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7 A abordagem utilitarista A maior felicidade para o maior número é o fundamento da moral e da legislação Jeremy Bentham Collected Works 1843 A REVOLUÇÃO NA ÉTICA O século XVIII tardio e o século XIX testemunharam uma série surpreendente de levantes o moderno Estadonação emergiu da Revolução Francesa e dos destroços do império napoleônico As revoluções de 1848 mostraram o poder transformador das ideias de liberdade igualdade e fraternidade No novo mundo os Estados Unidos nasceu ostentando um novo tipo de Constituição A Guerra Civil Americana 18611865 terminaria com a escravidão na civilização ocidental Durante todo esse tempo a revolução industrial estava fazendo uma completa reestruturação da sociedade Não surpreende que novas ideias sobre a ética tenham emergido durante essa era Em particular Jeremy Bentham 17481832 produziu um poderoso argumento para uma nova concepção de moralidade A moralidade ele insiste não é sobre agradar a Deus nem é sobre ser fiel a regras abstratas Em vez disso a moralidade é sobre fazer o mundo tão feliz quanto possível Bentham acreditava em um princípio moral último a saber o princípio da utilidade Este princípio requer de nós em todas as circunstâncias produzir a maior felicidade que nós pudermos Bentham foi o líder de um grupo de filósofos radicais cujo objetivo era reformar as leis e instituições da Inglaterra segundo uma linha utilitarista Um de seus seguidores era James Mill o distinto filósofo historiador e economista escocês O filho de James Mill John Stuart Mill 18061873 se tornaria o advogado líder da teoria moral utilitarista A advocacia de John Stuart foi ainda mais elegante e persuasiva do que a de Bentham O pequeno livro de Mill Utilitarianism 1861 é ainda hoje uma leitura requerida para estudantes sérios de ética À primeira vista o princípio da utilidade não parece ser a tal ideia radical De fato pode parecer óbvio demais para mencionar Quem não acredita que devemos nos opor ao sofrimento e promover a felicidade Ainda assim a seu próprio modo Bentham e Mill foram tão revolucionários como os outros dois grandes inovadores intelectuais do século XIX Darwin e Marx Para entender por que o princípio da utilidade foi tão radical considere o que ele deixa fora da moralidade sumiram todas as referências a Deus ou a regras morais abstratas escritas nos céus A moralidade não é mais concebida como fidelidade a algum código de origem divina ou a algum conjunto de regras inflexíveis Como Peter Singer 1946 mais tarde coloca a moralidade não é um sistema de proibições puritanas vis com a finalidade de impedir as pessoas de se divertirem Antes o ponto da moralidade é a felicidade de seres neste mundo e nada mais Énos permitido mesmo requerido fazer tudo o que for necessário para promover a felicidade Esta foi uma ideia revolucionária Como eu disse os utilitaristas foram reformadores sociais bem como filósofos Eles pretenderam fazer diferença com a sua doutrina não somente em pensamento mas na prática Para ilustrar isso iremos examinar brevemente as implicações de suas ideias para três questões práticas eutanásia maconha e o tratamento de animais não humanos Estas questões não exaurem as aplicações práticas do utilitarismo nem são necessariamente aquelas que os utilitaristas poderiam achar mais prementes Mas elas nos dão um bom sentido de como os utilitaristas abordavam questões morais PRIMEIRO EXEMPLO EUTANÁSIA Sigmund Freud 18561939 o legendário psicólogo foi diagnosticado com câncer na boca depois de uma vida fumando charuto Durante seus últimos anos a saúde de Freud teve altos e baixos mas no início de 1939 um grande inchaço se formou no fundo de sua boca ele não teria mais bons dias a partir de então O câncer de Freud era ativo e inoperável Ele estava sofrendo também de insuficiência cardíaca Conforme seus ossos se deterioravam eles espalhavam um cheiro horrível afugentando seu cão favorito Um mosquiteiro teve que ser posto em sua cama para manter as moscas longe Em 21 de setembro com a idade de 83 anos Freud pegou o seu amigo e médico pessoal Max Schur pela mão e disse Meu caro Schur você certamente relembra de nossa primeira conversa Você me prometeu na época não me desamparar quando meu tempo chegasse Agora não é senão tortura e não faz mais qualquer sentido Quarenta anos antes Freud tinha escrito O que vem a ser do indivíduo se já não mais se ousa expor que é a vez deste ou daquele homem morrer Dr Schur disse que ele entendera o pedido de Freud Ele injetou uma droga em Freud com a finalidade de terminar a sua vida Ele logo sentiu alívio escreveu o Dr Schur e caiu em um sono cheio de paz O Dr Max Schur fez alguma coisa errada Por um lado ele foi motivado por sentimentos nobres ele amava o seu amigo e queria aliviar a sua miséria Acima de tudo Freud tinha pedido para morrer Tudo isso arrazoa no sentido de um julgamento clemente Por outro lado o que Schur fez foi moralmente errado de acordo com a tradição moral dominante em nossa cultura Esta tradição é a cristandade A cristandade sustenta que a vida humana é um presente de Deus e que somente este pode decidir terminála A Igreja dos primeiros tempos proibiu todas as mortes acreditando que o ensinamento de Jesus não permitia exceções à regra Mais tarde a Igreja reconheceu algumas exceções como a pena capital e matar na guerra Mas suicídio e eutanásia permaneceram proibidos Para resumir a doutrina da Igreja os teólogos formularam a regra a morte intencional de uma pessoa inocente é sempre errada Esta ideia mais do que qualquer outra deu forma às atitudes ocidentais sobre a moralidade de matar Assim nós podemos relutar em escusar Max Schur ainda que ele tenha agido por motivos nobres Ele matou intencionalmente uma pessoa inocente Portanto de acordo com a nossa tradição o que ele fez foi errado O utilitarismo toma uma perspectiva muito diferente Ele pergunta qual ação disponível a Max Schur poderia ter produzido o maior saldo de felicidade sobre a infelicidade A pessoa cuja felicidade mais estava em questão era a de Sigmund Freud Se Schur não o tivesse matado Freud poderia ter vivido com uma dor miserável Quanta infelicidade isso teria envolvido É difícil de dizer precisamente A condição de Freud era tão ruim que ele preferiu a morte Matá lo deu um fim à sua agonia Portanto os utilitaristas concluíram que em tal caso a eutanásia é moralmente correta Ainda que o argumento seja muito diferente dos argumentos da tradição cristã os utilitaristas clássicos não pensaram que eles estivessem advogando uma filosofia ateísta ou antirreligiosa Bentham pensava que o crente poderia endossar o ponto de vista utilitarista mas somente se eles vissem Deus como benevolente Ele escreve Os ditames da religião coincidiriam em todos os casos com aqueles da utilidade se o Ser que é o objeto da religião fosse universalmente considerado como sendo benevolente assim como se supõe que ele seja sábio e poderoso Mas entre os advogados da religião parece haver muito poucos que sejam realmente crentes na sua benevolência Eles o chamam de benevolente com palavras mas eles não querem dizer que ele seja assim na realidade A moralidade da morte por compaixão poderia ser um exemplo com relação a esse assunto Como perguntaria Bentham um Deus benevolente poderia proibir a morte de Sigmund Freud Se alguém fosse dizer Deus é cuidadoso e amoroso mas ele nos proíbe de terminar com a miséria de Freud isso seria exatamente o que Bentham quer denotar com a expressão chamam de benevolente com palavras mas eles não querem dizer que ele seja assim na realidade A maioria das pessoas religiosas discorda de Bentham Não somente a nossa tradição moral mas também a nossa tradição jurídica se desenvolveram sob a influência do cristianismo Entre as nações ocidentais a eutanásia é legal somente em um punhado de países Nos Estados Unidos ela é homicídio simplesmente e um médico que mata intencionalmente um paciente pode passar o resto de sua vida na prisão O que diria o utilitarismo a respeito Se a eutanásia é moral sob o ponto de vista utilitarista deveria ela ser também legal Em geral não queremos declarar ilegal comportamentos moralmente aceitáveis Bentham foi treinado no direito Ele pensou o princípio da utilidade como um guia para os legisladores e para as pessoas comuns O objetivo da lei ele pensou é promover o bemestar dos cidadãos Tendo em vista esse objetivo a lei deveria restringir o mínimo possível a liberdade das pessoas Em particular nenhuma atividade deveria ser declarada ilegal a não ser que ela causasse dano ou fosse perigosa aos outros Bentham se opôs por exemplo a leis para regular a conduta sexual consentida de adultos Mas foi Mill que deu a esse princípio a sua expressão mais eloquente no seu livro On Liberty 1859 A única finalidade pela qual o poder pode ser corretamente exercido sobre os membros de comunidade civilizada contra a sua vontade é para evitar dano aos outros O seu próprio bem seja físico ou moral não é uma justificação suficiente Sobre si mesmo sobre seu próprio corpo e mente o indivíduo é soberano Portanto para o utilitarismo clássico leis contra a eutanásia são restrições injustificadas sobre a capacidade das pessoas controlarem as suas próprias vidas Quando Max Schur matou Sigmund Freud ele estava ajudando Freud a pôr um fim em sua vida da maneira que Freud tinha escolhido Nenhum dano foi causado a ninguém mais e portanto não dizia respeito a mais ninguém Dizse que o próprio Bentham pediu a eutanásia nos seus últimos dias Porém nós não sabemos se o pedido foi atendido SEGUNDO EXEMPLO MACONHA William Bennett foi o primeiro czar da droga americano De 1989 a 1991 como o maior assessor do presidente George H W Bush sobre a política de drogas ele advogou o cumprimento agressivo das leis americanas sobre drogas Bennett que era doutor em filosofia disse O fato simples é que o uso de drogas é errado O argumento moral ao final é o argumento que mais compele O argumento moral de Bennett parece é a simples asserção de que o uso de drogas é errado por sua própria natureza O que pensariam os utilitaristas sobre isso Para eles não há fatos simples como este da imoralidade do uso de drogas Em vez disso o argumento moral tem de tratar da questão complexa se o uso de drogas aumenta ou diminui a felicidade Vamos pensar sobre uma droga em particular a maconha O que diria um utilitarista sobre a ética da maconha As pessoas têm sentimentos fortes sobre esse tópico Pessoas jovens que usam drogas podem ficar na defesa e negar que a maconha cause qualquer tipo de dano Pessoas com mais idade que não usam drogas podem ser judiciosas muito embora falhem em distinguir a maconha de drogas mais pesadas como a cocaína e a metanfetamina Um bom utilitarista iria ignorar tais sentimentos Quais são os prós e contras da maconha de acordo com o utilitarismo O maior benefício da maconha é o prazer que ela traz Não somente a maconha é altamente relaxante como pode aumentar enormemente o prazer de atividades sensoriais como comer ouvir música e fazer sexo Esse fato quase nunca é mencionado nas discussões públicas As pessoas parecem assumir que o prazer é irrelevante para a moralidade O utilitarismo porém discorda Para os utilitaristas toda a questão é se a maconha aumenta ou diminui a felicidade Os utilitaristas não acreditam em prazeres ruins Se alguma coisa parece boa então ela é boa ao menos nessa medida Quão prazerosa é a maconha Algumas pessoas amamna Outras pessoas não gostam Para muitas outras depende de ela ser usada em um ambiente confortável Assim é difícil generalizar Os fatos sugerem que muitas pessoas apreciam ficar chapadas A maconha é a droga ilícita mais popular nos Estados Unidos um terço dos americanos experimentaramna 6 usaramna no último mês os americanos gastam mais de 10 bilhões de dólares por ano nisso apesar da ameaça de prisão Qual a infelicidade que a maconha causa Algumas das acusações feitas contra ela são infundadas Primeiro a maconha não causa violência A maconha tende a tornar as pessoas passivas não agressivas Segundo a maconha não é uma porta de entrada para drogas que leva as pessoas a necessitarem e a usarem drogas mais pesadas Frequentemente as pessoas usam maconha antes de usar drogas mais pesadas mas isso é porque ela é amplamente disponível Em regiões onde o crack é mais fácil de obter as pessoas em geral experimentam primeiro o crack Terceiro a maconha não é altamente viciante De acordo com os especialistas é menos viciante do que a cafeína Os utilitaristas não querem basear as suas estimativas em informação falsa Porém a maconha tem algumas desvantagens reais que os utilitaristas têm de balancear em relação aos benefícios Primeiro algumas pessoas se tornam viciadas Ainda que deixar a maconha não seja tão traumático como digamos deixar a heroína parar de usar causa desprazer para o viciado Segundo uso pesado a longo prazo pode causar danos cognitivos moderados que podem diminuir a felicidade Terceiro ficar chapada todo o tempo poderia tornar uma pessoa improdutiva Quarto fumar maconha é ruim para o sistema respiratório Um baseado pode ser tão ruim para os seus pulmões quanto seis cigarros Porém ingerir maconha de outros modos por exemplo pondo em bolinhos para comer não seria ruim para os seus pulmões de maneira alguma O que os utilitaristas concluem de tudo isso Quando nós olhamos para os danos e benefícios o uso ocasional de maconha dificilmente parece ser uma questão moral absolutamente Não há desvantagens conhecidas Assim os utilitaristas consideram o uso casual como uma questão de preferência pessoal Uso pesado de maconha levanta questões mais complexas O prazer conseguido pelo uso pesado e a longo prazo se sobrepõe às desvantagens Provavelmente dependa de cada pessoa De qualquer modo a questão é tão difícil que os utilitaristas podem discordar na resposta Até aqui discutimos a decisão individual sobre o uso da maconha E o direito Deveria a maconha ser ilegal de acordo com o utilitarismo De acordo com o utilitarismo o fato de muitas pessoas gostarem de ficar chapadas é uma razão forte para legalizar a droga Que outros fatores são relevantes Se a maconha fosse legal outras pessoas poderiam usála sendo que várias preocupações advêm desse fato a sociedade como um todo pode se tornar menos produtiva os contribuintes podem sentir o peso de pagar as despesas médicas daqueles que usam muita droga mais pessoas podem dirigir quando drogadas Devese observar contudo que a maconha somente prejudica ligeiramente a habilidade de dirigir porque as pessoas que estão drogadas dirigem com precaução e defensivamente De outro lado a sociedade seria melhor se a maconha substituísse o álcool como uma droga de abuso cidadãos drogados são improdutivos mas alcoólicos perdem ainda mais dias de trabalho devido à ressaca do dia seguinte o alcoolismo é especialmente caro em termos de cuidados médicos o álcool prejudica a habilidade de dirigir muito mais do que a maconha e finalmente bêbados são mais violentos do que maconheiros Portanto um benefício da legalização da maconha poderia ser um menor número de alcoólicos ainda que pudesse haver mais maconheiros Ademais há dois custos grandes para manter as leis atuais O primeiro é a perda de recursos para a sociedade Com a maconha ilegal a sociedade gasta dinheiro na execução penal Com a legalização da maconha a sociedade poderia coletar dinheiro pela tributação Legalizar a maconha nos Estados Unidos economizaria em torno de 77 bilhões de dólares por ano em custos de execução penal e poderia gerar entre 24 a 64 bilhões de dólares em tributos dependendo de ela ser tributada normalmente ou a um índice mais alto como o álcool e o tabaco são agora tributados Porém o maior custo é o dano causado aos transgressores Nos Estados Unidos mais de 700 mil pessoas são presas a cada ano por posse de maconha e mais de 44 mil pessoas estão atualmente na prisão por uso de maconha Não somente ser preso e encarcerado é horrível como ex condenados têm dificuldade em encontrar empregos decentes Os utilitaristas se importam com esses danos mesmo que eles sejam infligidos sobre os que desrespeitam a lei sabendo que podem ser punidos Desse modo quase todos os utilitaristas apoiam a legalização da maconha No seu conjunto a maconha é menos prejudicial do que o álcool ou os cigarros que as sociedades ocidentais já toleram Porém os utilitaristas têm que ser flexíveis Se novas evidências emergirem mostrando que a maconha é mais danosa do que previamente se tinha pensado então o ponto de vista utilitarista pode mudar TERCEIRO EXEMPLO ANIMAIS NÃO HUMANOS O tratamento dos animais tem sido visto como uma questão trivial Os cristãos acreditam que só o homem é feito à imagem de Deus e que os animais não têm alma Assim pela ordem natural das coisas podemos tratar os animais do modo como quisermos São Tomás de Aquino 1225 1274 sumariou o ponto de vista tradicional quando escreveu Por esse meio é refutado o erro daqueles que dizem que é pecaminoso um homem matar animais brutos pois eles foram destinados pela divina providência para o uso do homem na ordem natural Portanto não é errado para o homem fazer uso deles seja matandoos seja usandoos de qualquer outro modo Mas não é errado ser cruel para com os animais Aquino admite que é mas ele diz a razão tem a ver com o bemestar humano não com o bemestar dos animais E se algumas passagens da Sagrada Escritura parecem nos proibir de sermos cruéis para com os animais brutos por exemplo matar um pássaro com seus filhotes isso ou é para remover os pensamentos dos homens de serem cruéis com outros homens pois que sendo cruel com os animais alguém poderia se tornar cruel para com seres humanos ou é porque o dano a um animal conduz à dor temporal do homem seja do autor da ação seja de um outro Portanto pessoas e animais estão em categorias morais separadas Animais não têm porte moral por si mesmos Nós estamos liberados para tratálos de qualquer modo que queiramos Posto assim abruptamente a doutrina tradicional nos deixa um pouco nervosos ela parece extrema em sua falta de consideração por animais não humanos muitos dos quais são afinal criaturas inteligentes e sensíveis Ainda assim somente um pouco de reflexão é necessária para ver o quanto a nossa conduta realmente é guiada por essa doutrina Nós comemos animais Nós os usamos como objeto de experiência em nossos laboratórios Nós usamos a sua pele para fazer roupas e suas cabeças como ornamentos de parede Nós fazemos deles objetos de nossa diversão em circos e rodeios Nós os caçamos e os matamos por esporte Se alguém não está confortável com a justificação teológica dessas práticas a filosofia ocidental tem oferecido várias justificações de caráter secular Os filósofos disseram que os animais são irracionais que lhes falta a habilidade de falar ou que eles simplesmente não são humanos Tudo isso é fornecido como razões pelas quais os seus interesses residem fora da esfera de preocupação moral Os utilitaristas porém não sustentariam nada disso Em seu ponto de vista o que importa não é se um animal tem uma alma é racional ou algumas outras das coisas mencionadas Tudo o que importa é se eles podem experimentar felicidade e infelicidade Se um animal pode sofrer então temos um dever de levar isso em consideração quando decidimos o que fazer De fato Bentham argumenta que se um animal é humano ou não humano é tão irrelevante como se o animal é preto ou branco Ele escreve Poderá chegar o dia em que o resto das criaturas animais poderão adquirir aqueles direitos que nunca poderiam ter sido retirados deles senão pela mão da tirania Os franceses já descobriram que o negrume da pele não é uma razão pela qual um ser humano possa ser abandonado sem reparos ao capricho de um algoz Pode ser que um dia venha a ser reconhecido que o número de pernas de velosidades da pele ou da terminação do os sacrum sejam todas razões igualmente insuficientes para abandonar uma criatura sensível ao mesmo destino O que mais poderia traçar a linha insuperável Seria a faculdade da razão ou talvez a faculdade do discurso Mas um cavalo adulto ou um cachorro é sem comparação um animal mais racional bem como mais conversável do que uma criança de um dia uma semana ou mesmo um mês de idade Mas suponha que fossem diferentes qual seria o proveito A questão não é Podem eles raciocinar nem Podem eles falar mas Podem eles sofrer Se um ser humano é torturado por que isso é errado Porque essa pessoa sofre Similarmente se um não humano é atormentado ele também sofre Se é um humano ou um animal que sofre é simplesmente irrelevante Para Bentham e para Mill essa linha de raciocínio foi conclusiva Humanos e não humanos são igualmente titulares de consideração moral Esse ponto de vista parece extremo em uma direção oposta como é extremo o ponto de vista tradicional que não garante nenhum status moral aos animais Devem os animais realmente ser vistos como iguais aos humanos Em algum sentido Bentham e Mill pensaram assim mas eles não acreditavam que animais e humanos tinham de ser tratados sempre do mesmo modo Há diferenças fatuais entre eles que frequentemente justificarão diferenças de tratamento Por exemplo por causa de suas capacidades intelectuais humanos podem ter prazer em coisas que os não humanos não podem desfrutar matemática literatura jogos de estratégia e assim por diante Similarmente a capacidade superior dos humanos os torna capazes de frustrações e desapontamentos que outros animais não podem experimentar Assim nosso dever de promover a felicidade implica um dever de promover tais desfrutes para os humanos bem como prevenir alguns danos especiais que eles podem sofrer Ao mesmo tempo porém temos um dever moral de levar em consideração o sofrimento dos animais sendo que o seu sofrimento conta tanto quanto qualquer sofrimento similar experimentado por humanos Em 1970 o psicólogo britânico Richard D Ryder cunhou o termo especismo para se referir à ideia de que os interesses dos animais contam menos do que os interesses humanos Os utilitaristas acreditam que o especismo é discriminação contra outras espécies tanto como racismo é discriminação contra outras raças Ryder se admira como nós poderíamos possivelmente justificar a permissão de experimentos como estes Em Maryland em 1996 os cientistas usaram cachorros beagle para es tudar choque céptico Eles fizeram buracos nas gargantas dos cachorros e colocaram coágulos infectados com E coli dentro de seus estômagos Em três semanas a maioria dos cachorros morreu Em Taiwan em 1997 cientistas jogaram pesos nas espinhas dos ratos para estudar danos na coluna Os pesquisadores descobriram que danos maiores foram causados pela queda dos pesos de alturas maiores Desde 1990 chimpanzés macacos cachorros gatos e roedores têm sido usados para estudar alcoolismo Depois de viciarem os animais em álcool os cientistas observaram sintomas como vômito tremor ansiedade e apreensão Quando os animais ficam abstêmios os cientistas induziram convulsões levantandoos por seus rabos dando choques elétricos e injetando químicos em seus cérebros O argumento utilitarista é suficiente simplesmente Nós devemos julgar as ações certas ou erradas segundo elas causem mais felicidade ou infelicidade Obviamente foram causados sofrimentos terríveis aos animais nesses experimentos Houve algum ganho compensador em felicidade que justificaria isso Foi uma maior infelicidade evitada para outros animais ou para humanos Se não houve isso então os experimentos foram moralmente inaceitáveis Esse estilo de argumento não implica que todos os experimentos com animais sejam imorais Em vez disso ele sugere que cada experimento seja julgado segundo o seu mérito Não obstante o princípio utilitarista implica que experimentos que causam muita dor requerem uma justificação significativa Nós não podemos simplesmente assumir um valetudo no tratamento com não humanos Mas criticar experimentos animais é muito fácil para a maioria de nós Nós podemos nos sentir sobranceiros ou superiores porque não fazemos tais pesquisas Porém todos nós estamos envolvidos com a crueldade quando comemos carne Os fatos sobre a produção de carne são mais perturbadores do que quaisquer fatos sobre a experimentação animal Muitas pessoas acreditam de uma maneira vaga que matadouros são desagradáveis mas que animais criados para comer são ao contrário tratados humanamente De fato animais de fazendas vivem em condições repugnantes antes de serem levados para o matadouro Vitelos por exemplo passam 24 horas por dia em redis tão pequenos que eles não podem se virar deitar confortavelmente ou mesmo torcer as suas cabeças para espantar parasitas Os produtores os põem em pequenos redis para economizar dinheiro e deixar a sua carne macia As vacas sentem falta de suas mães e como as crianças humanas elas querem alguma coisa para sugar assim elas tentam em vão sugar os cantos das madeiras de seus estábulos Os bezerros são também alimentados com uma dieta deficiente em ferro e forragem a fim de manter a sua carne descorada e saborosa A sua ânsia por ferro se torna tão forte que eles lamberiam a sua própria urina se eles pudessem se virar o que normalmente eles nunca poderão fazer Sem forragem os bezerros não podem formar o bolo alimentar para ruminar Por essa razão eles não podem receber uma cama de palha porque eles a comeriam na tentativa de consumir forragem Desse modo para esses animais o matadouro não é um fim desagradável para uma existência satisfeita O vitelo é somente um exemplo Galinhas perus porcos e vacas adultas vivem todos em condições horríveis antes de serem abatidos O argumento utilitarista nessas questões é simples O sistema de produção de carne causa sofrimento enorme para os animais sem benefícios compensadores Portanto devemos abandonar esse sistema Nós deveríamos ou nos tornar vegetarianos ou então tratar nossos animais humanamente antes de matá los O que é mais revolucionário em tudo isso é simplesmente a ideia de que os interesses dos animais não humanos contam Nós normalmente assumimos que somente os seres humanos são merecedores de consideração moral O utilitarismo desafia essa assunção e insiste que a comunidade moral tem que ser expandida para incluir todas as criaturas cujos interesses possam ser afetados pelo que nós fazemos Os seres humanos são especiais de muitos modos Uma moralidade adequada tem que reconhecer isso Mas não somos os únicos animais deste planeta e uma moralidade adequada também tem que reconhecer este fato 8 O debate sobre o utilitarismo O credo que aceita o princípio da maior felicidade sustenta que as ações são corretas quando elas tendem a promover a felicidade e erradas quando elas tendem a produzir o inverso da felicidade John Stuart Mill Utilitarianism 1861 O homem não luta por felicidade somente o homem inglês faz isso Friedrich Nietzsche Twilight of the Idols 1889 A VERSÃO CLÁSSICA DA TEORIA O utilitarismo clássico pode ser resumido em três proposições a a moralidade