·

Psicologia ·

Psicologia Institucional

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Preview text

A Coleção Temas Básicos de Psicologia tem por finalidade apresentar de forma didática e despretensiosa tópicos que são ministrados em várias disciplinas dos cursos superiores de Psicologia ou outros em cujo curriculum constem disciplinas psicológicas O objetivo fundamental é o de oferecer leituras introdutórias que sirvam como roteiro básico para o aluno e que ajudem o professor na elaboração e desenvolvimento do conteúdo programático Aconselhamento psicológico Rosenberg Avaliação da inteligência I AnconaLopez e cols Avaliação da inteligência Testes II AnconaLopez e cols Ciência e pesquisa em psicologia DOliveira Ciência e pesquisa em psicologia Sugestões de atividades DOliveira Diagnóstico psicológico Trinca e col Distúrbios psicomotores Andrade Introdução à psicanálise MKlein Simon Introdução à psicologia cognitiva Penna Nova Ed Introdução à psicologia social Krüger Investigação clínica da personalidade Trinca Psicologia da aprendizagem I Witter Lomônaco Psicologia da aprendizagem áreas de aplicação II Witter Lomônaco Psicologia da aprendizagemAplicações na escola III Witter Lomônaco Psicologia da percepção I SimõesTiedemann Psicologia da percepção II SimõesTiedemann Psicologia do excepcional Amiralian Psicologia e epistemologia genética de Jean Piaget Chiarottino Psicologia escolar Khouri Psicologia institucional Nova edição Guirado Psicologia organizacional Camacho Psicologia organizacional Sugestões de atividades Camacho Psicopatologia infantil I Gorayeb Psicoterapia breve Knobel Teorias da personalidade em Freud Reich e Jung Reis e col Testes projetivos gráficos no diagnóstico psicológico van Kolck EPU EDITORA PEDAGÓGICA E UNIVERSITÁRIA LTDA ISBN 8512624604 Marlene Guirado PSICOLOGIA INSTITUCIONAL Com um texto de José Augusto Guilhon Albuquerque 2ª edição revista e ampliada EPU EDITORA PEDAGÓGICA E UNIVERSITÁRIA LTDA 260911 Sobre a autora Marlene Guirado é psicóloga psicanalista docente do Instituto de Psicologia da USP e analista institucional 2ª edição revista e ampliada 2004 ISBN 8512624604 Sumário Prefácio geral da coleção 07 Apresentação da 2ª edição revista e ampliada 09 Preâmbulo Das Psicologias Institucionais 13 1 A psicologia institucional de Bleger 21 11 O psicólogo a comunidade e a instituição da conceituação da ciência à intervenção 22 111 O conceito de Ciência 23 112 O conceito de Psicohigiene 26 113 Psicologia institucional 28 12 Psicologia Institucional elementos para a compreensão das relações instituídas 39 121 O sincretismo e a identidade do sujeito 40 122 A comunicação e o grupo 43 123 A instituição e a organização 46 13 Da compreensão à postura psicanalítica 48 2 A análise institucional de Georges Lapassade 51 21 Os três níveis da realidade social 54 22 A instituição 56 23 Estado e Ideologia 60 24 Burocracia e poder 62 25 A Análise Institucional 69 251 A análise institucional e o Estado 71 252 Análise Institucional x Análise Organizacional 73 253 As vias de Análise palavra x ação 75 254 A crítica ao movimento e ao conceito de Análise Institucional 78 26 Eis um livro ambíguo 81 3 A análise das instituições concretas de Guilhon Albuquerque 83 Elementos para uma análise da prática institucional José Augusto Guilhon Albuquerque 87 Limites da atenção médica como serviço pessoal 97 1 Limites organizacionais 98 2 Limites institucionais 99 3 Limites internos da atenção médica 102 4 Psicologia Institucional em busca da especificidade de atuação do psicólogo 104 41 A Psicanálise a Análise de Instituições Concretas e a Psicologia Institucional 104 42 Revendo 106 421 Bleger 106 422 Lapassade 108 423 Guilhon 110 43 A questão do objeto e da especificidade do trabalho institucional do psicólogo 110 44 Decorrências de uma especificidade 121 441 Equipe multiprofissional 121 442 Trabalho político e trabalho psicológico 124 443 A questão do contexto o psicólogo na Saúde Mental na Educação na Produção 127 45 Um ponto de partida 129 Referências bibliográficas 131 Prefácio geral da Coleção A Coleção Temas Básicos de Psicologia tem por finalidade apresentar de forma didática e despretensiosa tópicos que são ministrados em várias disciplinas dos cursos superiores de Psicologia ou outros em cujo curriculum constem disciplinas psicológicas O objetivo fundamental é o de oferecer leituras introdutórias que sirvam como roteiro básico para o aluno e que ajudem o professor na elaboração e desenvolvimento do conteúdo programático Neste sentido selecionamos autores com vasta experiência didática em nosso meio os quais em virtude da profundidade de seus conhecimentos e do contato prolongado com alunos cientes da dificuldade de adaptação da literatura importada para o nosso estudante se dispuseram a colaborar conosco Esperamos assim contribuir para a formação de profissionais psicólogos ou não sistematizando e transmitindo de forma simples o conhecimento acadêmico e prático adquirido por nossos colaboradores ao longo dos anos e também tornando a leitura um evento produtivo e agradável Clara Regina Rappaport Coordenadora Apresentação da 2ª edição revista e ampliada Este livro foi originalmente escrito em 1987 Quando de sua revisão buscouse uma certa atualização de expressões e situações datadas características daqueles momentos Os autores aqui trabalhados eram naquela ocasião mais frequentemente ouvidos eou citados nas diferentes ocasiões em que o psicólogo buscasse informação e formação sobre como trabalhar junto a instituições diferentes da do consultório José Guilhon Albuquerque por exemplo dedicavase a pensar diretamente as instituições de saúde e as questões relativas à saúde mental José Bleger era bibliografia quase obrigatória para o estudo dos grupos e Georges Lapassade era embora com menos frequência convocado para questionar qualquer viés psicologizante das atuações de profissionais em Psicologia Há aí de fato modelos de intervenção eou compreensão dos processos institucionais que com o tempo vão ganhando um certo perfil clássico básico para quem quer se interesse pelo assunto e vá trabalhar com isso É assim que se mantêm os três absolutamente atuais e fundamentais sobretudo no que diz respeito à possibilidade de diferenciar as atuações dos profissionais de psicologia Nesse sentido a concepção de instituição como conjunto de práticas concretas Guilhon Albuquerque permanece até hoje um importante organizador da proposta que se fará no Capítulo 4 de uma atuação que garanta a especificidade do trabalho psicológico num terreno que é caracteristicamente estudado pela sociologia as instituições Esse quarto capítulo em especial recebeu uma revisão detalhada Mesmo assim guardou o eixo inicial da sua formulação Apesar de já ter escrito mais sobre o tema em diferentes artigos e livros decidi manter o escopo inicial do capítulo por se tratar aqui de um livro de temas básicos Além disso as derivações deste modo de pensar na pesquisa no consultório e nas instituições outras onde se venha fazer a psicologia poderão encontrar em outras ocasiões suas possibilidades de desenvolvimento Por exemplo Instituição e Relações Afetivas Summus 1986 Psicanálise e Análise do Discurso Summus 1995 A Clínica Psicanalítica na Sombra do Discurso Casa do Psicólogo 2000 Por ora basta desenhar as linhas mestras dessa estratégia de pensamento que faz a ordem do psicológico passar pela do institucional Isto é o que permanece suficientemente original e estranhamente até hoje pouco compreendido a julgar pelas diversas ocasiões em que são discutidas tais idéias Talvez em nenhum outro texto que eu mesma tenha escrito ficou tão destacada a importância de formular uma proposta de atuação do psicólogo que garanta de um lado a especificidade de objeto da Psicologia e de outro o mapeamento do jogo de forças das relações de poder característicos das instituições De qualquer forma uma subjetividade matriciada nas relações institucionais concretas é o que se propõe como o sujeito psíquico alvo das atuações do psicólogo onde quer que faça sua Psicologia Este é o ponto a que se chega com a proposta desenvolvida no Capítulo 4 com apoio em concepções de grupos instituições relações de autores de destacado reconhecimento na área A proposta final não é exatamente a de Bleger nem a de Lapassade ou a de Guilhon É sim uma possibilidade de pensar além desses modos particulares de compreender uma leitura institucional do trabalho com a Psicologia Marlene Guirado Maio de 2004 Preâmbulo Das Psicologias Institucionais Eis uma tarefa difícil buscar o plural daquilo que é sempre referido no singular O termo Psicologia Institucional tem sido usado no Brasil para significar uma área de atuação dos psicólogos Empiricamente foilhe dado um impulso pela circulação dos escritos de José Bleger 1 bem como pela afluência há algumas décadas de psicólogos e psicanalistas argentinos que por razões políticas e profissionais acabaram por deixar definitivamente ou não seu país Assim o trabalho dos psicólogos historicamente distribuído entre consultórios empresas escolas hospitais psiquiátricos e universidades começou a ser percebido falado estudado da perspectiva de ser ou de poder ser um trabalho institucional As técnicas de intervenção em grupos nas organizações de saúde ensino e trabalho os grupos operativos e mais tarde as tentativas de autogestão passaram a configurar em alguns círculos profissionais uma prática dominante que buscava sua extensão no nível das disciplinas mesmas dos currículos dos Cursos de Psicologia e de Formação de Psicólogos Outras leituras ainda especialmente aquelas vindas da Europa contribuíram para o estudo e para o trabalho nessa perspectiva institucional Entre elas podese citar os estudos de Lourau 2 Lapassade 3 Lobrot 4 Mendel 5 Cooper 6 Foucault 7 e Castel 8 Algumas questões tornaramse então o centro das discussões deverseia atuar no plano da instituição como um todo ou apenas compreender as relações instituídas sem necessariamente intervir que instituições atingir as instituições totais hospitais psiquiátricos presídios instituições de menores ou aquelas como a escola as creches as empresas que contribuições a Psicanálise teria a dar nesse âmbito que contribuições dariam a Sociologia e a própria Psicologia Assim uma Psicologia Institucional vai se estabelecendo enquanto inclui a cada passo diferentes orientações teóricas e novas configurações da prática profissional Este movimento de inclusão entretanto acaba por fazer com que se confundam os limites da compreensão sobre que psicologia institucional está sendo feita Passouse a incluir num mesmo rol uma variedade de teorias relativas à intervenção do psicólogo em instituição bem como as diferentes formas dessa intervenção se dar Criouse a impressão de que falar Psicologia Institucional já definia o que efetivamente acontece quando um psicólogo trabalha em instituição É sobretudo para essa indiscriminação que este livro se volta E o faz no sentido de questionála Atribuir à diversidade aqui apontada o nome de Psicologia Institucional ou seja usar o termo no singular é de pouca validade Não se identificam com isso as especificidades dos recortes teóricos nem das práticas de Psicologia em instituições eou organizações sequer se identificam tais práticas na articulação inevitável com outras relativas a outras profissões e a outras áreas do conhecimento humano É diferente pensar a intervenção como a Análise Institucional proposta por Lourau ou Lapassade ou pensála como a Psicologia Institucional proposta por Bleger É diferente ainda pensála com os referenciais da Antipsiquiatria de Cooper ou da Sociopsicanálise de Mendel Muito provavelmente articulamse a estas concepções configurações também diversas da prática institucional da Psicologia Seria portanto preferível falar em psicologias institucionais no plural para garantir a compreensão de como se constituem os discursos teóricos sobre e as práticas de intervenção psicológica nas instituições No esforço de distinguir as diferentes maneiras de pensar e fazer um trabalho institucional este livro destaca algumas contribuições que do ângulo específico da Psicanálise da Psicologia ou da Sociologia permitiram e permitem entender o que se tem feito sob a égide da Psicologia Institucional Com isto não se pretende entretanto esgotar as diversas produções nestas áreas do conhecimento ou analisar exaustivamente cada uma delas A proposta é delineálas e encaminhar o leitor às fontes onde informação e análise poderão ser ampliadas Creio ser esta a contribuição primeira de um livro sobre Psicologia Institucional inserido numa coleção de Temas Básicos de Psicologia apresentar as idéias dos autores que de alguma forma são direta ou indiretamente significativas para o trabalho institucional do psicólogo Outra contribuição é a de suscitar por essa via uma discussão sobre a especificidade da compreensão e intervenção psicológica em diferentes âmbitos da realidade social Desta feita no capítulo 1 Bleger é apresentado como um representante da abordagem psicanalítica aos fenômenos institucionais e à atuação do psicólogo Indissociavelmente ligado aos fundamentos da teoria do vínculo de Pichón Rivière Bleger de forma mais específica que seu mestre escreve sobre a natureza das relações que se dão nos grupos e nas organizações Também aponta o limite o alcance e o campo da ação profissional em Psicologia Se é verdadeiro que é Pichón e com ele uma certa revisão da Psicanálise quem se encontra no bojo da produção de Bleger vamos deixálo apenas subentendido para destacar a singularidade do discurso de Bleger sobre estas questões Com ele mergulhamos no universo que entende as relações sociais como possíveis porque é possível no nível do ego uma diferenciação pela clivagem do sincretismo Com ele pensamos que é este sincretismo ou simbiose apesar de tudo o movimento primeiro para a relação e que do maior ou menor grau de sua integração depende a identidade uma identidade que será portanto sempre grupal e com isto será sempre uma instituição No capítulo 2 um outro discurso um outro pensamento o de Lapassade sobretudo tal como estruturado em Grupos Organizações e Instituições 9 Situando os três conceitos de grupo de organização e de instituição e especialmente repensando o conceito de instituição para além dos limites da formulação althusseriana 10 Lapassade inaugura o terreno da Análise Institucional Propõese como a revelação da dimensão oculta e portanto determinante daquilo que acontece nos gruposbase da vida cotidiana a dimensão institucional Com este autor enveredamos pela compreensão política das relações instituídas bem como pela compreensão da produção da ideologia e do lugar da burocracia neste processo Com ele configuramos a necessidade de libertação da palavra social dos grupos que fazem ou que executam esse cotidiano tomamos contato com a autogestão como uma proposta de trabalho organizativo que do interior das instituições é ocasião para que se expresse a capacidade instituinte por parte desses grupos Com ele finalmente questionamos o lugar do psicossociólogo ou do analista institucional como técnico ou como cientista social Lapassade é sem dúvida um inflamado convite à revolução mais que isto é um provocante convite à revolução permanente No capítulo 3 José Augusto Guilhon Albuquerque cientista político fala em Análise de Instituições Concretas e acena para os psicólogos com a possibilidade de repensar a prática o discurso e as representações institucionais Articulando de forma singular o binômio instituiçãopoder 11 Guilhon define ambos como um exercício enfatizando a necessidade de se considerar a maneira pela qual se produzem concretamente os discursos e as representações que os legitimam Somos convidados por ele a um trabalho de análise que rompendo com a ordem de um determinado discurso ou de um conjunto de representações derivadas das relações instituídas permitirá a sua reconstrução em outras categorias de pensamento as do analista no caso estabelecendo uma outra ordem É com ele que temos os ritos e os mitos como objeto de análise e portanto como objeto de um trabalho que necessariamente recorta a realidade para compreendêla em seus efeitos ideológicos políticos ou econômicos É com ele que abandonamos o sonho de uma compreensão totalizante das instituições como entidades abstratas centrais e dominadoras e o substituímos pelo esforço de entendimento das relações concretas entre técnicos dirigentes funcionários e clientela numa prática institucional podendose no limite máximo falar em práticas dominantes agentes privilegiados e efeitos ideológicos ou políticos de uma determinada instituição Finalmente no capítulo 4 considerando os referenciais da Psicanálise e da Análise de Instituições Maria Luisa S Schmidt e eu procuramos discutir a questão da especificidade do trabalho psicológico no âmbito das instituições e das comunidades Com base na circunscrição dessa especificidade propomos nós também uma Psicologia Institucional O que caracteriza o objeto da Psicologia como área do conhecimento e profissão Como preservar sua singularidade enquanto trabalho psicológico no interior de práticas institucionais como as de produção educação e de atendimento à saúde mental A leitura psicanalítica das relações e a compreensão destas como relações de poder que pelas representações acabam se constituindo na subjetividade dos que fazem estas práticas são apresentadas como uma resposta possível a tais questões Assim propõese que o psicólogo numa definição de Psicologia que a aproxima da Psicanálise utilize recursos que provêm desta última Propõese no entanto também a utilização do instrumental teórico da Análise de Instituições para que se compreenda o âmbito do trabalho como uma relação mediada e por isso redimensionada pelos lugares instituídos e pelo imaginário conjunto de representações da instituição em questão Assim a cada capítulo do livro apresentase o pensamento de um autor o mais próximo possível de sua própria formulação supondo é claro que o crivo do apresentador esteja sempre presente Com isto reafirmo embora o título do livro seja Psicologia Institucional indicando a existência de uma forma de atuação tentase desvendar em seu decorrer a diversidade que ele admite a ponto de não se poder ter uma definição única A considerar pelos modelos teóricopráticos cada Psicologia Institucional é uma Lembro que de uma variedade ampla de autores e concepções escolhemos apenas três Bleger Lapassade e Guilhon Albuquerque As razões desta seleção conforme se poderá verificar na abertura dos capítulos correspondentes são da ordem do conhecimento e da maior divulgação deles entre nós bem como sua condição de falar a partir das compreensões psicanalítica e sociológica Acima de tudo no entanto foram escolhidos pelo significado que tiveram na reflexão teórica e na prática desta autora Cabe finalmente destacar que apenas Bleger usa diretamente o termo Psicologia Institucional para nomear uma determinada forma c um determinado âmbito de ação da Psicologia Outros autores denominam de outras formas o trabalho junto às instituições propondo outras maneiras também de se conceber esse trabalho Vejase no capítulo 2 Lapassade e a Análise Institucional Como em nossa prática profissional muitas vezes não nos damos conta dessas diferenças e chamamos tudo de Psicologia Institucional aproveitarei neste livro um nome conhecido para apresentar e discutir alguns aspectos de sua diversidade Como se notará alguns capítulos foram escritos por ou com a colaboração de outras pessoas que de maneira muito especial e gentil atenderam ao meu pedido para que contribuíssem com seus trabalhos Agradeço a José Augusto Guilhon Albuquerque pela cessão de um texto seu escrito e já publicado em 1977 12 Seus escritos e este texto em particular em muito contribuíram para que eu pudesse repensar minha prática e minha compreensão teórica sobre a Psicologia como profissão e área do conhecimento na delimitação que ela recebe de outras profissões e de outras áreas do conhecimento Creio que da mesma forma o leitor deste livro poderá se enriquecer com o que pensa e diz Guilhon Agradeço também a Maria Luisa Sandoval Schmidt com quem escrevo o último capítulo do livro Lá expomos ao conhecimento e à crítica o esforço de formular uma especificidade possível à intervenção e compreensão psicológica nos trabalhos institucionais Da conjunção pela diferença e pela semelhança de todos estes rumos do pensamento resultam creio o lugar e o valor deste livro sobre Psicologias Institucionalis Ao leitor fica aberta a pesquisa Ao profissional psicólogo lançamse alguns elementos para que possa pensar na prática Marlene Guirado 1 A psicologia institucional de Bleger Desde a década de 60 José Bleger tornase um autor conhecido entre nós por seus trabalhos sobre Psicanálise Psicologia Grupos e Instituições 13 Sua marca está sobretudo na proposta de uma atuação profissional que extrapola os limites do consultório e lida com a saúde mental ou com a psicohigiene nos grupos e nas atividades de vida diária uma proposta que se forma num esforço de articulação teórica entre Psicanálise e Materialismo Dialético 14 Estando sua formação muito ligada a PichónRivière Bleger é no entanto aquele que recupera nos processos grupais a dimensão institucional e política E o faz com tal clareza que se justifica sua escolha e não Pichón como o autor a representar neste nosso livro a concepção predominante sobre Psicologia Institucional Talvez se deva a esta clareza sua aceitação entre estudantes profissionais professores e escritores especialmente no Brasil De resto é o autor que explicitamente emprega o termo Psicologia Institu Entre outras atribuições Pichón é o idealizador de Grupos Operativos um estudioso dos processos grupais e sobretudo um revisor da Psicanálise tomando como centro organizador de suas ideias uma teoria sobre os vínculos cional para designar uma determinada prática da psicologia em instituições Para conhecêlo destacaremos a princípio seus estudos sobre psicohigiene e sobre a intervenção institucional do psicólogo A partir daí deternosemos naqueles seus trabalhos que indicam a compreensão psicanalítica das relações instituídas na dinâmica dos grupos Ou seja faremos para fins didáticos uma inversão do caminho habitual de uma apresentação primeiro expomos como Bleger propõe a intervenção do psicólogo nesses contextos e depois como ele entende as relações que aí se criam 