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161 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 ARGUMENTAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DE OPORTUNIDADES DE APRENDIZAGEM EM AULAS DE CIÊNCIAS RESUMO Nesse artigo analisamos eventos envolvendo argumentação não planejada em aulas de ciências de uma turma de Educação de Jovens e Adultos EJA Investigamos qual era a diversidade de práticas argumentativas e quais eram as oportunidades de aprendizagem geradas no contexto de eventos envolvendo argumentação As principais fontes de dados foram vídeos das aulas de ciências e notas de campo Nossas análises foram desenvolvidas com base em adaptação da teoria da argumentação pragmadialética e da etnografia em educação As formas de argumentar são diversas em relação a como i emergem vários desacordos para resolver um desacordo inicial e ii os participantes sustentam pontos de vista Há indícios de que nesses eventos há articulação entre participação na argumentação e oportunidades de aprendizagem de práticas científicas conhecimentos conceituais e sobre ciências Os resultados têm implicações para o ensino e a aprendizagem de ciências e para o desenvolvimento de metodologias de estudo da argumentação Palavraschave Argumentação Pragmadialética Etnografia em educação Aprendizagem de ciências LA ARGUMENTACIÓN Y CONSTRUCCIÓN DE OPORTUNIDADES DE APRENDIZAJE EN CLASES DE CIENCIAS RESUMEN En este artículo analizamos eventos que tienen argumentación no planeada en clases de ciencias en una clase de Educación de Jóvenes y Adultos EJA Investigamos cuál era la diversidad de prácticas argumentativas y cuáles eran las oportunidades de aprendizaje generadas en el contexto de eventos relacionados a la argumentación Las principales fuentes de datos fueran videos de las clases de ciencias y notas de campo Nuestros análisis fueron desarrollados basados en la adaptación de la teoría de la argumentación pragmadialéctica y de la etnografía en educación Las maneras de argumentar son diversas en relación a cómo i emergen varios desacuerdos para resolver un desacuerdo inicial e ii los participantes sostienen puntos de vista Hay indicios de que en eses eventos hay articulación entre participación en la argumentación y oportunidades de aprendizaje de prácticas científicas conocimientos conceptuales y sobre ciencias Los resultados tienen implicaciones para la enseñanza y el aprendizaje de las ciencias y para el desarrollo de metodologías de estudio de la argumentación Palabras clave Argumentación Pragmadialéctica Etnografía en educación Aprendizaje de las ciencias Danusa Munford Faculdade de Educação Universidade Federal de Minas Gerais FaEUFMG Ana Paula Souto Silva Teles Centro Pedagógico Universidade Federal de Minas Gerais CPUFMG Doutora em Educação pela Pennsylvania State Univerisity professora associada da Faculdade de Educação da UFMG Email danusaufmgbr Doutora em Educação Educação em Ciências pela Faculdade de Educação da UFMG Professora substituta do Centro Pedagógico Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG Email anapaulasoutosgmailcom DOI httpdxdoiorg10159019832117201517s09 162 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 ARGUMENTATION AND LEARNING OPPORTUNITIES CONSTRUCTION IN SCIENCE CLASSES ABSTRACT In this study we analyze classroom events involving argumentation that was not planned The study took place in science lessons in a Youth and Adults Education class We investigated what was the diversity of argumentative practices in this classroom and what learning opportunities were created in the context of argumentative events in this classroom The main sources of data were video records of the lessons and field notes Our analysis were developed based on argumentation theory PragmaDialects aspects adaptations and of ethnography in education The ways of arguing in this classroom are diverse in relation to i how disagreements emerge to solve an initial disagreement and ii how participants support points of view There is evidence that in these events participating in argumentation is intertwined with learning concepts scientific practices and about science The results have implications for science teaching and learning as well as to the development of methodologies for studying argumentation Keywords Argumentation Pragma dialectics Science teaching and learning Argumentação e oportunidades de aprendizagem 163 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 INTRODUÇÃO Neste estudo buscamos caracterizar a argumentação em aulas de ciên cias em uma turma do Ensino Fundamental da Educação de Jovens e Adultos EJA Além disso procuramos explorar relações entre as formas de argumentar e a aprendizagem de ciências nesse contexto O campo da Educação em Ciências sofreu transformações bastante signi ficativas nas últimas décadas Uma das questões principais que emergiu no contex to atual foi a importância de articular objetivos conceituais epistêmicos e sociais da aprendizagem de ciências DUSCHL 2008 p 268 Referindose a documen tos norteamericanos que buscam sintetizar essas discussões Duschl 2008 p 269 tradução nossa destaca a noção de que compreender ciências envolve 1 saber usar e interpretar explicações científicas do mundo natural 2 gerar e avaliar evidências e explicações científicas 3 compreender a natureza e o desenvolvimento do conhecimento científico e 4 participar produtivamente das práticas científicas e do dis curso científico1 Esse autor aponta a argumentação como um caminho de grande potencial para promover essa noção integrada de aprendizagem de ciências descrevendoa como um continuum evidênciaexplicação evidenceexplanation EE Paralelamente na literatura é reconhecida a importância da argumentação nos processos de en sinoaprendizagem em geral BAKER 2009 BILLIG 1989 CHIARO LEITÃO 2005 SCHWARZ 2009 e especificamente na Educação em Ciências DRIVER et al 1999 JIMÉNEZALEXANDRE ERDURAN 2007 entre outros Assim há um crescente interesse em estudar as práticas argumentativas em salas de aula de ciências BERLAND REISER 2011 MCNEILL PIMENTEL 2010 Mais recentemente surgiram discussões acerca de tendências no estudo da argumentação no campo da Educação em Ciências MCDONALD KELLY 2012 SASSERON CARVALHO 2011 BRICKER BELL 2008 McDonald e Kelly 2012 sugerem que se construiu uma visão cristalizada de argumentação centrada em um produto final Segundo esses autores essa visão pouco contribui para a compreensão das práticas dos cientistas e para a apropriação de conhecimentos conceituais2 Paralelamente Bricker e Bell 2008 refletem sobre a necessidade de se ampliarem as perspectivas de análise da argumentação e do significado dela enquanto prática epistêmica da ciência Do ponto de vista desses autores essa ampliação deve resultar de um maior diálogo entre as pesquisas do campo da Educação em Ciências e de outros campos de pesquisa como os da Teoria da Argumentação dos Estudos Sociais das Ciências entre outros Tais discussões evidenciam como aspectos teóricos e metodológicos das pesquisas acadêmicas estão extremamente interrelacionados na construção do conhecimento sobre argumentação Alguns estudos avançaram nesse sentido pois ao descreverem o discurso de alunos e professores em sala de aula deixam de se restringir a identificar a presença dos componentes do Modelo de Toulmin TOULMIN 2006 evidência afirmação 164 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles e justificativareasoning e passam a considerar outros aspectos BERLAND REISER 2011 MCNEILL PIMENTEL 2010 SASSERON CARVALHO 2011 tipo de questões presença de interação entre alunos etc ou outros referenciais OZDEM et al 2013 IBRAIM MENDONÇA JUSTI 2013 Neste estudo buscamos caracterizar a argumentação em aulas de ciências em uma sala de aula de Educação de Jovens e Adultos EJA Nossa intenção é contribuir para o avanço do campo em relação às críticas que circulam na li teratura adotando uma orientação metodológica que se articula a uma visão de argumentação como um fenômeno que já está presente na sala de aula e precisa ser descrito3 A partir desses princípios norteadores buscamos descrever processos argumentativos que são característicos das comunidades de sala de aula sem ter como modelo ideal certa estrutura de argumentação ou certa prática argu mentativa KELLY 2005 Acreditamos que o estudo desses processos torna mais visíveis as formas como objetivos conceituais epistemológicos e sociais de apren dizagem articulamse no cotidiano da sala de aula Assim para a análise das interações discursivas em situações argumentativas em sala de aula adotamos uma abordagem que combina elementos da Etnografia em Educação GREEN DIXON ZAHARLICK 2005 e elementos da Pragma Dialética concebida no âmbito da Teoria da Argumentação VAN EEMEREN et al 1996 2002 Ao nos apropriarmos de aspectos da Etnografia em Educação como lógica de investigação alguns princípios para conhecer a cultura da sala de aula orientaram a presente pesquisa i conhecer práticas a partir da perspectiva dos participantes ou seja adotando uma perspectiva êmica ii adotar uma perspectiva contrastiva para tornar visíveis diferentes aspectos da cultura estudada e iii relacionar a parte e o todo por meio de uma perspectiva holística GREEN DIXON ZAHARLICK 2005 Em relação à PragmaDialética nossas análises estão apoiadas em um entendimento da argumentação como resolução de diferença de opinião VAN EEMEREN et al 1996 2002 a argumentação é uma atividade racional que tem como objetivo defender um pon to de vista de forma que tornese aceitável a um crítico que tem uma atitude razoável Avançando em uma argumentação o orador ou escritor parte de um pressuposto certo ou errado de que há uma diferença de opinião entre ele ou ela e seu ouvinte ou leitor Por colocar proposições que devem justificar o ponto de vista em questão o orador ou escritor tenta convencer o ouvinte ou o leitor da aceitabilidade desse ponto de vista VAN EEMEREN et al 2002 p xixii tradução nossa4 Além disso destacase a natureza comunicativa e social da argumentação na teoria da argumentação a argumentação é vista não somente como o produto de um processo racional de raciocínio como argumentos são tradicionalmente vistos na lógica mas também como parte de uma comunicação em desenvolvimento e de um processo de interação VAN EEMEREN et al 2002 p xii tradução nossa5 Argumentação e oportunidades de aprendizagem 165 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Do ponto de vista teóricometodológico essa teoria pareceunos apropriada por reconhecer i a dúvida como forma de manifestação de uma opinião contrária o que amplia o conjunto de situações que podem ser consideradas argumentativas ii o contexto como fundamental na identificação de elementos implícitos no dis curso o que é coerente com a perspectiva da Etnografia em Educação que sugere maior tempo de permanência em campo para coleta de dados iii a existência de diferentes níveis de complexidade das relações entre os elementos da argumentação e das relações entre as diferenças de opinião presentes em cada situação argumenta tiva o que possibilita a percepção das especificidades de cada situação argumentativa e da diversidade de situações VAN EEMEREN et al 1996 2002 Neste artigo analisamos eventos em aulas de ciências envolvendo argu mentação que não foi planejada pelo professor Pretendemos responder às seguin tes questões de pesquisa Qual é a diversidade de práticas argumentativas na sala de aula analisada Quais são as oportunidades de aprendizagem geradas no contexto de eventos envolvendo argumentação Assim fazemos uma aproximação do processo de aprendizagem relacio nado à argumentação em salas de ciências com a noção de oportunidades de aprendi zagem na sala de aula estas segundo definição de Rex 2006 eventos sociais em que as pessoas posicionamse para se apropriar de um conjunto de práticas sociais e culturais associadas a domínios acadêmicos Para melhor delinear as implicações do uso desse construto em estudos especificamente voltados para aspectos das práticas acadêmicas em ciências recorremos à noção de aprendizagem de ciências proposta por Duschl 2008 citada anteriormente METODOLOGIA Contexto de pesquisa O estudo ocorreu em uma sala de aula de ciências do Ensino Fundamental para Educação de Jovens e Adultos EJA em um projeto de extensão de uma uni versidade no Sudeste do Brasil Na turma havia 25 alunos com idades variando entre 25 e 70 anos a maioria afastada da escola por vários anos Licenciandos lecionavam e participavam de reuniões de orientação e planejamento com professores universitários O professor participante deste estudo Domingos6 estava no fim de sua formação inicial em Ciências Biológicas e durante a presente pesquisa graduou se Domingos já havia lecionado em cursinhos preparatórios o que lhe conferiu alguma experiência docente Entretanto segundo ele sua vivência no projeto de extensão contribuiu significativamente para o desenvolvimento de sua prática de forma mais reflexiva e mais comprometida com a aprendizagem dos alunos Em sua prática observamos que ele valorizava o diálogo como principal forma de in teração com seus alunos pois em todas as aulas mesmo as expositivas os alunos tinham espaço para apresentar suas opiniões e experiências de vida 166 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles Coleta de dados Durante oito meses foi realizada observação participante SPRADLEY 1980 da sala de aula com registros narrativos em notas de campo combinados a registros em áudio e vídeo GREEN DIXON ZAHARLICK 2005 Seguindo uma perspectiva contrastiva GREEN DIXON ZAHARLICK 2005 tivemos como foco eventos de duas aulas que envolveram ensino de conceitos de biologia os quais ocorreram em diferentes momentos da história da turma Na seleção dessas aulas consideraramse os seguintes critérios i a situação argumentativa en volver vários participantes ii o tempo de duração da situação ser superior a cinco minutos iii a situação envolver o estudo de conceitos de biologia Análise de dados A primeira fase da análise de dados envolveu transformar os registros em áudio e vídeo em um mesmo tipo de representação escrita eou gráfica dos dados CAMERON 2001 Foram utilizadas ferramentas da Etnografia em Educação tais como quadros e mapas de eventos em que se registram as informações sobre os acontecimentos em sala de aula com diferentes níveis de detalhamento Os qua dros e os mapas de eventos também permitem localizar o evento na história do grupo possibilitando uma integração entre parte e todo DIXON GREEN 2005 Assim por meio da análise desses mapas de eventos foi possível identificar os eventos envolvendo argumentação relacionados ao ensino de conceitos de biologia As interações discursivas nos dois eventos selecionados foram transcritas palavra a palavra e analisadas de acordo com uma adaptação de