulados normativos hermenêuticos como p ex todos os princípios de interpretação constitucional tendo em vista a constitucionalização do Direito das Famílias e por postulados normativos aplicativos como p ex a própria proporcionalidade bem como a proibição do retrocesso32 Deixando de lado a totalidade da teoria de Humberto Ávila e voltando para a sua análise dos princípios temse que eles determinam fins a 32 Humberto Ávila 2012 p 142143 ensina que A interpretação de qualquer objeto cultural submetese a algumas condições essenciais sem as quais o objeto não pode ser sequer apreendido A essas condições essenciais dáse o nome de postulados Há os postulados meramente hermenêuticos destinados à compreensão em geral do Direito e os postulados aplicativos cuja função é estruturar a sua aplicação concreta serem atingidos que por sua vez representam uma função diretiva para a motivação de uma conduta O fim preceitua um estado ideal de coisas a ser atingido como forma geral para compreender os vários conteúdos de um fim Como o estado de coisas deve ser alcançado os comportamentos imprescindíveis para tanto passam a caracterizar necessidades práticas sem as quais o fim não se realiza ÁVILA 2012 p 86 Desse modo Ana Paula de Barcellos e Luís Roberto Barroso 2003 p 315 afirmam que quanto ao conteúdo os princípios se caracterizam como normas que identificam valores33 a serem preservados ou fins a serem buscados trazendo consigo em geral um conteúdo axiológico ou uma decisão política Daí se afirma que os princípios são valorativos ou finalísticos Diogo de Figueiredo Moreira Neto 2009 p 78 constata que o princípio jurídico traduz predominantemente um indicativo de um gênero de condutas que depende de uma prescrição específica decorrente de outras normas que dele derivem Assim o princípio jurídico pode ser definido como uma norma indiciativa de conduta na medida em que sua finalidade primordial consiste apenas em indicar um valor ou fim genericamente enunciado que deva ser especificamente atingido não importando em que escala de satisfação por todas as normas concretamente preceptivas34 que derivem dele MOREIRA NETO 2009 p 7879 Essa definição demonstra a importância estruturante dos princípios já que a infraestrutura das normas se articula com uma superestrutura de normas principiológicas que lhes conferem um sentido valorativo e finalístico MOREIRA NETO 2009 p 79 Nesse cenário Diogo de Figueiredo Moreira Neto 2009 p 79 ratifica que Como os princípios são em síntese normas portadoras dos valores e dos fins genéricos do Direito em sua expressão mais pura explicase porque a sua violação apresenta repercussão genérica muito mais ampla e grave sobre a ordem jurídica do que uma transgressão de regras que restritamente os aplicam às espécies fáticas definidas pelos legisladores Também destacando o aspecto de portador de elevado grau valorativo do princípio Maurício Godinho Delgado 2009 p 18 ensina que essa norma caracteriza o fator de maior destaque no âmbito do Direito na incorporação dos valores e fins mais imprescindíveis à vida e convivência sociais Mesmo porque os princípios possuem marcante dimensão valorativa em virtude de sua própria natureza e por se reunirem nos valores de maior perenidade na história social bem como naqueles que são dotados de maior consistência e legitimidade cultural em determinado momento histórico DELGADO 2009 p 18 Vale ressaltar que André Ramos Tavares 2010 p 399 inclusive entende que os valores são positivados em geral por intermédio dos princípios constitucionais Assim os princípios adotados pela Lex Fundamentalis exteriorizam a carga axiológica incorporada pelo ordenamento jurídico Contudo os princípios não são equivalentes ao mero estabelecimento de fins Os fins somente afirmam um estado desejado ou uma decisão sobre a concretização desse estado sem que se estipule um dever ser O estabelecimento de fins quando motivados por meio de um dever ser passam a constituir um princípio ÁVILA 2001 p 18 Portanto os princípios não são apenas valores cuja efetivação fica sujeita às meras preferências pessoais Eles estabelecem o dever de adotar comportamentos necessários à concretização de um estado de coisas ÁVILA 2012 p 87 Ao indicarem fins estados ideais a serem alcançados os princípios não têm o condão de detalhar a conduta a ser seguida para sua concretização de forma que a atividade do intérprete será mais complexa tendo que definir a ação a ser tomada BARCELLOS BARROSO 2003 p 315 Além disso os princípios são normas que conferem fundamento a outras normas em virtude de estipularem fins a serem promovidos sem preverem o meio para a sua realização Apresentam ainda alto grau de indeterminação não no sentido de mera vagueza característica inerente a toda norma mas no sentido de não enumerarem de forma exaustiva os fatos propulsores de suas consequências jurídicas ÁVILA 2012 p 136 Com efeito seu elemento essencial é a indeterminação estrutural princípios são prescrições finalísticas com elevado grau de generalidade material sem consequências específicas previamente determinadas ÁVILA 2012 p 136 Em outras palavras os princípios possuem relatos com maior grau de abstração sem especificar a conduta a ser seguida aplicandose a um conjunto amplo em algumas vezes até indeterminado de situações BARCELLOS BARROSO 2003 p 314 2131 Confirmação da natureza principiológica da afetividade A partir dos ensinamentos anteriores temse que a confirmação da natureza principiológica da afetividade deve ser realizada por meio da demonstração de que ela i estabelece diretamente fins ou estados ideais de coisas a serem atingidos ii possui certa relação de dependência com prescrições específicas de outras normas na medida em que tem pretensão de complementaridade e parcialidade e iii ultrapassa o mero estabelecimento de fins A sua característica relativa ao estabelecimento imediato de fins já está sedimentada diante de todo o esforço realizado para construir sua natureza principiológica Pôdese perceber que a afetividade está diretamente relacionada e ao mesmo tempo preceitua que devem ser atingidos estados ideais de coisas vinculados à dignidade humana liberdade igualdade solidariedade autodeterminação afetiva valorização do afeto desenvolvimento da personalidade promoção de aspectos existenciais enfim a valores que justificam e ratificam sua natureza principiológica Em outras palavras o princípio da afetividade estabelece absolutamente todos os fins tutelados pelo Direito das Famílias Nesse sentido Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 2012 p 93 afirmam que o fato incontestável é que toda a investigação científica do Direito de Família submetese à força do princípio da afetividade delineador dos standards legais típicos e atípicos de todos os institutos familiaristas Por sua vez o princípio da afetividade assinala um gênero de condutas que dependem de prescrições específicas de outras normas que dele derivem não possuindo a pretensão de criar uma solução específica mas de contribuir para a tomada de decisão Isso fica evidente com a descrição do aludido princípio na obra de Caio Mário da Silva Pereira 2013a p 60 impõe uma operação de prevalência frente a valores contrapostos Em outras palavras os valores são relativos já que estão sujeitos a possibilidades valorativas e contextuais ÁVILA 2012 p 137 A afetividade não estipula comportamentos aconselháveis dentro de um determinado sistema de valores Pelo contrário ela serve de base para todo o sistema de valores princípios e regras do Direito das Famílias não dependendo de possibilidades valorativas e contextuais de forma a ser qualificada como uma estrutura inafastável do sistema jurídico familiar Além disso Sílvio da Salvo Venosa ao constatar que os valores são qualificações que nascem das pessoas atesta que cada ser humano escolhe na verdade o seu caminho mais ou menos trilhado mais ou menos conhecido Escolher um caminho significa dar proeminência mais a um valor do que a outro VENOSA 2010 p 209210 Esse raciocínio não se aplica à afetividade já que todos os membros da família devem respeitála como um espaço próprio para a promoção de sua dignidade valorizar o afeto e a autodeterminação afetiva de cada um e ser responsáveis pela existência uns dos outros Enfim respeitar o princípio da afetividade é uma obrigação de todos Dessa forma os componentes de uma família não podem optar por não observar o princípio da afetividade conforme suas convicções pessoais Ninguém está desvinculado do mínimo necessário para a garantia de todos os valores constitucionais no espaço familiar isto é ninguém está desvinculado do princípio da afetividade 22 MONOGAMIA Utilizando dos ensinamentos da Antropologia para se estabelecer um contexto das práticas sexuais e relacionais dos seres humanos Helen Fisher 1992 p 60 Tradução nossa antropóloga e professora da Rutgers University de New Jersey nos Estados Unidos ensina que Os homens do mesmo modo que as mulheres têm duas alternativas que são facilmente reconhecidas O homem pode formar um casal com uma mulher por vez monoginia do grego mono uno e ginia fêmea ou pode ter múltiplas parceiras concorrentes poliginia várias mulheres As mulheres têm duas possibilidades semelhantes monoandria um homem ou a poliandria vários homens São os termos comumente usados para descrever os diferentes tipos de matrimônios humanos Desse modo o dicionário define monoginia como a situação ou costume de ter uma só esposa por vez monoandria como um marido poliginia como várias esposas e poliandria como vários maridos Monogamia significa um cônjuge poligamia traduz vários cônjuges sem definição de sexo Ao enfatizar o afeto a família passou a ser uma entidade plural calcada na dignidade da pessoa humana embora seja ab initio decorrente de um laço natural marcado pela necessidade dos filhos de ficarem ligados aos pais até adquirirem sua independência e não por coerção de vontade como no passado Com o decorrer do tempo cônjuges e companheiros se mantêm unidos pelos vínculos da solidariedade e do afeto mesmo após os filhos assumirem suas independências Essa é a verdadeira diretriz prelecionada pelo princípio da afetividade Assim a afetividade explicita a dependência do filho em relação aos pais a solidariedade entre os cônjuges o afeto entre os membros da organização familiar o respeito à dignidade humana o respeito à pluralidade no âmbito da família ou seja o princípio da afetividade estabelece um gênero de condutas progressistas e de natureza existencial que dependem de prescrições específicas em outras normas Também é possível demonstrar essa característica do princípio da afetividade ao relacionálo com as normas de proteção da criança e do adolescente que em diversas situações baseiamse no afeto como vetor de orientação de um gênero de conduta dos pais ou representantes GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 92 O princípio da afetividade prescreve que os pais propiciem um espaço harmônico e adequado para o desenvolvimento da personalidade de seus filhos em um cenário de felicidade compreensão amor e cuidado prestando assistência material e afetiva Percebese pois mais um gênero de condutas estipuladas pela afetividade Como se não bastasse o princípio da afetividade também indica um gênero de condutas dependentes de prescrições normativas específicas aos juízes no sentido de no caso concreto compreender as partes envolvidas no contexto submetido à apreciação judicial respeitando as diferenças e valorizando os laços afetivos que unem os componentes da família GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 94 Ademais a afetividade ultrapassa o mero estabelecimento de fins na medida em que por ser um princípio não se esgota no plano axiológico isto é não é um mero valor projetando efeitos no plano normativo por possuir força normativa É importante ressaltar os valores encontramse no âmbito axiológico enquanto que os princípios estão no plano deontológico TAVARES 2010 p 398 Um valor apenas estabelece qual comportamento é mais aconselhável ou mais atrativo diante de certo sistema de valores cuja aplicação sas e poliandria como vários maridos Monogamia significa um cônjuge poligamia traduz vários cônjuges sem definição de sexo Helen Fisher 1992 p 60 entende que a palavra monogamia quase sempre é utilizada de forma equivocada na medida em que ao se definila como a condição de estar casado com apenas uma pessoa por vez não está se estabelecendo que os integrantes dessa união sejam sexualmente fiéis entre si Com isso não necessariamente implicaria a fidelidade de forma que monogamia e fidelidade não são termos sinônimos Mesmo porque o adultério em geral decorre do estabelecimento da prática da monogamia FISHER 1992 p 60 Ao constatar que a monogamia usualmente implica exclusividade de acasalamento David Barash professor de Psicologia da Universidade de Washington e a psiquiatra norteamericana Judith Eve Lipton 2001 p 09 a definem como um sistema social no qual os arranjos reprodutivos aparentemente envolvem um macho e uma fêmea Do mesmo modo Maria Sousa Wallisen Hattori e Maria Mota 2009 p 121 professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN conceituam a monogamia como um tipo de associação em que cada um dos sexos monopoliza somente um indivíduo do sexo oposto para a reprodução havendo a formação de um relacionamento exclusivo de longa duração A psicóloga norteamericana Marianne Brandon 2010 p 7 ressalta que a definição geralmente reproduzida pelas pessoas de que a monogamia representa ser sexualmente fiel a um único parceiro por um período da vida não é a definição verdadeira Literalmente monogamia significa estar casado com uma pessoa E o casamento é entendido como uma instituição social que envolve um compromisso legal entre duas pessoas Nesse cenário nenhuma dessas definições menciona o amor ou o sexo BRANDON 2010 p 78 No âmbito do Direito poucos são os autores que se arriscam a tratar do tema monogamia Não há um estudo aprofundado acerca de sua natureza jurídica muito menos de sua repercussão no sistema normativo Essa também é a impressão de Marcos Alves da Silva 2013 p 141 que desenvolveu uma ótima tese de doutorado sobre o assunto Não existe produção monográfica propriamente dita sobre o princípio da monogamia no direito civil brasileiro O tema é versado nos tratados cursos e manuais de direito civil também em alguns artigos e lateralmente tem sido abordado em dissertações e teses festavam tanto imitando a família matrimonializada quanto paralelamente à união conjugal Em atenção a esse cenário de grande necessidade de desdogmatização da monogamia tendo como base sempre os valores constitucionalmente consagrados cumpre tecer considerações a respeito de sua origem na humanidade e de seu caráter mítico na sociedade pósmoderna procedendose à devida construção de sua natureza jurídica isto é sua qualificação para o mundo do Direito meramente axiológica 221 Origem o Estudo de Friedrich Engels Em sua pesquisa acerca da origem da família da propriedade privada e do Estado Friedrich Engels 1984 p 21 utiliza como marco referencial os estudos e os estágios préhistóricos de cultura de Lewis Henry Morgan36 que podem ser resumidos em selvageria barbárie e civilização subdividindo os dois primeiros estágios em fases inferior média e superior conforme os progressos obtidos na produção dos meios de existência Tornando desde já mais claro o entendimento de cada um desses estágios o período da selvageria se notabiliza pelo matrimônio por grupos havendo a predominância da apropriação de produtos da natureza prontos para serem utilizados As produções artificiais do homem se realizam sobretudo para facilitar tal apropriação ASSIS KUMPEL 2011 p 82 A barbárie se caracteriza pelo matrimônio sindiásmico no qual a monogamia se restringia à mulher Nesse momento surgiram a criação de gado a agricultura por intermédio do trabalho humano a cerâmica e a fundição do ferro Por seu turno o estágio da civilização é marcado pelo matri 36 Olney Queiroz Assis e Vitor Frederico Kumpel 2011 p 81 ensinam que Morgan fundou simultaneamente a Antropologia Social e os estudos de parentesco De acordo com Morgan de todos os fatos sociais os que dizem respeito ao parentesco e ao casamento manifestam no mais alto grau esses caracteres duráveis sistemáticos e contínuos que dão ocasião à análise científica Morgan elege como objeto da antropologia a análise dos processos de evolução que compreendem as ligações entre as relações sociais jurídicas e políticas A ligação entre esses diferentes aspectos do campo social estabelece as características de determinado período da história humana No estudo da sociedade arcaica Morgan introduz duas novidades a primeira toma as sociedades arcaicas como objeto de estudo e as reintegra pela primeira vez na humanidade inteira e ao focar o desenvolvimento material dessas sociedades o conhecimento da história começa a ser posto sobre bases totalmente diferentes das do idealismo filosófico b segunda os elementos da análise comparativa não são mais costumes considerados bizarros e sim redes de interação formando sistemas termo que utiliza para as relações de parentesco mônio monogâmico pela indústria propriamente dita e pela arte ASSIS KUMPEL 2011 p 82 Adentrando os estudos de Friedrich Engels 1984 p 30 a família nunca permanece estacionada no tempo passando por estágios de modificação à medida que a sociedade evolui de um nível mais simples para outro mais complexo Em contrapartida os sistemas de parentescos registram os progressos realizados pela família somente após longos intervalos não sofrendo uma transformação radical senão quando a entidade familiar já se transformou radicalmente A concepção tradicional dos sistemas de parentesco e das formas de família conhece apenas a monogamia ao lado da poligamia de um homem e talvez da poliandria de uma mulher não mencionando o fato de que na prática as barreiras determinadas pela sociedade oficial são tácita e inescrupulosamente transgredidas ENGELS 1984 p 31 Friedrich Engels 1984 p 31 informa que O estudo da história primitiva revelanos ao invés disso um estado de coisas em que os homens praticam a poligamia e suas mulheres a poliandria e em que por consequência os filhos de uns e outros tinham que ser considerados comuns É esse estado de coisas por seu lado que passando por uma série de transformações resulta na monogamia Essas modificações são de tal ordem que o círculo compreendido na união conjugal comum e que era muito amplo em sua origem se estreita pouco a pouco até que por fim abrange exclusivamente o casal isolado Houve uma época primitiva em que o comércio sexual promíscuo dominava as práticas no âmbito da tribo de forma que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres Isso não resultava em um estado social de promiscuidade dos sexos mas sim em um modelo muito posterior o matrimônio por grupos ENGELS 1984 p 31 As formas de matrimônio por grupos são acompanhadas de condições peculiares que indicam a existência de modos anteriores mais simples de relações sexuais e com isso em última análise um momento de promiscuidade correspondente à transição da animalidade à humanidade ENGELS 1984 p 36 Contudo Friedrich Engels 1984 p 3132 aduz que esse estado social primitivo caso se admita que ele realmente tenha existido diz respeito a um período tão remoto que não é possível encontrar qualquer prova direta acerca de sua existência Ressaltese que já no século XIX época da elaboração de sua obra Engels 1984 p 32 constata um movimento de negação a esse período inicial da vida sexual humana com o objetivo de poupar a humanidade dessa suposta vergonha Para tanto seus defensores se embasavam não apenas na falta de provas diretas mas em especial no exemplo do resto do reino animal No entanto o autor destaca que esse movimento não provava nada quanto às práticas sexuais do homem e suas primitivas condições de existência Nesse contexto é importante mencionar que mais recentemente David Barash e Judith Eve Lipton 2001 p 4 demonstraram que entre quase todos os mamíferos37 incluindo a maioria dos primatas a monogamia não é natural Nem mesmo os pássaros como se pensava anteriormente são monogâmicos mas apenas inclinados nessa direção o que se aplica de forma idêntica ao ser humano Com efeito o matrimônio por grupos formado por bandos inteiros de homens e bandos inteiros de mulheres que se pertencem mutuamente é o modelo mais antigo e primitivo da família encontrado por Friedrich Engels 1984 p 3536 Nesse espaço familiar a tolerância recíproca entre os machos adultos e a ausência de ciúmes consubstanciavam a primeira condição para que fosse possível a formação e desenvolvimento desses grupos numerosos e estáveis em cujo cenário unicamente podia realizarse a transformação do animal em homem ENGELS 1984 p 35 Assim é possível perceber que a monogamia não estava presente na origem da família Desse estado social primitivo marcado pelo matrimônio por grupos de acordo com Engels 1984 p 37 derivaram em ordem de evolução a i família consanguínea ii a família punaluana iii a família sindiásmica e iv a família monogâmica Na família consanguínea os arranjos conjugais eram classificados por gerações Todos os avós e avós nos limites da família eram maridos e mulheres entre si o que também se aplicava aos seus filhos isto é aos pais e mães Os filhos destes por sua vez representavam o terceiro círculo de cônjuges comuns enquanto que os seus filhos ou seja os bisnetos dos primeiros integrantes da família representavam o quarto círculo ENGELS 1984 p 3738 37 Marianne Brandon 2010 p 04 também confirma essa informação preceituando que a monogamia é extremamente rara entre os mamíferos já que de acordo com estudos científicos menos de quinze por cento dos primatas e três por cento dos mamíferos são monogâmicos Nesse modelo de família os ascendentes e descendentes isto é pais e filhos são os únicos que de forma mútua estão excluídos dos direitos e deveres do matrimônio Irmãos e irmãs e primos e primas de qualquer grau são todos entre si irmãos e irmãs e por isso maridos e mulheres uns dos outros Isso significa que a ligação de irmão e irmã pressupunha naquele momento a relação carnal mútua ENGELS 1984 p 38 De acordo com Friedrich Engels 1984 a família consanguínea desapareceu não encontrando qualquer incidência na sociedade Por sua vez se o primeiro progresso na organização familiar significou a exclusão dos pais e filhos das relações sexuais recíprocas o segundo foi a exclusão dos irmãos Assim a família punaluana é marcada pela proibição do matrimônio entre irmãos colaterais ENGELS 1984 p 39 A formação da família punaluana sofreu diversas variações tendo como traço definidor essencial uma comunidade recíproca de maridos e mulheres no âmbito de um determinado círculo familiar do qual foram eliminados todavia os irmãos carnais e posteriormente também os irmãos mais afastados das mulheres acontecendo o mesmo com as irmãs dos maridos ENGELS1984 p 40 É importante mencionar que em todas as formas de família por grupos como a família consanguínea e a família punaluana não era possível saber com certeza quem era o pai de uma criança mas apenas quem era a mãe Assim nos matrimônios por grupos a descendência só poderia ser determinada do lado materno o que implicava que se reconhecesse apenas a linhagem feminina ENGELS 1984 p 43 Ademais no regime do matrimônio por grupos ou até mesmo antes a união por pares com duração mais ou menos longa já era formada O homem tinha uma mulher principal ainda não se pode dizer que fosse uma favorita entre suas numerosas esposas e era para ela o esposo principal entre todos os outros ENGELS 1984 p48 A medida que as gens foram evoluindo mais classes numerosas de irmãos e irmãs entre os quais não poderia mais haver o casamento iam se formando Com isso a união conjugal por pares foi se consolidando ENGELS 1984 p 48 A exclusão progressiva primeiro dos parentes próximos depois dos parentes distantes e por último das pessoas vinculadas somente por aliança tornava impossível qualquer matrimônio por grupos ENGELS 1984 p 49 De acordo com Friedrich Engels 1984 p 49 Grifo nosso isso prova quão pouco tem a ver a origem da monogamia com o amor sexual individual na actual acepção da palavra Com as crescentes proibições de casamento as uniões por grupos foram se tornando cada vez mais impossíveis Destarte foram substituídas pela família sindiásmica assim definida por Friedrich Engels 1984 p 49 Neste estágio um homem vive com uma mulher mas de maneira tal que a poligamia e a infidelidade ocasional continuam a ser um direito dos homens embora a poligamia seja raramente observada por causas econômicas ao mesmo tempo exigese a mais rigorosa fidelidade das mulheres enquanto dure a vida em comum sendo o adultério destas cruelmente castigado O vínculo conjugal todavia dissolvese com facilidade por uma ou por outra parte e depois como antes os filhos pertencem exclusivamente à mãe A passagem da família sindiásmica para a família monogâmica se efetivou em virtude da mulher Quanto mais as antigas relações sexuais se desvencilhavam de seu caráter inocente primitivo e selvagem em razão do desenvolvimento das condições econômicas mais injustas e opressivas pareciam essas relações para as mulheres que com maior força deviam almejar o direito à castidade e o direito ao matrimônio temporário ou definitivo com um só homem ENGELS 1984 p 5556 Essa transição não poderia ser atribuída ao homem pelo simples fato de que ele nunca pensou em renunciar aos prazeres de um matrimônio por grupos Somente após a concretização pela mulher da passagem ao casamento sindiásmico é que foi possível aos homens introduzirem a estrita monogamia que na verdade era observada apenas pelas mulheres ENGELS 1984 p 56 Delimitando a incidência de cada uma das aludidas famílias nos períodos de tempo definidos pelo autor A família sindiásmica aparece no limite entre o estado selvagem e a barbárie no mais das vezes durante a fase superior do primeiro apenas em certos lugares durante a fase inferior da segunda É a forma de família característica da barbárie como o matrimônio por grupos é a do estado selvagem e a monogamia é a da civilização ENGELS 1984 p 56 A partir da família sindiásmica houve a introdução de um novo elemento na família junto à verdadeira mãe havia também o verdadeiro pai ENGELS 1984 p 58 Isso acabou contribuindo para o desmoronamento do direito materno O homem se apropriou da direção da casa e a mulher foi convertida em escrava de sua luxúria em simples instrumento de reprodução ENGELS 1984 p 61 Desse modo a família sindiásmica evoluiu para o poder exclusivo dos homens caracterizada não pela poligamia mas pela organização de um determinado número de indivíduos livres e não livres em uma família sujeita ao poder paterno de seu chefe o qual vive em plena poligamia enquanto que os escravos têm uma mulher e filhos Os elementos característicos dessa família são a incorporação dos escravos e o domínio paterno ENGELS 1984 p 61 De acordo com Engels 1984 p 62 Esta forma de família assinala a passagem do matrimônio sindiásmico à monogamia Para assegurar a fidelidade da mulher e por conseguinte a paternidade dos filhos aquela é entregue sem reservas ao poder do homem quando este a mata não faz mais do que exercer o seu direito Com efeito a família monogâmica nasce da família sindiásmica no período de transição entre a fase média e a fase superior da barbárie ENGELS 1984 p 66 Ela se funda no predomínio do homem tendo como finalidade expressa a procriação dos filhos cuja paternidade era indiscutível E essa paternidade indiscutível era exigida na medida em que os filhos como herdeiros diretos entrariam algum dia na posse dos bens de seu pai ENGELS 1984 p 66 Friedrich Engels 1984 p 66 estabelece o perfil da família monogâmica A família monogâmica diferenciase do matrimônio sindiásmico por uma solidez muito maior dos laços conjugais que já não podem ser rompidos por vontade de qualquer das partes Agora como regra só o homem pode rompêlos e repudiar sua mulher Ao homem igualmente se concede o direito à infidelidade conjugal sancionado ao menos pelo costume o Código de Napoleão outorgao expressamente desde que ele não traga a concubina ao domicilio conjugal e esse direito se exerce cada vez mais amplamente à medida que se processa a evolução da sociedade Quando a mulher por acaso recorda as antigas práticas sexuais e intenta renoválas é castigada mais rigorosamente do que em qualquer outra época anterior Na forma clássica e rígida dos gregos a monogamia exigiu que a mulher legítima tolerasse a humilhação pelo predomínio do homem bem como guardasse uma castidade e uma fidelidade conjugal bastante rigorosas A mulher apenas governava a casa e vigiava as escravas as quais o homem poderia transformar por sua vontade em concubinas ENGELS 1984 p 67 A existência da escravidão junto à monogamia e a presença de belas jovens que pertencem de corpo e alma ao homem são o que produzem desde a origem uma natureza específica à monogamia tratase de uma prática restrita à mulher que não se aplicaria ao homem ENGELS 1984 p 67 Essa então foi a origem da monogamia Ela não representou o fruto do amor sexual individual com o qual em nada se relacionava pois os casamentos permaneceram guiados pela conveniência Traduzia a primeira forma de família que não se embasava em condições naturais mas econômicas bem como no triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva nascida espontaneamente Os gregos proclamavam abertamente que os únicos objetivos da monogamia eram a preponderância do homem na família e a procriação de filhos que só pudessem ser seus para herdar dele ENGELS 1984 p 70 Isso explica a tendência de considerar a monogamia ligada ao reconhecimento da propriedade privada ou seja originalmente a mulher seria proibida de se relacionar com outros homens pelo fato de pertencer ao marido Para o homem a monogamia seria tão somente uma fachada sendo muito comum ao longo da história a manutenção de relacionamentos fora do casamento sejam eventuais ou até mesmo estáveis DONIZETTI QUINTELLA 2013 p 909910 A monogamia não aparece na história como uma reconciliação entre o homem e a mulher muito menos como uma modalidade mais elevada de matrimônio Pelo contrário ela se origina sob as vestes de uma escravização de um sexo pelo outro como a consagração de um conflito entre os sexos ignorado até então na préhistória ENGELS 1984 p 70 Nesse cenário Friedrich Engels 1984 p 7071 assevera que o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia e a primeira opressão de classes com a opressão do sexo feminino pelo masculino A monogamia foi um grande progresso histórico mas ao mesmo tempo iniciou juntamente com a escravidão e as riquezas privadas aquele período que dura até nossos dias no qual cada progresso é simultaneamente um retrocesso relativo e o bemestar e o desenvolvimento de uns se verificam às custas da dor e da repressão de outros É importante destacar que com a monogamia houve o aparecimento de duas figuras sociais constantes e características que até então não Assim como nas relações entre as raposas entre os piscosdepeitoruivo e entre muitas outras espécies que se acasalam apenas durante o período de reprodução os vínculos conjugais humanos se desenvolveram em princípio para durar somente o tempo necessário para criar um filho dependente durante a infância isto é os primeiros quatro anos a menos que um segundo filho fosse concebido Por fim qualquer que tenha sido sua origem e razão de ser a monogamia reúne normas cuja finalidade é controlar os impulsos sexuais humanos Como a família desde sempre foi a célula básica da sociedade confundindose antigamente com o núcleo conjugal tornouse indispensável a criação de uma forma de protegêla restringindo a prática do sexo DONIZETTI QUINTELLA 2013 p 910 Nesse sentido Rodrigo da Cunha Pereira 2012b p 130131 ao constatar que não há cultura socialização ou sociabilidade sem que haja proibições e interdições ao desejo estabelece que o Direito funciona como uma sofisticada técnica de controle de forma que a monogamia assim como a poligamia caracteriza um interdito capaz de possibilitar a organização da família 222 Mito da Monogamia A ideia de um relacionamento monogâmico que dure pela vida toda como o único objetivo adequado no campo sentimental está tão profundamente enraizada na cultura do Ocidente que se torna quase invisível nós nos restringimos a essas crenças mesmo sem saber se acreditamos nela E essa noção sempre circunscreve o ser humano seus valores desejos mitos e expectativas sem que por ele seja notada até que um dia nela tropece EASTON HARDY 2009 p 13 Os homens e as mulheres são induzidos a pensar que uma forma de relacionamento casamento heterossexual monogâmico que dura pela vida toda é a única correta Espalhouse a ideia de que a monogamia é natural e normal e caso o desejo de alguém não se adeque a tal restrição essa pessoa é qualificada como moralmente deficiente e psicologicamente perturbada que vai de encontro à natureza EASTON HARDY 2009 p 13 ram em comunidades muito semelhantes às dos chimpanzés modernos Todos reproduziam com quase todos salvo com a mãe e com os irmãos diretos Depois a monogamia em série foi aparecendo de forma gradual Entretanto a forma de vida dos babuínos nos forneceu um modelo fascinante para a compreensão de como evoluíram os vínculos conjugais o núcleo familiar e o divórcio nas sociedades primárias FISHER 1992 p 148 Tradução nossa 54 Entretanto a monogamia como padrão relacional do ser humano não passa de um verdadeiro mito Nesse sentido Helen Fisher 2010 p 27 Tradução nossa Os antropólogos têm muitas pistas acerca da vida de nossos antepassados os mortos falam Há milhões de anos atrás as crianças eram mais propensas a experimentar o sexo e o amor aos seis anos Adolescentes viviam juntos em relacionamentos conhecidos como trial marriages Os próprios homens e mulheres escolhiam seus parceiros Muitos eram infiéis uma tendência comum em 42 culturas que foram analisadas por mim Quando nossos antepassados se encontravam em uma relação infeliz dela saíam Há milhões de anos atrás de acordo com as suspeitas dos antropólogos muitos homens e mulheres tinham dois ou três relacionamentos de longo prazo no decorrer de suas vidas Todos esses hábitos primordiais estão retornando Portanto cumpre desconstruir o mito da monogamia na sociedade ocidental trazendo razões para sua desdogmatização diante do regime jurídicofamiliar o que será realizado por intermédio de duas perspectivas i jurídica e ii antropológica e psicológica 2221 Perspectiva jurídica Em uma perspectiva jurídica o Direito Canônico foi fundamental para a construção da envergadura e do cerne da concepção da família e da conjugalidade Nem mesmo a Revolução Francesa que proclamou a separação entre Igreja e Estado teve a capacidade de eliminar totalmente a influência desse Direito no âmbito da regulação matrimonial SILVA 2013 p 6869 Para entender tal ingerência da Igreja nos assuntos relacionados ao matrimônio e por conseguinte compreender algumas das razões do mito da monogamia cumpre destacar aspectos pertinentes ao Concílio de Trento um referencial importante por ter condensado o pensamento que se perpetuou por séculos da Igreja Católica quanto ao matrimônio SILVA 2013 p 68 A Reforma religiosa decorrente das grandes transformações econômicas culturais sociais e políticas havidas na Europa ao longo dos séculos XV e XVI atingiu fortemente a autoridade da Igreja no âmbito do casamento Como reação ela passou a adotar no Concílio de Trento que ocorreu de 1545 a 1563 medidas importantes quanto ao matrimônio MALUF 2010 p 22 De acordo com Marcos Alves da Silva 2013 p 6869 55 O Concílio de Trento instalado em 13121545 estendeuse por quase duas décadas Representou uma resposta à Reforma Protestante Seus decretos expressam as máximas da chamada Contrarreforma Os grandes temas que se colocavam para a Igreja desde questões dogmáticas disciplinares e de ordem foram tratados Entre as questões doutrinárias estava a problemática dos sacramentos e como um deles o casamento foi consagrado e burlado A doutrina geral dos sacramentos começou a ser discutida na VII sessão em março de 1547 porém somente em 11111563 na XXIV sessão foram promulgados doze cânones e um decreto De Reformatione Matrimonii e também o chamado Decreto Tametsi O cânone I do aludido Concílio declarou o casamento como um dos sete sacramentos da Igreja Católica Romana Com isso a Igreja chamou para si a autoridade de estabelecer as condições de validade do casamento com o intuito de regulálo de maneira detalhada SILVA 2013 p 70 Após o Concílio de Trento diversos escritos de moral prática foram publicados sob a forma de compilações catequéticas de regras simples de conduta que buscavam propagar o ideário do sacramento do matrimônio moldado pelo Concílio SILVA 2013 p 71 Isso significa que a origem de um controle geral bem como da uniformização das regras do casamento revelaos como uma obra da Igreja Mesmo porque antes do Concílio de Trento a despeito das normas esparsas elaboradas pela Igreja Católica Romana o casamento traduzia uma cerimônia doméstica de caráter privado SILVA 2013 p 71 Por sua vez o cânone II do Concílio de Trento edificou a monogamia como princípio norteador do casamento SILVA 2013 p 74 ao estabelecer que se alguém disser que é lícito aos cristãos ter ao mesmo tempo muitas mulheres e que isso não está proibido por nenhuma lei divina será excomungado CÂNONES 2014 O Decreto Tametsi de 1563 fez com que o casamento se tornasse um contrato solene por meio do qual deveriam ser observadas diversas formalidades levando os casamentos clandestinos à nulidade pois o matrimônio deve ser realizado in face ecclesiae MALUF 2010 p 22 Em seu capítulo VIII ao tratar da condenação do concubinato o aludido Decreto estabelece uma verdadeira gradação Para os homens solteiros caracterizava um pecado grave enquanto que para os casados um pecado gravíssimo notadamente quando as concubinas fossem trazidas e mantidas na casa da família SILVA 2013 p 76 As punições se diferenciavam quanto aos homens e às concubinas Aqueles seriam advertidos a abandonar o estado de concubinato sob pena de não atendendo serem excomungados Para as concubinas os castigos eram mais rigorosos inclusive com a expulsão da cidade se assim entendesse a autoridade eclesiástica SILVA 2013 p 76 Com efeito é fácil constatar nos termos dos ensinamentos de Marcos Alves da Silva 2013 p 76 que O Concílio de Trento certamente uniformizou a matéria atinente ao casamento e traçou as diretrizes para a sua regulação Entre os princípios enunciados o da monogamia foi consagrado com toda clareza e força influenciando a concepção jurídica da conjugalidade até os dias atuais e só experimentando arrefecimento a partir da segunda metade do século XX As normas matrimoniais elaboradas pelo Concílio de Trento se impuseram em Portugal não apenas por força da legislação eclesiástica mas também como consequência de um bemsucedido movimento pastoral doutrinário e catequético por intermédio de obras didáticas e de cunho moral SILVA 2013 p 77 Em 1564 o Estado português e a Santa Sé mantinham uma grande parceria Desse modo a preocupação em obedecer e tornar viável a execução pronta e integral das disposições da Igreja em Portugal é explicada pela reunião dos dois poderes espiritual e temporal SILVA 2013 p 80 A Igreja como que se incorporava ao Estado para o trato das matérias aprovadas no Concílio de Trento o que também justifica a grande força dos decretos tridentinos no Direito português SILVA 2013 p 81 Dessa forma nos países católicos as diretrizes tridentinas relativas à regulação do matrimônio tiveram ampla propagação apoiandose não somente por força da lei mas também por intermédio de um significativo esforço catequético A fixação deste modelo de casamento na cultura e no imaginário destes povos latinos será transposta com certa fluência para a legislação civil mesmo depois das revoluções burguesas SILVA 2013 p 82 Até a Revolução Francesa de 1789 não apenas na França mas também em todos os Estados europeus de origem latina as doutrinas tridentinas sobre o matrimônio tinham sido referendadas pelo Poder Público de forma que quanto à conjugalidade a lei da Igreja era a lei do Estado SILVA 2013 p 82 É certo que a Revolução Francesa representou um rompimento entre Estado e Igreja A passagem do casamento das mãos da Igreja para as 56 mãos do Estado resultou nos primeiros momentos em uma verdadeira sacralização da laicidade Entretanto Marcos Alves da Silva 2013 p 83 afirma que esse movimento não teve o condão de se impor41 mesmo porque por meio da Concordata de 180142 o casamento religioso voltou a ser admitido paralelamente ao civil O Código Civil francês de 1804 permaneceu fiel aos princípios consagrados na Constituição francesa de 1791 de maneira que o casamento continuou sendo regulado pela lei civil Por outro lado o diploma legal incorporou boa parte do regramento e das formalidades do casamento canônico notadamente quanto aos impedimentos às nulidades ao pátrio poder e ao poder marital Em matéria matrimonial o direito civil ainda estava muito arraigado ao Antigo Regime SILVA 2013 p 84 Com efeito do controle da Igreja o casamento passa ao controle do Estado A pretensão do Concílio de Trento de uniformização do matrimônio passa a ser exercida pelo Estado Não se trata de uma transformação mas sim de uma simples transposição SILVA 2013 p 85 Se na França a ligação entre Igreja e Estado em matéria de casamento é altamente perceptível no Brasil em razão da tardia proclamação da República