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Psicologia Social
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220 ANGÚSTIA COMO CONSTITUTIVA DA EXISTÊNCIA RESSONÂNCIAS PARA A CLÍNICA PSICOLÓGICA Anguish as constitutive of existence resonances for the psychological clinic Angustia como constitutiva de la existencia resonancia para la clínica psicológica Resumo Este artigo tem por objetivo compreender a angústia enquanto constitutiva da existência humana a partir da fe nomenologia hermenêutica Nessa perspectiva pretendese tecer possibilidades compreensivas que possam apresentar ressonâncias para pensar a clínica psicológica como lugar possível de acolhimento da angústia Para tanto dialogaremos com algumas dimensões do pensamento de Kierkegaard Heidegger e Boss na busca de subsídios que por apresentarem outra possibilidade de compreensão de angústia não atrelada a premissas teoréticoexplicativas possibilitem pensar a ação clínica vinculada ao modo original como os fenômenos existenciais acontecem Palavraschave Angústia Fenomenologia hermenêutica Psicologia Abstract This article aims to present the understanding of the anguish as constitutive of human existence from the hermeneutic phenomenology In this perspective we intend to weave comprehensive possibilities that may present res onances to think the psychological clinic as a possible place of reception of the anguish For this we will talk with some dimensions of the thinking of Kierkegaard Heidegger and Boss in the search for subsidies that because they present another possibility of understanding of anguish not tied to theoreticalexplanatory premises make it possible to think of the clinical action linked to the original mode as the existential phenomena happen KeywordsAnguish HermeneuticalPhenomenology Psychology Resumen Este artículo tiene por objetivo presentar la comprensión de la angustia como constitutiva de la existencia hu mana a partir de la fenomenología hermenéutica En esa perspectiva se pretende tejer posibilidades comprensivas que puedan presentar resonancias para pensar la clínica psicológica como lugar posible de acogida de la angustia Para ello dialogaremos con algunas dimensiones del pensamiento de Kierkegaard Heidegger y Boss en la búsqueda de subsidios que por presentar otra posibilidad de comprensión de angustia no ligada a premisas teoréticoexplicativas posibiliten pensar la acción clínica vinculada al modo original como los los fenómenos existenciales ocurren PalavrasclaveAngustia Fenomenología hermenéutica Psicología DOI 10180652020v26n29 Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 EllEn F G Silva CarmEm BarrEto E studos Teór icos ou H istór icos Que seria o homem sem a angústia A arte sem a angústia O pensamento sem a angústia Não se trata de evitar e sim de aceitar Não se trata de curar e sim de atravessar ComteSponville Introdução Para iniciarmos essa discussão recorremos à eti mologia1 na tentativa de buscar um sentido originário para a angústia e encontramos no vocábulo grego an gor e no latim angere que significa estreitamen to aperto diminuição Tal significado parece indicar que na presença da angústia vivenciamos sensações 1 Recuperado em outubro de 2017 em httpswwwgramatica netbrorigemdaspalavrasetimologiadeangustia httpswww merriamwebstercomdictionaryagony de sufocamento acompanhado de desconforto e de solamento Agonia Agon também se encontra na raiz etimológica da angústia referindose a uma luta combate intensa dor da mente e do corpo Na Psicopatologia a angústia é tida como sinto ma para critério diagnóstico American Psychiatry As sociation 2013 Se considerarmos o referencial psica nalítico a angústia pode ser compreendida enquanto elemento estruturante do existir humano atribuin dolhe uma função defensiva diante dos perigos que ameaçam a existência Rocha 2000 p13 Visitando a perspectiva humanista e escolhendo entre diversos posicionamentos a teoria da personalidade apresenta da por Rogers a angústia é derivada da incongruência entre o self e a experiência podendo ser resolvida com ampliação da imagem de si mesmo self Já as neuroci ências concebem a angústia enquanto tensão psíquica relacionada a distorções cognitivas frente às situações 221 Diante de tais possibilidades de definir a angús tia perguntamonos compreender a angústia não se ria compreender a própria existência humana Não é existindo no mundo que muitas vezes nos sentimos desalojados sem abrigo sufocados e não conseguimos uma explicação precisa e direta para tal experiência Mas ainda é pertinente perguntar existiria um esclare cimento teorético sobre como abordar a angústia sem destruíla Ou a compreensão da angústia enquanto fenômeno originário da existência humana não exigiria uma apropriação fenomenológica com a proximidade existencial da vida fática a qual possibilitaria a apro priação das mostrações mesmas da existência humana Frente a tais inquietações escolhemos trilhar um caminho na companhia de alguns filósofos na busca de outra compreensão da angústia que possibilite tra zer ressonâncias para pensar uma clínica como ação de acompanhar o outropaciente de modo a aguardar o despertar deixar o que dorme vir a despertar de mo dos de existir que possam encaminhar um cuidar de si apropriandose de sua história e reinterpretandoa Iniciamos nosso percurso com ComteSponvil le 1997 já que traz questionamentos que sinalizam um possível caminho a ser perseguido principal mente quando ressalta que não obstante às tentati vas de escamotear a angústia ela nos acompanha na caminhada pela vida Nessa direção provocanos ao questionar O que é mais angustiante que nascer O que é mais angustiante que viver O que é mais angustiante que morrer Que é a angústia senão esse sentimento em nós p11 Tais interrogações abrem um caminho para apresentar a angústia como condição de existir nascemos e morremos nela Sobre o caráter inexorável da angústia ComteS ponville 1997 p12 comenta o que é mais natural que a angústia O que é mais humano que a angústia Apesar da sua presença que nos acompanha algumas pessoas vivem como se a angústia fosse algo alheio Comungando com a tentativa de encobrir a angústia métodos e estratégias clínicas almejam nos proteger dela outros querem curarnos A angústia por sua vez dolorosamente lembranos que não há vida sem crises que as situações cotidianas nos afetam machu camnos ameaçamnos Mas também a angústia nos conclama para viver a vida em suas diversas possibili dades correndo os riscos que a caminhada traz Importa lembrar que em Ser e tempo Heidegger 19272012 aponta a angústia como uma das possibi lidades de abertura mais originárias ao revelar que o homem tende a uma imersão impessoal no mundo revelando que foge de si mesmo como de seu poder ser propriamente No modo do impessoal o domínio dos outros é assumido sem que o seraí enquanto ser com se dê conta Assim o impessoal pertence aos outros e consolida seu poder Heidegger 19272012 p 179 Partindo de tal contexto é possível considerar que o desvio na decadência ou queda aponta a retira da do homem de si mesmo ameaçado pela angústia do próprio sernomundo como tal Essa é a vida mesma Diante do esvaziamento de sentido do mundo o homem tende a impessoa lidade ao mergulhar na publicidade no impessoal Somos vulneráveis no mundo e mortais na vida Ex postos a todos os riscos medos e ventanias Dizer sim à vida denota aceitar também o que ela demanda para nós necessariamente fracassos e frustrações ao lado de alegrias e afetos que nos tomam e dão colorido à vida Tal angústia nos paralisa mas tam bém pode tornarse salto frente aos abismos de nos sa existência permitindonos alçar outros voos eou quedas menos doloridas No entanto também pode apresentarse como parteira ajudando o nascer de outros dias indicando novos caminhos a trilhar ao remeter o homem a sua singularidade ao seu pró prio podersernomundo Seguindo nessa direção reafirmamos nossa esco lha de caminhar por uma trilha outra na busca de ques tionar a essencialização da angústia e sua consequente determinação biológica Nessa direção escolhemos dia logar com Kierkegaard e Heidegger filósofos da exis tência e posteriormente com Medard Boss cujo foco era a clínica psicoterápica Consideramos relevante esta discussão pois a partir das possibilidades compreen sivas abertas pela Fenomenologia Hermenêutica de tal diálogo podemos na clínica psicológica compreender intervir e acolher o fenômeno da angústia como condi ção própria da existência humana Para iniciar o percurso de tal caminho importa trazer algumas reflexões do pensamento de Kierke gaard acerca da angústia como possibilidade de ilu minar um modo outro de pensar a clínica psicológi ca Diante da complexa e vasta obra desse filósofo escolhemos a voz do pseudônimo Vigilius Haufnien sis na qual a angústia é realçada como atmosfera de possibilidades Em seguida consideraremos algumas dimen sões do pensamento de Heidegger quando temati za a angústia como disposição afetiva fundamental Veremos que além do caráter de singularização da existência a angústia pode abrir para o homem a possibilidade de romper com a familiaridade coti diana apresentandose como esvaziamento radical de sentido o nada e o em lugar nenhum Por fim aproximandonos da clínica psicológica traremos contribuições a partir de Merdad Boss que ao criticar uma perspectiva mais tradicional de psico terapia ressalta a dimensão constitutiva da angústia e indica a possibilidade de acolhêla como dote do nosso estaraí do qual não podemos nos livrar A escola da angústia conside rações a partir do pensamento de Kierkegaard Em sua obra O conceito de angústia Kierke gaard 18442015 na voz do pseudônimo Vigilius Haufniensis indicanos possibilidades compreensi vas para o fenômeno da angústia e nos possibilita diá Angústia como Constitutiva da Existência Ressonâncias para a Clínica Psicológica Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 222 logos entre a angústia e a Psicologia O filósofo inicia suas reflexões no capítulo V fazendo uma rápida re ferência a um conto dos irmãos Grimm denominado João sem medo Feijoo 2017 descreve que a narra tiva é sobre um jovem que nada temia mas que que ria aprender a ter medo O pai o irmão e os amigos com base em suas experiências procuravam auxiliar João nessa tarefa Em tal trajetória o personagem se depara com fantasmas animais ameaçadores cadá veres mas nada teme Nem o querer de João tampou co as instruções dadas a ele mostraramse suficientes para que aprendesse a temer O término da narrativa sinaliza João se assustando com algo aparentemente inofensivo peixes pulando em sua barriga enquanto dormia Tais peixes foram postos sobre o seu corpo por sua esposa Nesse momento João despertou e gri tou que agora sabia o que era estar assustado Foi a vida mesma de súbito que revelou a João seu caráter de vulnerabilidade Kierkegaard 18442015 realça que tal como o personagem João todos passamos pela aventura de angustiarse para que não se venham a perder nem por jamais terem estado angustiados nem por afun darem na angústia p168 Tal narrativa nos enca minha a pensar a angústia como constitutiva da exis tência viver é angustiarse viver é habitar na escola da angústia Aprender a conviver com a angústia é aprender acerca si mesmo sobre o que há de mais singular e plural na nossa existência assumindo a responsabilidade de ser quem nós mesmos somos O ponto de partida de Kierkegaard é a própria existência debruçandose diretamente sobre o huma no Tentar explicar a existência é negála Sob essa perspectiva o filósofo dinamarquês criticava os psi cólogos de sua época pois almejavam compreender o humano de forma abstrata consultando compêndios descrevendo e experimentando alterações no compor tamento a partir de estímulos diversos Sugere então como caminho possível para um distanciamento da tradição naturalista da ciência a aproximação com a existência a observação do homem em seu viver coti diano tendo como disparador a angústia Nessa direção destaca Protasio 2017 p 95 Sua crítica se dá no sentido da ilusão de abarcar toda a existência nestes sistemas explicativos e na distância guardada entre o sistema e a existên cia concreta Propõe então que à Psicologia não cabe o real em si ou seja a ação do homem que é algo movediço mas sua possibilidade O lugar da Psicologia é o lugar da angústia da indecisão onde o homem em liberdade opta por determina do modo de existir em detrimento de outro Segundo Kierkegaard 18442015 a angústia é a realidade da possibilidade se revelando diante da compreensão de que o futuro é indeterminado que há possibilidades de escolha e liberdade Utilizando se dos relatos bíblicos do Éden Kierkegaard sugere que Adão antes do pecado estava na ignorância em uma espécie de inocência caracterizada por paz e re pouso Frente à possibilidade de escolher foi tomado pela angústia ao darse conta de sua indeterminação Em tal condição outra possibilidade de compreender o mundo e a vida se apresenta já que com a liberda de o homem experimenta a si mesmo como possi bilidade O que aparece para Adão é ele mesmo a partir de uma diferenciação entre ele e ele mesmo É ainda Adão mas não o mesmo Adão Protasio 2014 p149 Cabe indicar que o elemento dessa dife renciação não pode ser determinado nem tido como necessidade mas enquanto possibilidadeliberdade Essa angustiante possibilidade de sercapaz de Kierkegaard18442015 p48 causou vertigem Adão sentiu no dizer de Kierkegaard uma estranha ambiguidade que se mostra como antipatia simpati zante uma simpatia antipatizante A possibilidade de escolha pode configurar uma experiência de angústia visto que a escolha é um passo no escuro sem mui tas ou nenhuma garantia Nessa direção o pecado surgiu como decorrência da angústia da escolha Angústia podese comparar à vertigem Aquele cujos olhos se debruçam a mirar uma profun deza escancarada sente tontura Mas qual a ra zão Está tanto no olho quanto no abismo Não estivesse ele encarado a fundura Deste modo a angústia é a vertigem da liberdade que surge quando o espírito quer estabelecer a síntese e a liberdade olha para baixo para a sua própria possibilidade e então agarra a finitude para nela firmarse Kierkegaard18442015 p67 O autor nos apresenta a angústia como vertigem o que nos fala de uma tontura falta de lugar para se firmar Mas por que razão Na citação acima ele nos responde de maneira enigmática está tanto no olho quanto no abismo Não tivesse encarado a fundura A fundura encarada no olhar desperta o abismo an gustiante da liberdade e a vertigem faz com que o espírito queira estabilizar a síntese Ao se deparar com o abismo de possibilidades não consegue aguen tar o peso opressor de não ser o acomete quase em um reflexo instantâneo a agarrar a finitude para nela se firmar Gill 2014 A finitude se refere ao limite das possibilidades Se tudo se apresenta como pos sibilidade na atmosfera da angústia é a finitude das mesmas que dá medida que dá fundo que dá chão Nesse sentido e trazendo tal reflexão para a clí nica psicológica abrese a possibilidade de pensar o espaço clínico como possibilidade de refletir como cada um está vivendo o seu tempo e como pode assu mir a função libertadora da angústia como ser livre para a propriedade de seu ser enquanto possibilidade de sersimesmo Na clínica é comum a procura por se sentir seguro por encontrar a medida da existência o ca minho da superação daquilo que traz dor De acordo Ellen Fernanda Gomes da Silva Carmem Barreto Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 223 com Feijoo 2017 diferentemente dos gregos antigos o homem moderno em busca de um querer infinito passou a desconhecer os limites com total esqueci mento do cuidado de si e consequentemente da me dida existencial Frente a tal contexto no