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Filosofia

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122 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 123 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE NECROPOLÍTICA Achille Mbembe biopoder soberania estado de exceção política da morte Este ensaio pressupõe que a expressão máxima da soberania reside em grande medida no poder e na capacidade de di tar quem pode viver e quem deve morrer1 Por isso matar ou deixar viver constituem os limites da soberania seus atributos fundamentais Exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifesta ção de poder Wa syolukasa pebwe Umwime wa pita Ele deixou sua pegada na pedra Ele mesmo seguiu Provérbio Lamba Zâmbia Alguém poderia resumir nos termos acima o que Michel Foucault entende por biopoder aquele domínio da vida sobre o qual o poder tomou o controle2 Mas sob quais condições práticas se exerce o direito de matar deixar viver ou expor à morte Quem é o sujeito dessa lei O que a implementação de tal direito nos diz sobre a pessoa que é portanto condenada à morte e sobre a relação antagônica que coloca essa pessoa contra seu ou sua assassinoa Essa noção de biopoder é suficiente para contabilizar as formas contemporâneas em que o político por meio da guerra da resistência ou da luta contra o terror faz do assassinato do inimigo seu objetivo primeiro e absoluto A guerra afinal é tanto um meio de alcançar a soberania como uma forma de NECROPOLITICS This essay assumes that the maximum expression of sovereignty lies to a large extent in the power and capacity to dictate who may live and who must die Therefore to take life or let live are the limits of sovereignty its key attributes Exercising sovereignty is to exercise control over mortality and to define life as empowerment and its expression Biopower sovereignty state of emergency politics of death Kader Attia Asesinos Asesinos Intalação da exposição The injuries are here Museu Cantonal de Belas Artes de Lausana 2015 Foto Elisabeth Bernstein 124 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 exercer o direito de matar Se consideramos a polí tica uma forma de guerra devemos perguntar que lugar é dado à vida à morte e ao corpo humano em especial o corpo ferido ou morto Como eles estão inscritos na ordem de poder Política o trabalho da morte e o tornarse sujeito A fim de responder a essas perguntas este ensaio baseiase no conceito de biopoder e explora sua relação com as noções de soberania imperium e o estado de exceção3 Tal análise suscita uma série de perguntas empíricas e filosóficas que eu gostaria de examinar brevemente Como é sabido o concei to de estado de exceção tem sido frequentemente discutido em relação ao nazismo totalitarismo e campos de concentraçãoextermínio Os campos da morte em particular têm sido interpretados de diversas maneiras como a metáfora central para a violência soberana e destrutiva e como o últi mo sinal do poder absoluto do negativo Como diz Hannah Arendt Não existem paralelos à vida nos campos de concentração Seu horror não pode ser inteiramente alcançado pela imaginação jus tamente por situarse fora da vida e da morte4 Em razão de seus ocupantes serem desprovidos de status político e reduzidos a seus corpos biológi cos o campo é para Giorgio Agamben o lugar onde a mais absoluta conditio inumana se realizou na Terra5 Na estrutura políticojurídica do campo acrescenta o estado de exceção deixa de ser uma suspensão temporal do estado de direito De acor do com Agamben ele adquire um arranjo espacial permanente que se mantém continuamente fora do estado normal da lei O objetivo deste ensaio não é debater a singulari dade do extermínio dos judeus ou tomálo como exemplo6 Inicio a partir da ideia de que a mo dernidade esteve na origem de vários conceitos de soberania e portanto da biopolítica Des considerando essa multiplicidade a crítica política tardomoderna infelizmente privilegiou as teorias normativas da democracia e tornou o conceito de razão um dos elementos mais importantes tan to do projeto de modernidade quanto do terri tório da soberania7 A partir dessa perspectiva a expressão máxima da soberania é a produção de normas gerais por um corpo povo composto por homens e mulheres livres e iguais Esses homens e mulheres são considerados sujeitos completos capazes de autoconhecimento autoconsciência e autorrepresentação A política portanto é de finida duplamente um projeto de autonomia e a realização de acordo em uma coletividade me diante comunicação e reconhecimento Isso nos é dito é o que a diferencia da guerra8 Em outras palavras é com base em uma distinção entre razão e desrazão paixão fantasia que a crí tica tardomoderna tem sido capaz de articular uma certa ideia de política comunidade sujeito ou mais fundamentalmente do que abarca uma vida plena de como alcançála e nesse processo tornarse agente plenamente moral Nesse paradig ma a razão é a verdade do sujeito e a política é o exercício da razão na esfera pública O exercício da razão equivale ao exercício da liberdade um ele mentochave para a autonomia individual Nesse caso o romance da soberania baseiase na crença de que o sujeito é o principal autor controlador do seu próprio significado Soberania é portanto defi nida como um duplo processo de autoinstituição e autolimitação fixando em si os próprios limites para si mesmo O exercício da soberania por sua vez consiste na capacidade da sociedade para a au tocriação pelo recurso às instituições inspirado por significações específicas sociais e imaginárias9 Essa leitura fortemente normativa da política de soberania tem sido o objeto de inúmeras críticas 125 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE que não revisitarei aqui10 Minha preocupação é com aquelas formas de soberania cujo projeto central não é a luta pela autonomia mas a ins trumentalização generalizada da existência huma na e a destruição material de corpos humanos e populações Tais formas da soberania estão lon ge de ser um pedaço de insanidade prodigiosa ou uma expressão de alguma ruptura entre os impul sos e interesses do corpo e da mente De fato tais como os campos da morte são elas que consti tuem o nomos do espaço político em que ainda vivemos Além disso experiências contemporâne as de destruição humana sugerem que é possível desenvolver uma leitura da política da soberania e do sujeito diferente daquela que herdamos do discurso filosófico da modernidade Em vez de considerar a razão verdade do sujeito podemos olhar para outras categorias fundadoras menos abstratas e mais táteis tais como a vida e a morte Pertinente a um projeto como esse é a discussão de Hegel da relação entre a morte e o tornarse sujeito A concepção da morte para Hegel está centrada em um conceito bipartido de negativida de Primeiro o ser humano nega a natureza ne gação exteriorizada no seu esforço para reduzir a natureza a suas próprias necessidades e em se gundo lugar ele ou ela transforma o elemento ne gado por meio de trabalho e luta Ao transformar a natureza o ser humano cria um mundo mas no processo ele ou ela fica expostoa a sua pró pria negatividade Sob o paradigma hegeliano a morte humana é essencialmente voluntária É o resultado de riscos conscientemente assumidos pelo sujeito De acordo com Hegel nesses riscos o animal que constitui o ser natural do indivíduo é derrotado Em outras palavras o ser humano verdadeiramen te tornase um sujeito ou seja separado do animal na luta e trabalho pelos quais ele ou ela enfrenta a morte entendida como a violência da negatividade É por meio desse confronto com a morte que ele ou ela é lançadoa no movimento incessante da história Tornarse sujeito portanto supõe sustentar o trabalho da morte Sustentar o trabalho da morte é precisamente como Hegel de fine a vida do espírito A vida do espírito ele diz não é aquela vida que tem medo da morte e se poupa da destruição mas aquela que pressupõe a morte e vive com isso O espírito só alcança sua verdade quando descobre em si o desmembra mento absoluto11 A política é portanto a mor te que vive uma vida humana Essa também é a definição de conhecimento absoluto e soberania arriscar a totalidade de uma vida Georges Bataille também oferece compreensões críticas sobre como a morte estrutura a ideia de soberania política e sujeito Bataille desloca a concepção de Hegel das ligações entre a morte soberania e o sujeito de pelo menos três manei ras Primeiro ele interpreta a morte e a soberania como o paroxismo de troca e superabundância ou para usar sua própria terminologia exces so Para Bataille a vida é falha apenas quando a morte a toma como refém A vida em si só existe em espasmos e no confronto com a morte12 Ele argumenta que a morte é a putrefação da vida o fedor que é ao mesmo tempo sua fonte e con dição repulsiva Portanto embora destrua o que era para ser apague o que supostamente conti nuaria a ser e reduza a nada o indivíduo a morte não se reduz ao puro aniquilamento do ser Pelo contrário é essencialmente autoconsciência além disso é a forma mais luxuosa da vida ou seja de efusão e exuberância um poder de proliferação Ainda mais radicalmente Bataille retira a morte do horizonte da significação Isso está em con traste com Hegel para quem nada se encontra definitivamente perdido na morte de fato a mor 126 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 te é vista como detentora de grande significação como um meio para a verdade Em segundo lugar Bataille firmemente ancora a morte no reino da despesa absoluta a outra ca racterística da soberania enquanto Hegel tenta manter a morte dentro da economia do conheci mento absoluto e da significação A vida além da utilidade diz Bataille é o domínio da soberania Sendo esse o caso a morte é o ponto no qual destruição supressão e sacrifício constituem uma despesa tão irreversível e radical e sem reservas que já não podem ser determinados como ne gatividade A morte é o próprio princípio do ex cesso uma antieconomia Daí a metáfora do luxo e do caráter luxuoso da morte Instalação 2016 Esculturas de madeira sobre suportes de metal Foto Axel Schneider Em terceiro lugar Bataille estabelece uma cor relação entre morte soberania e sexualidade A sexualidade está completamente associada à vio lência e à dissolução dos limites de si e do corpo por meio de impulsos orgíacos e excrementais Como tal a sexualidade diz respeito a duas for mas principais de impulsos humanos polarizados excreção e apropriação bem como o regime dos tabus em torno deles13 A verdade do sexo e seus atributos mortais residem na experiência da perda das fronteiras que separam realidade acon tecimentos e objetos fantasiados Para Bataille a soberania tem muitas configura