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Psicologia Social
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Agressividade e Transgressão em crianças Um olhar sobre comportamentos externalizantes e violências na infância Renata Pires Pesce Simone Gonçalves de Assis Joviana Quintes Avanci Índice Apresentação 5 Capítulo 1 Agressividade e transgressão na infância 6 Capítulo 2 Tornandose uma criança difícil 21 Capítulo 3 Violências agressividade e transgressão 31 Capítulo 4 Comorbidades um problema a ser investigado 39 Capítulo 5 Refletindo sobre as possibilidades de intervenções 45 Referências 53 6 PESQUISADORES Simone G Assis coordenação Joviana Quintes Avanci Renata Pires Pesce Raquel de Vasconcelos Carvalhaes de Oliveira Liana Furtado Ximenes Gabriela Franco Dias Lira Vivian Araújo da Costa Thiago de Oliveira Pires Fabiana Braga Silva Letícia Gastão Franco Rosemary Emerich Pereira de Souza Nayala Buarque Renata Mendonça Ferreira Queiti Batista Moreira Oliveira Este texto é fruto de uma pesquisa financiada pelo Programa Estratégico de Apoio à Pesquisa em Saúde PAPES IV da Fundação Oswaldo Cruz A pesquisa cujos dados são apresentados neste livro contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ É continuidade de um trabalho sobre problemas de comportamento desenvolvido pelo Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli com recursos iniciais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq Contou ainda com bolsistas do Programa PIBIC CNPqFiocruz e do Programa de TécnicosTecnologistas FiocruzFaperj Capa projeto gráfico e editoração Carlota Rios Ilustrações Marcelo Tibúrcio Revisão Mara Lúcia Pires Pesce CONSULTORIA TÉCNICOCIENTÍFICA Anna Tereza Soares de Moura Kathie Njaine Lucia Abelha APOIO TÉCNICO Marcelo da Cunha Pereira Marcelo Silva da Motta Luciene Patrícia Câmara APOIO À DOCUMENTAÇÃO E NORMATIZAÇÃO DA BIBLIOGRAFIA Fátima Cristina Lopes dos Santos AGRADECIMENTOS À Secretaria Municipal de Educação de São GonçaloRJ Às mães pais e outros responsáveis que contribuíram com seus depoimentos à origem do livro Aos profissionais que participaram do grupo de recepção no Instituto Fernandes Figueira IFF FIOCRUZ À Psiquiatra doutora Lúcia Abelha que gentilmente leu o texto trazendo contribuições e compartilhando sua experiência Á pediatra Anna Tereza também pela troca de experiênciencia e contribuição na leitura final do texto 554 P473 Pesce Renata Pires Agressividade e transgressão em crianças um olhar sobre comportamentos externalizantes e violências na infância Renata Pires Pesce Simone Gonçalves de Assis Joviana Quintes Avanci Rio de Janeiro FIOCRUZENSPCLAVESCNPq 2008 56p ISBN 1 Agressividade 2 Transgressão 3 Comportamentos externalizantes 4Infância I Assis Simone Gonçalves de II Avanci Joviana Quintes III Fundação Oswaldo Cruz IV Título Ficha catalográfica 7 Apresentação Cada vez mais ouvimos histórias ou assistimos a noticiários que contam sobre crianças que desrespeitam normas sociais e que agridem familiares professores ou colegas Há também histórias de crianças que praticam transgressões e que ingressam no mundo do crime especialmente em localidades onde há tráfico de drogas A criança agressiva ou rebelde quase sempre é vista pela família ou pela escola como um incômodo um problema difícil de resolver Existe uma tendência por parte da sociedade em rejeitar esses jovens cidadãos esquecendose que grande parte das vezes eles são muito mais vítimas do que réus A infância de diversas crianças é permeada por várias formas de maustratos que podem desencadear ou favorecer comportamentos desse tipo Este livro fala especialmente sobre transtorno de conduta e transtorno desafiador opositivo em crianças termos utilizados pela DSMIV Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais 2002 englobando agressividade e comportamento transgressor ou de quebrar regras respectivamente O objetivo é oferecer aos profissionais que lidam com crianças uma ferramenta que ilumine na compreensão acerca de tais comportamentos e das situações violentas comumente encontradas especialmente nas instituições de saúde nas escolas e nas comunidades onde vivem essas crianças O material foi criado a partir de um trabalho realizado com 500 crianças entre 6 e 13 anos de idade matriculadas na primeira série do ensino fundamental da rede de ensino pública do município de São GonçaloRJ no ano de 2005 Conhecemos estas crianças a partir de aplicação de questionários eou conversas com a própria criança seus responsáveis e professores 8 Nas crianças aplicamos testes psicológicos e pedimos que falassem um pouco de si e de sua família através do desenho da família Para os pais fizemos algumas perguntas sobre a criança sobre seu comportamento e sua subjetividade se vivenciaram violências ou outras situações adversas Gravamos e transcrevemos vários relatos das histórias de vida dessas crianças e de suas famílias que apresentaremos ao longo do livro Aos educadores indagamos sobre o comportamento da criança em sala de aula e na escola Portanto todo o conteúdo deste livro está baseado nesse rico material e fundamentado na teoria atualizada sobre a temática aqui abordada Pretendemos ao final desse texto trazer uma contribuição mais direta para os campos da saúde da educação e da assistência social sugerindo reflexões e propostas para que estes espaços possam ser ambientes com potencial de minimizar as chances de irrupção e reprodução da violência que vem assolando os dias atuais contribuindo para reduzir as conseqüências que traz para a saúde mental das crianças Acreditamos que ao aumentar a consciência social sobre o assunto estaremos dando passos concretos não apenas para melhorar o atendimento oferecido às crianças mas principalmente para avançar no sentido da prevenção destes transtornos em nosso meio contribuindo para melhorar a saúde mental das crianças brasileiras Este é o nosso ideal 9 Agressividade e transgressão na infância CAPÍTULO 1 Toda semana todo dia vai bilhete no caderno dele pra mim por mau comportamento que Hiago fez que Hiago aconteceu Ontem mesmo eu falei Tiago eu já não aguento mais Sinceramente tem horas que dá vontade de tirar ele do colégio que eu tenho mil e um problemas eu tenho que pensar pra cinco referindose aos cinco filhos não é só por ele Mãe de Tiago 8 anos criança com sintomas de comportamento agressivo e transgressor 10 É crescente a preocupação de pais e professores em relação a comportamentos agressivos e transgressores apresentados por crianças na primeira e segunda infância pois se trata de uma alteração de conduta que habitualmente apresenta evolução constante e demonstra resistência às tentativas de controle da família e da escola Não é difícil perceber a grande dificuldade de todos nós atores envolvidos no atendimento à crianças para lidar com esse comportamento infantil rebelde que nos é tão familiar e tão estranho ao mesmo tempo De forma geral o entendimento desses atos como carregados somente de destrutividade tem levado a medidas de contenção ou repressão Compreendida dessa forma a expressão da agressividade indica má educação ou doença e sua eliminação deve ocorrer por correção ou ajuste É nesse sentido que se dão as ameaças as expulsões de sala de aula acompanhadas muitas vezes da exposição desse aluno perante a turma ou mesmo a solicitação que o responsável leve a criança ao médico ou ao psicólogo Essas crianças quase sempre são rotuladas como criançasproblema difíceis ou doentes estigmas que de tão repetidos tornamse difíceis de serem desvinculados pela criança sob o risco de não se sentirem mais elas mesmas Andrade 2007 Ao falar dessas crianças difíceis estamos identificando problemas na esfera da saúde mental Na área de saúde educação e assistência social estamos mais acostumados a identificar problemas mentais e atuar sobre eles do que a investir na promoção da saúde mental das crianças o que deveria ser nossa principal meta Saúde mental Estado de bem estar no qual o indivíduo realiza suas habilidades lida com os estresses da vida trabalha produtiva e frutiferamente e é capaz de dar sua contribuição para a comunidade WHO 2005 11 Dentre os problemas de saúde mental em crianças e adolescentes abordamos neste livro a agressividade e o comportamento transgressor ou de quebrar regras incluídos no DSMIV Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais 2002 na seção de transtornos do comportamento disruptivo que engloba transtorno de conduta transtorno desafiador opositivo e transtornos da atenção problemas comumente diagnosticados pela primeira vez na infância ou adolescência Transtorno de conduta e transtorno desafiador opositivo trazem muitos problemas ao desenvolvimento infantojuvenil pois interferem no cumprimento de tarefas evolutivas como por exemplo as requeridas pela escola têm alta prevalência prognóstico pobre são fatores de risco para inadaptação psicossocial na adolescência e vida adulta além de poderem ser transmitidos entre gerações Transtorno de conduta Engloba atos agressivos a pessoas e animais além de destruição a propriedades defraudação ou furtos e sérias violações de regras sociais Para ser categorizado como tal as condutas necessitam ter padrão repetitivo Diversos autores indicam que os transtornos de conduta com início na infância são mais sérios com altos níveis de agressão e tendem a persistir na adolescência e vida adulta DSM IV 2002 Para definir transtornos de conduta a DSM IV considera o padrão repetitivo e persistente de comportamento no qual são violados os direitos individuais dos outros ou as normas ou regras sociais importantes próprias da idade manifestado pela presença de três ou mais dos seguintes critérios nos últimos 12 meses com presença de pelo menos um deles nos últimos 6 meses Agressão a pessoas e animais provocações ameaças e intimidações freqüentes lutas corporais freqüentes utilização de arma capaz de infligir graves lesões corporais por exemplo 12 bastão tijolo garrafa quebrada faca revólver crueldade física para com pessoas crueldade física para com animais roubo em confronto com a vítima por exemplo bater carteira arrancar bolsa extorsão assalto à mão armada coação para que alguém tivesse atividade sexual consigo Destruição de patrimônio envolvimento deliberado na provocação de incêndio com a intenção de causar sérios danos destruir deliberadamente o patrimônio alheio diferente de provocação de incêndio Defraudação ou furto arrombar residência prédio ou automóvel alheios mentiras freqüentes para obter bens ou favores ou para esquivarse de obrigações legais isto é ludibria pessoas roubo de objetos de valor sem confronto com a vítima por exemplo furto em lojas mas sem arrombar e invadir falsificação Sérias violações de regras freqüente permanência na rua à noite contrariando proibições por parte dos pais iniciando antes dos 13 anos de idade fugir de casa à noite pelo menos duas vezes enquanto vivia na casa dos pais ou lar adotivo ou uma vez sem retornar por um extenso período gazetas freqüentes iniciando antes dos 13 anos de idade Para efetuar o diagnóstico a perturbação do comportamento necessita causar comprometimento clinicamente significativo do funcionamento social ou acadêmico Em alguns casos é difícil ter clareza sobre o grau de comprometimento do funcionamento Nesse caso é útil ouvir mais pessoas próximas à criança e levar em conta a opinião de um profissional qualificado Campbell 1995 efetuou um estudo longitudinal demonstrando que crianças com problemas de conduta na idade de 3 a 4 anos têm 50 de chance de continuar a têlos na adolescência Caspi et al 1996 também através de estudo longitudinal constataram evidências de dificuldades comportamentais e emocionais na idade de 3 anos refletindose em psicopatologia na idade adulta 13 O grau de continuidade dessa forma de comportamento ao longo da vida mostrase consistente Greenberg Speltz DeKlyen apud Bee 1996 encontraram correlação entre a agressão na infância e na idade adulta é de 060 a 070 muito alta para dados desta natureza Este dado foi replicado em estudos na Inglaterra e nos Estados Unidos Farrington apud Bee 1996 Ainda de acordo com a DSMIV 2002 a prevalência de transtornos de conduta tem crescido nas últimas décadas especialmente em áreas urbanas oscilando de menos de 1 a mais de 10 As taxas são mais elevadas no sexo masculino Transtorno desafiador opositivo Caracterizase por comportamento negativista desafiador e hostil para com figuras de autoridade É uma síndrome que ao se apresentar na infância tornase importante preditor do comportamento transgressor em jovens O transtorno é mais prevalente em homens do que em mulheres antes da puberdade mas as taxas são provavelmente iguais após a puberdade oscilando entre 2 e 16 DSM IV 2002 Em geral esse transtorno se manifesta antes dos 8 anos de idade e habitualmente não depois do início da adolescência É mais prevalente em homens do que em mulheres antes da puberdade mas as taxas são provavelmente iguais após a puberdade Os sintomas são em geral similares em ambos os gêneros a exceção do fato de que os homens podem apresentar mais comportamentos de confronto e sintomas mais persistentes Para se efetuar o diagnóstico do transtorno desafiador opositivo é preciso haver duração mínima de 6 meses durante os quais quatro ou mais das seguintes características estiveram presentes e comprometimento clinicamente significativo no funcionamento social ou acadêmico 14 Freqüentemente perde a calma Freqüentemente discute com adultos Com freqüência desacata ou se recusa ativamente a obedecer a solicitações ou regras dos adultos Freqüentemente adota um comportamento deliberadamente incomodativo Freqüentemente responsabiliza os outros por seus erros ou mau comportamento Mostrase freqüentemente suscetível ou se irrita com facilidade Freqüentemente enraivecido e ressentido Freqüentemente rancoroso ou vingativo A agressividade é comumente precedida pelo transtorno desafiador opositivo e pode evoluir para diferentes transtornos como o da personalidade antisocial cabível para maiores de 18 anos o transtorno de humor de ansiedade somatoformes e aqueles relacionados ao abuso de substâncias químicas DSM IV 2002 Para Lier e cols 2003 a diferença principal entre o transtorno da conduta e o transtorno desafiador opositivo é que o primeiro é caracterizado como um comportamento antisocial e de violação de normas enquanto o segundo tratase de recorrentes atos de desobedecer desafiar e hostilizar principalmente adultos Earls e Mezzacappa 2002 consideram que os dois transtornos compartilham atributos de negatividade e conflituosidade sendo que o transtorno desafiador opositivo estaria menos na moda em relação ao primeiro Bee 1996 aponta que há indicações de que o préescolar que já apresenta comportamento desafiador e opositivo assim como a agressividade tenha sólidas inclinações próprias para este comportamento Contudo a possibilidade dessa propensão se transformar num problema de comportamento persistente dependerá da seqüência de eventos vivida Vários aspectos podem facilitar o desencadeamento desse transtorno Fitchner 1997 15 1 falhas no estabelecimento de vínculos afetivos amorosos e seguros com pais e substitutos 2 privação afetiva nos anos iniciais da infância 3 incapacidade dos pais em impor limites ou estabelecimento da disciplina severamente 4 imitaçãoaprendizagem e comportamentos agressivos e transgressores do meio 5 falha na capacidade de simbolização do indivíduo que é incapaz de pensar em termos de causas e conseqüências e não utiliza satisfatoriamente a verbalização para a expressão de sentimentos e pensamentos 6 componentes autodestrutivos na criança podem ser vistos como um teste da capacidade do meio de se preocupar cuidar e dar limites a ela Muitos esforços existem no sentido de comprovar que o transtorno de conduta e de oposição freqüentemente se desenvolvem em contextos sociais e familiares marcados por conflitos e adversidades Os sintomas desses problemas comportamentais seriam precipitados e sustentados por situações de vida difíceis e por frágeis relacionamentos interpessoais Isso não significa que as diferenças pessoais não sejam importantes nesse processo A mistura de atributos individuais com os fatores provenientes do meio mais próximo à criança acrescido do contexto macrosocial onde vive aumenta ou reduz a possibilidade de surgimento de problemas de comportamento agressivos ou desafiadores Comportamentos externalizantes Toma como base as duas sintomatologias descritas pela DSM IV transtorno da conduta e opositivo desafiador pelo fato de envolverem conflitos com outras pessoas e com suas expectativas sobre a criança São comportamentos expressos pela criança diretamente no ambiente 16 Os comportamentos externalizantes contrapõemse aos comportamentos internalizantes caracterizados por retraimento depressão ansiedade fobias e queixas somáticas sintomas mais interiorizados pela criança ou adolescente O termo foi cunhado por Achenbach 1991 que elaborou um instrumento mundialmente conhecido para rastrear problemas de comportamentos em crianças e jovens base dos dados apresentados neste livro Este autor distingue os comportamentos externalizantes em dois tipos comportamento agressivo e de quebrar regras por serem vocábulos familiares para os profissionais da área Esses termos não representam diagnósticos psiquiátricos formais e não são equivalentes aos termos cunhados pela DSM IV Neste livro vamos intercambiar alguns termos transtorno de conduta e transtorno desafiador opositivo tal como definido na DSM IV 2002 comportamentos externalizantes comportamento agressivo e de quebrar regras como assumido por Achenbach agressividade e transgressão mais utilizados pelo senso comum Optamos por simplificar a forma de apresentação desses termos pois priorizarmos mais o conjunto de sinais e sintomas que compõem quadros clínicos similares compatíveis com agressão e transgressão das crianças voltadas para o meio em que convivem Nossa preocupação é menos capacitar as pessoas a darem diagnósticos precisos do problema os profissionais da área da saúde mental são os detentores principais dessa responsabilidade e mais aumentar a sensibilidade dos profissionais aos comportamentos agressivos e transgressores propiciando a troca de conhecimentos e um melhor apoio às crianças e suas famílias O inventário para rastrear problemas de comportamento criado por Achenbach e Rescorla 2001 foi um dos instrumentos utilizados em nossa pesquisa na rede de ensino pública de São Gonçalo RJ Chamase Child Behavior Checklist mas nos referimos à ele por CBCL 17 Através da CBCL pudemos saber que 11 das crianças estudantes de São Gonçalo foram avaliadas pelas mãespais como tendo comportamentos externalizantes em nível clínico Têm comportamentos externalizantes em nível limítrofe 4 das crianças Comparando esses dados com a visão dos professores dessas crianças que responderam à