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Linguística

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PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS. A DERIVAÇÃO SUFIXAL\n\nA língua apresenta alguns mecanismos linguísticos, através dos quais é possível formar novas palavras. Neste capítulo apresentamos um estudo mais aprofundado da derivação sufixal, que é, sem dúvida alguma, o processo de formação de palavras mais rico e diversificado da língua portuguesa, sendo, consequentemente o mais acionado pelos falantes. Em primeiro lugar, tocamos no problema da \"geração espontânea\" e dos conceitos de base, raiz e radical. Em seguida, estudamos as formações sufixais com base livre (com os vários tipos de sufixo) e as formações com base presa. Para finalizar o capítulo, estudamos as basióides, os sufixóides e os padrões sufixais, com uma ênfase especial para o estudo da nominalização.\n\n5.1 PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS\n\nDá-se o nome de processo de formação de palavras ao mecanismo linguístico que permite a formação de novas palavras. Nas gramáticas tradicionais, observam-se acordos e desacordos com relação aos processos de formação de palavras, como se pode verificar pelo quadro 2. Os trabalhos consultados para a confecção desse quadro são: CUNHA & CINTRA (1985), BECHARA (1972), LUFT (1976), MELO (1968), ALI (1964), CEGALLA (1979) e SILVA & KOCH (1983).\n\nNeste trabalho, vamos propor que existem três, e apenas três, processos produtivos de formação de palavras no português contemporâneo: a derivação, a composição e a onomatopeia. Isso quer dizer que os neologismos que surgem no interior do sistema da língua portuguesa passam pela derivação, pela composição ou pela onomatopeia. Quadro 2\nprocessos de formação de palavras\n\nsigla\n\nabreviação\nvocabular\n\nredundância\n\ncomposição por justaposição\n\ncomposição por justaposição\n\ncomposição por aglutinação\n\ncompostos por justaposição\n\ncomposto por aglutinação\n\nhibridismo\n\nhibridismo\n\nonomatopeia\n\nonomatopeia\n\nredução (sigla)\nredução (sigla)\n\nredulplização (composição)\n\nC. CUNHA\nBECHARA\nLUFT\nMELO\nALI\nCEGALLA\n\nMULTIPLICAÇÃO\n\n(1)\n\n\n2\n\n\nPRAZO\n\nempréstimo\n\n\nempréstimo\n\nmudança de classe\n\nderivação sufixal\ndes-res\n\n(2) 5.2 \"GERAÇÃO ESPONTÂNEA\"\n\nÉ preciso considerar, porém, que o conceito de neologismo é mais abrangente. Como afirma ALVES (1990:5), \"o neologismo pode ser formado por mecanismos oriundos da própria língua, os processos autóctones, ou por itens léxicos provenientes de outros sistemas lingüísticos\". No segundo caso, trata-se de estrangeirismos, ou empréstimos, a que já nos referimos na seção 3.5. Neste trabalho, vamos tratar apenas dos \"mecanismos oriundos da própria língua\", ou seja, dos processos de formação de palavras.\n\nO surgimento de itens lexicais fora dos processos de formação de palavras é algo raro e assistemático. Como afirma CARVALHO (1984:22), \"...as criações a partir do nada, ex nihilo, são raras e pouco importantes. Nas pesquisas que efetuei, encontrei apenas tcham e escambau, inexplicáveis quanto a origem, ambas gírias, uma vinda da gíria carioca e outra de linguagem regional nordestina\". MELO (1975:225/226) refere-se a outros processos de formação vernácula difíceis ou impossíveis de sistematizar: obscuras analogias, intuição poética, espírito chistoso, vivacidade de imaginação dão nascimento a novas palavras, que não se podem enquadrar nos processos clássicos, ou ao menos não obedecem aos planos e normas habituais. Quem explicará satisfatoriamente palavras como maçaroca, serelepe, bagunça, ganzépe, beldroga, bigorrilhas, desemlinhido, borocoxô, sacricar, chinfrim, fuzarca, pilantra, ranzinza, fuzué, esbregue, calborda, salafrário, bisborria, safardana, mazorro, salabórdia, engazopar, et similia.