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Psicologia Social

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Solidão e Liberdade1 Prof Dr Jadir Machado Lessa2 Dizeste livre Teus pensamentos dominantes quero ouvir e não que escapaste de um jugo És tal que tinhas direito a escapar de um jugo Há os que ao deitarem fora sua condição de servos deitam fora seu derradeiro valor Livre de quê Que importa isso a Zaratustra Mais claramente deve teu olho informar me livre para quê Friedrich Nietzsche Assim falou Zaratustra Do caminho do criador p 90 O presente trabalho tem por intuito fundamental pensar a relação entre solidão e liberdade Quanto a essa relação é preciso ter clareza quanto ao fato de que ela não é de imediato evidente e de que o seu significado necessita de uma reflexão prévia que liberte tanto a solidão quanto a liberdade do aprisionamento em nossas compreensões medianas Para a maioria das pessoas de início solidão é sinônimo de abandono de ausência de companhia da ausência do outro do mesmo modo que a liberdade tende a ser considerada como um correlato de livre arbítrio de ausência de jugo de liberdade de escolha e de expressão Tal interpretação obscurece a ligação essencial entre solidão e liberdade Com isso precisamos começar com algumas perguntas orientadoras fundamentais O que é afinal solidão O que entendemos aqui por liberdade Como articular esses dois termos sem produzir uma relação 1 Texto da conferência ministrada no II Encontro Ludovicense de Fenomenologia Psicológica e Filosofias da Existência com o tema Crise cultura e contemporaneidade promovido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Fenomenologia e Psicologia Fenomenológica realizado no período de 18 a 20 de abril de 2012 no Centro de Ciências Humanas CCH da Universidade Federa do Maranhão UFMA A conferência tem o mesmo título do livro Solidão e Liberdade publicado pela SAEP 2 PhD Psicólogo Clínico CRP053021 Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade Federal Fluminense UFF Presidente da Sociedade de Análise Existencial e Psicomaiêutica SAEP Diretor Geral do Jornal Existencial On Line Membro do Conselho Editorial da Revista Transdisciplinar de Gerontologia da Universidade Sénior Contemporânea Lisboa Portugal Membro da Comissão Científica do Encontro Ludovicense de Fenomenologia Psicologia Fenomenológica e Filosofias da Existência da Universidade Federal do Maranhão Membro do Grupo de Pesquisa em Psicologia Clínica da Universidade Federal Fluminense UFFCNPq artificial entre eles Solidão é uma experiência que necessariamente nos conduz à liberdade ou ela se mostra antes como um caminho possível de conquista da liberdade Essas são as perguntas que nos orientarão aqui constantemente em nosso trabalho É a partir delas e em sintonia com elas que teremos a oportunidade de entrar em um horizonte hermenêutico que nos diz respeito radicalmente em nossas existências próprias No que concerne ao seu tema estrutural a posição do filósofo alemão Martin Heidegger nos fornece uma primeira via de tematização Para Heidegger solidão é um termo que aponta diretamente para o problema da liberdade Martin Heidegger 18891976 por meio de sua descrição da essência do seraí humano como determinada pela noção de cuidado aponta em sua obra capital Ser e tempo para o fato de a solidão ser a condição primordial de cada um de nós Ser cuidado para Heidegger significa antes de tudo estar inevitavelmente ligado ao cuidado de si Na medida em que o seraí humano não possui distância alguma entre o seu ser e o seu sendo ou seja na medida em que ele é constituído por seus modos de ser todo e qualquer modo de ser o define em seu ser e só ele pode ser por ele mesmo quem ele é e pode ser Não há aqui qualquer transferência possível de responsabilidade de tal modo que ninguém pode ser pelo seraí aquilo que só ele pode ser É claro que qualquer um de nós pode pedir a um outro para realizar uma atividade qualquer Alguém sempre pode ir ao banco por mim ir à casa de alguém buscar algo para mim ou mesmo jogar cartas no meu lugar No entanto ninguém pode fazer isso enquanto eu estiver indo ao banco à casa de alguém ou enquanto eu estiver jogando Não há aqui transferibilidade ontológica possível porque ninguém pode entrar na minha existência deduzir dela o caráter de cuidado que é o dela e ser por mim quem eu sou Assim a solidão é a condição original de todo seraí humano e cada um de nós sempre experimenta