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Título Apologia de Sócrates Autor Platão Criação e Formatação ePub Relíquia Introdução tradução do grego e notas André Malta Capa Ivan Pinheiro Machado sobre Escultura em mármore de Sócrates 469 aC399 aC na Academia de Ciências de Atenas Akgimages John Hios Preparação Patrícia Rocha Revisão Jó Saldanha CIPBrasil Catalogação na Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ P777a Platão 427347 aC Apologia de Sócrates precedido de Êutifron Sobre a piedade e seguido de Críton Sobre o dever Platão introdução tradução do grego e notas de André Malta Porto Alegre RS LPM 2013 Coleção LPM POCKET v 701 Tradução do original grego ISBN 9788525429063 1 Sócrates 2 Filosofia antiga I Malta André II Título III Título Êutifron Sobre a piedade IV Título Críton Sobre o dever V Série 081444 CDD 184 CDU 138 da tradução LPM Editores 2008 Todos os direitos desta edição reservados a LPM Editores Rua Comendador Coruja 314 loja 9 Floresta 90220180 Porto Alegre RS Brasil Fone 5132255777 Fax 5132215380 PEDIDOS DEPTO COMERCIAL vendaslpmcombr FALE CONOSCO infolpmcombr wwwlpmcombr Sumário Introdução Êutifron Sobre a piedade Apologia de Sócrates A defesa A definição da pena A condenação final Críton Sobre o dever Sobre o autor Platão Sobre o tradutor para Jaa Torrano que me deu a ideia da tradução INTRODUÇÃO André Malta O julgamento de Sócrates ocorrido em 399 aC em Atenas é um dos fatos históricos mais importantes da Grécia Antiga É possível dizer que a importância desse acontecimento foi percebida já na época em que ele se deu com o surgimento de um número razoável de textos que abordavam a figura desse sábio excêntrico condenado à morte por impiedade e por corromper os mais jovens No entanto foi apenas com o tratamento dado ao episódio por Platão responsável por lhe atribuir uma poderosa dimensão filosóficoliterária que ele extrapolou seu tempo e se perpetuou como inesgotável fonte inspiradora Na extensa obra platônica os diálogos que tratam do processo contra Sócrates e de sua morte são quatro Êutifron Apologia de Sócrates Críton e Fédon Entre eles há uma clara sequência dramática desde a discussão sobre o ponto central da acusação o que é piedade passando pela defesa no tribunal e a estada na prisão até o momento em que a pena de morte é cumprida Do ponto de vista temático porém o Fédon mais complexo e extenso é em geral considerado pelos estudiosos um trabalho posterior no qual Platão já se mostraria menos preso à visão do mestre Discussões acadêmicas à parte a leitura das três obras aqui apresentadas é suficiente para nos fornecer um excelente panorama da arte e da filosofia platônica Formalmente temos a estrutura tradicional da conversa Êutifron a elaboração de um longo e variado discurso Apologia e a combinação desses dois modos expositivos Críton Quanto ao conteúdo são textos que trazem esboçadas as linhasmestras que vão guiar todo o pensamento de Platão para o qual servem como excelente porta de entrada teologia teoria das ideias ética dualismo corpoalma escatologia visão sobre a vida após a morte teoria política Além disso eles pintam de maneira brilhante a figura de Sócrates revelandonos seu modo de agir e de pensar O diálogo Êutifron apresenta o tipo de discussão que encontramos em outros textos de Platão o interlocutor de Sócrates versado em certa área do conhecimento é convidado a propor uma definição geral de determinada noção No caso a conversa envolve o adivinho que dá título à obra Êutifron instado devido ao seu conhecimento do âmbito divino a definir o que seja piedade ou religiosidade O tema naturalmente não surge de maneira gratuita nem se restringe ao campo teórico Tanto Sócrates quanto Êutifron estão envolvidos em processos que giram em torno da questão do que é piedoso e do que é ímpio Sócrates é acusado de não cultuar os deuses da cidade e introduzir novas divindades enquanto Êutifron em posição oposta acusa o pai pela morte de um servo o que para ele que cultivava o comportamento piedoso constituía mácula inaceitável No diálogo porém podemos notar que segundo a visão corrente indicada pelo próprio Êutifron ímpio era um filho levar a julgamento o próprio pai e essa divergência em relação ao senso comum confere ao adivinho uma aparente segurança e sabedoria em tais questões só ele poderia distinguir com clareza o ato piedoso do ímpio Configurase assim a figura do sábio em piedade perfeita para auxiliar Sócrates no julgamento que teria de enfrentar dali a alguns dias Estabelecese igualmente o modo de funcionamento habitual da ironia socrática colocarse estrategicamente em posição inferior à de seu interlocutor O desenvolvimento do diálogo segue o esquema conhecido Sócrates depois de solicitar a Êutifron mais de uma vez que definisse em termos gerais o que é piedade parte para a refutação de suas afirmações sempre precárias e presas a casos particulares O resultado é uma argumentação circular que os leva de volta ao ponto de partida demonstrando que Êutifron ao contrário do que dizia não possuía um verdadeiro conhecimento a respeito do assunto A conversa chega ao fim e ficamos sem uma abordagem esclarecedora do tema Essa aporia característica de parte dos diálogos platônicos mais do que simplesmente negativa como poderia parecer num primeiro momento tem uma função dupla desqualificar a sabedoria e o comportamento dos que apregoavam certo domínio intelectual e mostrar que a presunção de ignorância e a desconfiança são princípios básicos de qualquer tentativa de conhecimento senão o mais importante de todos os saberes Ora segundo o próprio Sócrates teria sido exatamente essa sua postura refutativa esse seu procedimento de expor o desconhecimento alheio que lhe teria angariado tantos ódios e inimizades ao longo da vida sentimentos que terminaram por culminar na acusação feita por um certo Meleto em 399 aC A desqualificação que Sócrates promovia uma desqualificação que era no fundo moral parecia comprometer por extensão os costumes da cidade como um todo dos quais a religiosidade era parte inseparável A situação era mais preocupante ainda porque os jovens seduzidos pela inspeção socrática reproduziam tal prática o que poderia ser nocivo para o futuro de Atenas Sua atividade na realidade não pode ser plenamente compreendida sem que se mencione o contexto cultural e político em que estava inserida Do ponto de vista político é importante lembrar que em 399 aC os atenienses ainda traumatizados com a derrota para Esparta na Guerra do Peloponeso terminada em 404 aC e com o breve regime oligárquico que a ela se seguiu esforçavamse por consolidar o sistema democrático há pouco reinstaurado e viam portanto com maus olhos qualquer tipo de contestação ou novidade que partisse de um de seus cidadãos principalmente daquele que tivesse forte ascendência sobre a juventude Do ponto de vista cultural a assimilação de Sócrates aos chamados sofistas homens inovadores que cobravam alto por ensinamentos variados tornava sua situação ainda mais complicada e moralmente indefensável pois para muitos ele pouco diferia daqueles sábios que eram o alvo preferencial de suas interrogações Para piorar ele era ainda confundido injustificadamente com os chamados filósofos ditos físicos que buscavam explicações naturais para a origem e os fenômenos do mundo o que lhes valia a fama de ateus por esvaziarem o poder dos deuses Na prática a identificação principalmente com os sofistas era inevitável porque Sócrates assim como eles propunha aos jovens um novo tipo de reflexão centrada no homem no hábil uso da palavra e no gosto pela polêmica Ao contrário deles porém Sócrates jamais se colocava como um professor apto a ensinar um determinado tipo de conhecimento o que o levava a não cobrar nada daqueles que queriam ouvilo Outro ponto fundamental a distinguilo dos sofistas era sua busca pela verdade que distanciava seu discurso da manipulação e do oportunismo da conveniência e do relativismo característicos de alguns intelectuais famosos da época Isso lhe conferia uma integridade e uma coerência que faziam de sua vida quase que uma missão em busca do conhecimento real e de sua aplicação É essa missão que nos é apresentada na Apologia O título é a vernaculização do termo grego apología que significa defesa tratase portanto do discurso proferido por Sócrates no tribunal para se defender das acusações de que fora alvo Na realidade são três discursos distintos que encontramos nessa obra o da defesa propriamente dita o que trata da proposição de uma pena diante do veredicto adverso culpado direito concedido ao réu na legislação ateniense e o que tece considerações finais e aborda o sentido da morte No primeiro e principal Sócrates aborda desde as acusações mais antigas feitas informalmente sem maiores consequências quando já se destacava na cidade até as mais recentes decorrentes daquelas mas agora responsáveis por conduzilo ao tribunal mostrando que eram todas infundadas Ao mesmo tempo explica que as calúnias sofridas surgiram depois que se pôs a investigar as enigmáticas palavras do oráculo de Delfos de que era o mais sábio dos homens e percebeu que essa sabedoria sua consistia na realidade no reconhecimento da ignorância humana Em sua missão divina atuando como uma espécie de dádiva de Apolo o deus de Delfos aos homens é a esse autoconhecimento que Sócrates quer induzir aqueles com os quais dialoga autoconhecimento que se prende a uma preocupação com a alma em detrimento do corpo e dos bens materiais e que deve resultar necessariamente numa vida virtuosa Sua longa argumentação corajosa e insubmissa não é capaz de absolvêlo O emprego em alguns momentos do melhor estilo retórico o hábil questionamento dirigido a Meleto num pequeno trecho dialogado a menção ao sinal divino que o acompanhava e o dissuadia de tomar certas decisões e o tom altivo pareciam confirmar os termos de seus acusadores e Sócrates acaba condenado por uma pequena margem de votos O discurso seguinte dava a Sócrates a possibilidade de escapar da pena proposta pela acusação morte por envenenamento O esperado era que indicasse para si como punição o exílio saída que costumava agradar a ambas as partes Mas em consonância com o que havia dito anteriormente que estando a serviço do deus praticava um bem e não um mal ele propõe para si de forma coerente algo bom na realidade uma das maiores honrarias que um ateniense ou estrangeiro poderia receber comer de graça às custas da cidade Essa sua fala para os jurados constitui o extremo da arrogância e da provocação e seu sentenciamento à morte se dá agora por mais de dois terços dos votos As palavras finais que formam uma espécie de apêndice e não interferem no julgamento são dirigidas aos que o condenaram e aos que o absolveram Aos primeiros Sócrates afirma não ter se arrependido do modo como se defendeu e profetiza o castigo que hão de sofrer a intensificação dos questionamentos que queriam eliminar Aos segundos diz imaginar que a morte deva ser um grande bem seja ela um sono tranquilo ou o convívio no Hades com os grandes homens que lá habitam O Críton de certa maneira dá continuidade à discussão jurídica da Apologia Se Sócrates foi condenado injustamente pela cidade não é justo que ele fuja da prisão Morrendo ele não vai deixar os filhos desamparados além de fazer todos pensarem que seus amigos não quiseram ajudálo a escapar A tentativa de convencimento parte de um velho companheiro da mesma idade de Sócrates e rico o bastante para arquitetar uma fuga exitosa A conversa ocorre na prisão enquanto Sócrates aguarda o momento da execução O modo como ela se desenrola no entanto não segue o padrão costumeiro Depois de um pequeno trecho refutativo em que mostra que não se deve dar atenção ao que a maioria vai pensar Sócrates passa a atacar a questão central é justo retribuir uma injustiça com outra injustiça dando a palavra às próprias Leis da cidade que o interpelam e criticam por cogitar uma fuga É como se agora elas se sentassem no banco dos réus e fizessem sua defesa Tratase de um longo discurso que ocupa todo o terço final do diálogo e pelo qual fica dito que diante do pacto tácito estabelecido entre a cidade e o cidadão Sócrates que nela sempre viveu por livre e espontânea vontade submetendose às suas normas e delas se beneficiando o não cumprimento da sentença configuraria um ato incoerente desrespeitoso e injusto Agindo assim ele se mostraria mais uma vez um malfeitor confirmando o acerto da decisão dos jurados que o condenaram À primeira vista pode parecer estranho que o mesmo Sócrates que na Apologia não consente em se sujeitar às determinações humanas às quais sobrepõe as divinas agora se revele um patriota legalista por cuja boca o poder instituído se manifesta Mas é preciso ver que o que está em jogo aqui é a ideia central de que não devemos devolver a injustiça que sofremos àquele que a cometeu e é essa exigência moral que torna o Sócrates do Críton uma extensão daquele da Apologia Além disso é importante notar que no diálogo o expediente da personificação confere às Leis um estatuto divino uma autoridade quase sobrehumana de modo que não deixa de continuar havendo por parte de Sócrates uma condenação das medidas que os homens tomaram A referência ao deus aliás está presente na conclusão tanto da Apologia quanto do Críton lembrandonos de que a conduta socrática está atrelada ao comando de uma divindade ideia que não por acaso está presente também no Êutifron onda se fala de uma arte de servir aos deuses Dessa maneira o que encontramos nessas três obras é a apresentação de uma postura que tem não apenas um eixo filosófico mas também ramificações religiosas políticas e éticas A mola propulsora dessa atitude é o apreço pelo homem philanthropía e a vontade de investigar os limites do conhecimento não de maneira isolada como uma teoria descolada da vida e sim em ligação íntima com o convívio em sociedade porque essa experiência do saber se reflete diretamente num modo de ser que envolve todos os campos da nossa existência É assim de forma simplificada que podemos resumir o Sócrates que Platão nos apresenta Se esse é um retrato fiel do Sócrates histórico não é possível dizer Ou melhor parece não haver outra alternativa senão afirmar que assim como acontece com outros personagens e situações esse é inevitavelmente o Sócrates recriado por Platão se entendemos que toda elaboração literária ainda que de uma figura histórica é resultado de uma série de operações que envolvem seleção ênfase distorção etc É claro que no Sócrates de Platão podemos reconhecer os atributos básicos pelos quais seu mestre ficou famoso atributos igualmente presentes no testemunho de Xenofonte 428 aC354 aC outro importante escritor da época Consequentemente sob esse ângulo o Sócrates que encontramos nos diálogos é sim o Sócrates que os atenienses encontravam pelas ruas e talvez não pudesse ser de outra maneira que efeito Platão alcançaria se deformasse por completo a ponto de se tornar irreconhecível a figura de seu mestre Por outro lado é fato que o Sócrates platônico apesar dos traços fundamentais é único Não caberia explicar essa singularidade por conta simplesmente de uma maior capacidade de Platão em retratar o que viu e ouviu É mais razoável imaginar que com sua arte ele foi capaz de criar um personagem tão rico e complexo a ponto de este ganhar uma verdade acima do real Em outras palavras o que Platão fez foi emprestar a Sócrates a partir de um substrato factual uma impressão de realidade que nenhum dos outros escritores conseguiu igualar uma unidade que o sábio de carne e osso talvez não tivesse mas que brota com força da leitura dos diálogos Portanto determinar a historicidade do Sócrates de Platão é uma questão secundária Talvez o de Xenofonte seja mais real no sentido de estar mais próximo do que Sócrates efetivamente foi De qualquer maneira literariamente falando é o de Platão o mais verdadeiro porque mais convincente e denso como elaboração de caráter Queremos dar ênfase à esfera literária porque foi exatamente com essa preocupação que traduzimos os diálogos tentando destacar junto com o andamento filosófico dos textos a elaboração da linguagem em que Platão também era mestre em suas obras esses dois planos andam lado a lado de maneira inseparável A tarefa não é fácil porque muitas vezes valorizar o raciocínio implica descuidar da expressão e viceversa Tentamos conciliar na medida do possível esses dois aspectos Demos atenção especial no entanto ao estilo por ser em geral o elemento mais negligenciado Nesse terreno da arte platônica a variação é um dos maiores desafios que o tradutor enfrenta do retórico ao coloquial do poético ao pedestre do diálogo ao monólogo Platão percorre diferentes registros que na busca extremada da literalidade podem resultar em português em textos de sintaxe obscura ou mesmo impenetrável ou do lado oposto em construções canhestras Há ainda uma expressividade uma jovialidade em certos trechos dialogados que só podem ser reproduzidas ao preço de muita artificialidade que passa longe da impressão natural que Platão lhes conferiu Dos três diálogos a Apologia é certamente o mais trabalhoso porque reúne todas essas características e impõe ao tradutor a dura missão de fazer uma ligação minimamente harmoniosa entre os mais variados andamentos sem deixar que isso resulte num todo indiferenciado e monótono Em menor escala tentamos fazer isso também com o discurso das Leis no Críton que vai da austeridade dos longos períodos à rapidez por exemplo de uma série de perguntas Tentamos ainda preservar em todos eles sempre que possível os jogos de palavras as citações e algum neologismo que são outros elementos a apontar a importância de se ver Platão também como um escritor empenhado em usar expressivamente sua língua e dialogar com outros autores No caso da pontuação que no grego era feita através de partículas pequenas palavras disseminadas ao longo do texto capazes de produzir ricas e variadas entonações buscamos dar às falas uma vivacidade maior recorrendo a pontos de exclamação reticências e expletivos e ao uso do itálico para sublinhar certas palavras ou afirmações Imaginamos que esse expediente apesar de baseado muitas vezes na subjetividade e na interpretação do tradutor tem a vantagem de conferir certa teatralidade à arte platônica destacando a íntima ligação entre o que se diz e o modo como isso é dito o que ajuda a definir o caráter de quem fala Mesmo cientes do risco de distorção que ronda essa opção julgamos que era válida e que se ajustava ao propósito de reaproximar a filosofia da literatura Quanto ao vocabulário adotamos dois procedimentos principais Em primeiro lugar tomamos a liberdade em alguns casos de propor novas traduções para termos que já têm correspondentes consagrados em nossa língua O objetivo com isso não foi desmerecer o que o uso mostrou ser pertinente nem cultivar o novo só pelo gosto da novidade mas apontar para o caráter dinâmico por natureza da tradução que pede sempre um novo olhar e uma nova interpretação Se traduzimos por exemplo idéaeîdos não por ideia ou mesmo por forma outra possibilidade menos empregada mas por feiçãofeitio não é porque consideramos equivocadas aquelas soluções mas sim porque com esses termos podemos manter no plano da forma a variação entre os gêneros do grego sem que haja em português como não há em Platão uma diferenciação clara de sentido e principalmente porque feição e feitio destacam a ideia presente na raiz dos vocábulos originais a de que se trata de algo apreendido pelo olhar Em segundo lugar tentamos manter no interior de cada diálogo e de uma obra para a outra sempre uma mesma tradução para o mesmo termo ou expressão A adoção desse critério é absolutamente necessária se a intenção é não só acompanhar de perto o desenvolvimento da argumentação na forma e no conteúdo mas também apontar possíveis retomadas e reconfigurações à medida que as ideias vão sendo observadas por novos ângulos Só assim podem ficar mais aparentes as continuidades e rupturas do pensamento e a riqueza que daí decorre Para aqueles que não estão familiarizados com os textos de Platão vale lembrar que eles têm uma paginação própria universal estabelecida no século XVI e até hoje seguida para auxiliar o estudioso na localização e citação das passagens Com o objetivo de não poluir o texto com um excesso de números e atomizálo resolvemos não colocar a tradicional indicação dos parágrafos por letras a b c d e que acompanha a numeração principal Assim em vez de assinalarmos ao longo de uma página suas subdivisões 7a 7b 7c 7d 7e indicamos o número apenas 7 Em relação às notas de rodapé elas visam a fornecer todo tipo de informação de históricas a linguísticas O que se buscou de maneira geral foi a concisão e a inclusão apenas do que parecia essencial para a leitura proveitosa dos textos Sócrates encontrase por acaso com o adivinho Êutifron dias antes de seu julgamento1 ÊUTIFRON 2 Que novidade é essa Sócrates que você deixando os passatempos no Liceu2 agora passa o tempo aqui nos arredores do pórtico do rei3 Pois eu presumo não acontecer de você também ter uma causa junto ao rei como eu SÓCRATES Na realidade Êutifron os atenienses não a chamam de causa mas de denúncia4 ÊUTIFRON O que você está dizendo Pelo jeito alguém fez uma denúncia contra você porque não vou lhe imputar isto você ter denunciado outra pessoa SÓCRATES Não realmente ÊUTIFRON Mas um outro a você sim SÓCRATES Isso mesmo ÊUTIFRON Quem é ele SÓCRATES Eu próprio Êutifron não conheço muito bem o homem pois me parece ser alguém jovem e desconhecido Mas o chamam penso eu de Meleto É do demo de Pitos se é que lhe vem à mente algum Meleto de Pitos assim de cabelo liso e não com muita barba e nariz adunco5 ÊUTIFRON Não me vem Sócrates Mas então qual a denúncia que ele fez contra você SÓCRATES Qual Uma nada desprezível me parece pois entender de tamanho assunto quando ainda se é jovem não é coisa banal Ele sabe conforme diz de que modo os jovens são corrompidos e quem são aqueles que os corrompem Corre o risco de ser um sábio e por notar minha ignorância ao corromper os de sua idade vem me acusar junto à cidade tal qual junto à mãe E me parece ser o único dos envolvidos com a política a começar corretamente pois é correto que Meleto milite primeiro pelos jovens para que sejam os melhores possíveis assim como se espera que o bom lavrador milite primeiro pelas plantas jovens e só depois disso pelas outras também6 Além do mais talvez Meleto esteja arrancando a nós primeiro 3 que corrompemos as germinações dos jovens conforme diz em seguida depois disso é claro que militando pelos mais velhos ele se tornará para a cidade culpado pelos maiores e mais numerosos bens7 pelo menos é o que se espera que ocorra com quem teve um tal começo ÊUTIFRON É o que eu gostaria Sócrates mas receio que aconteça o contrário Pois me parece que ele simplesmente começa por prejudicar a cidade pela lareira ao tencionar fazer mal a você8 Mas me diga ele diz que você corrompe os jovens fazendo o quê SÓCRATES Coisas estranhas admirável homem para se ouvir assim Pois diz que sou fazedor de deuses e que por isso mesmo por fazer novos deuses e não crer nos antigos me denunciou conforme diz ÊUTIFRON Compreendo Sócrates É porque você mesmo diz que o sinal numinoso está a todo momento com você9 É por você abrir um novo filão em relação às coisas divinas que ele fez essa denúncia e então vem até o tribunal para caluniálo sabendo que assuntos desse tipo incitam a maioria à calúnia Pois de mim também quando lhes digo algo na assembleia a respeito das coisas divinas predizendolhes o futuro eles dão risada como se eu estivesse louco Porém nada do que eu predisse foi dito sem verdade eles é que têm inveja de nós todos que somos deste jeito Mas não devemos absolutamente nos preocupar com eles antes devemos ir ao seu encontro10 SÓCRATES Caro Êutifron o fato de darem risada talvez não seja nada Para os atenienses na realidade não importa muito segundo me parece se pensam que alguém é hábil a não ser que seja dado a ensinar a própria sabedoria aquele que pensam que faz também os outros iguais a si mesmo com esse eles ficam maldispostos seja por inveja como você está dizendo seja por outro motivo qualquer ÊUTIFRON A respeito disso não estou muito disposto a testar como porventura se sentem em relação a mim SÓCRATES Talvez porque você pareça se expor com parcimônia e não querer ensinar sua própria sabedoria Já eu temo que para eles por causa do meu apreço pelo homem eu pareça falar a todos transbordantemente o que quer que traga comigo não apenas sem pagamento mas podendo ainda com prazer acrescentar um se alguém quiser me ouvir11 Se eles portanto como eu dizia agora há pouco fossem rir de mim como você diz que riram de você não seria nada desprazeroso levar a vida brincando e rindo no tribunal porém se vão levar a coisa a sério aí já não está claro onde isso acabará a não ser para vocês adivinhos ÊUTIFRON Mas talvez não venha a ser nada Sócrates você enfrentará com bomsenso sua causa e penso que também eu a minha SÓCRATES Mas qual é então Êutifron sua causa Você está se defendendo ou atacando12 ÊUTIFRON Atacando SÓCRATES A quem ÊUTIFRON 4 A quem pareço louco de estar atacando SÓCRATES Mas como Você está atacando alguém que voa ÊUTIFRON Falta muito para voar ocorre que é alguém já bem idoso SÓCRATES Quem é ele ÊUTIFRON O meu pai SÓCRATES O seu ótimo homem ÊUTIFRON Isso mesmo SÓCRATES E qual a queixa Sobre o que é a causa ÊUTIFRON Homicídio Sócrates SÓCRATES Por Héracles Eu presumo que o caminho correto a seguir Êutifron seja decerto desconhecido pela maioria porque eu pelo menos penso que não é para qualquer um fazer isso senão para quem já vai muito avançado em sabedoria ÊUTIFRON Por Zeus muito avançado mesmo Sócrates SÓCRATES Mas era então alguém da família esse que foi morto pelo seu pai É claro não Pois eu presumo que por causa de um estranho você não o processaria por homicídio ÊUTIFRON É engraçado Sócrates você pensar que há alguma diferença entre o morto ser um estranho ou da família e não que é preciso observar isto apenas se o que matou matou com justiça ou não Se com justiça devese deixar de lado mas se não devese processálo ainda que esse que matou divida com você lareira e mesa Pois a mácula é a mesma se ciente disso você conviver com uma pessoa assim e não tornar piedoso a si mesmo e a ela processandoa na justiça Mas então esse que morreu era um empregado meu e como tínhamos lavoura em Naxos trabalhava lá para nós13 Depois de abusar do vinho e se enfurecer com um dos nossos servos cortalhe a garganta meu pai prendendolhe os pés e as mãos jogandoo num fosso qualquer manda até aqui um homem para se informar junto ao Exegeta sobre o que deveria fazer14 Mas durante esse tempo fazia pouco caso do preso e descuidava dele por ser um homicida e não achava nada demais se morresse o que de fato aconteceu pois por causa da fome do frio e do aprisionamento acaba morrendo antes de o mensageiro retornar do Exegeta E é por isso que ainda se abalam meu pai e os outros familiares porque por causa de um homicida processo meu pai por homicídio ele não o matou eles dizem ou se matou mesmo sendo o morto um homicida não era preciso se preocupar com um tipo desse pois é impiedade um filho processar o pai por homicídio Mas eles conhecem mal Sócrates a disposição divina a respeito do piedoso e do ímpio SÓCRATES Mas então você Êutifron por Zeus pensa que sabe assim de maneira precisa como se dispõem as coisas divinas e as piedosas e as ímpias a ponto de tendo isso se realizado desse jeito que você conta não temer que aconteça de você também estar realizando um ato ímpio ao levar seu pai a julgamento ÊUTIFRON Pois de nenhuma serventia eu seria Sócrates 5 e em nada diferiria Êutifron da maioria dos homens se eu não conhecesse de maneira precisa todo esse tipo de coisa SÓCRATES Mas para mim então admirável Êutifron não é melhor me tornar seu aluno e antes da denúncia de Meleto interpelálo a respeito disso mesmo dizendo que eu em tempos passados tinha em alta conta conhecer as coisas divinas e que agora depois de ele dizer que erro ao improvisar e abrir um novo filão em relação a essas coisas divinas me tornei seu aluno Se você Meleto eu diria reconhece que Êutifron é sábio nesse tipo de coisa considere que eu também creio de forma correta e não me leve a julgamento caso contrário mova uma causa contra esse professor antes de movêla contra mim por corromper os mais velhos a mim e ao próprio pai a mim ensinandome e àquele repreendendoo e castigandoo E se não for persuadido por mim nem abandonar a causa ou em vez de a mim não denunciar a você não é melhor dizer já no tribunal isso mesmo a respeito do que o interpelava15 ÊUTIFRON Sim por Zeus Sócrates Se ele tencionasse me denunciar eu iria descobrir segundo penso onde é mais vulnerável e o discurso no tribunal seria antes muito mais sobre ele que sobre mim SÓCRATES Naturalmente caro amigo é por saber disso que eu desejo me tornar seu aluno ciente de que outros e especialmente esse Meleto fingem nem vêlo enquanto a mim ele me notou tão fácil e agudamente que me denunciou por irreligiosidade Mas por Zeus me diga agora o que você há pouco me confidenciava saber com clareza que tipo de coisa você afirma ser o religioso e o irreligioso em relação tanto ao homicídio quanto ao resto O piedoso não é ele mesmo idêntico a si próprio em toda ação e o ímpio por sua vez o contrário de todo piedoso e igual ele mesmo a si próprio tudo aquilo que vem a ser ímpio possuindo uma única feição relativa à impiedade16 ÊUTIFRON Claro totalmente Sócrates SÓCRATES Diga lá o que você afirma ser o piedoso e o que o ímpio ÊUTIFRON Pois bem digo que piedoso é o que eu mesmo estou fazendo agora a quem age mal quer em relação a homicídios quer em relação a furtos de objetos sagrados ou comete outra falta qualquer desse tipo processar mesmo que por acaso seja o pai seja a mãe ou outra pessoa qualquer e que não processar é ímpio Porque veja Sócrates como lhe darei grande prova de que a lei é assim já a mencionei a outras pessoas para mostrar que seria correto que isso se passasse desta maneira sem sermos lenientes com o irreligioso seja lá quem for Pois ocorre de os próprios homens crerem em Zeus como o melhor e mais justo dos deuses 6 e de reconhecerem que prendeu o próprio pai porque engolia os filhos de modo não justo e que este mesmo por sua vez também mutilou o próprio pai por outros motivos afins17 mas comigo se exasperam porque processo meu pai por agir mal e assim eles vão entrando em contradição consigo mesmos ao falarem dos deuses e ao falarem de mim SÓCRATES Será Êutifron que é por isso que estou me defendendo de uma denúncia porque sempre que alguém fala coisas desse tipo sobre os deuses eu as recebo com certo desconforto Pelo jeito é por isso sim que alguém dirá que cometo uma falta Agora se a você que sabe bem tais coisas isso também parece ser assim então pelo jeito é imperioso que nós também concordemos Pois o que ainda diremos nós que pessoalmente reconhecemos nada saber sobre elas Mas me conte em nome do Amigo18 você considera que essas coisas se passaram verdadeiramente assim ÊUTIFRON E coisas ainda mais espantosas que essas Sócrates coisas que a maioria não sabe SÓCRATES Também guerras então você considera realmente haver entre os deuses com uns contra os outros e inimizades terríveis e combates e muitas outras coisas desse tipo tal como são narradas pelos poetas19 e com as quais nos são enfeitados por esses bons pintores os objetos sagrados e nas Grandes Panateneias especialmente repleto de enfeites desse tipo o manto é conduzido até a Acrópole20 Devemos afirmar que essas coisas são verdadeiras Êutifron ÊUTIFRON Não só elas Sócrates Mas como lhe disse há instantes se você quiser posso começar a discorrer também sobre muitas outras questões relativas às coisas divinas que eu bem sei que você só de ouvir ficará atordoado SÓCRATES Não me espantaria Mas você discorrerá sobre essas coisas para mim uma outra vez com mais calma Agora sobre aquilo que lhe perguntei há instantes tente falar de modo mais claro porque antes meu amigo quando eu o interrogava sobre o que porventura seria o piedoso você não me ensinou de modo satisfatório mas apenas disse que por acaso isto é piedoso o que você está fazendo agora processando seu pai por homicídio ÊUTIFRON E eu dizia a verdade Sócrates SÓCRATES Talvez Mas você afirma Êutifron que também muitas outras coisas são piedosas ÊUTIFRON E são SÓCRATES Ora você está lembrado de que não era isso que eu lhe pedia me ensinar dentre as coisas piedosas uma ou duas quaisquer mas aquele feitio próprio pelo qual todas as coisas piedosas são piedosas Porque você afirmou eu presumo que por uma mesma feição as coisas ímpias são ímpias e as piedosas piedosas Ou você não se lembra ÊUTIFRON Me lembro SÓCRATES Pois me ensine então qual é essa feição própria para que contemplandoa e dela me servindo como modelo eu afirme das coisas que você ou qualquer outro fizer ser piedosa a que estiver de acordo com ele e a que não estiver não ser ÊUTIFRON Mas se é assim que você quer Sócrates assim lhe direi SÓCRATES Mas quero sim ÊUTIFRON Pois bem o que é do apreço dos deuses é piedoso 7 e o que não é do apreço ímpio SÓCRATES Que beleza Êutifron tal qual eu buscava que você me respondesse assim você me respondeu agora Se de modo verdadeiro isso ainda não sei mas você claro vai depois me ensinar melhor como o que está dizendo é verdade ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Muito bem examinemos o que estamos dizendo De um lado é piedoso o que é apreciável aos deuses e o homem apreciável aos deuses de outro é ímpio o que é detestável aos deuses e o homem detestável Não são a mesma coisa mas totalmente opostos entre si o piedoso e o ímpio Não é assim ÊUTIFRON Assim mesmo SÓCRATES E parece bem dito ÊUTIFRON Parece Sócrates SÓCRATES Ora e que os deuses entram em conflito Êutifron e divergem entre si e que entre eles há inimizades mútuas isso também não foi dito ÊUTIFRON Foi dito sim SÓCRATES E a inimizade e os ódios ótimo homem são produzidos por uma divergência a respeito do quê Examinemos deste modo se divergíssemos eu e você a respeito de qual quantidade é maior a divergência a respeito disso produziria inimizade e ódio entre nós ou recorrendo ao cálculo a respeito disso ao menos nós rapidamente nos entenderíamos ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Ora se também a respeito do mais alto e do mais baixo nós divergíssemos recorrendo à medição não poríamos fim rapidamente à divergência ÊUTIFRON Assim é SÓCRATES E recorrendo à pesagem penso eu arbitraríamos a respeito do mais pesado e do mais leve ÊUTIFRON Pois como não SÓCRATES A respeito do quê então desavindo e a qual arbítrio não podendo nos dirigir seríamos inimigos mútuos e nos odiaríamos Talvez não lhe ocorra de imediato mas enquanto falo examine se não se trata do justo e do injusto do belo e do feio do bom e do mau será que não é desavindo e não podendo recorrer a um arbítrio satisfatório a respeito dessas coisas que nos tornamos inimigos toda vez que nos tornamos tanto eu quanto você e todos os outros homens ÊUTIFRON Sim a divergência é essa Sócrates e a respeito dessas coisas SÓCRATES Mas e os deuses Êutifron Se de fato divergem em algo não divergiriam por esses mesmos motivos ÊUTIFRON É imperioso que sim SÓCRATES Então também entre os deuses nobre Êutifron cada um considera de acordo com o seu discurso21 uma coisa justa e bela e feia e boa e má Pois eles não entrariam em conflito uns contra os outros eu presumo se não divergissem a respeito disso não é ÊUTIFRON Você fala corretamente SÓCRATES Ora aquilo que cada um deles considera belo e bom e justo isso também não apreciam e não detestam o contrário disso ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES E as mesmas coisas conforme você diz 8 uns consideram justas e outros injustas e discutindo em torno delas entram em conflito e polemizam uns com os outros não é assim ÊUTIFRON Assim SÓCRATES As mesmas coisas então pelo jeito são detestadas e apreciadas pelos deuses e as mesmas seriam detestáveis aos deuses e apreciáveis aos deuses ÊUTIFRON Pelo jeito sim SÓCRATES Piedosas e ímpias então as mesmas coisas seriam Êutifron por esse discurso ÊUTIFRON Correse o risco SÓCRATES Então você não respondeu àquilo que eu perguntava admirável homem Pois não era isso que eu perguntava o que sendo idêntico vem a ser ao mesmo tempo piedoso e ímpio e pelo jeito o que é apreciável aos deuses também é detestável22 De modo que o que você faz agora Êutifron ao castigar seu pai não espanta nada que o faça agindo assim do apreço de Zeus mas odioso a Crono e ao Céu e caro a Hefesto mas odioso a Hera23 e se algum outro deus diverge de um segundo a respeito disso para eles também vale o mesmo ÊUTIFRON Mas eu penso Sócrates que ao menos a respeito disto nenhum outro deus diverge de um segundo que aquele que matou alguém injustamente deve ser punido SÓCRATES Mas como Entre os homens Êutifron você já ouviu alguém discutindo se aquele que matou injustamente ou cometeu outra injustiça qualquer deve ser punido ÊUTIFRON Ora eles não param absolutamente de discutir isso especialmente nos tribunais Pois mesmo tendo agido muitíssimo mal fazem e dizem de tudo para escapar da punição SÓCRATES E também reconhecem Êutifron que agiram mal e ainda que reconheçam afirmam que não devem ser punidos ÊUTIFRON Isso não absolutamente SÓCRATES Então não fazem e dizem de tudo Pois penso que não se atrevem a dizer nem a discutir isto que tendo mesmo agido mal não devem ser punidos Penso antes que eles negam ter agido mal não é ÊUTIFRON Você está dizendo a verdade SÓCRATES Então não discutem isso se o que agiu mal deve ser punido mas isto sim talvez discutam quem é que agiu mal e o que fez e quando ÊUTIFRON Você está dizendo a verdade SÓCRATES Ora os deuses também não passam por essas mesmas coisas se de fato entram em conflito a respeito das coisas justas e injustas conforme o seu discurso uns afirmam que os outros agiram mal e os outros negam Porque isto ao menos admirável homem com certeza ninguém nem dos deuses nem dos homens se atreve a dizer que quem agiu mal não deve ser punido ÊUTIFRON Sim Sócrates isso que você está dizendo é ao menos no geral verdade SÓCRATES Mas penso que é caso a caso Êutifron que os discutidores tanto homens quanto deuses se é que os deuses discutem discutem as ações praticadas é divergindo a respeito de uma determinada ação que uns dizem que foi praticada justamente e outros injustamente Não é assim ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES 9 Ande então caro Êutifron me ensine também para que eu me torne mais sábio que prova você tem de que todos os deuses consideram que morreu injustamente esse que depois de se tornar um homicida em seu trabalho preso pelo senhor do morto devido ao aprisionamento morre antes que o que o aprisionou se informe junto aos Exegetas sobre o que deveria fazer com ele e de que por causa de um tipo desse é correto um filho processar e incriminar o pai por homicídio Ande a esse respeito tente me demonstrar com alguma clareza como todos os deuses consideram acima de tudo que essa ação é correta e se você me demonstrar de maneira satisfatória por sua sabedoria jamais pararei de elogiálo ÊUTIFRON Mas talvez não seja uma tarefa pequena Sócrates se bem que eu com certeza poderia claramente demonstrálo a você SÓCRATES Compreendo É que eu lhe pareço mais lento no aprendizado do que os jurados porque a eles ao menos é claro que você vai demonstrar como são injustas e como os deuses todos detestam as ações desse tipo ÊUTIFRON Claramente mesmo Sócrates contanto que me escutem falar24 SÓCRATES Mas escutarão contanto que você pareça falar bem Mas eu me dei conta enquanto você falava do seguinte e fico agora a examinar comigo mesmo Se Êutifron me ensinasse ao máximo como os deuses todos consideram esse tipo de morte injusta o que mais terei eu aprendido com Êutifron sobre o que porventura é o piedoso e o ímpio De fato esse ato pelo jeito seria detestável aos deuses Mas não foi por aí que o piedoso e o não piedoso mostraram há instantes se definir pois o detestável aos deuses mostrou ser também apreciável aos deuses De modo que disso eu o libero Êutifron que todos os deuses se é o que você quer considerem esse ato injusto e que todos o detestem Mas será que com essa correção que estamos fazendo agora no discurso que aquilo que todos os deuses detestam é ímpio e aquilo que todos apreciam é piedoso e o que uns detestam e outros apreciam não é nem uma coisa nem outra ou ambas ao mesmo tempo será que você quer que assim seja agora definido por nós o que é piedoso e o que é ímpio ÊUTIFRON O que nos impede Sócrates SÓCRATES A mim nada Êutifron Mas você sim examine de sua parte se partindo dessa premissa me ensinará assim mais facilmente o que prometeu ÊUTIFRON Mas eu pessoalmente diria que o piedoso é isso aquilo que todos os deuses apreciam e que o contrário aquilo que todos os deuses detestam é ímpio SÓCRATES Ora não devemos examinar isso agora Êutifron para ver se está belamente dito Ou devemos deixar pra lá e aceitálo assim mesmo quer parta de nós próprios quer dos outros concordando que algo é assim mesmo só porque alguém afirma que é Ou se deve examinar o quê quem fala está falando ÊUTIFRON Devese examinar Porém eu pessoalmente penso que isso agora está belamente dito SÓCRATES Logo saberemos melhor bom homem Pense no seguinte 10 será que o piedoso porque é piedoso é apreciado pelos deuses ou porque é apreciado é piedoso ÊUTIFRON Não sei o que você está dizendo Sócrates SÓCRATES Vou tentar formular de uma maneira mais clara Falamos em ser levado e levar ser conduzido e conduzir ser visto e ver e todas as coisas desse tipo você compreende que são diferentes entre si e no que são diferentes ÊUTIFRON Eu pessoalmente penso compreender SÓCRATES Ora também não há um ser apreciado e diferentemente dele o apreciar ÊUTIFRON Pois como não SÓCRATES Me diga então o levado é levado porque alguém leva ou por outro motivo qualquer ÊUTIFRON Não por esse SÓCRATES E o conduzido porque alguém conduz e o visto porque alguém vê ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Então não é porque algo é visto que alguém vê mas o contrário é porque alguém vê que algo é visto nem é porque algo é conduzido que alguém conduz mas é porque alguém conduz que algo é conduzido nem é porque algo é levado que alguém leva mas é porque alguém leva que algo é levado Será que está claro Êutifron o que quero dizer Quero dizer o seguinte que se algo existe ou padece não é porque é existente que existe mas é porque existe que é existente nem é porque é padecente que padece mas é porque padece que é padecente25 Ou você não concorda com isso ÊUTIFRON Concordo SÓCRATES Ora também o apreciado não é algo existente ou padecente pela ação de alguém ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Também ele então se porta da mesma maneira que os anteriores não é porque algo é apreciado que os apreciadores apreciam mas é porque apreciam que é apreciado ÊUTIFRON É imperioso SÓCRATES Mas o que estamos dizendo do piedoso Êutifron Que não é senão o apreciado por todos os deuses segundo o seu discurso ÊUTIFRON Sim SÓCRATES Será que por este motivo porque é piedoso ou por outro qualquer ÊUTIFRON Não por esse SÓCRATES Então é porque é piedoso que o apreciam e não porque o apreciam que é piedoso ÊUTIFRON Pelo jeito SÓCRATES Mas é porque os deuses apreciam que é apreciado e apreciável aos deuses ÊUTIFRON Pois como não SÓCRATES Então o apreciável aos deuses não é piedoso Êutifron nem o piedoso apreciável aos deuses conforme você diz mas uma coisa é diferente da outra ÊUTIFRON Mas como Sócrates SÓCRATES Porque reconhecemos que o piedoso por isto porque é piedoso eles apreciam e não que porque o apreciam é piedoso não é ÊUTIFRON Sim SÓCRATES Já o apreciável aos deuses porque os deuses o apreciam por esse ato mesmo de apreciar é apreciável aos deuses não é porque é apreciável aos deuses que o apreciam ÊUTIFRON Você está dizendo a verdade SÓCRATES Mas se fossem o apreciável aos deuses e o piedoso idênticos caro Êutifron caso apreciassem o piedoso por ser piedoso 11 também apreciariam o apreciável aos deuses por ser apreciável aos deuses e caso o apreciável aos deuses fosse apreciável aos deuses por o apreciarem os deuses também o piedoso seria piedoso por o apreciarem Mas agora você vê que os dois se portam de maneira contrária sendo totalmente diferentes um do outro pois um porque o apreciam prestase a ser apreciado enquanto o outro porque se presta a ser apreciado por isso o apreciam E correse o risco Êutifron de você ao ser perguntado sobre o que porventura é o piedoso não querer me mostrar a sua essência mas apenas dizer algo acidental a seu respeito que o piedoso se caracteriza acidentalmente por isso ser apreciado por todos os deuses mas o que é você ainda não disse26 Portanto se for do seu agrado não esconda de mim mas me diga de novo do princípio o que porventura é o piedoso quer seja apreciado pelos deuses quer tenha outra característica acidental qualquer não será a respeito disso que nós divergiremos Vamos me diga com disposição o que é o piedoso e o que é o ímpio ÊUTIFRON Mas Sócrates eu pessoalmente não tenho como lhe dizer o que tenho em mente pois a premissa de que partimos fica de algum modo sempre girando à nossa volta e não quer permanecer onde nós a assentamos SÓCRATES É provável que sejam do nosso antepassado Dédalo as coisas ditas por você Êutifron27 E se fosse eu quem as estivesse dizendo e propondo talvez