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SEMÂNTICA LINGUÍSTICA TEXTUAL SEMÂNTICA LINGUÍSTICA TEXTUAL DÚVIDAS E ORIENTAÇÕES editorafamartfamartedubr TUTORIA ONLINE Segunda a Sexta de 0930 às 1730 Acesse a aba Tutoria EaD em seu portal do aluno SUMÁRIO 1 PREFÁCIO 3 11 A semântica formal 6 12 A Semântica da Enunciação 12 13 A Semântica Cognitiva 15 14 Algumas considerações 21 2 LINGUÍSTICA TEXTUAL 23 21 Conceito de texto 27 22 A construção textual do sentido 29 23 Formas de progressão textual 38 24 Gêneros Textuais 39 25 Linguística Textual e contexto 42 3 ÚLTIMAS PALAVRAS 45 ENCERRAMENTO 46 REFERÊNCIAS 47 3 1 PREFÁCIO A Semântica e a Linguística Textual são dois campos de estudo da linguística que se aproximam em muitos ângulos A Semântica é a ciência do sentido e a Linguística Textual é o ramo da Linguística que trata da construção do sentido no texto Desse modo por isso a possibilidade de se apresentar em um mesmo material de estudo esses dois campos do conhecimento Com relação à Semântica podemos dizer que a preocupação com o sentido das palavras e sua relação com o mundo datam da antiguidade Os filósofos gregos já manifestavam certa curiosidade com relação à motivação do sentido das palavras e travavam longas discussões nas quais alguns defendiam que a relação entre a palavra e seu significado não era arbitrária que tinha razão de serem outros acreditavam que o sentido dado a uma sequência sonora que configurava uma determinada palavra era convencional e arbitrária portanto A Linguística Textual por outro lado é uma ciência bastante nova tendo seus desenvolvimentos iniciais já na segunda metade da década de 60 e primeira metade dos anos 70 Durante seus primeiros anos essa ciência ocupava um lugar marginal nos estudos linguísticos que nessa época estavam voltados para a configuração geral da linguagem A preocupação com a questão do texto recebeu um maior destaque somente nos 80 e ainda nessa época apareceram estudiosos interessados no processamento cognitivo do texto o que arranjou o cenário para o surgimento de uma tendência que dominaria a década de 90 o sócio cognitivismo O que se verifica ao estudar a história desses dois campos do conhecimento linguístico é que desde o seu aparecimento até a sua consolidação a Semântica e a Linguística Textual percorreram um longo caminho e nesse percurso acabaram por ampliar e modificar a forma com a qual os fenômenos linguísticos eram tratados Sua contribuição para o desenvolvimento do conhecimento linguístico foi tão importante que fez com que elas se estabelecessem definitivamente no cenário dos estudos da linguagem 4 Podese dizer que a Semântica é a ciência do significado No entanto para se definir o objeto de estudos da semântica é preciso antes definir o conceito de significado Uma tarefa frequentemente complicada uma vez que o termo se aplica a várias e variadas situações de fala se questionamos qual o significado de mesa queremos saber o significado de um termo por outro lado se a pergunta é Qual o significado de sua atitude nossa questão perpassa pela intenção não linguística do nosso interlocutor questionamosnos ainda sobre o significado de um filme sobre o significado da vida ou sobre o significado de uma pichação na parede Enfim há uma ampla gama de aplicação do termo significado em sentidos tão dispersos que se torna praticamente impossível abarcar todas essas situações sem que isso comprometa a validade de uma teoria científica sobre o significado Uma outra dificuldade relacionada à formulação de uma ciência do significado está no fato de o tratamento da significação extrapolar as fronteiras da linguística indo se ancorar em questões relativas ao conhecimento Na tentativa de responder de que forma atribuímos significado a uma sequência de sons chegase a um ponto fundamental que é a necessidade de se adotar um ponto de vista sobre a aquisição de conhecimento É justamente nesse campo muitas vezes espinhoso que os semanticistas se debruçam na busca de uma resposta que esclareça a relação entre linguagem e mundo ou sobre como é possível o conhecimento Se como anteriormente afirmado há várias formas de se conceber o significado há também várias semânticas cada uma elegendo a sua noção particular de significado Cada uma dessas semânticas responde diferentemente à questão da relação entre linguagem e mundo O estruturalismo de Ferdinand de Saussure por exemplo definia o significado como uma unidade de diferença o significado se dá numa estrutura de diferenças com relação a outros significados a cadeira se define por não ser sofá nem mesa nem banco Assim para esse ponto de vista o significado não tem nada a ver com o mundo cadeira não é o nome de um objeto no mundo mas a estrutura de diferença com sofá mesa banco 5 Ao estabelecer sua teoria Saussure logo encontraria diversos seguidores que fariam ecoar suas tendências no seio da sociedade científica sofrendo um confronto por volta da década de 1930 com o surgimento das tendências da Sintaxe Estrutural de Martinet na Escola de Paris Nesse período surgem então grandes nomes e movimentos de estruturalistas da linguagem dando suas contribuições para um melhor entendimento da linguística no período saussuriano Por volta de 1914 na Escola de Genebra encontramos Bally e aproximadamente em 1923 na Escola de Moscou temos como exemplo Propp um estruturalista russo cujos estudos deram ênfase nos textos literários Bally teve um papel de destaque nos estudos semânticos ao propor conhecimentos voltados à estilística Bally a definiria como estudo dos elementos afetivos da linguagem situada na sincronia e integrada no problema da distinção entre a língua e a fala Bally e seus seguidores procuraram classificar o valor estilístico dos meios de expressão e determinar as razões da escolha a empregar esta ou aquela opção E assim muitos nomes com preocupações semelhantes no campo linguístico assumem seus papéis de destaque nos estudos que norteariam a consolidação da história da Semântica Geral Já para a Semântica Formal o significado é um termo complexo que se compõe de duas partes o sentido e a referência o sentido de um nome é o modo de apresentação do objetoreferência Assim nessa perspectiva a relação da linguagem com o mundo é fundamental Outra perspectiva herdeira do estruturalismo a chamada Semântica da Enunciação vê o significado como o resultado do jogo argumentativo criado na linguagem e por ela A principal diferença com relação ao estruturalismo é que na Semântica da Enunciação a palavra cadeira por exemplo significa as diversas possibilidades de encadeamentos argumentativos das quais a palavra pode participar Seu significado é o somatório das suas contribuições em inúmeros fragmentos do discurso Já para a Semântica Cognitiva cadeira é a superfície linguística de um conceito adquirido por meio de nossas manipulações sensório motoras com o mundo É tocando objetos que são cadeiras que formamos o conceito prélinguístico cadeira que aparece nas 6 práticas linguísticas como cadeira Esse conceito teria uma estrutura prototípica ou seja se definiria por um conjunto de traços partilhados por todos os membros do conjunto um objeto de quatro pernas por exemplo Como se vê a semântica é tratada dentro de mais de uma corrente teórica sendo a Semântica Formal a Semântica da Enunciação e a Semântica Cognitiva as três vertentes que compõem o atual quadro dos estudos do significado no Brasil Assim buscaremos nas próximas seções apresentar uma descrição de cada uma dessas perspectivas 11 A semântica formal A Semântica Formal foi um dos primeiros referenciais teóricos e partiu da consideração de que as sentenças se estruturam logicamente As bases para esta forma de tratamento do significado estão nas relações lógicas desenvolvidas por Aristóteles Aristóteles desenvolve um tipo de raciocínio dedutivo em que se evidencia a existência de relações de significado que se dão independentemente do conteúdo das expressões Esse raciocínio conhecido como silogismo consistia no seguinte processo se formos capazes de garantir a validade de duas premissas poderíamos concluir a terceira Um exemplo clássico de silogismo pode ser assim descrito Premissa 1 Todo homem é mortal Premissa 2 Platão é um homem Premissa 3 Logo Platão é mortal A relação lógica ou formal expressa no exemplo acima está inserida na verdade numa relação de conjuntos O conjunto dos homens está contido no conjunto dos mortais se Platão é um componente do conjunto dos homens então ele é necessariamente um componente do conjunto dos mortais Assim estabelece se relações entre termos homemmortal sem que se atente para o 7 seu significado o que implica que independente das expressões que compõem as relações o raciocínio será sempre válido A Semântica Formal tal como é concebida hoje deve muito a um matemático e lógico alemão chamado Gottlob Frege 18481925 As maiores contribuições de Frege à semântica foram o estabelecimento da distinção entre sentido e referência e do conceito de quantificador De acordo com esse autor o estudo científico do significado só é possível se diferenciarmos os seus diversos aspectos para reter apenas aqueles que são objetivos É com esse raciocínio que ele exclui da semântica o estudo das representações individuais que uma dada palavra pode provocar Quando ouço a palavra árvore por exemplo é formada uma ideia de árvore que é apenas minha pois tem a ver com minha experiência subjetiva no mundo minha árvore pode ser uma jabuticabeira como a de outra pessoa pode ser a de um ipê ou simplesmente a de uma árvore seca Essas representações individuais não passíveis de inspeção portanto são transferidas à psicologia assim a Semântica acaba por restringir seus estudos aos aspectos objetivos do significado O sentido de um nome próprio como rainha dos baixinhos é o que nos possibilita chegar a certo objeto no mundo de conhecimento público a Xuxa a referência Dessa forma temse que o sentido é o que nos permite chegar a uma referência no mundo É a partir dessa distinção apresentada por Frege que podemos explicar a diferença entre 1 A rainha dos baixinhos é a rainha dos baixinhos 2 A rainha dos baixinhos é a estrela da Globo Enquanto a sentença expressa em 2 é uma verdade óbvia que independe dos fatos no mundo a sentença 3 apresenta uma relação de igualdade que necessita ser verificada no mundo Assim se pudermos de fato estabelecer que rainha dos baixinhos é o mesmo objeto que estrela da Globo aprendemos então uma verdade sobre o mundo que podemos nos referir à Xuxa de pelo menos duas maneiras diferentes A sentença 3 expressa uma verdade sintética isto é uma verdade que só pode ser apreendida pela inspeção de fatos no mundo por isso diferentemente da 8 verdade expressa em 2 cujo grau de informatividade é zero ela pode nos proporcionar um ganho real de conhecimento É somente com a distinção entre sentido e referência que somos capazes de explicar a diferença entre as sentenças 2 e 3 pois embora ambas tenham a mesma referência elas expressam pensamentos diferentes Se o sentido é o caminho que nos permite chegar à referência quando descobrimos que dois caminhos levam à mesma referência aprendemos algo sobre esse objeto adquirimos conhecimento sobre o mundo Quando tomamos consciência da igualdade descobrimos dois sentidos para alcançar a mesma referência Uma mesma referência pode pois ser recuperada por meio de vários caminhos Considere por exemplo a cidade do Rio de Janeiro Podemos nos referir a ela por meio de diferentes sentidos a cidade do Rio de Janeiro a cidade maravilhosa Rio de Janeiro a capital do Estado do Rio de Janeiro Frege ao apresentar a sua proposta sobre a distinção entre sentido e referência recorre a uma analogia que consistia num telescópio apontando para a lua A lua é a referência uma vez que sua existência e propriedades independem daquele que a observa no entanto ela pode ser olhada a partir de diferentes perspectivas e a cada ângulo de observação podese compreender algo novo sobre ela A imagem da lua alcançada pelas lentes do telescópio é comum a qualquer pessoa é a essa imagem compartilhada que é chamada de sentido Se por outro lado mudamos o telescópio de posição vemos uma face diferente da mesma lua alcançamos o mesmo objeto a partir de outro sentido É o sentido o que nos permite chegar a um objeto no mundo uma referência mas é esse objeto no mundo que nos permite estabelecer um juízo de valor ou seja avaliar se o que dizemos é verdadeiro ou falso Assim o que torna uma dada premissa verdadeira não está na linguagem mas nos fatos do mundo Para Frege um nome próprio deve ter sentido e referência Rio de Janeiro e a capital do Estado do Rio de Janeiro são dois nomes próprios porque têm sentido e nos permite falar sobre um objeto no mundo a cidade do Rio de Janeiro Os nomes próprios são saturados porque expressam um 9 pensamento completo e podemos a partir deles identificar uma referência No entanto há expressões que são incompletas e que portanto não nos permite chegar a uma referência Esse é o caso da expressão ser capital de Esse termo por não expressar um pensamento completo não serve para alcançarmos uma referência Veja os exemplos abaixo 3 Belo Horizonte é a capital de Minas Gerais 4 Florianópolis é a capital de Santa Catarina Essas duas sentenças são nomes próprios porque expressam um pensamento completo e têm referência Já o termo a capital de que se repete nas duas sentenças é uma expressão insaturada Para expressar um pensamento completo a oração deve ser preenchida tanto no espaço que a antecede quanto no que a sucede Esses lugares vazios são chamados argumentos e a expressão insaturada chamase predicado Nesse caso especificamente temse um predicado de dois lugares porque há dois lugares a serem preenchidos por argumentos argumento 1 é a capital de argumento 2 Esse contraste entre funções incompletas que precisam ser preenchidas por argumentos e funções completas dizem respeito à capacidade de referenciação Isso quer dizer que uma oração insaturada precisa ser completada por argumentos para ser um nome próprio e portanto ter como referência um valor de verdade O predicado pode ser preenchido por um nome próprio como ocorre nos exemplos apresentados como pode também ser preenchida por outro tipo de argumento a expressão quantificada ou quantificadora Uma oração quantificada é aquele que apresenta uma expressão quantificada que indica certo número de elementos é o caso de 5 Todos os homens são mortais 6 Há uma garrafa dentro da geladeira As palavras grifadas exercem um papel de quantificação isto é traçam limites à aplicação das propriedades expressas pelas demais palavras Um quantificador age sobre a informação aplicada a um predicado Assim em 6 a sentença seria interpretada como uma informação de que a propriedade se é homem é mortal tem uma aplicação universal ou seja 10 o predicado ser mortal se aplica a todos os elementos que compõem o predicado ser homem Por sua vez a sentença 7 seria interpretada como significando que há exatamente um objeto que realiza a propriedade de ser garrafa e estar dentro da geladeira A interação dos quantificadores entre si com a negação e com o plural dá origem a ambiguidades de um tipo particular conhecidas como ambiguidades de escopo Considere a sentença O João não convidou só a Maria Essa sentença possui duas interpretações possíveis 1 o João só não convidou a Maria ou 2 o João não só convidou a Maria mas também outras pessoas A diferença entre as duas interpretações ocorre devido a combinação dos operadores não e só ou o não tem escopo sobre o só gerando não só ou o só é que tem escopo sobre o não produzindo só não Um outro elemento importante com relação ao papel dos nomes próprios diz respeito às descrições definidas e indefinidas As descrições são sintagmas nominais que têm por núcleo um substantivo comum Da mesma forma que os nomes próprios as descrições servem para constituir os objetos do mundo em referentes Muitos objetos não têm nome próprio aí frequentemente optamos por utilizar as descrições Também quando o objeto possui um nome próprio podemos optar por usar as descrições já que essas têm a vantagem de apontar características relevantes dos próprios objetos A maneira mais comum de se fazer referência a algum objeto consiste justamente em se usar uma descrição indefinida na primeira referência e descrições definidas ou pronomes anafóricos nas referências seguintes Veja o exemplo 7 Era uma vez um rei1 que tinha uma bela filha2 Certo dia o rei 1 chamou a filha 2 e falou Uma descrição se compõe como pode se observar nos exemplos de um artigo definido ou indefinido e um substantivo comum As descrições definidas são aquelas que se iniciam por artigo definido enquanto que as descrições indefinidas são aquelas que começam com o artigo indefinido O artigo definido carrega uma marca de dêixis o que significa dizer que ele remete à situação em que a sentença é proferida 11 Outra relação de sentido da qual tratou Frege diz respeito à pressuposição Observe as orações abaixo 8 Pedro parou de bater na mulher 9 Pedro batia na mulher no passado 10 Pedro não bate na mulher atualmente As orações 10 e 11 apresentam separadamente duas informações que aparecem juntas na oração 9 e representam uma situação que ocorreu no passado Pedro batia na mulher e outra situação que ocorre no presente Pedro não bate na mulher Esses desdobramentos de interpretação da oração 9 são possíveis devido à presença do verbo parar de que acompanhado do verbo bater indica que num dado momento do passado Pedro batia na mulher e que no momento atual isso não ocorre Para Frege essa pressuposição de existência faz parte das condições de verdade da sentença mas não do seu sentido Isso quer dizer que uma sentença como em 9 expressa um pensamento completo mas para atribuirmos a ela um valor de verdade pressupomos a existência de uma entidade da qual pressupomos algo Essa pressuposição existencial não é semântica e como forma de defender essa ideia Frege levanta que se a pressuposição fosse semântica a negação da sentença seria ambígua Então uma sentença como Pedro não parou de bater na mulher significaria caso a pressuposição fosse semântica que ou não existe um Pedro ou o Pedro não parou de bater na mulher No entanto a negação não tem escopo sobre o sujeito isto é não negamos a existência de alguém que é o Pedro mas negamos a afirmação de que ele parou de bater na mulher Ou seja a pressuposição de que existe alguém que se chama Pedro se mantém inalterada na negação o que evidencia que essa não se confunde com o conteúdo da sentença Pensando no entanto na possibilidade da não existência de um sujeito Pedro no exemplo acima Frege apresenta a seguinte solução sentenças que se referem a seres ou coisas que não têm existência real ou seja 12 sentenças cuja pressuposição de existência é falsa têm sentido mas não têm referência Dessa forma elas não são nem verdadeiras e nem falsas Outro estudioso conhecido como Bertrand Russell propôs uma outra solução a partir da consideração do artigo definido o enquanto quantificador Partindo da afirmação de que os quantificadores podem se combinar ao se considerar que o artigo definido é um quantificador podese inferir que o operador não incide sobre a proposição ou sobre parte da proposição alterando lhe o valor de verdade estabelecendose então relações de escopo A noção de escopo ajudanos a compreender a negação como uma operação significativa que não afeta necessariamente todos os conteúdos da oração em que ocorre Apesar das diferentes formas de se abordar o fenômeno a Semântica Formal considera que há pressuposição quando tanto o valor de verdade quanto a falsidade da sentença dependem da verdade da sentença pressuposta O estabelecimento do conceito de pressuposição foi marcante principalmente no que tange os estudos do significado o que levou na década de 70 a uma ampla gama de estudos sobre o tema E posteriormente ao surgimento de outro modelo a Semântica da Enunciação 12 A Semântica da Enunciação Segundo Ducrot um dos maiores estudiosos da Semântica da Enunciação a forma de tratamento da linguagem pela Semântica Formal é inadequada porque se baseia num modelo informacional em que o conceito de verdade é externo à linguagem Na Semântica Formal a linguagem é um meio para chegarmos a uma verdade que está fora da linguagem o que nos permitiria tratar de questões relativas ao mundo e com isso adquirir um