a si mesmo a partir de tal solidão a partir da condição de encontrarse sozinho no mundo Com isso o nascimento vem à tona como uma espécie de lançamento da pessoa à sua própria sorte Ao mesmo tempo porém o modo como nos encontramos cotidianamente no mundo tende a produzir um soterramento de nossa solidão inicial Tal como o próprio Heidegger descreve no parágrafo 27 de Ser e tempo No espaçamento constitutivo do sercom reside o fato de o seraí enquanto convivência cotidiana estar sob a tutela dos outros Não é ele próprio que é os outros lhe tomam o ser O arbítrio dos outros dispõe sobre as possibilidades cotidianas de ser do seraí Mas os outros não são determinados Ao contrário qualquer outro pode representálos O decisivo é apenas o domínio dos outros que sem surpresa é assumido sem que o seraí enquanto sercom disso se dê conta3 Desse modo imerso inicialmente nas malhas do impessoal o seraí humano tende a perder a evidência mesma de sua solidão primordial e a se comportar como se a solidão fosse antes um modo deficitário causado pelo fato de sermos desinteressantes ou repulsivos para os outros um modo determinado pelo afastamento do outro e pela incapacidade de mantêlos junto a nós A cotidianidade assim traz consigo uma inclinação para o ofuscamento de nossa solidão originária e para a desconsideração do papel da solidão na conquista de nosso modo de ser mais próprio Em sintonia com a afirmação heideggeriana de que a decadência no impessoal é sedutora tranquilizadora e alienante4 podemos dizer que tal sedução tranquilização e alienação estão fundados no obscurecimento da solidão originária do seraí A questão contudo é que não estamos condenados a isso Como o seraí humano é sempre marcado pela possibilidade do próprio e do impróprio ele pode se perder de si ou se reconquistar apartarse pretensamente de sua solidão ou se apropriar criativamente dela Neste sentido podemos nos conformar com a absorção no impessoal ou não e nos distinguimos uns dos outros justamente pela maneira como lidamos com a solidão Se nos relacionamos com a solidão como a nossa condição mais originária como o nosso modo de ser mais próprio e como o elemento estrutural de nosso destino então essa relação traz consigo uma experiência libertária Por outro lado se partimos desde o princípio de uma entrega completa ao impessoal e de uma fuga de nossa solidão então essa entrega e essa fuga produzem uma relação dissonante com a solidão e a sensação de que solidão não passa de abandono de algo negativo que nos tolhe a liberdade e nos inviabiliza o ser Tudo depende em outras palavras do modo como interpretamos a origem de nossa existência e a sua ligação primordial com a nossa solidão estrutural A partir daí podemos construir dois estilos de vida diferentes por mais que eles se interpenetrem em muitos aspectos e que não sejam de modo algum excludentes estilos esses que podem ser designados didaticamente por meio dos termos autêntico e inautêntico Autenticidade possui uma relação direta com solidão do mesmo modo que inautenticidade se baseia em modos de ser impessoais que nos afastam de nossa condição solitária primordial O homem tornase autêntico quando conquista a sua condição originária como um ente solitário condição essa que se mostra como o lugar de articulação plena de sua própria liberdade Bem mas o que estamos entendendo aqui pelo termo liberdade Liberdade no presente contexto não é um sinônimo de livre arbítrio e não possui nenhuma relação com a mera ausência de coerções externas Tal liberdade é possível mesmo em contextos impessoais nos quais o ser 3 Heidegger M Ser e tempo Petrópolis Editora Vozes 1988 4 Heidegger M Ser e tempo Petrópolis Vozes 1988 parágrafo 38 p 23839 aí se desonera originariamente de sua solidão essencial Ao contrário liberdade diz respeito à possibilidade de entregarse plenamente à dinâmica de realização singular de seus modos de ser e de superar o domínio prescritivo do mundo fático sobre cada seraí Essa possibilidade por sua vez não é algo que se tenha pelo estabelecimento de um conjunto de condições extrínsecas ao existir mas se dá juntamente com a própria existência com o seu caráter propriamente dito Liberdade é algo que se conquista no presente contexto por meio de uma escuta plena ao que se precisa ser e realizar por si mesmo uma escuta que só se dá e pode se dar em um estar plenamente consigo em um distanciamento primário em relação aos outros em uma unidade não