princípios e fer ramentas da teoria da argumentação PragmaDialética VAN EEMEREN et al 1996 2002 em particular de seus aspectos descritivos denominados por seus autores de analytic overview Assim no presente artigo buscamos i estabelecer quais foram as dife renças de opinião principais e subordinadas de cada situação argumentativa ii identificar os pontos de vista envolvidos nas diferenças de opinião iii identificar posicionamentos protagonistas que defendem o ponto de vista em questão e anta gonistas que respondem criticamente ao ponto de vista em questão iv identificar quais elementos estavam implícitos indiretos ou explícitos diretos no discurso Além disso procuramos estabelecer as relações entre os diferentes ele mentos da argumentação pontos de vista e argumentos descrevendo sua es trutura a partir da análise dos argumentos que sustentaram os pontos de vista Cabe ressaltar que na PragmaDialética os argumentos são caracterizados sem a distinção entre evidência e justificativa sendo que ideias que sustentam um ponto de vista mesmo sem apresentar evidências são consideradas um argumento A reconstituição da estrutura da argumentação tem como objetivo co nhecer como os participantes sustentaram suas ideias e identificar diferenças nas formas dessas sustentações A Figura 1 apresenta um exemplo de represen tação de reconstituição dessa estrutura da argumentação conforme proposto na PragmaDialética Argumentação e oportunidades de aprendizagem 167 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Figura 1 Exemplo de representação gráfica para a estrutura da argumentação que combina as estruturas múltipla coordenativa e subordinativa proposta por Van Eemeren e colaboradores Fonte VAN EEMEREN et al 2002 p 71 tradução nossa As adaptações dessa abordagem para o contexto da sala de aula envol veram principalmente desenvolver dois tipos de representações gráficas i das relações entre os componentes da argumentação e o discurso dos participantes FIGURA 2 possibilitando estabelecer relações diretas entre discurso e elemen tosestrutura da argumentação e ii das relações entre as diferenças de opinião principal e subordinadas em cada situação argumentativa FIGURA 3 1 Eu não posso participar da grande manifestação pela paz 1 1 Eu tenho um problema nos meus pés 1 11a Eu passei um tempo em um campo de concentração 1 11b Eu fui espancado 13a1 O slogan é tendencioso 1 3a Eu não concordo completamente com o slogan que estão usando 1 3b O slogan deve ser aquele com que todos concordam 1 3a11a Eles fazem parecer que a paz mundial está ameaçada de um só lado 1 3a11b A paz mundial está ameaçada de muitos lados 1 2 Eu estarei fora do país nesse dia 1 21 Minha irmã vai se casar em Londres 168 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles Figura 2 Um exemplo da aula 1 sobre Sistema ABO do primeiro tipo de representação criada para o uso da PragmaDialética em estudos de argumentação em salas de aula Fonte Elaboração pelos autores deste artigo A representação apresentada na Figura 2 é gerada durante a análise da transcrição com o objetivo de estabelecer relações diretas entre a fala dos parti cipantes e os elementos da argumentação ponto de vista e elementos de apoio Por meio dessa representação é possível perceber como esses elementos foram construídos ao longo do tempo quais elementos estavam explícitos ou implí citos no discurso e em que situações os participantes foram protagonistas ou antagonistas ou seja defenderam seu ponto de vista ou negaram o ponto de vista oposto respectivamente Representação gráfica Transcrição de Falas palavraapalavra Professor Porque senão o anticorpo vai combater o antígeno Sempre é assim o anticorpo é uma defesa que vai reconhecer isso aqui mostra o antígeno na figura como uma ameaça e vai combater a própria hemácia dele Então será que ele tem o A ou B ou os dois ou nenhum professor direciona a discurssão usando PVa1 como argumento bII111 E mantém a discurssão ao explicitar os três pontos de vista envolvidos sem se posicionar Ana Porque ele é feito de dois A partir da análise de toda a aula podemos dizer que os alunos acham que o raciocínio é onde há o antígeno A haverá o anticorpo anti B e onde há o antígeno B haverá o anticorpo antiA Assim onde houver os dois antígenos haverá os dois anticorpos PVa1 como bIII11 Dentro docorpo anticorpos específicos combatem antígenos Alunos Os dois alunos insistem no PVbII2 Professor Os dois Antagonista questionamento Maria Gabriela Os A e o B PVa2 como bII211 Pela tabela sempre onde há o antígeno A vai haver o anticorpo antiB e onde houver o antígeno B vai ter o anticorpo antiA Então onde houver os dois antígenos vai ter os dois anticorpos PVbII2 TF100 PVbIII No tipo sanguíneo AB não há nenhum anticorpo PVbII2 O tipo sanguíneo AB tem os dois tipos de anticorpos PVbII3 O tipo sanguíneo AB tem um dos tipos de anticorpos Argumentação e oportunidades de aprendizagem 169 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Figura 3 um exemplo aula 1 mutualismo do terceiro tipo de representação para o uso da Pragmadialética em estudos da argumentação em salas Fonte Elaboração pelos autores deste artigo Essa representação apresentada na Figura 3 torna possível caracterizar a estrutura mais ampla da situação argumentativa pois descreve as relações hie rárquicas entre a diferença de opinião principal e as diferenças de opinião subor dinadas É possível também perceber os elementos implícitos e as questões que estavam em discussão RESULTADOS CONTRASTANDO EVENTOS EM DUAS AULAS A aula 1 faz parte do conjunto de aulas sobre sistema circulatório desenvolvidas no ano em que a turma havia iniciado sua participação no projeto de extensão de Educação de Jovens e Adultos EJA no segundo segmento do Ensino Fundamental Portanto o grupo estava em processo de adaptação à lógica escolar da instituição Além disso aquele foi o primeiro contato de muitos alunos com o estudo do Sistema ABO7 O professor iniciou a aula fazendo um breve levantamento do conheci mento dos alunos sobre os tipos sanguíneos do Sistema ABO e sobre os conceitos de anticorpo e antígeno Após ouvir as respostas dos alunos ele construiu uma Professor constrói um conhecimento comum com a turma de forma unilateral sobre o conceito das relações ecológicas mutualismo e protocooperação Essa construção não é polêmica e aparentemente aceita pelo grupo Diferença de opinião principal Explícita PVp1 X PVp2 PVa1 X PVa2 O exemplo é mutualismo ou não Essa interação é obrigatória ou não Diferença de opinião Subordinada A Explícita Legenda PVp ponto de vista da diferença de opinião principal PVa ponto de vista da diferença de opinião subordinada A Pontos de vistas envolvidos na diferença de opinião Nível hierárquico da diferença de opinião Questão envolvida na diferença de opinião Diferença de opinião implícita ou explícita 170 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles tabela no quadronegro e fez um desenho de uma hemácia com antígenos e dois tipos de anticorpos que poderiam ser encontrados no plasma FIGURA 4 Figura 4 Tabela e desenhos utilizados pelo professor para ensinar aos alunos as características de cada tipo sanguíneo do Sistema ABO justificandoas com base em fenômeno que ocorre no corpo humano interação anticorpoantígeno Fonte Elaboração pelos autores deste artigo com base em observação participante O professor preencheu a primeira coluna com as respostas dos alunos e fez o desenho da hemácia tendo explicitado que o antígeno fica na membrana da hemácia e que o anticorpo interage com um antígeno específico Explicou que essa interação pode ocasionar coagulação do sangue possível trombose e em casos mais graves a morte do indivíduo Enfatizou também que o preenchimento das outras colunas da tabela tinha relação direta com esse fenômeno que ocorria no corpo a interação anticorpoantígeno Para exemplificar essa interação preencheu junto com os alunos as colunas de antígeno e anticorpo dos tipos sanguíneos A e B explicitan do que as letras A e B e as expressões antiA e antiB indicadas na tabela eram representações de antígenos e anticorpos que estão no sangue humano O professor usou esse discurso explícito como ponto de partida para engajar os alunos na análise de relações entre antígeno e anticorpo dos tipos san guíneos AB e O partindo de situações mais simples sangue tipo A e sangue tipo B Entretanto antes de o professor conduzir uma discussão explícita e sistemática sobre os tipos AB e O um aluno questionou se em qualquer situação de doação de sangue as pessoas não poderiam ter tipos sanguíneos diferentes Essa questão deu início a um breve desacordo ou seja a uma breve diferença de opinião As falas do professor indicaram que na interação com os alunos ele re conheceu que eles ainda não haviam compreendido as relações entre anticorpos e antígenos Apesar de não fazer movimentos para que a questão fosse abordada no grupo de maneira aprofundada e sistemática ele enfatizou que uma resposta positiva ou negativa não era suficiente sendo importante discutir como se dava o processo e também as explicações para a doação de sangue bemsucedida Em seguida o professor solicitou que os alunos voltassem a pensar na tabela do quadronegro e identificassem quais seriam os anticorpos do tipo sanguí neo AB A colocação do docente teve como consequência o surgimento de outra diferença de opinião O trecho abaixo ilustra o rumo da discussão Legenda Antígeno A Antígeno B Anticorpo AntiA Anticorpo AntiB Hemácia Tipo sanguíneo Antígeno Anticorpo A A AntiB B B AntiA AB AB O Argumentação e oportunidades de aprendizagem 171 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Professor Ele tem os dois Vou colocar a legenda aqui registra o desenho no quadronegro tem o antígeno A que é a bolinha e tem o antígeno B que é o triângulo E o anticorpo vai combater o antígeno Ele não vai se ligar no antígeno lá Ele não vai ter a pontinha específica para ligar no antígeno E nós temos estes dois tipos de anticorpos o antiB e o antiA Será que quem tem o sangue AB vai ter qual tipo de anticorpo no plasma dele Bianca O A e B Professor ah Margareth Não é os dois não Érica Vai ter o anticorpo A e B Professor O Anticorpo A e B Mas aí olha só se ele tiver o anticorpo A e B se o sangue dele for assim Não desenha não agora só presta atenção aqui É assim vai haver esses dois anticorpos o professor desenhou no quadro os anticorpos Esses anticorpos vão ligar na hemácia dele e vão reconhecer a própria hemácia dele como ameaça Vai destruir Maria Gabriela Então tem que ser ao contrário sempre Trecho da transcrição da aula 1 sobre Sistema ABO Nesse trecho é possível perceber que o professor problematizou a res posta dos alunos buscando direcionar o diálogo no sentido da apropriação da perspectiva da ciência escolar Além disso há evidências de que os alunos estavam interpretando as informações da tabela de uma maneira diferente da interpretação do professor como exemplificado nesse trecho pela fala da aluna Maria Gabriela A partir da análise de toda a interação8 identificamos que a discordância diferença de opinião principal entre os participantes estava relacionada a uma con traposição de significados atribuídos aos desenhos e à tabela Por um lado o profes sor apoiandose na perspectiva da ciência escolar interagiu com as informações da tabela e dos desenhos como representações de fenômenos envolvendo estruturas organelas que realmente teriam uma existência concreta no corpo humano como interações entre antígenos e anticorpos no sangue Por outro lado as interações dis cursivas indicaram que os estudantes entendiam as informações da tabela como sím bolos abstratos desvinculados desses fenômenos naturais relacionados ao funciona mento do organismo Nesse sentido os alunos relacionavam os diferentes símbolos antígenos e anticorpos a partir de uma regra geral também abstrata onde houvesse o antígeno A haveria anticorpo antiB e onde houvesse antígeno B haveria anti corpo antiA então onde houvesse os dois antígenos haveria os dois anticorpos Entretanto professor e alunos não falaram diretamente sobre seus posicionamentos ou seja sobre seus pontos de vista quanto a essa discordância principal Portanto podemos afirmar que essa diferença de opinião estava implícita no discurso Mesmo no curto trecho da transcrição apresentado acima identificamos problemas de comunicação entre participantes possivelmente relacionados à própria falta de consciência sobre os diferentes pontos de vista envolvidos nessa divergência de opinião implícita As análises das interações discursivas ao longo de toda a aula evidenciaram que o processo de resolução dessa diferença de opinião implícita envolveu além da resolução do desacordo exemplificado no trecho da transcrição o engajamento dos participantes em responder outras questões 172 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles não consensuais para o grupo por que o sangue O pode doar para todos os outros tipos sanguíneos Por que o sangue O não pode receber dos outros tipos sanguíneos sem ser o dele as quais contribuíram para resolver a primeira diferença de opinião que surgiu nessa aula em qualquer situação de doação de sangue as pessoas não podem ter tipos sanguíneos diferentes Como descrito anteriormente propusemos um tipo de representação para essas relações hierárquicas entre diferentes argumentações com base em princípios da teoria PragmaDialética como representado na Figura 5 Nessa figura observamos que uma discordância mais ampla Diferença de opinião principal Qual o signifi cado de desenhos e informações da tabela resultou em uma série de desacordos Figura 5 Visão geral da situação argumentativa da Aula 1 Sistema ABO apresentando todas as diferenças de opinião envolvidas Fonte Elaboração pelos autores deste artigo Professor constrói um conhecimento comum com a turma de forma unilateral sobre o conceito de antígeno e anticorpos Essa construção não é polêmica e aparentemente aceita pelo grupo PVp1 X PVp2 PVaI1 X PVaI2 PVbII1 X PVaII1 X X PVaII2 PVaII3 PVbI1 X X PVbI2 PVbI3 Qual significado de desenhos e informações da tabela Diferença de opinião principal Implícita Por que o sangue O pode doar para todos Diferença de opinião Subordinada BI Explícita Por que o sangue O não pode receber de outros sem ser o dele Diferença de opinião Subordinada BII Explícita Qual anticorpo de AB Diferença de opinião Subordinada AII Explícita Em qualquer situação de doação de sangue as pessoas não podem ter tipos sanguíneos diferentes Diferença de opinião Subordinada AI Explícita Legenda PVp ponto de vista da diferença de opinião principal PVaI ponto de vista da diferença de opinião subordinada AI PVaII ponto de vista da diferença de opinião subordinada AII PVbI ponto de vista da diferença de opinião subordinada BI PVbII ponto de vista da diferença de opinião subordinada BII