ções Mas em última análise é a recusa em acei tar os limites a que o medo da morte teria sub 127 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE metido o sujeito O mundo da soberania Bataille argumenta é o mundo no qual o limite da morte foi abandonado A morte está presente nele sua presença define esse mundo de violência mas enquanto a morte está presente está sempre lá apenas para ser negada nunca para nada além disso O soberano conclui é ele quem é como se a morte não fosse Não respeita os limites de identidade mais do que respeita os da morte ou ainda esses limites são os mesmos ele é a transgressão de todos esses limites Uma vez que o domínio natural de proibições inclui a morte entre outras por exemplo sexualidade sujeira excrementos a soberania exige que a força para violar a proibição de matar embora verdadeira estará sob condições que o costume define E ao contrário da subordinação sempre enraizada na alegada necessidade de evitar a morte a sobe rania definitivamente demanda o risco de morte14 Ao tratar a soberania como a violação de proibi ções Bataille reabre a questão dos limites da políti ca Política nesse caso não é o avanço de um mo vimento dialético da razão A política só pode ser traçada como uma transgressão em espiral como aquela diferença que desorienta a própria ideia do limite Mais especificamente a política é a diferen ça colocada em jogo pela violação de um tabu15 O biopoder e a relação de inimizade Após apresentar uma leitura da política como o trabalho da morte tratarei agora da soberania 128 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 expressa predominantemente como o direito de matar Em minha argumentação relaciono a no ção de biopoder de Foucault a dois outros con ceitos o estado de exceção e o estado de sítio16 Examino essas trajetórias pelas quais o estado de exceção e a relação de inimizade tornaramse a base normativa do direito de matar Em tais ins tâncias o poder e não necessariamente o poder estatal continuamente se refere e apela à exce ção emergência e a uma noção ficcional do ini migo Ele também trabalha para produzir seme lhantes exceção emergência e inimigo ficcional Em outras palavras a questão é Qual é nesses sistemas a relação entre política e morte que só pode funcionar em um estado de emergência Na formulação de Foucault o biopoder parece fun cionar mediante a divisão entre as pessoas que devem viver e as que devem morrer Operando com base em uma divisão entre os vivos e os mor tos tal poder se define em relação a um campo biológico do qual toma o controle e no qual se inscreve Esse controle pressupõe a distribuição da espécie humana em grupos a subdivisão da população em subgrupos e o estabelecimento de uma cesura biológica entre uns e outros Isso é o que Foucault rotula com o termo aparentemente familiar racismo17 Que a raça ou na verdade o racismo tenha um lugar proeminente na racionalidade própria do biopoder é inteiramente justificável Afinal de contas mais do que o pensamento de classe a ideologia que define história como uma luta eco nômica de classes a raça foi a sombra sempre presente sobre o pensamento e a prática das polí ticas do Ocidente especialmente quando se trata de imaginar a desumanidade de povos estrangei ros ou dominálos Referindose tanto a essa presença atemporal como ao caráter espectral do mundo da raça como um todo Arendt localiza suas raízes na experiência demolidora da alterida de e sugere que a política da raça em última aná lise está relacionada com a política da morte18 Com efeito em termos foucaultianos racismo é acima de tudo uma tecnologia destinada a permi tir o exercício do biopoder aquele velho direito soberano de morte19 Na economia do biopoder a função do racismo é regular a distribuição de morte e tornar possível as funções assassinas do Estado Segundo Foucault essa é a condição para a aceitabilidade do fazer morrer20 Foucault afirma claramente que o direito sobera no de matar droit de glaive e os mecanismos de biopoder estão inscritos na forma em que funcio nam todos os Estados modernos21 de fato eles podem ser vistos como elementos constitutivos do poder do Estado na modernidade Segundo Foucault o Estado nazista era o mais completo exemplo de um Estado exercendo o direito de matar Esse Estado ele afirma tornou a gestão proteção e cultivo de vida coextensivos ao direito soberano de matar Por uma extrapolação bioló gica sobre o tema do inimigo político na organi zação da guerra contra os seus adversários e ao mesmo tempo expondo seus próprios cidadãos à guerra o Estado nazi é visto como aquele que abriu caminho para uma tremenda consolidação do direito de matar que culminou no projeto da solução final Ao fazêlo tornouse o arquétipo de uma formação de poder que combinava as ca racterísticas de Estado racista Estado assassino e Estado suicida Já se argumentou que a fusão completa de guer ra e política racismo homicídio e suicídio até o ponto de se tornarem indistinguíveis uns dos outros é algo exclusivo ao Estado nazista A per cepção da existência do outro como um atentado contra minha vida como uma ameaça mortal ou perigo absoluto cuja eliminação biofísica reforça 129 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE ria o potencial para minhas vida e segurança eu sugiro é um dos muitos imaginários de soberania característico tanto da primeira quanto da última modernidade O reconhecimento dessa percep ção sustenta em larga medida várias das críticas mais tradicionais da modernidade quando lidam com o niilismo e a proclamação da vontade de poder como a essência do ser com a reificação entendida como o devirobjeto do ser humano ou ainda com a subordinação de tudo à lógica impessoal e ao reino da racionalidade instrumen tal22 Realmente do ponto de vista antropológico o que essas críticas discutem implicitamente é uma definição de política como relação bélica por exce lência Também desafiam a ideia de que necessa riamente a racionalidade da vida passe pela morte do outro ou que a soberania consista na vontade e capacidade de matar para possibilitar viver Tomando uma perspectiva histórica um número de analistas tem argumentado que as premissas materiais do extermínio nazista podem ser encon tradas no imperialismo colonial por um lado e por outro na serialização de mecanismos técnicos para conduzir as pessoas à morte mecanismos desenvolvidos entre a Revolução Industrial e a Primeira Guerra Mundial Segundo Enzo Traver so as câmaras de gás e os fornos foram o ponto culminante de um longo processo de desumani zação e de industrialização da morte entre cujas características originais estava integrar a racionali dade instrumental com a racionalidade produtiva e administrativa do mundo ocidental moderno a fábrica a burocracia a prisão o exército Meca nizada a execução em série transformouse em um procedimento puramente técnico impessoal silencioso e rápido Esse processo foi em parte facilitado pelos estereótipos racistas e pelo flores cimento de um racismo baseado em classe que ao traduzir os conflitos sociais do mundo indus trial em termos raciais acabou comparando as classes trabalhadoras e os desamparados pelo Estado do mundo industrial com os selvagens do mundo colonial23 Na realidade as ligações entre a modernidade e o terror provêm de várias fontes Algumas são identificáveis nas práticas políticas do Antigo Re gime A partir dessa perspectiva a tensão entre a paixão do público por sangue e as noções de jus tiça e vingança é crítica Foucault demonstra em Vigiar e punir como a execução do quase regici da Damiens durou horas muito para a satisfação do público24 É bem conhecida a longa procissão dos condenados pelas ruas antes da execução o desfile de partes do corpo ritual que se tornou uma característicapadrão de violência popular e a exibição de uma cabeça cortada numa estaca Na França o advento da guilhotina marca uma nova fase na democratização dos meios de eli minação dos inimigos do Estado Com efeito essa forma de execução que era até então prerrogativa da nobreza é estendida a todos os cidadãos Em um contexto em que a decapitação é vista como menos humilhante do que o enforcamento ino vações nas tecnologias de assassinato visam não só civilizar os caminhos da morte mas também eliminar um grande número de vítimas em espaço relativamente curto de tempo Ao mesmo tempo uma nova sensibilidade cultural emerge na qual matar o inimigo do Estado é uma extensão do jo gar Aparecem formas de crueldade mais íntimas sinistras e tranquilas Não obstante em nenhum momento se manifes tou tão claramente a fusão da razão com o ter ror como durante a Revolução Francesa25 Nesse período o terror é interpretado como uma parte quase necessária da política Reinvindicase exis tir uma transparência absoluta entre o Estado e o povo Como categoria política o povo é gra 130 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 dualmente deslocado da realidade concreta à fi gura retórica Como David Bates tem mostrado os teóricos do terror acreditam ser possível dis tinguir entre autênticas expressões da soberania e as ações do inimigo Eles também acreditam que é possível distinguir entre o erro do cidadão e o crime do contrarrevolucionário na esfera po lítica Assim o terror se converte numa forma de marcar a aberração no corpo político e a política é lida tanto como a força móvel da razão quanto como a tentativa errante de criar um espaço em que o erro seria reduzido a verdade reforçada e o inimigo eliminado26 Finalmente o terror não está ligado exclusivamen te à utópica crença no poder irrestrito da razão humana Também está claramente relacionado a várias narrativas de dominação e emancipação sustentadas majoritariamente por concepções iluministas sobre a verdade e o erro o real e o simbólico Marx por exemplo confunde o labor o ciclo interminável de produção e consumo necessá rio à manutenção da vida humana com o trabalho criação de artefatos duráveis que se somam ao mundo das coisas O labor é visto como o veículo para a autocriação histórica da humanidade Essa autocriação histórica da humanidade é em si uma espécie de conflito entre a vida e a morte ou seja um conflito sobre os caminhos que levam à verdade da história a superação do capitalismo a forma de mercadoria e as contradições associadas a ambas De acordo com Marx com o advento do comunismo e a abolição das relações de troca as coisas aparecerão como elas realmente são as coisas se apresentarão como realmente são e a distinção entre sujeito e objeto ou o ser e a cons ciência será superada27 Todavia fazendo com que a emancipação humana dependa da supressão da produção de mercadoria Marx atenua as distin ções essenciais entre o campo cultural da liberda de o campo da