conhecimento sobre ele Ducrot não acredita que o conceito de referência em Frege esteja realmente cercado de realismo Para ele é o nosso conhecimento de lua que depende do sentido Fazendo uso da metáfora do telescópio de Frege Ducrot apresenta sua crítica dizendo que quando vemos a mesma lua a 13 partir de pontos de vista diferentes não vemos luas diferentes Embora sutil essa diferença seja necessária para a distinção entre semânticas objetivas que postulam uma ordem no mundo que dá conteúdo à linguagem e as semânticas relativistas que acreditam que não há uma ordem no mundo que seja dada independentemente da linguagem e da história A Semântica da Enunciação acredita que a linguagem constitui o mundo e por isso se insere na perspectiva relativista Para a Semântica da Enunciação a referência não é mais do que uma ilusão criada pela linguagem Para essa perspectiva estamos sempre inseridos na linguagem e se há elementos como os dêiticos termos referenciais pronomes artigo definido que nos dão a sensação de estar fora da língua essa sensação são apenas ilusórios Para Ducrot a linguagem é um jogo de argumentação enredado em si mesmo não falamos sobre o mundo falamos para construir um mundo e a partir dele tentar convencer nosso interlocutor da nossa verdade Dessa forma a verdade que na Semântica Formal era tida como um atributo do mundo passa a ser relativa à comunidade que se forma na argumentação A linguagem dessa forma adquire um caráter dialógico ou argumentativo uma vez que passa a funcionar como um jogo discursivo construído para convencer o outro de nossa verdade As Semânticas da Enunciação como têm descrito apresentam uma concepção de linguagem que a distancia sobremaneira da Semântica Formal Essa diferença de concepção tem consequências importantes quando se observa a forma como o fenômeno linguístico é tratado em uma e outra abordagem Com relação à pressuposição por exemplo a Semântica da Enunciação por considerar que a linguagem não se refere acredita que a pressuposição é criada pelo e no próprio jogo de encenação que a linguagem constrói É porque falamos de algo que esse algo passa a ter a sua existência no quadro criado pelo próprio discurso e é por isso que atualmente o conceito de pressuposição é substituído no interior da abordagem enunciativa pelo conceito de enunciador Na Semântica da Enunciação um enunciado se constitui de vários enunciadores que formam o quadro institucional que referenda o espaço 14 discursivo em que o diálogo vai se desenvolver Um enunciador presente no enunciado situa o diálogo no comprometimento de que o ouvinte aceite esse conteúdo pressuposto de forma que negálo seria o mesmo que romper o diálogo Como forma de exemplificar a atuação da Semântica Enunciativa apresentamos novamente a sentença apresentada em 8 Pedro parou de bater na mulher O que foi descrito como pressuposição passa a ser chamado de enunciador Assim temos 1 Pedro parou de bater na mulher E1 Pedro batia na mulher no passado E2 Pedro não bate na mulher atualmente Nessa enunciação o locutor põe em cena um diálogo entre dois enunciadores apresentados acima como E1 e E2 o que dá um caráter polifônico ao enunciado É como se duas vozes falassem um enunciador que afirma que Pedro batia na mulher o que constitui o pressuposto e outro que diz que ele não bate mais na mulher o posto Para a Semântica Formal a negação de 12 não seria ambígua porque não há duas formas lógicas Já para a Semântica da Enunciação o problema da ambiguidade estrutural pode ser tratado a partir do conceito de polissemia O que significa dizer que há diferentes tipos de negação expressos por uma série de enunciadores No exemplo acima podese dizer que se negamos a fala do primeiro enunciador o pressuposto realizamos uma negação polêmica já se negamos o posto a negação ganha outro caráter passando a ser considerada uma negação metalinguística Há assim a presença de uma série de enunciadores e diferentes tipos de negação Veja 2 O presidente do Brasil não é sociólogo 13 E1 Há um presidente do Brasil E3 E1 é falsa 13 E1 Há um presidente do Brasil E2 Ele é sociólogo E3 E2 é falsa 15 A hipótese da Semântica da Enunciação é a de que entre as pressuposições não há uma diferença estrutural mas uma diferença entre tipos de negação Assim a pressuposição passa a ser tratada tendo como base a hipótese da polifonia e portanto da existência de diferentes enunciadores e a ambiguidade se desfaz pela determinação de diferenças de uso das palavras o não polêmico e o não metalinguístico Além da negação polêmica e da negação metalinguísticas apontadas acima Ducrot distingue um terceiro tipo de negação a negação descritiva Nesse tipo de negação o locutor descreve um estado no mundo negativamente portanto na sua enunciação não há um enunciador que retoma a fala de outro enunciador negandoa Um dado de negação descritiva ocorre quando se descreve um estado do mundo utilizando a negação Não há um único pássaro no céu A negação fica então entendida como um fenômeno de polissemia que se define por identificar usos distintos que não relacionados Um dos pontos chave da Semântica da Enunciação está no fato de esta possibilitar a descrição de fenômenos que envolvem gradação os quais resistem ao tratamento formal Exemplos como 3 João comeu pouco 4 João comeu um pouco Não são passíveis de receber uma análise formal por outro lado percebemos que as orações não se equivalem Para a Semântica da Enunciação a diferença entre as duas orações ocorre devido a um encadeamento discursivo distinto A hipótese é a de que os dois operadores pouco e um pouco direcionam diferentemente uma mesma escala de comer que vai de comer muito a não comer 13 A Semântica Cognitiva A Semântica Cognitiva é um modelo teórico bastante recente tendo seus primeiros desenvolvimentos datados da década de 1980 Foi a partir de 16 então que tomouse consciência de que todo fazer é necessariamente acompanhado de processos de ordem cognitiva Para esse modelo o significado é central na investigação sobre a linguagem Assim acreditase que a forma deriva da significação uma vez que é a partir da construção de significados que aprendemos Tal concepção acaba por inserir a Semântica Cognitiva entre os estudos funcionalistas da linguagem A Semântica Cognitiva da mesma forma que a Semântica da Enunciação se opõe à Semântica Formal a qual prega que o significado se baseia na referência e no entendimento da verdade como correspondência com o mundo A Semântica Cognitiva acredita que o significado não tem nada a ver com a relação entre linguagem e mundo ao contrário ela acredita que o significado é motivado A significação linguística nesse sentido emerge de nossas significações corporais dos movimentos de nossos corpos em interação com o meio que nos circunda A Semântica Cognitiva por não considerar a hipótese da referência se aproxima muito da abordagem proposta pela Semântica da Enunciação No entanto a Semântica Cognitiva se distancia da abordagem enunciativa por não considerar que a referência é constituída pela própria linguagem e que esta tratase de um jogo de argumentação George Lankoff o criador e maior pesquisador dos aspectos cognitivos da significação define essa abordagem como realismo experiencialista levantando assim a hipótese de que o significado é natural e experiencial Ele sustenta essa proposta através da constatação de que o significado se constrói a partir de nossas interações físicas corpóreas com o meio ambiente em que vivemos Dessa forma o significado deixa de ter um caráter exclusivamente linguístico Dentro desse referencial teórico são nossas ações no mundo que nos permitem apreender esquemas de imagem e espaço e são esses esquemas que dão significado às nossas expressões linguísticas Assim a criança durante o processo de aquisição aprenderia primeiramente esquemas de movimento isso ocorreria quando por exemplo a criança se move várias vezes em direção a certos alvos Com esse esquema surgido de nossa 17 experiência corpórea com o mundo aporta o significado de nossas expressões linguísticas sobre o espaço Nossos deslocamentos de um lugar para outro ponto de partida percurso chegada que ocorrem ainda antes de aprendermos a falar estruturam um esquema de imagem ou imagético Esse esquema denominado por Lankoff de caminho pode ser representado da seguinte forma A fonte do movimento B alvo do movimento Além do esquema caminho muitos outros esquemas seriam derivados diretamente de nossas experiências corpóreas com o mundo Por exemplo o recipiente esquema de estar dentro e fora de algum lugar o balanço esquema aprendido durante nossos ensaios de estar de pé Veja algumas sentenças instanciadas por esquemas de caminho e de recipiente 1 Fui da portaria à cobertura 2 Estou em São Paulo Para a abordagem cognitiva o que dá sentido à sentença 16 é a presença de um esquema imagético CAMINHO e da mesma forma o que daria sentido à sentença 17 seria a presença do esquema imagético RECIPIENTE Esses esquemas guardariam uma memória de movimentação ou de experiência e seria justamente essa memória o que ampararia nosso falar e pensar Assim o significado deixaria de ser um fenômeno puramente linguístico para ser tratado como uma questão de cognição Os esquemas passam a ocupar um lugar central nos estudos da Semântica Cognitiva no entanto nem todos os nossos conceitos seriam apreendidos a partir de esquemas imagéticos Haveria ainda certos conceitos de domínio da experiência que dependeriam de mecanismos de abstração Dentre esses mecanismos dois seriam prioritários a metáfora e a metonímia A metáfora funcionaria como um mapa entre o domínio da experiência e outro domínio como o tempo por exemplo Assim em uma sentença como De ontem pra hoje esfriou muito percebese um conceito de tempo que se estrutura a partir de um esquema espacial de CAMINHO Essa sentença seria 18 metafórica porque nelas o tempo é conceituado a partir de correspondências com o esquema espacial A metáfora para a Semântica Cognitiva é o processo cognitivo que nos permite mapear esquemas aprendidos diretamente pelo nosso corpo em domínios mais abstratos cuja experimentação é indireta A propriedade fundamental da metáfora é preservar as inferências do domínio fonte sobre o domínio alvo desde que não haja violação da estrutura inerente ao domínio alvo Se mapearmos o esquema CAMINHO no tempo podemos esperar que neste domínio se estabelecesse uma organização espacial em que as inferências do espaço se mantêm Isso é tratado como Hipótese de Invariância Além de explicar as inferências a hipótese de invariância procura justificar o fato de que há aspectos que não são mapeados Isso quer dizer que podemos mapear o espaço no tempo mas certas relações espaciais serão bloqueadas por causa da própria estrutura do tempo É por isso que não podemos dizer por exemplo chegou embaixo da hora Um exemplo de análise a partir da Semântica Cognitiva apresentado por Oliveira 2004 é a descrição do conectivo mas Essa descrição se inicia realizando se um levantamento das várias possibilidades de uso do termo O passo seguinte é fazer uma pesquisa etimológica com vistas à recuperação da história do conectivo Repare na sentença Pedro não está triste mas ensimesmado Etimologicamente mas deriva da expressão latina magis quam que estabelecia a comparação de superioridade isso é mais do que aquilo Acreditandose que os usos mais antigos são mais próximos do físico seria então o esquema corporal de BALANÇO que dá sustentação ao mas pesamos duas coisas e a balança pende para uma delas No exemplo a balança tenderia ao ensimesmado mais do que ao triste Além dos esquemas imagéticos há outros elementos fundamentais aos estudos semânticos de base cognitiva são essas as categorias de nível básico Essa noção de categorias básicas é também cara a Semântica Formal Para esse modelo um termo genérico como homem por exemplo não se refere a um indivíduo em particular mas a todos os indivíduos que possam ser 19 alcançados por meio de certas propriedades Assim sabemos que Platão pertence à classe dos humanos porque ele tem propriedades que só os humanos têm Essas propriedades recebem o nome de intenção e é o que nos permite chegar a uma classe de objetos do mundo a essa classe denominamos extensão No exemplo 1 repetido abaixo Todo homem é mortal Platão é um homem Logo Platão é mortal O termo homem tem como extensão os vários seres humanos no mundo as entidades extralinguísticas Quanto à intenção ou seja as propriedades essenciais no entanto surgem controvérsias Afinal quais seriam as características essenciais comuns a todos os indivíduos que compõem a classe dos seres humanos A Semântica Formal apresenta as características ser bípede e ser implume como as propriedades distintivas dos seres humanos Essas propriedades realmente parecem abarcar todos os seres humanos mas no entanto a universalidade dessas propriedades pode ser discutida tendo em vista a possibilidade de existirem humanos de apenas uma perna Quem tratou mais profundamente da questão das categorias foi o filósofo Ludwig Wittgenstein em um livro chamado Investigações Filosóficas Esse filósofo demonstra a partir das inúmeras possíveis propriedades do conceito de jogo que uma única propriedade não é suficiente para delimitar uma classe Foi com essa constatação que ele propôs que as categorias se organizam por relações de semelhanças de família Os usos de uma mesma palavra se assemelham da mesma forma que os membros de uma família não são necessários pois que os membros de uma mesma família partilhem uma mesma propriedade Levando em conta essas constatações de Wittgenstein a Semântica Cognitiva se distancia da noção clássica de categoria e então aponta evidências psicológicas que levam à conclusão de que não categorizamos por meio do estabelecimento de propriedades necessárias e suficientes 20 Para a Semântica Cognitiva os conceitos se estruturam por protótipos Isso quer dizer que quando fazemos classificações nos sustentamos em casos que são exemplares ou seja nos ancoramos naqueles casos que são mais reveladores de categorias É por isso que se pedirmos que alguém nos dê um exemplo de pássaro dificilmente alguém dirá pinguim Dessa forma temse que as categorias se estruturam por meio de um caso mais prototípico que se relaciona via semelhanças com os outros membros O pinguim estaria pois numa posição mais periférica enquanto membro da categoria PÁSSARO e na posição central estaria provavelmente o pardal ou o beijaflor A aquisição de categorias ocorreria de acordo com a perspectiva cognitiva com as crianças adquirindo primeiro as categorias de nível médio já que é com esse tipo de categoria que temos contato físico direto As categorias de nível básico diferentemente são aprendidas diretamente por não indicarem categorias mais abstratas e nem mais específicas É por isso que adquirimos primeiro e diretamente categorias como mesa e gato e apenas mais tarde adquiriram através do processo de metonímia as genéricas como móveis e animal e os particulares como mesa de centro e siamês Como vimos a metáfora tem o importante papel de criar mapas sobre o domínio da experiência e outro domínio Também a metonímia exerce uma função importante no processo cognitivo É a metonímia o processo cognitivo que permite criar relações de hierarquias entre conceitos Assim a metáfora e a metonímia ocupam um lugar central na teoria sendo responsáveis pela extensão dos esquemas em direção à abstração Com relação à abordagem cognitiva das pressuposições a hipótese é a de que na interpretação formamos espaços mentais estruturas conceituais que descrevem como os falantes atribuem e manipulam a referência Assim na sentença 3 A Rainha da França teve a cabeça cortada Criamos um espaço mental em que a Rainha da França se refere ao personagem histórico Se por outro lado a sentença é acrescida do termo Em os Três Mosqueteiros abrimos um novo espaço mental em que Rainha da França não se refere ao personagem histórico mas ao ficcional 21 4 Em os três Mosqueteiros a Rainha da França teve a cabeça cortada Para Semântica Cognitiva a pressuposição não estabelece referência com entidades no mundo e também não são procedimentos argumentativos Para esse modelo as pressuposições são antes entidades mentais ou ainda significados que se transferem de um espaço mental para outro Assim na sentença 9 Pedro parou de bater na mulher haveria dois espaços mentais um em que está a pressuposição de que Pedro batia na mulher e outro em que ele parou de bater na mulher Nessa concepção a negação agiria sobre a transferência ou não de um espaço mental para outro se negamos o primeiro espaço mental construindo assim uma sentença como Pedro nunca bateu na mulher a pressuposição não é transportada para o segundo espaço mental Por outro lado se Pedro bateu na mulher um dia a pressuposição é carregada para o segundo espaço mental e a negação incide sobre o fato de Pedro ter parado de bater na mulher 14 Algumas considerações Nessa seção buscamos apresentar uma descrição das teorias semânticas presentes nos estudos linguísticos contemporâneos Vimos que cada modelo teórico apresenta como base uma diferente concepção de linguagem que implica em diferentes formas de se conceber a relação entre linguagem e mundo Enquanto para a Semântica Formal essa relação se dá a partir da distinção entre sentido e referência para a Semântica da Enunciação a linguagem constitui o mundo e já para a Semântica Cognitiva o significado não tem nada a ver com a relação entre linguagem e mundo ao contrário ele seria motivado A semântica enquanto objeto de estudo não é um tema fechado em si mas pelo contrário participa de estudos que mesmo não tendo como foco base a semântica apresenta um componente semântico É esse o caso dos estudos que têm como fim a construção de gramáticas textuais 22 A essa chamada semântica do texto cabe explicar a representação da estrutura do significado de um texto ou de um segmento deste particularmente as relações de sentido que vão além do significado das frases tomadas isoladamente como ocorre na pressuposição por exemplo É a essa interface entre o texto e a semântica que trataremos no tópico seguinte 23 2 LINGUÍSTICA TEXTUAL A Linguística Textual é o ramo da linguística que toma o texto como objeto de estudo Seu surgimento enquanto campo de estudos da linguística embora recente é difícil de ser definido Isso porque essa ciência não passou por um desenvolvimento homogêneo ela na verdade surgiu de forma independente em vários países e com propostas teóricas diversas O que mais frequentemente tratado quanto às fundamentações teóricas dessa disciplina é que houve pelo menos três importantes momentos sem que no entanto possamos estabelecer uma cronologia Em um primeiro momento os estudiosos do texto se interessavam predominantemente pela análise transfrástica ou seja por fenômenos que não conseguiam ser explicados pelas teorias sintáticas ou semânticas que ficassem limitadas ao nível da frase Nesse tipo de análise partese da frase para o texto A principal preocupação estava nas relações que se estabelecem entre as frases e os períodos de forma a se construir uma unidade de sentido A partir desse tipo de estudo observouse a ocorrência de fenômenos que poderiam ser explicados através das teorias sintáticas ou semânticas Um desses fenômenos pode ser exemplificado através da referenciação Vejase o exemplo abaixo 1 Joana foi ao teatro Ela não gostou da peça Nesse trecho a relação entre nome e pronome na perspectiva textual não é de simples substituição O uso do pronome está fornecendo ao ouvinteleitor instruções de conexão entre a predicação que se faz com o pronome não gostou da peça e o próprio nome em questão Esse movimento contribuiria para a construção da imagem do referente Joana por parte do ouvinte É por conta da coerência entre as predicações que sabemos que o pronome ela se refere a Joana Porém a presença do mecanismo de referenciação sozinho não seria capaz de garantir a interpretação da sequência enquanto um texto Foi através de exemplos como o descrito acima que se percebeu que certos fenômenos só poderiam ser tratados a partir da análise da relação entre 24 orações Tendo como referência essa constatação essa linha de pesquisas concentrou seus estudos em fenômenos de ocorrência mais ampla que a de uma frase fenômenos transfrásticos como a pronominalização a seleção de artigos definidos ou indefinidos a concordância entre