essa conexão foi ainda mais notável SILVA 2013 p 85 Assim a era da codificação transformou os Códigos Civis em verdadeiros estatutos de exclusão O reconhecimento de uma única família a 41 Vale mencionar a existência de opinião em sentido contrário A revogação do Édito de Nantes em 1685 conduziu à perda do caráter sacramental do casamento Assim com o monopólio da Igreja em matéria de casamento posto em cheque abriuse espaço para a regulamentação dos mesmos pelo Estado levando a uma secularização e laicização do casamento geradas pelos ideais da Revolução Francesa e dos seus efeitos no Código Civil de 1805 O casamento passou a ser definido como um contrato civil art 7 Tit 2 da Constituição Francesa de 1791 seguido da autorização do divórcio por lei votada em 20 de setembro de 1792 Como lecionam os Mazeaud os ideais dos filósofos do século XVIII transformaram o casamento numa verdadeira união livre formandose e dissolvendose ao prazer dos contraentes defendeu Rousseau a ideia do estado de natureza em matéria de constituição familiar e entendeu Voltaire que o divórcio era uma necessidade natural observadas as formalidades estabelecidas na lei Retirase assim da família seu fundamento principal o casamento passandose a perquirir desse modo a equiparação jurídica das diversas formas de composição familiar bem como o status legal da prole advinda da pluralidade dessas relações MALUF 2010 p 2223 42 Cumpre trazer maiores explicações acerca dessa Concordata No começo do século XIX ainda persistia esse primado do Estado sobre a Igreja levado às suas extremas consequências quando Napoleão firmou com o Papa Pio VII em 1801 a Concordata na qual se declarava expressamente que a Igreja ficava sujeita ao Estado E quando o Papa descumpriu as ordens do Imperador francês este o aprisionou e anexou ao seu Império todos os Estados papais inclusive Roma MALUF 2011 p 380 formada pelo casamento a elaboração de um catálogo taxativo de impedimentos matrimoniais a consagração civil de um sacramento religioso consubstanciado na indissolubilidade do vínculo matrimonial a estigmatização dos filhos advindos fora do casamento entre outros aspectos fizeram com que vários sujeitos fossem colocados à margem do sistema jurídico SILVA 2013 p 8687 Nesse cenário Marcos Alves da Silva 2013 p 88 assevera que O princípio da monogamia consagrado nos sistemas jurídicos inspirados nas codificações oitocentistas prestarseá como uma luva à realização das finalidades patrimonialistas que têm como consequência ou efeito colateral o estabelecimento de páreas civis especialmente um contingente significativo de mulheres43 que jamais ascenderão à condição de cidadania propalada pelo ideário liberal republicano cidadania esta que deveria ter no Código Civil sua expressão jurídica de maior fôlego Ainda de acordo com Marcos Alves da Silva 2013 p 89 Grifo nosso a codificação exerceu influência marcante em diversos países O Código de Napoleão será referência e inspiração para outros tantos códigos nos séculos XIX e XX A pretensão de um direito natural positivado abrangerá a regulação das relações de família e em seu âmbito o princípio da monogamia desponta como um pressuposto inquestionável recepcionado da ordem natural das coisas Sob esse manto mítico da racionalidade iluminista o princípio passa praticamente incólume até o último quadrante do século XX 2222 Perspectivas antropológica e psicológica Em uma perspectiva antropológica e psicológica a psicoterapeuta Dossie Easton e a escritora norteamericana Janet Hardy 2009 p 13 Tra 43 Em decorrência da consagração do princípio da monogamia como um dogma do Direito das Famílias as mulheres que optam por não seguilo sofrem pesadas consequências Nesse sentido a professora norteamericana Jade Aguilar 2013 p 107 Tradução nossa afirma que ao rejeitarem a monogamia as mulheres experimentam repercussões particularmente graves Entre as conseqüências menos graves estão ser rotulada como promíscua e ter sua moralidade questionada entre as consequências mais graves está a perda de seus filhos familiares amigos trabalhos eou suas reputações Essas repercussões vão muito além da mera desaprovação social de um comportamento desviante dução nossa afirmam que essa ideia de relacionamento monogâmico teria nascido com a sociedade rural Nossas crenças sobre o casamento tradicional remontam às culturas agrárias onde você fazia tudo o que comia vestia ou usava onde grandes famílias ajudavam a obter uma enorme quantidade de trabalho para que ninguém passasse fome e onde o casamento era uma proposta de trabalho Quando nós conversamos sobre os valores tradicionais da família esta é a família da qual nós estamos falando uma família extensa composta de avós tias e primos uma organização para realizar o trabalho de permanecer vivo Hoje nós vemos grandes famílias que funcionam de forma tradicional nos Estados Unidos frequentemente em culturas que foram transplantadas em período recente de outros países ou como um sistema de suporte básico entre populações economicamente vulneráveis no âmbito urbano ou rural Entretanto a família nuclear consistente nos pais e filhos relativamente isolados do resto da entidade familiar é uma relíquia da classe média do século XX As crianças já não trabalham na fazenda ou nos negócios da família sendo criadas quase que como um animal de estimação por seus pais ou responsáveis EASTON HARDY 2009 p 14 O casamento moderno não é mais essencial para a sobrevivência tendo como objetivos o conforto a segurança o sexo a intimidade e a conexão emocional A realidade econômica se modificou significativamente de forma que a maioria das pessoas pode deixar os relacionamentos em que não estão satisfeitas e não morrerão de fome por essa atitude EASTON HARDY 2009 p 14 Nesse cenário a monogamia é uma escolha e não um fato incontestável nos relacionamentos BRANDON 2010 p xiv Dossie Easton e Janet Hardy 2009 p 1720 fazem uma lista acerca dos mitos que giram em torno dos relacionamentos modernos i longas relações monogâmicas são as únicas reais ii o amor romântico é o único real iii o desejo sexual é uma força destrutiva iv amar alguém permite o controle de seu comportamento v os ciúmes são inevitáveis e impossíveis de serem superados vi envolvimentos externos reduzem a intimidade no relacionamento primário e vii o amor conquista tudo Entretanto de acordo com David Barash e Judith Eve Lipton 2001 p 1 no intuito de manter um vínculo sexual e social com apenas um homem ou uma mulher os praticantes da monogamia estão indo de encontro a manifestações inclinações evolucionárias de diversas criaturas dentre as quais o ser humano Isso porque há uma grande evidência de que os seres humanos não são naturalmente monogâmicos44 bem como vários animais que à primeira vista eram monogâmicos na verdade não são Para ter certeza os seres humanos podem ser monogâmicos mas se nós devemos ser monogâmicos é outra questão completamente diferente porém não se engane isso é incomum e difícil BARASH LIPTON 2001 p 1 Tradução nossa De acordo com desenvolvimentos recentes no estudo da evolução da Biologia e com a tecnologia mais atual não há dúvidas de que sentir desejo sexual por diversas pessoas é totalmente natural Da mesma forma simplesmente não há nenhuma dúvida sobre a naturalidade da monogamia ela não é natural BARASH LIPTON 2001 p 2 Tradução e grifo nossos Por sua vez Marianne Brandon 2010 p 03 com base em pesquisas sobre os seres humanos informa que de cento e oitenta e cinco sociedades apenas vinte e nove restringiram ou restringem formalmente seus membros à prática da monogamia E nas sociedades consideradas monogâmicas casos de uniões paralelas ao matrimônio ocorrem de maneira regular Além disso mesmo o corpo humano oferece indicativos acerca dos nossos padrões de acasalamento natural muitas das nossas características entram em conflito com as das espécies monogâmicas BRANDON 2010 p 3 Antropólogos informam que apenas dezesseis por cento da sociedade mundial permanece praticando exclusivamente a monogamia A maioria das pessoas em grande parte das sociedades não é sexualmente monogâmica Nesse cenário o divórcio parece ser um fenômeno que ultrapassa as culturas BRANDON 2010 p 89 Desse modo não há evidências vindas da Biologia ou da Antropologia de que a monogamia é natural ou normal para os humanos BRANDON 2010 p 3 Tradução nossa Por outro lado Helen Fisher 1992 p 6869 partindo do pressuposto de que o ser humano parece estar psicologicamente condicionado à formação de casais com uma só pessoa afirma que a monogamia é natural abarcando entretanto exceções Isso porque outras práticas relacionais como a poliandria e a poliginia também seriam naturais dependendo da capacidade de persuasão dos 44 Nesse sentido Marianne Brandon 2010 p xiii estabelece que a monogamia como hoje é entendida não reflete necessariamente um estado natural do ser humano Pelo menos não para todas as pessoas A autora chega a afirmar que a maioria dos seres humanos não é naturalmente monogâmica BRANDON 2010 p 3 Tradução nossa indivíduos envolvidos nesse relacionamento utilizandose de bens materiais como moeda de troca Caso tenham oportunidade os homens muitas vezes optam por ter várias esposas para aumentar sua perdurabilidade genética A poliiginia também é natural As mulheres se integram a haréns quando os recursos que obtêrão pesem mais do que as desvantagens A poliandria é natural Mas as coesposas entram em conflito da mesma forma que os comaridos Tanto os homens quanto as mulheres devem ser persuadidos por meio dos bens materiais para decidir compartilhar seu cônjuge A monogamia é a regra geral Não é quase nunca necessário persuadir os seres humanos a formarem casais Fazemos isso naturalmente Nós flertamos nos apaixonamos e nos casamos E a grande maioria de nós se casa com uma só pessoa por vez FISHER 1992 p 69 Tradução nossa Fortalecendo seu entendimento a partir de pesquisas mais recentes a antropóloga Helen Fisher 2006 assevera que o ser humano possui três sistemas cerebrais diferentes que há milhões de anos evoluíram por meio da formação de pares e da reprodução i o impulso ou desejo sexual representado pelo intenso desejo de obter uma gratificação sexual ii o amor romântico traduzido na felicidade e na obsessão no início do amor e iii o apego ou a conexão que se refere ao sentimento de calma e segurança proporcionado pela existência de um parceiro de longa data O impulso sexual evoluiu para fazer com que os seres humanos realizem buscas no sentido de alcançar vários parceiros sexuais Ele traduz um sentimento que ocorre a qualquer tempo podendo não ser focado em uma pessoa específica mas em vários indivíduos FISHER 2006 Por sua vez o amor romântico evoluiu para possibilitar que o ser humano tenha capacidade de focar toda a sua energia reprodutiva em apenas um indivíduo de cada vez economizando dessa forma seus esforços e seu tempo Já o apego evoluiu para permitir que a pessoa tolere seu parceiro pelo menos por tempo suficiente para formar uma união e criar uma criança FISHER 2006 A antropóloga constatou que a entrada da mulher no mercado de trabalho vem provocando grandes impactos sobre esses três sistemas cerebrais modificando sobremaneira o entendimento do sexo do amor romântico e da vida familiar FISHER 2006 Na sociedade ocidental as mulheres estão começando a expressar sua sexualidade iniciam mais cedo sua vida sexual têm mais parceiros e menos filhos casamse mais tarde e deixam casamentos ruins para buscar casamentos que as satisfaçam Tudo isso sugere um crescimento da expressão sexual feminina FISHER 2006 Entretanto esses três sistemas cerebrais desejo amor romântico e apego nem sempre caminham juntos podendo não estar conectados uns aos outros É possível que alguém sinta um profundo apego por um parceiro ou parceira de longa data ao mesmo tempo em que vive um intenso amor romântico por outro indivíduo bem como no mesmo período sinta desejo sexual por pessoas diferentes desses parceiros ou parceiros FISHER 2006 Assim nós somos capazes de amar mais de uma pessoa por vez FISHER 2006 Nesse cenário Helen Fisher 2006 defende sua orientação Na verdade você pode deitar na sua cama à noite e oscilar entre sentimentos profundos de apego por alguém e sentimentos profundos de amor romântico por outra pessoa Então eu realmente não acho que somos um animal feito para ser feliz mas sim para reproduzir Acho que a felicidade que encontramos é a que construímos Penso também que podemos construir bons relacionamentos uns com os outros Por seu turno sem considerar a constatação de Friedrich Engels acerca de sua origem como instrumento de conservação do patrimônio Marianne Brandon 2010 p 9 ao procurar respostas para as dúvidas sobre a consolidação da monogamia na sociedade ocidental chega à conclusão de que os seres humanos interpretaram o casamento e a monogamia de uma forma diferente da disposição estabelecida pela natureza O homem é dotado de consciência integridade e compaixão de maneira que terminar um relacionamento amoroso a cada ano parece ser impiedoso e cruel BRANDON 2010 p 9 Além disso os membros de uma relação amorosa interrompida permanecem em geral emocionalmente ligados ainda que não haja sentimento de paixão ou de amor Como resultado os seres humanos se utilizaram da estratégia da natureza de acasalamentos por um curto prazo e a modificaram para grandes períodos no tempo Nós mudamos as regras da Mãe Natureza Ao invés de sermos monogâmicos por poucos anos tornamonos monogâmicos pela vida toda BRANDON 2010 p 9 Tradução nossa Talvez o mito da monogamia tenha se espalhado pelo Ocidente por motivos culturais no sentido de que a sociedade ocidental possui a cultura romântica de admirar grandes histórias de amor Praticamente todos os indivíduos se maravilham e idealizam a noção de um amor duradouro E ainda que não seja natural a monogamia tem o condão de confe rir uma série de benefícios aos casais com longos relacionamentos BRANDON 2010 p 5 Nesse sentido Marianne Brandon 2010 p 15 Tradução nossa estabelece que O casamento e a monogamia existem por que eles são boas ideias A monogamia sexual oferece recompensas reais e significantes àqueles que a praticam bem como para a nossa cultura As vantagens para as crianças são talvez as mais óbvias As crianças criadas em casas com dois pais desfrutam de inúmeros benefícios Elas tendem a melhor se ajustar emocional intelectual sexual e fisicamente Em contrapartida crianças de pais divorciados passam por grandes desafios nessas áreas Eles atingem a puberdade e têm relações sexuais mais cedo além de ter mais parceiros sexuais Mas as crianças não são as únicas que obtêm benefícios com a monogamia Mães e pais experimentam ganhos emocionais físicos jurídicos e financeiros decorrentes do casamento Contudo Dossie Easton e Janet Hardy 2009 p 17 constatam que tudo aquilo que se pode conseguir com uma longa relação monogâmica também pode ser obtido com qualquer outra relação Parceria apego profundo laços parentais acentuados crescimento pessoal cuidados e companhia na velhice também podem guiar relacionamentos não monogâmicos Mesmo porque quando se fala em monogamia está se referindo a uma forma de organização da família conjugal O seu avesso não representa a promiscuidade PEREIRA 2012b p 128 podendo significar a construção de relacionamentos que respeitem a dignidade de seus integrantes fundados no consentimento na honestidade na confiança e no respeito mútuo alcançando o objetivo da família pósmoderna qual seja a promoção e o desenvolvimento da personalidade de seus membros Ademais a professora Jade Aguilar 2013 p 106107 Tradução e grifo nossos da Willamette University que se localiza no Estado de Oregon nos Estados Unidos assevera que A monogamia permanece sendo a ideologia dominante na maioria da cultura ocidental Essa crença considera que a monogamia não é apenas o modelo de maior sucesso para as relações íntimas mas o único Vários fatores sociais sustentam a ideologia da monogamia mas dois deles são particularmente fortes a sua institucionalização na forma do casamento e a construção da monogamia como um componente natural da Biologia e evolução humana O Estado une esses dois fatores por meio da codificação da monogamia em lei através do casa profunda transformação das concepções estritamente formalistas do Direito TAVARES 2010 p 399400 Ao identificar três aspectos da realidade realidade da natureza realidade dos valores e realidade da cultura Silvio de Salvo Venosa 2010 p 13 aduz que no mundo dos valores o ser humano confere determinadas significações e qualidades aos fatos e às coisas conhecidas Nesse cenário tudo o que o afeta possui um valor A atribuição de valores às coisas da realidade caracteriza uma necessidade vital do ser humano Sempre haverá algo que nos agrade ou nos desagrade mais ou menos algo de que tenhamos maiores ou menores necessidades Esse então seria o mundo dos valores VENOSA 2010 p 13 No âmbito social todas as pessoas necessitam de segurança trabalho lazer cooperação religião etc Tais necessidades são valoradas pelo ser humano por meio de suas condutas VENOSA 2010 p 13 Quando se admite que certa pessoa é boa ou má bonita ou feia simpática ou antipática o que se está fazendo é a atribuição de um valor esse valor é pessoal podendo não ser idêntico ao do grupo ou de toda a sociedade Assim o homem honesto atribuirá valores diversos à Moral e à Ética que o desonesto VENOSA 2010 p 13 Com efeito Sílvio de Salvo Venosa 2010 p 13 afirma que a conduta humana não pode prescindir de uma escala de valores a reger os atos as ações aceitáveis e inaceitáveis em sociedade A axiologia estuda esse mundo de valores As normas éticas valemse dos valores para estabelecer comportamentos ou condutas humanas aceitáveis As normas técnicas resultam da observação e do trabalho do homem sobre a natureza e também integram o mundo da cultura sem prescindir dos valores Não há diferença entre a cultura material e a cultura intelectual ou espiritual É importante mencionar que os processos valorativos se modificam de maneira contínua na sociedade seja em virtude da história seja como decorrência da topologia geográfica Embora haja a possibilidade da existência de valores constantes e permanentes o Direito está em contínua alteração sendo um sistema organizado de valores VENOSA 2010 p 14 Como em qualquer manifestação do universo cultural o Direito depende dos valores que lhes são absolutamente essenciais na medida em que várias normas são estabelecidas com base nesses valores VENOSA 2010 p 15 Um exemplo disso é a própria monogamia que será qualificada no trabalho como um valor 60 desimportante A partir de certa relevância há valores que passam a ser considerados ocorre a valoração Quando os valores são imateriais pertencem ao campo do que denominamos bens como o amor a solidariedade a dignidade a liberdade e a justiça Isso significa que o domínio dos valores pressupõe a escolha de um caminho a atribuição de um qualificativo uma seletividade isto é uma tomada de posição VENOSA 2013 p 210 Complementando seu raciocínio Sílvio de Salvo Venosa 2010 p 210 ensina que sob esse prisma há valores universais próprios a qualquer ser humano há valores que somente importam ao homem ocidental há valores que somente podem ser aferidos em determinada cultura e em certo momento histórico e assim por diante há valores albergados pelo Direito e pela Moral há valores repelidos por estes e pela sociedade Axiologia jurídica é o estudo dos valores jurídicos Desse modo valores jurídicos são atos fatos fenômenos sociais que merecem uma apreciação ou estimativa do Direito em razão de sua repercussão social Humberto Ávila 2001 p 18 estabelece que os princípios não se identificam com valores visto que esses não impõem o que deve ser mas o que é melhor Do mesmo modo nas situações em que há uma colisão entre valores a solução não preceitua o que é devido mas somente indica o que é melhor Ao invés do caráter deontológico dos princípios os valores repitase possuem natureza meramente axiológica Os princípios relacionamse aos valores porquanto o estabelecimento de fins implica uma qualificação positiva de um estado de coisas que se deseja promover Entretanto afastamse dos valores por se situarem na dimensão deontológica e por conseguinte estipularem a obrigatoriedade de adoção de condutas necessárias à promoção gradual de um estado de coisas ÁVILA 2012 p 87 Além disso os princípios não se restringem ao mero estabelecimento de fins Os fins somente indicam um estado desejado ou uma decisão acerca da realização desse estado sem que seja estipulado um dever ser O estabelecimento de fins só passa a constituir um princípio quando justificado por meio de um dever ser ÁVILA 2001 p 18 Por sua vez os valores situamse no plano axiológico ou meramente teleológico e por isso apenas atribuem uma qualidade positiva a determinado elemento ÁVILA 2012 p 87 Portanto os princípios não são apenas valores cuja realização fica na dependência de meras preferências pessoais como se o intérprete pudesse aplicálos somente quando assim o desejasse Pelo contrário caracterizam o dever de adotar comportamentos necessários à realização de certo estado de coisas ÁVILA 2012 p 141 Cumpre destacar que Humberto Ávila 2012 p 137 define o valor como algo que estabelece qual comportamento é mais aconselhável ou mais atrativo conforme determinado sistema de valores e cuja aplicação demanda uma operação de prevalência diante de outros valores contrapostos como sustenta Habermas Daí se dizer que os valores são relativos no sentido de dependerem de possibilidades valorativas e contextuais De acordo com Jurgen Habermas 1997 p 316 em definição idêntica à dos autores anteriormente mencionados princípios ou normas possuem um sentido deontológico enquanto que os valores um sentido teleológico As normas válidas obrigam seus destinatários sem exceção e em igual alcance a determinado comportamento que consubstancia expectativas generalizadas ao passo que os valores devem ser compreendidos como preferências compartilhadas de forma intersubjetiva Para Habermas 1997 p 3126 valores expressam preferências tidas como dignas de serem desejadas em determinadas coletividades podendo ser adquiridas ou realizadas através de um agir direcionado a um fim As normas se colocam como uma pretensão de validade binária que pode ser válida ou inválida e quanto às proposições normativas os indivíduos podem tomar posições no sentido de acatálas não acatálas ou absterse do juízo De forma contrária os valores estabelecem relações de preferência as quais significam que certos bens são mais atrativos que outros HABERMAS 1997 p 316 A validade deontológica das normas possui o sentido absoluto de uma obrigação incondicional e universal o que deve ser almeja ser igualmente bom para todos De outro lado a atratividade dos valores é dotada do sentido relativo de uma apreciação de bens seguida ou realizada no âmbito de formas de vida ou de uma cultura decisões valorativas mais graves ou preferências de ordem superior exprimem aquilo que visto no todo é bom para nós ou para mim HABERMAS 1997 p 316317 61 De acordo com Habermas 1997 p 317 normas diversas não têm o condão de contradizer umas às outras caso almejem validade no mesmo âmbito de destinatários devendo se inserir em um universo coerente um verdadeiro sistema Em relação aos valores distintos concorrem para obter a primazia e à medida que alcançam reconhecimento intersubjetivo no seio de uma cultura ou de uma forma de vida dão origem a configurações flexíveis e repletas de tensões Em resumo portanto a caracterização dos valores em contraposição às normas para Habermas 1997 p 317 dispõese da seguinte maneira normas e valores distinguemse em primeiro lugar através de suas respectivas referências ao agir obrigatório ou teleológico em segundo lugar através da codificação binária ou gradual de sua pretensão de validade em terceiro lugar através de sua obrigatoriedade absoluta ou relativa e em quarto lugar através dos critérios aos quais o conjunto de sistemas de normas ou de valores deve satisfazer Por se distinguirem segundo essas qualidades lógicas eles não podem ser aplicados da mesma maneira Habermas 1997 p 317 acrescenta ainda que a partir das normas é possível definir o que deve ser feito enquanto que no âmbito dos valores é possível deduzir qual comportamento é recomendável Ademais no que diz respeito às normas o correto é partir de um sistema de normas válidas sendo a ação igualmente boa para todos Em um cenário de valores próprio para uma cultura ou forma de vida o correto é o comportamento que em sua totalidade e a longo prazo é bom para nós HABERMAS 1997 p 317 Nesse sentido Jurgen Habermas 1997 p 318 Grifo nosso afirma que Enquanto normas eles os direitos fundamentais regulam uma matéria no interesse simétrico de todos enquanto valores eles formam na configuração com outros valores uma ordem simbólica na qual se expressam a identidade e a forma de vida de uma comunidade jurídica particular Certos conteúdos teleológicos entram no direito porém o direito definido através do sistema de direitos é capaz de domesticar as orientações axiológicas e colocações de objetivos do legislador através da primazia estrita conferida a pontos de vista normativos Cada valor é tão particular como qualquer outro ao passo que normas encontram sua validade em um teste de universalização HABERMAS 1997 p 321 Desse modo normas e princípios são dotados de uma força de justificação maior do que aquela pertinente aos valores na medida em que podem almejar além de uma especial dignidade de preferência uma obrigatoriedade geral em virtude de seu sentido deontológico de validade Por seu turno os valores devem ser introduzidos caso a caso em uma ordem transitiva de valores HABERMAS 1997 p 321 Além disso cumpre ressaltar que a validade jurídica do juízo possui o sentido deontológico de um mandamento e não o sentido teleológico daquilo que se pode atingir no contexto de nossos desejos a partir de determinadas circunstâncias Aquilo que é o melhor para cada um de nós não coincide eo ipso com aquilo que é igualmente bom para todos HABERMAS 1997 p 323 224 Monogamia como Valor Ao identificarem a monogamia como princípio Elpídio Donizetti e Felipe Quintella 2013 p 910 afirmam que sua aplicação se restringe ao casamento possuindo como raízes jurídicas o dever de fidelidade recíproca previsto no art 1566 inc I do Código Civil e a proibição da bigamia estabelecida no art 1521 inc VI do mesmo diploma legal Entretanto os autores são precisos ao restringirem a aplicação da monogamia ao casamento o princípio constitucional vigente é o da pluralidade dos modelos de família e não há no ordenamento norma acerca da monogamia no tocante a uniões estáveis ou a relacionamentos eventuais Conforme asseverado tratase muito mais de uma questão cultural influenciada por algumas religiões e pela moral Por essa razão não pode o Direito discriminar comportamentos sexuais não monogâmicos ante a necessidade de proteção da dignidade da pessoa humana art 1º III da CF e à proibição da discriminação art 3º IV da CF Afinal deve haver coerência jurídica Não se pode por um fundamento cultural e não jurídico negar reconhecimento a padrões de comportamento diversos do mais comum DONIZETTI QUINTELLA 2013 p 910 Grifo nosso Para Rodrigo da Cunha Pereira46 2012b p 127 o princípio da monogamia embora também funcione como um elementochave das cone mento e ao mesmo tempo afirmando sua naturalidade para os casais heterossexuais As crenças de que o casamento representa uma parte normal do curso da vida e de que as pessoas são naturalmente monogâmicas servem juntas para reproduzir a monogamia como um discurso e uma prática hegemônica AGUILAR 2013 p 107 Ainda de acordo com a aludida professora outras normas culturais e estruturais poderosas suportam a monogamia inclusive construções idealizadas da família nuclear e a idolatria do romance e do amor monogâmicos O roteiro da cultura dominante sugere que o casamento uma celebração própria da monogamia acontece no dia mais feliz da vida das pessoas A mídia também está cheia de mensagens sobre alma gêmea ou verdadeiro amor AGUILAR 2013 p 107 Tradução nossa 223 Valor Ao constatar que os valores encontramse no âmbito axiológico enquanto que os princípios no plano deontológico André Ramos Tavares 2010 p 398 utilizandose dos ensinamentos do professor português Luís Cabral de Oliveira Moncada preceitua que os valores se revelam por meio das normas e de outros materiais positivos o que não significa que elas sejam as responsáveis pela sua criação Os valores são anteriores às normas positivas de forma que essas apenas concretizam o vago conteúdo axiológico por eles prescrevido transformandoos em regras deontológicas de conduta TAVARES 2010 p 398 Na perspectiva jurídica ora se apresentam como verdadeiras normas introduzidas no próprio texto constitucional ora como diretrizes interpretativas de modo que as demais normas devem ser interpretadas de acordo com os valores plasmados nas normas constitucionais TAVARES 2010 p 398 Conforme menciona André Ramos Tavares 2010 p 399 as Constituições são o receptáculo natural da ideia de valores dominantes na sociedade Além disso os valores em geral são positivados por intermédio dos princípios constitucionais que exteriorizam a carga axiológica incorporada pelo ordenamento jurídico Esse fenômeno também acontece com a Constituição brasileira de 1988 que incorpora um significativo número de valores muito embora a eles se refira em determinado momento como fundamentos da República objetivos fundamentais da República ou os apresente de forma difusa Pois bem essa incorporação de valores pela senda constitucional provoca xões morais das relações amorosas e conjugais não é simplesmente uma norma moral ou moralizante mas um princípio jurídico básico e organizador das relações jurídicas da família ocidental De acordo com o autor se fosse apenas uma regra moral seria necessário admitir a amoralidade dos ordenamentos jurídicos do Oriente Médio em que vários Estados não adotam a monogamia47 PEREIRA 2012b p 127 O professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ Guilherme Calmon Nogueira da Gama 2008 p 100 também reconhece a força normativa da monogamia como princípio infraconstitucional do Direito das Famílias aplicável ao casamento e à união estável Não seria possível admitir preconiza o professor na civilização ocidental a partir de valores culturais a possibilidade de uma pessoa manter de forma simultânea duas famílias fundadas no casamento eou no companheirismo por violação dos deveres de fidelidade e lealdade arts 1566 inc I e 1724 do Código Civil respectivamente Desse modo para Guilherme Gama 2008 p 102103 enquanto a idéia central da conversão do companheirismo em casamento prevista no art 226 3º da Constituição estiver mantida seria inadmissível o reconhecimento das famílias simultâneas salvo a hipótese de união estável putativa Maria Helena Diniz 2012 p 59 lista a monogamia como um dos princípios norteadores do direito matrimonial Como justificativa a autora argumenta que embora alguns povos aceitem a poliandria e a poligamia a grande maioria dos países adotaria o regime da singularidade por entender que a entrega mútua só seria viável no matrimônio monogâmico Por sua vez a obra de Caio Mário da Silva Pereira 2013a p 656657 fixa o entendimento de que nas uniões dúplices o princípio da monogamia frente à existência de outros princípios que orientam o Direito das Famílias contemporâneo não é suficiente para colocálas à margem da proteção normativa pode negar que aquela existiu Condenála à invisibilidade e deixála à margem de direitos decorrentes das relações familiares O princípio da monogamia deve ser conjugado e ponderado com outros valores e princípios especialmente o da dignidade da pessoa humana Qualquer ordenamento jurídico que negar direitos às relações familiares existentes estaria invertendo a relação sujeito e objeto isto é destituindo o sujeito de sua dignidade e colocando a lei como um fetiche PEREIRA 2014b 47 Vale destacar que essa posição de Rodrigo da Cunha Pereira da monogamia como princípio norteador do Direito das Famílias é seguida integralmente por Rolf Madaleno 2011 p 9192 Há entidades familiares desgarradas por inimizades capitais e por relacionamentos praticamente nulos Ora nenhuma pessoa pode ser compelida a afetioarse a outra pouco importando se há entre elas algum parentesco ou não Em posição idêntica Paulo Lôbo 2011 p 71 preceitua que a afetividade enquanto princípio do Direito não se confunde com o afeto como fator psicológico ou anímico visto que pode ser presumida quando este faltar na realidade fática das relações Contudo o princípio da afetividade indica que o afeto pressupõe também o seu avesso porquanto o amor e o ódio são sentimentos que se complementam dois lados de uma mesma moeda Faltando afeto deve entrar a lei para colocar limites onde não foi possível pela via do afeto PEREIRA 2010 p 49 respeitando sempre a dignidade e a autodeterminação afetiva dos integrantes da família 211 Construção da Natureza Principiológica da Afetividade Em virtude da distinção entre texto e norma28 bem como pelo fato de o intérprete longe de descrever significados reconstruir sentidos não é possível concluir que este ou aquele dispositivo contém uma regra ou princípio Essa qualificação normativa depende de conexões axiológicas que não estão incorporadas ao texto nem a ele pertencem mas são antes construídas pelo próprio intérprete ÁVILA 2012 p 37 Com efeito a caracterização de certas normas como princípios ou como regras depende da colaboração constitutiva do intérprete ÁVILA 2012 p 38 Riccardo Guastini 1999 p 39 inclusive ao analisar a operação feita pelo intérprete de atribuir o valor de princípio a uma disposição que não se autoqualifica de maneira expressa como tal isto é a operação que implica a construção da natureza principiológica de um enunciado afirma que esse procedimento é resultado da discricionariedade na medida em que os elementos caracterizadores dos princípios são fortemente debatidos na doutrina Realçando também a importância do intérprete Ana Paula de Barcellos e Luís Roberto Barroso 2003 p 316 preconizam que o fim ou o estado ideal trazidos por um princípio podem não ser objetivamente estabe 28 Friedrich Müller 2005 p 38 já alertava sobre a não identidade de texto da norma e norma Entre dois aspectos principais o teor literal de uma prescrição juspositiva é apenas a ponta do iceberg Nada mais óbvio pois o tão só fato de haver no âmbito das relações conjugais simultaneidade familiar não pode ser determinante para uma presunção absoluta de conduta desleal incapaz de gerar eficácia jurídica familiar PEREIRA 2013a p 657 Entretanto o trabalho se alinha à corrente que nega caráter principiológico à monogamia Como bem menciona Maria Berenice Dias 2013 p 63 Grifo nosso Uma ressalva merece ser feita com relação à monogamia Não se trata de um princípio do direito estatal de família mas sim de uma regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas constituídas sob a chancela do Estado Ainda que a lei recrimine de diversas formas quem descumpre o dever de fidelidade não há como considerar a monogamia como princípio constitucional até porque a Constituição não a contempla Ao contrário tanto tolera a traição que não permite que os filhos se sujeitem a qualquer discriminação mesmo quando se trata de prole nascida de relações adulterinas ou incestuosas O Estado tem interesse na manutenção da estrutura familiar tanto que proclamou a família como base da sociedade Sendo assim a monogamia poderia ser considerada como função ordenadora da família Entretanto a uniconjugalidade embora dotada de valor jurídico não passa de um sistema de regras morais DIAS 2013 p 63 Nesse sentido Maria Berenice Dias 2013 p 64 completa Pretender elevar a monogamia ao status de princípio constitucional autoriza que se chegue a resultados desastrosos Por exemplo quando há simultaneidade de relações simplesmente deixar de emprestar efeitos jurídicos a um ou pior a ambos os relacionamentos sob o fundamento de que foi ferido o dogma da monogamia acaba permitindo o enriquecimento ilícito exatamente do parceiro infiel Resta ele com a totalidade do patrimônio e sem qualquer responsabilidade para com o outro Essa solução que vem sendo apontada pela doutrina e aceita pela jurisprudência afastase do dogma maior de respeito à dignidade da pessoa humana além de chegar a um resultado de absoluta afronta à ética Não menos adequado à tábua axiológica preceituada na Constituição e ao momento do Direito das Famílias pósmoderno é o entendimento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho lidade no art 1521 inc VI que preceitua a proibição da bigamia no art 1727 que menciona a figura do concubinato ou em qualquer outro artigo previsto em qualquer outro dispositivo legal48 do ordenamento jurídico brasileiro O fato de uma norma supostamente evidenciar a aplicação de um valor não significa que esse valor se transforma em um princípio Mesmo porque como visto em momento anterior49 várias normas são estabelecidas com base em valores A construção da existência do princípio da monogamia fundada na tão só leitura de um texto de lei que exterioriza o dever de exclusividade conjugal sem encontrar qualquer embasamento na Constituição reflete em verdade uma simplicidade hermenêutica temerária que nega proteção normativa a sujeitos de direitos fundamentais Nesse momento tornase imprescindível retomar a distinção basilar entre texto e norma As normas não são textos e nem o conjunto deles mas o produto da interpretação sistemática de textos normativos Em outras palavras os dispositivos caracterizam o objeto da interpretação e as normas o seu resultadoÁVILA 2012 p 33 Com isso a primeira premissa para a construção de uma norma jurídica deve se fundamentar no fato de que não há que se falar em sua correspondência com um dispositivo no sentido de que em havendo um dispositivo haverá uma norma ou sempre que existir uma norma deverá existir um dispositivo que lhe sirva de base Até porque em algumas situações há norma mas não há dispositivo ÁVILA 2012 p 33 Sendo assim não há correspondência biunívoca entre dispositivo e norma isto é onde houver um não terá obrigatoriamente de haver outro ÁVILA 2012 p 34 Essa premissa é fundamental para qualquer intérprete e aplicador do Direito contemporâneo Não se pode admitir a correspondência inequívoca e exata de dispositivo legal qualquer que seja ele à norma jurídica em atenção sobretudo à normatividade dos princípios que em conjunto com as regras constroem o sistema normativo Nesse contexto fazse mister afastar qualquer construção que pretenda conferir normatividade à monogamia tendo como base a tão só interpretação literal do art 1521 do Código Civil que impede em seu inc VI o matrimônio entre pessoas já anteriormente casadas Frisese a identificação da existência de uma norma jurídica nem sempre advém da constatação da existência de um texto legal Da mesma forma não obstante o art 1727 do aludido Código qualificar de maneira expressa as relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar como sendo concubinato não se pode defender a existência do princípio da monogamia a partir da sua leitura O mesmo se aplica ao dever de fidelidade preceituado pelo art 1566 inc I do Código Civil Invocar tais dispositivos para justificar a normatividade da monogamia configura uma construção simplória rasa e totalmente contrária à visão sistêmica básica do Direito contemporâneo Não se pode mais admitir a extração de normas jurídicas a partir da análise de dispositivos legais isolados para se fundamentar a exclusão ou a existência de direitos Até porque as normas jurídicas não são fruto da interpretação de um dispositivo mas da interpretação sistemática de diversos textos normativos Além do mais tal construção afronta o próprio significado mínimo desses dispositivos legais na esteira dos ensinamentos de Humberto Ávila 2012 p 37 Compreender provisória como permanente trinta dias como mais de trinta dias todos os recursos como alguns recursos ampla defesa como restrita defesa manifestação concreta de capacidade econômica como manifestação provável de capacidade econômica não é concretizar o texto constitucional É a pretexto de concretizálo menosprezar os seus sentidos mínimos Desse modo compreender a positivação do concubinato o impedimento do matrimônio de pessoas casadas e o dever de fidelidade no casamento como uma manifestação do princípio da monogamia aplicável a todas as entidades familiares não significa concretizar a Lex Fundamentalis Pelo contrário tratase de um total desprezo aos seus sentidos mínimos Os sentidos mínimos desses dispositivos legais são respectivamente i as relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar constituem concubinato ii as pessoas casadas não podem se casar novamente e iii os cônjuges devem respeitar e observar um dever de fidelidade recíproco E só nada mais do que isso Qualquer construção do significado desses textos normativos só pode ser realizada adequadamente se compatível com as finalidades do a norma jurídica não está pronta nem substancialmente concluída Ela é um núcleo materialmente circunscritível da ordem normativa diferenciável com os recursos da metódica racional Esse núcleo é concretizado no caso individual na norma de decisão e com isso quase sempre também tornado nítido diferenciado materialmente enriquecido e desenvolvido dentro dos limites do que é admissível no Estado de Direito determinados sobretudo pela função limitadora do texto da norma MÜLLER 2005 p 48 Destarte o pressuposto fundamental para se entender o significado de uma norma jurídica e qualificála como princípio está compreendido na figura do intérprete que cria a norma jurídica a partir de suas conexões axiológicas aplicadas à análise do teor literal da norma tendo como limite o mínimo admissível nos fins e valores da linguagem constitucional e do Estado Democrático de Direito Em outras palavras o intérprete a partir do texto da norma assume papel fundamental na identificação do surgimento de um novo princípio o qual se reveste de legitimidade apenas se encontrar sintonia com os preceitos constitucionais A natureza de princípio depende de mutáveis valorações do legislador dos tribunais e da doutrina Assim a questão de se uma norma tem ou não tem valor de princípio não é uma questão de fato e a resposta é sempre opinável GUASTINI 2005 p 187 Não se quer com isso afirmar que todo princípio surge da interpretação de um texto da norma Até porque muitos dispositivos advêm da influência de um princípio o que caracteriza a eficácia nomogenética29 dessa norma de modo que sua existência se mostra anterior à existência do texto da norma30 Pelo contrário há princípios que nascem a partir da contribuição construtiva do intérprete e como se observará o princípio da afetividade é um deles Nesse sentido cumpre realizar essa contribuição construtiva partindo do texto literal de normas constitucionais de forma a consolidar a existência da afetividade como princípio constitucional implícito 29 Diogo de Figueiredo Moreira Neto 2009 p 80 ensina que inserida na eficácia mediata a eficácia nomogenética consiste em contribuir com fundamentos finalísticovalorativos germinais para a edição de novos princípios e de novos preceitos que neles se reproduzam 30 Há também princípios que são frutos de valorações do legislador são encontradas nas fontes do direito disposições que se autoqualificam como princípios essas disposições possuem valor de princípio em virtude de uma valoração não do intérprete mas do próprio legislador GUASTINI 2005 p 192 O princípio da afetividade pode também ser extraído dos princípios e mandamentos constitucionais iii da dignidade da pessoa humana art 1º inc III iv da solidariedade art 3º inc I v da liberdade art 5º caput que no Direito das Famílias se traduz entre outros na liberdade de constituir família e na liberdade de orientação sexual vi da especial proteção que merece a família art 226 caput vii da igualdade entre os filhos art 227 6º e viii entre os cônjuges art 226 5º ix da adoção como escolha afetiva art 227 5º e 6º x da proteção à família monoparental art 226 4º e xi da garantia de assistência à família por parte do Estado art 226 8º Nesse sentido Paulo Lôbo 2011 p 7071 ensina que o princípio da afetividade recebeu grande impulso dos valores consagrados na Constituição de 1988 e resultou da evolução da família brasileira O princípio da afetividade especializa no âmbito familiar os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana art 1 III e da solidariedade art 3º I e entrelaçase com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges companheiros e filhos que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família Como se não bastasse o art 1593 do Código Civil estabelece a regra geral que abrange o princípio da afetividade na medida em que contempla o parentesco natural ou civil conforme resulte de consanguinidade ou de qualquer outra origem Assim os laços de parentesco na família incluindo a filiação sejam eles consanguíneos ou de outra origem têm a mesma dignidade e são regidos pelo princípio da afetividade LÔBO 2011 p 72 212 Fins que Justificam a Natureza Principiológica da Afetividade O art 226 3 da Constituição estabelece uma verdadeira priorização do afeto em detrimento do modo de se constituir família Ao reconhecer a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar e possibilitar que a lei facilite sua conversão em casamento o constituinte ao mesmo tempo que contempla uma abertura do rol de núcleos familiares expressa uma valorização da autodeterminação afetiva dos indivíduos em detrimento das formalidades do casamento Assim a afetividade entre companheiros é alçada à posição equivalente à afetividade praticada no casamento na medida em que a Constitu

