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CAPÍTULO III O PANOPTISMO Eis as medidas que se faziam necessárias segundo um regulamento do fim do século XVII quando se declarava a peste numa cidade1 Em primeiro lugar um policiamento espacial estrito fechamento claro da cidade e da terra proibição de sair sob pena de morte fim de todos os animais errantes divisão da cidade em quarteirões diversos onde se estabelece o poder de um intendente Cada rua é colocada sob a autoridade de um síndico ele a vigia se a deixar será punido de morte No dia designado ordenase todos que se fechem em suas casas proibido sair sob pena de morte O próprio síndico vem fechar por fora a porta de cada casa leva a chave que entrega ao intendente de quarteirão este a conserva até o fim da quarentena Cada família terá feito suas provisões mas para o vinho e o pão se terá preparado entre a rua e o interior das casas pequenos canais de madeira que permitem fazer chegar a cada um sua ração sem que haja comunicação entre os fornecedores e os habitantes para a carne o peixe e as verduras utilizamse roldanas e cestas Se for absolutamente necessário sair das casas tal se fará por turnos e evitandose qualquer encontro Só circulam os intendentes os síndicos os soldados da guarda e também entre as casas infectadas de um cadáver ao outro os corvos que tanto faz abandonar à morte é gente vil que leva os doentes enterra os mortos limpa e faz muitos ofícios vis e abjetos Espaço recortado imóvel fixado Cada qual se prende a seu lugar E caso se mexa corre perigo de vida por contágio ou punição A inspeção funciona constantemente O olhar está alerta em toda parte Um corpo de milícia considerável comandado por bons oficiais e gente de bem corpos de guarda nas portas na prefeitura e em todos os bairros para tornar mais pronta a obediência do povo e mais absoluta a autoridade dos magistrados assim como para vigiar todas as desordens roubos e pilhagens Às portas postos de vigilância no fim de cada rua sentinelas Todos os dias o intendente visita o quarteirão de que está encarregado verifica se os síndicos cumprem suas tarefas se os habitantes têm queixas eles fiscalizam seus atos Todos os dias também o síndico passa na rua por que é responsável pára diante de cada casa manda colocar todos os moradores às janelas os que habitassem nos fundos teriam designada uma janela dando para a rua onde ninguém mais poderia se mostrar chama cada um por seu nome informa se do estado de todos um por um no que os habitantes serão obrigados a dizer a verdade sob pena de morte se alguém não se apresentar à janela o síndico deve perguntar a razão Ele assim descobrirá facilmente se escondem mortos ou doentes Cada um trancado em sua gaiola cada um à sua janela respondendo a seu nome e se mostrando quando é perguntado é a grande revista dos mortos e dos vivos Essa vigilância se apóia num sistema de registro permanente relatórios dos síndicos aos intendentes dos intendentes aos almotacés ou ao prefeito No começo da apuração se estabelece o papel de todos os habitantes presentes na cidade um por um nela se anotam o nome a idade o sexo sem exceção de condição um exemplar para o intendente do quarteirão um segundo no escritório da prefeitura um outro para o síndico poder fazer a chamada diária Tudo o que é observado durante as visitas mortes doenças reclamações irregularidades é anotado e transmitido aos intendentes e magistrados Estes têm o controle dos cuidados médicos e um médico responsável nenhum outro médico pode cuidar nenhum boticário preparar os remédios nenhum confessor visitar um doente sem ter recebido dele um bilhete escrito para impedir que se escondam e se tratem à revelia dos magistrados doentes do contágio O registro do patológico deve ser constante e centralizado A relação de cada um com sua doença e sua morte passa pelas instâncias do poder pelo registro que delas é feito pelas decisões que elas tomam Cinco ou seis dias depois do começo da quarentena procedese à purificação das casas uma por uma Mandase sair todos os moradores em cada cômodo levantamse ou penduramse os móveis e as mercadorias espalhase perfume ele é queimado depois de bem fechadas as janelas as portas e até os buracos de fechadura que se enche de cera Finalmente fechase a casa inteira enquanto se consome o perfume como na entrada revistamse os perfumadores na presença dos moradores da casa para ver se eles não têm à saída qualquer coisa que não tivessem ao entrar Quatro horas depois os moradores podem entrar em casa Esse espaço fechado recortado vigiado em todos os seus pontos onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo onde os menores movimentos são controlados onde todos os acontecimentos são registrados onde um trabalho ininterrupto de escrita liga o centro e a periferia onde o poder é exercido sem divisão segundo uma figura hierárquica contínua onde cada indivíduo é constantemente localizado examinado e distribuído entre os vivos os doentes e os mortos isso tudo constitui um modelo compacto do dispositivo disciplinar A ordem responde à peste ela tem como função desfazer todas as confusões a da doença que se transmite quando os corpos se misturam a do mal que se multiplica quando o medo e a morte desfazem as proibições Ela prescreve a cada um seu lugar a cada um seu corpo a cada um sua doença e sua morte a cada um seu bem por meio de um poder onipresente e onisciente que se subdivide ele mesmo de maneira regular e ininterrupta até a determinação final do indivíduo do que o caracteriza do que lhe pertence o do que lhe acontece Contra a peste que é mistura a disciplina faz valer seu poder que é de análise Houve em torno da peste uma ficção literária da festa as leis suspensas os interditos levantados o frenesi do tempo que passa os corpos se misturando sem respeito os indivíduos que se desmascaram que abandonam sua identidade estatutária e a figura sob a qual eram reconhecidos deixando aparecer uma verdade totalmente diversa Mas houve também um sonho político da peste que era exatamente o contrário não a festa coletiva mas as divisões estritas não as leis transgredidas mas a penetração do regulamento até nos mais finos detalhes da existência e por meio de uma hierarquia completa que realiza o funcionamento capilar do poder não as máscaras que se colocam e se retiram mas a determinação a cada um de seu verdadeiro nome de seu verdadeiro lugar de seu verdadeiro corpo e da verdadeira doença A peste como forma real e ao mesmo tempo imaginária da desordem tem a disciplina como correlato médico e político Atrás dos dispositivos disciplinares se lê o terror dos contágios da peste das revoltas dos crimes da vagabundagem das deserções das pessoas que aparecem e desaparecem vivem e morrem na desordem Se é verdade que a lepra suscitou modelos de exclusão que deram até um certo ponto o modelo e como que a forma geral do grande Fechamento já a peste suscitou esquemas disciplinares Mais que a divisão maciça e binária entre uns e outros ela recorre a separações múltiplas a distribuições individualizantes a uma organização aprofundada das vigilâncias e dos controles a uma intensificação e ramificação do poder O leproso é visto dentro de uma prática da rejeição do exíliocerca deixase que se perca lá dentro como numa massa que não tem muita importância diferenciar os pestilentos são considerados num policiamento tático meticuloso onde as diferenciações individuais são os efeitos limitantes de um poder que se multiplica se articula e se subdivide O grande fechamento por um lado o bom treinamento por outro A lepra e sua divisão a peste e seus recortes Uma é marcada a outra analisada e repartida O exílio do leproso e a prisão da peste não trazem consigo o mesmo sonho político Um é o de uma comunidade pura o outro o de uma sociedade disciplinar Duas maneiras de exercer poder sobre os homens de controlar suas relações de desmanchar suas perigosas misturas A cidade pestilenta atraves sada inteira pela hierarquia pela vigilância pelo olhar pela documentação a cidade imobilizada no funcionamento de um poder extensivo que age de maneira diversa sobre todos os corpos individuais é a utopia da cidade perfeitamente governada A peste pelo menos aquela que permanece no estado de previsão é a prova durante a qual se pode definir idealmente o exercício do poder disciplinar Para fazer funcionar segundo a pura teoria os direitos e as leis os juristas se punham imaginariamente no estado de natureza para ver funcionar suas disciplinas perfeitas os governantes sonhavam com o estado de peste No fundo dos esquemas disciplinares a imagem da peste vale por todas as confusões e desordens assim como a imagem da lepra do contato a ser cortado está no fundo do esquema de exclusão Esquemas diferentes portanto mas não incompatíveis Lentamente vemolos se aproximarem e é próprio do século XIX ter aplicado ao espaço de exclusão de que o leproso era o habitante simbólico e os mendigos os vagabundos os loucos os violentos formavam a população real a técnica de poder própria do quadriculamento disciplinar Tratar os leprosos como pestilentos projetar recortes finos da disciplina sobre o espaço confuso do internamente trabalhálo com os métodos de repartição analítica do poder individualizar os excluídos mas utilizar processos de individualização para marcar exclusões isso é o que foi regularmente realizado pelo poder disciplinar desde o começo do século XIX o asilo psiquiátrico a penitenciária a casa de correção o estabelecimento de educação vigiada e por um lado os hospitais de um modo geral todas as instâncias de controle individual funcional num duplo modo o da divisão binária e da marcação louco não louco perigosoinofensivo normalanormal e o da determinação coercitiva da repartição diferencial quem é ele onde deve estar como caracterizálo como reconhecêlo como exercer sobre ele de maneira individual uma vigilância constante etc De um lado pestilentamse os leprosos impõemse aos excluídos a tática das disciplinas individualizantes e de outro lado a universalidade dos controles disciplinares permite marcar quem é leproso e fazer funcionar contra ele os mecanismos dualistas da exclusão A divisão constante do normal e do anormal a que todo indivíduo é submetido leva até nós e aplicandoos a objetos totalmente diversos a marcação binária e o exílio dos leprosos a existência de todo um conjunto de técnicas e de instituições que assumem como tarefa medir controlar e corrigir os anormais faz funcionar os dispositivos disciplinares que o medo da peste chamava Todos os mecanismos de poder que ainda em nossos dias são dispostos em torno do anormal para marcálo como para modificálo compõem essas duas formas de que longinquamente derivam O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição O princípio é conhecido na periferia uma construção em anel no centro uma torre esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel a construção periférica é dividida em celas cada uma atravessando toda a espessura da construção elas têm duas janelas uma para o interior correspondendo às janelas da torre outra que dá para o exterior permite que a luz atravesse a cela de lado a lado Basta então colocar um vigia na torre central e em cada cela trancar um louco um doente um condenado um operário ou um escolar Pelo efeito da contraluz podese perceber da torre recortandose exatamente sobre a claridade as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia Tantas jaulas tantos pequenos teatros em que cada ator está sozinho perfeitamente individualizado e constantemente visível O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente Em suma o princípio da masmorra é invertido ou antes de suas três funções trancar privar de luz e esconder só se conserva a primeira e suprimemse as outras duas A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra que finalmente protegia A visibilidade é uma armadilha O que permite em primeiro lugar como efeito negativo evitar aquelas massas compactas fervilhantes pululantes que eram encontradas nos locais de encarceramento os pintados por Goya ou descritos por Howard Cada um em seu lugar está bem trancado em sua cela de onde é visto de frente pelo vigia mas os muros laterais impedem que entre em contato com seus companheiros É visto mas não vê objeto de uma informação nunca sujeito numa comunicação A disposição de seu quarto em frente da torre central lhe impõe uma visibilidade axial mas as divisões do anel essas celas bem separadas implicam uma invisibilidade lateral E esta é a garantia da ordem Se os detentos são condenados não há perigo de complô de tentativa de evasão coletiva projeto de novos crimes para o futuro más influências recíprocas se são doentes não há perigo de contágio loucos não há risco de violências recíprocas crianças não há cola nem barulho nem conversa nem dissipação Se são operários não há roubos nem conluios nada dessas distrações que atrasam o trabalho tornamno menos perfeito ou provocam acidentes A multidão massa compacta local de múltiplas trocas individualidades que se fundem efeito coletivo é abolida em proveito de uma coleção de individualidades separadas Do ponto de vista do guardião é substituída por uma multiplicidade enumerável e controlável do ponto de vista dos detentos por uma solidão seqüestrada e olhada2 Daí o efeito mais importante do Panóptico induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos mesmo se é descontínua em sua ação que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o exerce enfim que os detentos se encontrem presos numa situação de poder de que eles mesmos são os portadores Para isso é ao mesmo tempo excessivo e muito pouco que o prisioneiro seja observado sem cessar por um vigia muito pouco pois o essencial é que ele se saiba vigiado excessivo porque ele não tem necessidade de sêlo efetivamente Por isso Bentham colocou o princípio de que o poder devia ser visível e inverificável Visível sem cessar o detento terá diante dos olhos a alta silhueta da torre central de onde é espionado Inverificável o detento nunca deve saber se está sendo observado mas deve ter certeza de que sempre pode sêlo Para tornar indecidível a presença ou a ausência do vigia para que os prisioneiros de suas celas não pudessem nem perceber uma sombra ou enxergar uma contraluz previu Bentham não só persianas nas janelas da sala central de vigia mas por dentro separações que a cortam em ângulo reto e para passar de um quarto a outro não portas mas biombos pois a menor batida uma luz entrevista uma claridade numa abertura trairiam a presença do guardião3 O Panóptico é uma máquina de dissociar o par verser visto no anel periférico se é totalmente visto sem nunca ver na torre central vêse tudo sem nunca ser visto4 Dispositivo importante pois automatiza e desindividualiza o poder Este tem seu princípio não tanto numa pessoa quanto numa certa distribuição concertada dos corpos das superfícies das luzes dos olhares numa aparelhagem cujos mecanismos internos produzem a relação na qual se encontram presos os indivíduos As cerimônias os rituais as marcas pelas quais se manifesta no soberano o maispoder são inúteis Há uma maquinaria que assegura a dissimetria o desequilíbrio a diferença Pouco importa conseqüentemente quem exerce o poder Um indivíduo qualquer quase tomado ao acaso pode fazer funcionar a máquina na falta do diretor sua família os que o cercam seus amigos suas visitas até seus criados5 Do mesmo modo que é indiferente o motivo que o anima a curiosidade de um indiscreto a malícia de uma criança o apetite de saber de um filósofo que quer percorrer esse museu da natureza humana ou a maldade daqueles que têm prazer em espionar e em punir Quanto mais numerosos esses observadores anônimos e passageiros tanto mais aumentam para o prisioneiro o risco de ser surpreendido e a consciência inquieta de ser observado O Panóptico é uma máquina maravilhosa que a partir dos desejos mais diversos fabrica efeitos homogêneos de poder Uma sujeição real nasce mecanicamente de uma relação fictícia De modo que não é necessário recorrer à força para obrigar o condenado ao bom comportamento o louco à calma o operário ao trabalho o escolar à aplicação o doente à observância das receitas Bentham se maravilha de que as instituições panópticas pudessem ser tão leves fim das grades fim das correntes fim das fechaduras pesadas basta que as separações sejam nítidas e as aberturas bem distribuídas O peso das velhas casas de segurança com sua arquitetura de fortaleza é substituído pela geometria simples e econômica de uma casa de certeza A eficácia do poder sua força limitadora passaram de algum modo para o outro lado para o lado de sua superfície de aplicação Quem está submetido a um campo de visibilidade e sabe disso retoma por sua conta as limitações do poder fálas funcionar espontaneamente sobre si mesmo inscreve em si a relação de poder na qual ele desempenha simultaneamente os dois papéis tornase o princípio de sua própria sujeição Em conseqüência disso mesmo o poder externo por seu lado podese aliviar de seus fardos físicos tende ao incorpóreo e quanto mais se aproxima desse limite mais esses efeitos são constantes profundos adquiridos em caráter definitivo e continuamente recomeçados vitória perpétua que evita qualquer defrontamento físico e está sempre decidida por antecipação Bentham não diz se se inspirou em seu projeto no zoológico que Le Vaux construíra em Versalhes primeiro zoológico cujos elementos não estão como tradicionalmente espalhados em um parque6 no centro um pavilhão octogonal que no primeiro andar só comportava uma peça o salão do rei todos os lados se abriam com largas janelas sobre sete jaulas o oitavo lado estava reservado para a entrada onde estavam encerradas diversas espécies de animais Na época de Bentham esse zoológico desaparecera Mas encontramos no programa do Panóptico a preocupação análoga da observação individualizante da caracterização e da classificação da organização analítica da espécie O Panóptico é um zoológico real o animal é substituído pelo homem a distribuição individual pelo grupamento específico e o rei pela maquinaria de um poder furtivo Fora essa diferença o Panóptico também faz um trabalho de naturalista Permite estabelecer as diferenças nos doentes observar os sintomas de cada um sem que a proximidade dos leitos a circulação dos miasmas os efeitos do contágio misturem os quadros clínicos nas crianças anotar os desempenhos sem que haja limitação ou cópia perceber as aptidões apreciar os caracteres estabelecer classificações rigorosas e em relação a uma evolução normal