\n\nNão iremos nos preocupar com essa espécie de \"geração espontânea\" na formação de novas palavras, devido ao seu caráter assistemático e imprevisível. Nos itens subsequentes, trataremos da derivação, da composição e da onomatopeia. 5.3 BASE, RAIZ E RADICAL\nAntes de entrarmos especificamente na questão da derivação, convém estabelecer a distinção entre base, raiz e radical.\n\n5.3.1 BASE\nO processo de derivação caracteriza-se pela formação de um produto (P) a partir de uma base (B):\n\nB → P\n\nBASE é uma sequência fônica recorrente, a partir da qual se forma uma nova palavra, ou através da qual se constata que uma palavra é morfologicamente complexa. A partir da base apelidar é possível formar apelidador, e em formigueiro, uma palavra institucionalizada, constatamos que a base é formiga. A base não precisa ser uma palavra da língua. Poderá ser uma forma presa, como em agrário (agr-) ou escoteiro (escot-). O estudo das bases presas será feito no item 5.4.7. Por ora, vamos nos preocupar apenas com BASES LIVRES. Via de regra, formam-se novas palavras na língua a partir de bases livres. Observem-se os seguintes exemplos:\n\nBASE PRODUTO\nteatro teatral\nmexer imexível\nfaturamento super-faturamento\n\nOs conceitos de base e produto estão relacionados com a intuição que o falante tem de palavra primitiva e palavra derivada. De fato, se perguntarmos a um falante nativo de onde vêm palavras como, leitoso, cabeludo, consagração, reinventar e imexível, cremos que não haverá dificuldade para ele dizer que vêm de leite, cabelo, consagrar, inventar e mexer. Pode-se dizer, portanto, que os conceitos de base e produto estão relacionados com o que se passa no lexical dos falantes. De fato, criam-se novas palavras com base em palavras já existentes na língua e não, juntando-se raízes a prefixos, sufixos, desinências, vogais temáticas etc. como preconizava a lingüística estrutural. A esse propósito, são interessantes as palavras de SAUSSURE (citado por GUILBERT, 1975:143), que afirma, de maneira irônica:\n\nAcreditava-se que os gregos eram portadores, desde os tempos imemoriais, de uma bagagem de raízes e sufixos, e que eles se ocupavam em montar suas palavras dizendo que PATER, por exemplo, era para eles a raiz de PA + suf. TER e que DOSO representa a soma de DO + SO + desinência pessoal etc.\n\nAinda com relação à fixação do conceito de base, convém lembrar, com BASÍLIO (1987:13-14), que \"as palavras não são formadas apenas por uma simples sequência de elementos constitutivos; elas são também estruturadas em camadas que podem atingir vários níveis\".\n\nAproveitando os exemplos citados pela autora, observe-se a sequência: centro, central, centralizar, descentralizar e descentralização. Descentralização tem como base descentralizar. Por sua vez, descentralizar tem como base centralizar e assim por diante. Fazendo o caminho inverso, não faz sentido afirmar-se que de centro formou-se descentralização, uma vez que novas palavras são formadas por etapas sucessivas. Sarneyzação foi formado a partir da base (?)sarneyzar (mesmo que seja uma BASE ABSTRATA, como preferem alguns autores; cf. c. DUBOIS et al., 1978: abstrato) e não, a partir de Sarney. Se assim o fosse, o produto seria *sarneyço — uma formação interditada — e não, sarneyzação.\n\nSCALISE (1984:169) trata com profundidade desse problema, a que dá o nome de CONDIÇÃO DE ADJA-CÊNCIA. JENSEN (1990:35) chama a atenção para o assunto ao afirmar: \"Uma palavra não é necessariamente uma simples concatenação de morfemas. Em palavras de três ou mais morfemas, alguns pares de morfemas estão mais relacionados entre si do que outros.