necessidade determinado pela natureza e o contingente na história O compromisso com a eliminação da produção de mercadoria e o sonho de acesso direto e sem intermediação ao real o cumprimento da cha mada lógica da história e a fabricação da huma nidade torna esses processos quase necessaria mente violentos Como demonstrado por Stephen Louw os pressupostos centrais do marxismo clás sico não deixam escolha a não ser a tentativa de introduzir o comunismo por decreto administrati vo o que na prática significa que as relações so ciais devem ser desmercantilizadas pela força28 Historicamente essas tentativas tomaram formas como a da militarização do trabalho o desmoro namento da distinção entre Estado e sociedade e o terror revolucionário29 Podese mesmo argu mentar que buscavam erradicar a pluralidade da condição humana Com efeito a superação das divisões de classe o definhar do Estado o flores cimento de uma verdadeira vontade geral pres supõem uma visão da pluralidade humana como principal obstáculo para a eventual realização de um telos da história predeterminado Em outras palavras o sujeito da modernidade marxista é fundamentalmente aquele que tem a intenção de provar sua soberania pela encenação de uma luta até a morte Assim como ocorre com Hegel a narrativa de dominação e emancipação está aqui claramente associada a uma narrativa de verdade e morte Terror e morte tornamse os meios de realizar o já conhecido telos da história Qualquer relato histórico do surgimento do terror moderno precisa tratar da escravidão que pode ser considerada uma das primeiras instâncias da experimentação biopolítica Em muitos aspectos a própria estrutura do sistema de colonização e suas consequências manifesta a figura emblemáti ca e paradoxal do estado de exceção30 Aqui essa 131 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE figura é paradoxal por duas razões Em primeiro lugar no contexto da colonização figurase a natureza humana do escravo como uma sombra personificada De fato a condição de escravo resulta de uma tripla perda perda de um lar perda de direitos sobre seu corpo e perda de sta tus político Essa perda tripla equivale a domina ção absoluta alienação ao nascer e morte social expulsão da humanidade de modo geral Para nos certificarmos como estrutura políticojurídi ca a fazenda é o espaço em que o escravo perten ce a um mestre Não é uma comunidade porque por definição implicaria o exercício do poder de expressão e pensamento Como diz Paul Gilroy Os padrões extremos da comunicação defini dos pela instituição da escravidão nas fazendas exigem que reconheçamos as ramificações an tidiscursivas e extralinguísticas do poder na for mação de atos comunicativos Não pode afinal haver nenhuma reciprocidade na fazenda fora das possibilidades de rebelião e suicídio fuga e luto silencioso e certamente não há coesão gra matical do discurso para mediar a razão comu nicativa Em muitos aspectos os habitantes da fazenda vivem de modo não sincrônico31 Como instrumento de trabalho o escravo tem um preço Como propriedade tem um valor Seu trabalho é necessário e usado O escravo por conseguinte é mantido vivo mas em estado de injúria em um mundo espectral de horrores crueldade e profanidade intensos O sentido vio lento da vida de um escravo se manifesta pela dis posição de seu supervisor em se comportar de for ma cruel e descontrolada e no espetáculo de dor imposto ao corpo do escravo32 Violência aqui Kader Attia Sacrifice and Harmony 2016 Escultura viga metálica penas Foto Axel Schneider 132 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 tornase um elemento inserido na etiqueta33 como chicotadas ou tirar a própria vida do escra vo um ato de capricho e pura destruição visando incutir o terror34 A vida de um escravo em muitos aspectos é uma forma de morte em vida Como sugere Susan BuckMorss a condição de escra vo produz uma contradição entre a liberdade de propriedade e a liberdade da pessoa Uma relação desigual é estabelecida junto com a desigualdade do poder sobre a vida Esse poder sobre a vida do outro assume a forma de comércio a humanida de de uma pessoa é dissolvida até o ponto em que se torna possível dizer que a vida do escravo é propriedade de seu dominador35 Dado que a vida do escravo é como uma coisa possuída por outra pessoa sua existência é a figura perfeita de uma sombra personificada Apesar do terror e da reclusão simbólica do es cravo ele ou ela desenvolve compreensões alter nativas sobre o tempo sobre o trabalho e sobre si mesmo Esse é o segundo elemento paradoxal do mundo colonial como manifestação do estado de exceção Tratado como se não existisse exceto como mera ferramenta e instrumento de produ ção o escravo apesar disso é capaz de extrair de quase qualquer objeto instrumento linguagem ou gesto uma representação e ainda lapidála Rompendo com sua condição de expatriado e com o puro mundo das coisas do qual ele ou ela nada mais é do que um fragmento o escravo é capaz de demonstrar as capacidades polimorfas das relações humanas por meio da música e do próprio corpo que supostamente era possuído por outro36 Se as relações entre vida e morte a política de crueldade e os símbolos do abuso tendem a não se distinguir nas fazendas é notadamente na co lônia e sob o regime do apartheid que se instaura uma formação peculiar de terror da qual passarei a tratar37 A característica mais original dessa for mação de terror é a concatenação do biopoder o estado de exceção e o estado de sítio A raça é mais uma vez crucial para esse encadeamento38 De fato é sobretudo nesses casos que a seleção de raças a proibição de casamentos mistos a esterilização forçada e até mesmo o extermínio dos povos vencidos foram inicialmente testados no mundo colonial Aqui vemos a primeira sínte se entre massacre e burocracia essa encarnação da racionalidade ocidental39 Arendt desenvolve a tese de que existe uma ligação entre o socialismo nacional e o imperialismo tradicional Segundo ela a conquista colonial revelou um potencial de violência até então desconhecido O que se teste munha na Segunda Guerra Mundial é a extensão dos métodos anteriormente reservados aos sel vagens pelos povos civilizados da Europa No fim pouco importa que as tecnologias que culminaram no nazismo tenham sua origem na fazenda ou na colônia ou que pelo contrário a tese foucaultiana nazismo e stalinismo não tenham feito mais do que ampliar uma série de mecanismos que já existiam nas formações sociais e políticas da Europa ocidental subjugação do corpo regulamentações de saúde darwinismo social eugenia teorias médicolegais sobre here ditariedade degeneração e raça Um traço per siste evidente no pensamento filosófico moderno e também na prática e no imaginário político eu ropeu a colônia representa o lugar em que a so berania consiste fundamentalmente no exercício de um poder à margem da lei ab legibus solutus e no qual tipicamente a paz assume a face de uma guerra sem fim Esse ponto de vista corresponde à definição de so berania proposta por Carl Schmitt no início do sé culo 20 nomeadamente o poder de decidir sobre o estado de exceção Para avaliar adequadamente 133 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE a eficácia da colônia como formação de terror precisamos tomar um desvio para o imaginário europeu em si como se relaciona com a ques tão crítica da domesticação da guerra e a criação de uma ordem jurídica europeia Jus publicum europaeum Dois princípioschave fundam essa ordem O primeiro postula a igualdade jurídica de todos os Estados Essa igualdade se aplica es pecialmente ao direito de guerra de tomar a vida O direito de guerra significava duas coisas Por um lado reconheciase matar ou negociar a paz como uma das funções mais proeminentes de qualquer Estado Isso acompanhava o reconhe cimento do fato de que nenhum Estado poderia fazer reivindicações para além de suas fronteiras Inversamente não poderia ainda reconhecer ne nhuma autoridade superior a sua dentro de suas fronteiras Por outro lado o Estado se compro meteria a civilizar os modos de matar e atribuir objetivos racionais ao ato de matar em si O segundo princípio está relacionado com a terri torialização do Estado soberano ou seja a deter minação de suas fronteiras no contexto de uma ordem global recentemente imposta Nesse con texto o Jus publicum rapidamente assumiu a for ma de uma distinção entre por um lado as partes do mundo disponíveis à apropriação colonial e de outro a Europa em si onde o Jus publicum foi im perativo40 Essa distinção como veremos é cru cial em termos de avaliação da eficácia da colônia como instauradora de terror Sob o Jus publicum uma guerra legítima é em grande medida uma guerra conduzida por um Estado contra outro ou mais precisamente uma guerra entre Estados ci vilizados A centralidade do Estado no cálculo de guerra deriva do fato de que o Estado é o modelo de unidade política um princípio de organização racional a personificação da ideia universal e um símbolo de moralidade No mesmo contexto as colônias são semelhantes às fronteiras Elas são habitadas por selvagens As colônias não são organizadas de forma estatal e não criaram um mundo humano Seus exércitos não formam uma entidade distinta e suas guer ras não são guerras entre exércitos regulares Não implicam a mobilização de sujeitos soberanos ci dadãos que se respeitam mutuamente mesmo que inimigos Não estabelecem distinção entre combatentes e não combatentes ou novamen te inimigo e criminoso41 Assim é impossível firmar a paz com eles Em suma as colônias são zonas em que guerra e desordem figuras inter nas e externas da política ficam lado a lado ou se alternam Como tal as colônias são o local por excelência em que os controles e as garantias de ordem judicial podem ser suspensos a zona em que a violência do estado de exceção suposta mente opera a serviço da civilização Da negação racial de qualquer vínculo comum en tre o conquistador e o nativo provém a constatação de que as colônias possam ser governadas na ilega lidade absoluta Aos olhos do conquistador vida selvagem é apenas outra forma de vida animal uma experiência assustadora algo alienígena além da imaginação ou compreensão Na verdade de acordo com Arendt o que diferencia os selvagens de outros seres humanos é menos a cor de suas peles e sim o medo de que se comportem como parte da natureza que a tratem como mestre irre futável Assim a natureza continua a ser com todo o seu esplendor uma realidade esmagadora Com parados a ela os selvagens parecem fantasmas aparições irreais Os selvagens são por assim dizer seres humanos naturais que carecem do caráter específico humano da realidade humana de tal forma que quando os europeus os massacraram de alguma forma não tinham