Argumentação e oportunidades de aprendizagem 173 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 De modo geral quem iniciou essas diferenças foi o professor Ele pareceu explorar essas diferenças de opinião subordinadas para restringir o problema a um nível de resolução com foco em alguns pressupostos essenciais da perspectiva da ciência escolar Assim nessa aula destacamos que uma discordância mais ampla resultou em uma série de desacordos e portanto na ocorrência de múltiplas argu mentações relacionadas de forma bastante complexa Se as relações hierárquicas entre essas diferentes argumentações eram bas tante complexas a complexidade se tornou relativamente menor quando se exa minou como os participantes sustentaram seus pontos de vista em cada uma das argumentações Nesse sentido as argumentações foram sustentadas por poucos argumentos como exemplificado pela representação da diferença de opinião subor dinada BII FIGURA 6 Houve três pontos de vista envolvidos nessa diferença de opinião dois deles colocados e construídos por alunos 1º o sangue AB teria um dos anticorpos sendo que essa posição foi colocada sem qualquer argumento para sustentála PVbII3 2º o sangue AB teria ambos os anticorpos sendo que essa po sição foi sustentada por apenas dois argumentos um subordinado ao outro Mesmo o ponto de vista colocado pelo professor de que o sangue AB não teria nenhum anticorpo foi sustentado por relativamente poucos argumentos como veremos mais adiante ao contrastarmos esses dados com as análises da segunda aula Figura 6 Representação simplificada da estrutura da argumentação da aula 1 Sistema ABO9 Fonte Elaboração pelos autores deste artigo PVbIII No sangue AB não há nenhum anticorpo específico para antígenos A e antígenos B bII11 bII111 bII1111 bII11111 bII1112 PVbIII O tipo sanguíneo AB tem os dois tipos de anticorpos PVbII3 O tipo sanguíneo AB tem um dos tipos de anticorpos bII11 bII111 Professore alguns estudantes Alguns estudantes Legenda apóstrofe indica que o elemento está implícito no discurso PVp significa ponto de vista da diferença de opinião principal PVa ou PVb significa pontos de vista das diferenças de opinião subordinadas números indicam os argumentos que apoiam os pontos de vista 174 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles A Aula 2 ocorreu no segundo ano da turma no projeto Nessa aula Domingos estava detalhando alguns conceitos de Relações Ecológicas em particular o de mutualismo Antes de o tema ser abordado de maneira mais aprofundada o professor fez uma discussão mais abrangente de várias relações ecológicas discutindoas de modo menos detalhado e menos dialogado Além disso a turma fez a leitura de um livro paradidático sobre questões ambientais o qual trazia alguns exemplos de situaçõescasos relacionados a interações entre seres vivos No início da situação argumentativa10 o professor relembrou a defini ção da relação ecológica mutualismo e solicitou aos alunos um exemplo dessa relação Um aluno sugeriu a interação entre pássaropalito e crocodilo A turma passou a discutir se esse seria um exemplo de mutualismo diferença de opinião DO principal O professor problematizou esse exemplo estimulando a discus são entre os alunos o que resultou em outra diferença de opinião subordinada à primeira Seria essa interação obrigatória ou não Como o mutualismo em sua definição pressupõe uma relação obrigatória entre os seres vivos uma vez resolvida essa segunda diferença de opinião a subordinada seria possível avan çar na confirmação de que o exemplo referiase a essa relação ecológica se a relação fosse obrigatória poderia ser mutualismo caso contrário não poderia ser mutualismo Nessa aula ao contrário da aula sobre tipos sanguíneos do Sistema ABO tanto a diferença de opinião principal quanto a diferença de opinião subordinada foram colocadas de forma explícita e sistematizada possibilitando que os partici pantes estivessem cientes sobre os pontos de vista em discussão Outro aspecto significativo que diferenciou as duas aulas envolve a análise das relações entre os diferentes desacordos que ocorreram em sala de aula ou seja em torno das diferenças de opinião principal e subordinada Quando examinamos as relações hierárquicas entre as diferenças de opinião ao longo dos eventos da aula observamos que na aula de mutualismo houve apenas dois desacordos relacionados portanto nesse aspecto foram muito menos complexas do que na aula sobre tipos sanguíneos do Sistema ABO Assim na Aula 1 Sistema ABO houve uma DO principal e quatro DO subordinadas sendo que cada uma foi orientada por uma questão No caso da Aula 2 Mutualismo identificamos apenas uma DO principal e uma DO subordinada FIGURA 7 Argumentação e oportunidades de aprendizagem 175 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Figura 7 Comparação entre as representações das relações hierárquicas simplificadas na Aula 1 Sistema ABO e na Aula 2 Mutualismo Fonte Elaboração pelos autores deste artigo Quando examinamos como os participantes sustentaram os pontos de vista envolvidos na argumentação na Aula 2 fica ainda mais evidente o papel da interação entre os participantes para a construção das argumentações A estrutura da argumentação é bem mais complexa nessa aula FIGURA 8 do que na aula anterior FIGURA 6 Ao discutirem sobre mutualismo os participantes combi naram várias formas de apoio aos pontos de vista VAN EEMEREN et al 2002 i os participantes utilizaram múltiplos argumentos independentes argumentação múltipla ii combinaram argumentos interdependentes argumentação coorde nativa por exemplo subargumento 211a Pássaropalito vive sem crocodilo subargumento 211b Crocodilo vive sem pássaropalito e iii usaram argumen tos apoiados por subargumentos argumentação subordinativa por exemplo su bargumento 211a1 Pássaropalito consegue encontrar alimento longe do cro codilo subargumento 211a11 Não ser obrigatório para um dos seres vivos envolvidos já é suficiente para não ser mutualismo Como apontado anteriormente na Aula 1 FIGURA 6 a estrutura da argumentação foi mais linear ou seja os participantes apoiaram seus pontos de vista principalmente usando argumentos apoiados por subargumentos Obser vamos também que na Aula 2 houve maior contribuição dos estudantes nas in terações sendo que nessa aula eles atuaram também como antagonistas ao ponto de vista do professor A estrutura da segunda aula portanto foi mais complexa ex argumentos interdependentes e muitos argumentos para defender o ponto de vista e a contribuição dos estudantes para a argumentação foi mais significativa do que na Aula 1 Sistema ABO ver comparação FIGURA 8 Aula sistema ABO Aula Mutualismo 176 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles Figura 8 Representação simplificada da estrutura da argumentação da Aula 2 Mutualismo Fonte Elaboração pelos autores deste artigo Além disso quanto aos posicionamentos assumidos pelos participantes também podemos fazer um contraste entre os eventos das duas aulas Uma ca racterística presente em ambas as aulas foi que o professor utilizou questões que poderiam tanto resultar em um ataque aos pontos de vista dos alunos antago nismo quanto em uma defesa dos pontos de vista da ciência escolar protagonis mo Assim problematizou as respostas dos alunos e manteve implícito qual seria o ponto de vista que ele defendia durante grande parte da interação como ilustram os dois exemplos a seguir Érica Mas o antígeno dele não é A e B Professor Ele tem o A e B Érica Pois é Então por que não pode o anticorpo ser A e B Professor Porque senão o anticorpo vai combater o antígeno Sempre é assim o anticorpo é uma defesa que vai reconhecer isso aqui aponta para o antígeno na figura do quadronegro como uma ameaça e vai combater a própria hemácia dele Então será que ele tem o A ou B ou os dois ou nenhum PVp2 A interação pássaro palito e crocodilo não é mutualismo PVa2 Não é obrigatória 211b 211a 21 22 23 PVp1 A interação pássaro palito e crocodilo é mutualismo PVa2 É obrigatória 11 12 111 121 211a1 211b3 211b2 211b1 211a11 211b31 Alguns estudantes Professore alguns estudantes Legenda apóstrofe indica que o elemento está implícito no discurso PVp significa ponto de vista da diferença de opinião principal PVa ou PVb significa pontos de vista das diferenças de opinião subordinadas números indicam os argumentos que apoiam os pontos de vista Argumentação e oportunidades de aprendizagem 177 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Alunos Os dois Professor Os dois Ana Porque ele é feito de dois Maria Gabriela O A e o B Trecho da transcrição da Aula 1 Sistema ABO Professor Ele só consegue viver junto do outro Alguns alunos NÃO Ana Eu acho que para ele é obrigatório Outra aluna É igual ao anu catando carrapato Trecho da transcrição da Aula 2 Mutualismo É importante todavia destacar as consequências de o professor explicitar sua posição nas duas aulas Na Aula 1 quando o professor explicitou seu ponto de vista e seus argumentos a diferença de opinião foi praticamente encerrada Apenas quando discutiram se uma pessoa poderia doar sangue para alguém com tipo sanguíneo diferente diferença de opinião subordinada BI FIGURA 6 os alunos questionaram o professor mas sem apresentarem argumentos Na Aula 2 menos elementos ficaram implícitos e mesmo depois de o professor se posicionar explicitamente a diferença de opinião mantevese O posicionamento por parte dos alunos também envolveu diversidade nas interações argumentativas de uma aula para outra Na Aula 1 eles agiram mais como protagonistas de seus pontos de vista de forma tanto explícita quanto im plícita Porém praticamente não foram antagonistas ao ponto de vista defendido pelo professor Érica Pois é Então por que não pode o anticorpo ser A e B Professor Porque senão o anticorpo vai combater o antígeno Sempre é assim o anti corpo é uma defesa que vai reconhecer isso aqui mostra o antígeno na figura como uma ameaça e vai combater a própria hemácia dele Então será que ele tem o A ou B ou os dois ou nenhum Alunos Os dois Trecho da transcrição da Aula 1 Sistema ABO Na Aula 2 por outro lado a defesa do próprio ponto de vista pelos alunos protagonismo implicou necessariamente um ataque ao ponto de vista defendido pelo professor antagonismo uma vez que os pontos de vista eram exatamente opostos é mutualismo versus não é mutualismo é obrigatória versus não é obrigató ria Nessa aula também houve argumentos implícitos mas os alunos se posicio naram predominantemente de forma explícita Marcelo Mas aqui o negócio é o seguinte Dentro da garganta do crocodilo também ficam alojadas sanguessugas não é Professor É Ele pega também sanguessuga Marcelo Ele fica tirando elas da garganta do crocodilo um ajuda o outro também não é O pássaro se alimenta e ajuda o crocodilo tirando as sanguessugas lá Professor Pois é 178 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles Marcelo Inaudível nem vai por causa da carne do peixe é questão da sanguessuga Professor Isso da sanguessuga eu não sabia eu sabia que ele pegava carne Marcelo A carne não a carne é da sanguessuga que eu falei Trecho da transcrição da Aula 2 Mutualismo DISCUSSÃO A argumentação é considerada essencial para o ensinoaprendizagem em salas de aula de ciências mas autores têm apontado que geralmente ela é rara ou pouco complexa por exemplo MCNEILL PIMENTEL 2010 CAPECCHI CARVALHO SILVA 2002 Ao investigarmos a argumentação em uma sala de aula do Ensino Fundamental da EJA adotando uma abordagem teóricometodo lógica alternativa observamos que nessa sala de aula argumentavase espontane amente de diversas maneiras ao aprender ciências A grande ocorrência de situações argumentativas não planejadas pode ser atribuída à disposição do professor ao diálogo e à sua postura profissional mais reflexiva o que regulou suas interações discursivas com os estudantes Além disso acreditamos que a abordagem teóricometodológica adotada possibilitou que o engajamento nessas práticas ficasse mais visível Nossas análises baseadas em uma noção de argumentação enquanto pro cesso de resolução de diferença de opinião evidenciaram aspectos importantes para a discussão acerca da argumentação na Educação em Ciências Destacamos três aspectos de nossas análises i a complexidade do discurso argumentativo em sala de aula ii a presença de elementos implícitos e explícitos na argumentação e iii as formas de se posicionar discursivamente situandose em contextos de controvérsia ou criando tais contextos Em nossa discussão exploramos esses três aspectos procurando refletir acerca deles à luz de uma visão mais complexa do que significa aprender ciências como proposto por Duschl 2008 Em nosso estudo professor e estudantes engajaramse em práticas discursivas argumentativas de grande complexidade considerandose o referencial da PragmaDialética Todavia tais discursos argumentativos não estavam necessariamente circunscritos a uma argumentação baseada em evidências o que tem sido descrito como o modelo da argumentação científica MCDONALD KELLY 2012 Nessa sala de aula o discurso argumentativo apresentou grande complexidade em dois níveis de análise em um nível mais microscópico dos elementos que sustentaram os pontos de vista estrutura da argumentação e em um nível mais macro de relações hierárquicas entre múltiplas diferenças de opinião que emergiram para resolver uma diferença de opinião inicial aqui denominada de DO principal As análises em ambos os níveis indicaram que o grupo construiu oportunidades de aprendizagem integrando objetivos conceituais epistemológicos e sociais Essas formas de integrar tais objetivos apesar de Argumentação e oportunidades de aprendizagem 179 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 presentes em situações bastante diferentes variam muito trazendo para primeiro plano diferentes aspectos da aprendizagem de ciências Como exemplo disso no evento da aula de tipos sanguíneos do Sistema ABO estivemos diante de uma discussão aparentemente centrada em aspectos conceituais em certo sentido relativamente específicos componentes do sangue sistema imunológico tipos sanguíneos transfusão Nossas análises das relações macroscópicas trouxeram para primeiro plano outra dimensão das interações uma discussão sobre as formas de saber e de representar nas ciências da natureza Ler e completar uma tabela é uma ação carregada de práticas sociais que definem a atividade Para o professor seriam práticas científicas deslocadas para o contexto escolar ler e usar formas de representação de fenômenos Assim a tabela foi co locada como um elemento de uma linguagem para falar sobre a natureza Para os alunos no entanto a tabela foi percebida como um objeto escolar praticamente seguindo uma lógica do silogismo se antiA estava presente com B e antiB estava presente com A então antiA e antiB estariam presentes com AB Paralelamente em interações