11 O psicólogo a comunidade e a instituição da conceituação da ciência à intervenção Bleger é um autor psicanalista que se distingue por pensar a intervenção do psicólogo nas instituições numa perspectiva sempre política Entendese o termo político aqui como relações de poder que crivam a vida dos grupos e das classes sociais No entanto percebese também seu esforço em demonstrar que esse trabalho deve ser compreendido como uma forma de fazer Ciência numa concepção de Ciência em certo nível muito singular Assim de um lado o Bleger político se denuncia ao escrever e falar sobre a necessidade de o psicólogo ver seu trabalho ligado à Saúde da população de outro o Bleger cientista se faz presente na maioria de seus escritos quando tenta demonstrar o caráter científico da teoria da técnica e da prática psicanalítica e psicológica Por isso antes mesmo de atingir os pontos básicos desta explanação vamos nos deixar conduzir por esse fio do seu pensamento sua concepção a respeito da Ciência 111 O conceito de Ciência Na abertura do livro Psicohigiene e Psicologia Institucional 15 Bleger afirma a necessidade de a Psicologia se inserir na realidade social por meio do estudo de grupos de instituições e das comunidades uma vez que segundo ele a dimensão psicológica está presente onde quer que o ser humano intervenha Afirma com isso a função social do psicólogo e a transcendência social da Psicologia 16 Este lançarse para a realidade social deve se dar no entanto com duplo sentido sempre o da Psicologia como profissão e o da atenção ao seu caráter científico Assim voltado para a Psicologia como uma Ciência e para a compreensão dos seres humanos ele afirma a necessidade de o trabalho do psicólogo ser por um lado uma constante investigação de leis psicológicas que dirigem a conduta e por outro uma investigação que não se desvincula do cotidiano Cabe no entanto entender que sua concepção de Ciência difere daquela das Ciências Naturais Nestas supõese a objetividade da observação a possibilidade de um registro fiel que exclui as impressões de quem observa e registra desconsiderando a interferência que o observador provoca no campo observado pretendese uma independência entre o observador e o observado Bleger contrapõese a isto e chega a dizer que na medida em que o objeto de estudo da Psicologia é o homem o máximo de objetividade que se consegue é aquela que supõe o sujeito que observa como um dos elementos do campo de observação 17 Portanto o grau máximo de objetividade é conseguido quando se inclui a subjetividade Com isto não nega a existência de uma realidade objetiva O que nega é a possibilidade do conhecimento objetivo E isto se dá com maior razão no conhecimento psicológico visto que observadorobservado investigadorsujeito são sempre variáveis de um campo de relação Bleger opõese dessa forma à concepção de que o objeto de investigação seja uma unidade com qualidades internas que possa ultrapassada a aparência ser atingida em sua essência Afirma isto sim que as qualidades de qualquer objeto são sempre relacionais derivam das condições e das relações nas quais se acha cada objeto em cada momento 18 Assim se o que investigo ou procuro conhecer é a conduta humana esta conduta é sempre entendida como uma relação e supõe também sempre a subjetividade O conhecimento psicológico será portanto aquele que na relação se faz dela própria É a relação o que se conhece E ela é sempre uma realidade intersubjetiva Ora se nossa condição humana supõe a fantasia o desejo as ansiedades os mecanismos de defesa o inconsciente enfim segundo o autor é com ou por meio de isto tudo que aprendemos investigamos e conhecemos inclusive quando nos propomos à investigação científica Tanto o cientista da conduta quanto o sujeito de sua pesquisa participam desta condição Assim é na do interior da intersubjetividade que se pesquisa em Psicologia Por essa razão Bleger aponta em outro momento para o nexo estreito e a passagem sutil entre o imaginar o fantasiar o pensar e o postular hipóteses científicas 19 Afirma ainda que a investigação se torna possível pela transferência entendida aqui como a repetição de sentimentos e fantasias do sujeito a ser conhecido na relação com seu conhecedor e pela contratransferência utilizada como mais um fator para o levantamento de hipóteses sobre o campo da relação Bleger enfatiza então no Entrevista Psicológica 20 que o instrumento de trabalho do entrevistador é ele mesmo sua própria personalidade e que ele trabalhará sempre em certa medida dissociado ou seja ao mesmo tempo identificase projetivamente com a situação e permanece no papel diferenciado de entrevistador garantindo a distância mínima para assinalar apontar e interpretar as oscilações de campo que se criam Em outro texto 21 elucida o que é esta subjetividade que atravessa todo conhecimento Faz isto quando se detém na compreensão e explicação de o que é a aprendizagem Toda situação nova desperta ansiedade Esta ansiedade é maior quanto menor for a distância entre os conteúdos internos daquele que se propõe à aprendizagem e aquilo que se propõe a ser aprendido ou seja quanto maior for a identificação do sujeito que se propõe a conhecer com o objeto do conhecimento No interjogo da ansiedade que a identificação desperta e de sua superação quando da incorporação simbólica como conteúdo intelectual ou como representação consciente é que se delineia o subjetivo o caracteristicamente humano Esta é a objetividade única no ato de aprender produzir e conhecer Desta feita a Psicologia como Ciência para Bleger assume uma conotação que se distancia e mesmo nega o modelo das Ciências Naturais ou das Ciências Humanas constituídas sobre o modelo das Ciências Naturais Sua proposta é a de fazer a Psicologia sair dos consultórios e dos limites terapêuticos para abarcar a realidade cotidiana e se esse trajeto deve ser científico a função social do psicólogo será sempre traçada como uma intervenção investigadora Nela levanta hipóteses e atinge conclusões parciais retomadas por novas hipóteses que por sua vez permitem a relatividade de outras afirmações e assim se vai indefinidamente O conhecimento descontínuo e inacabado é um desafio constante 13 112 O conceito de Psicohigiene Uma vez tendo situado a concepção de Ciência que cremos permeia toda a proposta de Bleger para a intervenção psicológica vamos nos deter agora na formulação que o autor faz dessa intervenção quando ela se dá fora dos limites físicos dos consultórios particulares Para este autor a saída dos consultórios não constitui apenas uma variação do trabalho psicológico uma forma diferente de se fazer Psicologia É sobretudo uma necessidade social Nesse caminho ele situa a Psicohigiene e a Psicologia Institucional Para que melhor se compreenda a Psicologia Institucional é importante falar sobre Psicohigiene Isto porque no movimento desta última Bleger configura a primeira procurando a partir de ambas definir a função social do psicólogo É especialmente neste esforço de demonstrar que o psicólogo pode e deve desenvolver um trabalho socialmente mais abrangente que se colocam suas idéias e práticas nas comunidades nos grupos e nas instituições A Psicohigiene deve se desenvolver junto à população dentro dos serviços de Higiene Mental e Saúde Pública Tem no entanto objetivos diferentes destes últimos busca proporcionar condições para a vida e a saúde nos grupos básicos de interação como a família a escola o trabalho e as atividades comunitárias Difere da Higiene Mental e da Saúde Pública não se ocupa da doença ou de sua profilaxia nem se restringe às estratégias técnicas de cura ou de recuperação terapêutica Mas se define como um trabalho psicológico nas situações comuns da vida das pessoas em torno das tarefas diárias e ordinárias promovendo o bemestar 22 Em tais situações o psicólogo deve ocuparse da relação interpessoal e do desenvolvimento da personalidade em torno dessas tarefas e visando sobretudo o bemestar Para tanto lidará com os preconceitos os hábitos e as atitudes das pessoas e dos grupos em ocasiões de mudança ou em momentos críticos como doenças acidentes imigração gravidez desmame questões da puberdade além das situações comuns da rotina diária e do crescimento humano hábitos de alimentação escolaridade fases ou momentos característicos como a infância a adolescência a velhice Enquanto define a Psicohigiene além de diferenciála daquelas áreas que lidam predominantemente com as questões da doença Bleger faz uma outra distinção significativa a do trabalho do psiquiatra e do psicanalista em relação ao do psicólogo Relaciona os primeiros psicanalistas e psiquiatras com as atividades curativas e terapêuticas e os terceiros psicólogos com as atividades de saúde e vida Faz também a ressalva de a formação dos psicólogos instrumentálos para um tipo de intervenção específico e diferenciado da atuação psicanalítica Apesar destas delimitações não ficarem suficientemente claras em seu texto é importante afirmálas aqui porque Bleger se mostra incisivo ao dizer que o psicólogo deve trabalhar com os recursos que lhe advêm da Psicologia e não como se propõe atualmente com os que advêm da Psicanálise até porque situa a psicanálise no âmbito das atividades terapêuticas Enfatiza a importância do estudo da Psicanálise para a compreensão da dinâmica inconsciente das relações grupais e institucionais bem como para o entendimento dos conflitos defesas e ansiedade nessas relações Mas ao atuar deverá se restringir a técnicas psicológicas embora não esclareça quais sejam Faz supor no entanto que sejam aquelas que visam o questionamento de hábitos e posturas mais do que as técnicas de interpretação de fantasias inconscientes 14 Esta definição de Psicohigiene expressa os limites entre a possibilidade de compreender e a de intervir a partir dos pressupostos psicanalíticos no trabalho que o psicólogo venha a desenvolver A Psicanálise permitelhe uma leitura do inconsciente nas relações da vida diária Mas a ação deterseá se não apenas no plano do manifesto quando muito no plano ideológico entendido aqui como o plano das preconcepções hábitos atitudes etc Estas discriminações porém nem sempre se sustentam quando ele passa a propor a atuação do psicólogo enquanto psicólogo institucional Como a Psicologia Institucional é o tema central deste livro passaremos a descrevêla mais pormenorizadamente Lembramos apenas que o termo Psicologia Institucional configura o discurso de uma compreensão bastante singular sobre o que seja o objeto e o âmbito de ação do psicólogo nas instituições 113 Psicologia institucional Esta publicação continua o propósito fundamental de criar infiltração atraindo a atenção dos psicólogos para enfoques menos limitados ou mais amplos que permitam sua melhor situação social um cumprimento mais eficaz de seu papel profissional ou técnico de psicologia voltando seu trabalho para atividades sociais de maior envergadura transcendência e significação 23 Com essas palavras Bleger inicia sua fala específica sobre o tema Caracteriza portanto em princípio a Psicologia Institucional como uma forma de intervenção psicológica com significação social E como este é no seu entender um terreno ainda novo exigirá a postura permanentemente investigadora que ele postula para que surjam instrumentos conhecimentos técnicos que o viabilizem Ora a Psicologia Institucional no momento mesmo de sua propositura recoloca a questão do movimento da Ciência e da Prática da Psicologia E será por meio dessa discussão que Bleger apresentará ao leitor uma articulada e particularíssima relação entre o fazer psicológico o psicanalítico o social e o científico De um lado a postura investigadora científica portanto da Psicologia Institucional numa ampliação da abrangência social necessária da Psicologia é algo que não se desvincula de seu trabalho concreto Em decorrência a Psicologia Institucional a prática não será uma mera aplicação da Psicologia a ciência mas sim uma forma de fazer a Psicologia como ciência e profissão isto tudo numa relação em que mais uma vez a prática não se submeterá à ciência e esta não terá lugar fora daquela De outro lado é o método clínico a proposta do autor para que se dê tanto a intervenção quanto a investigação Embora à primeira vista possa parecer curioso ter um método clínico como veio da Ciência faz sentido quando se pensa a ciência como ele propõe O enquadre da tarefa será o ponto de enfraquecimento entre o caráter clínico da intervenção e a condição de ser uma atividade científica Isto porque o enquadre terá no interior da estratégia de atuação o lugar e a relevância que ele tem na teoria e na técnica psicanalítica ou seja ele será a ocasião para que se garanta a distância instrumental necessária a fim de se compreender e se analisarem as relações no caso institucionais Além disso ele é o que dá as constantes dentro das quais se podem controlar as variáveis do fenômeno investigado que é sempre a própria relação intersubjetiva Assim os primeiros contatos do psicólogo com a instituição para a feitura do contrato de trabalho a programação e a realização mesma da intervenção profissional estariam inscritos num quadro de referência que permite levantar hi póteses sobre o sentido das relações que vão se constituin do modificando eou cristalizando Uma vez que o método é o clínico essas hipóteses se traduzem em interpretações que confirmadas ou refutadas pelas vias mesmas em que se considera confirmada ou refutada uma interpretação na teoria e na técnica psicanalíticas abrem novos caminhos para a ação institucional do psicólogo Tais considerações iniciais são básicas para definir ou caracterizar a natureza da Psicologia Institucional no enten der de nosso autor A instituição enquanto totalidade e a estratégia clínica Dois supostos são nucleares na configuração da Psicolo gia Institucional a esta forma de atuação é diferente de trabalho psicoló gico em instituição porque b o que se faz aqui é lidar com a instituição como tota lidade Decorrem desses princípios assim ligados as considera ções todas de Bleger a respeito do lugar institucional do psicólogo da relação entre seus objetivos e os da institu ção bem como a respeito do método pelo qual pautará sua ação De início diferenciase a Psicologia Institucional daque las práticas que se limitam a tarefas como a aplicação de tes tes para verificar as possibilidades de aprendizagem de alu nos em escolas ou a feitura de diagnósticos e relatórios de pacientes em hospitais ou ainda diferenciase de ativa des terapêuticas com pessoas ou grupos perdendose de vista o todo das relações em que se inserem Em seguida podese afirmar que o psicólogo na condi ção de psicólogo institucional não poderá ser por contrato de trabalho um empregado mas sim um assessor ou con sultor Isto porque embora financeiramente vinculado à ins tituição deve garantir autonomia profissional para não pre judicar o manejo técnico das situações que venham a se de senhar desde os primeiros contatos com o grupo que solicita a intervenção até o curso final do trabalho Somente desse lugar de assessor poderá projetar sua tarefa em função de seu próprio diagnóstico e não em função do que lhe quisee determinar a direção ou outros técnicos Apesar de Bleger não ser explícito nesse ponto a autono mia técnica tem a ver por certo com a condição de um com prometimento diferente do psicólogo com o imaginário da instituição ou melhor com os processos inconscientes das relações interpessoais e grupais no conjunto das práticas ins titucionais E segundo ele pelo que se poderá depreender do que posteriormente faremos constar como princípios bá sicos do enquadre esta autonomia é uma imperiosa exigên cia para que se configure o caráter analítico da intervenção Está implicada aí a questão dos objetivos os do psicol ogo e os da organização que o contrata O objetivo geral do psicólogo deverá ser o da psicohigiene ou seja o de pro mover a saúde e o bemestar dos integrantes da instituição 24 Ele será um técnico da relação interpessoal dos víncu los humanos um técnico da explicitação do implícito Sua função não será jamais a de decidir ou resolver os proble mas da instituição nem de executar as ações decididas nos grupos A descoberta de soluções concretas e a execução das ações propostas será sempre uma tarefa dos organis mos próprios da instituição 25 Isto remete Bleger a no vamente delimitar o lugar do psicólogo ele não poderá ser um administrador um diretor um executivo ou ter qual quer outra função no organograma superposta à de asses sor da entidade 16 Enquanto faz tais afirmações Bleger torna claro seu re ferencial teórico e técnico a psicanálise agora exercida no âmbito de instituições outras que não o consultório Assim prosseguirá discutindo no Psicologia Institucional 26 os objetivos da instituição Situaos como se apresentando em dois níveis implícito e explícito em geral não coinci dentes e de tal maneira formulados que o que se apresenta como motivo da solicitação do trabalho do psicólogo não é o problema da instituição mas sim um sintoma dele Este fato orienta uma inevitável leitura sempre em dois níveis da expectativa que se tem em relação ao profissional Mais que isto exige de início um esclarecimento a respeito dos objetivos que o psicólogo tem com a intervenção assim como a respeito da demanda institucional A independência pro fissional do psicólogo ficará desde esse momento nomea da evidenciada Bleger é então categórico ao afirmar que não se deve aceitar o trabalho como um ánimo oculto de torcer seus ob jetivos ou seus procedimentos 27 Isto é o psicólogo não deve ocultar de quem o contrata seu propósito de desenvol ver um trabalho com a totalidade da instituição atingindo o conjunto das relações que ali se estabelecem Partindo então do pressuposto de que a Psicologia Insti tucional é um trabalho com o todo da instituição e por isso chamando a atenção para a importância de se definir o lugar do psicólogo fora do organograma formal ou seja como consultor e não como empregado e de se esclarecer a de manda institucional e os fins da intervenção Bleger formula as características do método de trabalho Com essa discus são se alinhava a questão da estratégia clínica numa inter venção institucional Por ser o autor tão explícito e orientador nesse ponto e por ser esse o aspecto que melhor define sua proposta no âmbito do fazer e do saber psicanalítico vamos nele nos fixar mais detidamente a partir de agora usando quando possível as próprias palavras de Bleger É aqui também como se verá que o enquadre da tarefa assu me a conotação que antes lhe atribuíamos de articulador do cará ter científico e praticamente da ação institucional do psicó logo tal como proposto por Bleger Conforme dissemos o método da Psicologia Instiucio nal será sempre o clínico marcado como se encontra pelo enquadramento da técnica psicanalítica Deverá no entanto estar adaptado às necessidades deste âmbito e aos proble mas que aqui temos que enfrentar28 Por isso a observa ção deverá existir sempre ela é outra característica funda mental deste método que precisa ser adaptado Mas ela só se dará sob as condições que o enquadre define Não será ape nas um registro detalhado e completo dos dados mas uma indagação operativa a observação dos acontecimentos na ordem mesma em que se dão a compreensão do seu signifi cado e da relação entre eles a interpretação o assinalamento ou reflexão no momento oportuno com base nesta compre ensão e a consideração desta interpretação como uma hipó tese que uma vez proferida produzirá efeitos que devem por sua vez fazer retornar este ciclo no movimento da es piral dialética como diria Pichón e o próprio Bleger Es perase no curso do trabalho que os agentes e grupos da instituição metaaprendendo possam também observar refletir e buscar os sentidos do vivido institucional Como conjunto de princípios a reger a ação do psicoló go o enquadramento poderia ser assim esquematizado 29 1 Atitude clínica consiste no manejo de um certo grau de dissociação instrumental que permita ao psicólogo por um lado identificarse com os acontecimentos ou pessoas mas que por outro lado lhe possibilite manter uma certa distância que faça com que não seja 17 pessoalmente implicado nos acontecimentos que devem ser estudados e lhe possibilite que seu papel específico não seja abandonado 2 Esclarecimento da função profissional do psicólogo como consultor ou assessor estabelecendo o tempo que dedicará ao trabalho os honorários a dependência econô mica e a independência profissional não aceitando prazos fixos para tarefas e resultados exceto para o relatório diag nóstico bem como não aceitando exigências de soluções urgentes 3 Esclarecimento dos limites e do caráter de sua tarefa profissional em todos os níveis ou grupos nos quais for atuar não realizar nenhuma tarefa com aqueles grupos seções ou níveis da instituição que não manifestarem a aceitação correspondente O tempo que isto custa não deve ser considerado como tempo perdido mas sim como um tempo no qual já se está cumprindo parte da tarefa através do esclarecimento e da informação ampla e detalhada mas recolhendo elementos de observação sobre as características do grupo seção ou nível e de suas tensões conflitos tipos de comunicação lideranças etc 4 Esclarecimento sobre a informação dos resultados bem como a quem serão dirigidos que não deve ser nunca fora do contexto institucional nem fora da tarefa profissional Não admitir imposições nem sugestões sobre um parcelamento das informações 5 O que diz respeito a um determinado grupo será trata do apenas com ele um relatório psicológico não deve ser apresentado enquanto todo o que em dito relatório possa constar não tenha sido previamente submetido à elaboração do grupo ou da seção de que se trate Todo relatório ou interpretação deve respeitar o ritmo timing da elaboração dos dados De nenhuma maneira a dependência econômica obriga a apresentar tal relatório aos dirigentes de uma instituição se o grupo a que concerne se opõe a isto Se o psicólogo está obrigado ou comprometido a apresentar dito relatório a outros setores da instituição deve fazêlo saber antes de começar a trabalhar com um grupo ou com uma seção 6 Quanto aos contatos extraprofissionais limitálos ou excluílos totalmente no caso de tais contatos não poderem ser eludidos ou excluídos eles não devem implicar em nenhuma informação ou nenhum comentário sobre a tarefa ou o curso da mesma O manejo da informação não é só um problema ético