consciência de que haviam cometido assassinato42 134 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 Por todas essas razões o direito soberano de ma tar não está sujeito a qualquer regra nas colônias Lá o soberano pode matar em qualquer momen to ou de qualquer maneira A guerra colonial não está sujeita a normas legais e institucionais Não é uma atividade codificada legalmente Em vez dis so o terror colonial se entrelaça constantemente com fantasias geradas colonialmente caracteriza das por terras selvagens morte e ficções para criar um efeito de real43 A paz não constitui necessa riamente a consequência natural de uma guerra colonial De fato a distinção entre guerra e paz não é pertinente As guerras coloniais são conce bidas como a expressão de uma hostilidade abso luta que coloca o conquistador contra um inimigo absoluto44 Todas as manifestações de guerra e hostilidade marginalizadas pelo imaginário legal europeu encontraram lugar para reemergir nas colônias Aqui a ficção de uma distinção entre os fins da guerra e os meios de guerra entra em colapso assim como a ficção de que a guerra funciona como um enfrentamento submetido a regras em oposição ao puro massacre sem risco ou justificativa instrumental Tornase inútil por tanto tentar resolver um dos paradoxos intratá veis da guerra bem capturado por Alexandre Ko jève em sua reinterpretação de A fenomenologia do espírito de Hegel seu caráter simultaneamen te idealista e aparentemente inumano45 Necropoder e ocupação colonial na moder nidade tardia Poderíamos pensar que as ideias recémdesenvol vidas dizem respeito a um passado distante No passado com efeito guerras imperiais tiveram como objetivo destruir os poderes locais instalan do tropas e instituindo novos modelos de controle Kader Attia Colonial Modernity The First Mass in Brazil and Algeria 2014 diptico Foto Elisabeth Bernstein 135 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE militar sobre as populações civis Um grupo de au xiliares locais podia participar da gestão dos terri tórios conquistados anexados ao Império Dentro do Império as populações vencidas obtinham um status que consagrava sua espoliação Em confi gurações como essas a violência constitui a forma original do direito e a exceção proporciona a es trutura da soberania Cada estágio do imperialismo também envolveu certas tecnologiaschave canho neira quinino linhas de barcos a vapor cabos do telégrafo submarino e ferrovias coloniais46 A ocupação colonial em si era uma questão de apreensão demarcação e afirmação do controle físico e geográfico inscrever sobre o terreno um novo conjunto de relações sociais e espaciais Essa inscrição territorialização foi enfim equivalente à produção de fronteiras e hierarquias zonas e enclaves a subversão dos regimes de propriedade existentes a classificação das pessoas de acordo com diferentes categorias extração de recursos e finalmente a produção de uma ampla reserva de imaginários culturais Esses imaginários deram sentido à instituição de direitos diferentes para diferentes categorias de pessoas para fins dife rentes no interior de um mesmo espaço em resu mo o exercício da soberania O espaço era por tanto a matériaprima da soberania e da violência que sustentava Soberania significa ocupação e ocupação significa relegar o colonizado em uma terceira zona entre o status de sujeito e objeto Esse foi o caso do regime do apartheid na África do Sul Aqui o distrito constituía a forma estru tural e os bantustões homelands tornaramse as reservas bases rurais por meio das quais o fluxo de mão de obra migrante poderia ser regulamen tado e a urbanização africana mantida sob contro le47 Como Belinda Bozzoli demonstrou o distrito era particularmente um lugar em que opressão e pobreza severas foram experimentadas com base na raça e classe social48 Entidade sociopolítica cultural e econômica o distrito foi uma instituição espacial peculiar cientificamente planejada para fins de controle49 O funcionamento dos bantus tões e distritos implicou severas restrições na pro dução para negros em áreas brancas o término da posse de terra pelos negros exceto em áreas re servadas a criminalização da residência negra em fazendas brancas exceto como servos a serviço dos brancos o controle do fluxo urbano e mais tarde a negação da cidadania aos africanos50 Frantz Fanon descreve vivazmente a espacializa ção da ocupação colonial Para ele a ocupação colonial implica acima de tudo uma divisão do espaço em compartimentos Envolve a definição de limites e fronteiras internas por quartéis e dele gacias de polícia está regulada pela linguagem da força pura presença imediata e ação direta e fre quente e isso se baseia no princípio da exclusão recíproca51 Todavia o mais importante é o modo como o necropoder opera A cidade do povo colonizado é um lugar de má fama povoado por homens de má reputa ção Lá eles nascem pouco importa onde ou como morrem lá não importa onde ou como É um mundo sem espaço os homens vivem uns sobre os outros A cidade do colonizado é uma cidade com fome fome de pão de carne de sapatos de carvão de luz A cidade do coloniza do é uma vila agachada com uma cidade sobre seus joelhos52 Nesse caso a soberania é a capacidade de definir quem importa e quem não importa quem é des cartável e quem não é A ocupação colonial tardia difere em muitos as pectos da primeira ocupação moderna particular mente em sua combinação disciplinar biopolítica 136 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 e necropolítica A forma mais bem sucedida de necropoder é a ocupação colonial contemporâ nea da Palestina Aqui o Estado colonial deriva sua reivindicação fundamental de soberania e legitimidade da auto ridade de seu próprio relato de história e identida de Essa narrativa é sustentada pela ideia de que o Estado tem o direito divino de existir e então en tra em conflito com outra narrativa pelo mesmo espaço sagrado Como ambas são incompatíveis e suas populações estão entrelaçadas qualquer demarcação de território com base na identida de pura é quase impossível Violência e soberania nesse caso reivindicam um fundamento divino o povo é forjado pela adoração de uma divindade e a identidade nacional é concebida em oposição a outras divindades53 História geografia carto grafia e arqueologia supostamente apoiam essas reivindicações relacionando estreitamente iden tidade e topografia Como consequência a vio lência colonial e a ocupação são profundamente subscritas pelo sagrado terror da verdade e da exclusividade expulsões em massa reassenta mento de pessoas apátridas em campos de refugiados estabelecimento de novas colônias Mantidos abaixo do terror do sagrado se encon tram a escavação constante de ossos desapareci dos a permanente lembrança de um corpo rasga do em mil pedaços e irreconhecível os limites ou melhor a impossibilidade de representação de um crime absoluto uma morte inexplicável o terror do Holocausto54 Para retornar à leitura espacial de Fanon a ocu pação colonial tardia em Gaza e na Cisjordânia apresenta três características principais em rela ção ao funcionamento da formação específica do terror que tenho chamado de necropoder A primeira é a dinâmica da fragmentação territorial o acesso proibido e expansão de assentamentos O objetivo desse processo é duplo impossibilitar qualquer movimento e implementar a segregação à moda do Estado do apartheid Assim os territó rios ocupados são divididos em uma rede comple xa de fronteiras internas e várias células isoladas De acordo com Eyal Weizman partindo de uma divisão planar de um território e ao adotar um princípio da criação de limites tridimensionais por meio de volumes soberanos essas dispersão e segmentação redefinem claramente a relação en tre soberania e espaço 55 Para Weizman essas ações constituem a políti ca da verticalidade A forma resultante da sobe rania pode ser chamada de soberania vertical Sob um regime de soberania vertical a ocupação colonial opera por uma rede de pontes e túneis em uma separação entre o espaço aéreo e o ter restre O próprio chão é dividido entre a superfície e o subsolo A ocupação colonial também é dita da pela própria natureza do terreno e suas varia ções topográficas colinas e vales montanhas e cursos dágua Assim o terreno elevado oferece benefícios estratégicos não encontrados nos va les eficácia da vista autoproteção fortificações panópticas que permitem orientar o olhar para múltiplas direções Weizman diz Assentamen tos poderiam ser vistos como dispositivos ópticos urbanos para a vigilância e o exercício do poder No contexto da ocupação colonial tardomoder na a vigilância está orientada tanto para o interior quanto para o exterior o olho atua como arma e viceversa De acordo com Weizman em vez de criar uma divisão conclusiva entre as duas nações por meio de uma fronteira a peculiar organiza ção do terreno que constitui a Cisjordânia criou múltiplas separações limites provisórios que se re lacionam mediante vigilância e controle Nessas circunstâncias a ocupação colonial não equivale apenas ao controle vigilância e separação mas 137 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE também à reclusão É uma ocupação fragmenta da assemelhada ao urbanismo estilhaçado que é característico da modernidade tardia subúrbios comunidades fechadas56 Do ponto de vista infraestrutural uma forma frag mentária da ocupação colonial se caracteriza por uma rede de estradas de rápida circulação pontes e túneis que se entrecruzam na tentativa de man ter o princípio da exclusão recíproca de Fanon De acordo com Weizman as estradas de rotas alternativas tentam separar as redes viárias palestinas e israelenses prefe rencialmente sem jamais permitir que elas se cruzem Eles enfatizam portanto a sobreposi ção de duas geografias distintas que habitam a mesma paisagem Em pontos em que se cruzam as redes é criada uma separação improvisada Na maioria das vezes passagens de terra são es cavadas para permitir que os palestinos cruzem sob as grandes autoestradas nas quais vans e veículos militares israelenses correm entre dife rentes colônias57 Sob condições de soberania vertical e ocupação colonial fragmentada comunidades são separa das segundo uma coordenada vertical Isso con duz a uma proliferação dos espaços de violência Os campos de batalha não estão localizados ex clusivamente na superfície da terra Assim como o espaço aéreo o subsolo também é transformado em zona de conflito Não há continuidade entre a terra e o céu Até mesmo os limites no espaço aéreo dividemse entre as camadas inferiores e superiores Em todo lugar o simbolismo do topo quem se encontra no topo é reiterado A ocupa ção dos céus adquire portanto uma importância crucial já que a maior parte do