você zombasse de mim que pelo parentesco com ele as minhas obras verbais também ficam escapulindo e não querem permanecer onde são postas Mas o fato é que as premissas são suas e vai ser necessária então uma outra zombaria Pois é com você que elas não querem permanecer conforme parece também a você mesmo ÊUTIFRON Mas a mim me parece Sócrates que as coisas ditas necessitam mais ou menos da mesma zombaria Pois esse girar sem permanecer no mesmo lugar não sou eu quem põe nelas Mas é você que me parece ser o Dédalo porque ao menos por mim elas permaneceriam assim fica estático como uma estátua SÓCRATES Corro o risco então meu amigo de ter me tornado nessa arte mais hábil que um homem como aquele e tanto que enquanto ele fazia apenas as suas próprias obras não permanecerem paradas eu além das minhas pelo jeito faço também as dos outros E com certeza esse é o maior refinamento de minha arte porque sou sábio involuntariamente Pois eu preferiria que os meus discursos permanecessem parados e assentassem imóveis a ter além da sabedoria de Dédalo as posses de Tântalo28 Mas chega disso Já que você me parece amolecer eu mesmo vou ajudálo a ter disposição para me ensinar sobre o piedoso e não se canse antes do tempo Veja se não lhe parece imperioso que tudo que é piedoso seja justo ÊUTIFRON A mim sim SÓCRATES Será então que tudo que é justo também é piedoso Ou o piedoso é todo justo 12 enquanto o justo não é todo piedoso mas algo dele é piedoso e o resto é outra coisa ÊUTIFRON Não consigo acompanhar suas palavras Sócrates SÓCRATES E no entanto você é mais jovem do que eu o mesmo tanto que é mais sábio29 Mas como eu dizia você está amolecendo por causa da riqueza de sua sabedoria Vamos venturoso homem retesese Pois não é difícil de entender o que estou dizendo estou dizendo o contrário do que o poeta poetou aquele que poetou Sobre Zeus o criador que fez todas estas coisas não queiras falar pois onde há medo há também vergonha30 Eu pessoalmente divirjo desse poeta Devo lhe dizer em quê ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Não me parece que onde há medo há também vergonha pois muitas pessoas temerosas de doenças da penúria e de muitas outras coisas do tipo me parecem ter medo mas não ter vergonha alguma dessas coisas de que têm medo Não lhe parece também ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Mas onde há sim vergonha há também medo porque existe alguém que sentindo vergonha e desonra por algum ato não se apavora e teme ao mesmo tempo a reputação de vil ÊUTIFRON Teme realmente SÓCRATES Então não é correto dizer pois onde há medo há também vergonha mas onde há vergonha há também medo enquanto onde há medo não há em todo lugar vergonha Pois eu penso que o medo é mais abrangente que a vergonha a vergonha é uma parcela do medo assim como o ímpar do número de modo que onde há número não há também ímpar mas onde há ímpar há também número Eu presumo que agora ao menos você consegue acompanhar ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Era desse tipo de coisa que eu falava também lá atrás ao interrogálo Será que onde há o justo há também o piedoso Ou onde há o piedoso há também o justo enquanto onde há o justo não há em todo lugar o piedoso pois o piedoso é uma parcela do justo Parecelhe que devemos falar assim ou de um outro modo ÊUTIFRON Não assim Você me parece falar corretamente SÓCRATES Veja então o que vem depois Se o piedoso é uma parte do justo pelo jeito é preciso então que nós descubramos que tipo de parte seria do justo o piedoso Se você me perguntasse sobre algo de agora há pouco por exemplo que tipo de parte é do número o par e qual número vem a ser eu diria que é aquele que não é escaleno mas isósceles não lhe parece31 ÊUTIFRON A mim sim SÓCRATES Tente então você também me ensinar desse modo que tipo de parte do justo o piedoso é para que também digamos a Meleto que não aja mais mal conosco e nos denuncie por irreligiosidade uma vez que já aprendemos com você de maneira satisfatória que coisas são religiosas e piedosas e que coisas não ÊUTIFRON Pois me parece ser esta Sócrates a parte do justo religiosa e piedosa a relativa ao cuidado com os deuses e a relativa ao cuidado com os homens ser a parte restante do justo SÓCRATES E belamente Êutifron você me parece falar 13 Mas ainda sinto falta de uma pequena coisa pois não estou entendendo o que você chama de cuidado32 Você não está dizendo eu presumo que os cuidados para com as outras coisas são do mesmo tipo que aquele para com os deuses porque o fato é que falamos igual por exemplo afirmamos que não é toda pessoa que sabe cuidar de cavalos mas só o cavalariço não é ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Pois eu presumo a arte do cavalariço consiste no cuidado com os cavalos ÊUTIFRON Sim SÓCRATES E que nem toda pessoa sabe cuidar da matilha mas só o matilheiro ÊUTIFRON Assim é SÓCRATES Pois eu presumo a arte do matilheiro consiste no cuidado com a matilha ÊUTIFRON Sim SÓCRATES E a do boiadeiro no com os bois ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES E a piedade então e a religiosidade no com os deuses Êutifron É isso que você está dizendo ÊUTIFRON Estou SÓCRATES Ora todo cuidado não produz o mesmo efeito Este por exemplo ele visa ao bem e ao benefício de quem é cuidado como você vê que os cavalos cuidados pela arte do cavalariço beneficiamse e tornamse melhores ou não lhe parece ÊUTIFRON A mim sim SÓCRATES E a matilha eu presumo pela arte do matilheiro e os bois pela arte do boiadeiro e tudo mais do mesmo modo Ou você pensa que o cuidado é para o prejuízo de quem é cuidado ÊUTIFRON Por Zeus eu não SÓCRATES Mas para o benefício ÊUTIFRON Como não SÓCRATES Ora também a piedade sendo cuidado com os deuses é um benefício aos deuses e faz melhores os deuses E você concordaria com isso que quando faz algo piedoso você efetua a melhora de um dos deuses ÊUTIFRON Por Zeus eu não SÓCRATES Eu também não penso Êutifron que você está dizendo isso falta muito para eu pensar e por esse motivo eu lhe perguntava de que cuidado com os deuses você estava falando por considerar que você não está dizendo uma tal coisa ÊUTIFRON E você agiu corretamente Sócrates pois não estou dizendo uma tal coisa SÓCRATES Pois bem Mas que cuidado então com os deuses seria a piedade ÊUTIFRON O que os escravos Sócrates têm com seus senhores SÓCRATES Compreendo Seria pelo jeito uma arte de servir aos deuses ÊUTIFRON Isso mesmo SÓCRATES Você poderia me dizer então a arte de servir aos médicos para a efetuação de que feito vem a ser arte de servir Você não pensa que para a da saúde ÊUTIFRON Penso sim SÓCRATES Mas e a arte de servir aos construtores navais Para a efetuação de que feito é arte de servir ÊUTIFRON É claro Sócrates que para a da embarcação SÓCRATES E a de servir aos arquitetos eu presumo para a da casa ÊUTIFRON Sim SÓCRATES Me diga então ótimo homem a arte de servir aos deuses para a efetuação de que feito seria então arte de servir Pois é claro que você sabe já que afirma ser dentre os homens quem mais belamente sabe das coisas divinas ÊUTIFRON E estou dizendo a verdade Sócrates SÓCRATES Me diga então por Zeus que tão belo feito é esse que os deuses efetuam valendose de nós como seus servidores ÊUTIFRON Muitos e belos Sócrates SÓCRATES 14 Pois os generais também meu caro E no entanto você facilmente diria o feito capital deles que efetuam a vitória na guerra ou não ÊUTIFRON Como não SÓCRATES E muitos e belos penso eu também os lavradores E no entanto o feito capital de sua efetuação é o frutificar da terra ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Mas e dos muitos e belos feitos que os deuses efetuam qual é o capital de sua efetuação ÊUTIFRON Mas eu lhe disse um pouco antes Sócrates que é enorme feito aprender de maneira precisa como se apresentam todas essas coisas Porém de maneira simples lhe digo o seguinte que se alguém sabe dizer e fazer o que é grato aos deuses ao orar e sacrificar que isso é piedoso e que coisas assim põem a salvo tanto as famílias quanto o interesse comum das cidades mas que o contrário ao grato é ímpio e a tudo faz virar e ruir SÓCRATES Certamente com muito mais brevidade Êutifron você se quisesse poderia ter me dito o feito capital sobre o qual eu o indagava Mas você realmente não está disposto a me ensinar é claro Pois agora mesmo justamente quando estava junto dele você se desviou resposta que se você tivesse dado já teria me deixado satisfatoriamente ensinado por você sobre a piedade Mas agora uma vez que é imperioso que o amante siga o amado por onde quer que esse o conduza33 o que então desta vez você está afirmando ser o piedoso e a piedade Não está afirmando que é um conhecimento do sacrificar e do orar ÊUTIFRON Estou sim SÓCRATES Ora sacrificar não é doar aos deuses e orar pedir aos deuses ÊUTIFRON Certamente Sócrates SÓCRATES Conhecimento então do pedir e do doar aos deuses seria isso a piedade por esse discurso ÊUTIFRON Você entendeu muito belamente Sócrates o que eu disse SÓCRATES Porque estou animado meu caro com sua sabedoria e presto atenção nela para que não caia por terra o que quer que você diga Mas me fale que serviço é esse aos deuses Você está afirmando que é tanto pedir a eles quanto a eles dar ÊUTIFRON Estou sim SÓCRATES Ora então pedir corretamente não seria pedir isto a eles aquilo de que precisamos da parte deles ÊUTIFRON O que mais seria SÓCRATES E dar corretamente por sua vez não seria doar de volta a eles isto aquilo de que vêm a precisar de nossa parte Pois eu presumo doar não seria uma arte se déssemos a alguém aquilo de que não precisa absolutamente ÊUTIFRON Você está dizendo a verdade Sócrates SÓCRATES Uma arte do comércio mútuo Êutifron é o que seria então a piedade para deuses e homens ÊUTIFRON Uma arte do comércio se lhe agrada chamar assim SÓCRATES Mas a mim pelos menos nada agrada a não ser se é verdade Mas me fale que benefício os deuses por acaso têm com as dádivas que de nós obtêm Pois o que nos dão está claro a todos 15 nada de bom temos a não ser quando eles nos dão Mas com o que obtêm de nós beneficiamse em quê Ou nesse comércio nós lucramos tanto com eles que deles obtemos todas as coisas boas e eles de nós nada ÊUTIFRON Mas você pensa Sócrates que os deuses se beneficiam com essas coisas que obtêm de nós SÓCRATES Mas o que seriam então Êutifron essas nossas dádivas aos deuses ÊUTIFRON Que outra coisa você pensa senão honra prêmios e aquilo que eu dizia há pouco agrado SÓCRATES Grato então Êutifron é o piedoso mas não benéfico nem caro aos deuses ÊUTIFRON Penso que a mais cara de todas as coisas SÓCRATES Então o piedoso pelo jeito agora é isto o caro aos deuses ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Você vai se espantar então ao dizer essas coisas se os seus discursos mostrarem não permanecer parados mas perambular e vai responsabilizar a mim o Dédalo por fazêlos perambular você mesmo sendo muito mais cheio de artifícios que Dédalo e os fazendo andar em círculos Ou você não percebe que o nosso discurso dando voltas volta ao mesmo lugar Pois você está lembrado eu presumo que anteriormente o piedoso e o apreciável aos deuses mostraram para nós não ser o mesmo mas diferentes entre si ou você não está lembrado ÊUTIFRON Estou sim SÓCRATES Você não se dá conta agora então de que está afirmando que o caro aos deuses é piedoso E isso não é outra coisa senão o apreciável aos deuses ou não ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Ora ou há pouco não reconhecíamos belamente ou se belamente antes é agora que não estamos propondo corretamente ÊUTIFRON Pelo jeito SÓCRATES Do princípio então nós devemos novamente investigar o que é o piedoso porque eu mesmo antes de aprender não vou voluntariamente me acovardar Vamos não me subestime mas de qualquer maneira prestando máxima atenção me diga agora a verdade Pois se algum dos homens sabe é você e como Proteu34 não deve ser liberado até falar Se você não soubesse claramente o que é o piedoso e o ímpio jamais seria possível que tencionasse por causa de um trabalhador atacar um idoso seu pai por homicídio não só dos deuses você sentiria medo de estar se arriscando a não agir corretamente mas também perante os homens você sentiria vergonha Mas agora sei bem que você pensa claramente saber o que é piedoso e o que não Me diga então ótimo Êutifron e não me esconda o que considera isso ÊUTIFRON sentindose desconfortável Uma outra vez Sócrates porque agora estou com pressa e é hora de partir SÓCRATES para Êutifron que já sai andando É assim que você faz meu amigo Privandome de uma enorme esperança você vai embora da que eu tinha de que após aprender com você as coisas piedosas e não piedosas também me livraria da denúncia de Meleto 16 demonstrando a ele que já tinha me tornado sábio com Êutifron nas coisas divinas que não mais por desconhecimento improvisaria nem abriria novo filão em relação a elas e que além do mais pelo resto da vida levaria uma vida melhor 1 Não temos outras informações sobre Êutifron além das que encontramos em Platão Mas seu nome tinha um significado claro para os gregos o de espírito direto ou ortodoxo 2 Ginásio situado junto ao santuário de Apolo Liceio e um dos destinos preferidos de Sócrates em suas andanças Aí Aristóteles iria depois fixar sua escola em 335 aC 3 O pórtico real ficava próximo do templo de Hefesto o Hefestêion na ágora ou praça pública de Atenas Rei aqui não designa um monarca mas um dos nove magistrados principais de Atenas o arconte rei responsável por cuidar das questões religiosas 4 A causa díke é um processo privado enquanto a denúncia graphé diz respeito a uma ofensa contra a cidade 5 O principal acusador de Sócrates talvez fosse poeta Na Apologia também são citados Anito e Lícon Atenas se dividia em cerca de 140 demos ou distritos que abarcavam o núcleo urbano e as áreas rural e litorânea Um número variável de demos se unia misturandose necessariamente os da cidade do campo e do litoral para formar cada uma das dez tribos de Atenas O cidadão ateniense era em geral apresentado colocandose junto ao seu nome o do pai eou o do demo 6 Em grego há um jogo que será retomado algumas vezes na Apologia entre o nome Méletos e o verbo epimélo preocuparse que traduzimos por militar 7 Culpado aítios com sentido negativo se contrapõe a bens e reforça a ironia das palavras de Sócrates 8 A lareira ou Héstia representava enquanto fogo sagrado da cidade e de cada casa o princípio da estabilidade Com essa fala Êutifron deixa clara sua admiração por Sócrates 9 Voz que o impede de fazer o que não deve como esclarecerá na Apologia A fala de Êutifron mostra como aos olhos da maioria o sinal numinoso se confundia necessariamente com algum tipo de inovação religiosa por parte de Sócrates 10 A frase indica a ação contra um inimigo remetendo em geral ao ambiente bélico 11 Sócrates gostava de insistir no fato de que não cobrava daqueles que queriam ouvilo como deixará claro na Apologia o que o diferenciava dos sofistas 12 Os atenienses viam o processo legal como uma perseguição o acusador era literalmente o que perseguia e o acusado o que fugia Por isso a brincadeira na sequência a respeito da insensatez de se acusarperseguir algo alado Tentamos manter o jogo usando na tradução os verbos atacar e defender 13 Naxos é a maior das ilhas Cíclades no mar Egeu 14 Conselheiro oficial sobre como proceder em assuntos religiosos 15 Sócrates imagina uma audiência preliminar que o colocaria frente a frente com Meleto algo previsto pela lei ateniense 16 Feição essa seria a primeira ocorrência do substantivo feminino idéa nos diálogos Junto com o neutro eîdos feitio que tem a mesma raiz e é sinônimo de idéa como se vê um pouco abaixo ele viria depois a ter papel importante na filosofia platônica na formulação da chamada teoria das ideias Optamos por traduzilos por feiçãofeitio por serem termos que recuperam em português o sentido original forma aspecto figura além de manterem entre si o mesmo tipo de correspondência do original 17 Alusão a episódios narrados na Teogonia de Hesíodo século VIII aC Zeus aprisionou o pai Crono no Tártaro depois de este devorar os filhos Antes dele Crono já havia castrado o próprio pai Céu por não deixar os filhos virem à luz 18 Um dos nomes pelos quais Zeus podia ser invocado Com essa invocação Sócrates quer conseguir de Êutifron o compromisso de responder com sinceridade 19 Eventos apresentados entre outros por Hesíodo em sua Teogonia e por Homero na Ilíada 20 O manto com motivos bélicos era bordado a cada quatro anos para o principal festival da cidade e vestia a estátua de Palas Atena a deusa padroeira de Atenas situada no alto da Acrópole 21 Aqui e em outros passos discurso lógos pode ter o sentido de argumento raciocínio 22 A identidade que Sócrates buscava em toda ação conforme disse antes era do piedoso consigo mesmo e do ímpio consigo mesmo e não do piedoso com o ímpio 23 Referência à vingança de Hefesto contra sua mãe Hera Ela o atirou do Olimpo depois de nascido porque era manco e ele em troca criou para ela um trono que imobilizava quem nele se sentasse Esses acontecimentos estavam retratados numa pintura do templo de Dioniso em Atenas 24 Êutifron receia não receber a atenção dos seus ouvintes que segundo disse no começo do diálogo tinham o costume de rir de suas palavras 25 A distinção feita aqui por Sócrates é entre ação e estado é a ação alguém vê que determina o estado algo é visto Portanto valerá o mesmo raciocínio para a ideia de apreciar a ação alguém aprecia determina o estado algo é apreciado Na sequência porém Sócrates dirá que para o piedoso vale o contrário não será a ação de apreciar que determinará o estado piedoso mas o estado piedoso que determinará a ação de apreciar Portanto o piedoso estado que determina uma ação e o apreciável pelos deuses estado determinado por uma ação não poderão ser pensados conjuntamente 26 Sócrates faz aqui uma distinção filosófica importante entre a essência ousía e algo acidental páthos ti 27 Figura lendária de inventor escultor e arquiteto famosa pela construção do labirinto do Minotauro Suas esculturas eram tão perfeitas que pareciam capazes de se mover Nosso antepassado isto é meu e de minha família Como o pai de Sócrates Sofronisco trabalhava com o entalhe de pedras e talvez fosse ele próprio escultor haveria um parentesco seu com o patrono Dédalo Para alguns Sócrates teria exercido na juventude o ofício do pai 28 Segundo lemos no Banquete a imobilidade que Sócrates pretende encontrar nos discursos era uma característica sua nos momentos em que refletia sozinho Tântalo rei lídio filho de Zeus extremamente rico admitido nos banquetes dos deuses depois de um ato transgressor foi condenado a passar fome e sede eternas no Hades 29 Sócrates brinca com Êutifron e toma acompanhar no sentido literal 30 Esses versos pertenceriam ao épico perdido Cipríada que narrava os acontecimentos anteriores aos apresentados pela Ilíada desde o princípio da Guerra de Troia Inicialmente era atribuído a Homero mas desde pelo menos o século V aC essa atribuição era contestada até que o poema passou a ser considerado obra de um certo Estasino de Chipre Nesse trecho vemos que Sócrates descarta Homero como o autor dos versos citados 31 O raciocínio se apoia na trigonometria Como o triângulo isósceles literalmente de pernas iguais é o que tem dois lados idênticos um número par como 6 pode se dividir em dois segmentos iguais de 3 Já num triângulo escaleno literalmente capenga cujos lados são todos desiguais a divisão em duas pernas de mesma extensão trabalhandose apenas com números inteiros não é possível o que leva à associação desse tipo de figura com a noção de ímpar 32 Sócrates explora o duplo sentido de cuidado therápeia tratamento dispensado a um inferior para que melhore por exemplo um animal ou a um superior para reverenciálo por exemplo um deus 33 A referência anterior ao amolecimento ou languidez de Êutifron já sugeria a abordagem da sua relação com Sócrates em termos homoeróticos 34 Divindade marinha com poder de profetizar Precisava ser imobilizada para falar pois mudava de forma continuamente A DEFESA Após ouvir os discursos da acusação Sócrates faz perante 500 jurados sua defesa35 17 O que vocês varões atenienses36 sentiram com os meus acusadores não sei mas até eu mesmo com eles por pouco não me esqueci de mim tão convincentemente falavam Porém de verdadeiro a bem dizer nada disseram E das muitas mentiras que disseram fiquei mais espantado com uma esta quando falaram que vocês deviam tomar cuidado para não serem enganados por mim porque eu seria hábil em falar Não terem vergonha de imediatamente serem refutados por mim com fatos quando não me mostrar nem de uma maneira nem de outra hábil em falar isso me pareceu a coisa mais desavergonhada da parte deles A não ser que chamem de hábil em falar aquele que fala a verdade pois se é disso que estão falando então eu reconheceria ser não à maneira deles um orador37 Esses então como estava dizendo quase nada de verdadeiro disseram Mas vocês de mim vão ouvir toda a verdade porém não varões atenienses por Zeus discursos beletrificados como os deles nem bem ordenados nas expressões e palavras38 vocês vão ouvir sim coisas ditas de improviso com as palavras que me ocorrerem pois acredito que são justas as coisas que digo e que nenhum de vocês espere algo diferente Certamente nem ficaria bem varões nesta minha idade me dirigir a vocês fabricando discursos como um adolescente Contudo com intensidade peço e solicito isto a vocês varões atenienses se vocês me ouvirem me defender com os mesmos discursos que costumo proferir não só na ágora junto às bancas onde muitos de vocês têm me ouvido39 mas também em outros lugares não fiquem espantados nem façam tumulto por causa disso Pois a situação é esta subo agora com setenta anos de idade pela primeira vez ao tribunal40 logo a linguagem daqui me é simplesmente estranha E da mesma maneira que vocês caso eu fosse de fato estrangeiro certamente seriam condescendentes comigo 18 se eu falasse com aquele sotaque e aqueles modos em que fui criado também agora peço isso a vocês conforme me parece justo que deixem de lado meus modos de linguagem seriam talvez piores talvez melhores e examinem propriamente isto e nisto prestem atenção se falo coisas justas ou não Pois enquanto a virtude do jurado é essa a do orador é falar a verdade41 Em primeiro lugar então varões atenienses acho justo me defender das primeiras acusações mentirosas contra mim e dos primeiros acusadores e em seguida das últimas e dos últimos Pois acusadores meus junto a vocês tem havido muitos e já há muitos anos que nada de verdadeiro dizem aos quais temo mais que aos que estão em torno de Anito ainda que estes também sejam hábeis42 Mas aqueles varões são mais hábeis os que se encarregando da educação da maioria de vocês desde meninos tentavam convencêlos e me acusar de algo ainda mais não verdadeiro de que há um certo Sócrates homem sábio pensador das coisas suspensas no ar e que tem investigado tudo que há sob a terra e que torna superior o discurso inferior43 Esses varões atenienses os que espalharam essa fama esses são os meus mais hábeis acusadores pois os que lhes deram ouvidos consideram que os que investigam essas coisas também não creem em deuses44 Depois esses acusadores são muitos e têm me acusado já faz muito tempo falando junto a vocês além do mais naquela idade em que mais seriam convencidos alguns de vocês eram meninos ou adolescentes simplesmente acusando de forma isolada sem que houvesse defesa E o mais inominável de tudo é que não é possível saber e dizer nem seus nomes a não ser de um que por acaso é comediógrafo45 E todos que servindose da inveja e da calúnia tentavam convencêlos mais os que uma vez convencidos eles mesmos iam convencendo outros todos esses são os mais inacessíveis pois não é possível fazer subir aqui nem refutar a nenhum deles simplesmente é imperioso baterse como que com sombras ao se defender e refutar sem que haja resposta Aceitem então vocês também segundo estou lhes dizendo que se repartem em dois os meus acusadores de um lado os que me acusaram há pouco e de outro os que há tempos dos quais eu estava falando e pensem que é preciso que eu me defenda destes primeiro pois vocês os ouviram me acusar antes e muito mais que os últimos Pois bem Devo então me defender varões atenienses e tentar arrancar de dentro de vocês a calúnia 19 essa que vocês cultivaram por muito tempo assim em pouco tempo46 Gostaria mesmo que as coisas se passassem desse modo uma vez que é melhor tanto para vocês quanto para mim e que eu me saísse bem em minha defesa Mas penso que isso é difícil e não me escapa inteiramente qual é a dificuldade No entanto que a coisa siga por onde for caro ao deus À lei devo obedecer47 e devo me defender Retomemos então do princípio qual é a acusação com base na qual surgiu a calúnia a que precisamente dando crédito Meleto fez esta denúncia contra mim48 Pois bem O que diziam os caluniadores ao me caluniarem É preciso ler a declaração juramentada deles como se de acusadores de fato Sócrates age mal e faz mais do que deveria ao investigar as coisas sob a terra e as celestes e ao tornar superior o discurso inferior e ao ensinar a outros essas mesmas coisas É alguma coisa assim49 Vocês mesmos já viram isso na comédia de Aristófanes um Sócrates lá aponta para o alto balançando afirmando aeroandar e asneando muitas outras asneiras sobre as quais não entendo coisa alguma nem muito nem pouco50 E não falo desse tipo de conhecimento para desmerecêlo uma vez que há quem seja sábio em tais coisas não quero de modo algum me defender de Meleto em tantas causas Mas o fato é que nelas não tomo parte alguma varões atenienses Apresento como testemunhas a maioria de vocês mesmos e peço que vocês digam e se informem entre si todos que alguma vez me ouviram dialogando e muitos de vocês estão nessa situação que digam entre si então se alguma vez seja pouco seja muito algum de vocês me ouviu dialogando sobre essas coisas E a partir disso vocês saberão que ocorre o mesmo também com as outras que a maioria fala sobre mim Mas não não há nada disso nem se vocês já ouviram de alguém que eu tenciono educar os homens e que faço dinheiro isso também não é verdade51 Porque isso também me parece belo alguém ser capaz de educar os homens como Górgias de Leontini e Pródico de Ceos e Hípias de Élis52 Cada um deles varões é capaz de indo a cada uma das cidades convencer os jovens aos quais é possível conviver de graça com os concidadãos seus que quiserem 20 a que deixem aquele convívio e com eles convivam dandolhes dinheiro e além de tudo devendolhes gratidão Aliás há por aqui também outro sábio varão de Paros que eu soube estar na cidade porque encontrei por acaso o homem que tem gastado com os sofistas mais dinheiro que todas as demais pessoas juntas Cálias filho de Hipônico53 e a ele perguntei já que tem dois filhos Cálias eu disse se seus dois filhos fossem potros ou bezerros nós teríamos como arranjar e pagar um instrutor para eles o qual iria tornálos belos e bons nas respectivas virtudes esse seria ou um cavalariço ou um lavrador mas uma vez que são humanos que instrutor você tem em mente arranjar para eles Quem nesse tipo de virtude humana e política54 é instruído Pois penso que você por ter tido filhos tem examinado isso Existe alguém eu falei ou não Com certeza ele disse Quem eu disse de que lugar e por quanto ensina Eveno Sócrates ele disse de Paros por cinco minas55 E eu felicitei esse Eveno se possui verdadeiramente essa arte e assim comedidamente a ensina Eu mesmo ficaria envaidecido e convencido se fosse instruído nessas coisas mas uma vez que não sou varões atenienses Um de vocês poderia então talvez retrucar56 Mas Sócrates sua atividade qual é De onde surgiram essas calúnias contra você Certamente não foi depois de você ter uma atividade em nada mais extravagante que as dos outros que surgiu tamanha fama e falação só se você de fato fazia algo diverso do que a maioria faz Diganos então o que é para que não nos precipitemos a seu respeito Quem fala assim me parece falar coisas justas e eu tentarei lhes mostrar o que é isso que me trouxe tal nome e calúnia57 Escutem então A alguns de vocês vai parecer talvez que estou brincando porém fiquem sabendo vou lhes dizer toda a verdade Pois eu varões atenienses não obtive esse nome por nenhuma outra razão a não ser por causa de uma certa sabedoria Que tipo de sabedoria é essa A sabedoria que é humana talvez Na realidade nessa corro o risco de ser sábio mas aqueles que eu mencionava há pouco seriam talvez sábios numa sabedoria maior que a humana ou não sei o que dizer Nela porém eu mesmo não sou instruído e quem diz que sim não só mente como fala para me caluniar Alvoroço no tribunal Não façam tumulto varões atenienses nem se parecer que lhes falo de um modo excessivo pois não será meu o discurso o que quer que eu venha a dizer58 vou antes o atribuir a um falante que para vocês é digno de fé Pois como testemunha da minha sabedoria se é de fato uma e qual é vou apresentar o deus de Delfos59 21 Vocês conhecem Querefonte eu presumo Ele era meu companheiro desde moço e companheiro também de vocês da maioria e foi junto com vocês para o recente exílio e junto retornou60 E vocês sabem como era Querefonte o quão intenso naquilo em que se lançava Pois certa vez indo a Delfos se atreveu a solicitar esta adivinhação como eu estava dizendo não façam tumulto varões perguntou se alguém seria mais sábio que eu Retrucou então a Pítia que não havia ninguém mais sábio A respeito disso este seu irmão aponta para o irmão lhes dará testemunho uma vez que ele mesmo já morreu Examinem por que razão estou dizendo isso é que vou lhes ensinar de onde surgiu a calúnia contra mim Depois de ouvir aquelas palavras fiquei refletindo assim O que é que o deus está dizendo e o que é que está falando por enigma Pois bem sei comigo mesmo que não sou sábio nem muito nem pouco O que ele está dizendo então ao afirmar que sou o mais sábio Certamente não está mentindo pois para ele não é algo lícito E depois de ficar muito tempo em aporia o que será que ele está dizendo a muito custo me voltei para uma investigação disso da seguinte maneira fui até um dos que parecem ser sábios porque se havia um lugar era esse onde eu refutaria o adivinhado e mostraria ao oráculo este aqui é mais sábio do que eu e você afirmava que era eu Ao examinar bem então esse homem não preciso absolutamente chamálo pelo nome61 era um dos envolvidos com a política esse junto ao qual tive examinandoo esta impressão e ao dialogar com ele varões atenienses me pareceu que parecia ser sábio para muitos outros homens e principalmente para si próprio mas que não era Em seguida fiquei tentando lhe mostrar que ele pensava ser sábio mas que não era A partir daí me tornei odioso a ele e a muitos dos circunstantes e indo embora fiquei então raciocinando comigo mesmo Sou sim mais sábio que esse homem pois corremos o risco de não saber nenhum dos dois nada de belo nem de bom mas enquanto ele pensa saber algo não sabendo eu assim como não sei mesmo também não penso saber É provável portanto que eu seja mais sábio que ele numa pequena coisa precisamente nesta porque aquilo que não sei também não penso saber Daí me dirigi a um outro dentre os que pareciam ser ainda mais sábios que aquele e me pareceu a mesma coisa e também aí me tornei odioso não só a esse homem mas também a muitos outros Depois disso me dirigi a uma série percebendo com perturbação e temor que me tornava odioso e no entanto parecia imperioso ter na mais alta conta o dito do deus Devo ir então para examinar o que o oráculo está dizendo até todos aqueles que parecem saber algo 22 E pelo cão62 varões atenienses já que é preciso lhes dizer a verdade realmente a impressão que eu tive foi esta enquanto os mais benquistos por pouco não me pareceram a mim que investigava em conformidade com o deus carentes máximos de uma conduta reflexiva outros que parecem ser homens mais banais mais razoáveis me pareceram Mas é preciso que eu exponha para vocês minha perambulação que foi como enfrentar certos trabalhos só para que a adivinhação se tornasse irrefutável para mim63 Depois dos envolvidos com a política me dirigi aos poetas aos das tragédias aos dos ditirambos e aos restantes64 para que aí sim eu viesse a me pegar em flagrante como sendo mais ignorante que eles Tomando então seus poemas aqueles que me pareciam mais bem realizados eu lhes perguntava o que estavam dizendo para que ao mesmo tempo aprendesse também algo com eles Tenho vergonha varões de lhes dizer a verdade Porém devo falar A bem dizer por pouco todos os circunstantes teriam falado melhor do que eles sobre as coisas que eles próprios tinham poetado Em pouco tempo então também a respeito dos poetas percebi isto que não era por sabedoria que poetavam o que poetavam mas por uma certa natureza e inspirados tal como os adivinhos divinos e os proferidores de oráculos pois também esses dizem muitas e belas coisas mas nada sabem do que dizem Os poetas me mostraram passar também por uma situação assim65 Ao mesmo tempo percebi que eles por causa da poesia pensavam ser os mais sábios dos homens também nas demais coisas nas quais não eram Saí então também daí pensando me destacar pelo mesmo motivo pelo qual me destacava em relação aos envolvidos com a política Por fim me dirigi aos técnicos66 Sabia comigo mesmo que eu a bem dizer não conhecia nada mas quanto a eles sabia que os descobriria conhecedores de muitas e belas coisas E nisso não estava enganado conheciam sim o que eu não conhecia e por aí eram mais sábios que eu Porém varões atenienses me parecerem ter também esses bons trabalhadores o mesmo defeito que os poetas por efetuar belamente sua arte cada um se achava também o mais sábio nas demais coisas nas mais importantes e esta desmedida deles ocultava aquela sabedoria De modo que fui perguntando a mim mesmo em nome do oráculo se eu preferiria ser assim como sou nem sábio na sabedoria deles nem ignorante na ignorância ou possuir essas duas coisas que eles possuem Respondi então a mim mesmo e ao oráculo que seria mais proveitoso para mim ser como sou Foi precisamente por causa dessa inspeção67 varões atenienses 23 que surgiram muitos ódios contra mim e assim tão duros e pesados que a partir deles então muitas calúnias começaram a surgir e fui chamado desse nome de sábio Pois os circunstantes toda vez pensam que eu mesmo sou sábio nas coisas a respeito das quais refuto alguém mas correse o risco varões de na realidade o deus ser sábio e com aquele oráculo afirmar isto que a sabedoria humana pouco ou nada vale68 Parece ainda que ele não fala aquilo de Sócrates mas se serve do meu nome para fazer de mim um modelo como se dissesse Entre vocês homens o mais sábio é qualquer um que como Sócrates tenha reconhecido que na verdade em sabedoria não vale nada Por isso então ainda agora circulando investigo e interrogo em conformidade com o deus se penso que alguém seja dos cidadãos seja dos estrangeiros é sábio69 E sempre que me parece que não prestando um auxílio ao deus mostrolhe que não é sábio Com essa falta de tempo não tive tempo de realizar nem uma atividade da cidade digna de menção nem familiar e estou por causa da servidão ao deus numa penúria extrema Além do mais os jovens que seguem comigo os que têm mais tempo livre entre os mais ricos por vontade própria gostam de ouvir os homens sendo inspecionados e eles mesmos muitas vezes me imitam ou seja tentam inspecionar outros Como consequência descobrem penso eu grande abundância de homens que pensam saber algo mas que pouco ou nada sabem A partir daí então os inspecionados por eles passam a odiar a mim e não a si mesmos e a dizer que Sócrates é um miasmático e corrompe os jovens E quando alguém lhes pergunta o que ele faz e o que ensina não têm nada a dizer ignoram mas para que não pareça que estão em aporia falam aquilo que anda sempre à mão contra todos que filosofam as coisas suspensas no ar e as sob a terra e a não crer em deuses e a tornar superior o discurso inferior Porque a verdade penso eu eles não gostariam de dizer que há evidência de que nada sabendo só fingem saber Assim por serem penso eu amigos do prestígio intensos e numerosos eles têm enchido os ouvidos de vocês tanto antes quanto agora com intensas calúnias Foi com base nisso que Meleto veio para cima de mim junto com Anito e Lícon70 24 Meleto tomando as dores dos poetas Anito as dos trabalhadores e dos envolvidos com a política e Lícon as dos oradores De modo que como eu dizia no princípio ficaria espantado se conseguisse arrancar de dentro de vocês em tão pouco tempo uma calúnia que está tão funda Essa é varões atenienses a verdade e falo sem ocultar a vocês nem muito nem pouco e sem empregar subterfúgios Naturalmente sei que em geral me torno odioso exatamente por isso o que ainda comprova que estou dizendo a verdade e que essa é a calúnia contra mim e que as causas são essas É o que vocês quer as investiguem agora quer depois descobrirão A respeito então das coisas de que me acusavam meus primeiros acusadores essa defesa perante vocês é suficiente Depois disso perante Meleto esse homem bom e patriota conforme diz ser e perante os últimos tentarei me defender Mais uma vez como se fossem diferentes esses acusadores tomemos a declaração juramentada deles é mais ou menos isto Sócrates age mal diz ao corromper os jovens e ao não crer nos deuses em que a cidade crê mas em coisas numinosas diferentes novas É uma queixa assim71 Mas inspecionemos cada ponto dessa queixa Diz que ao corromper os jovens ajo mal Mas eu pessoalmente varões atenienses digo que Meleto age mal porque fica se divertindo com o que é sério ao conduzir homens a júri de modo leviano ao fingir levar a sério e se afligir por questões pelas quais ele absolutamente jamais militou72 Que isso é assim tentarei demonstrar também a vocês Me diga aqui Meleto você faz outra coisa senão ter na mais alta conta que os mais jovens sejam os melhores possíveis É o que faço Ande então diga a estes aponta para o júri quem os faz melhores Pois é claro que você sabe militante que é Depois de descobrir quem como você diz os corrompe você me convoca à presença destes aqui e me acusa Mas quem os faz melhores ande lhes diga e revele quem é Silêncio Você está vendo Meleto como você se cala e não tem o que dizer Na realidade não lhe parece algo vergonhoso e prova suficiente do que eu dizia que por isso você não tem absolutamente militado Vamos fale bom homem quem os faz melhores As leis Mas não é isso que eu estou perguntando ótimo homem mas qual a pessoa primeiro que sabe exatamente isto as leis Eles Sócrates os jurados Aponta para o júri O que você está dizendo Meleto Que estes aqui têm condições de educar os jovens e fazêlos melhores Com certeza Todos têm ou alguns deles sim e outros não Todos Por Hera você fala bem e de uma grande abundância de beneficiadores Mas e estes aqui os ouvintes aponta para a plateia os fazem melhores ou não Eles também E os conselheiros Os conselheiros também73 25 Mas então Meleto não me diga que os que vão à assembleia corrompem os jovens74 Ou eles todos também os fazem melhores Eles também Pelo jeito então todos os atenienses os fazem belos e bons menos eu só eu os corrompo É isso que você está dizendo Com certeza é isso mesmo que estou dizendo Imenso é o infortúnio que você me imputou Me responda ainda também com os cavalos lhe parece ser realmente assim são todos os homens que os fazem melhores enquanto é um só que os corrompe Ou é inteiramente o contrário disso tendo um só condições de fazêlos melhores ou muito poucos os cavalariços enquanto a maioria se com cavalos convive e deles se serve os corrompe Não é assim Meleto seja com os cavalos seja com todos os outros animais Decerto que é totalmente quer você e Anito digam que sim quer digam que não Pois imensa seria para os jovens a bemaventurança se um só os corrompesse enquanto os demais os beneficiassem Mas você Meleto demonstra suficientemente que jamais deu atenção aos jovens e exibe claramente sua não militância porque você não tem absolutamente militado pelas coisas em nome das quais me convoca Mas nos diga ainda Meleto em nome de Zeus é melhor viver entre cidadãos prestativos ou sofríveis Silêncio Responda meu querido pois não estou perguntando nada complicado Os sofríveis não realizam algo de mau para os que estão sempre muito próximos deles enquanto os bons algo de bom Com certeza Há então quem prefira ser prejudicado por aqueles com que convive a ser beneficiado Silêncio Responda bom homem A lei o manda responder Há quem prefira ser prejudicado Certamente que não Muito bem Você me convoca até aqui por eu corromper os mais jovens e fazêlos mais sofríveis voluntária ou involuntariamente Voluntariamente penso eu Mas como Meleto Você que está com tal idade é tão mais sábio que eu que estou com esta 75 a ponto de você mesmo já ter percebido que os maus realizam algo de mau sempre para os que estão muito perto deles e os bons algo de bom enquanto eu vou tão longe em minha ignorância a ponto de não perceber até isto que se tornar mesquinho um dos que convivem comigo correrei o risco de receber dele algo de mau e portanto fazer esse mal tamanho voluntariamente como você está dizendo A mim você não convence disso Meleto 26 e penso que tampouco a nenhum outro homem Ou eu não corrompo ou se corrompo o faço involuntariamente de modo que você em ambos os casos mente E se corrompo involuntariamente por erros tais involuntários a lei não manda que se convoque até aqui mas sim que se aborde a pessoa em particular para ser ensinada e repreendida Pois é claro que em aprendendo vou parar de fazer o que involuntariamente faço Mas conviver comigo e me ensinar você evitava e nunca quis e agora me convoca até aqui aonde a lei manda convocar os que precisam de castigo não de ensino Mas isso a esta altura está claro varões atenienses conforme eu dizia que Meleto por essas coisas jamais militou nem muito nem pouco Ainda assim fale para nós de que maneira Meleto você afirma que eu corrompo os mais jovens Sim claro conforme está na denúncia que você fez Ensinando a não crer nos deuses em que a cidade crê mas em coisas numinosas diferentes novas Não é ao ensinar isso que você está dizendo que os corrompo Mas com certeza é isso mesmo que estou dizendo Em nome então desses próprios deuses Meleto de que falamos agora diga ainda mais claramente para mim e para estes varões aponta para o júri pois eu pessoalmente não sou capaz de compreender se você está dizendo que ensino a crer na existência de alguns deuses e então eu próprio creio na existência de deuses e não sou absolutamente ateu nem é por aí que ajo mal porém não exatamente naqueles em que a cidade crê mas em diferentes e é por isso que você me intima porque diferentes ou se você está afirmando cabalmente que eu próprio não creio em deuses e ensino isso aos demais É isso que estou dizendo que você não crê absolutamente em deuses Admirável Meleto com que finalidade você diz isso Eu não creio então nem que Sol nem que Lua são deuses como os demais homens76 Não por Zeus varões jurados uma vez que afirma que o Sol é pedra e que a Lua é terra Você pensa que está acusando Anaxágoras caro Meleto e despreza assim estes aqui aponta para o júri pensando que são tão semrecursos nas letras a ponto de não saberem que os livros de Anaxágoras de Clazômena é que estão cheios desses discursos77 Além do mais é comigo que os jovens aprendem essas coisas eles que podem comprandoas de vez em quando não por muito por uma dracma na orquestra78 rir de Sócrates caso venha a fingir que são suas sobretudo sendo elas tão estranhas Mas então em nome de Zeus é isso mesmo que lhe parece que não creio na existência de deus algum Que não por Zeus nem de uma maneira nem de outra Você é inacreditável Meleto E assim como parece ser para mim deve parecer para você mesmo Pois este homem aponta para Meleto varões atenienses me parece ser muito soberbo e insolente e simplesmente fazer esta denúncia por uma soberba uma insolência uma molecagem 27 Ele se assemelha a quem põe à prova compondo como que um enigma Será que Sócrates o sábio vai perceber que fico me divertindo e entrando em contradição comigo mesmo ou vou enganar por completo a ele e aos demais ouvintes Pois me parece que este homem entra em contradição consigo mesmo em sua denúncia como se dissesse Sócrates age mal ao não crer em deuses embora crendo em deuses Mas isso é de quem está brincando Examinem então comigo varões por que ele me parece falar assim Você Meleto respondanos e vocês conforme lhes pedi no princípio lembremse de não fazer tumulto caso elabore meus discursos da maneira habitual Há dentre os homens Meleto quem creia na existência de assuntos humanos mas na de homens não creia Meleto protesta em voz baixa Que ele responda varões e não promova um tumulto atrás do outro Há quem não creia na de cavalos mas na de assuntos de cavalo sim Ou não creia na existência de flautistas mas na de assuntos de flauta sim Silêncio Não há melhor dos homens Se você não quer responder falo para você e para estes outros aponta para o júri Mas responda pelo menos ao que decorre disto há quem creia na existência de assuntos numinosos mas na de numes não creia79 Não há Que bom que você respondeu mesmo que a muito custo forçado por estes aqui Ora você não afirma que não só ensino mas que também creio em coisas numinosas quer novas quer antigas Portanto em coisas numinosas pelo menos eu creio de acordo com seu discurso e a esse respeito você até jurou no ato de indiciamento Se creio em