mas sim um instrumento técnico 7 Quanto à relação entre os grupos ser abstinente e não tomar partido profissionalmente por nenhum setor nem posição da instituição 8 Quanto ao lugar ou à natureza da atividade profissio nal do psicólogo limitarse ao assessoramento e à atividade profissional não assumindo nenhuma função diretora administrativa nem executiva O psicólogo não dirige não educa não decide não executa decisões ajuda a compreender os problemas que existem e ajuda a problematizar as situações Não transformar uma instituição em uma clínica de conduta Não tratar problemas pessoais de forma individual ou grupal Centrar o trabalho psicológico na tarefa ou função que se realiza e em como se realiza O psicólogo não deve compartilhar responsabilidades na parte em que os efeitos de uma medida ou de uma mudança não dependam de seu assessoramento e de sua atuação não deve assumir para si responsabilidades alheias Não formar superestruturas que desgastam ou se sobreponham com as autoridades ou líderes da organização formal ou informal da instituição Tomar em conta a parte em que as autoridades de uma instituição sintamse afetadas ou menosprezadas por ter que recorrer a outro profissional 9 Quanto à dependência em relação ao seu trabalho não fomentála pelo contrário facilitar sua solução 10 Quanto à postura frente ao grupo controle dos traços da própria onipotência em não agir nem admitir a auréola de mago nem de podetudo A função é de um estudo científico dos problemas para transmitirse o conhecido num dado momento 11 Quanto ao sucesso do trabalho e à saúde da instituição Não tomar como índice de avaliação da tarefa profissional o programa da instituição em seus objetivos e sim o grau de compreensão insight de independência e de melhoramento das relações quer dizer o progresso nos objetivos da Psicologia Institucional Uma instituição não deve ser considerada sadia ou normal quando nela não existem conflitos e sim quando a instituição pode estar em condições de explicitar seus conflitos e possuir os meios e possibilidades de arbitrar medidas para sua resolução 12 Quanto ao manejo da informação A operatividade da mesma não só depende da veracidade como também do timing momento em que é dada e de sua quantificação graduação da mesma Em última instância não se trata de informar e sim de fazer compreender os fatores em jogo em outros termos da tomada de insight 13 Quanto à resistência O psicólogo deve contar sempre com a presença de resistência explícita ou implícita ainda que da parte daqueles que manifestamente o aceitam O investigar a resistência forma parte fundamental da tarefa profissional e ao investigálo o psicólogo constituise infalivelmente e só por este fato em um agente de mudança que pode incrementar ou promover resistências Este enquadre deve ser estabelecido desde os primeiros contatos do profissional com a instituição E como dissemos isto deve acontecer quer no que se refere aos seus ob jetivos e ao caráter de sua relação com a direção e com os demais grupos quer no que se refere ao esclarecimento dos objetivos da instituição em relação ao seu trabalho quer no que tange à leitura que faz das ansiedades frente à mudança à leitura do grau de aceitação ou rejeição implícitas ao trabalho do psicólogo às fantasias projetadas sobre ele às expectativas dos grupos institucionais entre outros Isto porque já a maneira como se formula o contrato e se estabelece o enquadre diz ao psicólogo a respeito da dinâmica da instituição Segundo Bleger estes conflitos de que o psicólogo é depositário não deveriam ser considerados índices de patologia porque se apresentam como o novo o desconhecido ou melhor representam a ocasião de alteração das estereotipias nas relações institucionais Pelo contrário o que indica o grau de patologia das relações é a ausência de conflitos ou a ausência de recursos para resolvêlos bem como sua expressão na forma de dilema e ambigüidade São sinais de dificuldades para o trabalho do psicólogo quanto mais estiverem intensificados a estereotipia como a forma rígida e repetitiva para lidar com as ansiedades o dilema como a forma defensiva extrema dos conflitos onde opções irreconciliáveis deixaram de estar dinamicamente em jogo e a ambigüidade que agirá como amortizador ou encobridor dos conflitos Nestas situações de dilema ambigüidade e ausência o conflito é de difícil enfrentamento pois não atinge a conotação de problema o que seria então passível de solução Para que se possa trabalhar é necessário transformar a ambigüidade em conflito e os conflitos em problemas 30 Assim se o conflito é normal e imprescindível no desenvolvimento de qualquer manifestação humana 31 não se trata de procurar eliminálo ou mascarálo na ambigüidade Tratase sim de permitir à instituição o acesso ao instrumento para sua explicitação e manejo de forma que se veja diante de problemas a resolver Mas para esta mobilização é necessário um mínimo de insight de seus conflitos por parte da instituição É isto que em primeira instância acaba por levála a procurar os serviços do psicólogo Quando esta demanda não existe ou não foi ainda que precariamente expressa este profissional deve desistir de qualquer estratégia tática ou técnica de intervenção Como se apontou antes é tarefa inglória buscar torcer os objetivos explícitos da instituição com relação ao trabalho do psicólogo O que se observa ainda é que justamente este enquadre é o que mais será atacado ou sabotado pela instituição Quanto maior for o grau de ambigüidade ou de estereotipia de paralisação portanto nas relações entre pessoas e grupos maior o ataque Podese até de forma intencional comprometer o psicólogo como pessoa e não como profissional É nessa dinâmica que o contrato por assessoria protege o enquadre e se torna condição melhor para que o trabalho se realize dentro de determinados limites e com maior segurança O enquadre então serve como um esquema referencial para a tarefa da psicologia institucional permite situar papéis ou lugares nas relações grupais é sempre o referente para o reestabelecimento de limites às inclusões no sentido de anular as diferenças e as especificidades necessárias em certos momentos na consecução de determinadas tarefas na relação com o psicólogo e no conjunto das relações institucionais Esperamos que o leitor tenha conseguido a partir desta breve apresentação compreender o que afirmamos no início deste item a considerar a Psicologia Institucional de Bleger é no contexto da intervenção do psicólogo no que ela tem sincrético formamos vínculos que não permitem a distinção entre o que é sujeito e objeto da libido Pelo ego organizado podemos nos ver em relação com um outro Deriva desta formulação teórica a afirmação de que a simbiose é um fortíssimo vínculo mas não uma relação Só na relação se pode falar numa realidade intersubjetiva que supõe dois em interação Ao contrário no vínculo simbiótico o outro se constitui na projeção maciça de conteúdos internos do um A distinção entre o ego sincrético e o ego organizado com isto o surgimento da relação será possível pela clivagem dos processos mais primitivos da sociabilidade A clivagem mecanismo de cisão do ego que permite a coexistência de duas atitudes psíquicas em relação à realidade uma levando em conta e outra negando não elimina esses processos primitivos de sociabilidade Pelo contrário Faz com que eles convivam ao lado dos processos do ego organizado sem que se influenciem reciprocamente Assim o sincretismo permanece como forma de comunicação na expressão préverbal ou como uma linguagem factual sem valor simbólico Isto se dá de maneira não integrada dissociada paralela à comunicação por interação É nesse contexto que se coloca a questão da identidade para Bleger Ela jamais será um corte absoluto de individuação Será sempre uma diferenciação possível sobre um fundo de indiferença Tal como formulada por este autor a identidade do sujeito suporá via de regra dois níveis o sincretismo é o pano de fundo o código primeiro onde se delinearão os contornos da personalidade nos limites mesmos em que isto é possível e perpetuando em certo grau a indisciminação e a ambigüidade 42 122 A comunicação e o grupo É do interior dessa descrição sobre o que constitui a identidade e sobre as formas de comunicação que se tornam então possíveis que Bleger teoriza sobre o grupo e sua relação com a estruturação da personalidade do sujeito O grupo não será para ele uma entidade acima dos indivíduos mas sim a resultante desta possibilidade de se vincular pela sociabilidade sincrética e de se relacionar pela sociabilidade organizada interativa Com isto podemos dizer que a comunicação no grupo é este permanente movimento de indiferenciação ou seja diferenciação e indiferenciação Mas podemos também de outra forma dizer que exatamente por este movimento o indivíduo é sempre e em primeira instância grupo Bleger vai além Afirma a mesma relação entre a identidade e a Organização entendida aqui como um conjunto de grupos distribuídos num organograma e que interagem num determinado espaço físico uma escola um hospital uma empresa por exemplo A relação nas e pelas Organizações é possível porque existem os aspectos organizados e normatizados da personalidade eou de relação que fazem das normas e pautas de conduta das Organizações o seu controle e a garantia da clivagem dos aspectos sincréticos e indiferenciados Desta forma podemos dizer que a Organização é parte da personalidade porque a personalidade é também organizada E qualquer mudança que se provoque na Organização como conjunto de grupos com tarefas e objetivos comuns no espaço e no tempo implica numa mudança da própria personalidade Assim o indivíduo o grupo e a organização constituídos aos olhos do observador como entidades separadas e isoladas existem apenas na mais completa articulação destas duas instâncias a sincrética e a organizada da co 43 municação e da sociabilidade Isto se dá a tal ponto que a dissolução de uma organização ou a tentativa de mudança da mesma pode ser diretamente uma desagregação da personalidade e não por projeção mas porque diretamente o grupo e a Organização são a personalidade de seus integrantes 33 Bleger prossegue afirmando nessa linha que algumas vezes e para alguns indivíduos os grupos e as organizações constituem toda a sua personalidade Como se pode notar ele identifica a estrutura da personalidade e a do grupo como se fossem até certo ponto pólos estabelecidos formalmente para a compreensão de um fenômeno contínuo Conclui ele que as instituições e organizações são depositárias da sociabilidade sincrética ou da parte psicótica e isto explica muito da tendência à burocracia e da resistência à mudança 34 no interior das instituições Novamente observase aqui como Bleger teoriza os processos grupais e institucionais a partir do movimento próprio da dinâmica intersubjetiva Em sua fala sobre os grupos Bleger comenta dois exemplos no texto O grupo como instituição 35 no sentido de denunciar os níveis sincréticos da comunicação e sua relação com os níveis organizados O primeiro deles é o de uma fila de espera Poderseia pensar que uma fila não é grupo porque não há interação entre os membros Sartre é um dos que vêem nela apenas uma serialidade em que cada indivíduo é equivalente ao outro e todos se indistinguem entre si as pessoas estão ali isoladas e assemelhadas neste isolamento só a ordem de chegada é que os diferencia Entretanto Bleger vê o sincretismo exatamente nesta transitividade e nesta semelhança de todos diante de uma norma a de que há uma ordem de chegada que deve ser respeitada para se atingir o fim a que cada um se dispõe A indistinção entre si na relação com a norma os vincula Há portanto aí um certo tipo de sociabilidade e com ela o pano de fundo para a existência do grupo Outro exemplo é o da mãe e do filho diante da TV Eles não se falam não se olham ele brinca e ela costura Aparentemente não há comunicação entre eles cada um executa uma ação independentemente do outro Entretanto se a mãe sai da sala o menino interrompe sua atividade e a segue sem que nada seja dito Bleger aponta aqui para a existência de uma ligação profunda préverbal que nem sequer necessita de palavra 36 uma ligação que segundo ele seria inclusive perturbada pela palavra É a sociabilidade sincrética É a este sincretismo que Bleger atribui a ansiedade que um determinado participante expressa diante de um grupo novo grupo terapêutico ou de trabalho ou mesmo uma relação que se inicia Costumase afirmar que situações novas despertam ansiedades paranóides pelo medo do desconhecido Bleger entretanto reformula esta hipótese Afirma que o que se teme não é o desconhecido de fora mas sim aquele que existe dentro do conhecido Ou seja o que se teme é tomar contato com esta forma particular da organização sincrética que dilui os limites do pessoal a identidade e que significa a não utilização de modelos estereotipados e seguros de relação Temese que a figura submerja no fundo homogêneo não permitindo o destaque a distância ou a distinção da identidade Bleger afirma que os grupos temem uma regressão a níveis de sociabilidade sincrética presentes para cada participante antes mesmo de virem ao grupo e desde os primeiros momentos de seu encontro com os outros nesse contexto Só pela clivagem e imobilização desses aspectos é possível acontecer uma comunicação por interação e uma produ 45 ção organizada do grupo bem como o trabalho terapêutico com os níveis mais integrados da personalidade e do grupo Fica suposta a partir daí uma identidade grupal que pode ser percebida nos mesmos dois níveis da dinâmica com que se compreende a identidade do sujeito de um lado a relação é a condição para um trabalho em comum pautado por normas e regras aspectos institucionalizados do grupo de outro o vínculo expresso na tendência à anulação de limites e diferenças entre os participantes e as tarefas identidade grupal sincrética Conforme a intensidade da clivagem e portanto conforme o grau de relação entre os dois níveis da estruturação da personalidade e do grupo teremos diferentes configurações grupais Em linhas gerais podemos distinguir três dessas configurações a aquela que se compõe de indivíduos predominantemente simbióticos ou dependentes e que provavelmente terão a identidade grupal com a mais completa que podem atingir b aquela que se compõe de indivíduos neuróticos ou normais que alcançaram uma certa individuação e que terão a desenvolver a sociabilidade por interação apresentandose como grupos produtivos ou motivados nesses grupos segundo Bleger as coisas acontecem para não acontecer nada o nível sincrético está em geral sob forte controle e apartado da produção consciente c aquela que se compõe de indivíduos para os quais o grupo parece desempenhar um papel subsidiário e pouco importante na medida em que se esquivam dos vínculos simbióticos até por que tendem a ele de forma não manifesta 123 A instituição e a organização Bleger falará então sobre instituição e organização a partir dessa teoria a da intensidade da clivagem b da maior ou menor flexibilidade dos grupos para ir e vir do nível sincrético ao organizado bem como c do grau de ansiedade que isto desperta Segundo ele o grupo é sempre uma instituição muito complexa ou melhor é sempre um conjunto de instituições 37 Isto porque entende a instituição como o nível interativo correspondente ao ego organizado do funcionamento grupal Mas na medida em que este funcionamento se estabiliza excessivamente em que se criam estereotipias muito rígidas o grupo acaba se burocratizando Nisto toma as formas da Organização A normatização da conduta para que se atinjam os objetivos explícitos transformase num fim em si exigindo a fidelidade dos integrantes de maneira que a sua perpetuação como organização tornase a meta Quando isto ocorre o objetivo terapêutico de um grupo fica impedido ou submetido A sociabilidade sincrética fica imobilizada por uma ação muito intensa da clivagem entre este nível e os da interação Resguardamse de forma fixa e estável os aspectos organizados do grupo à própria clivagem e se passa à imobilização e depósito maciço dos aspectos simbióticos ou parte psicótica do grupo Como se pode notar Bleger aborda a questão da burocracia das Organizações como tendo respaldo nesta estruturação particular da personalidade e portanto nas condições da relação interpessoal e grupal Assim podemos dizer que a organização faz parte da personalidade que o grupo e a organização são a personalidade de seus integrantes Dessa dinâmica podese concluir que toda Organização tende a ter a mesma estrutura do problema que deve enfrentar e para a qual foi criada 38 As organizações padecem portanto do mesmo mal que pretendem erradicar Bleger cita como exemplo o isolamento a privação sensorial e o déficit de comunicação dos hospitais psiquiátricos 46 47 Indo além dá um lembrete para os técnicos que numa organização dispõemse a lidar de forma terapêutica com os grupos da mesma forma como a Organização como um todo a equipe técnica tende a se estruturar de maneira rígida evidenciando resistência às mudanças Isto porque também integramos as Organizações e elas fazem parte de nossa personalidade 13 Da compreensão à postura psicanalítica Apoiados nestas formulações teóricas sobre o vínculo e a relação bem como sobre o indivíduo o grupo e a instituição podemos entender o que Bleger propõe como a tarefa do psicólogo institucional atuar sobre a totalidade da instituição tendo em vista as relações entre os grupos do organograma da instituição e fazêlo a partir do enquadre que define uma postura de independência técnica e que permite a dissociação instrumental De um lado Bleger pode justificar com isto que o psicólogo não se inclua no organograma como empregado ou somando à sua outra função qualquer Isso diminuiria sensivelmente a distância précondição para compreender e trabalhar as vicissitudes do vínculo sincrético É óbvio que Bleger não está admitindo aqui a neutralidade do profissional mesmo na condição de assessor Ele estará sempre envolvido em algum grau no fundo de sociabilidade por indiferenciação ainda que esteja com papel diferenciado No entanto seus recursos para instrumentar a identificação que vem a ter com o grupo e com a instituição e para levantar hipóteses interpretativas são maiores quando ocupa o lugar de assessor e não de membro da equipe técnica ou administrativa De outro lado Bleger pode afirmar que o objetivo primeiro da psicologia institucional é o enriquecimento e o desa 48 25 senvolvimento da personalidade Assim atuando no âmbito do organograma da instituição da relação intergrupal ou no âmbito da relação intragrupal o objetivo do psicólogo é sobretudo atingir a personalidade dos participantes de forma a permitirlhes uma relação e uma produção que inclua a subjetividade e que portanto permita integrar os níveis de sociabilidade sincrética sem com isso impedir a individuação e a interação Provavelmente é isto o que Bleger entende como a promoção da saúde nas atividades de prevenção primária como mencionamos na definição de Psicohigiene no início do presente capítulo E as técnicas para tanto serão sempre as de grupo adaptadas claro à situação em que se atua Apesar da aparência de que todos os atalhos do caminho se encaixam numa proposta única e uniforme de Bleger para uma Psicologia Institucional isto não é de todo verdade O percurso entre a compreensão e a intervenção conforme o modelo psicanalítico não é linearmente feito pelo autor Permanece em aberto a contradição pelo menos aparente daquilo que Bleger define como o fazer do psicólogo na Psicohigiene e na Psicologia Institucional Não fica suficientemente claro na leitura de seus vários escritos sobre o tema o que ele de fato propõe para aquele que tem sua formação em Psicologia se apenas a compreensão ou também a intervenção de natureza psicanalítica Não é o caso entretanto de se tentar encobrir ou resolver essas contradições neste momento dentro dos limites do que Bleger escreveu Parece mais razoável chamar a atenção do leitor para a contribuição que ele dá à Psicologia e aos psicólogos quando permite ampliar nosso entendimento so Fiel como sempre à conotação científica do trabalho psicológico Bleger vai propor que esta adequação das técnicas à realidade trabalhada se dê conforme os cânones da postura investigadora que ele postula e que procuramos situar no início do presente capítulo 49 26 bre as relações interpessoais e grupais no âmbito das instituições e das comunidades Consideremos que seus trabalhos têm o valor histórico e político de no início da década de 60 levantar uma discussão inédita no campo da Psicologia como profissão e ciência Se agora é até possível apontála como controvertida resgatála em alguns aspectos e criticála em outros é sinal de que esteve e está viva na nossa prática concreta No capítulo seguinte apresentamos um outro autor Georges Lapassade Do ângulo da psicosociologia e até certo ponto distante da psicanálise Lapassade formula um outro discurso sobre as instituições e com isto abre espaço para uma prática psicológica diversa junto a elas Reunindo recursos teóricos que provêm sobretudo da Sociologia ele convida a um tipo de atuação que tem sido às vezes efetivada e também chamada talvez inadvertidamente de Psicologia Institucional Ele próprio a denomina Análise Institucional 2 A análise institucional de Georges Lapassade Referimonos na abertura deste livro à diversidade de teorias e práticas com Psicologia nas instituições Apresentamos no primeiro capítulo a proposta de J Bleger e afirmamos que apenas este autor se utiliza do termo Psicologia Institucional para dar nome à intervenção do psicólogo nesse contexto Esta foi inclusive a razão pela qual o escolhemos para abrir a série das Psicologias Institucionais que visamos ora expor Georges Lapassade nos permite prosseguir situando mais uma contribuição teórica à prática da Psicologia em instituição Análise Institucional é a denominação que ele mesmo dá a essa forma de compreender e intervir em grupos e organizações Conforme se poderá notar tratase de um discurso diferente do de Bleger Implica portanto uma proposta de ação também diferente No Brasil o pensamento de Lapassade passa a ser mais conhecido a partir de meados da década de 70 Colocase sempre como uma abordagem predominantemente sociológica e política ao trabalho institucional muito embora tenha se originado da psicosociologia ou da psicologia dos grupos