policiamento é feito a partir do ar Várias outras tecnologias es tão mobilizadas para esse efeito sensores a bordo de veículos aéreos não tripulados unmanned air vehicles jatos de reconhecimento aéreo preven ção usando aviões com sistema de alerta avan çado Hawkeye planes helicópteros de assalto um satélite de observação da Terra técnicas de hologramatização Matar incorre em mirar com alta precisão Tal precisão é combinada com as táticas de sítio medieval adaptada para a expansão da rede em campos de refugiados urbanos Uma sabotagem orquestrada e sistemática da rede de infraestru tura social e urbana do inimigo complementa a apropriação dos recursos de terra água e espa ço aéreo Um elemento crítico a essas técnicas de inabilitação do inimigo é fazer terra arrasada bulldozer demolir casas e cidades desenrai zar as oliveiras crivar de tiros tanques de água bombardear e obstruir comunicações eletrôni cas escavar estradas destruir transformadores de energia elétrica arrasar pistas de aeroporto desabilitar os transmissores de rádio e televi são esmagar computadores saquear símbolos culturais e políticoburocráticos do ProtoEsta do Palestino saquear equipamentos médicos Em outras palavras levar a cabo uma guerra infraestrutural58 Enquanto o helicóptero de combate Apache é usado para patrulhar o ar e matar a partir dos céus o trator blindado bull dozer Caterpillar D9 é usado em terra como arma de guerra e intimidação Em contraste com a ocupação colonial moderna essas duas armas estabelecem a superioridade de ferramentas de alta tecnologia do terror tardomoderno59 Como ilustra o caso palestino a ocupação co lonial contemporânea é uma concatenação de várias poderes disciplinar biopolítico e necropo lítico A combinação dos três possibilita ao poder colonial dominação absoluta sobre os habitantes do território ocupado O estado de sítio em si 138 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 é uma instituição militar Ele permite uma moda lidade de crime que não faz distinção entre o ini migo interno e o externo Populações inteiras são o alvo do soberano As vilas e cidades sitiadas são cercadas e isoladas do mundo O cotidiano é mili tarizado É outorgada liberdade aos comandantes militares locais para usar seus próprios critérios sobre quando e em quem atirar O deslocamento entre células territoriais requer autorizações for mais Instituições civis locais são sistematicamente destruídas A população sitiada é privada de seus meios de renda Às execuções a céu aberto so mamse matanças invisíveis Máquinas de guerra e heteronomia Após ter examinado o funcionamento do necropoder no contexto da ocupação colonial tardomoderna gostaria de tratar agora das guerras contemporâneas Tais guerras pertencem a um novo momento e dificilmente podem ser entendidas por meio de teorias anteriores de violência contratual ou tipologias como guerra justa e injusta ou mesmo o instrumentalismo de Carl von Clausewitz60 Segundo Zygmunt Bauman guerras da era da globalização não incluem em seus objetivos conquista aquisição e gerência de um território Idealmente são abordagensrelâmpago O crescente abismo entre os meios de guerra de alta e baixa tecnologia nunca foi tão evidente como na Guerra do Golfo e na campanha de Ko sovo Em ambos os casos a doutrina da força es magadora ou decisiva overwhelming or decisive force foi totalmente implementada graças a uma revolução militartecnológica que multiplicou a capacidade de destruição de forma jamais vista61 A guerra aérea ao relacionar altitude artilharia visibilidade e inteligência é considerada aqui um caso em questão Durante a Guerra do Golfo o uso combinado de bombas inteligentes e bombas revestidas com urânio empobrecido DU armas de alta tecnologia sensores eletrônicos mísseis guiados a laser bombas de fragmentação e as fixiantes tecnologias stealth veículos aéreos não tripulados e cyber inteligência inutilizavam rapida mente quaisquer capacidades do inimigo Em Kosovo a degradação das capacidades sér vias tomou a forma de uma guerra infraestrutural que destruiu pontes ferrovias rodovias redes de comunicação armazéns e depósitos de petróleo centrais termoelétricas centrais elétricas e ins talações de tratamento de água Como se pode presumir a execução de tal estratégia militar es pecialmente quando combinada com a imposi ção de sanções resulta na falência do sistema de sobrevivência do inimigo Os danos persistentes à vida civil são particularmente eloquentes Por exemplo a destruição do complexo petroquími co Pancevo nos arredores de Belgrado durante a campanha do Kosovo deixou as proximidades Open your eyes 2011 Slide show 139 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE tão contaminada com cloreto de vinilo amônia mercúrio nafta e dioxinas que se recomendou o aborto às mulheres grávidas da mesma forma que todas as mulheres locais foram aconselhadas a evitar a gravidez durante dois anos62 As guerras da época da globalização assim visam forçar o inimigo à submissão independentemen te de consequências imediatas efeitos secundá rios e danos colaterais das ações militares Nes se sentido as guerras contemporâneas são mais uma reminiscência das estratégias de guerra dos nômades do que das guerras territoriais de con quistaanexação das nações sedentárias da mo dernidade Nas palavras de Bauman Sua superioridade sobre a população sedentária se deve à velocidade de seu próprio movimen to sua capacidade de descer do nada sem aviso prévio e desaparecer novamente sem aviso sua capacidade de viajar facilmente e não se inco modar com pertences como os que limitam a mobilidade e o potencial de manobra dos povos sedentários63 Este novo momento é o da mobilidade global Uma de suas principais características é que as operações militares e o exercício do direito de matar já não constituem o único monopólio dos Estados e o exército regular já não é o único meio de executar essas funções A afirmação de uma autoridade suprema em um determinado espaço político não se dá facilmente Em vez dis so emerge um mosaico de direitos de governar incompletos e sobrepostos disfarçados e emara nhados nos quais sobejam diferentes instâncias jurídicas de facto geograficamente entrelaçadas e nas quais abundam fidelidades plurais suseranias assimétricas e enclaves64 Nessa organização hete rônima de direitos territoriais e reivindicações faz pouco sentido insistir na distinção entre os cam pos políticos interno e externo separados por limites claramente demarcados Tomemos o exemplo da África onde a economia política do Estado mudou drasticamente ao longo do último quarto do século 20 Muitos Estados africanos já não podem reivindicar monopólio so bre a violência e sobre os meios de coerção dentro de seu território Nem mesmo podem reivindicar monopólio sobre seus limites territoriais A pró pria coerção tornouse produto do mercado A mão de obra militar é comprada e vendida num mercado em que a identidade dos fornecedores e compradores não significa quase nada Milícias urbanas exércitos privados exércitos de senhores regionais segurança privada e exércitos de Estado proclamam todos o direito de exercer violência ou matar Estados vizinhos ou movimentos rebel des arrendam exércitos a Estados pobres Forne cedores de violência não governamental disponi bilizam dois recursos coercitivos críticos trabalho 140 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 e minerais Cada vez mais a maioria dos exércitos é composta de soldadoscidadãos criançassolda dos mercenários e corsários65 Junto aos exércitos tem emergido o que seguin do Deleuze e Guattari poderíamos referir como máquinas de guerra66 Essas máquinas são constituídas por segmentos de homens armados que se dividem ou se mesclam dependendo da tarefa e das circunstâncias Organizações polimor fas e difusas as máquinas de guerra se caracte rizam por sua capacidade de metamorfose Sua relação com o espaço é móvel Algumas vezes desfrutam de relações complexas com formas estatais da autonomia à incorporação O Esta do pode por si mesmo se transformar em uma máquina de guerra Pode ainda se apropriar de uma máquina de guerra ou ajudar a criar uma As máquinas de guerra funcionam com emprésti mo dos exércitos regulares enquanto incorporam novos elementos bem adaptados ao princípio de segmentação e desterritorialização Tropas regula res por sua vez podem prontamente se apropriar de certas características de máquinas de guerra Uma máquina de guerra combina uma plurali dade de funções Tem as características de uma organização política e de uma empresa mercantil Opera mediante capturas e depredações e pode até mesmo cunhar seu próprio dinheiro Para ban car a extração e exportação de recursos naturais localizados no território que controlam as máqui nas de guerra forjam ligações diretas com redes transnacionais Máquinas de guerra surgiram na África durante o último quarto do século 20 em relação direta com a erosão da capacidade do Estado póscolonial de construir os fundamentos econômicos da ordem e autoridade políticas Essa capacidade envolve o aumento de receita o co mando e regulamentação do acesso aos recursos naturais dentro de um território bem definido Em meados da década de 1970 com o desgaste das habilidades do Estado em manter essa capacida de emerge uma linha claramente definida entre instabilidade monetária e fragmentação espacial Na década de 1980 a experiência brutal da des valorização monetária se torna cada vez mais fre quente com ciclos de hiperinflação ocorrendo em vários países o que incluiu até mesmo a substitui ção repentina de uma moeda Durante as últimas décadas do século 20 a circulação monetária tem influenciado Estado e sociedade pelo menos de duas formas diferentes Primeiro temos visto uma escassez geral de liqui dez e sua concentração gradual em determinados canais cujo acesso está submetido a condições cada vez mais draconianas Como resultado o número de indivíduos dotados de meios materiais para controlar dependentes por meio da criação de dívidas diminuiu abruptamente Historicamen Kader Attia Demoncracy Escultura 2009 141 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE te capturar e fixar dependentes por meio de dí vida tem sido sempre um aspecto central tanto da produção de pessoas como da constituição do vínculo político67 Tais obrigações foram cruciais para determinar o valor das pessoas e julgar seu valor e utilidade Quando seu valor e utilidade não são demonstrados podem ser destituídas como escravos peões ou clientes Segundo o fluxo controlado e a demarcação dos movimentos de capital em regiões das quais se ex traem recursos específicos tornaram possível a for mação de enclaves econômicos e modificaram a antiga relação entre pessoas e coisas A concen