de uma ação depende somente das suas consequências nada mais interessa b as consequências de uma ação importam somente na medida em que envolvem uma maior ou menor felicidade dos indivíduos c no tratamento das consequências a felicidade de cada indivíduo recebe igual consideração Isso significa que quantidades iguais de felicidade sempre contam igualmente o bemestar de ninguém importa mais somente porque é rico vamos dizer ou poderoso ou bonito De acordo com o utilitarismo clássico uma ação é correta se ela produz a maior soma possível de felicidade sobre a infelicidade O utilitarismo clássico foi desenvolvido e defendido por três dos maiores filósofos do século XIX na Inglaterra Jeremy Bentham 17481832 John Stuart Mill 18061873 e Henry Sidgwick 18381900 Graças em parte a seu trabalho o utilitarismo tem tido uma influência profunda no pensamento moderno A maioria dos filósofos morais contudo rejeitam a teoria A seguir discutiremos algumas das objeções que tornaram a teoria impopular Ao examinar esses argumentos ponderaremos também algumas das questões mais profundas da teoria ética O PRAZER É TUDO O QUE IMPORTA A questão Quais coisas são boas é diferente da questão Quais ações são justas O utilitarismo responde a segunda questão em referência à primeira Ações justas são as que produzem o maior bem Mas o que é o bem A resposta utilitarista é a felicidade Como Mill apresenta A doutrina utilitarista é que a felicidade é desejável e é a única coisa desejável como um fim Todas as outras coisas só são desejáveis como um meio para esse fim Mas o que é a felicidade De acordo com os utilitaristas clássicos a felicidade é prazer Os utilitaristas entendem o prazer de forma ampla para incluir todos os estados mentais sentidos como sendo bons Um sentido de realização um gosto delicioso e a consciência intensa que advém no clímax de um filme de suspense são todos exemplos de prazer A tese de que o prazer é o bem último e a dor o mal último é conhecida desde a antiguidade como hedonismo A ideia de que as coisas são boas ou más em razão de como as sentimos sempre teve seguidores na filosofia No entanto uma pequena reflexão parece revelar falhas nessa teoria Considere estes dois exemplos Você pensa que alguém é seu amigo mas ele ridiculariza você pelas costas Ninguém lhe informa isso assim você nunca saberá É isso desventurado para você Os hedonistas teriam que dizer que não é porque nunca lhe seria causada dor alguma Ainda assim nós acreditamos que há alguma coisa que não vai bem Você está sendo maltratado ainda que você não esteja ciente disso e não sofra infelicidade As mãos de uma pianista promissora são feridas em um acidente de carro de tal forma que ela não pode mais tocar piano Por que isso é ruim para ela Os hedonistas diriam que é ruim porque lhe causa dor e elimina uma fonte de alegria para ela Mas suponha que ela encontre alguma outra coisa que a alegre tanto quanto suponha por exemplo que ele obtenha tanto prazer assistindo à televisão quanto ela obtinha tocando piano Por que o seu acidente seria uma tragédia O hedonista somente pode dizer que ela se sentirá frustrada e triste quando ela pensar em como poderia ter sido sendo essa a sua desventura Mas essa explicação faz as coisas andarem para trás Não é como se pela sensação de tristeza ela transformasse uma situação neutra em uma situação ruim Ao contrário a situação ruim é o que a faz infeliz Ela poderia ter se tornado uma grande pianista e agora ela não se tornará Nós não podemos eliminar a tragédia pondoa para ver televisão e animandoa Esses exemplos têm base em uma mesma ideia nós valorizamos outras coisas além do prazer Por exemplo valorizamos a amizade e a criação artística Essas coisas nos fazem felizes mas não é esta a única razão pela qual nós as valorizamos Parece como uma desgraça perdêlas mesmo que não haja perda da felicidade Por essa razão a maioria dos utilitaristas da atualidade rejeitam a assunção clássica do hedonismo Alguns deles ignoram a questão do que é bom dizendo somente que as ações justas são aquelas que têm os melhores resultados não importando a medida na qual eles são medidos Outros utilitaristas como é o caso do filósofo inglês G E Moore 18731958 compilaram listas de coisas para serem vistas como valiosas em si mesmas Moore sugere que há três bens intrínsecos óbvios prazer amizade e fruição estética Assim as ações justas são aquelas que aumentam o suprimento mundial de tais coisas Outros ainda dizem que devemos agir de tal modo a maximizar a satisfação das preferências das pessoas Nós não discutiremos os méritos e deméritos dessas teorias do bem Eu as menciono somente para notar que mesmo o hedonismo tendo sido amplamente rejeitado utilitaristas contemporâneos não encontraram dificuldade para seguir em frente AS CONSEQUÊNCIAS SÃO TUDO O QUE IMPORTA Para determinar se uma ação é correta os utilitaristas acreditam que devemos olhar para o que acontece como resultado da ação Esta ideia é central para a teoria Se outras coisas além das consequências são importantes para determinar o que é correto então o utilitarismo seria incorreto Aqui há três argumentos que atacam a teoria justamente nesse ponto Justiça Em 1965 ao escrever no clima radicalmente carregado do movimento americano pelos direitos civis H J McCloskey pedenos para considerar o seguinte exemplo Suponha que um utilitarista estivesse de visita em uma área na qual houve luta racial e que durante a sua visita um negro estupre uma mulher branca e que motins raciais ocorram como um resultado do crime Suponha também que nosso utilitarista esteja na área do crime quando é cometido o crime de tal forma que o seu testemunho poderia levar à condenação de qualquer um que ele acuse Se ele soubesse que uma prisão rápida pararia os motins e linchamentos certamente como um utilitarista ele teria que concluir que ele teria o dever de sustentar falso testemunho para levar à punição uma pessoa inocente Tal acusação teria consequências ruins o homem inocente poderia ser condenado mas haveria boas consequencias suficientes para pesar mais do que aquelas ruins os motins e linchamentos poderiam parar e muitas vidas poderiam ser salvas Desse modo o melhor resultado seria alcançado pela sustentação de falso testemunho Portanto de acordo com o utilitarismo mentir seria a coisa certa a fazer Mas continua o argumento seria errado levar à condenação uma pessoa inocente Portanto o utilitarismo tem que ser incorreto De acordo com os críticos do utilitarismo esse argumento ilustra uma das mais sérias deficiências da teoria nomeadamente que ela é incompatível com o ideal de justiça A justiça requer que nós tratemos as pessoas equitativamente de acordo com os méritos de suas situações particulares No exemplo de McCloskey o utilitarismo requer que tratemos alguém de forma não equitativa Portanto o utilitarismo não pode ser correto Direitos Aqui é um exemplo de um tribunal americano de apelação No caso York v Story 1963 advindo da Califórnia Em outubro de 1958 a apelante Senhorita Angelynn York foi ao departamento de polícia de Chino para fazer um boletim de ocorrência em relação a um assalto que tinha sofrido O apelado Ron Story um policial do departamento de polícia sob os trajes de sua autoridade avisou a apelante de que era necessário tirar algumas fotos dela Então Story levou a apelante até uma sala na central de polícia chaveou a porta e ordenou que ela tirasse a roupa o que ela fez Story então ordenou à apelante que assumisse várias posições indecentes e a fotografou nessas posições Essas fotografias não foram feitas para qualquer finalidade legal ou legítima A apelante objetou para se despir Ela disse a Story que não havia necessidade de tirar fotografias dela nua ou nas posições em que ela foi ordenada a fazer porque a lesão não apareceria em nenhuma fotografia Mais tarde naquele mês Story avisou à apelante que as fotos não tinham saído e que ele as tinha destruído Em vez disso Story circulou as fotografias entre o pessoal do departamento de polícia de Chino Em abril de 1960 dois outros policiais daquele departamento apelado Louis Moreno e o acusado Henry Grote agindo sob o manto de sua autoridade e usando o equipamento de fotografia da polícia da central de política fizeram fotos adicionais tiradas por Story Moreno e Grote então circularam essas fotos entre o pessoal do departamento de polícia de Chino A Senhorita York moveu um processo contra esses policiais e ganhou Seus direitos legais tinham sido claramente violados Porém o que dizer sobre a moralidade do comportamento dos policiais Os utilitaristas dizem que as ações são defensáveis se elas produzirem uma balança favorável entre a quantidade de infelicidade causada a York e o prazer que as fotografias deram ao policial Story e aos outros É ao menos possível que mais felicidade do que infelicidade tenha sido criada Neste caso a conclusão utilitarista deveria ser que as suas ações foram moralmente aceitáveis Mas isso parece perverso Por que o prazer de Story e de seus amigos deveria ter alguma importância Eles não tinham o direito de tratar York desse modo e o fato de eles terem desfrutado da ação dificilmente parece relevante Considere um caso relacionado a esse Suponha que um voyeur espionou uma mulher através da janela de seu banheiro e fez fotos secretamente dela nua Suponha que ele nunca seja descoberto e que nunca mostre as fotos para mais ninguém Nessas circunstâncias a única consequência de sua ação parece ser um aumento de sua felicidade A ninguém mais incluindo a mulher é causada qualquer infelicidade Como então poderia o utilitarismo negar que a ação do voyeur é correta O utilitarismo novamente parece ser inaceitável O pontochave do utilitarismo é que ele está em desacordo com a ideia de que as pessoas têm direitos que não podem ser pisoteados meramente porque se antecipam bons resultados Nesses exemplos o direito da mulher à privacidade é violado Mas nós podemos pensar em casos similares em que outros direitos estão em questão o direito de culto livre o direito de falar o que se tem em mente ou mesmo o direito de viver Sob o ponto de vista do utilitarismo os direitos de um indivíduo podem sempre ser pisoteados se um número suficiente de pessoas se beneficiarem do pisoteamento Assim o utilitarismo tem sido acusado de apoiar a tirania da maioria se a maioria das pessoas tivessem prazer no abuso dos direitos de alguém então se deveria abusar dele porque o prazer da maioria suplanta o sofrimento de uma pessoa Porém nós não pensamos que nossos direitos individuais devam significar tão pouco moralmente A noção de um direito individual não é uma noção utilitarista É totalmente o contrário é uma noção que põe limites em como um indivíduo pode ser tratado independentemente do bem que poderia ser conseguido Razões do passado Suponha que você tenha prometido fazer alguma coisa digamos você prometeu encontrar a sua amiga em um bar esta noite Mas quando o tempo está para chegar você não quer mais ir Você precisa recuperar o atraso de algum trabalho e preferiria ficar em casa Você tenta ligar para ela para cancelar mas ela não está respondendo ao telefone celular O que você deve fazer Suponha que você julgue que a utilidade de ter o seu trabalho feito tenha uma leve vantagem sobre a irritação que a sua amiga poderia experimentar Pela aplicação do padrão utilitarista você poderia concluir que ficar em casa seria melhor do que manter a sua promessa Porém isso não parece correto O fato de você ter prometido impõe uma obrigação sobre você da qual você não pode escapar tão facilmente Naturalmente se algo importante estivesse em questão se por exemplo você tivesse que levar a sua mãe para o hospital você estaria justificado em quebrar a promessa Mas um pequeno ganho de felicidade não pode se sobrepor à obrigação criada pela sua promessa A obrigação deveria significar alguma coisa moralmente Assim o utilitarismo mais uma vez parece equivocado Essa crítica é possível porque o utilitarismo considera somente as consequências de nossas ações Porém nós pensamos que também considerações sobre o passado são importantes Você fez uma promessa para a sua amiga Esse é um fato sobre o passado O utilitarismo parece falho porque ele exclui tais razões do passado Uma vez que entendemos esse ponto podemos pensar em outros exemplos de razões do passado O fato de alguém ter cometido um crime é uma razão para punilo O fato de alguém ter feito um favor para você na última semana é uma razão para você fazer a ele um favor na próxima semana O fato de você ter machucado alguém ontem é uma razão para fazer as pazes com ele hoje Todos estes são fatos do passado que são relevantes para determinar nossas obrigações Mas o utilitarismo torna o passado irrelevante e por isso ele parece falho NÓS DEVERÍAMOS TER CONSIDERAÇÃO POR TODOS IGUALMENTE A última parte do utilitarismo diz que devemos tratar a felicidade de cada pessoa como igualmente importante ou como Mill coloca nós temos que ser tão estritamente imparciais quanto um espectador desinteressado e benevolente Estabelecido de forma abstrata isso parece plausível porém tem implicações problemáticas Um problema é que a exigência de igual consideração põe uma demanda demasiada sobre nós Outro problema é que isso rompe nossas relações pessoais A acusação de que o utilitarismo é exigente demais Suponha que você esteja a caminho do cinema quando alguém lhe assinala que o dinheiro que você está prestes a gastar poderia ser usado para alimentar os famintos ou providenciar vacinas para crianças do terceiro mundo Certamente tais pessoas precisam de comida e remédios mais do que você tem necessidade de ver Brad Pitt e Angelina Jolie Assim você esquece o seu entretenimento e doa o seu dinheiro para a caridade Mas isso ainda não é o fim Pelo mesmo raciocínio você não pode comprar roupas novas um carro um iPhone ou um Playstation Provavelmente você deveria mudar para um apartamento mais barato Afinal o que é mais importante você ter esses luxos ou aquelas crianças terem comida De fato a fiel adesão ao padrão utilitarista requereria de você doar a sua riqueza até que você ficasse tão pobre quanto as pessoas que você está ajudando Ou melhor você necessitaria ficar somente com o suficiente para manter o seu emprego pois assim você poderia continuar a doar Ainda que possamos admirar alguém que faz isso não pensamos que tal pessoa está somente fazendo o seu dever Em vez disso vêlaíamos como uma pessoa santa cuja generosidade foi além do que chamamos de dever A filosofia chama tais ações de superrogatórias Mas o utilitarismo parece incapaz de reconhecer essa categoria moral O problema não é meramente que o utilitarismo requereria de nós doar a maior parte de nossas coisas Ele também nos impediria de continuar com nossas vidas Nós todos temos objetivos e projetos que tornam as nossas vidas significativas Porém uma ética que requer de nós promover o bem estar geral nos forçaria a abandonar tais esforços Suponha que você seja um webdesigner que não fica rico mas tem uma vida decente Você tem duas crianças que você ama Nos finais de semana você gosta de atuar em um grupo de teatro amador Em acréscimo você gosta de ler história Como poderia haver alguma coisa errada com isso Mas julgado pelo padrão utilitarista você está levando uma vida imoral Afinal você poderia produzir uma quantidade de bem maior se você usasse o seu tempo de outros modos A acusação de que o utilitarismo perturba as nossas relações pessoais Na prática ninguém de nós está disposto a tratar a todos igualmente porque isso exigiria desistir de nossos laços com amigos e família Nós todos somos profundamente parciais quando a nossa família e os amigos estão em questão Nós os amamos e vamos muito longe para ajudálos Para nós eles não são somente membros da grande multidão da humanidade eles são especiais Mas tudo isso é inconsistente com a imparcialidade Quando você é imparcial você perde a intimidade o amor a afeição e a amizade Nesse ponto o utilitarismo parece ter perdido todo o contato com a realidade O que seria de alguém considerar o seu cônjuge não mais do que considerar completos estranhos A simples ideia é absurda Não somente é contrária às emoções humanas normais como relações amorosas nem mesmo poderiam existir à parte das obrigações e responsabilidades especiais Novamente como seria tratar as próprias crianças com não mais amor do que se tem por estranhos Como John Cottingham colocou Um pai que deixa a sua criança queimar porque o prédio contém alguma outra pessoa cuja contribuição ao bemestar geral promete ser maior não é um herói ele é corretamente um objeto de desprezo moral um leproso moral A DEFESA DO UTILITARISMO Juntas essas objeções parecem decisivas O utilitarismo parece não ter consideração com a justiça e com os direitos individuais Acima de tudo ele não dá conta das razões passadas Se vivêssemos de acordo com a teoria nos tornaríamos pobres e teríamos que parar de amar a nossa família e os nossos amigos Por esse motivo a maioria dos filósofos abandonou o utilitarismo Porém alguns filósofos continuam a defendêlo Eles fazem isso de três modos diferentes A primeira defesa contestando as consequências A maioria dos argumentos contra o utilitarismo é como este a situação é descrita então afirmase que algumas ações particulares vis poderiam ter consequências melhores sob tais circunstâncias então o utilitarismo é julgado falho por advogar tal ação Esses argumentos porém somente são bemsucedidos se a ação que eles descrevem realmente tiverem as melhores consequências Teriam eles De acordo com a primeira defesa eles não teriam Considere por exemplo o argumento de McCloskey no qual o utilitarismo apoiaria prender uma pessoa inocente para parar um motim racial No mundo real sustentar falso testemunho desse modo realmente teria boas consequências Provavelmente não O mentiroso poderia ser descoberto e então a situação poderia ser pior do que antes E mesmo que o mentiroso fosse bemsucedido o verdadeiro culpado permaneceria à solta e poderia cometer mais crimes ao que se seguiriam mais motins Além disso se a parte culpada fosse mais tarde pega o que é sempre possível o mentiroso poderia estar com problemas graves e a confiança na justiça criminal poderia ser corroída A moral da história é que embora se possa pensar que seja possível acarretar as melhores consequências com tal comportamento de fato a experiência ensina o contrário a utilidade não funciona prendendose pessoas inocentes O mesmo se passa para os outros argumentos Mentir violar os direitos das pessoas quebrar as promessas e cortar as relações íntimas tudo isso tem más consequências Somente na imaginação dos filósofos é diferente No mundo real voyeurs são pegos tanto quanto o policial Story foi pego e suas vítimas pagaram o preço No mundo real quando as pessoas mentem as suas reputações sofrem e outras pessoas ficam machucadas Quando as pessoas quebram as suas promessas e não fazem favores em troca elas perdem os seus amigos Portanto essa é a primeira defesa Desafortunadamente ela não é muito efetiva Ainda que seja verdade que a maioria dos atos de falso testemunho e assemelhados tenham más consequências não se pode dizer que todos eles tenham más consequências Pelo menos de vez em quando podese chegar a um bom resultado fazendo algo repugnante ao senso comum moral Portanto ao menos em alguns casos reais da vida o utilitarismo conflitará com o senso comum Ainda mais mesmo que os argumentos antiutilitaristas tenham que se basear em exemplos ficcionais tais exemplos retêm o seu poder Teorias como a utilitarista se supõem aplicáveis a todas as situações incluindo situações que são meramente hipotéticas Assim mostrar que o utilitarismo tem implicações inaceitáveis em casos inventados é um modo válido de criticálo A primeira defesa portanto é fraca A segunda defesa o princípio da utilidade é um guia para escolher regras não atos Revisar uma teoria é um processo de dois passos primeiro você identifica qual o aspecto da teoria que precisa ser trabalhado segundo você muda somente aquele aspecto deixando intacto o resto da teoria Qual o aspecto do utilitarismo clássico que causa o problema A assunção problemática é aquela de que cada ação individual deve ser julgada pelo padrão utilitarista A análise do caráter errado da mentira em uma situação particular depende das consequências de dizer aquela mentira em particular se você deve manter uma promessa em particular depende das consequências de manter aquela promessa em particular e assim para cada um dos exemplos que consideramos Se aquilo com que nós nos preocupamos é com as consequências das ações particulares então podemos sempre inventar circunstâncias nas quais uma ação horrível teria as melhores consequências Portanto a nova versão do utilitarismo modifica a teoria de tal forma que as ações em particular não são mais julgadas pelo princípio da utilidade Em vez disso nós primeiro perguntamos qual conjunto de regras é ideal de um ponto de vista utilitarista Em outras palavras que regras deveríamos nós seguir para maximizar a felicidade Atos em particular seriam então julgados de acordo com a sua conformidade a essas regras Esta nova versão da teoria é chamada de utilitarismo de regra para distinguilo da teoria original agora comumente chamada de utilitarismo de ato O utilitarismo de regra foi uma resposta fácil aos argumentos antiutilitaristas Um utilitarista de ato incriminaria o homem inocente no exemplo de McCloskey porque as consequências daquele ato em particular seriam boas Mas o utilitarista de regra não raciocinaria desse modo Ele primeiro perguntaria quais regras de conduta tenderiam a promover a maior felicidade Uma boa regra seria Não cometas falso testemunho contra o inocente Esta regra é simples fácil de lembrar e de seguir Quase sempre ela aumenta a felicidade Apelando a ela o utilitarista de regra pode concluir que no exemplo de McCloskey nós não devemos testemunhar contra o homem inocente Raciocínio similar pode ser usado para estabelecer regras contra a violação dos direitos das pessoas quebrar promessas mentir trair os amigos e assim por diante Nós devemos aceitar tais regras porque seguilas como uma prática regular promove a felicidade geral Assim nós não mais julgamos atos pela sua utilidade mas pela sua conformidade com essas regras Portanto o utilitarismo de regra não pode ser condenado por violar o nosso senso comum moral Ao mudar a ênfase da justificação dos atos para a justificação das regras o utilitarismo foi posto em acordo com nossos julgamentos intuitivos Porém um problema sério com o utilitarismo de regras se levanta quando perguntamos se as regras ideais têm exceções As regras têm que ser seguidas não importa o que aconteça E que tal se um ato proibido pudesse aumentar grandemente o bem geral O utilitarista de regra pode dar qualquer uma das três respostas seguintes Primeira se ele disser que em tais casos podemos violar as regras então isso seria como se ele quisesse avaliar as ações caso a caso Isso é utilitarismo de ato não utilitarismo de regra Segunda ele pode sugerir que formulemos as regras de tal modo que a sua violação nunca aumentará a felicidade Por exemplo em vez de usar a regra não cometa falso testemunho contra o inocente nós poderíamos usar a regra não cometa falso testemunho contra o inocente a menos que fazendo isso realize algum bem maior Se mudamos todas as regras desse modo então na prática o utilitarismo de regra seria exatamente como o utilitarismo de ato as regras que seguimos sempre diriam para escolhermos o ato que promove a maior felicidade Mas agora o utilitarismo de regra não providencia uma resposta para os argumentos antiutilitaristas Assim como o utilitarismo de ato o utilitarismo de regra também nos diz para incriminar o inocente quebrar nossas promessas espionar as pessoas em suas casas e assim por diante Finalmente o utilitarismo de regra pode afirmar o seu fundamento e dizer que nunca devemos quebrar as regras mesmo para promover a felicidade J J C Smart 1920 diz que uma tal pessoa sofre de um culto da regra irracional O que quer que se possa pensar disso essa versão do utilitarismo de regra não é realmente uma teoria utilitarista O utilitarismo se importa somente com a felicidade e com as consequências porém essa teoria se importa com seguir regras Assim a teoria é uma mistura de utilitarismo e de alguma outra coisa completamente diferente Para parafrasear um escritor este tipo de utilitarismo de regra é como uma espécie de patinho de borracha assim como um patinho de borracha não é uma espécie de pato esse tipo de utilitarismo de regra não é uma espécie de utilitarismo Desse modo não podemos defender o utilitarismo apelando a esse tipo A terceira defesa o senso comum está errado Finalmente alguns utilitaristas ofereceram uma resposta bem diferente às objeções Uma vez dito que o utilitarismo conflita com o senso comum eles respondem E daí Analisando a sua própria defesa do utilitarismo J J C Smart escreve Admitidamente o utilitarismo tem consequências que são incompatíveis com a consciência moral comum mas eu tendo a tomar o ponto de vista tanto pior para a consciência moral comum Isto é eu estou inclinado a rejeitar a metodologia comum de testar princípios éticos gerais analisando como eles se ajustam aos nossos sentimentos em casos particulares Essa espécie de utilitarismo intransigente e sem remorso pode oferecer três respostas aos argumentos antiutilitaristas A primeira resposta todos os valores têm uma base utilitarista Os críticos do utilitarismo dizem que a teoria não pode dar sentido a alguns de nossos valores mais importantes como o valor que atribuímos a dizer a verdade manter promessas respeitar a privacidade dos outros e amar nossas crianças Considere por exemplo mentir A maior razão para não mentir os críticos dizem não tem nada a ver com consequências ruins A razão é que mentir é desonesto trai a confiança das pessoas Este fato não tem nada a ver com o cálculo utilitarista de benefícios A honestidade tem um valor sobre e acima de qualquer valor que o utilitarismo possa reconhecer O mesmo é verdade sobre manter as promessas respeitar a privacidade dos outros e amar as nossas crianças Mas de acordo com filósofos como Smart devemos pensar sobre esses valores cada um a seu tempo e considerar por que eles são importantes Quando as pessoas mentem as mentiras são frequentemente descobertas e aqueles que são traídos se sentem feridos e com raiva Quando as pessoas quebram as suas promessas elas irritam os seus vizinhos e afastam os seus amigos Alguém cuja privacidade é violada pode se sentir humilhado e querer se afastar dos outros Quando as pessoas não consideram mais as suas crianças do que elas consideram pessoas estranhas as suas crianças não se sentem amadas e um dia elas também podem se tornar pais que não amarão Todas essas coisas reduzem a felicidade Longe de estar em oposição com a ideia de