distinguir o que é preguiça e teimosia do que é imbecilidade incurável nos operários anotar as aptidões de cada um comparar o tempo que levam para fazer um serviço e se são pagos por dia calcular seu salário em vista disso7 Este é um dos aspectos Por outro lado o Panóptico pode ser utilizado como máquina de fazer experiências modificar o comportamento treinar ou retreinar os indivíduos Experimentar remédios e verificar seus efeitos Tentar diversas punições sobre os prisioneiros segundo seus crimes e temperamento e procurar as mais eficazes Ensinar simultaneamente diversas técnicas aos operários estabelecer qual é a melhor Tentar experiências pedagógicas e particularmente abordar o famoso problema da educação reclusa usando crianças encontradas verseia o que acontece quando aos dezesseis ou dezoito anos rapazes e moças se encontram poderseia verificar se como pensa Helvetius qualquer pessoa pode aprender qualquer coisa poderseia acompanhar a genealogia de qualquer idéia observável criar diversas crianças em diversos sistemas de pensamento fazer alguns acreditarem que dois e dois não são quatro e que a lua é um queijo depois juntálos todos quando tivessem vinte ou vinte e cinco anos haveria então discussões que valeriam bem os sermões ou as conferências para as quais se gasta tanto dinheiro haveria pelo menos ocasião de fazer descobertas no campo da metafísica O Panóptico é um local privilegiado para tornar possível a experiência com homens e para analisar com toda certeza as transformações que se pode obter neles O Panóptico pode até constituirse em aparelho de controle sobre seus próprios mecanismos Em sua torre de controle o diretor pode espionar todos os empregados que tem a seu serviço enfermeiros médicos contramestres professores guardas poderá julgálos continuamente modificar seu comportamento imporlhes métodos que considerar melhores e ele mesmo por sua vez poderá ser facilmente observado Um inspetor que surja sem avisar no centro do Panóptico julgará com uma única olhadela e sem que se possa esconder nada dele como funciona todo o estabelecimento E aliás fechado como está no meio desse dispositivo arquitetural o diretor não está comprometido com ele O médico incompetente que tiver deixado o contágio se espalhar o diretor de prisão ou de oficina que tiver sido inábil serão as primeiras vítimas da epidemia ou da revolta Meu destino diz o mestre do Panóptico está ligado ao deles ao dos detentos por todos os laços que pude inventar8 O Panóptico funciona como uma espécie de laboratório de poder Graças a seus mecanismos de observação ganha em eficácia e em capacidade de penetração no comportamento dos homens um aumento de saber vem se implantar em todas as frentes do poder descobrindo objetos que devem ser conhecidos em todas as superfícies onde este se exerça Cidade pestilenta estabelecimento panóptico as diferenças são importantes Elas marcam com um século e meio de distância as transformações do programa disciplinar Num caso um situação de exceção contra um mal extraordinário o poder se levanta tornase em toda parte presente e visível inventa novas engrenagens compartimenta imobiliza quadricula constrói por algum tempo o que é ao mesmo tempo a contracidade e a sociedade perfeita impõe um funcionamento ideal mas que no fim das contas se reduz como o mal que combate ao dualismo simples vidamorte o que se mexe traz a morte e matase o que se mexe O Panóptico ao contrário deve ser compreendido como um modelo generalizável de funcionamento uma maneira de definir as relações do poder com a vida cotidiana dos homens Bentham sem dúvida o apresenta como uma instituição particular bem fechada em si mesma Muitas vezes se fez dele uma utopia do encarceramento perfeito Diante das prisões arruinadas fervilhantes e povoadas de suplícios gravadas por Piranese o Panóptico aparece como jaula cruel e sábia O fato de ele ter até nosso tempo dado lugar a tantas variações projetadas ou realizadas mostra qual foi durante quase dois séculos sua intensidade imaginária Mas o Panóptico não deve ser compreendido como um edifício onírico é o diagrama de um mecanismo de poder levado à sua forma ideal seu funcionamento abstraindose de qualquer obstáculo resistência ou desgaste pode ser bem representado como um puro sistema arquitetural e óptico é na realidade uma figura de tecnologia política que se pode e se deve destacar de qualquer uso específico É polivalente em suas aplicações serve para emendar os prisioneiros mas também para cuidar dos doentes instruir os escolares guardar os loucos fiscalizar os operários fazer trabalhar os mendigos e ociosos É um tipo de implantação dos corpos no espaço de distribuição dos indivíduos em relação mútua de organização hierárquica de disposição dos centros e dos canais de poder de definição de seus instrumentos e de modos de intervenção que se podem utilizar nos hospitais nas oficinas nas escolas nas prisões Cada vez que se tratar de uma multiplicidade de indivíduos a que se deve impor uma tarefa ou um comportamento o esquema panóptico poderá ser utilizado Ele é ressalvadas as modificações necessárias aplicável a todos os estabelecimentos onde nos limites de um espaço que não é muito extenso é preciso manter sob vigilância um certo número de pessoas9 Em cada uma de suas aplicações permite aperfeiçoar o exercício do poder E isto de várias maneiras porque pode reduzir o número dos que o exercem ao mesmo tempo em que multiplica o número daqueles sobre os quais é exercido Porque permite intervir a cada momento e a pressão constante age antes mesmo que as faltas os erros os crimes sejam cometidos Porque nessas condições sua força é nunca intervir é se exercer espontaneamente e sem ruído é constituir um mecanismo de efeitos em cadeia Porque sem outro instrumento físico que uma arquitetura e uma geometria ele age diretamente sobre os indivíduos dá ao espírito poder sobre o espírito O esquema panóptico é um intensificador para qualquer aparelho de poder assegura sua economia em material em pessoal em tempo assegura sua eficácia por seu caráter preventivo seu funcionamento contínuo e seus mecanismos automáticos É uma maneira de obter poder numa quantidade até então sem igual um grande e novo instrumento de governo sua excelência consiste na grande força que é capaz de dar a qualquer instituição a que seja aplicado10 Uma espécie de ovo de Colombo na ordem da política Ele é capaz com efeito de vir se integrar a uma função qualquer de educação de terapêutica de produção de castigo de aumentar essa função ligandose intimamente a ela de constituir um mecanismo misto no qual as relações de poder e de saber podemse ajustar exatamente e até nos detalhes aos processos que é preciso controlar de estabelecer uma proporção direta entre o maispoder e a maisprodução Em suma faz com que o exercício do poder não se acrescente de fora como uma limitação rígida ou como um peso sobre as funções que investe mas que esteja nelas presente bastante sutilmente para aumentarlhes a eficácia aumentando ele mesmo seus próprios pontos de apoio O dispositivo panóptico não é simplesmente uma charneira um local de troca entre um mecanismo de poder e uma função é uma maneira de fazer funcionar relações de poder numa função e uma função para essas relações de poder O panoptismo é capaz de reformar a moral preservar a saúde revigorar a indústria difundir a instrução aliviar os encargos públicos estabelecer a economia como que sobre um rochedo desfazer em vez de cortar o nó górdio das leis sobre os pobres tudo isso com uma simples idéia arquitetural11 Além disso o arranjo dessa máquina é tal que seu fechamento não exclui uma presença permanente do exterior vimos que qualquer pessoa pode vir exercer na torre central as funções de vigilância e que fazendo isso pode adivinhar a maneira como é exercida a vigilância Na realidade qualquer instituição panóptica mesmo que seja tão cuidadosamente fechada quanto uma penitenciária poderá sem dificuldade ser submetida a essas inspeções ao mesmo tempo aleatórias e incessantes e isso não só por parte dos controladores designados mas por parte do público qualquer membro da sociedade terá direito de vir constatar com seus olhos como funcionam as escolas os hospitais as fábricas as prisões Não há conseqüentemente risco de que o crescimento de poder devido à máquina panóptica possa degenerar em tirania o dispositivo disciplinar será democraticamente controlado pois será sem cessar acessível ao grande comitê do tribunal do mundo12 Esse panóptico sutilmente arranjado para que um vigia possa observar com uma olhadela tantos indivíduos diferentes permite também a qualquer pessoa vigiar o menor vigia A máquina de ver é uma espécie de câmara escura em que se espionam os indivíduos ela tornase um edifício transparente onde o exercício do poder é controlável pela sociedade inteira O esquema panóptico sem se desfazer nem perder nenhuma de suas propriedades é destinado a se difundir no corpo social tem por vocação tornarse aí uma função generalizada A cidade pestilenta dava um modelo disciplinar excepcional perfeito mas absolutamente violento à doença que trazia a morte o poder opunha sua perpétua ameaça de morte a vida nela se reduzia a sua expressão mais simples era contra o poder da morte o exercício minucioso do direito de gládio O Panóptico ao contrário tem um papel de amplificação se organiza o poder não é pelo próprio poder nem pela salvação imediata de uma sociedade ameaçada o que importa é tornar mais fortes as forças sociais aumentar a produção desenvolver a economia espalhar a instrução elevar o nível da moral pública fazer crescer e multiplicar Como reforçar esse poder de tal maneira que longe de atrapalhar esse processo longe de pesar sobre ele com suas exigências e seu peso ele ao contrário o facilite Que intensificador de poder poderá ao mesmo tempo ser um multiplicador de produção Como o poder aumentando suas forças poderá fazer crescer as da sociedade em vez de confiscálas ou freálas A solução do Panóptico para esse problema é que a majoração produtiva do poder só pode ser assegurada se por um lado ele tem possibilidade de se exercer de maneira contínua nos alicerces da sociedade até seu mais fino grão e se por outro lado ele funciona fora daquelas formas súbitas violentas descontínuas que estão ligadas ao exercício da soberania O corpo do rei com sua estranha presença material e mítica com a força que ele mesmo exibe ou transmite a alguns está no extremo oposto dessa nova física do poder definida pelo panoptismo seu campo é ao contrário toda aquela região de baixo a dos corpos irregulares com seus detalhes seus movimentos múltiplos suas forças heterogêneas suas relações espaciais são mecanismos que analisam distribuições desvios séries combinações e utilizam instrumentos para tornar visível registrar diferenciar e comparar física de um poder relacionai e múltiplo que tem sua intensidade máxima não na pessoa do rei mas nos corpos que essas relações justamente permitem individualizar Ao nível teórico Bentham define outra maneira de analisar o corpo social e as relações de poder que o atravessam em termos de prática ele define um processo de subordinação dos corpos e das forças que a utilidade do poder deve majorar fazendo a economia do Príncipe O panoptismo é o princípio geral de uma nova anatomia política cujo objeto e fim não são a relação de soberania mas as relações de disciplina Na famosa jaula transparente e circular com sua torre alta potente e sábia será talvez o caso para Bentham de projetar uma instituição disciplinar perfeita mas também importa mostrar como se pode destrancar as disciplinas e fazêlas funcionar de maneira difusa múltipla polivalente no corpo social inteiro Essas disciplinas que a era clássica elabora em locais precisos e relativamente fechados casernas colégios grandes oficinas e cuja utilização global só fora imaginada na escala limitada e provisória de uma cidade em estado de peste Bentham sonha fazer delas uma rede de dispositivos que estariam em toda parte e sempre alertas percorrendo a sociedade sem lacuna nem interrupção O arranjo panóptico dá a fórmula dessa generalização Ele programa ao nível de um mecanismo elementar e facilmente transferível o funcionamento de base de uma sociedade toda atravessada e penetrada por mecanismos disciplinares Duas imagens portanto da disciplina Num extremo a disciplinabloco a instituição fechada estabelecida à margem e toda voltada para funções negativas fazer parar o mal romper as comunicações suspender o tempo No outro extremo com o panoptismo temos a disciplinamecanismo um dispositivo funcional que deve melhorar o exercício do poder tornandoo mais rápido mais leve mais eficaz um desenho das coerções sutis para uma sociedade que está por vir O movimento que vai de um projeto ao outro de um esquema da disciplina de exceção ao de uma vigilância generalizada repousa sobre uma transformação histórica a extensão progressiva dos dispositivos de disciplina ao longo dos séculos XVII e XVIII sua multiplicação através de todo o corpo social a formação do que se poderia chamar grosso modo a sociedade disciplinar Realizouse uma generalização disciplinar atestada pela física benthamiana do poder no decorrer da era clássica Comprovao a multiplicação das instituições de disciplina com sua rede que começa a cobrir uma superfície cada vez mais vasta e principalmente a ocupar um lugar cada vez menos marginal o que era ilha local privilegiado medida circunstancial ou modelo singular tornase fórmula geral as regulamentações características dos exércitos protestantes e piedosos de Guilherme de Orange ou de Gustavo Adolfo se transformaram em regulamentos para todos os exércitos da Europa os colégios modelos dos jesuítas ou as escolas de Batencour e de Demia depois da de Sturm esboçam as formas gerais da disciplina escolar a ordem estabelecida nos hospitais Marítimos e militares serve de esquema para toda a reorganização hospitalar do século XVIII Mas essa extensão das instituições disciplinares não passa sem dúvida do aspecto mais visível de diversos processos mais profundos 1 A inversão funcional das disciplinas originalmente cabialhes princi palmente neutralizar os perigos fixar as populações inúteis ou agitadas evitar os inconvenientes de reuniões muito numerosas agora se lhes atribui pois se tornaram capazes disso o papel positivo de aumentar a utilidade possível dos indivíduos A disciplina militar não é mais um simples meio de impedir a pilhagem a deserção ou a desobediência das tropas tornase uma técnica de base para que o exército exista não mais como uma multidão ajustada mas como uma unidade que tira dessa mesma unidade uma majoração de forças a disciplina faz crescer a habilidade de cada um coordena essas habilidades acelera os movimentos multiplica a potência de fogo alarga as frentes de ataque sem lhes diminuir o vigor aumenta as capacidades de resistência etc A disciplina de oficina sem deixar de ser uma maneira de fazer respeitar os regulamentos e as autoridades de impedir os roubos ou a dissipação tende a fazer crescer as aptidões as velocidades os rendimentos e portanto os lucros ela continua a moralizar as condutas mas cada vez mais ela modela os comportamentos e faz os corpos entrar numa máquina as forças numa economia Quando no século XVII se desenvolveram as escolas de província ou as escolas cristãs elementares as justificações dadas eram principalmente negativas os pobres não tendo recursos para educar os filhos deixavamnos na ignorância de suas obrigações e entregues ao simples cuidado de viver e tendo eles mesmos sido mal educados não podem comunicar uma boa educação que jamais tiveram o que acarreta três inconvenientes ponderáveis a ignorância de Deus a preguiça com todo o seu cortejo de bebedeira de impureza de furtos de banditismo e a formação dessas tropas de mendigos sempre prontos a provocar desordens públicas e que só servem para esgotar os fundos do HôtelDieu13 Mas no começo da Revolução a finalidade prescrita ao ensino primário será entre outras coisas fortificar desenvolver o corpo dispor a criança para qualquer trabalho mecânico no futuro darlhe uma capacidade de visão rápida e global uma mão firme hábitos rápidos14 As disciplinas funcionam cada vez mais como técnicas que fabricam indivíduos úteis Daí se libertarem elas de sua posição marginal nos confins da sociedade e se destacarem das formas de exclusão ou de expiação de encarceramento ou retiro Daí desfazerem elas lentamente seu parentesco com as regularidades e os muros religiosos Daí também tenderem a se implantar nos setores mais importantes mais centrais mais produtivos da sociedade e se fixarem em algumas das grandes funções essenciais na produção manufatureira na transmissão de conhecimentos na difusão das aptidões e do knowhow no aparelho de guerra Daí enfim a dupla tendência que vemos se desenvolver no decorrer do século XVIII de multiplicar o número das instituições de disciplina e de disciplinar os aparelhos existentes 2 A ramificação dos mecanismos disciplinares enquanto por um lado os estabelecimentos de disciplina se multiplicam seus mecanismos têm uma certa tendência a se desinstitucionalizar a sair das fortalezas fechadas onde funcionavam e a circular em estado livre as disciplinas maciças e compactas se decompõem em processos flexíveis de controle que se pode transferir e adaptar Às vezes são os aparelhos fechados que acrescentam à sua função interna e específica um papel de vigilância externa desenvolvendo uma margem de controles laterais Assim a escola cristã não deve simplesmente formar crianças dóceis deve também permitir vigiar os pais informarse de sua maneira de viver seus recursos sua piedade seus costumes A escola tende a constituir minúsculos observatórios sociais para penetrar até nos adultos e exercer sobre eles um controle regular o mau comportamento de uma criança ou sua ausência é um pretexto legítimo segundo Demia para se ir interrogar os vizinhos principalmente se há razão para se pensar que a família não dirá a verdade depois os próprios pais para verificar se eles sabem o catecismo e as orações se estão decididos a arrancar os vícios das crianças quantas camas há e como eles se repartem nelas durante a noite a visita termina eventualmente com uma esmola o presente de uma imagem ou a doação de camas suplementares15 Da mesma maneira o hospital é concebido cada vez mais como ponto de apoio para a vigilância médica da população externa depois do incêndio do HôtelDieu em 1772 muita gente pede que se substituam os grandes estabelecimentos tão pesados