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Direitos Humanos

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A AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS FÁBIO KONDER COMPARATO Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra Doutor em Direito da Universidade de Paris Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo A AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS 3ª edição revista e ampliada 2003 Editora Saraiva ISBN 8502040774 Dados InternaCiOnaiS de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Comparato Fábio Konder 1936 A afirmação histórica dos direitos humanos Fábio Konder ComparatO 3 ed rev e ampl São Paulo Saraiva 2003 1 Direitos humanos 2 Direitos humanos Direito internacional 3 Direitos humanos História 1 Titulo 023572 CDU3427 Indice para catálogo sistemático 1 Direitos humanos Direito público 3427 Editora Saraiva Avenida Marquês de São Vicente 1697 CEP 01139904 Barra Funda São Paulo SP TELPABX 11 36133000 Fax 11 36113308 Fone Vendas 11 36133344 Fax Vendas 11 36113268 Endereço Internet httpwwweditOrasaraivacombr Não se deve nunca esgotar de tal modo um assunto que não se deixe ao leitor nada a fazer Nãose trata de fazer ler mas de fazer pensar MONTESQUIEU Do Espírito das Leis livro XI capítulo XX O projeto original deste livro foi aprovado pelo Conselho da Cátedra UNESCOUSP de Educação para a Paz Direitos Humanos Democracia e Tolerância sob a coordenação do eminente Professor José Mário Pires Azenha As Dras Olivia Raposo da Silva Telles e Isabel Ricupero prestaramme importante colaboração na pesquisa das fontes A Desembargadora Federal Snvia Steiner forneceume os principais documentos comentados no capítulo 23º ÍNDICE Introdução Sentido e Evolução dos Direitos Humanos Capítulo 1º Magna Carta 1215 Capítulo 2º Lei de HabeasCorpus Inglaterra 1679 Capítulo 3º Declaração de Direitos Bill of Rights Inglaterra 1689 Capítulo 4º A Declaração de Independência e a Constituição dos Estados Unidos da América do Norte Capítulo 5º As Declara ções de Direitos da Revolução Francesa Capítulo 6º A Constituição Francesa de 184 Capítulo 7º A Convenção de Genebra de 1864 Capítulo 8º A Constituição Mexicana de 1917 Capítulo 9º A Constituição Alemã de 1919 República de Weimar Capítulo 10º A Convenção de Genebra sobre a Escravatura 1926 Capítulo 11º A Convenção Relativa ao Tratamento de Prisioneiros de Guerra Genebra 1929 Capítulo 12º A Carta das Nações Unidas Capítulo 13º A Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 Capítulo 14º A Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio 1948 Capítulo 15º As Convenções de Genebra de 1949 sobre a Proteção das Vítimas de Con flitos Bélicos Capítulo 16º A Convenção Européia dos Direitos Humanos 1950 Capítulo 17º Os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966 Capítulo 18º A Convenção Americana de Direitos Humanos 1969 Capítulo 19º A Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural 1972 Capítulo 20º A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos 1981 Capítulo 21º A Convenção sobre o Direito do Mar 1982 Capítulo 22º A Convenção sobre a Diversidade Biológica 1992 Capítulo 23º O Estatuto do Tribunal Penal Internacional de 1998 Epílogo A Humanidade no Século XXI a Grande Opção INTRODUÇÃO SENTIDO E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Situação do Homem no Mundo O que se conta nestas páginas é a parte mais bela e importante de toda a História a revelação de que todos os seres humanos apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si merecem igual respeito como únicos entes no mundo capazes de amar descobrir a verdade e criar a beleza E o reconhecimento universal de que em razão dessa radical igualdade ninguém nenhum indivíduo gênero etnia classe social grupo religioso ou nação pode afirmarse superior aos demais Este livro procura mostrar como se foram criando e estendendo progressivamente a todos os povos da Terra as instituições jurídicas de defesa da dignidade humana contra a violência o aviltamento a exploração e a miséria Tudo gira assim em torno do homem e de sua eminente posição no mundo Mas em que consiste afinal a dignidade humana A resposta a essa indagação fundamental foi dada sucessivamente no campo da religião da filosofia e da ciência A justificativa religiosa da preeminência do ser humano no mundo surgiu com a afirmação da fé monoteísta A grande Contribuição do povo da Bíblia à humanidade uma das maiores aliás de toda a História foi a idéia da criação do mundo por um Deus único e transcendente Os deuses antigos de certa forma faziam parte do mundo como superhomens com as mesmas paixões e defeitos do ser humano Iahweh muito ao contrário como criador de tudo o que existe é anterior e superior ao mundo Diante dessa transcendência divina os dias do homem disse o salmista são como a relva ele floresce como a flor do campo roçalhe um vento e já desaparece e ninguém mais reconhece seu lugar Salmo 103 No entanto a criatura humana ocupa uma posição eminente na ordem da criação Deus lhe deu poder sobre os peixes do mar as aves do céu os animais domésticos todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra Gênesis 1 26 A cada um deles o homem deu um nome 2 19 o que significa segundo velhíssima crença submeter o nomeado ao poder do nomeante1 É o que o Salmo 8 exprimiu em forma cintilante Quando vejo o céu obra dos teus dedos a lua e as estrelas que fixaste que é um mortal para dele te lembrares e um filho de Adão que venhas visitálo E o fizeste pouco menos do que um deus coroandoo de glória e beleza Para que domine as obras de Tuas mãos sob seus pés tudo colocaste ovelhas e bois todos eles e as feras do campo também as aves do céu e os peixes do oceano que percorrem as sendas dos mares Mais tarde com a afirmação da natureza essencialmente racional do ser humano põese nova justificativa para a sua eminente posição no mundo A sabedoria grega expressoua com 1 Para os antigos com efeito o nome exprime a essência do ser Um homem sem nome é insignificante em todos os sentidos da palavra Jó 30 8 é como se não existisse Eclesiastes 6 10 O nome de Iahweh pronunciado pelo sacerdote sobre o povo protegeo Números 6 27 Daí a razão do 2º mandamento do decálogo mosaico Não pronunciarás em vão o nome de Iahweh teu Deus pois Iahweh não deixará impune aquele que pronunciarem vão o seu nome Deuteronômio 5 11 vigor pela voz dos poetas e filósofos Numa passagem do Prometeu Acorrentado 445470 que marca a transição da explicação religiosa para a filosófica Ésquilo põe na boca do titã as seguintes palavras Ouça agora as misérias dos mortais e perceba como de crianças que eram eu os fiz seres de razão capazes de pensar Quero dizêlo aqui não para denegrir os homens mas para lhe mostrar minha bondade para com eles No início eles enxergavam sem ver ouviam sem compreender e semelhantes às formas oníricas viviam sua longa existência na desordem e na confusão Eles desconheciam as casas ensolaradas de tijolo ignoravam os trabalhos de carpintaria viviam debaixo da terra como ágeis formigas no fundo de grotas sem sol Para eles não havia sinais seguros nem do inverno nem da primavera florida nem do verão fértil faziam tudo sem recorrer à razão até o momento em que eu lhes ensinei a árdua ciência do nascente e do poente dos astros Depois foi a vez da ciência dos números a primeira de todas que inventei para eles assim como a das letras combinadas memória de todas as coisas labor que engendra as artes Fui também o primeiro a subjugar os animais submetendoos aos arreios ou a um cavaleiro de modo a substituir os homens nos grandes trabalhos agrícolas e atrelei às carruagens os cavalos dóceis com que se ornamenta o fasto opulento Fui o único a inventar os veículos com asas de tecido os quais permitem aos marinheiros correr os mares Na verdade a indagação central de toda a filosofia é bem esta Que é o homem A sua simples formulação já postula a singularidade eminente deste ser capaz de tomar a si mesmo como objeto de reflexão A característica da racionalidade que a tradição ocidental sempre considerou como atributo exclusivamente humano revelase sobretudo nesse sentido reflexivo a partir do qual como se sabe Descartes deu início à filosofia moderna A justificativa científica da dignidade humana sobreveio com a descoberta do processo de evolução dos seres vivos embora a primeira explicação do fenômeno na obra de Charles Darwin rejeitasse todo finalismo como se a natureza houvesse feito várias tentativas frustradas antes de encontrar por mero acaso a boa via de solução para a origem da espécie humana Ora apesar da aceitação geral das explicações darwinianas vai aos poucos abrindo caminho no mundo científico a convicção de que não é por acaso que o ser humano representa o ápice de toda a cadeia evolutiva das espécies vivas A própria dinâmica da evolução vital se organiza em função do homem Os partidários do chamado princípio antrópico2 reconhecem que os dados científicos não permitem afirmar nem negar aliás que o mundo e o homem existem e evoluem em razão da vontade de um sujeito transcendente que tudo criou e tudo pode destruir O que esses cientistas sustentam com bons argumentos é que o encadeamento sucessivo das etapas evolutivas obedece objetivamente a uma orientação finalística inscrita na própria lógica do processo e sem a qual a evolução seria racionalmente incompreensível A transformação biológica dos hominídeos aliás como hoje se reconhece é um processo único e insuscetível de reprodução3 Nestas condições é razoável aceitarse como postulado científico que toda a eVolução das espécies vivas se encaminhou aleatoriamente em direção ao ser 2 Cf J D Barrow e F J Tipler TheAnthropic Cosmologicaí Principie Oxford Universitv Press 1986 Michael Denton Evolution A Theorv in Crisis Londres Burnett 1985 idem The Long Chain of Coincidence traduzido para o francês sob o título Lévoiution arelie un sens Paris Fayard 1997 J Demaret e D Lambert Le príncipe anthropique Paris Armand Cohnx 1994 3 Cf John C Eccles Evolution ofthe Brain Creation ofthe Self Routledge Londres e Nova York 1989 p 217 humano como poderia também de forma puramente aleatória ter conduzido à degeneração e à morte universal Muito mais abstrusa que a explicação mitológica e religiosa tradicional parece assim a idéia de que o advento do ser humano na face daTerra seria o resultado de um estupendo acaso Pois se a evolução avança sem rumo como nave desbussolada através da História esta nada mais seria como exclamou o desespero de Macbeth que a tale told by an idiot full of sound and fury signifying nothing4 Se a humanidade ignora o sentido da Vida e jamais poderá discernilo é impossível distinguir a justiça da iniqüidade o belo do horrendo o criminoso do sublime a dignidade do aviltamento Tudo se identifica e se confunde no magma caótico do absurdo universal aquele mesmo abismo amorfo e tenebroso que segundo o relato bíblico precedeu a Criação Para a sabedoria antiga aliás a geração do mundo não tem apenas um sentido ontológico com o nascimento dos diversos entes que o povoam Ela exprime antes um sentido axiológico com a organização de uma escala universal de valores que vai aos poucos se explicitando É importante observar que no relato bíblico da Criação o mundo não surge instantaneamente completo e acabado das mãos do Criador As criaturas vãose acrescentando umas às outras como etapas de um vasto programa simbolicamente ordenado na duração de um ciclo lunar O primeiro casal humano só entra em cena na derradeira etapa do processo genesíaco quando todos os demais seres terrestres já haviam sido engendrados Na tradição eloísta5 o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus Gn 1 2627 Já na tradição javista 4 Ato V cena V 5 Segundo a teoria mais geralmente aceita os cinco primeiros livros da Bíblia o Pentateuco procedem de quatro fontes distintas amalgamadas no texto atual A fonte javista assim denominada porque nela Deus toma o nome de Iahweh seria Originária do reino de Judá A fonte eloísta onde Deus é comumente designado Como Elohim é originária de Israel diferentemente Deus modelou o homem com a argila do solo adamah em hebraico nome coletivo que passa a designar o primeiro ser humano Adão Gn 2 7 A Bíblia apresenta pois o homem como situado entre o Céu e a Terra como um ser a um só tempo espiritual e terreno Ora a verdade hoje indiscutível de resto no meio científico é que o curso do processo de evolução vital foi substancialmente influenciado pela aparição da espécie humana A partir de então surge em cena um ser capaz de agir sobre o mundo físico sobre o conjunto das espécies vivas e sobre si próprio enquanto elemento integrante da biosfera O homem passa a alterar o meio ambiente e ao final com a descoberta das leis da genética adquire os instrumentos hábeis a interferir no processo generativo e de sobrevivência de todas as espécies vivas inclusive a sua própria Na atual etapa da evolução como todos reconhecem o componente cultural é mais acentuado que o componente natural Até o aparecimento da linguagem a evolução cultural foi quase imperceptível A partir de então no entanto ou seja a contar desse marco histórico decisivo há cerca de 40000 anos a evolução cultural cresceu mais rapidamente do que nos milhões de anos que a precederam6 O homem perfaz indefinidamente a sua própria natureza por assim dizer inacabada ao mesmo tempo em que hominiza a Terra tornandoa sempre mais dependente de si próprio Foi exatamente essa concepção do homem demiurgo de si mesmo e do mundo em torno de si que umjóvem humanista italiano Giovanni Pico senhor de Mirandola e Concordia apresentou em 1486 em famoso discurso acadêmico7 6 Jared Diarnond The Rise and Fali of the Third Chirnpanzee citado por Christian de Duve Prêmio Nobel Poussière de vie Une histoire du vivant Paris Fayard 1996 404 7 Oratio Ioannis Pici Miranduiae Concordiae Comitis Cito da edição bilíngüe latina e italiana sob o título Discorso sulla Dignità delluomo aos cuidados de Giuseppe Tognon Brescia Editrice La Scuola 1987 Imaginou ele que o Criador ao completar sua obra havendo povoado a região supraceleste com puros espíritos e o mundo terrestre com uma turba de animais de toda espécie vis e torpes percebeu que ainda faltava alguém nesse vasto cenário capaz de apreciar racionalmente a obra divina de amar sua beleza e admirarlhe a vastidão A dificuldade no entanto é que já não havia um modelo próprio e específico para a composição desta última criatura Todas as formas possíveis de grau ínfimo médio ou superior haviam sido utilizadas e especificadas na criação dos demais seres Decidiu então o Criador em sua infinita sabedoria que àquele a quem nada mais podia atribuir de próprio fosse conferido em comum tudo o que concedera singularmente às outras criaturas Mais do que isso determinou Deus que o homem fosse um ser naturalmente incompleto Não te damos ó Adão nem um lugar determinado nem um aspecto próprio nem uma função peculiar a fim de que o lugar o aspecto ou a função que desejares tu os obtenhas e conserves por tua escolha e deliberação próprias A natureza limitada dos outros seres é encerrada no quadro de leis que prescrevemos Tu diversamente não constrito em limite algum determinarás tua natureza segundo teu arbítrio a cujo poder te entregamos Pusemoste no centro do mundo para que daí possas examinar à tua roda tudo o que nele se contém Não te fizemos nem celeste nem imortal para que tu mesmo como artífice por assim dizer livre e soberano te possas plasmar e esculpir na forma que escolheres Poderás te rebaixar à irracionalidade dos seres inferiores ou então elevarte ao nível divino dos seres superiores A sabedoria telúrica do Riobaldo de Grande Sertão Veredas exprimiu a mesma convicção no doce falar dos Gerais Mire veja o mais importante e bonito do mundo é isto que as pessoas não estão sempre iguais ainda não foram terminadas mas que elas vão sempre mudando Afinam ou desafinam Na verdade a primeira reflexão do homem sobre si mesmo surgiu concomitantemente em várias civilizações num período decisivo da História O Período Axial e seus Desdobramentos Numa interpretação que Toynbee considerou iluminant8 Karl Jaspers9 sustentou que o curso inteiro da História poderia ser dividido em duas etapas em função de uma determinada época entre os séculos VIII e II a C a qual formaria por assim dizer o eixo histórico da humanidade Daí a sua designação para essa época de período axial Achsenzeit No centro do período axial entre 600 e 480 A C coexistiram sem se comunicarem entre si alguns dos maiores doutrinadores de todos os tempos Zaratustra na Pérsia Buda na Índia LaoTsê e Confúcio na China Pitágoras na Grécia e o DêuteroIsaías em Israel Todos eles cada um a seu modo foram autores de visões do mundo a partir das quais estabeleceuse a grande linha divisória histórica as explicações mitológicas anteriores são abandonadas e o curso posterior da História passa a constituir um longo desdobramento das idéias e princípios expostos durante esse período O século VIII a C é apontado como o início do período axial10 não só porque é o século de Homero mas sobretudo porque nele 8 Cf Mankind and Mother Earth A narrative histon of the worid 1976 Oxford Universitv Press p 177 9 Vom Ursprung und Ziei der Geschichte P ed em 1949 8ª ed Munique Zurique IR Piper Co Verlagx 1983 p 1942 10 Toynbee sustenta que o início desse período remontaria a c 1060 da era précristã quando surgiram os primeiros profetas sírios prováveis inspiradores dos profetas de Israel surgiram os profetas de Israel notadamente Isaías aos quais se deve a elaboração do autêntico monoteísmo Até então com efeito a religião dos hebreus era como já se disse de certa maneira uma monolatria só Iahweh podia ser adorado como Deus verdadeiro mas a existência de outras divindades era não raro admitida Foi durante o período axial que se enunciaram os grandes princípios e se estabeleceram as diretrizes fundamentais de vida em vigor até hoje No século V a C tanto na Ásia quanto na Grécia o Século de Péricles nasce a filosofia com a substituição pela primeira vez na História do saber mitológico da tradição pelo saber lógico da razão O indivíduo ousa exercer a sua faculdade de crítica racional da realidade Nesse mesmo século em Atenas surgem concomitantemente a tragédia e a democracia e essa sincronia como se observou não foi meramente casual11 A supressão de todo poder político superior ao do próprio povo coincidiu historicamente com o questionamento dos mitos religiosos tradicionais Qual deveria ser doravante o critério supremo das ações humanas Não poderia ser outro senão o próprio homem Mas como definir esse critério ou melhor dizendo quem é o homem Se já não há nenhuma justificativa ética para a organização da vida humana em sociedade numa instância superior ao povo o homem tornase em si mesmo o principal objeto de análise e reflexão A tragédia grega muitos séculos antes da psicanálise representou a primeira grande introspecção nos subterrâneos da alma humana povoados de paixões sentimentos e emoções de caráter irracional e incontrolável O homem aparece aos seus próprios olhos como um problema ele é em si mesmo um problema no sentido que a palavra tomou desde logo entre os geômetras gregos um obstáculo à compreensão uma dificuldade proposta à razão humana 11 Cf Jacqueline de Romilly La Tragédie Grecque Paris PUF 1973 p 145 e Pourquoi la Grèce Paris Éditions de Fallois 1992 p 185 s Na linha dessa tendência à racionalização durante o período axial as religiões tornamse mais éticas e menos rituais ou fantásticas Em lugar dos antigos cultos da natureza ou da adoração dos soberanos políticos buscase alcançar uma esfera transcendental ao mundo e aos homens ou então como na China desenvolvese a veneração aos antepassados como modelos éticos para as novas gerações Algumas idéias cardeais do ensinamento de Zaratustra a imortalidade da alma o Julgamento Final a atuação divina sobre o mundo através do Espírito Santo são assimiladas pelo judaísmo e por intermédio deste passam ao cristianismo e ao islamismo A fé monoteísta alcança em Israel sua expressão mais pura no século VI AC como DêuteroIsaías o autor anônimo dos capítulos 40 a 55 do Livro de Isaías A relação religiosa tornase mais pessoal e o culto menos coletivo ou indireto a grande inovação é que os indivíduos podem doravante entrar em contato direto com Deus sem necessidade da intermediação sacerdotal ou grupal Enquanto isso a força da idéia monoteísta acaba por transcender os limites do nacionalismo religioso preparando o caminho para o culto universal do Deus único e a concórdia final das nações 12 12 Dias virão em que o monte da casa de lahweh será estabelecido no mais alto das montanhas e se alçará acima de todos os outeiros A ele acorrerão todas as nações muitos povos virão dizendo Vinde subamos ao monte de Iahweh à casa do Deus de Jacó para que ele nos instrua a respeito dos seus caminhos e assim andemos nas suas veredas Com efeito de Sião sairá a Lei e de Jerusalém a palavra de lahweh Ele julgará as nações ele corrigirá a muitos povos Estes quebrarão as suas espadas transformandoas em relhas e as suas lanças a fim de fazerem podadeiras Uma nação não levantará a espada contra a outra nem se aprenderá mais a fazer guerra Isaías 2 24 versão da Bíblia de Jerusalém O cristianismo em particular levou às últimas conseqüências o ensinamento ecumênico de Isaías envolvendoo na exigência de amor universal13 Por outro lado em meio à multidão dos miniEstados e cidadesEstados da época com culturas locais próprias e em perpétua guerra entre si começam a ser tecidos laços de aproximação e compreensão mútua entre os diversos povos Confücio e Moti fundam as primeiras escolas às quais acorrem alunos de todas as partes da China Buda inicia seus longos périplos pelo vasto continente indiano Os filósofos gregos viajam pela bacia do Mediterrâneo como exploradores e conselheiros de governantes As primeiras escolas de filosofia instalamse na Grécia atraindo discípulos de toda a Hélade Heródoto narra suas viagens comparando os diferentes costumes e tradições dos povos o que ensejou a compreensão da relatividade das civilizações Em suma é a partir do período axial que pela primeira vez na História o ser humano passa a ser considerado em sua igualdade essencial como ser dotado de liberdade e razão não obstante as múltiplas diferenças de sexo raça religião ou costumes sociais Lançavamse assim os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais porque a ela inerentes Vejamos como se foram elaborando historicamente esses conceitos A Pessoa Humana e seus Direitos A idéia de que os indivíduos e grupos humanos podem ser reduzidos a um conceito ou categoria geral que a todos engloba é de elaboração recente na História Como observou um 13 Nos textos evangélicos já foram discernidas pelo menos 24 citações do Livro de Isaías antropólogo14 nos povos que vivem à margem do que se convencionou classificar como civilização não existe palavra que exprima o conceito de ser humano os integrantes do grupo são chamados homens mas os estranhos ao grupo são designados por outra denominação a significar que se trata de indivíduos de uma espécie animal diferente Foi durante o período axial da História como se acaba de assinalar que despontou a idéia de uma igualdade essencial entre todos os homens Mas foram necessários vinte e cinco séculos para que a primeira organização internacional a englobar a quasetotalidade dos povos da Terra proclamasse na abertura de uma Declaração Universal de Direitos Humanos que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos Ora essa convicção de que todos os seres humanos têm direito a serem igualmente respeitados pelo simples fato de sua humanidade nasce vinculada a uma instituição social de capital importância a lei escrita como regra geral e uniforme igualmente aplicável a todos os indivíduos que vivem numa sociedade organizada A lei escrita alcançou entre os judeus uma posição sagrada como manifestação da própria divindade Mas foi na Grécia mais particularmente em Atenas que a preeminência da lei escrita tornouse pela primeira vez o fundamento da sociedade política Na democracia ateniense a autoridade ou força moral das leis escritas suplantou desde logo a soberaniade um indi víduo ou de um grupo ou classe social soberania esta tida doravante como ofensiva ao sentimento de liberdade do cidadão Para os atenienses a lei escrita é o grande antídoto contra o arbítrio governamental pois como escreveu Eurípides na peça As Suplicantes versos 434437 uma vez escritas as leis o 14 Claude LévyStrauss Anthropologie structurale deux Paris Plon 1973 p 3834 fraco e o rico gozam de um direito igual o fraco pode responder ao insulto do forte e o pequeno caso esteja com a razão vencer o grande Mas ao lado da lei escrita nomos êngraphon havia também entre os gregos uma outra noção de igual importância a de lei não escrita nomos ágraphon Tratavase a bem dizer de noção ambígua podendo ora designar o costume juridicamente relevante ora as leis universais originalmente de cunho religioso as quais sendo regras muito gerais e absolutas não se prestavam a serem promulgadas no território exclusivo de uma só nação15 É neste último sentido que a expressão leis não escritas é usada na Antígona de Sófocles com o acréscimo do adjetivo divinas Sem dúvida a proibição de se enterrarem os cadáveres dos cidadãos que se haviam revoltado contra o governo com a cominação da pena de morte para o transgressor era um simples decreto psefisma de Creonte não uma lei autêntica nomos votada pelo povo muito embora Sófocles sem dúvida ignorante dessa distinção técnica empregue sempre a palavra nomos Mas a oposição substancial denunciada por Antígona diante do tirano continuaria a mesma caso se tratasse realmente de uma lei Sim pois não foi Zeus que a proclamou a lei de Creonte Não foi a Justiça sentada junto aos deuses do reino dos mortos não essas não são as leis que os deuses tenham algum dia prescrito aos homens e eu 15 Cf Xenofonte Memorabilia IV iv 1922 Você sabe o que significa lei não escrita Hípias Sim aquelas leis que são uniformemente observadas em todos os países Podese dizer que foram os homens que as fizeram Não pois como poderia ser assim se a humanidade não pode se reunir em assembléia e se todos os homens não falam a mesma língua Então quem as teria feito a seu ver Penso que os deuses fizeram essas leis para os homens pois a primeira lei a ser observada pelos homens é a de adorar os deuses não imaginava que as tuas proibições pessoais fossem assaz poderosas para permitir a um mortal descumprir aquelas outras leis não escritas inabaláveis as leis divinas Estas não datam nem de hoje nem de ontem e ninguém sabe o dia em que foram promulgadas Poderia eu por temor de alguém qualquer que ele fosse exporme à vingança de tais leis versos 450460 Nas gerações seguintes o caráter essencialmente religioso dessas leis não escritas foi sendo dissipado Em Aristóteles elas são chamadas leis comuns reconhecidas pelo consenso universal por oposição às leis particulares próprias de cada povo16 Foi nessa acepção de leis comuns a todos os povos que os romanos adotaram a noção grega de leis não escritas com a expressão17 ius gentium isto é o direito comum a todos os povos Descartado o fundamento religioso foi preciso encontrar outra justificativa para a vigência dessas leis universais aplicáveis portanto a todos os homens em todas as partes do mundo Para os sofistas e mais tarde para os estóicos esse outro fundamento universal de vigência do direito só podia ser a natureza phvsis No século de Péricles Antifonte 480 411 A C18 fundouse sobre a existência de uma igual natureza para todos os homens em sua crítica à divisão da humanidade em gregos e bárbaros aqueles obyiamente superiores a estes os que descendem de ancestrais ilustres nós os honramos e veneramos mas os que não descendem de uma família ilustre não honramos nem veneramos 16 Retórica 1 1368 b 17 Ius gentium est quo gentes humanae utuntur Ulpiano Digesto 1 1 4 18 Segundo toda a probabilidade o sofista Antifonte parece ser o grande orador e professor de retórica elogiado por Tucídides A Guerra do Peloponeso VIII 68 Nisto somos bárbaros tal como os outros uma vez que pela natureza bárbaros e gregos somos todos iguais Convém considerar as necessidades que a natureza impõe a todos os homens todos conseguem prover a essas necessidades nas mesmas condições no entanto no que conceme a todas essas necessidades nenhum de nós é diferente seja ele bárbaro ou grego respiramos o mesmo ar com a boca e o nariz todos nós comemos com o auxílio de nossas mãos 19 Em outros autores gregos a igualdade essencial do homem foi expressa mediante a oposição entre a individualidade própria de cada homem e as funções ou atividades por ele exercidas na vida social Essa função social designavase figurativamente pelo termo prósopon que os romanos traduziram por persona com o sentido próprio de rosto ou também de máscara de teatro individualizadora de cada personagem No diálogo Alcibíades por exemplo o Sócrates de Platão procura demonstrar que a essência do ser humano está na alma não no corpo nem tampouco na união de corpo e alma pois o homem servese de seu corpo como de um simples instrumento De onde se segue que a individualidade de cada ser humano não pode ser confundida com a sua aparência estampada no rosto prósopon Sócrates Ah estou vendo era isto que há pouco dizíamos que Sócrates servindose da palavra fala com Alcibíades que ele não se dirige ao teu rosto ou pros to son prósopon mas ao próprio Alcibíades Ora tu és a tua alma 130 e 19 Tradução do fragmento intitulado Da Verdade XLIV B publicado em Les Présocratiques bibliothê que de la Pléiade Paris Gallimard 1988 p 11078 texto grego e tradução alemã em Hermann Diels e Walther Kranz Die Fragmente der Vorsokratjker v 2 Zurique Weidmann 1996 p 3523 A oposição entre a máscara teatral papel de cada indivíduo na vida social e a essência individual de cada ser humano que veio a ser denominada com o termo personalidade foi em seguida longamente discutida e aprofundada pelos estóicos A filosofia estóica desenvolveuse durante seis séculos desde o momento em que Zenão de Cítio começou a ensinar emAtenas em 321 A C até a segunda metade do século III da era cristã Mas os seus princípios permaneceram em vigor durante toda a Idade Média e mesmo além dela Muito embora não se trate de um pensamento sistemático o estoicismo organizouse em torno de algumas idéias centrais como a unidade moral do ser humano e a dignidade do homem considerado filho de Zeus e possuidor em conseqüência de direitos inatos e iguais em todas as partes do mundo não obstante as inúmeras diferenças individuais e grupais Foi justamente para explicar essa unidade substancial do ser humano distinta da aparência corporal ou das atividades que cada qual exerce na sociedade que os estóicos lançaram mão dos conceitos de hypóstasis e de prósopon O primeiro correlato de ousía que na língua latina traduziuse por substantia significava o substrato ou suporte individual de algo Epicteto pôde assim dizer numa das suas lições de vida20 Lembrate que és ator de um drama breve ou longo segundo a vontade do autor Se é um papel prósopon de mendigo que ele te atribui mesmo este representao com talento da mesma forma se é o papel de coxo21 de magistrado de simples particular Pois cabete representar bem o personagem prósopon que te foi confiado pela escolha de outrem 20 Manual XVII 21 É de se lembrar que Epicteto era coxo Em outra passagem de sua obra ele reafirma a idéia de que o papel dramático que cada um de nós representa na vida não se confunde com a individualidade pessoal Haverá um tempo em que os atores trágicos acreditarão que suas máscaras prósopa seus calçados22 suas roupas são eles mesmos Homem tu nada mais és aqui do que matéria para a tua ação e teu papel prósopon a desempenhar Fala um pouco para se ver se és um ator trágico ou cômico pois exceto a voz tudo o mais é comum a um e outro e se lhe tiramos os calçados e a máscara prósopon se ele se apresenta em cena com a sua própria individualidade o ator trágico desaparece ou sobrevive ainda Se ele tem a voz correspondente a esse papel sobrevive23 Na tradição bíblica Deus é o modelo de pessoa para todos os homens Sem dúvida o cristianismo proclamando o dogma da Santíssima Trindade três pessoas com uma só substância quebrou a unidade absoluta e transcendental da pessoa divina Mas em compensação Jesus de Nazaré concretizou na História o modelo ético de pessoa e tomou aos homens mais acessível a sua imitação Não foi somente este porém o ponto de ruptura do cristianismo com o judaísmo A partir da pregação de Paulo de Tarso o verdadeiro fundador da religião cristã enquanto corpo doutrinário passou a ser superada a idéia de que o Deus único e transcendente havia privilegiado um povo entre todos escolhendoo como seu único e definitivo herdeiro Algumas passagens dos 22 Na tragédia grega os atores usavam calçados altos o coturno e na comédia calçados baixos chamados soco De onde a designação metonímica da tragédia e da comédia por esses dois tipos de sapato Matéria é de cotumo e não de soco disse Camões em Os Lusíadas canto X estrofe VIII referindose à epopéia marítima portuguesa 23 Discursos Livro 1 cap XXIX 41 a 43 Evangelhos demonstram o inconformismo de Jesus com essa concepção nacionalista da religião24 São Paulo levou o universalismo evangélico às últimas conseqüências ao afirmar que diante da comum filiação divina já não há nem judeu nem grego nem escravo nem livre nem homem nem mulher25 Mas essa igualdade universal dos filhos de Deus só valia efetivamente no plano sobrenatural pois o cristianismo continuou admitindo durante muitos séculos a legitimidade da escravidão a inferioridade natural da mulher em relação ao homem bem como a dos povos americanos africanos e asiáticos colonizados em relação aos colonizadores europeus Ao se iniciar a colonização moderna com a descoberta da América grande número de teólogos sustentou que os indígenas não podiam ser considerados iguais em dignidade ao homem branco No famoso debate que o opôs a Bartolomeu de Las Casas no concílio de Valladolid em 1550 perante o imperador Carlos V Juan Ginés de Sepúlveda sustentou que os índios americanos eram inferiores aos espanhóis assim como as crianças em relação aos adultos as mulheres em relação aos homens e até mesmo podese dizer como os macacos em relação aos seres humanos De qualquer forma a mensagem evangélica postulava no plano divino uma igualdade de todos os seres humanos apesar de suas múltiplas diferenças individuais e grupais Competia portanto aos teólogos aprofundar a idéia de uma natureza comum a todos os homens o que acabou sendo feito a partir dos conceitos desenvolvidos pela filosofia grega A primeira grande discussão conceitual entre os doutores da Igreja no entanto não ocorreu a respeito do ser humano e sim da identidade de Jesus Cristo No primeiro concílio ecumênico reunido em Nicéia em 325 cuidouse de decidir sobre a 24 Notadamente a cura do criado de um centurião romano Mt 8 1012 Lc 13 2829 e a parábola dos vinhateiros homicidas Mt 21 43 25 Epístola aos Gálatas 3 28 ortodoxia ou heterodoxia de duas interpretações antagônicas da identidade de Jesus a que o apresentava como possuidor de uma natureza exclusivamente divina daí o nome de monofisitas atribuído aos partidários dessa crença e a doutrina ariana segundo a qual Jesus fora efetivamente gerado pelo Pai não tendo portanto uma natureza consubstancial a este Os padres conciliares reCOlTeram para a solução da controvérsia aos conceitos estóicos de hypóstasis e prósopon decidindo como dogma de fé que a hypóstasis de Jesus Cristo apresentava uma dupla natureza humana e divina numa única pessoa vale dizer numa só aparência26 A segunda fase na história da elaboração do conceito de pessoa inaugurouse com Boécio no início do século VI Seus escritos influenciaram profundamente todo o pensamento medieval Ao rediscutir o dogma proclamado em Nicéia Boécio identificou de certa forma prósopon com hypóstasis e acabou dando à noção de pessoa um sentido muito diverso daquele empregado pelo Concílio Em definição que se tomou clássica entendeu Boécio que persona proprie dicitur naturae rationalis individua substantia dizse propriamente pessoa a substância individual da natureza racional27 Aqui como se vê a pessoa já não é uma exterioridade como a máscara de teatro mas a própria substância do homem no sentido aristotélico ou seja a forma ou fôrma que molda a matéria e que dá ao ser de determinado ente individual as características de permanência e invariabilidade A substância é a característica própria de um ser isto é como se dizia em linguagem escolástica a sua quidditas28 A definição boeciana de pessoa foi integralmente 26 Daí por que a expressão pessoa humana nessa concepção religiosa do mundo não é um pleonasmo 27 De duabus naturis et una persona Christi 3 P L 64 col 1345 28 Aristóteles conceituou negativamente a substância ousía como o que não é predicado de um sujeito pois é dela bem ao contrário que tudo mais é predicado Metafísica Livro Z 3 1029 a 510 adotada por Santo Tomás na Summa Theologiae com expresso recurso aos conceitos de substantia ou hypóstasis29 Para ele o homem seria um composto de substância espiritual e corporal30 Foi de qualquer forma sobre a concepção medieval de pessoa que se iniciou a elaboração do princípio da igualdade essencial de todo ser humano não obstante a ocorrência de todas as diferenças individuais ou grupais de ordem biológica ou cultural E é essa igualdade de essência da pessoa que forma o núcleo do conceito universal de direitos humanos A expressão não é pleonástica pois que se trata de direitos comuns a toda a espécie humana a todo homem enquanto homem os quais portanto resultam da sua própria natureza não sendo meras criações políticas Desse fundamento igual para todos os homens os escolásticos e canonistas medievais tiraram a conclusão lógica de que todas as leis contrárias ao direito natural não teriam vigência ou força jurídica ou seja lançaramse as bases de um juízo de constitucionalidade avant la lettre No Decretum Dist 9 cânon 1 Graciano o pai do direito canônico afirmou que as normas positivas tanto eclesiásticas quanto seculares uma vez demonstrada a sua contrariedade com o direito natural devem ser totalmente excluídas A terceira fase na elaboração teórica do conceito de pessoa como sujeito de direitos universais anteriores e superiores por conseguinte a toda ordenação estatal adveio com a filosofia kantiana O primeiro postulado ético de Kant31 é o dê que só o ser racional possui a faculdade de agir segundo a representação de 29 Summa Theologiae Prima Pars quaestio 29 a1 substantia in definitione personae poniturpro substantia prima quae est hvpostasis substância na definição de pessoa significa substância primária ou seja a hypÓstasis 30 Op cit Prima Pars quaestio 75 31 Cf a sua obra Fundamentos para a Metafísica dos Costumes Grundlegung zur Metaphysik der Sitten que é uma introdução à Crítica da Razão Prática Kritik der praktischen Vernunft leis ou princípios só um ser racional tem vontade que é uma espécie de razão denominada razão prática A representação de um princípio objetivo enquanto obrigatório para uma vontade chamaSe ordem ou comando Gebot e se formula por meio de um imperativo Segundo o filósofo há duas espécies de imperativo De um lado os hipotéticos que representam a necessidade prática de uma ação possível considerada como meio de se conseguir algo desejado De outro lado o imperativo categórico que representa uma ação como sendo necessária por si mesma sem relação com finalidade alguma exterior a ela Ora o princípio primeiro de toda a ética é o de que o ser humano e de modo geral todo ser racional existe como um fim em si mesmo não simplesmente como meio do qual esta ou aquela vontade possa servirse a seu talante32 E prossegue Os entes cujo ser na verdade não depende de nossa vontade mas da natureza quando irracionais têm unicamente um valor relativo como meios e chamamse por isso coisas os entes racionais ao contrário denominamse pessoas pois são marcados pela sua própria natureza como fins em si mesmos ou seja como algo que não pode servir simplesmente de meio o que limita em conseqüência nosso livre í33 Ora a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela diferentemente das coisas um ser considerado e tratado em si mesmo como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado Ela resulta também do fato de que pela sua vontade racional só a pessoa vive em condições de autonomia isto é como ser capaz de guiarse pelas leis que ele próprio edita Daí decorre como assinalou o filósofo que todo homem tem dignidade e não um preço como as coisas A humanidade 32 As palavras sublinhadas são do texto original 33 Grundlegung zur Metaphvsik der Sitten edição crítica da Felix Meiner Verlag de Hamburgo 1994 p 51 como espécie e cada ser humano em sua individualidade é propriamente insubstituível não tem equivalente não pode ser trocado por coisa alguma34 Pela sua vontade racional a pessoa ao mesmo tempo que se submete às leis da razão prática é a fonte dessas mesmas leis de âmbito universal segundo o imperativo categórico age unicamente segundo a máxima pela qual tu possas querer ao mesmo tempo que ela se transforme em lei geral35 A oposição ética entre pessoas e coisas sustentada por Kant alarga e aprofunda a tradicional dicotomia herdada do direito romano entre personae e res Nas Institutas de Gaio 1 8 por exemplo o direito é classificado em sua totalidade em função de três categorias pessoas coisas e ações omne autem ius quo utimur vel ad personas pertinet vel ad res vel ad actiones todo o direito de que usamos ou respeita às pessoas ou às coisas ou às ações Mas o jurisprudente acrescenta imediatamente 1 9 que a summa divisio do direito pertinente às pessoas é entre homens livres e escravos Et quidem summa divisio de iure persona rum haec est quod omnes homines aut liberi sunt aut servi A escravidão acabou sendo universalmente abolida como instituto jurídico somente no século XX36 Mas a concepção kantiana da dignidade da pessoa como um fim em si leva à condenação de muitas outras práticas de aviltamento da pessoa à condição de coisa além da clássica escravidão tais como o engano de outrem mediante falsas promessas ou os atentados 34 Im Reiche der Zwecke har alies entweder einen Preis oder eine Würde Was einen Pres hat an dessen Stelle kann auch elwas anderes als Äquivalent gesetzr werden was dagegen über alien Preis erhaben ist mithin kein Aquivalent verstattet das har eine Würde opcitp58 35 Handie nur nach derjenigen Maxime durch die du zugíeich wollen kann si dass sie em aligemeines Gesetz werde op cit p 42 36 Cf abaixo o capítulo 10º cometidos contra os bens alheios37 Ademais disse o filósofo se o fim natural de todos os homens é a realização de sua própria felicidade não basta agir de modo a não prejudicar ninguém Isto seria uma máxima meramente negativa Tratar a humanidade como um fim em si implica o dever de favorecer tanto quanto possível o fim de outrem Pois sendo o sujeito um fim em si mesmo é preciso que os fins de outrem sejam por mim considerados também como meus38 A criação do universo concentracionário no século XX veio demonstrar tragicamente a justeza da visão ética kantiana Antes de serem instituições penais ou fábricas de cadáveres o Gulag soviético e o Lager nazista foram gigantescas máquinas de despersonalização de seres humanos39 Ao dar entrada num campo de concentração nazista o prisioneiro não perdia apenas a liberdade e a comunicação com o mundo exterior Não era tãosó despojado de todos os seus haveres as roupas os objetos pessoais os cabelos as próteses dentárias Ele era sobretudo esvaziado do seu próprio ser da sua personalidade com a substituição altamente simbólica do nome por um número freqüentemente gravado no corpo como se fora a marca de propriedade de um gado O prisioneiro já não se reconhecia como ser humano dotado de razão e sentimentos todas as suas energias concentravamse na luta contra a fome a dor e a exaustão E nesse esforço puramente animal tudo era permitido o furto da comida dos outros prisioneiros a delação a prostituição a bajulação sórdida o pisoteamento dos mais fracos Analogamente a transformação das pessoas em coisas realizouse de modo menos espetacular mas não menos trágico 37 Op cit p 523 38 Denn das Subjekt welches Zweck an sich selbst ist dessen Zwecke müssen wenn jene Vorstellung bei mir alie Wirkung tun sou auch soviel mõglich meine Zweckesein op cit p 53 39 Leiase a esse respeito o relato lúcido de Primo Levi Se questo è un uomo Turim Einaudi 1958 e 1976 com o desenvolvimento do sistema capitalista de produção Como denunciou Marx ele implica a reiflcação Verdinglichung das pessoas ou melhor a inversão completa da relação pessoacoisa Enquanto o capital é por assim dizer personificado e elevado à dignidade de sujeito de direito o trabalhador é aviltado à condição de mercadoria de mero insumo no processo de produção para ser ultimamente na fase de fastígio do capitalismo financeiro dispensado e relegado ao lixo social como objeto descartável O mesmo processo de reificação acabou transformando hodiemamente o consumidor e o eleitor por força da técnica de propaganda de massa em mero objeto de direito E a engenharia genética por sua vez tomou possível a manipulação da própria identidade pessoal ou seja a fabricação do homem pelo homem40 Por outro lado a idéia de que o princípio do tratamento da pessoa como fim em si mesma implica não só o dever negativo de não prejudicar ninguém mas também o dever positivo de obrar no sentido de favorecer a felicidade alheia constitui a melhor justificativa do reconhecimento a par dos direitos e liberdades individuais também dos direitos humanos à realização de políticas públicas de conteúdo econômico e social tal como enunciados nos artigos XXII a XVIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos Pois bem a afirmação por Kant do valor relativo das coisas em contraposição ao valor absoluto da dignidade humana já prenunciava a quarta etapa histórica na elaboração do conceito de pessoa a saber a descoberta do mundo dos valores com a conseqüente transformação dos fundamentos da ética 40 Cf sobre este assunto a tese de Roberto Andorno La distinction juridique entre les personnes et les choses à lépreuve des procréations artficielles Paris Librairie Générale de Droit et Jurisprudence 1996 41 Cf o capítulo 13º desta obra O homem é o único ser no mundo dotado de vontade isto é da capacidade de agir livremente sem ser conduzido pela inelutabilidade do instinto Conheço bem o homem diz Deus Fui eu que o fiz É um ser curioso Porque nele atua a liberdade que é o mistério dos mistérios42 É sobre o fundamento último da liberdade que se assenta todo o universo axiológico isto é o mundo das preferências valorativas bem como toda a ética de modo geral ou seja o mundo das normas as quais contrariamente ao que sucede com as leis naturais apresentamse sempre como preceitos suscetíveis de consciente violação Graças ao pensamento inovador de Lotze Brentano e Nietzsche na segunda metade do século XIX foi possível compreender que o bem e o mal não se encontram confinados nos objetos ou ações exteriores à nossa personalidade mas resultam sempre de uma avaliação isto é da estima ou preferência que os bens da vida têm na consciência de cada indivíduo Tal não significa porém operar nessa matéria uma revolução de 180º ou seja transferir o mundo dos valores inteiramente da realidade objetiva para a consciência subjetiva O que a axiologia revelou foi uma interrelação sujeitoobjeto no sentido de que cada um de nós aprecia algo porque o objeto dessa apreciação tem objetivamente um valor Em contraposição se o homem não cria valores do nada não é menos verdade que a avaliação individual dos bens da vida varia enormemente Ora isto exige como condição da convivência humana harmoniosa o consenso social sobre a força ética de uma tábua hierárquica de valores Os bens ou ações 42 Charles Péguy Le Mystère des Saints Innocents humanas não se organizam apenas numa oposição primária de valores e contravalores Existe também necessariamente em toda sociedade organizada uma hierarquia a ser considerada dentro de cada série positiva ou negativa há sempre bens ou ações humanas que objetivamente valem mais que outros ou que representam contravalores mais acentuados que outros como obstáculo ao desenvolvimento da personalidade humana Em suma a quarta etapa na compreensão da pessoa consistiu no reconhecimento de que o homem é o único ser vivo que dirige a sua vida em função de preferências valorativas Ou seja a pessoa humana é ao mesmo tempo o legislador universal em função dos valores éticos que aprecia e o sujeito que se submete voluntariamente a essas normas valorativas43 A compreensão da realidade axiológica transformou como não poderia deixar de ser toda a teoria jurídica Os direitos humanos foram identificados com os valores mais importantes da convivência humana aqueles sem os quais as sociedades acabam perecendo fatalmente por um processo irreversível de desagregação Por outro lado o conjunto dos direitos humanos forma um sistema correspondente à hierarquia de valores prevalecente no meio social mas essa hierarquia axiológica nem sempre coincide com a consagrada no ordenamento positivo Há sempre uma tensão dialética entre a consciência jurídica da coletividade e as normas editadas pelo Estado Em qualquer hipótese no interior de cada sistema jurídico essa organização hierárquica dos direitos humanos impõe para a solução dos litígios a exigência de um juízo axiológico ponderado em função das circunstâncias do caso concreto A preferência deve ser dada no caso ao valor da intimidade pessoal ou 43 Como observou Aristóteles a verdadeira felicidade é fruto da virtude Daí por que não se pode dizer com propriedade que um animal ou uma criança sejam felizes Étmca a Nicômaco 1099b 30 e s ao da dignidade do cargo público ocupado O comportamento privado dos governantes deve sempre ser divulgado pelos meios de comunicação de massa sem se considerar o valor da intimidade ou da honra pessoal É o que a técnica jurídica germânica denomina Güter Abwägung e a anglosaxônica balancing A quinta e última etapa na elaboração do conceito de pessoa abriuse no século XX com a filosofia da vida e o pensamento existencialista Reagindo contra a crescente despersonalização do homem no mundo contemporâneo como reflexo da mecanização e burocratização da vida em sociedade a reflexão filosófica da primeira metade do século XX acentuou o caráter único e por isso mesmo inigualável e irreprodutível da personalidade individual Confirmando a visão da filosofia estóica reconheceuse que a essência da personalidade humana não se confunde com a função ou papel que cada qual exerce na vida A pessoa não é personagem A chamada qualificação pessoal estado civil nacionalidade profissão domicilio é mera exterioridade que nada diz da essência própria do indivíduo Cada qual possui uma identidade singular inconfundível com a de outro qualquer Por isso ninguém pode experimentar existencialmente a vida ou a morte de outrem são realidades únicas e insubstituíveis Como bem salientou Heidegger é sempre possível morrer em lugar de outro mas é radicalmente impossível assumir a experiência existencial da morte alheia44 Por outro lado e em aparente contraste com essa afirmação da unicidade da pessoa humana o pensamento filosófico do século XX pôs em foco a realidade essencialmente relacional da vida já implicada de certa forma no interelacionamento sujeitoobjeto revelado pela teoria axiológica A definição abstrata do homem desligado do mundo é mero flatus 44 Sem und Zeit 17ª ed Tübingen Max Niemever Verlag 1993 p 240 vocis45 O que existe como realidade segura salientou Ortega y Gasset em ensaio publicado em 1914 46 não são as coisas exteriores tal como o Eu as vê e pensa nem o Eu cartesiano e idealista que enxerga e interpreta o mundo exterior em função de si próprio A realidade radical é a pessoa imersa no mundo yo soy yo y mi circunstancia entendendose como circunstância no sentido do étimo latino aquilo que envolve e impregna minha vida e sem o que ela seria propriamente inconcebível Heidegger na mesma linha de pensamento dá como característica essencial da pessoa o sernomundo inderWeltsein47 A biologia contemporânea veio aliás demonstrar que a modelação do complexo cerebral do homem produzse sobretudo após o nascimento e representa um produto do meio social Contando com um estoque fantástico de mais de cem bilhões de neurônios cada qual com dez mil conexões ou sinapses em média nosso cérebro passa por uma intensa modificação logo nos primeiros anos de vida os neurônios considerados inúteis vão desaparecendo à razão de centenas de milhares por dia ao mesmo tempo em que se realiza um gigantesco desenvolvimento do sistema de conexões graças aos contatos do recémnascido com o meio ambiente48 Por último a reflexão filosófica contemporânea salientou que o ser do homem não é algo de permanente e imutável ele é propriamente um viraser um contínuo devir49 E isto por duas razoes 45 Na Crítica da Filosofia do Direito de Hegei já o jovem Marx servindose de expressões existencialistas ante litteram havia afirmado que o homem não é um ser abstrato acocorado fora do mundo O homem é o mundo do homem o Estado a sociedade Aber der Mensch das ist kein abstraktes ausser der Welt hockendes Wesen Der Mensch das ist die Weit des Menschen Staat Sozietàt 46 Meditaciones dei Quijote 47 Op cit 12 e 13 p 52 e s 48 Cf JeanPaul Lévv La Fabrique de lHomme Paris Editions Odile Jacob 1997 p 194 e s 49 Certes anotou Montaigne logo no primeiro capítulo de seus Ensaios cest un subject merveilieusement vain divers ei ondovant que lhomme Em primeiro lugar porque a personalidade de cada ser humano é moldada por todo o peso do passado Não é indiferente para visualizar a mentalidade de alguém situálo no momento histórico em que viveu cada um de nós já nasce com uma visão de mundo moldada por todo um passado coletivo carregado de valores crenças e preconceitos Sob este aspecto por conseguinte é impossível aplicar à pessoa humana a noção de natureza physis forjada pela filosofia grega na medida em que segundo a interpretação tradicional ela referese sempre a algo permanente e imutável50 A ciência contemporânea aliás afastase sempre mais do pressuposto de equilíbrio estável que dominou toda a teoria físicoquímica no passado Reconhecese hoje a função primordial do tempo irreversível na natureza muito diferente do tempo reversível da física teórica e por conseguinte a função decisiva das flutuações e da instabilidade As leis naturais exprimem assim antes possibilidades do que determinismos necessários Em todos os níveis da cosmologia à vida social passando pela geologia e a biologia o caráter evolutivo da realidade afirmase sempre mais claramente Ou seja a ordem no universo só pode ser mantida por meio de um processo incessante de auto organização com a permanente adaptação ao meio ambiente51 Ademais a essência do ser humano é evolutiva porque a personalidade de cada indivíduo isto é o seu ser próprio é sempre na duração de sua vida algo de incompleto e inacabado 50 É verdade que na longa discussão que consagrou à análise do conceito de physis em sua Metafísica Livro A 4 Aristóteles acaba se fixando naquele que considera o sentido primeiro e fundamental da palavra a saber a substância dos seres que têm em si mesmos e enquanto tais o princípio de seu movimento 1015a 10 É portanto uma noção que se aplica unicamente aos seres vivos e que não exclui a possibilidade de uma automudança base de toda a evolução vital 51 Sobre todo este argumento científico cf o livro de ilva Prigogine prêmio Nobel de química La Fin des Certitudes Temps Chaos ei les Lois de la Nature Paris Editions Odile Jacob 1996 uma realidade em contínua transformação Toda pessoa é um sujeito em processo de viraser Retomando a idéia expressa no apólogo de Pico de la Mirandola52 Heidegger salienta que o ser humano apresenta essa característica singular de um permanente inacabamento eine stündige Unabgeschlossenheit53 Nesse sentido podese dizer que o homem é o único ser incompleto pela sua própria essência ou seja ele não tem substância no sentido clássico que o termo possui na filosofia grega medieval e moderna Lembremonos de que para Boécio a pessoa seria a substância individual da natureza racional E Descartes em seus Principia Philosophiae 1 51 afirma que por substância não podemos entender outra coisa senão algo que existe de tal maneira que nada lhe falte para existir per substantiam nihil aliud intelligere possumus quam rem quae ita existit ut nulla alia re indigeat ad existendum Nesse sentido como disse Ortega y Gasset54 o homem não é ontologicamente falando um ser suficiente mas bem ao contrário radicalmente indigente A ciência veio confirmar essa visão filosófica A descoberta da estrutura do DNA ácido desoxirribonucléico por Watson e Crick em 1953 revelou que cada um de nós carrega um patrimônio genético próprio e salvo no caso de gêmeos homozigóticos um patrimônio genético único Sucede que a esse primeiro molde da personalidade individual deve ainda ser acrescida como fator de diferenciação a influência conjugada do meio orgânico do meio social e do próprio indivíduo sobre si próprio55 O homem é o único primata cuja gestação por causa do tamanho da caixa craniana não pode ser levada ao seu termo 52 Cf supra p 6 53 Op cit p 236 54 Sobre la Razón Historica Madri Revista de Occidente en Alianza Editorial 1983 p 97 55 Cf Albert Jacquard Lhéritage dela liberté de lanimaiitéà lhumanitude Paris Éditions du Seuil 1991 biológico pois o cérebro humano triplicou de tamanho no espaço de alguns milhões de anos56 Por outro lado no quadro do evolucionismo observouse que diferentemente das outras espécies vivas a humanidade não evolui apenas no plano biológico mas também no plano cultural e que graças a essa dimensão cultural já se abriu ao ser humano a possibilidade de interferir sobre a evolução biológica de todas as espécies vivas inclusive a sua57 As conseqüências desta última etapa na elaboração do conceito da pessoa humana para a teoria jurídica em geral e para o sistema de direitos humanos em particular são da maior importância O caráter único e insubstituível de cada ser humano portador de um valor próprio veio demonstrar que a dignidade da pessoa existe singularmente em todo indivíduo e que por conseguinte nenhuma justificativa de utilidade pública ou reprovação social pode legitimar a pena de morte O homicídio voluntário do criminoso pelo Estado ainda que ao cabo de um processo judicial regular é sempre um ato eticamente injustificável e a consciência jurídica contemporânea tende a considerálo como tal58 No tocante à vital dependência em que se encontra a humanidade em relação ao meio ambiente é confortador assinalar os últimos desenvolvimentos do direito ecológico notadamente a Convenção sobre a Diversidade Biológica assinada no Rio de Janeiro em 5 de junho de 1992 56 Cf Christian de Duve op cit p 391 57 É o que está na base do chamado princípio antrópico sustentado por uma corrente científica contemporânea Cf supra nota 1 58 Cf no capítulo 17º abaixo o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 tendente a abolir a pena de morte 59 Cf o capitulo 22º desta obra Por derradeiro devese observar que as reflexões da filosofia contemporânea sobre a essência histórica da pessoa humana conjugadas à comprovação do fundamento científico da evolução biológica deram sólido fundamento à tese do caráter histórico mas não meramente convencional dos direitos humanos tomando portanto sem sentido a tradicional querela entre partidários de um direito natural estático e imutável e os defensores do positivismo jurídico para os quais fora do Estado não há direito A Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada unanimemente pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 60 condensou toda a riqueza dessa longa elaboração teórica ao proclamar em seu art VI que todo homem tem direito de ser em todos os lugares reconhecido como pessoa Nem por isso no entanto os problemas éticojurídicos foram eliminados Ao contrário o avanço tecnológico não cessa de criar problemas novos e imprevisíveis à espera de uma solução satisfatória no campo ético Se todo ser humano deve ser havido em qualquer lugar e circunstância como pessoa e em razão disso protegido pela ordem jurídica a partir de que momento precisamente devese reconhecer a existência de um homem Desde a fecundação do óvulo pelo esperma61 A partir de duas semanas após a concepção como dispõe uma lei britânica Ou apenas pelo nascimento com vida No juízo da ética e do direito o aborto intencional equivale a um homicídio Nessa mesma ordem de interrogações não se pode deixar de indagar se o embrião concebido fora do meio uterino deve 60 Cf o capítulo 13º abaixo 61 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos dispõe em seu artigo 42 12 Toda pessoa tem direito de que se respeite sua vida Esse direito deve ser protegido pela Lei e em geral desde o momento da concepção Cf infra o capítulo 18 ser tido como pessoa para efeito de proteção jurídica A medicina já domina há várias décadas como sabido a técnica de fecundação in vitro para posterior implantação do óvulo fecundado no útero da própria mãe ou de outra mulher Nenhum obstáculo técnico existe ao emprego desse processo de fecundação artificial para a produção em série de embriões humanos a serem utilizados por exemplo como matériaprima da indústria de cosméticos ou numa perspectiva menos indigna como material de pesquisa científica Os progressos da engenharia genética ademais já prenunciam a viabilidade de uma manipulação do genoma para se obter aquilo que os cientistas angiófonos denominam enhancement isto é uma melhoria genética germinal numa perspectiva eugênica a criação de uma linhagem de homens e mulheres considerados mais belos ou dotados de maior capacidade esportiva ou com memória mais desenvolvida por exemplo62 Da mesma sorte os avanços tecnológicos permitem a realização desde já de operações de clonagem humana seja para efeitos terapêuticos tratamento de doenças neurodegenerativas mediante implantação de células geneticamente limpas seja para a reprodução de gêmeos tanto de indivíduos em vida quanto já mortos Em todas essas hipóteses como fica o princípio kantiano de que a pessoa humana não pode jamais ser utilizada como meio para a consecução de uma finalidade qualquer mas deve sempre ser considerada como um fim em si mesma A partir de que momento surge um ser humano cuja dignidade merece integral respeito Num aviso emitido em 1984 o Comitê Consultivo Nacional de Ética da França declarou que o embrião deve ser Considerado uma pessoa humana potencial 62 Cf Axel Kalm Et lHomme dans tout ça Paris Nu édiiions 2000 p 254 e s Por outro lado na Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos aprovada na 29ª sessão de sua conferência geral em 1999 a UNESCO afirmou que o genoma humano está na base da unidade fundamental de todos os membros da família humana assim como do reconhecimento de sua dignidade intrínseca e de sua diversidade Num sentido simbólico acrescenta ele é patrimônio da humanidade art 1º Cada indivíduo tem direito ao respeito de sua dignidade e de seus direitos sejam quais forem suas características genéticas sendo que essa dignidade impõe a nãoredução dos indivíduos às suas características genéticas e o respeito do caráter único de cada um bem como de sua diversidade art 2º A Declaração reconhece ademais a verdade científica de que o genoma humano pela sua natureza evolutiva é sujeito a mutações e que ele encerra potencialidades que se exprimem diferentemente de acordo com o meio ambiente natural e social de cada indivíduo especialmente em razão do estado de saúde das condições de vida da nutrição e da educação art 32 A partir dessas premissas fundamentais a Declaração da UNESCO tira algumas conclusões importantes A primeira delas é de que o genoma humano em seu estado natural não pode servir à obtenção de ganhos pecuniários art 4º vale dizer ele não pode ser objeto de apropriação para fins de exploração empresarial Ora a locução adjetiva em seu estado natural constante desse artigo enfraquece sobremaneira o alcance do princípio aí afirmado Se a revelação das seqüências do genoma humano não pode ser objeto de patente industrial pois ela representa simples descoberta e não uma invenção do engenho humano63 63 Já foram concedidas patentes em vários países sobre seqüências de genes humanos Tais patentes segundo a técnica do direito da propriedade inteLectual são insustentáveis pois constituem descobertas científicas e não invenções do engenho humano poderíamos admitir a contrario sensu que o produto de uma manipulação genética é suscetível de proteção pelo sistema de propriedade intelectual Em outras palavras se a pessoa humana há de ser claramente distinguida das coisas em qualquer circunstância incluindose na categoria de coisas todos os animais se nessas condições o homem não pode sob pretexto algum ser objeto de apropriação haveria alguma razão ética capaz de justificar a utilização do genoma humano modificado como fonte de ganhos pecuniários no sistema da propriedade industrial Enfim o genoma integra ou não a pessoa A segunda conclusão tirada pela Declaração da UNESCO sobre o caráter único de cada indivíduo em razão da originalidade do seu genoma é de que toda pesquisa tratamento ou diagnóstico tendo por objeto o genoma de um indivíduo só pode ser efetuado após uma avaliação rigorosa e prévia dos seus riscos e vantagens potenciais em conformidade com as prescrições da legislação nacional e em qualquer caso com o consentimento prévio livre e esclarecido do interessado ou se este não está em condições de exprimir seu consentimento com a autorização prevista pela lei e orientada pelo seu interesse superior art 5º Demais a confidencialidade dos dados genéticos associados a uma pessoa identificável conservados ou tratados para fins de pesquisa ou quaisquer outras finalidades deve ser protegida nas condições previstas em lei art 7º Mas quem nos garante que o legislador saberá em todas as circunstâncias resistir às pressões do meio empresarial para o estabelecimento de um fichário genético no interesse das companhias de seguro por exemplo Finalmente assentou a Declaração em seu artigo 11 que as práticas contrárias à dignidade humana tais como a Clonagem com a finalidade de reprodução de seres humanos não devem ser permitidas instandose junto aos Estados e organizações internacionais competentes para a identificação dessas práticas e a tomada em nível nacional ou internacional das medidas apropriadas Como se vê entramos agora na virada de século por efeito da vertiginosa aceleração do progresso técnico a serviço da exploração capitalista no turbilhão da grande crise de valores cujo desfecho será discutido no epílogo deste livro Seja como for se a pessoa e não todo e qualquer indivíduo como queria Protágoras64 é fonte e medida de todos os valores ou seja se o próprio homem e não a divindade ou a natureza de modo geral é o fundamento do universo ético a História nos ensina que o reconhecimento dessa verdade só foi alcançado progressivamente e que a sua tradução em termos jurídicos jamais será concluída pois ela não é senão o reflexo do estado de permanente inacabamento do ser humano de que falou Heidegger Importa pois antes de tudo refletir sobre os grandes momentos de afirmação da dignidade humana no curso da História As Grandes Etapas Históricas na Afirmação dos Direitos Humanos No desenrolar da Guerra de Tróia o sacrifício de Ifigênia pelo seu próprio pai Agamenon comandante da frota grega representou de certa forma o paradigma da tragédia enquanto meio de se purificar a alma de suas paixões destruidoras Agamenon pôs o seu êxito pessoal como chefe guerreiro acima 64 Com a sua fórmula célebre o homem é a medida de todas as coisas town pan thown chrematown me troo anthropos estI da existência das coisas que são e da nãoexistência das que não são o grande sofista procurava assentar o total relativismo do conhecimento e do juízo moral Haveria portanto uma verdade e uma justiça para cada indivíduo Sócrates opôsse vigorosamente a essa concepção sustentando que a verdade e a justiça existem objetivamente como realidades independentes dos indivíduos cf o Teéteto de Platão 152 e s de uma pessoa e não se tratava de uma pessoa qualquer mas sim de sua própria filha O remorso do crime cometido costuma doer como a supuração de uma ferida e faz penetrar a sabedoria no coração dos homens Na peça de Ésquilo o coro faz o elogio supremo de Zeus que logrou superar o orgulho desmedido hybris de seus antecessores Urano e Cronos ele abriu aos homens os caminhos da prudência ao darlhes por lei sofrer para compreender tô pathei mathos65 Pois bem a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos no curso da História tem sido em grande parte o fruto da dor física e do sofrimento moral A cada grande surto de violência os homens recuam horrorizados à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos e o remorso pelas torturas as mutilações em massa os massacres coletivos e as explorações aviltantes faz nascer nas consciências agora purificadas a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos Além dessa chave de compreensão histórica dos direitos humanos há outro fato que não deixa de chamar a atenção quando se analisa a sucessão das diferentes etapas de sua afirmação é o sincronismo entre as grandes declarações de direitos e as grandes descobertas científicas ou invenções técnicas Uma das explicações possíveis para isso parte da verificação de que o movimento constante e inelutável de unificação da humanidade atravessa toda a História e corresponde até certo ponto ao próprio sentido da evolução vital No plano da vida como gostava de dizer o Padre Teilhard de Chardin tudo que se eleva converge A elevação progressiva das espécies vivas ao nível do ser humano foi seguida de um processo de convergência da humanidade sobre si mesma ou seja à biosfera geral sucede a antroposfera 65 Agamenon 177179 Na história moderna esse movimento unificador tem sido claramente impulsionado de um lado pelas invenções técnicocientíficas e de outro lado pela afirmação dos direitos humanos São os dois grandes fatores de solidariedade humana um de ordem técnica transformador dos meios ou instrumentos de convivência mas indiferente aos fins e outro de natureza ética procurando submeter a vida social ao valor supremo da justiça A solidariedade técnica traduzse pela padronização de costumes e modos de vida pela homogeneização universal das formas de trabalho de produção e troca de bens pela globalização dos meios de transporte e de comunicação Paralelamente a solidariedade ética fundada sobre o respeito aos direitos humanos estabelece as bases para a construção de uma cidadania mundial onde já não há relações de dominação individual ou coletiva Ambas essas formas de solidariedade são na verdade complementares e indispensáveis para que o movimento de unificação da humanidade não sofra interrupção ou desvio A concentração do gênero humano sobre si mesmo como resultado da evolução tecnológica no limitado espaço terrestre se não for completada pela harmonização ética fundada nos direitos humanos tende à desagregação social em razão da fatal prevalência dos mais fortes sobre os mais fracos Por sua vez sem a contribuição constante do progresso técnico não se criam as condições materiais indispensáveis ao fortalecimento universal da comunhão humana os diferentes grupos sociais permanecem distantes uns dos outros desenvolvendo mais os fermentos de divisão do que os laços de colaboração mútua Contra o princípio da solidariedade ética da humanidade costuma objetarse com o postulado darwiniano da luta pela vida e da sobrevivência do mais apto Tratase porém de uma interpretação unidimensional e por isso mesmo singularmente empobrecedora do processo evolutivo O próprio Darwin bem advertiu seus leitores sobre o fato de que a expressão struggle for Existence fora por ele usada em sentido amplo e metafórico incluindo a dependência de um ser em relação a outro bem como incluindo o que é mais importante não apenas a vida do indivíduo mas o êxito em deixar descendentes66 Já se observou de resto que o processo de seleção natural deu mais vantagens biológicas aos grupos que cuidavam de seus membros não reprodutivos do que àqueles que abandonavam ou matavam os anciãos pois a capacidade de reprodução global dos grupos altruístas viase assim singularmente reforçada Os velhos sempre constituíram um grande auxílio ao grupo não só pelo fato de se ocuparem das crianças liberando os demais adultos para a realização de outras tarefas mas também pelo concurso de sua maior experiência a enfrentar as situações que põem em perigo a sobrevivência do grupo67 Seja como for a solidariedade humana atua em três dimensões dentro de cada grupo social no relacionamento externo entre grupos povos e nações bem como entre as sucessivas gerações na História Seu sentido ético foi bem marcado por Montesquieu já na primeira metade do século XVIII Se eu soubesse de algo que fosse útil a mim mas prejudicial à minha família eu o rejeitaria de meu espírito Se soubesse de algo útil à minha família mas não à minha pátria procuraria esquecêlo Se soubesse de algo útil à minha pátria mas prejudicial à Eurôpa ou então útil à Europa mas prejudicial ao Gênero humano consideraria isto como um crime 68 66 The Origin of Species by Means of Natural Selection or The Presentation of Favored Races in the Struggle for Life Nova York The Modern Library 1993 p 90 67 Christian de Duve op cit p 384 Sobre a solidariedade como fator de desenvolvimento social vejase o Relatório Mundial do Desenvolvimento das Nações Unidas de 1999 capítulo 32 68 Mes Pensées em Oeuvres Complètes Paris Gallimard v 1 p981 Vejamos como se desenrolou esse processo de unificação da humanidade com base na afirmação progressiva dos direitos humanos O reino davídico a democracia ateniense e a república romana A eclosão da consciência histórica dos direitos humanos só se deu após um longo trabalho preparatório centrado em torno da limitação do poder político O reconhecimento de que as instituições de governo devem ser utilizadas para o serviço dos governados e não para o benefício pessoal dos governantes foi o primeiro passo decisivo na admissão da existência de direitos que inerentes à própria condição humana devem ser reconhecidos a todos e não podem ser havidos como mera concessão dos que exercem o poder Nesse sentido devese reconhecer que a protohistória dos direitos humanos começa nos séculos XI e X a C quando se instituiu sob Davi o reino unificado de Israel tendo como capital Jerusalém Em manifesto contraste com os regimes monárquicos de todos os outros povos do passado e de sua época o reino de Davi que durou 33 anos c 996 a c 963 a C estabeleceu pela primeira vez na história política da humanidade a figura do reisacerdote o monarca que não se proclama deus nem se declara legislador mas se apresenta antes como o delegado do Deus único e o responsável supremo pela execução da lei divina Surgia assim o embrião daquilo que muitos séculos depois passou a ser designado como o Estado de Direito isto é uma organização política em que os governantes não criam O direito para justificar o seu poder mas submetemse aos princípios e normas editados por uma autoridade superior Essa experiência notável de limitação institucional do poder de governo foi retomada no século VI a C com a criação das primeiras instituições democráticas em Atenas e prosseguiu no século seguinte com a fundação da república romana A democracia ateniense fundase nos princípios da preeminência da lei e da participação ativa do cidadão nas funções de governo O sentido e a importância política que os gregos clássicos atribuíam ao nomos eram incomparavelmente mais amplos e profundos do que aqueles conferidos à lei moderna Em sua essência como definiu Aristóteles o nomos é uma regra que emana da prudência phrônesis e da razão noos não da simples vontade seja do povo seja dos governantes69 Juridicamente tratavase muito mais de uma norma de nível constitucional do que de legislação ordinária Daí o respeito quase religioso que os gregos em geral e não apenas os atenienses votavam às suas leis Numa passagem famosa de sua obra70 Heródoto reporta o espantoso diálogo que o rei dos persas Xerxes teria tido com um antigo rei de Esparta O soberano persa prestes a invadir a Grécia manifesta o profundo desprezo que lhe inspira aquele povo pouco numeroso composto de pessoas todas igualmente livres e que não obedecem a um chefe único O espartano retruca que se os gregos são livres a sua liberdade não é completa eles têm um senhor a lei que eles temem mais do que os teus súditos a ti Na prosopopéia das leis que Platão apresenta no Críton71 Sócrates imagina que diante de sua eventual tentativa dê se subtrair pela fuga à condenação à morte pronunciada pelo povo de Atenas em aplicação de suas leis estas o considerem triplamente culpado por se revoltar contra elas que permitiram pela organização da família que ele viesse ao mundo que presidiram em seguida à sua educação e finalmente porque tendo 69 Ética a Nicômaco X 1180a 12 70 VII 103 e 104 71 50 de ele se comprometido a obedecêlas vinha assim quebrar perfidamente a sua promessa Efetivamente na vida política ateniense por mais de dois séculos de 501 a 338 A C o poder dos governantes foi estritamente limitado não apenas pela soberania das leis mas também pelo jogo complexo de um conjunto de instituições de cidadania ativa pelas quais o povo pela primeira vez na História governouse a si mesmo Basicamente a democracia ateniense consistiu na atribuição ao povo em primeiro lugar do poder de eleger os governantes e de tomar diretamente em assembléia a Ekklés ia as grandes decisões políticas adoção de novas leis declaração de guerra conclusão de tratados de paz ou de aliança Os órgãos do que chamamos hoje Poder Executivo eram aliás em Atenas singularmente fracos os principais dirigentes políticos os estrategos deviam ter suas funções confirmadas todos os meses pelo Conselho Boulê O regime de democracia direta fazia ainda em Atenas com que a designação dos juízes se realizasse por sorteio e o povo tivessse competência originária para julgar os dirigentes políticos e os réus dos principais crimes Mesmo nos processos que se desenrolavam perante os juizes oficiais qualquer das partes tinha o direito de recorrer da sentença para um tribunal popular ephesis A soberania popular ativa completavase com um correspondente sistema de responsabilidades Era lícito a qualquer cidadão mover uma ação criminal apagogê contra os dirigentes políticos e estes ao deixarem seus cargos eram obrigados a prestar contas de sua gestão perante o povo Pela instituição do graphê paranomôn os cidadãos tinham o direito de se opor na reunião da Ekklésia a uma proposta de lei violadora da constituição politéia da cidade ou caso tal proposta já tivesse sido convertida em lei de responsabilizar criminalmente o seu autor Já na república romana a limitação do poder político foi alcançada não pela soberania popular ativa mas graças à instituição de um complexo sistema de controles recíprocos entre os diferentes órgãos políticos Escrevendo no segundo século antes de Cristo o historiador grego Políbio não hesitou em atribuir a esse refinado mecanismo de checks and balances a grandeza de Roma que em menos de cinqüenta e três anos lograra estender a sua dominação à quase totalidade da terra habitada fato sem precedentes72 Três eram as espécies tradicionais de regimes políticos citados por Platão e Aristóteles a monarquia a aristocracia e a democracia Para Políbio o gênio inventivo romano consistiu em combinar esses três regimes numa mesma constituição de natureza mista o poder dos cônsules segundo ele seria tipicamente monárquico o do Senado aristocrático e o do povo democrático Assim é que o processo legislativo ordinário para a edição das leges latae também chamadas leges rogatae era de iniciativa dos cônsules que redigiam o projeto O projeto passava em seguida ao exame do Senado que o aprovava com ou sem emendas para ser finalmente submetido à votação do povo reunido nos comícios Tanto os cônsules quanto os tribunos nunca exerciam isoladamente as suas funções mas eram sempre nomeadas duas pessoas para o mesmo cargo Se um desses altos funcionários não concordava com um ato praticado pelo outro podia vetálo intercessio O mesmo poder de veto foi atribuído aos tribunos da plebe em relação às decisões tomadas pelos cônsules Foi esse governo moderado da república romana muito mais do que a Constituição puramente idealizada da Inglaterra que inspirou de fato Montesquieu na composição do Livro XI capítulo VI de sua obra famosa 72 História Livro VI Cícero retoma em De Re Publica pela boca de Cipião esse elogio da organização política de Roma muito superior aos regimes exclusiVOS de soberania ou poder supremo de um só de poucos ou de todos os cidadãos Livro 1 45 e 69 Livro II 41 e 42 56 a 58 Baixa Idade Média A democracia ateniense e a república romana foram destruídas pela vaga imperial que se estabeleceu a partir do século IV antes de Cristo primeiro com Alexandre Magno e em seguida com Augusto e seus sucessores Com a extinção do império romano do Ocidente em 453 da era cristã teve início uma nova civilização constituída pelo amálgama de instituições clássicas valores cristãos e costumes germânicos Era a Idade Média Os historiadores costumam dividila em dois períodos cuja linha de separação se situa na passagem do século XI ao século XII Nessa época volta a tomar corpo a idéia de limitação do poder dos governantes pressuposto do reconhecimento a ser feito somente alguns séculos depois da existência de direitos comuns a todos os indivíduos qualquer que fosse o estamento social clero nobreza e povo no qual eles se encontrassem Toda a Alta Idade Média foi marcada pelo esfacelamento do poder político e econômico com a instauração do feudalismo A partir do século XI porém assistese a um movimento de reconstrução da unidade política perdida Duas cabeças reinantes o imperador carolíngio e o papa passaram a disputar asperamente a hegemonia suprema sobre todo o território europeu Ao mesmo tempo os reis até então considerados nobres de condição mais elevada que os outros primi inter pares reivindicaram para as suas coroas poderes e prerrogativas que até então pertenciam de direito à nobreza e ao clero Foi justamente contra os abusos dessa reconcentração do poder que surgiram as primeiras manifestações de rebeldia na Península Ibérica com a Declaração das Cortes de Leão de 1188 e sobretudo na Inglaterra com a Magna Carta de 1215 73 73 Cf capítulo 12 No embrião dos direitos humanos portanto despontou antes de tudo o valor da liberdade Não porém a liberdade geral em benefício de todos sem distinções de condição social o que só viria a ser declarado ao final do século XVIII mas sim liberdades específicas em favor principalmente dos estalnentOs superiores da sociedade o clero e a nobreza com algumas concessões em benefício do Terceiro Estado o povo Este último aliás passa a tomar contornos mais definidos com a ascensão social dos comerciantes em razão da progressiva abertura das vias de comunicação marítima após a longa dominação árabe sobre a bacia do Mediterrâneo A margem dos castelos medievais os burgos novos ou burgos de fora forisburgus termo do qual surgiu o faubourg do francês atual tornamse rapidamente os locais de concentração das grandes fortunas mercantis e os centros de irradiação do primeiro capitalismo Foi nas cidades comerciais da Baixa Idade Média que teve início a primeira experiência histórica de sociedade de classes onde a desigualdade social já não é determinada pelo direito mas resulta principalmente das diferenças de situação patrimonial de famílias e indivíduos74 Os burgos novos tornaramse desde logo o território da liberdade pessoal e isto não apenas para a classe dos mercadores doravante conhecidos como burgueses75 Os servos da gleba que logravam residir mais de ano e dia num burgo novo desvinculavamse de pleno direito das peias feudais era uma espécie de usucapião da liberdade calcado no regime posses 74 Sobre este fato vejamse as considerações constantes do capítulo 12 75 Cf sobre isso a límpida exposição de Henri Pirenne Histoire Economí que et Sociale du Moven Âge Paris Presses Universitajres de France 1963 capítulo II Há tradução brasileira História Econômica e Social da Idade Média 5ª ed São Paulo Editora Mestre Jou 1979 sório dos bens materiais76 O provérbio alemão diz tudo o ar da cidade liberta die Stadtluft macht freI Concomitantemente entre os séculos XI e XIII a Europa medieval viveu um período fecundo em invenções técnicas que revolucionaram toda a estrutura produtiva77 No campo da produção agrícola como fruto da racionalização difundida pelo movimento monástico introduziramse novas técnicas de irrigação construíramse canais de navegação foram adotados o moinho dágua e o moinho de vento a charrua o pousio trienal do solo o arreio peitoral de bois e cavalos Foi também na Baixa Idade Média que surgiu no Ocidente a máquinachave da era industrial moderna não a máquina a vapor como se poderia pensar mas sim o relógio mecânico78 Na arte da navegação foi igualmente na última fase da Idade Média que se inventaram as caravelas sem as quais não teria havido a conquista do Extremo Oriente e a descoberta do Novo Mundo e começaram a ser usadas no Ocidente as primeiras bússolas Na vida comercial é de se assinalar a notável invenção do método de contabilidade por partidas dobradas que permanece em vigor até hoje É também desse mesmo período a criação de institutos jurídicos sem os quais teria sido impossível a expansão do capitalismo e a revolução industrial do século XVIII a 76 Em grande parte das legislações modernas esse prazo tradicional de ano e dia distingue a posse nova da posse velha Cf Código Civil brasileiro de 1916 art 508 Código Civil alemão 861 e 862 Código Civil suíço art 929 Código Civil italiano art 1170 Código Civl português art 1282º 77 Houve mesmo quem localizasse nesse período histórico a ocorrência da primeira revolução industrial Cf Jean Gimpel La révolution industrielle du Moyen Âge Paris Éditions du Seuil 1975 78 Lewis Mumford Técnica y Civilización Madri Alianza e Editorial 1971 p 31 letra de câmbio as primeiras sociedades comerciais79 o contrato de seguro marítimo Tudo isso como é fácil perceber exigia um mínimo de segurança e certeza na vida dos negócios o que supunha a necessária limitação do tradicional arbítrio do poder político O século XVII Foi realmente todo ele e não apenas a fase de transição para o século seguinte um tempo de crise da consciência europeia80 um a de profundo questionamento das certezas tradicionais No mundo artístico e literário eclodiu a querela dos antigos e dos modernos No campo político a rebelião dos Levellers e a revolta armada bemsucedida de Oliver Cromwell contra a monarquia inglesa fizeram renascer as idéias republicanas e democráticas Na ciência enfim a conjunção de três gênios de primeira grandeza Pascal Galileu e Newton provocou uma verdadeira revolução científica81 no sentido que a palavra viria a adquirir em 1789 82 Durante os dois séculos que sucederam à era que se convencionou denominar Idade Média a Europa conheceu um extraordinário recrudescimento da concentração de poderes Foi a época em que se elaborou a teoria da monarquia absoluta com Jean Bodin e Thomas Hobbes e em que se fundaram os impérios coloniais ibéricos ultracentralizadores 79 Já no século XV a Casa Medici em Florença criou o primeiro modelo histórico de empresa multinacional Cf o meu artigo Na protohistória das empresas multinacionais o Banco Medici de Florença em Direito Empresarial Estudos e Pareceres São Paulo Saraiva 1990 p 261 e s 80 Paul Hazard La crise de la conscience européenne 16851715 Paris Fayard 1961 81 A expressão foi difundida por Thomas S Kuhn em sua celebrada obra The Structure of Scientific Revolucions 2ª ed The Universitv of Chicago Press 1970 82 Cf capítulos 3º e 5º A crise da consciência européia fez ressurgir na Inglaterra o sentimento de liberdade alimentado pela memória da resistência à tirania que o tempo se encarregou de realçar com tons épicos Por outro lado as devastações provocadas pela guerra civil reafirmaram o valor da harmonia social e estimularam a lembrança das antigas franquias estamentais declaradas na Magna Carta Generalizouse a consciência dos perigos representados pelo poder absoluto No eitanto as liberdades pessoais que se procuraram tanto na realeza dos Stuart quanto na ditadura republicana do Lord Protector No entanto as liberdades pessoais que se procuraram garantir pelo habeas corpus e o Bill of Rights do final do século83 não beneficiavam indistintamente todos os súditos de Sua Majestade mas preferencialmente os dois primeiros estamentos do reino o clero e a nobreza A novidade é que pela sua formulação mais geral e abstrata do que no texto da Magna Carta a garantia dessas liberdades individuais acabou aproveitando e muito à burguesia rica Podese mesmo afirmar que sem esse novo estatuto das liberdades civis e políticas o capitalismo industrial dos séculos seguintes dificilmente teria prosperado A instituiçãochave para a limitação do poder monárquico e a garantia das liberdades na sociedade civil foi o Parlamento A partir do Bill of Rights britânico a idéia de um governo representativo ainda que não de todo o povo mas pelo menos de suas camadas superiores começa a firmarse como garantia institucional indispensável das liberdades civis84 83 Cf capítulos 2º e 3º 84 A noção de garantia institucional como um mecanismo objetivo de organização do Estado para a proteção das liberdades civis foi elaborada pela doutrina jurídica alemã a partir de 1919 Sobre o assunto cf a ampla exposição de Klaus Stern Das Staatsrecht des Bundesrepublik Deutschland 11111 Munique C H Beck 1988 68 A Independência Americana e a Revolução Francesa85 Todos os seres humanos são pela sua natureza igualmente livres e independentes e possuem certos direitos inatos dos quais ao entrarem no estado de sociedade não podem por nenhum tipo de pacto privar ou despojar sua posteridade nomeadamente a fruição da vida e da liberdade com os meios de adquirir e possuir a propriedade de bens bem como de procurar e obter a felicidade e a segurança O artigo 1 da Declaração que o bom povo da Virgínia85 tornou pública em 16 de junho de 1776 constitui o registro de nascimento dos direitos humanos na História E o reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente vocacionados pela sua própria natureza ao aperfeiçoamento constante de si mesmos A busca da felicidade repetida na Declaração de Independência dos Estados Unidos duas semanas após é a razão de ser desses direitos inerentes à própria condição humana Uma razão de ser imediatamente aceitável por todos os povos em todas as épocas e civilizações Uma razão universal como a própria pessoa humana Treze anos depois no ato de abertura da Revolução Francesa a mesma idéia de liberdade e igualdade dos seres humanos é reafirmada e reforçada Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 art 1º Faltou apenas o reconhecimento da fraternidade isto é a exigência de uma organização solidária da vida em comum o que só se logrou alcançar com a Declaração Universal de Direitos Humanos proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 86 85 Ver capítulos 4º e 5º 86 Cf capítulo 13º A conseqüência imediata da proclamação de que todos os seres humanos são essencialmente iguais em dignidade e direitos foi uma mudança radical nos fundamentos da legitimidade política Ainda aí a Declaração de Direitos de Virgínia deu o tom Todo poder pertence ao povo e por conseguinte dele deriva Os magistrados isto é os governantes são seus fiduciários e servidores responsáveis a todo tempo perante ele art II Mas a democracia que ressurge nessa época nada tem que ver com a demokratia grega Nesta como explicou Aristóteles87 o poder supremo kyrion pertence ao demos que o exerce diretamente e nunca por meio de representantes Ora o demos ateniense é composto em sua grande maioria de pequenos camponeses e artesãos ou seja de grupos de baixo poder econômico É por isso que no pensamento político grego a democracia representa a exata antítese da oligarquia em que o poder político supremo pertence à classe proprietária Em sentido contrário a democracia moderna reinventada quase ao mesmo tempo na América do Norte e na França foi a fórmula política encontrada pela burguesia para extinguir os antigos privilégios dos dois principais estamentos do ancien régime o clero e a nobreza e tornar o governo responsável perante a classe burguesa O espírito original da democracia moderna não foi portanto a defesa do povo pobre contra a minoria rica mas sim a defesa dos proprietários ricos contra um regime de privilégios estamentais e de governo irresponsável Daí por que se a democracia ateniense tendia naturalmente a concentrar poderes nas mãos do povo demos a democracia moderna surgiu como movimento de limitação geral dos poderes governamentais sem qualquer preocupação de defesa da maioria pobre contra a minoria rica As instituições da 87 Política 1279b 1520 democracia liberal limitação vertical de poderes com os direitoS individuais e limitação horizontal com a separação das funções legislativa executiva e judiciária adaptaramse perfeitamente ao espírito de origem do movimento democrático São assim os chamados direitos sociais ou a reivindicação de uma participação popular crescente no exercício do governo referendo plebiscito iniciativa popular legislativa orçamento participatiVo De qualquer modo esse feito notável de geração dos primeiros direitos humanos e de reinstituição da legitimidade democrática foi obra de duas revoluções ocorridas em curto espaço de tempo em dois continentes Mas a mesma palavra foi empregada em acepções distintas e até mesmo contraditórias A chamada Revolução Americana foi essencialmente no mesmo espírito da Glorious Revolution inglesa uma restauração das antigas franquias e dos tradicionais direitos de cidadania diante dos abusos e usurpações do poder monárquico Na Revolução Francesa bem ao contrário todo o ímpeto do movimento político tendeu ao futuro e representou uma tentativa de mudança radical das condições de vida em sociedade O que se quis foi apagar completamente o passado e recomeçar a História do marco zero reinício muito bem simbolizado pela mudança de calendário Ademais enquanto os norteamericanos mostraramse mais interessados em firmar sua independência em relação à coroa britânica do que em estimular igual movimento em outras colônias européias os franceses consideraramse investidos de uma missão universal de libertação dos povos E efetivamente o espirito da Revolução Francesa difundiuse em pouco tempo a partir da Europa a regiões tão distantes quanto o subcontinente indiano a Ásia Menor e a América Latina Foi justamente no sentido francês e não na acepção inglesa que a transformação radical na técnica de produção econôInca causada pela introdução da máquina a vapor em meados do século na Inglaterra tomou o nome de Revolução Industrial Ainda aqui como se vê as grandes etapas históricas de invenção dos direitos humanos coincidem com as mudanças nos princípios básicos da ciência e da técmca O reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social As declarações de direitos norteamericanas juntamente com a Declaração francesa de 1789 representaram a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu a família o clã o estamento as organizações religiosas É preciso reconhecer que o terreno nesse campo fora preparado mais de dois séculos antes de um lado pela reforma protestante que enfatizou a importância decisiva da consciência individual em matéria de moral e religião de outro lado pela cultura da personalidade de exceção do herói que forja sozinho o seu próprio destino e os destinos do seu povo como se viu sobretudo na Itália renascentista Mas em contrapartida a essa ascensão do indivíduo na História a perda da proteção familiar estamental ou religiosa tornouo muito mais vulnerável às vicissitudes da vida A sociedade liberal ofereceulhe em troca a segurança da legalidade com a garantia da igualdade de todos perante a lei Mas essa isonomia cedo revelouse uma pomposa inutilidade para a legião crescente de trabalhadores compelidos a se empregarem nas empresas capitalistas Patrões e operários eram considerados pela majestade da lei como contratantes perfeitamente iguais em direitos com inteira liberdade para estipular o salário e as demais condições de trabalho Fora da relação de emprego assalariado a lei assegurava imparcialmente a todos ricos e pobres jovens e anciãos homens e mulheres a possibilidade jurídica de prover livremente à sua subsistência e enfrentar as adversidades da vida mediante um comportamento disciplinado e o hábito da poupança O resultado dessa atomização social como não poderia deixar de ser foi a brutal pauperização das massas proletárias já na primeira metade do século XIX Ela acabou afinal por suscitar a indignação dos espíritos bem formados e por provocar a indispensável organização da classe trabalhadora A Constituição francesa de 1848 88 retomando o espírito de certas normas das Constituições de 1791 e 1793 reconheceu algumas exigências econômicas e sociais Mas a plena afirmação desses novos direitos humanos só veio a ocorrer no século XX com a Constituição mexicana de 1917 89 e a Constituição de Weimar de 1919 90 O reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade reconheceu do movimento socialista iniciado na primeira metade do século XIX O titular desses direitos com efeito não é o ser humano abstrato com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente É o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria a doença a fome e a marginalização Os socialistas perceberam desde logo que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem efeitos necessários da organização racional das atividades econômicas mas sim verdadeiros dejetos do sistema capitalista de produção cuja lógica consiste em atribuir aos bens de capital um valor muito superior ao das pessoas Os direitos humanos de proteção do trabalhador são portanto fundamentalmente anticapitalistas e por isso mesmo só puderam prosperar a partir do momento histórico em que os donos do capital foram obrigados a se compor com os trabalhadores Não é de admirar assim que a transformação radical das condições de produção no final do século XX tornando cada 88 Vejase o capítulo 6º 89 Cf capítulo 8º 90 Cf capítulo 9º vez mais dispensável a contribuição da força de trabalho e privilegiando o lucro especulativo tenha enfraquecido gravemente o respeito a esses direitos em quase todo o mundo A primeira fase de internacionalização dos direitos humanos Ela teve início na segunda metade do século XIX e findou com a 2ª Guerra Mundial manifestandose basicamente em três setores o direito humanitário a luta contra a escravidão e a regulação dos direitos do trabalhador assalariado No campo do chamado direito humanitário que compreende o conjunto das leis e costumes da guerra visando a minorar o sofrimento de soldados prisioneiros doentes e feridos bem como das populações civis atingidas por um conflito bélico o primeiro documento normativo de caráter internacional foi a Convenção de Genebra de 1864 91 a partir da qual se fundou em 1880 a Comissão Internacional da Cruz Vermelha A Convenção foi revista primeiro em 1907 a fim de se estenderem seus princípios aos conflitos marítimos Convenção de Haia e a seguir em 1929 para a proteção dos prisioneiros de guerra Convenção de Genebra92 O outro setor dos direitos humanos em que se manifestou essa tendência à internacionalização foi a luta contra a escravatura O Ato Geral da Conferência de Bruxelas de 1890 estabeleceu embora sem efetividade as primeiras regras interestatais de repressão ao tráfico de escravos africanos Ele foi seguido em 1926 por uma Convenção celebrada em Genebra no quadro da Liga das Nações93 Com a criação da Organização Internacional do Trabalho em 1919 a proteção do trabalhador assalariado passou também 91 Cf capítulo 7º 92 Cf capítulo 11º 93 Cf capítulo 10º a ser objeto de uma regulação convencional entre os diferentes EstadoS Até O início da 2ª Guerra Mundial a OIT havia aprovado nada menos que 67 convenções internacionais das quais apenaS três não contaram com nenhuma ratificação Várias delas porém foram ratificadas por mais de uma centena de Estados como a Convenção n 11 de 1921 sobre o direito de associação e de coalizão dos trabalhadores agrícolas 113 ratificações a Convenção n 14 de 1921 sobre descanso semanal nas empresas industriais 112 ratificações a Convenção n 19 de 1925 sobre igualdade de tratamento entre trabalhadores estrangeiroS e nacionais em matéria de indenização por acidentes do trabalho 113 ratificações a Convenção n 26 de 1928 sobre métodos para fixação de salários mínimos 101 ratificações e a Convenção n 29 de 1930 sobre trabalho forçado ou obrigatório 134 ratificações94 A evolução dos direitos humanos a partir de 1945 Ao emergir da I Guerra Mundial após três lustros de massacres e atrocidades de toda a sorte iniciados com o fortalecimento do totalitarismo estatal nos anos 30 a humanidade compreendeu mais do que em qualquer outra época da História o valor supremo da dignidade humana O sofrimento como matriz da compreensão do mundo e dos homens segundo a lição luminosa da sabedoria grega veio aprofundar a afirmação histórica dos direitos humanos A Declaração Universal aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 95 e a Convenção Internacional sobre a prevenção e punição do crime de 94 Todas elas foram promulgadas no Brasil pelo Decreto n 41721 de 25 de junho de 1957 95 Cf capítulo 13º genocídio aprovada um dia antes também no quadro da ONU96 constituem os marcos inaugurais da nova fase histórica que se encontra em pleno desenvolvimento Ela é assinalada pelo aprofundamento e a definitiva internacionalização dos direitos humanos Meio século após o término da 2ª Guerra Mundial 21 convenções internacionais exclusivamente dedicadas à matéria haviam sido celebradas no âmbito da Organização das Nações Unidas ou das organizações regionais97 Entre 1945 e 1998 outras 114 convenções foram aprovadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho Não apenas os direitos individuais de natureza civil e política ou os direitos de conteúdo econômico e social foram assentados no plano internacional Afirmouse também a existência de novas espécies de direitos humanos direitos dos povos e direitos da humanidade Dois Pactos Internacionais celebrados no quadro das Nações Unidas em 1966 compendiaram o conjunto dos direitos civis e políticos bem como os direitos econômicos sociais e culturais98 Em 1981 na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos povos99 reconheceuse que todos os povos devem ser tratados com igual respeito tendo direito à autodeterminação à livre disposição de sua riqueza e de seus recursos naturais ao desenvolvimento econômico social e cultural bem como à paz e à segurança Chegouse enfim ao reconhecimento de que à própria humanidade como um todo solidário devem ser reconhecidos vários direitos à preservação de sítios e monumentos considerados parte integrante do patrimônio mundial100 a 96 Cf capítulo 14º 97 Cf The United Nations and Human Rights 19451995 Nações Unidas Nova York 1995 98 Cf capítulo 17º 99 Cf capítulo 20º 100 Cf a Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural de 1972 comentada no capítulo 19º desta obra comunhão nas riquezas minerais do subsolo marinho101 à preservação do equilíbrio ecológico do planeta102 Stirge agora à vista o termo final do longo processo de unificação da humanidade E com isso abrese a última grande encruzilhada da evolução histórica ou a humanidade cederá à pressão conjugada da força militar e do poderio econômicofinanceiro fazendo prevalecer uma coesão puramente técnica entre os diferentes povos e Estados ou construiremos enfim a civilização da cidadania mundial com o respeito integral aos direitos humanos segundo o princípio da solidariedade ética Posição dos Direitos Humanos no Sistema Normativo Por tudo o que se acaba de expor não é difícil entender a razão do aparente pleonasmo da expressão direitos humanos ou direitos do homem Tratase afinal de algo que é inerente à própria condição humana sem ligação com particularidades determinadas de indivíduos ou grupos Mas como reconhecer a vigência efetiva desses direitos no meio social ou seja o seu caráter de obrigatoriedade É aí que se põe a distinção elaborada pela doutrina jurídica germânica entre direitos humanos e direitos fundamentais Grundrechte Estes últimos são os direitos humanos reconhecidos como tais pelas autoridades às quais se atribui o poder político de editar normas tanto no interior dos Estados quanto no plano internacional são os direitos humanos positivados nas Constituições nas leis nos tratados internacionais Segundo outra terminologia falase em direitos fundamentais típicos e 101 Vejase a Convenção sobre o Direito do Mar de 1982 objeto do capítulo 21º desta obra 102 Cf a Convenção sobre a Diversidade Biológica de 1992 no capítulo 22º desta obra atípicos sendo estes os direitos humanos ainda não declarados em textos normativos103 Sem dúvida o reconhecimento oficial de direitos humanos pela autoridade política competente dá muito mais segurança às relações sociais Ele exerce também uma função pedagógica no seio da comunidade no sentido de fazer prevalecer os grandes valores éticos os quais sem esse reconhecimento oficial tardariam a se impor na vida coletiva Mas nada assegura que falsos direitos humanos isto é certos privilégios da minoria dominante não sejam também inseridos na Constituição ou consagrados em convenção internacional sob a denominação de direitos fundamentais O que nos conduz necessariamente à busca de um fundamento mais profundo do que o simples reconhecimento estatal para a vigência desses direitos A teoria positivista considera no entanto essa indagação como despida de sentido a partir do postulado de que não há direito fora da organização política estatal ou do concerto dos Estados no plano internacional Ora essa concepção como é fácil de ver revelase radicalmente incompatível com o reconhecimento da existência de direitos humanos pois a característica essencial destes consiste justamente como proclamaram os revolucionários americanos e franceses no século XVIII no fato de valerem contra o Estado Toda a primeira geração de direitos humanos nos documentos normativos produzidos pelos Estados Unidos recémindependentes ou pela Revolução Francesa foi composta de direitos que protegiam as liberdades civis e políticas dos cidadãos contra a prepotência dos órgãos estatais Por outro lado se se admite que o Estado nacional pode criar direitos humanos e não apenas reconhecer a sua existência e irrecusável admitir que o mesmo Estado também pode suprimilos ou alterar de tal maneira o seu conteúdo a ponto de tornálos irreconhecíveis104 Ademais a criação dos direitos humanos pelo Estado nacional conduziria à impossibilidade de se lhes atribuir o caráter de exigências postas por normas universais sem as quais como salientou Kant não há ética racionalmente justificável Não se trataria logicamente falando de atributos inerentes à condição humana mas unicamente a determinada nacionalidade É irrecusável por conseguinte encontrar um fundamento para a vigência dos direitos humanos além da organização estatal Esse fundamento em última instância só pode ser a consciência ética coletiva a convicção longa e largamente estabelecida na comunidade de que a dignidade da condição humana exige o respeito a certos bens ou valores em qualquer circunstância ainda que não reconhecidos no ordenamento estatal ou em documentos normativos internacionais Ora essa consciência ética coletiva como se procurou mostrar nestas páginas vemse expandindo e aprofundando no curso da História Resolvese com isso uma das mais freqüentes objeções teóricas que os positivistas fazem ao reconhecimento de direitos humanos não declarados no ordenamento estatal o fato de não se poder exigir a sua observância em juízo A objeção revela não há negar certa coerência de raciocínio por parte dos seus autores A teoria positivista sempre considerou que a existência de direitos depende da possibilidade de se lhes exigir o cumprimento por meio da coerção estatal Mas essa coerência por si só não dá nenhum peso de 104 Prevenindo essa eventualidade o art 19 alínea 2 da Lei Fundamental alemã dispõe que quando autorizada a limitação de um direito fundamental por lei ou com fundamento em lei em nenhuma hipótese o seu conteúdo essencial Wesensgehalt pode ser alterado Sobre o assunto a mais completa monografia Continua sendo a de Peter Häberle Die Wesensgehaltgarantie des Art 19 Abs 2 Grundgesetz 3ª ed Heidelberg C F Müller 1983 verdade ao argumento A admitirse que só tem direito aquele que pode exigir o seu cumprimento nos tribunais teríamos que a quasetotalidade das normas declaradas em tratados internacionais sem falar no costume e nos chamados princípios gerais de direito não teria caráter jurídico Da mesma forma algumas normas do direito interno tanto no campo público como no privado careceriam igualmente de sentido jurídico o que ninguém nem mesmo os positivistas chegou a afirmar O que há na verdade em tal raciocínio é a confusão entre o direito subjetivo propriamente dito que é a pertinência de um bem da vida a alguém e a chamada pretensão Anspruch na terminologia alemã que é o modo judicial ou extrajudicial reconhecido pelo ordenamento jurídico para garantir o respeito ao direito subjetivo105 A ausência ou o nãoexercício da pretensão não significa de modo algum que não haja direito subjetivo Desde sempre por exemplo no direito privado temse admitido que a inexigibilidade judicial das obrigações por efeito da prescrição inércia do credor em pedir o pagamento durante um prazo