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Nome Annelise Loureiro e Marcelle Castello Turma 9º BM TEMA O entendimento dos tribunais brasileiros acerca da partilha de bens em relações poliamorosas Pergunta de pesquisa Como os tribunais brasileiros se posicionam atualmente perante lides que exigem o reconhecimento de relações poliamorosas no processo de abertura de inventário e partilha de bens A ideia da dupla é produzir um artigo científico que verse acerca das multifaces do instituto da família demonstrando a importância do vínculo afetivo para sua constituição e advogando pelo reconhecimento dessas uniões frente ao princípio da monogamia A dupla dividirá o trabalho em três capítulos sendo o primeiro focado na caracterização da família por meio do laço afetivo demonstrando que deve o ordenamento comportar também as situações nas quais há duas ou mais relações afetivas paralelas com conhecimento e aceitação dos partícipes em uma relação múltipla e aberta o segundo voltado para a jurisprudência atual entre os tribunais sobre a matéria destacase desde já que a maioria dos poucos julgados decidem pelo nãoreconhecimento da união poligâmica para fins de partilha Apelação cível n 70038296141 Resp 912926RS REsp 1183378 Recurso Extraordinário 878694 ARE 656298 RGSE REsp n 1185337 e em terceiro momento a apresentação da triação como alternativa para que a partilha de bens em relações poligâmicas sem a violação dos dispositivos legais já positivados sobre a abertura do inventário como se observa no caso da AP n 70039284542 2010 A conclusão demonstrará o entendimento atual dos tribunais assunto e a opinião da dupla acerca dos rumos a serem tomados pelo direito brasileiro na matéria 1 Base teórica direito de Herança 2 Poliamorismo e relações familiares 3 Enfrentamento pelos tribunais ESTOU ENVIANDO LIVRO EM CONJUNTO ACREDITO QUE AJUDARÁ APAGAR ESSE TRECHO POLIAMORISMO E RELAÇÕES FAMILIARES Ao tratarmos de uma acepção histórica os seres humanos se baseiam em relações não monogâmicas há tempos de tal monta ser impossível identificar essa origem Tomando por base a Bíblia Sagrada podemos citar exemplos de relações não monogâmicas vistas em Salomão Sansão e principal exemplo por ter sido o primeiro Lameque que aparece logo no livro de Gênesis o primeiro livro da Bíblia Avançando um pouco na história podemos ver a relação não monogâmica intencional entre Maria Antonieta e Luís XVI rei e rainha da França no momento da Revolução Francesa No livro que leva o nome da rainha vêse uma relação entre Maria Antonieta e o general do exército francês de Luís XVI onde ele sabia o que acontecia e consentia com o fato Tomando um momento mais moderno da humanidade as revoluções progressistas dos anos 50 60 e 70 foram grandes influenciadores para o surgimento de relações não monogâmicas tendo uma pausa nos anos 80 devido ao surgimento da AIDS SANTIAGO 2015 p 129 Para começar a definirmos poliamor podemos utilizar o conceito de um site português que foi o primeiro a tratar do assunto o poliamorpt Segundo o site um tipo de relação em que cada pessoa tem a liberdade de manter mais do que um relacionamento ao mesmo temo Não segue a monogamia como modelo de felicidade o que não implica porém a promiscuidade Não se trata de procurar obsessivamente novas relações pelo facto de ter essa possibilidade sempre em aberto mas sim de viver naturalmente tendo essa liberdade em mente POLIAMORPT 2022 grifo nosso Mister destacar que poliamor de longe esbarra no conceito de bagunça ou desordem Talvez por ignorância ou discriminação a sociedade como um todo rejeita essa condição como uma formação de família Ora nos exemplos supracitados TODOS formaram família de tal forma que existia vínculo relacional com todos Ainda em sites que merecem destaque e menção ao acessar o site LovingMore site de relevância mundial para adeptos dessa forma familiar e incentivador de tal define o poliamor como o amor romântico sentido por mais de uma pessoa marcado pela honestidade e pela ética bem como pelo total conhecimento e consentimento de todos os interessados LOVINGMORE 2022 No conceito social as relações não monogâmicas intencionais têm sido demonizadas tratadas de forma marginal e sem proteção jurídica sendo colocadas a beira de seus direitos Nas palavras de Maria Berenice Dias 2013 p54 justificativas não faltam a quem quer negar efeitos jurídicos ao poli amor A alegação primeira é afronta ao princípio da monogamia desrespeito ao dever de fidelidade com certeza rejeição que decorre muito mais do medo das próprias fantasias O fato é que descabe realizar juízo prévio e geral de reprovabilidade frente a formações conjugais plurais e muito menos subtrair qualquer sequela à manifestação de vontade firmada livremente pelos seus integrantes Ao se falar de intervenção mínima do Estado nas relações familiares ao contrário senso deve existir uma aceitação essa família formada e dita proteção Nas palavras de Nelson Rosenvald e Cristiano Farias 2013 p 157 toda e qualquer ingerência estatal somente será legítima e justificável quanto tiver como fundamento a proteção dos sujeitos de direito notadamente daqueles vulneráveis Sendo assim o Estado DEVE atuar quando é necessário assegurar garantias mínimas e fundamentais a seus titulares O entrave jurídico de reconhecer uma relação familiar se deve ao fato de não entender o aumento da dimensão familiar que passa a abranger valores e vivências subjetivas de maneira a assumir um caráter plural aberto e multifacetado Assim a relação jurídica de família deve ser entendida como reflexiva prospectiva discursiva e relativa FARIAS ROSENVALD 2013 p 4445 Quando os autores colocam a característica de reflexivas subtendese a abertura aos novos valores sociais seja a flexibilização da moralidade sexual seja a equiparação da mulher e do homem assim como a perda da influência religiosa na sociedade É diante desse aspecto que os signos sociais exercem grande influência na opinião pública e buscam manter tudo na ordem já préestabelecida sem questionar novas situações São desses novos valores sociais e também de fatos sociais que surgem novas formas de famílias A qualidade de prospectiva por seu turno coloca interpretações novas com condão de proteger o ordenamento jurídico ou seja as relações poliamorosas são uma realidade na sociedade brasileira e exigem uma devida discussão com vistas aos valores e princípios constitucionais já enraizados na sociedade como todo O Estado e o Direito não devem ser a todo tempo preventivos a situações sociais Por vezes o Direito deve observar as regulações socais deixando elas acontecerem atentos apenas aos vulneráveis Assim o poliamor não pode ser encaixado como um brinquedo lego dentro das normas do Direito Nas palavras de Rafael da Silva Santiago SANTIAGO 2014 p 157 A família deve ser o reflexo de valores e vivências subjetivas e não de valores objetivamente impostos pela aparente vontade do texto legal Tratando por seu turno da instituição família e suas relações há de se observar alguns princípios valores e regras consagrados pela Constituição quais sejam a solidariedade cooperação e o respeito à dignidade de cada componente da relação familiar Em curtas palavras as relações familiares ditas tem suas bases estabelecidas na ética e na preservação de seus membros As relações familiares devem se tornar um meio adequado para que se produza uma pessoa humana digna com aspirações e desenvolvendo sua personalidade Ainda que não explícito na Constituição brasileira como é na Constituição dos Estados Unidos da América o Direito a Felicidade deve ser observado na reunião familiar pois assim como nas ditas relações tradicionais monogâmicas há de existir alguma relação familiar poliamorosa que não se estrutura nos valores ora citados fragilizando assim a relação e demandando de uma intervenção Estatal seja monogâmica ou poliamorosa As relações poliamorosas se revestem de um preceito importante não só para o caso concreto mas para qualquer caso o amor romântico No conceito grego Eros era atribuído ao amor romântico muito bem descrito por Luís de Camões em O amor é fogo que arde sem se ver é querer estar preso por vontade É servir a quem vence o vencedor É ter com quem nos mata lealdade Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade Se tão contrário a si é o mesmo Amor O que torna incompreensível no intelecto coletivo social é que esse amorEros é sentido por mais de uma pessoa mútua e reciprocamente de tal forma que se firmam as bases entre todos e todos cooperam para a formação da entidade família se relacionando de maneiras idênticas as relações monogâmicas Se fosse possível dissolver o conceito de família em uma só palavra essa seria AFETO Sem afeto uns com os outros não há como fixar uma família O afeto entre os membros é o que dá força para estes aguentarem por muitas vezes rotinas estressantes e exaustivas pois sabem dos membros que irão encontrar ao retorno para casa e como estão felizes por têlo no seio familiar Por definição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa VOLP afeto significa inclinação pendor para alguma coisa Ora no caso concreto a inclinação se faz para os membros da relação poliamorosa Nas palavras de Rafael da Silva Santiago O traço diferenciador do poliamor que é capaz de originar uma família é o afeto Da mesma forma as circunstâncias do caso concreto devem lastrear o posicionamento no sentido de conferirlhe status familiar Isso porque para o seu reconhecimento jurídico o poliamorismo deve observar todos os princípios regras e valores da ordem jurídica familiar notadamente aqueles consagrados em sede constitucional SANTIAGO 2014 p 195 É imperioso destacar que relações familiares poliamorosas se distinguem das relações de uniões estáveis putativas Estas se definem quando um dos membros desconhece a situação impeditiva de constituição matrimonial previsto no Código Civil vigente Ou seja as relações aqui situadas podem ser consideradas paralelas decorrentes da quebra de confiança por parte de um dos membros ocultando informações de sua formação familiar anterior e muitas vezes posterior também Aqui exaltase o ponto da confiança na relação amorosa Ponto esse que se distingue da relação do poliamor como dito anteriormente baseado entre tantas outras características na confiança Sendo assim tomemos por exemplo um indivíduo com família formada monogâmica em união estável já concebida com filhos Ele trabalha como caminhoneiro viajando o país inteiro Dado momento conhece outra mulher se apaixona criando também união estável com esta e porque não filhos A situação citada ainda que não aceita abertamente pela coletividade social não é rechaçada pela mesma que por vezes se esquiva com a desculpas um tanto quanto bobas A dizer do Direito por sua vez que reconhece direitos e deveres da situação descrita Ora fazendo uma analogia entendese que este relacionamento poderia muito bem ser um relacionamento poliamoroso faltando para tal o acordo entre as partes Nas palavras de Cristiano Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 542 grifo nosso a pessoa que participa de uma relação afetiva sem ter ciência de que a sua relação é concubinária ou seja sem saber que o seu companheiro é casado ou tem uma união estável anterior sem ruptura da convivência caracterizando um paralelismo deve ter sua dignidade protegida da mesma forma que a pessoa enganada Até porque a confiança legítimas expectativas de ambos é a mesma e reclama justa tutela jurídica É por formação lógica e sem demandar muito esforço chegar a conclusão que se a pessoa enganada deve ter sua dignidade protegida o que dizer da dignidade dos membros da relação poliamorosa que não é enganado senão concordam com tal relacionamento Frisase um tanto quanto as relações jurídicas em face ao poliamor devido a premissa básica de que os julgamentos dos tribunais superiores formam e moldam a sociedade os acostumando a fatos novos É notória a aceitação popular quanto a união homoafetiva pós tribunais a tratarem como uma união estável independente do sexo dos componentes De tal monta os coletivos LGBTQIA conseguem avançar suas pautas sem tantos entraves sociais e jurídicos Reconhecimento de união estável destacase foi a porta de entrada e a principal para esse avanço no reconhecimento de direitos sociais Desse modo é necessário fazer o mesmo entendimento ao poliamor Uma vez aceito pelos tribunais o que não vem acontecendo na atualidade a sociedade começa a dissolver seus dogmas e axiomas e por fim aceitando as relações quiçá ajudando em situações de abusos como acontece rotineiramente nas relações monogâmicas sejam heterossexuais ou homossexuais GAGLIANO Pablo Stolze PAMPLONA FILHO Rodolfo Novo curso de direito civil direito de família as famílias em perspectiva constitucional 2ed São Paulo Saraiva 2012 Livro Eletrônico SANTIAGO Rafael da Silva Poliamor e Direito das famílias reconhecimento e consequências jurídicas 1ª ed Curitiba Juruá Editora 2015 livro eletrõnico TARTUCE Flávio Manual de Direito Civil volume único 11ª ed São Paulo Saraiva 2021 livro eletrônico Rafael da Silva Santiago POLIAMOR E DIREITO DAS FAMÍLIAS Reconhecimento e Consequências Jurídicas JURUÁ EDITORA RAFAEL DA SILVA SANTIAGO Mestre em Direito Estado e Constituição pela Universidade de Brasília UnB Professor nos cursos de graduação em Direito da UnB e do Centro Universitário de Brasília UniCEUB Advogado Voluntário do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade de Brasília NPJUnB Advogado em Brasília DF POLIAMOR E DIREITO DAS FAMÍLIAS Reconhecimento e Consequências Jurídicas EDITORA AFILIADA Visite nossos sites na Internet wwwjuruacombr e wwweditorialjuruacom email editorajuruacombr ISBN 9788536249698 JURUÁ Brasil Av Munhoz da Rocha 143 Juvevê Fone 41 40093900 EDITORA Fax 41 32521311 CEP 80030475 Curitiba Paraná Brasil Europa Rua General Torres 1220 Lojas 15 e 16 Fone 351 223 710 600 Centro Comercial DOuro 4400096 Vila Nova de GaiaPorto Portugal Editor José Ernani de Carvalho Pacheco Santiago Rafael da Silva S235 Poliamor e direito das famílias reconhecimento e consequências jurídicas Rafael da Silva Santiago Curitiba Juruá 2015 262p 1 Direito de família I Título CDD 346015 22ed CDU 3476 0216 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus fonte constante de força conforto segurança proteção e paz sem o qual a vida seria impossível de ser vivida Agradeço à minha eterna esposa Rafaella alicerce de minha família que dá sentido à minha vida e explica a razão pela qual vim ao mundo Obrigado por existir e por permitir que eu exista Agradeço à minha família em especial aos meus pais Ana Christina e Roberto e aos meus avós Altiberto Florice e Mary por todo incentivo apoio e orientação ao meu irmão Luis Gabriel e aos meus primos Fábio e Maurício Agradeço ao professor e amigo Frederico Henrique Viegas de Lima não apenas pela orientação nesta pesquisa mas sobretudo por auxiliar no meu crescimento profissional e acadêmico Agradeço à professora e amiga Suzana Borges Viegas de Lima responsável direta por todo o meu interesse pelo Direito das Famílias bem como pela construção de minha carreira acadêmica Agradeço ao professor e amigo Pablo Malheiros da Cunha Frota por todo o apoio para a publicação do livro e por sempre estar disposto a me auxiliar na minha formação teórica e profissional Agradeço também aos meus amigos em especial Vitor Brum Lara Parreira Fernanda Garcez e Natalia Calvillo amigos muito queridos Agradeço a todos os meus alunos que sempre me incentivaram na busca pela construção de uma carreira profissional sólida e que ofereça contribuições para toda a sociedade Agradeço ao fundador da Igreja de Todos os Mundos Mr Oberon Zell pela entrevista concedida para a pesquisa Agradeço ao amigo português Daniel dos Santos Cardoso um dos precursores no âmbito da Universidade Nova de Lisboa no estudo acadêmico do poliamor pela ajuda no desenvolvimento deste trabalho APRESENTAÇÃO O livro que ora apresentamos é resultado de um estudo inovador realizado pelo autor durante o seu mestrado no Programa de PósGraduação em Direito na Universidade de Brasília no qual enfrenta a discussão acerca da monogamia atualmente muito presente nas relações familiares brasileiras em contraste com a realidade das relações afetivas que decorrem do poliamor Com a finalidade de conferir não só legitimidade mas também proteção jurídica às famílias constituídas sob a modalidade do poliamor o autor examina a monogamia em suas diversas concepções para justificar a clara incompatibilidade com o justo reconhecimento da família poliafetiva Perante a constitucionalização do Direito Civil e o consequente estabelecimento de novas modalidades familiares em nossa realidade jurídica o autor se alicerça nos princípios da dignidade da pessoa humana da liberdade de orientação sexual da liberdade nas relações familiares da igualdade da autodeterminação afetiva da solidariedade familiar da pluralidade nas relações familiares e da mínima intervenção estatal na família como princípios basilares para o reconhecimento jurídico dessa nova concepção familiar A pesquisa em que se baseia o presente livro foi desenvolvida com o rigor científico que demanda uma dissertação de mestrado tendo como característica a diversidade de fontes tais como livros periódicos decisões judiciais sites de consulta na internet além de dados obtidos por meio de entrevista Tal metodologia reflete tanto a atualidade como a qualidade do estudo que certamente será de grande contribuição para o moderno Direito das Famílias Suzana Borges Viegas de Lima Professora Adjunta de Direito Civil da Universidade de Brasília PREFÁCIO É inegável que o Direito das Famílias encontrase em constante modificação E um de seus temas mais desafiadores é justamente o poliamor É uma tarefa bastante difícil entender seu conteúdo e consequências para o Direito bem como identificar qual a aplicação mais adequada das várias normas jurídicas que regulam as relações privadas Tarefa essa que é muito bem enfrentada pelo autor do presente livro A obra de Rafael da Silva Santiago que tive a felicidade de orientar no âmbito do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Brasília UnB consolida para o universo jurídico uma nova forma de originar famílias que se coaduna com todo o atual estágio de desenvolvimento desse novo Direito Civil que não mais se contenta em buscar disposições legais frias e afastadas da realidade na medida em que se renova a partir de uma leitura constitucional posicionando a pessoa humana no seu núcleo protetivo O livro deixa bem clara a necessidade de se estabelecer uma visão mais humanista ao Direito das Famílias reforçando o papel de destaque da Constituição como filtro hermenêutico e valorativo possibilitando uma análise das relações familiares livre de preconceitos e de pressões sociais sempre em busca da construção de argumentos jurídicos que mesmo indo de encontro à Moral social dominante encontram repercussão em uma das principais e mais importantes funções do Direito contemporâneo viabilizar e sedimentar condições para que as pessoas exerçam direitos fundamentais e exteriorizem livremente aspectos de sua intimidade e personalidade Em sua pesquisa Rafael da Silva Santiago parte de pressupostos teóricos sólidos para asseverar conclusões de grande relevância para o Direito das Famílias porquanto elimina qualquer dúvida acerca da possibilidade de se reconhecer juridicamente o poliamor como uma forma de relacionamento capaz de dar origem a uma entidade familiar Assim a contribuição do autor para a comunidade acadêmica e para o Direito Civil brasileiro se mostra bastante consistente sobretudo por se tratar de uma das primeiras obras jurídicas que se debruçam exclusivamente sobre o tema de forma tão detalhada e brilhante De fato o leitor encontrará uma grande fonte de conhecimento e de fundamentos teóricos para melhor compreender as relações familiares Frederico Henrique Viegas de Lima Professor Titular da Faculdade de Direito da UnB SUMÁRIO INTRODUÇÃO 13 1 OS PILARES DO RECONHECIMENTO JURÍDICO DO POLIAMOR 17 11 Constitucionalização do Direito Civil 17 12 Repersonalização do Direito das Famílias 23 13 Intervenção Mínima do Estado nas Relações Familiares 28 14 Trajetória da Família 34 141 Desenvolvimento Histórico 35 142 Família PósModerna 41 15 Como se Forma uma Família 47 16 Família Eudemonista 51 2 CARACTERIZANDO A AFETIVIDADE COMO PRINCÍPIO E A MONOGAMIA COMO VALOR 55 21 Afetividade Elemento Central do Núcleo Familiar 57 211 Construção da Natureza Principiológica da Afetividade 63 212 Fins que Justificam a Natureza Principiológica da Afetividade 67 213 Noções Gerais sobre Princípio 74 2131 Confirmação da natureza principiológica da afetividade 78 22 Monogamia 80 221 Origem o Estudo de Friedrich Engels 83 222 Mito da Monogamia 92 2221 Perspectiva jurídica 93 2222 Perspectivas antropológica e psicológica 97 223 Valor 103 224 Monogamia como Valor 109 3 POLIAMOR 125 31 Origem e Correntes 126 32 Entendendo o Poliamor 134 321 Informações Encontradas na Internet 136 3211 Definições 136 3212 Conteúdo 138 322 Informações Encontradas no Contexto Acadêmico e Literário 139 3221 Definições 140 3222 Conteúdo 143 33 Princípios do Poliamorismo Elizabeth Emens 148 34 Características do Poliamor 151 35 Modelos de Relações de Poliamor 153 4 CONSTRUINDO O RECONHECIMENTO JURÍDICO DO POLIAMOR 155 41 Dignidade da Pessoa Humana 157 42 Liberdade nas Relações Familiares 165 43 Solidariedade Familiar 169 44 Igualdade 171 45 Afetividade 178 46 Especial Proteção que Merece a Família 181 47 Pluralismo das Entidades Familiares 183 48 Mínima Intervenção do Estado nas Relações Familiares 190 5 OS ASPECTOS PRÁTICOS DO POLIAMOR 193 51 A Relação de Poliamor que Pode Ser Entendida como Família Respeito aos Padrões Constitucionais Mínimos da Família PósModerna 194 511 Polifidelidade 196 512 Poliamorismo Aberto 196 513 Poliamorismo com Redes de Relacionamentos Íntimos Hierarquizados 199 514 Poliamorismo Individual 200 52 Diferença do Poliamor em Relação às Uniões Estáveis Putativas 200 53 Homoafetividade 204 54 Poliamor uma Identidade Relacional como Outra Qualquer 207 541 União Estável 208 542 Casamento 212 543 Impedimento de Pessoa Casada 214 55 Efeitos Jurídicos Oriundos do Poliamor 218 56 Filiação 221 57 Crime de Bigamia 228 CONCLUSÃO 233 REFERÊNCIAS 241 ÍNDICE ALFABÉTICO 249 INTRODUÇÃO Nos últimos anos o Direito das Famílias vem vivenciando um relevante processo evolutivo Com a vigência da Constituição de 1988 a família passa a incorporar um significado social ratificado pela preocupação do constituinte em lhe garantir proteção incidente sob todas as suas formas de manifestação A família na sociedade pósmoderna sofreu um alargamento em seu conceito passando a ser entendida como um instrumento de realização da personalidade e da dignidade de seus componentes Uma pesquisa acadêmica que tenha como enfoque a não monogamia e o poliamorismo se mostra relevante sobretudo por se relacionar ao reconhecimento jurídico de organizações sociais posicionadas à margem da proteção normativa garantindo direitos fundamentais a indivíduos que não seguem o padrão relacional estabelecido pela sociedade Outrossim a principal justificativa para o desenvolvimento da pesquisa se refere à atual situação de diversos sujeitos de direitos fundamentais que não têm a sua autodeterminação afetiva respeitada porquanto não seja reconhecida ao menos por grande parte daqueles investidos na função do Estadojuiz a sua intenção de constituir uma família poliamorosa Por esses motivos a argumentação se mostra indispensável para a solução dessa situação prejudicial à dignidade humana dos praticantes do poliamor O primeiro passo da pesquisa se refere à análise do Direito das Famílias por intermédio da perspectiva civilconstituciona edificando os pilares para o reconhecimento jurídico do poliamor que se assentam a na constitucionalização do Direito Civil b na repersonalização do Direito das Famílias c na intervenção mínima do Estado nas relações familiares d na trajetória da família e nos aspectos da formação da entidade familiar e f na família eudemonista Quanto às relações de poliamor elas se caracterizam como uma forma de relacionamento em que é possível válido e compensatório manter simultaneamente relações íntimas sexuais eou amorosas com mais de uma pessoa em geral por longos períodos no tempo HARITAWORN LIN KLESSE 2006 p 515 Nesse cenário o marco teórico para a construção dos argumentos que embasam sua proteção normativa se consubstancia na valoração do afeto presente no caso concreto Portanto diante da divergência doutrinária quanto à sua natureza jurídica fazse mister demonstrar com apoio na teoria dos princípios do professor gaúcho Humberto Ávila que a afetividade é um princípio norteador do Direito das Famílias providência imprescindível para o reconhecimento jurídico do poliamor já que essa identidade relacional se funda no afeto Outra providência imprescindível é a compreensão do real significado da monogamia no Direito das Famílias demonstrando sua natureza meramente axiológica para identificála como um valor por intermédio sobretudo da já mencionada teoria dos princípios de Humberto Ávila e das lições do professor alemão Jurgen Habermas Voltando ao poliamor tornase necessária a realização de um estudo a respeito de todas as suas características buscando identificar a possibilidade de se conferir natureza jurídica à prática da não monogamia responsável em contraposição à própria monogamia A partir da identificação dos elementos que caracterizam o cenário do Direito das Famílias contemporâneo do papel da monogamia como valor no Direito e da compreensão de todas as características do poliamorismo cumpre verificar se esse fenômeno social é capaz de configurar uma família Para tanto o reconhecimento jurídico do poliamor será construído a partir i da dignidade da pessoa humana ii da liberdade nas relações familiares iii da solidariedade familiar iv da igualdade v da afetividade vi da especial proteção reservada à família vii do pluralismo das entidades familiares e viii da mínima intervenção do Estado na família os quais possibilitam concluir que o poliamor é uma identidade relacional capaz de dar origem a uma ou várias famílias que tem o condão de constituir uniões estáveis e matrimônios devendo o Estado garantir a mesma proteção normativa tanto para a família monogâmica quanto para a família poliamorosa Diante disso a pesquisa tem como objetivo geral compreender as relações de poliamor como uma identidade relacional capaz de dar origem a uma família merecedora portanto de especial proteção por parte do Direito das Famílias notadamente quando analisada à luz da Constituição de 1988 utilizandose pois de argumentos do Direito CivilConstitucional de modo a desconstruir a normatividade da monogamia viabilizando o reconhecimento jurídico da não monogamia responsável Em relação aos seus objetivos específicos a pesquisa procura i identificar a partir de uma abordagem jurídica antropológica e sociológica os elementos que configuram uma organização familiar de modo a formular o conceito de família no contexto da pósmodernidade ii compreender o atual momento do Direito das Famílias iii analisar a monogamia no âmbito desse Direito de modo a desconstruir sua normatividade iv caracterizar as relações de poliamor como capazes de originar entidades familiares à luz da afetividade v selecionar os argumentos de Direito CivilConstitucional que permitam concluir que o poliamor pode dar origem a entidades familiares merecendo reconhecimento jurídico e vi posicionar as relações de poliamor no âmbito do Direito das Famílias de forma a delimitar de maneira precisa os contornos de sua proteção normativa Pelo fato de possuir natureza qualitativa a pesquisa busca descrever e interpretar a monogamia e o poliamor conferindolhes o devido tratamento jurídico Além disso inserese no grupo de técnicas e procedimentos metodológicos relacionados à pesquisa teórica porquanto prioriza a construção de conceitos específicos pertinentes à família à monogamia e ao poliamorismo procedendose à utilização de processos discursivos e argumentativos para a fundamentação das conclusões propostas A abordagem perpassa também por uma pesquisa documental consubstanciada na análise de conteúdo vez que se configura a partir do reexame de teorias visando à obtenção de novas interpretações por intermédio da inserção de construções doutrinárias em um contexto diferente propondose a supressão da força normativa da monogamia e o reconhecimento do poliamor como mecanismo capaz de originar entidades familiares Assim o procedimento de pesquisa se fundamenta na aplicação da tipologia jurídicoprospectiva passandose à exploração das premissas e condições relativas ao tema com o intuito de se propor tendências futuras acerca do reconhecimento jurídico de relações de poliamor Para tanto temse a necessidade de utilização de dados primários e de dados secundários bem como de fontes jurídicas tradicionais vigentes no sistema Novos tempos implicam uma nova noção jusfilosófica sobre o Direito Civil FARIAS ROSENVALD 2012 p 59 capaz de se adequar aos anseios de uma nova sociedade As influências do período histórico burguês e liberal em que o Direito Civil era concebido orientado tão somente para a tutela do patrimônio e fundado apenas na proteção da propriedade e da autonomia privada de cunho econômico que identificava o Código Civil como centro do sistema vão se dissipando de forma progressiva MORAES 2006a p 234 A dispersão da legislação esparsa sob a envergadura de estatutos especializados tidos como microssistemas legislativos tornou insustentável a defesa da centralidade do Código frente a esse verdadeiro polissistema que encontra agora na Constituição sua unidade sistemática e axiológica MORAES 2006a p 234235 Nesse sentido Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2012 p 59 inclusive estabelecem que a fonte primária do Direito Civil e de todo o ordenamento jurídico é a Constituição da República que confere uma nova feição à ciência civilista por intermédio de seus princípios e regras A partir da Constituição de 1988 diversos elementos fundamentais redirecionaram a jurisprudência a doutrina e a legislação razão pela qual o aprimoramento do Direito Civil das Famílias abrange o Direito Constitucional das Famílias Esse fenômeno significou no Brasil um novo cenário jurídico para o Direito Civil contemporâneo FACHIN 2013 p 56 O Código Civil perdeu o seu papel de constituição do Direito Privado na medida em que os textos constitucionais estabelecem princípios ligados a temas antes reservados de forma exclusiva ao Código Civil e à autonomia da vontade a função social da propriedade os limites da atividade econômica a organização da família ou seja matérias típicas de direito privado passam a integrar uma nova ordem pública constitucional HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 464 Os valores consagrados na Constituição marcam presença em todas as hipóteses do sistema normativo de forma que todas as normas infraconstitucionais devem refletir os princípios estatuídos pela Lex Fundamentalis sob pena de em virtude da falta de sintonia com o ordenamento serem consideradas inconstitucionais e terem sua validade arguida HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 464465 A funcionalização dos institutos clássicos do Direito Civil aos objetivos superiores estabelecidos na Constituição como se observa p ex na instrumentalização da entidade familiar ao livre desenvolvimento de seus membros tornouse uma consequência necessária do respeito obrigatório à hierarquia das fontes MORAES 2006a p 235 Nos dizeres de Paulo Lôbo 2012 p 49 a constitucionalização do Direito Civil é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil que passam a condicionar a observância pelos cidadãos e a aplicação pelos tribunais da legislação infraconstitucional pertinente Tratase de uma modificação na estrutura intrínseca dos institutos e conceitos fundamentais do Direito Civil conferindolhes nova roupagem e determinando a imprescindibilidade de uma redefinição de suas adjacências à luz da nova tábua valorativa determinada pela Lei Maior1 FARIAS ROSENVALD 2012 p 67 Mário Luiz Delgado 2011 p 240 assevera que Além do deslocamento de determinadas matérias do âmbito do Código Civil para a Constituição essa corrente também vem pregando a aplicação direta dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais positivados na Carta Magna à horizontalidade das relações privadas pungando inclusive pelo fim da oposição entre direito público e direito privado mesmo porque o direito deve visar a um objetivo único disciplinar a colaboração humana de modo que a todos possam ser asseguradas vida e existência dignas Como decorrência desse fenômeno qualquer interpretação do Direito Privado deve se utilizar necessariamente do filtro da Constituição2 A 1 Pietro Perlingieri 2008 p 2 ensina que A expressão revisão dos institutos do direito civil à luz da Constituição ainda que com certa dose de ambiguidade visa destacar não só que o objeto da interpretação com fins aplicativos seja o dispositivo infraconstitucional regulador de cada um dos institutos adequado ou conforme à norma constitucional mas também que o objeto da interpretação são as disposições infraconstitucionais integradas às normas constitucionais um em função dos outros e viceversa coordenados segundo a conhecida técnica de aplicação combinação de normas Técnica esta destinada a evitar que a Constituição seja lida e interpretada à luz da lei ordinária em uma espécie de direção hermenêutica de duas mãos precursora de grandes ambiguidades 2 Nesse sentido Pietro Perlingieri 2008 p 34 estabelece que o controle de conformidade da lei à Constituição é uma constante de toda interpretação que busque individualizar em um caso concreto a solução que deve ser coerente adequada razoável e correspondente à tábua dos valores normativamente relevantes presentes na Constituição Mesmo porque uma lex clara em seu texto ou dura na sua aplicação que esteja em contraste com os princípios normativos da Constituição é ilegítima teria uma ratio inconstitucional e não integraria a legalidade constitucional a que o intérprete está vinculado Poliamor e Direito das Famílias 21 nova passagem metodológica que busca compreender os institutos privados a partir da Constituição e também e eventualmente os mecanismos constitucionais a partir do Código Civil e da legislação infraconstitucional HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 473 Especificamente quanto ao Direito das Famílias Mário Luiz Delgado 2011 p 245 informa que Essa nova concepção hermenêutica fez com que as cortes constitucionais passassem a transformar radicalmente o direito civil impondo modificações profundas sobretudo em matéria de direito de família reconhecendo por exemplo igualdade entre cônjuges direitos aos filhos extramatimoniais direitos decorrentes de uniões de fato e até mesmo alguns direitos decorrentes de relações homossexuais No espaço familiar deve ser desenvolvida a personalidade de cada integrante dessa comunidade natural de agrupamento e de proteção de indivíduos cuja união se realiza por intermédio do sangue e da afeição tendo a Lex Fundamentalis o papel de assegurar a efetivação dos direitos e das liberdades fundamentais do homem MADALENO 2011 p 160 O Direito das Famílias passa por um processo de constitucionalização afastandose da concepção individualista tradicional conservadora e elitista da época das codificações do século passado Agora qualquer norma jurídica de direito das famílias exige a presença de fundamento de validade constitucional Essa é a nova tábua de valores da Constituição Federal especialmente no tocante à igualdade de tratamento dos cônjuges DIAS 2012 p 36 O modelo igualitário de família constitucionalizada contemporânea vai de encontro ao modelo autoritário do Código Civil de 1916 O consenso a solidariedade e o respeito à dignidade de seus membros são os fundamentos dessa grande mudança paradigmática LÔBO 2011 p 33 porque ganharam em sua essência uma regulamentação fundamental em sede constitucional Mesmo porque não se trata de um processo de publicização do Direito Civil que significa a transferência de matérias tradicionais de Direito Privado para a seara do Direito Público LÔBO 2012 p 50 Nesse mesmo sentido Luiz Edson Fachin 2003 p 7576 não obstante este fenômeno crescente de publicização e a constitucionalização do Direito de Família podese dizer que o conjunto de princípios e regras que dizem respeito à família ainda se enquadram no Direito Privado caso se queira manter esta distinção entre Direito Público e Direito Privado Entretanto há que se ressaltar na esteira dos ensinamentos de Pietro Perlingieri 2008 p 5 que a contraposição de privadopúblico se enfraquece estabelecendo uma nova formulação dos institutos e das instituições realçados pela igualdade e pela diferenciação mas notadamente pela solidariedade como função primária de um Estado moderno interpretação do Direito Civil deve ser feita apenas em conformidade com a Lei Maior que passa a exercer o papel de filtro axiológico pelo qual deve ser lido interpretado e aplicado o Código Civil DELGADO 2011 p 244 Esse novo conjunto de normas e princípios que regulam a vida privada