versão da CBCL para educadores Teach Report Form TRF identificamos dados muito próximos 102 em nível clínico e 3 em nível limítrofe apontando para a seriedade dos sintomas apresentados pelas crianças Vamos apresentar os resultados obtidos com a aplicação da CBCL ao longo de todo o livro A dimensão dos comportamentos externalizantes Segundo os pais 15 das crianças escolares de São Gonçalo apresentam comportamentos externalizantes em nivel clínicolimítrofe Segundo os professores dessas mesmas crianças 132 apresentam esses comportamentos em nivel clínico limítrofe Para clarear a diferença entre os sintomas de quebrar regras e de agressividade vamos a seguir apresentar separadamente os resultados que encontramos Comportamento de quebrar regras A prevalência de comportamento de quebrar regras avaliada pela CBCL está apresentada no gráfico 1 Como se pode notar 58 das crianças foram classificadas como apresentando comportamento de quebrar regras em nível clínico e 44 em nível limítrofe Os dados apresentados nos gráficos mostram os resultados expandidos para a população de crianças escolares do município de São Gonçalo ou seja consideramos que a amostra de alunos investigados nessa pesquisa representa o universo de todas as crianças entre 6 e 13 anos matriculadas na rede de ensino pública municipal 18 O gráfico 2 mostra a freqüência de cada um dos sintomas de quebrar regras informados pelos responsáveis das crianças através da CBCL Destacamos alguns comportamentos mais freqüentes entre todas as crianças investigadas em nossa pesquisa mentir ou enganar os outros presente em quase metade das crianças desrespeitar regras 357 hábito de conviver com crianças mais velhas mencionado para 355 das crianças e xingar comum em 323 das crianças Cabe ressaltar que 92 das crianças já puseram fogo em coisas 62 já fugiram de casa e 25 roubam em casa comportamentos de risco já presentes em idade tão precoce Gráfico 1 Prevalência de comportamento de quebrar regras CBCL N6392 898 44 58 Normal Limítrofe Clínica 19 Comportamento agressivo No gráfico 3 constatamos que 42 das crianças evidenciam comportamento agressivo em nível clínico e 54 na sua forma limítrofe Para um pequeno grupo de 49 crianças vimos que a avaliação dos pais sobre o comportamento agressivo é muito parecida com a avaliação clínica feita por psiquiatras sem que soubessem o Gráfico 2 Freqüência dos sintomas de quebrar regras em crianças CBCL N6392 08 146 357 15 497 355 67 92 10 25 13 323 33 00 86 08 08 Toma bebida alcoólica sem a permissão dos pais Falta de arrependimento não se sente culpado após ter se comportado mal Desrespeita regras Anda em más companhias Mente ou engana os outros Prefere conviver com crianças ou adolescentes mais velhas Foge de casa Põe fogo nas coisas Tem problemas sexuais Rouba em casa Rouba fora de casa Xinga ou fala palavrões Pensa demais em sexo Fuma cigarro masca fumo ou cheira rapé tabaco Mata aula cabula aula gazea Usa drogas ou bebidas alcoólicas Estraga ou destrói coisas públicas vandalismo 20 diagnóstico da CBCL Isso indica a importância de se conhecer e atuar sobre crianças com esses comportamentos mesmo em idade precoce Analisando separadamente os sintomas de agressividade vemos que muitos comportamentos são bastante freqüentes nos escolares estudados especialmente ficar emburrado facilmente 689 exigir que preste atenção na criança 662 argumentar muito para não fazer o que lhe é pedido 652 ser desobediente em casa 637 ser muito barulhento 578 gozar dos outros 562 ser desconfiado 491 gritar muito 432 ser malhumorado e irritar se facilmente 426 Como se pode perceber são crianças difíceis de serem educadas e muitas vezes com dificuldades para estabelecer relacionamentos Gráfico 3 Prevalência de comportamento de agressividade CBCL N6392 904 54 42 Normal Limítrofe Clínica 21 Gráfico 4 Freqüência dos sintomas de agressividade em crianças CBCL N6392 652 33 662 326 127 637 297 221 90 432 426 319 491 562 526 48 578 689 Argumenta muito apresenta argumentos para não fazer o que se espera que se faça É cruel maltrata as pessoas Exige que prestem atenção nele Destrói as próprias coisas Destrói as coisas de sua família ou de outras pessoas É desobediente em casa É desobediente na escola Entra em muitas brigas Ataca fisicamente as pessoas Grita muito É mal humorado irritase com facilidade Tem mudanças repentinas de humor ou de sentimentos Fica emburrado facilmente É desconfiado a Gosta de gozar da cara dos outros É esquentado tem acessos de raiva Ameaça as pessoas É barulhento demais Finalizando a apresentação dos diferentes sintomas de agressividade e transgressão apresentados pelas crianças de São Gonçalo vamos nos deter um pouco sobre alguns fatores que podem desencadear o desenvolvimento desses transtornos em crianças 23 CAPÍTULO 2 Tornandose uma criança difícil Apesar da heterogeneidade clínica das manifestações de comportamento agressivo e transgressor que apresentamos no capítulo 1 a literatura aponta alguns fatores familiares ambientais e da própria personalidade da criança como freqüentes fatores desencadeadores desses transtornos A criança com comportamentos agressivos e transgressores deve ser entendida dentro de um sistema biológico e psicológico inseridos nos variados meios social cultural político e econômico Segundo esta perspectiva ecológica tal comportamento depende de alguns elementos que constituem a criança e seu contexto gênero temperamento competência cognitiva idade família vizinhança sociedade e cultura O temperamento no nível individual exerce 24 uma importante influência no desenvolvimento infantil uma vez que influencia em como a criança pensa e sente os acontecimentos a sua volta Bronfrenbrenner 1979 Garbarino 1999 Pesquisas recentes reconhecem e confirmam que a saúde mental de crianças e adolescentes é determinada por uma conjunção de fatores tanto intrínsecos ao indivíduo quanto aqueles proporcionados pelo ambiente social no qual estão inseridos Rutter e Graham 1996 Atributos individuais Cada criança tem a sua forma de estar no mundo Algumas são mais sensíveis outras menos algumas são mais tímidas outras mais extrovertidas algumas são mais ativas outras mais calmas O temperamento de cada criança é moldado por componentes genéticos e pelo meio em que vive também influencia a maneira como a criança encara o mundo a sua volta e conseqüentemente a sua forma de pensar sentir e agir Embora seja um atributo inato é muito precocemente influenciado pelas experiências sociais Comportamento antisocial em adultos costuma ser predito pela presença de atributos individuais surgidos na infância tais como temperamento difícil e sem controle anormalidades neurológicas atraso no desenvolvimento motor habilidade intelectual dificuldades na leitura hiperatividade e pobres escores em testes neuropsicológicos de memória Liabo e Richardson 2007 Existe crescente evidência científica de que há influência genética possibilitando a ocorrência de personalidade antisocial na vida adulta Os estudos que investigam as influências genéticas nos transtornos de conduta em crianças confirmam essa herança e sugerem que a vulnerabilidade para este transtorno é desencadeada por riscos ambientais e mediada por fatores como baixa habilidade de lidar com dificuldades Liabo e Richardson 2007 AACAP 1997 25 Fatores familiares Alguns autores afirmam que a forma como os pais educam seus filhos e as formas de comunicação na família são responsáveis por 3040 da variação dos problemas de agressividade e transgressão na infância destacandose o grau de envolvimento parental as formas de resolução de conflitos e a disciplina punitiva e inconsistente Patterson et al 1989 Barlow 1999 A família tem como função primordial o apoio e acolhimento de seus membros Nenhuma é perfeita sem problemas e conflitos ocasionais No entanto para que esta ofereça à criança um ambiente saudável é preciso que seja capaz de encontrar alternativas positivas para solução dos problemas Embora as dificuldades sejam inerentes ao crescimento e desenvolvimento do indivíduo o apoio da família é fundamental para que a criança consiga amenizar ou mesmo lidar de forma favorável com os efeitos potencialmente destrutivos das adversidades Alguns aspectos parecem contribuir para o desenvolvimento dessa capacidade formas flexíveis de organização e diálogo nos relacionamentos interpessoais modelos educativos que impulsionem a criança para uma vida saudável e supervisão sobre o comportamento da criança nos seus diversos contextos de relacionamentos Em uma pesquisa para avaliar a capacidade de superação das adversidades em adolescentes escolares no município de São Gonçalo RJ a interação familiar foi um dos aspectos mais importantes para a construção do sentimento de afeto por si próprio Assis et al 2005 Uma vez que a autoestima é um atributo chave para a construção dessa capacidade deduzse que o afeto entre os familiares também se associa positivamente à habilidade de superação dos problemas cotidianos A separação dos pais pode constituirse em um problema para criança no entanto quando ela mantém um bom relacionamento com estes pais e quando os próprios pais mantêm a cordialidade este problema pode ser superado O mito da família saudável como 26 sendo aquela formada por pai mãe e filhos morando juntos é uma configuração que vem sofrendo transformações sociais dando espaço para novos arranjos familiares plenamente capazes de promover bem estar entre seus membros Nesse sentido conflito marital entre os pais mostrouse preditor de agressividade e transgressão em crianças atuando de forma mais influente do que a ausência de um dos pais Liabo e Richardson 2007 A relevância dos problemas na relação familiar ficou fortemente expressa nas falas dos responsáveis das crianças de São Gonçalo com indícios de problemas de agressividade e transgressão O pai dele não esquenta com ele não Eu acho até que ele gostaria de um carinho maior do pai Ele tem vergonha do pai ele não conversa com o pai e se o pai vai falar com ele ele abaixa a cabeça Ele não consegue olhar para o pai Eu acho que ele esperava mais do pai eu acho Avó de André 10 anos criança com sintomas de comportamento agressivo e transgressor De acordo com o Inquérito de Saúde Mental Infantil de Ontario Canadá Offord el al 1987 três fatores de risco familiares são significantes para o desenvolvimento da desordem de conduta em crianças disfunções familiares problemas de saúde mental dos pais e baixa renda familiar Rutter 1998 destaca outros fatores familiares como importantes para o desenvolvimento dessas desordens baixo status sócioeconômico da família criminalidade do pai problema mental da mãe discórdia entre os pais e ausência de cuidados institucionais para a criança e família Pobreza e baixo nível sócioeconômico da família costumam estar associados com transtorno de conduta em crianças e adolescentes embora não se saiba muito bem como esses efeitos são mediados A influência sobre a capacidade dos pais de educar os filhos mostrou se mais fragilizada em contextos de pobreza Rutter 1999 27 Fatores escolares Depois da família a escola tem o papel de socialização promoção da cidadania formação de atitudes e opiniões podendo ser um espaço tanto de construção positiva da criança ou jovem quanto um espaço de reprodução de dificuldades vivenciadas na família e na comunidade A escola por ser um espaço de convívio diário é um ambiente onde a ocorrência de conflitos interpessoais é constante e comportamentos são inúmeras vezes repetidos podendo ser compreendidos e manejados de modo a contribuir para a saúde mental dos que ali estão se formando Não é a escola em si mesma que funciona como um fator de risco para agressividade e transgressão são alguns fatores do ambiente escolar que podem facilitar o futuro desenvolvimento de comportamentos externalizantes Nesse sentido a qualidade da atenção oferecida pela escola pode ser conectada ao desenvolvimento de crianças agressivas e transgressoras Uma escola protetora é aquela que cuida do seu corpo docente e discente Como demonstram alguns estudos o desempenho acadêmico e o desenvolvimento pessoal do aluno crescem quando a escola é capaz de ensinar valores e criar um ambiente de respeito que propicia a confiança não apenas para aprender mas também para tornarse maduro e autoconfiante Nunes e Abramovay 2003 Sposito 2002 Logo depois que ele terminou as aulas com essa professora da época ele foi melhorando porque a professora o problema estava na professora que gritava muito com ele ele reclamava ele não suporta que grite com ele Até eu mesma se levantar a voz com ele já fica irritado Então eu estou sempre lembrando disso e falando com ele normalmente sem gritar Aí depois ele recuperou ele teve outra professora no novo ano Ele melhorou começou a ler bem depois que veio para cá ele se adaptou bem com os professores daqui 28 Eu acho que isso influi muito também o ambiente que a criança está deixa a criança nervosa Em casa eu vou assim vou tentando manter a calma com ele também Mãe de Vitor 10 anos criança com sintomas de comportamento agressivo e problemas de atenção Fatores protetores Muitos de nós conhecemos crianças com vidas muito difíceis em que são testadas constantemente sobre sua capacidade de enfrentar as adversidades Muitas demonstram potencial de superação às adversidades Chamamos isso de resiliência Rutter 1988 Resiliência Encontrar uma forma construtiva para reorganizar a vida após um problema Habilidade de se acomodar e reequilibrar constantemente frente às adversidades Algumas crianças diante das dificuldades tornamse de tal forma vulneráveis que passam a colecionar insucessos podendo vir a apresentar comportamentos agressivos e transgressores Rutter 1988 Vulnerabilidade Maior probabilidade de um resultado negativo na presença de adversidades É certo que quanto mais proteção a criança receber ao longo de sua vida menores as chances de surgirem conseqüências negativas em suas vidas 29 Alguns fatores individuais ou seja intrínsecos ao sujeito aumentam a capacidade de proteção da criança autoestima é uma delas ser capaz de aprender com erros e saber solicitar ajuda quando precisa são outros atributos fundamentais A família a escola e a comunidade são instituições com potencial de proteger crianças e adolescentes A comunidade que protege é aquela que propicia fatores como inclusão econômica social e cultural particularmente das crianças jovens e pais de família valorização de atitudes e comportamentos não criminosos não violentos e não discriminatórios desenvolvimento urbano e social grupos e rede de supervisão e apoio para crianças e adolescentes limitação e controle do acesso a drogas álcool e armas de fogo Sherman et al 1997 A história de Lara ilustra como fatores individuais familiares e sociais se associam propiciando o surgimento e desenvolvimento de comportamentos externalizantes em fases precoces da vida Doenças adoção pobreza estigmas relacionamento familiar baseado em agressão física como forma de resolução de conflitos sentimento de rejeição são apenas algumas das circunstâncias que permeiam a vida de Lara uma menina de 9 anos A História de Lara Peguei Lara com um mês e quinze dias A mãe não podia mais criar Ela era bem doentinha do ouvido tinha otite crônica e perdeu um pouco da audição acho que 35 da audição Fez agora o tratamento Operou e está se recuperando De cinco anos pra cá faz xixi na calça não sei se é por problema psicológico alguma coisa parecida Foram cinco anos de audiência A partir do quinto ano dela de vida foi a última vez e aí ela passou Ela assistiu tudo Eu acho que daí por diante ela começou referindose ao problema de comportamento Foi assim a gente colocou uma caneta na mão dela e ela ficou escrevendo pra se distrair Mas sabe criança presta atenção 30 em tudo não é Então a gente pensava que ela não ouvia Não estava prestando atenção mas estava Porque hoje ela diz tudinho pra mim o que ela ouviu E ela não aceitou Hoje em dia ela faz tudo o que não tem que fazer Esse negócio de ela mexer nas coisas que não pode Isso que me preocupa muito Ela briga muito o irmão de dezoito anos Ela briga muito Ela quer mandar Ela não tem modos Ele quer corrigir senta com modos Ela vai lá chuta ele Ela é bem briguenta por ser mandona Ela é muito mandona Mente muito muito muito Às vezes inventa coisa Uma vez ela inventou que a professora falou que era ela tem o cabelo bem grande que era pra cortar o cabelo O irmão fala se você botar a mão aqui eu vou quebrar a tua mão E ela é meio abusadinha sabe Eu falo Bruno não fala isso Mãe eu tenho que ameaçar ela porque se não ela vai mexer nas minhas coisas Se eu falar pra ela vai lá e pega a bolsa Eu já mando ela apanhar a bolsa pra eu tirar o dinheiro Então ela vai apanhar a bolsa e vai apanhar o dinheiro também Nesse meio tempo ela já tirou alguma coisa pra ela comprar doce ela está sempre sempre vem com doce No ano passado todo dia tinha briga Mãe olha fulana quer me bater fulana quer isso fulana quer aquilo Eu falei assim Ué Você não é o machohomem aqui dentro de casa Não quer bater no seu irmão com dezoito anos A menina é da sua idade eu é que vou ter que ir lá brigar com a menina falar com a menina Você diz pra ela assim olha eu nem me importo com o que você está falando Dentro da sala de aula é lugar de estudar e não pra discutir com colega Pede a professora se você pode mudar de lugar Senta ou mais lá atrás ou mais na frente e não fica do lado dela Na hora do recreio se ela chegar perto de você você fala pra professora que ela está implicando com você A professora chamava ela de alienada porque ela não tinha operado o ouvido ainda Eu sempre falo para os professores 31 todo começo do ano do problema dela da audição Todas as professoras sabem E ela sabia Lara é muito alta Eu dizia põe ela na frente que ela vai te ouvir bem Se ela ouve bem ela vai aprender bem Mas ela colocava ela lá atrás porque ela é mais alta do que as outras amigas ela não ouvia Toda reunião eu passava vergonha Ela professora dizia assim Olha Dara parece uma alienada A gente fala com ela e ela está no mundo da lua E falava pra ela também que dizia pras amigas Ela chegava em casa chateada Mãe a tia falou pra mim e pras amigas que não podem sentar do meu lado Me colocou lá no fundo da sala porque se não vão pegar minha doença que eu sou alienada Aí foi ficando pior Foi ficando pior A partir daquele momento ela não fazia o dever ela não copiava o dever Não fazia nada na escola Todos os dias ela só fazia o cabeçário Aí quando foi em outubro eu não trouxe mais pra escola Por quê Eu já sabia que ela ia repetir o ano com certeza E mesmo que a professora passasse eu ia pedir pra não deixar porque ela sabia nada nada E a professora todo dia só criticando Acabando já não tem uma estima boa Acabando com a menina Eu acho que ela se acha jogada fora Por ser adotiva eu acho Porque desde pequenininha ela sempre perguntou A partir