previamente dada e decidida com o seu si mesmo Assim há aqui uma ligação originária entre solidão e liberdade que deixa cada uma das duas se mostrar plenamente por intermédio da outra Em tal contexto porém solidão se mostra como o oposto de uma interpretação que a coloque como um sinônimo de abandono como ausência física do outro como uma experiência marcada pela desertificação e pelo vazio Ela contém aqui uma riqueza de ser o princípio de uma possibilidade efetiva de descoberta de modos plenos de relação com o outro e com o mundo Essa riqueza passa por sua vez pelo problema da responsabilidade Cada ato humano é sempre necessariamente livre Como cada um de nós é os seus modos de ser há em cada ação e inação em cada realização e em cada omissão em cada expressão da vontade e em cada atenção às mil requisições do mundo a presença de uma inexorável escolha Ser significa necessariamente escolherse ou melhor já sempre ter se escolhido uma vez que não há reversibilidade possível nas escolhas Meu sendo determina aqui de maneira incontornável quem eu sou Esse estado de fato que possui uma repercussão na compreensão heideggeriana do caráter de cuidado do seraí humano assim como na afirmação sartriana de que estamos condenados à nossa liberdade não envolve contudo nenhuma experiência de desoneração inicial Ser ontologicamente livre não possui nada em comum com a afirmação de que seríamos absolutamente desprovidos de responsabilidade pelos nossos modos de ser Muito ao contrário exatamente porque é a cada um de nós que cabe ser quem cada um é e porque essa é a tarefa existencial da qual nós jamais podemos nos liberar não há aqui nenhuma forma possível de transferência da responsabilidade pelo nosso ser Por mais que o mundo possa fornecer de início e na maioria das vezes as orientações básicas para o nosso ser no mundo primordial e por mais que a existência impessoal tal como descreve Heidegger em Ser e tempo seja marcada por uma ilusão de desoneração que institui mesmo a tutela do mundo sobre nós de início e na maioria das vezes não há como pensar essa desoneração efetivamente Mesmo na irresponsabilidade cotidiana seguindo de maneira direta as orientações fornecidas pelo mundo e obedecendo radicalmente ao seu poder prescritivo sou eu o responsável por tal experiência de irresponsabilidade Dito de outro modo mesmo a desoneração da responsabilidade é um modo de escolherme e nesse sentido um modo de assumir a responsabilidade pelo meu ser Ora mas é claro que podemos nos esquivar da necessidade de assumir a responsabilidade sobre as nossas escolhas e essa esquiva é mesmo o modo preponderante de lidar consigo mesmo no interior da cotidianidade mediana A única questão é que ela não é capaz de suprimir o fato de que somos constitutivamente responsáveis pelo nosso ser uma vez que nós é que temos de ser quem somos Não aceitar correr riscos para atingir seus objetivos nem se sentir responsável por sua existência passando a buscar sempre amparo e segurança junto aos outros junto ao mundo em seu caráter invasivo e cerceador por isso é apenas um modo de assumir a responsabilidade por si um modo claramente desonerador que traz consequências diretas para a nossa existência É aqui por exemplo que podemos de certo modo abrir mão de nossa existência mais própria tornandonos estranhos para nós mesmos colocandonos a serviço dos outros e diluindonos no impessoal Não que tenhamos incessantemente uma evidência fenomenológica em relação a isso A própria desarticulação de nosso si próprio cria uma ilusão de proximidade de autoconhecimento de identidade No entanto essa identidade ao invés de nos libertar para nós mesmos nos aprisiona e adoece Permanecemos na existência como coadjuvantes de nossa própria história Uma situação completamente diversa porém tem lugar no momento em que em meio à solidão de ter que decidir quem se é se assume de maneira plenamente a liberdade de ser Bem mas como precisamos pensar tal ligação entre responsabilidade plena liberdade e solidão Há algum primado de uma delas ou elas se mostram antes em conjunto como dimensões cooriginárias do existir O que expusemos até aqui possui uma relação direta com as descrições heideggerianas dos processos de singularização do seraí humano processos esses nos quais ele conquista uma relação autêntica com os entes intramundanos com os outros seresaí e consigo mesmo Ser autêntico significa assumir plenamente a responsabilidade por todas