e desorganizados por uma série de hospitais de pequena dimensão teriam por função recolher os doentes do bairro mas também reunir informações tomar conta dos fenômenos endêmicos ou epidêmicos abrir dispensários dar conselhos aos moradores e manter as autoridades a par do estado sanitário da região16 Vemos também se difundirem os procedimentos disciplinares não a partir de instituições fechadas mas de focos de controle disseminados na sociedade Grupos religiosos associações de beneficência muito tempo desempenharam esse papel de disciplinamento da população Desde a ContraReforma até à filantropia da monarquia de julho multiplicaramse iniciativas desse tipo tinham objetivos religiosos a conversão e a moralização econômicos o socorro e a incitação ao trabalho ou políticos tratavase de lutar contra o descontentamento ou a agitação Que seja suficiente citar a título de exemplo os regulamentos para as companhias de caridade das paróquias parisienses O território a cobrir está dividido em bairros e cantões que são repartidos pelos membros da companhia Estes têm que visitálos regularmente Eles trabalharão para impedir os maus locais tabacarias academias jogos escândalos públicos blasfêmias impiedades e outras desordens que possam chegar a seu conhecimento Terão também que fazer visitas individuais aos pobres e os pontos de informação são precisados no regulamento estabilidade de habitação conhecimento das orações freqüência aos sacramentos conhecimento de um ofício moralidade e se não caíram na pobreza por sua culpa enfim é preciso se informar direito de que maneira se comportam em casa se mantêm paz entre si e com os vizinhos se têm o cuidado de criar os filhos no temor de Deus se não deitam os filhos crescidos de sexo diferente juntos e com eles se não há libertinagem e carícias nas famílias principalmente para com as filhas crescidas Se há dúvida de que sejam casados é preciso pedirlhes uma certidão de casamento17 3 A estatização dos mecanismos de disciplina na Inglaterra foram grupos privados de inspiração religiosa que muito tempo realizaram as funções de disciplina social18 Na França se uma parte desse papel ficou nas mãos das sociedades de patronatos ou de auxílio outra e sem dúvida a mais considerável foi muito cedo ocupada pelo sistema policial A organização de uma polícia centralizada durante muito tempo foi considerada pelos contemporâneos como a expressão mais direta do absolutismo real o soberano quisera ter um magistrado a quem pudesse confiar diretamente suas ordens seus recados suas intenções e fosse encarregado da execução das ordens e das cartas de prego19 Com efeito ao mesmo tempo em que retomavam um certo número de funções preexistentes procura dos criminosos vigilância urbana controle econômico e político os chefes de polícia e a chefia geral que os coroava em Paris as transpunham para uma máquina administrativa unitária e rigorosa Todos os raios de força e de instrução que partem da circunferência chegam ao chefe geral É ele que faz funcionar as rodas cujo conjunto produz a ordem e a harmonia Os efeitos de sua administração só podem ser bem comparados aos movimentos dos corpos celestes20 Mas se a polícia como instituição foi realmente organizada sob a forma de um aparelho de Estado e se foi mesmo diretamente ligada ao centro da soberania política o tipo de poder que exerce os mecanismos que põe em funcionamento e os elementos aos quais ela os aplica são específicos É um aparelho que deve ser coextensivo ao corpo social inteiro e não só pelos limites extremos que atinge mas também pela minúcia dos detalhes de que se encarrega O poder policial devese exercer sobre tudo não é entretanto a totalidade do Estado nem do reino como corpo visível e invisível do monarca é a massa dos acontecimentos das ações dos comportamentos das opiniões tudo o que acontece21 o objeto da polícia são essas coisas de todo instante essas coisas àtoa de que falava Catarina II em sua Grande Instrução22 Com a polícia estamos no indefinido de um controle que procura idealmente atingir o grão mais elementar o fenômeno mais passageiro do corpo social O ministério dos magistrados e oficiais de polícia é dos mais importantes os objetos que ele abarca são de certo modo indefinidos só podemos percebêlos por um exame suficientemente detalhado23 o infinitamente pequeno do poder político E para se exercer esse poder deve adquirir o instrumento para uma vigilância permanente exaustiva onipresente capaz de tornar tudo visível mas com a condição de se tornar ela mesma invisível Deve ser como um olhar sem rosto que transforme todo o corpo social em um campo de percepção milhares de olhos postados em toda parte atenções móveis e sempre alerta uma longa rede hierarquizada que segundo Le Maire comporta para Paris os 48 comissários os 20 inspetores depois os observadores pagos regularmente os moscas abjetas retribuídos por dia depois os denunciadores qualificados de acordo com a tarefa enfim as prostitutas E essa incessante observação devese acumular numa série de relatórios e de registros ao longo de todo o século XVIII um imenso texto policial tende a recobrir a sociedade graças a uma organização documentária complexa24 E ao contrário dos métodos de escrita judiciária ou administrativa o que é assim registrado são comportamentos atitudes virtualidades suspeitas uma tomada de contas permanente do comportamento dos indivíduos Ora é preciso notar que esse controle policial se está inteiro na mão do rei não funciona numa só direção É na realidade um sistema de entrada dupla tem que responder ligando o aparelho de justiça às vantagens imediatas do rei mas é também capaz de responder às solicitações de baixo em sua imensa maioria as famosas cartas de prego que foram muito tempo símbolo do arbítrio real e que politicamente desqualificaram a prática da detenção eram na realidade solicitadas por famílias mestres notáveis locais habitantes de bairros curas de paróquia e tinham por função fazer sancionar com um internamento toda uma infrapenalidade a da desordem da agitação da desobediência do mau comportamento o que Ledoux queria expulsar de sua cidade arquiteturalmente perfeita e que chamava os delitos de falta de vigilância Em suma a polícia do século XVIII a seu papel de auxiliar de justiça na busca aos criminosos e de instrumento para o controle político dos complôs dos movimentos de oposição ou das revoltas acrescenta uma função disciplinar Função complexa pois une o poder absoluto do monarca às mínimas instâncias de poder disseminadas na sociedade pois entre essas diversas instituições fechadas de disciplina oficinas exércitos escolas estende uma rede intermediária agindo onde aquelas não podem intervir disciplinando os espaços não disciplinares mas que ela recobre liga entre si garante com sua força armada disciplina intersticial e metadisciplina O soberano com uma polícia disciplinada acostuma o povo à ordem e à obediência25 A organização do aparelho policial no século XVIII sanciona uma gene ralização das disciplinas que alcança as dimensões do Estado Se bem que a polícia tenha estado ligada da maneira mais explícita a tudo o que no poder real excedia o exercício da justiça regulamentada compreendese por que a polícia pôde resistir com um mínimo de modificações à reorganização do poder judiciário e por que ela não parou de lhe impor cada vez mais pesadamente até hoje suas prerrogativas é sem dúvida porque ela é seu braço secular mas é também porque bem melhor que a instituição judiciária ela se identifica por sua extensão e seus mecanismos com a sociedade de tipo disciplinar Seria entretanto inexato pensar que as funções disciplinares tenham sido confiscadas e absorvidas definitivamente por um aparelho de Estado A disciplina não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho ela é um tipo de poder uma modalidade para exercêlo que comporta todo um conjunto de instrumentos de técnicas de procedimentos de níveis de aplicação de alvos ela é uma física ou uma anatomia do poder uma tecnologia E pode ficar a cargo seja de instituições especializadas as penitenciárias ou as casas de correção do século XIX seja de instituições que dela se servem como instrumento essencial para um fim determinado as casas de educação os hospitais seja de instâncias preexistentes que nela encontram maneira de reforçar ou de reorganizar seus mecanismos internos de poder um dia se precisará mostrar como as relações intrafamiliares essencialmente na célula paisfilhos se disciplinaram absorvendo desde a era clássica esquemas externos escolares militares depois médicos psiquiátricos psicológicos que fizeram da família o local de surgimento privilegiado para a questão disciplinar do normal e do anormal seja de aparelhos que fizeram da disciplina seu princípio de funcionamento interior disciplinação do aparelho administrativo a partir da época napoleônica seja enfim de aparelhos estatais que têm por função não exclusiva mas principalmente fazer reinar a disciplina na escala de uma sociedade a polícia Podese então falar em suma da formação de uma sociedade disciplinar nesse movimento que vai das disciplinas fechadas espécie de quarentena social até o mecanismo indefinidamente generalizável do panoptismo Não que a modalidade disciplinar do poder tenha substituído todas as outras mas porque ela se infiltrou no meio das outras desqualifícandoas às vezes mas servindolhes de intermediária ligandoas entre si prolongandoas e principalmente permitindo conduzir os efeitos de poder até os elementos mais tênues e mais longínquos Ela assegura uma distribuição infinitesimal das relações de poder Poucos anos depois de Bentham Julius redigia a certidão de nascimento dessa sociedade26 Falando do princípio panóptico dizia que nele se via bem mais que um talento arquitetural um acontecimento na história do espírito humano Aparentemente não passa da solução de um problema técnico mas através dela se constrói um tipo de sociedade A Antigüidade foi uma civilização do espetáculo Tornar acessível a uma multidão de homens a inspeção de um pequeno número de objetos a esse problema respondia a arquitetura dos templos dos teatros e dos circos Com o espetáculo predominavam a vida pública a intensidade das festas a proximidade sensual Naqueles rituais em que corria sangue a sociedade encontrava vigor e formava um instante como que um grande corpo único A Idade Moderna coloca o problema contrário Proporcionar a um pequeno número ou mesmo a um só a visão instantânea de uma grande multidão Numa sociedade em que os elementos principais não são mais a comunidade e a vida pública mas os indivíduos privados por um lado e o Estado por outro as relações só podem ser reguladas numa forma exatamente inversa ao espetáculo No tempo moderno estava reservado à influência sempre crescente do Estado à sua intervenção cada dia mais profunda em todos os detalhes e relações da vida social aumentar e aperfeiçoar as garantias estatais utilizando e dirigindo para essa grande finalidade a construção e a distribuição de edifícios destinados a vigiar ao mesmo tempo uma grande multidão de homens Julius via como um processo histórico cabalmente realizado o que Bentham descrevera como um programa técnico Nossa sociedade não é de espetáculos mas de vigilância sob a superfície das imagens investemse os corpos em profundidade atrás da grande abstração da troca se processa o treinamento minucioso e concreto das forças úteis os circuitos da comunicação são os suportes de uma acumulação e centralização do saber o jogo dos sinais define os pontos de apoio do poder a totalidade do indivíduo não é amputada reprimida alterada por nossa ordem social mas o indivíduo é cuidadosamente fabricado segundo uma tática das forças e dos corpos Somos bem menos gregos que pensamos Não estamos nem nas arquibancadas nem no palco mas na máquina panóptica investidos por seus efeitos de poder que nós mesmos renovamos pois somos suas engrenagens A importância na mitologia histórica da personagem napoleônica tem talvez aí uma de suas origens encontrase no ponto de junção do exercício monárquico e ritual da soberania e do exercício hierárquico e permanente da disciplina indefinida É aquele que descortina tudo com um só olhar mas a que nenhum detalhe por ínfimo que seja escapa jamais Podeis julgar que nenhuma parte do Império está privada de vigilância que nenhum crime nenhum delito nenhuma contravenção deve permanecer sem punição e que o olho do gênio que tudo sabe acender abarca o conjunto dessa vasta máquina sem que o mínimo detalhe lhe possa escapar27 A sociedade disciplinar no momento de sua plena eclosão assume ainda com o Imperador o velho aspecto do poder de espetáculo Como monarca ao mesmo tempo usurpador do antigo trono e organizador do novo Estado ele recolheu numa figura simbólica e derradeira todo o longo processo pelo qual os faustos da soberania as manifestações necessariamente espetaculares do poder apagaramse um por um no exercício cotidiano da vigilância num panoptismo em que a penetração dos olhares entrecruzados há de em breve tornar inúteis a águia e o sol A formação da sociedade disciplinar está ligada a um certo número de amplos processos históricos no interior dos quais ela tem lugar econômicos jurídico políticos científicos enfim 1 De uma maneira global podese dizer que as disciplinas são técnicas para assegurar a ordenação das multiplicidades humanas É verdade que não há nisso nada de excepcional nem mesmo de característico a qualquer sistema de poder se coloca o mesmo problema Mas o que é próprio das disciplinas é que elas tentam definir em relação às multiplicidades uma tática de poder que responde a três critérios tornar o exercício do poder o menos custoso possível economicamente pela parca despesa que acarreta politicamente por sua discrição sua fraca exteriorização sua relativa invisibilidade o pouco de resistência que suscita fazer com que os efeitos desse poder social sejam levados a seu máximo de intensidade e estendidos tão longe quanto possível sem fracasso nem lacuna ligar enfim esse crescimento econômico do poder e o rendimento dos aparelhos no interior dos quais se exerce sejam os aparelhos pedagógicos militares industriais médicos em suma fazer crescer ao mesmo tempo a docilidade e a utilidade de todos os elementos do sistema Esse triplo objetivo das disciplinas responde a uma conjuntura histórica bem conhecida É por um lado a grande explosão demográfica do século XVIII aumento da população flutuante fixar é um dos primeiros objetivos da disciplina é um processo de antinomadismo mudança da escala quantitativa dos grupos que importa controlar ou manipular do começo do século XVII às vésperas da Revolução Francesa a população escolar se multiplicou como sem dúvida a população hospitalizada o exército em tempo de paz contava no fim do século XVIII mais de 200000 homens O outro aspecto da conjuntura é o crescimento do aparelho de produção cada vez mais extenso e complexo cada vez mais custoso também e cuja rentabilidade urge fazer crescer O desenvolvimento dos modos disciplinares de proceder responde a esses dois processos ou antes sem dúvida à necessidade de ajustar sua correlação Nem as formas residuais do poder feudal nem as estruturas da monarquia administrativa nem os mecanismos locais de controle nem o emaranhado instável que formavam todos juntos podia desempenhar esse papel impediaos de fazêlo a extensão lacunosa e sem regularidade de sua rede seu funcionamento muitas vezes conflitante mas principalmente o caráter dispendioso do poder exercido Dispendioso em vários sentidos porque diretamente custava muito ao Tesouro porque o sistema dos ofícios venais ou o da cobrança dos impostos pesava de maneira indireta e muito sobre a população porque as resistências que encontrava o arrastavam a um ciclo de reforço perpétuo porque procedia essencialmente por retirada retirada de dinheiro ou de produtos pelo fisco monárquico senhorial eclesiástico retirada de homens ou de tempo pelos serviços obrigatórios ou pelos alistamentos pelo encarceramento de vagabundos ou seu banimento O desenvolvimento das disciplinas marca a aparição de técnicas elementares do poder que derivam de uma economia totalmente diversa mecanismos de poder que em vez de vir em dedução integramse de dentro à eficácia produtiva dos aparelhos ao crescimento dessa eficácia e à utilização do que ela produz As disciplinas substituem o velho princípio retiradaviolência que regia a economia do poder pelo princípio suavidadeproduçãolucro Devem ser tomadas como técnicas que permitem ajustar segundo esse princípio a multiplicidade dos homens e a multiplicação dos aparelhos de produção e como tal devese entender não só produção propriamente dita mas a produção de saber e de aptidões na escola a produção de saúde nos hospitais a produção de força destrutiva com o exército Nessa tarefa de ajustamento a disciplina encontra alguns problemas a resolver para os quais a antiga economia do poder não estava suficientemente aparelhada Pode fazer diminuir a desutilidade dos fenômenos de massa reduzir aquilo que numa multiplicidade faz com que esta seja muito menos manejável que uma unidade reduzir o que se opõe à utilização de cada um de seus elementos e de sua soma reduzir tudo o que nela possa anular as vantagens do número é por isso que a disciplina fixa ela imobiliza ou regulamenta os movimentos resolve as confusões as aglomerações compactas sobre as circulações incertas as repartições calculadas Ela deve também dominar todas as forças que se formam a partir da própria constituição de uma multiplicidade organizada deve neutralizar os efeitos de contrapoder que dela nascem e que formam resistência ao poder que quer dominála agitações revoltas organizações espontâneas conluios tudo o que pode se originar das conjunções horizontais Daí o fato de as disciplinas utilizarem processos de separação e de verticalidade de introduzirem entre os diversos elementos de mesmo plano barreiras tão estanques quanto possível de definirem redes hierárquicas precisas em suma de oporem à força intrínseca e adversa da multiplicidade o processo da pirâmide contínua e individualizante Elas devem também fazer crescer a utilidade singular de cada elemento da multiplicidade mas por meios que sejam os mais rápidos e menos custosos ou seja utilizando a própria multiplicidade como instrumento desse crescimento daí para extrair dos corpos o máximo de tempo e de forças esses métodos de conjunto que são os horários os treinamentos coletivos os exercícios a vigilância ao mesmo tempo global e minuciosa É preciso além