\" O autor ilustra a questão com a palavra derivational, de duas maneiras: [[[ der iv ] a tion ] n all ] a\n\nN\n\nV\n\nderiv ation\n\nal\n\nCom as posições de BASÍLIO, SCALISE e JENSEN, acima citados, além de VILLAVA (1986:115-120), pode-se entender com mais clareza a diferença de postura que o estruturalismo e o gerativismo têm com relação à estrutura da palavra. O ponto de vista estruturalista preocupa-se em depreender e classificar os morfemas, o que pode ser demonstrado através do exemplo:\n\nMEXIC - AN - IZ - A - ÇÃO MEXIC - raiz\n\n- AN - sufixo derivacional\n- IZ - sufixo derivacional\n- A - vogal temática\n- ÇÃO - sufixo derivacional\n\nJá com a postura gerativista, é possível representar, sucintamente, a estrutura da palavra da seguinte forma:\n\n[[[ MÉXICO ] ano ] A izar ] y cão ] s\n\n5.3.2 RAIZ\nRAIZ é o morfema (cf. c. item 1.1.3) como a várias palavras de um mesmo grupo lexical, portador da significação básica desse grupo de palavras. Assim, em claro, clarear, aclara, esclarece, esclarecimento e claridência, a raiz é clar-. Em livro, livrinho, livreiro, livraria e livresco, a raiz é liv-. Em tom, tonal, tonicidade, então, desentour, toado e desentoadamente, a raiz é tom (com a variante to-). Observa-se que neste trabalho estamos preferindo empregar grupo lexical em vez de família de palavras. Esta última expressão, muito empregada em gramática histórica, pode nos remeter a uma postura dicotômica, que não nos interessa neste trabalho. Seguem-se alguns exemplos de grupos lexicais e suas respectivas raízes: terra estudar belo quebrar\nterreiro estudo beleza quebra\nterraria estudante belezura quebradeira\nterreno estudantil embelezar requerbar\n térreo estudável embelezamento quebrazinha\nenterrar reestudar quebra-quebra quebra-mola\naterrar subterrâneo\nRAIZ: TERR- RAIZ: ESTUD- RAIZ: BEL- RAIZ: QUEBR-\n\nComo se observa, estamos fixando o conceito de raiz sob o ponto de vista exclusivamente sincrônico. CUNHA & CINTRA não tratam do conceito de raiz em sua Gramática (só se referem a radical). LIMA (1972:167) & EGALEA (1979:53) afirmam que o conceito de raiz só interessa à gramática histórica.\n\nRADICAL é a parte da palavra que está presente em todas as formas de uma mesma palavra. Corresponde à expressão inglesa word-form, que pode ser traduzida por FORMA LEXICAL. Cada palavra tem, portanto, o seu radical específico, que pode coincidir, ou não, com a raiz ou radical de outras palavras. Para se encontrar o radical de uma palavra, flexiona-se o nome em gênero e número e o verbo em pessoa, número, tempo, modo e aspecto. A parte da palavra comum às variações de flexão é o radical. No nono capítulo deste trabalho iremos justificar por que consideramos essas, e não outras, as flexões do português. Vejamos alguns exemplos de radical: \n\nITEM LEXICAL RADICAL ITEM LEXICAL RADICAL\n\n terra terra terreno (A) apalavrado\n teatro teatro menin- varrer\n cozinheiro cozinheiro - soltar\n terreno (S) terrenno embelezar embelezar\n estudante estudante esclarecer esclarec-\n belo bel estudioso estudioso Observe-se em seguida, através da exemplificação, a distinção entre BASE, RAIZ e RADICAL.\n\nITEM LEXICAL BASE RAIZ RADICAL\n\n - flor flor flor\n - livro livr livro\n - dente dent dente\n - gato gat gat-\n (S) leite leit leiteir-\n - florista flor florista\n - livraria livr livraria\n - dentista dent dentista\n - barrigudo barrig barrigud-\n (A) terra terr teren-\n (A) fabrico fabr pré-fabricad-\n super- faturamento fatur - super-faturamento\n - nacionalização nacionalizar nac- nacionalização\n - mexicanizar mexic mexicanização\n - transformação transforma - transformacionista\n - agrupar agrupar grup-\n - ensurdecedor ensurdecer surd - ensurdecedor\n - sofá-cama sofá + cama sofá/cam- sofá-cama\n - quebra-mola quebra + mola quebr/mol- quebra-mola\n - estudar estud estud-\n - xingar xing xing-\n - parafusar parafuso parafus-\n - transformar formar form-\n - claro clar clare-\n eco- eco + erótico eco/-erot- eco-erótico\n\nComo dissemos, embora reconheça a existência de raiz e de radical, o ponto de vista gerativo considera esses conceitos secundários, surgindo daí uma preocupação especial com o conceito de base, que passa a ser o centro das atenções dos lexicalistas.