do quinto ano sempre perguntava se a gente amava Houve uma desavença comigo e a mãe biológica Uma vizinha perguntou pra ela mãe biológica do sentimento dela com a menina Ela disse que não tinha sentimento nenhum Então ela ouve Ela entende super bem não é Eu acho que é uma maneira dela de reagir à vida dela falando sobre o comportamento de Lara É uma vida meio complicada não é Geralmente as pessoas não sabem que são adotivas aí fica sabendo depois de trinta anos vinte anos dezenove anos Fica maluco Abandona os pais adotivos Ou mata os pais adotivos E ela sabendo desde pequenininha não sabe nem como agir não é Sei lá é é meio complicado Mãe de Lara 9 anos criança com sintomas de comportamento agressivo transgressor problemas de atenção e problemas sociais 33 CAPÍTULO 3 Violências agressividade e transgressão na infância Crianças agressivas e transgressoras são vistas com restrições pelas famílias escolas e na localidade em que vivem Um estudo brasileiro realizado em escolas da Baixada Fluminense RJ no período de julho de 2002 a novembro de 2005 por equipe multidisciplinar inserida no Programa Saúde na Escola verificou que a principal queixa escolar foi quanto ao comportamento agressivo dos estudantes correspondendo a 24 dos 273 casos atendidos Andrade 2002 Neste estudo esses alunos são identificados por bater nos outros desafiar qualquer pessoa que tente ocupar o lugar de autoridade agir com o fim de chocar os outros falta de respeito 34 falta de limites rebeldia alteração de comportamento e nervosismo É interessante destacar que a maioria dos encaminhamentos atendidos neste estudo se devia a comportamentos agressivos manifestados pela criança Apesar de somente 51 dos casos de alunos com comportamento agressivo terem chegado ao serviço com queixas de violência sofrida pelo aluno ao longo do atendimento notouse que quase a metade das crianças tinha sofrido ou estava sofrendo algum tipo de violência Esse dado sinaliza a necessidade de compreendermos melhor as relações entre sofrer violência e desenvolver comportamento agressivo Refletiremos a seguir justamente sobre a relação existente entre situações de violência ao longo da vida e o surgimento de comportamentos agressivos e transgressores em crianças Ao entrevistarmos algumas mães de crianças com problemas externalizantes pudemos sentir quanto sofrimento essas meninas e meninos vivenciaram já no início de suas vidas Nessas falas percebemos que muitas das reações infantis são formas de expressar suas angústias e subjetividades A vida de Rodrigo é um desses exemplos A História de Rodrigo Esse que é o problema que eu contei Quem mora com ele não é o pai é o padrasto Aí ele não tem paciência entendeu Ele já chega em casa gritando Eu falo com ele Ah Jairo não pode não é assim Porque ele tem três filhos mas ele não aceita Diz que os filhos dele ele fala uma vez só e obedece Aí ele fala Eu vou te bater vou fazer isso vou acontecer Teve uma vez que a a gente brigou feio Entrei até em luta com ele Ele deu um tapa na cara do meu mais velho Rodrigo Eu fui voei em cima dele Agredi ele Para ele não me bater ele me empurrou Eu caí pra frente bati de cabeça no meio fio Ficou um caroço enorme 35 Minha mãe foi caiu doente ficou quase morrendo Ajudamos ela levamos para o médico para ver estava com uma diarréia sem parar Pensava que era até o mesmo problema que meu pai que meu pai morreu desse problema Aí quer dizer não me cuidei Ficou um caroço enorme eu não botei gelo não botei nada Eu converso muito com esse meu marido que o convívio dentro de casa é Briga eu acho que deixa a criança também nervosa Porque eles estão vendo Se a gente por exemplo fica nervosa o meu nervosismo passa para ele não é Mãe de Rodrigo 9 anos criança com sintomas de comportamento agressivo e transgressor Apresentar comportamentos agressivos e transgressores e vivenciar situações de violência na infância não têm relação causal direta e exclusiva Na prática esses comportamentos costumam resultar de uma interação de fatores e não meramente uma reprodução direta da violência sofrida Como vimos no capítulo 2 fatores individuais associados a ambientes familiares escolares e comunitários não propícios ao bom desenvolvimento emocional costumam estar envolvidos na expressão do comportamento agressivo e transgressor Quando falamos em violência estamos nos referindo a várias formas de violação dos direitos da criança negando lhes a liberdade a dignidade o respeito e a oportunidade de crescer e se desenvolver em condições saudáveis A violência pode alcançar a criança nos seus diversos âmbitos de convivência ou seja no seu seio familiar escolar na vida comunitária e na sociedade em geral Podemos especular que o cruel panorama como vivem crianças e adolescentes vítimas de violência estrutural se reflete no fenômeno da violência familiar escolar e comunitária espaços privilegiados tanto para socializar e estabelecer afetos quanto para constituirse num reprodutor de violência Destacamos ainda os prejuízos propiciados pelas condições de pobreza e pela escassez ou falta de acesso a serviços públicos básicos necessários para o desenvolvimento saudável da criança 36 Violência na família Agressão verbal na família é uma forma de violência psicológica que tem impacto na formação de crianças e adolescentes Dentre as crianças de São Gonçalo constatamos ser muito comum essa forma de comunicação familiar Violência psicológica ocorre quando a criança é diminuída em suas qualidades capacidades desejos e emoções ou cobrada excessivamente por pessoa significativa durante o período de crescimento e desenvolvimento A Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências Brasil 2001 define agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar rejeitar humilhar a vítima restringir a liberdade ou ainda isolála do convívio social p51 Na família pais praticam esse tipo de abuso com freqüência muitas vezes criando um clima familiar desrespeitoso que tende a se estabelecer como mecanismo de resolução de problemas familiares Neste processo engendramse formas negativas de relacionamento interpessoal que se manifestam também na vida escolar e comunitária dos filhos Pitzner Drummond 1997 Assis e Avanci 2004 As crianças de São Gonçalo com problemas de agressividade e transgressão são mais vítimas e testemunhas de agressão verbal do que as que não têm esses transtornos que foram aferidos pelos seguintes comportamentos do agressor xingar ou insultar ficar emburrado chorar fazer coisas para irritar destruir bater ou chutar objetos Straus 1979 Verificamos que 145 das crianças com comportamentos externalizantes em nível clínico convivem com agressão verbal praticada pelo pai e 135 pela mãe Dentre as crianças sem esses transtornos temos 39 e 12 respectivamente Testemunhar agressão verbal entre os pais também se mostra relevante para o surgimento de problemas de comportamento em 37 crianças Vimos que cerca de 12 das crianças com comportamentos externalizantes são vítimas dessa forma de violência psicológica comparadas a cerca de 75 entre crianças que não têm o transtorno A violência física familiar é outro aspecto fundamental para se entender como se desenvolvem problemas externalizantes em crianças Violência física se caracteriza pelo uso da força física sobre crianças e adolescentes Noção de poder e controle de uma pessoa mais velha mais forte ou mais influente que utiliza a agressão física contra crianças e adolescentes É comumente uma forma de aprendizado de resolução de conflitos e um mecanismo de estabelecimento de relações É uma forma de comunicação interpessoal realizada através do uso da força física Assis e Deslandes 2004 No gráfico 5 vemos a maior presença de sintomas de comportamento externalizantes na população de crianças estudantes da rede pública de São Gonçalo que sofrem violência física severa de um dos pais e que presenciaram violência física severa entre os pais definida por atos graves como jogar objetos empurrar dar tapas ou bofetadas murros chutar bater ou tentar bater com objetos espancar ameaçar ou realmente usar armas de fogo ou faca 38 Grafico 5 Sintomas de comportamentos externalizantes em crianças vítimas de violência física severa na família no último ano 534 214 139 124 727 338 224 193 Violência severa da mãe N5044 Violência severa do pai N4735 Violência severa do pai contra a mãe N4230 Violência severa da mãe contra o pai N4203 Normal LimitrofeClínica A violência física severa perpetrada pela mãe no último ano é a que mais se destacou Esteve presente na vida de 727 das crianças com problemas externalizantes e em 534 das crianças sem sinais de agressividade e transgressão A violência física severa entre os pais também sobressaiu entre crianças com problemas externalizantes Lembramos que a articulação entre agressividade infantojuvenil e violência doméstica sofrida não representa uma relação de causalidade única devendo ser pensada dentro de um espectro maior como vimos no capítulo anterior Todavia é importante ter mente que o comportamento agressivo em crianças é um sinalizador e até mesmo denunciador da presença de violência na infância O estudo da violência concomitantemente aos transtornos mentais como agressividade e transgressão se coloca como questão preponderante na discussão da saúde da criança A vida das crianças tende a ficar mais infeliz quando há violência familiar em vez de um ambiente predominantemente protetor e afetuoso Quando a família deixa de ser um ambiente protetor e se torna um fator de risco para a criança é importante compreender a dinâmica familiar violenta como parte de complexos e dinâmicos contextos 39 psicológicos sociais econômicos e culturais É importante que profissionais que trabalham com crianças entendam que esses conflitos podem relacionarse ao comportamento aos sentimentos ao afeto e ao humor de crianças para que assim possam atuar na esfera preventiva e de tratamento rompendo o ciclo da violência Violência na escola e comunidade As escolas podem contribuir para a ocorrência de abuso psicológico sobre crianças e adolescentes ao admitirem a existência de relações conflituosas entre os alunos bullying e os tratamentos humilhantes e desrespeitosos entre o corpo discente e docente Outra forma de violência muito naturalizada é a violência das precárias condições estruturais existentes nas escolas que de forma simbólica afeta a formação da identidade e autoestima juvenil e sua capacidade de projeção do futuro O conceito de bullying recentemente difundido no Brasil é alvo de estudos internacionais há algumas décadas Referese ao comportamento de crianças e adolescentes prepotentes e agressivos tais como colocar apelidos ofender humilhar discriminar intimidar perseguir assediar aterrorizar agredir roubar e quebrar pertences Podem também ocasionar perda de interesse ou medo de freqüentar a escola Lopes Neto e Saavedra 2003 Outro problema que muitas famílias enfrentam nos dias de hoje é a violência na comunidade em que vivem Este problema está intimamente relacionado a violência social sendo comprovadamente mais presente nas localidades onde a população tem menor poder aquisitivo e onde existe carência de serviços de saúde educação e segurança pública além de habitação precária A violência urbana se manifesta por relações baseadas em meios agressivos de solução de conflitos nos locais em que as famílias residem frequentemente com criminosos dominando o território cerceando o direito de ir e vir e proporcionando medo e insegurança nos moradores 40 No gráfico 6 vemos que todas as formas de violência na localidade estão mais presentes na vida das crianças com problemas externalizantes Ressaltamos o fato de cerca de 8 das crianças de São Gonçalo já terem visto pessoas sendo assassinadas pelo grave impacto que uma violência tão terrível pode ter na vida de pessoas em início do desenvolvimento emocional e cognitivo Gráfico 6 Sintomas de comportamentos externalizantes em crianças vítimas de violência na escolacomunidade no último ano CBCL 30 12 100 69 77 14 28 145 116 87 Roubo à força na escola N6377 Roubo à força na comunidade N6376 Vivenciou perigo na comunidade N6110 Viu roubaratirar em outra pessoa N6164 Viu pessoas sendo assassinadas N6097 Normal LimítrofeClinica 41 CAPÍTULO 4 Comorbidades um problema a ser investigado Um fato importante a ser observado pelos profissionais que lidam com crianças é que comumente comportamentos agressivos e de oposição estão associados com outros problemas de comportamento Essa situação se evidencia através de dados estatísticos e de acompanhamento clínico Os problemas de comportamento externalizantes e internalizantes tal como aferido pela CBCL correlacionamse um com o outro em diversos estudos McConaughy Achembach 1994 Garnefski Diekstra 1997 Verhulst Van der Ende 1993 Da mesma forma os transtornos de conduta estão bastante misturados 42 aos transtornos emocionais O transtorno da conduta associado a outros problemas comportamentais foi quatorze vezes mais encontrado em crianças de cerca de dez anos do que o diagnostico do problema isolado Rutter e Graham 1996 A Classificação Internacional de Doenças CID 10 1996 descreve duas categorias de diagnóstico que ilustram a comorbidade em relação ao transtorno da conduta o transtorno hipercinético de conduta agregando problemas de conduta com hiperatividade e os transtornos mistos da conduta e das emoções distúrbio depressivo de conduta outros transtornos mistos das condutas e das emoções incluindo sintomas de ansiedade e transtornos mistos das condutas e das emoções não especificados A criança com comorbidades de problemas de comportamento apresenta associações reais entre sintomas de diferentes transtornos comportamentais Este é quadro muito comum em crianças com comportamentos externalizantes tal qual vimos nas meninas e meninos de São Gonçalo gráfico 7 Grafico 7 Problemas externalizantes e comorbidades CBCL 44 08 1 08 79 0 001 002 003 004 005 006 007 008 009 Externalizante puro Externalizante Internalizante Externalizante Problemas de atenção Externalizante Internalizante Problemas de atenção Externalizante Outros A presença de comorbidade costuma ser observada como um marcador de severidade do transtorno Angold e Costello 2000 43 O transtorno da conduta associado a outros transtornos costuma apresentar quadros clínicos mais exacerbados como por exemplo com transtornos de déficit de atençãohiperatividade maiores níveis de interações conflituosas com os pais de rejeição dos pares ou colegas de problemas escolares de adversidades psicossociais maior freqüência de psicopatologia dos pais além de pior prognóstico e tratamento Desde que ele nasceu ele é uma criança agitada Andou com nove meses sempre foi muito agitado mas muito muito mesmo Sai do colégio chega em casa não tem cansaço que faz ele parar para ver uma televisão Ele não vê televisão É o tempo todo fazendo arte Você pede pára pára pára Ele continua fazendo É o tempo todo agitado Levanta sete horas da manhã sem ter necessidade levanta cedo pra dar tempo de fazer mais arte É uma coisa inexplicável meu Deus do céu ele é muito agitado Mãe de Marcelo 8 anos com sintomas de comportamento agressivo e problemas com a atençãohiperatividade com depressão tem pouco efeito no curso do transtorno da conduta embora exista indicativo de que a desordem de conduta esteja associada com mais severas depressões concorrentes A combinação da desordem de conduta com a depressão está fortemente associada ao suicídio em idade mais avançada especialmente se somada ao uso de álcool Ele é agitado agressivo às vezes Às vezes ele está triste ele tem um pouco de tudo Às vezes ele está triste Às vezes ele é bem agressivo com o irmão ou com alguém que irrite ele Ele é assim às vezes pensativo chorão chora muito às vezes mesmo sem motivo qualquer coisa que você fala ele já chora Mãe de Rafael 9 anos com comportamento agressivo e depressivo 44 com transtornos de ansiedade Está associado com menores índices de agressão especialmente em crianças pequenas Ela passa de um extremo ao outro está muito alegre daqui a pouco ela já está brigando Está sempre um pouco insatisfeita Com relação às pessoas ela é tímida Na escola ela é tímida muito autocrítica Ela tem vergonha de fazer as coisas na frente da sala Atividade na escola ela não gosta mas em casa ela é de brigar com os irmãos tem muito ciúmes do pai e de mim principalmente tudo tem que estar sempre em volta dela exige atenção direto fica cobrando as coisas Mãe de Tainara 8 anos com sintomas de comportamento agressivo e problemas de ansiedade com transtorno desafiador opositivo e transtorno de déficit de atenção hiperatividade quando essas três formas de transtorno se associam encontrase uma difícil combinação configurando um quadro de problemática socialização da criança com relacionamentos interpessoais bastante prejudicados e prognóstico e tratamento complicados Ele foi ficando com esse hábito de não me obedecer não me respeitar Na hora a gente conversa entende chora põe de castigo ele diz que entendeu passa cinco minutos ele esta fazendo exatamente aquele erro repetindo ou então pior entra por um ouvido sai pelo outro Tenho que procurar um tratamento para ele e para mim por que eu não estou agüentando mais Desde que começaram as aulas esse ano eu estou totalmente sem controle sobre ele Não tem paciência mais para assistir televisão não tem um desenho que agrade o Emerson aí bota CD e troca CD aí desliga e liga a televisão eu penso tem 45 criança que fica parada assistindo a programação Não precisa ser todas mas alguma coisa tem que agradar Eu observei nele esse último tempo que não tem nada que segure o Emerson no sofá nada ele gosta Nada ele fala que gosta Novela eu não consigo assistir Eu não consigo ficar mais um pouquinho na cama nos últimos tempos porque eu falo Emerson se você quer acordar mais cedo fica no seu quarto vai desenhar fazer alguma coisa Mas ele fica batendo a porta ou então fica fazendo a porta de tambor até eu sair da minha cama ou então o padrasto dele Enquanto ele não vir a gente levantar é isso Mãe de Emerson 8 anos com comportamentos agressivo e transgressor e problemas com atençãohiperatividade Apesar desses indicativos o mais importante a ser apreendido em relação a comorbidade é que não se trata de várias desordens em uma única criança mas sim da configuração de um problema de comportamento multifacetado em uma criança Por isso é fundamental que o profissional que trabalha com crianças esteja atento a todos os sinais e sintomas manifestados pela criança e não apenas aos mais acentuados para que dessa forma cada uma receba um tipo de acolhimento acompanhamento e tratamento que se fizer necessário 47 CAPÍTULO 5 Refletindo sobre as possibilidades de intervenções Os médicos falaram que ele não tem nada Ele já fez eletroencefalograma fez tomografia computadorizada fez duas vezes O último exame que ele fez já tem um tempo O neuro