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Psicologia Social
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ISSN 01014838 51 Corpo subjetividade e psicossomática O corpo a subjetividade e a psicossomática Lazslo Antonio Ávila RESUMO O objetivo deste artigo é discutir algumas das significações múltiplas e contraditórias do corpo humano Inicialmente apresentase a polissemia do corpo através de suas manifestações em diversificadas áreas do conhecimento eou meios culturais Então algumas situações clínicas são analisadas desde a perspectiva da psicossomática de orientação psicanalítica O corpo vivo fornece o significado biográfico que é necessário para uma melhor compreensão das doenças enquanto experiências pessoais passíveis de intervenção psicoterapêutica Finalmente a complexidade das relações entre o corpo e a subjetividade é demarcada Palavraschave corpo psicossomática subjetividade cultura psicanálise ABSTRACT Body subjectivity and psychosomatics The aim of this paper is to discuss some of the multiple and contradictory meanings of the human body First the polysemy of the tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 51 25072012 083152 LAZSLO ANTONIO ÁVILA body is presented through its manifestation in several fields of knowledge and or cultural means Then some clinical situations are analyzed from a psychosomatic psychoanalyticallyoriented perspective The living body provides the biographical meaning which is necessary to better understand diseases as personal experiences able to be submitted to psychotherapeutic interventions Finally the complexity of the relationship between body and subjectivity is acknowledged Keywords body psychosomatics subjectivity culture psychoanalysis Professor adjunto da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto Livre Docente do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto Membro da Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo SPAGESP Membro do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Confi gurações Vinculares NESME 52 Embora a Psicologia seja tradicionalmente encarada como a ciência da mente o corpo do indivíduo é alvo primordial das pesquisas psicológicas considerado o enraizamento de qualquer processo psíquico na materialidade corporal Contudo esse mesmo objeto somático é certamente o objeto central para inúmeras outras disciplinas O corpo se apresenta como um campo de exploração e indagação para todas as chamadas ciências humanas bem como para diversas áreas das ciências naturais É também objeto de um grande número de atividades culturais não vinculadas à ciência Tratase portanto de um objeto tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 52 25072012 083152 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA múltiplo complexo aberto a uma diversidade de perspectivas e sujeito a uma ampla gama de representações O corpo é poderíamos dizer um objeto transdisciplinar por excelência local de entrecruzamento obrigatório para múltiplas disciplinas um objeto multifacetado e marcado pela complexidade A história do corpo desde a Renascença até os nossos dias foi apresentada recentemente em três alentados volumes por renomados pesquisadores franceses na sua maioria Corbin Courtine Vigarello 2008 Neles se pode acompanhar a complexa evolução ao longo do que se denomina de período moderno das conceituações sobre o corpo tornandoo objeto de diferentes abordagens visando o homem vivo o homem em carne e osso Também na França o filósofo Michel Foucault 1977 1984 empreendeu uma laboriosa análise dos usos do corpo enquanto palco e cenário dos avatares da sexualidade A questão do corpo comparece de inúmeras formas na contemporaneidade o corpo é interrogado em medicina pela fisiologia pela anatomia pela genética e outras diversas especialidades médicas Mas o corpo também é de enorme interesse para a antropologia e para a etnologia na medida em que o corpo seus ritmos e interações compõem os primeiros fatos culturais O corpo tem uma dimensão social traduzida em sua materialidade econômica e nas tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 53 25072012 083152 LAZSLO ANTONIO ÁVILA instâncias sociais em que o corpo é regulado e instituído É legislado pelo Direito 53 e apreendido diferentemente em suas distintas áreas É lido pela semiótica pela linguística pelas teorias da comunicação É objeto da arte das múltiplas artes desde a literatura passando pela pintura escultura até o design com a necessária inscrição em teatro televisão e cinema Enfim o corpo é matériaprima para inúmeras dimensões de experiências e de representações tanto por parte das ciências como das práticas culturais Neste artigo vamos explorar um alvo bem definido o corpo enquanto lócus do sofrimento na forma das doenças psicossomáticas buscando entender como a experiência vivencial da doença analisada enquanto fato biográfico pode nos conduzir a modelos de compreensão do corpo enquanto corpo psicológico ou corpo para a mente Ávila 2007 2010 bem como auxiliar na estruturação de uma forma particular de psicoterapia Antes porém vamos prosseguir a exploração da polissemia do corpo em alguns de seus campos de manifestação Em primeiro lugar existe o corpo físico o corpo enquanto organismo tal como apreendido pelas ciências da biologia e suas subáreas da biofísica e bioquímica e tal como manipulado pelas práticas da tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 54 25072012 083152 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA medicina corpo 1 além deste existe o corpo vivido o corpo experienciado corpo pessoal de cada indivíduo corpo 2 existe também o corpo imaginarizado representado pela arte traduzido nas artes plásticas no cinema na propaganda corpo 3 existe ainda o corpo real do outro pensado tocado fantasiado por cada sujeito mas alheio a ele corpo 4 existe o corpo concebido pela psicanálise corpo trabalhado pelas pulsões território do Id corpo 5 mas também existe o corpo trabalhado pelas práticas diversificadas da fisioterapia da massoterapia da ioga da acupuntura da bioenergética da educação física do esporte etc corpo 6 de forma própria existe o corpo vivenciado e assistido da dança corpo 7 em uma esfera distinta existe o corpo trabalhado pela religião pela religiosidade e pela mística corpo 8 e possivelmente existem corpos ainda desconhecidos e misteriosos corpos 9 10 11 54 O corpo 1 é o da ciência biológica e da prática médica É um corpo objeto Corpo conhecido a partir da patologia corpo sede de doenças Corpo conhecido antes na sala de anatomia e depois no consultório Corpo que é conjunto de sinais e de sintomas Corpo que é base para os exames fonte de informação diagnóstica alvo do ataque dos agressores externos vírus bactérias envenenamentos e dos agressores tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 55 25072012 083152 LAZSLO ANTONIO ÁVILA internos maus funcionamentos deterioração envelhecimento Corpo que morre Corpo que deve ser socorrido antes que morra o que acontece inevitavelmente Esse corpo já mereceu o comentário sarcástico do filósofo iluminista Voltaire 16941778 Os médicos inoculam drogas que não conhecem em corpos que conhecem ainda menos citado por Olival 1998 137 Mas os médicos continuam explorando esse corpo e o conhecem cada vez mais pelo menos enquanto máquina complexa Conhecem também cada vez mais os remédios e as cirurgias com os quais o modificam o alteram o conformam o salvam e às vezes o liquidam Essa mesma medicina que já salvou milhões de seres humanos que morriam em grandes epidemias e ainda hoje se interroga sobre o que é e como tratar a mera gripe Esse corpo 1 corpo que nos aflige quando adoecemos às vezes queremos que seja simplesmente bem tratado e aliviado de seus padecimentos Às vezes vamos ao médico apenas como pacientes no sentido passivo da palavra Lebrun 1987 e só queremos parar de sofrer no corpo Nessas horas suspendemos nossa relação pessoal com nosso corpo e o entregamos de boa vontade para que o médico faça dele o que for melhor o que nos cure o que nos livre do que nos atormenta Mas como alerta Jean Clavreul 1983 4344 a doença adquirindo um estatuto científico separase cada vez mais do que o interessado sente dela A medicina com seu enorme tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 56 25072012 083152 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA desenvolvimento e aparato técnico se apropriou do corpo do doente e desse modo provou que podia prescindir de toda consciência pessoal de um estado mórbido e mesmo de toda demanda Esta quando existe não tem de qualquer maneira lugar algum no discurso médico para tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 57 25072012 083152 LAZSLO ANTONIO ÁVILA 55 o qual o doente não é senão um demandante um pedinte Clavreul 1983 4445 O corpo 1 já não é próprio É levado pelo sujeito ao médico e no médico ele é reinaugurado sob um novo olhar passa a ser o corpo doente corpo entregue ao cuidado alheio corpo para ser tratado Mas como todo médico sabe à exaustão o sujeito humano muito raramente permanece nessa condição de objeto Logo se rebela e essa rebeldia pode tomar a forma da recusa do tratamento da manipulação da relação médico paciente do não acompanhamento das dietas da cronificação dos sintomas e muitas outras formas de dizer não à reificação O sujeito se recusa a desistir de seu próprio corpo O corpo 2 é este corpo que o sujeito tanto preza É como se fosse seu próprio Eu O corpo próprio tem enorme valor narcísico não queremos desistir e nos desfazer da menor parte dele por exemplo recuamos com horror diante da ideia da mínima amputação de uma parte de nossos corpos Esse corpopessoa é extremamente amplo consideramos parte de nosso corpo coisas que vão além da nossa pele é o próprio eu com suas extensões as coisas pessoais e os objetos próximos os familiares o nome próprio Qualquer agressão àquilo que considero muito meu me agride em meu eu me agride em minha corporalidade Uma tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 58 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA ofensa moral dói no estomago no fígado Uma ignomínia pode matar com um infarto ou com um acidente vascular cerebral Uma alegria muito grande também pode matar Meu corpo é tudo aquilo que eu acho que me faz me constitui Meu Eu é tudo aquilo que eu ponho dentro das minhas fronteiras e primeiro entre todos está o meu corpo Mas esse corpo é muito além da biologia ele é tudo aquilo em que o que eu sou se expressa Se o médico que me atende não o personaliza possivelmente o tratamento não dê certo E mesmo se interromper meus sintomas mas não tiver conseguido uma conexão com minha pessoa que permita integrar a doença com a totalidade dos significados que a mesma ganhou na minha vida eu posso continuar doente sem ter a doença 56 Ávila 2002 2004 Foram estes misteriosos casos que deram origem à psicossomática psicanalítica O corpo 3 existe na Cultura ele é fruto da cultura das particulares injunções no espaçotempo de cada formação social concreta cada sociedade e dentro desta de cada um dos seus subgrupos particulares Falemos muito brevemente dessas dimensões O corpo da Arte é iconográfico comparemse as representações de beleza feminina na arte rupestre a gorda Vênus de grandes tetas e amplos quadris símbolo da fertilidade representada há 40 mil anos as brancas matronas do tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 59 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA Renascimento as anoréxicas belas da moda dos últimos 30 anos a beleza clássica na estatuária greco romana a beleza da mulher negra e da japonesa o que é belo para o esquimó ou para o carioca de Ipanema O belo é continuamente reinventado O corpo em todas as suas dimensões é imaginário e imaginarizado Ser criança adolescente adulto ou velho não é questão de biologia é fato de significação cultural O corpo que trabalha Dejours 1987 Friedman 1972 ou o corpo do lazer são distintos tanto no sentido vivencial quanto no representacional O corpo 4 é do outro Esse corpooutro nos fascina nos questiona nos intriga nos instiga Será que o outro a outra sente o mesmo que eu O que é a experiência de si mesmo para o outro Ele é como eu Quando eu desejo sou desejado O que é desejar e ser desejado O corpo do outro é misterioso e o outro provoca em meu corpo coisas também misteriosas Emana do outro um poder Além da esfera do desejo sexual há também os mistérios do encanto da empatia da antipatia do nojo da emulação da confiança e desconfiança da ascensão de um sobre o outro da subordinação da simetria da correspondência ou não O corpo do outro é fonte e alvo fonte de desejos alvo de agressão por exemplo É um corpo como o meu tão conhecido e desconhecido como o meu tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 60 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA O corpo 5 é um corpo que nasceu das investigações da psicanálise Freud 19051995 o concebeu como anterior ao Eu como 57 sede das pulsões Mas Freud hesitava ora o ancorava no rochedo do biológico Freud 19381995 inacessível e incognoscível ora o considerava como um corpo recriado pelo narcisismo Freud 19141995 configurado pelo desejo desenhado pelas injunções do superego e do ideal do ego Um corpo que se definia pelas complexas relações entre o Eu a realidade e um corpo de pulsões Freud 19151995 Esse corpo foi o primeiro enigma da psicanálise com a conversão histérica Freud 18931995 Depois interrogou Freud na forma das neuroses atuais a estase da libido produzindo sintomas Freud 18961995 Posteriormente modificou a teoria e a prática da psicanálise quando se introduziu o narcisismo o Eu e seu corpo são objeto da pulsão amorosa Ainda depois a pulsão de morte vem arrebatar todo o modelo e reconfigurar a tópica psíquica Freud 19201995 19231995 Com a pulsão de morte Freud tanto reencontra a natureza portanto o corpo quanto se propõe a ir mais além O corpo é amálgama