disso que as disciplinas façam crescer o efeito de utilidade próprio às multiplicidades e que tornem cada uma delas mais útil que a simples soma de seus elementos é para fazer crescer os efeitos utilizáveis do múltiplo que as disciplinas definem táticas de distribuição de ajustamento recíproco dos corpos dos gestos e dos ritmos de diferenciação das capacidades de coordenação recíproca em relação a aparelhos ou a tarefas Enfim a disciplina tem que fazer funcionar as relações de poder não acima mas na própria trama da multiplicidade da maneira mais discreta possível articulada do melhor modo sobre as outras funções dessas multiplicidades e também o menos dispendiosamente possível atendem a isso instrumentos de poder anônimos e coextensivos à multiplicidade que regimentam como a vigilância hierárquica o registro contínuo o julgamento e a classificação perpétuos Em suma substituir um poder que se manifesta pelo brilho dos que o exercem por um poder que objetiva insidiosamente aqueles aos quais é aplicado formar um saber a respeito destes mais que patentear os sinais faustosos da soberania Em uma palavra as disciplinas são o conjunto das minúsculas invenções técnicas que permitiram fazer crescer a extensão útil das multiplicidades fazendo diminuir os inconvenientes do poder que justamente para tornálas úteis deve regêlas Uma multiplicidade seja uma oficina ou uma nação um exército ou uma escola atinge o limiar da disciplina quando a relação de uma para com a outra tornase favorável Se a decolagem econômica do Ocidente começou com os processos que permitiram a acumulação do capital podese dizer talvez que os métodos para gerir a acumulação dos homens permitiram uma decolagem política em relação a formas de poder tradicionais rituais dispendiosas violentas e que logo caídas em desuso foram substituídas por uma tecnologia minuciosa e calculada da sujeição Na verdade os dois processos acumulação de homens e acumulação de capital não podem ser separados não teria sido possível resolver o problema da acumulação de homens sem o crescimento de um aparelho de produção capaz ao mesmo tempo de mantêlos e de utilizálos inversamente as técnicas que tornam útil a multiplicidade cumulativa de homens aceleram o movimento de acumulação de capital A um nível menos geral as mutações tecnológicas do aparelho de produção a divisão do trabalho e a elaboração das maneiras de proceder disciplinares mantiveram um conjunto de relações muito próximas28 Cada uma das duas tornou possível a outra e necessária cada uma das duas serviu de modelo para a outra A pirâmide disciplinar constituiu a pequena célula de poder no interior da qual a separação a coordenação e o controle das tarefas foram impostos e tornaramse eficazes e o quadriculamento analítico do tempo dos gestos das forças dos corpos constituiu um esquema operatório que pôde facilmente ser transferido dos grupos a submeter para os mecanismos da produção a projeção maciça dos métodos militares sobre a organização industrial foi um exemplo dessa modelação da divisão do trabalho a partir de esquemas de poder Mas em compensação a análise técnica do processo de produção sua decomposição maquinai se projetaram sobre a força de trabalho que tinha como tarefa realizálo a constituição dessas máquinas disciplinares onde são compostas e assim amplificadas as forças individuais que elas associam é o efeito dessa projeção Digamos que a disciplina é o processo técnico unitário pelo qual a força do corpo é com o mínimo ônus reduzida como força política e maximalizada como força útil O crescimento de uma economia capitalista fez apelo à modalidade específica do poder disciplinar cujas fórmulas gerais cujos processos de submissão das forças e dos corpos cuja anatomia política em uma palavra podem ser postos em funcionamento através de regimes políticos de aparelhos ou de instituições muito diversas 2 A modalidade panóptica do poder ao nível elementar técnico humil demente físico em que se situa não está na dependência imediata nem no prolongamento direto das grandes estruturas jurídicopolíticas de uma sociedade ela não é entretanto absolutamente independente Historicamente c processo pelo qual a burguesia se tornou no decorrer do século XVIII a classe politicamente dominante abrigouse atrás da instalação de um quadro jurídico explícito codificado formalmente igualitário e através da organização de um regime de tipo parlamentar e representativo Mas o desenvolvimento e a generalização dos dispositivos disciplinares constituíram a outra vertente obscura desse processo A forma jurídica geral que garantia um sistema de direitos em princípio igualitários era sustentada por esses mecanismos miúdos cotidianos e físicos por todos esses sistemas de micropoder essencialmente inigualitários e assimétricos que constituem as disciplinas E se de uma maneira formal o regime representativo permite que direta ou indiretamente com ou sem revezamento a vontade de todos forme a instância fundamental da soberania as disciplinas dão na base garantia da submissão das forças e dos corpos As disciplinas reais e corporais constituíram o subsolo das liberdades formais e jurídicas O contrato podia muito bem ser imaginado como fundamento ideal do direito e do poder político o panoptismo constituía o processo técnico universalmente difundido da coerção Não parou de elaborar em profundidade as estruturas jurídicas da sociedade para fazer funcionar os mecanismos efetivos do poder ao encontro dos quadros formais de que este dispunha As Luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas Aparentemente as disciplinas não constituem nada mais que um infradireito Parecem prolongar até um nível infinitesimal das existências singulares as formas gerais definidas pelo direito ou ainda aparecem como maneiras de aprendizagem que permitem aos indivíduos se integrarem a essas exigências gerais Constituiriam o mesmo tipo de direito fazendoo mudar de escala e assim tornandoo mais minucioso e sem dúvida mais indulgente Temos antes que ver nas disciplinas uma espécie de contradireito Elas têm o papel preciso de introduzir assimetrias insuperáveis e de excluir reciprocidades Em primeiro lugar porque a disciplina cria entre os indivíduos um laço privado que é uma relação de limitações inteiramente diferente da obrigação contratual a aceitação de uma disciplina pode ser subscrita por meio de contrato a maneira como ela é imposta os mecanismos que faz funcionar a subordinação não reversível de uns em relação aos outros o mais poder que é sempre fixado do mesmo lado a desigualdade de posição dos diversos parceiros em relação ao regulamento comum opõem o laço disciplinar e o laço contratual e permitem sistematicamente falsear este último a partir do momento em que tem por conteúdo um mecanismo de disciplina Sabemos por exemplo quantos procedimentos reais acomodam a seus objetivos a função jurídica do contrato de trabalho a disciplina de oficina não é o menos importante Além disso enquanto os sistemas jurídicos qualificam os sujeitos de direito segundo normas universais as disciplinas caracterizam classificam especializam distribuem ao longo de uma escala repartem em torno de uma norma hierarquizam os indivíduos em relação uns aos outros e levando ao limite desqualificam e invalidam De qualquer modo no espaço e durante o tempo em que exercem seu controle e fazem funcionar as assimetrias de seu poder elas efetuam uma suspensão nunca total mas também nunca anulada do direito Por regular e institucional que seja a disciplina em seu mecanismo é um contradireito E se o juridismo universal da sociedade moderna parece fixar limites ao exercício dos poderes seu panoptismo difundido em toda parte faz funcionar ao arrepio do direito uma maquinaria ao mesmo tempo imensa e minúscula que sustenta reforça multiplica a assimetria dos poderes e torna vãos os limites que lhe foram traçados As disciplinas ínfimas os panoptismos de todos os dias podem muito bem estar abaixo do nível de emergência dos grandes aparelhos e das grandes lutas políticas Elas foram na genealogia da sociedade moderna com a dominação de classe que a atravessa a contrapartida política das normas jurídicas segundo as quais era redistribuído o poder Daí sem dúvida a importância que se dá há tanto tempo aos pequenos processos da disciplina a essas espertezas àtoa que ela inventou ou ainda aos saberes que lhe emprestam uma face confessável daí o receio de se desfazer delas se não lhes encontramos substituto daí a afirmação de que estão no próprio fundamento da sociedade e de seu equilíbrio enquanto são uma série de mecanismos para desequilibrar definitivamente e em toda parte as relações de poder daí o fato de nos obstinarmos a fazêlas passar pela forma humilde mas concreta de qualquer moral enquanto elas são um feixe de técnicas físicopolíticas E para voltar ao problema dos castigos legais a prisão com toda a tecnologia corretiva de que se acompanha deve ser recolocada aí no ponto em que se faz a torsão do poder codificado de punir em um poder disciplinar de vigiar no ponto que os castigos universais das leis vêm aplicarse seletivamente a certos indivíduos e sempre aos mesmos no ponto em que a requalificação do sujeito de direito pela pena se torna treinamento útil do criminoso no ponto em que o direito se inverte e passa para fora de si mesmo e em que o contradireito se torna o conteúdo efetivo e institucionalizado das formas jurídicas O que generaliza então o poder de punir não é a consciência universal da lei em cada um dos sujeitos de direito é a extensão regular é a trama infinitamente cerrada dos processos panópticos 3 Tomados um por um a maior parte desses processos tem uma longa história atrás de si Mas o ponto da novidade no século XVIII é que compondose e regularizandose eles atingem o nível a partir do qual formação de saber e majoração de poder se reforçam regularmente segundo um processo circular As disciplinas atravessam então o limiar tecnológico O hospital primeiro depois a escola mais tarde ainda a oficina não foram simplesmente postos em ordem pelas disciplinas tornaramse graças a elas aparelhos tais que qualquer mecanismo de objetivação pode valer neles como instrumento de sujeição e qualquer crescimento de poder dá neles lugar a conhecimentos possíveis foi a partir desse laço próprio dos sistemas tecnológicos que se puderam formar no elemento disciplinar a medicina clínica a psiquiatria a psicologia da criança a psicopedagogia a racionalização do trabalho Duplo processo portanto arrancada epistemológica a partir de um afinamento das relações de poder multiplicação dos efeitos de poder graças à formação e à acumulação de novos conhecimentos A extensão dos métodos disciplinares se inscreve num amplo processo histórico o desenvolvimento mais ou menos na mesma época de várias outras tecnologias agronômicas industriais econômicas Mas temos que reconhecer ao lado das indústrias mineiras da química que nascia dos métodos de contabilidade nacional ao lado dos altosfornos ou da máquina a vapor o panoptismo foi pouco celebrado Só se reconhece nele uma pequena utopia estranha o sonho de uma maldade um pouco como se Bentham tivesse sido o Fourier de uma sociedade policial cujo Falanstério houvesse tido a forma do Panóptico E entretanto tinhase aí a fórmula abstrata de uma tecnologia bem real a dos indivíduos Que ela tenha colhido poucos elogios há muitas razões que explicam a mais evidente é que os discursos a que deu lugar raramente adquiriram a não ser para as classificações acadêmicas o status de ciências mas a mais real é sem dúvida a de que o poder que ela põe em funcionamento e que ela permite aumentar é um poder direto e físico que os homens exercem uns sobre os outros Para um ponto de chegada sem glória uma origem difícil de confessar Mas seria injusto confrontar os processos disciplinares com invenções como a máquina a vapor ou o microscópio de Amici Eles são muito menos e entretanto de certo modo são muito mais Se fosse preciso encontrar para eles um equivalente histórico ou pelo menos um ponto de comparação seria antes do lado da técnica inquisitorial O século XVIII inventou as técnicas da disciplina e o exame um pouco sem dúvida como a Idade Média inventou o inquérito judiciário Mas por vias totalmente diversas O processo do inquérito velha técnica fiscal e administrativa se desenvolveu principalmente com a reorganização da Igreja e o crescimento dos Estados principescos nos séculos XII e XIII Foi então que ele penetrou com a amplitude que se sabe na jurisprudência dos tribunais eclesiásticos depois nas cortes leigas O inquérito como pesquisa autoritária de uma verdade constatada ou atestada se opunha assim aos antigos processos do juramento da ordália do duelo judiciário do julgamento de Deus ou ainda da transação entre particulares O inquérito era o poder soberano que se arrogava o direito de estabelecer a verdade através de um certo número de técnicas regulamentadas Ora embora o inquérito desde aquele momento se tenha incorporado à justiça ocidental e até em nossos dias não se deve esquecer sua origem política sua ligação com o nascimento dos Estados e da soberania monárquica nem tampouco sua derivação posterior e seu papel na formação do saber O inquérito foi com efeito a peça rudimentar e fundamental para a constituição das ciências empíricas foi a matriz jurídicopolítica desse saber experimental que como se sabe teve seu rápido surto no fim da Idade Média É talvez verdade que a matemática na Grécia nasceu das técnicas da medida as ciências da natureza em todo caso nasceram por um lado no fim da Idade Média das práticas do inquérito O grande conhecimento empírico que recobriu as coisas do mundo e as transcreveu na ordenação de um discurso indefinido que constata descreve e estabelece os fatos e isto no momento em que o mundo ocidental começava a conquista econômica e política desse mesmo mundo tem sem dúvida seu modelo operatório na Inquisição essa imensa invenção que nosso recente amolecimento colocou na sombra da memória Ora o que esse inquérito político jurídico administrativo e criminal religioso e leigo foi para as ciências da natureza a análise disciplinar foi para as ciências do homem Essas ciências com que nossa humanidade se encanta há mais de um século têm sua matriz técnica na minúcia tateante e maldosa das disciplinas e de suas investigações Estas são talvez para a psicologia a pedagogia a psiquiatria a criminologia e para tantos outros estranhos conhecimentos o que foi o terrível poder de inquérito para o saber calmo dos animais das plantas ou da terra Outro poder outro saber No limiar da era clássica Bacon o homem da lei e do Estado tentou fazer para as ciências empíricas a metodologia do inquérito Quem será o Grande Vigia que fará a do exame para as ciências humanas Tal não sucederá apenas se não for possível Pois se é verdade que o inquérito ao se tornar uma técnica para as ciências empíricas se destacou do processo inquisitorial em que tinha suas raízes históricas já o exame permaneceu o mais próximo do poder disciplinar que o formou E ainda e sempre uma peça intrínseca das disciplinas É claro ele parece ter sofrido uma depuração especulativa ao se integrar em ciências como a psiquiatria a psicologia E efetivamente sob a forma de testes de entrevistas de interrogatórios de consultas o vemos retificar aparentemente os mecanismos da disciplina a psicologia é encarregada de corrigir os rigores da escola como a entrevista médica ou psiquiátrica é encarregada de retificar os efeitos da disciplina de trabalho Mas não devemos nos enganar essas técnicas apenas mandam os indivíduos de uma instância disciplinar a outra e reproduzem de uma forma concentrada ou formalizada o esquema de poder saber próprio a toda disciplina29 O grande inquérito que deu lugar às ciências da natureza destacouse de seu modelo políticojurídico o exame em compensação continua preso à tecnologia disciplinar O procedimento do inquérito na Idade Média foi imposto à velha justiça acusatória mas por um processo vindo de cima já a técnica disciplinar invadiu insidiosamente e como que por baixo uma justiça penal que é ainda em seu princípio inquisitória Todos os grandes movimentos de derivação que caracterizam a penalidade moderna a problematização do criminoso por trás de seu crime a preocupação com uma punição que seja correção terapêutica normalização a divisão do ato do julgamento entre diversas instâncias que devem segundo se espera medir avaliar diagnosticar curar transformar os indivíduos tudo isso trai a penetração do exame disciplinar na inquisição judiciária O que agora é imposto à justiça penal como seu ponto de aplicação seu objeto útil não será mais o corpo do culpado levantado contra o corpo do rei não será mais tampouco o sujeito de direito de um contrato ideal mas o indivíduo disciplinar O ponto extremo da justiça penal no Antigo Regime era o retalhamento infinito do corpo do regicida manifestação do poder mais forte sobre o corpo do maior criminoso cuja destruição total faz brilhar o crime em sua verdade O ponto ideal da penalidade hoje seria a disciplina infinita um interrogatório sem termo um inquérito que se prolongasse sem limite numa observação minuciosa e cada vez mais analítica um julgamento que seja ao mesmo tempo a constituição de um processo nunca encerrado o amolecimento calculado de uma pena ligada à curiosidade implacável de um exame um procedimento que seja ao mesmo tempo a medida permanente de um desvio em relação a uma norma inacessível e o movimento assintótico que obriga a encontrála no infinito O suplício completa logicamente um processo comandado pela Inquisição A observação prolonga naturalmente uma justiça invadida pelos métodos disciplinares e pelos processos de exame Acaso devemos nos admirar que a prisão celular com suas cronologias marcadas seu trabalho obrigatório suas instâncias de vigilância e de notação com seus mestres de normalidade que retomam e multiplicam as funções do juiz se tenha tornado o instrumento moderno da penalidade Devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas com as escolas com os quartéis com os hospitais e todos se pareçam com as prisões

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Ailton Krenak A Vida Nao E Util - Resumo do Livro

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Utilitarismo-A-busca-pela-maior-felicidade-na-etica

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Tecnologias do Sexo - Análise e Reflexões sobre a Relação entre Sexo e Tecnologia