tempos verbais a relação tópicocomentário e outros Vale ressaltar que nesse período o conceito de texto era o de uma sequência pronominal ininterrupta e sua principal característica era o múltiplo referenciamento No entanto essa concepção de texto e consequentemente os objetos de análise passou por modificações uma vez que se percebeu a existência de conexão entre enunciados realizada sem a presença de um conector Observe as sentenças que se seguem 2 Não fui ao seu casamento envieilhe o presente 3 Não fui a seu casamento tive um contratempo 4 Não fui a seu casamento não posso dizer como foi a cerimônia No exemplo 21 podese perceber mesmo sem a presença do conectivo mas a relação adversativa expressa Em 22 sabemos que é a relação explicativa implicada pelo conector porque a que se estabelece entre o primeiro e o segundo enunciado Em 23 sabemos que é a relação conclusiva normalmente expressa pelo conector portanto a que se estabelece entre os enunciados A ausência dos conectores nos exemplos de 21 a 23 sem prejuízo do sentido fez com que passasse a se considerar que nesses casos é o ouvinteleitor que constrói o sentido global da sequência estabelecendo mentalmente as relações argumentativas adequadas entre os enunciados A necessidade de se considerar o conhecimento intuitivo do falanteouvinte na construção do sentido global do enunciado e o fato de nem todo texto apresentar o fenômeno da referênciação fez com que se inaugurasse uma nova linha de pesquisa dentro dos estudos do texto como o objetivo de elaborar gramáticas textuais 25 Esse segundo momento da Linguística Textual provocado principalmente pela ascensão da gramática gerativa proposta por Chomsky teve como objetivo a descrição da competência textual do falante ou seja a construção de gramáticas textuais Nas primeiras propostas de elaboração de gramáticas textuais o objetivo era o de transformar o texto no objeto da Linguística Apesar da ampliação do objeto de estudos da ciência da linguagem ainda se acreditava na possibilidade de se mostrar que o texto possuía propriedades que diziam respeito ao próprio sistema abstrato da língua Dessa forma as primeiras gramáticas textuais representavam um projeto de reconstrução do texto como um sistema uniforme estável e abstrato O texto nesse período era considerado como uma unidade teórica formalmente construída o que o colocava em lugar de oposição ao discurso unidade funcional comunicativa e intersubjetivamente construída A principal inovação causada pelos autores desse período foi a consideração de que não há uma continuidade entre frase e texto porque há entre eles uma diferença de ordem qualitativa e não quantitativa já que a significação de um texto constitui um todo que é diferente da soma das partes O texto passou a ser visto então como a unidade linguística mais elevada a partir da qual seria possível chegar por meio da segmentação a unidades menores a serem classificadas A segmentação e a classificação de um texto em unidades menores deveria sempre considerar a função textual dos elementos individuais ou seja que tipo de papel cada elemento desempenha em uma dada configuração textual Passouse a postular também a existência de uma competência textual à semelhança da competência linguística chomskyana Todo falante nativo de uma língua teria a capacidade de distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente de enunciados competência que é especificamente linguística Em outras palavras qualquer falante é capaz de parafrasear de resumir um texto de perceber que está completo ou incompleto de atribuirlhe um título ou de produzir um texto a partir de um título dado 26 Nesse contexto acreditase que todo falante possuiria três capacidades textuais básicas a Capacidade formativa que permitiria a produção e compreensão de textos inéditos além de possibilitar a avaliação quanto à formação de um texto b Capacidade transformativa permitiria a reformulação de um texto seja através da paráfrase ou do resumo c Capacidade qualificativa permitiria a tipificação de um texto ou seja a classificação em descrição narração argumentação etc As tarefas básicas de uma gramática do texto segundo Koch 2006 5 seriam as seguintes a verificar o que faz com que um texto seja um texto ou seja determinar seus princípios de constituição os fatores responsáveis pela sua coerência as condições em que se manifesta a textualidade b levantar critérios para a delimitação de textos já que a completude é uma de suas características essenciais c diferenciar as várias espécies de textos Essas tarefas constituíram a base da construção das gramáticas textuais No entanto durante o trabalho prático de realização desse ambicioso projeto as tarefas enumeradas não conseguiram ser executadas a contento apesar de todos os esforços de vários linguistas A maior contribuição dessa linha de pesquisa se concentrou no entanto na possibilidade de deslocamento da questão do tratamento formal à constituição de uma teoria Ao invés de se ocupar em dar um tratamento formal ao objeto texto os estudiosos começaram a elaborar uma teoria do texto que ao contrário das gramáticas textuais cuja preocupação era meramente descritiva propõe a investigação da forma como se dá a constituição o funcionamento a produção e a compreensão dos textos em uso Nesse terceiro momento da teoria o texto passa a ser estudado dentro do seu contexto de produção passando esse a ser entendido não como um produto acabado mas como um processo resultado de operações comunicativas e processos linguísticos em situações sociocomunicativas 27 O âmbito de investigação nessa linha de estudo estendese do texto ao contexto entendido como o conjunto de condições externas da produção recepção e interpretação de textos Segundo Marcurschi um dos maiores estudiosos da Linguística Textual no final da década de 70 a palavra de ordem não era mais a gramática do texto mas a noção de textualidade definida como um modo múltiplo de conexão ativado toda vez que ocorrem eventos comunicativos Nesse novo quadro a Linguística Textual passa a ser entendida como uma disciplina essencialmente interdisciplinar Se o objeto da Linguística Textual é essencialmente o texto tornase fundamental que se trave uma discussão a respeito do conceito de texto 21 Conceito de texto Como buscamos mostrar na seção anterior a Linguística Textual passou durante seu processo de evolução por constantes reformulações Cada uma dessas reformulações além de alterar o objeto e a metodologia de estudos carregava em seus fundamentos alterações que diziam respeito à concepção de texto Nessa seção buscaremos então apresentar algumas dessas concepções que acompanharam o processo de evolução da teoria até o conceito mais reconhecido e atual no que tange aos estudos da Linguística Textual Os conceitos de texto durante os períodos da análise transfrástica e das gramáticas textuais variaram desde unidade linguística superior à frase até complexo de proposições semânticas A concepção de texto que subjazia a todas essas definições era a de um texto como uma estrutura acabada e pronta como um produto de uma competência linguística A melhor definição de texto para esse período seria a de um termo que abrange tanto textos orais quanto escritos que tenham como extensão mínima dois signos linguísticos sendo que um pode ser suprimido pela situação no caso de textos de uma só palavra Dessa forma percebese uma maior ênfase no aspecto material formal do texto 28 O texto era tido como uma unidade que apesar de teoricamente poder ser de tamanho indeterminado é normalmente delimitada com um início e um fim mais ou menos explícitos E o objeto privilegiado de estudos era a coesão muitas vezes equiparada à coerência No segundo momento da Linguística Textual o texto não é mais encarado como uma estrutura acabada mas como parte de atividades mais globais de comunicação A definição de texto passa então a considerar que a produção textual é uma atividade verbal o que significa dizer que os falantes ao produzir um texto estão realizando atos de fala Todo ato de produção de enunciados produz no interlocutor um determinado efeito pretendido ou não pelo locutor Também se considera que a produção textual é uma atividade verbal consciente ou seja uma atividade por meio da qual o falante dará a entender seus propósitos sempre levando em conta as condições em que tal atividade é produzida Nessa concepção o sujeito falante possui um papel ativo na mobilização de certos tipos de conhecimentos de elementos linguísticos de fatores pragmáticos e interacionais ao produzir um texto Essa concepção de texto leva ainda em consideração a atividade interacional que envolve a produção textual isto é os interlocutores estão obrigatoriamente envolvidos nos processos de construção e compreensão de um texto Na verdade o que buscamos demonstrar nessa seção é que há uma certa dificuldade na conceituação da unidade texto havendo assim um grande número de definições de se divergem por momento histórico da matéria como também por diferentes intenções com relação ao objeto Podemos no entanto transcrever resumidamente algumas dessas concepções apresentadas por Koch 2006 XII 1 Texto como uma frase complexa ou signo linguístico mais alto na hierarquia dos sistemas linguísticos concepção de base gramatical 2 Texto como signo complexo concepção de base semiológica 3 Texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas concepção de base semântica 29 4 Texto como ato de fala complexo concepção de base pragmática 5 Texto como discurso congelado como produto acabado de uma ação Discursiva concepção de base discursiva 6 Texto como meio específico de realização da comunicação verbal concepção de base comunicativa 7 Texto como processo que mobiliza operações e processos cognitivos concepção de base cognitivista 8 Texto como lugar de interação entre atores sociais e de construção interacional de sentidos concepção de base sociocognitiva interacional 22 A construção textual do sentido Nesta seção serão apresentados sete critérios de construção textual do sentido dois centrados no texto a coesão e a coerência e cinco centrados no usuário situacionalidade informatividade intertextualidade intencionalidade e aceitabilidade 221 A Coesão textual Designase por coesão a forma pela qual os elementos linguísticos presentes na superfície textual se interligam se interconectam por meio de recursos também linguísticos de modo a formar uma unidade de nível superior à da frase que dela difere qualitativamente Comumente se postula a existência de cinco formas de coesão a referência a substituição a elipse a conjunção e a coesão lexical Veja abaixo a descrição dessas formas de coesão 1 Referência em que um signo linguístico se relaciona a um objeto extralinguístico Ela pode ser situacional e textual A textual pode ser anafórica quando retoma algo que já foi dito 30 catafórica quando antecipa algo que ainda não foi expresso Ex Isto eu te digo não trabalho de graça 2 Substituição colocação de um item no lugar de outro ou de uma oração Pode ser nominal feita por meio de pronomes pessoais numerais indefinidos nomes genéricos como coisa gente pessoa e verbal o verbo fazer é substituto dos causativos ser é o substituto existencial Ex Vá buscar as crianças na escola Elas saem às 17h 3 Elipse omissão de um item lexical recuperável pelo contexto ou seja a substituição por zero Ø Pode ocorrer elipse de elementos nominais verbais e oracionais Ex As meninas preferiram sorvete Os meninos não Ø 4 Conjunção tem natureza diferente das outras relações coesivas por não se tratar simplesmente de uma relação anafórica Os elementos conjuntivos são coesivos não por si mesmos mas indiretamente em virtude das relações específicas que se estabelecem entre as orações períodos e parágrafos Essas diferentes relações conjuntivas possuem uma série de equivalentes estruturais Os principais tipos de elementos conjuntivos são advérbios e locuções adverbiais conjunções coordenativas e subordinativas locuções conjuntivas preposições e locuções prepositivas itens continuativos como então daí etc Para se obter a coesão é importante a escolha de conectivo adequado para expressar relações semânticas o mesmo conectivo pode expressar relações semânticas diferentes é pois preciso saber reconhecêlas A omissão de conectivos embora admissível só deve ser feita quando a relação semântica estiver bem clara para evitar a ambiguidade a não ser que seja intencional Ex O ladrão saiu correndo do banco Depois vieram os policiais 5 Coesão lexical é obtida pela reiteração de itens lexicais idênticos ou que possuem o mesmo referente Incluise aí também o uso de nomes genéricos cuja função coesiva está no limite entre as coesões lexical e gramatical nomes esses que estão a meio caminho do item lexical membro 31 do conjunto aberto e do item gramatical membro de um conjunto fechado Gramaticalmente determinante nome geral funcionam como itens de referência anafórica lexicalmente são membros superordenados hiperônimos agindo como sinônimos de itens a eles subordinados hipônimos Ex Comprei violetas e petúnias As flores estão enchendo a sala de perfume As definições acima apontadas perduraram durante muito tempo nos estudos da textualidade No entanto alguns desses elementos sofreram alterações recentes A distinção entre referência e substituição por exemplo era bastante questionável Esses fatos levaram à classificação dos recursos coesivos em dois grandes grupos responsáveis pelos dois grandes movimentos de construção do texto a remissãoreferência e a coesão sequencial realizada de forma a garantir a continuidade do sentido No primeiro grupo ficaram incluídas a referência a substituição e a elipse bem como parcela significativa da coesão lexical ao passo que o segundo passou a englobar a outra parcela da coesão lexical A necessidade de dividir a coesão lexical pelos dois grupos devese ao fato de ela envolve dois mecanismos a reiteração e a colocação A reiteração que se realizam por meio de repetição de um referente textual pelo uso dos mesmos itens lexicais sinônimos hiperônimos nomes genéricos e expressões nominais tem a mesma função dos demais recursos de remissão textual já a colocação permite que se faça o texto progredir garantindo simultaneamente a manutenção do tema A coesão sequencial diz respeito aos procedimentos linguísticos por meio dos quais se estabelecem diversos tipos de relações semânticas eou pragmático discursivas entre os segmentos do texto à medida que o texto faz progressão Esta interdependência é garantida em parte pelo uso dos diversos mecanismos de sequenciamento existentes na língua e em parte pelo que se denomina progressão tópica 32 222 A coerência textual A noção de coerência textual ganhou mais enfoque a partir do momento em que se percebeu que o sentido do texto não está no texto em si mas depende de fatores de ordem diversa linguísticos cognitivos socioculturais interacionais Esses elementos acabaram por demonstrar que não há textos incoerentes em si porque não há regras de boa formação de textos como há para as frases que se apliquem a todas as circunstâncias A textualidade de um texto vai depender muito mais dos usuários de um texto locutor e receptor e da situação Charolles um dos maiores estudiosos do texto defende que a coerência de um texto é um princípio de interpretabilidade o que significa dizer que todos os textos seriam em princípio aceitáveis Um texto poderia ser incoerente porém se não estivesse de acordo com determinada situação comunicativa Dessa forma o texto seria incoerente se seu produtor não soubesse adequálo à situação levando em conta intenção comunicativa objetivos destinatário regras socioculturais outros elementos da situação usam de recursos linguísticos etc O conhecimento da situação comunicativa mais ampla contribui para a focalização que pode ser entendida como a perspectiva pela qual as entidades evocadas no texto passam a ser vistas Essas perspectivas afetam não só aquilo que o produtor diz mas também o que o leitorouvinte interpreta 223 Considerações Coerência e Coesão textuais Qualquer falante de uma determinada língua consegue distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente de enunciados Sabese intuitivamente não só distinguir entre textos e não textos mas também que nossa produção linguística se dá com textos e não com palavras isoladas não sabemos porém definir intuitivamente o que faz com que um texto seja um texto e nem há unanimidade quanto à essa questão 33 O termo texto pode ser tomado em duas acepções texto em sentido amplo designando toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano uma música um filme uma escultura um poema etc e em se tratando de linguagem verbal temos o discurso atividade comunicativa de um sujeito numa manifestação de comunicação dada englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor ou pelo locutor e interlocutor no caso dos diálogos e o evento de sua enunciação O texto consiste então em qualquer passagem falada ou escrita que forma um todo significativo independente de sua extensão Tratase pois de um contínuo comunicativo contextual caracterizado por fatores de textualidade dentre eles a coesão e a coerência Coesão e coerência constituem fatores importantes da textualidade Há autores que distinguem dois níveis de análise correspondendo à coesão e à coerência embora a terminologia possa ser diferente coesãocoerência coerência microestruturacoerência macroestrutural Charolles Há autores que consideram a coerência e a coesão em níveis diferentes de análise A coesão manifestada no nível micro textual referese aos modos como os componentes do universo textual isto é as palavras que ouvimos ou vemos estão ligados entre si dentro de uma sequência A coerência por sua vez manifestada em grande parte macro textualmente referese aos modos como os componentes do universo textual isto é os conceitos e as relações subjacentes ao texto de superfície se unem numa configuração de maneira reciprocamente acessível e relevante Assim a coerência é o resultado de processos cognitivos operantes entre os usuários e não mero traço dos textos Assim coesão e coerência constituem fenômenos distintos pelo fato de Poder haver um sequenciamento coesivo de fatos isolados que não tem condição de formar um texto a coesão não é suficiente nem necessária para formar um texto Um exemplo da fala de uma criança 5 O pai da Maria trabalha num supermercado O supermercado que minha mãe vai é longe 34 Eu gosto de ir ao supermercado porque minha mãe me deixa empurrar o carrinho Nesse caso não temos um texto apesar de haver uma coesão relativamente forte no encadeamento das sentenças mas as relações de sentido não unificam essa sequência Outro fator que implica distinção entre coesão e coerência é o de Poder haver textos destituídos de coesão mas cuja coerência se dá ao nível da coerência 6 Mariana é artista de circo Alice é uma das dez dançarinas brasileiras que fazem parte do Bolshoi João é violinista Todos os filhos de Madalena são artistas Isso nos permite chegar a algumas conclusões 1 A retomada de elementos não é o único meio de se constituírem relações interfrásticas não é condição necessária para a coerência 2 A coerência não deve ser buscada unicamente na sucessão linear dos enunciados mas sim numa ordenação hierárquica No exemplo dado o último enunciado de ordem superior garante a textualidade 3 A coerência não é independente do contexto pragmático no qual o texto está inserido isto é não é independente de fatores tais como escritorlocutor leitoralocutário lugar e tempo do discurso ou como diz Marcuschi o texto deve ser visto como uma sequência de atos de linguagem e não como uma sequência de frases de algum modo coesa 224 Situacionalidade A situacionalidade segundo Koch 2006 pode ser considerada em duas direções da situação para o texto e do texto para a situação Na direção da situação para o texto a situacionalidade referese ao conjunto de fatores que tornam um texto relevante para uma situação comunicativa em curso Nesse caso buscase determinar em que medida a situação comunicativa tanto o contexto imediato de situação como o entorno 35 sóciopolíticocultural em que a interação está inserida interfere na produçãorecepção do texto É essa situação comunicativa que determina escolhas em termos de grau de formalidade regras de polidez variedade linguística a ser empregado tratamento a ser dado