de vida e morte a psique é tanto corpo quanto símbolo A técnica da psicanálise pensa o corpo a partir da palavra Mas o corpo como tal pura corporalidade tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 61 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA sempre demanda uma atenção específica a psicossomática psicanalítica Alexander 1950 Groddeck 1984 1992 O corpo 6 também é múltiplo A fisioterapia ocidental vê o mesmo corpo que o médico e o biólogo Mas esse é um corpo que deve ser reabilitado É principalmente um corpo vivo embora doente Está em mau funcionamento Deve ser corrigido É um corpo para a técnica manipulatória Deve retomar sua funcionalidade É anatomia e fisiologia é reabilitação O corpo do paciente é o mesmo que está nos manuais os ajustes são circunstanciais Completamente distinto é o corpo da acupuntura do Doin das técnicas chinesas japonesas coreanas indianas ou tibetanas que estudam há milhares de anos um corpo definido a partir de energias de canais de circulação de princípios elementais não elementares Um corpo de pontos e fluxos Um corpo com outra engenharia Diferente também era o 58 corpo que Reich 1949 via e aquele corpo visto e trabalhado pelos massoterapeutas um corpo diferenciado para as técnicas do Reiki outro corpo para os renovadores das técnicas físicas no Ocidente Cada visão cada técnica com um modelo de corpo uma vivência distinta de terapêutica Esses corpos não coincidem entre si tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 62 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA O corpo 7 é o da dança com suas muitas expressões balé cirandas populares folguedos dança de salão danças tradicionais e contemporâneas dança do Quarup na Amazônia danças com diferentes sentidos em diferentes contextos culturais Um único exemplo extraordinário é o Butoh dança milenar japonesa Kazuo Ohno o reviveu quando estava quase extinto Apresentouse em muitos países e deixou seguidores no Brasil Kazuo Ohno agonizou aos 102 anos com sua morte sendo filmada porque seu corpo continua tradução de algo a ser transmitido A dança do Butoh é uma dança da morte e da vida Morte e vida são parceiras de uma dança cósmica e assim foram dançadas por ele por seu filho e outros bailarinos Recente exposição no SESC o apresentou mas o extraordinário recurso da fotografia e da filmagem só aumenta a tragicidade de sua mensagem eterniza o que apenas passa A vida dura apenas o tempo de um passo O corpo 8 corpo religioso e místico é completamente outro No catolicismo tradicional tantas vezes foi apenas sinônimo do pecado corpo atormentado castigado punido purificado e redimido Corpo de Cristo e da Virgem Corpo casto e corpo crucificado Já foi um corpo queimado na fogueira como santa Joana DArc assim como foi um corpo estigmatizado pela identificação ao Cristo como em são Francisco Tantos santos e mártires têm seu corpo tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 63 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA exposto e identificado com a fé o corpo flechado de são Sebastião os olhos de santa Luzia são Brás e a garganta e muitos outros O corpo foi martirizado e redimido Milhares de mulheres algumas vezes histéricas Mitchell 2000 Trillat 1991 outras vezes sofredoras da coreia ou Mal de Huntington Porter 1995 e algumas vezes simplesmente por 59 serem mulheres sexualmente livres foram condenadas à fogueira durante a Inquisição O corpo já foi tão marcado pelo pecado que muitas das práticas do catolicismo consistiram em tentativas de libertálo Outra libertação buscaram os místicos O corpo em santa Teresa de Ávila e em são João da Cruz é um corpocaminho um corpo que se espiritualiza Também as tradições orientais parecem se dar melhor com o corpo O corpo dos budistas reencarna mas busca se livrar do aprisionamento e do sofrimento da carne O corpo do iogue parece capaz de superar a própria dor O corpo do samurai é como uma flor que já desabrochou está pronto para morrer Por isso não tem medo O corpo 8 tem muitos diferentes destinos mesmo quando morre Os corpos seguintes 9 10 11 são abertos alguns para serem descobertos outros talvez permanecerão desconhecidos São organizações da experiência tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 64 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA humana ainda não pensáveis com os paradigmas atuais Eu considero que nós estamos no princípio dos estudos sobre o corpo que aliás foram bastante negligenciados sobretudo pela filosofia Assim o corpo deve ser caracterizado como um operador determinado Não é qualquer operador Ele é o operador do quê Operador de linguagem Há uma razão muitos assinalam entre a escrita e o corpo entre a linguagem e o corpo Mas tendemos a ficar sempre no terreno da metáfora ao pensar por exemplo que o corpo é uma inscrição como um papel ou que o corpo escreve no espaço tal qual ocorre na dança mas o que significa isso Na verdade é todo o processo de constituição da nossa civilização que deve ser interrogado José Gil citado por SantAnna 1997 255 A questão da interação mentecorpo remete às origens da filosofia Chauí 2002 O que se denomina hoje como Psicossomática deve ser encarado desde duas perspectivas distintas Por um lado foi psicossomática toda a abordagem médica prévia ao nascimento 60 da medicina científica antes da instauração do método cartesiano Porter 1997 Isso porque eram tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 65 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA indissociáveis os processos mentais e os corporais antes das distinções que vieram dar origem às ciências da natureza separadas das ciências humanas como a psicologia a sociologia a história a antropologia etc Por outro lado estritamente falando a Psicossomática surge como extensão médica através do psiquiatra Johann Heinroth em 1828 Mello Filho 1992 Shorter 1995 Com Georg Groddeck 1992 a partir de 1917 a psicanálise passa a ser aplicada aos processos orgânicos principalmente ao adoecer e suas significações Ao longo desses quase 100 anos a psicossomática psicanalítica vem desenvolvendo um amplo conjunto de evidências demonstrando como os processos inconscientes incidem sobre as funções corporais produzindo manifestações no organismo agravando doenças e traduzindo os conflitos psíquicos em sintomas somatizados Importantes autores psicanalíticos como S Ferenczi 1990 O Fenichel 1981 M Balint 1975 D W Winnicott 2000 J Lacan 1988 F Dolto 1988 J Laplanche 1981 J McDougall 1991 P Aulagnier 1985 J D Nasio 1993 entre outros se dedicaram à investigação das conexões entre a mente e o corpo e produziram férteis contribuições tanto para a teoria psicanalítica quanto para a prática psicoterapêutica É a partir da psicossomática psicanalítica em especial aquela sustentada nas contribuições de Freud Groddeck Bion e McDougall que venho tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 66 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA desenvolvendo uma abordagem para os fenômenos psicossomáticos que busca levar em consideração a natureza complexa dessas manifestações O corpo que adoece é simultaneamente tanto o corpo do indivíduo portanto experiencial eminentemente subjetivo quanto o corpo que será tratado como objeto positivo pelas práticas da medicina farmacologia fisioterapia etc Esse mesmo corpo está submetido a representações culturais a dimensões antropológicas e sociológicas a pressões derivadas do trabalho que 61 esse indivíduo realiza do seu estilo de vida e a todo um conjunto de fatores de ordem extracorporal que contudo confluem para esse mesmo corpo Assim o que distingue a abordagem aqui proposta é a aceitação e busca de compreensão dessa multiplicidade de aspectos propiciando que a doença possa permanecer sendo vista enquanto entidade nosológica campo da ação médica e ao mesmo tempo possa ser abordada psicoterapeuticamente colocando a mente do indivíduo doente com todos os seus conteúdos simbólicos mediados pela cultura também como parte do tratamento Proponho que o sintoma psicossomático seja visto como um processo em que uma questão subjetiva segue um caminho adverso ao invés de conseguir aceder à mente tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 67 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA como processo mental ou seja representação esta situação se traduz corporalmente ou seja se apresenta como expressão do corpo O processo somático ocupa o lugar do processo psíquico no sintoma psicossomático uma questão subjetiva se apresenta ao invés de se representar Ávila 2002 37 Através da psicoterapia buscase a representação psíquica daqueles processos subjetivos dados biográficos e experiências existenciais que não encontraram outra maneira de emergir para o sujeito que não seja a de se apresentar na sua própria carne no corpo que padece Daí decorre uma nova proposição Proponho que se tome o sintoma psicossomático como um capítulo da história do sujeito que não pôde ser escrito psiquicamente e que tomou a forma de um hieróglifo inscrito no corpo Visto desta forma sua dissolução equivale a transcrevêlo darlhe linguagem verbal e representacional na esfera psíquica Ávila 2002 3839 A partir dessa transcrição há uma transformação sintomática o corpo cessa de apresentar aquela perturbação e a mente pode se encarregar de seus conteúdos o que passa a ocorrer no contexto do 62 tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 68 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA trabalho psicoterapêutico Passemos então a exemplos psicossomáticos que devidamente analisados devem nos permitir construir os marcos referenciais dessa abordagem O primeiro é uma carta que recebi logo após ter feito uma apresentação na qual o assunto discutido era o das doenças psicossomáticas que se manifestam na vida cotidiana O missivista escreveu Sendo eu igual a muitos por aí gostaria de relatar uma questão que se reflete fisicamente em mim e eu não tenho ideia de como tratar como segue aparecem no meu pé umas bolhas aparecem somente em um pé de vez em quando dentro elas têm uma substância pouco mais densa que a água com uma coloração voltada para o sangue e se essas bolhas se rompem elas proliferam aparecendo outras na região circunvizinha Procurado um farmacêutico ele me disse que poderia ser tratado com medicamento mas que tem fundo emocional porém os medicamentos não surtem efeitos Conhecidos de outras localidades se deparam com a mesma informação e têm o mesmo problema que eu Analisando a situação consigo atribuir essa incidência de dermatite à repugnância de pisar a pé descalço em lugar considerado sujo como andar pisando no barro dentro de um rio onde não vejo onde piso e pelo piso de um quarto de motel considero este mais sujo que o anterior Peçolhe a gentileza de me fornecer uma pista sobre a qual tipo de somatização esta dermatite se tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 69 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA refere Certo da sua atenção e boa vontade fico no aguardo da sua resposta Essa pequena carta extraordinária é uma manifestação espontânea de uma pessoa que percebe vagamente a conexão psicossomática entre seus sintomas físicos e sua vida mental sem contudo conseguir alcançar um insight sobre a origem desses sintomas Desde um ponto de vista psicanalítico é transparente a vinculação das questões morais que lhe são conflitivas com sua exteriorização na forma de um sintoma de somatização Os rios turvos remetem à lama que facilmente metaforiza tudo aquilo que é baixo sujo condenável 63 Ao se associarem imediata mas inconscientemente com o quarto de motel ainda mais sujo denotam o sujeito como realiza ações físicas motoras que são atos significativos com conteúdo emocional e consequências morais essas situações não ganharam uma clara expressão em seu psiquismo não se materializaram como questões da ordem do embate entre impulsos condenáveis e ações realizadas e esse conflito escamoteado encontrou a via somática para se manifestar A construção sintomática aqui é muito clara o pé físico parte do corpo manifesta um sintoma bolhas tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 70 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA com água e sangue que se espalham um médico dermatologista possivelmente diagnosticasse uma dermatite factícia causada pelo ato de coçarse infectando as áreas vizinhas a partir de um foco inicial de contaminação Mas esse mesmo pé é representante psíquico de onde esse sujeito está andando ou seja traduz e manifesta o que ele anda fazendo Então o motel local onde atos ilícitos sujos segundo ele ocorrem fica como a localização para o sujeito da origem física para seu padecimento O provável conflito psíquico associado a esses atos fica confinado a uma expressão somática que é ao mesmo tempo crônica não pode sarar através de medicamento porque é psiquicamente determinada e manifestaescondida porque ao ter se tornado coisa física bolhas dermatite já não pode ser encarada como matéria psíquica pensável elaborável Observe se que o farmacêutico e possivelmente o médico caem na cilada da somatização tratam das bolhas mas não atinam com o conflito subjacente mesmo quando consideram sua origem emocional O próprio sujeito embora sujeito de suas ações é sujeitado por seu sintoma sofre mas não sabe do que sofre Ávila 1998 2004 Seus corpos 1 2 e 5 não coincidem e não se encontram Vejamos agora um caso em que o trabalho psicanalítico pôde esclarecer os sintomas físicos tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 71 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA solucionando as queixas do paciente e melhorando consideravelmente a qualidade de sua vida mental em 64 troca o sujeito forneceu uma preciosa síntese de como se constrói um sintoma psicossomático O paciente com 32 anos de idade buscou ajuda médica devido a tonturas dores no peito e taquicardia que perturbavam consideravelmente