e se referem à proteção da pessoa em suas mais variadas dimensões fundamentais desde os valores existenciais até os interesses patrimoniais integrados pela Constituição é definido como Direito CivilConstitucional FARIAS ROSENVALD 2012 p 67 Pietro Perlingieri 2008 p 01 um dos maiores civilistas do mundo divide os principais pressupostos teóricos da doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional resultado da aplicação do constitucionalismo contemporâneo ao movimento de produção legislativa e particularmente das codificações referese a à natureza normativa das constituições b à complexidade e ao caráter unitário do ordenamento jurídico e ao pluralismo das fontes do direito c a uma renovada teoria da interpretação jurídica com fins aplicativos Assim devese reconhecer o valor normativo e a supremacia dos princípios e das normas constitucionais que além de estipularem os fundamentos e as justificações de normatividade de valor interdisciplinar das institutições e institutos jurídicos indicam parâmetros de avaliação dos atos das atividades e das condutas como princípios de relevância normativa nas relações entre os sujeitos PERLINGIERI 2008 p 2 O sistema normativo é uno e complexo com os princípios constitucionais exercendo o papel de valores guias e assumindo uma função central na articulada pluralidade das fontes do Direito o que impossibilita a divisão do ordenamento jurídico em ramos autônomos e separados que não se comunicam entre si PERLINGIERI 2008 p 2 Além disso Pietro Perlingieri 2008 p 3 afirma ser preciso construir uma teoria da interpretação jurídica que não tenha natureza formalística e nem encontre fundamento no mecanismo lógicoteórico da subsunção do fato concreto à norma abstrata mas que seja capaz de oferecer uma interpretação das disposições normativas quanto à hierarquia das fontes e dos valores em uma acepção necessariamente sistemática e axiológica Por outro lado há que se ressaltar que o Direito Civil continuará sendo Direito Civil o Direito Constitucional continuará sendo Direito Constitucional3 Entretanto o Direito CivilConstitucional representa uma nova passagem metodológica que busca compreender os institutos privados a partir da Constituição e também e eventualmente os mecanismos constitucionais a partir do Código Civil e da legislação infraconstitucional HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 473 Especificamente quanto ao Direito das Famílias Mário Luiz Delgado 2011 p 245 informa que Essa nova concepção hermenêutica fez com que as cortes constitucionais passassem a transformar radicalmente o direito civil impondo modificações profundas sobretudo em matéria de direito de família reconhecendo por exemplo igualdade entre cônjuges direitos aos filhos extramatimoniais direitos decorrentes de uniões de fato e até mesmo alguns direitos decorrentes de relações homossexuais No espaço familiar deve ser desenvolvida a personalidade de cada integrante dessa comunidade natural de agrupamento e de proteção de indivíduos cuia união se realiza por intermédio do sangue e da afeição tendo a Lex Fundamentalis o papel de assegurar a efetivação dos direitos e das liberdades fundamentais do homem MADALENO 2011 p 160 O Direito das Famílias passa por um processo de constitucionalização afastandose da concepção individualista tradicional conservadora e elitista da época das codificações do século passado Agora qualquer norma jurídica de direito das famílias exige a presença de fundamento de validade constitucional Essa é a nova tábua de valores da Constituição Federal especialmente no tocante à igualdade de tratamento dos cônjuges DIAS 2012 p 36 O modelo igualitário de família constitucionalizada contemporânea vai de encontro ao modelo autoritário do Código Civil de 1916 O consenso a solidariedade e o respeito à dignidade de seus membros são os fundamentos dessa grande mudança paradigmática LÔBO 2011 p 33 porque ganharam em sua essência uma regulamentação fundamental em sede constitucional Mesmo porque não se trata de um processo de publicização do Direito Civil que significa a transferência de matérias tradicionais de Direito Privado para a seara do Direito Público LÔBO 2012 p 50 Nesse mesmo sentido Luiz Edson Fachin 2003 p 7576 não obstante este fenômeno crescente de publicização e a constitucionalização do Direito de Família podese dizer que o conjunto de princípios e regras que dizem respeito à família ainda se enquadram no Direito Privado caso se queira manter esta distinção entre Direito Público e Direito Privado Entretanto há que se ressaltar na esteira dos ensinamentos de Pietro Perlingieri 2008 p 5 que a contraposição de privadopúblico se enfraquece estabelecendo uma nova formulação dos institutos e das instituições realçados pela igualdade e pela diferenciação mas notadamente pela solidariedade como função primária de um Estado moderno 3Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2012 p 66 afirmam Não que institutos do Direito Civil tenham passado a constituir matéria de direito público mas sim são um valor conquistado com a dignidade humana representando um elemento constitutivo e caracterizador do direito positivo na medida em que a Constituição possui normatividade Como consequência a primazia dos valores da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais impossibilita que o Direito Civil se restrinja a uma concepção patrimonialista fundada ora sobre a centralidade da propriedade ora sobre a noção da empresa O Direito CivilConstitucional reconhece que a forte ideia do sistema não é somente o mercado mas também a dignidade da pessoa de uma perspectiva que tende a despatrimonializar o direito PERLINGIERI 2008 p 5 A proteção da família deve estar ligada necessariamente à tutela do indivíduo por meio dos princípios constitucionais razão pela qual desequilibrar a proteção da pessoa humana sob o argumento de proteger a organização familiar representa verdadeira subversão hermenêutica que viola a Lex Fundamentalis FARIAS ROSENVALD 2013 p 44 Daí se extrai a justificativa constitucional de que a proteção a ser conferida aos novos arranjos familiares tem como destinatária direta a pessoa humana merecedora de tutela especial capaz de garantir sua dignidade e igualdade FARIAS ROSENVALD 2013 p 47 Nesse sentido Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald8 2013 p 47 Grifo nosso ensinam que a proteção ao núcleo familiar tem como ponto de partida e de chegada a tutela da própria pessoa humana sendo descabida e inconstitucional toda e qualquer forma de violação da dignidade do homem sob o pretexto de garantir proteção à família Superamse em caráter definitivo os lastimáveis argumentos históricos de que a tutela da lei se justificava pelo interesse da família como se houvesse uma proteção para o núcleo familiar em si mesmo9 O espaço da família na ordem 8 Gustavo Tepedino 2008 p 295 Grifo nosso também se orienta de forma semelhante A família no direito positivo brasileiro é atribuída proteção especial na medida em que a Constituição entrevé o seu importantíssimo papel na promoção da dignidade humana Sua tutela privilegiada entretanto é condicionada ao atendimento desta mesma função Por isso mesmo o exame da disciplina jurídica das entidades familiares depende da concreta verificação do entendimento desse pressuposto finalístico merecerá tutela jurídica e especial proteção do Estado a entidade familiar que efetivamente promova a dignidade e a realização da personalidade de seus componentes 9 Em idêntica orientação Anderson Schreiber 2013 p 300 estabelece que não se pode ceder à tentação de enxergar o direito de família como um conjunto de normas destinado à proteção de entidades familiares quando seu objeto consiste em verdade nas relações de família ostentadas por cada pessoa humana cuja dignidade merece a mais jurídica se justifica como um núcleo privilegiado para o desenvolvi mento da pessoa humana A família contemporânea só pode ser compreendida como um ambiente de realização pessoal afetiva no qual os interesses patrimoniais perderam sua função de principal protagonista A repersonalização de suas relações revitaliza as entidades familiares em seus variados tipos ou arranjos LÔBO 2011 p 27 Tratase de um fenômeno que avança em todos os povos ocidentais revalorizando a dignidade humana e considerando a pessoa como o núcleo da tutela jurídica antes distorcida pela priorização dos interesses patrimoniais LÔBO 2011 p 28 A grande preocupação com os interesses patrimoniais que ganhou destaque no Direito de Família tradicional não encontra sintonia com a família de hoje sustentada por outros interesses de natureza pessoal ou humana reunidos por um elemento aglutinador e nuclear distinto a afetividade Esse elemento estabelece o suporte fático da família protegida pela Constituição conduzindo à repersonalização LÔBO 2011 p 26 Aliás a restauração da primazia da pessoa nas relações familiares com base na garantia da realização da afetividade é a condição principal de adequação do Direito à realidade LÔBO 2011 p 26 Como bem ressalta Paulo Lôbo 2011 p 26 a repersonalização não traduz um retorno ao individualismo liberal mesmo porque a entidade familiar nessa concepção deveria ser um objeto para a perpetuação das relações de produção existentes Pelo contrário completa Paulo Lôbo 2011 p 26 O desafio que se coloca ao jurista e ao direito é a capacidade de ver a pessoa humana em toda sua dimensão ontológica e não como simples e abstrato sujeito de relação jurídica A pessoa humana deve ser colocada como centro das destinações jurídicas valorizandose o ser e não o ter isto é sendo fator de medida do patrimônio que passa a ter função complementar Com efeito a repersonalização não significa um retorno ao individualismo do período liberal mas a afirmação da finalidade mais importante elevada proteção do ordenamento constitucional A família não deve ser enxergada como valor em si mas tão somente como comunidade funcionalizada à proteção e ao desenvolvimento da personalidade daqueles que a integram Maria Berenice Dias 2013 p 36 enumera algumas consequências desse fenômeno no regime jurídicofamiliar Procedeu o legislador constituinte ao alargamento do conceito de família calcado na nova realidade que se impôs emprestando juridicidade ao relacionamento existente fora do casamento Afastou da ideia de família o pressuposto do casamento identificando como família também a união estável entre um homem e uma mulher A família à margem do casamento passou a merecer tutela constitucional porque apresenta condições de sentimento estabilidade e responsabilidade necessários ao desempenho das funções reconhecidamente familiares Nesse redimensionamento passaram a integrar o conceito de entidade familiar as relações monoparentais um pai com os seus filhos Agora para a configuração da família deixou de se exigir necessariamente a exigência de um par o que consequentemente subtraiu de seu conceito a finalidade procriativa Paulo Lôbo 2011 p 3536 também realiza o mesmo exercício listando alguns efeitos provenientes da Constituição de 1988 que aumentou a proteção estatal à família promovendo grandes modificações a a proteção do Estado alcança qualquer entidade familiar sem restrições b a família entendida como entidade assume claramente a posição de sujeito de direitos e obrigações c os interesses das pessoas humanas integrantes da família recebem primazia sobre os interesses patrimonializantes d a natureza socioafetiva da filiação tornase gênero abrangente das espécies biológica e não biológica e consumase a igualdade entre os gêneros e entre os filhos f reafirmase a liberdade de constituir manter e extinguir entidade familiar e a liberdade de planejamento familiar sem imposição estatal g a família configurase no espaço de realização pessoal da dignidade humana de seus membros4 Exemplificando ainda os efeitos da constitucionalização do Direito Civil no âmbito da família Rolf Madaleno 2011 p 97 destaca i o art 227 da Constituição que abrange uma série de regras consideradas como direitos fundamentais orientadas à proteção das crianças e dos adolescentes ii o art 227 6º que proíbe qualquer discriminação entre os filhos e iii o art 229 que impõe o dever dos pais de assistir criar e educar os filhos menores Por fim mencionese que o fenômeno da constitucionalização caminho sem volta dentro da noção do Direito como ciência democrática possui relação direta com a tendência de valorização da pessoa humana denominada de repersonalização do Direito Civil HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 472472 movimento que será estudado a seguir 12 REPERSONALIZAÇÃO DO DIREITO DAS FAMÍLIAS A codificação civil liberal elegia como valor necessário para a realização da pessoa a propriedade em torno da qual giravam todos os demais interesses privados tutelados pelo Direito O patrimônio realizava o indivíduo Porém esse cenário ofuscava a pessoa humana que passou a representar um simples e formal polo de relação jurídica LÔBO 2012 p 59 A primazia da patrimonialização das relações civis não se mostra compatível com os valores fundados na dignidade da pessoa humana e adotados pela Constituição Dessa forma O desafio que se coloca aos civilistas é a capacidade de ver as pessoas em toda a sua dimensão ontológica e através dela seu patrimônio superando o individualismo proprietário da modernidade liberal e por igual do individualismo de massa do consumidor na contemporaneidade A restauração da primazia da pessoa humana nas relações civis é a condição primeira de adequação do direito aos fundamentos e valores constitucionais LÔBO 2012 p 59 Grifo nosso Não se pode considerar qualquer posição doutrinária que no passado enxergava em institutos do Direito das Famílias uma proteção supraindividual seja em razão de objetos políticos indo ao encontro de ideologias autoritárias seja por inspiração religiosa TEPEDINO 2008 p 394395 Ao se transformar em espaço de realização da afetividade humana a família marca a transição da função econômica política religiosa e procracional para essa nova função Tal contexto se amolda ao fenômeno jurídicosocial denominado de repersonalização das relações civis que valoriza o interesse da pessoa humana mais do que suas relações patrimoniais É a recusa da coisificação ou reificação da pessoa para ressaltar sua dignidade A família é o espaço por excelência da repersonalização do direito LÔBO 2011 p 22 Grifo nosso da família a concretização da afetividade pela pessoa no agrupamento familiar LÔBO 2011 p 29 Em linhas gerais portanto a repersonalização das relações familiares significa que as alterações em sua esfera possuem como objetivo fazer com que o Direito das Famílias passe a girar fundamentalmente em torno dos fenômenos humanos relacionados à seara afetiva espiritual e psicológica das pessoas envolvidas e não em torno de aspectos de natureza predominantemente patrimonial PEREIRA 2013a p 314 Traduz a valorização do interesse da pessoa humana na sua dimensão do ser em detrimento dos interesses e relações patrimoniais presentes em sua dimensão do ter Desse modo a família contemporânea apenas pode ser compreendida como um espaço de realização pessoal e afetiva em que os interesses patrimoniais perderam sua função de principais protagonistas GAMA 2008 p 126 É certo que a partir do momento em que o modelo hierárquico da família abriu espaço para sua democratização10 na qual as relações são muito mais de igualdade de respeito mútuo e de lealdade não há mais justificativas de natureza moral religiosa política física ou natural que autorizem à excessiva e indevida ingerência do Estado na vida das pessoas DIAS 2013 p 58 Entretanto a repersonalização do Direito das Famílias não é incompatível com a intervenção do Estado nas relações familiares principalmente aquela de natureza protetora tutelando sujeitos e reequilibrando as forças no âmbito da família A proibição se aplica à excessiva e nefasta ingerência do Estado no agrupamento familiar porque desarrazoada e desvinculada dos valores constitucionais que lhe deram causa 13 INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO NAS RELAÇÕES FAMILIARES O Direito das Famílias contemporâneo representa a expressão mais pura de uma relação jurídica privada submetida desse modo ao exercício da autonomia privada11 dos indivíduos Nesse cenário toda e qualquer ingerência estatal somente será legítima e justificável quando tiver como fundamento a proteção dos sujeitos de direito notadamente daqueles vulneráveis como a criança e o adolescente bem como a pessoa idosa FARIAS ROSENVALD 2013 p 157 Grifo nosso A intervenção mínima do Estado nas relações familiares portanto traduz a simples projeção da autonomia privada12 a elemento central das relações regidas pelo Direito Civil como corolário do reconhecimento da liberdade de atuação do titular na seara privada Com isso o Estado apenas deverá atuar nas relações privadas para assegurar garantias mínimas fundamentais ao titular FARIAS ROSENVALD 2013 p 157158 Tratase de um princípio expressamente consagrado pelo Código Civil que em seu art 1513 salienta ser proibido a qualquer pessoa de Direito Público ou de Direito Privado interferir na comunhão de vida instituída pela família A análise desse texto legal é muito bem realizada por Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 157 Notese que este dispositivo chama a atenção para o fato de que não só o Estado mas qualquer pessoa seja de direito público ou privado está impedida de interferir na comunhão de vida instituída pela família A proteção à privacidade familiar portanto é máxima somente comportando exceções se a intervenção for feita pelo Estado em tutela aos direitos fundamentais dos participantes da família e desde que expressamente prevista em lei Do contrário a liberdade afetiva ou em outros termos a comunhão plena de vida deve prevalecer Muito embora não mencione de maneira expressa o princípio da intervenção mínima do Estado nas relações familiares Maria Helena Diniz 11 Nesse momento vale ressaltar os ensinamentos de Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 153 registrese que a autonomia privada no campo familiar pode ser exercida de inúmeras formas a saber na liberdade de escolha e de extinção da entidade familiar liberdade de aquisição e administração do patrimônio familiar liberdade de planejamento familiar liberdade de formação dos filhos dentre outras 12 Em verdade é uma autonomia privada que não pode ser exercida de forma arbitrária mas em harmonia com a tábua axiológica estabelecida constitucionalmente Nesse sentido Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 110 Ao revés de um exercício individualista egocêntrico e excessivamente patrimonialista constatase que no Estado Democrático de Direito a autonomia privada deve estar sempre atenta aos direitos fundamentais estampados na Constituição Federal Por conta disso atribuise à autonomia privada uma função social funcionalização no sentido de que ela deve estar em conformidade com os valores que mais interessam à sociedade 2012 p 4445 ao constatar a intervenção do Estado no Direito das Famílias descreve uma atuação estatal protetora dos direitos e garantias dos componentes da entidade familiar criando condições para o livre exercício dos valores constitucionalmente consagrados A intervenção protetora do Estado então seria um elemento universal na medida em que o Poder Público de todas as nações visa à garantia da família tutelandoa evitando abusos possibilitando melhores condições de vida às novas gerações auxiliandoa a exercer seus poderes de forma benéfica criando órgãos sociais que a protegem DINIZ 2012 p 45 enfim garantindo o mínimo necessário para o exercício da liberdade com dignidade Anteriormente a atuação estatal nas relações familiares se mostrava bastante excessiva em especial por meio da edição de normas jurídicas limitadoras da vontade do titular O Estado adentrava as relações familiares com o objetivo de impor comportamentos padronizados que deveriam ser satisfeitos por todos os membros do grupo FARIAS ROSENVALD 2013 p 158 No entanto com a consagração constitucional da tutela à pessoa humana tornase impositiva a observância do movimento de limitação da presença do Estado nas relações de família respeitando a liberdade dos componentes das organizações familiares em uma clara demonstração de afirmação da autonomia privada no Direito das Famílias FARIAS ROSENVALD 2013 p 158 A partir da Constituição de 1988 a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas implicou que a autonomia privada perdesse sua natureza exclusivamente patrimonial típica do período do Estado Liberal passando a ganhar aplicação também em relações extrapatrimoniais como aquelas travadas no Direito das Famílias ALVES 2010 p 145 Isso significa que os membros das famílias podem desenvolver livremente seus projetos de vida familiar sendo ilegítima a intervenção do Estado quando a relação familiar é travada por pessoas livres e iguais O intervencionismo estatal se justifica apenas com o propósito de assegurar o exercício de liberdades FARIAS ROSENVALD 2013 p 158 Contudo a presença do Estadoadministração do Estadolegislador e do Estadojuiz na família não pode ser negada sendo até mesmo necessária em vários aspectos quando se deve garantir o cumprimento de princípios como o da igualdade embora a submissão das questões familiares internas ao debate judicial configure uma exposição da fratura do projeto parental FACHIN 2003 p 307 Além disso com a Constituição de 1988 houve uma verdadeira crise nas categorias jurídicas préconstitucionais que entraram em colisão com as categorias recémcriadas cuja finalidade precipua é a preservação da dignidade da pessoa humana o que culminou na revisão de regras e institutos do Direito Civil a partir de um movimento de despatrimonialização e de uma ênfase na pessoa humana compreendendo a dignidade como cerne do sujeito e das relações jurídicas PEREIRA 2012b p 179 A Lex Fundamentalis como menciona Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 145 trouxe um novo perfil para a família que permitiu que ela se tornasse uma instituição verdadeiramente democrática na qual a preocupação maior é com a felicidade pessoal dos seus membros com a implementação da sua dignidade com a realização dos seus direitos fundamentais motivo pelo qual ela deixa de ser uma entidade estatal e ganha contornos de entidade social célula básica da sociedade o que autoriza o exercício da autonomia privada no seu âmago Desse modo houve um aumento do campo de aplicação da autonomia privada que gerou consequências sobretudo no âmbito das relações familiares na medida em que são os membros da família que devem estabelecer seu próprio regramento de convivência PEREIRA 2012b p 179 O reconhecimento do afeto tem como consequência direta permitir o exercício da autonomia privada por parte dos membros da família Cada indivíduo em seu espaço familiar deve ter a liberdade para realizar sua própria dignidade da maneira que achar mais adequada sob pena de frustração de seu projeto pessoal de felicidade ALVES 2010 p 148 Envolta em nova roupagem e desempenhando um novo papel a família contemporânea não permite mais a ingerência do Estado em especial no que diz respeito à intimidade de seus membros PEREIRA 2012b p 182 Com efeito a intervenção estatal deve apenas tutelar a família e conferirlhe garantias inclusive de ampla manifestação de vontade e de que seus membros vivam em condições adequadas à manutenção do núcleo afetivo PEREIRA 2012b p 182 Isso porque o Estado não deve interferir no âmbito familiar sendo necessário assegurar um espaço íntimo para que seus próprios integrantes por intermédio do afeto busquem a própria felicidade desenvolvam sua personalidade e por conseguinte promovam a satisfação uns dos outros ALVES 2010 p 150151 Portanto o Direito das Famílias mínimo consubstancia um Direito das Famílias em que deve predominar como regra geral o exercício da autonomia privada dos integrantes de uma família porquanto apenas dessa maneira será possível assegurarlhes efetivamente a concretização dos seus direitos fundamentais e a promoção de sua personalidade ALVES 2010 p 153 Por óbvio essa mínima intervenção do Estado no seio familiar deve estar regida pelo respeito à dignidade das pessoas não sendo possível determinar condutas atentatórias à liberdade de autodeterminação humana13 A regra geral é o reconhecimento da autonomia privada propiciando aos indivíduos o cultivo e o desenvolvimento das relações afetivas da forma que mais lhe interessar FARIAS ROSENVALD 2013 p 158 Com efeito Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 158159 ensinam que o Estado não deve se imiscuir no âmago familiar mantendo incólume o espaço de autodeterminação afetiva de cada pessoa humana componente do núcleopermitindo a busca da realização plena e da felicidade através das opções e comportamentos É o que se convencionou chamar de família eudemonista com os seus membros buscando a felicidade plena Até porque a presença excessiva estatal na relação familiar pode asfixiar a autonomia privada restringindo a liberdade das pessoas Destarte é preciso reconhecer a abolição definitiva da indevida e excessiva intervenção do Estado nas relações familiares impedindo sua intromissão em aspectos personalíssimos da vida privada que se referem apenas à vontade e à liberdade de autodeterminação do próprio titular como expressão mais pura de sua dignidade O Estado se afasta de uma ambientação que não lhe diz respeito FARIAS ROSENVALD 2013 p 159 Em resumo portanto o Estado somente deve interferir nas entidades familiares para efetivar a promoção dos direitos e garantias especialmente os fundamentais dos seus componentes assegurando a dignidade FARIAS ROSENVALD 2013 p 159 Em outras palavras a intervenção estatal justificase apenas como uma função instrumental para constituir meio garantidor de realização pessoal de seus membros PEREIRA 2012b p 183184 13 Mesmo porque o Estado não pode pretender dominar as relações familiares devendo permitir o exercício da liberdade afetiva por parte de seus integrantes ALVES 2010 p 151 Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 154 também se posiciona da mesma forma Em verdade o Estado somente deve interferir no âmbito familiar para efetivar a promoção dos direitos fundamentais dos seus membros como a dignidade a igualdade a liberdade a solidariedade etc e contornando determinadas distorções permitir o próprio exercício da autonomia privada dos mesmos o desenvolvimento da sua personalidade e o alcance da felicidade pessoal de cada um deles bem como a manutenção do núcleo afetivo Em outras palavras o Estado apenas deve utilizarse do Direito de Família quando essa atividade implicar uma autêntica melhora na situação dos componentes da família Essa é a concepção do princípio da intervenção mínima no âmbito do Direito das Famílias a intervenção do Estado nas relações familiares só deve ocorrer de forma excepcional em situações extremas como ultima ratio na medida em que deve prevalecer a regra geral da liberdade dos integrantes da família ALVES 2010 p 153 Por fim vale ratificar que a mínima intervenção do Estado nas relações familiares é um verdadeiro princípio norteador do Direito das Famílias nos termos dos ensinamentos do professor Rodrigo da Cunha Pereira14 2012b p 178 Em verdade como diz o aludido autor O desafio fundamental para a família e das normas que a disciplinam é conseguir conciliar o direito à autonomia e à liberdade de escolha com os interesses de ordem pública que se consubstancia na atuação do Estado apenas como protetor Esta conciliação deve ser feita por meio de uma hermenêutica comprometida com os princípios fundamentais do Direito de Família especialmente o da autonomia privada desconsiderando tudo aquilo que põe o sujeito em posição de indignidade e o assujeite ao objeto da relação ou ao gozo de outrem sem o seu consentimento PEREIRA 2012b p 189 14 Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 150 também identifica a intervenção mínima nas relações familiares como um princípio do Direito das Famílias O autor inclusive aduz que a nova lei de adoção Lei n 12010 de 3 de agosto de 2009 consagrou expressamente o princípio da intervenção mínima do Estado nos moldes aqui propostos ao tratar dos princípios que regem a aplicação das medidas específicas de proteção aos menores de idade no artigo 100 parágrafo único inciso VII do Estatuto da Criança e do Adolescente Além disso Leonardo Alves 2010 p 155156 destaca o art 1513 do Código Civil que proíbe a interferência de qualquer pessoa na comunhão de vida instituída pela família como outro instrumento consagrador da intervenção mínima no Direito das Famílias Como decorrência do fenômeno da constitucionalização pelo qual o Direito Civil vem passando nos últimos anos a função a ser realizada pela família tornouse mais nítida sendo possível concluir pela ocorrência de uma inafastável repersonalização5 de forma que a própria pessoa humana em sua dimensão existencial e familiar passa a ser a especial destinatária das normas de Direito das Famílias GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 63 Em sentido contrário ao patrimonialismo dos códigos oitocentistas que orientou o ordenamento jurídico brasileiro nos últimos séculos buscase recolocar o ser humano e os valores existenciais no centro da ordem jurídica6 considerando que a pessoa humana é o valor que deve nortear todo e qualquer ramo do Direito notadamente o Direito Civil DELGADO 2011 p 243 As influências oriundas das mudanças socioeconômicas mundiais tiveram como resultado inevitável a repersonalização das atuais relações familiares que se encontra em estágio bastante avançado em contraste com a família da sociedade préindustrial Hoje se dá maior relevância à liberdade e à igualdade entre os membros da entidade familiar em detrimento do patriarcado LISBOA 2013 p 31 De acordo com a antropóloga Cynthia Andersen Sarti 2000 p 43 o amor o casamento a família a sexualidade e o trabalho antes vividos a partir de funções preestabelecidas passam a ser compreendidos como parte de um projeto no qual a individualidade conta decisivamente e adquire importância social crescente A repersonalização contemporânea das relações familiares evidencia o roteiro de afirmação da pessoa humana como objetivo central do Di 25 reito LÔBO 2011 p 25 A família deve existir em função dos seus membros e não o contrário GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 63 O fenômeno da repersonalização7 é extraído do princípio da dignidade da pessoa humana fundamento da República previsto expressamente no art 1º inc III da Constituição Ele vai ao encontro da longa história da emancipação humana no sentido de recolocar o indivíduo como centro do Direito Civil passando o patrimônio para o papel de coadjuvante nem sempre imprescindível HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 489 A dignidade humana valor mais importante da ordem jurídica brasileira determina o reconhecimento da elevação do ser humano ao vértice de todo o sistema jurídico de modo que as normas são feitas para a pessoa e para a sua realização existencial devendo assegurar um mínimo de direitos fundamentais que sejam capazes de lhe possibilitar vida com dignidade FARIAS ROSENVALD 2012 p 160 Nesse sentido Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2012 p 94 sobreleva reconhecer como incontroversa tendência do Direito Civil especialmente a partir de sua compreensão na legalidade constitucional a repersonalização da ciência privada voltando a pessoa humana a ser a grande referência do Direito Civil só que desta feita conferindose maior relevância à promoção da inderrogável dignidade da pessoa humana Com efeito a pessoa humana mais do que simples titular de negócios e bens jurídicos passa a ser o centro epistemológico do Direito Civil a ratio essendi da ciência privada que passa a ter como finalidade a afirmação de sua dignidade Uma das consequências dos pressupostos teóricos da doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional de Perlingieri 2008 p 5 diz respeito ao reconhecimento de que de acordo com o moderno constitucionalismo e os tratados internacionais o indivíduo e seus direitos fundamentais 5 Qual o motivo de se falar em repersonalização do Direito das Famílias e não em personalização Isso porque a repersonalização contemporânea das relações familiares retoma a trajetória da afirmação da pessoa humana como finalidade central do Direito como ensina Paulo Lôbo 2011 p 25 No mundo antigo o conceito romano de humanitas era o da natureza compartilhada por todos os seres humanos No Digesto 1 5 2 encontrase o famoso enunciado hominum causa ius constitutum sit todo direito é constituído por causa dos homens Essa centralidade na pessoa humana foi acentuada na modernidade desde seu início principalmente com o iluminismo despontando na construção grandiosa dos direitos humanos fundamentais e do conceito de dignidade da pessoa humana 6 Vale ressaltar que Maria Celina Bodin de Moraes 2008 p 30 Grifo nosso elenca como características essenciais do Direito CivilConstitucional a prevalência das situações existenciais em relação às situações patrimoniais ou a subordinação destas àquelas a preocupação com a historicidade e a relatividade na interpretaçãoaplicação do direito a prioridade da função dos institutos jurídicos em relação à sua estrutura 7 Vale selecionar algumas tendências destacadas por Paulo Lôbo 2012 p 6061 oriundas da repersonalização das relações civis que repercutem diretamente no Direito das Famílias a a aplicação crescente pela jurisprudência dos tribunais do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento para solução dos conflitos c os direitos da personalidade entendidos como inatos ao conceito de pessoa e a ampla utilização de princípios cláusulas gerais e conceitos indeterminados a permitir a humanização efetiva das soluções jurídicas a partir das situações concretas h o respeito às diferenças i a concepção da família como espaço de convivência socioafetiva e de realização das dignidades de seus membros j a revisão dos conceitos e categorias do direito sucessório no sentido de sua função social e da realização do princípio da solidariedade 14 TRAJETÓRIA DA FAMÍLIA Fonte de exclusão as relações familiares começaram a ser reinventadas para originar um espaço de afeto solidariedade e mútua constituição de uma história comum no qual a realização das individualidades se exterioriza na paixão e amadurece no amor que une e elimina barreiras É a tentativa de superar essa discriminação histórica e cultural sem gerar aniquilamentos ou supremacia FACHIN 2003 p 116117 Destarte a trajetória da família é outro elemento importante para se definir as atuais características da família pósmoderna no intuito de enquadrar o poliamor em seu âmbito de possibilidade Antes de qualquer consideração acerca dessa trajetória é importante mencionar o que se entende por uma sociedade pósmoderna a qual é delineada por elementos de reflexões críticas a respeito da insuficiência dos paradigmas desenvolvidos e instituídos pela modernidade ocidental BITTAR 2008 p 131 No que se refere à conceituação do termo pósmodernidade de acordo com os ensinamentos do professor Eduardo Carlos Bianca Bittar 2008 p 131 a expressão é polêmica e não traduz nenhum consenso assim como seu uso não somente é contestado como também se associa a diversas reações ou a concepções divergentes A literatura a respeito do tema é pródiga mas as interpretações do fenômeno são as mais divergentes A despeito de toda essa discussão para o presente trabalho se mostra suficiente identificar apenas a primeira característica da pósmodernidade BITTAR 2008 p 132 que é justamente a incapacidade de gerar consensos Em resumo falase portanto de uma sociedade contemporânea que seja objeto e ao mesmo tempo protagonista de um processo de modificações Trazendo esses conceitos para o regime jurídicofamiliar tratase de um período de ausência de uniformidade acerca da definição da família espaço no qual há muito tempo paradigmas como o matrimônio a união de pessoas de sexos diferentes e a filiação biológica vêm sendo questionados Ciente disso cumpre analisar o desenvolvimento histórico da família bem como sua perspectiva pósmoderna o que conferirá subsídios para a compreensão do poliamor como uma identidade relacional que merece proteção do Direito 141 Desenvolvimento Histórico A descrição histórica da família possui diversos significados Dependendo do entendimento da expressão p ex os primeiros grupamentos humanos podem ser considerados organizações familiares porquanto a reunião de pessoas com a finalidade de formação de uma coletividade de proteção recíproca produção eou reprodução já propiciava o desenvolvimento do afeto e da busca da completude existencial GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 46 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 2012 p 47 ressaltam que Se o nosso conceito genérico de família é de um núcleo existencial integrado por pessoas unidas por um vínculo socioafetivo teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes a formação de grupamentos em sociedades antigas já permitiria realizar algumas finalidades ainda que rudimentares como a de produção o trabalho conjunto para satisfação das necessidades básicas de subsistência a de reprodução preocupação procricional na formação de descendência e a de assistência defesa contra inimigos e seguro contra a velhice Entretanto a migração de um período de satisfação individual das necessidades básicas de comida bebida sono e sexo para a construção de um conglomerado de pessoas que se identificassem reciprocamente como integrantes de uma efetiva coletividade e não de um mero agrupamento de individualidades representou a base para o reconhecimento de uma família GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 47 Antes da formação da família romanista as tentativas de verificação histórica se embasam em duas interpretações FACHIN 2003 p 56 A primeira não tradicional enxerga a família originária como uma família comunal traduzida em uma comunidade sem restrições de parentesco e sem a autoridade central do pai um modelo de família que se encerra com a formação do Estado e com o estatuto da propriedade privada FACHIN 2003 p 56 Encontra nos períodos mais primitivos a presença do matriarcado o parentesco da linhagem feminina que não derivava exclusivamente da supremacia abstrata da mulher mas sim de uma circunstância bastante concreta na medida em que era a mulher quem se ocupava da organização familiar e da economia doméstica FACHIN 2003 p 56 Por seu turno outra interpretação de forma contrária toma o fato apreendido no mundo jurídico sem se utilizar da história e da sociologia da família FACHIN 2003 p 56 Certo é que a partir do momento em que o Direito e o Estado se apropriam sob a autoridade masculina da ordem das ideias o parentesco da linhagem feminina acaba por ruir sendo substituído pela agrupação em torno da instituição que tem como chefe senhor e sacerdote o pai e marido dando origem ao pátrio poder FACHIN 2003 p 57 Deixando de lado as discussões sobre um modelo inicial único patriarcal ou matriarcal monogâmico ou poligâmico de família devese reconhecer que na Antiguidade os núcleos familiares eram formados não por meio da afetividade mas sim da instintiva luta pela sobrevivência independentemente da geração de uma relação de afeto GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 49 A análise dos registros históricos dos monumentos literários e dos fragmentos jurídicos demonstra que a família ocidental viveu um grande período sob a forma patriarcal Assim foi reconhecida nas civilizações mediterrâneas nas civilizações romanas e nas documentações bíblicas PEREIRA 2013a p 30 Em Roma a família era estruturada a partir do princípio da autoridade e abrangia todos aqueles que a ela estavam submetidos sendo organizada também em razão da ideia religiosa O pater era ao mesmo tempo chefe político sacerdote e juiz Comandava oficiava o culto dos deuses domésticos penates e distribuía justiça Exercia sobre os filhos direito de vida e de morte ius vitae ac necis podia imporlhes pena corporal vendêlos tirarlhes a vida A mulher vivia in loco filiae totalmente subordinada à autoridade marital in manu mariti nunca adquirindo autonomia pois que passava da condição de filha à de esposa sem alteração na sua capacidade não tinha direitos próprios PEREIRA 2013a p 31 A família era orientada como uma unidade econômica política militar e religiosa comandada sempre por um indivíduo do sexo masculino o pater familias que era o ascendente mais velho de determinado núcleo reunindo os descendentes sob sua absoluta autoridade GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 50 Pouco importando a idade ou a convoção de matrimônio todos os descendentes continuavam a lhe dever respeito e obediência permanecendo o pater como o chefe do agrupamento familiar até seu falecimento GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 50 Nessa época o critério predominante na estipulação do parentesco não era a consanguinidade mas a sujeição ao pater familias GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 51 Luiz Edson Fachin 2003 p 63 reúne as principais características da família romana a a família como unidade política jurídica e religiosa b a família como estrutura análoga a do Estado c a família romana centrada na figura do pater familias d estado monogâmico e exogâmico ou seja as relações pessoais também passam a ser privadas e é proibido o incesto e a família