que devemos ser honestos fidedignos respeitosos e amorosos com nossas crianças o utilitarismo explica por que tais coisas são boas Além disso esses deveres só parecem fazer sentido segundo a explicação utilitarista O que poderia ser mais estranho do que dizer que mentir é errado em si mesmo independentemente de qualquer dano que possa causar Como podem as pessoas ter um direito à privacidade a menos que o respeito a tal direito lhes dê algum benefício Segundo esse modo de pensar o utilitarismo não é incompatível com o senso comum ao contrário o utilitarismo justifica os valores do senso comum que nós temos A segunda resposta nossas reações viscerais não são confiáveis quando os casos são excepcionais Ainda que alguns casos de injustiça possam servir ao bem comum tais casos são exceções Mentir quebrar promessa e violar a privacidade em geral levam à infelicidade não à felicidade Essas observações formam a base de uma outra resposta utilitarista Considere de novo o exemplo de McCloskey da pessoa tentada a prestar falso testemunho Por que nós imediata e intrinsecamente acreditamos que é errado prestar falso testemunho contra uma pessoa inocente A razão dizem alguns é que durante toda a nossa vida vimos mentiras trazerem miséria e desgraça Assim nós instintivamente condenamos todas as mentiras Mas quando condenamos mentiras que são benéficas nossas faculdades intuitivas falham A experiência nos ensinou a condenar as mentiras porque elas reduzem a felicidade Agora porém estamos condenando mentiras que aumentam a felicidade Quando nos confrontamos com casos não usuais como o exemplo de McCloskey talvez devêssemos confiar mais no princípio de utilidade do que em nossas reações viscerais A terceira resposta nós devemos focalizar em todas as consequências Quando somos solicitados a considerar a desprezível ação que maximiza a felicidade a ação é frequentemente apresentada de um modo que nos encoraja a focalizar nos seus efeitos ruins em vez de nos seus efeitos bons Se em vez disso nós focalizarmos em todos os efeitos do ato o utilitarismo parece mais plausível Considere ainda uma vez o exemplo de McCloskey que diz que seria errado condenar um homem inocente porque isso seria injusto Mas e as outras pessoas inocentes que serão feridas se os motins e linchamentos continuarem E sobre a dor que deverão amargar aqueles que serão espancados e torturados pela multidão E as mortes que ocorrerão se o homem não mentir Crianças irão perder os seus pais e pais irão perder as suas crianças Naturalmente nós nunca queremos enfrentar uma situação como essa Mas se tivermos que escolher entre evitar a condenação de uma pessoa inocente e permitir as mortes de várias pessoas inocentes é tão desarrazoado pensar que a primeira opção é preferível Considere de novo a objeção de que o utilitarismo é exigente demais porque ele nos diz para usar os nossos recursos para alimentar as crianças famintas em vez de usar tais recursos para nós mesmos Se focalizarmos os nossos pensamentos sobre aqueles que irão passar fome a demanda do utilitarismo parece desarrazoada Não é ser condescendente conosco mesmos dizer que o utilitarismo é exigente demais em vez de dizer que deveríamos fazer mais para ajudar Essa estratégia funciona melhor para alguns casos do que para outros Considere o voyeur O utilitarista sem remorso nos dirá para considerar o prazer que ele tem ao espionar as mulheres que não sabem da espionagem Se ele vai embora sem mais que dano ele causou Por que a sua ação tem que ser condenada A maioria das pessoas condenará o seu comportamento apesar dos argumentos utilitaristas O utilitarismo como sugere Smart não pode ser totalmente reconciliado com o senso comum Se a teoria necessita ser reconciliada com o senso comum permanece uma questão aberta PENSAMENTOS CONCLUSIVOS Se consultarmos o que Smart chama de nossa consciência moral comum muitas considerações para além da utilidade parecem moralmente importantes Mas Smart está correto em nos advertir de que não se pode confiar no senso comum Essa pode ser a maior contribuição do utilitarismo As dificuldades do senso comum moral se tornam óbvias se nós pensamos um pouco Muitas pessoas brancas pensaram outrora que havia uma diferença importante entre brancos e negros de tal forma que os interesses dos brancos eram de alguma forma mais importantes Foi confiando no senso comum de seus dias que eles puderam insistir em que uma teoria moral adequada deveria acomodar esse fato Atualmente ninguém que valha a pena ouvir diria tal coisa mas quem sabe quantos outros preconceitos irracionais são ainda parte de nosso senso comum moral No final de seu estudo clássico sobre as relações raciais An American Dilemma o prêmio Nobel Gunnar Myrdal 18981987 relembra nos Deve haver ainda outros erros incontáveis do mesmo tipo que nenhum homem vivo pode ainda detectar devido à névoa na qual o nosso tipo de cultura ocidental nos envolve Influências culturais têm construído as pressuposições da mente do corpo e do universo no qual nós começamos põem as questões que nós perguntamos influenciam os fatos que nós procuramos determinam a interpretação que nós damos desses fatos e dirige a nossa reação a essas interpretações e conclusões Será que as gerações futuras não olharão para trás com repugnância para o modo como pessoas ricas no século XXI aproveitavam as suas vidas confortáveis enquanto crianças do terceiro mundo morriam de doenças facilmente evitáveis Ou para o modo como nós confinamos e abatemos animais indefesos Em caso afirmativo elas poderiam notar que os filósofos utilitaristas estavam à frente de seu tempo em condenar tais coisas 9 Há regras morais absolutas Você não pode fazer o mal mesmo que venha para o bem São Paulo Carta aos Romanos 50 dC aproximadamente HARRY TRUMAN E ELIZABETH ANSCOMBE Harry S Truman sempre será lembrado como o homem que tomou a decisão de lançar bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki Quando ele se tornou presidente em 1945 após a morte de Franklin D Roosevelt Truman não conhecia nada sobre a bomba Os assessores de Roosevelt tiveram que informálo Os aliados estavam vencendo a guerra no Pacífico eles disseram mas a um custo terrível Tinham sido feitos planos para uma invasão do Japão mas a batalha poderia ser mais sangrenta do que tinha sido aquela do DiaD na Normandia Usando a bomba atômica em uma ou duas cidades japonesas poderia levar a guerra a um fim rápido tornando a invasão desnecessária Em um primeiro momento Truman ficou relutante em usar a nova arma O problema é que cada bomba iria destruir uma cidade inteira não somente os alvos militares mas os hospitais escolas casas mulheres crianças pessoas idosas e outros não combatentes poderiam ser aniquilados junto com o pessoal militar Os aliados tinham bombardeado cidades anteriormente mas Truman sentiu que a nova arma tinha tornado a questão dos não combatentes mais aguda Além disso os Estados Unidos tinham registros condenando ataques de alvos civis Em 1939 antes de os Estados Unidos terem entrado na guerra o presidente Roosevelt tinha enviado uma mensagem aos governos da França Alemanha Itália Polônia e Grã Bretanha denunciando em termos fortes o bombardeio de cidades Ele tinha chamado isso de um barbarismo desumano N de T A citação referida é Então por que não faríamos o mal para que dele venha o bem Rm 3 8 Bíblia Sagrada 32 ed São Paulo Editora Ave Maria 1981 O bombardeio aéreo impiedoso de civis que resultou na mutilação e na morte de centenas de homens mulheres e crianças indefesos tem adoecido os corações de cada homem e mulher civilizados e tem chocado profundamente a consciência da humanidade Se houver recurso a essa forma de barbarismo desumano durante o período de conflagração trágica com o qual o mundo é agora confrontado centenas de milhares de seres humanos inocentes que não têm responsabilidade por isso e que não são nem mesmo remotamente participantes das hostilidades que agora eclodiram perderão as suas vidas Truman expressou pensamentos similares quando ele decidiu autorizar os bombardeios Ele escreveu em seu diário Eu disse ao secretário de guerra Senhor Stimson para usar os bombardeios de tal forma que objetivos militares soldados e marinheiros sejam o alvo e não mulheres e crianças O alvo será puramente militar É difícil de saber o que fazer com isso visto que Truman sabia que as bombas iriam destruir cidades inteiras Não obstante é claro que estava preocupado com a questão dos não combatentes É claro também que Truman estava seguro de sua decisão Winston Churchill o líder da GrãBretanha durante o tempo da guerra encontrouse com Truman um pouco antes de as bombas serem lançadas Mais tarde ele escreveu A decisão de usar ou não usar a bomba atômica para compelir a rendição do Japão nunca nem mesmo esteve em questão Houve acordo unânime automático e inquestionado na nossa reunião Depois de assinar a ordem final selando o destino de Hiroshima Truman disse mais tarde que dormiu como um bebê Elizabeth Anscombe que morreu em 2001 era uma estudante de 20 anos na Oxford University quando a Segunda Guerra Mundial começou Na época ela foi coautora de um controverso panfleto argumentando que a Bretanha não deveria fazer guerra porque países em guerra inevitavelmente terminam combatendo por meio injustos A Senhorita Anscombe como sempre foi conhecida apesar de seu casamento de 59 anos e de suas sete crianças estaria entre os mais distintos filósofos do século XX e a maior filósofa da história A Senhorita Anscombe foi também católica e sua religião foi central em sua vida Os seus pontos de vista éticos refletem ensinamentos católicos tradicionais Em 1968 após o Papa Paulo VI afirmar que a Igreja bania a contracepção ela escreveu um panfleto explicando por que o controle de natalidade artificial é imoral Mais tarde em sua vida ela foi presa enquanto protestava nas portas de uma clínica britânica de aborto Ela também aceitou o ensinamento da Igreja sobre a conduta ética na guerra o que a levou ao conflito com Truman Harry Truman e Elizabeth Anscombe cruzaram seus caminhos em 1956 A Oxford University estava planejando dar a Truman o título de doutor honoris causa em agradecimento pela ajuda dos Estados Unidos durante o tempo da guerra Aqueles que propuseram a honra pensaram que seria incontroverso Porém Anscombe e dois outros membros da faculdade se opuseram à ideia Ainda que eles tenham perdido forçaram uma votação para o que teria sido uma unanimidade Então enquanto o grau estava sendo conferido Anscombe ficou rezando de joelhos em frente do salão Anscombe escreveu um outro panfleto desta feita explicando que Truman era um assassino porque ele tinha ordenado o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki Truman naturalmente pensou que os bombardeios foram justificados eles encurtaram a guerra e salvaram vidas Para Anscombe isso não era suficiente Pois o fato de homens escolherem matar um inocente como um meio para seus fins escreveu ela é sempre assassinato Ao argumento de que os bombardeios salvaram mais vidas do que mataram ela replicou Convenhamos se você tivesse que escolher entre ferver um bebê e deixar algum desastre terrível acontecer a mil pessoas ou a um milhão de pessoas se um mil não é suficiente o que você faria O exemplo de Anscombe é inteligente A onda da bomba de Hiroshima que queimou pássaros no ar levou à fervura de bebês pessoas morreram em rios lagos e cisternas tentando em vão escapar do calor O ponto de Anscombe era que algumas coisas não devem ser feitas não importa o quê Não interessa se podemos alcançar um bem maior fervendo um bebê É errado simplesmente Anscombe acreditava em uma multidão de tais regras Sob nenhuma circunstância ela disse nós podemos matar pessoas inocentes adorar ídolos fazer uma falsa profissão de fé praticar sodomia ou adultério punir uma pessoa pelos atos de outro ou cometer traição que ela descreve como obter a confiança de alguém em uma questão grave prometendolhe amizade e então entregálo aos seus inimigos O marido de Anscombe Peter Geach 1916 concordou com isso Anscombe e Geach foram os maiores filósofos do século XX a defenderem a doutrina de que as regras morais são absolutas O IMPERATIVO CATEGÓRICO A ideia de que as regras morais não têm exceções é difícil de defender É fácil de explicar por que nós devemos descumprir uma regra nós podemos simplesmente apontar para casos nos quais seguir a regra poderia ter consequências terríveis Mas como podemos defender o não descumprimento da regra em tais casos É uma tarefa assustadora Nós podemos dizer que as regras morais são comandos invioláveis de Deus O que se pode dizer a mais do que isso Antes do século XX houve um grande filósofo que acreditou que as regras morais são absolutas Immanuel Kant 17241804 defendeu que mentir é errado sob qualquer circunstância Ele não apela a considerações teológicas em vez disso ele sustenta que a razão sempre proíbe a mentira Para ver como ele chegou a essa conclusão nós necessitamos olhar para a sua teoria ética em geral Kant observou que a palavra dever é frequentemente usada de forma não moral Se você quiser se tornar um jogador de xadrez melhor você deve estudar os jogos de Garry Kasparov Se você quiser ir para a faculdade você deve fazer o vestibular Muitas das nossas condutas são governadas por tais deveres O modelo é este temos um certo desejo se tornar um jogador de xadrez melhor ir para a faculdade reconhecemos que um curso de ação nos ajudará a conseguir o que queremos estudar os jogos de Kasparov fazer o vestibular então seguimos o plano indicado Kant chamouos de imperativos hipotéticos porque eles nos dizem o que fazer desde que nós tenhamos o desejo relevante Uma pessoa que não queira melhorar o seu xadrez não teria razão para estudar os jogos de Kasparov alguém que não queira ir para a faculdade não teria razão para fazer o vestibular A força vinculante do dever depende de ter o desejo Nós podemos escapar da sua força deixando de lado o desejo Assim por exemplo eu posso evitar fazer o vestibular decidindo que não quero ir para a faculdade As obrigações morais em contraste não dependem de desejos particulares A forma de uma obrigação moral não é se você quiser isto e aquilo então você deverá fazer tal e tal coisa Em vez disso os requerimentos morais são categóricos eles têm a forma você deve fazer tal e tal coisa ponto A regra moral não é por exemplo que você deve ajudar as pessoas se você se importa com elas ou se você quer ser uma boa pessoa Em vez disso a regra é que você deve ajudar as pessoas não interessando quais sejam os seus desejos Por isso não se pode escapar das obrigações morais simplesmente dizendo Mas eu não me importo com isso Deveres hipotéticos são fáceis de se entender Eles meramente nos dizem o que é necessário para atingirmos os nossos objetivos Como nós podemos ser obrigados a nos comportar de um certo modo a despeito de nossos objetivos Kant tem a resposta Assim como deveres hipotéticos são possíveis porque temos desejos deveres categóricos são possíveis porque temos razão Deveres categóricos Kant diz são derivados de um princípio que toda pessoa racional tem que aceitar o imperativo categórico Na sua Fundamentação da metafísica dos costumes 1785 Kant expressa o imperativo categórico como segue Age apenas segundo a máxima pela qual possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal Este princípio fornece um modo de dizer se um ato é moralmente permissível Quando você está pensando em fazer alguma coisa pergunte que regra você seguiria se você realmente fizesse aquilo Essa regra será a máxima do seu ato Então pergunte se você está querendo que a sua máxima se torne uma lei universal Em outras palavras você permitiria que a sua regra fosse seguida por todas as pessoas durante todos os tempos Se sim então a sua máxima é acertada e a sua ação é aceitável Mas se não então a sua ação é proibida Kant dá vários exemplos de como isso funciona Suponha ele diz um ho mem que necessita de dinheiro Ninguém lhe emprestará o dinheiro a menos que ele prometa devolver o que ele sabe que não será capaz de fazer Deve ele fazer uma falsa promessa para obter o empréstimo Se fizesse a sua máxima seria Se você precisar de um empréstimo prometa devolvêlo mesmo que você saiba que não poderá devolvêlo Agora pode ele querer que esta regra se torne uma lei universal Obviamente que não porque ela seria autodestrutiva Uma vez que essa regra se tornasse uma prática universal ninguém mais iria acreditar em tais promessas e ninguém faria empréstimos baseado nelas Kant dá um outro exemplo sobre a ajuda Suponha ele diz que eu me recuse a ajudar outras pessoas em necessidade dizendo para mim mesmo O que me importa Deixa cada um se virar por si mesmo Isso novamente é uma regra que eu não posso querer que se torne uma lei universal Pois em algum momento no futuro eu próprio precisarei da ajuda dos outros e eu não quererei que eles se recusem O ARGUMENTO DE KANT SOBRE MENTIR De acordo com Kant então nosso comportamento deve ser guiado por leis uni versais as quais são leis morais verdadeiras em quaisquer circunstâncias Kant acreditava em muitas de tais regras excepcionais Nós focalizaremos em regras contra mentir em relação às quais especialmente Kant tinha sentimentos fortes Ele disse que mentir sob qualquer circunstância é a obliteração da própria dignidade como um ser humano N de T KANT Immanuel Fundamentação da metafísica dos costumes Trad G A de Almeida Grundlegung zur Metaphysik der Sitten São Paulo Discurso EditorialBarcarolla 2009 1785 p 421 GMS AA 04 421 Kant ofereceu dois argumentos para uma regra absoluta contra mentir 1 O seu maior argumento reside no imperativo categórico Nós não podemos querer uma lei universal que nos permita mentir disse Kant porque uma tal lei seria autodestrutiva Tão logo mentir se tornasse comum as pessoas parariam de acreditar umas nas outras Mentir não teria então finalidade e em algum sentido seria impossível porque ninguém prestaria atenção no que você diria Portanto raciocinou Kant mentir não pode ser permitido Desse modo é proibido sob qualquer circunstância Esse argumento tem uma falha que se tornará clara com um exemplo Suponha que seja necessário mentir para salvar a vida de alguém Você deveria fazer isso Kant nos faria raciocinar do seguinte modo a Nós devemos fazer somente aquelas ações que se conformam a regras que nós possamos querer que sejam adotadas universalmente b Se você fosse mentir você estaria seguindo a regra É permitido mentir c Esta regra não poderia ser adotada universalmente porque seria autodestrutiva as pessoas parariam de acreditar umas nas outras e então não seria nada bom mentir d Portanto você não deve mentir Embora Anscombe concorde com a conclusão de Kant ela muito rapida mente apontou um erro no seu raciocínio A dificuldade reside no passo b Por que nós devemos dizer que se você mentiu você estava seguindo a regra É permitido mentir Talvez a sua máxima pudesse ser Eu mentirei para salvar a vida de alguém Tal regra não seria autodestrutiva Ela poderia se tornar uma lei universal Assim em razão da própria teoria de Kant seria totalmente correto para você mentir Desse modo a crença de Kant de que mentir é sempre errado não parece ser apoiada pela sua própria teoria moral 2 Muitos dos contemporâneos de Kant pensaram que a sua insistência em regras absolutas era estranha e eles disseram não Um crítico o desafiou com o seguinte exemplo suponha que alguém esteja fugindo de um assassino e diz a você que vai entrar em sua casa para se esconder Então o assassino chega e pergunta a você onde está o homem Você acredita que se disser a verdade para ele você estará ajudando em um assassinato Ademais o assassino já está no caminho certo então se você permanecer silente o pior resultado é provável O que você deve fazer Vamos chamar este exemplo de o caso da pergunta do assassino Sob essas circunstâncias a maioria de nós pensa que você deveria mentir Afinal o que é mais importante dizer a verdade ou salvar a vida de alguém Kant respondeu em um ensaio com um título charmoso à moda antiga Sobre um suposto direito de mentir por humanidade no qual ele oferta um segundo argumento contra mentir Talvez ele diz o homem em fuga na realidade já tenha deixado a sua casa e dizendo a verdade você levaria o assassino a procurar no lugar errado Porém se você mente o assassino pode se afastar e descobrir o homem deixando a área caso em que você seria responsável por sua morte Quem quer que minta diz Kant tem que responder pelas consequências não importando o quão imprevisível elas eram e tem que pagar a penalidade por elas Kant estabelece a sua conclusão no tom de um professor rigoroso Ser verídico em todas as declarações é portanto um mandamento sagrado da razão que ordena incondicionalmente e não é limitado por quaisquer conveniências Esse argumento pode ser estatuído em uma forma geral nós somos tentados a fazer exceções à regra contra mentir porque em alguns casos pensamos que as consequências da honestidade serão ruins e as consequências de mentir serão boas Os resultados de mentir podem ser inesperadamente ruins Portanto a melhor política é evitar o mal conhecido mentir e deixar as consequências advirem como poderiam advir Mesmo que as consequências sejam ruins elas não seriam nossa falta pois teríamos feito o nosso dever Um argumento similar poderseia aplicar à decisão de Truman de lançar as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki As bombas foram lançadas na esperança de que a guerra pudesse rapidamente terminar Mas Truman não sabia com certeza que isso poderia ocorrer Os japoneses poderiam ter resistido e a invasão ainda seria necessária Assim Truman estava apostando centenas de milhares de vidas na mera esperança de que bons resultados poderiam se seguir O problema com esse argumento é óbvio o suficiente de fato tão óbvio que é surpresa que um filósofo do calibre de Kant não tenha sido mais sensível a ele Em primeiro lugar o argumento depende de um ponto de vista pessimista não razoável do que nós conhecemos Algumas vezes podemos ter uma confiança absoluta sobre quais serão as consequências de nossas ações caso em que não necessitamos hesitar por causa da incerteza Ademais e isso é filosoficamente mais significativo Kant parece assumir que poderíamos ser moralmente responsáveis por quaisquer consequências ruins de se mentir e que nós não seríamos responsáveis por quaisquer consequências ruins de dizer a verdade Suponha como sendo o resultado de nosso dizer a verdade que o assassino encontre a vítima e a mate Kant parece assumir que não seríamos culpados Mas podemos nós escapar tão facilmente da responsabilidade Afinal nós ajudamos o assassino Então esse argumento não é convincente N de T KANT Immanuel Sobre um suposto direito de mentir Trad Artur Morão Covilhã Lusofia Press sd 1797 httpwwwlusosofianet Original disponível em httpwwwzenoorg Portanto Kant falhou em provar que mentir é sempre errado O caso da pergunta do assassino mostra a situação difícil que Kant escolheu para tratar Ao passo que Kant acredita que qualquer mentira é uma obliteração da própria dignidade como um ser humano o senso comum diz que há algumas mentiras que não causam dano De fato nós temos um nome para elas mentiras inocentes São mentiras inocentes aceitáveis ou mesmo requeridas quando elas são usadas para salvar alguém Isso aponta para a dificuldade maior da crença em regras absolutas não deveria uma regra ser desrespeitada quando seguila poderia ser desastroso CONFLITO DE REGRAS Suponha que se sustente ser absolutamente errado fazer X em qualquer circunstância e também que seja errado fazer Y em qualquer circunstância Então como ficaria o caso no qual uma pessoa tivesse que escolher entre fazer X e fazer Y Essa espécie de conflito parece mostrar que regras morais não podem ser absolutas Há algum modo pelo qual possamos enfrentar essa objeção Um modo é negar que tais conflitos realmente ocorram Peter Geach tomou este ponto de vista apelando à providência divina Nós podemos descrever casos fictícios nos quais não há maneira de evitar a violação de uma das regras absolutas mas Deus não irá permitir que tais circunstâncias aconteçam Geach escreve Se Deus é racional ele não comanda o impossível se Deus governa todos os eventos pela sua providência ele pode ver que não ocorrem as circunstâncias nas quais um homem tem sem culpa que enfrentar uma escolha entre atos proibidos Naturalmente tais circunstâncias são descritíveis de forma consistente mas a providência divina pode assegurar que elas de fato não ocorrem Ao contrário do que frequentemente dizem os que não acreditam a crença na existência de Deus faz uma diferença em relação ao que se espera que aconteça Tais casos realmente ocorrem Não há duvida de que regras morais importantes algumas vezes colidem Durante a Segunda Guerra Mundial pescadores holandeses levavam para a Inglaterra clandestinamente em seus barcos judeus refugiados Algumas vezes eles eram parados por patrulhas nazistas O capitão nazista poderia chamar e perguntar ao capitão holandês para onde ele estava indo quem estava a bordo e assim por diante Os pescadores poderiam mentir e ter permissão para passar Claramente os pescadores tinham somente duas opções ou eles mentiam ou eles deixavam todo mundo em seus barcos serem mortos Não havia uma terceira alternativa disponível Eles não podiam por exemplo permanecer em silêncio ou fugir dos nazistas Assim Geach parece ter sido ingênuo Dilemas terríveis ocorrem no mundo real Se tais dilemas ocorrem isso não desautoriza a existência de regras morais absolutas Suponha por exemplo que as duas regras seguintes sejam tomadas de forma absoluta É errado mentir e É errado facilitar o assassinato de pessoas inocentes Os pescadores holandeses teriam que fazer umas dessas duas coisas Portanto o ponto de vista moral que proíbe de forma absoluta ambas é incoerente Esse tipo de argumento é impressionante mas é também limitado Ele se aplica apenas a pares de regras morais absolutas Duas regras precisam criar o conflito O argumento não impede alguém de acreditar que há somente uma regra absoluta o que de algum modo todo mundo acredita Faça o que é certo é um princípio moral no qual todos nós acreditamos e que não admite exceções Nós sempre devemos fazer o que é certo Porém essa regra é tão formal que ela é trivial acreditamos nela porque na verdade ela realmente não diz nada Não é o tipo de regra moral absoluta que Kant Geach e Anscombe queriam sustentar O INSIGHT DE KANT Poucos filósofos contemporâneos defenderiam o imperativo categórico de Kant Mesmo assim poderia ser errado repudiálo tão rapidamente Como Alasdair MacIntyre 1929 observa para muitos que nunca ouviram falar de filosofia para não citar Kant a moralidade é grosso modo o que Kant disse que ela era isto é um sistema de regras que se deve seguir pelo senso do dever Há alguma ideia básica subjacente ao imperativo categórico que nós