tanto sua vida pessoal quanto profissional Seus cardiologistas após minuciosos exames clínicos e laboratoriais descartaram a origem cardíaca de seus padecimentos e consideraram seus sintomas como derivados de estresse O paciente adotou essa concepção e atribuía seus sintomas ao nervosismo As teorias do estresse desenvolvidas por Hans Seyle 1965 gozam de ampla aceitação popular e a medicina contemporânea associa inúmeras doenças a essas conexões cientificamente demonstradas entre as reações do sistema nervoso autônomo e os estímulos ambientais incluindo os originados pelo estilo de vida do paciente Mandler 1984 Esse paciente era um homem de nível educacional médio que não apresentava nenhum particular sinal de neurose Era muito bem adaptado ao seu trabalho e não tinha conflitos pessoais significativos Sua vida familiar segundo ele era muito boa tanto em sua relação com a esposa como com seus filhos Ele não se tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 72 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA mostrava consciente de quaisquer situações produtoras de sofrimento emocional Poderia ser descrito nos termos de Joyce McDougall 1991 como um normopata com uma vida convencional e bom desempenho profissional e social Assim quando sofreu de um mal súbito com intensa dor no peito e tontura estava certo de estar sofrendo um infarto Após as consultas médicas considerava que algo estava errado com ele mas passou a atribuir esses sintomas a seu nervosismo Em sua opinião esse estado não tinha qualquer relação com sua vida psíquica mas aceitou vir consultar um psicólogo dado o descarte da patologia orgânica Desde o início do trabalho com ele todo o esforço foi dirigido para buscar conectar sua sintomatologia física com aspectos de sua vida emocional embora a investigação progredisse lentamente Até 65 que um dia após uma indagação mais minuciosa de determinados aspectos de sua vida ele soltou uma frase aparentemente casual que muito me chamou a atenção Ele disse literalmente O nervoso faz a gente pular o sentido Instei com ele para desenvolver essa ideia e então ele formulou essa frase Quando vem o nervoso a gente pula o sentido É assim normalmente a gente vê sente pensa e age Mas quando vem o nervoso a gente vê e age tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 73 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA Essa pessoa soube captar com incrível precisão o mecanismo através do qual ocorre o eclipse do psíquico O pensar e o sentir são por definição matéria psíquica Podemos dizer que o ver é da ordem do sensorial portanto do somático enquanto o agir é da ordem da conduta do comportamento das atitudes Se o psíquico for excluído suprimido reprimido eclipsado haverá uma conexão direta entre o nível somático e o nível da expressão no corpo portanto um sintoma psicossomático É interessante que a formulação desse paciente coincide bastante com o modelo de psiquismo que Freud 19001995 propôs na Interpretação dos sonhos No modelo do telescópio apresentado no último capítulo Freud concebeu o psiquismo como se fosse um aparato dotado de duas aberturas uma sensorial e a outra motora com o processo psíquico desenvolvendose no interior do aparato Para Freud o sonho se processaria como um processo regressivo vindo da esfera motora para a extremidade sensorial No caso desse sujeito as aberturas se comunicariam diretamente e seus sintomas se derivariam disso É como se este paciente percebesse em si mesmo um curtocircuito que aproximasse o seu plano sensorial do nível motor ficando o nervosismo como consequência dessa junção e o nível propriamente psíquico do pensar e do sentir se evanesceria impossibilitado de se representar tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 74 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA Ao longo de seu processo psicoterapêutico esse sujeito foi elaborando as conexões entre as diferentes manifestações de sua vida mental e suas expressões psicossomáticas Seu coração passou a ser 66 mais do que um simples órgão suas sensações físicas ponto de partida para indagações sobre sua vida afetiva e assim aos poucos sua couraça normopática foi se rompendo Seus sintomas psicossomáticos declinaram na mesma medida em que ele ganhou melhor acesso a seus pensamentos e sentimentos tornandose capaz de elaborálos Para seus médicos ficou apenas a confirmação de sua suspeita de que se tratava de estresse Mas o que esse caso demonstra é que designar um processo com um nome não significa nem de longe solucionálo Estresse é um termo de cobertura ampla demais Por baixo dele podem se ocultar processos psíquicos extremamente elaborados O significado fundamental de uma investigação psicossomática é procurar as pontes tantas vezes perdidas entre os corpos 1 e 2 A experiência do sujeito com o seu próprio corpo precisa ser explorada com mais profundidade do que apenas examinando o seu corpo enquanto organismo biológico Ficar doente estar doente muito além de seu significado médico história natural da doença etiologia diagnóstico e prognóstico etc é sempre também e ao mesmo tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 75 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA tempo sofrer a doença ter um fato do maior significado inscrito em sua biografia vivenciar um processo pleno de significações O corpo próprio é muito mais do que apenas um instrumento de locomoção e ação no mundo esse corpo se confunde com o Eu que o vive na medida em que ambos vão sofrer do mesmo destino desde o nascimento até a morte A pessoa adoece de corpo e alma o psiquismo não é uma esfera autônoma um epifenômeno do corpo o Eu e o Corpo estão em permanente diálogo entre si e com o mundo seja na saúde ou na doença O corpo é um objeto transdisciplinar por excelência dado que nenhuma das presentes disciplinas científicas pode esgotar sua compreensão e dado ser o corpo o suporte necessário e inevitável da vida concreta do indivíduo na sociedade e na cultura Poderíamos concluir parafraseando o famoso dístico há mais mistério entre a biologia e a psicologia do que sonha a nossa filosofia e a nossa medi 67 cina O corpo é uma realidade múltipla profundamente complexa e multidimensional Precisamos aprender com ele para que possamos melhor nos conhecer REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 76 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA Alexander F 1950 Psychosomatic medicine its principles and applications Nova York W Norton Aulagnier P 1985 Os destinos do prazer Rio de Janeiro Imago Ávila L A 1998 Isso é Groddeck São Paulo EDUSP Ávila L A 2002 Doenças do corpo e doenças da alma investigação psicossomática psicanalítica São Paulo Escuta Ávila L A 2004 O eu e o corpo São Paulo Escuta Ávila L A 2007 Body and meaning International Forum of Psychoanalysis 16 4348 Ávila L A 2010 Psychosomatic symptoms and the group mind Psychology and Psychotherapy Theory Research and Practice 833 255271 Balint M 1975 O médico seu paciente e a doença Rio de Janeiro Atheneu Chauí M 2002 Introdução à história da filosofia dos pré socráticos a Aristóteles v 1 São Paulo Companhia das Letras Clavreul J 1983 A ordem médica Poder e impotência do discurso médico São Paulo Brasiliense Corbin A Courtine J J Vigarello G 2008 História do corpo Petrópolis Vozes Dejours C 1987 A loucura do trabalho estudo de psicopatologia do trabalho São Paulo Oboré Dolto F 1988 Limage inconsciente du corps Paris Seuil Fenichel O 1981 Teoria psicanalítica das neuroses Rio de Janeiro Atheneu Ferenczi S 1990 Thalassa Ensaio sobre a teoria da genitalidade São Paulo Martins Fontes Foucault M 1977 História da sexualidade 1 A vontade de saber Rio de Janeiro Graal Foucault M 1984 História da sexualidade 2 O uso dos prazeres Rio de Janeiro Graal Freud S 18931995 Estudos sobre a histeria Obras completas ESB v II Rio de Janeiro Imago tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 77 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA Freud S 18961995 Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa Obras completas ESB v III Rio de Janeiro Imago 68 Freud S 19001995 A interpretação dos sonhos Obras completas ESB v IV e V Rio de Janeiro Imago Freud S 19051995 Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Obras completas ESB v VII Rio de Janeiro Imago Freud S 19141995 Sobre o narcisismo uma introdução Obras completas ESB v XIV Rio de Janeiro Imago Freud S 19151995 Os instintos e suas vicissitudes Obras completas ESB v XIV Rio de Janeiro Imago Freud S 19201995 Além do princípio do prazer Obras completas ESB v XVIII Rio de Janeiro Imago Freud S 19231995 O ego e o id Obras completas ESB v XIX Rio de Janeiro Imago Freud S 19381995 Esboço de psicanálise Obras completas ESB v XXIII Rio de Janeiro Imago Friedman G 1972 O trabalho em migalhas especialização e lazeres São Paulo Perspectiva Groddeck G 1984 O Livro dIsso São Paulo Perspectiva Groddeck G 1992 Estudos psicanalíticos sobre psicossomática São Paulo Perspectiva Lacan J 1988 El Sintoma conferencia de Genebra 1975 In Intervenciones y textos 2 pp 115144 Buenos Aires Manantial Laplanche J 1981 LInconscient et le ça Paris PUF Lebrun G 1987 O conceito de paixão In Novaes A Org Os sentidos da paixão pp 1232 São Paulo Companhia das Letras tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 78 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA Mandler G 1984 Mind and body psychology of stress and emotion New York Norton McDougall J 1991 Teatros do corpo São Paulo Martins Fontes Mello Filho J Ed 1992 Psicossomática hoje Porto Alegre Artes Médicas Mitchell J 2000 Mad men and Medusas London Penguin Nasio J D 1993 Psicossomática As formações do objeto a Rio de Janeiro Jorge Zahar Olival M C S 1998 Carta aos loucos uma narrativa épica moderna Signótica 10 123140 Porter R 1995 Chorea and Huntington disease In Berrios G E Porter R Eds A History of clinical psychiatry The origin and history of psychiatric disorders pp 138146 New York NYP Reich W 1949 Character analysis New York Orgone Institute Press SantAnna D 1997 Entrevista com José Gil Cadernos de Subjetividade 52 253266 Seyle H 1965 Stress a tensão da vida São Paulo IBRASA 69 Shorter E 1995 Somatoform disorders In Berrios G E Porter R Eds A history of clinical psychiatry The origin and history of psychiatric disorders pp 476489 New York NYUP Trillat E 1991 História da histeria São Paulo Escuta Winnicott D W 2000 Da pediatria à psicanálise obras escolhidas Rio de Janeiro Imago Recebido em 05 de agosto de 2011 Aceito para publicação em 04 de maio de 2012 tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 79 25072012 083153 FICHAMENTO O CORPO A SUBJETIVIDADE E A PSICOSSOMÁTICA Referência AVILA Lazslo Antonio O corpo a subjetividade e a psicossomática Tempo psicanal Rio de Janeiro v 44 n 1 p 5169 jun 2012 Disponível em httppepsicbvsaludorgscielophpscriptsciarttextpidS010148382012000100004ln gptnrmiso Acessos em 16 jun 2024 Citação Página O corpo se apresenta como um campo de exploração e indagação para todas as chamadas ciências humanas bem como para diversas áreas das ciências naturais É também objeto de um grande número de atividades culturais não vinculadas à ciência Tratase portanto de um objeto múltiplo complexo aberto a uma diversidade de perspectivas e sujeito a uma ampla gama de representações O corpo é poderíamos dizer um objeto transdisciplinar por excelência local de entrecruzamento obrigatório para múltiplas disciplinas um objeto multifacetado e marcado pela complexidade 52 A questão do corpo comparece de inúmeras formas na contemporaneidade o corpo é interrogado em medicina pela fisiologia pela anatomia pela genética e outras diversas especialidades médicas Mas o corpo também é de enorme interesse para a antropologia e para a etnologia na medida em que o corpo seus ritmos e interações compõem os primeiros fatos culturais O corpo tem uma dimensão social traduzida em sua materialidade econômica e nas instâncias sociais em que o corpo é regulado e instituído 52 O corpo é matériaprima para inúmeras dimensões de experiências e de representações tanto por parte das ciências como das práticas culturais 53 O corpo enquanto lócus do sofrimento na forma das doenças psicossomáticas buscando entender como a experiência vivencial da doença analisada enquanto fato biográfico pode nos conduzir a modelos de compreensão do corpo enquanto corpo psicológico ou corpo para a mente Ávila 2007 2010 bem como auxiliar na estruturação de uma forma particular de psicoterapia 53 O corpo 1 é o da ciência biológica e da prática médica É um corpo objeto Corpo conhecido a partir da patologia corpo sede de doenças Corpo conhecido antes na sala de anatomia e depois no consultório Corpo que é conjunto de sinais e de sintomas 54 O corpo 1 já não é próprio É levado pelo sujeito ao médico e no médico ele é reinaugurado sob um novo olhar passa a ser o corpo doente corpo entregue ao cuidado alheio corpo para ser tratado Mas como todo médico sabe à exaustão o sujeito humano muito raramente permanece nessa condição de objeto Logo se rebela e essa rebeldia pode tomar a forma da recusa do tratamento da manipulação da relação médicopaciente do não acompanhamento das dietas da cronificação dos sintomas e muitas outras formas de dizer não à reificação O sujeito se recusa a desistir de seu próprio corpo 55 O corpo 2 é este corpo que o sujeito tanto preza É como se fosse seu próprio Eu O corpo próprio tem enorme valor narcísico não queremos desistir e nos desfazer da menor parte dele por exemplo recuamos com horror diante da ideia da mínima amputação de uma parte de nossos corpos Esse corpopessoa é extremamente amplo consideramos parte de nosso corpo coisas que vão além da nossa pele é o próprio eu com suas extensões as coisas pessoais e os objetos próximos os familiares o nome próprio Qualquer agressão àquilo que considero muito meu me agride em meu eu me agride em minha corporalidade 55 Meu