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Psicologia ·

Psicologia Social

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coleção primeiros passos 13 Marilena Chaui que é ideologia 2ª edição Revista e Ampliada editora brasiliense Marilena Chaui DEDALUS Acervo EEFFERP 43000000089 O QUE É IDEOLOGIA USP SCRP 101 BIBLIOTECA CENTRAL ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE DE RIBEIRÃO PRETOUSP editora brasiliense Copyright by Marilena de Souza Chaui 1980 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada armazenada em sistemas eletrônicos fotocopiada reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia da editora Primeira edição 1980 Segunda Edição 2001 9ª reimpressão 2008 Coordenação editorial Alice Kobayashi Coordenação de produção Roseli Said Revisão Marcos Vinícius Toledo de Oliveira e Karin Oliveira Projeto Gráfico e Editoração Digitexto Bureau e Gráfica Ilustrações Joji Kussunoki Caricatura Emílio Damiani Capa Otávio Roth e Felipe Doctors Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Chaui Marilena O que é ideologia Marilena Chaui 2 ed São Paulo Brasiliense 2008 Coleção primeiros passos 13 9ª reimpr da 2 ed de 2001 ISBN 9788511010138 1 Ideologia 2 Ideologia História I Título II Série 0805957 CDD3064 Índices para catálogo sistemático 1 Ideologia Sociologia 3064 editora e livraria brasiliense Rua Mourato Coelho 111 Pinheiros CEP 05417010 São Paulo SP wwweditorabrasiliensecombr Class 3011523 C49692 Tombo Edif 101 Sysno 1771432 ÍNDICE I Começando nossa conversa 7 II Partindo de alguns exemplos 9 III Histórico do Termo 25 IV A Concepção Marxista de Ideologia 34 V A Ideologia da Competência 102 COMEÇANDO NOSSA CONVERSA Frequentemente ouvimos expressões do tipo partido político ideológico é preciso ter uma ideologia falsidade ideológica Essas expressões tomam a palavra ideologia para com ela significar conjunto sistemático e encadeado de idéias Ou seja confundem ideologia com ideário Nossa tarefa aqui será desfazer a suposição de que a ideologia é um ideário qualquer ou qualquer conjunto encadeado de idéias e ao contrário mostrar que a ideologia é um ideário histórico social e político que oculta a realidade e que esse ocultamento é uma forma de assegurar e manter a exploração econômica a desigualdade social e a dominação política PARTINDO DE ALGUNS EXEMPLOS Uma das preocupações principais do pensamento ocidental nasce com a filosofia na Grécia antiga por que as coisas permanecem e por que as coisas mudam e desaparecem Em outras palavras quais as causas do aparecimento da permanência da mudança e do desaparecimento das coisas Ou como diziam os gregos por que as coisas se movem Por movimento os gregos entendiam 1 toda mudança qualitativa de um corpo qualquer por exemplo uma semente que se torna árvore um objeto branco que amarelece um animal que adoece etc 2 toda mudança quantitativa de um corpo qualquer por exemplo um corpo que aumenta de volume ou diminui um corpo que se divide em outros menores etc 3 toda mudança de lugar ou locomoção de um corpo qualquer por exemplo a trajetória de uma flecha o deslocamento de um barco a queda de uma pedra o levitar de uma pluma etc 4 toda geração e corrupção dos corpos isto é o nascimento e o perecimento das coisas e dos homens Movimento portanto significa para um grego toda e qualquer alteração de uma realidade seja ela qual for O filósofo Aristóteles afirmou que só há conhecimento da realidade portanto da permanência e do movimento dos seres quando há conhecimento da causa conhecer é conhecer pela causa Para tornar possível o conhecimento elaborou então uma teoria da causalidade que ficou conhecida como teoria das quatro causas Uma causa é o que responde ou se responsabiliza por algum aspecto da realidade e as quatro causas são responsáveis por todos os aspectos de um ser Haveria assim a causa material responsável pela matéria de alguma coisa a causa formal responsável pela essência ou natureza da coisa a causa motriz ou eficiente responsável pela presença de uma forma em uma matéria e a causa final responsável pelo motivo e pelo sentido da existência da coisa Tomemos uma coisa qualquer por exemplo uma mesa de madeira Diremos que a causa material da mesa é a madeira a causa formal é o que faz esse pedaço de madeira ser uma mesa ter as propriedades e características de uma mesa e não de outra coisa a causa motriz ou eficiente é o artesão que coloca na madeira a forma da mesa a causa final é o uso da mesa o motivo ou a razão pela qual ela foi fabricada As quatro causas permitem explicar a permanência e o movimento ou mudança uma coisa permanece enquanto permanecerem sua forma sua causa formal e sua finalidade sua causa final uma coisa muda ou movese porque a matéria está sujeita à mudança a causa material está em movimento e quando uma causa eficiente altera a matéria mudando a forma que ela possuía a causa eficiente é o agente da mudança Um aspecto fundamental dessa teoria da causalidade consiste no fato de que as quatro causas não possuem o mesmo valor isto é são concebidas como hierarquizadas indo da causa mais inferior à causa superior Nessa hierarquia a causa menos valiosa ou menos importante é a causa eficiente a operação de fazer a causa material receber a causa formal ou seja o fabricar natural ou humano e as causas mais valiosas ou mais importantes são a causa formal a essência da coisa e a causa final o motivo ou finalidade da existência de alguma coisa Por isso a causa material e a eficiente são ditas causas externas enquanto a formal e a final são ditas causas internas Percebese que são mais importantes as causas da permanência e menos importantes as causas da mudança ou do movimento Se examinarmos as ações humanas veremos que a teoria das quatro causas leva a uma distinção entre dois tipos de atividades a atividade técnica ou o que os gregos chamam de poiésis e a atividade ética e política ou o que os gregos chamam de práxis A primeira é considerada uma rotina mecânica em que um trabalhador é uma causa eficiente que introduz uma forma numa matéria e fabrica um objeto para alguém Esse alguém é o usuário e a causa final da fabricação A práxis porém é a atividade própria dos homens livres dotados de razão e de vontade para deliberar e escolher uma ação Na práxis o agente a ação e a finalidade são idênticos e dependem apenas da força interior ou mental daquele que age Por isso a práxis ética e política é superior à poiésis o trabalho A teoria das quatro causas consolidase no pensamento ocidental graças à filosofia e à teologia medievais pois o pensamento medieval interpreta e dá continuidade à herança aristotélica A primeira vista a teoria aristotélica da causalidade é uma pura concepção metafísica que serve para explicar de modo coerente e objetivo os fenômenos naturais física e os fenômenos humanos ética política e trabalho Nada parece indicar a menor relação entre a explicação causal do universo e a realidade social grega Sabemos porém que a sociedade grega antiga é escravagista e que a sociedade medieval baseiase na servidão isto é são sociedades que distinguem radicalmente os homens entre superiores os homens livres que são cidadãos na Grécia e senhores feudais na Europa medieval e inferiores os escravos na Grécia e os servos da gleba na Idade Média Mas o que teria a concepção da causalidade a ver com tal divisão social Muita coisa Se tomarmos o cidadão ou o senhor e indagarmos a qual das causas ele corresponde veremos que corresponde à causa final isto é o fim ou motivo pelo qual alguma coisa é feita é o usuário dessa coisa aquele que ordenou sua fabricação por isso na teologia cristã Deus é considerado a causa final do universo que existe para Sua maior glória e honra Em outras palavras a causa final está vinculada à idéia de uso e este depende da vontade de quem ordena a produção de alguma coisa Se por outro lado indagarmos a que causa corresponde o escravo ou o servo veremos que corresponde à causa motriz ou eficiente isto é ao trabalho graças ao qual uma certa matéria receberá uma certa forma para servir ao uso ou ao desejo do senhor Compreendese então por que a metafísica das quatro causas considera a causa final superior à eficiente que se encontra inteiramente subordinada à primeira Não só nos planos da Natureza e do sobrenatural mas também no plano humano ou social o trabalho aparece como elemento secundário ou inferior a fabricação sendo menos importante do que seu fim A causa eficiente é um simples meio ou instrumento para a satisfação da vontade ou desejo de um outro o usuário do produto do trabalho Temos portanto uma teoria geral para a explicação da realidade e de suas transformações que na verdade é a transposição involuntária de relações sociais muito determinadas para o plano das idéias Quando o teórico elabora sua teoria evidentemente não pensa estar realizando essa transposição mas julga estar produzindo idéias verdadeiras que nada devem à existência histórica e social do pensador Até pelo contrário o pensador julga que com essas idéias poderá explicar a própria sociedade em que vive Em outras palavras uma teoria exprime por meio de idéias uma realidade social e histórica determinada e o pensador pode ou não estar consciente disso Quando sabe que suas idéias estão enraizadas na história pode esperar que elas ajudem a compreender a realidade de onde surgiram Quando porém não percebe a raiz histórica de suas idéias e imagina que elas serão verdadeiras para todos tempos e todos os lugares corre o risco de estar simplesmente produzindo uma ideologia De fato um dos traços fundamentais da ideologia consiste justamente em tomar as idéias como independentes da realidade histórica e social quando na verdade é essa realidade que torna compreensíveis as idéias elaboradas e a capacidade ou não que elas possuem para explicar a realidade que as provocou Prossigamos com nosso exemplo Vejamos agora o que sucede com a teoria da causalidade no mundo moderno a partir da física elaborada nos séculos XVI e XVII Com os trabalhos de Galileu Francis Bacon e Descartes entre outros o pensamento moderno reduziu as quatro causas apenas a duas a eficiente e a final passando a dar à palavra causa o sentido que hoje lhe damos isto é de operação ou ação que produz necessariamente um efeito determinado Ou seja para nós uma relação é dita causal quando há um laço necessário entre uma causa e um efeito A causa não responde simplesmente pelo efeito mas o produz A física moderna considera que a Natureza age de modo inteiramente mecânico isto é como um sistema necessário de relações de causa e efeito tomando a causa sempre e exclusivamente no sentido de causa motriz ou eficiente Ou seja não há causas finais na Natureza No plano da metafísica porém além da causa eficiente é conservada a causa final pois esta referese à toda ação voluntária e livre ou seja referese à ação de Deus e à dos homens A vontade divina e humana é livre e age tendo em vista fins ou objetivos a serem alcançados Assim a Natureza distinguese de Deus e dos homens enquanto espíritos é que ela obedece a leis necessárias e impessoais a causa eficiente define o reino da Natureza como reino da necessidade racional enquanto Deus e os homens agem por vontade livre Deus e os homens constituem o reino da finalidade e da liberdade Em outras palavras necessário é aquilo que é como é e jamais poderá ser diferente do que é livre é aquilo que é tal como foi voluntariamente escolhido e poderia ser diferente se a escolha tivesse sido outra Costumase dizer que o pensamento moderno representa um grande progresso teórico pois ao eliminar as causas finais do plano da Natureza eliminou explicações antropomórficas que impediam o desenvolvimento da ciência Física Que significa a separação entre a Natureza reino da pura necessidade mecânica e o Homem reino da pura finalidade e liberdade Que progresso teórico foi este Um dos resultados da Física moderna foi a possibilidade de explicar o corpo humano anatômica e fisiologicamente como um corpo natural isto é movido apenas pela ação da causalidade eficiente como uma máquina que opera sem a intervenção da vontade e da liberdade Os corpos são autô balha sua própria terra livres e donos de si mesmos O regime do capital pressupõe a separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de realização de seu trabalho Portanto o processo que engendra o capitalismo só pode ser um o processo de separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de seu trabalho processo que por um lado converte em capital os meios sociais de vida e de produção enquanto por outro lado converte os produtores diretos em assalariados Estamos pois diante do que se convencionou chamar de homem livre moderno Notamos porém que esse homem é dois tipos diferentes de homens há o burguês proprietário privado dos meios de produção ou das condições do trabalho e há o trabalhador despojado desses meios e dessas condições liberado da servidão mas também des Descartes 15961650 dependência às condições sociais e históricas são na verdade expressões dessas condições reais Com tais idéias pretendese explicar a realidade sem se perceber que são elas que precisam ser explicadas pela realidade social e histórica O real não é constituído por coisas Nossa experiência direta e imediata da realidade nos leva a imaginar que o real é feito de coisas sejam elas naturais ou humanas isto é de objetos físicos psíquicos culturais oferecidos à nossa percepção e às nossas vivências Assim por exemplo costumamos dizer que uma montanha é real porque é uma coisa No entanto o simples fato de que essa coisa possui um nome que a chamamos montanha indica que ela é pelo menos uma coisaparanós isto é algo que possui um sentido em nossa experiência Suponhamos que pertencemos a uma sociedade cuja religião é politeísta e cujos deuses são imaginados com formas e sentimentos humanos embora superiores aos dos homens e que nossa sociedade exprime essa superioridade divina fazendo com que os deuses sejam habitantes dos altos lugares A montanha já não é uma coisa é a morada dos deuses Suponhamos agora que somos uma empresa capitalista que pretende explorar minério de ferro e que descobrimos uma grande jazida numa montanha Como empresários compramos a montanha que portanto não é uma coisa mas propriedade privada Visto que iremos explorála para obtenção de lucros não é uma coisa mas capital Ora sendo propriedade privada capitalista só existe como tal se Isso porém não implica afirmar o oposto isto é se o real não é constituído de coisas então será constituído por idéias ou por nossas representações das coisas Se fizéssemos tal afirmação estaríamos na ideologia em estado puro pois para esta última a realidade é constituída por idéias das quais as coisas seriam uma espécie de receptáculo ou de encarnação provisória O empirismo do grego empeiria que significa experiência dos sentidos considera que o real são fatos ou coisas observáveis e que o conhecimento da realidade se reduz à experiência sensorial que temos dos objetos cujas sensações se associam e formam idéias em nosso cérebro O idealista por sua vez considera que o real são idéias ou representações e que o conhecimento da realidade se reduz ao exame dos dados e das operações de nossa consciência ou do intelecto como atividade produtora de idéias que dão sentido ao real e o fazem existir para nós Tanto num caso como no outro a realidade é considerada um puro dado imediato um dado dos sentidos para o empirista ou um dado da consciência para o idealista Ora o real não é um dado sensível nem um dado intelectual mas é um processo um movimento temporal de constituição dos seres e de suas significações e esse processo depende fundamentalmente do modo como os homens se relacionam entre si e com a natureza Essas relações entre os homens e deles com a natureza constituem as relações sociais como algo produzido pelos próprios homens ainda que estes não tenham consciência de serem seus únicos autores É portanto das relações sociais que precisamos partir para compreender os conteúdos e as causas dos pensamentos e das ações dos homens e por que eles agem e pensam de maneiras determinadas sendo capazes de atribuir sentido a tais relações de conserválas ou de transformálas Porém novamente não se trata de tomar essas relações como um dado ou como um fato observável pois nesse caso estaríamos em plena ideologia Tratase pelo contrário de compreender a própria origem das relações sociais e de suas diferenças temporais em uma palavra de encarálas como processos históricos Mas ainda uma vez não se trata de tomar a história como sucessão de acontecimentos factuais nem como evolução temporal das coisas e dos homens nem como um progresso de suas idéias e realizações nem como formas sucessivas e cada vez melhores das relações sociais A história não é sucessão de fatos no tempo não é progresso das idéias mas o modo como homens determinados em condições determinadas criam os meios e as formas de sua existência social reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica política e cultural A história é práxis como vimos práxis significa um modo de agir no qual o agente sua ação e o produto de sua ação são termos intrinsecamente ligados e dependentes uns dos outros não sendo possível separálos Nessa perspectiva a história é o real e o real é o movimento incessante pelo qual os homens em condições que nem sempre foram escolhidas por eles instauram um modo de sociabilidade e procuram fixálo em instituições determinadas família condições de trabalho relações políticas instituições religiosas tipos de educação formas de arte transmissão dos costumes língua etc Além de procurar fixar seu modo de sociabilidade através de instituições determinadas os homens produzem idéias ou representações pelas quais procuram explicar e compreender sua própria vida individual social suas relações com a natureza e com o sobrenatural Em sociedades divididas em classes e também em castas nas quais uma das classes explora e domina as outras essas explicações ou essas idéias e representações serão produzidas e difundidas pela classe dominante para legitimar e assegurar seu poder econômico social e político Por esse motivo essas idéias ou representações tenderão a esconder dos homens o modo real como suas relações sociais foram produzidas e a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política Esse ocultamento da realidade social chamase ideologia Por seu intermédio os dominantes legitimam as condições sociais de exploração e de dominação fazendo com que pareçam verdadeiras e justas Enfim também é um aspecto fundamental da existência histórica dos homens a ação pela qual podem ou reproduzir as relações sociais existentes ou transformálas seja de maneira radical quando fazem uma revolução seja de maneira parcial quando fazem reformas Em outras palavras uma ideologia não possui um poder absoluto que não possa ser quebrado e destruído Quando uma classe social compreende sua própria realidade pode organizarse para quebrar uma ideologia e transformar a sociedade Os burgueses destruíram a ideologia aristocrática nos séculos XVI XVII e XVIII e os trabalhadores podem destruir a ideologia burguesa como propôs Marx Nossa tarefa será pois compreender por que a ideologia é possível qual sua origem quais seus fins quais seus mecanismos e quais seus efeitos históricos isto é sociais econômicos políticos e culturais O termo ideologia aparece pela primeira vez na França após a Revolução Francesa 1789 no início do século XIX em 1801 no livro de Destutt de Tracy Éléments dIdéologie Elementos de Ideologia Juntamente com o médico Cabanis com De Gérando e Volney Destutt de Tracy pretendia elaborar uma ciência da gênese das idéias tratandoas como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo humano enquanto organismo vivo com o meio ambiente Elabora uma teoria sobre as faculdades sensíveis responsáveis pela formação de todas as nossas idéias querer vontade julgar razão sentir percepção e recordar memória Esse grupo de pensadores conhecidos como os ideólogos franceses era antiteológico antimetafísico e antimônarquico Ou seja eram críticos a toda explicação sobre uma origem invisível e espiritual das idéias humanas e inimigos do poder absoluto dos reis Eram materialistas isto é admitiam apenas causas naturais físicas ou materiais para as idéias e as ações humanas e só aceitavam conhecimentos científicos baseados na observação dos fatos e na experimentação Pertenciam ao partido liberal e esperavam que o progresso das ciências experimentais baseadas exclusivamente na observação na análise e síntese dos dados observados pudesse levar a uma nova pedagogia e a uma nova moral Contra a educação religiosa e metafísica que sempre esteve a serviço do poder político de um monarca De Tracy propõe o ensino das ciências físicas e químicas para formar um bom espírito isto é uma inteligência capaz de observar decompor e recompor os fatos sem perderse em vazias especulações abstratas nem em explicações teológicas A monarquia era vista por ele como maquinação entre o poder político e o poder religioso uma vez que se dizia que o rei recebia o poder diretamente de Deus um poder espiritual absoluto e invisível e por isso podia exigir obediência total dos súditos tendo o poder de vida e morte sobre eles Cabanis pretende construir ciências morais dotadas de tanta certeza quanto as naturais capazes de trazer a felicidade coletiva e de acabar com os dogmas desde que a moralidade não seja separada da fisiologia do corpo humano Ou seja a moral não é o campo de escolhas voluntárias nascidas no espírito de cada um mas o campo de ações nascidas de necessidades interesses e desejos que podem ser cientificamente conhecidos e controlados pelos próprios homens Nos Elementos de Ideologia na parte dedicada ao estudo da vontade De Tracy procura analisar os efeitos de nossas ações voluntárias e escreve então sobre economia na medida em que os efeitos de nossas ações voluntárias concernem à nossa aptidão para prover nossas necessidades materiais Procura saber como atuam sobre o indivíduo e sobre a massa o trabalho e as diferentes formas da sociedade isto é a família a corporação etc Suas considerações na verdade são glosas das análises do economista francês Say a respeito da troca da produção da indústria da distribuição do consumo e das riquezas No livro Influências do moral sobre o físico Cabanis procura determinar a influência do cérebro sobre o resto do organismo no quadro puramente fisiológico O ideólogo francês partilha do otimismo naturalista e materialista do século XVIII acreditando que a Natureza tem em si as condições necessárias e suficientes para o progresso e que só graças a ela nossas inclinações e nossa inteligência adquirem uma direção e um sentido Os ideólogos foram partidários de Napoleão e apoiaram o golpe de 18 Brumário quando Napoleão toma o poder instituindo o período conhecido como Consulado pois o julgavam um liberal continuador dos ideais da Revolução Francesa Enquanto Cônsul Napoleão nomeou vários dos ideólogos senadores ou tribunos Todavia logo se decepcionaram com Bonaparte vendo nele o restaurador do Antigo Regime isto é da monarquia que tanto haviam criticado Opõemse às leis referentes à segurança do Estado e são por isso excluídos do Tribunado e sua Academia é fechada Os decretos napoleônicos para a fundação da nova Universidade Francesa dão plenos poderes aos inimigos dos ideólogos que passam então para o partido da oposição O sentido pejorativo dos termos ideologia e ideólogos veio de uma declaração de Napoleão que num discurso ao Conselho de Estado em 1812 declarou Todas as desgraças que afligem nossa bela França devem ser atribuídas à ideologia essa tenebrosa metafísica que buscando com sutilezas as causas primeiras quer fundar sobre suas bases a legislação dos povos em vez de adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da história Com isso Bonaparte invertia a imagem que os ideólogos tinham de si mesmos eles que se consideravam materialistas realistas e antimetafísicos foram perversamente chamados de tenebrosos metafísicos ignorantes do realismo político que adapta as leis ao coração humano e às lições da história O curioso como veremos adiante é que se a acusação de Bonaparte é infundada com relação aos ideólogos franceses não o seria se dirigisse aos ideólogos alemães criticados por Marx Ou seja Marx conservará o significado napoleônico do termo o ideólogo é aquele que inverte as relações entre as idéias e o real Assim a ideologia que inicialmente designava uma ciência natural da aquisição pelo homem das idéias calcadas sobre o próprio real passa a designar daí por diante um sistema de idéias condenadas a desconhecer sua relação real com a realidade O termo ideologia voltou a ser empregado com um sentido próximo ao do grupo dos ideólogos franceses pelo filósofo Auguste Comte em seu Cours de Philosophie Positive Curso de Filosofia Positiva O termo agora possui dois significados por um lado a ideologia continua sendo aquela atividade filosóficocientífica que estuda a formação das idéias a partir da observação das relações entre o corpo humano e o meio ambiente tomando como ponto de partida as sensações por outro lado ideologia passa a significar também o conjunto de idéias de uma época tanto como opinião geral quanto no sentido de elaboração teórica dos pensadores dessa época Como se sabe o positivismo de Auguste Comte elabora uma explicação da transformação do espírito humano considerando essa transformação um progresso ou uma evolução durante a qual a humanidade passa por três fases sucessivas a fase fetichista ou teológica na qual os homens explicam a realidade através de ações divinas a fase metafísica na qual os homens explicam a realidade por meio de princípios gerais e abstratos e a fase positiva ou científica na qual os homens observam efetivamente a realidade analisam os fatos encontram as leis gerais e necessárias dos fenômenos naturais e humanos e elaboram uma ciência da sociedade a física social ou sociologia que serve de fundamento positivo ou científico para a ação individual moral e para a ação coletiva política É a etapa final do progresso humano Assim cada fase do espírito humano levao a criar um conjunto de idéias para explicar a totalidade dos fenômenos naturais e humanos essas explicações constituem a ideologia de cada fase Nessa medida ideologia é sinônimo de teoria esta sendo entendida como a organização sistemática de todos os conhecimentos científicos desde a formação das idéias mais gerais na matemática até as menos gerais na sociologia e as mais particulares na moral Como teoria a ideologia é produzida pelos sábios que recolhem as opiniões correntes organizam e sistematizam tais opiniões e sobretudo na última etapa do progresso na fase positivista ou científica corrigemnas eliminando todo elemento religioso ou metafísico que porventura nelas exista Sendo o conhecimento da formação das idéias tanto do ponto de vista psicológico quanto do ponto de vista social sendo o conhecimento científico das leis necessárias do real e sendo o corretivo das idéias comuns de uma sociedade a ideologia enquanto teoria passa a ter um papel de comandar sobre a prática dos homens que devem se submeter aos critérios e mandamentos do teórico ou do cientista antes de agir O lema positivista por excelência é saber para prever prever para prover Em outras palavras o conhecimento teórico tem como finalidade a previsão científica dos acontecimentos para fornecer à prática um conjunto de regras e de normas graças às quais a ação possa dominar manipular e controlar a realidade natural e social A concepção positivista da ideologia como conjunto de conhecimentos teóricos possui três consequências principais 1 define a teoria de tal modo que a reduz à simples organização sistemática e hierárquica de idéias sem jamais fazer da teoria a tentativa de explicação e de interpretação dos fenômenos naturais e humanos a partir de sua origem real Para o positivista indagar sobre a origem é especulação metafísica e teológica de fases atrasadas da humanidade pois o sábio positivista deve lidar apenas com os fatos dados à sua observação 2 estabelece entre a teoria e a prática uma relação autoritária de mando e de obediência isto é a teoria manda porque possui as idéias e a prática obedece porque é ignorante Os teóricos comandam e os demais se submetem 3 concebe a prática como simples instrumento ou como mera técnica que aplica automaticamente regras normas e princípios vindos da teoria A prática não é ação propriamente dita pois não inventa não cria não introduz situações novas que suscitem o esforço do pensamento para compreendêlas Essa concepção da prática como aplicação de idéias que a comandam de fora leva à suposição de uma harmonia entre teoria e ação Assim sendo quando as ações humanas individuais e sociais contradisserem as idéias serão tidas como desordem caos anormalidade e perigo para a sociedade pois o grande lema do positivismo é Ordem e Progresso Só há progresso diz Comte onde houver ordem e só há ordem onde a prática estiver subordinada à teoria isto é ao conhecimento científico da realidade Se examinarmos o significado final dessas conseqüências perceberemos que nelas se acha implícita a afirmação de que o poder pertence a quem possui o saber Por esse motivo o positivismo declara que uma sociedade ordenada e progressista deve ser dirigida pelos que possuem o espírito científico de sorte que a política é um direito dos sábios e sua aplicação uma tarefa de técnicos ou administradores competentes Em uma palavra o positivismo anuncia no século XIX o advento da tecnocracia que se efetiva no século XX Veremos com o marxismo como a concepção positivista de ideologia é ela própria ideológica Vamos reencontrar o termo ideológico no capítulo II do livro do sociólogo francês Émile Durkheim As Regras do Método Sociológico Como se sabe Durkheim tem a intenção de criar a sociologia como ciência isto é como conhecimento racional objetivo observacional e necessário da sociedade Para tanto diz ele é preciso tratar o fato social como uma coisa exatamente como o cientista da Natureza trata os fenômenos naturais Isso significa que a condição para uma sociologia científica é tomar os fatos sociais como desprovidos de interioridade isto é de significações e interpretações subjetivas de modo a permitir que o sociólogo encare uma realidade da qual participa como se não fizesse parte dela Em outras palavras a regra fundamental da objetividade científica é a separação entre sujeito do conhecimento e objeto do conhecimento separação que garante a objetividade porque garante a neutralidade do cientista que pode assim tratar relações sociais relações entre seres humanos como coisas diretamente observáveis e transparentes para o olhar do sociólogo Assim sendo Durkheim chamará de ideologia todo conhecimento da sociedade que não respeite tais critérios de objetividade Para o sociólogo cientista o ideológico é um resto uma sobra de idéias antigas précientíficas Durkheim as considera preconceitos e prénoções inteiramente subjetivas individuais noções vulgares ou fantasmas que o pensador acolhe porque fazem parte de toda a tradição social em que está inserido Um sociólogo nãocientífico segundo Durkheim assume uma atitude ideológica Por que ideológica Por três motivos em primeiro lugar porque é subjetiva e tradicional revelando que o pensador não tomou distância em relação à sociedade que vai estudar em segundo lugar porque formando toda a bagagem de idéias prévias do cientista suas prénoções ou préconceitos a ciência acaba indo das idéias aos fatos quando deve ir dos fatos às idéias e em terceiro lugar porque na falta de conceitos precisos o cientista usa palavras vazias e as substitui aos verdadeiros fatos que deveria observar A ciência é substituída pela invenção pessoal e por seus caprichos ou como diz Durkheim a arte ocupa o lugar da ciência entendendose por arte a engenhosidade e não evidentemente as belasartes Para Durkheim o grande princípio metodológico que permite tratar o fato social como coisa e liberar o cientista da ideologia é Tomar sempre para objeto da investigação um grupo de fenômenos previamente isolados e definidos por características exteriores que lhes sejam comuns e incluir na mesma investigação todos os que correspondem a essa definição Assim o fato social convertido em coisa científica nada mais é do que um dado previamente isolado classificado e relacionado com outros por meio da semelhança ou constância das características externas Esse objeto imóvel dado acabado é conhecido quando classificado comparado e submetido a leis de frequência e de constância Veremos adiante que essa concepção imobilizada e exteriorizada do objeto social é um positivismo ideológico desde que compreendamos afinal o que é ideologia BIBLIOTECA CENTRAL ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE DE RIBEIRÃO PRETOUSP A CONCEPÇÃO MARXISTA DE IDEOLOGIA Embora Marx tenha escrito sobre a ideologia em geral o texto em que realiza a caracterização da ideologia tem por título A Ideologia Alemã Isso significa que a análise de Marx tem como objetivo privilegiado um pensamento historicamente determinado qual seja o dos pensadores alemães posteriores ao filósofo alemão Hegel Essa observação é importante por dois motivos Em primeiro lugar porque como veremos Marx não separa a produção das idéias e as condições sociais e históricas nas quais são produzidas tal separação aliás é o que caracteriza a ideologia Em segundo lugar porque para entendermos as críticas de Marx precisamos ter presente o tipo de pensamento determinado que ele examina e que no caso pressupõe a filosofia de Hegel Assim embora Marx coloque na categoria de ideólogos os pensadores franceses e ingleses procura distinguir o tipo de ideologia que produzem entre os franceses a ideologia é sobretudo política e jurídica entre os ingleses é sobretudo econômica Os ideólogos alemães são antes de tudo filósofos Se portanto podemos falar em ideologia em geral e na ideologia burguesa em geral no entanto as formas ou modalidades dessa ideologia encontramse determinadas pelas condições sociais particulares em que se encontram os diferentes pensadores burgueses Sabemos que Marx dirige duas críticas principais aos ideólogos alemães Feuerbach F Strauss Max Stirner Bruno Bauer entre os principais A primeira diz que esses filósofos tiveram a pretensão de demolir o sistema hegeliano imaginando que bastaria criticar apenas um aspecto da filosofia de Hegel em lugar de abarcála como um todo Com isso os chamados críticos hegelianos apenas substituiram a dialética hegeliana por uma fraseologia sem sentido e sem consistência com exceção de Feuerbach respeitado por Marx apesar das críticas que lhe faz A segunda crítica diz que cada um desses ideólogos tomou um aspecto da realidade humana converteu esse aspecto numa idéia universal e passou a deduzir todo o real a partir desse aspecto idealizado Com isso os ideólogos alemães além de fazerem o que todo ideólogo faz isto é deduzir o real das idéias ainda imaginaram estar criticando Hegel e a realidade alemã simplesmente por terem escolhido novas idéias que como demonstrará Marx não criticam coisa alguma ignoram a filosofia hegeliana e sobretudo ignoram a realidade histórica alemã No restante da Europa escreve Marx ocorrem verdadeiras revoluções mas na Alemanha a única revolução que parece ocorrer é a do pensamento e ironiza uma revolução frente à qual a Revolução Francesa não foi senão um brinquedo de crianças Marx afirma que para compreendermos a pequenez e limitação mesquinha da ideologia alemã é preciso sair da Alemanha ou seja fazer algumas considerações gerais sobre o fenômeno da ideologia Essas considerações embora tenham como solo a sociedade capitalista européia do seculo XIX têm como pano de fundo a questão do conhecimento histórico ou a ciência da história pois escreve Marx conhecemos apenas uma única ciência a ciência da história A história pode ser examinada sob dois aspectos história da natureza e história dos homens Os dois aspectos contudo são inseparáveis enquanto existirem homens a história da natureza e a história dos homens se condicionaráo mutuamente A história da natureza ou ciência natural não nos interessa aqui mas teremos de examinar a história dos homens pois quase toda ideologia se reduz a uma concepção distorcida dessa história ou a uma abstração completa dela A própria ideologia não é senão um dos aspectos dessa história Sabemos que Marx concebe a história como um conhecimento dialético e materialista da realidade social Sabemos também que dentre as várias fontes dessa concepção encontrase a filosofia hegeliana criticada por Marx mas conservada em aspectos essenciais por ele Para que a concepção marxista de história da qual depende sua formulação de ideologia fique um pouco mais clara para nós vale a pena lembrarmos aqui alguns aspectos da concepção hegeliana De maneira esquemática e portanto muito grosseira podemos caracterizar a obra hegeliana como 1 um trabalho filosófico para compreender a origem e o sentido da realidade como Cultura A Cultura representa as relações dos homens com a Natureza pelo desejo pelo trabalho e pela linguagem as instituições sociais o Estado a religião a arte a ciência a filosofia É o real enquanto manifestação do Espírito Não se trata segundo Hegel de dizer que o Espírito simplesmente produz a Cultura mas sim de dizer que ele é a Cultura pois ele existe encarnado nela 2 um trabalho filosófico que define o real pela Cultura e esta pelos movimentos de exteriorização e de interiorização do Espírito Ou seja o Espírito manifestase nas obras que produz é isto sua exteriorização e quando sabe ou reconhece que é o produtor delas interioriza compreende essas obras porque sabe que elas são ele próprio Por isso o real é histórico Ele não tem história nem está na história mas é história 3 um trabalho filosófico que revoluciona o conceito de história por três motivos em primeiro lugar porque não pensa a história como uma sucessão contínua de fatos no tempo pois o tempo não é uma sucessão de instantes antes agora depois passado presente futuro nem é um recipiente vazio onde se alojariam os acontecimentos mas é um movimento dotado de força interna criador dos acontecimentos Os acontecimentos não estão no tempo mas são o tempo em segundo lugar porque não pensa a história como uma sucessão de causas e efeitos mas como um processo dotado de uma força ou de um motor interno que produz os acontecimentos Esse motor interno é a contradição Em geral confundimos contradição e oposição mas ambos são conceitos muito diferentes Na oposição existem dois termos cada qual dotado de suas próprias características e de sua própria existência que se opõem quando por algum motivo se encontram Isso significa que na oposição podemos tomar os dois termos separadamente entender cada um deles entender por que se oporão se se encontrarem e sobretudo podemos perceber que eles existem e se conservam quer haja ou não haja a oposição Assim por exemplo poderíamos imaginar que os termos senhor e escravo são opostos mas isso não nos impede de tomar cada um desses conceitos separadamente verificar suas características e compreender por que se opõem A contradição porém não é isso Formulado pela primeira vez pelos gregos o princípio lógico de contradição enuncia que É impossível que A seja A e nãoA ao mesmo tempo e na mesma relação A grande inovação hegeliana consiste em mostrar que isso não é impossível e sim o movimento da própria realidade Diversamente da oposição em que os termos podem ser pensados fora da relação em que se opõem na contradição só existe a relação isto é não podemos tomar os termos antagônicos fora dessa relação pois como assegura o princípio tratase de tornar os termos ao mesmo tempo e na mesma relação criados por essa relação e transformados nela e por ela Além disso a contradição opera com uma forma muito determinada de negação a negação interna Ou seja se dissermos O caderno não é o livro essa negação é externa pois além de não definir qualquer relação interna entre os dois termos qualquer um deles pode aparecer em outras negações visto que podemos dizer o caderno não é o livro não é a pedra não é a casa não é o homem etc A negação é interna quando o que é negado é a própria realidade de um dos termos por exemplo quando dizemos A é nãoA Ou seja quando digo A não é B a negação é externa mas quando digo A é nãoA a negação é interna Na primeira digo que algo não é outra coisa ou qualquer outra coisa mas na segunda digo que algo é ele mesmo e a negação dele mesmo ao mesmo tempo Só há a Cultura e volta para dentro de si reconhecendo sua produção fazendo com que o que ela é em si seja também para si Nessa medida a história é reflexão E o Espírito é o Sujeito da história pois somente um sujeito é capaz de reflexão 6 um trabalho filosófico que procura dar conta do fenômeno da alienação Em geral considerase que o exterior as coisas naturais os produtos do trabalho a sociedade etc é algo positivo em si e que se distingue do interior a consciência o sujeito Hegel mostra que o exterior e o interior são as duas faces do Espírito são dois momentos da vida e do trabalho do Espírito Essas duas faces aparecem como separadas mas essa separação foi produzida pelo próprio Espírito ao exteriorizarse nas obras e ao interiorizarse compreendendo sua produção Ora quando a interiorização não ocorre isto é quando o Sujeito não se reconhece como produtor das obras e como Sujeito da história mas toma as obras e a história como forças estranhas exteriores alheias a ele e que o dominam e perseguem temos o que Hegel designa como alienação palavra derivada do pronome latino alienus que quer dizer o outro de si mesmo um outro que si mesmo Essa é a impossibilidade de o sujeito histórico identificarse com sua obra tomandoa como um poder separado dele ameaçador e estranho outro que não ele mesmo 7 um trabalho filosófico que diferencia imediato e mediato abstrato e concreto aparência e ser Imediato abstrato e aparência são sinônimos não significam irrealidade e falsidade mas sim o modo pelo qual uma realidade se oferece como algo dado como um fato positivo dotado de características próprias e já prontas ordenadas classificadas e relacionadas por nosso entendimento Mediato concreto e ser são sinônimos referemse ao processo de constituição proprietários de seu corpo e das coisas de que se apropriam A regulação das relações entre os proprietários conduz ao aparecimento do Direito no qual o proprietário é definido como pessoa livre A pessoa é portanto o indivíduo natural que é livre porque sua vontade o faz ser proprietário As pessoas entram em relação por meio dos contratos relação entre proprietários e pelo crime quebra do contrato No entanto esses indivíduos naturais livres não são apenas proprietários Isto é sua vontade livre não se relaciona apenas com as coisas exteriores propriedade e com outros indivíduos exteriores os proprietários contratantes Sua vontade livre é consciente de si e faz com que cada indivíduo se relacione consigo mesmo com sua interioridade ou consciência Esse indivíduo livre interior se chama sujeito As relações entre os sujeitos constituem a Moral Ora o Direito e a Moral estão em conflito Ou seja os interesses do proprietário estão em conflito com os deveres do sujeito moral pois o proprietário tem interesse em ampliar sua propriedade espoliando e desapropriando outros proprietários tratandoos como se fossem coisas suas e não homens livres e independentes E o sujeito moral deve tratar os demais como homens livres e independentes Há pois uma contradição no interior de cada indivíduo entre sua facepessoa proprietário e sua facesujeito moral Isto é como proprietário ele se torna não moral e como sujeito ele se torna nãoproprietário A resolução dessa contradição fazse em dois momentos no primeiro surge a família e no segundo surge a sociedade civil As individualidades naturais imediatas são integradas numa realidade nova que faz a mediação entre o indivíduo como pessoa e o indivíduo como sujeito É a família que con que vivem da indústría e do comércio do trabalho próprio ou do trabalho alheio Formam as corporações sindicatos e seus interesses definem toda a esfera da vida civil Através pela mediação das classes sociais a sociedade civil nega o índividuo isolado pessoa e sujeito e o indivíduo como membro da família fazendoo aparecer como individuo membro da sociedade e pertencente a uma classe social A unidade ou síntese do proprietário do sujeito e do membro da familia chamase agora o cidadão Ora entre os cidadãos ou seja entre as classes sociais existem conflitos e reabrese a contradição Agora a contradição se estabelece entre os interesses de cada classe social e os das outras e entre os interesses dos próprios membros de uma classe social Ou seja ressurge de modo novo a contradição entre o privado cada classe e o público todas as classes A resolução dessa contradição é feita pelo Estado O Estado constitui a unidade final Ele sintetiza numa realidade coletiva a totalidade dos interesses individuais familiares sociais privados e públicos Somente nele o cidadão tornase verdadeiramente real e somente nele definese a existência social e moral dos homens O Estado é o Espírito Objetivo O Estado é uma comunidade Mas difere da comunidade familiar e da comunidade das classes sociais suas corporações porque não possui nenhum interesse particular mas apenas os interesses comuns e gerais de todos É uma comunidade universal isto é seus interesses não sendo particulares desta ou daquela família deste ou daquele individuo desta ou daquela classe são interesses universais O Estado não é pois um dado imediato da vida social mas um produto da sociedade enquanto Espírito Subjetivo que busca tornarse Espírito Objetivo O Estado é a idéia política por excelência uma das mais altas sínteses do Espírito Nele harmonizamse os interesses da pessoa proprietário do sujeito moral e do cidadão sociedade e política Ora enquanto os ideólogos alemães se contentam em ridicularizar o sistema hegeliano permanecendo