patriarcal na qual a esposa e os filhos eram considerados incapazes Ao longo do tempo as regras severas do Direito Romano foram sendo alvo de flexibilizações Houve o surgimento do casamento sine manu e às necessidades militares impulsionaram a criação de patrimônio independente para os filhos constituído pelos bens adquiridos como soldados recebidos no exercício de atividades intelectuais artísticas ou funcionais ou havidos de forma diversa PEREIRA 2013a p 31 A partir do século IV com o Imperador Constantino o Direito Romano passa a vivenciar uma concepção cristã de família em que as preocupações de natureza moral preponderam com base na inspiração do espírito de caridade sacrificando parte da autoridade do pater familias mas conservando seu caráter autocrático PEREIRA 2013a p 3132 Ao longo da Idade Média as relações familiares eram reguladas exclusivamente pelo Direito Canônico sendo o casamento religioso o único conhecido Ainda que as normas romanas continuassem a desempenhar grande influência quanto ao pátrio poder e às relações patrimoniais entre os cônjuges era possível notar a crescente presença de diversas regras de origem germânica GONÇALVES 2010 p 32 Em sua evolução pósromana a entidade familiar recebeu influência do Direito Germânico de forma a abranger a espiritualidade cristã e a reduzir o grupo familiar aos pais e filhos assumindo caráter sacramental PEREIRA 2013a p 32 Com a derrocada do Império Romano e o crescimento do Cristianismo houve uma gradativa modificação do significado da família GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2013 p 51 Enquanto a família pagã romana consistia em uma unidade com multiplicidade funcional a família cristã se desenvolveu com base em um modelo patriarcal concebido como célula básica da Igreja e por conseguinte da sociedade GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2013 p 51 Baseada essencialmente no matrimônio que de situação de fato foi alçado à condição de sacramento tal modelo se tornou hegemônico na sociedade ocidental passando da Antiguidade para a Idade Média até chegar à Idade Moderna marginalizando potencialmente outras modalidades de composição familiar GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2013 p 51 Vale ressaltar que com o advento do cristianismo houve uma evolução da ideia de renúncia às relações sexuais completas e mistas em favor do casamento bem como a negação da institucionalização do divórcio e à realização de um segundo matrimônio salvo no caso de morte de um dos cônjuges ou da existência do adultério Com isso mostrouse presente a valorização da família constituída por intermédio do casamento LISBOA 2013 p 26 A família cristã representou o formato dominante por séculos até que com a chegada da Revolução Industrial em meados do século XVIII15 uma nova alteração começou a se efetivar nas entidades familiares visto que sua visão clássica centrada no pai de família como líder espiritual e provedor necessário do lar sofreu grande abalo com os novos anseios da coletividade GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2013 p 51 Na Idade Contemporânea a família variou em razão do regime econômico do período histórico Com isso na sociedade eminentemente agrária em que o trabalho era realizado pela célula familiar a autoridade dos pais era preservada assim como a convivência entre pais e filhos e própria unidade da família NADER 2011 p 1112 Em uma sociedade conservadora para obterem a devida aceitação social e o reconhecimento jurídico os vínculos afetivos precisavam ser raticados pelo matrimônio A família representava uma verdadeira comunidade rural composta por todos os parentes significando uma unidade de produção com amplo incentivo à procriação DIAS 2013 p 28 Como a família traduzia uma entidade patrimonializada seus integrantes consistiam em força de trabalho O crescimento da família implicava melhores condições na sobrevivência de todos A organização familiar era dotada ainda de um perfil hierarquizado e patriarcal DIAS 2013 p 28 15 Ressaltese entretanto que o modelo clássico da família influenciado pelo Direito Romano ainda encontrou ressonância no Código Civil francês de 1804 Retomamse mais tarde essas fontes e em torno do Código Civil francês de 1804 se compôs o modelo clássico a família patriarcal e hierarquizada FACHIN 2003 p 65 Portanto na época precedente à Revolução Industrial a família desempenhava em conjunto a sua atividade de trabalho Ao redor do chefe da família estavam os colaboradores de ofício quais sejam a mulher e seus filhos LISBOA 2013 p 26 Com a Revolução Industrial houve um aumento da necessidade de mão de obra de forma que a mulher ingressou no mercado de trabalho16 deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família DIAS 2013 p 28 Com a utilização das máquinas o trabalho artesanal de natureza tipicamente familiar não conseguiu concorrer com a produção fabril razão pela qual houve uma marcante redução da renda artesanal e os membros da família tiveram que procurar outras fontes de renda trabalhando nas fábricas LISBOA 2013 p 26 Uma gradual repersonalização das relações familiares estava por acontecer com enfoque na saída da mulher de sua casa para o exercício da jornada de trabalho e na quebra do ciclo de continuidade da atividade paterna pelos filhos que passaram a desempenhar outros modelos de labor LISBOA 2013 p 26 A estrutura da família se modificou tornandose nuclear restrita ao casal e à sua prole Houve o término da predominância do seu caráter produtivo e reprodutivo A família saiu do campo para as cidades e passou a conviver em espaços menores o que levou à aproximação de seus integrantes sendo mais relevante o vínculo afetivo que os envolve Surge a concepção da família formada por laços afetivos de carinho de amor DIAS 2013 p 28 No direito moderno a família passou de uma organização autocrática para uma orientação democráticoafetiva O núcleo de sua constituição trasladouse do princípio da autoridade para o princípio da compreensão e do 16 Nesse momento vale mencionar um trecho da palestra da antropóloga Helen Fisher 2006 Tradução nossa que aborda a questão da entrada da mulher no mercado de trabalho Eu pesquisei entre 130 e 150 sociedades por meio dos dados demográficos da ONU e em 129 de 130 dessas sociedades as mulheres não estão apenas entrando no mercado de trabalho mas estão lentamente diminuindo o abismo entre homens e mulheres em termos de poder econômico saúde e educação É um processo muito lento mas de fato as mulheres estão retornando ao mercado de trabalho Eu digo retornando pois esse fenômeno não é novo Por milhões de anos em algumas regiões da África as mulheres se juntavam e faziam a colheita de legumes Elas retornavam às suas casas com cerca de 60 ou 80 da refeição noturna A família com duplo provimento era o padrão As mulheres eram vistas tão poderosas econômica social e sexualmente quanto os homens Em resumo estamos na verdade avançando para o passado amor As relações de parentesco substituiram o fundamento político pela vinculação biológica da consanguinidade PEREIRA 2013a p 32 A dispersão mundial de um novo modelo econômico a partir do século XX abalou as bases da família como instituição dando início ao fim da concepção uniforme e conservadora de um único formato de família Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 2012 p 52 elencam alguns acontecimentos que corroboraram para essa mudança A formação dos grandes centros urbanos a revolução sexual o movimento feminista a disseminação do divórcio como uma alternativa moralmente válida a valorização da tutela da infância juventude e terceira idade a mudança de papéis nos lares a supremacia da dignidade sobre valores pecuniários o reconhecimento do amor como elo mais importante da formação de um LAR Lugar de Afeto e Respeito tudo isso e muito mais contribuiu para o repensar do conceito de família na contemporaneidade A sociedade avançou sob a égide de novos valores e o desenvolvimento científico alcançou limites nunca antes imaginados Nesse cenário tornouse necessária a preocupação com a tutela da pessoa humana ruindo o império do ter e sobressai ndo a proteção do ser FARIAS ROSENVALD 2013 p 40 Os novos valores que permeiam a sociedade contemporânea rompem de forma definitiva com a percepção tradicional da família A estrutura da sociedade moderna determina um arranjo familiar descentralizado democrático igualitário e desmatrimonializado A finalidade principal da família passa a ser a solidariedade social bem como as outras condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso do homem com a organização familiar regida pelo afeto como mola propulsora FARIAS ROSENVALD 2013 p 4041 Desse modo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 41 ensinam de maneira precisa que a família tem o seu quadro evolutivo atrelado ao próprio avanço do homem e da sociedade17 mutável de acordo com as novas conquistas da humanidade e descobertas científicas não sendo crível nem admissível que esteja submetida a ideias estáticas presas a valores pertencentes a um passado distante nem a suposições incertas de um futuro remoto É realidade viva adaptada aos valores vigentes18 Dessa forma é possível perceber que progressivamente com o surgimento do desenho de afeto no âmbito dos fatos a família se insere em uma trajetória de direitos subjetivos de espaço de poder se volta para o terreno da liberdade do direito de ser ou de estar e como quer ser ou estar FACHIN 2003 p 6 142 Família PósModerna A partir da década de 60 o feminismo e os movimentos de liberação sexual ganhando feição revolucionária realizaram um grande ataque contra a noção de família então compreendida como um modelo centrado no matrimônio e na submissão inclusive jurídica da mulher e dos filhos ao poder patriarcal SCHREIBER 2013 p 298 Ao contrário da anunciada abolição da família as décadas seguintes presenciaram com perplexidade um movimento em que as antigas vítimas do modelo dominante mulheres crianças homossexuais etc passaram a pleitear não a ruptura com toda e qualquer perspectiva de família mas o reconhecimento de uma nova visão plural e igualitária do espaço familiar SCHREIBER 2013 p 298 A família contemporânea é sustentada pela solidariedade pela cooperação e pelo respeito à dignidade de cada um de seus componentes que se obrigam de forma recíproca em uma comunidade de vida LÔBO 2011 p 27 Fundase portanto a família pósmoderna em sua feição jurídica e socio lógica no afeto na ética na solidariedade recíproca entre os seus membros e na preservação da dignidade deles Estes são os referenciais da família contemporânea FARIAS ROSENVALD 2013 p 41 Grifo nosso Do avanço tecnológico científico e cultural decorre a supressão de fronteiras construídas pelo sistema jurídicosocial clássico possibilitando a formação de uma família contemporânea plural aberta multifacetária favorável às influências da nova sociedade que abrange consigo uma série de necessidades universais FARIAS ROSENVALD 2013 p 42 18 Essa é a mesma orientação de Luiz Edson Fachin 2003 p 49 Parece inegável que a família como realidade sociológica apresenta na sua evolução histórica desde a família patriarcal romana até a família nuclear da sociedade industrial contemporânea íntima ligação com as transformações operadas nos fenômenos sociais A passagem da família como uma unidade econômica para uma compreensão igualitária orientada para a promoção do desenvolvimento da personalidade de seus membros ratifica uma nova feição agora fundada no afeto19 Seu novo balizamento faz refletir um espaço privilegiado para que os seres humanos se complementem e se completem Tratase de um núcleo privilegiado para o desenvolvimento da personalidade do homem FARIAS ROSENVALD 2013 p 42 Como bem ressaltam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 42 afirmase um caráter instrumental sendo a família o meio de promoção da pessoa humana e não a finalidade almejada Deixando de lado seu entendimento como núcleo econômico e reprodutivo a família caminhou para uma compreensão socioafetiva como exteriorização de uma unidade de afeto e entreajuda o que teve como consequência o surgimento natural de novos arranjos familiares O casamento não é mais o ponto referencial necessário mas sim a busca da proteção e o desenvolvimento da personalidade do homem É a busca da dignidade humana dominando valores meramente patrimoniais FARIAS ROSENVALD 2013 p 43 Houve portanto uma alteração no conceito de unidade familiar antes construído pela aglutinação formal de pais e filhos legítimos embasada no casamento para um conceito flexível e instrumental que tem como objetivo a ligação substancial de pelo menos um dos genitores com seus filhos tendo como origem não apenas o casamento e é integralmente orientado para a realização espiritual e o desenvolvimento da personalidade de seus membros TEPEDINO 2008 p 422 A contemporaneidade possibilitou o entendimento da família como uma organização subjetiva fundamental para o alcance individual da felicidade Além da família tradicional fundada no casamento outros modelos familiares cumprem a função que a sociedade contemporânea atribuiu à família entidade de transmissão da cultura e formação da pessoa humana digna FARIAS ROSENVALD 2013 p 43 A família deve ser compreendida como um verdadeiro sistema democrático substituindo o caráter centralizador e patriarcal por um espaço aberto ao diálogo entre os seus componentes em que a confiança recíproca é sempre buscada Essa democratização20 da intimidade e do cenário familiar pode ser sustentada a partir da nova tábua axiomática do Direito Civil com a promoção dos princípios da dignidade da pessoa humana da solidariedade social e da isonomia substancial FARIAS ROSENVALD 2013 p 4344 Nesse sentido Maria Berenice Dias 2013 p 42 constata a existência de uma verdadeira democratização dos sentimentos em que o respeito mútuo e a liberdade individual são preservados Cada vez mais é atribuído o direito de escolha às pessoas podendo transitar de uma comunidade de vida para outra que lhe seja mais atrativa e gratificante Maria Celina Bodin de Moraes 2008 p 36 ensina que na família democrática não há direitos sem responsabilidades bem como autoridade desprovida de democracia A democratização no contexto da família implica segundo Giddens que a propõe alguns pressupostos igualdade respeito mútuo autonomia tomada de decisão através da comunicação resguardo da violência e integração social Nesta família democrática distribuise igualmente o poder de decisão com relacionamentos saudáveis entre seus membros todos com iguais e adequadas oportunidades de falar e capazes e interessados em ouvir O adjetivo democrático diz respeito à rejeição de qualquer discriminação e preconceito à liberdade de decidir o curso da própria vida e ao direito de protagonizar igual papel ao forjar um destino comum A família democrática é aquela na qual a dignidade das pessoas que a compõem é respeitada incentivada e tutelada A família dignificada ou seja aquela compreendida pelo conceito de dignidade é necessariamente uma família democratizada MORAES 2008 p 36 20 Isso é tão importante para a sociedade que a antropóloga Cynthia Andersen Sarti 2000 p 48 constata que a experiência de democratização da vida cotidiana familiar refletese no plano da cidadania ao prover os indivíduos de recursos para participar democraticamente na esfera pública a partir da internalização do princípio da autonomia que potencializa sua capacidade de discernir julgar e escolher A proteção da entidade familiar deve estar obrigatoriamente ligada à tutela do indivíduo por meio dos princípios da Constituição Por isso desnivelar a proteção da pessoa humana sob o argumento de proteger a instituição familiar é cometer gravíssima subversão hermenêutica violando frontalmente o comando constitucional FARIAS ROSENVALD 2013 p 44 Grifo nosso Desse modo Gustavo Tepedino 2008 p 422 ensina que a família embora tenha ampliado com a Carta de 1988 o seu prestígio constitucional deixa de ter valor intrínseco como instituição capaz de merecer tutela jurídica pelo simples fato de existir passando a ser valorada de maneira instrumental tutelada na medida em que e somente na exata medida em que se constitua em um núcleo intermediário de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da dignidade de seus integrantes À luz das relações jurídicas da família na pósmodernidade fica claro perceber a existência de um aumento da dimensão familiar abrangendo valores e vivências subjetivas formando um diálogo importante com os ramos do conhecimento adquirindo um caráter plural aberto e multifacetado de forma a se fundar no afeto e na solidariedade recíproca FARIAS ROSENVALD 2013 p 44 Por sua vez Roberto Senise Lisboa 2013 p 31 destaca uma característica fática importante da entidade familiar pósmoderna A reunião de toda a família durante o dia tornase cada vez mais complicada quase impossível em especial nos grandes centros urbanos o que repercute no regime jurídicofamiliar Nos raros momentos em que a família pósmoderna consegue se reunir pouco dialoga cercandose de outros atrativos que cada membro considera mais interessantes como televisão internet música etc LISBOA 2013 p 31 A sociedade da informação possibilita uma maior interação de cada componente da família com a coletividade local regional nacional e transnacional ao mesmo tempo em que constrói verdadeiros espaços de privacidade das pessoas da família que vivem na mesma casa A família pósmodema interage com menor intensidade que a préindustrial porém as funções dos seus membros encontramse redimensionadas em face da igualdade de direitos entre o homem e a mulher e da não discriminação entre os filhos LISBOA 2013 p 31 Portanto almejase hoje a garantia dos direitos da personalidade de cada membro do núcleo familiar pouco importando o papel que exerce 30 seja genitor ou genitora filho havido ou não havido do casamento etc LISBOA 2013 p 31 Maria Berenice Dias 2013 p 42 ressalta a perspectiva pluralista da família pósmoderna aduzindo que É necessário ter uma visão pluralista da família abrigando os mais diversos arranjos familiares devendose buscar o elemento que permite enlacar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade independentemente de sua conformação O desafio dos dias de hoje é achar o toque identificador das estruturas interpessoais que autorize nominála como família Esse referencial só pode ser identificado no vínculo que une seus integrantes O traço diferenciador da família pósmoderna é o afeto de forma que ela pode ser conceituada como uma organização ou grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade DIAS 2013 p 42 Leonardo Barreto Moreira Alves 2010 p 146 inclusive estabelece que a família pósmoderna tem como uma de suas principais marcas o afeto sem o qual ela não existe ainda que haja formalmente um vínculo jurídico ligando determinados indivíduos Assim Maria Berenice Dias 2013 p 43 expõe sua visão acerca da família atual O novo modelo da família fundase sobre os pilares da repersonalização da afetividade da pluralidade e do eudemonismo impingindo nova roupagem axiológica ao direito de família Agora a tônica reside no indivíduo e não mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar A famíliainstituição foi substituída pela famíliainstrumento ou seja ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade justificando com isso a sua proteção pelo Estado Ademais a família da pósmodernidade busca sua identificação na solidariedade como um dos fundamentos da afetividade após o individualismo que predominara nos dois últimos séculos LÔBO 2011 p 18 A realização pessoal da afetividade em um cenário de convivência e solidariedade caracteriza a função básica da família do atual período Suas antigas funções religiosa política econômica e procracional desapareceram ou passaram a exercer papel secundário Mesmo a função procracional com a marcante secularização do Direito das Famílias e a primazia do afeto não carrega mais sua finalidade principal LÔBO 2011 p 20 31 No momento em que a entidade familiar deixou de ser entendida como base do Estado para ser um âmbito de realizações existenciais manifestouse uma tendência do indivíduo moderno de privatizar suas relações amorosas e afetivas de impedir que sua esfera de intimidade esteja sob a tutela da sociedade do Estado e com isso do Direito LÔBO 2011 p 20 A mutação social da família patriarcal para a família celular autoriza que as prestações vitais de afetividade e realização individual sejam alcançadas perdendo importância a sua antiga natureza sagrada e os tabus que circunscrevem a maternidade e a paternidade de modo a interessar mais sua formação natural e espontânea MADALENO 2011 p 36 A família matrimonializada patriarcal hierarquizada heteroparental biológica institucional compreendida como uma unidade de produção e reprodução foi substituída por uma família pluralizada democrática igualitária hetero ou homoparental biológica ou socioafetiva formada a partir da afetividade e dotada de caráter instrumental MADALENO 2011 p 28 Ressaltando a influência da Constituição de 1988 na família brasileira Giselda Hironaka José Simão e Flávio Tartuce21 2009 p 505506 elegem os principais paradigmas do novo cenário familiar 1 a família plural O reconhecimento da família plural implica no dever de proteção pelo Estado a várias outras formas de configuração familiar 2 cidadania e dignidade humana a significar que os diversos arranjos familiares impelem os operadores de Direito de Família a pensar em organização jurídica dentro do conceito de cidadania ou seja na perspectiva de inserção das diversas formas de configuração familiar na valorização do indivíduo no respeito à diferença A valorização de princípios constitucionais como o da dignidade humana passa a ser balizadora das decisões judiciais na área de família 3 o afeto como valor jurídico o que pode ser considerado como a quebra do paradigma da parentalidade biológica Os autores destacam ainda os temas que mais se modificaram com a percepção da família atual 1 a parentalidade socioafetiva envolvendo tanto direitos quanto responsabilidades 2 o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares e portanto também a adoção por pares homoafetivos 3 a indenização por abandono afetivo 4 a guarda compartilhada 5 o reconhecimento da obrigação alimentar dos avós 6 a união estável bigamia namoro contrato de namoro 7 a culpa na separação 8 a mediação como forma de desfragmentação de conflitos familiares 9 a possibilidade de separação de divórcio e de inventário pela via extrajudicial Lei 114412005 10 o combate à violência doméstica pela aplicação plena do Estatuto da Criança e do Adolescente do Estatuto do Idoso da Lei Maria da Penha HIRONAKA SIMÃO TARTUCE 2009 p 506 Por fim Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 2012 p 44 trazem um conceito de família adequado ao atual momento do regime jurídicofamiliar definindoa como o núcleo existencial composto por seres humanos unidos por vínculo socioafetivo teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena de seus integrantes de acordo com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana A partir de uma perspectiva pósmoderna Anderson Schreiber 2013 p 300 também traz uma importante definição da família como um complexo de relações de natureza existencial que vincula o seu titular a outras pessoas humanas com base em fundamentos que podem ser bastante distintos entre si como o parentesco a afinidade e a afetividade Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 45 também procuram elaborar uma definição da família pósmoderna ressaltando que ela possui uma concepção múltipla plural podendo dizer respeito a um ou mais indivíduos ligados por traços biológicos ou sóciopsicoafetivos com intenção de estabelecer eticamente o desenvolvimento da personalidade de cada um Portanto não se pode fugir da conclusão de que a família cumpre na pósmodernidade um papel funcionalizado devendo efetivamente servir como espaço propício para a promoção da dignidade e a realização da personalidade de seus componentes integrando sentimentos esperanças e valores servindo como elemento fundamental para a busca da felicidade FARIAS ROSENVALD 2013 p 48 15 COMO SE FORMA UMA FAMÍLIA A partir da influência da Psicanálise22 o Direito não pode mais deixar de considerar a família como uma estruturação psíquica no sentido de apreender mais profunda e corretamente as relações que busca legislar e ordenar Caso contrário o Direito das Famílias continuará sem alcançar a melhor adequação à realidade PEREIRA 2012a p 151 As novas estruturas parentais e conjugais passaram a obter seu lugar no ordenamento jurídico brasileiro a partir inclusive da compreensão da família como estruturação psíquica verdadeiro núcleo formador do sujeito locus do amor e da afetividade propulsor de direitos e deveres tendo 22 Para maiores esclarecimentos acerca da relação entre a Psicanálise e o Direito das Famílias ver a excelente obra PEREIRA Rodrigo da Cunha Direito de família uma abordagem psicanalítica 4 ed Rio de Janeiro Forense 2012 como base o princípio da responsabilidade e da solidariedade PEREIRA 2012a p 151 O homem passou a ser compreendido como o centro de todo o ordenamento jurídico sendo seu valor íntimo e suas necessidades elementos favorecedores do desenvolvimento da sistematização de um direito geral da personalidade que ofereceu ao longo da história da humanidade um fortalecimento e uma positivação que passaram a ser tutelados pela norma expressa MALUF 2010 p 54 A identidade representa uma característica pessoal que aproxima o indivíduo de um grupo específico e o distancia de outro configurando um sentimento de pertencimento a um locus determinado que está diretamente ligado aos relacionamentos sociais e escolhas amorosas do cidadão MALUF 2010 p 59 Referindose ao fenômeno da democratização da esfera privada Anthony Giddens 1993 p 202 afirma que a ideia da autonomia vincula as aspirações tendentes à construção de relações livres e iguais entre as pessoas Autonomia representa a capacidade de autorreflexão e autodeterminação dos indivíduos Na vida pessoal a autonomia configura a realização bemsucedida do projeto reflexivo do eu entendido por Anthony Giddens 1993 p 206 como a condição para se relacionar com outras pessoas de uma forma igualitária permitindo o respeito pelas capacidades alheias algo intrínseco à ordem democrática Por sua vez Anthony Giddens 1993 p 206 informa que A autonomia também ajuda a configurar os limites pessoais necessários à administração bemsucedida dos relacionamentos Tais limites são transferidos quando uma pessoa usa outra como um meio de representar antigas disposições psicológicas ou quando é desenvolvida uma compulsividade recíproca como no caso da codependência O direito de autodeterminação sexual dos indivíduos se mostra conectado à sua especificidade física e moral e à sua individualidade estando também atrelado ao direito à diferença tendo em vista as peculiaridades próprias determinadas desde as intrínsecas características biológicas até a estipulação de estilos de vida ou padrões de comportamento não predominantes MALUF 2010 p 60 O fundamento jurídico para a formação do direito à orientação sexual como direito personalíssimo atributo intrínseco e inegável da pessoa humana pode ser encontrado na consagração constitucional da liberdade e da igualdade sem distinção de qualquer natureza bem como da inviolabilidade da intimidade e da vida privada FACHIN 2003 p 121 O direito à intimidade traduz o direito de inserção social política e familiar do ser humano assegurado o respeito às peculiaridades de cada indivíduo suas necessidades e potencialidades valorizadas pelos princípios constitucionais e amparadas na cultura de cada povo e no período histórico em que se vive MALUF 2010 p 60 Dentre os direitos da personalidade23 de acordo com Adriana Maluf 2010 p 61 Incluise aqui o direito à convivência familiar e social que goza de proteção constitucional e é de suma importância para a promoção da dignidade da pessoa humana uma vez que envolve diversos direitos da personalidade que perpassam desde o direito à vida ao nome ao lar à saúde à alimentação ao respeito à segurança à liberdade à identidade à intimidade ao recato entre outros Nesse cenário fica claro que o direito à liberdade se manifesta na formação da família no sentido de conferir aos indivíduos o direito de submeterse a determinada entidade familiar e ao planejamento da prole bem como ao acesso às diferentes maneiras de filiação natural adotiva ou decorrente de assistência às técnicas de reprodução assistida MALUF 2010 p 61 A constituição de uma família traduz um ato de liberdade tal como formalmente prevista a liberdade seja a família oriunda do casamento ou não Representa o desejo de fundar uma unidade que se qualifique como família de forma que tanto o seu ingresso quanto a sua saída dizem respeito a um ato da autonomia privada FACHIN 2003 p 76 O Direito se apresenta como um fenômeno cultural com larga criatividade humana voltado à garantia de uma convivência justa solidária e pacífica na sociedade devendo proteger os interesses individuais do ser humano assegurandolhe um âmbito de liberdade para gozar dos direitos inerentes à sua personalidade MALUF 2011 p 61 Nesse cenário a formação da família se assenta de acordo com Luiz Edson Fachin 2003 p 318 em um verdadeiro tripé composto pelo 23 Adriana Maluf 2010 p 63 ensina que os direitos da personalidade traduzem as emanações mais íntimas da pessoa humana possibilitando a sua autodeterminação a elucidação dos seus valores mais íntimos a sua maneira particular de existir suas crenças e seus valores sua forma de se demonstrar na sociedade em que vive Consiste plenamente na sua própria individualidade mosaico da diversidade e pelo ninho de comunhão no espaço plural da tolerância Tripé de fundação como se explica Diversidade cuja existência do outro torna possível fundar a família na realização pessoal do indivíduo que respeitando o outro edifica seu próprio respeito e sua individualidade no coletivo familiar Comunhão que valoriza o afeto afeição que recoloca novo sangue para correr nas veias de um renovado parentesco informado pela substância de sua própria razão de ser e não apenas pelos vínculos formais ou cosanguíneos Tolerância que compreende o convívio de identidades espectro plural sem supremacia desmedida sem diferenças discriminatórias sem aniquilamentos Tolerância que supõe possibilidade e limites Um tripé que feito desenho podese mostrar apto a abrir portas e escancarar novas questões É importante dizer que a formação da família deve respeitar seus traços conceituais distintivos Em outras palavras para formar família é preciso também respeitar os traços que a diferenciam de outras organizações sociais Nesse sentido Anderson Schreiber 2013 p 299 ensina que Embora reconhecendo o caráter aberto do fenômeno familiar os juristas têm procurado apontar traços conceituais distintivos que permitiram estremar as entidades familiares de outras formas de convívio que seriam estranhas à noção ou às noções de família Assim como requisitos imprescindíveis à configuração de uma entidade familiar a doutrina tem mencionado i a afetividade ii a estabilidade e iii a ostentabilidade A afetividade será amplamente estudada em momento oportuno24 sendo o elemento diferenciador na identificação das relações familiares A estabilidade tem o condão de diferenciar as famílias dos relacionamentos episódicos e ocasionais em que apesar de existir afeto faltaria a segura consolidação no tempo imprescindível à caracterização de uma entidade familiar Em relação à ostentabilidade ela diz respeito a uma organização familiar que se apresente assim publicamente SCHREIBER 2013 p 299 No entanto Anderson Schreiber 2013 p 299 afirma que tais traços conceituais distintivos não são absolutos para a construção de uma família Ainda que esses três requisitos se mostrem presentes na maioria dos arranjos familiares certas relações de família podem ser caracterizadas mesmo sem algumas dessas qualificações 24 Ver tópico 2 CARACTERIZANDO A AFETIVIDADE COMO PRINCÍPIO E A MONOGAMIA COMO VALOR p 55 e ss Assim o casal homoafetivo que não exterioriza publicamente sua condição com o intuito de se proteger do conservadorismo de alguns setores da sociedade também forma entidade familiar ainda que ausente a ostentabilidade Do mesmo modo o pai que não nutre afetividade pelo filho não se desvincula em razão disso do poder familiar Tampouco a eventual ausência de estabilidade em uma relação amorosa com rompimentos e retomadas constantes pode excluir a natureza familiar de uma organização social SCHREIBER 2013 p 299 No que se refere às relações conjugais Russel Parry Scott 2012 p 495 professor de Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco UFPE aduz que elas se constituem pelo estabelecimento de ligações pretensamente duradouras de duas pessoas que praticam sexo e convivem cotidianamente no âmbito privado Assim a conjugalidade indica a intenção de ter filhos e formar família mas sem que isso seja obrigatório para a sua existência A formação do casal é uma aliança entre duas pessoas que costuma redundar na construção de novas relações entre seus respectivos grupos de parentesco e de amizade SCOTT 2012 p 495 Enquanto as já mencionadas mudanças na sociedade sugerem uma queda na conjugalidade tradicional alguns observadores e atores dos processos sociais na contemporaneidade sustentam a evidência de uma perspectiva de adaptação tanto na conjugalidade quanto nas noções de família de forma a valorizar os filhos a vivência da sexualidade e arranjos domiciliares SCOTT 2012 p 498 16 FAMÍLIA EUDEMONISTA De início vale ressaltar que o afeto estrutura e norteia a promoção da personalidade bem como garante o pleno desenvolvimento do ser humano A busca da felicidade a supremacia do amor e a vitória da solidariedade possibilitam o reconhecimento do afeto como única maneira eficaz de definição da família e de preservação da vida Para esse novo momento de identificação da entidade familiar por intermédio do seu envolvimento afetivo surgiu um novo nome família eudemonista DIAS 2013 p 58 A família eudemonista almeja a felicidade individual vivendo um processo de emancipação de seus integrantes na medida em que o eudemonismo representa a doutrina que enfatiza o sentido da busca pelo sujeito de sua felicidade DIAS 2013 p 58 O reconhecimento do princípio eudemonista pelo sistema normativo modifica o sentido da tutela jurídica da família deslocandoa da instituição para o indivíduo DIAS 2013 p 58 A família existe em razão de seus membros e não estes em função daquela valorizando de forma definitiva a pessoa humana É o que se chama de família eudemonista marcada pela busca da felicidade pessoal e solidária de cada um de seus integrantes Tratase de um novo arranjo familiar que traduz o deslocamento do eixo fundamental do Direito das Famílias da instituição para a proteção especial da pessoa humana FARIAS ROSENVALD 2013 p 48 Enquanto base da sociedade a família assim como outros institutos do Direito Privado foi objeto de um verdadeiro processo de funcionalização passando a ser dotada de uma função social Da mesma forma que a propriedade o contrato e a empresa a família também exerce um papel importante e frente ao aspecto teleológico é qualificada por uma funcionalidade GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 62 Nesse cenário a família hoje tem a função de permitir em uma visão filosóficaeudemonista a cada um dos seus membros a realização dos seus projetos pessoais de vida GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 63 A família eudemonista caracteriza aquela organização familiar que busca a felicidade individual e vivencia um processo de emancipação de seus membros O Direito de Família não mais se restringe aos valores destacados de ser e ter porque ao menos entre nós desde o advento da Carta Política de 1988 prevalece a busca e o direito pela conquista da felicidade a partir da afetividade MADALENO 2011 p 25 A percepção da entidade familiar oriunda da Constituição de 1988 tem a função única e específica de fazer valer em seu âmbito a dignidade dos seus integrantes como forma de assegurar sua felicidade pessoal A construção de sonhos a realização do amor a partilha do sofrimento e todos os demais sentimentos humanos devem ser vivenciados conjuntamente nesse espaço de afeto e respeito ALVES 2010 p 131 Biológica ou não decorrente do casamento ou não matrilinear ou patrilinear monogâmica ou poligâmica monoparental ou poliparental enfim a estrutura não importa Tampouco importa o lugar que o indivíduo ocupe em sua organização se de pai de mãe ou de filho O importante é pertencer ao seu âmago estando naquele espaço idealizado em que é possível integrar sentimentos esperanças valores e se sentir por isso a caminho da realização de seu projeto de felicidade pessoal HIRONAKA 2003 p 1 A teoria e a prática das instituições de família estão sujeitas em última análise à competência em dar e receber amor A família está mais empenhada do que nunca em ser feliz de forma que a sua manutenção tem como objetivo principal a busca pela felicidade Não é mais obrigatório manter a família razão pela qual ela só sobrevive quando vale a pena DIAS 2013 p 43 implicando a felicidade de seus membros Com base em relações de afeto de solidariedade e de cooperação proclamase a perspectiva eudemonista da família não é mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento mas a família e o casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal em busca de sua aspiração à felicidade FACHIN 2003 p 32 Nesse contexto de acordo com Carlos Eduardo Ruzyk 2005 p 28 a família eudemonista não se orienta pelo alcance da felicidade puramente individual Por óbvio a felicidade individual é importante mas desde que se submeta a um espectro coexistencial a tutela jurídica da busca da felicidade por meio da família diz respeito a uma felicidade coexistencial e não puramente individual Por evidente não se trata o eudemonismo constitucional de busca hedonista pelo prazer individual que transforma o outro em instrumento da satisfação do eu Se a relação familiar pode ser vista como instrumento os entes que a compõem não são objetos uns dos outros Uma concepção desse jaez aviltaria a dignidade dos componentes da família por meio de sua reificação O deverser da família constitucionalizada impõe respeito e proteção mútua da dignidade coexistencial de seus componentes Com efeito o trabalho se propõe a eliminar qualquer dúvida acerca da qualificação da afetividade como princípio contribuindo para a demonstração de sua existência no Direito das Famílias Tratase de um princípio que irradia seus efeitos para todas as relações familiares devendo ser observado por todos os integrantes da família Para qualificála como princípio após a análise de seu conteúdo e de seus efeitos no regime jurídicofamiliar serão realizadas duas tarefas i primeiramente a construção da natureza principiológica da afetividade a partir de uma das técnicas de construção de princípios enunciadas por Riccardo Guastini e ii logo após a confirmação dessa natureza à luz da teoria dos princípios de Humberto Ávila Por sua vez a monogamia é um dos dogmas do Direito das Famílias A doutrina e os tribunais costumam mencionála como um princípio jurídico que orienta a formação das relações familiares sem no entanto construir sua natureza principiológica partindo de premissas tradicionais e ultrapassadas para viabilizar sua aplicação desprezando todo o arcabouço pósmoderno do aludido ramo do Direito Poucos são os autores que realizam um procedimento metodológico que comprove a natureza de princípio da monogamia a qual costuma ser aceita como uma verdade prévia inquestionável tão somente reproduzida pelos manuais e pelos juízes que não se preocupam em demonstrála a partir de qualquer que seja o marco teórico Contudo a monogamia não pode se revestir de pretensão de obrigatoriedade e universalidade diante do atual cenário da família brasileira vocacionado à realização da pessoa humana e de sua felicidade em detrimento de qualquer dogma inclusive a monogamia Foise o tempo em que o padrão relacional imposto pela sociedade vinculava todos os indivíduos uma vez que a família passa a ser um ambiente democrático por excelência Portanto fazse mister identificar o real papel da monogamia no regime jurídicofamiliar Para tanto propõese a sua análise com base sobretudo na teoria dos princípios de Humberto Ávila e nos ensinamentos de Jurgen Habermas que demonstrarão o seu caráter meramente axiológico e não principiológico em virtude de sua incompatibilidade com diversos preceitos constitucionais e por suas características serem próprias dos valores e não dos princípios judicial para impor a alguém dedicar afeto amor a outra pessoa Como os autores não fizeram a diferenciação entre afeto e afetividade bem como não elencaram em sua obra a afetividade como princípio do Direito das Famílias chegase à conclusão de que eles lhe negam natureza principiológica Qualificar a afetividade como princípio e a monogamia como valor é providência imprescindível para possibilitar o reconhecimento jurídico do poliamorismo 21 AFETIVIDADE ELEMENTO CENTRAL DO NÚCLEO FAMILIAR No século XIX a família era marcada pelo seu caráter patriarcal estruturandose em volta do patrimônio familiar na medida em que sua finalidade principal era econômica possuindo também grande representatividade religiosa e política com o pater familias assumindo a função de grande chefe