corpo é tudo aquilo que eu acho que me faz me constitui Meu Eu é tudo aquilo que eu ponho dentro das minhas fronteiras e primeiro entre todos está o meu corpo Mas esse corpo é muito além da biologia ele é tudo aquilo em que o que eu sou se expressa 55 O corpo 3 existe na Cultura ele é fruto da cultura das particulares injunções no espaçotempo de cada formação social concreta cada sociedade e dentro desta de cada um dos seus subgrupos particulares 56 O corpo 4 é do outro Esse corpooutro nos fascina nos questiona nos intriga nos instiga O corpo do outro é misterioso e o outro provoca em meu corpo coisas também misteriosas Emana do outro um poder Além da esfera do desejo sexual há também os mistérios do encanto da empatia da antipatia do nojo da emulação da confiança e desconfiança da ascensão de um sobre o outro da subordinação da simetria da correspondência ou não O corpo do outro é fonte e alvo fonte de desejos alvo de agressão por exemplo É um corpo como o meu tão conhecido e desconhecido como o meu 56 O corpo 5 é um corpo que nasceu das investigações da psicanálise Freud 19051995 o concebeu como anterior ao Eu como sede das pulsões 56 Um corpo que se definia pelas complexas relações entre o Eu a realidade e um corpo de pulsões Freud 19151995 57 A técnica da psicanálise pensa o corpo a partir da palavra Mas o corpo como tal pura corporalidade sempre demanda uma atenção específica a psicossomática psicanalítica Alexander 1950 Groddeck 1984 1992 57 O corpo 6 também é múltiplo A fisioterapia ocidental vê o mesmo corpo que o médico e o biólogo Mas esse é um corpo que deve ser reabilitado É principalmente um corpo vivo embora doente Está em mau funcionamento Deve ser corrigido É um corpo para a técnica manipulatória Deve retomar sua funcionalidade É anatomia e fisiologia é reabilitação O corpo do paciente é o mesmo que está nos manuais os ajustes são circunstanciais 57 O corpo 7 é o da dança com suas muitas expressões balé cirandas populares folguedos dança de salão danças tradicionais e contemporâneas dança do Quarup na Amazônia danças com diferentes sentidos em diferentes contextos culturais 58 O corpo 8 corpo religioso e místico é completamente outro No catolicismo tradicional tantas vezes foi apenas sinônimo do pecado corpo atormentado castigado punido purificado e redimido 58 Os corpos seguintes 9 10 11 são abertos alguns para serem descobertos outros talvez permanecerão desconhecidos São organizações da experiência humana ainda não pensáveis com os paradigmas atuais 59 A questão da interação mentecorpo remete às origens da filosofia Chauí 2002 O que se denomina hoje como Psicossomática deve ser encarado desde duas perspectivas distintas 59 a Psicossomática surge como extensão médica através do psiquiatra Johann Heinroth em 1828 Mello Filho 1992 Shorter 1995 Com Georg Groddeck 1992 a partir de 1917 a psicanálise passa a ser aplicada aos processos orgânicos principalmente ao adoecer e suas significações Ao longo desses quase 100 anos a psicossomática psicanalítica vem desenvolvendo um amplo conjunto de evidências demonstrando como os processos inconscientes incidem sobre as funções corporais produzindo manifestações no organismo agravando doenças e traduzindo os conflitos psíquicos em sintomas somatizados 60 O corpo que adoece é simultaneamente tanto o corpo do indivíduo portanto experiencial eminentemente subjetivo quanto o corpo que será tratado como objeto positivo pelas práticas da medicina farmacologia fisioterapia etc 60 Através da psicoterapia buscase a representação psíquica daqueles processos subjetivos dados biográficos e experiências existenciais que não encontraram outra maneira de emergir para o sujeito que não seja a de se apresentar na sua própria carne no corpo que padece 61 Proponho que se tome o sintoma psicossomático como um capítulo da história do sujeito que não pôde ser escrito psiquicamente e que tomou a forma de um hieróglifo inscrito no corpo Visto desta forma sua dissolução equivale a transcrevêlo darlhe linguagem verbal e representacional na esfera psíquica Ávila 2002 3839 61 O pensar e o sentir são por definição matéria psíquica Podemos dizer que o ver é da ordem do sensorial portanto do somático enquanto o agir é da ordem da conduta do comportamento das atitudes Se o psíquico for excluído suprimido reprimido eclipsado haverá uma conexão direta entre o nível somático e o nível da expressão no corpo portanto um sintoma psicossomático 65 A experiência do sujeito com o seu próprio corpo precisa ser explorada com mais profundidade do que apenas examinando o seu corpo enquanto organismo biológico Ficar doente estar doente muito além de seu significado médico história natural da doença etiologia diagnóstico e prognóstico etc é sempre também e ao mesmo tempo sofrer a doença ter um fato do maior significado inscrito em sua biografia vivenciar um processo pleno de significações 66 A pessoa adoece de corpo e alma o psiquismo não é uma esfera autônoma um epifenômeno do corpo o Eu e o Corpo estão em permanente diálogo entre si e com o mundo seja na saúde ou na doença 66 O corpo é um objeto transdisciplinar por excelência dado que nenhuma das presentes disciplinas científicas pode esgotar sua compreensão e dado ser o corpo o suporte necessário e inevitável da vida concreta do indivíduo na sociedade e na cultura 66 FICHAMENTO O CORPO A SUBJETIVIDADE E A PSICOSSOMÁTICA Referência AVILA Lazslo Antonio O corpo a subjetividade e a psicossomática Tempo psicanal Rio de Janeiro v 44 n 1 p 5169 jun 2012 Disponível em httppepsicbvsaludorgscielophp scriptsciarttextpidS010148382012000100004lngptnrmiso Acessos em 16 jun 2024 Citação Página O corpo se apresenta como um campo de exploração e indagação para todas as chamadas ciências humanas bem como para diversas áreas das ciências naturais É também objeto de um grande número de atividades culturais não vinculadas à ciência Tratase portanto de um objeto múltiplo complexo aberto a uma diversidade de perspectivas e sujeito a uma ampla gama de representações O corpo é poderíamos dizer um objeto transdisciplinar por excelência local de entrecruzamento obrigatório para múltiplas disciplinas um objeto multifacetado e marcado pela complexidade 52 A questão do corpo comparece de inúmeras formas na contemporaneidade o corpo é interrogado em medicina pela fisiologia pela anatomia pela genética e outras diversas especialidades médicas Mas o corpo também é de enorme interesse para a antropologia e para a etnologia na medida em que o corpo seus ritmos e interações compõem os primeiros fatos culturais O corpo tem uma dimensão social traduzida em sua materialidade econômica e nas instâncias sociais em que o corpo é regulado e instituído 52 O corpo é matériaprima para inúmeras dimensões de experiências e de representações tanto por parte das ciências como das práticas culturais 53 O corpo enquanto lócus do sofrimento na forma das doenças psicossomáticas buscando entender como a experiência vivencial da doença analisada enquanto fato biográfico pode nos conduzir a modelos de compreensão do corpo enquanto corpo psicológico ou corpo para a mente Ávila 2007 2010 bem como auxiliar na estruturação de uma forma particular de psicoterapia 53 O corpo 1 é o da ciência biológica e da prática médica É um corpo objeto Corpo conhecido a partir da patologia corpo sede de doenças Corpo conhecido antes na sala de anatomia e depois no consultório Corpo que é conjunto de sinais e de sintomas 54 O corpo 1 já não é próprio É levado pelo sujeito ao médico e no médico ele é reinaugurado sob um novo olhar passa a ser o corpo doente corpo entregue ao cuidado alheio corpo para ser tratado Mas como todo médico sabe à exaustão o sujeito humano muito raramente permanece nessa condição de objeto Logo se rebela e essa rebeldia pode tomar a forma da recusa do tratamento da manipulação da relação médicopaciente do não acompanhamento das dietas da cronificação dos sintomas e muitas outras formas de dizer não à reificação O sujeito se recusa a desistir de seu próprio corpo 55 O corpo 2 é este corpo que o sujeito tanto preza É como se fosse seu próprio Eu O corpo próprio tem enorme valor narcísico não queremos desistir e nos desfazer da menor parte dele por exemplo recuamos com horror diante da ideia da mínima amputação de uma parte de nossos corpos Esse corpopessoa é extremamente amplo consideramos parte de nosso corpo coisas que vão além da nossa pele é o próprio eu com suas extensões as coisas pessoais e os objetos próximos os familiares o nome próprio Qualquer agressão àquilo que considero muito meu me agride em meu eu me agride em minha corporalidade 55 Meu corpo é tudo aquilo que eu acho que me faz me constitui Meu Eu é tudo aquilo que eu ponho dentro das minhas fronteiras e primeiro entre todos está o meu corpo Mas esse corpo é muito além da biologia ele é tudo aquilo em que o que eu sou se expressa 55 O corpo 3 existe na Cultura ele é fruto da cultura das particulares injunções no espaçotempo de cada formação social concreta cada sociedade e dentro desta de cada um dos seus subgrupos particulares 56 O corpo 4 é do outro Esse corpooutro nos fascina nos questiona nos intriga nos instiga O corpo do outro é misterioso e o outro provoca em meu corpo coisas também misteriosas Emana do outro um poder Além da esfera do desejo sexual há também os mistérios do encanto da empatia da antipatia do nojo da emulação da confiança e desconfiança da ascensão de um sobre o outro da subordinação da simetria da correspondência ou não O corpo do outro é fonte e alvo fonte de desejos alvo de agressão por exemplo É um corpo como o meu tão conhecido e desconhecido como o meu 56 O corpo 5 é um corpo que nasceu das investigações da psicanálise Freud 19051995 o concebeu como anterior ao Eu como sede das pulsões 56 Um corpo que se definia pelas complexas relações entre o Eu a realidade e um corpo de pulsões Freud 19151995 57 A técnica da psicanálise pensa o corpo a partir da palavra Mas o corpo como tal pura corporalidade sempre demanda uma atenção específica a psicossomática psicanalítica Alexander 1950 Groddeck 1984 1992 57 O corpo 6 também é múltiplo A fisioterapia ocidental vê o mesmo corpo que o médico e o biólogo Mas esse é um corpo que deve ser reabilitado É principalmente um corpo vivo embora doente Está em mau funcionamento Deve ser corrigido É um corpo para a técnica manipulatória Deve retomar sua funcionalidade É anatomia e fisiologia é reabilitação O corpo do paciente é o mesmo que está nos manuais os ajustes são circunstanciais 57 O corpo 7 é o da dança com suas muitas expressões balé cirandas populares folguedos dança de salão danças tradicionais e contemporâneas dança do Quarup na Amazônia danças com diferentes sentidos em diferentes contextos culturais 58 O corpo 8 corpo religioso e místico é completamente outro No catolicismo tradicional tantas vezes foi apenas sinônimo do pecado corpo atormentado castigado punido purificado e redimido 58 Os corpos seguintes 9 10 11 são abertos alguns para serem descobertos outros talvez permanecerão desconhecidos São organizações da experiência humana ainda não pensáveis com os paradigmas atuais 59 A questão da interação mentecorpo remete às origens da filosofia Chauí 2002 O que se denomina hoje como Psicossomática deve ser encarado desde duas 59 perspectivas distintas a Psicossomática surge como extensão médica através do psiquiatra Johann Heinroth em 1828 Mello Filho 1992 Shorter 1995 Com Georg Groddeck 1992 a partir de 1917 a psicanálise passa a ser aplicada aos processos orgânicos principalmente ao adoecer e suas significações Ao longo desses quase 100 anos a psicossomática psicanalítica vem desenvolvendo um amplo conjunto de evidências demonstrando como os processos inconscientes incidem sobre as funções corporais produzindo manifestações no organismo agravando doenças e traduzindo os conflitos psíquicos em sintomas somatizados 60 O corpo que adoece é simultaneamente tanto o corpo do indivíduo portanto experiencial eminentemente subjetivo quanto o corpo que será tratado como objeto positivo pelas práticas da medicina farmacologia fisioterapia etc 60 Através da psicoterapia buscase a representação psíquica daqueles processos subjetivos dados biográficos e experiências existenciais que não encontraram outra maneira de emergir para o sujeito que não seja a de se apresentar na sua própria carne no corpo que padece 61 Proponho que se tome o sintoma psicossomático como um capítulo da história do sujeito que não pôde ser escrito psiquicamente e que tomou a forma de um hieróglifo inscrito no corpo Visto desta forma sua dissolução equivale a transcrevêlo darlhe linguagem verbal e representacional na esfera psíquica Ávila 2002 3839 61 O pensar e o sentir são por definição matéria psíquica Podemos dizer que o ver é da ordem do sensorial portanto do somático enquanto o agir é da ordem da conduta do comportamento das atitudes Se o psíquico for excluído suprimido reprimido eclipsado haverá uma conexão direta entre o nível somático e o nível da expressão no corpo portanto um sintoma psicossomático 65 A experiência do sujeito com o seu próprio corpo precisa ser explorada com mais profundidade do que apenas examinando o seu corpo enquanto organismo biológico Ficar doente estar doente muito além de seu significado médico história natural da doença etiologia diagnóstico e prognóstico etc é sempre também e ao mesmo tempo sofrer a doença ter um fato do maior significado inscrito em sua biografia vivenciar um processo pleno de significações 66 A pessoa adoece de corpo e alma o psiquismo não é uma esfera autônoma um epifenômeno do corpo o Eu e o Corpo estão em permanente diálogo entre si e com o mundo seja na saúde ou na doença 66 O corpo é um objeto transdisciplinar por excelência dado que nenhuma das presentes disciplinas científicas pode esgotar sua compreensão e dado ser o corpo o suporte necessário e inevitável da vida concreta do indivíduo na sociedade e na cultura 66