podemos aceitar mesmo que não acreditemos em regras morais absolutas Eu penso que há Relembre que Kant viu o imperativo categórico como vinculante para os agentes racionais simplesmente porque eles são racionais Em outras palavras uma pessoa que rejeitasse esse princípio seria culpada não somente de ser imoral mas também de ser irracional Esta é uma ideia que compele Mas o que isso significa exatamente Em que sentido seria irracional rejeitar o imperativo categórico Note que um julgamento moral tem que ser construído segundo boas razões se é verdade que você deve ou não deve fazer tal e tal coisa então tem que haver uma razão pela qual você deve ou não deve fazer isso Por exemplo você pode pensar que não deve atear fogo em florestas porque a propriedade poderia ser destruída e pessoas poderiam morrer A guinada de Kant é apontar que se você aceita quaisquer considerações como razões em um caso você tem que também aceitálas em outros casos Se houver um outro caso em que a propriedade poderia ser destruída e pessoas morrerem você teria que aceitar isso como uma razão também nesse caso Não é bom dizer que você aceita razões algumas vezes mas não sempre ou que outras pessoas têm que respeitálas mas não você Razões morais se elas forem de alguma forma válidas são vinculantes para todas as pessoas sempre Esta é uma exigência de consistência e Kant estava correto em pensar que nenhuma pessoa racional poderia negála Isso pode ter algumas implicações importantes Ela implica que uma pessoa não pode se olhar como especial de um ponto de vista moral ela não pode pensar de forma consistente que pode agir de modos que são proibidos para os outros ou que os seus interesses são mais importantes do que os interesses das outras pessoas Como observou um comentador eu não posso dizer que está tudo bem em eu tomar a sua cerveja e reclamar quando você bebe a minha Além disso implica que há restrições racionais sobre o que podemos fazer podemos querer fazer alguma coisa por exemplo tomar a cerveja de uma outra pessoa mas temos que reconhecer que não podemos consistentemente fazer isso porque não podemos ao mesmo tempo aceitar a implicação de que ele pode tomar a nossa cerveja Se Kant não foi o primeiro a reconhecer isso ele foi o primeiro a fazer disso a pedra angular de um sistema elaborado e completo da moral Mas Kant deu um passo além e disse que a consistência requer regras que não tenham exceções Nós podemos ver como este insight o empurrou nessa direção Porém o passo adicional não era necessário e causou problemas para a sua teoria Regras mesmo dentro da arquitetônica kantiana não necessitam ser absolutas Tudo o que a ideia kantiana requer é que quando nós violamos uma regra façamos isso por uma razão que seria passível de ser aceita por todos No caso da pergunta do assassino isso significa que podemos violar a regra de não mentir somente se pudermos querer que todo mundo possa mentir nas mesmas circunstâncias A maioria de nós iria prontamente concordar com isso O presidente Truman poderia também dizer que qualquer um em sua posição estaria justificado em lançar a bomba Assim mesmo que Truman estivesse errado o argumento de Kant não prova isso Poderseia dizer que lançar a bomba foi errado porque Truman tinha opções melhores Talvez ele devesse ter mostrado aos japoneses o poder da bomba lançandoa em uma área despovoada negociações poderiam ter sido bemsucedidas Ou quem sabe os aliados poderiam ter simplesmente declarado vitória naquela altura da guerra mesmo sem uma rendição japonesa Porém dizer coisas como estas é muito diferente de dizer que aquilo que Truman fez violou uma regra absoluta 10 Kant e o respeito pelas pessoas Há alguém que não admire o homem Giovanni Pico Della Mirandola Oration on the Dignity of Man 1486 AS IDEIAS CENTRAIS DE KANT Immanuel Kant pensou que os seres humanos ocupam um lugar especial na cria ção Naturalmente ele não estava sozinho ao pensar assim Desde os tempos antigos os seres humanos se consideraram como sendo essencialmente diferentes das outras criaturas e não só diferentes mas melhores De fato os seres humanos se consideram como sendo absolutamente fabulosos Kant certamente pensou Sob este ponto de vista os seres humanos têm um valor intrínseco ou dignidade que os torna valiosos acima de todo preço Os outros animais pensou Kant só têm valor na medida em que servem a finalidades humanas Em suas Lições sobre ética 1779 Kant escreveu No que diz respeito aos animais nós não temos deveres diretos Animais estão aí somente como meios para um fim Este fim é o homem Portanto nós podemos usar os animais de qualquer modo que nos agrade Nós nem mesmo temos um dever direto de não torturálos Kant condenou o abuso dos animais mas não porque os animais seriam feridos Antes nós nos preocupamos conosco mesmos Aquele que é cruel para com os animais também se torna insensível no seu trato com os homens Quando Kant disse que os seres humanos valem acima de todo preço isso não era mera retórica Kant quis dizer que as pessoas eram insubstituíveis Se uma criança morre isso é uma tragédia e permanece trágico mesmo que uma outra crianças nasça no seio da mesma família Por outro lado meras coisas são substituíveis Se a sua impressora quebra então tudo fica bem na medida em que você pode conseguir uma outra impressora Pessoas Kant acreditava têm uma dignidade que meras coisas não têm Dois fatos sobre as pessoas Kant pensava apoiam esse julgamento Primeiro porque as pessoas têm desejos as coisas que satisfazem tais desejos somente podem ter valor para as pessoas Em contraste meras coisas somente têm valor na medida em que promovem fins humanos Assim se você quer se tornar um jogador de pôquer melhor um livro sobre pôquer terá valor para você mas afora tais fins tais livros são sem valor Ou se você quer ir para algum lugar um carro terá valor para você mas afora tais desejos os carros não têm valor Meros animais pensou Kant são primitivos demais para ter desejos e fins autoconscientes Desse modo eles são meras coisas Kant não pensava por exemplo que o leite tenha valor para o gato que o quer tomar Mas atualmente nós estamos mais impressionados do que Kant com a vida mental dos animais Nós acreditamos que animais têm desejos e objetivos Portanto talvez haja fundamentos kantianos para dizer que os animais não são meras coisas Porém a segunda razão de Kant não se aplicaria aos animais As pessoas Kant disse têm um valor intrínseco isto é dignidade porque elas são agentes racionais isto é agentes livres capazes de tomar as suas próprias decisões estabelecer seus próprios fins e guiar a sua conduta pela razão O único modo pelo qual a bondade moral pode existir é para criaturas racionais agirem por uma vontade boa isto é apreender o que elas devem fazer e agir por um senso do dever Os seres humanos são os únicos agentes racionais que existem na terra Os animais não humanos não têm vontade livre Eles não guiam as suas condutas pela razão porque as suas capacidades racionais são muito limitadas Este segundo fato sobre as pessoas é especialmente importante para Kant Desse modo acreditou Kant os seres humanos não são meramente uma coisa valorosa entre outras Os humanos são os únicos que realizam a valoração sendo as suas ações conscientes que têm valor moral Seres humanos estão acima do reino das coisas Esses pensamentos são centrais para o sistema moral de Kant Kant acre ditou que todos os nossos deveres podem ser derivados de um princípio último que ele chamou de imperativo categórico Kant deu diferentes formulações a este princípio mas em uma ocasião ele o expressou deste modo Age de tal maneira que tomes a humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro sempre ao mesmo tempo como fim nunca meramente como meio N de T KANT Immanuel Fundamentação da metafísica dos costumes Trad G A de Almeida Grundlegung zur Metaphysik der Sitten São Paulo Discurso EditorialBarcarolla 2009 1785 p 421 GMS AA 04 429 Porque as pessoas são tão valiosas a moralidade requer que nós as tratemos sempre ao mesmo tempo como fim nunca meramente como meio O que isto significa e por que alguém deve acreditar nisto Tratar as pessoas como um fim significa no nível mais superficial tratá las bem Nós devemos promover o seu bemestar respeitar os seus direitos evitar lhes causar dano e em geral esforçarnos tanto quanto podemos para promover os fins dos outros Mas a ideia de Kant tem também uma implicação profunda Tratar as pessoas como fins requer tratálas com respeito Assim nós não podemos manipular as pessoas ou usar as pessoas para conseguirmos os nossos objetivos não importando quão bons tais objetivos possam ser Kant dá este exemplo suponha que você precisa de dinheiro e que você quer um empréstimo mas você sabe que não poderá devolvêlo Desesperado você considera a possibilidade de dizer à sua amiga que você irá reembolsála a fim de conseguir o dinheiro Pode você fazer isso Talvez você precise do dinheiro por uma boa razão tão boa de fato que você pode se convencer de que mentir seria justificado No entanto você não deve mentir para a sua amiga Se você fizesse isso você poderia estar manipulandoa e usandoa meramente como um meio Por outro lado como seria tratar a sua amiga como um fim Suponha que você lhe diga a verdade você lhe diz por que precisa do dinheiro e você lhe diz que não poderá reembolsála Então a sua amiga pode tomar a sua decisão se ela dá a você ou não o empréstimo Ela pode consultar os seus próprios valores e vontade exercitar o seu próprio poder de raciocínio e tomar uma decisão livre Se ela então decide dar a você o dinheiro para a sua finalidade exposta ela estará escolhendo tornar aquele objetivo o seu objetivo Assim você não a estará usando como um mero meio para conseguir os seus objetivos pois será também o objetivo dela Desse modo para Kant tratar as pessoas como fins é tratálas como seres que podem contêm em si mesmos o fim daquela mesma ação Quando você diz a verdade para a sua amiga e ela lhe dá dinheiro você a está usando como um meio para conseguir dinheiro Porém Kant não objeta que se trate alguém como um meio ele objeta que se trate alguém só como um meio Considere outro exemplo suponha que a pia do seu banheiro entupiu Seria bom chamar um encanador usar o encanador como um meio para desentupir o cano Kant não teria problema com isso O encanador afinal entende a situação Você não o está enganando ou manipulando Ele pode escolher livremente desentupir a pia em troca de pagamento Embora você esteja tratando o bombeiro como um meio você o está tratando também com dignidade como um fim em si mesmo Tratar as pessoas como fins e respeitar as suas capacidades racionais têm outras implicações Nós não podemos forçar adultos a fazerem coisas contra a sua vontade Em vez disso devemos deixálos tomar suas próprias decisões Nós devemos portanto ser cautelosos em relação a leis que visam a proteger as pessoas delas mesmas por exemplo leis que requerem as pessoas usarem cintos de segurança ou capacetes para motos Também não devemos esquecer que respeitar as pessoas requer respeitar a nós mesmos Eu tenho que cuidar bem de mim mesmo eu tenho que desenvolver os meus talentos eu tenho que fazer mais do que somente me omitir O sistema moral kantiano não é fácil de compreender Para entendêlo melhor vamos considerar como Kant aplicou as suas ideias à prática da punição criminal O resto do capítulo será dedicado a este exemplo RETRIBUIÇÃO E UTILIDADE NA TEORIA DA PUNIÇÃO Jeremy Bentham 17481832 disse que toda punição é um dano toda punição é em si mesma um mal Bentham tinha razão A punição por sua natureza sempre envolve infligir algum dano na pessoa que é punida Como uma sociedade nós punimos as pessoas fazendoas pagar multas ou indo para a prisão ou mesmo algumas vezes matandoas Como pode ser correto tratar as pessoas desse modo A resposta tradicional é que a punição é justificada como um modo de dar o troco ao ofensor pelo seu ato mau Aqueles que cometeram um crime merecem ser tratados de maneira ruim É uma questão de justiça se você fere outras pessoas a justiça requer que você também seja ferido Como afirma o antigo dito Olho por olho e dente por dente De acordo com a doutrina da retribuição esta é a maior justificação da punição O retributivismo segundo Bentham era uma ideia completamente insatisfatória porque advogava infligir sofrimento sem um ganho de felicidade em compensação O retributivismo faria aumentar não diminuir a quantidade de miséria no mundo Kant era um retributivista e ele abraçou abertamente esta implicação Na Crítica da razão prática 1788 ele escreve Mas se com alguém que gosta de provocar e perturbar pessoas amantes da paz as coisas acabam indo mal e ele é despedido com uma boa dose de golpes então isto certamente é um mal mas qualquer um o aprova e o considera em si bom mesmo que nada decorresse ulteriormente dele N de T KANT Immanuel Crítica da razão prática Trad Valério Rohden Kritik der praktischen Vernunft São Paulo Martins Fontes 2003 1788 KpV AA 05 61 A 107 Desse modo punir as pessoas pode aumentar a quantidade de miséria no mundo mas isso é completamente correto pois o sofrimento extra é sofrido por aqueles que o merecem O utilitarismo faz uma abordagem completamente diferente De acordo com o utilitarismo o nosso dever é fazer tudo o que aumentará a quantidade de felicidade no mundo A punição aparentemente é um mal porque ele torna a pessoa punida infeliz Portanto Bentham um utilitarista disse Se a punição deve enfim ser admitida ela deve ser admitida na medida em que promete excluir algum mal maior Em outras palavras a punição somente pode ser justificada se ela promove bem suficiente para sobrelevar o mal Tradicionalmente o utilitarismo pensou que a punição faz isso Se alguém desrespeita a lei então punir tal pessoa pode ter vários benefícios Primeiro a punição providencia conforto e gratificação às vítimas e a suas famílias As pessoas sentem fortemente que alguém que assaltou estuprou ou roubou não deve ficar solto As vítimas também vivem com medo quando sabem que seus ofensores não foram pegos Os filósofos algumas vezes ignoram esta justificação da punição mas ela desempenha um papel proeminente no nosso sistema legal Juízes advogados e jurados frequentemente querem saber o que as vítimas querem Realmente se a polícia fará uma prisão e se o ministério público fará persecução penal isso com frequência depende da vontade das vítimas Segundo prendendo criminosos ou os executando nós os retiramos das ruas Com poucos criminosos na rua haverá menos crimes Desse modo as prisões protegem a sociedade e assim reduzem a infelicidade Naturalmente essa justificação não se aplica a punições nas quais o ofensor permanece livre como quando um criminoso é sentenciado à liberdade condicional com prestação de serviços à comunidade Terceiro a punição reduz o crime detendo os possíveis criminosos Alguém que é tentado a cometer um crime pode não fazêlo se ele sabe que poderá ser punido Obviamente a ameaça da punição não é sempre eficaz Algumas vezes as pessoas desrespeitam a lei de qualquer modo Mas haverá menos condutas ruins com a ameaça da punição Imagine o que ocorreria se a polícia parasse de prender ladrões Certamente haveria um número muito maior de furtos Desse modo deter o crime previne a infelicidade Quarto um sistema bem ordenado de punição pode ajudar a reabilitar os malfeitores Os criminosos têm frequentemente problemas mentais e emocionais Frequentemente eles não têm educação são iletrados e não permanecem nos empregos Por que não responder ao crime pelo ataque aos problemas que o causam Se alguém é perigoso nós podemos encarcerálo Mas enquanto nós o mantemos atrás das grades por que não tratar de seus problemas com terapia psicológica oportunidades educacionais e preparação para o trabalho Se um dia ele puder retornar à sociedade como um cidadão produtivo então ele e a sociedade se beneficiarão Nos Estados Unidos a visão utilitarista sobre a punição já foi dominante Em 1954 a American Prison Association mudou o seu nome para American Correctional Association e aconselhou as prisões a se tornarem estabelecimentos correcionais As prisões foram convidadas a corrigir os internos não punilos A reforma de prisões for comum nos anos de 1950 e 1960 As prisões ofereciam aos internos programas de tratamento de drogas aulas de treinamento vocacional e sessões grupais de aconselhamento na esperança de tornálos bons cidadãos Porém isso foi há muito tempo Nos anos de 1970 o novo anúncio da guerra às drogas levou a sentenças cada vez mais longas para traficantes Essa mudança na justiça americana foi mais de natureza restributivista do que utilitarista e resultou em um número muito maior de prisioneiros Hoje os Estados Unidos têm em torno de 23 milhões de prisioneiros dandolhes de longe o primeiro lugar no índice de encarceramento em relação a qualquer outro país A maioria dos presos está nas prisões estaduais não em prisões federais Os Estados que têm que operar tais estabelecimentos estão precisando de dinheiro Como resultado disso a maioria dos programas que visavam à reabilitação ou foram reduzidos ou eliminados A mentalidade da reabilitação dos anos de 1960 foi desse modo substituída por uma mentalidade de depósito marcada por superlotação das prisões e pela praga da falta de recursos Essa nova realidade que é menos prazerosa para os próprios presos sugere uma vitória do retributivismo O RETRIBUTIVISMO DE KANT A teoria utilitarista da punição tem muitos oponentes Alguns críticos dizem que a reabilitação prisional não funciona A Califórnia teve o programa mais vigoroso de reabilitação nos Estados Unidos ainda assim os seus prisioneiros estavam especialmente propensos a cometer crimes depois de sua soltura A maior parte da oposição porém é baseada em considerações teóricas que vão pelo menos até Kant Kant desprezava os meandros do utilitarismo porque ele disse a teoria é incompatível com a dignidade humana Em primeiro lugar ele tem nos feito calcular como usar as pessoas como meios para nossos fins Se aprisionamos o criminoso para manter a sociedade segura nós o estamos usando meramente para o benefício dos outros Isso viola a crença de Kant de que nunca nenhum homem deve ser tratado meramente como um meio subserviente ao objetivo de um outro Ademais a reabilitação é na verdade somente a tentativa de moldar as pessoas segundo aquilo que nós queremos elas sejam Como tal isso viola o seu direito de decidir por si mesmas que tipo de pessoas elas querem ser Nós temos o direito de responder à sua maldade dandolhes o troco por isso mas não temos o direito de violar a sua integridade tentando manipular as suas personalidades Assim Kant não compartilha das justificações utilitaristas Em vez disso ele defende que a punição deve ser governada por dois princípios Primeiro as pessoas devem ser punidas simplesmente porque elas cometeram crimes e por nenhuma outra razão Segundo a punição tem que ser proporcional à seriedade do crime Punições pequenas são suficientes para crimes pequenos mas punições grandes são necessárias para crimes grandes Mas que espécie e que grau de punição adota a justiça pública como princípio e como medida Não pode ser outro senão o da igualdade na posição de fiel da balança da justiça o não inclinarse mais para um lado do que para o outro Portanto qualquer mal imerecido que causas a um outro no povo causalo a ti próprio se o injurias é a ti próprio que injurias se o roubas é a ti próprio que roubas se o agrides é a ti próprio que agrides se o matas é a ti próprio que matas Só a lei de retribuição ius talionis mas bem entendido na condição de se efetuar perante a barra do tribunal não no teu juízo privado pode indicar de maneira precisa a qualidade e a quantidade da pena todos os demais oscilam aqui e acolá e porque se imiscuem outras considerações não têm adequação ao veredicto da justiça pura e rigorosa O segundo princípio levao a endossar a pena capital pois em resposta a um homicídio somente a morte é apropriada Em uma famosa passagem Kant diz Mesmo que se dissolvesse a sociedade civil com o assentimento de todos os seus membros por exemplo se um povo que habita uma ilha decidisse separarse e espalharse pelo mundo inteiro teria antes que ser executado o último assassino que se encontrasse na prisão para que a cada um aconteça aquilo que os seus atos merecem e o sangue derramado não seja responsabilidade do povo que não exigiu este castigo pois pode ser considerado como cúmplice desta violação pública da justiça N de T KANT Immanuel A metafísica dos costumes Trad J Lamego Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 2005 1797 p 332 RL AA 06 332 N de T KANT Immanuel A metafísica dos costumes Trad J Lamego Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 2005 1797 p 333 RL AA 06 333 Ainda que um kantiano tenha de apoiar a pena de morte na teoria ele pode se opor na prática A preocupação na prática é que pessoas inocentes podem ser mortas por engano Nos Estados Unidos em torno de 130 presos no corredor da morte foram soltos da prisão depois de provarem a sua inocência Nenhuma dessas pessoas foram realmente mortas Mas com tantos não sendo por pouco mortos é quase certo que alguma pessoa inocente tenha sido morta Os advogados da reabilitação apontam para exemplos específicos e problemáticos Assim para decidir apoiar a política da pena capital os kantianos têm que balancear a injustiça de enganos mortais ocasionais em relação à injustiça de deixar assassinos viverem Os dois princípios de Kant descrevem uma teoria geral da punição mal feitores têm que ser punidos e a punição tem que ser adequada ao crime Essa teoria é profundamente oposta à ideia cristã de oferecer a outra face No sermão da montanha Jesus confessou Tendes ouvido o que foi dito Olho por olho dente por dente Eu porém vos digo Não resistais ao mau Se alguém te ferir a face direita oferecelhe também a outra Para Kant esta resposta ao mal não é só imprudente mas injusta Quais argumentos podem ser ofertados para o retributivismo de Kant Nós notamos que Kant vê a punição como uma questão de justiça Ele diz que se o culpado não é punido a justiça não é feita Este é um argumento Também nós discutimos por que Kant rejeita o ponto de vista utilitarista sobre a punição Mas ele providencia também outro argumento baseado na ideia de tratar as pessoas como fins em si mesmas Este argumento adicional é a contribuição de Kant para a teoria da retribuição Em face disso é difícil que nós possamos descrever a punição de alguém como respeitandoo como uma pessoa ou tratandoo como um fim Como pode o envio de alguém para a prisão ser um modo de respeitar este alguém Ainda de forma mais paradoxal como pode a execução de alguém ser um modo de tratálo como um ser racional que é responsável pelo seu comportamento Assim agora podemos perguntar o que significa ser um ente responsável Considere primeiro o que significa não ser um tal ente Meros animais que não têm razão não são responsáveis por suas ações nem o são as pessoas mentalmente doentes e que não se controlam Em tais casos seria absurdo considerálos responsáveis Nós não poderíamos de forma apropriada sentir gratidão ou ressentimento em relação a eles porque não são responsáveis por qualquer bem ou mal que causem Além disso não podemos esperar que eles entendam por que nós os tratamos assim assim como não podemos esperar que eles entendam por que eles se comportam de tal modo Desse modo nós não temos outra escolha senão manipulálos em vez de tratálos como indivíduos racionais Quando nós ralhamos com um cachorro ao comermos fora da mesa nós estamos meramente tentando treinálo N de T Bíblia Sagrada 32 ed São Paulo Editora Ave Maria 1981 MT 5 3839 Por outro lado um ser racional pode livremente decidir o que fazer baseado em sua própria concepção do que é melhor Seres racionais são responsáveis por seu comportamento e portanto eles são responsáveis por aquilo que fazem Nós podemos sentir gratidão quando eles se comportam bem e ressentimento quando eles se comportam mal Recompensa e punição não treinamento e outras manipulações são as expressões naturais de gratidão e ressentimento Portanto punindo as pessoas nós as estamos considerando responsáveis pelas suas ações de um modo no qual nós não podemos considerar os meros animais responsáveis Nós estamos respondendo a eles não como pessoas que estão doentes ou que não têm controle sobre si mesmas mas como pessoas que escolheram livremente seus atos maus Ademais ao tratar com agentes responsáveis podemos permitir com propriedade que a sua conduta determine ao menos em parte como nós respondemos a eles Se alguém foi amável com você você pode responder sendo generoso e se alguém é torpe com você você pode levar isso em conta e decidir como responder Por que você não deveria Por que você deveria tratar todo mundo igualmente independentemente de como eles escolheram se comportar Em relação a este último ponto Kant faz uma guinada notável Há em seu ponto de vista uma razão profunda para responder a outras pessoas na mesma moeda Quando escolhemos fazer alguma coisa depois de consultar os nossos próprios valores estamos dizendo na verdade esse é o tipo de coisa que deve ser feita Na terminologia de Kant nós estamos sugerindo que nossa conduta se torne uma lei universal Portanto quando um ser racional decide tratar as pessoas de um certo modo ele decreta que a seu juízo esse é o modo como as pessoas serão tratadas Se ele trata mal os outros e nós o tratamos mal nós estamos aquiescendo com a sua própria decisão Nós estamos em um sentido perfeitamente claro respeitando o seu julgamento permitindo que isso controle como nós o tratamos Desse modo Kant diz do criminoso que seu próprio ato mal desenha a punição sobre si mesmo Este último argumento pode certamente ser questionado Por que devemos adotar o princípio de ação do criminoso em vez de seguir nossos próprios princípios Deveríamos nós tentar ser melhores do que eles No final das contas o que pensamos da teoria kantiana pode depender de nosso ponto de vista sobre o comportamento criminoso Se virmos os criminosos como vítimas das circunstâncias que em última análise não controlam as suas próprias ações então o modelo utilitarista será atrativo para nós A resolução desse grande debate pode assim se transformar na questão se nós acreditamos que os seres humanos têm liberdade da vontade ou se nós acreditamos que forças externas impactam o comportamento humano tão profundamente que fazem da nossa liberdade uma ilusão O debate sobre a liberdade da vontade porém é tão complexo e tão afetado por questões fora da ética que nós não o discutiremos aqui Essa espécie de situação dialética é comum na filosofia quando você estuda uma matéria profundamente você frequentemente percebe que ela depende de alguma coisa a mais E desafortunadamente essa outra coisa com frequência é tão difícil como o conjunto de problemas com os quais nós começamos