coisas numinosas decerto é muito imperioso que eu creia também em numes não é assim Silêncio Mas é Vou colocálo reconhecendo que sim já que não responde 80 E quanto aos numes não os consideramos com efeito deuses ou filhos de deuses Você diz que sim ou não Com certeza Ora se eu considero os numes como você mesmo diz e se os numes são determinados deuses eis por que digo que você fala por enigma e fica se divertindo ao afirmar que eu embora não considere os deuses volto a considerar por sua vez os deuses já que os numes pelo menos eu considero E se os numes por sua vez são determinados filhos bastardos dos deuses nascidos de ninfas ou de outras mães quaisquer das que também se diz que são81 qual dos homens consideraria a existência dos filhos dos deuses mas dos deuses não Seria igualmente estranho se se considerasse a existência dos filhos dos cavalos ou mesmo dos jumentos os semijumentos mas não a dos cavalos e a dos jumentos82 O fato Meleto é que não há como não ser para nos pôr à prova que você fez esta denúncia ou então porque você estava em aporia quanto à verdadeira má ação pela qual me intimaria Mas para que você possa convencer algum dos homens mesmo que tenha pouco bomsenso de que a pessoa que considera coisas numinosas não é a mesma que considera coisas divinas 28 e que por sua vez é a mesma que não considera nem numes nem deuses nem heróis meio algum existe83 De todo modo varões atenienses não me parece ser o caso para uma extensa defesa de que não ajo mal como diz a denúncia de Meleto isso mesmo já é suficiente Mas aquilo que eu dizia anteriormente que contra mim surgiu muito ódio e junto a muitos fiquem sabendo que é verdade E é isso que me condenará se é que vai mesmo me condenar não Meleto nem Anito mas a calúnia e a inveja de muitos Coisa que a muitos varões belos e bons tem condenado e ainda vai penso eu condenar não há perigo algum de que pare em mim Alguém poderia então talvez dizer Mas você não sente vergonha Sócrates de ter se ocupado com uma tal ocupação pela qual agora corre o risco de morrer E a ele eu contraporia justo discurso Você não fala belamente homem se pensa que precisa calcular o risco de viver ou morrer o varão que é de alguma serventia mesmo que pequena e que não examina antes apenas isto se quando age age justa ou injustamente e se os feitos são de bom ou vil varão Pois banais seriam ao menos pelo seu discurso quantos semideuses em Troia morreram especialmente o filho de Tétis o qual frente a ter de suportar algo vergonhoso desprezou a tal ponto o risco que no momento em que a mãe disse a ele ansioso por matar Heitor sendo ela uma deusa84 mais ou menos assim penso eu Filho se você vingar o assassinato do companheiro Pátroclo e matar Heitor você mesmo vai morrer que logo para ti está diz depois de Heitor pronto o fado ele ouvindo isso fez pouco caso da morte e do risco e temendo bem mais viver como vil sem vingar os amigos que eu logo morra diz justiçando quem agiu mal para que eu não fique aqui sendo motivo de chacota junto às naus curvadas fardo da terra85 Não me diga que você pensa que ele se preocupou com a morte e o risco Pois na verdade varões atenienses assim é no lugar onde nos posicionamos por considerarmos o melhor ou somos pelo comandante posicionados nele devemos segundo me parece ficar e correr riscos diante da vergonha não mais calculando nem morte nem nada mais Eu mesmo agiria terrivelmente varões atenienses se tendo antes ficado como qualquer outro no lugar onde me posicionavam quando os comandantes que vocês mesmos escolheram para me comandar a mim me posicionavam tanto em Potideia quanto em Anfípolis e no Délio86 e tendo corrido o risco de morrer agora ao contrário com o deus a me posicionar conforme pensei e supus que devo viver filosofando e inspecionando a mim mesmo e aos outros 29 eu abandonasse meu posto temendo a morte ou qualquer outro acontecimento Seria decerto terrível e na verdade muito justamente então eu seria convocado até o tribunal porque na existência de deuses não creio ao desobedecer à adivinhação ao temer a morte e ao pensar que sou sábio quando não sou Porque naturalmente varões temer a morte não é outra coisa senão parecer que se é sábio quando não se é pois é parecer que se sabe o que não se sabe Mas a morte ninguém sabe se acaso não é o maior de todos os bens para o homem porém a temem como se soubessem ser o maior dos males E o que é isso senão aquela ignorância mais reprovável a de se pensar saber o que não se sabe Eu varões nisso talvez divirja aqui também da maioria dos homens E se afirmasse que de fato sou mais sábio que alguém em algo seria nisto porque assim como não sei o suficiente sobre as coisas no Hades87 também penso não saber88 No entanto que agir mal e desobedecer a quem é melhor deus ou homem é mau e vergonhoso bem sei Portanto diante de males que sei que são maus aquelas coisas que não sei se acaso são boas jamais temerei nem evitarei Sendo assim nem se agora vocês me liberarem não dando crédito a Anito que afirmava que de início não era preciso me trazer até aqui ou que uma vez trazido não era possível não me matar pois ele dizia a vocês que se eu escapasse os seus filhos podendo já se ocupar com aquilo que Sócrates ensina se corromperiam todos totalmente e se vocês diante disso me dissessem89 Sócrates agora não obedeceremos a Anito e o liberamos mas com esta condição de você não filosofar mais nem passar seu tempo se dedicando a essa investigação Se você for pego a fazer ainda isso morrerá se vocês portanto me liberassem como eu disse nessas condições eu lhes diria Varões atenienses eu os saúdo e amo mas obedecerei antes ao deus que a vocês e enquanto respirar e tiver condições receio não parar de filosofar e a vocês advertir e mostrar a qualquer um de vocês que eu sempre encontrar falando daquele jeito a que estou habituado melhor dos homens você sendo um ateniense da maior e mais reputada cidade em sabedoria e força não sente vergonha de militar em favor do dinheiro a fim de possuir o máximo possível e da fama e da honra mas em favor da reflexão da verdade e da alma a fim de ser a melhor possível não militar nem se preocupar E se algum de vocês quiser discutir e disser que milita não o liberarei de imediato nem me afastarei mas vou interrogálo e inspecionálo e refutálo90 E se me parecer não ter adquirido a virtude mas dizer que sim 30 vou reproválo por considerar de menos o digno do máximo e o mais banal demais Farei isso com o mais jovem e com o mais velho com qualquer um que eu encontrar com o estrangeiro e com o concidadão mais com os concidadãos pelo tanto que por raça vocês me são mais próximos Pois é isso fiquem sabendo que o deus me ordena e eu mesmo penso que ainda não surgiu para vocês nenhum bem maior na cidade do que meu serviço ao deus Nenhuma outra coisa faço enquanto circulo a não ser persuadir tanto os mais jovens quanto os mais velhos dentre vocês a não militar em favor nem do corpo nem do dinheiro não antes nem com a mesma intensidade que em favor da alma a fim de ser a melhor possível e vou dizendo que não surge do dinheiro a virtude mas da virtude o dinheiro e todos os demais bens humanos públicos e privados Se ao dizer então tais coisas corrompo os jovens tais coisas teriam que ser danosas Mas se alguém afirma que digo coisas diferentes dessas não diz nada Diante disso atenienses eu diria quer vocês obedeçam a Anito quer não quer me liberem quer não me liberem não poderei agir de outro modo nem mesmo se estiver prestes a morrer incontáveis vezes Tribunal reage às declarações de Sócrates Não façam tumulto varões atenienses mas se mantenham fiéis ao que solicitei a vocês de não fazerem tumulto com as coisas que eu disser e sim ouvir porque conforme penso vocês ainda tirarão proveito de me ouvir Estou prestes a lhes dizer algumas outras coisas contra as quais talvez vocês gritem mas não façam isso de maneira alguma Pois fiquem sabendo se vocês me matarem por ser desse jeito que digo que sou não prejudicarão a mim mais do que a vocês mesmos É que em nada me prejudicaria Meleto ou Anito nem seria capaz pois não penso que é lícito um varão melhor ser prejudicado por um inferior Poderia sim talvez me condenar à morte ou ao exílio ou à atimia91 Porém se ele ou algum outro pensa talvez que essas coisas são grandes males eu mesmo não penso muito pior é fazer o que ele está fazendo ao tencionar matar injustamente um homem Portanto varões atenienses estou longe agora de falar em minha própria defesa como se poderia pensar falo sim em defesa de vocês para que não errem votando contra mim em relação à dádiva do deus a vocês conferida92 Porque se vocês me matarem não vão encontrar facilmente outro desse jeito simplesmente ligado à cidade por ordem do deus ainda que seja algo um pouco risível de se dizer como a um alto e nobre cavalo que por causa da altura é um pouco lerdo e precisa ser despertado por algum moscardo93 Assim me parece realmente ter o deus me ligado à cidade desse jeito eu que de despertálos e persuadilos e reproválos um por um não paro de modo algum 31 o dia inteiro por toda parte assediandoos Outro desse jeito não surgirá facilmente para vocês varões e se vocês me derem ouvidos me pouparão Mas vocês poderiam talvez quem sabe ficar aborrecidos como os que são despertados de um cochilo e me dando um safanão e ouvidos a Anito poderiam facilmente me matar e então continuar dormindo pelo resto da vida a menos que o deus aflito por vocês lhes enviasse um outro94 Que por acaso sou eu esse tipo de homem que à cidade pelo deus foi dado vocês poderiam perceber a partir disto é que não se assemelha a algo humano eu ter me despreocupado de tudo que é meu e já por tantos anos aguentar a família sendo negligenciada para realizar sempre o que diz respeito a vocês me dirigindo a cada um em particular como um pai ou um irmão mais velho tentando persuadilos a se preocupar com a virtude Se eu ganhasse algo com isso se incitasse a isso só para obter meu pagamento eles teriam algo que dizer Mas agora vocês mesmos estão vendo que meus acusadores que em tudo mais assim desavergonhadamente me acusam ao menos não foram desavergonhados o bastante a ponto de apresentar testemunho disto de que alguma vez para mim exigi ou pedi pagamento E é suficiente penso que eu apresente esta testemunha de que estou dizendo a verdade a Penúria Talvez possa parecer estranho que em particular eu dê esses conselhos enquanto vou circulando e atue além da conta mas que em público não me atreva a subir perante vocês a maioria e dar conselhos à cidade A causa disso é aquilo que vocês têm me ouvido muitas vezes mencionar em muitos lugares que algo divino e numinoso me vem precisamente o que Meleto comicamente incluiu na denúncia Começou de menino uma voz que me vem que quando vem é sempre para me dissuadir de fazer aquilo que estou prestes a fazer jamais para me persuadir É isso que se opõe a que eu faça política e belissimamente se opõe me parece Pois fiquem sabendo varões atenienses se eu há tempos tivesse tencionado fazer política há tempos estaria morto e em nada teria beneficiado nem a vocês nem a mim mesmo Mas não se aborreçam comigo porque digo a verdade É que não há quem venha a se salvar dentre os homens depois de se opor genuinamente a vocês ou a qualquer outra maioria impedindo que muitas coisas injustas e ilegais ocorram na cidade 32 antes é imperioso que o que realmente combate em nome do justo mesmo que vá se salvar por pouco tempo atue privada e não publicamente Eu mesmo vou lhes apresentar grandes provas disso não palavras mas aquilo que vocês mais apreciam fatos Ouçam então o que se passou comigo para que vocês saibam que eu contra o justo não me sujeitaria a ninguém por receio da morte e sem me sujeitar de imediato morreria Direi coisas apelativas de tribunais mas verdadeiras Eu atenienses não ocupei jamais nenhum outro posto na cidade só fui conselheiro95 E coincidiu de nossa tribo a Antióquida estar na presidência quando vocês decidiram julgar em bloco os dez generais que não fizeram o resgate na batalha naval de maneira ilegal como pareceu a todos vocês tempos depois96 Só eu então entre os presidentes me opus a que vocês fizessem algo ilegal e votei contra E embora os oradores já estivessem preparados para me indiciar e prender e vocês incentivassem e gritassem pensei que meu dever era antes me arriscar ao lado da lei e do justo do que ficar do lado de vocês que não estavam decidindo coisas justas por medo da prisão ou da morte Isso era ainda com a cidade governada democraticamente Mas depois que veio a oligarquia foi a vez de os Trinta mandarem chamar logo a mim e a mais quatro à Rotunda determinando que trouxéssemos de Salamina o salamínio Leon para que morresse97 E coisas assim eles determinaram muitas vezes a muitos outros no desejo de abarrotar de culpas o maior número possível de pessoas Eu no entanto não por palavras mas por atos também dessa vez mostrei que com a morte me preocupo se não fosse algo um pouco grosseiro de se dizer nem um pouco enquanto que com não efetuar nada injusto nem ímpio com isso me preocupo totalmente Pois a mim aquele governo por mais violento que fosse não atordoou o bastante a ponto de me fazer efetuar algo injusto depois que saímos da Rotunda os outros quatro partiram na direção de Salamina e trouxeram Leon enquanto eu me afastando parti na direção de casa98 E teria talvez morrido por causa disso se o governo não tivesse sido rapidamente dissolvido Também desses fatos vocês terão muitas testemunhas Vocês pensam então que eu teria vivido por tantos anos se tivesse realizado as atividades públicas e realizandoas como é digno de um bom homem tivesse vindo em socorro do lado justo e tido isso conforme se deve ter na mais alta conta Faltaria muito varões atenienses Nenhum outro homem teria 33 Ficará claro porém que eu ao longo de toda a minha vida em público se algo realizei fui assim e em particular do mesmo jeito nunca concordando com ninguém a respeito de nada que fosse contra o justo nem mesmo com nenhum desses que meus caluniadores dizem ter sido meus alunos99 Eu nunca fui professor de ninguém Mas se alguém deseja me ouvir falar e realizar o que me concerne seja mais jovem seja mais velho isso nunca neguei a ninguém Tampouco só dialogo quando obtenho dinheiro e quando não obtenho não me coloco sim à disposição igualmente tanto do rico quanto do pobre para que me interroguem e caso queiram ouçam por meio de respostas o que digo Mas eu mesmo se algum desses se torna prestativo ou não não posso com justiça levar a culpa nunca a nenhum deles nem prometi nem ensinei lição nenhuma E se alguém afirma que alguma vez aprendeu ou ouviu de mim em particular algo que todos os outros não fiquem sabendo que não está dizendo a verdade Mas por que será então que alguns gostam de passar muito tempo comigo Vocês já ouviram varões atenienses eu lhes disse toda a verdade porque gostam de ouvir os que pensam ser sábios mas que não são sendo inspecionados pois não é algo desprazeroso Isso a mim conforme já disse o deus tem determinado fazer a partir das adivinhações e dos sonhos e por todos os meios com os quais qualquer outra providência divina alguma vez também determinou a um homem fazer o que quer que seja Isso varões atenienses é algo não só verdadeiro mas também facilmente verificável se eu realmente a uns jovens estou corrompendo e a outros já corrompi decerto seria necessário caso tornandose mais velhos alguns deles tivessem percebido que quando jovens lhes dei certa vez um mau conselho que subissem agora perante vocês e me acusassem e castigassem E se eles mesmos não quisessem que alguns de seus familiares pais irmãos ou outros os mais chegados agora rememorassem isso e me castigassem no caso de seus familiares terem sofrido comigo um mal De toda maneira estão por aqui muitos deles os quais eu mesmo estou vendo apontando primeiro esse Críton da minha idade e do meu demo pai deste Critóbulo depois Lisânias de Esfetos pai deste Ésquines e ainda esse Antifonte de Cefísia pai de Epígenes Há naturalmente esses outros cujos irmãos estiveram presentes àqueles passatempos Nicóstrato filho de Teozótide irmão de Teódoto mas Teódoto está morto de modo que não apelaria a ele e este Parálio filho de Demódoco de quem era irmão Teages 34 e este Adimanto filho de Aríston de quem é irmão esse Platão e Ajantodoro de quem este Apolodoro é irmão100 Eu posso mencionar para vocês muitos outros também algum dos quais Meleto deveria de preferência ter apresentado como testemunha em seu discurso Se ele então se esqueceu que apresente agora eu lhe cedo o lugar e diga se tem alguma assim No entanto bem ao contrário disso vocês encontrarão varões todos prontos a me auxiliar ao corruptor ao malfeitor de seus familiares como afirmam Meleto e Anito Eles os corrompidos teriam talvez razão para me auxiliar mas os incorruptos já varões mais velhos os mais chegados àqueles que outra razão têm para me auxiliar senão a reta e justa porque sabem que Meleto está mentindo enquanto eu estou dizendo a verdade Pois bem varões O que eu teria para dizer em minha defesa é basicamente isso e talvez algumas outras coisas que tais Mas algum de vocês poderia talvez se abalar ao se lembrar do próprio caso de que mesmo se batendo num embate menor que este embate apelou e suplicou aos jurados com muitas lágrimas fazendo até as próprias crianças pequenas subirem aqui para que se tivesse o máximo de pena possível além de outros familiares e muitos amigos enquanto eu mesmo claro não farei nada disso mesmo correndo este risco o risco extremo conforme pode lhe parecer Refletindo então sobre essas coisas alguém poderia talvez ficar mais altivo em relação a mim e enraivecido precisamente por isso depositar com raiva seu voto Se algum de vocês está ficando assim eu mesmo espero que não mas se está me parece que para esse eu poderia falar palavras adequadas dizendolhe Ótimo homem também tenho alguns familiares eu presumo Pois também vale para mim aquele dito de Homero eu nem de carvalho nem de rochedo brotei mas de homens101 de modo que tenho varões atenienses não só familiares como filhos três um já adolescente e duas crianças pequenas102 No entanto não é fazendo um deles subir aqui que vou pedir a vocês que votem a meu favor Por que então não farei nada disso Não por ser altivo atenienses nem por subestimálos se fico valente em face da morte ou não é outra conversa103 mas é em face da opinião sobre mim sobre vocês e a cidade inteira que me parece belo não fazer nada disso 35 estando eu com esta idade e tendo este nome104 e quer seja verdade quer seja mentira é opinião corrente que Sócrates difere em algo da maioria dos homens Ora se aqueles dentre vocês que parecem diferir em algo seja em sabedoria seja em coragem seja em qualquer outra virtude se comportarem desse jeito seria vergonhoso Eu mesmo várias vezes vi uns assim que apesar de parecerem ser alguma coisa quando julgados agem de modo espantoso como se pensassem que haveriam de sofrer algo terrível no caso de morrerem como se houvessem de ser imortais caso vocês não o matassem Eles me parecem cobrir a cidade de vergonha a ponto de qualquer estrangeiro poder supor que aqueles que aqui diferem em virtude os que os atenienses em detrimento de si mesmos escolhem para os postos e demais honrarias que esses em nada diferem das mulheres Isso então varões atenienses nós os que parecemos ser alguma coisa da maneira que for não devemos fazer nem devem vocês se o fazemos ser lenientes mas antes mostrar precisamente isto que votariam muito mais contra o que produz esses dramas dignos de pena e faz da cidade motivo de chacota do que contra o que se conduz sossegadamente Opiniões à parte varões não me parece justo apelar ao jurado e apelando escapar mas antes instruir e persuadir Pois não é para isso que o jurado toma assento para fazer da justiça favor mas para julgar E ele não jurou favorecer a quem bem lhe parecesse mas sim fazer valer as leis Portanto nem nós devemos acostumálos a vocês a jurar em vão nem vocês devem se acostumar pois nenhum de nós estaria sendo religioso Sendo assim não esperem varões atenienses que eu me obrigue a fazer tais coisas com vocês as quais não considero nem belas nem justas nem piedosas principalmente por Zeus quando estou me defendendo da acusação de irreligiosidade feita por este Meleto aqui aponta para o acusador Porque evidentemente se os persuadisse e com meu apelo os forçasse a violar os juramentos a existência de deuses eu os estaria ensinando a não considerar e simplesmente estaria ao me defender fazendo minha própria acusação de que não creio em deuses Mas falta muito para ser assim Pois eu creio varões atenienses como nenhum dos meus acusadores crê e deixo agora com vocês e com o deus me julgarem conforme há de ser melhor tanto para mim quanto para vocês A DEFINIÇÃO DA PENA Com 220 votos a seu favor e 280 contra Sócrates é considerado culpado A pena que havia sido proposta pela acusação era a morte mas ele pode sugerir para os jurados uma punição alternativa 36 Eu não me abalar varões atenienses com esse resultado vocês terem votado contra mim está ligado entre muitas outras coisas principalmente ao fato de que esse resultado não foi inesperado para mim estou muito mais espantado com o número de votos que resultou de cada lado Eu pelo menos não pensava que seria assim por pouco mas por muito E pelo jeito se apenas trinta dos votos tivessem mudado de lado eu teria escapado105 Mas de Meleto segundo me parece ainda agora escapei e não só escapei como a todos isto ao menos ficou claro que se Anito junto com Lícon não tivesse subido aqui para me acusar ele também teria sido condenado a pagar mil dracmas por não ter obtido a quinta parte dos votos106 O homem estipula então para mim a pena de morte Pois bem Mas e eu qual vou contraestipular para vocês varões atenienses Claro que uma merecida não E então O que mereço receber ou oferecer como retratação por não ter me conduzido sossegadamente na vida e não ter militado em favor daquilo por que a maioria milita dinheiro e negócios liderança do exército e liderança do povo e demais postos e conchavos e agrupamentos que existem na cidade depois de considerar que eu próprio era na realidade honesto demais para sair vivo se fosse ao encontro disso e por aí não fui por onde eu não iria ser de nenhuma serventia nem para vocês nem para mim mesmo mas me encaminhando para beneficiar cada um em particular com a maior benfeitoria por aí sim como estava dizendo fui tencionando persuadir cada um de vocês a não militar nem em favor de nenhuma de suas próprias coisas antes de militar em favor de si próprio a fim de ser o melhor e o mais sensato possível nem em favor das coisas da cidade antes de em favor da própria cidade e assim da mesma maneira militar em favor das demais coisas O que eu mereço então receber sendo desse jeito Algo bom varões atenienses se é preciso mesmo que eu verdadeiramente estipule isso segundo o merecimento E além do mais bom de um jeito que possa ser conveniente para mim Ora o que convém a um varão na penúria que é benfeitor e necessita ter tempo livre para incitálos Não há nada assim mais conveniente varões atenienses do que um homem que é desse jeito fazer sua refeição no Pritaneu muito mais do que se algum de vocês no cavalo na biga ou na quadriga tivesse vencido em Olímpia107 Porque esse faz vocês parecerem felizes enquanto eu serem e esse não necessita de modo algum de sustento enquanto eu necessito Se é preciso então que eu segundo o que é justo estipule a pena merecida 37 estipulo essa refeição no Pritaneu Talvez ao dizer isso a vocês pareça que falo de uma maneira muito próxima daquela com que tratei a compaixão e a humilhação sendo bastante altivo Mas não é bem assim atenienses É mais isto estou convencido de que não ajo mal voluntariamente com homem nenhum mas não consigo convencêlos disso pois dialogamos por pouco tempo uns com os outros Porque segundo penso se fosse lei para vocês como é para outros homens não julgar quando se trata de morte em um único dia apenas mas em muitos vocês teriam sido convencidos108 Mas agora não é fácil em pouco tempo desfazer grandes calúnias Estando de fato convencido de não agir mal com ninguém estou longe de vir a agir mal comigo mesmo e contra mim mesmo dizer que mereço algo mau e estipular para mim uma pena assim Por medo de quê De que receba essa que Meleto estipula para mim algo que se é bom ou se é mau digo que não sei No lugar dessa devo então escolher o que bem sei que são males e estipular isso Talvez o meu aprisionamento Mas por que devo viver na prisão como escravo do poder dos Onze sempre a postos109 Ou uma multa e ficar preso até que pague tudo Mas dá no mesmo para mim aquilo que eu dizia agora há pouco pois não tenho dinheiro com que pagar Devo estipular então o exílio Vocês talvez estipulassem essa pena para mim110 Porém um enorme apreço pela vida teria de se apossar de mim para eu ficar tão desprovido de razão a ponto de não ser capaz de raciocinar que se vocês que são meus concidadãos não puderam mais suportar meus passatempos e discursos os quais se tornaram tão pesados e detestáveis para vocês que agora mesmo buscam se livrar deles como outros os suportarão com facilidade Falta muito atenienses Bela vida seria a minha se eu um homem com esta idade fosse viver fora mudando e sendo expulso de uma cidade para outra Pois bem sei que aonde quer que eu vá os jovens me escutarão falar como aqui E se a esses eu rejeitar eles mesmos vão me ejetar convencendo os mais velhos mas se não os rejeitar seus pais e familiares é que vão por causa desses mesmos jovens Alguém poderia então talvez dizer Mas não nos diga Sócrates que você não vai conseguir viver fora calado e conduzindose sossegadamente Esta aqui é de todas as coisas a mais difícil de fazer alguns de vocês entenderem Pois se eu disser por um lado que isso é desobedecer ao deus e que por isso é impossível conduzirme sossegadamente 38 vocês não vão me dar ouvidos porque eu estaria sendo irônico111 E se eu disser por outro que acontece também de ser esse o maior bem para o homem fazer discursos todos os dias sobre a virtude e as demais coisas sobre as quais vocês me ouvem dialogar inspecionando a mim mesmo e aos outros e que a vida sem inspeção não vale a pena ser vivida pelo homem aí é que vocês enquanto falo vão me dar menos ouvidos ainda A situação como estava dizendo atenienses é essa e convencêlos disso não é fácil Ao mesmo tempo também não estou habituado a me achar merecedor de mal algum Se eu tivesse dinheiro teria estipulado um tanto que poderia pagar pois eu não seria em nada prejudicado Mas o fato é que agora não tenho a não ser que vocês queiram estipular para mim um tanto que eu seria capaz de pagar Talvez eu seja capaz de lhes pagar uma mina de prata É quanto estipulo então Alguns homens na plateia lhe fazem um sinal Este Platão aqui apontando varões atenienses e Críton e Critóbulo e Apolodoro mandam que eu estipule trinta minas que eles mesmos afiançam É quanto então estipulo e junto a vocês serão fiadores da prata esses homens dignos de fé A CONDENAÇÃO FINAL Diante das palavras de Sócrates 360 dos 500 jurados votam por manter a pena proposta pela acusação e sentenciamno à morte por envenenamento Por causa do imediatismo varões atenienses vocês terão junto aos que quiserem achincalhar a cidade a fama e a culpa de terem matado Sócrates sábio varão Porque dirão sim que sou sábio ainda que não seja os que quiserem reproválos Mas se vocês tivessem esperado um pouco mais isso teria acontecido naturalmente Pois vocês estão vendo minha idade que já vou avançado na vida e estou perto da morte Não falo isso para todos vocês mas para os que votaram pela minha morte E para esses mesmos digo também o seguinte Vocês talvez pensem varões que fui condenado por estar em aporia quanto àqueles tipos de discursos com que poderia tê los convencido depois de pensar que precisava fazer e dizer de tudo para escapar da punição Mas falta muito mesmo Fui condenado por estar em aporia não quanto aos discursos mas quanto ao atrevimento à falta de vergonha à vontade de lhes falar aquelas palavras que para vocês teriam sido mais agradáveis de ouvir eu gemendo me lamentando fazendo e dizendo muitas outras coisas indignas de mim como eu dizia do tipo precisamente que vocês estão habituados a ouvir dos outros Mas nem antes pensei que era preciso por causa do risco agir de modo servil nem agora me arrependo de ter me defendido assim prefiro muito mais morrer depois de ter me defendido desta maneira a ter que viver daquela 39 Pois nem numa causa nem numa guerra não se deve nem eu nem nenhum outro maquinar isto de tudo fazer para escapar da morte E nas batalhas muitas vezes fica claro que se pode escapar de morrer depondose as armas e dirigindose uma súplica aos perseguidores há ainda para cada situação de risco muitas outras maquinações para se escapar da morte se a pessoa tiver o atrevimento de tudo fazer e dizer Mas talvez isso não seja difícil varões escapar da morte Mas da baixeza sim muito mais difícil Pois mais forte que a morte se move112 E eu por ser lerdo e mais velho fui pego agora pela mais lerda enquanto meus acusadores por serem hábeis e afiados pela mais ágil a vileza E eu partirei agora condenado por vocês à pena de morte enquanto eles condenados pela verdade à mesquinhez e à injustiça E tanto eu me atenho ao estipulado quanto eles Eu presumo que era preciso talvez que essas coisas fossem assim e penso que elas têm a justa medida Mas é o que está por vir que desejo profetizar para vocês os que votaram contra mim pois já estou naquele ponto em que os homens mais profetizam quando estão prestes a morrer113 Afirmo que a vocês varões aos que me mataram um castigo há de chegar logo depois da minha morte muito pior por Zeus que aquele com que vocês me mataram Porque vocês fizeram isso pensando que haveriam de se livrar de ter de submeter suas vidas à refutação mas vai se passar com vocês inteiramente o contrário conforme eu mesmo afirmo serão mais numerosos os seus refutadores aos quais eu continha sem que vocês percebessem E serão tanto mais duros quanto mais jovens forem e vocês ficarão mais abalados ainda114 Pois se vocês pensam que matando homens haverão de impedir que alguém os reprove por não viverem corretamente não raciocinam corretamente é que esse livramento não é de todo possível nem belo mas aquilo sim é belíssimo e facílimo não podar os outros mas se equipar para ser o melhor possível Depois então de adivinhar tais coisas para vocês que votaram contra mim estou livre para morrer115 Já com os que votaram a meu favor teria prazer em dialogar sobre isso que ocorreu aqui enquanto os magistrados estão ocupados e ainda não vou para onde devo ir morrer116 Fiquem então comigo varões esse tanto de tempo pois nada impede de conversarmos uns com os outros o quanto for possível A vocês como se fossem meus amigos 40 quero mostrar o que significa isso que acaba de se passar comigo É que aconteceu comigo varões jurados e chamandoos de jurados eu os chamaria corretamente algo espantoso A minha habitual voz divinatória numinosa era antes a toda hora sempre muito assídua e se opunha mesmo nas coisas muito pequenas caso eu estivesse prestes a realizar algo incorreto mas agora acaba de se passar comigo conforme vocês mesmos estão vendo aquilo que qualquer um pensaria e que se crê ser o mal extremo e a mim o sinal do deus não se opôs nem quando saí cedo de casa nem enquanto subia aqui para o tribunal nem em momento algum do meu discurso quando ia dizer algo e no entanto em outros discursos em muitos momentos interrompeu sim minha fala no meio Mas agora em torno desta ação em momento algum em ato ou discurso algum ele se opôs a mim Devo supor então que o motivo é qual Eu mesmo vou lhes dizer correse o risco de que isso que acaba de se passar comigo seja um bem e não há como estarmos supondo corretamente todos que pensamos que morrer é um mal Tenho uma grande comprovação disso pois não há como o sinal habitual não ter se oposto a mim a não ser que eu estivesse prestes a realizar algo bom Reflitamos então também por aí de que há muita esperança de que seja um bem Pois morrer é uma destas duas coisas ou é como um nada e o morto não tem nenhuma sensação de nada ou conforme se diz por aí ocorre de ser uma transmigração e uma transferência da alma aqui deste lugar para um outro lugar117 Se não há sensação nenhuma mas é como um sono em que não se vê dormindo sonho nenhum que espantoso ganho a morte seria118 Pois eu penso que se fosse preciso que alguém elegesse aquela noite em que adormeceu tanto que nem sonho viu e comparando as demais noites e dias de sua vida com aquela noite fosse preciso que examinasse e dissesse quantos dias e noites viveu em sua vida melhor e mais docemente do que naquela noite penso não que um homem comum mas que o grande Rei o próprio119 acharia essas mais fáceis de enumerar do que os demais dias e noites Se portanto a morte é isso eu mesmo digo é um ganho Pois a totalidade do tempo parece mesmo ser assim nada mais do que uma única noite Se por outro lado a morte é como viajar daqui para outro lugar e o que se diz por aí é verdade que lá estão todos os mortos que bem maior que esse pode haver varões jurados Se chegando ao Hades 41 livres desses que dizem ser jurados vamos encontrar os jurados de verdade os quais também segundo o que se diz por lá julgam Minos Radamante e Éaco mais Triptólemo e outros tantos semideuses que foram justos em suas vidas será que pode ser banal a viagem120 Para conviver com Orfeu e Museu com Hesíodo e Homero quanto qualquer um de vocês não aceitaria pagar121 Eu quero é morrer incontáveis vezes se isso for verdade Porque para mim particularmente seria espantoso passar o tempo por lá cruzando com Palamedes Ájax Telamônio e qualquer outro dos antigos que morreu por uma decisão injusta122 e confrontar os meus sofrimentos com os deles não seria segundo penso sem atratividades123 E o principal levar a vida inspecionando e interrogando os de lá como os daqui quem deles é sábio e quem pensa ser mas não é Quanto varões jurados qualquer um não aceitaria pagar para inspecionar aquele que conduziu até Troia numeroso exército ou Odisseu ou Sísifo milhares de outros poderiam ser mencionados homens e mulheres com os quais dialogar conviver inspecionar seria uma felicidade inconcebível124 De toda maneira por causa disso ao menos os de lá decerto não matam O fato é que são mais felizes os de lá que os daqui entre outros motivos porque a essa altura são imortais pelo resto do tempo se é que é verdade o que se diz por aí Mas é necessário que vocês também varões jurados tenham esperanças em relação à morte e pensem nesta única verdade que para o homem bom não há mal algum nem quando vive nem quando morre e seus assuntos não são negligenciados pelos deuses Essas coisas não se passaram agora comigo por acaso mas para mim está claro isto que a esta altura morrer e ficar livre dos meus assuntos era melhor para mim Por isso também em momento algum o sinal me dissuadiu e com os que votaram contra mim e os meus acusadores eu mesmo não me exaspero muito No entanto não foi com esse pensamento que votaram contra mim e me acusaram mas pensando em me prejudicar pelo que merecem ser censurados Peço a eles porém apenas isto voltandose para os que o acusaram e condenaram que aos meus filhos quando chegarem à mocidade vocês castiguem varões perturbandoos da mesma maneira que eu perturbava a vocês caso eles lhes pareçam militar antes em favor do dinheiro ou outra coisa qualquer que em favor da virtude e caso pareçam ser algo nada sendo que vocês os reprovem como eu a vocês de que não militam pelo que devem e pensam ser algo quando não valem nada Se vocês fizerem isso 42 terei sentido com vocês o que é justiça eu e meus filhos Mas agora é hora de partirmos eu para morrer e vocês para viver Quem de nós vai para melhor a todos é inaparente menos ao deus Críton velho amigo de Sócrates vai visitálo na prisão dois dias antes de sua morte 125 SÓCRATES acordando e vendo o amigo ao seu lado 43 Por que você veio a esta hora Críton Não é cedo ainda CRÍTON Sim muito SÓCRATES Que hora exatamente CRÍTON Logo desponta o dia SÓCRATES Estou espantado de como o guarda da prisão quis atendêlo CRÍTON Ele já está acostumado comigo Sócrates por eu vir aqui muitas vezes e também tem recebido de mim uma ajuda126 SÓCRATES E você chegou há pouco ou faz tempo CRÍTON Faz um tempo razoável SÓCRATES Então por que não me acordou imediatamente em vez de se sentar em silêncio ao meu lado CRÍTON Não por Zeus Sócrates Eu é que não queria estar com tamanha insônia e aflição Mas também estou espantado faz tempo com você percebendo como dorme docemente E não o acordei de propósito para que você leve a vida da maneira mais doce possível Sim já anteriormente ao longo de toda a vida eu inúmeras vezes o felicitei pelo seu modo de ser mas muito mais no infortúnio que agora surgiu por você levar isso de maneira fácil e suave SÓCRATES Pois seria desmedido Críton se eu com esta idade me abalasse porque agora é preciso morrer CRÍTON Também outros com essa idade Sócrates se pegam diante de tais infortúnios mas a idade não os livra absolutamente de se abalar com a sorte que lhes advém SÓCRATES Assim é Mas por que você veio tão cedo CRÍTON Para trazer Sócrates dura mensagem não para você conforme me parece mas para mim e todos os seus colegas dura e grave a qual eu mesmo conforme penso só poderia trazer como a mais grave de todas SÓCRATES Qual mensagem Chegou de Delos a embarcação por ocasião de cuja chegada devo morrer127 CRÍTON Na realidade não chegou mas me parece que vai vir ainda hoje pelo que relataram os que vêm do Súnio e lá a deixaram128 Está claro por esses relatos que virá ainda hoje e então será forçoso Sócrates que amanhã você perca a vida SÓCRATES Boa sorte então para mim Críton se assim é caro aos deuses que assim seja Penso porém que ela não vai vir ainda hoje CRÍTON 44 De onde vem essa conjectura SÓCRATES Vou lhe dizer Devo morrer um dia depois de a embarcação chegar presumo eu CRÍTON Pelo menos é o que dizem os responsáveis por isso129 SÓCRATES Penso então que ela não vai vir neste dia que chega mas no outro130 Faço essa conjectura a partir de um sonho que vi há pouco essa noite E correse o risco de ter sido algo oportuno você não ter me acordado CRÍTON Mas e qual era o sonho SÓCRATES Me pareceu que uma mulher bela e formosa vestindo um manto branco veio até mim e me chamando disse Sócrates no terceiro dia chegas à fertilíssima Ftia131 CRÍTON Estranho sonho Sócrates SÓCRATES Porém nítido Críton ao menos é o que me parece CRÍTON Muito pelo jeito Mas ainda é tempo numinoso Sócrates132 de você me escutar e se salvar Porque para mim se você morrer não será apenas um infortúnio além de ficar privado de você de um colega como não vou encontrar nunca mais igual parecerá também a muitos que talvez não conheçam bem a mim e a você que eu tendo condições de o salvar caso quisesse gastar meu dinheiro fui negligente E que opinião sobre mim seria mais vergonhosa do que esta parecer ter em mais alta conta o dinheiro do que os amigos Pois a maioria não se convencerá de que foi você mesmo que não quis sair daqui apesar do nosso esforço SÓCRATES Mas por que nos preocuparmos assim venturoso Críton com a opinião da maioria Pois os mais honestos a quem mais vale dar atenção considerarão terem as coisas se passado assim tal como vieram a se passar CRÍTON Mas você está vendo Sócrates que é imperioso que nos preocupemos também com a opinião da maioria Os próprios acontecimentos de agora são claros a maioria tem condições de realizar não só os menores dos males mas também os maiores se alguém for caluniado junto a ela SÓCRATES Quem me dera Críton que a maioria tivesse condições de realizar os maiores males para assim realizar também os maiores bens e que belo seria Mas não tem nem de uma coisa nem de outra133 Pois não são capazes de tornar alguém nem sensato nem insensato o tornam sim do jeito que for CRÍTON Que essas coisas sejam mesmo assim Mas me diga o seguinte Sócrates não é por mim e pelos demais colegas que você se mostra cauteloso de que se você sair daqui os sicofantas criarão caso conosco porque o subtraímos daqui e seremos forçados ou a entregar todos os nossos haveres ou grosso dinheiro ou ainda sofrer outro mal qualquer além desses é134 Pois se você teme algo assim 45 deixe isso pra lá É justo eu presumo que nós corramos para salválo esse risco e um ainda maior que esse se for preciso Vamos me escute e não se negue SÓCRATES Com isso Críton e com muitas outras coisas me mostro cauteloso CRÍTON Não tema isso então Pois não é muita a prata que alguns querem obter para salválo e retirálo daqui Depois você não vê esses sicofantas como são baratos e que para eles não seria absolutamente preciso muita prata E você tem meu dinheiro o suficiente segundo penso Depois também se você aflito por mim pensa que não devemos gastar o meu estes estrangeiros por aqui estão prontos a gastar135 um até trouxe para isso mesmo prata suficiente Símias de Tebas E estão prontos também Cebes e muitos outros com certeza136 De modo que conforme eu dizia nem desista por temer isso de se salvar nem seja um empecilho para você aquilo que falou no tribunal que você não saberia o que fazer de si mesmo se fosse viver fora Pois também em muitas terras estrangeiras aonde quer que você chegue o acolherão Se você quiser ir para a Tessália tenho muitos amigos por lá que o vão ter em alta conta e lhe oferecer segurança para que na Tessália ninguém o perturbe137 Além do mais Sócrates também não me parece justo você buscar isso dar as costas a si mesmo quando é possível ser salvo Você está estimulando que ocorra com você exatamente o tipo de coisa que seus inimigos estimulariam e estimularam ao quererem destruílo E me parece ainda por cima que você está dando as costas também a seus próprios filhos os quais sendolhe possível terminar de criar e educar você partindo138 vai deixar para trás e da parte que lhe toca eles seguirão assim do jeito que for139 E encontrarão pelo jeito aquilo que costuma acontecer com os órfãos em sua orfandade Pois ou não devemos fazer filhos ou devemos ir juntos até o fim criandoos e educandoos E me parece que você está escolhendo o que é mais fácil Porém aquilo que um varão bom e corajoso escolheria é isso que você deve escolher depois de afirmar por toda vida ter militado em favor da virtude Porque eu próprio sinto vergonha por você e por nós seus colegas de que toda essa situação em torno de você pareça ter ocorrido por uma covardia nossa qualquer não só a entrada da causa no tribunal conforme adentrou quando era possível não adentrar como o próprio enfrentamento da causa conforme se deu e ainda finalmente isto aqui como que a parte risível da ação parecer que por uma vileza e uma covardia nossa qualquer ela nos escapou 46 visto que não o salvamos nem você se salvou quando havia condições e possibilidade já que éramos de alguma serventia mesmo que pequena140 Portanto Sócrates olhe para isso a fim de que junto com a vileza não haja também para nós e para você a vergonha Vamos decidase ou melhor nem é mais hora de se decidir mas de já se estar decidido E a decisão é uma só é preciso que tudo isso seja feito esta noite Se ainda esperarmos não haverá mais possibilidade nem condições Vamos Sócrates de todo jeito me escute e não se negue de modo algum SÓCRATES Caro Críton muito válido seu esforço se acompanhado de alguma correção se não quanto maior tanto mais problemático Portanto nós temos é que examinar se é nosso dever fazer isso ou não Porque eu mesmo não apenas agora mas sempre tenho sido deste jeito de não obedecer a nada mais em mim senão ao discurso que pelo meu raciocínio se mostrar para mim o melhor E os discursos que eu anteriormente proferia não sou capaz de agora os dispensar só porque me sobreveio esta sorte mas para mim se mostram basicamente iguais e são os mesmos de antes que eu reverencio e valorizo E a não ser que possamos dizer outros melhores que eles na situação presente fique sabendo que não não concordarei com você nem se o poder da maioria como a crianças nos mormorizar mais do que já acontece agora enviando cadeias e mortes em nossa direção e confiscos de dinheiro141 Como então poderemos examinar isso na mais justa medida E se retomássemos em primeiro lugar esse discurso que você proferia sobre as opiniões Todas as vezes era ou não belamente dito que em algumas opiniões é preciso prestar atenção e em outras não Ou será que antes de eu ter de morrer era belamente dito mas agora ficou claro que era dito em vão só por dizer e que era verdadeiramente uma brincadeira uma bobagem Eu pelo menos Críton estou sim disposto a examinar em conjunto com você se esse discurso vai se mostrar um pouco diferente pelo fato de eu me encontrar assim ou igual e se vamos deixálo pra lá ou obedecêlo Todas as vezes era dito mais ou menos assim segundo penso pelos que pensavam dizer algo conforme eu dizia agora há pouco que das opiniões que os homens têm seria preciso ter umas em alta conta e outras não Em nome dos deuses Críton isso não lhe parece belamente dito Pois você ao menos pelas previsões humanas está excluído de vir a morrer amanhã 47 e não é a você que o presente infortúnio atordoa142 Examine isso então não lhe parece satisfatoriamente dito que não é necessário valorizar todas as opiniões dos homens mas umas sim e outras não nem de todos mas de uns sim e de outros não O que você me diz Isso não está belamente dito CRÍTON Belamente SÓCRATES Portanto