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Marx e a Critica a Politica - Apostila Explicativa

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Filosofia da Tecnologia: Impacto das Redes Sociais na Democracia e Liberdade de Expressao

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Filosofia da Tecnologia: Impacto das Redes Sociais na Democracia e Liberdade de Expressao

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CAPÍTULO III O PANOPTISMO Eis as medidas que se faziam necessárias segundo um regulamento do fim do século XVII quando se declarava a peste numa cidade1 Em primeiro lugar um policiamento espacial estrito fechamento claro da cidade e da terra proibição de sair sob pena de morte fim de todos os animais errantes divisão da cidade em quarteirões diversos onde se estabelece o poder de um intendente Cada rua é colocada sob a autoridade de um síndico ele a vigia se a deixar será punido de morte No dia designado ordenase todos que se fechem em suas casas proibido sair sob pena de morte O próprio síndico vem fechar por fora a porta de cada casa leva a chave que entrega ao intendente de quarteirão este a conserva até o fim da quarentena Cada família terá feito suas provisões mas para o vinho e o pão se terá preparado entre a rua e o interior das casas pequenos canais de madeira que permitem fazer chegar a cada um sua ração sem que haja comunicação entre os fornecedores e os habitantes para a carne o peixe e as verduras utilizamse roldanas e cestas Se for absolutamente necessário sair das casas tal se fará por turnos e evitandose qualquer encontro Só circulam os intendentes os síndicos os soldados da guarda e também entre as casas infectadas de um cadáver ao outro os corvos que tanto faz abandonar à morte é gente vil que leva os doentes enterra os mortos limpa e faz muitos ofícios vis e abjetos Espaço recortado imóvel fixado Cada qual se prende a seu lugar E caso se mexa corre perigo de vida por contágio ou punição A inspeção funciona constantemente O olhar está alerta em toda parte Um corpo de milícia considerável comandado por bons oficiais e gente de bem corpos de guarda nas portas na prefeitura e em todos os bairros para tornar mais pronta a obediência do povo e mais absoluta a autoridade dos magistrados assim como para vigiar todas as desordens roubos e pilhagens Às portas postos de vigilância no fim de cada rua sentinelas Todos os dias o intendente visita o quarteirão de que está encarregado verifica se os síndicos cumprem suas tarefas se os habitantes têm queixas eles fiscalizam seus atos Todos os dias também o síndico passa na rua por que é responsável pára diante de cada casa manda colocar todos os moradores às janelas os que habitassem nos fundos teriam designada uma janela dando para a rua onde ninguém mais poderia se mostrar chama cada um por seu nome informa se do estado de todos um por um no que os habitantes serão obrigados a dizer a verdade sob pena de morte se alguém não se apresentar à janela o síndico deve perguntar a razão Ele assim descobrirá facilmente se escondem mortos ou doentes Cada um trancado em sua gaiola cada um à sua janela respondendo a seu nome e se mostrando quando é perguntado é a grande revista dos mortos e dos vivos Essa vigilância se apóia num sistema de registro permanente relatórios dos síndicos aos intendentes dos intendentes aos almotacés ou ao prefeito No começo da apuração se estabelece o papel de todos os habitantes presentes na cidade um por um nela se anotam o nome a idade o sexo sem exceção de condição um exemplar para o intendente do quarteirão um segundo no escritório da prefeitura um outro para o síndico poder fazer a chamada diária Tudo o que é observado durante as visitas mortes doenças reclamações irregularidades é anotado e transmitido aos intendentes e magistrados Estes têm o controle dos cuidados médicos e um médico responsável nenhum outro médico pode cuidar nenhum boticário preparar os remédios nenhum confessor visitar um doente sem ter recebido dele um bilhete escrito para impedir que se escondam e se tratem à revelia dos magistrados doentes do contágio O registro do patológico deve ser constante e centralizado A relação de cada um com sua doença e sua morte passa pelas instâncias do poder pelo registro que delas é feito pelas decisões que elas tomam Cinco ou seis dias depois do começo da quarentena procedese à purificação das casas uma por uma Mandase sair todos os moradores em cada cômodo levantamse ou penduramse os móveis e as mercadorias espalhase perfume ele é queimado depois de bem fechadas as janelas as portas e até os buracos de fechadura que se enche de cera Finalmente fechase a casa inteira enquanto se consome o perfume como na entrada revistamse os perfumadores na presença dos moradores da casa para ver se eles não têm à saída qualquer coisa que não tivessem ao entrar Quatro horas depois os moradores podem entrar em casa Esse espaço fechado recortado vigiado em todos os seus pontos onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo onde os menores movimentos são controlados onde todos os acontecimentos são registrados onde um trabalho ininterrupto de escrita liga o centro e a periferia onde o poder é exercido sem divisão segundo uma figura hierárquica contínua onde cada indivíduo é constantemente localizado examinado e distribuído entre os vivos os doentes e os mortos isso tudo constitui um modelo compacto do dispositivo disciplinar A ordem responde à peste ela tem como função desfazer todas as confusões a da doença que se transmite quando os corpos se misturam a do mal que se multiplica quando o medo e a morte desfazem as proibições Ela prescreve a cada um seu lugar a cada um seu corpo a cada um sua doença e sua morte a cada um seu bem por meio de um poder onipresente e onisciente que se subdivide ele mesmo de maneira regular e ininterrupta até a determinação final do indivíduo do que o caracteriza do que lhe pertence o do que lhe acontece Contra a peste que é mistura a disciplina faz valer seu poder que é de análise Houve em torno da peste uma ficção literária da festa as leis suspensas os interditos levantados o frenesi do tempo que passa os corpos se misturando sem respeito os indivíduos que se desmascaram que abandonam sua identidade estatutária e a figura sob a qual eram reconhecidos deixando aparecer uma verdade totalmente diversa Mas houve também um sonho político da peste que era exatamente o contrário não a festa coletiva mas as divisões estritas não as leis transgredidas mas a penetração do regulamento até nos mais finos detalhes da existência e por meio de uma hierarquia completa que realiza o funcionamento capilar do poder não as máscaras que se colocam e se retiram mas a determinação a cada um de seu verdadeiro nome de seu verdadeiro lugar de seu verdadeiro corpo e da verdadeira doença A peste como forma real e ao mesmo tempo imaginária da desordem tem a disciplina como correlato médico e político Atrás dos dispositivos disciplinares se lê o terror dos contágios da peste das revoltas dos crimes da vagabundagem das deserções das pessoas que aparecem e desaparecem vivem e morrem na desordem Se é verdade que a lepra suscitou modelos de exclusão que deram até um certo ponto o modelo e como que a forma geral do grande Fechamento já a peste suscitou esquemas disciplinares Mais que a divisão maciça e binária entre uns e outros ela recorre a separações múltiplas a distribuições individualizantes a uma organização aprofundada das vigilâncias e dos controles a uma intensificação e ramificação do poder O leproso é visto dentro de uma prática da rejeição do exíliocerca deixase que se perca lá dentro como numa massa que não tem muita importância diferenciar os pestilentos são considerados num policiamento tático meticuloso onde as diferenciações individuais são os efeitos limitantes de um poder que se multiplica se articula e se subdivide O grande fechamento por um lado o bom treinamento por outro A lepra e sua divisão a peste e seus recortes Uma é marcada a outra analisada e repartida O exílio do leproso e a prisão da peste não trazem consigo o mesmo sonho político Um é o de uma comunidade pura o outro o de uma sociedade disciplinar Duas maneiras de exercer poder sobre os homens de controlar suas relações de desmanchar suas perigosas misturas A cidade pestilenta atraves sada inteira pela hierarquia pela vigilância pelo olhar pela documentação a cidade imobilizada no funcionamento de um poder extensivo que age de maneira diversa sobre todos os corpos individuais é a utopia da cidade perfeitamente governada A peste pelo menos aquela que permanece no estado de previsão é a prova durante a qual se pode definir idealmente o exercício do poder disciplinar Para fazer funcionar segundo a pura teoria os direitos e as leis os juristas se punham imaginariamente no estado de natureza para ver funcionar suas disciplinas perfeitas os governantes sonhavam com o estado de peste No fundo dos esquemas disciplinares a imagem da peste vale por todas as confusões e desordens assim como a imagem da lepra do contato a ser cortado está no fundo do esquema de exclusão Esquemas diferentes portanto mas não incompatíveis Lentamente vemolos se aproximarem e é próprio do século XIX ter aplicado ao espaço de exclusão de que o leproso era o habitante simbólico e os mendigos os vagabundos os loucos os violentos formavam a população real a técnica de poder própria do quadriculamento disciplinar Tratar os leprosos como pestilentos projetar recortes finos da disciplina sobre o espaço confuso do internamente trabalhálo com os métodos de repartição analítica do poder individualizar os excluídos mas utilizar processos de individualização para marcar exclusões isso é o que foi regularmente realizado pelo poder disciplinar desde o começo do século XIX o asilo psiquiátrico a penitenciária a casa de correção o estabelecimento de educação vigiada e por um lado os hospitais de um modo geral todas as instâncias de controle individual funcional num duplo modo o da divisão binária e da marcação louco não louco perigosoinofensivo normalanormal e o da determinação coercitiva da repartição diferencial quem é ele onde deve estar como caracterizálo como reconhecêlo como exercer sobre ele de maneira individual uma vigilância constante etc De um lado pestilentamse os leprosos impõemse aos excluídos a tática das disciplinas individualizantes e de outro lado a universalidade dos controles disciplinares permite marcar quem é leproso e fazer funcionar contra ele os mecanismos dualistas da exclusão A divisão constante do normal e do anormal a que todo indivíduo é submetido leva até nós e aplicandoos a objetos totalmente diversos a marcação binária e o exílio dos leprosos a existência de todo um conjunto de técnicas e de instituições que assumem como tarefa medir controlar e corrigir os anormais faz funcionar os dispositivos disciplinares que o medo da peste chamava Todos os mecanismos de poder que ainda em nossos dias são dispostos em torno do anormal para marcálo como para modificálo compõem essas duas formas de que longinquamente derivam O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição O princípio é conhecido na periferia uma construção em anel no centro uma torre esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel a construção periférica é dividida em celas cada uma atravessando toda a espessura da construção elas têm duas janelas uma para o interior correspondendo às janelas da torre outra que dá para o exterior permite que a luz atravesse a cela de lado a lado Basta então colocar um vigia na torre central e em cada cela trancar um louco um doente um condenado um operário ou um escolar Pelo efeito da contraluz podese perceber da torre recortandose exatamente sobre a claridade as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia Tantas jaulas tantos pequenos teatros em que cada ator está sozinho perfeitamente individualizado e constantemente visível O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente Em suma o princípio da masmorra é invertido ou antes de suas três funções trancar privar de luz e esconder só se conserva a primeira e suprimemse as outras duas A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra que finalmente protegia A visibilidade é uma armadilha O que permite em primeiro lugar como efeito negativo evitar aquelas massas compactas fervilhantes pululantes que eram encontradas nos locais de encarceramento os pintados por Goya ou descritos por Howard Cada um em seu lugar está bem trancado em sua cela de onde é visto de frente pelo vigia mas os muros laterais impedem que entre em contato com seus companheiros É visto mas não vê objeto de uma informação nunca sujeito numa comunicação A disposição de seu quarto em frente da torre central lhe impõe uma visibilidade axial mas as divisões do anel essas celas bem separadas implicam uma invisibilidade lateral E esta é a garantia da ordem Se os detentos são condenados não há perigo de complô de tentativa de evasão coletiva projeto de novos crimes para o futuro más influências recíprocas se são doentes não há perigo de contágio loucos não há risco de violências recíprocas crianças não há cola nem barulho nem conversa nem dissipação Se são operários não há roubos nem conluios nada dessas distrações que atrasam o trabalho tornamno menos perfeito ou provocam acidentes A multidão massa compacta local de múltiplas trocas individualidades que se fundem efeito coletivo é abolida em proveito de uma coleção de individualidades separadas Do ponto de vista do guardião é substituída por uma multiplicidade enumerável e controlável do ponto de vista dos detentos por uma solidão seqüestrada e olhada2 Daí o efeito mais importante do Panóptico induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos mesmo se é descontínua em sua ação que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o exerce enfim que os detentos se encontrem presos numa situação de poder de que eles mesmos são os portadores Para isso é ao mesmo tempo excessivo e muito pouco que o prisioneiro seja observado sem cessar por um vigia muito pouco pois o essencial é que ele se saiba vigiado excessivo porque ele não tem necessidade de sêlo efetivamente Por isso Bentham colocou o princípio de que o poder devia ser visível e inverificável Visível sem cessar o detento terá diante dos olhos a alta silhueta da torre central de onde é espionado Inverificável o detento nunca deve saber se está sendo observado mas deve ter certeza de que sempre pode sêlo Para tornar indecidível a presença ou a ausência do vigia para que os prisioneiros de suas celas não pudessem nem perceber uma sombra ou enxergar uma contraluz previu Bentham não só persianas nas janelas da sala central de vigia mas por dentro separações que a cortam em ângulo reto e para passar de um quarto a outro não portas mas biombos pois a menor batida uma luz entrevista uma claridade numa abertura trairiam a presença do guardião3 O Panóptico é uma máquina de dissociar o par verser visto no anel periférico se é totalmente visto sem nunca ver na torre central vêse tudo sem nunca ser visto4 Dispositivo importante pois automatiza e desindividualiza o poder Este tem seu princípio não tanto numa pessoa quanto numa certa distribuição concertada dos corpos das superfícies das luzes dos olhares numa aparelhagem cujos mecanismos internos produzem a relação na qual se encontram presos os indivíduos As cerimônias os rituais as marcas pelas quais se manifesta no soberano o maispoder são inúteis Há uma maquinaria que assegura a dissimetria o desequilíbrio a diferença Pouco importa conseqüentemente quem exerce o poder Um indivíduo qualquer quase tomado ao acaso pode fazer funcionar a máquina na falta do diretor sua família os que o cercam seus amigos suas visitas até seus criados5 Do mesmo modo que é indiferente o motivo que o anima a curiosidade de um indiscreto a malícia de uma criança o apetite de saber de um filósofo que quer percorrer esse museu da natureza humana ou a maldade daqueles que têm prazer em espionar e em punir Quanto mais numerosos esses observadores anônimos e passageiros tanto mais aumentam para o prisioneiro o risco de ser surpreendido e a consciência inquieta de ser observado O Panóptico é uma máquina maravilhosa que a partir dos desejos mais diversos fabrica efeitos homogêneos de poder Uma sujeição real nasce mecanicamente de uma relação fictícia De modo que não é necessário recorrer à força para obrigar o condenado ao bom comportamento o louco à calma o operário ao trabalho o escolar à aplicação o doente à observância das receitas Bentham se maravilha de que as instituições panópticas pudessem ser tão leves fim das grades fim das correntes fim das fechaduras pesadas basta que as separações sejam nítidas e as aberturas bem distribuídas O peso das velhas casas de segurança com sua arquitetura de fortaleza é substituído pela geometria simples e econômica de uma casa de certeza A eficácia do poder sua força limitadora passaram de algum modo para o outro lado para o lado de sua superfície de aplicação Quem está submetido a um campo de visibilidade e sabe disso retoma por sua conta as limitações do poder fálas funcionar espontaneamente sobre si mesmo inscreve em si a relação de poder na qual ele desempenha simultaneamente os dois papéis tornase o princípio de sua própria sujeição Em conseqüência disso mesmo o poder externo por seu lado podese aliviar de seus fardos físicos tende ao incorpóreo e quanto mais se aproxima desse limite mais esses efeitos são constantes profundos adquiridos em caráter definitivo e continuamente recomeçados vitória perpétua que evita qualquer defrontamento físico e está sempre decidida por antecipação Bentham não diz se se inspirou em seu projeto no zoológico que Le Vaux construíra em Versalhes primeiro zoológico cujos elementos não estão como tradicionalmente espalhados em um parque6 no centro um pavilhão octogonal que no primeiro andar só comportava uma peça o salão do rei todos os lados se abriam com largas janelas sobre sete jaulas o oitavo lado estava reservado para a entrada onde estavam encerradas diversas espécies de animais Na época de Bentham esse zoológico desaparecera Mas encontramos no programa do Panóptico a preocupação análoga da observação individualizante da caracterização e da classificação da organização analítica da espécie O Panóptico é um zoológico real o animal é substituído pelo homem a distribuição individual pelo grupamento específico e o rei pela maquinaria de um poder furtivo Fora essa diferença o Panóptico também faz um trabalho de naturalista Permite estabelecer as diferenças