ao tema além de outros da mesma ordem No sentido do texto para a situação percebese que o texto tem reflexos importantes sobre a situação Ao construir um texto o produtor reconstrói o mundo de acordo com suas experiências seus objetivos propósitos convicções crenças O interlocutor por sua vez interpreta o texto tendo como parâmetro seus propósitos convicções e perspectivas O texto estabelece portanto uma mediação entre o mundo real e o mundo reconstruído no texto 225 Informatividade A informatividade se refere à distribuição da informação no texto e também ao grau de previsibilidade redundância com que a informação nele contido é veiculada Quanto à distribuição da informação é preciso que haja um equilíbrio entre informação dada e informação nova Um texto em japonês para um falante de português por exemplo tem grau de informatividade de 100 e por isso se torna incompreensível Nesse caso faltam âncoras necessárias para o processamento a leitura é cognitivamente impossível A organização ideal do texto se faz pela combinação de dois movimentos um de retroação por meio do qual se retoma a informação anteriormente introduzida e um de progressão que se ancora na informação dada retroação para introduzir a informação nova Quanto ao grau de previsibilidade da informação temse que um texto será menos informativo o quanto for previsível a informação que traz Há assim graus de informatividade um texto em que a informação seja toda apresentada de forma previsível terá baixo grau de informatividade se a informação é introduzida de forma menos esperada haverá grau médio de informatividade e se toda a informação for apresentada de maneira 36 imprevisível o texto terá um grau máximo de informatividade e exigirá um grande esforço de processamento podendo parecer pouco coerente 226 Intertextualidade A intertextualidade corresponde às diversas maneiras pelas quais a produçãorecepção de um dado texto depende do conhecimento de outros textos por parte dos interlocutores Nesse sentido a intertextualidade diz dos diversos tipos de relações que um texto tem com outros textos A intertextualidade será implicada quando no próprio texto é feita a menção à fonte do intertexto texto inserido em outro texto como acontece nas citações menções resumos resenhas e traduções A intertextualidade pode também ser utilizada para ridicularizar ou argumentar em sentido contrário Nesse caso é comum se introduzir no texto intertexto alheio sem qualquer menção de fonte Exemplos desse tipo de uso são muito comuns em paródias eou ironias Nesse tipo de intertextualidade implícita a percepção do intertexto tornase crucial para a construção do sentido Vejase como exemplo de intertextualidade o seguinte texto de Chico Buarque Bom Conselho Ouça um bom conselho Que eu lhe dou de graça Inútil dormir que a dor não passa Espere sentado Ou você se cansa Está provado quem espera nunca alcança Venha meu amigo deixa esse regaço Brinque com meu fogo venha se queimar Faça como eu digo Faça como eu faço Aja duas vezes antes de pensar 37 Corre atrás do vento vim não sei de onde Devagar é que não se vai ao longe Eu semeio o vento na minha cidade Vou pra rua e bebo a tempestade Nesse texto Chico Buarque faz uma reinterpretação de provérbios populares como quem espera sempre alcança ou devagar se vai ao longe com a intenção provavelmente de criticar a aplicabilidade desses ditos populares 227 Intencionalidade A intencionalidade compreende os diversos modos como os sujeitos usam textos para prosseguir e realizar suas intenções comunicativas mobilizando para tanto os recursos adequados à concretização dos objetivos De forma mais precisa a intencionalidade referese à intenção do locutor de produzir uma manifestação linguística coesa e coerente ainda que essa intenção não se realize integralmente 228 Aceitabilidade A aceitabilidade é a contraparte da intencionalidade Referese à concordância do parceiro em participar de um jogo de atuação comunicativa e agir de acordo com suas regras fazendo o possível para leválo a um bom termo visto que a comunicação humana é regida pelo Princípio da Cooperação Em sentido restrito referese à atitude dos interlocutores de aceitarem a manifestação linguística do parceiro como um texto coeso e coerente que tenha para eles alguma relevância 38 23 Formas de progressão textual As formas de progressão textual constituem uma das questões que têm permeado as reflexões dos linguistas de texto desde os primeiros momentos A progressão textual pode realizarse por meio de atividades construtivas de formulação em que o locutor optar por introduzir no texto recorrências de variados tipos reiteração de itens lexicais paralelismos paráfrases recorrência de elementos fonológicos de tempos verbais etc A reiteração traz ao enunciado um acréscimo de sentido que ele não teria se fosse usado somente uma vez já que cada um deles traz novos sentido que se acrescentam às do termo anterior Veja 7 Ela olhava ansiosa pela janela Mas chovia chovia chovia Já o paralelismo se dá com a utilização das mesmas estruturas sintáticas preenchidas por itens lexicais diferentes 8 Se era dia ela dormia Se era noite ela acordava Já a paráfrase é inversa ao paralelismo ou seja na paráfrase um mesmo conteúdo semântico é apresentado sob formas estruturais diferentes A cada alteração na apresentação do conteúdo leva na maioria das vezes a ajustamentos reformulações desenvolvimentos síntese ou precisão maior do primeiro sentido No português há uma gama de expressões introdutoras de paráfrase isto é ou seja quer dizer ou melhor em outras palavras em resumo etc 9 Quando afirmamos algo em desacordo com a realidade isto é quando mentimos No caso da recorrência de recursos fonológicos há uma invariante fonológica como igualdade de metro ritmo rima assonâncias aliterações etc 10 Sou bravo Sou forte Sou filho do norte Meu canto é de morte A recorrência de um mesmo tempo verbal enquanto uma forma de garantir a progressão textual traz indicações ao ouvinteleitor sobre se a sequência deve ser interpretada como comentário ou como relato se a 39 perspectiva é retrospectiva ou prospectiva se trata de um primeiro ou segundo plano no relato No exemplo abaixo o primeiro parágrafo estabelece o segundo plano da narrativa verbos no pretérito imperfeito do indicativo e no segundo parágrafo o uso do pretérito perfeito assinala a mudança para o primeiro plano 11 O luar iluminava a paisagem fantástica Ouviase o coaxar dos sapos e o trilar dos grilos O ar embalsamado e o cintilar das estrelas convidavam ao romance De súbito vindo não se sabe de onde um grito cortou a magia da noite Os elementos de recorrência têm sobre o texto o efeito de intensificação o que acaba por tornar a mensagem mais forte na memória do ouvinteleitor Esse é um recurso muito comum em textos de apelo publicitário Além dos elementos que indicamos até aqui como formuladores da progressão textual há outros elementos que são também capazes de garantir a continuidade de sentido do texto Alguns desses recursos são uso de termos pertencentes a um mesmo campo lexical encadeamento de enunciados que pode ser por justaposição com ou sem articuladores explícitos ou por conexão com a presença de conectores progressão temática que se realiza de diversas maneiras progressão com tema constante progressão linear progressão com tema derivado progressão por substituição progressão com salto temático progressão tópica Após o fechamento de uma sequência tópica temse continuidade quando ocorre a manutenção do tópico em andamento 24 Gêneros Textuais Podemos entender os gêneros textuais como produtos da atividade de linguagem em funcionamento permanente nas formações sociais em função de seus objetivos interesses e questões específicas Essas formações elaboram diferentes espécies de textos que apresentam características relativamente estáveis justificandose que sejam chamadas de gêneros de 40 texto e que ficam disponíveis no intertexto como modelos indexados para os contemporâneos e para as gerações posteriores Inferimos que os textos são produtos culturais e em função disso as produções textuais são representações da articulação de situações de ação com motivos e intenções socialmente construídos e essas representações por sua vez manifestam regularidades configuradas nos gêneros de textos vigentes nessa cultura Em suma todo texto pertence a um gênero em função da situação de ação de que se origina e de que dialeticamente é uma resposta Segundo Marcuschi 2002 a conceituação de gênero é de natureza sócio comunicativa baseada em parâmetros pragmáticos visto que sua sedimentação se dá através de práticas sociais desenvolvidas e testadas para atingir propósitos comunicativos Esses propósitos contemplam a concepção de que a utilização da língua efetuase em forma de enunciados orais e escritos concretos e únicos que emanam dos integrantes de uma ou de outra esfera da atividade humana O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma destas esferas não só pelo conteúdo temático e por seu estilo verbal ou seja pela seleção operada nos recursos da língua recursos lexicais fraseológicos e gramaticais mas também e sobretudo por sua construção composicional Fazse necessário que os diversos contextos sociais sirvam de múltiplos gêneros textuais para responder aos anseios de determinados grupos sociais Para Bronckart 1999 a espécie humana caracterizase pela diversidade e pela complexidade de suas formas de organização e de suas formas de atividades Essas peculiaridades fazem com que se considerem as ações humanas em suas dimensões sociais e discursivas Decorrente dessa colocação justificase o estatuto da linguagem humana como uma esfera de produções interativas associadas às atividades sociais resultantes do meio em que as atividades se desenvolvem Nessa abordagem assim como a atividade social pode ser enfocada sob o ângulo psicológico da ação a atividade linguística também pode ser vista como ação de linguagem Essa 41 manifestação condicionada a um emissor concreto se materializa através de gêneros textuais Sendo as esferas de utilização da língua extremamente heterogêneas também os gêneros apresentam grande heterogeneidade compreendendo desde o diálogo cotidiano até a tese científica Por esse motivo Bakhtin distingue gêneros primários de gêneros secundários Os gêneros primários são aqueles constituídos em situações de comunicação ligadas a esferas sociais cotidianas de relação humana diálogo email etc já os secundários estão ligados a esferas públicas e mais complexas muitas vezes mediadas pela escrita É importante ressaltar que a concepção de gênero subjacente a essa ideia é a de que o gênero não é estático Como qualquer outro produto social o gênero está sujeito a mudanças decorrentes não só de transformações sociais como também devido ao surgimento de novos procedimentos de organização e acabamento da arquitetura verbal em função de novas práticas sociais que os determinam Um exemplo do caráter dinâmico do gênero é o currículo vitae há alguns anos um currículo poderia ter inúmeras páginas quanto maior fosse o currículo mas eficiente deveria ser o candidato Nos dias de hoje um currículo deve ser curto de poucas páginas um candidato a um emprego tem que além de ter boas atividades profissionais saber selecionar as informações mais relevantes de sua carreira de forma a não transformar seu currículo num conjunto maciço de informações desnecessárias e pouco relevantes É ainda importante que se estabeleça a diferença entre gênero e tipo de texto A noção de tipo de texto está relacionada não apenas ao texto mas à estruturação conteúdo e estilo das diversas classes de textos Como tipos de textos temos o narrativo o descritivo o expositivo o injuntivo e o argumentativo Dessa forma podese inferir que o tipo de texto está relacionado ao evento no interior do qual a atividade verbal está situada os quais possuem estrutura e conduzemse em conformidade com um estilo 42 25 Linguística Textual e contexto A Linguística Textual parte do pressuposto de que todo fazer ação é necessariamente acompanhado de processos de ordem cognitivo de modo que o agente dispõe de modelos e tipos de operações mentais No caso do texto consideramse os processos mentais de que resulta o texto De acordo com Koch 2006 nessa abordagem os parceiros da comunicação possuem saberes acumulados quanto aos diversos tipos de atividades da vida social têm conhecimentos na memória que necessitam ser ativados para que a atividade seja coroada de sucesso Essas atividades geram expectativas de que resulta um projeto nas atividades de compreensão e produção do texto A partir da noção de que o texto constitui um processo frequentemente se definem quatro grandes sistemas de conhecimento responsáveis pelo processamento textual Conhecimento linguístico corresponde ao conhecimento do léxico e da gramática responsável pela escolha dos termos e a organização do material linguístico na superfície textual inclusive dos elementos coesivos Conhecimento enciclopédico ou de mundo compreende as informações armazenadas na memória de cada indivíduo O conhecimento do mundo compreende o conhecimento declarativo manifestado por enunciações acerca dos fatos do mundo O Iguatemi é o maior shopping da América Latina e o conhecimento episódico e intuitivo adquirido através da experiência Não dá para encostar o dedo no ferro em brasa Ambas as formas de conhecimento são estruturadas em modelos cognitivos Isso significa que os conceitos são organizados em blocos e formam uma rede de relações de modo que um dado conceito sempre evoca uma série de entidades É o caso de novela ao qual se associam atores televisão figurino enredo cenário etc Aliás graças a essa estruturação o conhecimento enciclopédico transformase em conhecimento procedimental que fornece instruções para agir em situações particulares e agir em situações específicas 43 Conhecimento interacional relacionase com a dimensão interpessoal da linguagem ou seja com a realização de certas ações por meio da linguagem Divide se em Conhecimento ilocucional referentes aos meios diretos e indiretos utilizados para atingir um dado objetivo Conhecimento comunicacional ligado ao anterior relacionase com os meios adequados para atingir os objetivos desejados Conhecimento metacomunicativo referese aos meios empregados para prevenir e evitar distúrbios na comunicação procedimentos de atenuação paráfrases parênteses de esclarecimento entre outros Conhecimento acerca de superestruturas ou modelos textuais globais permite aos usuários reconhecer um texto como pertencente a determinado gênero ou tipo internas do texto como do conhecimento dos usuários pois é esse conhecimento que define as estratégias a serem utilizadas na produçãorecepção do texto Todo e qualquer processo de produção de textos caracterizase como um processo ativo e contínuo do sentido e ligase a toda uma rede de unidades e elementos suplementares ativados necessariamente em relação a um dado contexto sócio cultural Dessa forma podese admitir que a construção do sentido só ocorre num dado contexto É o contexto cria efeitos que permitem a interação entre informações velhas e novas de modo que entre ambas se cria uma implicação Essa implicação só é possível porque existe uma continuidade entre texto e contexto O sentido de um texto e a rede conceitual que a ele carrega emergem em diversas atividades nas quais os indivíduos se engajam Essas atividades são sempre situadas e as operações de construção do sentido resultam de várias ações praticadas pelos indivíduos e não ocorrem apenas na cabeça deles Essas ações são conjuntas e coordenadas o escritor falante tem consciência de que se dirige a alguém num contexto determinado assim como o ouvinteleitor só pode compreender o texto se o inserir num dado contexto O sentido de um texto é construído na interação entre o texto e os sujeitos e não como algo prévio a essa interação A coerência por sua vez 44 deixa de ser vista como mera propriedade ou qualidade do texto e passa a ser vista ao modo como o leitorouvinte a partir dos elementos presentes na superfície textual interage com o texto e o reconstrói como uma configuração veiculadora de sentidos Essa nova visão acerca de texto contexto e interação resulta inicialmente de uma contribuição relevante proporcionada pelos estudiosos das ciências cognitivas a ausência de barreiras entre exterioridade e interioridade entre fenômenos mentais e fenômenos físicos e sociais De acordo com essa nova perspectiva há uma continuidade entre cognição e cultura pois esta é apreendida socialmente mas armazenada individualmente Ressaltase também a evolução da noção de contexto Para a análise transfrástica o contexto era apenas o contexto segmentos textuais precedentes e subsequentes a um dado enunciado Já para a gramática de texto contexto é a situação de enunciação conceito que foi ampliado para abranger na Linguística Textual o entorno sócio cultural e histórico comum aos membros de uma sociedade e armazenado individualmente em forma de modelos cognitivos Atualmente o contexto é representado pelo espaço comum que os sujeitos constroem na própria interação 45 3 ÚLTIMAS PALAVRAS Vimos durante nosso estudo sobre os estudos de Semântica e Linguística Textual que esses dois campos do conhecimento estão relacionados uma vez que a última trata da construção do sentido no texto e a primeira estuda especificamente questões relativas ao sentido A Semântica assim como o significado não é uma noção única pelo contrário essa ciência se subdivide em várias cada uma elegendo uma definição de significado que acaba por representar uma relação particular entre a linguagem e o mundo Para o estruturalismo o significado é uma unidade de diferença e não tem nada a ver com o mundo Para a Semântica Formal o significado é um termo complexo que se compõe de duas partes o sentido e a referência o sentido de um nome é o modo de apresentação do objetoreferência Já a Semântica da Enunciação vê o significado como o resultado do jogo argumentativo criado na linguagem e por ela E para a Semântica Cognitiva os conceitos são adquiridos por meio de nossas manipulações sensóriomotoras com o mundo A Linguística Textual parte do pressuposto de que todo fazer ação é necessariamente acompanhado de processos de ordem cognitiva de modo que o agente dispõe de modelos e tipos de operações mentais No caso do texto consideramse os processos mentais de que resulta o texto Para essa ciência o texto surge da relação necessária entre um locutor e um interlocutor Nesse processo de construção de sentido que constitui a formação do texto muitos elementos coerência coesão situacionalidade intertextualidade são utilizados com o fim de criar pistas para que o interlocutor chegue ao sentido esperado ou desejado pelo locutor Essas atividades acabam por gerar expectativas de que resulta um projeto nas atividades de compreensão e produção do texto 46 ENCERRAMENTO Parabéns por ter concluído os estudos desta matéria da sua especialização A Editora Famart e seus parceiros a conteudistas prepararam esta apostila baseandose em temas e discussões relativas à esta disciplina Reunimos conteúdos de autores e pesquisadores que são referência na temática apresentada concebendo um compilado desta abordagem de forma didática visando melhor aproveitamento no seu processo de conhecimento e aprendizagem Na presente apostila foram utilizados materiais que estão devidamente referenciados ao final em conjunto com as demais referências de todas as citações viabilizando desta forma a identificação e eventual consulta às fontes Busque materiais auxiliares de estudo para que possam agregar ainda mais no seu conhecimento Dúvidas elogios questionamentos ou orientações quanto ao conteúdo estudado disponibilizamos para esta finalidade a opção de abertura de requerimento através de sua área de estudo Nossos tutores estarão disponíveis para te atender 47 REFERÊNCIAS BENVENISTE E Problemas de Linguística Geral São Paulo Ed Nacional 1976 FIORIN L SAVIOLI P Lições de texto leitura e redação SãoPaulo Ática 1996 GUIMARÃES E A articulação do texto São Paulo Scipione 1990 ILARI R GERALDI J W Semântica São Paulo Ática1999 KOCH Ingedore G Villaça Texto e Coerência São Paulo Cortez 1989 KOCH Ingedore Grunfeld Villaça Introdução à linguística textual São Paulo Martins Fontes 2006 MARCUSCHI L A linguística de texto o que é como se faz Recife Editora da UFPE 1983