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7 A abordagem utilitarista A maior felicidade para o maior número é o fundamento da moral e da legislação Jeremy Bentham Collected Works 1843 A REVOLUÇÃO NA ÉTICA O século XVIII tardio e o século XIX testemunharam uma série surpreendente de levantes o moderno Estadonação emergiu da Revolução Francesa e dos destroços do império napoleônico As revoluções de 1848 mostraram o poder transformador das ideias de liberdade igualdade e fraternidade No novo mundo os Estados Unidos nasceu ostentando um novo tipo de Constituição A Guerra Civil Americana 18611865 terminaria com a escravidão na civilização ocidental Durante todo esse tempo a revolução industrial estava fazendo uma completa reestruturação da sociedade Não surpreende que novas ideias sobre a ética tenham emergido durante essa era Em particular Jeremy Bentham 17481832 produziu um poderoso argumento para uma nova concepção de moralidade A moralidade ele insiste não é sobre agradar a Deus nem é sobre ser fiel a regras abstratas Em vez disso a moralidade é sobre fazer o mundo tão feliz quanto possível Bentham acreditava em um princípio moral último a saber o princípio da utilidade Este princípio requer de nós em todas as circunstâncias produzir a maior felicidade que nós pudermos Bentham foi o líder de um grupo de filósofos radicais cujo objetivo era reformar as leis e instituições da Inglaterra segundo uma linha utilitarista Um de seus seguidores era James Mill o distinto filósofo historiador e economista escocês O filho de James Mill John Stuart Mill 18061873 se tornaria o advogado líder da teoria moral utilitarista A advocacia de John Stuart foi ainda mais elegante e persuasiva do que a de Bentham O pequeno livro de Mill Utilitarianism 1861 é ainda hoje uma leitura requerida para estudantes sérios de ética À primeira vista o princípio da utilidade não parece ser a tal ideia radical De fato pode parecer óbvio demais para mencionar Quem não acredita que devemos nos opor ao sofrimento e promover a felicidade Ainda assim a seu próprio modo Bentham e Mill foram tão revolucionários como os outros dois grandes inovadores intelectuais do século XIX Darwin e Marx Para entender por que o princípio da utilidade foi tão radical considere o que ele deixa fora da moralidade sumiram todas as referências a Deus ou a regras morais abstratas escritas nos céus A moralidade não é mais concebida como fidelidade a algum código de origem divina ou a algum conjunto de regras inflexíveis Como Peter Singer 1946 mais tarde coloca a moralidade não é um sistema de proibições puritanas vis com a finalidade de impedir as pessoas de se divertirem Antes o ponto da moralidade é a felicidade de seres neste mundo e nada mais Énos permitido mesmo requerido fazer tudo o que for necessário para promover a felicidade Esta foi uma ideia revolucionária Como eu disse os utilitaristas foram reformadores sociais bem como filósofos Eles pretenderam fazer diferença com a sua doutrina não somente em pensamento mas na prática Para ilustrar isso iremos examinar brevemente as implicações de suas ideias para três questões práticas eutanásia maconha e o tratamento de animais não humanos Estas questões não exaurem as aplicações práticas do utilitarismo nem são necessariamente aquelas que os utilitaristas poderiam achar mais prementes Mas elas nos dão um bom sentido de como os utilitaristas abordavam questões morais PRIMEIRO EXEMPLO EUTANÁSIA Sigmund Freud 18561939 o legendário psicólogo foi diagnosticado com câncer na boca depois de uma vida fumando charuto Durante seus últimos anos a saúde de Freud teve altos e baixos mas no início de 1939 um grande inchaço se formou no fundo de sua boca ele não teria mais bons dias a partir de então O câncer de Freud era ativo e inoperável Ele estava sofrendo também de insuficiência cardíaca Conforme seus ossos se deterioravam eles espalhavam um cheiro horrível afugentando seu cão favorito Um mosquiteiro teve que ser posto em sua cama para manter as moscas longe Em 21 de setembro com a idade de 83 anos Freud pegou o seu amigo e médico pessoal Max Schur pela mão e disse Meu caro Schur você certamente relembra de nossa primeira conversa Você me prometeu na época não me desamparar quando meu tempo chegasse Agora não é senão tortura e não faz mais qualquer sentido Quarenta anos antes Freud tinha escrito O que vem a ser do indivíduo se já não mais se ousa expor que é a vez deste ou daquele homem morrer Dr Schur disse que ele entendera o pedido de Freud Ele injetou uma droga em Freud com a finalidade de terminar a sua vida Ele logo sentiu alívio escreveu o Dr Schur e caiu em um sono cheio de paz O Dr Max Schur fez alguma coisa errada Por um lado ele foi motivado por sentimentos nobres ele amava o seu amigo e queria aliviar a sua miséria Acima de tudo Freud tinha pedido para morrer Tudo isso arrazoa no sentido de um julgamento clemente Por outro lado o que Schur fez foi moralmente errado de acordo com a tradição moral dominante em nossa cultura Esta tradição é a cristandade A cristandade sustenta que a vida humana é um presente de Deus e que somente este pode decidir terminála A Igreja dos primeiros tempos proibiu todas as mortes acreditando que o ensinamento de Jesus não permitia exceções à regra Mais tarde a Igreja reconheceu algumas exceções como a pena capital e matar na guerra Mas suicídio e eutanásia permaneceram proibidos Para resumir a doutrina da Igreja os teólogos formularam a regra a morte intencional de uma pessoa inocente é sempre errada Esta ideia mais do que qualquer outra deu forma às atitudes ocidentais sobre a moralidade de matar Assim nós podemos relutar em escusar Max Schur ainda que ele tenha agido por motivos nobres Ele matou intencionalmente uma pessoa inocente Portanto de acordo com a nossa tradição o que ele fez foi errado O utilitarismo toma uma perspectiva muito diferente Ele pergunta qual ação disponível a Max Schur poderia ter produzido o maior saldo de felicidade sobre a infelicidade A pessoa cuja felicidade mais estava em questão era a de Sigmund Freud Se Schur não o tivesse matado Freud poderia ter vivido com uma dor miserável Quanta infelicidade isso teria envolvido É difícil de dizer precisamente A condição de Freud era tão ruim que ele preferiu a morte Matá lo deu um fim à sua agonia Portanto os utilitaristas concluíram que em tal caso a eutanásia é moralmente correta Ainda que o argumento seja muito diferente dos argumentos da tradição cristã os utilitaristas clássicos não pensaram que eles estivessem advogando uma filosofia ateísta ou antirreligiosa Bentham pensava que o crente poderia endossar o ponto de vista utilitarista mas somente se eles vissem Deus como benevolente Ele escreve Os ditames da religião coincidiriam em todos os casos com aqueles da utilidade se o Ser que é o objeto da religião fosse universalmente considerado como sendo benevolente assim como se supõe que ele seja sábio e poderoso Mas entre os advogados da religião parece haver muito poucos que sejam realmente crentes na sua benevolência Eles o chamam de benevolente com palavras mas eles não querem dizer que ele seja assim na realidade A moralidade da morte por compaixão poderia ser um exemplo com relação a esse assunto Como perguntaria Bentham um Deus benevolente poderia proibir a morte de Sigmund Freud Se alguém fosse dizer Deus é cuidadoso e amoroso mas ele nos proíbe de terminar com a miséria de Freud isso seria exatamente o que Bentham quer denotar com a expressão chamam de benevolente com palavras mas eles não querem dizer que ele seja assim na realidade A maioria das pessoas religiosas discorda de Bentham Não somente a nossa tradição moral mas também a nossa tradição jurídica se desenvolveram sob a influência do cristianismo Entre as nações ocidentais a eutanásia é legal somente em um punhado de países Nos Estados Unidos ela é homicídio simplesmente e um médico que mata intencionalmente um paciente pode passar o resto de sua vida na prisão O que diria o utilitarismo a respeito Se a eutanásia é moral sob o ponto de vista utilitarista deveria ela ser também legal Em geral não queremos declarar ilegal comportamentos moralmente aceitáveis Bentham foi treinado no direito Ele pensou o princípio da utilidade como um guia para os legisladores e para as pessoas comuns O objetivo da lei ele pensou é promover o bemestar dos cidadãos Tendo em vista esse objetivo a lei deveria restringir o mínimo possível a liberdade das pessoas Em particular nenhuma atividade deveria ser declarada ilegal a não ser que ela causasse dano ou fosse perigosa aos outros Bentham se opôs por exemplo a leis para regular a conduta sexual consentida de adultos Mas foi Mill que deu a esse princípio a sua expressão mais eloquente no seu livro On Liberty 1859 A única finalidade pela qual o poder pode ser corretamente exercido sobre os membros de comunidade civilizada contra a sua vontade é para evitar dano aos outros O seu próprio bem seja físico ou moral não é uma justificação suficiente Sobre si mesmo sobre seu próprio corpo e mente o indivíduo é soberano Portanto para o utilitarismo clássico leis contra a eutanásia são restrições injustificadas sobre a capacidade das pessoas controlarem as suas próprias vidas Quando Max Schur matou Sigmund Freud ele estava ajudando Freud a pôr um fim em sua vida da maneira que Freud tinha escolhido Nenhum dano foi causado a ninguém mais e portanto não dizia respeito a mais ninguém Dizse que o próprio Bentham pediu a eutanásia nos seus últimos dias Porém nós não sabemos se o pedido foi atendido SEGUNDO EXEMPLO MACONHA William Bennett foi o primeiro czar da droga americano De 1989 a 1991 como o maior assessor do presidente George H W Bush sobre a política de drogas ele advogou o cumprimento agressivo das leis americanas sobre drogas Bennett que era doutor em filosofia disse O fato simples é que o uso de drogas é errado O argumento moral ao final é o argumento que mais compele O argumento moral de Bennett parece é a simples asserção de que o uso de drogas é errado por sua própria natureza O que pensariam os utilitaristas sobre isso Para eles não há fatos simples como este da imoralidade do uso de drogas Em vez disso o argumento moral tem de tratar da questão complexa se o uso de drogas aumenta ou diminui a felicidade Vamos pensar sobre uma droga em particular a maconha O que diria um utilitarista sobre a ética da maconha As pessoas têm sentimentos fortes sobre esse tópico Pessoas jovens que usam drogas podem ficar na defesa e negar que a maconha cause qualquer tipo de dano Pessoas com mais idade que não usam drogas podem ser judiciosas muito embora falhem em distinguir a maconha de drogas mais pesadas como a cocaína e a metanfetamina Um bom utilitarista iria ignorar tais sentimentos Quais são os prós e contras da maconha de acordo com o utilitarismo O maior benefício da maconha é o prazer que ela traz Não somente a maconha é altamente relaxante como pode aumentar enormemente o prazer de atividades sensoriais como comer ouvir música e fazer sexo Esse fato quase nunca é mencionado nas discussões públicas As pessoas parecem assumir que o prazer é irrelevante para a moralidade O utilitarismo porém discorda Para os utilitaristas toda a questão é se a maconha aumenta ou diminui a felicidade Os utilitaristas não acreditam em prazeres ruins Se alguma coisa parece boa então ela é boa ao menos nessa medida Quão prazerosa é a maconha Algumas pessoas amamna Outras pessoas não gostam Para muitas outras depende de ela ser usada em um ambiente confortável Assim é difícil generalizar Os fatos sugerem que muitas pessoas apreciam ficar chapadas A maconha é a droga ilícita mais popular nos Estados Unidos um terço dos americanos experimentaramna 6 usaramna no último mês os americanos gastam mais de 10 bilhões de dólares por ano nisso apesar da ameaça de prisão Qual a infelicidade que a maconha causa Algumas das acusações feitas contra ela são infundadas Primeiro a maconha não causa violência A maconha tende a tornar as pessoas passivas não agressivas Segundo a maconha não é uma porta de entrada para drogas que leva as pessoas a necessitarem e a usarem drogas mais pesadas Frequentemente as pessoas usam maconha antes de usar drogas mais pesadas mas isso é porque ela é amplamente disponível Em regiões onde o crack é mais fácil de obter as pessoas em geral experimentam primeiro o crack Terceiro a maconha não é altamente viciante De acordo com os especialistas é menos viciante do que a cafeína Os utilitaristas não querem basear as suas estimativas em informação falsa Porém a maconha tem algumas desvantagens reais que os utilitaristas têm de balancear em relação aos benefícios Primeiro algumas pessoas se tornam viciadas Ainda que deixar a maconha não seja tão traumático como digamos deixar a heroína parar de usar causa desprazer para o viciado Segundo uso pesado a longo prazo pode causar danos cognitivos moderados que podem diminuir a felicidade Terceiro ficar chapada todo o tempo poderia tornar uma pessoa improdutiva Quarto fumar maconha é ruim para o sistema respiratório Um baseado pode ser tão ruim para os seus pulmões quanto seis cigarros Porém ingerir maconha de outros modos por exemplo pondo em bolinhos para comer não seria ruim para os seus pulmões de maneira alguma O que os utilitaristas concluem de tudo isso Quando nós olhamos para os danos e benefícios o uso ocasional de maconha dificilmente parece ser uma questão moral absolutamente Não há desvantagens conhecidas Assim os utilitaristas consideram o uso casual como uma questão de preferência pessoal Uso pesado de maconha levanta questões mais complexas O prazer conseguido pelo uso pesado e a longo prazo se sobrepõe às desvantagens Provavelmente dependa de cada pessoa De qualquer modo a questão é tão difícil que os utilitaristas podem discordar na resposta Até aqui discutimos a decisão individual sobre o uso da maconha E o direito Deveria a maconha ser ilegal de acordo com o utilitarismo De acordo com o utilitarismo o fato de muitas pessoas gostarem de ficar chapadas é uma razão forte para legalizar a droga Que outros fatores são relevantes Se a maconha fosse legal outras pessoas poderiam usála sendo que várias preocupações advêm desse fato a sociedade como um todo pode se tornar menos produtiva os contribuintes podem sentir o peso de pagar as despesas médicas daqueles que usam muita droga mais pessoas podem dirigir quando drogadas Devese observar contudo que a maconha somente prejudica ligeiramente a habilidade de dirigir porque as pessoas que estão drogadas dirigem com precaução e defensivamente De outro lado a sociedade seria melhor se a maconha substituísse o álcool como uma droga de abuso cidadãos drogados são improdutivos mas alcoólicos perdem ainda mais dias de trabalho devido à ressaca do dia seguinte o alcoolismo é especialmente caro em termos de cuidados médicos o álcool prejudica a habilidade de dirigir muito mais do que a maconha e finalmente bêbados são mais violentos do que maconheiros Portanto um benefício da legalização da maconha poderia ser um menor número de alcoólicos ainda que pudesse haver mais maconheiros Ademais há dois custos grandes para manter as leis atuais O primeiro é a perda de recursos para a sociedade Com a maconha ilegal a sociedade gasta dinheiro na execução penal Com a legalização da maconha a sociedade poderia coletar dinheiro pela tributação Legalizar a maconha nos Estados Unidos economizaria em torno de 77 bilhões de dólares por ano em custos de execução penal e poderia gerar entre 24 a 64 bilhões de dólares em tributos dependendo de ela ser tributada normalmente ou a um índice mais alto como o álcool e o tabaco são agora tributados Porém o maior custo é o dano causado aos transgressores Nos Estados Unidos mais de 700 mil pessoas são presas a cada ano por posse de maconha e mais de 44 mil pessoas estão atualmente na prisão por uso de maconha Não somente ser preso e encarcerado é horrível como ex condenados têm dificuldade em encontrar empregos decentes Os utilitaristas se importam com esses danos mesmo que eles sejam infligidos sobre os que desrespeitam a lei sabendo que podem ser punidos Desse modo quase todos os utilitaristas apoiam a legalização da maconha No seu conjunto a maconha é menos prejudicial do que o álcool ou os cigarros que as sociedades ocidentais já toleram Porém os utilitaristas têm que ser flexíveis Se novas evidências emergirem mostrando que a maconha é mais danosa do que previamente se tinha pensado então o ponto de vista utilitarista pode mudar TERCEIRO EXEMPLO ANIMAIS NÃO HUMANOS O tratamento dos animais tem sido visto como uma questão trivial Os cristãos acreditam que só o homem é feito à imagem de Deus e que os animais não têm alma Assim pela ordem natural das coisas podemos tratar os animais do modo como quisermos São Tomás de Aquino 1225 1274 sumariou o ponto de vista tradicional quando escreveu Por esse meio é refutado o erro daqueles que dizem que é pecaminoso um homem matar animais brutos pois eles foram destinados pela divina providência para o uso do homem na ordem natural Portanto não é errado para o homem fazer uso deles seja matandoos seja usandoos de qualquer outro modo Mas não é errado ser cruel para com os animais Aquino admite que é mas ele diz a razão tem a ver com o bemestar humano não com o bemestar dos animais E se algumas passagens da Sagrada Escritura parecem nos proibir de sermos cruéis para com os animais brutos por exemplo matar um pássaro com seus filhotes isso ou é para remover os pensamentos dos homens de serem cruéis com outros homens pois que sendo cruel com os animais alguém poderia se tornar cruel para com seres humanos ou é porque o dano a um animal conduz à dor temporal do homem seja do autor da ação seja de um outro Portanto pessoas e animais estão em categorias morais separadas Animais não têm porte moral por si mesmos Nós estamos liberados para tratálos de qualquer modo que queiramos Posto assim abruptamente a doutrina tradicional nos deixa um pouco nervosos ela parece extrema em sua falta de consideração por animais não humanos muitos dos quais são afinal criaturas inteligentes e sensíveis Ainda assim somente um pouco de reflexão é necessária para ver o quanto a nossa conduta realmente é guiada por essa doutrina Nós comemos animais Nós os usamos como objeto de experiência em nossos laboratórios Nós usamos a sua pele para fazer roupas e suas cabeças como ornamentos de parede Nós fazemos deles objetos de nossa diversão em circos e rodeios Nós os caçamos e os matamos por esporte Se alguém não está confortável com a justificação teológica dessas práticas a filosofia ocidental tem oferecido várias justificações de caráter secular Os filósofos disseram que os animais são irracionais que lhes falta a habilidade de falar ou que eles simplesmente não são humanos Tudo isso é fornecido como razões pelas quais os seus interesses residem fora da esfera de preocupação moral Os utilitaristas porém não sustentariam nada disso Em seu ponto de vista o que importa não é se um animal tem uma alma é racional ou algumas outras das coisas mencionadas Tudo o que importa é se eles podem experimentar felicidade e infelicidade Se um animal pode sofrer então temos um dever de levar isso em consideração quando decidimos o que fazer De fato Bentham argumenta que se um animal é humano ou não humano é tão irrelevante como se o animal é preto ou branco Ele escreve Poderá chegar o dia em que o resto das criaturas animais poderão adquirir aqueles direitos que nunca poderiam ter sido retirados deles senão pela mão da tirania Os franceses já descobriram que o negrume da pele não é uma razão pela qual um ser humano possa ser abandonado sem reparos ao capricho de um algoz Pode ser que um dia venha a ser reconhecido que o número de pernas de velosidades da pele ou da terminação do os sacrum sejam todas razões igualmente insuficientes para abandonar uma criatura sensível ao mesmo destino O que mais poderia traçar a linha insuperável Seria a faculdade da razão ou talvez a faculdade do discurso Mas um cavalo adulto ou um cachorro é sem comparação um animal mais racional bem como mais conversável do que uma criança de um dia uma semana ou mesmo um mês de idade Mas suponha que fossem diferentes qual seria o proveito A questão não é Podem eles raciocinar nem Podem eles falar mas Podem eles sofrer Se um ser humano é torturado por que isso é errado Porque essa pessoa sofre Similarmente se um não humano é atormentado ele também sofre Se é um humano ou um animal que sofre é simplesmente irrelevante Para Bentham e para Mill essa linha de raciocínio foi conclusiva Humanos e não humanos são igualmente titulares de consideração moral Esse ponto de vista parece extremo em uma direção oposta como é extremo o ponto de vista tradicional que não garante nenhum status moral aos animais Devem os animais realmente ser vistos como iguais aos humanos Em algum sentido Bentham e Mill pensaram assim mas eles não acreditavam que animais e humanos tinham de ser tratados sempre do mesmo modo Há diferenças fatuais entre eles que frequentemente justificarão diferenças de tratamento Por exemplo por causa de suas capacidades intelectuais humanos podem ter prazer em coisas que os não humanos não podem desfrutar matemática literatura jogos de estratégia e assim por diante Similarmente a capacidade superior dos humanos os torna capazes de frustrações e desapontamentos que outros animais não podem experimentar Assim nosso dever de promover a felicidade implica um dever de promover tais desfrutes para os humanos bem como prevenir alguns danos especiais que eles podem sofrer Ao mesmo tempo porém temos um dever moral de levar em consideração o sofrimento dos animais sendo que o seu sofrimento conta tanto quanto qualquer sofrimento similar experimentado por humanos Em 1970 o psicólogo britânico Richard D Ryder cunhou o termo especismo para se referir à ideia de que os interesses dos animais contam menos do que os interesses humanos Os utilitaristas acreditam que o especismo é discriminação contra outras espécies tanto como racismo é discriminação contra outras raças Ryder se admira como nós poderíamos possivelmente justificar a permissão de experimentos como estes Em Maryland em 1996 os cientistas usaram cachorros beagle para es tudar choque céptico Eles fizeram buracos nas gargantas dos cachorros e colocaram coágulos infectados com E coli dentro de seus estômagos Em três semanas a maioria dos cachorros morreu Em Taiwan em 1997 cientistas jogaram pesos nas espinhas dos ratos para estudar danos na coluna Os pesquisadores descobriram que danos maiores foram causados pela queda dos pesos de alturas maiores Desde 1990 chimpanzés macacos cachorros gatos e roedores têm sido usados para estudar alcoolismo Depois de viciarem os animais em álcool os cientistas observaram sintomas como vômito tremor ansiedade e apreensão Quando os animais ficam abstêmios os cientistas induziram convulsões levantandoos por seus rabos dando choques elétricos e injetando químicos em seus cérebros O argumento utilitarista é suficiente simplesmente Nós devemos julgar as ações certas ou erradas segundo elas causem mais felicidade ou infelicidade Obviamente foram causados sofrimentos terríveis aos animais nesses experimentos Houve algum ganho compensador em felicidade que justificaria isso Foi uma maior infelicidade evitada para outros animais ou para humanos Se não houve isso então os experimentos foram moralmente inaceitáveis Esse estilo de argumento não implica que todos os experimentos com animais sejam imorais Em vez disso ele sugere que cada experimento seja julgado segundo o seu mérito Não obstante o princípio utilitarista implica que experimentos que causam muita dor requerem uma justificação significativa Nós não podemos simplesmente assumir um valetudo no tratamento com não humanos Mas criticar experimentos animais é muito fácil para a maioria de nós Nós podemos nos sentir sobranceiros ou superiores porque não fazemos tais pesquisas Porém todos nós estamos envolvidos com a crueldade quando comemos carne Os fatos sobre a produção de carne são mais perturbadores do que quaisquer fatos sobre a experimentação animal Muitas pessoas acreditam de uma maneira vaga que matadouros são desagradáveis mas que animais criados para comer são ao contrário tratados humanamente De fato animais de fazendas vivem em condições repugnantes antes de serem levados para o matadouro Vitelos por exemplo passam 24 horas por dia em redis tão pequenos que eles não podem se virar deitar confortavelmente ou mesmo torcer as suas cabeças para espantar parasitas Os produtores os põem em pequenos redis para economizar dinheiro e deixar a sua carne macia As vacas sentem falta de suas mães e como as crianças humanas elas querem alguma coisa para sugar assim elas tentam em vão sugar os cantos das madeiras de seus estábulos Os bezerros são também alimentados com uma dieta deficiente em ferro e forragem a fim de manter a sua carne descorada e saborosa A sua ânsia por ferro se torna tão forte que eles lamberiam a sua própria urina se eles pudessem se virar o que normalmente eles nunca poderão fazer Sem forragem os bezerros não podem formar o bolo alimentar para ruminar Por essa razão eles não podem receber uma cama de palha porque eles a comeriam na tentativa de consumir forragem Desse modo para esses animais o matadouro não é um fim desagradável para uma existência satisfeita O vitelo é somente um exemplo Galinhas perus porcos e vacas adultas vivem todos em condições horríveis antes de serem abatidos O argumento utilitarista nessas questões é simples O sistema de produção de carne causa sofrimento enorme para os animais sem benefícios compensadores Portanto devemos abandonar esse sistema Nós deveríamos ou nos tornar vegetarianos ou então tratar nossos animais humanamente antes de matá los O que é mais revolucionário em tudo isso é simplesmente a ideia de que os interesses dos animais não humanos contam Nós normalmente assumimos que somente os seres humanos são merecedores de consideração moral O utilitarismo desafia essa assunção e insiste que a comunidade moral tem que ser expandida para incluir todas as criaturas cujos interesses possam ser afetados pelo que nós fazemos Os seres humanos são especiais de muitos modos Uma moralidade adequada tem que reconhecer isso Mas não somos os únicos animais deste planeta e uma moralidade adequada também tem que reconhecer este fato 8 O debate sobre o utilitarismo O credo que aceita o princípio da maior felicidade sustenta que as ações são corretas quando elas tendem a promover a felicidade e erradas quando elas tendem a produzir o inverso da felicidade John Stuart Mill Utilitarianism 1861 O homem não luta por felicidade somente o homem inglês faz isso Friedrich Nietzsche Twilight of the Idols 1889 A VERSÃO CLÁSSICA DA TEORIA O utilitarismo clássico pode ser resumido em três proposições a a moralidade