nos doentes observar os sintomas de cada um sem que a proximidade dos leitos a circulação dos miasmas os efeitos do contágio misturem os quadros clínicos nas crianças anotar os desempenhos sem que haja limitação ou cópia perceber as aptidões apreciar os caracteres estabelecer classificações rigorosas e em relação a uma evolução normal distinguir o que é preguiça e teimosia do que é imbecilidade incurável nos operários anotar as aptidões de cada um comparar o tempo que levam para fazer um serviço e se são pagos por dia calcular seu salário em vista disso7 Este é um dos aspectos Por outro lado o Panóptico pode ser utilizado como máquina de fazer experiências modificar o comportamento treinar ou retreinar os indivíduos Experimentar remédios e verificar seus efeitos Tentar diversas punições sobre os prisioneiros segundo seus crimes e temperamento e procurar as mais eficazes Ensinar simultaneamente diversas técnicas aos operários estabelecer qual é a melhor Tentar experiências pedagógicas e particularmente abordar o famoso problema da educação reclusa usando crianças encontradas verseia o que acontece quando aos dezesseis ou dezoito anos rapazes e moças se encontram poderseia verificar se como pensa Helvetius qualquer pessoa pode aprender qualquer coisa poderseia acompanhar a genealogia de qualquer idéia observável criar diversas crianças em diversos sistemas de pensamento fazer alguns acreditarem que dois e dois não são quatro e que a lua é um queijo depois juntálos todos quando tivessem vinte ou vinte e cinco anos haveria então discussões que valeriam bem os sermões ou as conferências para as quais se gasta tanto dinheiro haveria pelo menos ocasião de fazer descobertas no campo da metafísica O Panóptico é um local privilegiado para tornar possível a experiência com homens e para analisar com toda certeza as transformações que se pode obter neles O Panóptico pode até constituirse em aparelho de controle sobre seus próprios mecanismos Em sua torre de controle o diretor pode espionar todos os empregados que tem a seu serviço enfermeiros médicos contramestres professores guardas poderá julgálos continuamente modificar seu comportamento imporlhes métodos que considerar melhores e ele mesmo por sua vez poderá ser facilmente observado Um inspetor que surja sem avisar no centro do Panóptico julgará com uma única olhadela e sem que se possa esconder nada dele como funciona todo o estabelecimento E aliás fechado como está no meio desse dispositivo arquitetural o diretor não está comprometido com ele O médico incompetente que tiver deixado o contágio se espalhar o diretor de prisão ou de oficina que tiver sido inábil serão as primeiras vítimas da epidemia ou da revolta Meu destino diz o mestre do Panóptico está ligado ao deles ao dos detentos por todos os laços que pude inventar8 O Panóptico funciona como uma espécie de laboratório de poder Graças a seus mecanismos de observação ganha em eficácia e em capacidade de penetração no comportamento dos homens um aumento de saber vem se implantar em todas as frentes do poder descobrindo objetos que devem ser conhecidos em todas as superfícies onde este se exerça Cidade pestilenta estabelecimento panóptico as diferenças são importantes Elas marcam com um século e meio de distância as transformações do programa disciplinar Num caso um situação de exceção contra um mal extraordinário o poder se levanta tornase em toda parte presente e visível inventa novas engrenagens compartimenta imobiliza quadricula constrói por algum tempo o que é ao mesmo tempo a contracidade e a sociedade perfeita impõe um funcionamento ideal mas que no fim das contas se reduz como o mal que combate ao dualismo simples vidamorte o que se mexe traz a morte e matase o que se mexe O Panóptico ao contrário deve ser compreendido como um modelo generalizável de funcionamento uma maneira de definir as relações do poder com a vida cotidiana dos homens Bentham sem dúvida o apresenta como uma instituição particular bem fechada em si mesma Muitas vezes se fez dele uma utopia do encarceramento perfeito Diante das prisões arruinadas fervilhantes e povoadas de suplícios gravadas por Piranese o Panóptico aparece como jaula cruel e sábia O fato de ele ter até nosso tempo dado lugar a tantas variações projetadas ou realizadas mostra qual foi durante quase dois séculos sua intensidade imaginária Mas o Panóptico não deve ser compreendido como um edifício onírico é o diagrama de um mecanismo de poder levado à sua forma ideal seu funcionamento abstraindose de qualquer obstáculo resistência ou desgaste pode ser bem representado como um puro sistema arquitetural e óptico é na realidade uma figura de tecnologia política que se pode e se deve destacar de qualquer uso específico É polivalente em suas aplicações serve para emendar os prisioneiros mas também para cuidar dos doentes instruir os escolares guardar os loucos fiscalizar os operários fazer trabalhar os mendigos e ociosos É um tipo de implantação dos corpos no espaço de distribuição dos indivíduos em relação mútua de organização hierárquica de disposição dos centros e dos canais de poder de definição de seus instrumentos e de modos de intervenção que se podem utilizar nos hospitais nas oficinas nas escolas nas prisões Cada vez que se tratar de uma multiplicidade de indivíduos a que se deve impor uma tarefa ou um comportamento o esquema panóptico poderá ser utilizado Ele é ressalvadas as modificações necessárias aplicável a todos os estabelecimentos onde nos limites de um espaço que não é muito extenso é preciso manter sob vigilância um certo número de pessoas9 Em cada uma de suas aplicações permite aperfeiçoar o exercício do poder E isto de várias maneiras porque pode reduzir o número dos que o exercem ao mesmo tempo em que multiplica o número daqueles sobre os quais é exercido Porque permite intervir a cada momento e a pressão constante age antes mesmo que as faltas os erros os crimes sejam cometidos Porque nessas condições sua força é nunca intervir é se exercer espontaneamente e sem ruído é constituir um mecanismo de efeitos em cadeia Porque sem outro instrumento físico que uma arquitetura e uma geometria ele age diretamente sobre os indivíduos dá ao espírito poder sobre o espírito O esquema panóptico é um intensificador para qualquer aparelho de poder assegura sua economia em material em pessoal em tempo assegura sua eficácia por seu caráter preventivo seu funcionamento contínuo e seus mecanismos automáticos É uma maneira de obter poder numa quantidade até então sem igual um grande e novo instrumento de governo sua excelência consiste na grande força que é capaz de dar a qualquer instituição a que seja aplicado10 Uma espécie de ovo de Colombo na ordem da política Ele é capaz com efeito de vir se integrar a uma função qualquer de educação de terapêutica de produção de castigo de aumentar essa função ligandose intimamente a ela de constituir um mecanismo misto no qual as relações de poder e de saber podemse ajustar exatamente e até nos detalhes aos processos que é preciso controlar de estabelecer uma proporção direta entre o maispoder e a maisprodução Em suma faz com que o exercício do poder não se acrescente de fora como uma limitação rígida ou como um peso sobre as funções que investe mas que esteja nelas presente bastante sutilmente para aumentarlhes a eficácia aumentando ele mesmo seus próprios pontos de apoio O dispositivo panóptico não é simplesmente uma charneira um local de troca entre um mecanismo de poder e uma função é uma maneira de fazer funcionar relações de poder numa função e uma função para essas relações de poder O panoptismo é capaz de reformar a moral preservar a saúde revigorar a indústria difundir a instrução aliviar os encargos públicos estabelecer a economia como que sobre um rochedo desfazer em vez de cortar o nó górdio das leis sobre os pobres tudo isso com uma simples idéia arquitetural11 Além disso o arranjo dessa máquina é tal que seu fechamento não exclui uma presença permanente do exterior vimos que qualquer pessoa pode vir exercer na torre central as funções de vigilância e que fazendo isso pode adivinhar a maneira como é exercida a vigilância Na realidade qualquer instituição panóptica mesmo que seja tão cuidadosamente fechada quanto uma penitenciária poderá sem dificuldade ser submetida a essas inspeções ao mesmo tempo aleatórias e incessantes e isso não só por parte dos controladores designados mas por parte do público qualquer membro da sociedade terá direito de vir constatar com seus olhos como funcionam as escolas os hospitais as fábricas as prisões Não há conseqüentemente risco de que o crescimento de poder devido à máquina panóptica possa degenerar em tirania o dispositivo disciplinar será democraticamente controlado pois será sem cessar acessível ao grande comitê do tribunal do mundo12 Esse panóptico sutilmente arranjado para que um vigia possa observar com uma olhadela tantos indivíduos diferentes permite também a qualquer pessoa vigiar o menor vigia A máquina de ver é uma espécie de câmara escura em que se espionam os indivíduos ela tornase um edifício transparente onde o exercício do poder é controlável pela sociedade inteira O esquema panóptico sem se desfazer nem perder nenhuma de suas propriedades é destinado a se difundir no corpo social tem por vocação tornarse aí uma função generalizada A cidade pestilenta dava um modelo disciplinar excepcional perfeito mas absolutamente violento à doença que trazia a morte o poder opunha sua perpétua ameaça de morte a vida nela se reduzia a sua expressão mais simples era contra o poder da morte o exercício minucioso do direito de gládio O Panóptico ao contrário tem um papel de amplificação se organiza o poder não é pelo próprio poder nem pela salvação imediata de uma sociedade ameaçada o que importa é tornar mais fortes as forças sociais aumentar a produção desenvolver a economia espalhar a instrução elevar o nível da moral pública fazer crescer e multiplicar Como reforçar esse poder de tal maneira que longe de atrapalhar esse processo longe de pesar sobre ele com suas exigências e seu peso ele ao contrário o facilite Que intensificador de poder poderá ao mesmo tempo ser um multiplicador de produção Como o poder aumentando suas forças poderá fazer crescer as da sociedade em vez de confiscálas ou freálas A solução do Panóptico para esse problema é que a majoração produtiva do poder só pode ser assegurada se por um lado ele tem possibilidade de se exercer de maneira contínua nos alicerces da sociedade até seu mais fino grão e se por outro lado ele funciona fora daquelas formas súbitas violentas descontínuas que estão ligadas ao exercício da soberania O corpo do rei com sua estranha presença material e mítica com a força que ele mesmo exibe ou transmite a alguns está no extremo oposto dessa nova física do poder definida pelo panoptismo seu campo é ao contrário toda aquela região de baixo a dos corpos irregulares com seus detalhes seus movimentos múltiplos suas forças heterogêneas suas relações espaciais são mecanismos que analisam distribuições desvios séries combinações e utilizam instrumentos para tornar visível registrar diferenciar e comparar física de um poder relacionai e múltiplo que tem sua intensidade máxima não na pessoa do rei mas nos corpos que essas relações justamente permitem individualizar Ao nível teórico Bentham define outra maneira de analisar o corpo social e as relações de poder que o atravessam em termos de prática ele define um processo de subordinação dos corpos e das forças que a utilidade do poder deve majorar fazendo a economia do Príncipe O panoptismo é o princípio geral de uma nova anatomia política cujo objeto e fim não são a relação de soberania mas as relações de disciplina Na famosa jaula transparente e circular com sua torre alta potente e sábia será talvez o caso para Bentham de projetar uma instituição disciplinar perfeita mas também importa mostrar como se pode destrancar as disciplinas e fazêlas funcionar de maneira difusa múltipla polivalente no corpo social inteiro Essas disciplinas que a era clássica elabora em locais precisos e relativamente fechados casernas colégios grandes oficinas e cuja utilização global só fora imaginada na escala limitada e provisória de uma cidade em estado de peste Bentham sonha fazer delas uma rede de dispositivos que estariam em toda parte e sempre alertas percorrendo a sociedade sem lacuna nem interrupção O arranjo panóptico dá a fórmula dessa generalização Ele programa ao nível de um mecanismo elementar e facilmente transferível o funcionamento de base de uma sociedade toda atravessada e penetrada por mecanismos disciplinares Duas imagens portanto da disciplina Num extremo a disciplinabloco a instituição fechada estabelecida à margem e toda voltada para funções negativas fazer parar o mal romper as comunicações suspender o tempo No outro extremo com o panoptismo temos a disciplinamecanismo um dispositivo funcional que deve melhorar o exercício do poder tornandoo mais rápido mais leve mais eficaz um desenho das coerções sutis para uma sociedade que está por vir O movimento que vai de um projeto ao outro de um esquema da disciplina de exceção ao de uma vigilância generalizada repousa sobre uma transformação histórica a extensão progressiva dos dispositivos de disciplina ao longo dos séculos XVII e XVIII sua multiplicação através de todo o corpo social a formação do que se poderia chamar grosso modo a sociedade disciplinar Realizouse uma generalização disciplinar atestada pela física benthamiana do poder no decorrer da era clássica Comprovao a multiplicação das instituições de disciplina com sua rede que começa a cobrir uma superfície cada vez mais vasta e principalmente a ocupar um lugar cada vez menos marginal o que era ilha local privilegiado medida circunstancial ou modelo singular tornase fórmula geral as regulamentações características dos exércitos protestantes e piedosos de Guilherme de Orange ou de Gustavo Adolfo se transformaram em regulamentos para todos os exércitos da Europa os colégios modelos dos jesuítas ou as escolas de Batencour e de Demia depois da de Sturm esboçam as formas gerais da disciplina escolar a ordem estabelecida nos hospitais Marítimos e militares serve de esquema para toda a reorganização hospitalar do século XVIII Mas essa extensão das instituições disciplinares não passa sem dúvida do aspecto mais visível de diversos processos mais profundos 1 A inversão funcional das disciplinas originalmente cabialhes princi palmente neutralizar os perigos fixar as populações inúteis ou agitadas evitar os inconvenientes de reuniões muito numerosas agora se lhes atribui pois se tornaram capazes disso o papel positivo de aumentar a utilidade possível dos indivíduos A disciplina militar não é mais um simples meio de impedir a pilhagem a deserção ou a desobediência das tropas tornase uma técnica de base para que o exército exista não mais como uma multidão ajustada mas como uma unidade que tira dessa mesma unidade uma majoração de forças a disciplina faz crescer a habilidade de cada um coordena essas habilidades acelera os movimentos multiplica a potência de fogo alarga as frentes de ataque sem lhes diminuir o vigor aumenta as capacidades de resistência etc A disciplina de oficina sem deixar de ser uma maneira de fazer respeitar os regulamentos e as autoridades de impedir os roubos ou a dissipação tende a fazer crescer as aptidões as velocidades os rendimentos e portanto os lucros ela continua a moralizar as condutas mas cada vez mais ela modela os comportamentos e faz os corpos entrar numa máquina as forças numa economia Quando no século XVII se desenvolveram as escolas de província ou as escolas cristãs elementares as justificações dadas eram principalmente negativas os pobres não tendo recursos para educar os filhos deixavamnos na ignorância de suas obrigações e entregues ao simples cuidado de viver e tendo eles mesmos sido mal educados não podem comunicar uma boa educação que jamais tiveram o que acarreta três inconvenientes ponderáveis a ignorância de Deus a preguiça com todo o seu cortejo de bebedeira de impureza de furtos de banditismo e a formação dessas tropas de mendigos sempre prontos a provocar desordens públicas e que só servem para esgotar os fundos do HôtelDieu13 Mas no começo da Revolução a finalidade prescrita ao ensino primário será entre outras coisas fortificar desenvolver o corpo dispor a criança para qualquer trabalho mecânico no futuro darlhe uma capacidade de visão rápida e global uma mão firme hábitos rápidos14 As disciplinas funcionam cada vez mais como técnicas que fabricam indivíduos úteis Daí se libertarem elas de sua posição marginal nos confins da sociedade e se destacarem das formas de exclusão ou de expiação de encarceramento ou retiro Daí desfazerem elas lentamente seu parentesco com as regularidades e os muros religiosos Daí também tenderem a se implantar nos setores mais importantes mais centrais mais produtivos da sociedade e se fixarem em algumas das grandes funções essenciais na produção manufatureira na transmissão de conhecimentos na difusão das aptidões e do knowhow no aparelho de guerra Daí enfim a dupla tendência que vemos se desenvolver no decorrer do século XVIII de multiplicar o número das instituições de disciplina e de disciplinar os aparelhos existentes 2 A ramificação dos mecanismos disciplinares enquanto por um lado os estabelecimentos de disciplina se multiplicam seus mecanismos têm uma certa tendência a se desinstitucionalizar a sair das fortalezas fechadas onde funcionavam e a circular em estado livre as disciplinas maciças e compactas se decompõem em processos flexíveis de controle que se pode transferir e adaptar Às vezes são os aparelhos fechados que acrescentam à sua função interna e específica um papel de vigilância externa desenvolvendo uma margem de controles laterais Assim a escola cristã não deve simplesmente formar crianças dóceis deve também permitir vigiar os pais informarse de sua maneira de viver seus recursos sua piedade seus costumes A escola tende a constituir minúsculos observatórios sociais para penetrar até nos adultos e exercer sobre eles um controle regular o mau comportamento de uma criança ou sua ausência é um pretexto legítimo segundo Demia para se ir interrogar os vizinhos principalmente se há razão para se pensar que a família não dirá a verdade depois os próprios pais para verificar se eles sabem o catecismo e as orações se estão decididos a arrancar os vícios das crianças quantas camas há e como eles se repartem nelas durante a noite