fixado em leI não suprime o direito subjetivo que lhe serve de fundamento Se o credor for acionado pelo mesmo devedor em razão de outra obrigação podese fazer a compensação das dívidas Se o devedor pagar espontaneamente uma obrigação prescrita não terá ação para reclamar de volta o que pagou pois a prescrição não eliminou a relação de créditodébito106 Isto posto perguntase No terreno dos chamados direitos fundamentais isto é os direitos humanos reconhecidos expressamente pela autoridade política existe uma hierarquia 105 A argumentação sobre este ponto é mais amplamente desenvolvida no capítulo 17º a respeito dos direitos humanos de caráter econômico social ou cultural 106 Código Civil brasileiro de 1916 art 970 Código Civil de 2002 art 882 Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita ou cumprir obrigação natural normativa O direito internacional prevalece sobre o direito interno ou tratase de duas ordens jurídicas paralelas Nesta última bipótese como resolver os eventuais conflitos normativos entre o direito internacional e o direito interno Sem entrar na tradicional querela doutrinária entre monistas e dualistas a esse respeito convém deixar aqui assentado que a tendência predominante hoje é no sentido de considerar que as normas internacionais de direitos humanos pelo fato de exprimirem de certa forma a consciência ética universal estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado Em várias Constituições posteriores à 2ª Guerra Mundial aliás já se inseriram normas que declaram de nível constitucional os direitos humanos reconhecidos na esfera internacional107 Seja como for vaise firmando hoje na doutrina a tese de que na hipótese de conflito entre regras internacionais e internas em matéria de direitos humanos há de prevalecer sempre a regra mais favorável ao sujeito de direito pois a proteção da dignidade da pessoa humana é a finalidade última e a razão de ser de todo o sistema jurídico108 Justamente se a ordem jurídica forma um sistema dinâmico isto é um conjunto solidário de elementos criados para 107 Assim na Europa a Lei Fundamental alemã de 1949 art 2 que faz prevalecer as normas de direito internacional sobre a lei interna a Constituição portuguesa de 1976 que manda incluir na enumeração dos direitos humanos quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis do direito internacional determinando ainda que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Umvers dos Direitos do Homem art 160 Da mesma forma na América Latina as Constituições da Guatemala de 1985 da Nicarágua de 1987 do Brasil de 1988 e do Chile de 1989 integram as normas internacionais de direitos humanos ao direito interno em nível constitucional Sobre o assunto cf Antônio Augusto Cançado Trindade Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos vol 1 Porto Alegre Sérgio Antonio Fabris Editor 1997 p 403 e s 108 Sobre este ponto cf no Brasil os trabalhos de Antônio Augusto Cançado Trindade p cit p 434 e s e de Flávia Piovesan Direitos Humanos e o Direito COnstitucional Internacional São Paulo Max Limonad 1996 p 121 e s determinada finalidade e adaptável às mutações do meio onde atua os direitos humanos constituem o mais importante subsistema desse conjunto E como todo sistema eles se regem por princípios ou leis gerais que dão coesão ao todo e permitem sempre a correção de rumos em caso de conflitos internos ou transformações externas Os princípios fundamentais do sistema dos direitos humanos são de duas ordens conforme digam respeito aos valores éticos supremos ou à lógica estrutural do conjunto Os princípios axiológicos supremos correspondem à tríade famosa da tradição republicana francesa reafirmada no primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 liberdade igualdade e fraternidade ou solidariedade o núcleo do princípio axiológico da liberdade é a idéia de autonomia isto é de submissão de cada qual às normas por ele mesmo editadas Uma sociedade livre é aquela que obedece às leis que ela própria estabelece e aos governantes por ela escolhidos O pensamento clássico vê pois no autogoverno sob o império da lei a característica essencial de uma sociedade livre109 A partir das declarações de direitos do final do século XVIII porém estabeleceuse a distinção entre a liberdade pública com o sentido político de autogoverno e as liberdades privadas como instrumentos de defesa do cidadão contra 109 Cf Aristóteles Política 1317a 40 ao dizer que o princípio fundamental de uma constituição democrática é a liberdade sendo que um dos elementos da liberdade consiste em governar e ser governado alternadamente Locke Second Treatise of Government cap IV The liberty of man in society is to be under no other legislative power but that established by consent in the common wealth nor under the dominion of any will or restraint of any law but what that legislative shall enact according to the trust put in it E Rousseau nas Lettres Écrites de la Montagne 8ª Carta Un peuple libre obéit mais il ne sert pas il a des chefs et non pas des maitres il obéit aux Loix mais il nobéit quaux Loix et cest par la force des Loix quil nobéit pas aux hommes as interferências governamentais Benjamin Constant110 expressando a Visão burguesa do mundo chegou a contrapor estas àquela mostrando que enquanto os antigos só se preocupavam com a participação política do cidadão e desconheciam a autonomia privada os modernos estão sempre prontos a abrir mão da participação política contanto que lhes sejam preservadas as liberdades individuais A civilização burguesa separou nitidamente como disse o jovem Marx os direitos do homem dos direitos do cidadão e concebeu aqueles a modo de divisas demarcatórias entre dois terrenos pertencentes a proprietários distintos111 A experiência veio porém demonstrar a íntima ligação entre essas duas dimensões da liberdade A liberdade política sem as liberdades individuais não passa de engodo demagógico de Estados autoritários ou totalitários E as liberdades individuais sem efetiva participação política do povo no governo mal escondem a dominação oligárquica dos mais ricos No tocante ao princípio da igualdade a mesma evolução dicotômica ocorreu As revoluções do final do século XVIII assentaram com a abolição dos privilégios estamentais a igualdade individual perante a lei Abriuse com isso uma nova divisão da sociedade fundada não já em estamentos mas sim em classes os proprietários e os trabalhadores Em 1847 aliás Tocqueville já antevia dentro em pouco a luta política irá 110 De la liberté des anciens comparée à celle des modernes conferência feita no Ateneu Real de Paris em 1819 111 Die Grenze in welcher sich jeder dem anderen unschädlich bewegen kann ist durch das Gesetz gestimmt wie die Grenze zweier Felder durch deu Zaunpfahl bestimmet ist Karl Marx e Friedrich Engels Studienausgabe t I Philosophie Frankfurt 1990 p 50 A expressão marcos foi usada efetivamente pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 em seu art 4º La liberté consiste à pouvoir faire tout ce qui ne nuit pas a autrui ainsi lexercice des droits naturels de chaque homme na de bornes que celles qui assurent aux autres membres de la société la jouissance de ces mêmes droits Ces bornes ne Peuvent être déterminées que par la loi estabelecerse entre homens de posses e homens desprovidos de posses o grande campo de batalha será a propriedade 112 Foi justamente para corrigir e superar o individualismo próprio da civilização burguesa fundado nas liberdades privadas e na isonomia que o movimento socialista fez atuar a partir do século XIX o princípio da solidariedade como dever jurídico ainda que inexistente no meio social a fraternidade enquanto virtude cívica A solidariedade prendese à idéia de responsabilidade de todos pelas carências ou necessidades de qualquer indivíduo ou grupo social E a transposição no plano da sociedade política da obligatio in solidum do direito privado romano O fundamento ético desse princípio encontrase na idéia de justiça distributiva entendida como a necessária compensação de bens e vantagens entre as classes sociais com a socialização dos riscos normais da existência humana Com base no princípio da solidariedade passaram a ser reconhecidos como direitos humanos os chamados direitos sociais que se realizam pela execução de políticas públicas destinadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e mais pobres ou seja aqueles que não dispõem de recursos próprios para viver dignamente Os direitos sociais englobam de um lado o direito ao trabalho e os diferentes direitos do trabalhador assalariado de outro lado o direito à seguridade social saúde previdência e assistência social o direito à educação e de modo geral como se diz no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais de 1966 art 11 O direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família inclusive à alimentação vestimenta e moradia adequadas assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida 112 Souvenirs in Oeuvres Compiètes Paris Gallimard t 12 p 37 É também com fundamento na solidariedade que em vários sistemas jurídicos contemporâneos consagrase o dever fundamental de dar à propriedade privada uma função social O conjunto dos direitos sociais achase hoje em todo o mundo severamente abalado pela hegemonia da chamada política neoliberal que nada mais é do que um retrocesso ao capitalismo vigorante em meados do século XIX Criouse na verdade uma situação de exclusão social de populações inteiras inimaginável para os autores do Manifesto Comunista Marx e Engels com efeito em sua análise do capitalismo haviam partido do pressuposto de que o capital sempre dependeria do trabalho assalariado die Bedingung des Kapirals ist die Lohnarbeit o que daria aos trabalhadores unidos a força necessária para derrotar o capitalismo no embate final da luta de classes Ora esse pressuposto revelouse totalmente falso No final do século XX o que se verificou em todas as partes do mundo é que a massa trabalhadora se havia tornado um insumo perfeitamente dispensável no sistema capitalista de produção O que se nos depara escreveu Hannah Arendt logo após a Guerra Mundial113 é a possibilidade de uma sociedade de trabalhadores sem trabalho isto é sem a única atividade que lhes resta E acrescentou com razão Certamente nada poderia ser pior Quanto aos princípios estruturais dos direitos humanos eles são de duas espécies a irrevocabilidade e a complementariedade solidária A consciência ética coletiva como foi várias vezes assinalado aqui ampliase e aprofundase com o evolver da História A exigência de condições sociais aptas a propiciar a realização de 113 A Condição Humana Forense Universitária Salamandra Consultaria Edfloriai Editora da Universidade de São Paulo 1981 p 13 A edição original norteamericana sob o título The Human Condition foi publicada em Chicago em 1958 todas as virtualidades do ser humano é assim intensificada no tempo e traduzse necessariamente pela formulação de novos direitos humanos É esse movimento histórico de ampliação e aprofundamento que justifica o princípio da irreversibilidade dos direitos já declarados oficialmente isto é do conjunto dos direitos fundamentais em vigor Dado que eles se impõem pela sua própria natureza não só aos Poderes Públicos constituídos em cada Estado como a todos os Estados no plano internacional e até mesmo ao próprio Poder Constituinte à Organização das Nações Unidas e a todas as organizações regionais de Estados é juridicamente inválido suprimir direitos fundamentais por via de novas regras constitucionais ou convenções internacionais Uma das conseqüências desse princípio é a proibição de pôr fim voluntariamente à vigência de tratados internacionais de direitos humanos114 Em particular o EstadoParte num tratado que tenha como objeto total ou parcial a declaração de direitos humanos ou a regulação de garantias fundamentais não pode denunciálo nem mesmo com a aprovação do ato de denúncia pelo órgão ratificador A exigência de aprovação parlamentar prévia da denúncia de um tratado internacional a ser feita pelo Chefe de Estado embora não exigida pela generalidade das Constituições vigentes115 nada mais é afinal do que a aplicação do princípio da paridade de forma para os atos de constituição e extinção de uma relação jurídica convencional ou não Ora o poder de denunciar uma convenção internacional só faz sentido quando esta cuida de direitos disponíveis Em matéria de tratados internacionais de direitos humanos não 114 E no entanto a Convenção de 1948 sobre a prevenção e a repressão do crime de genocídio contém essa aberração jurídica Cf o capítulo 14º 115 A Constituição espanhola de 1978 faz exceção à regra ao dispor que para a denúncia dos tratados e convenções internacionais utilizarseá o mesmo procedimento previsto para a sua aprovação art 96 2 há nenhuma possibilidade jurídica de denúncia ou de cessação convencional da vigência porque se está diante de direitos indisponíveis e correlatamente de deveres insuprimíveis O princípio da complementariedade solidária dos direitos humanos de qualquer espécie foi proclamado solenemente pela Conferência Mundial de Direitos Humanos realizada em Viena em 1993 nos seguintes termos Todos os direitos humanos são universais indivisíveis interdependentes e interrelacionados A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de modo justo e eqüitativo com o mesmo fundamento e a mesma ênfase Levando em conta a importância das particularidades nacionais e regionais bem como os diferentes elementos de base históricos culturais e religiosos é dever dos Estados independentemente de seus sistemas políticos econômicos e culturais promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais A justificativa desse princípio encontrase no postulado ontológico de que a essência do ser humano é uma só não obstante a multiplicidade de diferenças individuais e sociais biológicas e culturais que existem na humanidade É exatamente por isso como lembrado no início desta Introdução que todos os seres humanos merecem igual respeito e proteção a todo tempo e em todas as partes do mundo em que se encontrem O Critério de Composição da Obra Neste livro são comentados na ordem de sua sucessão histórica apenas documentos normativos que declaram direitos humanos e criam garantias específicas para o seu cumprimento acordos leis fundamentais Constituições declarações de efeito obrigatório tratados internacionais que já entraram em vigor A escolha dos documentos obedeceu ao critério da novidade histórica no momento em que passaram a vigorar Procurouse portanto como regra geral evitar a transcrição de textos que se limitaram a reproduzir declarações de direitos anteriores Fazem exceção a essa regra a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e os Pactos Internacionais de 1966 sobre direitos civis e políticos e sobre direitos econômicos sociais e culturais cujos textos a par do reconhecimento de novos direitos humanos reafirmam outros já anteriormente declarados Essas exceções se justificam porque tais documentos compendiaram à época em que foram aprovados o conjunto das normas de proteção da pessoa humana e inauguraram um novo tempo histórico a era da cidadania mundial CAPÍTULO 1º MAGNA CARTA 1215 Redigida em latim bárbaro a Magna Carta1 Libertatum seu Concordiam inter regem Johannem er Barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni Angliae Carta Magna das Liberdades ou Concórdia entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades da igreja e do reino inglês foi a declaração solene que o rei João da Inglaterra também conhecido como João Sem Terra assinou em 15 de junho de 1215 perante o alto clero e os barões do reino Embora o texto tenha sido redigido sem divisões nem parágrafos ele é comumente apresentado como composto de um preâmbulo e de sessenta e três cláusulas A Magna Carta foi confirmada com ligeiras alterações por sete sucessores de João Sem Terra O contexto histórico A partir do século XI delineiase uma clara tendência em toda a Europa Ocidental no sentido da centralização do poder tanto na sociedade civil quanto na eclesiástica É verdade que na península itálica que foi a região da Europa onde o feudalismo começou a extinguirse por primeiro já desde fins do século XI haviam sido instituídas formas de limitação do poder político no quadro de uma organização republicana das comunas Mas essa nova ordem política durou 1 O Vocábulo oriundo da língua grega era grafado no latim clássico com ch mas foi Usado durante toda a Idade Média sem h pouco pois em menos de duzentos anos todas as cidadesEstados italianas tornaramse principados O fato é que mesmo na Europa feudal foise afirmando rapidamente a predominância de um dos suseranos sobre os outros ou seja teve início o movimento gerador de um primus inter pares que vinha a ser o rei Dado que o feudalismo consiste substancialmente na relação pessoal entre senhor e vassalo o rei passava a destacarse dentre os senhores feudais como o primeiro entre todos os suseranos2 Esta a origem da noção política de soberania nos tempos modernos Philippe de Beaumanoir em obra famosa do século XI sobre o direito costumeiro da baronia de Beauvais na França dirá que cada barão é soberano em sua baronia mas que o rei é soberano sobre todos3 Na Igreja o movimento de reforço da autoridade espiritual e do poder secular do papado foi vigorosamente acelerado com a ascensão ao trono pontifício em 1073 do monge Hildebrando que adotou o nome de Gregório VII A reforma ou como prefere chamar um autor4 a revolução gregoriana deu início a uma prolongada contenda entre o imperador e o papa quanto à supremacia universal5 A resistência à centralização do poder na 2 Ambas as palavras têm aliás o mesmo étimo superanus do latim bárbaro isto é o que tem mais poder 3 Chacuns barons est souverain en sa baronie Voirs est que li rois est souverains par dessus tous et a de son droit la general garde de tout son roiaume Philippe de Beaumanoir Coutumes de Beauvaisis ed por Am Salmon t 2º Paris Alphonse Picard et Fils 1900 n 1043 4 Harold J Berman Law and Revolution The Formation of the Western a Leal Tradition Harvard Universitv Press 1983 5 No documento intitulado Dictatus Papae de 1075 Gregório VII afirmou vinte e sete teses de centralização do poder papal tais como só o bispo de Roma é de direito considerado universal n 2 somente ele pode depor e reinvestif bispos n 3 somente a ele é permitido editar novas leis de acordo com as necessidades dos tempos n 7 só o Papa pode ter seus pés beijados por todos os Príncipes n 9 ele pode depor os Imperadores n 11 nenhum sínodo pode ser denominado geral sem ordem sua n 16 nenhuma decisão sua pode ser revista por ninguém e só ele pode rever as decisões de todos n 18 ele pode desligar os súditos de senhores injustos de seu juramento de fidelidade n 27 sociedade civil manifestouse já desde o final do século XII foi interrompida com o Renascimento e a afirmação da monarquia absoluta de direito divino e só voltou a ser contestada em fins do século XVII na Inglaterra6 Na Igreja porém o poder papal enfraquecido pelo cisma do século XIV e o movimento conciliar do início do século seguint7 encaminhouse decisivamente a partir da Reforma protestante e do Concílio de Trento 15451563 em direção à monarquia absoluta Contra a tendência de instituição de um poder real soberano os senhores feudais se manifestaram já desde fins do século XII em declarações e petições sucessivas a primeira delas sendo a declaração das cortes de Leão na Espanha datada de 1188 Na Inglaterra a supremacia do rei sobre os barões feudais reforçada durante todo o século XII enfraqueceuse no início do reinado de João SemTerra a partir da abertura de uma disputa com um rival pelo trono e o ataque vitorioso das forças do rei francês Filipe Augusto contra o ducado da Normandia pertencente ao monarca inglês por herança dinástica a família Plantagenet Tais eventos levaram o rei da Inglaterra a aumentar as exações fiscais contra os barões para o financiamento de suas campanhas bélicas Diante dessa pressão tributária a nobreza passou a exigir periodicamente como condição para o pagamento de impostos o reconhecimento formal de seus direitos Simultaneamente João SemTerra entrou em colisão com o papado ao apoiar contra este as pretensões territoriais do Imperador Óton Iv seu sobrinho em conflito declarado com o rei da França Ademais tomando o partido imperial na querela das 6 Vejamse os capítulos 2º e 3º a seguir 7 Sob a pressão do Imperador Sigismundo o Concilio de Constança 14141418 determinou pelo decreto Sacrosancta que o Papa deve submeterse às decisões de um concilio ecumênico investiduras em cargos eclesiásticos8 o rei inglês recusouse a aceitar a designação de Stephen Langton como cardeal de Canterbury sendo por isso excomungado pelo Papa Inocêncio III que reinou entre 1198 e 1216 Finalmente pressionado pela Igreja e pela carência de recursos financeiros João SemTerra decidiu submeterse ao Papa declarou a Inglaterra feudo de Roma em 1213 e obteve com isto o levantamento de sua excomunhão Dois anos depois tendo de enfrentar a revolta armada dos barões que chegaram a ocupar Londres o rei foi obrigado a assinar a Magna Carta como condição para a cessação de hostilidades O documento cuja primeira cláusula trata da liberdade eclesiástica foilhe apresentado pelo próprio cardeal Stephen Langton cuja nomeação como primaz da Inglaterra ele recusara João SemTerra porém imediatamente após têlo assinado recorreu ao Papa seu superior feudal e Inocêncio III declarou o documento nulo pelo fato de ter sido obtido mediante coação e sem o devido consentimento pontifício O que não impediu que essa promessa real fosse reafirmada várias vezes pelos monarcas subseqüentes Importância histórica A sociedade medieval européia era composta basicamente de três estamentos status Stände états isto é de grupos sociais dotados de um estatuto jurídico próprio ligado à condição pessoal de seus integrantes Eram eles a nobreza o clero e 8 A disputa chamada querela das investiduras surgiu em meados do século XI entre o Imperador e o Papa a respeito do poder que os poderes laicos se arrogaram de confirmar a nomeação de bispos em suas terras Em 1059 o Papa Nicolau II desejoso de eliminar as práticas generalizadas de simonia tráfico de sacramentos e benefícios eclesiásticos e de concubinato de padres promulgou um primeiro decreto recusando a investidura de bispos e abades pelo poder laico A proibição pontifícia foi reafirmada por sucessivos papas notadamente por Gregório VII o grande reformador da Igreja na Idade Média Para os imperadores o poder de investidura dos bispos era de grande importância política pois implicava a vassalagem episcopal ao imperador portanto a supremacia do imperador sobre o papa no governo local o povo Os dois primeiros possuíam privilégios hereditários e o terceiro tinha como única vantagem o status libertatis isto é o fato de que os seus componentes não se confundiam com a multidão dos servos de todo o gênero É lamentável que a partir de Marx a importância dos estamentos na estrutura da sociedade européia tenha sido largamente negligenciada por historiadores e sociólogos com a notável exceção de Max Weber9 Na verdade os três estamentos ou ordens da sociedade medieval ordenavamse hierarquicamente segundo um modelo que parece ter sido inerente a toda a civilização indoeuropéia No pináculo da organização social encontravase a soberania espiritual encarnada no sacerdote monopolizador do saber mitológico e da magia No patamar intermediário situavase a função militar encarregada da segurança coletiva e representada pela nobreza ou patriciado No escalão mais baixo encontravamse os produtores de riqueza ligados ao cultivo da terra A esses três estamentos opunhase a massa dos que estavam adstritos à condição servil10 Um documento do início do século XI Carmen ad Rodbertum regem11 atribuído a Adálbero bispo franco de Laon explica com clareza essa tripartição de funções na estrutura da sociedade medieval Tratase de uma série de conselhos dirigidos a Roberto o Piedoso rei dos francos e escritos retoricamente 9 Ainda hoje em certos setores da sociedade européia o espírito estamental é mais forte que a consciência de classe 10 É a tese vigorosamente sustentada pelo antropólogo francês Georges Dumézil especialmente em suas obras Mythe et épopée t 1 Paris 1968 e Lidéologíe tripartie des IndoEuropéens Bruxelas 1958 Em A República Livro IV 434 a c Platão propõe que a sociedade política ideal seja composta de três grupos genol distintos os trabalhadores manuais os militares e os guardiões 11 Tratase de um manuscrito não autógrafo comportando vários retoques que se encontra registrado sob n 14192 na Biblioteca Nacional da França Ele foi meticulosamente analisado por Claude Carozzi em tese defendida em 1972 na Universidade de Paris Le Carmen ad Rodbertum regem dAdalbéron de Laon traduction et essai dexplication citada por Georges Duby Les trois ordres or imaginaire du féodalisme Paris Gallimard Bibliothêque des Histoires 1978 em forma de poema carmen O trecho importante para o nosso assunto é o seguinte A ordem eclesiástica compõe apenas um só corpo mas a sociedade inteira está dividida em três ordens A par dojá citado corpo a lei reconhece outras duas condições sociais o nobre e o servo não se regem pela mesma lei Os nobres são os guerreiros os protetores das igrejas Defendem todo o povo assim os grandes como os pequenos além de se protegerem a si próprios A outra classe é a dos servos Esta raça de desgraçados nada possui sem sofrimento A todos fornecem eles provisões e vestuário sem os quais os homens livres pouco valem Assim pois a cidade de Deus tida como una é na verdade tríplice Uns rezam outros lutam e outros trabalham As três ordens vivem juntas e não sofreriam uma separação Os serviços de cada uma dessas ordens tomam possíveis as atividades das duas outras E cada qual por sua vez presta apoio às demais Enquanto esta lei esteve em vigor o mundo teve paz Mas agora as leis se debilitam e toda paz desaparece Mudam os costumes dos homens e muda também a divisão da sociedade Na época em que foi escrito esse texto uma clara tendência modificadora dessa tripartição estamental já se iniciara com a perda da autoridade régia imbecillitas regis conseqüente ao enfraquecimento do poder imperial O império carolíngio desagregavase e novos reis desvinculados do imperador inauguravam suas próprias dinastias É o caso justamente de Roberto o Piedoso cujo pai deu origem à dinastia dos Capetos na França Era contra essa mudança de costumes que se dirigia a lamentação de Adálbero saudoso da ordem tradicional A revolta dos barões ingleses contra João SemTerra embora defendendo as tradicionais prerrogativas do clero e da nobreza e outra demonstração da desordem denunciada por Adálbero Na verdade na base das mudanças institucionais ocorridas no final da Idade Média estavam dois amplos movimentos de transformação social o monaquismo e a revitalização urbana O movimento monástico iniciado no século IV por Santo Antã no Egito e levado quase que imediatamente após para a EurOpa assentouse como um poderoso fator de transformação social a partir do século VI com a fundação e a expansão da ordem beneditina A grande inovação das Regras de São Bento oriunda de seu preceito fundamental ora et labora consistiu na valorização ética e religiosa do trabalho e na racionalização da cultura da terra com a criação de várias técnicas de melhor aproveitamento dos recursos naturais Em todos os lugares em que se instalaram os monastérios beneditinos provocaram substanciais avanços técnicos na agricultura na pecuária e na piscicultura ao mesmo tempo em que se abriram estradas drenaramse regiões pantanosas criaramse novos sistemas de irrigação das lavouras por meio da canalização de numerosos cursos dágua Podese pois dizer que a revolução agrícola européia que abriu caminho para a revolução industrial do século XVIII foi em grande parte o resultado da expansão do movimento monástico Ora os monastérios representavam de certo modo a fusão dos três estamentos tradicionais da sociedade feudal Eles reuniram na mesma instituição e sob as mesmas regras grande número de jovens oriundos das famílias nobres numa vida coletiva consagrada à oração e ao trabalho Por outro lado a partir do século XI assistiuse ao ressurgimento da vida urbana com o revigoramento comercial conseqüente à retomada da livre navegação no Mediterrâneo Desde o século VIII com efeito o mare nostrum dos romanos transformarase por força da expansão árabe em autêntico lago muçulmano Com início na península itálica e no sul da França e posterior expansão por toda a Europa deuse a fundação de burgos livres ou burgos de fora forisburgus ou seja po voações fundadas por comerciantes junto aos burgos autênticos ou castelos Nessas povoações novas aparece um grupo social igualmente novo porque não compreendido nem no estamento nobre nem no dos servos é a burguesia Ela se organiza segundo um direito oposto ao feudal pois o poder político não deriva da propriedade imobiliária mas sim da riqueza mercantil Ademais a sociedade burguesa não se divide em estamentos mas é composta de famílias formalmente livres A divisão jurídica estamental a burguesia opôs uma divisão econômica entre ricos comerciantes e pobres empregados a qual deu nascimento às modernas classes sociais regidas por um direito uniforme desvinculado da condição pessoal A estrutura estamental do direito europeu só começou a ser abolida formalmente no ocidente europeu a partir da Revolução Francesa Mas a reforma protestante já a havia enfraquecido significativamente nos países que adotaram a religião reformada pela extinção da ordem eclesiástica e do estamento clerical Em Portugal o sintoma mais claro da desagregação precoce da ordem tripartida do feudalismo foi a multiplicação bem antes do século XVIII de uma pluralidade de corporações privilegiadas menores como as dos desembargadores dos universitários dos militares dos moedeiros dos titulares de rendas reais12 É no contexto dessa evolução histórica que deve ser apreciada a importância da Magna Carta Como salientou um historiador13 quando editada em 1215 ela foi um malogro completo Seu objetivo era assegurar a paz e ela provocou a guerra 12 As Ordenações Afonsinas de 1446 definiam defensores som huus dos tres estados que Deos quis per que se mantevesse o mundo ca assy como os que rogam pelo povo chamam oradores e aos que lavram a terra per que os homens ham de viver e se mantem som ditos mantenedores e os que ham de defender som chamados defensores 1 63 pr Sobre a multiplicação dos estamentos particulares em Portugal cf António Manuel Hespanha Às Vésperas do Leviathan instituições e Poder Político Portugal Séc XVII Coimbra Livraria Almedina 1994 p 321 e s 13 J C Holt Magna Carta 2ª ed Cambridge University Press 1992 p 1 Visava a consolidar em lei o direito costumeiro e acabou suscitando o dissenso social Tinha uma vigência predeterminada para apenas três meses e mesmo dentro desse período limitado de tempo muitas de suas disposições não chegaram a ser executadas No entanto a Magna Carta foi reafirmada solenemente em 1216 1217 e 1225 tornandose a partir desta última data direito permanente Três de suas disposições as de números 1913 na versão de 1225e2939 e 40 na versão de 1225 ainda fazem parte da legislação inglesa em vigor Em que pese a sua forma de promessa unilateral feita pelo rei a Magna Carta constitui na verdade uma convenção passada entre o monarca e os barões feudais pela qual se lhes reconheciam certos foros isto é privilégios especiais Ela foi por conseguinte antes um foral do que um contrato de senhorio Herrschaftsvertrag do direito medieval germânico semelhante à constituição das capitanias hereditárias no Brasil colônia Os contratos de senhorio com efeito eram convenções pelas quais se atribuíam poderes regalianos individualmente a certos vassalos No caso não se tratou de delegações de poderes reais mas sim do reconhecimento de que a soberania do monarca passava a ser substancialmente limitada por franquias ou privilégios estamentais que beneficiavam portanto de modo coletivo todos os integrantes das ordens privilegiadas Mais do que isso porém a Magna Carta deixa implícito pela primeira vez na história política medieval que o rei achase naturalmente vinculado pelas próprias leis que edita Quinhentos anos antes Santo Isidoro 560636 bispo de Sevilha já havia defendido a idéia de que o príncipe devia submeterse às leis que ele próprio promulgara pois só quando também ele respeita as leis podese esperar que elas sejam obedecidas por todos Sententiae III 514 Assim se a Magna Carta contribuiu num primeiro momento para reforçar o regime feudal ela já trazia em si o germe de sua definitiva destruição a longo prazo O sentido inovador do documento consistiu justamente no fato de a declaração régia reconhecer que os direitos próprios dos dois estamentos livres a nobreza e o clero existiam independentemente do consentimento do monarca e não podiam por conseguinte ser modificados por ele Aí está a pedra angular para a construção da democracia moderna o poder dos governantes passa a ser limitado não apenas por normas superiores fundadas no costume ou na religião mas também por direitos subjetivos dos governados Se no início do século XIII os governados ainda não constituíam uma unidade homogênea o povo da teoria democrática eles tendiam a sêlo por força do movimento histórico lembrado acima Aliás a declaração final da primeira cláusula segundo a qual o rei e seus descendentes garantiriam para sempre a todos os homens livres do reino as liberdades a seguir enumeradas representou o primeiro passo para a superação oficial das divisões estamentais pois o que conta doravante é fundamentalmente o status libertatis independentemente de qualquer outra condição pessoal Graças a essa primeira limitação institucional dos poderes do rei podese dizer que a democracia moderna desponta em embrião nesse documento do século XIII Nada a ver obyiamente com a demokratia grega Esta se caracteriza com efeito pela soberania popular ativa com o demos exercendo conjuntamente as funções legislativa e judiciária além da tomada das grandes decisões políticas como a paz e a guerra Na democracia moderna a soberania popular é meramente passiva ou formal pois o governo é representativo Em compensação os poderes governamentais são sempre limitados e as liberdades individuais solenemente afirmadas As principais disposições As disposições da Magna Carta regulam várias matérias e nem todas elas podem ser tidas como importantes na evolução histórica tendente à progressiva afirmação dos direitos humanos e à instituição do regime democrático Há assim disposições de sentido puramente local ou conjuntural ao lado de outras que constituem as primeiras fundações da civilização moderna Foram selecionadas abaixo as cláusulas que pareceram mais importantes no sentido de apontar os rumos da evolução histórica posterior A cláusula 1 ao reconhecer as liberdades eclesiásticas notadamente a de livre designação de bispos abades e demais autoridades sem necessidade de confirmação régia aponta para a futura separação institucional entre Igreja e Estado As cláusulas 12 e 14 contêm em sua essência o princípio básico de que o exercício do poder tributário deve ser consentido pelos súditos anunciando portanto ante litteram o brocardo no taxation without representation não haverá tributação sem que os contribuintes dêem o seu consentimento por meio de representantes que está na origem do moderno sistema parlamentar de governo As cláusulas 16 e 23 representam o primeiro passo no sentido da superação do estado servil preparando a substituição da vontade arbitrária do senhor ou patrão pela norma geral e objetiva da lei nas relações de trabalho O sentido primigênio da norma fundamental inscrita em quase todas as Constituições modernas segundo a qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei encontrase nessa disposição da Magna Carta Nas cláusulas 17 e 40 reconhecese que o monarca não é dono da justiça mas que esta constitui em sua essência uma função de interesse público Até então a fórmula executória dos julgados era literalmente vendida aos demandantes pelos oficiais régios A partir da Magna Carta reconhecese portanto que o rei tem um poderdever de fazer justiça assim que solicitado pelos seus súditos As cláusulas 20 e 21 lançam as bases do tribunal do júri bem como do princípio do paralelismo entre delitos e penas dando início com isto ao lento processo histórico de abolição das penas criminais arbitrárias ou desproporcionais As cláusulas 30 e 31 estabelecem a garantia do respeito à propriedade privada contra os confiscos ou requisições decretados abusivamente pelo soberano ou seus oficiais A cláusula 39 geralmente apontada como o coração da Magna Carta desvincula da pessoa do monarca tanto a lei quanto a jurisdição Os homens livres devem ser julgados pelos seus pares e de acordo com a lei da terra Eis aí já em sua essência o princípio do devido processo jurídico due process of law expresso na 14ª Emenda à Constituição norteamericana14 e adotado na Constituição Federal brasileira de 1988 art 5º LIV ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal O princípio é reafirmado para determinadas situações particulares nas cláusulas 52 e 55 Nas cláusulas 41 e 42 reconhecese a liberdade de ingresso e saída do país bem como a livre locomoção dentro de suas fronteiras a qualquer pessoa em geral e aos comerciantes em particular A cláusula 41 relativa aos comerciantes estabelece aliás as primeiras normas do que seria alguns séculos após o direito da guerra O embrião de uma administração pública autônoma e regular encontrase na cláusula 45 A cláusula 60 estende a todos os senhores feudais em relação a seus dependentes e agregados as mesmas limitações de poder que o rei reconhece para si relativamente a seus súditos Inscreveuse aí com todas as letras a superação do próprio regime feudal pois este nada mais consistia em sua essência do que a soberania absoluta de cada senhor em seu território 15 Por fim a cláusula 61 do documento representa o primeiro esboço de um mecanismo de responsabilidade do rei perante OS 14 Vide abaixo capítulo 4º 15 Cf nota 3 supra seus súditoS vale dizer o início do processo de abolição do próprio regime monárquico O Texto16 Excertos João pela graça de Deus rei da Inglaterra senhor da Irlanda duque da Normandia e da Aquitânia e conde de Anjou aos arcebispos bispos abades barõeS juízeS coiteiros17 xerifes18 prebostes19 ministros bailios20 e a todos os seus fiéis súditos 1 Em primeiro lugar garantimos perante Deus e confirmamos pela presente Carta em nosso nome e no de nossos herdeiros para sempre que a Igreja da Inglaterra será livre e manterá os seus direitos íntegros e as suas liberdades intocadas e é nossa vontade que assim seja observado o que é evidente pelo fato de que antes de principiar a atual querela entre nós e nossos barões nós voluntária e espontaneamente garantimos e pela nossa carta confirmamos a liberdade de escolha dos superiores eclesiásticos a qual é reconhecida como da maior importância e verdadeiramente essencial para a Igreja inglesa e obtivemos confirmação disto de parte do Senhor Papa Inocêncio III o que observaremos e queremos que nossos herdeiros observem em boafé para sempre Garantimos também a todos os homens livres de nosso reino de nossa parte e de parte de nossos herdeiros para sempre todas as liberdades abaixo indicadas para que eles e seus herdeiros as possuam 12 Nenhuma taxa de isenção do serviço militar scutagium21 nem contribuição alguma será criada em nosso reino salvo mediante o con 16 Tradução do autor a partir do texto original publicado em C Bémont Chartes des libertés anglaises Paris 1892 17 Guardas campestres incumbidos de fiscalizar os terrenos chamados coitadas onde era proibida a caça 18 Oficiais do rei encarregados da cobrança de impostos 19 Funcionários reais 20 Representantes do rei em determinada circunscrição territorial encarregados de fiscalizar a ação dos prebostes 21O scutagium foi uma taxa criada por Henrique II em 1159 e lançada sobre todos os senhores feudais que desejassem ser isentos do serviço pessoal de auxilio ao reinas Campanhas bélicas Sir Frederick Pollock e Frederic William Maitland The History of English Law before the time of Edward I v 1 2ª ed Cambridge 1923p 266 e s sentimento do conselho comum do reino a não ser para resgate da nossa pessoa para armar cavaleiro o nosso filho mais velho e para celebrar uma única vez o casamento de nossa filha mais velha e para isto tão somente uma contribuição razoável será lançada 14 E para obter o consentimento do conselho comum do reino a respeito do lançamento de uma contribuição exceto nos três casos supramencionados ou de uma taxa de isenção do serviço militar convocaremos os arcebispos bispos abades condes e os principais barões individualmente por carta e ademais convocaremos de modo geral por meio de nossos xerifes e bailios todos os que nos têm como suserano para uma data determinada mais exatamente após transcorridos pelo menos quarenta dias e em local certo e em todas as cartas convocatórias especificaremos a razão da convocação 16 Ninguém será obrigado a prestar um serviço maior do que for devido em benefício do feudo de um cavaleiro ou de qualquer outro domínio livre 17 Ações judiciais ordinárias não terão que ser propostas onde estiver a nossa corte mas em um lugar fixo 20 Um homem livre não será punido por um delito menor parvo delicto a não ser segundo o grau reduzido do delito por um delito grave a punição será também grave mas sem prejuízo das prerrogativas inerentes à sua posição social salvo contenemento suo da mesma forma um comerciante não será punido com prejuízo do exercício de sua profissão salva mercandisa sua22 assim também um vilão não será punido com prejuízo de seu direito de cultivar a gleba salvo waynagio suo23 se obtiverem nossa mercê e nenhuma das citadas penas será aplicada a não ser mediante juramento de homens probos da vizinhança 21 Condes e barões não serão punidos senão por seus pares e unicamente em proporção à gravidade do delito cometido 22 No Código Comercial brasileiro de 1850 art 4º é usado o termo mercoucia para designar o exercício da profissão de comerciante 23 No direito medieval o servo e toda sua família estavam hereditariamente vinculados à gleba não podiam dela afastarse e eram transferidos com ela ao eventual comprador Em compensação o servo tinha direito a cultivar a gleba também para sua subsistência própria Era esse direito que se denominava waintigillm cf Sir Frederick Pollock e Frederic William Maitland op cit v 1 p 416 30 Nenhum dos nossos xerifes ou bailios ou qualquer outra pes soa poderá servirse dos cavalos e carroças de propriedade de um homem livre sem o seu consentimento 31 Nem nós nem nossos bailios apossarnosemos para nossos castelos ou obras de madeiras que não nos pertencem alienum boscum exceto com o consentimento do proprietário 39 Nenhum homem livre será detido ou preso nem privado de seus bens disseisiatur banido utlagetur ou exilado ou de algum modo prejudicado destruatur nem agiremos ou mandaremos agir contra ele senão mediante um juízo legal de seus pares ou segundo a lei da terra24 nisi per legale iudicium parium suorum vai per legem terre 40 O direito de qualquer pessoa a obter justiça não será por nós vendido recusado ou postergado 41 Todos os comerciantes serão livres para sair da Inglaterra e nela ingressar com toda segurança para permanecer e viajar em seu territópio por via terrestre ou aquática para comprar e vender segundo os costumes antigos e válidos sem terem que pagar taxas injustas exceto em tempo de guerra e se eles pertencerem a alguma terra que esteja em guerra conosco E se estes mercadores estiverem em nossa terra no começo da guerra ficarão detidos sem dano para suas pessoas ou bens até que nós ou nossas autoridades judiciárias tomemos conhecimento da maneira como são tratados os nossos comerciantes que se encontrarem na terra que se acha em guerra conosco quando foi deflagrado o conflito e se os nossos se acharem seguros por lá os comerciantes estrangeiros também ficarão seguros em nossa terra 42 Doravante a todos será licito sem prejuízo da submissão à nossa pessoa sair do reino e a ele voltar em toda segurança por terra ou por mar salvo no interesse público durante um curto período em tempo de guerra com exceção dos que foram presos ou banidos de acordo com a lei do reino e dos nativos de uma terra que se acha em guerra conosco 45 Não nomearemos juízes oficiais de justiça xerifes ou bailios que desconheçam a lei do reino e não se disponham a observála 24 Convém observar que na civilização feudal todo direito estava ligado à terra Não havia propriamente um país objetivamente separável da pessoa do monarca No direito brasileiro encontramos uma reminiscência dessa noção medieval no revogado art 425 do Código Comercial de 1850 ao dispor que as letras da terra são em tudo iguaes ás letras de cambio com a unica differença de serem Passadas e acceitas na mesma província 52 Se alguém foi por nós desapossado ou expulso de suas terras castelos franquias ou direitos sem o julgamento de seus pares nós lhos restituiremos imediatamente e se uma disputa se levantar quanto a isto que ela seja resolvida pelo juízo dos vinte e cinco barões abaixo nomeados 55 Todas as multas por nós aplicadas injustamente e contra a lei da terra bem como todas as penas impostas injustamente e contra a lei da terra serão inteiramente comutadas ou então serão julgadas pelos vinte e cinco barões mencionados abaixo 60 Todos os direitos e liberdades cuja observância garantimos em nosso reino na medida de nossa competência em relação aos nossos homens serão igualmente observados por todos os clérigos e leigos do nosso reino em relação àqueles que deles dependem 61 Considerando ademais que foi para glória de Deus e melhoria do nosso reino e para apaziguar a discórdia que surgiu entre nós e nossos barões que garantimos tudo o que acima ficou mencionado desejando que eles possam fruir disto de modo íntegro e completo para sempre outorgamolhes a garantia a seguir a saber que os barões escolherão vinte e cinco dentre eles os quais devem com todo o seu poder observar manter e fazer com que sejam observadas a paz e as liberdades que lhes garantimos e confirmamos pela presente carta de tal maneira que se nós ou nossos juízes bailios ou qualquer de nossos servos transgredir qualquer destas cláusulas de paz e segurança e a transgressão for notificada a quatro dos supramencionados vinte e cinco barões esses quatro barões virão à nossa presença ou perante os nossos juizes se estivermos fora do reino e expondo a transgressão requererão que ela seja imediatamente corrigida E se não a corrigirmos ou se estivermos fora do reino e a nossa justiça não a corrigir dentro em quarenta dias os mencionados barões exporão a causa aos restantes daqueles vinte e cinco barões e estes juntamente com a comunidade da terra communa tocius terre poderão embargarnos ou atacarnos por todas as maneiras ao seu alcance notadamente pela penhora de castelos terras e propriedades por todos os meios possíveis sem prejuízo da incolumidade de nossa pessoa e das pessoas de nossa rainha e de nossos filhos até que segundo seu parecer tenha sido reparado o mal e assim que tenha havido reparação eles obedecernosão como antes E qualquer pessoa nesta terra poderá jurar obedecer às ordens dos vinte e cinco barões e juntarse a eles para nos atacar e damos pública e plena liberdade a quem quer que seja para assim agir CAPÍTULO 2º LEI DE HABEASCORPUS Inglaterra 1679 Contexto histórico e importância Durante os agitados anos em que reinaram os Stuart últimos soberanos católicos da Inglaterra o Parlamento maciçamente protestante procurou por todos os meios limitar o poder real notadamente o poder de prender os opositores políticos sem submetêlos a processo criminal regular O habeascorpus já existia na Inglaterra desde há vários séculos mesmo antes da Magna Carta como mandado judicial writ em caso de prisão arbitrária Mas a sua eficácia como remédio jurídico era muito reduzida em razão da inexistência de adequadas regras processuais A Lei de 1679 cuja denominação oficial foi uma lei para melhor garantir a liberdade do súdito e para prevenção das prisões no ultramar veio corrigir esse defeito e confirmar no povo inglês a verdade do brocardo remedies precede rights isto é são as garantias processuais que criam os direitos e não o contrário Tal como ocorria no direito romano o direito inglês não concebe a existência de direitos sem uma ação judicial própria para a sua defesa É da criação dessa ação em juízo que nascem os direitos subjetivos e não o Contrário Nos direitos da família européia continental à qual se filiam as legislações latinoamericanas prevalece justamente a idéia contrária os direitos subjetivos são o principal e as ações judiciais o acessório que a eles deve adaptarse O Código Civil brasileiro por exemplo declara que a todo direito corresponde uma ação que o assegura art 75 Na verdade a diversidade dessas concepções explicase pela diferente origem dos grandes sistemas jurídicos europeus O direito inglês tal como o direito romano clássico aliás sempre foi criado ao longo do tempo pelos práticos do foro advogados solicitadores processuais e juízes Na Europa Continental diversamente os sistemas jurídicos desde a fundação da Universidade de Bolonha no século XI foram em sua maior parte criações intelectuais de jurisconsultos e professores De onde o seu caráter mais sistemático e abstrato que o do direito inglês Em matéria de direitos humanos esse diferente método de criação do direito deu nascimento a duas linhas de tradição bem distintas a inglesa e a francesa Os ingleses mais pragmáticos consideram que o progresso na proteção jurídica da pessoa humana provém mais das garantias sobretudo judiciais do que das simples declarações de direitos Já para a tradição francesa uma declaração de direitos tem sempre grande força políticopedagógica como forma de mudança de mentalidades A importância histórica do habeascorpus tal como regulado pela lei inglesa de 1679 consistiu no fato de que essa garantia judicial criada para proteger a liberdade de locomoção tornouse a matriz de todas as que vieram a ser criadas posteriormente para a proteção de outras liberdades fundamentais Na América Latina por exemplo o juicio de amparo e o mandado de segurança copiaram do habeascorptis a característica de serem ordens judiciais dirigidas a qualquer autoridade pública acusada de violar direitos líquidos e certos isto é direitos cuja existência o autor pode demonstrar desde o início do processo sem necessidade de produção ulterior de provas Todavia o dispositivo nuclear do habeascorpus inglês qual seja a ordem para que a autoridade que detém o paciente O apresente incontinenti em juízo segundo a fórmula tradicional que deu o nome ao instituto habeas corpus ad subjiciendUm não foi reproduzido nas legislações estranhas ao mundo anglosaxônico ao acolherem o instituto Em compensação o habeasCOrPUS passou a ser utilizado não só em caso de prisão efetiva mas também de ameaça de simples constrangimento à liberdade individual de ir e vir O Texto Excertos 2 Considerando que tem havido por parte dos xerifes3 carcereiros e outros funcionários encarregados de custodiar os súditos de Sua Majestade quando acusados de crimes efetivos ou supostos grande demora em responder aos mandados judiciais writs de habeas corpus a eles dirigidos usando de vários expedientes para evitar a obediência a tais mandados contrariamente a seus deveres e às leis conhecidas do país em razão do que vários súditos de Sua Majestade ficam detidos em cárcere por longo tempo quando podiam obter fiança o que lhes cria grandes õnus e vexames Para prevenir os fatos supramencionados e a fim de se alcançar rápido desembaraço a todas as pessoas presas em razão da prática efetiva ou suposta de algum crime é estatuido pela excelentíssima Majestade do Rei com o consentimento dos Lordes Espirituais e Temporais bem como dos Comuns reunidos no presente Parlamento e pela sua autoridade que 1 Toda vez que alguma pessoa ou pessoas apresentarem um habeas corpus a algum xerife ou xerifes carcereiro ministro ou quaisquer Outras pessoas em favor de alguém mantido em sua custódia e dito writ for notificado a tais funcionários ou deixado na prisão com algum funcionário subordinado estes funcionários devem dentro de três dias do recebimento da notificação exceto se se tratar de traição ou felonia assim expressamente declarada no mandado respectivo após pagamento ou oferta das custas correspondentes ao transporte de dito prisioneiro cOnduzir ou fazer com que seja conduzido o paciente em pessoa perante O Lorde Chanceler ou interinamente perante o Lorde Guardião do grande sinete da Inglaterra ou os juizes ou barões do tribunal que deve expe 2 Tradução do autor 3 No direito inglês o sheriff é o principal funcionário de um condado encarregado sobretudo de executar os mandados judiciais dir dito mandado ou perante a pessoa ou as pessoas às quais dito mandado deve ser devolvido de acordo com o seu teor devendo igualment certificar as verdadeiras causas da detenção ou prisão a menos que o local de encarceramento do paciente seja distante em mais de 20 milhas do local ou locais da sede do mencionado tribunal ou do domicílio da pessoa e se a distância for de mais de 20 milhas mas não superior a 100 milhas a apresentação do paciente deverá ocorrer dentro de 10 dias e se a distância for superior a 100 milhas dentro de 20 dias CAPÍTULO 3º DECLARAÇÃO DE DIREITOS BILL OF RIGHTS Inglaterra 1689 Contexto histórico Durante todo o século XVII a Inglaterra foi agitada por rebeliões e guerras civis alimentadas por querelas religiosas Carlos I foi deposto condenado à morte e executado em 1642 sob a acusação de tentar restabelecer o catolicismo como religião de Estado Após a ditadura de Cromwell que durou até 1658 a dinastia Stuart restabelecida no trono manteve seu inabalável apego à religião católica Tal como os Bourbon após a Revolução Francesa os Stuart nada aprenderam e nada esqueceram Carlos II que reinou até 1685 logrou abafar todas as tentativas de revolta Durante os quatro últimos anos de seu reinado dispensou a convocação do Parlamento para a votação de impostos graças ao copioso subsídio que recebeu pessoalmente de Luís XIV Mas essa decisão imprudente acabou por acrescentar à virulenta querela religiosa outros movimentos de animadversão à coroa considerada agora culpada de manter ligaÇoes traiçoeiras com o inimigo secular do país o rei da França Sucedendo a Carlos II seu irmão Jaime II suscitou contra si em pouco tempo a oposição mortal da nobreza e do alto clero Em 1688 o nascimento de um herdeiro do trono ao asSegurar a continuidade da monarquia na religião católica deSCncadeou a rebelião que fermentava há vários anos Convidado por um grupo de sete nobres dos dois partidos políticos Whigs e Tories a assumir o trono da Inglaterra o Príncipe Guilherme de Orange desembarcou em Torbay em 5 de novembro No dia 11 de dezembro Jaime II fugia para a França Reunido por sua própria iniciativa o Parlamento declarou então vago o trono da Inglaterra e decidiu operar uma mudança dinástica A coroa foi oferecida conjuntamente ao Príncipe de Orange e à sua mulher Maria de Stuart filha mais velha de Jaime II a qual professava a religião protestante Os novos soberanos tomaram os nomes de Guilherme III e Maria II após aceitarem em sua integralidade uma Declaração de Direitos Bill of Rights votada pelo Parlamento a qual passou a constituir uma das Leis Fundamentais do reino Importância histórica Promulgado exatamente um século antes da Revolução Francesa o Bill of Rights pôs fim pela primeira vez desde o seu surgimento na Europa renascentista ao regime de monarquia absoluta no qual todo poder emana do rei e em seu nome é exercido A partir de 1689 na Inglaterra os poderes de legislar e criar tributos já não são prerrogativas do monarca mas entram na esfera de competência reservada do Parlamento Por isso mesmo as eleições e o exercício das funções parlamentares são cercados de garantias especiais de modo a preservar a liberdade desse órgão político diante do chefe de Estado O documento proposto à aceitação do Príncipe de Orange como condição de seu acesso ao trono da Inglaterra representou a institucionalizaçãO da permanente separação de poderes no Estado à qual se referiu elogiosamente MontesquieU meio século depois Embora não sendo uma declaração de direitos humanos nos moldes das que viriam a ser aprovadas cem anos depois nos Estados Unidos e na França o Bill of Rights criava com a divisão de poderes aquilo que a doutrina constitucionalista alemã do século XX viria denominar sugestivamente uma garantia institucional isto é uma forma de organização do Es tado cuja função em última análise é proteger os direitos fundamentaiS da pessoa humana1 Sem dúvida o Parlamento inglês à época era composto em sua maior parte de representantes da nobreza e do alto clero Lords Spiritual and Temporal Mas a instituição em si não estava ligada indissoluvelmente a essa forma de representação e podia muito bem servir à democracia representativa nascente como os séculos ulteriores vieram demonstrar O Bill of Rights enquanto lei fundamental2 permanece ainda hoje como um dos mais importantes textos constitucionais do Reino Unido À época na Inglaterra as noções de constituição e de lei fundamental eram de resto complementares O libelo acusatório contra o rei Jaime II apresentado na Câmara dos Comuns em 28 de janeiro de 1689 compreendia dois crimes O primeiro era o de haver tentado abolir a Constituição do reino ao romper o contrato original entre o rei e o povo O segundo crime era de ter ao seguir os conselhos dos Jesuítas e de outras pessoas pérfidas violado as leis fundamentais Na definição clássica de Bolingbroke aliás a Constituição inglesa é o conglomerado de leis instituições e costumes que decorrem de certos princípios imutáveis da razão e tendem a certos elementos imutáveis do bem público compondo o essencial de um sistema segundo o qual se convencionou que a comunidade deve ser governada3 Daí o fato de o qualificativo ilegal usado em várias disposições do Bill of Rights ter o mesmo sentido que o adjetivo inconstitucional hoje 1 A história completa da elaboração do conceito de garantia institucional na Alemanha encontrase em Klaus Stern Das Staatsrecht der Bundesrepublik DeuschLand 1111 Munique C H Beck 1988 68 2 Sobre o assunto a obra de John Wiedhofft Gough Fundamental Law in English Constitucional History Oxford University Press 1955 tradução francesa sob o título LIdée de loi fundamentale dans lhistoire constitutionnelle anglaise PUF 1992 ainda é a de grande autoridade 3 Dissertatíon on Parties em Works ed 1809 p 157 A transformação social provocada pelo Bill of Rights não pode deixar de ser encarecida Não é exagero sustentar que ao limitar os poderes governamentais e garantir as liberdades individuais essa lei fundamental suprimiu a maior parte das peias jurídicas que embaraçavam a atividade profissional dos burgueses É sabido aliás que a Glourious Revolution contou com o apoio maciço dos comerciantes e armadores ingleses decididos a enfrentar a concorrência francesa no campo do comércio marítimo Nesse sentido contrariando o esquema marxista de interpretação histórica podese dizer que pelo menos na GrãBretanha a revolução política criou condições para a revolução industrial do século seguinte e não o contrário ou seja as relações sociais precederam e tornaram possível a transformação das forças produtivas As principais disposições O Bill of Rights foi promulgado num contexto histórico de grande intolerância religiosa iniciado em 1685 com a revogação por Luís XIV do edito de Nantes de 1598 que reconheceu aos protestantes franceses a liberdade de consciência uma limitada liberdade de culto e a igualdade civil com os católicos A essa manifestação de intolerância católica correspondeu a reação violenta dos anglicanos A Revolução Inglesa apresenta assim um caráter contraditório no tocante às liberdades públicas Se de um lado foi estabelecida pela primeira vez no Estado moderno a separação de poderes como garantia das liberdades civis por outro lado essa fórmula de organização estatal no Bill of Rights constituiu o instrumento político de imposição a todos os súditos do rei da Inglaterra de uma religião oficial No caso portanto os meios se revelaram historicamente mais importantes que OS fins o que contou doravante na história política foi a prevenção institucional da concentração de poderes não a oficialização da falta de liberdade religiosa O Bill of Rights de 1689 retomou algumas das disposições da Petition of Right que Coke Eliot e Sir Thomas Wentworth em nome do Parlamento apresentaram a Carlos 1 e dele obtiveram uma aprovação temporária em 1628 a proibição de cobrança de impostos sem autorização do Parlamento bem como a de prisão sem culpa formada Mas o essencial do documento consistiu na instituição da separação de poderes com a declaração de que o Parlamento é um órgão precipuamente encarregado de defender os súditos perante o Rei e cujo funcionamento não pode pois ficar sujeito ao arbítrio deste Ademais o Bill of Rights veio fortalecer a instituição do júri e reafirmar alguns direitos fundamentais dos cidadãos os quais são expressos até hoje nos mesmos termos pelas Constituições modernas como o direito de petição e a proibição de penas inusitadas ou cruéis cruel and unusual punishments4 O Texto Excertos5 E diante dísto os Lordes Espirituais e Temporais bem como os Cidadãos Comuns fundandose em suas respectivas credenciais e eleições munidos agora em uma assembléia plena e livremente representativa desta nação tomando na mais séria consideração os melhores meios para a consecução dos fins retromencionados declaram em primeiro lugar como seus antecessores em caso análogo teriam normalmente feito ao reivindicar e afirmar seus antigos direitos e liberdades Que o pretenso poder régio de suspender a vigência ou a execução das leis sem consentimento do Parlamento é ilegal Que o pretenso poder régio de dispensar da obediência às leis ou sua execução como foi feito ultimamente é ilegal 4 Vejase a oitava emenda à Constituição norteamericana capítulo 4º infra 5 Tradução do autor Que a cobrança de impostos para uso da Coroa a título de prerrogativa sem autorização do Parlamento e por um período mais longo ou por modo diferente do autorizado pelo Parlamento é ilegal Que os súditos têm direito de petição ao rei sendo ilegais todas as prisões e perseguições contra o exercício desse direito Que o recrutamento e manutenção de um exército permanente no território do reino em tempo de paz salvo mediante consentimento do Parlamento é ilegal Que a eleição dos membros do Parlamento deve ser livre Que a liberdade de palavra e debates ou procedimentos no Parlamento não deve ser coarctada por processos de acusação política ou investigação criminal ought not to be impeached7 or questioned em nenhum tribunal ou local fora do Parlamento Que não devem ser exigidas cauções excessivas nem impostas multas excessivas nem infligidas penas inusitadas ou cruéis Que os jurados devem ser devidamente alistados e sorteados e que os jurados incumbidos de julgar em processos de alta traição devem ser proprietários freeholders8 Que todas as aplicações ou cominações de multas e penas sem culpa formada são ilegais e nulas E que para a reparação de todas as injustiças e para correção revigoramento e preservação das leis os Parlamentos devem ser convocados com freqüência 6 Tradicionalmente o rei tem o dever de corrigir injustiças to redress wrongdoing cometidas por qualquer autoridade do reino A petition é a reclamação que um súdito faz ao rei pedindo que este faça cessar uma injustiça de que o súdito é vítima A instituição passou a fazer parte do sistema de garantias fundamentais do direito contemporâneo Vejase o art 5º XXXIV a da Constituição brasileira de 1988 são a todos assegurados independentemente do pagamento de taxas a o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder 7 O impeachment no direito público inglês é um juízo de acusação OU pronúncia proferido pela Câmara dos Comuns contra uma autoridade pública acarretando a sua suspensão de pleno direito do cargo ou das funções que exerce O impeached é julgado pela Câmara dos Lordes A Constituição norteamericana capítulo 2 artigo 4 acolheu o instituto em caso de traição corrupção ou outros crimes e delitos cometidos pelo Presidente da República o VicePresidente e todos os funcionários civis dos Estados Unidos Seguindo o modelo norteamericano várias Constituições de Estados latinoamericanos adotaram o instituto 8 O freeholder é o proprietário de imóvel alodial isto é livre de encargos OU gravames de qualquer ordem CAPÍTULO 4º A DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE A A Declaração de Independência dos Estados Unidos A independência das antigas treze colônias britânicas da América do Norte em 1776 reunidas primeiro sob a forma de uma confederação e constituídas em seguida em Estado federal em 1787 representou o ato inaugural da democracia moderna combinando sob o regime constitucional a representação popular com a limitação de poderes governamentais e o respeito aos direitos humanos Fatores predisponentes da independência americana A identidade de uma nação é de natureza predominantemente cultural formando um conjunto próprio de costumes valores e visões do mundo É essa especificidade cultural que distingue uma nação das demais e acaba por tornála um Estado independente No caso dos Estados Unidos o patrimônio cultural próprio formouse desde os primórdios da colonização em contraste com os valores sociais e costumes políticos vigentes na GrãBretanha A independência das treze colônias britânicas da América do Norte era portanto um resultado histórico previsível e inelutável Três grandes características socioculturais atuaram como fatores predisponentes para a criação do novo Estado o primeiro e mais importante deles foi a nãoreprodução em território americano da sociedade estamental européia Constituída por grupos sociais bem delimitados que cultivavam valores próprios e regiamse por um direito próprio1 Desde o início do século XVII o núcleo colonial que acabou moldando a futura nação norteamericana a Nova Inglaterra constituiuse como sociedade tipicamente burguesa isto é como um grupo organizado de cidadãos livres iguais perante a lei e cuja diferenciação interna só podia existir em função da riqueza material É verdade porém que nas colônias do sul em lugar da divisão estamental introduziuse a escravidão negra em flagrante violação ao princípio da igualdade fundamental do ser humano Mas essa instituição nefanda foi uma espécie de pecado original do novo Estado cujo resgate custou rios de sangue no século seguinte e ainda continua a produzir efeitos desagregadores até hoje Para essa fundação de uma sociedade igualitária muito contribuíram os quacres que imigraram da Inglaterra no século XVII Eles eram resolutamente antimonarquistas reivindicavam a posse em comum das terras de lavoura e recusavamse a tirar o chapéu diante das autoridades O princípio da igualdade jurídica entre os homens livres como se sabe foi o traço da sociedade americana que mais impressionou Alexis de Tocqueville quando de sua viagem de estudos e pesquisas ao país de maio de 1831 a fevereiro de 1832 Tão marcado ficou o jovem magistrado francês com o fato de excolônias européias haverem repudiado completamente a organização aristocrática tradicional do Velho Continente que desenvolveu em obra famosa a tese da democratização inelUtável da humanidade no futuro próximo2 1 Sobre este assunto cf supra capítulo 1º Magna Carta contexto histórico 2 De la Démocratie en Amérique cujo 1º volume foi publicado em 1835 e 2º em 1840 É claro que a igualdade de condição jurídica não signifiCoU de modo algum o nivelamento socioeconômico da sociedade norteamericana À época em que Tocqueville visitou o país ainda não se haviam formado grandes fortunas privadas mas tudo se encaminhava para isso A supressão dos privilégios estamentais com a livre circulação de bens num mercado unificado representou um dos mais importantes estímulos ao desenvolvimento da economia capitalista A este fator objetivo acrescentouSe outro não menos importante ligado à mentalidade do povo norteamericano e que não passou despercebido à argúcia do jovem aristocrata francês Desconheço um país anotou ele em que o amor do dinheiro ocupe um lugar mais amplo no coração do homem e onde se professe um desprezo mais profundo pela teoria da igualdade permanente dos bens A fortuna individual pode não ser hereditária mas ela circula por lá com incrível rapidez e a experiência ensina que é raro ver duas gerações recolherem seus favores3 A América do Norte foi desde o início uma sociedade de proprietários em que a igualdade perante a lei exercia a função de garantia fundamental da livre concorrência ou seja uma democracia burguesa Ao escrever nos Federalist Papers contra o poder ilimitado de tributação ensaio n 35 Hamilton designou claramente as classes dominantes do novo Estado federal que se tencionava criar ao afirmar que as câmaras legislativas com raras exceções seriam compostas de proprietários rurais comerciantes e profissionais liberais O sentido da honra e dos privilégios pessoais típico do espírito aristocrático como assinalou Montesquieu jamais mudou entre os norteamericanos Em seu lugar instalaramse desde o primeiro século da colonização o espírito empresarial e a paixão do lucro o que acabou por tornar os Estados Unidos 3 De la Démocratie v 1 Paris Librairie de Médicis 1951 p 80 em pouco mais de dois séculos a maior potência capitalista de todos os tempos A igualdade essencial de condição jurídica do indivíduo foi bem marcada desde o início da colonização no acordo celebrado pelos peregrinos do Mayflower o chamado Mayflower Compact em 1620 Vale a pena transcrever esse protodocumento da independência americana porque ele ilustra de maneira singular a teoria do contrato social como fundamento de todas as instituições políticas tal como foi exposta e desenvolvida sucessivamente por Thomas Hobbes John Locke Montesquieu e sobretudo JeanJacques Rousseau ou seja a idéia de que toda sociedade política autêntica é fruto de um acordo de vontades Em nome de Deus Amém Nós cujos nomes vão subscritos súditos fiéis de nosso respeitável soberano Senhor Rei Jaime havendo empreendido para a glória de Deus e progresso da fé cristã e honra de nosso rei e país uma viagem para implantar a primeira colônia no Nordeste da Virgínia pelo presente solene e mutuamente na presença de Deus uns perante os outros convencionamos a nossa união num corpo político civil para melhor ordenar preservar e aperfeiçoar as finalidades antes mencionadas e em razão disso promulgar constituir e compor leis justas e iguais ordenações atos constituições e cargos públicos de tempos em tempos como for julgado mais adequado e conveniente para o bem geral da Colônia ao qual prometemos todos a devida submissão e obediência As duas outras grandes características culturais da sociedade norteamericana decorreram naturalmente dessa cidadania igualitária a defesa das liberdades individuais e a submissão dos poderes governamentais ao consentimento popular government by consent O primeiro movimento de colonização inglesa da América do Norte como sabido foi provocado pelo espírito de rebeldia dos calvinistas no ambiente de pesada intolerância religiosa que predominou na GrãBretanha desde o século XVI4 As duas principais colônias estabelecidas na Nova Inglaterra a dos peregrinos do Mayflower e a dos puritanos da baía de Massachusetts eram formadas por cristãos dissidentes da confissão anglicana oficial os quais sofriam por essa razão severas restrições à sua liberdade de culto A persistência desse espírito individualista em matéria religiosa esteve aliás na origem de duas outras colônias oriundas do núcleo inicial do Massachusetts a de Connecticut do Reverendo Thomas Hooker e a de Rhode Island fundada por Roger Williams Compreendese pois que já no ano seguinte à declaração de independência Thomas Jefferson tenha apresentado à Câmara de delegados das excolônias uma lei sobre a liberdade de religião e que o primeiro artigo da chamada Declaração de Direitos norteamericana constituída pelas dez primeiras emendas à Constituição Federal votadas pelo Congresso em 25 de setembro de 1789 diga respeito à liberdade de religião de palavra e de imprensa Quanto ao princípio do poder político consentido os colonos de Plymouth já o praticavam desde 1620 elegendo o governador da província e os delegados à assembléia provincial Sem dúvida tratavase à época de um sistema oligárquico mas a idéia do government by consent acabaria sendo o molde indispensável ao funcionamento futuro da democracia americana uma vez admitido o sufrágio universal Eventos que desencadearam o movimento de independência A guerra francoinglesa pela ocupação do território canadense ao aumentar em mais do dobro as despesas correntes do 4 A respeito da influência da doutrina calvinista na formação da teoria política moderna cf Quentin Skinner As Fundações do Pensamento Político Moderno Companhia das Letras 1999 parte seis governo inglês levou sucessivos primeirosministros a reforçar o poder imperial sobre o vasto território norteamericano e a elevar os impostos Uma promulgação régia de 1763 traçou uma linha de demarcação ao longo da cadeia dos Apalaches a oeste da qual as relações comerciais com as tribos indígenas só poderiam ser feitas doravante por funcionários da coroa e não mais diretamente pelos colonos americanos No ano seguinte o Parlamento britânico votou o Currency Act que retirou da circulação várias espécies de papelmoeda e causou enorme retração do meio circulante em todo o território colonial Em 1765 um novo imposto do selo veio perturbar fundamente as transações comerciais em toda a América do Norte Em 1767 era a vez do comércio exterior das colônias ser afetado por novos direitos tarifários Para um povo que revelou desde os primórdios um marcado espírito mercantil essas medidas eram dificilmente suportáveis Revoltas foram se sucedendo em várias cidades e acabaram por provocar a reunião das colônias em Congressos Continentais o primeiro dos quais realizado em Filadélfia em 1774 As instruções da delegação de Virgínia publicadas sob o título A Sumary View of the Rights of British America foram redigidas por Thomas Jefferson Lá já se encontram algumas idéias que ele desenvolveria dois anos mais tarde no projeto da Declaração de Independência como o direito de autodeterminação dos povos livres fundado na igualdade entre todos os homens a existência de direitos naturais do ser humano direitos que derivam das leis da natureza e não são doações do primeiro magistrado e o princípio da dignidade do povo os reis são servidores não proprietários do povo5 5 As diferentes etapas de elaboração da Declaração de Independência foram minuciosamente descritas por Pauline Maier em seu livro American SCripture Making the Declaration of Independence Alfred A Kopf New York 1997 o Congresso Continental de 1776 no entanto reduziu em cerca de um terço o original de Jefferson suprimindo notadamente o seguinte trecho em que se condenava o tráfico negreiro em termos grandiloqüentes Ele o rei Jorge III empreendeu uma guerra cruel contra a própria natureza humana ao violar os seus mais sagrados direitos à vida e à liberdade nas pessoas de um povo distante que jamais o ofendeu capturandoas e transportandoas como escravos em outro hemisfério quando não fazendoas morrer miseravelmente durante a viagem Essa operação bélica de pirataria o opróbrio de potências infiéis é a guerra empreendida pelo Rei cristão da GrãBretanha Decidido a manter aberto um mercado em que seres humanos seriam comprados e vendidos ele prostituiu seu poder de veto ao suprimir toda iniciativa legislativa de proibir ou restringir esse comércio execrável E para que esse conjunto de horrores nada fique a dever ao acaso ele está agora incitando aquelas mesmas pessoas a levantar armas contra nós de modo a conquistar a liberdade da qual ele as privou pelo assassínio do povo em cujo seio elas foram introduzidas compensando por essa forma os crimes cometidos contra as liberdades de um povo com os crimes que ele o força a cometer contra as vidas do outro povo6 Importância histórica da Declaração de Independência A característica mais notável da Declaração de Independência dos Estados Unidos reside no fato de ser ela o primeiro docu 6 A acusação ao rei da Inglaterra de favorecer o tráfico de escravos na verdade cobria o fato evidente de que algumas colônias do sul notadamente Carolina e Geórgia sempre se opuseram à sua abolição mento a afirmar os princípios democráticos na história Política moderna A própria idéia de se publicar uma declaração das razões do ato de independência por um respeito devido às Opiniões da humanidade constituiu uma novidade absoluta Doravante juízes supremos dos atos políticos deixavam de ser os monarcas ou os chefes religiosos e passavam a ser todos os homens indiscriminadamente Na verdade a idéia de uma declaração à humanidade está intimamente ligada ao princípio da nova legitimidade política a soberania popular Uma nação só está legitimada a autoafirmar sua independência porque o povo que a constitui detém o poder político supremo Os governos são instituídos entre os homens para garantir seus direitos naturais de tal forma que seus poderes legítimos derivam do consentimento dos governados E toda vez que alguma Forma de Governo tornase destrutiva dos fins naturais da vida em sociedade é Direito do Povo alterála ou abolila e instituir uma nova Forma de Governo Aí está afirmado com todas as letras o direito de revolução sobre o qual já havia teorizado John Locke Na concepção dos chamados Pais Fundadores dos Estados Unidos a soberania popular achase assim intimamente unida ao reconhecimento de direitos inalienáveis7 de todos os homens entre os quais a vida a liberdade e a busca da felicidade Nesta e em outras partes da Declaração de Independência transparece a lição dos clássicos que Jefferson conhecia perfeitamente8 O conceito de felicidade eudaimonia literalmen 7 Second Treatise al Government 224 e s 8 Como observou com razão Carl J Richard os líderes revolucionárioS procuraram substituir a uma sociedade dominada por uma aristocracia de nascimento uma sociedade dirigida por uma aristocracia de mérito No século XVIII mérito significava cultura e cultura significava conhecimento dos classicos The Founders and the Classics Greece Rome and the American Englightenment Harvard Universitv Press 1996 p 51 te ter um bom espírito guardião da filosofia grega está intimamente ligado a uma vida virtuosa e por isso era bem distinto da noção puramente objetiva e sentimental que o termo adquiriu na idade moderna Para Aristóteles esse bem supremo é eminentemente prático isto é está ligado às ações próprias do ser humano que dizem respeito às qualidades superiores da alma9 Mas para que o homem alcance a felicidade na ação é preciso que lhe sejam dadas condições externas de vida mais adequadas10 Ou seja tudo depende da organização da pólis11 É este exatamente o sentido da expressão usada no preâmbulo da Declaração de Independência Jefferson era suficientemente arguto para saber que ninguém possui um direito inato à felicidade que a realização desta na vida individual não depende exclusivamente das virtudes dos cidadãos Mas ele também percebeu com apoio na lição dos clássicos que a dignidade humana exige que se dêem a todos as condições políticas indispensáveis à busca da felicidade 12 A importância histórica da Declaração de Independência está justamente aí é o primeiro documento político que reconhece a par da legitimidade da soberania popular a existência de direitos inerentes a todo ser humano independentemente das diferenças de sexo raça religião cultura ou posição social Nas nações da Europa Ocidental com efeito a proclamação da legitimidade 9 Ética a Nicômaco 1095 a 15 1098 a 20 10 Idem 1101 a 15 11 Política 1328 a 20 e s 12 Não é de se afastar por outro lado a provável influência que sobre Jefferson exerceu o rico pensamento francês sobre o tema durante o século XVIII Cf Robert Mauzi LIdée de bonheur dons la littérature et la pensée françaises au XVIII siècle Paris A Colin 1960 Rousseau por exemplo afirmou que quanto mais bem organizado um Estado maior o predomínio das questões públicas sobre as privadas porque a soma da felicidade comum fornece uma porção mais considerável à felicidade de cada indivíduo e por isso mesmo há menos necessidade de se procurar a felicidade através dos cuidados particulares de vida Do Contrato Social livro 3º cap XV democrática com o respeito aos direitos humanos somente veio a ocorrer com a Revolução Francesa em 1789 Até então a soberania pertencia legitimamente ao monarca auxiliado no exercício do reinado pelos estratos sociais privilegiados A Confederação dos Estados Unidos da América do Norte nasce sob a invocação da liberdade sobretudo da liberdade de opinião e religião e da igualdade de todos perante a lei No tocante porém ao terceiro elemento da tríade democrática da Revolução Francesa a fraternidade ou solidariedade os norteamericanos não chegaram a admitilo nem mesmo retoricamente A isto se opôs desde as origens o profundo individualismo vigorante em todas as camadas sociais um individualismo que não constituiu obstáculo ao desenvolvimento da prática associativa na vida privada como bem observou Tocqueville13 mas que sempre se mostrou incompatível com a adoção de políticas conetivas das grandes desigualdades socioeconomicas O Texto14 4 de julho de 1776 Excertos Uma Declaração dos Representantes dos Estados Unidos da América reunidos em Congresso Geral Quando no decurso da história humana tornase necessário a um povo romper os laços políticos que o vincularam a outro bem como assumir entre as potências mundiais a posição separada e igual a que o habilitam as leis da natureza e do deus da natureza o respeito devido às opiniões da humanidade obrigao a declarar as causas que o impelem a separação 13 Cf De la démocratie en Amérique v I 2ª parte cap IV v II 2ª partecap V 14 No texto original os períodos seguemse uns aos outros sem parágrafOs mas unicamente separados por travessão A tradução aqui apresentada manteve a grafia de certas palavras em maiúscula de acordo com o texto original Consideramos as seguintes verdades como autoevidentes a saber que todos os homens são criaturas iguais dotadas pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis entre os quais a vida a liberdade e a busca da felicidade É para assegurar esses direitos que os governos são instituídos entre os homens sendo seus justos poderes derivados do consentimento dos governados Toda vez que alguma forma de governo tornase nociva à consecução dessas finalidades é direito do povo alterála ou abolila e instituir uma nova forma de governo baseada nesses princípios e cuja organização de poderes lhe pareça segundo a maior probabilidade capaz de proporcionarlhe a segurança e a felicidade Com efeito a prudência aconselha a não se mudarem por razões superficiais e transitórias governos há muito estabelecidos pois a experiência tem demonstrado que os homens são mais dispostos a sofrer males suportáveis do que a realizar seus direitos pela abolição de formas de governo às quais já se acham acostumados Mas quando uma longa série de abusos e usurpações visando Invariavelmente ao mesmo objetivo revela o desígnio de submetêlos a um despotismo absoluto é seu direito e seu dever livrarse desse governo e prover novos guardiães para sua segurança futura15 Tal foi o paciente sofrimento destas colônias e assim surge agora a necessidade que as força a alterar seus antigos sistemas de governo A história do atual rei da GrãBretanha é uma história de repetidas injustiças e usurpações todas tendo por objetivo direto o estabelecimento de uma tirania absoluta sobre estes estados Para proválo submetamse os fatos ao juízo imparcial do mundo Ele temse recusado a sancionar as leis mais salutares e necessárias ao bem público Ele temse recusado a promulgar outras leis para a organização de distritos largamente povoados a menos que o povo desses distritos abra mão do direito de representação no Legislativo um direito inestimável para o povo e temível apenas para os tiranos Ele tem convocado as assembléias legislativas para se reunirem em locais inabituais inconfortáveis e distantes do arquivo dos Registros públicos com a única finalidade de obrigálos pelo cansaço a aceitar tais medidas 15 O texto parece fazer alusão aqui à concepção política de Platão no República para quem os governantes supremos deviam ser os guardiães da segurança coletiva Ele tem dissolvido repetidamente as Casas de Representantes pelo fato de que estas se têm oposto firmemente às suas violações dos direitos do povo Ele se tem recusado por muito tempo após essas dissoluções a permitir que outras assembléias legislativas sejam eleitas Ele tem obstruído a administração da justiça ao se recusar a sancionar leis para o estabelecimento de poderes Judiciários Ele tornou os juizes dependentes da vontade própria dele soberano para o provimento de seus cargos Ele tem feito com que os militares sejam independentes do poder civil e a este superiores Ele se tem conluiado com outros para nos submeter a uma jurisdição estranha à nossa constituição e não reconhecida pelas nossas leis sancionando atos de pretensa legislação Para suprimir o nosso comércio com todas as partes do mundo Para impor tributos sem o nosso consentimento Para despojarnos em muitos casos dos benefícios do processo pelo júri Para transportarnos ao ultramar a fim de submeternos a processo por pretensos delitos Ele tem excitado insurreições internas entre nós e temse esforçado por fazer ingressar em nosso território os habitantes de nossas fronteiras os impiedosos índios selvagens cuja reconhecida norma de guerra é a destruição indiscriminada de pessoas de todas as idades sexo e condições sociais Em conseqüência nós os Representantes dos Estados Unidos da América reunidos em Congresso Geral invocando o juiz supremo do mundo quanto à retidão de nossas intenções em nome e pela autoridade do bom povo destas colônias solenemente publicamos e declaramos que estas colônias unidas são e de direito devem ser estados livres e independentes que elas estão desvinculadas de toda submissão à Coroa Britânica e que todo vínculo político entre elas e o estado da GrãBretanha é e deve ser totalmente dissolvido e que enquanto estados livres e independentes elas têm plenos poderes para fazer a guerra concluir a paz contrair alianças estabelecer o comércio e praticar todos os outros atos e fazer tudo o que estados independentes têm o direito de fazer E para confirmar esta Declaração com firme confiança na Divina Providência empenhamos mutuamente nossas vidas nossas fortunas e nossa honra sagrada As Declarações de Direitos NorteAmericanas Juntamente com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão promulgada pela Assembléia Nacional francesa em 1789 as declarações de direitos norteamericanas constiwem as cartas fundamentais de emancipação do indivíduo pecante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu a família o estamentO as organizações religiosas A afirmação da autonomia individual que vinha sendo progressivamente feita na consciência européia desde fins da Idade Média assume na Europa Ocidental e nos Estados Unidos no último quartel do século XVIII contornos jurídicos definitivos Acontece que a perda da proteção familiar estamental ou religiosa tornou o indivíduo mais vulnerável às vicissitudes da vida A sociedade liberal ofereceu em troca a segurança da legalidade e nada mais Foi preciso aguardar o advento do Estado Social no século XX para que os grandes riscos sociais da existência humana fossem assumidos doravante não mais pelos grupos tradicionais mas pelo Estado Os bills of rights norteamericanos são essencialmente declarações de direitos individuais O pensamento políticojurídico norteamericano permaneceu aliás até hoje vinculado a essa fase histórica sem aceitar a evolução posterior no sentido de uma afirmação dos direitos sociais e dos direitos da humanidade 16 16 Para essa interpretação exclusivamente individualista dos direitos humanos muito contribuiu a Suprema Corte dos Estados Unidos Com efeito ao julgar em 1803 o caso Marbury V Madison que consagrou o juízo de constitucionalidade das leis declarou o juiz Marshall The province of the court is solely to decide on the rights of individuals not to inquire how the executive or executive officers perform duties in which they have a discretion Questions in their nature political or which are by the constitution and laws submitted to the executive can never be made in this court Ora os direitos sociais realizamse por meio de políticas públicas ou programas governamentais Se essas políticas não podem ser submetidas ao judicial control então elas não geram direitos É preciso no entanto assinalar que nesse campo dos direitos individuais os norteamericanos foram incontestavelmente pioneiros A declaração de Virgínia é de 12 de junho de 1776 sendo coeva portanto do movimento de independência dos Estados Unidos Em 16 de agosto do mesmo ano a Pennsylvania aprovou Juntamente com a sua Constituição uma declaração de direitos largamente copiada da Declaração de Independência Quatro anos depois em 1780 o Estado de Massachusetts adotou também o seu Bill of Rights inteiramente redigido por John Adams Se juridicamente o principal precedente das declarações de direitos norteamericanas é o Bill of Rights inglês de 1689 17 o seu fundamento filosófico vem não só de Locke mas também do pensamento ilustrado europeu do século XVIII notadamente dos escritos de Montesquieu e Rousseart Os norteamericanos porém não se limitaram a receber passivamente esse patrimônio cultural foram mais além e transformaram os antigos direitos naturais em direitos positivos reconhecendoos como de nível superior a todos os demais Seguindo o modelo do Bill of Rights britânico os Estados Unidos deram aos direitos humanos a qualidade de direitos fundamentais isto é direitos reconhecidos expressamente pelo Estado elevandoos ao nível constitucional acima portanto da legislação ordinária A Constituição em sua acepção moderna é efetivamente uma criação norteamericana Para os antigos a idéia de constituição significava a organização tradicional de determinada sociedade incluindo não só as relações de poder político como também o conjunto das instituições da vida privada notadamente a família o grupo familiar alargado como a gens romana por 17 Cf supra capítulo 3º exemplo a educação e a propriedade A politéia na concepção grega não era certamente um ato de vontade nem do povo nem dos governantes e por isso mesmo não tinha nenhum sentido finalístico ela não havia sido explicitamente criada para exercer determinada função Exprimia simplesmente a estrutura social sendo portanto como disse Isócrates a alma da cidade18 ou seja o que ela tem de mais íntimo e pessoal Por Isso mesmo Aristóteles assinalou que é antes de tudo a politéia que se deve considerar para dizer que uma cidade polis continua a mesma19 Essa idéia antiga de Constituição ligada aos direitos naturais ou tradicionais do povo ainda permanece viva no direito político inglês As antigas leis fundamentais apareciam nessa ótica mais como explicitações das franquias tradicionais do que como criações de um direito novo A Constituição moderna ao contrário tal como a conceberam pela primeira vez os norteamericanos é um ato de vontade o supremo ato da vontade política de um povo A sua finalidade precípua é a proteção do indivíduo contra os abusos dos governantes20 Por esta razão ela deve constar de um documento solene que é a verdadeira Carta Magna das liberdades Contrariamente ao princípio da soberania parlamentar que prevaleceu na Inglaterra a supremacia da Constituição sobre as leis pareceu desde o início o primeiro mandamento do 18 Aeropagítica 14 19 Política III 1276b 10 e s 20 Escrevendo aos constituintes de Massachusetts em 21 de outubro de 1776 OS habitantes da cidade de Concord advertiam We conceive that a Constitution in as proper idea intends a system of principies established to secure the subject in Possession and enjoyment of their rights and privileges against any encoachements of the governing part cit por S E Morison org Sources and Documents Illustrating the American Revolution 2ª ed 1929 p 177 sistema jurídico norteamericano A Suprema Corte firmouo definitivamente no caso Marbury v Madisonjulgado em 1803 21 Neste mesmo precedente foi também afirmado o Princípio da judiciabilidade de todo e qualquer direito fundado em 21 Lêse no célebre acórdão The question whether an Act repugnant to the Constitution can become the law of the land is a question deeply interesting to the United States but happily not of an intricacy proportioned to its interest It seems only necessary to recognise certain principles supposed to have been long and well established to decide in Como sempre o raciocínio judicial anglosaxônico busca fundarse na tradição quando na verdade era uma grande inovação que se estava apresentando nesse julgamento That the people have an original right to estabLish for their furure government such principies as in their opinion shall most conduce to their own happiness is the basis on which the whole American fabric has been erected The exercise of this original right is a very great exertion nor can it nor ought ir to be frequently repeated The principles therefore so established are deemed fundamental And as the authority from which they proceed is supreme and can seldom act they are designed to be permanent This original and supreme will organizes the government and assigns to different departments their respective powers It may either stop here or establish certain limits not to be transcended by those departmenrs The government of the United States is of the latter description The powers of the legislature are defined and limited and that those limirs may not be mistaken or forgotten the constitution is written To what purpose are powers limited and to whar purpose is that limitation committed to writing if those limits may at any time be passed by those intended to be restrained The distinction between a government with limited and unlimited powers is abolished if those limits do not confine the persons on whom they are imposed and if acts prohibited and acts allowed are of equal obligation It is a proposition too plain to be contested that the constitution controls any legislative act repugnant to it or that legislature may alter the constitution by an ordinary act Between these alternatives there is no middle ground The constitution is either a superior paramount law unchangeable by ordinary means or it is on level with ordinary legislative acts and like other acts is alterable when the legislature shall please to alter it If the former part of the alrernative be true then a legislative act contrary to the constitution is not law if the latter part be true then written constitutions are absurd attempts on the part of the people to limit a paWer in its own nature illimitable Certainly all those who have framed written constitutions contemplate them as forming the fundamental and paramaunt law of the nation and consequently the theory of every such government must be that an act of the legislature repugnant to the constitution is void norma constitucional Ora como os direitos humanos passaram a fazer parte integrante das diferentes Constituições dos Estados e da Constituição Federal reconheceuse que a primeira e fundamental garantia desses direitos era de natureza judicial Ambos esses princípioS da supremacia da Constituição sobre as leis e da garantia judicial dos direitos humanos só vieram a ser incorPoradoS ao direito europeu continental na segunda metade do século XX A Declaração de Direitos de Virgínia O texto original foi de autoria de George Mason que representou o Estado na Convenção de Filadélfia de 1787 onde foi votada a Constituição O estilo é mais retórico do que técnicojurídico distanciandose portanto do modelo inglês de 1689 Ademais refletindo a mentalidade puritana predominante nas colônias norteamericanas as regras de direito são consideradas indissociáveis da moralidade pessoal como se pode perceber da leitura do parágrafo 15 declarase aí que o bom funcionamento das instituições políticas depende em última análise das virtudes individuais dos cidadãos A proclamação de abertura asseverando que todos os seres humanos são pela sua própria natureza igualmente livres e independentes dá o tom de todas as grandes declarações de direitos do futuro como a francesa de 1789 e a Declaração Universal de 1948 aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas É importante assinalar que os dois primeiros parágrafos da declaração de Virgínia expressam com nitidez os fundamentos regime democrático o reconhecimento de direitos inatos de toda pessoa humana os quais não podem ser alienados ou suprimidos por uma decisão política parágrafo 1 é o princi pio de que todo poder emana do povo sendo os governantes a este subordinados parágrafo 2 O parágrafo 3 de certa forma completa a declaração da soberania popular do parágrafo anterior proclamando o direito do povo de substituir os governantes ou mais radicalmente de mudar a forma de governo caso a organização estatal se revele incapaz de realizar os fins de toda sociedade política quais sejam a felicidade e a segurança dos cidadãos No parágrafo 4 é afirmado o princípio fundamental da igualdade perante a lei pela rejeição dos privilégios pessoais e da hereditariedade nos cargos públicos Em complemento o parágrafo 5 estabelece e proclama a igualdade de condição política de todo cidadão ou seja o princípio democrático de que ninguém nasce na condição imutável o status do antigo regime de governante ou governado Qualquer pessoa pode aspirar a um cargo de governo cujo exercício é necessariamente transitório sendo que após exercer esse cargo a pessoa reverte automaticamente à condição de governado em situação igual à dos outros cidadãos A única forma legítima de acesso aos cargos de governo é portanto a livre eleição popular a ser realizada em períodos regulares De acordo com o ensinamento de Montesquieu reconhecese que a melhor maneira de se preservar a liberdade dos governados e prevenir o abuso de poder consiste em separar institucionalmente as funções legislativa executiva e judiciária A disposição do parágrafo 6 contém uma certa ambigüidade pois não fica claro se o permanente interesse comum e a dedicação à comunidade como condição para o direito de votar estão ligados unicamente à situação de proprietário A garantia contra a expropriação abusiva que vem expressa no mesmo período parece indicar a normal admissibilidade do voto censitário isto é o reconhecimento de que somente os cidadãos que demonstrem a sua condição de proprietários são legitimados a votar A declatação constante do parágrafo 7 vai na linha de defesa da soberania parlamentar estabelecida pelo Bill of Rights inglêS Ainda não se havia concebido a competência do Judiciário para declarar inválidas as leis contrárias à Constituição suspendendOSe por conseguinte a sua execução tanto mais que na Inglaterra os juízes sempre foram considerados institucionalmente como altos funcionários do rei A judicial review aliás não chegou a ser expressa na Constituição norteamericana de 1787 mas só veio a ser admitida a partir da decisão da Corte Suprema no caso Marbury V Madison como acima dito22 As disposições dos parágrafos 8 a 13 têm por objeto todas elas a proteção da liberdade É digno de nota o fervor com que se defende a instituição do júri ele deve ser tido por sagrado o que se explica por uma certa prevenção existente na Inglaterra desde a Idade Média23 e por conseguinte também nas colônias inglesas contra as cortes de justiça estabelecidas pelo rei A declaração de que a imprensa livre é um dos grandes baluartes da liberdade dever ser ressaltada pela sua absoluta prioridade histórica Ela se toma logo depois um dos pilares da cidadania democrática norteamericana Primeira Emenda à Constituição24 Quanto à liberdade de religião que esteve na origem dos principais empreendimentos de colonização na América do Norte ela vem consagrada pelo parágrafo 16 Observese no entanto que o respeito a essa liberdade é claramente apresentado como uma exigência das virtudes cristãs 22 Cf nota 16 23 Cf supra capítulo 1º a Magna Carta cláusulas 21 e 39 24 Em carta a Edward Carlington enviada de Paris em 16 de janeiro de 1787 Thomas Jefferson reconheceu que se me fosse concedido decidir se nós devêssemos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo eu não hesitaria um um minuto em preferir esta última possibilidade Basic Writings of Thomas Jefferson Org Philip S Foner Nova York Willey Book Company 1944 p 54950 Outra idéia pioneira dos norteamericanos imediatamente aproveitada pelos revolucionários franceses na década seguinte foi a substituição da força militar permanente por uma milícia popular parágrafo 13 Como a história das monarquias européias demonstrou sobejamente um exército permanente ainda que composto de cidadãos do país e não de mercenários é um instrumento temível de submissão do povo aos grupos dominantes Finalmente com a declaração do parágrafo 14 procurou se pôr fim à anômala situação política da Virgínia igual à das outras colônias norteamericanas de resto em que o governo local nem sempre tinha respeitada a sua autonomia pelo governo britânico Era preciso deixar bem assentada a soberania externa do novo Estado Por outro lado porém essa declaração de soberania externa se interpretada em sua literalidade faria obstáculo à inclusão da Virgínia num Estado federal em que as unidades políticas ao contrário da confederação submetemse também em certos assuntos a poderes gerais e não locais Aí estava pois em germe o conflito que se manifestou tragicamente no século seguinte sob a forma de uma guerra civil O Texto25 Declaração de Direitos feita pelos representantes do bom povo da Virgínia reunido em Convenção plena e livre direitos esses que pertencem a ele e à sua posteridade como base e fundamento do governo 1 Todos os seres humanos são pela sua natureza igualmente livres e independentes e possuem certos direitos inatos dos quais ao entrarem no estado de sociedade não podem por nenhum tipo de pacto privar ou despojar sua posteridade nomeadamente a fruição da vida e da liberdade com os meios de adquirir e possuir a propriedade de bens bem como de procurar e obter a felicidade e a segurança 25 Tradução do autor 2 Todo poder pertence ao povo e por conseguinte dele deriva Os magistradoS26 são seus fiduciários e servidores responsáveis a todo tempo perante ele 3 O governo é e deve ser instituído para comum benefício proteção e segurança do povo nação ou comunidade De todas as formas de governo a melhor é aquela capaz de produzir o maior grau de felicidade e segurança e a que mais efetivamente ofereça garantia contra o perigo da má administração Toda vez que algum governo for considerado inepto ou contrário a esses fins a maioria da comunidade tem o direito indubitável inanienável e irrevogável de reformálo modificálo ou abolilo da maneira que julgar mais proveitosa ao bemestar geral 4 Nenhum indivíduo ou grupo social está autorizado a obter proventos especiais ou privilégios da comunidade a não ser em função de serviços públicos Tais proventos ou privilégios não são transmissíveis por sucessão da mesma forma que os cargos de magistrado legislador ou juiz não devem ser hereditários 5 Os poderes legislativo e executivo do Estado devem ser separados e distintos do judiciário A fim de que os membros dos dois primeiros ao sentirem as aspirações do povo e delas participarem sejam afastados de toda opressão eles devem voltar em períodos predeterminados à condição privada e ao seu grupo social de origem sendo as vacãncias de cargos supridas por meio de eleições freqüentes certas e regulares nas quais todos ou alguns dos antigos membros sejam novamente elegíveis ou inelegíveis segundo o que for determinado pelas leis 6 As eleições de representantes do povo em assembléias devem ser livres e todos aqueles que tenham dedicação à comunidade e consciência bastante do interesse comum permanente têm direito de voto27 e não podem ser tributados ou expropriados por utilidade pública sem o seu consentimento ou o de seus representantes eleitos nem podem ser submetidos a nenhuma lei à qual não tenham dado da mesma forma o seu consentimento para o bem público 7 Todo poder de suspender a vigência ou a execução de leis exercido por qualquer autoridade sem o consentimento dos representantes do povo é nocivo aos seus direitos e não deve ser admitido 8 Em todos os processos criminais ou que impliquem na pena de morte capital prosecutions o réu tem direito de saber a causa e a natu 26 A palavra é aqui empregada em seu sentido romano de ocupante de uma função pública com poder potestas imperium sobre o povo e não no sentido moderno de juiz 27 Evidentemente nem as mulheres nem a fortiori os escravos constituíam esses cidadãos plenamente dedicados à comunidade e conscientes do bem comum reza da acusação de ser acareado com os acusadores e testemunhas de produzir prova em sua defesa bem como de ser julgado com presteza Por um júri imparcial de sua vizinhança o qual só pode considerálo culpado pela unanimidade de seus membros sem que o réu seja obrigado a fornecer prova contra si mesmo Ninguém será privado de sua liberdade a não ser por força da lei da terra ou pelo julgamento de seus pares 9 Fianças criminais excessivas não devem ser exigidas nem multas excessivas impostas nem penas cruéis ou aberrantes infligidas 10 Mandados judiciais que autorizem oficiais de justiça ou meirinhos a efetuar buscas em lugares suspeitos sem prova do fato cometido ou a deter pessoa ou pessoas não nomeadas ou cujo delito não é especificamente descrito e provado são gravosos e opressivos e por isso não podem ser concedidos 11 Em litígios concernentes à propriedade bem como em processos judiciais entre particulares o júri tradicional é preferível a qualquer outro e deve ser tido como sagrado 12 A imprensa livre é um dos grandes baluartes da liberdade e não pode nunca ser restringida senão por governos despóticos 13 Uma milícia bem organizada composta de gente do povo treinada no manejo das armas constitui a defesa apropriada natural e segura de um Estado livre Exércitos permanentes em tempo de paz devem ser evitados como perigosos á liberdade Em qualquer caso a milícia deve ser estritamente subordinada ao poder civil e por ele governada 14 O povo tem direito a um governo uniforme e por conseguinte nenhum governo separado ou independente do governo de Virgínia deve ser composto ou instituído dentro dos limites de seu território 15 Nenhum governo livre que traga as bênçãos da liberdade pode ser garantido para um povo senão pela adesão firme à justiça à moderação à temperança à frugalidade e à virtude assim como pelo recurso constante aos princípios fundamentais 16 A religião ou os deveres que possuímos para com o nosso Criador bem como o modo de cumprilos só podem ser dirigidos pela razão e pela convicção não pela força ou pela violência Em conseqüência todos os homens são igualmente autorizados ao livre exercício da religião de acordo com os ditados de sua consciência É dever mútuo de todos praticar a indulgência cristã o amor e a caridade uns para com os outros As dez primeiras emendas à Constituição norteamericana Uma questão sempre intrigou os historiadores no tocante à aprovação da Constituição norteamericana por que razão não foi incluída no texto original uma declaração de direitos fundamentais do cidadão Numa das últimas sessões da Convenção de Filadélfia George Mason redator da Declaração de Direitos de Virgínia manifestouse a favor de que a Constituição Federal fosse prefaciada com um Bill of Rights Acolhendo a sugestão dois outros convencionais propuseram desde logo que se criasse uma comissão especial de elaboração do texto A objeção partiu de Roger Sherman representante do Connecticut como as declarações estaduais de direitos já promulgadas não seriam revogadas pela nova Constituição parecialhe inútil que esta as reafirmasse Posta a votos a proposta de George Mason foi então rejeitada à unanimidade Na verdade essa rejeição não parece nada extraordinária quando se atenta para a idéia política predominante entre os convencionais naquele momento Cuidavase de resolver o grave problema da incapacidade da organização confederal adotada após a independência para dar unidade ao novo Estado norteamericano sobretudo em matéria de comércio exterior e de segurança externa Para os Pais Fundadores a Convenção de Filadélfia fora convocada unicamente para reorganizar politicamente os Estados Unidos no nível dos Poderes Públicos Tudo o que se referia aos direitos dos cidadãos entendiase que devia ser deixado à discrição das Constituições estaduais Ora todas elas salvo a de Nova York já continham um bill of rights Foi essa de resto a argumentação apresentada por Alexander Hamilton durante a campanha de ratificação da Constituição pelos Estados28 Uma individuação circunstanciada de direitos particulares disse ele convém muito menos a uma constituição como aquela que hoje examinamos cujo objeto é regular os inte 28 O Federalista n 84 As citações foram extraídas da primeira tradução em língua portuguesa por autor anônimo publicada no Rio de Janeiro em 1840 Typ Imp e Const de J Villeneuve e Compi resses gerais políticos da nação do que a uma constituição que deve regular as relações dos indivíduos entre si Para reforçar essa posição e a fim de repelir as objeções que Jefferson vinha argüindo vigorosamente em sentido contrário Hamilton lançou mão de um argumento radical Lembrou que todas as declarações de direitos inglesas haviam sido estipulações concluídas entre os reis e