valorizar as prestativas e não as sofríveis CRÍTON Sim SÓCRATES E prestativas não são as dos sensatos e sofríveis as dos insensatos CRÍTON Como não SÓCRATES Muito bem Como eram ditas por sua vez tais coisas Um homem ao fazer ginástica e nisso se aplicar presta atenção no elogio e na censura de qualquer um ou daquele apenas que ocorre de ser médico ou treinador143 CRÍTON Daquele apenas SÓCRATES Portanto tem que temer as censuras e saudar os elogios daquele apenas e não os da maioria CRÍTON Sim claro SÓCRATES Desta maneira então é seu dever agir fazer ginástica comer e beber conforme pareça a apenas uma pessoa seu instrutor e quem entende mais do que a todas as outras juntas CRÍTON Assim é SÓCRATES Pois bem E desobedecendo a essa única pessoa desvalorizando sua opinião e seus elogios e valorizando os discursos da maioria e dos que não entendem nada não sofrerá nenhum mal CRÍTON Como não SÓCRATES E que mal é esse Onde o atinge Em que parte desse que desobedeceu CRÍTON É claro que no corpo pois o destrói por inteiro SÓCRATES Você fala belamente Ora Críton também em relação às demais coisas para não percorrermos todas elas não é assim e ainda a respeito das justas e injustas vergonhosas e belas boas e más em torno das quais gira agora nossa decisão É preciso que nós sigamos a opinião da maioria e dela tenhamos medo ou a de um só se há alguém entendido diante de quem é preciso sentir mais vergonha e medo do que de todas as outras pessoas juntas Se não o acompanharmos vamos corromper e afrontar aquilo que por um lado com o justo se tornava melhor e por outro com o injusto se destruía144 Ou não há nada disso CRÍTON Eu penso que sim Sócrates SÓCRATES Muito bem Se o que se torna melhor com o que é saudável e se corrompe com o que é doentio se nós o destruirmos por inteiro obedecendo não à opinião dos entendidos será que para nós valerá a pena viver estando ele corrompido E ele é o corpo eu presumo ou não CRÍTON Sim SÓCRATES Será então que para nós valerá a pena viver com um corpo amesquinhado e corrompido CRÍTON De jeito nenhum SÓCRATES Mas será que com aquilo corrompido para nós valerá a pena viver a que o injusto afronta e o justo ajuda Ou vamos considerar inferior ao corpo aquilo o que quer que porventura seja em nós 48 a que diz respeito tanto a injustiça quanto a justiça CRÍTON De jeito nenhum SÓCRATES Mais valioso então CRÍTON Com certeza SÓCRATES Então ótimo homem não devemos dar tanta atenção assim ao que vai dizer de nós a maioria mas sim o entendido nas coisas justas e injustas apenas a ele e à própria verdade De modo que por aí em primeiro lugar você não propõe o caso corretamente em sua proposição de que é preciso darmos atenção à opinião da maioria sobre as coisas justas belas e boas e sobre as contrárias Porém alguém poderia dizer a maioria tem sim condições de nos matar CRÍTON Sim isso também está claro pois é o que se poderia dizer Sócrates SÓCRATES Você está dizendo a verdade No entanto admirável homem esse discurso que acabamos de percorrer me parece ainda valer como antes Mas examine se este aqui também ainda se conserva para nós ou não de que se deve ter na mais alta conta não o viver mas o viver bem CRÍTON Sim se conserva SÓCRATES E que bem é o mesmo que belamente e justamente145 se conserva ou não se conserva CRÍTON Se conserva146 SÓCRATES Portanto é a partir desse reconhecimento que se deve examinar isso se é justo eu tentar sair daqui sem a liberação dos atenienses ou se não é justo Se isso se mostrar justo vamos tentar mas se não vamos deixar pra lá Quanto às observações que você fazia sobre gasto de dinheiro opinião e criação de filhos eu receio Críton que isso seja na verdade o observado por aqueles que de modo leviano matariam e ressuscitariam alguém se tivessem condições sem reflexão alguma essa maioria147 Já nós uma vez que o discurso assim determina receio que nada mais devamos examinar senão aquilo que dizíamos agora há pouco se faremos o justo ao darmos dinheiro e gratidão a esses que vão me tirar daqui e ao nos retirarem e sermos retirados ou se na verdade agiremos mal ao fazer tudo isso E caso nossos feitos se mostrem injustos eu receio diante do agir mal não ser preciso calcular se precisamos morrer aqui permanecendo e nos conduzindo sossegadamente ou sofrer qualquer outro mal CRÍTON Você me parece falar belamente Sócrates Veja o que devemos fazer SÓCRATES Devemos fazer um exame em conjunto bom homem E se você tiver alguma maneira de se contrapor ao meu discurso contraponhase e serei persuadido mas se não tiver venturoso homem pare então de me proferir incontáveis vezes o mesmo discurso de que é necessário que eu saia daqui contra a vontade dos atenienses Porque tenho em alta conta agir assim com você persuadido e não contrariado Veja então o princípio do exame se lhe parece satisfatoriamente dito 49 e tente responder ao que lhe for perguntado conforme você de fato pensa CRÍTON Sim tentarei SÓCRATES De modo algum nós afirmamos se deve agir mal voluntariamente ou de certo modo sim de certo modo não Não é o agir mal absolutamente nem bom nem belo como incontáveis vezes em tempos passados foi reconhecido por nós ou todas essas coisas que reconhecemos antes nestes poucos dias caíram por terra e nós há tempos Críton homens velhos já com esta idade dialogamos com seriedade entre nós mesmos sem perceber que em nada diferíamos das crianças Ou é acima de tudo do jeito que então dizíamos ser quer a maioria diga que sim ou que não quer devamos sofrer coisas ainda mais duras que estas ou até mesmo mais suaves ainda assim o agir mal acontece de ser para o malfeitor não só mau como vergonhoso de todo modo Afirmamos isso ou não CRÍTON Afirmamos SÓCRATES Então não se deve absolutamente agir mal CRÍTON Não realmente SÓCRATES Nem então quando se é vítima da má ação agir mal de volta conforme pensa a maioria já que não se deve absolutamente agir mal CRÍTON Parece que não148 SÓCRATES Mas como Devese então praticar o mal Críton ou não CRÍTON Não se deve certamente Sócrates SÓCRATES Mas e praticar o mal de volta quando se sofre um mal conforme afirma a maioria é justo ou não justo CRÍTON Absolutamente SÓCRATES Porque eu presumo fazer mal aos homens em nada difere de agir mal149 CRÍTON Você está dizendo a verdade SÓCRATES Não se deve então agir mal de volta nem fazer mal a nenhum dos homens o que quer que se tenha sofrido da parte deles Mas veja Críton se ao ir reconhecendo essas coisas você não reconhecerá algo que vai contra sua opinião pois sei que só a alguns poucos isso assim parece e parecerá Portanto entre aqueles aos quais assim parece e aqueles aos quais não entre esses não há decisão compartilhada mas é forçoso que se desprezem uns aos outros ao verem as decisões tomadas uns dos outros Examine muito bem então se você compartilha isso comigo e assim também lhe parece e se devemos principiar a tomar uma decisão por aí de que jamais é correto seja agir mal seja agir mal de volta seja ainda se defender quando se sofre um mal devolvendo o mal ou se você se afasta e não compartilha desse princípio Pois para mim desde antes e ainda agora assim me parece mas caso seja para você de uma outra maneira me fale e ensine Se no entanto você se conserva como antes ouça o que vem depois CRÍTON Mas me conservo e assim também me parece Vamos fale SÓCRATES Falo então o que vem depois ou melhor pergunto as coisas reconhecidas de comum acordo devem sendo elas justas ser feitas ou fraudadas CRÍTON Feitas SÓCRATES A partir disso então repare se nós saímos daqui sem ter persuadido a cidade 50 estamos fazendo mal a alguns a quem menos se deve fazer isso ou não150 E nos conservamos fiéis ao que foi reconhecido de comum acordo como sendo justo ou não CRÍTON Não tenho como responder Sócrates ao que você está perguntando pois não estou entendendo SÓCRATES Vamos examine deste modo Se sobre nós prestes a escapulir ou como quer que devamos chamar isso viessem se postar151 as Leis e o Interesse Comum da cidade e perguntassem Me diga Sócrates o que você tem em mente fazer Em alguma outra coisa você pensa com esse ato que tenciona praticar a não ser às Leis a nós destruir e da parte que lhe toca à cidade toda Ou tem condições lhe parece de continuar a existir e de não virar152 aquela cidade na qual as sentenças dadas não têm força alguma mas antes se tornam pela ação de homens simples não soberanas e corrompidas o que diremos nós Críton diante disso e de outras coisas do tipo Pois muito se teria para dizer especialmente um orador em defesa dessa lei destruída que estabelece como soberanas as sentenças julgadas Ou diremos a elas O fato é que a cidade agia mal conosco e não determinou corretamente a sentença É isso que diremos ou o quê CRÍTON Sim por Zeus isso Sócrates SÓCRATES Mas e se então as Leis dissessem Sócrates será que isso também tinha sido reconhecido de comum acordo por mim e por você153 ou antes se conservar fiel às sentenças que a cidade julgasse E se nos espantássemos com elas a falar assim talvez dissessem Sócrates não se espante com o que é dito mas apenas responda uma vez que você também está acostumado a fazer uso do perguntar e do responder Muito bem Você tenciona nos destruir nos intimando a nós e à cidade pelo quê154 Em primeiro lugar não fomos nós que o engendramos e através de nós que seu pai conseguiu tomar por esposa sua mãe e o gerar Fale então a estas dentre nós às leis sobre os casamentos você de algum modo censura por não se portarem belamente Não censuro eu diria Mas e aquelas sobre a criação do nascido e a sobre a educação com que inclusive você foi educado Será que essas dentre nós para isso designadas não davam belos comandos recomendando a seu pai que o educasse na arte das Musas e na da ginástica155 Belos eu diria Pois bem Depois de ter nascido de ter sido criado e educado você teria como dizer em primeiro lugar que não era nosso nosso rebento e nosso escravo tanto você quanto seus antepassados E se assim é você pensa ter o mesmo justo direito que nós e o que quer que tencionemos fazer com você pensa ser justo que você também o faça de volta Se com seu pai então você não tinha o mesmo justo direito nem com seu senhor se acontecia de você ter um para também fazer de volta aquilo que sofria nem podia sendo mal dito falar de volta nem sendo espancado espancar de volta nem muitas outras coisas do tipo 51 com a pátria então e com as leis é que você o terá de tal maneira que se nós tencionarmos destruí lo por considerar que é justo você também a nós às Leis e à pátria tencionará destruir de volta o quanto puder e dirá ao fazer isso que pratica a justiça você o que milita de verdade em favor da virtude Você é tão sábio que esqueceu que do que a mãe do que o pai e todos os demais antepassados a pátria é mais valiosa e mais venerável e mais sagrada e mais respeitada junto a deuses e homens que têm bomsenso e que à pátria quando exasperada se deve cultuar e adular e se sujeitar mais do que a um pai e ou persuadila ou fazer o que ordena e sofrer se ela mandar sofrer algo seja ser espancado seja aprisionado conduzindose sossegadamente e que se à guerra ela o conduzir para ser ferido ou morrer que isso também deve ser feito e é justo e que não se deve se sujeitar nem se retirar nem se abandonar o posto mas se fazer tanto na guerra quanto no tribunal e em todo lugar o que ordena a cidade e a pátria ou então a persuadir segundo o que é justo e que agir com violência com a mãe e o pai não é piedoso e muito menos ainda com a pátria156 O que afirmaremos nós diante disso Críton Que as Leis estão dizendo a verdade ou não CRÍTON Me parece que sim SÓCRATES Examine então Sócrates talvez afirmassem as Leis se nós nisto estamos dizendo a verdade que o que você agora tenciona fazer conosco não o tenciona de modo justo Pois nós tendo o gerado criado e educado tendo lhe dado participar de todas as coisas belas que tínhamos condições a você e a todos os outros cidadãos nós no entanto proclamamos ao deixar estabelecida nossa autoridade para qualquer ateniense quando é sabatinado e conhece os assuntos da cidade e a nós as Leis157 que aquele que nós não agradamos está autorizado a pegar o que é seu e partir para onde quiser E nenhuma de nós Leis é empecilho ou proíbe quer algum de vocês queira ir para uma colônia nossa porque nós e a cidade não o agradávamos quer emigrar partindo para outro lugar que vá para lá para onde quiser levando o que é seu Mas aquele de vocês que permanece vendo o modo pelo qual julgamos as sentenças e administramos as demais coisas da cidade esse então nós afirmamos ter na prática reconhecido de comum acordo conosco que haveria de fazer aquilo que nós ordenássemos e o que não é persuadido nós afirmamos agir triplamente mal porque não é persuadido por nós que o geramos porque não é por nós que o criamos e porque tendo reconhecido de comum acordo conosco que haveria de ser persuadido nem é persuadido nem nos persuade no caso de não fazermos algo belamente 52 Mesmo dando a ele uma opção e não mandando de maneira selvagem fazer o que ordenamos mas o incitando a uma coisa ou outra ou a nos persuadir ou a fazer ele não faz nenhuma das duas É nessas responsabilizações Sócrates que afirmamos que você também vai incorrer se fizer mesmo o que tem em mente e dentre os atenienses não será o que menos vai e sim o que mais E se eu então dissesse Mas por quê talvez com justiça me repreendessem dizendo que dentre os atenienses ocorre de ser eu quem mais reconheceu aquilo de comum acordo com elas Pois elas afirmariam Sócrates temos muitas provas disso de que tanto nós quanto a cidade o agradávamos você nunca nela ficaria diferentemente de todos os outros atenienses a não ser que ela o agradasse diferentemente Você jamais saiu da cidade para uma contemplação salvo uma vez para o Istmo158 nem para nenhum outro lugar a não ser para marchar com o exército nem fez jamais outra viagem tal como os demais homens nem se apossou de você o desejo de conhecer outra cidade e outras leis mas fomos o suficiente para você nós e nossa cidade Tanto assim nos escolhia e reconhecia que haveria de se conduzir na cidade em conformidade conosco que fez entre outras coisas filhos nela porque a cidade o agradava Além do mais houve naturalmente a possibilidade durante sua própria causa de você estipular para si se quisesse o exílio e aquilo que você agora tenciona fazer sem a aprovação da cidade poderia ter sido feito antes com a aprovação Mas enquanto antes você achava bonito não se abalar mesmo se fosse preciso morrer e preferia como dizia a morte ao exílio agora não sente vergonha daquelas palavras nem liga para nós as Leis pois tenciona nos corromper e faz exatamente aquilo que o mais torpe escravo faria ao tencionar escapulir contra o que foi reconhecido de comum acordo e contra aqueles pactos em conformidade com os quais você compactuou conosco se conduzir na cidade Em primeiro lugar então nos responda precisamente isto se estamos dizendo a verdade quando afirmamos que você reconheceu em ato e não em palavra se conduzir na cidade em conformidade conosco ou se isso não é verdade O que nós devemos afirmar Críton diante disso Há alguma outra coisa que devemos fazer senão reconhecer CRÍTON É forçoso Sócrates SÓCRATES Você está fazendo então alguma outra coisa elas afirmariam senão transgredir os pactos feitos pessoalmente conosco e o que foi reconhecido de comum acordo embora não o tenha reconhecido por força nem sido enganado nem forçado a decidir em pouco tempo mas em setenta anos durante os quais lhe foi permitido partir se nós não o agradávamos nem lhe parecia justo o que havia sido reconhecido E você não preferiu nem a Lacedemônia nem Creta que a todo momento afirma serem bem legisladas 159 nem nenhuma outra das cidades helênicas nem bárbaras 53 mas daqui se afastou menos que os coxos os cegos e os demais inválidos de tanto que a você diferentemente dos demais atenienses a cidade agradava e nós também as Leis é claro Pois a quem agradaria uma cidade sem leis E agora você não vai se conservar fiel ao que foi reconhecido Vai sim Sócrates se por nós for persuadido e não será motivo de chacota por deixar a cidade Examine então tendo cometido essas transgressões e incorrendo em alguma dessas faltas o que você vai realizar de bom para si próprio e para seus colegas Porque que os seus colegas correrão eles mesmos o risco de serem exilados e privados de sua cidade ou de perder seus haveres está relativamente claro Já você mesmo se for em primeiro lugar para uma das cidades mais próximas para Tebas ou Mégara pois ambas são bem legisladas 160 você lá chegará Sócrates como inimigo do regime deles e todos que zelam por sua própria cidade vão o olhar torto considerandoo um corruptor das leis e você confirmará a opinião dos jurados de maneira que vai parecer que julgaram corretamente sua causa pois aquele que é corruptor das leis pode muito bem presumese parecer corruptor de homens jovens e insensatos Ou você vai evitar as cidades bem legisladas e os mais ordenados dos homens Mas ao fazer isso será que para você valerá a pena viver Ou você vai se aproximar deles e com eles não vai ter vergonha de dialogar Mas com que discursos Sócrates Com aqueles daqui de que a virtude e a justiça têm o máximo valor para os homens e também os costumes e as leis E você não pensa que se mostraria indecente a atividade de Sócrates Só se pode pensar que sim Mas você vai então se afastar desses lugares e chegar à Tessália junto aos amigos de Críton Pois lá é máxima a desordem e a insolência161 e talvez ouvissem com prazer de você como escapuliu da prisão de modo risível colocando algum disfarce apanhando uma pele ou outras coisas do tipo com que estão acostumados a se disfarçar os que escapolem e mudando de figura E não vai haver quem diga que você homem velho pelo jeito com pouco tempo de vida pela frente se atreveu a desejar tão avidamente a vida a ponto de transgredir as leis mais importantes Talvez não se você não perturbar ninguém Caso contrário Sócrates você vai ouvir muitas coisas indignas a seu respeito Vai viver então bajulando e servindo a todos os homens e fazendo o quê a não ser se esbaldar na Tessália como se em busca de um banquete tivesse partido para a Tessália162 E aqueles discursos sobre a justiça e as demais virtudes diga para nós onde vão ficar 54 Mas é por causa dos filhos que você quer viver para terminar de criálos e educálos Mas como Para a Tessália os levando para criar e educar tornandoos estrangeiros a fim de que também disso desfrutem Ou isso não criados com você ainda vivo eles serão no entanto mais bem criados e educados sem que você conviva com eles Porque seus colegas cuidarão sim deles Ou se você partir para a Tessália cuidarão mas se partir para o Hades não cuidarão Se são realmente de alguma serventia os que afirmam ser seus colegas só se pode pensar que sim Vamos Sócrates persuadido por nós que o criamos não tenha diante do justo nem os filhos nem o viver nem nenhuma outra coisa em mais alta conta a fim de que ao chegar ao Hades apresente tudo isso em sua defesa perante os que lá comandam163 Pois nem aqui parece ser para você melhor fazer isso nem mais justo nem mais piedoso e tampouco para nenhum dos seus nem lá ao chegar será melhor Agora você vai partir se partir como vítima de uma má ação não nossa das Leis mas dos homens164 Mas se você sair daqui assim vergonhosamente agindo mal de volta e praticando o mal de volta transgredindo os pactos e o que foi reconhecido por você mesmo de comum acordo conosco e fazendo mal a quem menos devia a você mesmo aos amigos à pátria a nós não apenas nós vamos nos exasperar com você enquanto viver como também nossas irmãs de lá as Leis do Hades não o vão receber benevolamente sabendo que você tencionou da parte que lhe toca destruir até mesmo a nós Vamos não vá Críton persuadilo mais do que nós a fazer o que diz Saiba caro amigo Críton que é isso que eu pareço ouvir exatamente como os coribantes parecem ouvir as flautas e em mim o estrondo desses discursos fica ribombando me tornando incapaz de ouvir outras coisas165 Saiba então se você quiser falar contra tudo que agora me parece vai falar em vão Se no entanto você pensa que vai se sair bem fale CRÍTON Mas eu não tenho Sócrates o que falar SÓCRATES Deixe então Críton e sigamos por esse caminho já que é por esse caminho que o deus nos conduz 35 O júri era composto por cidadãos do sexo masculino acima de trinta anos indicados por sorteio 36 Até receber a sentença Sócrates evita chamar os que vão julgálo de jurados como era costume O termo só aparece no final e apenas para qualificar aqueles que o absolveram 37 O que Sócrates na verdade faz nos parágrafos iniciais de sua defesa e em outros momentos é parodiar argumentos e construções comuns na oratória forense 38 Sócrates emprega um termo raro kekalliepeménous belamente formulados que devia ser um jargão cunhado pelos retores Para recuperar o efeito do grego criamos o termo beletrificados 39 As bancas estabelecimentos bancários encarregados da troca de moedas eram um tradicional local de encontro muito frequentado 40 Sócrates não quer dizer com isso que nunca esteve num tribunal apenas que não havia se envolvido até então em nenhum processo 41 Virtude areté além do sentido moral mais restrito capacidade de realização do bem comporta também a ideia mais ampla primeira de competência 42 Figura mais importante dos três acusadores Anito era um democrata atuante Tem uma pequena participação no diálogo Mênon no qual mostra ojeriza aos sofistas e irritação com as palavras de Sócrates Pelo que está dito aqui devia ser o verdadeiro articulador da acusação 43 Essa acusação antiga liga Sócrates à filosofia física que investigava os fenômenos da natureza e aos sofistas que ensinavam o uso da palavra para fins diversos e às vezes escusos e vai ser retomada adiante A proposição tornar superior o discurso inferior é atribuída a Protágoras de Abdera cidade na Trácia sofista cerca de quinze anos mais velho que Sócrates famoso pelo pensamento relativista É retratado por Platão num diálogo que leva seu nome 44 Na visão da maioria as teorias sobre a natureza e o universo roubavam aos deuses seu papel e importância e faziam desses filósofos homens ateus descrentes das divindades tradicionais 45 Referência a Aristófanes 445 aC385 aC o mais importante compositor de comédias da Atenas clássica 46 O tempo para a defesa no tribunal era marcado pela clepsidra o relógio dágua e provavelmente não devia ultrapassar o limite de duas horas Sócrates mais adiante voltará a se queixar do pouco tempo para sua defesa 47 A obediência às leis diante de uma condenação injusta será o tema do Críton 48 Meleto único acusador a ser mencionado no Êutifron e a ser interpelado durante a defesa 49 Não eram acusadores oficiais por isso Sócrates formula uma provável acusação formal na qual é apresentado também como professor 50 Referência à comédia As nuvens composta por Aristófanes em 423 aC e reescrita cerca de cinco anos depois Nela Sócrates que a essa altura tinha cerca de 45 anos é ridicularizado nos termos da acusação como filósofo ateu que destitui Zeus e cultua em seu lugar as Nuvens fornecendo explicações físicas para os fenômenos celestes como sofista que emprega astutamente a palavra e como professor que transmite seus conhecimentos no Pensatório Aeroandar isto é andar pelos ares aerobateîn um verbo inventado talvez é o que Sócrates diz estar fazendo no verso 225 da peça enquanto balança num cesto suspenso 51 Na comédia de Aristófanes Sócrates apesar da identificação com os sofistas é de fato apresentado como um sujeito sem recursos 52 Sofistas famosos contemporâneos de Sócrates e ainda vivos em 399 aC Górgias de Leontini cidade da Sicília era professor de retórica e famoso pelo estilo elaborado Pródico de Ceos ilha do Egeu era exímio conhecedor dos usos da palavra tendo se dedicado aos estudos gramaticais e lexicais Hípias de Élis cidade do Peloponeso era um homem de grande saber nas mais diversas áreas Górgias e Hípias têm papel de destaque em três diálogos Górgias Hípias Menor e Hípias Maior 53 Cálias era um homem rico que gostava de recorrer aos serviços dos sofistas 54 Sócrates jamais deixa de pensar o homem em seu papel dentro da comunidade 55 Eveno de Paros ilha do mar Egeu era outro importante conhecedor da arte dos discursos Cinco minas era um valor pequeno se comparado com o cobrado por outros sofistas como Protágoras que chegou a receber cem minas por seus ensinamentos Uma mina equivalia a cem dracmas a moeda de prata ateniense 56 Aqui e em outras passagens Platão coloca na boca de Sócrates um procedimento retórico comum que consistia em formular e responder a possíveis objeções 57 O nome sábio 58 Referência a um verso famoso de uma peça perdida de Eurípides Melanipo 59 Delfos no monte Parnaso era onde se situava o mais importante oráculo do deus Apolo O nome antigo do lugar era Pito e a sacerdotisa que dizia as profecias era chamada Pítia 60 Querefonte irmão de Querécrates era um dos mais fiéis amigos de Sócrates Na comédia As nuvens é apresentado como seu companheiro e chamado de meio morto por conta de sua palidez Maioria designa aí o povo ateniense a parte mais pobre da população favorável ao regime democrático Durante oito meses entre 404 aC e 403 aC Atenas viveu sob o regime oligárquico instituído por Esparta após sua vitória na Guerra do Peloponeso 431 aC404 aC isso levou vários democratas a se exilar Diante de um júri popular a lembrança pode ser oportuna embora Sócrates diferentemente de Querefonte não tenha se exilado 61 Sócrates talvez esteja se referindo aqui a Anito 62 Juramento de origem egípcia possivelmente Muito usado por Sócrates mas não só por ele podia reforçar a acusação de impiedade 63 Sócrates se compara nesse trecho a Héracles ou Hércules para os latinos herói que teve de realizar doze trabalhos 64 O ditirambo era um canto coral em honra ao deus Dioniso 65 A visão exposta aqui por Sócrates está de acordo com o que Platão apresenta no diálogo Íon Na Grécia Antiga os poetas eram tradicionais detentores do saber 66 O termo grego kheirotékhnes que traduzimos por técnicos designa todo aquele que detém o conhecimento prático de um ofício e portanto referese não só ao artesão e a qualquer trabalhador manual pedreiro carpinteiro etc mas também ao artista e ao médico entre outros 67 Esse termo muito usado por Sócrates fazia parte da linguagem militar 68 No diálogo Fedro Sócrates diz que a denominação sábio sophós se aplica exclusivamente aos deuses e que o homem pode ser apenas filósofo philósophos isto é amigo da sabedoria 69 É importante lembrar que a grande maioria dos sábios ou sofistas de Atenas era composta de estrangeiros 70 Lícon completa o trio de acusadores ao lado de Meleto e Anito Parece ter sido um orador atuante Anito é ligado aos trabalhadores porque era dono de um curtume 71 Sócrates cita de memória a declaração escrita As acusações feitas mais recentemente não diferem das mais antigas A acusação de ateísmo que ressalta entre os acusadores recentes já era uma consequência da acusação mais antiga que apontava a suposta investigação da natureza por parte de Sócrates Da mesma maneira a formulação anterior de que ele ensinava os outros é agora retomada por meio da ideia de que corrompia os jovens exatamente o que já fazia a personagem Sócrates na peça de Aristófanes As coisas numinosas daimónia têm intencionalmente um sentido vago e abrangente 72 Novo jogo a partir daí com o nome de Meleto como no início do Êutifron 73 Referência ao Conselho Boulé mais importante órgão administrativo da cidade Tinha caráter prédeliberativo e era formado por quinhentos cidadãosconselheiros acima de trinta anos cinquenta de cada tribo escolhidos por sorteio todo ano 74 A assembleia do povo ekklesía com cerca de seis mil cidadãos se reunia na Pnix colina junto à Acrópole para votar questões da política interna e externa 75 No Êutifron está dito que Meleto era jovem Sócrates como afirma no início da Apologia tem setenta anos 76 O Sol e a Lua por não terem culto específico na cidade não seriam os primeiros deuses a virem à mente do ateniense Na verdade Sócrates formula assim sua pergunta para poder na sequência negar sua ligação com a filosofia naturalista 77 Filósofo nascido por volta de 500 aC Natural de Clazômena cidade da Jônia sofreu um processo e teve de deixar Atenas em 450 aC por conta de suas doutrinas irreligiosas No diálogo Fédon Sócrates fala da atração que a filosofia naturalista exerceu sobre ele em sua juventude 78 Área do teatro ocasionalmente utilizada para o comércio ou alguma área específica da ágora com o mesmo nome Uma dracma era um valor baixo para um livro na verdade um rolo de papiro 79 Nume daímon era em Homero um sinônimo para deus theós Depois o termo passou a designar divindades menores ou um poder sobrenatural não especificado 80 O vocabulário remete aqui à encenação teatral Vou colocálo em cena reconhecendo 81 Sócrates fala dos nascidos da união de deusas ninfas com homens ou de mulheres com deuses o que resulta na identificação dos numes com os heróis o que vai se confirmar logo na sequência 82 Semijumento hemíonos é como se diz em grego mulo ou mula o resultado do cruzamento do jumento com a égua ou da jumenta com o cavalo Sócrates introduz o termo em sua comparação para que pensemos nos semideuses hemítheoi filhos de deuses com mulheres ou de deusas com homens 83 Essa construção com o intuito deliberado de confundir parodia procedimento da argumentação sofística 84 Sócrates sublinha o fato de ser uma deusa que fez o anúncio a Aquiles para indicar que suas palavras fatalmente se cumpririam 85 Sócrates rememora passagem da Ilíada de Homero em que Tétis diz para o filho Aquiles que se ele retornasse à guerra para vingar a morte do amigo Pátroclo assassinado por Heitor líder dos troianos logo morreria O diálogo da deusa com o herói é recriado livremente com a citação parcial e uma variação em relação à vulgata dos versos 96 98 e 104 do Canto 18 86 Comandantes são os generais escolhidos por voto Sócrates participou dessas três batalhas nos anos de 432 aC429 aC 422 aC e 424 aC respectivamente Potideia e Anfípolis eram cidades da Calcídica no extremo norte Délio era o templo consagrado a Apolo próximo à cidade de Lebadia na Beócia junto ao qual se travou o combate Em duas das batalhas Potideia e Délio sabemos que Sócrates teve conduta admirável 87 Nome da divindade infernal e do local para onde iam os mortos 88 Anteriormente Sócrates havia dito não saber e não pensar saber como a maioria pensa Aqui trabalhando ainda com os mesmos verbos ele inverte a formulação e diz não saber e pensar isto é ter consciência de não saber como a maioria não tem 89 Sócrates trabalha nesse trecho com uma série de discursos hipotéticos 90 Exposição do método socrático aplicado há pouco a Meleto 91 Perda dos direitos políticos em Atenas 92 Sócrates por ter passado a vida servindo a Apolo consideravase um presente do deus para a cidade como repetirá mais adiante Esse tipo de afirmação certamente não agradava ao júri 93 Mosca que ataca bois e cavalos Sócrates emprega mais uma vez um procedimento que é recorrente nos diálogos de comparar o que está dizendo com fatos banais do dia a dia 94 Talvez haja aqui referência ao mito de Ió amante de Zeus transformada em novilha e perseguida por um moscardo enviado por Hera 95 Cada uma das dez tribos em que se dividia Atenas contribuía com cinquenta homens para o Conselho que presidiam o órgão numa décima parte do ano 96 A batalha nas ilhas Arginusas em frente a Lesbos ocorreu em 406 aC perto do fim da Guerra do Peloponeso Os atenienses saíram vencedores mas devido a uma tempestade seus generais não puderam retirar os mortos e os que ainda estavam vivos do mar O povo temendo uma vingança dos cadáveres insepultos condenou os comandantes à morte Seis foram executados O procedimento foi depois considerado ilegal porque deveria ter havido um julgamento em separado para cada general 97 Em 404 aC com o fim da Guerra do Peloponeso Esparta pôs no comando de Atenas trinta magistrados que ficaram conhecidos na cidade como os Trinta Tiranos Durante seu breve governo oligárquico eles utilizaram as instalações da Rotunda construção circular que no regime democrático abrigava a presidência do Conselho Leon de Salamina ilha do golfo Sarônico próxima de Atenas era um general rico e partidário da democracia 98 Um desses quatro talvez fosse Meleto o acusador de Sócrates 99 Provável referência a Crítias partidário da oligarquia e um dos Trinta Tiranos e a Alcibíades democrata radical e inescrupuloso Os dois fizeram parte do círculo de amizades de Sócrates e morreram poucos anos antes de seu julgamento 100 Sócrates era do demo de Alopece Esfetos e Cefísia são outros dois demos de Atenas Critóbulo filho de Críton o interlocutor de Sócrates no diálogo homônimo Ésquines e Epígenes são aqueles que seriam defendidos pelos pais Teódoto Teages Platão o próprio autor da Apologia e Apolodoro pelos irmãos mais velhos Platão em 399 aC teria cerca de 28 anos 101 Referência a parte do verso 163 do Canto 19 da Odisseia quando Penélope pergunta a Odisseu disfarçado de mendigo de que família ele vem pois de alguma tinha que ter nascido 102 Os filhos de Sócrates eram Lâmprocles já adolescente Sofronisco mesmo nome do avô e Menexeno 103 A discussão sobre a imortalidade da alma a última de que Sócrates participa no dia de sua morte é narrada no Fédon 104 Isto é de sábio 105 O empate na votação 250 votos para cada lado absolvia o réu 106 Sócrates divide os 280 votos que recebeu pelos três acusadores o que confere a cada um a responsabilidade por pouco mais de 90 O cidadão que fazia a acusação segundo as leis atenienses era multado em mil dracmas se não conseguisse pelos menos cem votos dos jurados Essa medida evitava que houvesse uma enxurrada de acusações descabidas 107 De forma provocativa Sócrates propõe como punição receber uma das maiores honrarias para os atenienses comer à custa da cidade no Pritaneu Nesse prédio público onde o fogo da cidade permanecia sempre aceso e estavam afixadas as leis de Sólon eram alimentadas figuras importantes como atletas que se destacavam nos Jogos Olímpicos e hóspedes oficiais 108 Referência à legislação espartana 109 Os Onze eram magistrados escolhidos por sorteio que executavam as sentenças e administravam a prisão 110 O mais provável é que a acusação ao propor a pena de morte esperasse que Sócrates contrapropusesse para si o exílio 111 A ironia se associa aqui à ideia de fingimento 112 Ao que tudo indica Sócrates faz menção aqui a um dito popular A tradução busca recuperar a sonoridade do original 113 A ideia de que o moribundo é capaz de prever o futuro já aparece na Ilíada de Homero Il16 843861 e Il 22 355366 114 Alguns veem aqui uma referência à atuação do próprio Platão 115 Sócrates em tom solene fala como se fosse um herói agonizante a dizer suas últimas palavras que destacamos em itálico Tentouse reproduzir o jogo entre apalláxesthai haveriam de se livrar apallagé livramento e apalláttomai estou livre para morrer 116 Magistrados referência aos Onze 117 Referência à doutrina pitagórica ou órfica que postulava a reencarnação da alma 118 Os gregos antigos acreditavam que o sonho se postava sobre a cabeça de quem dormia e que portanto não se tinha um sonho mas se via o sonho 119 O grande Rei é como Sócrates se refere ao monarca persa exemplo máximo para os gregos de alguém que levava uma existência feliz 120 Minos e Radamante eram lendários reis cretenses filhos de Zeus e Europa Minos teria sido o primeiro a governar Creta com retidão e Radamante teria dado à ilha seu primeiro código de leis Éaco avô de Aquiles tinha reputação de piedoso e justíssimo Os três depois de mortos passaram a desempenhar o papel de juízes no Hades O herói Triptólemo estava ligado à deusa Deméter e aos mistérios de Elêusis que envolviam revelações sobre a vida após a morte 121 Orfeu e Museu são figuras lendárias de cantores Hesíodo e Homero teriam vivido por volta do século VIII aC e com sua poesia épica consolidaram a forma como os deuses eram representados 122 Durante a expedição a Troia Odisseu para se vingar de Palamedes forja provas de que ele estaria colaborando com os troianos fazendo assim com que Agamênon o condenasse à morte por traição Ájax filho de Têlamon é o guerreiro que se mata depois de se sentir injustiçado por não ter recebido as armas de Aquiles dadas a Odisseu 123 Jogo de palavras entre Hades Haídes e desprazeroso aedés que tentamos reproduzir 124 Referência a Agamênon líder das tropas gregas que foram a Troia para recuperar Helena a Odisseu herói astucioso protagonista da Odisseia e a Sísifo que recebeu como castigo por sua impiedade ver sempre rolar morro abaixo a rocha que tinha conduzido ao topo Sócrates reúne aqui três figuras moralmente questionáveis 125 Críton idoso como Sócrates e do mesmo demo de Alopece como está dito na Apologia era rico proprietário de terras 126 Ao que tudo indica Críton subornava o guarda o que nos mostra como uma fuga de Sócrates seria perfeitamente possível 127 Em agradecimento ao deus Apolo todo ano os atenienses enviavam uma nau até a ilha de Delos para celebrar o assassinato do Minotauro por Teseu que livrou Atenas da obrigação de enviar jovens a Creta para serem sacrificados A missão se iniciara um dia antes do julgamento de Sócrates e acabou por durar um mês em razão dos ventos desfavoráveis Durante esse período não podia haver nenhuma execução na cidade 128 Cabo na extremidade sudeste da Ática a cerca de 50 km de Atenas importante ponto de referência para os marinheiros e onde as naus buscavam abrigo contra o mau tempo 129 Os Onze encarregados da prisão e da execução já citados na Apologia 130 A previsão de Sócrates é correta a nau só chegará de fato no dia seguinte 131 Citação de uma fala de Aquiles no Canto 9 da Ilíada v 363 com a mudança do verbo da primeira chego para a segunda pessoa chegas Assim como Aquiles ameaçava estar de volta à sua terra natal no terceiro dia a contar de sua partida Sócrates imaginava pelo sonho ser executado no terceiro dia a contar deste que iria nascer É possível que Sócrates faça um jogo com o nome Ftia Phthíe associandoo ao verbo phthío definhar morrer Nesse caso sendo a Ftia fertilíssima haveria nova referência à morte como sendo possivelmente um bem 132 O vocativo numinoso daimónie com valor negativo na poesia homérica na prosa ática ganha um tom afetuoso e às vezes irônico como venturoso ótimo homem etc Aqui no entanto ele tem um sentido a mais por conta da relação de Sócrates com seu sinal numinoso e a acusação de crer em coisas numinosas 133 A ideia de que o domínio do que é mau implica o domínio do que é bom aparece também no diálogo Hípias menor 134 Os sicofantas eram delatores profissionais que se aproveitavam do direito que qualquer cidadão ateniense tinha de fazer uma denúncia para ameaçar e chantagear suas vítimas 135 Críton fala como se esses estrangeiros estivessem presentes à sua conversa com Sócrates 136 Símias e Cebes também de Tebas ambos jovens filósofos de formação pitagórica são os interlocutores principais de Sócrates no diálogo Fédon que narra seus últimos instantes de vida 137 Região ao norte da Grécia onde se situava a terra natal de Aquiles 138 Isto é morrendo 139 Críton parece retomar fala anterior de Sócrates em que criticava o comportamento indiferente do povo 140 Nesse trecho Críton compara o processo de Sócrates a um drama teatral que termina em farsa Pelo que dá a entender uma fuga poderia ter ocorrido antes mesmo do julgamento o que provocaria seu cancelamento Quanto ao enfrentamento da causa Críton não esconde seu descontentamento com o modo altivo e provocativo com que Sócrates se defendeu 141 Mormorizar é a palavra que criamos para traduzir o verbo grego mormolúttomai assustar agir como Mormo Mormo era um monstro do sexo feminino muito usado para assustar as crianças 142 Parece que com essa fala Sócrates responde à acusação de Críton de que estaria escolhendo o caminho mais fácil No entanto o que o diálogo nos mostra é Críton atordoado com a iminente morte do amigo que por sua vez se mostra sereno É curioso notar que apesar do sonho Sócrates como Críton em seu discurso anterior também trabalha com a possibilidade de morrer no dia seguinte 143 O médico aparece aqui ao lado do treinador porque para os gregos as artes da ginástica e da medicina visavam ao mesmo fim o cuidado com o corpo 144 Embora não a nomeie Sócrates faz referência aqui à alma ela será mencionada novamente na sequência como sendo superior ao corpo 145 Sócrates quer deixar claro que não está tomando bem no sentido material o que o ateniense médio entenderia por viver bem mas moral 146 O uso do verbo conservarse indica a busca de Sócrates por constantes ou por discursosargumentos que não sejam erráticos mas permaneçam parados como diz no Êutifron 147 Na Apologia Sócrates já havia dito que o povo se arrependera da execução de seis generais envolvidos na batalha das Arginusas 148 Críton não se mostra muito certo porque entendia como a maioria dos gregos de então que era natural não se mostrar nada amistoso com os que nos prejudicaram 149 O objetivo de Sócrates é mostrar que toda maldade praticada contra alguém fazer mal é um ato injusto agir mal mesmo nos casos em que a intenção é apenas revidar o que se sofreu 150 Sócrates já prepara aqui a personificação das leis da cidade que vem logo a seguir É importante esclarecer que em grego lei nómos é um substantivo masculino e que portanto a nossa tradução transforma em elas o que no original são eles 151 O verbo escapulir apodidrásko era muito usado em referência a escravos e desertores Já o verbo postarse ephístamai estava associado à aparição de sonhos e visões 152 A nau como metáfora da cidade era um lugarcomum na antiguidade grega 153 Isto é a desobediência e a fuga 154 O vocabulário jurídico indica que se trata de um julgamento no qual são acusadas a cidade que teria agido mal e suas leis O propósito de Sócrates é defendêlas 155 Essas artes voltadas uma para a alma e a outra para o corpo constituíam os dois ramos em que se dividia a educação do menino ateniense que se iniciava aos sete anos A arte das Musas Mousiké incluía não só o ensino de música e dança mas também de gramática e literatura Noções de aritmética e geometria também eram transmitidas aos alunos 156 Reproduzimos o longo período coordenado do grego que empresta à fala das Leis o tom monótono de um sermão A violência contra os pais estava implicada na acusação contra Sócrates de corromper os jovens e é satirizada por Aristófanes na comédia As nuvens onde Fidípides depois de se instruir com o mestre arranja bons argumentos para bater no próprio pai além de ameaçar fazer o mesmo com a mãe 157 A sabatina dokimasía era uma espécie de teste por que passava o jovem ateniense de 18 anos para poder ser registrado oficialmente em seu demo A partir daí ele se tornava um efebo e recebia treinamento militar até os 20 anos quando concluía sua emancipação 158 Contemplação theoría indica aí o ato de ver outras paisagens Istmo é como os gregos se referiam ao Istmo de Corinto faixa de terra que liga a Ática ao Peloponeso Talvez Sócrates tenha ido dessa vez ao Istmo para assistir aos tradicionais Jogos Ístmicos 159 Lacedemônia era como os gregos se referiam a Esparta A Lacedemônia e a ilha de Creta eram tradicionalmente vistas como modelos de regiões onde imperava a boa lei 160 As Leis falam com sarcasmo pois eram duas cidades onde vigorava o regime oligárquico Tebas terra dos amigos Símias e Cebes era a principal cidade da Beócia e ficava a cerca de 70 km de Atenas Mégara de onde vinham Euclides e Térpsion seguidores citados no Fédon se situava na ponta de Istmo de Corinto em frente à ilha de Salamina a cerca de 50 km de Atenas 161 A Tessália tinha fama de lugar onde reinavam o desgoverno e a falta de escrúpulos 162 A dupla menção à Tessália no final de cada um das frases reforça o desprezo de Sócrates pela região 163 Tratase dos juízes mencionados no trecho final da Apologia 164 Partir aí é um eufemismo para morrer 165 Os coribantes eram sacerdotes da deusa frígia Cibele a quem cultuavam freneticamente com danças e músicas ao som de flautas Isso que Sócrates diz escutar pode ser identificado com a voz ou sinal divino que segundo afirma na Apologia sempre o dissuadia de fazer algo PLATÃO 427 aC347 aC Platão nasceu em Atenas por volta de 427 aC numa família aristocrática Aos vinte anos tornouse discípulo de Sócrates 469 aC399 aC sábio que vagava pela cidade incitando os jovens à reflexão Depois da morte do mestre executado por impiedade viajou por cerca de doze anos retornando a Atenas em 387 aC quando fundou sua escola a Academia à qual se dedicou até morrer em 347 aC e onde formou entre outros alunos Aristóteles Compôs mais de duas dezenas de diálogos entre os quais se destacam Protágoras Górgias Crátilo Banquete Fedro e República Sua obra é marcada pela contínua tentativa de definir ideias essenciais como coragem beleza e justiça e pelo ataque sem trégua aos sofistas professores itinerantes que mediante gorda remuneração ensinavam todo tipo de arte principalmente a da persuasão a Retórica que se associava a um relativismo moral e era arma importante para o sucesso político na Grécia dos séculos V aC e IV aC SOBRE O TRADUTOR ANDRÉ MALTA nasceu em São Paulo em 1970 e desde 2001 é professor de língua e literatura grega na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP É autor de A selvagem perdição erro e ruína na Ilíada Odysseus 2006 um estudo sobre a ideia de pecado no épico de Homero