falou que a única coisinha que tinha dado no resultado foi um pouquinho de distúrbio de comportamento que não era nada demais Aí foi que ele passou o remédio controlado Aí ele andou tomando um bom tempo Ele tomava remédio não via diferença era mesma coisa No SUS é a mesma coisa Pô onde eu vou achar um médico bom Nem que eu pague oitenta cem reais mas onde que vai ter um médico bom aqui Mãe de Renan 10 anos se referindo ao problema de agressividade do filho 48 Neste capítulo vamos sinalizar algumas estratégias apontadas como eficientes no atendimento da criança com comportamentos externalizantes Acreditamos que ao entendermos com mais clareza os diversos aspectos da vida dessas crianças estamos abrindo caminhos para formas de atuar nas famílias escola e na sociedade que objetivem o desenvolvimento e fortalecimento do potencial criativo da criança como forma de promover a saúde e o exercício da cidadania Na prática o que observamos com mais freqüência é que as tentativas de contenção do problema têm favorecido estigmas na criança de sentirse diferente agressiva ou ruim ao qual a criança se cola e do qual não consegue se desvincular Este é um importante aspecto a ser evitado rótulos Uma vez assumidos pela criança fica mais difícil a transformação dos comportamentos agressivos e transgressores em estratégias relacionais mais saudáveis Como comportamentos agressivos e transgressores podem ser desencadeados e perpetuados por uma multiplicidade de fatores é fundamental que durante o tratamento sejam ouvidas diversas pessoas que conhecem a criança em diferentes contextos Essa perspectiva é importante para que o profissional não se direcione apenas para os sintomas da criança mas principalmente para possíveis riscos ou fatores causais para o seu processo de adoecimento Igualmente importante é que o profissional esteja também atento a conseqüências freqüentes desse tipo de comportamento problemas nos contextos acadêmico e social da criança Tendo um conhecimento mais global sobre o problema de comportamento que a criança vem apresentando o profissional precisa fazer o que estiver ao seu alcance para que a intervenção utilizada permaneça por um prazo continuado Isso geralmente é mais fácil quando os responsáveis e a escola participam do tratamento e acompanhamento da criança Muitos tratamentos têm sido aplicados a crianças com transtornos de conduta incluindo psicoterapia farmacoterapia psicosugestão programas desenvolvidos na escola e na comunidade tratamentos hospitalares e serviços sociais Para Kazdin 2002 existem dois 49 pontos centrais a serem levados em consideração em qualquer tratamento de crianças com transtorno da conduta A heterogeneidade da desordem Para a DSM IV é necessário que a criança apresente pelo menos três entre quinze sintomas listados anteriormente no último ano de vida Portanto uma criança pode estar neste critério de diagnóstico diferindo consideravelmente de outra com o mesmo diagnóstico mas com uma combinação de sintomas diferentes Mesmo quando a apresentação dos sintomas é similar pode variar em severidade e duração ou seja é fundamental estar atento à história do desenvolvimento do problema de comportamento da criança Características associadas crianças com diagnóstico de transtorno de conduta estão propensas a manifestarem sintomas de outros transtornos conforme já mencionado Por exemplo crianças com desordem da conduta podem apresentar deficiências acadêmicas que por sua vez podem gerar deficiências específicas como dificuldade na leitura Dificuldade de estabelecer relacionamentos interpessoais pode refletirse na diminuição de habilidades sociais em relação aos pares e adultos e em altos níveis de rejeição pelos colegas e assim por diante Portanto diversas características associadas são importantes para serem levadas em consideração no tratamento que para ser efetivo precisa se voltar para o comportamento global da criança e não apenas para o principal sintoma apresentado Levandose em consideração essas questões quatro propostas de tratamento avaliadas empiricamente são sugeridas Treinamento com os pais Parent Management Training PMT Referese a procedimentos nos quais os pais são treinados para modificar o comportamento de seus filhos em casa Um terapeuta os ensina a usar procedimentos para alterar interações com seus filhos promover comportamentos prósociais com menos ações de coerção e mais negociação As sessões com o terapeuta servem para modificar e refinar as atitudes a serem tomados pelos 50 pais A duração do tratamento varia de acordo com a gravidade do problema mas costuma ser em média entre 12 e 25 semanas Quadros clínicos mais graves crônicos e com comorbidades podem reduzir as respostas positivas ao tratamento Treinamento de habilidades cognitivas para resolução de problemas Cognitive ProblemSolving Skills Training PSST consiste em desenvolver habilidades cognitivas na criança para resolver problemas interpessoais Os processos cognitivos estão relacionados com a forma como o indivíduo percebe codifica e vivencia o mundo a sua volta Esta abordagem parte do princípio de que a agressividade não é meramente gerada pelo meio no qual a criança está inserida mas pela maneira como os eventos são percebidos e processados por ela Ao longo do tratamento processos cognitivos moldados a partir de autoafirmações verbais são aplicados a situações reais propiciadas pelo terapeuta O tratamento combina procedimentos como modelo e prática e encenações de situações para aplicação das habilidades cognitivas trabalhadas nas sessões Terapia familiar funcional Functional Family Therapy FFT é uma abordagem na qual se trabalha com aspectos comportamentais e cognitivos de disfunções na família Requer que a família veja o problema clínico como reflexo de um funcionamento entre seus membros Cabe ao terapeuta apontar interdependências e contingências entre os membros da família no seu funcionamento diário fazendo referência específica ao problema que serve de base para o tratamento Uma vez que a família se torne capaz de vislumbrar caminhos alternativos para encarar o problema os membros são incentivados a interagirem de forma construtiva Terapia Multisistêmica Multisystemic Therapy MST é um tratamento de base familiar no qual partese do princípio de que o problema clínico da criança emerge do contexto familiar Considera a família como um sistema particular entre muitos outros nos quais a criança está inserida O tratamento geralmente 51 envolve outros sistemas como por exemplo a escola quando o problema se manifesta também nesse contexto A própria criança e seus pais também recebem tratamento individual já que segundo esta perspectiva multisistêmica o funcionamento de um membro da família interfere no funcionamento de outro Devido a influências múltiplas no tratamento diferentes técnicas podem ser utilizadas A terapia multisistêmica pode ser tomada como um pacote de intervenções dirigidas às necessidades da criança e seus familiares e a todos os sistemas que interferem no problema de comportamento da criança Trabalha portanto em três níveis individual familiar e extrafamiliar Tratamento medicamentoso não é aconselhável isoladamente apenas em conjunto com outras intervenções terapêuticas e sob a orientação de um psiquiatra ou pediatra com expertise na área da saúde mental É raramente utilizado em países como a Inglaterra e mais freqüentemente nos EUA Estudos mostram que alguns sintomas do transtorno de conduta podem ser diminuídos com auxílio de remédios como temperamento explosivo agressão interpessoal e destruição de objetos O uso de medicamentos tem sido mais utilizado quando além dos sintomas de agressão a criança ou jovem manifesta sintomas de hiperatividade ou variações bruscas de humor Os medicamentos mais utilizados são os psicoestimulantes neurolépticos anticonvulsivantes e antidepressivos Há que se ter extrema cautela para utilizar tais medicamentos em crianças pequenas pois as pesquisas ainda são inconclusivas quanto ao seu uso As abordagens baseadas no trabalho com os pais são consideradas as mais promissoras já que as práticas dos cuidadores são essenciais e mais adequadas para lidar com mudanças positivas de comportamento particularmente quando combinadas com ações junto com a escola e com a comunidade Algumas dessas estratégias servem tanto como terapêuticas como preventivas Earls e Mezzacappa 2002 As intervenções nesse sentido devem estar de acordo com o nível de desenvolvimento da criança Para crianças pequenas do pré escolar e do nível fundamental o foco do tratamento está nos cuidados primários e educativos em mostrar como o adulto pode alterar e estruturar o desenvolvimento da criança como prevenir comportamentos negativos como agir no caso desse tipo de comportamento ocorrer como ensinar a criança a ter responsabilidade e controle do seu próprio comportamento e como promover comportamentos positivos na criança Para crianças mais velhas e adolescentes além dos pontos descritos existe a necessidade de proporcionar intervenções que estimulem o seu processo de socialização promovendo interação positiva com os pares Profissionais da área da saúde são freqüentemente procurados por mães e pais angustiados com o comportamento de seus filhos Já sem saber como agir com a criança agressiva e desobediente buscam orientação de profissionais que muitas vezes também não sabem como agir seja por falta de treinamento no campo da saúde mental seja pelas próprias experiências pessoais Estudos em ambulatórios públicos e clínicasescola brasileiras apontam alta demanda de crianças para atendimento psicológico e alto índice de desistência e evasão dos usuários Estes achados são interpretados como 1 conseqüência do longo período de espera pelo atendimento antes mesmo da avaliação inicial 2 serviços inadequados para atender às características e necessidades da clientela 3 escolha errada do tipo de procedimento adotado para avaliação e definição do tratamento Gauy Guimarães 2000 Romaro Capitão 2001 Silvares 1998 Lidar com crianças agressivas e transgressoras é um grande desafio a ser enfrentado pelos profissionais de saúde que atuam na rede básica Receber treinamento sobre como acolher encaminhar e tratar essas crianças e seus familiares parece ser um passo fundamental a ser incluído nos programas de formação e em cursos de atualização destinados a profissionais da saúde visando melhorar a efetividade do manejo de transtornos mentais nos serviços gerais de saúde Atender à criança agressiva e transgressora sem reproduzir no atendimento os mesmos sentimentos é um aprendizado a ser estimulado entre esses profissionais Nesse sentido os gestores têm papel primordial já que podem ajudar realizando momentos de formação e atuando sobre o desenvolvimento da rede necessária para atuar apropriadamente nesses casos Ações preventivas para crianças e suas famílias devem ser acionadas no espaço ambulatorial e situamse no ponto de encontro entre o acúmulo de conhecimento sobre problemas de comportamentos externalizantes mecanismos de proteção e formas de promoção de resiliência Para Cowen Work 1988 o primeiro passo para intervenção preventiva em crianças e adolescentes seria intensificar comportamentos e condições que são falhas em suas experiências naturais de vida e assim romper o ciclo de comprometimento psicológico desses sujeitos Essa intervenção não é fácil especialmente porque muitas dessas crianças continuarão expostas à adversidade No entanto é necessário que continuem sendo testados modelos de promoção da saúde que atuem antes que sucessivos eventos negativos marquem gravemente a vida dessas crianças Em relação a possíveis iniciativas no campo da educação para ajudar crianças agressivas e transgressoras é imprescindível a disponibilidade dos educadores que têm presença regular na vida das crianças e por isso recebem também amor e agressividade originalmente dirigidos aos pais Na relação com as crianças agressivas e transgressoras há que se buscar habilidade no educador e na escola para não reagir de forma igualmente agressiva reproduzindo os ruídos dessa comunicação violenta O elemento principal a ser buscado para auxiliar uma nova forma de aprendizado relacional para essas crianças é o estabelecimento de relações dialógicas e negociadas Além das atividades mais diretas dos educadores com os alunos a relação de confiança precisa se estender às famílias O trabalho junto aos pais é crucial para estimular o reconhecimento e a 54 valorização de sua competência de sua responsabilidade com os filhos e de seu lugar de proteção para os mesmos Se os pais são escutados e orientados desde o início da vida escolar sobre o seu papel na facilitação dos processos de maturação das crianças eles podem por exemplo dar mais atenção e com isso encorajar as condutas apropriadas e punir de forma menos rígida as condutas desviantes Os pais devem ser reconhecidos como atores pertencentes à estrutura escolar A culpabilização das famílias pelo sofrimento da criança aumenta a sobrecarga sentida e contribui para afastála dos filhos e da própria escola Andrade 2002 Na escola a identificação de características necessidades e dificuldades que digam respeito ao desenvolvimento não só cognitivo mas também emocional como os sintomas de uma tendência antisocial é facilitada por um convívio diário e olhares menos comprometidos emocionalmente do que o dos pais O encaminhamento ao psicólogo ou a outro profissional de saúde pode ser bem sucedido caso sirva de auxílio aos envolvidos na busca pela discriminação entre dificuldades e distúrbios por exemplo Além deste a professora pode procurar apoio junto aos orientadores educacionais e pedagogos caso a escola tenha esses profissionais disponíveis A importância de o educador procurar saber com o quê e com quem está lidando também vai ao encontro da prevenção da violência uma vez que ao acolher e aprender a lidar com crianças com comportamentos agressivos evitase que a escola reproduza violências ocorridas no âmbito familiar e que haja uma explosão mais séria porque mais desesperada por parte do aluno Sabemos que todas essas propostas apresentam obstáculos para serem realizadas As questões relacionadas à educação por exemplo não podem ser segregadas no sistema de ensino no qual estão inseridas já que são em grande parte reflexo do contexto políticosocial que envolve diversos níveis de interesses Um dos pontos que consideramos crítico é a aposta em um ensino mais pessoal diante da cobrança por um ensino massificado ao estilo de uma linha de montagem industrial de um enfoque exacerbado na capacitação para 55 o mercado de trabalho principalmente em escolas particulares e da sobrecarga de trabalho do professor ao acumular empregos para ter um salário com o qual possa sobreviver que acarreta um sentimento de desvalorização de sua prática Além disso há a vivência contínua de situações realmente violentas nas quais imperam o medo a angústia a impotência e o desânimo Esse clima de malestar no ambiente escolar pode levar a uma reação defensiva com medidas de caráter estritamente policial repressivo e punitivo uma vez que os professores marcados pela desesperança acreditam que pouco podem fazer para reverter o quadro que se apresenta A despeito das limitações e dos empecilhos encontrados acreditamos que é justamente na relação pessoalizada que pode ocorrer a desconstrução e a construção de alternativas aos problemas aqui apresentados Desse modo apostamos nas diferentes formas como o espaço escolar e da saúde pode se reapropriar do meio social ao seu redor sendo este um desafio extremamente importante de ser enfrentado Referências Bibliográficas ACHENBACH TM Manual for the child behavior checklist418 Burlington University of VermontDepartment of Psychiatry 1991 ACHENBACH TM RESCORLA LA Manual for the ASEBA Schoolage forms profiles Burlington VT University of VermontResearch Center for Children Youth Families 2001 AMERICAN ACADEMY OF CHILD AND ADOLESCENT PSYCHIATRY Practice parameters for the assessment and treatment of children and adolescents with conduct disorder Journal of American Academy of Child and Adolescent Psychiatry 1997 36 122139 ANDRADE EV A descontinuidade entre agressividade e violência uma contribuição psicanalítica às práticas educacionais Dissertação Mestrado em Saúde Coletiva Instituto de Medicina Social Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2007 ANGOLD A COSTELLO J The epidemiology of disorders of conduct nosological issues and comorbidity In HILL J MAUGHAN B orgs Conduct disorders in childhood and adolescence sl Cambridge University Press 2000 56 ASSIS SG AVANCI JQ Abuso psicológico e desenvolvimento infantojuvenil In LIMA CA coord Violência faz mal à saúde Brasília Ministério da Saúde 2004 p5968 ASSIS SG DESLANDES SF Abuso físico em diferentes contextos da socialização infantojuvenil LIMA CA coord Violência faz mal à saúde Brasília Ministério da Saúde 2004 p4758 ASSIS SG PESCE RP AVANCI JQ Resiliência enfatizando a proteção dos adolescentes Porto Alegre Artmed 2005 BARLOW J Systematic review of the efectiveness of parenttraining programmes in improving behaviour problems in children aged 310 years Oxford Health Services Research Unit 1999 BEE H A criança em desenvolvimento Porto Alegre Artes Médicas 1996 BRASIL MINISTÉRIO DA SAÚDE Política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências portaria MSGM nº 737 de 16501 publicada no DOU nº 96 seção 1E de 18501 Brasília Ministério da Saúde 2001 BRONFENBRENNER U The ecology of human development experiments by nature and design Cambridge MA Harvard University Press 1979 CAMPBELL SB Behavior problems in preschool children a review of recent research J Child Psychol Psychiatry 1995 36 113149 CASPI A MOFFITT TE NEWMAN DL SILW PA Behavioral observations at age 3 years predict adult psychiatric disorders Arch Gen Psychiatry 1996 53 10331039 COWEN EL WORK WC Resilient Children Psychological Wellness and Primary Prevention American Journal of Community Psychology 1988 16 4 591607 DSM IV TRTM Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais Porto Alegre Artmed 2002 EARLS F MEZZACAPPA E Conduct and oppositional disorders In RUTTER M TAYLOR E Child and adolescent psychiatry Sl Blackwell Science 2002 GARBARINO J Lost boys why our sons turn violent and how we can save them New York NY The Free Press 1999 GARNEFSKI N DIEKSTRA RFW Comorbidity of behavioral emocional and cognitive problems in adolescence Journal of Youth and Adolescence 1997 26 321338 GAUY FV GUIMARÃES SS Descrição da rotina demanda e proposta de otimização para um serviço de psicologia em saúde mental In SBP SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA Resumos de comunicação científica da XXI Reunião Anual de Psicologia Rio de Janeiro SBP 2001 p296 KAZDIN AE Treatment of conduct disorder In HILL J MAUGHAN B orgs Conduct disorders in childhood and adolescence sl Cambridge University Press 2000 57 LIABO K RICHARDSON J Conduct disorder and offending behavior in young people findings from research LondonPhiladelphia The Royal College of Psychiatrists 2007 LOPES NETO AA SAAVEDRA LH Diga não para o Bullying programa de redução do comportamento agressivo entre estudantes Rio de Janeiro ABRAPIA PETROBRAS 2003 MC CONAUGHY SH ACHENBACH TM Comorbidity of empirically based syndromes in Matched general population and clinical samples Journal of Child Psychology and Psychiatry 1994 35 11411157 OFFORD DR et al Ontario child health study I six month prevalence of disorder and service utilization Archives of General Psychiatry 1987 44 832836 OMS ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde 10 ed São Paulo USP 1996 PATTERSON GR DE BARYSHE BD RAMSEY E A developmental perspective on antisocial behavior American Psychologist 1989 44 2 329335 PITZNER JK DRUMMOND PD The reliability and validity of empirically scaled measures of psychologicalverbal control and physicalsexual abuse relationship between current negative mood and a history of abuse independent of other negative life events Journal of Psychosomatic Research 1997 2 125142 ROMARO SA CAPITÃO CG 2001 Caracteriuzação da população que procura o serviço de psicologia da universidade de São Francisco São Paulo In SBP SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA Resumos de comunicação científica da XXI Reunião Anual de Psicologia Rio de Janeiro SBP 2001 p292 RUTTER M Antisocial behavior by young people New York Cambridge University Press 1998 RUTTER M Pathways from childhood to adult life Journal of Child Psychology and Psychiatry 1989 301 2351 RUTTER M GRAHAM P Psychiatric disorder in 10 and 11 year old children Proceedings of the Royal Society of Medicine 1996 59 382387 SHERMAN LW et al Prevention crime whats works what doesnt whats promising a report to the United States Congress Washington DC National Institute of Justice 1997 SILVARES EFM Clínicasescola novas formas de atendimento psicológico Tese Livre Docência Universidade de São Paulo São Paulo 1998 STRAUS MA Measuring intrafamiliar conflict and violence The Conflict Tactics CT Scales Journal of Marriage and the Family 1979 41 7588 VAN LIER PAC VERHULST FC RIJNEN AAM Classes of disruptive behaviour in a sample of young elementary school children Journal of Child Psychology and Psychiatry 2003 443 377387 58 VERHULST FC VAN DER ENDE J Comorbidity in a epidemiological sample a longitudinal perspective Journal of Child Psychology and Psychiatry 1993 34 767783 WHO WORLD HEALTH ORGANIZATION Atlas child and adolescent mental health resources global concerns implications for the future Genebra WHO 2005