Apresentase portanto como alternativa à abordagem psicanalítica de Bleger A análise institucional é trazida no contexto deste livro como a maneira singular de entender o que são as relações instituídas bem como a forma de trabalhálas ou agir sobre elas como psicólogo Considerado um Movimento teve sua origem na França na década de 60 com o próprio Lapassade e René Lourau 39 Parece adequado falar em movimento de Análise Institucional visto que caminharam sempre pari passu tanto as intervenções em instituições ou organizações quanto as teorizações a respeito Proposta como um método para decifrar as relações que indivíduos e grupos mantêm com as instituições 40 a Análise Institucional tem suas raízes teóricas na interseção de diferentes disciplinas como a Psicologia Social a Sociologia e a Pedagogia Suas bases concretas encontramse nas experiências da pedagogia institucional que criticando uma pedagogia autoritária procurou constituir uma outra que redimensionasse o espaço o tempo e a relação educadoreducando encontraramse ainda essas bases nas práticas da psicoterapia institucional esta apontando para uma ação sobre as instâncias institucionais que impedem a cura a que se propõem encontraramse por fim na psicosociologia compreendida como o estudo e o trabalho com pequenos grupos A maioria dessas práticas tinha em comum algo que a Análise Institucional retoma de maneira definitiva a crítica às instituições E ela o faz não a partir do questionamento de sua eficácia ou seja não se discute sua função ou disfunção porque se reconhece que de certa forma as instituições sempre cumprem sua função social até quando aparentam ser ineficazes Faz sim a contestação da natureza mesma das instituições Este movimento se propõe no dizer de Guilhon de Albuquerque 41 à ruptura da lealdade institucional Assim o termo Análise Institucional acaba por nomear de um lado uma determinada concepção de o que seja a instituição e uma teoria para sua análise e de outro uma forma de intervenção que visa a transformála provocandoa revelando sua estrutura 42 subvertendoa Teoria e intervenção no entanto estabeleceramse sobretudo a partir de experiências concretas e de sua avaliação crítica São frequentemente denunciados pelos próprios autores e interventores insucessos e falhas ora atribuídas a situações circunstanciais como por exemplo a variedade de instituições analisadas o que dificulta uma constância nas técnicas utilizadas ora atribuídas à análise institucional em si como método De forma talvez até coerente com sua proposta de provocar e revelar estruturas este movimento não se poupa Colocase constantemente em cheque e quando se revê não se confirma Estas avaliações entretanto não anulam a importância da proposta da Análise Institucional De um lado pela força que historicamente teve este movimento e de outro por se constituir sobretudo numa forma de análise política da realidade social e institucional o que tem muito a acrescentar àqueles profissionais ligados à psicologia Se as implicações práticas desse modelo deixam a desejar àqueles mesmos que o criaram e o efetivaram isto não nos impede de conhecêlo até em suas críticas para inclusive redimensionar tais críticas a partir de nossa realidade social e profissional No momento em que nos dispomos a entender esse movimento tomamos Lapassade entre tantos como objeto de estudo Por quê 50 51 52 53 Primeiro porque Lapassade se encontra na origem do pensamento e da prática da Análise Institucional Depois porque seus trabalhos são melhor divulgados entre nós Além disso é ele quem de forma mais harmônica e num discurso mais acessível articula o nível da intervenção ou da análise em situação ao nível do estudo da pesquisa da teoria a Análise Institucional em si Por fim porque ele é antes de tudo um provocador seus trabalhos contrariamente aos demais são sempre um convite ao pensar e ao repensar um convite ao tentar Escolhemos como textos básicos para a elaboração deste capítulo Grupos Organizações e Instituições 43 e El encuentro institucional 44 Neles o autor situa sua teoria sobre as instituições os grupos e as organizações buscando via de regra retomar as outras teorias a respeito e criticálas O ponto de partida para a crítica é a condição que estas teorias apresentam para que se questione o instituído constituinte da vida dos grupos no cotidiano Com base nisto Lapassade formula a proposta de intervenção por meio da autogestão Aí configura o campo político da Análise Institucional Mais ainda em meio a todo esse movimento do pensamento e da ação questiona o que ele mesmo propõe até não mais permitir que esta Análise Institucional se sustente como proposta teórica e de atuação Vejamos no decorrer dos subitens que se seguem como isso se dá 21 Os três níveis da realidade social A Análise Institucional considera a realidade social como acontecendo em três níveis o do grupo o da organização e o da instituição Toda relação social se faz sempre nos grupos Estes por sua vez podem vir a configurar organizações e são ambos sobredeterminados pelas instituições O primeiro nível é o do grupo é a base da vida cotidiana Na escola é a classe no trabalho é o escritório e a oficina no resto da vida a família Este nível já tem a marca da instituição nos horários nos ritmos de operação nas normas nos sistemas de controle nos estatutos e papéis Seu objetivo é manter a ordem organizar o aprendizado e a produção segundo Lapassade Assim submetidos que estamos nos grupos nos quais vivemos da família aos grupos de trabalho a uma rotina que prevê horas de entrada e saída formas de trabalho e de relação respostas aceitas e premiadas ou rejeitadas e punidas vivemos cotidianamente o instituído no contato face a face na fala direta a outro elemento do mesmo grupo Há sempre portanto a mediatização da instituição no grupo Ele é inclusive por isso o que Lapassade chama de um primeiro nível institucional Com base nessa compreensão podemos dizer por exemplo que o professor é o representante do Estado na relação com os alunos O segundo nível da realidade ou do sistema social é o da organização com seus regimentos e regulamentos um estabelecimento de ensino ou administrativo uma fábrica e assim por diante Aqui já existem normas jurídicas fazendo a ligação entre a sociedade civil e o Estado É nesse segundo nível que Lapassade situa a burocracia em sua mais concreta dimensão apontando para uma estrutura que é a ocasião de relações autoritárias Nesta medida determinados grupos encontramse excluídos da elaboração e prescrição dos regimentos e das normas de conduta produção e aprendizagem que traduzem sempre as leis do Deternosemos a entendêla melhor no próximoitem deste capítulo Estado É neste nível que a direção dos estabelecimentos como uma universidade por exemplo representa o poder central e está em relação direta com ele O terceiro nível é o do Estado a instituição propriamente dita É o Estado entendido como o conjunto de leis que regem a conduta social quem cria a organização e o grupo 22 A instituição É interessante notar que Lapassade definindo dessa maneira os três níveis do sistema social redefine o conceito de instituição Em determinado momento dos textos de Grupos Organizações e Instituições identifica instituição e instituído Instituição nesta abordagem é o conjunto do que está instituído e como jurisdição e política pauta toda e qualquer relação Assim o conceito é depurado livrandose daquilo que é no senso comum sua identificação maior a identificação com a organização o estabelecimento o equipamento Lapassade atribui ao termo instituição um sentido específico e o distingue de organização que seria uma forma singular de instituição Nesse nível organização falase do equipamento das condições materiais do espaço físico do estabelecimento e do organograma que distribui pessoas e grupos em contato direto nos diferentes papéis e regiões de poder O termo instituição não designa as formas materiais do prédio ou a distribuição hierárquica mais imediata de uma empresa escola ou hospital Instituição é algo como o inconsciente de Freud não localizável e imediatamente problemático 45 Ou seja está presente nas ações aparentemente menos significativas e isso não nos é dado à consciência É algo como uma forma geral das relações sociais Em El encuentro institucional 46 Lapassade mostra a importância da distinção entre os dois conceitos de instituição e organização Caso contrário correse o risco de se estar fazendo uma análise organizacional e não institucional Cita como exemplo as práticas de Psicoterapia Institucional do início da década de 40 os profissionais que faziam a intervenção chamavam de instituição o estabelecimento em que iriam atuar Com isso estabeleciamse como meta o cuidado com a instituição que oferecia certos cuidados mobilizando seus serviços terapêuticos e permitindo que se curassem os doentes no interior mesmo das práticas de institucionalização Nesse processo está se confundindo segundo Lapassade as instituições com os dispositivos e as instalações materiais e o trabalho institucional com a preservação das instituições apenas modificandoas Devese ir além desses limites para poder pensar as instituições No caso da loucura por exemplo o isolamento a separação entre loucos e normais a instituição da doença mental é que deve ser considerada a instituição e não um hospital em particular Este é apenas um dispositivo material para que a separação se dê Neste nível se definirá o objeto da análise institucional A análise organizacional implicaria na análise da situação de um hospital em particular Os hospitais são as formas de se particularizar tal instituição eles a instrumentam Da mesma maneira poderseia falar das instituições de ensino e do seu modo de produção como instituição Não as escolas ou as fábricas mas aquilo que sobredetermina o tipo de relação pedagógica ou relação de trabalho é que seria chamado de instituição Não se deve entretanto ignorar que essa sobredeterminação significa a presença da instituição nas formas organizacionais e grupais de relação Por isso Lapassade usa às vezes 3 termos distintos para significar 3 níveis da realidade social grupo organização instituição Às vezes fala em um primeiro um segundo e um terceiro níveis institucionais o grupo seria o primeiro nível institucional a organização o segundo e a instituição o terceiro No curso da conceituação de instituição ainda Lapassade faz uma distinção entre dois outros termos instituidor e instituinte O primeiro significa o que está estabelecido é o caráter de fixidez e cristalização das formas de relação O segundo significa o movimento de criação é a capacidade de inventar novas formas de relação Embora usualmente se identifique a instituição com o instituído Lapassade ressalta que o instituinte é também um movimento da instituição é ele que garante em última instância a possibilidade de mudança No processo de institucionalização o instituinte acaba instituído Mas permanece sempre ainda que sob controle na condição de retornar como o reprimido numa analogia a Freud 47 Compreendendo a instituição como o que assim cria o funcionamento do grupo Lapassade faz a crítica do lugar que as instituições ocupam no método marxista de análise da realidade social 48 Na teoria de Marx como parte integrante das superestruturas as instituições nada mais são do que um reflexo ou uma forma secundária derivada do modo de produção O que Lapassade procura destacar é que as próprias relações de produção são instituídas que como dissemos acima o modo de produção é uma instituição Ainda L Althusser faz uma distinção entre a infra e a superestrutura situando naquela as condições materiais e as relações econômicas e nesta as instâncias jurídicopolíticas Tal distinção não permite perceber que a Escola uma das instituições privilegiadas no entender althusseriano para a reprodução das relações de produção é onde se entrecruzam as dimensões econômica ela tem um lugar na produção política supõe relações de poder e está vinculada ao Estado e ideológica produz e veicula a ideologia do saber científico como saber neutro bem como a da educação neutra Com este raciocínio Lapassade chama a atenção para o fato de que no níveis da superestrutura de uma instituição o que se encontra é apenas o aspecto institucionalizado da instituição É a lei é o código é a regra escrita E a constituição 49 Para ele no entanto a instituição vai além desses limites para supor outros instituídos não diretamente percebidos como a exemplo a questão dos horários e das rotinas dos grupos e das organizações Lapassade afirma que a instituição não é um nível ou uma manifestação da formação social 50 mas é a maneira mesma como a realidade social se organiza sobredeterminada como está pela mediação do Estado Além disso no marxismo perdese de vista o movimento do instituinte nas instituições Enfatizase apenas o instituído e como reflexo das relações econômicas Para Lapassade quando se admitem os movimentos do instituído e do instituinte o conceito de instituição se transforma e passa a ser um importante instrumento de análise das contradições sociais 51 Esse esforço de eliminação de certas ambigüidades do conceito é uma preocupação central deste autor isto para que se possam usar com algum rigor palavras e termos que permitem definir com maior clareza o que é o objeto de intervenção na Análise Institucional Antes porém de nos determos na compreensão de o que seja este método de análise convém entender outros conceitos presentes na formulação lapassadiana do Sistema Social Por essa razão destacamos a seguir ideologia Estado e burocracia 23 Estado e Ideologia Lapassade considera o Estado a instituição primeira aquela que legitima toda e qualquer outra instituição Em sua condição de instrumento privilegiado das classes dominantes é a lei e por ela a repressão Até aqui não há qualquer novidade Mas vai surgir quando Lapassade originalmente afirma que o que o Estado reprime e o faz permanentemente é o sentido daquilo que se faz o sentido da ação Não se trata aqui necessariamente da repressão física ou policial Acontece que a prática repetitiva e referida a uma determinada lei a um conjunto de regramentos é uma prática que se aliena e aliena os sujeitos nela envolvidos O impedimento exterior passa a ser interior esmiuçado como se encontra em infinitas normas que permeiam o vivido É esse mecanismo coletivo de repressão determinante do desconhecimento social que é a ideologia Assim a ideologia não será uma simples ignorância das estruturas e do funcionamento da sociedade por parte de seus membros mas sim um desconhecimento do sentido estrutural de seus atos do que determina suas opções suas preferências rejeições opiniões e aspirações pela ação do Estado através das mediações institucionais que penetram em toda a sociedade 52 É este um desconhecimento provocado pela repressão social do sentido daquilo que fazemos pensamos ou falamos no cotidiano E quem faz esta repressão do sentido é o Estado a instituição por excelência que controlando a educação a informação e a cultura nos grupos e nas relações face a face instaura a autocensura e impede a verdadeira comunicação No momento em que Lapassade atribui este controle central ao Estado denuncia a vertente mais radical e ao mesmo tempo mais envolvente de seu pensamento de sua elaboração teórica Ele diz que com isto o Estado reprime a Revolução O que é mais reprimido é a Revolução É para evitála que as ideologias e as instituições dominantes funcionam e mantêm a adesão coletiva ao domínio ao mesmo tempo em que evita o conflito e a luta que poderiam pôr termo à dominação 53 Seu discurso sobre a Revolução como a libertação da palavra social dos grupos termina ou começa por propor a destruição do Estado burguês O Estado é a cabeça da sociedade capitalista e segundo ele quando esta for decapitada deixará de existir O caminho para isto em sua concepção não é o golpe de Estado mas sim a construção de um novo sistema institucional O Estado seria substituído por uma sociedade polimorfa uma sociedade revolucionária em que não se permitiria a cristalização em instituições dominantes nem a centralização do domínio Lapassade concretiza estas novas formas de vida social quando cita os clubes as associações tudo o que permite a expressão e o exercício da ação coletiva como por exemplo as assembléias gerais permanentes Estas são as instituições da revolução A revolução supõe portanto não apenas a destruição do que existe mas o esforço instituinte de novas pautas para o exercício social pautas estas que não se transformarão em instituições acabadas A regra que se exige cumprir parece ser inclusive a de impedir o enrijecimento das novas formas instituídas Tratase de uma revolução permanente gerando instâncias que se articulem de tal forma que a soberania coletiva não se aliene em instituições que novamente se tornam autônomas 54 Tal proposta prevê que os grupos se regulem tenham suas normas Mas que as tenham não voltadas para as exigências de instituições dominantes centralizadas no Estado e sim para garantir sempre o movimento de continuar instituindo e possibilitando a criação As regras existem sim mas para regular a não alienação no instituído Adverte ele no entanto sobre o risco de se criarem novas formas de repressão social no seio da revolução permanente é a contrarevolução é o refluxo a distorção do sentido no interior da ideologia revolucionária para transformar um discurso verdadeiro sobre a sociedade em ideologia dominante 55 Da relação entre a força instituinte e o instituído nasce a necessidade de luta e de ação dos grupos sociais 24 Burocracia e poder Na concepção da organização da vida social criada pelo Estado Lapassade atribui um lugar fundamental à burocracia Normalmente quando se fala em burocracia pensase em papéis ofícios demoras e memorandos Lapassade no entanto tem uma concepção diferente Vai além situando a burocracia antes de tudo como uma questão política é um certo tipo de relação de poder que atravessa toda a vida social desde as relações de produção até o lazer passando pelos partidos políticos pela pesquisa científica e pela educação Não se identifica apenas com o corpo administrativo do Estado como diria Marx ou da empresa como se costuma pensar Mas existe onde quer que se separe a decisão da execução e o pensar do fazer Lapassade afirma com isso que a burocracia é a organização da separação Vejamos como se dá essa separação nas diferentes instâncias da vida social As excursões programadas pelas agências de viagens as propagandas que encorajam o consumo das diversões e do descanso com temas de volta à natureza ou com temas de descontracão ao mesmo tempo em que popularizam o lazer burocratizamno O prazer do turista é planejado fora e antes dele pela agência Orientase o que ele pode admirar em que ritmo e como Burocratizamse também os trabalhos acadêmicos à medida em que estes se organizam nas panelas que ratificam o professor realizado e o principiante ou à medida em que se baseiam na recomendação no nepotismo na admiração na participação em fundos de pesquisa 56 Até mesmo um certo tipo de pesquisa social evidencia esse traço de trabalho burocratizado aquele empirista em que o processo se caracteriza pela racionalização de cada fase do estudo baseado como está na estatística em entrevistas fechadas e resultados computadorizados Idealizase aqui o rigor metodológico e submetese com isto o próprio pensamento Quanto aos partidos políticos Lapassade afirma que eles se tornam tão organizados que os eleitos se excedem na autoridade sobre os eleitores e os delegados sobre os que delegam A organização do partido tornase um fim em si e esquecese o projeto inicial para trabalhar no desenvolvimento do próprio partido Tudo para o partido tal passa a ser o lema Passase a recrutar membros a qualquer preço a fazer alianças a fortalecer de todas as maneiras a organização 57 Nas relações de trabalho a burocratização se manifesta no controle da gestão produtiva pela forma de trabalho mecanizado padronizado sujeito à cronometragem e à racionalização das normas Todos os movimentos do homem que produz o operário são decididos normatizados e controlados a partir e em função do exterior A mesma alienação vai se dar nos trabalhos em escritório enquanto existem divisão e especialização cada vez maiores e enquanto se limitam a tarefas repetitivas padronizadas mecanizadas e da mesma forma controladas pelo e referidas ao exterior exterior em relação ao grupo de trabalho que executa a tarefa Na educação o traço burocrático se apresenta basicamente na resistência a que os alunos assumam o processo como deles Este parece ser do domínio dos educadores nas suas mais diferentes instâncias desde o professor que mantém relação direta com o aluno até os ministérios da educação que mediatizam tal relação As decisões fundamentais programas e nomeações são tomadas pela cúpula do sistema hierárquico Para o professor de um lado fica a impressão de que decide a respeito dos conteúdos e normas e de outro o lugar de representante do Estado É da competência do aluno é esperado dele seguir normas e assimilar conteúdos E do conformismo que é também uma forma de resistência ao conflito que é seu contraponto constituise o campo de luta possível para a transformação desse des equilíbrio de forças É nessa discussão sobre a burocratização da pedagogia e do trabalho que Lapassade denuncia com mais clareza o que para ele é o traço definidor da burocracia uma forma de organização do poder em que há uma alienação da condição de decisão sobre o fazer cotidiano em favor de grupos ou dirigentes que embora em relação não alinham seus interesses aos dos grupos ou indivíduos executores A relação burocratizada é pois uma relação entre desiguais quanto ao poder para definir o que deve ser feito e também o como deve ser feito Essa desigualdade e a alienação que é seu corolário são de alguma forma representadas internalizadas pelas pessoas Por isso Lapassade afirma Tenho subitamente o sentimento de uma impotência e pareceme que as decisões são com freqüência tomadas em outro lugar sem que eu seja consultado 58 Na quase totalidade das vezes entretanto sequer esta impressão de estar sendo lesado na sua capacidade de decisão chega à consciência do sujeito É o fechamento do ciclo desigualdadepoder decisãoalienação Apresentada portanto como a organização da separação a burocracia em Lapassade sai do âmbito das organizações econômicas e políticas