presos a ele sem saber Marx critica radicalmente o idealismo hegeliano e por isso pode conservar sem risco muitas das contribuições do pensamento de Hegel Vejamos como se passa da dialética idealista para a materialista Da concepção hegeliana Marx conserva o conceito de dialética como movimento interno de produção da realidade cujo motor é a contradição Porém Marx demonstra que a contradição não é a do Espírito consigo mesmo entre sua face subjetiva e sua face objetiva entre sua exteriorização em obras e sua interiorização em idéias a contradição se estabelece entre homens reais em condições históricas e sociais reais e chamase luta de classes A história não é portanto o processo pelo qual o Espírito toma posse de si mesmo não é história das realizações do Espírito A história é história do modo real como os homens reais produzem suas condições reais de existência É história do modo como se reproduzem a si mesmos pelo consumo direto ou imediato dos bens naturais e pela produção como produzem e reproduzem suas relações com a natureza pelo trabalho do modo como produzem e reproduzem suas relações sociais pela divisão social do trabalho e pela forma da propriedade que constituem as formas das relações de produção É também história do modo como os homens interpretam todas essas relações seja numa inter pretação imaginária como na ideologia seja numa interpretação real pelo conhecimento da história que produziu ou produz tais relações Da concepção hegeliana Marx também conserva as diferenças entre abstratoconcreto imediatomediato aparecerset Tanto assim que define o concreto como unidade do diverso síntese de muitas determinações devendose entender o conceito de determinação não como sinônimo de conjunto de propriedades ou de características mas como os resultados que constituem uma realidade no processo pelo qual ela é produzida Ou seja enquanto o conceito de propriedades ou de características pressupõe um objeto como dado e acabado o conceito de determinação pressupõe uma realidade como um processo temporal Na Contribuição à Crítica da Economia Política e em O Capital Marx afirma que o método históricodialético deve partir do que é mais abstrato ou mais simples ou mais imediato o que se oferece à observação percorrer o processo contraditório de sua constituição real e atingir o concreto como um sistema de mediações e de relações cada vez mais complexas e que nunca estão dadas à observação Tratase sempre de começar pelo aparecer social e chegar pelas mediações reais ao ser social Tratase também de mostrar como o ser do social determina o modo como este aparece aos homens Assim por exemplo a mercadoria será considerada a forma mais simples e mais abstrata do modo de produção capitalista o qual aparece imediatamente para nós como uma imensa produção acumulação distribuição e consumo de mercadorias A análise da mercadoria revelará por exemplo que há mais mercadorias do que supúnhamos à primeira vista pois um elemento fundamental do modo de produção capitalista o trabalhador que aparece como um ser humano é na verdade uma mercadoria ele vende no mercado sua força de trabalho Por outro lado quando compreendemos qual é a gênese ou origem da mercadoria as mediações que a constituem compreendemos que não se trata de uma coisa tão simples como aparecia pois ela é ao mesmo tempo valor de uso e valor de troca Ela não é uma coisa mas um valor Como valor de uso parece valer por sua utilidade e como valor de troca parece valer por seu preço no mercado Ora as análises de Marx revelam que o valor de uso é inteiramente determinado pelas condições do mercado de sorte que o valor de troca comanda o valor de uso Ora o valor de troca não é determinado pelo preço como parece à primeira vista Isto é o valor da mercadoria não surge no momento em que ela começa a circular no mercado e a ser consumida Seu valor é produzido num outro lugar ele é determinado pela quantidade de tempo de trabalho necessário para produzila Esse tempo inclui não só o tempo gasto diretamente na fabricação dessa mercadoria mas inclui o tempo de trabalho necessário para produzir as máquinas o tempo para extrair e para transportar a matériaprima etc E o que são todos esses tempos São tempos de trabalho da sociedade Também entra no preço da mercadoria como parte do chamado custo de produção o salário pago pelo tempo de trabalho do trabalhador que fabrica essa mercadoria pagamento que é feito para que ele se alimente se aloje se vista se transporte e se reproduza procriando filhos para o mesmo trabalho de produzir mercadorias Vemos assim que o valor de troca da mercadoria o seu preço envolve todos os outros tempos anteriores e posteriores ao tempo necessário para produzila e distribuíla No preço da mercadoria está incluído o gasto físico psíquico e econômico para produzila Ela não é uma coisa mas trabalho social concentrado Como estabelecer o valor de troca entre um metro de linho e um quilo de ferro Ser valor é valer por algo é ser equivalente Como estabelecer a equivalência entre o metro de linho e o quilo de ferro Por sua realidade material são heterogêneos por seu valor de uso também são heterogêneos Onde encontrar uma medida comum para dizermos que um metro de linho equivale a um quilo de ferro A equivalência vai ser estabelecida medindo o tempo de trabalho social necessário para produzilos Ou seja o tempo de trabalho que envolve toda a sociedade fundará o valor da troca Vemos portanto que o preço da mercadoria no comércio é uma aparência pois a determinação do valor dessa mercadoria depende do tempo de trabalho de sua produção e esse tempo envolve o dos demais trabalhos que tornaram possível a fabricação dessa mercadoria Ora sabemos que o produtor da mercadoria recebe um salário que é o preço de seu tempo de trabalho pois este também é uma mercadoria Suponhamos então que para fabricar um metro de linho e para extrair um quilo de ferro os trabalhadores precisem de 8 horas de trabalho Suponhamos que o preço desses produtos no mercado seja de R 1600 Diremos então que cada hora de trabalho equivale a R 200 Porém quando vamos verificar qual é o salário desses trabalhadores descobrimos que não recebem R 1600 mas sim R 800 Há portanto 4 horas de trabalho que não foram pagas apesar de estarem incluídas no preço final da mercadoria Essas 4 horas de trabalho nãopago constituem a maisvalia o lucro do proprietário da mina de ferro ou do proprietário da fábrica de linho Formam seu capital A origem do capital portanto é o trabalho nãopago Graças à maisvalia a mercadoria não é um valor de uso ou um valor de troca qualquer mas um valor capitalista Vemos pois que a mercadoria não é uma coisa como aparece mas trabalho social tempo de trabalho E que não é qualquer tempo de trabalho mas tempo de trabalho nãopago portanto a mercadoria oculta o fato de que há exploração econômica Estamos longe agora do aparecer social estamos diante do modo de constituição real do sistema capitalista Passamos de algo abstrato e imediato a algo concreto e mediato passamos da mercadoria como coisa à mercadoria como valor de uso e de troca destes à mercadoria como tempo de trabalho social deste à mercadoria como trabalho nãopago e portanto à forma de relação social entre o proprietário privado dos meios de produção e o trabalhador por ele explorado Da concepção hegeliana Marx também conserva a afirmação de que a realidade é história e por isso é reflexiva ou seja realiza a reflexão Em outras palavras a realidade é um movimento de contradições que produzem e reproduzem o modo de existência social dos homens e que realizando uma volta completa sobre si mesma pode conduzir à transformação desse modo de existência social Ora aqui surge um problema Em Hegel não havia a menor dificuldade para considerar o real capaz de reflexão pois o real era o Espírito o Espírito era sujeito e todo sujeito era sujeito porque capaz religião é a forma suprema da alienação humana na medida em que ela é a projeção da essência humana num Ser superior estranho e separado dos homens um poder que os domina e governa porque não reconhecem que foi criado por eles próprios Todavia Marx imprimirá grandes modificações nesse conceito Contra Hegel dirá que a alienação não é do Espírito mas dos homens reais em condições reais Contra Feuerbach dirá em primeiro lugar que não há uma essência humana pois o homem é um ser histórico que se faz diferentemente em condições históricas diferentes e em segundo lugar que a alienação religiosa não é a forma fundamental da alienação mas apenas um efeito de uma outra alienação real que é a alienação do trabalho O trabalho alienado é aquele no qual o produtor não se pode reconhecer no produto de seu trabalho porque as condições desse trabalho suas finalidades reais e seu valor não dependem do próprio trabalhador mas do proprietário das condições do trabalho Como se não bastasse o fato de que o produtor não se reconheça no seu próprio produto não o veja como resultado de seu trabalho faz com que o produto surja como um poder separado do produtor e como um poder que o domina e ameaça A elaboração propriamente materialista da alienação no modo de produção capitalista é feita por Marx em O Capital Tratase do fetichismo da mercadoria Que é a mercadoria Trabalho humano concentrado e nãopago Por depender da forma da propriedade privada capitalista que separa o trabalhador dos meios instrumentos e condições da produção a mercadoria é uma realidade social No entanto o trabalhador e os demais membros da sociedade capitalista não percebem que a mercadoria por ser produto do trabalho exprime relações sociais determinadas Percebem a mercadoria como uma coisa dotada de valor de uso utilidade e de valor de troca preço Ela é percebida e consumida como uma simples coisa Assim em lugar de a mercadoria aparecer como resultado de relações sociais enquanto relações de produção ela aparece como um bem que se compra e se consome Aparece como valendo por si mesma e em si mesma como se fosse um dom natural das próprias coisas Basta entrarmos num supermercado nos sábados à tarde para vermos o espetáculo de pessoas tirando de prateleiras mercadorias como se estivessem apanhando frutas numa árvore para entendermos como a mercadoria desapareceu enquanto trabalho concentrado e nãopago E como o dinheiro também é mercadoria aquela mercadoria que serve para estabelecer um equivalente social geral para todas as outras mercadorias tem início uma relação fantástica das mercadorias umas com as outras a mercadoria R1800 se relaciona com a mercadoria sabonete Gessy a mercadoria R500000 se relaciona com a mercadoria meninoquefazpacotes etc As coisasmercadorias começam pois a relacionaremse umas com as outras como se fossem sujeitos sociais dotados de vida própria um apartamento estilo mediterrâneo vale um modo de viver um cigarro vale um estilo de viver um automóvel zero km vale um jeito de viver uma bebida vale a alegria de viver uma calça vale uma vida jovem etc E os homensmercadorias aparecem como coisas um nordestino vale R2000 à hora na construção civil um médico vale R200000 à hora no seu consultório etc A mercadoria passa a ter vida própria indo da fábrica à loja da loja à casa como se caminhase sobre seus próprios pés O primeiro momento do fetichismo é este a mercadoria é um fetiche no sentido religioso da palavra uma coisa que existe em si e por si O segundo momento do fetichismo mais importante é o seguinte assim como o fetiche religioso deuses objetos símbolos gestos tem poder sobre seus crentes ou adoradores dominaos como uma força estranha assim também age a mercadoria O mundo transformase numa imensa fantasmagoria Como então aparecem as relações sociais de trabalho Como relações materiais entre sujeitos humanos e como relações sociais entre coisas E Marx afirma que as relações sociais aparecem tais como efetivamente são Que significa dizer que a aparência social é a própria realidade social Significa mostrar que no modo de produção capitalista os homens realmente são transformados em coisas e as coisas são realmente transformadas em gente Como efeito o trabalhador passa a ser uma coisa denominada força de trabalho que recebe uma outra coisa chamada salário O produto trabalho passa a ser uma coisa chamada mercadoria que possui uma outra coisa isto é um preço O proprietário das condições de trabalho e dos produtos do trabalho passa a ser uma coisa chamada capital que possui uma outra coisa a capacidade de ter lucros Desaparecem os seres humanos ou melhor eles existem sob a forma de coisas donde o termo usado por Lucáks reificação do latim res que significa coisa Em contrapartida as coisas produzidas e as relações entre elas produção distribuição circulação consumo humanizamse e passam a ter relações sociais Produzir distribuir comerciar acumular consumir investir poupar trabalhar todas essas atividades econômicas começam a funcionar e a operar sozinhas por si mesmas com uma lógica que emana delas próprias independentemente dos homens que as realizam Os homens tornamse os suportes dessas operações instrumentos delas Alienação reificação fetichismo é esse processo fantástico no qual as atividades humanas começam a realizarse como se fossem autônomas ou independentes dos homens e passam a dirigir e comandar a vida dos homens sem que estes possam controlálas São ameaçados e perseguidos por elas Tornamse objetos delas Basta pensar no trabalho submetido às vontades da máquina regulada por um cérebro eletrônico ou no indivíduo que jogando na bolsa de valores de São Paulo tem sua vida determinada pela falência de um banco numa cidade de interior da Europa de que nunca ouviu falar Quando Marx afirma que as relações sociais capitalistas aparecem tais como são que o aparecer e o ser da sociedade capitalista se identificaram ele o diz por que houve uma gigantesca inversão na qual o social vira coisa e a coisa vira social É isto a realidade capitalista Uma pergunta nos vem agora por que os homens conservam essa realidade Como se explica que não percebem a reificação Como entender que o trabalhador não se revolte contra uma situação na qual não só lhe foi roubada a condição humana mas ainda é explorado naquilo que faz pois seu trabalho nãopago a maisvalia é o que mantém a existência do capital e do capitalista Como explicar que essa realidade nos apareça como natural normal racional aceitável De onde vem o obscurecimento da existência das contradições e dos antagonismos sociais De onde vem a não percepção da existência das classes sociais uma das quais vive da exploração e dominação das outras A resposta a essas questões nos conduz diretamente ao fenômeno da ideologia Nas considerações sobre a ideologia em geral Marx e Engels determinam o momento de surgimento das ideologias no instante em que a divisão social do trabalho separa trabalho material ou manual de trabalho intelectual Para compreendermos por que esta separação aparecerá como independência das idéias com relação ao real e posteriormente como privilégio destas sobre aquele precisamos acompanhar em linhas gerais o processo da divisão social do trabalho tal como Marx e Engels o expõem em A Ideologia Alemã Os homens escrevem Engels e Marx distinguemse dos animais não porque têm consciência como dizem os ideólogos burgueses mas porque produzem as condições de sua própria existência material e espiritual São o que produzem e são como produzem Essa produção das condições de existência depende de condições naturais as do meio ambiente e as biofisiológicas do organismo humano e do aumento da população pela procriação Esta além de ser natural já é também social pois determina a forma de intercâmbio e de cooperação entre os homens forma esta que por sua vez determina a forma da produção na divisão do trabalho A produção e reprodução das condições de existência através do trabalho relação com a natureza da divisão do trabalho relação de intercâmbio e de cooperação entre os homens da procriação sexualidade e família constituem em cada época o conjunto das forças produtivas que determinam e são determinadas pela divisão social do trabalho Essa divisão que já se inicia na própria família conduz à separação entre pastoreio e agricultura entre ambos e a indústria e entre os três e o comércio Estas separações conduzem à separação entre cidade e campo ao mesmo tempo em que no interior de cada esfera de atividade novas formas de divisão do trabalho desenvolvemse A divisão social do trabalho não é uma simples divisão de tarefas mas a manifestação de algo fundamental na existência histórica a existência de diferentes formas da propriedade isto é a divisão entre as condições e instrumentos ou meios do trabalho e o próprio trabalho incidindo por sua vez na desigual distribuição do produto do trabalho Numa palavra a divisão social do trabalho engendra e é engendrada pela desigualdade social ou pela forma da propriedade A propriedade começa como propriedade tribal e a estrutura social é a de uma família ampliada e hierarquizada por tarefas funções poderes e consumo A segunda forma da propriedade é a comunal ou estatal isto é propriedade privada coletiva dos cidadãos ativos do Estado Grécia Roma por exemplo e a estrutura da sociedade é constituída pela divisão entre senhores cidadãos e escravos Esta separação permite aos senhores distanciaremse da terra e dos ofícios que ficam a cargo dos escravos esta separação leva os senhores a viverem nas cidades e a partir daí se estabelece a separação entre a cidade e o campo da qual resultarão lutas sociais e políticas A terceira forma da propriedade é a feudal ou estamental e apresentase como propriedade privada territorial trabalhada por servos da gleba e como propriedade dos instrumentos de trabalho pelos artesãos livres ou oficiais das corporações que vivem nos burgos cidades medievais A estrutura da sociedade cria os proprietários como nobreza feudal e como oficiais livres dos burgos e os trabalhadores como servos da terra enfeudada e como aprendizes nas corporações dos burgos Junto a eles há uma figura social intermediária o comerciante As transformações dessa estrutura social ou seja da forma da propriedade e da divisão do trabalho dão origem à forma da propriedade que conhecemos a propriedade privada capitalista Aqui a divisão social do trabalho alcança seu ápice de um lado os proprietários privados do capital portanto dos meios condições e instrumentos da produção e da distribuição que são também os proprietários do produto do trabalho e de outro lado a massa dos assalariados ou dos trabalhadores despossuídos que dispõem exclusivamente de sua força de trabalho que vendem como mercadoria ao proprietário do capital Na Ideologia Alemã Marx expõe de modo muito breve a passagem dessas formas da propriedade ou da divisão social do trabalho cujas transformações constituem o solo real da história real Nos Fundamentos para a Contribuição à Crítica da Economia Política Marx retoma a exposição de maneira extremamente minuciosa corrige várias das afirmações feitas na Ideologia Alemã introduz novas determinações na forma da propriedade e sobretudo define a relação de produção a partir do processo de constituição das forças produtivas na divisão social do trabalho introduzindo o conceito inexistente no texto da Ideologia Alemã de modo de produção Este não é um dado mas uma forma social criada pelas ações econômicas e políticas dos agentes sociais independentemente de sua vontade e de sua consciência É o sistema das relações de produção e de suas representações por meio de categorias jurídicas políticas culturais etc A consciência prossegue o texto de A Ideologia Alemã estará indissoluvelmente ligada às condições materiais de produção da existência das formas de intercâmbio e de cooperação e as idéias nascem da atividade material Isso não significa porém que os homens representem nessas idéias a realidade de suas condições materiais mas ao contrário representam o modo como essa realidade lhes aparece na experiência imediata Por esse motivo as idéias tendem a ser uma representação invertida do processo real colocando como origem ou como causa aquilo que é efeito ou consequência e viceversa Assim por exemplo a Natureza tal como se exprime nas idéias da religião natural não surge como relação dos homens com um meio trabalhado por eles mas é representada como um poder separado estranho insondável e que comanda de fora as ações humanas Também as relações sociais são representadas imediatamente pelas idéias de maneira invertida Com efeito à medida que uma forma determinada da divisão social do trabalho se estabiliza se fixa e se repete cada indivíduo passa a ter uma atividade determinada e exclusiva que lhe é atribuída pelo conjunto das relações sociais pelo estágio das forças produtivas e evidentemente pela forma da propriedade Cada um não pode escapar da atividade que lhe é socialmente imposta A partir desse momento todo o conjunto das relações sociais aparece nas idéias como se fosse coisa em si existente por si mesma e não como consequência das ações humanas Pelo contrário as ações humanas são representadas como decorrentes da sociedade que é vista como existindo por si mesma e dominando os homens Se a Natureza pelas idéias religiosas se humaniza ao ser divinizada em contrapartida a Sociedade se naturaliza isto é aparece como um dado natural necessário e eterno e não como resultado da práxis humana Esta fixação da atividade social esta consolidação de nosso próprio produto num poder objetivo superior a nós que escapa de nosso controle que contraria nossas expectativas e reduz a nada nossos cálculos é um dos momentos fundamentais do desenvolvimento histórico que até aqui tivemos A forma inicial da consciência é portanto a alienação pois os homens não se percebem como produtores da sociedade transformadores da natureza e inventores da religião mas julgam que há um alienus um Outro deus natureza chefes que definiu e decidiu suas vidas e a forma social em que vivem Submetemse ao poder que conferem a esse Outro e não se reconhecem como criadores dele E porque a alienação é a manifestação inicial da consciência a ideologia será possível as idéias serão tomadas como anteriores à práxis como superiores e exteriores a ela como um poder espiritual autônomo que comanda a ação material dos homens A divisão social do trabalho tornase completa quando o trabalho material e o espiritual separamse Somente com essa divisão a consciência pode realmente imaginar ser diferente da consciência da práxis existente representar realmente algo sem representar algo real Desde esse instante a consciência está em condições de emanciparse do mundo e entregarse à construção da teoria da teologia da filosofia da moral etc puras e cultural com seu trabalho e aqueles que usufruem dessas riquezas excluindo delas os produtores Porque estes encontramse excluídos do direito de usufruir dos bens que produzem estão excluídos da educação que é um desses bens Em geral o pedreiro que faz a escola e o marceneiro que faz as carteiras mesas e lousas são analfabetos e não têm condições de enviar seus filhos para a escola que foi por eles produzida Essa é a contradição real da qual a contradição entre a idéia de direito de todos à educação e uma sociedade de maioria analfabeta é apenas o efeito ou a consequência Em suma Engels e Marx consideram que os três aspectos que são condições para que haja história força de produção relações sociais e consciência podem entrar e efetivamente entram em contradição como resultado da divisão social do trabalho material e intelectual porque agora o trabalho e a fruição a produção e o consumo aparecem como realmente são isto é cabendo a indivíduos diferentes Instalouse para a própria consciência imediata dos homens a percepção da desigualdade social uns pensam outros trabalham uns consomem outros produzem e não podem consumir os produtos de seu trabalho Outra contradição mais aguda ainda surge a contradição entre os interesses de um indivíduo ou de uma família particular e os interesses coletivos No entanto diferentemente de Hegel Marx e Engels demonstram que tais interesses não são realmente coletivos ou comuns mas apenas o sistema social de dependência recíproca dos indivíduos entre os quais o trabalho os meios e condições do trabalho e os produtos do trabalho estão desigualmente distribuídos Existem conflitos entre os proprietários e existem contradições entre os proprietários e os nãoproprietários Há oposição entre os interesses dos proprietários e há contradição entre os interesses de todos os proprietários e os de todos os nãoproprietários Os conflitos entre proprietários e a contradição entre proprietários e nãoproprietários aparecem para a consciência dos sujeitos sociais como se fossem conflitos entre o interesse particular e o interesse comum ou geral Na realidade porém há antagonismos entre classes sociais particulares pois onde houver propriedade privada não pode haver interesse social comum É justamente desta contradição entre o interesse particular e o suposto interesse coletivo que este último toma na qualidade de Estado uma forma autônoma separada dos reais interesses particulares e gerais e ao mesmo tempo na qualidade de comunidade ilusória mas sempre sobre a base real dos laços existentes em cada conglomerado familiar ou tribal tais como laços de sangue linguagem divisão do trabalho em maior escala e outros interesses e sobretudo como desenvolveremos adiante baseada nas classes sociais já condicionadas pela divisão social do trabalho que se isolam em cada um desses conglomerados humanos e entre as quais há uma que domina as outras todas O poder social isto é a força produtiva unificada multiplicada que nasce da cooperação de vários indivíduos exigida pela divisão do trabalho aparece para esses indivíduos não como seu próprio poder unificado mas como uma força estranha situada fora deles cuja origem e cujo destino ignoram e que pelo contrário percorre agora uma série particular de fases e de estágios de desenvolvimento independente do querer e do agir dos homens e que na verdade dirige esse querer e esse agir Assim como da divisão entre trabalho material e intelectual nasce a suposição de uma autonomia das idéias como se fossem ou como se tivessem uma realidade própria independente dos homens assim também da separação entre os homens em classes sociais particulares com interesses particulares contraditórios nasce a idéia de um interesse geral ou comum que se encarna numa instituição determinada o Estado O Estado aparece como a realização do interesse geral por isso Hegel dizia que o Estado era a universalidade da vida social mas na realidade ele é a forma pela qual os interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade a classe dos proprietários ganham a aparência de interesses de toda a sociedade O Estado não é um poder distinto da sociedade que a ordena e regula para o interesse geral definido por ele próprio enquanto poder separado e acima das particularidades dos interesses de classe Ele é a preservação dos interesses particulares da classe que domina a sociedade Ele exprime na esfera da política as relações de exploração que existem na esfera econômica O Estado é uma comunidade ilusória Isso não quer dizer que seja falso mas sim que ele aparece como comunidade porque é assim percebido pelos sujeitos sociais Estes precisam dessa figura unificada e unificadora para conseguirem tolerar a existência das divisões sociais escondendo que tais divisões permanecem através do Estado O Estado é a expressão política da sociedade civil enquanto dividida em classes Não é como imaginava Hegel a superação das contradições mas a vitória de uma parte da sociedade sobre as outras Como porém o Estado não poderia realizar sua função apaziguadora e reguladora da sociedade em benefício de uma classe se aparecesse como realização de interesses particulares ele precisa aparecer como uma forma muito especial de dominação uma dominação impessoal e anônima a dominação exercida através de um mecanismo impessoal que são as leis ou o Direito Civil Graças às leis o Estado aparece como um poder que não pertence a ninguém Por isso diz Marx em lugar de o Estado aparecer como poder social unificado aparece como um poder desligado dos homens Por isso também em lugar de ser dirigido pelos homens aparece como um poder cuja origem e finalidade permanecem secretos e que dirige os homens Enfim como o Estado ganhou autonomia ele parece ter sua própria história suas fases e estágios próprios sem nenhuma dependência da história social efetiva Está aberto o caminho para a ideologia política que explicará a sociedade através das formas dos regimes políticos aristocracia monarquia democracia tirania anarquia e que explicará a história pelas transformações do Estado passagem de um regime político para outro A divisão social que separa proprietários e destituídos exploradores e explorados que separa intelectuais e trabalhadores sociedade civil e Estado interesse privado e interesse geral é uma situação que não será superada por meio de teorias nem por uma transformação da consciência visto que tais separações não foram produzidas pela teoria nem pela consciência mas pelas relações sociais de produção e suas representações pensadas Assim a transformação histórica capaz de ultrapassar essas divisões e as contradições que as sustentam depende de pressupostos condições ou précondições práticos e não teóricos Esses pressupostos ou précondições práticos são 1 surgimento da massa da humanidade como massa inteiramente destituída de propriedade e em contradição com um mundo da cultura e da riqueza produzido por essa massa que se encontra excluída da abundância por ela produzida é fundamental diz Marx que haja total desenvolvimento das forças produtivas capitalistas isto é que tenha sido produzido um mundo cultural e material abundante pois sem isso a massa revolucionária teria de recomeçar o processo histórico partindo da carência e da escassez da luta pela sobrevivência material imediata e seria obrigada a repor as divisões e contradições que pretendia superar 2 que a divisão entre os proprietários privados das condições de produção e a massa destituída seja um fenômeno universal de modo que quando a massa destituída de um país iniciar sua revolução seja acompanhada pela revolução de todas as massas do planeta em outras palavras é preciso que o modo de produção capitalista tenha se tornado um processo histórico mundial ou universal para que uma revolução plena possa efetuarse O capitalismo como mercado mundial é portanto o pressuposto prático do comunismo como sociedade na qual os indivíduos exercerão o controle consciente dos poderes que parecem dominálos de fora Natureza Mercado Estado A massa dos explorados enfim compreenderá que esses poderes foram produzidos pela práxis social e que por serem produtos da atividade histórica dos homens em condições determinadas também podem ser destruídos pela prática social dos homens em condições determinadas Até agora os homens fizeram a história mas sem saber que a faziam pois ao fazêla em condições determinadas que não foram escolhidas por eles tomavam tais condições como poderes exteriores e dominadores que os compeliam a agir Com a revolução comunista os homens saberão que fazem a história mesmo que não tenham escolhido as condições em que a fazem Sem as condições materiais da revolução é inútil a idéia de revolução já proclamada centenas de vezes Mas sem a compreensão intelectual dessas condições materiais a revolução permanece como um horizonte desejado sem encontrar práticas que a efetivem A história não é o desenvolvimento das ideias mas o das forças produtivas Não é a ação dos Estados e dos governantes mas a luta das classes Não é história das mudanças de regimes políticos mas a das relações de produção que determinam as forças políticas da dominação Assim sendo qual é o palco onde se desenvolve a história A sociedade civil A sociedade civil não é o aglomerado conflitante de famílias e de corporações sindicatos trusts cartéis holdings oligopólios que serão reconciliados graças à ação reguladora e ordenadora do Estado enquanto expressão do interesse geral A sociedade civil é o sistema de relações sociais que se organizam na produção econômica nas instituições sociais e políticas e que são representadas ou interpretadas por um conjunto sistemático de idéias jurídicas religiosas políticas morais pedagógicas científicas artísticas filosóficas A sociedade civil é o processo de constituição e de reposição das condições materiais de existência isto é da produção trabalho divisão do trabalho processo de trabalho forma de distribuição e de consumo circulação acumulação e concentração da riqueza por meio das quais são engendradas as classes sociais exploradores e explorados isto é a contradição entre proprietários e nãoproprietários A relação entre as classes assim produzidas é contraditória porque a condição necessária e suficiente para que haja proprietários privados é a existência dos nãoproprietários Ou seja a existência da classe dos proprietários depende inteiramente da existência da classe dos nãoproprietários e esta última nas ce do processo pelo qual alguns proprietários conseguem expropriar todos os outros e conseguem reduzir todo o restante da sociedade escravos servos artesãos à condição de assalariados Em uma palavra no caso da sociedade civil capitalista afirmar que a existência dos proprietários da classe capitalista depende da exploração dos nãoproprietários trabalhadores assalariados significa simplesmente o seguinte o capital é o trabalho nãopago a maisvalia Temos uma contradição na medida em que a realidade do capital é a negação do trabalho A sociedade civil realizase através de um conjunto de instituições sociais encarregadas de permitir a reprodução ou a reposição das relações sociais família escola igrejas polícia partidos políticos imprensa meios de informação magistraturas Estado etc Ela é também o lugar onde essas instituições e o conjunto das relações sociais são pensados ou interpretados por meio das idéias jurídicas pedagógicas morais religiosas científicas filosóficas artísticas políticas etc Produzida pela divisão social do trabalho que a cinde em classes contraditórias a sociedade civil realizase como luta de classes A luta de classes não é apenas o confronto armado das classes mas está presente em todos os procedimentos institucionais políticos policiais legais ilegais de que a classe dominante lança mão para manter sua dominação indo desde o modo de organizar o processo de trabalho separando os trabalhadores uns dos outros e separando a esfera de decisão e de controle do trabalho da esfera de execução deixando esta última para os trabalhadores e o modo de apropriarse dos produtos pela exploração da maisvalia e pela exclusão dos trabalhadores do usufruto dos bens que produziram até as normas do Direito e o funcionamento do Estado Ela está presente também em todas as ações dos trabalhadores da cidade e do campo para diminuir a dominação e a exploração indo desde a luta pela diminuição da jornada de trabalho o aumento de salários as greves a criação de sindicatos livres até a formação de movimentos políticos para derrubar a classe dominante A luta de classes é o cotidiano da sociedade civil Está na política salarial sanitária e educacional está na propaganda e no consumo está nas greves e nas eleições está nas relações entre pais e filhos professores e estudantes policiais e povo juízes e réus patrões e empregados Se a história é história da luta de classes então a sociedade civil não é A Sociedade isto é uma espécie de grande indivíduo coletivo um organismo feito de partes ou de órgãos funcionais que ora estão em harmonia ora estão em conflito ora estão bem regulados ora estão em crise A sociedade civil concebida como um indivíduo coletivo é uma das grandes idéias da ideologia burguesa para ocultar que a sociedade civil é a produção e reprodução da divisão em classes e é luta das classes Isso significa que a sociedade não pode ser o sujeito da história criandose e recriandose a si mesma em passes de mágica A história são os indivíduos fazendose uns aos outros tanto física quanto espiritualmente Esse fazerseunsaosoutros é a práxis social e significa 1 que as classes sociais não estão feitas e acabadas pela sociedade mas estão se fazendo umas às outras por sua ação e esta ação produz o movimento da sociedade civil 2 que o conjunto das práticas sociais tanto materiais quanto espirituais fazendo os indivíduos existirem como seres contraditórios faz deles membros de uma classe social isto é participantes de formas diferenciadas de existência social determinadas pelas relações econômicas de produção pelas instituições sociopolíticas e pelas idéias ou representações O sujeito da história portanto são as classes sociais Ora Marx e Engels mostram que as relações dos indivíduos com sua classe são relações alienadas Ou seja assim como a Natureza a Sociedade e o Estado aparecem para a consciência imediata dos indivíduos com os poderes separados e estranhos que os dominam e governam assim também a relação dos indivíduos com a classe lhes aparece imediatamente como uma relação com algo já dado e que os determina a ser agir e pensar de uma forma fixa e determinada A classe ganha autonomia com relação aos indivíduos de modo que em lugar de aparecer como resultante da ação deles aparece de maneira invertida isto é causando as ações deles A classe se autonomiza em face dos indivíduos de sorte que estes últimos encontram suas condições de vida preestabelecidas e têm assim sua posição na vida e o seu desenvolvimento pessoal determinados pela classe Tornamse subsumidos a ela Tratase do mesmo fenômeno que o da subsunção dos indivíduos isolados à divisão do trabalho e tal fenômeno não pode ser suprimido se não se supera a propriedade privada e o próprio trabalho Indicamos várias vezes que essa subsunção dos indivíduos à classe determina e se transforma ao mesmo tempo em sua subsunção a todo tipo de representações Essa última frase de Marx e de Engels é fundamental para compreendermos a relação entre alienação e ideologia A ideologia não é um processo subjetivo consciente mas um fenômeno objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da existência social dos indivíduos Ora a partir do momento em que a relação do indivíduo com sua classe é a da submissão a condições de vida e de trabalho préfixadas essa submissão faz com que cada indivíduo não possa se reconhecer como fazedor de sua própria classe Ou seja os indivíduos não podem perceber que a realidade da classe decorre da atividade de seus membros Pelo contrário a classe aparece como uma coisa em si e por si e da qual o indivíduo se converte numa parte quer queira quer não É uma fatalidade do destino A classe começa então a ser representada pelos indivíduos como algo natural e não histórico como um fato bruto que os domina como uma coisa que vivem A ideologia burguesa através de uma ciência chamada Sociologia transforma em idéia científica ou em objeto científico essa coisa denominada classe social estudandoa como um fato e não como resultado da ação dos homens A ideologia burguesa através de seus intelectuais irá produzir idéias que confirmem essa alienação fazendo por exemplo com que os homens creiam que são desiguais por natureza e por talentos ou que são desiguais por desejo próprio isto é os que honestamente trabalham enriquecem e os preguiçosos empobrecem Ou então faz com que creiam que são desiguais por natureza mas que a vida social permitindo a todos o direito de trabalhar lhes dá iguais chances de melhorar ocultando assim que os que trabalham não são senhores de seu trabalho e que portanto suas chances de melhorar não dependem deles mas de quem possui os meios e as condições do trabalho Ou ainda faz com que de socialmente produzida e produtora da existência social A teoria nega a prática como comportamento e ação dados mostrando que se tratam de processos históricos determinados pela ação dos homens que depois passam a determinar suas ações Revela o modo pelo qual criam suas condições de vida e são depois submetidos por essas próprias condições A prática por sua vez nega a teoria como um saber separado e autônomo como puro movimento de idéias se produzindo umas às outras na cabeça dos teóricos Nega a teoria como um saber acabado que guiar ia e comandaria de fora a ação dos homens E negando a teoria enquanto saber separado do real que pretende governar esse real a prática faz com que a teoria se descubra como conhecimento das condições reais da prática existente de sua alienação e de sua transformação Por isso Marx e Engels afirmam que conhecem um único tipo de saber a ciência da história Toda concepção histórica até o momento ou tem omitido completamente a base real da história forças de produção capitais divisão social do trabalho propriedade formas sociais de intercâmbio que cada geração encontra como produto da geração precedente e que a atual reproduz e transforma alterando a forma da luta de classes ou a tem considerado algo secundário sem qualquer conexão com o curso da história Isso faz com que a história deva sempre ser escrita de acordo com um critério situado fora dela A produção da vida real aparece como algo separado da vida comum como algo extra e supraterrestre Com isso a relação dos homens com a Natureza é excluída da História o que engendra a oposição entre Natureza e História Conseqüentemente tal concepção apenas vê na História as ações políticas dos Príncipes e do Estado as lutas religiosas e as lutas teóricas em geral e vêse obrigada a compartilhar em cada época a ilusão dessa época Por exemplo se uma época imagina ser determinada por motivos puramente políticos ou religiosos embora a política e a religião sejam apenas formas aparentes de seus motivos reais então o historiador dessa época considerada aceita essa opinião A imaginação a representação que homens historicamente determinados fizeram de sua práxis real transformase na cabeça do historiador na única força determinante e ativa que domina e determina a práxis desses homens Quando a forma sob a qual se apresenta a divisão do trabalho entre os hindus e entre os egípcios suscita nesses povos um regime de castas próprio de seu Estado e de sua religião o historiador crê que o regime de castas é a força que engendrou essa forma social Enquanto os franceses e os ingleses se atêm à ilusão política isto é tomam as formas e forças políticas como determinantes do processo histórico o que está certamente mais próximo da realidade os alemães movemse na esfera do espírito puro e fazem da ilusão religiosa a força motriz da história Uma vez postas como forças históricas motrizes aquelas forças políticas religiosas culturais etc que na verdade são determinadas pelas forças reais todo o processo histórico fica invertido ou de pontacabeça Assim acontecimentos históricos posteriores são convertidos na finalidade da história anterior É o que ocorre quando se explica a descoberta da América como um acontecimento que teve por finalidade auxiliar o surgimento da Revolução Francesa Ou quando se explica o episódio da Inconfidência Mineira como tendo a finalidade de preparar o da Independência Na medida em que as forças reais que explicam o processo de surgimento de um acontecimento permanecem ig noradas ou escondidas o historiadorideólogo inventa causas e finalidades que acabam convertendo a história numa entidade autônoma que possui seu próprio sentido e caminha por sua própria conta usando os homens como seus instrumentos ocasionais Estamos aqui longe da realidade histórica e diante da idéia da história É assim por exemplo que a ideologia burguesa tende a explicar a história através da idéia de progresso isto é de um processo contínuo de evolução que vai rumo ao melhor e ao que é superior Como a burguesia se vê a si mesma como uma força progressista porque usa as técnicas e as ciências para um aumento total do controle sobre a Natureza e a sociedade e julga que esse domínio das forças naturais e sociais é o progresso e algo bom considera que todo o real se explica em termos de progresso O historiadorideólogo constrói a idéia de progresso histórico concebendoo como a realização no tempo de algo que já existia antes de forma embrionária e que se desenvolve até alcançar seu ponto final necessário Visto que a finalidade do processo já está dada isto é já se sabe de antemão qual vai ser o futuro e visto que o progresso é uma lei da história esta irá alcançar necessariamente o fim conhecido Com isso os homens tornamse instrumentos ou meios para a história realizar seus fins próprios e são justificadas todas as ações que se realizam em nome do progresso Dessa maneira não só os acontecimentos históricos são explicados de modo invertido o fim explica o começo mas tal explicação ainda permite que a classe dominante justifique suas ações fazendoas aparecer como as razões da história Atribuise à história uma racionalidade que é apenas a legitimação dos dominantes Se a história é o processo prático pelo qual homens determinados em condições determinadas estabelecem relações sociais por meio das quais transformam a Natureza pelo trabalho se dividem em classes pela divisão social do trabalho que determina a existência de proprietários e de nãoproprietários organizam essas relações através das instituições e representam suas vidas através das idéias e se a história é da luta de classes luta que fica dissimulada pelas idéias que representam os interesses contraditórios como se fossem interesses comuns de toda a sociedade através da ideologia e do Estado então a história é também o processo de dominação de uma parte da sociedade sobre todas as outras Isso significa que em termos do materialismo histórico e dialético é impossível compreender a origem e a função da ideologia sem compreender a luta de classes pois a ideologia é um dos instrumentos da dominação de classe e uma das formas da luta de classes A ideologia é um dos meios usados pelos dominantes para exercer a dominação fazendo com que esta não seja percebida como tal pelos dominados A peculiaridade da ideologia e que a transforma