tração de atividades relacionadas com a extração de recursos valiosos em torno desses enclaves tem por sua vez convertido esses enclaves em espaços privilegiados de guerra e morte A própria guer ra é alimentada pelo crescimento das vendas dos produtos extraídos68 Consequentemente novas relações surgem entre o fazer guerra as máqui nas de guerra e a extração de recursos69 Máqui nas de guerra estão implicadas na constituição de economias locais ou regionais como altamente transnacionais Na maioria dos lugares o colapso das instituições políticas formais sob a pressão da violência tende a conduzir à formação de econo mias de milícia Máquinas de guerra nesse caso milícias ou movimentos rebeldes tornamse rapi damente mecanismos predadores altamente orga nizados que taxam os territórios e as populações que os ocupam e se baseiam numa variedade de redes transnacionais e diásporas que os provêm com apoio material e financeiro Em correlação com a nova geografia de extração de recursos assistimos ao surgimento de uma forma governamental sem precedentes que consiste na gestão de multitudes A extração e o saque dos recursos naturais pelas máquinas de guerra caminham de mãos dadas com tentativas brutais para imobilizar e fixar espacialmente categorias inteiras de pessoas ou paradoxalmente para soltálas forçandoas a se disseminar por grandes áreas que excedem as fronteiras de um Estado territorial Enquanto categoria política as populações são então decompostas entre rebeldes criançassoldados vítimas ou refugiados civis incapacitados por mutilação ou simplesmente massacrados ao modo dos sacríficios antigos enquanto os sobreviventes depois de um êxodo terrível são confinados a campos e zonas de exceção70 Essa forma de governabilidade difere do comando commandement71 colonial As técnicas de poli ciamento e disciplina além da escolha entre obe diência e simulação que caracterizou o potentado colonial e póscolonial estão gradualmente sendo substituídas por uma alternativa mais trágica dado o seu extremismo Tecnologias de destruição torna ramse mais táteis mais anatômicas e sensoriais dentro de um contexto no qual a escolha se dá en tre a vida e a morte72 Se o poder ainda depende de um controle estreito sobre os corpos ou de sua concentração em campos as novas tecnologias de destruição estão menos preocupadas com inscri ção de corpos em aparatos disciplinares do que em inscrevêlos no momento oportuno na ordem da economia máxima agora representada pelo mas sacre Por sua vez a generalização da insegurança aprofundou a distinção social entre aqueles que têm armas e os que não têm lei de distribuição de armas Cada vez mais a guerra não ocorre entre exércitos de dois Estados soberanos Ela é travada por grupos armados que agem por trás da máscara do Estado contra os grupos armados que não têm Estado mas que controlam territórios bastante distintos ambos os lados têm como seus principais alvos as populações civis desarmadas ou organizadas como milícias Em casos nos quais 142 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 dissidentes armados não tomaram completamen te o poder do Estado produzem partições territo riais alcançando o controle sobre regiões inteiras pelo modelo feudal especialmente onde existem depósitos minerais73 As maneiras de matar não variam muito No caso particular dos massacres corpos sem vida são ra pidamente reduzidos à condição de simples es queletos Sua morfologia doravante os inscreve no registo de generalidade indiferenciada simples relíquias de uma dor inexaurível corporeidades vazias sem sentido formas estranhas mergulha das em estupor cruel No caso do genocídio de Ruanda em que um grande número de esquele tos foi preservado em estado visível senão exuma dos o surpreendente é a tensão entre a petrifica ção dos ossos sua frieza coolness estranha por um lado e por outro lado seu desejo persistente de ter sentido de significar algo Nesses pedaços insensíveis de osso não parece haver nenhum vestígio de ataraxia nada mais que a rejeição ilusória de uma morte que já ocor reu Em outros casos em que a amputação física substitui a morte imediata cortar os membros abre caminho para a implantação das técnicas de incisão ablação e excisão que também têm os ossos como seu alvo Os vestígios dessa cirurgia demiúrgica persistem por um longo tempo sob a forma de configurações humanas vivas mas cuja integridade física foi substituída por pedaços fragmentos dobras até mesmo imensas feridas difíceis de fechar Sua função é manter diante dos olhos da vítima e das pessoas a seu redor o espetáculo mórbido do seccionamento De movimento e metal Voltemos ao exemplo da Palestina onde duas lógicas aparentemente irreconciliáveis se confron tam a lógica do martírio e a lógica da sobre vivência Ao analisar essas duas lógicas gostaria de refletir sobre questões duplas morte e terror por um lado e terror e liberdade por outro No confronto entre essas duas lógicas o terror e a morte não se encontram em lados distintos Ter ror e morte estão no coração de cada um Como Elias Canetti nos lembra o sobrevivente é aquele que tendo percorrido o caminho da morte sa bendo dos extermínios e permanecendo entre os que caíram ainda está vivo Ou mais preci samente o sobrevivente é aquele que após lutar contra muitos inimigos conseguiu não só escapar com vida como também matar seus agressores Por isso em grande medida o grau mais baixo da sobrevivência é matar Canetti assinala que na lógica da sobrevivência cada homem é inimigo de todos os outros Mais radicalmente o horror experimentado sob a visão da morte se transfor ma em satisfação quando ela ocorre com o outro É a morte do outro sua presença física como um cadáver que faz o sobrevivente se sentir único E cada inimigo morto faz aumentar o sentimento de segurança do sobrevivente74 A lógica do martírio prossegue ao longo de li nhas diferentes Ela é caracterizada pela figura do homembomba que já em si gera uma série de questões Qual a diferença fundamental en tre matar usando um helicóptero de mísseis um tanque ou o próprio corpo A distinção entre as armas utilizadas para aplicar a morte impede o es tabelecimento de um sistema de intercâmbio ge ral entre o modo de matar e o modo de morrer O homembomba não veste nenhum uniforme de soldado e não exibe nenhuma arma O can didato a mártir persegue seus alvos o inimigo é uma presa para quem uma armadilha é disposta A esse respeito é significante o local em que a em 143 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE boscada é colocada o ponto de ônibus a cafete ria a discoteca o mercado a guarita a rua em suma os espaços da vida cotidiana A captura do corpo se soma ao local da embos cada O candidato a mártir transforma seu corpo em máscara que esconde a arma que logo será detonada Ao contrário do tanque ou míssil que é claramente visível a arma contida na forma do corpo é invisível Assim dissimulada faz parte do corpo Está tão intimamente ligada ao corpo que no momento da detonação aniquila seu portador e leva consigo outros corpos quando não os reduz a pedaços O corpo não esconde apenas uma arma Ele é transformado em arma não em sentido metafórico mas no sentido ver dadeiramente balístico Nesse caso minha morte anda de mãos dadas com a morte do outro Homicídio e suicídio são realizados no mesmo ato E em larga medida resistência e autodestruição são sinônimos Lidar com a morte é portanto reduzir o outro e a si mesmo ao status de pedaços de carne inertes dispersos e reunidos com dificuldade antes do en terro Nesse caso tratase de uma guerra corpo a corpo Matar requer a aproximação extrema com o corpo do inimigo Para detonar a bomba é pre ciso resolver a questão da distância por meio do trabalho de proximidade e ocultação Como interpretar essa forma de derramar sangue na qual a morte não é simplesmente a minha própria mas algo que vem acompanhado da morte do outro75 Em que difere da morte infligi da por um tanque ou um míssil num contexto em que o custo de minha sobrevivência é calculado em termos de minha capacidade e disponibilida de para matar alguém Na lógica do martírio a vontade de morrer se funde com a vontade de levar o inimigo consigo ou seja eliminar a possi bilidade de vida para todos Essa lógica aparente mente contraria a outra que consiste em querer impor a morte aos demais preservando a própria vida Canetti descreve esse momento de sobrevi vência como um momento de poder Nesse caso o triunfo deriva precisamente da possibilidade de estar lá quando os outros nesse caso o inimigo não estão mais Tal é a lógica do heroísmo como entendida classicamente executar os demais mantendo a própria morte a distância Na lógica do martírio emerge uma nova semio se do matar Ela não se baseia necessariamente numa relação entre forma e matéria Como já in diquei nesse caso o corpo se torna o uniforme do mártir Mas o corpo como tal não é apenas um objeto de proteção contra o perigo e a mor te O corpo em si não tem poder nem valor O poder e o valor do corpo resultam de um processo de abstração com base no desejo de eternidade Nesse sentido o mártir tendo estabelecido um momento de supremacia em que o sujeito triunfa sobre sua própria mortalidade pode perceberse como tendo trabalhado sob o signo do futuro Em outras palavras na morte o futuro é colap sado no presente Em seu desejo de eternidade o corpo sitiado passa por duas fases Primeiro ele é transforma do em mera coisa matéria maleável Depois a maneira como é conduzido à morte suicídio lhe proporciona seu significado final A matéria que constitui o corpo é investida de proprieda des que não podem ser deduzidas a partir de seu caráter de coisa mas sim de um nomos transcen dental fora dele O corpo sitiado se converte em uma peça de metal cuja função é pelo sacrifício trazer a vida eterna ao ser O corpo se duplica e na morte literal e metaforicamente escapa do es tado de sítio e ocupação 144 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 Como conclusão explorarei a relação entre terror liberdade e sacrifício Martin Heidegger defende que o ser para a morte é a condição decisiva de toda liberdade humana verdadeira76 Em outras palavras se é livre para viver a própria vida somen te quando se é livre para morrer a própria morte Enquanto Heidegger dá um status existencial ao ser para a morte e o considera uma manifesta ção de liberdade Bataille sugere que o sacrifício na realidade não revela nada Não é simples mente a manifestação absoluta da negatividade Também é uma comédia Para Bataille a morte revela o lado animal do ser humano ao qual ele ainda se refere como o ser natural do sujeito Para sua autorrevelação final é preciso morrer mas ele terá que fazêlo enquanto vivo olhando a si mesmo ao deixar de