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SEMÂNTICA LINGUÍSTICA TEXTUAL SEMÂNTICA LINGUÍSTICA TEXTUAL DÚVIDAS E ORIENTAÇÕES editorafamartfamartedubr TUTORIA ONLINE Segunda a Sexta de 0930 às 1730 Acesse a aba Tutoria EaD em seu portal do aluno SUMÁRIO 1 PREFÁCIO 3 11 A semântica formal 6 12 A Semântica da Enunciação 12 13 A Semântica Cognitiva 15 14 Algumas considerações 21 2 LINGUÍSTICA TEXTUAL 23 21 Conceito de texto 27 22 A construção textual do sentido 29 23 Formas de progressão textual 38 24 Gêneros Textuais 39 25 Linguística Textual e contexto 42 3 ÚLTIMAS PALAVRAS 45 ENCERRAMENTO 46 REFERÊNCIAS 47 3 1 PREFÁCIO A Semântica e a Linguística Textual são dois campos de estudo da linguística que se aproximam em muitos ângulos A Semântica é a ciência do sentido e a Linguística Textual é o ramo da Linguística que trata da construção do sentido no texto Desse modo por isso a possibilidade de se apresentar em um mesmo material de estudo esses dois campos do conhecimento Com relação à Semântica podemos dizer que a preocupação com o sentido das palavras e sua relação com o mundo datam da antiguidade Os filósofos gregos já manifestavam certa curiosidade com relação à motivação do sentido das palavras e travavam longas discussões nas quais alguns defendiam que a relação entre a palavra e seu significado não era arbitrária que tinha razão de serem outros acreditavam que o sentido dado a uma sequência sonora que configurava uma determinada palavra era convencional e arbitrária portanto A Linguística Textual por outro lado é uma ciência bastante nova tendo seus desenvolvimentos iniciais já na segunda metade da década de 60 e primeira metade dos anos 70 Durante seus primeiros anos essa ciência ocupava um lugar marginal nos estudos linguísticos que nessa época estavam voltados para a configuração geral da linguagem A preocupação com a questão do texto recebeu um maior destaque somente nos 80 e ainda nessa época apareceram estudiosos interessados no processamento cognitivo do texto o que arranjou o cenário para o surgimento de uma tendência que dominaria a década de 90 o sócio cognitivismo O que se verifica ao estudar a história desses dois campos do conhecimento linguístico é que desde o seu aparecimento até a sua consolidação a Semântica e a Linguística Textual percorreram um longo caminho e nesse percurso acabaram por ampliar e modificar a forma com a qual os fenômenos linguísticos eram tratados Sua contribuição para o desenvolvimento do conhecimento linguístico foi tão importante que fez com que elas se estabelecessem definitivamente no cenário dos estudos da linguagem 4 Podese dizer que a Semântica é a ciência do significado No entanto para se definir o objeto de estudos da semântica é preciso antes definir o conceito de significado Uma tarefa frequentemente complicada uma vez que o termo se aplica a várias e variadas situações de fala se questionamos qual o significado de mesa queremos saber o significado de um termo por outro lado se a pergunta é Qual o significado de sua atitude nossa questão perpassa pela intenção não linguística do nosso interlocutor questionamosnos ainda sobre o significado de um filme sobre o significado da vida ou sobre o significado de uma pichação na parede Enfim há uma ampla gama de aplicação do termo significado em sentidos tão dispersos que se torna praticamente impossível abarcar todas essas situações sem que isso comprometa a validade de uma teoria científica sobre o significado Uma outra dificuldade relacionada à formulação de uma ciência do significado está no fato de o tratamento da significação extrapolar as fronteiras da linguística indo se ancorar em questões relativas ao conhecimento Na tentativa de responder de que forma atribuímos significado a uma sequência de sons chegase a um ponto fundamental que é a necessidade de se adotar um ponto de vista sobre a aquisição de conhecimento É justamente nesse campo muitas vezes espinhoso que os semanticistas se debruçam na busca de uma resposta que esclareça a relação entre linguagem e mundo ou sobre como é possível o conhecimento Se como anteriormente afirmado há várias formas de se conceber o significado há também várias semânticas cada uma elegendo a sua noção particular de significado Cada uma dessas semânticas responde diferentemente à questão da relação entre linguagem e mundo O estruturalismo de Ferdinand de Saussure por exemplo definia o significado como uma unidade de diferença o significado se dá numa estrutura de diferenças com relação a outros significados a cadeira se define por não ser sofá nem mesa nem banco Assim para esse ponto de vista o significado não tem nada a ver com o mundo cadeira não é o nome de um objeto no mundo mas a estrutura de diferença com sofá mesa banco 5 Ao estabelecer sua teoria Saussure logo encontraria diversos seguidores que fariam ecoar suas tendências no seio da sociedade científica sofrendo um confronto por volta da década de 1930 com o surgimento das tendências da Sintaxe Estrutural de Martinet na Escola de Paris Nesse período surgem então grandes nomes e movimentos de estruturalistas da linguagem dando suas contribuições para um melhor entendimento da linguística no período saussuriano Por volta de 1914 na Escola de Genebra encontramos Bally e aproximadamente em 1923 na Escola de Moscou temos como exemplo Propp um estruturalista russo cujos estudos deram ênfase nos textos literários Bally teve um papel de destaque nos estudos semânticos ao propor conhecimentos voltados à estilística Bally a definiria como estudo dos elementos afetivos da linguagem situada na sincronia e integrada no problema da distinção entre a língua e a fala Bally e seus seguidores procuraram classificar o valor estilístico dos meios de expressão e determinar as razões da escolha a empregar esta ou aquela opção E assim muitos nomes com preocupações semelhantes no campo linguístico assumem seus papéis de destaque nos estudos que norteariam a consolidação da história da Semântica Geral Já para a Semântica Formal o significado é um termo complexo que se compõe de duas partes o sentido e a referência o sentido de um nome é o modo de apresentação do objetoreferência Assim nessa perspectiva a relação da linguagem com o mundo é fundamental Outra perspectiva herdeira do estruturalismo a chamada Semântica da Enunciação vê o significado como o resultado do jogo argumentativo criado na linguagem e por ela A principal diferença com relação ao estruturalismo é que na Semântica da Enunciação a palavra cadeira por exemplo significa as diversas possibilidades de encadeamentos argumentativos das quais a palavra pode participar Seu significado é o somatório das suas contribuições em inúmeros fragmentos do discurso Já para a Semântica Cognitiva cadeira é a superfície linguística de um conceito adquirido por meio de nossas manipulações sensório motoras com o mundo É tocando objetos que são cadeiras que formamos o conceito prélinguístico cadeira que aparece nas 6 práticas linguísticas como cadeira Esse conceito teria uma estrutura prototípica ou seja se definiria por um conjunto de traços partilhados por todos os membros do conjunto um objeto de quatro pernas por exemplo Como se vê a semântica é tratada dentro de mais de uma corrente teórica sendo a Semântica Formal a Semântica da Enunciação e a Semântica Cognitiva as três vertentes que compõem o atual quadro dos estudos do significado no Brasil Assim buscaremos nas próximas seções apresentar uma descrição de cada uma dessas perspectivas 11 A semântica formal A Semântica Formal foi um dos primeiros referenciais teóricos e partiu da consideração de que as sentenças se estruturam logicamente As bases para esta forma de tratamento do significado estão nas relações lógicas desenvolvidas por Aristóteles Aristóteles desenvolve um tipo de raciocínio dedutivo em que se evidencia a existência de relações de significado que se dão independentemente do conteúdo das expressões Esse raciocínio conhecido como silogismo consistia no seguinte processo se formos capazes de garantir a validade de duas premissas poderíamos concluir a terceira Um exemplo clássico de silogismo pode ser assim descrito Premissa 1 Todo homem é mortal Premissa 2 Platão é um homem Premissa 3 Logo Platão é mortal A relação lógica ou formal expressa no exemplo acima está inserida na verdade numa relação de conjuntos O conjunto dos homens está contido no conjunto dos mortais se Platão é um componente do conjunto dos homens então ele é necessariamente um componente do conjunto dos mortais Assim estabelece se relações entre termos homemmortal sem que se atente para o 7 seu significado o que implica que independente das expressões que compõem as relações o raciocínio será sempre válido A Semântica Formal tal como é concebida hoje deve muito a um matemático e lógico alemão chamado Gottlob Frege 18481925 As maiores contribuições de Frege à semântica foram o estabelecimento da distinção entre sentido e referência e do conceito de quantificador De acordo com esse autor o estudo científico do significado só é possível se diferenciarmos os seus diversos aspectos para reter apenas aqueles que são objetivos É com esse raciocínio que ele exclui da semântica o estudo das representações individuais que uma dada palavra pode provocar Quando ouço a palavra árvore por exemplo é formada uma ideia de árvore que é apenas minha pois tem a ver com minha experiência subjetiva no mundo minha árvore pode ser uma jabuticabeira como a de outra pessoa pode ser a de um ipê ou simplesmente a de uma árvore seca Essas representações individuais não passíveis de inspeção portanto são transferidas à psicologia assim a Semântica acaba por restringir seus estudos aos aspectos objetivos do significado O sentido de um nome próprio como rainha dos baixinhos é o que nos possibilita chegar a certo objeto no mundo de conhecimento público a Xuxa a referência Dessa forma temse que o sentido é o que nos permite chegar a uma referência no mundo É a partir dessa distinção apresentada por Frege que podemos explicar a diferença entre 1 A rainha dos baixinhos é a rainha dos baixinhos 2 A rainha dos baixinhos é a estrela da Globo Enquanto a sentença expressa em 2 é uma verdade óbvia que independe dos fatos no mundo a sentença 3 apresenta uma relação de igualdade que necessita ser verificada no mundo Assim se pudermos de fato estabelecer que rainha dos baixinhos é o mesmo objeto que estrela da Globo aprendemos então uma verdade sobre o mundo que podemos nos referir à Xuxa de pelo menos duas maneiras diferentes A sentença 3 expressa uma verdade sintética isto é uma verdade que só pode ser apreendida pela inspeção de fatos no mundo por isso diferentemente da 8 verdade expressa em 2 cujo grau de informatividade é zero ela pode nos proporcionar um ganho real de conhecimento É somente com a distinção entre sentido e referência que somos capazes de explicar a diferença entre as sentenças 2 e 3 pois embora ambas tenham a mesma referência elas expressam pensamentos diferentes Se o sentido é o caminho que nos permite chegar à referência quando descobrimos que dois caminhos levam à mesma referência aprendemos algo sobre esse objeto adquirimos conhecimento sobre o mundo Quando tomamos consciência da igualdade descobrimos dois sentidos para alcançar a mesma referência Uma mesma referência pode pois ser recuperada por meio de vários caminhos Considere por exemplo a cidade do Rio de Janeiro Podemos nos referir a ela por meio de diferentes sentidos a cidade do Rio de Janeiro a cidade maravilhosa Rio de Janeiro a capital do Estado do Rio de Janeiro Frege ao apresentar a sua proposta sobre a distinção entre sentido e referência recorre a uma analogia que consistia num telescópio apontando para a lua A lua é a referência uma vez que sua existência e propriedades independem daquele que a observa no entanto ela pode ser olhada a partir de diferentes perspectivas e a cada ângulo de observação podese compreender algo novo sobre ela A imagem da lua alcançada pelas lentes do telescópio é comum a qualquer pessoa é a essa imagem compartilhada que é chamada de sentido Se por outro lado mudamos o telescópio de posição vemos uma face diferente da mesma lua alcançamos o mesmo objeto a partir de outro sentido É o sentido o que nos permite chegar a um objeto no mundo uma referência mas é esse objeto no mundo que nos permite estabelecer um juízo de valor ou seja avaliar se o que dizemos é verdadeiro ou falso Assim o que torna uma dada premissa verdadeira não está na linguagem mas nos fatos do mundo Para Frege um nome próprio deve ter sentido e referência Rio de Janeiro e a capital do Estado do Rio de Janeiro são dois nomes próprios porque têm sentido e nos permite falar sobre um objeto no mundo a cidade do Rio de Janeiro Os nomes próprios são saturados porque expressam um 9 pensamento completo e podemos a partir deles identificar uma referência No entanto há expressões que são incompletas e que portanto não nos permite chegar a uma referência Esse é o caso da expressão ser capital de Esse termo por não expressar um pensamento completo não serve para alcançarmos uma referência Veja os exemplos abaixo 3 Belo Horizonte é a capital de Minas Gerais 4 Florianópolis é a capital de Santa Catarina Essas duas sentenças são nomes próprios porque expressam um pensamento completo e têm referência Já o termo a capital de que se repete nas duas sentenças é uma expressão insaturada Para expressar um pensamento completo a oração deve ser preenchida tanto no espaço que a antecede quanto no que a sucede Esses lugares vazios são chamados argumentos e a expressão insaturada chamase predicado Nesse caso especificamente temse um predicado de dois lugares porque há dois lugares a serem preenchidos por argumentos argumento 1 é a capital de argumento 2 Esse contraste entre funções incompletas que precisam ser preenchidas por argumentos e funções completas dizem respeito à capacidade de referenciação Isso quer dizer que uma oração insaturada precisa ser completada por argumentos para ser um nome próprio e portanto ter como referência um valor de verdade O predicado pode ser preenchido por um nome próprio como ocorre nos exemplos apresentados como pode também ser preenchida por outro tipo de argumento a expressão quantificada ou quantificadora Uma oração quantificada é aquele que apresenta uma expressão quantificada que indica certo número de elementos é o caso de 5 Todos os homens são mortais 6 Há uma garrafa dentro da geladeira As palavras grifadas exercem um papel de quantificação isto é traçam limites à aplicação das propriedades expressas pelas demais palavras Um quantificador age sobre a informação aplicada a um predicado Assim em 6 a sentença seria interpretada como uma informação de que a propriedade se é homem é mortal tem uma aplicação universal ou seja 10 o predicado ser mortal se aplica a todos os elementos que compõem o predicado ser homem Por sua vez a sentença 7 seria interpretada como significando que há exatamente um objeto que realiza a propriedade de ser garrafa e estar dentro da geladeira A interação dos quantificadores entre si com a negação e com o plural dá origem a ambiguidades de um tipo particular conhecidas como ambiguidades de escopo Considere a sentença O João não convidou só a Maria Essa sentença possui duas interpretações possíveis 1 o João só não convidou a Maria ou 2 o João não só convidou a Maria mas também outras pessoas A diferença entre as duas interpretações ocorre devido a combinação dos operadores não e só ou o não tem escopo sobre o só gerando não só ou o só é que tem escopo sobre o não produzindo só não Um outro elemento importante com relação ao papel dos nomes próprios diz respeito às descrições definidas e indefinidas As descrições são sintagmas nominais que têm por núcleo um substantivo comum Da mesma forma que os nomes próprios as descrições servem para constituir os objetos do mundo em referentes Muitos objetos não têm nome próprio aí frequentemente optamos por utilizar as descrições Também quando o objeto possui um nome próprio podemos optar por usar as descrições já que essas têm a vantagem de apontar características relevantes dos próprios objetos A maneira mais comum de se fazer referência a algum objeto consiste justamente em se usar uma descrição indefinida na primeira referência e descrições definidas ou pronomes anafóricos nas referências seguintes Veja o exemplo 7 Era uma vez um rei1 que tinha uma bela filha2 Certo dia o rei 1 chamou a filha 2 e falou Uma descrição se compõe como pode se observar nos exemplos de um artigo definido ou indefinido e um substantivo comum As descrições definidas são aquelas que se iniciam por artigo definido enquanto que as descrições indefinidas são aquelas que começam com o artigo indefinido O artigo definido carrega uma marca de dêixis o que significa dizer que ele remete à situação em que a sentença é proferida 11 Outra relação de sentido da qual tratou Frege diz respeito à pressuposição Observe as orações abaixo 8 Pedro parou de bater na mulher 9 Pedro batia na mulher no passado 10 Pedro não bate na mulher atualmente As orações 10 e 11 apresentam separadamente duas informações que aparecem juntas na oração 9 e representam uma situação que ocorreu no passado Pedro batia na mulher e outra situação que ocorre no presente Pedro não bate na mulher Esses desdobramentos de interpretação da oração 9 são possíveis devido à presença do verbo parar de que acompanhado do verbo bater indica que num dado momento do passado Pedro batia na mulher e que no momento atual isso não ocorre Para Frege essa pressuposição de existência faz parte das condições de verdade da sentença mas não do seu sentido Isso quer dizer que uma sentença como em 9 expressa um pensamento completo mas para atribuirmos a ela um valor de verdade pressupomos a existência de uma entidade da qual pressupomos algo Essa pressuposição existencial não é semântica e como forma de defender essa ideia Frege levanta que se a pressuposição fosse semântica a negação da sentença seria ambígua Então uma sentença como Pedro não parou de bater na mulher significaria caso a pressuposição fosse semântica que ou não existe um Pedro ou o Pedro não parou de bater na mulher No entanto a negação não tem escopo sobre o sujeito isto é não negamos a existência de alguém que é o Pedro mas negamos a afirmação de que ele parou de bater na mulher Ou seja a pressuposição de que existe alguém que se chama Pedro se mantém inalterada na negação o que evidencia que essa não se confunde com o conteúdo da sentença Pensando no entanto na possibilidade da não existência de um sujeito Pedro no exemplo acima Frege apresenta a seguinte solução sentenças que se referem a seres ou coisas que não têm existência real ou seja 12 sentenças cuja pressuposição de existência é falsa têm sentido mas não têm referência Dessa forma elas não são nem verdadeiras e nem falsas Outro estudioso conhecido como Bertrand Russell propôs uma outra solução a partir da consideração do artigo definido o enquanto quantificador Partindo da afirmação de que os quantificadores podem se combinar ao se considerar que o artigo definido é um quantificador podese inferir que o operador não incide sobre a proposição ou sobre parte da proposição alterando lhe o valor de verdade estabelecendose então relações de escopo A noção de escopo ajudanos a compreender a negação como uma operação significativa que não afeta necessariamente todos os conteúdos da oração em que ocorre Apesar das diferentes formas de se abordar o fenômeno a Semântica Formal considera que há pressuposição quando tanto o valor de verdade quanto a falsidade da sentença dependem da verdade da sentença pressuposta O estabelecimento do conceito de pressuposição foi marcante principalmente no que tange os estudos do significado o que levou na década de 70 a uma ampla gama de estudos sobre o tema E posteriormente ao surgimento de outro modelo a Semântica da Enunciação 12 A Semântica da Enunciação Segundo Ducrot um dos maiores estudiosos da Semântica da Enunciação a forma de tratamento da linguagem pela Semântica Formal é inadequada porque se baseia num modelo informacional em que o conceito de verdade é externo à linguagem Na Semântica Formal a linguagem é um meio para chegarmos a uma verdade que está fora da linguagem o que nos permitiria tratar de questões relativas ao mundo e com isso adquirir um