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Agressividade e Transgressão em crianças Um olhar sobre comportamentos externalizantes e violências na infância Renata Pires Pesce Simone Gonçalves de Assis Joviana Quintes Avanci Índice Apresentação 5 Capítulo 1 Agressividade e transgressão na infância 6 Capítulo 2 Tornandose uma criança difícil 21 Capítulo 3 Violências agressividade e transgressão 31 Capítulo 4 Comorbidades um problema a ser investigado 39 Capítulo 5 Refletindo sobre as possibilidades de intervenções 45 Referências 53 6 PESQUISADORES Simone G Assis coordenação Joviana Quintes Avanci Renata Pires Pesce Raquel de Vasconcelos Carvalhaes de Oliveira Liana Furtado Ximenes Gabriela Franco Dias Lira Vivian Araújo da Costa Thiago de Oliveira Pires Fabiana Braga Silva Letícia Gastão Franco Rosemary Emerich Pereira de Souza Nayala Buarque Renata Mendonça Ferreira Queiti Batista Moreira Oliveira Este texto é fruto de uma pesquisa financiada pelo Programa Estratégico de Apoio à Pesquisa em Saúde PAPES IV da Fundação Oswaldo Cruz A pesquisa cujos dados são apresentados neste livro contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ É continuidade de um trabalho sobre problemas de comportamento desenvolvido pelo Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli com recursos iniciais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq Contou ainda com bolsistas do Programa PIBIC CNPqFiocruz e do Programa de TécnicosTecnologistas FiocruzFaperj Capa projeto gráfico e editoração Carlota Rios Ilustrações Marcelo Tibúrcio Revisão Mara Lúcia Pires Pesce CONSULTORIA TÉCNICOCIENTÍFICA Anna Tereza Soares de Moura Kathie Njaine Lucia Abelha APOIO TÉCNICO Marcelo da Cunha Pereira Marcelo Silva da Motta Luciene Patrícia Câmara APOIO À DOCUMENTAÇÃO E NORMATIZAÇÃO DA BIBLIOGRAFIA Fátima Cristina Lopes dos Santos AGRADECIMENTOS À Secretaria Municipal de Educação de São GonçaloRJ Às mães pais e outros responsáveis que contribuíram com seus depoimentos à origem do livro Aos profissionais que participaram do grupo de recepção no Instituto Fernandes Figueira IFF FIOCRUZ À Psiquiatra doutora Lúcia Abelha que gentilmente leu o texto trazendo contribuições e compartilhando sua experiência Á pediatra Anna Tereza também pela troca de experiênciencia e contribuição na leitura final do texto 554 P473 Pesce Renata Pires Agressividade e transgressão em crianças um olhar sobre comportamentos externalizantes e violências na infância Renata Pires Pesce Simone Gonçalves de Assis Joviana Quintes Avanci Rio de Janeiro FIOCRUZENSPCLAVESCNPq 2008 56p ISBN 1 Agressividade 2 Transgressão 3 Comportamentos externalizantes 4Infância I Assis Simone Gonçalves de II Avanci Joviana Quintes III Fundação Oswaldo Cruz IV Título Ficha catalográfica 7 Apresentação Cada vez mais ouvimos histórias ou assistimos a noticiários que contam sobre crianças que desrespeitam normas sociais e que agridem familiares professores ou colegas Há também histórias de crianças que praticam transgressões e que ingressam no mundo do crime especialmente em localidades onde há tráfico de drogas A criança agressiva ou rebelde quase sempre é vista pela família ou pela escola como um incômodo um problema difícil de resolver Existe uma tendência por parte da sociedade em rejeitar esses jovens cidadãos esquecendose que grande parte das vezes eles são muito mais vítimas do que réus A infância de diversas crianças é permeada por várias formas de maustratos que podem desencadear ou favorecer comportamentos desse tipo Este livro fala especialmente sobre transtorno de conduta e transtorno desafiador opositivo em crianças termos utilizados pela DSMIV Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais 2002 englobando agressividade e comportamento transgressor ou de quebrar regras respectivamente O objetivo é oferecer aos profissionais que lidam com crianças uma ferramenta que ilumine na compreensão acerca de tais comportamentos e das situações violentas comumente encontradas especialmente nas instituições de saúde nas escolas e nas comunidades onde vivem essas crianças O material foi criado a partir de um trabalho realizado com 500 crianças entre 6 e 13 anos de idade matriculadas na primeira série do ensino fundamental da rede de ensino pública do município de São GonçaloRJ no ano de 2005 Conhecemos estas crianças a partir de aplicação de questionários eou conversas com a própria criança seus responsáveis e professores 8 Nas crianças aplicamos testes psicológicos e pedimos que falassem um pouco de si e de sua família através do desenho da família Para os pais fizemos algumas perguntas sobre a criança sobre seu comportamento e sua subjetividade se vivenciaram violências ou outras situações adversas Gravamos e transcrevemos vários relatos das histórias de vida dessas crianças e de suas famílias que apresentaremos ao longo do livro Aos educadores indagamos sobre o comportamento da criança em sala de aula e na escola Portanto todo o conteúdo deste livro está baseado nesse rico material e fundamentado na teoria atualizada sobre a temática aqui abordada Pretendemos ao final desse texto trazer uma contribuição mais direta para os campos da saúde da educação e da assistência social sugerindo reflexões e propostas para que estes espaços possam ser ambientes com potencial de minimizar as chances de irrupção e reprodução da violência que vem assolando os dias atuais contribuindo para reduzir as conseqüências que traz para a saúde mental das crianças Acreditamos que ao aumentar a consciência social sobre o assunto estaremos dando passos concretos não apenas para melhorar o atendimento oferecido às crianças mas principalmente para avançar no sentido da prevenção destes transtornos em nosso meio contribuindo para melhorar a saúde mental das crianças brasileiras Este é o nosso ideal 9 Agressividade e transgressão na infância CAPÍTULO 1 Toda semana todo dia vai bilhete no caderno dele pra mim por mau comportamento que Hiago fez que Hiago aconteceu Ontem mesmo eu falei Tiago eu já não aguento mais Sinceramente tem horas que dá vontade de tirar ele do colégio que eu tenho mil e um problemas eu tenho que pensar pra cinco referindose aos cinco filhos não é só por ele Mãe de Tiago 8 anos criança com sintomas de comportamento agressivo e transgressor 10 É crescente a preocupação de pais e professores em relação a comportamentos agressivos e transgressores apresentados por crianças na primeira e segunda infância pois se trata de uma alteração de conduta que habitualmente apresenta evolução constante e demonstra resistência às tentativas de controle da família e da escola Não é difícil perceber a grande dificuldade de todos nós atores envolvidos no atendimento à crianças para lidar com esse comportamento infantil rebelde que nos é tão familiar e tão estranho ao mesmo tempo De forma geral o entendimento desses atos como carregados somente de destrutividade tem levado a medidas de contenção ou repressão Compreendida dessa forma a expressão da agressividade indica má educação ou doença e sua eliminação deve ocorrer por correção ou ajuste É nesse sentido que se dão as ameaças as expulsões de sala de aula acompanhadas muitas vezes da exposição desse aluno perante a turma ou mesmo a solicitação que o responsável leve a criança ao médico ou ao psicólogo Essas crianças quase sempre são rotuladas como criançasproblema difíceis ou doentes estigmas que de tão repetidos tornamse difíceis de serem desvinculados pela criança sob o risco de não se sentirem mais elas mesmas Andrade 2007 Ao falar dessas crianças difíceis estamos identificando problemas na esfera da saúde mental Na área de saúde educação e assistência social estamos mais acostumados a identificar problemas mentais e atuar sobre eles do que a investir na promoção da saúde mental das crianças o que deveria ser nossa principal meta Saúde mental Estado de bem estar no qual o indivíduo realiza suas habilidades lida com os estresses da vida trabalha produtiva e frutiferamente e é capaz de dar sua contribuição para a comunidade WHO 2005 11 Dentre os problemas de saúde mental em crianças e adolescentes abordamos neste livro a agressividade e o comportamento transgressor ou de quebrar regras incluídos no DSMIV Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais 2002 na seção de transtornos do comportamento disruptivo que engloba transtorno de conduta transtorno desafiador opositivo e transtornos da atenção problemas comumente diagnosticados pela primeira vez na infância ou adolescência Transtorno de conduta e transtorno desafiador opositivo trazem muitos problemas ao desenvolvimento infantojuvenil pois interferem no cumprimento de tarefas evolutivas como por exemplo as requeridas pela escola têm alta prevalência prognóstico pobre são fatores de risco para inadaptação psicossocial na adolescência e vida adulta além de poderem ser transmitidos entre gerações Transtorno de conduta Engloba atos agressivos a pessoas e animais além de destruição a propriedades defraudação ou furtos e sérias violações de regras sociais Para ser categorizado como tal as condutas necessitam ter padrão repetitivo Diversos autores indicam que os transtornos de conduta com início na infância são mais sérios com altos níveis de agressão e tendem a persistir na adolescência e vida adulta DSM IV 2002 Para definir transtornos de conduta a DSM IV considera o padrão repetitivo e persistente de comportamento no qual são violados os direitos individuais dos outros ou as normas ou regras sociais importantes próprias da idade manifestado pela presença de três ou mais dos seguintes critérios nos últimos 12 meses com presença de pelo menos um deles nos últimos 6 meses Agressão a pessoas e animais provocações ameaças e intimidações freqüentes lutas corporais freqüentes utilização de arma capaz de infligir graves lesões corporais por exemplo 12 bastão tijolo garrafa quebrada faca revólver crueldade física para com pessoas crueldade física para com animais roubo em confronto com a vítima por exemplo bater carteira arrancar bolsa extorsão assalto à mão armada coação para que alguém tivesse atividade sexual consigo Destruição de patrimônio envolvimento deliberado na provocação de incêndio com a intenção de causar sérios danos destruir deliberadamente o patrimônio alheio diferente de provocação de incêndio Defraudação ou furto arrombar residência prédio ou automóvel alheios mentiras freqüentes para obter bens ou favores ou para esquivarse de obrigações legais isto é ludibria pessoas roubo de objetos de valor sem confronto com a vítima por exemplo furto em lojas mas sem arrombar e invadir falsificação Sérias violações de regras freqüente permanência na rua à noite contrariando proibições por parte dos pais iniciando antes dos 13 anos de idade fugir de casa à noite pelo menos duas vezes enquanto vivia na casa dos pais ou lar adotivo ou uma vez sem retornar por um extenso período gazetas freqüentes iniciando antes dos 13 anos de idade Para efetuar o diagnóstico a perturbação do comportamento necessita causar comprometimento clinicamente significativo do funcionamento social ou acadêmico Em alguns casos é difícil ter clareza sobre o grau de comprometimento do funcionamento Nesse caso é útil ouvir mais pessoas próximas à criança e levar em conta a opinião de um profissional qualificado Campbell 1995 efetuou um estudo longitudinal demonstrando que crianças com problemas de conduta na idade de 3 a 4 anos têm 50 de chance de continuar a têlos na adolescência Caspi et al 1996 também através de estudo longitudinal constataram evidências de dificuldades comportamentais e emocionais na idade de 3 anos refletindose em psicopatologia na idade adulta 13 O grau de continuidade dessa forma de comportamento ao longo da vida mostrase consistente Greenberg Speltz DeKlyen apud Bee 1996 encontraram correlação entre a agressão na infância e na idade adulta é de 060 a 070 muito alta para dados desta natureza Este dado foi replicado em estudos na Inglaterra e nos Estados Unidos Farrington apud Bee 1996 Ainda de acordo com a DSMIV 2002 a prevalência de transtornos de conduta tem crescido nas últimas décadas especialmente em áreas urbanas oscilando de menos de 1 a mais de 10 As taxas são mais elevadas no sexo masculino Transtorno desafiador opositivo Caracterizase por comportamento negativista desafiador e hostil para com figuras de autoridade É uma síndrome que ao se apresentar na infância tornase importante preditor do comportamento transgressor em jovens O transtorno é mais prevalente em homens do que em mulheres antes da puberdade mas as taxas são provavelmente iguais após a puberdade oscilando entre 2 e 16 DSM IV 2002 Em geral esse transtorno se manifesta antes dos 8 anos de idade e habitualmente não depois do início da adolescência É mais prevalente em homens do que em mulheres antes da puberdade mas as taxas são provavelmente iguais após a puberdade Os sintomas são em geral similares em ambos os gêneros a exceção do fato de que os homens podem apresentar mais comportamentos de confronto e sintomas mais persistentes Para se efetuar o diagnóstico do transtorno desafiador opositivo é preciso haver duração mínima de 6 meses durante os quais quatro ou mais das seguintes características estiveram presentes e comprometimento clinicamente significativo no funcionamento social ou acadêmico 14 Freqüentemente perde a calma Freqüentemente discute com adultos Com freqüência desacata ou se recusa ativamente a obedecer a solicitações ou regras dos adultos Freqüentemente adota um comportamento deliberadamente incomodativo Freqüentemente responsabiliza os outros por seus erros ou mau comportamento Mostrase freqüentemente suscetível ou se irrita com facilidade Freqüentemente enraivecido e ressentido Freqüentemente rancoroso ou vingativo A agressividade é comumente precedida pelo transtorno desafiador opositivo e pode evoluir para diferentes transtornos como o da personalidade antisocial cabível para maiores de 18 anos o transtorno de humor de ansiedade somatoformes e aqueles relacionados ao abuso de substâncias químicas DSM IV 2002 Para Lier e cols 2003 a diferença principal entre o transtorno da conduta e o transtorno desafiador opositivo é que o primeiro é caracterizado como um comportamento antisocial e de violação de normas enquanto o segundo tratase de recorrentes atos de desobedecer desafiar e hostilizar principalmente adultos Earls e Mezzacappa 2002 consideram que os dois transtornos compartilham atributos de negatividade e conflituosidade sendo que o transtorno desafiador opositivo estaria menos na moda em relação ao primeiro Bee 1996 aponta que há indicações de que o préescolar que já apresenta comportamento desafiador e opositivo assim como a agressividade tenha sólidas inclinações próprias para este comportamento Contudo a possibilidade dessa propensão se transformar num problema de comportamento persistente dependerá da seqüência de eventos vivida Vários aspectos podem facilitar o desencadeamento desse transtorno Fitchner 1997 15 1 falhas no estabelecimento de vínculos afetivos amorosos e seguros com pais e substitutos 2 privação afetiva nos anos iniciais da infância 3 incapacidade dos pais em impor limites ou estabelecimento da disciplina severamente 4 imitaçãoaprendizagem e comportamentos agressivos e transgressores do meio 5 falha na capacidade de simbolização do indivíduo que é incapaz de pensar em termos de causas e conseqüências e não utiliza satisfatoriamente a verbalização para a expressão de sentimentos e pensamentos 6 componentes autodestrutivos na criança podem ser vistos como um teste da capacidade do meio de se preocupar cuidar e dar limites a ela Muitos esforços existem no sentido de comprovar que o transtorno de conduta e de oposição freqüentemente se desenvolvem em contextos sociais e familiares marcados por conflitos e adversidades Os sintomas desses problemas comportamentais seriam precipitados e sustentados por situações de vida difíceis e por frágeis relacionamentos interpessoais Isso não significa que as diferenças pessoais não sejam importantes nesse processo A mistura de atributos individuais com os fatores provenientes do meio mais próximo à criança acrescido do contexto