para significar a organização no poder que penetra todos os poros da existência social 59 Com raízes no modo de produção a burocracia extrapola os limites do capitalismo atingindo toda e qualquer organização da produção em que determinados grupos ou classes distinguemse dos demais para fazer o controle da política da educação da informação e da economia entre outros Compreendendo desta forma a burocracia Lapassade detémse num certo momento a conjecturar sobre o destino do mundo seria ele o da burocratização ou de alguma outra forma de organização social Se Hegel está certo o caminho é o da burocratização generalizada e progressiva porque a organização é a Razão Se é Marx quem está correto ela será dialeticamente superada porque a organização é a Desrazão Lapassade se pergunta então sobre a significação de um sistema não burocrático sobre como imaginálo E afirma que a questão continua em aberto Parece interessante no entanto destacar como todo o curso de seu pensamento aponta para a definição de uma burocracia tradicional mas acena com a possibilidade de uma neoburocracia mais flexível e capaz de presidir à mudança com jovens dirigentes o que permitirá em seu seio o movimento autogestionário organizativo das bases Isto porque considera irrealizável o sonho da burocracia segundo o qual é possível a existência de formas sociais acabadas que se recusam à transformação e que se preservem em seu ser 60 O inacabado estará sempre presente de forma mais ou menos implícita nos diferentes tipos de poder paralelo de conflito de ato criador de novas normas que definem novos estados considerados como relativos e como suscetíveis de evolução Precisamos hoje em dia ao mesmo tempo descobrir a importância e a relativa autonomia dos grupos das organizações das empresas e das instituições sociais e descobrir também que esses conjuntos são sempre inacabados que a sua finalidade se inscreve igualmente em outra parte na sociedade global e na história 61 Com este discurso sobre o inacabado e o instituinte Lapassade não chega entretanto a negar que em determinado momento da História e especialmente no momento atual em países do Terceiro Mundo o instituído e a ordem burocrática mostramse em toda sua força e vigor É nessa situação que se expressam aquelas que são as características fundamentais da burocracia tradicional Lapassade assim as descreve 1 A burocracia não é uma doença um mau funcionamento ou um desfuncionamento de uma gestão e o conflito não é uma desordem na autoregulação do corpo social modelo biológico de compreensão do social Pelo contrário é uma forma determinada de estruturação das relações de poder 2 A burocratização implica uma alienação das pessoas nos papéis e dos papéis no aparelho 62 isto porque os papéis são sempre previstos e distribuídos de maneira impessoal ganhando sentido apenas em função da organiza ção para a qual forem definidos O universo burocrático é impessoal 63 3 As decisões são sempre tomadas por instâncias anônimas desconhecidas 4 As comunicações dãose via de regra num sentido apenas de cima para baixo e o retorno não é esperado recebido ou efetivado os portavozes da base podem até existir mas não são ouvidos suas mensagens são empanadas não existem canais para tanto 5 A estrutura de poder em dois andares alimentase na ideologia do saber e apóiase numa pedagogia diretiva na cúpula estão os que sabem na base os que ignoram para se atingir o saber temse que passar pelo batismo burocrático Ou seja serão ensinados para que amadureçam e a condição de aprendizagem exige que se iniciem nos procedimentos da burocracia que se coloquem no lugar de quem não sabe A desigualdade é assim perpetuada Este esforço pedagógico vai formar nos grupos cada vez mais indivíduos heterônomos armados segundo Riesman de um radar para se adaptar e se conduzir no terreno social 64 6 Com isso desenvolvese o conformismo preservase a falta de iniciativa e ratificase a separação nos dois níveis da organização burocrática 7 Os indivíduos e os grupos heterônomos voltados para o cumprimento de normas estabelecidas de fora a pedagogia da heteronomia bem como as características até agora apresentadas contribuem para que a autonomia seja na verdade a da própria organização Ela se torna não um meio para que um fim seja atingido como por exemplo a educação de um grupo de crianças mas sim um fim em si mesmo Há um deslocamento de objetivos Com isso a fidelidade dos membros e grupos à organização acaba sendo uma exigência para que se tenham satisfações e valores próprios uma exigência que acaba sendo percebida como do sujeito ele se sente pertencendo ao conjunto quando se torna usuário do discurso e das atitudes desenvolvidas no interior da burocracia 8 A burocracia supõe portanto continuamente a resistência à mudança mesmo quando certas estruturas ou formas de funcionamento se mostram inadequadas Assimilase mais do que se busca modificar Há aqui uma recusa do tempo da história uma rigidez ideológica uma reação à crítica e à novidade oposição e conflito 9 Assim a burocracia é a fonte do comportamento desviante e dos grupos fragmentários ou informais Toda e qualquer forma de organização que não pertença a esta que não comungue de seus vícios básicos será percebida como excluída como banida E no término desse processo a fração não chega a ser sequer uma fração do grupo transformase num grupo exterior num corpo estranho à organização Formamse subunidades isto é subgrupos que acabam por se dedicar a objetivos particulares 10 Por fim há que se destacar na burocracia tradicional o movimento dos que se servem da organização para configurar uma carreira que brota da função ou do papel ocupado isto se dá quando um profissional procura de todas as formas subir fazendo concessões aqui contornando ali para obter uma boa posição Citadas essas dez características podemos dizer que é a partir de tal compreensão de burocracia que Lapassade desenha o quadro das relações políticas e da dominação ideológica A inserção dos sujeitos e dos subgrupos nos procedimentos burocráticos é a via preferente para que o cotidiano seja a singularização das instituições sociais É a maneira privilegiada de os grupos e sujeitos submeteremse a sobredeterminação institucional a que nos referíamos no início do presente capítulo Viver a ordem burocrática é viver a dimensão oculta e portanto determinante do que se dá no nível dos grupos e das organizações A inserção nesta ordem e a fidelidade a ela são a maneira pela qual se dá a conformação ao Estado e suas leis De uma forma ou de outra as condições burocratizadas de vida e de trabalho são a alienação primeira que faz com que pareçam naturais e necessárias todas as outras e que transforma em necessidade absoluta o que é necessidade de uma determinada organização social política e econômica A burocracia é portanto o ritual de iniciação no universo institucional 25 A Análise Institucional É com vistas à suspensão das instituições dominantes enquanto dominantes provocando as relações de poder rígidas e hierarquizadas que Lapassade propõe a Análise Institucional É portanto com vistas ao rompimento do ciclo burocrático que ela se define Não será fácil no entanto apresentar de forma didática e compreensiva ao leitor como Lapassade define Análise Institucional Seu pensamento muda muito em função da sua prática e do momento histórico em que se escreve De início uma breve colocação a respeito dessas mudanças Ao que parece no decorrer da década de 60 Lapassade anuncia a importância de tal tipo de trabalho para que se transforme a natureza mesma das instituições sociais A rebelião de 1968 na França parece entretanto terlhe mostrado as limitações do método E Lapassade com a mesma força com que o propõe desacreditao Nem sempre fica claro no entanto se sua crítica nessa hora atinge a Análise Institucional como um todo ou a forma como vinha sendo levada nos seminários de Formação nas Universidades Tudo in dica que a explicitação da dimensão institucional oculta nas ações cotidianas a seu ver deva acontecer é a finalidade última da análise Mas a Análise Institucional tal como a pensavam até então seus criadores e os que participavam do movimento como técnicosanalistas não se mostrava mais o instrumento adequado É importante no entanto esclarecer que Lapassade revê a Análise Institucional como prática e não como teorização que aqui apresentamos sobre a burocracia os três níveis de realidade social o conceito de instituição de Estado e de Ideologia Estes permanecem Ele questiona o alcance de transformação que o método de Análise Institucional possa ter nesse sentido Os escritos de 1973 trazem Lapassade fazendo intervenções sócioanalíticas novamente Quase não usa mais o termo análise institucional exceto como análise institucional em situação e modifica a técnica Mas permanece o lugar do analista Agora como o detonador da análise Temse a impressão de que a crítica feita anos antes com relação ao papel do técnicoanalista não se mantém este profissional pode continuar existindo desde que reformule os meios para a análise e desde que não crie vínculos de dependência deve ao contrário desencadear com força a incisão um processo que o diaadia dos grupos em organizações se encarregarão de prosseguir fazer ou recriar Além disso na mudança da proposta observase também uma oscilação do referencial teórico logo após 68 a análise sociológica e política do papel do analista é o ponto de partida das críticas de Lapassade um ou dois anos depois resgata a compreensão psicanalítica das relações instituídas e do possível lugar do analista dois ou três anos mais revê a análise concebida desta forma e a redimensiona com base na teoria das técnicas da psicologia existencialhumanista e da bioenergética a via de libertação das amarras institucionais não será a palavra mas o corpo Em meio a toda esta variação para que se possa dar a conhecer ao leitor a análise institucional de Lapassade com um mínimo de continuidade apresentaremos seus textos na ordem quase inversa do tempo em que foram escritos Partimos do Chaves 1971 e do El encuentro institucional 1973 para chegar ao Prólogo à 2ª edição de Grupos Organizações e Instituições 1970 Esta é uma linearidade meramente formal construída da nossa perspectiva como estudiosos de Lapassade visando a facilitar a compreensão do conceito É importante no entanto reafirmar que isto em nada corresponde ao movimento mesmo do pensamento e da prática lapassadiana Tanto quanto possível tentarseá retornar a esse movimento Convidase assim o leitor ao tortuoso caminho desta linearidade forjada Refazse o convite para que não se prenda a ela a fim de que não perca a riqueza das contribuições de Lapassade 251 A análise institucional e o Estado Em Chaves da Sociologia 1971 Lapassade define a análise institucional como um método de análise da realidade social bem como um método de intervenção Enquanto método de análise a análise institucional conforme dissemos anteriormente redefine o conceito de instituição afastandose até certo ponto da teoria marxista clássica Com isso permite compreender o que se passa nos grupos e nas organizações como sobredeterminado pelas instituições de uma sociedade Permite compreender a experiên cia cotidiana como estando aprisionada num sistema institucional Enquanto intervenção propõese ser a condição concreta para que se revele a determinação institucional oculta pela repressão do sentido e pelo encobrimento ideológico Provocando o grupo a falar e atuar promovese a análise em situação e desvendamse as instituições determinantes do discurso e da ação grupal Como se pode notar ao definir Análise Institucional em 1971 em Chaves da Sociologia Lapassade confirma muitos dos pressupostos sobre organização social que desenvolve em 1970 no Prólogo à 2a edição de Grupos Organizações e Instituições Ele considera a sobredeterminação do que se passa nos grupos a redefinição do conceito de instituição a repressão do sentido e o envolvimento ideológico E é sobre isto que se dará a intervenção ou ação do analista institucional Lapassade afirma em 1970 que há uma dimensão oculta não analisada e portanto determinante nos grupos a dimensão institucional A análise institucional é o método que visa a revelar nos grupos esse nível oculto de sua vida e de seu funcionamento 65 Com isso o que a análise institucional faz é chegar ao Estado que cria o cotidiano das instituições Mas o Estado a que se chega é o Estado de Classes Assim a análise institucional uma vez efetiva atingirá em cada grupo a questão das relações sociais de classe Lembramos que a repressão do sentido acontece nos grupos para que neles se cale a possibilidade de revolução e que o símbolo da revolução é o rei decapitado porque se corta à sociedade o poder centralizador do Estado Ora a análise institucional em princípio é esse caminho para destacar a presença desse Estado no fazer diário dos grupos e das organizações Esta é a instituição por excelência que se quer desvendar É no entanto sobretudo nesse momento ainda sob o efeito do fervilhar dos movimentos sociais de 1968 na França que Lapassade menciona o Estado como alvo da Análise Institucional Em outras ocasiões especialmente nos trabalhos posteriores a 1971 são as instituições mediadoras as que mais cita a educação a sexualidade o casamento os partidos políticos a Igreja entre outros Parece claro no entanto que permanece como objetivo da análise institucional a revelação da presença da instituiçãoprimeira Além dessas colocações sobre o fim último da análise institucional outras nos parecem também significativas e a elas nos dedicamos a partir de agora 252 Análise Institucional x Análise Organizacional Em Chaves da Sociologia 1971 Lapassade estabelece uma diferenciação entre a análise institucional e a organizacional Embora no primeiro caso seja o grupo tal como se configura nas organizações o lugar da intervenção devese no trabalho com ele colocar em questão sua dimensão institucional e não buscar a reorganização ou a recuperação da burocracia A análise organizacional parece calcada numa concepção das organizações como totalidades fechadas ahistóricas Tem muito freqüentemente a tendência a tratar a empresa como uma ilhota social e cultural com suas leis próprias sua vida interna algo parecido com o que os biólogos chamam de meio interior do organismo com sua autoregulação relativamente independente do meio exterior 66 Daí até fazer da análise um instrumento de reorganização das relações e de recuperação da estrutura é apenas um passo sutil 73 Com isso este trabalho nega sua finalidade última que é o de explicitar o quanto as relações que se criam na empresa sofrem um corte transversal de outras instituições sobretudo do Estado Deixase de lado todo o movimento histórico que perpassa o conjunto das relações instituídas e com ele o interjogo da contradição no interior de uma dada organização como uma empresa uma escola um hospital Para Lapassade o sentido das organizações e dos grupos é sempre externo a eles está na história no modo de produção e na formação social em que esta organização é constituída 67 Por essa razão ele propõe a análise institucional como um instrumento de análise das contradições sociais enquanto como dissemos revela a dimensão oculta do que se passa nos grupos Ele enfatiza que esse aspecto oculto nada tem de misterioso ou metafísico É o que não se sabe e o não saber é determinado pelo lugar que se ocupa na produção e nas relações de classe Desse lugar o que é conhecido só o é da perspectiva que esse lugar permite e jamais da perspectiva de quem está acima da estrutura e com a visão do todo Assim pela posição que se ocupa no modo de produção pela classe a que se pertence temse determinada possibilidade de saber sobre o que se passa nas relações E isso é verdadeiro até para aqueles que ocupam lugares privilegiados na ordem das coisas Há sempre e para todos uma região de nãosaber Desenvolvendo este raciocínio em Chaves da Sociologia Lapassade requinta o seu entender sobre o que é objeto de análise nos grupos Ele afirma que o que é analisável é exatamente a relação com o nãosaber A análise institucional assume por objetivo o fazer surgir na sua realidade concreta na expressão dos atores o aspecto dialético ao mesmo tempo positivo e negativo de todo grupamento organizado p151 A tarefa da análise institucional é provocar suscitar a palavra social liberta tornála audível de tal maneira que esses atores tenham diante de si o negativo da imagem que formam de si mesmos e da sociedade 68 Aquilo que não se sabe uma vez defrontado faz mover a prática social Fica cada vez mais definida então a diferença entre a Análise Institucional e a Análise Organizacional São métodos de compreensão e de intervenção na realidade social com fins e justificativas teóricas se não opostas no mínimo diversas Julgamos oportuno trazer à luz tais diferenciações considerandose a utilização cada vez mais freqüente da Análise Organizacional por profissionais de Psicologia dizendose fazer Análise Institucional 253 As vias de Análise palavra x ação Além das questões relativas à definição da Análise Institucional de seu objeto e de seu âmbito existem outras ainda trazidas por Lapassade sempre em função da reflexão que ele faz sobre sua prática Por isso em geral conflitivas Uma delas a que nos interessa mais de perto no momento pelo lugar central que ocupa no movimento da Análise Institucional é a questão das vias de análise ou seja das técnicas mesmas pelas quais se procede a análise Até a escritura de Chaves da Sociologia 1971 a intervenção dos analistas nos grupos apresentase como calcada na palavra visando inclusive a libertação da palavra social Quando entretanto lêse El encuentro institucional 1973 essa direção não se mantém Embora permaneça como norte a revelação do oculto institucional e como contraponto da cristalização do instituído a autogestão dos grupos Lapassade revê a maneira de se atingir isto Propõe 75 a utilização de técnicas originadas da Bionergética e da Psicologia do Potencial Humano em oposição ao que ele passa a chamar Socioanálise baseada no discurso na linguagem A Socioanálise segundo ele só romperá com a cultura e estabelecerá a novidade e a possibilidade de transformação quando se utilizar do trabalho com o corpo quando se utilizar do grito dos momentos críticos de transe da terapia de ataque à exacerbação das emoções os elementos da gestaltterapia e da bioenergia Assim ela provoca a autogestão em ato e não só em palavras uma ação política de fato Assim ela é mais ativa mais subversiva E o rompimento neste nível é o verdadeiro rompimento para Lapassade É a condição de análise das amarras institucionais ao mesmo tempo em que se dá sua efetiva negação Notese inclusive que o autor nesta data 1973 já quase não fala em Análise Institucional Prefere o termo Socioanálise definido como análise institucional em situação mais especificamente como um encontro institucional conforme se esclarecerá adiante Lapassade retorna nesta redefinição da técnica os grupos de encontro de Rogers com maratonas e happenings Como uma forma de intervenção originalmente concebida para promover mudanças individuais e grupais passa a ser pensada como uma força de intervenção que possibilita mudanças na organização e na instituição Para isso é necessário reconsiderar os grupos de encontro da perspectiva teórica que formula a relação entre organização e instituição É necessário ainda fazer o enxerto a estas técnicas de trabalho corporal Conservando portanto os fins últimos da socioanálise transformamse as vias de acesso tendo em vista um rompimento que se dê pelo impacto e pela provocação Só assim se reverte a apatia a inatividade e a desistência que segundo Lapassade é o mal das instituições no momento histórico em que escreve sobre isto década de 70 Há alguns anos provavelmente a década de 60 as características do movimento social eram outras e portanto as técnicas podiam ser outras também Agora não Para quebrar o fazer nada só por meio de um fazer direto breve e ruidoso Afirma então categoricamente Que fazemos Criseanálise Instituímos no tempo breve três dias ao ritmo de maratonas de uma intervenção uma crise na organizaçãocliente e pensamos que logo eles poderão apropriarse da análise e começar a praticála Este é o aspecto didático de nossas intervenções Não sabemos exatamente como é desencadeada artificialmente esta crise às vezes de fato no limite do transco coletivo assim obtemos efeitos análogos ao que ocorre em certos grupos de encontro onde já se sabe desde o início que haverá muitos gritos lágrimas e teatro Vêm a nós para serem provocados para encontrar os provocadores institucionais e seus amigos seu clã os impugnados do lugar Com freqüência nossas intervenções são também ocasião de reencontros da família institucionalista São ocasião de uma festa O cliente atônito sobretudo se se compõe de adultos instalados nas instituições familiares profissionais sentese culpado e não quer parecer reacionário ou reformista ou ainda agente da repressão sexual cultural Como também se questiona sobre sua instituição provoca e festeja Se descrevo assim nossas situações não é para deplorálas Pelo contrário penso que devemos leválas mais longe ainda e que os potencialistas o fazem com efeitos interessantes Mas nesse movimento há técnicas específicas elaboradas sobretudo para conduzir grupos como se vê nos grupos de encontro de gestalt e de bioenergia Em socioanálise ao contrário com muita frequência permanecese na composição praticase como diz R Hen à deriva institucional 42 Os recursos às técnicas corporais e de grupos de encontro bem como a duração breve maratonas de fins de sema 77 na retiram da intervenção a idéia analítica de mudança progressiva e de longa duração A análise institucional portanto transformase num encontro institucional e como intervenção Lapassade lhe atribui o mesmo sentido de remeximento das instituições como se o fato de ser uma análise ou um encontro não alterasse as condições de possibilidade a natureza e a intensidade da mudança provocada Fica claro ao contrário que no encontro o lugar do analista é o de provocador de um processo que pretendese seja tomado nas mãos pelos atores institucionais finda a intervenção Daí como afirma Lapassade o seu caráter didático Se ele é o detonador da mudança a hipótese é a de que a análise seja uma ação do grupo sobre si mesmo e especialmente na ausência do analista 254 A crítica ao movimento e ao