numa força quase impossível de remover decorre dos seguintes aspectos 1 o que torna a ideologia possível isto é a suposição de que as idéias existem em si e por si mesmas desde toda a eternidade é a separação entre trabalho material e trabalho intelectual ou seja a separação entre trabalhadores e pensadores Portanto enquanto esses dois trabalhos estiverem separados enquanto o trabalhador for aquele que não pensa ou que não sabe pensar e o pensador for aquele que não trabalha a ideologia não perderá sua existência nem sua função 2 o que torna objetivamente possível a ideologia é o fenômeno da alienação isto é o fato de que no plano da religião arte política ciência filosofia técnicas etc numa perpétua divisão consigo mesmo isto é a produção do Espírito são contradições que vão sendo superadas por ele e repostas com novas formas por ele mesmo Esse trabalho espiritual prossegue produzindo novas sínteses novas culturas até que se produza a síntese final Esta é produzida no momento em que o Espírito termina o seu trabalho compreende o que realizou que a Cultura é sua obra e se reconcilia consigo mesmo A história é o movimento pelo qual o que o Espírito é em si as obras culturais tornase o que o Espírito é para si compreensão de sua obra como realização sua Esse momento final chama se filosofia A filosofia é a Memória da história do Espírito e por isso Hegel diz que ela começa apenas quando o trabalho histórico terminou Ela é como o pássaro de Minerva a deusa da sabedoria que só abre asas na hora do crepúsculo 5 um trabalho filosófico que pensa a história como reflexão Reflexão significa volta sobre si mesmo Em geral considerase que somente a consciência é capaz dessa volta sobre si isto é de conhecerse a si mesma como consciência Só a consciência seria capaz de reflexão Para Hegel essa reflexão da consciência é apenas uma forma menor da verdadeira reflexão que é a do Espírito Este exteriorizase em obras mas é capaz de reconhecerse como produtor delas é capaz de compreenderse ou de interiorizar sua criação Lembremos que o conceito de reflexão referese a um fenômeno da natureza isto é a luz Na reflexão perfeita o raio luminoso retorna na direção da fonte luminosa isto é volta à sua própria origem A reflexão do Espírito é o movimento de saída e retorno a si o Espírito emite seus raios que o refletem retornando a ele Ou seja o Espírito sai para fora de si criando experiência vivida e imediata as condições reais de existência social dos homens não lhes apareçam como produzidas por eles mas ao contrário eles se percebam produzidos por tais condições e atribuam a origem da vida social a forças ignoradas alheias às suas superiores e independentes deuses Natureza Razão Estado destino etc de sorte que as idéias quotidianas dos homens representem a realidade de modo invertido e sejam conservadas nessa inversão vindo a constituir os pilares para a construção da ideologia Portanto enquanto não houver um conhecimento da história real enquanto a teoria não mostrar o significado da prática imediata dos homens enquanto a experiência comum de vida for mantida sem crítica e sem pensamento a ideologia se manterá 3 o que torna possível a ideologia é a luta de classes a dominação de uma classe sobre as outras Porém o que faz da ideologia uma força quase impossível de ser destruída é o fato de que a dominação real é justamente aquilo que a ideologia tem por finalidade ocultar Em outras palavras a ideologia nasce para fazer com que os homens creiam que suas vidas são o que são em decorrência da ação de certas entidades a Natureza os deuses ou Deus a Razão ou a Ciência a Sociedade o Estado que existem em si e por si e às quais é legítimo e legal que se submetam Ora como a experiência vivida imediata e a alienação confirmam tais idéias a ideologia simplesmente cristaliza em verdades a visão invertida do real Seu papel é fazer com que no lugar dos dominantes apareçam idéias verdadeiras Seu papel é o de fazer com que os homens creiam que tais idéias representam efetivamente a realidade E enfim também é seu papel fazer com que os homens creiam que essas idéias são autônomas não dependem de ninguém e representam realidades autônomas não foram feitas por ninguém consiste em impedir essa revolta fazendo com que o legal apareça para os homens como legítimo isto é como justo e bom Assim a ideologia substitui a realidade do Estado pela idéia do Estado ou seja a dominação de uma classe é substituída pela idéia de interesse geral encarnado pelo Estado E substitui a realidade do Direito pela idéia do Direito ou seja a dominação de uma classe por meio das leis é substituída pela representação ou ideias dessas leis como legítimas justas boas e válidas para todos Não se trata de supor que os dominantes se reúnam e decidam fazer uma ideologia pois esta seria então uma pura maquinação diabólica dos poderosos E se assim fosse seria muito fácil acabar com uma ideologia A ideologia resulta da prática social nasce da atividade social dos homens no momento em que estes representam para si mesmos essa atividade e vimos que essa representação é sempre necessariamente invertida O que ocorre porém é o seguinte processo as diferentes classes sociais representam para si mesmas o seu modo de existência tal como é vivido diretamente por elas de sorte que as representações ou ideias todas elas invertidas diferem segundo as classes e segundo as experiências que cada uma delas tem de sua existência nas relações de produção No entanto as ideias dominantes em uma sociedade numa época determinada não são todas as ideias existentes nessa sociedade mas serão apenas as ideias da classe dominante dessa sociedade nessa época Ou seja a maneira pela qual a classe dominante representa a si mesma sua ideia a respeito de si mesma representa sua relação com a Natureza com os demais homens com a sobrenatureza deuses com o Estado etc tornarseá a maneira como todos os membros dessa sociedade irão pensar 1 embora a sociedade esteja dividida em classes e cada qual devesse ter suas próprias ideias a dominação de uma classe sobre as outras faz com que só sejam consideradas válidas verdadeiras e racionais as ideias da classe dominante 2 para que isso ocorra é preciso que os membros da sociedade não se percebam divididos em classes mas se vejam como tendo certas características humanas comuns a todos e que tornam as diferenças sociais algo derivado ou de menor importância 3 para que todos os membros da sociedade se identifiquem com essas características supostamente comuns a todos é preciso que elas sejam convertidas em ideias comuns a todos Para que isso ocorra é preciso que a classe dominante além de produzir suas próprias ideias também possa distribuílas o que é feito por exemplo através da educação da religião dos costumes dos meios de comunicação disponíveis 4 como tais ideias não exprimem a realidade real mas representam a aparência social as imagens das coisas e dos homens é possível passar a considerálas independentes da realidade e mais do que isso inverter a relação fazendo com que a realidade concreta seja tida como realização dessas ideias Todos esses procedimentos consistem naquilo que é a operação intelectual por excelência da ideologia a criação de universais abstratos isto é a transformação das ideias particulares da classe dominante em ideias universais de todos e para todos os membros da sociedade Essa universalidade das ideias é abstrata porque não corresponde a nada real e concreto visto que no real existem concretamente classes particulares e não universalidade humana As idéias da ideologia são pois universais abstratos Os ideólogos são aqueles membros da classe dominante ou da classe média aliada natural da classe dominante que em decorrência da divisão social do trabalho em trabalho material e espiritual constituem a camada dos pensadores ou dos intelectuais Estão encarregados por meio da sistematização das ideias de transformar as ilusões da classe dominante isto é a visão que a classe dominante tem de si mesma e da sociedade em representações coletivas ou universais Assim a classe dominante e sua aliada a classe média dividese em pensadores e nãopensadores ou em produtores ativos de ideias e consumidores passivos de idéias Muitas vezes no interior da classe dominante e de sua aliada a divisão entre pensadores e nãopensadores pode assumir a forma de conflitos por exemplo entre nobres e sacerdotes entre burguesia conservadora e intelectuais progressistas mas tal conflito não é uma contradição não exprime a existência de duas classes sociais contraditórias mas apenas oposições no interior da mesma classe A prova disso escrevem Marx e Engels é que basta haver uma ameaça real à dominação da classe dominante para que os conflitos sejam esquecidos e todos fiquem do mesmo lado da barricada Nessas ocasiões desaparece a ilusão de que as ideias dominantes não são as ideias da classe dominante e que teriam um poder diferente do poder dessa classe Assim por exemplo é possível que em determinadas circunstâncias históricas os intelectuais se coloquem contra a burguesia e se façam aliados dos trabalhadores Se os trabalhadores compreendendo a origem da exploração econômica e da dominação política decidirem destruir o poder dessa burguesia é possível que os intelectuais progressistas sem o saber passem para o lado da burguesia E o que ocorre por proprietários e assalariados um contrato de trabalho Ora o pressuposto jurídico da idéia de contrato é que as partes sejam iguais e livres de sorte que não apareça o fato de que uma das partes não é igual à outra nem é livre A realização de relações econômicas sociais e políticas baseadas na idéia de contrato leva à universalização abstrata das idéias de igualdade e de liberdade O processo histórico real escrevem Marx e Engels não é o do predomínio de certas idéias em certas épocas mas um outro que é o seguinte cada nova classe em ascensão que começa a se desenvolver dentro de um modo de produção que será destruído quando essa nova classe dominar cada classe emergente dizíamos precisa formular seus interesses de modo sistemático e para ganhar o apoio do restante da sociedade contra a classe dominante existente precisa fazer com que tais interesses apareçam como interesses de toda a sociedade Assim por exemplo a burguesia ao elaborar as idéias de igualdade e de liberdade como essência do homem faz com que se coloquem ao seu lado como aliados todos os membros da sociedade feudal submetidos ao poder da nobreza que encarnava o princípio da desigualdade e da servidão Para poder ser o representante de toda a sociedade contra uma classe particular que está no poder a nova classe emergente precisa dar às suas idéias a maior universalidade possível fazendo com que apareçam como verdadeiras e justas para o maior número possível de membros da sociedade Precisa apresentar tais idéias como as únicas racionais e as únicas válidas para todos Ou seja a classe ascendente não pode aparecer como uma classe particular contra outra classe particular mas precisa aparecer como representante de toda a sociedade dos interesses de todos contra os interesses da classe particular dominante E consegue aparecer assim universalizada graças às idéias que defende como universais No início do processo de ascensão é verdade que a nova classe representa um interesse coletivo o interesse de todas as classes nãodominantes Porém uma vez alcançada a vitória e a classe ascendente tornandose classe dominante seus interesses passam a ser particulares isto é são apenas seus interesses de classe No entanto agora tais interesses precisam ser mantidos com a aparência de universais porque precisam legitimar o domínio que exerce sobre o restante da sociedade Em uma palavra as idéias universais da ideologia não são uma invenção arbitrária ou diabólica mas são a conservação de uma universalidade que já foi real num certo momento quando a classe ascendente realmente representava os interesses de todos os nãodominantes mas que agora é uma universalidade ilusória pois a classe dominante tornouse representante apenas de seus interesses particulares Cada nova classe estabelece sua dominação sempre sobre uma base mais extensa do que a da classe que até então dominava ao passo que mais tarde a oposição entre a nova classe dominante e a nãodominante agravase e aprofundase ainda mais Isso significa que cada nova classe dominante enquanto estava em ascensão apontava para a possibilidade de um maior número de indivíduos exercerem a dominação e por isso quando toma o poder usa de procedimentos mais radicais do que os já existentes para afastar as possibilidades de exercício do poder por parte dos dominados Por isso a distância entre dominantes e dominados aumenta ainda mais e os dominados afinal terão de lutar pelo término de toda e qualquer forma de dominação Estamos agora em condições de compreender as determinações gerais da ideologia recordando que determinação significa características intrínsecas a uma realidade e que foram sendo produzidas pelo processo que deu origem a essa realidade Podemos agora compreender o que é a ideologia porque acompanhamos o processo que a produz concretamente As principais determinações que constituem o fenômeno da ideologia são 1 a ideologia é resultado da divisão social do trabalho e em particular da separação entre trabalho materialmanual e trabalho espiritualintelectual 2 essa separação dos trabalhos estabelece a aparente autonomia do trabalho intelectual face ao trabalho material 3 essa autonomia aparente do trabalho intelectual aparece como autonomia dos produtores desse trabalho isto é dos pensadores 4 essa autonomia dos produtores do trabalho intelectual aparece como autonomia dos produtos desse trabalho isto é das idéias 5 essas idéias que aparecem como autônomas são as idéias da classe dominante de uma época e tal autonomia é produzida no momento em que se faz uma separação entre os indivíduos que dominam e as idéias que dominam de tal modo que a dominação de homens sobre homens não seja percebida porque aparece como dominação das idéias sobre todos os homens 6 a ideologia é pois um instrumento de dominação de classe e como tal sua origem é a existência da divisão da sociedade em classes contraditórias e em luta 7 a divisão da sociedade em classes realizase como separação entre proprietários e nãoproprietários das condições e dos produtos do trabalho como divisão entre exploradores e explorados dominantes e dominados e portanto realizase como luta de classes Esta não deve ser entendida apenas como os momentos de confronto armado entre as classes mas como o conjunto de procedimentos institucionais jurídicos políticos policiais pedagógicos morais psicológicos culturais religiosos artísticos usados pela classe dominante para manter a dominação E como todos os procedimentos dos dominados para diminuir ou destruir essa dominação A ideologia é um instrumento de dominação de classe 8 se a dominação e a exploração de uma classe forem perceptíveis como violência isto é como poder injusto e ilegítimo os explorados e dominados sentemse no justo e legítimo direito de recusála revoltandose Por esse motivo o papel específico da ideologia como instrumento da luta de classes é impedir que a dominação e a exploração sejam percebidas em sua realidade concreta Para tanto é função da ideologia dissimular e ocultar a existência das divisões sociais como divisões de classes escondendo assim sua própria origem Ou seja a ideologia esconde que nasceu da luta de classes para servir a uma classe na dominação 9 por ser o instrumento encarregado de ocultar as divisões sociais a ideologia deve transformar as idéias particulares da classe dominante em idéias universais válidas igualmente para toda a sociedade 10 a universalidade dessas idéias é abstrata pois no concreto existem idéias particulares de cada classe Por ser uma abstração a ideologia constrói uma rede imaginária de idéias e de valores que possuem base real a divisão social mas de tal modo que essa base seja reconstruída de modo invertido e imaginário 11 a ideologia é uma ilusão necessária à dominação de classe Por ilusão não devemos entender ficção fantasia invenção gratuita e arbitrária erro falsidade pois com isto suporíamos que há ideologias falsas ou erradas e outras que seriam verdadeiras e corretas Por ilusão devemos entender abstração e inversão Abstração como vimos anteriormente é o conhecimento de uma realidade tal como se oferece à nossa experiência imediata como algo dado feito e acabado que apenas classificamos ordenamos e sistematizamos sem nunca indagarmos como tal realidade foi concretamente produzida Uma realidade é concreta porque mediata isto é porque produzida por um sistema determinado de condições que se articulam internamente de maneira necessária Inversão como também vimos anteriormente é tomar o resultado de um processo como se fosse seu começo tomar os efeitos pelas causas as conseqüências pelas premissas o determinado pelo determinante Assim por exemplo quando os homens admitem que são desiguais porque Deus ou a Natureza os fez desiguais estão tomando a desigualdade como causa de sua situação social e não como tendo sido produzida pelas relações sociais e portanto por eles próprios sem que o desejassem e sem que o soubessem 12 porque a ideologia é ilusão isto é abstração e inversão da realidade ela permanece sempre no plano imediato do aparecer social Ora como vimos ao falarmos do fetichismo da mercadoria o aparecer social é o modo de ser do social de pontacabeça A aparência social não é algo falso e errado mas é o modo como o processo social aparece para a consciência direta dos homens Isso significa que uma ideologia sempre possui uma base real só que essa base está de pontacabeça é a aparência social Assim por exemplo a sociedade burguesa aparece em nossa experiência imediata como estando formada por três tipos diferentes de proprietários o capitalista proprietário do capital o dono da terra proprietário da renda da terra e o trabalhador proprietário do salário Se todos são proprietários embora de coisas diferentes então todos os homens dessa sociedade são iguais e possuem iguais direitos Enquanto não ultrapassarmos essa aparência e procurarmos o modo como realmente e concretamente são produzidos esses proprietários pelo sistema capitalista não poderemos compreender que o salário não é a propriedade do trabalhador mas é o trabalho nãopago pelo capitalista que a renda não vem da terra mas de sua transformação em capital pelo trabalho nãopago do camponês ou dos mineiros e que finalmente só o capital é efetivamente propriedade Enquanto não tivermos essa compreensão história do processo real a idéia de igualdade não só parecerá verdadeira mas ainda possuirá base real ou seja a maneira pela qual os homens aparecem no modo de produção capitalista É nesse sentido que se deve entender a ideologia como ilusão abstração e inversão 13 a ideologia não é um reflexo do real na cabeça dos homens mas o modo ilusório isto é abstrato e invertido pelo qual representam o aparecer social como se tal aparecer fosse a realidade social Se a ideologia fosse um simples reflexo invertido da realidade na consciência dos homens a relação entre o mundo e a consciência não seria dialética isto é contraditória ou de negação interna mas seria mecânica ou de causa e efeito Se a ideologia fosse o espelho ruim da realidade ela seria o efeito mecânico da ação dos objetos exteriores sobre nossa consciência como a ação da luz sobre nossa retina Nesse caso não poderíamos compreender a célebre afirmação de Marx nas chamadas Onze Teses Sobre Feuerbach de que o engano dos materialistas tinha sido considerar a relação da consciência com os objetos uma experiência sensível e não uma práxis social isto é uma atividade social que produz os objetos e o sentido dos objetos A ideologia é uma das formas de práxis social aquela que partindo da experiência imediata dos dados da vida social constrói abstratamente um sistema de idéias ou representações sobre a realidade Para percebermos que a ideologia não é o mero reflexo invertido da realidade na consciência dos homens basta lembrarmonos do modo como Marx define a religião Em geral todos conhecem a famosa fórmula segundo a qual a religião é o ópio do povo isto é um mecanismo para fazer com que o povo aceite a miséria e o sofrimento sem revoltarse porque acredita que será recompensado na vida futura cristianismo ou porque acredita que tais dores são uma punição por erros cometidos numa vida anterior religiões baseadas na idéia de reencarnação Aceitando a injustiça social com a esperança da recompensa ou com a resignação do pecador o homem religioso fica anestesiado como o fumador de ópio alheio à realidade No entanto costumase esquecer que antes de fazer tal afirmação Marx define a religião como a criação de um espírito num mundo sem espírito como enciclopédia e lógica popular e consolação num mundo sem consolo Se a religião que é uma forma de ideologia fosse um reflexo ela teria de espelhar de maneira invertida o mundo real Ora segundo Marx a inversão religiosa não reflete coisa alguma sen e valores da classe emergente são interiorizados pela consciência de todos os membros nãodominantes da sociedade c uma vez sedimentada e interiorizada como senso comum a ideologia mantémse mesmo após a vitória da classe emergente que se torna então classe dominante Isso significa que mesmo quando os interesses anteriores que eram interesses de todos os nãodominantes são negados pela realidade da nova dominação isto é a nova dominação converte os interesses da classe emergente em interesses particulares da classe dominante e portanto nega a possibilidade de que se realizem como interesses de toda a sociedade tal negação não impede que as idéias e valores anteriores à dominação permaneçam como algo verdadeiro para os dominados Ou seja mesmo que a classe dominante seja percebida como tal pelos dominados mesmo que estes percebam que tal classe defende interesses que são exclusivamente dela essa percepção não afeta a aceitação das idéias e valores dos dominantes pois a tarefa da ideologia consiste justamente em separar os indivíduos dominantes e as idéias dominantes fazendo com que apareçam como independentes uns dos outros É assim por exemplo que os trabalhadores contemporâneos podem perceber que a organização do processo de trabalho pelo estilo taylorista que consiste em separar todas as fases de produção e em separar os que dirigem e controlam tal produção e os que a executam é um interesse da classe dominante sem que isso os impeça de crer que a organização racional do trabalho exija racionalmente a divisão entre os que possuem conhecimento tecnológico cientistas técnicos administradores e gerentes e os que possuem apenas a qualificação para executar as tarefas do de hegemonia Mas quando hoje no Brasil se consideram as dificuldades dos atuais dirigentes para manter o controle econômico e político uma crise de hegemonia empregase erroneamente o conceito gramsciano Vejamos um exemplo de conservação da hegemonia burguesa Muitos movimentos feministas lutam contra o poder burguês porque ele é fundamentalmente um poder masculino que discrimina social econômica política e culturalmente as mulheres É considerado um poder patriarcal isto é fundado na autoridade do Pai chefe de família chefe de seção chefe de escola chefe de hospital chefe de Estado etc É um poder que legitima a submissão das mulheres aos homens tanto pela afirmação da inferioridade feminina fraqueza física e intelectual quanto pela divisão de papéis sociais a partir de atividades sexuais feminilidade como sinônimo de maternidade e domesticidade Partindo dessa colocação muitos movimentos feministas vão defender duas idéias principais 1 a de que as mulheres não devem se sujeitar a papéis sociais mas devem lutar por igual direito ao trabalho 2 a de que as mulheres não devem continuar se submetendo ao poderio masculino e devem defender a liberdade do uso de seu corpo porque este é propriedade delas e não dos homens maridos filhos chefes etc Aparentemente tais movimentos parecem estar lutando contra o poder burguês pelo menos no seu aspecto discriminatório Porém se analisarmos as duas idéias defendidas o que veremos Defender a igualdade no mercado de trabalho não é criticar a exploração capitalista do traba A IDEOLOGIA DA COMPETÊNCIA Em um ensaio intitulado A gênese da ideologia na sociedade moderna o filósofo francês Claude Lefort observa que houve uma mudança no modo de operação da ideologia desde meados do século XX De fato escreve ele a ideologia burguesa era um pensamento e um discurso de caráter legislador ético e pedagógico que definia para toda a sociedade o verdadeiro e o falso o bom e o mau o lícito e o ilícito o justo e o injusto o normal e o patológico o belo e o feio a civilização e a barbárie Punha ordem no mundo afirmando o valor positivo e universal de algumas instituições como a família a pátria a empresa a escola e o Estado e com isso designava os detentores legítimos do poder e da autoridade o pai o patrão o professor o cientista o governante No entanto a partir sobretudo dos anos 30 do século XX houve uma mudança no processo social do trabalho mudança que iria espalharse por toda a sociedade e todas as relações sociais O trabalho industrial passou a ser organizado segundo um padrão conhecido como fordismo no qual uma empresa controla desde a produção da matériaprima no início da cadeia produtiva até a distribuição comercial dos produtos no final da cadeia produtiva Além desse controle total da produção são introduzidas a linha de montagem a fabricação em série de produtos padronizados e as idéias de que a competição capitalista realizase em função da qualidade dos produtos e que essa qualidade depende de avanços científicos e tecnológicos de modo que uma empresa deve também financiar pesquisas e possuir laboratórios Com o fordismo é introduzida uma nova prática das relações sociais conhecida como a Organização Quais as principais características da Organização 1 as afirmações de que organizar é administrar e que administrar é introduzir racionalidade nas relações sociais na indústria no comércio na escola no hospital no governo etc A racionalidade administrativa consiste em afirmar que não é necessário discutir os fins de uma ação ou de uma prática e sim estabelecer meios eficazes para a obtenção de um objetivo 2 as afirmações de que uma Organização é racional se for eficiente e que será eficiente se estabelecer uma rígida hierarquia de cargos e funções na qual a subida a um novo cargo e a uma nova função signifique melhorar de posição social adquirir mais status e mais poder de mando e de comando A Organização será tanto mais eficaz quanto mais todos os seus membros se identificarem com ela e com os objetivos dela fazendo de suas vidas um serviço a ela que é retribuído com a subida na hierarquia de poder 3 a afirmação de que uma Organização é uma administração científica racional que possui lógica própria e funciona por si mesma independentemente da vontade e da decisão de seus membros Graças a essa lógica da própria Organização é ela que possui o conhecimento das ações a serem realizadas e que conhece quais são as pessoas competentes para realizálas No caso do trabalho industrial a Organização introduz duas novidades A primeira é a linha de montagem isto é a afirmação de que é mais racional e mais eficaz que cada trabalhador tenha uma função muito especializada e não deva realizar todas as tarefas para produzir um objeto completo A segunda é a chamada gerência científica isto é depois de despojar o trabalhador do conhecimento da produção completa de um objeto a Organização divide e separa os que possuem tal conhecimento os gerentes e administradores e os que executam as tarefas fragmentadas os trabalhadores Com isso a divisão social do trabalho fazse pela separação entre os que têm competência para dirigir e os incompetentes que só sabem executar Examinando a maneira como o modelo da Organização se difunde e se espalha por todas as instituições sociais e por todas as relações sociais Lefort fala na ideologia contemporânea como a ideologia invisível Ou seja enquanto na ideologia burguesa tradicional as idéias eram produzidas e emitidas por determinados agentes sociais o pai o patrão o padre ou pastor o professor o sábio agora parece não haver agentes produzindo as idéias porque elas parecem emanar diretamente do funcionamento da Organização e das chamadas leis do mercado Façamos ainda uma outra observação Antigamente julgavase que as ciências eram teorias que podiam ser aplicadas por meio das técnicas e que a economia capitalista fazia uso das técnicas para aumentar a acumulação e reprodução do capital O caso mais visível desse uso era a construção das máquinas para o processo de trabalho Hoje em dia porém não se trata mais de usar técnicas vindas da aplicação das ciências e sim de usar e desenvolver tecnologias A tecnologia não é ciência aplicada A tecnologia é fabricação de instrumentos de precisão que interferem no próprio conteúdo das ciências Com isso as ciências passaram a participar diretamente do processo produtivo tanto porque dependem dele com relação à tecnologia quanto porque esta depende delas Essa participação da ciência e da tecnologia no processo de produção das mercadorias aparece com clareza na automação e na informatização do trabalho industrial e nas demais atividades econômicas e sociais Se agora reunirmos a Organização ou administração racional eficaz do trabalho a gerência científica a presença da ciência e da tecnologia no processo produtivo e no trabalho intelectual perceberemos que a divisão social das classes está acrescida de novas divisões e que estas podem ser resumidas numa só e grande divisão a divisão entre os que possuem poder porque possuem saber e os que não possuem poder porque não possuem saber Dessa maneira em vez de falarmos em ideologia invisível preferimos falar em ideologia da competência que oculta a divisão social das classes ao afirmar que a divisão social se realiza entre os competentes os especialistas que possuem conhecimentos científicos e tecnológicos e os incompetentes os que executam as tarefas comandadas pelos especialistas A ideologia da competência realiza a dominação pelo descomunal prestígio e poder conferidos ao conhecimento científico e tecnológico ou seja pelo prestígio e poder das idéias consideradas científicas e tecnológicas O discurso competente é aquele proferido pelo especialista que ocupa uma posição ou um lugar determinado na hierarquia organizacional e haverá tantos discursos competentes quantas organizações e hierarquias houver na sociedade Esse discurso opera com duas práticas contraditórias Numa delas enquanto discurso da própria Organização afirma que esta é racional e é o agente social político e histórico de sorte que os homens enquanto tais e as classes sociais enquanto tais são destituídos e despojados da condição de sujeitos sociais políticos e históricos A Organização é competente os indivíduos e as classes sociais incompetentes objetos sociais conduzidos dirigidos e manipulados pela Organização Na outra modalidade prática o discurso competente procura desfazer o que fez anteriormente Ou seja depois de invalidar os indivíduos e as classes sociais como sujeitos da ação procura revalidálos mas o faz tomandoos como pessoas ou indivíduos privados Tratase do que chamaremos de competência privatizada Vejamos como ela é feita O discurso da competência privatizada é aquele que ensina a cada um de nós enquanto indivíduos privados e não enquanto sujeitos sociais como nos relacionarmos com o mundo e com os outros Esse ensino é feito por especialistas que nos ensinam a viver Assim cada um de nós aprende a relacionarse com o desejo pela medição do discurso da sexologia a relacionarse com a alimentação pela mediação do discurso da dietética ou nutricionista a relacionarse com a criança por meio do discurso da pediatria da psicologia e da pedagogia a relacionarse com a Natureza pela mediação do discurso ecológico a relacionarse com os outros pela mediação do discurso da psicologia e da sociologia e assim por diante Isso explica a proliferação dos livros de autoajuda os programas de conselhos pelo rádio e pela televisão bem como os programas em que especialistas nos ensinam jardinagem culinária maternidade paternidade sucesso no trabalho e no amor Esse discurso competente exige que interiorizemos suas regras e valores se não quisermos ser considerados lixo e detrito É essa modalidade da competência que aparece na fixação de um modelo de ser humano sempre jovem saudável e feliz produzido e difundido pela publicidade e pela moda que prometem juventude com os cosméticos por exemplo saúde com a malhação por exemplo e felicidade com as mercadorias que garantem sucesso Finalmente se reunirmos o discurso competente da Organização e o discurso competente dos especialistas veremos que estão construídos para assegurar dois pontos indissociáveis do modo de produção capitalista o discurso da Organização afirma que só existe racionalidade nas leis do mercado o discurso do especialista afirma que só há felicidade na competição e no sucesso de quem vence a competição Vejamos algumas consequências perversas produzidas pela ideologia da competência Se ser competente é vencer a competição e subir na hierarquia de uma Organização como se sente o desempregado A ideologia burguesa lhe ensina no cotidiano e na escola que o trabalho é uma virtude que dignifica o homem e que não trabalhar é um vício a preguiça a malandragem A ideologia dá competência lhe ensina no cotidiano na organização escolar na organização empresarial que só a competência no trabalho assegura felicidade e realização Ocorre porém que a atual forma do capitalismo sobretudo por causa da tecnologia e do lugar ocupado pelo chamado capital financeiro isto é papéis e dinheiro dos bancos e das bolsas de valores não precisa de muita gente trabalhando na produção e por isso gera o desemprego No entanto o desempregado ignorando o que se passa e orientandose pelo que foi incutido pela ideologia sentese culpado pelo desemprego humilhado e num beco sem saída Um outro efeito da ideologia da competência aparece na busca do diploma universitário a qualquer custo Antigamente as pessoas que cursavam as universidades o faziam porque desejavam dedicarse a alguma pesquisa ou ao ensino Hoje cursase a universidade porque o diploma é exigido pela Organização quando examina os currículos dos que procuram um emprego nela pois o diploma é usado como instrumento de seleção Os jovens universitários estão convencidos de que sempre foi e sempre será assim e que a função da universidade é adaptarse às exigências das organizações empresariais isto é do que se costuma chamar de o mercado O diploma confere ao que procura emprego a condição de especialista e de competente e uma posição superior na hierarquia de cargos e funções Dessa maneira a universidade alimenta a ideologia da competência e despojase de suas principais atividades a formação crítica e a pesquisa Façamos para concluir um resumo do nosso percurso A ideologia é um conjunto lógico sistemático e coerente de representações idéias e valores e de normas ou regras de conduta que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar o que devem valorizar e como devem valorizar o que devem sentir e como devem sentir o que devem fazer e como devem fazer Ela é portanto um corpo explicativo representações e prático normas regras preceitos de caráter prescritivo normativo regulador cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais políticas e culturais sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes a partir das divisões na esfera da produção Pelo contrário a função da ideologia é a de apagar as diferenças como de classes e fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identidade social encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos como por exemplo a Humanidade a Liberdade a Igualdade a Nação ou o Estado Isso significa que a na qualidade de explicação teórica do real através das ciências sobretudo hoje em dia ou das filosofias ou das religiões a ideologia nunca pode explicitar sua própria origem pois se o fizesse faria vir à tona a divisão social em classes e perderia assim sua razão de ser que é a de dar explicações racionais e universais que devem esconder as diferenças e particularidades reais Ou seja nascida por causa da luta de classes e nascida da luta de classes a ideologia é um corpo teórico religioso filosófico ou científico que não pode pensar realmente a luta de classes que lhe deu origem b na qualidade de corpo teórico e de conjunto de regras práticas a ideologia possui uma coerência racional pela qual precisa pagar um preço Esse preço é a existência de brancos de lacunas ou de silêncios que nunca poderão ser preenchidos sob pena de destruir a coerência ideológica O discurso ideológico é coerente e racional porque entre suas partes ou entre suas frases há brancos ou vazios responsáveis pela coerência Assim a ideologia é coerente não apesar das lacunas mas por causa ou graças às lacunas Ela é coerente como ciência como moral como tecnologia como filosofia como religião como pedagogia como explicação e como ação apenas porque não diz tudo e não pode dizer tudo Se dissesse tudo quebrariase por dentro Por esse motivo cometemos um engano quando imaginamos ser possível substituir uma ideologia falsa que não diz tudo por uma ideologia verdadeira que diz tudo Ou quando imaginamos que a ideologia falsa é a dos dominantes enquanto a ideologia verdadeira é a dos dominados Por que nos enganamos nessas duas afirmações Em primeiro lugar porque uma ideologia que fosse plena ou que não tivesse vazios e brancos isto é que dissesse tudo já não seria ideologia Em segundo lugar porque falar em ideologia dos dominados é um contrasenso visto que a ideologia é um instrumento da dominação Esses enganos fazemnos sair da concepção marxista de ideologia que vimos no início deste livro Podemos isso sim contrapor ideologia e crítica da ideologia e podemos contrapor a ideologia ao saber real que muitos dominados têm acerca da realidade da exploração da dominação da divisão social em classes e da repressão a que este saber está submetido pelas forças repressivas dos dominantes forças repressivas que não precisam ser apenas as da polícia ou as do exército mas que podem ser sutilmente a própria ideologia difundida e conservada pela escola e pelas ciências ou filosofias dos dominantes Vejamos o que significa a afirmação de que a ideologia não pode dizer tudo porque se o dissesse se destruiria por dentro na medida em que não projeta para o que ainda está por vir aquilo que já existe mas procura nas linhas de força do presente aquilo que anuncia a possibilidade futura Enquanto a ideologia explica o presente como efeito do passado o passado pelo presente e q futuro pelo já existente fazendo com que este último deixe de ser o possível aquilo que os homens poderão realizar para se tornar o previsível aquilo que os homens deverão realizar o saber histórico mantém as diferenças temporais como diferenças intrínsecas b à ideologia fabrica uma história imaginária aquela que reduz o passado e o futuro às coordenadas do presente na medida em que atribui o movimento da história a agentes ou sujeitos que não podem realizálo Assim por exemplo a ideologia nacionalista faz da Nação o sujeito da história ocultando que a Nação é uma unidade imaginária pois é constituída efetivamente por classes sociais em luta A ideologia estatista faz do Estado ou da ação dos governantes ou das mudanças de regimes políticos o sujeito da história ocultando que o Estado não é um sujeito autônomo mas instrumento de dominação de uma classe social e portanto o sujeito dessa história estatista imaginária é afinal apenas a classe dominante A ideologia racionalista e atualmente a ideologia cientificista faz da Razão e hoje em dia da Ciência o sujeito da história esquecendose de que a idéia da Razão e de Ciência é determinada por aquilo que numa sociedade é entendido como racional e como irracional e que a idéia de racionalidade é determinada pela forma das relações sociais Assim é perfeitamente racional que Homero explique a guerra de Tróia como punição dos deuses pelo crime cometido por um chefe aqueu Tiesto Também é perfeitamente racional que os hebreus expliquem a história de seus múltiplos ca tiveiros sua dispersão e seu retorno à Terra Prometida como realização das profecias sobre os crimes do povo eleito contra as leis de Jeová E é perfeitamente racional que expliquemos a guerra de Tróia e as desventuras do povo hebraico através de uma outra história o que mostra simplesmente que nossa racionalidade é diferente da dos gregos homéricos e da dos hebreus proféticos Encontrar a causa dessa diferença é tarefa de um pensamento nãoideológico É de grande importância a afirmação de Marx e de Engels acerca da ideologia como algo que não tem história Por quê Porque a ideologia burguesa em qualquer de suas formulações tem o culto da história entendida como progresso Para a ideologia burguesa toda a história é o progresso das nações dos estados das ciências das artes das técnicas É que o historiador burguês aceita a imagem progressista que a burguesia tem de si mesma na medida em que a burguesia considera um progresso seu modo de dominar a Natureza e de dominar os outros homens Com esse culto do progresso a burguesia e seus ideólogos justificam o direito do capitalismo de colonizar os povos ditos primitivos ou atrasados para que se beneficiem dos progressos da civilização Assim quando a antropologia social explica cientificamente as sociedades ditas selvagens passa a descrevêlas como sendo prélógicas como fez LévyBruhl Ou então quando os antropólogos percebem que tal caracterização é colonialista e passam a descrever os selvagens de modo a revelar que são diferentes e não atrasados ainda assim permanecem sob a hegemonia da ideologia burguesa Por quê Porque agora mostram que as sociedades primitivas são diferentes da nossa por serem sociedades sem escrita sem mercado sem Estado e sem história Como bem mostrou o antropólogo Pierre Clastres em seu livro A Sociedade contra o Estado explicar as sociedades primitivas dizendo o que lhes falta o sem é manter implicitamente como modelo explicativo a nossa sociedade e como sociedade plena isto é com escrita com mercado com Estado e com história Isso não significa que os antropólogos queiram defender o colonialismo em geral defendem os interesses das sociedades primitivas mas sim que sua ciência permanece presa a uma racionalidade e a uma cientificidade que conservam silenciosamente a idéia burguesa de progresso Porque a ideologia não tem história mas fabrica histórias imaginárias que nada mais são do que uma forma de legitimar a dominação da classe dominante compreendese por que a história ideológica aquela que aprendemos na escola e nos livros é sempre uma história narrada do ponto de vista do vencedor ou dos poderosos Não possuímos a história dos escravos nem a dos servos nem a dos trabalhadores vencidos não só suas ações não são registradas pelo historiador mas os dominantes também não permitem que restem vestígios documentos monumentos dessa história Por isso os dominados aparecem nos textos dos historiadores sempre a partir do modo como eram vistos e compreendidos pelos próprios vencedores O vencedor ou poderoso é transformado em único sujeito da história não só porque impediu que houvesse a história dos vencidos ao serem derrotados os vencidos perderam o direito à história mas simplesmente porque sua ação histórica consiste em eliminar fisicamente os vencidos ou então se precisa do trabalho deles elimina sua memória fazendo com que se lembrem apenas dos feitos dos vencedores Não é assim por exemplo que os estudantes ne gros ficam sabendo que a Abolição foi um feito da Princesa Isabel As lutas dos escravos estão sem registro e tudo que delas sabemos está registrado pelos senhores brancos Não há direito à memória para o negro Nem para o índio Nem para os camponeses Nem para os operários História dos grandes homens dos grandes feitos das grandes descobertas dos grandes progressos a ideologia nunca nos diz o que são esses grandes Grandes em quê Grandes por quê Grandes em relação a quê No entanto o saber histórico nos dirá que esses grandes agentes da história e do progresso são os grandes e poderosos isto é os dominantes cuja grandeza depende sempre da exploração e dominação dos pequenos Aliás a própria idéia de que os outros são os pequenos já é um pacto que fazemos com a ideologia dominante Graças a esse tipo de história a ideologia pode manter sua hegemonia mesmo sobre os vencidos pois estes interiorizam a suposição de que não são sujeitos da história mas apenas seus pacientes Quem e o que pode desmantelar a ideologia Somente uma prática política nascida dos explorados e dominados e dirigida por eles próprios Para essa prática política é de grande importância o que chamamos de crítica da ideologia que consiste em preencher as lacunas e os silêncios do pensamento e discurso ideológicos obrigandoos a dizer tudo que não está dito pois dessa maneira a lógica da ideologia se desfaz e se desmancha deixando ver o que estava escondido e assegurava a exploração econômica a desigualdade social a dominação política e a exclusão cultural Renato Sampaio Lima 410 Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 APRESENTAÇÃO Ao longo das décadas de 60 70 e 80 dois importantes personagens infl uen ciaram a Psicologia Social no Rio de Janeiro Eliezer Schneider e Aroldo Rodrigues O primeiro atuou no campo da institucionalização da psicologia junto com outros professores como Antonio Gomes Penna e Franco Lo Presti Seminério O segun do fez parte da primeira turma de psicologia da Pontifícia Universidade Católica PUC e foi o mais considerado representante da Psicologia Social norteamericana no Brasil Em função das contribuições de ambos tanto teóricas como na formação de pesquisadores no campo da Psicologia Social no Rio de Janeiro apresentaremos