dotado de vários poderes PEREIRA 2012b p 210 No entanto como bem ressalta Roberto Senise Lisboa 2013 p 33 a entidade familiar foi objeto de grandes transformações O crescente envolvimento da mulher em atividades externas a libertação sexual a institucionalização do divórcio a constituição de relações íntimas e informais mesmo por pessoas já casadas a obtenção abundante de informações sobre as mais variadas tendências culturais por intermédio dos mais variados meios de comunicação como a Internet o desenvolvimento precoce das crianças a maior integração infantojuvenil a desconstrução social da chamada era da inocência as relações sexuais iniciadas em idade cada vez mais tenra enfim a quantidade de motivos para a desestruturação da família patriarcal do século XIX é tão imensa que poderiam ser escritos tratados sobre o assunto Portanto com a saída da mulher dos limites domésticos e com as aludidas transformações da sociedade a família contemporânea26 passa a ter como elemento central sua vinculação e manutenção relacionadas aos elos afetivos deixando de lado motivações econômicas que passaram a se revestir de importância secundária PEREIRA 2012b p 211 A entidade familiar se transforma na proporção em que se exacerbam as relações de sentimentos entre seus integrantes ou seja na proporção 26 Fábio Ulhoa Coelho 2013 p 2122 ensina que a família contemporânea é resultado da mudança significativa na condição da mulher na sociedade ocorrida na segunda metade do século passado Podendo exercer sua sexualidade com mais liberdade graças à pílula anticoncepcional e ocupando no mercado de trabalho lugar de importância equivalente ao do homem a mulher pode ser independente não tem mais que aceitar minimamente a ideia de casar ou deixar de casar em função da vontade do pai A chefia da família contemporânea não é mais do homem e as decisões importantes surgem de intensa negociação com a mulher e os filhos em que as funções afetivas da família são valorizadas Novos modelos de arranjo familiar mais igualitários quanto ao sexo e à idade começam a surgir sendo mais flexíveis em suas temporalidades e em seus componentes com uma dependência menor da regra e maior do desejo DIAS 2013 p 7374 A família e o casamento passam a ter um novo perfil orientado para a realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes consubstanciando a concepção eudemonista da família A comunhão do afeto é incompatível com o modelo único matrimonializado da família Por isso a afetividade entrou nas cogitações dos juristas buscando explicar as relações familiares contemporâneas DIAS 2013 p 74 Cumpre mencionar que a afetividade é o núcleo central desse novo paradigma substituindo a consanguinidade e as clássicas definições circunscritas por noções como normalidade e capacidade para ter filhos A nova família compreendida como uma comunidade de afeto foi consagrada pela Constituição de 1988 Nesse contexto uma entidade familiar não pode se sustentar por motivos de dependência econômica mútua mas tão somente por se constituir em um núcleo afetivo que se justifica a priori pela solidariedade recíproca de modo que para a caracterização de uma família tornase necessário o afeto familiar seja ele conjugal ou parental PEREIRA 2012b p 211 A organização familiar tendo deixado de lado suas funções tradicionais reencontrouse no fundamento da afetividade na comunhão de afeto sendo totalmente desimportante o modelo que adote LÔBO 2011 p 72 ainda que seus integrantes não optem por seguir o padrão relacional praticado pela sociedade Dispensada das funções econômicas religiosas e em parte da educacional e assistencial a família tende a ser cada vez mais o espaço para aflorar a afetividade sendo determinante para que homens e mulheres cresçam psicologicamente sadios com autoestima e identidade COELHO 2013 p 20 O novo enfoque sobre a sexualidade aglutinou os vínculos conjugais embasandose no amor e no afeto Nesse sentido o Direito das Famílias construiu uma nova ordem jurídica para a entidade familiar atribuindo valor jurídico ao afeto DIAS 2013 p 74 Em outras palavras a família dispensada das funções que vinha e em certa medida vem desempenhando é o espaço por excelência da afetividade COELHO 2013 p 26 Vale ressaltar que o princípio da afetividade é aquele que introduz no Direito das Famílias a noção de estabilidade das relações socioafetivas e de comunhão de vida com a priorização do elemento anímico sobre aspectos de ordem patrimonial ou biológica GAMA 2008 p 8283 A família retomou a função que esteve em suas origens a de organização unida por desejos e laços afetivos em comunhão de vida O princípio jurídico da afetividade é o propulsor do salto à frente da pessoa humana nas relações familiares LÔBO 2011 p 71 Os vínculos de afetividade projetamse no âmbito jurídico como a essência das relações familiares O afeto consubstancia a diferença que define a entidade familiar27 Representa o sentimento entre duas ou mais pessoas que se afeiçoam pelo convívio diário como decorrência de uma origem comum ou em razão de um destino comum que faz unir suas vidas de forma íntima gerando efeitos patrimoniais e morais PEREIRA 2013a p 35 Em outras palavras o que identifica a família atualmente não é nem a celebração do casamento nem a diferença de sexo do par ou o envolvimento de natureza sexual O elemento distintivo da família que a coloca sob o manto da juridicidade é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns gerando comprometimento mútuo DIAS 2013 p 40 No cerne da concepção contemporânea da família está situada a mútua assistência afetiva definida como a vontade específica de formar uma relação íntima e estável de união conectando as vidas e gerenciando em parceria os aspectos práticos da vivência BARROSO 2011 p 130 Nesse cenário fica fácil perceber que o afeto consubstancia elemento essencial de qualquer núcleo familiar inerente a todo relacionamento conjugal ou parental Contudo nem todo afeto dá origem a uma entidade familiar O que se defende é que o afeto familiar é necessário como garantia da existência de uma família PEREIRA 2012b p 212 Portanto Rodrigo da Cunha Pereira 2012b p 212213 ensina que não obstante a relevância do afeto como vínculo formador de família ele por si só não é o único elemento para se verificar a existência de um núcleo familiar Ele deve coexistir com outros embora sua presença seja decisiva e justificadora para a constituição e subsistência de uma família A organização familiar apenas faz sentido para o Direito a partir do momento em que representa um elemento funcionalizado à promoção 27 Um exemplo dessa assertiva pode ser extraído dos ensinamentos de Luiz Edson Fachin 2003 p 23 acerca do afeto no âmbito da filiação Se o afeto é a base das relações familiares entre elas as de paternidade há que se verificar a sua manifestação fática para averiguarse a existência ou não de hipótese em que a filiação pode ser afirmada da dignidade de seus membros Com essa transformação no seio da família o ordenamento jurídico assimilou tal mudança passando a tratar o afeto como um valor jurídico de extrema importância para o Direito das Famílias PEREIRA 2012b p 214215 Dessa forma como bem ressalta Rodrigo da Cunha Pereira 2012b p 223 Grifo nosso a afetividade ascendeu a um novo patamar no Direito de Família de valor a princípio Isto porque a família atual só faz sentido se for alicerçada no afeto razão pela qual perdeu suas antigas características matrimonializada hierarquizada que valorizava a linhagem masculina A verdadeira família só se justifica na liberdade e na experiência da afetividade O aludido autor 2010 p 49 estabelece ainda que o princípio da afetividade é a base para todos os princípios fundamentais norteadores do Direito das Famílias não obstante seja o mais novo deles Pode ser inclusive qualificado como tal a partir do momento em que as relações familiares deixam de ser essencialmente uma esfera econômica e de reprodução De acordo com Paulo Lôbo 2011 p 71 a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles mesmo que haja desamor ou desafeição entre eles cessando seus efeitos apenas com o falecimento de um dos sujeitos ou se houver a perda do poder familiar No que se refere aos cônjuges o dever de assistência que é uma das consequências do princípio jurídico da afetividade tem o condão de projetar seus efeitos para além da convivência como ocorre na prestação de alimentos e no dever de segredo sobre a intimidade e vida privada LÔBO 2011 p 72 Especificando suas aplicações Paulo Lôbo 2011 p 73 preconiza que A doutrina jurídica brasileira tem vislumbrado aplicação do princípio da afetividade em variadas situações do direito de família nas dimensões a da solidariedade e da cooperação b da concepção eudemonista c da funcionalização da família para o desenvolvimento da personalidade de seus membros d do redirecionamento dos papéis masculino e feminino e da relação entre legalidade e subjetividade e dos efeitos jurídicos da reprodução humana medicamente assistida f da colisão de direitos fundamentais g da primazia do estado de filiação independentemente da origem biológica ou não biológica Por sua vez Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 154 ao identificarem no Direito das Famílias pelo próprio cerne de suas normas relações de natureza essencialmente existencial que dizem respeito ao âmago da pessoa humana atribuem o afeto à confiança existente nas relações familiares A família a partir de sua concepção como entidade orientada à promoção do desenvolvimento da personalidade de seus membros passa a trazer consigo uma nova feição fundada no afeto e na solidariedade Esse cenário traduz um espaço privilegiado para a confiança exigida entre os seus integrantes FARIAS ROSENVALD 2013 p 154 Destarte o afeto define o núcleo familiar como uma verdadeira rede de solidariedade formada para o desenvolvimento e promoção da pessoa não se coadunando com a violação da natural confiança depositada entre seus integrantes que se relaciona com a contemplação de sua dignidade humana garantida constitucionalmente FARIAS ROSENVALD 2013 p 154 Além disso Cristiano e Nelson 2013 p 154 ensinam que o afeto traduz a confiança que é esperada por todos os membros do núcleo familiar e que em concreto se materializa no necessário e imprescindível respeito às peculiaridades de cada um de seus membros preservando a imprescindível dignidade de todos Em síntese é a ética exigida nos comportamentos humanos inclusive familiares fazendo com que a confiança existente em tais núcleos seja o refúgio das garantias fundamentais reconhecidas a cada um dos cidadãos Maria Berenice Dias 2013 p 73 preconiza que o princípio jurídico da afetividade tem como consequência direta a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos bem como o respeito a seus direitos fundamentais O sentimento de solidariedade recíproca não pode ser violado pela preponderância de interesses patrimoniais Isso representa a priorização da pessoa humana nas relações familiares O afeto não é resultado da Biologia na medida em que os laços afetivos e de solidariedade decorrem da convivência familiar e não de aspectos sanguíneos Desse modo a posse de estado de filho exterioriza o reconhecimento jurídico do afeto com o marcante objetivo de assegurar a felicidade como um direito a ser alcançado DIAS 2013 p 73 Paulo Lôbo 2011 p 27 inclusive estabelece que as relações de consanguinidade na prática social são menos importantes que as decorrentes de laços de afetividade e da convivência familiar constituintes do estado de filiação que deve preponderar quando houver conflito com o aspecto biológico salvo se o princípio do melhor interesse da criança ou da dignidade da pessoa humana indicarem orientação diversa Por seu turno Carlos Roberto Gonçalves 2010 p 24 preceitua que o princípio da afetividade denominado por ele de princípio da comunhão plena de vida baseada na afeição entre os cônjuges ou conviventes relacionase com o aspecto espiritual da entidade familiar e com o companheirismo que nela deve se fazer presente tendo em vista a necessidade de tornála mais humana Com essa priorização da convivência familiar o jurista então deparase ora com um grupo formado no casamento ou no companheirismo ora com a família monoparental sujeita aos mesmos deveres e possuindo os mesmos direitos tudo como decorrência da afetividade que inclusive conduz o Direito das Famílias a novos rumos fundados em laços de afetividade em detrimento dos aspectos meramente formais GONÇALVES 2010 p 24 Enfim o princípio da afetividade em conjunto com outros princípios fez nascer outra compreensão para o Direito das Famílias edificando novos paradigmas no sistema jurídico brasileiro PEREIRA 2010 p 50 que refletem a promoção da dignidade e da personalidade dos membros da entidade familiar a valorização do afeto a priorização de sua autodeterminação afetiva e a garantia de igualdade e da liberdade de constituir família que passa a merecer uma especial proteção por parte do Estado Entretanto não se pode confundir o princípio jurídico da afetividade com a afeição propriamente dita LISBOA 2013 p 48 também denominada de afeto por alguns doutrinadores LÔBO 2011 p 71 Isso porque não é possível exigir juridicamente o afeto uma vez que o seu caráter espontâneo impedirá qualquer provocação judicial para impor a alguém dedicar afeto amor a outra pessoa FARIAS ROSENVALD 2013 p 155 A afeição é a conexão existente entre os integrantes da família por decorrência dos sentimentos que os unem Identificada a partir de seu sentido estrito não traduz um dever legal determinado a cada componente da família na medida em que não é possível obrigar uma pessoa a ter apreço pela outra LISBOA 2013 p 48 Como bem ressalta Roberto Senise Lisboa 2013 p 48 A afeição é um sentimento que se tem em relação a determinada pessoa ou a algum bem Afeiçoarse significa identificarse ter afeto amizade ou amor Os membros de uma família em sua maioria possuem laços de afeição uns com os outros Entretanto isso não é uma realidade absoluta lecidos o que impõe a realização de uma integração subjetiva por parte do intérprete Dessa forma o princípio é dotado de um sentido e alcance mínimos um verdadeiro núcleo essencial A partir de determinado ponto no entanto ingressase em um espaço de indeterminação no qual a demarcação de seu conteúdo estará sujeita à concepção ideológica ou filosófica do intérprete BARCELLOS BARROSO 2003 p 316 Isso não significa que o intérprete tem a liberdade de fazer qualquer conexão entre as normas e os fins a cuja realização elas se instrumentalizam Como bem ressalta Humberto Ávila 2012 p 3738 Grifo nosso O ordenamento jurídico estabelece a realização de fins a preservação de valores e a manutenção ou a busca de determinados bens jurídicos essenciais à realização daqueles fins e à preservação desses valores O intérprete não pode desprezar esses pontos de partida Exatamente por isso a atividade de interpretação traduz melhor uma atividade de reconstrução o intérprete deve interpretar os dispositivos constitucionais de modo a explicitar suas versões de significado de acordo com os fins e os valores entremostrados na linguagem constitucional A determinação do sentido de um princípio bem como a eleição dos comportamentos que concretizarão seus fins dependem da demonstração por parte do intérprete de um fundamento racional que legitima sua atuação BARCELLOS BARROSO 2003 p 318 e encontra suas razões em preceitos constitucionais Em orientação semelhante o professor alemão Friedrich Muller 2005 p 39 preconiza que não é o teor literal de uma norma constitucional que regulamenta um caso jurídico concreto mas o órgão legislativo o Poder Público o agente da Administração Pública o tribunal que edita a decisão regulamentadora do caso isto é o intérprete sempre em consonância com o fio condutor da formulação linguística dessa norma constitucional Mesmo porque a normatividade das decisões práticas não se orienta tão somente pelo texto da norma jurídica A decisão é formulada com o auxílio de materiais legais livros estudos monográficos de precedentes e de outras fontes de informação isto é com a ajuda de diversos textos que ultrapassam o mero teor literal da norma MÜLLER 2005 p 3940 e que de certa forma servem de base e traduzem as conexões axiológicas construídas pelo intérprete Ressaltese que o texto da norma dirige e limita as possibilidades legítimas e legais de concretização do Direito no seu âmbito de aplicabilidade Com isso De acordo com Riccardo Guastini 2005 p 193 os princípios não expressos31 são resultados da integração do Direito realizada pelos operadores Esses princípios são identificados pelos intérpretes a partir de normas singulares de um conjunto de normas ou até mesmo do ordenamento jurídico como um todo Como não há uma expressa manifestação da autoridade normativa qualificando determinado enunciado como princípio temse uma verdadeira valoração do intérprete que identifica como princípios certas disposições normativas no momento da interpretação mesmo com a ausência de determinação expressa do legislador nesse sentido GUASTINI 1999 p 39 A identificação de um princípio por meio de uma norma singular ocorre todas as vezes em que se supõe uma meta que a norma visa ou um valor pelo qual a norma é motivada GUASTINI 2005 p 193 Por simetria a dedução de um princípio por meio de um conjunto de normas deve ter como base os objetivos que esse agrupamento normativo visa a atingir bem como os valores por ele contemplados Riccardo Guastini 1999 p 42 ensina a existência de ao menos três técnicas de construção de princípios i a primeira é realizada pela indução de normas gerais mediante procedimento de universalização tendo como pontos de partida normas particulares ii a segunda se refere à elaboração de uma norma implícita que se supõe instrumental para a atuação de um princípio sendolhe atribuído caráter principiológico A terceira consiste em iii identificar as razões os fins as intenções os valores que orientaram o legislador para a construção de uma norma ou de um conjunto de normas GUASTINI 1999 p 42 Essa será a técnica utilizada para se construir a natureza principiológica da afetividade Dessa forma o princípio constitucional implícito da afetividade é resultado da interpretação sistemática e teleológica i do art 226 3º e 6º que tratam respectivamente da união estável e do divórcio ii do art 227 caput e 1º que estabelecem respectivamente a absoluta prioridade da criança jovem e adolescente e a assistência integral do Estado a esses sujeitos de direitos GAMA 2008 p 82 31 Os princípios não expressos de Guastini equivalem aos princípios implícitos tratados no trabalho pois são princípios não expressos os que carecem de disposição isto é os que não estão explicitamente formulados em nenhuma disposição constitucional ou legislativa mas são elaborados ou construídos pelos intérpretes Entendese que os intérpretes quando formulam um princípio não expresso não se convertem em legisladores mas assumem que tal princípio está implícito latente no discurso das fontes GUASTINI 1999 p 41 Tradução nossa ção admite a semelhança existente entre a união estável organização familiar notadamente marcada pelo afeto e o casamento no que se refere à possibilidade de se originar uma família Com efeito deixando de lado as formalidades devese dar especial proteção ao afeto qualificado pelo ânimo de constituir família O que se deve garantir é a especial proteção da vida em comum por meio de uniões sem formalidades com o objetivo de proteger todos os modos de constituição de família pouco importando sua origem Mesmo porque a concepção familiar possui caráter instrumental não se justificando para protegêla por si mesma senão em razão de seus componentes o que significa que os companheiros merecem a mesma proteção conferida às pessoas casadas FARIAS ROSENVALD 2013 p 507 já que a Constituição prioriza o afeto e não as formalidades decorrentes do casamento Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2013 p 507 Grifo nosso ensinam que seja no casamento seja na união estável seja em qualquer outro modelo de família é certo que toda e qualquer entidade familiar está sempre fundada na mesma base sólida o afeto E não se justifica por certo discriminar realidades idênticas todas lastreadas no amor e na solidariedade recíproca com vistas à realização plena dos seus componentes Por isso exigese do ordenamento jurídico o mínimo de coerência para respeitar o elemento afetivo que marca as relações do Direito das Famílias Dessa forma o reconhecimento constitucional da união estável traz consigo o reconhecimento da afetividade como elemento estruturante das organizações familiares Por não ser possível ignorar a realidade social que demonstra que a base de toda entidade familiar é o afeto entre seus integrantes a Constituição contemplando o princípio da afetividade respeita o elemento afetivo que marca a união estável garantindo a proteção de seus efeitos Nesse sentido Maria Berenice Dias 2013 p 72 ensina que o reconhecimento como entidade familiar merecedora da proteção jurídica das uniões estáveis que se formâm sem as solenidades do casamento significa que a afetividade que une duas pessoas obteve reconhecimento e inserção no sistema jurídico Por outro lado ao afirmar que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio art 226 6º o constituinte não estabeleceu tratamento inferior à união estável muito menos construiu graus de importância nas entida des familiares Seguramente não é essa a interpretação que respeita com mais amplitude os valores consagrados dentre as garantias fundamentais FARIAS ROSENVALD 2013 p 508 Pelo contrário ao determinar a facilitação da conversão da união estável em casamento o constituinte apenas tornou menos solene e complexo o matrimônio daqueles indivíduos que em momento anterior já conviviam maritalmente FARIAS ROSENVALD 2013 p 508 Mais uma vez é possível perceber a influência da autodeterminação afetiva na formulação da disposição constitucional O respeito e a proteção ao afeto existente entre sujeitos que já vivem como se casados fossem impõem ao Estado que facilite a conversão dessa organização familiar em casamento Tratase de uma norma que novamente valoriza a afetividade em detrimento das formalidades na medida em que garante especial proteção à família como elemento propulsor do afeto e da dignidade de seus integrantes e não como instrumento de promoção dos padrões relacionais idealizados pela maioria da sociedade Mesmo porque não se pode ignorar a realidade social É preciso afastar do Direito das Famílias a hipocrisia que tanto o impregnou com o intuito de reconhecer o afeto como elemento propulsor das relações familiares Destarte tratar a união estável de forma desigual consistiria em eliminar proteção de alguém por ter optado formar uma família sem as solenidades próprias do casamento FARIAS ROSENVALD 2013 p 509 Além disso desde o momento em que o Direito das Famílias passou a admitir o divórcio sem relacionar o direito potestativo ao divórcio com o fundamento da culpa de um dos cônjuges a priorização da ideia de afetividade passou a ser fundamental nas relações conjugais GAMA 2008 p 83 Dessa forma é possível perceber que o divórcio é mais um instituto relacionado à afetividade Em outras palavras também a dissolução do matrimônio por intermédio do divórcio encontrase atrelada a elementos afetivos do núcleo familiar O art 227 da Constituição assegura a prioridade a ser conferida à criança ao adolescente e ao jovem garantindo em seu 1º a assistência integral do Estado a esses sujeitos de direitos Ao colocálos a salvo de qualquer forma de negligência discriminação exploração violência crueldade e opressão o constituinte fez refletir o mínimo de cuidado e de respeito à criança e ao adolescente na esfera familiar Como visto anteriormente a afetividade não determina que o pai nutra sentimentos de amor e carinho por seus filhos mas lhe impõe condutas tendentes a respeitar sua dignidade humana e a possibilitar a promoção de sua personalidade Assim a afetividade impõe uma conduta mínima de respeito consideração e cuidado dos integrantes da família em relação à criança e ao adolescente Essa conduta mínima é um fim que o constituinte procurou garantir com a edição do aludido dispositivo Especificamente no que se refere ao direito parental o princípio da afetividade pode ser identificado em alguns modos de constituição dos vínculos de paternidade de maternidade e de filiação atrelados à noção de parentesco civil art 1593 do Código Civil de 2002 como nos casos de adoção e de posse de estado de filho E a própria consideração de que se o vínculo se estabeleceu a partir dos pressupostos para a constituição de paternidadefiliação por exemplo ainda que posteriormente haja desafeição entre o pai e o filho socioafetivos devese entender pela impossibilidade da desconstituição do vínculo devido à própria ideia da indisponibilidade do estado de filiação GAMA 2008 p 84 Destarte em virtude da necessidade de se garantir o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente conservando vínculos mínimos de paternidade de maternidade e de cuidado fins e valores que permeiam o conteúdo da afetividade o constituinte estabeleceu a prioridade a ser conferida a esses sujeitos de direitos Em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana fundamento da República Constituição art 1º inc III sua essência está carregada de sentimentos e emoções A preocupação com a promoção dos Direitos Humanos e da justiça social fez com que o constituinte elevasse a dignidade da pessoa humana ao posto de valor nuclear da ordem constitucional DIAS 2013 p 65 Traduzindo essa preocupação para o Direito das Famílias o constitutinte ao elegêla como princípio fundante do Estado Democrático de Direito buscou potencializar ao máximo a organização familiar como espaço primordial do indivíduo para a promoção de sua personalidade assegurando o exercício pleno de sua liberdade sexual liberdade de constituir família e autodeterminação afetiva Apenas com o reconhecimento de uma família eudemonista e plural fundada no afeto entre seus membros que o núcleo familiar se tornará um espaço para a promoção da dignidade de seus componentes Em outras palavras apenas a valoração jurídica da afetividade como verdadeiro princípio é capaz de propiciar o respeito à dignidade humana no ambiente familiar A dignidade da pessoa humana encontra na família o terreno adequado para se desenvolver Nesse cenário Maria Berenice Dias 2013 p 66 informa que a multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares o afeto a solidariedade a união o respeito a confiança o amor o projeto de vida comum permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada participe com base em ideais pluralistas solidaristas democráticos e humanistas Além disso o princípio da dignidade da pessoa humana representa em última análise igual dignidade para todas as famílias Assim caso se afirme que um de seus fins se refira ao fato de ser indigno dar tratamento diferenciado às diversas formas de constituição de entidades familiares DIAS 2013 p 66 a afetividade aflora como princípio visto que uma de suas finalidades é garantir o tratamento igualitário no âmbito das relações familiares Destarte a dignidade humana encontrase ligada à legitimação e à inclusão no laço social de todas as modalidades de família bem como ao respeito às diferenças e a todos os vínculos afetivos Representa ainda a consideração e o respeito à autonomia dos sujeitos PEREIRA 2012b p 121 de modo que desses valores e fins pode ser extraída a natureza principiológica da afetividade Quanto ao princípio da solidariedade previsto no art 3º inc I da Constituição sua própria origem já justifica a natureza principiológica da afetividade visto que ele advém dos vínculos afetivos Além disso também por compreender a fraternidade e a reciprocidade DIAS 2013 p 69 a solidariedade se relaciona diretamente com o afeto no sentido de estabelecer uma cadeia de sentimentos recíprocos de cuidado entre os integrantes da família Paulo Lôbo 2011 p 64 estabelece que a solidariedade no espaço familiar deve ser entendida como solidariedade recíproca dos cônjuges e companheiros notadamente quanto à assistência moral e material A solidariedade em relação aos filhos diz respeito à exigência de a pessoa ser mantida instruída e educada para sua plena formação social Esse dever de cuidado inerente ao princípio da solidariedade é o fim que se relaciona com a afetividade ratificando sua natureza principiológica Por outro lado o princípio da liberdade exposto no caput do art 5º da Lex Fundamentalis representa no âmbito familiar a autonomia privada no espaço da liberdade de escolha de constituição manutenção e extinção da entidade familiar sem que haja qualquer espécie de determinação externa das pessoas dos familiares GAMA 2008 p 75 Esses fins e valores tutelados pelo princípio da liberdade podem ser traduzidos na autodeterminação afetiva uma das facetas do princípio da afetividade A liberdade de constituição da família possui estreita ligação com o princípio da autonomia da vontade notadamente nos relacionamentos mais íntimos do ser humano cujo valor supremo é o alcance da felicidade PEREIRA 2012b p 214 A priorização do afeto significa um verdadeiro avanço no Direito das Famílias vez que retrata a valorização da liberdade e da autonomia dos indivíduos A especial proteção que merece a família nos termos do caput do art 226 da Constituição ratifica o status da entidade familiar como espaço privilegiado de realização existencial de seus integrantes e de afirmação e consolidação de suas dignidades GAMA 2008 p 71 o que demonstra a necessidade de garantia do afeto como princípio jurídico pelos motivos anteriormente expostos Assegurar especial proteção à família significa reconhecêla como ambiente principal de promoção da personalidade de seus integrantes tornando necessário garantir todas as suas facetas tais quais a liberdade de sua constituição a dignidade de seus integrantes a solidariedade enfim garantir todos os valores que se relacionam em última análise com a afetividade A igualdade entre os filhos art 227 6º tem como objetivo evitar diferenciações entre filhos fundadas na natureza do vínculo que os une aos genitores além de impedir distinções justificadas por sua origem biológica ou afetiva FARIAS ROSENVALD 2013 p 133 o que já demonstra que esse princípio busca assegurar o reconhecimento dos laços afetivos alcançandoos a categoria jurídica equivalente aos laços biológicos Ao possuir como valores tutelados a proteção da dignidade dos filhos no âmbito das relações familiares a consideração de seu afeto e a garantia de seus direitos o princípio da igualdade entre os filhos também edifica razões para se ratificar a existência do princípio da afetividade Nesse sentido Luiz Edson Fachin 2003 p 22 afirma que a Constituição de 1988 ao proibir o tratamento discriminatório dos filhos por intermédio dos princípios da igualdade e da inocência consolidou o afeto como elemento de maior importância no que se refere à paternidade Com a derrocada do patriarcalismo e com a emancipação da mulher esta passa a ser titular de uma igualdade de direitos em relação ao seu marido no decorrer do casamento A igualdade entre os cônjuges art 226 5º significa não haver mais estado de sujeição de forma que a mulher deve tomar as decisões em conjunto com seu marido LISBOA 2013 p 39 o que representa a valorização da autodeterminação afetiva da mulher nas relações familiares Com isso o princípio da igualdade entre o homem e a mulher na constância do casamento tem como finalidade proteger e garantir a liberdade da mulher sua consciência e poder de escolha respeitando seus sentimentos e garantindo o livre exercício do afeto no espaço familiar Tratase de mais um valor protegido por uma norma jurídica a partir do qual se extrai a natureza principiológica da afetividade Por outro lado a adoção como escolha afetiva retirada dos 5º e 6º do art 227 da Lex Fundamentalis reflete uma medida de tutela e uma instituição de natureza humanitária que tem por finalidade dar filhos àqueles a quem a natureza negou e concretizar um objetivo assistencial caracterizando uma forma de implementar a condição moral e material do adotado DINIZ 2012 p 559 A adoção foi posicionada pela Constituição no mesmo plano de dignidade da filiação natural confundindose com esta e revelando a primazia dos interesses existenciais e repersonalizantes fundada em razões de solidariedade LÔBO 2011 p 27 Os valores e fins protegidos pela adoção possuem relação evidente com o princípio da afetividade na medida em que ela busca criar um ambiente sadio equilibrado e que permita ao adotando um crescimento físico espiritual emocional e intelectual DINIZ 2012 p 559 criando um mínimo necessário para o desenvolvimento dos aspectos de natureza existencial daquele que será adotado o que compreende a afetividade A razão de o constituinte ter conferido status constitucional à adoção se refere à necessidade de tutelar o desejo de amar e de ser amado de exteriorização do afeto a pessoas que se situam à margem da sociedade e da família Essa razão traduz uma das várias vertentes da afetividade enquanto princípio jurídico Afinal como bem ressalta Maria Berenice Dias 2013 p 498 A adoção constitui um parentesco eletivo pois decorre exclusivamente de um ato de vontade A verdadeira paternidade fundase no desejo de amar e ser amado Tratase de modalidade de filiação construída no amor na feliz expressão de Luiz Edson Fachin gerando vínculo de parentesco por opção A adoção consagra a paternidade socioafetiva baseandose não em fator biológico mas em fator sociológico Ademais no que se refere à proteção à família monoparental Constituição art 226 4º temse que a monoparentalidade advém da própria liberdade dos indivíduos de escolherem sua relação amorosa FARIAS ROSENVALD 2013 p 102103 Com isso a razão do constituinte nesse caso diz respeito à tutela da liberdade enquanto valor que como já visto está diretamente ligada à afetividade Por fim a garantia de assistência estatal à família afirmada pelo art 226 8º da Lei Maior reflete nada mais a necessidade de proteção do núcleo familiar da autodeterminação afetiva da liberdade e dos sentimentos de seus membros motivos que demonstram a natureza principiológica da afetividade visto que se encontram compreendidos no seu âmbito de aplicação 213 Noções Gerais sobre Princípio De início é preciso deixar claro que a definição dos princípios jurídicos depende diretamente do critério em razão do qual ela é edificada Isso porque as categorias jurídicas são instrumentos analíticos abstratos tornandose impossível a existência de uma só acepção de princípio ÁVILA 2001 p 5 Ciente disso de acordo com Humberto Ávila 2012 p 85 Os princípios são normas imediatamente finalísticas primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção Humberto Ávila 2001 p 21 ao se basear no critério de abstração da prescrição normativa também define os princípios como normas que estabelecem diretamente fins para cuja concretização estabelecem com menor exatidão qual o comportamento devido menor grau de determinação da ordem e maior generalidade dos destinatários e por isso dependem mais intensamente da sua relação com outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretação para a determinação da conduta devida Com efeito o autor qualifica os princípios como normas primariamente complementares e preliminarmente parciais porquanto ao compreenderem apenas parte dos aspectos relevantes para uma tomada de decisão não têm a pretensão de originar uma solução específica mas de auxiliar ao lado de outras razões a tomada de decisão ÁVILA 2012 p 83 É verdade que a teoria dos princípios de Humberto Ávila parte de pressupostos peculiares como se percebe a seguir por detrás da proposta aqui defendida está a compreensão do Direito como um conjunto composto de normas princípios regras cuja interpretação e aplicação depende de postulados normativos unidade coerência hierarquização supremacia da Constituição etc critérios normativos superioridade cronologia e especialidade topoi interesse público bem comum etc e valores ÁVILA 2001 p 17 No entanto isso não prejudica a argumentação realizada no presente trabalho na medida em que seu objeto principal não é a construção de uma teoria sobre princípios mas a construção da natureza principiológica de um enunciado tendo como base o critério de definição de princípios de Humberto Ávila que é compartilhado por outros doutrinadores Assim estáse utilizando o critério de definição de princípios de Humberto Ávila que se relaciona com a natureza imediatamente finalística dessas normas e sua prescrição indireta de condutas o que não significa defender a aplicação dos demais elementos da teoria do aludido autor Em resumo estão sendo utilizadas para fundamentar a natureza principiológica da afetividade apenas as características dos princípios trazidas por Humberto Ávila Contudo seria possível defender a aplicabilidade integral dessa teoria no âmbito do Direito das Famílias Nesse sentido o regime jurídicofamiliar pode ser conceituado como um conjunto de regras e princípios cuja aplicação e interpretação são orientadas por postulados normativos hermenêuticos como p ex todos os princípios de interpretação constitucional tendo em vista a constitucionalização do Direito das Famílias e por postulados normativos aplicativos como p ex a própria proporcionalidade bem como a proibição do retrocesso32 Deixando de lado a totalidade da teoria de Humberto Ávila e voltando para a sua análise dos princípios temse que eles determinam fins a 32 Humberto Ávila 2012 p 142143 ensina que A interpretação de qualquer objeto cultural submetese a algumas condições essenciais sem as quais o objeto não pode ser sequer apreendido A essas condições essenciais dáse o nome de postulados Há os postulados meramente hermenêuticos destinados à compreensão em geral do Direito e os postulados aplicativos cuja função é estruturar a sua aplicação concreta serem atingidos que por sua vez representam uma função diretiva para a motivação de uma conduta O fim preceitua um estado ideal de coisas a ser atingido como forma geral para compreender os vários conteúdos de um fim Como o estado de coisas deve ser alcançado os comportamentos imprescindíveis para tanto passam a caracterizar necessidades práticas sem as quais o fim não se realiza ÁVILA 2012 p 86 Desse modo Ana Paula de Barcellos e Luís Roberto Barroso 2003 p 315 afirmam que quanto ao conteúdo os princípios se caracterizam como normas que identificam valores33 a serem preservados ou fins a serem buscados trazendo consigo em geral um conteúdo axiológico ou uma decisão política Daí se afirma que os princípios são valorativos ou finalísticos Diogo de Figueiredo Moreira Neto 2009 p 78 constata que o princípio jurídico traduz predominantemente um indicativo de um gênero de condutas que depende de uma prescrição específica decorrente de outras normas que dele derivem Assim o princípio jurídico pode ser definido como uma norma indiciativa de conduta na medida em que sua finalidade primordial consiste apenas em indicar um valor ou fim genericamente enunciado que deva ser especificamente atingido não importando em que escala de satisfação por todas as normas concretamente preceptivas34 que derivem dele MOREIRA NETO 2009 p 7879 Essa definição demonstra a importância estruturante dos princípios já que a infraestrutura das normas se articula com uma superestrutura de normas principiológicas que lhes conferem um sentido valorativo e finalístico MOREIRA NETO 2009 p 79 Nesse cenário Diogo de Figueiredo Moreira Neto 2009 p 79 ratifica que Como os princípios são em síntese normas portadoras dos valores e dos fins genéricos do Direito em sua expressão mais pura explicase porque a sua violação apresenta repercussão genérica muito mais ampla e grave sobre a ordem jurídica do que uma transgressão de regras que restritamente os aplicam às espécies fáticas definidas pelos legisladores Também destacando o aspecto de portador de elevado grau valorativo do princípio Maurício Godinho Delgado 2009 p 18 ensina que essa norma caracteriza o fator de maior destaque no âmbito do Direito na incorporação dos valores e fins mais imprescindíveis à vida e convivência sociais Mesmo porque os princípios possuem marcante dimensão valorativa em virtude de sua própria natureza e por se reunirem nos valores de maior perenidade na história social bem como naqueles que são dotados de maior consistência e legitimidade cultural em determinado momento histórico DELGADO 2009 p 18 Vale ressaltar que André Ramos Tavares 2010 p 399 inclusive entende que os valores são positivados em geral por intermédio dos princípios constitucionais Assim os princípios adotados pela Lex Fundamentalis exteriorizam a carga axiológica incorporada pelo ordenamento jurídico Contudo os princípios não são equivalentes ao mero estabelecimento de fins Os fins somente afirmam um estado desejado ou uma decisão sobre a concretização desse estado sem que se estipule um dever ser O estabelecimento de fins quando motivados por meio de um dever ser passam a constituir um princípio ÁVILA 2001 p 18 Portanto os princípios não são apenas valores cuja efetivação fica sujeita às meras preferências pessoais Eles estabelecem o dever de adotar comportamentos necessários à concretização de um estado de coisas ÁVILA 2012 p 87 Ao indicarem fins estados ideais a serem alcançados os princípios não têm o condão de detalhar a conduta a ser seguida para sua concretização de