conhecimento sobre ele Ducrot não acredita que o conceito de referência em Frege esteja realmente cercado de realismo Para ele é o nosso conhecimento de lua que depende do sentido Fazendo uso da metáfora do telescópio de Frege Ducrot apresenta sua crítica dizendo que quando vemos a mesma lua a 13 partir de pontos de vista diferentes não vemos luas diferentes Embora sutil essa diferença seja necessária para a distinção entre semânticas objetivas que postulam uma ordem no mundo que dá conteúdo à linguagem e as semânticas relativistas que acreditam que não há uma ordem no mundo que seja dada independentemente da linguagem e da história A Semântica da Enunciação acredita que a linguagem constitui o mundo e por isso se insere na perspectiva relativista Para a Semântica da Enunciação a referência não é mais do que uma ilusão criada pela linguagem Para essa perspectiva estamos sempre inseridos na linguagem e se há elementos como os dêiticos termos referenciais pronomes artigo definido que nos dão a sensação de estar fora da língua essa sensação são apenas ilusórios Para Ducrot a linguagem é um jogo de argumentação enredado em si mesmo não falamos sobre o mundo falamos para construir um mundo e a partir dele tentar convencer nosso interlocutor da nossa verdade Dessa forma a verdade que na Semântica Formal era tida como um atributo do mundo passa a ser relativa à comunidade que se forma na argumentação A linguagem dessa forma adquire um caráter dialógico ou argumentativo uma vez que passa a funcionar como um jogo discursivo construído para convencer o outro de nossa verdade As Semânticas da Enunciação como têm descrito apresentam uma concepção de linguagem que a distancia sobremaneira da Semântica Formal Essa diferença de concepção tem consequências importantes quando se observa a forma como o fenômeno linguístico é tratado em uma e outra abordagem Com relação à pressuposição por exemplo a Semântica da Enunciação por considerar que a linguagem não se refere acredita que a pressuposição é criada pelo e no próprio jogo de encenação que a linguagem constrói É porque falamos de algo que esse algo passa a ter a sua existência no quadro criado pelo próprio discurso e é por isso que atualmente o conceito de pressuposição é substituído no interior da abordagem enunciativa pelo conceito de enunciador Na Semântica da Enunciação um enunciado se constitui de vários enunciadores que formam o quadro institucional que referenda o espaço 14 discursivo em que o diálogo vai se desenvolver Um enunciador presente no enunciado situa o diálogo no comprometimento de que o ouvinte aceite esse conteúdo pressuposto de forma que negálo seria o mesmo que romper o diálogo Como forma de exemplificar a atuação da Semântica Enunciativa apresentamos novamente a sentença apresentada em 8 Pedro parou de bater na mulher O que foi descrito como pressuposição passa a ser chamado de enunciador Assim temos 1 Pedro parou de bater na mulher E1 Pedro batia na mulher no passado E2 Pedro não bate na mulher atualmente Nessa enunciação o locutor põe em cena um diálogo entre dois enunciadores apresentados acima como E1 e E2 o que dá um caráter polifônico ao enunciado É como se duas vozes falassem um enunciador que afirma que Pedro batia na mulher o que constitui o pressuposto e outro que diz que ele não bate mais na mulher o posto Para a Semântica Formal a negação de 12 não seria ambígua porque não há duas formas lógicas Já para a Semântica da Enunciação o problema da ambiguidade estrutural pode ser tratado a partir do conceito de polissemia O que significa dizer que há diferentes tipos de negação expressos por uma série de enunciadores No exemplo acima podese dizer que se negamos a fala do primeiro enunciador o pressuposto realizamos uma negação polêmica já se negamos o posto a negação ganha outro caráter passando a ser considerada uma negação metalinguística Há assim a presença de uma série de enunciadores e diferentes tipos de negação Veja 2 O presidente do Brasil não é sociólogo 13 E1 Há um presidente do Brasil E3 E1 é falsa 13 E1 Há um presidente do Brasil E2 Ele é sociólogo E3 E2 é falsa 15 A hipótese da Semântica da Enunciação é a de que entre as pressuposições não há uma diferença estrutural mas uma diferença entre tipos de negação Assim a pressuposição passa a ser tratada tendo como base a hipótese da polifonia e portanto da existência de diferentes enunciadores e a ambiguidade se desfaz pela determinação de diferenças de uso das palavras o não polêmico e o não metalinguístico Além da negação polêmica e da negação metalinguísticas apontadas acima Ducrot distingue um terceiro tipo de negação a negação descritiva Nesse tipo de negação o locutor descreve um estado no mundo negativamente portanto na sua enunciação não há um enunciador que retoma a fala de outro enunciador negandoa Um dado de negação descritiva ocorre quando se descreve um estado do mundo utilizando a negação Não há um único pássaro no céu A negação fica então entendida como um fenômeno de polissemia que se define por identificar usos distintos que não relacionados Um dos pontos chave da Semântica da Enunciação está no fato de esta possibilitar a descrição de fenômenos que envolvem gradação os quais resistem ao tratamento formal Exemplos como 3 João comeu pouco 4 João comeu um pouco Não são passíveis de receber uma análise formal por outro lado percebemos que as orações não se equivalem Para a Semântica da Enunciação a diferença entre as duas orações ocorre devido a um encadeamento discursivo distinto A hipótese é a de que os dois operadores pouco e um pouco direcionam diferentemente uma mesma escala de comer que vai de comer muito a não comer 13 A Semântica Cognitiva A Semântica Cognitiva é um modelo teórico bastante recente tendo seus primeiros desenvolvimentos datados da década de 1980 Foi a partir de 16 então que tomouse consciência de que todo fazer é necessariamente acompanhado de processos de ordem cognitiva Para esse modelo o significado é central na investigação sobre a linguagem Assim acreditase que a forma deriva da significação uma vez que é a partir da construção de significados que aprendemos Tal concepção acaba por inserir a Semântica Cognitiva entre os estudos funcionalistas da linguagem A Semântica Cognitiva da mesma forma que a Semântica da Enunciação se opõe à Semântica Formal a qual prega que o significado se baseia na referência e no entendimento da verdade como correspondência com o mundo A Semântica Cognitiva acredita que o significado não tem nada a ver com a relação entre linguagem e mundo ao contrário ela acredita que o significado é motivado A significação linguística nesse sentido emerge de nossas significações corporais dos movimentos de nossos corpos em interação com o meio que nos circunda A Semântica Cognitiva por não considerar a hipótese da referência se aproxima muito da abordagem proposta pela Semântica da Enunciação No entanto a Semântica Cognitiva se distancia da abordagem enunciativa por não considerar que a referência é constituída pela própria linguagem e que esta tratase de um jogo de argumentação George Lankoff o criador e maior pesquisador dos aspectos cognitivos da significação define essa abordagem como realismo experiencialista levantando assim a hipótese de que o significado é natural e experiencial Ele sustenta essa proposta através da constatação de que o significado se constrói a partir de nossas interações físicas corpóreas com o meio ambiente em que vivemos Dessa forma o significado deixa de ter um caráter exclusivamente linguístico Dentro desse referencial teórico são nossas ações no mundo que nos permitem apreender esquemas de imagem e espaço e são esses esquemas que dão significado às nossas expressões linguísticas Assim a criança durante o processo de aquisição aprenderia primeiramente esquemas de movimento isso ocorreria quando por exemplo a criança se move várias vezes em direção a certos alvos Com esse esquema surgido de nossa 17 experiência corpórea com o mundo aporta o significado de nossas expressões linguísticas sobre o espaço Nossos deslocamentos de um lugar para outro ponto de partida percurso chegada que ocorrem ainda antes de aprendermos a falar estruturam um esquema de imagem ou imagético Esse esquema denominado por Lankoff de caminho pode ser representado da seguinte forma A fonte do movimento B alvo do movimento Além do esquema caminho muitos outros esquemas seriam derivados diretamente de nossas experiências corpóreas com o mundo Por exemplo o recipiente esquema de estar dentro e fora de algum lugar o balanço esquema aprendido durante nossos ensaios de estar de pé Veja algumas sentenças instanciadas por esquemas de caminho e de recipiente 1 Fui da portaria à cobertura 2 Estou em São Paulo Para a abordagem cognitiva o que dá sentido à sentença 16 é a presença de um esquema imagético CAMINHO e da mesma forma o que daria sentido à sentença 17 seria a presença do esquema imagético RECIPIENTE Esses esquemas guardariam uma memória de movimentação ou de experiência e seria justamente essa memória o que ampararia nosso falar e pensar Assim o significado deixaria de ser um fenômeno puramente linguístico para ser tratado como uma questão de cognição Os esquemas passam a ocupar um lugar central nos estudos da Semântica Cognitiva no entanto nem todos os nossos conceitos seriam apreendidos a partir de esquemas imagéticos Haveria ainda certos conceitos de domínio da experiência que dependeriam de mecanismos de abstração Dentre esses mecanismos dois seriam prioritários a metáfora e a metonímia A metáfora funcionaria como um mapa entre o domínio da experiência e outro domínio como o tempo por exemplo Assim em uma sentença como De ontem pra hoje esfriou muito percebese um conceito de tempo que se estrutura a partir de um esquema espacial de CAMINHO Essa sentença seria 18 metafórica porque nelas o tempo é conceituado a partir de correspondências com o esquema espacial A metáfora para a Semântica Cognitiva é o processo cognitivo que nos permite mapear esquemas aprendidos diretamente pelo nosso corpo em domínios mais abstratos cuja experimentação é indireta A propriedade fundamental da metáfora é preservar as inferências do domínio fonte sobre o domínio alvo desde que não haja violação da estrutura inerente ao domínio alvo Se mapearmos o esquema CAMINHO no tempo podemos esperar que neste domínio se estabelecesse uma organização espacial em que as inferências do espaço se mantêm Isso é tratado como Hipótese de Invariância Além de explicar as inferências a hipótese de invariância procura justificar o fato de que há aspectos que não são mapeados Isso quer dizer que podemos mapear o espaço no tempo mas certas relações espaciais serão bloqueadas por causa da própria estrutura do tempo É por isso que não podemos dizer por exemplo chegou embaixo da hora Um exemplo de análise a partir da Semântica Cognitiva apresentado por Oliveira 2004 é a descrição do conectivo mas Essa descrição se inicia realizando se um levantamento das várias possibilidades de uso do termo O passo seguinte é fazer uma pesquisa etimológica com vistas à recuperação da história do conectivo Repare na sentença Pedro não está triste mas ensimesmado Etimologicamente mas deriva da expressão latina magis quam que estabelecia a comparação de superioridade isso é mais do que aquilo Acreditandose que os usos mais antigos são mais próximos do físico seria então o esquema corporal de BALANÇO que dá sustentação ao mas pesamos duas coisas e a balança pende para uma delas No exemplo a balança tenderia ao ensimesmado mais do que ao triste Além dos esquemas imagéticos há outros elementos fundamentais aos estudos semânticos de base cognitiva são essas as categorias de nível básico Essa noção de categorias básicas é também cara a Semântica Formal Para esse modelo um termo genérico como homem por exemplo não se refere a um indivíduo em particular mas a todos os indivíduos que possam ser 19 alcançados por meio de certas propriedades Assim sabemos que Platão pertence à classe dos humanos porque ele tem propriedades que só os humanos têm Essas propriedades recebem o nome de intenção e é o que nos permite chegar a uma classe de objetos do mundo a essa classe denominamos extensão No exemplo 1 repetido abaixo Todo homem é mortal Platão é um homem Logo Platão é mortal O termo homem tem como extensão os vários seres humanos no mundo as entidades extralinguísticas Quanto à intenção ou seja as propriedades essenciais no entanto surgem controvérsias Afinal quais seriam as características essenciais comuns a todos os indivíduos que compõem a classe dos seres humanos A Semântica Formal apresenta as características ser bípede e ser implume como as propriedades distintivas dos seres humanos Essas propriedades realmente parecem abarcar todos os seres humanos mas no entanto a universalidade dessas propriedades pode ser discutida tendo em vista a possibilidade de existirem humanos de apenas uma perna Quem tratou mais profundamente da questão das categorias foi o filósofo Ludwig Wittgenstein em um livro chamado Investigações Filosóficas Esse filósofo demonstra a partir das inúmeras possíveis propriedades do conceito de jogo que uma única propriedade não é suficiente para delimitar uma classe Foi com essa constatação que ele propôs que as categorias se organizam por relações de semelhanças de família Os usos de uma mesma palavra se assemelham da mesma forma que os membros de uma família não são necessários pois que os membros de uma mesma família partilhem uma mesma propriedade Levando em conta essas constatações de Wittgenstein a Semântica Cognitiva se distancia da noção clássica de categoria e então aponta evidências psicológicas que levam à conclusão de que não categorizamos por meio do estabelecimento de propriedades necessárias e suficientes 20 Para a Semântica Cognitiva os conceitos se estruturam por protótipos Isso quer dizer que quando fazemos classificações nos sustentamos em casos que são exemplares ou seja nos ancoramos naqueles casos que são mais reveladores de categorias É por isso que se pedirmos que alguém nos dê um exemplo de pássaro dificilmente alguém dirá pinguim Dessa forma temse que as categorias se estruturam por meio de um caso mais prototípico que se relaciona via semelhanças com os outros membros O pinguim estaria pois numa posição mais periférica enquanto membro da categoria PÁSSARO e na posição central estaria provavelmente o pardal ou o beijaflor A aquisição de categorias ocorreria de acordo com a perspectiva cognitiva com as crianças adquirindo primeiro as categorias de nível médio já que é com esse tipo de categoria que temos contato físico direto As categorias de nível básico diferentemente são aprendidas diretamente por não indicarem categorias mais abstratas e nem mais específicas É por isso que adquirimos primeiro e diretamente categorias como mesa e gato e apenas mais tarde adquiriram através do processo de metonímia as genéricas como móveis e animal e os particulares como mesa de centro e siamês Como vimos a metáfora tem o importante papel de criar mapas sobre o domínio da experiência e outro domínio Também a metonímia exerce uma função importante no processo cognitivo É a metonímia o processo cognitivo que permite criar relações de hierarquias entre conceitos Assim a metáfora e a metonímia ocupam um lugar central na teoria sendo responsáveis pela extensão dos esquemas em direção à abstração Com relação à abordagem cognitiva das pressuposições a hipótese é a de que na interpretação formamos espaços mentais estruturas conceituais que descrevem como os falantes atribuem e manipulam a referência Assim na sentença 3 A Rainha da França teve a cabeça cortada Criamos um espaço mental em que a Rainha da França se refere ao personagem histórico Se por outro lado a sentença é acrescida do termo Em os Três Mosqueteiros abrimos um novo espaço mental em que Rainha da França não se refere ao personagem histórico mas ao ficcional 21 4 Em os três Mosqueteiros a Rainha da França teve a cabeça cortada Para Semântica Cognitiva a pressuposição não estabelece referência com entidades no mundo e também não são procedimentos argumentativos Para esse modelo as pressuposições são antes entidades mentais ou ainda significados que se transferem de um espaço mental para outro Assim na sentença 9 Pedro parou de bater na mulher haveria dois espaços mentais um em que está a pressuposição de que Pedro batia na mulher e outro em que ele parou de bater na mulher Nessa concepção a negação agiria sobre a transferência ou não de um espaço mental para outro se negamos o primeiro espaço mental construindo assim uma sentença como Pedro nunca bateu na mulher a pressuposição não é transportada para o segundo espaço mental Por outro lado se Pedro bateu na mulher um dia a pressuposição é carregada para o segundo espaço mental e a negação incide sobre o fato de Pedro ter parado de bater na mulher 14 Algumas considerações Nessa seção buscamos apresentar uma descrição das teorias semânticas presentes nos estudos linguísticos contemporâneos Vimos que cada modelo teórico apresenta como base uma diferente concepção de linguagem que implica em diferentes formas de se conceber a relação entre linguagem e mundo Enquanto para a Semântica Formal essa relação se dá a partir da distinção entre sentido e referência para a Semântica da Enunciação a linguagem constitui o mundo e já para a Semântica Cognitiva o significado não tem nada a ver com a relação entre linguagem e mundo ao contrário ele seria motivado A semântica enquanto objeto de estudo não é um tema fechado em si mas pelo contrário participa de estudos que mesmo não tendo como foco base a semântica apresenta um componente semântico É esse o caso dos estudos que têm como fim a construção de gramáticas textuais 22 A essa chamada semântica do texto cabe explicar a representação da estrutura do significado de um texto ou de um segmento deste particularmente as relações de sentido que vão além do significado das frases tomadas isoladamente como ocorre na pressuposição por exemplo É a essa interface entre o texto e a semântica que trataremos no tópico seguinte 23 2 LINGUÍSTICA TEXTUAL A Linguística Textual é o ramo da linguística que toma o texto como objeto de estudo Seu surgimento enquanto campo de estudos da linguística embora recente é difícil de ser definido Isso porque essa ciência não passou por um desenvolvimento homogêneo ela na verdade surgiu de forma independente em vários países e com propostas teóricas diversas O que mais frequentemente tratado quanto às fundamentações teóricas dessa disciplina é que houve pelo menos três importantes momentos sem que no entanto possamos estabelecer uma cronologia Em um primeiro momento os estudiosos do texto se interessavam predominantemente pela análise transfrástica ou seja por fenômenos que não conseguiam ser explicados pelas teorias sintáticas ou semânticas que ficassem limitadas ao nível da frase Nesse tipo de análise partese da frase para o texto A principal preocupação estava nas relações que se estabelecem entre as frases e os períodos de forma a se construir uma unidade de sentido A partir desse tipo de estudo observouse a ocorrência de fenômenos que poderiam ser explicados através das teorias sintáticas ou semânticas Um desses fenômenos pode ser exemplificado através da referenciação Vejase o exemplo abaixo 1 Joana foi ao teatro Ela não gostou da peça Nesse trecho a relação entre nome e pronome na perspectiva textual não é de simples substituição O uso do pronome está fornecendo ao ouvinteleitor instruções de conexão entre a predicação que se faz com o pronome não gostou da peça e o próprio nome em questão Esse movimento contribuiria para a construção da imagem do referente Joana por parte do ouvinte É por conta da coerência entre as predicações que sabemos que o pronome ela se refere a Joana Porém a presença do mecanismo de referenciação sozinho não seria capaz de garantir a interpretação da sequência enquanto um texto Foi através de exemplos como o descrito acima que se percebeu que certos fenômenos só poderiam ser tratados a partir da análise da relação entre 24 orações Tendo como referência essa constatação essa linha de pesquisas concentrou seus estudos em fenômenos de ocorrência mais ampla que a de uma frase fenômenos transfrásticos como a pronominalização a seleção de artigos definidos ou indefinidos a concordância entre