a visita termina eventualmente com uma esmola o presente de uma imagem ou a doação de camas suplementares15 Da mesma maneira o hospital é concebido cada vez mais como ponto de apoio para a vigilância médica da população externa depois do incêndio do HôtelDieu em 1772 muita gente pede que se substituam os grandes estabelecimentos tão pesados e desorganizados por uma série de hospitais de pequena dimensão teriam por função recolher os doentes do bairro mas também reunir informações tomar conta dos fenômenos endêmicos ou epidêmicos abrir dispensários dar conselhos aos moradores e manter as autoridades a par do estado sanitário da região16 Vemos também se difundirem os procedimentos disciplinares não a partir de instituições fechadas mas de focos de controle disseminados na sociedade Grupos religiosos associações de beneficência muito tempo desempenharam esse papel de disciplinamento da população Desde a ContraReforma até à filantropia da monarquia de julho multiplicaramse iniciativas desse tipo tinham objetivos religiosos a conversão e a moralização econômicos o socorro e a incitação ao trabalho ou políticos tratavase de lutar contra o descontentamento ou a agitação Que seja suficiente citar a título de exemplo os regulamentos para as companhias de caridade das paróquias parisienses O território a cobrir está dividido em bairros e cantões que são repartidos pelos membros da companhia Estes têm que visitálos regularmente Eles trabalharão para impedir os maus locais tabacarias academias jogos escândalos públicos blasfêmias impiedades e outras desordens que possam chegar a seu conhecimento Terão também que fazer visitas individuais aos pobres e os pontos de informação são precisados no regulamento estabilidade de habitação conhecimento das orações freqüência aos sacramentos conhecimento de um ofício moralidade e se não caíram na pobreza por sua culpa enfim é preciso se informar direito de que maneira se comportam em casa se mantêm paz entre si e com os vizinhos se têm o cuidado de criar os filhos no temor de Deus se não deitam os filhos crescidos de sexo diferente juntos e com eles se não há libertinagem e carícias nas famílias principalmente para com as filhas crescidas Se há dúvida de que sejam casados é preciso pedirlhes uma certidão de casamento17 3 A estatização dos mecanismos de disciplina na Inglaterra foram grupos privados de inspiração religiosa que muito tempo realizaram as funções de disciplina social18 Na França se uma parte desse papel ficou nas mãos das sociedades de patronatos ou de auxílio outra e sem dúvida a mais considerável foi muito cedo ocupada pelo sistema policial A organização de uma polícia centralizada durante muito tempo foi considerada pelos contemporâneos como a expressão mais direta do absolutismo real o soberano quisera ter um magistrado a quem pudesse confiar diretamente suas ordens seus recados suas intenções e fosse encarregado da execução das ordens e das cartas de prego19 Com efeito ao mesmo tempo em que retomavam um certo número de funções preexistentes procura dos criminosos vigilância urbana controle econômico e político os chefes de polícia e a chefia geral que os coroava em Paris as transpunham para uma máquina administrativa unitária e rigorosa Todos os raios de força e de instrução que partem da circunferência chegam ao chefe geral É ele que faz funcionar as rodas cujo conjunto produz a ordem e a harmonia Os efeitos de sua administração só podem ser bem comparados aos movimentos dos corpos celestes20 Mas se a polícia como instituição foi realmente organizada sob a forma de um aparelho de Estado e se foi mesmo diretamente ligada ao centro da soberania política o tipo de poder que exerce os mecanismos que põe em funcionamento e os elementos aos quais ela os aplica são específicos É um aparelho que deve ser coextensivo ao corpo social inteiro e não só pelos limites extremos que atinge mas também pela minúcia dos detalhes de que se encarrega O poder policial devese exercer sobre tudo não é entretanto a totalidade do Estado nem do reino como corpo visível e invisível do monarca é a massa dos acontecimentos das ações dos comportamentos das opiniões tudo o que acontece21 o objeto da polícia são essas coisas de todo instante essas coisas àtoa de que falava Catarina II em sua Grande Instrução22 Com a polícia estamos no indefinido de um controle que procura idealmente atingir o grão mais elementar o fenômeno mais passageiro do corpo social O ministério dos magistrados e oficiais de polícia é dos mais importantes os objetos que ele abarca são de certo modo indefinidos só podemos percebêlos por um exame suficientemente detalhado23 o infinitamente pequeno do poder político E para se exercer esse poder deve adquirir o instrumento para uma vigilância permanente exaustiva onipresente capaz de tornar tudo visível mas com a condição de se tornar ela mesma invisível Deve ser como um olhar sem rosto que transforme todo o corpo social em um campo de percepção milhares de olhos postados em toda parte atenções móveis e sempre alerta uma longa rede hierarquizada que segundo Le Maire comporta para Paris os 48 comissários os 20 inspetores depois os observadores pagos regularmente os moscas abjetas retribuídos por dia depois os denunciadores qualificados de acordo com a tarefa enfim as prostitutas E essa incessante observação devese acumular numa série de relatórios e de registros ao longo de todo o século XVIII um imenso texto policial tende a recobrir a sociedade graças a uma organização documentária complexa24 E ao contrário dos métodos de escrita judiciária ou administrativa o que é assim registrado são comportamentos atitudes virtualidades suspeitas uma tomada de contas permanente do comportamento dos indivíduos Ora é preciso notar que esse controle policial se está inteiro na mão do rei não funciona numa só direção É na realidade um sistema de entrada dupla tem que responder ligando o aparelho de justiça às vantagens imediatas do rei mas é também capaz de responder às solicitações de baixo em sua imensa maioria as famosas cartas de prego que foram muito tempo símbolo do arbítrio real e que politicamente desqualificaram a prática da detenção eram na realidade solicitadas por famílias mestres notáveis locais habitantes de bairros curas de paróquia e tinham por função fazer sancionar com um internamento toda uma infrapenalidade a da desordem da agitação da desobediência do mau comportamento o que Ledoux queria expulsar de sua cidade arquiteturalmente perfeita e que chamava os delitos de falta de vigilância Em suma a polícia do século XVIII a seu papel de auxiliar de justiça na busca aos criminosos e de instrumento para o controle político dos complôs dos movimentos de oposição ou das revoltas acrescenta uma função disciplinar Função complexa pois une o poder absoluto do monarca às mínimas instâncias de poder disseminadas na sociedade pois entre essas diversas instituições fechadas de disciplina oficinas exércitos escolas estende uma rede intermediária agindo onde aquelas não podem intervir disciplinando os espaços não disciplinares mas que ela recobre liga entre si garante com sua força armada disciplina intersticial e metadisciplina O soberano com uma polícia disciplinada acostuma o povo à ordem e à obediência25 A organização do aparelho policial no século XVIII sanciona uma gene ralização das disciplinas que alcança as dimensões do Estado Se bem que a polícia tenha estado ligada da maneira mais explícita a tudo o que no poder real excedia o exercício da justiça regulamentada compreendese por que a polícia pôde resistir com um mínimo de modificações à reorganização do poder judiciário e por que ela não parou de lhe impor cada vez mais pesadamente até hoje suas prerrogativas é sem dúvida porque ela é seu braço secular mas é também porque bem melhor que a instituição judiciária ela se identifica por sua extensão e seus mecanismos com a sociedade de tipo disciplinar Seria entretanto inexato pensar que as funções disciplinares tenham sido confiscadas e absorvidas definitivamente por um aparelho de Estado A disciplina não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho ela é um tipo de poder uma modalidade para exercêlo que comporta todo um conjunto de instrumentos de técnicas de procedimentos de níveis de aplicação de alvos ela é uma física ou uma anatomia do poder uma tecnologia E pode ficar a cargo seja de instituições especializadas as penitenciárias ou as casas de correção do século XIX seja de instituições que dela se servem como instrumento essencial para um fim determinado as casas de educação os hospitais seja de instâncias preexistentes que nela encontram maneira de reforçar ou de reorganizar seus mecanismos internos de poder um dia se precisará mostrar como as relações intrafamiliares essencialmente na célula paisfilhos se disciplinaram absorvendo desde a era clássica esquemas externos escolares militares depois médicos psiquiátricos psicológicos que fizeram da família o local de surgimento privilegiado para a questão disciplinar do normal e do anormal seja de aparelhos que fizeram da disciplina seu princípio de funcionamento interior disciplinação do aparelho administrativo a partir da época napoleônica seja enfim de aparelhos estatais que têm por função não exclusiva mas principalmente fazer reinar a disciplina na escala de uma sociedade a polícia Podese então falar em suma da formação de uma sociedade disciplinar nesse movimento que vai das disciplinas fechadas espécie de quarentena social até o mecanismo indefinidamente generalizável do panoptismo Não que a modalidade disciplinar do poder tenha substituído todas as outras mas porque ela se infiltrou no meio das outras desqualifícandoas às vezes mas servindolhes de intermediária ligandoas entre si prolongandoas e principalmente permitindo conduzir os efeitos de poder até os elementos mais tênues e mais longínquos Ela assegura uma distribuição infinitesimal das relações de poder Poucos anos depois de Bentham Julius redigia a certidão de nascimento dessa sociedade26 Falando do princípio panóptico dizia que nele se via bem mais que um talento arquitetural um acontecimento na história do espírito humano Aparentemente não passa da solução de um problema técnico mas através dela se constrói um tipo de sociedade A Antigüidade foi uma civilização do espetáculo Tornar acessível a uma multidão de homens a inspeção de um pequeno número de objetos a esse problema respondia a arquitetura dos templos dos teatros e dos circos Com o espetáculo predominavam a vida pública a intensidade das festas a proximidade sensual Naqueles rituais em que corria sangue a sociedade encontrava vigor e formava um instante como que um grande corpo único A Idade Moderna coloca o problema contrário Proporcionar a um pequeno número ou mesmo a um só a visão instantânea de uma grande multidão Numa sociedade em que os elementos principais não são mais a comunidade e a vida pública mas os indivíduos privados por um lado e o Estado por outro as relações só podem ser reguladas numa forma exatamente inversa ao espetáculo No tempo moderno estava reservado à influência sempre crescente do Estado à sua intervenção cada dia mais profunda em todos os detalhes e relações da vida social aumentar e aperfeiçoar as garantias estatais utilizando e dirigindo para essa grande finalidade a construção e a distribuição de edifícios destinados a vigiar ao mesmo tempo uma grande multidão de homens Julius via como um processo histórico cabalmente realizado o que Bentham descrevera como um programa técnico Nossa sociedade não é de espetáculos mas de vigilância sob a superfície das imagens investemse os corpos em profundidade atrás da grande abstração da troca se processa o treinamento minucioso e concreto das forças úteis os circuitos da comunicação são os suportes de uma acumulação e centralização do saber o jogo dos sinais define os pontos de apoio do poder a totalidade do indivíduo não é amputada reprimida alterada por nossa ordem social mas o indivíduo é cuidadosamente fabricado segundo uma tática das forças e dos corpos Somos bem menos gregos que pensamos Não estamos nem nas arquibancadas nem no palco mas na máquina panóptica investidos por seus efeitos de poder que nós mesmos renovamos pois somos suas engrenagens A importância na mitologia histórica da personagem napoleônica tem talvez aí uma de suas origens encontrase no ponto de junção do exercício monárquico e ritual da soberania e do exercício hierárquico e permanente da disciplina indefinida É aquele que descortina tudo com um só olhar mas a que nenhum detalhe por ínfimo que seja escapa jamais Podeis julgar que nenhuma parte do Império está privada de vigilância que nenhum crime nenhum delito nenhuma contravenção deve permanecer sem punição e que o olho do gênio que tudo sabe acender abarca o conjunto dessa vasta máquina sem que o mínimo detalhe lhe possa escapar27 A sociedade disciplinar no momento de sua plena eclosão assume ainda com o Imperador o velho aspecto do poder de espetáculo Como monarca ao mesmo tempo usurpador do antigo trono e organizador do novo Estado ele recolheu numa figura simbólica e derradeira todo o longo processo pelo qual os faustos da soberania as manifestações necessariamente espetaculares do poder apagaramse um por um no exercício cotidiano da vigilância num panoptismo em que a penetração dos olhares entrecruzados há de em breve tornar inúteis a águia e o sol A formação da sociedade disciplinar está ligada a um certo número de amplos processos históricos no interior dos quais ela tem lugar econômicos jurídico políticos científicos enfim 1 De uma maneira global podese dizer que as disciplinas são técnicas para assegurar a ordenação das multiplicidades humanas É verdade que não há nisso nada de excepcional nem mesmo de característico a qualquer sistema de poder se coloca o mesmo problema Mas o que é próprio das disciplinas é que elas tentam definir em relação às multiplicidades uma tática de poder que responde a três critérios tornar o exercício do poder o menos custoso possível economicamente pela parca despesa que acarreta politicamente por sua discrição sua fraca exteriorização sua relativa invisibilidade o pouco de resistência que suscita fazer com que os efeitos desse poder social sejam levados a seu máximo de intensidade e estendidos tão longe quanto possível sem fracasso nem lacuna ligar enfim esse crescimento econômico do poder e o rendimento dos aparelhos no interior dos quais se exerce sejam os aparelhos pedagógicos militares industriais médicos em suma fazer crescer ao mesmo tempo a docilidade e a utilidade de todos os elementos do sistema Esse triplo objetivo das disciplinas responde a uma conjuntura histórica bem conhecida É por um lado a grande explosão demográfica do século XVIII aumento da população flutuante fixar é um dos primeiros objetivos da disciplina é um processo de antinomadismo mudança da escala quantitativa dos grupos que importa controlar ou manipular do começo do século XVII às vésperas da Revolução Francesa a população escolar se multiplicou como sem dúvida a população hospitalizada o exército em tempo de paz contava no fim do século XVIII mais de 200000 homens O outro aspecto da conjuntura é o crescimento do aparelho de produção cada vez mais extenso e complexo cada vez mais custoso também e cuja rentabilidade urge fazer crescer O desenvolvimento dos modos disciplinares de proceder responde a esses dois processos ou antes sem dúvida à necessidade de ajustar sua correlação Nem as formas residuais do poder feudal nem as estruturas da monarquia administrativa nem os mecanismos locais de controle nem o emaranhado instável que formavam todos juntos podia desempenhar esse papel impediaos de fazêlo a extensão lacunosa e sem regularidade de sua rede seu funcionamento muitas vezes conflitante mas principalmente o caráter dispendioso do poder exercido Dispendioso em vários sentidos porque diretamente custava muito ao Tesouro porque o sistema dos ofícios venais ou o da cobrança dos impostos pesava de maneira indireta e muito sobre a população porque as resistências que encontrava o arrastavam a um ciclo de reforço perpétuo porque procedia essencialmente por retirada retirada de dinheiro ou de produtos pelo fisco monárquico senhorial eclesiástico retirada de homens ou de tempo pelos serviços obrigatórios ou pelos alistamentos pelo encarceramento de vagabundos ou seu banimento O desenvolvimento das disciplinas marca a aparição de técnicas elementares do poder que derivam de uma economia totalmente diversa mecanismos de poder que em vez de vir em dedução integramse de dentro à eficácia produtiva dos aparelhos ao crescimento dessa eficácia e à utilização do que ela produz As disciplinas substituem o velho princípio retiradaviolência que regia a economia do poder pelo princípio suavidadeproduçãolucro Devem ser tomadas como técnicas que permitem ajustar segundo esse princípio a multiplicidade dos homens e a multiplicação dos aparelhos de produção e como tal devese entender não só produção propriamente dita mas a produção de saber e de aptidões na escola a produção de saúde nos hospitais a produção de força destrutiva com o exército Nessa tarefa de ajustamento a disciplina encontra alguns problemas a resolver para os quais a antiga economia do poder não estava suficientemente aparelhada Pode fazer diminuir a desutilidade dos fenômenos de massa reduzir aquilo que numa multiplicidade faz com que esta seja muito menos manejável que uma unidade reduzir o que se opõe à utilização de cada um de seus elementos e de sua soma reduzir tudo o que nela possa anular as vantagens do número é por isso que a disciplina fixa ela imobiliza ou regulamenta os movimentos resolve as confusões as aglomerações compactas sobre as circulações incertas as repartições calculadas Ela deve também dominar todas as forças que se formam a partir da própria constituição de uma multiplicidade organizada deve neutralizar os efeitos de contrapoder que dela nascem e que formam resistência ao poder que quer dominála agitações revoltas organizações espontâneas conluios tudo o que pode se originar das conjunções horizontais Daí o fato de as disciplinas utilizarem processos de separação e de verticalidade de introduzirem entre os diversos elementos de mesmo plano barreiras tão estanques quanto possível de definirem redes hierárquicas precisas em suma de oporem à força intrínseca e adversa da multiplicidade o processo da pirâmide contínua e individualizante Elas devem também fazer crescer a utilidade singular de cada elemento da multiplicidade