as suas escolhas existenciais estar sempre pronto a aceitar correr os riscos que forem necessários para levar a termo o que cabe a cada um e passar a encontrar amparo e segurança em um novo modo de relação de si mesmo com o mundo Enquanto o ser aí impessoal é caracterizado justamente por sua submissão a orientações sedimentadas fornecidas pelo mundo pela articulação de sentidos e de significados calcificados como diz Casanova em seu Compreender Heidegger 2009 o singular é aqui o seraí que se lançou para além do conforto de tal calcificação e que acaba trazendo consigo necessariamente modulações dos campos de sentido e de significado modulações que sempre envolvem dinâmicas de rehistoricização do mundo Com isso descobrese nesse momento uma nova determinação da liberdade um novo modo de ser livre Liberdade não possui mais nesse contexto uma relação direta com a nossa escolha originária de nós mesmos com o fato de que de um modo ou de outro decidimos quem nós somos Ao contrário liberdade aqui é um termo para designar uma experiência de desobstrução do espaço existencial de rearticulação radical do aberto para além de suas sedimentações calcificantes de devolução da mobilidade estrutural do ser de tudo o que é Essa devolução é acompanhada por sua vez de uma apropriação da existência que supera toda distância entre o nosso ser e o ser do mundo E essa é uma contribuição importante do pensamento de Heidegger para a compreensão dos problemas existenciais em geral Problemas existenciais não são problemas mentais psíquicos cerebrais ou internos Ao contrário eles são sempre problemas da relação entre o seraí humano e o seu espaço existencial Se esse espaço se cristaliza os transtornos de um modo ou de outro se fazem presentes Se ele vem à tona em sua historicidade constitutiva o seraí tende a superar os aprisionamentos que normalmente o adoecem Assim tornarse indivíduo tornarse autônomo tornarse senhor de sua própria existência tornarse si mesmo não é outra coisa senão conquistar um novo modo de ser no mundo Bem mas que modo é esse afinal Como é que podemos nos aproximar dele e escapar das amarras da cotidianidade A resposta a essas questões passa por uma consideração da tonalidade afetiva fundamental da angústia em sua relação com o caráter ontologicamente solitário do seraí humano Em Solidão e liberdade nós nos deparamos com uma passagem que explicita bem a relação entre angústia e solidão A angústia provocada pela solidão é o sentimento que muitas pessoas experimentam quando se conscientizam de estarem sós no mundo É o malestar que o ser humano experimenta quando descobre a possibilidade da morte em sua vida tanto a morte física quanto a morte de cada uma das possibilidades da existência a morte de cada desejo de cada vontade de cada projeto5 A descoberta da solidão e da morte como elementos constitutivos do existir provoca a princípio uma sensação de vertigem e de perda de solo Tudo se dá como 5 Lessa J Solidão e liberdade Rio de Janeiro SAEP Editora 2003 p 7 se tal descoberta inviabilizasse por completo nosso ser e como se o sentido se esvaísse irremediavelmente sem qualquer possibilidade de retorno No entanto essa primeira experiência não é senão o resultado de nossa lida refratária com a negatividade estrutural que é a nossa Do mesmo modo que solidão não é sinônimo de abandono mas se mostra antes como um elemento de intensificação de nossa singularidade a angústia não possui apenas uma dimensão negativa mas aponta antes para a fonte mesma de nossas possibilidades existenciais Cada vez que alguém se frustra que alguém não se supera que alguém não consegue realizar seus próprios sonhos a angústia se anuncia Tudo se dá como se a morte levasse uma parte de nós Da própria negatividade porém surgem novas possibilidades de nosso existir sonhos perdidos são acompanhados por novos sonhos desilusões são a marca do surgimento mesmo de novas ilusões fracassos dão o tom de algo que merece sucumbir Angústia assim como solidão é um caminho originário do ser Na solidão vem à tona a condição do ser humano no mundo Na angústia a solidão se revela em seu caráter revitalizante Todo ser humano está só Tal condição não é negociável Assim essa acaba sendo a grande questão da existência como lidar com a solidão Dizer isso porém não significa necessariamente pensar a solidão como algo negativo nem pressupor que ela precise de uma solução definitiva Nenhum modo de ser é capaz de suprimir de