âmbito da clínica énos solicitado que posicionemos a norma indiquemos referências normativas ao paciente e aos acontecimentos da vida A medida da existência é dada pelas teorias ou manuais que descrevem e carac terizam o humano estabelecendo a medida normal patológico dos comportamentos O homem da ciên cia antecipa prognóstico controla diagnóstico e guia prescrição o caminho correto E aos poucos vamos entendendo que tal estraté gia de conhecerprescrever a medida não resolve não nos livra da estranheza não abarca a complexidade dos sofrimentos Mas cabe enfatizar que nem sempre o paciente se sente em condições de se apropriar da sua medida no caso aqui enfatizado da angústia como vertigem da liberdade Tal condição pode ser conquis tada ou não na situação clínica ou até pode surgir em certas situações terapêuticas espontâneas promovi das por acontecimentos na vida cotidiana Retomando o pensamento de Kierkegaard com preendemos que devido à ausência de a priores de terministas é dado ao homem uma liberdade que lhe suscita angústia A angústia surge então como ine rente ao existente diante do que se abre frente às pos sibilidades históricas que se abrem para cada um em sua existência concreta Nesse projeto de terqueser a angústia libertadora ou a liberdade angustiada apa rece como constitutiva do modo próprio de ser huma no Por meio da angústia o homem pode se apropriar da nulidade que ele mesmo carrega enquanto mera possibilidade de ser Nesse sentido questiona Kierkegaard 18442015 p45 há algo de diferente que não é discórdia e luta pois não há nada contra o que lu tar Mas o que há então Nada Mas nada que efeito tem Faz nascer a angústia É com esse nada que a existência se depara rotineiramente É o nada que perturba a calmaria do paraíso Um nada que parece já estar ali mas não está pois ainda não foi despertado Este despertar sur ge do nada um nada que desperta o próprio nada da angústia Esta sentença nos parece estranha e ambígua mas é justamente nesta ambiguidade que se encontra a angústia Gill 2014 p100 A angústia surge em um contexto de nadidade ou seja da falta de qualquer determinação de algo que justifique sua mostração Há somente um chão sem fundo a ausência de sustentações nos faz per manecer lançados a possíveis Apesar dessa condição constitutiva da angústia assistimos à tentativa por meio de diversos subterfúgios de encobrir a angústia Essa situação reaparece constantemente no encon tro clínico à medida que a busca por segurança se apresenta como insuficiente e incerta Constatando dolorosamente tal ilusão e não suportando viver sem esse conforto e controle comumente o paciente ten de a procurar uma ajuda eficaz seja ela psicológica ou psiquiátrica quando de algum modo percebe que o modelo de responder às demandas fracassou Daí a situação clínica poder abrir um horizonte ao dei xar serenamente que o paciente se confronte com a condição existencial de estar lançado no jogo da vida de modo a poderse descobrir como herdeiro de uma históriamundo como horizonte prévio e ao mesmo tempo assumirse enquanto viraser Ao tematizar a questão do bem e do mal Kierke gaard fala de um modo de ser de estar que se insere em um momento historicamente dado e que guarda a tensão que impulsiona para o momento seguinte As sim há sempre presente a possibilidade de estando no mal ser tentado pelo bem e estando no bem ser tentado pelo mal De acordo com Protasio 2017 se estar no bem é ter uma atitude de seriedade para com suas escolhas ocorre sempre a tentação por sair de tal condição assumindo por exemplo uma atitude mais relaxada e despreocupada com as consequências dei xandose levar pela preguiça ou pelo adiamento Es tando no mal considerandoo como a condição de estar escravo dos apelos do mundo na nãorespon sabilidade o homem é tentando por assumirse na seriedade Independente de sermos acometidos pela angús tia do bem ou do mal não podemos esquecer como lembra Haufniensis que a angústia é aquilo ao redor do que tudo gira 18442015 p47 Esta afirmação parece sugerir que não importa onde o homem se en contre o abismo da angústia estará ao seu lado Não há outro caminho a não ser enfrentar a angústia ex perimentála Por isso a intervenção do psicólogo não deve buscar abafar o fenômeno da angústia mas tentar coconstruir um espaço de acolhimento para tal disposição afetiva Nessa abordagem a angústia não tem um tom negativo A angústia tornase para ele um espírito servi dor que não pode deixar de conduzilo mesmo a contragosto aonde ele quiser Quando ela anun cia quando parece que vai dar um golpe ele não recua nem ao menos procura mantêla afastada com ruído e algaravia antes lhe dá as boasvindas saúdaa festivamente Kierkega ard18442015 p173 Kierkegaard ressalta que aqueles que se apro priam da angústia do bem dão um salto qualitativo o qual não pode ser explicado descrito por etapas In teressante mencionar que o salto surge como possibili dade e não oferece garantias específicas Na clínica psi cológica a consideração dessa compreensão nos leva ao reconhecimento da imprevisibilidade do salto o qual não depende da postura do clínico da aplicação de técnicas nem do esforço contínuo dos pacientes de Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos Angústia como Constitutiva da Existência Ressonâncias para a Clínica Psicológica 224 alcançar seus objetivos Reflete muito mais um aguar dar que as coisas se mostrem a clínica como um lugar de deixar aparecer as possibilidades A voz do pseudônimo Vigilius Haufniensis ape la para a necessidade de arriscar de manter a tensão do impalpável Não seria próprio da situação clínica acolher a experiência singular do paciente com seus questionamentos surpresas e angústias Caberia ao clínico junto ao paciente deixar aparecer as possi bilidades que se mostram na experiência de vida e os possíveis encaminhamentos Retomando a questão da angústia para Kierkega ard ela surge questionando as ilusões nos apavorando diante do nada E de modo ambíguo revelase tam bém como elemento que nos desperta para a tarefa de sermos nós mesmos nos chama de volta quando esta mos perdidos na imersão do impessoal quando somos mais uma ovelha no rebanho Tal como foi exposto no conto dos irmãos Grimm João rompeu com as prescri ções do seu mundo familiarseguro para dar um passo no desconhecido em busca de aprender a angustiarse de uma apropriação singular João percorreu seu caminho e na existência mes ma foi o lugar onde encontrou a escola da angústia Apenas a angústia anuncia a existência em sua ca racterização de precariedade de indeterminação de abertura e de liberdade Além disso podemos consi derar a angústia como despertar quando Kierkegaard se refere a Adão como espírito adormecido que des perta pela e na condição de sua indeterminação ser angústia Tendo como direção a compreensão de angústia como escola o homem pode aos poucos ir se dis tanciando das ilusões e atentando para a realidade da escola dos possíveis os horrores que guarda a des truição os perigos Prosseguindo em seu caminho pode enfrentar sem desvios e de forma honesta com ele mesmo estes horrores abstendose de esconderse nas possibilidades de êxito convivendo com a an gústia de forma a não ser abatido por ela Protasio 2017 p 101 As pistas dadas por Kierkegaard nos levam a considerar a importância de refletir sobre as resso nâncias da angústia na clínica psicológica De acordo com Gill 2014 tal necessidade fala de uma relação peculiar da angústia com a Psicologia que não se pre tende explicativa Partindo de pressupostos fenome nológicos hermenêuticos o psicólogo compreende a existência humana e se coloca na clínica de um modo diferenciado A angústia ocupa um lugar importante nessa perspectiva clínica à medida que compreen dêla possibilita encaminhar a vida de outros modos muitas vezes esquecidos ou desconsiderados Nessa direção Protasio 2014 realça que o psi cólogo cuida para que a situação clínica se constitua como espaço de liberdade no qual ao escutar a fala da angústia se resguarda o espaço no qual a angústia pode devolver o homem a si mesmo e às suas pos sibilidades espaço onde o homem pode formar a si mesmo transformar a si mesmo pois é da possibi lidade que pode advir uma transformação p163 E para que esse espaço de abertura ao novo se dê é preciso não abafar as inquietações mas deixar que apareçam com aquilo que anunciam apresentando a vertigem diante do nada O psicólogo conservase na retaguarda e apre senta ao paciente um auxílio negativo Sua ação está interessada em acompanhar o encontro do pa ciente consigo mesmo em que o cliente reconheça se em sua ilusão que este veja a si mesmo e reflita julgue a si mesmo e opte por sua singularidade por assumir uma posição comprometendose consigo mesmo com seus contemporâneos e com Deus Pro tasio 2017 p119120 A experiência cotidiana é a escola em que a atmosfera da angústia pode abrir a possibilidade de transformação Nessa direção o psicólogo vai lidar com as possibilidades e riscos que caracterizam o existir humano Aquele que acredita estar seguro e ter as respostas para os enigmas da existência não com preendeu ainda o lugar da angústia na Psicologia Já aquele que aprendeu a angustiarse sabe que em todas as coisas há riscos e justamente por isso há possibilidade de transformação A dimensão existencial da angústia em Heidegger o não se sentir em casa Para iniciar as considerações a respeito da an gústia importa ressaltar a compreensão ontológica dos existenciais na Analítica Existencial de Heideg ger dimensões da abertura do Dasein à revelação do ser no horizonte do tempo Vêse que a intenção de Heidegger caminha no sentido de superar a ontolo gia metafísica da coisa enquanto modelo de referên cia da interpretação ontológica do homem Com isso indica logo no parágrafo 34 de Ser e tempo que a compreensão a linguagem e a disposição são os exis tenciais fundamentais constituintes da abertura do sernomundo Para fins didáticos vamos nos deter ao exis tencial da disposição afetiva o qual onticamente se apresenta como o humor revelando o modo como al guém se encontra no mundo com os outros e consigo mesmo Assim ele não vem de fora nem de dentro Assim cresce a partir de si mesmo como modo de sernomundo Heidegger 19272012 p 137 aspas do autor A abertura do Dasein implica sempre um estado de ânimo uma disposição afetiva de modo a poder ser tocado pelo que vem ao encontro Mais que emoções ou estados de alma a disposição afetiva é o oferece ao Dasein o tom de sua existência sintonizan doo no mundo é a voz que o afina em seus compor tamentos apontando maneiras de ser e estar Essa afinação constitutiva revelase variada e impermanente Heidegger 19272012 menciona Ellen Fernanda Gomes da Silva Carmem Barreto Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 225 que pelo fato de as disposições afetivas não possu írem subsistência fixa a metafísica as toma como se fosse o que há de mais inconsistente Embora a tradi ção vigente tenha essa impermanência como descré dito é ela que evidencia que o Dasein é fundamental e inevitavelmente liberdade pois sua existência se dá sem prédeterminações Segundo Critelli 2007 para compreensão dos fenômenos o procedimento convencional da metafí sica requer o isolamento das emoções e das sensações em que aquelas são apanhadas já a fenomenologia heideggeriana compreende que nosso entendimento é sempre e de alguma maneira emocionado atra vessado por estados de ânimo através dos estados de ânimo os significados das coisas fazem sentido E através deles esses significados mudam p103 Cabe salientar que as disposições afetivas não têm seu fun damento nas concepções lógicoformais pois são onto logicamente constitutivas Muitas são as disposições afetivas descritas por Heidegger o temor o tédio a angústia a admiração o êxtase Entre estas Heidegger realça as disposições afetivas fundamentais as quais provocam uma espé cie de colapso radical na existência Isto é suspen dem os sentidos prescritos na cotidianidade media na confrontando o Dasein com seu modo de ser mais próprio Dentre as disposições afetivas fundamentais encontrase a angústia pela possibilidade que ela abre ao Dasein no modo da propriedade Importa si tuar que como foco do presente estudo a partir de agora iremos nos ater à disposição da angústia De início cabe esclarecer que a angústia não é tomada como emoção ou fenômeno psicológico A angústia em uma dimensão ontológica se apresen ta como constitutiva nos acompanhando com a per sistência de uma sombra Ela está sempre aí porém velada pelo predomínio da decadência e da interpre tação pública Publicidade que como modo de ser do impessoal obscurece tudo tomando o que assim se encobre por conhecido e acessível a todos Heideg ger 19272012 p 180 O impessoal não é algo sim plesmente dado nem uma propriedade permanente é um existencial fenômeno originário e constitutivo do seraí Assim o desvio na decadência se funda na angústia e o homem está ontologicamente disposto como angústia que se mostra como indeterminação originária Partindo de tal compreensão não é pos sível assumir na clínica intervenções que busquem eliminála como algo que atrapalha um suposto bem estar A angústia como as demais disposições afeti vas revela ao Dasein o seu próprio sernomundo indicando que o Dasein está entregue a liberdade para terqueser e poderser Com que a angústia se angustia é indeterminado não é objeto algum e não possui lugar definido Essa característica distingue a angústia do medo O ameaçador do medo provém de algo existente no mundo as pessoas ou os entes in tramundanos Nós nos atemorizamos sempre dian te deste ou daquele ente determinado que sob um ou outro aspecto determinado nos ameaça O temor de sempre teme por algo determinado Heidegger 19291999 p 56 A angústia diferentemente possui em si o cará ter de indeterminação Sendo pois uma disposição afetiva difícil de tematizar já que a nada se refere e não apresenta um objeto com o qual se angustia Aquilo que expressa a ameaça da angústia não pode ser distinguido objetivado não se sabe de onde vem nem para onde vai Desse modo em Ser e tempo Hei degger 19272012 40 p252 ressalta Aquilo com o que a angústia se angustia é o sernomundo como tal O com quê da angústia não é de modo algum um ente intramundano Por isso com ele não se pode estabelecer uma conjuntura essencial O com quê da angústia é inteiramente indeterminado Como consequência do ameaçador da angústia não se encontrar em lugar nenhum ele dispõe da possibilidade de não se aproximar a partir de uma di reção determinada visto que está sempre aí embora em lugar nenhum Está tão próximo que sufoca a res piração e no entanto encontrase em lugar nenhum p 253 E acrescenta que a ameaça é ela mesma indeterminada A angústia se angustia pelo próprio sernomundo O mundo não é mais capaz de ofe recer alguma coisa nem sequer a copresença dos ou tros A angústia retira pois do seraí a possibilidade de na decadência compreender a si mesmo a partir do mundo e na interpretação pública p254 Na angústia se está desabrigado estranho Estra nheza que significa não se sentir em casa Diante do fenômeno da angústia os projetos se recolhem sus pendendo aquilo que chamaríamos de lógica das ocu pações confrontando o Dasein à nudez de seu mun do e ao seu próprio modo de ser Duarte 2010 p 366 enfatiza que angustiarse é tornarse estranho e expa triado em sua própria casa o mundo solapandose à falsa certeza cotidiana de nossa identidade pública Nesse sentido a angústia se mostra como estranheza tudo perde o tom o reconhecimento Todas as coisas e nós mesmos afundamonos numa indiferença Não resta nenhum apoio Só resta e nos sobrevém na fuga do ente este nenhum A angústia manifesta o nada Heidegger 19291999 pp 5657 aspas do autor Esse nada provém de um nada mais originário