existir acrescenta Em outras palavras o ser humano tem de estar ple namente vivo no momento de morrer estar cien te de sua morte para viver com o sentimento de estar morrendo A própria morte deve tornarse a consciência de si mesmo no momento em que oblitera o ser consciente Em certo sentido isso é o que acontece o que pelo menos está a ponto de acontecer ou o que ocorre de forma ilusória fugaz por meio de um subterfúgio no sacrifício Nessa situação o ser se identifica com o animal à beira da morte Assim ele morre vendose mor The Continuity of the Debt 2013 Instalação 145 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE rer e ainda em algum sentido por meio de sua própria vontade em harmonia com a arma de sacrifício Mas esse é o jogo E para Bataille o jogo é mais ou menos o meio pelo qual o sujeito humano voluntariamente engana a si próprio77 De que forma as noções de jogo e trapaça se re lacionam ao homembomba Não há dúvidas de que nesse caso o sacrifício consiste na espeta cular submissão de si à morte de tornarse vítima por seu próprio empenho O autossacrificado prossegue a fim de tomar posse de sua própria morte e de encarála firmemente Esse poder pode derivar da convicção de que a destruição do próprio corpo não afeta a continuidade do ser A ideia consiste na existência do ser fora de nós O autossacrifício equivale à remoção de uma proibi ção dupla da autoimolação suicídio e do assas sinato Todavia diferentemente dos sacrifícios pri mitivos não há nenhum animal para servir como um substituto da vítima A morte atinge aqui o caráter de transgressão Ao contrário da crucifi cação não tem nenhuma dimensão expiatória Não se relaciona com os paradigmas hegelianos de prestígio ou reconhecimento Com efeito uma pessoa morta não pode reconhecer o assassino que também está morto Isso implica que a morte se manifesta aqui como pura aniquilação insigni ficância excesso e escândalo Kader Attia S Título 2014 colagem papel fotografias gráficos de livros antigos Foto Axel Schneider 146 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 Se observarmos a partir da perspectiva da es cravidão ou da ocupação colonial morte e li berdade estão irrevogavelmente entrelaçadas Como já vimos o terror é uma característica que define tanto os Estados escravistas quan to os regimes coloniais tardomodernos Ambos os regimes são também instâncias e experiências específicas de ausência de liberdade Viver sob a ocupação tardomoderna é experimentar uma condição permanente de estar na dor estrutu ras fortificadas postos militares e bloqueios de estradas em todo lugar construções que trazem à tona memórias dolorosas de humilhação inter rogatórios e espancamentos toques de recolher que aprisionam centenas de milhares de pessoas em suas casas apertadas todas as noites desde o anoitecer ao amanhecer soldados patrulhando as ruas escuras assustados pelas próprias sombras crianças cegadas por balas de borracha pais hu milhados e espancados na frente de suas famí lias soldados urinando nas cercas atirando nos tanques de água dos telhados só por diversão repetindo slogans ofensivos batendo nas portas frágeis de lata para assustar as crianças confis cando papéis ou despejando lixo no meio de um bairro residencial guardas de fronteira chutando uma banca de legumes ou fechando fronteiras sem motivo algum ossos quebrados tiroteios e fatalidades um certo tipo de loucura78 Em tais circunstâncias o rigor da vida e a dureza da necesidade julgamento por morte são mar cados pelo excesso O que liga o terror a morte e a liberdade é uma noção extática da tempora lidade e da política O futuro aqui pode ser au tenticamente antecipado mas não no presente O presente em si é apenas um momento de visão visão da liberdade que ainda não chegou A morte no presente é mediadora da redenção Longe de ser um encontro com um limite fronteira ou bar reira ela é experimentada como uma libertação do terror e da sujeição79 Como observa Gilroy essa preferência pela morte diante da servidão contínua é um comentário sobre a natureza da liberdade em si ou sua falta Se essa falta é a pró pria natureza do que significa para a existência do escravo ou o colonizado essa mesma falta é tam bém precisamente o modo pelo qual ele ou ela reconhece sua própria mortalidade Referindose à prática de suicídio em massa ou individual por escravos encurralados pelos caçadores de escra vos Gilroy sugere que a morte nesse caso pode ser representada como agenciamento já que a morte é precisamente aquilo por que e sobre o que tenho poder Mas também é esse espaço em que a liberdade e a negação operam Conclusão Neste ensaio argumentei que as formas con temporâneas que subjugam a vida ao poder da morte necropolítica reconfiguram profunda mente as relações entre resistência sacrifício e terror Demonstrei que a noção de biopoder é insuficiente para explicar as formas contemporâ neas de subjugação da vida ao poder da morte Além disso propus a noção de necropolítica e necropoder para explicar as várias maneiras pelas quais em nosso mundo contemporâneo armas de fogo são implantadas no interesse da destrui ção máxima de pessoas e da criação de mundos de morte formas novas e únicas da existência social nas quais vastas populações são subme tidas a condições de vida que lhes conferem o status de mortosvivos O ensaio também es boçou algumas das topografias reprimidas de crueldade fazenda e colônia em particular e sugeriu que sob o necropoder as fronteiras en tre resistência e suicídio sacrifício e redenção martírio e liberdade desaparecem 147 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE Tradução Renata Santini Revisão técnica Cezar Bartholomeu NOTAS O texto foi publicado originalmente em Public Cul ture 15 1 2003 1140 Este ensaio é o resultado de conversas mantidas com Arjun Appadurai Carol Breckenridge e Françoise Vergès Trechos foram apresentados em seminários e workshops em Evanston Chicago Nova York New Haven e Joanesburgo Críticas úteis foram fornecidas por Paul Gilroy Dilip Yan Gaonkar Beth Povinelli Ben Lee Charles Taylor Crawford Young Abdoumaliq Simone Luc Sindjoun Souleymane Bachir Diagne Carlos Forment Ato Quayson Ulrike Kistner David Theo Goldberg e Deborah Posel Comentários adicio nais e ideias bem como apoio crítico e incentivo fo ram oferecidos por Rehana EbrVally e Sarah Nuttall O ensaio é dedicado a meu amigo falecido Tshikala Kayembe Biaya 1 O ensaio se distancia de análises tradicionais da so berania encontrados na disciplina da ciência política e sua subdisciplina relações internacionais Na maior parte essas considerações colocam a soberania den tro dos limites do Estadonação dentro das institui ções habilitadas pela autoridade do Estado ou em redes e instituições supranacionais Ver por exemplo Soberania no milênio edição especial de Estudos po líticos 47 1999 Minha abordagem é baseada na crítica de Michel Foucault sobre a noção de sobe rania e sua relação com a guerra e biopoder em Il faut défendre la société Cours au Collège de France 19751976 Paris Seuil 1997 3755 75100 125 148 213244 Ver ainda Giorgio Agamben Homo sacer Le pouvoir souverain et la vie nue Paris Seuil 1997 2380 2 Foucault 1997 op cit 213234 3 Sobre o estado de exceção ver Carl Schmitt La dictature Paris Seuil 2000 210228 235236 250251 255256 La notion de politique Théorie du partisan Paris Flammarion 1992 4 Hannah Arendt The origins of totalitarianism New York Harverst 1966 444 5 Giorgio Agamben Moyens sans fins notes sur la politique Paris Payot Rivages 1995 5051 6 Sobre esses debates ver Saul Friedlander Org Probing the limits of representation Nazism and the Final Solution Cambridge Harvard University Press 1992 e mais recentemente Bertrand Ogilvie Comparer lincomparable Multitudes n 7 2001 130166 7 Ver James Bohman e William Rehg Orgs Deli berative democracy essays on reason and politics Cambridge MIT Press 1997 Jürgen Habermas Be tween facts and norms Cambridge MIT Press 1996 8 James Schmidt Org What is Enlightenment Eighteenthcentury answers and twentiethcentury questions Berkeley University of California Press 1996 9 Cornelius Castoriadis Linstitution imaginaire de la société Paris Seuil 1975 e Figures du pensable Pa ris Seuil 1999 10 Ver em particular Paul Gilroy The black Atlantic Modernity and double consciousness Cambridge Harvard University Press 1993 especialmente o ca pítulo 2 11 G W F Hegel Phénoménologie de lesprit Paris Aubier 1991 Ver também a crítica por Alexandre Kojève Introduction à la lecture de Hegel Paris Galli mard 1947 especialmente o apêndice II Lidée de la mort dans la philosophie de Hegel e Georges Ba taille Oeuvres complètes XII Paris Gallimard 1988 especialmente Hegel la mort et le sacrifice 326348 e Hegel lhomme et lhistoire 349369 148 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 12 Ver Jean Baudrillard Death in Bataille in Fred Botting Scott Wilson Org Bataille a critical reader Oxford Blackwell 1998 especialmente 139141 13 Georges Bataille Visions of excess selected writings 19271939 tradução de A Stoekl Minneapolis University of Minnesota Press 1985 9495 14 Fred Botting Scott Wilson orgs The Bataille re ader Oxford Blackwell 1997 318319 Ver também Georges Bataille The accursed share an essay on ge neral economy v 1 Consumption tradução Robert Hurley New York Zone 1988 e Erotism death sensuality tradução Mary Dalwood San Francisco City Lights 1986 15 Bataille The accursed share v 2 The history of eroticism e v 3 Sovereignty 16 Sobre o estado de sítio consulte Schmitt La dic tature op cit capítulo 6 17 Ver Foucault 1997 op cit 5774 18 Raça é politicamente falando não o começo da humanidade mas seu fim não o nascimento natu ral do homem mas sua morte antinatural Arendt Origins of totalitarianism op cit 157 19 Foucault 1997 opcit 214 20 Foucault 1997 op cit 228 21 Foucault 1997 op cit 227232 22 Ver Jürgen Habermas The philosophical discourse of Modernity twelve lectures Frederick G Lawrence trans Cambridge MIT Press 1987 especialmente capítulos 3 5 e 6 23 Enzo Traverso La violence nazie une généalogie européenne Paris La Fabrique Editions 2002 24 Michel Foucault Discipline and punish the birth of the prison New York Pantheon 1977 25 Ver Robert Wokler Contextualizing Hegels phe nomenology of the French Revolution and the Terror Political Theory 26 1998 3355 26 David W Bates Enlightenment aberrations error and revolution in France Ithaca Cornell University Press 2002 capítulo 6 27 Karl Marx Capital a critique of political eco nomy v 3 London Lawrence Wishart 1984 817 Ver também Capital v 1 trad Ben Fowkes Har mondsworth Penguin 1986 172 28 Stephen Louw In the shadow of the pharaohs the militarization of labour debate and classical mar xist theory Economy and Society 29 