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ISSN 01014838 51 Corpo subjetividade e psicossomática O corpo a subjetividade e a psicossomática Lazslo Antonio Ávila RESUMO O objetivo deste artigo é discutir algumas das significações múltiplas e contraditórias do corpo humano Inicialmente apresentase a polissemia do corpo através de suas manifestações em diversificadas áreas do conhecimento eou meios culturais Então algumas situações clínicas são analisadas desde a perspectiva da psicossomática de orientação psicanalítica O corpo vivo fornece o significado biográfico que é necessário para uma melhor compreensão das doenças enquanto experiências pessoais passíveis de intervenção psicoterapêutica Finalmente a complexidade das relações entre o corpo e a subjetividade é demarcada Palavraschave corpo psicossomática subjetividade cultura psicanálise ABSTRACT Body subjectivity and psychosomatics The aim of this paper is to discuss some of the multiple and contradictory meanings of the human body First the polysemy of the tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 51 25072012 083152 LAZSLO ANTONIO ÁVILA body is presented through its manifestation in several fields of knowledge and or cultural means Then some clinical situations are analyzed from a psychosomatic psychoanalyticallyoriented perspective The living body provides the biographical meaning which is necessary to better understand diseases as personal experiences able to be submitted to psychotherapeutic interventions Finally the complexity of the relationship between body and subjectivity is acknowledged Keywords body psychosomatics subjectivity culture psychoanalysis Professor adjunto da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto Livre Docente do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto Membro da Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo SPAGESP Membro do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Confi gurações Vinculares NESME 52 Embora a Psicologia seja tradicionalmente encarada como a ciência da mente o corpo do indivíduo é alvo primordial das pesquisas psicológicas considerado o enraizamento de qualquer processo psíquico na materialidade corporal Contudo esse mesmo objeto somático é certamente o objeto central para inúmeras outras disciplinas O corpo se apresenta como um campo de exploração e indagação para todas as chamadas ciências humanas bem como para diversas áreas das ciências naturais É também objeto de um grande número de atividades culturais não vinculadas à ciência Tratase portanto de um objeto tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 52 25072012 083152 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA múltiplo complexo aberto a uma diversidade de perspectivas e sujeito a uma ampla gama de representações O corpo é poderíamos dizer um objeto transdisciplinar por excelência local de entrecruzamento obrigatório para múltiplas disciplinas um objeto multifacetado e marcado pela complexidade A história do corpo desde a Renascença até os nossos dias foi apresentada recentemente em três alentados volumes por renomados pesquisadores franceses na sua maioria Corbin Courtine Vigarello 2008 Neles se pode acompanhar a complexa evolução ao longo do que se denomina de período moderno das conceituações sobre o corpo tornandoo objeto de diferentes abordagens visando o homem vivo o homem em carne e osso Também na França o filósofo Michel Foucault 1977 1984 empreendeu uma laboriosa análise dos usos do corpo enquanto palco e cenário dos avatares da sexualidade A questão do corpo comparece de inúmeras formas na contemporaneidade o corpo é interrogado em medicina pela fisiologia pela anatomia pela genética e outras diversas especialidades médicas Mas o corpo também é de enorme interesse para a antropologia e para a etnologia na medida em que o corpo seus ritmos e interações compõem os primeiros fatos culturais O corpo tem uma dimensão social traduzida em sua materialidade econômica e nas tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 53 25072012 083152 LAZSLO ANTONIO ÁVILA instâncias sociais em que o corpo é regulado e instituído É legislado pelo Direito 53 e apreendido diferentemente em suas distintas áreas É lido pela semiótica pela linguística pelas teorias da comunicação É objeto da arte das múltiplas artes desde a literatura passando pela pintura escultura até o design com a necessária inscrição em teatro televisão e cinema Enfim o corpo é matériaprima para inúmeras dimensões de experiências e de representações tanto por parte das ciências como das práticas culturais Neste artigo vamos explorar um alvo bem definido o corpo enquanto lócus do sofrimento na forma das doenças psicossomáticas buscando entender como a experiência vivencial da doença analisada enquanto fato biográfico pode nos conduzir a modelos de compreensão do corpo enquanto corpo psicológico ou corpo para a mente Ávila 2007 2010 bem como auxiliar na estruturação de uma forma particular de psicoterapia Antes porém vamos prosseguir a exploração da polissemia do corpo em alguns de seus campos de manifestação Em primeiro lugar existe o corpo físico o corpo enquanto organismo tal como apreendido pelas ciências da biologia e suas subáreas da biofísica e bioquímica e tal como manipulado pelas práticas da tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 54 25072012 083152 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA medicina corpo 1 além deste existe o corpo vivido o corpo experienciado corpo pessoal de cada indivíduo corpo 2 existe também o corpo imaginarizado representado pela arte traduzido nas artes plásticas no cinema na propaganda corpo 3 existe ainda o corpo real do outro pensado tocado fantasiado por cada sujeito mas alheio a ele corpo 4 existe o corpo concebido pela psicanálise corpo trabalhado pelas pulsões território do Id corpo 5 mas também existe o corpo trabalhado pelas práticas diversificadas da fisioterapia da massoterapia da ioga da acupuntura da bioenergética da educação física do esporte etc corpo 6 de forma própria existe o corpo vivenciado e assistido da dança corpo 7 em uma esfera distinta existe o corpo trabalhado pela religião pela religiosidade e pela mística corpo 8 e possivelmente existem corpos ainda desconhecidos e misteriosos corpos 9 10 11 54 O corpo 1 é o da ciência biológica e da prática médica É um corpo objeto Corpo conhecido a partir da patologia corpo sede de doenças Corpo conhecido antes na sala de anatomia e depois no consultório Corpo que é conjunto de sinais e de sintomas Corpo que é base para os exames fonte de informação diagnóstica alvo do ataque dos agressores externos vírus bactérias envenenamentos e dos agressores tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 55 25072012 083152 LAZSLO ANTONIO ÁVILA internos maus funcionamentos deterioração envelhecimento Corpo que morre Corpo que deve ser socorrido antes que morra o que acontece inevitavelmente Esse corpo já mereceu o comentário sarcástico do filósofo iluminista Voltaire 16941778 Os médicos inoculam drogas que não conhecem em corpos que conhecem ainda menos citado por Olival 1998 137 Mas os médicos continuam explorando esse corpo e o conhecem cada vez mais pelo menos enquanto máquina complexa Conhecem também cada vez mais os remédios e as cirurgias com os quais o modificam o alteram o conformam o salvam e às vezes o liquidam Essa mesma medicina que já salvou milhões de seres humanos que morriam em grandes epidemias e ainda hoje se interroga sobre o que é e como tratar a mera gripe Esse corpo 1 corpo que nos aflige quando adoecemos às vezes queremos que seja simplesmente bem tratado e aliviado de seus padecimentos Às vezes vamos ao médico apenas como pacientes no sentido passivo da palavra Lebrun 1987 e só queremos parar de sofrer no corpo Nessas horas suspendemos nossa relação pessoal com nosso corpo e o entregamos de boa vontade para que o médico faça dele o que for melhor o que nos cure o que nos livre do que nos atormenta Mas como alerta Jean Clavreul 1983 4344 a doença adquirindo um estatuto científico separase cada vez mais do que o interessado sente dela A medicina com seu enorme tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 56 25072012 083152 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA desenvolvimento e aparato técnico se apropriou do corpo do doente e desse modo provou que podia prescindir de toda consciência pessoal de um estado mórbido e mesmo de toda demanda Esta quando existe não tem de qualquer maneira lugar algum no discurso médico para tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 57 25072012 083152 LAZSLO ANTONIO ÁVILA 55 o qual o doente não é senão um demandante um pedinte Clavreul 1983 4445 O corpo 1 já não é próprio É levado pelo sujeito ao médico e no médico ele é reinaugurado sob um novo olhar passa a ser o corpo doente corpo entregue ao cuidado alheio corpo para ser tratado Mas como todo médico sabe à exaustão o sujeito humano muito raramente permanece nessa condição de objeto Logo se rebela e essa rebeldia pode tomar a forma da recusa do tratamento da manipulação da relação médico paciente do não acompanhamento das dietas da cronificação dos sintomas e muitas outras formas de dizer não à reificação O sujeito se recusa a desistir de seu próprio corpo O corpo 2 é este corpo que o sujeito tanto preza É como se fosse seu próprio Eu O corpo próprio tem enorme valor narcísico não queremos desistir e nos desfazer da menor parte dele por exemplo recuamos com horror diante da ideia da mínima amputação de uma parte de nossos corpos Esse corpopessoa é extremamente amplo consideramos parte de nosso corpo coisas que vão além da nossa pele é o próprio eu com suas extensões as coisas pessoais e os objetos próximos os familiares o nome próprio Qualquer agressão àquilo que considero muito meu me agride em meu eu me agride em minha corporalidade Uma tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 58 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA ofensa moral dói no estomago no fígado Uma ignomínia pode matar com um infarto ou com um acidente vascular cerebral Uma alegria muito grande também pode matar Meu corpo é tudo aquilo que eu acho que me faz me constitui Meu Eu é tudo aquilo que eu ponho dentro das minhas fronteiras e primeiro entre todos está o meu corpo Mas esse corpo é muito além da biologia ele é tudo aquilo em que o que eu sou se expressa Se o médico que me atende não o personaliza possivelmente o tratamento não dê certo E mesmo se interromper meus sintomas mas não tiver conseguido uma conexão com minha pessoa que permita integrar a doença com a totalidade dos significados que a mesma ganhou na minha vida eu posso continuar doente sem ter a doença 56 Ávila 2002 2004 Foram estes misteriosos casos que deram origem à psicossomática psicanalítica O corpo 3 existe na Cultura ele é fruto da cultura das particulares injunções no espaçotempo de cada formação social concreta cada sociedade e dentro desta de cada um dos seus subgrupos particulares Falemos muito brevemente dessas dimensões O corpo da Arte é iconográfico comparemse as representações de beleza feminina na arte rupestre a gorda Vênus de grandes tetas e amplos quadris símbolo da fertilidade representada há 40 mil anos as brancas matronas do tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 59 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA Renascimento as anoréxicas belas da moda dos últimos 30 anos a beleza clássica na estatuária greco romana a beleza da mulher negra e da japonesa o que é belo para o esquimó ou para o carioca de Ipanema O belo é continuamente reinventado O corpo em todas as suas dimensões é imaginário e imaginarizado Ser criança adolescente adulto ou velho não é questão de biologia é fato de significação cultural O corpo que trabalha Dejours 1987 Friedman 1972 ou o corpo do lazer são distintos tanto no sentido vivencial quanto no representacional O corpo 4 é do outro Esse corpooutro nos fascina nos questiona nos intriga nos instiga Será que o outro a outra sente o mesmo que eu O que é a experiência de si mesmo para o outro Ele é como eu Quando eu desejo sou desejado O que é desejar e ser desejado O corpo do outro é misterioso e o outro provoca em meu corpo coisas também misteriosas Emana do outro um poder Além da esfera do desejo sexual há também os mistérios do encanto da empatia da antipatia do nojo da emulação da confiança e desconfiança da ascensão de um sobre o outro da subordinação da simetria da correspondência ou não O corpo do outro é fonte e alvo fonte de desejos alvo de agressão por exemplo É um corpo como o meu tão conhecido e desconhecido como o meu tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 60 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA O corpo 5 é um corpo que nasceu das investigações da psicanálise Freud 19051995 o concebeu como anterior ao Eu como 57 sede das pulsões Mas Freud hesitava ora o ancorava no rochedo do biológico Freud 19381995 inacessível e incognoscível ora o considerava como um corpo recriado pelo narcisismo Freud 19141995 configurado pelo desejo desenhado pelas injunções do superego e do ideal do ego Um corpo que se definia pelas complexas relações entre o Eu a realidade e um corpo de pulsões Freud 19151995 Esse corpo foi o primeiro enigma da psicanálise com a conversão histérica Freud 18931995 Depois interrogou Freud na forma das neuroses atuais a estase da libido produzindo sintomas Freud 18961995 Posteriormente modificou a teoria e a prática da psicanálise quando se introduziu o narcisismo o Eu e seu corpo são objeto da pulsão amorosa Ainda depois a pulsão de morte vem arrebatar todo o modelo e reconfigurar a tópica psíquica Freud 19201995 19231995 Com a pulsão de morte Freud tanto reencontra a natureza portanto o corpo quanto se propõe a ir mais além O corpo é amálgama de vida e morte a psique é tanto