e fundamental que está na origem da angústia Não sendo nenhum objeto determinado o que angustia o homem é o próprio sernomundo que pode nãoser isto é a nulidade que ele mesmo carrega Nesse sen tido a angústia é a experiência do nada Por isso diz Heidegger o nada é um bom nome para o ser O nada não pode ser confundido com a simples negação ló gica mas é posto como condição de possibilidade de toda negação Seguindo essa perspectiva Heidegger 19291999 p58 utiliza a expressão o nada nadifica com o intui to de dizer que o modo de o nada se mostrar somente Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos Angústia como Constitutiva da Existência Ressonâncias para a Clínica Psicológica 226 ocorre por meio do nada mesmo sua essência é a na dificação O nada não nos é dado como representação conceitual é pois o próprio véu do ser que se revela em nossa existência através da angústia A linguagem poética de Álvaro de Campos he terônimo de Fernando Pessoa nos oferece a possibi lidade de aproximação com o que Heidegger expõe acerca do nada Os outros nunca sentem Quem sente somos nós Sim todos nós Até eu que neste momento já não estou sentin do nada Nada Não sei Um nada que dói Campos 2002 p 452 O nada enunciado pelo poeta não tem o sentido valorativo de negatividade O nada que dói revela o estranhamento diante do nada mesmo da noite em branco Haar 1990 p80 da angústia Tal angústia não apresenta motivo aparente mas voltase à inquie tante estranheza do aílançado É um vazio um nada que dói à medida que corresponde a ausência do ser que é nada Na clínica psicológica esse nada não se apre senta no âmbito do entendimento da representação conceitual embora de fato se mostra como um va zio de entes uma dor Ouvir o chamado silencioso do nada da estranheza originária abre a possibilidade de interromper mesmo que momentaneamente o ru ído contínuo das muitas interpretações públicas que nos dizem insistentemente o que somos é também nessa escuta à voz que diz o nada da existência que diz de sua indeterminação fundamental que o seraí é arrancado do conforto tranquilo da familiaridade com os sentidos mundanos já estabilizados Duarte 2010 p424 aspas do autor No poema Bicarbonato de soda Álvaro de Cam pos expressa uma dor tamanha diante da experiência com a angústia de sorte que questiona se deveria pôr fim à vida para aliviar seu sofrimento Apesar da es tranheza que provoca náusea atormenta seu corpo e mente realça que vai existir existir na angústia Súbita uma angústia Ah que angústia que náusea do estômago à alma Uma angústia Uma desconsolação da epiderme da alma Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro Devo tomar qualquer coisa ou suicidarme Não vou existir Arre Vou existir Existir Existir Campos 2002 p 366 A angústia pode possibilitar ao Dasein a compre ensão mais própria de sua finitude mediante a pers pectiva de que se é serparaamorte de que a morte é uma possibilidade a cada instante Diante do fenô meno da angústia o Dasein pode compreenderse na sua finitude reconhece que o fim da sua existência é um evento iminente uma possibilidade irremissível e insuperável Tal compreensão não acontece de um modo teóricoracional mas fáctico e existencialmente quando se dá conta de que o seu poderser próprio está em jogo É na disposição da angústia que o estarlançado na morte se desvela para a presença de modo mais originário e penetrante Não se deve confundir a angústia com a morte e o medo de deixar viver Enquanto disposição fundamental da presença a angústia não é um humor fraco arbitrário e ca sual de um indivíduo singular e sim uma abertura de que como serlançado a presença existe para seu fim Assim esclarecese o conceito existen cial da morte como serlançado para o poderser mais próprio irremissível e insuperável Heideg ger19272012 p 326327 aspas do autor Retomando o poema parece que o poeta apro priouse da condição de que viver é angustiarse Contudo não pode prever a ocasião do surgimento ôntico da angústia sempre inesperado Haar 1990 p85 Esta indeterminação provoca perplexidade es tranheza há umnada e em lugar algum o homem em nenhuma parte encontra sua morada A angústia nos deixa suspensos sem apoio nem defesas desabriga dos propícios a sermos tomados subitamente pelo nada O ente no seu conjunto afastase desliza para um abismo de não sentido tornandose radicalmente estranho Haar 1990 p 81 Tal compreensão apon ta para o fato de que não há um fundamento fixo para a existência senão o próprio fundamento sem fundo da finitude É o fundo abismal Abgrund da existên cia que revelase pela angústia Como é que neste vazio poderíamos encontrar o poderser mais próprio a liberdade Mas se o mundo é nesta altura vazio de sentido como é que o senti do do mundo como mundo do mundo enquanto tal poderá sobreviver ao naufrágio de todas as significa ções Haar 1990 p 82 De acordo com o autor é preciso que a pura possibilidade de sernomundo não seja tocada mas reforçada pela angústia Nesse sentido a nulidade esse vazio que constitui o ser di fícil de assumir pode abrir a possibilidade para que possamos lidar com a angústia e apropriarse de nos sa existência Em Puseramme uma tampa Álvaro de Campos expõe como a angústia pode ser sufocada por uma tampa que abafa as possibilidades de outras aspira ções confinando o existente na segurança do familiar apesar do não se sentir em casa apresentarse exis tencial e ontologicamente como fenômeno originário Ellen Fernanda Gomes da Silva Carmem Barreto Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 227 Puseramme uma tampa Todo o céu Puseramme uma tampa Que grandes aspirações Que magnas plenitudes E algumas delas verdadeiras Mas sobre todas elas Puseramme uma tampa Como a um daqueles penicos antigos Lá nos longes tradicionais da província Uma tampa Campos 2002 p 447 Na angústia a linguagem é emudecida um grito interrompido Um nada que dói que pode nos sal var ou lançarnos em um abismo Ao sermos solici tados a tirar essa tampa cada um ao seu modo e ao seu tempo somos convocados à disponibilidade para a angústia Nessa convocação questionamos nossa existência podendo darse o acontecimento de uma apropriação de si Será que não é esse o motivo fun damental que leva o paciente a procurar na clínica psicológica um acolhimento para a dor de existir Dor mostração da angústia companheira constante que também pode agir enquanto parteira no movi mento a caminho do seu ser mais próprio A esse respeito salienta Heidegger 19272012 40 p257 que somente na angústia há a possibili dade de uma abertura privilegiada Tal singularização retira o seraí de sua decadência e lhe revela a au tenticidade e inautenticidade como possibilidades de seu ser Na angústia essas possibilidades fundamen tais do seraí que é sempre meu mostramse como elas são em si mesmas sem se deixar desfigurar pelo ente intramundano a que de início e na maioria das vezes o seraí se atém A abertura que se faz presente na angústia não é algo ordinário é uma abertura privilegiada pois nela o nosso ser mais próprio se encontra É diante da an gústia à medida que há a possibilidade de suspensão e silenciamento da tutela do mundo que podemos re alizar escolhas mais próprias e responsabilizarse por elas De acordo com Rodrigues 2017 como abertura privilegiada a angústia tem uma feição iluminadora ao passo que realça quem somos E ao fazêlo nosso hori zonte de verdades e referências é ameaçado revelando uma dimensão de provisoriedade e de impermanência As certezas que outrora tornavam o mundo familiar são perdidas e as afirmações sobre nós mesmos são passíveis de serem descontruídas Interessante salien tar que a angústia também apresenta uma feição dis ruptora pois aponta para outras possibilidades de ser nos permitindo refazer os caminhos e as verdades que norteavam a nossa existência p252 Cabe mencionar que o sentido de singularidade própria que destacamos aqui se refere àquilo que se mostra apenas uma vez propriedade única que esca pa à objetificação Em outros termos singularização diz de um modo de compreender a vida e não um estágio a se alcançar por meio de técnicas A angústia singulariza e abre a presença como solus ipse Esse solipsismo existencial po rém não dá lugar para uma coisasujeito isolada no vazio inofensivo de uma ocorrência despro vida de mundo Ao contrário confere à presen ça justamente um sentido extremo em que é tra zida como mundo para o seu mundo e assim como sernomundo para si mesma Heidegger 19272012 p255 aspas do autor A angústia retira a presença de seu empenho de cadente no mundo e rompese a familiaridade coti diana Desse modo a angústia abre a presença como serpossível como aquilo que somente a partir de si mesmo pode singularizarse como singularidade Para Duarte 2010 p423 aspas do autor a angústia revela a singularidade ao passo que desaloja a certeza de nossa identidade cotidiana e nos entrega ao mistério de existir sem ter um porquê Nesse sentido preciso por mais ater rorizante que essa disposição afetiva se mostre àquele que a experimenta a angústia longe de ser um infeliz acidente psíquico ou psiquiátrico a ser prontamente erradicado pela parafernália farmacológica deve ser pensada como o júbilo que assinala a presença de um homem Ela é uma disposição de ânimo liberadora na medida em que dissolve a camisa de força dos conceitos e interpretações já tramados a respeito de tudo o que é liberando o questionamento das certe zas préadquiridas e desencobrindo o ser para o poderser mais próprio ou seja o serlivre para a liberdade de assumir e escolher a si mesmo Como vimos na experiência singular da angús tia emerge a possibilidade de apropriação da existên cia No confronto consigo mesmo na estranheza que surge o homem pode apropriarse de novasoutras possibilidades existenciais e estar em contato com o seu poderser mais próprio No entanto não escapa da possibilidade de voltar a perderse na cotidianida de e na familiaridade do mundo Temos aqui a angústia tal qual se apresenta nos atendimentos clínicos ou pode ser constatada cotidia namente na existência Muitos pacientes chegam em busca de controle do que está por vir temerosos com um futuro que não se assemelhe às expectativas pre viamente elaboradas não estando disponíveis a mu danças desfechos e outras rotas e atalhos Tal contexto traduz estreiteza e limitação de liberdade evidencia a não aceitação de uma relação com o mundo que se dá sempre em abertura Rodrigues 2017 p252 No horizonte histórico atual no início e na maio ria das vezes não ouvimos aquilo que a angústia nos clama nos refugiando na tranquilidade do impes soal do já conhecido Não toleramos o aberto o in Angústia como Constitutiva da Existência Ressonâncias para a Clínica Psicológica Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 228 definido a falta de previsibilidade e o controle Cria mos barreiras obstruções buscamos a contenção do que não pode ser contido nos apegamos aos nossos modos de ser e dessa forma sofremos Rodrigues 2017 p254 Se nos mantivermos no encobrimento se não ouvirmos a mensagem da angústia ela será psicologizada desse modo pode ser diagnosticada e medicalizada perdendo assim o seu papel sinaliza dor e disruptor e se converterá em sofrimento psíqui co e muitas vezes em patologia Por fim é preciso destacar que a angústia realça a nossa condição de pura possibilidade ameaçada pelo destinamento técnico moderno Na familiaridade coti diana o homem faz da terra seu lar Todavia a angús tia apesar de diversas tentativas de obscurecimento irrompe o sentirse em casa revelando que ser é tarefa interminável e que qualquer familiaridade é tão so mente transitória A angústia carrega em si um apelo para lembrarnos que a existência é finita e mortal está entregue à responsabilidade de ser que a existência está sempre em jogo em uma abertura temporal Angústia como dote existencial aproximações de Boss com a clínica psicológica No intuito de ampliar a discussão das ressonân cias da Analítica Existencial para a clínica psicológi ca recorremos a Medard Boss psiquiatra suíço reco nhecido por avizinhar as contribuições fundamentais do pensamento filosófico de Heidegger ao âmbito da clínica médica e psicológica Distanciandose da metapsicologia de Freud Boss aproximouse da Da seinsanalyse ciência voltada para a compreensão do homem e de modos de intervenção e cuidado ilu minados pela perspectiva heideggeriana de homem e de mundo principalmente àquela desenvolvida na obra Ser e tempo O interesse de Boss 1977 para com a angústia é antes de tudo clínico A tematização desse fenôme no parte da dimensão ônticaexistenciária na qual a angústia se mostra de modo mais imediato no âmbi to dos psiquicamente doentes p18 sendo intima mente corroídos declarada ou veladamente p15 Logo no início de sua obra Boss 1977 indica a compreensão da angústia como dimensão originária sendo considerada em diversos lugares e de acordo com velhos provérbios como aquilo que apreende o mundo no íntimo p 15 Partindo de sua experiência clínica Boss salien ta que nas últimas décadas se verificou uma signif icativa modificação do fenômeno da angústia No in ício do século XX o clínico percebia as expressões da angústia nas histéricas nos homens que retornaram da Primeira Guerra Mundial e também naquelas situ ações de fobia como agorafobia e como claustrofobia Todavia com o passar do tempo as mostrações da angústia ficaram cada vez mais incompreensíveis ameaçam se esconder nos distúrbios cardíacos nos gástricos ou sob as queixas de um tédio vazio e na insensatez da vida e encobrem seu próprio sentido recorrendo à ininterruptas atividades ou ao embota mento de drogas e de tranquilizantes Interessante notar que Boss vincula o encobri mento da angústia à supremacia técnica pois ela nos leva a compreender e a nos considerar como sendo apenas uma rodinha no aparelho de uma gigantesca organização social p 17 A técnica põe em perigo o existir humano Os fenômenos inclusive a angústia são reduzidos a simples entidades físicomatemáti cas a um sistema de energia e forças que representa desconsidera o caráter enigmático da experiência Será que nós psicoterapeutas não estamos to talmente impotentes diante do atual espírito violentador da tecnocracia desde que este se apoderou dos nossos pacientes Talvez só es tejamos totalmente impotentes enquanto con tinuamos a permitir que esse espírito também aprisione nossos próprios pensamentos e ações médicas Boss 1977 p19 Se atentarmos para os conceitos fundamentais da Psicologia encontraremos em grande medida a perspectiva do saber técnicocientífico e o obscu recimento da experiência humana Mesmo quan do psicologias posteriores substituem a psiquê de Freud pela ideia de uma alma sujeito ou pessoa elas raramente rompem as dimensões de seu pensar tecnológico que objetiva o ser humano p 19 aspas do autor Nessa direção Boss esclarece que o mét odo de trabalho de Freud compreende a angústia como defeito de uma psiquê o qual impede o bom funcionamento do humano por isso eles têm de ser eliminados quanto antes e com todos os recursos disponíveis p20 E acrescenta que as teorias psi cológicas vigentes na atualidade utilizando a mesma lógica das chamadas ciências positivistas ainda bus cam a eliminação de distúrbios Cabe refletir o quanto a Psicologia se empenha em encontrar uma causa própria para as experiên cias humanas Em tal perspectiva vigora a ordem cronológica dos fenômenos na qual em uma sequên cia de acontecimentos o fenômeno anterior causaria o posterior Também ao assumir a herança do pens amento moderno a Psicologia opera com modelos teoréticoexplicativos e propõe protocolos técnicos na tentativa de explicar e detectar as causas das ex periências humanas Frente à tentativa de explicação dos fenômenos Boss 1977 p21 realça na prática