de uma ação depende somente das suas consequências nada mais interessa b as consequências de uma ação importam somente na medida em que envolvem uma maior ou menor felicidade dos indivíduos c no tratamento das consequências a felicidade de cada indivíduo recebe igual consideração Isso significa que quantidades iguais de felicidade sempre contam igualmente o bemestar de ninguém importa mais somente porque é rico vamos dizer ou poderoso ou bonito De acordo com o utilitarismo clássico uma ação é correta se ela produz a maior soma possível de felicidade sobre a infelicidade O utilitarismo clássico foi desenvolvido e defendido por três dos maiores filósofos do século XIX na Inglaterra Jeremy Bentham 17481832 John Stuart Mill 18061873 e Henry Sidgwick 18381900 Graças em parte a seu trabalho o utilitarismo tem tido uma influência profunda no pensamento moderno A maioria dos filósofos morais contudo rejeitam a teoria A seguir discutiremos algumas das objeções que tornaram a teoria impopular Ao examinar esses argumentos ponderaremos também algumas das questões mais profundas da teoria ética O PRAZER É TUDO O QUE IMPORTA A questão Quais coisas são boas é diferente da questão Quais ações são justas O utilitarismo responde a segunda questão em referência à primeira Ações justas são as que produzem o maior bem Mas o que é o bem A resposta utilitarista é a felicidade Como Mill apresenta A doutrina utilitarista é que a felicidade é desejável e é a única coisa desejável como um fim Todas as outras coisas só são desejáveis como um meio para esse fim Mas o que é a felicidade De acordo com os utilitaristas clássicos a felicidade é prazer Os utilitaristas entendem o prazer de forma ampla para incluir todos os estados mentais sentidos como sendo bons Um sentido de realização um gosto delicioso e a consciência intensa que advém no clímax de um filme de suspense são todos exemplos de prazer A tese de que o prazer é o bem último e a dor o mal último é conhecida desde a antiguidade como hedonismo A ideia de que as coisas são boas ou más em razão de como as sentimos sempre teve seguidores na filosofia No entanto uma pequena reflexão parece revelar falhas nessa teoria Considere estes dois exemplos Você pensa que alguém é seu amigo mas ele ridiculariza você pelas costas Ninguém lhe informa isso assim você nunca saberá É isso desventurado para você Os hedonistas teriam que dizer que não é porque nunca lhe seria causada dor alguma Ainda assim nós acreditamos que há alguma coisa que não vai bem Você está sendo maltratado ainda que você não esteja ciente disso e não sofra infelicidade As mãos de uma pianista promissora são feridas em um acidente de carro de tal forma que ela não pode mais tocar piano Por que isso é ruim para ela Os hedonistas diriam que é ruim porque lhe causa dor e elimina uma fonte de alegria para ela Mas suponha que ela encontre alguma outra coisa que a alegre tanto quanto suponha por exemplo que ele obtenha tanto prazer assistindo à televisão quanto ela obtinha tocando piano Por que o seu acidente seria uma tragédia O hedonista somente pode dizer que ela se sentirá frustrada e triste quando ela pensar em como poderia ter sido sendo essa a sua desventura Mas essa explicação faz as coisas andarem para trás Não é como se pela sensação de tristeza ela transformasse uma situação neutra em uma situação ruim Ao contrário a situação ruim é o que a faz infeliz Ela poderia ter se tornado uma grande pianista e agora ela não se tornará Nós não podemos eliminar a tragédia pondoa para ver televisão e animandoa Esses exemplos têm base em uma mesma ideia nós valorizamos outras coisas além do prazer Por exemplo valorizamos a amizade e a criação artística Essas coisas nos fazem felizes mas não é esta a única razão pela qual nós as valorizamos Parece como uma desgraça perdêlas mesmo que não haja perda da felicidade Por essa razão a maioria dos utilitaristas da atualidade rejeitam a assunção clássica do hedonismo Alguns deles ignoram a questão do que é bom dizendo somente que as ações justas são aquelas que têm os melhores resultados não importando a medida na qual eles são medidos Outros utilitaristas como é o caso do filósofo inglês G E Moore 18731958 compilaram listas de coisas para serem vistas como valiosas em si mesmas Moore sugere que há três bens intrínsecos óbvios prazer amizade e fruição estética Assim as ações justas são aquelas que aumentam o suprimento mundial de tais coisas Outros ainda dizem que devemos agir de tal modo a maximizar a satisfação das preferências das pessoas Nós não discutiremos os méritos e deméritos dessas teorias do bem Eu as menciono somente para notar que mesmo o hedonismo tendo sido amplamente rejeitado utilitaristas contemporâneos não encontraram dificuldade para seguir em frente AS CONSEQUÊNCIAS SÃO TUDO O QUE IMPORTA Para determinar se uma ação é correta os utilitaristas acreditam que devemos olhar para o que acontece como resultado da ação Esta ideia é central para a teoria Se outras coisas além das consequências são importantes para determinar o que é correto então o utilitarismo seria incorreto Aqui há três argumentos que atacam a teoria justamente nesse ponto Justiça Em 1965 ao escrever no clima radicalmente carregado do movimento americano pelos direitos civis H J McCloskey pedenos para considerar o seguinte exemplo Suponha que um utilitarista estivesse de visita em uma área na qual houve luta racial e que durante a sua visita um negro estupre uma mulher branca e que motins raciais ocorram como um resultado do crime Suponha também que nosso utilitarista esteja na área do crime quando é cometido o crime de tal forma que o seu testemunho poderia levar à condenação de qualquer um que ele acuse Se ele soubesse que uma prisão rápida pararia os motins e linchamentos certamente como um utilitarista ele teria que concluir que ele teria o dever de sustentar falso testemunho para levar à punição uma pessoa inocente Tal acusação teria consequências ruins o homem inocente poderia ser condenado mas haveria boas consequencias suficientes para pesar mais do que aquelas ruins os motins e linchamentos poderiam parar e muitas vidas poderiam ser salvas Desse modo o melhor resultado seria alcançado pela sustentação de falso testemunho Portanto de acordo com o utilitarismo mentir seria a coisa certa a fazer Mas continua o argumento seria errado levar à condenação uma pessoa inocente Portanto o utilitarismo tem que ser incorreto De acordo com os críticos do utilitarismo esse argumento ilustra uma das mais sérias deficiências da teoria nomeadamente que ela é incompatível com o ideal de justiça A justiça requer que nós tratemos as pessoas equitativamente de acordo com os méritos de suas situações particulares No exemplo de McCloskey o utilitarismo requer que tratemos alguém de forma não equitativa Portanto o utilitarismo não pode ser correto Direitos Aqui é um exemplo de um tribunal americano de apelação No caso York v Story 1963 advindo da Califórnia Em outubro de 1958 a apelante Senhorita Angelynn York foi ao departamento de polícia de Chino para fazer um boletim de ocorrência em relação a um assalto que tinha sofrido O apelado Ron Story um policial do departamento de polícia sob os trajes de sua autoridade avisou a apelante de que era necessário tirar algumas fotos dela Então Story levou a apelante até uma sala na central de polícia chaveou a porta e ordenou que ela tirasse a roupa o que ela fez Story então ordenou à apelante que assumisse várias posições indecentes e a fotografou nessas posições Essas fotografias não foram feitas para qualquer finalidade legal ou legítima A apelante objetou para se despir Ela disse a Story que não havia necessidade de tirar fotografias dela nua ou nas posições em que ela foi ordenada a fazer porque a lesão não apareceria em nenhuma fotografia Mais tarde naquele mês Story avisou à apelante que as fotos não tinham saído e que ele as tinha destruído Em vez disso Story circulou as fotografias entre o pessoal do departamento de polícia de Chino Em abril de 1960 dois outros policiais daquele departamento apelado Louis Moreno e o acusado Henry Grote agindo sob o manto de sua autoridade e usando o equipamento de fotografia da polícia da central de política fizeram fotos adicionais tiradas por Story Moreno e Grote então circularam essas fotos entre o pessoal do departamento de polícia de Chino A Senhorita York moveu um processo contra esses policiais e ganhou Seus direitos legais tinham sido claramente violados Porém o que dizer sobre a moralidade do comportamento dos policiais Os utilitaristas dizem que as ações são defensáveis se elas produzirem uma balança favorável entre a quantidade de infelicidade causada a York e o prazer que as fotografias deram ao policial Story e aos outros É ao menos possível que mais felicidade do que infelicidade tenha sido criada Neste caso a conclusão utilitarista deveria ser que as suas ações foram moralmente aceitáveis Mas isso parece perverso Por que o prazer de Story e de seus amigos deveria ter alguma importância Eles não tinham o direito de tratar York desse modo e o fato de eles terem desfrutado da ação dificilmente parece relevante Considere um caso relacionado a esse Suponha que um voyeur espionou uma mulher através da janela de seu banheiro e fez fotos secretamente dela nua Suponha que ele nunca seja descoberto e que nunca mostre as fotos para mais ninguém Nessas circunstâncias a única consequência de sua ação parece ser um aumento de sua felicidade A ninguém mais incluindo a mulher é causada qualquer infelicidade Como então poderia o utilitarismo negar que a ação do voyeur é correta O utilitarismo novamente parece ser inaceitável O pontochave do utilitarismo é que ele está em desacordo com a ideia de que as pessoas têm direitos que não podem ser pisoteados meramente porque se antecipam bons resultados Nesses exemplos o direito da mulher à privacidade é violado Mas nós podemos pensar em casos similares em que outros direitos estão em questão o direito de culto livre o direito de falar o que se tem em mente ou mesmo o direito de viver Sob o ponto de vista do utilitarismo os direitos de um indivíduo podem sempre ser pisoteados se um número suficiente de pessoas se beneficiarem do pisoteamento Assim o utilitarismo tem sido acusado de apoiar a tirania da maioria se a maioria das pessoas tivessem prazer no abuso dos direitos de alguém então se deveria abusar dele porque o prazer da maioria suplanta o sofrimento de uma pessoa Porém nós não pensamos que nossos direitos individuais devam significar tão pouco moralmente A noção de um direito individual não é uma noção utilitarista É totalmente o contrário é uma noção que põe limites em como um indivíduo pode ser tratado independentemente do bem que poderia ser conseguido Razões do passado Suponha que você tenha prometido fazer alguma coisa digamos você prometeu encontrar a sua amiga em um bar esta noite Mas quando o tempo está para chegar você não quer mais ir Você precisa recuperar o atraso de algum trabalho e preferiria ficar em casa Você tenta ligar para ela para cancelar mas ela não está respondendo ao telefone celular O que você deve fazer Suponha que você julgue que a utilidade de ter o seu trabalho feito tenha uma leve vantagem sobre a irritação que a sua amiga poderia experimentar Pela aplicação do padrão utilitarista você poderia concluir que ficar em casa seria melhor do que manter a sua promessa Porém isso não parece correto O fato de você ter prometido impõe uma obrigação sobre você da qual você não pode escapar tão facilmente Naturalmente se algo importante estivesse em questão se por exemplo você tivesse que levar a sua mãe para o hospital você estaria justificado em quebrar a promessa Mas um pequeno ganho de felicidade não pode se sobrepor à obrigação criada pela sua promessa A obrigação deveria significar alguma coisa moralmente Assim o utilitarismo mais uma vez parece equivocado Essa crítica é possível porque o utilitarismo considera somente as consequências de nossas ações Porém nós pensamos que também considerações sobre o passado são importantes Você fez uma promessa para a sua amiga Esse é um fato sobre o passado O utilitarismo parece falho porque ele exclui tais razões do passado Uma vez que entendemos esse ponto podemos pensar em outros exemplos de razões do passado O fato de alguém ter cometido um crime é uma razão para punilo O fato de alguém ter feito um favor para você na última semana é uma razão para você fazer a ele um favor na próxima semana O fato de você ter machucado alguém ontem é uma razão para fazer as pazes com ele hoje Todos estes são fatos do passado que são relevantes para determinar nossas obrigações Mas o utilitarismo torna o passado irrelevante e por isso ele parece falho NÓS DEVERÍAMOS TER CONSIDERAÇÃO POR TODOS IGUALMENTE A última parte do utilitarismo diz que devemos tratar a felicidade de cada pessoa como igualmente importante ou como Mill coloca nós temos que ser tão estritamente imparciais quanto um espectador desinteressado e benevolente Estabelecido de forma abstrata isso parece plausível porém tem implicações problemáticas Um problema é que a exigência de igual consideração põe uma demanda demasiada sobre nós Outro problema é que isso rompe nossas relações pessoais A acusação de que o utilitarismo é exigente demais Suponha que você esteja a caminho do cinema quando alguém lhe assinala que o dinheiro que você está prestes a gastar poderia ser usado para alimentar os famintos ou providenciar vacinas para crianças do terceiro mundo Certamente tais pessoas precisam de comida e remédios mais do que você tem necessidade de ver Brad Pitt e Angelina Jolie Assim você esquece o seu entretenimento e doa o seu dinheiro para a caridade Mas isso ainda não é o fim Pelo mesmo raciocínio você não pode comprar roupas novas um carro um iPhone ou um Playstation Provavelmente você deveria mudar para um apartamento mais barato Afinal o que é mais importante você ter esses luxos ou aquelas crianças terem comida De fato a fiel adesão ao padrão utilitarista requereria de você doar a sua riqueza até que você ficasse tão pobre quanto as pessoas que você está ajudando Ou melhor você necessitaria ficar somente com o suficiente para manter o seu emprego pois assim você poderia continuar a doar Ainda que possamos admirar alguém que faz isso não pensamos que tal pessoa está somente fazendo o seu dever Em vez disso vêlaíamos como uma pessoa santa cuja generosidade foi além do que chamamos de dever A filosofia chama tais ações de superrogatórias Mas o utilitarismo parece incapaz de reconhecer essa categoria moral O problema não é meramente que o utilitarismo requereria de nós doar a maior parte de nossas coisas Ele também nos impediria de continuar com nossas vidas Nós todos temos objetivos e projetos que tornam as nossas vidas significativas Porém uma ética que requer de nós promover o bem estar geral nos forçaria a abandonar tais esforços Suponha que você seja um webdesigner que não fica rico mas tem uma vida decente Você tem duas crianças que você ama Nos finais de semana você gosta de atuar em um grupo de teatro amador Em acréscimo você gosta de ler história Como poderia haver alguma coisa errada com isso Mas julgado pelo padrão utilitarista você está levando uma vida imoral Afinal você poderia produzir uma quantidade de bem maior se você usasse o seu tempo de outros modos A acusação de que o utilitarismo perturba as nossas relações pessoais Na prática ninguém de nós está disposto a tratar a todos igualmente porque isso exigiria desistir de nossos laços com amigos e família Nós todos somos profundamente parciais quando a nossa família e os amigos estão em questão Nós os amamos e vamos muito longe para ajudálos Para nós eles não são somente membros da grande multidão da humanidade eles são especiais Mas tudo isso é inconsistente com a imparcialidade Quando você é imparcial você perde a intimidade o amor a afeição e a amizade Nesse ponto o utilitarismo parece ter perdido todo o contato com a realidade O que seria de alguém considerar o seu cônjuge não mais do que considerar completos estranhos A simples ideia é absurda Não somente é contrária às emoções humanas normais como relações amorosas nem mesmo poderiam existir à parte das obrigações e responsabilidades especiais Novamente como seria tratar as próprias crianças com não mais amor do que se tem por estranhos Como John Cottingham colocou Um pai que deixa a sua criança queimar porque o prédio contém alguma outra pessoa cuja contribuição ao bemestar geral promete ser maior não é um herói ele é corretamente um objeto de desprezo moral um leproso moral A DEFESA DO UTILITARISMO Juntas essas objeções parecem decisivas O utilitarismo parece não ter consideração com a justiça e com os direitos individuais Acima de tudo ele não dá conta das razões passadas Se vivêssemos de acordo com a teoria nos tornaríamos pobres e teríamos que parar de amar a nossa família e os nossos amigos Por esse motivo a maioria dos filósofos abandonou o utilitarismo Porém alguns filósofos continuam a defendêlo Eles fazem isso de três modos diferentes A primeira defesa contestando as consequências A maioria dos argumentos contra o utilitarismo é como este a situação é descrita então afirmase que algumas ações particulares vis poderiam ter consequências melhores sob tais circunstâncias então o utilitarismo é julgado falho por advogar tal ação Esses argumentos porém somente são bemsucedidos se a ação que eles descrevem realmente tiverem as melhores consequências Teriam eles De acordo com a primeira defesa eles não teriam Considere por exemplo o argumento de McCloskey no qual o utilitarismo apoiaria prender uma pessoa inocente para parar um motim racial No mundo real sustentar falso testemunho desse modo realmente teria boas consequências Provavelmente não O mentiroso poderia ser descoberto e então a situação poderia ser pior do que antes E mesmo que o mentiroso fosse bemsucedido o verdadeiro culpado permaneceria à solta e poderia cometer mais crimes ao que se seguiriam mais motins Além disso se a parte culpada fosse mais tarde pega o que é sempre possível o mentiroso poderia estar com problemas graves e a confiança na justiça criminal poderia ser corroída A moral da história é que embora se possa pensar que seja possível acarretar as melhores consequências com tal comportamento de fato a experiência ensina o contrário a utilidade não funciona prendendose pessoas inocentes O mesmo se passa para os outros argumentos Mentir violar os direitos das pessoas quebrar as promessas e cortar as relações íntimas tudo isso tem más consequências Somente na imaginação dos filósofos é diferente No mundo real voyeurs são pegos tanto quanto o policial Story foi pego e suas vítimas pagaram o preço No mundo real quando as pessoas mentem as suas reputações sofrem e outras pessoas ficam machucadas Quando as pessoas quebram as suas promessas e não fazem favores em troca elas perdem os seus amigos Portanto essa é a primeira defesa Desafortunadamente ela não é muito efetiva Ainda que seja verdade que a maioria dos atos de falso testemunho e assemelhados tenham más consequências não se pode dizer que todos eles tenham más consequências Pelo menos de vez em quando podese chegar a um bom resultado fazendo algo repugnante ao senso comum moral Portanto ao menos em alguns casos reais da vida o utilitarismo conflitará com o senso comum Ainda mais mesmo que os argumentos antiutilitaristas tenham que se basear em exemplos ficcionais tais exemplos retêm o seu poder Teorias como a utilitarista se supõem aplicáveis a todas as situações incluindo situações que são meramente hipotéticas Assim mostrar que o utilitarismo tem implicações inaceitáveis em casos inventados é um modo válido de criticálo A primeira defesa portanto é fraca A segunda defesa o princípio da utilidade é um guia para escolher regras não atos Revisar uma teoria é um processo de dois passos primeiro você identifica qual o aspecto da teoria que precisa ser trabalhado segundo você muda somente aquele aspecto deixando intacto o resto da teoria Qual o aspecto do utilitarismo clássico que causa o problema A assunção problemática é aquela de que cada ação individual deve ser julgada pelo padrão utilitarista A análise do caráter errado da mentira em uma situação particular depende das consequências de dizer aquela mentira em particular se você deve manter uma promessa em particular depende das consequências de manter aquela promessa em particular e assim para cada um dos exemplos que consideramos Se aquilo com que nós nos preocupamos é com as consequências das ações particulares então podemos sempre inventar circunstâncias nas quais uma ação horrível teria as melhores consequências Portanto a nova versão do utilitarismo modifica a teoria de tal forma que as ações em particular não são mais julgadas pelo princípio da utilidade Em vez disso nós primeiro perguntamos qual conjunto de regras é ideal de um ponto de vista utilitarista Em outras palavras que regras deveríamos nós seguir para maximizar a felicidade Atos em particular seriam então julgados de acordo com a sua conformidade a essas regras Esta nova versão da teoria é chamada de utilitarismo de regra para distinguilo da teoria original agora comumente chamada de utilitarismo de ato O utilitarismo de regra foi uma resposta fácil aos argumentos antiutilitaristas Um utilitarista de ato incriminaria o homem inocente no exemplo de McCloskey porque as consequências daquele ato em particular seriam boas Mas o utilitarista de regra não raciocinaria desse modo Ele primeiro perguntaria quais regras de conduta tenderiam a promover a maior felicidade Uma boa regra seria Não cometas falso testemunho contra o inocente Esta regra é simples fácil de lembrar e de seguir Quase sempre ela aumenta a felicidade Apelando a ela o utilitarista de regra pode concluir que no exemplo de McCloskey nós não devemos testemunhar contra o homem inocente Raciocínio similar pode ser usado para estabelecer regras contra a violação dos direitos das pessoas quebrar promessas mentir trair os amigos e assim por diante Nós devemos aceitar tais regras porque seguilas como uma prática regular promove a felicidade geral Assim nós não mais julgamos atos pela sua utilidade mas pela sua conformidade com essas regras Portanto o utilitarismo de regra não pode ser condenado por violar o nosso senso comum moral Ao mudar a ênfase da justificação dos atos para a justificação das regras o utilitarismo foi posto em acordo com nossos julgamentos intuitivos Porém um problema sério com o utilitarismo de regras se levanta quando perguntamos se as regras ideais têm exceções As regras têm que ser seguidas não importa o que aconteça E que tal se um ato proibido pudesse aumentar grandemente o bem geral O utilitarista de regra pode dar qualquer uma das três respostas seguintes Primeira se ele disser que em tais casos podemos violar as regras então isso seria como se ele quisesse avaliar as ações caso a caso Isso é utilitarismo de ato não utilitarismo de regra Segunda ele pode sugerir que formulemos as regras de tal modo que a sua violação nunca aumentará a felicidade Por exemplo em vez de usar a regra não cometa falso testemunho contra o inocente nós poderíamos usar a regra não cometa falso testemunho contra o inocente a menos que fazendo isso realize algum bem maior Se mudamos todas as regras desse modo então na prática o utilitarismo de regra seria exatamente como o utilitarismo de ato as regras que seguimos sempre diriam para escolhermos o ato que promove a maior felicidade Mas agora o utilitarismo de regra não providencia uma resposta para os argumentos antiutilitaristas Assim como o utilitarismo de ato o utilitarismo de regra também nos diz para incriminar o inocente quebrar nossas promessas espionar as pessoas em suas casas e assim por diante Finalmente o utilitarismo de regra pode afirmar o seu fundamento e dizer que nunca devemos quebrar as regras mesmo para promover a felicidade J J C Smart 1920 diz que uma tal pessoa sofre de um culto da regra irracional O que quer que se possa pensar disso essa versão do utilitarismo de regra não é realmente uma teoria utilitarista O utilitarismo se importa somente com a felicidade e com as consequências porém essa teoria se importa com seguir regras Assim a teoria é uma mistura de utilitarismo e de alguma outra coisa completamente diferente Para parafrasear um escritor este tipo de utilitarismo de regra é como uma espécie de patinho de borracha assim como um patinho de borracha não é uma espécie de pato esse tipo de utilitarismo de regra não é uma espécie de utilitarismo Desse modo não podemos defender o utilitarismo apelando a esse tipo A terceira defesa o senso comum está errado Finalmente alguns utilitaristas ofereceram uma resposta bem diferente às objeções Uma vez dito que o utilitarismo conflita com o senso comum eles respondem E daí Analisando a sua própria defesa do utilitarismo J J C Smart escreve Admitidamente o utilitarismo tem consequências que são incompatíveis com a consciência moral comum mas eu tendo a tomar o ponto de vista tanto pior para a consciência moral comum Isto é eu estou inclinado a rejeitar a metodologia comum de testar princípios éticos gerais analisando como eles se ajustam aos nossos sentimentos em casos particulares Essa espécie de utilitarismo intransigente e sem remorso pode oferecer três respostas aos argumentos antiutilitaristas A primeira resposta todos os valores têm uma base utilitarista Os críticos do utilitarismo dizem que a teoria não pode dar sentido a alguns de nossos valores mais importantes como o valor que atribuímos a dizer a verdade manter promessas respeitar a privacidade dos outros e amar nossas crianças Considere por exemplo mentir A maior razão para não mentir os críticos dizem não tem nada a ver com consequências ruins A razão é que mentir é desonesto trai a confiança das pessoas Este fato não tem nada a ver com o cálculo utilitarista de benefícios A honestidade tem um valor sobre e acima de qualquer valor que o utilitarismo possa reconhecer O mesmo é verdade sobre manter as promessas respeitar a privacidade dos outros e amar as nossas crianças Mas de acordo com filósofos como Smart devemos pensar sobre esses valores cada um a seu tempo e considerar por que eles são importantes Quando as pessoas mentem as mentiras são frequentemente descobertas e aqueles que são traídos se sentem feridos e com raiva Quando as pessoas quebram as suas promessas elas irritam os seus vizinhos e afastam os seus amigos Alguém cuja privacidade é violada pode se sentir humilhado e querer se afastar dos outros Quando as pessoas não consideram mais as suas crianças do que elas consideram pessoas estranhas as suas crianças não se sentem amadas e um dia elas também podem se tornar pais que não amarão Todas essas coisas reduzem a felicidade Longe de estar em oposição com a ideia de