seus vassalos Assim fora com a Magna Carta com a petição de direitos reconhecida por Carlos 1 no princípio de seu reinado e com o Bill of Rights de 1689 Donde se vê prosseguiu que a expressão bill de direitos não se aplica a uma constituição expressamente fundada sobre o poder do povo e cuja execução é confiada aos seus representantes e delegados imediatos Nesta não abandona o povo os seus direitos e como conserva tudo não tem necessidade de reservas particulares E indo até o extremo dessa linha de pensamento afirmou com sofística sutileza que bills de direitos no sentido e com a extensão que se lhes quer dar não só seriam inúteis mas ainda mesmo perigosos no plano que se discute Como todos estes bills não poderiam conter senão exceções a poderes que a constituição não concede nada mais próprio para dar pretextos plausíveis de pretender mais do que nela se acha estabelecido O fato é que chamados a ratificar a Constituição os Estados como Jefferson previra não se deixaram impressionar por esse sofisma e condenaram a omissão de um bill of rights na nova Carta Política Logo em 1789 durante a primeira legislatura do Congresso James Madison convertido por Jefferson à necessidade de se aprovar uma declaração de direitos fundamentais no plano federal apresentou sua proposta de emenda constitucional aditiva a qual após várias alterações acabou sendo aprovada pelas duas Casas Legislativas em 25 de setembro Doze artigOS cada qual considerado uma emenda distinta foram enviados à ratificação que se completou em 1791 Mas dois deles não obtiveram a aprovação de três quartos dos Estados como exigido pela Constituição Tratavase na verdade de disposições estra nhas a uma verdadeira declaração de direitos fundamentais a primeira fixava o número de deputados em relação ao colégio eleitoral e a segunda regulava a remuneração dos parlamentares O Bill of Rights norteamericano como são chamadas tradicionalmente as dez primeiras emendas à Constituição Federal é vazado em estilo cerradamente técnico sem as elevações retóricas da Declaração de Direitos de Virgínia que Madison tinha obyiamente sob os olhos quando redigiu a sua proposta ao Congresso O consenso geral dos intérpretes é de que as duas últimas emendas a 9ª e a 10ª não constituem a rigor declarações de direitos fundamentais Essa exegese trai uma concepção restrita dos direitos humanos à simples proteção da liberdade individual como foi assinalado acima A rigor a afirmação de que certos direitos pertencem naturalmente ao povo como coletividade e não aos indivíduos que o compõem e de que tais direitos não podem ser suprimidos ou restringidos pelos governantes constitui obyiamente uma declaração de direitos fundamentais Em uma decisão de 1833 29 a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou que essas emendas não se aplicariam aos Estados federados pois elas foram concebidas originalmente e assim ratificadas como limitações tãosó aos poderes da União Federal Ao deflagrarse a guerra civil em 1860 ficou claro que essa interpretação equivalia a denegar praticamente a qualidade de fundamentais aos direitos aí declarados pois se a abolição da escravatura não vem afirmada explicitamente em nenhuma das dez emendas e se os Estados por conseguinte eram legitimados a manter o instituto nefando logicamente a legislação estadual tampouco ficaria vinculada ao respeito dos demais direitos aí declarados Convém lembrar que em 1857 portanto às vésperas da guerra civil a Suprema Corte quase anulou o princípio da supremacia do Judiciário perante os outros Poderes na guarda da Constituição ao julgar que um escravo 29 Barron v Mayor and City Council of Baltimore introduzido no território de um Estado que proibira a escravidão nem por isso perdia a sua condição servil30 Essa situação anômala só veio a ser corrigida com a promulgação da 14ª emenda em 1868 Declarouse então que nenhum Estado fará ou executará nenhuma lei com efeito de reduzir as prerrogativas ou imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos nem tampouco Estado algum privará uma pessoa de sua vida liberdade ou bens sem o devido processo jurídico without due process of law31 nem denegará a alguma pessoa dentro de sua jurisdição a igual proteção das leis Numa interpretação seletiva da 14ª emenda porém a Corte Suprema assentou em sucessivas decisões que nem todos os direitos declarados no Bill of Rights aplicarseiam aos Estados federados Entendeu assim que a 2ª emenda garantindo o direito de portar armas32 a 5ª emenda na parte em que exige que todo processocrime principie perante um júri de acusação e a 7ª emenda que vincula todo processo civil a um tribunal de júri teriam sua aplicação restrita unicamente às relações entre os cidadãos e os Poderes Públicos federais A declaração de liberdade de palavra de imprensa e de religião constante da 1ª emenda tem sido comumente apre 30 Dred Scott v Sandford Não resta dúvida que essa decisão absurda muito contribuiu para fortalecer a posição dos Estados escravistas de oposição às decisões do Congresso de proibir a escravidão nos novos territórios a serem colonizados no oeste do país 31 Due process of law é uma expressão inglesa do século XIV significando o direito natural ou o direito justo em oposição à interpretação formalística dos textos normativos 32 Devese assinalar que o verdadeiro sentido histórico desse direito de portar armas que já constava da Declaração de Direitos de Virgínia parágrafo 13 esta ligado como o texto deixa claro à defesa da segurança coletiva por meio de uma milícia popular e não de um exército profissional No entanto a Suprema Cotte acabou legitimando pelas suas omissões e contrasensos interpretativoS a tese do direito individual de portar armas sem nenhuma ligação com a defesa da coletividade contra o inimigo externo Esse enorme desvio exegético consolidou a situação de insegurança coletiva das populações pela multiplicação dos crimes de homicídio e lesões corporais com armas de fogo sentada a partir de um famoso acórdão da Corte Suprema33 como se situando numa posição de maior realce relativamente aos demais direitos humanos Mas o grande elemento revitalizador dos direitos fundamentais nos Estados Unidos tem sido inegavelmente a fórmula geral do necessário respeito ao due process of law A jurisprudência logo após o término da guerra civil assentou que além dos efeitos processuais notadamente o direito a uma ampla defesa em todo processocrime a cláusula tem também um elemento substancial toda vez que uma lei restringe ou suprime indevidamente a liberdade individual ela viola um direito inato da pessoa cuja proteção constitui a finalidade de toda a organização estatal O Texto34 Artigo Primeiro O Congresso não editará lei instituindo uma religião ou proibindo o seu exercício nem restringirá a liberdade de palavra ou de imprensa ou o direito de o povo reunirse pacificamente ou o de petição ao governo para a correção de injustiças Artigo Segundo Sendo necessária uma milícia bem organizada para a segurança de um Estado livre o direito do povo de manter e portar armas não será violado35 33 Freedom of press freedom of speech freedom of religion are in apreferred position Murdock v Pennsylvania 1943 34 Tradução do autor 35 Tratase ainda aqui da consagração de um direito tradicional dos ingleses William Blackstone no seu tratado clássico Commentaries on the Laws of England t 1 1765 p 125 136 e s afirma que na Inglaterra sempre se reconheceram a par de três principal absolute rights o direito à segurança pessoal o direito à liberdade pessoal e o direito de propriedade também auxiliary subordinate rights a saber o direito de acesso às cortes de justiça o direito de petição ao Rei e ao Parlamento e o direito de cada indivíduo portar armas na forma da lei Artigo Terceiro Em tempo de paz nenhum soldado será alojado em alguma casa sem o consentimento do proprietário nem tampouco em tempo de guerra fora dos casos prescritos em lei Artigo Quarto Todos têm direito à segurança de suas pessoas domicílios documentos e bens contra buscas e apreensões arbitrárias sendo que nenhum mandado judicial nessa matéria será expedido sem razão plausível fundada em juramento ou declaração solene affirmation36 descrevendo especificamente o local onde será feita a busca e as pessoas ou coisas a serem apreendidas Artigo Quinto Ninguém será considerado réu de um crime capital ou infamante a não ser mediante indiciamento ou denúncia por parte de um júri de acusação grand jury exceto em se tratando de fatos ocorridos nas forças armadas de terra ou mar ou então na milícia quando em serviço efetivo em tempo de guerra ou de perigo público ninguém será sujeito duas vezes pelo mesmo crime a penas que afetem sua vida ou integridade física nem será forçado em qualquer caso criminal a testemunhar contra si próprio nem será privado de sua vida liberdade ou bens sem o devido processo jurídico ninguém será expropriado de seus bens para uso público sem uma justa indenização Artigo Sexto Em todo processo criminal o acusado terá direito a um julgamento célere e público por um júri imparcial do Estado e distrito em que o crime foi cometido distrito esse que deve ter sido previamente fixado pela lei além do direito de ser informado sobre a natureza e a causa da acusação de ser acareado com as testemunhas de acusação de obter o comparecimento compulsório de testemunhas de defesa e contar com a assistência de um advogado para a sua defesa Artigo Sétimo Nos processos de common law em que o valor da causa não excede vinte dólares o direito a um julgamento pelo júri será preservado e ne 36 No antigo direito angloamericano a affirmation é uma declaração formal e solene da verdade de certos fatos cf Blacks Law Dictionary 4ª ed St Paul West Publishing 1968 verbete affirmation nehnum fato julgado pelo júri será reexaminado por tribunal algum dos Estados Unidos senão de acordo com as normas de common law Artigo Oitavo Não serão exigidas nem impostas fianças ou multas excessivas nem infligidaS penas cruéis ou aberrantes Artigo Nono A especificação de certos direitos na Constituição não deve ser entendida como uma negação ou depreciação de outros direitos conservados pelo pOVO Artigo Dez Os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição nem denegados por ela aos estados são reservados aos estados ou ao povo respectivamente CAPÍTULO 5º AS DECLARAÇÕES DE DIREITOS DA REVOLUÇÃO FRANCESA A idéia de revolução muda de sentido Revolutio em latim é o ato ou efeito de revolvere volvere significa volver ou girar com o prefixo re indicando repetição no sentido literal de rodar para trás e no figurativo de volver ao ponto de partida ou de relembrarse Copérnico na obra famosa de 1543 com a qual lançou as bases do sistema heliocêntrico De revolutionibus orbium coelestium usou o substantivo para designar o movimento cíclico e necessário dos astros notadamente o movimento orbital dos planetas em torno do sol O uso político do vocábulo começou com os ingleses no sentido de uma volta às origens e mais precisamente de uma restauração dos antigos costumes e liberdades A idéia portanto não se afastava muito da astronomia e implicava o reconhecimento de que a história política é cíclica ou repetitiva O termo revolution é assim usado pela primeira vez para caracterizar a restauração monárquica de 1660 após a ditadura de Cromwell Vinte e oito anos depois o episódio da derrubada da dinastia Stuart com a conseqüente entronização do duque de Orange e sua mulher ficou definitivamente marcado nos relatos históricos como a Glorious Revolution No Bill of Rights de 1689 1 de resto a idéia dominante expressa já no preâmbulo é a da restauração das antigas prerrogativas dos súditos diante do monarca numa tradição histórica que remonta à Magna Carta2 1 Cf capítulo 3º supra 2 Cf supra capítulo 1º Essa mesma acepção do vocábulo aparece entre os norteamericanos por ocasião da independência Uma interpretação anacrônica da palavra revolução influenciada retroativamente pela Revolução Francesa procura mostrar o sentido inovador da fundação dos Estados Unidos da América como nação independente Essa inovação existiu sem dúvida objetivamente com a instauraçãO de algumas instituições pioneiras como a separação de poderes Mas no espírito dos Pais Fundadores a assim chamada revolução americana consistiu tal como na Inglaterra de 1688 na restauração das antigas e costumeiras prerrogativas dos súditos norteamericanos da coroa britânica É significativo aliás que toda a argumentação da Declaração de Independência visou a demonstrar não que o regime monárquico fosse essencialmente injusto mas que o rei Jorge III havia decaído de sua soberania sobre os povos norteamericanos pelo fato de se ter transformado num tirano ao negar as liberdades tradicionais de que gozavam seus súditos do outro lado do Atlântico O grande movimento que eclodiu na França em 1789 veio operar na palavra revolução uma mudança semântica de 180º Desde então o termo passou a ser usado para indicar uma renovação completa das estruturas sociopolíticas a instauração ex novo não apenas de um governo ou de um regime político mas de toda uma sociedade no conjunto das relações de poder que compõem a sua estrutura Os revolucionários já não são os que se revoltam para restaurar a antiga ordem política mas os que lutam com todas as armas inclusive e sobretudo a violência3 para induzir o nascimento de uma sociedade sem precedentes históricos Compreendese nessa perspectiva que a palavra restauração tenha entrado no vocabulário político francês com uma 3 A força escreveu Karl Marx em O Capital é parteira de toda sociedade que traz uma nova em suas entranhas na tradução de Reginaldo SantAnna Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1998 livro primeiro v II p 564 conotação diametralmente oposta à restoration dos ingleses Na história política francesa o termo designa o restabelecimento dos Bourbons na França após a derrota de Napoleão ou seja o retorno ao Ancien Régime com a supressão de todas as inovações revolucionárias A consciência de que a Revolução Francesa inaugurava um mundo novo tomou conta dos espíritos desde as primeiras jornadas revolucionárias Victorine de Chastenay em suas Memórias 17711815 ao comentar a tomada da Bastilha reproduziu toda a emoção que o extraordinário acontecimento suscitara Sim a Revolução4 A palavra foi consagrada naquele dia e essa palavra que supunha uma ordem inteiramente nova uma refusão completa uma cnação total acelerou o movimento das coisas e não deixou subsistir mais nenhum ponto de apoio5 A convicção de fundar um mundo novo que não sucedia o antigo mas a ele se opunha radicalmente levou aliás os revolucionários à destruição sem remorsos de um número colossal de monumentos históricos e obras de arte em todo o território do reino Para os líderes intelectuais da revolução esses bens não apresentavam nenhum valor cultural mas eram bem ao contrário contravalores Os líderes revolucionários estavam tão convencidos de que acabavam de inaugurar uma nova era histórica que não hesitaram em abolir o calendário cristão e substituílo por um novo cujo Ano 1 iniciouse em 22 de setembro de 1792 dia seguinte à data da instalação dos trabalhos da Convenção a nova As 4 Palavra grifada e com inicial maiúscula no texto original 5 Apud Stéphane Rials La declaration des droits de lhomme et do citoven Paris Hachette 1988 p 54 sembléia Constituinte que inaugurou o regime republicano6 Ao mesmO tempo operaram a imediata substituição dos pesos e medidas vigoranteS há séculos e que variavam de região a região e mesmo de cidade a cidade pelo novíssimo sistema métrico decimal fundado no cálculo matemático Se o novo calendário deixou de vigorar com o término da Revolução o sistema métrico acabou sendo adotado definitivamente em quase todo o mundo Foi esse aspecto de inovação radical como salientou Michelet que revelou a influência inconsciente exercida pela visão cristã do mundo no espírito dos revolucionários Assim como o cristianismo operou uma recontagem do tempo histórico a partir do suposto ano de nascimento de Jesus Cristo assim também imaginaram os próceres da Revolução Francesa que a História recomeçaria a partir da proclamação do novo regime republicano mas não da tomada da Bastilha como se poderia supor Efetivamente a oposição essencial entre a pregação de Jesus de Nazaré e a tradição honrada pelos grupos religiosos mais influentes de seu tempo centrouse na diferença de sentido histórico Enquanto fariseus e saduceus voltavamse para o passado concentrado na lei mosaica Jesus anunciou uma nova vida e um homem novo que avança confiante em direção ao Reino de Deus No tenso diálogo com Nicodemos narrado no Evan 6 O calendário republicano foi criado por decreto da Convenção de 24 de outubro de 1793 O ano começava no equinócio de outono e era dividido em 12 meses de 30 dias cada um mais 5 ou 6 dias complementares consagrados à celebração das festas republicanas Cada mês era dividido em três décadas ou grupos de 10 dias O calendário republicano vigorou até 1º de janeiro de 1806 mas desde 2 de dezembro de 1804 quando Napoleão foi sagrado imperador a França já havia deixado de ser oficialmente uma república 7 Histoire de la Révolution Française t 1 Introdução Primeira Parte Paris Gallimard 1952 p 21 e s gelho de João8 a questão central é justamente a do renascimento do homem Daí o sentido místico do batismo como imersão nas águas lustrais uma espécie de reingresso do neófito no útero materno de onde nasce para uma vida nova São Paulo na Epístola aos Romanos 6 111 enfatizou essa significação do batismo como uma espécie de cesura histórica entre o homem velhopecadore o homem novo resgatado do pecado pela morte de Cristo A grande diferença é que a Revolução Francesa desde logo apresentouse não como a sucessora de um regime que desaparecia por morte natural mas como a destruidora voluntária do regime antigo por morte violenta E essa violência doravante ligada quase que indissoluvelmente à idéia de revolução representou sob muitos aspectos ao longo da história a negação dos direitos humanos e da soberania popular em cujo nome se abrira o movimento revolucionario Para esse resultado negativo muito contribuiu o racionalismo abstrato dos grandes líderes revolucionários de 1789 Muitos deles estavam sinceramente mais preocupados em defender a pureza das idéias do que a dignidade concreta da pessoa humana A crítica reacionária da época de resto não deixou de assinalar esse desvio A Constituição de 1795 escre 8 Eis o episódio narrado em 3 14 na versão da Bíblia de Jerusalém Havia entre os fariseus um membro do Sinédrio chamado Nicodemos Veio ele à noite ter com Jesus e lhe disse Rabi sabemos que vens da parte de Deus como um mestre pois ninguém pode fazer os sinais que fazes se Deus não estiver com ele Jesus lhe respondeu Em verdade em verdade te digo quem não nasce do alto não pode ver o Reino de Deus Disselhe Nicodemos Como pode um homem nascer sendo já velho Poderá entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e nascer Respondeulhe Jesus Em verdade em verdade te digo quem não nasce da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus veu Joseph de Maistre9 tal como as suas irmãs mais velhas é feita para o homem Ora não há homem no mundo Em minha vida vi franceses italianos russos etc Sei até graças a Montesquieu que se pode ser persa10 mas quanto ao homem declaro que nunca o encontrei em toda a minha vida se ele existe eu o ignoro completamente sil existe cest bien à mon insu Edmund Burke no mesmo diapasão comentou Qual a utilidade de se discutir o direito abstrato do homem à comida ou ao remédio A questão toda gira em torno do método para obtêlos e fornecêlos Eu aconselharei sempre que se convoque o auxílio de um agricultor e de um médico antes que o de um professor de metafísica11 Mas a verdade é que foi unicamente graças a esse espírito de geometria da razão abstrata sempre a mesma em todos os tempos e lugares e que veio substituir o império da tradição variável de povo a povo que as idéias revolucionárias puderam ser levadas em pouco tempo a quase todos os quadrantes do mundo O espírito universal da Declaração de 1789 O estilo abstrato e generalizante distingue nitidamente a Declaração de 1789 dos bills of rights dos Estados Unidos Os americanos em regra com a notável exceção ainda aí de Thomas Jefferson estavam mais interessados em firmar a sua independência e estabelecer o seu próprio regime político do que em levar a idéia de liberdade a outros povos Aliás o sentido que atribuíam à sua revolution como acima lembrado era essenci 9 Considérations sur la France Editions Complexe 1988 p 87 10 Alusão às Lettres Persanes de Montesquieu onde o narrador conta que a revelação de sua origem causava grande emoção entre os franceses Ah ah o senhor é persa É algo muito extraordinàrio Como se pode ser persa Oeuvres Complêtes t 1 Gallimard p 1767 11 Reflections on the Revolution in France Penguin Books p 1512 almente o de uma restauração das antigas liberdades e costumes na linha de sua própria tradição histórica Os revolucionários de 1789 ao contrario julgavamse apóstolos de um mundo novo a ser anunciado a todos os povos e em todos os tempos vindouros Nos debates da Assembléia Nacional Francesa sobre a redação da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão multiplicaramse as intervenções de deputados nesse sentido12 Démeunier afirmou na sessão de 3 de agosto que esses direitos são de todos os tempos e de todas as nações Mathieu de Montmorency repetiu em 8 de agosto os direitos do homem em sociedade são eternos invariáveis como a justiça eternos como a razão eles são de todos os tempos e de todos os países Pétion que foi maire de Paris considerou normal que a Assembléia se dirigisse a toda a humanidade Não se trata aqui de fazer uma declaração de direitos unicamente para a França mas para o homem em geral Foi Duquesnoy porém que explicou com toda clareza a razão do caráter universal da declaração que ia ser votada Uma declaração deve ser de todos os tempos e de todos os povos as circunstâncias mudam mas ela deve ser invariável em meio às revoluções É preciso distinguir as leis e os direitos as leis são análogas aos costumes sofrem o influxo do caráter nacional os direitos são sempre os mesmos Foi em razão desse espírito de universalismo militante que Tocqueville considerou a Revolução Francesa mais próxima dos grandes movimentos religiosos do que das revoluções políticas Vimola a Revolução Francesa aproximar ou separar OS homens a despeito das leis das tradições dos temperamentos da língua transformando por vezes os compatriotas em inimi 12 As citações apresentadas a seguir foram extraídas do livro de Stéphane Rials cit p 3501 gos e os estrangeiros em irmãos ou antes ela formou acima de todas as nacionalidades particulares uma pátria intelectual comum da qual OS homens de todas as nações puderam tornarse cidadãos13 Um fenômeno semelhante só voltou a ocorrer com a Revolução Russa de 1917 E efetivamente o espírito da Revolução Francesa foi difundido em pouco tempo não só na Europa como também em regiões tão distantes quanto a India a Ásia Menor e a América Latina14 Na conspiração baiana de 1798 verificouse que as idéias revolucionáriaS francesas já haviam conquistado os oficiais e artesãos mais humildes15 O alfaiate pardo João de Deus um dos insurgentes executados e que no momento de sua prisão possuía em tudo e por tudo 80 réis de patrimônio pretendia que todos os brasileiros se fizessem Francezes para viverem em igualdade e abundancia Propunha destruir ao mesmo tempo todas as pessoas publicas atacar os Mosteiros franquear as portas aos que quisessem sahir redusindo tudo a huma inteira revolução que todos ficarão ricos tirados da miséria em que se achavão extincta a differença de cor branca preta e parda porque uns e outros serião sem differença chamados e admitidos a todos os ministérios e cargos Nos manifestos afixados nas igrejas e praças públicas de Salvador em 12 de agosto de 1798 liase cada hum soldado he cidadão mormente os homens pardos e pretos que vivem escornados e abandonados 13 LAncien Régime et la Révolution Oeuvres Complêtes t II 3ª ed Paris Gallimard v 1 p 87 14 No Bengala Ram Mohan Ro inspirouse nas idéias de 1789 para criar no início do século XIX o primeiro movimento reformista e nacionalista da Índia moderna Em meados do século a influência da Resolução Francesa fezse Claramente na Turquia cf Eric Hobsbawm The Age of Revolution 1789 Nova York Vintage Books 1996 p 5455 15 As citações que se seguem foram extraídas do artigo do historiador inglês Kenneth Maxwell A Conspiração Baiana de 1789 publicado no jornal Folha de S Paulo em 26 de julho de 1998 caderno 6 p 5 e s todos serão iguaes não haverá diferença só haverá liberdade igualdade e fraternidade Os mesmos manifestos prometiam aos soldados 200 réis por dia e propunham a abertura do porto ao comércio com todas as nações sobretudo com a França Liberdade igualdade e fraternidade a transposição do ideal na prática A Revolução Francesa desencadeou em curto espaço de tempo a supressão das desigualdades entre indivíduos e grupos sociais como a humanidade jamais experimentara até então Na tríade famosa foi sem dúvida a igualdade que representou o ponto central do movimento revolucionário A liberdade para os homens de 1789 limitavase praticamente à supressão de todas as peias sociais ligadas à existência de estamentos ou corporações de ofícios E a fraternidade como virtude cívica seria o resultado necessário da abolição de todos os privilégios16 Em pouco tempo aliás percebeuse que o espírito da Revolução Francesa era muito mais a supressão das desigualdades estamentais do que a consagração das liberdades individuais para todos Daí por que ao contrário do que ocorrera nos Estados Unidos a idéia de separação de Poderes malgrado a afirmação peremptória do art 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 foi rapidamente esquecida É que a supressão dos privilégios na lei e nos costumes exigia a organização de uma forte centralização de poderes sem rígidas separações entre os diferentes ramos do Estado e sem qualquer concessão de autonomia federativa aos entes locais Dessa 16 É significativo a esse respeito que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 só se refere à liberdade e à igualdade A fraternidade fez sua entrada na Constituição de 1791 como um dos objetivos da celebração de festas nacionais Il sera établi des fêtes nationales pour consenser le souvenir de la Révolution Française entretenir la fraternité entre les citovens et les attacher à la Constitution à la Patrie et aux bis O tríplico famoso só veio a ser proclamado oficialmente com a Constituição republicana de 1848 Preâmbulo IV centralizaçãO sem limites à reinstauração do Poder absoluto no regime do Terror foi só um passo Na luta contra as desigualdades não apenas foram extintas de um só golpe todas as servidões feudais que vigoravam háséculos como também se proclamou pela primeira vez na Europa em 1791 a emancipação dos judeus e a abolição de todos os privilégios religiosos Por um decreto da Convenção de 11 de agosto de 1792 proibiuse o tráfico de escravos nas colônias17 Esse movimento igualitário só não conseguiu afinal derrubar a barreira da desigualdade entre os sexos Em vários cahiers de doléances18 as mulheres do Tiers Etat reclamaram em vão contra a situação de injusta inferioridade em que se encontravam em relação aos homens19 Condorcet fez publicar na imprensa um ano após o início da Revolução20 um artigo Sobre a admissão das mulheres ao direito de cidadania mas a Assembléia Nacional ignorouo Em 1791 a escritora e artista dramática Olympe de Gouges redigiu e publicou uma Declaração dos Direitos da Mulher e da cidadã calcada sobre a Declaração de 1789 Fez constar ousadamente do artigo X que a mulher tem o direito de subir ao cadafalso assim como o direito de subir à tribuna Efetivamente havendo tomado em público a defesa de Luís XVI após a sua detenção em Varennes quando tentava fugir da França Olympe de Gouges pôde exercer o seu direito de subir ao cadafalso 17 Esse decreto foi revogado em 1802 durante o Consulado Mas a própria fórmula da revogação é significativa o tráfico de negros e sua importação nas colônias farseão conforme as leis e regulamentos existentes antes de 1789 Ou seja reconheceuse que a proibição do comércio de seres humanos era uma consequência implícita dos princípios proclamados pela Declaração dos Direitos do homem e do Cidadão 18 Vejase abaixo em Fontes das declarações de direitos da Revolução Francesa o que foram os cahiers de doléances 19 Cf Cahiers de doléances des femmes et autres textes Paris Edition des femmes 1981 20 Journal de la Sociétéde 1789 n 5 de 3 de julho de 1790 No tocante à liberdade política a Revolução Francesa entendeua antes como a libertação da tirania monárquica do que como a efetiva instauração de um regime plúrimo de liberdades individuais Até como medida de defesa nacional contra o cerco do novo Estado revolucionário pelas potências européias do Ancien Régime a República Francesa deu nascimento a um novo tipo de conflito bélico que iria multiplicarse nos dois séculos seguintes a guerra de libertação dos povos contra a opressão interna e externa Os revolucionários franceses estavam convencidos de que a libertação da França constituía tãosó a primeira etapa para a instauração do reino universal da liberdade igualitária Um decreto da Assembléia Legislativa datado de 19 de novembro de 1792 declarava A França oferece fraternidade e auxilio a todos os povos que queiram reconquistar a liberdade Pondo em prática o paradoxo que Rousseau formulara no Contrato Social os líderes mais exaltados enxergavam na invasão militar de outros países uma espécie de recurso extremo a fim de forçálos a serem livres21 No discurso que pronunciou na Convenção em 24 de abril de 1793 Robespierre propôs que a nova declaração de direitos a ser votada contivesse as seguintes disposições grandiloqüentes Art I Os homens de todos os países são irmãos e os diferentes povos devem se ajudar mutuamente de acordo com seu poder como cidadãos do mesmo Estado II Aquele que oprime uma nação declarase inimigo de todas as outras III Os que guerreiam um povo para travar os progressos da liberdade e aniquilar os direitos humanos 21 A fim de que o pacto social portanto não seja uma fórmula Vã ele há de conter tacitamente esse compromisso que é o único a dar força aos demais qual seja o de que todo aquele que se recusar a obedecer à vontade geral será competido a isso por todo o corpo social o que não significa outra coisa senão que ele sera forçado a ser livre Livro 1 capítulo VII devem ser perseguidos por todos não como inimigos ordinários mas como assassinos e bandidos rebeldes IV Os reis os aristocratas os tiranos quaisquer que sejam são escravos revoltados contra o soberano da terra que é o gênero humano e contra o legislador do universo que é a natureza22 Ainda nesse particular por conseguinte a Revolução Francesa distinguiuse nitidamente do movimento de independência dos Estados Unidos A sociedade norteamericana jamais conhecera as divisões estamentais ou as guerras de religião que convulsionaram a Europa Tirante a escravidão negra ela era portanto juridicamente igualitária Ao rejeitarem a proposta de Jefferson esta sim revolucionária para a imediata abolição da escravatura23 os convencionais de Filadélfia puseram em marcha o processo histórico que levaria inexoravelmente à guerra civil no século seguinte Na França ao contrário o grande impulso revolucionário eclodiu como uma desforra longamente reprimida contra a humilhação das desigualdades Como bem observou um contemporâneo as servidões da propriedade rural os embaraços à indústria foram sacudidos pelo povo menos por serem onerosos que por serem injuriosos A Revolução representou sob esse aspecto tanto no povo humilde quanto na burguesia endinheirada um remédio contra os sofrimentos do amorpróprio24 Seja como for as ondas de revolta provocadas pela Revolução de 1789 não só na França como em toda a Europa Ocidental e em outros continentes desmentem a tese segundo a qual as 22Cf Robespierre Discours et Repports à la Convention Paris Union Générale Editions 1965 p 121 23 Cf supra capítulo 4º 24 Roederer citado em François Furet e Mona Ozouf Dictionnaire Critique de la Revolution Française 1988 Fiammanon verbete égalité p 696 declarações francesas por serem meras exortações25 teriam sido menos importantes que os bills of rights norteamericanos para o efetivo assentamento dos direitos humanos no curso da história26 Como foi salientado em outra parte27 as técnicas jurídicas utilizadas em um e outro caso são bem diferentes Seguindo a tradição inglesa os norteamericanos deram mais ênfase às garantias judiciais do que à declaração de direitos pura e simples Os franceses ao contrário quase que se limitaram a declarar direitos sem mencionar os instrumentos judiciais que os garantissem É preciso não esquecer no entanto que o Direito vive em última análise na consciência humana Não é porque certos direitos subjetivos estão desacompanhados de instrumentos assecuratórios próprios que eles deixam de ser sentidos no meio social como exigências impostergáveis Aliás ninguém mais nega hoje que a vigência dos direitos humanos independe do seu reconhecimento constitucional ou seja de sua consagração no direito positivo estatal como direitos fundamentais Grundrechte segundo a terminologia alemã Por isso mesmo uma proclamação de direitos mesmo quando despida de garantias efetivas de seu cumprimento pode exercer conforme o momento histórico em que é lançada o efeito de um ato esclarecedor iluminando a consciência jurídica universal e instaurando a era da maioridade histórica do homem Declarar aliás é vocábulo cognato de esclarecer de aclarar E o espírito do século XVIII convém lembrar é marcado pela idéia de que as luzes da razão lumières Aufklãrung enlightenment iluminismo iluminavam todas as ações humanas e desvendavam os segredos da natureza 25 É o termo empregado por Roscoe Pound a respeito das declarações de direitos da tradição européia continental The Development of Constitutional Guarantees of Liberty 1957 p 8 26 Foi o que sustentou o grande jurista alemão Georg Jellinek no início do século Die Erkidrung der Menschenund Bürgerrechte suscitando viva contestação de Émile Boulmy em artigo publicado em Les Annales des Sciences Politiques t 171902 p 415 e s 27 Cf capítulo 2º Mas quem seria o agente capaz de levar a bom termo a magna tarefa de guiar a vida política pelas luzes da razão e reconstituir a França Povo nação e representação política O grande problema político do movimento revolucionário francês foi exatamente o de encontrar um outro titular da soberania ou poder supremo em substituição ao monarca A idéia de monarquia absoluta combatida por todos os pensadores do século das luzes tornouse inaceitável para a nova classe ascendente a burguesia Tinha esta de fato sólidos argumentos para retomar o movimento histórico em favor da limitação de poderes dos governantes iniciado na Baixa Idade Média com a Magna Carta e seguido na Inglaterra pela Petition of Rights de 1628 o Habeas Corpus Act e o Bill of Rights Não foi aliás por outra razão que Voltaire e Montesquieu sempre apresentaram a Inglaterra como o exemplo a ser seguido na França Aconteve que essa seqüência histórica de atos de limitação de poderes supunha logicamente a manutenção de um centro de poder a ser limitado o qual no caso da França era tradicionalmente o rei A partir do momento em que este centro de poder político desaparecia ou se encontrava seriamente enfraquecido desequilibravase todo o edifício político Dos três estamentos que compunham oficialmente a sociedade francesa o clero e a nobreza não tinham naquele momento histórico a menor legitimidade para reivindicar para si a soberania porque continuavam apegados a privilégios que oprimiam o povo humilde e restringiam a liberdade econômica dos burgueses Restava pois aquele que à míngua de denominação mais precisa era chamado o terceiro estamento le Tiers Etat cuja identidade social era por assim dizer negativa compunhamnos aqueles que excluídos da nobreza e do clero não gozavam dos privilégios ligados a estas duas ordens superiores O Tiers Etat era na verdade um aglomerado social heterogêneo formado de um lado pela classe burguesa o conjunto dos comerciantes de todos os ramos os profissionais liberais e os proprietários urbanos que viviam de renda ou de juros rentiers e capitalistes28 Era formado ademais pelo enorme grupo social restante geralmente designado como o povo le peuple isto é a massa dos nãoproprietários dos pequenos artesãos empregados domésticos operários e camponeses29 Entre um grupo e outro como os sucessos imediatamente posteriores vieram demonstrar de modo dramático a separação de corpo e espírito era completa Em suma era claramente impossível naquele momento histórico atribuirse a soberania política ao povo Na verdade essa questão de atribuição da nova soberania pôsse de modo indireto desde as primeiras sessões da assembléia dos estamentos gerais do reino Etats Généraux du Royaume convocada pelo rei Luís XVI Seus trabalhos abriramse solenemente em Versalhes em 5 de maio de 1789 No dia 10 de junho os deputados do Tiers Etat que já haviam conseguido por decisão do Conselho do rei duplicar o seu número relativamente aos representantes dos dois outros estamentos passaram a exigir que as votações se fizessem por cabeça e não por voto coletivo de cada ordem ou estamento Em sinal de 28 No final do século XVIII o termo capitaliste tinha um sentido pejoratiVo designando o usurário 29 No verbete peuple da Enciclopédie cujo volume foi publicado em 1766 Louis de Jaucourt começa dizendo que se trata de um nome coletivo de difícil definição porque dele são formadas idéias diferentes nos diversos lugares e tempos segundo a natureza dos governos Outrora informou o povO era O estamento geral da nação simplesmente oposto ao dos grandes e nobres Ele compreendia os lavradores os operários os artesãos os negociantes os financistas OS literatos e os profissionais do direito les gens de lois De Jaucourt entendia porém que estes últimos profissionais já se haviam destacado da massa do povo que compreendia doravante tãosó os operários e lavradores les ouitriers et les laboureurs Esse resto afinal não era minoritário nem desprezível no conjunto da população pois de Jaucourt entendia que os homens que compõem o que denominamos povo formam a parte mais numerosa e mais necessária da nação protesto os clérigos e nobres com mínimas exceções individuais abandonaram a assembléia que ficou assim inteiramente nas mãos do Tiers Etat Como denominar então o conjunto dos deputados que permaneceram em funções os quais já não podiam se intitular corretamente representantes dos Etats Généraux du Royaume Na sessão de 15 de junho Mirabeau sugeriu a adoção da fórmula assembléia dos representantes do povo francês explicando que a palavra povo era elástica e podia significar muito ou pouco conforme as necessidades ou conveniências Foi justamente essa ambigüidade que provocou a censura da proposta de Mirabeau desde logo feita por dois juristas eminentes Target e Thouret bons conhecedores do direito romano Em que sentido deverseia tomar a palavra povo como plebs ou como populus30 Era claro que em se aceitando o primeiro significado haveria a instauração de uma autêntica democracia no sentido primigênio da palavra no mundo ateniense em que o demos isto é a massa do povo nela incluídos os nãoproprietários que compunham a esmagadora maioria passaria a exercer uma cidadania ativa votando as leis e julgando os governantes A solução do problema veio de Sieyês com base nas idéias políticas publicadas pouco antes na obra que o tornou célebre Questce que le Tiers Etat os deputados passariam a reunirse em uma assembléia nacional A classe burguesa resolvia assim elegantemente a delicadíssima questão da transferência da soberania política Em lugar do monarca que deixava o palco entrava em cena uma entidade global dotada de conotações quase sagradas que não podiam ser contestadas abertamente pela nobreza e o clero sob 30 O populus Romanus compreendia oficialmente dois estamentos o dominante formado pelos patrícios teoricamente descendentes dos fundadores de Roma e o estamento inferior dos plebeus Os poderes políticos do populus sempre foram muito mais reduzidos do que os que a Constituição ateniense atribuía ao demos pena de sofrerem a acusação de antipatriotismo entidade essa que de qualquer forma pairava acima do povo onde predominava a força numérica dos nãoproprietários A grande vantagem prática da fórmula encontrada pelos deputados do Tiers Etat foi que o novo soberano pela sua própria natureza é incapaz de exercer pessoalmente o poder político A nação pode existir politicamente como referência simbólica mas só atua contrariamente ao que ocorre com o povo por meio de representantes O princípio de toda soberania proclama o artigo 3 da Declaração de 1789 reside essencialmente na Nação Nenhuma corporação nenhum indivíduo pode exercer autoridade alguma que dela não emane expressamente É bem verdade que no artigo 6 ainda se admite que todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente à formação das leis e no artigo 14 que eles podem verificar por si mesmos ou por meio de representantes seus a necessidade da contribuição pública de consentila livremente de fiscalizar o seu emprego bem como de determinar o seu montante a base de cálculo a cobrança e a duração Mas a Constituição promulgada em 1791 afastando todas as veleidades de um fracionamento individual da soberania dispôs com uma clareza cortante A Nação de quem unicamente emanam todos os Poderes não pode exercêlos senão por delegação A Constituição francesa é representativa título III art 2º Obtinha com isto a classe burguesa logo no início do movimento revolucionário o exercício efetivo e exclusivo do poder político em nome de todos os cidadãos Na Constituição de 1791 de resto chegouse a dividir a cidadania em duas espécies ativa e passiva Esta última como a massa do povo não tardou em perceber era todo o legado que a Revolução lhe atribuía politicamente no inventário do Ancien Régime o nOVO soberano reina simbolicamente mas não governa Os revolucionários radicais chamados jacobinos logo após a execução de Luís XVI ainda procuraram evitar esse resultado frustrante ao votar a Constituição de 1793 dita do Ano 1 Adotando as idéias de um projeto apresentado por Robespierre a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão dessa primeira Constituição republicana francesa proclamou claramente a soberania popular proibindo que alguma porção do povo pudesse exercer o poder supremo que pertence ao povo em sua integralidade vejamse os arts 25 e 26 abaixo A instituição da representação política moderna muito diversa do sistema representativo que se praticava na Idade Média foi obra da Constituição americana e da Revolução Francesa Na representação antiga representados eram os estamentos ou grupos sociais concretamente identificados Na representação moderna diferentemente representada é sempre uma coletividade global seja ela a nação ou o povo considerada como wn todo homogêneo sem divisões internas Os representantes são eleitos pelos votos dos indivíduos componentes dessa coletividade sempre iguais entre si não por uma assembléia do grupo ou estamento representado onde os votos podem ser de peso diverso No desdobramento da Revolução Francesa aliás todos os grupos sociais institucionalizados das corporações às assembléias provinciais foram extintos de um só golpe com a Lei Le Chapelier de modo a não deixar nenhuma mstância intermediária entre os indivíduos e os governantes Ora essa atomização política na base da sociedade deixou o campo livre para o reforço incontrolado de poderes na cúpula em manifesta contradição com a tendência histórica de limitação de poderes governamentais iniciada no Ocidente desde a Baixa Idade Média31 31 Tocqueville op cit vol 1 p 85 lembra a esse respeitO a aguda observação de Mirabeau numa das cartas que escreveu secretamente a Luís XVI menos de um ano após o início da Revolução A idéia de formar uma classe única de cidadãos teria sido do agrado de Richelieu essa superfície igual facilita o exercício do Poder Vários reinados de um governo absoluto não teriam feito tanto quanto este Único ano de Revolução em favor da autoridade real A consolidação da civilização burguesa Durante todo o desenrolar do processo revolucionário foi impossível aos coetâneos perceber qual o verdadeiro sentido da Revolução para o futuro quais os seus efeitos duradouros e quais os meramente transitórios tanto mais que estes últimos pelo seu caráter extraordinário impressionavam mais fundamente os espíritos Afinal é essa a regra geral em matéria de observação histórica Somos todos de certa forma acometidos de hipermetropia quanto mais próximos nos encontramos dos fatos históricos menos conseguimos enxergálos com nitidez Foi preciso que transcorresse pouco mais de meio século da Revolução Francesa para que se fizesse a primeira análise crítica prospectiva em profundidade Num escrito de juventude32 Karl Marx enxergoua como a instauração do regime do individualismo egoísta em lugar do egoísmo corporativo do Ancien Régime A separação entre direitos do homem e direitos do cidadão entre a sociedade civil e a sociedade política demonstrava segundo ele que se realizara uma autêntica revolução copernicana em relação ao feudalismo Neste salientou Marx a sociedade civil ostentava diretamente um caráter político pois as instituições elementares da vida civil como a posse a família ou o trabalho produtivo eram estruturadas respectivamente sob as formas jurídicas da dominação feudal do estamento e da corporação A Revolução ao suprimir a dominação social fundada na propriedade da terra ao destruir os estamentos e abolir as corporações acabou por reduzir a sociedade civil a uma coleção de indivíduos abstratos perfeitamente isolados em seu egoísmo Em lugar do solidarismo desigual e 32 Tratase do manuscrito composto em Paris em 1844 publicado postumamente sob o título Zur Judenfrage Era a crítica da obra de Bruno Bauer Die Judenfrage Braunschweig 1843 na qual o autor sustentou que os judeus deveriam abandonar sua reivindicação tradicional de um estatuto jurídico próprio e aceitar os princípios de liberdade e igualdade da Revolução Francesa forçado dos estamentos e das corporações de ofícios criouse a liberdade individual fundada na vontade da mesma forma que a filosofia moderna substituíra a tirania da tradição pela liberdade da razão O regime da autonomia individual próprio da civilização burguesa tem seus limites fixados pela lei assim como a divisa entre dois terrenos é fixada por cercas ou muros Os direitos do cidadão passaram então a servir de meios de proteção aos direitos do homem e a vida política tornouse mero instrumento de conservação da sociedade civil sob a dominação da classe proprietária Já em 1819 aliás Benjamin Constant na famosa conferência pronunciada no Ateneu Real de Paris33 mostrara como os gregos e romanos tinham da liberdade uma concepção diametralmente oposta à que inspirara a Revolução Francesa Para eles a verdadeira liberdade só existia na esfera política pela participação do cidadão nas tarefas do governo notadamente a legislação e a solução judicial de casos litigiosos O ideal burguês que ele denominou liberdade moderna é ao contrário o de uma liberdade inteiramente privada com o repúdio a toda interferência estatal na vida de família ou na vida profissional Como mostrou profeticamente Tocqueville alguns anos mais tarde34 esse privatismo exacerbado podia dar ensejo não a um encolhimento do poder estatal mas bem ao contrário à instauração de um novo autoritarismo político combinado com o liberalismo privatista na sociedade civil O século XX de fato conheceu inúmeros exemplos sobretudo na América Latina e na Ásia de Estados autoritários que adotaram o liberalismo econômico Sem dúvida esses efeitos não foram minimamente previstos pelos próceres revolucionários Mas não é menos verdade 33 De la liberté des anciens comparée ú celle des modernes 34 De la démocratie en Amérique t 2º quarta parte capítulo VI Que espécie de despotismo deve ser temido pelas nações democráticas que a civilização burguesa e o sistema econômico capitalista não teriam prosperado tão vivamente a partir do século XIX se o direito revolucionário não tivesse criado as instituições que lhe serviram de fundamento Fontes das declarações de direitos da Revolução Francesa Grande foi a influência exercida no espírito dos homens que puseram fim ao Ancien Régime pelas declarações de direitos norteamericanas notadamente a do Estado de Virgínia A tradução feita pelo duque de La Rochefoucauld dEnville das Constituições dos treze Estados americanos conhecera aliás várias edições antes da instalação da assembléia de Versalhes É de se lembrar que Thomas Jefferson que exercia em 1789 as funções de embaixador dos Estados Unidos junto à Corte francesa inspirou a redação do primeiro projeto de declaração de direitos depositado por Lafayette junto à Mesa da Assembléia em 11 de julho Antes disso em 3 de junho Jefferson oferecera a um deputado do Tiers Etat o pastor protestante Rabaud de St Etienne o projeto de uma Carta de Direitos que Luís XVI deveria assinar em sessão solene juntamente com todos os deputados aos Etats Généraux du Royaume Tratavase propriamente de uma miniconstituição que estabelecia entre outras disposições de um lado a transformação dos Etats Généraux em parlamento permanente único legitimado a legislar e a criar tributos e de outro lado a submissão ao princípio do devido processo legal de toda e qualquer restrição à liberdade individual No curso dos debates da Assembléia Nacional aliás vários deputados referiramse aos exemplos da América como modelos a serem seguidos A segunda fonte imediata das declarações de direitos que se sucederam a partir de 1789 foi o conjunto das queixas e súplicas da população francesa recolhidas por escrito às Vés peras da instalação da assembléia de Versalhes A antiga lei fundamental do reino dispunha que as reuniões dos representantes das três ordens fossem precedidas de uma consulta à população sobre as medidas que deveriam ser tomadas pelo rei para fazer cessar os abusos e injustiças ressentidas pelos seus súditoS As opiniões da população em resposta a essa consulta eram registradas nos chamados cahiers de doléances que deviam ser levados ao conhecimento do rei Ora a última reunião dos Etats Généraux du Royaume havia ocorrido em 1614 numa época em que os camponeses confinados nos domínios rurais não ousavam manifestarse livremente Em 1789 porém os 20 milhões de camponeses do reino que formavam cerca de quatro quintos da população já podiam expressarse com mais liberdade Além disso a burguesia pequena e grande crescera significativamente nesse intervalo de um século e meio Numa das maiores consultas populares de todos os tempos toda a população francesa foi assim convocada a reunirse em cada paróquia para manifestar livremente as suas queixas doléances não a respeito de assuntos propostos pelo governo mas no tocante ao funcionamento de todas as instituições do reino sem reservas Cerca de 40 mil registros de queixas e acusações foram então compilados revelando no Tiers Etat uma notável convergência de críticas sobre a injustiça dos privilégios feudais das duas primeiras ordens o clero e a nobreza Se a essência de todo direito é a consciência do que a cada Un é devido suum cuique tribuere dar a cada um o que é seu segundo a fórmula cunhada pelos romanos o processo de composição dos cahiers de doléances despertou em todo o povo francês uma clara consciência de que os Poderes Públicos devem igualmente a todos o respeito pelos direitos inscritos no coração do homem e que estão sempre acima das leis Foi isto aliás o que os pensadores de expressão francesa do século XVIII les philosophes não cessaram de discutir e procurar demonstrar em seus livros panfletos discursos e sobretudo na obra concebida como a suma do pensamento da época sobre todos os assuntos a Enciclopédia35 Dentre as obras de todos os philosophes do século as de Montesquieu e Rousseau foram as que mais influíram sobre o espírito dos revolucionários de 1789 aquele pela idéia da necessidade de uma limitação institucional de poderes dos governantes e este pelo princípio de que a vontade geral do povo é a única fonte de legitimidade dos governos Rousseau em especial é geralmente considerado o pai espiritual da Revolução Francesa Desde o mês de outubro de 1790 o seu busto juntamente com um exemplar do Contrato Social foi colocado na sala da Assembléia Nacional Em dezembro daquele mesmo ano e em agosto de 1791 a Assembléia decidiu que se deveria prestar uma homenagem pública ao pensador genebrino cujas cinzas foram afinal transferidas para o Panteão Nacional em 1794 O pensamento de Rousseau inspirou fortemente o grupo dos jacobinos Robespiene em particular na redação da Constituição do Ano 11793 A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 Ela representa por assim dizer o atestado de óbito do Ancien Régime constituído pela monarquia absoluta e pelos privilégios feudais e neste sentido voltase claramente para o passado Mas o caráter abstrato e geral das fórmulas empregadas algumas delas lapidares tornou a Declaração de 1789 daí em diante uma espécie de carta geográfica fundamental para a navegação política nos mares do futuro uma referência indispensável a todo projeto de constitucionalização dos povos 35 A Encyclopédie cujo subtítulo era Dicionário Racionalizado Raisonné das Ciências Artes e Ofícios foi publicada sob a direção de Diderot em 18 volUmes de 1751 a 1772 A Declaração de 1789 foi aliás em si mesma o primeiro elemento constitucional do novo regime político Pelo fato de ter sido publicada sem a sanção do rei houve quem a interpretasse de início como simples declaração de princípios sem força normativa Mas em pouco tempo a assembléia aceitou as Idéias expostas por Sieyês em sua obra famosa e reconheceu que a competência decisória por ela exercida emanava diretamente da nação como poder constituinte e que o rei não passava de poder constituído cuja subsistência como tal de resto dependia ainda de uma aprovação explícita da assembléia no texto constitucional a ser votado Muito se discutiu a razão da dupla menção ao homem e ao cidadão no título da Declaração A explicação mais razoável parece ser a de que os homens de 1789 como ficou dito acima não se dirigiam apenas ao povo francês mas a todos os povos e concebiam portanto o documento em sua dupla dimensão nacional e universal As disposições fundamentais da Constituição de 1791 aliás fazem a nítida distinção entre os direitos do homem independentemente de sua nacionalidade e os direitos do cidadão próprios unicamente dos franceses Todavia como bem assinalou Hannah Arendt36 com a consolidação das naçõesEstados no curso do século XIX os direitos do homem acabaram sendo absorvidos pelos direitos do cidadão Com o advento do Estado totalitário os homens e as mulheres privados de nacionalidade acabaram perdendo toda capacidade jurídica ou seja deixaram de ser pessoas Seja como for liberdades individuais alcançaram nesse texto revolucionário francês uma definitiva precisão de contornos No campo penal sobretudo fixouse claramente o princípio fundamental de que não há crime sem lei anterior que o defina nem pena que não seja fixada em lei art 8 Duas preocupações máximas da burguesia foram rigorosamente atendidas a garantia da propriedade privada contra 36 The Origins of Totalitarianism nova edição Harcourt Brace Company p 290 e s expropriações abusivas art 17 e a estrita legalidade na criação e cobrança de tributos arts 13 e 14 A declaração do caráter sagrado da propriedade contida no art 17 é um evidente anacronismo Sagrada era a propriedade grecoromana intimamente ligada à religião doméstica à casa de família sede do deus lar e ao terreno adjacente onde ficavam as sepulturas dos membros da gens A sacralidade desses bens aliás era bem marcada pela sua fixidez e imobilidade longe do caráter desprezível das coisas mobiliárias res mobilis res vilis a propriedade tradicional é sempre imóvel à imagem das coisas divinas Ora a revolução burguesa como bem salientou Marx desencadeou o mais rápido movimento de transformação social de todos os tempos Tal como o dinheiro bem central da economia capitalista tudo pôsse a circular e a ser trocado O poder econômico e com ele a dominação social e a soberania política deslocouse da propriedade fundiária para os bens móveis e destes últimos para os títulosvalores e contas bancárias dissolvendose em símbolos escrituras e códigos eletrônicos O caráter sagrado da propriedade se se quiser insistir na qualificação assumiu nos tempos modernos a abstração simbólica de um mito A declaração de direitos na Constituição de 1791 Além da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão colocada como preâmbulo a Constituição aprovada em 3 de setembro de 1791 contém também a sua própria declaração de direitos com importantes acréscimos em relação àquela Cuidouse sobretudo de reforçar o caráter antiaristocrátiCO e antifeudal do novo regime político bem como de nacionalizar os bens pertencentes a eclesiásticos ou a congregações religiosas declarados doravante bens nacionais Após determinar que tais bens ficariam permanentemente à disposição da Nação a constituição acrescentou contraditoriamente que seriam garantidas as alienações já feitas ou que serão feitas segundo as formas prescritas pela lei E efetivamente para financiar as operações de guerra nas quais se envolveu o governo revolucionário os bens eclesiásticos e também os dos nobres que emigraram foram vendidos a comerciantes capitalistas ou proprietários rurais plebeus reforçando sobremaneira o poder econômico e político destas classes na sociedade francesa Reconheceuse ademais pela primeira vez na História a existência de direitos humanos de caráter social O antepenúltimo parágrafo do Título Primeiro previu a criação de um estabelecimento geral de Assistência Pública para educar as crianças abandonadas ajudar os enfermos pobres e fornecer trabalho aos pobres válidos que não tenham podido encontrálo No último parágrafo do mesmo Título determinouse a organização de uma Instrução pública comum a todos os cidadãos gratuita no que concerne às partes do ensino indispensáveis a todos os homens Importa também assinalar que em notável precedência ao reconhecimento do controle judicial da constitucionalidade das leis que não fora declarado na Constituição dos Estados Unidos mas somente passou a existir a partir do caso Marbury v Madison julgado pela Corte Suprema em 1803 a primeira Constituição francesa dispôs que o Poder Legislativo não poderá fazer lei alguma que prejudique ou impeça o exercício dos direitos naturais e civis consignados no presente título e garantidos pela Constituição declaração de direitos na Constituição de 1793 Ano 1 A precipitação dos acontecimentos que conduziram menos de um ano após a promulgação da Constituição de 1791 à guerra externa e à queda da monarquia provocou fatalmente a cessação de vigência daquela ordem constitucional A Assembléia Legislativa que havia sucedido à Constituinte de 1789 decidiu pois convocar nova Assembléia Constituinte que tomou o nome de Convenção por influência do exemplo norteamericano Já nas eleições para a composição dessa assembléia ficou patente a predominância do espírito democrático aboliuseo sufrágio censitário37 e a distinção entre cidadãos ativos e passivos No dia de instalação dos trabalhos da Convenção 21 de setembro de 1792 os deputados decidiram por unanimidade extinguir a monarquia e instituir o regime republicano Na mesma sessão proclamaram que não pode existir Constituição que não seja aceita pelo povo A nova Constituição foi votada quando o conflito entre o grupo de deputados eleitos pelo departamento da Gironda por isso denominados girondinos e os deputados pertencentes ao clube dos jacobinos porque se reuniam no antigo convento dos padres jacobinos na Rua SaintJacques em Paris atingia o seu paroxismo Para os girondinos os direitos individuais deviam sobreporse aos direitos sociais Por isso não queriam alterar a declaração de 1789 a não ser em pontos secundários Os jacobinos ao contrário pediam que fosse adotado o projeto de declaração de direitos redigido por Robespierre seu líder em ascensão projeto esse que continha um largo reconhecimento dos direitos sociais e notadamente declarava a propriedade privada um direito ordinário portanto livremente modificável pela lei Chegouse finalmente a uma solução de compromisso mediante concessões mútuas O texto final porém mais retórico do que os das declarações anteriores não ficou isento de contradições e imprecisões de linguagem Em particular a distin 37 A Constituição de 1791 exigia para o exercício do direito de voto nas eleições destinadas à formação da Assembléia Legislativa que o eleitor provasse haver pago em qualquer localidade do reino um tributo de valor equivalente no mínimo a três jornadas de trabalho ção entre os direitos do homem e os do cidadão perdeu a nitidez que tinha na declaração de 1789 A declaração de direitos da Constituição de 1793 de modo geral limitouse a enfatizar o conteúdo das declarações anteriores Contrariamente à opinião tradicionalmente estabelecida ela não representou avanço algum em matéria de direitos sociais em comparação com a Constituição de 1791 Dentre as poucas inovações do texto de 1793 salientamse a o reconhecimento de que a soberania política pertence ao povo arts 25 e 26 com a abolição das diferenças de voto entre os cidadãos art 29 muito embora o art 23 volte a falar em soberania nacional b a proclamação de que a lei deve proteger a liberdade pública e individual contra a opressão dos que governam art 9 sendo que todo aquele contra o qual se pretender executar pela violência uma medida arbitrária tem o direito de repelila pela força art 11 c a afirmação de que a insurreição do povo contra os governantes que violam os seus direitos é o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres art 35 A declaração de direitos na Constituição de 1795 Ano III A Constituição de 1793 não chegou a ser aplicada Logo após a sua promulgação a Convenção Nacional instituiu um governo provisório dito governo republicano que deveria atuar enquanto durasse a guerra com as potências monárquicas Dado que a Constituição criara um verdadeiro governo de assembléia o Poder Executivo era atribuído a comissões de deputados Dentre estas duas logo se destacaram a de governo e a de salvação pública Nesta última pontificava Robespierre Cujos poderes tendiam rapidamente à ditadura pura e simples instaurandose o período chamado do terror O golpe de Estado de 9 de termidor do Ano 1127 de julho de 1794 com a prisão julgamento sumário e imediata execução de Robespierre mudou inteiramente a orientação Política da república A nova maioria composta de deputados da linha girondina pensou inicialmente em neutralizar as declarações de direitos sociais da Constituição por meio de leis orgânicas destinadas a interpretar e complementar as normas constitucionais As coisas estavam nesse pé quando irrompe em 21 de março de 1795 12 de germinal do Ano III a insurreição popular de Paris protagonizada pelos que eram chamados depreciativamente sansculottes porque não usavam calças até os joelhos como as pessoas dos estratos mais ricos da população Tornouse então bastante claro à burguesia que para a consolidação da posição já conquistada de classe dominante e detentora de fato da soberania política era preciso votar uma outra Constituição que afastasse o povo do poder A nova Carta política promulgada em 22 de agosto de 1795 já não fala em soberania popular preferindo uma fórmula neutra a universalidade dos cidadãos Ao mesmo tempo são reforçados os mecanismos de separação e controle dos Poderes estatais Ou seja o novo modelo teórico é dado por Monte squieu e não mais por Rousseart É nesse espírito que é vazada a declaração de direitos agora completada por uma declaração de deveres dos cidadãos A organização das matérias é mais sistemática e a redação mais concisa e precisa do que na declaração de 1793 mas muitos artigos expressam definições doutrinárias e não normas jurídicas Entre os direitos fundamentais já não se incluem nem o de resistência à opressão nem as liberdades de opinião de expressão e de culto nem tampouco os direitos sociais consagrados nas declarações anteriores o direito ao trabalho à assistência pública e à instrução Considerase inexistente a garantia social se a divisão dos poderes não é estabelecida se seus limites não são fixados e se a responsabilidade dos funcioná rios públicos não é assegurada Na mesma linha da limitação de podereS considerase crime que o cumprimento de uma pena redunde em sua agravação art 13 A idéia de uma declaração de deveres inaugurada pela Constituição francesa de 1795 é conceitualmente criticável Em primeiro lugar quem diz direitos reconhece por via de lógica consequência a existência de deveres correlatos No caso dos direitos humanos os deveres correspondentes são do Estado e também dos particulares Por outro lado como os direitos humanos são sempre pretensões dirigidas contra quem detém uma posição de força ou poder não faz sentido falar em direitos humanos do Estado ou da pátria contra os indivíduos como se depreende por inferência dos arts 3 e 9 da declaração de deveres da Constituição de 1795 Cumpre ademais ressaltar que nessa declaração de deveres as virtudes privadas são consideradas indissociáveis das virtudes cívicas art 4 e a garantia da propriedade privada é apresentada como o fundamento da cultura agrícola de todas as produções todos os meios de trabalho e de toda ordem social art 8 É a consagração constitucional explícita da ordem privatista burguesa e do sistema capitalista de produção Os Textos38 A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 Os representantes do povo francês constituídos em Assembléia nacional Considerando que a ignorância o descuido ou o desprezo dos direitos humanos são as únicas causas das desgraças públicas e da Corrupção dos governos resolveram expor numa declaração solene os direitos naturais inalienáveis e sagrados do homem a fim de que essa declaração constantemente presente a todos os membros do corpo social Possa lembrarlhes sem cessar seus direitos e seus deveres a fim de 38 Tradução do autor que os atos do poder legislativo e os do poder executivo podendo ser a todo instante comparados com a finalidade de toda instituição Política sejam por isso mais respeitados a fim de que as reclamações dos cidadãos fundadas doravante em princípios simples e incontestáveis redundem sempre na manutenção da Constituição e na felicidade de todos Em conseqüência a Assembléia nacional reconhece e declara na presença e sob os auspícios do Ser Supremo os seguintes direitos do Homem e do Cidadão Artigo Primeiro Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos As distinções sociais só podem fundarse na utilidade comum Art 2 A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritiveis do homem Tais direitos são a liberdade a propriedade a segurança e a resistência à opressão Art 3 O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação Nenhuma corporação nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente Art 4 A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem em conseqüência o exercício dos direitos naturais de cada homem só tem por limites os que assegurem aos demais membros da sociedade a fruição desses mesmos direitos Tais limites só podem ser determinados pela lei Art 5 A lei não pode proibir senão as ações prejudiciais à sociedade Tudo o que não é defeso em lei não pode ser impedido e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordena Art 6 A lei é a expressão da vontade geral Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou por meio de representantes à sua formação Ela deve ser a mesma para todos quer proteja quer puna Todos os cidadãos sendo iguais aos seus olhos são igualmente admissíveis a todas as dignidades cargos e empregos públicos segundo sua capacidade e sem outra distinção a não ser a de suas virtudes e seus talentos Art 7 Ninguém pode ser acusado detido ou preso senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por ela prescritas Os que solicitam expedem executam ou fazem executar ordens arbitrárias devem ser punidos mas todo cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer incontinenti ele se torna culpado em caso de resistência Art 8 A lei só pode estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada Art 9 Como todo homem deve ser presumido inocente até que tenha sido declarado culpado se se julgar indispensável detêlo todo rigor desnecessário para que seja efetuada a sua detenção deve ser severamente reprimido pela lei Art 10 Ninguém deve ser inquietado por suas opiniões mesmo religiosas desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei Art 11 A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem todo cidadão pode pois falar escrever imprimir livremente respondendo todavia pelo abuso dessa liberdade nos casos determinados pela lei Art 12 A garantia dos direitos do homem e do cidadão carece de uma força pública esta força é portanto instituída em proveito de todos e não para a utilidade particular daqueles a quem é confiada Art 13 Para a manutenção da força pública e para as despesas da administração é indispensável uma contribuição comum ela deve ser igualmente repartida entre todos os cidadãos na medida de seus recursos Art 14 Todos os cidadãos têm o direito de verificar pessoalmente ou por meio de representantes a necessidade da contribuição pública bem como de consentila livremente de fiscalizar o seu emprego e de determinarlhe a alíquota a base de cálculo a cobrança e a duração Art 15 A sociedade tem o direito de pedir a todo agente público que preste contas de sua administração Art 16 Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada nem a separação dos poderes determinada não tem constituição Art 17 Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado ninguém pode ser dela privado a não ser quando a necessidade pública legalmente verificada o exigir de modo evidente e sob a condição de uma justa e prévia indenização A Declaração de Direitos da Constituição de 1791 A Assembléia nacional desejando estabelecer a Constituição francesa sobre princípios que ela acaba de reconhecer e declarar abole irrevogavelmente as instituições que feriam a liberdade e a igualdade dos direitos Não há mais nobreza nem pariato nem distinções hereditárias nem distinções de ordens nem regime feudal nem justiças patrimoniais nem títulos denominações e prerrogativas que daí derivavam nem ordem alguma de cavalaria nem corporações ou condecorações de qualquer espécie para ingresso nas quais exigiamse provas de nobreza ou que supunham distinções de nascimento nem qualquer outra superioridade a não ser a dos funcionários públicos no exercício de suas funções Não há mais nem venalidade nem hereditariedade de cargos públicos Não há mais para parcela alguma da Nação e para individuo algum privilégio de qualquer espécie nem exceção ao direito comum de todos os fran ceses Não há mais jurandas39 nem corporações de profissões artes e ofícios A lei não mais reconhece votos religiosos ou compromissos contrários aos direitos naturais ou à Constituição TITULO PRIMEIRO Disposições fundamentais garantidas pela Constituição A Constituição garante como direitos naturais e civis 1º Que todos os cidadãos sejam admissíveis aos cargos e empregos sem qualquer outra distinção a não ser a de suas virtudes e talentos 2º Que todos os tributos sejam repartidos entre todos os cidadãos de modo igual na proporção de seus recursos 3º Que os mesmos crimes sejam punidos com as mesmas penas sem distinção alguma de pessoas A Constituição garante da mesma forma como direitos naturais e civis A liberdade a todo homem de ir e vir sem que haja detenção ou prisão senão de acordo com as formas prescritas pela Constituição A liberdade a todo homem de falar escrever imprimir e publicar seus pensamentos sem que os escritos possam ser submetidos a censura ou inspeção antes de sua publicação bem como a liberdade de exercer o culto religioso ao qual esteja ligado A liberdade aos cidadãos de se reunirem pacificamente e sem armas no respeito às leis de polícia A liberdade de dirigir às autoridades constituídas petições subscritas individualmente O Poder Legislativo não poderá fazer lei alguma que prejudique ou impeça o exercício dos direitos naturais e civis consignados no presente título e garantidos pela Constituição mas como a liberdade nada mais é do que o poder de fazer tudo o que não prejudica os direitos alheios ou a segurança pública a lei pode estabelecer penas contra os atos que ao atacarem a segurança pública e os direitos alheios sejam nocivos à sociedade A Constituição garante a inviolabilidade das propriedades ou ajusta e prévia indenização daquelas cujo sacrifício seja exigido pela necessidade pública legalmente verificada Os bens destinados às despesas do culto e a todos os serviços de utilidade pública pertencem à Nação e ficam permanentemente à sua disposição A Constituição garante as alienações que foram feitas ou serão efetuadas segundo as formas prescritas em lei Os cidadãos têm o direito de eleger ou escolher os ministros de seus cultos 39 Chamavase juranda o corpo de jurados ou síndicos das corporações francesas será criado e organizado um estabelecimento geral de Assistência pública para educar as crianças abandonadas ajudar os enfermos pobres e fornecer trabalho aos pobres válidos que não tenham podido encontrálo Será criada e organizada uma Instrução pública comum a todos os cidadãos gratuita no que concerne às partes do ensino indispensáveis a todos os homens seus estabelecimentos serão distribuídos gradualmente numa proporção adequada à divisão do reino A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Constituição de 1793 O povo francês convencido de que o descuido e o desprezo dos direitos naturais do homem são as únicas causas das desgraças do mundo decidiu expor numa declaração solene esses direitos sagrados e inalienáveis a fim de que todos os cidadãos podendo comparar sem cessar os atos do governo com a finalidade de toda instituição social não se deixem jamais oprimir ou aviltar pela tirania a fim de que o povo tenha sempre diante dos olhos as bases de sua liberdade e de sua felicidade o magistrado a regra de seus deveres o legislador o objeto de sua missão Em conseqüência proclama em presença do Ser Supremo a declaração seguinte dos direitos do homem e do cidadão Artigo Primeiro A finalidade da sociedade é a felicidade comum O governo é instituído para garantir ao homem a fruição de seus direitos naturais e imprescritíveis Art 2 Esses direitos são a igualdade a liberdade a segurança a propriedade Art 3 Todos os homens são iguais pela natureza e perante a lei Art 4 A lei é a expressão livre e solene da vontade geral ela é a mesma para todos quer proteja quer puna ela só pode ordenar o que é justo e útil à sociedade ela só pode proibir o que lhe é nocivo Art 5 Todos os cidadãos são igualmente admissíveis aos empregos públicos Os povos livres não conhecem outros motivos de preferência Salvo aqueles ligados às virtudes e aos talentos Art 6 A liberdade é o poder pertencente ao homem de fazer tudo o que não prejudica os direitos alheios ela tem por princípio a natureza por regra a justiça por salvaguarda a lei seu limite moral é expresso na seguinte máxima Não faças a outrem o que não queres que te seja feito Art 7 O direito de manifestar seu pensamento e suas opiniões pela Imprensa ou por qualquer outra via o direito de se reunir pacifícamente e O livre exercício dos cultos não podem ser proibidos A necessidade de enunciar tais direitos pressupõe a presença ou a lembrança recente do despotismo Art 8 A segurança consiste na proteção concedida pela sociedade a cada um de seus membros para a conservação de sua pessoa de seus direitos e de suas propriedades Art 9 A lei deve proteger a liberdade pública e individual contra a opressao dos que governam Art 10 Ninguém deve ser acusado detido ou preso senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por ela prescritas Todo cidadão convocado ou detido pela autoridade da lei deve obedecer incontinenti ele se torna culpado em caso de resistência Art 11 Todo ato exercido contra um homem fora dos casos e sem as formas que a lei determina é arbitrário e tirânico aquele contra o qual se quiser executálo pela violência tem o direito de repelilo pela força Art 12 Os que solicitarem expedirem assinarem executarem ou fizerem executar atos arbitrários são culpados e devem ser punidos Art 13 Como todo homem presumese inocente até que seja declarado culpado se se julgar indispensável detêlo todo rigor desnecessário para a detenção deve ser severamente reprimido pela lei Art 14 Ninguém deve ser julgado e punido senão após ter sido ouvido e legalmente citado e somente em razão de uma lei promulgada anteriormente ao delito A lei que pune os delitos cometidos antes de sua promulgação é uma tirania o efeito retroativo atribuído à lei é um crime Art 15 A lei só pode estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias as penas devem ser proporcionais ao delito e úteis à sociedade Art 16 O direito de propriedade é o que pertence a todo cidadão para a fruição e disposição como ele bem entender de seus bens de suas rendas do fruto de seu trabalho e de sua indústria Art 17 Nenhum gênero de trabalho de cultura de comércio pode ser proibido à indústria dos cidadãos Art 18 Todo homem pode empenhar seus serviços e tempo mas não pode vender a si próprio nem ser vendido sua pessoa não é uma propriedade alienável A lei não reconhece a domesticidade40 somente pode existir uma obrigação de cuidados e de reconhecimento entre o homem que trabalha e o que o emprega Art 19 Ninguém pode ser privado da mínima porção de sua propriedade sem o seu consentimento a não ser quando a necessidade pública 40 Isto é a situação do trabalhador doméstico não assalariado e que mantem para com seu patrão uma relação semelhante à do servo feudal para com o senhor legalmente verificada o exige e sob a condição de uma justa e prévia indenização Art 20 Nenhum tributo pode ser estabelecido a não ser por razões de utilidade geral Todos os cidadãos têm o direito de concorrer ao estabelecimento de tributos de fiscalizar o seu emprego e de exigir uma prestação de contas Art 21 A assistência pública é uma dívida sagrada A sociedade deve sustentar os cidadãos infelizes dandolhes trabalho ou assegurando os meios de subsistência aos que não estejam em condições de trabalhar Art 22 A instrução é uma necessidade de todos A sociedade deve favorecer com todos os seus poderes os progressos da instrução pública bem como pôr a instrução ao alcance de todos os cidadãos Art 23 A garantia social consiste na ação de todos para assegurar a cada qual a fruição e a conservação de seus direitos essa garantia repousa na soberania nacional Art 24 Ela não pode existir se os limites das funções públicas não são claramente determinados pela lei e se a responsabilidade de todos os funcionários não é assegurada Art 25 A soberania reside no povo ela é una indivisível imprescritivel e inalienável Art 26 Nenhuma parcela do povo pode exercer o poder do povo inteiro mas cada segmento do soberano reunido em assembléia deve gozar do direito de exprimir sua vontade com inteira liberdade Art 27 Que todo indivíduo que usurpe a soberania seja incontinenti levado à morte pelos homens livres Art 28 Um povo tem sempre o direito de rever de reformar e de mudar sua Constituição Uma geração não pode sujeitar às suas leis as gerações futuras Art 29 Todos os cidadãos têm igual direito de concorrer à formação da lei e à nomeação de seus mandatários ou agentes Art 30 As funções públicas são essencialmente temporárias elas não podem ser consideradas como distinções nem como recompensas mas como deveres Art 31 Os delitos dos mandatários do povo e de seus agentes não devem jamais ficar impunes Ninguém tem o direito de se considerar mais inviolável que os outros cidadãos Art 32 O direito de apresentar petições aos depositários da autoridade pública não pode em caso algum ser proibido suspenso ou limitado Art 33 A resistência à opressão é a conseqüência dos demais Direitos do homem Art 34 Há opressão contra o corpo social quando um só de seus membros é oprimido Há opressão contra cada membro quando o corpo social é oprimido Art 35 Quando o governo viola os direitos do povo a insurreição é para o povo inteiro e cada uma de suas parcelas o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres A Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão da Constituição de 1795 O povo francês proclama em presença do Ser Supremo a seguinte Declaração dos direitos e deveres do homem e do cidadão Direitos Artigo Primeiro Os direitos do homem em sociedade são a liberdade a igualdade a segurança a propriedade Art 2 A liberdade consiste em poder fazer o que não prejudica os direitos alheios Art 3 A igualdade consiste em que a lei é a mesma para todos quer proteja quer puna A igualdade não admite distinções de nascimento nem hereditariedade de poderes Art 4 A segurança resulta do concurso de todos para assegurar os direitos de cada qual Art 5 A propriedade é o direito de gozar e dispor de seus bens de suas rendas do fruto de seu trabalho e de sua indústria Art 6 A lei é a vontade geral expressa pela maioria quer dos cidadãos quer de seus representantes Art 7 O que não é defeso em lei não pode ser impedido Ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordena Art 8 Ninguém pode ser citado em juízo acusado detido ou preso senão nos casos determinados em lei e de acordo com as formas por ela prescritas Art 9 Os que solicitam expedem assinam executam ou fazem executar atos arbitrários são culpados e devem ser punidos Art 10 Todo rigor desnecessário para a detenção da pessoa de um acusado deve ser severamente reprimido pela lei Art 11 Ninguém pode ser julgado senão após ser ouvido ou legalmente citado Art 12 A lei deve atribuir tãosó penas estritamente necessárias e proporcionais ao delito Art 13 Todo tratamento que agrave a pena determinada pela lei é um crime Art 14 Lei alguma criminal ou civil pode ter efeito retroativo Art 15 Todo homem pode empenhar seu tempo e seus serviços mas não pode vender a si próprio nem ser vendido sua pessoa não é uma propriedade alienável Art 16 Todo tributo é estabelecido em razão da utilidade geral ele deve ser repartido entre os contribuintes em função de seus recursos Art 17 A soberania reside essencialmente na universalidade dos cidadãoS Art 18 Nenhum indivíduo nenhuma reunião parcial de cidadãos pode atribuirse a soberania Art 19 Ninguém pode sem uma delegação da lei exercer autoridade alguma nem cumprir nenhuma função pública Art 20 Cada cidadão tem igual direito de concorrer imediata ou mediatamente à formação da lei à nomeação dos representantes do povo e dos funcionários públicos Art 21 As funções públicas não podem ser propriedade dos que as exercem Art 22 A garantia social não pode existir se a divisão dos poderes não é estabelecida se os seus limites não são fixados e se a responsabilidade dos funcionários públicos não é assegurada Deveres Artigo Primeiro A Declaração dos direitos contém as obrigações dos legisladores a manutenção da sociedade exige que os seus componentes conheçam e cumpram por igual os seus deveres Art 2 Todos os deveres do homem e do cidadão derivam dos dois princípios seguintes gravados pela natureza em seus corações Não façais a outrem o que não quiserdes que se faça a vós Fazei constantemente aos outros o bem que desejais receber Art 3 As obrigações de cada qual perante a sociedade consistem em defendêla servila viver em submissão às leis e respeitar os seus órgãos Art 4 Ninguém é bom cidadão se não é bom filho bom pai bom irmão bom amigo bom esposo Art 5 Ninguém é homem de bem se não observa sincera e religioSamente as leis Art 6 Aquele que viola abertamente as leis declarase em estado de guerra contra a sociedade Art 7 Aquele que sem infringir abertamente as leis as elude com astúcia ou destreza fere os interesses de todos ele se torna indigno da benevolência e da estima geral Art 8 E sobre a manutenção das propriedades que repousam a cultura das terras agrícolas todas as produções todos os meios de trabalho e toda a ordem social Art 9 Todo cidadão deve seus serviços à pátria e à manutenção da liberdade da igualdade e da propriedade sempre que a lei o Convocar para defendêlas CAPÍTULO 6º A CONSTITUIÇÃO FRANCESA DE 1848 No início de 1848 o ano do Manifessto Comunista um furioso vendaval político varreu a Europa Ocidental ameaçando deitar por terra em pouco tempo o edifício conservador e imperial que o Congresso de Viena erigira em 1815 As palavras de ordem eram nacionalismo trabalho e liberdade Iniciandose com a revolução popular de Paris de 24 de fevereiro em questão de poucas semanas o movimento estendeuse como um rastilho de pólvora ao sudoeste da Atemanha Baviera Prússia Austria Hungria Lombardia os Estados Pontifícios e a Itália meridional Segundo a expressao que fez fortuna foi a primavera dos povos Ela retrocedeu porém em pouco tempo a um rigoroso inverno político Com a mesma velocidade do seu desencadear o movimento insurrecional foi sufocado e seus líderes mortos presos ou deportados Na França o descontentamento do operariado urbano com os excessos caDitalistas do reinado de Luis Felipe de Orléans instalado no trono desde 1830 foi singularmente reforçado pelo agravamento da fome no campo em consequência da desastrosa colheita de 184647 A revolta popular de Paris irrompida em 23 de fevereiro de 1848 visou claramente não só à derrubacda do rei mas também á reinstauração da república nos moldes do espírito revolucionário de 179293 Instalado um governo provisório do qual participava o operário Albert fato altamente simbólico que não se viu em nenhum momento da grande revolução do final do século XVIII decidiuse convocar de imediato uma assembléia constituinte As eleições foram fixadas para dois meses após ou seja 23 de abril sem que os líderes revolucionários tivessem tempo suficiente para desenvolver uma campanha de esclarecimento do eleitorado O comparecimento às urnas foi considerável 7800000 votantes num total de 9400000 eleitores o que significou uma votação maciça de camponeses atavicamente inclinados à ordem e à segurança Na composição da assembléia a maioria absoluta era formada pelos deputados do centro chamados republicanos moderados 500 num total de 880 A esquerda não conseguiu preencher mais do que uma centena de cadeiras sendo as demais repartidas entre os monarquistas A correlação parlamentar de forças foi desse modo muito desfavorável àqueles que haviam liderado o movimento revolucionário Acresce notar que a grande iniciativa tomada pelo governo provisório para solucionar o problema do desemprego urbano a criação em Paris de fábricas nacionais onde passaram a trabalhar 100000 operários foi abruptamente interrompida logo no mês de junho suscitando uma revolta popular que o exército reprimiu ferozmente 3000 mortos 5000 feridos e 12000 deportados para a Argélia Atuando sob a impressão profunda desses sucessos trágicos a assembléia manifestou grande resistência à reintrodução no texto constitucional em elaboração dos direitos sociais declarados em 1791 e 1793 tal como proposto pelos deputados da esquerda As discussões mais acaloradas giraram em torno do reconhecimento de um direito ao trabalho Adolfo Thiers que iria chefiar o governo que negociou a paz com a Prússia vencedora e esmagou no sangue a Comuna de Paris em 1871 qualificou esse direito como uma heresia uma teoria falsa já condenada pela experiência O pretenso direito ao trabalho acrescentou acabaria por destruir o espírito de economia pois OS operá rios vendo seu futuro assegurado deixariam de depositar suas economias nas contas populares de poupança Quanto a Tocqueville respondendo ao deputado Mathieu para quem o direito ao trabalho era o direito da fome advertiu que essa proposta implicava transformar o Estado em proprietário de todos os bens ou seja o comunismo uma nova forma de servidão Para o celebrado autor da Democracia na América a Assembléia deveria seguir o exemplo dos Estados Unidos onde de fato se aplicava a verdadeira democracia A Constituição de 1848 por tudo isso foi composta como uma obra de Compromisso De um lado entre o liberalismo claramente afirmado com a declaração preambular de redução gradual das despesas públicas e dos impostos e o socialismo democrático Compromisso de outro lado entre os valores conservadores a Família a Propriedade e a Ordem Pública invocados com letra maiúscula no inciso IV do preâmbulo e o progresso e a civilização preâmbulo inciso 1 É interessante observar a este respeito que enquanto as anteriores declarações de direitos da Revolução Francesa não fizeram referência alguma à família o preâmbulo da Constituição de 1848 mencionaa nada menos do que quatro vezes Por outro lado a orientação do ensino público como dispõe o art 13 não é para a formação do cidadão mas sim para o mercado de trabalho Tudo isto justifica a crítica acerba que Marx fez dessa Constituição no 18 Brumário de Luís Bonaparte como sendo a versão republicana vale dizer burguesa da Carta orleanista de 1830 1 Assim é que a declaração das liberdades individuais aparece sempre limitada pela cláusula do respeito aos direitos iguais dos demais sujeitos e à manutenção da segurança pública Ade o conteúdo concreto dessas liberdades passou a depender das determinações editadas pelas leis orgânicas as quais foram concebidas pelos amigos da ordem de tal sorte que todas 1 Karl Marx Friedrich Engels Werke Institut für MarxismusLeninismus beim ZK der SED Berlim Dietz Vertag 1960 v 8 p 124 e s essas liberdades foram regulamentadas para que a burguesia pudesse servirse delas sem ser limitada pelos direitos iguais das outras classes da sociedade Criouse com isto uma estrutura jurídica essencialmente ambígua senão contraditória em que a liberdade era respeitada em sua formulação constitucional mas a sua realização abolida na prática Seja como for malgrado toda essa anfibologia não se pode deixar de assinalar que a instituição de deveres sociais do Estado para com a classe trabalhadora e os necessitados em geral estabelecida no art 13 aponta para a criação do que viria a ser o Estado do BemEstar Social no século XX Além disso duas disposições sobre direitos fundamentais merecem ser ressaltadas Pela primeira vez na história Constitucional a pena de morte é abolida em matéria política art 5 Por outro lado repristinando o Decreto da Convenção de 1793 revogado pelo consulado em 1802 proibiuse a escravidão em todas as terras francesas art 6 A par desses inegáveis avanços no campo dos direitos humanos a Constituição de 1848 foi no entanto responsável por um dos piores abusos cometidos pela França no campo das relações exteriores ao declarar que o território da Argélia e das colônias é território francês art 109 uma disposição claramente contraditória com o princípio afirmado no preâmbulo segundo o qual a República Francesa não dirige nunca suas forças contra a liberdade de povo algum O Texto Excertos 2 PREÂMBULO Em presença de Deus e em nome do povo francês a Assembléia nacional proclama 2 Tradução do autor I A França constituise em República Ao adotar esta forma definitiva de governo ela tem por objetivo caminhar mais livremente na via do progresso e da civilização assegurar uma repartição sempre mais eqüitativa dos encargos individuais e das vantagens da sociedade aumentar as facilidades de vida de todos pela redução gradual das despesas públicas e dos impostos bem como fazer com que todos os cidadãos sem nova comoção pela ação sucessiva e constante das instituições e das leis acedam a grau sempre mais elevado de moralidade de luzes lumiéres3 e de bemestar II A República francesa é democrática una e indivisível III Ela reconhece direitos e deveres anteriores e superiores às leis positivas IV Ela tem por princípio a Liberdade a Igualdade e a Fraternidade Tem por base a Família o Trabalho a Propriedade a Ordem Pública V Ela respeita as nacionalidades estrangeiras assim como entende fazer respeitar a sua não empreende nenhuma guerra com intuito de conquista e não emprega jamais suas forças contra a liberdade de povo algum VI Deveres recíprocos obrigam os cidadãos para com a República e a República para com os cidadãos VII Os cidadãos devem amar a Pátria servir a República defendêla com suas próprias vidas participar dos encargos do Estado na proporção de sua fortuna devem assegurar pelo trabalho os meios de vida bem como pela previdência os recursos para o futuro devem concorrer para o bemestar comum ajudandose fraternalmente uns aos outros assim como para a ordem geral observando as leis morais e as leis escritas que regem a sociedade a família e o individuo VIII A República deve proteger os cidadãos em sua pessoa sua família sua religião sua propriedade seu trabalho bem com pôr ao alcance de qualquer um a instrução indispensável a todos os homens deve por meio de uma assistência fraterna assegurar os meios de subsistência aos cidadãos necessitados quer proporcionandolhes trabalho nos limites dos seus recursos quer prestando na falta da família socorro aos que não estejam em condições de trabalhar Art 5 A pena de morte é abolida em matéria política Art 6 A escravidão não pode existir em nenhuma terra francesa 3 O termo é sinônimo da Aufklärung alemã ou seja uma iluminação da realidade pela razão Art 13 A Constituição garante aos cidadãos a liberdade de trabalho e de indústria A sociedade favorece e encoraja o desenvolvimento do trabalho pelo ensino primário gratuito a educação profissional a igualdade nas relações entre o patrão e o operário as instituições de previdência e de crédito as instituições agrícolas as associações voluntárias e o estabelecimento pelo Estado os Departamentos e os Municípios de obras públicas capazes de empregar os braços desocupados ela fornece assistência às crianças abandonadas aos doentes e idosos sem recursos e que não podem ser socorridos por suas famílias CAPÍTULO 7º A CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 1864 Ela inaugura o que se convencionou chamar direito humanitário em matéria internacional isto é o conjunto das leis e costumes da guerra visando a minorar o sofrimento de soldados doentes e feridos bem como de populações civis atingidas por um conflito bélico É a primeira introdução dos direitos humanos na esfera internacional O direito da guerra e da paz cuja sistematização foi feita originalmente por Hugo Grócio em sua obra seminal do início do século XVII Ius Belli ac Pacis passou desde então a bipartirse em direito preventivo da guerra ius ad bellum e direito da situação ou estado de guerra ius in bello destinado a regular as ações das potências combatentes A evolução posterior no entanto levou ao reconhecimento da injuricidade objetiva da guerra como solução de conflitos internacionais quaisquer que sejam as razões de seu desencadear O direito contemporâneo a partir da Carta de São Francisco instituidora das Nações Unidas restringiu sobremaneira O conceito de guerra justa elaborado pelos doutores da Igreja na Idade Média Com base nisto temse insistido ultimamente na tese de que o direito do estado de guerra ius in bello já não poderia existir por ser uma contradição nos termos se a guerra constitui em si mesma um ilícito e mais do que isso um crime inter nacional não faz sentido regular juridicamente as operações élicas o Direito não pode organizar a prática de um crime Tal argumento impressionante à primeira vista pelo seu aparente rigor lógico não é contudo aceitável Se a guerra no estado presente do direito internacional constitui em si mesma um crime nada impede que se reconheça a prática por qualquer das partes beligerantes de outros ilícitos durante o desenrolar do conflito A violação dos princípios e normas do direito humanitário durante uma conflagração armada pode por conseguinte representar ela também um crime de guerra No julgamento de 27 de junho de 1986 do caso Nicarágua v Estados Unidos de resto a Corte Internacional de Justiça reconheceu a plena vigência dos princípios gerais de base do direito humanitário A Convenção assinada em Genebra em 22 de agosto de 1864 unicamente por potências européias e destinada a melhorar a sorte dos militares feridos nos exércitos em campanha originouse dos esforços de uma comissão reunida em torno do suíço Henry Dunant Em livro publicado em 1862 e que teve ampla repercussão Un Souvenir de Solférino ele relatou como organizara durante a batalha de Solferino de junho de 1859 entre os exércitos austríacos e francopiemonteses os serviços de prontosocorro para os soldados feridos de ambos os lados A comissão genebrina que esteve na origem da Convenção de 1864 transformouse em 1880 na Comissão Internacional da Cruz Vermelha mundialmente reconhecida Na primeira metade do século XX a Convenção de Genebra de 1864 foi revista a fim de se estenderem seus princípios aos conflitos marítimos Convenção de Haia de 1907 e aos prisioneiros de guerra Convenção de Genebra de 19291 Em 1925 outra Convenção igualmente assinada em Genebra proibiu a utilização durante a guerra de gases asfixiantes ou tóxicos bem como de armas bacteriológicas As convenções sobre soldados feridos e prisioneiros de guerra foram revistas e consolidadas em três convenções celebradas em Genebra em 1949 sob os auspícios da Comissão Internacional da Cruz Vermelha2 1 Cf capítulo 11º 2 Cf capítulo 15º Na mesma ocasião foi celebrada uma quarta convenção tendo por objeto a proteção da população civil em caso de guerra O Texto3 Sua Majestade o Rei dos Belgas Sua Alteza Real o GrãoDuque de Baden Sua Majestade o Rei da Dinamarca Sua Majestade a Rainha da Espanha Sua Majestade o Imperador dos Franceses Sua Alteza Real o GrãoDuque de Hesse Sua Majestade o Rei da Itália Sua Majestade o Rei dos Países Baixos Sua Majestade o Rei de Portugal e Algarve Sua Majestade o Rei da Prússia a Confederação Suíça Sua Majestade o Rei de Würteniberg Animados por igual do desejo de suavizar tanto quanto deles dependa os males irreparáveis da guerra de suprimir os rigores inúteis e melhorar a sorte dos militares feridos nos campos de batalha resolveram concluir uma Convenção com esse objetivo e nomearam seus Plenipotenciários a saber Os quais após terem apresentado seus poderes encontrados em boa e devida forma convencionaram os artigos seguintes Artigo 1 As ambulâncias e os hospitais militares serão reconhecidos como neutros e como tal protegidos e respeitados pelos beligerantes durante todo tempo em que neles houver doentes e feridos A neutralidade cessará se essas ambulâncias ou hospitais forem guardados por uma força militar Art 2 O pessoal dos hospitais e das ambulâncias nele incluídos a intendência os serviços de saúde de administração de transporte de feridos assim como os capelães participarão do benefício da neutralidade enquanto estiverem em atividade e subsistirem feridos a recolher ou a Socorrer Art 3 As pessoas designadas no artigo precedente poderão mesmo após a ocupação pelo inimigo continuar a exercer suas funções no hospital ou ambulância em que serviam ou retirarse para retomar seus POStos na corporação a que pertencem Nessas circunstâncias quando tais pessoas cessarem suas funções elas Serão entregues aos postos avançados do inimigo sob a responsabilidade do exército de ocupação 3 Tradução do autor com base no texto original francês Art 4 Tendo em vista que o material dos hospitais militares permanece submetido às leis da guerra as pessoas em serviço nesses hospitais não poderão ao se retirarem levar consigo os objetos que constituem propriedade particular dos hospitais Nas mesmas circunstâncias ao revés a ambulância conservará seu material Art 5 Os habitantes do país que socorrerem os feridos serão respeitados e permanecerão livres Os generais das Potências beligerantes terão por missão prevenir os habitantes do apelo assim feito ao seu sentimento de humanidade e da neutralidade que lhe é conseqüente Todo ferido recolhido e tratado numa casa particular conferirá salvaguarda a esta última O habitante que recolher feridos em sua casa será dispensado de alojar as tropas assim como de pagar uma parte dos tributos de guerra que lhe seriam impostos Art 6 Os militares feridos ou doentes serão recolhidos e tratados qualquer que seja a nação à qual pertençam Os comandantes em chefe terão a faculdade de entregar imediatamente aos postos avançados do inimigo os militares feridos em combate quando as circunstâncias o permitirem e desde que haja consentimento de ambas as partes Serão repatriados em seus países aqueles que uma vez curados forem reconhecidos como incapazes de servir Os outros poderão igualmente ser repatriados sob a condição de não retomarem armas durante toda a guerra As forças de retirada como o pessoal que as dirige ficarão protegidos por uma neutralidade absoluta Art 7 Uma bandeira distintiva e uniforme será adotada pelos hospitais e ambulâncias bem como durante as retiradas Ela deverá ser em qualquer circunstância acompanhada da bandeira nacional Uma braçadeira será igualmente admitida para o pessoal neutro mas a sua distribuição ficará a cargo da autoridade militar A bandeira e a braçadeira terão uma cruz vermelha sobre fundo branco CAPÍTULO 8º A CONSTITUIÇÃO MEXICANA DE 1917 Origem A fonte ideológica da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos promulgada em 5 de fevereiro de 1917 foi a doutrina anarcossindicalista difundida no último quartel do século XIX em toda a Europa mas principalmente na Rússia na Espanha e na Itália O pensamento de Mikhail Bakunin muito influenciou Ricardo Flores Magón líder do grupo Regeneración que reunia jovens intelectuais contrários à ditadura de Porfirio Diaz O grupo lançou clandestinamente em 1906 um manifesto de ampla repercussão no qual se apresentaram as propostas que viriam a ser as linhasmestras do texto constitucional de 1917 proibição de reeleição do Presidente da República Porfirio Diaz havia governado mediante reeleições sucessivas de 1876 a 1911 garantias para as liberdades individuais e políticas sistematicamente negadas a todos os opositores do presidenteditador quebra do poderio da Igreja Católica expansão do sistema de educação pública reforma agraria e proteção do trabalho assalariado A transformação desse ideário em normas constitucionais no entanto produziu um efeito político exatamente contrário ao objetivo visado Pela primeira vez na movimentada história do caudilhismo mexicano criouse uma sólida estrutura estatal independente da figura do chefe de Estado ainda que a Constituição o tenha dotado de poderes incomensuravelmente maiores do que os que o texto constitucional norteamericano atribui ao presidente da república O ideal anarquista de des truição de todos os centros de poder engendrou contraditoríamente a partir da fundação do Partido Revolucionário Institucional em 1929 uma estrutura monocrática nacional em substituição à multiplicidade de caudilhos locais Importância histórica A Carta Política mexicana de 1917 foi a primeira a atribuir aos direitos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais juntamente com as liberdades individuais e os direitos políticos arts 52 e 123 A importância desse precedente histórico deve ser salientada pois na Europa a consciência de que os direitos humanos têm também uma dimensão social só veio a se afirmar após a grande guerra de 19141918 que encerrou de fato o longo século XIX e nos Estados Unidos a extensão dos direitos humanos ao campo socioeconômico ainda é largamente contestada A Constituição de Weimar em 1919 trilhou a mesma via da Carta mexicana e todas as convenções aprovadas pela então recémcriada Organização Internacional do Trabalho na Conferência de Washington do mesmo ano de 1919 regularam matérias que já constavam da Constituição mexicana a limitação da jornada de trabalho o desemprego a proteção da maternidade a idade mínima de admissão de empregados nas fábricas e o trabalho noturno dos menores na indústria Entre a Constituição mexicana e a Weimarer Verfassung eclode a Revolução Russa um acontecimento decisivo na evolução da humanidade no século XX O III Congresso PanRusso dos Sovietes de Deputados Operários Soldados e Camponeses reunido em Moscou adotou em 4 17 de janeiro de 1918 portanto antes do término da 1ª Guerra Mundial a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado Nesse documento são afirmadas e levadas às suas últimas conseqüências agora com apoio na doutrina marxista várias medidas constantes da Constituição mexicana tanto no campo socioeconômicO quanto no político No Capítulo II afirma essa Declaração de Direitos 1º A fim de se realizar a socialização da terra é abolida a propriedade privada da terra todas as terras passam a ser propriedade nacional e são entregues aos trabalhadores sem qualquer espécie de indenização na base de uma repartição igualitária em usufruto As florestas o subsolo e as águas que tenham importância nacional todo o gado e todas as alfaias assim como todos os domínios e todas as empresas agrícolasmodelos passam a ser propriedade nacional 2º Como primeiro passo para a transferência completa das fábricas das usinas das minas das ferrovias e de outros meios de produção e de transporte para a propriedade da República operária e camponesa dos Sovietes o Congresso ratifica a lei soviética sobre a administração operária e sobre o Conselho Superior da Economia Nacional com o objetivo de assegurar o poder dos trabalhadores sobre os exploradores 3º O Congresso ratifica a transferência de todos os bancos para o Estado operário e camponês como uma das condições de libertação das massas laboriosas do jugo do capital 4º Tendo em vista suprimir os elementos parasitas da sociedade e organizar a economia é estabelecido o serviço do trabalho obrigatório para todos 5º A fim de assegurar a plenitude do poder das massas laboriosas e de afastar qualquer possibilidade de restauração do poder dos exploradores o Congresso decreta o armamento dos trabalhadores a formação de um Exército vermelho socialista dos operários e camponeses e o desarmamento total das classes possuidoras Mas aí como se vê já se está fora do quadro dos direitos humanos fundados no princípio da igualdade essencial entre todos de qualquer grupo ou classe social Desde o seu ensaio juvenil Sobre a Questão Judaica publicado em 1843 Marx criticou a concepção francesa de direitos do homem separados dos direitos do cidadão como consagradora da grande separação burguesa entre a sociedade política e a sociedade civil dicotomia essa fundada na propriedade privada Os direitos do homem não passariam de barreiras ou marcos divisórios entre os indivíduos em tudo e por tudo semelhantes aos limites da propriedade territorial E os direitos do cidadão sobretudo numa época de sufrágio censitário nada mais seriam do que autênticos privilégios dos burgueses com exclusão da classe operária Na sociedade comunista cujas linhasmestras foram esboçadas no Manifesto do Partido Comunista cinco anos mais tarde só os trabalhadores têm direitos e só eles constituem o povo titular da soberania política Sem dúvida na Constituição mexicana de 1917 não se fazem as exclusões sociais próprias do marxismo o povo mexicano não é reduzido unicamente à classe trabalhadora Mas não se pode deixar de reconhecer que nem todos os direitos trabalhistas lá declarados podem ser considerados objetivamente como direitos humanos A doutrina jurídica alemã contemporânea distingue nitidamente os direitos humanos dos direitos fundamentais1 Estes últimos são os direitos que consagrados na Constituição representam as bases éticas do sistema jurídico nacional ainda que não possam ser reconhecidos pela consciência jurídica universal como exigências indispensáveis de preservação da dignidade humana Daí por que os direitos humanos autênticos existem independentemente de seu reconhecimento na ordem jurídica estatal e mesmo contra ela ao pas 1 Cf para ilustração Klaus Stern Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland t III1 Allgemeine Lehren der Grundrechte Munique C H Beck 1988 p 35 e s so que algunS direitos qualificados como fundamentais na Constituição de um país podem não ter a Vigência universal própria dos direitos humanos Da mesma forma é secundário o fato de que numa sociedade largamente agrícola como a mexicana do início do século XIX os direitos trabalhistas interessavam a uma parcela ínfima da população sem falar na sua inaplicabilidade para as pequenas e médias empresas urbanas O que importa na verdade é o fato de que a Constituição mexicana em reação ao sistema capitalista foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do trabalho ou seja a proibição de equiparálo a uma mercadoria qualquer sujeita à lei da oferta e da procura no mercado Ela firmou o princípio da igualdade substancial de posição jurídica entre trabalhadores e empresários na relação contratual de trabalho criou a responsabilidade dos empregadores por acidentes do trabalho e lançou de modo geral as bases para a construção do moderno Estado Social de Direito Deslegitimou com isso as práticas de exploração mercantil do trabalho e portanto da pessoa humana cuja justificativa se procurava fazer abusivamente sob a invocação da liberdade de contratar O mesmo avanço no sentido da proteção da pessoa humana ocorreu com o estatuto da propriedade privada art 27 No tocante às terras e águas compreendidas dentro dos limites do territóno nacional a Constituição estabeleceu a distinção entre a propriedade originária que pertence à nação e a propriedade derivada que pode ser atribuída aos particulares Aboliuse com isto o caráter absoluto2 e sagrado da propriedade privada submetendose o seu uso incondicionalmente ao bem 2 O Código Civil francês de 1808 declarou que a propriedade é o direito de dispor das coisas da maneira mais absoluta