psicoterápica es tas teorias psicológicas não cumpriram de forma al guma as esperanças nelas depositadas E assume seu compromisso de desde logo abrir mão de toda pos sibilidade de compreender as próprias coisas na sua realidade verdadeira e imediata p 22 Nessa linha compreensiva acena para a possibilidade de mediante Ellen Fernanda Gomes da Silva Carmem Barreto Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 229 às expressões da angústia nos resguardar de explicála a priori Para nós terapeutas nada se apresenta mais urgente do que desistir de uma vez por todas e com toda sinceridade de sempre decompor o ser humano com a ajuda de teorias psicológicas p 25 Antes tra tase de aproximarse da singularidade do fenômeno com aquilo que ele mesmo revela Contrapondo a sua compreensão de angústia com as teorias psicológicas vigentes Boss chama a atenção para a condição de que cada angústia tem um do que teme e um pelo que teme Esse do que referese a um ataque lesivo à possibilidade do estar aí no fundo cada angústia teme a possibilidade de um não estar aqui E o pelo que sempre se preocu pa e zela pela duração do estaraí As angústias são sempre medo da destruição e do nãopodermaisser deles próprios p 2728 Na angústia nos vemos lan çados em um abismo sem fundo frente à ausência de qualquer representação de segurança a nos apegar Mas na tentativa de escapar do nada da fragilidade da existência tendemos a buscar atalhos para evitar o sofrimento Aqui encontramos novamente Boss aproxi mando o fenômeno da angústia das ressonâncias da era técnica não é de se admirar que logo no início deste apocalipse científicomental e desta realida de escavacada pela técnica surgisse uma crescen te necessidade de segurança p 28 Em tempos de alienados e de anestesiados por uma aparente ausência de carências a essência da dor de exis tir se retrai e se encontra ausente Nessa direção a angústia adquire uma conotação de malestar a ser evitado Importa retomar que enquanto condição originária a angústia abre o Dasein como ser pos sível mobilizandoo imerso nas ocupações do coti diano a poderser propriamente Poderser que abre a possibilidade de assumir a contingência e finitude da existência humana lançandoo na sua condição de ser paraamorte Portanto não será a angústia necessariamente inerente à vida como um dote do nosso estaraí do qual não é possível nem psicote rapicamente se livrar p 28 Nessa direção seria mesmo a angústia o nosso dote existencial condi ção mais própria que nos constitui como humanos Esse dote intransferível aponta também para uma dívida iliquidável que nos acompanha na jornada da vida Mas será que existem caminhos que condu zem à libertação Interessante que Boss 1977 utiliza como me táfora o processo de troca de pele de uma cobra para nos aproximar de como muitos pacientes apropriam se de suas angústias Na época de muda a pele da cobra se torna apertada e perece Para nós essa mu dança talvez pareça um acontecimento catastrófico todavia para a cobra como tal o trocar a pele é o oposto de um morrer é um criar espaço para seu crescer e amadurecer p34 Partindo da perspectiva de Boss a experiência da angústia pode restringir e limitar o paciente de uma tal forma que ele compreende a si próprio apenas como uma gota dágua solitária trêmula suspensa no ar p35 Tudo perde o sentido Mas a angústia pode também dar passagem para outros co meços outros destinamentos se alguém se mantém realmente aberto à essência total e não disfarçada da angústia é aí justamente que ela abre aos seres hu manos aquela dimensão de liberdade p 36 Até aqui vimos a angústia enquanto dimensão constitutiva e seu encobrimento no horizonte técni co atual Realçamos também a tendência de buscar mos rotas de fuga para amparar ou minimizar o sofrimento visto o vazio e a insignificância que nos atravessa Esta mesma angústia que contrai o nosso peito com malestar pode dizer algo sobre nós mo bilizando a apropriação das possibilidades de vida dispondo delas livremente e com responsabilidade Mas como nos aproximar da experiência da an gústia Será que a clínica pode escutar os apelos da angústia já que tal atitude de escuta se tornou escas sa na vida de um modo geral Seguir nessa direção demanda coragem e esforço carece de cuidados se melhantes a atitude do lavrador que sabe aguardar o despontar e o amadurecimento da semente Tal dire ção requer também renúncia a uma visão subjetivis ta técnicocientífica que permite uma compreensão ofuscada e limitada e que no início e na maior parte das vezes detémse ao que é mensurável e calculá vel medidas volumes composição físicoquímica Questionando a tradição objetivista e nos au xiliando na tarefa de aproximação dos fenômenos em uma perspectiva fenomenológica Boss 1977 retoma o exemplo da macieira em flor já utilizado por Heidegger indicando que a árvore se apresenta a nós como aquilo que ela é consoante com os pró prios significados que a constituem Ela mesma nos comunica estes significados Nós homens apenas nos colocamos em frente da árvore em flor Mas com isto nós nos pomos à disposição dela como local de aparecimento p59 Mas o encontrarse diante da árvore provoca outras possibilidades compreensivas que aproximam o homem da dimensão da existên cia atravessada pelos sentidos que se desvelam na contemplação da árvore Essa compreensão assume em uma perspecti va fenomenológica um significado que ultrapassa o caráter objetificador como representação Enquanto destinamento a técnica nos solicita como seus reali zadores contudo há a possibilidade sempre presen te de um relacionamento mais livre Nessa direção ao pensar na clínica o método nunca deve domi nar o paciente Pelo contrário ele tem que se orien tar pelo paciente p62 A experiência da angústia por exemplo não será determinada a partir de um manual explicativo mas resguardada na sua convo cação de romper mundos manter a estranheza e a indeterminação cuidar e zelar pela condição de ser humano Angústia como Constitutiva da Existência Ressonâncias para a Clínica Psicológica Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 230 Considerações finais No curso dessas considerações a compreensão ontológica da angústia apresentada pelo pensamen to de Kierkegaard e de Heidegger nos possibilitaram outro modo de compreender as mostrações ônticas presentes na clínica psicológica Vimos que para Kierkegaard a angústia é constitutiva frente às possi bilidades que se mostram para cada um em sua exis tência concreta É na angústia que nos mobilizamos no sentido de apropriação da condição de liberdade Todavia o que se apresenta é uma tensão uma ambi guidade entre ansiar pela liberdade e viver na ilusão seguindo os ditames do mundo e se posicionando como mais uma ovelha no rebanho Ao buscarmos refúgio nas determinações do impessoal almejamos encobrir a angústia a partir da ilusão de que somos uma síntese pronta e assim não há o que temer É desse modo no início e na maioria das vezes que aquele que busca a situação clínica se encontra A angústia desperta o homem do distan ciamento de si mesmo Experimentála e nela emer gir são o possível da liberdade Nessa perspectiva a questão do psicólogo é acompanhar a atmosfera da angústia espaço em que pode ocorrer o salto quali tativo É relevante ainda apontar a compreensão da an gústia enquanto escola que solicita o homem para ser educado por ela aprendendo a conviver com os pos síveis da liberdade e a reconhecerse em sua finitude Mobilizado pela angústia o paciente pode encon trarse consigo mesmo e a seu modo e a seu tempo despertar reconhecendose finito considerando seus limites frente ao real estabelecido e ao futuro Seguindo as trilhas percorridas por nós neste artigo cabe também mencionar as contribuições hei deggerianas para compreensão da angústia enquanto constitutiva Como foi discutido para Heidegger a angústia é tida como disposição afetiva fundamental disposição da estranheza por excelência do nãosen tirseemcasa A angústia revela para o próprio seraí angustiado que ele originariamente não tem abrigo afundamonos em uma indiferença somos suspensos tudo perde o tom Em tal desabrigo a linguagem pode ser emudecida questionando as prescrições sedimen tadas do mundo e nos convocando à disponibilidade para a angústia Nessa convocação pode darse o acon tecimento de uma apropriação de si A angústia surge então enquanto abertura pri vilegiada ao passo que ela singulariza O que a angús tia sinaliza é a nossa própria condição de sermos em aberto o próprio vir a ser que é finalizado apenas com a morte A angústia revela a possibilidade de apro priação da existência à medida que desaloja a certeza e a tranquilidade da tutela cotidiana libertando o ser para o poderser mais próprio para a liberdade de assumir e escolher a si mesmo Tal compreensão heideggeriana possibilita res sonâncias para a clínica psicológica ao contribuir para pensarmos uma prática que indica um empenho inquietante e por vezes angustiante de acompanhar o paciente Nessa perspectiva ressaltase a importân cia de ouvir os apelos da angústia acompanhando o paciente em sua saga no desabrigo de existir resguar dando um espaço que salvaguarda a possibilidade de o paciente poderser responsabilizandose pela con dição de destinarse na vida As contribuições de Boss também se mostra ram fecundas ao oferecer subsídios para a Psicologia e suas práticas a fim de questionarmos os sentidos previamente dados acerca da angústia como mero sofrimento ou sintoma que norteia os diagnósticos psi copalogizantes e ampliar nossa liberdade de corres pondência a outras possibilidades que se anunciam na situação clínica Boss indica que frente à supremacia da técnica a qual põe em perigo o existir humano a compreensão de angústia é reduzida a entidades fisio matemáticas encobrindo o sentido mesmo da experi ência do paciente e recorrendo na maioria das vezes ao embotamento de drogas e tranquilizantes como alí viocura possível para o malestar É oportuno considerar a compreensão de angús tia como dote condição mais própria que nos consti tui como humanos e da qual não é possível se abster Essa angústia pode abrir o paciente para a dimensão de liberdade mobilizandoo a apropriação das suas possibilidades mais próprias Nessa direção Boss nos lembra que a prática clínica não seria mais uma ati vidade técnica que visa apenas a produzir uma pre tensa sensação de bemestar Podemos pensar então na situação clínica como possibilidade de acolher ao que há de alheio na era da técnica a angústia as diversas mostrações de sofrimento o silêncio os pa radoxos de existir Por fim após retomar as considerações de Kierkegaard Heidegger e Boss sinalizamos a neces sidade de colocar em andamento questionamentos que podem manter desperta a reflexão na clínica psi cológica como os profissionais em Psicologia estão lidando com o fenômeno da angústia Há espaço para acolher os apelos da angústia Tais inquietações abrem caminho para a in dicação de uma clínica psicológica que acolhe as mostrações da angústia a qual não pode ser genera lizada expressandose em tons diversos na queixa fala dos pacientes A singularidade do fenômeno nos encaminha a questionar a tentativa de aplicar uma técnica psicológica determinada a priori já que tal singularidade realça a possibilidade de acolher a an gústia como se apresenta sem tentar encaixála em uma determinada relação de causalidade e univer salização Esse pôr em questão ao qual nos referimos as sinala a dimensão de perplexidade na vida e na clínica A angústia nos suspende E nossas teoriza ções Nunca as teremos em número suficiente para expressar o infinito do real ou de nossos pavores ComteSponville 1997 p13 Frente ao predomínio Ellen Fernanda Gomes da Silva Carmem Barreto Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 231 do pensamento que calcula e representa conceitu almente a angústia nos corta a palavra em sua presença emudece qualquer dicção do é Heidegger 19291999 p57 aspas do autor É o fundo abismal Abgrund da existência que aparece descoberto pela angústia rompendo com a familiaridade cotidiana do clínico do paciente e de todos os homens sinalizan do que não temos a vida sob controle Referências American Psychiatry Association 2013 Diagnos tic and Statistical Manual of Mental disorders DSM5 5thed Washington American Psy chiatricAssociation Boss Medard 1977 Angústia Culpa e Libertação Ensaios de Psicanálise Existencial 2ª ed S Barbara trad São Paulo Duas Cidades Campos Álvaro de 2002 Poesia São Paulo Com panhia das Letras ComteSponville André 1997 Bom dia angústia São Paulo Martins Fontes Critelli Dulce M 2007 Analítica do Sentido uma aproximação e interpretação do real de orien tação fenomenológica 2ª ed São Paulo SP Brasiliense Duarte André 2010 Vidas em risco crítica do pre sente em Heidegger Arendt e Foucault Rio de Janeiro Forense UniversitáriaGEN Feijoo Ana M L C 2017 Existência psicotera pia da psicologia sem objeto ao saber fazer da clínica psicológica existencial Rio de Janeiro IFEN Gill Débora 2014 Psicologia atmosfera da an gústia In Feijoo Ana M L C de Protasio Myriam M Orgs Angústia e Repetição da Fi losofia à Psicologia pp 94117 Rio de Janeiro Edições IFEN Haar Michel 1990 Heidegger e a essência do ho mem A C Alves trad Lisboa Instituto Piaget Heidegger Martin 19291999 Que é Metafísica In M Heidegger Conferência e Escritos Filosófi cos E Stein trad pp 5173 São Paulo Nova Cultural Heidegger Martin 19272012 Ser e tempo 7ª ed F P Meurer trad Petrópolis Vozes Kierkegaard Søren 18442015 O conceito de an gústia 3ª ed A L M Valls trad Petrópolis Vozes Protasio Myriam M 2014 Angústia e repetição na clínica psicológica In Feijoo Ana M L C de Protasio Myriam M Orgs Angústia e Repe tição da Filosofia à Psicologia pp 142167 Rio de Janeiro Edições IFEN Protasio Myriam M 2017 Contribuições Kierke gaardianas para a compreensão do adoecimen to psíquico In Feijoo Ana M L C de Org In terpretações fenomenológicoexistenciais para o sofrimento psíquico na atualidade pp 90122 Rio de Janeiro Edições IFEN Rocha Zeferino 2000 Os destinos da angústia na psicanálise freudiana São Paulo Escuta Rodrigues Joelson T 2017 Compulsividade mar ca de um tempo In Feijoo Ana M L C de Org Interpretações fenomenológicoexisten ciais para o sofrimento psíquico na atualidade pp 243263 Rio de Janeiro Edições IFEN Ellen Fernanda Gomes da Silva Orcid 0000 000262794067 Doutora pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia Clínica da UNICAP na linha de pesquisa Práticas Psicológicas Clínicas em Instituições Mestra em Psicologia Clínica pelo mesmo Programa com Graduação em Psicologia pela Faculdade do Vale do IpojucaPE Coordenadora do curso de Especialização Prática Psicológica Clínica na Perspectiva Fenomenológica Existencial da Universidade Católica de Pernambuco UNICAP É membro participante do Laboratório de Clínica Fenomenológica Existencial LACLIFE Email ellenfernanda1hotmailcom Carmem Barreto Orcid 000000025532 039X Psicóloga formada pela Universidade Católica de Pernambuco com mestrado em Psicologia Clínica pela Universidade Católica de Pernambuco doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo Pósdoutorado em Filosofia pela Universidade de Évora Professora Adjunta IV da Universidade Católica de Pernambuco atuando na Graduação em Psicologia e no Programa de Pósgraduação em Psicologia Clínica Atualmente é Coordenadora Geral de Pesquisa CGPq da Universidade Católica de Pernambuco Coordenadora do Laboratório de Pesquisa em quotPsicologia Clínica Fenomenológica Existencial e Psicossocial LACLIFE Email carmemluciabarretohotmailcom Recebido em 26062018 Primeira Decisão Editorial em 04102018 Aceito em 24042019 Angústia como Constitutiva da Existência Ressonâncias para a Clínica Psicológica Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos
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220 ANGÚSTIA COMO CONSTITUTIVA DA EXISTÊNCIA RESSONÂNCIAS PARA A CLÍNICA PSICOLÓGICA Anguish as constitutive of existence resonances for the psychological clinic Angustia como constitutiva de la existencia resonancia para la clínica psicológica Resumo Este artigo tem por objetivo compreender a angústia enquanto constitutiva da existência humana a partir da fe nomenologia hermenêutica Nessa perspectiva pretendese tecer possibilidades compreensivas que possam apresentar ressonâncias para pensar a clínica psicológica como lugar possível de acolhimento da angústia Para tanto dialogaremos com algumas dimensões do pensamento de Kierkegaard Heidegger e Boss na busca de subsídios que por apresentarem outra possibilidade de compreensão de angústia não atrelada a premissas teoréticoexplicativas possibilitem pensar a ação clínica vinculada ao modo original como os fenômenos existenciais acontecem Palavraschave Angústia Fenomenologia hermenêutica Psicologia Abstract This article aims to present the understanding of the anguish as constitutive of human existence from the hermeneutic phenomenology In this perspective we intend to weave comprehensive possibilities that may present res onances to think the psychological clinic as a possible place of reception of the anguish For this we will talk with some dimensions of the thinking of Kierkegaard Heidegger and Boss in the search for subsidies that because they present another possibility of understanding of anguish not tied to theoreticalexplanatory premises make it possible to think of the clinical action linked to the original mode as the existential phenomena happen KeywordsAnguish HermeneuticalPhenomenology Psychology Resumen Este artículo tiene por objetivo presentar la comprensión de la angustia como constitutiva de la existencia hu mana a partir de la fenomenología hermenéutica En esa perspectiva se pretende tejer posibilidades comprensivas que puedan presentar resonancias para pensar la clínica psicológica como lugar posible de acogida de la angustia Para ello dialogaremos con algunas dimensiones del pensamiento de Kierkegaard Heidegger y Boss en la búsqueda de subsidios que por presentar otra posibilidad de comprensión de angustia no ligada a premisas teoréticoexplicativas posibiliten pensar la acción clínica vinculada al modo original como los los fenómenos existenciales ocurren PalavrasclaveAngustia Fenomenología hermenéutica Psicología DOI 10180652020v26n29 Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 EllEn F G Silva CarmEm BarrEto E studos Teór icos ou H istór icos Que seria o homem sem a angústia A arte sem a angústia O pensamento sem a angústia Não se trata de evitar e sim de aceitar Não se trata de curar e sim de atravessar ComteSponville Introdução Para iniciarmos essa discussão recorremos à eti mologia1 na tentativa de buscar um sentido originário para a angústia e encontramos no vocábulo grego an gor e no latim angere que significa estreitamen to aperto diminuição Tal significado parece indicar que na presença da angústia vivenciamos sensações 1 Recuperado em outubro de 2017 em httpswwwgramatica netbrorigemdaspalavrasetimologiadeangustia httpswww merriamwebstercomdictionaryagony de sufocamento acompanhado de desconforto e de solamento Agonia Agon também se encontra na raiz etimológica da angústia referindose a uma luta combate intensa dor da mente e do corpo Na Psicopatologia a angústia é tida como sinto ma para critério diagnóstico American Psychiatry As sociation 2013 Se considerarmos o referencial psica nalítico a angústia pode ser compreendida enquanto elemento estruturante do existir humano atribuin dolhe uma função defensiva diante dos perigos que ameaçam a existência Rocha 2000 p13 Visitando a perspectiva humanista e escolhendo entre diversos posicionamentos a teoria da personalidade apresenta da por Rogers a angústia é derivada da incongruência entre o self e a experiência podendo ser resolvida com ampliação da imagem de si mesmo self Já as neuroci ências concebem a angústia enquanto tensão psíquica relacionada a distorções cognitivas frente às situações 221 Diante de tais possibilidades de definir a angús tia perguntamonos compreender a angústia não se ria compreender a própria existência humana Não é existindo no mundo que muitas vezes nos sentimos desalojados sem abrigo sufocados e não conseguimos uma explicação precisa e direta para tal experiência Mas ainda é pertinente perguntar existiria um esclare cimento teorético sobre como abordar a angústia sem destruíla Ou a compreensão da angústia enquanto fenômeno originário da existência humana não exigiria uma apropriação fenomenológica com a proximidade existencial da vida fática a qual possibilitaria a apro priação das mostrações mesmas da existência humana Frente a tais inquietações escolhemos trilhar um caminho na companhia de alguns filósofos na busca de outra compreensão da angústia que possibilite tra zer ressonâncias para pensar uma clínica como ação de acompanhar o outropaciente de modo a aguardar o despertar deixar o que dorme vir a despertar de mo dos de existir que possam encaminhar um cuidar de si apropriandose de sua história e reinterpretandoa Iniciamos nosso percurso com ComteSponvil le 1997 já que traz questionamentos que sinalizam um possível caminho a ser perseguido principal mente quando ressalta que não obstante às tentati vas de escamotear a angústia ela nos acompanha na caminhada pela vida Nessa direção provocanos ao questionar O que é mais angustiante que nascer O que é mais angustiante que viver O que é mais angustiante que morrer Que é a angústia senão esse sentimento em nós p11 Tais interrogações abrem um caminho para apresentar a angústia como condição de existir nascemos e morremos nela Sobre o caráter inexorável da angústia ComteS ponville 1997 p12 comenta o que é mais natural que a angústia O que é mais humano que a angústia Apesar da sua presença que nos acompanha algumas pessoas vivem como se a angústia fosse algo alheio Comungando com a tentativa de encobrir a angústia métodos e estratégias clínicas almejam nos proteger dela outros querem curarnos A angústia por sua vez dolorosamente lembranos que não há vida sem crises que as situações cotidianas nos afetam machu camnos ameaçamnos Mas também a angústia nos conclama para viver a vida em suas diversas possibili dades correndo os riscos que a caminhada traz Importa lembrar que em Ser e tempo Heidegger 19272012 aponta a angústia como uma das possibi lidades de abertura mais originárias ao revelar que o homem tende a uma imersão impessoal no mundo revelando que foge de si mesmo como de seu poder ser propriamente No modo do impessoal o domínio dos outros é assumido sem que o seraí enquanto ser com se dê conta Assim o impessoal pertence aos outros e consolida seu poder Heidegger 19272012 p 179 Partindo de tal contexto é possível considerar que o desvio na decadência ou queda aponta a retira da do homem de si mesmo ameaçado pela angústia do próprio sernomundo como tal Essa é a vida mesma Diante do esvaziamento de sentido do mundo o homem tende a impessoa lidade ao mergulhar na publicidade no impessoal Somos vulneráveis no mundo e mortais na vida Ex postos a todos os riscos medos e ventanias Dizer sim à vida denota aceitar também o que ela demanda para nós necessariamente fracassos e frustrações ao lado de alegrias e afetos que nos tomam e dão colorido à vida Tal angústia nos paralisa mas tam bém pode tornarse salto frente aos abismos de nos sa existência permitindonos alçar outros voos eou quedas menos doloridas No entanto também pode apresentarse como parteira ajudando o nascer de outros dias indicando novos caminhos a trilhar ao remeter o homem a sua singularidade ao seu pró prio podersernomundo Seguindo nessa direção reafirmamos nossa esco lha de caminhar por uma trilha outra na busca de ques tionar a essencialização da angústia e sua consequente determinação biológica Nessa direção escolhemos dia logar com Kierkegaard e Heidegger filósofos da exis tência e posteriormente com Medard Boss cujo foco era a clínica psicoterápica Consideramos relevante esta discussão pois a partir das possibilidades compreen sivas abertas pela Fenomenologia Hermenêutica de tal diálogo podemos na clínica psicológica compreender intervir e acolher o fenômeno da angústia como condi ção própria da existência humana Para iniciar o percurso de tal caminho importa trazer algumas reflexões do pensamento de Kierke gaard acerca da angústia como possibilidade de ilu minar um modo outro de pensar a clínica psicológi ca Diante da complexa e vasta obra desse filósofo escolhemos a voz do pseudônimo Vigilius Haufnien sis na qual a angústia é realçada como atmosfera de possibilidades Em seguida consideraremos algumas dimen sões do pensamento de Heidegger quando temati za a angústia como disposição afetiva fundamental Veremos que além do caráter de singularização da existência a angústia pode abrir para o homem a possibilidade de romper com a familiaridade coti diana apresentandose como esvaziamento radical de sentido o nada e o em lugar nenhum Por fim aproximandonos da clínica psicológica traremos contribuições a partir de Merdad Boss que ao criticar uma perspectiva mais tradicional de psico terapia ressalta a dimensão constitutiva da angústia e indica a possibilidade de acolhêla como dote do nosso estaraí do qual não podemos nos livrar A escola da angústia conside rações a partir do pensamento de Kierkegaard Em sua obra O conceito de angústia Kierke gaard 18442015 na voz do pseudônimo Vigilius Haufniensis indicanos possibilidades compreensi vas para o fenômeno da angústia e nos possibilita diá Angústia como Constitutiva da Existência Ressonâncias para a Clínica Psicológica Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 222 logos entre a angústia e a Psicologia O filósofo inicia suas reflexões no capítulo V fazendo uma rápida re ferência a um conto dos irmãos Grimm denominado João sem medo Feijoo 2017 descreve que a narra tiva é sobre um jovem que nada temia mas que que ria aprender a ter medo O pai o irmão e os amigos com base em suas experiências procuravam auxiliar João nessa tarefa Em tal trajetória o personagem se depara com fantasmas animais ameaçadores cadá veres mas nada teme Nem o querer de João tampou co as instruções dadas a ele mostraramse suficientes para que aprendesse a temer O término da narrativa sinaliza João se assustando com algo aparentemente inofensivo peixes pulando em sua barriga enquanto dormia Tais peixes foram postos sobre o seu corpo por sua esposa Nesse momento João despertou e gri tou que agora sabia o que era estar assustado Foi a vida mesma de súbito que revelou a João seu caráter de vulnerabilidade Kierkegaard 18442015 realça que tal como o personagem João todos passamos pela aventura de angustiarse para que não se venham a perder nem por jamais terem estado angustiados nem por afun darem na angústia p168 Tal narrativa nos enca minha a pensar a angústia como constitutiva da exis tência viver é angustiarse viver é habitar na escola da angústia Aprender a conviver com a angústia é aprender acerca si mesmo sobre o que há de mais singular e plural na nossa existência assumindo a responsabilidade de ser quem nós mesmos somos O ponto de partida de Kierkegaard é a própria existência debruçandose diretamente sobre o huma no Tentar explicar a existência é negála Sob essa perspectiva o filósofo dinamarquês criticava os psi cólogos de sua época pois almejavam compreender o humano de forma abstrata consultando compêndios descrevendo e experimentando alterações no compor tamento a partir de estímulos diversos Sugere então como caminho possível para um distanciamento da tradição naturalista da ciência a aproximação com a existência a observação do homem em seu viver coti diano tendo como disparador a angústia Nessa direção destaca Protasio 2017 p 95 Sua crítica se dá no sentido da ilusão de abarcar toda a existência nestes sistemas explicativos e na distância guardada entre o sistema e a existên cia concreta Propõe então que à Psicologia não cabe o real em si ou seja a ação do homem que é algo movediço mas sua possibilidade O lugar da Psicologia é o lugar da angústia da indecisão onde o homem em liberdade opta por determina do modo de existir em detrimento de outro Segundo Kierkegaard 18442015 a angústia é a realidade da possibilidade se revelando diante da compreensão de que o futuro é indeterminado que há possibilidades de escolha e liberdade Utilizando se dos relatos bíblicos do Éden Kierkegaard sugere que Adão antes do pecado estava na ignorância em uma espécie de inocência caracterizada por paz e re pouso Frente à possibilidade de escolher foi tomado pela angústia ao darse conta de sua indeterminação Em tal condição outra possibilidade de compreender o mundo e a vida se apresenta já que com a liberda de o homem experimenta a si mesmo como possi bilidade O que aparece para Adão é ele mesmo a partir de uma diferenciação entre ele e ele mesmo É ainda Adão mas não o mesmo Adão Protasio 2014 p149 Cabe indicar que o elemento dessa dife renciação não pode ser determinado nem tido como necessidade mas enquanto possibilidadeliberdade Essa angustiante possibilidade de sercapaz de Kierkegaard18442015 p48 causou vertigem Adão sentiu no dizer de Kierkegaard uma estranha ambiguidade que se mostra como antipatia simpati zante uma simpatia antipatizante A possibilidade de escolha pode configurar uma experiência de angústia visto que a escolha é um passo no escuro sem mui tas ou nenhuma garantia Nessa direção o pecado surgiu como decorrência da angústia da escolha Angústia podese comparar à vertigem Aquele cujos olhos se debruçam a mirar uma profun deza escancarada sente tontura Mas qual a ra zão Está tanto no olho quanto no abismo Não estivesse ele encarado a fundura Deste modo a angústia é a vertigem da liberdade que surge quando o espírito quer estabelecer a síntese e a liberdade olha para baixo para a sua própria possibilidade e então agarra a finitude para nela firmarse Kierkegaard18442015 p67 O autor nos apresenta a angústia como vertigem o que nos fala de uma tontura falta de lugar para se firmar Mas por que razão Na citação acima ele nos responde de maneira enigmática está tanto no olho quanto no abismo Não tivesse encarado a fundura A fundura encarada no olhar desperta o abismo an gustiante da liberdade e a vertigem faz com que o espírito queira estabilizar a síntese Ao se deparar com o abismo de possibilidades não consegue aguen tar o peso opressor de não ser o acomete quase em um reflexo instantâneo a agarrar a finitude para nela se firmar Gill 2014 A finitude se refere ao limite das possibilidades Se tudo se apresenta como pos sibilidade na atmosfera da angústia é a finitude das mesmas que dá medida que dá fundo que dá chão Nesse sentido e trazendo tal reflexão para a clí nica psicológica abrese a possibilidade de pensar o espaço clínico como possibilidade de refletir como cada um está vivendo o seu tempo e como pode assu mir a função libertadora da angústia como ser livre para a propriedade de seu ser enquanto possibilidade de sersimesmo Na clínica é comum a procura por se sentir seguro por encontrar a medida da existência o ca minho da superação daquilo que traz dor De acordo Ellen Fernanda Gomes da Silva Carmem Barreto Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 223 com Feijoo 2017 diferentemente dos gregos antigos o homem moderno em busca de um querer infinito passou a desconhecer os limites com total esqueci mento do cuidado de si e consequentemente da me dida existencial Frente a tal contexto no âmbito da clínica énos solicitado que posicionemos a norma indiquemos