entre professor e alunos as quais poderiam ser consideradas triviais e até tradicionais por envolverem quadronegro e fala Domingos explicitou para os alunos a expectativaimportância de usar o dis curso da ciência escolar falem usando anticorpo e antígeno não usando doa dor universal Assim nessa aula a argumentação em torno da tabela envolveu pelo menos dois dos aspectos da aprendizagem de ciências apontados por Dus chl 2008 i saber usar e interpretar explicações científicas do mundo natural nesse caso relacionadas às relações entre anticorpo e antígeno e ii participar produtivamente das práticas científicas e do discurso científico incluindo a inter pretação de tabelas como representações de fenômenos da natureza Apesar de a Aula 1 não ter envolvido explicitamente a vivência de práticas de cientistas é interessante como acaba por trazer para primeiro plano uma dis cussão de aspectos da natureza do conhecimento científico associada às práticas e aos discursos dos cientistas Quanto a isso alguns pesquisadores têm estudado o uso de materiais curriculares no contexto da escola com a participação de alunos em investigações nas quais atuam como cientistas por exemplo respondendo a questões de natureza científica utilizando bancos de dados gerados por cientis tas adotando métodos e ferramentas de análise similares aos de cientistas entre outras por exemplo SANDOVAL REISER 2004 No contexto desses estudos relatamse possibilidades de discussão e apropriação de aspectos epistemológicos e dos discursos da ciência Porém constróise uma expectativa de que isso não seria possível em contextos nos quais as visões de aprendizagem de ciências estão menos estabelecidas contandose apenas com a responsividade do professor e dos alunos ao dialogarem sobre conhecimentos científicos No caso da Aula 2 Mutualismo a articulação entre os três aspectos da aprendizagem de ciências tornouse visível mediante nossa análise mais microscó pica ou seja ocorreu a partir do uso de elementos para sustentar pontos de vista na resolução de uma diferença de opinião específica e não como no caso da aula 180 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles sobre tipos sanguíneos a partir de um movimento entre várias diferenças de opi nião Argumentouse de forma orientada pela definição de mutualismo e pelos princípios que estruturam a classificação das relações ecológicas interespecífica versus intraespecífica obrigatória versus não obrigatória A questão da obrigato riedade da relação em particular tornouse aspectochave da argumentação pois estruturou as relações hierárquicas entre as argumentações evidenciando como o discurso era conceitual mesmo quando não se falava de conceitos Nesse caso ao argumentarem sobre relações entre seres vivos os participantes adotaram as formas de saber da ciência escolar Não houve polemicidade em relação aos con ceitos e aos conhecimentos conceituais em si como no caso da Aula 1 A questão conceitual e de uso do conceito assumiu primeiro plano indissociável das for mas de falar da ciência escolar Outro aspecto de nossas análises que merece discussão referese ao fato de que nessa sala de aula frequentemente argumentavase de forma implícita Desse modo muitos aspectos do discurso argumentativo estavam implícitos eram expres sos indiretamente no discurso tanto em termos de diferenças de opinião quanto em relação aos elementos que sustentavam os pontos de vista e o posicionamento dos participantes A esse respeito comumente compartilhase a expectativa de que o processo de escolarização é capaz de contribuir para o desenvolvimento de um discurso cada vez mais explícito Inclusive ainda prevalece a noção de que quanto mais explícita for a linguagem maior será o avanço do ponto de vista cognitivo OLSON 1977 apesar de vários autores questionarem essa visão STREET 1984 SCRIBLER COLE 1981 Contudo essa expectativa pode entrar em conflito com aspectos da cultura local da faixa etária e do discurso cotidiano dos participantes Devido a isso nesse estudo tomase o implícito como o apropriado e mais comum Nesses casos o que observamos em algumas situações é que são cons truídas outras formas de explicitar um posicionamento um ponto de vista um elemento de apoio Em outras situações participar da argumentação em que as diferenças de opinião são de natureza implícita acaba por criar novas formas de argumentar para que a comunicação entre os participantes ocorra Assim por meio de um discurso considerado implícito as pessoas estão de fato assumindo posições e se comunicando portanto argumentando como apresentado anterior mente nos trechos das transcrições Um dos desdobramentos desses movimentos entre explícitoimplícito envolve as formas de se posicionar discursivamente em relação ao outro ou em relação a um ponto de vista Esse posicionamento pode variar significativamente conforme a situação e de participante para participante Em nosso estudo há in dícios de que nas várias situações analisadas o professor tendia a iniciar as intera ções argumentativas de forma mais implícita frequentemente recorrendo a ques tões mas sempre antagônica a pontos de vista alternativos ao dele próprio ou seja o científico De modo distinto os alunos apresentaram variação nas formas de se posicionar de uma aula para outra Na segunda aula por exemplo os alunos se posicionaram de forma mais explícita e atacaram o ponto de vista do professor Argumentação e oportunidades de aprendizagem 181 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Nesse sentido é importante ressaltar que as possibilidades de se posicio nar estão diretamente relacionadas à questão da linguagem implícitaexplícita Considerando aspectos mais amplos do contexto das aulas como a cultura local e a faixa etária acreditamos que a exigência de ser explícito poderia restringir as pos sibilidades de contraposição ou crítica Porém ao mesmo tempo a organização do discurso argumentativo de forma explícita em torno de critérios de definiçãoclas sificação científica de conceitos facilitou um posicionamento mesmo que o grupo tenha apresentado uma tendência a se expressar implicitamente Restringirse ao discurso implícito não possibilitaria que um mesmo fenômeno passárospalito e crocodilo interagindo fosse colocado em duas categorias no mesmo nível mutu alismo ou protocooperação com base em critérios dicotômicos interespecífico versus intraespecífico obrigatório versus não obrigatório Assim quando consideramos a diversidade de salas de aula alguns as pectos da aprendizagem de ciências em sua relação com modos de argumen tar podem ser problematizados Em primeiro lugar a argumentação tem sido concebida de forma a valorizar uma estruturação explícita do argumento Por exemplo inúmeros estudos dão destaque à importância de organizar o discurso argumentativo em torno de modelos como o de Toulmin 2006 de afirmação evidência e garantia também denominados de justificativa ou reasoning por au tores como ZembalSaul 2008 e Mcneil e Pimentel 2010 Assim tem sido considerada ideal a argumentação em que esses elementos estão bemdefinidos e explicitados Por exemplo é esperado que os alunos usem termos como minha posição é eu penso isso porque ou minhas evidências para sustentar essa posição são por exemplo ZEMBALSAUL MCNEIL HERSHBERGER 2013 Em segundo lugar há uma clara expectativa de que os estudantes posicio nemse e que principalmente sejam capazes de conceber ideias alternativas às suas próprias KUHN 1991 e de construir contraargumentos ou contraposi ções a elas LEITÃO 2000 KUHN 1991 A literatura traz a preocupação com o desafio que estudantes encontram em interagir com argumentosexplicações dos outros bem como em reconhecer limitações em seus argumentosexplicações por exemplo KUHN 1991 ZEMBAL SAUL et al 2002 RYU SANDOVAL 2012 MCNEILL 2011 Porém reiterase a importância do contraargumento o que pode resultar em nossa opinião em uma ênfase na necessidade de que estudantes adotem uma posição de antagonismo Assim não há uma reflexão sobre o que por exemplo na cultura local da sala de aula significa ser antagonista ou ser protagonista e quais são os modos de falarpráticas antagonistas naquele contexto específico Além disso na literatura a esse respeito as intervenções que envolvem argumentação estão relacionadas a temas polêmicos como efeito estufa aquecimento global transgênicos clonagem e outros para os quais o posicionamento é carregado de valores polaridade polêmica Defendemos que as formas de argumentar não vão se estabelecer na sala de aula de forma imposta e imediata mas de forma processual e negociada entre os membros daquela comunidade situada em um contexto institucional cultural 182 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles etc Por exemplo inicialmente é comum que o professor seja visto como aquele que possui um conhecimento inquestionável sendo o seu discurso considerado o discurso da verdade Aos poucos isso vai sendo problematizado e desafiado nas interações cotidianas De certa forma a mesma negociação deve ocorrer em rela ção a outros aspectos como por exemplo a afirmação de que é essencial tornar a fala explícita nesse espaço de sala de aula eou adotar posição antagonista Diante disso é preciso construir formas de mudar as regras e as expectativas de parti cipação Nesse processo é possível fazer uma transição para práticas e discursos mais condizentes com a ciência escolar CONSIDERAÇÕES FINAIS As análises apresentadas no presente estudo reforçam a noção de que a aprendizagem de ciências incluindo conceitos e práticas científicos assim como aprender a argumentar não ocorre de forma linear e imediata demandando um trabalho processual gradativo Fica evidente que a escolarização e consequente mente a aprendizagem de ciências na escola envolvem o encontro entre diferentes racionalidades Essas diferenças no modo de pensar entre a ciência escolar e o cotidiano frequentemente mantêmse implícitas nas interações particularmente em salas de aula da Educação de Jovens e Adultos EJA Dessa forma tornase necessário ir além da fala imediata do aluno buscando tornar explícita a lógica que o leva a expressar determinado conhecimento A partir dessa explicitação é possí vel identificar pontos de encontro e de desencontro entre esses conhecimentos e contribuir de forma mais significativa para a aprendizagem de ciências SIMÕES EITERER 2007 Assim as análises aqui apresentadas podem contribuir para um aprofundamento em discussões acerca da importância de reconhecer e de valori zar os conhecimentos dos alunos aspecto presente extensamente na literatura há várias décadas Além disso nossas análises também reforçam a noção de como a apren dizagem envolve um processo social mediado pelo uso da linguagem No caso do presente estudo evidenciase como a aprendizagem de ciências por meio da argu mentação é construída no plano social a partir de processo bastante complexo Finalmente o presente estudo também sinaliza que aproximações entre a teoria PragmaDialética e o estudo do contexto educacional têm potencial de contribuir para a pesquisa da argumentação na educação em ciências Em particular essa possibilidade de analisar o processo da argumentação com base na teoria Pragma Dialética parece ser promissora para pesquisas voltadas para o estudo da argu mentação de estudantes de grupos sociais mais distanciados da linguagemcultu ra da ciência pois torna visíveis formas de argumentação que fogem ao modelo científico de explicações baseadas em evidências mas que mesmo assim têm im plicações para o ensino e a aprendizagem de ciências Além disso essa abordagem possibilitou evidenciar aspectos da comunicação em sala de aula de ciências que Argumentação e oportunidades de aprendizagem 183 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 muitas vezes ocorrem de forma implícita exigindo dos pesquisadores maior aten ção às interações entre os participantes e maior permanência em campo Estudos em outros contextos de sala de aula envolvendo um maior diálogo com outras perspectivas precisam ser desenvolvidos para melhor conhecermos o potencial dessa abordagem NOTAS 1 Know use and interpret scientific explanations of the natural world 2 Generate and evaluate scientific evidence and explanations 3 Understand the nature and development of scientific knowledge and 4 Participate productively in scientific practices and discourse DUSCHL 2008 p 269 2 Não é objetivo deste trabalho focar essa questão mas há autores que problematizam alguns aspectos metodológicos por exemplo Sasseron e Carvalho 2011 Driver et al 2000 3 Cf CANDELA 1990 4 argumentation is a rational activity that is aimed at defending a standpoint in such a way that it becomes acceptable to a critic who takes a reasonable attitude By advancing argumentation the speaker or writer starts from the correct or wrong assumption that there is a difference of opinion between him or her and the listener or reader By putting forward propositions that must justify the standpoint at issue the speaker or writer attempts to convince the listener or reader of the acceptability of this standpoint VAN EEMEREN et al 2002 p 1112 5 In argumentation theory argumentation is viewed not only as the product of a rational process of reasoning like arguments are traditionally seen in logic but also as part of a developing communication and interaction process VAN EEMEREN et al 2002 p 12 6 Todos os nomes referentes aos participantes são fictícios 7 No sistema ABO existem quatro tipos de sangues A B AB e O Esses tipos são caracterizados pela presença ou não de certas substâncias na membrana das hemácias os antígenos e pela presença ou ausência de outras substâncias os anticorpos no plasma sanguíneo 8 Essa situação argumentativa foi relativamente longa com duração de aproximadamente 30 minutos 9 De acordo com Souto 2010 podese dizer que a estrutura da argumentação das outras diferenças de opinião da situação argumentativa da aula 1 Sistema ABO é similar à apresentada na Figura 7 10 Essa situação argumentativa foi curta se comparada à anterior com duração de aproximadamente 5 minutos 184 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles REFERÊNCIAS BAKER M Argumentative interactions and the social construction of knowledge In MIRZA N M PERRETCLERMONT A N Argumentation and Education Theoretical Foundations and Practices New York Springer 2009 p 127144 BERLAND LK REISER B Classroom Communities adaptations of the practice of scientific argumentation Science Education Malden v 95 n 2 p 191216 2011 BILLIG M The art of witcraft In Arguing and thinking A rhetorical approach to social psychology Cambridge Cambridge University Press 1987 Chapter 5 p 82117 BRICKER L A BELL P Conceptualizations of Argumentation from Science Studies and the Learning Sciences and their Implications for 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161 