contanto que não se faça delas um uso proibido pelas leis e pelos regulamentos art 544 O caráter inviolável e sagrado da propriedade privada já havia sido proclamado pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 cf capítulo 5º supra público isto é ao interesse de todo o povo A nova Constituição criou assim o fundamento jurídico para a importante transformação sociopolítica provocada pela reforma agrária a primeira a se realizar no continente latinoamericano O Texto3 Excertos TÍTULO PRIMEIRO Capítulo 1 Das Garantias Individuais Art5º O contrato de trabalho só obrigará a prestar o serviço convencionado pelo tempo que a lei fixar sem poder exceder de um ano em prejuízo do trabalhador e não poderá compreender em caso algum a renúncia perda ou menoscabo de qualquer dos direitos políticos ou civis A falta de cumprimento do referido contrato pelo trabalhador só o obrigará à correspondente responsabilidade civil sem que em caso algum se possa exercer coação sobre a sua pessoa Art 15 Não se autoriza a celebração de tratados para a extradição de réus políticos nem para a dos delinqüentes comuns que tiverem estado no país onde houverem cometido o delito na condição de escravos nem de convênios ou tratados em virtude dos quais se modifiquem as garantias e os direitos estabelecidos nesta Constituição para o homem e para o cidadão4 Art 17 Ninguém pode ser preso por dívidas de caráter puramente civil Ninguém poderá fazer justiça por si mesmo nem exercer violência 3 Tradução do autor conforme a redação original de 1917 4 Disposição notável ao exigir pioneiramente na história constitucional que o Estado mexicano se paute nas relações internacionais pelo respeito aos direitos humanos para reclamar seu direito Os tribunais estarão prontos para ministrar justiça nos prazos e termos que fixe a lei seu serviço será gratuito ficando em conseqUência proibidas as custas judiciais5 Art 27 A propriedade das terras e águas compreendidas dentro dos limites do território nacional pertence originalmente à Nação a qual teve e tem o direito de transmitir o domínio delas aos particulares constituindo assim a propriedade privada As expropriações somente poderão fazerse por causa de utilidade pública e mediante indenização A Nação terá a todo tempo o direito de impor à propriedade privada as determinações ditadas pelo interesse público assim como o de regular o aproveitamento de todos os recursos naturais suscetíveis de apropriação com o fim de realizar uma distribuição eqüitativa da riqueza pública e para cuidar de sua conservação Com esse objetivo serão ditadas as medidas necessárias para o fracionamento dos latifúndios para o desenvolvimento da pequena propriedade agrícola em exploração para a criação de novos centros de povoamento agrícola com terras e águas que lhes sejam indispensáveis para o fomento da agricultura e para evitar a destruição dos recursos naturais e os danos que a propriedade possa sofrer em prejuízo da sociedade Os núcleos de população e comunidades que careçam de terras e águas ou não as tenham em quantidade suficiente para as necessidades da população terão o direito de recebêlas devendo essas terras e águas ser tomadas das propriedades próximas respeitada sempre a pequena propriedade TÍTULO VI Do Trabalho e da Previdência Social Art 123 O Congresso da União e as legislaturas dos Estados deverão editar leis sobre o trabalho fundadas nas necessidades de cada re 5 Nesse dispositivo a Constituição mexicana foi muito além do que viria a ser disposto nos grandes tratados de direitos humanos da segunda metade do século XX Assim é que o artigo II do Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos de 1966 proíbe unicamente a prisão por dívidas de caráter contratual e a Convenção Americana de Direitos Humanos excetua da norma proibitiva de prisão por dívidas aquela conseqüente ao inadimplemento de obrigação alimentar obrigação de sustento entre cônjuges ou parentes Vejamse a respeito dessas duas convenÇões os capítulos 17º e 18º desta obra gião sem contrariar as seguintes bases que regerão o trabalho dos operários diaristas empregados domésticos e artesãos e de maneira geral todo contrato de trabalho I A duração máxima da jornada de trabalho será de oito horas II A jornada máxima de trabalho noturno será de sete horas Ficam proibidos os trabalhos insalubres ou perigosos para as mulheres em geral e para os menores de dezesseis anos Fica também proibido a umas e outros o trabalho noturno industrial bem como o trabalho nos estabelecimentos comerciais após as dez horas da noite III Os jovens maiores de doze anos e menores de dezesseis terão a jornada máxima de seis horas Não poderá ser contratado o trabalho dos menores de doze anos IV Para cada seis dias de trabalho o operário deverá desfrutar de um dia de descanso pelo menos V As mulheres durante os três meses anteriores ao parto não realizarão trabalhos físicos que exijam esforço material considerável No mês seguinte ao parto desfrutarão obrigatoriamente de descanso devendo perceber salário integral conservar o emprego e os direitos que houverem adquirido por seu contrato No período de lactação terão dois descansos extraordinários por dia de meia hora cada um para amamentar os filhos VI O salário mínimo a que o trabalhador fará jus será o que se considerar suficiente atendendose às condições de cada região para satisfazer as necessidades normais de vida do operário de sua educação e lazer honesto enquanto chefe de família Em toda empresa agrícola comercial fabril ou mineira os trabalhadores terão direito a uma participação nos lucros que será regulada como indicado no inciso IX VII Para trabalho igual deve corresponder salário igual sem se levarem em conta o sexo ou a nacionalidade VIII O salário mínimo não será sujeito a penhora compensação ou desconto IX A fixação do tipo de salário mínimo e da participação nos lucros a que se refere o inciso VI farseá por comissões especiais que se formarão em cada Município subordinadas à Junta Central de Conciliação que será criada em cada Estado X O salário deverá ser pago exatamente em moeda de curso legal não se permitindo fazêlo em mercadorias nem com vales fichas ou qualquer outro signo representativo com que se pretenda substituir a moeda XI Quando por circunstâncias extraordinárias devam ser aumentadas as horas da jornada de trabalho pagarseá como salário pelo tempo excedente cinqüenta por cento mais do que o fixado para as horas normais Em caso algum o trabalho extraordinário poderá exceder de três horas diárias nem de três vezes consecutivas Os homens menores de dezesseis anos e as mulheres de qualquer idade não serão admitidos nesta classe de trabalhos XII Em toda empresa agrícola industrial mineira ou de qualquer outra classe de trabalho os patrões estarão obrigados a proporcionar aos trabalhadores habitações cômodas e higiênicas pelas quais poderão cobrar alugueres que não excederão de meio por cento mensal do valor cadastral das propriedades Deverão igualmente criar escolas enfermarias e demais serviços necessários à comunidade Se as empresas estiverem situadas em locais povoados e empregarem um número de trabalhadores superior a cem terão a primeira das obrigações mencionadas XIII Ademais nos centros de trabalho com população superior a duzentos habitantes deverseá reservar uma área de terreno de não menos que cinco mil metros quadrados para o estabelecimento de mercados públicos e para a instalação de edifícios destinados aos serviços municipais e aos centros recreativos Ficam proibidos em qualquer centro de trabalho o estabelecimento de venda de bebidas alcoólicas e as casas de jogos de azar XIV Os empresários serão responsáveis pelos acidentes do trabalho e pelas moléstias profissionais dos trabalhadores em razão do exercício da profissão ou do trabalho que executarem por conseguinte os patrões deverão pagar a indenização correspondente conforme a conseqüência decorrente seja a morte ou simplesmente a incapacidade temporária ou permanente para o trabalho de acordo com o que as leis determinarem Esta responsabilidade subsistirá ainda no caso de o patrão contratar o trabalho por via de intermediário XV O patrão será obrigado a observar na instalação de seu estabelecimento os preceitos legais sobre higiene e saúde e a adotar as medidas adequadas para prevenir acidentes no uso das máquinas dos instrumentos e do material de trabalho assim como organizar este de tal forma que resulte para a saúde e a vida dos trabalhadores a maior garantia compatível com a natureza do estabelecimento sob as penas que para o caso as leis determinarem XVI Tanto os operários quanto os empresários terão direito a se associarem em defesa dos seus respectivos interesses formando sindicatos associações profissionais etc XVII As leis reconhecerão como um direito dos operários e dos patrões as greves e o fechamento temporário dos estabelecimentos XVIII As greves serão lícitas quando tiverem por objetivo conseguir o equilíbrio entre os diversos fatores de produção harmonizando os direitos do trabalho com os do capital Nos serviços públicos será obrigatório para os trabalhadores avisar a Junta de Conciliação e Arbitragem com dez dias de antecedência sobre a data marcada para a suspensão do trabalho As greves serão consideradas ilícitas unicamente quando a maioria dos grevistas praticar atos violentos contra as pessoas ou as propriedades ou no caso de guerra quando ocorrerem nos estabelecimentos ou serviços que dependam do governo Os operários dos estabelecimentos fabris militares do Governo da República não ficarão compreendidos nas disposições deste ítem por serem assimilados ao Exército Nacional XIX O fechamento temporário de estabelecimentos será lícito unicamente quando o excesso de produção torne necessário suspender o trabalho para manter os preços num limite suportável mediante prévia aprovação da Junta de Conciliação e Arbitragem XX As divergências ou os conflitos entre o capital e o trabalho ficarão sujeitos à decisão de uma Junta de Conciliação e Arbitragem formada por igual número de representantes dos operários e dos patrões e um do Governo6 XXI Se o patrão se negar a submeter suas divergências à arbitragem ou não aceitar o laudo pronunciado pela Junta darseá por terminado o contrato de trabalho e ele ficará obrigado a indenizar o operário com a importância correspondente a três meses de salário sem prejuízo da responsabilidade que resultar do conflito Se a recusa for dos trabalhadores darseá por terminado o contrato de trabalho XXII O patrão que despedir um operário sem causa justificada ou por haver ele entrado para uma associação ou sindicato ou ainda por haver ele tomado parte em uma greve lícita ficará obrigado à escolha do trabalhador a cumprir o contrato ou a indenizálo com a importância correspondente a três meses de salário Terá igualmente o patrão esta obrigação quando o operário se despedir por falta de probidade do patrão ou pelo fato de receber dele maustratos seja em sua pessoa seja na pessoa de seu cônjuge de seus pais filhos ou irmãos O patrão não poderá eximirse desta responsabilidade quando os maustratos procederem de seus dependentes ou familiares atuando com o seu consentimento ou tolerância XXIII Os créditos a favor dos trabalhadores por salário ou ordenados vencidos no último ano bem como por indenizações terão preferên 6 Inspirandose neste dispositivo o Governo brasileiro criou em 25 de novembro de 1932 as primeiras Juntas de Conciliação e Julgamento para dirimir conflitos individuais do trabalho cia sobre quaisquer outros nos casos de concurso de credores ou falência XXIV Pelas dívidas contraídas pelos trabalhadores para com seus patrões sÓCiOS familiares ou dependentes será responsável unicamente o próprio trabalhador e em caso algum e por nenhum motivo tais dívidas poderão ser cobradas dos membros de sua família nem serão exigíveis por quantia que exceder a do salário do trabalhador durante um mês XXV O serviço de colocação de trabalhadores será gratuito para estes seja ele realizado pelas repartições municipais pelas bolsas de trabalho ou por qualquer outra instituição oficial ou particular XXVI Todo contrato de trabalho celebrado entre um mexicano e um empresário estrangeiro deverá ser legalizado pela autoridade municipal competente e visado pelo cônsul da nação para a qual o trabalhador tiver de ir sendo que além das cláusulas ordinárias especificarseá claramente que as despesas de repartição ficarão a cargo do empresário contratante XXVII Serão nulas e não obrigarão os contratantes embora se expressem no contrato as condições a que estipulem um horário de trabalho desumano por notoriamente excessivo tendo em vista a natureza do trabalho b que fixem um salário que não seja remunerador a juízo das Juntas de Conciliação e Arbitragem c que estipulem prazo superior a uma semana para a percepção do salário diário d que indicarem um lugar de recreio hotel café taberna cantina ou loja para o pagamento do salário salvo se se tratar de empregados nesses estabelecimentos e que implicarem obrigação direta ou indireta de adquirir os artigos de consumo em lojas ou lugares determinados f que permitam reter o salário a título de multa g que constituam renúncia feita pelo operário das indenizações a que tenha direito por acidente do trabalho e moléstias profissionais prejuízos ocasionados por descumprimento do contrato ou por despedida do emprego h todas as demais estipulações que impliquem renúncia de algum direito consagrado a favor do operário nas leis de proteção e auxílio aos trabalhadores XXVIII As leis determinarão os bens constituintes do patrimônio da família bens esses que serão inalienáveis não poderão sujeitarse a õnus reais nem a penhora e serão transmissíveis a título de herança com Simplificação das formalidades dos juízos sucessórios XXIX Considerase de utilidade social o estabelecimento de Caixas de Seguros Populares de invalidez de vida de cessação involuntária de trabalho de acidentes e outras com fins análogos razão pela qual tanto o Governo Federal como o de cada Estado deverão fomentar a organização de instituições dessa natureza para infundir e inculcar a previdência popular XXX Da mesma forma serão consideradas de utilidade social as sociedades cooperativas para a construção de casas baratas e higiênicas destinadas a serem adquiridas como propriedade pelos trabalhadores em prazos determinados CAPÍTULO 9º A CONSTITUIÇÃO ALEMÃ DE 1919 Origem Instituidora da primeira república alemã a Constituição dita de Weimar cidade da Saxônia onde foi elaborada e votada surgiu como um produto da grande guerra de 19141918 que encerrou o longo século XIX Promulgada imediatamente após o colapso de uma civilização ela ressentiuse desde o início em sua aplicação dos tumultos e incertezas inerentes ao momento histórico em que foi concebida A vigência efetiva dos textos constitucionais depende muito mais do que as leis ordinárias de sua aceitação pela coletividade Ao sair de uma guerra perdida que lhe custou ao cabo de quatro anos de combates cerca de 2 milhões de mortos e desaparecidos quase 10 da população ativa masculina sem contar a multidão dos definitivamente mutilados o povo alemão passou a descrer de todos os valores tradicionais e inclinouse para soluções extremas Sem dúvida o texto constitucional é equilibrado e prudentemente inovador Mas não houve tempo suficiente para que as novas idéias amadurecessem nos espíritos e as instituições democráticas começassem a funcionar a contento A Constituição de Weimar foi votada ainda no rescaldo da derrota apenas sete meses após o armistício e sem que se divisassem com clareza os novos valores sociais Ela não podia deixar assim de apresentar ambigüidades e imprecisões a começar pela própria designação do novo Estado que se quis reconstruir sobre as ruínas do antigo A Carta política abrese com a surpreendente declaração de que o império alemão das Deutsche Reich é uma República Mesmo antes do armistício de 11 de novembro a Alemanha viuse sacudida por uma rebelião naval que em pouco tempo desembocou em verdadeira guerra civil Em 29 de outubro de 1918 os marinheiros estacionados no porto de Kiel rebelaramse contra uma ordem do comando naval da frota de altomar para se lançarem à batalha final Em 3 de novembro a revolta ganhou adesões na quasetotalidade das forças navais ao mesmo tempo em que um pouco em toda parte constituíamse conselhos de soldados e operários segundo o modelo soviético Embora a abdicação do Kaiser Guilherme II fosse insistentemente pedida ele ainda tentou salvar a dinastia ao nomear no início de novembro seu filho o Príncipe Max de Baden como chefe do governo Alimentava com isso a esperança de ganhar tempo e em último caso abrir mão tãosó da coroa imperial permanecendo como rei da Prússia Os acontecimentos no entanto precipitaramse Na noite de 7 para 8 de novembro uma República Democrática e Socialista era proclamada na Baviera No dia imediato ao sentirem que a liderança das forças populares lhes escapava em proveito dos grupos de esquerda mais radicais notadamente o grupo Spartakus chefiado por Karl Liebknecht os representantes do partido socialista majoritário alemão MSPD retiraramse do governo e convocaram uma greve geral O Príncipe Max anunciou então a abdicação do imperador designou o líder dos socialistas majoritários Friedrich Ebert para exercer as funções de chanceler e propôs a convocação de uma assembléia nacional constituinte No mesmo dia à tarde o ministro Philip Scheidemann também do MSPD tomou a iniciativa de proclamar a república do balcão da chancelaria em Berlim O governo provisório então formado sob a denominação de Conselho dos Delegados do Povo era chefiado por Ebert e compreendia três representantes dos socialistas majoritárioS e três do Partido Social Democrático Independente USPD Seus primeiros decretos foram o estabelecimento da jornada de trabalho de oito horas e a atribuição do direito de voto às mulheres SegUiramse várias medidas de assistência social aos setores mais carentes da população Os objetivos políticoconstitucionais dos partidos que compunham o governo provisório eram porém divergentes Enquanto o MSPD propugnava a convocação de uma assembléia nacional constituinte e o estabelecimento de uma democracia parlamentar o USPD manifestavase a favor da imediata instituição da ditadura do proletariado e da completa socialização da economia sem passar por uma reconstitucionalização formal do país Nos últimos dias de novembro o governo promulgou uma nova lei eleitoral e convocou eleições para a formação de um congresso de representantes das diferentes províncias imperiais que veio a se reunir em Berlim em 16 de dezembro Em 20 de janeiro de 1919 esse congresso votou por ampla maioria a convocação de uma assembléia nacional constituinte Uma semana antes porém exatamente entre 6 e 15 de janeiro as forças policiais que compreendiam vários grupos paramilitares empenhararamse em sangrentos combates de rua em Berlim contra os militantes do grupo Spartakus Em meio à refrega os líderes esquerdistas Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo foram capturados e sumariamente executados Com o desaparecimento dessas grandes personalidades da esquerda únicas em condições de resistir criticamente à influência do comunismo soviético o movimento socialista alemão viuse singularmente enfraquecido para ganhar a confiança das classes médias e enfrentar com êxito nas urnas o pengo montante da extrema direita totalitária As eleições para a constituinte realizaramse em 6 de fevereiro e contrariamente à expectativa os partidos socialistas não alcançaram a maioria absoluta obtendo apenas 185 cadeiras 163 para o MSPD e 22 para o USPD num total de 414 O projeto de Constituição foi redigido por Hugo Preuss discípulo do historiador do direito e teórico do antigo comunitarismo germânico Otto v Gierke1 Desde a sua concepção portanto a Constituição de Weimar se estruturava contraditoriamente procurando conciliar idéias prémedievais com exigências socialistas ou liberaiscapitalistas da civilização industrial Instalada em 6 de fevereiro de 1919 a assembléia nacional constituinte encerrou seus trabalhos em 31 de julho seguinte quando foi aprovada a nova Constituição por 272 votos contra 75 e várias abstenções Pouco antes porém em 9 de julho a assembléia havia ratificado o tratado de Versalhes que impôs à Alemanha indenizações de guerra em montante desproporcional e insuportável Como advertiu Keynes2 as potências vencedoras criavam com isso as condições predisponentes de um futuro colapso financeiro da República Alemã tornando impossível a sua normal integração no concerto europeu do pósguerra O fator desencadeante da bancarrota adveio dez anos após com o colapso da Bolsa de Nova York e a grande depressão mundial que se lhe seguiu Abriase assim o palco para a entrada em cena da barbárie nazista que destruiu a República de Weimar em poucas semanas no início de 1933 Importância histórica Apesar das fraquezas e ambigüidades assinaladas e malgrado a sua breve vigência a Constituição de Weimar exer 1 A doutrina comunitária alemã sustentava que as tradições e instituições jurídicas dos povos germânicos não se baseavam em relações contratuais individualistas mas sim em organizações de tipo familiar e clânico A Constituicão de Wejmar como não poderia deixar de ser só incorporou a linguagem dos comunitanstas como por exemplo na segunda seção da segunda parte ao falar de vida comUflitária e na quarta seção dessa mesma parte ao dispor que a instrução pública é organicamente estruturada não as instituições comunitárias do passado germanico 2 The Economic Consequences of the Peace 1919 ceu decisiva influência sobre a evolução das instituições políticas em todo o Ocidente O Estado da democracia social cujas linhasmestras já haviam sido traçadas pela Constituição mexicana de 1917 adquiriu na Alemanha de 1919 uma estrutura mais elaborada que veio a ser retomada em vários países após o trágico interregno nazifascista e a 2ª Guerra Mundial A democracia social representou efetivamente até o final do século XX a melhor defesa da dignidade humana ao complementar os direitos civis e políticos que o sistema comunista negava com os direitos econômicos e sociais ignorados pelo liberalcapitalismo De certa forma os dois grandes Pactos internacionais de direitos humanos votados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1966 3 foram o desfecho do processo de institucionalização da democracia social iniciado por aquelas duas Constituições no início do século A estrutura da Constituição de Weimar é claramente dualista a primeira parte tem por objeto a organização do Estado enquanto a segunda parte apresenta a declaração dos direitos e deveres fundamentais acrescentando às clássicas liberdades individuais os novos direitos de conteúdo social Essa estrutura dualista não teria minimamente chocado os juristas de formação conservadora caso a segunda parte da Constituição de Weimar se tivesse limitado à clássica declaração de direitos e garantias individuais4 Estes com efeito são instrumentos de defesa contra o Estado delimitações do campo bem demarcado da liberdade individual que os Poderes Públicos 3 Vide infra capítulo 17º 4 Um dos maiores constitucionalistas alemães de então Carl Schmitt sustentou que no texto de 1919 havia duas Constituições e não uma só pois enquanto a Primeira parte do documento era neutra em matéria de valores competindo ao legislador ordinário decidir quais as opções sociais que o Estado alemão deveria tomar a segunda parte tinha uma orientação nitidamente socialista declarando direitos fundamentais de natureza muito diversa e mesmo contraditória Verfassungslehre 1ª ed 1928 e 7ª ed 1989 Berlim p 169 Legalität und Legimitität 1ª ed 1932 e 4ª ed 1988 Berlim p 52 e 5 não estavam autorizados a invadir Os direitos sociais ao contrário têm por objeto não uma abstenção mas uma atividade positiva do Estado pois o direito à educação à saúde ao trabalho à previdência social e outros do mesmo gênero só se realizam por meio de políticas públicas isto é programas de ação governamental Aqui são grupos sociais inteiros e não apenas indivíduos que passam a exigir dos Poderes Públicos uma orientação determinada na política de investimentos e de distribuição de bens o que implica uma intervenção estatal no livre jogo do mercado e uma redistribuição de renda pela via tributária Essa orientação marcadamente social e não individualista aparece até mesmo nas disposições que o constituinte classificou como se referindo a pessoas individuais Assim é que o art 113 de modo pioneiro atribuiu a grupos sociais de expressão não alemã o direito de conservarem o seu idioma mesmo em processos judiciais ou em suas relações com a Administração Pública Fixouse dessa forma a necessária distinção entre diferenças e desigualdades As diferenças são biológicas ou culturais e não implicam a superioridade de alguns em relação a outros As desigualdades ao contrário são criações arbitrárias que estabelecem uma relação de inferioridade de pessoas ou grupos em relação a outros Assim enquanto as desigualdades devem ser rigorosamente proscritas em razão do princípio da isonomia as diferenças devem ser respeitadas ou protegidas conforme signifiquem uma deficiência natural ou uma riqueza cultural No campo da vida familiar a Constituição alemã de 1919 contém mais duas inovações de importância Ela estabeleceu pela primeira vez na história do direito ocidental a regra da igualdade jurídica entre marido e mulher art 119 e equiparou os filhos ilegítimos aos legitimamente havidos durante o matrimônio no que diz respeito à política social do Estado art 121 Ademais a família e a juventude são postas precipuamente sob a proteção estatal arts 119 e 122 Mas foi sem dúvida pelo conjunto das disposições sobre a eduCaçãO pública e o direito trabalhista que a Constituição de Weimar organizou as bases da democracia social Consagrando a evolução ocorrida durante o século XIX e que contribuiu decisivamente para a elevação social das camadas mais pobres da população em vários países da Europa Ocidental atribuiuse precipuamente ao Estado o dever fundamental de educação escolar A educação fundamental foi estabelecida com a duração de oito anos e a educação complementar até os dezoito anos de idade do educando Em disposição inovadora abriuse a possibilidade de adaptação do ensino escolar ao meio cultural e religioso das famílias art 146 segunda alínea Determinou a Constituição que na escola pública em ambos os níveis o fundamental e o complementar o ensino e o material didático fossem gratuitos art 145 in fine Ademais previuse a concessão de subsídios públicos aos pais de alunos considerados aptos a cursar o ensino médio e o superior art 146 última alínea A seção sobre a vida econômica abrese com uma disposição de princípio que estabelece como limite à liberdade de mercado a preservação de um nível de existência adequado à dignidade humana art 151 A função social da propriedade foi marcada por uma fórmula que se tornou célebre a propriedade obriga art 153 segunda alínea Tal como na Constituição mexicana de 1917 os direitos trabalhistas e previdenciários são elevados ao nível constitucional de direitos fundamentais arts 157 e s Nesse conjunto de normas duas devem ser ressaltadas A do art 162 chama a atenção pela sua extraordinária antecipação histórica a preocupação em se estabelecerem padrões mínimos de regulação internacional do trabalho assalariado tendo em vista a criação à época ainda incipiente de um mercado internacional de trabalho No art 163 é claramente assentado o direito aotrabalho que o sistema liberalcapitalista sempre negou Ele implica claramente o dever do Estado de desenvolver a política de pleno emprego cuja necessidade até mesmo por razões de estabilidade política foi cruamente ressaltada pela recessão dos anos 30 Nos arts 165 e seguintes foi instituída a participação de empregados e empregadores na regulação estatal da economia O movimento fascista tomou por base essas disposições da Constituição de Weimar para deformálas criando a organização corporativa da economia sob a dominação do partido único O Texto Excertos 5 SEGUNDA PARTE Direitos e Deveres Fundamentais dos Alemães Primeira Secção As Pessoas Individuais Art 113 Os grupos de língua estrangeira componentes do povo alemão não podem por via legislativa ou administrativa ser prejudicados em seu desenvolvimento livre e popular especialmente no emprego de sua língua materna no ensino assim como na administração interna e na administração da justiça Segunda Secção A Vida Comunitária Art 119 O matrimônio é posto sob especial proteção da Constituição como fundamento da vida familiar da conservação e do incremento da nação Ele se assenta na igualdade de direitos de ambos os sexos 5 Tradução do autor A higidez saúde e o progresso social da família são tarefas do Estado Staat6 e dos Municípios As famílias de prole numerosa têm direito a exigir amparo e auxílio do Estado Staat A maternidade deve ser amparada e protegida pelo Estado Art 121 A legislação deve assegurar aos filhos ilegítimos as mesmas condições de desenvolvimento físico espiritual e social dos filhos legítimOS Art 122 A juventude deve ser protegida contra a exploração e o abandono moral intelectual e físico O Estado e os Municípios devem criar as instituições necessárias para tanto Regras de proteção por via coativa só podem ser determinadas com base na lei Quarta Secção Educação e Escola Art 145 A escolaridade é obrigatória para todos Ela é realizada fundamentalmente pela escola popular em pelo menos oito anos letivos e pela anexa escola complementar até os dezoito anos completos O ensino e o material didático na escola popular e na escola complementar são gratuitos Art 146 A instrução pública é estruturada de forma orgânica Para cada escola primária comum organizase uma escola média e uma escola superior Para essa organização o determinante é a pluralidade das vocações de vida sendo que para a admissão de uma criança em determinada escola são levadas em conta suas aptidões e inclinações não a situação econômica a posição social ou a religião de seus pais No âmbito municipal porém são instituidas a pedido das pessoas responsáveis pela educação das crianças escolas populares adaptadas à sua confissão religiosa ou à sua visão de mundo desde que o ensino no 6 No texto da Constituição de Wejmar Staat designa propriamente o conjunto dos poderes estatais compreendendo portanto já que se trata de uma federação o Estado Central ou União Federal que a Constituição denomina Reich e os Estados federados Länder Os Municípios Gemeinde não fazem parte da federação e por isso mesmo podem ser contrapostos a Staat como se vê no texto deste artigo Acontece no entanto que o termo Reich é usado na Constituição de Weimar de modo ambíguo ora significando o Estado Central ora designando a própria Alemanha como nação politicamente organizada sentido do disposto na primeira alínea deste artigo não seja prejudicado A vontade das pessoas encarregadas da educação das crianças deve ser tanto quanto possível levada em consideração As particularidades locais determinam a legislação dos Estados federados die Landesgesetzgebung respeitados os princípios de uma lei nacional Reichgesetz Para o acesso de pessoas de poucos recursos às escolas médias e superiores subsídios públicos são oferecidos pelo Estado central Reich os Estados federados Lãnder e os Municípios para os pais de crianças que sejam consideradas aptas a cursar a escola média e a escola superior até o final de seus estudos Quinta Secção A Vida Econômica Art 151 A ordenação da vida econômica deve obedecer aos princípios da justiça com o fim de assegurar a todos uma existência conforme à dignidade humana Dentro desses limites é garantida a liberdade econômica dos indivíduos Art 152 Nas relações econômicas a liberdade de contratar é válida na forma da lei A usura é proibida São nulos os negócios jurídicos que atentem contra os bons costumes Art 153 A propriedade é garantida pela Constituição Seu conteúdo e seus limites resultam das disposições legais A propriedade obriga Seu uso deve ademais servir ao bem comum Art 157 A força de trabalho é posta sob proteção do Estado Central Reich O Estado Central institui um direito do trabalho uniforme Art 159 A liberdade de associação para a proteção e o progresso das condições econômicas e de trabalho é garantida para cada uma e todas as profissões Todas as convenções e medidas regulamentares que limitem ou estorvem essa liberdade são ilícitas Art 161 Para conservação da saúde e capacidade de trabalho para proteção da maternidade e assistência contra as conseqüências econômicas da velhice da invalidez e das vicissitudes da vida o Estado Central Reich institui um amplo sistema de seguros com a colaboração obrigatória dos segurados Art 162 O Estado central toma a iniciativa de propor uma regulação internacional das relações jurídicas de trabalho tendente a criar um padrão mínimo geral de direitos sociais Art 163 Sem prejuízo de sua liberdade pessoal todos os alemães têm o dever moral de utilizar suas forças físicas e espirituais para o bem da comunidade A todo alemão dáse a possibilidade de prover à sua subsistência pelo seu trabalho Enquanto não se lhe puder proporcionar uma oportunidade de trabalho cuidarseá de suas necessidades de subsistência As particularidades locais serão atendidas mediante leis especiais do Estado central besondere Reichsgesetze Art 164 A classe média na agricultura na indústria e no comércio deve ser amparada pela legislação e a administração pública e protegida contra a sobrecarga e a exaustão Art 165 Os operários e empregados são chamados a colaborar em igualdade de direitos com os empresários na regulação das condições de salário e trabalho assim como na evolução econômica geral das forças produtivas São reconhecidas as organizações de ambas as categorias e bem assim as convenções que celebrarem entre si Para salvaguarda de seus interesses sociais e econômicos os operários e empregados mantêm representantes legais nos conselhos de empresa bem como de acordo com os setores econômicos em Conselhos Distritais de Trabalhadores e num Conselho Nacional de Trabalhadores Os Conselhos Distritais de Trabalhadores e o Conselho Nacional de Trabalhadores para o cumprimento das tarefas econômicas gerais e para a colaboração na execução das leis de socialização reúnemse com os representantes dos empresários e bem assim com os dos grupos sociais interessados em Conselhos Distritais Econômicos e num Conselho Econômico Nacional Os Conselhos Distritais Econômicos e o Conselho Econômico Nacional devem ser organizados de forma que todos os grupos profissionais relevantes segundo sua importância econômica e social sejam neles representados Projetos de lei de fundamental importância em matéria de política social e de política econômica devem ser submetidos previamente à sua apresentação à consideração do Conselho Econômico Nacional O Conselho Econômico Nacional tem também a iniciativa dessas leis Se o Governo federal não estiver de acordo com esses projetos de lei tem o direito de Submeter sua opinião à consideração da Assembléia Nacional O Conselho Econômico Nacional por intermédio de um de seus membros pode defender seu projeto de lei perante a Assembléia Nacional Reichstag CAPÍTULO 10º A CONVENÇÃO DE GENEBRA SOBRE A ESCRAVATURA 1926 O tráfico de escravos africanos iniciado pelos árabes no século IX adquiriu grande amplitude com a fixação dos primeiros entrepostos portugueses na África Ocidental na primeira metade do século XV As diferenças entre o tráfico conduzido pelos árabes e o explorado pelos europeus foram significativas A escravidão nas sociedades muçulmanas atingia indiferentemente brancos e negros e tinha um caráter sobretudo doméstico os escravos serviam a família Para os europeus diversamente o tráfico visou desde o início tãosó à população negra e inseriuse no empreendimento das culturas agroexportadoras organizadas em forma capitalista nos grandes domínios rurais do continente americano Os primeiros estabelecimentos da agroindústria açucareira no Brasil datam já das primeiras décadas da colonização e foram responsáveis durante mais de um século pela alimentação da maior corrente de comércio internacional da época As Américas conheceram o mais vasto sistema de escravidão jamais organizado em toda a História Até então a servidão de pessoas humanas era uma conseqüência da guerra as populações vencidas eram capturadas para servir ao vencedor nem sempre como trabalhadores manuais e o excedente vendido no mercado A nova forma de escravidão praticada no continente americano distinguiuse nitidamente da antiga pelo seu caráter empresarial A produção de açúcar de tabaco e de algodão foi organizada segundo padrões capitalistas com a mãodeobra escrava sendo computada como puro insumo analogamente à matériaprima Nos grandes estabelecimentos agrícolas da América tropical quase inteiramente voltados para a exportação a mãodeobra sempre foi o fator de produção mais escasso em contraste com as vastas extensões de terras não ocupadas Era natural pois que o comércio de fornecimento de trabalhadores tomasse desde logo grandes proporções De acordo com as estimativas mais recentes quatro milhões de escravos africanos foram exportados pelo Mar Vermelho mais quatro milhões pelo Oceano Indico e nove milhões pelas rotas de caravanas pelo Saara As cifras do tráfico transatlântico variam de um mínimo de onze1 a um máximo de vinte milhões de escravos A estimativa de maior aceitação entre os historiadores é a de doze a treze milhões de africanos transportados para as Américas dos quais o Brasil teria recebido o maior contingente cerca de três milhões e meio Calculase que um milhão e meio de escravos pereceram durante o transporte pelo Atlântico e que um número ainda maior teria falecido antes do embarque Uma vez chegados ao Novo Mundo entre 5 e 10 dos africanos morriam logo no primeiro ano Por volta de 1850 o número total de escravos vivendo nas Américas foi estimado em seis milhões 1 Onze milhões é a cifra apresentada por Hugh Thomas em sua obra The Slave Trade The Story of the Atlantic Slave Trade 14401870 Simon Schuster 1997 Sobre o assunto vejamse também Robin Blackburn The Making of the New World Slavery From the Baroque to the Modern 14921800 Verso Londres e Nova York Barbara L Solow org Slavery and the Rise of the Atlantic System Cambridge University Press Especificamente sobre o tráfico negreiro entre Angola e o Brasil cf Joseph C Miller Way of Death Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 17301830 The Universitv of Wisconsin Press e Linz Felipe de Alencastro O Trato dos Viventes Formação do Brasil no Atlântico Sul Companhia das Letras São Paulo Essa formidável sangria humana foi sem dúvida a principal causa da definitiva fragilização do continente africano não só em matéria econômica mas sobretudo no campo social O estigma da escravidão ancestral continua até hoje a marcar a alma das populações negras A repressão ao tráfico na verdade somente teve início no século XIX No tratado de aliança e amizade entre a Inglaterra e Portugal assinado no Rio de Janeiro em 1810 o príncipe regente português declarandose plenamente convencido da injustiça e má política do comércio de escravos obrigouse a que aos seus vassalos não será permitido continuar o comércio de escravos em outra alguma parte da Costa da África que não pertença atualmente aos domínios de Sua Alteza Real Por cláusula secreta do mesmo tratado D João em troca dos bons ofícios da Inglaterra para a restituição a Portugal de alguns territórios notadamente aquele compreendido nos antigos limites da América Portuguesa do lado de Caiena comprometeuse a abolir de pronto todo o comércio e tráfico de escravos nos estabelecimentos de Bissau e Cacheu Cinco anos mais tarde por um tratado assinado em Viena com a mesma Inglaterra Portugal declarava proibir doravante a todos os seus nacionais o comprar escravos ou traficar neles em qualquer parte da costa da Africa ao norte do Equador Esse compromisso foi complementado por uma convenção assinada em Londres em 1817 pela qual se reconhecia à Inglaterra o direito de visita e busca das naus portuguesas suspeitas de servirem ao tráfico negreiro Os tratados de paz de Paris de 1814 e 1815 bem como as Declarações do Congresso de Viena de 1815 e a Declaração de Verona de 1822 reconhecendo que o tráfico de escravos violava os princípios de justiça e de humanidade exortaram os Estados signatários a tomar cada qual no âmbito de sua competência as medidas apropriadas para reprimilo Os tratados de 1831 2 e 1833 entre a França e a GrãBretanha o tratado de Londres de 1841 e o tratado de Washington de 1862 ocuparamse da repressão do transporte de escravos africanos por via marítima estabelecendo poderes recíprocos de visita busca e captura dos navios suspeitos de servir ao tráfico negreiro Tornado independente em 1822 o Brasil celebrou com a Inglaterra em 1826 uma convenção segundo a qual o tráfico que se fizesse depois de três anos da troca de ratificações seria equiparado à pirataria Em 1835 a Inglaterra verificando o reiterado descumprimento dessa convenção conseguiu obter do Brasil a aceitação de alguns artigos adicionais ao texto de 1826 Mas tudo continuou letra morta levando o parlamento britânico a votar em 1845 o chamado bill Aberdeen pelo qual os cruzadores ingleses foram autorizados a apresar os navios negreiros brasileiros mesmo em altomar e submetêlos a julgamento perante as Cortes do Almirantado Uma das justificativas britânicas para esse recurso unilateral à força foi o fato de que pelo tratado de 1826 o transporte ilegal de escravos por via marítima seria considerado um ato de pirataria Somente cinco anos mais tarde em 4 de setembro de 1850 poucos meses depois que o Almirantado britânico havia dado ordem a seus navios de guerra para fazerem a repressão ao tráfico até mesmo nas águas e portos do Brasil a Assembléia Geral no Rio de Janeiro votou a Lei Eusébio de Queiroz proibindo o tráfico negreiro e estabelecendo severas punições para os infratores O imperialismo colonialista europeu fez recrudescer no último quartel do século XIX as condições desumanas da exploração in loco de mãodeobra servil para o desenvolvimento 2 O tratado de 1831 delimitava como zona onde se exerceriam os poderes recíprocos de visita busca e captura de navios suspeitos a costa ocidental da África uma zona de cerca de 20 milhas marítimas em torno de Madagascar bem como as zonas com essa mesma extensão em torno de Cuba Porto Rico e ao longo da Costa brasileira e a expansão do capitalismo industrial Com a abolição da escravidão legal nas Américas e o estabelecimento da concorrência imperialista na África o interesse empresarial pelo tráfico negreiro declinara sensivelmente É verdade que o Ato Geral da Conferência de Berlim de 1885 continha disposições repressoras não apenas do tráfico mas da própria escravidão Mas as suas disposições que diziam respeito apenas à região do Congo nunca foram aplicadas A conferência diplomática instalada em Bruxelas em novembro de 1889 e que encerrou seus trabalhos no ano seguinte com a proclamação de um Ato Geral sobre a repressão ao tráfico de escravos africanos foi na verdade um colossal embuste O seu objetivo declarado não era a abolição das práticas escravistas o acordo final admitiu expressamente a continuidade da escravidão doméstica nos países signatários onde ela subsistia capítulo 1º3 mas sim a repressão ao tráfico de escravos que se fazia em prejuízo do chamado Estado Livre do Congo criado e explorado pelo rei belga Leopoldo II como seu patrimônio pessoal No final do século XIX aliás o tráfico negreiro que já tinha sido uma das mais pujantes indústrias da idade moderna perdera muito de sua importância no plano mundial Logo após a assinatura do Ato Geral da Conferência de Bruxelas o boom da borracha levou as autoridades do Estado Livre do Congo a um paroxismo de brutalidade contra as populações locais reduzidas à mais abominável escravidão Estimase que entre 5 e 8 milhões de seres humanos homens mulheres e crianças tenham sido exterminados 3 O texto oficial em língua francesa emprega o adjetivo domestique que significa como em português o que diz respeito à vida da casa da família Em inglês porém domestic pode significar também o que diz respeito a assuntos internos de um país A ambigüidade era portanto evidente em uma das experiências mais sanguinárias do capitalismo colonialista4 Encerrada a 1ª Guerra Mundial a Convenção de SaintGermainenLaye de 1919 celebrada pelos Estados Unidos Bélgica Império Britânico França Itália Japão e Portugal procedeu à revisão e atualização do Ato Geral da Conferência de Bruxelas Em 25 de setembro de 1926 a Assembléia da Liga das Nações aprovou uma convenção sobre a escravidão e o tráfico de escravos com o objetivo de completar e desenvolver a obra realizada pelo Ato de Bruxelas e de encontrar um meio de dar efeito prático no mundo inteiro às intenções expressas no tocante ao tráfico de escravos e à escravidão pelos signatários da Convenção de StGermainenLaye A Convenção de 1926 porém ficou a meio caminho da meta que seus autores se propuseram alcançar Logo no artigo 2º as altas partes contratantes declararam se obrigar de um lado a impedir e a reprimir o tráfico de escravos mas de outro simplesmente a promover a abolição completa da escravidão sob todas as suas formas progressivamente e assim que possível o que obyiamente não significava obrigação alguma na prática Reproduzindo as hesitações e meiasmedidas que tão bem conhecemos no Brasil durante a segunda metade do século XIX o relatório da comissão que redigiu o projeto de convenção declarou que para realizar com êxito a abolição efetiva da escravidão era indispensável não perder de vista a necessidade de manter a ordem e de assegurar o bemestar das populações interessadas Daí a razão do emprego da expressão progressivamente e assim que possível 4 Vejase a propósito o relato de Adam Hochschild sobre esse formidável massacre em O Fantasma do Rei Leopoldo Uma história de cobiça terror e heroísmo na África Colonial São Paulo Companhia das Letras 1999 No artigo 52 as disposições referentes ao trabalho forçado ou obrigatório parecem ter sido concebidas para deixar as coisas no mesmo estado de sempre Na 14ª Conferência Internacional do Trabalho reunida em Genebra em 1930 foi adotada a Convenção n 29 sobre a abolição do trabalho forçado Em 1953 um Protocolo aberto à assinatura ou à aceitação na sede da Organização das Nações Unidas em Nova York emendou a Convenção de 1926 a fim de adaptar as suas disposições ao quadro jurídico da Organização das Nações Unidas e à Corte Internacional de Justiça5 Em 1957 a 40ª Conferência Internacional do Trabalho aprovou a Convenção n 105 que editou novas normas sobre o trabalho forçado O Texto6 Excertos Artigo 1º Para os fins da presente Convenção fica entendido que 1º A escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem total ou parcialmente os atributos do direito de propriedade 2º O tráfico de escravos compreende todo ato de captura aquisição ou cessão de um indivíduo com o propósito de escravizálo todo ato de aquisição de um escravo com o propósito de vendêlo ou trocálo todo ato de cessão por meio de venda ou troca de um escravo adquirido para ser vendido ou trocado assim como em geral todo ato de comércio ou de transporte de escravos Artigo 2º As Altas Partes Contratantes se comprometem na medida em que ainda não hajam tomado as necessárias providências e cada uma nO 5 A Convenção tal como emendada pelo Protocolo só foi promulgada no Brasil pelo Decreto n 58563 de 1º de junho de 1966 6 Com a redação dada pelo Protocolo de 1953 que diz respeito aos territórios colocados sob a sua soberania jurisdição proteção suserania ou tutela a a impedir e reprimir o tráfico de escravos b a promover a abolição completa da escravidão sob todas as suas formas progressivamente e logo que possível Artigo 3º As Altas Partes Contratantes se comprometem a tomar todas as medidas necessárias para impedir e reprimir o embarque o desembarque e o transporte de escravos nas suas águas territoriais assim como em geral em todos os navios que arvorem os seus respectivos pavilhões As Altas Partes Contratantes se comprometem a negociar logo que possível uma Convenção Geral sobre o tráfico de escravos que lhes outorgue direitos e lhes imponha obrigações da mesma natureza dos que foram previstos na Convenção de 17 de junho de 1925 relativa ao Comércio Internacional de Armas artigos 12 20 21 22 23 24 e parágrafos 3 4 5 da seção II do anexo II sob reserva das adaptações necessárias ficando entendido que essa Convenção Geral não colocará os navios mesmo de pequena tonelagem de nenhuma das Altas Partes Contratrantes numa posição diferente da das outras Altas Partes Contratantes Fica igualmente entendido que antes e depois da entrada em vigor da mencionada Convenção Geral as Altas Partes Contratantes conservam toda liberdade de realizar entre si sem contudo derrogar os princípios estipulados no parágrafo precedente entendimentos especiais que em razão da sua situação peculiar lhes pareçam convenientes para conseguir com a maior brevidade possível a abolição completa do tráfico de escravos Artigo 4º As Altas Partes Contratantes prestarão assistência umas às outras para lograr a supressão da escravidão e do tráfico de escravos Artigo 5º As Altas Partes Contratantes reconhecem que o recurso ao trabalho forçado ou obrigatório pode ter graves conseqüências e se comprometem cada uma no que diz respeito aos territórios submetidos à sua soberania jurisdição proteção suserania ou tutela a tomar as medidas necessárias para evitar que o trabalho forçado ou obrigatório produza Condições análogas à escravidão Fica entendido que 1º Sob reserva das disposições transitárias enunciadas no parágrafo 2 abaixo o trabalho forçado ou obrigatório somente pode ser exigido para fins públicos 2º Nos territórios onde ainda existe o trabalho forçado ou obrigatório para fins que não sejam públicos as Altas Partes Contratantes se esforçarão por acabar com essa prática progressivamente com a maior rapidez possível e enquanto subsistir o trabalho forçado ou obrigatório só será empregado a titulo excepcional contra remuneração adequada e com a condição de não poder ser imposta a mudança do lugar habitual de residência 3º Em todos os casos as autoridades centrais competentes do território interessado assumirão a responsabilidade do recurso ao trabalho forçado ou obrigatório Artigo 6º As Altas Partes Contratantes cuja legislação não seja desde já suficiente para reprimir as infrações às leis e regulamentos promulgados para aplicar a presente Convenção se comprometem a tomar as medidas necessárias para que essas infrações sejam severamente punidas Artigo 7º As Altas Partes Contratantes se comprometem a comunicar umas às outras e ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas as leis e regulamentos que promulgarem para a aplicação das disposições da presente Convenção Artigo 8º As Altas Partes Contratantes convêm em que todos os litígios que possam surgir entre as mesmas quanto à interpretação ou à aplicação da presente Convenção serão encaminhados à Corte Internacional de Justiça se não puderem ser resolvidos por negociação direta Se os Estados entre os quais surgir algum litígio ou um deles não forem Partes no Estatuto da Corte Internacional de Justiça esse litígio será submetido à vontade dos Estados interessados quer à Corte Internacional de Justiça quer a um tribunal de arbitragem constituído em conformidade com a Convenção de 18 de outubro de 1907 para a solução pacífica dos conflitos internacionais quer a qualquer outro tribunal de arbitragem Artigo 9º Cada uma das Altas Partes Contratantes pode declarar quer no momento de sua assinatura quer no momento da sua ratificação ou ade são que no que diz respeito à aplicação das disposições da presente convenção ou de algumas delas sua aceitação não vincula todos ou qualquer dos territórios que se acham sob a sua soberania jurisdição proteção suserania ou tutela e cada uma das Altas Partes Contratantes poderá posteriormente aderir em separado total ou parcialmente em nome de qualquer deles CAPÍTULO 11º A CONVENÇÃO RELATIVA AO TRATAMENTO DE PRISIONEIROS DE GUERRA Genebra 1929 O chamado direito internacional humanitário cujo embrião foi a Convenção de Genebra de 1864 1 constituiuse no curso do século XX em dois ramos distintos De um lado o conjunto de normas internacionais destinadas a limitar o recurso a determinados métodos ou meios de combate durante as hostilidades armadas E o atual ius ad bellum o qual por razões históricas passou a ser conhecido como direito de Haia O segundo ramo do direito internacional humanitário é formado pelas normas internacionais que têm por fim proteger as vítimas de conflitos bélicos Tais normas pelo fato de terem sido adotadas em conferências internacionais patrocinadas pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha passaram a compor o direito de Genebra O vigente direito de Haia é composto por vários acordos internacionais o Protocolo de Genebra de 1925 sobre a proibição do emprego na guerra de gases asfixiantes tóxicos e similares e de meios bacteriológicos de guerra2 o Tratado para a proscrição de armas nucleares na América Latina3 o Tratado de nãoproliferação das armas nucleares de 1968 a Convenção de 1972 sobre a proibição do desenvolvimento produção e 1 Cf capítulo 7º supra 2 Promulgado no Brasil pelo Decreto n 67200 de 15 de setembro de 1970 3 Aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo n 50 de 1967 estocagem de armas bacteriológicas biológicas e à base de toxinas e sua destruição4 a Convenção sobre a proibição do desenvolvimento produção estocagem e uso de armas químicas e sobre a destruição das armas químicas existentes no mundo adotada no âmbito das Nações Unidas em 1993 5 o Tratado de proibição completa de testes nucleares de 1996 a Convenção de Ottawa de 1997 sobre a Proibição de Uso Armazenagem Produção e Transferência de Minas Antipessoais No final do século XX a distinção entre esses dois ramos do direito internacional humanitário tornouse praticamente inexistente Enquanto no início do século XX as vítimas civis de conflitos bélicos não passavam de 5 do total dos mortos feridos e desaparecidos no final do século as vítimas civis formam 90 desse total6 A Convenção de Genebra assinada em 27 de julho de 1929 refundiu e desenvolveu o conjunto das normas de proteção aos prisioneiros de guerra assentadas na Convenção de 1864 e na Convenção de Haia de 1907 sobre os prisioneiros de guerra marítima O Governo suíço assumiu a função de órgão centralizador dos instrumentos de ratificação os quais foram em seguida enviados ao Secretariado da Liga das Nações para lá serem depositados Tratase de documento normativo extenso e minucioso contendo noventa e sete artigos e um anexo regulando a captura o cativeiro a organização dos campos de prisioneiros o trabalho dos prisioneiros de guerra suas relações com o mundo exterior bem como entre si e com as autoridades o fim do cativeiro a morte dos cativos os escritórios de ajuda e informação 4 Promulgada no Brasil pelo Decreto n 77374 de 1º de abril de 1976 5 Aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n 9 de 29 de fevereiro de 1996 6 Cf Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Relatório do Desenvolvimento Humano 1998 edição portuguesa p 35 e a aplicação de suas disposições ao pessoal civil que acompanha as forças armadas sem delas fazer parte como jornalistas fornecedores de mantimentos etc O Texto7 Excertos PARTE 1 Disposições Gerais Artigo 2º Os prisioneiros de guerra achamse em poder do governo inimigo não em poder de indivíduos ou formações militares que os capturaram Eles devem em qualquer tempo ser tratados humanamente e protegidos contra atos de violência insultos e a curiosidade pública São proibidas medidas de represália contra eles Artigo 3º Os prisioneiros de guerra têm direito a serem respeitados em sua pessoa e em sua honra As mulheres devem ser tratadas com toda a consideração devida ao seu sexo Os prisioneiros de guerra mantêm sua plena capacidade civil Artigo 4º A Potência que detém prisioneiros de guerra em seu poder é obrigada a providenciar a sua manutenção Diferenças de tratamento entre prisioneiros são permitidas tãosó se se basearem em patente militar o estado de saúde física ou mental as habilidades profissionais ou o sexo dos beneficiários 7 Tradução do original inglês pelo autor CAPÍTULO 12º A CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS Significado Histórico da 2ª Guerra Mundial A Guerra Mundial de 1939 a 1945 costuma ser apresentada como a conseqüência da falta de solução na conferência internacional de Versalhes das questões suscitadas pela 1ª Guerra Mundial e portanto de certa forma como a retomada das hostilidades interrompidas em 1918 Essa interpretação é plausível mas deixa na sombra o fato de que o conflito bélico deflagrado na madrugada de 1º de setembro de 1939 com a invasão da Polônia pelas forças armadas da Alemanha nazista diferiu profundamente da guerra de 1914 a 1918 Diferiu não tanto pelo maior número de países envolvidos e a duração mais prolongada do conflito seis anos a partir das primeiras declarações oficiais de guerra sem contar portanto a ocupação da Manchúria pelo Japão em 1932 e a da Etiópia pela Itália em 1935 quanto pela descomunal cifra das vítimas Calculase que 60 milhões de pessoas foram mortas durante a 2ª Guerra Mundial a maior parte delas civis ou seja seis vezes mais do que no conflito do começo do século em que as vítimas em sua quasetotalidade eram militares Além disso enquanto a guerra do início do século provocou o surgimento de cerca de 4 milhões de refugiados com a cessação das hostilidades na Europa em maio de 1945 contavamse mais de 40 milhões de pessoas deslocadas de modo forçado ou voluntário dos países onde viviam em meados de 1939 Mas sobretudo a qualidade ou característica essencial das duas guerras mundiais foi bem distinta A de 19141918 desenrolouse apesar da maior capacidade de destruição dos meios empregados sobretudo com a introdução dos tanques e aviões de combate na linha clássica das conflagrações imediatamente anteriores pelas quais os Estados procuravam alcançar conquistas territoriais sem escravizar ou aniquilar os povos inimigos A 2ª Guerra Mundial diferentemente foi deflagrada com base em proclamados projetos de subjugação de povos considerados inferiores lembrando os episódios de conquista das Américas a partir dos descobrimentos Demais o ato final da tragédia o lançamento da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9 de agosto de 1945 respectivamente soou como um prenúncio de apocalipse o homem acabara de adquirir o poder de destruir toda a vida na face da Terra As consciências se abriram enfim para o fato de que a sobrevivência da humanidade exigia a colaboração de todos os povos na reorganização das relações internacionais com base no respeito incondicional à dignidade humana A Organização das Nações Unidas A ONU difere da Sociedade das Nações na mesma medida em que a 2ª Guerra Mundial se distingue da 1ª Enquanto em 1919 a preocupação única era a criação de uma instância de arbitragem e regulação dos conflitos bélicos em 1945 objetivouse colocar a guerra definitivamente fora da lei Por outro lado o horror engendrado pelo surgimento dos Estados totalitários verdadeiras máquinas de destruição de povos inteiros suscitou em toda parte a consciência de que sem o respeito aos direitos humanos a convivência pacífica das nações tomavase impossível Por isso enquanto a Sociedade das Nações não passava de um clube de Estados com liberdade de ingresso e retirada conforme suas conveniências próprias as Nações Unidas nasceram com a vocação de se tornarem a organização da sociedade política mundial à qual deveriam pertencer portanto necessariamente todas as nações do globo empenhadas na defesa da dignidade humana As idéias germinais da ONU encontramse na mensagem sobre o estado da União dirigida pelo Presidente Franklin D Roosevelt ao Congresso norteamericano em 6 de janeiro de 1941 bem como na chamada Carta do Atlântico assinada pelo Presidente Roosevelt e o PrimeiroMinistro britânico Winston Churchill em 14 de agosto do mesmo ano Na primeira parte de sua mensagem sobre o estado da União de 6 de janeiro de 1941 o Presidente norteamericano procurou demonstrar que os Estados Unidos por razões de decência e de segurança nacional não poderiam permanecer indiferentes diante do assalto à liberdade dos povos que vinha sendo perpetrado pelos países do Eixo Alemanha Itália e Japão Na segunda parte do seu discurso o Presidente traçou as linhas gerais do que deveria ser a política internacional dos Estados Unidos no esforço de reconstrução do mundo no pósguerra No porvir que procuramos tornar seguro ansiamos por um mundo fundado em quatro liberdades humanas essenciais A primeira é a liberdade de palavra e expressão em todas as partes do mundo A segunda é a liberdade para todas as pessoas de adorar Deus do modo que lhes pareça mais apropriado em todas as partes do mundo A terceira é a libertação da penúria freedom from want a qual traduzida em termos mundiais significa a existência de acordos econômicos que assegurem a todas as nações uma paz sólida em todas as partes do mundo A quarta é a libertação do medo a qual traduzida em termos mundiais significa uma redução de armamentos em escala mundial em tal grau e de modo tão completo que nação alguma esteja em condições de cometer um ato de agressão física contra qualquer de seus vizinhos em todas as partes do mundo Na Carta do Atlântico Roosevelt e Churchill declararam que o objetivo comum a seus países na guerra em curso era o respeito pelo direito de todos os povos de escolher a sua própria forma de governo bem como a intenção de lutar para a restauração dos direitos soberanos e de autogoverno para todos aqueles que foram deles privados pela força Os signatários obrigavamse a promover o igual acesso de todos os Estados ao comércio mundial e ao suprimento de matériasprimas Declararam esperar promover a colaboração mundial para a melhoria dos padrões de trabalho o progresso econômico e a previdência social Comprometeramse após a destruição da tirania nazista a procurar estabelecer uma situação de paz em que todas as nações pudessem viver com segurança dentro de suas fronteiras livres do medo e da miséria A Carta do Atlântico foi depois incorporada à Declaração das Nações Unidas de 12 de janeiro de 1942 em que as 26 potências que combatiam as forças do Eixo proclamaram seus objetivos de guerra Os signatários foram declarados membros originários da ONU cuja Carta de fundação foi assinada por 51 países em 26 de junho de 1945 ao término da Conferência de São Francisco1 No texto da Carta como se vê da leitura dos artigos 13 e 55 os direitos humanos foram concebidos como sendo unicamente as liberdades individuais No entanto um dos propósitos da Organização como se lê no preâmbulo da Carta é o de empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos Com esse intuito foi criado o Conselho Econômico e Social órgão inexistente no quadro da Sociedade das Nações atribuindoselhe a incumbência de favorecer entre os povos níveis mais altos de vida trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento 1 O Brasil aprovou a Carta das Nações Unidas pelo Decretolei n 7935 de 4 de setembro de 1945 ratificandoa em 21 de setembro econômico e social Mas o efetivo direito ao desenvolvimento só veio a ser reconhecido mais tarde e ainda assim despojado dos necessários instrumentos de garantia2 Em contrapartida a Carta das Nações Unidas afirma equivocadamente a existência de um direito de autodeterminação dos povos Em cumprimento ao disposto no art 68 da Carta em 1946 o Conselho Econômico e Social por meio de duas Resoluções 51 de 16 de fevereiro e 92 de 21 de junho aprovou o estatuto da Comissão de Direitos Humanos composta de 54 Estados com mandato de dois anos A Comissão de Direitos Humanos exerce dupla função de promoção e de proteção da dignidade humana Na qualidade de órgão promotor de direitos humanos a Comissão encarregase de elaborar o anteprojeto de declarações e tratados internacionais relativos a esses direitos Assim foi com a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e com os dois Pactos Internacionais de 1966 aprovados pela Assembléia Geral o primeiro sobre direitos civis e políticos o segundo sobre direitos econômicos sociais e culturais3 A função de proteção dos direitos humanos exercida pela Comissão é objeto de dois procedimentos especiais definidos pelas Resoluções de números 1235 e 1503 baixadas pelo Conselho Econômico e Social respectivamente em 1967 e 1970 Por força da primeira dessas Resoluções a Comissão de Direitos Humanos tem competência para iniciar ex oficio inquéritos sobre situações de violações flagrantes e reiteradas de direitos humanos inquéritos esses que podem levar a uma condenação do Estado considerado responsável A Comissão tem ainda competência para pôr em funcionamento um mecanismo 2 Vejamse os capítulos 20º e 21º desta obra 3 Cf infra capítulos 13º e 17º de vigilância e informação sobre um país ou um tema determinado No procedimento regulado pela Resolução n 1503 a Comissão de Direitos Humanos examina toda comunicação suscetível de revelar um conjunto de violações flagrantes e sistemáticas de direitos humanos O denunciante pode ser uma pessoa natural ou jurídica e os prérequisitos para que a denúncia seja recebida pela Comissão são três a comunicação não deve ser insultante nem anônima todos os recursos internos devem ter sido exauridos e a situação relatada não deve ser objeto de um outro procedimento internacional Em 20 de dezembro de 1993 pela Resolução n 48181 a Assembléia Geral das Nações Unidas criou o posto de Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos com a missão de promover o respeito universal de todos os direitos humanos traduzindo em atos concretos a vontade e a determinação da comunidade internacional tal como ela se exprime por intermédio da ONU Já no que concerne à tarefa da ONU de manter a paz e a segurança internacionais a qual constitui o primeiro dos propósitos e princípios da Organização é forçoso reconhecer que ela tem sido descumprida em razão da estrutura oligárquica do Conselho de Segurança onde os membros permanentes têm o poder de veto Além disso uma das principais atribuições do órgão a saber a de formular os planos a serem submetidos aos membros das Nações Unidas para o estabelecimento de um sistema de regulamentação dos armamentos art 26 nunca foi levada a sério pois ela se choca com os interesses nacionais das grandes potências Entre 1987 e 1994 as despesas militares mundiais situaramse no fantástico nível de 36 do produto bruto mundial E muito embora na virada do século tenham baixado para cerca de 26 do produto mundial elas tendem a retomar seu crescimento em razão da necessidade intrínseca do sistema capitalista de aumento exponencial do consumo como base de sustentação para o crescimento da produção que realimenta o processo de acumulação de capital A guerra como sabido é um sorvedouro de recursos e o melhor estimulante das economias em recessão Em razão do mesmo sistemático abuso de poder por parte do Conselho de Segurança o sistema de solução pacífica de controvérsias organizado no capítulo VI da Carta não tem funcionado a contento O art 36 3 prevê a obrigatória submissão à Corte Internacional de Justiça com sede em Haia de todas as controvérsias de caráter jurídico Mas os membros permanentes do Conselho de Segurança quando essa solução não lhes convém impedem o normal recurso à jurisdição internacional preferindo resolver a disputa com o uso de toda a sorte de pressões inclusive a intervenção militar Aliás a autoridade da Corte Internacional de Justiça como órgão jurisdicional é limitada pois salvo declaração em contrário os Estados partes no Estatuto da Corte não se submetem de pleno direito à sua jurisdição Estatuto art 36 2 O Texto4 Excertos NÓS OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes no espaço da nossa vida trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem na dignidade e no valor do ser humano na igualdade de direito dos homens e das mulheres assim como das nações grandes e pequenas e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos e 4 Tradução oficial brasileira a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla E PARA TAIS FINS praticar a tolerância e viver em paz uns com outros como bons Vizinhos e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais e a garantir pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos que a força armada não será usada a não ser no interesse comum a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos RESOLVEMOS CONJUGAR NOSSOS ESFORÇOS PARA A CONSECUÇÃO DESSES OBJETIVOS Em vista disso nossos respectivos Governos por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco depois de exibirem seus plenos poderes que foram achados em boa e devida forma concor daram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem por meio dela uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas Capitulo 1 Propósitos e Princípios Artigo 1 Os propósitos das Nações Unidas são 1 Manter a paz e a segurança internacionais e para esse fim tomar coletivamente medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz 2 Desenvolver relações amistosas entre as nações baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direito e de autodeterminação dos povos e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal 3 Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico social cultural ou humanitário e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça sexo língua ou religião e 4 Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns Artigo 2 A Organização e seus membros para a realização dos propósitos mencionados no art 12 agirão de acordo com os seguintes princípios 1 A Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros 2 Todos os membros a fim de assegurarem para todos em geral os direitos e vantagens resultantes de sua qualidade de membros deverão cumprir de boafé as obrigações por eles assumidas de acordo com a presente Carta 3 Todos os membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos de modo que não sejam ameaçadas a paz a segurança e a justiça internacionais 4 Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas 5 Todos os membros darão às Nações Unidas toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qualquer Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo 6 A Organização fará com que os Estados que não são membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais 7 Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução nos termos da presente Carta este princípio porém não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capítulo VII Capítulo IV AssembléiaGeral Artigo 1º A AssembléiaGeral poderá discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com as atribuições e funções de qualquer dos órgãos nela previstos e com exceção do estipulado no art 12 poderá fazer recomen dações aos membros das Nações Unidas ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles conjuntamente com referência a qualquer daquelas questões ou assuntos Artigo 12 Enquanto o Conselho de Segurança estiver exercendo em relação a qualquer controvérsia ou situação as funções que lhe são atribuidas na presente Carta a AssembléiaGeral não fará nenhuma recomendação a respeito dessa controvérsia ou situação a menos que o Conselho de Segurança a solicite Artigo 13 1 A AssembléiaGeral iniciará estudos e fará recomendações destinadas a a promover cooperação internacional no terreno político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação b promover cooperação internacional nos terrenos econômico social cultural educacional e sanitário e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais por parte de todos os povos sem distinção de raça língua ou religião 2 As demais responsabilidades funções e atribuições da AssembléiaGeral em relação aos assuntos mencionados no 1º b acima estão enumerados nos capítulos IX e X Artigo 18 1 Cada membro da AssembléiaGeral terá um voto 2 As decisões da AssembléiaGeral em questões importantes serão tomadas por maioria de 23 dos membros presentes e votantes Essas questões compreenderão recomendações relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais a eleição dos membros não permanentes do Conselho de Segurança a eleição dos membros do Conselho Econômico e Social a eleição dos membros do Conselho de Tutela de acordo com o 1º c do artigo 86 relativas à admissão de novos membros das Nações Unidas à suspensão dos direitos e privilégios de membros questões referentes ao funcionamento do sistema de tutela e questões orçamentárias 3 As decisões sobre outras questões inclusive a determinação de categorias adicionais de assuntos a serem decididos por uma maioria de 23 serão tomadas por maioria dos membros presentes e que votem Capítulo V Conselho de Segurança Artigo 26 A fim de promover o estabelecimento e a manutenção da paz e da segurança internacionais desviando para armamentos o menos possível dos recursos humanos e econômicos do mundo o Conselho de Seguran ça terá o encargo de formular com a assistência da Comissão de EstadoMaior a que se refere o art 47 os planos a serem submetidos aos membros das Nações Unidas para o estabelecimento de um sistema de regulamentação dos armamentos Artigo 27 1 Cada membro do Conselho de Segurança terá um voto 2 As decisões do Conselho de Segurança em questões processuais serão tomadas pelo voto afirmativo de nove membros 3 As decisões do Conselho de Segurança em todos os outros assuntos serão tomadas pelo voto afirmativo de nove membros inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes ficando estabelecido que nas decisões previstas no capítulo VI e no 32 do art 52 aquele que for parte em uma controvérsia se absterá de votar Capitulo VI Solução Pacífica de Controvérsias Artigo 33 1 As partes em uma controvérsia que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais procurarão antes de tudo chegar a uma solução por negociação inquérito mediação conciliação arbitragem solução judicial recurso a entidades ou acordos regionais ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha 2 O Conselho de Segurança convidará quando julgar necessário as referidas partes a resolver por tais meios suas controvérsias Artigo 36 1 O Conselho de Segurança poderá em qualquer fase de uma controvérsia de natureza a que se refere o art 33 ou de uma situação de natureza semelhante recomendar procedimento ou métodos de solução apropriados 2 O Conselho de Segurança deverá tomar em consideração quaisquer procedimentos para a solução de uma controvérsia que já tenham sido adotados pelas partes 3 Ao fazer recomendações de acordo com este artigo o Conselho de Segurança deverá tomar em consideração que as controvérsias de caráter jurídico devem em regra geral ser submetidas pelas partes à Corte Internacional de Justiça de acordo com os dispositivos do Estatuto da Corte Capítulo VII Ação Relativa a Ameaças à Paz Ruptura da Paz e Atos de Agressão Artigo 47 1 Será estabelecida uma Comissão de EstadoMaior destinada a orientar e assistir o Conselho de Segurança em todas as questões relativas às exigências militares do mesmo Conselho para a manutenção da paz e da segurança internacionais utilização e comando das forças colocadas à sua disposição regulamentação de armamentos e possível desarmamento Capítulo IX Cooperação Internacional Econômica e Social Artigo 55 Com o fim de criar condições de estabilidade e bemestar necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos as Nações Unidas favorecerão a níveis mais altos de vida trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social b a solução dos problemas internacionais econômicos sociais sanitários e conexos a cooperação internacional de caráter cultural e educacional e c o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça sexo língua ou religião Artigo 56 Para a realização dos propósitos enumerados no art 55 todos os membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta em conjunto ou separadamente Capítulo X Conselho Econômico e Social Artigo 62 1 O Conselho Econômico e Social fará ou iniciará estudos e relatórios a respeito de assuntos internacionais de caráter econômico social cultural educacional sanitário e conexos e poderá fazer recomendações a respeito de tais assuntos à AssembléiaGeral aos membros das Nações Unidas e às entidades especializadas interessadas 2 Poderá igualmente fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos 3 Poderá preparar projetos de convenções a serem submetidos à AssembléiaGeral sobre assuntos de sua competência 4 Poderá convocar de acordo com as regras estipuladas pelas Nações Unídas conferências internacionais sobre assuntos de sua competência Artigo 68 O Conselho Econômico e Social criará comissões para os assuntos econômicos e sociais e a proteção dos direitos do homem assim como outras comissões que forem necessárias para o desempenho de suas funções CAPÍTULO 13º A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS 1948 Sentido histórico Durante a sessão de 16 de fevereiro de 1946 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas ficou assentado que a Comissão de Direitos Humanos a ser criada deveria desenvolver seus trabalhos em três etapas Na primeira incumbirlheia elaborar uma declaração de direitos humanos de acordo com o disposto no artigo 55 da Carta das Nações Unidas1 Em seguida deverseia produzir no dizer de um dos delegados presentes aquela reunião um documento juridicamente mais vinculante do que uma mera declaração documento esse que haveria de ser obyiamente um tratado ou convenção internacional Finalmente ainda nas palavras do mesmo delegado seria preciso criar uma maquinaria adequada para assegurar o respeito aos direitos humanos e tratar os casos de sua violação A primeira etapa foi concluída pela Comissão de Direitos Humanos em 18 de junho de 1948 com um projeto de Declaração Universal de Direitos Humanos aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro do mesmo ano A segunda etapa somente se completou em 1966 com a aprovação de dois Pactos um sobre direitos civis e políticos e outro sobre direitos econômicos sociais e culturais2 Antes disso po 1 Cf capítulo 12º supra 2 Cf infra capítulo 17º rém a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou várias convençõeS sobre direitos humanos referidas mais abaixo A terceira etapa consistente na criação de mecanismos capazes de assegurar a universal observância desses direitos ainda não foi completada Por enquanto o que se conseguiu foi instituir um processo de reclamações junto à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas objeto de um Protocolo facultativo anexo ao Pacto sobre direitos civis e políticos A Declaração Universal dos Direitos Humanos como se percebe da leitura de seu preâmbulo foi redigida sob o impacto das atrocidades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial e cuja revelação só começou a ser feita e de forma muito parcial ou seja com omissão de tudo o que se referia à União Soviética e de vários abusos cometidos pelas potências ocidentais após o encerramento das hostilidades Além disso nem todos os membros das Nações Unidas à época partilhavam por inteiro as convicções expressas no documento embora aprovado por unanimidade os países comunistas União Soviética Ucrânia e Rússia Branca Tchecoslováquia Polônia e Iugoslávia a Arábia Saudita e a África do Sul abstiveramse de votar Seja como for a Declaração retomando os ideais da Revolução Francesa representou a manifestação histórica de que se formara enfim em âmbito universal o reconhecimento dos valores supremos da igualdade da liberdade e da fraternidade entre os homens como ficou consignado em seu artigo 1 A cristalização desses ideais em direitos efetivos como se disse com sabedoria na disposição introdutória da Declaração farseá progressivamente no plano nacional e internacional como fruto de um esforço sistemático de educação em direitos humanos A força jurídica do documento Tecnicamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem é uma recomendação que a Assembléia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros Carta das Nações Uni das artigo 10 Nessas condições costumase sustentar que o documento não tem força vinculante Foi por essa razão aliás que a Comissão de Direitos Humanos concebeua originalmente como uma etapa preliminar à adoção ulterior de um pacto ou tratado internacional sobre o assunto como lembrado acima Esse entendimento porém peca por excesso de formalismo Reconhecese hoje em toda parte que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições leis e tratados internacionais exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana exercidas contra todos os poderes estabelecidos oficiais ou não A doutrina jurídica contemporânea de resto como tem sido reiteradamente assinalado nesta obra distingue os direitos humanos dos direitos fundamentais na medida em que estes últimos são justamente os direitos humanos consagrados pelo Estado como regras constitucionais escritas É óbyio que a mesma distinção há de ser admitida no âmbito do direito internacional Já se reconhece aliás de há muito que a par dos tratados ou convenções o direito internacional é também constituído pelos costumes e os princípios gerais de direito como declara o Estatuto da Corte Internacional de Justiça art 38 Ora os direitos definidos na Declaração de 1948 correspondem integralmente ao que o costume e os princípios jurídicos internacionais reconhecem hoje como exigências básicas de respeito à dignidade humana A própria Corte Internacional de Justiça assim tem entendido Ao julgar em 24 de maio de 1980 o caso da retenção como reféns dos funcionários que trabalhavam na embaixada norteamericana em Teerã a Corte declarou que privar indevidamente seres humanos de sua liberdade e sujeitálos a sofrer constrangimentos físicos é em si mesmo incompatível com os princípios da Carta das Nações Unidas e com os princípios fundamentais enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos Inegavelmente a Declaração Universal de 1948 representa a culminância de um processo ético que iniciado com a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa levou ao reconhecimento da igualdade essencial de todo ser humano em sua dignidade de pessoa isto é como fonte de todos os valores independentemente das diferenças de raça cor sexo língua religião opinião origem nacional ou social riqueza nascimento ou qualquer outra condição como se diz em seu artigo II E esse reconhecimento universal da igualdade humana só foi possível quando ao término da mais desumanizadora guerra de toda a História percebeuse que a idéia de superioridade de uma raça de uma classe social de uma cultura ou de uma religião sobre todas as demais põe em risco a própria sobrevivência da humanidade O teor do documento No segundo dos consideranda do preâmbulo a Declaração menciona explicitamente as quatro liberdades proclamadas pelo discurso do Presidente Franklin Roosevelt em 6 de janeiro de 1941 Ressaltase aí que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum Logo no artigo 1 a Declaração proclama os três princípios axiológicos fundamentais em matéria de direitos humanos a liberdade a igualdade e a fraternidade A formação histórica dessa tríade sagrada remonta à Revolução Francesa Mas a sua consagração oficial em textos jurídicos só se fez tardiamente A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 tal como o Bill of Rights de Virgínia de 1776 só se referem à liberdade e à igualdade4 A fraternidade veio a ser mencionada pela primeira vez e ainda assim não como princípio jurídico mas como virtude cívica na Constituição francesa de 1791 5 Foi somente no texto constitucional da segunda república francesa em 1848 que o tríptico veio a ser oficialmente declarado6 O princípio da igualdade essencial do ser humano não obstante as múltiplas diferenças de ordem biológica e cultural que os distinguem entre si é afirmado no artigo II A isonomia ou igualdade perante a lei proclamada no artigo VII é mera decorrência desse princípio O pecado capital contra a dignidade humana consiste justamente em considerar e tratar o outro um indivíduo uma classe social um povo como um ser inferior sob pretexto da diferença de etnia gênero costumes ou fortuna patrimonial Algumas diferenças humanas aliás não são deficiências mas bem ao contrário fontes de valores positivos e como tal devem ser protegidas e estimuladas Podese aprofundar o argumento e sustentar como fez Hannah Arendt ao refletir sobre a trágica experiência dos totalitarismos no século XX que a privação de todas as qualidades concretas do ser humano isto é de tudo aquilo que forma a sua identidade nacional e cultural tornamno uma frágil e ridícula abstração A dignidade da pessoa humana não pode ser reduzida à condição de puro conceito Na Declaração Universal dos Direitos do Homem o princípio da liberdade compreende tanto a dimensão política quanto a individual A primeira vem declarada no artigo XXI e a se 4 Cf capítulos 4º e 5º 5 Il sera établi des fêtes nationales pour conserver le souvenir de La Révolution Française entretenir la fraternité entre les citovens et les attacher à la Constitution à la Patrie et aux bis Título Primeiro 6 File la République Française a pour principe la Liberté la Égalítë et la Fraternité Preâmbulo IV 7 The Origins of Totalitarianism nova edição Harcourt Brace Company p 298 e s gunda nos artigos VII a XIII e XVI a XX Reconhecese com isto que ambas essas dimensões da liberdade são complementares e interdependentes A liberdade política sem as liberdades individuais não passa de engodo demagógico de Estados autoritários ou totalitários É o reconhecimento das liberdades individuais sem efetiva participação política do povo no governo mal esconde a dominação oligárquica dos mais ricos O princípio da solidariedade está na base dos direitos econômicos e sociais que a Declaração afirma nos artigos XXII a XXVI Tratase de exigências elementares de proteção às classes ou grupos sociais mais fracos ou necessitados a saber a o direito à seguridade social arts XXII e XXV b o direito ao trabalho e à proteção contra o desemprego art XXIII 1 c os principais direitos ligados ao contrato de trabalho como a remuneração igual por trabalho igual art XXIII 2 o salário mínimo art XXIII 3 o repouso e o lazer a limitação horária da jornada de trabalho as férias remuneradas art XXIV d a livre sindicalização dos trabalhadores art XXIII 4 e o direito à educação ensino elementar obrigatório e gratuito a generalização da instrução técnicoprofissional a igualdade de acesso ao ensino superior art XXVI A Organização Internacional do Trabalho em particular tem desenvolvido por meio de várias convenções os direitos do trabalhador declarados no artigo XXIII Após enunciar nos três primeiros artigos os valores fundamentais da liberdade da igualdade e da fraternidade e proclamar que todos os seres humanos têm direito à vida à liberdade e à segurança pessoal a Declaração afirma a proibição absoluta da escravidão e do tráfico de escravos art IV Em aplicação ao disposto no artigo IV da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 uma conferência de plenipotenciários convocada pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas aprovou em 7 de setembro de 1956 uma Convenção Suplementar sobre a abolição da escravatura e de situações similares à escravidão bem como do tráfico de escravos8 De qualquer forma teria sido mais lógico fazer preceder esse dispositivo da declaração de princípio consignada no artigo VI todo homem tem direito de ser em todos os lugares reconhecido como pessoa perante a lei Este o princípio supremo em matéria de direitos humanos Na verdade os escravos não são os únicos seres humanos aos quais se denegam todos os direitos o mesmo ocorreu com os apátridas durante a 2ª Guerra Mundial como será lembrado mais abaixo Na introdução desta obra foram lembradas as grandes etapas históricas de tomada de consciência do conceito de pessoa e da sua importância como fundamento de todo o universo ético É em função desse princípio fundamental da preeminência do ser humano no mundo como fonte de todos os valores que se podem julgar as novas questões éticojurídicas suscitadas pelo incessante progresso técnico Assim é por exemplo com a descoberta do chamado código genético e o posterior mapeamento do genoma humano Se o genoma humano constitui um patrimônio da humanidade como afirma a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos aprovada pela UNESCO em 1997 daí resulta que ninguém pode reivindicar direitos de propriedade intelectual sobre seqüências do genoma humano como se tem procurado fazer desde 1991 segundo o mais vulgar espírito capitalista Por outro lado se cada um de nós possui uma individualidade genética as práticas de clonagem humana para fins de 8 Essa Convenção foi promulgada no Brasil pelo Decreto n 58563 de 1º de junho de 1966 No mesmo ano em 14 de julho Decreto n 58822 foi promulgada a Convenção n 105 da Organização internacional do Trabalho concernente a abolição do trabalho forçado reprodução são claramente contrárias à dignidade humana art 11 da mesma Declaração Pela mesma razão o direito deve proteger a confidencialidade dos dados genéticos associados a um indivíduo identificável mesma Declaração art 7º pois o contrário representa inadmissível intromissão na profunda intimidade da pessoa humana Em suma como se afirma na citada Declaração Universal sobre o Genoma Humano da UNESCO todo indivíduo tem direito ao respeito de sua dignidade e de seus direitos quaisquer que sejam as suas características genéticas sendo certo que essa dignidade impõe a nãoredução dos indivíduos às suas características genéticas e comanda o respeito do caráter único de cada qual bem como de sua diversidade art 2º Com base nos dispositivos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que consagram as liberdades individuais clássicas e reconhecem os direitos políticos art XXI as Nações Unidas adotaram subseqüentemente três convenções internacionais A primeira em 20 de dezembro de 1952 destinada a regular os direitos políticos das mulheres segundo o princípio básico da igualdade entre os sexos A segunda em 7 de novembro de 1962 sobre o consentimento para o casamento a idade mínima para o casamento e o registro de casamentos9 art XVI da Declaração A terceira em 21 de dezembro de 1965 sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial10 A par desses direitos e liberdades tradicionais a Declaração estende o sistema de proteção universal da pessoa humana a novos setores 9 Promulgada no Brasil pelo Decreto n 66605 de 1970 10 Esta última Convenção foi promulgada no Brasil pelo Decreto n 65810 de 8 de dezembro de 1969 A 2ª Guerra Mundial engendrou uma multidão de refugiados em toda a Europa11 Além disso o Estado nazista aplicou sistematicamente a política de supressão da nacionalidade alemã a grupos minoritários sobretudo a pessoas consideradas de origem judaica Logo após a guerra Hannah Arendt chamou a atenção para a novidade perversa desse abuso mostrando como a privação de nacionalidade fazia das vítimas pessoas excluídas de toda proteção jurídica no mundo12 Ao contrário do que se supunha no século XVIII mostrou ela os direitos humanos não são protegidos independentemente da nacionalidade ou cidadania O asilado político deixa um quadro de proteção nacional para encontrar outro Mas aquele que foi despojado de sua nacionalidade sem ser opositor político pode não encontrar nenhum Estado disposto a recebêlo ele simplesmente deixa de ser considerado uma pessoa humana Numa fórmula tornada célebre Hannah Arendt concluiu que a essência dos direitos humanos é o direito a ter direitos Tendo em vista esse precedente a Declaração além de reconhecer o direito de asilo a todas as vítimas de perseguição art XIV firma o direito de todos a ter uma nacionalidade art XV As Nações Unidas ocuparamse sucessivamente dessa questão em três ocasiões Em 28 de junho de 1951 em obediência à Resolução 429 V da Assembléia Geral datada de 14 de dezembro de 1950 uma conferência de plenipotenciários sobre o status dos refugiados apátridas aprovou uma primeira Convenção sobre a matéria13 Em 28 de setembro de 1954 outra Convenção internacional invocando a Declaração Universal de Direitos Humanos regulou a situação dos apátridas não refugiados Finalmente em 30 de agosto de 1961 foi aprovada 11 Cf supra capítulo 12º 12 The Origins of Totalitarianism nova edição cit p 290 e s 13 O Brasil promulgou essa Convenção pelo Decreto n 50215 de 1961 cuja redação foi modificada pelo Decreto n 98602 de 1989 uma terceira Convenção tendo por objeto reduzir o número de apátridas Outro traço saliente da Declaração Universal de 1948 é a afirmação da democracia como único regime político compatível com o pleno respeito aos direitos humanos arts XXI e XXIX alínea 2 O regime democrático já não é pois uma opção política entre muitas outras mas a única solução legítima para a organização do Estado É de se assinalar finalmente o reconhecimento no artigo XXVIII do primeiro e mais fundamental dos chamados direitos da humanidade aquele que tem por objetivo a constituição de uma ordem internacional respeitadora da dignidade humana É nisto que consiste hoje em última análise o direito à busca da felicidade que a Declaração de Independência dos Estados Unidos considerou como inato em todo ser humano O Texto PREÂMBULO Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade da justiça e da paz do mundo Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem Comum Considerando ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei para que o homem não seja compelido como último recurso à rebelião contra a tirania e a opressão Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relaçôes amistosas entre as nações Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram na Carta sua fé nos direitos fundamentais do homem na dignidade e no Valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mu lher e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla Considerando que os EstadosMembros se comprometeram a promover em cooperação com as Nações Unidas o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do homem e a observância desses direitos e liberdades Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso A ASSEMBLÉIA GERAL PROCLAMA a presente Declaração Universal dos Direitos do Homem como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações e como o objetivo de cada indivíduo e cada órgão da sociedade que tendo sempre em mente esta Declaração se esforce através do ensino e da educação por promover o respeito a esses direitos e liberdades e pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos tanto entre os povos dos próprios EstadosMembros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição Artigo I Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade Artigo II 1 Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie seja de raça cor sexo língua religião opinião ou de outra natureza origem nacional ou social riqueza nascimento ou qualquer outra condição 2 Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa quer se trate de um território independente sob tutela sem governo próprio quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania Artigo III Todo homem tem direito à vida à liberdade e à segurança pessoal Artigo IV Ninguém será mantido em escravidão ou servidão a escravidão e O tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas Artigo V Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel desumano ou degradante Artigo VI Todo homem tem direito de ser em todos os lugares reconhecido como pessoa perante a lei Artigo VII Todos são iguais perante a lei e têm direito sem qualquer distinção a igual proteção da lei Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação Artigo VIII Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei Artigo IX Ninguém será arbitrariamente preso detido ou exilado Artigo X Todo homem tem direito em plena igualdade a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele Artigo XI 1 Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa 2 Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que no momento não constituam delito perante o direito nacional ou internacional Também não será imposta pena mais forte do que aquela que no momento da prática era aplicável ao ato delituoso Artigo XII Ninguém será sujeito a interferência na sua vida privada na sua família no seu lar ou na sua correspondência nem a ataques à sua honra e reputação Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques Artigo XIII 1 Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado 2 Todo homem tem direito de deixar qualquer país inclusive o próprio e a este regressar Artigo XIV 1 Todo homem vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países 2 Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crime de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas Artigo XV 1 Todo homem tem direito a uma nacionalidade 2 Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade Artigo XVI 1 Os homens e mulheres de maior idade sem qualquer restrição de raça nacionalidade ou religião têm direito de contrair matrimônio e fundar uma família Gozam de iguais direitos em relação ao casamento sua duração e sua dissolução 2 O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes 3 A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado Artigo XVII 1 Todo homem tem direito à propriedade só ou em sociedade com outros 2 Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade Artigo XVIII Todo homem tem direito à liberdade de pensamento consciência e religião este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino pela prática pelo culto e pela observância isolada ou coletivamente em público ou em particular Artigo XIX Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão Este direito inclui a liberdade de sem interferências ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras Artigo XX 1 Todo homem tem o direito à liberdade de reunião e associação pacíficas 2 Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação Artigo XXI 1 Todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos 2 Todo homem tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país 3 A vontade do povo será a base da autoridade do governo esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas por sufrágio universal por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade do voto Artigo XXII Todo homem como membro da sociedade tem direito à seguridade social e à realização pelo esforço nacional pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado dos direitos econômicos sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade Artigo XXIII 1 Todo homem tem direito ao trabalho à livre escolha de emprego a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego 2 Todo homem sem qualquer distinção tem direito a igual remuneração por igual trabalho 3 Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure assim como à sua família uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão se necessário outros meios de proteção social 4 Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses Artigo XXIV Todo homem tem direito a repouso e lazer inclusive à limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas Artigo XXV 1 Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bemestar inclusive alimentação vestuário habitação cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego doença invalidez viuvez velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle 2 A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social Artigo XXVI 1 Todo homem tem direito à educação A educação deve ser gratuita pelo menos nos graus elementares e fundamentais A instrução elementar será obrigatória A instrução técnicoprofissional será generalizada o acesso aos estudos superiores será igual para todos em função dos méritos respectivos 2 A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais A instrução promoverá a compreensão a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos nacionais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz 3 Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos Artigo XXVII 1 Todo homem tem direito a participar livremente da vida cultural da comunidade de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios 2 Todo homem tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor Artigo XXVIII Todo homem tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados Artigo XXIX 1 Todo homem tem deveres para com a comunidade na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível 2 No exercício de seus direitos e liberdades todo homem estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral da ordem pública e do bemestar de uma sociedade democrática 3 Esses direitos e liberdades não podem em hipótese alguma ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas Artigo XXX Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado grupo ou pessoa do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos CAPÍTULO 14º A CONVENÇÃO PARA A PREVENÇÃO E A REPRESSÃO DO CRIME DE GENOCÍDIO 1948 O genocídio no século XX anteriormente à 2ª Guerra Mundial A revelação no encerramento da 2ª Guerra Mundial do morticínio levado a efeito pelo Estado nazista de milhões de pessoas pertencentes à oposição política ou a minorias étnicas sobretudo judeus ou tidos como tais provocou enorme impacto nas Nações Unidas logo nos primeiros anos de sua existência No entanto o extermínio em massa de grupos humanos praticado com objetivos políticos já havia ocorrido pelo menos em duas ocasiões antes da ascensão ao poder de Hitler na Alemanha Em 27 de maio de 1915 como medida de guerra o governo otomano decretou a deportação de toda a população armênia localizada na Anatólia Oriental sob a acusação de ligações com as tropas russas inimigas que operavam no Cáucaso Segundo as estimativas mais confiáveis embora até hoje contestadas pelo Estado turco a medida atingiu entre 2 e 3 milhões de pessoas das quais apenas um terço sobreviveu as demais foram massacradas ou morreram durante as operações de deportação De acordo com o relato do almirante Canaris do estadomaior das forças armadas nazistas Hitler teria se referido a esse massacre numa reunião em Obersalzburg realizada em 22 de agosto de 1939 pouco mais de uma semana antes de invadir a Polônia para justificar o plano então apresentado de exterminar toda a população de raça ou língua polonesa1 Em 193233 em execução da política de coletivização da agricultura soviética Stalin ordenou o cerco militar de toda a zona agrícola ucraniana e das terras adjacentes cultivadas pelos cossacos Todos os estoques de alimentos foram requisitados à força impedindose militarmente a entrada de novos suprimentos alimentares na região Foi talvez a primeira vez na História em que um Estado provocou intencionalmente a fome de parcela considerável de seu próprio povo com os objetivos políticos O genocídio como crime internacional O estatuto do tribunal militar internacional de Nuremberg que julgou os criminosos de guerra nazistas em 1945 definiu como crimes contra a humanidade em seu art 6 alínea c os seguintes atos o assassínio o extermínio a redução à condição de escravo a deportação e todo ato desumano cometido contra a população civil antes ou depois da guerra bem como as perseguições por motivos políticos e religiosos quando tais atos ou perseguições constituindo ou não uma violação do direito interno do país em que foram perpetrados tenham sido cometidos em conseqüência de todo e qualquer crime sujeito à competência do tribunal ou conexo com esse crime Essa definição foi depois reproduzida no estatuto do tribunal militar de Tóquio que julgou os criminosos de guerra japo 1 Cf Norman Davies Europe A History Oxford University Press 1996 p 909 neses A Assembléia Geral das Nações Unidas pelas Resoluções n 3 e 95 1 respectivamente de 3 de fevereiro e 11 de dezembro de 1946 confirmou os princípios de direito internacional reconhecidos pelo estatuto do tribunal de Nuremberg e pelo acórdão desse tribunal A punibilidade do crime contra a humanidade passou assim a ser oficialmente reconhecida como exigência do direito internacional Quando foi criado o tribunal de Nuremberg ainda não estava em uso o termo genocídio cunhado por um jurista polonês Rafat Lemkin em 1944 ao lançar nos Estados Unidos uma campanha de esclarecimento da opinião pública mundial sobre o massacre dos judeus poloneses Mas a Assembléia Geral das Nações Unidas passou a utilizálo já em 1946 ao aprovar a sua Resolução n 96 1 datada de 11 de dezembro assim redigida O genocídio é a denegação do direito à existência de grupos humanos inteiros assim como o homicídio é a denegação do direito à vida de indivíduos humanos Essa denegação do direito à existência choca a consciência da humanidade provoca grandes perdas humanas sob a forma de contribuições culturais ou de outra espécie feitas por esses grupos humanos contrariando a lei moral bem como o espírito e os objetivos das Nações Unidas Vários casos de tais crimes de genocídio têm ocorrido quando grupos raciais religiosos políticos ou de outra natureza são destruídos no todo ou em parte A punição do crime de genocídio é uma questão de interesse internacional A Assembléia Geral em conseqüência Afirma que o genocídio é um crime segundo o direito internacional o qual é condenado pelo mundo civilizado e cujos autores principais ou cúmplices sejam eles indivíduos privados funcionários públicos ou agentes do Estado quando o crime é cometido por razões religiosas raciais políticas ou de outra natureza devem ser punidos Convida os EstadosMembros a promulgar as leis competentes para a prevenção e a punição de tais crimes Recomenda seja organizada a cooperação entre os Estados com o fito de facilitar a rápida prevenção e punição do crime de genocídio e com esse objetivo Requer que o Conselho Econômico e Social envide os necessários estudos a fim de elaborar um projeto de convenção sobre o crime de genocídio a ser submetido à Assembléia Geral em sua próxima sessão ordinária Como se vê a criminalidade dos atos de genocídio no entender das Nações Unidas já não se liga necessariamente ao estado de guerra tal como constava do estatuto do tribunal de Nuremberg Ela tampouco está ligada a motivações determinadas como acabou constando da Convenção de 1948 Em 26 de novembro de 1968 a Assembléia Geral das Nações Unidas pela sua Resolução n 2391 XXIII aprovou o texto de uma Convenção sobre a imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade declarando que estes últimos compreendem além do genocídio também os atos de apartheid ainda que tais atos não sejam definidos como crimes pelas leis internas dos Estados onde foram perpetrados2 A Convenção entrou em vigor no plano internacional em 11 de novembro de 1970 Em 17 de julho de 1998 a Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas reunida em Roma 2 Vergonhosamente o Brasil não assinou originanamente a Convenção nem a ela aderiu adotou o estatuto de um Tribunal Penal Internacional com competência para julgar os responsáveis pelo crime de genocídio e pelos crimes contra a humanidade os crimes de guerra e o crime de agressão3 Fezse portanto uma distinção entre o crime de genocídio e os crimes contra a humanidade Alcance da convenção O projeto da Convenção de 1948 redigido pelo Conselho Econômico e Social além da destruição física e biológica de grupos humanos previra também uma modalidade de genocídio cultural consistente na destruição de instituições e formas de vida pelas quais um grupo humano se exprime Mas a Assembléia Geral não adotou essa proposta defendida pelos antropólogos Na definição do art II o genocídio compreende atos de destruição física de lesões corporais ou mentais graves medidas destinadas a impedir nascimentos bem como a transferência forçada de menores de um grupo humano para outro As vítimas são grupos nacionais étnicos raciais ou religiosos art II caput Esses qualificativos restringem indevidamente a punibilidade dos atos de extermínio em massa O século XX inaugurou a técnica dos massacres de populações civis por razões puramente políticas sem qualquer vínculo com qualificações nacionais étnicas raciais ou religiosas das vítimas Foi o que ocorreu por exemplo na Indonésia em 1965 e no Camboja entre 1975 e 1977 Ao assumir o poder na Indonésia em 1965 graças a um golpe de Estado o General Suharto sustentado pelos norteamericanos patrocinou um verdadeiro banho de sangue cerca de meio milhão de pessoas tidas como membros ou simpatizantes do Partido Comunista Indonésio foram exterminadas 3 Cf infra capítulo 23º em poucoS meses A sinistra façanha foi retomada em 1978 contra a população do Timor Oriental que buscava sua independência com o saldo final de quase 200000 mortos muito embora aqui houvesse também a interferência de fatores culturais a profissão de fé católica da maioria da população timorense No Camboja a política de ruralização praticada pelo grupo armado comunista Khmer Vermelho que tomou o poder no curso de uma guerra civil em 1975 provocou a morte de aproximadamente 1200000 pessoas ou seja um quinto da população total4 No entanto nenhum desses episódios enquadrase tipicamente na definição de genocídio dada pela convenção Foi sem dúvida para corrigir esse defeito que a Convenção de 17 de julho de 1998 que criou o Tribunal Penal Internacional distinguiu o genocídio dos crimes contra a humanidade stricto sensu para incluir entre estes últimos o homicídio quando cometido no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil havendo conhecimento desse ataque art 72 1 a Uma novidade importante sob o aspecto penal na Convenção de 1948 é a punição dos atos de incitação direta e pública a cometer o genocídio art III e Os elaboradores da convenção tinham sem dúvida em mente os livros ou panfletos nazistas lançados após a 1ª Guerra Mundial A idéia foi