referências normativas ao paciente e aos acontecimentos da vida A medida da existência é dada pelas teorias ou manuais que descrevem e carac terizam o humano estabelecendo a medida normal patológico dos comportamentos O homem da ciên cia antecipa prognóstico controla diagnóstico e guia prescrição o caminho correto E aos poucos vamos entendendo que tal estraté gia de conhecerprescrever a medida não resolve não nos livra da estranheza não abarca a complexidade dos sofrimentos Mas cabe enfatizar que nem sempre o paciente se sente em condições de se apropriar da sua medida no caso aqui enfatizado da angústia como vertigem da liberdade Tal condição pode ser conquis tada ou não na situação clínica ou até pode surgir em certas situações terapêuticas espontâneas promovi das por acontecimentos na vida cotidiana Retomando o pensamento de Kierkegaard com preendemos que devido à ausência de a priores de terministas é dado ao homem uma liberdade que lhe suscita angústia A angústia surge então como ine rente ao existente diante do que se abre frente às pos sibilidades históricas que se abrem para cada um em sua existência concreta Nesse projeto de terqueser a angústia libertadora ou a liberdade angustiada apa rece como constitutiva do modo próprio de ser huma no Por meio da angústia o homem pode se apropriar da nulidade que ele mesmo carrega enquanto mera possibilidade de ser Nesse sentido questiona Kierkegaard 18442015 p45 há algo de diferente que não é discórdia e luta pois não há nada contra o que lu tar Mas o que há então Nada Mas nada que efeito tem Faz nascer a angústia É com esse nada que a existência se depara rotineiramente É o nada que perturba a calmaria do paraíso Um nada que parece já estar ali mas não está pois ainda não foi despertado Este despertar sur ge do nada um nada que desperta o próprio nada da angústia Esta sentença nos parece estranha e ambígua mas é justamente nesta ambiguidade que se encontra a angústia Gill 2014 p100 A angústia surge em um contexto de nadidade ou seja da falta de qualquer determinação de algo que justifique sua mostração Há somente um chão sem fundo a ausência de sustentações nos faz per manecer lançados a possíveis Apesar dessa condição constitutiva da angústia assistimos à tentativa por meio de diversos subterfúgios de encobrir a angústia Essa situação reaparece constantemente no encon tro clínico à medida que a busca por segurança se apresenta como insuficiente e incerta Constatando dolorosamente tal ilusão e não suportando viver sem esse conforto e controle comumente o paciente ten de a procurar uma ajuda eficaz seja ela psicológica ou psiquiátrica quando de algum modo percebe que o modelo de responder às demandas fracassou Daí a situação clínica poder abrir um horizonte ao dei xar serenamente que o paciente se confronte com a condição existencial de estar lançado no jogo da vida de modo a poderse descobrir como herdeiro de uma históriamundo como horizonte prévio e ao mesmo tempo assumirse enquanto viraser Ao tematizar a questão do bem e do mal Kierke gaard fala de um modo de ser de estar que se insere em um momento historicamente dado e que guarda a tensão que impulsiona para o momento seguinte As sim há sempre presente a possibilidade de estando no mal ser tentado pelo bem e estando no bem ser tentado pelo mal De acordo com Protasio 2017 se estar no bem é ter uma atitude de seriedade para com suas escolhas ocorre sempre a tentação por sair de tal condição assumindo por exemplo uma atitude mais relaxada e despreocupada com as consequências dei xandose levar pela preguiça ou pelo adiamento Es tando no mal considerandoo como a condição de estar escravo dos apelos do mundo na nãorespon sabilidade o homem é tentando por assumirse na seriedade Independente de sermos acometidos pela angús tia do bem ou do mal não podemos esquecer como lembra Haufniensis que a angústia é aquilo ao redor do que tudo gira 18442015 p47 Esta afirmação parece sugerir que não importa onde o homem se en contre o abismo da angústia estará ao seu lado Não há outro caminho a não ser enfrentar a angústia ex perimentála Por isso a intervenção do psicólogo não deve buscar abafar o fenômeno da angústia mas tentar coconstruir um espaço de acolhimento para tal disposição afetiva Nessa abordagem a angústia não tem um tom negativo A angústia tornase para ele um espírito servi dor que não pode deixar de conduzilo mesmo a contragosto aonde ele quiser Quando ela anun cia quando parece que vai dar um golpe ele não recua nem ao menos procura mantêla afastada com ruído e algaravia antes lhe dá as boasvindas saúdaa festivamente Kierkega ard18442015 p173 Kierkegaard ressalta que aqueles que se apro priam da angústia do bem dão um salto qualitativo o qual não pode ser explicado descrito por etapas In teressante mencionar que o salto surge como possibili dade e não oferece garantias específicas Na clínica psi cológica a consideração dessa compreensão nos leva ao reconhecimento da imprevisibilidade do salto o qual não depende da postura do clínico da aplicação de técnicas nem do esforço contínuo dos pacientes de Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos Angústia como Constitutiva da Existência Ressonâncias para a Clínica Psicológica 224 alcançar seus objetivos Reflete muito mais um aguar dar que as coisas se mostrem a clínica como um lugar de deixar aparecer as possibilidades A voz do pseudônimo Vigilius Haufniensis ape la para a necessidade de arriscar de manter a tensão do impalpável Não seria próprio da situação clínica acolher a experiência singular do paciente com seus questionamentos surpresas e angústias Caberia ao clínico junto ao paciente deixar aparecer as possi bilidades que se mostram na experiência de vida e os possíveis encaminhamentos Retomando a questão da angústia para Kierkega ard ela surge questionando as ilusões nos apavorando diante do nada E de modo ambíguo revelase tam bém como elemento que nos desperta para a tarefa de sermos nós mesmos nos chama de volta quando esta mos perdidos na imersão do impessoal quando somos mais uma ovelha no rebanho Tal como foi exposto no conto dos irmãos Grimm João rompeu com as prescri ções do seu mundo familiarseguro para dar um passo no desconhecido em busca de aprender a angustiarse de uma apropriação singular João percorreu seu caminho e na existência mes ma foi o lugar onde encontrou a escola da angústia Apenas a angústia anuncia a existência em sua ca racterização de precariedade de indeterminação de abertura e de liberdade Além disso podemos consi derar a angústia como despertar quando Kierkegaard se refere a Adão como espírito adormecido que des perta pela e na condição de sua indeterminação ser angústia Tendo como direção a compreensão de angústia como escola o homem pode aos poucos ir se dis tanciando das ilusões e atentando para a realidade da escola dos possíveis os horrores que guarda a des truição os perigos Prosseguindo em seu caminho pode enfrentar sem desvios e de forma honesta com ele mesmo estes horrores abstendose de esconderse nas possibilidades de êxito convivendo com a an gústia de forma a não ser abatido por ela Protasio 2017 p 101 As pistas dadas por Kierkegaard nos levam a considerar a importância de refletir sobre as resso nâncias da angústia na clínica psicológica De acordo com Gill 2014 tal necessidade fala de uma relação peculiar da angústia com a Psicologia que não se pre tende explicativa Partindo de pressupostos fenome nológicos hermenêuticos o psicólogo compreende a existência humana e se coloca na clínica de um modo diferenciado A angústia ocupa um lugar importante nessa perspectiva clínica à medida que compreen dêla possibilita encaminhar a vida de outros modos muitas vezes esquecidos ou desconsiderados Nessa direção Protasio 2014 realça que o psi cólogo cuida para que a situação clínica se constitua como espaço de liberdade no qual ao escutar a fala da angústia se resguarda o espaço no qual a angústia pode devolver o homem a si mesmo e às suas pos sibilidades espaço onde o homem pode formar a si mesmo transformar a si mesmo pois é da possibi lidade que pode advir uma transformação p163 E para que esse espaço de abertura ao novo se dê é preciso não abafar as inquietações mas deixar que apareçam com aquilo que anunciam apresentando a vertigem diante do nada O psicólogo conservase na retaguarda e apre senta ao paciente um auxílio negativo Sua ação está interessada em acompanhar o encontro do pa ciente consigo mesmo em que o cliente reconheça se em sua ilusão que este veja a si mesmo e reflita julgue a si mesmo e opte por sua singularidade por assumir uma posição comprometendose consigo mesmo com seus contemporâneos e com Deus Pro tasio 2017 p119120 A experiência cotidiana é a escola em que a atmosfera da angústia pode abrir a possibilidade de transformação Nessa direção o psicólogo vai lidar com as possibilidades e riscos que caracterizam o existir humano Aquele que acredita estar seguro e ter as respostas para os enigmas da existência não com preendeu ainda o lugar da angústia na Psicologia Já aquele que aprendeu a angustiarse sabe que em todas as coisas há riscos e justamente por isso há possibilidade de transformação A dimensão existencial da angústia em Heidegger o não se sentir em casa Para iniciar as considerações a respeito da an gústia importa ressaltar a compreensão ontológica dos existenciais na Analítica Existencial de Heideg ger dimensões da abertura do Dasein à revelação do ser no horizonte do tempo Vêse que a intenção de Heidegger caminha no sentido de superar a ontolo gia metafísica da coisa enquanto modelo de referên cia da interpretação ontológica do homem Com isso indica logo no parágrafo 34 de Ser e tempo que a compreensão a linguagem e a disposição são os exis tenciais fundamentais constituintes da abertura do sernomundo Para fins didáticos vamos nos deter ao exis tencial da disposição afetiva o qual onticamente se apresenta como o humor revelando o modo como al guém se encontra no mundo com os outros e consigo mesmo Assim ele não vem de fora nem de dentro Assim cresce a partir de si mesmo como modo de sernomundo Heidegger 19272012 p 137 aspas do autor A abertura do Dasein implica sempre um estado de ânimo uma disposição afetiva de modo a poder ser tocado pelo que vem ao encontro Mais que emoções ou estados de alma a disposição afetiva é o oferece ao Dasein o tom de sua existência sintonizan doo no mundo é a voz que o afina em seus compor tamentos apontando maneiras de ser e estar Essa afinação constitutiva revelase variada e impermanente Heidegger 19272012 menciona Ellen Fernanda Gomes da Silva Carmem Barreto Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 225 que pelo fato de as disposições afetivas não possu írem subsistência fixa a metafísica as toma como se fosse o que há de mais inconsistente Embora a tradi ção vigente tenha essa impermanência como descré dito é ela que evidencia que o Dasein é fundamental e inevitavelmente liberdade pois sua existência se dá sem prédeterminações Segundo Critelli 2007 para compreensão dos fenômenos o procedimento convencional da metafí sica requer o isolamento das emoções e das sensações em que aquelas são apanhadas já a fenomenologia heideggeriana compreende que nosso entendimento é sempre e de alguma maneira emocionado atra vessado por estados de ânimo através dos estados de ânimo os significados das coisas fazem sentido E através deles esses significados mudam p103 Cabe salientar que as disposições afetivas não têm seu fun damento nas concepções lógicoformais pois são onto logicamente constitutivas Muitas são as disposições afetivas descritas por Heidegger o temor o tédio a angústia a admiração o êxtase Entre estas Heidegger realça as disposições afetivas fundamentais as quais provocam uma espé cie de colapso radical na existência Isto é suspen dem os sentidos prescritos na cotidianidade media na confrontando o Dasein com seu modo de ser mais próprio Dentre as disposições afetivas fundamentais encontrase a angústia pela possibilidade que ela abre ao Dasein no modo da propriedade Importa si tuar que como foco do presente estudo a partir de agora iremos nos ater à disposição da angústia De início cabe esclarecer que a angústia não é tomada como emoção ou fenômeno psicológico A angústia em uma dimensão ontológica se apresen ta como constitutiva nos acompanhando com a per sistência de uma sombra Ela está sempre aí porém velada pelo predomínio da decadência e da interpre tação pública Publicidade que como modo de ser do impessoal obscurece tudo tomando o que assim se encobre por conhecido e acessível a todos Heideg ger 19272012 p 180 O impessoal não é algo sim plesmente dado nem uma propriedade permanente é um existencial fenômeno originário e constitutivo do seraí Assim o desvio na decadência se funda na angústia e o homem está ontologicamente disposto como angústia que se mostra como indeterminação originária Partindo de tal compreensão não é pos sível assumir na clínica intervenções que busquem eliminála como algo que atrapalha um suposto bem estar A angústia como as demais disposições afeti vas revela ao Dasein o seu próprio sernomundo indicando que o Dasein está entregue a liberdade para terqueser e poderser Com que a angústia se angustia é indeterminado não é objeto algum e não possui lugar definido Essa característica distingue a angústia do medo O ameaçador do medo provém de algo existente no mundo as pessoas ou os entes in tramundanos Nós nos atemorizamos sempre dian te deste ou daquele ente determinado que sob um ou outro aspecto determinado nos ameaça O temor de sempre teme por algo determinado Heidegger 19291999 p 56 A angústia diferentemente possui em si o cará ter de indeterminação Sendo pois uma disposição afetiva difícil de tematizar já que a nada se refere e não apresenta um objeto com o qual se angustia Aquilo que expressa a ameaça da angústia não pode ser distinguido objetivado não se sabe de onde vem nem para onde vai Desse modo em Ser e tempo Hei degger 19272012 40 p252 ressalta Aquilo com o que a angústia se angustia é o sernomundo como tal O com quê da angústia não é de modo algum um ente intramundano Por isso com ele não se pode estabelecer uma conjuntura essencial O com quê da angústia é inteiramente indeterminado Como consequência do ameaçador da angústia não se encontrar em lugar nenhum ele dispõe da possibilidade de não se aproximar a partir de uma di reção determinada visto que está sempre aí embora em lugar nenhum Está tão próximo que sufoca a res piração e no entanto encontrase em lugar nenhum p 253 E acrescenta que a ameaça é ela mesma indeterminada A angústia se angustia pelo próprio sernomundo O mundo não é mais capaz de ofe recer alguma coisa nem sequer a copresença dos ou tros A angústia retira pois do seraí a possibilidade de na decadência compreender a si mesmo a partir do mundo e na interpretação pública p254 Na angústia se está desabrigado estranho Estra nheza que significa não se sentir em casa Diante do fenômeno da angústia os projetos se recolhem sus pendendo aquilo que chamaríamos de lógica das ocu pações confrontando o Dasein à nudez de seu mun do e ao seu próprio modo de ser Duarte 2010 p 366 enfatiza que angustiarse é tornarse estranho e expa triado em sua própria casa o mundo solapandose à falsa certeza cotidiana de nossa identidade pública Nesse sentido a angústia se mostra como estranheza tudo perde o tom o reconhecimento Todas as coisas e nós mesmos afundamonos numa indiferença Não resta nenhum apoio Só resta e nos sobrevém na fuga do ente este nenhum A angústia manifesta o nada Heidegger 19291999 pp 5657 aspas do autor Esse nada provém de um nada mais originário e fundamental que está na origem da angústia Não sendo nenhum