algumas de suas posições sobre temas importantes no campo da psicologia social A partir de meados da década de 60 e início da década de 70 a Psico logia Social se depara com o que alguns autores RODRIGUES ASSMAR JABLONSKI 2000 LANE 1981 ARRUDA 1992 denominaram crise no campo da Psicologia Social Esta crise pode ser compreendida como um mo mento de refl exão sobre as bases teóricas e metodológicas da Psicologia Social cognitiva norteamericana Tanto Schneider como Aroldo Rodrigues participa ram ativamente deste processo de discussões A CONTRIBUIÇÃO DE ELIEZER SCHNEIDER A entrada de Schneider na psicologia ocorreu bem antes do reconhecimen to desta como profi ssão Segundo JacóVilela 2001 p 13 A oportunidade de ingresso de Schneider na Psicologia surge através de um concurso do DASP em 1941 para Técnico de Assuntos Educacionais o que lhe possibilita ingressar no Instituto de psicologia então um órgão suplementar da Universidade do Brasil atual UFRJ e dedicarse às atividades de psicologista sob a orientação de Jayme Grabois à época diretor do órgão Embora Schneider faça parte de uma geração os chamados Psicologistas que foi importante para a institucionalização da psicologia no país e no Rio de Janeiro com a reforma universitária de 1968 tornouse professor de psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Ingressou também na Univer sidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ aposentouse compulsoriamente nos anos 80 da UFRJ e da UERJ mas permaneceu vinculado à Universidade Gama Filho UGF Ao longo de mais de 40 anos de ensino e pesquisa publicou em torno de 108 artigos No entanto o que gostaríamos de destacar é a publicação do seu único livro Psicologia Social Histórica Cultural e Política SCHNEIDER 1978 No segundo capítulo deste cujo título é A Psicologia Social no Estudo da Cultura e da História encontramos algumas de suas idéias sobre o campo da Psicologia Social O capítulo apresenta autores como Wundt Claparède Dewey Hull Spence Lewin entre outros destacandose a importância dada à abordagem histórica e à infl uência da cultura SCHNEIDER 1978 Discordando de toda uma tradição experimentalista na psicologia sendo Spence1 um dos representantes ci História da Psicologia Social no Rio de Janeiro dois importantes personagens Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 411 tados Schneider 1978 afi rma que sua opção está longe daquela apresentada por Wundt que distinguia a Psicologia Experimental Fisiológica da Psicologia dos Povos Para Schneider 1978 haveria uma Psicologia Social da Cultura e da His tória que não sendo isolada do restante da psicologia poderia fazer uso de seus conceitos básicos na busca da compreensão de processos micro e macrossociais Schneider 1978 não reprovava a existência da psicologia experimental mas con siderava seus limites Para isso cita um artigo de Nevit Sanford de 1965 com o título Estudarão os Psicólogos os problemas humanos com o qual concorda em relação ao combate à posição dominante de então de que a psicologia experi mental seria a verdadeira ciência psicológica SCHNEIDER 1978 Schneider se voltava desde o início do seu ingresso na psicologia para a problemática humana e talvez esse interesse tenha sido decisivo na sua inclina ção para o campo da Psicologia Social Segundo Krüger 2001 essa predileção por tal área da psicologia teria ocorrido em função da sugestão dada por um dos professores de Schneider de que ele explorasse no seu retorno ao Brasil temas relativos à dinâmica de grupo É importante o fato de Schneider ter fei to referências nas décadas de 70 e 80 a obras que apresentavam resistência ao modo hegemônico de se fazer psicologia Em artigos como A Psicologia Social no Brasil SCHNEIDER 1971 e A psicologia social como proble ma humano uma síntese psicohistórica de seus primórdios SCHNEIDER 1985 Schneider apresentava uma preocupação com a necessidade de a Psico logia Social se voltar para temas que não serviriam apenas para a formulação de teorias generalistas mas que pudessem contribuir para o entendimento do humano em sua diversidade histórica e cultural Embora Schneider tenha feito sua formação em psicologia nos Estados Unidos na Iowa University isso não o impossibilitou de apresentar uma visão crítica sobre os caminhos que a psicologia tomou naquele país Diferentemen te de Aroldo Rodrigues e talvez por pertencerem a gerações distintas não buscou simplesmente no seu retorno ao Brasil reproduzir os conhecimentos da psicologia norteamericana Em relação ao campo da Psicologia Social é importante frisarmos a apro ximação de Schneider a autores como Klineberg Segundo ele Klineberg destaca a importância das normas culturais da conduta e a abordagem comparativa intercultural humana com o decidido apoio de Chauvin Duijker e outros participantes que apesar da prudência de Zazzo quanto aos limites da comparabilidade nela encontram novas perspectivas para o desenvolvimento da Psicologia Social SCHNEIDER1978 p 78 É ainda importante destacarmos que Schneider estava atento às renovações no campo da Psicologia Social não apenas nos Estados Unidos mas também na Eu ropa Schneider 1978 afi rma que Moscovici e Argyle teriam contribuído com as Renato Sampaio Lima 412 Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 obras Sociedade contra Natureza e A Interação Social para importantes refl exões no campo da Psicologia Social Para Sá 2001 Schneider teve uma importante participação na discussão crítica do campo da Psicologia Social no Rio de Janeiro De fato como explicar em face do caráter autocontido isolacionista e dogmático da Psicologia Social de trinta anos atrás que se tenha criado pelo menos no Rio de Janeiro uma receptividade tão boa às orientações alternativas que começaram a emergir depois da crise da Psicologia Social dominante De onde esses cariocas psicólogos sociais brasileiros de segunda geração dentre os quais me incluo receberam informação sobre uma forma mais ampliada diversifi cada e fl exível de compreender a disciplina e seu objeto de tal modo a criar neles a sensibilidade para a exploração posterior de alternativas explícitas A minha resposta convicta é a seguinte das aulas do prof Eliezer Schneider em especial das que ele dava nas Universidades Federal e do Estado do Rio de Janeiro UFRJ e UERJ SÁ 2001 p 41 Ao longo de sua vida acadêmica Schneider foi professor de várias insti tuições públicas e privadas entre elas a UFRJ a UERJ a UGF a Universidade Santa Úrsula USU a Faculdade de Humanidades Pedro II FAHUPE a Fa culdade Celso Lisboa e o Instituto de Seleção e Orientação Profi ssional ISOP Segundo Penna 2001 a entrada de Schneider na Universidade do Estado do Rio de Janeiro no ano de 1965 ocorreu a partir do convite feito pelo professor Hans Ludwig Lippmann para que assumisse a disciplina de Psicologia Social Schnei der mantevese como professor nesta disciplina durante toda a sua permanência nessa instituição Ainda como nos lembra Penna 2001 Schneider teria tentado participar do concurso para a vaga de professor adjunto de Psicologia Social na Universidade Federal Fluminense porém como era necessário um atestado de ideologia concedido pelo DOPS desistiu de sua inscrição no referido concurso A compreensão de Schneider sobre a Psicologia Social era muito própria à história desse acadêmico que ao longo de sua vida apresentou um espírito aberto às contribuições das várias psicologias e aos conhecimentos oriundos de outras áreas Para esse pesquisador brasileiro a Psicologia Social deveria reunir o estudo dos processos micro e macrossociais com temas da cultura e da histó ria Segundo Krüger 2001 Schneider teria se aproximado do projeto de Lucien Febvre de integração das ciências sociais entre elas a psicologia No entanto se esse ideal multidisciplinar estava presente em Schneider ele reservava à psicolo gia uma posição epistemológica mais relevante KRUGER 2001 p 63 Para JacóVilela 2001 p 21 a principal infl uência de Schneider se encontra sem dúvida na formação de toda uma geração de psicólogos sociais que com ele aprendemos a estender nosso olhar além do paradigma individualista que geralmente caracteriza a Psicologia História da Psicologia Social no Rio de Janeiro dois importantes personagens Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 413 Muitos de seus alunos concordariam com tal afi rmação e resgatariam mui tas outras histórias sobre a vida acadêmica desse professor e pesquisador que incentivou a busca da liberdade intelectual sendo esta qualidade importante para toda uma geração que experimentou a crítica de um modelo de psicologia que vinha predominantemente dos Estados Unidos e que começava a se esgotar nas décadas de 60 e 70 Não encontramos em Schneider um interesse claro pelo tema da transfor mação social o que seria característico de algumas psicologias sociais no Brasil a partir da década de 80 Schneider não era certamente partidário dos ideais posi tivistas mas buscou pensar o campo da Psicologia Social integrado à psicologia geral Houve na sua análise da Psicologia Social no Brasil2 um entendimento da importância do psicólogo social para o desenvolvimento social do país Em face dos objetivos e programas de desenvolvimento econômico do Brasil implicando obrigatoriamente nas humaníssimas metas de benefício e desenvolvimento geral de sua população há um papel decisivo que pode ser desempenhado pelo psicólogo e pelo educador sob a ação nuclear e catalisadora do psicólogo social SCHNEIDER 1971 p 12 Schneider não buscou estabelecer uma Psicologia Social que se afastasse completamente dos conceitos mais gerais da psicologia diferentemente do que aconteceria com a Psicologia Social no Brasil a partir da década de 80 Desde então muitos psicólogos passariam a trazer infl uências de outros campos a partir das leituras de Marx Foucault Deleuze e Guattari e tantos outros interlocutores o que levaria à constituição de diversas psicologias sociais com bases teóricas predominantemente nãopsicológicas A INFLUÊNCIA DE AROLDO RODRIGUES A Psicologia Social no Brasil antes da denominada crise da Psicologia Social apresentava uma forma predominantemente norteamericana O grande representante dessa Psicologia Social no Brasil e no Rio de Janeiro como afi r mamos foi Aroldo Rodrigues Nesse período não havia maiores contestações de uma psicologia que tinha como grandes representantes pesquisadores que esta vam do outro lado do Atlântico Como afi rmamos anteriormente no Rio de Janei ro Schneider talvez tenha sido uma das poucas vozes dissonantes Aroldo Rodrigues formouse na Pontifícia Universidade Católica no ano de 1956 e em seguida deu prosseguimento aos seus estudos na University of Kansas retornando ao Brasil em 1959 com o grau de mestre em psicologia Logo foi convidado pelo padre Bënko3 para ser professor na PUC Depois de alguns anos como professor de psicologia e com uma carga de trabalho pesada acabou retornando aos Estados Unidos com o incentivo de Padre Bënko para fazer o doutorado Sobre esse episódio afi rma Aroldo Rodrigues 2008 p 10 Renato Sampaio Lima 414 Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 Fr Antonius Bënko a PhD in psychology from the University of Louvain Belgium had taken over the coordination of the course created by Hanns Lippmann and encouraged me to go back to the United States to attain my PhD He promised to hold my position at the Catholic University until my return and that a promotion would be automatic should I come back with the degree With these incentives I applied to UCLA for the 196263 academic year4 Na University of Califórnia Los Angeles UCLA fez seu doutorado sob a orientação de Hal Kelley Defi nitivamente as experiências acadêmicas nessa instituição norteamericana fi zeram Aroldo Rodrigues permanecer na área de Psicologia Social Durante quatro anos teve um treinamento que privilegiava o uso da metodologia experimental e da estatística além de fazer vários cursos de Psicologia Social Nesse momento os pesquisadores do campo da Psicologia Social norteamericana de que Aroldo Rodrigues mais se aproximou foram Fritz Heider Theodore M Newcomb e Robert Zajonc dedicandose principalmente à teoria do equilíbrio de Heider Aroldo Rodrigues retornou ao Brasil no ano de 1966 com PhD em psico logia e retomou suas atividades como professor na PUC Porém como comenta Things went well at fi rst but soon started to change The huge difference between the facilities I was used to at UCLA and the limitations of the incipient department of psychology of the Catholic University immediately indicated to me that I had to lower considerably my level of aspiration as far as research activity was concerned Worse than that however to my deep disappointment students and colleagues alike showed very little if any at all interest in my research on balance theory5 RODRIGUES 2008 p 12 O clima inamistoso identifi cado por Aroldo Rodrigues talvez já representas se os efeitos da crise da Psicologia Social no Brasil No entanto o confronto com o modelo norteamericano se acirrou nas décadas de 70 e 80 Segundo Rodrigues 2008 os psicólogos no Brasil não se interessavam por metodologia nem por teo ria mas quase exclusivamente por política Para Bomfi m 2003 a crise no Bra sil se refl etiu em fóruns de discussão que buscavam repensar os impasses teóricos e metodológicos Em outubro de 1970 realizouse no Rio de Janeiro o Fórum de Psicologia Social promovido pela Associação Brasileira de Psicologia Aplicada Entre os participantes desse evento estavam Antonio Gomes Penna Aroldo Rodri gues Ataliba Crespo Arrigo Angelini Célio Garcia e Eliezer Schneider Em 1973 Aroldo Rodrigues foi eleito presidente da Associação Latino Americana de Psicologia Social ALAPSO Tal fato ocorreu provavelmente em função do destaque que o professor carioca alcançara não apenas no Rio de Janeiro mas no restante do país e na América Latina Essa mesma associação tinha algumas ramifi cações como a Associação Chilena de Psicologia Social História da Psicologia Social no Rio de Janeiro dois importantes personagens Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 415 ACHIPSO e a Associação Venezuelana de Psicologia Social AVEPSO A As sociação Brasileira de Psicologia Social ABRAPSO surgiria em 1980 a partir de uma discordância com a ALAPSO e tendo como principal personagem desse rompimento Silvia Lane Nos anos que se seguiriam a professora da PUC de São Paulo seria a principal personagem do confronto com o professor da PUC do Rio de Janeiro Um dos temas em destaque nessa contraposição além do mo delo de homem e sociedade girou em torno da neutralidade do pesquisador em Psicologia Social e do status de ciência deste campo da psicologia Sobre essas diferenças Rodrigues 1986 p 43 afi rma Um exemplo eloqüente da divergência existente entre os psicólogos sociais sobre o que seja a Psicologia Social pode ser visto aqui entre nós ao compararmos os livros de Psicologia Social de minha autoria e o livro intitulado Psicologia Social editado por Silvia Lane e Wanderley Codo Um leigo que pretendesse inteirarse acerca do que seria este setor do conhecimento chamado de Psicologia Social e lesse esses livros seguramente fi caria mais confuso do que antes de fazêlo Silvia Lane defendeu uma posição diferente da sustentada por Aroldo Ro drigues O debate entre essas propostas foi registrado na revista Psicologia ciên cia e profi ssão com o título A tecnologia social na psicologia controvérsias LANE 1985 Se para Rodrigues a Psicologia Social é uma ciência básica e neutra que permitiria a solução de problemas sociais através de suas aplicações para Lane 1985 tal concepção poderia transformar o psicólogo em agente da adaptação Segundo essa autora o fundamental é a psicologia rever sua prática pois teoria e prática têm de vir juntas Não se pode dividir a Psicologia Social em ciência aplicada e pura LANE 1985 p 19 Não há dúvida que Aroldo Rodrigues assegurava a separação entre psi cologia e política a partir de uma visão de conhecimento científi co consolidada na Psicologia Social norteamericana e na sua forma de pensar a psicologia A necessidade de se adequar à exigência de fazer pesquisas que levasse em conta a realidade brasileira e a solução de problemas sociais levou Aroldo Rodrigues à denominada Tecnologia Social apresentada por Jacob Varela Em síntese as difi culdades de Aroldo Rodrigues podem ser compreendidas em função das novas exigências que os psicólogos sociais no Brasil se faziam a necessidade de uma pesquisa que pensasse a realidade social brasileira e a possi bilidade de sua transformação UM DEBATE EM TORNO DA NEUTRALIDADE E DA LIBERDADE ACADÊMICA Um acontecimento denominado por Antonio Paim 1979 como a Crise da PUC nos ajuda a compreender como Aroldo Rodrigues pensava a relação entre psicologia e política Segundo Paim 1979 o debate sobre o que se conven Renato Sampaio Lima 416 Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 cionou denominar de Crise da PUCRJ desenvolveuse em diversas linhas mas o que ele se propôs a tratar se restringe aos desdobramentos aos embates que se seguiram após a censura de um texto fi losófi co A professora Anna Maria Moog Rodrigues esposa de Aroldo Rodrigues pediu seu afastamento da PUC após ter sido censurada pelo então diretor do Departamento de Filosofi a professor Raul Landim por ter colocado entre as referências bibliográfi cas da disciplina História do Pensamento o capítulo A Filosofi a como Autoconsciência de um Povo do livro Pluralismo e Liberdade de Miguel Reale 19986 A professora Rodrigues encaminhou carta com seu pedido de demissão ao Jornal do Brasil que a publicou no dia 14031979 No dia 18 o mesmo jor nal publica o artigo O Declínio da Liberdade Acadêmica a crise não é a que vem de fora mas a que vem de dentro de Aroldo Rodrigues 1979a Este tex to não fazia menção mas estava claramente relacionado ao caso da sua esposa e promoveu intensos debates entre os intelectuais cariocas7 Analisaremos aqui apenas os artigos dos professores Aroldo Rodrigues Luiz Alfredo GarciaRoza e Eurico de Lima Figueiredo Para Aroldo Rodrigues 1979a a liberdade acadêmica é algo essencial no diaadia da academia sem a qual a troca de idéias o debate e a discordância não podem se fazer presentes Segundo este autor no mundo acadêmico de hoje verifi case uma substituição do papel do cientista voltado para o estudo desapai xonado do real pelo do político engajado em fazer prevalecer uma determinada corrente ideológica RODRIGUES 1979a p 35 Nessas linhas temos claramente a defesa da neutralidade científi ca e da liberdade acadêmica Ainda segundo Rodrigues 1979a se não conse guirmos nos afastar do debate apaixonado que a politização do saber gera teremos como conseqüência uma psicologia considerada como uma força social e não como uma disciplina científi ca Fazendo menção ao clima acadêmico não apenas na psicologia mas nas universidades em seus departamentos nas reuniões científi cas e culturais e nas associações discentes e docentes do fi nal da década de 70 afi rmava que a opinião que não corroborasse as posições da esquerda marxista não seria bem vista e nem aceita Aroldo Rodrigues 1979a faz alusão não apenas à PUC do Rio de Janeiro mas também à PUC de São Paulo à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SBPC e à Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto A denominada ditadura ideológica estaria presente nas universidades produzindo sectarismo e identidade de conteúdo RODRIGUES 1979a Segundo ele as fontes de refe rência eram sempre as mesmas variando de acordo com a área do encontro Se fosse Educação deveria estar presente o nome de Paulo Freire se Sociologia os nomes de Marx e de Fernando Henrique Cardoso se História Nelson Werneck Sodré se Teologia os nomes dos autores da Teologia da Libertação se Filosofi a e Psicologia Marx mas também Althusser e Foucault RODRIGUES 1979a História da Psicologia Social no Rio de Janeiro dois importantes personagens Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 417 Aroldo Rodrigues 1979a lembra de um convite que recebeu da Asso ciação dos Estudantes de PósGraduação da PUCRJ para participar de uma mesa redonda Ao chegar ao local ele constatou que os outros participantes da mesa tinham todos a mesma inclinação ideológica Após falar sobre os proble mas da pósgraduação de psicologia no Brasil de forma objetiva notou que os outros debatedores e os ouvintes em geral não queriam saber de problemas objetivosRODRIGUES 1979a p 40 mas de discussões sobre luta de classes e controle do Estado fascista Aroldo Rodrigues 1979a encerra afi rmando que seu artigo foi escrito com o objetivo de se contrapor ao absolutismo ideológico Acreditamos que esse artigo contribui para uma compreensão de muitos debates que foram travados ao longo da década de 80 na Psicologia Social O posicionamento político de Aroldo Rodrigues foi polêmico e respondeu por outros fatos como o ocorrido na UFF no ano de 1985 e sobre o qual nos debruçaremos mais adiante Voltando ao artigo a resposta do professor Luiz Alfredo GarciaRoza 1979 veio no dia 23031979 com o título Neutralidade Científi ca O profes sor de fi losofi a e psicologia da UFRJ e de psicologia da UERJ começou seu artigo discordando da concepção de Aroldo Rodrigues Para GarciaRoza 1979 p 54 essa liberdade preconizada pelo professor da PUC era um mito que visa encobrir a mais sutil das formas de dominação de saber A desvinculação entre saber e poder não acarretaria para GarciaRoza liberdade acadêmica Se para Aroldo Rodrigues o comprometimento político do saber gerava perda de racionalidade para GarciaRoza 1979 era algo intrínseco à produção do conhecimento e à ciência O debate pode ser resumido em suas próprias palavras O que fi ca claro no artigo do professor Rodrigues é que o compromisso ideológico é visto como um estigma para a ciência Como se fosse possível um saber neutro como se o saber não implicasse necessariamente uma forma de compromisso sob pena de não estar dizendo nada sobre coisa nenhuma É o modelo angélico imposto à ciência Esta deve ser como os anjos não ter sexo E se por um acaso sua sexualidade aparece deve ser neutralizada GARCIAROZA 1979 p 55 Para GarciaRoza 1979 o que deveria ser temido era a neutralidade do saber e não a sua parcialidade sendo aquela a forma mais sutil e violenta de do minação Em relação à objetividade na ciência obtida por se situar como descri ção de fatos afi rmou que não existe um dado que possa ser considerado como um emsi ou como algo que se oferece docilmente à nossa interpretação GAR CIAROZA 1979 p 56 Todo dado já é uma interpretação pois essa ocorre a partir de um lugar de certos princípios sejam eles científi cos ou não Renato Sampaio Lima 418 Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 No dia 01041979 é publicado no Jornal do Brasil o artigo do professor Eu rico de Lima Figueiredo Professor de Ciência política da UFF Figueiredo 1979 discorda da opinião de Aroldo Rodrigues que reduz o saber científi co nacional ao marxismo Não há no seu ponto de vista uma ideologia ofi cial do saber nacio nal FIGUEIREDO 1979 p 73 mas discordâncias e choque de perspectivas No artigo publicado no mesmo jornal no dia 841979 Aroldo Ro drigues 1979b responde aos professores GarciaRoza e Figueiredo Seus argumentos caminham principalmente em defesa de que posições divergentes deveriam ter lugar na academia onde o respeito e a mútua convivência devem representar a liberdade acadêmica O debate que se estendeu ao longo de vários artigos poderia nos levar a análises distintas sobre a denominada crise da PUCRJ No entanto nos restrin gimos ao comentário de algumas idéias de Aroldo Rodrigues sobre a liberdade acadêmica a neutralidade científi ca e a psicologia como ciência Seus argu mentos sobre esses temas estariam na base de suas discordâncias e contraposi ções a uma Psicologia Social que começava a se estabelecer institucionalmente no Rio de Janeiro no fi nal da década de 70 e que teve infl uências de teóricos como Marx Foucault Deleuze etc Em 1976 Aroldo Rodrigues havia sido eleito presidente da Sociedade In teramericana de Psicologia A Psicologia Social pensada na ALAPSO Associa ção LatinoAmericana de Psicologia Social e na Sociedade Interamericana de Psicologia expressava a posição teórica de seu presidente A reunião de organi zação da ABRAPSO que aconteceu após o retorno de Silvia Lane do encontro da ALAPSO em Caracas Venezuela ocorreu a partir da busca por parâmetros teóricos e metodológicos para a Psicologia Social no Brasil Isso explicaria a não participação de Aroldo Rodrigues PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA A PRIMEIRA CHEFIA DE AROLDO RODRIGUES 19661969 O nome de Aroldo Rodrigues fi gura na história do curso de psicologia da PUC desde o seu início pois fez parte da primeira turma iniciada ainda na Santa Casa de Misericórdia em 1953 Após dois afastamentos para fazer o mestrado e depois o doutorado no ano de 1966 assume pela primeira vez a chefi a do curso de psicologia Segundo Osuna 1998 houve inicialmente no período de Aroldo Rodri gues um incremento do setor de Seleção e Orientação Profi ssional e Industrial SOS Porém o que nos interessa foi o destaque dado à sua área de interesse a Psicologia Social de base experimental No ano de 1967 entre os laboratórios criados com o objetivo de pesquisa científi ca e experimental estava o laboratório de Psicologia Social experimental Havia um claro investimento em psicologia básica e em Psicologia Social e segundo Osuna 1998 nessa época o curso de psicologia da PUC recebeu a visita de vários professores dos Estados Unidos reforçando a base conceitual que Aroldo Rodrigues buscava implementar História da Psicologia Social no Rio de Janeiro dois importantes personagens Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 419 A SEGUNDA CHEFIA 19721976 Aroldo Rodrigues voltou à chefi a depois da gestão de Carlos Paes de Barros 19691972 na qual a psicologia clínica alcançou um desenvolvimento considerável O professor Aroldo Rodrigues se deparou com uma resistência ao seu trabalho que cresceu ao longo da sua permanência à frente do curso de psi cologia Cabe ressaltar que conforme afi rma Osuna 1998 durante a coorde nação de Carlos Paes de Barros o setor que ganhou destaque foi o de psicologia comunitária criado em 19718 Durante a gestão de Aroldo Rodrigues sua opção por uma psicologia expe rimental levou a um maior investimento na área de seleção e orientação vocacio nal em detrimento do setor de psicologia clínica que apresentava uma demanda cada vez maior por parte dos alunos Entre 1976 e 1977 permaneceu na chefi a a professora Angela Biaggio Vinda de doutorado nos Estados Unidos a professora Biaggio era considerada uma escolha de prestígio para a PUC Porém Biaggio deparouse durante a sua breve permanência na chefi a do curso de psicologia com a resistência de alunos e alguns professores Houve uma cisão clara entre o grupo de Aroldo Rodrigues e os demais professores A demissão de dois docentes da área de clínica acirrou ainda mais os ânimos e pouco a pouco os experimenta listas perderam espaço na PUC Em novembro de 1976 com a posse de Biaggio como diretora professores como Cláudia Rego Glória Maria Lages e alguns ou tros tiveram suas funções reduzidas A partir desse acontecimento vários alunos insatisfeitos com as mudanças buscaram explicações junto à direção Segundo a professora Inez Farah apud RODRIGUES 1977 p 18 existia uma decisão de transformar o curso de psicologia da PUC em um curso de psicologia experi mental Mesmo o curso de mestrado da instituição apesar de ter uma área de concentração em psicologia clínica era fortemente orientado para a psicologia experimental No depoimento de uma estudante de graduação em psicologia te mos um pouco do que estava em questão Os fatos estão principalmente relacionados com as trocas na direção do Departamento desde 72 das mãos do professor Paes e Barros para as de Aroldo Rodrigues e deste para Angela Biaggio esses dois últimos seguidores de uma corrente de psicologia experimental que nos vem sendo impingidas negligenciandose todas as outras posições que a psicologia possa assumir e barrando a tentativa dos estudantes e alguns professores de fazerem uma psicologia adequada à realidade brasileira RODRIGUES 1977 p 19 Este episódio nos leva a considerar de um lado os embates presentes na psicologia no Rio de Janeiro na década de 70 quando uma psicologia de base positivista se fazia presente e buscava estabelecer sua hegemonia e de outro uma resistência a essa forma de pensamento e teoria Renato Sampaio Lima 420 Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 O pedido de demissão do professor Aroldo Rodrigues em 1979 permi tiu que o ensino de psicologia na PUC se voltasse predominantemente para a área de psicologia clínica No ano de 1983 Aroldo Rodrigues assumiu o cargo de professor na Uni versidade Gama Filho e ao mesmo tempo a responsabilidade pela coordenação do Mestrado em Psicologia Social na mesma Universidade Substituindo o pro fessor Antonio Gomes Penna sua coordenação logo imprimiu ao Programa de Psicologia Social uma orientação experimental que não fora possível preservar na PUCRJ Alguns de seus alunos como Eveline Maria L Assmar e Cílio R Zi viani o ajudariam a manter os princípios de uma Psicologia Social experimental Em 1984 Aroldo Rodrigues tentou fazer concurso para o cargo de Pro fessor Titular da disciplina Psicologia Social na Universidade Federal Flumi nense A sua busca por uma vaga em uma universidade pública por considerar as condições de trabalho melhores foi inviabilizada pela não aceitação da sua inscrição pelos professores desta mesma instituição Embora não houvesse con cordância no corpo docente este negou a concessão do documento de notório saber que lhe permitiria fazer o concurso É possível que diferentemente de como o concebe Aroldo Rodrigues esse acontecimento seja uma resposta aos episódios de 1976 quando houve uma gre ve dos alunos em resposta à demissão de alguns professores e o de 1979 como apresentamos anteriormente Em 1984 a comunidade acadêmica de psicologia no Rio de Janeiro tinha pleno conhecimento da inclinação teórica do professor Aroldo Rodrigues porém o que provocou resistência à sua participação no con curso teria sido sua posição política entre 1976 e 1979 na PUCRJ Conforme afi rma Lima 2008 houve uma divisão no corpo docente em relação à participa ção do professor Aroldo Rodrigues no concurso da UFF Em 1991 após muitos desgastes Aroldo Rodrigues deixa o Brasil e vai lecionar na Universidade do Estado da Califórnia em Fresno Estados Unidos Os embates com os psicólogos no Rio de Janeiro ocorreram sobretudo em função da discordância quanto ao modelo de ciência e psicologia Na PUCRJ a discordância relativa ao predomínio da clínica psicanalítica considerada por Aroldo Rodrigues como não científi ca retiroulhe aos poucos o respaldo que tinha da direção da instituição Quanto aos psicólogos sociais do Rio de Janeiro a fi gura que poderia lhe impor mais ressalvas seria Eliezer Schneider A forma que este construía as au las de Psicologia Social permitiulhe escapar do simples uso dos manuais norte americanos e utilizar referências de áreas como a sociologia a antropologia e a fi losofi a No entanto não havia produção bibliográfi ca tão sistematizada como os vários livros que apresentavam a Psicologia Social norteamericana Além disso a partir de 1972 o livro Psicologia Social RODRIGUES ASSMAR JA BLONSKI 2000 passou a ser uma referência no estudo da Psicologia Social Tal livro encontrase atualmente na 18ª edição no Brasil sendo também editado em vários outros países da América Latina História da Psicologia Social no Rio de Janeiro dois importantes personagens Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 421 CONSIDERAÇÕES FINAIS A apresentação da história destes dois personagens nos aproxima das dis cordâncias e confrontos presentes no campo da Psicologia Social no Rio de Ja neiro nas décadas de 1960 70 e 80 As contribuições destes autores ainda se fazem sentir seja a partir das discordâncias que ainda geram seja em função de suas colaborações teóricas metodológicas e pela formação de pesquisadores no campo da Psicologia Social A partir da crise como sustenta Rodrigues 1979c a Psicologia Social passou a se preocupar com a relevância social das pesquisas em psicologia Toda via diferentemente desse autor que fez uso da solução apresentada por Varela com a Tecnologia Social os psicólogos sociais críticos à posição de Aroldo Rodrigues sustentaram a necessidade de a psicologia transformar a realidade social brasileira Um trabalho que busque apresentar a constituição recente do campo da Psicologia Social no Rio de Janeiro mais do que contribuir para a apresentação de temas que promoveram uma refl exão sobre as rupturas teóricas e metodológi cas neste campo permite pensarmos sobre os outros caminhos que começam a se delinear na Psicologia Social em nosso país NOTAS 1 Spence foi professor de Schneider durante seu mestrado na Iowa University e um dos mais destacados discípulos de Clark Hull 2 Trabalho apresentado no Fórum de Psicologia Social realizado em outubro de 1970 organizado pela Associação Brasileira de Psicologia Aplicada 3 Padre Benkö Natural de Paks Hungria Cursou entre 1949 e 1951 licenciatura em Psicologia na Universidade Católica de Louvain Na mesma instituição doutorouse em Psicologia Aplicada No ano de 1954 fi xa residência no Brasil Em 1957 aceita o convite do padre Alonso e passa a dirigir o Instituto de Psicologia Aplicada na PUCRJ 4 Padre Antonius Bënko PhD em Psicologia pela Universidade de Louvain na Bélgica assumiu a coordenação do curso criado por Hanns Lippmann e me incentivou a voltar aos Estados Unidos para fazer meu PhD Ele prometeu manter a minha posição na Universidade Católica até o meu regresso e que haveria uma promoção automática a partir do meu retorno com o grau de doutor Com estes incentivos eu me candidatei à UCLA para o ano letivo de 196263 Tradução nossa 5 As coisas foram bem no início mas logo começaram a mudar A enorme diferença entre as instalações que eu utilizava na UCLA e as limitações do incipiente departamento de psicologia da Universidade Católica imediatamente indicoume que eu tinha de baixar consideravelmente o meu nível de aspiração como as atividades de investigação que estavam em causa Pior que isso no entanto foi a minha profunda decepção com alunos e colegas que mostraram muito pouco se houve algum interesse na investigação na teoria do equilíbrio Tradução nossa 6 Miguel Reale 19102006 catedrático de Direito exReitor da Universidade de São Paulo e membro da Academia Brasileira de Letras é autor de obras de várias áreas como História Filosofi a Sociologia e Direito 7 A série de cartas extraídas em grande parte do Jornal do Brasil da Folha de São Paulo e do Estado de São Paulo foi compilada e publicada por Antonio Paim no livro Liberdade Acadêmica e Opção Totalitária de 1979 8 Conforme aponta Soares 2001 este termo veio a denominar outros possíveis campos de atuação do psicólogo como alternativa à prática clínica então hegemônica e não deve ser confundido com a teoria da psicologia comunitária Renato Sampaio Lima 422 Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 REFERÊNCIAS ARRUDA A A Associação Brasileira de Psicologia Social ABRAPSO In CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA DA COMUNIDADE E TRABALHO SOCIAL 1 Anais Belo Horizonte Rumos 1992 p 359361 tomo 2 BOMFIM E M Psicologia Social no Brasil Belo Horizonte Campo social 2003 FIGUEIREDO E de L Marxismo e Liberdade Acadêmica In PAIM A liberdade acadêmica e opção totalitária um debate memorável São Paulo Artenova 1979 p 6774 GARCIAROZA L A Neutralidade Científi ca In PAIM A Liberdade acadêmica e opção totalitária um debate memorável São Paulo Artenova 1979 JACÓVILELA A M Org Eliezer Schneider professor o afeto como método In Eliezer Schneider Rio de Janeiro Imago 2001 p 1122 KRÜGER H Eliezer Schneider e a Psicologia Social no Rio de Janeiro In JACÓVILELA A M Org Eliezer Schneider Rio de Janeiro Imago 2001 v 1 p 4974 Coleção Pioneiros da Psicologia Brasileira LANE S T M A tecnologia social na psicologia controvérsias Psicologia ciência e profi ssão Brasília v 5 n 1 p 1820 1985 O que é Psicologia Social São Paulo Brasiliense 1981 LIMA R S História da Psicologia Social no Rio de Janeiro entre as décadas de 1960 e 1990 2008 190 p Tese DoutoradoUniversidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2008 OSUNA L V Uma História do Curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 19531979 1998 Monografi a Curso de PsicologiaUniversidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 1998 PAIM A Liberdade acadêmica e opção totalitária um debate memorável São Paulo Artenova 1979 PENNA A G Eliezer Schneider 19161998 In JACÓVILELA A M Org Eliezer Schneider Rio de Janeiro Imago 2001 História da Psicologia Social no Rio de Janeiro dois importantes personagens Fractal Revista de Psicologia v 21 n 2 p 409424 MaioAgo 2009 423 REALE M A Filosofi a como Autoconsciência de um Povo In Pluralismo e Liberdade 2 ed São Paulo Expressão e Cultura 1998 p 6378 RODRIGUES A The full cycle of an Interamerican journey in social psychology In LEVINE R V RODRIGUES A ZELEZNY L Career Journeys in Social Psychology New York Taylor Francis Group 2008 Sobre o Desconhecimento das Aplicações da Psicologia Social Psicologia teoria e pesquisa Brasília v 2 n 1 p 4255 janabr 1986 O declínio da liberdade acadêmica a crise não é a que vem de fora mas a que vem de dentro In PAIM A Liberdade acadêmica e opção totalitária um debate memorável São Paulo Artenova 1979a Lições da Crise da PUC In PAIM A Liberdade acadêmica e opção totalitária um debate memorável São Paulo Artenova 1979b Estudos em Psicologia Social Petrópolis Vozes 1979c A passagem apertada Rádice revista de psicologia Rio de Janeiro ano 1 n 4 p 1619 1977 RODRIGUES A ASSMAR E M L JABLONSKI B Psicologia Social 18 ed Rio de Janeiro Vozes 2000 SÁ C P Eliezer Schneider e a Psicologia Social no Brasil um depoimento afetivo e acadêmico In JACÓVILELA A M Org Eliezer Schneider Rio de Janeiro Imago 2001 SCHNEIDER E A psicologia social como problema humano uma síntese psicohistórica de seus primórdios Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada Rio de Janeiro v 37 n 3 p 318 julset 1985 Psicologia Social histórica cultural política Rio de Janeiro Guanabara Dois 1978 A Psicologia Social no Brasil Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada Rio de Janeiro v 23 n 4 p 913 outdez 1971 SOARES A B Psicologia comunidade e intervenções olhares em DES construção 2001 Dissertação Mestrado Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2001 Recebido em maio de 2009 Aceito em agosto de 2009 EM DEBATe A TECNOLO PSICOLOGIA CON Três estudiosos apresentam a Psicologia Ciência e Profissão suas posições a respeito da Psicologia Social hoje suas principais tendências possibilidades de atuação prática e perspectivas futuras Dentro disso a discussão de uma questão controvertida a Tecnologia Social C onjunto de conhecimentos aplicáveis na resolução de problemas enfrentados pelo homem em sociedade a Tec nologia Social é definida e indicada por alguns como método para solu cionar uma grande variedade de ques tões considerandose a ideologia de seu aplicador um problema secundá rio Para outros nos moldes em que a Tecnologia Social vem sendo aplica da a questão da ideologia se coloca como ponto fundamental de dis Ciência e tecnologia a serviço do homem Psicologia Ciência e Profissão Quais as principais linhas da Psicologia Social hoje Com qual delas seu trabalho se identifica Aroldo Rodrigues Já houve tempo em que várias linhas transitavam na Psi cologia Social com destaque mais ou menos igual Recentemente porém o domínio do cognitivismo é indiscutí vel o que justifica a seguinte afirma ção de Markus e Zajonc 1985 no capítulo que escreveram para a re cémsaída terceira edição do The Handbook of Social Psychology A Psicologia Social dos anos 50 e 60 era caracterizada por uma diversidade de enfoques Algumas pesquisas eram apresentadas numa linguagem de estí muloresposta outras nas tradições da teoria de campo e da Gestalt e o restante era conceitualizado em ter mos cognitivos A mudança desde en tão tem sido de proporções revolucio nárias impelindo praticamente todos os investigadores a verem os fenôme nos psicossociais sob uma perspectiva cognitiva Psicologia Social e Psicolo gia Social cognitiva são hoje quase sinônimos O enfoque cognitivo é agora claramente dominante entre os psicólogos sociais não havendo pra ticamente competidores De forma semelhante se expressa a psicóloga francesa Montmollin 1982 ao dizer por cognitivo devem ser entendidas em psicologia social as atividades psicológicas internas pelas quais o in divíduo ou cada membro de um gru po apreende e interpreta os estímulos sociais pessoais condutas e eventos observados objetos e situações so ciais que se encontram em seu am biente Interessanos pois o que ocorre na cabeça do sujeito quando se encontra na presença de outros nos processos de aquisição categori zação combinação enfim de proces samento de informações que termi nam na expressão verbal de um juízo de atribuição eou avalização Eu pessoalmente me identifico inteira mente com esta linha cognitiva em Psicologia Social embora muitas pes soas no Brasil que obviamente nunca leram meus livros e artigos me cha mem de behaviorista PCP Em que consistem as diferenças e semelhanças dessas linhas E como define e defende a sua posição AR A diferença entre a Psicologia Social cognitivista e a de característi cas lewinianas e gestálticas não é mui to grande elas se distinguem porque esta última se prende a princípios rígi dos da teoria de campo e da Gestalt enquanto a Psicologia Social cognitiva contemporânea faz apelo às contribui ções de Lewin e da Gestalt sem se limitar a elas O enfoque cognitivo se distingue essencialmente do enfoque comportamentalista de vez que este quase não considera os processos me GIA SOCIAL NA TROVÉRSIAS cussão Psicologia Ciência e Profissão convidou três psicólogos sociais para darem seus depoimentos sobre a questão Nossa idéia inicial era apre sentar um texto coeso resumo de um debate envolvendo os três entre vistados Mas na impossibilidade de reunilos pois não estavam geografi camente próximos optamos por depoimentos individuais A seguir as opiniões de Aroldo Rodrigues coor denador do Programa de pósgradu diadores não observáveis porém cla ramente inferíveis que caracterizam as cognições ou representações so ciais das pessoas PCP Em que consiste a Tecnologia Social Qual a sua relevância AR A Tecnologia Social consiste na utilização dos achados científicos das Ciências Sociais a fim de resolver pro blemas sociais O tecnólogo social se fundamenta nos dados científicos existentes combinaos e através de ação da Universidade Gama Filho PhD em Psicologia pela Universidade da Califórnia e introdutor das idéias de Jacobo Varela especialista no as sunto no Brasil Sílvia Lane vice reitora acadêmica e professora titular de Psicologia Social no curso de pós graduação da PUC Pontifícia Universidade Católica e Wanderley Co do professor de Psicologia Social na USP de Ribeirão Preto e autor de O que é Alienaçãoe O que é corpola tria entre outros títulos sua criatividade utilizaos na resolu ção de problemas sociais Como bem diz Jacobo Varela o inventor da Tec nologia Social tecnologia é síntese enquanto ciência é análise Jacobo Varela no Uruguai e Euclides San chez e Esther Wiesenfeld na Vene zuela são em minha opinião os mais destacados tecnólogos sociais da atualidade A tecnologia social surgiu na América Latina e não nos países do primeiro mundo provavelmente devi do à necessidade premente de resol ver graves problemas sociais existen tes nos países do terceiro mundo Os países desenvolvidos podem darse ao luxo de descobrir muitas coisas e não aplicálas não é o caso dos países do terceiro mundo onde a gravidade dos problemas sociais está a exigir o es forço dos cientistas e dos tecnólogos sociais os primeiros através de des cobertas de relações nãoaleatórias entre variáveis que permitem aos se gundos criar soluções para a resolu ção de problemas concretos Dedican dose à resolução dos problemas so ciais a relevância da Tecnologia So cial dificilmente pode ser superesti mada É necessário que ela seja mais e mais desenvolvida entre nós sem pre porém ancorada em descobertas científicas sólidas que facilitem o tra balho do tecnólogo social PCPQuais as implicações éticas políti cas e ideológicas do uso da Psicologia Social AR É claro que toda atividade prática envolve problemas de natureza ética política e ideológica A Tecnologia Social não está isenta desses proble mas É preciso que o tecnólogo social deixe bem claro quais são os seus valores para que as pessoas que com ele lidam possam julgar as soluções que apresenta O trabalho do tecnólo go social há de ser franco aberto sincero e honesto Isso se consegue através da explicitação de seus valo res às pessoas a quem sua atuação possa vir a influenciar Não há como evitar a influência dos valores pes soais em sua atuação PCP Qual o papel da Psicologia So cial nesse quadro AR A Psicologia Social como ciência básica que é tem muito a contribuir para a atividade do tecnólogo social Embora a quase totalidade das pes soas discordem de mim eu pessoal mente estou seguro de que a ciência é neutra em sua procura das relações nãoaleatórias entre variáveis Admi to que a escolha do tema e até o relatório do cientista possam não ser neutros O produto final isto é o conhecimento novo que surge este é inexoravelmente neutro pois toda a comunidade cientifica o fiscaliza Ninguém acredita ingenuamente no que um cientista diz é necessário que ele prove o que diz Na publicidade e na necessidade de o cientista descre ver em detalhes como chegou ao co nhecimento por ele apresentado é que reside a grande salvaguarda da ciência contra tendenciosidade e vieses pes soais Penso pois que assim devem marchar a Psicologia Social e a Tecno logia Social a primeira procurando séria honesta e objetivamete o co nhecimento da realidade social em que vivemos a segunda baseada