forma que a atividade do intérprete será mais complexa tendo que definir a ação a ser tomada BARCELLOS BARROSO 2003 p 315 Além disso os princípios são normas que conferem fundamento a outras normas em virtude de estipularem fins a serem promovidos sem preverem o meio para a sua realização Apresentam ainda alto grau de indeterminação não no sentido de mera vagueza característica inerente a toda norma mas no sentido de não enumerarem de forma exaustiva os fatos propulsores de suas consequências jurídicas ÁVILA 2012 p 136 Com efeito seu elemento essencial é a indeterminação estrutural princípios são prescrições finalísticas com elevado grau de generalidade material sem consequências específicas previamente determinadas ÁVILA 2012 p 136 Em outras palavras os princípios possuem relatos com maior grau de abstração sem especificar a conduta a ser seguida aplicandose a um conjunto amplo em algumas vezes até indeterminado de situações BARCELLOS BARROSO 2003 p 314 2131 Confirmação da natureza principiológica da afetividade A partir dos ensinamentos anteriores temse que a confirmação da natureza principiológica da afetividade deve ser realizada por meio da demonstração de que ela i estabelece diretamente fins ou estados ideais de coisas a serem atingidos ii possui certa relação de dependência com prescrições específicas de outras normas na medida em que tem pretensão de complementaridade e parcialidade e iii ultrapassa o mero estabelecimento de fins A sua característica relativa ao estabelecimento imediato de fins já está sedimentada diante de todo o esforço realizado para construir sua natureza principiológica Pôdese perceber que a afetividade está diretamente relacionada e ao mesmo tempo preceitua que devem ser atingidos estados ideais de coisas vinculados à dignidade humana liberdade igualdade solidariedade autodeterminação afetiva valorização do afeto desenvolvimento da personalidade promoção de aspectos existenciais enfim a valores que justificam e ratificam sua natureza principiológica Em outras palavras o princípio da afetividade estabelece absolutamente todos os fins tutelados pelo Direito das Famílias Nesse sentido Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 2012 p 93 afirmam que o fato incontestável é que toda a investigação científica do Direito de Família submetese à força do princípio da afetividade delineador dos standards legais típicos e atípicos de todos os institutos familiaristas Por sua vez o princípio da afetividade assinala um gênero de condutas que dependem de prescrições específicas de outras normas que dele derivem não possuindo a pretensão de criar uma solução específica mas de contribuir para a tomada de decisão Isso fica evidente com a descrição do aludido princípio na obra de Caio Mário da Silva Pereira 2013a p 60 impõe uma operação de prevalência frente a valores contrapostos Em outras palavras os valores são relativos já que estão sujeitos a possibilidades valorativas e contextuais ÁVILA 2012 p 137 A afetividade não estipula comportamentos aconselháveis dentro de um determinado sistema de valores Pelo contrário ela serve de base para todo o sistema de valores princípios e regras do Direito das Famílias não dependendo de possibilidades valorativas e contextuais de forma a ser qualificada como uma estrutura inafastável do sistema jurídico familiar Além disso Sílvio da Salvo Venosa ao constatar que os valores são qualificações que nascem das pessoas atesta que cada ser humano escolhe na verdade o seu caminho mais ou menos trilhado mais ou menos conhecido Escolher um caminho significa dar proeminência mais a um valor do que a outro VENOSA 2010 p 209210 Esse raciocínio não se aplica à afetividade já que todos os membros da família devem respeitála como um espaço próprio para a promoção de sua dignidade valorizar o afeto e a autodeterminação afetiva de cada um e ser responsáveis pela existência uns dos outros Enfim respeitar o princípio da afetividade é uma obrigação de todos Dessa forma os componentes de uma família não podem optar por não observar o princípio da afetividade conforme suas convicções pessoais Ninguém está desvinculado do mínimo necessário para a garantia de todos os valores constitucionais no espaço familiar isto é ninguém está desvinculado do princípio da afetividade 22 MONOGAMIA Utilizando dos ensinamentos da Antropologia para se estabelecer um contexto das práticas sexuais e relacionais dos seres humanos Helen Fisher 1992 p 60 Tradução nossa antropóloga e professora da Rutgers University de New Jersey nos Estados Unidos ensina que Os homens do mesmo modo que as mulheres têm duas alternativas que são facilmente reconhecidas O homem pode formar um casal com uma mulher por vez monoginia do grego mono uno e ginia fêmea ou pode ter múltiplas parceiras concorrentes poliginia várias mulheres As mulheres têm duas possibilidades semelhantes monoandria um homem ou a poliandria vários homens São os termos comumente usados para descrever os diferentes tipos de matrimônios humanos Desse modo o dicionário define monoginia como a situação ou costume de ter uma só esposa por vez monoandria como um marido poliginia como várias esposas e poliandria como vários maridos Monogamia significa um cônjuge poligamia traduz vários cônjuges sem definição de sexo Ao enfatizar o afeto a família passou a ser uma entidade plural calcada na dignidade da pessoa humana embora seja ab initio decorrente de um laço natural marcado pela necessidade dos filhos de ficarem ligados aos pais até adquirirem sua independência e não por coerção de vontade como no passado Com o decorrer do tempo cônjuges e companheiros se mantêm unidos pelos vínculos da solidariedade e do afeto mesmo após os filhos assumirem suas independências Essa é a verdadeira diretriz prelecionada pelo princípio da afetividade Assim a afetividade explicita a dependência do filho em relação aos pais a solidariedade entre os cônjuges o afeto entre os membros da organização familiar o respeito à dignidade humana o respeito à pluralidade no âmbito da família ou seja o princípio da afetividade estabelece um gênero de condutas progressistas e de natureza existencial que dependem de prescrições específicas em outras normas Também é possível demonstrar essa característica do princípio da afetividade ao relacionálo com as normas de proteção da criança e do adolescente que em diversas situações baseiamse no afeto como vetor de orientação de um gênero de conduta dos pais ou representantes GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 92 O princípio da afetividade prescreve que os pais propiciem um espaço harmônico e adequado para o desenvolvimento da personalidade de seus filhos em um cenário de felicidade compreensão amor e cuidado prestando assistência material e afetiva Percebese pois mais um gênero de condutas estipuladas pela afetividade Como se não bastasse o princípio da afetividade também indica um gênero de condutas dependentes de prescrições normativas específicas aos juízes no sentido de no caso concreto compreender as partes envolvidas no contexto submetido à apreciação judicial respeitando as diferenças e valorizando os laços afetivos que unem os componentes da família GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2012 p 94 Ademais a afetividade ultrapassa o mero estabelecimento de fins na medida em que por ser um princípio não se esgota no plano axiológico isto é não é um mero valor projetando efeitos no plano normativo por possuir força normativa É importante ressaltar os valores encontramse no âmbito axiológico enquanto que os princípios estão no plano deontológico TAVARES 2010 p 398 Um valor apenas estabelece qual comportamento é mais aconselhável ou mais atrativo diante de certo sistema de valores cuja aplicação sas e poliandria como vários maridos Monogamia significa um cônjuge poligamia traduz vários cônjuges sem definição de sexo Helen Fisher 1992 p 60 entende que a palavra monogamia quase sempre é utilizada de forma equivocada na medida em que ao se definila como a condição de estar casado com apenas uma pessoa por vez não está se estabelecendo que os integrantes dessa união sejam sexualmente fiéis entre si Com isso não necessariamente implicaria a fidelidade de forma que monogamia e fidelidade não são termos sinônimos Mesmo porque o adultério em geral decorre do estabelecimento da prática da monogamia FISHER 1992 p 60 Ao constatar que a monogamia usualmente implica exclusividade de acasalamento David Barash professor de Psicologia da Universidade de Washington e a psiquiatra norteamericana Judith Eve Lipton 2001 p 09 a definem como um sistema social no qual os arranjos reprodutivos aparentemente envolvem um macho e uma fêmea Do mesmo modo Maria Sousa Wallisen Hattori e Maria Mota 2009 p 121 professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN conceituam a monogamia como um tipo de associação em que cada um dos sexos monopoliza somente um indivíduo do sexo oposto para a reprodução havendo a formação de um relacionamento exclusivo de longa duração A psicóloga norteamericana Marianne Brandon 2010 p 7 ressalta que a definição geralmente reproduzida pelas pessoas de que a monogamia representa ser sexualmente fiel a um único parceiro por um período da vida não é a definição verdadeira Literalmente monogamia significa estar casado com uma pessoa E o casamento é entendido como uma instituição social que envolve um compromisso legal entre duas pessoas Nesse cenário nenhuma dessas definições menciona o amor ou o sexo BRANDON 2010 p 78 No âmbito do Direito poucos são os autores que se arriscam a tratar do tema monogamia Não há um estudo aprofundado acerca de sua natureza jurídica muito menos de sua repercussão no sistema normativo Essa também é a impressão de Marcos Alves da Silva 2013 p 141 que desenvolveu uma ótima tese de doutorado sobre o assunto Não existe produção monográfica propriamente dita sobre o princípio da monogamia no direito civil brasileiro O tema é versado nos tratados cursos e manuais de direito civil também em alguns artigos e lateralmente tem sido abordado em dissertações e teses festavam tanto imitando a família matrimonializada quanto paralelamente à união conjugal Em atenção a esse cenário de grande necessidade de desdogmatização da monogamia tendo como base sempre os valores constitucionalmente consagrados cumpre tecer considerações a respeito de sua origem na humanidade e de seu caráter mítico na sociedade pósmoderna procedendose à devida construção de sua natureza jurídica isto é sua qualificação para o mundo do Direito meramente axiológica 221 Origem o Estudo de Friedrich Engels Em sua pesquisa acerca da origem da família da propriedade privada e do Estado Friedrich Engels 1984 p 21 utiliza como marco referencial os estudos e os estágios préhistóricos de cultura de Lewis Henry Morgan36 que podem ser resumidos em selvageria barbárie e civilização subdividindo os dois primeiros estágios em fases inferior média e superior conforme os progressos obtidos na produção dos meios de existência Tornando desde já mais claro o entendimento de cada um desses estágios o período da selvageria se notabiliza pelo matrimônio por grupos havendo a predominância da apropriação de produtos da natureza prontos para serem utilizados As produções artificiais do homem se realizam sobretudo para facilitar tal apropriação ASSIS KUMPEL 2011 p 82 A barbárie se caracteriza pelo matrimônio sindiásmico no qual a monogamia se restringia à mulher Nesse momento surgiram a criação de gado a agricultura por intermédio do trabalho humano a cerâmica e a fundição do ferro Por seu turno o estágio da civilização é marcado pelo matri 36 Olney Queiroz Assis e Vitor Frederico Kumpel 2011 p 81 ensinam que Morgan fundou simultaneamente a Antropologia Social e os estudos de parentesco De acordo com Morgan de todos os fatos sociais os que dizem respeito ao parentesco e ao casamento manifestam no mais alto grau esses caracteres duráveis sistemáticos e contínuos que dão ocasião à análise científica Morgan elege como objeto da antropologia a análise dos processos de evolução que compreendem as ligações entre as relações sociais jurídicas e políticas A ligação entre esses diferentes aspectos do campo social estabelece as características de determinado período da história humana No estudo da sociedade arcaica Morgan introduz duas novidades a primeira toma as sociedades arcaicas como objeto de estudo e as reintegra pela primeira vez na humanidade inteira e ao focar o desenvolvimento material dessas sociedades o conhecimento da história começa a ser posto sobre bases totalmente diferentes das do idealismo filosófico b segunda os elementos da análise comparativa não são mais costumes considerados bizarros e sim redes de interação formando sistemas termo que utiliza para as relações de parentesco mônio monogâmico pela indústria propriamente dita e pela arte ASSIS KUMPEL 2011 p 82 Adentrando os estudos de Friedrich Engels 1984 p 30 a família nunca permanece estacionada no tempo passando por estágios de modificação à medida que a sociedade evolui de um nível mais simples para outro mais complexo Em contrapartida os sistemas de parentescos registram os progressos realizados pela família somente após longos intervalos não sofrendo uma transformação radical senão quando a entidade familiar já se transformou radicalmente A concepção tradicional dos sistemas de parentesco e das formas de família conhece apenas a monogamia ao lado da poligamia de um homem e talvez da poliandria de uma mulher não mencionando o fato de que na prática as barreiras determinadas pela sociedade oficial são tácita e inescrupulosamente transgredidas ENGELS 1984 p 31 Friedrich Engels 1984 p 31 informa que O estudo da história primitiva revelanos ao invés disso um estado de coisas em que os homens praticam a poligamia e suas mulheres a poliandria e em que por consequência os filhos de uns e outros tinham que ser considerados comuns É esse estado de coisas por seu lado que passando por uma série de transformações resulta na monogamia Essas modificações são de tal ordem que o círculo compreendido na união conjugal comum e que era muito amplo em sua origem se estreita pouco a pouco até que por fim abrange exclusivamente o casal isolado Houve uma época primitiva em que o comércio sexual promíscuo dominava as práticas no âmbito da tribo de forma que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres Isso não resultava em um estado social de promiscuidade dos sexos mas sim em um modelo muito posterior o matrimônio por grupos ENGELS 1984 p 31 As formas de matrimônio por grupos são acompanhadas de condições peculiares que indicam a existência de modos anteriores mais simples de relações sexuais e com isso em última análise um momento de promiscuidade correspondente à transição da animalidade à humanidade ENGELS 1984 p 36 Contudo Friedrich Engels 1984 p 3132 aduz que esse estado social primitivo caso se admita que ele realmente tenha existido diz respeito a um período tão remoto que não é possível encontrar qualquer prova direta acerca de sua existência Ressaltese que já no século XIX época da elaboração de sua obra Engels 1984 p 32 constata um movimento de negação a esse período inicial da vida sexual humana com o objetivo de poupar a humanidade dessa suposta vergonha Para tanto seus defensores se embasavam não apenas na falta de provas diretas mas em especial no exemplo do resto do reino animal No entanto o autor destaca que esse movimento não provava nada quanto às práticas sexuais do homem e suas primitivas condições de existência Nesse contexto é importante mencionar que mais recentemente David Barash e Judith Eve Lipton 2001 p 4 demonstraram que entre quase todos os mamíferos37 incluindo a maioria dos primatas a monogamia não é natural Nem mesmo os pássaros como se pensava anteriormente são monogâmicos mas apenas inclinados nessa direção o que se aplica de forma idêntica ao ser humano Com efeito o matrimônio por grupos formado por bandos inteiros de homens e bandos inteiros de mulheres que se pertencem mutuamente é o modelo mais antigo e primitivo da família encontrado por Friedrich Engels 1984 p 3536 Nesse espaço familiar a tolerância recíproca entre os machos adultos e a ausência de ciúmes consubstanciavam a primeira condição para que fosse possível a formação e desenvolvimento desses grupos numerosos e estáveis em cujo cenário unicamente podia realizarse a transformação do animal em homem ENGELS 1984 p 35 Assim é possível perceber que a monogamia não estava presente na origem da família Desse estado social primitivo marcado pelo matrimônio por grupos de acordo com Engels 1984 p 37 derivaram em ordem de evolução a i família consanguínea ii a família punaluana iii a família sindiásmica e iv a família monogâmica Na família consanguínea os arranjos conjugais eram classificados por gerações Todos os avós e avós nos limites da família eram maridos e mulheres entre si o que também se aplicava aos seus filhos isto é aos pais e mães Os filhos destes por sua vez representavam o terceiro círculo de cônjuges comuns enquanto que os seus filhos ou seja os bisnetos dos primeiros integrantes da família representavam o quarto círculo ENGELS 1984 p 3738 37 Marianne Brandon 2010 p 04 também confirma essa informação preceituando que a monogamia é extremamente rara entre os mamíferos já que de acordo com estudos científicos menos de quinze por cento dos primatas e três por cento dos mamíferos são monogâmicos Nesse modelo de família os ascendentes e descendentes isto é pais e filhos são os únicos que de forma mútua estão excluídos dos direitos e deveres do matrimônio Irmãos e irmãs e primos e primas de qualquer grau são todos entre si irmãos e irmãs e por isso maridos e mulheres uns dos outros Isso significa que a ligação de irmão e irmã pressupunha naquele momento a relação carnal mútua ENGELS 1984 p 38 De acordo com Friedrich Engels 1984 a família consanguínea desapareceu não encontrando qualquer incidência na sociedade Por sua vez se o primeiro progresso na organização familiar significou a exclusão dos pais e filhos das relações sexuais recíprocas o segundo foi a exclusão dos irmãos Assim a família punaluana é marcada pela proibição do matrimônio entre irmãos colaterais ENGELS 1984 p 39 A formação da família punaluana sofreu diversas variações tendo como traço definidor essencial uma comunidade recíproca de maridos e mulheres no âmbito de um determinado círculo familiar do qual foram eliminados todavia os irmãos carnais e posteriormente também os irmãos mais afastados das mulheres acontecendo o mesmo com as irmãs dos maridos ENGELS1984 p 40 É importante mencionar que em todas as formas de família por grupos como a família consanguínea e a família punaluana não era possível saber com certeza quem era o pai de uma criança mas apenas quem era a mãe Assim nos matrimônios por grupos a descendência só poderia ser determinada do lado materno o que implicava que se reconhecesse apenas a linhagem feminina ENGELS 1984 p 43 Ademais no regime do matrimônio por grupos ou até mesmo antes a união por pares com duração mais ou menos longa já era formada O homem tinha uma mulher principal ainda não se pode dizer que fosse uma favorita entre suas numerosas esposas e era para ela o esposo principal entre todos os outros ENGELS 1984 p48 A medida que as gens foram evoluindo mais classes numerosas de irmãos e irmãs entre os quais não poderia mais haver o casamento iam se formando Com isso a união conjugal por pares foi se consolidando ENGELS 1984 p 48 A exclusão progressiva primeiro dos parentes próximos depois dos parentes distantes e por último das pessoas vinculadas somente por aliança tornava impossível qualquer matrimônio por grupos ENGELS 1984 p 49 De acordo com Friedrich Engels 1984 p 49 Grifo nosso isso prova quão pouco tem a ver a origem da monogamia com o amor sexual individual na actual acepção da palavra Com as crescentes proibições de casamento as uniões por grupos foram se tornando cada vez mais impossíveis Destarte foram substituídas pela família sindiásmica assim definida por Friedrich Engels 1984 p 49 Neste estágio um homem vive com uma mulher mas de maneira tal que a poligamia e a infidelidade ocasional continuam a ser um direito dos homens embora a poligamia seja raramente observada por causas econômicas ao mesmo tempo exigese a mais rigorosa fidelidade das mulheres enquanto dure a vida em comum sendo o adultério destas cruelmente castigado O vínculo conjugal todavia dissolvese com facilidade por uma ou por outra parte e depois como antes os filhos pertencem exclusivamente à mãe A passagem da família sindiásmica para a família monogâmica se efetivou em virtude da mulher Quanto mais as antigas relações sexuais se desvencilhavam de seu caráter inocente primitivo e selvagem em razão do desenvolvimento das condições econômicas mais injustas e opressivas pareciam essas relações para as mulheres que com maior força deviam almejar o direito à castidade e o direito ao matrimônio temporário ou definitivo com um só homem ENGELS 1984 p 5556 Essa transição não poderia ser atribuída ao homem pelo simples fato de que ele nunca pensou em renunciar aos prazeres de um matrimônio por grupos Somente após a concretização pela mulher da passagem ao casamento sindiásmico é que foi possível aos homens introduzirem a estrita monogamia que na verdade era observada apenas pelas mulheres ENGELS 1984 p 56 Delimitando a incidência de cada uma das aludidas famílias nos períodos de tempo definidos pelo autor A família sindiásmica aparece no limite entre o estado selvagem e a barbárie no mais das vezes durante a fase superior do primeiro apenas em certos lugares durante a fase inferior da segunda É a forma de família característica da barbárie como o matrimônio por grupos é a do estado selvagem e a monogamia é a da civilização ENGELS 1984 p 56 A partir da família sindiásmica houve a introdução de um novo elemento na família junto à verdadeira mãe havia também o verdadeiro pai ENGELS 1984 p 58 Isso acabou contribuindo para o desmoronamento do direito materno O homem se apropriou da direção da casa e a mulher foi convertida em escrava de sua luxúria em simples instrumento de reprodução ENGELS 1984 p 61 Desse modo a família sindiásmica evoluiu para o poder exclusivo dos homens caracterizada não pela poligamia mas pela organização de um determinado número de indivíduos livres e não livres em uma família sujeita ao poder paterno de seu chefe o qual vive em plena poligamia enquanto que os escravos têm uma mulher e filhos Os elementos característicos dessa família são a incorporação dos escravos e o domínio paterno ENGELS 1984 p 61 De acordo com Engels 1984 p 62 Esta forma de família assinala a passagem do matrimônio sindiásmico à monogamia Para assegurar a fidelidade da mulher e por conseguinte a paternidade dos filhos aquela é entregue sem reservas ao poder do homem quando este a mata não faz mais do que exercer o seu direito Com efeito a família monogâmica nasce da família sindiásmica no período de transição entre a fase média e a fase superior da barbárie ENGELS 1984 p 66 Ela se funda no predomínio do homem tendo como finalidade expressa a procriação dos filhos cuja paternidade era indiscutível E essa paternidade indiscutível era exigida na medida em que os filhos como herdeiros diretos entrariam algum dia na posse dos bens de seu pai ENGELS 1984 p 66 Friedrich Engels 1984 p 66 estabelece o perfil da família monogâmica A família monogâmica diferenciase do matrimônio sindiásmico por uma solidez muito maior dos laços conjugais que já não podem ser rompidos por vontade de qualquer das partes Agora como regra só o homem pode rompêlos e repudiar sua mulher Ao homem igualmente se concede o direito à infidelidade conjugal sancionado ao menos pelo costume o Código de Napoleão outorgao expressamente desde que ele não traga a concubina ao domicilio conjugal e esse direito se exerce cada vez mais amplamente à medida que se processa a evolução da sociedade Quando a mulher por acaso recorda as antigas práticas sexuais e intenta renoválas é castigada mais rigorosamente do que em qualquer outra época anterior Na forma clássica e rígida dos gregos a monogamia exigiu que a mulher legítima tolerasse a humilhação pelo predomínio do homem bem como guardasse uma castidade e uma fidelidade conjugal bastante rigorosas A mulher apenas governava a casa e vigiava as escravas as quais o homem poderia transformar por sua vontade em concubinas ENGELS 1984 p 67 A existência da escravidão junto à monogamia e a presença de belas jovens que pertencem de corpo e alma ao homem são o que produzem desde a origem uma natureza específica à monogamia tratase de uma prática restrita à mulher que não se aplicaria ao homem ENGELS 1984 p 67 Essa então foi a origem da monogamia Ela não representou o fruto do amor sexual individual com o qual em nada se relacionava pois os casamentos permaneceram guiados pela conveniência Traduzia a primeira forma de família que não se embasava em condições naturais mas econômicas bem como no triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva nascida espontaneamente Os gregos proclamavam abertamente que os únicos objetivos da monogamia eram a preponderância do homem na família e a procriação de filhos que só pudessem ser seus para herdar dele ENGELS 1984 p 70 Isso explica a tendência de considerar a monogamia ligada ao reconhecimento da propriedade privada ou seja originalmente a mulher seria proibida de se relacionar com outros homens pelo fato de pertencer ao marido Para o homem a monogamia seria tão somente uma fachada sendo muito comum ao longo da história a manutenção de relacionamentos fora do casamento sejam eventuais ou até mesmo estáveis DONIZETTI QUINTELLA 2013 p 909910 A monogamia não aparece na história como uma reconciliação entre o homem e a mulher muito menos como uma modalidade mais elevada de matrimônio Pelo contrário ela se origina sob as vestes de uma escravização de um sexo pelo outro como a consagração de um conflito entre os sexos ignorado até então na préhistória ENGELS 1984 p 70 Nesse cenário Friedrich Engels 1984 p 7071 assevera que o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia e a primeira opressão de classes com a opressão do sexo feminino pelo masculino A monogamia foi um grande progresso histórico mas ao mesmo tempo iniciou juntamente com a escravidão e as riquezas privadas aquele período que dura até nossos dias no qual cada progresso é simultaneamente um retrocesso relativo e o bemestar e o desenvolvimento de uns se verificam às custas da dor e da repressão de outros É importante destacar que com a monogamia houve o aparecimento de duas figuras sociais constantes e características que até então não Assim como nas relações entre as raposas entre os piscosdepeitoruivo e entre muitas outras espécies que se acasalam apenas durante o período de reprodução os vínculos conjugais humanos se desenvolveram em princípio para durar somente o tempo necessário para criar um filho dependente durante a infância isto é os primeiros quatro anos a menos que um segundo filho fosse concebido Por fim qualquer que tenha sido sua origem e razão de ser a monogamia reúne normas cuja finalidade é controlar os impulsos sexuais humanos Como a família desde sempre foi a célula básica da sociedade confundindose antigamente com o núcleo conjugal tornouse indispensável a criação de uma forma de protegêla restringindo a prática do sexo DONIZETTI QUINTELLA 2013 p 910 Nesse sentido Rodrigo da Cunha Pereira 2012b p 130131 ao constatar que não há cultura socialização ou sociabilidade sem que haja proibições e interdições ao desejo estabelece que o Direito funciona como uma sofisticada técnica de controle de forma que a monogamia assim como a poligamia caracteriza um interdito capaz de possibilitar a organização da família 222 Mito da Monogamia A ideia de um relacionamento monogâmico que dure pela vida toda como o único objetivo adequado no campo sentimental está tão profundamente enraizada na cultura do Ocidente que se torna quase invisível nós nos restringimos a essas crenças mesmo sem saber se acreditamos nela E essa noção sempre circunscreve o ser humano seus valores desejos mitos e expectativas sem que por ele seja notada até que um dia nela tropece EASTON HARDY 2009 p 13 Os homens e as mulheres são induzidos a pensar que uma forma de relacionamento casamento heterossexual monogâmico que dura pela vida toda é a única correta Espalhouse a ideia de que a monogamia é natural e normal e caso o desejo de alguém não se adeque a tal restrição essa pessoa é qualificada como moralmente deficiente e psicologicamente perturbada que vai de encontro à natureza EASTON HARDY 2009 p 13 ram em comunidades muito semelhantes às dos chimpanzés modernos Todos reproduziam com quase todos salvo com a mãe e com os irmãos diretos Depois a monogamia em série foi aparecendo de forma gradual Entretanto a forma de vida dos babuínos nos forneceu um modelo fascinante para a compreensão de como evoluíram os vínculos conjugais o núcleo familiar e o divórcio nas sociedades primárias FISHER 1992 p 148 Tradução nossa 54 Entretanto a monogamia como padrão relacional do ser humano não passa de um verdadeiro mito Nesse sentido Helen Fisher 2010 p 27 Tradução nossa Os antropólogos têm muitas pistas acerca da vida de nossos antepassados os mortos falam Há milhões de anos atrás as crianças eram mais propensas a experimentar o sexo e o amor aos seis anos Adolescentes viviam juntos em relacionamentos conhecidos como trial marriages Os próprios homens e mulheres escolhiam seus parceiros Muitos eram infiéis uma tendência comum em 42 culturas que foram analisadas por mim Quando nossos antepassados se encontravam em uma relação infeliz dela saíam Há milhões de anos atrás de acordo com as suspeitas dos antropólogos muitos homens e mulheres tinham dois ou três relacionamentos de longo prazo no decorrer de suas vidas Todos esses hábitos primordiais estão retornando Portanto cumpre desconstruir o mito da monogamia na sociedade ocidental trazendo razões para sua desdogmatização diante do regime jurídicofamiliar o que será realizado por intermédio de duas perspectivas i jurídica e ii antropológica e psicológica 2221 Perspectiva jurídica Em uma perspectiva jurídica o Direito Canônico foi fundamental para a construção da envergadura e do cerne da concepção da família e da conjugalidade Nem mesmo a Revolução Francesa que proclamou a separação entre Igreja e Estado teve a capacidade de eliminar totalmente a influência desse Direito no âmbito da regulação matrimonial SILVA 2013 p 6869 Para entender tal ingerência da Igreja nos assuntos relacionados ao matrimônio e por conseguinte compreender algumas das razões do mito da monogamia cumpre destacar aspectos pertinentes ao Concílio de Trento um referencial importante por ter condensado o pensamento que se perpetuou por séculos da Igreja Católica quanto ao matrimônio SILVA 2013 p 68 A Reforma religiosa decorrente das grandes transformações econômicas culturais sociais e políticas havidas na Europa ao longo dos séculos XV e XVI atingiu fortemente a autoridade da Igreja no âmbito do casamento Como reação ela passou a adotar no Concílio de Trento que ocorreu de 1545 a 1563 medidas importantes quanto ao matrimônio MALUF 2010 p 22 De acordo com Marcos Alves da Silva 2013 p 6869 55 O Concílio de Trento instalado em 13121545 estendeuse por quase duas décadas Representou uma resposta à Reforma Protestante Seus decretos expressam as máximas da chamada Contrarreforma Os grandes temas que se colocavam para a Igreja desde questões dogmáticas disciplinares e de ordem foram tratados Entre as questões doutrinárias estava a problemática dos sacramentos e como um deles o casamento foi consagrado e burlado A doutrina geral dos sacramentos começou a ser discutida na VII sessão em março de 1547 porém somente em 11111563 na XXIV sessão foram promulgados doze cânones e um decreto De Reformatione Matrimonii e também o chamado Decreto Tametsi O cânone I do aludido Concílio declarou o casamento como um dos sete sacramentos da Igreja Católica Romana Com isso a Igreja chamou para si a autoridade de estabelecer as condições de validade do casamento com o intuito de regulálo de maneira detalhada SILVA 2013 p 70 Após o Concílio de Trento diversos escritos de moral prática foram publicados sob a forma de compilações catequéticas de regras simples de conduta que buscavam propagar o ideário do sacramento do matrimônio moldado pelo Concílio SILVA 2013 p 71 Isso significa que a origem de um controle geral bem como da uniformização das regras do casamento revelaos como uma obra da Igreja Mesmo porque antes do Concílio de Trento a despeito das normas esparsas elaboradas pela Igreja Católica Romana o casamento traduzia uma cerimônia doméstica de caráter privado SILVA 2013 p 71 Por sua vez o cânone II do Concílio de Trento edificou a monogamia como princípio norteador do casamento SILVA 2013 p 74 ao estabelecer que se alguém disser que é lícito aos cristãos ter ao mesmo tempo muitas mulheres e que isso não está proibido por nenhuma lei divina será excomungado CÂNONES 2014 O Decreto Tametsi de 1563 fez com que o casamento se tornasse um contrato solene por meio do qual deveriam ser observadas diversas formalidades levando os casamentos clandestinos à nulidade pois o matrimônio deve ser realizado in face ecclesiae MALUF 2010 p 22 Em seu capítulo VIII ao tratar da condenação do concubinato o aludido Decreto estabelece uma verdadeira gradação Para os homens solteiros caracterizava um pecado grave enquanto que para os casados um pecado gravíssimo notadamente quando as concubinas fossem trazidas e mantidas na casa da família SILVA 2013 p 76 As punições se diferenciavam quanto aos homens e às concubinas Aqueles seriam advertidos a abandonar o estado de concubinato sob pena de não atendendo serem excomungados Para as concubinas os castigos eram mais rigorosos inclusive com a expulsão da cidade se assim entendesse a autoridade eclesiástica SILVA 2013 p 76 Com efeito é fácil constatar nos termos dos ensinamentos de Marcos Alves da Silva 2013 p 76 que O Concílio de Trento certamente uniformizou a matéria atinente ao casamento e traçou as diretrizes para a sua regulação Entre os princípios enunciados o da monogamia foi consagrado com toda clareza e força influenciando a concepção jurídica da conjugalidade até os dias atuais e só experimentando arrefecimento a partir da segunda metade do século XX As normas matrimoniais elaboradas pelo Concílio de Trento se impuseram em Portugal não apenas por força da legislação eclesiástica mas também como consequência de um bemsucedido movimento pastoral doutrinário e catequético por intermédio de obras didáticas e de cunho moral SILVA 2013 p 77 Em 1564 o Estado português e a Santa Sé mantinham uma grande parceria Desse modo a preocupação em obedecer e tornar viável a execução pronta e integral das disposições da Igreja em Portugal é explicada pela reunião dos dois poderes espiritual e temporal SILVA 2013 p 80 A Igreja como que se incorporava ao Estado para o trato das matérias aprovadas no Concílio de Trento o que também justifica a grande força dos decretos tridentinos no Direito português SILVA 2013 p 81 Dessa forma nos países católicos as diretrizes tridentinas relativas à regulação do matrimônio tiveram ampla propagação apoiandose não somente por força da lei mas também por intermédio de um significativo esforço catequético A fixação deste modelo de casamento na cultura e no imaginário destes povos latinos será transposta com certa fluência para a legislação civil mesmo depois das revoluções burguesas SILVA 2013 p 82 Até a Revolução Francesa de 1789 não apenas na França mas também em todos os Estados europeus de origem latina as doutrinas tridentinas sobre o matrimônio tinham sido referendadas pelo Poder Público de forma que quanto à conjugalidade a lei da Igreja era a lei do Estado SILVA 2013 p 82 É certo que a Revolução Francesa representou um rompimento entre Estado e Igreja A passagem do casamento das mãos da Igreja para as 56 mãos do Estado resultou nos primeiros momentos em uma verdadeira sacralização da laicidade Entretanto Marcos Alves da Silva 2013 p 83 afirma que esse movimento não teve o condão de se impor41 mesmo porque por meio da Concordata de 180142 o casamento religioso voltou a ser admitido paralelamente ao civil O Código Civil francês de 1804 permaneceu fiel aos princípios consagrados na Constituição francesa de 1791 de maneira que o casamento continuou sendo regulado pela lei civil Por outro lado o diploma legal incorporou boa parte do regramento e das formalidades do casamento canônico notadamente quanto aos impedimentos às nulidades ao pátrio poder e ao poder marital Em matéria matrimonial o direito civil ainda estava muito arraigado ao Antigo Regime SILVA 2013 p 84 Com efeito do controle da Igreja o casamento passa ao controle do Estado A pretensão do Concílio de Trento de uniformização do matrimônio passa a ser exercida pelo Estado Não se trata de uma transformação mas sim de uma simples transposição SILVA 2013 p 85 Se na França a ligação entre Igreja e Estado em matéria de casamento é altamente perceptível no Brasil em razão da tardia proclamação da República essa conexão foi ainda mais notável SILVA 2013 p 85 Assim a era da codificação transformou os Códigos Civis em verdadeiros estatutos de exclusão O reconhecimento de uma única família a 41 Vale mencionar a existência de opinião em sentido contrário A revogação do Édito de Nantes em 1685 conduziu à perda do caráter sacramental do casamento Assim com o monopólio da Igreja em matéria de casamento posto em cheque abriuse espaço para a regulamentação dos mesmos pelo Estado levando a uma secularização e laicização do casamento geradas pelos ideais da Revolução Francesa e dos seus efeitos no Código Civil de 1805 O casamento passou a ser definido como um contrato civil art 7 Tit 2 da Constituição Francesa de 1791 seguido da autorização do divórcio por lei votada em 20 de setembro de 1792 Como lecionam os Mazeaud os ideais dos filósofos do século XVIII transformaram o casamento numa verdadeira união livre formandose e dissolvendose ao prazer dos contraentes defendeu Rousseau a ideia do estado de natureza em matéria de constituição familiar e entendeu Voltaire que o divórcio era uma necessidade natural observadas as formalidades estabelecidas na lei Retirase assim da família seu fundamento principal o casamento passandose a perquirir desse modo a equiparação jurídica das diversas formas de composição familiar bem como o status legal da prole advinda da pluralidade dessas relações MALUF 2010 p 2223 42 Cumpre trazer maiores explicações acerca dessa Concordata No começo do século XIX ainda persistia esse primado do Estado sobre a Igreja levado às suas extremas consequências quando Napoleão firmou com o Papa Pio VII em 1801 a Concordata na qual se declarava expressamente que a Igreja ficava sujeita ao Estado E quando o Papa descumpriu as ordens do Imperador francês este o aprisionou e anexou ao seu Império todos os Estados papais inclusive Roma MALUF 2011 p 380 formada pelo casamento a elaboração de um catálogo taxativo de impedimentos matrimoniais a consagração civil de um sacramento religioso consubstanciado na indissolubilidade do vínculo matrimonial a estigmatização dos filhos advindos fora do casamento entre outros aspectos fizeram com que vários sujeitos fossem colocados à margem do sistema jurídico SILVA 2013 p 8687 Nesse cenário Marcos Alves da Silva 2013 p 88 assevera que O princípio da monogamia consagrado nos sistemas jurídicos inspirados nas codificações oitocentistas prestarseá como uma luva à realização das finalidades patrimonialistas que têm como consequência ou efeito colateral o estabelecimento de páreas civis especialmente um contingente significativo de mulheres43 que jamais ascenderão à condição de cidadania propalada pelo ideário liberal republicano cidadania esta que deveria ter no Código Civil sua expressão jurídica de maior fôlego Ainda de acordo com Marcos Alves da Silva 2013 p 89 Grifo nosso a codificação exerceu influência marcante em diversos países O Código de Napoleão será referência e inspiração para outros tantos códigos nos séculos XIX e XX A pretensão de um direito natural positivado abrangerá a regulação das relações de família e em seu âmbito o princípio da monogamia desponta como um pressuposto inquestionável recepcionado da ordem natural das coisas Sob esse manto mítico da racionalidade iluminista o princípio passa praticamente incólume até o último quadrante do século XX 2222 Perspectivas antropológica e psicológica Em uma perspectiva antropológica e psicológica a psicoterapeuta Dossie Easton e a escritora norteamericana Janet Hardy 2009 p 13 Tra 43 Em decorrência da consagração do princípio da monogamia como um dogma do Direito das Famílias as mulheres que optam por não seguilo sofrem pesadas consequências Nesse sentido a professora norteamericana Jade Aguilar 2013 p 107 Tradução nossa afirma que ao rejeitarem a monogamia as mulheres experimentam repercussões particularmente graves Entre as conseqüências menos graves estão ser rotulada como promíscua e ter sua moralidade questionada entre as consequências mais graves está a perda de seus filhos familiares amigos trabalhos eou suas reputações Essas repercussões vão muito além da mera desaprovação social de um comportamento desviante dução nossa afirmam que essa ideia de relacionamento monogâmico teria nascido com a sociedade rural Nossas crenças sobre o casamento tradicional remontam