corpo quanto símbolo A técnica da psicanálise pensa o corpo a partir da palavra Mas o corpo como tal pura corporalidade tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 61 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA sempre demanda uma atenção específica a psicossomática psicanalítica Alexander 1950 Groddeck 1984 1992 O corpo 6 também é múltiplo A fisioterapia ocidental vê o mesmo corpo que o médico e o biólogo Mas esse é um corpo que deve ser reabilitado É principalmente um corpo vivo embora doente Está em mau funcionamento Deve ser corrigido É um corpo para a técnica manipulatória Deve retomar sua funcionalidade É anatomia e fisiologia é reabilitação O corpo do paciente é o mesmo que está nos manuais os ajustes são circunstanciais Completamente distinto é o corpo da acupuntura do Doin das técnicas chinesas japonesas coreanas indianas ou tibetanas que estudam há milhares de anos um corpo definido a partir de energias de canais de circulação de princípios elementais não elementares Um corpo de pontos e fluxos Um corpo com outra engenharia Diferente também era o 58 corpo que Reich 1949 via e aquele corpo visto e trabalhado pelos massoterapeutas um corpo diferenciado para as técnicas do Reiki outro corpo para os renovadores das técnicas físicas no Ocidente Cada visão cada técnica com um modelo de corpo uma vivência distinta de terapêutica Esses corpos não coincidem entre si tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 62 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA O corpo 7 é o da dança com suas muitas expressões balé cirandas populares folguedos dança de salão danças tradicionais e contemporâneas dança do Quarup na Amazônia danças com diferentes sentidos em diferentes contextos culturais Um único exemplo extraordinário é o Butoh dança milenar japonesa Kazuo Ohno o reviveu quando estava quase extinto Apresentouse em muitos países e deixou seguidores no Brasil Kazuo Ohno agonizou aos 102 anos com sua morte sendo filmada porque seu corpo continua tradução de algo a ser transmitido A dança do Butoh é uma dança da morte e da vida Morte e vida são parceiras de uma dança cósmica e assim foram dançadas por ele por seu filho e outros bailarinos Recente exposição no SESC o apresentou mas o extraordinário recurso da fotografia e da filmagem só aumenta a tragicidade de sua mensagem eterniza o que apenas passa A vida dura apenas o tempo de um passo O corpo 8 corpo religioso e místico é completamente outro No catolicismo tradicional tantas vezes foi apenas sinônimo do pecado corpo atormentado castigado punido purificado e redimido Corpo de Cristo e da Virgem Corpo casto e corpo crucificado Já foi um corpo queimado na fogueira como santa Joana DArc assim como foi um corpo estigmatizado pela identificação ao Cristo como em são Francisco Tantos santos e mártires têm seu corpo tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 63 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA exposto e identificado com a fé o corpo flechado de são Sebastião os olhos de santa Luzia são Brás e a garganta e muitos outros O corpo foi martirizado e redimido Milhares de mulheres algumas vezes histéricas Mitchell 2000 Trillat 1991 outras vezes sofredoras da coreia ou Mal de Huntington Porter 1995 e algumas vezes simplesmente por 59 serem mulheres sexualmente livres foram condenadas à fogueira durante a Inquisição O corpo já foi tão marcado pelo pecado que muitas das práticas do catolicismo consistiram em tentativas de libertálo Outra libertação buscaram os místicos O corpo em santa Teresa de Ávila e em são João da Cruz é um corpocaminho um corpo que se espiritualiza Também as tradições orientais parecem se dar melhor com o corpo O corpo dos budistas reencarna mas busca se livrar do aprisionamento e do sofrimento da carne O corpo do iogue parece capaz de superar a própria dor O corpo do samurai é como uma flor que já desabrochou está pronto para morrer Por isso não tem medo O corpo 8 tem muitos diferentes destinos mesmo quando morre Os corpos seguintes 9 10 11 são abertos alguns para serem descobertos outros talvez permanecerão desconhecidos São organizações da experiência tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 64 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA humana ainda não pensáveis com os paradigmas atuais Eu considero que nós estamos no princípio dos estudos sobre o corpo que aliás foram bastante negligenciados sobretudo pela filosofia Assim o corpo deve ser caracterizado como um operador determinado Não é qualquer operador Ele é o operador do quê Operador de linguagem Há uma razão muitos assinalam entre a escrita e o corpo entre a linguagem e o corpo Mas tendemos a ficar sempre no terreno da metáfora ao pensar por exemplo que o corpo é uma inscrição como um papel ou que o corpo escreve no espaço tal qual ocorre na dança mas o que significa isso Na verdade é todo o processo de constituição da nossa civilização que deve ser interrogado José Gil citado por SantAnna 1997 255 A questão da interação mentecorpo remete às origens da filosofia Chauí 2002 O que se denomina hoje como Psicossomática deve ser encarado desde duas perspectivas distintas Por um lado foi psicossomática toda a abordagem médica prévia ao nascimento 60 da medicina científica antes da instauração do método cartesiano Porter 1997 Isso porque eram tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 65 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA indissociáveis os processos mentais e os corporais antes das distinções que vieram dar origem às ciências da natureza separadas das ciências humanas como a psicologia a sociologia a história a antropologia etc Por outro lado estritamente falando a Psicossomática surge como extensão médica através do psiquiatra Johann Heinroth em 1828 Mello Filho 1992 Shorter 1995 Com Georg Groddeck 1992 a partir de 1917 a psicanálise passa a ser aplicada aos processos orgânicos principalmente ao adoecer e suas significações Ao longo desses quase 100 anos a psicossomática psicanalítica vem desenvolvendo um amplo conjunto de evidências demonstrando como os processos inconscientes incidem sobre as funções corporais produzindo manifestações no organismo agravando doenças e traduzindo os conflitos psíquicos em sintomas somatizados Importantes autores psicanalíticos como S Ferenczi 1990 O Fenichel 1981 M Balint 1975 D W Winnicott 2000 J Lacan 1988 F Dolto 1988 J Laplanche 1981 J McDougall 1991 P Aulagnier 1985 J D Nasio 1993 entre outros se dedicaram à investigação das conexões entre a mente e o corpo e produziram férteis contribuições tanto para a teoria psicanalítica quanto para a prática psicoterapêutica É a partir da psicossomática psicanalítica em especial aquela sustentada nas contribuições de Freud Groddeck Bion e McDougall que venho tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 66 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA desenvolvendo uma abordagem para os fenômenos psicossomáticos que busca levar em consideração a natureza complexa dessas manifestações O corpo que adoece é simultaneamente tanto o corpo do indivíduo portanto experiencial eminentemente subjetivo quanto o corpo que será tratado como objeto positivo pelas práticas da medicina farmacologia fisioterapia etc Esse mesmo corpo está submetido a representações culturais a dimensões antropológicas e sociológicas a pressões derivadas do trabalho que 61 esse indivíduo realiza do seu estilo de vida e a todo um conjunto de fatores de ordem extracorporal que contudo confluem para esse mesmo corpo Assim o que distingue a abordagem aqui proposta é a aceitação e busca de compreensão dessa multiplicidade de aspectos propiciando que a doença possa permanecer sendo vista enquanto entidade nosológica campo da ação médica e ao mesmo tempo possa ser abordada psicoterapeuticamente colocando a mente do indivíduo doente com todos os seus conteúdos simbólicos mediados pela cultura também como parte do tratamento Proponho que o sintoma psicossomático seja visto como um processo em que uma questão subjetiva segue um caminho adverso ao invés de conseguir aceder à mente tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 67 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA como processo mental ou seja representação esta situação se traduz corporalmente ou seja se apresenta como expressão do corpo O processo somático ocupa o lugar do processo psíquico no sintoma psicossomático uma questão subjetiva se apresenta ao invés de se representar Ávila 2002 37 Através da psicoterapia buscase a representação psíquica daqueles processos subjetivos dados biográficos e experiências existenciais que não encontraram outra maneira de emergir para o sujeito que não seja a de se apresentar na sua própria carne no corpo que padece Daí decorre uma nova proposição Proponho que se tome o sintoma psicossomático como um capítulo da história do sujeito que não pôde ser escrito psiquicamente e que tomou a forma de um hieróglifo inscrito no corpo Visto desta forma sua dissolução equivale a transcrevêlo darlhe linguagem verbal e representacional na esfera psíquica Ávila 2002 3839 A partir dessa transcrição há uma transformação sintomática o corpo cessa de apresentar aquela perturbação e a mente pode se encarregar de seus conteúdos o que passa a ocorrer no contexto do 62 tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 68 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA trabalho psicoterapêutico Passemos então a exemplos psicossomáticos que devidamente analisados devem nos permitir construir os marcos referenciais dessa abordagem O primeiro é uma carta que recebi logo após ter feito uma apresentação na qual o assunto discutido era o das doenças psicossomáticas que se manifestam na vida cotidiana O missivista escreveu Sendo eu igual a muitos por aí gostaria de relatar uma questão que se reflete fisicamente em mim e eu não tenho ideia de como tratar como segue aparecem no meu pé umas bolhas aparecem somente em um pé de vez em quando dentro elas têm uma substância pouco mais densa que a água com uma coloração voltada para o sangue e se essas bolhas se rompem elas proliferam aparecendo outras na região circunvizinha Procurado um farmacêutico ele me disse que poderia ser tratado com medicamento mas que tem fundo emocional porém os medicamentos não surtem efeitos Conhecidos de outras localidades se deparam com a mesma informação e têm o mesmo problema que eu Analisando a situação consigo atribuir essa incidência de dermatite à repugnância de pisar a pé descalço em lugar considerado sujo como andar pisando no barro dentro de um rio onde não vejo onde piso e pelo piso de um quarto de motel considero este mais sujo que o anterior Peçolhe a gentileza de me fornecer uma pista sobre a qual tipo de somatização esta dermatite se tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 69 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA refere Certo da sua atenção e boa vontade fico no aguardo da sua resposta Essa pequena carta extraordinária é uma manifestação espontânea de uma pessoa que percebe vagamente a conexão psicossomática entre seus sintomas físicos e sua vida mental sem contudo conseguir alcançar um insight sobre a origem desses sintomas Desde um ponto de vista psicanalítico é transparente a vinculação das questões morais que lhe são conflitivas com sua exteriorização na forma de um sintoma de somatização Os rios turvos remetem à lama que facilmente metaforiza tudo aquilo que é baixo sujo condenável 63 Ao se associarem imediata mas inconscientemente com o quarto de motel ainda mais sujo denotam o sujeito como realiza ações físicas motoras que são atos significativos com conteúdo emocional e consequências morais essas situações não ganharam uma clara expressão em seu psiquismo não se materializaram como questões da ordem do embate entre impulsos condenáveis e ações realizadas e esse conflito escamoteado encontrou a via somática para se manifestar A construção sintomática aqui é muito clara o pé físico parte do corpo manifesta um sintoma bolhas tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 70 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA com água e sangue que se espalham um médico dermatologista possivelmente diagnosticasse uma dermatite factícia causada pelo ato de coçarse infectando as áreas vizinhas a partir de um foco inicial de contaminação Mas esse mesmo pé é representante psíquico de onde esse sujeito está andando ou seja traduz e manifesta o que ele anda fazendo Então o motel local onde atos ilícitos sujos segundo ele ocorrem fica como a localização para o sujeito da origem física para seu padecimento O provável conflito psíquico associado a esses atos fica confinado a uma expressão somática que é ao mesmo tempo crônica não pode sarar através de medicamento porque é psiquicamente determinada e manifestaescondida porque ao ter se tornado coisa física bolhas dermatite já não pode ser encarada como matéria psíquica pensável elaborável Observe se que o farmacêutico e possivelmente o médico caem na cilada da somatização tratam das bolhas mas não atinam com o conflito subjacente mesmo quando consideram sua origem emocional O próprio sujeito embora sujeito de suas ações é sujeitado por seu sintoma sofre mas não sabe do que sofre Ávila 1998 2004 Seus corpos 1 2 e 5 não coincidem e não se encontram Vejamos agora um caso em que o trabalho psicanalítico pôde esclarecer os sintomas físicos tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 71 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA solucionando as queixas do paciente e melhorando consideravelmente a qualidade de sua vida mental em 64 troca o sujeito forneceu uma preciosa síntese de como se constrói um sintoma psicossomático O paciente com 32 anos de idade buscou ajuda médica devido a tonturas dores no peito e taquicardia que perturbavam consideravelmente tanto sua vida pessoal quanto