objeto determinado o que angustia o homem é o próprio sernomundo que pode nãoser isto é a nulidade que ele mesmo carrega Nesse sen tido a angústia é a experiência do nada Por isso diz Heidegger o nada é um bom nome para o ser O nada não pode ser confundido com a simples negação ló gica mas é posto como condição de possibilidade de toda negação Seguindo essa perspectiva Heidegger 19291999 p58 utiliza a expressão o nada nadifica com o intui to de dizer que o modo de o nada se mostrar somente Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos Angústia como Constitutiva da Existência Ressonâncias para a Clínica Psicológica 226 ocorre por meio do nada mesmo sua essência é a na dificação O nada não nos é dado como representação conceitual é pois o próprio véu do ser que se revela em nossa existência através da angústia A linguagem poética de Álvaro de Campos he terônimo de Fernando Pessoa nos oferece a possibi lidade de aproximação com o que Heidegger expõe acerca do nada Os outros nunca sentem Quem sente somos nós Sim todos nós Até eu que neste momento já não estou sentin do nada Nada Não sei Um nada que dói Campos 2002 p 452 O nada enunciado pelo poeta não tem o sentido valorativo de negatividade O nada que dói revela o estranhamento diante do nada mesmo da noite em branco Haar 1990 p80 da angústia Tal angústia não apresenta motivo aparente mas voltase à inquie tante estranheza do aílançado É um vazio um nada que dói à medida que corresponde a ausência do ser que é nada Na clínica psicológica esse nada não se apre senta no âmbito do entendimento da representação conceitual embora de fato se mostra como um va zio de entes uma dor Ouvir o chamado silencioso do nada da estranheza originária abre a possibilidade de interromper mesmo que momentaneamente o ru ído contínuo das muitas interpretações públicas que nos dizem insistentemente o que somos é também nessa escuta à voz que diz o nada da existência que diz de sua indeterminação fundamental que o seraí é arrancado do conforto tranquilo da familiaridade com os sentidos mundanos já estabilizados Duarte 2010 p424 aspas do autor No poema Bicarbonato de soda Álvaro de Cam pos expressa uma dor tamanha diante da experiência com a angústia de sorte que questiona se deveria pôr fim à vida para aliviar seu sofrimento Apesar da es tranheza que provoca náusea atormenta seu corpo e mente realça que vai existir existir na angústia Súbita uma angústia Ah que angústia que náusea do estômago à alma Uma angústia Uma desconsolação da epiderme da alma Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro Devo tomar qualquer coisa ou suicidarme Não vou existir Arre Vou existir Existir Existir Campos 2002 p 366 A angústia pode possibilitar ao Dasein a compre ensão mais própria de sua finitude mediante a pers pectiva de que se é serparaamorte de que a morte é uma possibilidade a cada instante Diante do fenô meno da angústia o Dasein pode compreenderse na sua finitude reconhece que o fim da sua existência é um evento iminente uma possibilidade irremissível e insuperável Tal compreensão não acontece de um modo teóricoracional mas fáctico e existencialmente quando se dá conta de que o seu poderser próprio está em jogo É na disposição da angústia que o estarlançado na morte se desvela para a presença de modo mais originário e penetrante Não se deve confundir a angústia com a morte e o medo de deixar viver Enquanto disposição fundamental da presença a angústia não é um humor fraco arbitrário e ca sual de um indivíduo singular e sim uma abertura de que como serlançado a presença existe para seu fim Assim esclarecese o conceito existen cial da morte como serlançado para o poderser mais próprio irremissível e insuperável Heideg ger19272012 p 326327 aspas do autor Retomando o poema parece que o poeta apro priouse da condição de que viver é angustiarse Contudo não pode prever a ocasião do surgimento ôntico da angústia sempre inesperado Haar 1990 p85 Esta indeterminação provoca perplexidade es tranheza há umnada e em lugar algum o homem em nenhuma parte encontra sua morada A angústia nos deixa suspensos sem apoio nem defesas desabriga dos propícios a sermos tomados subitamente pelo nada O ente no seu conjunto afastase desliza para um abismo de não sentido tornandose radicalmente estranho Haar 1990 p 81 Tal compreensão apon ta para o fato de que não há um fundamento fixo para a existência senão o próprio fundamento sem fundo da finitude É o fundo abismal Abgrund da existên cia que revelase pela angústia Como é que neste vazio poderíamos encontrar o poderser mais próprio a liberdade Mas se o mundo é nesta altura vazio de sentido como é que o senti do do mundo como mundo do mundo enquanto tal poderá sobreviver ao naufrágio de todas as significa ções Haar 1990 p 82 De acordo com o autor é preciso que a pura possibilidade de sernomundo não seja tocada mas reforçada pela angústia Nesse sentido a nulidade esse vazio que constitui o ser di fícil de assumir pode abrir a possibilidade para que possamos lidar com a angústia e apropriarse de nos sa existência Em Puseramme uma tampa Álvaro de Campos expõe como a angústia pode ser sufocada por uma tampa que abafa as possibilidades de outras aspira ções confinando o existente na segurança do familiar apesar do não se sentir em casa apresentarse exis tencial e ontologicamente como fenômeno originário Ellen Fernanda Gomes da Silva Carmem Barreto Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 227 Puseramme uma tampa Todo o céu Puseramme uma tampa Que grandes aspirações Que magnas plenitudes E algumas delas verdadeiras Mas sobre todas elas Puseramme uma tampa Como a um daqueles penicos antigos Lá nos longes tradicionais da província Uma tampa Campos 2002 p 447 Na angústia a linguagem é emudecida um grito interrompido Um nada que dói que pode nos sal var ou lançarnos em um abismo Ao sermos solici tados a tirar essa tampa cada um ao seu modo e ao seu tempo somos convocados à disponibilidade para a angústia Nessa convocação questionamos nossa existência podendo darse o acontecimento de uma apropriação de si Será que não é esse o motivo fun damental que leva o paciente a procurar na clínica psicológica um acolhimento para a dor de existir Dor mostração da angústia companheira constante que também pode agir enquanto parteira no movi mento a caminho do seu ser mais próprio A esse respeito salienta Heidegger 19272012 40 p257 que somente na angústia há a possibili dade de uma abertura privilegiada Tal singularização retira o seraí de sua decadência e lhe revela a au tenticidade e inautenticidade como possibilidades de seu ser Na angústia essas possibilidades fundamen tais do seraí que é sempre meu mostramse como elas são em si mesmas sem se deixar desfigurar pelo ente intramundano a que de início e na maioria das vezes o seraí se atém A abertura que se faz presente na angústia não é algo ordinário é uma abertura privilegiada pois nela o nosso ser mais próprio se encontra É diante da an gústia à medida que há a possibilidade de suspensão e silenciamento da tutela do mundo que podemos re alizar escolhas mais próprias e responsabilizarse por elas De acordo com Rodrigues 2017 como abertura privilegiada a angústia tem uma feição iluminadora ao passo que realça quem somos E ao fazêlo nosso hori zonte de verdades e referências é ameaçado revelando uma dimensão de provisoriedade e de impermanência As certezas que outrora tornavam o mundo familiar são perdidas e as afirmações sobre nós mesmos são passíveis de serem descontruídas Interessante salien tar que a angústia também apresenta uma feição dis ruptora pois aponta para outras possibilidades de ser nos permitindo refazer os caminhos e as verdades que norteavam a nossa existência p252 Cabe mencionar que o sentido de singularidade própria que destacamos aqui se refere àquilo que se mostra apenas uma vez propriedade única que esca pa à objetificação Em outros termos singularização diz de um modo de compreender a vida e não um estágio a se alcançar por meio de técnicas A angústia singulariza e abre a presença como solus ipse Esse solipsismo existencial po rém não dá lugar para uma coisasujeito isolada no vazio inofensivo de uma ocorrência despro vida de mundo Ao contrário confere à presen ça justamente um sentido extremo em que é tra zida como mundo para o seu mundo e assim como sernomundo para si mesma Heidegger 19272012 p255 aspas do autor A angústia retira a presença de seu empenho de cadente no mundo e rompese a familiaridade coti diana Desse modo a angústia abre a presença como serpossível como aquilo que somente a partir de si mesmo pode singularizarse como singularidade Para Duarte 2010 p423 aspas do autor a angústia revela a singularidade ao passo que desaloja a certeza de nossa identidade cotidiana e nos entrega ao mistério de existir sem ter um porquê Nesse sentido preciso por mais ater rorizante que essa disposição afetiva se mostre àquele que a experimenta a angústia longe de ser um infeliz acidente psíquico ou psiquiátrico a ser prontamente erradicado pela parafernália farmacológica deve ser pensada como o júbilo que assinala a presença de um homem Ela é uma disposição de ânimo liberadora na medida em que dissolve a camisa de força dos conceitos e interpretações já tramados a respeito de tudo o que é liberando o questionamento das certe zas préadquiridas e desencobrindo o ser para o poderser mais próprio ou seja o serlivre para a liberdade de assumir e escolher a si mesmo Como vimos na experiência singular da angús tia emerge a possibilidade de apropriação da existên cia No confronto consigo mesmo na estranheza que surge o homem pode apropriarse de novasoutras possibilidades existenciais e estar em contato com o seu poderser mais próprio No entanto não escapa da possibilidade de voltar a perderse na cotidianida de e na familiaridade do mundo Temos aqui a angústia tal qual se apresenta nos atendimentos clínicos ou pode ser constatada cotidia namente na existência Muitos pacientes chegam em busca de controle do que está por vir temerosos com um futuro que não se assemelhe às expectativas pre viamente elaboradas não estando disponíveis a mu danças desfechos e outras rotas e atalhos Tal contexto traduz estreiteza e limitação de liberdade evidencia a não aceitação de uma relação com o mundo que se dá sempre em abertura Rodrigues 2017 p252 No horizonte histórico atual no início e na maio ria das vezes não ouvimos aquilo que a angústia nos clama nos refugiando na tranquilidade do impes soal do já conhecido Não toleramos o aberto o in Angústia como Constitutiva da Existência Ressonâncias para a Clínica Psicológica Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 228 definido a falta de previsibilidade e o controle Cria mos barreiras obstruções buscamos a contenção do que não pode ser contido nos apegamos aos nossos modos de ser e dessa forma sofremos Rodrigues 2017 p254 Se nos mantivermos no encobrimento se não ouvirmos a mensagem da angústia ela será psicologizada desse modo pode ser diagnosticada e medicalizada perdendo assim o seu papel sinaliza dor e disruptor e se converterá em sofrimento psíqui co e muitas vezes em patologia Por fim é preciso destacar que a angústia realça a nossa condição de pura possibilidade ameaçada pelo destinamento técnico moderno Na familiaridade coti diana o homem faz da terra seu lar Todavia a angús tia apesar de diversas tentativas de obscurecimento irrompe o sentirse em casa revelando que ser é tarefa interminável e que qualquer familiaridade é tão so mente transitória A angústia carrega em si um apelo para lembrarnos que a existência é finita e mortal está entregue à responsabilidade de ser que a existência está sempre em jogo em uma abertura temporal Angústia como dote existencial aproximações de Boss com a clínica psicológica No intuito de ampliar a discussão das ressonân cias da Analítica Existencial para a clínica psicológi ca recorremos a Medard Boss psiquiatra suíço reco nhecido por avizinhar as contribuições fundamentais do pensamento filosófico de Heidegger ao âmbito da clínica médica e psicológica Distanciandose da metapsicologia de Freud Boss aproximouse da Da seinsanalyse ciência voltada para a compreensão do homem e de modos de intervenção e cuidado ilu minados pela perspectiva heideggeriana de homem e de mundo principalmente àquela desenvolvida na obra Ser e tempo O interesse de Boss 1977 para com a angústia é antes de tudo clínico A tematização desse fenôme no parte da dimensão ônticaexistenciária na qual a angústia se mostra de modo mais imediato no âmbi to dos psiquicamente doentes p18 sendo intima mente corroídos declarada ou veladamente p15 Logo no início de sua obra Boss 1977 indica a compreensão da angústia como dimensão originária sendo considerada em diversos lugares e de acordo com velhos provérbios como aquilo que apreende o mundo no íntimo p 15 Partindo de sua experiência clínica Boss salien ta que nas últimas décadas se verificou uma signif icativa modificação do fenômeno da angústia No in ício do século XX o clínico percebia as expressões da angústia nas histéricas nos homens que retornaram da Primeira Guerra Mundial e também naquelas situ ações de fobia como agorafobia e como claustrofobia Todavia com o passar do tempo as mostrações da angústia ficaram cada vez mais incompreensíveis ameaçam se esconder nos distúrbios cardíacos nos gástricos ou sob as queixas de um tédio vazio e na insensatez da vida e encobrem seu próprio sentido recorrendo à ininterruptas atividades ou ao embota mento de drogas e de tranquilizantes Interessante notar que Boss vincula o encobri mento da angústia à supremacia técnica pois ela nos leva a compreender e a nos considerar como sendo apenas uma rodinha no aparelho de uma gigantesca organização social p 17 A técnica põe em perigo o existir humano Os fenômenos inclusive a angústia são reduzidos a simples entidades físicomatemáti cas a um sistema de energia e forças que representa desconsidera o caráter enigmático da experiência Será que nós psicoterapeutas não estamos to talmente impotentes diante do atual espírito violentador da tecnocracia desde que este se apoderou dos nossos pacientes Talvez só es tejamos totalmente impotentes enquanto con tinuamos a permitir que esse espírito também aprisione nossos próprios pensamentos e ações médicas Boss 1977 p19 Se atentarmos para os conceitos fundamentais da Psicologia encontraremos em grande medida a perspectiva do saber técnicocientífico e o obscu recimento da experiência humana Mesmo quan do psicologias posteriores substituem a psiquê de Freud pela ideia de uma alma sujeito ou pessoa elas raramente rompem as dimensões de seu pensar tecnológico que objetiva o ser humano p 19 aspas do autor Nessa direção Boss esclarece que o mét odo de trabalho de Freud compreende a angústia como defeito de uma psiquê o qual impede o bom funcionamento do humano por isso eles têm de ser eliminados quanto antes e com todos os recursos disponíveis p20 E acrescenta que as teorias psi cológicas vigentes na atualidade utilizando a mesma lógica das chamadas ciências positivistas ainda bus cam a eliminação de distúrbios Cabe refletir o quanto a Psicologia se empenha em encontrar uma causa própria para as experiên cias humanas Em tal perspectiva vigora a ordem cronológica dos fenômenos na qual em uma sequên cia de acontecimentos o fenômeno anterior causaria o posterior Também ao assumir a herança do pens amento moderno a Psicologia opera com modelos teoréticoexplicativos e propõe protocolos técnicos na tentativa de explicar e detectar as causas das ex periências humanas Frente à tentativa de explicação dos fenômenos Boss 1977 p21 realça na prática psicoterápica es tas teorias psicológicas não cumpriram de forma al guma