nesse conhecimento planejando in tervenções dedicadas à resolução de problemas sociais PCP Como está a Psicologia Social no Brasil e o que tem surgido de novo AR A Psicologia Social no Brasil não Bock AMB Ferreira MR Gonçalves MGM Furtado O Sílvia Lane e o Projeto do Compromisso Social da Psicologia 46 SÍLVIA LANE E O PROJETO DO COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA Ana Mercês Bahia Bock Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo Brasil Marcos Ribeiro Ferreira Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis Brasil Maria da Graça M Gonçalves Odair Furtado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo Brasil RESUMO Este artigo apresenta os principais aspectos da trajetória da Profa Sílvia Tatiana Maurer Lane desde a construção de uma Psicologia Social crítica até a formulação de um projeto de compromisso social da Psicologia A Profa Sílvia Lane foi pioneira nas formulações teóricas que colocaram a Psicologia Social brasileira em questão ressaltando a necessidade de se explicitar seu vínculo com interesses dominantes e de se redirecionar sua produção no sentido de contribuir para a transformação social Nessa trajetória aliou teoria e prática contribuindo para a revisão de conceitos e métodos e para a organização da área Trabalhou incansavelmente e em várias frentes para produzir uma Psicologia Social que reconhecesse o caráter histórico dos fenômenos sociais e humanos e a pessoa como sujeito ativo e histórico Inicialmente o artigo relata sua presença marcante dentro dessa perspectiva na história da Psicologia Social brasileira e latinoamericana A seguir são apontadas as principais características de sua produção teórica na elaboração de uma Psicologia Social sóciohistórica Por fim discutese seu importante papel na afirmação de uma psicologia comprometida com as realidades brasileira e latinoamericana conhecedora dessa realidade contribuiu para a construção de instrumental teóricoprático para sua transformação na direção de uma sociedade justa e igualitária Ou seja uma psicologia com compromisso social PALAVRASCHAVE Psicologia SócioHistórica compromisso social história da Psicologia Social SÍLVIA LANE AND THE PROJECT FOR A SOCIALLY COMMITTED PSYCHOLOGY ABSTRACT This article presents the main aspects of the academic trajectory of Professor Sílvia Tatiana Maurer Lane from the initial proposal of a critical Social Psychology to the formulation of a project for a socially committed Psychology Sílvia Lane was a pioneer in theoretical propositions which questioned mainstream Brazilian Social Psychology emphasizing the need to expose its ties with the dominant economic and political interests and redirect ing its production towards social transformation In her career trajectory she brought together theory and praxis contributing to the revision of concepts and methods and to the organization of this area of knowledge She worked tirelessly in various fronts to produce a Social Psychology that could recognize the historical character of social and human phenomena and that conceived people as active and historical beings The text begins by situating her re markable presence within this critical perspective in Brazilian and Latin American Social Psychology In sequence it presents the main characteristics of her theoretical production concerning the development of a SocioHistorical Social Psychology At the conclusion it emphasizes her role in consolidating a Psychology that is intrinsically compromised with Brazilian and LatinAmerican realities being familiar with this reality she contributed to the construction of theoreticalpractical instruments for its transformation in the direction of a society based on justice and equality To put is in a different manner the development of a socially committed Psychology KEYWORDS SocioHistorical Psychology social compromise history of Social Psychology A professora Sílvia Tatiana Maurer Lane tem uma trajetória de vida profissional no campo da Psicologia Social que faz dela uma das mais importantes influên cias no desenvolvimento de um novo projeto para a Psi cologia o projeto do compromisso social Seu trabalho sempre aliado ao de outras pessoas produziu novos ca minhos para a Psicologia Sua produção teórica permitiu a construção de novas perspectivas no campo da Psico logia Social sendo responsável pelo desenvolvimento da perspectiva sóciohistórica na Psicologia Social no Brasil Suas idéias sobre a prática permitiram a constru ção da Psicologia Social Comunitária Seu empenho na América Latina criou intercâmbios e trocas fortalecen do o diálogo no campo da Psicologia entre profissionais deste continente Seus princípios permitiram apoio na construção de um novo projeto de Psicologia Psicologia Sociedade 19 Edição Especial 2 4656 2007 47 Sílvia Lane foi guiada pelo princípio de que o conhe cimento produzido deveria sempre ser útil para a trans formação da realidade na direção da criação de condi ções dignas de vida para todos O conhecimento e a pro fissão deveriam estar a serviço da transformação e com estas idéias Sílvia Lane contribuiu para uma revolução na Psicologia Com o rompimento com a tradição elitista da Psicologia com a preocupação com a construção de um novo projeto para a ciência e para a profissão com a adesão a uma nova concepção de homem para a Psicolo gia e com o esforço para aproximar a América Latina Sílvia Lane apontou as exigências e condições para um novo projeto para a Psicologia E desta forma podese apontar Sílvia Lane como uma das influências do que hoje se denomina de Projeto do Compromisso Social da Psicologia Trabalho coletivo consciência crítica e aten ção permanente e comprometida com as urgências e necessidades da população se puseram como pedras fundamentais da transformação da Psicologia e não há dúvida da importância de Sílvia Lane neste caminhar Foi professora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP e seu trabalho naquela Universi dade merece ser resgatado pois é a partir dali que se expandem sua influência suas idéias e seus convites para que um coletivo dos psicólogos se engajasse nas novas tarefas No Brasil muitos aceitaram o convite de Sílvia Lane para esta empreitada e podemse encontrar marcas desta contribuição espalhadas por todo lugar onde há psicólogos Importante registrar que este coletivo se tornou diversificado e rico porque Sílvia Lane entendia também que a partir de algumas idéias e princípios é possível e desejável esperar do outro sua produção ori ginal Neste artigo quatro alunos de Sílvia Lane desde a década de 70 na graduação em Psicologia na PUCSP até os anos 90 nos estudos pósgraduados em Psicologia Social na mesma Universidade retomam a história refletindo sobre o caminho percorrido por Sílvia Lane na Psicologia Social brasileira e da América Latina des tacando a corrente da Psicologia Sócio Histórica que se instalou nos espaços onde ela estava na PUCSP desenvolveuse na Faculdade de Psicologia daquela Uni versidade e contribuiu com a construção dos alicerces do novo projeto de Compromisso Social da Psicologia Ao se fazer esta retomada pretendese prestar uma ho menagem à professora que se tornou para todos modelo de rigor científico de compromisso político e de um professorar em permanente movimento carregado sempre da melhor inquietação Inicialmente vamos retomar a história de Sílvia Lane e da Psicologia Social ressaltando a contribuição de Sílvia Lane a partir de seu trabalho na PUCSP Em se guida vamos destacar o desenvolvimento da Psicologia Social Sóciohistórica no Brasil e a importância e papel de Sílvia Lane nesta construção E por fim traremos a idéia de uma Psicologia atenta ao contexto social como sua contribuição a um novo projeto de Psicologia como ciência e profissão Em todos estes momentos enfati zaremos os aspectos que a nosso ver são fundamento da idéia de compromisso social da Psicologia Um Pouco de História Sílvia Lane formouse em 1956 em Filosofia pela Universidade de São Paulo USP e começou sua carrei ra profissional no Conselho Regional de Pesquisa Edu cacional ligado ao Ministério da Educação o qual tinha como finalidade reformular o ensino no Brasil Sílvia Lane mantevese no Conselho até 1960 Em 1965 con vidada pela Profa Maria do Carmo Guedes passou a ministrar aulas no curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras São Bento da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo onde também tra balhava Aniela Ginsberg É neste espaço da PUCSP que Sílvia Lane construiu toda sua carreira de professora de Psicologia Social Inicialmente ligada ao Laboratório de Psicologia Experimental começou a realizar suas pes quisas em Psicologia Social Defendeu seu doutorado em 1970 na própria PUCSP realizando pesquisa sobre o diferencial semântico de Charles Osgood com o título Significado psicológico de palavras em diferentes gru pos socioculturais Na sua defesa da tese Joel Martins provocou Sílvia observando que ela trabalhara na pesquisa com Osgood mas estava namorand Skinner De fato Sílvia confessa que apesar de utilizar a escala de diferencial semântico por considerála instrumento preciso não aceitava a teoria de resíduo de Osgood Leu muito Skinner para sua pesquisa e sentia mais consistência na sua teoria do que na de Osgood com uma abertura para o ma terialismo dentro da Psicologia Sílvia nunca se con siderou skinneriana mas a materialidade daquela teo ria a atraía muito e facilitoulhe o entendimento da Psicologia Social soviética Sawaia 2002 p 33 No final dos anos 60 e início dos anos 70 a PUCSP e o Instituto de Psicologia onde Sílvia Lane era profes sora passaram por grandes transformações Foram mo mentos importantes de mobilização universitária em prol da reforma e da inovação do ensino superior Em 1971 foi criada a Faculdade de Psicologia da PUCSP a partir da fusão da Faculdade São Bento e do Sedes Sapientiae Tornouse a primeira diretora do curso de Psicologia re cém criado Tinha nas mãos o desafio de construir um novo curso de Psicologia e a Profa Sílvia Lane aceitou o desafio A estrutura e organização da Psicologia da PUC SP tornarseiam referência para os cursos no Brasil Era assim que Sílvia Lane definia esse período No curso de graduação da PUCSP tentávamos con cretizar a tese da teoria e prática no ensino levando os alunos a observações entrevistas enfim a coletar Bock AMB Ferreira MR Gonçalves MGM Furtado O Sílvia Lane e o Projeto do Compromisso Social da Psicologia 48 dados do cotidiano e confrontálos com os textos clás sicos sobre os conceitos de atitudes motivação e per cepção sociais dissonância cognitiva socialização dinâmica de grupo etc Lane 1999 A proposta era de chegar a uma revisão crítica dos conceitos Sílvia Lane entendia que era preciso superar a idéia e o hábito de fazer da realidade um exemplo dos conceitos teóricos Ter a realidade material como parâmetro era quase uma obsessão para Sílvia Lane que considerava necessário tomála como referência para a produção da ciência A realidade deveria ser critério para análise da importância e fidedignidade de dados que as pesquisas produziam e não o contrário Essa preocupação traduziuse em postura metodo lógica pois o objetivo era produzir conhecimento que possibilitasse uma compreensão da realidade que impli casse necessariamente sua transformação Sílvia Lane foi incansável na produção teórica e de pesquisa com esse norte conhecimento científico como práxis unida de entre saber e fazer Tinha claro que uma nova psico logia social só se configuraria por meio de concepções teóricas fundadas em pesquisa relevante e socialmente comprometida Para Sílvia Lane teoria e prática deve riam ser vividas como militância No entanto Sílvia Lane não tinha facilidade de en contrar eco para suas preocupações Insistentemente mantevese como professora de Psicologia Social e ali fazia seu esforço para cultivar novas concepções sobre pesquisa ciência e Psicologia e procurou ocupar espa ços onde estas intenções pudessem ter desenvolvimento Criou em 1977 com o Prof Alberto Abib contando depois com a participação da Profa Odette de Godoy Pinheiro um trabalho em Psicologia nos Sindicatos e comunidades operárias de Osasco em uma disciplina intitulada A Psicologia Social na prática clínica A temática era um achado na medida em que a maioria esmagadora dos alunos da Faculdade de Psicologia da PUCSP se especializava na área clínica Esta área mes mo com o tipo de ensino crítico ministrado ali apresen tava um forte viés individualista Apesar do compromis so político de boa parte dos professores o instrumental teórico era voltado para o atendimento nos consultórios privados e a ideologia reproduzida por esse modelo de atendimento era a do psicólogo como profissional libe ral¹ O curso ministrado na Faculdade de Psicologia reunia a visão crítica e a militância acadêmica de Sílvia Lane e a militância no movimento operário de Alberto Abib Andery Esta experiência que ocorreu principalmente na ci dade de Osasco cidade pertencente à Grande São Paulo com certa concentração industrial e com vários bairros operários leva tanto os alunos nela envolvidos quanto seus professores a uma intensa reflexão sobre os limites da teoria e da prática psicológicas É esta experiência que lançou as bases daquilo que Sílvia Lane e Bader Sawaia 1995 iriam mais adiante chamar de Psicolo gia Social Comunitária O relato sistematizado das inú meras intervenções realizadas nessa ocasião foi apresen tado no Primeiro Encontro Regional de Psicologia na Comunidade promovido pela Associação Brasileira de Psicologia Social ABRAPSO e pela PUCSP em 1981 Os anais desse encontro acabaram por se transformar na referência mais freqüentemente citada por todos aque les que passaram a trabalhar com a psicologia comuni tária² Os trabalhos de Osasco permitiram um profundo questionamento tanto da metodologia quanto da teoria da psicologia social Recuperouse a experiência já consagrada de Paulo Freire com sua obra Pedagogia do oprimido leuse Alberto Merani debateuse a ne cessidade e preponderância do método qualitativo de pesquisa falouse em pesquisaação ou pesquisa parti cipante Questionouse profundamente o parâmetro teó rico da psicologia social De uma hora para outra ape nas a discussão crítica da Psicologia Social americana não era mais suficiente Tratouse de superar radicalmente uma psicologia por demais comprometida ideologica mente e que não cabia em nossa realidade Este processo teve seu início em outras iniciativas também importantes a disciplina Estudos livres no curso de graduação em Psicologia ministrada pela Profa Sílvia permitia livres reflexões sobre o conhecimento e a relação da Psicologia com a realidade social nos anos 74 e 75 A disciplina ministrada pelo Prof Abib Confi guração sóciopsicológica do trabalhador brasileiro ia na mesma direção A idéia fixa de relacionar mais de perto a prática com a teoria permitindo um conhecimento crítico e uma prática consistente levou Sílvia Lane à pro posta de Núcleos como formas organizadoras do curso para o 4º e 5º anos da Faculdade de Psicologia Estáva mos em 197475 Os núcleos eram práticas profissionais em forma de estágio acompanhadas de disciplinas teóricas que lhes davam sentido e permitiam a crítica a partir das experiências vividas como exercício e treina mento profissional As críticas apontadas por Sílvia Lane e as reflexões produzidas nessas experiências encontraram espaço ade quado para seu desenvolvimento quando se consolidou o programa de estudos pósgraduados em Psicologia Social da PUCSP Criado em 1972 com a participação de Sílvia Lane o programa permitiu a reunião de esfor ços para a produção de uma nova perspectiva em Psico logia Social Sílvia ministrou disciplinas que se propu nham a fazer revisões críticas de experimentos e pesqui sas indexados no Psychological Abstracts A constatação da inconsistência dos resultados encontrados e de sua Psicologia Sociedade 19 Edição Especial 2 4656 2007 49 inadequação a fenômenos sociais presentes na realidade pesquisada no Brasil apontou para um vazio teórico que gerou a certeza de que era urgente o desenvolvimento de pesquisas que levassem a uma nova sistematização Sua preocupação básica em construir uma psicolo gia social voltada para a realidade brasileira e latino americana com vistas a contribuir para a superação das desigualdades e das situações de opressão demandava uma construção teórica que permitisse compreender o homem como participante do processo social Nesse sen tido entendia que o conhecimento da psicologia deveria levar à compreensão dos mecanismos que provocam a alienação e contribuir para ampliar a consciência dos homens Sua teoria sobre o psiquismo teve essa direção A obra teórica de Sílvia Lane pode ser lida de várias formas com diversos recortes Mas são fundamental mente dois aspectos de grande complexidade os que es tão na sua base e apontam para essa perspectiva de com preensão do homem a relação subjetividade e objetivi dade e a formação e o papel dos valores A forma como tratou esses aspectos complexos revela outra marca da produção de Silva Lane simplicidade de proposições calcada em pesquisa rigorosa A Profa Sílvia Lane traduziu nessas duas questões a preocupação em investigar e compreender como o indi víduo está implicado com a sua sociedade como se co loca nela o que permite ou impede que ele compreenda as determinações sociais e como pode agir sobre elas Uma parte de sua discussão caminhou como vimos acima pela crítica à psicologia social predominante em nosso meio Era a psicologia social norteamericana de base experimental e positivista que falava de mecanis mos psicológicos universais e abstratos desconsiderando o conteúdo histórico e social presente na constituição do homem A psicologia social cognitivista coloca como objeto as relações interpessoais e a influência de fatores sociais no indivíduo mas estabelecendo uma dicotomia entre indivíduo e sociedade e dentro de uma perspectiva naturalizante Tais formulações estão baseadas em um método experimental que busca relações causais entre variáveis e estabelece a necessidade de verificação empírica de princípios teóricos Baseado no positivismo o método prega a neutralidade do conhecimento cientí fico e a distinção entre o conhecimento e a ação ou seja entende que o conhecimento deve ser objetivo e desvinculado de qualquer intenção em relação a seu uso Cada um desses pontos foi questionado e discutido por Sílvia Lane Seu conhecimento sobre Lewin e Skinner já a levara a questionar a dicotomia entre subjetividade e objetividade Entendia que ambos traziam contribuições importantes para a compreensão do indivíduo mas as perspectivas que desvinculavam o indivíduo de seu contexto não eram suficientes para se entender o homem social Considerava que no caso da psicologia social cog nitivista isso era mais grave pois o que se produzia era uma psicologia que não atentava realmente para as ques tões sociais já que elas eram apenas pano de fundo para os acontecimentos do mundo psíquico A aproximação de Sílvia Lane com autores da Psico logia Social de outros países da América Latina foi tam bém essencial em todo este processo Foi a partir de 1976 que aqueles que realizavam ex periências semelhantes na América Latina passaram a estabelecer contato e de uma maneira informal a traçar um programa alternativo para a Psicologia Social de cu nho experimental desenvolvida nos Estados Unidos e que até então era dominante também no Brasil É o caso entre outros tantos da peruana Gladys Montecinos das venezuelanas Maritza Monteiro e Maria Auxiliadora Banchs do cubano Fernando González Rey e do espa nhol radicado em El Salvador Ignacio MartínBaró Sil via Lane analisou e se referiu a este período trazendo a importância de a Psicologia Social dialogar com outras Psicologias Sociais de países da América Latina como pode ser visto em entrevista publicada no PSI Jornal de Psicologia do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo CRPSP em 2000 A Psicologia Social no Brasil era um zero à esquer da não interferia em nada não ajudava em nada quer dizer era um saber que estava lá que partia das teorias americanas para explicar a realidade brasi leira Era preciso compreender como o latinoameri cano singulariza o universal na constituição particu lar de sua existência Lane 2000 O trabalho social iniciado no curso de graduação da PUCSP o desenvolvimento das pesquisas no curso de pósgraduação e as relações na América Latina se uni ram enquanto aspectos fundamentais para a construção da nova perspectiva em Psicologia Social Uma perspec tiva que segundo Sílvia Lane deveria começar explicitando uma nova concepção de homem na psico logia um homem social e histórico E para compreen der esse homem e como as determinações históricas es tão em relação com ele seria necessário um outro méto do O materialismo histórico e dialético será o método que ela vai adotar e desenvolver na psicologia social Sem dúvida o marxismo como postura epistemoló gica estava na minha cabeça como proposta para superar a ideologização da nossa ciência E foi um desafio encontrar um eixo marxista para desenvolver uma nova psicologia social Lane 2000 Portanto juntavase aos ingredientes já comentados o marxismo Esta perspectiva como ela mesma disse Bock AMB Ferreira MR Gonçalves MGM Furtado O Sílvia Lane e o Projeto do Compromisso Social da Psicologia 50 epistemológica vai contribuir para a superação do positivismo na forma de fazer ciência para a elaboração de novos métodos de pesquisa e para a afirmação do homem como sujeito histórico A afirmativa de que o positivismo na procura da ob jetividade dos fatos perdera o ser humano decorreu de uma análise crítica de um conhecimento minucio so enquanto descrição de comportamentos que no entanto não dava conta do ser humano agente de mudança sujeito da história O homem ou era social mente determinado ou era causa de si mesmo socio logismo vs biologismo Se por um lado a psicanálise enfatizava a história do indivíduo a sociologia recu perava através do materialismo histórico a especifici dade de uma totalidade histórica concreta na análise de cada sociedade Portanto caberia à Psicologia Social recuperar o indivíduo na intersecção de sua história com a história de sua sociedade apenas este conhecimento nos permitiria compreender o homem como produtor da história Lane 1984a p 13 Essa formulação expressa a elaboração realizada no processo de crítica à psicologia social tradicional e bus ca de novas referências a que nos referimos acima Uma nova postura epistemológica metodológica e ontológica vai subsidiando a constituição de novas categorias e con ceitos explicativos do psiquismo A partir do materialismo histórico e dialético Lane produziu então uma nova psicologia social cujo obje to em vez de relações interpessoais e influências so ciais como propunha a psicologia social tradicional seria o homem como ser histórico a dialética entre indi víduo e sociedade o movimento de transformação da realidade O objetivo era compreender o indivíduo em relação dialética com a sociedade a constituição históri ca e social do indivíduo e os elementos que explicam os processos de consciência e alienação e as possibilidades de ação do indivíduo frente às determinações sociais O método materialista histórico e dialético tem recur sos para se compreender o homem dentro da totalidade histórica a partir das categorias da dialética totalidade contradição empíricoabstratoconcreto mediação Além disso esse método considera que sujeito e objeto estão em relação dialética portanto não há neutralidade no conhecimento há sempre uma intenção do sujeito sobre o objeto Essa intenção é histórica e deve ser con siderada Em outras palavras o materialismo histórico e dialético permite trabalhar com a historicidade dos fe nômenos e por isso contrapõese à sua naturalização Boa parte da obra de Sílvia Lane foi para desenvolver uma compreensão do psiquismo fundamentada nesses pressupostos E de maneira coerente tais formulações foram pro duzidas a partir de pesquisas realizadas com métodos adequados à compreensão da realidade como contra ditória em processo de transformação constante e do conhecimento como práxis Dentre as novas metodologias destacouse a pes quisaação participante A concepção de pesquisa parti cipante anulava toda discussão sobre a neutralidade da ciência e do pesquisador Tratavase então de discutir o compromisso social do pesquisador É importante situar no tempo estes esforços Está vamos nos anos 70 nos anos de chumbo da sociedade brasileira e o desenvolvimento de concepções progres sistas dentro de algumas Universidades como a PUC SP era um fato Havia clima adequado para as reflexões e críticas que Sílvia Lane propunha agora já acompa nhada de um grupo de professores do Programa de Pós Graduação em Psicologia Social Bader Sawaia Suely Rolnik Leonor Gaioto Antônio Ciampa Maria do Carmo Guedes entre outros e reunindo alunos orientandos que buscavam alternativas para a tradicional Psicologia So cial Wanderley Codo 1981 Renate Sanchez 1974 Antonio Ciampa 1977 e 1986 Alfredo Naffah 1983 Carlos Peraro Filho 1978 e 1988 Irede Cardoso 1978 Bader Sawaia 1979 e 1987 Ivanise Leite 1979 Eizabeth Lenza 1981 Maria Lucia Violante 1981 Fernando Pontes 1983 Sylvia Friedman 1985 Brígido Camargo 1985 Elvira Wagner 1986 Sueli Terezinha Martins 1987 Denise Camargo 1988 entre outros Sílvia Lane seus alunos e colaboradores se volta ram dessa forma para a tarefa de construir uma alter nativa teórica que estivesse consoante com os proble mas enfrentados no cotidiano da realidade brasilei ra E é importante frisar que essa construção teórica se dava em todos os espaços que Sílvia Lane ocupava como professora pesquisadora e militante por uma psicologia social crítica Ela foi protagonista dessa posição em vários even tos dentre eles debates com Aroldo Rodrigues o repre sentante no Brasil da psicologia social cognitivista Nos debates Aroldo Rodrigues afirmava que aquilo que Sílvia Lane fazia não era ciência era política Se gundo ele a Psicologia Social é uma ciência básica e neutra a ela cabe descobrir as relações estáveis entre variáveis psicossociais a fim de possibilitar ao tecnólogo social a solução dos problemas sociais de forma cons ciente e não improvisada Rodrigues 1986 apud Sawaia 2002 Em suas respostas Sílvia Lane afirmava que o fundamental neste momento é a psicologia rever sua prá tica pois teoria e prática têm que vir juntas Não se pode dividir a psicologia social em ciência aplicada e pura Lane 1986 apud Sawaia 2002 No final dos anos 70 Sílvia e seus orientandos reali zaramuma intensa discussão teóricometodológica no Psicologia Sociedade 19 Edição Especial 2 4656 2007 51 Programa de Estudos PósGraduados em Psicologia So cial da PUCSP formalizando e sistematizando o pro cesso de revisão metodológica da Psicologia Social Nesse processo foi feita a releitura de George Mead e de Politzer discutiuse a crítica feita à psicologia social por Poitou Bruno e Pêcheux a partir do livro organiza do por Serge Moscovici Introduction de la Psychologie Sociale discutiuse o conceito de Representação Social também debruçaram sobre as questões da linguagem analisando e Teorias da Psicologia da Linguagem de Robert Terwilliger Mas é com a redescoberta de Vigotski Luria e Leontiev que se tornou possível o salto de qualidade que levou à fundamentação das categorias básicas do psiquismo a consciência a atividade e a iden tidade que foi levado ao público através da principal obra do período Psicologia Social O homem em movi mento organizado por Sílvia Lane e Wanderley Codo em 1984 Completaram este trabalho a teoria da iden tidade como metamorfose elaborada por Antonio da Costa Ciampa em tese de doutorado de 1987 A estória do Severino e a história da Severina e a discussão sobre consciência realizada por Bader Sawaia no seu douto rado A consciência em construção no trabalho de cons trução da existência em 1987 Com esse desenvolvimento teórico pela primeira vez criouse de fato uma alternativa à psicologia social norteamericana O mesmo movimento realizado por Florestan Fernandes de busca da realidade social do trabalho empírico da busca de alternativas metodológica para se construir a base de uma teoria consistente foi realizado por Sílvia Lane no campo da Psicologia So cial Em artigo comentando os cursos e programas de psicologia social no Brasil ministrados entre 1983 e 1993 Sergio Ozella identifica a importância que o aporte teó rico desenvolvido na PUCSP ganhou neste período Em 1983 os autores mais citados e indicados como leitura nos cursos de psicologia social eram Aroldo Rodrigues 54 menções J L Freedman 36 Solomon Asch 29 Krech Crutchfield e Ballachey 29 e Sílvia Lane com o seu introdutório O que é a Psicologia Social 22 Em 1993 Sílvia Lane e Wanderley Codo com Psicologia Social O homem em movimento recebem 63 menções seguidos do livro Psicologia Social de Aroldo Rodrigues com 36 Em terceiro lugar O que é a Psicologia Social com 28 menções Foi o coroamento de um intenso e im portante trabalho realizado por Sílvia durante todos aque les anos investindo na construção da Psicologia Social no Brasil e na América Latina Naqueles intensos anos 70 e 80 com toda aquela movimentação e esforços para a renovação ocorreu a construção da ABRAPSO em 1980 Reunindo profes sores da PUCSP orientandos do programa de pósgra duação e outros profissionais e professores de outras escolas Sílvia Lane fundou a Associação Brasileira de Psicologia Social Havia naqueles anos a ALAPSO Associação Latinoamericana de Psicologia Social mas era uma entidade sem representatividade que servia apenas de espaço de projeção para alguns poucos que nela se mantinham sem qualquer esforço de construção de uma Psicologia para a América Latina Em 1979 apro vouse no encontro da SIP Sociedade Interamericana de Psicologia no Peru a proposta de criar associações nacionais substituindo a ALAPSO Ainda em 1979 quando Sílvia Lane retornou ao Brasil organizou um Encontro de Psicologia Social e realizou reunião para debater a criação da ABRAPSO Segundo Sílvia uma das principais realizações do encontro foi a de conscien tizar os participantes psicólogos de que suas perplexida des percebidas até então como sentimentos individuais eram compartilhadas por cientistas de diversas áreas Sawaia 2002 p 66 Em 10 de julho de 1980 na Uni versidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ foi funda da a ABRAPSO A criação da ABRAPSO é um marco decisivo na orientação da psicologia social brasileira em direção à problemática de nossa realidade sócioeconô micapolíticacultural Também reafirma a importância fundamental de Lane que ficou na presidência nacional até 1983 Molon apud Sawaia 2002 p 67 A histó ria da Psicologia Social no Brasil tem assim uma forte presença de Sílvia Lane Esta história que caminha na direção do compromisso com a realidade brasileira e da América Latina e que em termos de produção teórica culmina com a produção da chamada Psicologia Social SócioHistórica Sílvia Lane parecia sempre saber para onde cami nhar e para onde levar a Psicologia Social mas todos aqueles que com ela conviveram sabem que ela inven tou junto ou seja prezou sempre os espaços de criação coletiva Por isto houvesse mais espaço para traçarmos todas as linhas do desenvolvimento da Psicologia Social no Brasil a partir de Sílvia os traços alcançariam a to dos que hoje se encontram no campo de uma Psicologia Social comprometida e crítica³ Uma Psicologia Social SócioHistórica A Psicologia Social que veio a ser denominada sóciohistórica surgiu nesse processo de revisão e crítica com vistas à produção de um conhecimento comprome tido com a transformação social Como vimos foram diversos os atores desse processo que resultou em um conjunto de elaborações teóricas afinadas com a idéia da desnaturalização dos fenômenos sociais Entretanto vimos também que Sílvia Lane se des tacou nesse processo e conduziu um conjunto de pes quisas e elaborações conceituais que são identificadas como psicologia social sóciohistórica Bock AMB Ferreira MR Gonçalves MGM Furtado O Sílvia Lane e o Projeto do Compromisso Social da Psicologia 52 Seus fundamentos epistemológicos metodológicos e ontológicos já foram mencionados Decorrem do ma terialismo histórico e dialético e permitem abordar os fenômenos sociais e psicológicos na sua historicidade Também mencionamos anteriormente um recorte da obra teórica de Sílvia Lane que nos permite perceber a coe rente articulação entre suas proposições teóricas e práti cas por meio da compreensão de duas importantes ques tões a dialética subjetividadeobjetividade e a forma ção e mudança de valores A partir desses fundamentos então Sílvia Lane de senvolveu a concepção de uma subjetividade em proces so dialético numa dialética subjetividadeobjetividade Teve acesso à obra dos soviéticos Luria Leontiev e Vigotski e a partir deles desenvolveu o estudo das cate gorias do psiquismo atividade consciência e identida de Articulou seus estudos sobre linguagem e processo grupal à compreensão das categorias como processos constituídos por mediações Trabalhou também nessa perspectiva com a teoria das representações sociais de Moscovici Uma pessoa é a síntese do particular e do universal ou seja sua individualidade se constitui necessaria mente na relação objetiva com o seu meio físico geo gráfico histórico e social que irão através de suas ações desenvolver o psiquismo humano constituído fundamentalmente pelas categorias consciência ati vidade e afetividade trataremos da Identidade num segundo momento Empiricamente podemos constatar as mediações constitutivas dessas categorias as emoções a lingua gem e o pensamento responsáveis pela subjetivação objetivação do psiquismo humano A análise só estará completa se considerarmos o ser humano ontogeneticamente como um ser sóciohis tórico ou seja ele se desenvolveu através de ferra mentas inventadas e de uma linguagem articulada a fim de transmitir a utilidade dessas para os seu pares Estas relações se dão através da mediação de grupos sociais dos quais um indivíduo participa necessaria mente a fim de garantir sua sobrevivência assim além de adquirir a linguagem produzida por esta socieda de desenvolve o pensamento os afetos e sentimentos É neste processo de interação que se desenvolve a sua Identidade como categoria constitutiva de seu psiquismo Indivíduo e Sociedade são inseparáveis segundo a dialética pois o particular contem em si o universal deste modo se desejamos conhecer cientificamente o ser humano é necessário considerálo dentro do con texto histórico inserido em um processo constante de subjetivaçãoobjetivação Nosso organismo é estimulado a todo momento per cebemos sentimos reagimos refletimos e agimos objetivando a nossa subjetividade a qual por sua vez se transforma num processo constante de metamor fose isto se não nos deixarmos cristalizar por papéis desempenhados sem uma reflexão crítica Lane 2002 p 12 Nesta síntese toda a riqueza das formulações teóri cas de Sílvia Lane pode ser percebida Estão aí coloca das as suas principais contribuições devemos compre ender o psiquismo como processo constante um proces so constituído na vida concreta por meio das ações vivências experiências do indivíduo e por meio de suas relações Processo contraditório revelador da dinâmica entre a totalidade social e a particularidade das situações individuais entre o universal e o singular das experiên cias humanas E processo protagonizado por sujeitos his tóricos que por serem sujeitos trazem emoção refle xão ação movimento A produção de Sílvia Lane não se desviou em ne nhum momento de seu propósito maior desenvolver uma psicologia que contribua com a transformação da socie dade A compreensão dos aspectos psicológicos como constituídos em uma dialética subjetividadeobjetivida de traz a possibilidade de superar explicações que ape nas justapõem indivíduo e sociedade e permite que ao se falar do sujeito falese necessariamente da realida de social da qual participa E compreender que ambos sujeito e sociedade estão em um movimento que tem por base as contradições do processo histórico significa po der apontar as possibilidades de transformação O aprofundamento dessa perspectiva podemos di zer encontrase com outra vertente importante da obra de Sílvia Lane como se constituem e qual o papel dos valores no processo subjetivoobjetivo ou na relação in divíduosociedade Seus estudos iniciais sobre a dimen são valorativa presente nos significados das palavras investigações realizadas com o diferencial semântico de Osgood ampliaramse com as noções de significado so cial e sentido pessoal desenvolvidas a partir de Leontiev e Vigotski no estudo da linguagem como mediação no processo atividadeconsciência Posteriormente essas investigações desenvolveramse com os estudos sobre emoções e a postulação da categoria afetividade Em relação à linguagem Sílvia Lane sempre apon tou a necessidade de se considerar os aspectos ideológi cos presentes na construção de significados Dessa ma neira pôde desenvolver a compreensão da linguagem como mediação no processo de consciência fazendo clara referência ao lugar social ocupado pelo indivíduo e às determinações históricas a que está sujeito Ao mesmo tempo considerar o indivíduo também como produtor de sentidos recolocao em posição ativa mesmo que de maneira contraditória Na verdade a investigação da ar ticulação entre significados sociais e sentidos pessoais Psicologia Sociedade 19 Edição Especial 2 4656 2007 53 possibilitada pela atividade concretiza a investigação da dialética subjetividadeobjetividade A análise que Leontiev faz da aprendizagem da língua materna aponta para dois processos que se interli gam necessariamente se por um lado os significa dos atribuídos às palavras são produzidos pela coleti vidade no seu processar históricos e no desenvolvi mento de sua consciência social e como tal se subor dinam às leis históricosociais por outro os signifi cados se processam e transformam através de ativi dades e pensamentos de indivíduos concretos e assim se individualizam se subjetivam na medida em que retornam para a objetividade sensorial do mundo que os cerca através das ações que eles desenvolvem con cretamente Desta forma os significados produzidos historicamen te pelo grupo social adquirem no âmbito do indiví duo um sentido pessoal ou seja a palavra se rela ciona com a realidade com a própria vida e com os motivos de cada indivíduo Lane 1984b p 3233 A linguagem produção ao mesmo tempo social e individual é expressão da síntese e do movimento entre sujeito e realidade Significado e sentido como unidade de contrários ao mesmo tempo revelam e possibilitam e concretizam a dialética subjetividadeobjetividade O desenvolvimento dos estudos sobre as categorias do psiquismo possibilitou que Sílvia Lane avançasse na com preensão da emoção e da criatividade São os desafios que sempre se propôs a enfrentar e de maneira coerente é necessário compreender o que permite ao homem se implicar se reconhecer como sujeito compreender as determinações a que está sujeito e as formas de agir so bre elas É necessário compreender o que impede e o que permite ao homem agir para transformar a realidade de forma libertadora e emancipadora Por isso a necessidade de pesquisar como surgem se mantém e se modificam as emoções A afetividade é também categoria fundamental do psiquismo formula ção de Sílvia Lane para indicar a ligação do indivíduo com o contexto social para além de um reconhecimento cognitivo O ser humano é um todo fisiologia e psicologia são manifestações de uma mesma totalidade Assim como as funções fisiológicas estão integradas também as psicológicas interagem desenvolvendo funções psiconeurológicas superiores que ampliam a capaci dade humana Em síntese ele é produto de um longo processo histórico no qual as mediações das emoções da linguagem do pensamento e dos grupos sociais constituem a subjetividade consciência atividade afetividade e identidade Essa subjetividade em sua unidade dialética com a objetividade permite o desenvolvimento de valores morais éticos e estéticos Lane 1999 p 119 Exatamente por trazer a questão dos valores e sua constituição na dialética subjetividadeobjetividade sem perder de vista a inserção histórica do indivíduo é que Sílvia Lane realizou uma psicologia social que desven dou a unidade contraditória entre indivíduo e sociedade A psicologia social sóciohistórica colocase como uma psicologia que não aceita o que constata mas uma psi cologia social que se posiciona porque o reconhecimento da historicidade dos fenômenos que estuda assim o per mite Coerente com a visão de que o conhecimento e a in tenção prática em relação ao objeto não se separam Síl via Lane nos deixou desafios avançar na pesquisa sobre a maneira como os indivíduos se implicam ou não com sua própria realidade é compromisso ético de quem se dedica à Psicologia Procurei entender primeiro como se formam os valo res nos seres humanos como eles se dão e orientam o cotidiano das pessoas Esse é o desafio esmiuçar como se dão os processos não só na formação de va lores mas na mudança de valores Sem esquecer que eles vêm carregados de muita história a familiar a social e não é fácil mudar A não ser que a pessoa assuma realmente uma reflexão crítica Aí surge outro dilema outra contradição entre imaginação e fantasia A fantasia leva à alienação é destrutiva por que perde os vínculos com o real enquanto que a ima ginação tem os pés no real no cotidiano Outro desa fio que surgiu há pouco tempo é a apatia o desinte resse Alguém indiferente às coisas está negando a própria vida a emoção o afeto Isso é terrível Como se forma um sentimento de indiferença Ele é a mor te é virar um robô São desafios nos quais temos que nos aprofundar pesquisar Se assumirmos que a trans formação social só se dará eticamente quem mais do que nós psicólogos tem essa arma na mão É exata mente esse pensar ético que deve estar presente onde o psicólogo estiver atuando Lane 2000 Um pensar ético um compromisso ético que alia o conhecimento com a ação A proposta o desafio de pesquisar para poder interferir atuar para que os homens sejam sujeitos não sejam robôs Para que os homens se envolvam não sejam indiferentes O referencial da psi cologia social sóciohistórica ao apontar a historicidade constitutiva dos fenômenos ao apontar sua gênese con traditória permite apontar ações de superação permite usar o conhecimento de forma posicionada Uma Psicologia Atenta ao Contexto Social ou Toda a Psicologia é Social 4 Cabe destacar ainda a questão do social que ca racteriza e nomeia a Psicologia de Sílvia Lane A noção teórica que nos faz colocar o epíteto de social na psico logia merece atenção de todos nós pois ele não tem o mesmo sentido em todos os lugares onde aparece Bock AMB Ferreira MR Gonçalves MGM Furtado O Sílvia Lane e o Projeto do Compromisso Social da Psicologia 54 É fácil que ocorra nas áreas de conhecimento a acei tação de nomenclaturas que refletem mais a acomoda ção dos interesses de seus construtores do que a clareza na delimitação de suas possibilidades e obrigações Tal é o caso por exemplo da Psicologia Social estadunidense que a despeito de contar uma enorme produção de arti gos e livros ainda na década de setenta tinha vários au tores que afirmavam ser prejudicial tentar qualquer defi nição de seu escopo porque isso tiraria a liberdade das pessoas que estavam engajadas na sua construção Isto é para essas pessoas a indefinição era a forma de manter aquela Psicologia Social Pois é possível afirmar que tenha sido exatamente a exigência de esclarecer o que seria o social na psicolo gia que tenha gerado no Brasil a possibilidade de desen volvimentos que diferenciaram de forma tão significati va seus contornos e projetos de pesquisa e de atuação Essa exigência permitiu que a inserção do grupo de tra balho que Sílvia Lane compunha ganhasse uma nova qualidade pois foi diferente daquela mais comum nos grupos então atuantes no Brasil Não se tratava de apli car ou proceder a algum desenvolvimento marginal na Psicologia decorrente da apropriação do pensamento psicológico encontrado pronto em outros países Era pre ciso indicar claramente a partir de qual solo se estava trabalhando e já aí produzir algo novo uma vez que adequado a este solo específico A inserção de seu grupo de trabalho foi diferente porque eles se comportavam como construtores da Psi cologia A exigência de nomear sua produção pode ter sido importante para que o comportamento desse grupo não fosse reprodutor ou aplicador ou pregador ou repetidor ou defensor de algo que lhes havia sido man dado desde algum lugar supostamente especial onde a Psicologia brotava de forma mais espontânea do que nas terras tupiniquins A Psicologia era algo que precisava ser construído e essa tarefa cabia a cada uma das pesso as que participavam desse debate Claro que muitas das iniciativas surgiram a partir do exercício da crítica ao conhecimento que era encontrado pronto A partir desse exercício crítico houve recusas de várias ordens às concepções advindas de outras plagas Por exemplo a recusa de que o epíteto social fosse simplesmente agregado aos diferentes tópicos aborda dos pela Psicologia tradicional Assim para ser social não bastava tratar de uma possível percepção social consoante com uma Psicologia que por tanto tempo es tudara um conceito que ela denominava de percepção individual Também não bastava colher para exame al gum evento grupal e aplicar sobre ele um procedimento de exame estabelecido para fenômenos individuais Nos debates em sala de aula na busca de encontrar elementos fundamentais dessa perspectiva social houve algum momento de radicalização talvez pueril apa rentemente desnecessária nessa caracterização Tal é o caso da exigência de que a produção dessa psicologia tivesse que ocorrer sempre de forma coletiva Assim para ser coerente com as exigências de construção de uma psicologia social seria preciso que seus textos fossem produzidos de forma claramente social e grupal O ter mo aparentemente vem entre aspas porque parece re fletir uma exigência importante ainda que formulada em sala de aula de forma pouco precisa qual