uma vez por todas a condição de sermos sós e entregues apenas a nós mesmos Com isso a angústia também não pode ser pensada como um estado passageiro algo que se abate sobre nós ocasionalmente quando estamos fracos e desprotegidos A angústia acompanhanos sempre e a cada vez é ela que nos chama para a responsabilidade por nosso ser que nos devolve a solidão como condição primordial de nós mesmos A solução para o problema da solidão portanto não é encontrar uma pessoa ou uma coisa que nos ajude a preencher o vazio existencial não é encontrar um hobby ou uma atividade um amor ou uma amizade A solução não é se matar de trabalhar e se concentrar nisso para não se sentir sozinho Também não é encontrar uma estratégia para driblar a solidão A solução se é que ainda é possível usar esse termo depois do que dissemos acima é experimentar a existência de maneira plenamente sintônica com o fato de que se é sempre só no mundo mesmo quando se está acompanhado Simplesmente isso E sabendose só no mundo viver a própria vida respeitar a própria vontade expressar os próprios pensamentos e sentimentos buscar a realização dos próprios desejos Quando se faz isso a vida se enche de significado ela adquire um brilho especial que suspende todo temor diante da solidão e da angústia e que abre a possibilidade da liberdade É o que diz uma outra passagem de meu Solidão e liberdade A experiência de cada um de nós é única O nascimento é uma experiência única pois ninguém nasce pelo outro Da mesma forma a morte é uma experiência única pois ninguém morre pelo outro E a vida inteira cada momento cada segundo da existência é uma experiência única pois ninguém vive pelo outro6 Se ver diante dessa experiência angustia Exatamente por isso é preciso vencer o medo da angústia e descobrir o poder da negatividade a força de nossas possibilidades de ser para além de toda tranquilização e sedução por parte da identidade Essa é a situação por sua vez de muitas pessoas na clínica psicológica O que vemos corriqueiramente na clínica aponta para uma tensão entre solidão e liberdade Muitas pessoas sentem dificuldade de estarem a sós consigo mesmas Elas não conseguem escapar da sensação de vazio todas as vezes em que se veem confrontadas com suas próprias existências e com a sensação opressiva de que no fundo não são Muitas vezes essa sensação faz com que elas alimentem a ilusão de que o verdadeiro brilho e encantamento da vida se encontram no outro e não nelas mesmas Assim a perda do poder de conquistar a si mesmo e à sua solidão vem acompanhada de uma relação de dependência ao outro aos outros ao mundo em sua dimensão de alteridade Nesse caso é preciso reconquistar a experiência de que sua vida possui um encantamento um brilho algo de especial e isso porque é sua apenas sua Independentemente do que se esteja fazendo ou considerando a vida sempre pode ser intensa prazerosa ímpar Abrir a possibilidade para que o outro se veja diante de tal experiência é assim tarefa da clínica que tem um compromisso com o poder negativo da solidão angustiada e que não segue a via fácil da pavimentação e da construção de novos modos de ser que chegam para o outro sempre de fora para além de seu ser como fonte de seu sentido Tal clínica nesse sentido mostra até que ponto cada um de nós pode ser uma pessoa especial para si mesmo e como é justamente a partir daí que pode surgir não apenas respeito por si e supressão da sensação do vazio mas também é essencialmente uma abertura de modos diversos de existir em meio à própria alteridade Por isso termino o presente texto com uma menção à Solidão e liberdade O objetivo não é fingir que a solidão não existe não é buscar a companhia dos outros porque mesmo junto com os outros você está e sempre será solitário O outro é muito importante para compartilhar trocar O outro é muito importante para a convivência mas não para preencher a vida não para dar sentido e significado a uma outra existência A presença do outro nos ajuda compartilhando mostrando a parte dele dando aquilo que não temos e 6 Lessa J Solidão e liberdade Rio de Janeiro SAEP Editora 2003 p 28 recebendo aquilo que temos para dar efetivando a troca Mas o outro não é o elemento fundamental para saciar a angústia ou para minimizar a condição de solidão É isso que continua pesando depois de alguns anos É isso que continua alimentando as minhas perspectivas em relação à possibilidade de uma clínica com bases fenomenológicoexistenciais