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 ARGUMENTAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DE OPORTUNIDADES DE APRENDIZAGEM EM AULAS DE CIÊNCIAS RESUMO Nesse artigo analisamos eventos envolvendo argumentação não planejada em aulas de ciências de uma turma de Educação de Jovens e Adultos EJA Investigamos qual era a diversidade de práticas argumentativas e quais eram as oportunidades de aprendizagem geradas no contexto de eventos envolvendo argumentação As principais fontes de dados foram vídeos das aulas de ciências e notas de campo Nossas análises foram desenvolvidas com base em adaptação da teoria da argumentação pragmadialética e da etnografia em educação As formas de argumentar são diversas em relação a como i emergem vários desacordos para resolver um desacordo inicial e ii os participantes sustentam pontos de vista Há indícios de que nesses eventos há articulação entre participação na argumentação e oportunidades de aprendizagem de práticas científicas conhecimentos conceituais e sobre ciências Os resultados têm implicações para o ensino e a aprendizagem de ciências e para o desenvolvimento de metodologias de estudo da argumentação Palavraschave Argumentação Pragmadialética Etnografia em educação Aprendizagem de ciências LA ARGUMENTACIÓN Y CONSTRUCCIÓN DE OPORTUNIDADES DE APRENDIZAJE EN CLASES DE CIENCIAS RESUMEN En este artículo analizamos eventos que tienen argumentación no planeada en clases de ciencias en una clase de Educación de Jóvenes y Adultos EJA Investigamos cuál era la diversidad de prácticas argumentativas y cuáles eran las oportunidades de aprendizaje generadas en el contexto de eventos relacionados a la argumentación Las principales fuentes de datos fueran videos de las clases de ciencias y notas de campo Nuestros análisis fueron desarrollados basados en la adaptación de la teoría de la argumentación pragmadialéctica y de la etnografía en educación Las maneras de argumentar son diversas en relación a cómo i emergen varios desacuerdos para resolver un desacuerdo inicial e ii los participantes sostienen puntos de vista Hay indicios de que en eses eventos hay articulación entre participación en la argumentación y oportunidades de aprendizaje de prácticas científicas conocimientos conceptuales y sobre ciencias Los resultados tienen implicaciones para la enseñanza y el aprendizaje de las ciencias y para el desarrollo de metodologías de estudio de la argumentación Palabras clave Argumentación Pragmadialéctica Etnografía en educación Aprendizaje de las ciencias Danusa Munford Faculdade de Educação Universidade Federal de Minas Gerais FaEUFMG Ana Paula Souto Silva Teles Centro Pedagógico Universidade Federal de Minas Gerais CPUFMG Doutora em Educação pela Pennsylvania State Univerisity professora associada da Faculdade de Educação da UFMG Email danusaufmgbr Doutora em Educação Educação em Ciências pela Faculdade de Educação da UFMG Professora substituta do Centro Pedagógico Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG Email anapaulasoutosgmailcom DOI httpdxdoiorg10159019832117201517s09 162 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 ARGUMENTATION AND LEARNING OPPORTUNITIES CONSTRUCTION IN SCIENCE CLASSES ABSTRACT In this study we analyze classroom events involving argumentation that was not planned The study took place in science lessons in a Youth and Adults Education class We investigated what was the diversity of argumentative practices in this classroom and what learning opportunities were created in the context of argumentative events in this classroom The main sources of data were video records of the lessons and field notes Our analysis were developed based on argumentation theory PragmaDialects aspects adaptations and of ethnography in education The ways of arguing in this classroom are diverse in relation to i how disagreements emerge to solve an initial disagreement and ii how participants support points of view There is evidence that in these events participating in argumentation is intertwined with learning concepts scientific practices and about science The results have implications for science teaching and learning as well as to the development of methodologies for studying argumentation Keywords Argumentation Pragma dialectics Science teaching and learning Argumentação e oportunidades de aprendizagem 163 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 INTRODUÇÃO Neste estudo buscamos caracterizar a argumentação em aulas de ciên cias em uma turma do Ensino Fundamental da Educação de Jovens e Adultos EJA Além disso procuramos explorar relações entre as formas de argumentar e a aprendizagem de ciências nesse contexto O campo da Educação em Ciências sofreu transformações bastante signi ficativas nas últimas décadas Uma das questões principais que emergiu no contex to atual foi a importância de articular objetivos conceituais epistêmicos e sociais da aprendizagem de ciências DUSCHL 2008 p 268 Referindose a documen tos norteamericanos que buscam sintetizar essas discussões Duschl 2008 p 269 tradução nossa destaca a noção de que compreender ciências envolve 1 saber usar e interpretar explicações científicas do mundo natural 2 gerar e avaliar evidências e explicações científicas 3 compreender a natureza e o desenvolvimento do conhecimento científico e 4 participar produtivamente das práticas científicas e do dis curso científico1 Esse autor aponta a argumentação como um caminho de grande potencial para promover essa noção integrada de aprendizagem de ciências descrevendoa como um continuum evidênciaexplicação evidenceexplanation EE Paralelamente na literatura é reconhecida a importância da argumentação nos processos de en sinoaprendizagem em geral BAKER 2009 BILLIG 1989 CHIARO LEITÃO 2005 SCHWARZ 2009 e especificamente na Educação em Ciências DRIVER et al 1999 JIMÉNEZALEXANDRE ERDURAN 2007 entre outros Assim há um crescente interesse em estudar as práticas argumentativas em salas de aula de ciências BERLAND REISER 2011 MCNEILL PIMENTEL 2010 Mais recentemente surgiram discussões acerca de tendências no estudo da argumentação no campo da Educação em Ciências MCDONALD KELLY 2012 SASSERON CARVALHO 2011 BRICKER BELL 2008 McDonald e Kelly 2012 sugerem que se construiu uma visão cristalizada de argumentação centrada em um produto final Segundo esses autores essa visão pouco contribui para a compreensão das práticas dos cientistas e para a apropriação de conhecimentos conceituais2 Paralelamente Bricker e Bell 2008 refletem sobre a necessidade de se ampliarem as perspectivas de análise da argumentação e do significado dela enquanto prática epistêmica da ciência Do ponto de vista desses autores essa ampliação deve resultar de um maior diálogo entre as pesquisas do campo da Educação em Ciências e de outros campos de pesquisa como os da Teoria da Argumentação dos Estudos Sociais das Ciências entre outros Tais discussões evidenciam como aspectos teóricos e metodológicos das pesquisas acadêmicas estão extremamente interrelacionados na construção do conhecimento sobre argumentação Alguns estudos avançaram nesse sentido pois ao descreverem o discurso de alunos e professores em sala de aula deixam de se restringir a identificar a presença dos componentes do Modelo de Toulmin TOULMIN 2006 evidência afirmação 164 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles e justificativareasoning e passam a considerar outros aspectos BERLAND REISER 2011 MCNEILL PIMENTEL 2010 SASSERON CARVALHO 2011 tipo de questões presença de interação entre alunos etc ou outros referenciais OZDEM et al 2013 IBRAIM MENDONÇA JUSTI 2013 Neste estudo buscamos caracterizar a argumentação em aulas de ciências em uma sala de aula de Educação de Jovens e Adultos EJA Nossa intenção é contribuir para o avanço do campo em relação às críticas que circulam na li teratura adotando uma orientação metodológica que se articula a uma visão de argumentação como um fenômeno que já está presente na sala de aula e precisa ser descrito3 A partir desses princípios norteadores buscamos descrever processos argumentativos que são característicos das comunidades de sala de aula sem ter como modelo ideal certa estrutura de argumentação ou certa prática argu mentativa KELLY 2005 Acreditamos que o estudo desses processos torna mais visíveis as formas como objetivos conceituais epistemológicos e sociais de apren dizagem articulamse no cotidiano da sala de aula Assim para a análise das interações discursivas em situações argumentativas em sala de aula adotamos uma abordagem que combina elementos da Etnografia em Educação GREEN DIXON ZAHARLICK 2005 e elementos da Pragma Dialética concebida no âmbito da Teoria da Argumentação VAN EEMEREN et al 1996 2002 Ao nos apropriarmos de aspectos da Etnografia em Educação como lógica de investigação alguns princípios para conhecer a cultura da sala de aula orientaram a presente pesquisa i conhecer práticas a partir da perspectiva dos participantes ou seja adotando uma perspectiva êmica ii adotar uma perspectiva contrastiva para tornar visíveis diferentes aspectos da cultura estudada e iii relacionar a parte e o todo por meio de uma perspectiva holística GREEN DIXON ZAHARLICK 2005 Em relação à PragmaDialética nossas análises estão apoiadas em um entendimento da argumentação como resolução de diferença de opinião VAN EEMEREN et al 1996 2002 a argumentação é uma atividade racional que tem como objetivo defender um pon to de vista de forma que tornese aceitável a um crítico que tem uma atitude razoável Avançando em uma argumentação o orador ou escritor parte de um pressuposto certo ou errado de que há uma diferença de opinião entre ele ou ela e seu ouvinte ou leitor Por colocar proposições que devem justificar o ponto de vista em questão o orador ou escritor tenta convencer o ouvinte ou o leitor da aceitabilidade desse ponto de vista VAN EEMEREN et al 2002 p xixii tradução nossa4 Além disso destacase a natureza comunicativa e social da argumentação na teoria da argumentação a argumentação é vista não somente como o produto de um processo racional de raciocínio como argumentos são tradicionalmente vistos na lógica mas também como parte de uma comunicação em desenvolvimento e de um processo de interação VAN EEMEREN et al 2002 p xii tradução nossa5 Argumentação e oportunidades de aprendizagem 165 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Do ponto de vista teóricometodológico essa teoria pareceunos apropriada por reconhecer i a dúvida como forma de manifestação de uma opinião contrária o que amplia o conjunto de situações que podem ser consideradas argumentativas ii o contexto como fundamental na identificação de elementos implícitos no dis curso o que é coerente com a perspectiva da Etnografia em Educação que sugere maior tempo de permanência em campo para coleta de dados iii a existência de diferentes níveis de complexidade das relações entre os elementos da argumentação e das relações entre as diferenças de opinião presentes em cada situação argumenta tiva o que possibilita a percepção das especificidades de cada situação argumentativa e da diversidade de situações VAN EEMEREN et al 1996 2002 Neste artigo analisamos eventos em aulas de ciências envolvendo argu mentação que não foi planejada pelo professor Pretendemos responder às seguin tes questões de pesquisa Qual é a diversidade de práticas argumentativas na sala de aula analisada Quais são as oportunidades de aprendizagem geradas no contexto de eventos envolvendo argumentação Assim fazemos uma aproximação do processo de aprendizagem relacio nado à argumentação em salas de ciências com a noção de oportunidades de aprendi zagem na sala de aula estas segundo definição de Rex 2006 eventos sociais em que as pessoas posicionamse para se apropriar de um conjunto de práticas sociais e culturais associadas a domínios acadêmicos Para melhor delinear as implicações do uso desse construto em estudos especificamente voltados para aspectos das práticas acadêmicas em ciências recorremos à noção de aprendizagem de ciências proposta por Duschl 2008 citada anteriormente METODOLOGIA Contexto de pesquisa O estudo ocorreu em uma sala de aula de ciências do Ensino Fundamental para Educação de Jovens e Adultos EJA em um projeto de extensão de uma uni versidade no Sudeste do Brasil Na turma havia 25 alunos com idades variando entre 25 e 70 anos a maioria afastada da escola por vários anos Licenciandos lecionavam e participavam de reuniões de orientação e planejamento com professores universitários O professor participante deste estudo Domingos6 estava no fim de sua formação inicial em Ciências Biológicas e durante a presente pesquisa graduou se Domingos já havia lecionado em cursinhos preparatórios o que lhe conferiu alguma experiência docente Entretanto segundo ele sua vivência no projeto de extensão contribuiu significativamente para o desenvolvimento de sua prática de forma mais reflexiva e mais comprometida com a aprendizagem dos alunos Em sua prática observamos que ele valorizava o diálogo como principal forma de in teração com seus alunos pois em todas as aulas mesmo as expositivas os alunos tinham espaço para apresentar suas opiniões e experiências de vida 166 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles Coleta de dados Durante oito meses foi realizada observação participante SPRADLEY 1980 da sala de aula com registros narrativos em notas de campo combinados a registros em áudio e vídeo GREEN DIXON ZAHARLICK 2005 Seguindo uma perspectiva contrastiva GREEN DIXON ZAHARLICK 2005 tivemos como foco eventos de duas aulas que envolveram ensino de conceitos de biologia os quais ocorreram em diferentes momentos da história da turma Na seleção dessas aulas consideraramse os seguintes critérios i a situação argumentativa en volver vários participantes ii o tempo de duração da situação ser superior a cinco minutos iii a situação envolver o estudo de conceitos de biologia Análise de dados A primeira fase da análise de dados envolveu transformar os registros em áudio e vídeo em um mesmo tipo de representação escrita eou gráfica dos dados CAMERON 2001 Foram utilizadas ferramentas da Etnografia em Educação tais como quadros e mapas de eventos em que se registram as informações sobre os acontecimentos em sala de aula com diferentes níveis de detalhamento Os qua dros e os mapas de eventos também permitem localizar o evento na história do grupo possibilitando uma integração entre parte e todo DIXON GREEN 2005 Assim por meio da análise desses mapas de eventos foi possível identificar os eventos envolvendo argumentação relacionados ao ensino de conceitos de biologia As interações discursivas nos dois eventos selecionados foram transcritas palavra a palavra e analisadas de acordo com uma adaptação de princípios e fer ramentas da teoria da argumentação