seja a de que a instauração de uma psicologia efetivamente comprome tida com as necessidades do povo brasileiro seria tarefa de coletivos de psicólogos comprometidos com essa pers pectiva Vale ressaltar um elemento caracterizador desse so cial que resume o que se apresenta aqui Tratavase de situar cada evento cada pessoa cada iniciativa em seu contexto social O social não seria simplesmente um acréscimo ao que a Psicologia já sabia fazer Tampouco significava uma defenestração do que fora produzido até então Ele teria que ser uma fonte de renovação dessa Psicologia sua capacitação para enfrentar os desafios que a sociedade lhe propunha e produzir respostas às questões que realidade lhe impunha Nessa perspectiva o psicólogo social não seria so mente aquele que trabalharia com problemas ou situa ções de caráter social ou grupal Um psicólogo clínico em atendimento individual em consultório particular seria também um psicólogo social Para isso bastaria que ele procedesse em seu trabalho ao exercício de contextua lização do seu cliente no seu momento social e histórico Na medida em que as fontes explicativas e os resultados obtidos tivessem um caráter de habilitação de cada pes soa para atuar e transformar sua realidade isto é parti cipar dos processos de transformação esse trabalho poderia ser considerado como de psicologia social A atenção ao contexto do fazer humano foi uma for ma de inserir no campo de visão da Psicologia aquilo que nos anos setenta era chamado de realidade brasilei ra Diante do reconhecimento de que a Psicologia se desenvolvera quase sempre sem atentar para as necessi dades virtudes e problemas vividos pela maioria da po pulação brasileira o contexto a que se deveria dar aten ção era o contexto econômico histórico e social onde viviam os brasileiros Neste sentido é que a expressão toda a psicologia é social ganha uma possibilidade de compreensão fértil para o projeto de construção de uma psicologia social efetivamente adequada aos povos brasileiro e latinoame ricano É possível afirmar que essa compreensão do que seja o social na Psicologia tenha se mantido válida até o fim da vida de Sílvia Lane Seu entusiasmo e disposição para Psicologia Sociedade 19 Edição Especial 2 4656 2007 55 colaboração nas mais diferentes iniciativas se reacenderam quando percebeu que um movimento com essas características ganhava espaço na Psicologia Bra sileira Ao longo da última década Sílvia não poupou esforços para colaborar Uma Psicologia com Compromisso Social Uma Herança de Sílvia Lane Para finalizarmos este artigo cabe fazer a relação da Psicologia Social produzida sob a orientação e empenho da Profa Sílvia Lane com o projeto hoje existente de uma Psicologia com compromisso social Sílvia Lane tem sua produção e seu exercício como professora marcados pela certeza de que a Psicologia deveria se produzir de forma a ser útil para a transforma ção da realidade social em nossos países de Terceiro Mundo Perseguiu isto como uma obsessão e sem des cuidar de darlhe forma acadêmica e rigor científico Buscou métodos instrumentos conceitos e teorias que pudessem dar conta disto Não se acomodou e nem mes mo se satisfez com o que estava posto em cada momen to Cada certeza era o início de um novo momento de dúvidas e buscas Sílvia Lane dialogou com todos acei tou desafios e acolheu sugestões e iniciativas de seus alu nos Produziu coletivamente com eles talvez seus prin cipais interlocutores A única certeza de que nunca abriu mão foi a da necessidade da produção de uma ciência com compromisso social Nunca se importou com rótu los e com passeios por diferentes teorias porque busca va outra coisa um conhecimento capaz de falar da vida vivida e de apresentar possibilidades de contribuição para a transformação das condições de vida na busca da dig nidade Qualquer tema poderia ser eixo das pesquisas que seus orientandos traziam mas todos deveriam lhe responder qual a realidade que quero contribuir para mudar Esta intransigência ética marcou seu trabalho de pes quisadora e professora Deixou para a Psicologia uma obra importante nesta direção Mas mais do que isto ela deixou um conjunto de psicólogos e pesquisadores em sua maioria identificados com a ABRAPSO que bus cam de vários lugares teóricos produzir uma nova Psico logia uma psicologia com compromisso social com a realidade brasileira e da América Latina Isto nos permi te afirmar que Sílvia Lane mudou os rumos da Psicolo gia no Brasil e permitiu a construção de um novo projeto para a ciência e para a profissão Notas 1 Para uma crítica profunda desse modelo veja Bock Ana M B 1997 As aventuras do Barão de Münchhausen na Psi cologia Um estudo sobre o significado do fenômeno psico lógico na categoria dos psicólogos Tese de doutorado não publicada Programa de Psicologia Social Pontifícia Uni versidade Católica de São Paulo 2 Veja Bonfim Elizabeth Psicologia Social no Brasil Freitas Mª de Fátima Q 1996 janjun Contribuições da Psicolo gia Social e Psicologia Política ao desenvolvimento da Psi cologia Social Comunitária Os paradigmas de Sílvia Lane Ignacio MartínBaró e Maritza Montero Psicologia Soci edade 18 e também os próprios Anais do I Encontro Regi onal de Psicologia na Comunidade 1981 set São Paulo ABRAPSO no qual Alberto Abib Andery relata a experiên cia dos estágio em Osasco 3 Dados sobre estas iniciativas podem ser encontrados em pu blicação de Bader Sawaia 2002 Sílvia Lane Vol 8 Cole ção Pioneiros da Psicologia Brasileira de iniciativa do Con selho Federal de Psicologia Brasília DF Imago 4 Esta afirmação citada entre aspas está presente em texto de Sílvia Lane publicado em 1984 Psicologia Social O ho mem em movimento pela Ed Brasiliense organizado por ela e por Wanderley Codo Lane 1984a Referências Ciampa A C 1987 A estória do Severino e a história de Severina Um ensaio de Psicologia Social São Paulo SP Brasiliense Lane S T M 1984a A Psicologia Social e uma nova concep ção de homem para a Psicologia In S T M Lane W Codo Eds Psicologia Social O homem em movimento pp 1019 São Paulo SP Brasiliense Lane S T M 1984b Linguagem pensamento e representa ções sociais In S T M Lane W Codo Eds Psicologia Social O homem em movimento pp 3239 São Paulo SP Brasiliense Lane S T M 1999 Os fundamentos teóricos e conclusões In S T M Lane Y Araújo Eds Arqueologia das emoções pp 1133 119120 Petrópolis RJ Vozes Lane S T M 2000 maiojun Diálogos Uma psicologia para transformar a sociedade Entrevista PSI Jornal de Psicolo gia São Paulo 18122 46 Lane S T M 2002 A dialética da subjetividade versus a obje tividade In O Furtado Odair F GonzálezRey Eds Por uma epistemologia da subjetividade Um debate entre a teoria sóciohistórica e a teoria das representações sociais pp 1117 São Paulo SP Casa do Psicólogo Lane S T M Sawaia B B 1995 La Psicologia Social Comunitária en Brasil In E Wiesenfeld E Sánchez Eds Psicologia Social Comunitaria contribuciones Latinoame ricanas pp 69116 Caracas Venezuela Fondo Tropykos Sawaia B 1987 A consciência em construção no trabalho de construção da existência Tese de Doutorado nãopublicada Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Sawaia B 2002 Sílvia Lane Vol 8 Coleção Pioneiros da Psicologia Brasileira Rio de Janeiro RJ Imago Bock AMB Ferreira MR Gonçalves MGM Furtado O Sílvia Lane e o Projeto do Compromisso Social da Psicologia 56 Ana Mercês Bahia Bock é Psicóloga e Professora titular da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP ministrando aulas na graduação e no programa de PósGraduação em Educação psicologia da educação É presidente do Conselho Federal de Psicologia CFP gestão 20042007 Foi orientanda no mestrado e no doutorado da Profa Sílvia Lane Endereço para correspondência Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Rua Monte Alegre 984 São Paulo SP 05014001 psicopucpucspbr Marcos Ribeiro Ferreira é Psicólogo e Professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC Formouse em Psicologia e obteve título de doutor na PUCSP É presidente da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia gestão 20052007 Endereço para correspondência Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de Psicologia Florianópolis SC 88040970 psicocfhufscbr Maria da Graça M Gonçalves é Psicóloga Professora de Psicologia Social na Faculdade de Psicologia da PUCSP diretora da Faculdade de Psicologia da PUCSP gestões 20012005 20052009 presidente do Conselho Regional de Psicologia CRP gestão 20042007 Foi orientanda da Profa Sílvia Lane no doutorado Odair Furtado é Psicólogo e Professor associado na Faculdade de Psicologia da PUCSP ministrando aulas na graduação e na PósGraduação em Psicologia Social Foi orientando da Profa Sílvia Lane Foi presidente do CFP gestão 20012004 Sílvia Lane e o Projeto do Compromisso Social da Psicologia Ana Mercês Bahia Bock Marcos Ribeiro Ferreira Maria da Graça M Gonçalves Odair Furtado Recebido 23052007 1ª revisão 20072007 Aceite final 14092007 UNIP CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA AGNALDO VIEIRA DE SOUZA RA B967528 TURMA 10RDOP33 FICHAMENTOS Fichamentos apresentados à disciplina de Temas em Psicologia ministrada pela professora Ianá Pereira TATUAPÉ 2023 BOCK Ana Mercês Bahia et al Sílvia Lane e o projeto do Compromisso Social da Psicologia Psicologia Sociedade v 19 p 4656 2007 A professora Sílvia Tatiana Maurer Lane tem uma trajetória de vida profissional no campo da Psicologia Social que faz dela uma das mais importantes influências no desenvolvimento de um novo projeto para a Psicologia o projeto do compromisso social Suas idéias sobre a prática permitiram a construção da Psicologia Social Comunitária Seus princípios permitiram apoio na construção de um novo projeto de Psicologia p46 e foi guiada pelo princípio de que o conhecimento produzido deveria sempre ser útil para a transformação da realidade na direção da criação de condições dignas de vida para todos Trabalho coletivo consciência crítica e atenção permanente e comprometida com as urgências e necessidades da população se puseram como pedras fundamentais p47 1 UM POUCO DE HISTÓRIA Sílvia Lane formouse em 1956 em Filosofia pela Universidade de São Paulo USP e começou sua carreira profissional no Conselho Regional de Pesquisa Educacional Em 1965 convidada pela Profa Maria do Carmo Guedes passou a ministrar aulas no curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras São Bento da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo onde também trabalhava Aniela Ginsberg É neste espaço da PUCSP que Sílvia Lane construiu toda sua carreira de professora de Psicologia Social p47 Em 1971 foi criada a Faculdade de Psicologia da PUCSP a partir da fusão da Faculdade São Bento e do Sedes Sapientiae Tornouse a primeira diretora do curso de Psicologia recém criado p47 A proposta era de chegar a uma revisão crítica dos conceitos Sílvia Lane entendia que era preciso superar a idéia e o hábito de fazer da realidade um exemplo dos conceitos teóricos p48 Essa preocupação traduziuse em postura metodológica uma nova psicologia social só se configuraria por meio de concepções teóricas fundadas em pesquisa relevante e socialmente comprometida p48 No entanto Sílvia Lane não tinha facilidade de encontrar eco para suas preocupações Criou em 1977 com o Prof Alberto Abib contando depois com a participação da Profa Odette de Godoy Pinheiro um trabalho em Psicologia nos Sindicatos e comunidades operárias de Osasco em uma disciplina intitulada A Psicologia Social na prática clínica A temática era um achado p48 Esta experiência leva tanto os alunos nela envolvidos quanto seus professores a uma intensa reflexão sobre os limites da teoria e da prática psicológicas É esta experiência que lançou as bases daquilo que Sílvia Lane e Bader Sawaia 1995 iriam mais adiante chamar de Psicologia Social Comunitária p48 De uma hora para outra apenas a discussão crítica da Psicologia Social americana não era mais suficiente p48 se consolidou o programa de estudos pósgraduados em Psicologia Social da PUCSP Criado em 1972 com a participação de Sílvia Lane o programa permitiu a reunião de esforços para a produção de uma nova perspectiva em Psicologia Social p48 demandava uma construção teórica que permitisse compreender o homem como participante do processo social p49 A obra teórica de Sílvia Lane pode ser lida de várias formas com diversos recortes Mas são fundamentalmente dois aspectos de grande complexidade os que estão na sua base e apontam para essa perspectiva de compreensão do homem a relação subjetividade e objetividade e a formação e o papel dos valores p49 Uma parte de sua discussão caminhou como vimos acima pela crítica à psicologia social predominante em nosso meio p49 as perspectivas que desvinculavam o indivíduo de seu contexto não eram suficientes para se entender o homem social p49 A aproximação de Sílvia Lane com autores da Psicologia Social de outros países da América Latina foi também essencial em todo este processo p49 a construção da nova perspectiva em Psicologia Social Uma perspectiva que segundo Sílvia Lane deveria começar explicitando uma nova concepção de homem na psicologia um homem social e histórico O materialismo histórico e dialético será o método que ela vai adotar e desenvolver na psicologia social p49 A partir do materialismo histórico e dialético Lane produziu então uma nova psicologia social cujo objeto seria o homem como ser histórico a dialética entre indivíduo e sociedade o movimento de transformação da realidade O objetivo era compreender o indivíduo em relação dialética com a sociedade a constituição histórica e social do indivíduo e os elementos que explicam os processos de consciência e alienação e as possibilidades de ação do indivíduo frente às determinações sociais p50 Em outras palavras o materialismo histórico e dialético permite trabalhar com a historicidade dos fenômenos p50 Dentre as novas metodologias destacouse a pesquisaação participante Tratavase então de discutir o compromisso social do pesquisador p50 essa construção teórica se dava em todos os espaços que Sílvia Lane ocupava como professora pesquisadora e militante por uma psicologia social crítica p50 No final dos anos 70 Sílvia e seus orientandos realizaramuma intensa discussão teóricometodológica no Programa de Estudos PósGraduados em Psicologia Social da PUCSP formalizando e sistematizando o processo de revisão metodológica da Psicologia Social p5051 Com esse desenvolvimento teórico pela primeira vez criouse de fato uma alternativa à psicologia social norteamericana p51 Naqueles intensos anos 70 e 80 com toda aquela movimentação e esforços para a renovação ocorreu a construção da ABRAPSO em 1980 p51 Sílvia Lane parecia sempre saber para onde caminhar e para onde levar a Psicologia Social mas todos aqueles que com ela conviveram sabem que ela inventou junto ou seja prezou sempre os espaços de criação coletiva p51 2 UMA PSICOLOGIA SOCIAL SÓCIOHISTÓRICA A Psicologia Social que veio a ser denominada sóciohistórica surgiu nesse processo de revisão e crítica com vistas à produção de um conhecimento comprometido com a transformação social p51 Seus fundamentos epistemológicos metodológicos e ontológicos já foram mencionados p52 A partir desses fundamentos então Sílvia Lane desenvolveu a concepção de uma subjetividade em processo dialético numa dialética subjetividadeobjetividade desenvolveu o estudo das categorias do psiquismo atividade consciência e identidade p52 suas principais contribuições devemos compreender o psiquismo como processo constante um processo constituído na vida concreta por meio das ações vivências experiências do indivíduo e por meio de suas relações Processo contraditório revelador da dinâmica entre a totalidade social e a particularidade das situações individuais entre o universal e o singular das experiências humanas E processo protagonizado por sujeitos históricos que por serem sujeitos trazem emoção reflexão ação movimento p52 não se desviou em nenhum momento de seu propósito maior desenvolver uma psicologia que contribua com a transformação da sociedade A compreensão dos aspectos psicológicos como constituídos em uma dialética subjetividade objetividade traz a possibilidade de superar explicações que apenas justapõem indivíduo e sociedade e permite que ao se falar do sujeito falese necessariamente da realidade social da qual participa significa poder apontar as possibilidades de transformação p52 outra vertente importante da obra de Sílvia Lane como se constituem e qual o papel dos valores no processo subjetivoobjetivo ou na relação indivíduosociedade p52 Em relação à linguagem Sílvia Lane sempre apontou a necessidade de se considerar os aspectos ideológicos presentes na construção de significados Na verdade a investigação da articulação entre significados sociais e sentidos pessoais possibilitada pela atividade concretiza a investigação da dialética subjetividade objetividade p52 É necessário compreender o que impede e o que permite ao homem agir para transformar a realidade de forma libertadora e emancipadora p53 Por isso a necessidade de pesquisar como surgem se mantém e se modificam as emoções A afetividade é também categoria fundamental do psiquismo formulação de Sílvia Lane para indicar a ligação do indivíduo com o contexto social para além de um reconhecimento cognitivo p53 Sílvia Lane nos deixou desafios avançar na pesquisa sobre a maneira como os indivíduos se implicam ou não com sua própria realidade p53 Um pensar ético um compromisso ético que alia o conhecimento com a ação A proposta o desafio de pesquisar para poder interferir atuar para que os homens sejam sujeitos p53 3 UMA PSICOLOGIA ATENTA AO CONTEXTO SOCIAL OU TODA A PSICOLOGIA É SOCIAL muitas das iniciativas surgiram a partir do exercício da crítica ao conhecimento que era encontrado pronto para ser social não bastava tratar de uma possível percepção social Também não bastava colher para exame algum evento grupal e aplicar sobre ele um procedimento de exame estabelecido para fenômenos individuais p54 Vale ressaltar um elemento caracterizador desse social que resume o que se apresenta aqui Tratavase de situar cada evento cada pessoa cada iniciativa em seu contexto social p54 Nessa perspectiva o psicólogo social não seria somente aquele que trabalharia com problemas ou situações de caráter social ou grupal Um psicólogo clínico em atendimento individual em consultório particular seria também um psicólogo social p54 4 UMA PSICOLOGIA COM COMPROMISSO SOCIAL UMA HERANÇA DE SÍLVIA LANE Qualquer tema poderia ser eixo das pesquisas que seus orientandos traziam mas todos deveriam lhe responder qual a realidade que quero contribuir para mudar p55 ela deixou um conjunto de psicólogos e pesquisadores em sua maioria identificados com a ABRAPSO que buscam de vários lugares teóricos produzir uma nova Psicologia uma psicologia com compromisso social com a realidade brasileira e da América Latina Isto nos permite afirmar que Sílvia Lane mudou os rumos da Psicologia no Brasil e permitiu a construção de um novo projeto para a ciência e para a profissão p55 CHAUÍ M O que é ideologia 2ª edição São Paulo editora brasiliense 2008 1 COMEÇANDO NOSSA CONVERSA tomam a palavra ideologia para com ela significar conjunto sistemático e encadeado de idéias Ou seja confundem ideologia com ideário p7 2 PARTINDO DE ALGUNS EXEMPLOS Uma das preocupações principais do pensamento ocidentaal nasce com a filosofia na Grécia antiga quais as causas do aparecimento da permanência da mudança e do desaparecimento das coisas p9 Movimento portanto significa para um grego toda e qualquer alteração de uma realidade p10 O filósofo Aristóteles afirmou que só há conhecimento da realidade quando há conhecimento de causa elaborou então uma teoria da causalidade que ficou conhecida como teoria das quatro causas p10 Uma causa é o que responde ou se responsabiliza por algum aspecto da realidade e as quatro causas são responsáveis por todos os aspectos de um ser Haveria assim a causa material a causa formal a causa motriz ou eficiente e a causa final p10 uma coisa permanece enquanto permanecem sua forma e sua finalidade uma coisa muda ou movese porque a matéria está sujeita à mudança e quando uma causa eficiente altera a matéria mudando a forma que ela possuía p1011 a causa material e a eficiente são ditas causas externas enquanto a formal e a final são ditas causas internas Percebese que são mais importantes as causas da permanência e menos importantes as causas da mudança ou do movimento p11 a teoria das quatro causas leva a uma distinção entre dois tipos de atividade a atividade técnica ou o que os gregos chamavam de poiésis e a atividade ética e política ou o que os gregos chamam de práxis A primeira é considerada uma rotina mecânica A práxis porém é a atividade própria dos homens livres dotados de razão e de vontade para deliberar e escolher uma ação Por isso a práxis ética e política é superior à poiésis o trabalho p11 a sociedade medieval baseiase na servidão isto é são sociedade que distinguem radicalmente os homens entre superiores os homens livres que são cidadãos na Grécia e os senhores feudais na Europa medieval e inferiores os escravos na Grécia e os servos da gleba na Idade Média p12 Se tomarmos o cidadão ou o senhor e indagarmos qual das causas ele corresponde veremos que corresponde à causa final isto é o fim ou motivo pelo qual alguma coisa é feita Se por outro lado indagarmos a que causa corresponde o escravo ou o servo veremos que corresponde à causa motriz ou eficiente isto é ao trabalho graças ao qual certa matéria receberá uma certa forma A causa eficiente é um simples meio ou instrumento para a satisfação da vontade ou desejo de um outro o usuário do produto do trabalho p1213 Temos portanto uma teoria geral para a explicação da realidade e de suas transformações que na verdade é a transposição involuntária de relações sociais muito determinadas para o plano das idéias p13 uma teoria exprime por meio de idéias uma realidade social e histórica determinada e o pensador pode ou não estar consciente disso Quando porém não percebem a raiz histórica de suas idéias e imagina que elas serão verdadeiras para todos tempos e todos os lugares corre o risco de estar simplesmente produzindo uma ideologia De fato um dos traços fundamentais da ideologia consiste justamente em tomar as idéias como independentes da realidade histórica e social quando na verdade é essa realidade que torna compreensíveis as idéias elaboradas e à capacidade ou não que elas possuem para explicar a realidade que as provocou p1314 A física moderna considera que a Natureza age de modo inteiramente mecânico isto é como um sistema necessário de relações de causa e efeito tomando a causa sempre e exclusivamente no sentido de causa motriz ou eficiente Ou seja não há causas finais na Natureza No plano da metafísica porém além da causa eficiente é conservada a causa final pois esta referese a toda ação voluntária e livre ou seja referese à ação de Deus e à dos homens p1415 Um dos resultados da Física moderna foi a possibilidade de explicar o corpo humano como um corpo natural como uma máquina que opera sem a intervenção da vontade e da liberdade p15 O homem livre é portanto um ser universal sempre existiu e sempre existirá que se caracteriza pela união de um corpo mecânico e de uma vontade finalista p16 Pouco a pouco afirmase que a manifestação por excelência do homem livre é seu poder transformador e dominador aquela atividade na qual sua vontade subordina seu corpo para obter um certo fim o trabalho O trabalho que os antigos e medievais desprezavam aparece assim como uma das expressões privilegiadas do homem como ser natural e espiritual p16 Como foi possível passar da desqualificação do trabalho à sua nova valorização estamos vendo surgir uma nova sociedade ou uma nova formação social em que desponta a imagem do homem que valoriza a si mesmo por ter adquirido poder econômico e começar a adquirir político e prestígio social como recompensa de seu esforço pessoal de sua capacidade de trabalho e de poupança Estamos agora diante do burguês Trabalhar poupar e investir a ética protestante ordena que à riqueza se transforme em capital p17 No entanto a nova sociedade não é constituída apenas pelo burguês mas ainda por outro homem livre Tratase do moderno trabalhador livre O regime do capital pressupõe a separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de realização de seu trabalho p1718 há o burguês proprietário privado dos meios de produção ou das condições do trabalho e há o trabalhador despojado desses meios e dessas condições liberado da servidão mas também despojado dos meios de trabalhar livremente só podendo trabalhar como assalariado é preciso distinguir duas faces do trabalho de um lado o trabalho como expressão de uma vontade livre e dotada de fins próprios isto é o trabalho visto pelo burguês e de outro lado o trabalho como relação da máquina corporal com as máquinas sem vida isto é com as coisas naturais e fabricadas isto é o trabalho realizado pelo trabalhador p1819 Os trabalhadores livres fazem parte da Natureza enquanto os burgueses constituem a sociedade p19 Vemos novamente como idéias que parecem resultar do puro esforço intelectual Com tais idéias pretendese explicar a realidade sem se perceber que são elas que precisam ser explicadas pela realidade social e histórica p19 O real não é constituído por coisas Nossa experiência direta e imediata da realidade nos leva à imaginar que o real é feito de coisas p20 Não se trata de supor que há de um lado à coisa física ou material e de outro a coisa como idéia ou significação mas um entrelaçamento do físicomaterial e da significação a unidade de um ser e de seu sentido fazendo com que aquilo que chamamos de coisa seja sempre um campo significativo p21 Isso porém não implica afirmar o oposto isto é se o real não é constituído de coisas então será constituído por idéias ou por nossas representações das coisas Se fizéssemos tal afirmação estaríamos na ideologia em estado puro p22 O empirismo considera que o real são fatos ou coisas observáveis e que o conhecimento da realidade se reduz à experiência sensorial que temos dos objetos O idealistapor sua vez considera que o real são idéias ou representações e que o conhecimento da realidade se reduz ao exame dos dados e das operações de nossa consciência ou do intelecto p22 Tratase pelo contrário de compreender a própria origem das relações sociais e de suas diferenças temporais em uma palavra de encarálas como processos históricos p23 A história não é sucessão de fatos no tempo não é progresso das idéias mas o modo como homens determinados em condições determinadas criam os meios e as formas de sua existência social reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica política e cultural p23 Nessa perspectiva a história é o real e o real é o movimento incessante pelo qual os homens em condições que nem sempre foram escolhidas por eles instauram um modo de sociabilidade e procuram fixálo em instituições determinadas Além de procurar fixar seu modo de sociabilidade através de instituições determinadas os homens produzem idéias ou representações pelas quais procuram explicar e compreender sua própria vida individual social suas relações com a natureza e com o sobrenatural p23 Esse ocultamento da realidade social chamase ideologia Por seu intermédio os dominantes legitimam as condições sociais de exploração e de dominação fazendo com que pareçam verdadeiras e justas uma ideologia não possui um poder absoluto que não possa ser quebrado e destruído p24 3 HISTÓRICO DO TERMO O termo ideologia aparece pela primeira vez na França após a Revolução Francesa 1789 no início do século XIX em 1801 no livro de Destutt de Tracy Eléments dIdéologie Elementos de Ideologia p25 O sentido pejorativo dos termos ideologia e ideólogos veio de uma declaração de Napoleão que num discurso ao Conselho de Estado em 1812 declarou Todas as desgraças que afligem nossa bela França devem ser atribuídas à ideologia essa tenebrosa metafísica que buscando com sutilezas as causas primeiras quer fundar sobre suas bases a legislação dos povos em vez de adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da história p2728 O termo ideologia voltou a ser empregado com um sentido próximo ao do grupo dos ideólogos franceses pelo filósofo Auguste Comte em seu Cours de Philosophie Positive Curso de Filosofia Positiva O termo agora possui dois significados por um lado a ideologia continua sendo aquela atividade filosóficocientífica que estuda a formação das idéias a partir da observação das relações entre o corpo humano e o meio ambiente tomando como ponto de partida as sensações por outro lado ideologia passa a significar também o conjunto de idéias de uma época tanto como opinião geral quanto no sentido de elaboração teórica dos pensadores dessa época p2829 Sendo o conhecimento da formação das idéias tanto do ponto de vista psicológico quanto do ponto de vista social sendo o conhecimento científico das leis necessárias do real e sendo o corretivo das idéias comuns de uma sociedade a ideologia enquanto teoria passa a ter um papel de comando sobre a prática dos homens que devem se submeter aos critérios e mandamentos do teórico ou do cientista antes de agir p30 A concepção positivista da ideologia como conjunto de conhecimentos teóricos possui três consequências principais 1 define a teoria de tal modo que a reduz à simples organização sistemática e hierárquica de idéias sem jamais fazer da teoria a tentativa de explicação e de interpretação dos fenômenos naturais e humanos a partir de sua origem real 2 estabelece entre a teoria e a prática uma relação autoritária de mando e de obediência 3 concebe a prática como simples instrumento ou como mera técnica que aplica automaticamente regras normas e princípios vindos da teoria p3031 o positivismo anuncia no século XIX o advento da tecnocracia que se efetiva no século XX Veremos com o marxismo como a concepção positivista de ideologia é ela própria ideológica p31 Como se sabe Durkheim tem a intenção de criar a sociologia como ciência a regra fundamental da objetividade científica é a separação entre sujeito do conhecimento e objeto do conhecimento Durkheim chamará de ideologia todo conhecimento da sociedade que não respeite tais critérios de objetividade p32 Para O sociólogo cientista o ideológico é um resto uma sobra de idéias antigas précientíficas p32 4 À CONCEPÇÃO MARXISTA DE IDEOLOGIA Marx não separa a produção das idéias eas condições sociais e históricas nas quais são produzidas tal separação aliás é o que caracteriza à ideologia Em segundo lugar porque para entendermos as criticas de Marx precisamos ter presente o tipo de pensamento determinado que ele examina e que no caso pressupõe a filosofia de Hegel procura distinguir o tipo de ideologia que produzem entre os franceses a ideologia é sobretudo política e jurídica entre os ingleses é sobretudo econômica Os ideólogos alemães são antes de tudo filósofos p34 Sabemos que Marx dirige duas críticas principais aos ideólogos alemães Feuerbach F Strauss Max Stirner Bruno Bauer entre os principais A primeira diz que esses filósofos apenas substituíram a dialética hegeliana por uma fraseologia sem sentido e sem consistência p35 A segunda crítica diz que cada um desses ideólogos tomou um aspecto da realidade humana converteu esse aspecto numa idéia universal e passou a deduzir todo o real a partir desse aspecto idealizado p35 Marx afirma que para compreendermos a pequeneza e limitação mesquinha da ideologia alemã é preciso fazer algumas considerações gerais sobre o fenômeno da ideologia À história pode ser examinada sob dois aspectos história da natureza e história dos homens Os dois aspectos contudo sao inseparáveis enquanto existirem homens à história da natureza e a história dos homens se condicionarão mutuamente teremos de examinar a história dos homens pois quase toda ideologia se reduz ou a uma concepção distorcida dessa história p3536 O idealismo hegeliano consiste portanto em afirmar que a história é o movimento de posição negação e conservação das idéias e essas são a unidade do sujeito e do objeto da história que é Espírito p43 Vejamos como opera a dialética hegeliana tomando um exemplo da Filosofia do Direito quando Hegel expõe o movimento de constituição da sociedade civil e do Estado p43 O Espírito começa em seu momento natural isto é como algo dado ou imediatamente existente tratase da existência dos indivíduos como vontades livres que se reconhecem como tais pelo poder que têm de apropriarse das coisas naturais através pela mediação do trabalho A regulação das relações entre os proprietários conduz ao aparecimento do Direito As pessoas entram em relação por meio dos contratos relação entre proprietários e pelo crime quebra do contrato p4344 No entanto esses indivíduos naturais livres não são apenas proprietários Sua vontade livre é consciente de si e faz com que cada indivíduo se relacione consigo mesmo com sua interioridade ou consciência Esse indivíduo livre interior se chama sujeito As relações entre os sujeitos constituem a Moral p44 Há pois uma contradição no interior de cada indivíduo entre sua facepessoa proprietário e sua facesujeito moral p44 A resolução dessa contradição fazse em dois momentos no primeiro surge a família e no segundo surge a sociedade civil p44 É a família que concilia os interesses dos proprietários e os deveres dos sujeitos fazendoos interesses coletivos da família e deveres comuns dos membros da família Surge uma vida comunitária e Hegel a denomina unidade do Espírito Subjetivo p45 A luta entre as famílias constitui o primeiro momento da sociedade civil p45 A sociedade civil resolve as lutas familiares criando a diferença entre os interesses públicos e os privados e regulando as relações entre eles através do Direito público e privado Isso significa que o indivíduo social não se define como membro da família como pai mãe filho irmão mas se define por algo que desestrutura a família as classes sociais p45 A sociedade civil é constituída por três classes A primeira é aristocracia ou nobreza proprietária da terra e que se conserva justamente pelos laços de sangue e pela linhagem A terceira que Hegel denomina classe universal é a classe média constituída pelos funcionários do Estado Entre essas duas classes existe uma intermediária e que é o coração da sociedade civil a classe formal isto é os indivíduos que vivem da indústria e do comércio do trabalho próprio ou do trabalho alheio p46 Estado é uma comunidade Mas difere da comunidade familiar e da comunidade das classes sociais p46 Ora enquanto os ideólogos alemães se contentam em ridicularizar o sistema hegeliano permanecem presos a ele sem saber Marx critica radicalmente o idealismo hegeliano Vejamos como se passa da dialética idealista para a materialista p47 Da concepção hegeliana Marx conserva o conceito de dialética como movimento interno de produção da realidade cujo motor é a contradição Porém a contradição se estabelece entre homens reais em condições históricas e sociais reais e chamase luta de classes p47 A história é história do modo real como os homens reais produzem suas condições reais de existência É história de modo como se reproduzem a si mesmo como produzem e reproduzem suas relações com a natureza de modo como produzem e reproduzem suas relações sociais É também o modo como os homens interpretam todas as relações seja numa interpretação imaginária como na ideologia seja numa interpretação real p4748 Da concepção hegeliana Marx também conserva as diferenças entre abstratoconcreto imediatomediato aparecerser p48 Marx afirma que o método históricodialético deve partir do que é mais abstrato ou mais simples ou mais imediato o que se oferece à observação percorrer o processo contraditório de sua constituição real e atingir o concreto como um sistema de mediações e de relações cada vez mais complexas e que nunca estão dadas à observação p48 um elemento fundamental do modo de produção capitalista o trabalhador que aparece como um ser humano é na verdade uma mercadoria p49 quando compreendemos qual é a gênese ou origem da mercadoria as mediações que a constituem compreendemos que não se trata de uma coisa tão simples como aparecia pois ela é ao mesmo tempo valor de uso e valor de troca p49 Seu valor é produzido num outro lugar ele é determinado pela quantidade de tempo de trabalho necessário para produzila Também entra no preço da mercadoria como parte do chamado custo de produção o salário pago pelo tempo de trabalho do trabalhador p49 Graças à maisvalia a mercadoria não é um valor de uso ou um valor de troca qualquer mas um valor capitalista p51 Da concepção hegeliana Marx também conserva a afirmação de que à realidade é história e por isso é reflexiva a realidade um movimento de contradições que produzem e reproduz o modo de existência social dos homens e que realiza o uma volta completa sobre si mesma pode conduzir à transformação desse modo de existência social p51 a dialética marxista não é espiritualista ou idealista e sim materialista A matéria do materialismo históricodialético são os homens produzindo em condições determinadas seu modo de se reproduzirem como homens e de organizarem suas vidas como homens Assim sendo a reflexão não é impossível p52 As classes sociais são o fazerse classe dos indivíduos em suas atividades econômicas políticas e culturais p52 O que interessa é a divisão social do trabalho e portanto a relação entre os próprios homens através do trabalho dividido Essas formas da divisão social do trabalho ao mesmo tempo em que determinam a divisão entre proprietários e não proprietários entre trabalhadores e pensadores determinam a formação das classes sociais e finalmente a separação entre sociedade e política isto é entre instituições sociais e Estado p53 Enfim da concepção hegeliana Marx também conserva o conceito de alienação p53 Todavia Marx imprimirá grandes modificações nesse conceito O trabalho alienado é aquele no qual o produtor não se pode reconhecer no produto de seu trabalho porque as condições desse trabalho suas finalidades reais e seu valor não dependem do próprio trabalhador mas do proprietário das condições do trabalho p54 Tratase do fetichismo da mercadoria p54 em lugar de a mercadoria aparecer como resultado de relações sociais enquanto relações de produção ela aparece como um bem que se compra e se consome Aparece como valendo por si mesma e em si mesma como se fosse um dom natural das próprias coisas p55 As coisasmercadorias começam pois a relacionaremse umas com as outras como se fossem sujeitos sociais dotados de vida própria E os homensmercadorias aparecem como coisas p55 Como então aparecem as relações sociais de trabalho Como relações materiais entre sujeitos humanos e como relações sociais entre coisas p56 ele o diz por que houve uma gigantesca inversão na qual o social vira coisa e a coisa vira social É isto a realidade capitalista p57 Marx e Engels determinam o momento de surgimento das ideologias no instante em que a divisão social do trabalho separa trabalho material ou manual de trabalho intelectual p58 Numa palavra a divisão social do trabalho engendra e é engendrada pela desigualdade social ou pela forma da propriedade p59 As transformações dessa estrutura social ou seja da forma da propriedade e da divisão do trabalho dão origem à forma da propriedade que conhecemos a propriedade privada capitalista Aqui a divisão social trabalho alcança seu ápice de um lado os proprietários privados do capital portanto dos meios condições e instrumentos da produção e da distribuição que são também os proprietários do produto do trabalho e de outro lado a massa dos assalariados ou dos trabalhadores despossuídos que dispõem exclusivamente de sua força de trabalho p60 Por esse motivo as idéias tendem a ser uma representação invertida do processo real colocando como origem ou como causa aquilo que é efeito ou consequência e viceversa p61 Também as relações sociais são representadas imediatamente pelas idéias de maneira invertida p62 A forma inicial da consciência é portanto a alienação p62 A divisão social do trabalho tornase completa quando o trabalho material e o espiritual separamse p62 Nasce agora a ideologia propriamente dita sistema ordenado de idéias ou representações e da e regras como algo separado e independente das condições materiais visto que seus produtores os teóricos os ideólogos os intelectuais não estão diretamente vinculados à produção material das condições de existência E sem perceber exprimem essa desvinculação ou separação através de suas idéias p63 Em suma Engels e Marx consideram que os três aspectos que são condições para que haja história força de produção relações sociais e consciência Instalou se para a própria consciência imediata dos homens a percepção da desigualdade social uns pensam outros trabalham uns consomem outros produzem e não podem consumir os produtos de seu trabalho p64 Outra contradição mais aguda ainda surge a contradição entre os interesses de um indivíduo ou de uma família particular e os interesses coletivos p64 Existem conflitos entre os proprietários e existem contradições entre os proprietários e os nãoproprietários p64 O Estado aparece como à realização do interesse geral por isso Hegel dizia que o Estado era a universalidade da vida social mas na realidade ele é a forma pela qual os interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade a classe dos proprietários ganham a aparência de interesse de toda a sociedade p66 O Estado é uma comunidade ilusória a vitória de uma parte da sociedade sobre as outras p66 uma dominação impessoal e anônima a dominação exercida através de um mecanismo impessoal que são as leis ou o DIreito CIvil p67 Está aberto o caminho para a ideologia política que explicará a sociedade através das formas dos regimes políticos e que explicará a história pelas transformações do Estado p67 Assim a transformação histórica capaz de ultrapassar essas divisões e as contradições que as sustentam depende de pressupostos condições ou pré condições práticos e não teóricos Esses pressupostos ou précondições práticos são 1 surgimento da massa da humanidade como massa inteiramente destituída de propriedade e em contradição com um mundo da cultura e da riqueza produzido por essa massa que se encontra excluída da abundância por ela produzida 2 que a divisão entre os proprietários privados das condições de produção e à massa destituída seja um fenômeno universal p6768 Com a revolução comunista os homens saberão que fazem a história mesmo que não tenham escolhido as condições em que a fazem p69 Sem as condições materiais da revolução é inútil a idéia de revolução p69 A história não é o desenvolvimento das idéias mas o das forças produtivas p69 no caso da sociedade civil capitalista afirmar que a existência dos proprietários da classe capitalista depende da exploração dos nãoproprietários trabalhadores assalariados significa simplesmente o seguinte o capital é o trabalho nãopago a maisvalia Temos uma contradição na medida em que a realidade do capital é a negação do trabalho p70 a sociedade civil realizase como luta de classes A luta de classes é o quotidiano da sociedade civil p70 A sociedade civil concebida como um indivíduo coletivo é uma das grandes idéias da ideologia burguesa para ocultar que a sociedade civil é a produção e reprodução da divisão em classes e é luta das classes A história são os indivíduos fazendo se uns aos outros tanto física quanto espiritualmente Esse fazerseunsaosoutros é a práxis social e significa 1 que as classes sociais não estão feitas e acabadas pela social mas estão se fazendo uma às outras por sua ação 2 que o conjunto das práticas sociais fazendo os indivíduos existirem como seres contraditórios p71 A ideologia não é um processo subjetivo consciente mas um fenômeno objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da existência social dos indivíduos A classe começa então a ser representada pelos indivíduos como algo natural e não histórico como um fato bruto que os domina como uma coisa que vivem p73 A ideologia burguesa irá produzir idéia que confirmem essa alienação fazendo por exemplo com que os homens creiam que são desiguais por natureza e por talentos p73 Marx e Engels insistem em que não devemos tomar o problema da alienação como ponto de partida necessário para a transformação histórica p74 A transformação deve ser simultaneamente subjetiva e objetiva a prática dos homens precisa ser diferente para que suas idéias sejam diferentes p74 Não é crítica mas a revolução a força motriz da história p74 A teoria está encarregada de apontar os processos objetivos que conduzem à exploração e à dominação e aqueles que podem conduzir à liberdade p75 A relação entre teoria e prática é revolucionária porque é dialética é uma relação simultânea e recíproca por meio da qual a teoria nega a prática enquanto prática imediata p75 A prática por sua vez nega a teoria como um saber separado e autônomo p76 Toda concepção histórica até o momento ou tem omitido completamente a base real da história ou a tem considerado algo secundário p76 Uma vez postas como forças históricas motrizes aquelas forças políticas religiosas culturais etc que na verdade são determinadas pelas forças reais todo o processo histórico fica invertido ou de pontacabeça p77 É assim por exemplo que a ideologia burguesa tende a explicar a história através da idéia de progresso Com isso os homens tornamse instrumentos ou meios para a história realizar seus fins próprios e são justificadas todas as ações que se realizam em nome do progresso p78 Dessa maneira não só os acontecimentos históricos são explicados de modo invertido o fim explica o começo mas tal explicação ainda permite que a classe dominante justifique suas ações p78 Isso significa que em termos do materialismo histórico e dialético é impossível compreender a origem e a função da ideologia sem compreender a luta de classes pois a ideologia é um dos instrumentos da dominação de classe e uma das formas da luta de classes A ideologia é um dos meios usados pelos dominantes para