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Texto de pré-visualização
Título Apologia de Sócrates Autor Platão Criação e Formatação ePub Relíquia Introdução tradução do grego e notas André Malta Capa Ivan Pinheiro Machado sobre Escultura em mármore de Sócrates 469 aC399 aC na Academia de Ciências de Atenas Akgimages John Hios Preparação Patrícia Rocha Revisão Jó Saldanha CIPBrasil Catalogação na Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ P777a Platão 427347 aC Apologia de Sócrates precedido de Êutifron Sobre a piedade e seguido de Críton Sobre o dever Platão introdução tradução do grego e notas de André Malta Porto Alegre RS LPM 2013 Coleção LPM POCKET v 701 Tradução do original grego ISBN 9788525429063 1 Sócrates 2 Filosofia antiga I Malta André II Título III Título Êutifron Sobre a piedade IV Título Críton Sobre o dever V Série 081444 CDD 184 CDU 138 da tradução LPM Editores 2008 Todos os direitos desta edição reservados a LPM Editores Rua Comendador Coruja 314 loja 9 Floresta 90220180 Porto Alegre RS Brasil Fone 5132255777 Fax 5132215380 PEDIDOS DEPTO COMERCIAL vendaslpmcombr FALE CONOSCO infolpmcombr wwwlpmcombr Sumário Introdução Êutifron Sobre a piedade Apologia de Sócrates A defesa A definição da pena A condenação final Críton Sobre o dever Sobre o autor Platão Sobre o tradutor para Jaa Torrano que me deu a ideia da tradução INTRODUÇÃO André Malta O julgamento de Sócrates ocorrido em 399 aC em Atenas é um dos fatos históricos mais importantes da Grécia Antiga É possível dizer que a importância desse acontecimento foi percebida já na época em que ele se deu com o surgimento de um número razoável de textos que abordavam a figura desse sábio excêntrico condenado à morte por impiedade e por corromper os mais jovens No entanto foi apenas com o tratamento dado ao episódio por Platão responsável por lhe atribuir uma poderosa dimensão filosóficoliterária que ele extrapolou seu tempo e se perpetuou como inesgotável fonte inspiradora Na extensa obra platônica os diálogos que tratam do processo contra Sócrates e de sua morte são quatro Êutifron Apologia de Sócrates Críton e Fédon Entre eles há uma clara sequência dramática desde a discussão sobre o ponto central da acusação o que é piedade passando pela defesa no tribunal e a estada na prisão até o momento em que a pena de morte é cumprida Do ponto de vista temático porém o Fédon mais complexo e extenso é em geral considerado pelos estudiosos um trabalho posterior no qual Platão já se mostraria menos preso à visão do mestre Discussões acadêmicas à parte a leitura das três obras aqui apresentadas é suficiente para nos fornecer um excelente panorama da arte e da filosofia platônica Formalmente temos a estrutura tradicional da conversa Êutifron a elaboração de um longo e variado discurso Apologia e a combinação desses dois modos expositivos Críton Quanto ao conteúdo são textos que trazem esboçadas as linhasmestras que vão guiar todo o pensamento de Platão para o qual servem como excelente porta de entrada teologia teoria das ideias ética dualismo corpoalma escatologia visão sobre a vida após a morte teoria política Além disso eles pintam de maneira brilhante a figura de Sócrates revelandonos seu modo de agir e de pensar O diálogo Êutifron apresenta o tipo de discussão que encontramos em outros textos de Platão o interlocutor de Sócrates versado em certa área do conhecimento é convidado a propor uma definição geral de determinada noção No caso a conversa envolve o adivinho que dá título à obra Êutifron instado devido ao seu conhecimento do âmbito divino a definir o que seja piedade ou religiosidade O tema naturalmente não surge de maneira gratuita nem se restringe ao campo teórico Tanto Sócrates quanto Êutifron estão envolvidos em processos que giram em torno da questão do que é piedoso e do que é ímpio Sócrates é acusado de não cultuar os deuses da cidade e introduzir novas divindades enquanto Êutifron em posição oposta acusa o pai pela morte de um servo o que para ele que cultivava o comportamento piedoso constituía mácula inaceitável No diálogo porém podemos notar que segundo a visão corrente indicada pelo próprio Êutifron ímpio era um filho levar a julgamento o próprio pai e essa divergência em relação ao senso comum confere ao adivinho uma aparente segurança e sabedoria em tais questões só ele poderia distinguir com clareza o ato piedoso do ímpio Configurase assim a figura do sábio em piedade perfeita para auxiliar Sócrates no julgamento que teria de enfrentar dali a alguns dias Estabelecese igualmente o modo de funcionamento habitual da ironia socrática colocarse estrategicamente em posição inferior à de seu interlocutor O desenvolvimento do diálogo segue o esquema conhecido Sócrates depois de solicitar a Êutifron mais de uma vez que definisse em termos gerais o que é piedade parte para a refutação de suas afirmações sempre precárias e presas a casos particulares O resultado é uma argumentação circular que os leva de volta ao ponto de partida demonstrando que Êutifron ao contrário do que dizia não possuía um verdadeiro conhecimento a respeito do assunto A conversa chega ao fim e ficamos sem uma abordagem esclarecedora do tema Essa aporia característica de parte dos diálogos platônicos mais do que simplesmente negativa como poderia parecer num primeiro momento tem uma função dupla desqualificar a sabedoria e o comportamento dos que apregoavam certo domínio intelectual e mostrar que a presunção de ignorância e a desconfiança são princípios básicos de qualquer tentativa de conhecimento senão o mais importante de todos os saberes Ora segundo o próprio Sócrates teria sido exatamente essa sua postura refutativa esse seu procedimento de expor o desconhecimento alheio que lhe teria angariado tantos ódios e inimizades ao longo da vida sentimentos que terminaram por culminar na acusação feita por um certo Meleto em 399 aC A desqualificação que Sócrates promovia uma desqualificação que era no fundo moral parecia comprometer por extensão os costumes da cidade como um todo dos quais a religiosidade era parte inseparável A situação era mais preocupante ainda porque os jovens seduzidos pela inspeção socrática reproduziam tal prática o que poderia ser nocivo para o futuro de Atenas Sua atividade na realidade não pode ser plenamente compreendida sem que se mencione o contexto cultural e político em que estava inserida Do ponto de vista político é importante lembrar que em 399 aC os atenienses ainda traumatizados com a derrota para Esparta na Guerra do Peloponeso terminada em 404 aC e com o breve regime oligárquico que a ela se seguiu esforçavamse por consolidar o sistema democrático há pouco reinstaurado e viam portanto com maus olhos qualquer tipo de contestação ou novidade que partisse de um de seus cidadãos principalmente daquele que tivesse forte ascendência sobre a juventude Do ponto de vista cultural a assimilação de Sócrates aos chamados sofistas homens inovadores que cobravam alto por ensinamentos variados tornava sua situação ainda mais complicada e moralmente indefensável pois para muitos ele pouco diferia daqueles sábios que eram o alvo preferencial de suas interrogações Para piorar ele era ainda confundido injustificadamente com os chamados filósofos ditos físicos que buscavam explicações naturais para a origem e os fenômenos do mundo o que lhes valia a fama de ateus por esvaziarem o poder dos deuses Na prática a identificação principalmente com os sofistas era inevitável porque Sócrates assim como eles propunha aos jovens um novo tipo de reflexão centrada no homem no hábil uso da palavra e no gosto pela polêmica Ao contrário deles porém Sócrates jamais se colocava como um professor apto a ensinar um determinado tipo de conhecimento o que o levava a não cobrar nada daqueles que queriam ouvilo Outro ponto fundamental a distinguilo dos sofistas era sua busca pela verdade que distanciava seu discurso da manipulação e do oportunismo da conveniência e do relativismo característicos de alguns intelectuais famosos da época Isso lhe conferia uma integridade e uma coerência que faziam de sua vida quase que uma missão em busca do conhecimento real e de sua aplicação É essa missão que nos é apresentada na Apologia O título é a vernaculização do termo grego apología que significa defesa tratase portanto do discurso proferido por Sócrates no tribunal para se defender das acusações de que fora alvo Na realidade são três discursos distintos que encontramos nessa obra o da defesa propriamente dita o que trata da proposição de uma pena diante do veredicto adverso culpado direito concedido ao réu na legislação ateniense e o que tece considerações finais e aborda o sentido da morte No primeiro e principal Sócrates aborda desde as acusações mais antigas feitas informalmente sem maiores consequências quando já se destacava na cidade até as mais recentes decorrentes daquelas mas agora responsáveis por conduzilo ao tribunal mostrando que eram todas infundadas Ao mesmo tempo explica que as calúnias sofridas surgiram depois que se pôs a investigar as enigmáticas palavras do oráculo de Delfos de que era o mais sábio dos homens e percebeu que essa sabedoria sua consistia na realidade no reconhecimento da ignorância humana Em sua missão divina atuando como uma espécie de dádiva de Apolo o deus de Delfos aos homens é a esse autoconhecimento que Sócrates quer induzir aqueles com os quais dialoga autoconhecimento que se prende a uma preocupação com a alma em detrimento do corpo e dos bens materiais e que deve resultar necessariamente numa vida virtuosa Sua longa argumentação corajosa e insubmissa não é capaz de absolvêlo O emprego em alguns momentos do melhor estilo retórico o hábil questionamento dirigido a Meleto num pequeno trecho dialogado a menção ao sinal divino que o acompanhava e o dissuadia de tomar certas decisões e o tom altivo pareciam confirmar os termos de seus acusadores e Sócrates acaba condenado por uma pequena margem de votos O discurso seguinte dava a Sócrates a possibilidade de escapar da pena proposta pela acusação morte por envenenamento O esperado era que indicasse para si como punição o exílio saída que costumava agradar a ambas as partes Mas em consonância com o que havia dito anteriormente que estando a serviço do deus praticava um bem e não um mal ele propõe para si de forma coerente algo bom na realidade uma das maiores honrarias que um ateniense ou estrangeiro poderia receber comer de graça às custas da cidade Essa sua fala para os jurados constitui o extremo da arrogância e da provocação e seu sentenciamento à morte se dá agora por mais de dois terços dos votos As palavras finais que formam uma espécie de apêndice e não interferem no julgamento são dirigidas aos que o condenaram e aos que o absolveram Aos primeiros Sócrates afirma não ter se arrependido do modo como se defendeu e profetiza o castigo que hão de sofrer a intensificação dos questionamentos que queriam eliminar Aos segundos diz imaginar que a morte deva ser um grande bem seja ela um sono tranquilo ou o convívio no Hades com os grandes homens que lá habitam O Críton de certa maneira dá continuidade à discussão jurídica da Apologia Se Sócrates foi condenado injustamente pela cidade não é justo que ele fuja da prisão Morrendo ele não vai deixar os filhos desamparados além de fazer todos pensarem que seus amigos não quiseram ajudálo a escapar A tentativa de convencimento parte de um velho companheiro da mesma idade de Sócrates e rico o bastante para arquitetar uma fuga exitosa A conversa ocorre na prisão enquanto Sócrates aguarda o momento da execução O modo como ela se desenrola no entanto não segue o padrão costumeiro Depois de um pequeno trecho refutativo em que mostra que não se deve dar atenção ao que a maioria vai pensar Sócrates passa a atacar a questão central é justo retribuir uma injustiça com outra injustiça dando a palavra às próprias Leis da cidade que o interpelam e criticam por cogitar uma fuga É como se agora elas se sentassem no banco dos réus e fizessem sua defesa Tratase de um longo discurso que ocupa todo o terço final do diálogo e pelo qual fica dito que diante do pacto tácito estabelecido entre a cidade e o cidadão Sócrates que nela sempre viveu por livre e espontânea vontade submetendose às suas normas e delas se beneficiando o não cumprimento da sentença configuraria um ato incoerente desrespeitoso e injusto Agindo assim ele se mostraria mais uma vez um malfeitor confirmando o acerto da decisão dos jurados que o condenaram À primeira vista pode parecer estranho que o mesmo Sócrates que na Apologia não consente em se sujeitar às determinações humanas às quais sobrepõe as divinas agora se revele um patriota legalista por cuja boca o poder instituído se manifesta Mas é preciso ver que o que está em jogo aqui é a ideia central de que não devemos devolver a injustiça que sofremos àquele que a cometeu e é essa exigência moral que torna o Sócrates do Críton uma extensão daquele da Apologia Além disso é importante notar que no diálogo o expediente da personificação confere às Leis um estatuto divino uma autoridade quase sobrehumana de modo que não deixa de continuar havendo por parte de Sócrates uma condenação das medidas que os homens tomaram A referência ao deus aliás está presente na conclusão tanto da Apologia quanto do Críton lembrandonos de que a conduta socrática está atrelada ao comando de uma divindade ideia que não por acaso está presente também no Êutifron onda se fala de uma arte de servir aos deuses Dessa maneira o que encontramos nessas três obras é a apresentação de uma postura que tem não apenas um eixo filosófico mas também ramificações religiosas políticas e éticas A mola propulsora dessa atitude é o apreço pelo homem philanthropía e a vontade de investigar os limites do conhecimento não de maneira isolada como uma teoria descolada da vida e sim em ligação íntima com o convívio em sociedade porque essa experiência do saber se reflete diretamente num modo de ser que envolve todos os campos da nossa existência É assim de forma simplificada que podemos resumir o Sócrates que Platão nos apresenta Se esse é um retrato fiel do Sócrates histórico não é possível dizer Ou melhor parece não haver outra alternativa senão afirmar que assim como acontece com outros personagens e situações esse é inevitavelmente o Sócrates recriado por Platão se entendemos que toda elaboração literária ainda que de uma figura histórica é resultado de uma série de operações que envolvem seleção ênfase distorção etc É claro que no Sócrates de Platão podemos reconhecer os atributos básicos pelos quais seu mestre ficou famoso atributos igualmente presentes no testemunho de Xenofonte 428 aC354 aC outro importante escritor da época Consequentemente sob esse ângulo o Sócrates que encontramos nos diálogos é sim o Sócrates que os atenienses encontravam pelas ruas e talvez não pudesse ser de outra maneira que efeito Platão alcançaria se deformasse por completo a ponto de se tornar irreconhecível a figura de seu mestre Por outro lado é fato que o Sócrates platônico apesar dos traços fundamentais é único Não caberia explicar essa singularidade por conta simplesmente de uma maior capacidade de Platão em retratar o que viu e ouviu É mais razoável imaginar que com sua arte ele foi capaz de criar um personagem tão rico e complexo a ponto de este ganhar uma verdade acima do real Em outras palavras o que Platão fez foi emprestar a Sócrates a partir de um substrato factual uma impressão de realidade que nenhum dos outros escritores conseguiu igualar uma unidade que o sábio de carne e osso talvez não tivesse mas que brota com força da leitura dos diálogos Portanto determinar a historicidade do Sócrates de Platão é uma questão secundária Talvez o de Xenofonte seja mais real no sentido de estar mais próximo do que Sócrates efetivamente foi De qualquer maneira literariamente falando é o de Platão o mais verdadeiro porque mais convincente e denso como elaboração de caráter Queremos dar ênfase à esfera literária porque foi exatamente com essa preocupação que traduzimos os diálogos tentando destacar junto com o andamento filosófico dos textos a elaboração da linguagem em que Platão também era mestre em suas obras esses dois planos andam lado a lado de maneira inseparável A tarefa não é fácil porque muitas vezes valorizar o raciocínio implica descuidar da expressão e viceversa Tentamos conciliar na medida do possível esses dois aspectos Demos atenção especial no entanto ao estilo por ser em geral o elemento mais negligenciado Nesse terreno da arte platônica a variação é um dos maiores desafios que o tradutor enfrenta do retórico ao coloquial do poético ao pedestre do diálogo ao monólogo Platão percorre diferentes registros que na busca extremada da literalidade podem resultar em português em textos de sintaxe obscura ou mesmo impenetrável ou do lado oposto em construções canhestras Há ainda uma expressividade uma jovialidade em certos trechos dialogados que só podem ser reproduzidas ao preço de muita artificialidade que passa longe da impressão natural que Platão lhes conferiu Dos três diálogos a Apologia é certamente o mais trabalhoso porque reúne todas essas características e impõe ao tradutor a dura missão de fazer uma ligação minimamente harmoniosa entre os mais variados andamentos sem deixar que isso resulte num todo indiferenciado e monótono Em menor escala tentamos fazer isso também com o discurso das Leis no Críton que vai da austeridade dos longos períodos à rapidez por exemplo de uma série de perguntas Tentamos ainda preservar em todos eles sempre que possível os jogos de palavras as citações e algum neologismo que são outros elementos a apontar a importância de se ver Platão também como um escritor empenhado em usar expressivamente sua língua e dialogar com outros autores No caso da pontuação que no grego era feita através de partículas pequenas palavras disseminadas ao longo do texto capazes de produzir ricas e variadas entonações buscamos dar às falas uma vivacidade maior recorrendo a pontos de exclamação reticências e expletivos e ao uso do itálico para sublinhar certas palavras ou afirmações Imaginamos que esse expediente apesar de baseado muitas vezes na subjetividade e na interpretação do tradutor tem a vantagem de conferir certa teatralidade à arte platônica destacando a íntima ligação entre o que se diz e o modo como isso é dito o que ajuda a definir o caráter de quem fala Mesmo cientes do risco de distorção que ronda essa opção julgamos que era válida e que se ajustava ao propósito de reaproximar a filosofia da literatura Quanto ao vocabulário adotamos dois procedimentos principais Em primeiro lugar tomamos a liberdade em alguns casos de propor novas traduções para termos que já têm correspondentes consagrados em nossa língua O objetivo com isso não foi desmerecer o que o uso mostrou ser pertinente nem cultivar o novo só pelo gosto da novidade mas apontar para o caráter dinâmico por natureza da tradução que pede sempre um novo olhar e uma nova interpretação Se traduzimos por exemplo idéaeîdos não por ideia ou mesmo por forma outra possibilidade menos empregada mas por feiçãofeitio não é porque consideramos equivocadas aquelas soluções mas sim porque com esses termos podemos manter no plano da forma a variação entre os gêneros do grego sem que haja em português como não há em Platão uma diferenciação clara de sentido e principalmente porque feição e feitio destacam a ideia presente na raiz dos vocábulos originais a de que se trata de algo apreendido pelo olhar Em segundo lugar tentamos manter no interior de cada diálogo e de uma obra para a outra sempre uma mesma tradução para o mesmo termo ou expressão A adoção desse critério é absolutamente necessária se a intenção é não só acompanhar de perto o desenvolvimento da argumentação na forma e no conteúdo mas também apontar possíveis retomadas e reconfigurações à medida que as ideias vão sendo observadas por novos ângulos Só assim podem ficar mais aparentes as continuidades e rupturas do pensamento e a riqueza que daí decorre Para aqueles que não estão familiarizados com os textos de Platão vale lembrar que eles têm uma paginação própria universal estabelecida no século XVI e até hoje seguida para auxiliar o estudioso na localização e citação das passagens Com o objetivo de não poluir o texto com um excesso de números e atomizálo resolvemos não colocar a tradicional indicação dos parágrafos por letras a b c d e que acompanha a numeração principal Assim em vez de assinalarmos ao longo de uma página suas subdivisões 7a 7b 7c 7d 7e indicamos o número apenas 7 Em relação às notas de rodapé elas visam a fornecer todo tipo de informação de históricas a linguísticas O que se buscou de maneira geral foi a concisão e a inclusão apenas do que parecia essencial para a leitura proveitosa dos textos Sócrates encontrase por acaso com o adivinho Êutifron dias antes de seu julgamento1 ÊUTIFRON 2 Que novidade é essa Sócrates que você deixando os passatempos no Liceu2 agora passa o tempo aqui nos arredores do pórtico do rei3 Pois eu presumo não acontecer de você também ter uma causa junto ao rei como eu SÓCRATES Na realidade Êutifron os atenienses não a chamam de causa mas de denúncia4 ÊUTIFRON O que você está dizendo Pelo jeito alguém fez uma denúncia contra você porque não vou lhe imputar isto você ter denunciado outra pessoa SÓCRATES Não realmente ÊUTIFRON Mas um outro a você sim SÓCRATES Isso mesmo ÊUTIFRON Quem é ele SÓCRATES Eu próprio Êutifron não conheço muito bem o homem pois me parece ser alguém jovem e desconhecido Mas o chamam penso eu de Meleto É do demo de Pitos se é que lhe vem à mente algum Meleto de Pitos assim de cabelo liso e não com muita barba e nariz adunco5 ÊUTIFRON Não me vem Sócrates Mas então qual a denúncia que ele fez contra você SÓCRATES Qual Uma nada desprezível me parece pois entender de tamanho assunto quando ainda se é jovem não é coisa banal Ele sabe conforme diz de que modo os jovens são corrompidos e quem são aqueles que os corrompem Corre o risco de ser um sábio e por notar minha ignorância ao corromper os de sua idade vem me acusar junto à cidade tal qual junto à mãe E me parece ser o único dos envolvidos com a política a começar corretamente pois é correto que Meleto milite primeiro pelos jovens para que sejam os melhores possíveis assim como se espera que o bom lavrador milite primeiro pelas plantas jovens e só depois disso pelas outras também6 Além do mais talvez Meleto esteja arrancando a nós primeiro 3 que corrompemos as germinações dos jovens conforme diz em seguida depois disso é claro que militando pelos mais velhos ele se tornará para a cidade culpado pelos maiores e mais numerosos bens7 pelo menos é o que se espera que ocorra com quem teve um tal começo ÊUTIFRON É o que eu gostaria Sócrates mas receio que aconteça o contrário Pois me parece que ele simplesmente começa por prejudicar a cidade pela lareira ao tencionar fazer mal a você8 Mas me diga ele diz que você corrompe os jovens fazendo o quê SÓCRATES Coisas estranhas admirável homem para se ouvir assim Pois diz que sou fazedor de deuses e que por isso mesmo por fazer novos deuses e não crer nos antigos me denunciou conforme diz ÊUTIFRON Compreendo Sócrates É porque você mesmo diz que o sinal numinoso está a todo momento com você9 É por você abrir um novo filão em relação às coisas divinas que ele fez essa denúncia e então vem até o tribunal para caluniálo sabendo que assuntos desse tipo incitam a maioria à calúnia Pois de mim também quando lhes digo algo na assembleia a respeito das coisas divinas predizendolhes o futuro eles dão risada como se eu estivesse louco Porém nada do que eu predisse foi dito sem verdade eles é que têm inveja de nós todos que somos deste jeito Mas não devemos absolutamente nos preocupar com eles antes devemos ir ao seu encontro10 SÓCRATES Caro Êutifron o fato de darem risada talvez não seja nada Para os atenienses na realidade não importa muito segundo me parece se pensam que alguém é hábil a não ser que seja dado a ensinar a própria sabedoria aquele que pensam que faz também os outros iguais a si mesmo com esse eles ficam maldispostos seja por inveja como você está dizendo seja por outro motivo qualquer ÊUTIFRON A respeito disso não estou muito disposto a testar como porventura se sentem em relação a mim SÓCRATES Talvez porque você pareça se expor com parcimônia e não querer ensinar sua própria sabedoria Já eu temo que para eles por causa do meu apreço pelo homem eu pareça falar a todos transbordantemente o que quer que traga comigo não apenas sem pagamento mas podendo ainda com prazer acrescentar um se alguém quiser me ouvir11 Se eles portanto como eu dizia agora há pouco fossem rir de mim como você diz que riram de você não seria nada desprazeroso levar a vida brincando e rindo no tribunal porém se vão levar a coisa a sério aí já não está claro onde isso acabará a não ser para vocês adivinhos ÊUTIFRON Mas talvez não venha a ser nada Sócrates você enfrentará com bomsenso sua causa e penso que também eu a minha SÓCRATES Mas qual é então Êutifron sua causa Você está se defendendo ou atacando12 ÊUTIFRON Atacando SÓCRATES A quem ÊUTIFRON 4 A quem pareço louco de estar atacando SÓCRATES Mas como Você está atacando alguém que voa ÊUTIFRON Falta muito para voar ocorre que é alguém já bem idoso SÓCRATES Quem é ele ÊUTIFRON O meu pai SÓCRATES O seu ótimo homem ÊUTIFRON Isso mesmo SÓCRATES E qual a queixa Sobre o que é a causa ÊUTIFRON Homicídio Sócrates SÓCRATES Por Héracles Eu presumo que o caminho correto a seguir Êutifron seja decerto desconhecido pela maioria porque eu pelo menos penso que não é para qualquer um fazer isso senão para quem já vai muito avançado em sabedoria ÊUTIFRON Por Zeus muito avançado mesmo Sócrates SÓCRATES Mas era então alguém da família esse que foi morto pelo seu pai É claro não Pois eu presumo que por causa de um estranho você não o processaria por homicídio ÊUTIFRON É engraçado Sócrates você pensar que há alguma diferença entre o morto ser um estranho ou da família e não que é preciso observar isto apenas se o que matou matou com justiça ou não Se com justiça devese deixar de lado mas se não devese processálo ainda que esse que matou divida com você lareira e mesa Pois a mácula é a mesma se ciente disso você conviver com uma pessoa assim e não tornar piedoso a si mesmo e a ela processandoa na justiça Mas então esse que morreu era um empregado meu e como tínhamos lavoura em Naxos trabalhava lá para nós13 Depois de abusar do vinho e se enfurecer com um dos nossos servos cortalhe a garganta meu pai prendendolhe os pés e as mãos jogandoo num fosso qualquer manda até aqui um homem para se informar junto ao Exegeta sobre o que deveria fazer14 Mas durante esse tempo fazia pouco caso do preso e descuidava dele por ser um homicida e não achava nada demais se morresse o que de fato aconteceu pois por causa da fome do frio e do aprisionamento acaba morrendo antes de o mensageiro retornar do Exegeta E é por isso que ainda se abalam meu pai e os outros familiares porque por causa de um homicida processo meu pai por homicídio ele não o matou eles dizem ou se matou mesmo sendo o morto um homicida não era preciso se preocupar com um tipo desse pois é impiedade um filho processar o pai por homicídio Mas eles conhecem mal Sócrates a disposição divina a respeito do piedoso e do ímpio SÓCRATES Mas então você Êutifron por Zeus pensa que sabe assim de maneira precisa como se dispõem as coisas divinas e as piedosas e as ímpias a ponto de tendo isso se realizado desse jeito que você conta não temer que aconteça de você também estar realizando um ato ímpio ao levar seu pai a julgamento ÊUTIFRON Pois de nenhuma serventia eu seria Sócrates 5 e em nada diferiria Êutifron da maioria dos homens se eu não conhecesse de maneira precisa todo esse tipo de coisa SÓCRATES Mas para mim então admirável Êutifron não é melhor me tornar seu aluno e antes da denúncia de Meleto interpelálo a respeito disso mesmo dizendo que eu em tempos passados tinha em alta conta conhecer as coisas divinas e que agora depois de ele dizer que erro ao improvisar e abrir um novo filão em relação a essas coisas divinas me tornei seu aluno Se você Meleto eu diria reconhece que Êutifron é sábio nesse tipo de coisa considere que eu também creio de forma correta e não me leve a julgamento caso contrário mova uma causa contra esse professor antes de movêla contra mim por corromper os mais velhos a mim e ao próprio pai a mim ensinandome e àquele repreendendoo e castigandoo E se não for persuadido por mim nem abandonar a causa ou em vez de a mim não denunciar a você não é melhor dizer já no tribunal isso mesmo a respeito do que o interpelava15 ÊUTIFRON Sim por Zeus Sócrates Se ele tencionasse me denunciar eu iria descobrir segundo penso onde é mais vulnerável e o discurso no tribunal seria antes muito mais sobre ele que sobre mim SÓCRATES Naturalmente caro amigo é por saber disso que eu desejo me tornar seu aluno ciente de que outros e especialmente esse Meleto fingem nem vêlo enquanto a mim ele me notou tão fácil e agudamente que me denunciou por irreligiosidade Mas por Zeus me diga agora o que você há pouco me confidenciava saber com clareza que tipo de coisa você afirma ser o religioso e o irreligioso em relação tanto ao homicídio quanto ao resto O piedoso não é ele mesmo idêntico a si próprio em toda ação e o ímpio por sua vez o contrário de todo piedoso e igual ele mesmo a si próprio tudo aquilo que vem a ser ímpio possuindo uma única feição relativa à impiedade16 ÊUTIFRON Claro totalmente Sócrates SÓCRATES Diga lá o que você afirma ser o piedoso e o que o ímpio ÊUTIFRON Pois bem digo que piedoso é o que eu mesmo estou fazendo agora a quem age mal quer em relação a homicídios quer em relação a furtos de objetos sagrados ou comete outra falta qualquer desse tipo processar mesmo que por acaso seja o pai seja a mãe ou outra pessoa qualquer e que não processar é ímpio Porque veja Sócrates como lhe darei grande prova de que a lei é assim já a mencionei a outras pessoas para mostrar que seria correto que isso se passasse desta maneira sem sermos lenientes com o irreligioso seja lá quem for Pois ocorre de os próprios homens crerem em Zeus como o melhor e mais justo dos deuses 6 e de reconhecerem que prendeu o próprio pai porque engolia os filhos de modo não justo e que este mesmo por sua vez também mutilou o próprio pai por outros motivos afins17 mas comigo se exasperam porque processo meu pai por agir mal e assim eles vão entrando em contradição consigo mesmos ao falarem dos deuses e ao falarem de mim SÓCRATES Será Êutifron que é por isso que estou me defendendo de uma denúncia porque sempre que alguém fala coisas desse tipo sobre os deuses eu as recebo com certo desconforto Pelo jeito é por isso sim que alguém dirá que cometo uma falta Agora se a você que sabe bem tais coisas isso também parece ser assim então pelo jeito é imperioso que nós também concordemos Pois o que ainda diremos nós que pessoalmente reconhecemos nada saber sobre elas Mas me conte em nome do Amigo18 você considera que essas coisas se passaram verdadeiramente assim ÊUTIFRON E coisas ainda mais espantosas que essas Sócrates coisas que a maioria não sabe SÓCRATES Também guerras então você considera realmente haver entre os deuses com uns contra os outros e inimizades terríveis e combates e muitas outras coisas desse tipo tal como são narradas pelos poetas19 e com as quais nos são enfeitados por esses bons pintores os objetos sagrados e nas Grandes Panateneias especialmente repleto de enfeites desse tipo o manto é conduzido até a Acrópole20 Devemos afirmar que essas coisas são verdadeiras Êutifron ÊUTIFRON Não só elas Sócrates Mas como lhe disse há instantes se você quiser posso começar a discorrer também sobre muitas outras questões relativas às coisas divinas que eu bem sei que você só de ouvir ficará atordoado SÓCRATES Não me espantaria Mas você discorrerá sobre essas coisas para mim uma outra vez com mais calma Agora sobre aquilo que lhe perguntei há instantes tente falar de modo mais claro porque antes meu amigo quando eu o interrogava sobre o que porventura seria o piedoso você não me ensinou de modo satisfatório mas apenas disse que por acaso isto é piedoso o que você está fazendo agora processando seu pai por homicídio ÊUTIFRON E eu dizia a verdade Sócrates SÓCRATES Talvez Mas você afirma Êutifron que também muitas outras coisas são piedosas ÊUTIFRON E são SÓCRATES Ora você está lembrado de que não era isso que eu lhe pedia me ensinar dentre as coisas piedosas uma ou duas quaisquer mas aquele feitio próprio pelo qual todas as coisas piedosas são piedosas Porque você afirmou eu presumo que por uma mesma feição as coisas ímpias são ímpias e as piedosas piedosas Ou você não se lembra ÊUTIFRON Me lembro SÓCRATES Pois me ensine então qual é essa feição própria para que contemplandoa e dela me servindo como modelo eu afirme das coisas que você ou qualquer outro fizer ser piedosa a que estiver de acordo com ele e a que não estiver não ser ÊUTIFRON Mas se é assim que você quer Sócrates assim lhe direi SÓCRATES Mas quero sim ÊUTIFRON Pois bem o que é do apreço dos deuses é piedoso 7 e o que não é do apreço ímpio SÓCRATES Que beleza Êutifron tal qual eu buscava que você me respondesse assim você me respondeu agora Se de modo verdadeiro isso ainda não sei mas você claro vai depois me ensinar melhor como o que está dizendo é verdade ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Muito bem examinemos o que estamos dizendo De um lado é piedoso o que é apreciável aos deuses e o homem apreciável aos deuses de outro é ímpio o que é detestável aos deuses e o homem detestável Não são a mesma coisa mas totalmente opostos entre si o piedoso e o ímpio Não é assim ÊUTIFRON Assim mesmo SÓCRATES E parece bem dito ÊUTIFRON Parece Sócrates SÓCRATES Ora e que os deuses entram em conflito Êutifron e divergem entre si e que entre eles há inimizades mútuas isso também não foi dito ÊUTIFRON Foi dito sim SÓCRATES E a inimizade e os ódios ótimo homem são produzidos por uma divergência a respeito do quê Examinemos deste modo se divergíssemos eu e você a respeito de qual quantidade é maior a divergência a respeito disso produziria inimizade e ódio entre nós ou recorrendo ao cálculo a respeito disso ao menos nós rapidamente nos entenderíamos ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Ora se também a respeito do mais alto e do mais baixo nós divergíssemos recorrendo à medição não poríamos fim rapidamente à divergência ÊUTIFRON Assim é SÓCRATES E recorrendo à pesagem penso eu arbitraríamos a respeito do mais pesado e do mais leve ÊUTIFRON Pois como não SÓCRATES A respeito do quê então desavindo e a qual arbítrio não podendo nos dirigir seríamos inimigos mútuos e nos odiaríamos Talvez não lhe ocorra de imediato mas enquanto falo examine se não se trata do justo e do injusto do belo e do feio do bom e do mau será que não é desavindo e não podendo recorrer a um arbítrio satisfatório a respeito dessas coisas que nos tornamos inimigos toda vez que nos tornamos tanto eu quanto você e todos os outros homens ÊUTIFRON Sim a divergência é essa Sócrates e a respeito dessas coisas SÓCRATES Mas e os deuses Êutifron Se de fato divergem em algo não divergiriam por esses mesmos motivos ÊUTIFRON É imperioso que sim SÓCRATES Então também entre os deuses nobre Êutifron cada um considera de acordo com o seu discurso21 uma coisa justa e bela e feia e boa e má Pois eles não entrariam em conflito uns contra os outros eu presumo se não divergissem a respeito disso não é ÊUTIFRON Você fala corretamente SÓCRATES Ora aquilo que cada um deles considera belo e bom e justo isso também não apreciam e não detestam o contrário disso ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES E as mesmas coisas conforme você diz 8 uns consideram justas e outros injustas e discutindo em torno delas entram em conflito e polemizam uns com os outros não é assim ÊUTIFRON Assim SÓCRATES As mesmas coisas então pelo jeito são detestadas e apreciadas pelos deuses e as mesmas seriam detestáveis aos deuses e apreciáveis aos deuses ÊUTIFRON Pelo jeito sim SÓCRATES Piedosas e ímpias então as mesmas coisas seriam Êutifron por esse discurso ÊUTIFRON Correse o risco SÓCRATES Então você não respondeu àquilo que eu perguntava admirável homem Pois não era isso que eu perguntava o que sendo idêntico vem a ser ao mesmo tempo piedoso e ímpio e pelo jeito o que é apreciável aos deuses também é detestável22 De modo que o que você faz agora Êutifron ao castigar seu pai não espanta nada que o faça agindo assim do apreço de Zeus mas odioso a Crono e ao Céu e caro a Hefesto mas odioso a Hera23 e se algum outro deus diverge de um segundo a respeito disso para eles também vale o mesmo ÊUTIFRON Mas eu penso Sócrates que ao menos a respeito disto nenhum outro deus diverge de um segundo que aquele que matou alguém injustamente deve ser punido SÓCRATES Mas como Entre os homens Êutifron você já ouviu alguém discutindo se aquele que matou injustamente ou cometeu outra injustiça qualquer deve ser punido ÊUTIFRON Ora eles não param absolutamente de discutir isso especialmente nos tribunais Pois mesmo tendo agido muitíssimo mal fazem e dizem de tudo para escapar da punição SÓCRATES E também reconhecem Êutifron que agiram mal e ainda que reconheçam afirmam que não devem ser punidos ÊUTIFRON Isso não absolutamente SÓCRATES Então não fazem e dizem de tudo Pois penso que não se atrevem a dizer nem a discutir isto que tendo mesmo agido mal não devem ser punidos Penso antes que eles negam ter agido mal não é ÊUTIFRON Você está dizendo a verdade SÓCRATES Então não discutem isso se o que agiu mal deve ser punido mas isto sim talvez discutam quem é que agiu mal e o que fez e quando ÊUTIFRON Você está dizendo a verdade SÓCRATES Ora os deuses também não passam por essas mesmas coisas se de fato entram em conflito a respeito das coisas justas e injustas conforme o seu discurso uns afirmam que os outros agiram mal e os outros negam Porque isto ao menos admirável homem com certeza ninguém nem dos deuses nem dos homens se atreve a dizer que quem agiu mal não deve ser punido ÊUTIFRON Sim Sócrates isso que você está dizendo é ao menos no geral verdade SÓCRATES Mas penso que é caso a caso Êutifron que os discutidores tanto homens quanto deuses se é que os deuses discutem discutem as ações praticadas é divergindo a respeito de uma determinada ação que uns dizem que foi praticada justamente e outros injustamente Não é assim ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES 9 Ande então caro Êutifron me ensine também para que eu me torne mais sábio que prova você tem de que todos os deuses consideram que morreu injustamente esse que depois de se tornar um homicida em seu trabalho preso pelo senhor do morto devido ao aprisionamento morre antes que o que o aprisionou se informe junto aos Exegetas sobre o que deveria fazer com ele e de que por causa de um tipo desse é correto um filho processar e incriminar o pai por homicídio Ande a esse respeito tente me demonstrar com alguma clareza como todos os deuses consideram acima de tudo que essa ação é correta e se você me demonstrar de maneira satisfatória por sua sabedoria jamais pararei de elogiálo ÊUTIFRON Mas talvez não seja uma tarefa pequena Sócrates se bem que eu com certeza poderia claramente demonstrálo a você SÓCRATES Compreendo É que eu lhe pareço mais lento no aprendizado do que os jurados porque a eles ao menos é claro que você vai demonstrar como são injustas e como os deuses todos detestam as ações desse tipo ÊUTIFRON Claramente mesmo Sócrates contanto que me escutem falar24 SÓCRATES Mas escutarão contanto que você pareça falar bem Mas eu me dei conta enquanto você falava do seguinte e fico agora a examinar comigo mesmo Se Êutifron me ensinasse ao máximo como os deuses todos consideram esse tipo de morte injusta o que mais terei eu aprendido com Êutifron sobre o que porventura é o piedoso e o ímpio De fato esse ato pelo jeito seria detestável aos deuses Mas não foi por aí que o piedoso e o não piedoso mostraram há instantes se definir pois o detestável aos deuses mostrou ser também apreciável aos deuses De modo que disso eu o libero Êutifron que todos os deuses se é o que você quer considerem esse ato injusto e que todos o detestem Mas será que com essa correção que estamos fazendo agora no discurso que aquilo que todos os deuses detestam é ímpio e aquilo que todos apreciam é piedoso e o que uns detestam e outros apreciam não é nem uma coisa nem outra ou ambas ao mesmo tempo será que você quer que assim seja agora definido por nós o que é piedoso e o que é ímpio ÊUTIFRON O que nos impede Sócrates SÓCRATES A mim nada Êutifron Mas você sim examine de sua parte se partindo dessa premissa me ensinará assim mais facilmente o que prometeu ÊUTIFRON Mas eu pessoalmente diria que o piedoso é isso aquilo que todos os deuses apreciam e que o contrário aquilo que todos os deuses detestam é ímpio SÓCRATES Ora não devemos examinar isso agora Êutifron para ver se está belamente dito Ou devemos deixar pra lá e aceitálo assim mesmo quer parta de nós próprios quer dos outros concordando que algo é assim mesmo só porque alguém afirma que é Ou se deve examinar o quê quem fala está falando ÊUTIFRON Devese examinar Porém eu pessoalmente penso que isso agora está belamente dito SÓCRATES Logo saberemos melhor bom homem Pense no seguinte 10 será que o piedoso porque é piedoso é apreciado pelos deuses ou porque é apreciado é piedoso ÊUTIFRON Não sei o que você está dizendo Sócrates SÓCRATES Vou tentar formular de uma maneira mais clara Falamos em ser levado e levar ser conduzido e conduzir ser visto e ver e todas as coisas desse tipo você compreende que são diferentes entre si e no que são diferentes ÊUTIFRON Eu pessoalmente penso compreender SÓCRATES Ora também não há um ser apreciado e diferentemente dele o apreciar ÊUTIFRON Pois como não SÓCRATES Me diga então o levado é levado porque alguém leva ou por outro motivo qualquer ÊUTIFRON Não por esse SÓCRATES E o conduzido porque alguém conduz e o visto porque alguém vê ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Então não é porque algo é visto que alguém vê mas o contrário é porque alguém vê que algo é visto nem é porque algo é conduzido que alguém conduz mas é porque alguém conduz que algo é conduzido nem é porque algo é levado que alguém leva mas é porque alguém leva que algo é levado Será que está claro Êutifron o que quero dizer Quero dizer o seguinte que se algo existe ou padece não é porque é existente que existe mas é porque existe que é existente nem é porque é padecente que padece mas é porque padece que é padecente25 Ou você não concorda com isso ÊUTIFRON Concordo SÓCRATES Ora também o apreciado não é algo existente ou padecente pela ação de alguém ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Também ele então se porta da mesma maneira que os anteriores não é porque algo é apreciado que os apreciadores apreciam mas é porque apreciam que é apreciado ÊUTIFRON É imperioso SÓCRATES Mas o que estamos dizendo do piedoso Êutifron Que não é senão o apreciado por todos os deuses segundo o seu discurso ÊUTIFRON Sim SÓCRATES Será que por este motivo porque é piedoso ou por outro qualquer ÊUTIFRON Não por esse SÓCRATES Então é porque é piedoso que o apreciam e não porque o apreciam que é piedoso ÊUTIFRON Pelo jeito SÓCRATES Mas é porque os deuses apreciam que é apreciado e apreciável aos deuses ÊUTIFRON Pois como não SÓCRATES Então o apreciável aos deuses não é piedoso Êutifron nem o piedoso apreciável aos deuses conforme você diz mas uma coisa é diferente da outra ÊUTIFRON Mas como Sócrates SÓCRATES Porque reconhecemos que o piedoso por isto porque é piedoso eles apreciam e não que porque o apreciam é piedoso não é ÊUTIFRON Sim SÓCRATES Já o apreciável aos deuses porque os deuses o apreciam por esse ato mesmo de apreciar é apreciável aos deuses não é porque é apreciável aos deuses que o apreciam ÊUTIFRON Você está dizendo a verdade SÓCRATES Mas se fossem o apreciável aos deuses e o piedoso idênticos caro Êutifron caso apreciassem o piedoso por ser piedoso 11 também apreciariam o apreciável aos deuses por ser apreciável aos deuses e caso o apreciável aos deuses fosse apreciável aos deuses por o apreciarem os deuses também o piedoso seria piedoso por o apreciarem Mas agora você vê que os dois se portam de maneira contrária sendo totalmente diferentes um do outro pois um porque o apreciam prestase a ser apreciado enquanto o outro porque se presta a ser apreciado por isso o apreciam E correse o risco Êutifron de você ao ser perguntado sobre o que porventura é o piedoso não querer me mostrar a sua essência mas apenas dizer algo acidental a seu respeito que o piedoso se caracteriza acidentalmente por isso ser apreciado por todos os deuses mas o que é você ainda não disse26 Portanto se for do seu agrado não esconda de mim mas me diga de novo do princípio o que porventura é o piedoso quer seja apreciado pelos deuses quer tenha outra característica acidental qualquer não será a respeito disso que nós divergiremos Vamos me diga com disposição o que é o piedoso e o que é o ímpio ÊUTIFRON Mas Sócrates eu pessoalmente não tenho como lhe dizer o que tenho em mente pois a premissa de que partimos fica de algum modo sempre girando à nossa volta e não quer permanecer onde nós a assentamos SÓCRATES É provável que sejam do nosso antepassado Dédalo as coisas ditas por você Êutifron27 E se fosse eu quem as estivesse