aproveitada ulteriormente ao se redigir a convenção internacional para a eliminação de todas as formas de discriminação racial aprovada pelas Nações Unidas em 21 de dezembro de 1965 art 4 Para a Convenção de 1948 o genocídio é um crime autônomo não ligado necessariamente a uma situação de guerra externa ou civil art 1 4 Cf Paul Johnson Modern Times The World from the Twenties to the Nineties edição revista Harper Perennial 1991 p 657 Sujeito ativo do crime tanto pode ser um governante quanto um funcionário público ou um particular art IV Tais pessoas são julgadas pelos tribunais competentes indicados no artigo VI Em sua decisão de 8 de abril de 1993 sobre medidas provisórias a serem tomadas no conflito entre a Sérvia e o Montenegro a respeito da aplicação da convenção a Corte Internacional de Justiça julgou que pelo teor do artigo 12 todas as partes contratantes assumiram a obrigação de prevenir e punir o crime de genocídio Mas pelo disposto no artigo IX da convenção os Estados responsáveis somente se submetem à jurisdição da Corte quando isso for requerido por uma das Partes na controvérsia isto é quando os atos de genocídio tiverem engendrado uma disputa internacional entre dois ou mais Estados As ulteriores convenções de direitos humanos a européia de 1950 e a americana de 1969 previram a criação de instâncias adequadas para julgar os EstadosMembros mesmo na ausência de uma controvérsia entre Estados gerada pela violação de direitos humanos Foi essa orientação que acabou prevalecendo com a aprovação em julho de 1998 do estatuto do Tribunal Penal Internacional A fraqueza da convenção de 1948 reside justamente no fato de ela haver atribuído competência para o julgamento dos atos de genocídio aos tribunais do Estado em cujo território foi o ato cometido ou ao tribunal internacional cuja jurisdição tenha sido reconhecida pelas Partes Contratantes art VI Ora o genocídio é tipicamente um crime coletivo praticado sob a égide de governos ou Estados criminosos Os tribunais do Estado em que esse crime é perpetrado não são livres para julgálo enquanto não houver uma mudança geralmente violenta de governo ou de Estado Por outro lado as Partes Contratantes nunca reconheceram um tribunal internacional competente para o processo e julgamento dos atos de genocídio É bem verdade que o artigo VIII da convenção faculta a qualquer Parte Con tratante pedir aos órgãos competentes das Nações Unidas que tomem as medidas julgadas necessárias para prevenir ou reprimir os atos de genocídio Mas nem todos os EstadosMembros das Nações Unidas são partes na convenção e os que o são nem sempre recorrem aos órgãos competentes da ONU para fazer cessar os atos de genocídio cometidos em outros países Foi o que ocorreu com as execuções em massa e o deslocamento forçado de centenas de milhares de pessoas durante as guerras entre os povos que compunham a antiga Iugoslávia O Conselho de Segurança das Nações Unidas só pôde instituir em 22 de fevereiro de 1993 um tribunal internacional para julgar os responsáveis pelos atos de limpeza étnica na BósniaHerzegovina alegando sérias violações do direito internacional humanitário ou seja crimes de guerra segundo o estatuído na convenção de Genebra de 1949 Mas esse expediente não pôde ser utilizado em 1999 quando o governo sérvio organizou a expulsão de um milhão e meio de pessoas ou seja 90 da população de origem albanesa da província de Kosovo Já quanto aos massacres de Ruanda como o novo governo do País pediu a intervenção das Nações Unidas o Conselho de Segurança criou um tribunal internacional para julgar os responsáveis pela chacina de cerca de um milhão de pessoas entendendo que se tratava de atos de genocídio além de configurar várias violações do direito internacional humanitário Resolução de 8 de novembro de 1994 A convenção de 1948 foi composta segundo uma técnica tradicional mas inapropriada para a regulação de direitos humanos Assim é que o artigo XIV estabelece um prazo de vigência determinado renovável por períodos sucessivos e permite que as partes contratantes denunciem o tratado O artigo XV admite mesmo que a convenção possa deixar de vigorar em razão do número de denúncias recebidas Ora em matéria de direitos humanos vigora no direito internacional o mesmo princípio de irrevogabilidade existente no direito interno dado que pela sua própria natureza a vigência de tais direitos independe de declarações ou reconhecimentos estatais No caso específico do genocídio de resto a própria Assembléia Geral das Nações Unidas ao confirmar por duas vezes em 1946 os princípios do direito internacional reconhecidos pelo estatuto do tribunal de Nuremberg e pelo acórdão desse tribunal como mencionado acima reconheceu que a punibilidade do crime de genocídio já fazia parte do costume internacional vinculante ou seja que se tratava segundo a fórmula técnica consagrada de um ius cogens Por conseguinte a denúncia da Convenção de 1948 não significa como é óbvio que o Estado denunciante fique a partir daí livre de praticar o genocídio ou de considerar que esse crime não empenha a responsabilidade de seus cidadãos O Texto5 AS PARTES CONTRATANTES Considerando que a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em sua Resolução n 96 1 de 11 121946 declarou que o genocídio é um crime contra o direito internacional contrário ao espírito e aos fins das Nações Unidas e que o mundo civilizado condena Reconhecendo que em todos os períodos da História o genocídio causou grandes perdas à Humanidade Convencidos de que para libertar a Humanidade de flagelo tão odioso cooperação internacional é necessária Convêm no seguinte Artigo I As Partes Contratantes confirmam que o genocídio quer cometido em tempo de paz quer em tempo de guerra é um crime contra o direito internacional o qual elas se comprometem a prevenir e a punir6 5 A convenção foi aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n 2 de 11 de abril de 1951 e promulgada pelo Decreto n 30822 de 6 de maio de 1952 6 O Brasil promulgou em 1º de outubro de 1956 a Lei n 2889 que define e pune o crime de genocídio Artigo II Na presente Convenção entendese por genocídio qualquer dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional étnico racial ou religioso tal como a assassínio de membros do grupo b dano grave à integridade física ou mental do grupo c submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial d transferência forçada de menores do grupo para outro grupo Artigo III Serão punidos os seguintes atos a o genocídio b o conluio para cometer o genocídio c a incitação direta e pública a cometer o genocídio d a tentativa de genocídio e a cumplicidade no genocídio Artigo IV As pessoas que tiverem cometido o genocídio ou qualquer dos outros atos enumerados no art III serão punidas sejam governantes funcionários ou particulares Artigo V As Partes Contratantes assumem o compromisso de tomar de acordo com as respectivas Constituições as medidas legislativas necessárias a assegurar a aplicação das disposições da presente Convenção e sobretudo a estabelecer sanções penais eficazes aplicáveis às pessoas culpadas de genocídio ou de qualquer dos outros atos enumerados no art III Artigo VI As pessoas acusadas de genocídio ou de qualquer dos outros atos enumerados no art III serão julgadas pelos tribunais competentes do Estado em cujo território foi o ato cometido ou pela corte penal internacional Competente com relação às Partes Contratantes que lhe tiverem reconhecido a jurisdição Artigo VII O genocídio e os outros atos enumerados no art III não serão considerados crimes políticos para efeitos de extradição As Partes Contratantes se comprometem em tal caso a conceder a extradição de acordo com sua legislação e com os tratados em vigor Artigo VIII Qualquer Parte Contratante pode recorrer aos órgãos competentes das Nações Unidas a fim de que estes tomem de acordo com a Carta das Nações Unidas as medidas que julguem necessárias para a prevenção e a repressão dos atos de genocídio ou de qualquer dos outros atos enumerados no art III Artigo IX As controvérsias entre as Partes Contratantes relativas à interpretação aplicação ou execução da presente Convenção bem como as referentes à responsabilidade de um Estado em matéria de genocídio ou de quaisquer outros atos enumerados no art III serão submetidas à Corte Internacional de Justiça a pedido de uma das Partes na controvérsia Artigo X A presente Convenção cujos textos em chinês espanhol francês inglês e russo serão igualmente autênticos terá a data de 9 de dezembro de 1948 Artigo XI A presente Convenção ficará aberta até 31 de dezembro de 1949 à assinatura de todos os membros das Nações Unidas e de todo Estado não membro ao qual a Assembléia Geral houver enviado um convite para esse fim A presente Convenção será ratificada e dos instrumentos de ratificação farseá depósito no Secretariado das Nações Unidas A partir de 1º de janeiro de 1950 qualquer membro das Nações Unidas e qualquer Estado não membro que houver recebido o convite acima mencionado poderá aderir à presente Convenção Os instrumentos de adesão serão depositados no Secretariado das Nações Unidas Artigo XII Qualquer Parte Contratante poderá a qualquer tempo por notificação dirigida ao SecretárioGeral das Nações Unidas estender a aplicação da presente Convenção a todos os territórios ou a qualquer dos territórios de cujas relações exteriores seja responsável Artigo XIII Na data em que os vinte primeiros instrumentos de ratificação ou adesão tiverem sido depositados o SecretárioGeral lavrará uma ata e transmitirá cópia da mesma a todos os membros das Nações Unidas e aos Estados não membros a que se refere o art XI A presente Convenção entrará em vigor noventa dias após a data do depósito do vigésimo instrumento de ratificação ou adesão Qualquer ratificação ou adesão efetuada posteriormente à última data entrará em vigor noventa dias após o depósito do instrumento de ratificação ou adesão Artigo XIV A presente Convenção vigorará por dez anos a partir da data de sua entrada em vigor Ficará posteriormente em vigor por um período de cinco anos e assim sucessivamente com relação às Partes Contratantes que a tiverem denunciado pelo menos seis meses antes do termo do prazo A denúncia será feita por notificação escrita dirigida ao SecretárioGeral das Nações Unidas Artigo XV Se em consequência de denúncias o número das Partes na presente Convenção se reduzir a menos de dezesseis a Convenção cessará de vigorar a partir da data na qual a última dessas denúncias entrar em vigor Artigo XVI A qualquer tempo qualquer parte contratante poderá formular pedido de revisão da presente Convenção por meio de notificação escrita dirigida ao SecretárioGeral A Assembléia Geral decidirá com relação às medidas que se devam tomar se for o caso com relação a esse pedido Artigo XVII O SecretárioGeral das Nações Unidas notificará todos os membros das Nações Unidas e os Estados não membros mencionados no art XI a das assinaturas ratificações e adesões recebidas de acordo com O art XI b das notificações recebidas de acordo com o art XII c da data em que a presente Convenção entrar em vigor de acordo com o art XIII d das denúncias recebidas de acordo com o art XIV e da abrogação da Convenção de acordo com o art XV f das notificações recebidas de acordo com o art XVI Artigo XVIII O original da presente Convenção será depositado nos arquivos da Organização das Nações Unidas Enviarseá cópia autenticada a todos os membros das Nações Unidas e aos Estados não membros mencionados no art XI Artigo XIX A presente Convenção será registrada pelo SecretárioGeral das Nações Unidas na data de sua entrada em vigor CAPÍTULO 15º AS CONVENÇÕES DE GENEBRA DE 1949 SOBRE A PROTEÇÃO DAS VÍTIMAS DE CONFLITOS BÉLICOS O direito de Genebra um dos ramos do direito internacional humanitário1 achase hoje compendiado em quatro convenções internacionais assinadas naquela cidade em 12 de agosto de 1949 2 A primeira das quatro convenções de 1949 referese à proteção dos enfermos e dos feridos em guerras terrestres a segunda à proteção de feridos enfermos e náufragos nas guerras navais a terceira diz respeito ao tratamento dos prisioneiros de guerra em substituição à de 1929 3 finalmente a quarta à proteção da população civil vítima de conflitos bélicos Essas quatro convenções internacionais incorporaram ao direito humanitário as lições da trágica experiência dos conflitos armados ocorridos na Ásia na África e na Europa ao longo dos anos 30 e durante a 2ª Guerra Mundial com o envolvimento cada vez maior das populações civis seja nos combates como forças de resistência ao invasor seja como vítimas indefesas por ocasião dos bombardeios dos centros urbanos Com o desenvolvimento da guerra eletrônica que dispensa o confronto faceaface das forças armadas dos países beligerantes e permite em tese o lançamento a grande distância de 1 Cf capítulo 11º desta obra Sobre a legitimidade de uma regulação jurídica da guerra cf o que se disse no capítulo 7º 2 Publicadas no Brasil pelo Decreto n 51691 de 1963 3 Cf supra capítulo 12º mísseis balísticos contra alvos estratégicos imaginouse de um lado que a questão dos prisioneiros de guerra teria sido definitivamente superada e que de outro lado a população civil já não sofreria as conseqüências dos bombardeios maciços das guerras passadas Puro engano Durante as seis semanas da Guerra do Golfo no início de 1991 as forças americanoeuropéias aprisionaram nada menos do que 65000 iraquianos Ademais a imposição de um bloqueio econômico ao Iraque sem limitação de tempo provocou a fome e o alastramento de doenças em toda a população civil Durante o conflito entre sérvios e bósnios desencadeado no ano seguinte os bombardeios a grande altitude e a utilização indiscriminada de bombas de fragmentação pelas forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte OTAN vitimaram uma parcela considerável da população civil Neste último conflito aliás a propaganda ideológica das potências ocidentais chegou a falar em guerra humanitária como se a devastação da economia de um país ou de toda uma região pudesse obedecer a alguma forma de humanismo Seja como for a proliferação das guerras internas ou internacionais a partir dos anos 60 do século XX tornou indispensável e urgente alargar o âmbito de proteção às vítimas civis O Comitê Internacional da Cruz Vermelha convocou em 1974 com esse objetivo uma conferência diplomática que produziu somente em 8 de junho de 1977 dois Protocolos adicionais às Convenções de 1949 o primeiro relativo aos conflitos internacionais e o segundo aos conflitos internos situações de guerra civil Ora os protocolos de 1977 os quais digase de passagem não foram assinados pelos Estados Unidos não corrigiram uma grave insuficiência da 4ª Convenção relativa à proteção de civis em tempo de guerra Com efeito pelo estipulado seu art 42 abaixo parcialmente transcrito as vítimas civis de guerras as quais sejam nacionais de um Estado que não é Parte na Convenção não são por ela protegidos Ou seja não são pessoas humanas tout court É mais um exemplo de como o direito humanitário positivo fundado em bases convencionais e não estatutarias pode contrariar frontalmente a dignidade humana cuja proteção afinal é toda a sua razão de ser Os direitos humanos não existem no plano internacional apenas e tãosomente quando os Estados resolvem reconhecêlos por meio de tratados ou convenções Pela sua própria natureza nunca é demais repetir tratase de direitos inerentes à própria condição humana e que por isso mesmo não dependentes do assentimento estatal para serem exigidos Todos os homens proclama o art 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 nascem livres e iguais em dignidade e direitos Não são os Estados que lhes conferem esses atributos Devese assinalar que o conjunto de acordos internacionais que forma o direito de Genebra constitui a parte do direito internacional que conta com o maior número de Estados participantes o que não significa infelizmente que ela seja ipso facto a parte mais respeitada do direito das gentes Em assuntos bélicos é praticamente impossível evitar a irrupção do pretenso direito do mais forte De onde a necessidade urgente de se democratizar a Organização das Nações Unidas notadamente no nível do Conselho de Segurança e de se criar um corpo militar permanente da Organização com independência em relação às grandes potências Um recente exemplo do desrespeito que as grandes potências mundiais votam às Convenções de Genebra foi dado pelos Estados Unidos com a invasão do Afeganistão após os atentados de 11 de setembro de 2001 Aos prisioneiros de guerra em mãos dos norteamericanos foi negado todo direito a um tratamento decente encarcerados em celas de metal eles foram acorrentados e obrigados a usar capuzes máscaras cirúrgicas e tampões nos ouvidos durante as 24 horas do dia Questionado a respeito o Secretário de Defesa dos Estados Unidos respondeu que se tratava de combatentes ilegais unlawftd combatants categoria obyiamente ausente das Convenções de Genebra Durante a conferência havida entre os chefes militares atenienses e os dirigentes da ilha de Melos em meio à Guerra do Peloponeso Tucídides relata que os atenienses prestes a invadir a ilha teriam observado aos seus adversários com toda a frieza Vocês sabem tanto quanto nós que no mundo dos homens os argumentos jurídicos são respeitados unicamente quando os adversários em presença dispõem de meios de coação equivalentes quando isso não ocorre os mais fortes sempre se aproveitam ao máximo de sua potência enquanto os mais fracos são constrangidos a se inclinar4 Excertos da Convenção 1 de Genebra de 12 de agosto de 1949 sobre a melhoria da condição dos feridos e doentes nas forças armadas em campanha Artigo 12 Os membros das forças armadas e as outras pessoas mencionadas no artigo seguinte os quais se encontrem feridos ou doentes devem ser respeitados e protegidos em qualquer circunstância Eles serão tratados e cuidados com humanidade pela Parte do conflito em cujo poder se encontrarem sem distinção de espécie alguma de caráter desfavorável fundada no sexo na raça na nacionalidade na religião nas opiniões políticas ou qualquer outro critério análogo É estritamente proibido atentar contra a sua vida e a sua pessoa bem como entre outros atos acabar de matálos ou exterminálos submetêlos à tortura ou a experiências biológicas de deixálos premeditadamente sem socorro médico ou sem cuidados ou de expôlos ao risco de contágio ou de infecção criado com esse objetivo 4 A Guerra do Peloponeso Livro V 89 Uma prioridade em matéria de cuidados somente será autorizada por razões de urgência médica As mulheres serão tratadas com o respeito particular devido ao seu sexo A Parte no conflito obrigada a abandonar os feridos ou os doentes ao adversário deixará com eles na medida em que as exigências militares o permitam uma parte do seu pessoal e do seu material sanitário para colaborar no seu tratamento Artigo 13 A presente Convenção aplicase aos feridos e doentes incluidos nas categorias seguintes 1 os membros das forças armadas de uma Parte no conflito assim como os membros das milícias e dos corpos de voluntários que façam parte dessas forças armadas 2 os membros de outras milícias e os membros de outros corpos de voluntários inclusive os de movimentos de resistência organizados que pertençam a uma Parte no conflito e atuem dentro ou fora de seu próprio território ainda que esse território esteja ocupado contanto que tais milícias e corpos de voluntários inclusive os movimentos de resistência organizados preencham as seguintes condições a tenham como chefe uma pessoa responsável por seus subordinados b tenham um sinal distintivo fixo e reconhecível à distância c sejam claramente portadores de armas d respeitem em suas operações as leis e costumes da guerra 3 os membros das forças armadas regulares que obedeçam a um governo ou a uma autoridade não reconhecidos pela Potência detentora 4 as pessoas que sigam as forças armadas sem que delas façam parte tal como os membros civis da tripulação de aviões militares os correspondentes de guerra os fornecedores os membros de unidades de trabalho ou de serviços encarregados do bemestar dos militares contanto que tenham recebido a autorização das forças armadas que acompanham 5 os membros da tripulação inclusive os comandantes pilotos e aprendizes da marinha mercante e as tripulações da aviação civil das Partes no conflito os quais não gozem de um tratamento mais favorável em virtude de outras disposições do direito internacional 6 a população de um território não ocupado que diante da aproximação do inimigo tome espontaneamente as armas para combater as tropas de invasão sem ter tido o tempo de integrar as forças armadas regulares se essa população usa abertamente de armas e respeita as leis e costumes de guerra Artigo 46 São proibidas as medidas de represália contra os feridos os doentes o pessoal os prédios ou o material protegidos pela Convenção Artigo 49 As Altas Partes contratantes obrigamse a tomar todas as medidas legislativas necessárias para fixar as sanções penais adequadas a serem aplicadas às pessoas que praticaram ou deram ordem de praticar qualquer das infrações graves à presente Convenção definidas no artigo seguinte Cada Parte contratante terá a obrigação de prender as pessoas suspeitas de haver praticado ou de ter ordenado que fossem praticadas quaisquer infrações graves e ela deverá submetêlos ao julgamento de seus próprios tribunais qualquer que seja a sua nacionalidade Ela poderá também se o preferir e de acordo com as condições previstas em sua legislação submetêlas ao julgamento dos tribunais de uma outra Parte contratante interessada na medida em que esta outra Parte contratante tenha razões bastantes para processar ditas pessoas Cada Parte contratante tomará as medidas necessárias para fazer cessar os atos contrários às disposições da presente Convenção além das infrações graves definidas no artigo seguinte Em qualquer circunstância os acusados gozarão das garantias processuais e de ampla defesa não inferiores àquelas previstas nos artigos 105 e seguintes da Convenção de Genebra relativa ao tratamento dos prisioneiros de guerra de 12 de agosto de 1949 Artigo 50 As infrações graves mencionadas no artigo precedente são as que comportam qualquer dos atos seguintes desde que cometidos contra as pessoas e os bens protegidos pela Convenção o homicídio doloso a tortura ou os tratamentos desumanos inclusive as experiências biológicas O fato de causar intencionalmente grandes sofrimentos ou de atentar contra a integridade física ou a saúde a destruição e a apropriação de bens não justificadas por necessidades militares e executadas em grande escala de modo ilícito e arbitrário Artigo 51 Nenhuma Parte contratante poderá eximirse nem eximir uma outra Parte contratante das responsabilidades incorridas por ela ou por uma outra Parte contratante em razão das infrações previstas no artigo precedente Artigo 52 A requerimento de uma Parte no conflito um inquérito deverá ser aberto segundo o procedimento a ser fixado pelas Partes interessadas sobre uma alegada violação da Convenção Deixando de haver acordo sobre o procedimento do inquérito as Partes escolherão um árbitro que decidirá sobre o procedimento a seguir Uma vez verificada a violação as Partes no conflito farão cessála e reprimirão os responsáveis o mais rapidamente possível Excertos da Convenção III de Genebra de 12 de agosto de 1949 sobre o tratamento dos prisioneiros de guerra Artigo 12 Os prisioneiros de guerra achamse em poder da Potência inimiga não dos indivíduos ou corpos de tropa que os tenham feito prisioneiros Independentemente das responsabilidades individuais que possam existir a Potência detentora é responsável pelo tratamento que lhes é aplicado Os prisioneiros de guerra só podem ser transferidos pela Potência detentora a uma Potência parte da Convenção e quando a Potência detentora assegurouse de que a Potência em questão deseja aplicar a Convenção e está em condições de fazêlo Quando prisioneiros são assim transferidos a responsabilidade pela aplicação da Convenção incumbirá à Potência que aceitou acolhêlos durante todo tempo em que eles lhe são confiados Entretanto caso essa Potência vier a descumprir suas obrigações de executar as disposições da Convenção a respeito de qualquer ponto importante a Potência que transferiu os prisioneiros de guerra deve após uma notificação da Potência protetora tomar as medidas eficazes para remediar a situação ou pedir que lhe sejam reenviados os prisioneiros de guerra Esse pedido deve ser acolhido Artigo 13 Os prisioneiros de guerra devem ser tratados o tempo todo com humanidade Qualquer ato ou omissão ilícita da Potência detentora suscetível de provocar a morte ou pôr em perigo grave a saúde de um prisioneiro de guerra em seu poder é proibido e será considerado como uma infração grave à presente Convenção Nenhum prisioneiro de guerra sobretudo poderá ser submetido à mutilação física ou a uma experiência médica ou científica de qualquer natureza não justificada pelo tratamento médico do prisioneiro em questão e sem interesse para ele Os prisioneiros de guerra devem outrossim ser protegidos a todo tempo de modo especial contra todo ato de violência ou intimidação bem como contra os insultos e a curiosidade pública São proibidas as medidas de represália contra eles Artigo 14 Os prisioneiros de guerra têm direito em qualquer circunstância ao respeito de sua pessoa e sua honra As mulheres devem ser tratadas com os cuidados devidos ao seu sexo e gozam em qualquer caso de um tratamento tão favorável quanto aquele dispensado aos homens Os prisioneiros de guerra conservam sua plena capacidade civil tal como existia no momento em que foram capturados A Potência detentora não poderá limitar o exercício da capacidade civil seja em seu território seja fora dele senão na medida em que o cativeiro o exigir Artigo 15 A Potência detentora dos prisioneiros de guerra é obrigada a providenciar a sua manutenção e a dispensarlhes os cuidados médicos necessitados pelo seu estado de saúde Artigo 16 Tendo em vista as disposições da presente Convenção relativas à patente militar e ao sexo e sem prejuízo do tratamento privilegiado a ser concedido aos prisioneiros de guerra em razão de seu estado de saúde de sua idade ou de suas aptidões profissionais os prisioneiros devem ser todos tratados de modo igual pela Potência detentora sem distinção alguma de caráter desfavorável de raça de nacionalidade de religião de opiniões políticas ou outra qualquer fundada em critérios análogos Excertos da Convenção IV de Genebra de 1949 sobre a proteção da população civil em tempo de guerra5 PREÂMBULO Os signatários Plenipotenciários dos Governos representados na Conferência Diplomática reunida em Genebra de 21 de abril a 12 de agosto de 1949 com o objetivo de concluir uma Convenção para a Proteção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra convencionaram o seguinte PARTE 1 Disposições Gerais Artigo 1º As Altas Partes Contratantes obrigamse a respeitar e fazer respeitar a presente Convenção em quaisquer circunstâncias Artigo 2º Além das disposições a serem implementadas em tempo de paz a presente Convenção aplicarseá a todos os casos de guerra declarada OU de qualquer conflito armado os quais possam irromper entre duas ou mais Altas Partes Contratantes mesmo se o estado de guerra não for reconhecido por alguma delas A Convenção aplicarseá também a todos os casos de ocupação parcial ou total do território de uma Alta Parte Contratante mesmo se essa ocupação não suscita resistência armada Embora uma das Potências em conflito possa não ser parte da presente Convenção as Potências que o são permanecem vinculadas por ela em suas relações mútuas Artigo 3º Em caso de conflito armado de caráter não internacional ocorrido no território de uma das Altas Partes Contratantes cada Parte em conflito fica obrigada a aplicar no mínimo as seguintes disposições 1 As pessoas que não tomem parte ativa nas hostilidades inclusive membros das forças armadas que depuserem suas armas bem como 5 Tradução do original inglês pelo autor os que foram postos fora de combate por doença ferimentos detenção ou qualquer outra causa devem ser tratados em qualquer circunstância humanitariamente sem qualquer distinção negativa fundada em raça cor religião ou fé sexo nascimento ou riqueza ou qualquer outro critério similar Com essa finalidade os seguintes atos são e devem permanecer proibidos em qualquer tempo e lugar com relação às pessoas acima mencionadas a atos de violência contra a vida ou a pessoa em particular homicidio de qualquer espécie mutilação tratamento cruel e tortura b a tomada de reféns c ultraje à dignidade pessoal em particular o tratamento humilhante e degradante d condenações ou execuções de sentença sem prévio processo perante tribunais regularmente constituídos comportando todas as garantias judiciais reconhecidas como indispensáveis pelos povos civilizados 2 Os feridos e doentes devem ser recolhidos e tratados Uma entidade humanitária imparcial tal como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha pode oferecer seus serviços às Partes em conflito As Partes em conflito devem ademais esforçarse para pôr em vigor por meio de acordos especiais todas as outras disposições da presente Convenção ou parte delas O cumprimento das disposições precedentes não afetará o status legal das Partes em conflito Artigo 4º As pessoas protegidas pela Convenção são as que em dado momento e de qualquer maneira encontramse em caso de conflito ou ocupação em poder de uma Parte no conflito ou Potência ocupante da qual eles não são nacionais Nacionais de um Estado que não esteja ligado pela Convenção não são por ela protegidos Nacionais de um Estado neutro os quais se encontram no território de um Estado beligerante e nacionais de um Estado cobeligerante não são considerados como protegidos enquanto o Estado do qual sejam nacionais mantém representação diplomática normal no Estado em cujo poder eles se encontram Artigo 5º Quando no território de uma Parte em conflito ela está convencida de que um indivíduo protegido é certamente suspeito de atividade hostil à segurança da Potência Ocupante tal pessoa deve nos casos em que a segurança militar absoluta assim o exige ser tida como tendo violado os direitos de comunicação previstos na presente Convenção Em tal caso tais pessoas devem contudo ser tratadas com humanidade e em sendo processadas não devem ser privadas do direito a um processo justo e regular conforme prescrito na presente Convenção Deveselhes ademais garantir plenamente os direitos e privilégios de uma pessoa protegida na conformidade da presente Convenção em data o mais cedo possível compatível com a segurança do Estado ou Potência Ocupante conforme o caso Excerto do Protocolo 1 às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 relativo à proteção das vítimas dos conflitos armados internacionais Artigo 51 Proteção da população civil 1 A população civil e as pessoas civis gozam de uma proteção geral contra os perigos resultantes de operações militares A fim de tornar esta proteção efetiva as seguintes regras sem prejuízo de outras regras do direito internacional aplicável devem ser observadas em qualquer circunstância 2 Nem a população civil enquanto tal nem as pessoas civis devem ser alvo de ataques São proibidos os atos ou ameaças de violência cujo objetivo principal consiste em difundir o terror entre a população civil 3 As pessoas civis gozam da proteção concedida pela primeira Seção salvo se elas participam diretamente das hostilidades e durante toda a sua participação 4 Os ataques indiscriminados são proibidos A expressão ataques indiscriminados significa a os ataques que não são dirigidos contra um objetivo militar determinado b os ataques nos quais são utilizados métodos ou meios de combate que não podem ser dirigidos contra um objetivo militar determinador ou c os ataques nos quais são utilizados métodos ou meios de combate cujos efeitos não podem ser limitados como prescrito neste Protocolo e que são em conseqüência em cada um desses casos aptos a atingir indistintamente objetivos militares e pessoas civis ou bens de natureza civil 5 Serão entre outros considerados como efetuados sem discriminação os seguintes tipos de ataques a os bombardeios quaisquer que sejam os métodos ou meios utilizados que tratam como objetivo militar único um certo número de objetivos militares nitidamente espaçados e distintos situados numa cidade um vilarejo ou qualquer outra zona que contenha uma aglomeração análoga de pessoas civis ou bens de natureza civil b os ataques dos quais podese esperar que causem incidentemente perdas em vidas humanas na população civil ferimentos às pessoas civis danos aos bens de natureza civil ou uma combinação dessas perdas e danos que seriam excessivos em relação à vantagem militar concreta e direta que deles se espera 6 São proibidos os ataques dirigídos a título de represálias contra a população civil ou pessoas civis 7 A presença ou os movimentos da população civil ou de pessoas civis não devem ser utilizados para pôr certos pontos ou certas zonas ao abrigo de operações militares notadamente para tentar pôr objetivos militares ao abrigo de ataques ou para dar cobertura favorecer ou Artigo 57 Precauções no ataque 1 As operações militares devem ser conduzidas de forma a zelarse constantemente em poupar a população civil as pessoas civis e os bens de natureza civil 2 No tocante aos ataques as precauções seguintes devem ser tomadas a os que preparam ou decidem um ataque devem I fazer tudo que for praticamente possível para verificar que os objetivos a atacar não são nem pessoas civis nem bens de natureza civil e não beneficiam de uma proteção especial mas que são objetivos militares no sentido do parágrafo 2 do artigo 52 e que as disposições do presente Protocolo não proíbem sejam eles atacados II tomar todas as precauções praticamente possíveis quanto à escolha dos meios ou métodos de ataque a fim de evitar e em qualquer circunstância reduzir ao mínimo as perdas em vidas humanas na população civil os ferimentos às pessoas civis e os danos aos bens de natureza civil que poderiam ser causados incidentemente III absterse de lançar um ataque do qual podese esperar que cause incidentemente perdas em vidas humanas na população civil ferimentos em pessoas civis danos a bens de natureza civil ou uma combinação dessas perdas e danos que seriam excessivos em relação à vantagem militar concreta e direta esperada b um ataque deve ser anulado ou interrompido quando se verifica que seu objetivo não é militar ou que ele goza de uma proteção especial ou que se pode esperar que cause incidentemente perdas em vidas humanas na população civil ferimentos em pessoas civis danos em bens de natureza civil ou uma combinação dessas perdas e danos que seriam excessivos em relação à vantagem militar concreta e direta esperada c no caso de ataques que possam atingir a população civil um aviso deve ser dado em tempo hábil e pelos meios eficazes a não ser que as circunstâncias não o permitam 3 Quando for possível a escolha entre vários objetivos militares para se obter uma vantagem militar equivalente a escolha deve recair sobre o objetivo do qual podese pensar que o ataque apresente o menor perigo possível para as pessoas civis ou para os bens de natureza civil 4 Na conduta das operações militares no mar ou nos ares cada Parte no conflito deve tomar de acordo com os direitos e deveres que decorrem para ela das regras do direito internacional aplicável nos conflitos armados todas as precauções razoáveis para evitar as perdas em vidas humanas na população civil e danos aos bens de natureza civil 5 Nenhuma disposição do presente artigo pode ser interpretada como dando autorização para ataques contra a população civil as pessoas civis ou bens de natureza civil CAPÍTULO 16º A CONVENÇÃO EUROPÉIA DOS DIREITOS HUMANOS 1950 Celebrada em Roma em 4 de janeiro de 1950 a Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais foi elaborada no seio do Conselho da Europa organização representativa dos Estados da Europa Ocidental criada em 5 de maio de 1949 para promover a unidade européia proteger os direitos humanos e fomentar o progresso econômico e social O alcance da convenção limitase aos direitos individuais clássicos e representa sob esse aspecto um recuo em relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos invocada em seu preâmbulo Um Protocolo Adicional datado de 20 de março de 1952 acrescentou à Convenção uma declaração sobre a proteção da propriedade o direito à instrução e o direito a eleições livres Nenhum desses direitos no entanto representou inovação alguma relativamente ao que já se continha por exemplo na Constituição de Weimar de 1919 1 A declaração sobre a propriedade aliás constituiu nítido recuo pois se ateve apenas à proteção do direito individual deixando de lado o dever de todo proprietário de dar a seus bens próprios uma destinação social Em 18 de outubro de 1961 porém foi celebrada em Turim uma Carta Social Européia que declarou os direitos econômi 1 Cf capítulo 9º supra cos sociais e culturais não constantes da Convenção de 1950 Esse tratado entrou em vigor em 1965 Em 5 de maio de 1988 a Carta Social Européia foi completada por um protocolo adicional que entrou em vigor em 4 de setembro de 1992 em oito Estados O protocolo adicional enuncia quatro novos direitos o direito à igualdade de possibilidades e de tratamento em matéria de emprego e de profissão o direito dos trabalhadores à informação e à consulta no seio das empresas o direito dos trabalhadores de participarem da determinação e da melhoria das condições de trabalho e do ambiente de trabalho bem como o direito das pessoas idosas a uma proteção social Em 1996 a Carta Social Européia Revista consagrou certo número de direitos novos em matéria social como o direito à dignidade no trabalho o direito à proteção contra a pobreza e a exclusão social e o direito à moradia Devese ressaltar que os artigos 5º 6º e 7º da Convenção Européia de 1950 ampliaram sobremaneira as medidas tradicionais de proteção da liberdade e da segurança pessoal As condições de legalidade de uma detenção ou prisão são claramente especificadas art 5º e os direitos de todo acusado em processos criminais ampliados em relação aos textos normativos clássicos art 6º No art 7º segunda alínea sob evidente influência do julgamento do tribunal militar internacional de Nuremberg cuja correspondência com os princípios do direito internacional fora proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas alargase a compreensão do princípio nullum crimen sine lege dispondose que apesar da ausência de lei nacional ou de tratado internacional que defina certas condutas como criminosas qualquer pessoa pode ser processada e julgada em razão de atos ou omissões cuja criminalidade seja reconhecida pelos princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas Mas a grande contribuição da Convenção Européia para a proteção da pessoa humana foi de um lado a instituição de órgãos incumbidos de fiscalizar o respeito aos direitos nela declarados e julgar as suas eventuais violações pelos Estados signatários de outro o reconhecimento do indivíduo como sujeito de direito internacional no que tange à proteção dos direitos humanos A existência de órgãos externos incumbidos de fiscalizar o respeito aos direitos humanos e julgar as suas eventuais violações dentro de cada Estado é uma questão crucial para o progresso do sistema internacional de proteção da pessoa humana Os Estados continuam a defender zelosamente sua soberania e a rejeitar toda e qualquer interferência externa em assuntos que consideram de sua exclusiva jurisdição A própria Carta das Nações Unidas de resto declara a nãoingerência em assuntos internos de cada Estado como um dos seus princípios fundamentais art 2º alínea 7 Os redatores da Convenção tiveram a sabedoria de criar um órgão intermediário entre o queixoso e o tribunal a Comissão de Direitos Humanos encarregada de fazer a triagem das denúncias formuladas de investigar os fatos e manifestar sua opinião fundada sobre a ocorrência ou não de violações de direitos Qualquer dos EstadosPartes na Convenção podia formular denúncias de violação de direitos humanos contra outro EstadoParte denúncias essas que seriam processadas perante a Comissão art 24 As denúncias contra um EstadoParte na Convenção podiam também ser apresentadas por qualquer pessoa organização não governamental ou grupo de indivíduos o que representou sensível progresso em relação ao direito internacional clássico confinado exclusivamente às relações entre Estados Mas em evidente concessão à soberania estatal determinouse que essas denúncias apresentadas por indivíduos ou grupos privados somente seriam recebidas contra um Estado que houvesse previamente reconhecido a competência da Comissão para processálas art 25 A Comissão tinha também legitimidade para propor uma ação contra um EstadoParte perante o Tribunal Europeu de Direitos Humanos art 48 a A fórmula de compromisso com a soberania de cada EstadoParte foi também originalmente aplicada ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos art 46 É a cláusula de reconhecimento facultativo da jurisdição obrigatória cuja proposta original para a Corte Permanente de Justiça Internacional da Sociedade das Nações retomada pelo Estatuto da Corte Internacional de Justiça art 36 foi feita pelo Embaixador brasileiro Raul Fernandes O Protocolo n 11 à Convenção datado de 11 de maio de 1994 porém revogou essa cláusula de reconhecimento facultativo da jurisdição do Tribunal Europeu de Direitos Humanos obrigando doravante todos os EstadosPartes na Convenção a se submeterem obrigatoriamente às suas decisões O mesmo Protocolo ainda mas agora em decisão infeliz extinguiu a Comissão Européia de Direitos Humanos transferindo grande parte de suas atribuições ao Tribunal Com isso o Tribunal viuse em pouco tempo sobrecarregado de processos e sem condições de desempenhar a contento as suas atribuições O Texto Excertos2 Artigo 5 1 Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança Ninguém pode ser privado de sua liberdade salvo nos seguintes casos e de acordo com as vias legais a em caso de detenção regular após condenação por um tribunal competente b em caso de detenção ou prisão regular por recusa de obtemperar a um mandado legal de um tribunal ou a fim de assegurar o cumprimento de uma obrigação prescrita em lei 2 Tradução do original francês pelo autor c em caso de detenção ou prisão a fim de comparecimento perante a autoridade judiciária competente quando há razões plausíveis de suspeitar que o detido ou preso cometeu uma infração ou quando há motivos razoáveis de supor a necessidade de impedilo de cometer uma infração ou de fugir após cometêla d em caso de detenção regular de um menor para se proceder à sua educação supervisionada ou de detenção regular a fim de conduzilo perante a autoridade competente e em caso de detenção regular de uma pessoa suscetível de propagar uma moléstia contagíosa de um alienado de um alcoólatra de um toxicômano ou de um vadio f em caso de detenção ou prisão regular de uma pessoa a fim de impedila de penetrar ilegalmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso um processo de expulsão ou extradição 2 Toda pessoa detida deve ser informada no prazo mais breve e numa língua que lhe seja compreensível das razões de sua detenção e de toda acusação que pesa contra ela 3 Toda pessoa presa ou detida nas condições previstas no inciso 1 alínea c do presente artigo deve ser levada incontinenti à presença de um juíz ou outro magistrado autorizado pela lei a exercer funções judiciárias e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou posta em liberdade durante o processo A soltura pode ficar condicionada ao oferecimento de uma garantia de comparecimento do interessado à audiência 4 Toda pessoa privada de sua liberdade por motivo de detenção ou prisão tem o direito de recorrer ao Judiciário a fim de que a legalidade de sua detenção seja decidida no mais breve prazo e sua soltura ordenada se a prisão for ilegal 5 Toda pessoa vítima de detenção ou prisão em violação ao disposto neste artigo tem direito a exigir indenização Artigo 6 3 Todo acusado de haver cometido uma infração tem os seguintes direitos notadamente a ser prontamente informado numa língua que compreenda e de modo pormenorizado da natureza e da causa da acusação contra ele formulada b ter tempo suficiente e os meios necessários para preparar sua defesa c defenderse pessoalmente ou ter a assistência de um defensor de sua escolha e se não tiver recursos para remunerar seu defensor poder ser assistido gratuitamente por um advogado dativo quando os interesses da justiça o exigirem d inquirir ou fazer inquirir as testemunhas de acusação bem como obter o comparecimento e a inquirição das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação e ser assistido gratuitamente por um intérprete se não compreender ou falar a língua usada na audiência Artigo 7 1 Ninguém pode ser condenado por uma ação ou omissão que no momento em que ocorreu não constituía infração segundo o direito nacional ou internacional Da mesma forma não será imposta nenhuma pena mais severa do que a que era aplicável no momento em que a infração foi cometida 2 Este artigo não impede o julgamento e a punição de uma pessoa culpada de uma ação ou omissão que no momento em que ocorreu era considerada criminosa de acordo com os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas TÍTULO 11 3 Artigo 19 A fim de assegurar a observância dos compromissos assumidos pelas Altas Partes Contratantes na presente Convenção são instituídas a uma Comissão Européia de Direitos Humanos doravante referida como a Comissão b um Tribunal Europeu de Direitos Humanos doravante referida como o Tribunal Seção III Artigo 20 A Comissão compõese de tantos membros quantas são as Altas Partes Contratantes A Comissão não pode compreender mais de um nacional do mesmo Estado 3 Por força do Protocolo n 11 de 11 de maio de 1994 os primitivos Títulos II a IV da Convenção arts 19 a 56 foram suhstituídos pelo Título 11 tendo por objeto unicamente o Tribunal Europeu de Direitos Humanos Foi portanto extinta a Comissão Européia dos Direitos Humanos Artigo 23 Os membros da Comissão exercerão suas funções a título individual Durante toda a duração de seu mandato eles não podem assumir funções incompatíveis com as exigências de independência imparcialidade e disponibilidade inerentes ao mandato Artigo 24 Qualquer das Altas Partes Contratantes pode por intermédio do SecretárioGeral do Conselho da Europa denunciar à Comissão qualquer violação às disposições da presente Convenção imputável a uma outra Alta Parte Contratante Artigo 25 1 A Comissão pode processar petições dirigidas ao SecretárioGeral do Conselho da Europa por qualquer pessoa física organização não governamental ou qualquer grupo de particulares os quais aleguem terem sido vitimas de uma violação por uma das Altas Partes Contratantes dos direitos declarados nesta Convenção na hipótese de a Alta Parte Contratante posta em causa tenha declarado reconhecer a competência da Comissão nessa matéria As Altas Partes Contratantes que fizeram essa declaração obrigamse a não impedir de nenhuma forma o exercício efetivo desse direito 2 Tais declarações podem ser feitas por prazo determinado 3 As declarações serão entregues ao SecretárioGeral do Conselho da Europa que transmitirá cópias às Altas Partes Contratantes e fará publicálas 4 A Comissão somente exercerá a competência que lhe é atribuida neste artigo quando pelo menos seis Altas Partes Contratantes vincularemse por declarações feitas de acordo com o disposto nas alíneas precedentes Artigo 26 Não se poderá fazer atuar a Comissão senão depois que todos os recursos internos foram exauridos de acordo com as regras geralmente reconhecidas em direito internacional e dentro no prazo de seis meses da data da decisão interna definitiva Artigo 27 1 A Comissão não receberá nenhuma petição apresentada de acordo com o artigo 25 quando a ela é anônima b ela é substancialmente idêntica a outra já examinada pela Comissão ou que já submetida a outra instância internacional de investigação ou de julgamento e não alegue fatos novos 2 A Comissão considerará inadmissível qualquer petição apresentada com base no artigo 25 se ela a julga incompatível com as disposições da presente Convenção manifestamente infundada ou abusiva 3 A Comissão rejeitará toda petição que ela considerar inadmissível de acordo com o artigo 26 Artigo 28 No caso de a Comissão decidir processar a petição a a fim de averiguar os fatos ela procederá a um exame contraditório da petição juntamente com os representantes das partes e se for o caso procederá a uma investigação para a realização da qual os Estados interessados fornecerão todas as facilidades necessárias após uma troca de opiniões com a Comissão b ela porseá ao mesmo tempo à disposição dos interessados a fim de chegar a uma solução amigável inspirada no respeito dos direitos humanos tal como declarados nesta Convenção Artigo 32 1 Se no prazo de três meses a contar da data da entrega do Relatório ao Comitê de Ministros o litígio não for levado ao Tribunal conforme o disposto no artigo 48 desta Convenção o Comitê de Ministros decidirá por maioria de dois terços dos membros com assento no Comitê se houve violação da Convenção 2 Em caso afirmativo o Comitê de Ministros fixará um prazo durante o qual a Alta Parte Contratante interessada deve tomar as medidas conseqüentes à decisão do Comitê de Ministros 3 Se a Alta Parte Contratante interessada não tomar medidas satisfatórias dentro do prazo fixado o Comitê de Ministros decidirá pela maioria indicada na alínea 1 acima qual o efeito a ser dado à sua decisão original e publicará o Relatório 4 As Altas Partes Contratantes obrigamse a aceitar como vinculante para si todas as decisões que o Comitê de Ministros possa tomar em aplicação das alíneas precedentes Seção IV Artigo 38 O Tribunal Europeu de Direitos Humanos compõese de tantos juízes quantos são os Membros do Conselho da Europa Não poderá haver dois juízes da mesma nacionalidade4 Artigo 44 Só as Altas Partes Contratantes e a Comissão têm legitimidade para abrir um processo perante o Tribunal5 Artigo 45 A competência do Tribunal abrangerá todas as questões concernentes à interpretação e à aplicação da presente Convenção as quais lhe sejam submetidas pelas Altas Partes Contratantes ou a Comissão nas condições previstas no art 48 6 Artigo 46 7 1 Qualquer das Altas Partes Contratantes pode a qualquer tempo declarar que reconhece como obrigatória de pleno direito e sem necessidade de acordo especial a jurisdição do Tribunal em todas as questões concernentes à interpretação e à aplicação da presente Convenção 4 Esta última norma foi suprimida pelo Protocolo n 11 5 O Protocolo n 11 substituiu essa disposição pelos artigos 33 e 34 a seguir transcritos Art 33 Litígios interestatais Toda e qualquer Alta Parte Contratante pode recorrer ao Tribunal argüindo violação das disposições da Convenção e de seus protocolos imputável a uma outra Alta Parte Contratante Art 34 Reclamações individuais As pessoas físicas as organizações não governamentais ou grupos de particulares que se achem vítimas de uma violação por uma das Altas Partes Contratantes dos direitos reconhecidos na Convenção ou seus protocolos podem recorrer ao Tribunal As Altas Partes Contratantes obrigamse a não criar obstáculo algum ao exercício eficaz deste direito 6 Além da competência decisória em casos litigiosos o Protocolo n 11 atribuiu também ao Tribunal uma competência consultiva arts 47 a 49 na nova redação 7 Disposição alterada pelo Protocolo n 11 Doravante todos os Estados Partes na Convenção achamse vinculados de pleno direito à jurisdição do Tribunal 2 As declarações acima referidas podem ser feitas incondicionalmente ou sob condição de reciprocidade de parte de várias ou determinadas Altas Partes Contratantes ou por um período determinado 3 Essas declarações serão entregues ao SecretárioGeral do Conselho da Europa que transmitirá cópias às Altas Partes Contratantes Artigo 47 O Tribunal somente julgará um caso depois que a Comissão reconhecer O malogro de seus esforços para obter uma solução amigável e dentro do prazo de três meses fixado no artigo 32 8 Artigo 48 9 As seguintes partes podem propor uma ação perante o Tribunal desde que a Alta Parte Contratante interessada se houver só uma ou as Altas Partes Contratantes interessadas se houver mais de uma estejam sujeitas à jurisdição obrigatória do Tribunal ou na falta disto com o consentimento da Alta Parte Contratante interessada se houver só uma ou das Altas Partes Contratantes interessadas caso haja mais de uma a a Comissão b a Alta Parte Contratante cujo cidadão é tido como vítima c a Alta Parte Contratante que pediu a abertura do processo perante a Comissão d a Alta Parte Contratante denunciada Artigo 49 No caso de se contestar a competência do Tribunal a questão será por ele decidida Artigo 50 Se a decisão do Tribunal declarar que uma decisão tomada ou uma medida ordenada por uma autoridade judiciária ou qualquer outra autoridade de uma Alta Parte Contratante conflita no todo ou em parte com obrigações resultantes da presente Convenção e se o direito interno dessa Parte prevê tão só uma reparação parcial das conseqüências dessa 8 Com a extinção da Comissão Européia dos Direitos Humanos a competência para intermediar um acordo amigável entre as partes litigantes passou a ser do próprio Tribunal 9 Cf nota 4 supra decisão ou medida o julgamento do Tribunal deverá se possível atribuir uma satisfação eqüitativa à parte lesada Artigo 51 1 O julgamento do Tribunal deve ser motivado 2 Se o acórdão não expressa no todo ou em parte a decisão unânime dos juizes qualquer juiz é autorizado a apresentar seu voto em separado Artigo 52 A decisão do Tribunal será definitiva Artigo 53 As Altas Partes Contratantes obrigamse a se submeter às decisões do Tribunal em todos os litígios em que forem partes CAPÍTULO 17º OS PACTOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS DE 1966 Em 16 de dezembro de 1966 a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou dois pactos internacionais de direitos humanos que desenvolveram pormenorizadamente o conteúdo da Declaração Universal de 1948 o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais1 Ao primeiro deles foi anexado um Protocolo Facultativo atribuindo ao Comitê de Direitos Humanos instituído por aquele Pacto competência para receber e processar denúncias de violação de direitos humanos formuladas por indivíduos contra qualquer dos EstadosPartes Completavase assim a segunda etapa do processo de institucionalização dos direitos do homem em âmbito universal e davase início à terceira etapa relativa à criação de mecanismos de sanção às violações de direitos humanos Nesse particular porém a atuação do Comitê de Direitos Humanos restringese aos direitos civis e políticos e ainda assim sem que ele tenha poderes para formular um juízo de condenação do Estado responsável pela violação desses direitos Além disso contrariamente ao que fora estipulado na Convenção Européia de Direitos Humanos de 1950 2 a competência do Comitê para receber e processar denúncias mesmo quando formuladas por Estadospartes depende de reconhecimento expresso do Estado apontado como violador dos direitos humanos 1 Ratificados pelo Brasil pelo Decreto Legislativo n 226 de 12 de dezembro de 1991 e promulgados pelo Decreto n 592 de 6 de dezembro de 1992 2 Cf capítulo 16º supra A elaboração de dois tratados e não de um só compreendendo o conjunto dos direitos humanos segundo o modelo da Declaração Universal de 1948 foi o resultado de um compromisso diplomático As potências ocidentais insistiam no reconhecimento tãosó das liberdades individuais clássicas protetoras da pessoa humana contra os abusos e interferências dos órgãos estatais na vida privada Já os países do bloco comunista e os jovens países africanos preferiam pôr em destaque os direitos sociais e econômicos que têm por objeto políticas públicas de apoio aos grupos ou classes desfavorecidas deixando na sombra as liberdades individuais Decidiuse por isso separar essas duas séries de direitos em tratados distintos limitandose a atuação fiscalizadora do Comitê de Direitos Humanos unicamente aos direitos civis e políticos e declarandose que os direitos que têm por objeto programas de ação estatal seriam realizados progressivamente até o máximo dos recursos disponíveis de cada Estado Pacto sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais art 22 alínea 1 Essa divisão do conjunto dos direitos humanos em dois Pactos distintos é em grande medida artificial Temos assim que o direito à autodeterminação dos povos é reconhecido de forma idêntica no artigo 1º de ambos os Pactos o mesmo sucedendo com o direito de sindicalização art 2º do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos e artigo 8º do Pacto sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais De qualquer forma os redatores estavam bem conscientes de que o conjunto dos direitos humanos forma um sistema indivisível pois o preâmbulo de ambos os pactos é idêntico A unidade essencial do sistema de direitos humanos foi aliás afirmada pela Resolução n 32120 da Assembléia Geral da ONU em 1968 e confirmada pela Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993 na Declaração de Viena como se mencionou na Introdução desta obra3 3 Cf p 67 É com base na unidade essencial dos direitos humanos que se pode falar no plano nacional e internacional de um direito ao desenvolvimento4 A Assembléia Geral das Nações Unidas em uma Resolução de 4 de dezembro de 1986 AIRES41128 considerou o desenvolvimento como um amplo processo de natureza econômica social cultural e política Manifestou sua preocupação com a existência de sérios obstáculos ao desenvolvimento e à completa realização dos seres humanos e dos povos obstáculos esses constituídos inter alia pela denegação dos direitos civis políticos econômicos sociais e culturais entendendo que todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes devendose a fim de promover o desenvolvimento dar igual atenção e considerar como urgente a implementação promoção e proteção dos direitos civis políticos econômicos sociais e culturais Nos termos do artigo 2º alínea 3 dessa Resolução os Estados têm o direito e o dever de formular políticas apropriadas para o desenvolvimento nacional com o objetivo de aumentar constantemente o bemestar de toda a população e de todos os indivíduos na base de sua participação ativa livre e consciente no desenvolvimento e na justa distribuição dos benefícios dele resultantes Os Estados têm a responsabilidade primordial de criar condições nacionais e internacionais favoráveis à realização do direito ao desenvolvimento o que implica o dever de colaboração de todos os Estados na eliminação dos obstáculos ao desenvolvimento art 3º O desarmamento geral representa uma das condições indispensáveis à consecução dessa meta art 7º devendo os Estados no plano nacional tomar as medidas necessárias à realização do direito ao desenvolvimento assegurando notadamente a igualdade de oportunidades para todos no acesso aos recursos básicos à educação aos serviços 4 Para uma discussão do assunto vejamse os comentários à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos no capítulo 20º desta obra de saúde à alimentação à habitação ao emprego e a uma justa distribuição de renda art 8º O grande objeto de discórdia na adoção dos Pactos de 1966 pelas Nações Unidas foi o Protocolo Facultativo anexo ao pacto sobre Direitos Civis e Políticos Enquanto ambos os documentos foram aprovados unanimemente pela Assembléia Geral a aprovação do Protocolo teve dois votos contrários e trinta e oito abstenções provenientes não só de países comunistas e da maioria dos países asiáticos africanos e árabes como também do conjunto dos países da Europa Ocidental Os primeiros viam com suspeição a possibilidade de o Comitê de Direitos Humanos interferir em assuntos considerados da competência interna de cada Estado Os segundos entenderam que já se achavam vinculados à ação fiscalizadora e julgadora mais forte dos órgãos criados pela Convenção Européia de Direitos Humanos Em 15 de dezembro de 1989 a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou um segundo Protocolo Facultativo ao Pacto sobre Direitos Civis e Políticos tendente à abolição da pena de morte É de se ressaltar a completa omissão nos Pactos de 1966 do direito à propriedade privada o qual constou no entanto das duas primeiras declarações de direitos do século XVIII a de Virgínia e a da Revolução Francesa Duas explicações de resto concorrentes podem ser dadas para esse fato De um lado a resistência dos países do bloco soviético em reconhecer a propriedade como direito humano em contradição a um princípio fundamental do comunismo De outro lado a verificação de que ao contrário do que sucedia no século XVIII a propriedade privada já havia na segunda metade do século XX deixado de ser o grande instrumento de segurança econômica dos indivíduos diante do poder estatal absoluto A par deste surgira um inimigo mais forte da propriedade privada nas camadas pobres da população o capitalismo incontrolado que engendra as massas proletárias Ademais em todos os países não comunistas após a grande depressão de 1929 reconheceuse que uma das funções primordiais do Estado consistia em garantir por meio do pleno emprego e das prestações de caráter social saúde previdência e assistência social aquela freedom from want a que se referiu o Presidente Roosevelt em sua mensagem sobre o estado da União de 6 de janeiro de 1941 5 Ou seja estimavase à época antes das devastações provocadas pelo retorno avassalador do liberalismo econômiconO final do século que a propriedade privada já não exercia o antigo papel de garantia contra a insegurança econômica Duas outras lacunas dos Pactos de 1966 porém são bem menos justificáveis o direito de qualquer ser humano a ter uma nacionalidade se assim o desejar6 e o direito de asilo ou refúgio Essas omissões parecem tanto mais injustificáveis quando se pensa que a Declaração Universal de 1948 menciona esses direitos arts XIV e XV Sem dúvida após a Declaração e antes de serem adotados os Pactos duas convenções internacionais tiveram por objeto garantir proteção jurídica às pessoas despidas de nacionalidade a Convenção de 28 de setembro de 1954 sobre o Estatuto dos Apátridas votada por uma Conferência de Plenipotenciários convocada pelo Conselho Econômico e Social e a Convenção sobre a Redução da Condição de Apátrida datada de 30 de agosto de 1961 Mas esse progresso na regulação da matéria não explica nem justifica a ausência da proclamação desse direito nos Pactos de 1966 elaborados justamente para serem a Carta Internacional dos direitos humanos naquele momento histórico A lacuna é grave porque como foi assinalado a situação dos que tiveram sua nacionalidade cancelada pelos Estados totalitários e não conseguiram ser admitidos como nacionais de outro país durante o período conturbado dos anos 30 e 40 ilustrou de modo trágico a perda da condição de pessoa humana na comunidade universal É óbyio que a disposição genérica do artigo 16 do Pacto sobre Direitos Civis e 5 Cf capítulo 12º supra 6 O Pacto sobre Direitos Civis e Políticos reconhece no entanto explicitamente a toda criança o direito de adquirir uma nacionalidade art 24 alínea 3 Políticos não supre a inexistência de uma norma específica sobre o direito de toda pessoa a ter uma nacionalidade nem o de preferir a condição de apátrida Quanto ao direito de refúgio ou de asilo convém ressaltar que se trata de institutos aproximados mas não idênticos A América Latina conhece desde o século XIX o asilo como direito de perseguidos ou condenados por crimes políticos Na X Conferência Interamericana realizada em Caracas em 1954 foram aprovadas duas convenções uma sobre asilo diplomático e outra sobre asilo territorial7 Já o refúgio é concedido em razão de perseguição por motivos religiosos raciais de nacionalidade e de opinião política Tratase pois de um instituto de proteção de minorias no sentido que o vocábulo apresenta no artigo 27 do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos Em 28 de julho de 1951 foi aprovada por iniciativa das Nações Unidas a Convenção relativa aos Refugiados acrescida de um Protocolo adotado em Nova Iorque em 31 de dezembro de 1967 8 É preciso ainda assinalar que os Pactos Internacionais de 1966 são anteriores à quarta grande etapa histórica de reconhecimento dos direitos humanos qual seja a que consagrou o respeito aos chamados direitos da humanidade como o direito de acesso aos recursos do fundo marinho bem como os direitos à preservação do meio ambiente e do patrimônio cultural de todos os seres humanos 7 Foram ambas ratificadas pelo Brasil e promulgadas pelo Decreto n 55929 de 14 de abril de 1965 8 A Convenção foi aprovada no Brasil com exclusão dos artigos 15 e 17 pelo Decreto Legislativo n 11 de 7 de julho de 1960 Pelo Decreto n 93 de 30 de novembro de 1971 o Governo brasileiro foi autorizado a aderir ao Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados adotado em Nova York em 31 de dezembro de 1967 e a substituir as ressalvas à Convenção de 1951 por uma declaração interpretativa no sentido de que os refugiados gozarão do tratamento concedido aos estrangeiros em geral excetuado o preferencial concedido aos portugueses em virtude do Tratado de Amizade e Consulta de 1952 e do art 199 da Emenda Constitucional n 1 de 1969 Mas em 19 de dezembro de 1989 o Decreto n 98602 reafirmou a exclusão dos artigos 15 e 17 da Convenção de 1951 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PREÂMBULO Os EstadosPartes do Presente Pacto Considerando que em conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade da justiça e da paz no mundo Reconhecendo que esses direitos decorrem da dignidade inerente à pessoa humana Reconhecendo que em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem o ideal do ser humano livre no gozo das liberdades civis e políticas e liberto do temor e da miséria não pode ser realizado a menos que se criem as condições que permitam a cada um gozar de seus direitos civis e políticos assim como de seus direitos econômicos sociais e culturais Considerando que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades do homem Compreendendo que o indivíduo por ter deveres para com seus seme lhantes e para com a coletividade a que pertence tem a obrigação de lutar pela promoção e observância dos direitos reconhecidos no presente Pacto Acordaram o seguinte PARTE 1 Artigo 1º 1 Todos os povos têm direito à autodeterminação Em virtude desse direito determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico social e cultural 2 Para a consecução de seus objetivos todos os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional baseada no princípio do proveito mútuo e do Direito Internacional Em caso algum poderá um povo ser privado de seus meios de subsistência 3 Os EstadosPartes do presente Pacto inclusive aqueles que tenham a responsabilidade de administrar territórios não autônomos e territórios sob tutela deverão promover o exercício do direito à autodeterminação e respeitar esse direito em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas O direito à autodeterminação dos povos consagrado logo na abertura do Pacto diz respeito em primeiro lugar à independência dos povos coloniais Referese também em segundo lugar à soberania de cada Estado independente sobre as riquezas e recursos naturais que se encontram em seu terntório Esses direitos já haviam sido objeto de duas declarações da Assembléia Geral das Nações Unidas a Declaração sobre a garantia de independência dos países coloniais de 14 de dezembro de 1960 ARES1514XV e a de 14 de dezembro de 1962 acerca da soberania permanente sobre os recursos naturais ARES1803XVII Tais declarações exprimiram uma tomada de consciência universal sobre a urgência de se superar o colonialismo e o imperialismo O problema no tocante ao respeito do direito de autodeterminação dos povos reside justamente na exata definição do que seja um povo como titular desse direito Como foi pertinentemente observado9 povo é uma contextdependent notion que representa uma categoria insuscetível de definição abstrata o seu sentido só se precisa no contexto da declaração onde a palavra é empregada De qualquer forma o âmbito semântico do termo começou a ser delimitado a partir de 1945 em contraste com a noção de minorias Este último termo como é indicado em comentário ao artigo 27 passou a designar grupos incluídos numa sociedade organizada sob a forma de Estado os quais não têm necessariamente vocação à independência A grande dificuldade no exercício do direito à autodeterminação dos povos consiste em determinar quem está legitimado a representálos e reivindicar em nome deles a independência Todos os conflitos surgidos no mundo nesse campo 9 James Crawford na obra coletiva The Rights of Peoples Oxford Clarend On Press 1993 p 165 e s prendemse à solução preliminar dessa questão de representatividade As potências coloniais ou as autoridades centrais do Estado onde estão os povos que aspiram à independência negam sistematicamente a representatividade dos que se apresentam Como interlocutores legítimos do povo colonizado ou submetido à dominação indesejada do Estado Por outro lado não são raras as situações em que se apresentam vários representantes do povo em questão cada qual declarandose o único legitimado a atuar em nome dele No tocante à soberania de cada Estado sobre as riquezas e recursos naturais localizados em seu território a resolução da Assembléia Geral de 14 de dezembro de 1962 dispõe que esse direito soberano dos povos e nações deve ser exercido no interesse de seu desenvolvimento nacional e do bemestar do povo do Estado em questão item 1 A exploração desenvolvimento e disposição desses recursos prossegue a resolução assim como o ingresso de capital estrangeiro para esses objetivos devem ser feitos de acordo com as regras e condições que os povos e nações livremente consideram como necessárias ou desejáveis no que diz respeito à autorização restrição ou proibição de tais atividades item 2 Nos casos em que a autorização é concedida o capital que ingressa no país e os lucros sobre esse capital devem ser regidos pelas suas próprias regras pela legislação nacional e pelo direito internacional Os lucros daí derivados devem ser partilhados nas proporções livremente acordadas em cada caso entre os investidores e o Estado receptor do investimento tomandose o cuidado de assegurar que não haverá prejuízo em hipótese alguma para a soberania desse Estado sobre suas riquezas e recursos naturais item 3 A nacionalização expropriação ou requisição serão baseadas em razões de utilidade pública sobrepujando interesses puramente individuais ou privados tanto nacionais quanto estrangeiros Em tais casos ao proprietário será paga uma indenização adequada de acordo com as regras em vigor no Estado que tomou essas medidas no exercício de sua soberania e de acordo com o direito internacional Em qualquer caso em que a questão da indenização suscite controvérsia a jurisdição nacional do Estado que toma tais medidas deve ser exaurida No entanto por acordo entre Estados soberanos e outras partes interessadas uma solução da lide pode ser alcançada por arbitragem ou decisão de tribunal internacional item 4 Essas regras pelo fato de emanarem da Assembléia Geral das Nações Unidas não podem ser desconsideradas no âmbito de organizações regionais nem muito menos em razão de acordos entre grandes potências em detrimento dos países subdesenvolvidos PARTE II Artigo 2º 1 Os EstadosPartes do presente Pacto comprometemse a respeitar e a garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto sem discriminação alguma por motivo de raça cor sexo língua religião opinião política ou de outra natureza origem nacional ou social situação econômica nascimento ou qualquer outra condição 2 Na ausência de medidas legislativas ou de outra natureza destinadas a tornar efetivos os direitos reconhecidos no presente Pacto os EstadosPartes do presente Pacto comprometemse a tomar as providências necessárias com vistas a adotálas levando em consideração seus respectivos procedimentos constitucionais e as disposições do presente Pacto 3 Os EstadosPartes do presente Pacto comprometemse a a garantir que toda pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos no presente Pacto hajam sido violados possa dispor de um recurso efetivo mesmo que a violência tenha sido perpetrada por pessoas que agiam no exercício de funções oficiais b garantir que toda pessoa que interpuser tal recurso terá seu direito determinado pela competente autoridade judicial administrativa ou legislativa ou por qualquer outra autoridade competente prevista no ordenamento jurídico do Estado em questão e a desenvolver as possibilidades de recurso judicial c garantir O cumprimento pelas autoridades competentes de qualquer decisão que julgar procedente tal recurso Artigo 3º Os EstadosPartes do presente Pacto comprometemse a assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos civis e políticos enunciados no presente Pacto Os artigos 2º e 3º completados pela norma constante do artigo 26 assentam o princípio da igualdade essencial de todos os seres humanos na sua comum dignidade de pessoas igualdade essa que constitui o fundamento último dos direitos do homem O pleonasmo da expressão é de mera aparência tratase de direitos comuns a todos os seres humanos a despeito das diferenças que possam entre eles existir como as enunciadas na primeira alínea do artigo 2º A eliminação do estatuto jurídico de inferioridade da mulher na vida civil somente veio a ocorrer no século XX e ainda assim não em todos os países Na Europa a primeira manifestação em favor da igualdade entre os sexos foi a de Poulain de la Barre num opúsculo publicado em 1673 10 Em 1739 sob o pseudônimo de Sophia a Person of Quality apareceu em Londres editada por John Hawkins uma obra com extenso título Woman not Inferior to Man or A Short and modest Vindication of the natural Right of the FairSex to a perfect Equality of Power Dignity and Esteem with the Men Já foi mencionada a posição de Condorcet e de Olympe de Gouges em defesa da igualdade dos sexos durante a Revolução Francesa11 De 1792 é a obra de Mary Wollstonecraft A Vindication of the Rights of Women a autora estava em Paris quando do inÍcio da Revolução 10 De lÉgalité des deux sexes Discours physíque et moral ou lon vou limportance de se défaire des préjugez Paris Jean du Puis 11 Cf capítulo 5º No entanto essas primeiras manifestações do movimento feminista do final do século XVIII não chegaram praticamente a produzir nenhum efeito relevante no século seguinte Como reconhecem hoje as Nações Unidas a discriminação de fato ou de direito contra a mulher em países subdesenvolvidos tem sido um dos principais obstáculos à efetividade do direito à educação e à saúde de crianças e adolescentes A discriminação antifeminina de resto não se cinge ao tratamento desigual isto é à consideração da mulher para todos os efeitos como ser inferior ao homem o que ocorre com desoladora freqüência nas relações de trabalho assalariado vejase a esse respeito a disposição do artigo 7º alínea a subalínea i do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais transcrito mais abaixo A discriminação contra a mulher se manifesta também pela reiterada e muito difundida denegação do direito à diferença vale dizer a recusa de reconhecimento e respeito dos dados biológicos e valores culturais componentes do universo feminino Em ambas as hipóteses aliás essa discriminação ultrajante costuma fundarse em tradições culturais eticamente indefensáveis e tanto mais perigosas quanto são assimiladas pelas próprias mulheres como normas de proteção de suas peculiaridades por parte dos homens que desde sempre as subjugam e exploram Na vida política a discriminação contra as mulheres vigorou também até o século XX O primeiro país a reconhecer às mulheres o direito de voto foi a Nova Zelândia em 1893 Seguiramselhe a Austrália 1902 a Finlândia 1906 e a Noruega 1913 Entre 1914 e 1939 as mulheres adquiriram o direito de voto em mais vinte e oito países Foi somente após a 2ª Guerra Mundial que alguns países ocidentais como a Itália e a França admitiram as mulheres no corpo eleitoral É desta época também o reconhecimento do direito de voto feminino por alguns países que adotaram após a guerra o regime comunista como a China a Iugoslávia e a Romênia O último país ocidental a reconhecer às mulheres o direito de votar foi a Suíça em 1971 mas não em todos os seus cantões Data de 18 de dezembro de 1979 a celebração no âmbito das Nações Unidas da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra mulheres Para o sistema de direitos humanos a distinção entre desigualdades e diferenças é de capital importância As primeiras referemse a situações em que indivíduos ou grupos humanos achamse juridicamente uns em relação aos outros em posição de superioridadeinferioridade o que implica a negação da igualdade fundamental de valor ético entre todos os membros da comunhão humana Por isso mesmo a desigualdade constitui sempre a negação da dignidade de uns em relação a outros As diferenças ao contrário são manifestações da rica complexidade do ser humano Em todo o curso da História e em todos os lugares porém os indivíduos ou grupos diferentes sempre foram vistos com suspeita ou tratados com desprezo ou seja na raiz de toda desigualdade encontramos uma diferença quer biológica quer cultural quer meramente patrimonial Ora a humanidade como bem disse Teilhard de Chardin se enriquece pela união de suas diferenças Sem a existência de sexos raças ou culturas diferentes a humanidade perderia toda a sua capacidade evolutiva e criativa Por isso enquanto as desigualdades devem ser perpetuamente combatidas as diferenças quando não contrárias à dignidade humana hão de ser estimuladas e apoiadas Existem de fato com freqüência costumes sociais ou tradições religiosas que ofendem a pessoa humana É o caso para ficarmos num só exemplo da ablação ritual do clitóris largamente praticada no continente africano No final do século XX estimase que essa mutilação genital afeta mais de dois milhões de meninas por ano causando 15 de mortes e provocando graves infecções além de traumas psicológicos permanentes Artigo 49 1 Quando situações excepcionais ameacem a existência da nação e sejam proclamadas oficialmente os EstadosPartes do presente Pacto podem adotar na estrita medida exigida pela situação medidas que suspendam as obrigações decorrentes do presente Pacto desde que tais medidas não sejam incompativeis com as demais obrigações que lhes sejam impostas pelo Direito Internacional e não acarretem discriminação alguma apenas por motivo de raça cor sexo língua religião ou origem social 2 A disposição precedente não autoriza qualquer suspensão dos artigos 6º 7º 8º 1º e 2º 11 15 16 e 18 3 Os EstadosPartes do presente Pacto que fizerem uso do direito de suspensão devem comunicar imediatamente aos outros EstadosPartes do presente Pacto por intermédio do SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas as disposições que tenham suspenso bem como os motivos de tal suspensão Os EstadosPartes deverão fazer uma nova comunicação igualmente por intermédio do SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas na data em que terminar tal suspensão Pelo teor desse dispositivo a suspensão temporária do exercício dos direitos humanos só se legitima na hipótese de ameaça à existência da nação portanto não em caso de ameaça à existência do Estado ou seja da organização dos Poderes Públicos em determinado país nem muito menos de ameaça à ordem pública de modo geral Se essa interpretação é correta o instituto do estado de defesa regulado no art 136 da Constituição brasileira de 1988 parece violar claramente o disposto nesse artigo 4º do Pacto pois lá se justificam restrições aos direitos de reunião e ao sigilo de correspondência e de comunicação telegráfica e telefônica com o objetivo de preservar ou prontamente restabelecer em locais restritos e determinados a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza Nada disso como é óbyio implica ameaça à existência da nação brasileira Ao dispor na alínea 2 que os direitos declarados nos artigos 6º 7º 8º 1º e 2º 11 15 16 e 18 não podem em hipótese alguma ser suspensos o artigo 4º está a indicar que tais direitos constituem o núcleo essencial do sistema de defesa jurídica da pessoa ou em outro plano que os bens ou valores objeto desses direitos representam a essência da dignidade humana Artigo 50 1 Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicarse a quaisquer atividades ou praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no presente Pacto ou imporlhes limitações mais amplas do que aquelas nele previstas 2 Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer EstadoParte do presente Pacto em virtude de leis convenções regulamentos ou costumes sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grart Dois princípios vêm aí assentados Na alínea 1 reconhecese que o limite intrínseco da liberdade consiste no impedimento de agir contra os direitos humanos de forma a destruílos praticamente ou a imporlhes restrições mais amplas que as já previstas no direito vigente Na alínea 2 enunciase o princípio da prevalência da norma mais favorável à pessoa humana em caso de nãoconcorrência de normas sobre o mesmo objeto Com isto estabelecese também que em matéria de direitos humanos não se admitem regressões por meio de revogação normativa ainda que efetuada por diplomas jurídicos de hierarquia superior àquele em que foram tais direitos anteriormente declarados Se por exemplo a pena de morte é abolida por norma constitucional o advento de nova Constituição não pode restabelecêla A Convenção Americana de Direitos Humanos aplica esse princípio exatamente em matéria de pena de morte em seu art 4º 3º12 12 Cf capítulo 18º desta obra PARTE III Artigo 6º 1 O direito a vida é inerente à pessoa humana Este direito deverá ser protegido pela lei Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida 2 Nos países em que a pena de morte não tenha sido abolida esta poderá ser imposta apenas nos casos de crimes mais graves em conformidade com a legislação vigente na época em que o crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do presente Pacto nem com a Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime do Genocídio Poderseá aplicar essa pena apenas em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente 3 Quando a privação da vida constituir crime de genocídio entendese que nenhuma disposição do presente artigo autorizará qualquer EstadoParte do presente Pacto a eximirse de modo algum do cumprimento de qualquer das obrigações que tenha assumido em virtude das disposições da Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio 4 Qualquer condenado à morte terá o direito de pedir indulto ou comutação da pena A anistia o indulto ou a comutação da pena poderão ser concedidos em todos os casos 5 Uma pena de morte não deverá ser imposta em casos de crimes cometidos por pessoas menores de 18 anos nem aplicada a mulheres em estado de gravidez 6 Não se poderá invocar disposição alguma do presente artigo para retardar ou impedir a abolição da pena de morte por um EstadoParte do presente Pacto No que concerne ao direito à vida a redação do artigo 6º parece demonstrar que os elaboradores do Pacto somente se preocuparam com a questão da legitimidade da pena de morte Os problemas graves do aborto e da eutanásia os quais já se punham de há muito não foram enfrentados de modo expresso O pronome indefinido ninguém aplicase obyiamente a toda pessoa humana Ora justamente a grave questão éticojurídica consiste em saber se o embrião humano é ou não é uma pessoa Sem dúvida em todos os sistemas jurídicos modernos são previstas medidas legais de proteção ao nascituro Mas na genera lidade dos sistemas penais do mundo o crime de aborto tem puniçãO menos severa que o de homicídio Seja como for é defensável sustentar com base no advérbio arbitrariamente constante da primeira alínea desse artigo que o Pacto não proibe nem o aborto nem a eutanásia desde que eles sejam praticados segundo a regulação estabelecida no direito interno de cada país O que não significa escusa dizêlo que a sua eventual proibição legal ou mesmo a sua qualificação como crimes contra a vida sejam contrários à letra ou ao espírito do artigo 6º Hoje de qualquer modo as disposições do artigo estão atrasadas em relação aos avanços da técnica de fecundação artificial e de engenharia genética Como foi assinalado na introdução geral desta obra13 na atualidade nada impede tecnicamente a produção artificial de embriões humanos para ulterior aproveitamento de seus tecidos ou de suas células com finalidades industriais Da mesma sorte a tecnologia genética já está em condições de realizar a clonagem humana para fins terapêuticos ou simplesmente reprodutivos Que pensar disso tudo à luz do princípio supremo de respeito à dignidade humana em qualquer circunstância Em tese a única prática aceitável sob o aspecto ético parece ser a de clonagem humana para fins terapêuticos por exemplo tratamento de doenças neurodegenerativas como o mal de Parkinson ou o de Alzheimer no próprio sujeito cujas células foram clonadas Todas as outras práticas de fecundação artificial ou de engenharia genética violam claramente o princípio kantiano de que a pessoa humana não pode nunca ser Utilizada como simples meio para a obtenção de uma finalidade alheia pois ela deve sempre ser tida como um fim em si mesma 13 Cf supra p 33 Percebese nitidamente que a admissão da legitimidade da pena de morte no Pacto representou uma espécie de compromisso provisório entre os Estados que ainda a mantêm e os que já a aboliram As precisões e restrições estabelecidas nas alíneas 2 a 6 revelam que para os autores do Pacto a pena capital constitui o resquício de um passado em que a punição criminal exercia unicamente uma função retributiva segundo a exata correspondência entre crime e castigo própria da lei de talião Em 15 de dezembro de 1989 de resto a Assembléia Geral da Nações Unidas votou um Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto sobre Direitos Civis e Políticos objetivando a abolição da pena de morte excertos do texto são reproduzidos abaixo Importa também assinalar que a Assembléia Geral em 24 de maio de 1989 aprovou por recomendação do Conselho Econômico e Social os Princípios sobre a Efetiva Prevenção e Investigação de Execuções Ilegais Arbitrárias e Sumárias A partir dos anos 60 uma nova forma de assassínio de opositores políticos surgiu e expandiuse em várias partes do mundo o desaparecimento forçado comandado pelas autoridades governamentais e executado por forças militares policiais ou grupos paralelos A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas criou em 1980 um Grupo de Trabalho para Desaparecimentos Forçados que registrava até 1998 45000 casos Em 18 de dezembro de 1992 a Assembléia Geral da ONU aprovou uma Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçados Artigo 7º Ninguém poderá ser submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes Será proibido sobretudo submeter uma pessoa sem seu livre consentimento a experiências médicas OU científicas Condenada pelo menos desde o Século das Luzes14 como aberração contra a natureza humana a prática da tortura como método de investigação criminal só veio a ser expressamente condenada no plano internacional com o advento da Declaração Universal de Direitos do Homem de 1948 artigo V A Convenção Européia de Direitos Humanos que lhe é posterior não contém disposição alguma a respeito Pela Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes15 aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1984 o termo tortura designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões de castigála por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas ou por sua instigação ou com o seu consentimento ou aquiescência Para a convenção não se considerarão16 como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de 14 Tant dhabiles gens et tant de beaux génies ont écrit contre cette pratique que je nose parler après eux Jallois dire qu elle pourroit convenir dans les governements despotiques où tout ce qui inspire la crainte entre plus dans les ressorts du gouvernement jallois dire que les esclaves chez Les Grecs et chez les Romains Mais jentends la loix dela nature qui crie contre moi Montesquieu De lEsprit des Lois 1748 livro VI cap 17 No capítulo XII de sua obra famosa Dei delitri e delle pene publicada em 1764 e que inaugurou o movimento de humanização do direito penal Cesare Beccaria refutou sistematicamente todos os argumentos até então utilizados para justificar a tortura antes e depois de aberto o processo criminal 15 Aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n 4 de 23 de maio de 1989 e promulgada pelo Decreto n 40 de 15 de fevereiro de 1991 16 O texto oficial brasileiro em evidente solecismo emprega o verbo no singular Não se considerará sanções legítimas ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram Cada EstadoParte da convenção poderá Considerarse competente para julgar casos de tortura a quando ela foi praticada em seu território b quando o suposto autor for nacional do Estado em questão c quando a vítima for nacional do Estado em questão A convenção criou um Comitê contra a Tortura com funções de investigação análogas às do Comitê de Direitos Humanos criado pelo Pacto ora em exame Parte IV A grande novidade da proibição constante do artigo 7º do Pacto consiste em assimilar à tortura ou aos tratamentos penais cruéis desumanos ou degradantes a submissão de alguém sem o seu consentimento a experimentações médicocientíficas É claro que essa disposição referese antes de mais nada às práticas atrozes perpetradas pelos Estados totalitários notadamente o Estado nazista em seus campos de concentração Mas ela abrange também pesquisas médicas e científicas de alto poder ofensivo levadas a efeito em alguns Estados democráticos sem que os pacientes ou a população soubessem do que se tratava Nos Estados Unidos no quadro de uma pesquisa médica iniciada em 1932 pela Seção de Doenças Venéreas do Centro de Doenças Comunicáveis do Serviço de Saúde Pública 600 indivíduos negros do sexo masculino foram envolvidos mediante oferta enganosa de tratamento médico gratuito num estudo sobre os efeitos da sífilis Mais de 400 indivíduos portadores da moléstia deixaram de ser tratados provocando com isso a contaminação de suas mulheres e crianças Muitos morreram da doença Da mesma forma nos anos 40 e 50 o governo norteamericano efetuou experimentos com radiações atômicas em seres humanos Algumas pessoas sofreram injeções de plutônio e crianças mentalmente retardadas foram alimentadas com comida radioativa Ao mesmo tempo o governo permitia a emissão de radiações nas proximidades de zonas urbanas para observar os efeitos daí decorrentes O Presidente Clinton apresentou desculpas oficiais às vítimas de ambas as experiências em 1995 e 1997 Nesse campo das experimentações médicas e científicas efetuadas sem conhecimento dos pacientes é sem dúvida lamentável que nem essa disposição do artigo 7º nem qualquer outra do Pacto contenha a proibição explícita de se realizar a esterilização de mulheres e homens sem o seu consentimento Tratase de prática largamente difundida nos países subdesenvolvidos realizada em geral por organizações privadas com sede em países ricos sob a justificativa de que a redução do índice de fertilidade da população seria uma condição indispensável ao desenvolvimento econômico e social Na verdade nenhum estudo concludente chegou a sustentar de modo irrefutável essa opinião que se choca frontalmente com o princípio ético do respeito devido à integridade da pessoa humana No que tange às penas degradantes ou cruéis é geralmente admitido que entram nessa categoria todas as mutilações tais como o decepamento da mão do ladrão prescrito na sha ria muçulmana e a castração de condenados por crimes de violência sexual constante de algumas legislações ocidentais O artigo não explicita no entanto que certas penas pelo seu caráter drástico não devem ser aplicadas a menores A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 proibe a aplicação a menores de 18 anos da pena de morte e da prisão perpétua sem direito ao livramento condicional art 37 No tocante à pena de prisão generalizase em todas as partes do mundo a convicção de que ela só se legitima em casos excepcionais e que ela deve por conseguinte ser substituída na medida do possível por outras formas penais mais adaptadas à natureza do crime e à personalidade do criminoso Artigo 8º 1 Ninguém poderá ser submetido à escravidão a escravidão e o tráfico de escravos em todas as sua formas ficam proibidos 2 Ninguém poderá ser submetido à servidão 3 a Ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios b A alínea a do presente parágrafo não poderá ser interpretada no sentido de proibir nos países em que certos crimes sejam punidos com prisão e trabalhos forçados o cumprimento de uma pena de trabalhos forçados imposta por um tribunal competente c para os efeitos do presente parágrafo não serão considerados trabalhos forçados ou obrigatórios I qualquer trabalho ou serviço não previsto na alínea b normalmente exigido de um indivíduo que tenha sido encarcerado em cumprimento de decisão judicial ou que tendo sido objeto de tal decisão achese em liberdade condicional II qualquer serviço de caráter militar e nos países em que se admite a isenção por motivo de consciência qualquer serviço nacional que a lei venha a exigir daqueles que se oponham ao serviço militar por motivo de consciência III qualquer serviço exigido em casos de emergência ou de calamidade que ameacem o bemestar da comunidade iv qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais A Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravidão do Tráfico de Escravos e de Instituições e Práticas Análogas à Escravidão17 adotada por uma conferência de plenipotenciários convocada pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas em 1956 considerou como similares à escravidão tal como definida pela Convenção de Genebra de 1926 as seguintes práticas a a servidão por dívidas isto é o estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer em garantia de uma dívida seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade se o valor desses serviços não for eqüitativamente avaliado no ato da liquidação da dívi 17 O Decreto n 58563 de 1º de junho de 1966 promulgou entre nós a Convenção sobre Escravatura de 1926 emendada pelo Protocolo de 1953 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956 Vejase o capítulo 10º desta obra da ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida b a servidão isto é a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei pelo costume ou por um acordo a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa contra remuneração ou gratuitamente determinados serviços sem poder mudar sua condição c toda instituição ou prática em virtude da qual I uma mulher é sem que tenha o direito de recusa prometida ou dada em casamento mediante remuneração em dinheiro ou espécie entregue a seus pais tutor família ou a qualquer outra pessoa ou grupo de pessoas II o marido de uma mulher a família ou clã deste tem o direito de cedêla a um terceiro a título oneroso ou não III a mulher pode por morte do marido ser transmitida por sucessão a outra pessoa d toda instituição ou prática em virtude da qual uma criança ou adolescente de menos de 18 anos é entregue quer por seus pais ou um deles quer por seu tutor a um terceiro mediante remuneração ou sem ela com o fim da exploração da pessoa ou do trabalho da referida criança ou adolescente Em 1957 foi aprovada pela Organização Internacional do Trabalho a Convenção n 105 sobre a abolição do trabalho forçado18 A Organização das Nações Unidas criou em Genebra em 1974 um grupo de trabalho sobre as formas contemporâneas 18 Promulgada no Brasil pelo Decreto n 58822 de 14 de julho de 1966 de escravidão no seio da Comissão de Direitos Humanos Segundo estimativas de organizações não governamentais aceitas pelos órgãos especializados das Nações Unidas haveria em todo o mundo no final do século cerca de duzentos milhões de pessoas submetidas à escravidão ou a formas assemelhadas tal como descritas na Convenção Suplementar de 1956 As disposições constantes do artigo em comentário porém não podem ser interpretadas unicamente em função das experiências passadas de escravidão mas devem ser entendidas também como abrangentes de novas formas de tráfico de pessoas como o que ocorre na atualidade com mulheres e crianças Num relatório publicado em 2000 o Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento da Mulher estimou que o tráfico de mulheres e crianças atinge anualmente um milhão de pessoas em todo o mundo e movimenta entre 7 e 12 bilhões de dólares por ano Artigo 9º 1 Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais Ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente Ninguém poderá ser privado de sua liberdade salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos 2 Qualquer pessoa ao ser presa deverá ser informada das razões da prisão e notificada sem demora das acusações formuladas contra ela 3 Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida sem demora à presença do juiz ou outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência a todos os atos do processo e se necessário for para a execução da sentença 4 Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou encarceramento terá o direito de recorrer a um tribunal para que este decida sobre a legalidade de seu encarceramento e ordene sua soltura caso a prisão tenha sido ilegal 5 Qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegais terá direito a reparação O artigo reproduz em substância o disposto no artigo 5 da convençãO Européia de Direitos Humanos19 O disposto na alínea 3 consubstancia tradicional garantia de todo preso consagrada no direito anglosaxônico desde a Lei de Habeas Corpus de 1679 20 Nos países que ignoram o juizado de instrução criminal como o Brasil essa garantia não é observada Artigo 10 1 Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana 2 a As pessoas processadas deverão ser separadas salvo em circunstâncias excepcionais das pessoas condenadas e receber tratamento distinto condizente com sua condição de pessoas não condenadas b As pessoas processadas jovens deverão ser separadas das adultas e julgadas o mais rápido possível 3 O regime penitenciário consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e reabilitação moral dos prisioneiros Os delinqüentes juvenis deverão ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica O Pacto separa com toda razão a questão da cominação legal de penas cruéis ou degradantes objeto da proibição do artigo 7º do problema da execução da pena em condições desumanas A pena de prisão por exemplo não é em princípio considerada cruel ou degradante mas a sua execução como acontece na generalidade dos países pobres ou subdesenvolvidos é feita em condições indignas do ser humano É óbyio que quando isto sucede o preso tem direito a ser imediatamente transferido a outro estabelecimento penal onde possa cumprir pena em condições compatíveis com a regra do artigo 10 do Pacto ou no limite ser posto em liberdade A regra principal do artigo em exame em relação à qual todas as demais devem ser interpretadas está na alínea 3 a 19 Cf supra capítulo 16º 20 Cf capítulo 2º supra finalidade última do sistema penitenciário é a reforma e a reabilitação moral dos prisioneiros O que certamente não exclui outras funções da pena de prisão tal como a segregação social de criminosos de alta periculosidade É escusado dizer no entanto que as normas constantes do artigo 10 são efetivamente respeitadas num reduzido número de países pois a consciência ética dos povos ainda não foi suficientemente formada para enxergar em todo criminoso uma pessoa a ser respeitada Prevalece ainda na generalidade dos países a idéia de que todo mecanismo penal é essencialmente retributivo e que o Estado pode tratar o criminoso com a mesma indignidade que este manifestou em relação à vítima A preocupação com o estabelecimento de condições especiais para a punição de menores delinqüentes é mais do que justificável tendo em vista a fragilidade física e psicológica da criança e do adolescente e o aumento considerável do número de menores que purgam pena de prisão em todo o mundo Os órgãos especializados das Nações Unidas calcularam que em meados dos anos 90 mais de um milhão de menores achavamse presos em cumprimento de pena criminal A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 ampliou em seu art 37 as prescrições constantes desse artigo 10 do Pacto no tocante à prisão de menores delinqüentes Pelas resoluções 663 C XXIV de 31 de julho de 1957 e 2076 LXII de 13 de maio de 1977 o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas aprovou regraspadrão mínimas para o tratamento de prisioneiros adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinqüentes realizado em Genebra em 1955 Essas regras foram depois retomadas e desenvolvidas pela Assembléia Geral ao editar os Princípios Básicos para o Tratamento de Prisioneiros em 14 de dezembro de 1990 Artigo 11 Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual Ao restringir a proibição de prisão civil ao nãocumprimento de obrigações contratuais o Pacto permite a contrario sensu que o inadimplemento de outras obrigações tanto de direito privado quanto de direito público seja sancionado com a prisão do devedor Em matéria de direito público seria por exemplo admitida a prisão do devedor de tributos No campo do direito privado importa não confundir as obrigações contratuais com aquelas fundadas num status isto é na posição jurídica do indivíduo como integrante da família status familiae ou da sociedade política status civitatis O status cria em cada pessoa poderes e deveres próprios inerentes a essa condição e não estipulados por meio de contrato Assim o artigo 11 não proibe a prisão por inadimplemento da obrigação alimentar sustento pessoal entre membros da mesma família nem por descumprimento de deveres cívicos como a prestação de serviço militar por exemplo Artigo 12 1 Toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado terá o direito de nele livremente circular e escolher sua residência 2 Toda pessoa terá o direito de sair livremente de qualquer país inclusive de seu próprio país 3 Os direitos supracitados não poderão constituir objeto de restrições a menos que estejam previstas em lei e no intuito de proteger a segurança nacional e a ordem saúde ou moral públicas bem como os direitos e liberdades das demais pessoas e que sejam compatíveis com os Outros direitos reconhecidos no presente Pacto 4 Ninguém poderá ser privado arbitrariamente do direito de entrar em seu próprio país O artigo reconhece claramente o direito de livre ingresso e saída de qualquer país bem como a livre circulação em seu território unicamente às pessoas que se achem legalmente em seu território Exclui portanto do alcance de proteção jurídica quanto a essa liberdade de circulação todo aquele que tenha ingressado clandestinamente num país estrangeiro ou nele per maneça irregularmente com o visto de permanência expirado por exemplo O Pacto deixa assim de lado no tocante a essa garantia a atual multidão de imigrantes clandestinos que procuram trabalho e melhores condições de vida no estrangeiro A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Imigrantes e Membros de suas famílias adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 1990 confirma essa interpretação O direito de livre circulação no território do país estrangeiro onde se encontram só é reconhecido aos trabalhadores imigrantes e membros de suas famílias que se acham em situação regular art 39 O sistema capitalista em sua última fase de evolução logrou obter a livre circulação de mercadorias e capitais no mundo inteiro Os trabalhadores no entanto continuam a ter muito menor proteção jurídica que os bens materiais no sistema de produção mundial O livre ingresso e circulação das pessoas em território estrangeiro é uma franquia moderna ainda não de todo assimilada pela consciência universal Na antigüidade o território nacional era um solo sagrado protegido pelos deuses da nação A presença de um estrangeiro no solo pátrio sem o consentimento das autoridades representava uma profanação o forasteiro manchava o solo onde pisava Hoje a denegação dessa liberdade obedece a razões de segurança e de organização do sistema econômico Mesmo para os seus nacionais os Estados totalitários recusam a liberdade de ingresso circulação e retirada do território Na antiga União Soviética havia a instituição do passaporte interno e da autorização de viagem para que os cidadãos pudessem deslocarse de um Estado federado para outro Nos países democráticos porém a supressão ou limitação dessa liberdade obedece a razões de ordem econômica Ainda não se firmou nas instituições e nas consciências a ética da solidariedade Diante da clareza do disposto na alínea 3 é de se concluir que toda recusa de visto de entrada num país deve ser motivada de forma a permitir ao estrangeiro a possibilidade de contestar as razões de denegação do visto junto às autoridades consulares A concessão de visto de entrada não deve pois ser um ato administrativo arbitrário Artigo 13 Um estrangeiro que se ache legalmente no território de um EstadoParte do presente Pacto só poderá dele ser expulso em decorrência de decisão adotada em conformidade com a lei e a menos que razões imperativas de segurança nacional a isso se oponham terá a possibilidade de expor as razões que militem contra sua expulsão e de ter seu caso reexaminado pelas autoridades competentes ou por uma ou várias pessoas especialmente designadas pelas referidas autoridades e de fazerse representar com esse objetivo O artigo estabelece a exigência do devido processo legal para a expulsão de estrangeiros sendo claro que esse processo deve ser contraditório com ampla possibilidade de defesa ficando a decisão final da autoridade administrativa sempre sujeita ao controle jurisdicional A contrario sensu o dispositivo do artigo 13 exclui a possibilidade jurídica do banimento ou expulsão de cidadãos nacionais do território pátrio A Convenção sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Imigrantes e Membros de suas Famílias de 1990 proibe mesmo em relação a trabalhadores clandestinos ou em situação irregular as medidas de expulsão coletiva cada caso de expulsão deve ser examinado e decidido individualmente em processo onde seja assegurado o direito de defesa art 22 Artigo 14 1 Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal competente independente e imparcial Ostabelecido por Lei na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento quer por motivo de moral pública ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija quer na medida em que isso seja estrítamente necessário na opinião da justiça em circunstâncias específicas nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça entretanto qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá tornarse pública a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto ou o processo diga respeito a controvérsias matrimoniais ou à tutela de menores 2 Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa 3 Toda pessoa acusada de um delito terá direito em plena igualdade pelo menos às seguintes garantias a a ser informada sem demora numa língua que compreenda e de forma minuciosa da natureza e dos motivos da acusação contra ela formulada b a dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa e a comunicarse com defensor de sua escolha c a ser julgada sem dilações indevidas d a estar presente no julgamento e a defenderse pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha a ser informada caso não tenha defensor do direito que lhe assiste e sempre que o interesse da justiça assim exija a ter um defensor designado ex officio gratuitamente se não tiver meios para remunerálo e a interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e a obter o comparecimento e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que dispõem as de acusação f a ser assistida gratuitamente por um intérprete caso não compreenda ou não fale a língua empregada durante o julgamento g a não ser obrigada a depor contra si mesma nem a confessarse culpada 4 O processo aplicável a jovens que não sejam maiores nos termos da legislação penal levará em conta a idade dos mesmos e a importância de promover sua reintegração social 5 Toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior em conformidade com a lei 6 Se uma sentença condenatória passada em julgado for posteriormente anulada ou quando um indulto for concedido pela ocorrência ou descoberta de fatos novos que provem cabalmente a existência de erro judicial a pessoa que sofreu a pena decorrente dessa condenação deverá ser indenizada de acordo com a lei a menos que fique provado que se lhe pode imputar total ou parcialmente a nãorevelação dos fatos desconhecidos em tempo útil 7 Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país Na alínea 1 vem consagrado o princípio de livre acesso aos órgãos judiciários Na verdade o princípio só desenvolve o seu pleno significado quando se assegura a toda pessoa carente de recursos o direito à assistência judiciária gratuita A alínea 3 reproduzindo o disposto no artigo 6 da Convenção Européia de Direitos Humanos prevê o benefício da justiça gratuita apenas para os acusados em processo criminal o que é manifestamente insuficiente sem a assistência judiciária os pobres ficam praticamente impedidos de pleitear em juízo o respeito a seus direitos fundamentais Ainda na alínea 1 firmase o princípio da publicidade dos julgamentos Devese entender que