macrosocial onde vive aumenta ou reduz a possibilidade de surgimento de problemas de comportamento agressivos ou desafiadores Comportamentos externalizantes Toma como base as duas sintomatologias descritas pela DSM IV transtorno da conduta e opositivo desafiador pelo fato de envolverem conflitos com outras pessoas e com suas expectativas sobre a criança São comportamentos expressos pela criança diretamente no ambiente 16 Os comportamentos externalizantes contrapõemse aos comportamentos internalizantes caracterizados por retraimento depressão ansiedade fobias e queixas somáticas sintomas mais interiorizados pela criança ou adolescente O termo foi cunhado por Achenbach 1991 que elaborou um instrumento mundialmente conhecido para rastrear problemas de comportamentos em crianças e jovens base dos dados apresentados neste livro Este autor distingue os comportamentos externalizantes em dois tipos comportamento agressivo e de quebrar regras por serem vocábulos familiares para os profissionais da área Esses termos não representam diagnósticos psiquiátricos formais e não são equivalentes aos termos cunhados pela DSM IV Neste livro vamos intercambiar alguns termos transtorno de conduta e transtorno desafiador opositivo tal como definido na DSM IV 2002 comportamentos externalizantes comportamento agressivo e de quebrar regras como assumido por Achenbach agressividade e transgressão mais utilizados pelo senso comum Optamos por simplificar a forma de apresentação desses termos pois priorizarmos mais o conjunto de sinais e sintomas que compõem quadros clínicos similares compatíveis com agressão e transgressão das crianças voltadas para o meio em que convivem Nossa preocupação é menos capacitar as pessoas a darem diagnósticos precisos do problema os profissionais da área da saúde mental são os detentores principais dessa responsabilidade e mais aumentar a sensibilidade dos profissionais aos comportamentos agressivos e transgressores propiciando a troca de conhecimentos e um melhor apoio às crianças e suas famílias O inventário para rastrear problemas de comportamento criado por Achenbach e Rescorla 2001 foi um dos instrumentos utilizados em nossa pesquisa na rede de ensino pública de São Gonçalo RJ Chamase Child Behavior Checklist mas nos referimos à ele por CBCL 17 Através da CBCL pudemos saber que 11 das crianças estudantes de São Gonçalo foram avaliadas pelas mãespais como tendo comportamentos externalizantes em nível clínico Têm comportamentos externalizantes em nível limítrofe 4 das crianças Comparando esses dados com a visão dos professores dessas crianças que responderam à versão da CBCL para educadores Teach Report Form TRF identificamos dados muito próximos 102 em nível clínico e 3 em nível limítrofe apontando para a seriedade dos sintomas apresentados pelas crianças Vamos apresentar os resultados obtidos com a aplicação da CBCL ao longo de todo o livro A dimensão dos comportamentos externalizantes Segundo os pais 15 das crianças escolares de São Gonçalo apresentam comportamentos externalizantes em nivel clínicolimítrofe Segundo os professores dessas mesmas crianças 132 apresentam esses comportamentos em nivel clínico limítrofe Para clarear a diferença entre os sintomas de quebrar regras e de agressividade vamos a seguir apresentar separadamente os resultados que encontramos Comportamento de quebrar regras A prevalência de comportamento de quebrar regras avaliada pela CBCL está apresentada no gráfico 1 Como se pode notar 58 das crianças foram classificadas como apresentando comportamento de quebrar regras em nível clínico e 44 em nível limítrofe Os dados apresentados nos gráficos mostram os resultados expandidos para a população de crianças escolares do município de São Gonçalo ou seja consideramos que a amostra de alunos investigados nessa pesquisa representa o universo de todas as crianças entre 6 e 13 anos matriculadas na rede de ensino pública municipal 18 O gráfico 2 mostra a freqüência de cada um dos sintomas de quebrar regras informados pelos responsáveis das crianças através da CBCL Destacamos alguns comportamentos mais freqüentes entre todas as crianças investigadas em nossa pesquisa mentir ou enganar os outros presente em quase metade das crianças desrespeitar regras 357 hábito de conviver com crianças mais velhas mencionado para 355 das crianças e xingar comum em 323 das crianças Cabe ressaltar que 92 das crianças já puseram fogo em coisas 62 já fugiram de casa e 25 roubam em casa comportamentos de risco já presentes em idade tão precoce Gráfico 1 Prevalência de comportamento de quebrar regras CBCL N6392 898 44 58 Normal Limítrofe Clínica 19 Comportamento agressivo No gráfico 3 constatamos que 42 das crianças evidenciam comportamento agressivo em nível clínico e 54 na sua forma limítrofe Para um pequeno grupo de 49 crianças vimos que a avaliação dos pais sobre o comportamento agressivo é muito parecida com a avaliação clínica feita por psiquiatras sem que soubessem o Gráfico 2 Freqüência dos sintomas de quebrar regras em crianças CBCL N6392 08 146 357 15 497 355 67 92 10 25 13 323 33 00 86 08 08 Toma bebida alcoólica sem a permissão dos pais Falta de arrependimento não se sente culpado após ter se comportado mal Desrespeita regras Anda em más companhias Mente ou engana os outros Prefere conviver com crianças ou adolescentes mais velhas Foge de casa Põe fogo nas coisas Tem problemas sexuais Rouba em casa Rouba fora de casa Xinga ou fala palavrões Pensa demais em sexo Fuma cigarro masca fumo ou cheira rapé tabaco Mata aula cabula aula gazea Usa drogas ou bebidas alcoólicas Estraga ou destrói coisas públicas vandalismo 20 diagnóstico da CBCL Isso indica a importância de se conhecer e atuar sobre crianças com esses comportamentos mesmo em idade precoce Analisando separadamente os sintomas de agressividade vemos que muitos comportamentos são bastante freqüentes nos escolares estudados especialmente ficar emburrado facilmente 689 exigir que preste atenção na criança 662 argumentar muito para não fazer o que lhe é pedido 652 ser desobediente em casa 637 ser muito barulhento 578 gozar dos outros 562 ser desconfiado 491 gritar muito 432 ser malhumorado e irritar se facilmente 426 Como se pode perceber são crianças difíceis de serem educadas e muitas vezes com dificuldades para estabelecer relacionamentos Gráfico 3 Prevalência de comportamento de agressividade CBCL N6392 904 54 42 Normal Limítrofe Clínica 21 Gráfico 4 Freqüência dos sintomas de agressividade em crianças CBCL N6392 652 33 662 326 127 637 297 221 90 432 426 319 491 562 526 48 578 689 Argumenta muito apresenta argumentos para não fazer o que se espera que se faça É cruel maltrata as pessoas Exige que prestem atenção nele Destrói as próprias coisas Destrói as coisas de sua família ou de outras pessoas É desobediente em casa É desobediente na escola Entra em muitas brigas Ataca fisicamente as pessoas Grita muito É mal humorado irritase com facilidade Tem mudanças repentinas de humor ou de sentimentos Fica emburrado facilmente É desconfiado a Gosta de gozar da cara dos outros É esquentado tem acessos de raiva Ameaça as pessoas É barulhento demais Finalizando a apresentação dos diferentes sintomas de agressividade e transgressão apresentados pelas crianças de São Gonçalo vamos nos deter um pouco sobre alguns fatores que podem desencadear o desenvolvimento desses transtornos em crianças 23 CAPÍTULO 2 Tornandose uma criança difícil Apesar da heterogeneidade clínica das manifestações de comportamento agressivo e transgressor que apresentamos no capítulo 1 a literatura aponta alguns fatores familiares ambientais e da própria personalidade da criança como freqüentes fatores desencadeadores desses transtornos A criança com comportamentos agressivos e transgressores deve ser entendida dentro de um sistema biológico e psicológico inseridos nos variados meios social cultural político e econômico Segundo esta perspectiva ecológica tal comportamento depende de alguns elementos que constituem a criança e seu contexto gênero temperamento competência cognitiva idade família vizinhança sociedade e cultura O temperamento no nível individual exerce 24 uma importante influência no desenvolvimento infantil uma vez que influencia em como a criança pensa e sente os acontecimentos a sua volta Bronfrenbrenner 1979 Garbarino 1999 Pesquisas recentes reconhecem e confirmam que a saúde mental de crianças e adolescentes é determinada por uma conjunção de fatores tanto intrínsecos ao indivíduo quanto aqueles proporcionados pelo ambiente social no qual estão inseridos Rutter e Graham 1996 Atributos individuais Cada criança tem a sua forma de estar no mundo Algumas são mais sensíveis outras menos algumas são mais tímidas outras mais extrovertidas algumas são mais ativas outras mais calmas O temperamento de cada criança é moldado por componentes genéticos e pelo meio em que vive também influencia a maneira como a criança encara o mundo a sua volta e conseqüentemente a sua forma de pensar sentir e agir Embora seja um atributo inato é muito precocemente influenciado pelas experiências sociais Comportamento antisocial em adultos costuma ser predito pela presença de atributos individuais surgidos na infância tais como temperamento difícil e sem controle anormalidades neurológicas atraso no desenvolvimento motor habilidade intelectual dificuldades na leitura hiperatividade e pobres escores em testes neuropsicológicos de memória Liabo e Richardson 2007 Existe crescente evidência científica de que há influência genética possibilitando a ocorrência de personalidade antisocial na vida adulta Os estudos que investigam as influências genéticas nos transtornos de conduta em crianças confirmam essa herança e sugerem que a vulnerabilidade para este transtorno é desencadeada por riscos ambientais e mediada por fatores como baixa habilidade de lidar com dificuldades Liabo e Richardson 2007 AACAP 1997 25 Fatores familiares Alguns autores afirmam que a forma como os pais educam seus filhos e as formas de comunicação na família são responsáveis por 3040 da variação dos problemas de agressividade e transgressão na infância destacandose o grau de envolvimento parental as formas de resolução de conflitos e a disciplina punitiva e inconsistente Patterson et al 1989 Barlow 1999 A família tem como função primordial o apoio e acolhimento de seus membros Nenhuma é perfeita sem problemas e conflitos ocasionais No entanto para que esta ofereça à criança um ambiente saudável é preciso que seja capaz de encontrar alternativas positivas para solução dos problemas Embora as dificuldades sejam inerentes ao crescimento e desenvolvimento do indivíduo o apoio da família é fundamental para que a criança consiga amenizar ou mesmo lidar de forma favorável com os efeitos potencialmente destrutivos das adversidades Alguns aspectos parecem contribuir para o desenvolvimento dessa capacidade formas flexíveis de organização e diálogo nos relacionamentos interpessoais modelos educativos que impulsionem a criança para uma vida saudável e supervisão sobre o comportamento da criança nos seus diversos contextos de relacionamentos Em uma pesquisa para avaliar a capacidade de superação das adversidades em adolescentes escolares no município de São Gonçalo RJ a interação familiar foi um dos aspectos mais importantes para a construção do sentimento de afeto por si próprio Assis et al 2005 Uma vez que a autoestima é um atributo chave para a construção dessa capacidade deduzse que o afeto entre os familiares também se associa positivamente à habilidade de superação dos problemas cotidianos A separação dos pais pode constituirse em um problema para criança no entanto quando ela mantém um bom relacionamento com estes pais e quando os próprios pais mantêm a cordialidade este problema pode ser superado O mito da família saudável como 26 sendo aquela formada por pai mãe e filhos morando juntos é uma configuração que vem sofrendo transformações sociais dando espaço para novos arranjos familiares plenamente capazes de promover bem estar entre seus membros Nesse sentido conflito marital entre os pais mostrouse preditor de agressividade e transgressão em crianças atuando de forma mais influente do que a ausência de um dos pais Liabo e Richardson 2007 A relevância dos problemas na relação familiar ficou fortemente expressa nas falas dos responsáveis das crianças de São Gonçalo com indícios de problemas de agressividade e transgressão O pai dele não esquenta com ele não Eu acho até que ele gostaria de um carinho maior do pai Ele tem vergonha do pai ele não conversa com o pai e se o pai vai falar com ele ele abaixa a cabeça Ele não consegue olhar para o pai Eu acho que ele esperava mais do pai eu acho Avó de André 10 anos criança com sintomas de comportamento agressivo e transgressor De acordo com o Inquérito de Saúde Mental Infantil de Ontario Canadá Offord el al 1987 três fatores de risco familiares são significantes para o desenvolvimento da desordem de conduta em crianças disfunções familiares problemas de saúde mental dos pais e baixa renda familiar Rutter 1998 destaca outros fatores familiares como importantes para o desenvolvimento dessas desordens baixo status sócioeconômico da família criminalidade do pai problema mental da mãe discórdia entre os pais e ausência de cuidados institucionais para a criança e família Pobreza e baixo nível sócioeconômico da família costumam estar associados com transtorno de conduta em crianças e adolescentes embora não se saiba muito bem como esses efeitos são mediados A influência sobre a capacidade dos pais de educar os filhos mostrou se mais fragilizada em contextos de pobreza Rutter 1999 27 Fatores escolares Depois da família a escola tem o papel de socialização promoção da cidadania formação de atitudes e opiniões podendo ser um espaço tanto de construção positiva da criança ou jovem quanto um espaço de reprodução de dificuldades vivenciadas na família e na comunidade A escola por ser um espaço de convívio diário é um ambiente onde a ocorrência de conflitos interpessoais é constante e comportamentos são inúmeras vezes repetidos podendo ser compreendidos e manejados de modo a contribuir para a saúde mental dos que ali estão se formando Não é a escola em si mesma que funciona como um fator de risco para agressividade e transgressão são alguns fatores do ambiente escolar que podem facilitar o futuro desenvolvimento de comportamentos externalizantes Nesse sentido a qualidade da atenção oferecida pela escola pode ser conectada ao desenvolvimento de crianças agressivas e transgressoras Uma escola protetora é aquela que cuida do seu corpo docente e discente Como demonstram alguns estudos o desempenho acadêmico e o desenvolvimento pessoal do aluno crescem quando a escola é capaz de ensinar valores e criar um ambiente de respeito que propicia a confiança não apenas para aprender mas também para tornarse maduro e autoconfiante Nunes e Abramovay 2003 Sposito 2002 Logo depois que ele terminou as aulas com essa professora da época ele foi melhorando porque a professora o problema estava na professora que gritava muito com ele ele reclamava ele não suporta que grite com ele Até eu mesma se levantar a voz com ele já fica irritado Então eu estou sempre lembrando disso e falando com ele normalmente sem gritar Aí depois ele recuperou ele teve outra professora no novo ano Ele melhorou começou a ler bem depois que veio para cá ele se adaptou bem com os professores daqui 28 Eu acho que isso influi muito também o ambiente que a criança está deixa a criança nervosa Em casa eu vou assim vou tentando manter a calma com ele também Mãe de Vitor 10 anos criança com sintomas de comportamento agressivo e problemas de atenção Fatores protetores Muitos de nós conhecemos crianças com vidas muito difíceis em que são testadas constantemente sobre sua capacidade de enfrentar as adversidades Muitas demonstram potencial de superação às adversidades Chamamos isso de resiliência Rutter 1988 Resiliência Encontrar uma forma construtiva para reorganizar a vida após um problema Habilidade de se acomodar e reequilibrar constantemente frente às adversidades Algumas crianças diante das dificuldades tornamse de tal forma vulneráveis que passam a colecionar insucessos podendo vir a apresentar comportamentos agressivos e transgressores Rutter 1988 Vulnerabilidade Maior probabilidade de um resultado negativo na presença de adversidades É certo que quanto mais proteção a criança receber ao longo de sua vida menores as chances de surgirem conseqüências negativas em suas vidas 29 Alguns fatores individuais ou seja intrínsecos ao sujeito aumentam a capacidade de proteção da criança autoestima é uma delas ser capaz de aprender com erros e saber solicitar ajuda quando precisa são outros atributos fundamentais A família a escola e a comunidade são instituições com potencial de proteger crianças e adolescentes A comunidade que protege é aquela que propicia fatores como inclusão econômica social e cultural particularmente das crianças jovens e pais de família valorização de atitudes e comportamentos não criminosos não violentos e não discriminatórios desenvolvimento urbano e social grupos e rede de supervisão e apoio para crianças e adolescentes limitação e controle do acesso a drogas álcool e armas de fogo Sherman et al 1997 A história de Lara ilustra como fatores individuais familiares e sociais se associam propiciando o surgimento e desenvolvimento de comportamentos externalizantes em fases precoces da vida Doenças adoção pobreza estigmas relacionamento familiar baseado em agressão física como forma de resolução de conflitos sentimento de rejeição são apenas algumas das circunstâncias que permeiam a vida de Lara uma menina de 9 anos A História de Lara Peguei Lara com um mês e quinze dias A mãe não podia mais criar Ela era bem doentinha do ouvido tinha otite crônica e perdeu um pouco da audição acho que 35 da audição Fez agora o tratamento Operou e está se recuperando De cinco anos pra cá faz xixi na calça não sei se é por problema psicológico alguma coisa parecida Foram cinco anos de audiência A partir do quinto ano dela de vida foi a última vez e aí ela passou Ela assistiu tudo Eu acho que daí por diante ela começou referindose ao problema de comportamento Foi assim a gente colocou uma caneta na mão dela e ela ficou escrevendo pra se distrair Mas sabe criança presta atenção 30 em tudo não é Então a gente pensava que ela não ouvia Não estava prestando atenção mas estava Porque hoje ela diz tudinho pra mim o que ela ouviu E ela não aceitou Hoje em dia ela faz tudo o que não tem que fazer Esse negócio de ela mexer nas coisas que não pode Isso que me preocupa muito Ela briga muito o irmão de dezoito anos Ela briga muito Ela quer mandar Ela não tem modos Ele quer corrigir senta com modos Ela vai lá chuta ele Ela é bem briguenta por ser mandona Ela é muito mandona Mente muito muito