exercer a dominação fazendo com que esta não seja percebida como tal pelos dominados p79 A peculiaridade da ideologia e que a transforma numa força quase impossível de remover decorre dos seguintes aspectos 1 o que torna a ideologia possível é a separação entre trabalho material e trabalho intelectual ou seja a separação entre trabalhadores e pensadores 2 o que torna objetivamente possível a ideologia é o fenômeno da alienação Portanto enquanto não houver um conhecimento da história real enquanto a teoria não mostrar o significado da prática imediata dos homens enquanto a experiência comum de vida for mantida sem crítica e sem pensamento a ideologia se manterá 3 o que torna possível a ideologia é a luta de classes a dominação de uma classe sobre as outras Porém o que faz da ideologia uma força quase impossível de ser destruída é o fato de que a dominação real é justamente aquilo que à ideologia tem por finalidade ocultar p7980 Dissemos que a ideologia é resultado da luta de classes e que tem por função esconder a existência dessa luta Podemos acrescentar que o poder ou a eficácia da ideologia aumentam quanto maior for sua capacidade para ocultar a origem da divisão social em classes e a luta de classes p82 A ideologia é o processo pelo qual as idéias da classe dominante tornamse idéias de todas as classes sociais tornamse idéias dominantes É esse processo que nos interessa agora p85 A Ideologia consiste precisamente na transformação das idéias da classe dominante em idéias dominantes para a sociedade como um todo de modo que a classe que domina no plano material econômico social e político também domina no plano espiritual das idéias Isso significa que 1 a dominação de uma classe sobre as outras faz com que só sejam consideradas válidas verdadeiras e racionais as idéias da classe dominante 2 para que isso ocorra é preciso que os membros da sociedade não se percebam divididos em classes mas se vejam como tendo certas características humanas comuns a todos e que tornam as diferenças sociais algo derivado ou de menor importância 3 é preciso que a classe dominante além de produzir suas próprias idéias também possa distribuílas o que é feito por exemplo através da educação da religião dos costumes dos meios de comunicação disponíveis 4 é possível passar a considerálas independentes da realidade e mais do que isso inverter a relação fazendo com que à realidade concreta seja tida como realização dessas idéias p86 Esse fenômeno de manutenção das idéias dominantes mesmo quando se está lutando contra a classe dominante é o aspecto fundamental daquilo que Gramsci denomina hegemonia ou o poder espiritual da classe dominante p88 Uma história concreta não perde de vista a origem de classe das idéias de uma época nem perde de vista que a ideologia nasce para servir aos interesses de uma classe e que só pode fazêlo transformando as idéias dessa classe particular em idéias universais p88 Não perde de vista também que a produção e distribuição dessas idéias ficam sob o controle da classe dominante que usa as instituições sociais para sua implantação p89 O processo histórico real escrevem Marx e Engels não é o do predomínio de certas idéias em certas épocas mas um outro que é o seguinte cada nova classe em ascensão que começa a se desenvolver dentro de um modo de produção que será destruído quando essa nova classe dominar cada classe emergente dizíamos precisa formular seus interesses de modo sistemático e para ganhar o apoio do restante da sociedade contra a classe dominante existente precisa fazer com que tais interesses apareçam como interesses de toda à sociedade p90 Para poder ser o representante de toda a sociedade contra uma classe particular que está no poder a nova classe emergente precisa dar às suas idéias a maior universalidade possível fazendo com que apareçam como verdadeiras e justas para o maior número possível de membros da sociedade Por isso a distância entre dominantes e dominados aumenta ainda mais e os dominados afinal terão de lutar pelo término de toda e qualquer forma de dominação p91 As principais determinações que constituem o fenômeno da ideologia são 1 a ideologia é resultado da divisão social do trabalho 2 essa separação dos trabalhos estabelece a aparente autonomia do trabalho intelectual face ao trabalho material 3 essa autonomia aparente do trabalho intelectual aparece como autonomia dos produtores desse trabalho isto é dos pensadores 4 essa autonomia dos produtores do trabalho intelectual aparece como autonomia dos produtos desse trabalho isto é das idéias 5 essas idéias que aparecem como autônomas são as idéias da classe dominante de uma época 6 a ideologia é pois um instrumento de dominação de classe e como tal sua origem é a existência da divisão da sociedade em classes contraditórias e em luta 7 A ideologia é um instrumento de dominação de classe 8 Para tanto é função da ideologia dissimular e ocultar a existência das divisões sociais como divisões de classes escondendo assim sua própria origem Ou seja a ideologia esconde que nasceu da luta de classes para servir a uma classe na dominação 9 a ideologia deve transformar as idéias particulares da classe dominante em idéias universais válidas igualmente para toda a sociedade 10 Por ser uma abstração a ideologia constrói uma rede imaginária de idéias e de valores que possuem base real a divisão social mas de tal modo que essa base seja reconstruída de modo invertido e imaginário 11 a ideologia é uma ilusão necessária à dominação de classe 12 porque a ideologia é ilusão isto é abstração e inversão da realidade ela permanece sempre no plano imediato do aparecer social Isso significa que uma ideologia sempre possui uma base real só que essa base está de pontacabeça é a aparência social É nesse sentido que se deve entender a ideologia como ilusão abstração e inversão 13 a ideologia não é um reflexo do real na cabeça dos homens mas o modo ilusório isto é abstrato e invertido pelo qual representam o aparecer social como se tal aparecer fosse a realidade social 14 a ideologia é produzida em três momentos fundamentais a Nesse primeiro momento a ideologia encarregase de produzir uma universalidade com base real para legitimar a luta da nova classe pelo poder b ela prossegue tornandose aquilo que Gramsci denomina senso comum isto é ela popularizase tornase um conjunto de idéias e de valores concatenados e coerentes aceitos por todos os que são contrários à dominação existente e que imaginam uma nova sociedade que realize essas idéias e esses valores c uma vez sedimentada e interiorizada como senso comum a ideologia mantémse mesmo após a vitória da classe emergente que se torna então classe dominante p9298 Esse fenômeno da conservação da validade das idéias e valores dos dominantes mesmo quando se percebe a dominação e mesmo quando se luta contra a classe dominante mantendo sua ideologia é que Gramsci denomina hegemonia p99 A crise de hegemonia só ocorre quando além da crise econômica e política que afeta os dirigentes há uma crise das idéias e dos valores dominantes fazendo com que toda a sociedade na qualidade de nãodirigente recuse a totalidade da forma de dominação existente p99 5 A IDEOLOGIA DA COMPETÊNCIA Em um ensaio intitulado A gênese da ideologia na sociedade moderna o filósofo francês Claude Lefort observa que houve uma mudança no modo de operação da ideologia desde meados do século XX p102 a partir sobretudo dos anos 30 do século XX houve uma mudança no processo social do trabalho mudança que iria espalharse por toda a sociedade e todas as relações sociais Com o fordismo é introduzida uma nova prática das relações sociais conhecida como a organização p102103 Quais as principais características da Organização 1 as afirmações de que organizar é administrar e que administrar é introduzir racionalidade nas relações sociais A racionalidade administrativa consiste em afirmar que não é necessário discutir os fins de uma ação ou de uma prática e sim estabelecer meios eficazes para a obtenção de um objetivo 2 A Organização será tanto mais eficaz quanto mais todos os seus membros se identificarem com ela e com os objetivos dela fazendo de suas vidas um serviço a ela que é retribuído com a subida na hierarquia de poder 3 a afirmação de que uma Organização é uma administração científica racional que possui lógica própria e funciona por si mesma independentemente da vontade e da decisão de seus membros p103104 No caso do trabalho industrial a Organização introduz duas novidades A primeira é a linha de montagem A segunda é a chamada gerência científica isto é depois de despojar o trabalhador do conhecimento da produção completa de um objeto Com isso a divisão social do trabalho fazse pela separação entre os que têm competência para dirigir e os incompetentes que só sabem executar p104 Examinando a maneira como o modelo da Organização se difunde e se espalha por todas as instituições sociais e por todas as relações sociais Lefort fala na ideologia contemporânea como a ideologia invisível p104 Hoje em dia porém não se trata mais de usar técnicas vindas da aplicação das ciências e sim de usar e desenvolver tecnologias A tecnologia não é ciência aplicada p105 A tecnologia é fabricação de instrumentos de precisão que interferem no próprio conteúdo das ciências p105 Se agora reunirmos a Organização ou administração racional eficaz do trabalho a gerência científica a presença da ciência e da tecnologia no processo produtivo e no trabalho intelectual perceberemos que a divisão social das classes está acrescida de novas divisões e que estas podem ser resumidas numa só e grande divisão a divisão entre os que possuem poder porque possuem saber e os que não possuem poder porque não possuem saber p105 Dessa maneira em vez de falarmos em ideologia invisível preferimos falar em ideologia da competência que oculta a divisão social das classes ao afirmar que a divisão social se realiza entre os competentes os especialistas que possuem conhecimentos científicos e tecnológicos e os incompetentes os que executam as tarefas comandadas pelos especialistas p105 O discurso competente é aquele proferido pelo especialista que ocupa uma posição ou um lugar determinado na hierarquia organizacional Esse discurso opera com duas práticas contraditórias Numa delas afirma que esta é racional e é o agente social político e histórico p106 Na outra modalidade prática o discurso competente procura desfazer o que fez anteriormente Ou seja depois de invalidar os indivíduos e as classes sociais como sujeitos da ação procura revalidálos mas o faz tomandoos como pessoas ou indivíduos privados Tratase do que chamaremos de competência privatizada p106 Finalmente se reunirmos o discurso competente da Organização e o discurso competente dos especialistas veremos que estão construídos para assegurar dois pontos indissociáveis do modo de produção capitalista o discurso da Organização afirma que só existe racionalidade nas leis do mercado o discurso do especialista afirma que só há felicidade na competição e no sucesso de quem vence a competição p107 Vejamos algumas consequências perversas produzidas pela ideologia da competência o desempregado ignorando o que se passa e orientandose pelo que foi incutido pela ideologia sentese culpado pelo desemprego humilhado e num beco sem saída p107108 Um outro efeito da ideologia da competência aparece na busca do diploma universitário a qualquer custo p108 A ideologia é um conjunto lógico sistemático e coerente de representações idéias e valores e de normas ou regras de conduta que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar o que devem valorizar e como devem valorizar o que devem sentir e como devem sentir o que devem fazer e como devem fazer p108109 Quem é o que pode desmantelar a ideologia Somente uma prática política nascida dos explorados e dominados e dirigida por eles próprios Para essa prática política é de grande importância o que chamamos de crítica da ideologia que consiste em preencher as lacunas e os silêncios do pensamento e discurso ideológicos obrigandoos a dizer tudo que não está dito pois dessa maneira à lógica da ideologia se desfaz e se desmancha deixando ver o que estava escondido e assegurava a exploração econômica a desigualdade social a dominação política e a exclusão cultural p118 LANE STM A tecnologia social na psicologia controvérsias Psicologia ciência e profissão v 5 n 1 p 1820 1985 a Tecnologia Social é definida e indicada por alguns como método para solucionar uma grande variedade de questões considerandose a ideologia de seu aplicador um problema secundário Para outros nos moldes em que a Tecnologia Social vem sendo aplicada a questão da ideologia se coloca como ponto fundamental de discussão p1819 Psicologia Ciência e Profissão convidou três psicólogos sociais para darem seus depoimentos sobre a questão A seguir as opiniões de Aroldo Rodrigues Sílvia Lane e Wanderley Codo p 19 1 CIÊNCIA E TECNOLOGIA A SERVIÇO DO HOMEM ENTREVISTA COM AROLDO RODRIGUES Já houve tempo em que várias linhas transitavam na Psicologia Social com destaque mais ou menos igual Recentemente porém o domínio do cognitivismo é indiscutível A mudança desde então tem sido de proporções revolucionárias impelindo praticamente todos os investigadores a verem os fenômenos psicossociais sob uma perspectiva cognitiva p18 A diferença entre a Psicologia Social cognitivista e a de características lewinianas e gestálticas não é muito grande elas se distinguem porque esta última se prende a princípios rígidos da teoria de campo e da Gestalt enquanto a Psicologia Social cognitiva contemporânea faz apelo às contribuições de Lewin e da Gestalt sem se limitar a elas p18 A Tecnologia Social consiste na utilização dos achados científicos das Ciências Sociais a fim de resolver problemas sociais A tecnologia social surgiu na América Latina e não nos países do primeiro mundo provavelmente devido à necessidade premente de resolver graves problemas sociais existentes nos países do terceiro mundo a relevância da Tecnologia Social dificilmente pode ser superestimada É necessário que ela seja mais e mais desenvolvida entre nós sempre porém ancorada em descobertas científicas sólidas que facilitem o trabalho do tecnólogo social p19 A Tecnologia Social não está isenta desses problemas É preciso que o tecnólogo social deixe bem claro quais são os seus valores para que as pessoas que com ele lidam possam julgar as soluções que apresenta Não há como evitar a influência dos valores pessoais em sua atuação p19 A Psicologia Social como ciência básica que é tem muito a contribuir para a atividade do tecnólogo social Embora a quase totalidade das pessoas discordem de mim eu pessoalmente estou seguro de que a ciência é neutra em sua procura das relações nãoaleatórias entre variáveis p19 LIMA Renato Sampaio História da psicologia social no Rio de Janeiro Dois importantes personagens Fractal Revista de Psicologia v 21 p 409423 2009 1 APRESENTAÇÃO Ao longo das décadas de 60 70 e 80 dois importantes personagens influenciaram a Psicologia Social no Rio de Janeiro Eliezer Schneider e Aroldo Rodrigues O primeiro atuou no campo da institucionalização da psicologia O segundo e foi o mais considerado representante da Psicologia Social norteamericana no Brasil p410 A partir de meados da década de 60 e início da década de 70 a Psicologia Social se depara com o que alguns autores RODRIGUES ASSMAR JABLONSKI 2000 LANE 1981 ARRUDA 1992 denominaram crise no campo da Psicologia Social Tanto Schneider como Aroldo Rodrigues participaram ativamente deste processo de discussões p410 2 A CONTRIBUIÇÃO DE ELIEZER SCHNEIDER o que gostaríamos de destacar é a publicação do seu único livro Psicologia Social Histórica Cultural e Política SCHNEIDER 1978 No segundo capítulo deste cujo título é A Psicologia Social no Estudo da Cultura e da História encontramos algumas de suas idéias sobre o campo da Psicologia Social haveria uma Psicologia Social da Cultura e da História que não sendo isolada do restante da psicologia poderia fazer uso de seus conceitos básicos na busca da compreensão de processos micro e macrossociais Schneider 1978 não reprovava a existência da psicologia experimental mas considerava seus limites p 410411 Schneider apresentava uma preocupação com a necessidade de a Psicologia Social se voltar para temas que não serviriam apenas para a formulação de teorias generalistas mas que pudessem contribuir para o entendimento do humano em sua diversidade histórica e cultural p411 não buscou simplesmente no seu retorno ao Brasil reproduzir os conhecimentos da psicologia norteamericana p411 Em relação ao campo da Psicologia Social é importante frisarmos a aproximação de Schneider a autores como Klineberg p411 É ainda importante destacarmos que Schneider estava atento às renovações no campo da Psicologia Social não apenas nos Estados Unidos mas também na Europa Para Sá 2001 Schneider teve uma importante participação na discussão crítica do campo da Psicologia Social no Rio de Janeiro p411 Para esse pesquisador brasileiro a Psicologia Social deveria reunir o estudo dos processos micro e macrossociais com temas da cultura e da história p412 Para JacóVilela 2001 p 21 a principal infl uência de Schneider se encontra sem dúvida na formação de toda uma geração de psicólogos sociais que com ele aprendemos a estender nosso olhar além do paradigma individualista que geralmente caracteriza a Psicologia p412 Schneider não buscou estabelecer uma Psicologia Social que se afastasse completamente dos conceitos mais gerais da psicologia diferentemente do que aconteceria com a Psicologia Social no Brasil a partir da década de 80 p413 3 A INFLUÊNCIA DE AROLDO RODRIGUES A Psicologia Social no Brasil antes da denominada crise da Psicologia Social apresentava uma forma predominantemente norteamericana O grande representante dessa Psicologia Social no Brasil e no Rio de Janeiro como afirmamos foi Aroldo Rodrigues p413 Aroldo Rodrigues retornou ao Brasil no ano de 1966 com PhD em psicologia e retomou suas atividades como professor na PUC p414 O clima inamistoso identificado por Aroldo Rodrigues talvez já representasse os efeitos da crise da Psicologia Social no Brasil No entanto o confronto com o modelo norteamericano se acirrou nas décadas de 70 e 80 p414 Em 1973 Aroldo Rodrigues foi eleito presidente da Associação LatinoAmericana de Psicologia Social ALAPSO A Associação Brasileira de Psicologia Social ABRAPSO surgiria em 1980 a partir de uma discordância com a ALAPSO e tendo como principal personagem desse rompimento Silvia Lane Nos anos que se seguiriam a professora da PUC de São Paulo seria a principal personagem do confronto com o professor da PUC do Rio de Janeiro Um dos temas em destaque nessa contraposição além do modelo de homem e sociedade girou em torno da neutralidade do pesquisador em Psicologia Social e do status de ciência deste campo da psicologia p414415 Se para Rodrigues a Psicologia Social é uma ciência básica e neutra que permitiria a solução de problemas sociais através de suas aplicações para Lane 1985 tal concepção poderia transformar o psicólogo em agente da adaptação p415 Aroldo Rodrigues assegurava a separação entre psicologia e política a partir de uma visão de conhecimento científi co consolidada na Psicologia Social norte americana e na sua forma de pensar a psicologia p415 as dificuldades de Aroldo Rodrigues podem ser compreendidas em função das novas exigências que os psicólogos sociais no Brasil se faziam a necessidade de uma pesquisa que pensasse a realidade social brasileira e a possibilidade de sua transformação p415 4 UM DEBATE EM TORNO DA NEUTRALIDADE E DA LIBERDADE ACADÊMICA Crise da PUCRJ desenvolveuse em diversas linhas mas o que ele se propôs a tratar se restringe aos desdobramentos aos embates que se seguiram após a censura de um texto filosófico p416 Para Aroldo Rodrigues 1979a a liberdade acadêmica é algo essencial no diaa dia da academia sem a qual a troca de idéias o debate e a discordância não podem se fazer presentes p416 Nessas linhas temos claramente a defesa da neutralidade científica e da liberdade acadêmica p416 afirmava que a opinião que não corroborasse as posições da esquerda marxista não seria bem vista e nem aceita A denominada ditadura ideológica estaria presente nas universidades produzindo sectarismo e identidade de conteúdo RODRIGUES 1979a Segundo ele as fontes de referência eram sempre as mesmas variando de acordo com a área do encontro p416 Aroldo Rodrigues 1979a encerra afi rmando que seu artigo foi escrito com o objetivo de se contrapor ao absolutismo ideológico p417 Se para Aroldo Rodrigues o comprometimento político do saber gerava perda de racionalidade para GarciaRoza 1979 era algo intrínseco à produção do conhecimento e à ciência p417 é publicado no Jornal do Brasil o artigo do professor Eurico de Lima Figueiredo Professor de Ciência política da UFF Figueiredo 1979 discorda da opinião de Aroldo Rodrigues que reduz o saber científico nacional ao marxismo p418 5 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA A PRIMEIRA CHEFIA DE AROLDO RODRIGUES 19661969 No ano de 1967 entre os laboratórios criados com o objetivo de pesquisa científica e experimental estava o laboratório de Psicologia Social experimental Havia um claro investimento em psicologia básica e em Psicologia Social e segundo Osuna 1998 nessa época o curso de psicologia da PUC recebeu a visita de vários professores dos Estados Unidos reforçando a base conceitual que Aroldo Rodrigues buscava implementar p 418 6 A SEGUNDA CHEFIA 19721976 O professor Aroldo Rodrigues se deparou com uma resistência ao seu trabalho que cresceu ao longo da sua permanência à frente do curso de psicologia p419 Durante a gestão de Aroldo Rodrigues sua opção por uma psicologia experimental levou a um maior investimento na área de seleção e orientação vocacional em detrimento do setor de psicologia clínica que apresentava uma demanda cada vez maior por parte dos alunos Houve uma cisão clara entre o grupo de Aroldo Rodrigues e os demais professores vários alunos insatisfeitos com as mudanças buscaram explicações junto à direção Segundo a professora Inez Farah apud RODRIGUES 1977 p 18 existia uma decisão de transformar o curso de psicologia da PUC em um curso de psicologia experimental p419 O pedido de demissão do professor Aroldo Rodrigues em 1979 permitiu que o ensino de psicologia na PUC se voltasse predominantemente para a área de psicologia clínica p420 Os embates com os psicólogos no Rio de Janeiro ocorreram sobretudo em função da discordância quanto ao modelo de ciência e psicologia Na PUCRJ a discordância relativa ao predomínio da clínica psicanalítica considerada por Aroldo Rodrigues como não científica retiroulhe aos poucos o respaldo que tinha da direção da instituição p420 Quanto aos psicólogos sociais do Rio de Janeiro a figura que poderia lhe impor mais ressalvas seria Eliezer Schneider A forma que este construía as aulas de Psicologia Social permitiulhe escapar do simples uso dos manuais norte americanos e utilizar referências de áreas como a sociologia a antropologia e a filosofia p420 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS As contribuições destes autores ainda se fazem sentir seja a partir das discordâncias que ainda geram seja em função de suas colaborações teóricas metodológicas e pela formação de pesquisadores no campo da Psicologia Social p421 A partir da crise como sustenta Rodrigues 1979c a Psicologia Social passou a se preocupar com a relevância social das pesquisas em psicologia p421 UNIP CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA AGNALDO VIEIRA DE SOUZA RA B967528 TURMA 10RDOP33 FICHAMENTOS Fichamentos apresentados à disciplina de Temas em Psicologia ministrada pela professora Ianá Pereira TATUAPÉ 2023 BOCK Ana Mercês Bahia et al Sílvia Lane e o projeto do Compromisso Social da Psicologia Psicologia Sociedade v 19 p 4656 2007 A professora Sílvia Tatiana Maurer Lane tem uma trajetória de vida profissional no campo da Psicologia Social que faz dela uma das mais importantes influências no desenvolvimento de um novo projeto para a Psicologia o projeto do compromisso social Suas idéias sobre a prática permitiram a construção da Psicologia Social Comunitária Seus princípios permitiram apoio na construção de um novo projeto de Psicologia p46 e foi guiada pelo princípio de que o conhecimento produzido deveria sempre ser útil para a transformação da realidade na direção da criação de condições dignas de vida para todos Trabalho coletivo consciência crítica e atenção permanente e comprometida com as urgências e necessidades da população se puseram como pedras fundamentais p47 1 UM POUCO DE HISTÓRIA Sílvia Lane formouse em 1956 em Filosofia pela Universidade de São Paulo USP e começou sua carreira profissional no Conselho Regional de Pesquisa Educacional Em 1965 convidada pela Profa Maria do Carmo Guedes passou a ministrar aulas no curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras São Bento da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo onde também trabalhava Aniela Ginsberg É neste espaço da PUCSP que Sílvia Lane construiu toda sua carreira de professora de Psicologia Social p47 Em 1971 foi criada a Faculdade de Psicologia da PUCSP a partir da fusão da Faculdade São Bento e do Sedes Sapientiae Tornouse a primeira diretora do curso de Psicologia recém criado p47 A proposta era de chegar a uma revisão crítica dos conceitos Sílvia Lane entendia que era preciso superar a idéia e o hábito de fazer da realidade um exemplo dos conceitos teóricos p48 Essa preocupação traduziuse em postura metodológica uma nova psicologia social só se configuraria por meio de concepções teóricas fundadas em pesquisa relevante e socialmente comprometida p48 No entanto Sílvia Lane não tinha facilidade de encontrar eco para suas preocupações Criou em 1977 com o Prof Alberto Abib contando depois com a participação da Profa Odette de Godoy Pinheiro um trabalho em Psicologia nos Sindicatos e comunidades operárias de Osasco em uma disciplina intitulada A Psicologia Social na prática clínica A temática era um achado p48 Esta experiência leva tanto os alunos nela envolvidos quanto seus professores a uma intensa reflexão sobre os limites da teoria e da prática psicológicas É esta experiência que lançou as bases daquilo que Sílvia Lane e Bader Sawaia 1995 iriam mais adiante chamar de Psicologia Social Comunitária p48 De uma hora para outra apenas a discussão crítica da Psicologia Social americana não era mais suficiente p48 se consolidou o programa de estudos pósgraduados em Psicologia Social da PUCSP Criado em 1972 com a participação de Sílvia Lane o programa permitiu a reunião de esforços para a produção de uma nova perspectiva em Psicologia Social p48 demandava uma construção teórica que permitisse compreender o homem como participante do processo social p49 A obra teórica de Sílvia Lane pode ser lida de várias formas com diversos recortes Mas são fundamentalmente dois aspectos de grande complexidade os que estão na sua base e apontam para essa perspectiva de compreensão do homem a relação subjetividade e objetividade e a formação e o papel dos valores p49 Uma parte de sua discussão caminhou como vimos acima pela crítica à psicologia social predominante em nosso meio p49 as perspectivas que desvinculavam o indivíduo de seu contexto não eram suficientes para se entender o homem social p49 A aproximação de Sílvia Lane com autores da Psicologia Social de outros países da América Latina foi também essencial em todo este processo p49 a construção da nova perspectiva em Psicologia Social Uma perspectiva que segundo Sílvia Lane deveria começar explicitando uma nova concepção de homem na psicologia um homem social e histórico O materialismo histórico e dialético será o método que ela vai adotar e desenvolver na psicologia social p49 A partir do materialismo histórico e dialético Lane produziu então uma nova psicologia social cujo objeto seria o homem como ser histórico a dialética entre indivíduo e sociedade o movimento de transformação da realidade O objetivo era compreender o indivíduo em relação dialética com a sociedade a constituição histórica e social do indivíduo e os elementos que explicam os processos de consciência e alienação e as possibilidades de ação do indivíduo frente às determinações sociais p50 Em outras palavras o materialismo histórico e dialético permite trabalhar com a historicidade dos fenômenos p50 Dentre as novas metodologias destacouse a pesquisaação participante Tratavase então de discutir o compromisso social do pesquisador p50 essa construção teórica se dava em todos os espaços que Sílvia Lane ocupava como professora pesquisadora e militante por uma psicologia social crítica p50 No final dos anos 70 Sílvia e seus orientandos realizaramuma intensa discussão teóricometodológica no Programa de Estudos PósGraduados em Psicologia Social da PUCSP formalizando e sistematizando o processo de revisão metodológica da Psicologia Social p5051 Com esse desenvolvimento teórico pela primeira vez criouse de fato uma alternativa à psicologia social norteamericana p51 Naqueles intensos anos 70 e 80 com toda aquela movimentação e esforços para a renovação ocorreu a construção da ABRAPSO em 1980 p51 Sílvia Lane parecia sempre saber para onde caminhar e para onde levar a Psicologia Social mas todos aqueles que com ela conviveram sabem que ela inventou junto ou seja prezou sempre os espaços de criação coletiva p51 2 UMA PSICOLOGIA SOCIAL SÓCIOHISTÓRICA A Psicologia Social que veio a ser denominada sóciohistórica surgiu nesse processo de revisão e crítica com vistas à produção de um conhecimento comprometido com a transformação social p51 Seus fundamentos epistemológicos metodológicos e ontológicos já foram mencionados p52 A partir desses fundamentos então Sílvia Lane desenvolveu a concepção de uma subjetividade em processo dialético numa dialética subjetividadeobjetividade desenvolveu o estudo das categorias do psiquismo atividade consciência e identidade p52 suas principais contribuições devemos compreender o psiquismo como processo constante um processo constituído na vida concreta por meio das ações vivências experiências do indivíduo e por meio de suas relações Processo contraditório revelador da dinâmica entre a totalidade social e a particularidade das situações individuais entre o universal e o singular das experiências humanas E processo protagonizado por sujeitos históricos que por serem sujeitos trazem emoção reflexão ação movimento p52 não se desviou em nenhum momento de seu propósito maior desenvolver uma psicologia que contribua com a transformação da sociedade A compreensão dos aspectos psicológicos como constituídos em uma dialética subjetividadeobjetividade traz a possibilidade de superar explicações que apenas justapõem indivíduo e sociedade e permite que ao se falar do sujeito falese necessariamente da realidade social da qual participa significa poder apontar as possibilidades de transformação p52 outra vertente importante da obra de Sílvia Lane como se constituem e qual o papel dos valores no processo subjetivoobjetivo ou na relação indivíduosociedade p52 Em relação à linguagem Sílvia Lane sempre apontou a necessidade de se considerar os aspectos ideológicos presentes na construção de significados Na verdade a investigação da articulação entre significados sociais e sentidos pessoais possibilitada pela atividade concretiza a investigação da dialética subjetividadeobjetividade p52 É necessário compreender o que impede e o que permite ao homem agir para transformar a realidade de forma libertadora e emancipadora p53 Por isso a necessidade de pesquisar como surgem se mantém e se modificam as emoções A afetividade é também categoria fundamental do psiquismo formulação de Sílvia Lane para indicar a ligação do indivíduo com o contexto social para além de um reconhecimento cognitivo p53 Sílvia Lane nos deixou desafios avançar na pesquisa sobre a maneira como os indivíduos se implicam ou não com sua própria realidade p53 Um pensar ético um compromisso ético que alia o conhecimento com a ação A proposta o desafio de pesquisar para poder interferir atuar para que os homens sejam sujeitos p53 3 UMA PSICOLOGIA ATENTA AO CONTEXTO SOCIAL OU TODA A PSICOLOGIA É SOCIAL muitas das iniciativas surgiram a partir do exercício da crítica ao conhecimento que era encontrado pronto para ser social não bastava tratar de uma possível percepção social Também não bastava colher para exame algum evento grupal e aplicar sobre ele um procedimento de exame estabelecido para fenômenos individuais p54 Vale ressaltar um elemento caracterizador desse social que resume o que se apresenta aqui Tratavase de situar cada evento cada pessoa cada iniciativa em seu contexto social p54 Nessa perspectiva o psicólogo social não seria somente aquele que trabalharia com problemas ou situações de caráter social ou grupal Um psicólogo clínico em atendimento individual em consultório particular seria também um psicólogo social p54 4 UMA PSICOLOGIA COM COMPROMISSO SOCIAL UMA HERANÇA DE SÍLVIA LANE Qualquer tema poderia ser eixo das pesquisas que seus orientandos traziam mas todos deveriam lhe responder qual a realidade que quero contribuir para mudar p55 ela deixou um conjunto de psicólogos e pesquisadores em sua maioria identificados com a ABRAPSO que buscam de vários lugares teóricos produzir uma nova Psicologia uma psicologia com compromisso social com a realidade brasileira e da América Latina Isto nos permite afirmar que Sílvia Lane mudou os rumos da Psicologia no Brasil e permitiu a construção de um novo projeto para a ciência e para a profissão p55 CHAUÍ M O que é ideologia 2ª edição São Paulo editora brasiliense 2008 1 COMEÇANDO NOSSA CONVERSA tomam a palavra ideologia para com ela significar conjunto sistemático e encadeado de idéias Ou seja confundem ideologia com ideário p7 2 PARTINDO DE ALGUNS EXEMPLOS Uma das preocupações principais do pensamento ocidentaal nasce com a filosofia na Grécia antiga quais as causas do aparecimento da permanência da mudança e do desaparecimento das coisas p9 Movimento portanto significa para um grego toda e qualquer alteração de uma realidade p10 O filósofo Aristóteles afirmou que só há conhecimento da realidade quando há conhecimento de causa elaborou então uma teoria da causalidade que ficou conhecida como teoria das quatro causas p10 Uma causa é o que responde ou se responsabiliza por algum aspecto da realidade e as quatro causas são responsáveis por todos os aspectos de um ser Haveria assim a causa material a causa formal a causa motriz ou eficiente e a causa final p10 uma coisa permanece enquanto permanecem sua forma e sua finalidade uma coisa muda ou movese porque a matéria está sujeita à mudança e quando uma causa eficiente altera a matéria mudando a forma que ela possuía p1011 a causa material e a eficiente são ditas causas externas enquanto a formal e a final são ditas causas internas Percebese que são mais importantes as causas da permanência e menos importantes as causas da mudança ou do movimento p11 a teoria das quatro causas leva a uma distinção entre dois tipos de atividade a atividade técnica ou o que os gregos chamavam de poiésis e a atividade ética e política ou o que os gregos chamam de práxis A primeira é considerada uma rotina mecânica A práxis porém é a atividade própria dos homens livres dotados de razão e de vontade para deliberar e escolher uma ação Por isso a práxis ética e política é superior à poiésis o trabalho p11 a sociedade medieval baseiase na servidão isto é são sociedade que distinguem radicalmente os homens entre superiores os homens livres que são cidadãos na Grécia e os senhores feudais na Europa medieval e inferiores os escravos na Grécia e os servos da gleba na Idade Média p12 Se tomarmos o cidadão ou o senhor e indagarmos qual das causas ele corresponde veremos que corresponde à causa final isto é o fim ou motivo pelo qual alguma coisa é feita Se por outro lado indagarmos a que causa corresponde o escravo ou o servo veremos que corresponde à causa motriz ou eficiente isto é ao trabalho graças ao qual certa matéria receberá uma certa forma A causa eficiente é um simples meio ou instrumento para a satisfação da vontade ou desejo de um outro o usuário do produto do trabalho p1213 Temos portanto uma teoria geral para a explicação da realidade e de suas transformações que na verdade é a transposição involuntária de relações sociais muito determinadas para o plano das idéias p13 uma teoria exprime por meio de idéias uma realidade social e histórica determinada e o pensador pode ou não estar consciente disso Quando porém não percebem a raiz histórica de suas idéias e imagina que elas serão verdadeiras para todos tempos e todos os lugares corre o risco de estar simplesmente produzindo uma ideologia De fato um dos traços fundamentais da ideologia consiste justamente em tomar as idéias como independentes da realidade histórica e social quando na verdade é essa realidade que torna compreensíveis as idéias elaboradas e à capacidade ou não que elas possuem para explicar a realidade que as provocou p1314 A física moderna considera que a Natureza age de modo inteiramente mecânico isto é como um sistema necessário de relações de causa e efeito tomando a causa sempre e exclusivamente no sentido de causa motriz ou eficiente Ou seja não há causas finais na Natureza No plano da metafísica porém além da causa eficiente é conservada a causa final pois esta referese a toda ação voluntária e livre ou seja referese à ação de Deus e à dos homens p1415 Um dos resultados da Física moderna foi a possibilidade de explicar o corpo humano como um corpo natural como uma máquina que opera sem a intervenção da vontade e da liberdade p15 O homem livre é portanto um ser universal sempre existiu e sempre existirá que se caracteriza pela união de um corpo mecânico e de uma vontade finalista p16 Pouco a pouco afirmase que a manifestação por excelência do homem livre é seu poder transformador e dominador aquela atividade na qual sua vontade subordina seu corpo para obter um certo fim o trabalho O trabalho que os antigos e medievais desprezavam aparece assim como uma das expressões privilegiadas do homem como ser natural e espiritual p16 Como foi possível passar da desqualificação do trabalho à sua nova valorização estamos vendo surgir uma nova sociedade ou uma nova formação social em que desponta a imagem do homem que valoriza a si mesmo por ter adquirido poder econômico e começar a adquirir político e prestígio social como recompensa de seu esforço pessoal de sua capacidade de trabalho e de poupança Estamos agora diante do burguês Trabalhar poupar e investir a ética protestante ordena que à riqueza se transforme em capital p17 No entanto a nova sociedade não é constituída apenas pelo burguês mas ainda por outro homem livre Tratase do moderno trabalhador livre O regime do capital pressupõe a separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de realização de seu trabalho p1718 há o burguês proprietário privado dos meios de produção ou das condições do trabalho e há o trabalhador despojado desses meios e dessas condições liberado da servidão mas também despojado dos meios de trabalhar livremente só podendo trabalhar como assalariado é preciso distinguir duas faces do trabalho de um lado o trabalho como expressão de uma vontade livre e dotada de fins próprios isto é o trabalho visto pelo burguês e de outro lado o trabalho como relação da máquina corporal com as máquinas sem vida isto é com as coisas naturais e fabricadas isto é o trabalho realizado pelo trabalhador p1819 Os trabalhadores livres fazem parte da Natureza enquanto os burgueses constituem a sociedade p19 Vemos novamente como idéias que parecem resultar do puro esforço intelectual Com tais idéias pretendese explicar a realidade sem se perceber que são elas que precisam ser explicadas pela realidade social e histórica p19 O real não é constituído por coisas Nossa experiência direta e imediata da realidade nos leva à imaginar que o real é feito de coisas p20 Não se trata de supor que há de um lado à coisa física ou material e de outro a coisa como idéia ou significação mas um entrelaçamento do físicomaterial e da significação a unidade de um ser e de seu sentido fazendo com que aquilo que chamamos de coisa seja sempre um campo significativo p21 Isso porém não implica afirmar o oposto isto é se o real não é constituído de coisas então será constituído por idéias ou por nossas representações das coisas Se fizéssemos tal afirmação estaríamos na ideologia em estado puro p22 O empirismo considera que o real são fatos ou coisas observáveis e que o conhecimento da realidade se reduz à experiência sensorial que temos dos objetos O idealistapor sua vez considera que o real são idéias ou representações e que o conhecimento da realidade se reduz ao exame dos dados e das operações de nossa consciência ou do intelecto p22 Tratase pelo contrário de compreender a própria origem das relações sociais e de suas diferenças temporais em uma palavra de encarálas como processos históricos p23 A história não é sucessão de fatos no tempo não é progresso das idéias mas o modo como homens determinados em condições determinadas criam os meios e as formas de sua existência social reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica política e cultural p23 Nessa perspectiva a história é o real e o real é o movimento incessante pelo qual os homens em condições que nem sempre foram escolhidas por eles instauram um modo de sociabilidade e procuram fixálo em instituições determinadas Além de procurar fixar seu modo de sociabilidade através de instituições determinadas os homens produzem idéias ou representações pelas quais procuram explicar e compreender sua própria vida individual social suas relações com a natureza e com o sobrenatural p23 Esse ocultamento da realidade social chamase ideologia Por seu intermédio os dominantes legitimam as condições sociais de exploração e de dominação fazendo com que pareçam verdadeiras e justas uma ideologia não possui um poder absoluto que não possa ser quebrado e destruído p24 3 HISTÓRICO DO TERMO O termo ideologia aparece pela primeira vez na França após a Revolução Francesa 1789 no início do século XIX em 1801 no livro de Destutt de Tracy Eléments dIdéologie Elementos de Ideologia p25 O sentido pejorativo dos termos ideologia e ideólogos veio de uma declaração de Napoleão que num discurso ao Conselho de Estado em 1812 declarou Todas as desgraças que afligem nossa bela França devem ser atribuídas à ideologia essa tenebrosa metafísica que buscando com sutilezas as causas primeiras quer fundar sobre suas bases a legislação dos povos em vez de adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da história p2728 O termo ideologia voltou a ser empregado com um sentido próximo ao do grupo dos ideólogos franceses pelo filósofo Auguste Comte em seu Cours de Philosophie Positive Curso de Filosofia Positiva O termo agora possui dois significados por um lado a ideologia continua sendo aquela atividade filosóficocientífica que estuda a formação das idéias a partir da observação das relações entre o corpo humano e o meio ambiente tomando como ponto de partida as sensações por outro lado ideologia passa a significar também o conjunto de idéias de uma época tanto como opinião geral quanto no sentido de elaboração teórica dos pensadores dessa época p2829 Sendo o conhecimento da formação das idéias tanto do ponto de vista psicológico quanto do ponto de vista social sendo o conhecimento científico das leis necessárias do real e sendo o corretivo das idéias comuns de uma sociedade a ideologia enquanto teoria passa a ter um papel de comando sobre a prática dos homens que devem se submeter aos critérios e mandamentos do teórico ou do cientista antes de agir p30 A concepção positivista da ideologia como conjunto de conhecimentos teóricos possui três consequências principais 1 define a teoria de tal modo que a reduz à simples organização sistemática e hierárquica de idéias sem jamais fazer da teoria a tentativa de explicação e de interpretação dos fenômenos naturais e humanos a partir de sua origem real 2 estabelece entre a teoria e a prática uma relação autoritária de mando e de obediência 3 concebe a prática como simples instrumento ou como mera técnica que aplica automaticamente regras normas e princípios vindos da teoria p3031 o positivismo anuncia no século XIX o advento da tecnocracia que se efetiva no século XX Veremos com o marxismo como a concepção positivista de ideologia é ela própria ideológica p31 Como se sabe Durkheim tem a intenção de criar a sociologia como ciência a regra fundamental da objetividade científica é a separação entre sujeito do conhecimento e objeto do conhecimento Durkheim chamará de ideologia todo conhecimento da sociedade que não respeite tais critérios de objetividade p32 Para O sociólogo cientista o ideológico é um resto uma sobra de idéias antigas précientíficas p32 4 À CONCEPÇÃO MARXISTA DE IDEOLOGIA Marx não separa a produção das idéias eas condições sociais e históricas nas quais são produzidas tal separação aliás é o que caracteriza à ideologia Em segundo lugar porque para entendermos as criticas de Marx precisamos ter presente o tipo de pensamento determinado que ele examina e que no caso pressupõe a filosofia de Hegel procura distinguir o tipo de ideologia que produzem entre os franceses a ideologia é sobretudo política e jurídica entre os ingleses é sobretudo econômica Os ideólogos alemães são antes de tudo filósofos p34 Sabemos que Marx dirige duas críticas principais aos ideólogos alemães Feuerbach F Strauss Max Stirner Bruno Bauer entre os principais A primeira diz que esses filósofos apenas substituíram a dialética hegeliana por uma fraseologia sem sentido e sem consistência p35 A segunda crítica diz que cada um desses ideólogos tomou um aspecto da realidade humana converteu esse aspecto numa idéia universal e passou a deduzir todo o real a partir desse aspecto idealizado p35 Marx afirma que para compreendermos a pequeneza