que devemos ser honestos fidedignos respeitosos e amorosos com nossas crianças o utilitarismo explica por que tais coisas são boas Além disso esses deveres só parecem fazer sentido segundo a explicação utilitarista O que poderia ser mais estranho do que dizer que mentir é errado em si mesmo independentemente de qualquer dano que possa causar Como podem as pessoas ter um direito à privacidade a menos que o respeito a tal direito lhes dê algum benefício Segundo esse modo de pensar o utilitarismo não é incompatível com o senso comum ao contrário o utilitarismo justifica os valores do senso comum que nós temos A segunda resposta nossas reações viscerais não são confiáveis quando os casos são excepcionais Ainda que alguns casos de injustiça possam servir ao bem comum tais casos são exceções Mentir quebrar promessa e violar a privacidade em geral levam à infelicidade não à felicidade Essas observações formam a base de uma outra resposta utilitarista Considere de novo o exemplo de McCloskey da pessoa tentada a prestar falso testemunho Por que nós imediata e intrinsecamente acreditamos que é errado prestar falso testemunho contra uma pessoa inocente A razão dizem alguns é que durante toda a nossa vida vimos mentiras trazerem miséria e desgraça Assim nós instintivamente condenamos todas as mentiras Mas quando condenamos mentiras que são benéficas nossas faculdades intuitivas falham A experiência nos ensinou a condenar as mentiras porque elas reduzem a felicidade Agora porém estamos condenando mentiras que aumentam a felicidade Quando nos confrontamos com casos não usuais como o exemplo de McCloskey talvez devêssemos confiar mais no princípio de utilidade do que em nossas reações viscerais A terceira resposta nós devemos focalizar em todas as consequências Quando somos solicitados a considerar a desprezível ação que maximiza a felicidade a ação é frequentemente apresentada de um modo que nos encoraja a focalizar nos seus efeitos ruins em vez de nos seus efeitos bons Se em vez disso nós focalizarmos em todos os efeitos do ato o utilitarismo parece mais plausível Considere ainda uma vez o exemplo de McCloskey que diz que seria errado condenar um homem inocente porque isso seria injusto Mas e as outras pessoas inocentes que serão feridas se os motins e linchamentos continuarem E sobre a dor que deverão amargar aqueles que serão espancados e torturados pela multidão E as mortes que ocorrerão se o homem não mentir Crianças irão perder os seus pais e pais irão perder as suas crianças Naturalmente nós nunca queremos enfrentar uma situação como essa Mas se tivermos que escolher entre evitar a condenação de uma pessoa inocente e permitir as mortes de várias pessoas inocentes é tão desarrazoado pensar que a primeira opção é preferível Considere de novo a objeção de que o utilitarismo é exigente demais porque ele nos diz para usar os nossos recursos para alimentar as crianças famintas em vez de usar tais recursos para nós mesmos Se focalizarmos os nossos pensamentos sobre aqueles que irão passar fome a demanda do utilitarismo parece desarrazoada Não é ser condescendente conosco mesmos dizer que o utilitarismo é exigente demais em vez de dizer que deveríamos fazer mais para ajudar Essa estratégia funciona melhor para alguns casos do que para outros Considere o voyeur O utilitarista sem remorso nos dirá para considerar o prazer que ele tem ao espionar as mulheres que não sabem da espionagem Se ele vai embora sem mais que dano ele causou Por que a sua ação tem que ser condenada A maioria das pessoas condenará o seu comportamento apesar dos argumentos utilitaristas O utilitarismo como sugere Smart não pode ser totalmente reconciliado com o senso comum Se a teoria necessita ser reconciliada com o senso comum permanece uma questão aberta PENSAMENTOS CONCLUSIVOS Se consultarmos o que Smart chama de nossa consciência moral comum muitas considerações para além da utilidade parecem moralmente importantes Mas Smart está correto em nos advertir de que não se pode confiar no senso comum Essa pode ser a maior contribuição do utilitarismo As dificuldades do senso comum moral se tornam óbvias se nós pensamos um pouco Muitas pessoas brancas pensaram outrora que havia uma diferença importante entre brancos e negros de tal forma que os interesses dos brancos eram de alguma forma mais importantes Foi confiando no senso comum de seus dias que eles puderam insistir em que uma teoria moral adequada deveria acomodar esse fato Atualmente ninguém que valha a pena ouvir diria tal coisa mas quem sabe quantos outros preconceitos irracionais são ainda parte de nosso senso comum moral No final de seu estudo clássico sobre as relações raciais An American Dilemma o prêmio Nobel Gunnar Myrdal 18981987 relembra nos Deve haver ainda outros erros incontáveis do mesmo tipo que nenhum homem vivo pode ainda detectar devido à névoa na qual o nosso tipo de cultura ocidental nos envolve Influências culturais têm construído as pressuposições da mente do corpo e do universo no qual nós começamos põem as questões que nós perguntamos influenciam os fatos que nós procuramos determinam a interpretação que nós damos desses fatos e dirige a nossa reação a essas interpretações e conclusões Será que as gerações futuras não olharão para trás com repugnância para o modo como pessoas ricas no século XXI aproveitavam as suas vidas confortáveis enquanto crianças do terceiro mundo morriam de doenças facilmente evitáveis Ou para o modo como nós confinamos e abatemos animais indefesos Em caso afirmativo elas poderiam notar que os filósofos utilitaristas estavam à frente de seu tempo em condenar tais coisas 9 Há regras morais absolutas Você não pode fazer o mal mesmo que venha para o bem São Paulo Carta aos Romanos 50 dC aproximadamente HARRY TRUMAN E ELIZABETH ANSCOMBE Harry S Truman sempre será lembrado como o homem que tomou a decisão de lançar bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki Quando ele se tornou presidente em 1945 após a morte de Franklin D Roosevelt Truman não conhecia nada sobre a bomba Os assessores de Roosevelt tiveram que informálo Os aliados estavam vencendo a guerra no Pacífico eles disseram mas a um custo terrível Tinham sido feitos planos para uma invasão do Japão mas a batalha poderia ser mais sangrenta do que tinha sido aquela do DiaD na Normandia Usando a bomba atômica em uma ou duas cidades japonesas poderia levar a guerra a um fim rápido tornando a invasão desnecessária Em um primeiro momento Truman ficou relutante em usar a nova arma O problema é que cada bomba iria destruir uma cidade inteira não somente os alvos militares mas os hospitais escolas casas mulheres crianças pessoas idosas e outros não combatentes poderiam ser aniquilados junto com o pessoal militar Os aliados tinham bombardeado cidades anteriormente mas Truman sentiu que a nova arma tinha tornado a questão dos não combatentes mais aguda Além disso os Estados Unidos tinham registros condenando ataques de alvos civis Em 1939 antes de os Estados Unidos terem entrado na guerra o presidente Roosevelt tinha enviado uma mensagem aos governos da França Alemanha Itália Polônia e Grã Bretanha denunciando em termos fortes o bombardeio de cidades Ele tinha chamado isso de um barbarismo desumano N de T A citação referida é Então por que não faríamos o mal para que dele venha o bem Rm 3 8 Bíblia Sagrada 32 ed São Paulo Editora Ave Maria 1981 O bombardeio aéreo impiedoso de civis que resultou na mutilação e na morte de centenas de homens mulheres e crianças indefesos tem adoecido os corações de cada homem e mulher civilizados e tem chocado profundamente a consciência da humanidade Se houver recurso a essa forma de barbarismo desumano durante o período de conflagração trágica com o qual o mundo é agora confrontado centenas de milhares de seres humanos inocentes que não têm responsabilidade por isso e que não são nem mesmo remotamente participantes das hostilidades que agora eclodiram perderão as suas vidas Truman expressou pensamentos similares quando ele decidiu autorizar os bombardeios Ele escreveu em seu diário Eu disse ao secretário de guerra Senhor Stimson para usar os bombardeios de tal forma que objetivos militares soldados e marinheiros sejam o alvo e não mulheres e crianças O alvo será puramente militar É difícil de saber o que fazer com isso visto que Truman sabia que as bombas iriam destruir cidades inteiras Não obstante é claro que estava preocupado com a questão dos não combatentes É claro também que Truman estava seguro de sua decisão Winston Churchill o líder da GrãBretanha durante o tempo da guerra encontrouse com Truman um pouco antes de as bombas serem lançadas Mais tarde ele escreveu A decisão de usar ou não usar a bomba atômica para compelir a rendição do Japão nunca nem mesmo esteve em questão Houve acordo unânime automático e inquestionado na nossa reunião Depois de assinar a ordem final selando o destino de Hiroshima Truman disse mais tarde que dormiu como um bebê Elizabeth Anscombe que morreu em 2001 era uma estudante de 20 anos na Oxford University quando a Segunda Guerra Mundial começou Na época ela foi coautora de um controverso panfleto argumentando que a Bretanha não deveria fazer guerra porque países em guerra inevitavelmente terminam combatendo por meio injustos A Senhorita Anscombe como sempre foi conhecida apesar de seu casamento de 59 anos e de suas sete crianças estaria entre os mais distintos filósofos do século XX e a maior filósofa da história A Senhorita Anscombe foi também católica e sua religião foi central em sua vida Os seus pontos de vista éticos refletem ensinamentos católicos tradicionais Em 1968 após o Papa Paulo VI afirmar que a Igreja bania a contracepção ela escreveu um panfleto explicando por que o controle de natalidade artificial é imoral Mais tarde em sua vida ela foi presa enquanto protestava nas portas de uma clínica britânica de aborto Ela também aceitou o ensinamento da Igreja sobre a conduta ética na guerra o que a levou ao conflito com Truman Harry Truman e Elizabeth Anscombe cruzaram seus caminhos em 1956 A Oxford University estava planejando dar a Truman o título de doutor honoris causa em agradecimento pela ajuda dos Estados Unidos durante o tempo da guerra Aqueles que propuseram a honra pensaram que seria incontroverso Porém Anscombe e dois outros membros da faculdade se opuseram à ideia Ainda que eles tenham perdido forçaram uma votação para o que teria sido uma unanimidade Então enquanto o grau estava sendo conferido Anscombe ficou rezando de joelhos em frente do salão Anscombe escreveu um outro panfleto desta feita explicando que Truman era um assassino porque ele tinha ordenado o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki Truman naturalmente pensou que os bombardeios foram justificados eles encurtaram a guerra e salvaram vidas Para Anscombe isso não era suficiente Pois o fato de homens escolherem matar um inocente como um meio para seus fins escreveu ela é sempre assassinato Ao argumento de que os bombardeios salvaram mais vidas do que mataram ela replicou Convenhamos se você tivesse que escolher entre ferver um bebê e deixar algum desastre terrível acontecer a mil pessoas ou a um milhão de pessoas se um mil não é suficiente o que você faria O exemplo de Anscombe é inteligente A onda da bomba de Hiroshima que queimou pássaros no ar levou à fervura de bebês pessoas morreram em rios lagos e cisternas tentando em vão escapar do calor O ponto de Anscombe era que algumas coisas não devem ser feitas não importa o quê Não interessa se podemos alcançar um bem maior fervendo um bebê É errado simplesmente Anscombe acreditava em uma multidão de tais regras Sob nenhuma circunstância ela disse nós podemos matar pessoas inocentes adorar ídolos fazer uma falsa profissão de fé praticar sodomia ou adultério punir uma pessoa pelos atos de outro ou cometer traição que ela descreve como obter a confiança de alguém em uma questão grave prometendolhe amizade e então entregálo aos seus inimigos O marido de Anscombe Peter Geach 1916 concordou com isso Anscombe e Geach foram os maiores filósofos do século XX a defenderem a doutrina de que as regras morais são absolutas O IMPERATIVO CATEGÓRICO A ideia de que as regras morais não têm exceções é difícil de defender É fácil de explicar por que nós devemos descumprir uma regra nós podemos simplesmente apontar para casos nos quais seguir a regra poderia ter consequências terríveis Mas como podemos defender o não descumprimento da regra em tais casos É uma tarefa assustadora Nós podemos dizer que as regras morais são comandos invioláveis de Deus O que se pode dizer a mais do que isso Antes do século XX houve um grande filósofo que acreditou que as regras morais são absolutas Immanuel Kant 17241804 defendeu que mentir é errado sob qualquer circunstância Ele não apela a considerações teológicas em vez disso ele sustenta que a razão sempre proíbe a mentira Para ver como ele chegou a essa conclusão nós necessitamos olhar para a sua teoria ética em geral Kant observou que a palavra dever é frequentemente usada de forma não moral Se você quiser se tornar um jogador de xadrez melhor você deve estudar os jogos de Garry Kasparov Se você quiser ir para a faculdade você deve fazer o vestibular Muitas das nossas condutas são governadas por tais deveres O modelo é este temos um certo desejo se tornar um jogador de xadrez melhor ir para a faculdade reconhecemos que um curso de ação nos ajudará a conseguir o que queremos estudar os jogos de Kasparov fazer o vestibular então seguimos o plano indicado Kant chamouos de imperativos hipotéticos porque eles nos dizem o que fazer desde que nós tenhamos o desejo relevante Uma pessoa que não queira melhorar o seu xadrez não teria razão para estudar os jogos de Kasparov alguém que não queira ir para a faculdade não teria razão para fazer o vestibular A força vinculante do dever depende de ter o desejo Nós podemos escapar da sua força deixando de lado o desejo Assim por exemplo eu posso evitar fazer o vestibular decidindo que não quero ir para a faculdade As obrigações morais em contraste não dependem de desejos particulares A forma de uma obrigação moral não é se você quiser isto e aquilo então você deverá fazer tal e tal coisa Em vez disso os requerimentos morais são categóricos eles têm a forma você deve fazer tal e tal coisa ponto A regra moral não é por exemplo que você deve ajudar as pessoas se você se importa com elas ou se você quer ser uma boa pessoa Em vez disso a regra é que você deve ajudar as pessoas não interessando quais sejam os seus desejos Por isso não se pode escapar das obrigações morais simplesmente dizendo Mas eu não me importo com isso Deveres hipotéticos são fáceis de se entender Eles meramente nos dizem o que é necessário para atingirmos os nossos objetivos Como nós podemos ser obrigados a nos comportar de um certo modo a despeito de nossos objetivos Kant tem a resposta Assim como deveres hipotéticos são possíveis porque temos desejos deveres categóricos são possíveis porque temos razão Deveres categóricos Kant diz são derivados de um princípio que toda pessoa racional tem que aceitar o imperativo categórico Na sua Fundamentação da metafísica dos costumes 1785 Kant expressa o imperativo categórico como segue Age apenas segundo a máxima pela qual possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal Este princípio fornece um modo de dizer se um ato é moralmente permissível Quando você está pensando em fazer alguma coisa pergunte que regra você seguiria se você realmente fizesse aquilo Essa regra será a máxima do seu ato Então pergunte se você está querendo que a sua máxima se torne uma lei universal Em outras palavras você permitiria que a sua regra fosse seguida por todas as pessoas durante todos os tempos Se sim então a sua máxima é acertada e a sua ação é aceitável Mas se não então a sua ação é proibida Kant dá vários exemplos de como isso funciona Suponha ele diz um ho mem que necessita de dinheiro Ninguém lhe emprestará o dinheiro a menos que ele prometa devolver o que ele sabe que não será capaz de fazer Deve ele fazer uma falsa promessa para obter o empréstimo Se fizesse a sua máxima seria Se você precisar de um empréstimo prometa devolvêlo mesmo que você saiba que não poderá devolvêlo Agora pode ele querer que esta regra se torne uma lei universal Obviamente que não porque ela seria autodestrutiva Uma vez que essa regra se tornasse uma prática universal ninguém mais iria acreditar em tais promessas e ninguém faria empréstimos baseado nelas Kant dá um outro exemplo sobre a ajuda Suponha ele diz que eu me recuse a ajudar outras pessoas em necessidade dizendo para mim mesmo O que me importa Deixa cada um se virar por si mesmo Isso novamente é uma regra que eu não posso querer que se torne uma lei universal Pois em algum momento no futuro eu próprio precisarei da ajuda dos outros e eu não quererei que eles se recusem O ARGUMENTO DE KANT SOBRE MENTIR De acordo com Kant então nosso comportamento deve ser guiado por leis uni versais as quais são leis morais verdadeiras em quaisquer circunstâncias Kant acreditava em muitas de tais regras excepcionais Nós focalizaremos em regras contra mentir em relação às quais especialmente Kant tinha sentimentos fortes Ele disse que mentir sob qualquer circunstância é a obliteração da própria dignidade como um ser humano N de T KANT Immanuel Fundamentação da metafísica dos costumes Trad G A de Almeida Grundlegung zur Metaphysik der Sitten São Paulo Discurso EditorialBarcarolla 2009 1785 p 421 GMS AA 04 421 Kant ofereceu dois argumentos para uma regra absoluta contra mentir 1 O seu maior argumento reside no imperativo categórico Nós não podemos querer uma lei universal que nos permita mentir disse Kant porque uma tal lei seria autodestrutiva Tão logo mentir se tornasse comum as pessoas parariam de acreditar umas nas outras Mentir não teria então finalidade e em algum sentido seria impossível porque ninguém prestaria atenção no que você diria Portanto raciocinou Kant mentir não pode ser permitido Desse modo é proibido sob qualquer circunstância Esse argumento tem uma falha que se tornará clara com um exemplo Suponha que seja necessário mentir para salvar a vida de alguém Você deveria fazer isso Kant nos faria raciocinar do seguinte modo a Nós devemos fazer somente aquelas ações que se conformam a regras que nós possamos querer que sejam adotadas universalmente b Se você fosse mentir você estaria seguindo a regra É permitido mentir c Esta regra não poderia ser adotada universalmente porque seria autodestrutiva as pessoas parariam de acreditar umas nas outras e então não seria nada bom mentir d Portanto você não deve mentir Embora Anscombe concorde com a conclusão de Kant ela muito rapida mente apontou um erro no seu raciocínio A dificuldade reside no passo b Por que nós devemos dizer que se você mentiu você estava seguindo a regra É permitido mentir Talvez a sua máxima pudesse ser Eu mentirei para salvar a vida de alguém Tal regra não seria autodestrutiva Ela poderia se tornar uma lei universal Assim em razão da própria teoria de Kant seria totalmente correto para você mentir Desse modo a crença de Kant de que mentir é sempre errado não parece ser apoiada pela sua própria teoria moral 2 Muitos dos contemporâneos de Kant pensaram que a sua insistência em regras absolutas era estranha e eles disseram não Um crítico o desafiou com o seguinte exemplo suponha que alguém esteja fugindo de um assassino e diz a você que vai entrar em sua casa para se esconder Então o assassino chega e pergunta a você onde está o homem Você acredita que se disser a verdade para ele você estará ajudando em um assassinato Ademais o assassino já está no caminho certo então se você permanecer silente o pior resultado é provável O que você deve fazer Vamos chamar este exemplo de o caso da pergunta do assassino Sob essas circunstâncias a maioria de nós pensa que você deveria mentir Afinal o que é mais importante dizer a verdade ou salvar a vida de alguém Kant respondeu em um ensaio com um título charmoso à moda antiga Sobre um suposto direito de mentir por humanidade no qual ele oferta um segundo argumento contra mentir Talvez ele diz o homem em fuga na realidade já tenha deixado a sua casa e dizendo a verdade você levaria o assassino a procurar no lugar errado Porém se você mente o assassino pode se afastar e descobrir o homem deixando a área caso em que você seria responsável por sua morte Quem quer que minta diz Kant tem que responder pelas consequências não importando o quão imprevisível elas eram e tem que pagar a penalidade por elas Kant estabelece a sua conclusão no tom de um professor rigoroso Ser verídico em todas as declarações é portanto um mandamento sagrado da razão que ordena incondicionalmente e não é limitado por quaisquer conveniências Esse argumento pode ser estatuído em uma forma geral nós somos tentados a fazer exceções à regra contra mentir porque em alguns casos pensamos que as consequências da honestidade serão ruins e as consequências de mentir serão boas Os resultados de mentir podem ser inesperadamente ruins Portanto a melhor política é evitar o mal conhecido mentir e deixar as consequências advirem como poderiam advir Mesmo que as consequências sejam ruins elas não seriam nossa falta pois teríamos feito o nosso dever Um argumento similar poderseia aplicar à decisão de Truman de lançar as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki As bombas foram lançadas na esperança de que a guerra pudesse rapidamente terminar Mas Truman não sabia com certeza que isso poderia ocorrer Os japoneses poderiam ter resistido e a invasão ainda seria necessária Assim Truman estava apostando centenas de milhares de vidas na mera esperança de que bons resultados poderiam se seguir O problema com esse argumento é óbvio o suficiente de fato tão óbvio que é surpresa que um filósofo do calibre de Kant não tenha sido mais sensível a ele Em primeiro lugar o argumento depende de um ponto de vista pessimista não razoável do que nós conhecemos Algumas vezes podemos ter uma confiança absoluta sobre quais serão as consequências de nossas ações caso em que não necessitamos hesitar por causa da incerteza Ademais e isso é filosoficamente mais significativo Kant parece assumir que poderíamos ser moralmente responsáveis por quaisquer consequências ruins de se mentir e que nós não seríamos responsáveis por quaisquer consequências ruins de dizer a verdade Suponha como sendo o resultado de nosso dizer a verdade que o assassino encontre a vítima e a mate Kant parece assumir que não seríamos culpados Mas podemos nós escapar tão facilmente da responsabilidade Afinal nós ajudamos o assassino Então esse argumento não é convincente N de T KANT Immanuel Sobre um suposto direito de mentir Trad Artur Morão Covilhã Lusofia Press sd 1797 httpwwwlusosofianet Original disponível em httpwwwzenoorg Portanto Kant falhou em provar que mentir é sempre errado O caso da pergunta do assassino mostra a situação difícil que Kant escolheu para tratar Ao passo que Kant acredita que qualquer mentira é uma obliteração da própria dignidade como um ser humano o senso comum diz que há algumas mentiras que não causam dano De fato nós temos um nome para elas mentiras inocentes São mentiras inocentes aceitáveis ou mesmo requeridas quando elas são usadas para salvar alguém Isso aponta para a dificuldade maior da crença em regras absolutas não deveria uma regra ser desrespeitada quando seguila poderia ser desastroso CONFLITO DE REGRAS Suponha que se sustente ser absolutamente errado fazer X em qualquer circunstância e também que seja errado fazer Y em qualquer circunstância Então como ficaria o caso no qual uma pessoa tivesse que escolher entre fazer X e fazer Y Essa espécie de conflito parece mostrar que regras morais não podem ser absolutas Há algum modo pelo qual possamos enfrentar essa objeção Um modo é negar que tais conflitos realmente ocorram Peter Geach tomou este ponto de vista apelando à providência divina Nós podemos descrever casos fictícios nos quais não há maneira de evitar a violação de uma das regras absolutas mas Deus não irá permitir que tais circunstâncias aconteçam Geach escreve Se Deus é racional ele não comanda o impossível se Deus governa todos os eventos pela sua providência ele pode ver que não ocorrem as circunstâncias nas quais um homem tem sem culpa que enfrentar uma escolha entre atos proibidos Naturalmente tais circunstâncias são descritíveis de forma consistente mas a providência divina pode assegurar que elas de fato não ocorrem Ao contrário do que frequentemente dizem os que não acreditam a crença na existência de Deus faz uma diferença em relação ao que se espera que aconteça Tais casos realmente ocorrem Não há duvida de que regras morais importantes algumas vezes colidem Durante a Segunda Guerra Mundial pescadores holandeses levavam para a Inglaterra clandestinamente em seus barcos judeus refugiados Algumas vezes eles eram parados por patrulhas nazistas O capitão nazista poderia chamar e perguntar ao capitão holandês para onde ele estava indo quem estava a bordo e assim por diante Os pescadores poderiam mentir e ter permissão para passar Claramente os pescadores tinham somente duas opções ou eles mentiam ou eles deixavam todo mundo em seus barcos serem mortos Não havia uma terceira alternativa disponível Eles não podiam por exemplo permanecer em silêncio ou fugir dos nazistas Assim Geach parece ter sido ingênuo Dilemas terríveis ocorrem no mundo real Se tais dilemas ocorrem isso não desautoriza a existência de regras morais absolutas Suponha por exemplo que as duas regras seguintes sejam tomadas de forma absoluta É errado mentir e É errado facilitar o assassinato de pessoas inocentes Os pescadores holandeses teriam que fazer umas dessas duas coisas Portanto o ponto de vista moral que proíbe de forma absoluta ambas é incoerente Esse tipo de argumento é impressionante mas é também limitado Ele se aplica apenas a pares de regras morais absolutas Duas regras precisam criar o conflito O argumento não impede alguém de acreditar que há somente uma regra absoluta o que de algum modo todo mundo acredita Faça o que é certo é um princípio moral no qual todos nós acreditamos e que não admite exceções Nós sempre devemos fazer o que é certo Porém essa regra é tão formal que ela é trivial acreditamos nela porque na verdade ela realmente não diz nada Não é o tipo de regra moral absoluta que Kant Geach e Anscombe queriam sustentar O INSIGHT DE KANT Poucos filósofos contemporâneos defenderiam o imperativo categórico de Kant Mesmo assim poderia ser errado repudiálo tão rapidamente Como Alasdair MacIntyre 1929 observa para muitos que nunca ouviram falar de filosofia para não citar Kant a moralidade é grosso modo o que Kant disse que ela era isto é um sistema de regras que se deve seguir pelo senso do dever Há alguma ideia básica subjacente ao imperativo categórico que nós