muito Às vezes inventa coisa Uma vez ela inventou que a professora falou que era ela tem o cabelo bem grande que era pra cortar o cabelo O irmão fala se você botar a mão aqui eu vou quebrar a tua mão E ela é meio abusadinha sabe Eu falo Bruno não fala isso Mãe eu tenho que ameaçar ela porque se não ela vai mexer nas minhas coisas Se eu falar pra ela vai lá e pega a bolsa Eu já mando ela apanhar a bolsa pra eu tirar o dinheiro Então ela vai apanhar a bolsa e vai apanhar o dinheiro também Nesse meio tempo ela já tirou alguma coisa pra ela comprar doce ela está sempre sempre vem com doce No ano passado todo dia tinha briga Mãe olha fulana quer me bater fulana quer isso fulana quer aquilo Eu falei assim Ué Você não é o machohomem aqui dentro de casa Não quer bater no seu irmão com dezoito anos A menina é da sua idade eu é que vou ter que ir lá brigar com a menina falar com a menina Você diz pra ela assim olha eu nem me importo com o que você está falando Dentro da sala de aula é lugar de estudar e não pra discutir com colega Pede a professora se você pode mudar de lugar Senta ou mais lá atrás ou mais na frente e não fica do lado dela Na hora do recreio se ela chegar perto de você você fala pra professora que ela está implicando com você A professora chamava ela de alienada porque ela não tinha operado o ouvido ainda Eu sempre falo para os professores 31 todo começo do ano do problema dela da audição Todas as professoras sabem E ela sabia Lara é muito alta Eu dizia põe ela na frente que ela vai te ouvir bem Se ela ouve bem ela vai aprender bem Mas ela colocava ela lá atrás porque ela é mais alta do que as outras amigas ela não ouvia Toda reunião eu passava vergonha Ela professora dizia assim Olha Dara parece uma alienada A gente fala com ela e ela está no mundo da lua E falava pra ela também que dizia pras amigas Ela chegava em casa chateada Mãe a tia falou pra mim e pras amigas que não podem sentar do meu lado Me colocou lá no fundo da sala porque se não vão pegar minha doença que eu sou alienada Aí foi ficando pior Foi ficando pior A partir daquele momento ela não fazia o dever ela não copiava o dever Não fazia nada na escola Todos os dias ela só fazia o cabeçário Aí quando foi em outubro eu não trouxe mais pra escola Por quê Eu já sabia que ela ia repetir o ano com certeza E mesmo que a professora passasse eu ia pedir pra não deixar porque ela sabia nada nada E a professora todo dia só criticando Acabando já não tem uma estima boa Acabando com a menina Eu acho que ela se acha jogada fora Por ser adotiva eu acho Porque desde pequenininha ela sempre perguntou A partir do quinto ano sempre perguntava se a gente amava Houve uma desavença comigo e a mãe biológica Uma vizinha perguntou pra ela mãe biológica do sentimento dela com a menina Ela disse que não tinha sentimento nenhum Então ela ouve Ela entende super bem não é Eu acho que é uma maneira dela de reagir à vida dela falando sobre o comportamento de Lara É uma vida meio complicada não é Geralmente as pessoas não sabem que são adotivas aí fica sabendo depois de trinta anos vinte anos dezenove anos Fica maluco Abandona os pais adotivos Ou mata os pais adotivos E ela sabendo desde pequenininha não sabe nem como agir não é Sei lá é é meio complicado Mãe de Lara 9 anos criança com sintomas de comportamento agressivo transgressor problemas de atenção e problemas sociais 33 CAPÍTULO 3 Violências agressividade e transgressão na infância Crianças agressivas e transgressoras são vistas com restrições pelas famílias escolas e na localidade em que vivem Um estudo brasileiro realizado em escolas da Baixada Fluminense RJ no período de julho de 2002 a novembro de 2005 por equipe multidisciplinar inserida no Programa Saúde na Escola verificou que a principal queixa escolar foi quanto ao comportamento agressivo dos estudantes correspondendo a 24 dos 273 casos atendidos Andrade 2002 Neste estudo esses alunos são identificados por bater nos outros desafiar qualquer pessoa que tente ocupar o lugar de autoridade agir com o fim de chocar os outros falta de respeito 34 falta de limites rebeldia alteração de comportamento e nervosismo É interessante destacar que a maioria dos encaminhamentos atendidos neste estudo se devia a comportamentos agressivos manifestados pela criança Apesar de somente 51 dos casos de alunos com comportamento agressivo terem chegado ao serviço com queixas de violência sofrida pelo aluno ao longo do atendimento notouse que quase a metade das crianças tinha sofrido ou estava sofrendo algum tipo de violência Esse dado sinaliza a necessidade de compreendermos melhor as relações entre sofrer violência e desenvolver comportamento agressivo Refletiremos a seguir justamente sobre a relação existente entre situações de violência ao longo da vida e o surgimento de comportamentos agressivos e transgressores em crianças Ao entrevistarmos algumas mães de crianças com problemas externalizantes pudemos sentir quanto sofrimento essas meninas e meninos vivenciaram já no início de suas vidas Nessas falas percebemos que muitas das reações infantis são formas de expressar suas angústias e subjetividades A vida de Rodrigo é um desses exemplos A História de Rodrigo Esse que é o problema que eu contei Quem mora com ele não é o pai é o padrasto Aí ele não tem paciência entendeu Ele já chega em casa gritando Eu falo com ele Ah Jairo não pode não é assim Porque ele tem três filhos mas ele não aceita Diz que os filhos dele ele fala uma vez só e obedece Aí ele fala Eu vou te bater vou fazer isso vou acontecer Teve uma vez que a a gente brigou feio Entrei até em luta com ele Ele deu um tapa na cara do meu mais velho Rodrigo Eu fui voei em cima dele Agredi ele Para ele não me bater ele me empurrou Eu caí pra frente bati de cabeça no meio fio Ficou um caroço enorme 35 Minha mãe foi caiu doente ficou quase morrendo Ajudamos ela levamos para o médico para ver estava com uma diarréia sem parar Pensava que era até o mesmo problema que meu pai que meu pai morreu desse problema Aí quer dizer não me cuidei Ficou um caroço enorme eu não botei gelo não botei nada Eu converso muito com esse meu marido que o convívio dentro de casa é Briga eu acho que deixa a criança também nervosa Porque eles estão vendo Se a gente por exemplo fica nervosa o meu nervosismo passa para ele não é Mãe de Rodrigo 9 anos criança com sintomas de comportamento agressivo e transgressor Apresentar comportamentos agressivos e transgressores e vivenciar situações de violência na infância não têm relação causal direta e exclusiva Na prática esses comportamentos costumam resultar de uma interação de fatores e não meramente uma reprodução direta da violência sofrida Como vimos no capítulo 2 fatores individuais associados a ambientes familiares escolares e comunitários não propícios ao bom desenvolvimento emocional costumam estar envolvidos na expressão do comportamento agressivo e transgressor Quando falamos em violência estamos nos referindo a várias formas de violação dos direitos da criança negando lhes a liberdade a dignidade o respeito e a oportunidade de crescer e se desenvolver em condições saudáveis A violência pode alcançar a criança nos seus diversos âmbitos de convivência ou seja no seu seio familiar escolar na vida comunitária e na sociedade em geral Podemos especular que o cruel panorama como vivem crianças e adolescentes vítimas de violência estrutural se reflete no fenômeno da violência familiar escolar e comunitária espaços privilegiados tanto para socializar e estabelecer afetos quanto para constituirse num reprodutor de violência Destacamos ainda os prejuízos propiciados pelas condições de pobreza e pela escassez ou falta de acesso a serviços públicos básicos necessários para o desenvolvimento saudável da criança 36 Violência na família Agressão verbal na família é uma forma de violência psicológica que tem impacto na formação de crianças e adolescentes Dentre as crianças de São Gonçalo constatamos ser muito comum essa forma de comunicação familiar Violência psicológica ocorre quando a criança é diminuída em suas qualidades capacidades desejos e emoções ou cobrada excessivamente por pessoa significativa durante o período de crescimento e desenvolvimento A Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências Brasil 2001 define agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar rejeitar humilhar a vítima restringir a liberdade ou ainda isolála do convívio social p51 Na família pais praticam esse tipo de abuso com freqüência muitas vezes criando um clima familiar desrespeitoso que tende a se estabelecer como mecanismo de resolução de problemas familiares Neste processo engendramse formas negativas de relacionamento interpessoal que se manifestam também na vida escolar e comunitária dos filhos Pitzner Drummond 1997 Assis e Avanci 2004 As crianças de São Gonçalo com problemas de agressividade e transgressão são mais vítimas e testemunhas de agressão verbal do que as que não têm esses transtornos que foram aferidos pelos seguintes comportamentos do agressor xingar ou insultar ficar emburrado chorar fazer coisas para irritar destruir bater ou chutar objetos Straus 1979 Verificamos que 145 das crianças com comportamentos externalizantes em nível clínico convivem com agressão verbal praticada pelo pai e 135 pela mãe Dentre as crianças sem esses transtornos temos 39 e 12 respectivamente Testemunhar agressão verbal entre os pais também se mostra relevante para o surgimento de problemas de comportamento em 37 crianças Vimos que cerca de 12 das crianças com comportamentos externalizantes são vítimas dessa forma de violência psicológica comparadas a cerca de 75 entre crianças que não têm o transtorno A violência física familiar é outro aspecto fundamental para se entender como se desenvolvem problemas externalizantes em crianças Violência física se caracteriza pelo uso da força física sobre crianças e adolescentes Noção de poder e controle de uma pessoa mais velha mais forte ou mais influente que utiliza a agressão física contra crianças e adolescentes É comumente uma forma de aprendizado de resolução de conflitos e um mecanismo de estabelecimento de relações É uma forma de comunicação interpessoal realizada através do uso da força física Assis e Deslandes 2004 No gráfico 5 vemos a maior presença de sintomas de comportamento externalizantes na população de crianças estudantes da rede pública de São Gonçalo que sofrem violência física severa de um dos pais e que presenciaram violência física severa entre os pais definida por atos graves como jogar objetos empurrar dar tapas ou bofetadas murros chutar bater ou tentar bater com objetos espancar ameaçar ou realmente usar armas de fogo ou faca 38 Grafico 5 Sintomas de comportamentos externalizantes em crianças vítimas de violência física severa na família no último ano 534 214 139 124 727 338 224 193 Violência severa da mãe N5044 Violência severa do pai N4735 Violência severa do pai contra a mãe N4230 Violência severa da mãe contra o pai N4203 Normal LimitrofeClínica A violência física severa perpetrada pela mãe no último ano é a que mais se destacou Esteve presente na vida de 727 das crianças com problemas externalizantes e em 534 das crianças sem sinais de agressividade e transgressão A violência física severa entre os pais também sobressaiu entre crianças com problemas externalizantes Lembramos que a articulação entre agressividade infantojuvenil e violência doméstica sofrida não representa uma relação de causalidade única devendo ser pensada dentro de um espectro maior como vimos no capítulo anterior Todavia é importante ter mente que o comportamento agressivo em crianças é um sinalizador e até mesmo denunciador da presença de violência na infância O estudo da violência concomitantemente aos transtornos mentais como agressividade e transgressão se coloca como questão preponderante na discussão da saúde da criança A vida das crianças tende a ficar mais infeliz quando há violência familiar em vez de um ambiente predominantemente protetor e afetuoso Quando a família deixa de ser um ambiente protetor e se torna um fator de risco para a criança é importante compreender a dinâmica familiar violenta como parte de complexos e dinâmicos contextos 39 psicológicos sociais econômicos e culturais É importante que profissionais que trabalham com crianças entendam que esses conflitos podem relacionarse ao comportamento aos sentimentos ao afeto e ao humor de crianças para que assim possam atuar na esfera preventiva e de tratamento rompendo o ciclo da violência Violência na escola e comunidade As escolas podem contribuir para a ocorrência de abuso psicológico sobre crianças e adolescentes ao admitirem a existência de relações conflituosas entre os alunos bullying e os tratamentos humilhantes e desrespeitosos entre o corpo discente e docente Outra forma de violência muito naturalizada é a violência das precárias condições estruturais existentes nas escolas que de forma simbólica afeta a formação da identidade e autoestima juvenil e sua capacidade de projeção do futuro O conceito de bullying recentemente difundido no Brasil é alvo de estudos internacionais há algumas décadas Referese ao comportamento de crianças e adolescentes prepotentes e agressivos tais como colocar apelidos ofender humilhar discriminar intimidar perseguir assediar aterrorizar agredir roubar e quebrar pertences Podem também ocasionar perda de interesse ou medo de freqüentar a escola Lopes Neto e Saavedra 2003 Outro problema que muitas famílias enfrentam nos dias de hoje é a violência na comunidade em que vivem Este problema está intimamente relacionado a violência social sendo comprovadamente mais presente nas localidades onde a população tem menor poder aquisitivo e onde existe carência de serviços de saúde educação e segurança pública além de habitação precária A violência urbana se manifesta por relações baseadas em meios agressivos de solução de conflitos nos locais em que as famílias residem frequentemente com criminosos dominando o território cerceando o direito de ir e vir e proporcionando medo e insegurança nos moradores 40 No gráfico 6 vemos que todas as formas de violência na localidade estão mais presentes na vida das crianças com problemas externalizantes Ressaltamos o fato de cerca de 8 das crianças de São Gonçalo já terem visto pessoas sendo assassinadas pelo grave impacto que uma violência tão terrível pode ter na vida de pessoas em início do desenvolvimento emocional e cognitivo Gráfico 6 Sintomas de comportamentos externalizantes em crianças vítimas de violência na escolacomunidade no último ano CBCL 30 12 100 69 77 14 28 145 116 87 Roubo à força na escola N6377 Roubo à força na comunidade N6376 Vivenciou perigo na comunidade N6110 Viu roubaratirar em outra pessoa N6164 Viu pessoas sendo assassinadas N6097 Normal LimítrofeClinica 41 CAPÍTULO 4 Comorbidades um problema a ser investigado Um fato importante a ser observado pelos profissionais que lidam com crianças é que comumente comportamentos agressivos e de oposição estão associados com outros problemas de comportamento Essa situação se evidencia através de dados estatísticos e de acompanhamento clínico Os problemas de comportamento externalizantes e internalizantes tal como aferido pela CBCL correlacionamse um com o outro em diversos estudos McConaughy Achembach 1994 Garnefski Diekstra 1997 Verhulst Van der Ende 1993 Da mesma forma os transtornos de conduta estão bastante misturados 42 aos transtornos emocionais O transtorno da conduta associado a outros problemas comportamentais foi quatorze vezes mais encontrado em crianças de cerca de dez anos do que o diagnostico do problema isolado Rutter e Graham 1996 A Classificação Internacional de Doenças CID 10 1996 descreve duas categorias de diagnóstico que ilustram a comorbidade em relação ao transtorno da conduta o transtorno hipercinético de conduta agregando problemas de conduta com hiperatividade e os transtornos mistos da conduta e das emoções distúrbio depressivo de conduta outros transtornos mistos das condutas e das emoções incluindo sintomas de ansiedade e transtornos mistos das condutas e das emoções não especificados A criança com comorbidades de problemas de comportamento apresenta associações reais entre sintomas de diferentes transtornos comportamentais Este é quadro muito comum em crianças com comportamentos externalizantes tal qual vimos nas meninas e meninos de São Gonçalo gráfico 7 Grafico 7 Problemas externalizantes e comorbidades CBCL 44 08 1 08 79 0 001 002 003 004 005 006 007 008 009 Externalizante puro Externalizante Internalizante Externalizante Problemas de atenção Externalizante Internalizante Problemas de atenção Externalizante Outros A presença de comorbidade costuma ser observada como um marcador de severidade do transtorno Angold e Costello 2000 43 O transtorno da conduta associado a outros transtornos costuma apresentar quadros clínicos mais exacerbados como por exemplo com transtornos de déficit de atençãohiperatividade maiores níveis de interações conflituosas com os pais de rejeição dos pares ou colegas de problemas escolares de adversidades psicossociais maior freqüência de psicopatologia dos pais além de pior prognóstico e tratamento Desde que ele nasceu ele é uma criança agitada Andou com nove meses sempre foi muito agitado mas muito muito mesmo Sai do colégio chega em casa não tem cansaço que faz ele parar para ver uma televisão Ele não vê televisão É o tempo todo fazendo arte Você pede pára pára pára Ele continua fazendo É o tempo todo agitado Levanta sete horas da manhã sem ter necessidade levanta cedo pra dar tempo de fazer mais arte É uma coisa inexplicável meu Deus do céu ele é muito agitado Mãe de Marcelo 8 anos com sintomas de comportamento agressivo e problemas com a atençãohiperatividade com depressão tem pouco efeito no curso do transtorno da conduta embora exista indicativo de que a desordem de conduta esteja associada com mais severas depressões concorrentes A combinação da desordem de conduta com a depressão está fortemente associada ao suicídio em idade mais avançada especialmente se somada ao uso de álcool Ele é agitado agressivo às vezes Às vezes ele está triste ele tem um pouco de tudo Às vezes ele está triste Às vezes ele é bem agressivo com o irmão ou com alguém que irrite ele Ele é assim às vezes pensativo chorão chora muito às vezes mesmo sem motivo qualquer coisa que você fala ele já chora Mãe de Rafael 9 anos com comportamento agressivo e depressivo 44 com transtornos de ansiedade Está associado com menores índices de agressão especialmente em crianças pequenas Ela passa de um extremo ao outro está muito alegre daqui a pouco ela já está brigando Está sempre um pouco insatisfeita Com relação às pessoas ela é tímida Na escola ela é tímida muito autocrítica Ela tem vergonha de fazer as coisas na frente da sala Atividade na escola ela não gosta mas em