dizendo e propondo talvez você zombasse de mim que pelo parentesco com ele as minhas obras verbais também ficam escapulindo e não querem permanecer onde são postas Mas o fato é que as premissas são suas e vai ser necessária então uma outra zombaria Pois é com você que elas não querem permanecer conforme parece também a você mesmo ÊUTIFRON Mas a mim me parece Sócrates que as coisas ditas necessitam mais ou menos da mesma zombaria Pois esse girar sem permanecer no mesmo lugar não sou eu quem põe nelas Mas é você que me parece ser o Dédalo porque ao menos por mim elas permaneceriam assim fica estático como uma estátua SÓCRATES Corro o risco então meu amigo de ter me tornado nessa arte mais hábil que um homem como aquele e tanto que enquanto ele fazia apenas as suas próprias obras não permanecerem paradas eu além das minhas pelo jeito faço também as dos outros E com certeza esse é o maior refinamento de minha arte porque sou sábio involuntariamente Pois eu preferiria que os meus discursos permanecessem parados e assentassem imóveis a ter além da sabedoria de Dédalo as posses de Tântalo28 Mas chega disso Já que você me parece amolecer eu mesmo vou ajudálo a ter disposição para me ensinar sobre o piedoso e não se canse antes do tempo Veja se não lhe parece imperioso que tudo que é piedoso seja justo ÊUTIFRON A mim sim SÓCRATES Será então que tudo que é justo também é piedoso Ou o piedoso é todo justo 12 enquanto o justo não é todo piedoso mas algo dele é piedoso e o resto é outra coisa ÊUTIFRON Não consigo acompanhar suas palavras Sócrates SÓCRATES E no entanto você é mais jovem do que eu o mesmo tanto que é mais sábio29 Mas como eu dizia você está amolecendo por causa da riqueza de sua sabedoria Vamos venturoso homem retesese Pois não é difícil de entender o que estou dizendo estou dizendo o contrário do que o poeta poetou aquele que poetou Sobre Zeus o criador que fez todas estas coisas não queiras falar pois onde há medo há também vergonha30 Eu pessoalmente divirjo desse poeta Devo lhe dizer em quê ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Não me parece que onde há medo há também vergonha pois muitas pessoas temerosas de doenças da penúria e de muitas outras coisas do tipo me parecem ter medo mas não ter vergonha alguma dessas coisas de que têm medo Não lhe parece também ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Mas onde há sim vergonha há também medo porque existe alguém que sentindo vergonha e desonra por algum ato não se apavora e teme ao mesmo tempo a reputação de vil ÊUTIFRON Teme realmente SÓCRATES Então não é correto dizer pois onde há medo há também vergonha mas onde há vergonha há também medo enquanto onde há medo não há em todo lugar vergonha Pois eu penso que o medo é mais abrangente que a vergonha a vergonha é uma parcela do medo assim como o ímpar do número de modo que onde há número não há também ímpar mas onde há ímpar há também número Eu presumo que agora ao menos você consegue acompanhar ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Era desse tipo de coisa que eu falava também lá atrás ao interrogálo Será que onde há o justo há também o piedoso Ou onde há o piedoso há também o justo enquanto onde há o justo não há em todo lugar o piedoso pois o piedoso é uma parcela do justo Parecelhe que devemos falar assim ou de um outro modo ÊUTIFRON Não assim Você me parece falar corretamente SÓCRATES Veja então o que vem depois Se o piedoso é uma parte do justo pelo jeito é preciso então que nós descubramos que tipo de parte seria do justo o piedoso Se você me perguntasse sobre algo de agora há pouco por exemplo que tipo de parte é do número o par e qual número vem a ser eu diria que é aquele que não é escaleno mas isósceles não lhe parece31 ÊUTIFRON A mim sim SÓCRATES Tente então você também me ensinar desse modo que tipo de parte do justo o piedoso é para que também digamos a Meleto que não aja mais mal conosco e nos denuncie por irreligiosidade uma vez que já aprendemos com você de maneira satisfatória que coisas são religiosas e piedosas e que coisas não ÊUTIFRON Pois me parece ser esta Sócrates a parte do justo religiosa e piedosa a relativa ao cuidado com os deuses e a relativa ao cuidado com os homens ser a parte restante do justo SÓCRATES E belamente Êutifron você me parece falar 13 Mas ainda sinto falta de uma pequena coisa pois não estou entendendo o que você chama de cuidado32 Você não está dizendo eu presumo que os cuidados para com as outras coisas são do mesmo tipo que aquele para com os deuses porque o fato é que falamos igual por exemplo afirmamos que não é toda pessoa que sabe cuidar de cavalos mas só o cavalariço não é ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Pois eu presumo a arte do cavalariço consiste no cuidado com os cavalos ÊUTIFRON Sim SÓCRATES E que nem toda pessoa sabe cuidar da matilha mas só o matilheiro ÊUTIFRON Assim é SÓCRATES Pois eu presumo a arte do matilheiro consiste no cuidado com a matilha ÊUTIFRON Sim SÓCRATES E a do boiadeiro no com os bois ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES E a piedade então e a religiosidade no com os deuses Êutifron É isso que você está dizendo ÊUTIFRON Estou SÓCRATES Ora todo cuidado não produz o mesmo efeito Este por exemplo ele visa ao bem e ao benefício de quem é cuidado como você vê que os cavalos cuidados pela arte do cavalariço beneficiamse e tornamse melhores ou não lhe parece ÊUTIFRON A mim sim SÓCRATES E a matilha eu presumo pela arte do matilheiro e os bois pela arte do boiadeiro e tudo mais do mesmo modo Ou você pensa que o cuidado é para o prejuízo de quem é cuidado ÊUTIFRON Por Zeus eu não SÓCRATES Mas para o benefício ÊUTIFRON Como não SÓCRATES Ora também a piedade sendo cuidado com os deuses é um benefício aos deuses e faz melhores os deuses E você concordaria com isso que quando faz algo piedoso você efetua a melhora de um dos deuses ÊUTIFRON Por Zeus eu não SÓCRATES Eu também não penso Êutifron que você está dizendo isso falta muito para eu pensar e por esse motivo eu lhe perguntava de que cuidado com os deuses você estava falando por considerar que você não está dizendo uma tal coisa ÊUTIFRON E você agiu corretamente Sócrates pois não estou dizendo uma tal coisa SÓCRATES Pois bem Mas que cuidado então com os deuses seria a piedade ÊUTIFRON O que os escravos Sócrates têm com seus senhores SÓCRATES Compreendo Seria pelo jeito uma arte de servir aos deuses ÊUTIFRON Isso mesmo SÓCRATES Você poderia me dizer então a arte de servir aos médicos para a efetuação de que feito vem a ser arte de servir Você não pensa que para a da saúde ÊUTIFRON Penso sim SÓCRATES Mas e a arte de servir aos construtores navais Para a efetuação de que feito é arte de servir ÊUTIFRON É claro Sócrates que para a da embarcação SÓCRATES E a de servir aos arquitetos eu presumo para a da casa ÊUTIFRON Sim SÓCRATES Me diga então ótimo homem a arte de servir aos deuses para a efetuação de que feito seria então arte de servir Pois é claro que você sabe já que afirma ser dentre os homens quem mais belamente sabe das coisas divinas ÊUTIFRON E estou dizendo a verdade Sócrates SÓCRATES Me diga então por Zeus que tão belo feito é esse que os deuses efetuam valendose de nós como seus servidores ÊUTIFRON Muitos e belos Sócrates SÓCRATES 14 Pois os generais também meu caro E no entanto você facilmente diria o feito capital deles que efetuam a vitória na guerra ou não ÊUTIFRON Como não SÓCRATES E muitos e belos penso eu também os lavradores E no entanto o feito capital de sua efetuação é o frutificar da terra ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Mas e dos muitos e belos feitos que os deuses efetuam qual é o capital de sua efetuação ÊUTIFRON Mas eu lhe disse um pouco antes Sócrates que é enorme feito aprender de maneira precisa como se apresentam todas essas coisas Porém de maneira simples lhe digo o seguinte que se alguém sabe dizer e fazer o que é grato aos deuses ao orar e sacrificar que isso é piedoso e que coisas assim põem a salvo tanto as famílias quanto o interesse comum das cidades mas que o contrário ao grato é ímpio e a tudo faz virar e ruir SÓCRATES Certamente com muito mais brevidade Êutifron você se quisesse poderia ter me dito o feito capital sobre o qual eu o indagava Mas você realmente não está disposto a me ensinar é claro Pois agora mesmo justamente quando estava junto dele você se desviou resposta que se você tivesse dado já teria me deixado satisfatoriamente ensinado por você sobre a piedade Mas agora uma vez que é imperioso que o amante siga o amado por onde quer que esse o conduza33 o que então desta vez você está afirmando ser o piedoso e a piedade Não está afirmando que é um conhecimento do sacrificar e do orar ÊUTIFRON Estou sim SÓCRATES Ora sacrificar não é doar aos deuses e orar pedir aos deuses ÊUTIFRON Certamente Sócrates SÓCRATES Conhecimento então do pedir e do doar aos deuses seria isso a piedade por esse discurso ÊUTIFRON Você entendeu muito belamente Sócrates o que eu disse SÓCRATES Porque estou animado meu caro com sua sabedoria e presto atenção nela para que não caia por terra o que quer que você diga Mas me fale que serviço é esse aos deuses Você está afirmando que é tanto pedir a eles quanto a eles dar ÊUTIFRON Estou sim SÓCRATES Ora então pedir corretamente não seria pedir isto a eles aquilo de que precisamos da parte deles ÊUTIFRON O que mais seria SÓCRATES E dar corretamente por sua vez não seria doar de volta a eles isto aquilo de que vêm a precisar de nossa parte Pois eu presumo doar não seria uma arte se déssemos a alguém aquilo de que não precisa absolutamente ÊUTIFRON Você está dizendo a verdade Sócrates SÓCRATES Uma arte do comércio mútuo Êutifron é o que seria então a piedade para deuses e homens ÊUTIFRON Uma arte do comércio se lhe agrada chamar assim SÓCRATES Mas a mim pelos menos nada agrada a não ser se é verdade Mas me fale que benefício os deuses por acaso têm com as dádivas que de nós obtêm Pois o que nos dão está claro a todos 15 nada de bom temos a não ser quando eles nos dão Mas com o que obtêm de nós beneficiamse em quê Ou nesse comércio nós lucramos tanto com eles que deles obtemos todas as coisas boas e eles de nós nada ÊUTIFRON Mas você pensa Sócrates que os deuses se beneficiam com essas coisas que obtêm de nós SÓCRATES Mas o que seriam então Êutifron essas nossas dádivas aos deuses ÊUTIFRON Que outra coisa você pensa senão honra prêmios e aquilo que eu dizia há pouco agrado SÓCRATES Grato então Êutifron é o piedoso mas não benéfico nem caro aos deuses ÊUTIFRON Penso que a mais cara de todas as coisas SÓCRATES Então o piedoso pelo jeito agora é isto o caro aos deuses ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Você vai se espantar então ao dizer essas coisas se os seus discursos mostrarem não permanecer parados mas perambular e vai responsabilizar a mim o Dédalo por fazêlos perambular você mesmo sendo muito mais cheio de artifícios que Dédalo e os fazendo andar em círculos Ou você não percebe que o nosso discurso dando voltas volta ao mesmo lugar Pois você está lembrado eu presumo que anteriormente o piedoso e o apreciável aos deuses mostraram para nós não ser o mesmo mas diferentes entre si ou você não está lembrado ÊUTIFRON Estou sim SÓCRATES Você não se dá conta agora então de que está afirmando que o caro aos deuses é piedoso E isso não é outra coisa senão o apreciável aos deuses ou não ÊUTIFRON Com certeza SÓCRATES Ora ou há pouco não reconhecíamos belamente ou se belamente antes é agora que não estamos propondo corretamente ÊUTIFRON Pelo jeito SÓCRATES Do princípio então nós devemos novamente investigar o que é o piedoso porque eu mesmo antes de aprender não vou voluntariamente me acovardar Vamos não me subestime mas de qualquer maneira prestando máxima atenção me diga agora a verdade Pois se algum dos homens sabe é você e como Proteu34 não deve ser liberado até falar Se você não soubesse claramente o que é o piedoso e o ímpio jamais seria possível que tencionasse por causa de um trabalhador atacar um idoso seu pai por homicídio não só dos deuses você sentiria medo de estar se arriscando a não agir corretamente mas também perante os homens você sentiria vergonha Mas agora sei bem que você pensa claramente saber o que é piedoso e o que não Me diga então ótimo Êutifron e não me esconda o que considera isso ÊUTIFRON sentindose desconfortável Uma outra vez Sócrates porque agora estou com pressa e é hora de partir SÓCRATES para Êutifron que já sai andando É assim que você faz meu amigo Privandome de uma enorme esperança você vai embora da que eu tinha de que após aprender com você as coisas piedosas e não piedosas também me livraria da denúncia de Meleto 16 demonstrando a ele que já tinha me tornado sábio com Êutifron nas coisas divinas que não mais por desconhecimento improvisaria nem abriria novo filão em relação a elas e que além do mais pelo resto da vida levaria uma vida melhor 1 Não temos outras informações sobre Êutifron além das que encontramos em Platão Mas seu nome tinha um significado claro para os gregos o de espírito direto ou ortodoxo 2 Ginásio situado junto ao santuário de Apolo Liceio e um dos destinos preferidos de Sócrates em suas andanças Aí Aristóteles iria depois fixar sua escola em 335 aC 3 O pórtico real ficava próximo do templo de Hefesto o Hefestêion na ágora ou praça pública de Atenas Rei aqui não designa um monarca mas um dos nove magistrados principais de Atenas o arconte rei responsável por cuidar das questões religiosas 4 A causa díke é um processo privado enquanto a denúncia graphé diz respeito a uma ofensa contra a cidade 5 O principal acusador de Sócrates talvez fosse poeta Na Apologia também são citados Anito e Lícon Atenas se dividia em cerca de 140 demos ou distritos que abarcavam o núcleo urbano e as áreas rural e litorânea Um número variável de demos se unia misturandose necessariamente os da cidade do campo e do litoral para formar cada uma das dez tribos de Atenas O cidadão ateniense era em geral apresentado colocandose junto ao seu nome o do pai eou o do demo 6 Em grego há um jogo que será retomado algumas vezes na Apologia entre o nome Méletos e o verbo epimélo preocuparse que traduzimos por militar 7 Culpado aítios com sentido negativo se contrapõe a bens e reforça a ironia das palavras de Sócrates 8 A lareira ou Héstia representava enquanto fogo sagrado da cidade e de cada casa o princípio da estabilidade Com essa fala Êutifron deixa clara sua admiração por Sócrates 9 Voz que o impede de fazer o que não deve como esclarecerá na Apologia A fala de Êutifron mostra como aos olhos da maioria o sinal numinoso se confundia necessariamente com algum tipo de inovação religiosa por parte de Sócrates 10 A frase indica a ação contra um inimigo remetendo em geral ao ambiente bélico 11 Sócrates gostava de insistir no fato de que não cobrava daqueles que queriam ouvilo como deixará claro na Apologia o que o diferenciava dos sofistas 12 Os atenienses viam o processo legal como uma perseguição o acusador era literalmente o que perseguia e o acusado o que fugia Por isso a brincadeira na sequência a respeito da insensatez de se acusarperseguir algo alado Tentamos manter o jogo usando na tradução os verbos atacar e defender 13 Naxos é a maior das ilhas Cíclades no mar Egeu 14 Conselheiro oficial sobre como proceder em assuntos religiosos 15 Sócrates imagina uma audiência preliminar que o colocaria frente a frente com Meleto algo previsto pela lei ateniense 16 Feição essa seria a primeira ocorrência do substantivo feminino idéa nos diálogos Junto com o neutro eîdos feitio que tem a mesma raiz e é sinônimo de idéa como se vê um pouco abaixo ele viria depois a ter papel importante na filosofia platônica na formulação da chamada teoria das ideias Optamos por traduzilos por feiçãofeitio por serem termos que recuperam em português o sentido original forma aspecto figura além de manterem entre si o mesmo tipo de correspondência do original 17 Alusão a episódios narrados na Teogonia de Hesíodo século VIII aC Zeus aprisionou o pai Crono no Tártaro depois de este devorar os filhos Antes dele Crono já havia castrado o próprio pai Céu por não deixar os filhos virem à luz 18 Um dos nomes pelos quais Zeus podia ser invocado Com essa invocação Sócrates quer conseguir de Êutifron o compromisso de responder com sinceridade 19 Eventos apresentados entre outros por Hesíodo em sua Teogonia e por Homero na Ilíada 20 O manto com motivos bélicos era bordado a cada quatro anos para o principal festival da cidade e vestia a estátua de Palas Atena a deusa padroeira de Atenas situada no alto da Acrópole 21 Aqui e em outros passos discurso lógos pode ter o sentido de argumento raciocínio 22 A identidade que Sócrates buscava em toda ação conforme disse antes era do piedoso consigo mesmo e do ímpio consigo mesmo e não do piedoso com o ímpio 23 Referência à vingança de Hefesto contra sua mãe Hera Ela o atirou do Olimpo depois de nascido porque era manco e ele em troca criou para ela um trono que imobilizava quem nele se sentasse Esses acontecimentos estavam retratados numa pintura do templo de Dioniso em Atenas 24 Êutifron receia não receber a atenção dos seus ouvintes que segundo disse no começo do diálogo tinham o costume de rir de suas palavras 25 A distinção feita aqui por Sócrates é entre ação e estado é a ação alguém vê que determina o estado algo é visto Portanto valerá o mesmo raciocínio para a ideia de apreciar a ação alguém aprecia determina o estado algo é apreciado Na sequência porém Sócrates dirá que para o piedoso vale o contrário não será a ação de apreciar que determinará o estado piedoso mas o estado piedoso que determinará a ação de apreciar Portanto o piedoso estado que determina uma ação e o apreciável pelos deuses estado determinado por uma ação não poderão ser pensados conjuntamente 26 Sócrates faz aqui uma distinção filosófica importante entre a essência ousía e algo acidental páthos ti 27 Figura lendária de inventor escultor e arquiteto famosa pela construção do labirinto do Minotauro Suas esculturas eram tão perfeitas que pareciam capazes de se mover Nosso antepassado isto é meu e de minha família Como o pai de Sócrates Sofronisco trabalhava com o entalhe de pedras e talvez fosse ele próprio escultor haveria um parentesco seu com o patrono Dédalo Para alguns Sócrates teria exercido na juventude o ofício do pai 28 Segundo lemos no Banquete a imobilidade que Sócrates pretende encontrar nos discursos era uma característica sua nos momentos em que refletia sozinho Tântalo rei lídio filho de Zeus extremamente rico admitido nos banquetes dos deuses depois de um ato transgressor foi condenado a passar fome e sede eternas no Hades 29 Sócrates brinca com Êutifron e toma acompanhar no sentido literal 30 Esses versos pertenceriam ao épico perdido Cipríada que narrava os acontecimentos anteriores aos apresentados pela Ilíada desde o princípio da Guerra de Troia Inicialmente era atribuído a Homero mas desde pelo menos o século V aC essa atribuição era contestada até que o poema passou a ser considerado obra de um certo Estasino de Chipre Nesse trecho vemos que Sócrates descarta Homero como o autor dos versos citados 31 O raciocínio se apoia na trigonometria Como o triângulo isósceles literalmente de pernas iguais é o que tem dois lados idênticos um número par como 6 pode se dividir em dois segmentos iguais de 3 Já num triângulo escaleno literalmente capenga cujos lados são todos desiguais a divisão em duas pernas de mesma extensão trabalhandose apenas com números inteiros não é possível o que leva à associação desse tipo de figura com a noção de ímpar 32 Sócrates explora o duplo sentido de cuidado therápeia tratamento dispensado a um inferior para que melhore por exemplo um animal ou a um superior para reverenciálo por exemplo um deus 33 A referência anterior ao amolecimento ou languidez de Êutifron já sugeria a abordagem da sua relação com Sócrates em termos homoeróticos 34 Divindade marinha com poder de profetizar Precisava ser imobilizada para falar pois mudava de forma continuamente A DEFESA Após ouvir os discursos da acusação Sócrates faz perante 500 jurados sua defesa35 17 O que vocês varões atenienses36 sentiram com os meus acusadores não sei mas até eu mesmo com eles por pouco não me esqueci de mim tão convincentemente falavam Porém de verdadeiro a bem dizer nada disseram E das muitas mentiras que disseram fiquei mais espantado com uma esta quando falaram que vocês deviam tomar cuidado para não serem enganados por mim porque eu seria hábil em falar Não terem vergonha de imediatamente serem refutados por mim com fatos quando não me mostrar nem de uma maneira nem de outra hábil em falar isso me pareceu a coisa mais desavergonhada da parte deles A não ser que chamem de hábil em falar aquele que fala a verdade pois se é disso que estão falando então eu reconheceria ser não à maneira deles um orador37 Esses então como estava dizendo quase nada de verdadeiro disseram Mas vocês de mim vão ouvir toda a verdade porém não varões atenienses por Zeus discursos beletrificados como os deles nem bem ordenados nas expressões e palavras38 vocês vão ouvir sim coisas ditas de improviso com as palavras que me ocorrerem pois acredito que são justas as coisas que digo e que nenhum de vocês espere algo diferente Certamente nem ficaria bem varões nesta minha idade me dirigir a vocês fabricando discursos como um adolescente Contudo com intensidade peço e solicito isto a vocês varões atenienses se vocês me ouvirem me defender com os mesmos discursos que costumo proferir não só na ágora junto às bancas onde muitos de vocês têm me ouvido39 mas também em outros lugares não fiquem espantados nem façam tumulto por causa disso Pois a situação é esta subo agora com setenta anos de idade pela primeira vez ao tribunal40 logo a linguagem daqui me é simplesmente estranha E da mesma maneira que vocês caso eu fosse de fato estrangeiro certamente seriam condescendentes comigo 18 se eu falasse com aquele sotaque e aqueles modos em que fui criado também agora peço isso a vocês conforme me parece justo que deixem de lado meus modos de linguagem seriam talvez piores talvez melhores e examinem propriamente isto e nisto prestem atenção se falo coisas justas ou não Pois enquanto a virtude do jurado é essa a do orador é falar a verdade41 Em primeiro lugar então varões atenienses acho justo me defender das primeiras acusações mentirosas contra mim e dos primeiros acusadores e em seguida das últimas e dos últimos Pois acusadores meus junto a vocês tem havido muitos e já há muitos anos que nada de verdadeiro dizem aos quais temo mais que aos que estão em torno de Anito ainda que estes também sejam hábeis42 Mas aqueles varões são mais hábeis os que se encarregando da educação da maioria de vocês desde meninos tentavam convencêlos e me acusar de algo ainda mais não verdadeiro de que há um certo Sócrates homem sábio pensador das coisas suspensas no ar e que tem investigado tudo que há sob a terra e que torna superior o discurso inferior43 Esses varões atenienses os que espalharam essa fama esses são os meus mais hábeis acusadores pois os que lhes deram ouvidos consideram que os que investigam essas coisas também não creem em deuses44 Depois esses acusadores são muitos e têm me acusado já faz muito tempo falando junto a vocês além do mais naquela idade em que mais seriam convencidos alguns de vocês eram meninos ou adolescentes simplesmente acusando de forma isolada sem que houvesse defesa E o mais inominável de tudo é que não é possível saber e dizer nem seus nomes a não ser de um que por acaso é comediógrafo45 E todos que servindose da inveja e da calúnia tentavam convencêlos mais os que uma vez convencidos eles mesmos iam convencendo outros todos esses são os mais inacessíveis pois não é possível fazer subir aqui nem refutar a nenhum deles simplesmente é imperioso baterse como que com sombras ao se defender e refutar sem que haja resposta Aceitem então vocês também segundo estou lhes dizendo que se repartem em dois os meus acusadores de um lado os que me acusaram há pouco e de outro os que há tempos dos quais eu estava falando e pensem que é preciso que eu me defenda destes primeiro pois vocês os ouviram me acusar antes e muito mais que os últimos Pois bem Devo então me defender varões atenienses e tentar arrancar de dentro de vocês a calúnia 19 essa que vocês cultivaram por muito tempo assim em pouco tempo46 Gostaria mesmo que as coisas se passassem desse modo uma vez que é melhor tanto para vocês quanto para mim e que eu me saísse bem em minha defesa Mas penso que isso é difícil e não me escapa inteiramente qual é a dificuldade No entanto que a coisa siga por onde for caro ao deus À lei devo obedecer47 e devo me defender Retomemos então do princípio qual é a acusação com base na qual surgiu a calúnia a que precisamente dando crédito Meleto fez esta denúncia contra mim48 Pois bem O que diziam os caluniadores ao me caluniarem É preciso ler a declaração juramentada deles como se de acusadores de fato Sócrates age mal e faz mais do que deveria ao investigar as coisas sob a terra e as celestes e ao tornar superior o discurso inferior e ao ensinar a outros essas mesmas coisas É alguma coisa assim49 Vocês mesmos já viram isso na comédia de Aristófanes um Sócrates lá aponta para o alto balançando afirmando aeroandar e asneando muitas outras asneiras sobre as quais não entendo coisa alguma nem muito nem pouco50 E não falo desse tipo de conhecimento para desmerecêlo uma vez que há quem seja sábio em tais coisas não quero de modo algum me defender de Meleto em tantas causas Mas o fato é que nelas não tomo parte alguma varões atenienses Apresento como testemunhas a maioria de vocês mesmos e peço que vocês digam e se informem entre si todos que alguma vez me ouviram dialogando e muitos de vocês estão nessa situação que digam entre si então se alguma vez seja pouco seja muito algum de vocês me ouviu dialogando sobre essas coisas E a partir disso vocês saberão que ocorre o mesmo também com as outras que a maioria fala sobre mim Mas não não há nada disso nem se vocês já ouviram de alguém que eu tenciono educar os homens e que faço dinheiro isso também não é verdade51 Porque isso também me parece belo alguém ser capaz de educar os homens como Górgias de Leontini e Pródico de Ceos e Hípias de Élis52 Cada um deles varões é capaz de indo a cada uma das cidades convencer os jovens aos quais é possível conviver de graça com os concidadãos seus que quiserem 20 a que deixem aquele convívio e com eles convivam dandolhes dinheiro e além de tudo devendolhes gratidão Aliás há por aqui também outro sábio varão de Paros que eu soube estar na cidade porque encontrei por acaso o homem que tem gastado com os sofistas mais dinheiro que todas as demais pessoas juntas Cálias filho de Hipônico53 e a ele perguntei já que tem dois filhos Cálias eu disse se seus dois filhos fossem potros ou bezerros nós teríamos como arranjar e pagar um instrutor para eles o qual iria tornálos belos e bons nas respectivas virtudes esse seria ou um cavalariço ou um lavrador mas uma vez que são humanos que instrutor você tem em mente arranjar para eles Quem nesse tipo de virtude humana e política54 é instruído Pois penso que você por ter tido filhos tem examinado isso Existe alguém eu falei ou não Com certeza ele disse Quem eu disse de que lugar e por quanto ensina Eveno Sócrates ele disse de Paros por cinco minas55 E eu felicitei esse Eveno se possui verdadeiramente essa arte e assim comedidamente a ensina Eu mesmo ficaria envaidecido e convencido se fosse instruído nessas coisas mas uma vez que não sou varões atenienses Um de vocês poderia então talvez retrucar56 Mas Sócrates sua atividade qual é De onde surgiram essas calúnias contra você Certamente não foi depois de você ter uma atividade em nada mais extravagante que as dos outros que surgiu tamanha fama e falação só se você de fato fazia algo diverso do que a maioria faz Diganos então o que é para que não nos precipitemos a seu respeito Quem fala assim me parece falar coisas justas e eu tentarei lhes mostrar o que é isso que me trouxe tal nome e calúnia57 Escutem então A alguns de vocês vai parecer talvez que estou brincando porém fiquem sabendo vou lhes dizer toda a verdade Pois eu varões atenienses não obtive esse nome por nenhuma outra razão a não ser por causa de uma certa sabedoria Que tipo de sabedoria é essa A sabedoria que é humana talvez Na realidade nessa corro o risco de ser sábio mas aqueles que eu mencionava há pouco seriam talvez sábios numa sabedoria maior que a humana ou não sei o que dizer Nela porém eu mesmo não sou instruído e quem diz que sim não só mente como fala para me caluniar Alvoroço no tribunal Não façam tumulto varões atenienses nem se parecer que lhes falo de um modo excessivo pois não será meu o discurso o que quer que eu venha a dizer58 vou antes o atribuir a um falante que para vocês é digno de fé Pois como testemunha da minha sabedoria se é de fato uma e qual é vou apresentar o deus de Delfos59 21 Vocês conhecem Querefonte eu presumo Ele era meu companheiro desde moço e companheiro também de vocês da maioria e foi junto com vocês para o recente exílio e junto retornou60 E vocês sabem como era Querefonte o quão intenso naquilo em que se lançava Pois certa vez indo a Delfos se atreveu a solicitar esta adivinhação como eu estava dizendo não façam tumulto varões perguntou se alguém seria mais sábio que eu Retrucou então a Pítia que não havia ninguém mais sábio A respeito disso este seu irmão aponta para o irmão lhes dará testemunho uma vez que ele mesmo já morreu Examinem por que razão estou dizendo isso é que vou lhes ensinar de onde surgiu a calúnia contra mim Depois de ouvir aquelas palavras fiquei refletindo assim O que é que o deus está dizendo e o que é que está falando por enigma Pois bem sei comigo mesmo que não sou sábio nem muito nem pouco O que ele está dizendo então ao afirmar que sou o mais sábio Certamente não está mentindo pois para ele não é algo lícito E depois de ficar muito tempo em aporia o que será que ele está dizendo a muito custo me voltei para uma investigação disso da seguinte maneira fui até um dos que parecem ser sábios porque se havia um lugar era esse onde eu refutaria o adivinhado e mostraria ao oráculo este aqui é mais sábio do que eu e você afirmava que era eu Ao examinar bem então esse homem não preciso absolutamente chamálo pelo nome61 era um dos envolvidos com a política esse junto ao qual tive examinandoo esta impressão e ao dialogar com ele varões atenienses me pareceu que parecia ser sábio para muitos outros homens e principalmente para si próprio mas que não era Em seguida fiquei tentando lhe mostrar que ele pensava ser sábio mas que não era A partir daí me tornei odioso a ele e a muitos dos circunstantes e indo embora fiquei então raciocinando comigo mesmo Sou sim mais sábio que esse homem pois corremos o risco de não saber nenhum dos dois nada de belo nem de bom mas enquanto ele pensa saber algo não sabendo eu assim como não sei mesmo também não penso saber É provável portanto que eu seja mais sábio que ele numa pequena coisa precisamente nesta porque aquilo que não sei também não penso saber Daí me dirigi a um outro dentre os que pareciam ser ainda mais sábios que aquele e me pareceu a mesma coisa e também aí me tornei odioso não só a esse homem mas também a muitos outros Depois disso me dirigi a uma série percebendo com perturbação e temor que me tornava odioso e no entanto parecia imperioso ter na mais alta conta o dito do deus Devo ir então para examinar o que o oráculo está dizendo até todos aqueles que parecem saber algo 22 E pelo cão62 varões atenienses já que é preciso lhes dizer a verdade realmente a impressão que eu tive foi esta enquanto os mais benquistos por pouco não me pareceram a mim que investigava em conformidade com o deus carentes máximos de uma conduta reflexiva outros que parecem ser homens mais banais mais razoáveis me pareceram Mas é preciso que eu exponha para vocês minha perambulação que foi como enfrentar certos trabalhos só para que a adivinhação se tornasse irrefutável para mim63 Depois dos envolvidos com a política me dirigi aos poetas aos das tragédias aos dos ditirambos e aos restantes64 para que aí sim eu viesse a me pegar em flagrante como sendo mais ignorante que eles Tomando então seus poemas aqueles que me pareciam mais bem realizados eu lhes perguntava o que estavam dizendo para que ao mesmo tempo aprendesse também algo com eles Tenho vergonha varões de lhes dizer a verdade Porém devo falar A bem dizer por pouco todos os circunstantes teriam falado melhor do que eles sobre as coisas que eles próprios tinham poetado Em pouco tempo então também a respeito dos poetas percebi isto que não era por sabedoria que poetavam o que poetavam mas por uma certa natureza e inspirados tal como os adivinhos divinos e os proferidores de oráculos pois também esses dizem muitas e belas coisas mas nada sabem do que dizem Os poetas me mostraram passar também por uma situação assim65 Ao mesmo tempo percebi que eles por causa da poesia pensavam ser os mais sábios dos homens também nas demais coisas nas quais não eram Saí então também daí pensando me destacar pelo mesmo motivo pelo qual me destacava em relação aos envolvidos com a política Por fim me dirigi aos técnicos66 Sabia comigo mesmo que eu a bem dizer não conhecia nada mas quanto a eles sabia que os descobriria conhecedores de muitas e belas coisas E nisso não estava enganado conheciam sim o que eu não conhecia e por aí eram mais sábios que eu Porém varões atenienses me parecerem ter também esses bons trabalhadores o mesmo defeito que os poetas por efetuar belamente sua arte cada um se achava também o mais sábio nas demais coisas nas mais importantes e esta desmedida deles ocultava aquela sabedoria De modo que fui perguntando a mim mesmo em nome do oráculo se eu preferiria ser assim como sou nem sábio na sabedoria deles nem ignorante na ignorância ou possuir essas duas coisas que eles possuem Respondi então a mim mesmo e ao oráculo que seria mais proveitoso para mim ser como sou Foi precisamente por causa dessa inspeção67 varões atenienses 23 que surgiram muitos ódios contra mim e assim tão duros e pesados que a partir deles então muitas calúnias começaram a surgir e fui chamado desse nome de sábio Pois os circunstantes toda vez pensam que eu mesmo sou sábio nas coisas a respeito das quais refuto alguém mas correse o risco varões de na realidade o deus ser sábio e com aquele oráculo afirmar isto que a sabedoria humana pouco ou nada vale68 Parece ainda que ele não fala aquilo de Sócrates mas se serve do meu nome para fazer de mim um modelo como se dissesse Entre vocês homens o mais sábio é qualquer um que como Sócrates tenha reconhecido que na verdade em sabedoria não vale nada Por isso então ainda agora circulando investigo e interrogo em conformidade com o deus se penso que alguém seja dos cidadãos seja dos estrangeiros é sábio69 E sempre que me parece que não prestando um auxílio ao deus mostrolhe que não é sábio Com essa falta de tempo não tive tempo de realizar nem uma atividade da cidade digna de menção nem familiar e estou por causa da servidão ao deus numa penúria extrema Além do mais os jovens que seguem comigo os que têm mais tempo livre entre os mais ricos por vontade própria gostam de ouvir os homens sendo inspecionados e eles mesmos muitas vezes me imitam ou seja tentam inspecionar outros Como consequência descobrem penso eu grande abundância de homens que pensam saber algo mas que pouco ou nada sabem A partir daí então os inspecionados por eles passam a odiar a mim e não a si mesmos e a dizer que Sócrates é um miasmático e corrompe os jovens E quando alguém lhes pergunta o que ele faz e o que ensina não têm nada a dizer ignoram mas para que não pareça que estão em aporia falam aquilo que anda sempre à mão contra todos que filosofam as coisas suspensas no ar e as sob a terra e a não crer em deuses e a tornar superior o discurso inferior Porque a verdade penso eu eles não gostariam de dizer que há evidência de que nada sabendo só fingem saber Assim por serem penso eu amigos do prestígio intensos e numerosos eles têm enchido os ouvidos de vocês tanto antes quanto agora com intensas calúnias Foi com base nisso que Meleto veio para cima de mim junto com Anito e Lícon70 24 Meleto tomando as dores dos poetas Anito as dos trabalhadores e dos envolvidos com a política e Lícon as dos oradores De modo que como eu dizia no princípio ficaria espantado se conseguisse arrancar de dentro de vocês em tão pouco tempo uma calúnia que está tão funda Essa é varões atenienses a verdade e falo sem ocultar a vocês nem muito nem pouco e sem empregar subterfúgios Naturalmente sei que em geral me torno odioso exatamente por isso o que ainda comprova que estou dizendo a verdade e que essa é a calúnia contra mim e que as causas são essas É o que vocês quer as investiguem agora quer depois descobrirão A respeito então das coisas de que me acusavam meus primeiros acusadores essa defesa perante vocês é suficiente Depois disso perante Meleto esse homem bom e patriota conforme diz ser e perante os últimos tentarei me defender Mais uma vez como se fossem diferentes esses acusadores tomemos a declaração juramentada deles é mais ou menos isto Sócrates age mal diz ao corromper os jovens e ao não crer nos deuses em que a cidade crê mas em coisas numinosas diferentes novas É uma queixa assim71 Mas inspecionemos cada ponto dessa queixa Diz que ao corromper os jovens ajo mal Mas eu pessoalmente varões atenienses digo que Meleto age mal porque fica se divertindo com o que é sério ao conduzir homens a júri de modo leviano ao fingir levar a sério e se afligir por questões pelas quais ele absolutamente jamais militou72 Que isso é assim tentarei demonstrar também a vocês Me diga aqui Meleto você faz outra coisa senão ter na mais alta conta que os mais jovens sejam os melhores possíveis É o que faço Ande então diga a estes aponta para o júri quem os faz melhores Pois é claro que você sabe militante que é Depois de descobrir quem como você diz os corrompe você me convoca à presença destes aqui e me acusa Mas quem os faz melhores ande lhes diga e revele quem é Silêncio Você está vendo Meleto como você se cala e não tem o que dizer Na realidade não lhe parece algo vergonhoso e prova suficiente do que eu dizia que por isso você não tem absolutamente militado Vamos fale bom homem quem os faz melhores As leis Mas não é isso que eu estou perguntando ótimo homem mas qual a pessoa primeiro que sabe exatamente isto as leis Eles Sócrates os jurados Aponta para o júri O que você está dizendo Meleto Que estes aqui têm condições de educar os jovens e fazêlos melhores Com certeza Todos têm ou alguns deles sim e outros não Todos Por Hera você fala bem e de uma grande abundância de beneficiadores Mas e estes aqui os ouvintes aponta para a plateia os fazem melhores ou não Eles também E os conselheiros Os conselheiros também73 25 Mas então Meleto não me diga que os que vão à assembleia corrompem os jovens74 Ou eles todos também os fazem melhores Eles também Pelo jeito então todos os atenienses os fazem belos e bons menos eu só eu os corrompo É isso que você está dizendo Com certeza é isso mesmo que estou dizendo Imenso é o infortúnio que você me imputou Me responda ainda também com os cavalos lhe parece ser realmente assim são todos os homens que os fazem melhores enquanto é um só que os corrompe Ou é inteiramente o contrário disso tendo um só condições de fazêlos melhores ou muito poucos os cavalariços enquanto a maioria se com cavalos convive e deles se serve os corrompe Não é assim Meleto seja com os cavalos seja com todos os outros animais Decerto que é totalmente quer você e Anito digam que sim quer digam que não Pois imensa seria para os jovens a bemaventurança se um só os corrompesse enquanto os demais os beneficiassem Mas você Meleto demonstra suficientemente que jamais deu atenção aos jovens e exibe claramente sua não militância porque você não tem absolutamente militado pelas coisas em nome das quais me convoca Mas nos diga ainda Meleto em nome de Zeus é melhor viver entre cidadãos prestativos ou sofríveis Silêncio Responda meu querido pois não estou perguntando nada complicado Os sofríveis não realizam algo de mau para os que estão sempre muito próximos deles enquanto os bons algo de bom Com certeza Há então quem prefira ser prejudicado por aqueles com que convive a ser beneficiado Silêncio Responda bom homem A lei o manda responder Há quem prefira ser prejudicado Certamente que não Muito bem Você me convoca até aqui por eu corromper os mais jovens e fazêlos mais sofríveis voluntária ou involuntariamente Voluntariamente penso eu Mas como Meleto Você que está com tal idade é tão mais sábio que eu que estou com esta 75 a ponto de você mesmo já ter percebido que os maus realizam algo de mau sempre para os que estão muito perto deles e os bons algo de bom enquanto eu vou tão longe em minha ignorância a ponto de não perceber até isto que se tornar mesquinho um dos que convivem comigo correrei o risco de receber dele algo de mau e portanto fazer esse mal tamanho voluntariamente como você está dizendo A mim você não convence disso Meleto 26 e penso que tampouco a nenhum outro homem Ou eu não corrompo ou se corrompo o faço involuntariamente de modo que você em ambos os casos mente E se corrompo involuntariamente por erros tais involuntários a lei não manda que se convoque até aqui mas sim que se aborde a pessoa em particular para ser ensinada e repreendida Pois é claro que em aprendendo vou parar de fazer o que involuntariamente faço Mas conviver comigo e me ensinar você evitava e nunca quis e agora me convoca até aqui aonde a lei manda convocar os que precisam de castigo não de ensino Mas isso a esta altura está claro varões atenienses conforme eu dizia que Meleto por essas coisas jamais militou nem muito nem pouco Ainda assim fale para nós de que maneira Meleto você afirma que eu corrompo os mais jovens Sim claro conforme está na denúncia que você fez Ensinando a não crer nos deuses em que a cidade crê mas em coisas numinosas diferentes novas Não é ao ensinar isso que você está dizendo que os corrompo Mas com certeza é isso mesmo que estou dizendo Em nome então desses próprios deuses Meleto de que falamos agora diga ainda mais claramente para mim e para estes varões aponta para o júri pois eu pessoalmente não sou capaz de compreender se você está dizendo que ensino a crer na existência de alguns deuses e então eu próprio creio na existência de deuses e não sou absolutamente ateu nem é por aí que ajo mal porém não exatamente naqueles em que a cidade crê mas em diferentes e é por isso que você me intima porque diferentes ou se você está afirmando cabalmente que eu próprio não creio em deuses e ensino isso aos demais É isso que estou dizendo que você não crê absolutamente em deuses Admirável Meleto com que finalidade você diz isso Eu não creio então nem que Sol nem que Lua são deuses como os demais homens76 Não por Zeus varões jurados uma vez que afirma que o Sol é pedra e que a Lua é terra Você pensa que está acusando Anaxágoras caro Meleto e despreza assim estes aqui aponta para o júri pensando que são tão semrecursos nas letras a ponto de não saberem que os livros de Anaxágoras de Clazômena é que estão cheios desses discursos77 Além do mais é comigo que os jovens aprendem essas coisas eles que podem comprandoas de vez em quando não por muito por uma dracma na orquestra78 rir de Sócrates caso venha a fingir que são suas sobretudo sendo elas tão estranhas Mas então em nome de Zeus é isso mesmo que lhe parece que não creio na existência de deus algum Que não por Zeus nem de uma maneira nem de outra Você é inacreditável Meleto E assim como parece ser para mim deve parecer para você mesmo Pois este homem aponta para Meleto varões atenienses me parece ser muito soberbo e insolente e simplesmente fazer esta denúncia por uma soberba uma insolência uma molecagem 27 Ele se assemelha a quem põe à prova compondo como que um enigma Será que Sócrates o sábio vai perceber que fico me divertindo e entrando em contradição comigo mesmo ou vou enganar por completo a ele e aos demais ouvintes Pois me parece que este homem entra em contradição consigo mesmo em sua denúncia como se dissesse Sócrates age mal ao não crer em deuses embora crendo em deuses Mas isso é de quem está brincando Examinem então comigo varões por que ele me parece falar assim Você Meleto respondanos e vocês conforme lhes pedi no princípio lembremse de não fazer tumulto caso elabore meus discursos da maneira habitual Há dentre os homens Meleto quem creia na existência de assuntos humanos mas na de homens não creia Meleto protesta em voz baixa Que ele responda varões e não promova um tumulto atrás do outro Há quem não creia na de cavalos mas na de assuntos de cavalo sim Ou não creia na existência de flautistas mas na de assuntos de flauta sim Silêncio Não há melhor dos homens Se você não quer responder falo para você e para estes outros aponta para o júri Mas responda pelo menos ao que decorre disto há quem creia na existência de assuntos numinosos mas na de numes não creia79 Não há Que bom que você respondeu mesmo que a muito custo forçado por estes aqui Ora você não afirma que não só ensino mas que também creio em coisas numinosas quer novas quer antigas Portanto em coisas numinosas pelo menos eu creio de acordo com seu discurso e a esse respeito você até jurou no ato de indiciamento Se creio