conceito de Análise Institucional Como vimos no texto de El encuentro institucional 1973 Lapassade critica a questão da técnica ou melhor critica a forma pela qual vinha se dando a análise institucional No Prólogo à 2a edição de Grupos Organizações e Instituições 1970 no entanto acontece surpreendentemente no mesmo texto em que se define o conceito a mais cristalina derrubada da análise institucional por seu criador Isto causa surpresa até porque a derrubada é anterior à proposta de Encontro o que sugere que Lapassade em certa medida reconsiderou o destino a que lançara a análise institucional em 1970 Em 1970 numa revisão crítica do movimento de 1968 na França Lapassade contrapõe à análise institucional tal como desenvolvida nos Seminários de Formação nas universidades e mobilizada por especialistas ou técnicos a ação direta dos grupos cuja palavra social é reprimida É esta ação que libera não a análise É ela que transforma É ela a prática subversiva Há fundamentalmente aqui o questionamento de um tipo de prática em que os técnicos se colocam como preceptores da mudança repetindo muitas vezes a relação de poder que condenam ou que se propõem terminar Há também o questionamento da própria análise quando entendida como um fazer pela palavra e na ação artificial de grupos monitorados por esses técnicos Ela não teria a força transformadora da ação que é diretamente pensada e executada pelos grupos a quem as decisões são impedidas Embora não fique claro neste Prólogo parece entretanto que o que ele critica é a experiência socioanalítica ou de análise institucional por meio dos chamados Seminários de Formação em que o sociólogo ou psicólogo denunciava a traição dos dirigentes ou apontava para os defeitos burocráticos da instituição 69 Se chamamos de análise institucional ao trabalho no plano da autogestão ou seja da aproximação entre o decidir e o executar o pensar e o fazer num mesmo grupo há também ao que parece o que resgatar nesse movimento Mesmo assim permanece a crítica à artificialidade desses trabalhos no caso de autogestão acontecer pela ação liberadora primeira do analista determinando com sua presença a condição de possibilidade da autogestão Essa crítica encontrase forte e calorosamente colocada pelo autor em alguns trechos de seu discurso Vamos reproduzilos para que o leitor se coloque em contato com seu estilo Utopia reformismo ilusões quanto às possibilidades de intervenção socioanalítica eis o que se tornou evidente quando a 78 79 transformação que pensávamos preparar com a nossa prática institucional veio de outra parte de outra origem quando outros descobriram a primeira brecha A nossa contestação permanecia encerrada em artigos em livros em seminários nos guetos dos ideólogos e dos que se ocupam da prática nossos colegas que a tratavam aliás como uma aberração até o dia em que controles institucionais estouraram no nível de um poder que as nossas intervenções não chegaram jamais a atingir Quando os estudantes e os operários praticaram a ação direta a ocupação dos lugares institucionais do poder a libertação da criatividade de instituir em vão esperada nos grupos de análise invadiu a vida de todos os dias 70 Algumas tentativas experimentais dos Seminários de Formação e das intervenções socioanalíticas já sugeriam que as sociedades poderiam e deveriam ser o contrário rigoroso do funcionamento social habitual A percepção experimental dessas possibilidades era no entanto reprimida por todo um aparato técnico e conceitual das ciências e de suas aplicações práticas Viuse isto muito bem quando as primeiras tentativas de autogestão se chocaram com a burocracia universitária Cinco anos depois nas faculdades ocupadas a autogestão tornouse o programa aceito por todos durante os meses de ocupação Ao mesmo tempo experimentavase a autogestão nas práticas Em todo lugar a ordem burocrática era ameaçada Redescobrimos e experimentamos o que significava a volta à base não mais na linguagem burocrática da consulta ou da eleição mas como uma prática de todos os dias que se situa na base a fonte única de soberania Rejeitouse assim a instituição da separação em todos os níveis da vida social e política A partir daí a alienação da soberania popular em favor de um pequeno número de eleitos não apareceu mais como uma evidência como uma necessidade natural Aprendemos a ver nela apenas uma forma de organização característica de um certo tipo de sociedade 71 A ação direta da transgressão à autogestão parece ser para Lapassade então a alternativa possível de retomada do sentido do que acontece no cotidiano 80 81 Em nenhum momento no entanto deixa de ser desafiador e apaixonante o contato com seus trabalhos Entre o anarquista e o analista Lapassade nos confunde Talvez esteja aqui o grande valor de se conhecerem suas idéias Talvez inclusive esteja aqui sua coerência ele sempre provoca E finaliza Eis um livro ambíguo A publicação de uma obra sobre esses domínios ainda incertos justificase essencialmente por sua capacidade de provocação ainda mais do que por sua função de informação Em termos mais tranqüilizadores dirseá que tal obra de intenções essencialmente críticas justificase basicamente na medida em que pode provocar mudanças O futuro dirá se essa função ainda lhe cabe ou se devemos considerar este livro e sobretudo aquilo de que trata como a expressão de uma etapa já ultrapassada na história de uma crise da qual conhecemos apenas os pontos iniciais 72 3 A análise das instituições concretas de Guilhon Albuquerque Em meados da década de 70 tomava força no Brasil a crítica às instituições especialmente às instituições psiquiátricas O pensamento de Michel Foucault ganhou espaço entre nós delineando a concepção de loucura como produzida pela maneira mesma como a sociedade lidava com aqueles que pelo não reconhecimento de valores e normas sociais significavam uma ameaça à ordem instituída Naquele momento José Augusto Guilhon Albuquerque sociólogo e professor de Ciência e Política na Universidade de São Paulo destacouse por sua forma especial de pensar a questão Entre suas inúmeras publicações destacamos duas que tiveram repercussão Metáforas da Desordem 73 e Instituição e Poder 74 Em Metáforas da Desordem partindo do tema da instituição da loucura Guilhon propõe os Elementos para uma análise da prática institucional texto este que serve de base para este capítulo Aí encontramse a a definição de instituição como conjunto de práticas sociais configuradas na apropriação de um determinado objeto um determinado tipo de relação social sobre o qual reivindica o monopólio no limite com outras práticas 83 b a definição destas relações sociais como o fazer de agentes institucionais e clientela que representam o seu lugar e o dos demais bem como a relação que estabelecem entre si c a conceituação de práticas dominantes e de agentes privilegiados que reproduzem no âmbito da instituição e fora dele a imagem de sua função social Deriva deste mapeamento das relações institucionais a proposta de se compreenderem as instituições concretas por meio da observação de seus rituais de seu fazer cotidiano como índices das representações institucionais bem como por meio da análise do discurso dos atores Assim os demais documentos escritos os regimentos e a fala dos agentes e da clientela são além de sua ação a via de análise da prática institucional Em Instituições e Poder Guilhon dedicase a apresentar um método que torne possível a análise das instituições como práticas sociais Aí sobretudo a demonstra que o plano da análise não se confunde com o da essência das instituições ou melhor com o plano da realidade a totalidade concreta não se confunde com o objeto teórico ou o objeto do pensamento b demonstra ainda que à análise é impossível tomar como objeto esta totalidade concreta c propõe que este último se coloque em planos ou níveis de análise sob pena de não se tratar de um trabalho analítico efeitos ideológicos políticos e econômicos de determinadas práticas d propõe então que no plano da análise possa afirmarse a compreensão de uma prática institucional concreta como prática política ideológica ou econômica cada uma delas como um nível ou plano de análise como uma apropriação do real feita de um ângulo específico Com isto Guilhon afirma que o trabalho analítico é uma organização da realidade no pensamento 75 Ele será portanto a atribuição de uma determinada ordem ao real A primeira ordenação se dá quando conforme dissemos pensase este real a partir de ângulos ou planos que guardem uma especificidade e que permitam o abandono do mito de uma análise que reproduza uma totalidade ou que a capte como tal Por exemplo quando analisamos entrevistas com funcionários de uma unidade educativa ou presidiária podemos fazêlo destacando os efeitos ideológicos do discurso institucional Devemos ter clareza que este é o estudo de um dos planos da realidade institucional e com ele não podemos afirmar que a instituição seja isto ou aquilo Ela será isto ou aquilo na ordenação que dela faz o trabalho analítico Inclusive a análise dos efeitos ideológicos dos discursos não permite que se afirme imediatamente alguma coisa sobre efeitos políticos ou econômicos A análise assume dessa forma inevitavelmente um caráter de recorte Ela será sempre uma prática teórica que reconhece partes do real na maneira mesma como são produzidas E todo e qualquer trabalho posterior de reordenar estas partes de articulálas será também um ato do pensamento Nesse sentido Guilhon faz uma distinção entre o que ele diz e o que diz a Análise Institucional Prefere chamar de análise de instituições concretas ao trabalho do analista nesta perspectiva que configura seu método Diferenciase então do que fazem Lapassade e Lourau ao considerar todas essas determinações ao mesmo tempo Guilhon muito apropriadamente define a análise institucional à página 13 de Instituição e Poder A análise institucional é ao mesmo tempo uma disciplina que trata dos processos ideológicos e de poder que têm lugar em instituições concretas uma política de intervenção psicossocial em instituições organizações e grupos e um movimento destinado a programar a doutrina institucionalista e a transformar a realidade Georges Lapassade e René Lourau são os criadores e principais adeptos da doutrina e do movimento Fica portanto justificado o título que demos a este capítulo A análise de instituições concretas de Guilhon Albuquerque diferenciandoo do anterior Pelo aparentemente fragmentado caminho de sua proposta psicológica Guilhon chegou até os psicólogos Inúmeras vezes se pôde vêlo e ouvilo falar a estes profissionais na década de 1980 poderseia dizer que existiu de forma mais ou menos explícita um namoro entre Guilhon e a Psicologia naquela época Um namoro onde identificados com regiões diferentes do saber e envolvidos em práticas profissionais até certo ponto distintas esses dois parceiros denunciam sua aproximação e sua condição de recriação É impossível deixar de perceber o quanto a análise de representações de Guilhon devolve ao conceito de sujeito um lugar que a Sociologia parecia ter negado ou sonegado É impossível por outro lado deixar de destacar o redimensionamento do discurso psicológico quando se permite esta compreensão das instituições como práticas e de sua análise Por estas razões e sobretudo pela postura pessoal de Guilhon sempre acessível à discussão de suas idéias podese afirmar a relevância de suas contribuições à prática dos psicólogos como psicólogos institucionais Esta diferença fica especialmente clara se tomarmos as distinções que Guilhon faz em Instituição e Poder entre o plano da análise e o da realidade bem como as distinções entre os níveis de análise Fica ainda mais clara se tomarmos as afirmações de Lapassade sobre o que seja a instituição a organização e o grupo ou a função do Estado e a repressão no sentido da ação e do discurso e correspondentemente o objetivo da análise institucional Tendo Guilhon como referencial diriamos que o tempo todo Lapassade confunde o plano da análise com a essência mesma da totalidade concreta De todos os seus escritos tomamos um que nos parece no âmbito de nosso tema melhor introduzir o leitor ao pensamento do autor Elementos para uma análise da prática institucional José Augusto Guilhon Albuquerque Quando se encara o impacto das instituições médicas sobre as relações sociais é que se está querendo ir além de uma análise restrita às variações produzidas por fatores individuais socioeconômicos etc que incidem sobre a formação de atitudes e conseqüentemente sobre a ação individual dos médicos no terreno da reprodução humana O pressuposto é de que tais variações têm limites embora nem sempre precisos que são determinados pelo quadro institucional e organizacional em que se desenvolla a formação médica onde o saber e a profissão se revestem de legitimidade e onde tem lugar a prática terapêutica Dois obstáculos devem ser evitados liminarmente numa abordagem desse tipo a redução da prática médica a mero Refaco aqui meu agradecimento a Guilhon pela cessão na íntegra desse texto já publicado em Metáforas da Desordem op cit em 1977 O fato de este texto lidar com as instituições médicas não significa que estejamos dizendo que a Psicologia seja uma instituição médica ou que apenas nesse âmbito seja possivel a análise de instituições Cabe mais uma vez destacar que Guilhon na maioria de seus trabalhos entre 1970 e 1980 referese a instituição da loucura portanto és às práticas médicas que vai se referir considerando que a loucura tem sido terreno do médico psiquiatra Elementos para uma análise foi publicado em seu livro Metáforas da Desordem onde discute sobretudo o lugar que a doença mental e as formas de seu tratamento ocupam na ordem social Apesar desse caráter específico o texto contém aspectos que conforme se poderá perceber prestamse a compreender outras instituições que não as médicas e outras organizações que não os hospitais psiquiátricos epifenômeno das instituições o que equivaleria a restringirse a uma análise de retórica institucional da medicina na pressuposição de que os médicos nada mais podem fazer do que aplicar conhecimentos e atitudes gerados à sua revelia O outro obstáculo é uma quase inversão do primeiro pressupondo a autonomia absoluta dos atores concretos com relação às instituições entendidas como encarnação do mal a que se oporia uma inocência virginal de seus atores concretos Na primeira hipótese o médico como ator concreto nada pode contra o peso das práticas e preconceitos das instituições e organizações onde se forma e atua Na segunda é onipotente e sua autonomia sem limites manifesta na posição crítica expressase na idéia de que tudo é possível Ora se atentarmos para os diversos elementos que estruturam a prática institucional veremos que a prática dos atores concretos não é resultado mas componente estrutural da ação das instituições e que a prática institucional não existe senão encarnada na prática dos atores concretos que a constituem Numa primeira tentativa de definir os elementos que estruturam a prática institucional há lugar para distinguir pelo menos o objeto institucional o âmbito de ação institucional os atores institucionais e práticas institucionais 1º Objeto institucional O objeto de uma organização é um determinado tipo de recursos de que a organização como sistema de meios apropriase transformandoo O objeto de uma instituição no entanto deve ser considerado de modo radicalmente diferente Não se trata de um recurso no sentido de fazer parte de um processo de transformação nem é ele mesmo transformado pela ação institucional Não é a salvação que poderíamos tomar como objeto das instituições religiosas que constitui o recurso essencial das igrejas mas por exemplo a graça Nem é a salvação que é transformada pela prática institucional religiosa mas por exemplo os fiéis O objeto institucional é aquilo sobre cuja propriedade a instituição reivindica o monopólio de legitimidade Definirse como instituição é portanto apropriarse de um objeto Nesses termos o objeto institucional não pode ser um objeto material como os recursos de uma organização mas imaterial impalpável e o processo de apropriação desse objeto é permanente como processo de desapropriação dos indivíduos ou de outras instituições no que concerne ao objeto em questão O caráter impalpável do objeto é o que permite sua desapropriação e a tendência de toda instituição a negar os limites de seu objeto Assim por exemplo criar filhos é um hábito familiar à mão de qualquer adulto da espécie humana mas o saber pediátrico isto é a versão medicalizada da criação só se define por referência ao objeto próprio porque apropriado das instituições médicas a saúde A relação do objeto das instituições de saúde com nosso tema é determinada de dois pontos de vista através da definição da saúde de maneira extensiva de modo a compreender a criação de filhos da maneira mais abrangente possível e materialmente apropriandose dos recursos habituais que são condição da prática social de criar filhos Do primeiro ponto de vista a definição de objeto institucional opera num eixo em função do qual se polariza o objeto e seu outro saúdedoença salvaçãodanação normalpatológico cidadãodelinquente etc A apropriação do objeto pela instituição é um processo que resulta em avançar no eixo em direção ao pólo oposto Muito precisamente a definição de saúde da OMS por exemplo confundindoa com bemestar é uma tentativa de incluir no objeto institucional da saúde a totalidade das relações sociais O que não é pouco Do segundo ponto de vista o processo de apropriação do objeto resulta na apropriação material dos recursos de instituições alternativas o saber popular sobre o bemestar físico não é só tornado ilegítimo ele se perde e os recursos com que atuava são excluídos do mercado ou voltam à natureza isto é deixam de ser recursos sociais Bom exemplo disso é a flora medicinal popular O máximo de institucionalização possível do objeto viria a ser por um lado a inefabilidade do objeto de tal maneira que se torne impossível falar sobre ele sem recorrer ao ponto de vista da instituição e por outro lado a desapropriação total de recursos alternativos Nesse ponto a propriedade do objeto é outorgada a uma instância superior igualmente indefinível tal como a Humanidade a Nação e eventualmente uma entidade metauniversal sendo a instituição sua guardiã legítima e por extensão guardiã dos recursos pertinentes 2o Âmbito institucional O que sustenta o objeto institucional são relações sociais o que de resto vale para todo objeto social A propriedade do objeto ou sua guarda é o que autoriza a ação institucional sobre as relações sociais que sustentam esse objeto O âmbito de uma instituição deve ser definido portanto a partir das relações sociais que inclui e não em função de suas fronteiras materiais Desse ponto de vista o âmbito de ação de uma escola não é o conjunto dos alunos matriculados em determinado momento nem eventualmente suas famílias mas a relação pedagógica da qual podem participar em princípio quaisquer crianças em idade escolar Isso permite também estender o âmbito de uma instituição às relações e práticas sociais conexas a seu objeto e seu único limite real são os limites de soberania de outras instituições sobre essas práticas sociais Isso autoriza igualmente o fenômeno ampla mente apontado da tendência de toda instituição a ampliar seu âmbito de ação por exemplo um hospital além das práticas estritamente ligadas à saúde ou mais precisamente à cura tende a regulamentar as práticas alimentares morais religiosas e sexuais de seus doentes Tal extensão contra todos os limites da decência do âmbito de ação de uma instituição não pode efetuarse senão à custa do âmbito de outras instituições e somente o caráter impalpável do objeto institucional evita o afrontamento direto O que nem sempre é possível A prática da desapropriação do objeto e das relações sociais se efetua em douceur pelo mecanismo do contágio ou do amálgama Por exemplo da fecundação que é um processo fisiológico o âmbito de soberania das instituições médicas se estende para a procriação que é um processo social Em suma o caráter impalpável do objeto torna extensível porque impreciso o âmbito das relações sociais sobre as quais a instituição exerce legitimamente sua soberania Esse caráter extensivo é a condição para a ambição totalizante ou totalitária de toda instituição que só é limitada pela extensão do âmbito de outra instituição Qualquer que seja o resultado da luta será sempre em detrimento dos atores concretos 3o Atores institucionais Se definirmos como instituição uma estrutura de práticas institucionalizadas isto é que tendem a se reproduzir e se legitimar definindo portanto uma instituição como estrutura ela não poderá existir senão na prática dos atores concretos que a constituem praticandoa Na análise das instituições os atores institucionais são portanto o elemento estruturador por excelência Uma instituição só existe na prática de seus atores institucionais prática que consiste em intervir nas relações sociais submetidas à soberania da instituição Nas instituições stricto sensu isto é nas instituições concretas definidas como lugar de decisão soberana sobre um objeto institucional e de intervenção legítima sobre um âmbito de relações sociais os atores institucionais tendem a ser os mesmos e a constituir um grupo social relativamente estável Em geral pertencem a uma categoria social perfeitamente definida na população e via de regra se trata de profissionais Dentre os atores institucionais cabe distinguir os agentes institucionais o mandante a clientela e o público e o contexto institucional este último entendido obviamente como conjunto de instituições Os agentes institucionais podem ser de três tipos 1 Os agentes privilegiados que em nossas sociedades tendem a constituir uma categoria profissional isto é dotada de um saber e um poder reconhecidos institucionalmente são aqueles cuja prática concretiza imediatamente a ação institucional Por exemplo nas escolas os professores nas instituições de saúde os médicos nas empresas os administradores Quanto mais institucionalizada a profissão dos agentes privilegiados e mais o objeto profissional se confundir com o objeto institucional tanto mais a instituição e sua prática se confundirão com a prática de seus agentes privilegiados Tal identificação parece ser máxima nas instituições de saúde e nas instituições religiosas de