casa ela é de brigar com os irmãos tem muito ciúmes do pai e de mim principalmente tudo tem que estar sempre em volta dela exige atenção direto fica cobrando as coisas Mãe de Tainara 8 anos com sintomas de comportamento agressivo e problemas de ansiedade com transtorno desafiador opositivo e transtorno de déficit de atenção hiperatividade quando essas três formas de transtorno se associam encontrase uma difícil combinação configurando um quadro de problemática socialização da criança com relacionamentos interpessoais bastante prejudicados e prognóstico e tratamento complicados Ele foi ficando com esse hábito de não me obedecer não me respeitar Na hora a gente conversa entende chora põe de castigo ele diz que entendeu passa cinco minutos ele esta fazendo exatamente aquele erro repetindo ou então pior entra por um ouvido sai pelo outro Tenho que procurar um tratamento para ele e para mim por que eu não estou agüentando mais Desde que começaram as aulas esse ano eu estou totalmente sem controle sobre ele Não tem paciência mais para assistir televisão não tem um desenho que agrade o Emerson aí bota CD e troca CD aí desliga e liga a televisão eu penso tem 45 criança que fica parada assistindo a programação Não precisa ser todas mas alguma coisa tem que agradar Eu observei nele esse último tempo que não tem nada que segure o Emerson no sofá nada ele gosta Nada ele fala que gosta Novela eu não consigo assistir Eu não consigo ficar mais um pouquinho na cama nos últimos tempos porque eu falo Emerson se você quer acordar mais cedo fica no seu quarto vai desenhar fazer alguma coisa Mas ele fica batendo a porta ou então fica fazendo a porta de tambor até eu sair da minha cama ou então o padrasto dele Enquanto ele não vir a gente levantar é isso Mãe de Emerson 8 anos com comportamentos agressivo e transgressor e problemas com atençãohiperatividade Apesar desses indicativos o mais importante a ser apreendido em relação a comorbidade é que não se trata de várias desordens em uma única criança mas sim da configuração de um problema de comportamento multifacetado em uma criança Por isso é fundamental que o profissional que trabalha com crianças esteja atento a todos os sinais e sintomas manifestados pela criança e não apenas aos mais acentuados para que dessa forma cada uma receba um tipo de acolhimento acompanhamento e tratamento que se fizer necessário 47 CAPÍTULO 5 Refletindo sobre as possibilidades de intervenções Os médicos falaram que ele não tem nada Ele já fez eletroencefalograma fez tomografia computadorizada fez duas vezes O último exame que ele fez já tem um tempo O neuro falou que a única coisinha que tinha dado no resultado foi um pouquinho de distúrbio de comportamento que não era nada demais Aí foi que ele passou o remédio controlado Aí ele andou tomando um bom tempo Ele tomava remédio não via diferença era mesma coisa No SUS é a mesma coisa Pô onde eu vou achar um médico bom Nem que eu pague oitenta cem reais mas onde que vai ter um médico bom aqui Mãe de Renan 10 anos se referindo ao problema de agressividade do filho 48 Neste capítulo vamos sinalizar algumas estratégias apontadas como eficientes no atendimento da criança com comportamentos externalizantes Acreditamos que ao entendermos com mais clareza os diversos aspectos da vida dessas crianças estamos abrindo caminhos para formas de atuar nas famílias escola e na sociedade que objetivem o desenvolvimento e fortalecimento do potencial criativo da criança como forma de promover a saúde e o exercício da cidadania Na prática o que observamos com mais freqüência é que as tentativas de contenção do problema têm favorecido estigmas na criança de sentirse diferente agressiva ou ruim ao qual a criança se cola e do qual não consegue se desvincular Este é um importante aspecto a ser evitado rótulos Uma vez assumidos pela criança fica mais difícil a transformação dos comportamentos agressivos e transgressores em estratégias relacionais mais saudáveis Como comportamentos agressivos e transgressores podem ser desencadeados e perpetuados por uma multiplicidade de fatores é fundamental que durante o tratamento sejam ouvidas diversas pessoas que conhecem a criança em diferentes contextos Essa perspectiva é importante para que o profissional não se direcione apenas para os sintomas da criança mas principalmente para possíveis riscos ou fatores causais para o seu processo de adoecimento Igualmente importante é que o profissional esteja também atento a conseqüências freqüentes desse tipo de comportamento problemas nos contextos acadêmico e social da criança Tendo um conhecimento mais global sobre o problema de comportamento que a criança vem apresentando o profissional precisa fazer o que estiver ao seu alcance para que a intervenção utilizada permaneça por um prazo continuado Isso geralmente é mais fácil quando os responsáveis e a escola participam do tratamento e acompanhamento da criança Muitos tratamentos têm sido aplicados a crianças com transtornos de conduta incluindo psicoterapia farmacoterapia psicosugestão programas desenvolvidos na escola e na comunidade tratamentos hospitalares e serviços sociais Para Kazdin 2002 existem dois 49 pontos centrais a serem levados em consideração em qualquer tratamento de crianças com transtorno da conduta A heterogeneidade da desordem Para a DSM IV é necessário que a criança apresente pelo menos três entre quinze sintomas listados anteriormente no último ano de vida Portanto uma criança pode estar neste critério de diagnóstico diferindo consideravelmente de outra com o mesmo diagnóstico mas com uma combinação de sintomas diferentes Mesmo quando a apresentação dos sintomas é similar pode variar em severidade e duração ou seja é fundamental estar atento à história do desenvolvimento do problema de comportamento da criança Características associadas crianças com diagnóstico de transtorno de conduta estão propensas a manifestarem sintomas de outros transtornos conforme já mencionado Por exemplo crianças com desordem da conduta podem apresentar deficiências acadêmicas que por sua vez podem gerar deficiências específicas como dificuldade na leitura Dificuldade de estabelecer relacionamentos interpessoais pode refletirse na diminuição de habilidades sociais em relação aos pares e adultos e em altos níveis de rejeição pelos colegas e assim por diante Portanto diversas características associadas são importantes para serem levadas em consideração no tratamento que para ser efetivo precisa se voltar para o comportamento global da criança e não apenas para o principal sintoma apresentado Levandose em consideração essas questões quatro propostas de tratamento avaliadas empiricamente são sugeridas Treinamento com os pais Parent Management Training PMT Referese a procedimentos nos quais os pais são treinados para modificar o comportamento de seus filhos em casa Um terapeuta os ensina a usar procedimentos para alterar interações com seus filhos promover comportamentos prósociais com menos ações de coerção e mais negociação As sessões com o terapeuta servem para modificar e refinar as atitudes a serem tomados pelos 50 pais A duração do tratamento varia de acordo com a gravidade do problema mas costuma ser em média entre 12 e 25 semanas Quadros clínicos mais graves crônicos e com comorbidades podem reduzir as respostas positivas ao tratamento Treinamento de habilidades cognitivas para resolução de problemas Cognitive ProblemSolving Skills Training PSST consiste em desenvolver habilidades cognitivas na criança para resolver problemas interpessoais Os processos cognitivos estão relacionados com a forma como o indivíduo percebe codifica e vivencia o mundo a sua volta Esta abordagem parte do princípio de que a agressividade não é meramente gerada pelo meio no qual a criança está inserida mas pela maneira como os eventos são percebidos e processados por ela Ao longo do tratamento processos cognitivos moldados a partir de autoafirmações verbais são aplicados a situações reais propiciadas pelo terapeuta O tratamento combina procedimentos como modelo e prática e encenações de situações para aplicação das habilidades cognitivas trabalhadas nas sessões Terapia familiar funcional Functional Family Therapy FFT é uma abordagem na qual se trabalha com aspectos comportamentais e cognitivos de disfunções na família Requer que a família veja o problema clínico como reflexo de um funcionamento entre seus membros Cabe ao terapeuta apontar interdependências e contingências entre os membros da família no seu funcionamento diário fazendo referência específica ao problema que serve de base para o tratamento Uma vez que a família se torne capaz de vislumbrar caminhos alternativos para encarar o problema os membros são incentivados a interagirem de forma construtiva Terapia Multisistêmica Multisystemic Therapy MST é um tratamento de base familiar no qual partese do princípio de que o problema clínico da criança emerge do contexto familiar Considera a família como um sistema particular entre muitos outros nos quais a criança está inserida O tratamento geralmente 51 envolve outros sistemas como por exemplo a escola quando o problema se manifesta também nesse contexto A própria criança e seus pais também recebem tratamento individual já que segundo esta perspectiva multisistêmica o funcionamento de um membro da família interfere no funcionamento de outro Devido a influências múltiplas no tratamento diferentes técnicas podem ser utilizadas A terapia multisistêmica pode ser tomada como um pacote de intervenções dirigidas às necessidades da criança e seus familiares e a todos os sistemas que interferem no problema de comportamento da criança Trabalha portanto em três níveis individual familiar e extrafamiliar Tratamento medicamentoso não é aconselhável isoladamente apenas em conjunto com outras intervenções terapêuticas e sob a orientação de um psiquiatra ou pediatra com expertise na área da saúde mental É raramente utilizado em países como a Inglaterra e mais freqüentemente nos EUA Estudos mostram que alguns sintomas do transtorno de conduta podem ser diminuídos com auxílio de remédios como temperamento explosivo agressão interpessoal e destruição de objetos O uso de medicamentos tem sido mais utilizado quando além dos sintomas de agressão a criança ou jovem manifesta sintomas de hiperatividade ou variações bruscas de humor Os medicamentos mais utilizados são os psicoestimulantes neurolépticos anticonvulsivantes e antidepressivos Há que se ter extrema cautela para utilizar tais medicamentos em crianças pequenas pois as pesquisas ainda são inconclusivas quanto ao seu uso As abordagens baseadas no trabalho com os pais são consideradas as mais promissoras já que as práticas dos cuidadores são essenciais e mais adequadas para lidar com mudanças positivas de comportamento particularmente quando combinadas com ações junto com a escola e com a comunidade Algumas dessas estratégias servem tanto como terapêuticas como preventivas Earls e Mezzacappa 2002 As intervenções nesse sentido devem estar de acordo com o nível de desenvolvimento da criança Para crianças pequenas do pré escolar e do nível fundamental o foco do tratamento está nos cuidados primários e educativos em mostrar como o adulto pode alterar e estruturar o desenvolvimento da criança como prevenir comportamentos negativos como agir no caso desse tipo de comportamento ocorrer como ensinar a criança a ter responsabilidade e controle do seu próprio comportamento e como promover comportamentos positivos na criança Para crianças mais velhas e adolescentes além dos pontos descritos existe a necessidade de proporcionar intervenções que estimulem o seu processo de socialização promovendo interação positiva com os pares Profissionais da área da saúde são freqüentemente procurados por mães e pais angustiados com o comportamento de seus filhos Já sem saber como agir com a criança agressiva e desobediente buscam orientação de profissionais que muitas vezes também não sabem como agir seja por falta de treinamento no campo da saúde mental seja pelas próprias experiências pessoais Estudos em ambulatórios públicos e clínicasescola brasileiras apontam alta demanda de crianças para atendimento psicológico e alto índice de desistência e evasão dos usuários Estes achados são interpretados como 1 conseqüência do longo período de espera pelo atendimento antes mesmo da avaliação inicial 2 serviços inadequados para atender às características e necessidades da clientela 3 escolha errada do tipo de procedimento adotado para avaliação e definição do tratamento Gauy Guimarães 2000 Romaro Capitão 2001 Silvares 1998 Lidar com crianças agressivas e transgressoras é um grande desafio a ser enfrentado pelos profissionais de saúde que atuam na rede básica Receber treinamento sobre como acolher encaminhar e tratar essas crianças e seus familiares parece ser um passo fundamental a ser incluído nos programas de formação e em cursos de atualização destinados a profissionais da saúde visando melhorar a efetividade do manejo de transtornos mentais nos serviços gerais de saúde Atender à criança agressiva e transgressora sem reproduzir no atendimento os mesmos sentimentos é um aprendizado a ser estimulado entre esses profissionais Nesse sentido os gestores têm papel primordial já que podem ajudar realizando momentos de formação e atuando sobre o desenvolvimento da rede necessária para atuar apropriadamente nesses casos Ações preventivas para crianças e suas famílias devem ser acionadas no espaço ambulatorial e situamse no ponto de encontro entre o acúmulo de conhecimento sobre problemas de comportamentos externalizantes mecanismos de proteção e formas de promoção de resiliência Para Cowen Work 1988 o primeiro passo para intervenção preventiva em crianças e adolescentes seria intensificar comportamentos e condições que são falhas em suas experiências naturais de vida e assim romper o ciclo de comprometimento psicológico desses sujeitos Essa intervenção não é fácil especialmente porque muitas dessas crianças continuarão expostas à adversidade No entanto é necessário que continuem sendo testados modelos de promoção da saúde que atuem antes que sucessivos eventos negativos marquem gravemente a vida dessas crianças Em relação a possíveis iniciativas no campo da educação para ajudar crianças agressivas e transgressoras é imprescindível a disponibilidade dos educadores que têm presença regular na vida das crianças e por isso recebem também amor e agressividade originalmente dirigidos aos pais Na relação com as crianças agressivas e transgressoras há que se buscar habilidade no educador e na escola para não reagir de forma igualmente agressiva reproduzindo os ruídos dessa comunicação violenta O elemento principal a ser buscado para auxiliar uma nova forma de aprendizado relacional para essas crianças é o estabelecimento de relações dialógicas e negociadas Além das atividades mais diretas dos educadores com os alunos a relação de confiança precisa se estender às famílias O trabalho junto aos pais é crucial para estimular o reconhecimento e a 54 valorização de sua competência de sua responsabilidade com os filhos e de seu lugar de proteção para os mesmos Se os pais são escutados e orientados desde o início da vida escolar sobre o seu papel na facilitação dos processos de maturação das crianças eles podem por exemplo dar mais atenção e com isso encorajar as condutas apropriadas e punir de forma menos rígida as condutas desviantes Os pais devem ser reconhecidos como atores pertencentes à estrutura escolar A culpabilização das famílias pelo sofrimento da criança aumenta a sobrecarga sentida e contribui para afastála dos filhos e da própria escola Andrade 2002 Na escola a identificação de características necessidades e dificuldades que digam respeito ao desenvolvimento não só cognitivo mas também emocional como os sintomas de uma tendência antisocial é facilitada por um convívio diário e olhares menos comprometidos emocionalmente do que o dos pais O encaminhamento ao psicólogo ou a outro profissional de saúde pode ser bem sucedido caso sirva de auxílio aos envolvidos na busca pela discriminação entre dificuldades e distúrbios por exemplo Além deste a professora pode procurar apoio junto aos orientadores educacionais e pedagogos caso a escola tenha esses profissionais disponíveis A importância de o educador procurar saber com o quê e com quem está lidando também vai ao encontro da prevenção da violência uma vez que ao acolher e aprender a lidar com crianças com comportamentos agressivos evitase que a escola reproduza violências ocorridas no âmbito familiar e que haja uma explosão mais séria porque mais desesperada por parte do aluno Sabemos que todas essas propostas apresentam obstáculos para serem realizadas As questões relacionadas à educação por exemplo não podem ser segregadas no sistema de ensino no qual estão inseridas já que são em grande parte reflexo do contexto políticosocial que envolve diversos níveis de interesses Um dos pontos que consideramos crítico é a aposta em um ensino mais pessoal diante da cobrança por um ensino massificado ao estilo de uma linha de montagem industrial de um enfoque exacerbado na capacitação para 55 o mercado de trabalho principalmente em escolas particulares e da sobrecarga de trabalho do professor ao acumular empregos para ter um salário com o qual possa sobreviver que acarreta um sentimento de desvalorização de sua prática Além disso há a vivência contínua de situações realmente violentas nas quais imperam o medo a angústia a impotência e o desânimo Esse clima de malestar no ambiente escolar pode levar a uma reação defensiva com medidas de caráter estritamente policial repressivo e punitivo uma vez que os professores marcados pela desesperança acreditam que pouco podem fazer para reverter o quadro que se apresenta A despeito das limitações e dos empecilhos encontrados acreditamos que é justamente na relação pessoalizada que pode ocorrer a desconstrução e a construção de alternativas aos problemas aqui apresentados Desse modo apostamos nas diferentes formas como o espaço escolar e da saúde pode se reapropriar do meio social ao seu redor sendo este um desafio extremamente importante de ser enfrentado Referências Bibliográficas ACHENBACH TM Manual for the child behavior checklist418 Burlington University of VermontDepartment of Psychiatry 1991 ACHENBACH TM RESCORLA LA Manual for the ASEBA Schoolage forms profiles Burlington VT University of VermontResearch Center for Children Youth Families 2001 AMERICAN ACADEMY OF CHILD AND ADOLESCENT PSYCHIATRY Practice parameters for the assessment and treatment of children and adolescents with conduct disorder Journal of American Academy of Child and Adolescent Psychiatry 1997 36 122139 ANDRADE EV A descontinuidade entre agressividade e violência uma contribuição 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