profissional Seus cardiologistas após minuciosos exames clínicos e laboratoriais descartaram a origem cardíaca de seus padecimentos e consideraram seus sintomas como derivados de estresse O paciente adotou essa concepção e atribuía seus sintomas ao nervosismo As teorias do estresse desenvolvidas por Hans Seyle 1965 gozam de ampla aceitação popular e a medicina contemporânea associa inúmeras doenças a essas conexões cientificamente demonstradas entre as reações do sistema nervoso autônomo e os estímulos ambientais incluindo os originados pelo estilo de vida do paciente Mandler 1984 Esse paciente era um homem de nível educacional médio que não apresentava nenhum particular sinal de neurose Era muito bem adaptado ao seu trabalho e não tinha conflitos pessoais significativos Sua vida familiar segundo ele era muito boa tanto em sua relação com a esposa como com seus filhos Ele não se tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 72 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA mostrava consciente de quaisquer situações produtoras de sofrimento emocional Poderia ser descrito nos termos de Joyce McDougall 1991 como um normopata com uma vida convencional e bom desempenho profissional e social Assim quando sofreu de um mal súbito com intensa dor no peito e tontura estava certo de estar sofrendo um infarto Após as consultas médicas considerava que algo estava errado com ele mas passou a atribuir esses sintomas a seu nervosismo Em sua opinião esse estado não tinha qualquer relação com sua vida psíquica mas aceitou vir consultar um psicólogo dado o descarte da patologia orgânica Desde o início do trabalho com ele todo o esforço foi dirigido para buscar conectar sua sintomatologia física com aspectos de sua vida emocional embora a investigação progredisse lentamente Até 65 que um dia após uma indagação mais minuciosa de determinados aspectos de sua vida ele soltou uma frase aparentemente casual que muito me chamou a atenção Ele disse literalmente O nervoso faz a gente pular o sentido Instei com ele para desenvolver essa ideia e então ele formulou essa frase Quando vem o nervoso a gente pula o sentido É assim normalmente a gente vê sente pensa e age Mas quando vem o nervoso a gente vê e age tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 73 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA Essa pessoa soube captar com incrível precisão o mecanismo através do qual ocorre o eclipse do psíquico O pensar e o sentir são por definição matéria psíquica Podemos dizer que o ver é da ordem do sensorial portanto do somático enquanto o agir é da ordem da conduta do comportamento das atitudes Se o psíquico for excluído suprimido reprimido eclipsado haverá uma conexão direta entre o nível somático e o nível da expressão no corpo portanto um sintoma psicossomático É interessante que a formulação desse paciente coincide bastante com o modelo de psiquismo que Freud 19001995 propôs na Interpretação dos sonhos No modelo do telescópio apresentado no último capítulo Freud concebeu o psiquismo como se fosse um aparato dotado de duas aberturas uma sensorial e a outra motora com o processo psíquico desenvolvendose no interior do aparato Para Freud o sonho se processaria como um processo regressivo vindo da esfera motora para a extremidade sensorial No caso desse sujeito as aberturas se comunicariam diretamente e seus sintomas se derivariam disso É como se este paciente percebesse em si mesmo um curtocircuito que aproximasse o seu plano sensorial do nível motor ficando o nervosismo como consequência dessa junção e o nível propriamente psíquico do pensar e do sentir se evanesceria impossibilitado de se representar tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 74 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA Ao longo de seu processo psicoterapêutico esse sujeito foi elaborando as conexões entre as diferentes manifestações de sua vida mental e suas expressões psicossomáticas Seu coração passou a ser 66 mais do que um simples órgão suas sensações físicas ponto de partida para indagações sobre sua vida afetiva e assim aos poucos sua couraça normopática foi se rompendo Seus sintomas psicossomáticos declinaram na mesma medida em que ele ganhou melhor acesso a seus pensamentos e sentimentos tornandose capaz de elaborálos Para seus médicos ficou apenas a confirmação de sua suspeita de que se tratava de estresse Mas o que esse caso demonstra é que designar um processo com um nome não significa nem de longe solucionálo Estresse é um termo de cobertura ampla demais Por baixo dele podem se ocultar processos psíquicos extremamente elaborados O significado fundamental de uma investigação psicossomática é procurar as pontes tantas vezes perdidas entre os corpos 1 e 2 A experiência do sujeito com o seu próprio corpo precisa ser explorada com mais profundidade do que apenas examinando o seu corpo enquanto organismo biológico Ficar doente estar doente muito além de seu significado médico história natural da doença etiologia diagnóstico e prognóstico etc é sempre também e ao mesmo tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 75 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA tempo sofrer a doença ter um fato do maior significado inscrito em sua biografia vivenciar um processo pleno de significações O corpo próprio é muito mais do que apenas um instrumento de locomoção e ação no mundo esse corpo se confunde com o Eu que o vive na medida em que ambos vão sofrer do mesmo destino desde o nascimento até a morte A pessoa adoece de corpo e alma o psiquismo não é uma esfera autônoma um epifenômeno do corpo o Eu e o Corpo estão em permanente diálogo entre si e com o mundo seja na saúde ou na doença O corpo é um objeto transdisciplinar por excelência dado que nenhuma das presentes disciplinas científicas pode esgotar sua compreensão e dado ser o corpo o suporte necessário e inevitável da vida concreta do indivíduo na sociedade e na cultura Poderíamos concluir parafraseando o famoso dístico há mais mistério entre a biologia e a psicologia do que sonha a nossa filosofia e a nossa medi 67 cina O corpo é uma realidade múltipla profundamente complexa e multidimensional Precisamos aprender com ele para que possamos melhor nos conhecer REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 76 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA Alexander F 1950 Psychosomatic medicine its principles and applications Nova York W Norton Aulagnier P 1985 Os destinos do prazer Rio de Janeiro Imago Ávila L A 1998 Isso é Groddeck São Paulo EDUSP Ávila L A 2002 Doenças do corpo e doenças da alma investigação psicossomática psicanalítica São Paulo Escuta Ávila L A 2004 O eu e o corpo São Paulo Escuta Ávila L A 2007 Body and meaning International Forum of Psychoanalysis 16 4348 Ávila L A 2010 Psychosomatic symptoms and the group mind Psychology and Psychotherapy Theory Research and Practice 833 255271 Balint M 1975 O médico seu paciente e a doença Rio de Janeiro Atheneu Chauí M 2002 Introdução à história da filosofia dos pré socráticos a Aristóteles v 1 São Paulo Companhia das Letras Clavreul J 1983 A ordem médica Poder e impotência do discurso médico São Paulo Brasiliense Corbin A Courtine J J Vigarello G 2008 História do corpo Petrópolis Vozes Dejours C 1987 A loucura do trabalho estudo de psicopatologia do trabalho São Paulo Oboré Dolto F 1988 Limage inconsciente du corps Paris Seuil Fenichel O 1981 Teoria psicanalítica das neuroses Rio de Janeiro Atheneu Ferenczi S 1990 Thalassa Ensaio sobre a teoria da genitalidade São Paulo Martins Fontes Foucault M 1977 História da sexualidade 1 A vontade de saber Rio de Janeiro Graal Foucault M 1984 História da sexualidade 2 O uso dos prazeres Rio de Janeiro Graal Freud S 18931995 Estudos sobre a histeria Obras completas ESB v II Rio de Janeiro Imago tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 77 25072012 083153 LAZSLO ANTONIO ÁVILA Freud S 18961995 Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa Obras completas ESB v III Rio de Janeiro Imago 68 Freud S 19001995 A interpretação dos sonhos Obras completas ESB v IV e V Rio de Janeiro Imago Freud S 19051995 Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Obras completas ESB v VII Rio de Janeiro Imago Freud S 19141995 Sobre o narcisismo uma introdução Obras completas ESB v XIV Rio de Janeiro Imago Freud S 19151995 Os instintos e suas vicissitudes Obras completas ESB v XIV Rio de Janeiro Imago Freud S 19201995 Além do princípio do prazer Obras completas ESB v XVIII Rio de Janeiro Imago Freud S 19231995 O ego e o id Obras completas ESB v XIX Rio de Janeiro Imago Freud S 19381995 Esboço de psicanálise Obras completas ESB v XXIII Rio de Janeiro Imago Friedman G 1972 O trabalho em migalhas especialização e lazeres São Paulo Perspectiva Groddeck G 1984 O Livro dIsso São Paulo Perspectiva Groddeck G 1992 Estudos psicanalíticos sobre psicossomática São Paulo Perspectiva Lacan J 1988 El Sintoma conferencia de Genebra 1975 In Intervenciones y textos 2 pp 115144 Buenos Aires Manantial Laplanche J 1981 LInconscient et le ça Paris PUF Lebrun G 1987 O conceito de paixão In Novaes A Org Os sentidos da paixão pp 1232 São Paulo Companhia das Letras tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 78 25072012 083153 CORPO SUBJETIVIDADE E PSICOSSOMÁTICA Mandler G 1984 Mind and body psychology of stress and emotion New York Norton McDougall J 1991 Teatros do corpo São Paulo Martins Fontes Mello Filho J Ed 1992 Psicossomática hoje Porto Alegre Artes Médicas Mitchell J 2000 Mad men and Medusas London Penguin Nasio J D 1993 Psicossomática As formações do objeto a Rio de Janeiro Jorge Zahar Olival M C S 1998 Carta aos loucos uma narrativa épica moderna Signótica 10 123140 Porter R 1995 Chorea and Huntington disease In Berrios G E Porter R Eds A History of clinical psychiatry The origin and history of psychiatric disorders pp 138146 New York NYP Reich W 1949 Character analysis New York Orgone Institute Press SantAnna D 1997 Entrevista com José Gil Cadernos de Subjetividade 52 253266 Seyle H 1965 Stress a tensão da vida São Paulo IBRASA 69 Shorter E 1995 Somatoform disorders In Berrios G E Porter R Eds A history of clinical psychiatry The origin and history of psychiatric disorders pp 476489 New York NYUP Trillat E 1991 História da histeria São Paulo Escuta Winnicott D W 2000 Da pediatria à psicanálise obras escolhidas Rio de Janeiro Imago Recebido em 05 de agosto de 2011 Aceito para publicação em 04 de maio de 2012 tempo psicanalítico Rio de Janeiro v 44i p 5169 2012 TempoPsicanalíticoindd 79 25072012 083153 FICHAMENTO O CORPO A SUBJETIVIDADE E A PSICOSSOMÁTICA Referência AVILA Lazslo Antonio O corpo a subjetividade e a psicossomática Tempo psicanal Rio de Janeiro v 44 n 1 p 5169 jun 2012 Disponível em httppepsicbvsaludorgscielophpscriptsciarttextpidS010148382012000100004ln gptnrmiso Acessos em 16 jun 2024 Citação Página O corpo se apresenta como um campo de exploração e indagação para todas as chamadas ciências humanas bem como para diversas áreas das ciências naturais É também objeto de um grande número de atividades culturais não vinculadas à ciência Tratase portanto de um objeto múltiplo complexo aberto a uma diversidade de perspectivas e sujeito a uma ampla gama de representações O corpo é poderíamos dizer um objeto transdisciplinar por excelência local de entrecruzamento obrigatório para múltiplas disciplinas um objeto multifacetado e marcado pela complexidade 52 A questão do corpo comparece de inúmeras formas na contemporaneidade o corpo é interrogado em medicina pela fisiologia pela anatomia pela genética e outras diversas especialidades médicas Mas o corpo também é de enorme interesse para a antropologia e para a etnologia na medida em que o corpo seus ritmos e interações compõem os primeiros fatos culturais O corpo tem uma dimensão social traduzida em sua materialidade econômica e nas instâncias sociais em que o corpo é regulado e instituído 52 O corpo é matériaprima para inúmeras dimensões de experiências e de representações tanto por parte das ciências como das práticas culturais 53 O corpo enquanto lócus do sofrimento na forma das doenças psicossomáticas buscando entender como a experiência vivencial da doença analisada enquanto fato biográfico pode nos conduzir a modelos de compreensão do corpo enquanto corpo psicológico ou corpo para a mente Ávila 2007 2010 bem como auxiliar na estruturação de uma forma particular de psicoterapia 53 O corpo 1 é o da ciência biológica e da prática médica É um corpo objeto Corpo conhecido a partir da patologia corpo sede de doenças Corpo conhecido antes na sala de anatomia e depois no consultório Corpo que é conjunto de sinais e de sintomas 54 O corpo 1 já não é próprio É levado pelo sujeito ao médico e no médico ele é reinaugurado sob um novo olhar passa a ser o corpo doente corpo entregue ao cuidado alheio corpo para ser tratado Mas como todo médico sabe à exaustão o sujeito humano muito raramente permanece nessa condição de objeto Logo se rebela e essa rebeldia pode tomar a forma da recusa do tratamento da manipulação da relação médicopaciente do não acompanhamento das dietas da cronificação dos sintomas e muitas outras formas de dizer não à reificação O sujeito se recusa a desistir de seu próprio corpo 55 O corpo 2 é este corpo que o sujeito tanto preza É como se fosse seu próprio Eu O corpo próprio tem enorme valor narcísico não queremos desistir e nos desfazer da menor parte dele por exemplo recuamos com horror diante da ideia da mínima amputação de uma parte de nossos corpos Esse corpopessoa é extremamente amplo consideramos parte de nosso corpo coisas que vão além da nossa pele é o próprio eu com suas extensões as coisas pessoais e os objetos próximos os familiares o nome próprio Qualquer agressão àquilo que considero muito meu me agride em meu eu me agride em minha corporalidade 55 Meu corpo é tudo aquilo que eu acho que