tipo eclesiástico 2 Os agentes subordinados ou subprivilegiados são em geral igualmente profissionais mas ou estão em formação ou não são plenamente reconhecidos ou ainda pertencem a categorias profissionais subordinadas aos agentes privilegiados Por exemplo as profissões paramédicas último caso e os estudantes de medicina e neomédicos primeiro e segundo casos A posição dos agentes subordinados é extremamente ambígua e ou são radicalmente conformistas ou são fator constante de conflitos na instituição Os agentes subordinados dispõem de menor autonomia com relação ao objeto institucional mas são ao mesmo tempo e por isso mesmo os mais autônomos com relação à prática institucional efetiva e nesse sentido são quem delimitam o âmbito de ação institucional 3 O pessoal institucional são propriamente os empregados ou funcionários da instituição isto é aqueles que prestam serviços indispensáveis à manutenção da mesma mas não diretamente ligados à ação institucional Por exemplo o pessoal administrativo num hospital Este aspecto é essencial na distinção entre pessoal institucional e a força de trabalho de uma empresa Nunca é demais salientar que se trata de atores diferentes cujos papéis podem ser desempenhados pelos mesmos indivíduos Somente nas instituições mais estratificadas igrejas prisões hospitais universidades é que cada tipo de agente corresponde a categorias de pessoal diferentes separadas e hierarquizadas entre si O mandante é o ator individual ou coletivo diante do qual a instituição responde ou em nome de quem ela age Em geral se trata de outra instituição e mais comumente ou em última instância do Estado O mandante não manda necessariamente mas é o proprietário ou a instância de legitimação da propriedade do objeto institucional É portanto a relação entre o mandante e o objeto que determina a relação de mandato entre a instituição e seus mandantes Podemos distinguir três relações de mandato a Relação de propriedade em que o mandante sustenta economicamente a instituição garante sua reprodução material e se apropria do que ela produz As instituições que se definem por esse tipo de relação de mandato estão próximas de se tornar ou já se tornaram em grande parte empresas Os mandantes de uma empresa são o corpo de acionistas e não o ConselhoDiretor que na verdade faz parte dos agentes privilegiados Este exemplo basta para se perceber o grau de autonomia dos agentes institucionais com relação à instituição e a seus mandantes Na análise das políticas institucionais este aspecto deve ser considerado sob pena de se ficar nas aparências da análise de políticas governamentais por exemplo pouco ou nada se pode concluir sobre a prática efetiva de aparatos institucionais de Estado b Relação de subordinação funcional em que o mandante nomeia o corpo de agentes institucionais o que limita mas não exclui a autonomia desses agentes O mandante de um HospitalEscola é a Faculdade de Medicina de origem o mandante de uma Universidade estatal é o Estado e não o governo c Relação de mandato institucional em que o mandante é guardião da legitimidade de que a instituição concreta se reveste Cada instituição de saúde concreta desde o consultório individual até o maior Hospital de Clínicas e os programas de saúde mantém uma relação de mandato institucional para com as instituições médicas dominantes no plano nacional CFM AMB etc O simples enunciado dos tipos de mandato indica que somente a relação de mandato institucional sustenta e legitima as demais do ponto de vista institucional Isso implica em que fora dos casos em que um só ator enfeixe as três relações de mandato haverá sempre uma defasagem entre o mandante e aqueles que têm poder de mando na instituição A relação de clientela é a que se estabelece entre a instituição e os atores concretos coletivos ou individuais visados em sua ação desde que se delimite e se reproduza um conjunto de indivíduos A relação de clientela é a que se realiza portanto entre a instituição e os atores cujas relações sociais são objeto da ação da instituição Mas uma clientela mesmo fixa não chega nem mesmo a definir o âmbito de ação da instituição já que este é independente dos atores concretos que nele tomam parte definindose com respeito a relações sociais O público por sua vez que participa esporadicamente ou apenas pode participar potencialmente é um ator a considerar sobretudo quanto mais impalpável for o objeto institucional Se a saúde pertence à Humanidade o público não pode ser totalmente ignorado Público seria o conjunto dos atores coletivos e individuais para quem a ação institucional é visível pública podendo eventualmente integrar a clientela Observese que muitas vezes a opinião do público pode ser mais decisiva do que a da clientela sobretudo quando o papel desta última for passivo Por exemplo no caso de prisões ou reformatórios para menores Nem todas as instituições estão ligadas imediatamente umas às outras mas o público tende a ser o mesmo e a clientela frequentemente o é Daí que na análise de cada instituição o contexto em que ela se relaciona com as outras mesmo indiretamente deve ser levado em consideração Nessa análise devese sobretudo considerar as instituições diretamente ligadas ao Estado e as instituições tradicionais Igreja Escola Delas depende em grande parte a vinculação dos atores concretos a cada instituição 4o As práticas institucionais Estritamente falando a ação institucional nada mais é do que a prática de um de seus agentes mandantes clientes etc Ou mais precisamente o resultado de relações sociais entre agentes e mandantes ou agentes e clientes e assim por diante Ora a prática de cada um desses atores é com frequência divergente e muitas vezes complementar e contraditória com respeito à de outros A prática institucional é portanto a resultante das práticas conflitantes dos diversos atores Para a compreensão da prática institucional importa sobretudo identificar as práticas predominantes em uma insti tuição concreta o que nos dá a chave para a elucidação da prática institucional Tal análise deve ser concreta e não dedutiva nada garante que os profissionais que dão o nome a uma instituição sejam seus agentes privilegiados efetivos Imaginar que os médicos sejam os atores cuja prática é dominante em qualquer instituição de saúde é o mesmo que imaginar ou deduzir que os juristas são os agentes privilegiados de qualquer instituição judiciária como as prisões e reformatórios por exemplo É fundamental portanto definir concretamente os atores dominantes agentes cuja prática tende a predominar em cada instituição concreta Duas observações de ordem geral se impõem já que no demais somente uma análise concreta poderia autorizar hipóteses confirmáveis Em primeiro lugar nas grandes organizações modernas os agentes privilegiados tendem a deixar de ser agentes profissionais para se identificarem com uma camada do pessoal institucional a administração Isso significa por exemplo uma perda da dominância profissional de médicos engenheiros professores em favor de administradores profissionais ou não Estes por sua vez tornandose os verdadeiros agentes privilegiados passam a reivindicar as prerrogativas do profissional o que indica que o status profissional é que depende da categoria de agente privilegiado de uma instituição e não o contrário como se poderia imaginar Outro aspecto a considerar é que apenas os atores internos agem positivamente como suportes da prática institucional Desse modo a ação dos mandantes embora possa ser decisiva é puramente negativa Os mandantes podem paralisar a ação institucional impedindo os agentes institucionais de agir todavia não podem agir em seu lugar senão tornandose por sua vez agente institucional Daí que na análise das práticas institucionais o ponto de vista dos mandantes do contexto institucional e do público são sempre variáveis contextuais Não é o caso da clientela pois a ação institucional incide diretamente sobre as relações sociais que a constituem como tal como clientela Na medida em que a prática institucional são relações sociais de que a clientela é sempre um dos termos a ação desta última é um dos determinantes da prática institucional sendo frequentemente conflitante com a dos agentes institucionais O caráter negativo de ação dos atores externos às instituições concretas lança uma nova luz sobre a questão da autonomia dos agentes institucionais atores internos Na parte seguinte veremos particularmente as limitações da ação médica como ilustração dessa hipótese Limites da atenção médica como serviço pessoal Vamos analisar os limites institucionais e organizacionais e os limites internos da atenção médica como relação de serviço pessoal As relações de serviço pessoal são relações em que um atorcliente entrega um objetosistema a um atorperito para que este reponha o objetosistema em estado de uso Como se apresentam essas relações Clienteobjeto o atorcliente é proprietário do objeto em questão e mantém sua propriedade enquanto dura a relação mesmo quando o perito mantém o objeto sob sua posse o cliente confia o objeto ao perito e confia no conhecimento especializado do perito em relação ao objeto mas não no seu próprio conhecimento o cliente considera que o objetosistema está funcionando mal e é o único juiz desse mal funcionamento é também juiz do seu valor de estima mas não de seu valor de troca nem dos custos da reparação Peritoobjeto o perito possui conhecimento com relação ao objeto definindo seu melhor funcionamento em geral mas não seu melhor uso ele se reserva um direito de diagnóstico preliminar sobre o objeto para o que se baseia nas observações do cliente mas em que tem a última palavra assume o direito de manipular livremente o objeto e inclusive o de colocálo inteiramente fora de uso desmontálo para poder fazer a reparação Peritocliente o perito aceita assumir o problema apresentado pelo cliente e assume uma posição de interesse pelo mesmo o cliente admite a perícia do perito e sua boafé em assumir seu interesse de cliente admite o juízo do perito quanto à melhor reparação e ao valor dos honorários o perito aceita a boafé do cliente quanto à necessidade de reparação e sua disposição a pagar os honorários dispõese justamente a cobrar honorários e não preço isto é um valor relativo às suas próprias condições de vida e não ao custo da reparação ou ao custo do nãouso do objeto pelo cliente Nessas três relações dois elementos estão sempre presentes a propriedade do objeto pelo cliente e o desinteresse do perito ou seja seu interesse pelo cliente ou mais precisamente pelo seu ponto de vista de cliente que como se sabe sempre tem razão 1 Limites organizacionais O primeiro problema colocado pelo profissional de serviço pessoal que trabalha em uma organização é a questão do desinteresse ou mais precisamente de seu interesse pelo ponto de vista do cliente A relação de propriedade entre o cliente e o objeto se mantém mas é ameaçada Em primeiro lugar fazendo com que a despossessão do objeto pelo cliente seja mais frequente e mais longa do que no serviço estritamente pessoal Junto a um profissional individual é possível recuperar imediatamente um objeto numa organização é preciso enfrentar comprovantes normas da casa só com seu fulano dentro de 24 horas até o dia 10 dos meses ímpares etc Em segundo lugar a racionalidade dos custos faz com que a organização considere como recursos seus tudo o que ela contém inclusive o objeto do cliente levando a frequentes abusos quando o objeto é a própria pessoa do cliente num hospital por exemplo em que pode ser usado como recurso de ensino ou de pesquisa A relação entre o perito e o objeto também é modificada a posse do objeto o diagnóstico as manipulações podem obedecer a critérios preestabelecidos ou a critérios de custos e não à consciência do perito por exemplo um hospital pode submeter um paciente já diagnosticado a exames de rotina por necessidades administrativas Isso de tal modo que a propriedade do objeto pelo cliente e a responsabilidade do perito pela reparação são seriamente ameaçadas O desinteresse do perito sua capacidade de assumir o ponto de vista do cliente desaparece ou pelo menos é limitado pelo ponto de vista da racionalidade de organização As relações entre o perito e o cliente são também modificadas O cliente transfere sua confiança do perito à organização mas não totalmente O perito estará dividido entre essas duas lealdades entre o monopólio do saber sua perícia que reivindica e o monopólio dos recursos e da racionalidade que pertencem à organização e podem impor limites a seu saber especializado O cliente não paga mais honorários fixados pelas necessidades do perito mas os custos para a organização cuja racionalidade não pode mais depender de considerações individuais De novo o desinteresse do perito é posto em cheque Em suma a organização complexa como a organização hospitalar ou a empresa médica descentra o serviço profis sional do cliente para a organização desapropria o cliente de seu objeto tornandoo recurso da organização 2 Limites institucionais Vejamos agora os problemas criados no âmbito da instituição médica pelo fato do exercício profissional referirse a um modelo institucional que interfere com o modelo do serviço pessoal O ponto crucial nessa interferência é o saber profissional que no caso é institucionalizado O conhecimento do perito suposto pelo cliente diz respeito à aparência de funcionamento do objeto e ao seu estado de uso Geralmente não se põem em questão as manipulações que o perito julga necessárias à reparação do objeto O caso é completamente diferente quando o saber profissional é institucionalizado isto é considerado legítimo enquanto obedece a cânones publicamente reconhecidos ou ao menos estabelecidos por uma instância publicamente reconhecida como competente naquela esfera do saber Neste caso o perito continua não se referindo ao cliente nem ao público em geral mas referese sempre à instituição respectiva em tudo o que tange ao saber em questão e à sua prática A relação não é mais somente entre atorcliente objetosistema atorperito mas envolve sempre mais dois elementos que são o atorinstituição e seu objetorelaçãosocial Quais as repercussões da presença desses novos elementos na relação entre os demais Na medida em que toda instituição reconhecida socialmente admite por sua vez as outras instituições e os valores sociais predominantes a instituição começa alterando as relações de propriedade e de uso entre o cliente e o objeto Assim por exemplo o profissional tenderá a limitar o reconhecimento da propriedade e do uso do objeto a valores sociais já que a propriedade legítima do objeto é reivindicada pela instituição profissional O advogado limitará seus conselhos a direitos legalmente reconhecidos o mecânico não fará modificações que firam as normas técnicas legais o médico prescreverá a quarentena e assim por diante O cliente não é mais agente absoluto em relação ao objeto em função do qual consultou o perito mas tornase paciente deste último no que concerne ao uso social do objeto e mesmo à sua propriedade prejudicada na quarentena no internamento de doentes mentais O que se torna tanto mais dramático no caso da saúde em que o objeto é a própria pessoa do paciente ou seus bens mais preciosos como os filhos Além disso tal limitação poderá chegar a definir o que seja estado de uso ou mal funcionamento do objeto em questão independentemente da vontade do cliente Não é mais este mas o perito em nome da instituição quem define o funcionamento e o uso do objeto Ao invés de o cliente determinar que seu aparelho está quebrado e como gostaria que funcionasse o paciente se queixa mas quem diz se há doença e o que fazer é o médico As repercussões também atingem a relação clienteperito A responsabilidade do perito ante o cliente passa a subordinarse à sua responsabilidade ante a sociedade por intermédio da instituição Escudado na instituição é o perito que ao definir o próprio objeto de seu serviço substitui o cliente nessa função ou pelo menos subordinase à sua própria tornando o cliente paciente Já vimos que o objeto da ação institucional as relações sociais que constituem seu âmbito institucional tendem a ser encaradas pela instituição como propriedade sua A perspectiva geralmente mantida pelas instituições é de que seu objeto por exemplo a educação a saúde a salvação o saber científico pertence à comunidade ou à sociedade etc e que aquela instituição particular é sua guardiã Assim a saúde pode ser encarada como algo pertencente à humani dade ou ao Estado mas as instituições médicas são suas verdadeiras guardiãs A institucionalização do profissional começa portanto desapropriando o cliente do objeto que lhe confia Entretanto o mesmo ocorre com o profissionalperito sua relação com o saber com a perícia que possui é também uma relação de mandato já que esse saber também pertence á humanidade ou a outra entidade abstrata cuja opinião como por acaso não pode ser consultada senão através de seus próprios supostos guardiães Com isso a instituição apenas confia ao profissional a guarda desse saber e enquanto for merecedor Assim se por um lado o cliente já não é proprietário nem juiz último de uso de seu objeto a saúde por exemplo o perito também não é dono de sua própria perícia o que define o médico não é um saber sobre a doença e a cura é aquele saber reconhecido pela instituição e o que o autoriza a praticar não é sua perícia em si mas o registro legal a que se submete e que pode serlhe retirado 3 Limites internos da atenção médica Cada um desses desvios com respeito ao modelo do serviço pessoal que no entanto é mantido como ponto de referência assume proporções dramáticas quando se trata de saúde isto é quando o objeto confiado ao profissional é a saúde do cliente ou de seus familiares Pois apesar da objetivação e da localização da doença que marcam o advento da medicina moderna o cliente continua identificando a saúde e a doença com seu próprio corpo e mais do que isso com sua própria pessoa Eis algumas de suas consequências o cliente relutará mais em confiar no saber profissional sobre o seu próprio corpo e sua pessoa o que exigirá o emprego de meios paraprofissionais e radicais para convencêlo disso levando ao aparato e ao ritual que envolvem as relações médicopaciente e resultando na suposta onipotência e onisciência do médico atribuída pelo paciente e reivindicada pelo profissional despossessão do corpo e da personalidade do cliente é muito mais ressentida do que se tratasse de um rádio ou de uma geladeira esse sentimento de despossessão tende a contaminar outras propriedades do sujeito como por exemplo seus direitos seus papéis a incerteza é muito maior quanto às possibilidades de reparação e a manipulação do corpo é mais limitada não se pode trocar todos os componentes do corpo como em uma loja de autopeças o que leva a uma sacralização do saber médico como meio de defesa contra essas incertezas o cliente estará muito menos disposto a renunciar ao uso do seu corpo ou de sua saúde para satisfazer às prescrições profissionais ou aos valores institucionais ou sociais que o médico invoca para aconselhálo a privarse dos mesmos o que obriga muitas vezes ao emprego da força e faz do paciente um cliente condenado a serviços forçados 102 103 4 Psicologia Institucional em busca da especificidade de atuação do psicólogo 41 A Psicanálise a Análise de Instituições Concretas e a Psicologia Institucional Conforme se afirmou no Preâmbulo deste livro o termo Psicologia Institucional tem sido usado para nomear diferentes tipos de práticas psicológicas em instituições Muitas vezes o simples fato de se estar trabalhando no espaço físico de uma organização hospital escola empresa entre outros independentemente do enfoque ou da atividade desenvolvida é considerado Psicologia Institucional Outras vezes o critério vai além desse para enfatizar o fato de se tomar a instituição como um todo como objeto de intervenção Mesmo nestas últimas situações podemse distinguir aquelas intervenções que visam de forma direta o questionamento da relação de poder e a tomada de consciência da dominação entre grupos daquelas que visam a dinâmica psíquica Este capítulo foi escrito com a colaboração de Maria Sandoval Schmidt docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Assim podese expressar com o nome Psicologia Institucional uma variedade de formas de atuação de tal maneira que conforme se apontou deverseia para serlhe mais fiel usálo no plural No decorrer do livro todo por meio de Lapassade Bleger e Guilhon foram destacadas as contribuições que do lugar da teoria têm orientado ou organizado as representações relativas às práticas psicológicas desse segundo grupo as que reconhecem como Psicologia Institucional os trabalhos com a instituição como um todo Nesse capítulo e pensando na pluralidade nossa intenção é articular uma outra proposta para a Psicologia Institucional Marcamse semelhanças e diferenças entre nossa proposta e as demais A semelhança está em supor o trabalho com a instituição como um todo A diferença reside na busca de definição de um especificidade do trabalho psicológico Para tanto tomamos a Psicologia em geral percebida e efetivada como uma abordagem do indivíduo e procuramos aproximála da Psicanálise no sentido de fazer dela um trabalho no plano das representações e do inconsciente no discurso mas fazemos isto para situála como forma de intervenção social Por esta razão temos que resgatarlhe o caráter de conhecimento da relação e não do indivíduo o que pela Psicanálise se justifica Entretanto destacamos o contexto em que se dará a prática psicológica não mais a relação bipessoal cliente terapeuta mas os conjuntos das relações de uma instituição concreta com objetos e objetivos próprios com características particulares por exemplo o atendimento à população em abandono e carência o atendimento à saúde ou à educação da população com uma determinada distribuição de tempo espaço e relação de poder que existem independentemente da ação do psicólogo 104 105 Na consideração do contexto institucional tomamos como modelo teórico a Análise de Instituições Concretas Para a definição da Psicologia como Psicologia Institucional partimos portanto de dois referenciais distintos o da Psicanálise e o da Análise de Instituições E a preocupação central é a de na perspectiva teórica em que nos colocamos formular o objeto e a especificidade deste tipo de atuação do psicólogo O âmbito de ação