em coisas numinosas decerto é muito imperioso que eu creia também em numes não é assim Silêncio Mas é Vou colocálo reconhecendo que sim já que não responde 80 E quanto aos numes não os consideramos com efeito deuses ou filhos de deuses Você diz que sim ou não Com certeza Ora se eu considero os numes como você mesmo diz e se os numes são determinados deuses eis por que digo que você fala por enigma e fica se divertindo ao afirmar que eu embora não considere os deuses volto a considerar por sua vez os deuses já que os numes pelo menos eu considero E se os numes por sua vez são determinados filhos bastardos dos deuses nascidos de ninfas ou de outras mães quaisquer das que também se diz que são81 qual dos homens consideraria a existência dos filhos dos deuses mas dos deuses não Seria igualmente estranho se se considerasse a existência dos filhos dos cavalos ou mesmo dos jumentos os semijumentos mas não a dos cavalos e a dos jumentos82 O fato Meleto é que não há como não ser para nos pôr à prova que você fez esta denúncia ou então porque você estava em aporia quanto à verdadeira má ação pela qual me intimaria Mas para que você possa convencer algum dos homens mesmo que tenha pouco bomsenso de que a pessoa que considera coisas numinosas não é a mesma que considera coisas divinas 28 e que por sua vez é a mesma que não considera nem numes nem deuses nem heróis meio algum existe83 De todo modo varões atenienses não me parece ser o caso para uma extensa defesa de que não ajo mal como diz a denúncia de Meleto isso mesmo já é suficiente Mas aquilo que eu dizia anteriormente que contra mim surgiu muito ódio e junto a muitos fiquem sabendo que é verdade E é isso que me condenará se é que vai mesmo me condenar não Meleto nem Anito mas a calúnia e a inveja de muitos Coisa que a muitos varões belos e bons tem condenado e ainda vai penso eu condenar não há perigo algum de que pare em mim Alguém poderia então talvez dizer Mas você não sente vergonha Sócrates de ter se ocupado com uma tal ocupação pela qual agora corre o risco de morrer E a ele eu contraporia justo discurso Você não fala belamente homem se pensa que precisa calcular o risco de viver ou morrer o varão que é de alguma serventia mesmo que pequena e que não examina antes apenas isto se quando age age justa ou injustamente e se os feitos são de bom ou vil varão Pois banais seriam ao menos pelo seu discurso quantos semideuses em Troia morreram especialmente o filho de Tétis o qual frente a ter de suportar algo vergonhoso desprezou a tal ponto o risco que no momento em que a mãe disse a ele ansioso por matar Heitor sendo ela uma deusa84 mais ou menos assim penso eu Filho se você vingar o assassinato do companheiro Pátroclo e matar Heitor você mesmo vai morrer que logo para ti está diz depois de Heitor pronto o fado ele ouvindo isso fez pouco caso da morte e do risco e temendo bem mais viver como vil sem vingar os amigos que eu logo morra diz justiçando quem agiu mal para que eu não fique aqui sendo motivo de chacota junto às naus curvadas fardo da terra85 Não me diga que você pensa que ele se preocupou com a morte e o risco Pois na verdade varões atenienses assim é no lugar onde nos posicionamos por considerarmos o melhor ou somos pelo comandante posicionados nele devemos segundo me parece ficar e correr riscos diante da vergonha não mais calculando nem morte nem nada mais Eu mesmo agiria terrivelmente varões atenienses se tendo antes ficado como qualquer outro no lugar onde me posicionavam quando os comandantes que vocês mesmos escolheram para me comandar a mim me posicionavam tanto em Potideia quanto em Anfípolis e no Délio86 e tendo corrido o risco de morrer agora ao contrário com o deus a me posicionar conforme pensei e supus que devo viver filosofando e inspecionando a mim mesmo e aos outros 29 eu abandonasse meu posto temendo a morte ou qualquer outro acontecimento Seria decerto terrível e na verdade muito justamente então eu seria convocado até o tribunal porque na existência de deuses não creio ao desobedecer à adivinhação ao temer a morte e ao pensar que sou sábio quando não sou Porque naturalmente varões temer a morte não é outra coisa senão parecer que se é sábio quando não se é pois é parecer que se sabe o que não se sabe Mas a morte ninguém sabe se acaso não é o maior de todos os bens para o homem porém a temem como se soubessem ser o maior dos males E o que é isso senão aquela ignorância mais reprovável a de se pensar saber o que não se sabe Eu varões nisso talvez divirja aqui também da maioria dos homens E se afirmasse que de fato sou mais sábio que alguém em algo seria nisto porque assim como não sei o suficiente sobre as coisas no Hades87 também penso não saber88 No entanto que agir mal e desobedecer a quem é melhor deus ou homem é mau e vergonhoso bem sei Portanto diante de males que sei que são maus aquelas coisas que não sei se acaso são boas jamais temerei nem evitarei Sendo assim nem se agora vocês me liberarem não dando crédito a Anito que afirmava que de início não era preciso me trazer até aqui ou que uma vez trazido não era possível não me matar pois ele dizia a vocês que se eu escapasse os seus filhos podendo já se ocupar com aquilo que Sócrates ensina se corromperiam todos totalmente e se vocês diante disso me dissessem89 Sócrates agora não obedeceremos a Anito e o liberamos mas com esta condição de você não filosofar mais nem passar seu tempo se dedicando a essa investigação Se você for pego a fazer ainda isso morrerá se vocês portanto me liberassem como eu disse nessas condições eu lhes diria Varões atenienses eu os saúdo e amo mas obedecerei antes ao deus que a vocês e enquanto respirar e tiver condições receio não parar de filosofar e a vocês advertir e mostrar a qualquer um de vocês que eu sempre encontrar falando daquele jeito a que estou habituado melhor dos homens você sendo um ateniense da maior e mais reputada cidade em sabedoria e força não sente vergonha de militar em favor do dinheiro a fim de possuir o máximo possível e da fama e da honra mas em favor da reflexão da verdade e da alma a fim de ser a melhor possível não militar nem se preocupar E se algum de vocês quiser discutir e disser que milita não o liberarei de imediato nem me afastarei mas vou interrogálo e inspecionálo e refutálo90 E se me parecer não ter adquirido a virtude mas dizer que sim 30 vou reproválo por considerar de menos o digno do máximo e o mais banal demais Farei isso com o mais jovem e com o mais velho com qualquer um que eu encontrar com o estrangeiro e com o concidadão mais com os concidadãos pelo tanto que por raça vocês me são mais próximos Pois é isso fiquem sabendo que o deus me ordena e eu mesmo penso que ainda não surgiu para vocês nenhum bem maior na cidade do que meu serviço ao deus Nenhuma outra coisa faço enquanto circulo a não ser persuadir tanto os mais jovens quanto os mais velhos dentre vocês a não militar em favor nem do corpo nem do dinheiro não antes nem com a mesma intensidade que em favor da alma a fim de ser a melhor possível e vou dizendo que não surge do dinheiro a virtude mas da virtude o dinheiro e todos os demais bens humanos públicos e privados Se ao dizer então tais coisas corrompo os jovens tais coisas teriam que ser danosas Mas se alguém afirma que digo coisas diferentes dessas não diz nada Diante disso atenienses eu diria quer vocês obedeçam a Anito quer não quer me liberem quer não me liberem não poderei agir de outro modo nem mesmo se estiver prestes a morrer incontáveis vezes Tribunal reage às declarações de Sócrates Não façam tumulto varões atenienses mas se mantenham fiéis ao que solicitei a vocês de não fazerem tumulto com as coisas que eu disser e sim ouvir porque conforme penso vocês ainda tirarão proveito de me ouvir Estou prestes a lhes dizer algumas outras coisas contra as quais talvez vocês gritem mas não façam isso de maneira alguma Pois fiquem sabendo se vocês me matarem por ser desse jeito que digo que sou não prejudicarão a mim mais do que a vocês mesmos É que em nada me prejudicaria Meleto ou Anito nem seria capaz pois não penso que é lícito um varão melhor ser prejudicado por um inferior Poderia sim talvez me condenar à morte ou ao exílio ou à atimia91 Porém se ele ou algum outro pensa talvez que essas coisas são grandes males eu mesmo não penso muito pior é fazer o que ele está fazendo ao tencionar matar injustamente um homem Portanto varões atenienses estou longe agora de falar em minha própria defesa como se poderia pensar falo sim em defesa de vocês para que não errem votando contra mim em relação à dádiva do deus a vocês conferida92 Porque se vocês me matarem não vão encontrar facilmente outro desse jeito simplesmente ligado à cidade por ordem do deus ainda que seja algo um pouco risível de se dizer como a um alto e nobre cavalo que por causa da altura é um pouco lerdo e precisa ser despertado por algum moscardo93 Assim me parece realmente ter o deus me ligado à cidade desse jeito eu que de despertálos e persuadilos e reproválos um por um não paro de modo algum 31 o dia inteiro por toda parte assediandoos Outro desse jeito não surgirá facilmente para vocês varões e se vocês me derem ouvidos me pouparão Mas vocês poderiam talvez quem sabe ficar aborrecidos como os que são despertados de um cochilo e me dando um safanão e ouvidos a Anito poderiam facilmente me matar e então continuar dormindo pelo resto da vida a menos que o deus aflito por vocês lhes enviasse um outro94 Que por acaso sou eu esse tipo de homem que à cidade pelo deus foi dado vocês poderiam perceber a partir disto é que não se assemelha a algo humano eu ter me despreocupado de tudo que é meu e já por tantos anos aguentar a família sendo negligenciada para realizar sempre o que diz respeito a vocês me dirigindo a cada um em particular como um pai ou um irmão mais velho tentando persuadilos a se preocupar com a virtude Se eu ganhasse algo com isso se incitasse a isso só para obter meu pagamento eles teriam algo que dizer Mas agora vocês mesmos estão vendo que meus acusadores que em tudo mais assim desavergonhadamente me acusam ao menos não foram desavergonhados o bastante a ponto de apresentar testemunho disto de que alguma vez para mim exigi ou pedi pagamento E é suficiente penso que eu apresente esta testemunha de que estou dizendo a verdade a Penúria Talvez possa parecer estranho que em particular eu dê esses conselhos enquanto vou circulando e atue além da conta mas que em público não me atreva a subir perante vocês a maioria e dar conselhos à cidade A causa disso é aquilo que vocês têm me ouvido muitas vezes mencionar em muitos lugares que algo divino e numinoso me vem precisamente o que Meleto comicamente incluiu na denúncia Começou de menino uma voz que me vem que quando vem é sempre para me dissuadir de fazer aquilo que estou prestes a fazer jamais para me persuadir É isso que se opõe a que eu faça política e belissimamente se opõe me parece Pois fiquem sabendo varões atenienses se eu há tempos tivesse tencionado fazer política há tempos estaria morto e em nada teria beneficiado nem a vocês nem a mim mesmo Mas não se aborreçam comigo porque digo a verdade É que não há quem venha a se salvar dentre os homens depois de se opor genuinamente a vocês ou a qualquer outra maioria impedindo que muitas coisas injustas e ilegais ocorram na cidade 32 antes é imperioso que o que realmente combate em nome do justo mesmo que vá se salvar por pouco tempo atue privada e não publicamente Eu mesmo vou lhes apresentar grandes provas disso não palavras mas aquilo que vocês mais apreciam fatos Ouçam então o que se passou comigo para que vocês saibam que eu contra o justo não me sujeitaria a ninguém por receio da morte e sem me sujeitar de imediato morreria Direi coisas apelativas de tribunais mas verdadeiras Eu atenienses não ocupei jamais nenhum outro posto na cidade só fui conselheiro95 E coincidiu de nossa tribo a Antióquida estar na presidência quando vocês decidiram julgar em bloco os dez generais que não fizeram o resgate na batalha naval de maneira ilegal como pareceu a todos vocês tempos depois96 Só eu então entre os presidentes me opus a que vocês fizessem algo ilegal e votei contra E embora os oradores já estivessem preparados para me indiciar e prender e vocês incentivassem e gritassem pensei que meu dever era antes me arriscar ao lado da lei e do justo do que ficar do lado de vocês que não estavam decidindo coisas justas por medo da prisão ou da morte Isso era ainda com a cidade governada democraticamente Mas depois que veio a oligarquia foi a vez de os Trinta mandarem chamar logo a mim e a mais quatro à Rotunda determinando que trouxéssemos de Salamina o salamínio Leon para que morresse97 E coisas assim eles determinaram muitas vezes a muitos outros no desejo de abarrotar de culpas o maior número possível de pessoas Eu no entanto não por palavras mas por atos também dessa vez mostrei que com a morte me preocupo se não fosse algo um pouco grosseiro de se dizer nem um pouco enquanto que com não efetuar nada injusto nem ímpio com isso me preocupo totalmente Pois a mim aquele governo por mais violento que fosse não atordoou o bastante a ponto de me fazer efetuar algo injusto depois que saímos da Rotunda os outros quatro partiram na direção de Salamina e trouxeram Leon enquanto eu me afastando parti na direção de casa98 E teria talvez morrido por causa disso se o governo não tivesse sido rapidamente dissolvido Também desses fatos vocês terão muitas testemunhas Vocês pensam então que eu teria vivido por tantos anos se tivesse realizado as atividades públicas e realizandoas como é digno de um bom homem tivesse vindo em socorro do lado justo e tido isso conforme se deve ter na mais alta conta Faltaria muito varões atenienses Nenhum outro homem teria 33 Ficará claro porém que eu ao longo de toda a minha vida em público se algo realizei fui assim e em particular do mesmo jeito nunca concordando com ninguém a respeito de nada que fosse contra o justo nem mesmo com nenhum desses que meus caluniadores dizem ter sido meus alunos99 Eu nunca fui professor de ninguém Mas se alguém deseja me ouvir falar e realizar o que me concerne seja mais jovem seja mais velho isso nunca neguei a ninguém Tampouco só dialogo quando obtenho dinheiro e quando não obtenho não me coloco sim à disposição igualmente tanto do rico quanto do pobre para que me interroguem e caso queiram ouçam por meio de respostas o que digo Mas eu mesmo se algum desses se torna prestativo ou não não posso com justiça levar a culpa nunca a nenhum deles nem prometi nem ensinei lição nenhuma E se alguém afirma que alguma vez aprendeu ou ouviu de mim em particular algo que todos os outros não fiquem sabendo que não está dizendo a verdade Mas por que será então que alguns gostam de passar muito tempo comigo Vocês já ouviram varões atenienses eu lhes disse toda a verdade porque gostam de ouvir os que pensam ser sábios mas que não são sendo inspecionados pois não é algo desprazeroso Isso a mim conforme já disse o deus tem determinado fazer a partir das adivinhações e dos sonhos e por todos os meios com os quais qualquer outra providência divina alguma vez também determinou a um homem fazer o que quer que seja Isso varões atenienses é algo não só verdadeiro mas também facilmente verificável se eu realmente a uns jovens estou corrompendo e a outros já corrompi decerto seria necessário caso tornandose mais velhos alguns deles tivessem percebido que quando jovens lhes dei certa vez um mau conselho que subissem agora perante vocês e me acusassem e castigassem E se eles mesmos não quisessem que alguns de seus familiares pais irmãos ou outros os mais chegados agora rememorassem isso e me castigassem no caso de seus familiares terem sofrido comigo um mal De toda maneira estão por aqui muitos deles os quais eu mesmo estou vendo apontando primeiro esse Críton da minha idade e do meu demo pai deste Critóbulo depois Lisânias de Esfetos pai deste Ésquines e ainda esse Antifonte de Cefísia pai de Epígenes Há naturalmente esses outros cujos irmãos estiveram presentes àqueles passatempos Nicóstrato filho de Teozótide irmão de Teódoto mas Teódoto está morto de modo que não apelaria a ele e este Parálio filho de Demódoco de quem era irmão Teages 34 e este Adimanto filho de Aríston de quem é irmão esse Platão e Ajantodoro de quem este Apolodoro é irmão100 Eu posso mencionar para vocês muitos outros também algum dos quais Meleto deveria de preferência ter apresentado como testemunha em seu discurso Se ele então se esqueceu que apresente agora eu lhe cedo o lugar e diga se tem alguma assim No entanto bem ao contrário disso vocês encontrarão varões todos prontos a me auxiliar ao corruptor ao malfeitor de seus familiares como afirmam Meleto e Anito Eles os corrompidos teriam talvez razão para me auxiliar mas os incorruptos já varões mais velhos os mais chegados àqueles que outra razão têm para me auxiliar senão a reta e justa porque sabem que Meleto está mentindo enquanto eu estou dizendo a verdade Pois bem varões O que eu teria para dizer em minha defesa é basicamente isso e talvez algumas outras coisas que tais Mas algum de vocês poderia talvez se abalar ao se lembrar do próprio caso de que mesmo se batendo num embate menor que este embate apelou e suplicou aos jurados com muitas lágrimas fazendo até as próprias crianças pequenas subirem aqui para que se tivesse o máximo de pena possível além de outros familiares e muitos amigos enquanto eu mesmo claro não farei nada disso mesmo correndo este risco o risco extremo conforme pode lhe parecer Refletindo então sobre essas coisas alguém poderia talvez ficar mais altivo em relação a mim e enraivecido precisamente por isso depositar com raiva seu voto Se algum de vocês está ficando assim eu mesmo espero que não mas se está me parece que para esse eu poderia falar palavras adequadas dizendolhe Ótimo homem também tenho alguns familiares eu presumo Pois também vale para mim aquele dito de Homero eu nem de carvalho nem de rochedo brotei mas de homens101 de modo que tenho varões atenienses não só familiares como filhos três um já adolescente e duas crianças pequenas102 No entanto não é fazendo um deles subir aqui que vou pedir a vocês que votem a meu favor Por que então não farei nada disso Não por ser altivo atenienses nem por subestimálos se fico valente em face da morte ou não é outra conversa103 mas é em face da opinião sobre mim sobre vocês e a cidade inteira que me parece belo não fazer nada disso 35 estando eu com esta idade e tendo este nome104 e quer seja verdade quer seja mentira é opinião corrente que Sócrates difere em algo da maioria dos homens Ora se aqueles dentre vocês que parecem diferir em algo seja em sabedoria seja em coragem seja em qualquer outra virtude se comportarem desse jeito seria vergonhoso Eu mesmo várias vezes vi uns assim que apesar de parecerem ser alguma coisa quando julgados agem de modo espantoso como se pensassem que haveriam de sofrer algo terrível no caso de morrerem como se houvessem de ser imortais caso vocês não o matassem Eles me parecem cobrir a cidade de vergonha a ponto de qualquer estrangeiro poder supor que aqueles que aqui diferem em virtude os que os atenienses em detrimento de si mesmos escolhem para os postos e demais honrarias que esses em nada diferem das mulheres Isso então varões atenienses nós os que parecemos ser alguma coisa da maneira que for não devemos fazer nem devem vocês se o fazemos ser lenientes mas antes mostrar precisamente isto que votariam muito mais contra o que produz esses dramas dignos de pena e faz da cidade motivo de chacota do que contra o que se conduz sossegadamente Opiniões à parte varões não me parece justo apelar ao jurado e apelando escapar mas antes instruir e persuadir Pois não é para isso que o jurado toma assento para fazer da justiça favor mas para julgar E ele não jurou favorecer a quem bem lhe parecesse mas sim fazer valer as leis Portanto nem nós devemos acostumálos a vocês a jurar em vão nem vocês devem se acostumar pois nenhum de nós estaria sendo religioso Sendo assim não esperem varões atenienses que eu me obrigue a fazer tais coisas com vocês as quais não considero nem belas nem justas nem piedosas principalmente por Zeus quando estou me defendendo da acusação de irreligiosidade feita por este Meleto aqui aponta para o acusador Porque evidentemente se os persuadisse e com meu apelo os forçasse a violar os juramentos a existência de deuses eu os estaria ensinando a não considerar e simplesmente estaria ao me defender fazendo minha própria acusação de que não creio em deuses Mas falta muito para ser assim Pois eu creio varões atenienses como nenhum dos meus acusadores crê e deixo agora com vocês e com o deus me julgarem conforme há de ser melhor tanto para mim quanto para vocês A DEFINIÇÃO DA PENA Com 220 votos a seu favor e 280 contra Sócrates é considerado culpado A pena que havia sido proposta pela acusação era a morte mas ele pode sugerir para os jurados uma punição alternativa 36 Eu não me abalar varões atenienses com esse resultado vocês terem votado contra mim está ligado entre muitas outras coisas principalmente ao fato de que esse resultado não foi inesperado para mim estou muito mais espantado com o número de votos que resultou de cada lado Eu pelo menos não pensava que seria assim por pouco mas por muito E pelo jeito se apenas trinta dos votos tivessem mudado de lado eu teria escapado105 Mas de Meleto segundo me parece ainda agora escapei e não só escapei como a todos isto ao menos ficou claro que se Anito junto com Lícon não tivesse subido aqui para me acusar ele também teria sido condenado a pagar mil dracmas por não ter obtido a quinta parte dos votos106 O homem estipula então para mim a pena de morte Pois bem Mas e eu qual vou contraestipular para vocês varões atenienses Claro que uma merecida não E então O que mereço receber ou oferecer como retratação por não ter me conduzido sossegadamente na vida e não ter militado em favor daquilo por que a maioria milita dinheiro e negócios liderança do exército e liderança do povo e demais postos e conchavos e agrupamentos que existem na cidade depois de considerar que eu próprio era na realidade honesto demais para sair vivo se fosse ao encontro disso e por aí não fui por onde eu não iria ser de nenhuma serventia nem para vocês nem para mim mesmo mas me encaminhando para beneficiar cada um em particular com a maior benfeitoria por aí sim como estava dizendo fui tencionando persuadir cada um de vocês a não militar nem em favor de nenhuma de suas próprias coisas antes de militar em favor de si próprio a fim de ser o melhor e o mais sensato possível nem em favor das coisas da cidade antes de em favor da própria cidade e assim da mesma maneira militar em favor das demais coisas O que eu mereço então receber sendo desse jeito Algo bom varões atenienses se é preciso mesmo que eu verdadeiramente estipule isso segundo o merecimento E além do mais bom de um jeito que possa ser conveniente para mim Ora o que convém a um varão na penúria que é benfeitor e necessita ter tempo livre para incitálos Não há nada assim mais conveniente varões atenienses do que um homem que é desse jeito fazer sua refeição no Pritaneu muito mais do que se algum de vocês no cavalo na biga ou na quadriga tivesse vencido em Olímpia107 Porque esse faz vocês parecerem felizes enquanto eu serem e esse não necessita de modo algum de sustento enquanto eu necessito Se é preciso então que eu segundo o que é justo estipule a pena merecida 37 estipulo essa refeição no Pritaneu Talvez ao dizer isso a vocês pareça que falo de uma maneira muito próxima daquela com que tratei a compaixão e a humilhação sendo bastante altivo Mas não é bem assim atenienses É mais isto estou convencido de que não ajo mal voluntariamente com homem nenhum mas não consigo convencêlos disso pois dialogamos por pouco tempo uns com os outros Porque segundo penso se fosse lei para vocês como é para outros homens não julgar quando se trata de morte em um único dia apenas mas em muitos vocês teriam sido convencidos108 Mas agora não é fácil em pouco tempo desfazer grandes calúnias Estando de fato convencido de não agir mal com ninguém estou longe de vir a agir mal comigo mesmo e contra mim mesmo dizer que mereço algo mau e estipular para mim uma pena assim Por medo de quê De que receba essa que Meleto estipula para mim algo que se é bom ou se é mau digo que não sei No lugar dessa devo então escolher o que bem sei que são males e estipular isso Talvez o meu aprisionamento Mas por que devo viver na prisão como escravo do poder dos Onze sempre a postos109 Ou uma multa e ficar preso até que pague tudo Mas dá no mesmo para mim aquilo que eu dizia agora há pouco pois não tenho dinheiro com que pagar Devo estipular então o exílio Vocês talvez estipulassem essa pena para mim110 Porém um enorme apreço pela vida teria de se apossar de mim para eu ficar tão desprovido de razão a ponto de não ser capaz de raciocinar que se vocês que são meus concidadãos não puderam mais suportar meus passatempos e discursos os quais se tornaram tão pesados e detestáveis para vocês que agora mesmo buscam se livrar deles como outros os suportarão com facilidade Falta muito atenienses Bela vida seria a minha se eu um homem com esta idade fosse viver fora mudando e sendo expulso de uma cidade para outra Pois bem sei que aonde quer que eu vá os jovens me escutarão falar como aqui E se a esses eu rejeitar eles mesmos vão me ejetar convencendo os mais velhos mas se não os rejeitar seus pais e familiares é que vão por causa desses mesmos jovens Alguém poderia então talvez dizer Mas não nos diga Sócrates que você não vai conseguir viver fora calado e conduzindose sossegadamente Esta aqui é de todas as coisas a mais difícil de fazer alguns de vocês entenderem Pois se eu disser por um lado que isso é desobedecer ao deus e que por isso é impossível conduzirme sossegadamente 38 vocês não vão me dar ouvidos porque eu estaria sendo irônico111 E se eu disser por outro que acontece também de ser esse o maior bem para o homem fazer discursos todos os dias sobre a virtude e as demais coisas sobre as quais vocês me ouvem dialogar inspecionando a mim mesmo e aos outros e que a vida sem inspeção não vale a pena ser vivida pelo homem aí é que vocês enquanto falo vão me dar menos ouvidos ainda A situação como estava dizendo atenienses é essa e convencêlos disso não é fácil Ao mesmo tempo também não estou habituado a me achar merecedor de mal algum Se eu tivesse dinheiro teria estipulado um tanto que poderia pagar pois eu não seria em nada prejudicado Mas o fato é que agora não tenho a não ser que vocês queiram estipular para mim um tanto que eu seria capaz de pagar Talvez eu seja capaz de lhes pagar uma mina de prata É quanto estipulo então Alguns homens na plateia lhe fazem um sinal Este Platão aqui apontando varões atenienses e Críton e Critóbulo e Apolodoro mandam que eu estipule trinta minas que eles mesmos afiançam É quanto então estipulo e junto a vocês serão fiadores da prata esses homens dignos de fé A CONDENAÇÃO FINAL Diante das palavras de Sócrates 360 dos 500 jurados votam por manter a pena proposta pela acusação e sentenciamno à morte por envenenamento Por causa do imediatismo varões atenienses vocês terão junto aos que quiserem achincalhar a cidade a fama e a culpa de terem matado Sócrates sábio varão Porque dirão sim que sou sábio ainda que não seja os que quiserem reproválos Mas se vocês tivessem esperado um pouco mais isso teria acontecido naturalmente Pois vocês estão vendo minha idade que já vou avançado na vida e estou perto da morte Não falo isso para todos vocês mas para os que votaram pela minha morte E para esses mesmos digo também o seguinte Vocês talvez pensem varões que fui condenado por estar em aporia quanto àqueles tipos de discursos com que poderia tê los convencido depois de pensar que precisava fazer e dizer de tudo para escapar da punição Mas falta muito mesmo Fui condenado por estar em aporia não quanto aos discursos mas quanto ao atrevimento à falta de vergonha à vontade de lhes falar aquelas palavras que para vocês teriam sido mais agradáveis de ouvir eu gemendo me lamentando fazendo e dizendo muitas outras coisas indignas de mim como eu dizia do tipo precisamente que vocês estão habituados a ouvir dos outros Mas nem antes pensei que era preciso por causa do risco agir de modo servil nem agora me arrependo de ter me defendido assim prefiro muito mais morrer depois de ter me defendido desta maneira a ter que viver daquela 39 Pois nem numa causa nem numa guerra não se deve nem eu nem nenhum outro maquinar isto de tudo fazer para escapar da morte E nas batalhas muitas vezes fica claro que se pode escapar de morrer depondose as armas e dirigindose uma súplica aos perseguidores há ainda para cada situação de risco muitas outras maquinações para se escapar da morte se a pessoa tiver o atrevimento de tudo fazer e dizer Mas talvez isso não seja difícil varões escapar da morte Mas da baixeza sim muito mais difícil Pois mais forte que a morte se move112 E eu por ser lerdo e mais velho fui pego agora pela mais lerda enquanto meus acusadores por serem hábeis e afiados pela mais ágil a vileza E eu partirei agora condenado por vocês à pena de morte enquanto eles condenados pela verdade à mesquinhez e à injustiça E tanto eu me atenho ao estipulado quanto eles Eu presumo que era preciso talvez que essas coisas fossem assim e penso que elas têm a justa medida Mas é o que está por vir que desejo profetizar para vocês os que votaram contra mim pois já estou naquele ponto em que os homens mais profetizam quando estão prestes a morrer113 Afirmo que a vocês varões aos que me mataram um castigo há de chegar logo depois da minha morte muito pior por Zeus que aquele com que vocês me mataram Porque vocês fizeram isso pensando que haveriam de se livrar de ter de submeter suas vidas à refutação mas vai se passar com vocês inteiramente o contrário conforme eu mesmo afirmo serão mais numerosos os seus refutadores aos quais eu continha sem que vocês percebessem E serão tanto mais duros quanto mais jovens forem e vocês ficarão mais abalados ainda114 Pois se vocês pensam que matando homens haverão de impedir que alguém os reprove por não viverem corretamente não raciocinam corretamente é que esse livramento não é de todo possível nem belo mas aquilo sim é belíssimo e facílimo não podar os outros mas se equipar para ser o melhor possível Depois então de adivinhar tais coisas para vocês que votaram contra mim estou livre para morrer115 Já com os que votaram a meu favor teria prazer em dialogar sobre isso que ocorreu aqui enquanto os magistrados estão ocupados e ainda não vou para onde devo ir morrer116 Fiquem então comigo varões esse tanto de tempo pois nada impede de conversarmos uns com os outros o quanto for possível A vocês como se fossem meus amigos 40 quero mostrar o que significa isso que acaba de se passar comigo É que aconteceu comigo varões jurados e chamandoos de jurados eu os chamaria corretamente algo espantoso A minha habitual voz divinatória numinosa era antes a toda hora sempre muito assídua e se opunha mesmo nas coisas muito pequenas caso eu estivesse prestes a realizar algo incorreto mas agora acaba de se passar comigo conforme vocês mesmos estão vendo aquilo que qualquer um pensaria e que se crê ser o mal extremo e a mim o sinal do deus não se opôs nem quando saí cedo de casa nem enquanto subia aqui para o tribunal nem em momento algum do meu discurso quando ia dizer algo e no entanto em outros discursos em muitos momentos interrompeu sim minha fala no meio Mas agora em torno desta ação em momento algum em ato ou discurso algum ele se opôs a mim Devo supor então que o motivo é qual Eu mesmo vou lhes dizer correse o risco de que isso que acaba de se passar comigo seja um bem e não há como estarmos supondo corretamente todos que pensamos que morrer é um mal Tenho uma grande comprovação disso pois não há como o sinal habitual não ter se oposto a mim a não ser que eu estivesse prestes a realizar algo bom Reflitamos então também por aí de que há muita esperança de que seja um bem Pois morrer é uma destas duas coisas ou é como um nada e o morto não tem nenhuma sensação de nada ou conforme se diz por aí ocorre de ser uma transmigração e uma transferência da alma aqui deste lugar para um outro lugar117 Se não há sensação nenhuma mas é como um sono em que não se vê dormindo sonho nenhum que espantoso ganho a morte seria118 Pois eu penso que se fosse preciso que alguém elegesse aquela noite em que adormeceu tanto que nem sonho viu e comparando as demais noites e dias de sua vida com aquela noite fosse preciso que examinasse e dissesse quantos dias e noites viveu em sua vida melhor e mais docemente do que naquela noite penso não que um homem comum mas que o grande Rei o próprio119 acharia essas mais fáceis de enumerar do que os demais dias e noites Se portanto a morte é isso eu mesmo digo é um ganho Pois a totalidade do tempo parece mesmo ser assim nada mais do que uma única noite Se por outro lado a morte é como viajar daqui para outro lugar e o que se diz por aí é verdade que lá estão todos os mortos que bem maior que esse pode haver varões jurados Se chegando ao Hades 41 livres desses que dizem ser jurados vamos encontrar os jurados de verdade os quais também segundo o que se diz por lá julgam Minos Radamante e Éaco mais Triptólemo e outros tantos semideuses que foram justos em suas vidas será que pode ser banal a viagem120 Para conviver com Orfeu e Museu com Hesíodo e Homero quanto qualquer um de vocês não aceitaria pagar121 Eu quero é morrer incontáveis vezes se isso for verdade Porque para mim particularmente seria espantoso passar o tempo por lá cruzando com Palamedes Ájax Telamônio e qualquer outro dos antigos que morreu por uma decisão injusta122 e confrontar os meus sofrimentos com os deles não seria segundo penso sem atratividades123 E o principal levar a vida inspecionando e interrogando os de lá como os daqui quem deles é sábio e quem pensa ser mas não é Quanto varões jurados qualquer um não aceitaria pagar para inspecionar aquele que conduziu até Troia numeroso exército ou Odisseu ou Sísifo milhares de outros poderiam ser mencionados homens e mulheres com os quais dialogar conviver inspecionar seria uma felicidade inconcebível124 De toda maneira por causa disso ao menos os de lá decerto não matam O fato é que são mais felizes os de lá que os daqui entre outros motivos porque a essa altura são imortais pelo resto do tempo se é que é verdade o que se diz por aí Mas é necessário que vocês também varões jurados tenham esperanças em relação à morte e pensem nesta única verdade que para o homem bom não há mal algum nem quando vive nem quando morre e seus assuntos não são negligenciados pelos deuses Essas coisas não se passaram agora comigo por acaso mas para mim está claro isto que a esta altura morrer e ficar livre dos meus assuntos era melhor para mim Por isso também em momento algum o sinal me dissuadiu e com os que votaram contra mim e os meus acusadores eu mesmo não me exaspero muito No entanto não foi com esse pensamento que votaram contra mim e me acusaram mas pensando em me prejudicar pelo que merecem ser censurados Peço a eles porém apenas isto voltandose para os que o acusaram e condenaram que aos meus filhos quando chegarem à mocidade vocês castiguem varões perturbandoos da mesma maneira que eu perturbava a vocês caso eles lhes pareçam militar antes em favor do dinheiro ou outra coisa qualquer que em favor da virtude e caso pareçam ser algo nada sendo que vocês os reprovem como eu a vocês de que não militam pelo que devem e pensam ser algo quando não valem nada Se vocês fizerem isso 42 terei sentido com vocês o que é justiça eu e meus filhos Mas agora é hora de partirmos eu para morrer e vocês para viver Quem de nós vai para melhor a todos é inaparente menos ao deus Críton velho amigo de Sócrates vai visitálo na prisão dois dias antes de sua morte 125 SÓCRATES acordando e vendo o amigo ao seu lado 43 Por que você veio a esta hora Críton Não é cedo ainda CRÍTON Sim muito SÓCRATES Que hora exatamente CRÍTON Logo desponta o dia SÓCRATES Estou espantado de como o guarda da prisão quis atendêlo CRÍTON Ele já está acostumado comigo Sócrates por eu vir aqui muitas vezes e também tem recebido de mim uma ajuda126 SÓCRATES E você chegou há pouco ou faz tempo CRÍTON Faz um tempo razoável SÓCRATES Então por que não me acordou imediatamente em vez de se sentar em silêncio ao meu lado CRÍTON Não por Zeus Sócrates Eu é que não queria estar com tamanha insônia e aflição Mas também estou espantado faz tempo com você percebendo como dorme docemente E não o acordei de propósito para que você leve a vida da maneira mais doce possível Sim já anteriormente ao longo de toda a vida eu inúmeras vezes o felicitei pelo seu modo de ser mas muito mais no infortúnio que agora surgiu por você levar isso de maneira fácil e suave SÓCRATES Pois seria desmedido Críton se eu com esta idade me abalasse porque agora é preciso morrer CRÍTON Também outros com essa idade Sócrates se pegam diante de tais infortúnios mas a idade não os livra absolutamente de se abalar com a sorte que lhes advém SÓCRATES Assim é Mas por que você veio tão cedo CRÍTON Para trazer Sócrates dura mensagem não para você conforme me parece mas para mim e todos os seus colegas dura e grave a qual eu mesmo conforme penso só poderia trazer como a mais grave de todas SÓCRATES Qual mensagem Chegou de Delos a embarcação por ocasião de cuja chegada devo morrer127 CRÍTON Na realidade não chegou mas me parece que vai vir ainda hoje pelo que relataram os que vêm do Súnio e lá a deixaram128 Está claro por esses relatos que virá ainda hoje e então será forçoso Sócrates que amanhã você perca a vida SÓCRATES Boa sorte então para mim Críton se assim é caro aos deuses que assim seja Penso porém que ela não vai vir ainda hoje CRÍTON 44 De onde vem essa conjectura SÓCRATES Vou lhe dizer Devo morrer um dia depois de a embarcação chegar presumo eu CRÍTON Pelo menos é o que dizem os responsáveis por isso129 SÓCRATES Penso então que ela não vai vir neste dia que chega mas no outro130 Faço essa conjectura a partir de um sonho que vi há pouco essa noite E correse o risco de ter sido algo oportuno você não ter me acordado CRÍTON Mas e qual era o sonho SÓCRATES Me pareceu que uma mulher bela e formosa vestindo um manto branco veio até mim e me chamando disse Sócrates no terceiro dia chegas à fertilíssima Ftia131 CRÍTON Estranho sonho Sócrates SÓCRATES Porém nítido Críton ao menos é o que me parece CRÍTON Muito pelo jeito Mas ainda é tempo numinoso Sócrates132 de você me escutar e se salvar Porque para mim se você morrer não será apenas um infortúnio além de ficar privado de você de um colega como não vou encontrar nunca mais igual parecerá também a muitos que talvez não conheçam bem a mim e a você que eu tendo condições de o salvar caso quisesse gastar meu dinheiro fui negligente E que opinião sobre mim seria mais vergonhosa do que esta parecer ter em mais alta conta o dinheiro do que os amigos Pois a maioria não se convencerá de que foi você mesmo que não quis sair daqui apesar do nosso esforço SÓCRATES Mas por que nos preocuparmos assim venturoso Críton com a opinião da maioria Pois os mais honestos a quem mais vale dar atenção considerarão terem as coisas se passado assim tal como vieram a se passar CRÍTON Mas você está vendo Sócrates que é imperioso que nos preocupemos também com a opinião da maioria Os próprios acontecimentos de agora são claros a maioria tem condições de realizar não só os menores dos males mas também os maiores se alguém for caluniado junto a ela SÓCRATES Quem me dera Críton que a maioria tivesse condições de realizar os maiores males para assim realizar também os maiores bens e que belo seria Mas não tem nem de uma coisa nem de outra133 Pois não são capazes de tornar alguém nem sensato nem insensato o tornam sim do jeito que for CRÍTON Que essas coisas sejam mesmo assim Mas me diga o seguinte Sócrates não é por mim e pelos demais colegas que você se mostra cauteloso de que se você sair daqui os sicofantas criarão caso conosco porque o subtraímos daqui e seremos forçados ou a entregar todos os nossos haveres ou grosso dinheiro ou ainda sofrer outro mal qualquer além desses é134 Pois se você teme algo assim 45 deixe isso pra lá É justo eu presumo que nós corramos para salválo esse risco e um ainda maior que esse se for preciso Vamos me escute e não se negue SÓCRATES Com isso Críton e com muitas outras coisas me mostro cauteloso CRÍTON Não tema isso então Pois não é muita a prata que alguns querem obter para salválo e retirálo daqui Depois você não vê esses sicofantas como são baratos e que para eles não seria absolutamente preciso muita prata E você tem meu dinheiro o suficiente segundo penso Depois também se você aflito por mim pensa que não devemos gastar o meu estes estrangeiros por aqui estão prontos a gastar135 um até trouxe para isso mesmo prata suficiente Símias de Tebas E estão prontos também Cebes e muitos outros com certeza136 De modo que conforme eu dizia nem desista por temer isso de se salvar nem seja um empecilho para você aquilo que falou no tribunal que você não saberia o que fazer de si mesmo se fosse viver fora Pois também em muitas terras estrangeiras aonde quer que você chegue o acolherão Se você quiser ir para a Tessália tenho muitos amigos por lá que o vão ter em alta conta e lhe oferecer segurança para que na Tessália ninguém o perturbe137 Além do mais Sócrates também não me parece justo você buscar isso dar as costas a si mesmo quando é possível ser salvo Você está estimulando que ocorra com você exatamente o tipo de coisa que seus inimigos estimulariam e estimularam ao quererem destruílo E me parece ainda por cima que você está dando as costas também a seus próprios filhos os quais sendolhe possível terminar de criar e educar você partindo138 vai deixar para trás e da parte que lhe toca eles seguirão assim do jeito que for139 E encontrarão pelo jeito aquilo que costuma acontecer com os órfãos em sua orfandade Pois ou não devemos fazer filhos ou devemos ir juntos até o fim criandoos e educandoos E me parece que você está escolhendo o que é mais fácil Porém aquilo que um varão bom e corajoso escolheria é isso que você deve escolher depois de afirmar por toda vida ter militado em favor da virtude Porque eu próprio sinto vergonha por você e por nós seus colegas de que toda essa situação em torno de você pareça ter ocorrido por uma covardia nossa qualquer não só a entrada da causa no tribunal conforme adentrou quando era possível não adentrar como o próprio enfrentamento da causa conforme se deu e ainda finalmente isto aqui como que a parte risível da ação parecer que por uma vileza e uma covardia nossa qualquer ela nos escapou 46 visto que não o salvamos nem você se salvou quando havia condições e possibilidade já que éramos de alguma serventia mesmo que pequena140 Portanto Sócrates olhe para isso a fim de que junto com a vileza não haja também para nós e para você a vergonha Vamos decidase ou melhor nem é mais hora de se decidir mas de já se estar decidido E a decisão é uma só é preciso que tudo isso seja feito esta noite Se ainda esperarmos não haverá mais possibilidade nem condições Vamos Sócrates de todo jeito me escute e não se negue de modo algum SÓCRATES Caro Críton muito válido seu esforço se acompanhado de alguma correção se não quanto maior tanto mais problemático Portanto nós temos é que examinar se é nosso dever fazer isso ou não Porque eu mesmo não apenas agora mas sempre tenho sido deste jeito de não obedecer a nada mais em mim senão ao discurso que pelo meu raciocínio se mostrar para mim o melhor E os discursos que eu anteriormente proferia não sou capaz de agora os dispensar só porque me sobreveio esta sorte mas para mim se mostram basicamente iguais e são os mesmos de antes que eu reverencio e valorizo E a não ser que possamos dizer outros melhores que eles na situação presente fique sabendo que não não concordarei com você nem se o poder da maioria como a crianças nos mormorizar mais do que já acontece agora enviando cadeias e mortes em nossa direção e confiscos de dinheiro141 Como então poderemos examinar isso na mais justa medida E se retomássemos em primeiro lugar esse discurso que você proferia sobre as opiniões Todas as vezes era ou não belamente dito que em algumas opiniões é preciso prestar atenção e em outras não Ou será que antes de eu ter de morrer era belamente dito mas agora ficou claro que era dito em vão só por dizer e que era verdadeiramente uma brincadeira uma bobagem Eu pelo menos Críton estou sim disposto a examinar em conjunto com você se esse discurso vai se mostrar um pouco diferente pelo fato de eu me encontrar assim ou igual e se vamos deixálo pra lá ou obedecêlo Todas as vezes era dito mais ou menos assim segundo penso pelos que pensavam dizer algo conforme eu dizia agora há pouco que das opiniões que os homens têm seria preciso ter umas em alta conta e outras não Em nome dos deuses Críton isso não lhe parece belamente dito Pois você ao menos pelas previsões humanas está excluído de vir a morrer amanhã 47 e não é a você que o presente infortúnio atordoa142 Examine isso então não lhe parece satisfatoriamente dito que não é necessário valorizar todas as opiniões dos homens mas umas sim e outras não nem de todos mas de uns sim e de outros não O que você me diz Isso não está belamente dito CRÍTON Belamente SÓCRATES Portanto