tempos verbais a relação tópicocomentário e outros Vale ressaltar que nesse período o conceito de texto era o de uma sequência pronominal ininterrupta e sua principal característica era o múltiplo referenciamento No entanto essa concepção de texto e consequentemente os objetos de análise passou por modificações uma vez que se percebeu a existência de conexão entre enunciados realizada sem a presença de um conector Observe as sentenças que se seguem 2 Não fui ao seu casamento envieilhe o presente 3 Não fui a seu casamento tive um contratempo 4 Não fui a seu casamento não posso dizer como foi a cerimônia No exemplo 21 podese perceber mesmo sem a presença do conectivo mas a relação adversativa expressa Em 22 sabemos que é a relação explicativa implicada pelo conector porque a que se estabelece entre o primeiro e o segundo enunciado Em 23 sabemos que é a relação conclusiva normalmente expressa pelo conector portanto a que se estabelece entre os enunciados A ausência dos conectores nos exemplos de 21 a 23 sem prejuízo do sentido fez com que passasse a se considerar que nesses casos é o ouvinteleitor que constrói o sentido global da sequência estabelecendo mentalmente as relações argumentativas adequadas entre os enunciados A necessidade de se considerar o conhecimento intuitivo do falanteouvinte na construção do sentido global do enunciado e o fato de nem todo texto apresentar o fenômeno da referênciação fez com que se inaugurasse uma nova linha de pesquisa dentro dos estudos do texto como o objetivo de elaborar gramáticas textuais 25 Esse segundo momento da Linguística Textual provocado principalmente pela ascensão da gramática gerativa proposta por Chomsky teve como objetivo a descrição da competência textual do falante ou seja a construção de gramáticas textuais Nas primeiras propostas de elaboração de gramáticas textuais o objetivo era o de transformar o texto no objeto da Linguística Apesar da ampliação do objeto de estudos da ciência da linguagem ainda se acreditava na possibilidade de se mostrar que o texto possuía propriedades que diziam respeito ao próprio sistema abstrato da língua Dessa forma as primeiras gramáticas textuais representavam um projeto de reconstrução do texto como um sistema uniforme estável e abstrato O texto nesse período era considerado como uma unidade teórica formalmente construída o que o colocava em lugar de oposição ao discurso unidade funcional comunicativa e intersubjetivamente construída A principal inovação causada pelos autores desse período foi a consideração de que não há uma continuidade entre frase e texto porque há entre eles uma diferença de ordem qualitativa e não quantitativa já que a significação de um texto constitui um todo que é diferente da soma das partes O texto passou a ser visto então como a unidade linguística mais elevada a partir da qual seria possível chegar por meio da segmentação a unidades menores a serem classificadas A segmentação e a classificação de um texto em unidades menores deveria sempre considerar a função textual dos elementos individuais ou seja que tipo de papel cada elemento desempenha em uma dada configuração textual Passouse a postular também a existência de uma competência textual à semelhança da competência linguística chomskyana Todo falante nativo de uma língua teria a capacidade de distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente de enunciados competência que é especificamente linguística Em outras palavras qualquer falante é capaz de parafrasear de resumir um texto de perceber que está completo ou incompleto de atribuirlhe um título ou de produzir um texto a partir de um título dado 26 Nesse contexto acreditase que todo falante possuiria três capacidades textuais básicas a Capacidade formativa que permitiria a produção e compreensão de textos inéditos além de possibilitar a avaliação quanto à formação de um texto b Capacidade transformativa permitiria a reformulação de um texto seja através da paráfrase ou do resumo c Capacidade qualificativa permitiria a tipificação de um texto ou seja a classificação em descrição narração argumentação etc As tarefas básicas de uma gramática do texto segundo Koch 2006 5 seriam as seguintes a verificar o que faz com que um texto seja um texto ou seja determinar seus princípios de constituição os fatores responsáveis pela sua coerência as condições em que se manifesta a textualidade b levantar critérios para a delimitação de textos já que a completude é uma de suas características essenciais c diferenciar as várias espécies de textos Essas tarefas constituíram a base da construção das gramáticas textuais No entanto durante o trabalho prático de realização desse ambicioso projeto as tarefas enumeradas não conseguiram ser executadas a contento apesar de todos os esforços de vários linguistas A maior contribuição dessa linha de pesquisa se concentrou no entanto na possibilidade de deslocamento da questão do tratamento formal à constituição de uma teoria Ao invés de se ocupar em dar um tratamento formal ao objeto texto os estudiosos começaram a elaborar uma teoria do texto que ao contrário das gramáticas textuais cuja preocupação era meramente descritiva propõe a investigação da forma como se dá a constituição o funcionamento a produção e a compreensão dos textos em uso Nesse terceiro momento da teoria o texto passa a ser estudado dentro do seu contexto de produção passando esse a ser entendido não como um produto acabado mas como um processo resultado de operações comunicativas e processos linguísticos em situações sociocomunicativas 27 O âmbito de investigação nessa linha de estudo estendese do texto ao contexto entendido como o conjunto de condições externas da produção recepção e interpretação de textos Segundo Marcurschi um dos maiores estudiosos da Linguística Textual no final da década de 70 a palavra de ordem não era mais a gramática do texto mas a noção de textualidade definida como um modo múltiplo de conexão ativado toda vez que ocorrem eventos comunicativos Nesse novo quadro a Linguística Textual passa a ser entendida como uma disciplina essencialmente interdisciplinar Se o objeto da Linguística Textual é essencialmente o texto tornase fundamental que se trave uma discussão a respeito do conceito de texto 21 Conceito de texto Como buscamos mostrar na seção anterior a Linguística Textual passou durante seu processo de evolução por constantes reformulações Cada uma dessas reformulações além de alterar o objeto e a metodologia de estudos carregava em seus fundamentos alterações que diziam respeito à concepção de texto Nessa seção buscaremos então apresentar algumas dessas concepções que acompanharam o processo de evolução da teoria até o conceito mais reconhecido e atual no que tange aos estudos da Linguística Textual Os conceitos de texto durante os períodos da análise transfrástica e das gramáticas textuais variaram desde unidade linguística superior à frase até complexo de proposições semânticas A concepção de texto que subjazia a todas essas definições era a de um texto como uma estrutura acabada e pronta como um produto de uma competência linguística A melhor definição de texto para esse período seria a de um termo que abrange tanto textos orais quanto escritos que tenham como extensão mínima dois signos linguísticos sendo que um pode ser suprimido pela situação no caso de textos de uma só palavra Dessa forma percebese uma maior ênfase no aspecto material formal do texto 28 O texto era tido como uma unidade que apesar de teoricamente poder ser de tamanho indeterminado é normalmente delimitada com um início e um fim mais ou menos explícitos E o objeto privilegiado de estudos era a coesão muitas vezes equiparada à coerência No segundo momento da Linguística Textual o texto não é mais encarado como uma estrutura acabada mas como parte de atividades mais globais de comunicação A definição de texto passa então a considerar que a produção textual é uma atividade verbal o que significa dizer que os falantes ao produzir um texto estão realizando atos de fala Todo ato de produção de enunciados produz no interlocutor um determinado efeito pretendido ou não pelo locutor Também se considera que a produção textual é uma atividade verbal consciente ou seja uma atividade por meio da qual o falante dará a entender seus propósitos sempre levando em conta as condições em que tal atividade é produzida Nessa concepção o sujeito falante possui um papel ativo na mobilização de certos tipos de conhecimentos de elementos linguísticos de fatores pragmáticos e interacionais ao produzir um texto Essa concepção de texto leva ainda em consideração a atividade interacional que envolve a produção textual isto é os interlocutores estão obrigatoriamente envolvidos nos processos de construção e compreensão de um texto Na verdade o que buscamos demonstrar nessa seção é que há uma certa dificuldade na conceituação da unidade texto havendo assim um grande número de definições de se divergem por momento histórico da matéria como também por diferentes intenções com relação ao objeto Podemos no entanto transcrever resumidamente algumas dessas concepções apresentadas por Koch 2006 XII 1 Texto como uma frase complexa ou signo linguístico mais alto na hierarquia dos sistemas linguísticos concepção de base gramatical 2 Texto como signo complexo concepção de base semiológica 3 Texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas concepção de base semântica 29 4 Texto como ato de fala complexo concepção de base pragmática 5 Texto como discurso congelado como produto acabado de uma ação Discursiva concepção de base discursiva 6 Texto como meio específico de realização da comunicação verbal concepção de base comunicativa 7 Texto como processo que mobiliza operações e processos cognitivos concepção de base cognitivista 8 Texto como lugar de interação entre atores sociais e de construção interacional de sentidos concepção de base sociocognitiva interacional 22 A construção textual do sentido Nesta seção serão apresentados sete critérios de construção textual do sentido dois centrados no texto a coesão e a coerência e cinco centrados no usuário situacionalidade informatividade intertextualidade intencionalidade e aceitabilidade 221 A Coesão textual Designase por coesão a forma pela qual os elementos linguísticos presentes na superfície textual se interligam se interconectam por meio de recursos também linguísticos de modo a formar uma unidade de nível superior à da frase que dela difere qualitativamente Comumente se postula a existência de cinco formas de coesão a referência a substituição a elipse a conjunção e a coesão lexical Veja abaixo a descrição dessas formas de coesão 1 Referência em que um signo linguístico se relaciona a um objeto extralinguístico Ela pode ser situacional e textual A textual pode ser anafórica quando retoma algo que já foi dito 30 catafórica quando antecipa algo que ainda não foi expresso Ex Isto eu te digo não trabalho de graça 2 Substituição colocação de um item no lugar de outro ou de uma oração Pode ser nominal feita por meio de pronomes pessoais numerais indefinidos nomes genéricos como coisa gente pessoa e verbal o verbo fazer é substituto dos causativos ser é o substituto existencial Ex Vá buscar as crianças na escola Elas saem às 17h 3 Elipse omissão de um item lexical recuperável pelo contexto ou seja a substituição por zero Ø Pode ocorrer elipse de elementos nominais verbais e oracionais Ex As meninas preferiram sorvete Os meninos não Ø 4 Conjunção tem natureza diferente das outras relações coesivas por não se tratar simplesmente de uma relação anafórica Os elementos conjuntivos são coesivos não por si mesmos mas indiretamente em virtude das relações específicas que se estabelecem entre as orações períodos e parágrafos Essas diferentes relações conjuntivas possuem uma série de equivalentes estruturais Os principais tipos de elementos conjuntivos são advérbios e locuções adverbiais conjunções coordenativas e subordinativas locuções conjuntivas preposições e locuções prepositivas itens continuativos como então daí etc Para se obter a coesão é importante a escolha de conectivo adequado para expressar relações semânticas o mesmo conectivo pode expressar relações semânticas diferentes é pois preciso saber reconhecêlas A omissão de conectivos embora admissível só deve ser feita quando a relação semântica estiver bem clara para evitar a ambiguidade a não ser que seja intencional Ex O ladrão saiu correndo do banco Depois vieram os policiais 5 Coesão lexical é obtida pela reiteração de itens lexicais idênticos ou que possuem o mesmo referente Incluise aí também o uso de nomes genéricos cuja função coesiva está no limite entre as coesões lexical e gramatical nomes esses que estão a meio caminho do item lexical membro 31 do conjunto aberto e do item gramatical membro de um conjunto fechado Gramaticalmente determinante nome geral funcionam como itens de referência anafórica lexicalmente são membros superordenados hiperônimos agindo como sinônimos de itens a eles subordinados hipônimos Ex Comprei violetas e petúnias As flores estão enchendo a sala de perfume As definições acima apontadas perduraram durante muito tempo nos estudos da textualidade No entanto alguns desses elementos sofreram alterações recentes A distinção entre referência e substituição por exemplo era bastante questionável Esses fatos levaram à classificação dos recursos coesivos em dois grandes grupos responsáveis pelos dois grandes movimentos de construção do texto a remissãoreferência e a coesão sequencial realizada de forma a garantir a continuidade do sentido No primeiro grupo ficaram incluídas a referência a substituição e a elipse bem como parcela significativa da coesão lexical ao passo que o segundo passou a englobar a outra parcela da coesão lexical A necessidade de dividir a coesão lexical pelos dois grupos devese ao fato de ela envolve dois mecanismos a reiteração e a colocação A reiteração que se realizam por meio de repetição de um referente textual pelo uso dos mesmos itens lexicais sinônimos hiperônimos nomes genéricos e expressões nominais tem a mesma função dos demais recursos de remissão textual já a colocação permite que se faça o texto progredir garantindo simultaneamente a manutenção do tema A coesão sequencial diz respeito aos procedimentos linguísticos por meio dos quais se estabelecem diversos tipos de relações semânticas eou pragmático discursivas entre os segmentos do texto à medida que o texto faz progressão Esta interdependência é garantida em parte pelo uso dos diversos mecanismos de sequenciamento existentes na língua e em parte pelo que se denomina progressão tópica 32 222 A coerência textual A noção de coerência textual ganhou mais enfoque a partir do momento em que se percebeu que o sentido do texto não está no texto em si mas depende de fatores de ordem diversa linguísticos cognitivos socioculturais interacionais Esses elementos acabaram por demonstrar que não há textos incoerentes em si porque não há regras de boa formação de textos como há para as frases que se apliquem a todas as circunstâncias A textualidade de um texto vai depender muito mais dos usuários de um texto locutor e receptor e da situação Charolles um dos maiores estudiosos do texto defende que a coerência de um texto é um princípio de interpretabilidade o que significa dizer que todos os textos seriam em princípio aceitáveis Um texto poderia ser incoerente porém se não estivesse de acordo com determinada situação comunicativa Dessa forma o texto seria incoerente se seu produtor não soubesse adequálo à situação levando em conta intenção comunicativa objetivos destinatário regras socioculturais outros elementos da situação usam de recursos linguísticos etc O conhecimento da situação comunicativa mais ampla contribui para a focalização que pode ser entendida como a perspectiva pela qual as entidades evocadas no texto passam a ser vistas Essas perspectivas afetam não só aquilo que o produtor diz mas também o que o leitorouvinte interpreta 223 Considerações Coerência e Coesão textuais Qualquer falante de uma determinada língua consegue distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente de enunciados Sabese intuitivamente não só distinguir entre textos e não textos mas também que nossa produção linguística se dá com textos e não com palavras isoladas não sabemos porém definir intuitivamente o que faz com que um texto seja um texto e nem há unanimidade quanto à essa questão 33 O termo texto pode ser tomado em duas acepções texto em sentido amplo designando toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano uma música um filme uma escultura um poema etc e em se tratando de linguagem verbal temos o discurso atividade comunicativa de um sujeito numa manifestação de comunicação dada englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor ou pelo locutor e interlocutor no caso dos diálogos e o evento de sua enunciação O texto consiste então em qualquer passagem falada ou escrita que forma um todo significativo independente de sua extensão Tratase pois de um contínuo comunicativo contextual caracterizado por fatores de textualidade dentre eles a coesão e a coerência Coesão e coerência constituem fatores importantes da textualidade Há autores que distinguem dois níveis de análise correspondendo à coesão e à coerência embora a terminologia possa ser diferente coesãocoerência coerência microestruturacoerência macroestrutural Charolles Há autores que consideram a coerência e a coesão em níveis diferentes de análise A coesão manifestada no nível micro textual referese aos modos como os componentes do universo textual isto é as palavras que ouvimos ou vemos estão ligados entre si dentro de uma sequência A coerência por sua vez manifestada em grande parte macro textualmente referese aos modos como os componentes do universo textual isto é os conceitos e as relações subjacentes ao texto de superfície se unem numa configuração de maneira reciprocamente acessível e relevante Assim a coerência é o resultado de processos cognitivos operantes entre os usuários e não mero traço dos textos Assim coesão e coerência constituem fenômenos distintos pelo fato de Poder haver um sequenciamento coesivo de fatos isolados que não tem condição de formar um texto a coesão não é suficiente nem necessária para formar um texto Um exemplo da fala de uma criança 5 O pai da Maria trabalha num supermercado O supermercado que minha mãe vai é longe 34 Eu gosto de ir ao supermercado porque minha mãe me deixa empurrar o carrinho Nesse caso não temos um texto apesar de haver uma coesão relativamente forte no encadeamento das sentenças mas as relações de sentido não unificam essa sequência Outro fator que implica distinção entre coesão e coerência é o de Poder haver textos destituídos de coesão mas cuja coerência se dá ao nível da coerência 6 Mariana é artista de circo Alice é uma das dez dançarinas brasileiras que fazem parte do Bolshoi João é violinista Todos os filhos de Madalena são artistas Isso nos permite chegar a algumas conclusões 1 A retomada de elementos não é o único meio de se constituírem relações interfrásticas não é condição necessária para a coerência 2 A coerência não deve ser buscada unicamente na sucessão linear dos enunciados mas sim numa ordenação hierárquica No exemplo dado o último enunciado de ordem superior garante a textualidade 3 A coerência não é independente do contexto pragmático no qual o texto está inserido isto é não é independente de fatores tais como escritorlocutor leitoralocutário lugar e tempo do discurso ou como diz Marcuschi o texto deve ser visto como uma sequência de atos de linguagem e não como uma sequência de frases de algum modo coesa 224 Situacionalidade A situacionalidade segundo Koch 2006 pode ser considerada em duas direções da situação para o texto e do texto para a situação Na direção da situação para o texto a situacionalidade referese ao conjunto de fatores que tornam um texto relevante para uma situação comunicativa em curso Nesse caso buscase determinar em que medida a situação comunicativa tanto o contexto imediato de situação como o entorno 35 sóciopolíticocultural em que a interação está inserida interfere na produçãorecepção do texto É essa situação comunicativa que determina escolhas em termos de grau de formalidade regras de polidez variedade linguística a ser empregado tratamento a ser dado