às culturas agrárias onde você fazia tudo o que comia vestia ou usava onde grandes famílias ajudavam a obter uma enorme quantidade de trabalho para que ninguém passasse fome e onde o casamento era uma proposta de trabalho Quando nós conversamos sobre os valores tradicionais da família esta é a família da qual nós estamos falando uma família extensa composta de avós tias e primos uma organização para realizar o trabalho de permanecer vivo Hoje nós vemos grandes famílias que funcionam de forma tradicional nos Estados Unidos frequentemente em culturas que foram transplantadas em período recente de outros países ou como um sistema de suporte básico entre populações economicamente vulneráveis no âmbito urbano ou rural Entretanto a família nuclear consistente nos pais e filhos relativamente isolados do resto da entidade familiar é uma relíquia da classe média do século XX As crianças já não trabalham na fazenda ou nos negócios da família sendo criadas quase que como um animal de estimação por seus pais ou responsáveis EASTON HARDY 2009 p 14 O casamento moderno não é mais essencial para a sobrevivência tendo como objetivos o conforto a segurança o sexo a intimidade e a conexão emocional A realidade econômica se modificou significativamente de forma que a maioria das pessoas pode deixar os relacionamentos em que não estão satisfeitas e não morrerão de fome por essa atitude EASTON HARDY 2009 p 14 Nesse cenário a monogamia é uma escolha e não um fato incontestável nos relacionamentos BRANDON 2010 p xiv Dossie Easton e Janet Hardy 2009 p 1720 fazem uma lista acerca dos mitos que giram em torno dos relacionamentos modernos i longas relações monogâmicas são as únicas reais ii o amor romântico é o único real iii o desejo sexual é uma força destrutiva iv amar alguém permite o controle de seu comportamento v os ciúmes são inevitáveis e impossíveis de serem superados vi envolvimentos externos reduzem a intimidade no relacionamento primário e vii o amor conquista tudo Entretanto de acordo com David Barash e Judith Eve Lipton 2001 p 1 no intuito de manter um vínculo sexual e social com apenas um homem ou uma mulher os praticantes da monogamia estão indo de encontro a manifestações inclinações evolucionárias de diversas criaturas dentre as quais o ser humano Isso porque há uma grande evidência de que os seres humanos não são naturalmente monogâmicos44 bem como vários animais que à primeira vista eram monogâmicos na verdade não são Para ter certeza os seres humanos podem ser monogâmicos mas se nós devemos ser monogâmicos é outra questão completamente diferente porém não se engane isso é incomum e difícil BARASH LIPTON 2001 p 1 Tradução nossa De acordo com desenvolvimentos recentes no estudo da evolução da Biologia e com a tecnologia mais atual não há dúvidas de que sentir desejo sexual por diversas pessoas é totalmente natural Da mesma forma simplesmente não há nenhuma dúvida sobre a naturalidade da monogamia ela não é natural BARASH LIPTON 2001 p 2 Tradução e grifo nossos Por sua vez Marianne Brandon 2010 p 03 com base em pesquisas sobre os seres humanos informa que de cento e oitenta e cinco sociedades apenas vinte e nove restringiram ou restringem formalmente seus membros à prática da monogamia E nas sociedades consideradas monogâmicas casos de uniões paralelas ao matrimônio ocorrem de maneira regular Além disso mesmo o corpo humano oferece indicativos acerca dos nossos padrões de acasalamento natural muitas das nossas características entram em conflito com as das espécies monogâmicas BRANDON 2010 p 3 Antropólogos informam que apenas dezesseis por cento da sociedade mundial permanece praticando exclusivamente a monogamia A maioria das pessoas em grande parte das sociedades não é sexualmente monogâmica Nesse cenário o divórcio parece ser um fenômeno que ultrapassa as culturas BRANDON 2010 p 89 Desse modo não há evidências vindas da Biologia ou da Antropologia de que a monogamia é natural ou normal para os humanos BRANDON 2010 p 3 Tradução nossa Por outro lado Helen Fisher 1992 p 6869 partindo do pressuposto de que o ser humano parece estar psicologicamente condicionado à formação de casais com uma só pessoa afirma que a monogamia é natural abarcando entretanto exceções Isso porque outras práticas relacionais como a poliandria e a poliginia também seriam naturais dependendo da capacidade de persuasão dos 44 Nesse sentido Marianne Brandon 2010 p xiii estabelece que a monogamia como hoje é entendida não reflete necessariamente um estado natural do ser humano Pelo menos não para todas as pessoas A autora chega a afirmar que a maioria dos seres humanos não é naturalmente monogâmica BRANDON 2010 p 3 Tradução nossa indivíduos envolvidos nesse relacionamento utilizandose de bens materiais como moeda de troca Caso tenham oportunidade os homens muitas vezes optam por ter várias esposas para aumentar sua perdurabilidade genética A poliiginia também é natural As mulheres se integram a haréns quando os recursos que obtêrão pesem mais do que as desvantagens A poliandria é natural Mas as coesposas entram em conflito da mesma forma que os comaridos Tanto os homens quanto as mulheres devem ser persuadidos por meio dos bens materiais para decidir compartilhar seu cônjuge A monogamia é a regra geral Não é quase nunca necessário persuadir os seres humanos a formarem casais Fazemos isso naturalmente Nós flertamos nos apaixonamos e nos casamos E a grande maioria de nós se casa com uma só pessoa por vez FISHER 1992 p 69 Tradução nossa Fortalecendo seu entendimento a partir de pesquisas mais recentes a antropóloga Helen Fisher 2006 assevera que o ser humano possui três sistemas cerebrais diferentes que há milhões de anos evoluíram por meio da formação de pares e da reprodução i o impulso ou desejo sexual representado pelo intenso desejo de obter uma gratificação sexual ii o amor romântico traduzido na felicidade e na obsessão no início do amor e iii o apego ou a conexão que se refere ao sentimento de calma e segurança proporcionado pela existência de um parceiro de longa data O impulso sexual evoluiu para fazer com que os seres humanos realizem buscas no sentido de alcançar vários parceiros sexuais Ele traduz um sentimento que ocorre a qualquer tempo podendo não ser focado em uma pessoa específica mas em vários indivíduos FISHER 2006 Por sua vez o amor romântico evoluiu para possibilitar que o ser humano tenha capacidade de focar toda a sua energia reprodutiva em apenas um indivíduo de cada vez economizando dessa forma seus esforços e seu tempo Já o apego evoluiu para permitir que a pessoa tolere seu parceiro pelo menos por tempo suficiente para formar uma união e criar uma criança FISHER 2006 A antropóloga constatou que a entrada da mulher no mercado de trabalho vem provocando grandes impactos sobre esses três sistemas cerebrais modificando sobremaneira o entendimento do sexo do amor romântico e da vida familiar FISHER 2006 Na sociedade ocidental as mulheres estão começando a expressar sua sexualidade iniciam mais cedo sua vida sexual têm mais parceiros e menos filhos casamse mais tarde e deixam casamentos ruins para buscar casamentos que as satisfaçam Tudo isso sugere um crescimento da expressão sexual feminina FISHER 2006 Entretanto esses três sistemas cerebrais desejo amor romântico e apego nem sempre caminham juntos podendo não estar conectados uns aos outros É possível que alguém sinta um profundo apego por um parceiro ou parceira de longa data ao mesmo tempo em que vive um intenso amor romântico por outro indivíduo bem como no mesmo período sinta desejo sexual por pessoas diferentes desses parceiros ou parceiros FISHER 2006 Assim nós somos capazes de amar mais de uma pessoa por vez FISHER 2006 Nesse cenário Helen Fisher 2006 defende sua orientação Na verdade você pode deitar na sua cama à noite e oscilar entre sentimentos profundos de apego por alguém e sentimentos profundos de amor romântico por outra pessoa Então eu realmente não acho que somos um animal feito para ser feliz mas sim para reproduzir Acho que a felicidade que encontramos é a que construímos Penso também que podemos construir bons relacionamentos uns com os outros Por seu turno sem considerar a constatação de Friedrich Engels acerca de sua origem como instrumento de conservação do patrimônio Marianne Brandon 2010 p 9 ao procurar respostas para as dúvidas sobre a consolidação da monogamia na sociedade ocidental chega à conclusão de que os seres humanos interpretaram o casamento e a monogamia de uma forma diferente da disposição estabelecida pela natureza O homem é dotado de consciência integridade e compaixão de maneira que terminar um relacionamento amoroso a cada ano parece ser impiedoso e cruel BRANDON 2010 p 9 Além disso os membros de uma relação amorosa interrompida permanecem em geral emocionalmente ligados ainda que não haja sentimento de paixão ou de amor Como resultado os seres humanos se utilizaram da estratégia da natureza de acasalamentos por um curto prazo e a modificaram para grandes períodos no tempo Nós mudamos as regras da Mãe Natureza Ao invés de sermos monogâmicos por poucos anos tornamonos monogâmicos pela vida toda BRANDON 2010 p 9 Tradução nossa Talvez o mito da monogamia tenha se espalhado pelo Ocidente por motivos culturais no sentido de que a sociedade ocidental possui a cultura romântica de admirar grandes histórias de amor Praticamente todos os indivíduos se maravilham e idealizam a noção de um amor duradouro E ainda que não seja natural a monogamia tem o condão de confe rir uma série de benefícios aos casais com longos relacionamentos BRANDON 2010 p 5 Nesse sentido Marianne Brandon 2010 p 15 Tradução nossa estabelece que O casamento e a monogamia existem por que eles são boas ideias A monogamia sexual oferece recompensas reais e significantes àqueles que a praticam bem como para a nossa cultura As vantagens para as crianças são talvez as mais óbvias As crianças criadas em casas com dois pais desfrutam de inúmeros benefícios Elas tendem a melhor se ajustar emocional intelectual sexual e fisicamente Em contrapartida crianças de pais divorciados passam por grandes desafios nessas áreas Eles atingem a puberdade e têm relações sexuais mais cedo além de ter mais parceiros sexuais Mas as crianças não são as únicas que obtêm benefícios com a monogamia Mães e pais experimentam ganhos emocionais físicos jurídicos e financeiros decorrentes do casamento Contudo Dossie Easton e Janet Hardy 2009 p 17 constatam que tudo aquilo que se pode conseguir com uma longa relação monogâmica também pode ser obtido com qualquer outra relação Parceria apego profundo laços parentais acentuados crescimento pessoal cuidados e companhia na velhice também podem guiar relacionamentos não monogâmicos Mesmo porque quando se fala em monogamia está se referindo a uma forma de organização da família conjugal O seu avesso não representa a promiscuidade PEREIRA 2012b p 128 podendo significar a construção de relacionamentos que respeitem a dignidade de seus integrantes fundados no consentimento na honestidade na confiança e no respeito mútuo alcançando o objetivo da família pósmoderna qual seja a promoção e o desenvolvimento da personalidade de seus membros Ademais a professora Jade Aguilar 2013 p 106107 Tradução e grifo nossos da Willamette University que se localiza no Estado de Oregon nos Estados Unidos assevera que A monogamia permanece sendo a ideologia dominante na maioria da cultura ocidental Essa crença considera que a monogamia não é apenas o modelo de maior sucesso para as relações íntimas mas o único Vários fatores sociais sustentam a ideologia da monogamia mas dois deles são particularmente fortes a sua institucionalização na forma do casamento e a construção da monogamia como um componente natural da Biologia e evolução humana O Estado une esses dois fatores por meio da codificação da monogamia em lei através do casa profunda transformação das concepções estritamente formalistas do Direito TAVARES 2010 p 399400 Ao identificar três aspectos da realidade realidade da natureza realidade dos valores e realidade da cultura Silvio de Salvo Venosa 2010 p 13 aduz que no mundo dos valores o ser humano confere determinadas significações e qualidades aos fatos e às coisas conhecidas Nesse cenário tudo o que o afeta possui um valor A atribuição de valores às coisas da realidade caracteriza uma necessidade vital do ser humano Sempre haverá algo que nos agrade ou nos desagrade mais ou menos algo de que tenhamos maiores ou menores necessidades Esse então seria o mundo dos valores VENOSA 2010 p 13 No âmbito social todas as pessoas necessitam de segurança trabalho lazer cooperação religião etc Tais necessidades são valoradas pelo ser humano por meio de suas condutas VENOSA 2010 p 13 Quando se admite que certa pessoa é boa ou má bonita ou feia simpática ou antipática o que se está fazendo é a atribuição de um valor esse valor é pessoal podendo não ser idêntico ao do grupo ou de toda a sociedade Assim o homem honesto atribuirá valores diversos à Moral e à Ética que o desonesto VENOSA 2010 p 13 Com efeito Sílvio de Salvo Venosa 2010 p 13 afirma que a conduta humana não pode prescindir de uma escala de valores a reger os atos as ações aceitáveis e inaceitáveis em sociedade A axiologia estuda esse mundo de valores As normas éticas valemse dos valores para estabelecer comportamentos ou condutas humanas aceitáveis As normas técnicas resultam da observação e do trabalho do homem sobre a natureza e também integram o mundo da cultura sem prescindir dos valores Não há diferença entre a cultura material e a cultura intelectual ou espiritual É importante mencionar que os processos valorativos se modificam de maneira contínua na sociedade seja em virtude da história seja como decorrência da topologia geográfica Embora haja a possibilidade da existência de valores constantes e permanentes o Direito está em contínua alteração sendo um sistema organizado de valores VENOSA 2010 p 14 Como em qualquer manifestação do universo cultural o Direito depende dos valores que lhes são absolutamente essenciais na medida em que várias normas são estabelecidas com base nesses valores VENOSA 2010 p 15 Um exemplo disso é a própria monogamia que será qualificada no trabalho como um valor 60 desimportante A partir de certa relevância há valores que passam a ser considerados ocorre a valoração Quando os valores são imateriais pertencem ao campo do que denominamos bens como o amor a solidariedade a dignidade a liberdade e a justiça Isso significa que o domínio dos valores pressupõe a escolha de um caminho a atribuição de um qualificativo uma seletividade isto é uma tomada de posição VENOSA 2013 p 210 Complementando seu raciocínio Sílvio de Salvo Venosa 2010 p 210 ensina que sob esse prisma há valores universais próprios a qualquer ser humano há valores que somente importam ao homem ocidental há valores que somente podem ser aferidos em determinada cultura e em certo momento histórico e assim por diante há valores albergados pelo Direito e pela Moral há valores repelidos por estes e pela sociedade Axiologia jurídica é o estudo dos valores jurídicos Desse modo valores jurídicos são atos fatos fenômenos sociais que merecem uma apreciação ou estimativa do Direito em razão de sua repercussão social Humberto Ávila 2001 p 18 estabelece que os princípios não se identificam com valores visto que esses não impõem o que deve ser mas o que é melhor Do mesmo modo nas situações em que há uma colisão entre valores a solução não preceitua o que é devido mas somente indica o que é melhor Ao invés do caráter deontológico dos princípios os valores repitase possuem natureza meramente axiológica Os princípios relacionamse aos valores porquanto o estabelecimento de fins implica uma qualificação positiva de um estado de coisas que se deseja promover Entretanto afastamse dos valores por se situarem na dimensão deontológica e por conseguinte estipularem a obrigatoriedade de adoção de condutas necessárias à promoção gradual de um estado de coisas ÁVILA 2012 p 87 Além disso os princípios não se restringem ao mero estabelecimento de fins Os fins somente indicam um estado desejado ou uma decisão acerca da realização desse estado sem que seja estipulado um dever ser O estabelecimento de fins só passa a constituir um princípio quando justificado por meio de um dever ser ÁVILA 2001 p 18 Por sua vez os valores situamse no plano axiológico ou meramente teleológico e por isso apenas atribuem uma qualidade positiva a determinado elemento ÁVILA 2012 p 87 Portanto os princípios não são apenas valores cuja realização fica na dependência de meras preferências pessoais como se o intérprete pudesse aplicálos somente quando assim o desejasse Pelo contrário caracterizam o dever de adotar comportamentos necessários à realização de certo estado de coisas ÁVILA 2012 p 141 Cumpre destacar que Humberto Ávila 2012 p 137 define o valor como algo que estabelece qual comportamento é mais aconselhável ou mais atrativo conforme determinado sistema de valores e cuja aplicação demanda uma operação de prevalência diante de outros valores contrapostos como sustenta Habermas Daí se dizer que os valores são relativos no sentido de dependerem de possibilidades valorativas e contextuais De acordo com Jurgen Habermas 1997 p 316 em definição idêntica à dos autores anteriormente mencionados princípios ou normas possuem um sentido deontológico enquanto que os valores um sentido teleológico As normas válidas obrigam seus destinatários sem exceção e em igual alcance a determinado comportamento que consubstancia expectativas generalizadas ao passo que os valores devem ser compreendidos como preferências compartilhadas de forma intersubjetiva Para Habermas 1997 p 3126 valores expressam preferências tidas como dignas de serem desejadas em determinadas coletividades podendo ser adquiridas ou realizadas através de um agir direcionado a um fim As normas se colocam como uma pretensão de validade binária que pode ser válida ou inválida e quanto às proposições normativas os indivíduos podem tomar posições no sentido de acatálas não acatálas ou absterse do juízo De forma contrária os valores estabelecem relações de preferência as quais significam que certos bens são mais atrativos que outros HABERMAS 1997 p 316 A validade deontológica das normas possui o sentido absoluto de uma obrigação incondicional e universal o que deve ser almeja ser igualmente bom para todos De outro lado a atratividade dos valores é dotada do sentido relativo de uma apreciação de bens seguida ou realizada no âmbito de formas de vida ou de uma cultura decisões valorativas mais graves ou preferências de ordem superior exprimem aquilo que visto no todo é bom para nós ou para mim HABERMAS 1997 p 316317 61 De acordo com Habermas 1997 p 317 normas diversas não têm o condão de contradizer umas às outras caso almejem validade no mesmo âmbito de destinatários devendo se inserir em um universo coerente um verdadeiro sistema Em relação aos valores distintos concorrem para obter a primazia e à medida que alcançam reconhecimento intersubjetivo no seio de uma cultura ou de uma forma de vida dão origem a configurações flexíveis e repletas de tensões Em resumo portanto a caracterização dos valores em contraposição às normas para Habermas 1997 p 317 dispõese da seguinte maneira normas e valores distinguemse em primeiro lugar através de suas respectivas referências ao agir obrigatório ou teleológico em segundo lugar através da codificação binária ou gradual de sua pretensão de validade em terceiro lugar através de sua obrigatoriedade absoluta ou relativa e em quarto lugar através dos critérios aos quais o conjunto de sistemas de normas ou de valores deve satisfazer Por se distinguirem segundo essas qualidades lógicas eles não podem ser aplicados da mesma maneira Habermas 1997 p 317 acrescenta ainda que a partir das normas é possível definir o que deve ser feito enquanto que no âmbito dos valores é possível deduzir qual comportamento é recomendável Ademais no que diz respeito às normas o correto é partir de um sistema de normas válidas sendo a ação igualmente boa para todos Em um cenário de valores próprio para uma cultura ou forma de vida o correto é o comportamento que em sua totalidade e a longo prazo é bom para nós HABERMAS 1997 p 317 Nesse sentido Jurgen Habermas 1997 p 318 Grifo nosso afirma que Enquanto normas eles os direitos fundamentais regulam uma matéria no interesse simétrico de todos enquanto valores eles formam na configuração com outros valores uma ordem simbólica na qual se expressam a identidade e a forma de vida de uma comunidade jurídica particular Certos conteúdos teleológicos entram no direito porém o direito definido através do sistema de direitos é capaz de domesticar as orientações axiológicas e colocações de objetivos do legislador através da primazia estrita conferida a pontos de vista normativos Cada valor é tão particular como qualquer outro ao passo que normas encontram sua validade em um teste de universalização HABERMAS 1997 p 321 Desse modo normas e princípios são dotados de uma força de justificação maior do que aquela pertinente aos valores na medida em que podem almejar além de uma especial dignidade de preferência uma obrigatoriedade geral em virtude de seu sentido deontológico de validade Por seu turno os valores devem ser introduzidos caso a caso em uma ordem transitiva de valores HABERMAS 1997 p 321 Além disso cumpre ressaltar que a validade jurídica do juízo possui o sentido deontológico de um mandamento e não o sentido teleológico daquilo que se pode atingir no contexto de nossos desejos a partir de determinadas circunstâncias Aquilo que é o melhor para cada um de nós não coincide eo ipso com aquilo que é igualmente bom para todos HABERMAS 1997 p 323 224 Monogamia como Valor Ao identificarem a monogamia como princípio Elpídio Donizetti e Felipe Quintella 2013 p 910 afirmam que sua aplicação se restringe ao casamento possuindo como raízes jurídicas o dever de fidelidade recíproca previsto no art 1566 inc I do Código Civil e a proibição da bigamia estabelecida no art 1521 inc VI do mesmo diploma legal Entretanto os autores são precisos ao restringirem a aplicação da monogamia ao casamento o princípio constitucional vigente é o da pluralidade dos modelos de família e não há no ordenamento norma acerca da monogamia no tocante a uniões estáveis ou a relacionamentos eventuais Conforme asseverado tratase muito mais de uma questão cultural influenciada por algumas religiões e pela moral Por essa razão não pode o Direito discriminar comportamentos sexuais não monogâmicos ante a necessidade de proteção da dignidade da pessoa humana art 1º III da CF e à proibição da discriminação art 3º IV da CF Afinal deve haver coerência jurídica Não se pode por um fundamento cultural e não jurídico negar reconhecimento a padrões de comportamento diversos do mais comum DONIZETTI QUINTELLA 2013 p 910 Grifo nosso Para Rodrigo da Cunha Pereira46 2012b p 127 o princípio da monogamia embora também funcione como um elementochave das cone mento e ao mesmo tempo afirmando sua naturalidade para os casais heterossexuais As crenças de que o casamento representa uma parte normal do curso da vida e de que as pessoas são naturalmente monogâmicas servem juntas para reproduzir a monogamia como um discurso e uma prática hegemônica AGUILAR 2013 p 107 Ainda de acordo com a aludida professora outras normas culturais e estruturais poderosas suportam a monogamia inclusive construções idealizadas da família nuclear e a idolatria do romance e do amor monogâmicos O roteiro da cultura dominante sugere que o casamento uma celebração própria da monogamia acontece no dia mais feliz da vida das pessoas A mídia também está cheia de mensagens sobre alma gêmea ou verdadeiro amor AGUILAR 2013 p 107 Tradução nossa 223 Valor Ao constatar que os valores encontramse no âmbito axiológico enquanto que os princípios no plano deontológico André Ramos Tavares 2010 p 398 utilizandose dos ensinamentos do professor português Luís Cabral de Oliveira Moncada preceitua que os valores se revelam por meio das normas e de outros materiais positivos o que não significa que elas sejam as responsáveis pela sua criação Os valores são anteriores às normas positivas de forma que essas apenas concretizam o vago conteúdo axiológico por eles prescrevido transformandoos em regras deontológicas de conduta TAVARES 2010 p 398 Na perspectiva jurídica ora se apresentam como verdadeiras normas introduzidas no próprio texto constitucional ora como diretrizes interpretativas de modo que as demais normas devem ser interpretadas de acordo com os valores plasmados nas normas constitucionais TAVARES 2010 p 398 Conforme menciona André Ramos Tavares 2010 p 399 as Constituições são o receptáculo natural da ideia de valores dominantes na sociedade Além disso os valores em geral são positivados por intermédio dos princípios constitucionais que exteriorizam a carga axiológica incorporada pelo ordenamento jurídico Esse fenômeno também acontece com a Constituição brasileira de 1988 que incorpora um significativo número de valores muito embora a eles se refira em determinado momento como fundamentos da República objetivos fundamentais da República ou os apresente de forma difusa Pois bem essa incorporação de valores pela senda constitucional provoca xões morais das relações amorosas e conjugais não é simplesmente uma norma moral ou moralizante mas um princípio jurídico básico e organizador das relações jurídicas da família ocidental De acordo com o autor se fosse apenas uma regra moral seria necessário admitir a amoralidade dos ordenamentos jurídicos do Oriente Médio em que vários Estados não adotam a monogamia47 PEREIRA 2012b p 127 O professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ Guilherme Calmon Nogueira da Gama 2008 p 100 também reconhece a força normativa da monogamia como princípio infraconstitucional do Direito das Famílias aplicável ao casamento e à união estável Não seria possível admitir preconiza o professor na civilização ocidental a partir de valores culturais a possibilidade de uma pessoa manter de forma simultânea duas famílias fundadas no casamento eou no companheirismo por violação dos deveres de fidelidade e lealdade arts 1566 inc I e 1724 do Código Civil respectivamente Desse modo para Guilherme Gama 2008 p 102103 enquanto a idéia central da conversão do companheirismo em casamento prevista no art 226 3º da Constituição estiver mantida seria inadmissível o reconhecimento das famílias simultâneas salvo a hipótese de união estável putativa Maria Helena Diniz 2012 p 59 lista a monogamia como um dos princípios norteadores do direito matrimonial Como justificativa a autora argumenta que embora alguns povos aceitem a poliandria e a poligamia a grande maioria dos países adotaria o regime da singularidade por entender que a entrega mútua só seria viável no matrimônio monogâmico Por sua vez a obra de Caio Mário da Silva Pereira 2013a p 656657 fixa o entendimento de que nas uniões dúplices o princípio da monogamia frente à existência de outros princípios que orientam o Direito das Famílias contemporâneo não é suficiente para colocálas à margem da proteção normativa pode negar que aquela existiu Condenála à invisibilidade e deixála à margem de direitos decorrentes das relações familiares O princípio da monogamia deve ser conjugado e ponderado com outros valores e princípios especialmente o da dignidade da pessoa humana Qualquer ordenamento jurídico que negar direitos às relações familiares existentes estaria invertendo a relação sujeito e objeto isto é destituindo o sujeito de sua dignidade e colocando a lei como um fetiche PEREIRA 2014b 47 Vale destacar que essa posição de Rodrigo da Cunha Pereira da monogamia como princípio norteador do Direito das Famílias é seguida integralmente por Rolf Madaleno 2011 p 9192 Há entidades familiares desgarradas por inimizades capitais e por relacionamentos praticamente nulos Ora nenhuma pessoa pode ser compelida a afetioarse a outra pouco importando se há entre elas algum parentesco ou não Em posição idêntica Paulo Lôbo 2011 p 71 preceitua que a afetividade enquanto princípio do Direito não se confunde com o afeto como fator psicológico ou anímico visto que pode ser presumida quando este faltar na realidade fática das relações Contudo o princípio da afetividade indica que o afeto pressupõe também o seu avesso porquanto o amor e o ódio são sentimentos que se complementam dois lados de uma mesma moeda Faltando afeto deve entrar a lei para colocar limites onde não foi possível pela via do afeto PEREIRA 2010 p 49 respeitando sempre a dignidade e a autodeterminação afetiva dos integrantes da família 211 Construção da Natureza Principiológica da Afetividade Em virtude da distinção entre texto e norma28 bem como pelo fato de o intérprete longe de descrever significados reconstruir sentidos não é possível concluir que este ou aquele dispositivo contém uma regra ou princípio Essa qualificação normativa depende de conexões axiológicas que não estão incorporadas ao texto nem a ele pertencem mas são antes construídas pelo próprio intérprete ÁVILA 2012 p 37 Com efeito a caracterização de certas normas como princípios ou como regras depende da colaboração constitutiva do intérprete ÁVILA 2012 p 38 Riccardo Guastini 1999 p 39 inclusive ao analisar a operação feita pelo intérprete de atribuir o valor de princípio a uma disposição que não se autoqualifica de maneira expressa como tal isto é a operação que implica a construção da natureza principiológica de um enunciado afirma que esse procedimento é resultado da discricionariedade na medida em que os elementos caracterizadores dos princípios são fortemente debatidos na doutrina Realçando também a importância do intérprete Ana Paula de Barcellos e Luís Roberto Barroso 2003 p 316 preconizam que o fim ou o estado ideal trazidos por um princípio podem não ser objetivamente estabe 28 Friedrich Müller 2005 p 38 já alertava sobre a não identidade de texto da norma e norma Entre dois aspectos principais o teor literal de uma prescrição juspositiva é apenas a ponta do iceberg Nada mais óbvio pois o tão só fato de haver no âmbito das relações conjugais simultaneidade familiar não pode ser determinante para uma presunção absoluta de conduta desleal incapaz de gerar eficácia jurídica familiar PEREIRA 2013a p 657 Entretanto o trabalho se alinha à corrente que nega caráter principiológico à monogamia Como bem menciona Maria Berenice Dias 2013 p 63 Grifo nosso Uma ressalva merece ser feita com relação à monogamia Não se trata de um princípio do direito estatal de família mas sim de uma regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas constituídas sob a chancela do Estado Ainda que a lei recrimine de diversas formas quem descumpre o dever de fidelidade não há como considerar a monogamia como princípio constitucional até porque a Constituição não a contempla Ao contrário tanto tolera a traição que não permite que os filhos se sujeitem a qualquer discriminação mesmo quando se trata de prole nascida de relações adulterinas ou incestuosas O Estado tem interesse na manutenção da estrutura familiar tanto que proclamou a família como base da sociedade Sendo assim a monogamia poderia ser considerada como função ordenadora da família Entretanto a uniconjugalidade embora dotada de valor jurídico não passa de um sistema de regras morais DIAS 2013 p 63 Nesse sentido Maria Berenice Dias 2013 p 64 completa Pretender elevar a monogamia ao status de princípio constitucional autoriza que se chegue a resultados desastrosos Por exemplo quando há simultaneidade de relações simplesmente deixar de emprestar efeitos jurídicos a um ou pior a ambos os relacionamentos sob o fundamento de que foi ferido o dogma da monogamia acaba permitindo o enriquecimento ilícito exatamente do parceiro infiel Resta ele com a totalidade do patrimônio e sem qualquer responsabilidade para com o outro Essa solução que vem sendo apontada pela doutrina e aceita pela jurisprudência afastase do dogma maior de respeito à dignidade da pessoa humana além de chegar a um resultado de absoluta afronta à ética Não menos adequado à tábua axiológica preceituada na Constituição e ao momento do Direito das Famílias pósmoderno é o entendimento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho lidade no art 1521 inc VI que preceitua a proibição da bigamia no art 1727 que menciona a figura do concubinato ou em qualquer outro artigo previsto em qualquer outro dispositivo legal48 do ordenamento jurídico brasileiro O fato de uma norma supostamente evidenciar a aplicação de um valor não significa que esse valor se transforma em um princípio Mesmo porque como visto em momento anterior49 várias normas são estabelecidas com base em valores A construção da existência do princípio da monogamia fundada na tão só leitura de um texto de lei que exterioriza o dever de exclusividade conjugal sem encontrar qualquer embasamento na Constituição reflete em verdade uma simplicidade hermenêutica temerária que nega proteção normativa a sujeitos de direitos fundamentais Nesse momento tornase imprescindível retomar a distinção basilar entre texto e norma As normas não são textos e nem o conjunto deles mas o produto da interpretação sistemática de textos normativos Em outras palavras os dispositivos caracterizam o objeto da interpretação e as normas o seu resultadoÁVILA 2012 p 33 Com isso a primeira premissa para a construção de uma norma jurídica deve se fundamentar no fato de que não há que se falar em sua correspondência com um dispositivo no sentido de que em havendo um dispositivo haverá uma norma ou sempre que existir uma norma deverá existir um dispositivo que lhe sirva de base Até porque em algumas situações há norma mas não há dispositivo ÁVILA 2012 p 33 Sendo assim não há correspondência biunívoca entre dispositivo e norma isto é onde houver um não terá obrigatoriamente de haver outro ÁVILA 2012 p 34 Essa premissa é fundamental para qualquer intérprete e aplicador do Direito contemporâneo Não se pode admitir a correspondência inequívoca e exata de dispositivo legal qualquer que seja ele à norma jurídica em atenção sobretudo à normatividade dos princípios que em conjunto com as regras constroem o sistema normativo Nesse contexto fazse mister afastar qualquer construção que pretenda conferir normatividade à monogamia tendo como base a tão só interpretação literal do art 1521 do Código Civil que impede em seu inc VI o matrimônio entre pessoas já anteriormente casadas Frisese a identificação da existência de uma norma jurídica nem sempre advém da constatação da existência de um texto legal Da mesma forma não obstante o art 1727 do aludido Código qualificar de maneira expressa as relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar como sendo concubinato não se pode defender a existência do princípio da monogamia a partir da sua leitura O mesmo se aplica ao dever de fidelidade preceituado pelo art 1566 inc I do Código Civil Invocar tais dispositivos para justificar a normatividade da monogamia configura uma construção simplória rasa e totalmente contrária à visão sistêmica básica do Direito contemporâneo Não se pode mais admitir a extração de normas jurídicas a partir da análise de dispositivos legais isolados para se fundamentar a exclusão ou a existência de direitos Até porque as normas jurídicas não são fruto da interpretação de um dispositivo mas da interpretação sistemática de diversos textos normativos Além do mais tal construção afronta o próprio significado mínimo desses dispositivos legais na esteira dos ensinamentos de Humberto Ávila 2012 p 37 Compreender provisória como permanente trinta dias como mais de trinta dias todos os recursos como alguns recursos ampla defesa como restrita defesa manifestação concreta de capacidade econômica como manifestação provável de capacidade econômica não é concretizar o texto constitucional É a pretexto de concretizálo menosprezar os seus sentidos mínimos Desse modo compreender a positivação do concubinato o impedimento do matrimônio de pessoas casadas e o dever de fidelidade no casamento como uma manifestação do princípio da monogamia aplicável a todas as entidades familiares não significa concretizar a Lex Fundamentalis Pelo contrário tratase de um total desprezo aos seus sentidos mínimos Os sentidos mínimos desses dispositivos legais são respectivamente i as relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar constituem concubinato ii as pessoas casadas não podem se casar novamente e iii os cônjuges devem respeitar e observar um dever de fidelidade recíproco E só nada mais do que isso Qualquer construção do significado desses textos normativos só pode ser realizada adequadamente se compatível com as finalidades do a norma jurídica não está pronta nem substancialmente concluída Ela é um núcleo materialmente circunscritível da ordem normativa diferenciável com os recursos da metódica racional Esse núcleo é concretizado no caso individual na norma de decisão e com isso quase sempre também tornado nítido diferenciado materialmente enriquecido e desenvolvido dentro dos limites do que é admissível no Estado de Direito determinados sobretudo pela função limitadora do texto da norma MÜLLER 2005 p 48 Destarte o pressuposto fundamental para se entender o significado de uma norma jurídica e qualificála como princípio está compreendido na figura do intérprete que cria a norma jurídica a partir de suas conexões axiológicas aplicadas à análise do teor literal da norma tendo como limite o mínimo admissível nos fins e valores da linguagem constitucional e do Estado Democrático de Direito Em outras palavras o intérprete a partir do texto da norma assume papel fundamental na identificação do surgimento de um novo princípio o qual se reveste de legitimidade apenas se encontrar sintonia com os preceitos constitucionais A natureza de princípio depende de mutáveis valorações do legislador dos tribunais e da doutrina Assim a questão de se uma norma tem ou não tem valor de princípio não é uma questão de fato e a resposta é sempre opinável GUASTINI 2005 p 187 Não se quer com isso afirmar que todo princípio surge da interpretação de um texto da norma Até porque muitos dispositivos advêm da influência de um princípio o que caracteriza a eficácia nomogenética29 dessa norma de modo que sua existência se mostra anterior à existência do texto da norma30 Pelo contrário há princípios que nascem a partir da contribuição construtiva do intérprete e como se observará o princípio da afetividade é um deles Nesse sentido cumpre realizar essa contribuição construtiva partindo do texto literal de normas constitucionais de forma a consolidar a existência da afetividade como princípio constitucional implícito 29 Diogo de Figueiredo Moreira Neto 2009 p 80 ensina que inserida na eficácia mediata a eficácia nomogenética consiste em contribuir com fundamentos finalísticovalorativos germinais para a edição de novos princípios e de novos preceitos que neles se reproduzam 30 Há também princípios que são frutos de valorações do legislador são encontradas nas fontes do direito disposições que se autoqualificam como princípios essas disposições possuem valor de princípio em virtude de uma valoração não do intérprete mas do próprio legislador GUASTINI 2005 p 192 O princípio da afetividade pode também ser extraído dos princípios e mandamentos constitucionais iii da dignidade da pessoa humana art 1º inc III iv da solidariedade art 3º inc I v da liberdade art 5º caput que no Direito das Famílias se traduz entre outros na liberdade de constituir família e na liberdade de orientação sexual vi da especial proteção que merece a família art 226 caput vii da igualdade entre os filhos art 227 6º e viii entre os cônjuges art 226 5º ix da adoção como escolha afetiva art 227 5º e 6º x da proteção à família monoparental art 226 4º e xi da garantia de assistência à família por parte do Estado art 226 8º Nesse sentido Paulo Lôbo 2011 p 7071 ensina que o princípio da afetividade recebeu grande impulso dos valores consagrados na Constituição de 1988 e resultou da evolução da família brasileira O princípio da afetividade especializa no âmbito familiar os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana art 1 III e da solidariedade art 3º I e entrelaçase com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges companheiros e filhos que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família Como se não bastasse o art 1593 do Código Civil estabelece a regra geral que abrange o princípio da afetividade na medida em que contempla o parentesco natural ou civil conforme resulte de consanguinidade ou de qualquer outra origem Assim os laços de parentesco na família incluindo a filiação sejam eles consanguíneos ou de outra origem têm a mesma dignidade e são regidos pelo princípio da afetividade LÔBO 2011 p 72 212 Fins que Justificam a Natureza Principiológica da Afetividade O art 226 3 da Constituição estabelece uma verdadeira priorização do afeto em detrimento do modo de se constituir família Ao reconhecer a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar e possibilitar que a lei facilite sua conversão em casamento o constituinte ao mesmo tempo que contempla uma abertura do rol de núcleos familiares expressa uma valorização da autodeterminação afetiva dos indivíduos em detrimento das formalidades do casamento Assim a afetividade entre companheiros é alçada à posição equivalente à afetividade praticada no casamento na medida em que a Constitu

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