PragmaDialética VAN EEMEREN et al 1996 2002 em particular de seus aspectos descritivos denominados por seus autores de analytic overview Assim no presente artigo buscamos i estabelecer quais foram as dife renças de opinião principais e subordinadas de cada situação argumentativa ii identificar os pontos de vista envolvidos nas diferenças de opinião iii identificar posicionamentos protagonistas que defendem o ponto de vista em questão e anta gonistas que respondem criticamente ao ponto de vista em questão iv identificar quais elementos estavam implícitos indiretos ou explícitos diretos no discurso Além disso procuramos estabelecer as relações entre os diferentes ele mentos da argumentação pontos de vista e argumentos descrevendo sua es trutura a partir da análise dos argumentos que sustentaram os pontos de vista Cabe ressaltar que na PragmaDialética os argumentos são caracterizados sem a distinção entre evidência e justificativa sendo que ideias que sustentam um ponto de vista mesmo sem apresentar evidências são consideradas um argumento A reconstituição da estrutura da argumentação tem como objetivo co nhecer como os participantes sustentaram suas ideias e identificar diferenças nas formas dessas sustentações A Figura 1 apresenta um exemplo de represen tação de reconstituição dessa estrutura da argumentação conforme proposto na PragmaDialética Argumentação e oportunidades de aprendizagem 167 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Figura 1 Exemplo de representação gráfica para a estrutura da argumentação que combina as estruturas múltipla coordenativa e subordinativa proposta por Van Eemeren e colaboradores Fonte VAN EEMEREN et al 2002 p 71 tradução nossa As adaptações dessa abordagem para o contexto da sala de aula envol veram principalmente desenvolver dois tipos de representações gráficas i das relações entre os componentes da argumentação e o discurso dos participantes FIGURA 2 possibilitando estabelecer relações diretas entre discurso e elemen tosestrutura da argumentação e ii das relações entre as diferenças de opinião principal e subordinadas em cada situação argumentativa FIGURA 3 1 Eu não posso participar da grande manifestação pela paz 1 1 Eu tenho um problema nos meus pés 1 11a Eu passei um tempo em um campo de concentração 1 11b Eu fui espancado 13a1 O slogan é tendencioso 1 3a Eu não concordo completamente com o slogan que estão usando 1 3b O slogan deve ser aquele com que todos concordam 1 3a11a Eles fazem parecer que a paz mundial está ameaçada de um só lado 1 3a11b A paz mundial está ameaçada de muitos lados 1 2 Eu estarei fora do país nesse dia 1 21 Minha irmã vai se casar em Londres 168 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles Figura 2 Um exemplo da aula 1 sobre Sistema ABO do primeiro tipo de representação criada para o uso da PragmaDialética em estudos de argumentação em salas de aula Fonte Elaboração pelos autores deste artigo A representação apresentada na Figura 2 é gerada durante a análise da transcrição com o objetivo de estabelecer relações diretas entre a fala dos parti cipantes e os elementos da argumentação ponto de vista e elementos de apoio Por meio dessa representação é possível perceber como esses elementos foram construídos ao longo do tempo quais elementos estavam explícitos ou implí citos no discurso e em que situações os participantes foram protagonistas ou antagonistas ou seja defenderam seu ponto de vista ou negaram o ponto de vista oposto respectivamente Representação gráfica Transcrição de Falas palavraapalavra Professor Porque senão o anticorpo vai combater o antígeno Sempre é assim o anticorpo é uma defesa que vai reconhecer isso aqui mostra o antígeno na figura como uma ameaça e vai combater a própria hemácia dele Então será que ele tem o A ou B ou os dois ou nenhum professor direciona a discurssão usando PVa1 como argumento bII111 E mantém a discurssão ao explicitar os três pontos de vista envolvidos sem se posicionar Ana Porque ele é feito de dois A partir da análise de toda a aula podemos dizer que os alunos acham que o raciocínio é onde há o antígeno A haverá o anticorpo anti B e onde há o antígeno B haverá o anticorpo antiA Assim onde houver os dois antígenos haverá os dois anticorpos PVa1 como bIII11 Dentro docorpo anticorpos específicos combatem antígenos Alunos Os dois alunos insistem no PVbII2 Professor Os dois Antagonista questionamento Maria Gabriela Os A e o B PVa2 como bII211 Pela tabela sempre onde há o antígeno A vai haver o anticorpo antiB e onde houver o antígeno B vai ter o anticorpo antiA Então onde houver os dois antígenos vai ter os dois anticorpos PVbII2 TF100 PVbIII No tipo sanguíneo AB não há nenhum anticorpo PVbII2 O tipo sanguíneo AB tem os dois tipos de anticorpos PVbII3 O tipo sanguíneo AB tem um dos tipos de anticorpos Argumentação e oportunidades de aprendizagem 169 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Figura 3 um exemplo aula 1 mutualismo do terceiro tipo de representação para o uso da Pragmadialética em estudos da argumentação em salas Fonte Elaboração pelos autores deste artigo Essa representação apresentada na Figura 3 torna possível caracterizar a estrutura mais ampla da situação argumentativa pois descreve as relações hie rárquicas entre a diferença de opinião principal e as diferenças de opinião subor dinadas É possível também perceber os elementos implícitos e as questões que estavam em discussão RESULTADOS CONTRASTANDO EVENTOS EM DUAS AULAS A aula 1 faz parte do conjunto de aulas sobre sistema circulatório desenvolvidas no ano em que a turma havia iniciado sua participação no projeto de extensão de Educação de Jovens e Adultos EJA no segundo segmento do Ensino Fundamental Portanto o grupo estava em processo de adaptação à lógica escolar da instituição Além disso aquele foi o primeiro contato de muitos alunos com o estudo do Sistema ABO7 O professor iniciou a aula fazendo um breve levantamento do conheci mento dos alunos sobre os tipos sanguíneos do Sistema ABO e sobre os conceitos de anticorpo e antígeno Após ouvir as respostas dos alunos ele construiu uma Professor constrói um conhecimento comum com a turma de forma unilateral sobre o conceito das relações ecológicas mutualismo e protocooperação Essa construção não é polêmica e aparentemente aceita pelo grupo Diferença de opinião principal Explícita PVp1 X PVp2 PVa1 X PVa2 O exemplo é mutualismo ou não Essa interação é obrigatória ou não Diferença de opinião Subordinada A Explícita Legenda PVp ponto de vista da diferença de opinião principal PVa ponto de vista da diferença de opinião subordinada A Pontos de vistas envolvidos na diferença de opinião Nível hierárquico da diferença de opinião Questão envolvida na diferença de opinião Diferença de opinião implícita ou explícita 170 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles tabela no quadronegro e fez um desenho de uma hemácia com antígenos e dois tipos de anticorpos que poderiam ser encontrados no plasma FIGURA 4 Figura 4 Tabela e desenhos utilizados pelo professor para ensinar aos alunos as características de cada tipo sanguíneo do Sistema ABO justificandoas com base em fenômeno que ocorre no corpo humano interação anticorpoantígeno Fonte Elaboração pelos autores deste artigo com base em observação participante O professor preencheu a primeira coluna com as respostas dos alunos e fez o desenho da hemácia tendo explicitado que o antígeno fica na membrana da hemácia e que o anticorpo interage com um antígeno específico Explicou que essa interação pode ocasionar coagulação do sangue possível trombose e em casos mais graves a morte do indivíduo Enfatizou também que o preenchimento das outras colunas da tabela tinha relação direta com esse fenômeno que ocorria no corpo a interação anticorpoantígeno Para exemplificar essa interação preencheu junto com os alunos as colunas de antígeno e anticorpo dos tipos sanguíneos A e B explicitan do que as letras A e B e as expressões antiA e antiB indicadas na tabela eram representações de antígenos e anticorpos que estão no sangue humano O professor usou esse discurso explícito como ponto de partida para engajar os alunos na análise de relações entre antígeno e anticorpo dos tipos san guíneos AB e O partindo de situações mais simples sangue tipo A e sangue tipo B Entretanto antes de o professor conduzir uma discussão explícita e sistemática sobre os tipos AB e O um aluno questionou se em qualquer situação de doação de sangue as pessoas não poderiam ter tipos sanguíneos diferentes Essa questão deu início a um breve desacordo ou seja a uma breve diferença de opinião As falas do professor indicaram que na interação com os alunos ele re conheceu que eles ainda não haviam compreendido as relações entre anticorpos e antígenos Apesar de não fazer movimentos para que a questão fosse abordada no grupo de maneira aprofundada e sistemática ele enfatizou que uma resposta positiva ou negativa não era suficiente sendo importante discutir como se dava o processo e também as explicações para a doação de sangue bemsucedida Em seguida o professor solicitou que os alunos voltassem a pensar na tabela do quadronegro e identificassem quais seriam os anticorpos do tipo sanguí neo AB A colocação do docente teve como consequência o surgimento de outra diferença de opinião O trecho abaixo ilustra o rumo da discussão Legenda Antígeno A Antígeno B Anticorpo AntiA Anticorpo AntiB Hemácia Tipo sanguíneo Antígeno Anticorpo A A AntiB B B AntiA AB AB O Argumentação e oportunidades de aprendizagem 171 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Professor Ele tem os dois Vou colocar a legenda aqui registra o desenho no quadronegro tem o antígeno A que é a bolinha e tem o antígeno B que é o triângulo E o anticorpo vai combater o antígeno Ele não vai se ligar no antígeno lá Ele não vai ter a pontinha específica para ligar no antígeno E nós temos estes dois tipos de anticorpos o antiB e o antiA Será que quem tem o sangue AB vai ter qual tipo de anticorpo no plasma dele Bianca O A e B Professor ah Margareth Não é os dois não Érica Vai ter o anticorpo A e B Professor O Anticorpo A e B Mas aí olha só se ele tiver o anticorpo A e B se o sangue dele for assim Não desenha não agora só presta atenção aqui É assim vai haver esses dois anticorpos o professor desenhou no quadro os anticorpos Esses anticorpos vão ligar na hemácia dele e vão reconhecer a própria hemácia dele como ameaça Vai destruir Maria Gabriela Então tem que ser ao contrário sempre Trecho da transcrição da aula 1 sobre Sistema ABO Nesse trecho é possível perceber que o professor problematizou a res posta dos alunos buscando direcionar o diálogo no sentido da apropriação da perspectiva da ciência escolar Além disso há evidências de que os alunos estavam interpretando as informações da tabela de uma maneira diferente da interpretação do professor como exemplificado nesse trecho pela fala da aluna Maria Gabriela A partir da análise de toda a interação8 identificamos que a discordância diferença de opinião principal entre os participantes estava relacionada a uma con traposição de significados atribuídos aos desenhos e à tabela Por um lado o profes sor apoiandose na perspectiva da ciência escolar interagiu com as informações da tabela e dos desenhos como representações de fenômenos envolvendo estruturas organelas que realmente teriam uma existência concreta no corpo humano como interações entre antígenos e anticorpos no sangue Por outro lado as interações dis cursivas indicaram que os estudantes entendiam as informações da tabela como sím bolos abstratos desvinculados desses fenômenos naturais relacionados ao funciona mento do organismo Nesse sentido os alunos relacionavam os diferentes símbolos antígenos e anticorpos a partir de uma regra geral também abstrata onde houvesse o antígeno A haveria anticorpo antiB e onde houvesse antígeno B haveria anti corpo antiA então onde houvesse os dois antígenos haveria os dois anticorpos Entretanto professor e alunos não falaram diretamente sobre seus posicionamentos ou seja sobre seus pontos de vista quanto a essa discordância principal Portanto podemos afirmar que essa diferença de opinião estava implícita no discurso Mesmo no curto trecho da transcrição apresentado acima identificamos problemas de comunicação entre participantes possivelmente relacionados à própria falta de consciência sobre os diferentes pontos de vista envolvidos nessa divergência de opinião implícita As análises das interações discursivas ao longo de toda a aula evidenciaram que o processo de resolução dessa diferença de opinião implícita envolveu além da resolução do desacordo exemplificado no trecho da transcrição o engajamento dos participantes em responder outras questões 172 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles não consensuais para o grupo por que o sangue O pode doar para todos os outros tipos sanguíneos Por que o sangue O não pode receber dos outros tipos sanguíneos sem ser o dele as quais contribuíram para resolver a primeira diferença de opinião que surgiu nessa aula em qualquer situação de doação de sangue as pessoas não podem ter tipos sanguíneos diferentes Como descrito anteriormente propusemos um tipo de representação para essas relações hierárquicas entre diferentes argumentações com base em princípios da teoria PragmaDialética como representado na Figura 5 Nessa figura observamos que uma discordância mais ampla Diferença de opinião principal Qual o signifi cado de desenhos e informações da tabela resultou em uma série de desacordos Figura 5 Visão geral da situação argumentativa da Aula 1 Sistema ABO apresentando todas as diferenças de opinião envolvidas Fonte Elaboração pelos autores deste artigo Professor constrói um conhecimento comum com a turma de forma unilateral sobre o conceito de antígeno e anticorpos Essa construção não é polêmica e aparentemente aceita pelo grupo PVp1 X PVp2 PVaI1 X PVaI2 PVbII1 X PVaII1 X X PVaII2 PVaII3 PVbI1 X X PVbI2 PVbI3 Qual significado de desenhos e informações da tabela Diferença de opinião principal Implícita Por que o sangue O pode doar para todos Diferença de opinião Subordinada BI Explícita Por que o sangue O não pode receber de outros sem ser o dele Diferença de opinião Subordinada BII Explícita Qual anticorpo de AB Diferença de opinião Subordinada AII Explícita Em qualquer situação de doação de sangue as pessoas não podem ter tipos sanguíneos diferentes Diferença de opinião Subordinada AI Explícita Legenda PVp ponto de vista da diferença de opinião principal PVaI ponto de vista da diferença de opinião subordinada AI PVaII ponto de vista da diferença de opinião subordinada AII PVbI ponto de vista da diferença de opinião subordinada BI PVbII ponto de vista da diferença de opinião subordinada BII Argumentação e oportunidades de aprendizagem 173 