me faz me constitui Meu Eu é tudo aquilo que eu ponho dentro das minhas fronteiras e primeiro entre todos está o meu corpo Mas esse corpo é muito além da biologia ele é tudo aquilo em que o que eu sou se expressa 55 O corpo 3 existe na Cultura ele é fruto da cultura das particulares injunções no espaçotempo de cada formação social concreta cada sociedade e dentro desta de cada um dos seus subgrupos particulares 56 O corpo 4 é do outro Esse corpooutro nos fascina nos questiona nos intriga nos instiga O corpo do outro é misterioso e o outro provoca em meu corpo coisas também misteriosas Emana do outro um poder Além da esfera do desejo sexual há também os mistérios do encanto da empatia da antipatia do nojo da emulação da confiança e desconfiança da ascensão de um sobre o outro da subordinação da simetria da correspondência ou não O corpo do outro é fonte e alvo fonte de desejos alvo de agressão por exemplo É um corpo como o meu tão conhecido e desconhecido como o meu 56 O corpo 5 é um corpo que nasceu das investigações da psicanálise Freud 19051995 o concebeu como anterior ao Eu como sede das pulsões 56 Um corpo que se definia pelas complexas relações entre o Eu a realidade e um corpo de pulsões Freud 19151995 57 A técnica da psicanálise pensa o corpo a partir da palavra Mas o corpo como tal pura corporalidade sempre demanda uma atenção específica a psicossomática psicanalítica Alexander 1950 Groddeck 1984 1992 57 O corpo 6 também é múltiplo A fisioterapia ocidental vê o mesmo corpo que o médico e o biólogo Mas esse é um corpo que deve ser reabilitado É principalmente um corpo vivo embora doente Está em mau funcionamento Deve ser corrigido É um corpo para a técnica manipulatória Deve retomar sua funcionalidade É anatomia e fisiologia é reabilitação O corpo do paciente é o mesmo que está nos manuais os ajustes são circunstanciais 57 O corpo 7 é o da dança com suas muitas expressões balé cirandas populares folguedos dança de salão danças tradicionais e contemporâneas dança do Quarup na Amazônia danças com diferentes sentidos em diferentes contextos culturais 58 O corpo 8 corpo religioso e místico é completamente outro No catolicismo tradicional tantas vezes foi apenas sinônimo do pecado corpo atormentado castigado punido purificado e redimido 58 Os corpos seguintes 9 10 11 são abertos alguns para serem descobertos outros talvez permanecerão desconhecidos São organizações da experiência humana ainda não pensáveis com os paradigmas atuais 59 A questão da interação mentecorpo remete às origens da filosofia Chauí 2002 O que se denomina hoje como Psicossomática deve ser encarado desde duas perspectivas distintas 59 a Psicossomática surge como extensão médica através do psiquiatra Johann Heinroth em 1828 Mello Filho 1992 Shorter 1995 Com Georg Groddeck 1992 a partir de 1917 a psicanálise passa a ser aplicada aos processos orgânicos principalmente ao adoecer e suas significações Ao longo desses quase 100 anos a psicossomática psicanalítica vem desenvolvendo um amplo conjunto de evidências demonstrando como os processos inconscientes incidem sobre as funções corporais produzindo manifestações no organismo agravando doenças e traduzindo os conflitos psíquicos em sintomas somatizados 60 O corpo que adoece é simultaneamente tanto o corpo do indivíduo portanto experiencial eminentemente subjetivo quanto o corpo que será tratado como objeto positivo pelas práticas da medicina farmacologia fisioterapia etc 60 Através da psicoterapia buscase a representação psíquica daqueles processos subjetivos dados biográficos e experiências existenciais que não encontraram outra maneira de emergir para o sujeito que não seja a de se apresentar na sua própria carne no corpo que padece 61 Proponho que se tome o sintoma psicossomático como um capítulo da história do sujeito que não pôde ser escrito psiquicamente e que tomou a forma de um hieróglifo inscrito no corpo Visto desta forma sua dissolução equivale a transcrevêlo darlhe linguagem verbal e representacional na esfera psíquica Ávila 2002 3839 61 O pensar e o sentir são por definição matéria psíquica Podemos dizer que o ver é da ordem do sensorial portanto do somático enquanto o agir é da ordem da conduta do comportamento das atitudes Se o psíquico for excluído suprimido reprimido eclipsado haverá uma conexão direta entre o nível somático e o nível da expressão no corpo portanto um sintoma psicossomático 65 A experiência do sujeito com o seu próprio corpo precisa ser explorada com mais profundidade do que apenas examinando o seu corpo enquanto organismo biológico Ficar doente estar doente muito além de seu significado médico história natural da doença etiologia diagnóstico e prognóstico etc é sempre também e ao mesmo tempo sofrer a doença ter um fato do maior significado inscrito em sua biografia vivenciar um processo pleno de significações 66 A pessoa adoece de corpo e alma o psiquismo não é uma esfera autônoma um epifenômeno do corpo o Eu e o Corpo estão em permanente diálogo entre si e com o mundo seja na saúde ou na doença 66 O corpo é um objeto transdisciplinar por excelência dado que nenhuma das presentes disciplinas científicas pode esgotar sua compreensão e dado ser o corpo o suporte necessário e inevitável da vida concreta do indivíduo na sociedade e na cultura 66 FICHAMENTO O CORPO A SUBJETIVIDADE E A PSICOSSOMÁTICA Referência AVILA Lazslo Antonio O corpo a subjetividade e a psicossomática Tempo psicanal Rio de Janeiro v 44 n 1 p 5169 jun 2012 Disponível em httppepsicbvsaludorgscielophp scriptsciarttextpidS010148382012000100004lngptnrmiso Acessos em 16 jun 2024 Citação Página O corpo se apresenta como um campo de exploração e indagação para todas as chamadas ciências humanas bem como para diversas áreas das ciências naturais É também objeto de um grande número de atividades culturais não vinculadas à ciência Tratase portanto de um objeto múltiplo complexo aberto a uma diversidade de perspectivas e sujeito a uma ampla gama de representações O corpo é poderíamos dizer um objeto transdisciplinar por excelência local de entrecruzamento obrigatório para múltiplas disciplinas um objeto multifacetado e marcado pela complexidade 52 A questão do corpo comparece de inúmeras formas na contemporaneidade o corpo é interrogado em medicina pela fisiologia pela anatomia pela genética e outras diversas especialidades médicas Mas o corpo também é de enorme interesse para a antropologia e para a etnologia na medida em que o corpo seus ritmos e interações compõem os primeiros fatos culturais O corpo tem uma dimensão social traduzida em sua materialidade econômica e nas instâncias sociais em que o corpo é regulado e instituído 52 O corpo é matériaprima para inúmeras dimensões de experiências e de representações tanto por parte das ciências como das práticas culturais 53 O corpo enquanto lócus do sofrimento na forma das doenças psicossomáticas buscando entender como a experiência vivencial da doença analisada enquanto fato biográfico pode nos conduzir a modelos de compreensão do corpo enquanto corpo psicológico ou corpo para a mente Ávila 2007 2010 bem como auxiliar na estruturação de uma forma particular de psicoterapia 53 O corpo 1 é o da ciência biológica e da prática médica É um corpo objeto Corpo conhecido a partir da patologia corpo sede de doenças Corpo conhecido antes na sala de anatomia e depois no consultório Corpo que é conjunto de sinais e de sintomas 54 O corpo 1 já não é próprio É levado pelo sujeito ao médico e no médico ele é reinaugurado sob um novo olhar passa a ser o corpo doente corpo entregue ao cuidado alheio corpo para ser tratado Mas como todo médico sabe à exaustão o sujeito humano muito raramente permanece nessa condição de objeto Logo se rebela e essa rebeldia pode tomar a forma da recusa do tratamento da manipulação da relação médicopaciente do não acompanhamento das dietas da cronificação dos sintomas e muitas outras formas de dizer não à reificação O sujeito se recusa a desistir de seu próprio corpo 55 O corpo 2 é este corpo que o sujeito tanto preza É como se fosse seu próprio Eu O corpo próprio tem enorme valor narcísico não queremos desistir e nos desfazer da menor parte dele por exemplo recuamos com horror diante da ideia da mínima amputação de uma parte de nossos corpos Esse corpopessoa é extremamente amplo consideramos parte de nosso corpo coisas que vão além da nossa pele é o próprio eu com suas extensões as coisas pessoais e os objetos próximos os familiares o nome próprio Qualquer agressão àquilo que considero muito meu me agride em meu eu me agride em minha corporalidade 55 Meu corpo é tudo aquilo que eu acho que me faz me constitui Meu Eu é tudo aquilo que eu ponho dentro das minhas fronteiras e primeiro entre todos está o meu corpo Mas esse corpo é muito além da biologia ele é tudo aquilo em que o que eu sou se expressa 55 O corpo 3 existe na Cultura ele é fruto da cultura das particulares injunções no espaçotempo de cada formação social concreta cada sociedade e dentro desta de cada um dos seus subgrupos particulares 56 O corpo 4 é do outro Esse corpooutro nos fascina nos questiona nos intriga nos instiga O corpo do outro é misterioso e o outro provoca em meu corpo coisas também misteriosas Emana do outro um poder Além da esfera do desejo sexual há também os mistérios do encanto da empatia da antipatia do nojo da emulação da confiança e desconfiança da ascensão de um sobre o outro da subordinação da simetria da correspondência ou não O corpo do outro é fonte e alvo fonte de desejos alvo de agressão por exemplo É um corpo como o meu tão conhecido e desconhecido como o meu 56 O corpo 5 é um corpo que nasceu das investigações da psicanálise Freud 19051995 o concebeu como anterior ao Eu como sede das pulsões 56 Um corpo que se definia pelas complexas relações entre o Eu a realidade e um corpo de pulsões Freud 19151995 57 A técnica da psicanálise pensa o corpo a partir da palavra Mas o corpo como tal pura corporalidade sempre demanda uma atenção específica a psicossomática psicanalítica Alexander 1950 Groddeck 1984 1992 57 O corpo 6 também é múltiplo A fisioterapia ocidental vê o mesmo corpo que o médico e o biólogo Mas esse é um corpo que deve ser reabilitado É principalmente um corpo vivo embora doente Está em mau funcionamento Deve ser corrigido É um corpo para a técnica manipulatória Deve retomar sua funcionalidade É anatomia e fisiologia é reabilitação O corpo do paciente é o mesmo que está nos manuais os ajustes são circunstanciais 57 O corpo 7 é o da dança com suas muitas expressões balé cirandas populares folguedos dança de salão danças tradicionais e contemporâneas dança do Quarup na Amazônia danças com diferentes sentidos em diferentes contextos culturais 58 O corpo 8 corpo religioso e místico é completamente outro No catolicismo tradicional tantas vezes foi apenas sinônimo do pecado corpo atormentado castigado punido purificado e redimido 58 Os corpos seguintes 9 10 11 são abertos alguns para serem descobertos outros talvez permanecerão desconhecidos São organizações da experiência humana ainda não pensáveis com os paradigmas atuais 59 A questão da interação mentecorpo remete às origens da filosofia Chauí 2002 O que se denomina hoje como Psicossomática deve ser encarado desde duas 59 perspectivas distintas a Psicossomática surge como extensão médica através do psiquiatra Johann Heinroth em 1828 Mello Filho 1992 Shorter 1995 Com Georg Groddeck 1992 a partir de 1917 a psicanálise passa a ser aplicada aos processos orgânicos principalmente ao adoecer e suas significações Ao longo desses quase 100 anos a psicossomática psicanalítica vem desenvolvendo um amplo conjunto de evidências demonstrando como os processos inconscientes incidem sobre as funções corporais produzindo manifestações no organismo agravando doenças e traduzindo os conflitos psíquicos em sintomas somatizados 60 O corpo que adoece é simultaneamente tanto o corpo do indivíduo portanto experiencial eminentemente subjetivo quanto o corpo que será tratado como objeto positivo pelas práticas da medicina farmacologia fisioterapia etc 60 Através da psicoterapia buscase a representação psíquica daqueles processos subjetivos dados biográficos e experiências existenciais que não encontraram outra maneira de emergir para o sujeito que não seja a de se apresentar na sua própria carne no corpo que padece 61 Proponho que se tome o sintoma psicossomático como um capítulo da história do sujeito que não pôde ser escrito psiquicamente e que tomou a forma de um hieróglifo inscrito no corpo Visto desta forma sua dissolução equivale a transcrevêlo darlhe linguagem verbal e representacional na esfera psíquica Ávila 2002 3839 61 O pensar e o sentir são por definição matéria psíquica Podemos dizer que o ver é da ordem do sensorial portanto do somático enquanto o agir é da ordem da conduta do comportamento das atitudes Se o psíquico for excluído suprimido reprimido eclipsado haverá uma conexão direta entre o nível somático e o nível da expressão no corpo portanto um sintoma psicossomático 65 A experiência do sujeito com o seu próprio corpo precisa ser explorada com mais profundidade do que apenas examinando o seu corpo enquanto organismo biológico Ficar doente estar doente muito além de seu significado médico história natural da doença etiologia diagnóstico e prognóstico etc é sempre também e ao mesmo tempo sofrer a doença ter um fato do maior significado inscrito em sua biografia vivenciar um processo pleno de significações 66 A pessoa adoece de corpo e alma o psiquismo não é uma esfera autônoma um epifenômeno do corpo o Eu e o Corpo estão em permanente diálogo entre si e com o mundo seja na saúde ou na doença 66 O corpo é um objeto transdisciplinar por excelência dado que nenhuma das presentes disciplinas científicas pode esgotar sua compreensão e dado ser o corpo o suporte necessário e inevitável da vida concreta do indivíduo na sociedade e na cultura 66