valorizar as prestativas e não as sofríveis CRÍTON Sim SÓCRATES E prestativas não são as dos sensatos e sofríveis as dos insensatos CRÍTON Como não SÓCRATES Muito bem Como eram ditas por sua vez tais coisas Um homem ao fazer ginástica e nisso se aplicar presta atenção no elogio e na censura de qualquer um ou daquele apenas que ocorre de ser médico ou treinador143 CRÍTON Daquele apenas SÓCRATES Portanto tem que temer as censuras e saudar os elogios daquele apenas e não os da maioria CRÍTON Sim claro SÓCRATES Desta maneira então é seu dever agir fazer ginástica comer e beber conforme pareça a apenas uma pessoa seu instrutor e quem entende mais do que a todas as outras juntas CRÍTON Assim é SÓCRATES Pois bem E desobedecendo a essa única pessoa desvalorizando sua opinião e seus elogios e valorizando os discursos da maioria e dos que não entendem nada não sofrerá nenhum mal CRÍTON Como não SÓCRATES E que mal é esse Onde o atinge Em que parte desse que desobedeceu CRÍTON É claro que no corpo pois o destrói por inteiro SÓCRATES Você fala belamente Ora Críton também em relação às demais coisas para não percorrermos todas elas não é assim e ainda a respeito das justas e injustas vergonhosas e belas boas e más em torno das quais gira agora nossa decisão É preciso que nós sigamos a opinião da maioria e dela tenhamos medo ou a de um só se há alguém entendido diante de quem é preciso sentir mais vergonha e medo do que de todas as outras pessoas juntas Se não o acompanharmos vamos corromper e afrontar aquilo que por um lado com o justo se tornava melhor e por outro com o injusto se destruía144 Ou não há nada disso CRÍTON Eu penso que sim Sócrates SÓCRATES Muito bem Se o que se torna melhor com o que é saudável e se corrompe com o que é doentio se nós o destruirmos por inteiro obedecendo não à opinião dos entendidos será que para nós valerá a pena viver estando ele corrompido E ele é o corpo eu presumo ou não CRÍTON Sim SÓCRATES Será então que para nós valerá a pena viver com um corpo amesquinhado e corrompido CRÍTON De jeito nenhum SÓCRATES Mas será que com aquilo corrompido para nós valerá a pena viver a que o injusto afronta e o justo ajuda Ou vamos considerar inferior ao corpo aquilo o que quer que porventura seja em nós 48 a que diz respeito tanto a injustiça quanto a justiça CRÍTON De jeito nenhum SÓCRATES Mais valioso então CRÍTON Com certeza SÓCRATES Então ótimo homem não devemos dar tanta atenção assim ao que vai dizer de nós a maioria mas sim o entendido nas coisas justas e injustas apenas a ele e à própria verdade De modo que por aí em primeiro lugar você não propõe o caso corretamente em sua proposição de que é preciso darmos atenção à opinião da maioria sobre as coisas justas belas e boas e sobre as contrárias Porém alguém poderia dizer a maioria tem sim condições de nos matar CRÍTON Sim isso também está claro pois é o que se poderia dizer Sócrates SÓCRATES Você está dizendo a verdade No entanto admirável homem esse discurso que acabamos de percorrer me parece ainda valer como antes Mas examine se este aqui também ainda se conserva para nós ou não de que se deve ter na mais alta conta não o viver mas o viver bem CRÍTON Sim se conserva SÓCRATES E que bem é o mesmo que belamente e justamente145 se conserva ou não se conserva CRÍTON Se conserva146 SÓCRATES Portanto é a partir desse reconhecimento que se deve examinar isso se é justo eu tentar sair daqui sem a liberação dos atenienses ou se não é justo Se isso se mostrar justo vamos tentar mas se não vamos deixar pra lá Quanto às observações que você fazia sobre gasto de dinheiro opinião e criação de filhos eu receio Críton que isso seja na verdade o observado por aqueles que de modo leviano matariam e ressuscitariam alguém se tivessem condições sem reflexão alguma essa maioria147 Já nós uma vez que o discurso assim determina receio que nada mais devamos examinar senão aquilo que dizíamos agora há pouco se faremos o justo ao darmos dinheiro e gratidão a esses que vão me tirar daqui e ao nos retirarem e sermos retirados ou se na verdade agiremos mal ao fazer tudo isso E caso nossos feitos se mostrem injustos eu receio diante do agir mal não ser preciso calcular se precisamos morrer aqui permanecendo e nos conduzindo sossegadamente ou sofrer qualquer outro mal CRÍTON Você me parece falar belamente Sócrates Veja o que devemos fazer SÓCRATES Devemos fazer um exame em conjunto bom homem E se você tiver alguma maneira de se contrapor ao meu discurso contraponhase e serei persuadido mas se não tiver venturoso homem pare então de me proferir incontáveis vezes o mesmo discurso de que é necessário que eu saia daqui contra a vontade dos atenienses Porque tenho em alta conta agir assim com você persuadido e não contrariado Veja então o princípio do exame se lhe parece satisfatoriamente dito 49 e tente responder ao que lhe for perguntado conforme você de fato pensa CRÍTON Sim tentarei SÓCRATES De modo algum nós afirmamos se deve agir mal voluntariamente ou de certo modo sim de certo modo não Não é o agir mal absolutamente nem bom nem belo como incontáveis vezes em tempos passados foi reconhecido por nós ou todas essas coisas que reconhecemos antes nestes poucos dias caíram por terra e nós há tempos Críton homens velhos já com esta idade dialogamos com seriedade entre nós mesmos sem perceber que em nada diferíamos das crianças Ou é acima de tudo do jeito que então dizíamos ser quer a maioria diga que sim ou que não quer devamos sofrer coisas ainda mais duras que estas ou até mesmo mais suaves ainda assim o agir mal acontece de ser para o malfeitor não só mau como vergonhoso de todo modo Afirmamos isso ou não CRÍTON Afirmamos SÓCRATES Então não se deve absolutamente agir mal CRÍTON Não realmente SÓCRATES Nem então quando se é vítima da má ação agir mal de volta conforme pensa a maioria já que não se deve absolutamente agir mal CRÍTON Parece que não148 SÓCRATES Mas como Devese então praticar o mal Críton ou não CRÍTON Não se deve certamente Sócrates SÓCRATES Mas e praticar o mal de volta quando se sofre um mal conforme afirma a maioria é justo ou não justo CRÍTON Absolutamente SÓCRATES Porque eu presumo fazer mal aos homens em nada difere de agir mal149 CRÍTON Você está dizendo a verdade SÓCRATES Não se deve então agir mal de volta nem fazer mal a nenhum dos homens o que quer que se tenha sofrido da parte deles Mas veja Críton se ao ir reconhecendo essas coisas você não reconhecerá algo que vai contra sua opinião pois sei que só a alguns poucos isso assim parece e parecerá Portanto entre aqueles aos quais assim parece e aqueles aos quais não entre esses não há decisão compartilhada mas é forçoso que se desprezem uns aos outros ao verem as decisões tomadas uns dos outros Examine muito bem então se você compartilha isso comigo e assim também lhe parece e se devemos principiar a tomar uma decisão por aí de que jamais é correto seja agir mal seja agir mal de volta seja ainda se defender quando se sofre um mal devolvendo o mal ou se você se afasta e não compartilha desse princípio Pois para mim desde antes e ainda agora assim me parece mas caso seja para você de uma outra maneira me fale e ensine Se no entanto você se conserva como antes ouça o que vem depois CRÍTON Mas me conservo e assim também me parece Vamos fale SÓCRATES Falo então o que vem depois ou melhor pergunto as coisas reconhecidas de comum acordo devem sendo elas justas ser feitas ou fraudadas CRÍTON Feitas SÓCRATES A partir disso então repare se nós saímos daqui sem ter persuadido a cidade 50 estamos fazendo mal a alguns a quem menos se deve fazer isso ou não150 E nos conservamos fiéis ao que foi reconhecido de comum acordo como sendo justo ou não CRÍTON Não tenho como responder Sócrates ao que você está perguntando pois não estou entendendo SÓCRATES Vamos examine deste modo Se sobre nós prestes a escapulir ou como quer que devamos chamar isso viessem se postar151 as Leis e o Interesse Comum da cidade e perguntassem Me diga Sócrates o que você tem em mente fazer Em alguma outra coisa você pensa com esse ato que tenciona praticar a não ser às Leis a nós destruir e da parte que lhe toca à cidade toda Ou tem condições lhe parece de continuar a existir e de não virar152 aquela cidade na qual as sentenças dadas não têm força alguma mas antes se tornam pela ação de homens simples não soberanas e corrompidas o que diremos nós Críton diante disso e de outras coisas do tipo Pois muito se teria para dizer especialmente um orador em defesa dessa lei destruída que estabelece como soberanas as sentenças julgadas Ou diremos a elas O fato é que a cidade agia mal conosco e não determinou corretamente a sentença É isso que diremos ou o quê CRÍTON Sim por Zeus isso Sócrates SÓCRATES Mas e se então as Leis dissessem Sócrates será que isso também tinha sido reconhecido de comum acordo por mim e por você153 ou antes se conservar fiel às sentenças que a cidade julgasse E se nos espantássemos com elas a falar assim talvez dissessem Sócrates não se espante com o que é dito mas apenas responda uma vez que você também está acostumado a fazer uso do perguntar e do responder Muito bem Você tenciona nos destruir nos intimando a nós e à cidade pelo quê154 Em primeiro lugar não fomos nós que o engendramos e através de nós que seu pai conseguiu tomar por esposa sua mãe e o gerar Fale então a estas dentre nós às leis sobre os casamentos você de algum modo censura por não se portarem belamente Não censuro eu diria Mas e aquelas sobre a criação do nascido e a sobre a educação com que inclusive você foi educado Será que essas dentre nós para isso designadas não davam belos comandos recomendando a seu pai que o educasse na arte das Musas e na da ginástica155 Belos eu diria Pois bem Depois de ter nascido de ter sido criado e educado você teria como dizer em primeiro lugar que não era nosso nosso rebento e nosso escravo tanto você quanto seus antepassados E se assim é você pensa ter o mesmo justo direito que nós e o que quer que tencionemos fazer com você pensa ser justo que você também o faça de volta Se com seu pai então você não tinha o mesmo justo direito nem com seu senhor se acontecia de você ter um para também fazer de volta aquilo que sofria nem podia sendo mal dito falar de volta nem sendo espancado espancar de volta nem muitas outras coisas do tipo 51 com a pátria então e com as leis é que você o terá de tal maneira que se nós tencionarmos destruí lo por considerar que é justo você também a nós às Leis e à pátria tencionará destruir de volta o quanto puder e dirá ao fazer isso que pratica a justiça você o que milita de verdade em favor da virtude Você é tão sábio que esqueceu que do que a mãe do que o pai e todos os demais antepassados a pátria é mais valiosa e mais venerável e mais sagrada e mais respeitada junto a deuses e homens que têm bomsenso e que à pátria quando exasperada se deve cultuar e adular e se sujeitar mais do que a um pai e ou persuadila ou fazer o que ordena e sofrer se ela mandar sofrer algo seja ser espancado seja aprisionado conduzindose sossegadamente e que se à guerra ela o conduzir para ser ferido ou morrer que isso também deve ser feito e é justo e que não se deve se sujeitar nem se retirar nem se abandonar o posto mas se fazer tanto na guerra quanto no tribunal e em todo lugar o que ordena a cidade e a pátria ou então a persuadir segundo o que é justo e que agir com violência com a mãe e o pai não é piedoso e muito menos ainda com a pátria156 O que afirmaremos nós diante disso Críton Que as Leis estão dizendo a verdade ou não CRÍTON Me parece que sim SÓCRATES Examine então Sócrates talvez afirmassem as Leis se nós nisto estamos dizendo a verdade que o que você agora tenciona fazer conosco não o tenciona de modo justo Pois nós tendo o gerado criado e educado tendo lhe dado participar de todas as coisas belas que tínhamos condições a você e a todos os outros cidadãos nós no entanto proclamamos ao deixar estabelecida nossa autoridade para qualquer ateniense quando é sabatinado e conhece os assuntos da cidade e a nós as Leis157 que aquele que nós não agradamos está autorizado a pegar o que é seu e partir para onde quiser E nenhuma de nós Leis é empecilho ou proíbe quer algum de vocês queira ir para uma colônia nossa porque nós e a cidade não o agradávamos quer emigrar partindo para outro lugar que vá para lá para onde quiser levando o que é seu Mas aquele de vocês que permanece vendo o modo pelo qual julgamos as sentenças e administramos as demais coisas da cidade esse então nós afirmamos ter na prática reconhecido de comum acordo conosco que haveria de fazer aquilo que nós ordenássemos e o que não é persuadido nós afirmamos agir triplamente mal porque não é persuadido por nós que o geramos porque não é por nós que o criamos e porque tendo reconhecido de comum acordo conosco que haveria de ser persuadido nem é persuadido nem nos persuade no caso de não fazermos algo belamente 52 Mesmo dando a ele uma opção e não mandando de maneira selvagem fazer o que ordenamos mas o incitando a uma coisa ou outra ou a nos persuadir ou a fazer ele não faz nenhuma das duas É nessas responsabilizações Sócrates que afirmamos que você também vai incorrer se fizer mesmo o que tem em mente e dentre os atenienses não será o que menos vai e sim o que mais E se eu então dissesse Mas por quê talvez com justiça me repreendessem dizendo que dentre os atenienses ocorre de ser eu quem mais reconheceu aquilo de comum acordo com elas Pois elas afirmariam Sócrates temos muitas provas disso de que tanto nós quanto a cidade o agradávamos você nunca nela ficaria diferentemente de todos os outros atenienses a não ser que ela o agradasse diferentemente Você jamais saiu da cidade para uma contemplação salvo uma vez para o Istmo158 nem para nenhum outro lugar a não ser para marchar com o exército nem fez jamais outra viagem tal como os demais homens nem se apossou de você o desejo de conhecer outra cidade e outras leis mas fomos o suficiente para você nós e nossa cidade Tanto assim nos escolhia e reconhecia que haveria de se conduzir na cidade em conformidade conosco que fez entre outras coisas filhos nela porque a cidade o agradava Além do mais houve naturalmente a possibilidade durante sua própria causa de você estipular para si se quisesse o exílio e aquilo que você agora tenciona fazer sem a aprovação da cidade poderia ter sido feito antes com a aprovação Mas enquanto antes você achava bonito não se abalar mesmo se fosse preciso morrer e preferia como dizia a morte ao exílio agora não sente vergonha daquelas palavras nem liga para nós as Leis pois tenciona nos corromper e faz exatamente aquilo que o mais torpe escravo faria ao tencionar escapulir contra o que foi reconhecido de comum acordo e contra aqueles pactos em conformidade com os quais você compactuou conosco se conduzir na cidade Em primeiro lugar então nos responda precisamente isto se estamos dizendo a verdade quando afirmamos que você reconheceu em ato e não em palavra se conduzir na cidade em conformidade conosco ou se isso não é verdade O que nós devemos afirmar Críton diante disso Há alguma outra coisa que devemos fazer senão reconhecer CRÍTON É forçoso Sócrates SÓCRATES Você está fazendo então alguma outra coisa elas afirmariam senão transgredir os pactos feitos pessoalmente conosco e o que foi reconhecido de comum acordo embora não o tenha reconhecido por força nem sido enganado nem forçado a decidir em pouco tempo mas em setenta anos durante os quais lhe foi permitido partir se nós não o agradávamos nem lhe parecia justo o que havia sido reconhecido E você não preferiu nem a Lacedemônia nem Creta que a todo momento afirma serem bem legisladas 159 nem nenhuma outra das cidades helênicas nem bárbaras 53 mas daqui se afastou menos que os coxos os cegos e os demais inválidos de tanto que a você diferentemente dos demais atenienses a cidade agradava e nós também as Leis é claro Pois a quem agradaria uma cidade sem leis E agora você não vai se conservar fiel ao que foi reconhecido Vai sim Sócrates se por nós for persuadido e não será motivo de chacota por deixar a cidade Examine então tendo cometido essas transgressões e incorrendo em alguma dessas faltas o que você vai realizar de bom para si próprio e para seus colegas Porque que os seus colegas correrão eles mesmos o risco de serem exilados e privados de sua cidade ou de perder seus haveres está relativamente claro Já você mesmo se for em primeiro lugar para uma das cidades mais próximas para Tebas ou Mégara pois ambas são bem legisladas 160 você lá chegará Sócrates como inimigo do regime deles e todos que zelam por sua própria cidade vão o olhar torto considerandoo um corruptor das leis e você confirmará a opinião dos jurados de maneira que vai parecer que julgaram corretamente sua causa pois aquele que é corruptor das leis pode muito bem presumese parecer corruptor de homens jovens e insensatos Ou você vai evitar as cidades bem legisladas e os mais ordenados dos homens Mas ao fazer isso será que para você valerá a pena viver Ou você vai se aproximar deles e com eles não vai ter vergonha de dialogar Mas com que discursos Sócrates Com aqueles daqui de que a virtude e a justiça têm o máximo valor para os homens e também os costumes e as leis E você não pensa que se mostraria indecente a atividade de Sócrates Só se pode pensar que sim Mas você vai então se afastar desses lugares e chegar à Tessália junto aos amigos de Críton Pois lá é máxima a desordem e a insolência161 e talvez ouvissem com prazer de você como escapuliu da prisão de modo risível colocando algum disfarce apanhando uma pele ou outras coisas do tipo com que estão acostumados a se disfarçar os que escapolem e mudando de figura E não vai haver quem diga que você homem velho pelo jeito com pouco tempo de vida pela frente se atreveu a desejar tão avidamente a vida a ponto de transgredir as leis mais importantes Talvez não se você não perturbar ninguém Caso contrário Sócrates você vai ouvir muitas coisas indignas a seu respeito Vai viver então bajulando e servindo a todos os homens e fazendo o quê a não ser se esbaldar na Tessália como se em busca de um banquete tivesse partido para a Tessália162 E aqueles discursos sobre a justiça e as demais virtudes diga para nós onde vão ficar 54 Mas é por causa dos filhos que você quer viver para terminar de criálos e educálos Mas como Para a Tessália os levando para criar e educar tornandoos estrangeiros a fim de que também disso desfrutem Ou isso não criados com você ainda vivo eles serão no entanto mais bem criados e educados sem que você conviva com eles Porque seus colegas cuidarão sim deles Ou se você partir para a Tessália cuidarão mas se partir para o Hades não cuidarão Se são realmente de alguma serventia os que afirmam ser seus colegas só se pode pensar que sim Vamos Sócrates persuadido por nós que o criamos não tenha diante do justo nem os filhos nem o viver nem nenhuma outra coisa em mais alta conta a fim de que ao chegar ao Hades apresente tudo isso em sua defesa perante os que lá comandam163 Pois nem aqui parece ser para você melhor fazer isso nem mais justo nem mais piedoso e tampouco para nenhum dos seus nem lá ao chegar será melhor Agora você vai partir se partir como vítima de uma má ação não nossa das Leis mas dos homens164 Mas se você sair daqui assim vergonhosamente agindo mal de volta e praticando o mal de volta transgredindo os pactos e o que foi reconhecido por você mesmo de comum acordo conosco e fazendo mal a quem menos devia a você mesmo aos amigos à pátria a nós não apenas nós vamos nos exasperar com você enquanto viver como também nossas irmãs de lá as Leis do Hades não o vão receber benevolamente sabendo que você tencionou da parte que lhe toca destruir até mesmo a nós Vamos não vá Críton persuadilo mais do que nós a fazer o que diz Saiba caro amigo Críton que é isso que eu pareço ouvir exatamente como os coribantes parecem ouvir as flautas e em mim o estrondo desses discursos fica ribombando me tornando incapaz de ouvir outras coisas165 Saiba então se você quiser falar contra tudo que agora me parece vai falar em vão Se no entanto você pensa que vai se sair bem fale CRÍTON Mas eu não tenho Sócrates o que falar SÓCRATES Deixe então Críton e sigamos por esse caminho já que é por esse caminho que o deus nos conduz 35 O júri era composto por cidadãos do sexo masculino acima de trinta anos indicados por sorteio 36 Até receber a sentença Sócrates evita chamar os que vão julgálo de jurados como era costume O termo só aparece no final e apenas para qualificar aqueles que o absolveram 37 O que Sócrates na verdade faz nos parágrafos iniciais de sua defesa e em outros momentos é parodiar argumentos e construções comuns na oratória forense 38 Sócrates emprega um termo raro kekalliepeménous belamente formulados que devia ser um jargão cunhado pelos retores Para recuperar o efeito do grego criamos o termo beletrificados 39 As bancas estabelecimentos bancários encarregados da troca de moedas eram um tradicional local de encontro muito frequentado 40 Sócrates não quer dizer com isso que nunca esteve num tribunal apenas que não havia se envolvido até então em nenhum processo 41 Virtude areté além do sentido moral mais restrito capacidade de realização do bem comporta também a ideia mais ampla primeira de competência 42 Figura mais importante dos três acusadores Anito era um democrata atuante Tem uma pequena participação no diálogo Mênon no qual mostra ojeriza aos sofistas e irritação com as palavras de Sócrates Pelo que está dito aqui devia ser o verdadeiro articulador da acusação 43 Essa acusação antiga liga Sócrates à filosofia física que investigava os fenômenos da natureza e aos sofistas que ensinavam o uso da palavra para fins diversos e às vezes escusos e vai ser retomada adiante A proposição tornar superior o discurso inferior é atribuída a Protágoras de Abdera cidade na Trácia sofista cerca de quinze anos mais velho que Sócrates famoso pelo pensamento relativista É retratado por Platão num diálogo que leva seu nome 44 Na visão da maioria as teorias sobre a natureza e o universo roubavam aos deuses seu papel e importância e faziam desses filósofos homens ateus descrentes das divindades tradicionais 45 Referência a Aristófanes 445 aC385 aC o mais importante compositor de comédias da Atenas clássica 46 O tempo para a defesa no tribunal era marcado pela clepsidra o relógio dágua e provavelmente não devia ultrapassar o limite de duas horas Sócrates mais adiante voltará a se queixar do pouco tempo para sua defesa 47 A obediência às leis diante de uma condenação injusta será o tema do Críton 48 Meleto único acusador a ser mencionado no Êutifron e a ser interpelado durante a defesa 49 Não eram acusadores oficiais por isso Sócrates formula uma provável acusação formal na qual é apresentado também como professor 50 Referência à comédia As nuvens composta por Aristófanes em 423 aC e reescrita cerca de cinco anos depois Nela Sócrates que a essa altura tinha cerca de 45 anos é ridicularizado nos termos da acusação como filósofo ateu que destitui Zeus e cultua em seu lugar as Nuvens fornecendo explicações físicas para os fenômenos celestes como sofista que emprega astutamente a palavra e como professor que transmite seus conhecimentos no Pensatório Aeroandar isto é andar pelos ares aerobateîn um verbo inventado talvez é o que Sócrates diz estar fazendo no verso 225 da peça enquanto balança num cesto suspenso 51 Na comédia de Aristófanes Sócrates apesar da identificação com os sofistas é de fato apresentado como um sujeito sem recursos 52 Sofistas famosos contemporâneos de Sócrates e ainda vivos em 399 aC Górgias de Leontini cidade da Sicília era professor de retórica e famoso pelo estilo elaborado Pródico de Ceos ilha do Egeu era exímio conhecedor dos usos da palavra tendo se dedicado aos estudos gramaticais e lexicais Hípias de Élis cidade do Peloponeso era um homem de grande saber nas mais diversas áreas Górgias e Hípias têm papel de destaque em três diálogos Górgias Hípias Menor e Hípias Maior 53 Cálias era um homem rico que gostava de recorrer aos serviços dos sofistas 54 Sócrates jamais deixa de pensar o homem em seu papel dentro da comunidade 55 Eveno de Paros ilha do mar Egeu era outro importante conhecedor da arte dos discursos Cinco minas era um valor pequeno se comparado com o cobrado por outros sofistas como Protágoras que chegou a receber cem minas por seus ensinamentos Uma mina equivalia a cem dracmas a moeda de prata ateniense 56 Aqui e em outras passagens Platão coloca na boca de Sócrates um procedimento retórico comum que consistia em formular e responder a possíveis objeções 57 O nome sábio 58 Referência a um verso famoso de uma peça perdida de Eurípides Melanipo 59 Delfos no monte Parnaso era onde se situava o mais importante oráculo do deus Apolo O nome antigo do lugar era Pito e a sacerdotisa que dizia as profecias era chamada Pítia 60 Querefonte irmão de Querécrates era um dos mais fiéis amigos de Sócrates Na comédia As nuvens é apresentado como seu companheiro e chamado de meio morto por conta de sua palidez Maioria designa aí o povo ateniense a parte mais pobre da população favorável ao regime democrático Durante oito meses entre 404 aC e 403 aC Atenas viveu sob o regime oligárquico instituído por Esparta após sua vitória na Guerra do Peloponeso 431 aC404 aC isso levou vários democratas a se exilar Diante de um júri popular a lembrança pode ser oportuna embora Sócrates diferentemente de Querefonte não tenha se exilado 61 Sócrates talvez esteja se referindo aqui a Anito 62 Juramento de origem egípcia possivelmente Muito usado por Sócrates mas não só por ele podia reforçar a acusação de impiedade 63 Sócrates se compara nesse trecho a Héracles ou Hércules para os latinos herói que teve de realizar doze trabalhos 64 O ditirambo era um canto coral em honra ao deus Dioniso 65 A visão exposta aqui por Sócrates está de acordo com o que Platão apresenta no diálogo Íon Na Grécia Antiga os poetas eram tradicionais detentores do saber 66 O termo grego kheirotékhnes que traduzimos por técnicos designa todo aquele que detém o conhecimento prático de um ofício e portanto referese não só ao artesão e a qualquer trabalhador manual pedreiro carpinteiro etc mas também ao artista e ao médico entre outros 67 Esse termo muito usado por Sócrates fazia parte da linguagem militar 68 No diálogo Fedro Sócrates diz que a denominação sábio sophós se aplica exclusivamente aos deuses e que o homem pode ser apenas filósofo philósophos isto é amigo da sabedoria 69 É importante lembrar que a grande maioria dos sábios ou sofistas de Atenas era composta de estrangeiros 70 Lícon completa o trio de acusadores ao lado de Meleto e Anito Parece ter sido um orador atuante Anito é ligado aos trabalhadores porque era dono de um curtume 71 Sócrates cita de memória a declaração escrita As acusações feitas mais recentemente não diferem das mais antigas A acusação de ateísmo que ressalta entre os acusadores recentes já era uma consequência da acusação mais antiga que apontava a suposta investigação da natureza por parte de Sócrates Da mesma maneira a formulação anterior de que ele ensinava os outros é agora retomada por meio da ideia de que corrompia os jovens exatamente o que já fazia a personagem Sócrates na peça de Aristófanes As coisas numinosas daimónia têm intencionalmente um sentido vago e abrangente 72 Novo jogo a partir daí com o nome de Meleto como no início do Êutifron 73 Referência ao Conselho Boulé mais importante órgão administrativo da cidade Tinha caráter prédeliberativo e era formado por quinhentos cidadãosconselheiros acima de trinta anos cinquenta de cada tribo escolhidos por sorteio todo ano 74 A assembleia do povo ekklesía com cerca de seis mil cidadãos se reunia na Pnix colina junto à Acrópole para votar questões da política interna e externa 75 No Êutifron está dito que Meleto era jovem Sócrates como afirma no início da Apologia tem setenta anos 76 O Sol e a Lua por não terem culto específico na cidade não seriam os primeiros deuses a virem à mente do ateniense Na verdade Sócrates formula assim sua pergunta para poder na sequência negar sua ligação com a filosofia naturalista 77 Filósofo nascido por volta de 500 aC Natural de Clazômena cidade da Jônia sofreu um processo e teve de deixar Atenas em 450 aC por conta de suas doutrinas irreligiosas No diálogo Fédon Sócrates fala da atração que a filosofia naturalista exerceu sobre ele em sua juventude 78 Área do teatro ocasionalmente utilizada para o comércio ou alguma área específica da ágora com o mesmo nome Uma dracma era um valor baixo para um livro na verdade um rolo de papiro 79 Nume daímon era em Homero um sinônimo para deus theós Depois o termo passou a designar divindades menores ou um poder sobrenatural não especificado 80 O vocabulário remete aqui à encenação teatral Vou colocálo em cena reconhecendo 81 Sócrates fala dos nascidos da união de deusas ninfas com homens ou de mulheres com deuses o que resulta na identificação dos numes com os heróis o que vai se confirmar logo na sequência 82 Semijumento hemíonos é como se diz em grego mulo ou mula o resultado do cruzamento do jumento com a égua ou da jumenta com o cavalo Sócrates introduz o termo em sua comparação para que pensemos nos semideuses hemítheoi filhos de deuses com mulheres ou de deusas com homens 83 Essa construção com o intuito deliberado de confundir parodia procedimento da argumentação sofística 84 Sócrates sublinha o fato de ser uma deusa que fez o anúncio a Aquiles para indicar que suas palavras fatalmente se cumpririam 85 Sócrates rememora passagem da Ilíada de Homero em que Tétis diz para o filho Aquiles que se ele retornasse à guerra para vingar a morte do amigo Pátroclo assassinado por Heitor líder dos troianos logo morreria O diálogo da deusa com o herói é recriado livremente com a citação parcial e uma variação em relação à vulgata dos versos 96 98 e 104 do Canto 18 86 Comandantes são os generais escolhidos por voto Sócrates participou dessas três batalhas nos anos de 432 aC429 aC 422 aC e 424 aC respectivamente Potideia e Anfípolis eram cidades da Calcídica no extremo norte Délio era o templo consagrado a Apolo próximo à cidade de Lebadia na Beócia junto ao qual se travou o combate Em duas das batalhas Potideia e Délio sabemos que Sócrates teve conduta admirável 87 Nome da divindade infernal e do local para onde iam os mortos 88 Anteriormente Sócrates havia dito não saber e não pensar saber como a maioria pensa Aqui trabalhando ainda com os mesmos verbos ele inverte a formulação e diz não saber e pensar isto é ter consciência de não saber como a maioria não tem 89 Sócrates trabalha nesse trecho com uma série de discursos hipotéticos 90 Exposição do método socrático aplicado há pouco a Meleto 91 Perda dos direitos políticos em Atenas 92 Sócrates por ter passado a vida servindo a Apolo consideravase um presente do deus para a cidade como repetirá mais adiante Esse tipo de afirmação certamente não agradava ao júri 93 Mosca que ataca bois e cavalos Sócrates emprega mais uma vez um procedimento que é recorrente nos diálogos de comparar o que está dizendo com fatos banais do dia a dia 94 Talvez haja aqui referência ao mito de Ió amante de Zeus transformada em novilha e perseguida por um moscardo enviado por Hera 95 Cada uma das dez tribos em que se dividia Atenas contribuía com cinquenta homens para o Conselho que presidiam o órgão numa décima parte do ano 96 A batalha nas ilhas Arginusas em frente a Lesbos ocorreu em 406 aC perto do fim da Guerra do Peloponeso Os atenienses saíram vencedores mas devido a uma tempestade seus generais não puderam retirar os mortos e os que ainda estavam vivos do mar O povo temendo uma vingança dos cadáveres insepultos condenou os comandantes à morte Seis foram executados O procedimento foi depois considerado ilegal porque deveria ter havido um julgamento em separado para cada general 97 Em 404 aC com o fim da Guerra do Peloponeso Esparta pôs no comando de Atenas trinta magistrados que ficaram conhecidos na cidade como os Trinta Tiranos Durante seu breve governo oligárquico eles utilizaram as instalações da Rotunda construção circular que no regime democrático abrigava a presidência do Conselho Leon de Salamina ilha do golfo Sarônico próxima de Atenas era um general rico e partidário da democracia 98 Um desses quatro talvez fosse Meleto o acusador de Sócrates 99 Provável referência a Crítias partidário da oligarquia e um dos Trinta Tiranos e a Alcibíades democrata radical e inescrupuloso Os dois fizeram parte do círculo de amizades de Sócrates e morreram poucos anos antes de seu julgamento 100 Sócrates era do demo de Alopece Esfetos e Cefísia são outros dois demos de Atenas Critóbulo filho de Críton o interlocutor de Sócrates no diálogo homônimo Ésquines e Epígenes são aqueles que seriam defendidos pelos pais Teódoto Teages Platão o próprio autor da Apologia e Apolodoro pelos irmãos mais velhos Platão em 399 aC teria cerca de 28 anos 101 Referência a parte do verso 163 do Canto 19 da Odisseia quando Penélope pergunta a Odisseu disfarçado de mendigo de que família ele vem pois de alguma tinha que ter nascido 102 Os filhos de Sócrates eram Lâmprocles já adolescente Sofronisco mesmo nome do avô e Menexeno 103 A discussão sobre a imortalidade da alma a última de que Sócrates participa no dia de sua morte é narrada no Fédon 104 Isto é de sábio 105 O empate na votação 250 votos para cada lado absolvia o réu 106 Sócrates divide os 280 votos que recebeu pelos três acusadores o que confere a cada um a responsabilidade por pouco mais de 90 O cidadão que fazia a acusação segundo as leis atenienses era multado em mil dracmas se não conseguisse pelos menos cem votos dos jurados Essa medida evitava que houvesse uma enxurrada de acusações descabidas 107 De forma provocativa Sócrates propõe como punição receber uma das maiores honrarias para os atenienses comer à custa da cidade no Pritaneu Nesse prédio público onde o fogo da cidade permanecia sempre aceso e estavam afixadas as leis de Sólon eram alimentadas figuras importantes como atletas que se destacavam nos Jogos Olímpicos e hóspedes oficiais 108 Referência à legislação espartana 109 Os Onze eram magistrados escolhidos por sorteio que executavam as sentenças e administravam a prisão 110 O mais provável é que a acusação ao propor a pena de morte esperasse que Sócrates contrapropusesse para si o exílio 111 A ironia se associa aqui à ideia de fingimento 112 Ao que tudo indica Sócrates faz menção aqui a um dito popular A tradução busca recuperar a sonoridade do original 113 A ideia de que o moribundo é capaz de prever o futuro já aparece na Ilíada de Homero Il16 843861 e Il 22 355366 114 Alguns veem aqui uma referência à atuação do próprio Platão 115 Sócrates em tom solene fala como se fosse um herói agonizante a dizer suas últimas palavras que destacamos em itálico Tentouse reproduzir o jogo entre apalláxesthai haveriam de se livrar apallagé livramento e apalláttomai estou livre para morrer 116 Magistrados referência aos Onze 117 Referência à doutrina pitagórica ou órfica que postulava a reencarnação da alma 118 Os gregos antigos acreditavam que o sonho se postava sobre a cabeça de quem dormia e que portanto não se tinha um sonho mas se via o sonho 119 O grande Rei é como Sócrates se refere ao monarca persa exemplo máximo para os gregos de alguém que levava uma existência feliz 120 Minos e Radamante eram lendários reis cretenses filhos de Zeus e Europa Minos teria sido o primeiro a governar Creta com retidão e Radamante teria dado à ilha seu primeiro código de leis Éaco avô de Aquiles tinha reputação de piedoso e justíssimo Os três depois de mortos passaram a desempenhar o papel de juízes no Hades O herói Triptólemo estava ligado à deusa Deméter e aos mistérios de Elêusis que envolviam revelações sobre a vida após a morte 121 Orfeu e Museu são figuras lendárias de cantores Hesíodo e Homero teriam vivido por volta do século VIII aC e com sua poesia épica consolidaram a forma como os deuses eram representados 122 Durante a expedição a Troia Odisseu para se vingar de Palamedes forja provas de que ele estaria colaborando com os troianos fazendo assim com que Agamênon o condenasse à morte por traição Ájax filho de Têlamon é o guerreiro que se mata depois de se sentir injustiçado por não ter recebido as armas de Aquiles dadas a Odisseu 123 Jogo de palavras entre Hades Haídes e desprazeroso aedés que tentamos reproduzir 124 Referência a Agamênon líder das tropas gregas que foram a Troia para recuperar Helena a Odisseu herói astucioso protagonista da Odisseia e a Sísifo que recebeu como castigo por sua impiedade ver sempre rolar morro abaixo a rocha que tinha conduzido ao topo Sócrates reúne aqui três figuras moralmente questionáveis 125 Críton idoso como Sócrates e do mesmo demo de Alopece como está dito na Apologia era rico proprietário de terras 126 Ao que tudo indica Críton subornava o guarda o que nos mostra como uma fuga de Sócrates seria perfeitamente possível 127 Em agradecimento ao deus Apolo todo ano os atenienses enviavam uma nau até a ilha de Delos para celebrar o assassinato do Minotauro por Teseu que livrou Atenas da obrigação de enviar jovens a Creta para serem sacrificados A missão se iniciara um dia antes do julgamento de Sócrates e acabou por durar um mês em razão dos ventos desfavoráveis Durante esse período não podia haver nenhuma execução na cidade 128 Cabo na extremidade sudeste da Ática a cerca de 50 km de Atenas importante ponto de referência para os marinheiros e onde as naus buscavam abrigo contra o mau tempo 129 Os Onze encarregados da prisão e da execução já citados na Apologia 130 A previsão de Sócrates é correta a nau só chegará de fato no dia seguinte 131 Citação de uma fala de Aquiles no Canto 9 da Ilíada v 363 com a mudança do verbo da primeira chego para a segunda pessoa chegas Assim como Aquiles ameaçava estar de volta à sua terra natal no terceiro dia a contar de sua partida Sócrates imaginava pelo sonho ser executado no terceiro dia a contar deste que iria nascer É possível que Sócrates faça um jogo com o nome Ftia Phthíe associandoo ao verbo phthío definhar morrer Nesse caso sendo a Ftia fertilíssima haveria nova referência à morte como sendo possivelmente um bem 132 O vocativo numinoso daimónie com valor negativo na poesia homérica na prosa ática ganha um tom afetuoso e às vezes irônico como venturoso ótimo homem etc Aqui no entanto ele tem um sentido a mais por conta da relação de Sócrates com seu sinal numinoso e a acusação de crer em coisas numinosas 133 A ideia de que o domínio do que é mau implica o domínio do que é bom aparece também no diálogo Hípias menor 134 Os sicofantas eram delatores profissionais que se aproveitavam do direito que qualquer cidadão ateniense tinha de fazer uma denúncia para ameaçar e chantagear suas vítimas 135 Críton fala como se esses estrangeiros estivessem presentes à sua conversa com Sócrates 136 Símias e Cebes também de Tebas ambos jovens filósofos de formação pitagórica são os interlocutores principais de Sócrates no diálogo Fédon que narra seus últimos instantes de vida 137 Região ao norte da Grécia onde se situava a terra natal de Aquiles 138 Isto é morrendo 139 Críton parece retomar fala anterior de Sócrates em que criticava o comportamento indiferente do povo 140 Nesse trecho Críton compara o processo de Sócrates a um drama teatral que termina em farsa Pelo que dá a entender uma fuga poderia ter ocorrido antes mesmo do julgamento o que provocaria seu cancelamento Quanto ao enfrentamento da causa Críton não esconde seu descontentamento com o modo altivo e provocativo com que Sócrates se defendeu 141 Mormorizar é a palavra que criamos para traduzir o verbo grego mormolúttomai assustar agir como Mormo Mormo era um monstro do sexo feminino muito usado para assustar as crianças 142 Parece que com essa fala Sócrates responde à acusação de Críton de que estaria escolhendo o caminho mais fácil No entanto o que o diálogo nos mostra é Críton atordoado com a iminente morte do amigo que por sua vez se mostra sereno É curioso notar que apesar do sonho Sócrates como Críton em seu discurso anterior também trabalha com a possibilidade de morrer no dia seguinte 143 O médico aparece aqui ao lado do treinador porque para os gregos as artes da ginástica e da medicina visavam ao mesmo fim o cuidado com o corpo 144 Embora não a nomeie Sócrates faz referência aqui à alma ela será mencionada novamente na sequência como sendo superior ao corpo 145 Sócrates quer deixar claro que não está tomando bem no sentido material o que o ateniense médio entenderia por viver bem mas moral 146 O uso do verbo conservarse indica a busca de Sócrates por constantes ou por discursosargumentos que não sejam erráticos mas permaneçam parados como diz no Êutifron 147 Na Apologia Sócrates já havia dito que o povo se arrependera da execução de seis generais envolvidos na batalha das Arginusas 148 Críton não se mostra muito certo porque entendia como a maioria dos gregos de então que era natural não se mostrar nada amistoso com os que nos prejudicaram 149 O objetivo de Sócrates é mostrar que toda maldade praticada contra alguém fazer mal é um ato injusto agir mal mesmo nos casos em que a intenção é apenas revidar o que se sofreu 150 Sócrates já prepara aqui a personificação das leis da cidade que vem logo a seguir É importante esclarecer que em grego lei nómos é um substantivo masculino e que portanto a nossa tradução transforma em elas o que no original são eles 151 O verbo escapulir apodidrásko era muito usado em referência a escravos e desertores Já o verbo postarse ephístamai estava associado à aparição de sonhos e visões 152 A nau como metáfora da cidade era um lugarcomum na antiguidade grega 153 Isto é a desobediência e a fuga 154 O vocabulário jurídico indica que se trata de um julgamento no qual são acusadas a cidade que teria agido mal e suas leis O propósito de Sócrates é defendêlas 155 Essas artes voltadas uma para a alma e a outra para o corpo constituíam os dois ramos em que se dividia a educação do menino ateniense que se iniciava aos sete anos A arte das Musas Mousiké incluía não só o ensino de música e dança mas também de gramática e literatura Noções de aritmética e geometria também eram transmitidas aos alunos 156 Reproduzimos o longo período coordenado do grego que empresta à fala das Leis o tom monótono de um sermão A violência contra os pais estava implicada na acusação contra Sócrates de corromper os jovens e é satirizada por Aristófanes na comédia As nuvens onde Fidípides depois de se instruir com o mestre arranja bons argumentos para bater no próprio pai além de ameaçar fazer o mesmo com a mãe 157 A sabatina dokimasía era uma espécie de teste por que passava o jovem ateniense de 18 anos para poder ser registrado oficialmente em seu demo A partir daí ele se tornava um efebo e recebia treinamento militar até os 20 anos quando concluía sua emancipação 158 Contemplação theoría indica aí o ato de ver outras paisagens Istmo é como os gregos se referiam ao Istmo de Corinto faixa de terra que liga a Ática ao Peloponeso Talvez Sócrates tenha ido dessa vez ao Istmo para assistir aos tradicionais Jogos Ístmicos 159 Lacedemônia era como os gregos se referiam a Esparta A Lacedemônia e a ilha de Creta eram tradicionalmente vistas como modelos de regiões onde imperava a boa lei 160 As Leis falam com sarcasmo pois eram duas cidades onde vigorava o regime oligárquico Tebas terra dos amigos Símias e Cebes era a principal cidade da Beócia e ficava a cerca de 70 km de Atenas Mégara de onde vinham Euclides e Térpsion seguidores citados no Fédon se situava na ponta de Istmo de Corinto em frente à ilha de Salamina a cerca de 50 km de Atenas 161 A Tessália tinha fama de lugar onde reinavam o desgoverno e a falta de escrúpulos 162 A dupla menção à Tessália no final de cada um das frases reforça o desprezo de Sócrates pela região 163 Tratase dos juízes mencionados no trecho final da Apologia 164 Partir aí é um eufemismo para morrer 165 Os coribantes eram sacerdotes da deusa frígia Cibele a quem cultuavam freneticamente com danças e músicas ao som de flautas Isso que Sócrates diz escutar pode ser identificado com a voz ou sinal divino que segundo afirma na Apologia sempre o dissuadia de fazer algo PLATÃO 427 aC347 aC Platão nasceu em Atenas por volta de 427 aC numa família aristocrática Aos vinte anos tornouse discípulo de Sócrates 469 aC399 aC sábio que vagava pela cidade incitando os jovens à reflexão Depois da morte do mestre executado por impiedade viajou por cerca de doze anos retornando a Atenas em 387 aC quando fundou sua escola a Academia à qual se dedicou até morrer em 347 aC e onde formou entre outros alunos Aristóteles Compôs mais de duas dezenas de diálogos entre os quais se destacam Protágoras Górgias Crátilo Banquete Fedro e República Sua obra é marcada pela contínua tentativa de definir ideias essenciais como coragem beleza e justiça e pelo ataque sem trégua aos sofistas professores itinerantes que mediante gorda remuneração ensinavam todo tipo de arte principalmente a da persuasão a Retórica que se associava a um relativismo moral e era arma importante para o sucesso político na Grécia dos séculos V aC e IV aC SOBRE O TRADUTOR ANDRÉ MALTA nasceu em São Paulo em 1970 e desde 2001 é professor de língua e literatura grega na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP É autor de A selvagem perdição erro e ruína na Ilíada Odysseus 2006 um estudo sobre a ideia de pecado no épico de Homero