o terreno de determinadas relações sociais e a postura do profissional serão os pontos em torno dos quais girará tal formatação Com este propósito a princípio retomaremos dos autores apresentados a forma singular com que direta ou indiretamente falam sobre a relação institucional e sobre a postura do técnico Esta revisão nos permitirá situar melhor a questão que pretendemos discutir Finalmente procuraremos aproximar o que propomos em tese das situações concretas que sabemos psicólogos como nós vivenciam 42 Revendo 421 Bleger No caminho de uma diferenciação nem sempre bemsucedida entre a Psicanálise e a Psicologia como formação e atuação dos profissionais destas duas áreas Bleger formula sua Psicologia Institucional como uma prática da Psicologia inserida num projeto de expansão desta para além dos limites do consultório O psicólogo é definido como um profissional da saúde e não da doença Com base nisto delineia o âmbito da Psicologia Institucional e a postura do profissionalpsicólogo Quanto ao âmbito a Psicologia Institucional supõe uma intervenção junto aos grupos da instituição isto não só em termos da dinâmica intra mas sobretudo da intergrupal a ponto de o objeto de trabalho não serem necessariamente os grupos mas o organograma 76 Assim desde o contrato feito com aqueles que solicitam trabalho ou que em última instância o financiam devese explicitar a demanda estabelecer o que se pretende com a intervenção e deixar claro o enquadre Quanto à postura o lugar do psicólogo se diferencia dos demais lugares na instituição numa perspectiva psicanalítica Esta perspectiva implica que o psicólogo possa ocupar o lugar de analista na relação com os grupos institucionais Ocupar esse lugar supõe por um lado a dissociação instrumental através da qual buscase a distância necessária do imaginário dos grupos e da instituição para que a análise se dê e de outro supõe a identificação projetiva inevitável que garante o mínimo de pertença a este imaginário Este lugar do psicólogoanalista é portanto aquele que se reveste da condição de assinalar pontuar e interpretar as defesas as fantasias e as ideologias dos grupos E é este o objeto de seu trabalho o mundo das representações inconscientes as expressões deslocadas do sinceretismo ou da indiferenciação no sentido de sua discriminação e de sua integração aos aspectos institucionalizados desses grupos Qualquer mudança portanto deverá passar pelo sujeito Só assim se pode supor uma transformação das relações porque esse sujeito é sempre em alguma medida o grupo e a instituição isto pela organização singular de sua identidade ou de sua personalidade Desta forma as mudanças precipitada ou as tentativas de extinção da instituição que não passam pela transformação do sujeito na relação com seus grupos podem provocar atuações acting out que não significam a integração ou a elaboração do que está indiferenciado inconsciente e por isso impedindo a comunicação do grupo Vide noção de ego sincerético e ego organizado à p 17 106 107 É na perspectiva de garantir esse lugar e este objeto que Bleger destaca as regras do enquadre transcritas no capítulo 1 deste livro Além delas é importante frisar que segundo este autor a Psicologia Institucional só pode ser levada a cabo quando o psicólogo não é empregado da instituição nem ocupa qualquer cargo além do de psicólogo Ele deve ser um assessor um consultor que apesar de economicamente vinculado à organização é profissional e tecnicamente independente Só assim a Psicologia Institucional vai acontecer Não adianta deixar de esclarecer estes aspectos de início para buscar chegar a eles depois sem que a instituição perceba Se as resistências inconscientes a uma intervenção no âmbito dos aspectos psicológicos intersubjetivos das relações já são grandes quando a instituição concorda explicitamente com este tipo de trabalho elas se constituirão em barreiras intransponíveis quando o jogo não se esclarece em seu ponto de partida Se formos fiéis a Bleger somente em condições expressamente privilegiadas o profissional psicólogo poderá fazer Psicologia Institucional Isto porque em nossa realidade raríssimas vezes contratase um psicólogo como assessor ou consultor Via de regra ele é um técnico empregado da organização 422 Lapassade Lapassade propõe uma intervenção que assume sem dúvida um caráter político imediato o trabalho no nível organizativo dos grupos no sentido de libertação da palavra social e da tomada de decisão por esses grupos é o objeto da intervenção Buscamse grupos autônomos e não heterônomos A distância analítica que Bleger propõe não é objeto de preocupação em Lapassade Mais propriamente aquilo que Bleger chama de enquadre não faz sentido na criseanálise e na autogestão Além disso as fantasias inconscientes a indiferenção no vínculo interpessoal as defesas e sua interpretação ou assinalamento não são as vias de trabalho Essas diferenças ficam acentuadas no Prólogo à 2ª edição de Grupos Organizações e Instituições quando Lapassade apresentase sem dúvida como o anarquista que questiona o trabalho de análise e o movimento mesmo da Análise Institucional É a ação que faz a análise Nela o analista ou melhor o técnico não é preceptor de qualquer mudança Ele será sempre um com os outros no processo de pensar e executar decisões do grupo Só aí se rompe com a ideologia da instituição Em outros escritos seus quando o trabalho analítico é resgatado 77 não necessariamente o papel de analista é aquele que Bleger define Por isso podemos caracterizar sua proposta como uma intervenção no plano organizativo e político O lugar que o grupo trabalhado ocupa na estrutura do poder entre os grupos da organização é diretamente defrontado e trazido como objeto de análise As relações de poder são o centro das reflexões Se em Bleger isso conta é por um caminho mediatizado pelos vínculos interpessoais Mesmo quando é o organograma o objeto das intervenções são sempre as fantasias inconscientes expressas nos grupos o alvo de assinalamentos Tais divergências entre as propostas dos dois autores entretanto condensamse na postura do analista em Lapassade o envolvimento é com o fazer do grupo enquanto em Bleger orientandose para a dinâmica inconsciente das relações a distância instrumental que o enquadre das técnicas psicanalíticas de intervenção lhe permitem deve ser assegurada 423 Guilhon A análise ocupa aqui definitivamente o lugar mesmo de análise sem se confundir com a intervenção Os instrumentos que Guilhon oferece para compreender as relações instituídas não têm necessária ou imediatamente um compromisso com a modificação dessa relações A intervenção inevitavelmente acarretaria o envolvimento do analista com as representações da prática institucional e isto com certeza não permitiria o lugar privilegiado do distanciamento analítico Sua contribuição fundamental é a de fazer pensar a instituição como conjunto de práticas sociais que se reproduzem e se legitimam num exercício incessante de poder um poder entre agentes dos agentes com a clientela um poder na apropriação de um certo tipo de relação como própria como característica de uma determinada instituição Esta prática se articula sempre às representações que são efeitos de reconhecimento e desconhecimento das relações concretas E sua análise só é possível a partir dos ritos e dos mitos das instituições concretas O discurso dos agentes sobre o seu fazer e a observação desse fazer são vias da análise de representações 43 A questão do objeto e da especificidade do trabalho institucional do psicólogo Notamos que quando o psicólogo trabalha com uma instituição que não o consultório tem dois caminhos a seguir A palavra mitos está sendo aqui entendida como o referido conjunto de representações da prática institucional Não tem portanto o sentido específico que a Antropologia atribui à palavra Um é o da utilização dos recursos teóricos e técnicos aprendidos durante o curso de Psicologia isto o capacita sobretudo para a realização de psicodiagnósticos seleção profissional em empresas distribuição de alunos em sala de aula caracterização de distúrbios de aprendizagem entre outros e psicoterapias entendidas genericamente como diferentes tipos de atendimento psicológico entrevistas aconselhamento orientação ludoterapia Outro é o de buscar uma intervenção de natureza institucional cujo embasamento teórico e técnico só recente e restritamente tem feito parte dos cursos regulares de formação de psicólogos A primeira situação evidencia uma concepção de trabalho centrada no indivíduo e um indivíduo que está na instituição Se por um lado esta concepção se apóia na formação do psicólogo que prepara para este tipo de trabalho por outro geralmente corresponde à demanda institucional A empresa por exemplo espera que este profissional selecione os indivíduos mais adequados para determinadas funções A escola espera que ele seja capaz de separar do processo normal de aprendizagem aquelas crianças que apresentam problemas tratálas ou encaminhálas O objeto de intervenção do psicólogo nesta perspectiva é o indivíduo destacado da instituição que em si é orgânica e cuja preservação exige adequação seleção normatização Esta organicidade é entendida como justaposição de indivíduos parteextraparte que não constituem e nem são constituídos pelas relações institucionais A segunda situação a de intervenção institucional coloca em destaque a necessidade de se pensarem subjetividades constitutidas nas e constitutivas das relações institucionais Esta concepção privilegia a posição do sujeito na ordem institucional e não as características ou capacidades individuais e pessoais Assim os conflitos os distúrbios os desvios as inadequações são consideradas sobretudo como expressão desta articulação de posições e não como sintoma de um indivíduo que está na instituição Pensar desta forma a subjetividade e sugerir que seja este o âmbito da atuação do psicólogo como fazemos agora exige que se recoloque a questão da compreensão de o que seja Psicologia e as implicações desta compreensão na prática profissional Ou seja exige que se configure um objeto para a Psicologia como saber e profissão A grosso modo poderíamos dizer que há uma maneira de compreender a Psicologia que a identifica como uma ciência empírica e que lança mão de procedimentos teóricos e metodológicos voltados para o controle e a previsão dos fenômenos com os quais lida Esta concepção de Psicologia define seu objeto de uma perspectiva exterior supondo uma separação entre aquele que conhece e aquilo que deve ser conhecido Temos ainda uma outra concepção de Psicologia que deriva sobretudo das práticas clínicas e que pressupõe a não separação entre sujeito e objeto do conhecimento psicológico Ou seja ése ao mesmo tempo sujeito e objeto do conhecimento sobre si mesmo e sobre as relações com outros homens e com o mundo O conhecimento não visa tanto o controle e a previsão mas a explicação a compreensão e o entendimento do vivido A intervenção deste profissional da perspectiva da Psicologia como ciência empírica supõe a utilização de recursos técnicos como se o sujeito do conhecimento distante do objeto a ser conhecido administrasse este conhecimento e fosse sua sede Assim na seleção de pessoal na aplicação de testes para diagnóstico de problemas de aprendizagem o psicólogo é o administrador do saber sobre a história de vida o estilo afetivo e o cognitivo do funcionáriocanditato do aluno do cliente O psicólogo e o teste têm a capacidade de previsão e controle sobre os indivíduos submetidos a estas técnicas de medida Mas analisando essa intervenção da perspectiva da não separação entre sujeito e objeto do conhecimento o papel do psicólogo definese como o de mobilizar a construção e apropriação por parte do sujeito de um conhecimento sobre si nas relações que vivencia Deste ponto de vista clínico o objeto da Psicologia são as relações mas não as que materialmente se dão em si tal como imaginadas percebidas simbolizadas pelo sujeito no discurso O que caracteriza o especificamente humano e psicológico não são as habilidades e capacidades dos indivíduos tomadas como coisas em si mas sim o universo de suas representações e afetos bem como sua inserção no discurso institucional A intervenção do psicólogo deverá se circunscrever a este universo Esta concepção do objeto da Psicologia nos aproxima da Psicanálise Freud revendo a teoria original da sedução afirma que o que importa no tratamento da histeria não é a realidade de ter sido seduzida mas sim o desejo ou a fantasia de sedução 78 Esta descoberta atribui um estatuto de concreticidade ao fato psíquico que não o reduz ao factual ou ao constitucional Privilegia com isto os afetos as fantasias as representações inconscientes a fala e não mais os acontecimentos exteriores ou as disfunções orgânicas Privilegia a determinação simbólica e imaginária de um sujeito psíquico constituído pelo modo como singularmente organiza percebe vivencia as relações que lhe são significativas Por esta razão da perspectiva da Psicanálise o conhecimento investigação e o tratamento são elaborações de um mesmo processo O trabalho psicanalítico é um esforço de tomada de consciência por parte do sujeito daquilo que o institui desde o inconsciente Compreender desta maneira o especificamente humano e psicológico não significa contudo uma autonomia absoluta do imaginário Ele se constitui nas relações concretas Quando nos referimos ao vivido estamos nos reportando exata mente a este interjogo do real e do imaginado e simbolizado A distinção entre um e outro entretanto é significativa para circunscrever aquele que nos parece o nível da análise e da intervenção psicológica Como estas relações concretas se dão sempre nas e pelas instituições sociais pensar tal intervenção psicológica supõe configurar um objeto que articule o universo singular que Freud descobre no contexto da prática clínica e o universo das relações institucionais que o extrapolam A definição de instituição de Guilhon de Albuquerque 79 contribui para isso a instituição não é um lugar no espaço ou uma organização em particular mas um conjunto de práticas ou de relações sociais concretas que se reproduzem e nesta reprodução se legitimam Trabalhar com Psicologia Institucional não seria portanto trabalhar no espaço físico de uma instituição seja ele qual for reeditar a compreensão e a técnica de trabalho da relação psicoterapeutacliente examinadorexaminado selecionadorselecionado Seria sim trabalhar com as relações tal como se organizam no discurso de determinada prática institucional Prosseguimos ainda com Guilhon para melhor delimitar o objeto da Psicologia como Psicologia Institucional Que tipo de relações são estas Independentemente das particularidades das instituições o que é comum a elas O que se pode abstrair como a constante para o trabalho psicológico Notase em sua definição uma ênfase na reprodução do instituído Isto é possível exatamente porque se reconhece a ordem estabelecida como natural e autêntica e porque se desconhece o caráter instituído desta ordem assim como sua capacidade de instituir novas relações Como exemplo professores diretores orientadores crianças de uma escola perpetuam um certo cotidiano porque o vivenciam como relações naturais como tendo sido sempre assim e como tendendo a se repetir sempre desta em função deles e de suas necessidades o fazer Pela prática da burocracia os próprios professores reproduzem o instituído e com isso acabam por exigir a heteronomia em sacrifício de autonomia Das análises dos processos institucionais que Guilhon e Lapassade fazem derivamos dois aspectos que nos parecem fundamentais para retornar à questão da especificidade da intervenção psicológica Um deles é a importância do discurso e o outro é o lugar do sujeito nas relações institucionais De um lado é no discurso dos agentes que se organizam as representações da prática De outro cada ator e mesmo cada grupo de atores é sempre sujeito suporte da ação e do discurso institucional Considerando a a Psicologia Institucional uma prática cujo âmbito de ação são as instituições sociais diferentes das práticas psicoterapêuticas em si e considerando b a definição de Psicologia que a aproxima da Psicanálise podemos configurar um objeto desta Psicologia Institucional Tais considerações nos levam inevitavelmente a afirmar este objeto como sendo as relações imaginadas simbolizadas representadas enfim no discurso que nascendo dos lugares que a burocracia a ordem simbólica 80 estabelece passam a ser ratificadas legitimadas e assumidas pelos sujeitos ou grupos como naturais como tendo que ser assim Isto posto destacamos ainda outras contribuições que a Psicanálise tem a dar para esta definição Elas dizem respeito fundamentalmente aos conceitos de transferência e interpretação A transferência pode ser entendida como a repetição de modelos primitivos de relação que como processo inconsciente nega o tempo e o espaço como presentes reproduzindo em vínculos atuais posições vividas em vínculos passados 81 A interpretação por sua vez pode ser compreendida como hipótese formulada sobre conteúdos inconscientes A partir daí podemos até afirmar com Bleger que o Psicólogo Institucional é um técnico da relação interpessoal um técnico da explicitação do implícito que visa com sua intervenção a saúde nas instituições Contudo essa relação interpessoal será aquela do cotidiano da instituição o que supõe a nosso ver um sujeito que transfere confundese indiferenciase defendese de ansiedades e também se discrimina normatizase E nesse movimento ao falar de si fala da ordem de lugares do objeto e da instituição que faz Supondo que cada um tenha uma história que extrapola e antecede aquela relação em particular não será essa história o objeto da intervenção mas sim como ela é reeditada a partir do lugar que este grupo ocupa num determinado grupo e a partir do lugar que este grupo ocupa no todo da instituição A isto damos o nome subjetividade efeito das e nas práticas institucionais Conforme essa maneira de compreender as relações podese dizer que a relação interpessoal numa instituição educativa por exemplo não elimina a forma singular como cada um constrói e repete seus vínculos pelo contrário supõena Mas já a considera na transferência a outros vínculos e relações e mais que isto na transferência à tarefa que executa Consideraa também sob o crivo do rearranjo de lugares e portanto de uma transferência institucional que não deve ser em hipótese alguma esquecida É nela e destacando o lugar que sujeitos e grupos vêm ocupando no fazer cotidiano da instituição que se dá a intervenção do psicólogo Sem pretender de forma alguma deternos nestes conceitos enfatizamos apenas aqueles aspectos fundamentais para a continuidade do capítulo Saúde aqui entendida não como erradicação dos conflitos mas como a possibilidade de lidar com eles de forma mais flexível menos estereotipada 116 117 Aqui está o que ora definimos como objeto e como a especificidade da intervenção psicológica como Psicologia Institucional Nossa perspectiva de análise assim configurará seu objeto A ordenação burocrática e discursiva ocasião de lugares o jogo de reconhecimento e desconhecimento nesse vivido o que isto supõe de ansiedades defesas e fantasias e como isto se dá na e pela transferência da história de vida nas relações concretas da prática institucional em questão são os parâmetros que configuram o foco no qual se centra o psicólogo é para isto que faz vistas e a isto que se atém Estas colocações deixam em aberto a questão do método que será usado na intervenção Nesse momento nossa proposta é a de que este método seja o clínico Desde que se entenda por método clínico aquele que instrumenta a ação do psicólogo na realidade institucional compreendida da maneira como procuramos delinear acima Concordamos com Bleger sobre a importância da dissociação instrumental no trabalho do analista como o recurso para lidar com as relações tal como expressas no discurso Suas pontuações e interpretações são uma possibilidade de discriminação de aspectos indiferenciados dos vínculos institucionais Com sua postura permite que sujeitos e grupos retomem para si o que alienaram nos outros e na instituição no plano mesmo da imagem No limite é claro em que isto for possível Parecemnos fundamentais as recomendações técnicas que Bleger faz sobre a necessidade do enquadre desde o contato com os gestores da demanda que são quase sempre os financiadores da intervenção até o trabalho com cada um dos grupos É ele o contrato a via formal que permite ao psicólogo uma inserção no conjunto da instituição e ao mesmo tempo uma autonomia profissional É ela a via para que se garanta na medida do possível a inserção e também um certo nível de distância do imaginário do conjunto de representações e fantasias dos sujeitos e grupos da instituição Como técnica específica finalmente os Grupos Operativos 82 nos parecem adequados porque permitem lidar no discurso com as multitransferências grupais e com a a transferência com o fazer cotidiano nos diferentes grupos O emprego desta técnica parecenos interessante sobretudo porque ao centrarse num tema possibilita ao grupo um reconhecimento de que a análise de dinâmica inconsciente não está necessariamente dissociada do que faz É voltandose para este fazer que se dá a análise de suas dimensões ocultas inconscientes e determinantes Uma análise do cotidiano no cotidiano e por meio de uma fala que veicula o reconhecimentodesconhecimento sobre ele eis a natureza dessa Psicologia Institucional que estamos propondo aqui Seu efeito é o de estabelecer na legitimação do vivido um corte que faz pensar A última grande questão que nos resta então é a de refletir sobre a viabilidade desse lugar do psicólogo e delimitar o alcance da dissociação instrumental num contexto institucional que não é o do consultório Isto implica limitar também a potência de sua intervenção e do processo de análise na transformação de pautas sociais de conduta Isto implica em limitar sua onipotência até porque especificidade e onipotência não deveriam ao menos teoricamente e pelo bom senso ser sinônimas Atribuirse como tarefa um trabalho no nível das relações tal como imaginadas e simbolizadas das representações portanto fazer disto o foco de atenção no discurso libera o psicólogo para perceber e apontar movimentos do imaginário institucional o que não ocorre nos que se atribuem outras tarefas e com isso envolvemse mais com o fazer 118 119