as restrições ao princípio aí estabelecidas só se aplicam ao relatório e à motivação da sentença nunca ao seu dispositivo A presunção de inocência do acusado de uma infração penal é incompatível com a generalização da prisão preventiva tal como praticada em vários países mesmo de tradição democrática O artigo 9º alínea 3 dispõe aliás que a prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral Tirante a hipótese de flagrante delito a custódia preventiva do acusado só se legitima em casos excepCiOnais Observese que a presunção de inocência somente se desfaz com a condenação definitiva do réu É inaceitável portanto estabelecerse em lei a apresentação do réu à prisão como Condição de admissibilidade do processamento de seu recurso COntra a sentença condenatória A alínea 4 não estabelece a obrigatoriedade de se criar uma Justiça Especial de Menores Mas em 29 de novembro de 1985 as Nações Unidas aprovaram as chamadas Regras de Beijing estabelecendo normaspadrão para a administração da Justiça de Menores o que implica pelo menos o reconhecimento de sua conveniência O princípio do duplo grau de jurisdição firmado na alínea 5 só se refere aos processos penais e aos réus condenados É importante assinalar que a regra óbyia do respeito à coisa julgada alínea 7 pelo menos em matéria penal entra no sistema internacional dos direitos humanos somente com o Pacto de 1966 A Convenção Européia de 1950 não contém nenhuma disposição a esse respeito Artigo 15 1 Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que não constituam delito de acordo com o direito nacional ou internacional no momento em que foram cometidos Tampouco poderseá impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito Se depois de perpetrado o delito a lei estipular a imposição de pena mais leve o delinqüente deverá dela beneficiarse 2 Nenhuma disposição do presente Pacto impedirá o julgamento ou a condenação de qualquer indivíduo por atos ou omissões que no momento em que foram cometidos eram considerados delituosos de acordo com os princípios gerais de direito reconhecidos pela comunidade das nações A novidade do dispositivo em relação aos textos internacionais anteriores está na regra da aplicação obrigatória da lei mais branda ao réu condenado por crime cuja pena foi posteriormente abrandada alínea 1 in fine Artigo 16 Toda pessoa terá direito em qualquer lugar ao reconhecimento de sua personalidade jurídica O artigo 16 deveria ter sido colocado como primeira disposição do Pacto Só o ser humano é uma pessoa isto é o personagem principal no processo evolutivo da vida o protagonista da História Ser pessoa significa possuir capacidade jurídica ou seja ter direito a ter direitos segundo a fórmula célebre de Hannah Arendt Nesse sentido a redação do artigo seria mais correta se se dissesse que todo ser humano em qualquer circunstância e dotado de capacidade jurídica e tem direito ao reconhecimento de sua dignidade de pessoa A negação radical do caráter de pessoa no ser humano manifestase por exemplo com a escravidão o escravo é legalmente uma coisa objeto de propriedade Eis por que em países onde a escravidão perdurou durante longo tempo como o Brasil quase quatro séculos a consciência da igual dignidade de todo homem em qualquer condição ou circunstância fundamento dos direitos humanos firmase muito lentamente nas novas gerações Na introdução geral desta obra foi esboçada a evolução histórica do conceito de pessoa21 AcrescenteSe ao que lá fiCOU dito que o genoma faz parte integrante da personalidade de cada um e que em tais condições ele não pode ser manipulado nem divulgado sem o expresso consentimento da pessoa em questão Na Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos aprovada pela UNESCO na 29ª sessão de sua Conferência Geral em 1997 afirmouse que uma pesquisa um tratamento ou um diagnóstico tendo por objeto o genoma de um indivíduo só pode ser efetuado após uma prévia avaliação rigorosa dos riscos e vantagens potenciais a ele ligados e sempre mediante o consentimento prévio livre e esclarecido do interessado Se este não está em condições de dar o seu consentimento ele será obtido conforme as disposições da lei nacional de acordo com o interesse superior art 52 Na mesma Declaração prescrevese que a confidencialidade dos dados genéticos associados a uma pessoa identificável conservados ou tratados para fins de pesquisa ou para 21 Cf p 11 e 5 qualquer outra finalidade deve ser protegida nas condições previstas em leiart 72 Essa confiança cega no elevado critério do legislador nacional para a proteção da identidade genética das pessoas parece porém insustentável Tratandose de um documento de âmbito internacional teria sido melhor que a UNESCO se fundasse nos princípios superiores de respeito à dignidade humana independentemente dos diferentes critérios adotados pelas leis nacionais Artigo 17 1 Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais a sua honra e reputação 2 Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas No termo correspondência alínea 1 devemse incluir todas as formas de comunicação telefônica telegráfica ou telemática de modo geral como ocorre com a rede Internet É importante assinalar que tais interferências ilegais não são apenas dos Poderes Públicos mas também de particulares Nos Estados Unidos no final do século XX estimavase que as organizações empresariais mantinham a escuta clandestina de cerca de 400 milhões de ligações telefônicas por ano seja de seus empregados seja de concorrentes atuais ou potenciais Rarissimamente essa arbitrariedade é descoberta e punida Que dizer então da organização mundial de espionagem mantida pelos Estados Unidos por intermédio da National Security Agency NSA Graças ao concurso de inúmeros satélites de transmissão de cerca de 100000 espiões espalhados no mundo inteiro e de 50000 especialistas em informática ligados à rede Intelink criada em 1994 o governo americano chega a processar em macrocomputadores nada menos do que 95 das comunicações que se fazem nos mais diversos países por meio do telefone do fax e das transmissões eletrônicas de modo geral inclusive pela Internet É lamentável pois reconhecer que o direito à privacidade tende a transformarse na atual era da informática em piedosa ficção caso não se logre criar uma instituição internacional capaz de sobreporse a essa novíssima forma de imperialismo Muito controvertida é a questão da admissibilidade da interceptaçãO telefônica como forma de investigação criminal O justo equilíbrio entre as exigências de respeito à liberdade individual e de combate à criminalidade é dificilmente encontrado nessa área Em regra podese dizer que a escuta em matéria não criminal ou decidida sem autorização judicial é claramente contrária à norma do artigo em exame Mas a autorização do juiz não pode ser aceita como mera formalidade Ela só tem legitimidade quando fundada em seguros indícios quanto à ligação de determinada pessoa com a prática de um crime A lei deveria também estabelecer a responsabilidade do juiz pelo abuso no exercício desse poder Artigo 18 1 Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento de consciência e de religião Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença individual ou coletivamente tanto pública como privadamente por meio do culto da celebração de ritos de práticas e do ensino 2 Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha 3 A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeite apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para Proteger a segurança a ordem a saúde ou a moral públicas ou os direitos ou liberdades das demais pessoas 4 Os EstadosPartes do presente Pacto comprometemse a respeitar a liberdade dos pais e quando for o caso dos tutores legais de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções O disposto nesse artigo deve ser aproximado do princípio da isonomia ou igualdade perante a lei consagrado no artigo 26 Com efeito não há autêntica liberdade de crença e de opinião num Estado que adota uma religião oficial As pressões de toda sorte políticas econômicas e profissionais contra os não seguidores da religião de Estado tornam essa liberdade ilusória Aliás os Estados totalitários mais virulentos da atualidade são justamente aqueles que oficializam uma confissão religiosa A interferência estatal na vida privada tornase sufocante Em 25 de novembro de 1981 a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou uma Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Baseadas em Religião ou Crença Artigo 19 1 Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões 2 Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão esse direito incluirá a liberdade de procurar receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza independentemente de considerações de fronteiras verbalmente ou por escrito em forma impressa ou artística ou por qualquer outro meio de sua escolha 3 O exercício do direito previsto no 2º do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais Conseqüentemente poderá estar sujeito a certas restrições que devem entretanto ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para a assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas b proteger a segurança nacional a ordem a saúde ou a moral públicas Até a organização dos atuais meios de comunicação de massa a liberdade de expressão limitavase à parcela culta da população que sabia ler e escrever Era entre eles que se divulgavam os livros e as publicações periódicas jornais e revistas Não havia grandes empresas de edição Nessas condições a liberdade de expressão era efetivamente um direito individual O advento dos meios de comunicação de massa primeiro os veículos impressos em seguida o rádio o cinema e a televisão agora interligados numa rede telemática mundial com base em transmissões por via de satélites tornou obsoleta a antiga liberdade individual de expressão Salvo o caso excepcional da rede Internet a comunicação de massa é explorada e dominada pelo Estado ou por organizações empresariais que moldam em grande parte a opinião pública no mundo todo CriouSe com isto uma lamentável confusão entre a liberdade de expressão e a liberdade de empresa A lógica da atividade empresarial no sistema capitalista de produção fundase na lucratividade não na defesa da pessoa humana Uma organização econômica voltada à produção do lucro e sua ulterior partilha entre capitalistas e empresários não pode pois apresentarse como titular de direitos inerentes à dignidade da pessoa humana Ora as disposições do artigo 19 do Pacto referemse exclusivamente à liberdade de expressão não à liberdade de exploração empresarial Constitui pois uma aberração que os grandes conglomerados do setor de comunicação de massa invoquem esse direito fundamental à liberdade de expressão para estabelecer um verdadeiro oligopólio nos mercados de forma a exercer com segurança isto é sem controle social ou popular uma influência dominante sobre a opinião pública Se na atual sociedade de massas a verdadeira liberdade de expressão só pode exercerse através dos órgãos de comunicação social é incongruente que estes continuem a ser explorados como bens de propriedade particular ou estatal em proveito exclusivo de seus donos Os veículos de expressão coletiva devem ser instrumentos de uso comum de todos Na verdade aqui como em todos os outros campos dos direitos humanos o avanço no sentido da humanização da vida social depende hoje muito mais da criação de mecanismos de realização ou de garantia dos direitos do que do enunciado de meras declarações Felizmente alguns institutos jurídicos novos têm surgido para garantia da liberdade de expressão É O caso por exemplo do chamado direito de antena no rádio e na teleVisão já reconhecido na Constituição portuguesa de 1976 art 40º alínea 122 e na Constituição espanhola de 1978 art 20 alínea 323 Da mesma forma institutos tradicionais como o direito de resposta podem e devem ser alargados para permitir a defesa do interesse público também por particulares Em qualquer hipótese a liberdade de expressão tende a tornarse muito mais coletiva do que individual Nos países que já reconhecem o direito de antena a sua titularidade pertence não a indivíduos mas a pessoas jurídicas como as organizações não governamentais Também a estas deveria ser reconhecido um direito de crítica e resposta no tocante aos interesses públicos que elas se propõem defender tanto na imprensa quanto no rádio e na televisão Juridicamente falando a liberdade é a ausência de proibições ou autorizações prévias para a prática de atos ou o exercicio de uma atividade profissional A liberdade de expressão é incompatível com o estabelecimento de censura prévia de qualquer natureza política moral ou religiosa para os espetaculos públicos ou meios de comunicação de massa O que não significa que possa ser tolerada uma liberdade irresponsável Ao contrário todo abuso deve ser reprimido pois significa a negação do direito Questão delicada no concernente à proibição de censura governamental é a da divulgação pelos meios de comunicação de massa de documentos secretos do governo Devese entender que o dever de guardar sigilo só existe para os funcionários públicos ou empregados do Estado vinculados a este por um 22 Os partidos políticos e as organizações sindicais profissionais e representativas das actividades econômicas bem como outras organizações sociais de âmbito nacional têm direito de acordo com a sua relevância e representatividade e segundo critérios objectivos a definir por lei a tempos de antena no serviço público de rádio e de televisão 23 La ley regulará la organización y el control parlamentario de los medios de comunicación social dependientes del Estado o de cualquier ente público Y garantizará el acceso a dichos medios de los grupos sociales y políticos significativos respetando el pluralismo de la sociedad y de las diversas lenguas de España dever de lealdade Fora da hipótese excepcional de suspensão de direitos e garantias prevista no artigo 4º alínea 2 do Pacto os meios de comunicação de massa não estão impedidos de divulgar documentos ou informações oficialmente sigilosos24 O respeito à liberdade de expressão foi posto a dura prova ultimamente com o estabelecimento das redes eletrônicas de comunicaçãO mundial A idéia de fronteira mencionada na alínea 2 desse artigo 19 está hoje claramente ultrapassada Mas apesar das transformações radicais provocadas pelos avanços técnicos a responsabilidade pelo abuso da liberdade permanece íntegra A questão toda é criar por via de acordos internacionais mecanismos de responsabilização dos culpados pela violação dos bens ou valores mencionados na alínea 3 Artigo 20 1 Será proibida por lei qualquer propaganda em favor da guerra 2 Será proibida por lei qualquer apologia do ódio nacional racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação à hostilidade ou à violência Ao contrário do que o teor do artigo parece indicar as atividades de propaganda ou apologia aí previstas não são proibidas no sentido de a autoridade pública poder impedir a sua divulgação Elas são isto sim ilícitas e acarretam a responsabilidade civil e criminal dos seus autores 24 No caso dos Pentagon Papers New York Times Co v United States julgado em 1971 o Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos perdeu uma excepcional oportunidade de estender o alcance da liberdade de expressão prevista na 1ª Emenda à Constituição à divulgação de segredos de Estado O tribunal acabou se dividindo em três correntes de opinião dois juizes Black e Douglas afirmaram a absoluta inconstitucionalidade da censura prévia quatro Brennan White Stewart e Marshall admitiram a constitucionalidade de certas restricões à liberdade de expressão embora rejeitassem a aplicação dessas restrições ao caso e três juizes Burger Harlan e Blackmun declararam que a censura prévia era justificada no caso em julgamento De qualquer forma a maioria dos juizes afirmou 1º todo Sistema de censura prévia carrega uma grave presunção de inconstitucionalidade 2º O governo tem sempre o pesado ônus heavy burden de justificar a aplicação da censura prévia caso a caso A idéia de proibição implica na verdade o estabelecimento de uma censura prévia que é incompatível com a liberdade de expressão mesmo porque o juízo da legalidade ou abuso no exercício de uma liberdade fundamental só pode ser feito pelo Poder Judiciário com observância do devido processo jurídico O governo não está legitimado a ser ao mesmo tempo juiz e parte em litígios dessa natureza quando a divulgação de idéias é feita pela oposição Artigo 21 O direito de reunião pacífica será reconhecido O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias em uma sociedade democrática no interesse da segurança nacional da segurança ou da ordem públicas ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas A norma do artigo fala em restrições ao exercício desse direito não em supressão do próprio direito Por conseguinte no exercício do seu poder administrativo de polícia as autoridades estatais não podem impor condições tais para a reunião do povo em locais públicos que tornem o exercício desse direito praticamente impossível Como contraposição a um abuso de liberdade haveria aí um autêntico abuso de poder O exercício desse direito também pode ser suspenso temporariamente nas hipóteses especificadas no artigo 4º Artigo 22 1 Toda pessoa terá o direito de associarse livremente a outras inclusive o direito de constituir sindicatos e de a eles filiarse para proteção de seus interesses 2 O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias em uma sociedade democrática no interesse da segurança nacional da segurança e da ordem públicaS ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desse direito por membros das forças armadas e da polícia 3 Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que EstadosPartes da Convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical venham a adotar medidas legislativas que restrinjam OU aplicar a lei de maneira a restringir as garantias previstas na referida Convenção o disposto na alínea 2 in fine está a indicar que os membros das forças armadas e da polícia não podem ser proibidos de constituir sindicatos ou associaçOes profissionais para a defesa de seus interesses pois restringir o exercício de um direito pressupõe o reconhecimento de sua existência Artigo 23 1 A família e O elemento natural e fundamental da sociedade e terá o direito de ser protegida pela sociedade e pelo Estado 2 Será reconhecido o direito do homem e da mulher de em idade núbil contrair casamento e constituir família 3 Casamento algum será celebrado sem o consentimento livre e pleno dos futuros esposos 4 Os EstadosPartes do presente Pacto deverão adotar as medidas apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e responsabilidade dos esposos quanto ao casamento durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução Em caso de dissolução deverão adotarse disposições que assegurem a proteção necessária para os filhos O artigo reproduz em substância o disposto no artigo XVI da Declaração Universal dos Direitos do Homem O único acréscimo relevante é a regra relativa à necessária proteção dos fiIhos quando da dissolução do matrimônio A Convenção sobre a Nacionalidade das Mulheres Casadas adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 29 de janeiro de 1957 25 estabeleceu regras importantes quais sejam a Nem a celebração nem a dissolução do casamento entre pessoas de nacionalidade diversa nem tampouco a mudança de nacionalidade do marido durante o casamento afetarão automaticamente a nacionalidade da mulher 25 Promulgada no Brasil pelo Decreto n 64216 de 18 de março de 1969 b A aquisição voluntária de nacionalidade de outro Estado ou a renúncia à sua nacionalidade pelo marido não impedirão que a mulher conserve a sua própria nacionalidade c A mulher tem o direito de adquirir por meio de um processo especial de caráter privilegiado a nacionalidade de seu marido As regras do artigo devem ser completadas com o estabelecido na Convenção sobre o Consentimento e a Idade Mínima para o Casamento e o Registro de Casamentos de 7 de novembro de 1962 26 Artigo 24 1 Toda criança terá direito sem discriminação alguma por motivo de cor sexo língua religião origem nacional ou social situação econômica ou nascimento às medidas de proteção que a sua condição de menor requerer por parte de sua família da sociedade e do Estado 2 Toda criança deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber um nome 3 Toda criança terá o direito de adquirir uma nacionalidade O disposto nesse artigo foi amplamente desenvolvido na Convenção sobre os Direitos da Criança adotada em 20 de novembro de 1989 pela Assembléia Geral das Nações Unidas Em substituição ao antigo princípio da situação irregular da criança essa Convenção seguiu o da ampla proteção fundado na situação de carência do menor em todos os sentidos ainda que não se possa demonstrar que ele se encontra em situação irregular Em 29 de maio de 1993 foi celebrada em Haia uma Convenção sobre Cooperação Internacional e Proteção de Crianças e Adolescentes em Matéria de Adoção Internacional27 26 Promulgada no Brasil pelo Decreto n 6605 de 20 de maio de 1970 27 Aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n 63 de 19 de abril de 1995 Artigo 25 Todo cidadão terá o direito e a possibilidade sem qualquer das formas de diSCríminação mencionadas no artigo 2º e sem restrições infundadas a de participar da condução dos assuntos públicos diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos b de votar e de ser eleito em eleições periódicas autênticas realizadaS por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto que garantam a manifeStação da vontade dos eleitores c de ter acesso em condições gerais de igualdade às funções públicas de seu país O artigo compendia os principais direitos humanos referentes à participação do cidadão no governo de seu país É a afirmação do direito à democracia como direito humano Faltou porém precisar que titular desse direito não é cada cidadão isoladamente considerado como se se tratasse de um direito individual mas o povo em sua realidade orgânica Com efeito cada cidadão tem por exemplo o direito individual ao voto nas eleições políticas mas o direito à democracia é de natureza coletiva e tem por titular o próprio povo É de se assinalar no artigo a afirmação de que todos têm direito de participar diretamente da condução dos assuntos políticos constante da alínea a como complemento indispensável ao mecanismo eleitoral representativo na democracia hodierna Podese pois afirmar que as Constituições nacionais que não reconhecem hoje as instituições da democracia direta plebiscito referendo iniciativa popular legislativa orçamento participativo são não apenas ilegítimas como na verdade contrariam à ordem internacional dos direitos humanos Já se manifesta aliás uma nítida tendência em várias partes do mundo no sentido de se estenderem os direitos da cidadania pelo menos no âmbito municipal também aos estrangeiros domiciliados no país há muito tempo ou casados com nacionais do país Até o século XX as mulheres sempre foram excluídas da Participação nos assuntos políticos Atentando para o atraso que ainda persistia em vários países nessa matéria as Nações Unidas adotaram em 20 de dezembro de 1952 uma convenção para o reconhecimento dos direitos políticos das mulheres28 Artigo 26 Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito sem discriminação alguma a igual proteção da lei A este respeito a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça cor sexo língua religião opinião política ou de outra natureza origem nacional ou social situação econômica nascimento ou qualquer outra situação Artigo 27 Nos Estados em que haja minorias étnicas religiosas ou lingüistícas as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter conjuntamente com outros membros de seu grupo sua própria vida cultural de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua Os artigos 26 e 27 devem ser considerados conjuntamente pois tratam da discriminação entendida esta como sendo toda distinção exclusão restrição ou preferência como se diz na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 196529 com base nas diferenças de raça sexo dados culturais ou situação econômica Mas enquanto a discriminação prevista no artigo 26 viola o princípio da igual dignidade de todo ser humano independentemente de quaisquer diferenças individuais ou grupais a desigualdade referida no artigo 27 implica a violação do chamado direito à diferença ou seja o direito ao reconhecimento da própria identidade cultural 28 Promulgada no Brasil pelo Decreto n 52476 de 12 de setembro de 1963 Em 1950 já havíamos promulgado a Convenção Interamericana sobre a Concessão de Direitos Políticos á Mulher firmada em Bogotá em 2 de maio de 1948 Sobre a igualdade de direitos políticos entre homens e mulheres vejamse os comentários ao artigo 32 acima 29 Promulgada no Brasil pelo Decreto n 65810 de 8 de dezembro de 1969 Nessa matéria devem ser salientadas várias convenções internacionais aprovadas pelas Nações Unidas a de 21 de dezembro de 1965 sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial30 a de 30 de novembro de 1973 sobre a supressão e punição do crime de apartheid e a convenção de 18 de dezembro de 1979 sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra mulheres No tocante às minorias nunca se pode esquecer a sua ação desestabilizadora do regime político quando os seus direitos não são reconhecidos e protegidos Como salientou Hannah Arendt31 ao deixarem de dar uma adequada solução a esse problema as potências vencedoras da 1ª Guerra Mundial prepararam o caldo de cultura em que fermentaram muitos dos fatores predisponentes da guerra iniciada em 1939 O Pacto não define o conceito de minoria empregado no art 27 Num relatório aprovado em 1977 a Subcomissão de luta contra as medidas discriminatórias e de proteção das minorias subordinada à Comissão de Direitos Humanos32 esclareceu que na noção de minoria segundo a opinião mais difundida incluemse algumas notas específicas de natureza objetiva ou subjetiva Quatro são os critérios conceituais de natureza objetiva para o reconhecimento de uma minoria populacional O primeiro deles é a existência no seio da população de um Estado de grupos que se distinguem por características étnicas religiosas ou lingüísticas estáveis nitidamente diferentes das que prevalecem no restante da população O segundo critério decorrente do próprio sentido literal do termo é de ordem numérica tais 30 Promulgada no Brasil pelo Decreto n 65810 de 1969 31 The Origins of Totalitarianism nova edição Harcourt Brace Orlando p 269 e s 32 Etude des droits des personnes appartenant aux minorités ethniques religieuses et linguistiques de autoria de Francesco Capotorti relator especial da Subcomissão Nações Unidas 1991 p 102 grupos não devem constituir a maioria da população Em terceiro lugar porém a noção de minoria discriminada pressupõe o fato político de que tais grupos não se encontram em situação de poder na sociedade a proteção exigida pela norma do artigo 27 não diz respeito como é óbyio às minorias oligárquicas Em quarto e último lugar a discriminação violadora desse direito humano supõe que discriminadores e discriminados pertençam ao mesmo Estado Aduzse ainda como critério subjetivo para o reconhecimento de uma minoria que o grupo em questão manifesta inequivocadamente o desejo de preservar sua identidade cultural Como foi porém observado no relatório suprareferido essa manifestação de vontade coletiva pode e deve ser inferida objetivamente do fato de que o grupo minoritário conservou durante um tempo razoavelmente longo as suas características culturais próprias que o diferenciam do restante da população Em 18 de dezembro de 1992 a Assembléia Geral da QNU aprovou uma Declaração sobre os Direitos de Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas Religiosas ou Lingüísticas Em seu art 22 afirma essa Declaração 1 As pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas religiosas ou lingüísticas doravante denominadas pessoas pertencentes a minorias têm o direito de fruir de sua cultura própria professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua em privado e em público livremente e sem interferência ou qualquer forma de discriminação 2 As pessoas pertencentes a minorias têm o direito de participar efetivamente da vida cultural religiosa social econômica e pública 3 As pessoas pertencentes a minorias têm o direito de participar efetivamente de decisões em nível nacional ou quando apropriado regional concernentes à minoria à qual pertençam ou a regiões em que vivem de modo não incompatível com a legislação nacional 4 As pessoas pertencentes a minorias têm o direito de fundar e manter suas próprias associações 5 As pessoas pertencentes a minorias têm o direito de fundar e manter sem qualquer discriminação contatos livres e pacíficos com outros membros de seu grupo e com pessoas pertencentes a outras minorias assim como contatos além fronteiras com cidadãos de outros Estados com os quais estejam relacionadas por laços nacionais ou étnicos religiosos ou lingüísticos No art 32 dessa Declaração reconhecese que os membros de grupos minoritários podem exercer seus direitos tanto de modo individual quanto coletivo PARTE IV Artigo 28 1 Constituirseá um Comitê de Direitos Humanos doravante denominado o Comitê no presente Pacto O Comitê será composto de dezoito membros e desempenhará as funções descritas adiante 2O Comitê será integrado por nacionais dos EstadosPartes do presente Pacto os quais deverão ser pessoas de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos levandose em consideração a utilidade da participação de algumas pessoas com experiência jurídica 3 Os membros do Comitê serão eleitos e exercerão suas funções a titulo pessoal Artigo 29 1 Os membros do Comitê serão eleitos em votação secreta dentre uma lista de pessoas que preencham os requisitos previstos no artigo 28 e indicadas com esse objetivo pelos EstadosPartes do presente Pacto 2 Cada EstadoParte no presente Pacto poderá indicar duas pessoas Essas pessoas deverão ser nacionais do Estado que as indicou 3 A mesma pessoa poderá ser indicada mais de uma vez Artigo 30 1 A primeira eleição realizarseá no máximo seis meses após a data de entrada em vigor do presente Pacto 2 Ao menos quatro meses antes da data de cada eleição do Comitê e desde que não seja uma eleição para preencher uma vaga declarada nos termos do artigo 34 o SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas convidará por escrito os EstadosPartes do presente Protocolo a indicar no prazo de três meses os candidatos a membro do Comitê 3 O SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas organizará uma lista por ordem alfabética de todos os candidatos assim designados mencionando os EstadosPartes que os tiverem indicado e a comunicará aos EstadosPartes do presente Pacto no máximo um mês antes da data de cada eleição 4 Os membros do Comitê serão eleitos em reuniões dos EstadosPartes convocados pelo SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas na sede da Organização Nessas reuniões em que o quorum estabelecido por dois terços dos EstadosPartes do presente Pacto serão eleitos membros do Comitê os candidatos que obtiverem o maior número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos EstadosPartes presentes e votantes Artigo 31 1 O Comitê não poderá ter mais de um nacional de um mesmo Estado 2 Nas eleições do Comitê levarseão em consideração uma distribuição geográfica eqüitativa e uma representação das diversas formas da civilização bem como dos principais sistemas jurídicos Artigo 32 1 Os membros do Comitê serão eleitos para um mandato de quatro anos Poderão caso suas candidaturas sejam apresentadas novamente ser reeleitos Entretanto o mandato de nove dos membros eleitos na primeira eleição expirará ao final de dois anos imediatamente após a primeira eleição o presidente da reunião a que se refere o 4º do artigo 30 indicará por sorteio os nomes desses nove membros 2 Ao expirar o mandato dos membros as eleições se realizarão de acordo com o disposto nos artigos precedentes desta parte do presente Pacto Artigo 33 1 Se na opinião unãnime dos demais membros um membro do Comitê deixar de desempenhar suas funções por motivos distintos de uma ausência temporária o Presidente comunicará tal fato ao SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas que declarará vago o lugar que ocupava o referido membro 2 Em caso de morte ou renúncia de um membro do Comitê o Presidente comunicará imediatamente tal fato ao SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas que declarará vago o lugar desde a data da morte ou daquela em que a renúncia passe a produzir efeitos Artigo 34 1 Quando uma vaga for declarada nos termos do artigo 33 e o mandato do membro a ser substituido não expirar no prazo de seis meses a contar da data em que tenha sido declarada a vaga o SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas comunicará tal fato aos EstadosPartes do presente Pacto que poderão no prazo de dois meses indicar candidatos em conformidade com o artigo 29 para preencher a vaga 2 O SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas organizará uma lista por ordem alfabética dos candidatos assim designados e a comunicará aos EstadosPartes do presente Pacto A eleição destinada a preencher tal vaga será realizada nos termos das disposições pertinentes desta parte do presente Pacto 3 Qualquer membro do Comitê eleito para preencher uma vaga em conformidade com o artigo 33 fará parte do Comitê durante o restante do mandato do membro que deixar vago o lugar do Comitê nos termos do referido artigo Artigo 35 Os membros do Comitê receberão com a aprovação da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas honorários provenientes de recursos da Organização das Nações Unidas nas condições fixadas considerandose a importância das funções do Comitê pela Assembléia Geral Artigo 36 O SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas colocará à disposição do Comitê o pessoal e os serviços necessários ao desempenho eficaz das funções que lhe são atribuidas em virtude do presente pacto Artigo 37 1 O SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas convocará os Membros do Comitê para a primeira reunião a realizarse na sede da Organização 2 Após a primeira reunião o Comitê deverá reunirse em todas as ocasiões previstas em suas regras de procedimento 3 As reuniões do Comitê serão realizadas normalmente na sede da Organização das Nações Unidas ou no Escritório das Nações Unidas em Genebra Artigo 38 Todo Membro do Comitê deverá antes de iniciar suas funções assumir em sessão pública o compromisso solene de que desempenhará suas funções imparcial e conscientemente Artigo 39 1 O Comitê elegerá sua mesa para um período de dois anos Os membros da mesa poderão ser reeleitos 2 O próprio Comitê estabelecerá suas regras de procedimento estas contudo deverão conter entre outras as seguintes disposições a o quorum será de doze membros b as decisões do Comitê serão tomadas por maioria de votos dos membros presentes Artigo 40 1 Os EstadosPartes do presente Pacto comprometemse a submeter relatórios sobre as medidas por eles adotadas para tornar efetivos os direitos reconhecidos no presente Pacto e sobre o progresso alcançado no gozo desses direitos a dentro do prazo de um ano a contar do ínicio da vigência do presente Pacto nos EstadosPartes interessados b a partir de então sempre que o Comitê vier a solicitar 2 Todos os relatórios serão submetidos ao SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas que os encaminhará para exame ao Comitê Os relatórios deverão sublinhar caso existam os fatores e as dificuldades que prejudiquem a implementação do presente Pacto 3 O SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas poderá após consulta ao Comitê encaminhar às agências especializadas interessadas cópias das partes dos relatórios que digam respeito a sua esfera de competência 4 O Comitê estudará os relatórios apresentados pelos EstadosPartes do Presente Pacto e transmitirá aos EstadosPartes seu próprio relatório bem como os comentários gerais que julgar oportunos O Comitê poderá igualmente transmitir ao Conselho Econômico e Social os referidos comentários bem como cópias dos relatórios que houver recebido dos EstadoSPartes do presente Pacto 5Os EstadosPartes no presente Pacto poderão submeter ao Comitê as observações que desejarem formular relativamente aos comentários feitos nos termos do 4º do presente artigo Artigo 41 1 Com base no presente Artigo todo EstadoParte do presente Pacto poderá declarar a qualquer momento que reconhece a competência do Comitê para receber e examinar as comunicações em que um EstadoParte alegue que outro EstadoParte não vem cumprindo as obrigações que lhe impõe o presente Pacto As referidas comunicações só serão recebidas e examinadas nos termos do presente artigo no caso de serem apresentadas por um EstadoParte que houver feito uma declaração em que reconheça com relação a si próprio a competência do Comitê O Comitê não receberá comunicação alguma relativa a um EstadoParte que não houver feito uma declaração dessa natureza As comunicações recebidas em virtude do presente artigo estarão sujeitas ao procedimento que se segue a se um EstadoParte do presente Pacto considerar que outro EstadoParte não vem cumprindo as disposições do presente Pacto pedirá mediante comunicação escrita levar a questão ao conhecimento deste EstadoParte Dentro do prazo de três meses a contar da data do recebimento da comunicação o Estado destinatário fornecerá ao Estado que enviou a comunicação explicações ou quaisquer outras declarações por escrito que esclareçam a questão as quais deverão fazer referência até onde seja possível e pertinente aos procedimentos nacionais e aos recursos jurídicos adotados em trâmite ou disponíveis sobre a questão b se dentro do prazo de seis meses a contar da data do recebimento da comunicação original pelo Estado destinatário a questão não estiver dirimida satisfatoríamente para ambos os EstadosPartes interessados tanto um como o outro terão o direito de submetêla ao Comitê mediante notificação endereçada ao Comitê ou ao outro Estado interessado c o Comitê tratará de todas as questões que se lhe submetam em virtude do presente artigo somente após terse assegurado de que todos os recursos jurídicos internos disponíveis tenham sido utilizados e esgotados em consonância com os princípios do Direito Internacional geralmente reconhecidos Não se aplicará essa regra quando a aplicação dos mencionados recursos prolongarse injustificadamente d o Comitê realizará reuniões confidenciais quando estiver examinando as comunicações previstas no presente artigo e sem prejuízo das disposições da alínea c o Comitê colocará seus bons ofícios à disposição dos EstadosPartes interessados no intuito de alcançar uma solução amistosa para a questão baseada no respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos no presente Pacto f em todas as questões que se lhe submetam em virtude do presente artigo o Comitê poderá solicitar aos EstadosPartes interessados a que se faz referência na alínea b que lhe forneçam quaisquer informações pertinentes g os EstadosPartes interessados a que se faz referência na alínea b terão o direito de fazerse representar quando as questões forem examinadas no Comitê e de apresentar suas observações verbalmente eou por escrito h o Comitê dentro dos doze meses seguintes à data de recebimento da notificação mencionada na alínea b apresentará relatório em que I se houver sido alcançada uma solução nos termos da alínea e o Comitê restringirseá em seu relatório a uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada II se não houver sido alcançada solução alguma nos termos da alínea e o Comitê restringirseá em seu relatório a uma breve exposição dos fatos serão anexados ao relatório o texto das observações escritas e as atas das observações orais apresentadas pelos EstadosPartes interessados Para cada questão o relatório será encaminhado aos EstadosPartes interessados 2 As disposições do presente artigo entrarão em vigor a partir do momento em que dez EstadosPartes do presente Pacto houverem feito as declarações mencionadas no 1º deste artigo As referidas declarações serão depositadas pelos EstadosPartes junto ao SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas que enviará cópias das mesmas aos demais EstadosPartes Toda declaração poderá ser retirada a qualquer momento mediante notificação endereçada ao SecretárioGeral Farsea essa retirada sem prejuízo do exame de quaisquer questões que constituam objeto de uma comunicação já transmitida nos termos deste artigo em virtude do presente artigo não se receberá qualquer nova comunicação de um EstadoParte uma vez que o SecretárioGeral haja recebido a notificação sobre a retirada da declaração a menos que o EstadoParte interessado haja feito uma nova declaração Artigo 42 1 a Se uma questão submetida ao Comitê nos termos do artigo 41 não estiver dirimida satisfatoriamente para os EstadosPartes interessados o Comitê poderá com o consentimento prévio dos Estados partes interessados constituir uma Comissão de Conciliação doravante denominada a Comissão A Comissão colocará seus bons ofícios à disposição dos EstadosPartes interessados no intuito de se alcançar uma solução amistosa para a questão baseada no respeito ao presente Pacto b A Comissão será composta de cinco membros designados com o conSentimentO dos EstadosPartes interessados Se os EstadosPartes interesSados não chegarem a um acordo a respeito da totalidade ou de parte da composição da Comissão dentro do prazo de três meses os membros da Comissão em relação aos quais não se chegou a acordo serão eleitos pelo Comitê entre os seus próprios membros em votação secreta e por maioria de dois terços dos membros do Comitê 2 Os membros da Comissão exercerão suas funções a título pessoal Não poderão ser nacionais dos Estados interessados nem de Estado que não seja Parte do presente Pacto nem de um EstadoParte que não tenha feito a declaração prevista no artigo 41 3 A própria Comissão elegerá seu Presidente e estabelecerá suas regras de procedimento 4 As reuniões da Comissão serão realizadas normalmente na sede da Organização das Nações Unidas ou no Escritório das Nações Unidas em Genebra Entretanto poderão realizarse em qualquer outro lugar apropriado que a Comissão determinar após consulta ao SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas e aos EstadosPartes interessados 5 O secretariado referido no artigo 36 também prestará serviços às comissões designadas em virtude do presente artigo 6 As informações obtidas e coligidas pelo Comitê serão colocadas à disposição da Comissão a qual poderá solicitar aos EstadosPartes interessados que lhe forneçam qualquer outra informação pertinente 7 Após haver estudado a questão sob todos os seus aspectos mas em qualquer caso no prazo de doze meses após dela ter tomado conhecimento a Comissão apresentará um relatório ao Presidente do Comitê que O encaminhará aos EstadosPartes interessados a se a Comissão não puder terminar o exame da questão restringirseá em seu relatório a uma breve exposição sobre o estágio em que se encontra o exame da questão b se houver sido alcançada uma solução amistosa para a questão bmeeada no respeito dos direitos humanos reconhecidos no presente Pacto a Comissão restríngirseá em seu relatório a uma breve exposição dos atos e da solução alcançada c se não houver sido alcançada solução nos termos da alínea b a Comissão incluirá no relatório suas conclusões sobre os fatos relativos à questão debatida entre os EstadosPartes interessados assim como sua opinião sobre a possibilidade de solução amistosa para a questão o relatório incluirá as observações escritas e as atas das observações orais feitas pelos EstadosPartes interessados d se o relatório da Comissão for apresentado nos termos da alínea c os EstadosPartes interessados comunicarão no prazo de três meses a contar da data do recebimento do relatório ao Presidente do Comitê se aceitam ou não os termos do relatório da Comissão 8 As disposições do presente artigo não prejudicarão as atribuições do Comitê previstas no artigo 41 9 Todas as despesas dos membros da Comissão serão repartidas eqüitativamente entre os EstadosPartes interessados com base em estimativas a serem estabelecidas pelo SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas 10 O SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas poderá caso seja necessário pagar as despesas dos membros da Comissão antes que sejam reembolsadas pelos EstadosPartes interessados em conformidade com o 9º do presente artigo Artigo 43 Os membros do Comitê e os membros da Comissão de Conciliação que forem designados nos termos do artigo 42 terão direito às facilidades privilégios e imunidades que se concedem aos peritos no desempenho de missões para a Organização das Nações Unidas em conformidade com as seções pertinentes da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas Artigo 44 As disposições relativas à implementação do presente Pacto aplicarseão sem prejuízo dos procedimentos instituídos em matéria de direitos humanos pelos ou em virtude dos mesmos instrumentos constitutivos e pelas Convenções da Organização das Nações Unidas e das agências especializadas e não impedirão que os EstadosPartes venham a recorrer a outros procedimentos para a solução de controvérsias em conformidade com os acordos internacionais gerais ou especiais vigentes entre eles Artigo 45 O Comitê submeterá à Assembléia Geral por intermédio do Conselho Econômico e Social um relatório sobre suas atividades Artigo 46 Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento das disposições da Carta das Nações Unidas e das constituições das agências especializadas as quais definem as responsabilidades respectivas dos diversos órgãos da Organização das Nações Unidas e das agências especializadas relativamente às questões tratadas no presente Pacto Artigo 47 Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento do direito inerente a todos os povos de desfrutar e utilizar plena e livremente suas riquezas e seus recursos naturais Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Excertos 33 Os EstadosPartes do Presente Protocolo Considerando que para realizar mais amplamente os objetivos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos doravante denominado Pacto e implementar suas disposições seria mais apropriado autorizar o Comitê de Direitos Humanos instituido na Parte IV do Pacto doravante denominado o Comitê a receber e examinar conforme disposto no presente Protocolo comunicações de indivíduos que se dizem vítimas de violações de qualquer dos direitos declarados no Pacto Acordam no seguinte Artigo 1º Um EstadoParte do Pacto que se torna também Parte do presente Protocolo reconhece a competência do Comitê para receber e examinar comunicações de indivíduos sujeitos à sua jurisdição os quais se dizem Vitimas de uma violação por parte daquele EstadoParte de algum dos direitos declarados no Pacto Nenhuma comunicação será recebida pelo Comitê se disser respeito a um EstadoParte do Pacto que não é Parte do presente Protocolo 33 Traduzido do original inglês pelo autor Artigo 2º Atendido o disposto no artigo 1º individuos que alegam que algum de seus direitos enumerados no Pacto foi violado e que exauriram todos os remédios jurídicos disponíveis no direito interno podem apresentar uma comunicação escrita ao Comitê Artigo 3º O Comitê declarará inadmissível qualquer comunicação anônima relativa ao presente Protocolo ou que ele considere um abuso do direito de comunicação ou que seja incompatível com as disposições do Pacto Artigo 4º 1 Atendido o disposto no artigo 3º o Comitê submeterá todas as comunicações que lhe forem apresentadas à consideração do EstadoParte do presente Protocolo acusado de violar alguma disposição do Pacto 2 Dentro de seis meses o Estado destinatário apresentará ao Comitê explicações escritas ou declarações formais que esclareçam a matéria bem como o remédio jurídico se houver que pode ter sido utilizado pelo Estado Artigo 5º 1 O Comitê examinará as comunicações recebidas em relação ao presente Protocolo à luz de todas as informações escritas que lhe forem apresentadas pelo indivíduo e pelo EstadoParte interessado 2 O Comitê não examinará comunicações apresentadas por indivíduos sem antes certificarse de que a A mesma matéria não está sendo examinada em nenhum outro processo de investigação internacional ou arbitragem b O individuo exauriu todos os remédios jurídicos disponíveis no direito interno Esta exigência não será considerada quando a aplicação dos remédios jurídicos for excessivamente prolongada 3 O Comitê fará reuniões secretas ao examinar comunicações relativas ao presente Protocolo 4 O Comitê dará ciência de suas opiniões ao EstadoParte interessado e ao indivíduo Artigo 6º O Comitê incluirá em seu relatório anual previsto no artigo 45 do Pacto um sumário de suas atividades relativas ao presente Protocolo Artigo 10 As disposições do presente Protocolo estenderseão a todas as unidades dos Estados federais sem limitações nem exceções Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos objetivando a abolição da pena de morte 1989 Excertos 34 Os EstadosPartes do Presente Protocolo Crendo que a abolição da pena de morte contribui para um maior respeito da dignidade humana e o desenvolvimento progressivo dos direitos humanos Lembrando o artigo 3 da Declaração Universal de Direitos Humanos adotada em 10 de dezembro de 1948 e o artigo 6 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos adotado em 16 de dezembro de 1966 Observando que o artigo 6 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos menciona a abolição da pena de morte em termos que sugerem firmemente que a sua abolição é desejável Convencidos de que todas as medidas de supressão da pena de morte devem ser consideradas como um progresso na fruição do direito à vida Desejosos de assumir por este meio um compromisso internacional para abolir a pena de morte Convencionam o seguinte Artigo 1º 1 Ninguém sob a jurisdição de um EstadoParte do presente ProtoCOlo será executado 2 Cada EstadoParte tomará todas as medidas necessárias para abolir a pena de morte dentro de sua jurisdição 34 Traduzido do original inglês pelo autor Artigo 2º 1 Nenhuma reserva é admissível ao presente Protocolo exceto uma reserva feita no momento da ratificação ou adesão a qual disponha sobre a aplicação da pena de morte em tempo de guerra em razão de condenação pelo mais grave crime militar cometido em tempo de guerra 2 O EstadoParte que fizer essa reserva deve no momento da ratificação ou adesão comunicar ao SecretárioGeral das Nações Unidas as disposições correspondentes de sua legislação nacional aplicáveis durante o tempo de guerra 3 O EstadoParte que fizer tal reserva deve notificar o SecretárioGeral das Nações Unidas de todo começo ou término de um estado de guerra aplicável no seu território Artigo 3º Os EstadosPartes do presente Protocolo incluirão nos relatórios que submeterem ao Comitê de Direitos Humanos de acordo com o artigo 40 do Pacto informações sobre as medidas que tiverem adotado para tornar efetivo o presente Protocolo Artigo 4º No tocante aos EstadosPartes do presente Protocolo que tiverem feito uma declaração conforme o artigo 41 a competência do Comitê de Direitos Humanos para receber e examinar comunicações quando um EstadoParte alega que outro EstadoParte não está cumprindo suas obrigações estenderseá às disposições do presente Protocolo a menos que o EstadoParte interessado tenha feito uma declaração em contrário no momento da ratificação ou adesão Artigo 5º No tocante aos EstadosPartes do primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos adotado em 16 de dezembro de 1966 a competência do Comitê de Direitos Humanos para receber e examinar comunicações de indivíduos sujeitos à sua jurisdição estenderseá às disposições do presente Protocolo a menos que o EstadoParte interessado tenha feito uma declaração em contrário no momento da ratificação ou adesão Artigo 6º 1 As disposições do presente Protocolo serão aplicáveis como disposições adicionais ao Pacto 2 Sem prejuízo da possibilidade de reserva de acordo com o artigo 2º do presente Protocolo o direito garantido no artigo 1º alínea 1 do presente PrOtOCOlO não está sujeito a nenhuma derrogação conforme o artigo 4º do Pacto Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais O núcleo original dos direitos declarados no Pacto sobre Direitos Civis e Políticos constituiu historicamente um meio de defesa de indivíduos ou grupos sociais contra os privilégios privados e o abuso de poder estatal No presente Pacto diversamente o elemento comum ao conjunto dos direitos nele declarados é a proteção das classes ou grupos sociais desfavorecidos contra a dominação socioeconômica exercida pela minoria rica e poderosa Num caso pois defesa contra a oligarquia política no outro luta contra a dominação de classe Em razão disso a posição do Estado como sujeito passivo da relação jurídica passa de um pólo a outro Para a fruição das liberdades civis o que se exige é a abstenção estatal as violações de direitos nesse campo ocorrem por interferências abusivas do Poder Público na vida privada e no exercício dos direitos políticos Relativamente aos direitos declarados no presente Pacto ao contrário a antijuridicidade consiste na inércia estatal na negligência ou recusa dos órgãos públicos em limitar ou controlar o poder econômico privado Os direitos humanos constantes de ambos os Pactos todavia formam um conjunto uno e indissociável A liberdade imdiVidual é ilusória sem um mínimo de igualdade social e a igualdade social imposta com sacrifício dos direitos civis e políticos acaba engendrando mui rapidamente novos privilégios econômicos e sociais É o princípio da solidariedade que constitui o fecho de abóbada de todo o sistema de direitos humanos Por serem exigências de superação da inércia estatal ou formas de se evitar o desvio da ação dos Poderes Públicos em favor das classes sociais ricas e poderosas os direitos declarados no presente Pacto têm por objeto políticas públicas ou programas de ação governamentaL e políticas públicas coordenadas entre si A elevação do nível de vida e da qualidade de vida das populações carentes supõe no mínimo um programa conjugado de medidas governamentais no campo do trabalho da saúde da previdência social da educação e da habitação popular Na verdade esses objetivos sociais são interdependentes de sorte que a nãorealização de um deles compromete a realização de todos os outros Foi o que reconheceu por exemplo a Conferência das Nações Unidas sobre os Assentamentos Humanos Habitat II reunida em Istambul de 3 a 14 de junho de 1996 Ela reafirmou como objetivos universais a garantia de uma habitação adequada para todos e o estabelecimento de assentamentos humanos mais seguros saudáveis habitáveis eqüitativos sustentáveis e produtivos Declarou que o desenvolvimento urbano e o desenvolvimento rural são interdependentes salientando que a melhoria do habitat urbano pressupõe uma infraestrutura adequada no tocante a serviços públicos de saneamento e transporte o respeito constante aos ecossistemas bem como a ampliação das oportunidades de emprego Tudo isso bem se vê realça a grande dificuldade para a efetivação dos direitos humanos de conteúdo econômico social e cultural Uma política pública não é um ato isolado nem menos ainda a abstenção de praticar determinados atos Ela consiste numa atividade conceito técnico elaborado pela mais recente teoria jurídica Tratase com efeito de uma série de atos do mais variado tipo unificados pela comunhão de escopo e organizados num programa de longo prazo A doutrina jurídica tradicional tanto nos países de civil law Europa Continental e suas antigas colônias quanto nos de common law Inglaterra e suas antigas colônias desde o direito romano ocupouse quase que exclusivamente de atos isolados contratos testamentos matrimônio adoção nomeação e demissão de funciOnários públicos e assim por diante Foi só recentemente em razão do desenvolvimento da economia de massa que começaram a ser elaboradas regras jurídicas específicas sobre o desenvolvimento de atividades como a organização do serviço público ou a exploração empresarial Por outro lado o constitucionalismo moderno nasceu sob a égide do Estado Liberal que atribuiu aos órgãos públicos como única função a manutenção da ordem e da segurança para a melhor fruição das liberdades civis As atividades desenvolviamse na vida privada nunca na esfera pública Ora os direitos econômicos sociais ou culturais surgiram historicamente como criações do movimento socialista que sempre colocou no pináculo da hierarquia de valores a igualdade de todos os grupos ou classes sociais no acesso a condições de vida digna o que supõe a constante e programada interferência do Poder Público na esfera privada para a progressiva eliminação das desigualdades sociais Por isso mesmo os direitos econômicos sociais e culturais obedecem primordialmente ao princípio da solidariedade ou fraternidade no tríptico da Revolução Francesa a qual impõe segundo os ditames da justiça distributiva ou proporcional a repartição das vantagens ou encargos sociais em função das carências de cada grupo ou estrato da sociedade Tratase aqui como se declara no preâmbulo do Pacto retomando uma expressão do famoso discurso de Roosevelt sobre o estado da União em 6 de janeiro de 1941 de libertar o homem da necessidade e do temor da insegurança freedom from want freedom from fear Seguese daí a outra grande dificuldade para a efetivação dos direitos econômicos sociais ou culturais dificuldade essa que leva muitos ainda hoje a sustentar que este Pacto contém meras exortações aos Estados signatários ou seja programas não Vinculantes de ação estatal Essa posição denegatória da juridicidade das declarações contidas no Pacto é porém insustentável O núcleo essencial dos direitos subjetivos não está na garantia de sua realização forçada com o concurso dos órgãos do Estado Judiciário a Força Pública mas sim na devida atribuição a cada qual dos bens da vida que lhe pertencem suum cuique tribuere dar a cada um o que é seu35 Ora a todos os seres humanos sem exceção independentemente de quaisquer diferenças de natureza biológica étnica ou cultural devem ser atribuídas condições sociais de uma vida digna As garantias de realização coativa dessa atribuição de bens constituem um acessório importantíssimo sem dúvida mas não indispensável ao reconhecimento da existência dos direitos subjetivos Na mais longeva tradição o direito privado sempre reconheceu a existência de obrigações ditas naturais em que o credor apesar de ser titular incontestável do direito subjetivo ao recebimento da prestação devida em razão da prescrição por exemplo não tem meios de exigir legalmente o pagamento não tem o que a doutrina privatista denomina pretensão Anspruch na terminologia alemã Mas o direito subjetivo do credor é tão incontestável que se houver pagamento espontâneo o devedor não poderá pedir de volta o que pagou sob a alegação de que se tratava de mera obrigação natural36 O mesmo deve ser reconhecido em matéria de direitos econômicos sociais e culturais A ausência ou insuficiência de garantias jurídicas para a sua realização não significa que se esta diante de meras exortações à ação estatal Aliás a grande tarefa atual dos profissionais do direito nessa matéria consiste em construir tecnicamente garantias públicas adequadas à realiza 35 Os romanos tomaram essa máxima dos gregos cf Platão República LivrO 1 331 e 36 O novo Código Civil brasileiro dispõe que não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita ou cumprir obrigação judicialmente inexigível art 882 ção desses direitos Como foi visto os direitos econômicos sociais e culturais realizamse por meio de políticas públicas ou programas de ação governamental Ora a garantia de realização de políticas públicas pela sua própria natureza é muito diversa das garantiaS clássicas de respeito aos direitos civis e polítiCOS tais como o habeas corpus ou a separação de Poderes Num caso tratase de impedir o abuso ou a concentração de poder sobretudo no ramo executivo do Estado No outro bem ao contrário cuidase de reforçar os órgãos estatais a fim de se eliminar a dominação das classes proprietárias e de realizar a justiça social A verdade é que a elaboração das garantias dos direitos econômicos sociais ou culturais afora o campo restrito dos direitos derivados do contrato de trabalho e da liberdade sindical ainda está em grande parte por fazerse Ela deve concentrarse em torno dos instrumentos próprios de realização de políticas públicas que são os orçamentos Seria preciso assim entre outras medidas institucionalizar a participação popular na elaboração dos orçamentos públicos aparelhar uma ação judicial de inconstitucionalidade de políticas públicas e não apenas de leis ou atos normativos da Administração Pública bem como reconhecer a competência do Judiciário para invalidar a aprovação de orçamentos públicos que desrespeitam as prioridades sociais estabelecidas na Constituição Por outro lado levandose em conta o fato de que tais direitos dizem respeito a grupos humanos que nem sempre se Otganizam em associações ou sindicatos seria preciso igualmente alargar a legitimidade ativa para o exercício das garantias judiciais tendentes à sua realização Conviria assim reconhecer como partes legítimas para a propositura dessas ações não só o Ministério Público como também as organizações não governamentais ou mesmo segundo o modelo das class actions ou derivative actions do direito norteamericano os indivíduos que integram determinado grupo social atuando na condição de substitutos processuais ou seja agindo em nome próprio mas no interesse social do grupo O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais apresentava uma falha evidente ele não criara nenhum órgão de fiscalização e controle da aplicação de suas normas tal como o fizera o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos com o Comitê de Direitos Humanos Essa falha só veio a ser suprimida quase vinte anos mais tarde com a Resolução n 198517 do Conselho Econômico e Social da ONU a qual criou contra o voto solitário dos Estados Unidos o Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais PREÂMBULO Os EstadosPartes do presente Pacto Considerando que em conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações Unídas o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade da justiça e da paz no mundo Reconhecendo que esses direitos decorrem da dignidade inerente à pessoa humana Reconhecendo que em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem o ideal do ser humano livre liberto do temor e da miséria não pode ser realizado a menos que se criem condições que permitam a cada um gozar de seus direitos econômicos sociais e culturais assim como de seus direitos civis e políticos Considerando que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades do homem Compreendendo que o indivíduo por ter deveres para com seus semelhantes e para com a coletividade a que pertence tem a obrigação de lutar pela promoção e observância dos direitos reconhecidos no presente Pacto Acordam o seguinte PARTE I Artigo 1º 1 Todos OS Povos têm direito à autodeterminação Em virtude desse direito determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico social e cultural 2 Para a consecução de seus objetivos todos os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional baseada no princípio do proveito mútuo e do Direito Internacional Em caso algum poderá um povo ser privado de seus próprios meios de subsistência 3 Os EstadosPartes do presente Pacto inclusive aqueles que tenham a responsabilidade de administrar territórios nãoautônomos e territórios sob tutela deverão promover o exercício do direito à autodeterminação e respeitar esse direito em conformidade com as disposições de Carta das Nações Unidas Vejamse os comentários ao artigo 1º do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos PARTE II Artigo 2º 1 Cada EstadoParte do presente Pacto comprometese a adotar medidas tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais principalmente nos planos econômico e técnico até o máximo de seus recursos disponíveis que visem a assegurar progresSivamente por todos os meios apropriados o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto incluindo em particular a adoção de medidas legislativas 2 Os EstadosPartes do presente Pacto comprometemse a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça cor sexo língua religião opinião política ou de outra natureza origem nacional ou social situação econômica nascimento ou qualquer Outra situação 3 Os países em desenvolvimento levando devidamente em consideração os direitos humanos e a situação econômica nacional poderão determinar em que medida garantirão os direitos econômicos reconhecidos no presente Pacto àqueles que não sejam seus nacionais Na doutrina do direito privado fazse hoje comumente a distinção entre as obrigações de meios ou de mera diligência e as obrigações de resultado Enquanto o objeto destas últimas é um determinado fato sem a realização do qual o devedor encontrase de pleno direito em mora exemplo a obrigação do transportador de levar a carga ou os passageiros em condições de incolumidade ao local de destino o objeto das obrigações de meios é o comportamento diligente e competente do devedor independentemente do resultado efetivo que esse comportamento possa produzir exemplo a obrigação de prestação de serviços médicos ou advocatícios na qual o profissional não pode prometer a cura do paciente ou o ganho da causa em juízo uma vez que esse resultado não depende exclusivamente da vontade do profissional liberal A distinção de regime jurídico entre essas duas espécies de obrigação diz respeito ao ônus da prova enquanto nas obrigações de resultado deixando este de se verificar compete ao devedor provar que não é responsável em razão da ocorrência de caso fortuito força maior ou culpa exclusiva de terceiro nas obrigações de mera diligência compete ao credor demonstrar que o devedor agiu negligentemente ou sem competência técnica Aplicandose essa distinção às determinações do presente Pacto temos que os EstadosPartes assumiram uma autêntica obrigação jurídica e não mero compromisso moral ou político sendo certo que essa obrigação é de meios e não de resultado Por conseguinte uma das medidas de controle internacional da aplicação do Pacto deveria consistir na verificação pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas da diligência de cada EstadoParte em realizar a tempo e a modo as políticas públicas conducentes à eliminação das grandes carências econômicosociais de seus povos prevendose a aplicação de sanções adequadas aos Estados julgados culpados de negligência Lamentavelmente porém o sistema de relatórios regulado na Parte IV do Pacto é totalmente despido de sanções A determinação constante da alínea 2 vem sendo largamente descumPrida nos Estados desenvolvidos onde trabalham grandes contingentes de estrangeiros oriundos de países pobres A medida que o capitalismo se torna cada vez mais financeiro e especulativo o fator trabalho passa a ser considerado como um insumo dispensável no sistema produtivo Muitos desses estrangeiros foram aliciados a trabalhar nas sociedades desenvolvidas do planeta à época de penúria de mãodeobra durante os 30 anos gloriosos posteriores ao término da 2ª Guerra Mundial Agora são considerados um estoque humano inaproveitável e mesmo pior do que isso prejudicial aos trabalhadores nacionais também vítimas do desemprego estrutural Em razão da falta de consciência moral sobre a importância do respeito à pessoa humana no tocante à sua dimensão econômica social e cultural o Pacto nessa parte tende a ser letra morta A norma constante da alínea 3 é dificilmente justificável à luz do princípio da igualdade essencial de todos os homens quanto à exigência de respeito universal à sua dignidade própria Por que razão as medidas de alívio ou socorro contra a miséria por exemplo devem ser direcionadas antes aos nacionais do que aos estrangeiros residentes no território do Estado Imaginese o caso nada raro de grupos humanos refugiados ou asilados ou seja de pessoas que não saíram de seu país de origem por livre e espontânea vontade Serão eles compelidos a adotar a nacionalidade do país em que se encontram para poderem merecer um tratamento econômicosocial equivalente àquele dispensado pelo Estado aos seus próprios cidadãos Artigo 3º Os EstadosPartes do presente Pacto comprometemse a assegurar às mulheres igualdade no gozo de todos os direitos econômicos sociais e Culturais enumerados no presente Pacto Artigo 4º Os EstadosPartes do presente Pacto reconhecem que no exercício dos direitos assegurados em conformidade com o presente Pacto pelo Estado este poderá submeter tais direitos unicamente às limitações estabelecidas em lei somente na medida compatível com a natureza desses direitos e exclusivamente com o objetivo de favorecer o bemestar geral em uma sociedade democrática Na tortuosa redação deste artigo o que se quer dizer é que em casos excepcionais de necessidade pública imprevista o Estado é autorizado a introduzir limitações temporárias ao exercício dos direitos declarados no Pacto Tratase em suma de uma suspensão temporária de direitos semelhante à que ocorre com as liberdades individuais na hipótese de estado de sítio Mas tais limitações só podem ser estabelecidas em lei não em decretos governamentais a fim de permitir amplo debate sobre a questão pelos representantes do povo pois lei no texto significa evidentemente a norma geral votada pelos representantes legítimos do povo num regime democrático Artigo 5º 1 Nenhuma das disposições do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicarse a quaisquer atividades ou de praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no presente Pacto ou imporlhes limitações mais amplas do que aquelas nele previstas 2 Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer país em virtude de leis convenções regulamentos ou costumes sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grart Disposição idêntica à do artigo 5º do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos Vejamse as observações lá feitas PARTE III Artigo 6º 1 Os EstadosPartes do presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho que compreende o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito e tomarão medidas apropriadas para salvaguardar esse direito 2 As medidas que cada EstadoParte do presente Pacto tomará a fim de assegurar o pleno exercício desse direito deverão incluir a orientação e a formação técnica e profissional a elaboração de programas normas e técnicas apropriadas para assegurar um desenvolvimento econômico social e cultural constante e o pleno emprego produtivo em condições que salvaguardem aos indivíduos o gozo das liberdades políticas e econômicas fundamentais O reconhecimento do direito de cada indivíduo a exercer livremente um trabalho que lhe proporcione meios de subsistencia e por conseguinte condições de vida digna representa a condição primária de existência de uma sociedade igualitária não oligárquica onde o poder político e econômico não é monopolizado pelas classes proprietárias O direito ao trabalho é por conseguinte a pedra angular da construção de uma verdadeira sociedade democrática a sociedade moderada de Aristóteles na qual a maioria do povo soberano conseguiu libertarse dos extremos da riqueza irresponsável e da miséria aviltante Por isso mesmo a ruína do Estado de BemEstar Social provocada pelo surto de neoliberaIlsmo que assolou a humanidade no final do século XX representou igualmente o bloqueio dos ingentes esforços empreendidos em todo o mundo após a 2ª Guerra Mundial para a reconstrução da democracia O direito ao trabalho implica de um lado o direito de livre exploração de uma atividade econômica independente individual ou societária de outro o direito a exercer um trabalho assalariado no quadro de uma organização empresarial No primeiro caso o direito ao trabalho fundamenta não apenas a liberdade de exercer livremente uma atividade empresarial mas também o direito à ocupação de terras inexploradas ou mal exploradas para o exercício de uma atividade agrícola Neste sentido o direito assegurado neste artigo do Pacto representa uma das justificativas da política de reforma agrária para a realização de assentamentos agrícolas No tocante ao trabalho assalariado a teoria marxista foi incapaz de prever o fato de que o sistema capitalista pode perfeitamente dispensar a exploração da forçatrabalho para acumular riquezas e monopolizar o poder No Manifesto Comunista afirmouse que a condição de existência do capital é o trabalho assalariado Contrariamente a essa suposição porém assistese hoje ao lado da acumulação de capital em grau insuspeitado o crescimento constante do desemprego com a conseqüente exclusão para as suas vítimas dos benefícios da previdência social e até mesmo da assistência social A implementação do direito ao trabalho não será pois obtida por meio da simples realização de uma política pública igual às demais como faz supor a alínea 2 do artigo 6º Ela pressupõe inelutavelmente a instauração de uma nova ordem econômica em que o trabalho não esteja sujeito à dominação dos proprietários ou capitalistas Em sua quadragésima oitava sessão realizada em julho de 1964 a Organização Internacional do Trabalho aprovou a Convenção n 122 sobre política de emprego37 De acordo com o disposto em seu art 1º todos os membros da OIT que adotarem a Convenção deverão formular e aplicar uma política ativa visando a promover o pleno emprego produtivo e livremente escolhido Essa política deverá procurar garantir a que haja trabalho para todas as pessoas disponíveis e em busca de trabalho b que este trabalho seja o mais produtivo possível c que haja livre escolha de emprego e que cada trabalhador tenha todas as possibilidades de adquirir e de utilizar neste emprego suas qualificações assim como seus dons qualquer que seja sua raça cor sexo religião opinião política ascendência nacional ou origem social 37 Aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n 61 de 30 de novembrO de 1966 e promulgada pelo Decreto n 66499 de 27 de abril de 1970 Artigo 7º Os EstadosPartes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pesSoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis que assegurem especialmente a uma remuneração que proporcione no mínimo a todos os trabalhadores I um salário eqüitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor sem qualquer distinção em particular as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e perceber a mesma remuneração que eles por trabalho igual II uma existência decente para eles e suas famílias em conformidade com as disposições do presente Pacto b a segurança e higiene no trabalho c igual oportunidade para todos de serem promovidos em seu trabalho à categoria superior que lhes corresponda sem outras considerações que as de tempo de trabalho e capacidade d o descanso o lazer a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas assim como a remuneração dos feriados Artigo 8º 1 Os EstadosPartes do presente Pacto comprometemse a garantir a o direito de toda pessoa de fundar sindicatos com outros e de filiarse ao sindicato de sua escolha sujeitandose unicamente aos estatutos da organização interessada com o objetivo de promover e de proteger seus interesses econômicos e sociais O exercício desse direito só poderá ser objeto das restrições previstas em lei e que sejam necessárias em uma sociedade democrática ao interesse da segurança nacional ou da ordem pública ou para proteger os direitos e as liberdades alheias b o direito dos sindicados de formar federações ou confederações nacionais e o direito destas de formar organizações sindicais internacionais ou de filiarse às mesmas c o direito dos sindicatos de exercer livremente suas atividades sem quaisquer limitações além daquelas previstas em lei e que sejam necessárias em uma sociedade democrática ao interesse da segurança nacional ou da ordem pública ou para proteger os direitos e as liberdades das demais pessoas d o direito de greve exercido de conformidade com as leis de cada país 2 O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições gerais o exercício desses direitos pelos membros das forças armadas da polícia ou da administração pública 3 Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que os EstadosPartes da Convenção de 1948 da Organização internacional do Trabalho relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical venham a adotar medidas legislativas que restrinjam ou a aplicar a lei de maneira a restringir as garantias previstas na referida Convenção Os direitos do trabalhador assalariado declarados nos artigos 7º e 8º têm sido objeto de numerosas convenções patrocinadas pela Organização Internacional do Trabalho desde a sua fundação em 1919 O respeito aos direitos trabalhistas supõe no entanto como foi dito em comentário ao artigo 6º o reconhecimento e a implementação do direito ao trabalho o que está longe de ser o caso nos dias que correm A pressão da ideologia neoliberal globalizante nos últimos decênios do século XX tem levado alguns países a reduzir ou suprimir direitos trabalhistas fundamentais universalmente reconhecidos sob pretexto de uma mal denominada flexibilização das condições de trabalho em função da concorrência internacional É escusado assinalar que esse retrocesso na proteção da dignidade do trabalhador assalariado é totalmente incompatível com o respeito às regras do Pacto A formação de sindicatos fortes e atuantes como reconhecem hoje vários historiadores e cientistas sociais foi o único fator capaz de evitar até o final do século XX a pauperização maciça dos trabalhadores no sistema capitalista Pela sua própria lógica esse sistema tende a acumular capital em detrimento dos trabalhadores ele tende portanto a reduzir o crescimento econômico mundial em razão da redução da capacidade de consumo das grandes massas O movimento sindical iniciado no século XIX interferiu no desenvolvimento desse processo de pauperização obrigando o sistema capitalista a funcionar com uma distribuição de renda menos iníqua o que aumentou a capacidade de consumo global e portanto impulsionou a produção O destaque dado na alínea 3 do artigo 8º à Convenção de 1948 da OIT é explicável pelo fato de as organizações sindicais tuteladas pelo Estado terem sido um dos instrumentos de escol dos regimes totalitários comunistas e fascistas para sufocar a liberdade sindical Artigo 9º Os EstadOSPartes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à previdência social inclusive ao seguro social A afirmação do direito de todos sem exceções à previdência social significa claramente que o exercício desse direito não pode ser condicionado à situação patrimonial das pessoas e menos ainda à existência de um contrato formal de trabalho Exatamente porque se trata de um direito humano isto é de uma exigência de respeito elementar à dignidade do homem não pode haver précondições à fruição desse direito Ora as políticas neoliberais difundidas em todo o mundo no final do século XX têm levado à transformação do direito universal à previdência em mero direito de seguro privado igual a qualquer outro isto é sujeito à condição do regular pagamento dos prêmios A privatização da previdência social representa na verdade a sua completa negação O direito de todo ser humano a ser protegido contra os riscos sociais não pode em lógica conseqüência organizarse tãosó pelo sistema contributivo ainda que ligado a um seguro obrigatório De outra sorte o crescente desemprego e a conseqüente miserabilidade das massas trabalhadoras tomam ilusória essa garantia de libertação da necessidade freedom from want que constituiu a grande bandeira do Estado do BemEstar Social O princípio da solidariedade impõe o financiamento ainda que parcial ou complementar da previdência social por meio de impostos lançados em função da capacidade contributiva das pessoas Artigo 10º Os EstadosPartes do presente Pacto reconhecem que 1 Devese conceder à família que é o elemento natural e fundamental da Sociedade a mais ampla proteção e assistência possíveis especialmente para a sua constituição e enquanto ela for responsável pela criação e educação dos filhos O matrimônio deve ser contraído com o livre consentimento dos futuros cônjuges 2 Devese conceder proteção especial às mães por um período de tempo razoável antes e depois do parto Durante esse período devese conceder às mães que trabalham licença remunerada ou licença acompanhada de benefícios previdenciários adequados 3 Devemse adotar medidas especiais de proteção e assistência em prol de todas as crianças e adolescentes sem distinção alguma por motivo de filiação ou qualquer outra condição Devemse proteger as crianças e adolescentes contra a exploração econômica e social O emprego de crianças e adolescentes em trabalhos que lhes sejam nocivos à moral e à saúde ou que lhes façam correr perigo de vida ou ainda que lhes venham a prejudicar o desenvolvimento normal será punido por lei Os Estados devem também estabelecer limites de idade sob os quais fique proibido e punido por lei o emprego assalariado da mãodeobra infantil As disposições deste artigo são parcialmente idênticas às do artigo 23 do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos Tratase com efeito de matéria em que não se podem separar com nitidez os direitos civis dos direitos sociais É preciso reconhecer que as medidas de proteção à família e à maternidade aqui previstas só existem num reduzidíssimo número de países O que geralmente se prevê é o pagamento de benefícios em dinheiro às famílias no quadro das vantagens sociais ligadas ao contrato de trabalho regular e ainda assim em montante meramente simbólico na maioria dos países que adotam esse sistema Ora a multiplicação dos contratos informais de trabalho nas últimas décadas torna largamente ilusória essa forma de proteção social Para superar essa limitação vem sendo instituído ultimamente em alguns países o direito das famílias à percepção de uma renda mínima A disposição da alínea 2 significa o reconhecimento da maternidade como função social O sistema capitalista porém tende a considerar a maternidade da mulher assalariada como um handicap para a produtividade empresarial É este na ver dade o principal fator da desigualdade efetiva verificada em todo o mundo entre homens e mulheres na relação de trabalho É também o sistema capitalista de produção o grande obstáculo em toda parte notadamente em países subdesenvolvidos ao efetivo respeito dos direitos de menores e adolescentes declarados na alínea 3 Duas das principais chagas sociais em países subdesenvolvidos são a infância abandonada e a exploração do trabalho infantil A solução parece encontrarse numa adequada conjugação de esforços em nível nacional e internacional Seria indispensável nesse particular reforçar decisivamente os recursos pessoais e financeiros do UNICEF o Fundo das Nações Unidas para a Infância dandolhe prerrogativas de maior intervenção no território dos EstadosPartes do Pacto Artigo 11 1 Os EstadosPartes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família inclusive à alimentação vestimenta e moradia adequadas assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida Os EstadosPartes criarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito reconhecendo nesse sentido a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento 2Os EstadosPartes do presente Pacto reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome adotarão individualmente e mediante cooperação internacional as medidas inclusive programas concretos que se façam necessárias para a melhorar os métodos de produção conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários de maneira que se assegure a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais b assegurar uma repartição eqüitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades levandose em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios O cumprimento do disposto na alínea 1 implica claramente na instituição de uma renda mínima também para os indivíduos ainda que sem família Para tanto a organização de uma ajuda internacional aos países pobres deveria ser feita pela ONU e não deixada à livre decisão dos EstadosPartes do Pacto Sem o que a cooperação internacional aí prevista não passará de um piedoso voto Especificamente no tocante ao direito a uma moradia adequada um grupo de peritos das Nações Unidas definiu em 1996 as prioridades de uma política estatal além da construção de novas habitações é preciso assegurar a permanência dos locatários e comodatários nos locais que já ocupam impedir as discriminações e proibir os despejos coletivos38 A cooperação internacional invocada na alínea 2 para resolver o problema da fome no mundo é evidentemente retórica por falta de precisões Não é necessário muito esforço de análise e previsão para se compreender que um dever internacional que se estende a todos os Estados sem maiores especificações na verdade não se aplica a nenhum deles em particular Ora a situação de carência nutricional das populações pobres do mundo atual é dramática Em seu relatório do ano 2000 a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura FAO adverte que à falta de medidas urgentes haverá em todo o mundo um bilhão de crianças com menos de 14 anos sofrendo de desnutrição dentro em vinte anos Hoje cerca de 200 milhões de crianças padecem de raquitismo por causa de deficiência nutricional A experiência do direito privado em matéria de direito de propriedade poderia apontar um caminho para a solução desse problema internacional O domínio ou propriedade como ninguém ignora faz parte dos chamados direitos absolutos exercitáveis perante todos erga omnes Essa posição passiva univer 38 Relatório Mundial para o Desenvolvimento Humano 2000 editado pelo Programa das Nações Uni das para o Desenvolvimento PNUD versão francesa p 77 sal via de regra só se concretiza quando há um dano provocado à coisa objeto de propriedade por um ato comissivo de outrem uma turbação ou um esbulho possessório por exemplo O proprietario por conseguinte não tem por definição deveres positivos de contratar ou cumprir prestações em favor de outrem como sucede com os devedores numa relação obrigacional No entanto o direito contemporâneo passou a reconhecer excepcionalmente uma função social da propriedade isto é a existência de deveres positivos do proprietário de certos bens em relação a outros sujeitos determinados ou perante a comunidade social como um todo Sucede porém que essa afirmação da função social da propriedade revelase inefetiva enquanto de um lado não forem especificados quer os bens considerados de interesse social quer as pessoas legitimadas a ter acesso a tais bens Revelase também inefetiva de outro lado se a ordem jurídica não aparelha sanções adequadas ao descumprimento desse dever social dos proprietários O direito de se alimentar suficientemente faz parte do núcleo essencial dos direitos humanos pois representa mera extensão do direito à vida É vergonhoso nessas condições que uma parcela crescente da humanidade segundo o reconhecimento unãnime das mais variadas instituições internacionais sofra permanentemente de fome39 Poderseia pensar como início de solução para o problema da inefetividade das declarações sobre um direito dos povos a não morrer de fome em atribuir à FAO em conjugação com a Organização Mundial da Saúde um poder de intervenção efetiva A FAO e à OMS caberia assim o poder de identificar em comunicação ao SecretárioGeral das Nações Unidas ou ao Conselho Econômico e Social as populações assoladas 39 Cf o livro editado pela Universidade das Nações Unidas Food as a Human Right 1984 pela fome bem como indicar a existência de gêneros alimentícios não utilizados no território do Estado onde se encontram essas populações ou em outros EstadosPartes do presente Pacto O SecretárioGeral da ONU uma vez recebida essa comunicação teria o poder de requisitar essas reservas alimentares comunicando ao Conselho Econômico e Social a eventual recusa pelo Estado em cujo território elas se acham de dar seguimento à requisição Seja como for ainda que na ausência de uma cooperação internacional para resolver o problema da fome no mundo a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reunida em Viena em 1993 enfatizou que os recursos alimentares não podem ser usados como instrumento para o exercício de pressões políticas entre os Estados Artigo 12 1 Os EstadosPartes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental 2 As medidas que os EstadosPartes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar a a diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil bem como o desenvolvimento são das crianças b a melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente c a prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas endêmicas profissionais e outras bem como a luta contra essas doenças d a criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade O que se estabelece neste artigo é o direito de todos à implementação de políticas de saúde não só de natureza preventiva como ainda curativa Para se atingir essa universalização de atendimento tais políticas não podem estar atreladas ao seguro privado nem tampouco à previdência social ligada ao contrato de trabalho Tal não significa escusa dizêlo que devam ser eliminados contratos e institutos privados de segurosaúde cooperativas OU planos de saúde Mas é indispensável que o sistema de saúde como um todo sobretudo em países subdesenvolvidos ou profundamente inigualitários seja organizado e supervisionado pelo Estado e que os equipamentos públicos hospitais centros de pesquisa e laboratórios sejam utilizados prioritariamente no atendimento das pessoas carentes Não tendo o sistema público de saúde condições de atender adequadamente o conjunto da população carente ele deveria poder requisitar os serviços das organizaçoes privadas de saúde Ademais o sistema de previdência social há de necessariamente abranger também as despesas com aquisição de medicamentOS Para tanto é indispensável que o Estado sobretudo em países subdesenvolvidos intervenha largamente no setor de produção e distribuição de medicamentos de forma a eliminar ao máximo as perversões que o sistema capitalista provoca em detrimento das populações de baixa renda Atualmente com efeito um punhado de macroempresas transnacionais controla a produção e distribuição em todo o mundo dos remédios específicos para o tratamento das principais doenças Além disso tais empresas centralizam freqüentemente com o auxílio de recursos públicos a pesquisa e o desenvolvimento dos novos produtos farmacêuticos monopolizando a sua produção com base em patentes e a sua distribuição por meio de marcas registradas A pesquisa farmacológica aliás é orientada exclusivamente para o mercado dos consumidores solváveis abandonando à morbidez as multidões miseráveis dos países subdesenvolvidos Artigo 13 1 Os EstadosPartes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais Concordam ainda em que a educação deverá capacitar todas as pessoas a particípar efetivamente de uma sociedade livre favorecer a compreensão a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz 2 Os EstadosPartes do presente Pacto reconhecem que com o objetivo de assegurar o pleno exercício desse direito a a educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos b a educação secundária em suas diferentes formas inclusive a educação secundária técnica e profissional deverá ser generalizada e tornarse acessível a todos por todos os meios apropriados e principalmente pela implementação progressiva do ensino gratuito c a educação de nível superior deverá igualmente tornarse acessível a todos com base na capacidade de cada um por todos os meios apropriados e principalmente pela implementação progressiva do ensino gratuito d deverseá fomentar e intensificar na medida do possível a educação de base para aquelas pessoas que não receberam educação primária ou não concluíram o ciclo completo de educação primária e será preciso prosseguir ativamente o desenvolvimento de uma rede escolar em todos os níveis de ensino implementarse um sistema adequado de bolsas de estudo e melhorar continuamente as condições materiais do corpo docente 3 Os EstadosPartes do presente Pacto comprometemse a respeitar a liberdade dos pais e quando for o caso dos tutores legais de escolher para seus filhos escolas distintas daquelas criadas pelas autoridades públicas sempre que atendam aos padrões mínimos de ensino prescritos ou aprovados pelo Estado e de fazer com que seus filhos venham a receber educação religiosa ou moral que esteja de acordo com suas próprias convicções 4 Nenhuma das disposições do presente artigo poderá ser interpretada no sentido de restringir a liberdade de indivíduos e de entidades de criar e dirigir instituições de ensino desde que respeitados os princípios enunciados no 1º do presente artigo e que essas instituições observem os padrões mínimos prescritos pelo Estado Artigo 14 Todo EstadoParte do presente Pacto que no momento em que se tornar Parte ainda não tenha garantido em seu próprio território ou territórios sob sua jurisdição a obrigatoriedade e a gratuidade da educação primária se compromete a elaborar e a adotar dentro de um prazo de doiS anos um plano de ação detalhado destinado à implementação progressi va dentro de um número razoável de anos estabelecido no próprio plano orincípio da educação primária obrigatória e gratuita para todos Os artigos 13 e 14 tratam do direito fundamental à educação Os princípios enunciados na alínea 1 do artigo 13 que na traduçãO oficial brasileira é dita 1º devem ser respeitados por toda e qualquer escola seja ela pública ou particular esta última mencionada nas alíneas 3 e 4 do mesmo artigo O direito fundamental em questão tem por objeto não a simples instrução mas sim a educação do ser humano ou seja a sua formação intelectual moral e cívica Com o objetivo de aprofundar a difusão mundial dos valores éticopolíticos enunciados na alínea 1 do artigo 13 a UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura tem celebrado convênios com Universidades em várias partes do mundo para a criação de Cátedras de Educação para a Paz a Tolerância a democracia e os Direitos Humanos Devese ressaltar a exigência estabelecida na alínea 2 do artigo 13 de se organizar a educação primária obrigatória e gratuita bem como a educação secundária e a superior de forma progressivamente gratuita Tal não significa dizer que a educação gratuita seja ministrada necessariamente na escola pública Na letra e dessa mesma alínea há referência a um sistema adequado de bolsas de estudo de forma a permitir que as pessoas carentes possam matricularse também em escolas particulares à sua escolhana medida da disponibilidade das vagas e do número de solicitações de matrícula Não resta dúvida no entanto que a escola pública é sempre pela sua própria natureza muito mais igualitária do que a escola particular e esse dado deve ser levado em consideração na montagem da política educacional em países de acentuada desigualdade social Há no entanto uma ambigüidade terminológica evidente nessa matéria Que se deve entender por ensino primário e ensino secundário Em alguns países como no Brasil já não se fala em ensino primário e sim em ensino fundamental com duração muito maior do que o ensino primário tradicional A precisão nesse particular é importante tendo em vista a regra da obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário estabelecida em ambos os artigos Seja como for a regra da gratuidade progressiva da educação secundária e superior estabelecida na alínea 2 letras b e c do artigo 13 comporta duas exigências De um lado as etapas desse avanço progressivo em direção à escola inteiramente gratuita para todos devem ser claramente fixadas pelo EstadoParte no Pacto e indicadas nos relatórios de que tratam os artigos 16 e seguintes De outro lado é absolutamente vedado a todos os EstadosPartes do Pacto fazer marcha à ré nesse campo de forma a substituir a gratuidade já existente pelo ensino pago ainda que parcialmente A educação de adultos é prevista no artigo 13 letra d da alínea 2 mas limitada à educação de base para aquelas pessoas que não receberam educação primária ou não concluíram o ciclo completo de educação primária Além da ambigüidade já apontada da expressão educação primária ficase sem saber se essa educação de base é ou não uma espécie de educação primária simplificada A Convenção sobre os Direitos da Criança aprovada em 20 de novembro de 1989 pela Assembléia Geral da ONU estabelece regras mais desenvolvidas nessa matéria Em seu art 28 estipulase que os EstadosPartes devem criar diferentes formas de educação secundária prevendo a par da educação geral também uma forma de ensino vocacional devem tomar a informação e a direção tanto educacional quanto vocacional acessíveis a todas as crianças devem tomar medidas adequadas para encorajar a freqüência regular à escola bem como a redução da evasão escolar e devem também esforçarse para assegurar que as regras de disciplina escolar são aplicadas de forma compatível com a dignidade humana da criança No art 29 da mesma Convenção os EstadosPartes declaram concordar em que a educação da criança objetive a o desenvolvimento da personalidade dos talentos e das habilidades mentais e físicas da criança na medida integral das possibilidades desta b o desenvolvimento do respeito pelos direitos humanos e as liberdades fundamentais bem como pelos princípios inscritos na Carta das Nações Unidas c o desenvolvimento do respeito da criança pelos seus pais pela sua própria identidade cultural língua e valores pelos valores nacionais do país em que vive a criança o país de onde ele ou ela se origina assim como por civilizações diferentes de sua própria d a preparação da criança para uma vida responsável numa sociedade livre no espírito de compreensão paz tolerância igualdade dos sexos e amizade entre todos os povos grupos étnicos nacionais e religiosos ou pessoas de origem indígena e o desenvolvimento do respeito pelo meio ambiente natural Artigo 15 1 Os EstadosPartes do presente Pacto reconhecem a cada indivíduo o direito de a participar da vida cultural b desfrutar o progresso científíco e suas aplicações c beneficiarse da proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica literária ou artística de que seja autor 2 As medidas que os EstadosPartes do presente Pacto deverão adotar com a finalidade de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão aquelas necessárias à conservação ao desenvolvimento e à difusão da ciência e da cultura 3 Os EstadosPartes do presente Pacto comprometemse a respeitar a liberdade indispensável à pesquisa científica e à atividade criadora 4 Os EstadosPartes do presente Pacto reconhecem os benefícios que derivam do fomento e do desenvolvimento da cooperação e das relações internacionais no domínio da ciência e da cultura O direito de todos de participar da vida cultural é um dos menos prezados em todo o mundo Tratase no entanto de uma exigência elementar de respeito à capacidade criadora da pes soa humana enquanto único ser para o qual fazem sentido os valores do belo do justo ou do verdadeiro O direito à livre manifestação cultural tem sido há mais de século e meio sufocado pelo sistema capitalista de produção de massa e pela propaganda desenvolvida pelos diferentes Estados autoritários ou totalitários Hoje a indústria cultural norteamericana exige como condição de sobrevivência a conquista do mercado mundial pela exploração do sistema multimedia destruindo tradições locais e impondo a homogeneização universal de valores e costumes sociais A política cultural dos EstadosPartes do Pacto deveria portanto orientarse em dois sentidos Cultivar de um lado os valores e tradições populares como fator de coesão social e afirmação da própria identidade nacional Cuidar de outro lado de estender a todo o povo em particular às classes e grupos mais carentes o acesso aos valores éticos e estéticos da cultura universal consubstanciados nas grandes obras artísticas que constituem o patrimônio cultural da humanidade Em 1972 a UNESCO patrocinou a celebração de uma Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural que é objeto do capítulo 20º desta obra Nunca é demais relembrar nesse particular que o teatro grego da época clássica desempenhou notável papel na formação ética do povo fazendoo refletir sobre o sentido da vida e das grandes paixões que agitam o coração humano A tragédia fundavase no princípio de que o sofrimento é a fonte de toda compreensão da vida humana enquanto a comédia ensinava O povo a considerar criticamente não só os grandes deste mundo como também os próprios costumes e tradições populares Em razão desse caráter pedagógico do teatro todo o povo incluindo as mulheres e os estrangeiros metecos era admitido a assistir aos espetáculos Aos cidadãos ricos incumbia o múnus publico de financiar as representações coregia e O Estado ateniense pagava a entrada para os cidadãos pobres Hoje na era da comunicação de massa a participação do povo na vida cultural dáse principalmente por intermédio do rádio e da televisão É mais uma razão para se impedir que a organização e o funcionamento desses veículos de comunicação social fiquem subordinados exclusivamente ao interesse empresarial privado ou à dominação incontrolada de autoridades governamentais O direito de participar da vida cultural está com efeito intimamente ligado à liberdade coletiva de expressão Já no tocante ao direito de desfrutar o progresso científico e tecnológico declarado na alínea 1 letra b deste artigo a sua realização não pode ser deixada ao livre funcionamento do sistema émpresarial privado organizado exdlusivamente em função da lucratividade A pesquisa científica e tecnológica há de ser orientada pelo interesse público isto é o interesse de todo o povo e portanto financiada majoritariamente com recursos públicos PARTE IV Artigo 16 1 Os EstadosPartes do presente Pacto comprometemse a apresentar de acordo com as disposições da presente parte do Pacto relatórios sobre as medidas que tenham adotado e sobre o progresso realizado com o objetivo de assegurar a observância dos direitos reconhecidos no Pacto 2 a Todos os relatórios deverão ser encaminhados ao SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas que enviará cópias dos mesmos ao Conselho Econômico e Social para exame de acordo com as disposições do presente Pacto b o SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas encaminhará também às agências especializadas cópias dos relatórios ou de todas as partes pertinentes dos mesmos enviados pelos EstadosPartes do presente Pacto que sejam igualmente membros das referidas agências especializadas na medida em que os relatórios ou partes deles guardem relação com questões que sejam da competência de tais agências nos termos de seus respectivos instrumentos constitutivos Artigo 17 1 Os EstadosPartes do presente Pacto apresentarão seus relatórios por etapas segundo um programa a ser estabelecido pelo Conselho Econômico e Social no prazo de um ano a contar da data da entrada em vigor do presente Pacto após consulta aos EstadosPartes e às agências especializadas interessadas 2 Os relatórios poderão indicar os fatores e as dificuldades que prejudiquem o pleno cumprimento das obrigações previstas no presente Pacto 3 Caso as informações pertinentes já tenham sido encaminhadas à Organização das Nações Unidas ou a uma agência especializada por um EstadoParte não será necessário reproduzir as referidas informações sendo suficiente uma referência precisa às mesmas Artigo 18 Em virtude das responsabilidades que lhe são conferidas pela Carta das Nações Unidas no domínio dos direitos humanos e das liberdades fundamentais o Conselho Econômico e Social poderá concluir acordos com as agências especializadas sobre a apresentação por estas de relatórios relativos aos progressos realizados quanto ao cumprimento das disposições do presente Pacto que correspondam ao seu campo de atividades Os relatórios poderão incluir dados sobre as decisões e recomendações referentes ao cumprimento das disposições do presente Pacto adotadas pelos órgãos competentes das agências especializadas Artigo 19 O Conselho Econômico e Social poderá encaminhar à Comissão de Direitos Humanos para fins de estudo e de recomendação de ordem geral ou para informação caso julgue apropriado os relatórios concernentes aos direitos humanos que apresentarem os Estados nos termos dos artigos 16 e 17 e aqueles concernentes aos direitos humanos que apresentarem as agências especializadas nos termos do artigo 18 Artigo 20 Os EstadosPartes do presente Pacto e as agências especializadas interessadas poderão encaminhar ao Conselho Econômico e Social comentários sobre qualquer recomendação de ordem geral feita em virtude do artigo 19 ou sobre qualquer referência a uma recomendação de ordem geral que venha a constar de relatório da Comissão de Direitos Humanos ou de qualquer documento mencionado no referido relatório Artigo 21 O Conselho Econômico e Social poderá apresentar ocasionalmente à Assembléia Geral relatórios que contenham recomendações de caráter geral bem como resumo das informações recebidas dos Estadospartes do presente Pacto e das agências especializadas sobre as medidas adotadas e o progresso realizado com a finalidade de assegurar a observância geral dos direitos reconhecidos no presente Pacto Artigo 22 O Conselho Econômico e Social poderá levar ao conhecimento de outros órgãos da Organização das Nações Unidas de seus órgãos subsidiários e das agências especializadas interessadas às quais incumba a prestação de assistência técnica quaisquer questões suscitadas nos relatórios mencionados nesta parte do presente Pacto que possam ajudar essas entidades a pronunciarse cada uma dentro de sua esfera de competência sobre a conveniência de medidas ínternacionais que possam contribuir para a implementação efetiva e progressiva do presente Pacto Artigo 23 Os EstadosPartes do presente Pacto concordam em que as medidas de ordem internacional destinadas a tornar efetivos os direitos reconhecidos no referido Pacto incluem sobretudo a conclusão de convenções a adoção de recomendações a prestação de assistência técnica e a organização em conjunto com os governos interessados e no intuito de efetuar consultas e realizar estudos de reuniões regionais e de reuniões técnicas Artigo 24 Nenhuma das disposições do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento das disposições da Carta das Nações Unidas ou das constituições das agências especializadas as quais definem as responsabilidades respectivas dos diversos órgãos da Organização das Nações Unidas e agências especializadas relativamente às matérias tratadas no presente Pacto Artigo 25 Nenhuma das disposições do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento do direito inerente a todos os povos de desfrutar e utilizar plena e livremente suas riquezas e seus recursos naturais CAPÍTULO 18º A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 1969 Aprovada na Conferência de São José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969 1 a Convenção reproduz a maior parte das declarações de direitos constantes do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 2 Quanto aos órgãos competentes para supervisionar o cumprimento de suas disposições e julgar os litígios referentes aos direitos humanos nela declarados a Convenção aproximase mais do modelo da Convenção Européia de Direitos Humanos de 1950 3 A fim de obter a adesão dos Estados Unidos à Convenção a Conferência de São José da Costa Rica decidiu deixar para um Protocolo à parte a declaração de direitos econômicos sociais e culturais Protocolo esse que só veio a ser aprovado na Conferência Interamericana de São Salvador em 17 de novem 1 O Brasil aderiu à Convenção por ato de 2591992 ressalvando no entanto a cláusula facultativa do art 45 1º referente à competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para examinar queixas apresentadas por outros Estados sobre o nãocumprimento das obrigações impostas pela Convenção bem como a cláusula facultativa do art 62 1º sobre a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos A Convenção foi promulgada no Brasil pelo Decreto n 678 de 6 de novembro do mesmo ano Pelo Decreto Legislativo n 89 de dezembro de 1998 o Congresso Nacional aprovou a solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos para fatos ocorridos a partir do reconhecimento de acordo com o previsto no parágrafo primeiro do art 62 daquele instrumento internacional Pelo Decreto n 4463 publicado em 11112002 foi promulgada essa declaração de reconhecimento da competência obrigatória da Corte 2 Cf supra capítulo 17º 3 Cf supra capítulo 16º bro de 1988 Igualmente objeto de um Protocolo adicional à Convenção é o acordo sobre a abolição da pena de morte obtido na Conferência Interamericana de Assunção em 8 de junho de 1990 4 Este último Protocolo reproduz para os Estados americanos as disposições do Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 5 Transcrevemse a seguir as disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos e do Protocolo sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais as quais representam uma novidade em relação aos Pactos internacionais de 1966 Aplicase a essas disposições novas o princípio da prevalência dos direitos mais vantajosos para a pessoa humana ou seja na vigência simultânea de vários sistemas normativos o nacional e o internacional ou na de vários tratados internacionais em matéria de direitos humanos deve ser aplicado aquele que melhor protege o ser humano Uma aplicação desse princípio ocorre em matéria de pena de morte A norma constante do art 4º representou efetivamente um avanço em relação