\n\nNeste trabalho, estamos adotando as ideias básicas da Teoria da Entrada Plena, de R. Jackendoff, segundo a qual as entradas lexicais são separadas, mas relacionadas entre. (JACKENDOFF, 1975). Tal posicionamento é importante para enfatizar o aspecto sistemático das relações lexicais e para explicar que essas relações, como a expressão está dizendo, se realizam no nível do léxico e não, partindo-se de uma raiz, como pretendem a gramática estrutural e a tradicional. Daí a importância fundamental das regras em morfologia gerativa, que estabelecem relações entre itens lexicais. Em outras palavras, como afirma BASÍLIO (1980:32), a propósito das regras sugeridas por Jackendoff, “uma entrada lexical X tendo tais e tais propriedades é relacionada a uma entrada lexical W, tendo tais e tais priadades”.\n\nEm decorrência da importância das regras na fixação da teoria gerativista, surge a necessidade de se estabelecer com rigor o conceito de base, como vimos fazendo neste trabalho, em detrimento do conceito de raiz. voltaremos a este ponto. BASÍLIO (1980:42) resume assim a questão: “Regras, por definição, operam sobre bases especificadas. Assim, os gerativistas têm que enfrentar o problema, não partilhado pelos estruturalistas, de prover as bases sobre as quais as regras devem operar.”\n\nPara finalizar, mesmo levando-se em conta as dificuldades para se fixar a distinção entre base, raiz e radical, cremos que é possível estabelecer essa diferença no âmbito do português, apesar do ceticismo de alguns lingüistas, como, por exemplo, de SPENCER (1991:461), que afirma: A derivação sufixal, ou sufixação, pode ser caracterizada como um tipo de derivação que consiste na anexação de um sufixo a uma base. Já vimos anteriormente que não faz sentido o estudo isolado do sufixo. Morfemas como o -udo de barbudo, o -eiro de doleiro e o -dor de animador são abstrações ou ficções desnecessárias, se estudadas isoladamente. Só é válido o estudo de um sufixo, se este estiver inserido numa regra. REGRA LEXICAL, como vimos, “é uma relação de regularidade que se estabelece entre uma base e um produto”. Numa regra lexical do tipo,\n\nV → S_dor,\nhá uma regularidade entre a base e o produto, ou seja, essa regra sintetiza relações paradigmáticas do tipo:\n\nprogramar programador\npaquerar paquerador\napelar (?) apelador\nconseguir (?) conseguidor\nreciclar (?) reciclador\n\n5.4.1 FORMAÇÕES SUFIXAIS COM BASE LIVRE\n\nO estudo deste item terá como base o quadro 3, sendo necessário esclarecer alguns pontos. Observem-se as notas que se seguem, que remetem ao quadro em questão.\n\na - Este quadro não é completo. Poderíamos anexar a ele: sub-categorização das bases, traços semânticos das bases, sub-categorização do produto, traços semânticos do produto, sufixos homônimos etc. Por questão de espaço e para não complexificar em demasia o quadro, limitamo-nos aos itens apresentados.\nb - ARONOFF (1976:22) estabelece a importância da caracterização das bases:\n\n...uma regra específica um conjunto de palavras sobre o qual ela pode operar. A este conjunto, ou a qualquer membro deste conjunto, daremos o nome de base dessa regra. Toda RFP especifica uma única operação morfológica que se realiza sobre uma base. Toda RFP também especifica um rótulo sintático e uma subcategorização para a palavra resultante, assim como uma interpretação semântica...