2000 240 29 Sobre a militarização do trabalho e a transição para o comunismo ver Nikolai Bukharin The politics and economics of the transition period trad Oliver Field London Routledge Kegan Paul 1979 e Leon Trotsky Terrorism and communism a reply to Karl Kautsky Ann Arbor University of Michigan Press 1961 Sobre o colapso da distinção entre Estado e sociedade ver Karl Marx The civil war in France Moscow Progress 1972 e Vladimir Ilitch Lenin Se lected works in three volumes v 2 Moscow Pro gress 1977 Para uma crítica do terror revolucio nário ver Maurice MerleauPonty Humanism and terror an essay on the communist problem trad John ONeill Boston Beacon 1969 Para um exem plo mais recente de terror revolucionário ver Steve J Stern Ed Shining and other paths war and so ciety in Peru 19801995 Durham Duke University Press 1998 30 Ver Saidiya V Hartman Scenes of subjection terror slavery and selfmaking in nineteenthcentury America Oxford Oxford University Press 1997 e Manuel Moreno Fraginals The sugarmill the socioe conomic complex of sugar in Cuba 17601860 New York Monthly Review Press 1976 31 Paul Gilroy The black Atlantic 57 32 Ver Frederick Douglass Narrative of the life of Frederick Douglass an American slave Houston A 149 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE Baker org New York Penguin 1986 33 O termo etiqueta é usado aqui para designar as li gações entre graça e controle sociais De acordo com Norbert Elias os costumes encarnam o que é con siderado um comportamento socialmente aceitável os preceitos de conduta e o quadro de convívio The history of manners In The civilizing process v 1 Edmund Jephcott trad New York Pantheon 1978 capítulo 2 34 Quanto mais alto ela gritou mais ele chico teou e onde o sangue correu mais rápido aí ele chicoteou mais demoradamente diz Douglass so bre as chicotadas em sua tia pelo Sr Plummer Ele iria chicoteála para fazêla gritar e chicoteála para ela ficar quieta e somente pararia de brandir o cou ro coberto de sangue quando vencido pelo cansa ço Foi um espetáculo terríveI Douglass opcit 51 Sobre o assassinato aleatório de escravos con sultar páginas 6768 35 Susan BuckMorss Hegel and Haiti Critical 26 2000 821866 36 Roger D Abrahams Singing the master the emergence of African American culture in the plan tation South New York Pantheon 1992 37 No que se segue estou consciente do fato de que formas coloniais de soberania sempre foram fragmentadas Eram complexas menos preocupa das em legitimar sua própria presença e mais exces sivamente violentas que suas formas europeias De maneira significativa os Estados europeus nunca visaram governar territórios coloniais com a mesma uniformidade e intensidade como foi aplicada a suas próprias populações A Mbembe Sovereignty as a form of expenditure In T B Hansen Finn Stepputat Sovereign bodies citizens migrants and States in the postcolonial world Princeton Princeton University Press 2002 148168 38 Em O estado racial Malden Blackwell 2002 David Theo Goldberg argumenta que a partir do século 19 existem pelo menos duas tradições his toricamente concorrentes da racionalização racial o naturalismo com base na declaração de inferio ridade e o historicismo baseado na reivindicação da imaturidade histórica e portanto educa bilidade dos nativos Em conversa privada 23 ago 2002 o autor defende a ideia segundo a qual essas duas tradições haviam desaparecido porém de forma diferente ao entrar em contato com as questões de soberania os Estados de exceção e as formas de necropoder Na sua opinião necropoder pode assumir várias formas o terror da morte real ou uma forma mais benevolente cujo resultado é a destruição de uma cultura para salvar o povo de si mesmo 39 Arendt Origins of Talitarianism op cit 185221 40 Etienne Balibar Prolégomènes à la souveraineté la frontière lEtat le peuple Les temps modernes n 610 nov 2000 5455 41 Eugene Victor Walter Terror and resistance a study of political violence with case studies of some primitive African communities Oxford Oxford Uni versity Press 1969 42 Arendt Origins of totalitarianism op cit 192 43 Para uma interpretação potente desse processo consulte Michael Taussig Shamanism colonialism and the wild man a study in terror and healing Chi cago University of Chicago Press 1987 44 Sobre o inimigo ver Lennemi edição especial Raisons politiques n 5 2002 45 Alexandre Kojève Introduction à la lecture de He gel Paris Gallimard 1980 46 Ver Daniel R Headrick The tools of Empire tech nology and European imperialism in the nineteenth century New York Oxford University Press 1981 47 Sobre o bantustões consulte G G Maasdorp 150 Arte Ensaios revista do ppgavebaufrj n 32 dezembro 2016 e A S B Humphreys Org From Shantytown to Township an economic study of African poverty and rehousing in a South African city Cape Town Juta 1975 48 Belinda Bozzoli Why were the 1980s millena rian Style repertoire space and authority in South Africas black cities Journal of Historical Sociology n13 2000 79 49 Bozzoli Why were the 1980s millenarian op cit 50 Ver Herman Giliomee Org Up against the fen ces poverty passes and privileges in South Africa Cape Town David Philip 1985 Francis Wilson Mi grant labour in South Africa Johannesburg Christian Institute of Southern Africa 1972 51 Frantz Fanon The wretched of the Earth tradu zido por C Farrington New York Grove Weidenfeld 1991 39 52 Id ibid 3739 53 Ver Regina M Schwartz The curse of Cain the violent legacy of monotheism Chicago University of Chicago Press 1997 54 Ver Lydia Flem Lart et la mémoire des camps représenter exterminer JeanLuc Nancy ed Paris Seuil 2001 55 Ver Eyal Weizman The politics of verticality open Democracy httptinyurlcomyclqxca publicação on line em wwwopenDemocracynet 25 abr 2002 56 Ver Stephen Graham e Simon Marvin Splintering urbanism networked infrastructures technological mobility and the urban condition London Routle dge 2001 57 Weizman The politics of verticality op cit 58 Ver Stephen Graham Clean territory urbicide in the West Bank openDemocracy publicação on line em wwwopenDemocracynet 7 ago 2002 59 Compare com a panóplia de novas bombas joga das pelos Estados Unidos durante a Guerra do Golfo e a guerra no Kosovo em geral destinadas a fazer chover cristais de grafite para desativar estações de energia e redes de distribuição Michael Ignatieff Virtual war New York Metropolitan Books 2000 60 Ver Michael Walzer Just and unjust wars a moral argument with historical illustrations New York Ba sic Books 1977 61 Benjamin Ederington Michael J Mazarr Org Turning point the Gulf War and US military strate gy Boulder Westview 1994 62 Thomas W Smith The new law of war legitimi zing hitech and infrastructural violence Internatio nal Studies Quarterly v46 n3 2002 367 Sobre o Iraque ver Geoffrey Leslie Simons The scourging of Iraq sanctions law and natural justice 2ed New York St Martin 1998 ver também Ahmed Sheha baldin e William M Laughlin Jr Economic sanctions against Iraq human and economic costs Internatio nal Journal of Human Rights 3 n 4 2000 118 63 Zygmunt Bauman Wars of the Globalization Era European Journal of Social Theory v 4 n 1 2001 15 Afastados como estão de seus alvos correndo daqueles que golpeiam rápido demais para teste munhar a devastação que causam e o sangue que derramam os pilotos convertidos em computadores quase nunca têm a chance de olhar suas vítimas no rosto e avaliar a miséria humana que têm semeado Militares profissionais do nosso tempo não veem cadáveres nem ferimentos Talvez eles durmam bem nenhuma pontada em suas consciências os manterá acordados 27 Ver também Penser la guerre au jourdhui Cahiers de la Villa Gillet n16 2002 75 152 64 Achille Mbembe At the edge of the world bou ndaries territoriality and sovereignty in Africa Public Culture n12 2000 259284 151 TEMÁTICAS ACHILLE MBEMBE 65 Em direito internacional corsários privateers são definidos como navios de propriedade privada que navegam sob uma comissão de guerra que ca pacita a pessoa a quem é concedido continuar todas as formas de hostilidade permitidas em altomar pe los usos da guerra Uso o termo aqui para designar formações armadas que atuam independentemente de qualquer sociedade politicamente organizada na busca de interesses privados quer seja sob a máscara do Estado ou não Ver Janice Thomson Mercenaries pirates and sovereigns Princeton Princeton Univer sity Press 1997 66 Gilles Deleuze Felix Guattari Capitalisme et schi zophrénie Paris Editions de minuit 1980 434527 67 Joseph C Miller Way of Death Merchant Ca pitalism and the Angolan Slave Trade 17301830 Madison University of Wisconsin Press 1988 espe cialmente Cap 2 e 4 68 Ver Jakkie Cilliers Christian Dietrich Org An golas war economy the role of oil and diamonds Pretoria Institute for Security Studies 2000 69 Ver por exemplo Rapport du Groupe dexperts sur lexploitation illégale des ressources naturelles et autres richesses de la République Démocratique du Congo United Nations Report n 22001357 sub metido pela Secretaria Geral ao Conselho de Segu rança 12 abr 2001 Veja também Richard Snyder Does lootable wealth breed disorder States regi mes and the political economy of extraction Dispo nível em httpskelloggndedupublicationsworkin gpapersWPS312pdf 70 Ver Loren B Landau The humanitarian hango ver Transnationalization of governmental practice in Tanzanias refugeepopulated areas Refugee Survey Quarterly 21 n1 2002 260299 281287 espe cialmente 71 Sobre commandement consultar Achille Mbembe On the postcolony Berkeley University of California Press 2001 capítulos 13 72 Ver Leisel Talley Paul B Spiegel Mona Girgis An investigation of increasing mortality among Congo lese refugees in Lugufu Camp Tanzania MayJune 1999 Journal of Refugee Studies 14 n 4 2001 412427 73 Ver Tony Hodges Angola from Afrostalinism to petrodiamond capitalism Oxford James Currey 2001 capítulo 7 Stephen Ellis The mask of anarchy the destruction of Liberia and the religious dimension of an African civil war London Hurst Company 1999 74 Ver Elias Canetti Crowds and Power C Stewart trad New York Farrar Straus Giroux 1984 227 280 75 Martin Heidegger Être et temps Paris Gallimard 1986 289322 76 Id ibid 77 Georges Bataille Année 1955 Hegel la mort et le sacrifice Oeuvres complètes v 12 Paris Galli mard 1988 336 78 Sobre o que antecede ver Amira Hass Drinking the sea at Gaza days and nights in a land under sie ge New York Henry Holt 1996 79 Gilroy The black Atlantic op cit 63 Achille Mbembe é professor de história e ciên cias políticas e pesquisador sênior no Instituto de Investigação Econômica e Social na Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo Publicou entre outras obras On the Postcolony 2001 e African modes of selfwriting Public Culture In verno 2002