podemos aceitar mesmo que não acreditemos em regras morais absolutas Eu penso que há Relembre que Kant viu o imperativo categórico como vinculante para os agentes racionais simplesmente porque eles são racionais Em outras palavras uma pessoa que rejeitasse esse princípio seria culpada não somente de ser imoral mas também de ser irracional Esta é uma ideia que compele Mas o que isso significa exatamente Em que sentido seria irracional rejeitar o imperativo categórico Note que um julgamento moral tem que ser construído segundo boas razões se é verdade que você deve ou não deve fazer tal e tal coisa então tem que haver uma razão pela qual você deve ou não deve fazer isso Por exemplo você pode pensar que não deve atear fogo em florestas porque a propriedade poderia ser destruída e pessoas poderiam morrer A guinada de Kant é apontar que se você aceita quaisquer considerações como razões em um caso você tem que também aceitálas em outros casos Se houver um outro caso em que a propriedade poderia ser destruída e pessoas morrerem você teria que aceitar isso como uma razão também nesse caso Não é bom dizer que você aceita razões algumas vezes mas não sempre ou que outras pessoas têm que respeitálas mas não você Razões morais se elas forem de alguma forma válidas são vinculantes para todas as pessoas sempre Esta é uma exigência de consistência e Kant estava correto em pensar que nenhuma pessoa racional poderia negála Isso pode ter algumas implicações importantes Ela implica que uma pessoa não pode se olhar como especial de um ponto de vista moral ela não pode pensar de forma consistente que pode agir de modos que são proibidos para os outros ou que os seus interesses são mais importantes do que os interesses das outras pessoas Como observou um comentador eu não posso dizer que está tudo bem em eu tomar a sua cerveja e reclamar quando você bebe a minha Além disso implica que há restrições racionais sobre o que podemos fazer podemos querer fazer alguma coisa por exemplo tomar a cerveja de uma outra pessoa mas temos que reconhecer que não podemos consistentemente fazer isso porque não podemos ao mesmo tempo aceitar a implicação de que ele pode tomar a nossa cerveja Se Kant não foi o primeiro a reconhecer isso ele foi o primeiro a fazer disso a pedra angular de um sistema elaborado e completo da moral Mas Kant deu um passo além e disse que a consistência requer regras que não tenham exceções Nós podemos ver como este insight o empurrou nessa direção Porém o passo adicional não era necessário e causou problemas para a sua teoria Regras mesmo dentro da arquitetônica kantiana não necessitam ser absolutas Tudo o que a ideia kantiana requer é que quando nós violamos uma regra façamos isso por uma razão que seria passível de ser aceita por todos No caso da pergunta do assassino isso significa que podemos violar a regra de não mentir somente se pudermos querer que todo mundo possa mentir nas mesmas circunstâncias A maioria de nós iria prontamente concordar com isso O presidente Truman poderia também dizer que qualquer um em sua posição estaria justificado em lançar a bomba Assim mesmo que Truman estivesse errado o argumento de Kant não prova isso Poderseia dizer que lançar a bomba foi errado porque Truman tinha opções melhores Talvez ele devesse ter mostrado aos japoneses o poder da bomba lançandoa em uma área despovoada negociações poderiam ter sido bemsucedidas Ou quem sabe os aliados poderiam ter simplesmente declarado vitória naquela altura da guerra mesmo sem uma rendição japonesa Porém dizer coisas como estas é muito diferente de dizer que aquilo que Truman fez violou uma regra absoluta 10 Kant e o respeito pelas pessoas Há alguém que não admire o homem Giovanni Pico Della Mirandola Oration on the Dignity of Man 1486 AS IDEIAS CENTRAIS DE KANT Immanuel Kant pensou que os seres humanos ocupam um lugar especial na cria ção Naturalmente ele não estava sozinho ao pensar assim Desde os tempos antigos os seres humanos se consideraram como sendo essencialmente diferentes das outras criaturas e não só diferentes mas melhores De fato os seres humanos se consideram como sendo absolutamente fabulosos Kant certamente pensou Sob este ponto de vista os seres humanos têm um valor intrínseco ou dignidade que os torna valiosos acima de todo preço Os outros animais pensou Kant só têm valor na medida em que servem a finalidades humanas Em suas Lições sobre ética 1779 Kant escreveu No que diz respeito aos animais nós não temos deveres diretos Animais estão aí somente como meios para um fim Este fim é o homem Portanto nós podemos usar os animais de qualquer modo que nos agrade Nós nem mesmo temos um dever direto de não torturálos Kant condenou o abuso dos animais mas não porque os animais seriam feridos Antes nós nos preocupamos conosco mesmos Aquele que é cruel para com os animais também se torna insensível no seu trato com os homens Quando Kant disse que os seres humanos valem acima de todo preço isso não era mera retórica Kant quis dizer que as pessoas eram insubstituíveis Se uma criança morre isso é uma tragédia e permanece trágico mesmo que uma outra crianças nasça no seio da mesma família Por outro lado meras coisas são substituíveis Se a sua impressora quebra então tudo fica bem na medida em que você pode conseguir uma outra impressora Pessoas Kant acreditava têm uma dignidade que meras coisas não têm Dois fatos sobre as pessoas Kant pensava apoiam esse julgamento Primeiro porque as pessoas têm desejos as coisas que satisfazem tais desejos somente podem ter valor para as pessoas Em contraste meras coisas somente têm valor na medida em que promovem fins humanos Assim se você quer se tornar um jogador de pôquer melhor um livro sobre pôquer terá valor para você mas afora tais fins tais livros são sem valor Ou se você quer ir para algum lugar um carro terá valor para você mas afora tais desejos os carros não têm valor Meros animais pensou Kant são primitivos demais para ter desejos e fins autoconscientes Desse modo eles são meras coisas Kant não pensava por exemplo que o leite tenha valor para o gato que o quer tomar Mas atualmente nós estamos mais impressionados do que Kant com a vida mental dos animais Nós acreditamos que animais têm desejos e objetivos Portanto talvez haja fundamentos kantianos para dizer que os animais não são meras coisas Porém a segunda razão de Kant não se aplicaria aos animais As pessoas Kant disse têm um valor intrínseco isto é dignidade porque elas são agentes racionais isto é agentes livres capazes de tomar as suas próprias decisões estabelecer seus próprios fins e guiar a sua conduta pela razão O único modo pelo qual a bondade moral pode existir é para criaturas racionais agirem por uma vontade boa isto é apreender o que elas devem fazer e agir por um senso do dever Os seres humanos são os únicos agentes racionais que existem na terra Os animais não humanos não têm vontade livre Eles não guiam as suas condutas pela razão porque as suas capacidades racionais são muito limitadas Este segundo fato sobre as pessoas é especialmente importante para Kant Desse modo acreditou Kant os seres humanos não são meramente uma coisa valorosa entre outras Os humanos são os únicos que realizam a valoração sendo as suas ações conscientes que têm valor moral Seres humanos estão acima do reino das coisas Esses pensamentos são centrais para o sistema moral de Kant Kant acre ditou que todos os nossos deveres podem ser derivados de um princípio último que ele chamou de imperativo categórico Kant deu diferentes formulações a este princípio mas em uma ocasião ele o expressou deste modo Age de tal maneira que tomes a humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro sempre ao mesmo tempo como fim nunca meramente como meio N de T KANT Immanuel Fundamentação da metafísica dos costumes Trad G A de Almeida Grundlegung zur Metaphysik der Sitten São Paulo Discurso EditorialBarcarolla 2009 1785 p 421 GMS AA 04 429 Porque as pessoas são tão valiosas a moralidade requer que nós as tratemos sempre ao mesmo tempo como fim nunca meramente como meio O que isto significa e por que alguém deve acreditar nisto Tratar as pessoas como um fim significa no nível mais superficial tratá las bem Nós devemos promover o seu bemestar respeitar os seus direitos evitar lhes causar dano e em geral esforçarnos tanto quanto podemos para promover os fins dos outros Mas a ideia de Kant tem também uma implicação profunda Tratar as pessoas como fins requer tratálas com respeito Assim nós não podemos manipular as pessoas ou usar as pessoas para conseguirmos os nossos objetivos não importando quão bons tais objetivos possam ser Kant dá este exemplo suponha que você precisa de dinheiro e que você quer um empréstimo mas você sabe que não poderá devolvêlo Desesperado você considera a possibilidade de dizer à sua amiga que você irá reembolsála a fim de conseguir o dinheiro Pode você fazer isso Talvez você precise do dinheiro por uma boa razão tão boa de fato que você pode se convencer de que mentir seria justificado No entanto você não deve mentir para a sua amiga Se você fizesse isso você poderia estar manipulandoa e usandoa meramente como um meio Por outro lado como seria tratar a sua amiga como um fim Suponha que você lhe diga a verdade você lhe diz por que precisa do dinheiro e você lhe diz que não poderá reembolsála Então a sua amiga pode tomar a sua decisão se ela dá a você ou não o empréstimo Ela pode consultar os seus próprios valores e vontade exercitar o seu próprio poder de raciocínio e tomar uma decisão livre Se ela então decide dar a você o dinheiro para a sua finalidade exposta ela estará escolhendo tornar aquele objetivo o seu objetivo Assim você não a estará usando como um mero meio para conseguir os seus objetivos pois será também o objetivo dela Desse modo para Kant tratar as pessoas como fins é tratálas como seres que podem contêm em si mesmos o fim daquela mesma ação Quando você diz a verdade para a sua amiga e ela lhe dá dinheiro você a está usando como um meio para conseguir dinheiro Porém Kant não objeta que se trate alguém como um meio ele objeta que se trate alguém só como um meio Considere outro exemplo suponha que a pia do seu banheiro entupiu Seria bom chamar um encanador usar o encanador como um meio para desentupir o cano Kant não teria problema com isso O encanador afinal entende a situação Você não o está enganando ou manipulando Ele pode escolher livremente desentupir a pia em troca de pagamento Embora você esteja tratando o bombeiro como um meio você o está tratando também com dignidade como um fim em si mesmo Tratar as pessoas como fins e respeitar as suas capacidades racionais têm outras implicações Nós não podemos forçar adultos a fazerem coisas contra a sua vontade Em vez disso devemos deixálos tomar suas próprias decisões Nós devemos portanto ser cautelosos em relação a leis que visam a proteger as pessoas delas mesmas por exemplo leis que requerem as pessoas usarem cintos de segurança ou capacetes para motos Também não devemos esquecer que respeitar as pessoas requer respeitar a nós mesmos Eu tenho que cuidar bem de mim mesmo eu tenho que desenvolver os meus talentos eu tenho que fazer mais do que somente me omitir O sistema moral kantiano não é fácil de compreender Para entendêlo melhor vamos considerar como Kant aplicou as suas ideias à prática da punição criminal O resto do capítulo será dedicado a este exemplo RETRIBUIÇÃO E UTILIDADE NA TEORIA DA PUNIÇÃO Jeremy Bentham 17481832 disse que toda punição é um dano toda punição é em si mesma um mal Bentham tinha razão A punição por sua natureza sempre envolve infligir algum dano na pessoa que é punida Como uma sociedade nós punimos as pessoas fazendoas pagar multas ou indo para a prisão ou mesmo algumas vezes matandoas Como pode ser correto tratar as pessoas desse modo A resposta tradicional é que a punição é justificada como um modo de dar o troco ao ofensor pelo seu ato mau Aqueles que cometeram um crime merecem ser tratados de maneira ruim É uma questão de justiça se você fere outras pessoas a justiça requer que você também seja ferido Como afirma o antigo dito Olho por olho e dente por dente De acordo com a doutrina da retribuição esta é a maior justificação da punição O retributivismo segundo Bentham era uma ideia completamente insatisfatória porque advogava infligir sofrimento sem um ganho de felicidade em compensação O retributivismo faria aumentar não diminuir a quantidade de miséria no mundo Kant era um retributivista e ele abraçou abertamente esta implicação Na Crítica da razão prática 1788 ele escreve Mas se com alguém que gosta de provocar e perturbar pessoas amantes da paz as coisas acabam indo mal e ele é despedido com uma boa dose de golpes então isto certamente é um mal mas qualquer um o aprova e o considera em si bom mesmo que nada decorresse ulteriormente dele N de T KANT Immanuel Crítica da razão prática Trad Valério Rohden Kritik der praktischen Vernunft São Paulo Martins Fontes 2003 1788 KpV AA 05 61 A 107 Desse modo punir as pessoas pode aumentar a quantidade de miséria no mundo mas isso é completamente correto pois o sofrimento extra é sofrido por aqueles que o merecem O utilitarismo faz uma abordagem completamente diferente De acordo com o utilitarismo o nosso dever é fazer tudo o que aumentará a quantidade de felicidade no mundo A punição aparentemente é um mal porque ele torna a pessoa punida infeliz Portanto Bentham um utilitarista disse Se a punição deve enfim ser admitida ela deve ser admitida na medida em que promete excluir algum mal maior Em outras palavras a punição somente pode ser justificada se ela promove bem suficiente para sobrelevar o mal Tradicionalmente o utilitarismo pensou que a punição faz isso Se alguém desrespeita a lei então punir tal pessoa pode ter vários benefícios Primeiro a punição providencia conforto e gratificação às vítimas e a suas famílias As pessoas sentem fortemente que alguém que assaltou estuprou ou roubou não deve ficar solto As vítimas também vivem com medo quando sabem que seus ofensores não foram pegos Os filósofos algumas vezes ignoram esta justificação da punição mas ela desempenha um papel proeminente no nosso sistema legal Juízes advogados e jurados frequentemente querem saber o que as vítimas querem Realmente se a polícia fará uma prisão e se o ministério público fará persecução penal isso com frequência depende da vontade das vítimas Segundo prendendo criminosos ou os executando nós os retiramos das ruas Com poucos criminosos na rua haverá menos crimes Desse modo as prisões protegem a sociedade e assim reduzem a infelicidade Naturalmente essa justificação não se aplica a punições nas quais o ofensor permanece livre como quando um criminoso é sentenciado à liberdade condicional com prestação de serviços à comunidade Terceiro a punição reduz o crime detendo os possíveis criminosos Alguém que é tentado a cometer um crime pode não fazêlo se ele sabe que poderá ser punido Obviamente a ameaça da punição não é sempre eficaz Algumas vezes as pessoas desrespeitam a lei de qualquer modo Mas haverá menos condutas ruins com a ameaça da punição Imagine o que ocorreria se a polícia parasse de prender ladrões Certamente haveria um número muito maior de furtos Desse modo deter o crime previne a infelicidade Quarto um sistema bem ordenado de punição pode ajudar a reabilitar os malfeitores Os criminosos têm frequentemente problemas mentais e emocionais Frequentemente eles não têm educação são iletrados e não permanecem nos empregos Por que não responder ao crime pelo ataque aos problemas que o causam Se alguém é perigoso nós podemos encarcerálo Mas enquanto nós o mantemos atrás das grades por que não tratar de seus problemas com terapia psicológica oportunidades educacionais e preparação para o trabalho Se um dia ele puder retornar à sociedade como um cidadão produtivo então ele e a sociedade se beneficiarão Nos Estados Unidos a visão utilitarista sobre a punição já foi dominante Em 1954 a American Prison Association mudou o seu nome para American Correctional Association e aconselhou as prisões a se tornarem estabelecimentos correcionais As prisões foram convidadas a corrigir os internos não punilos A reforma de prisões for comum nos anos de 1950 e 1960 As prisões ofereciam aos internos programas de tratamento de drogas aulas de treinamento vocacional e sessões grupais de aconselhamento na esperança de tornálos bons cidadãos Porém isso foi há muito tempo Nos anos de 1970 o novo anúncio da guerra às drogas levou a sentenças cada vez mais longas para traficantes Essa mudança na justiça americana foi mais de natureza restributivista do que utilitarista e resultou em um número muito maior de prisioneiros Hoje os Estados Unidos têm em torno de 23 milhões de prisioneiros dandolhes de longe o primeiro lugar no índice de encarceramento em relação a qualquer outro país A maioria dos presos está nas prisões estaduais não em prisões federais Os Estados que têm que operar tais estabelecimentos estão precisando de dinheiro Como resultado disso a maioria dos programas que visavam à reabilitação ou foram reduzidos ou eliminados A mentalidade da reabilitação dos anos de 1960 foi desse modo substituída por uma mentalidade de depósito marcada por superlotação das prisões e pela praga da falta de recursos Essa nova realidade que é menos prazerosa para os próprios presos sugere uma vitória do retributivismo O RETRIBUTIVISMO DE KANT A teoria utilitarista da punição tem muitos oponentes Alguns críticos dizem que a reabilitação prisional não funciona A Califórnia teve o programa mais vigoroso de reabilitação nos Estados Unidos ainda assim os seus prisioneiros estavam especialmente propensos a cometer crimes depois de sua soltura A maior parte da oposição porém é baseada em considerações teóricas que vão pelo menos até Kant Kant desprezava os meandros do utilitarismo porque ele disse a teoria é incompatível com a dignidade humana Em primeiro lugar ele tem nos feito calcular como usar as pessoas como meios para nossos fins Se aprisionamos o criminoso para manter a sociedade segura nós o estamos usando meramente para o benefício dos outros Isso viola a crença de Kant de que nunca nenhum homem deve ser tratado meramente como um meio subserviente ao objetivo de um outro Ademais a reabilitação é na verdade somente a tentativa de moldar as pessoas segundo aquilo que nós queremos elas sejam Como tal isso viola o seu direito de decidir por si mesmas que tipo de pessoas elas querem ser Nós temos o direito de responder à sua maldade dandolhes o troco por isso mas não temos o direito de violar a sua integridade tentando manipular as suas personalidades Assim Kant não compartilha das justificações utilitaristas Em vez disso ele defende que a punição deve ser governada por dois princípios Primeiro as pessoas devem ser punidas simplesmente porque elas cometeram crimes e por nenhuma outra razão Segundo a punição tem que ser proporcional à seriedade do crime Punições pequenas são suficientes para crimes pequenos mas punições grandes são necessárias para crimes grandes Mas que espécie e que grau de punição adota a justiça pública como princípio e como medida Não pode ser outro senão o da igualdade na posição de fiel da balança da justiça o não inclinarse mais para um lado do que para o outro Portanto qualquer mal imerecido que causas a um outro no povo causalo a ti próprio se o injurias é a ti próprio que injurias se o roubas é a ti próprio que roubas se o agrides é a ti próprio que agrides se o matas é a ti próprio que matas Só a lei de retribuição ius talionis mas bem entendido na condição de se efetuar perante a barra do tribunal não no teu juízo privado pode indicar de maneira precisa a qualidade e a quantidade da pena todos os demais oscilam aqui e acolá e porque se imiscuem outras considerações não têm adequação ao veredicto da justiça pura e rigorosa O segundo princípio levao a endossar a pena capital pois em resposta a um homicídio somente a morte é apropriada Em uma famosa passagem Kant diz Mesmo que se dissolvesse a sociedade civil com o assentimento de todos os seus membros por exemplo se um povo que habita uma ilha decidisse separarse e espalharse pelo mundo inteiro teria antes que ser executado o último assassino que se encontrasse na prisão para que a cada um aconteça aquilo que os seus atos merecem e o sangue derramado não seja responsabilidade do povo que não exigiu este castigo pois pode ser considerado como cúmplice desta violação pública da justiça N de T KANT Immanuel A metafísica dos costumes Trad J Lamego Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 2005 1797 p 332 RL AA 06 332 N de T KANT Immanuel A metafísica dos costumes Trad J Lamego Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 2005 1797 p 333 RL AA 06 333 Ainda que um kantiano tenha de apoiar a pena de morte na teoria ele pode se opor na prática A preocupação na prática é que pessoas inocentes podem ser mortas por engano Nos Estados Unidos em torno de 130 presos no corredor da morte foram soltos da prisão depois de provarem a sua inocência Nenhuma dessas pessoas foram realmente mortas Mas com tantos não sendo por pouco mortos é quase certo que alguma pessoa inocente tenha sido morta Os advogados da reabilitação apontam para exemplos específicos e problemáticos Assim para decidir apoiar a política da pena capital os kantianos têm que balancear a injustiça de enganos mortais ocasionais em relação à injustiça de deixar assassinos viverem Os dois princípios de Kant descrevem uma teoria geral da punição mal feitores têm que ser punidos e a punição tem que ser adequada ao crime Essa teoria é profundamente oposta à ideia cristã de oferecer a outra face No sermão da montanha Jesus confessou Tendes ouvido o que foi dito Olho por olho dente por dente Eu porém vos digo Não resistais ao mau Se alguém te ferir a face direita oferecelhe também a outra Para Kant esta resposta ao mal não é só imprudente mas injusta Quais argumentos podem ser ofertados para o retributivismo de Kant Nós notamos que Kant vê a punição como uma questão de justiça Ele diz que se o culpado não é punido a justiça não é feita Este é um argumento Também nós discutimos por que Kant rejeita o ponto de vista utilitarista sobre a punição Mas ele providencia também outro argumento baseado na ideia de tratar as pessoas como fins em si mesmas Este argumento adicional é a contribuição de Kant para a teoria da retribuição Em face disso é difícil que nós possamos descrever a punição de alguém como respeitandoo como uma pessoa ou tratandoo como um fim Como pode o envio de alguém para a prisão ser um modo de respeitar este alguém Ainda de forma mais paradoxal como pode a execução de alguém ser um modo de tratálo como um ser racional que é responsável pelo seu comportamento Assim agora podemos perguntar o que significa ser um ente responsável Considere primeiro o que significa não ser um tal ente Meros animais que não têm razão não são responsáveis por suas ações nem o são as pessoas mentalmente doentes e que não se controlam Em tais casos seria absurdo considerálos responsáveis Nós não poderíamos de forma apropriada sentir gratidão ou ressentimento em relação a eles porque não são responsáveis por qualquer bem ou mal que causem Além disso não podemos esperar que eles entendam por que nós os tratamos assim assim como não podemos esperar que eles entendam por que eles se comportam de tal modo Desse modo nós não temos outra escolha senão manipulálos em vez de tratálos como indivíduos racionais Quando nós ralhamos com um cachorro ao comermos fora da mesa nós estamos meramente tentando treinálo N de T Bíblia Sagrada 32 ed São Paulo Editora Ave Maria 1981 MT 5 3839 Por outro lado um ser racional pode livremente decidir o que fazer baseado em sua própria concepção do que é melhor Seres racionais são responsáveis por seu comportamento e portanto eles são responsáveis por aquilo que fazem Nós podemos sentir gratidão quando eles se comportam bem e ressentimento quando eles se comportam mal Recompensa e punição não treinamento e outras manipulações são as expressões naturais de gratidão e ressentimento Portanto punindo as pessoas nós as estamos considerando responsáveis pelas suas ações de um modo no qual nós não podemos considerar os meros animais responsáveis Nós estamos respondendo a eles não como pessoas que estão doentes ou que não têm controle sobre si mesmas mas como pessoas que escolheram livremente seus atos maus Ademais ao tratar com agentes responsáveis podemos permitir com propriedade que a sua conduta determine ao menos em parte como nós respondemos a eles Se alguém foi amável com você você pode responder sendo generoso e se alguém é torpe com você você pode levar isso em conta e decidir como responder Por que você não deveria Por que você deveria tratar todo mundo igualmente independentemente de como eles escolheram se comportar Em relação a este último ponto Kant faz uma guinada notável Há em seu ponto de vista uma razão profunda para responder a outras pessoas na mesma moeda Quando escolhemos fazer alguma coisa depois de consultar os nossos próprios valores estamos dizendo na verdade esse é o tipo de coisa que deve ser feita Na terminologia de Kant nós estamos sugerindo que nossa conduta se torne uma lei universal Portanto quando um ser racional decide tratar as pessoas de um certo modo ele decreta que a seu juízo esse é o modo como as pessoas serão tratadas Se ele trata mal os outros e nós o tratamos mal nós estamos aquiescendo com a sua própria decisão Nós estamos em um sentido perfeitamente claro respeitando o seu julgamento permitindo que isso controle como nós o tratamos Desse modo Kant diz do criminoso que seu próprio ato mal desenha a punição sobre si mesmo Este último argumento pode certamente ser questionado Por que devemos adotar o princípio de ação do criminoso em vez de seguir nossos próprios princípios Deveríamos nós tentar ser melhores do que eles No final das contas o que pensamos da teoria kantiana pode depender de nosso ponto de vista sobre o comportamento criminoso Se virmos os criminosos como vítimas das circunstâncias que em última análise não controlam as suas próprias ações então o modelo utilitarista será atrativo para nós A resolução desse grande debate pode assim se transformar na questão se nós acreditamos que os seres humanos têm liberdade da vontade ou se nós acreditamos que forças externas impactam o comportamento humano tão profundamente que fazem da nossa liberdade uma ilusão O debate sobre a liberdade da vontade porém é tão complexo e tão afetado por questões fora da ética que nós não o discutiremos aqui Essa espécie de situação dialética é comum na filosofia quando você estuda uma matéria profundamente você frequentemente percebe que ela depende de alguma coisa a mais E desafortunadamente essa outra coisa com frequência é tão difícil como o conjunto de problemas com os quais nós começamos