as esperanças nelas depositadas E assume seu compromisso de desde logo abrir mão de toda pos sibilidade de compreender as próprias coisas na sua realidade verdadeira e imediata p 22 Nessa linha compreensiva acena para a possibilidade de mediante Ellen Fernanda Gomes da Silva Carmem Barreto Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 229 às expressões da angústia nos resguardar de explicála a priori Para nós terapeutas nada se apresenta mais urgente do que desistir de uma vez por todas e com toda sinceridade de sempre decompor o ser humano com a ajuda de teorias psicológicas p 25 Antes tra tase de aproximarse da singularidade do fenômeno com aquilo que ele mesmo revela Contrapondo a sua compreensão de angústia com as teorias psicológicas vigentes Boss chama a atenção para a condição de que cada angústia tem um do que teme e um pelo que teme Esse do que referese a um ataque lesivo à possibilidade do estar aí no fundo cada angústia teme a possibilidade de um não estar aqui E o pelo que sempre se preocu pa e zela pela duração do estaraí As angústias são sempre medo da destruição e do nãopodermaisser deles próprios p 2728 Na angústia nos vemos lan çados em um abismo sem fundo frente à ausência de qualquer representação de segurança a nos apegar Mas na tentativa de escapar do nada da fragilidade da existência tendemos a buscar atalhos para evitar o sofrimento Aqui encontramos novamente Boss aproxi mando o fenômeno da angústia das ressonâncias da era técnica não é de se admirar que logo no início deste apocalipse científicomental e desta realida de escavacada pela técnica surgisse uma crescen te necessidade de segurança p 28 Em tempos de alienados e de anestesiados por uma aparente ausência de carências a essência da dor de exis tir se retrai e se encontra ausente Nessa direção a angústia adquire uma conotação de malestar a ser evitado Importa retomar que enquanto condição originária a angústia abre o Dasein como ser pos sível mobilizandoo imerso nas ocupações do coti diano a poderser propriamente Poderser que abre a possibilidade de assumir a contingência e finitude da existência humana lançandoo na sua condição de ser paraamorte Portanto não será a angústia necessariamente inerente à vida como um dote do nosso estaraí do qual não é possível nem psicote rapicamente se livrar p 28 Nessa direção seria mesmo a angústia o nosso dote existencial condi ção mais própria que nos constitui como humanos Esse dote intransferível aponta também para uma dívida iliquidável que nos acompanha na jornada da vida Mas será que existem caminhos que condu zem à libertação Interessante que Boss 1977 utiliza como me táfora o processo de troca de pele de uma cobra para nos aproximar de como muitos pacientes apropriam se de suas angústias Na época de muda a pele da cobra se torna apertada e perece Para nós essa mu dança talvez pareça um acontecimento catastrófico todavia para a cobra como tal o trocar a pele é o oposto de um morrer é um criar espaço para seu crescer e amadurecer p34 Partindo da perspectiva de Boss a experiência da angústia pode restringir e limitar o paciente de uma tal forma que ele compreende a si próprio apenas como uma gota dágua solitária trêmula suspensa no ar p35 Tudo perde o sentido Mas a angústia pode também dar passagem para outros co meços outros destinamentos se alguém se mantém realmente aberto à essência total e não disfarçada da angústia é aí justamente que ela abre aos seres hu manos aquela dimensão de liberdade p 36 Até aqui vimos a angústia enquanto dimensão constitutiva e seu encobrimento no horizonte técni co atual Realçamos também a tendência de buscar mos rotas de fuga para amparar ou minimizar o sofrimento visto o vazio e a insignificância que nos atravessa Esta mesma angústia que contrai o nosso peito com malestar pode dizer algo sobre nós mo bilizando a apropriação das possibilidades de vida dispondo delas livremente e com responsabilidade Mas como nos aproximar da experiência da an gústia Será que a clínica pode escutar os apelos da angústia já que tal atitude de escuta se tornou escas sa na vida de um modo geral Seguir nessa direção demanda coragem e esforço carece de cuidados se melhantes a atitude do lavrador que sabe aguardar o despontar e o amadurecimento da semente Tal dire ção requer também renúncia a uma visão subjetivis ta técnicocientífica que permite uma compreensão ofuscada e limitada e que no início e na maior parte das vezes detémse ao que é mensurável e calculá vel medidas volumes composição físicoquímica Questionando a tradição objetivista e nos au xiliando na tarefa de aproximação dos fenômenos em uma perspectiva fenomenológica Boss 1977 retoma o exemplo da macieira em flor já utilizado por Heidegger indicando que a árvore se apresenta a nós como aquilo que ela é consoante com os pró prios significados que a constituem Ela mesma nos comunica estes significados Nós homens apenas nos colocamos em frente da árvore em flor Mas com isto nós nos pomos à disposição dela como local de aparecimento p59 Mas o encontrarse diante da árvore provoca outras possibilidades compreensivas que aproximam o homem da dimensão da existên cia atravessada pelos sentidos que se desvelam na contemplação da árvore Essa compreensão assume em uma perspecti va fenomenológica um significado que ultrapassa o caráter objetificador como representação Enquanto destinamento a técnica nos solicita como seus reali zadores contudo há a possibilidade sempre presen te de um relacionamento mais livre Nessa direção ao pensar na clínica o método nunca deve domi nar o paciente Pelo contrário ele tem que se orien tar pelo paciente p62 A experiência da angústia por exemplo não será determinada a partir de um manual explicativo mas resguardada na sua convo cação de romper mundos manter a estranheza e a indeterminação cuidar e zelar pela condição de ser humano Angústia como Constitutiva da Existência Ressonâncias para a Clínica Psicológica Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 230 Considerações finais No curso dessas considerações a compreensão ontológica da angústia apresentada pelo pensamen to de Kierkegaard e de Heidegger nos possibilitaram outro modo de compreender as mostrações ônticas presentes na clínica psicológica Vimos que para Kierkegaard a angústia é constitutiva frente às possi bilidades que se mostram para cada um em sua exis tência concreta É na angústia que nos mobilizamos no sentido de apropriação da condição de liberdade Todavia o que se apresenta é uma tensão uma ambi guidade entre ansiar pela liberdade e viver na ilusão seguindo os ditames do mundo e se posicionando como mais uma ovelha no rebanho Ao buscarmos refúgio nas determinações do impessoal almejamos encobrir a angústia a partir da ilusão de que somos uma síntese pronta e assim não há o que temer É desse modo no início e na maioria das vezes que aquele que busca a situação clínica se encontra A angústia desperta o homem do distan ciamento de si mesmo Experimentála e nela emer gir são o possível da liberdade Nessa perspectiva a questão do psicólogo é acompanhar a atmosfera da angústia espaço em que pode ocorrer o salto quali tativo É relevante ainda apontar a compreensão da an gústia enquanto escola que solicita o homem para ser educado por ela aprendendo a conviver com os pos síveis da liberdade e a reconhecerse em sua finitude Mobilizado pela angústia o paciente pode encon trarse consigo mesmo e a seu modo e a seu tempo despertar reconhecendose finito considerando seus limites frente ao real estabelecido e ao futuro Seguindo as trilhas percorridas por nós neste artigo cabe também mencionar as contribuições hei deggerianas para compreensão da angústia enquanto constitutiva Como foi discutido para Heidegger a angústia é tida como disposição afetiva fundamental disposição da estranheza por excelência do nãosen tirseemcasa A angústia revela para o próprio seraí angustiado que ele originariamente não tem abrigo afundamonos em uma indiferença somos suspensos tudo perde o tom Em tal desabrigo a linguagem pode ser emudecida questionando as prescrições sedimen tadas do mundo e nos convocando à disponibilidade para a angústia Nessa convocação pode darse o acon tecimento de uma apropriação de si A angústia surge então enquanto abertura pri vilegiada ao passo que ela singulariza O que a angús tia sinaliza é a nossa própria condição de sermos em aberto o próprio vir a ser que é finalizado apenas com a morte A angústia revela a possibilidade de apro priação da existência à medida que desaloja a certeza e a tranquilidade da tutela cotidiana libertando o ser para o poderser mais próprio para a liberdade de assumir e escolher a si mesmo Tal compreensão heideggeriana possibilita res sonâncias para a clínica psicológica ao contribuir para pensarmos uma prática que indica um empenho inquietante e por vezes angustiante de acompanhar o paciente Nessa perspectiva ressaltase a importân cia de ouvir os apelos da angústia acompanhando o paciente em sua saga no desabrigo de existir resguar dando um espaço que salvaguarda a possibilidade de o paciente poderser responsabilizandose pela con dição de destinarse na vida As contribuições de Boss também se mostra ram fecundas ao oferecer subsídios para a Psicologia e suas práticas a fim de questionarmos os sentidos previamente dados acerca da angústia como mero sofrimento ou sintoma que norteia os diagnósticos psi copalogizantes e ampliar nossa liberdade de corres pondência a outras possibilidades que se anunciam na situação clínica Boss indica que frente à supremacia da técnica a qual põe em perigo o existir humano a compreensão de angústia é reduzida a entidades fisio matemáticas encobrindo o sentido mesmo da experi ência do paciente e recorrendo na maioria das vezes ao embotamento de drogas e tranquilizantes como alí viocura possível para o malestar É oportuno considerar a compreensão de angús tia como dote condição mais própria que nos consti tui como humanos e da qual não é possível se abster Essa angústia pode abrir o paciente para a dimensão de liberdade mobilizandoo a apropriação das suas possibilidades mais próprias Nessa direção Boss nos lembra que a prática clínica não seria mais uma ati vidade técnica que visa apenas a produzir uma pre tensa sensação de bemestar Podemos pensar então na situação clínica como possibilidade de acolher ao que há de alheio na era da técnica a angústia as diversas mostrações de sofrimento o silêncio os pa radoxos de existir Por fim após retomar as considerações de Kierkegaard Heidegger e Boss sinalizamos a neces sidade de colocar em andamento questionamentos que podem manter desperta a reflexão na clínica psi cológica como os profissionais em Psicologia estão lidando com o fenômeno da angústia Há espaço para acolher os apelos da angústia Tais inquietações abrem caminho para a in dicação de uma clínica psicológica que acolhe as mostrações da angústia a qual não pode ser genera lizada expressandose em tons diversos na queixa fala dos pacientes A singularidade do fenômeno nos encaminha a questionar a tentativa de aplicar uma técnica psicológica determinada a priori já que tal singularidade realça a possibilidade de acolher a an gústia como se apresenta sem tentar encaixála em uma determinada relação de causalidade e univer salização Esse pôr em questão ao qual nos referimos as sinala a dimensão de perplexidade na vida e na clínica A angústia nos suspende E nossas teoriza ções Nunca as teremos em número suficiente para expressar o infinito do real ou de nossos pavores ComteSponville 1997 p13 Frente ao predomínio Ellen Fernanda Gomes da Silva Carmem Barreto Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos 231 do pensamento que calcula e representa conceitu almente a angústia nos corta a palavra em sua presença emudece qualquer dicção do é Heidegger 19291999 p57 aspas do autor É o fundo abismal Abgrund da existência que aparece descoberto pela angústia rompendo com a familiaridade cotidiana do clínico do paciente e de todos os homens sinalizan do que não temos a vida sob controle Referências American Psychiatry Association 2013 Diagnos tic and Statistical Manual of Mental disorders DSM5 5thed Washington American Psy chiatricAssociation Boss Medard 1977 Angústia Culpa e Libertação Ensaios de Psicanálise Existencial 2ª ed S Barbara trad São Paulo Duas Cidades Campos Álvaro de 2002 Poesia São Paulo Com panhia das Letras ComteSponville André 1997 Bom dia angústia São Paulo Martins Fontes Critelli Dulce M 2007 Analítica do Sentido uma aproximação e interpretação do real de orien tação fenomenológica 2ª ed São Paulo SP Brasiliense Duarte André 2010 Vidas em risco crítica do pre sente em Heidegger Arendt e Foucault Rio de Janeiro Forense UniversitáriaGEN Feijoo Ana M L C 2017 Existência psicotera pia da psicologia sem objeto ao saber fazer da clínica psicológica existencial Rio de Janeiro IFEN Gill Débora 2014 Psicologia atmosfera da an gústia In Feijoo Ana M L C de Protasio Myriam M Orgs Angústia e Repetição da Fi losofia à Psicologia pp 94117 Rio de Janeiro Edições IFEN Haar Michel 1990 Heidegger e a essência do ho mem A C Alves trad Lisboa Instituto Piaget Heidegger Martin 19291999 Que é Metafísica In M Heidegger Conferência e Escritos Filosófi cos E Stein trad pp 5173 São Paulo Nova Cultural Heidegger Martin 19272012 Ser e tempo 7ª ed F P Meurer trad Petrópolis Vozes Kierkegaard Søren 18442015 O conceito de an gústia 3ª ed A L M Valls trad Petrópolis Vozes Protasio Myriam M 2014 Angústia e repetição na clínica psicológica In Feijoo Ana M L C de Protasio Myriam M Orgs Angústia e Repe tição da Filosofia à Psicologia pp 142167 Rio de Janeiro Edições IFEN Protasio Myriam M 2017 Contribuições Kierke gaardianas para a compreensão do adoecimen to psíquico In Feijoo Ana M L C de Org In terpretações fenomenológicoexistenciais para o sofrimento psíquico na atualidade pp 90122 Rio de Janeiro Edições IFEN Rocha Zeferino 2000 Os destinos da angústia na psicanálise freudiana São Paulo Escuta Rodrigues Joelson T 2017 Compulsividade mar ca de um tempo In Feijoo Ana M L C de Org Interpretações fenomenológicoexisten ciais para o sofrimento psíquico na atualidade pp 243263 Rio de Janeiro Edições IFEN Ellen Fernanda Gomes da Silva Orcid 0000 000262794067 Doutora pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia Clínica da UNICAP na linha de pesquisa Práticas Psicológicas Clínicas em Instituições Mestra em Psicologia Clínica pelo mesmo Programa com Graduação em Psicologia pela Faculdade do Vale do IpojucaPE Coordenadora do curso de Especialização Prática Psicológica Clínica na Perspectiva Fenomenológica Existencial da Universidade Católica de Pernambuco UNICAP É membro participante do Laboratório de Clínica Fenomenológica Existencial LACLIFE Email ellenfernanda1hotmailcom Carmem Barreto Orcid 000000025532 039X Psicóloga formada pela Universidade Católica de Pernambuco com mestrado em Psicologia Clínica pela Universidade Católica de Pernambuco doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo Pósdoutorado em Filosofia pela Universidade de Évora Professora Adjunta IV da Universidade Católica de Pernambuco atuando na Graduação em Psicologia e no Programa de Pósgraduação em Psicologia Clínica Atualmente é Coordenadora Geral de Pesquisa CGPq da Universidade Católica de Pernambuco Coordenadora do Laboratório de Pesquisa em quotPsicologia Clínica Fenomenológica Existencial e Psicossocial LACLIFE Email carmemluciabarretohotmailcom Recebido em 26062018 Primeira Decisão Editorial em 04102018 Aceito em 24042019 Angústia como Constitutiva da Existência Ressonâncias para a Clínica Psicológica Phenomenological Studies Revista da Abordagem Gestáltica Vol XXVI2 2020 220231 E studos Teór icos ou H istór icos