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 De modo geral quem iniciou essas diferenças foi o professor Ele pareceu explorar essas diferenças de opinião subordinadas para restringir o problema a um nível de resolução com foco em alguns pressupostos essenciais da perspectiva da ciência escolar Assim nessa aula destacamos que uma discordância mais ampla resultou em uma série de desacordos e portanto na ocorrência de múltiplas argu mentações relacionadas de forma bastante complexa Se as relações hierárquicas entre essas diferentes argumentações eram bas tante complexas a complexidade se tornou relativamente menor quando se exa minou como os participantes sustentaram seus pontos de vista em cada uma das argumentações Nesse sentido as argumentações foram sustentadas por poucos argumentos como exemplificado pela representação da diferença de opinião subor dinada BII FIGURA 6 Houve três pontos de vista envolvidos nessa diferença de opinião dois deles colocados e construídos por alunos 1º o sangue AB teria um dos anticorpos sendo que essa posição foi colocada sem qualquer argumento para sustentála PVbII3 2º o sangue AB teria ambos os anticorpos sendo que essa po sição foi sustentada por apenas dois argumentos um subordinado ao outro Mesmo o ponto de vista colocado pelo professor de que o sangue AB não teria nenhum anticorpo foi sustentado por relativamente poucos argumentos como veremos mais adiante ao contrastarmos esses dados com as análises da segunda aula Figura 6 Representação simplificada da estrutura da argumentação da aula 1 Sistema ABO9 Fonte Elaboração pelos autores deste artigo PVbIII No sangue AB não há nenhum anticorpo específico para antígenos A e antígenos B bII11 bII111 bII1111 bII11111 bII1112 PVbIII O tipo sanguíneo AB tem os dois tipos de anticorpos PVbII3 O tipo sanguíneo AB tem um dos tipos de anticorpos bII11 bII111 Professore alguns estudantes Alguns estudantes Legenda apóstrofe indica que o elemento está implícito no discurso PVp significa ponto de vista da diferença de opinião principal PVa ou PVb significa pontos de vista das diferenças de opinião subordinadas números indicam os argumentos que apoiam os pontos de vista 174 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles A Aula 2 ocorreu no segundo ano da turma no projeto Nessa aula Domingos estava detalhando alguns conceitos de Relações Ecológicas em particular o de mutualismo Antes de o tema ser abordado de maneira mais aprofundada o professor fez uma discussão mais abrangente de várias relações ecológicas discutindoas de modo menos detalhado e menos dialogado Além disso a turma fez a leitura de um livro paradidático sobre questões ambientais o qual trazia alguns exemplos de situaçõescasos relacionados a interações entre seres vivos No início da situação argumentativa10 o professor relembrou a defini ção da relação ecológica mutualismo e solicitou aos alunos um exemplo dessa relação Um aluno sugeriu a interação entre pássaropalito e crocodilo A turma passou a discutir se esse seria um exemplo de mutualismo diferença de opinião DO principal O professor problematizou esse exemplo estimulando a discus são entre os alunos o que resultou em outra diferença de opinião subordinada à primeira Seria essa interação obrigatória ou não Como o mutualismo em sua definição pressupõe uma relação obrigatória entre os seres vivos uma vez resolvida essa segunda diferença de opinião a subordinada seria possível avan çar na confirmação de que o exemplo referiase a essa relação ecológica se a relação fosse obrigatória poderia ser mutualismo caso contrário não poderia ser mutualismo Nessa aula ao contrário da aula sobre tipos sanguíneos do Sistema ABO tanto a diferença de opinião principal quanto a diferença de opinião subordinada foram colocadas de forma explícita e sistematizada possibilitando que os partici pantes estivessem cientes sobre os pontos de vista em discussão Outro aspecto significativo que diferenciou as duas aulas envolve a análise das relações entre os diferentes desacordos que ocorreram em sala de aula ou seja em torno das diferenças de opinião principal e subordinada Quando examinamos as relações hierárquicas entre as diferenças de opinião ao longo dos eventos da aula observamos que na aula de mutualismo houve apenas dois desacordos relacionados portanto nesse aspecto foram muito menos complexas do que na aula sobre tipos sanguíneos do Sistema ABO Assim na Aula 1 Sistema ABO houve uma DO principal e quatro DO subordinadas sendo que cada uma foi orientada por uma questão No caso da Aula 2 Mutualismo identificamos apenas uma DO principal e uma DO subordinada FIGURA 7 Argumentação e oportunidades de aprendizagem 175 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Figura 7 Comparação entre as representações das relações hierárquicas simplificadas na Aula 1 Sistema ABO e na Aula 2 Mutualismo Fonte Elaboração pelos autores deste artigo Quando examinamos como os participantes sustentaram os pontos de vista envolvidos na argumentação na Aula 2 fica ainda mais evidente o papel da interação entre os participantes para a construção das argumentações A estrutura da argumentação é bem mais complexa nessa aula FIGURA 8 do que na aula anterior FIGURA 6 Ao discutirem sobre mutualismo os participantes combi naram várias formas de apoio aos pontos de vista VAN EEMEREN et al 2002 i os participantes utilizaram múltiplos argumentos independentes argumentação múltipla ii combinaram argumentos interdependentes argumentação coorde nativa por exemplo subargumento 211a Pássaropalito vive sem crocodilo subargumento 211b Crocodilo vive sem pássaropalito e iii usaram argumen tos apoiados por subargumentos argumentação subordinativa por exemplo su bargumento 211a1 Pássaropalito consegue encontrar alimento longe do cro codilo subargumento 211a11 Não ser obrigatório para um dos seres vivos envolvidos já é suficiente para não ser mutualismo Como apontado anteriormente na Aula 1 FIGURA 6 a estrutura da argumentação foi mais linear ou seja os participantes apoiaram seus pontos de vista principalmente usando argumentos apoiados por subargumentos Obser vamos também que na Aula 2 houve maior contribuição dos estudantes nas in terações sendo que nessa aula eles atuaram também como antagonistas ao ponto de vista do professor A estrutura da segunda aula portanto foi mais complexa ex argumentos interdependentes e muitos argumentos para defender o ponto de vista e a contribuição dos estudantes para a argumentação foi mais significativa do que na Aula 1 Sistema ABO ver comparação FIGURA 8 Aula sistema ABO Aula Mutualismo 176 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles Figura 8 Representação simplificada da estrutura da argumentação da Aula 2 Mutualismo Fonte Elaboração pelos autores deste artigo Além disso quanto aos posicionamentos assumidos pelos participantes também podemos fazer um contraste entre os eventos das duas aulas Uma ca racterística presente em ambas as aulas foi que o professor utilizou questões que poderiam tanto resultar em um ataque aos pontos de vista dos alunos antago nismo quanto em uma defesa dos pontos de vista da ciência escolar protagonis mo Assim problematizou as respostas dos alunos e manteve implícito qual seria o ponto de vista que ele defendia durante grande parte da interação como ilustram os dois exemplos a seguir Érica Mas o antígeno dele não é A e B Professor Ele tem o A e B Érica Pois é Então por que não pode o anticorpo ser A e B Professor Porque senão o anticorpo vai combater o antígeno Sempre é assim o anticorpo é uma defesa que vai reconhecer isso aqui aponta para o antígeno na figura do quadronegro como uma ameaça e vai combater a própria hemácia dele Então será que ele tem o A ou B ou os dois ou nenhum PVp2 A interação pássaro palito e crocodilo não é mutualismo PVa2 Não é obrigatória 211b 211a 21 22 23 PVp1 A interação pássaro palito e crocodilo é mutualismo PVa2 É obrigatória 11 12 111 121 211a1 211b3 211b2 211b1 211a11 211b31 Alguns estudantes Professore alguns estudantes Legenda apóstrofe indica que o elemento está implícito no discurso PVp significa ponto de vista da diferença de opinião principal PVa ou PVb significa pontos de vista das diferenças de opinião subordinadas números indicam os argumentos que apoiam os pontos de vista Argumentação e oportunidades de aprendizagem 177 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Alunos Os dois Professor Os dois Ana Porque ele é feito de dois Maria Gabriela O A e o B Trecho da transcrição da Aula 1 Sistema ABO Professor Ele só consegue viver junto do outro Alguns alunos NÃO Ana Eu acho que para ele é obrigatório Outra aluna É igual ao anu catando carrapato Trecho da transcrição da Aula 2 Mutualismo É importante todavia destacar as consequências de o professor explicitar sua posição nas duas aulas Na Aula 1 quando o professor explicitou seu ponto de vista e seus argumentos a diferença de opinião foi praticamente encerrada Apenas quando discutiram se uma pessoa poderia doar sangue para alguém com tipo sanguíneo diferente diferença de opinião subordinada BI FIGURA 6 os alunos questionaram o professor mas sem apresentarem argumentos Na Aula 2 menos elementos ficaram implícitos e mesmo depois de o professor se posicionar explicitamente a diferença de opinião mantevese O posicionamento por parte dos alunos também envolveu diversidade nas interações argumentativas de uma aula para outra Na Aula 1 eles agiram mais como protagonistas de seus pontos de vista de forma tanto explícita quanto im plícita Porém praticamente não foram antagonistas ao ponto de vista defendido pelo professor Érica Pois é Então por que não pode o anticorpo ser A e B Professor Porque senão o anticorpo vai combater o antígeno Sempre é assim o anti corpo é uma defesa que vai reconhecer isso aqui mostra o antígeno na figura como uma ameaça e vai combater a própria hemácia dele Então será que ele tem o A ou B ou os dois ou nenhum Alunos Os dois Trecho da transcrição da Aula 1 Sistema ABO Na Aula 2 por outro lado a defesa do próprio ponto de vista pelos alunos protagonismo implicou necessariamente um ataque ao ponto de vista defendido pelo professor antagonismo uma vez que os pontos de vista eram exatamente opostos é mutualismo versus não é mutualismo é obrigatória versus não é obrigató ria Nessa aula também houve argumentos implícitos mas os alunos se posicio naram predominantemente de forma explícita Marcelo Mas aqui o negócio é o seguinte Dentro da garganta do crocodilo também ficam alojadas sanguessugas não é Professor É Ele pega também sanguessuga Marcelo Ele fica tirando elas da garganta do crocodilo um ajuda o outro também não é O pássaro se alimenta e ajuda o crocodilo tirando as sanguessugas lá Professor Pois é 178 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles Marcelo Inaudível nem vai por causa da carne do peixe é questão da sanguessuga Professor Isso da sanguessuga eu não sabia eu sabia que ele pegava carne Marcelo A carne não a carne é da sanguessuga que eu falei Trecho da transcrição da Aula 2 Mutualismo DISCUSSÃO A argumentação é considerada essencial para o ensinoaprendizagem em salas de aula de ciências mas autores têm apontado que geralmente ela é rara ou pouco complexa por exemplo MCNEILL PIMENTEL 2010 CAPECCHI CARVALHO SILVA 2002 Ao investigarmos a argumentação em uma sala de aula do Ensino Fundamental da EJA adotando uma abordagem teóricometodo lógica alternativa observamos que nessa sala de aula argumentavase espontane amente de diversas maneiras ao aprender ciências A grande ocorrência de situações argumentativas não planejadas pode ser atribuída à disposição do professor ao diálogo e à sua postura profissional mais reflexiva o que regulou suas interações discursivas com os estudantes Além disso acreditamos que a abordagem teóricometodológica adotada possibilitou que o engajamento nessas práticas ficasse mais visível Nossas análises baseadas em uma noção de argumentação enquanto pro cesso de resolução de diferença de opinião evidenciaram aspectos importantes para a discussão acerca da argumentação na Educação em Ciências Destacamos três aspectos de nossas análises i a complexidade do discurso argumentativo em sala de aula ii a presença de elementos implícitos e explícitos na argumentação e iii as formas de se posicionar discursivamente situandose em contextos de controvérsia ou criando tais contextos Em nossa discussão exploramos esses três aspectos procurando refletir acerca deles à luz de uma visão mais complexa do que significa aprender ciências como proposto por Duschl 2008 Em nosso estudo professor e estudantes engajaramse em práticas discursivas argumentativas de grande complexidade considerandose o referencial da PragmaDialética Todavia tais discursos argumentativos não estavam necessariamente circunscritos a uma argumentação baseada em evidências o que tem sido descrito como o modelo da argumentação científica MCDONALD KELLY 2012 Nessa sala de aula o discurso argumentativo apresentou grande complexidade em dois níveis de análise em um nível mais microscópico dos elementos que sustentaram os pontos de vista estrutura da argumentação e em um nível mais macro de relações hierárquicas entre múltiplas diferenças de opinião que emergiram para resolver uma diferença de opinião inicial aqui denominada de DO principal As análises em ambos os níveis indicaram que o grupo construiu oportunidades de aprendizagem integrando objetivos conceituais epistemológicos e sociais Essas formas de integrar tais objetivos apesar de Argumentação e oportunidades de aprendizagem 179 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 presentes em situações bastante diferentes variam muito trazendo para primeiro plano diferentes aspectos da aprendizagem de ciências Como exemplo disso no evento da aula de tipos sanguíneos do Sistema ABO estivemos diante de uma discussão aparentemente centrada em aspectos conceituais em certo sentido relativamente específicos componentes do sangue sistema imunológico tipos sanguíneos transfusão Nossas análises das relações macroscópicas trouxeram para primeiro plano outra dimensão das interações uma discussão sobre as formas de saber e de representar nas ciências da natureza Ler e completar uma tabela é uma ação carregada de práticas sociais que definem a atividade Para o professor seriam práticas científicas deslocadas para o contexto escolar ler e usar formas de representação de fenômenos Assim a tabela foi co locada como um elemento de uma linguagem para falar sobre a natureza Para os alunos no entanto a tabela foi percebida como um objeto escolar praticamente seguindo uma lógica do silogismo se antiA estava presente com B e antiB estava presente com A então antiA e antiB estariam presentes com AB Paralelamente em interações entre professor e alunos as quais poderiam ser