ao tema além de outros da mesma ordem No sentido do texto para a situação percebese que o texto tem reflexos importantes sobre a situação Ao construir um texto o produtor reconstrói o mundo de acordo com suas experiências seus objetivos propósitos convicções crenças O interlocutor por sua vez interpreta o texto tendo como parâmetro seus propósitos convicções e perspectivas O texto estabelece portanto uma mediação entre o mundo real e o mundo reconstruído no texto 225 Informatividade A informatividade se refere à distribuição da informação no texto e também ao grau de previsibilidade redundância com que a informação nele contido é veiculada Quanto à distribuição da informação é preciso que haja um equilíbrio entre informação dada e informação nova Um texto em japonês para um falante de português por exemplo tem grau de informatividade de 100 e por isso se torna incompreensível Nesse caso faltam âncoras necessárias para o processamento a leitura é cognitivamente impossível A organização ideal do texto se faz pela combinação de dois movimentos um de retroação por meio do qual se retoma a informação anteriormente introduzida e um de progressão que se ancora na informação dada retroação para introduzir a informação nova Quanto ao grau de previsibilidade da informação temse que um texto será menos informativo o quanto for previsível a informação que traz Há assim graus de informatividade um texto em que a informação seja toda apresentada de forma previsível terá baixo grau de informatividade se a informação é introduzida de forma menos esperada haverá grau médio de informatividade e se toda a informação for apresentada de maneira 36 imprevisível o texto terá um grau máximo de informatividade e exigirá um grande esforço de processamento podendo parecer pouco coerente 226 Intertextualidade A intertextualidade corresponde às diversas maneiras pelas quais a produçãorecepção de um dado texto depende do conhecimento de outros textos por parte dos interlocutores Nesse sentido a intertextualidade diz dos diversos tipos de relações que um texto tem com outros textos A intertextualidade será implicada quando no próprio texto é feita a menção à fonte do intertexto texto inserido em outro texto como acontece nas citações menções resumos resenhas e traduções A intertextualidade pode também ser utilizada para ridicularizar ou argumentar em sentido contrário Nesse caso é comum se introduzir no texto intertexto alheio sem qualquer menção de fonte Exemplos desse tipo de uso são muito comuns em paródias eou ironias Nesse tipo de intertextualidade implícita a percepção do intertexto tornase crucial para a construção do sentido Vejase como exemplo de intertextualidade o seguinte texto de Chico Buarque Bom Conselho Ouça um bom conselho Que eu lhe dou de graça Inútil dormir que a dor não passa Espere sentado Ou você se cansa Está provado quem espera nunca alcança Venha meu amigo deixa esse regaço Brinque com meu fogo venha se queimar Faça como eu digo Faça como eu faço Aja duas vezes antes de pensar 37 Corre atrás do vento vim não sei de onde Devagar é que não se vai ao longe Eu semeio o vento na minha cidade Vou pra rua e bebo a tempestade Nesse texto Chico Buarque faz uma reinterpretação de provérbios populares como quem espera sempre alcança ou devagar se vai ao longe com a intenção provavelmente de criticar a aplicabilidade desses ditos populares 227 Intencionalidade A intencionalidade compreende os diversos modos como os sujeitos usam textos para prosseguir e realizar suas intenções comunicativas mobilizando para tanto os recursos adequados à concretização dos objetivos De forma mais precisa a intencionalidade referese à intenção do locutor de produzir uma manifestação linguística coesa e coerente ainda que essa intenção não se realize integralmente 228 Aceitabilidade A aceitabilidade é a contraparte da intencionalidade Referese à concordância do parceiro em participar de um jogo de atuação comunicativa e agir de acordo com suas regras fazendo o possível para leválo a um bom termo visto que a comunicação humana é regida pelo Princípio da Cooperação Em sentido restrito referese à atitude dos interlocutores de aceitarem a manifestação linguística do parceiro como um texto coeso e coerente que tenha para eles alguma relevância 38 23 Formas de progressão textual As formas de progressão textual constituem uma das questões que têm permeado as reflexões dos linguistas de texto desde os primeiros momentos A progressão textual pode realizarse por meio de atividades construtivas de formulação em que o locutor optar por introduzir no texto recorrências de variados tipos reiteração de itens lexicais paralelismos paráfrases recorrência de elementos fonológicos de tempos verbais etc A reiteração traz ao enunciado um acréscimo de sentido que ele não teria se fosse usado somente uma vez já que cada um deles traz novos sentido que se acrescentam às do termo anterior Veja 7 Ela olhava ansiosa pela janela Mas chovia chovia chovia Já o paralelismo se dá com a utilização das mesmas estruturas sintáticas preenchidas por itens lexicais diferentes 8 Se era dia ela dormia Se era noite ela acordava Já a paráfrase é inversa ao paralelismo ou seja na paráfrase um mesmo conteúdo semântico é apresentado sob formas estruturais diferentes A cada alteração na apresentação do conteúdo leva na maioria das vezes a ajustamentos reformulações desenvolvimentos síntese ou precisão maior do primeiro sentido No português há uma gama de expressões introdutoras de paráfrase isto é ou seja quer dizer ou melhor em outras palavras em resumo etc 9 Quando afirmamos algo em desacordo com a realidade isto é quando mentimos No caso da recorrência de recursos fonológicos há uma invariante fonológica como igualdade de metro ritmo rima assonâncias aliterações etc 10 Sou bravo Sou forte Sou filho do norte Meu canto é de morte A recorrência de um mesmo tempo verbal enquanto uma forma de garantir a progressão textual traz indicações ao ouvinteleitor sobre se a sequência deve ser interpretada como comentário ou como relato se a 39 perspectiva é retrospectiva ou prospectiva se trata de um primeiro ou segundo plano no relato No exemplo abaixo o primeiro parágrafo estabelece o segundo plano da narrativa verbos no pretérito imperfeito do indicativo e no segundo parágrafo o uso do pretérito perfeito assinala a mudança para o primeiro plano 11 O luar iluminava a paisagem fantástica Ouviase o coaxar dos sapos e o trilar dos grilos O ar embalsamado e o cintilar das estrelas convidavam ao romance De súbito vindo não se sabe de onde um grito cortou a magia da noite Os elementos de recorrência têm sobre o texto o efeito de intensificação o que acaba por tornar a mensagem mais forte na memória do ouvinteleitor Esse é um recurso muito comum em textos de apelo publicitário Além dos elementos que indicamos até aqui como formuladores da progressão textual há outros elementos que são também capazes de garantir a continuidade de sentido do texto Alguns desses recursos são uso de termos pertencentes a um mesmo campo lexical encadeamento de enunciados que pode ser por justaposição com ou sem articuladores explícitos ou por conexão com a presença de conectores progressão temática que se realiza de diversas maneiras progressão com tema constante progressão linear progressão com tema derivado progressão por substituição progressão com salto temático progressão tópica Após o fechamento de uma sequência tópica temse continuidade quando ocorre a manutenção do tópico em andamento 24 Gêneros Textuais Podemos entender os gêneros textuais como produtos da atividade de linguagem em funcionamento permanente nas formações sociais em função de seus objetivos interesses e questões específicas Essas formações elaboram diferentes espécies de textos que apresentam características relativamente estáveis justificandose que sejam chamadas de gêneros de 40 texto e que ficam disponíveis no intertexto como modelos indexados para os contemporâneos e para as gerações posteriores Inferimos que os textos são produtos culturais e em função disso as produções textuais são representações da articulação de situações de ação com motivos e intenções socialmente construídos e essas representações por sua vez manifestam regularidades configuradas nos gêneros de textos vigentes nessa cultura Em suma todo texto pertence a um gênero em função da situação de ação de que se origina e de que dialeticamente é uma resposta Segundo Marcuschi 2002 a conceituação de gênero é de natureza sócio comunicativa baseada em parâmetros pragmáticos visto que sua sedimentação se dá através de práticas sociais desenvolvidas e testadas para atingir propósitos comunicativos Esses propósitos contemplam a concepção de que a utilização da língua efetuase em forma de enunciados orais e escritos concretos e únicos que emanam dos integrantes de uma ou de outra esfera da atividade humana O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma destas esferas não só pelo conteúdo temático e por seu estilo verbal ou seja pela seleção operada nos recursos da língua recursos lexicais fraseológicos e gramaticais mas também e sobretudo por sua construção composicional Fazse necessário que os diversos contextos sociais sirvam de múltiplos gêneros textuais para responder aos anseios de determinados grupos sociais Para Bronckart 1999 a espécie humana caracterizase pela diversidade e pela complexidade de suas formas de organização e de suas formas de atividades Essas peculiaridades fazem com que se considerem as ações humanas em suas dimensões sociais e discursivas Decorrente dessa colocação justificase o estatuto da linguagem humana como uma esfera de produções interativas associadas às atividades sociais resultantes do meio em que as atividades se desenvolvem Nessa abordagem assim como a atividade social pode ser enfocada sob o ângulo psicológico da ação a atividade linguística também pode ser vista como ação de linguagem Essa 41 manifestação condicionada a um emissor concreto se materializa através de gêneros textuais Sendo as esferas de utilização da língua extremamente heterogêneas também os gêneros apresentam grande heterogeneidade compreendendo desde o diálogo cotidiano até a tese científica Por esse motivo Bakhtin distingue gêneros primários de gêneros secundários Os gêneros primários são aqueles constituídos em situações de comunicação ligadas a esferas sociais cotidianas de relação humana diálogo email etc já os secundários estão ligados a esferas públicas e mais complexas muitas vezes mediadas pela escrita É importante ressaltar que a concepção de gênero subjacente a essa ideia é a de que o gênero não é estático Como qualquer outro produto social o gênero está sujeito a mudanças decorrentes não só de transformações sociais como também devido ao surgimento de novos procedimentos de organização e acabamento da arquitetura verbal em função de novas práticas sociais que os determinam Um exemplo do caráter dinâmico do gênero é o currículo vitae há alguns anos um currículo poderia ter inúmeras páginas quanto maior fosse o currículo mas eficiente deveria ser o candidato Nos dias de hoje um currículo deve ser curto de poucas páginas um candidato a um emprego tem que além de ter boas atividades profissionais saber selecionar as informações mais relevantes de sua carreira de forma a não transformar seu currículo num conjunto maciço de informações desnecessárias e pouco relevantes É ainda importante que se estabeleça a diferença entre gênero e tipo de texto A noção de tipo de texto está relacionada não apenas ao texto mas à estruturação conteúdo e estilo das diversas classes de textos Como tipos de textos temos o narrativo o descritivo o expositivo o injuntivo e o argumentativo Dessa forma podese inferir que o tipo de texto está relacionado ao evento no interior do qual a atividade verbal está situada os quais possuem estrutura e conduzemse em conformidade com um estilo 42 25 Linguística Textual e contexto A Linguística Textual parte do pressuposto de que todo fazer ação é necessariamente acompanhado de processos de ordem cognitivo de modo que o agente dispõe de modelos e tipos de operações mentais No caso do texto consideramse os processos mentais de que resulta o texto De acordo com Koch 2006 nessa abordagem os parceiros da comunicação possuem saberes acumulados quanto aos diversos tipos de atividades da vida social têm conhecimentos na memória que necessitam ser ativados para que a atividade seja coroada de sucesso Essas atividades geram expectativas de que resulta um projeto nas atividades de compreensão e produção do texto A partir da noção de que o texto constitui um processo frequentemente se definem quatro grandes sistemas de conhecimento responsáveis pelo processamento textual Conhecimento linguístico corresponde ao conhecimento do léxico e da gramática responsável pela escolha dos termos e a organização do material linguístico na superfície textual inclusive dos elementos coesivos Conhecimento enciclopédico ou de mundo compreende as informações armazenadas na memória de cada indivíduo O conhecimento do mundo compreende o conhecimento declarativo manifestado por enunciações acerca dos fatos do mundo O Iguatemi é o maior shopping da América Latina e o conhecimento episódico e intuitivo adquirido através da experiência Não dá para encostar o dedo no ferro em brasa Ambas as formas de conhecimento são estruturadas em modelos cognitivos Isso significa que os conceitos são organizados em blocos e formam uma rede de relações de modo que um dado conceito sempre evoca uma série de entidades É o caso de novela ao qual se associam atores televisão figurino enredo cenário etc Aliás graças a essa estruturação o conhecimento enciclopédico transformase em conhecimento procedimental que fornece instruções para agir em situações particulares e agir em situações específicas 43 Conhecimento interacional relacionase com a dimensão interpessoal da linguagem ou seja com a realização de certas ações por meio da linguagem Divide se em Conhecimento ilocucional referentes aos meios diretos e indiretos utilizados para atingir um dado objetivo Conhecimento comunicacional ligado ao anterior relacionase com os meios adequados para atingir os objetivos desejados Conhecimento metacomunicativo referese aos meios empregados para prevenir e evitar distúrbios na comunicação procedimentos de atenuação paráfrases parênteses de esclarecimento entre outros Conhecimento acerca de superestruturas ou modelos textuais globais permite aos usuários reconhecer um texto como pertencente a determinado gênero ou tipo internas do texto como do conhecimento dos usuários pois é esse conhecimento que define as estratégias a serem utilizadas na produçãorecepção do texto Todo e qualquer processo de produção de textos caracterizase como um processo ativo e contínuo do sentido e ligase a toda uma rede de unidades e elementos suplementares ativados necessariamente em relação a um dado contexto sócio cultural Dessa forma podese admitir que a construção do sentido só ocorre num dado contexto É o contexto cria efeitos que permitem a interação entre informações velhas e novas de modo que entre ambas se cria uma implicação Essa implicação só é possível porque existe uma continuidade entre texto e contexto O sentido de um texto e a rede conceitual que a ele carrega emergem em diversas atividades nas quais os indivíduos se engajam Essas atividades são sempre situadas e as operações de construção do sentido resultam de várias ações praticadas pelos indivíduos e não ocorrem apenas na cabeça deles Essas ações são conjuntas e coordenadas o escritor falante tem consciência de que se dirige a alguém num contexto determinado assim como o ouvinteleitor só pode compreender o texto se o inserir num dado contexto O sentido de um texto é construído na interação entre o texto e os sujeitos e não como algo prévio a essa interação A coerência por sua vez 44 deixa de ser vista como mera propriedade ou qualidade do texto e passa a ser vista ao modo como o leitorouvinte a partir dos elementos presentes na superfície textual interage com o texto e o reconstrói como uma configuração veiculadora de sentidos Essa nova visão acerca de texto contexto e interação resulta inicialmente de uma contribuição relevante proporcionada pelos estudiosos das ciências cognitivas a ausência de barreiras entre exterioridade e interioridade entre fenômenos mentais e fenômenos físicos e sociais De acordo com essa nova perspectiva há uma continuidade entre cognição e cultura pois esta é apreendida socialmente mas armazenada individualmente Ressaltase também a evolução da noção de contexto Para a análise transfrástica o contexto era apenas o contexto segmentos textuais precedentes e subsequentes a um dado enunciado Já para a gramática de texto contexto é a situação de enunciação conceito que foi ampliado para abranger na Linguística Textual o entorno sócio cultural e histórico comum aos membros de uma sociedade e armazenado individualmente em forma de modelos cognitivos Atualmente o contexto é representado pelo espaço comum que os sujeitos constroem na própria interação 45 3 ÚLTIMAS PALAVRAS Vimos durante nosso estudo sobre os estudos de Semântica e Linguística Textual que esses dois campos do conhecimento estão relacionados uma vez que a última trata da construção do sentido no texto e a primeira estuda especificamente questões relativas ao sentido A Semântica assim como o significado não é uma noção única pelo contrário essa ciência se subdivide em várias cada uma elegendo uma definição de significado que acaba por representar uma relação particular entre a linguagem e o mundo Para o estruturalismo o significado é uma unidade de diferença e não tem nada a ver com o mundo Para a Semântica Formal o significado é um termo complexo que se compõe de duas partes o sentido e a referência o sentido de um nome é o modo de apresentação do objetoreferência Já a Semântica da Enunciação vê o significado como o resultado do jogo argumentativo criado na linguagem e por ela E para a Semântica Cognitiva os conceitos são adquiridos por meio de nossas manipulações sensóriomotoras com o mundo A Linguística Textual parte do pressuposto de que todo fazer ação é necessariamente acompanhado de processos de ordem cognitiva de modo que o agente dispõe de modelos e tipos de operações mentais No caso do texto consideramse os processos mentais de que resulta o texto Para essa ciência o texto surge da relação necessária entre um locutor e um interlocutor Nesse processo de construção de sentido que constitui a formação do texto muitos elementos coerência coesão situacionalidade intertextualidade são utilizados com o fim de criar pistas para que o interlocutor chegue ao sentido esperado ou desejado pelo locutor Essas atividades acabam por gerar expectativas de que resulta um projeto nas atividades de compreensão e produção do texto 46 ENCERRAMENTO Parabéns por ter concluído os estudos desta matéria da sua especialização A Editora Famart e seus parceiros a conteudistas prepararam esta apostila baseandose em temas e discussões relativas à esta disciplina Reunimos conteúdos de autores e pesquisadores que são referência na temática apresentada concebendo um compilado desta abordagem de forma didática visando melhor aproveitamento no seu processo de conhecimento e aprendizagem Na presente apostila foram utilizados materiais que estão devidamente referenciados ao final em conjunto com as demais referências de todas as citações viabilizando desta forma a identificação e eventual consulta às fontes Busque materiais auxiliares de estudo para que possam agregar ainda mais no seu conhecimento Dúvidas elogios questionamentos ou orientações quanto ao conteúdo estudado disponibilizamos para esta finalidade a opção de abertura de requerimento através de sua área de estudo Nossos tutores estarão disponíveis para te atender 47 REFERÊNCIAS BENVENISTE E Problemas de Linguística Geral São Paulo Ed Nacional 1976 FIORIN L SAVIOLI P Lições de texto leitura e redação SãoPaulo Ática 1996 GUIMARÃES E A articulação do texto São Paulo Scipione 1990 ILARI R GERALDI J W Semântica São Paulo Ática1999 KOCH Ingedore G Villaça Texto e Coerência São Paulo Cortez 1989 KOCH Ingedore Grunfeld Villaça Introdução à linguística textual São Paulo Martins Fontes 2006 MARCUSCHI L A linguística de texto o que é como se faz Recife Editora da UFPE 1983