ao Pacto sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 pois a Convenção não só proíbe o restabelecimento da pena capital nos países que a tenham abolido como ainda veda a sua aplicação em se tratando de crimes políticos ou comuns a eles conexos 3º e 4º Subsistiam portanto como hipóteses legítimas para as legislações nacionais a introdução da pena de morte em um país que não a tivesse anteriormente abolido bem como a execução capital em casos considerados como não abrangidos pela qualificação de crime político Com o advento do Protocolo de 1990 os Estados americanos que o adotaram ficam proibidos em qualquer hipótese de 4 Ambos os Proiocolos foram aprovados no Brasil pelo Decreto Legislativo n 56 de 19 de abril de 1995 5 Cf supra capítulo 17º aplicar a pena capital considerandose revogadas as disposições do direito interno que eventualmente a cominavam6 Ao dispor o art 4º que o direito à vida deve ser protegido pela lei desde o momento da concepção vedou em princípio a legalização do aborto Digo em princípio porque a cláusula em geral constante dessa disposição parece abrir a Possibilidade do estabelecimento de exceções à regra De qualquer forma tal como redigido o artigo proibe também em princípio as práticas de produção de embriões humanos para fins industriais utilização de seus tecidos na fabricação de cosméticos por exemplo bem como da clonagem humana para finalidades não reprodutivas e portanto com destruição do embrião Uma exceção eticamente admissível a essa regra geral proibitiva parece ser a da obtenção de embriões clonados para tratamento de doenças neurodegenerativas do próprio sujeito como assinalei em outro passo desta obra7 O 7º do art 7º restringe a admissibilidade de prisão civil ao inadimplemento de obrigação alimentar A Convenção não impede portanto tal como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 art 11 que o devedor inadimplente de tributos ou de outras obrigações de direito público seja preso administrativamente As disposições constantes dos 3º e 4º do art 13 referentes a restrições indiretas à liberdade de expressão constituem outra novidade em relação ao Pacto de 1966 Bem analisadas as coisas no entanto é preciso reconhecer que não se trata aí da liberdade de expressão pessoal mas sim da liberdade de atividade empresarial em matéria de imprensa rádio e televisão o que é bem diferente A Convenção ignora com efei 6 É o caso da parte final do art 5º XLVII alínea a da Constituição Federal brasileira de 1988 que excetua da proibição da pena de morte os crimes cometidos em caso de guerra declarada 7 Cf supra p 293 lo as instituições que permitem o exercício da liberdade de comunicação numa sociedade de massas como o direito de antena reconhecido na Constituição portuguesa de 1976 art 40º e na Constituição espanhola de 1978 art 20 38 Uma outra novidade importante relativamente às disposições do Pacto de 1966 é a afirmação do direito de retificação ou resposta diante de informações inexatas ou ofensivas emitidas pelos órgãos de comunicação de massa art 14 Seria preciso no entanto nesse particular avançar no sentido da proteção por meio desse direito dos bens comuns de todos os seres humanos como o meio ambiente ou o patrimônio histórico Para tanto a legitimação para exercer o direito de retificação deveria ser atribuída também aos órgãos públicos e às organizações não governamentais A afirmação do direito ao nome constante do art 18 é sem dúvida supérflua numa sociedade desenvolvida Ela faz sentido porém em sociedades subdesenvolvidas deformadas por profunda desigualdade social nas quais o número de crianças não registradas ou abandonadas é considerável Como assinalado no capítulo 17º desta obra os Pactos internacionais de 1966 não contêm nenhuma disposição específica sobre o direito de propriedade privada O art 21 da Convenção vem preencher essa lacuna fazendoo num sentido justo e equilibrado Assim é que a parte final do 1º na esteira da Constituição de Weimar art 1539 e de todas as que se lhe seguiram estabelece o dever fundamental do proprietário de dar aos seus bens uma destinação conforme ao interesse social Convém assinalar assim que quando o 2º reconhece ao expropriado o direito de receber uma indenização justa não está com isto obrigando o Poder expropriante a pagar o valor de mercado da coi 8 Vejamse os comentários ao artigo 19 do Pacto sobre Direitos Civis e PolítiCOS de 1966 capítulo 17ºsupra 9 Cf supra capítulo 9º sa A expropriação nunca é demais repetir não é uma compra e venda forçada A indenização devida ao expropriado é fixada em função do dano por ele sofrido e também em consideração da culpa por ele demonstrada Assim a justa indenização no caso de se expropriar a modesta casa de um operário pode ser superior ao valor venal do bem tendo em vista as eventuais dificuldades que o expropriado encontre para conseguir novo alojamento para si e sua família Inversamente a expropriação por interesse social de um latifúndio improdutivo constitui uma punição aplicada ao proprietário e há de ser por conseguinte inferior ao valor de mercado do fundo agrícola O latifundiário no caso descumpriu o dever fundamental de dar ao bem a destinação devida conforme o interesse social Da maior importância também no art 21 é a disposição do 3º determinando a punição da usura e de todas as formas de exploração do homem pelo homem Os Harpagões do mundo contemporâneo já não são os agiotas isolados e encobertos mas sim os controladores e dirigentes de bancos e outras instituições financeiras que exploram organizadamente os consumidores necessitados os agricultores e os pequenos empresarios urbanos não raro com o apoio e o incentivo das autoridades governamentais em nome do liberalismo econômico No tocante ao direito de circulação e residência o disposto nos 7º e seguintes do art 22 relativamente ao direito de asilo e à expulsão territorial representa incontestável avanço em relação ao Pacto Internacional de 1966 Não se pode porém deixar de assinalar que a garantia da legalidade aí expressa tem sido continuamente solapada nos últimos tempos pela admissibilidade da chamada legislação executiva que se manifesta pela profusa edição de decretosleis e medidas provisórias Por outro lado mesmo em se tratando de normas gerais votadas pelo legítimo órgão de representação popular que é o Parlamento os freqüentes vícios do sistema eleitoral e partidário fazem com que as leis dificilmente possam ser tidas como a manifestação autêntica da vontade popular As oligarquias latinoamericanas competentemente auxiliadas pelos profissionais da propaganda têm manifestado nos últimos tempos grande proficiência na manipulação em seu benefício dos mecanismos formais do regime democrático O cumprimento das normas internacionais de direitos humanos é freqüentemente dificultado em Estados organizados sob a forma federativa Conforme a maior ou menor autonomia das unidades federadas o governo nacional único representante do Estado na esfera internacional não dispõe de meios institucionais para fazer com que se respeitem os direitos humanos no território de jurisdição daquelas unidades Foi para resolver essa questão que se redigiu o art 28 A norma do 2º que diz respeito diretamente ao problema mencionado não parece porém de grande eficiência como a experiência tem demonstrado No concernente aos órgãos de fiscalização e julgamento a Convenção seguiu de modo geral o modelo europeu e não o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 10 Com efeito ela criou além de uma Comissão encarregada de investigar fatos de violação de suas normas também um tribunal especial para julgar os litígios daí decorrentes a Corte Interamericana de Direitos Humanos cuja jurisdição no entanto só é obrigatória para os EstadosPartes que a aceitem expressamente art 62 1º Todavia no que diz respeito às denúncias apresentadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos a Convenção afastouse do modelo europeu Como se pode ver do disposto em seu art 44 ela admitiu a legitimidade de denúncias formuladas à Comissão por qualquer pessoa ou grupo de pessoas 10 Convém lembrar que o Protocolo n ii à Convenção Européia de Direitos Humanos datado de 11 de maio de 1994 extinguiu a Comissão e atribuiu sua competência ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos O mesmo Protocolo vinculou de pleno direito todos os EstadosMembros à jurisdição do Tribunal ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais EstadosMembros da Organização dos Estados Americanos sem exigir que o EstadoParte apontado como responsável haja previamente reconhecido a competência investigativa da Comissão tal como estatuído na Convenção Européia art 25 Em sentido contrário seguindo o Pacto de 1966 e não a Convenção Européia a Convenção Americana submete à prévia exigência do reconhecimento da competência da Comissão o exame por esta de comunicações em que um EstadoParte alegue haver outro EstadoParte incorrido em violações dos direitos humanos estabelecidos nesta Convenção art 45 1º No tocante à condição prévia de esgotamento dos recursos internos para que a Comissão possa conhecer de uma petição ou comunicação art 46 a Convenção Americana é mais precisa do que a Convenção Européia de Direitos Humanos Procurouse com isso afastar a costumeira defesa dos Estados faltosos fundada na falta de garantias judiciais adequadas na legislação nacional ou na morosidade da Justiça11 O Protocolo Adicional de 1988 referente aos direitos econômicos sociais e culturais contém várias disposições inovadoras relativamente ao Pacto Internacional sobre os mesmos direitos aprovado em 1966 12 Não se pode porém deixar de questionar o grau de sinceridade ou seriedade dos Estados americanos que adotaram esse Protocolo quanto à extensão do compromisso assumido Tanto mais que à época já predominava em grande parte da América Latina a ideologia neoliberal expressa no chamado Consenso de Washington no sentido de 11 Sobre esta questão cf o estudo de Antônio Augusto Cançado Trindade juiz da Corte interamericana de Direitos Humanos O esgotamento de recursos internos no direito internacional 2ª ed Editora Universidade de Brasilia 1997 12 Sobre a natureza desses direitos econômicos sociais e cultUrais e a especificidade das garantias voltadas à sua realização vejamse os comentários introdutórios ao Pacto de 1966 sobre esses mesmos direitos no capítulo 17º orientar a ação do Estado para o fortalecimento da iniciativa empresarial privada em todos os campos restringindose ao máximo as políticas públicas de proteção social Temse a impressão de que os Estados que adotaram o Protocolo reproduziram inconscientemente a atitude retórica dos senhores rurais do período colonial diante das ordenações régias que procuravam limitar seu poder de exploração econômica fundado no trabalho escravo ou semiescravo las ordenanzas se acatan pero no se cumplen Os Textos Excertos Convenção Americana de Direitos Humanos Capítulo II Direitos Civis e Políticos Art 4º Direito a vida 1º Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida Esse direito deve ser protegido pela lei e em geral desde o momento da concepção Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente 2º Nos países que não houverem abolido a pena de morte esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves em cumprimento da sentença final de tribunal competente e em conformidade com lei que estabeleça tal pena promulgada antes de haver o delito sido cometido Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente 3º Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido 4º Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada por delitos políticos nem por delitos comuns conexos com delitos políticos 5º Não se deve impor a pena de morte a pessoa que no momento de perpetração do delito for menor de dezoito anos ou maior de setenta nem aplicála a mulher em estado de gravidez 6º Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia indulto ou comutação da pena os quais podem ser concedidos em todos os casos Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente Art 7º Direito à liberdade pessoal 1º Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais 7º Ninguém deve ser detido por dívidas Este principio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em Virtude de inadimplemento de obrigação alimentar Art 13 Liberdade de pensamento e de expressão 3º Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões Art 14 Direito de retificação ou resposta 1º Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral tem direito a fazer pelo mesmo órgão de difusão sua retificação ou resposta nas condições que estabeleça a lei 2º Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido 3º Para a efetiva proteção da honra e da reputação toda publicação ou empresa jornalística cinematográfica de rádio ou televisão deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por imunidades nem o goze de foro especial Art 18 Direito ao nome Toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes A lei deve regular a forma de assegurar a todos este eles direito mediante nomes fictícios se necessário Art 21 Direito à propriedade privada 1º Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social 2º Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens salvo mediante o pagamento de indenização justa por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei 3º Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser reprimidas pela lei Art 22 Direito de circulação e de residência 7º Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos e de acordo com a legislação de cada Estado e com os convênios internacionais 8º Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país seja ou não de origem onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça nacionalidade religião condição social ou de suas opiniões políticas 9º É proibida a expulsão coletiva de estrangeiros Capítulo IV Suspensão de Garantias Interpretação e Aplicação Art 28 Cláusula federal 1º Quando se tratar de um EstadoParte constituído como Estado federal o governo nacional do aludido EstadoParte cumprirá todas as disposições da presente Convenção relacionadas com as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial 2º No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à competência das entidades componentes da federação o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas pertinentes em conformidade com sua constituição e suas leis a fim de que as autoridades competentes das referidas entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta Convenção 3º Quando dois ou mais EstadosPartes decidirem constituir entre eles uma federação ou outro tipo de associação diligenciarão no sentido de que o pacto comunitário respectivo contenha as disposições necessárias para que continuem sendo efetivas no novo Estado assim organizado as normas da presente Convenção PARTE II Meios de Proteção Capítulo VI Órgãos Competentes Art 33 São competentes para conhecer dos assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos EstadosPartes nesta Convenção a Comissão Interamericana de Direitos Humanos doravante denominada a Comissão e b a Corte Interamericana de Direitos Humanos doravante denominada a Corte Capítulo VII Comissão Interamericana de Direitos Humanos Seção 1 Organização Art 34 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos comporseá de sete membros que deverão ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos Art 35 A Comissão representa todos os Membros da Organização dos Estados Americanos Art 36 1º Os membros da Comissão serão eleitos a título pessoal pela Assembléia Geral da Organização de uma lista de candidatos propostos pelos governos dos EstadosMembros 2º Cada um dos referidos governos pode propor até três candidatos nacionais do Estado que os propuser ou de qualquer outro EstadO Membro da Organização dos Estados Americanos Quando for proposta uma lista de três candidatos pelo menos um deles deverá ser nacional de Estado diferente do proponente Seção II Funções Art 41 A Comissão tem a função principal de promover a observância e a defesa dos direitos humanos e no exercício do seu mandato tem as seguintes funções e atribuições a estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América b formular recomendações aos governos dos EstadosMembros quando o considerar conveniente no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais bem como disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos c preparar os estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho de suas funções d solicitar aos governos dos EstadosMembros que lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos e atender às consultas que por meio da Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos lhe formularem os EstadosMembros sobre questões relacionadas com os direitos humanos e dentro de suas possibilidades prestarlhes o assessoramento que eles lhe solicitarem f atuar com respeito às petições e outras comunicações no exercício de sua autoridade de conformidade com o disposto nos arts 44 a 51 desta Convenção e g apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos Seção III Competência Art 44 Qualquer pessoa ou grupo de pessoas ou entidade nãogovernamental legalmente reconhecida em um ou mais EstadosMembros da Organização pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um EstadoParte Art 45 1º Todo EstadoParte pode no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção ou de adesão a ela ou em qualquer momento posterior declarar que reconhece a competência da Comissão para receber e examinar as comunicações em que um EstadoParte alegue haver outro EstadoParte incorrido em violações dos direitos humanos estabelecidos nesta Convenção 2º As comunicações feitas em virtude deste artigo só podem ser admitidas e examinadas se forem apresentadas por um EstadoParte que haja feito uma declaração pela qual reconheça a referida competência da Comissão A Comissão não admitirá nenhuma comunicação contra um EstadoParte que não haja feito tal declaração Art 46 1º Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os arts 44 ou 45 seja admitida pela Comissão será necessário a que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos b que seja apresentada dentro do prazo de seis meses a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva c que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional e d que no caso do art 44 a petição contenha o nome a nacionalidade a profissão o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade que submeter a petição ou comunicação 2º As disposições das alíneas a e b do inc I deste artigo não se aplicarão quando a não existir na legislação interna do Estado de que se tratar o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido violados b não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna ou houver sido ele impedido de esgotálos e c houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos Capítulo VIII Corte Interamericana de Direitos Humanos Seção 1 Organização Art 52 1º A Corte comporseá de sete juízes nacionais dos EstadosMembros da Organização eleitos a título pessoal dentre os juristas da mais alta autoridade moral de reconhecida competência em matéria de direitos humanos que reúnam as condições requeridas para o exercício das mais elevadas funções judiciais de acordo com a lei do Estado do qual sejam nacionais ou do Estado que os propuser como candidatos Seção II Competência e Funções Art 61 1º Somente os EstadosPartes têm direito de submeter caso à decisão da Corte 2º Para que a Corte possa conhecer de qualquer caso é necessário que sejam esgotados os processos previstos nos arts 48 a 51 Art 62 1ºTodo EstadoParte pode no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção ou de adesão a ela ou em qualquer momento posterior declarar que reconhece como obrigatória de pleno direito e sem convenção especial a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção 2º A declaração pode ser feita incondicionalmente ou sob condição de reciprocidade por prazo determinado ou para casos específicos Deverá ser apresentada ao Secretário Geral da Organização que encaminhará cópias da mesma aos outros EstadosMembros da Organização e ao Secretário da Corte 3º A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e aplicação das disposições desta Convenção que lhe seja submetido desde que os EstadosPartes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência seja por declaração especial como prevêem os incisos anteriores seja por convenção especial Art 63 1º Em casos de extrema gravidade e urgência e quando se fizer necessário evitar danos irreparáveis às pessoas a Corte nos assuntos em que estiver conhecendo poderá tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes Se se tratar de assuntos que ainda não estiverem submetidos ao seu conhecimento poderá atuar a pedido da Comissão 2º Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados Determinará também se isso for procedente que sejam reparadas as conseqüências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada Art 64 1º Os EstadosMembros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados Americanos Também poderão consultála no que lhes compete os órgãos enumerados no Cap X da Carta da Organização dos Estados Americanos reformada pelo Protocolo de Buenos Aires 2º A Corte a pedido de um EstadoMembro da Organização poderá emitir pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e os mencionados instrumentos internacionais Excertos do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais Protocolo de São Salvador Artigo 7º Condições Justas Eqüitativas e Satisfatórias de Trabalho Os EstadosPartes neste Protocolo reconhecem que o direito ao trabalho a que se refere o artigo anterior pressupõe que toda pessoa goze desse direito em condições justas eqüitativas e satisfatórias para o que esses Estados garantirão em suas legislações internas de maneira particular b o direito de todo trabalhador de seguir sua vocação e de dedicarse à atividade que melhor atenda a suas expectativas e a trocar de emprego de acordo com regulamentação nacional pertinente d estabilidade dos trabalhadores em seus empregos de acordo com as características das indústrias e profissões e com as causas de justa dispensa Nos casos de demissão injustificada o trabalhador terá direito a indenização ou a readmissão no emprego ou a quaisquer outros benefícios previstos pela legislação nacional f proibição de trabalho noturno ou em atividades insalubres ou perigosas para os menores de 18 anos e em geral de todo trabalho que possa pôr em perigo sua saúde segurança ou moral No caso dos menores de 16 a jornada de trabalho deverá subordinarse às disposições sobre ensino obrigatório e em nenhum caso poderá constituir impedimento à assistência escolar ou limitação para beneficiarse da instrução recebida g limitação razoável das horas de trabalho tanto diárias quanto semanais As jornadas serão de menor duração quando se tratar de trabalhos perigosos insalubres ou noturnos Artigo 9º Direito à Previdência Social 1 Toda pessoa tem direito à previdência social que a proteja das conseqüências da velhice e da incapacidade que a impeça física ou mentalmente de obter os meios de vida digna e decorosa No caso de morte do beneficiário os benefícios da previdência social serão aplicados aos seus descendentes 2 Quando se tratar de pessoas que estejam trabalhando o direito à previdência social abrangerá pelo menos assistência médica e subsídio ou pensão em caso de acidente de trabalho ou de doença profissional e quando se tratar da mulher licençamaternidade remunerada antes e depois do parto Artigo 10 Direito à Saúde 1 Toda pessoa tem direito à saúde compreendendose como saúde o gozo do mais alto nível de bemestar físico mental e social 2 A fim de tornar efetivo o direito à saúde os EstadosPartes comprometemse a reconhecer a saúde como bem público e especialmente a adotar as seguintes medidas para garantir seus direitos c toda imunização contra as principais doenças infecciosas e educação da população com referência à prevenção e ao tratamento dos problemas da saúde e f satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que por sua situação de pobreza sejam mais vulneráveis Artigo 11 Direito ao Meio Ambiente Sadio 1 Toda pessoa tem direito a viver em meio ambiente sadio e a dispor dos serviços públicos básicos 2 Os EstadosPartes promoverão a proteção preservação e melhoramento do meio ambiente Artigo 12 Direito à Alimentação 1 Toda pessoa tem direito a nutrição adequada que lhe assegure a possibilidade de gozar do mais alto nível de desenvolvimento físico emocional e intelectual 2 A fim de tornar efetivo esse direito e de eliminar a desnutrição os EstadosPartes comprometemse a aperfeiçoar os métodos de produção abastecimento e distribuição de alimentos para o que se comprometem a promover maior cooperação internacional com vistas a apoiar as políticas nacionais referentes à matéria CAPÍTULO 19º A CONVENÇÃO RELATIVA A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO MUNDIAL CULTURAL E NATURAL 1972 1 Tratase do primeiro documento normativo internacional que reconhece e proclama a existência de um direito da humanidade tendo por objeto por conseguinte bens que pertencem a todo gênero humano e não podem ser apropriados por ninguém em particular Os Estados em que tais bens se encontram são considerados como meros administradores fiduciários devendo informar e prestar contas internacionalmente sobre o estado em que se encontram esses bens e sobre as providências tomadas para protegêlos contra o risco de degradação natural ou social a que estão submetidos As definições constantes dos artigos 1 e 2 precisam o que se deve entender por patrimônio cultural e natural da humanidade para os efeitos da convenção Por aí se vê que malgrado a diferença de qualificação tratase em ambos os casos de valores culturais a serem preservados valores criados diretamente pelo homem ou então inerentes à natureza mas valorizados pela sua importância científica ou estética Ainda não se está pois protegendo a biosfera enquanto tal independentemente de qualquer valor científico técnico ou estético em particular Aliás o movimento internacional de preservação do meio am 1 Promulgada no Brasil pelo Decreto n 80978 de 12 de dezembro de 1977 biente só teve início no mesmo ano da assinatura desta convenção com a realização em Estocolmo sob o patrocínio das Nações Unidas de uma Conferência Internacional sobre o meio ambiente humano como será lembrado no capítulo 23º desta obra Pela definição dos bens que constituem patrimônio cultural da humanidade segundo o disposto no artigo 1 verificase que deles não constam nem as obras de arte plástica não monumentais nem as obras manuscritas ou impressas tais como incunábulos livros cartas missivas ou partituras musicais É óbyio que as frisas do Pártenon ou a pedra de Roseta expostas no British Museum não pertencem ao Reino Unido mas a toda a humanidade Da mesma sorte seria intolerável que o povo francês decidisse por referendo privatizar as riquezas culturais do Museu do Louvre vendendoas em público leilão para angariar recursos financeiros Por outro lado não se pode esquecer que uma das maiores catástrofes culturais da História ocorreu com a destruição da biblioteca de Alexandria primeiro em conseqüência da guerra civil no século III depois pelo incêndio provocado pelos cristãos em 391 AD Era a maior biblioteca da antigüidade reunindo meio milhão de volumes Durante décadas foi o grande centro de estudos helênicos e semíticos onde se elaborou a tradução da Bíblia para o grego versão dos Setenta Sem dúvida as técnicas atuais de reprodução dãonos uma garantia de preservação do conteúdo das obras depositadas em museus e bibliotecas não obstante a destruição dos originais Mas não é menos verdade que estes últimos representam em si mesmos um valor cultural único e insubstituível constituindo portanto a sua destruição um prejuízo irreparável para a cultura universal Tampouco se pode esquecer que os museus bibliotecas e arquivos não obstante os progressos obtidos na técnica de construção podem ser destruídos por cataclismos naturais como terremotos maremotos ou erupções vulcânicas ou então por atos de guerra e que todos os cuidados empregados na guarda e vigilância dos museus não têm impedido a ocorrência de furtos Impõese portanto a revisão desta Convenção a fim de se incluírem na categoria de patrimônio cultural da humanidade as coleções de pintura e escultura depositadas em museus bem como as bibliotecas quando o Comitê Intergovernamental de que tratam os artigos 8 e seguintes considerálas de valor universal Conviria ainda acrescentar disposições penais a fim de se declararem os atos de furto roubo ou receptação dessas obras como um crime contra a humanidade estabelecendose as sanções adequadas e reconhecendose a competência de qualquer EstadoParte para processar e punir os responsáveis O Texto Excertos A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura reunida em Paris de 17 de outubro a 21 de novembro de 1972 em sua décima sétima sessão Verificando que o patrimônio cultural e o patrimônio natural são cada vez mais ameaçados de destruição não somente pelas causas tradicionais de degradação mas também pela evolução da vida social e econômica que se agrava com fenômenos de alteração ou de destruição ainda mais temíveis Considerando que a degradação ou o desaparecimento de um bem do patrimônio cultural e natural constitui um empobrecimento nefasto do patrimônio de todos os povos do mundo Considerando que a proteção desse patrimônio em escala nacional é freqüentemente incompleta devido à magnitude dos meios de que necessita e à insuficiência dos recursos econômicos científicos e técnicos do país em cujo território se acha o bem a ser protegido Tendo em mente que a Constituição da Organização dispõe que esta última ajudará a conservação o progresso e a difusão do saber velando pela preservação e proteção do patrimônio universal e recomendando aos povos interessados convenções internacionais para esse fim Considerando que as convenções recomendações e resoluções internacionais existentes relativas aos bens culturais e naturais demonstram a importância que representa para todos os povos do mundo a salvaguarda desses bens incomparáveis e insubstituíveis qualquer que seja o povo a que pertençam Considerando que bens do patrimônio cultural e natural apresentam um interesse excepcional e portanto devem ser preservados como elementos do patrimônio mundial da humanidade inteira e Considerando que ante a amplitude e a gravidade dos perigos novos que os ameaçam cabe a toda a coletividade internacional tomar Parte na proteção do patrimônio cultural e natural de valor universal excepcional mediante a prestação de uma assistência coletiva que sem Substituir a ação do Estado interessado a complete eficazmente Considerando que é indispensável para esse fim adotar novas disposições convencionais que estabeleçam um sistema eficaz de proteção coletiva do patrimônio cultural e natural de valor universal excepcional organizado de modo permanente e segundo métodos científicos e modernos e Após haver decidido quando de sua décima sexta Sessão que esta questão seria objeto de uma convenção internacional Adota neste dia dezesseis de novembro de mil novecentos e setenta e dois a presente Convenção I Definições do Patrimônio Cultural e Natural Artigo 1 Para os fins da presente Convenção serão considerados como patrimônio cultural os monumentos obras arquitetônicas de escultura ou de pintura monumentais elementos ou estruturas de natureza arqueológica inscrições cavernas e grupos de elementos que tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história da arte ou da ciência os conjuntos grupos de construções isoladas ou reunidas que em virtude de sua arquitetura unidade ou integração na paisagem tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história da arte ou da ciência os lugares notáveis obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza bem como as zonas inclusive lugares arqueológicos que tenham valor universal excepcional do ponto de vista histórico estético etnológico ou antropológico Artigo 2 Para os fins da presente Convenção serão considerados como patrimônio natural os monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações que tenham valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico as formações geológicas e físiográficas e as áreas nitidamente delimitadas que constituam o habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas e que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação os lugares notáveis naturais ou as zonas naturais nitidamente delimitadas que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da ciência da conservação ou da beleza natural Artigo 3 Caberá a cada EstadoParte na presente Convenção identificar e delimitar os diferentes bens mencionados nos Artigos 1 e 2 situados em seu território II Proteção Nacional e Proteção Internacional do Patrimônio Cultural e Natural Artigo 4 Cada um dos EstadosPartes na presente Convenção reconhece que a obrigação de identificar proteger conservar valorizar e transmitir às futuras gerações o patrimônio cultural e natural mencionado nos Artigos 1 e 2 situado em seu território lhe incumbe primordialmente Procurará tudo fazer para esse fim utilizando ao máximo seus recursos disponíveis e ira quando for o caso mediante a assistência e cooperação internacional de que possa beneficiarse notadamente nos planos financeiro artístico científico e técnico Artigo 5 A fim de garantir a adoção de medidas eficazes para a proteção conservação e valorização do patrimônio cultural e natural situado em seu território os EstadosPartes na presente Convenção procurarão na medida do possível e nas condições apropriadas a cada país a adotar uma política geral que vise a dar ao patrimônio cultural e natural uma função na vida da coletividade e a integrar a proteção desse patrimônio nos programas de planificação geral b instituir em seu território na medida em que não existam um ou mais serviços de proteção conservação e valorização do patrimônio cultural e natural dotados de pessoal e meios apropriados que lhes permitam realizar as tarefas a eles confiadas c desenvolver os estudos e as pesquisas científicas e técnicas e aperfeiçoar os métodos de intervenção que permitam a um Estado fazer face aos perigos que ameacem seu patrimônio cultural ou natural d tomar as medidas jurídicas científicas técnicas administrativas e financeiras adequadas para a identificação proteção conservação revalorização e reabilitação desse patrimônio e e facilitar a criação ou o desenvolvimento de centros nacionais ou regionais de formação no campo da proteção conservação e revalorização do patrimônio cultural e natural e estimular a pesquisa científica nesse campo Artigo 6 1 Respeitando plenamente a soberania dos Estados em cujo território esteja situado o patrimônio cultural e natural mencionados nos Artigos 1 e 2 e sem prejuízo dos direitos reais previstos pela legislação nacional sobre tal patrimônio os EstadosPartes na presente Convenção reconhecem que esse constitui um patrimônio universal em cuja proteção a comunidade internacional inteira tem o dever de cooperar 2 Os EstadosPartes comprometemse conseqüentemente e de conformidade com as disposições da presente Convenção a prestar seu concurso para a identificação proteção conservação e revalorização do patrimônio cultural e natural mencionados nos parágrafos 2 e 4 do Artigo 11 caso o solicite o Estado em cujo território o mesmo esteja situado 3 Cada um dos EstadosPartes na presente Convenção obrigase a não tomar deliberadamente qualquer medida suscetível de pôr em perigo direta ou indiretamente o patrimônio cultural e natural mencionados nos Artigos 1 e 2 que esteja situado no território de outros EstadosPartes nesta Convenção Artigo 7 Para os fins da presente Convenção entenderseá por proteção internacional do patrimônio mundial cultural e natural o estabelecimento de um sistema de cooperação e assistência internacional destinado a secundar os EstadosPartes na Convenção nos esforços que desenvolvam no sentido de preservar e identificar esse patrimônio III Comitê Intergovernamental da Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural Artigo 8 1 Fica criado junto à Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura um Comitê Intergovernamental da Proteção do Patrimônio Cultural e Natural de Valor Universal Excepcional denominado o Comitê do Patrimônio Mundial Comporseá de 15 quinze EstadosPartes nesta Convenção eleitos pelos Estados na Convenção reunidos em AssembléiaGeral durante as sessões ordínárias da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura O número dos EstadosMembros do Comitê será aumentado para 21 vinte e um a partir da sessão ordinária da Conferência Geral que se seguir à entrada em vigor para 40 quarenta ou mais Estados da presente Convenção 2 A eleição dos membros do Comitê deverá garantir uma representação eqüitativa das diferentes regiões e culturas do mundo 3 Assistirão às reuniões do Comitê com voto consultivo um representante do Centro internacional de Estudos para a Conservação e Restauração dos Bens Culturais Centro de Roma um representante do Conselho Internacional de Monumentos e Lugares de Interesse Artístico e Histórico ICOMOS e um representante da União Internacional para a Conservação da Natureza e de seus Recursos UICN aos quais poderão juntarse a pedido dos EstadosPartes reunidos em AssembléiaGeral durante as sessões ordinárias da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura representantes de outras organizações intergovernamentais ou não governamentais que tenham objetivos semelhantes Artigo 11 1 Cada um dos EstadosPartes na presente Convenção apresentará na medida do possível ao Comitê do Patrimônio Mundial um inventário dos bens do patrimônio cultural e natural situados em seu território que possam ser incluídos na lista mencionada no parágrafo 2 do presente artigo Esse inventário que não será considerado como exaustivo deverá conter documentação sobre o local onde estão situados esses bens e sobre o interesse que apresentem 2 Com base no inventário apresentado pelos Estados em conformidade com o parágrafo 1 o Comitê organizará manterá em dia e publicará sob o título de Lista do Patrimônio Mundial uma lista dos bens do patrimônio cultural e natural tais como definidos nos Artigos 1 e 2 da presente Convenção que considere como tendo valor universal excepcional segundo os critérios que haja estabelecido Uma lista atualizada será distribuída pelo menos uma vez em cada dois anos 3 A inclusão de um bem na Lista do Patrimônio Mundial não poderá ser feita sem o consentimento do Estado interessado A inclusão de um bem situado num território que seja objeto de reivindicação de soberania ou jurisdição por vários Estados não prejudicará em absoluto os direitos das partes em litígio 4 O Comitê organizará manterá em dia e publicará quando o exigirem as circunstâncias sob o titulo de Lista do Patrimônio Mundial em Perigo uma lista dos bens constantes da Lista do Patrimônio Mundial para cuja salvaguarda sejam necessários grandes trabalhos e para os quais haja sido pedida assistência nos termos da presente Convenção Nessa lista será indicado o custo aproximado das operações Em tal lista somente poderão ser incluídos os bens do patrimônio cultural e natural que estejam ameaçados de perigos sérios e concretos tais como ameaça de desaparecimento devido a degradação acelerada projetos de grandes obras públicas ou privadas rápido desenvolvimento urbano e turistico destruição devida a mudança de utilização ou de propriedade de terra alterações profundas devidas a uma causa desconhecida abandono por quaisquer razões conflito armado que haja irrompido ou ameace irromper catástrofes e cataclismos grandes incêndios terremotos deslizamentos de terreno erupções vulcânicas alteração do nível das águas inundações e maremotos Em caso de urgência poderá o Comitê a qualquer tempo incluir novos bens na Lista do Patrimônio Mundial e dar a tal inclusão uma difusão imediata 5 O Comitê definirá os critérios com base nos quais um bem do patrimônio cultural ou natural poderá ser incluído em uma ou outra das listas mencionadas nos parágrafos 2 e 4 do presente Artigo 6 Antes de recusar um pedido de inclusão de um bem numa das duas listas mencionadas nos parágrafos 2 e 4 do presente artigo o Comitê consultará o EstadoParte em cujo território se encontrar o bem do patrimônio cultural ou natural em causa 7 O Comitê com a concordância dos Estados interessados coordenará e estimulará os estudos e pesquisas necessários para a composição das listas mencionadas nos parágrafos 2 e 4 do presente Artigo Artigo 12 O fato de que um bem do patrimônio cultural ou natural não haja sido incluído numa ou outra das duas listas mencionadas nos parágrafos 2 e 4 do Artigo 11 não significará em absoluto que ele não tenha valor universal excepcional para fins distintos dos que resultam da inclusão nessas listas Artigo 13 1 O Comitê do Patrimônio Mundial receberá e estudará os pedidos de assistência internacional formulados pelos EstadosPartes na presente Convenção no que diz respeito aos bens do patrimônio cultural e natural situados em seus territórios que figurem ou sejam suscetíveis de figurar nas listas mencionadas nos parágrafos 2 e 4 do Artigo 11 Esses pedidos poderão ter por objeto a proteção a conservação a revalorização ou a reabilitação desses bens 2 Os pedidos de assistência internacional em conformidade com o parágrafo 1 do presente artigo poderão também ter por objeto a identificação dos bens do patrimônio cultural e natural definidos nos Artigos 1 e 2 quando as pesquisas preliminares demonstrarem que merecem ser prosseguidas 3 O Comitê decidirá sobre tais pedidos determinará quando for o caso a natureza e a amplitude de sua assistência e autorizará a conclusão em seu nome dos acordos necessários com o Governo interessado 4 O Comitê estabelecerá uma ordem de prioridade para suas intervenções Fáloá tomando em consideração a importância respectiva dos bens a serem salvaguardados para o patrimônio cultural e natural a necessidade de assegurar a assistência internacional aos bens mais representativos da natureza ou do gênio e a história dos povos do mundo a urgência dos trabalhos que devem ser empreendidos a importância dos recursos dos Estados em cujo território se achem os bens ameaçados e em particular a medida em que esses poderiam assegurar a salvaguarda desses bens por seus próprios meios 5 O Comitê organizará manterá em dia e difundirá uma lista dos bens para os quais uma assistência internacional houver sido fornecida 6 O Comitê decidirá sobre a utilização dos recursos do Fundo criado em virtude do disposto no Artigo 15 da presente Convenção Procurará os meios de aumentarlhe os recursos e tomará todas as medidas que para tanto se fizerem necessárias IV Fundo para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural Artigo 15 1 Fica criado um Fundo para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural de Valor Universal Excepcional denominado o Fundo do Patrimônio Mundial 2 O Fundo será constituído como fundo fiduciário em conformidade com o Regulamento Financeiro da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura 3 Os recursos do Fundo serão constituídos a pelas contribuições obrigatórias e pelas contribuições voluntárias EstadosPartes na presente Convenção b pelas contribuições doações ou legados que possam fazer I outros Estados II a Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura as outras organizações do sistema das Nações Unidas notadamente o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas e outras Organizações intergovernamentais e III órgãos públicos ou privados ou pessoas físicas c por quaisquer juros produzidos pelos recursos do Fundo d pelo produto das coletas e pelas receitas oriundas de manifestações realizadas em proveito do Fundo e e por quaisquer outros recursos autorizados pelo Regulamento do Fundo a ser elaborado pelo Comitê do Patrimônio Mundial 4 As contribuições ao Fundo e as demais formas de assistência fornecidas ao Comitê somente poderão ser destinadas aos fins por ele definidos O Comitê poderá aceitar contribuições destinadas a um determinado programa ou a um projeto concreto contanto que o Comitê haja decidido pôr em prática esse programa ou executar esse projeto As contribuições ao Fundo não poderão ser acompanhadas de quaisquer condições políticas Artigo 16 1 Sem prejuízo de qualquer contribuição voluntária complementar os EstadosPartes na presente Convenção comprometemse a pagar regularmente de dois em dois anos ao Fundo do Patrimônio Mundial contribuições cujo montante calculado segundo uma percentagem uniforme aplicável a todos os Estados será decidido pela AssembléiaGeral dos EstadosPartes na Convenção reunidos durante as sessões da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura Essa decisão da AssembléiaGeral exigirá a maioria dos EstadosPartes presentes votantes que não houverem feito a declaração mencionada no parágrafo 2 do presente Artigo Em nenhum caso poderá a contribuição obrigatória dos EstadosPartes na Convenção ultrapassar 1 um por cento de sua contribuição ao Orçamento Ordinário da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura 2 Todavia qualquer dos Estados a que se refere o Artigo 31 ou O Artigo 32 da presente Convenção poderá no momento do depósito de seu instrumento de ratificação aceitação ou adesão declarar que não se obriga pelas disposições do parágrafo 1 do presente Artigo 3 Um EstadoParte na Convenção que houver feito a declaração a que se refere o parágrafo 2 do presente Artigo poderá a qualquer tempo retirar dita declaração mediante notificação ao DiretorGeral da Organização das Nações para a Educação a Ciência e a Cultura No entanto a retirada da declaração somente terá efeito sobre a contribuição obrigatória devida por esse Estado a partir da data da AssembléiaGeral dos EstadosPartes que se seguir a tal retirada 4 Para que o Comitê esteja em condições de prever suas operações de maneira eficaz as contribuições dos EstadosPartes na presente Convenção que houverem feito a declaração mencionada no parágrafo 2 do presente Artigo terão de ser entregues de modo regular pelo menos de dois em dois anos e não deverão ser inferiores às contribuições que teriam de pagar se tivessem se obrigado pelas disposições do parágrafo 1 do presente Artigo 5 Um EstadoParte na Convenção que estiver em atraso no pagamento de sua contribuição obrigatória ou voluntária no que diz respeito ao ano em curso e ao ano civil imediatamente anterior não é elegível para o Comitê do Patrimônio Mundial não se aplicando esta disposição por ocasião da primeira eleição Se tal Estado já for membro do Comitê seu mandato se extinguirá no momento em que se realizem as eleições previstas no Artigo 8 parágrafo 1 da presente Convenção V Condiçoes e Modalidades da Assistência Internacional Artigo 19 Qualquer EstadoParte na presente Convenção poderá pedir uma assistência internacional em favor de bens do patrimônio cultural ou natural de valor universal excepcional situados em seu território Deverá juntar a seu pedido os elementos de informação e os documentos previstos no Artigo 21 de que dispuser e de que o Comitê tenha necessidade para tomar sua decisão Artigo 20 Ressalvadas as disposições do parágrafo 2 do Artigo 13 da alínea c do Artigo 22 e do Artigo 23 a assistência internacional prevista pela presente Convenção somente poderá ser concedida a bens do patrimônio cultural e natural que o Comitê do Patrimônio Mundial haja decidido ou decida fazer constar numa das listas mencionadas nos parágrafos 2 e 4 do Artigo 11 Artigo 22 A assistência prestada pelo Comitê do Patrimônio Mundial poderá tomar as seguintes formas a estudos sobre os problemas artísticos científicos e técnicos levantados pela proteção conservação revalorização e reabilitação do patrimônio cultural e natural tal como definido nos parágrafos 2 e 4 do Artigo 11 da presente Convenção b serviços de peritos de técnicos e de mãodeobra qualificada para velar pela boa execução do projeto aprovado c formação de especialistas de todos os níveis em matéria de identificação proteção observação revalorização e reabilitação do patrimônio cultural e natural d fornecimento do equipamento que o Estado interessado não possua ou não esteja em condições de adquirir e empréstimos a juros reduzidos sem juros ou reembolsáveis a longo prazo f concessão em casos excepcionais e especialmente motivados de subyenções não reembolsáveis Artigo 25 O financiamento dos trabalhos necessários não deverá em princípio incumbir à comunidade internacional senão parcialmente A participação do Estado que se beneficiar da assistência internacional deverá constituir uma parte substancial dos recursos destinados a cada programa ou projeto salvo se seus recursos não o permitirem VI Programas Educativos Artigo 27 1 Os EstadosPartes na presente Convenção procurarão por todos os meios apropriados especialmente por programas de educação e de informação fortalecer a apreciação e o respeito de seus povos pelo patrimônio cultural e natural definido nos Artigos 1 e 2 da Convenção 2 Obrigarseão a informar amplamente o público sobre as ameaças que pesem sobre esse patrimônio e sobre as atividades empreendidas em aplicação da presente Convenção CAPÍTULO 20º A CARTA AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS DIREITOS DOS POVOS 1981 A grande novidade desse documento normativo aprovado na 18ª Conferência de Chefes de Estado e Governo reunida em Nairobi no Quênia em junho de 1981 consistiu em afirmar que os povos são também titulares de direitos humanos tanto no plano interno como na esfera internacional Até então só havia o reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação assentado no artigo 1º de ambos os Pactos Internacionais de 1966 1 A Carta Africana na esteira da Declaração Universal dos Direitos dos Povos aprovada numa conferência realizada em Argel em 1976 vai mais além e afirma os direitos dos povos à existência enquanto tal art 20 in initio à livre disposição de sua riqueza e recursos naturais art 21 ao desenvolvimento art 22 à paz e à segurança art 23 e também à preservação de um meio ambiente sadio art 24 É claro que todos esses direitos coletivos para serem reconhecidos no plano lógico mesmo antes de sua vigência efetiva exigem um mínimo de precisão não apenas quanto ao sujeito mas também quanto ao objeto O conceito de povo no direito internacional ainda não alcançou uma definição consensual A dificuldade maior para 1 Cf capítulo 17º supra se chegar a tanto consiste em distinguir com suficiente nitidez povo de Estado O direito internacional regula desde há muito o reconhecimento oficial de Estados ou de governos mas ignora ainda um processo formal de reconhecimento da identidade de povos Ademais há uma certa variação terminológica a esse respeito nos documentos internacionais A Carta das Nações Unidas2 por exemplo abrese sob a evidente inspiração da Declaração de Independência dos Estados Unidos3 com a afirmação nós os povos das Nações Unidas sem que se esclareça se as partes nessa convenção são os povos ou as nações A mesma Carta em seu artigo 1 2 inclui entre os propósitos das Nações Unidas desenvolver relações amistosas entre as nações baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos O termo povo aparece também em vários dispositivos da Carta da ONU no tocante a territórios sem governo próprio e ao sistema internacional de tutela a saber no artigo 73 caput territórios cujos povos não tenham atingido a plena capacidade de se governarem a si mesmos no mesmo artigo 73 alínea a com o devido respeito à cultura dos povos interessados e também na alínea c aspirações políticas dos povos bem como no artigo 80 1 direitos de qualquer Estado ou povo Nesta última norma como se vê está implícito que um povo não se constitui necessariamente em Estado embora possa ser titular de direitos Em outros tratados falase de grupos ou minorias É o caso dos artigos 5º alínea 1 e 27 do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 nos Estados em que haja minorias étnicas religiosas ou lingüísticas as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter conjUntamente com outros membros de seu grupo etc 2 Cf capítulo 12º supra 3 Cf capítulo 4º Para efeitos hermenêuticos a regra mais prudente é considerar o termo povo como uma contextdependent notion como propôs um autor4 Efetivamente o vocábulo pode assumir três sentidos distintos conforme o contexto da proposição normativa ele pode significar toda a população de uma colônia ou território ocupado a totalidade dos cidadãos de determinado Estado ou um grupo minoritário deste com as características que a doutrina empresta à noção de minoria no texto do artigo 27 do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 5 a saber um grupo social numericamente inferior mas não politicamente dominante dotado de características étnicas religiosas ou lingúísticas estáveis nitidamente diversas do restante da população Ora em todas essas três acepções o povo quando tomado separadamente do Estado no qual se inclui ou oposto ao governo que o representa não é uma unidade jurídica autônoma ou seja não tem personalidade E isto põe um problema sério de representatividade Se se reconhecem direitos subjetivos ao povo distintamente considerado e se este não é organizado autonomamente como pessoa quem terá legitimidade para exercer tais direitos No conjunto das instituições jurídicas existentes deve ser lembrada a figura da substituição assim denominada por uma certa doutrina6 consistente no fato de que a ordem jurídica em determinadas hipóteses de ausência de representação formal autoriza alguém a exercer em seu próprio nome direitos e pretensões pertencentes a outrem7 É por exemplo o caso das class actions ou derivative actions do direito 4 O Professor James Crawford da Universidade de Sidney na obra coletiva por ele organizada The Rights of Peoples Oxford Clarendon Press 1993 p 165 e s 5 Vejamse os comentários ao artigo 27 do Pacto no capítulo 17º supra 6 Para uma Visão geral do instituto cf Francesco Carnelutti Teoria Generale del Diritto 3ª ed Roma Foro Italiano 1951 p 1867 7 Cf o meu estudo O reconhecimento de direitos coletivos na esfera internacional publicado em O Direito Internacional no Terceiro Milênio estudos em homenagem ao Prof Vicente Marotta Rangel organização de Luiz Olavo Baptista e José Roberto Franco da Fonseca São Paulo LTr 1998 p 643 e s norteamericano O Comitê de Direitos Humanos criado pelo Pacto Internacional de 1966 sobre Direitos Civis e Políticos admite em determinadas circunstâncias que terceiros lhe apresentem denúncias por conta de indivíduos cujos direitos foram violados8 O mesmo mecanismo deveria ser instituído para o exercício de um direito do povo na esfera internacional Dos direitos dos povos declarados nos artigos 19 e seguintes da Carta Africana não consta o de manter a própria identidade cultural ou seja o direito à diferença Ele já fora no entanto afirmado pela Declaração sobre Raça e Preconceito Racial aprovada pela UNESCO em 27 de novembro de 1978 Todos os povos têm o direito de ser diferentes de se considerarem diferentes e de serem vistos como tais O direito à existência afirmado no artigo 20 deve ser cuidadosamente distinguido do direito à autodeterminação Este é meramente político enquanto aquele é o primeiro e mais fundamental dos direitos dos povos o de não ser vítima de ações genocidas9 Muito controvertido é o direito ao desenvolvimento declarado no artigo 22 10 A proposta para o reconhecimento desse direito foi feita pela primeira vez em artigo doutrinário em 1972 11 A Assembléia Geral das Nações Unidas em uma Declaração de 4 de dezembro de 1986 AÍRES41128 reconhecendo que o desenvolvimento é um amplo processo econômico social cultural e político que objetiva a melhoria constante do bemestar de toda uma população e de todos os indivíduos na base de sua participação ativa livre e consciente no desen 8 Regras de Procedimento do Comitê de Direitos Humanos art 9º 6 9 Cf capítulo 14º supra 10 Sobre o assunto cf Nanni RojasAlbonico Le droit au developpement comme droit de lhomme Peter Lang 1984 Roland Rich The Right to DevelOpment A Right of Peoples in The Rights of Peoples org John Crawford cit p 39 e 5 11 K MBaya Le droit au développement comme un Droít de lHomme em Revue det Droits de lHomme 1972 p 503 e s volvimento e na justa distribuição dos benefícios dele resultantes afirmou que o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável por força do qual todas as pessoas humanas e todos os povos estão autorizados a participar do desenvolvimento econômico social cultural e político para ele contribuir e dele fruir desenvolvimento no qual todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais podem ser plenamente realizados art 1 Não se pode deixar de notar aí o vício lógico consistente em fazer entrar o objeto definido na própria definição De qualquer modo já se estabeleceu um razoável consenso no sentido de que o desenvolvimento é um processo de longo prazo induzido por políticas públicas ou programas de ação governamental em três campos interligados econômico social e político O elemento econômico consiste no crescimento endógeno e sustentado da produção de bens e serviços Endógeno porque fundado nos fatores internos de produção e não portanto de modo predominante em recursos advindos do exterior Crescimento sustentado porque não obtido com a destruição dos bens insubstituíveis constituintes do ecossistema O elemento social do processo desenvolvimentista é a aquisição da progressiva igualdade de condições básicas de vida isto é a realização para todo o povo dos direitos humanos de caráter econômico social e cultural como o direito ao trabalho o direito à educação em todos os níveis o direito à seguridade social saúde previdência e assistência social o direito à habitação o direito de fruição dos bens culturais Enfim o desenvolvimento integral comporta necessaria mente um elemento político que é a chave de abóbada de todo o processo a realização da vida democrática isto é a efetiva assunção pelo povo do seu papel de sujeito político fonte legitimadora de todo poder e destinatário do seu exercício Podese pois justificar a ausência na Carta Africana da declaração do direito dos povos à democracia desde que se sustente que ele é o componente político indispensável de um verdadeiro direito ao desenvolvimento Ora assim definido o direito dos povos ao desenvolvimento suscita sérios problemas de realização efetiva ligados à identificação do sujeito passivo e à especificação de garantias Se se admite que o processo desenvolvimentista não é o resultado natural do livre jogo das forças do mercado mas deve ser planejado e dirigido pelos Poderes Públicos com a participação de todo o povo parece óbyio que o direito ao desenvolvimento deve ser exercido primariamente contra o Estado entendido como o conjunto dos órgãos de governo Ora para que isto possa ocorrer é mister que a Constituição dote o povo de um sistema de representação próprio diverso daquele que conduz ao preenchimento regular dos órgãos governamentais o Legislativo e o Executivo pois estes não podem ser ao mesmo tempo sujeitos passivos da relação jurídica e representantes do sujeito ativo É aí que surge a primeira grande dificuldade o modelo clássico da organização constitucional dos Estados não prevê esse tipo de representação popular A velha constituição política de Roma conhecia no entanto na pessoa do tribuno da plebe uma espécie de representação assemelhada A tribunitia potestas desse representante substituto consistia em defender originalmente apenas os plebeus e posteriormente todo o povo romano contra os magistrados isto é os agentes políticos dotados de poder coercitivo ou imperium Sucede que em vários Estados contemporâneos existe um Ministério Público autônomo não dependente do Governo e capaz por isso mesmo de ter suas atribuições constitucionais ampliadas a fim de atuar em nome do povo contra o Governo Nada impede em tese que alguns membros do Ministério Público sejam eleitos pelo povo especialmente para o exercício dessa função de cunho político A segunda grande dificuldade para a efetivação de um direito ao desenvolvimento reside na ausência quase completa de mecanismos jurídicos de garantia Já foi assinalado nesta obra que a vigência de um direito humano não depende da existência de institutos destinados a garantir a sua realização12 As garantias são um elemento adjetivo e não substantivo dos direitos Já foi lembrado que a ordenação jurídica privada conhece há muitos séculos as chamadas obrigações naturais cujo cumprimento não pode ser exigido em juízo em razão por exemplo da prescrição perda da pretensão de cobrança pelo seu nãoexercício durante certo lapso de tempo mas que não deixam de ser por isso obrigações jurídicas de tal sorte que se o devedor natural pagar voluntariamente o que deve não poderá reaver o que pagou uma vez que o pagamento era efetivamente devido Pois bem o mesmo se deve dizer aqui do direito dos povos ao desenvolvimento a ausência de garantias jurídicas organizadas não o transforma em mera aspiração política Podese contudo apontar para uma solução jurídica por assim dizer natural do problema da ausência de garantias Se como se viu o desenvolvimento se realiza através de políticas públicas ou programas de ação governamental nada mais lógico do que criar mecanismos para o controle judicial de políticas públicas à luz do direito ao desenvolvimento analogamente ao que ocorre de há muito com o controle judicial da constitucionalidade de leis e atos do Poder Público Voltando agora à questão do sujeito passivo não há negar que o processo de desenvolvimento pelo menos em seu componente econômico pode ser substancialmente paralisado pela ação de Estados estrangeiros no plano internacional O artigo 21 nos fornece um exemplo de ação predatória nesse sentido ao afirmar o direito dos povos à livre disposição de sua riqueza e recursos naturais e o direito a recobrar esses bens de que foram espoliados ou a receberem uma indenização corres 12 Cf os comentários ao Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais no capítulo 17º supra pondente Outros exemplos de ação internacional inibidora do desenvolvimento são as políticas de bloqueio econômico os de aviltamento concertado do preço de matériasprimas exportadas pelos países subdesenvolvidos O mesmo se diga conforme as circunstâncias da cobrança de dívidas externas manifestamente lesivas às economias dos países devedores ou ao Sistema de propriedade intelectual e garantia de knowhow tecnológico o qual beneficia exclusivamente os países ricos13 O progresso na defesa do direito dos povos ao desenvolvimento passa portanto pelo estabelecimento de mecanismos internacionais de controle e repressão dessas práticas As Nações Unidas constituemse inegavelmente no foro legítimo para a organização desses mecanismos comportando um procedimento jus to e sanções adequadas O direito à paz e à segurança tanto no plano interno quanto no internacional previsto no artigo 23 é outro exemplo de direito cuja existência supõe a prévia definição de seu objeto A Carta Africana porém em vez de apresentar as necessárias precisões nessa matéria limitase a indicar na alínea 2 alguns casos de abuso individual Teria sido mais eficaz para reforçar o alcance desse dispositivo indicar no plano interno a ligação essencial entre a segurança e o regime democrático e impor para a preservação da paz externa mecanismos de controle do comércio de armamentos bem como de inspeção internacional sobre os gastos militares com a obrigação incondicional de se recorrer à arbitragem em caso de conflito Em seu relatório sobre o desenvolvimento humano de 1994 as Nações Unidas enfatizaram que a paz internacional integrase necessariamente num amplo contexto de segurança econômica alimentar sanitária ecológica pessoal comunitária e política14 E uma boa advertência sobre o caráter solidário dos 13 Vejase a esse respeito no capítulo segUinte desta obra a alteração introduzida na Convenção sobre o Direito do Mar de 1982 por um Acordo posterior 14 Human Development Report 1994 capítulo segundo direitos humanos fundados que são na unidade da pessoa como fonte de todos os valores A Carta Africana é a primeira convenção internacional a afirmar o direito dos povos à preservação do equilíbrio ecológico art 24 Refutando de antemão uma objeção freqüentemente feita ao reconhecimento desse direito a Carta o apresenta como condição do desenvolvimento nacional ou seja adota a tese do desenvolvimento sustentado15 Também aqui o estabelecimento de mecanismos jurídicos de garantia de realização desse direito é uma questão crucial Convém aduzir no entanto que a simples afirmação solene de um direito dessa espécie em convenção internacional não é sem importância para suscitar entre os povos o sentimento jurídico o Rechtsgefühl dos alemães dessa exigência independentemente da constituição de garantias adequadas no ordenamento positivo dos diferentes Estados O capítulo consagrado aos deveres na Carta Africana tem a sua razão de ser na profunda desestruturação social que o colonialismo provocou nos povos do continente De um lado a organização familiar tradicional viuse desautorizada pelos colonizadores sem que os africanos estivessem preparados para adotar o padrão ocidental de família monogâmica De outro lado o recorte territorial arbitrário das antigas colônias desrespeitando a realidade étnica tornou fragílimas as bases da identidade nacional nos diferentes países cuja independência foi proclamada na segunda metade do século XX O Texto Excertos16 15 Cf infra capítulo 22º 16 Tradução do original inglês pelo autor PARTE 1 Direitos e Deveres Artigo 19 Todos os povos são iguais eles devem gozar do mesmo respeito e ter os mesmos direitos Nada justifica a dominação de um povo sobre Outro Artigo 20 1 Todos os povos têm direito à existência Eles têm o direito inquestionável e inalienável à autodeterminação Eles devem determinar livremente seu status político e realizar seu desenvolvimento econômico e social de acordo com a política que livremente escolherem 2 Os povos colonizados e oprimidos têm o direito de se libertarem dos vínculos da dominação pelo recurso a todos os meios reconhecidos pela comunidade internacional 3 Todos os povos têm direito à assistência dos EstadosPartes da presente Carta em sua luta contra a dominação estrangeira seja ela política econômica ou cultural Artigo 21 1 Todos os povos disporão livremente de sua riqueza e de seus recursos naturais Este direito será exercido no interesse exclusivo do povo Em caso algum será um povo dele privado 2 Em caso de espoliação o povo despojado terá o direito de recobrar juridicamente a sua propriedade além de fazer jus a uma indenização adequada 3 A livre disposição da riqueza e dos recursos naturais será exercida sem prejuízo da obrigação de se promover a cooperação econômica internacional baseada no mútuo respeito no intercâmbio eqüitativo e nos princípios do direito internacional 4 Os EstadosPartes da presente Carta exercerão individual ou coletivamente o direito de livre disposição de sua riqueza e de seus recursos naturais com vistas a fortalecer a unidade e a solidariedade africanas 5 Os EstadosPartes da presente Carta comprometemse a eliminar todas as formas de exploração econômica estrangeira particularmente aquela praticada pelos monopólios internacionais de modo a capacitar seus povos ao aproveitamento integral das vantagens derivadas de seus recursos naturais Artigo 22 1 Todos os povos têm direito ao desenvolvimento econômico social e cultural no devido respeito à sua liberdade e identidade e na igual fruição da herança comum da humanidade 2 Os Estados têm o dever de assegurar individual ou coletivamente o exercício do direito ao desenvolvimento Artigo 23 1 Todos os povos têm direito à paz e à segurança no plano nacional e internacional Os princípios da solidariedade e das relações amistosas implicitamente afirmados pela Carta das Nações Unidas e reafirmados pela Carta da Organização da Unidade Africana regerão as relações entre os Estados 2 Com o objetivo de fortalecer a paz a solidariedade e as relações amistosas os EstadosPartes da presente Carta assegurarão que a Todo individuo que goze do direito de asilo conforme o artigo 12 da presente Carta não se envolverá em atividades subyersivas contra seu país de origem ou contra qualquer outro EstadoParte da presente Carta b Seus territórios não serão usados como base para atividades subyersivas ou terroristas contra o povo de qualquer outro EstadoParte da presente Carta Artigo 24 Todos os povos têm direito a um meio ambiente satisfatório que favoreça seu desenvolvimento Capitulo II Deveres Artigo 27 1 Todo indivíduo tem deveres em relação à sua família e sociedade ao Estado e outras comunidades juridicamente reconhecidas bem como em relação à comunidade internacional 2 Os direitos e liberdades de cada individuo devem ser exercidos com o devido respeito aos direitos dos outros da segurança coletiva da moralidade e do interesse comum Artigo 28 Todo indivíduo tem o dever de respeitar e tratar os demais seres humanos sem discriminação e de manter relações tendentes a promover salvaguardar e reforçar o mútuo respeito e a tolerância Artigo 29 O indivíduo tem também o dever 1 De preservar o desenvolvimento harmônico da família e de obrar no sentido de sua coesão e respeito de respeitar seus pais em todos os momentos de sustentálos em caso de necessidade 2 De pôr suas aptidões físicas e intelectuais a serviço de sua comunidade nacional 3 De não comprometer a segurança do Estado do qual é nacional ou no qual reside 4 De preservar e reforçar a solidariedade social e nacional particularmente quando esta última é ameaçada 5 De preservar e reforçar a independência nacional e a integridade territorial do seu país bem como de contribuir para a sua defesa de acordo com a lei 6 De trabalhar do melhor modo na medida de sua aptidão e competencia e de pagar os tributos impostos pela lei no interesse da sociedade 7 De preservar e fortalecer os valores culturais positivos dos povos africanos em suas relações com os outros membros da sociedade num espírito de tolerância diálogo e mútua consulta bem como de modo geral de contribuir à promoção do bemestar moral da sociedade 8 De contribuir na medida de suas aptidões a todo momento e em todos os níveis à promoção e aperfeiçoamento da unidade africana CAPÍTULO 21º A CONVENÇÃO SOBRE O DIREITO DO MAR 1982 Dez anos após a assinatura da Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural a Convenção sobre o Direito do Mar assinada em 10 de dezembro de 1982 em Montego Bay na Jamaica volta a afirmar a existência de direitos fundamentais da humanidade desta vez sobre os mares e oceanos É a comunhão de interesses de todos os seres humanos de um lado na exploração e aproveitamento dos fundos marinhos e oceânicos e seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional de cada país de outro lado a comunhão na conservação dos recursos vivos na proteção e preservação do meio marinho Atingese assim o quarto estágio na ampliação da titularidade subjetiva dos direitos humanos tendose passado historicamente da proteção dos indivíduos os direitos civis e políticos à dos grupos sociais carentes no interior de cada Estado os direitos econômicos sociais e culturais avançandose em seguida para a proteção dos povos e finalmente para a afirmação de direitos fundamentais de toda a humanidade O texto da Convenção sobre o Direito do Mar com 319 artigos e 8 anexos é o mais longo de toda a história do direito internacional O reconhecimento de que o leito do mar os fundos marinhos e seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional a Area constituem patrimônio da humanidade art 136 inscrevese numa perspectiva claramente solidária pois hão de ser levados na devida conta de modo particular os interesses e as necessidades especiais dos países em desenvolvimento quer costeiros quer sem litoral como se declara no preâmbulo da Convenção Ademais no sistema convencional foram levados em consideração especialmente os interesses dos países subdesenvolvidos Nessa perspectiva de solidariedade internacional a Convenção sobre o Direito do Mar é notável por duas razões Ela criou pela primeira vez na história uma organização mundial de exploração econômica de recursos naturais em benefício de toda a humanidade Os recursos minerais sólidos líquidos ou gasosos localizados na área marinha além dos limites da jurisdição de cada Estado arts 150 e s foram assim subtraídos ao sistema de exploração capitalista e à possibilidade de apropriação por algum Estado em particular Ademais a Convenção sobre o Direito do Mar foi o primeiro documento normativo internacional a reconhecer na tecnologia o principal fator de produção dos tempos modernos vejase a respeito o art 144 Na economia moderna o que conta antes de tudo não é a disponibilidade de mãodeobra nem de bens materiais a serem investidos na produção mas sim a disponibilidade de saber tecnológico É esse saber que representa hoje o grande capital em ambas as suas dimensões de bem econômico e de instrumento de dominação social achase cada vez mais concentrado em macroempresaS transnacionais sediadas nos países mais desenvolvidos do planeta Foi por essas razões que alguns países a começar pelos Estados Unidos recusaramse a assinar a Convenção Essa resistência das grandes potências capitalistas à Convenção fez com que ela somente entrasse em vigor no final de 1994 mais exatamente em 16 de novembro daquele ano Nesse momento o bloco comunista da Europa Oriental já havia desaparecido há cinco anos desequilibrandose com isso a composição do Conselho órgão executivo da Autoridade vejamse os arts 161 e 162 da Convenção onde estavam reservados lugares fixos a Estados da região da Europa Oriental Socialista Decidiuse então aprovar um Acordo relativo à aplicação da Parte XI da Convenção a mais importante de todo tratado por se referir justamente à Área isto é o leito do mar os fundos marinhos e o seu subsolo além dos limites dajurisdição nacional art 1 1 1 da Convenção Esse Acordo entrou em vigor no plano internacional em 28 de julho de 1996 No preâmbulo do Acordo com o óbyio intuito de tranqüilizar os espíritos reafirmase que os fundos marinhos e seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional a Zona e os recursos da Zona são patrimônio comum da humanidade Declara mais porém o preâmbulo em hábil eufemismo que os EstadosPartes tomam consciência das mudanças políticas e economicas inclusive as orientações fundadas na economia de mercado que interessam à aplicação da Parte XI para acrescentar que eles desejam facilitar uma participação universal à Convenção Em seu art 2º o Acordo dispõe que as suas normas e as da Parte XI da Convenção devem ser interpretadas e aplicadas em conjunto como um só e mesmo instrumento Todavia em caso de incompatibilidade entre as disposições do Acordo e as da Parte XI da Convenção prevalecerão as primeiras No Anexo que faz parte integrante do Acordo dispõese Seção 1 item 2 que a fim de reduzir ao mínimo os custos a cargo dos EstadosPartes todos os órgãos principais bem como os órgãos subsidiários da Autoridade internacional dos Fundos Marinhos que devam ser criados em aplicação da Convenção e do presente Acordo devem funcionar num regime de estrita economia em inglês shall he costeffective Determina igualmente o mesmo Anexo Seção 2 itens 1 e 2 que o Secretariado da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos exercerá as funções da Empresa art 170 da Convenção enquanto esta não estiver em condições de operar de forma autônoma Dispõe também que as primeiras operações de exploração dos recursos dos fundos marinhos serão feitas por meio de joint ventures devendose seguir sempre os princípios de uma sadia gestão comercial sound commercial principies O Acordo modificou a composição original do Conselho tal como prevista no art 161 da Convenção tendo em vista o desaparecimento do bloco de Estados comunistas da Europa Oriental Finalmente quanto à transferência de tecnologia aos países subdesenvolvidos determinou o Acordo seção 5 que a Empresa e os Estados em desenvolvimento que desejarem adquirir as técnicas de exploração minerária dos fundos marinhos devem esforçarse para adquirilas segundo as modalidades e condições comerciais justas e razoáveis no mercado livre ou por meio de acordos de joint venture o que significa obyiamente impedir na prática essa transferência de tecnologia A fim de salvar as aparências acrescentase que se a Empresa ou os Estados em desenvolvimento não puderem adquirir as técnicas de exploração minerária dos fundos marinhos a Autoridade poderá solicitar aos contratantes assim como o Estado ou oS Estados que os patrocinam sic their respective sponsoring State or States que cooperem com ela para permitir à Empresa à sua joint venture ou a um ou mais Estados em desenvolvimento que desejem adquirir tais técnicas de obtêlas mais facilmente segundo as modalidades e condições comerciais justas e razoáveis compatíveis com a proteção efetiva dos direitos de propriedade intelectual Diante disso como é claro fica desprovida de qualquer sentido prático a disposição de que em regra geral os EstadosPartes esforçamse para promover a cooperação científica e técnica internacional no tocante às atividades desenvolvidas na Zona seja entre as partes interessadas seja pela colaboração dos programas de formação de assistência técnica e de cooperação científica em matéria de ciências e técnicas marinhas e no campo da proteção e da preservação do meio marinho O Texto2 Excertos Os EstadosPartes nesta Convenção Animados do desejo de solucionar num espírito de compreensão e cooperação mútuas todas as questões relativas ao direito do mar e conscientes do significado histórico desta Convenção como importante contribuição para a manutenção da paz da justiça e do progresso de todos os povos do mundo Reconhecendo a conveniência de estabelecer por meio desta Convenção com a devida consideração pela soberania de todos os Estados uma ordem jurídica para os mares e oceanos que facilite as comunicações internacionais e promova os usos pacíficos dos mares e oceanos a utilização eqüitativa e eficiente dos seus recursos a conservação dos recursos vivos e o estudo a proteção e a preservação do meio marinho Tendo presente que a consecução destes objetivos contribuirá para o estabelecimento de uma ordem econômica internacional justa e eqüitativa que tenha em conta os interesses e as necessidades da humanidade em geral e em particular os interesses e as necessidades especiais dos países em desenvolvimento quer costeiros quer sem litoral Desejando desenvolver pela presente Convenção os princípios consagrados na resolução 2749 XXV de 17 de Dezembro de 1970 na qual a Assembléia Geral das Nações Unidas declarou solenemente inter alia que os fundos marinhos e oceânicos e o seu subsolo para além dos limites da jurisdição nacional bem como os respectivos recursos são patrimônio comum da humanidade e que a exploração e o aproveitamento dos mesmos fundos serão feitos em beneficio da humanidade em geral independentemente da situação geográfica dos Estados Convencídos de que a codificação e o desenvolvimento progressivo do direito do mar alcançados na presente Convenção contribuirão para o fortalecimento da paz da segurança da cooperação e das relações de 2 Os sete países de língua portuguesa partes na Convenção decidiram adotar uma tradução comum do texto a qual não respeitou por conseguinte as particularidades ortográficas em vigor em cada um desses países amizade entre todas as nações de conformidade com os principios de justiça e igualdade de direitos e promoverão o progresso econômico e social de todos os povos do mundo de acordo com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas tais como enunciados na Carta PARTE I INTRODUÇÃO Artigo 1 Termos Utilizados e Âmbito de Aplicação 1 Para efeitos da presente Convenção 1 Área significa o leito do mar os fundos marinhos e o seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional 2 Autoridade significa a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos 3 Atividades na Área significa todas as actividades de exploração e aproveitamento dos recursos na Área PARTE VII DO ALTO MAR Secção 2 Conservação e Gestão dos Recursos Vivos do AltoMar Artigo 117 Dever dos Estados de Tomar em Relação aos seus Nacionais Medidas para a Conservação dos Recursos Vivos do AltoMar Todos os Estados têm o dever de tomar ou de cooperar com outros Estados para tomar as medidas que em relação aos seus respectivos nacionais possam ser necessárias para a conservação dos recursos vivos do altomar Artigo 118 Cooperação entre Estados na Conservação e Gestão dos Recursos Vivos Os Estados devem cooperar entre si na conservação e gestão dos recursos vivos nas zonas do altomar Os Estados cujos nacionais apro veitam recursos vivos idênticos ou recursos vivos diferentes situados na mesma zona efectuarão negociações para tomar as medidas necessárias à conservação de tais recursos vivos Devem cooperar quando apropriado para estabelecer organizações subregionais ou regionais de pesca para tal fim Artigo 119 Conservação dos Recursos Vivos do AltoMar 1 Ao fixar a captura permissível e ao estabelecer outras medidas de conservação para os recursos vivos no altomar os Estados devem a tomar medidas com base nos melhores dados científicos de que disponham os Estados interessados para preservar ou restabelecer as populações das espécies capturadas a níveis que possam produzir o máximo rendimento constante determinado a partir de factores ecológicos e econômicos pertinentes incluindo as necessidades especiais dos Estados em desenvolvimento e tendo em conta os métodos de pesca a interdependência das populações e quaisquer normas mínimas internacionais geralmente recomendadas sejam elas subregionais regionais ou mundiais b ter em conta os efeitos sobre as espécies associadas às espécies capturadas ou delas dependentes a fim de preservar ou restabelecer as populações de tais espécies associadas ou dependentes acima de níveis em que a sua reprodução possa ficar seriamente ameaçada 2 Periodicamente devem ser comunicados ou trocadas informações científicas disponíveis estatísticas de captura e de esforço de pesca e outros dados pertinentes para a conservação das populações de peixes por intermédio das organizações internacionais competentes sejam elas subregionais regionais ou mundiais quando apropriado e com a participação de todos os Estados interessados 3 Os Estados interessados devem assegurar que as medidas de conservação e a aplicação das mesmas não sejam discrimínatórias nem de direito nem de facto para os pescadores de nenhum Estado PARTE XI AÁREA Secção 1 Disposições Gerais Artigo 133 Termos Utilizados Para efeitos da presente Parte a recursos significa todos os recursos minerais sólidos líquidos ou gasosos in situ na Área no leito do mar ou no seu subsolo incluindo os nódulos polimetálicos b os recursos uma vez extraídos da Área são denominados minerais Secção 2 Princípios que Regem a Área Artigo 136 Patrimônio Comum da Humanidade A Área e seus recursos são patrimônio comum da humanidade Artigo 137 Regime Jurídico da Área e dos seus Recursos 1 Nenhum Estado pode reivindicar ou exercer soberania ou direitos de soberania sobre qualquer parte da Área ou seus recursos nenhum Estado ou pessoa jurídica singular ou colectiva pode apropriarse de qualquer parte da Área ou dos seus recursos Não serão reconhecidos tal reivindicação ou exercício de soberania ou direitos de soberania nem tal apropriação 2 Todos os direitos sobre os recursos da Área pertencem à humanidade em geral em cujo nome actuará a Autoridade Esses recursos são inalienáveis No entanto os minerais extraídos da Area só poderão ser alienados de conformidade com a presente Parte e com as normas regulamentos e procedimentos da Autoridade 3 Nenhum Estado ou pessoa jurídica singular ou colectiva poderá reivindicar adquirir ou exercer direitos relativos aos minerais extraídos da Área a não ser de conformidade com a presente Parte De outro modo não serão reconhecidos tal reivindicação aquisição ou exercício de direitos Artigo 138 Comportamento Geral dos Estados em relação à Área O comportamento geral dos Estados em relação à Área deve conformarse com as disposições da presente Parte com os princípios enunciados na Carta das Nações Unidas e com outras normas de direito internacional no interesse da manutenção da paz e da segurança e da promoção da cooperação internacional e da compreensão mútua Artigo 139 Obrigação de Zelar pelo Cumprimento e Responsabilidade por Danos 1 Os EstadosPartes ficam obrigados a zelar por que as actividades na Area realizadas quer por EstadosPartes quer por empresas estatais ou por pessoas jurídicas singulares ou colectivas que possuam a nacionalidade dos Estados Partes ou se encontrem sob o controle efectivo desses Estados ou dos seus nacionais sejam realizadas de conformidade com a presente Parte A mesma obrigação incumbe às organizações internacionais por actividades que realizem na Area 2 Sem prejuízo das normas de direito internacional e do art 22 do Anexo III os danos causados pelo nãocumprimento por um EstadoParte ou uma organização internacional das suas obrigações nos termos da presente Parte implicam responsabilidade os EstadosPartes ou organizações internacionais que actuem em comum serão conjunta e solidariamente responsáveis No entanto o EstadoParte não será responsável pelos danos causados pelo nãocumprimento da presente Parte por uma pessoa jurídica a quem esse Estado patrocinou nos termos da alínea b do parágrafo 2º do art 153 e se o EstadoParte tiver tomado todas as medidas necessárias e apropriadas para assegurar o cumprimento efectivo do parágrafo 49 do art 153 e do parágrafo 49 do art 4 do Anexo III 3 Os EstadosPartes que sejam membros de organizações internacionais tomarão medidas apropriadas para assegurar a aplicação do presente artigo no que se refere a tais organizações Artigo 140 Benefício da Humanidade 1 As actividades na Área devem ser realizadas nos termos do previsto expressamente na presente Parte em benefício da humanidade em geral independentemente da situação geográfica dos Estados costeiros ou sem litoral e tendo particularmente em conta os interesses e as necessidades dos Estados em desenvolvimento e dos povos que não tenham alcançado a plena independência ou outro regime de autonomia reconhecido pelas Nações Unidas de conformidade com a resolução 1514 XV e com as outras resoluções pertinentes da sua Assembléia Geral 2 A Autoridade através de mecanismo apropriado numa base não discriminatória deve assegurar a distribuição eqüitativa dos benefícios financeiros e dos outros benefícios econômicos resultantes das actividades na Área de conformidade com a subalínea i da alínea f do parágrafo 2º do art 160 Artigo 141 Utilização da Área Exclusivamente para Fins Pacíficos A Área está aberta à utilização exclusivamente para fins pacíficos por todos os Estados costeiros ou sem litoral sem discriminação e sem prejuízo das outras disposições da presente Parte Artigo 143 Investigação Científica Marinha 1 A investigação científica marinha na Área deve ser realizada exclusivamente com fins pacificos e em benefício da humanidade em geral de conformidade com a Parte XIII 2 A Autoridade pode realizar investigação científica marinha relativa à Área e seus recursos e celebrar contratos para tal fim A Autoridade deve promover e impulsionar a realização da investigação científica marinha na Área coordenar e difundir os resultados de tal investigação e análises quando disponíveis 3 Os EstadosPartes podem realizar investigação científica marinha na Area Os EstadosPartes devem promover a cooperação internacional no campo da investigação científica marinha na Area a participando em programas internacionais e incentivando a cooperação no campo da investigação científica marinha pelo pessoal de diferentes países e da Autoridade b assegurando que os programas sejam elaborados por intermédio da Autoridade ou de outras organizações internacionais conforme o caso em benefício dos Estados em desenvolvimento e dos Estados tecnologicamente menos desenvolvidos com vista a I fortalecer a sua capacidade de investigação II formar o seu pessoal e o pessoal da Autoridade nas técnicas e aplicações de investigação III favorecer o emprego do seu pessoal qualificado na investigação na Área c difundindo efectivamente os resultados de investigação e análises quando disponíveis por intermédio da Autoridade ou de outros canais internacionais quando apropriado Artigo 144 Transferência de Tecnologia 1 De conformidade com a presente Convenção a Autoridade deve tomar medidas para a adquirir tecnologia e conhecimentos científicos relativos às actividades na Área e b promover e incentivar a transferência de tal tecnologia e conhecimentos científicos para os Estados em desenvolvimento de modo a que todos os EstadosPartes sejam beneficiados 2 Para tal fim a Autoridade e os EstadosPartes devem cooperar para promover a transferência de tecnologia e conhecimentos científicos relativos às actividades realizadas na Área de modo a que a Empresa e todos os EstadosPartes sejam beneficiados Em particular devem iniciar e promover a programas para a transferência de tecnologia para a Empresa e para os Estados em desenvolvimento no que se refere às actividades na Área incluindo inter alia facilidades de acesso da Empresa e dos Estados em desenvolvimento à tecnologia pertinente em modalidades e condições eqüitativas e razoáveis b medidas destinadas a assegurar o progresso da tecnologia da Empresa e da tecnologia nacional dos Estados em desenvolvimento e em particular mediante a criação de oportunidades para a formação do pessoal da Empresa e dos Estados em desenvolvimento em matéria de ciência e tecnologia marinhas e para a sua plena participação nas actividades na Area Artigo 145 Protecção do Meio Marinho No que se refere às actividades na Área devem ser tomadas as medidas necessárias de conformidade com a presente Convenção para assegurar a protecção eficaz do meio marinho contra os efeitos nocivos que possam resultar de tais actividades Para tal fim a Autoridade adoptará normas regulamentos e procedimentos apropriados para inter alia a prevenir reduzir e controlar a poluição e outros perigos para o meio marinho incluindo o litoral bem como a perturbação do equilíbrio ecológico do meio marinho prestando especial atenção à necessidade de prestação contra os efeitos nocivos de actividades tais como a perfuração dragagem escavações lançamento de detritos construção e funcionamento ou manutenção de instalações ductos e outros dispositivos relacionados com tais actividades b proteger e conservar os recursos naturais da Área e prevenir danos à flora e à fauna do meio marinho Artigo 146 Protecção da Vida Humana No que se refere às actividades na Área devem ser tomadas as medidas necessárias para assegurar a protecção eficaz da vida humana Para tal fim a Autoridade adoptará normas regulamentos e procedimentos apropriados que complementem o direito internacional existente tal como consagrado nos tratados sobre a matéria Artigo 148 Participação dos Estados em Desenvolvimento nas Actividades na Área A participação efectiva dos Estados em desenvolvimento nas actividades na Área deve ser promovida tal como expressamente previsto na presente Parte tendo em devida conta os seus interesses e necessidades especiais e em particular a necessidade especial dos Estados em desenvolvimento sem litoral ou em situação geográfica desfavorecida de superarem os obstáculos resultantes da sua localização desfavorável incluído o afastamento da Área e a dificuldade de acesso à Area e a partir dela Artigo 149 Objectos Arqueológicos e Históricos Todos os objectos de caracter arqueológico e histórico achados na Área serão conservados ou deles se disporá em benefício da humanidade em geral tendo particularmente em conta os direitos preferenciais do Estado ou país de origem do Estado de origem cultural ou do Estado de origem histórica e arqueológica Secção 3 Aproveitamento dos Recursos da Área Artigo 150 Políticas Gerais Relativas às Actividades na Área 1 As actividades na Área devem ser realizadas tal como expressamente previsto na presente Parte de modo a fomentar o desenvolvimento harmonioso da economia mundial e o crescimento equilibrado do comércio internacional e a promover a cooperação internacional a favor do desenvolvimento geral de todos os países especialmente dos Estados em desenvolvimento e com vista a assegurar a o aproveitamento dos recursos da Área b a gestão ordenada segura e racional dos recursos da Área incluindo a realização eficiente de actividades na Área e de conformidade com sãos princípios de conservação a evitação de desperdícios desnecessários c a ampliação das oportunidades de participação em tais actividades em particular de forma compatível com os arts 144 e 148 d a participação da Autoridade nas receitas e transferências de tecnologia à Empresa e aos Estados em desenvolvimento tal como disposto na presente Convenção e o aumento da disponibilidade dos minerais provenientes da Area na medida necessária para juntamente com os obtidos de outras fontes assegurar o abastecimento aos consumidores de tais minerais f a formação de preços justos e estáveis remuneradores para os produtores e razoáveis para os consumidores relativos aos minerais provenientes tanto da Área como de outras fontes e a promoção oo equilíbrio a longo prazo entre a oferta e a procura g maiores oportunidades para que todos os EstadosPartes independentemente do seu sistema social e econômico ou situação geográfica participem no aproveitamento dos recursos da Área e na prevenção da monopolização das actividades na Area h a protecção dos Estados em desenvolvimento no que se refere aos efeitos adversos nas suas economias ou nas suas receitas de exportação resultantes de uma redução no preço de um mineral afectado ou no volume de exportação desse mineral na medida em que tal redução seja cansada por actividades na Área como previsto no art 151 I o aproveitamento do patrimônio comum em benefício da humanidade em geral e j que as condições de acesso aos mercados de importação de minerais provenientes dos recursos da Área e de importação de produtos básicos obtidos de tais minerais não sejam mais vantajosas que as de caracter mais favorável aplicadas às importações provenientes de outras fontes Artigo 152 Exercício de Poderes e Funções pela Autoridade 1 A Autoridade deve evitar qualquer discriminação no exercício dos seus poderes e funções inclusive na concessão de oportunidades para realização de actividades na Area 2 No entanto atenção especial pode ser dispensada aos países em desenvolvimento particularmente àqueles sem litoral ou em situação geográfica desfavorecida em virtude do expressamente previsto na presente Parte Artigo 153 Sistema de Exploração e Aproveitamento 1 As actividades na Área devem ser organizadas realizadas e controladas pela Autoridade em nome da humanidade em geral de conformidade com o presente artigo bem como com outras disposições pertinentes da presente Parte e dos anexos pertinentes e as normas regulamentos e procedimentos da Autoridade 2 As actividades na Área serão realizadas de conformidade com o parágrafo 3º a pela Empresa e b em associação com a Autoridade por EstadosPartes ou empresas estatais ou pessoas jurídicas singulares ou colectivas que POSsuam a nacionalidade de EstadosPartes ou sejam efectivamente controladas por eles ou seus nacionais quando patrocinadas por tais Estados ou Por qualquer grupo dos anteriores que preencha os requisitos previstos na presente Parte e no Anexo III Secção 4 A Autoridade Subsecção A Disposições Gerais Artigo 156 Criação da Autoridade 1 É criada a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos que funcionará de conformidade com a presente Parte 2 Todos os EstadosPartes são ipso facto membros da Autoridade 4 A Autoridade terá a sua sede na Jamaica 5 A Autoridade pode criar os centros ou escritórios regionais que julgue necessários para o exercício das suas funções Artigo 157 Natureza e Princípios Fundamentais da Autoridade 1 A Autoridade é a organização por intermédio da qual os EstadosPartes de conformidade com a presente Parte organizam e controlam as actividades na Área particularmente com vista à gestão dos recursos da Area 2 A Autoridade tem os poderes e as funções que lhe são expressamente conferidos pela presente Convenção A Autoridade terá os poderes subsidiários compatíveis com a presente Convenção que sejam implícitos e necessários ao exercício desses poderes e funções no que refere à actividade na Area 3 A Autoridade baseiase no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros 4 Todos os membros da Autoridade devem cumprir de boa fé as obrigações contraídas de conformidade com a presente Parte a fim de se assegurarem a cada um os direitos e benefícios decorrentes da sua qualidade de membro Artigo 158 Órgãos da Autoridade 1 São criados como órgãos principais da Autoridade uma Assembléia um Conselho e um Secretariado 2 É criada a Empresa órgão por intermédio do qual a Autoridade exercerá as funções mencionadas no parágrafo 1º do art 170 3 Podem ser criados de conformidade com a presente Parte os órgãos subsidiários considerados necessários 4 Compete a cada um dos órgãos principais da Autoridade e à Empresa exercer os poderes e funções que lhe são conferidos No exercício de tais poderes e funções cada órgão deve absterse de tomar qualquer medida que possa prejudicar ou impedir o exercício dos poderes e funções específicos conferidos a um outro órgão Subsecção B A Assembléia Artigo 159 Composição Procedimento e Votação 1 A Assembléia é composta por todos os membros da Autoridade Cada membro tem um representante na Assembléia o qual pode ser acompanhado por suplentes e assessores Artigo 160 Poderes e Funções 1 A Assembléia como único órgão da Autoridade composto por todos os seus membros é considerada o órgão supremo da Autoridade perante o qual devem responder os outros órgãos principais tal como expressamente previsto na presente Convenção A Assembléia tem o poder de estabelecer a política geral sobre qualquer questão ou assunto da competência da Autoridade de conformidade com as disposições pertinentes da presente Convenção Subsecção C O Conselho Artigo 161 Composição Procedimento e Votação 1 O Conselho é composto de 30 membros da Autoridade eleitos pela Assembléia na seguinte ordem a quatro membros dentre os EstadosPartes que durante os Últimos cinco anos para os quais se disponha de estatísticas tenham absorvido mais de 2 por cento do consumo mundial total ou efectuado importações líquidas de mais de 2 por cento das importações mundiais totais dos produtos básicos obtidos a partir das categorias de minerais que venham a ser extraídos da Area e em qualquer caso um Estado da região da Europa Oriental Socialista bem como o maior consumidor b quatro membros dentre os oito EstadosPartes que directamente ou por intermédio dos seus nacionais tenham feito os maiores ínvestimentos na preparação e na realização de actividades na Area incluindo pelo menos um Estado da região da Europa Oriental Socialista c quatro membros dentre os EstadosPartes que na base da produção nas áreas sob sua jurisdição sejam grandes exportadores liquidos das categorias de minerais que venham a ser extraídos da Área incluindo pelo menos dois Estados em desenvolvimento cujas exportações de tais minerais tenham importância substancial para a sua economia d seis membros dentre os EstadosPartes em desenvolvimento que representem interesses especiais Os interesses especiais a serem representados devem incluir os dos Estados com grande população os dos Estados sem litoral ou em situação geográfica defavorecida os dos Estados que sejam grandes importadores das categorias de minerais que venham a ser extraídos da Área os dos Estados que sejam produtores potenciais de tais minerais e os dos Estados menos desenvolvidos e dezoito membros eleitos de modo a assegurar o princípio de uma distribuição geográfica eqüitativa dos lugares do Conselho no seu conjunto no entendimento de que cada região geográfica conte pelo menos com um membro eleito em virtude da presente alínea Para tal efeito as regiões geográficas devem ser África América Latina Ásia Europa Ocidental e outros Estados e Europa Oriental Socialista Artigo 162 Poderes e Funções 1 O Conselho é o órgão executivo da Autoridade O Conselho tem o poder de estabelecer de conformidade com a presente Convenção e as políticas gerais estabelecidas pela Assembléia as políticas especificas a serem seguidas pela Autoridade sobre qualquer questão ou assunto de sua competência Subsecção E A Empresa Artigo 170 A Empresa 1 A Empresa é o órgão da Autoridade que realizará directamente as actividades na Area em aplicação da alínea a do parágrafo 2º do art 153 bem como o transporte o processamento e a comercialização dos minerais extraídos da Área 2 No quadro da personalidade jurídica internacional da Autoridade a Empresa terá a capacidade jurídica prevista no Estatuto que figura no Anexo IV A Empresa agirá de conformidade com a presente Convenção e com as normas regulamentos e procedimentos da Autoridade bem como com as políticas gerais estabelecidas pela Assembléia e estará sujeita às directrizes e ao controle do Conselho PARTE XII PROTEÇÃO E PRESERVAÇÃO DO MEIO MARINHO Secção 1 Disposições Gerais Artigo 192 Obrigação Geral Os Estados têm a obrigação de proteger e preservar o meio marinho Artigo 193 Direito de Soberania dos Estados para Aproveitar os seus Recursos Naturais Os Estados têm o direito de soberania para aproveitar os seus recursos naturais de acordo com a sua política em matéria de meio ambiente e de conformidade com o seu dever de proteger e preservar o meio marinho Artigo 194 Medidas para Prevenir Reduzir e Controlar a Poluição do Meio Marinho 1 Os Estados devem tomar individual ou conjuntamente como apropriado todas as medidas compatíveis com a presente Convenção que sejam necessárias para prevenir reduzir e controlar a poluição do meio marinho qualquer que seja a sua fonte utilizando para este fim os meios mais viáveis de que disponham e de conformidade com as suas possibilidades e devem esforçarse por harmonizar as suas políticas a esse respeito 2 Os Estados devem tomar as medidas necessárias para garantir que as actividades sob sua jurisdição ou controle se efectuem de modo a não causar prejuízos por poluição a outros Estados e ao seu meio ambiente e que a poluição causada por incidentes ou actividades sob sua jurisdição ou controle não se estenda além das áreas onde exerçam direitos de soberania de conformidade com a presente Convenção 3 As medidas tomadas de acordo com a presente Parte devem referirse a todas as fontes de poluição do meio marinho Estas medidas devem incluir inter alia as destinadas a reduzir tanto quanto possível a a emissão de substâncias tóxicas prejudiciais ou nocivas especialmente as não degradáveis provenientes de fontes terrestres provenientes da atmosfera ou através dela ou por alijamento b a poluição proveniente de embarcações em particular medidas para prevenir acidentes e enfrentar situações de emergência garantir a segurança das operações no mar prevenir descargas intencionais ou não e regulamentar o projecto construção equipamento funcionamento e tripulação das embarcações c a poluição proveniente de instalações e dispositivos utilizados na exploração ou aproveitamento dos recursos naturais do leito do mar e do seu subsolo em particular medidas para prevenir acidentes e enfrentar situações de emergência garantir a segurança das operações no mar e regulamentar o projecto construção equipamento funcionamento e tripulação de tais instalações ou dispositivos d a poluição proveniente de outras instalações e dispositivos que funcionem no meio marinho em particular medidas para prevenir acidentes e enfrentar situações de emergência garantir a segurança das operações no mar e regulamentar o projecto construção equipamento funcionamento e tripulação de tais instalações ou dispositivos 4 Ao tomar medidas para prevenir reduzir ou controlar a poluição do meio marinho os Estados devem absterse de qualquer ingerência injustificável nas actividades realizadas por outros Estados no exercício de direitos e no cumprimento de deveres de conformidade com a presente Convenção 5 As medidas tomadas de conformidade com a presente Parte devem incluir as necessárias para proteger e preservar os ecossistemas raros ou frágeis bem como o habitat de espécies e outras formas de vida marinha em vias de extinção ameaçadas ou em perigo Artigo 195 Dever de não Transferir Danos ou Riscos ou de não Transformar um Tipo de Poluição em Outro Ao tomar medidas para prevenir reduzir e controlar a poluição do meio marinho os Estados devem agir de modo a não transferir directa ou indirectamente os danos ou riscos de uma zona para outra ou não transformar um tipo de poluição em outro Artigo 196 Utilização de Tecnologias ou Introdução de Espécies Estranhas ou Novas 1 Os Estados devem tomar todas as medidas necessárias para prevenir reduzir e controlar a poluição do meio marinho resultante da utilização de tecnologias sob sua jurisdição ou controle ou a introdução intencional ou acidental num sector determinado do meio marinho de espécies estranhas ou novas que nele possam provocar mudanças importantes e prejudiciaiS 2 O disposto no presente artigo não afecta a aplicação da presente convenção no que se refere à prevenção redução e controle da poluição do meio marinho Secção 2 Cooperação Mundial e Regional Artigo 197 Cooperação no Plano Mundial ou Regional Os Estados devem cooperar no plano mundial e quando apropriado no plano regional directamente ou por intermédio de organizações internacionais competentes na formulação e elaboração de regras e normas bem como práticas e procedimentos recomendados de caracter internacional que sejam compatíveis com a presente Convenção para a protecção e preservação do meio marinho tendo em conta as características próprias de cada região CAPÍTULO 22º A CONVENÇÃO SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA 1992 Assinada no Rio de Janeiro em 5 de junho de 1992 a Convenção entrou em vigor no plano internacional em 29 de dezembro de 1993 1 Ela regula o direito da humanidade à preservação da biosfera ou seja da harmonia ambiental do planeta Tratase de aplicar na esfera planetária o princípio fundamental da solidariedade tanto na dimensão presente quanto na futura isto é solidariedade entre todas as nações povos e grupos humanos da mesma geração bem como solidariedade entre a geração atual e as futuras É evidente que a geração presente tem o dever fundamental de garantir às futuras gerações uma qualidade de vida pelo menos igual à que ela desfruta atualmente Mas não é menos evidente que esse dever para com as gerações pósteras seria despido de sentido se não se cuidasse de superar desde agora as atuais condições de degradação ambiental em todo o planeta degradação essa que acaba por prejudicar mais intensamente as massas miseráveis dos países subdesenvolvidos Efetivamente a grande injustiça nessa matéria reside no fato de que embora os grandes poluidores no mundo sejam OS países desenvolvidos são as nações proletárias que sofrem mais intensamente os efeitos na degradação do meio ambiente As 1 No Brasil a Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo n 2 de 3 de fevereiro de 1994 e promulgada pelo Decreto n 2519 de 16 de março de 1998 emissões anuais de dióxido de carbono CO quadruplicaram ao longo dos últimos 50 anos Assim o quinto da população mundial nos países de mais altos rendimentos contribui com 53 para as emissões do gás mas o quinto mais pobre é responsável por apenas 3 dessas emissões Ora a esmagadora maioria dos que morrem todos os anos como conseqüência da poluição do ar e da água são os pobres dos países subdesenvolvidos do planeta2 Tais fatos demonstram sobejamente a íntima ligação entre desenvolvimento e política do meio ambiente e justificam a necessidade de se pôr em prática no mundo inteiro uma política de desenvolvimento sustentável É essa a boa globalização pela qual somos convidados a lutar em todos os países A degradação dos bens não renováveis do planeta já atinge proporções inquietantes Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas de 1998 no final do século vinte países já sofriam de escassez de água tendo menos de 1000 metros cúbicos per capita por ano A disponibilidade de água em nível mundial baixou de 17000 metros cúbicos per capita em 1950 para 7000 em 1998 Por outro lado um sexto da superfície terrestre mundial ou seja cerca de 2 bilhões de hectares achase degradada em conseqüência do excesso de pastagens e das práticas da lavoura pobre As florestas que retêm os solos e previnem a erosão regulam as provisões de água e ajudam a controlar o clima estão sendo drasticamente reduzidas Em 1970 a área florestal do mundo por mil habitantes era de 114 quilômetros quadrados ao final do século chegou a 73 As conseqüências dessa degradação do meio ambiente são muito graves em matéria de biodiversidade 2 Cf Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD Relatório do Desenvolvimento Humano 1998 edição portuguesa p 4 e capítulo 4º Num estudo realizado durante o primeiro semestre de 2002 conhecido sob a sigla Geo3 e destinado a fornecer subsídios para a Conferência Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento Sustentável a chamada Conferência Rio 10 realizada na África do Sul em agosto do mesmo ano o Programa das Nações Unidas para o Ambiente PNUMA mostrou que 11046 espécies de plantas 1183 aves e 1130 espécies de mamíferos cerca de um quarto do total dos mamíferos do planeta estão ameaçados de extinção no decurso de 30 anos Mostrou ainda o mesmo estudo que a prevalecer a tendência de se dar prioridade aos mecanismos do mercado no quadro de uma ampla