consideradas triviais e até tradicionais por envolverem quadronegro e fala Domingos explicitou para os alunos a expectativaimportância de usar o dis curso da ciência escolar falem usando anticorpo e antígeno não usando doa dor universal Assim nessa aula a argumentação em torno da tabela envolveu pelo menos dois dos aspectos da aprendizagem de ciências apontados por Dus chl 2008 i saber usar e interpretar explicações científicas do mundo natural nesse caso relacionadas às relações entre anticorpo e antígeno e ii participar produtivamente das práticas científicas e do discurso científico incluindo a inter pretação de tabelas como representações de fenômenos da natureza Apesar de a Aula 1 não ter envolvido explicitamente a vivência de práticas de cientistas é interessante como acaba por trazer para primeiro plano uma dis cussão de aspectos da natureza do conhecimento científico associada às práticas e aos discursos dos cientistas Quanto a isso alguns pesquisadores têm estudado o uso de materiais curriculares no contexto da escola com a participação de alunos em investigações nas quais atuam como cientistas por exemplo respondendo a questões de natureza científica utilizando bancos de dados gerados por cientis tas adotando métodos e ferramentas de análise similares aos de cientistas entre outras por exemplo SANDOVAL REISER 2004 No contexto desses estudos relatamse possibilidades de discussão e apropriação de aspectos epistemológicos e dos discursos da ciência Porém constróise uma expectativa de que isso não seria possível em contextos nos quais as visões de aprendizagem de ciências estão menos estabelecidas contandose apenas com a responsividade do professor e dos alunos ao dialogarem sobre conhecimentos científicos No caso da Aula 2 Mutualismo a articulação entre os três aspectos da aprendizagem de ciências tornouse visível mediante nossa análise mais microscó pica ou seja ocorreu a partir do uso de elementos para sustentar pontos de vista na resolução de uma diferença de opinião específica e não como no caso da aula 180 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles sobre tipos sanguíneos a partir de um movimento entre várias diferenças de opi nião Argumentouse de forma orientada pela definição de mutualismo e pelos princípios que estruturam a classificação das relações ecológicas interespecífica versus intraespecífica obrigatória versus não obrigatória A questão da obrigato riedade da relação em particular tornouse aspectochave da argumentação pois estruturou as relações hierárquicas entre as argumentações evidenciando como o discurso era conceitual mesmo quando não se falava de conceitos Nesse caso ao argumentarem sobre relações entre seres vivos os participantes adotaram as formas de saber da ciência escolar Não houve polemicidade em relação aos con ceitos e aos conhecimentos conceituais em si como no caso da Aula 1 A questão conceitual e de uso do conceito assumiu primeiro plano indissociável das for mas de falar da ciência escolar Outro aspecto de nossas análises que merece discussão referese ao fato de que nessa sala de aula frequentemente argumentavase de forma implícita Desse modo muitos aspectos do discurso argumentativo estavam implícitos eram expres sos indiretamente no discurso tanto em termos de diferenças de opinião quanto em relação aos elementos que sustentavam os pontos de vista e o posicionamento dos participantes A esse respeito comumente compartilhase a expectativa de que o processo de escolarização é capaz de contribuir para o desenvolvimento de um discurso cada vez mais explícito Inclusive ainda prevalece a noção de que quanto mais explícita for a linguagem maior será o avanço do ponto de vista cognitivo OLSON 1977 apesar de vários autores questionarem essa visão STREET 1984 SCRIBLER COLE 1981 Contudo essa expectativa pode entrar em conflito com aspectos da cultura local da faixa etária e do discurso cotidiano dos participantes Devido a isso nesse estudo tomase o implícito como o apropriado e mais comum Nesses casos o que observamos em algumas situações é que são cons truídas outras formas de explicitar um posicionamento um ponto de vista um elemento de apoio Em outras situações participar da argumentação em que as diferenças de opinião são de natureza implícita acaba por criar novas formas de argumentar para que a comunicação entre os participantes ocorra Assim por meio de um discurso considerado implícito as pessoas estão de fato assumindo posições e se comunicando portanto argumentando como apresentado anterior mente nos trechos das transcrições Um dos desdobramentos desses movimentos entre explícitoimplícito envolve as formas de se posicionar discursivamente em relação ao outro ou em relação a um ponto de vista Esse posicionamento pode variar significativamente conforme a situação e de participante para participante Em nosso estudo há in dícios de que nas várias situações analisadas o professor tendia a iniciar as intera ções argumentativas de forma mais implícita frequentemente recorrendo a ques tões mas sempre antagônica a pontos de vista alternativos ao dele próprio ou seja o científico De modo distinto os alunos apresentaram variação nas formas de se posicionar de uma aula para outra Na segunda aula por exemplo os alunos se posicionaram de forma mais explícita e atacaram o ponto de vista do professor Argumentação e oportunidades de aprendizagem 181 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Nesse sentido é importante ressaltar que as possibilidades de se posicio nar estão diretamente relacionadas à questão da linguagem implícitaexplícita Considerando aspectos mais amplos do contexto das aulas como a cultura local e a faixa etária acreditamos que a exigência de ser explícito poderia restringir as pos sibilidades de contraposição ou crítica Porém ao mesmo tempo a organização do discurso argumentativo de forma explícita em torno de critérios de definiçãoclas sificação científica de conceitos facilitou um posicionamento mesmo que o grupo tenha apresentado uma tendência a se expressar implicitamente Restringirse ao discurso implícito não possibilitaria que um mesmo fenômeno passárospalito e crocodilo interagindo fosse colocado em duas categorias no mesmo nível mutu alismo ou protocooperação com base em critérios dicotômicos interespecífico versus intraespecífico obrigatório versus não obrigatório Assim quando consideramos a diversidade de salas de aula alguns as pectos da aprendizagem de ciências em sua relação com modos de argumen tar podem ser problematizados Em primeiro lugar a argumentação tem sido concebida de forma a valorizar uma estruturação explícita do argumento Por exemplo inúmeros estudos dão destaque à importância de organizar o discurso argumentativo em torno de modelos como o de Toulmin 2006 de afirmação evidência e garantia também denominados de justificativa ou reasoning por au tores como ZembalSaul 2008 e Mcneil e Pimentel 2010 Assim tem sido considerada ideal a argumentação em que esses elementos estão bemdefinidos e explicitados Por exemplo é esperado que os alunos usem termos como minha posição é eu penso isso porque ou minhas evidências para sustentar essa posição são por exemplo ZEMBALSAUL MCNEIL HERSHBERGER 2013 Em segundo lugar há uma clara expectativa de que os estudantes posicio nemse e que principalmente sejam capazes de conceber ideias alternativas às suas próprias KUHN 1991 e de construir contraargumentos ou contraposi ções a elas LEITÃO 2000 KUHN 1991 A literatura traz a preocupação com o desafio que estudantes encontram em interagir com argumentosexplicações dos outros bem como em reconhecer limitações em seus argumentosexplicações por exemplo KUHN 1991 ZEMBAL SAUL et al 2002 RYU SANDOVAL 2012 MCNEILL 2011 Porém reiterase a importância do contraargumento o que pode resultar em nossa opinião em uma ênfase na necessidade de que estudantes adotem uma posição de antagonismo Assim não há uma reflexão sobre o que por exemplo na cultura local da sala de aula significa ser antagonista ou ser protagonista e quais são os modos de falarpráticas antagonistas naquele contexto específico Além disso na literatura a esse respeito as intervenções que envolvem argumentação estão relacionadas a temas polêmicos como efeito estufa aquecimento global transgênicos clonagem e outros para os quais o posicionamento é carregado de valores polaridade polêmica Defendemos que as formas de argumentar não vão se estabelecer na sala de aula de forma imposta e imediata mas de forma processual e negociada entre os membros daquela comunidade situada em um contexto institucional cultural 182 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles etc Por exemplo inicialmente é comum que o professor seja visto como aquele que possui um conhecimento inquestionável sendo o seu discurso considerado o discurso da verdade Aos poucos isso vai sendo problematizado e desafiado nas interações cotidianas De certa forma a mesma negociação deve ocorrer em rela ção a outros aspectos como por exemplo a afirmação de que é essencial tornar a fala explícita nesse espaço de sala de aula eou adotar posição antagonista Diante disso é preciso construir formas de mudar as regras e as expectativas de parti cipação Nesse processo é possível fazer uma transição para práticas e discursos mais condizentes com a ciência escolar CONSIDERAÇÕES FINAIS As análises apresentadas no presente estudo reforçam a noção de que a aprendizagem de ciências incluindo conceitos e práticas científicos assim como aprender a argumentar não ocorre de forma linear e imediata demandando um trabalho processual gradativo Fica evidente que a escolarização e consequente mente a aprendizagem de ciências na escola envolvem o encontro entre diferentes racionalidades Essas diferenças no modo de pensar entre a ciência escolar e o cotidiano frequentemente mantêmse implícitas nas interações particularmente em salas de aula da Educação de Jovens e Adultos EJA Dessa forma tornase necessário ir além da fala imediata do aluno buscando tornar explícita a lógica que o leva a expressar determinado conhecimento A partir dessa explicitação é possí vel identificar pontos de encontro e de desencontro entre esses conhecimentos e contribuir de forma mais significativa para a aprendizagem de ciências SIMÕES EITERER 2007 Assim as análises aqui apresentadas podem contribuir para um aprofundamento em discussões acerca da importância de reconhecer e de valori zar os conhecimentos dos alunos aspecto presente extensamente na literatura há várias décadas Além disso nossas análises também reforçam a noção de como a apren dizagem envolve um processo social mediado pelo uso da linguagem No caso do presente estudo evidenciase como a aprendizagem de ciências por meio da argu mentação é construída no plano social a partir de processo bastante complexo Finalmente o presente estudo também sinaliza que aproximações entre a teoria PragmaDialética e o estudo do contexto educacional têm potencial de contribuir para a pesquisa da argumentação na educação em ciências Em particular essa possibilidade de analisar o processo da argumentação com base na teoria Pragma Dialética parece ser promissora para pesquisas voltadas para o estudo da argu mentação de estudantes de grupos sociais mais distanciados da linguagemcultu ra da ciência pois torna visíveis formas de argumentação que fogem ao modelo científico de explicações baseadas em evidências mas que mesmo assim têm im plicações para o ensino e a aprendizagem de ciências Além disso essa abordagem possibilitou evidenciar aspectos da comunicação em sala de aula de ciências que Argumentação e oportunidades de aprendizagem 183 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 muitas vezes ocorrem de forma implícita exigindo dos pesquisadores maior aten ção às interações entre os participantes e maior permanência em campo Estudos em outros contextos de sala de aula envolvendo um maior diálogo com outras perspectivas precisam ser desenvolvidos para melhor conhecermos o potencial dessa abordagem NOTAS 1 Know use and interpret scientific explanations of the natural world 2 Generate and evaluate scientific evidence and explanations 3 Understand the nature and development of scientific knowledge and 4 Participate productively in scientific practices and discourse DUSCHL 2008 p 269 2 Não é objetivo deste trabalho focar essa questão mas há autores que problematizam alguns aspectos metodológicos por exemplo Sasseron e Carvalho 2011 Driver et al 2000 3 Cf CANDELA 1990 4 argumentation is a rational activity that is aimed at defending a standpoint in such a way that it becomes acceptable to a critic who takes a reasonable attitude By advancing argumentation the speaker or writer starts from the correct or wrong assumption that there is a difference of opinion between him or her and the listener or reader By putting forward propositions that must justify the standpoint at issue the speaker or writer attempts to convince the listener or reader of the acceptability of this standpoint VAN EEMEREN et al 2002 p 1112 5 In argumentation theory argumentation is viewed not only as the product of a rational process of reasoning like arguments are traditionally seen in logic but also as part of a developing communication and interaction process VAN EEMEREN et al 2002 p 12 6 Todos os nomes referentes aos participantes são fictícios 7 No sistema ABO existem quatro tipos de sangues A B AB e O Esses tipos são caracterizados pela presença ou não de certas substâncias na membrana das hemácias os antígenos e pela presença ou ausência de outras substâncias os anticorpos no plasma sanguíneo 8 Essa situação argumentativa foi relativamente longa com duração de aproximadamente 30 minutos 9 De acordo com Souto 2010 podese dizer que a estrutura da argumentação das outras diferenças de opinião da situação argumentativa da aula 1 Sistema ABO é similar à apresentada na Figura 7 10 Essa situação argumentativa foi curta se comparada à anterior com duração de aproximadamente 5 minutos 184 Revista Ensaio Belo Horizonte v17 nespecial p 161185 novembro 2015 Danusa Munford Ana Paula Souto Silva Teles REFERÊNCIAS BAKER M Argumentative interactions and the social construction of knowledge In MIRZA N M PERRETCLERMONT A N Argumentation and Education Theoretical Foundations and Practices New York Springer 2009 p 127144 BERLAND LK REISER B Classroom Communities adaptations of the practice of scientific argumentation Science Education Malden v 95 n 2 p 191216 2011 BILLIG M The art of witcraft In Arguing and thinking A rhetorical approach to social psychology Cambridge Cambridge University Press 1987 Chapter 5 p 82117 BRICKER L A BELL P Conceptualizations of Argumentation from Science Studies and the Learning Sciences and their Implications for 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