mas por meios que sejam os mais rápidos e menos custosos ou seja utilizando a própria multiplicidade como instrumento desse crescimento daí para extrair dos corpos o máximo de tempo e de forças esses métodos de conjunto que são os horários os treinamentos coletivos os exercícios a vigilância ao mesmo tempo global e minuciosa É preciso além disso que as disciplinas façam crescer o efeito de utilidade próprio às multiplicidades e que tornem cada uma delas mais útil que a simples soma de seus elementos é para fazer crescer os efeitos utilizáveis do múltiplo que as disciplinas definem táticas de distribuição de ajustamento recíproco dos corpos dos gestos e dos ritmos de diferenciação das capacidades de coordenação recíproca em relação a aparelhos ou a tarefas Enfim a disciplina tem que fazer funcionar as relações de poder não acima mas na própria trama da multiplicidade da maneira mais discreta possível articulada do melhor modo sobre as outras funções dessas multiplicidades e também o menos dispendiosamente possível atendem a isso instrumentos de poder anônimos e coextensivos à multiplicidade que regimentam como a vigilância hierárquica o registro contínuo o julgamento e a classificação perpétuos Em suma substituir um poder que se manifesta pelo brilho dos que o exercem por um poder que objetiva insidiosamente aqueles aos quais é aplicado formar um saber a respeito destes mais que patentear os sinais faustosos da soberania Em uma palavra as disciplinas são o conjunto das minúsculas invenções técnicas que permitiram fazer crescer a extensão útil das multiplicidades fazendo diminuir os inconvenientes do poder que justamente para tornálas úteis deve regêlas Uma multiplicidade seja uma oficina ou uma nação um exército ou uma escola atinge o limiar da disciplina quando a relação de uma para com a outra tornase favorável Se a decolagem econômica do Ocidente começou com os processos que permitiram a acumulação do capital podese dizer talvez que os métodos para gerir a acumulação dos homens permitiram uma decolagem política em relação a formas de poder tradicionais rituais dispendiosas violentas e que logo caídas em desuso foram substituídas por uma tecnologia minuciosa e calculada da sujeição Na verdade os dois processos acumulação de homens e acumulação de capital não podem ser separados não teria sido possível resolver o problema da acumulação de homens sem o crescimento de um aparelho de produção capaz ao mesmo tempo de mantêlos e de utilizálos inversamente as técnicas que tornam útil a multiplicidade cumulativa de homens aceleram o movimento de acumulação de capital A um nível menos geral as mutações tecnológicas do aparelho de produção a divisão do trabalho e a elaboração das maneiras de proceder disciplinares mantiveram um conjunto de relações muito próximas28 Cada uma das duas tornou possível a outra e necessária cada uma das duas serviu de modelo para a outra A pirâmide disciplinar constituiu a pequena célula de poder no interior da qual a separação a coordenação e o controle das tarefas foram impostos e tornaramse eficazes e o quadriculamento analítico do tempo dos gestos das forças dos corpos constituiu um esquema operatório que pôde facilmente ser transferido dos grupos a submeter para os mecanismos da produção a projeção maciça dos métodos militares sobre a organização industrial foi um exemplo dessa modelação da divisão do trabalho a partir de esquemas de poder Mas em compensação a análise técnica do processo de produção sua decomposição maquinai se projetaram sobre a força de trabalho que tinha como tarefa realizálo a constituição dessas máquinas disciplinares onde são compostas e assim amplificadas as forças individuais que elas associam é o efeito dessa projeção Digamos que a disciplina é o processo técnico unitário pelo qual a força do corpo é com o mínimo ônus reduzida como força política e maximalizada como força útil O crescimento de uma economia capitalista fez apelo à modalidade específica do poder disciplinar cujas fórmulas gerais cujos processos de submissão das forças e dos corpos cuja anatomia política em uma palavra podem ser postos em funcionamento através de regimes políticos de aparelhos ou de instituições muito diversas 2 A modalidade panóptica do poder ao nível elementar técnico humil demente físico em que se situa não está na dependência imediata nem no prolongamento direto das grandes estruturas jurídicopolíticas de uma sociedade ela não é entretanto absolutamente independente Historicamente c processo pelo qual a burguesia se tornou no decorrer do século XVIII a classe politicamente dominante abrigouse atrás da instalação de um quadro jurídico explícito codificado formalmente igualitário e através da organização de um regime de tipo parlamentar e representativo Mas o desenvolvimento e a generalização dos dispositivos disciplinares constituíram a outra vertente obscura desse processo A forma jurídica geral que garantia um sistema de direitos em princípio igualitários era sustentada por esses mecanismos miúdos cotidianos e físicos por todos esses sistemas de micropoder essencialmente inigualitários e assimétricos que constituem as disciplinas E se de uma maneira formal o regime representativo permite que direta ou indiretamente com ou sem revezamento a vontade de todos forme a instância fundamental da soberania as disciplinas dão na base garantia da submissão das forças e dos corpos As disciplinas reais e corporais constituíram o subsolo das liberdades formais e jurídicas O contrato podia muito bem ser imaginado como fundamento ideal do direito e do poder político o panoptismo constituía o processo técnico universalmente difundido da coerção Não parou de elaborar em profundidade as estruturas jurídicas da sociedade para fazer funcionar os mecanismos efetivos do poder ao encontro dos quadros formais de que este dispunha As Luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas Aparentemente as disciplinas não constituem nada mais que um infradireito Parecem prolongar até um nível infinitesimal das existências singulares as formas gerais definidas pelo direito ou ainda aparecem como maneiras de aprendizagem que permitem aos indivíduos se integrarem a essas exigências gerais Constituiriam o mesmo tipo de direito fazendoo mudar de escala e assim tornandoo mais minucioso e sem dúvida mais indulgente Temos antes que ver nas disciplinas uma espécie de contradireito Elas têm o papel preciso de introduzir assimetrias insuperáveis e de excluir reciprocidades Em primeiro lugar porque a disciplina cria entre os indivíduos um laço privado que é uma relação de limitações inteiramente diferente da obrigação contratual a aceitação de uma disciplina pode ser subscrita por meio de contrato a maneira como ela é imposta os mecanismos que faz funcionar a subordinação não reversível de uns em relação aos outros o mais poder que é sempre fixado do mesmo lado a desigualdade de posição dos diversos parceiros em relação ao regulamento comum opõem o laço disciplinar e o laço contratual e permitem sistematicamente falsear este último a partir do momento em que tem por conteúdo um mecanismo de disciplina Sabemos por exemplo quantos procedimentos reais acomodam a seus objetivos a função jurídica do contrato de trabalho a disciplina de oficina não é o menos importante Além disso enquanto os sistemas jurídicos qualificam os sujeitos de direito segundo normas universais as disciplinas caracterizam classificam especializam distribuem ao longo de uma escala repartem em torno de uma norma hierarquizam os indivíduos em relação uns aos outros e levando ao limite desqualificam e invalidam De qualquer modo no espaço e durante o tempo em que exercem seu controle e fazem funcionar as assimetrias de seu poder elas efetuam uma suspensão nunca total mas também nunca anulada do direito Por regular e institucional que seja a disciplina em seu mecanismo é um contradireito E se o juridismo universal da sociedade moderna parece fixar limites ao exercício dos poderes seu panoptismo difundido em toda parte faz funcionar ao arrepio do direito uma maquinaria ao mesmo tempo imensa e minúscula que sustenta reforça multiplica a assimetria dos poderes e torna vãos os limites que lhe foram traçados As disciplinas ínfimas os panoptismos de todos os dias podem muito bem estar abaixo do nível de emergência dos grandes aparelhos e das grandes lutas políticas Elas foram na genealogia da sociedade moderna com a dominação de classe que a atravessa a contrapartida política das normas jurídicas segundo as quais era redistribuído o poder Daí sem dúvida a importância que se dá há tanto tempo aos pequenos processos da disciplina a essas espertezas àtoa que ela inventou ou ainda aos saberes que lhe emprestam uma face confessável daí o receio de se desfazer delas se não lhes encontramos substituto daí a afirmação de que estão no próprio fundamento da sociedade e de seu equilíbrio enquanto são uma série de mecanismos para desequilibrar definitivamente e em toda parte as relações de poder daí o fato de nos obstinarmos a fazêlas passar pela forma humilde mas concreta de qualquer moral enquanto elas são um feixe de técnicas físicopolíticas E para voltar ao problema dos castigos legais a prisão com toda a tecnologia corretiva de que se acompanha deve ser recolocada aí no ponto em que se faz a torsão do poder codificado de punir em um poder disciplinar de vigiar no ponto que os castigos universais das leis vêm aplicarse seletivamente a certos indivíduos e sempre aos mesmos no ponto em que a requalificação do sujeito de direito pela pena se torna treinamento útil do criminoso no ponto em que o direito se inverte e passa para fora de si mesmo e em que o contradireito se torna o conteúdo efetivo e institucionalizado das formas jurídicas O que generaliza então o poder de punir não é a consciência universal da lei em cada um dos sujeitos de direito é a extensão regular é a trama infinitamente cerrada dos processos panópticos 3 Tomados um por um a maior parte desses processos tem uma longa história atrás de si Mas o ponto da novidade no século XVIII é que compondose e regularizandose eles atingem o nível a partir do qual formação de saber e majoração de poder se reforçam regularmente segundo um processo circular As disciplinas atravessam então o limiar tecnológico O hospital primeiro depois a escola mais tarde ainda a oficina não foram simplesmente postos em ordem pelas disciplinas tornaramse graças a elas aparelhos tais que qualquer mecanismo de objetivação pode valer neles como instrumento de sujeição e qualquer crescimento de poder dá neles lugar a conhecimentos possíveis foi a partir desse laço próprio dos sistemas tecnológicos que se puderam formar no elemento disciplinar a medicina clínica a psiquiatria a psicologia da criança a psicopedagogia a racionalização do trabalho Duplo processo portanto arrancada epistemológica a partir de um afinamento das relações de poder multiplicação dos efeitos de poder graças à formação e à acumulação de novos conhecimentos A extensão dos métodos disciplinares se inscreve num amplo processo histórico o desenvolvimento mais ou menos na mesma época de várias outras tecnologias agronômicas industriais econômicas Mas temos que reconhecer ao lado das indústrias mineiras da química que nascia dos métodos de contabilidade nacional ao lado dos altosfornos ou da máquina a vapor o panoptismo foi pouco celebrado Só se reconhece nele uma pequena utopia estranha o sonho de uma maldade um pouco como se Bentham tivesse sido o Fourier de uma sociedade policial cujo Falanstério houvesse tido a forma do Panóptico E entretanto tinhase aí a fórmula abstrata de uma tecnologia bem real a dos indivíduos Que ela tenha colhido poucos elogios há muitas razões que explicam a mais evidente é que os discursos a que deu lugar raramente adquiriram a não ser para as classificações acadêmicas o status de ciências mas a mais real é sem dúvida a de que o poder que ela põe em funcionamento e que ela permite aumentar é um poder direto e físico que os homens exercem uns sobre os outros Para um ponto de chegada sem glória uma origem difícil de confessar Mas seria injusto confrontar os processos disciplinares com invenções como a máquina a vapor ou o microscópio de Amici Eles são muito menos e entretanto de certo modo são muito mais Se fosse preciso encontrar para eles um equivalente histórico ou pelo menos um ponto de comparação seria antes do lado da técnica inquisitorial O século XVIII inventou as técnicas da disciplina e o exame um pouco sem dúvida como a Idade Média inventou o inquérito judiciário Mas por vias totalmente diversas O processo do inquérito velha técnica fiscal e administrativa se desenvolveu principalmente com a reorganização da Igreja e o crescimento dos Estados principescos nos séculos XII e XIII Foi então que ele penetrou com a amplitude que se sabe na jurisprudência dos tribunais eclesiásticos depois nas cortes leigas O inquérito como pesquisa autoritária de uma verdade constatada ou atestada se opunha assim aos antigos processos do juramento da ordália do duelo judiciário do julgamento de Deus ou ainda da transação entre particulares O inquérito era o poder soberano que se arrogava o direito de estabelecer a verdade através de um certo número de técnicas regulamentadas Ora embora o inquérito desde aquele momento se tenha incorporado à justiça ocidental e até em nossos dias não se deve esquecer sua origem política sua ligação com o nascimento dos Estados e da soberania monárquica nem tampouco sua derivação posterior e seu papel na formação do saber O inquérito foi com efeito a peça rudimentar e fundamental para a constituição das ciências empíricas foi a matriz jurídicopolítica desse saber experimental que como se sabe teve seu rápido surto no fim da Idade Média É talvez verdade que a matemática na Grécia nasceu das técnicas da medida as ciências da natureza em todo caso nasceram por um lado no fim da Idade Média das práticas do inquérito O grande conhecimento empírico que recobriu as coisas do mundo e as transcreveu na ordenação de um discurso indefinido que constata descreve e estabelece os fatos e isto no momento em que o mundo ocidental começava a conquista econômica e política desse mesmo mundo tem sem dúvida seu modelo operatório na Inquisição essa imensa invenção que nosso recente amolecimento colocou na sombra da memória Ora o que esse inquérito político jurídico administrativo e criminal religioso e leigo foi para as ciências da natureza a análise disciplinar foi para as ciências do homem Essas ciências com que nossa humanidade se encanta há mais de um século têm sua matriz técnica na minúcia tateante e maldosa das disciplinas e de suas investigações Estas são talvez para a psicologia a pedagogia a psiquiatria a criminologia e para tantos outros estranhos conhecimentos o que foi o terrível poder de inquérito para o saber calmo dos animais das plantas ou da terra Outro poder outro saber No limiar da era clássica Bacon o homem da lei e do Estado tentou fazer para as ciências empíricas a metodologia do inquérito Quem será o Grande Vigia que fará a do exame para as ciências humanas Tal não sucederá apenas se não for possível Pois se é verdade que o inquérito ao se tornar uma técnica para as ciências empíricas se destacou do processo inquisitorial em que tinha suas raízes históricas já o exame permaneceu o mais próximo do poder disciplinar que o formou E ainda e sempre uma peça intrínseca das disciplinas É claro ele parece ter sofrido uma depuração especulativa ao se integrar em ciências como a psiquiatria a psicologia E efetivamente sob a forma de testes de entrevistas de interrogatórios de consultas o vemos retificar aparentemente os mecanismos da disciplina a psicologia é encarregada de corrigir os rigores da escola como a entrevista médica ou psiquiátrica é encarregada de retificar os efeitos da disciplina de trabalho Mas não devemos nos enganar essas técnicas apenas mandam os indivíduos de uma instância disciplinar a outra e reproduzem de uma forma concentrada ou formalizada o esquema de poder saber próprio a toda disciplina29 O grande inquérito que deu lugar às ciências da natureza destacouse de seu modelo políticojurídico o exame em compensação continua preso à tecnologia disciplinar O procedimento do inquérito na Idade Média foi imposto à velha justiça acusatória mas por um processo vindo de cima já a técnica disciplinar invadiu insidiosamente e como que por baixo uma justiça penal que é ainda em seu princípio inquisitória Todos os grandes movimentos de derivação que caracterizam a penalidade moderna a problematização do criminoso por trás de seu crime a preocupação com uma punição que seja correção terapêutica normalização a divisão do ato do julgamento entre diversas instâncias que devem segundo se espera medir avaliar diagnosticar curar transformar os indivíduos tudo isso trai a penetração do exame disciplinar na inquisição judiciária O que agora é imposto à justiça penal como seu ponto de aplicação seu objeto útil não será mais o corpo do culpado levantado contra o corpo do rei não será mais tampouco o sujeito de direito de um contrato ideal mas o indivíduo disciplinar O ponto extremo da justiça penal no Antigo Regime era o retalhamento infinito do corpo do regicida manifestação do poder mais forte sobre o corpo do maior criminoso cuja destruição total faz brilhar o crime em sua verdade O ponto ideal da penalidade hoje seria a disciplina infinita um interrogatório sem termo um inquérito que se prolongasse sem limite numa observação minuciosa e cada vez mais analítica um julgamento que seja ao mesmo tempo a constituição de um processo nunca encerrado o amolecimento calculado de uma pena ligada à curiosidade implacável de um exame um procedimento que seja ao mesmo tempo a medida permanente de um desvio em relação a uma norma inacessível e o movimento assintótico que obriga a encontrála no infinito O suplício completa logicamente um processo comandado pela Inquisição A observação prolonga naturalmente uma justiça invadida pelos métodos disciplinares e pelos processos de exame Acaso devemos nos admirar que a prisão celular com suas cronologias marcadas seu trabalho obrigatório suas instâncias de vigilância e de notação com seus mestres de normalidade que retomam e multiplicam as funções do juiz se tenha tornado o instrumento moderno da penalidade Devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas com as escolas com os quartéis com os hospitais e todos se pareçam com as prisões

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