e limitação mesquinha da ideologia alemã é preciso fazer algumas considerações gerais sobre o fenômeno da ideologia À história pode ser examinada sob dois aspectos história da natureza e história dos homens Os dois aspectos contudo sao inseparáveis enquanto existirem homens à história da natureza e a história dos homens se condicionarão mutuamente teremos de examinar a história dos homens pois quase toda ideologia se reduz ou a uma concepção distorcida dessa história p3536 O idealismo hegeliano consiste portanto em afirmar que a história é o movimento de posição negação e conservação das idéias e essas são a unidade do sujeito e do objeto da história que é Espírito p43 Vejamos como opera a dialética hegeliana tomando um exemplo da Filosofia do Direito quando Hegel expõe o movimento de constituição da sociedade civil e do Estado p43 O Espírito começa em seu momento natural isto é como algo dado ou imediatamente existente tratase da existência dos indivíduos como vontades livres que se reconhecem como tais pelo poder que têm de apropriarse das coisas naturais através pela mediação do trabalho A regulação das relações entre os proprietários conduz ao aparecimento do Direito As pessoas entram em relação por meio dos contratos relação entre proprietários e pelo crime quebra do contrato p4344 No entanto esses indivíduos naturais livres não são apenas proprietários Sua vontade livre é consciente de si e faz com que cada indivíduo se relacione consigo mesmo com sua interioridade ou consciência Esse indivíduo livre interior se chama sujeito As relações entre os sujeitos constituem a Moral p44 Há pois uma contradição no interior de cada indivíduo entre sua facepessoa proprietário e sua facesujeito moral p44 A resolução dessa contradição fazse em dois momentos no primeiro surge a família e no segundo surge a sociedade civil p44 É a família que concilia os interesses dos proprietários e os deveres dos sujeitos fazendoos interesses coletivos da família e deveres comuns dos membros da família Surge uma vida comunitária e Hegel a denomina unidade do Espírito Subjetivo p45 A luta entre as famílias constitui o primeiro momento da sociedade civil p45 A sociedade civil resolve as lutas familiares criando a diferença entre os interesses públicos e os privados e regulando as relações entre eles através do Direito público e privado Isso significa que o indivíduo social não se define como membro da família como pai mãe filho irmão mas se define por algo que desestrutura a família as classes sociais p45 A sociedade civil é constituída por três classes A primeira é aristocracia ou nobreza proprietária da terra e que se conserva justamente pelos laços de sangue e pela linhagem A terceira que Hegel denomina classe universal é a classe média constituída pelos funcionários do Estado Entre essas duas classes existe uma intermediária e que é o coração da sociedade civil a classe formal isto é os indivíduos que vivem da indústria e do comércio do trabalho próprio ou do trabalho alheio p46 Estado é uma comunidade Mas difere da comunidade familiar e da comunidade das classes sociais p46 Ora enquanto os ideólogos alemães se contentam em ridicularizar o sistema hegeliano permanecem presos a ele sem saber Marx critica radicalmente o idealismo hegeliano Vejamos como se passa da dialética idealista para a materialista p47 Da concepção hegeliana Marx conserva o conceito de dialética como movimento interno de produção da realidade cujo motor é a contradição Porém a contradição se estabelece entre homens reais em condições históricas e sociais reais e chamase luta de classes p47 A história é história do modo real como os homens reais produzem suas condições reais de existência É história de modo como se reproduzem a si mesmo como produzem e reproduzem suas relações com a natureza de modo como produzem e reproduzem suas relações sociais É também o modo como os homens interpretam todas as relações seja numa interpretação imaginária como na ideologia seja numa interpretação real p4748 Da concepção hegeliana Marx também conserva as diferenças entre abstratoconcreto imediatomediato aparecerser p48 Marx afirma que o método históricodialético deve partir do que é mais abstrato ou mais simples ou mais imediato o que se oferece à observação percorrer o processo contraditório de sua constituição real e atingir o concreto como um sistema de mediações e de relações cada vez mais complexas e que nunca estão dadas à observação p48 um elemento fundamental do modo de produção capitalista o trabalhador que aparece como um ser humano é na verdade uma mercadoria p49 quando compreendemos qual é a gênese ou origem da mercadoria as mediações que a constituem compreendemos que não se trata de uma coisa tão simples como aparecia pois ela é ao mesmo tempo valor de uso e valor de troca p49 Seu valor é produzido num outro lugar ele é determinado pela quantidade de tempo de trabalho necessário para produzila Também entra no preço da mercadoria como parte do chamado custo de produção o salário pago pelo tempo de trabalho do trabalhador p49 Graças à maisvalia a mercadoria não é um valor de uso ou um valor de troca qualquer mas um valor capitalista p51 Da concepção hegeliana Marx também conserva a afirmação de que à realidade é história e por isso é reflexiva a realidade um movimento de contradições que produzem e reproduz o modo de existência social dos homens e que realiza o uma volta completa sobre si mesma pode conduzir à transformação desse modo de existência social p51 a dialética marxista não é espiritualista ou idealista e sim materialista A matéria do materialismo históricodialético são os homens produzindo em condições determinadas seu modo de se reproduzirem como homens e de organizarem suas vidas como homens Assim sendo a reflexão não é impossível p52 As classes sociais são o fazerse classe dos indivíduos em suas atividades econômicas políticas e culturais p52 O que interessa é a divisão social do trabalho e portanto a relação entre os próprios homens através do trabalho dividido Essas formas da divisão social do trabalho ao mesmo tempo em que determinam a divisão entre proprietários e nãoproprietários entre trabalhadores e pensadores determinam a formação das classes sociais e finalmente a separação entre sociedade e política isto é entre instituições sociais e Estado p53 Enfim da concepção hegeliana Marx também conserva o conceito de alienação p53 Todavia Marx imprimirá grandes modificações nesse conceito O trabalho alienado é aquele no qual o produtor não se pode reconhecer no produto de seu trabalho porque as condições desse trabalho suas finalidades reais e seu valor não dependem do próprio trabalhador mas do proprietário das condições do trabalho p54 Tratase do fetichismo da mercadoria p54 em lugar de a mercadoria aparecer como resultado de relações sociais enquanto relações de produção ela aparece como um bem que se compra e se consome Aparece como valendo por si mesma e em si mesma como se fosse um dom natural das próprias coisas p55 As coisasmercadorias começam pois a relacionaremse umas com as outras como se fossem sujeitos sociais dotados de vida própria E os homensmercadorias aparecem como coisas p55 Como então aparecem as relações sociais de trabalho Como relações materiais entre sujeitos humanos e como relações sociais entre coisas p56 ele o diz por que houve uma gigantesca inversão na qual o social vira coisa e a coisa vira social É isto a realidade capitalista p57 Marx e Engels determinam o momento de surgimento das ideologias no instante em que a divisão social do trabalho separa trabalho material ou manual de trabalho intelectual p58 Numa palavra a divisão social do trabalho engendra e é engendrada pela desigualdade social ou pela forma da propriedade p59 As transformações dessa estrutura social ou seja da forma da propriedade e da divisão do trabalho dão origem à forma da propriedade que conhecemos a propriedade privada capitalista Aqui a divisão social trabalho alcança seu ápice de um lado os proprietários privados do capital portanto dos meios condições e instrumentos da produção e da distribuição que são também os proprietários do produto do trabalho e de outro lado a massa dos assalariados ou dos trabalhadores despossuídos que dispõem exclusivamente de sua força de trabalho p60 Por esse motivo as idéias tendem a ser uma representação invertida do processo real colocando como origem ou como causa aquilo que é efeito ou consequência e viceversa p61 Também as relações sociais são representadas imediatamente pelas idéias de maneira invertida p62 A forma inicial da consciência é portanto a alienação p62 A divisão social do trabalho tornase completa quando o trabalho material e o espiritual separamse p62 Nasce agora a ideologia propriamente dita sistema ordenado de idéias ou representações e da e regras como algo separado e independente das condições materiais visto que seus produtores os teóricos os ideólogos os intelectuais não estão diretamente vinculados à produção material das condições de existência E sem perceber exprimem essa desvinculação ou separação através de suas idéias p63 Em suma Engels e Marx consideram que os três aspectos que são condições para que haja história força de produção relações sociais e consciência Instalouse para a própria consciência imediata dos homens a percepção da desigualdade social uns pensam outros trabalham uns consomem outros produzem e não podem consumir os produtos de seu trabalho p64 Outra contradição mais aguda ainda surge a contradição entre os interesses de um indivíduo ou de uma família particular e os interesses coletivos p64 Existem conflitos entre os proprietários e existem contradições entre os proprietários e os nãoproprietários p64 O Estado aparece como à realização do interesse geral por isso Hegel dizia que o Estado era a universalidade da vida social mas na realidade ele é a forma pela qual os interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade a classe dos proprietários ganham a aparência de interesse de toda a sociedade p66 O Estado é uma comunidade ilusória a vitória de uma parte da sociedade sobre as outras p66 uma dominação impessoal e anônima a dominação exercida através de um mecanismo impessoal que são as leis ou o DIreito CIvil p67 Está aberto o caminho para a ideologia política que explicará a sociedade através das formas dos regimes políticos e que explicará a história pelas transformações do Estado p67 Assim a transformação histórica capaz de ultrapassar essas divisões e as contradições que as sustentam depende de pressupostos condições ou précondições práticos e não teóricos Esses pressupostos ou précondições práticos são 1 surgimento da massa da humanidade como massa inteiramente destituída de propriedade e em contradição com um mundo da cultura e da riqueza produzido por essa massa que se encontra excluída da abundância por ela produzida 2 que a divisão entre os proprietários privados das condições de produção e à massa destituída seja um fenômeno universal p6768 Com a revolução comunista os homens saberão que fazem a história mesmo que não tenham escolhido as condições em que a fazem p69 Sem as condições materiais da revolução é inútil a idéia de revolução p69 A história não é o desenvolvimento das idéias mas o das forças produtivas p69 no caso da sociedade civil capitalista afirmar que a existência dos proprietários da classe capitalista depende da exploração dos nãoproprietários trabalhadores assalariados significa simplesmente o seguinte o capital é o trabalho nãopago a maisvalia Temos uma contradição na medida em que a realidade do capital é a negação do trabalho p70 a sociedade civil realizase como luta de classes A luta de classes é o quotidiano da sociedade civil p70 A sociedade civil concebida como um indivíduo coletivo é uma das grandes idéias da ideologia burguesa para ocultar que a sociedade civil é a produção e reprodução da divisão em classes e é luta das classes A história são os indivíduos fazendose uns aos outros tanto física quanto espiritualmente Esse fazerseunsaosoutros é a práxis social e significa 1 que as classes sociais não estão feitas e acabadas pela social mas estão se fazendo uma às outras por sua ação 2 que o conjunto das práticas sociais fazendo os indivíduos existirem como seres contraditórios p71 A ideologia não é um processo subjetivo consciente mas um fenômeno objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da existência social dos indivíduos A classe começa então a ser representada pelos indivíduos como algo natural e não histórico como um fato bruto que os domina como uma coisa que vivem p73 A ideologia burguesa irá produzir idéia que confirmem essa alienação fazendo por exemplo com que os homens creiam que são desiguais por natureza e por talentos p73 Marx e Engels insistem em que não devemos tomar o problema da alienação como ponto de partida necessário para a transformação histórica p74 A transformação deve ser simultaneamente subjetiva e objetiva a prática dos homens precisa ser diferente para que suas idéias sejam diferentes p74 Não é crítica mas a revolução a força motriz da história p74 A teoria está encarregada de apontar os processos objetivos que conduzem à exploração e à dominação e aqueles que podem conduzir à liberdade p75 A relação entre teoria e prática é revolucionária porque é dialética é uma relação simultânea e recíproca por meio da qual a teoria nega a prática enquanto prática imediata p75 A prática por sua vez nega a teoria como um saber separado e autônomo p76 Toda concepção histórica até o momento ou tem omitido completamente a base real da história ou a tem considerado algo secundário p76 Uma vez postas como forças históricas motrizes aquelas forças políticas religiosas culturais etc que na verdade são determinadas pelas forças reais todo o processo histórico fica invertido ou de pontacabeça p77 É assim por exemplo que a ideologia burguesa tende a explicar a história através da idéia de progresso Com isso os homens tornamse instrumentos ou meios para a história realizar seus fins próprios e são justificadas todas as ações que se realizam em nome do progresso p78 Dessa maneira não só os acontecimentos históricos são explicados de modo invertido o fim explica o começo mas tal explicação ainda permite que a classe dominante justifique suas ações p78 Isso significa que em termos do materialismo histórico e dialético é impossível compreender a origem e a função da ideologia sem compreender a luta de classes pois a ideologia é um dos instrumentos da dominação de classe e uma das formas da luta de classes A ideologia é um dos meios usados pelos dominantes para exercer a dominação fazendo com que esta não seja percebida como tal pelos dominados p79 A peculiaridade da ideologia e que a transforma numa força quase impossível de remover decorre dos seguintes aspectos 1 o que torna a ideologia possível é a separação entre trabalho material e trabalho intelectual ou seja a separação entre trabalhadores e pensadores 2 o que torna objetivamente possível a ideologia é o fenômeno da alienação Portanto enquanto não houver um conhecimento da história real enquanto a teoria não mostrar o significado da prática imediata dos homens enquanto a experiência comum de vida for mantida sem crítica e sem pensamento a ideologia se manterá 3 o que torna possível a ideologia é a luta de classes a dominação de uma classe sobre as outras Porém o que faz da ideologia uma força quase impossível de ser destruída é o fato de que a dominação real é justamente aquilo que à ideologia tem por finalidade ocultar p7980 Dissemos que a ideologia é resultado da luta de classes e que tem por função esconder a existência dessa luta Podemos acrescentar que o poder ou a eficácia da ideologia aumentam quanto maior for sua capacidade para ocultar a origem da divisão social em classes e a luta de classes p82 A ideologia é o processo pelo qual as idéias da classe dominante tornamse idéias de todas as classes sociais tornamse idéias dominantes É esse processo que nos interessa agora p85 A Ideologia consiste precisamente na transformação das idéias da classe dominante em idéias dominantes para a sociedade como um todo de modo que a classe que domina no plano material econômico social e político também domina no plano espiritual das idéias Isso significa que 1 a dominação de uma classe sobre as outras faz com que só sejam consideradas válidas verdadeiras e racionais as idéias da classe dominante 2 para que isso ocorra é preciso que os membros da sociedade não se percebam divididos em classes mas se vejam como tendo certas características humanas comuns a todos e que tornam as diferenças sociais algo derivado ou de menor importância 3 é preciso que a classe dominante além de produzir suas próprias idéias também possa distribuílas o que é feito por exemplo através da educação da religião dos costumes dos meios de comunicação disponíveis 4 é possível passar a considerálas independentes da realidade e mais do que isso inverter a relação fazendo com que à realidade concreta seja tida como realização dessas idéias p86 Esse fenômeno de manutenção das idéias dominantes mesmo quando se está lutando contra a classe dominante é o aspecto fundamental daquilo que Gramsci denomina hegemonia ou o poder espiritual da classe dominante p88 Uma história concreta não perde de vista a origem de classe das idéias de uma época nem perde de vista que a ideologia nasce para servir aos interesses de uma classe e que só pode fazêlo transformando as idéias dessa classe particular em idéias universais p88 Não perde de vista também que a produção e distribuição dessas idéias ficam sob o controle da classe dominante que usa as instituições sociais para sua implantação p89 O processo histórico real escrevem Marx e Engels não é o do predomínio de certas idéias em certas épocas mas um outro que é o seguinte cada nova classe em ascensão que começa a se desenvolver dentro de um modo de produção que será destruído quando essa nova classe dominar cada classe emergente dizíamos precisa formular seus interesses de modo sistemático e para ganhar o apoio do restante da sociedade contra a classe dominante existente precisa fazer com que tais interesses apareçam como interesses de toda à sociedade p90 Para poder ser o representante de toda a sociedade contra uma classe particular que está no poder a nova classe emergente precisa dar às suas idéias a maior universalidade possível fazendo com que apareçam como verdadeiras e justas para o maior número possível de membros da sociedade Por isso a distância entre dominantes e dominados aumenta ainda mais e os dominados afinal terão de lutar pelo término de toda e qualquer forma de dominação p91 As principais determinações que constituem o fenômeno da ideologia são 1 a ideologia é resultado da divisão social do trabalho 2 essa separação dos trabalhos estabelece a aparente autonomia do trabalho intelectual face ao trabalho material 3 essa autonomia aparente do trabalho intelectual aparece como autonomia dos produtores desse trabalho isto é dos pensadores 4 essa autonomia dos produtores do trabalho intelectual aparece como autonomia dos produtos desse trabalho isto é das idéias 5 essas idéias que aparecem como autônomas são as idéias da classe dominante de uma época 6 a ideologia é pois um instrumento de dominação de classe e como tal sua origem é a existência da divisão da sociedade em classes contraditórias e em luta 7 A ideologia é um instrumento de dominação de classe 8 Para tanto é função da ideologia dissimular e ocultar a existência das divisões sociais como divisões de classes escondendo assim sua própria origem Ou seja a ideologia esconde que nasceu da luta de classes para servir a uma classe na dominação 9 a ideologia deve transformar as idéias particulares da classe dominante em idéias universais válidas igualmente para toda a sociedade 10 Por ser uma abstração a ideologia constrói uma rede imaginária de idéias e de valores que possuem base real a divisão social mas de tal modo que essa base seja reconstruída de modo invertido e imaginário 11 a ideologia é uma ilusão necessária à dominação de classe 12 porque a ideologia é ilusão isto é abstração e inversão da realidade ela permanece sempre no plano imediato do aparecer social Isso significa que uma ideologia sempre possui uma base real só que essa base está de pontacabeça é a aparência social É nesse sentido que se deve entender a ideologia como ilusão abstração e inversão 13 a ideologia não é um reflexo do real na cabeça dos homens mas o modo ilusório isto é abstrato e invertido pelo qual representam o aparecer social como se tal aparecer fosse a realidade social 14 a ideologia é produzida em três momentos fundamentais a Nesse primeiro momento a ideologia encarregase de produzir uma universalidade com base real para legitimar a luta da nova classe pelo poder b ela prossegue tornandose aquilo que Gramsci denomina senso comum isto é ela popularizase tornase um conjunto de idéias e de valores concatenados e coerentes aceitos por todos os que são contrários à dominação existente e que imaginam uma nova sociedade que realize essas idéias e esses valores c uma vez sedimentada e interiorizada como senso comum a ideologia mantémse mesmo após a vitória da classe emergente que se torna então classe dominante p9298 Esse fenômeno da conservação da validade das idéias e valores dos dominantes mesmo quando se percebe a dominação e mesmo quando se luta contra a classe dominante mantendo sua ideologia é que Gramsci denomina hegemonia p99 A crise de hegemonia só ocorre quando além da crise econômica e política que afeta os dirigentes há uma crise das idéias e dos valores dominantes fazendo com que toda a sociedade na qualidade de nãodirigente recuse a totalidade da forma de dominação existente p99 5 A IDEOLOGIA DA COMPETÊNCIA Em um ensaio intitulado A gênese da ideologia na sociedade moderna o filósofo francês Claude Lefort observa que houve uma mudança no modo de operação da ideologia desde meados do século XX p102 a partir sobretudo dos anos 30 do século XX houve uma mudança no processo social do trabalho mudança que iria espalharse por toda a sociedade e todas as relações sociais Com o fordismo é introduzida uma nova prática das relações sociais conhecida como a organização p102103 Quais as principais características da Organização 1 as afirmações de que organizar é administrar e que administrar é introduzir racionalidade nas relações sociais A racionalidade administrativa consiste em afirmar que não é necessário discutir os fins de uma ação ou de uma prática e sim estabelecer meios eficazes para a obtenção de um objetivo 2 A Organização será tanto mais eficaz quanto mais todos os seus membros se identificarem com ela e com os objetivos dela fazendo de suas vidas um serviço a ela que é retribuído com a subida na hierarquia de poder 3 a afirmação de que uma Organização é uma administração científica racional que possui lógica própria e funciona por si mesma independentemente da vontade e da decisão de seus membros p103104 No caso do trabalho industrial a Organização introduz duas novidades A primeira é a linha de montagem A segunda é a chamada gerência científica isto é depois de despojar o trabalhador do conhecimento da produção completa de um objeto Com isso a divisão social do trabalho fazse pela separação entre os que têm competência para dirigir e os incompetentes que só sabem executar p104 Examinando a maneira como o modelo da Organização se difunde e se espalha por todas as instituições sociais e por todas as relações sociais Lefort fala na ideologia contemporânea como a ideologia invisível p104 Hoje em dia porém não se trata mais de usar técnicas vindas da aplicação das ciências e sim de usar e desenvolver tecnologias A tecnologia não é ciência aplicada p105 A tecnologia é fabricação de instrumentos de precisão que interferem no próprio conteúdo das ciências p105 Se agora reunirmos a Organização ou administração racional eficaz do trabalho a gerência científica a presença da ciência e da tecnologia no processo produtivo e no trabalho intelectual perceberemos que a divisão social das classes está acrescida de novas divisões e que estas podem ser resumidas numa só e grande divisão a divisão entre os que possuem poder porque possuem saber e os que não possuem poder porque não possuem saber p105 Dessa maneira em vez de falarmos em ideologia invisível preferimos falar em ideologia da competência que oculta a divisão social das classes ao afirmar que a divisão social se realiza entre os competentes os especialistas que possuem conhecimentos científicos e tecnológicos e os incompetentes os que executam as tarefas comandadas pelos especialistas p105 O discurso competente é aquele proferido pelo especialista que ocupa uma posição ou um lugar determinado na hierarquia organizacional Esse discurso opera com duas práticas contraditórias Numa delas afirma que esta é racional e é o agente social político e histórico p106 Na outra modalidade prática o discurso competente procura desfazer o que fez anteriormente Ou seja depois de invalidar os indivíduos e as classes sociais como sujeitos da ação procura revalidálos mas o faz tomandoos como pessoas ou indivíduos privados Tratase do que chamaremos de competência privatizada p106 Finalmente se reunirmos o discurso competente da Organização e o discurso competente dos especialistas veremos que estão construídos para assegurar dois pontos indissociáveis do modo de produção capitalista o discurso da Organização afirma que só existe racionalidade nas leis do mercado o discurso do especialista afirma que só há felicidade na competição e no sucesso de quem vence a competição p107 Vejamos algumas consequências perversas produzidas pela ideologia da competência o desempregado ignorando o que se passa e orientandose pelo que foi incutido pela ideologia sentese culpado pelo desemprego humilhado e num beco sem saída p107108 Um outro efeito da ideologia da competência aparece na busca do diploma universitário a qualquer custo p108 A ideologia é um conjunto lógico sistemático e coerente de representações idéias e valores e de normas ou regras de conduta que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar o que devem valorizar e como devem valorizar o que devem sentir e como devem sentir o que devem fazer e como devem fazer p108109 Quem é o que pode desmantelar a ideologia Somente uma prática política nascida dos explorados e dominados e dirigida por eles próprios Para essa prática política é de grande importância o que chamamos de crítica da ideologia que consiste em preencher as lacunas e os silêncios do pensamento e discurso ideológicos obrigandoos a dizer tudo que não está dito pois dessa maneira à lógica da ideologia se desfaz e se desmancha deixando ver o que estava escondido e assegurava a exploração econômica a desigualdade social a dominação política e a exclusão cultural p118 LANE STM A tecnologia social na psicologia controvérsias Psicologia ciência e profissão v 5 n 1 p 1820 1985 a Tecnologia Social é definida e indicada por alguns como método para solucionar uma grande variedade de questões considerandose a ideologia de seu aplicador um problema secundário Para outros nos moldes em que a Tecnologia Social vem sendo aplicada a questão da ideologia se coloca como ponto fundamental de discussão p1819 Psicologia Ciência e Profissão convidou três psicólogos sociais para darem seus depoimentos sobre a questão A seguir as opiniões de Aroldo Rodrigues Sílvia Lane e Wanderley Codo p 19 1 CIÊNCIA E TECNOLOGIA A SERVIÇO DO HOMEM ENTREVISTA COM AROLDO RODRIGUES Já houve tempo em que várias linhas transitavam na Psicologia Social com destaque mais ou menos igual Recentemente porém o domínio do cognitivismo é indiscutível A mudança desde então tem sido de proporções revolucionárias impelindo praticamente todos os investigadores a verem os fenômenos psicossociais sob uma perspectiva cognitiva p18 A diferença entre a Psicologia Social cognitivista e a de características lewinianas e gestálticas não é muito grande elas se distinguem porque esta última se prende a princípios rígidos da teoria de campo e da Gestalt enquanto a Psicologia Social cognitiva contemporânea faz apelo às contribuições de Lewin e da Gestalt sem se limitar a elas p18 A Tecnologia Social consiste na utilização dos achados científicos das Ciências Sociais a fim de resolver problemas sociais A tecnologia social surgiu na América Latina e não nos países do primeiro mundo provavelmente devido à necessidade premente de resolver graves problemas sociais existentes nos países do terceiro mundo a relevância da Tecnologia Social dificilmente pode ser superestimada É necessário que ela seja mais e mais desenvolvida entre nós sempre porém ancorada em descobertas científicas sólidas que facilitem o trabalho do tecnólogo social p19 A Tecnologia Social não está isenta desses problemas É preciso que o tecnólogo social deixe bem claro quais são os seus valores para que as pessoas que com ele lidam possam julgar as soluções que apresenta Não há como evitar a influência dos valores pessoais em sua atuação p19 A Psicologia Social como ciência básica que é tem muito a contribuir para a atividade do tecnólogo social Embora a quase totalidade das pessoas discordem de mim eu pessoalmente estou seguro de que a ciência é neutra em sua procura das relações nãoaleatórias entre variáveis p19 LIMA Renato Sampaio História da psicologia social no Rio de Janeiro Dois importantes personagens Fractal Revista de Psicologia v 21 p 409423 2009 1 APRESENTAÇÃO Ao longo das décadas de 60 70 e 80 dois importantes personagens influenciaram a Psicologia Social no Rio de Janeiro Eliezer Schneider e Aroldo Rodrigues O primeiro atuou no campo da institucionalização da psicologia O segundo e foi o mais considerado representante da Psicologia Social norteamericana no Brasil p410 A partir de meados da década de 60 e início da década de 70 a Psicologia Social se depara com o que alguns autores RODRIGUES ASSMAR JABLONSKI 2000 LANE 1981 ARRUDA 1992 denominaram crise no campo da Psicologia Social Tanto Schneider como Aroldo Rodrigues participaram ativamente deste processo de discussões p410 2 A CONTRIBUIÇÃO DE ELIEZER SCHNEIDER o que gostaríamos de destacar é a publicação do seu único livro Psicologia Social Histórica Cultural e Política SCHNEIDER 1978 No segundo capítulo deste cujo título é A Psicologia Social no Estudo da Cultura e da História encontramos algumas de suas idéias sobre o campo da Psicologia Social haveria uma Psicologia Social da Cultura e da História que não sendo isolada do restante da psicologia poderia fazer uso de seus conceitos básicos na busca da compreensão de processos micro e macrossociais Schneider 1978 não reprovava a existência da psicologia experimental mas considerava seus limites p 410411 Schneider apresentava uma preocupação com a necessidade de a Psicologia Social se voltar para temas que não serviriam apenas para a formulação de teorias generalistas mas que pudessem contribuir para o entendimento do humano em sua diversidade histórica e cultural p411 não buscou simplesmente no seu retorno ao Brasil reproduzir os conhecimentos da psicologia norteamericana p411 Em relação ao campo da Psicologia Social é importante frisarmos a aproximação de Schneider a autores como Klineberg p411 É ainda importante destacarmos que Schneider estava atento às renovações no campo da Psicologia Social não apenas nos Estados Unidos mas também na Europa Para Sá 2001 Schneider teve uma importante participação na discussão crítica do campo da Psicologia Social no Rio de Janeiro p411 Para esse pesquisador brasileiro a Psicologia Social deveria reunir o estudo dos processos micro e macrossociais com temas da cultura e da história p412 Para JacóVilela 2001 p 21 a principal infl uência de Schneider se encontra sem dúvida na formação de toda uma geração de psicólogos sociais que com ele aprendemos a estender nosso olhar além do paradigma individualista que geralmente caracteriza a Psicologia p412 Schneider não buscou estabelecer uma Psicologia Social que se afastasse completamente dos conceitos mais gerais da psicologia diferentemente do que aconteceria com a Psicologia Social no Brasil a partir da década de 80 p413 3 A INFLUÊNCIA DE AROLDO RODRIGUES A Psicologia Social no Brasil antes da denominada crise da Psicologia Social apresentava uma forma predominantemente norteamericana O grande representante dessa Psicologia Social no Brasil e no Rio de Janeiro como afirmamos foi Aroldo Rodrigues p413 Aroldo Rodrigues retornou ao Brasil no ano de 1966 com PhD em psicologia e retomou suas atividades como professor na PUC p414 O clima inamistoso identificado por Aroldo Rodrigues talvez já representasse os efeitos da crise da Psicologia Social no Brasil No entanto o confronto com o modelo norteamericano se acirrou nas décadas de 70 e 80 p414 Em 1973 Aroldo Rodrigues foi eleito presidente da Associação LatinoAmericana de Psicologia Social ALAPSO A Associação Brasileira de Psicologia Social ABRAPSO surgiria em 1980 a partir de uma discordância com a ALAPSO e tendo como principal personagem desse rompimento Silvia Lane Nos anos que se seguiriam a professora da PUC de São Paulo seria a principal personagem do confronto com o professor da PUC do Rio de Janeiro Um dos temas em destaque nessa contraposição além do modelo de homem e sociedade girou em torno da neutralidade do pesquisador em Psicologia Social e do status de ciência deste campo da psicologia p414415 Se para Rodrigues a Psicologia Social é uma ciência básica e neutra que permitiria a solução de problemas sociais através de suas aplicações para Lane 1985 tal concepção poderia transformar o psicólogo em agente da adaptação p415 Aroldo Rodrigues assegurava a separação entre psicologia e política a partir de uma visão de conhecimento científi co consolidada na Psicologia Social norteamericana e na sua forma de pensar a psicologia p415 as dificuldades de Aroldo Rodrigues podem ser compreendidas em função das novas exigências que os psicólogos sociais no Brasil se faziam a necessidade de uma pesquisa que pensasse a realidade social brasileira e a possibilidade de sua transformação p415 4 UM DEBATE EM TORNO DA NEUTRALIDADE E DA LIBERDADE ACADÊMICA Crise da PUCRJ desenvolveuse em diversas linhas mas o que ele se propôs a tratar se restringe aos desdobramentos aos embates que se seguiram após a censura de um texto filosófico p416 Para Aroldo Rodrigues 1979a a liberdade acadêmica é algo essencial no diaadia da academia sem a qual a troca de idéias o debate e a discordância não podem se fazer presentes p416 Nessas linhas temos claramente a defesa da neutralidade científica e da liberdade acadêmica p416 afirmava que a opinião que não corroborasse as posições da esquerda marxista não seria bem vista e nem aceita A denominada ditadura ideológica estaria presente nas universidades produzindo sectarismo e identidade de conteúdo RODRIGUES 1979a Segundo ele as fontes de referência eram sempre as mesmas variando de acordo com a área do encontro p416 Aroldo Rodrigues 1979a encerra afi rmando que seu artigo foi escrito com o objetivo de se contrapor ao absolutismo ideológico p417 Se para Aroldo Rodrigues o comprometimento político do saber gerava perda de racionalidade para GarciaRoza 1979 era algo intrínseco à produção do conhecimento e à ciência p417 é publicado no Jornal do Brasil o artigo do professor Eurico de Lima Figueiredo Professor de Ciência política da UFF Figueiredo 1979 discorda da opinião de Aroldo Rodrigues que reduz o saber científico nacional ao marxismo p418 5 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA A PRIMEIRA CHEFIA DE AROLDO RODRIGUES 19661969 No ano de 1967 entre os laboratórios criados com o objetivo de pesquisa científica e experimental estava o laboratório de Psicologia Social experimental Havia um claro investimento em psicologia básica e em Psicologia Social e segundo Osuna 1998 nessa época o curso de psicologia da PUC recebeu a visita de vários professores dos Estados Unidos reforçando a base conceitual que Aroldo Rodrigues buscava implementar p 418 6 A SEGUNDA CHEFIA 19721976 O professor Aroldo Rodrigues se deparou com uma resistência ao seu trabalho que cresceu ao longo da sua permanência à frente do curso de psicologia p419 Durante a gestão de Aroldo Rodrigues sua opção por uma psicologia experimental levou a um maior investimento na área de seleção e orientação vocacional em detrimento do setor de psicologia clínica que apresentava uma demanda cada vez maior por parte dos alunos Houve uma cisão clara entre o grupo de Aroldo Rodrigues e os demais professores vários alunos insatisfeitos com as mudanças buscaram explicações junto à direção Segundo a professora Inez Farah apud RODRIGUES 1977 p 18 existia uma decisão de transformar o curso de psicologia da PUC em um curso de psicologia experimental p419 O pedido de demissão do professor Aroldo Rodrigues em 1979 permitiu que o ensino de psicologia na PUC se voltasse predominantemente para a área de psicologia clínica p420 Os embates com os psicólogos no Rio de Janeiro ocorreram sobretudo em função da discordância quanto ao modelo de ciência e psicologia Na PUCRJ a discordância relativa ao predomínio da clínica psicanalítica considerada por Aroldo Rodrigues como não científica retiroulhe aos poucos o respaldo que tinha da direção da instituição p420 Quanto aos psicólogos sociais do Rio de Janeiro a figura que poderia lhe impor mais ressalvas seria Eliezer Schneider A forma que este construía as aulas de Psicologia Social permitiulhe escapar do simples uso dos manuais norte americanos e utilizar referências de áreas como a sociologia a antropologia e a filosofia p420 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS As contribuições destes autores ainda se fazem sentir seja a partir das discordâncias que ainda geram seja em função de suas colaborações teóricas metodológicas e pela formação de pesquisadores no campo da Psicologia Social p421 A partir da crise como sustenta Rodrigues 1979c a Psicologia Social passou a se preocupar com a relevância social das pesquisas em psicologia p421 UNIP CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA AGNALDO VIEIRA DE SOUZA RA B967528 TURMA 10RDOP33 ESTUDO DIRIGIDO Estudo dirigido apresentado à disciplina de Temas em Psicologia ministrada pela professora Ianá Pereira TATUAPÉ 2023 Para o estudo dirigido responda às seguintes questões 1 De acordo com Marilena Chauí8 2008 o que é ideologia Em sua resposta apresente uma definição consistente sobre o conceito marxista de ideologia apresentado pela autora De forma sucinta Chauí define a ideologia a partir das ideias marxistas como um conjunto de ideias crenças e representações que são produzidas e difundidas na sociedade para justificar e legitimar as relações de poder e dominação existentes Além disso essas ideias são criadas pelas classes dominantes e desempenham o papel de mascarar as contradições sociais e econômicas inerentes ao sistema capitalista Assim a autora defende que a ideologia serve para ocultar as verdadeiras condições de exploração e alienação que existem no capitalismo fazendo com que as pessoas aceitem essas condições como naturais e inevitáveis funcionando como uma falsa consciência Isso impede que as pessoas percebam sua verdadeira situação de classe e com isso dificulta a luta por mudanças sociais Dessa forma a ideologia é um instrumento de poder que serve aos interesses das classes dominantes contribuindo para a manutenção do capitalismo 2 Leia o trecho sobre Silvia Lane retirado do artigo Sílvia Lane e o Projeto do Compromisso Social da Psicologia in Psicologia Sociedade v19 Edição Especial 2 p 4656 2007 Sua preocupação básica em construir uma psicologia social voltada para a realidade brasileira e latinoamericana com vistas a contribuir para a superação das desigualdades e das situações de opressão demandava uma construção teórica que permitisse uma compreensão dos mecanismos que provocam a alienação e contribuir para ampliar a consciência dos homens Sua teoria sobre o psiquismo teve essa direção O materialismo histórico e dialético será o método que ela vai adotar e desenvolver na psicologia social Sem dúvida o marxismo como postura epistemológica estava na minha cabeça como proposta para superar a ideologização da nossa ciência E foi um desafio encontrar um eixo marxista para desenvolver uma nova psicologia social Lane 2000 Embasandose nos principais conceitos estudados no artigo Sílvia Lane e o Projeto do Compromisso Social da Psicologia componha um texto claro e coerente de forma a expressar sucintamente o seu argumento sobre como Silvia Lane produziu uma nova psicologia social a partir do materialismo histórico e dialético como método em especial apresente a visão de homem dessa importante personagem da Psicologia Social no Brasil Silvia Lane tem como objeto construir uma abordagem da Psicologia Social adequada ao contexto do Brasil e da América Latina isto é que contribuísse para a superação das desigualdades e das situações de opressão presentes nessas regiões Para isso Lane desenvolve uma teoria do psiquismo que está relacionada ao materialismo histórico e dialético baseado no marxismo Assim ela enxergou o marxismo como postura epistemológica ideal para a construção desse novo caminho da Psicologia Social uma vez que a partir dele a disciplina não pode ser manipulada por ideias preconcebidas ou interesses políticos e econômicos Desse modo Lane percebeu o marxismo como uma forma para que a Psicologia Social seja mais crítica e comprometida com a compreensão das estruturas sociais e das dinâmicas de poder que afetam as pessoas em suas vidas cotidianas Como visão de homem Lane defende a visão presente no materialismo histórico e dialético Assim o homem não era visto como um ser isolado mas como parte de uma sociedade em constante mudança moldada por relações sociais e econômicas enfatizando a importância da análise das condições sociais e históricas na compreensão do comportamento humano rejeitando abordagens individualistas que negligenciavam esses contextos UNIP CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA AGNALDO VIEIRA DE SOUZA RA B967528 TURMA 10RDOP33 ESTUDO DIRIGIDO Estudo dirigido apresentado à disciplina de Temas em Psicologia ministrada pela professora Ianá Pereira TATUAPÉ 2023 Para o estudo dirigido responda às seguintes questões 1 De acordo com Marilena Chauí 2008 o que é ideologia Em sua resposta apresente uma definição consistente sobre o conceito marxista de ideologia apresentado pela autora De forma sucinta Chauí define a ideologia a partir das ideias marxistas como um conjunto de ideias crenças e representações que são produzidas e difundidas na sociedade para justificar e legitimar as relações de poder e dominação existentes Além disso essas ideias são criadas pelas classes dominantes e desempenham o papel de mascarar as contradições sociais e econômicas inerentes ao sistema capitalista Assim a autora defende que a ideologia serve para ocultar as verdadeiras condições de exploração e alienação que existem no capitalismo fazendo com que as pessoas aceitem essas condições como naturais e inevitáveis funcionando como uma falsa consciência Isso impede que as pessoas percebam sua verdadeira situação de classe e com isso dificulta a luta por mudanças sociais Dessa forma a ideologia é um instrumento de poder que serve aos interesses das classes dominantes contribuindo para a manutenção do capitalismo 2 Leia o trecho sobre Silvia Lane retirado do artigo Sílvia Lane e o Projeto do Compromisso Social da Psicologia in Psicologia Sociedade v19 Edição Especial 2 p 4656 2007 Sua preocupação básica em construir uma psicologia social voltada para a realidade brasileira e latinoamericana com vistas a contribuir para a superação das desigualdades e das situações de opressão demandava uma construção teórica que permitisse uma compreensão dos mecanismos que provocam a alienação e contribuir para ampliar a consciência dos homens Sua teoria sobre o psiquismo teve essa direção O materialismo histórico e dialético será o método que ela vai adotar e desenvolver na psicologia social Sem dúvida o marxismo como postura epistemológica estava na minha cabeça como proposta para superar a ideologização da nossa ciência E foi um desafio encontrar um eixo marxista para desenvolver uma nova psicologia social Lane 2000 Embasandose nos principais conceitos estudados no artigo Sílvia Lane e o Projeto do Compromisso Social da Psicologia componha um texto claro e coerente de forma a expressar sucintamente o seu argumento sobre como Silvia Lane produziu uma nova psicologia social a partir do materialismo histórico e dialético como método em especial apresente a visão de homem dessa importante personagem da Psicologia Social no Brasil Silvia Lane tem como objeto construir uma abordagem da Psicologia Social adequada ao contexto do Brasil e da América Latina isto é que contribuísse para a superação das desigualdades e das situações de opressão presentes nessas regiões Para isso Lane desenvolve uma teoria do psiquismo que está relacionada ao materialismo histórico e dialético baseado no marxismo Assim ela enxergou o marxismo como postura epistemológica ideal para a construção desse novo caminho da Psicologia Social uma vez que a partir dele a disciplina não pode ser manipulada por ideias preconcebidas ou interesses políticos e econômicos Desse modo Lane percebeu o marxismo como uma forma para que a Psicologia Social seja mais crítica e comprometida com a compreensão das estruturas sociais e das dinâmicas de poder que afetam as pessoas em suas vidas cotidianas Como visão de homem Lane defende a visão presente no materialismo histórico e dialético Assim o homem não era visto como um ser isolado mas como parte de uma sociedade em constante mudança moldada por relações sociais e econômicas enfatizando a importância da análise das condições sociais e históricas na compreensão do comportamento humano rejeitando abordagens individualistas que negligenciavam esses contextos