liberalização das atividades econômicas e da globalização mais da metade da população mundial enfrentará severa escassez hídrica ao mesmo tempo em que as concentrações de dióxido de carbono aumentarão em 52 até a metade do século XXI A Comissão Mundial sobre o Desenvolvimento Econômico das Nações Unidas em seu relatório de 1987 intitulado Nosso Futuro Comum definiu o desenvolvimento sustentável como sendo o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a aptidão das futuras gerações a satisfazer suas próprias necessidades Ele compreende em si mesmo dois conceitoschaves o conceito de necessidades notadamente as necessidades essenciais dos pobres do mundo às quais deve ser dada prioridade absoluta e a idéia de limitações impostas seja pelo estado da tecnologia seja pela organização social à aptidão do meio ambiente a satisfazer as necessidades presentes e futuras A respeito desse novo conceito de desenvolvimento O Relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Huma no de 1994 assinalou com razão que toda dívida social cujo adimplemento é adiado seja ela de que natureza for prejudica a sustentabilidade do processo de desenvolvimento3 Por outro lado como foi também pertinentemente observado4 o cumprimento do dever universal de desenvolvimento sustentado não pode ser deixado por conta do livre funcionamento dos mercados É o Estado que deve atuar precipuamente como o administrador responsável dos interesses das futuras gerações Na verdade tratandose de um direito da humanidade não é apenas ao Estado nacional que incumbe essa tarefa mas sim ao concerto universal das nações A campanha mundial por um desenvolvimento sustentável teve seu início oficial com a Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972 seguida vinte anos depois pela Conferência do Rio de Janeiro ambas patrocinadas pelas Nações Unidas Na Conferência do Rio de Janeiro foram também aprovadas de um lado uma Convenção sobre a Mudança Climática que entrou em vigor no plano internacional em 21 de março de 1994 e de outro lado a chamada Agenda 21 que estabelece o programa das atividades a serem desenvolvidas durante o século XXI para a preservação do equilíbrio ecológico Logo após a Conferência de Estocolmo foi lançado o movimento Deep Ecology liderado por A Naes que visa a superar a preocupação superficial com a mera poluição deixando intocados os sistemas político econômico e social de cada nação geradores da degradação ambiental O movimento 3 Human Development Report 1994 capítulo 1º 4 Sudhir Anand e Amartya K Sen Prémio Nobel de Economia de 1998 Sustainable Human Development Concepts and Priorities United Nations Development Programme Office of Development Studies Discussion Paper Series p 1415 de ecologia profunda fundase em oito proposições assim apresentadas por A Naes5 1 O conjunto dos organismos da biosfera inclusive os seres humanos é profundamente interdependente 2 Todos os seres vivos fazem parte de um mesmo campo global 3 Todos os seres vivos têm igual direito de viver e se desenvolver 4 A sobrevivência dos seres vivos depende mais dos mecanismos de cooperação do que da luta imposta pelos mais fortes 5 Tais princípios aplicamse igualmente às relações entre as nações industrializadas e as culturas tradicionais dos países em vias de desenvolvimento 6 A luta contra a poluição e o desperdício não pode limitarse a ser um objetivo em si ela deve integrarse aos princípios de cooperação e de diversificação biológica 7 É preciso desenvolver um sistema econômico complexo onde a cidade e o campo a indústria e a agricultura o trabalho manual e intelectual sejam sempre complementares 8 É preciso desenvolver a autogestão local e a autosuficiência material e mental dos seres humanos e das populações humanas Num segundo artigo publicado em 1984 6 A Naes volta ao tema propondo oito princípios fundamentais de uma ética do meio ambiente e do desenvolvimento a saber 1 Todos os seres vivos humanos e não humanos são um valor em si mesmos 2 A diversidade das formas de vida é igualmente um valor em si 5 The shallow and the deep Long ranged ecology movement A summary publicado em Inquiry em 1973 6 A defence of the Deep Ecology movement em Environmental Ethics 1984 3 Os seres humanos não têm o direito de destruir os outros seres vivos 4 Nos dias atuais a intervenção dos seres humanos é destruidora e injustificada 5 As atuais regras do jogo devem pois ser profundamente modificadas 6 As modificações devidas afetam os fundamentos das instituições econômicas e ideológicas do nosso tempo 7 A modificação ideológica central visa à qualidade de vida 8 Pôr em prática essas modificações é uma verdadeira obrigação moral para todos os que partilham os princípios éticos da ecologia profunda Ora uma das exigências centrais para o desenvolvimento sustentado é o respeito à biodiversidade Ela representa o fundamento biológico do direito à diferença em matéria de gênero etnia ou tradição cultural A humanidade se fortalece pela preservação das diferenças naturais e culturais e se enfraquece com a instituição de desigualdades sociais isto é de situações de dominação de uns sobre outros fundadas na pretensa superioridade universal de um sexo de uma raça ou de uma cultura7 No mundo contemporâneo no entanto a preservação da biodiversidade tem sido gravemente ameaçada pelo sistema capitalista de produção De um lado os atuais padrões de consumo no mundo rico incentivam os países subdesenvolvidos a exportar mercadorias como as madeiras nobres cuja extração provoca a degradação do meio ambiente De outro lado os mesmos países subdesenvolvidos são pressionados a admitir a instalação em seu território de indústrias altamente poluentes Cujo funcionamento é vedado nos países ricos 7 Sobre o direito das minorias vejamse os comentários ao artigo 27 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos no capítulo 17º desta obra É fundamental nessa matéria reconhecer que nenhuma espécie de ser vivo pode ser monopolizada por ninguém e que o genoma de qualquer espécie biológica é um patrimônio universal cujos componentes não podem legitimamente ser objeto de apropriação A primeira patente de ser vivo foi concedida na França a Louis Pasteur em 1865 tendo por objeto o levedo de cerveja livre de contaminação bacteriana Nos Estados Unidos as variedades vegetais obtidas enquanto entidades estáveis e distintas mediante intervenção humana passaram a ser patenteadas a partir de 1930 Foi a partir de 1973 que as técnicas de engenharia genética abriram a possibilidade de transferência de caracteres genéticos entre as espécies A primeira planta transgênica foi produzida em 1983 pela equipe dos professores Van Montagu e Jeff Schell em Gand na Bélgica Mas já em 1980 a Suprema Corte dos Estados Unidos ao decidir por maioria de um só voto o caso Diamond v Chakrabarty admitiu a legalidade de uma patente que tinha por objeto uma bactéria geneticamente modificada para metabolizar o petróleo Em 1985 as autoridades federais norteamericanas decidem admitir o patenteamento de toda espécie criada ou aperfeiçoada pelo homem Em 1987 foi concedida patente para uma variedade de ostra e em 1988 para um camundongo modificado geneticamente para desenvolver tumores cancerosos Na Europa uma diretiva comunitária de 1998 admitiu o patenteamento de animais transgênicos desde que curioso escrúpulo a modificação genética não ocasione sofrimentos anormais ao animal não justificados pela utilidade assim criada para o homem O art 2º dessa diretiva dispõe O objeto de uma invenção não será considerado insuscetível de patente unicamente pelo fato de que ele se compõe de matéria biológica ou de que a utiliza ou lhe é aplicável O art 3º acrescenta A matéria biológica nela incluídos os vegetais e os animais assim como as partes de vegetais e animais podem ser patenteadas Pior ainda o art 9º admite que o âmbito de proteção da propriedade industrial se estende à toda matéria na qual o produto ou seja o gene transferido é incorporado e na qual a informação genética é contida e expressa Com base nessa diretiva a Agência Européia de Patentes passou a conceder em 1999 o patenteamento de plantas e animaiS transgênicos Ora a admissibilidade do monopólio de produção e distribuição de espécies obtidas pelo processo de transgenia cria o colossal perigo de uma submissão da biodiversidade aos interesses comerciais de macroempresas As conseqüências econômicas perversas do reconhecimento da propriedade industrial sobre organismOs geneticamente modificados já se fazem sentir em todo o mundo Assim é que a fim de garantir o monopólio comercial na prática indefinido e não temporário sobre sementes transgênicas as grandes empresas produtoras fazem com que as sementes oriundas das plantas assim cultivadas sejam estéreis Os agricultores que se servem das sementes transgênicas só podem portanto obter uma única colheita Ademais contrariando uma regra universal de proteção do consumidor tais sementes são sempre programadas para que as plantas que delas nascem sejam imunes aos efeitos destrutivos de determinados pesticidas produzidos unicamente pela mesma empresa que vende as sementes a chamada venda casada Insistase no fato de que o ser humano é sempre o foco central das ações de preservação do meio ambiente Só ele representa como mostrou Kant um fim em si mesmo não podendo ser utilizado como meio ou instrumento para a consecução de outros fins Algumas vezes no entanto a preocupação em preservar a biodiversidade tende a nos fazer esquecer o prinCípio de que o homem é o ponto culminante da evolução biológica e que embora dependente do equilíbrio ecológico para sobreviver sua posição ética não se iguala à de nenhum outro ser vivo A UNESCO cometeu assim uma impropriedade técnica ao aprovar em 1978 uma assim chamada Declaração dos Direitos do Animal A expressão direitos do animal em vez de ser tomada ao pé da letra deveria servir como uma indicação dos deveres da humanidade para consigo mesma na preservação da biodiversidade A Convenção de 1992 como se vê da leitura das considerações constantes do preâmbulo insere a diversidade biológica no quadro do desenvolvimento sustentado de toda a humanidade Ela reconhece no preâmbulo que o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza são as prioridades primordiais e absolutas dos países em desenvolvimento e que a mulher exerce um papel fundamental na conservação e na utilização sustentável da diversidade biológica Logicamente portanto a Convenção deveria organizar os mecanismos de preservação da biodiversidade no plano supraestatal tal como fez a Convenção sobre o Direito do Mar no tocante aos fundos marinhos e oceânicos considerados patrimônio da humanidade8 Pagando porém tributo ao momento histórico em que foi votada quando predominava de modo incontrastável a ideologia neoliberal a Convenção de 1992 acabou fazendo concessões indevidas aos mecanismos do mercado abrindo espaço ao livre jogo dos exclusivismos empresariais e nacionais Assim é que o artigo 3 estabelece como princípio a soberania dos Estados para a exploração dos recursos biológicos existentes em seus territórios segundo suas próprias políticas ambientaisc9 Sabemos todos o que isso significa no sentido da 8 Cf capítulo 21º desta obra 9 Sobre isso consultarseá com proveito o livro de Antônio Augusto Cançado Trindade Direitos Humanos e Meio Ambiente Paralelo dos Sistemas de Proteção Internacional Porto Alegre Sérgio A Fabris Editor 1993 submissão dos Estados subdesenvolvidos ao poder das empresas transnacionais sempre apoiadas pelos Estados desenvolvidos em cujo território têm sede Em 1983 a Resolução Internacional sobre Recursos Fitogenéticos aprovada pela Organização para a Alimentação e Agricultura FAO das Nações Unidas declarou que os recursos genéticos e os conhecimentos tradicionais sobre os chamados cultivares deveriam ser de livre acesso a todos portanto não sujeitos à apropriação para fins comerciais A Convenção porém ao atribuir tais recursos aos Estados dentro de cujo território se encontram excluiu a concepção de um direito fundamental de toda a humanidade sobre esse patrimônio natural Admitiu ademais implicitamente a possibilidade de que esses recursos pudessem ser objeto de propriedade intelectual diretamente ou por via de sua utilização tecnológica A compensação estabelecida pela Convenção por meio do compromisso de cooperação técnica e científica e do apoio financeiro previstos nos artigos 18 e 20 respectivamente não é certamente capaz de superar a tendência a uma crescente desigualdade tecnológica entre o mundo desenvolvido e o subdesenvolvido Ou seja ela consolida a divisão da humanidade em vez de contribuir para a sua superação Assinalese finalmente que a Convenção do Rio de Janeiro deixou de lado por evidente pressão das grandes potências capitalistas a questão dos produtos transgênicos ou organismos geneticamente modificados questão essa que se torna hoje objeto dos mais acirrados debates teóricos e mesmo de confrontos de rua Cada vez mais no campo da saúde humana e da biodiversidade impõese o respeito ao princípio da precaução com a inversão do ônus da prova compete aos produtores de organismos geneticamente modificados provar a sua inocuidade e não às autoridades públicas ou aos consumidores Por outro lado os reflexos econômicos da distribuição em massa de produtos transgênicos podem ser catastróficos para os agricultores mais pobres Como salienta uma publicação das Nações Unidas os cerca de um bilhão e quatrocentos milhões de agricultores em todo o mundo que reutilizam para plantio as sementes de colheitas passadas podem ficar inteiramente nas mãos das poucas empresas transnacionais que vendem sementes transgênicas pois estas em regra só germinam uma vez Nesse sentido é inegável que o quadro normativo de proteção da biodiversidade aprovado pela Convenção do Rio de Janeiro é claramente incompleto Além do texto principal cujos principais artigos são aqui reproduzidos a Convenção sobre a Diversidade Biológica contém dois anexos O primeiro deles diz respeito à identificação e supervisão que a tradução brasileira denomina monitoramento dos ecossistemas e habitats bem como de espécies e comunidades que estejam ameaçados São elas de um lado as espécies silvestres aparentadas de espécies domesticadas ou cultivadas que tenham valor medicinal agrícola ou qualquer outro valor economico as espécies de importância social científica ou cultural ou ainda as que sejam importantes para a pesquisa sobre a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica De outro lado os genomas e genes descritos como tendo importância social científica ou econômica O segundo anexo regula a arbitragem de controvérsias entre os EstadosPartes na Convenção Juntamente com a Convenção sobre a Diversidade Biológica a Conferência do Rio de Janeiro aprovou uma Declaração sobre o Desenvolvimento Sustentável bem como um programa de ação para os anos seguintes denominado Agenda 2 10 10 Relatório Mundial do Desenvolvimento Humano 2000 versão francesa p 269 Em cumprimento a esse programa de ação foi assinado em 1998 em Kioto no Japão um protocolo sobre a redução percentUal variável conforme as diferentes regiões do mundo desenvolvido sobre emissão de gases na atmosfera em relação aos padrões de poluição existentes em 1990 Os Estados Unidos porém que já se haviam negado a assinar a Convenção sobre a Diversidade Biológica recusaramse também a aderir a esse protocolo O Texto11 Excertos PREÂMBULO As Partes Contratantes Conscientes do valor intrínseco da diversidade biológica e dos valores ecológico genético social econômico científico educacional cultural recreativo e estético da diversidade biológica e de seus componentes Conscientes também da importância da diversidade biológica para a evolução e para a manutenção dos sistemas necessários à vida da biosfera Afirmando que a conservação da diversidade biológica é uma preocupação comum à humanidade Reafirmando que os Estados têm direitos soberanos sobre os seus próprios recursos biológicos Reafirmando igualmente que os Estados são responsáveis pela conservação de sua diversidade biológica e pela utilização sustentável de seus recursos biológicos Preocupados com a sensível redução da diversidade biológica causada por determinadas atividades humanas Conscientes da falta geral de informação e de conhecimento sobre a diversidade biológica e da necessidade urgente de desenvolver capacitação 11 Reproduzse aqui o texto oficial tal como constou do Decreto de promulgação da Convenção no Brasil É lamentável porém que o Governo brasileiro tenha vertido de maneira tão sofrível para o português o texto original em língua inglesa Os anglicismos desnecessários e as expressões de duvidosa vernaculidade PUlulam no texto científica técnica e institucional que proporcione o conhecimento fundamental necessário ao planejamento e implementação de medidas adequadas Observando que é vital prever prevenir e combater na origem as causas da sensível redução ou perda da diversidade biológica Observando também que quando exista ameaça de sensível redução ou perda de diversidade biológica a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar medidas para evitar ou minimizar essa ameaça Observando igualmente que a exigência fundamental para a conservação da diversidade biológica é a conservação in situ dos ecossistemas e dos habitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies no seu meio natural Observando ainda que medidas ex situ preferivelmente no país de origem desempenham igualmente um importante papel Reconhecendo a estreita e tradicional dependência de recursos biológicos de muitas comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais e que é desejável repartir eqüitativamente os benefícios derivados da utilização do conhecimento tradicional de inovações e de práticas relevantes à conservação da diversidade biológica e à utilização sustentável de seus componentes Reconhecendo igualmente o papel fundamental da mulher na conservação e na utilização sustentável da diversidade biológica e afirmando a necessidade da plena participação da mulher em todos os níveis de formulação e execução de políticas para a conservação da diversidade biológica Enfatizando a importância e a necessidade de promover a cooperação internacional regional e mundial entre os Estados e as organizações intergovernamentais e o setor nãogovernamental para a conservação da diversidade biológica e a utilização sustentável de seus componentes Reconhecendo que cabe esperar que o aporte de recursos financeiros novos e adicionais e o acesso adequado às tecnologias pertinentes possam modificar sensivelmente a capacidade mundial de enfrentar a perda da diversidade biológica Reconhecendo ademais que medidas especiais são necessárias para atender às necessidades dos países em desenvolvimento inclusive o aporte de recursos financeiros novos e adicionais e o acesso adequado às tecnologias pertinentes Observando nesse sentido as condições especiais dos países de menor desenvolvimento relativo e dos pequenos Estados insulares Reconhecendo que investimentos substanciais são necessários para conservar a diversidade biológica e que há expectativa de um amplo escopo de benefícios ambientais econômicos e sociais resultantes desses investimentos Reconhecendo que o desenvolvimento econômico e social e a erradiCação da pobreza são as prioridades primordiais e absolutas dos países em desenvolvimento Conscientes de que a conservação e a utilização sustentável da diversídade biológica é de importância absoluta para atender às necessidades de alimentação de saúde e de outra natureza da crescente população mundial para o que são essenciais o acesso e a repartição de recursos genéticos e tecnologia Observando enfim que a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica fortalecerão as relações de amizade entre os Estados e contribuirão para a paz da humanidade Desejosas de fortalecer e complementar os instrumentos internacionais existentes para a conservação da diversidade biológica e a utilização sustentável de seus componentes e Determinadas a conservar e utilizar de forma sustentável a diversidade biológica para beneficio das gerações presentes e futuras Convieram no seguinte Artigo 1 Objetivos Os objetivos desta Convenção a serem cumpridos de acordo com as disposições pertinentes são a conservação da diversidade biológica a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos mediante inclusive o acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias e mediante financiamento adequado Artigo 2 Utilização de Termos Para os propósitos desta Convenção Área protegida significa uma área definida geograficamente que é destinada ou regulamentada e administrada para alcançar objetivos esPeCíficos de conservação Biotecnología significa qualquer aplicação tecnológica que utilize Sistemas biológicos organismos vivos ou seus derivados para fabricar OU modificar produtos ou processos para utilização específica Condições in sitt significa as condições em que recursos genéticos existem em ecossistemas e habitats naturais e no caso de espécies domesticadas ou cultivadas nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características Conservação ex sitt significa a conservação de componentes da diversidade biológica fora de seus habitats naturais Conservação in sitt significa a conservação de ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais e no caso de espécies domesticadas ou cultivadas nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características Diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens compreendendo dentre outros os ecossistemas terrestres marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies entre espécies e de ecossistemas Ecossistema significa um complexo dinâmico de comunidades vegetais animais e de microorganismos e o seu meio inorgânico que interagem como uma unidade funcional Espécie domesticada ou cultivada significa espécie em cujo processo de evolução influiu o ser humano para atender suas necessidades Habitat significa o lugar ou tipo de local onde um organismo ou população ocorre naturalmente Material genético significa todo material de origem vegetal animal microbiana ou outra que contenha unidades funcionais de hereditariedade Organização regional de integração econômica significa uma organização constituída de Estados soberanos de uma determinada região a que os Estadosmembros transferiram competência em relação a assuntos regidos por esta Convenção e que foi devidamente autorizada conforme seus procedimentos internos a assinar ratificar aceitar aprovar a mesma e a ela aderir País de origem de recursos genéticos significa o país que possui esses recursos genéticos em condições in situ País provedor de recursos genéticos significa o país que provê recursos genéticos coletados de fontes in sito incluindo populações de espécies domesticadas e silvestres ou obtidas de fontes ex situ que possam ou não ter sido originados nesse país Recursos biológicos compreende recursos genéticos organismos ou partes destes populações ou qualquer outro componente biótico de ecossistemas de real ou potencial utilidade ou valor para a humanidade Recursos genéticos significa material genético de valor real ou potencial Tecnologia inclui biotecnologia Utilização sustentável significa a utilização de componentes da diversidade biológica de modo e em ritmo tais que não levem no longo prazo à diminuição da diversidade biológica mantendo assim seu potencial para atender às necessidades e aspirações das gerações presentes e futuras Artigo 3 Princípio Os Estados em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito internacional têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas políticas ambientais e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem dano ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional Artigo 5 Cooperação Cada Parte Contratante deve na medida do possível e conforme o caso cooperar com outras Partes Contratantes diretamente ou quando apropriado mediante organizações internacionais competentes no que respeita a áreas além da jurisdição nacional e em outros assuntos de mútuo ínteresse para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica Artigo 6 Medidas Gerais para a Conservação e a Utilização Sustentável Cada Parte Contratante deve de acordo com suas próprias condições e capacidades a desenvolver estratégias planos ou programas para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica ou adaptar para esse fim estratégias planos ou programas existentes que devem refletir entre outros aspectos as medidas estabelecidas nesta Convenção Concernentes à Parte interessada e b integrar na medida do possível e conforme o caso a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica em planos programas e políticas setoriais ou intersetoriais pertinentes Artigo 7 Identificação e Monitoramento Cada Parte Contratante deve na medida do possível e conforme o caso em especial para os propósitos dos Artigos 8 a 10 a Identificar componentes da diversidade biológica importantes para sua conservação e sua utilização sustentável levando em conta a lista indicativa de categorias constante no Anexo 1 b Monitorar por meio de levantamento de amostras e outras técnicas os componentes da diversidade biológica identificados em conformidade com a alínea a acima prestando especial atenção aos que requeiram urgentemente medidas de conservação e aos que ofereçam o maior potencial de utilização sustentável c Identificar processos e categorias de atividades que tenham ou possam ter sensíveis efeitos negativos na conservação e na utilização sustentável da diversidade biológica e monitorar seus efeitos por meio de levantamento de amostras e outras técnicas e d Manter e organizar por qualquer sistema dados derivados de atividades de identificação e monitoramento em conformidade com as alíneas a b e c acima Artigo 8 Conservação Ir Situ Cada Parte Contratante deve na medida do possível e conforme o caso a Estabelecer um sistema de áreas protegidas ou áreas onde medidas especiais precisem ser tomadas para conservar a diversidade biológica b Desenvolver se necessário diretrizes para a seleção estabelecimento e administração de áreas protegidas ou áreas onde medidas especiais precisem ser tomadas para conservar a diversidade biológica c Regulamentar ou administrar recursos biológicos importantes para a conservação da diversidade biológica dentro ou fora de áreas protegidas a fim de assegurar sua conservação e utilização sustentável d Promover a proteção de ecossistemas habitats naturais e manutenção de populações viáveis de espécies em seu meio natural e Promover o desenvolvimento sustentável e ambientalmente sadio em áreas adjacentes às áreas protegidas a fim de reforçar a proteção dessas áreas f Recuperar e restaurar ecossistemas degradados e promover a recuperação de espécies ameaçadas mediante entre outros meios a elaboração e implementação de planos e outras estratégias de gestão g Estabelecer ou manter meios para regulamentar administrar ou controlar os riscos associados à utilização e liberação de organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia que provavelmente provoquem impacto ambiental negativo que possa afetar a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica levando também em conta os riscos para a saúde humana h Impedir que se introduzam controlar ou erradicar espécies exóticas que ameacem os ecossistemas habitats ou espécies I Procurar proporcionar as condições necessárias para compatibilizar as utilizações atuais com a conservação da diversidade biológica e a utilização sustentável de seus componentes j Em conformidade com sua legislação nacional respeitar preservar e manter o conhecimento inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento inovações e práticas e encorajar a repartição eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento inovações e práticas k Elaborar ou manter em vigor a legislação necessária eou outras disposições regulamentares para a proteção de espécies e populações ameaçadas l Quando se verifique um sensível efeito negativo à diversidade biológica em conformidade com o Artigo 7 regulamentar ou administrar os processos e as categorias de atividades em causa e m Cooperar com o aporte de apoio financeiro e de outra natureza para a conservação in situ a que se referem as alíneas a a 1 acima particularmente aos países em desenvolvimento Artigo 9 Conservação Ex Situ Cada Parte Contratante deve na medida do possível e conforme o caso e principalmente a fim de complementar medidas de conservação in situ a Adotar medidas para a conservação ex situ de componentes da diversidade biológica de preferência no país de origem desses componentes b Estabelecer e manter instalações para a conservação ex situ e Pesquisa de vegetais animais e microorganismos de preferência no país de origem dos recursos genéticos c Adotar medidas para a recuperação e regeneração de espécies ameaçadas e para sua reintrodução em seu habitat natural em condições adequadas d Regulamentar e administrar a coleta de recursos biológicos de habitats naturais com a finalidade de conservação ex situ de maneira a não ameaçar ecossistemas e populações in situ de espécies exceto quando forem necessárias medidas temporárias especiais ex situ de acordo com a alínea c acima e e Cooperar com o aporte de apoio financeiro e de outra natureza para a conservação ex situ a que se referem as alíneas a a d acima e com o estabelecimento e a manutenção de instalações de conservação ex situ em países em desenvolvimento Artigo 10 Utilização Sustentável de Componentes da Diversidade Biológica Cada Parte Contratante deve na medida do possível e conforme o caso a Incorporar o exame da conservação e utilização sustentáveL de recursos biológicos no processo decisório nacional b Adotar medidas relacionadas à utilização de recursos biológicos para evitar ou minimizar impactos negativos na diversidade biológica c Proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências de conservação ou utilização sustentável d Apoiar populações locais na elaboração e aplicação de medidas corretivas em áreas degradadas onde a diversidade biológica tenha sido reduzida e e Estimular a cooperação entre suas autoridades governamentais e seu setor privado na elaboração de métodos de utilização sustentável de recursos biológicos Artigo 11 Incentivos Cada Parte Contratante deve na medida do possível e conforme O caso adotar medidas econômica e socialmente racionais que sirvam de incentivo à conservação e utilização sustentável de componentes da diversidade biológica Artigo 13 Educação e Conscíentização Pública As Partes Contratantes devem a Promover e estimular a compreensão da importância da conservação da diversidade biológica e das medidas necessárias a esse fim sua divulgação pelos meios de comunicação e a inclusão desses temas nos programas educacionais e b Cooperar conforme o caso com outros Estados e organizações internacionais na elaboração de programas educacionais de conscientiZaçãO pública no que concerne à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica Artigo 15 Acesso a Recursos Genéticos 1 Em reconhecimento dos direitos soberanos dos Estados sobre seus recursos naturais a autoridade para determinar o acesso a recursos genéticos pertence aos governos nacionais e está sujeita à legislação nacional 2 Cada Parte Contratante deve procurar criar condições para permitir o acesso a recursos genéticos para utilização ambientalmente saudável por outras Partes Contratantes e não impor restrições contrárias aos objetivos desta Convenção 3 Para os propósitos desta Convenção os recursos genéticos providos por uma Parte Contratante a que se referem este Artigo e os Artigos 16 e 19 são apenas aqueles providos por Partes Contratantes que sejam países de origem desses recursos ou por Partes que os tenham adquirido em conformidade com esta Convenção 4 O acesso quando concedido deverá sêlo de comum acordo e sujeito ao disposto no presente Artigo 5 O acesso aos recursos genéticos deve estar sujeito ao consentimento prévio fundamentado da Parte Contratante provedora desses recursos a menos que de outra forma determinado por essa Parte 6 Cada Parte Contratante deve procurar conceber e realizar pesquiSas científicas baseadas em recursos genéticos providos por outras Partes Contratantes com sua plena participação e na medida do possível no território dessas Partes Contratantes 7 Cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas administrativas ou políticas conforme o caso e em conformidade com os Artigos 16 e 19 e quando necessário mediante o mecanismo financeiro estabelecido pelos Artigos 20 e 21 para compartilhar de forma justa e eqüitativa os resultados da pesquisa e do desenvolvimento de recursos genéticos e os benefícios derivados de sua utilização comercial e de outra natureza com a Parte Contratante provedora desses recursos Essa partilha deve darse de comum acordo Artigo 19 Gestão da Biotecnologia e Distribuição de seus Benefícios 1 Cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas administrativas ou políticas conforme o caso para permitir a participação efetiva em atividades de pesquisa biotecnológica das Partes Contratantes especialmente países em desenvolvimento que provêem os recursos genéticos para essa pesquisa e se possível nessas Partes Contratantes 2 Cada Parte Contratante deve adotar todas as medidas possíveis para promover e antecipar acesso prioritário em base justa e eqüitativa das Partes Contratantes especialmente países em desenvolvimento aos resultados e benefícios derivados de biotecnologias baseadas em recursos genéticos providos por essas Partes Contratantes Esse acesso deve ser de comum acordo 3 As Partes devem examinar a necessidade e as modalidades de um protocolo que estabeleça procedimentos adequados inclusive em especial a concordância prévia fundamentada no que respeita à transferência manipulação e utilização seguras de todo organismo vivo modificado pela biotecnologia que possa ter efeito negativo para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica 4 Cada Parte Contratante deve proporcionar diretamente ou por solicitação a qualquer pessoa física ou jurídica sob sua jurisdição provedora dos organismos a que se refere o parágrafo 3 acima à Parte Contratante em que esses organismos devam ser introduzidos todas as Informações disponíveis sobre a utilização e as normas de segurança exigidas por essa Parte Contratante para a manipulação desses organismos bem como todas as Informações disponíveis sobre os potenciais efeitos negativos desses organismos específicos Artigo 20 Recursos Financeiros 1 Cada Parte Contratante comprometese a proporcionar de acordo com a sua capacidade apoio financeiro e incentivos respectivos as atividades nacionais destinadas a alcançar os objetivos desta Convenção em conformidade com seus planos prioridades e programas nacionais 2 As Partes países desenvolvidos devem prover recursos financeiros nOVOS e adicionais para que as Partes países em desenvolvimento possam cobrir integralmente os custos adicionais por elas concordados decorrentes da implementação de medidas em cumprimento das obrigações desta Convenção bem como para que se beneficiem de seus dispositivoS Estes custos devem ser determinados de comum acordo entre cada Parte país em desenvolvimento e o mecanismo institucional previsto no Artigo 21 de acordo com políticas estratégias prioridades programáticas e critérios de aceitabilidade segundo uma lista indicativa de custos adicionais estabelecida pela Conferência das Partes Outras Partes inclusive países em transição para uma economia de mercado podem assumir voluntariamente as obrigações das Partes países desenvolvidos Para os fins deste Artigo a Conferência das Partes deve estabelecer em sua primeira sessão uma lista de Partes países desenvolvidos e outras Partes que voluntariamente assumam as obrigações das Partes países desenvolvidos A Conferência das Partes deve periodicamente revisar e se necessário alterar a lista Contribuições voluntárias de outros países e fontes podem ser também estimuladas Para o cumprimento desses compromissos deve ser levada em conta a necessidade de que o fluxo de recursos seja adequado previsível e oportuno e a importância de distribuir os custos entre as Partes contribuintes incluídas na citada lista 3 As Partes países desenvolvidos podem também prover recursos financeiros relativos à implementação desta Convenção por canais bilaterais regionais e outros multilaterais 4 O grau de efetivo cumprimento dos compromissos assumidos sob esta Convenção das Partes países em desenvolvimento dependerá do cumprimento efetivo dos compromissos assumidos sob esta Convenção pelas Partes países desenvolvidos no que se refere a recursos financeiros e transferência de tecnologia e levará plenamente em conta o fato de que o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza são as prioridades primordiais e absolutas das Partes países em desenvolvimento 5 As Partes devem levar plenamente em conta as necessidades específicas e a situação especial dos países de menor desenvolvimento relativo em suas medidas relativas a financiamento e transferência de tecnologia 6 As Partes Contratantes devem também levar em conta as condições especiais decorrentes da dependência da diversidade biológica sua distribuição e localização nas Partes países em desenvolvimento em particular os pequenos Estados insulares 7 Devese também levar em consideração a situação especial dos países em desenvolvimento inclusive os que são ecologicamente mais vulneráveis como os que possuem regiões áridas e semiáridas zonas costeiras e montanhosas CAPÍTULO 23º O ESTATUTO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL DE 1998 Uma longa e trabalhosa gestação A instituição de um regime de autêntica cidadania mundial em que todas as pessoas naturais ou jurídicas de qualquer nacionalidade tenham direitos e deveres em relação à humanidade como um todo e não apenas umas em relação às outras pela intermediação dos respectivos Estados supõe entre outras providências a fixação de regras de responsabilidade penal em escala planetária para sancionar a prática de atos que lesam a dignidade humana Em tais casos a definição do ato como criminoso bem como o julgamento e punição do agente responsável não constituem matéria adstrita à soberania nacional de cada Estado tanto mais que na quasetotalidade dos casos os agentes criminosos são autoridades estatais ou pessoas que gozaram da proteção destas para a prática dos atos criminosos O primeiro passo em direção a esse sistema de responsabilidade mundial foi dado pela criação por obra da Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas reunida em Roma em 1998 do primeiro Tribunal Penal Internacional permanente da História com competência para julgar os autores de graves crimes contra a espécie humana Foi de fato um Primeiro passo apenas pois muito resta ainda por fazer a fim de se chegar ao objetivo final Mas esse início é irreversível A idéia de se criar uma instância judiciária revestida dessa eminente função surgiu logo após o término da Primeira Guerra Mundial quando a humanidade fez o balanço das devastadoras conseqüências desse conflito bélico que inaugurou uma nova era histórica Em 1920 o SecretárioGeral da Sociedade das Nações formulou a proposta mas a Assembléia Geral da organização não a acolheu considerando a idéia ainda prematura no estado então existente das relações internacionais Encerradas as hostilidades da Segunda Guerra Mundial instalaramse em Nuremberg e Tóquio tribunais militares com competência para julgar os responsáveis por crimes de guerra e crimes contra a humanidade perpetrados pelas antigas autoridades políticas e militares da Alemanha nazista e do Japão imperial Em maio de 1947 o jurista francês Henri Donnedieu de Vabres que foi juiz do Tribunal Militar de Nuremberg voltou a formular a proposta de criação de um tribunal penal permanente no âmbito internacional A Assembléia Geral das Nações reunida em Paris aceitou a idéia em 9 de dezembro de 1948 exatamente na véspera da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos A Comissão de Direito Internacional foi então oficialmente encarregada de estudar o projeto Em junho de 1950 ao concluir seu relatório a Comissão entendeu que a criação do tribunal era desejável e possível Entre 1951 e 1953 dois comitês constituídos pela Assembléia Geral da ONU apresentaram projetos de estatuto para o futuro tribunal Sobrevém contudo a chamada Guerra Fria e os trabalhos de criação do tribunal ficam suspensos até 1989 Nesse ano Trinidad e Tobago propõem a retomada dos trabalhos de redação dos estatutos do tribunal interrompidos pela Guerra Fria Em 4 de dezembro de 1989 a Assembléia Geral das Nações Unidas pede à Comissão de Direito Internacional que volte a trabalhar no assunto Em 22 de fevereiro de 1993 o Conselho de Segurança das Nações Unidas pela Resolução SRES808 cria um tribunal internacional para julgar as pessoas responsáveis por sérias violaçõeS do direito humanitário internacional cometidas no território da antiga Iugoslávia desde 1991 Em 9 de dezembro do mesmo ano a Assembléia Geral solicita à Comissão que conclua em regime de prioridade o projeto de estatuto de um tribunal penal permanente Em maio de 1994 a Comissão entrega finalmente à Assembléia Geral das Nações Unidas o projeto definitivo e propõe seja ele submetido para exame e votação a uma conferência diplomática de plenipotenciários A Assembléia Geral decide porém não dar seguimento à proposta da Comissão de Direito Internacional preferindo estabelecer um comitê ad hoc encarregado de rever o projeto da Comissão A Assembléia Geral pede concomitantemente a todos os Estadosmembros que formulem suas observações sobre o assunto até março de 1995 Pela Resolução SRES955 o Conselho de Segurança cria um tribunal internacional para julgar as pessoas responsáveis por genocídio e outras sérias violações do direito humanitário internacional cometidas em Ruanda ou no território dos Estados vizinhos O comitê ad hoc criado pela Assembléia Geral da ONU conclui seus trabalhos em 1995 propondo que o tribunal penal permanente a ser criado seja competente para julgar os acusados de crimes contra a humanidade crimes de guerra e genocídio Em 11 de dezembro do mesmo ano a Assembléia Geral decide criar um comitê preparatório encarregado de redigir o projeto definitivo de estatuto do tribunal a ser apresentado a uma conferência diplomática de plenipotenciários A representante do governo italiano Emma Bonino que veio a exercer logo após as funções de Comissária da União Européia para Direitos Humanos propõe que o seu país acolha essa conferência A partir de 1996 uma vasta coligação de cerca de oitocentas Organizações não governamentais cobrindo o mundo inteiro é formada a fim de fazer pressão para que o futuro tribunal seja independente imparcial e eficaz Em marçoabril de 1998 o comitê preparatório realizou sua derradeira reunião na qual concluiu a redação final do projeto submetido desde logo à Conferência Diplomática reunida em Roma no início do mês de junho O Estatuto do Tribunal Penal Internacional foi afinal aprovado por 120 Estados em 17 de julho de 1998 contra apenas 7 votos China Estados Unidos Iêmen Iraque Israel Líbia e Quatar e vinte e uma abstenções notadamente a da Índia1 Conscientes da má repercussão política que sua oposição ao tribunal causou no mundo todo Estados Unidos e Israel decidiram em 31 de dezembro de 2000 assinar o tratado Todavia após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington e as operações de guerra que se lhes seguiram no Afeganistão e na Palestina em flagrante violação das normas internacionais a ratificação da Convenção de Roma por essas duas potências tornouse desde logo impensável E efetivamente em 6 de maio de 2002 os Estados Unidos notificaram o SecretárioGeral das Nações Unidas de que não tencionam tornarse Parte no Tratado declarando em conseqüência que não se acham juridicamente obrigados pela adesão dada em 31 de dezembro de 2001 Em previsível seqüência Israel desligouse também do Estatuto mediante declaração enviada ao SecretárioGeral da ONU em 28 de agosto de 2002 Não foram admitidas reservas ao Estatuto o que sem dúvida atrasou o processo de ratificação por parte de cada Estado signatário Não obstante ele entrou em vigor em 11 de abril de 1 O Brasil foi um dos signatários originais do Estatuto aprovado pelo Congresso Nacional com o Decreto Legislativo n 112 de 2002 2002 data em que se contaram 65 instrumentos de ratificação o Estatuto previu um mínimo de 60 em seu art 126 depositados junto ao SecretárioGeral das Nações Unidas Os Estados signatários do Estatuto tiveram a sabedoria de concebêlo como uma obra in fieri Após um período de sete anos contados da sua entrada em vigor qualquer Estado Parte poderá propor à Assembléia dos Estados Partes alterações do Estatuto mediante comunicação dirigida ao SecretárioGeral das Nações Unidas Tais propostas caso não se chegue inicialmente a um consenso unânime considerarseão aprovadas quando reunirem pelo menos dois terços de votos art 121 Todavia para a alteração de certas disposições que o Estatuto define como de caráter institucional vale dizer que dizem respeito a regras internas de funcionamento do Tribunal qualquer Estado Parte poderá a qualquer momento propor alterações art 122 Além disso sete anos após a entrada em vigor do Estatuto o SecretárioGeral da ONU fica autorizado a convocar uma Conferência de Revisão que terá competência para alterar qualquer disposição do Estatuto art 123 Jurisdição do Tribunal Penal Internacional Durante os trabalhos da Conferência Diplomática de Roma formularamse três propostas para fixar a jurisdição do Tribunal A primeira delas apresentada pela Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas previa a liberdade dos Estados Partes para aceitar ou rejeitar a jurisdição do Tribunal em relação a crimes específicos e por prazos determinados A França por sua vez defendeu o chamado regime de Consentimento segundo o qual haveria necessidade da aquiescência de todos os Estados Partes envolvidos em cada caso individual e contra cada suspeito individualmente considerado para que o Tribunal pudesse exercer sua jurisdição Contra essas propostas negativistas a Alemanha sustentou bravamente o princípio da jurisdição universal e direta do Tribunal É óbyio que as duas primeiras propostas notadamente a francesa se adotadas significariam criar um mero arremedo de tribunal despido de toda autoridade e eficácia A partir de uma proposta intermédia da Coréia do Sul chegouse afinal à elaboração de um sistema complexo de jurisdição restrita e complementar Como regra geral cada Estado ao se tornar Parte no Estatuto aceita de pleno direito ajurisdição do Tribunal art 12 1 Em disposição transitória art 124 resultante de mudança feita pela França em sua própria proposta original estatuiuse que um Estado pode tornarse Parte no Estatuto declarando que durante um período de sete anos a contar da sua entrada em vigor em seu território não aceitará a competência do Tribunal relativamente aos crimes de guerra definidos no art 8º quando haja indício de que um crime dessa natureza tenha sido praticado por cidadão seu ou em seu território Além disso um Estado que não seja Parte no Estatuto pode aceitar ajurisdição do Tribunal art 12 3 Em qualquer hipótese o Tribunal Penal Internacional somente poderá exercer sua jurisdição caso o Estado em cujo território tenha sido cometido o crime ou o Estado de que seja nacional a pessoa acusada de cometêlo seja Parte no Estatuto ou tenha a ele aderido art 12 2 Essa restrição é de monta Levandose em conta que os Estados Unidos a China e a Índia não se acham vinculados pela Convenção de Roma temos que mais da metade da humanidade está presentemente fora da jurisdição do Tribunal Penal Internacional Extraordinariamente porém o Conselho de Segurança da ONU pode de acordo com o disposto no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas tomar a iniciativa de pedir ao Procurador que abra um inquérito sobre a ocorrência de fato definido como crime pelo Estatuto Nesta hipótese não haverá restrição alguma à jurisdição do Tribunal Penal Internacional Contrariando ainda a proposta alemã o Estatuto determinou que a jurisdição do Tribunal não é direta e sim complementar É preciso em qualquer hipótese que se demonstre preliminarmente que o Estado com jurisdição direta sobre o caso não a exerceu ou que ao exercêla demonstrou inequivocamente que o fez tãosó para proteger o acusado ou dar uma aparência de seriedade à investigação ou ao processo criminal art 17 É portanto a regra do esgotamento dos procedimentos internos como condição para que se abra a jurisdição internacional Sob o aspecto temporal ajurisdição do Tribunal não abrange os crimes cometidos antes da entrada em vigor do Estatuto Quanto aos Estados que se tornarem Partes no Estatuto depois de sua entrada em vigor o Tribunal só terá jurisdição em relação a crimes cometidos após a vigência do Estatuto relativamente a esses Estados salvo se eles consentirem em que o Tribunal exerça sua jurisdição retroativamente art 11 Se entretanto determinada pessoa for julgada pelo Tribunal Penal Internacional a decisão de mérito pela condenação ou pela absolvição fará coisa julgada não só em relação ao próprio Tribunal mas também perante qualquer outro tribunal de Estados que são Partes no Estatuto art 20 1 e 2 Em sentido contrário uma decisão de mérito do Poder Judiciário de Estado Parte no Estatuto sobre atos que este define como crime fará coisa julgada relativamente ao Tribunal Penal Internacional a não ser que o processocrime naquele Estado Parte a tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal b não tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial em conformidade com as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito Internacional ou tenha sido conduzido de uma maneira que no caso concreto se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação da justiça art 20 3 Os crimes de competência do Tribunal Penal Internacional O Estatuto incluiu na competência do Tribunal apenas quatro crimes que segundo declara o Preâmbulo constituem uma ameaça à paz à segurança e ao bemestar da humanidade a saber o crime de genocídio os crimes contra a humanidade os crimes de guerra e o crime de agressão art 5º Ficaram de fora portanto alguns crimes de repercussão reconhecidamente internacional como o terrorismo2 e o tráfico de entorpecentes Para esse recorte restrito da competência do Tribunal Penal Internacional muito contribuiu a pressão dos países que desde o início da Conferência de Roma mostraramse hostis à sua criação Não está porém excluída a possibilidade de inclusão 2 Já estão em vigor várias convencÕes internacionais de repressão a atos de terrorismo como a Convenção relativa às infrações e a certos outros atos cometidos a bordo de aeronaves celebrada em Tóquio em 1491963 a Convenção para a repressão ao apoderamento ilícito de aeronaves celebrada em Haia em 16121970 a Convenção para prevenir e punir os atos de terrorismo configurados em delitos contra as pessoas e a extorsão conexa quando tiverem transcendência internacional celebrada em Washington em 221971 a Convenção para a repressão aos atos ilícitos contra a segurança da aviação civil celebrada em Montreal em 2391971 a Convenção internacional contra a tomada de reféns celebrada em Nova York em 18121979 a Convenção sobre a proteção física de material nuclear celebrada em Viena e Nova York em 331980 o Protocolo para a repressão de atos ilícitos de violência em aeroportos que prestem serviços à aviação civil internacional assinado em Montreal em 2421988 a Convenção sobre a identificaçãO de explosivos plásticos para efeito de detecção celebrada em Montreal em 1991 a Convenção interamericana contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo munições explosivos e outros materiais correlatos celebrada em Washington em 14111997 a Convenção internacional para a supressão de atentados terroristas a bomba celebrada em Nova York em 1211998 de outros crimes por ocasião da Conferência de revisão do Estatuto prevista para se realizar em 2005 Dos quatro crimes incluídos na competência do Tribunal a definição do crime de agressão foi relegada a uma etapa posterior art 5º 2 por meio de emenda ou do processo de revisão A idéia de qualificar os atos de agressão bélica como crimes contra a paz internacional surgiu pela primeira vez na Conferência de Versalhes de 1919 que criou a Sociedade das Nações O art 227 do tratado então assinado instituiu um tribunal especial incumbido de julgar o exKaiser Guilherme II culpado de ofensa suprema à moral internacional e à autoridade dos tratados Sucede que a Holanda país no qual se asilou o antigo monarca recusouse a extraditálo alegando a sua imunidade internacional de Chefe de Estado à época em que praticou os atos de que era acusado No Estatuto do Tribunal de Nuremberg os crimes contra a paz foram assim definidos art 6 a a direção a preparação o desencadeamento ou a busca de uma guerra de agressão com a violação dos tratados garantias ou acordos internacionais ou a participação num plano ajustado ou numa conspiração para a prática de qualquer dos atos precedentes O Estatuto adotou na definição dos crimes de competência do Tribunal uma técnica heterodoxa os tipos criminais descritos exigem a fixação posterior pela Assembléia dos Estados Partes dos elementos constitutivos desses crimes elementos esses que auxiliarão o Tribunal a interpretar e a aplicar as disposições dos artigos 6º 7º e 8º art 9º O único limite fixado à Assembléia dos Estados Partes para o exercício dessa competência tipificadora dos atos criminosos é que os elementos constitutivos dos crimes e respectivas alterações deverão ser compatíveis com as disposições contidas no presente Estatuto art 9º 3 Parece incontestável que para o respeito ao princíPiO da publicidade dos tratados internacionais esses elementos constitutivos dos crimes da competência do Tribunal uma vez adotados pela Assembléia dos Estados Partes deverão constar do próprio texto do Estatuto Não há previsão explícita de punibilidade da tentativa em nenhum dos crimes definidos no Estatuto Mas ela pode decorrer da aplicação dos princípios gerais de direito invocados no art 21 e As modalidades do crime de genocídio definidas no art 6º são as mesmas previstas no art II da Convenção de 1948 No tocante à coautoria o Estatuto não reproduziu o disposto no art III dessa Convenção mas em seu art 25 o Estatuto a contempla em relação a todos os crimes e especificamente em matéria de genocídio fala em atos de incitação direta e pública a cometer o crime O art 7º do Estatuto definiu dez modalidades de crime contra a humanidade e ainda acrescentou a essa extensa lista outros atos desumanos de caráter semelhante que causem intencionalmente grande sofrimento ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental letra k Ou seja deixou a definição dessa modalidade de crime contra a humanidade à inteira discrição da Assembléia dos Estados Partes A prática dos atos declarados no art 7º durante a vigência de um conflito armado não é exigida pelo Estatuto para que haja crime contra a humanidade em nenhuma de suas modalidades E isto porque o Estatuto inclui na competência do Tribunal um extensíssimo rol de crimes de guerra art 8º Em compensação para que haja crime contra a humanidade é indispensável que os atos enumerados no art 7º sejam cometidos no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra 3 Cf capitulo 14º supra Causa especie por isso mesmo que o Governo brasileiro tenha dado oficialmente uma tradução diversa para essa disposição comum a ambos os tratados qualquer população civil havendo conhecimento desse ataque No parágrafo 2 letra a do art 7º declara o Estatuto que por ataque contra uma População Civil entendese qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1 contra uma população civil de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política Devese entender que o ataque é sistemático quando organizado e executado segundo um plano previamente estabelecido O agente deve ter conhecimento do ataque fato que obyiamente pode ser demonstrado por indícios e circunstâncias A definição de extermínio constante do art 7º 2 b difere daquela correspondente à modalidade de genocídio indicada no art II da Convenção de 1948 Nesta última Convenção falase em submissão intencional do grupo nacional étnico racial ou religioso a condições de existência que lhe ocasionem a destruição fisica total ou parcial Já no Estatuto de Roma a vítima é uma população civil sem quaisquer qualificações e o ato criminoso consiste na sujeição intencional portanto planejada da vítima a condições de vida tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos com vista a causar a destruição de uma parte da população Entendase o agente pode ter tido em vista a destruição total da população civil mas basta que os atos criminosos provoquem o seu extermínio apenas Parcial para que o crime contra a humanidade seja tido como consumado Os motivos políticos raciais nacionais étnicos culturais religiosos ou de gênero aparecem como elemento componente do crime definido na letra h do art 7º ou seja perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado por esses motivos O termo perseguição esclarece o parágrafo 2 letra g é a Privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa A inclusão do desaparecimento forçado de pessoas na lista dos crimes contra a humanidade representou um incontestável progresso do direito internacional positivo A Resolução ARES47133 da Assembléia Geral das Nações Unidas datada de 18 de dezembro de 1992 bem como a Declaração de Viena e o Programa de Ação adotado na Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993 já condenavam essa prática nefanda largamente empregada por governos militares na América Latina e pediam o estabelecimento de sanções penais contra os responsáveis É importante assinalar que na definição do crime de deportação ou transferência forçada de uma população constante do art 7º 2 d não se exige que esse deslocamento populacional seja feito para fora do território nacional O Estatuto define a tortura no art 7º 2 e de forma mais satisfatória do que a adotada pela Convenção das Nações Unidas de 1984 pois não exige que o ato criminoso seja praticado por instigação ou com a aquiescência de um agente público ou outra pessoa no exercício de funções públicas Louvável foi também a ampla caracterização dos crimes sexuais dada pelo Estatuto art 7º 1 g A gravidez à força amplamente praticada durante os conflitos armados subseqüentes ao desaparecimento do Estado da Iugoslávia foi convenientemente definida no parágrafo 2 f desse mesmo artigo Na definição do crime de apartheid art 7º 2f o Estatuto preferiu empregar uma fórmula ampla em vez da enumeração específica de atos tal como se lê na Convenção Internacional de 1973 patrocinada pelas Nações Unidas Em matéria de crimes de guerra o Estatuto define várias modalidades as quais representam o desenvolvimento daquelas graves ofensas declaradas nas Convenções de Genebra de 1949 1ª Convenção art 50 2ª Convenção art 51 3ª Convenção art 130 4ª Convenção art 1474 Mas o Estatuto sujeitaas todas a uma condição geral que não consta das Convenções de Genebra a saber os atos criminosos que as compõem devem ser cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala desse tipo de crimes art 82 1 Ora a tradução oficial brasileira deforma o sentido da norma ao verter a expressão inglesa in particular que significa um por um isto é individualmente pela expressão vernácula em particular cujo sentido é reservadamente ou então notadamente o que pode dar a idéia de que a enumeração de atos criminosos constante do parágrafo 2 é meramente exemplificativa O que o Estatuto na verdade dispõe em seu art 8º 1 é que qualquer dos atos a seguir individualmente descritos mas só eles constitui crime de guerra quando ocorrido no quadro de um plano ou programa de ação ou de uma ampla prática de crimes dessa espécie Na interpretação das disposições do art 82 suscitou controvérsia o fato de que o Estatuto não foi explícito quanto à abrangência do uso de armas nucleares Ao assinarem a Convenção de Roma o Egito e a Nova Zelândia enfatizaram que o Estatuto não estabelece distinção alguma entre as armas utilizadas em operações de guerra e que por conseguinte o armamento nuclear está incontestavelmente abrangido pelas suas disposições Em sentido diametralmente oposto a França que se deClarou temporariamente não vinculada pela jurisdição do Tribunal em matéria de crimes de guerra conforme a disposição transitória do art 124 manifestou sua interpretação de que o disposto no art 8º aplicase tãosó à utilização de armas convencionais e que por conseguinte o Estatuto não pode regular 4 Cf supra capítulo 15º nem proibir o possível uso do armamento nuclear nem alterar as demais normas do direito internacional aplicáveis a outras armas necessárias ao exercício pela França de seu direito inerente de autodefesa a menos que as armas nucleares ou as outras armas aqui referidas sejam sujeitas no futuro a uma proibição compreensiva e venham especificadas no Anexo do Estatuto por meio de emendas adotadas na conformidade das disposições dos artigos 121 e 123 Por sua vez a Suécia lembrou a Opinião Consultiva da Corte Internacional de Justiça de 8 de julho de 1996 sobre a legalidade da ameaça ou do uso de armas nucleares e em particular o entendimento da Corte de que indubitavelmente as disposições do direito humanitário aplicase ao uso do armamento nuclear Já no tocante à expressão within the established frame work of international law usada no art 8º 2 letras b e e traduzida oficialmente no Brasil pela locução vaga no âmbito do direito internacional o Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte fez questão de declarar que no seu entendimento aquela expressão abrange o direito costumeiro internacional tal como estabelecido pela prática dos Estados e a opinio iuris Responsabilidade criminal O Estatuto do Tribunal Penal Internacional aceitou expressamente os grandes princípios que consagrados pela legislação a jurisprudência e a doutrina nos mais diferentes países delimitam a responsabilidade criminal É bem de ver no entanto que tais princípios devem ser interpretados de modo compreensivo tendo em vista que a esfera de aplicação do Estatuto não é o território de um país determinado mas o mundo todo O primeiro dos grandes princípios jurídicos relativos à responsabilidade criminal é o da anterioridade da norma penal em relação aos atos a serem julgados como criminosos princípio esse tradicionalmente expresso pela fórmula latina nullum crimen nulla poena sine lege arts 22 e 23 Como corolário do princípio o Estatuto acrescenta que ele não terá efeito retroativo ninguém será considerado responsável pela prática antes da entrada em vigor do Estatuto de atos nele definidos como criminosos art 24 O princípio da anterioridade da lei penal consta da Declaração Universal dos Direitos Humanos art XI 25 e foi reafirmado no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 art 15 26 Seu fundamento é a convicção de que só devem ser declarados criminosos e portanto passíveis da mais severa punição os atos que a consciência ética da coletividade e não a opinião pessoal dos juízes ou o interesse particular dos que detêm o poder político assim considera Ora o pressuposto lógico desse raciocínio é que a lei penal ou o tratado inter nacional que institui crimes e penas seja efetivamente a expressão da consciência ética coletiva nacional ou internacional Se em alguns países esse pressuposto lógico não corresponde à realidade pois as leis simplesmente expressam a vontade e o interesse próprio dos governantes no plano internacional podese dizer hoje que ele é largamente respeitado No caso da Convenção de Roma de 1998 como se viu acima a consciência ética universal foise afirmando vigorosamente após a 2ª Guerra Mundial sobre a necessidade de se instituir um tribunal permanente não ligado a nenhum Estado particular competente para julgar os responsáveis por atos que lesam gravemente o conjunto dos seres humanos O reconhecimento da existência de crimes contra a humanidade de modo geral correspondeu à tomada de consciência de que na atual fase histórica a própria espécie humana e não apenas os 5 Cf supra p 232 6 Cf p 305 povos isoladamente considerados é reconhecida como titular de direitos essenciais conforme se procurou demonstrar nos capítulos anteriores Ao consagrar o princípio da anterioridade da norma penal para fixação dos limites da responsabilidade dos acusados perante o Tribunal o Estatuto adotou explicitamente a doutrina desenvolvida pelo liberalismo individualista do século XIX da tipicidade dos atos criminosos ou seja a tese de que cada crime constitui uma individualidade única precisa e inconfundível Por isso mesmo quando o fato imputado ao acusado não se enquadra exatamente na definição legal é vedado ao intérprete ampliar o campo de aplicação da norma recorrendo por via de analogia à definição de um crime semelhante ou aproximado Em seu art 22 2 o Estatuto não apenas consagra a tradicional proibição da analogia na interpretação de normas definidoras de crimes como ainda acrescenta a regra do in dubio pro reo Sejanos permitido contudo observar que a aplicação dessas regras de garantia de direitos individuais no campo da criminalidade internacional deve ser feita sem excessos de formalismo Os atos criminosos cujos efeitos pela sua própria natureza extrapolam as fronteiras estatais têm em si mesmos uma configuração multifária além de se transformarem rapidamente em sua estrutura interna por força da evolução tecnológica Tudo se passa nessa matéria de forma semelhante às doenças infecciosas causadas por agentes virais suscetíveis de mutação genética A Convenção Européia de Direitos Humanos como vimos tem a esse respeito uma disposição compreensiva ao declarar que o princípio da anterioridade da lei penal não impede o julgamento e a punição de uma pessoa culpada de uma ação ou omissão que no momento em que ocorreu era considerada criminosa de acordo com os princípios gerais de direitO reconhecidos pelas nações civilizadas art 7 27 7 Cf supra capítulo 16º É indispensável aSsim para que o sistema penal do Estatuto não seja ultrapassado em pouco tempo pela aceleração da História que as suas normas sejam interpretadas com razoável largueza de vistas e que quando os limites das definições legais se revelem demasiadamente estreitos para o adequado enfrentamento de novas espécies criminais a Assembléia dos Estados Partes por meio de uma Conferência de RevisãO art 123 saiba corrigir as lacunas ou insuficiências do Estatuto No tocante aos sujeitos ativos dos crimes nele definidos o Estatuto de Roma não logrou abandonar a concepção tradicional de que eles só podem ser as pessoas naturais art 25 1 fixando a maioridade penal em 18 anos art 26 Essa orientação é lamentável Tratandose de atos geralmente cometidos por agentes públicos é pouco realista imaginar que o Estado como um todo não participe da ação criminosa preparandoa inclusive pela propaganda oficial armando os executores e dandolhes proteção O direito internacional positivo aliás já conta com precedentes sobre a responsabilidade dos Estados no cometimento de crimes dessa natureza Assim é que o tratado instituidor da Sociedade das Nações de 1919 bem como o Pacto BriandKellog de 1928 imputaram aos Estados a responsabilidade pelos atos de agressão A Corte Internacional de Justiça em sua decisão de 8 de abril de 1993 no Caso relativo à aplicação da Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio Bósnia HerzegovinaIugoslávia entendeu que em razão do disposto no art 1º todos os Estados Partes assumiram o dever de prevenir e punir o crime de genocídio o que significa que o descumprimento desse dever os torna diretamente coresponsáveis pelos atos criminoSos praticados8 8 Recued des arrêts avis consultatifs et ordonnances 1993 p 22 Em compensação o Estatuto foi muito feliz em estabelecer em seu art 27 a irrelevância da qualidade oficial do autor de crimes em particular a de Chefe de Estado ou de Governo de membro de Governo ou do Parlamento de representante eleito ou de funcionário público As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa nos termos do direito interno ou do direito internacional acrescenta o mesmo dispositivo não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa Podese dizer que essa norma do Estatuto vem confirmar uma orientação que já se desenha claramente no direito internacional e que foi aplicada nos julgamentos proferidos pelos tribunais penais internacionais sobre crimes cometidos na antiga Iugoslávia e em Ruanda9 Por maioria de razão não são excluídos da responsabilidade criminal os chefes militares e outros superiores hierárquicos art 28 Reiterando o estatuído na Convenção sobre a imprescntibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade de 1968 o Estatuto dispõe que os crimes da competência do Tribunal Penal Internacional não são sujeitos a prescrição art 29 O art 30 determina que os crimes da competência do Tribunal serão sempre dolosos mas admite a ocorrência tanto do 9 No entanto a Corte internacional de Justiça em lamentável acórdão de 14 de fevereiro de 2002 julgou que o PrimeiroMinistro de Israel Anel Sharon não podia ser processado pela prática de crimes contra a humanidade o massacre de Sabra e Chatila perpetrado no Líbano em 1982 segundo os termos de uma lei belga de 1993 não porque essa lei não tivesse força jurídica no plano internacional mas sim porque o réu sendo Ministro da Defesa à época dos fatos gozaria de imunidades de acordo com os costumes internacionais aplicáveis perante tribunais de qualquer país Pelas mesmas razões a Corte julgou que a Bélgica tampouco tinha competência para julgar segundo os termos da mesma lei nacional um exMinistro das Relações Exteriores do Congo acusado de estimular o massacre de centenas de membros da tribo tutsi em 1998 dolo direto ou seja quando o agente quer o resultado quanto do chamado dolo eventual pelo qual o agente assume o risco de produzir o resultado criminoso No art 31 são declaradas como causas de exclusão da responsabilidade criminal as que constam tradicionalmente dos diferentes ordenamentos estatais Mas o Estatuto não distingue quanto ao regime jurídico entre causas de inimputabilidade e causas justificativas ou excludentes de ilicitude mencionando no mesmo dispositivo a enfermidade ou deficiência mental a embriaguez que na tradução oficial brasileira é designada pelo anglicismo intoxicação a coação a legítima defesa e o estado de necessidade Quanto a este último porém é criticável a exclusão da responsabilidade penal daquele que atua nos crimes de guerra em defesa de um bem que seja essencial à realização de uma missão militar parágrafo 1 c É aberrante pretender que uma arma ou utensílio militar tenha igual valor que uma vida humana Aliás o estabelecimento de um regime excepcional para o tratamento penal dos crimes de guerra é certamente um dos pontos fracos do Estatuto O art 33 nos oferece mais um exemplo dessa orientação criticável Não será considerado penalmente responsável dispõe o parágrafo 1 aquele que tiver agido em cumprimento de decisão emanada de um Governo ou de um superior hierárquico a menos que cumulativamente a estivesse obrigado por lei a obedecer a decisões emanadas do Governo ou superior hierárquico em questão b não tivesse conhecimento de que a decisão era ilegal c a decisão não fosse manifestamente ilegal Como pelo disposto no parágrafo 2 qualquer decisão de cometer genocídio ou crimes contra a humanidade será considerada como manifestamente ilegal temos que a escusa justificadora do cumprimento de decisão ou ordem superior só se aplica ao crime de agressão ainda não definido e aos crimes de guerra Composição do Tribunal Penal Internacional O Tribunal Penal Internacional compõese de 18 juízes três a mais do que na Corte Internacional de Justiça O Estatuto abre ainda ao órgão da Presidência a faculdade de propor a ampliação desse número art 36 1 e 2 O provimento do cargo de juiz será sempre feito mediante proposta de um Estado Parte no Estatuto e deliberação da Assembléia dos Estados Partes especialmente convocada para esse efeito mesmo artigo parágrafos 4 5 e 6 Os candidatos a juiz além de excelente conhecimento e fluência em pelo menos uma das línguas de trabalho do Tribunal a saber o inglês e o francês art 50 2 deverão possuir também reconhecida competência e a necessária experiência em direito penal direito processual penal e direito internacional especialmente em matéria de direito humanitário e de direitos humanos em seu conjunto art 36 3 O parágrafo 8 b do art 36 acrescenta que os Estados Partes levarão igualmente em consideração a necessidade de assegurar a presença de juízes especializados em determinadas matérias incluindo entre outras a violência contra mulheres e crianças Reproduzindo exigência constante do Estatuto da Corte Internacional de Justiça o art 36 7 dispõe que o Tribunal Penal Internacional não poderá ter mais de um juiz nacional do mesmo Estado Parte sendo que se a pessoa em questão tiver mais de uma nacionalidade ela será considerada nacional do Estado onde exerce habitualmente os seus direitos civis e políticos Além da exigência de que na seleção dos juízes devese levar em consideração a necessidade de se assegurar a representação dos principais sistemas jurídicos do mundo e uma representação geográfica eqüitativa exigência bem mais razoável do que a representação das mais altas formas de civilização como estabeleceu criticavelmente o Estatuto da Corte Internacional de Justiça o Estatuto de Roma acrescentou a regra de uma justa representação de juízes de ambos os sexos art 36 8 O órgão de acusação no Tribunal é o Gabinete do Procurador composto por um Procurador e um ou mais ProcuradoresAdjuntos todos eleitos pela Assembléia dos Estados Partes art 42 1 e 2 Para eles curiosamente não se exige que tenham conhecimento e experiência em direito penal e direito internacional mas apenas em processo penal mesmo artigo 3 Inquérito e procedimento criminal Enquanto o inquérito é conduzido pelo Procurador a instrução criminal compete aos juízes do Tribunal Os direitos do indiciado no inquérito art 55 e do acusado no processo criminal art 67 são declarados no Estatuto com maior amplitude do que em qualquer outro tratado internacional de direitos humanos Por evidente influência do direito anglosaxônico dispõese que nem o indiciado art 55 1 a nem o acusado art 67 1 g podem ser obrigados a depor contra si mesmos ou a se declararem culpados O art 66 estabelece a presunção de inocência do acusado determinando que compete ao Procurador o ônus da prova da culpa O Tribunal somente poderá proferir sentença condenatória quando já não houver dúvida razoável de que o acusado é culpado O Estatuto regula com louvável precisão os incidentes de detenção ou de prisão preventiva do indiciado ou acusado durante o inquérito ou o processo de instrução art 58 Fundandose provavelmente no precedente do caso Pinochet o procedimento de detenção ou prisão preventiva no Estado em que se encontra o indiciado ou acusado é também objeto de uma precisa regulação art 59 O processo criminal comporta duas fases bem distintas de instrução e de julgamento Finda a instrução o juiz proferirá uma sentença de pronúncia ou impronúncia do acusado art 61 Durante a fase de julgamento especial atenção é dada à hipótese de confissão do acusado art 65 Em disposição avançada o Estatuto regula minuciosamente o dever de proteção das vítimas e das testemunhas durante todo o desenrolar do processo art 68 A alegação de que determinada informação afeta a segurança nacional de um Estado é tratada no art 72 com razoável equilíbrio a fim de se preservarem eqüitativamente as exigências de um justo processo e de proteção a interesses nacionais dignos de respeito As sentenças de mérito são suscetíveis de recurso ou de revisão arts 81 e 84 processáveis perante o mesmo Tribunal As penas aplicáveis A principal pena cominada aos réus condenados no processo perante o Tribunal Penal Internacional é a prisão seja por tempo determinado o qual não será superior a 30 anos seja por toda a vida do condenado art 77 1 O Tribunal tem também o poder de aplicar facultativamente uma pena de multa de acordo com os critérios previstos no chamado Regulamento Processual art 77 2 a Acessoriamente a condenação importará na perda dos bens obtidos pelo réu com o crime praticado art 77 2 b bem como na obrigação de reparação dos prejuízos sofridos pelas vítimas art 75 Para esse efeito o Estatuto determinou que seja criado por decisão da Assembléia dos Estados Partes um Fundo de indenização das vítimas art 79 A compatibilidade do Estatuto do Tribunal Penal Internacional com a Constituição Brasileira de 1988 Por ocasião do processo de ratificação pelo Brasil da Convenção de Roma de 1998 várias questões de natureza jurídica foram levantadas tendo em vista aparentes conflitos do Estatuto com a nossa Constituição Dentre essas questões as principais foram as seguintes 1 as exceções ao princípio da coisa julgada estabelecidas no art 20 do Estatuto 2 a imprescritibilidade dos crimes abrangidos pela competência do Tribunal Penal Internacional art 29 do Estatuto 3 a compatibilidade do processo de entrega surrender de nacionais à jurisdição do Tribunal art 58 do Estatuto diante da proibição constitucional de extradição de brasileiro Constituição Federal art 5º LI 4 a cominação da pena de prisão perpétua art 77 do Estatuto O Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores em parecer datado de 26 de janeiro de 2001 declarouse favorável à ratificação da Convenção entendendo que as dúvidas suscitadas quanto à incompatibilidade do Estatuto com a Constituição Brasileira não seriam procedentes No mesmo sentido manifestouse o eminente Procurador da República André de Carvalho Ramos em longo e substancioso estudo10 Como foi salientado nesta obra11 na hipótese de conflito entre regras internacionais e internas em matéria de direitos humanos vaise firmando hoje na doutrina e na jurisprudência o princípio da prevalência da regra mais favorável à dignidade humana dos sujeitos de direito quer se trate da vítima quer do agente violador da norma Ora no caso dos crimes de que trata o Estatuto do Tribunal Penal Internacional é indisputável que a vítima é a própria humanidade considerada 10 O Estatuto do Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira in Tribunal Penal Internacional org Fauzi Hassan Choukr e Kai Ambos São Paulo Revista dos Tribunais 2000 p 245 e s 11 P 61 em seu conjunto como sujeito de direito Em tais condições salvo na hipótese de manifesto excesso normativo não se pode deixar de considerar que o interesse da humanidade sobrepuja em regra o da pessoa ou pessoas que comparecem perante o Tribunal Penal Internacional na condição de indiciadas ou acusadas O exame atento das disposições constitucionais brasileiras que parecem conflitar com o Estatuto como bem salientaram as autoridades acima citadas leva à conclusão de que aquelas normas internacionais hão de ser aplicadas no Brasil As exceções ao princípio da coisa julgada estabelecidas no art 20 do Estatuto justificamse plenamente pois elas dizem respeito a situações em que a coisa julgada ocorrida no Brasil estaria viciada pelo fato de o processocrime ter sido realizado no intuito de fraudar a aplicação do Estatuto em relação ao réu Quanto à imprescritibilidade dos crimes definidos no Estatuto devese lembrar que a própria Constituição abre exceções à regra geral da prescrição penal em relação aos crimes de racismo e de ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado democrático art 5º XLII e XLIV Não faria sentido sustentar que tais crimes seriam menos graves que os definidos no Estatuto de modo a se recusar em relação a eles a regra da imprescritibilidade Já no tocante à possibilidade de o Brasil concordar em submeter cidadão brasileiro que se encontre em nosso território à jurisdição do Tribunal Penal Internacional devese assinalar que o Estatuto estabelece em seu art 102 a distinção entre extradição e entrega surrender A extradição supÕe uma relação de cooperação em plano de absoluta igualdade entre dois Estados em um processo criminal enquanto a entrega referese à cooperação de um Estado com um órgão jurisdicional internacional Neste último caso as partes envolvidas na relação situamse em planos jurídicos diferentes Não se deve a propósito esquecer que a Constituição Brasileira dispõe no art 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que o Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional de direitos humanos Ora sendo o Tribunal Penal Internacional como é óbyio um órgão do sistema internacional de direitos humanos não se pode deixar de concluir que a entrega de cidadão brasileiro àquele tribunal refoge ao âmbito de aplicação do art 5º LI da nossa Constituição Por último a proibição de penas de caráter perpétuo constante do art 5º XLVII b da Constituição deve ser interpretada em seus justos termos O seu âmbito de aplicação como é mamfesto circunscrevese ao ordenamento jurídico nacional A norma em questão nada tem que ver com a extradição esta regulada nos incisos LI e LII do art 5º Seria obyiamente um contrasenso suporse a transnacionalidade de pleno direito de uma norma do ordenamento nacional Estatuto do Tribunal Penal Internacional12 Excertos Preâmbulo Os Estados Partes no presente Estatuto Conscientes de que todos os povos estão unidos por laços comuns e de que suas culturas foram construídas sobre uma herança que partilham e preocupados com o fato deste delicado mosaico poder vir a quebrarse a qualquer instante Tendo presente que no decurso deste século milhões de crianças homens e mulheres têm sido vítimas de atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade Reconhecendo que crimes de uma tal gravidade constituem uma ameaça à paz à segurança e ao bemestar da humanidade Afirmando que os crimes de maior gravidade que afetam a comunidade internacional no seu conjunto não devem ficar impunes e que a sua 12 Tradução oficial do Governo brasileiro repressão deve ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da cooperação internacional Decididos a por fim à impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim para a prevenção de tais crimes Relembrando que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais Reafirmando os Objetivos e Princípios consignados na Carta das Nações Unidas e em particular que todos os Estados se devem abster de recorrer à ameaça ou ao uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado ou de atuar por qualquer outra forma incompatível com os Objetivos das Nações Unidas Salientando a este propósito que nada no presente Estatuto deverá ser entendido como autorizando qualquer Estado Parte a intervir em um conflito armado ou nos assuntos internos de qualquer Estado Determinados em perseguir este objetivo e no interesse das gerações presentes e vindouras a criar um Tribunal Penal Internacional com caráter permanente e independente no âmbito do sistema das Nações Unidas e com jurisdição sobre os crimes de maior gravidade que afetem a comunidade internacional no seu conjunto Sublinhando que o Tribunal Penal Internacional criado pelo presente Estatuto será complementar às jurisdições penais nacionais Decididos a garantir o respeito duradouro pela efetivação da justiça internacional Convieram no seguinte CAPÍTULO 1 CRIAÇÃO DO TRIBUNAL Artigo 1º O Tribunal É criado pelo presente instrumento um Tribunal Penal Internacional o Tribunal O Tribunal será uma instituição permanente com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional de acordo com o presente Estatuto e será complementar às jurisdições penais nacionais A competência e o funcionamento do Tribunal regerseão pelo presente Estatuto Artigo 2º Relação do Tribunal com as Nações Unidas A relação entre o Tribunal e as Nações Unidas será estabelecida através de um acordo a ser aprovado pela Assembléia dos Estados Partes no presente Estatuto e em seguida concluído pelo Presidente do Tribunal em nome deste Artigo 3º Sede do Tribunal 1 A sede do Tribunal será na Haia Países Baixos o Estado anfitrião 2 O Tribunal estabelecerá um acordo de sede com o Estado anfitrião a ser aprovado pela Assembléia dos Estados Partes e em seguida concluído pelo Presidente do Tribunal em nome deste 3 Sempre que entender conveniente o Tribunal poderá funcionar em outro local nos termos do presente Estatuto Artigo 4º Regime jurídico e poderes do Tribunal 1O Tribunal terá personalidade jurídica internacional Possuirá igualmente a capacidade jurídica necessária ao desempenho das suas funções e à prossecução dos seus objetivos 2 O Tribunal poderá exercer os seus poderes e funções nos termos do Presente Estatuto no território de qualquer Estado Parte e por acordo especial no território de qualquer outro Estado CAPÍTULO II COMPETÊNCIA ADMISSIBILIDADE E DIREITO APLICÁVEL Artigo 5º Crimes da competência do Tribunal 1 A competência do Tribunal restringirseá aos crimes mais graves que afetam a comunidade internacional no seu conjunto Nos termos do presente Estatuto o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes a O crime de genocídio b Crimes contra a humanidade c Crimes de guerra d O crime de agressão 2O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que nos termos dos artigos 121 e 123 seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas Artigo 6º Crime de genocídio 1 Para os efeitos do presente Estatuto entendese por genocídio qualquer um dos atos que a seguir se enumeram praticado com intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional étnico racial ou religioso enquanto tal a Homicídio de membros do grupo b Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo c Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física total ou parcial d Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo e Transferência à força de crianças do grupo para outro grupo Artigo 7º Crimes contra a humanidade 1 Para os efeitos do presente Estatuto entendese por crime contra a humanidade qualquer um dos atos seguintes quando cometido no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil havendo conhecimento desse ataque a Homicídio b Extermínio c Escravidão d Deportação ou transferência forçada de uma população e Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave em violação das normas fundamentais de direito internacional f Tortura g Agressão sexual escravatura sexual prostituição forçada gravidez forçada esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável h Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado por motivos políticos raciais nacionais étnicos culturais religiosos ou de gênero tal como definido no parágrafo 3º ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal IDesaparecimento forçado de pessoas j Crime de apartheid k Outros atos desumanos de caráter semelhante que causem intencionalmente grande sofrimento ou afetem gravemente a integridade física OU a saúde física ou mental 2 Para efeitos do parágrafo 1º a Por ataque contra uma população civil entendese qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1º contra uma população civil de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política b O extermínio compreende a sujeição intencional a condições de vida tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos com vista a causar a destruição de uma parte da população c Por escravidão entendese o exercício relativamente a uma pessoa de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas em particular mulheres e crianças d Por deportação ou transferência à força de uma população entendese o deslocamento forçado de pessoas através da expulsão ou outro ato coercivo da zona em que se encontram legalmente sem qualquer motivo reconhecido no direito internacional e Por tortura entendese o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas f Por gravidez à força entendese a privação ilegal de liberdade de uma mulher que foi engravidada à força com o propósito de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional Esta definição não pode de modo algum ser interpretada como afetando as disposições de direito interno relativas à gravidez g Por perseguição entendese a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa h Por crime de apartheid entendese qualquer ato desumano análogo aos referidos no parágrafo 1º praticado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e domínio sistemático de um grupo racial Sobre um ou outros grupos nacionais e com a intenção de manter esse regime I Por desaparecimento forçado de pessoas entendese a detenção a prisão ou o seqüestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização o apoio ou a concordância destes seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo 3 Para efeitos do presente Estatuto entendese que o termo gênero abrange os sexos masculino e feminino dentro do contexto da sociedade não lhe devendo ser atribuído qualquer outro significado Artigo 8º Crimes de guerra 1 O Tribunal terá competência para julgar os crimes de guerra em particular quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala desse tipo de crimes 2 Para os efeitos do presente Estatuto entendese por crimes de guerra a As violações graves às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 a saber qualquer um dos seguintes atos dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção de Genebra que for pertinente I Homicídio doloso II Tortura ou outros tratamentos desumanos incluindo as experiências biológicas III O ato de causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde IV Destruição ou a apropriação de bens em larga escala quando não justificadas por quaisquer necessidades militares e executadas de forma ilegal e arbitrária V O ato de compelir um prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção a servir nas forças armadas de uma potência inimiga VI Privação intencional de um prisioneiro de guerra ou de outra pessoa sob proteção do seu direito a um julgamento justo e imparcial VII Deportação ou transferência ilegais ou a privação ilegal de liberdade VIII Tomada de reféns b Outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional a saber qualquer um dos seguintes atos I Dirigir intencionalmente ataques à população civil em geral ou civis que não participem diretamente nas hostilidades II Dirigir intencionalmente ataques a bens civis ou seja bens que não sejam objetivos militares III Dirigir intencionalmente ataques ao pessoal instalações material unidades ou veículos que participem numa missão de manutenção da paz ou de assistência humanitária de acordo com a Carta das Nações Unidas sempre que estes tenham direito à proteção conferida aos civis ou aos bens civis pelo direito internacional aplicável aos conflitos armados IV Lançar intencionalmente um ataque sabendo que o mesmo causará perdas acidentais de vidas humanas ou ferimentos na população civil danos em bens de caráter civil ou prejuízos extensos duradouros e graves no meio ambiente que se revelem claramente excessivos em relação à vantagem militar global concreta e direta que se previa V Atacar ou bombardear por qualquer meio cidades vilarejos habitações ou edifícios que não estejam defendidos e que não sejam objetivos militares VI Matar ou ferir um combatente que tenha deposto armas ou que não tendo mais meios para se defender se tenha íncondicionalmente rendido VII Utilizar indevidamente uma bandeira de trégua a bandeira nacional as insígnias militares ou o uniforme do inimigo ou das Nações Unidas assim como os emblemas distintivos das Convenções de Genebra causando deste modo a morte ou ferimentos graves VIII A transferência direta ou indireta por uma potência ocupante de parte da sua população civil para o território que ocupa ou a deportação ou transferência da totalidade ou de parte da população do território ocupado dentro ou para fora desse território IX Dirigir intencionalmente ataques a edifícios consagrados ao culto religioso à educação às artes às ciências ou à beneficência monumentos históricos hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos sempre que não se trate de objetivos militares X Submeter pessoas que se encontrem sob o domínio de uma parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico dentário ou hospitalar nem sejam efetuadas no interesse dessas pessoas e que causem a morte ou coloquem seriamente em perigo a sua saúde XI Matar ou ferir à traição pessoas pertencentes à nação ou ao exército inimigo XII Declarar que não será dado quartel XIII Destruir ou apreender bens do inimigo a menos que tais destruições ou apreensões sejam imperativamente determinadas pelas necessidades da guerra XIV Declarar abolidos suspensos ou não admissíveis em tribunal os direitos e ações dos nacionais da parte inimiga XV Obrigar os nacionais da parte inimiga a participar em operações bélicas dirigidas contra o seu próprio país ainda que eles tenham estado ao serviço daquela parte beligerante antes do início da guerra XVI Saquear uma cidade ou uma localidade mesmo quando tomada de assalto XVII Utilizar veneno ou armas envenenadas XVIII Utilizar gases asfixiantes tóxicos ou outros gases ou qualquer líquido material ou dispositivo análogo XIX Utilizar balas que se expandem ou achatam facilmente no interior do corpo humano tais como balas de revestimento duro que não cobre totalmente o interior ou possui incisões XX Utilizar armas projéteis materiais e métodos de combate que pela sua própria natureza causem ferimentos supérfluos ou sofrimentos desnecessários ou que surtam efeitos indiscriminados em violação do direito internacional aplicável aos conflitos armados na medida em que tais armas projéteis materiais e métodos de combate sejam objeto de uma proibição geral e estejam íncluidos em um anexo ao presente Estatuto em virtude de uma alteração aprovada em conformidade com o disposto nos artigos 121 e 123 XXI Ultrajar a dignidade da pessoa em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes XXII Cometer atos de violação escravidão sexual prostituição forçada gravidez à força tal como definida na alínea f do parágrafo 2º do artigo 79 esterilização à força e qualquer outra forma de violência sexual que constitua também um desrespeito grave às Convenções de Genebra XXIII Utilizar a presença de civis ou de outras pessoas protegidas para evitar que determinados pontos zonas ou forças militares sejam alvo de operações militares XXIV Dirigir intencionalmente ataques a edifícios material unidades e veículos sanitários assim como o pessoal que esteja usando os emblemas distintivos das Convenções de Genebra em conformidade com o direito internacional XXV Provocar deliberadamente a inanição da população civil como método de guerra privandoa dos bens indispensáveis à sua sobrevivência impedindo inclusive o envio de socorros tal como previsto nas Convenções de Genebra XXVI Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou utilizálos para participar ativamente nas hostilidades c Em caso de conflito armado que não seja de índole internacional as violações graves do artigo 39 comum às quatro Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 a saber qualquer um dos atos que a seguir se indicam cometidos contra pessoas que não participem diretamente nas hoStilidades incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto armas e os que tenham ficado impedidos de continuar a combater devido a doença lesões prisão ou qualquer outro motivo I Atos de violência contra a vida e contra a pessoa em particular o homicídio sob todas as suas formas as mutilações os tratamentos cruéis e a tortura II Ultrajes à dignidade da pessoa em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes III A tomada de reféns IV As condenações proferidas e as execuções efetuadas sem julgamento prévio por um tribunal regularmente constituído e que ofereça todas as garantias judiciais geralmente reconhecidas como indispensáveis d A alínea c do parágrafo 2º do presente artigo aplicase aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e por conseguinte não se aplica a situações de distúrbio e de tensão internas tais como motins atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante e As outras violações graves das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que não têm caráter internacional no quadro do direito internacional a saber qualquer um dos seguintes atos I Dirigir intencionalmente ataques à população civil em geral ou civis que não participem diretamente nas hostilidades II Dirigir intencionalmente ataques a edifícios material unidades e veículos sanitários bem como ao pessoal que esteja usando os emblemas distintivos das Convenções de Genebra em conformidade com o direito internacional III Dirigir intencionalmente ataques ao pessoal instalações material unidades ou veículos que participem numa missão de manutenção da paz ou de assistência humanitária de acordo com a Carta das Nações Unidas sempre que estes tenham direito à proteção conferida pelo direito internacional dos conflitos armados aos civis e aos bens civis IV Atacar intencionalmente edifícios consagrados ao culto religioso à educação às artes às ciências ou à beneficência monumentos históricos hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos sempre que não se trate de objetivos militares V Saquear um aglomerado populacional ou um local mesmo quando tomado de assalto VI Cometer atos de agressão sexual escravidão sexual prostituição forçada gravidez à força tal como definida na alínea f do parágrafo 2º do artigo 79 esterilização à força ou qualquer outra forma de violência sexual que constitua uma violação grave do artigo 39 comum às quatro Convenções de Genebra VII Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou em grupos ou utilizálos para participar ativamente nas hostilidades VIII Ordenar a deslocação da população civil por razões relacionadas com o conflito salvo se assim o exigirem a segurança dos civis em questão ou razões militares imperiosas IX Matar ou ferir à traição um combatente de uma parte beligerante X Declarar que não será dado quartel XI Submeter pessoas que se encontrem sob o domínio de outra parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico dentário ou hospitalar nem sejam efetuadas no interesse dessa pessoa e que causem a morte ou ponham seriamente a sua saúde em perigo XII Destruir ou apreender bens do inimigo a menos que as necessidades da guerra assim o exijam f A alínea e do parágrafo 2º do presente artigo aplicarseá aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e por conseguinte não se aplicará a situações de distúrbio e de tensão internas tais como motins atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante aplicarseá ainda a conflitos armados que tenham lugar no território de um Estado quando exista um conflito armado prolongado entre as autoridades governamentais e grupos armados organizados ou entre estes grupos 3 O disposto nas alíneas c e e do parágrafo 2º em nada afetará a responsabilidade que incumbe a todo o Governo de manter e de restabelecer a ordem pública no Estado e de defender a unidade e a integridade territorial do Estado por qualquer meio legítimo Artigo 9º Elementos constitutivos dos crimes 1 Os elementos constitutivos dos crimes que auxiliarão o Tribunal a interpretar e a aplicar os artigos 6º 7º e 8º do presente Estatuto deverão ser adotados por uma maioria de dois terços dos membros da Assembléia dos Estados Partes 2 As alterações aos elementos constitutivos dos crimes poderão ser propostas por a Qualquer Estado Parte b Os juízes através de deliberação tomada por maioria absoluta c O Procurador As referidas alterações entram em vigor depois de aprovadas por uma maioria de dois terços dos membros da Assembléia dos Estados Partes 3 Os elementos constitutivos dos crimes e respectivas alterações deverão ser compatíveis com as disposições contidas no presente Estatuto Artigo 10 Nada no presente capítulo deverá ser interpretado como limitando ou afetando de alguma maneira as normas existentes ou em desenvolvimento de direito internacional com fins distintos dos do presente Estatuto Artigo 11 Competência ratione temporis 1 O Tribunal só terá competência relativamente aos crimes cometidos após a entrada em vigor do presente Estatuto 2 Se um Estado se tornar Parte no presente Estatuto depois da sua entrada em vigor o Tribunal só poderá exercer a sua competência em relação a crimes cometidos depois da entrada em vigor do presente Estatuto relativamente a esse Estado a menos que este tenha feito uma declaração nos termos do parágrafo 39 do artigo 12 Artigo 12 Condições prévias ao exercício da jurisdição 1 O Estado que se torne Parte no presente Estatuto aceitará a jurisdição do Tribunal relativamente aos crimes a que se refere o artigo 59 2 Nos casos referidos nos parágrafos a ou c do artigo 13 o Tribunal poderá exercer a sua jurisdição se um ou mais Estados a seguir identificados forem Partes no presente Estatuto ou aceitarem a competência do Tribunal de acordo com o disposto no parágrafo 39 a Estado em cujo território tenha tido lugar a conduta em causa ou se o crime tiver sido cometido a bordo de um navio ou de uma aeronave o Estado de matrícula do navio ou aeronave b Estado de que seja nacional a pessoa a quem é imputado um Crime 3 Se a aceitação da competência do Tribunal por um Estado que não seja Parte no presente Estatuto for necessária nos termos do parágrafo 2º pode o referido Estado mediante declaração depositada junto do Secretário consentir em que o Tribunal exerça a sua competência em relação ao crime em questão O Estado que tiver aceito a competência do Tribunal colaborará com este sem qualquer demora ou exceção de acordo com o disposto no Capítulo IX Artigo 13 Exercício da jurisdição O Tribunal poderá exercer a sua jurisdição em relação a qualquer um dos crimes a que se refere o artigo 59 de acordo com o disposto no presente Estatuto se a Um Estado Parte denunciar ao Procurador nos termos do artigo 14 qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes b O Conselho de Segurança agindo nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas denunciar ao Procurador qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes ou c O Procurador tiver dado início a um inquérito sobre tal crime nos termos do disposto no artigo 15 Artigo 14 Denúncia por um Estado Parte 1 Qualquer Estado Parte poderá denunciar ao Procurador uma situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários crimes da competência do Tribunal e solicitar ao Procurador que a investigue com vista a determinar se uma ou mais pessoas identificadas deverão ser acusadas da prática desses crimes 2 O Estado que proceder à denúncia deverá tanto quanto possível especificar as circunstâncias relevantes do caso e anexar toda a documentação de que disponha Artigo 15 Procurador 1 O Procurador poderá por sua própria iniciativa abrir um inquérito com base em informações sobre a prática de crimes da competência do Tribunal 2 O Procurador apreciará a seriedade da informação recebida Para tal poderá recolher informações suplementares junto aos Estados aos órgãoS da Organização das Nações Unidas às Organizações Intergovernamentais OU Não Governamentais ou outras fontes fidedignas que considere apropriadas bem como recolher depoimentos escritos ou orais na sede do Tribunal 3 Se concluir que existe fundamento suficiente para abrir um inquérito o Procurador apresentará um pedido de autorização nesse sentido ao Juízo de Instrução acompanhado da documentação de apoio que tiver reunido As vitimas poderão apresentar representações no Juízo de Instrução de acordo com o Regulamento Processual 4 Se após examinar o pedido e a documentação que o acompanha o Juízo de Instrução considerar que há fundamento suficiente para abrir um Inquérito e que o caso parece caber na jurisdição do Tribunal autorizará a abertura do inquérito sem prejuízo das decisões que o Tribunal vier a tomar posteriOrmente em matéria de competência e de admissibilidade 5 A recusa do Juízo de Instrução em autorizar a abertura do inquérito não impedirá o Procurador de formular ulteriormente outro pedido com base em novos fatos ou provas respeitantes à mesma situação 6 Se depois da análise preliminar a que se referem os parágrafos 1º e 2º o Procurador concluir que a informação apresentada não constitui fundamento suficiente para um inquérito o Procurador informará quem a tiver apresentado de tal entendimento Tal não impede que o Procurador examine à luz de novos fatos ou provas qualquer outra informação que lhe venha a ser comunicada sobre o mesmo caso Artigo 16 Adiamento do inquérito e do procedimento criminal Nenhum inquérito ou procedimento crime poderá ter início ou prosseguir os seus termos com base no presente Estatuto por um período de doze meses a contar da data em que o Conselho de Segurança assim o tiver solicitado em resolução aprovada nos termos do disposto no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas o pedido poderá ser renovado pelo Conselho de Segurança nas mesmas condições Artigo 17 Questões relativas à admissibilidade 1 Tendo em consideração o décimo parágrafo do Preâmbulo e o artigo 1º o Tribunal decidirá sobre a não admissibilidade de um caso se a O caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por Parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou não tenha capacidade para o fazer b O caso tiver sido objeto de inquérito por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para o fazer c A pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no parágrafo 3º do artigo 20 d O caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal 2 A fim de determinar se há ou não vontade de agir num determinado caso o Tribunal tendo em consideração as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias a O processo ter sido instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal nos termos do disposto no artigo 5º b Ter havido demora injustificada no processamento a qual dadas as circunstâncias se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça c O processo não ter sido ou não estar sendo conduzido de maneira independente ou imparcial e ter estado ou estar sendo conduzido de uma maneira que dadas as circunstâncias seja incompatível com a intenção de levar a pessoa em causa perante a justiça 3 A fim de determinar se há incapacidade de agir num determinado caso o Tribunal verificará se o Estado por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta não estará em condições de fazer comparecer o acusado de reunir os meios de prova e depoimentos necessários ou não estará por outros motivos em condições de concluir o processo Artigo 20 Ne bis in idem 1 Salvo disposição contrária do presente Estatuto nenhuma pessoa poderá ser julgada pelo Tribunal por atos constitutivos de crimes pelos quais este já a tenha condenado ou absolvido 2 Nenhuma pessoa poderá ser julgada por outro tribunal por um crime mencionado no artigo 5º relativamente ao qual já tenha sido condenada OU absolvida pelo Tribunal 3O Tribunal não poderá julgar uma pessoa que já tenha sido julgada por outro tribunal por atos também punidos pelos artigos 6º 7º ou 8º a menos que o processo nesse outro tribunal a Tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal ou b Não tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial em conformidade com as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional ou tenha sido conduzido de uma maneira que no caso concreto se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação da justiça Artigo 21 Direito aplicável 1 O Tribunal aplicará a Em primeiro lugar o presente Estatuto os Elementos Constitutivos do Crime e o Regulamento Processual b Em segundo lugar se for o caso os tratados e os princípios e normas de direito internacional aplicáveis incluindo os princípios estabelecidos no direito internacional dos conflitos armados c Na falta destes os princípios gerais do direito que o Tribunal retire do direito interno dos diferentes sistemas jurídicos existentes incluindo se for o caso o direito interno dos Estados que exerceriam nor malmente a sua jurisdição relativamente ao crime sempre que esses princípios não sejam incompatíveis com o presente Estatuto com o direito internacional nem com as normas e padrões internacionalmente reconhecidos 2 O Tribunal poderá aplicar princípios e normas de direito tal como já tenham sido por si interpretados em decisões anteriores 3 A aplicação e interpretação do direito nos termos do presente artigo deverá ser compatível com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos sem discriminação alguma baseada em motivos tais como o gênero definido no parágrafo 3º do artigo 7º a idade a raça a cor a religião ou o credo a opinião política ou outra a origem nacional étnica ou social a situação econômica o nascimento ou outra condição CAPÍTULO III PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO PENAL Artigo 22 Nullum crimen sine lege 1 Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável nos termos do presente Estatuto a menos que a sua conduta constitua no momento em que tiver lugar um crime da competência do Tribunal 2 A previsão de um crime será estabelecida de forma precisa e não será permitido o recurso à analogia Em caso de ambigüidade será interpretada a favor da pessoa objeto de inquérito acusada ou condenada 3 O disposto no presente artigo em nada afetará a tipificação de uma conduta como crime nos termos do direito internacional independentemente do presente Estatuto Artigo 23 Nulla poena sine lege Qualquer pessoa condenada pelo Tribunal só poderá ser punida em conformidade com as disposições do presente Estatuto Artigo 24 Não retroatividade ratione personae 1 Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável de acordo com o presente Estatuto por uma conduta anterior à entrada em vigor do presente Estatuto 2 Se o direito aplicável a um caso for modificado antes de proferida sentença definitiva aplicarseá o direito mais favorável à pessoa objeto de inquérito acusada ou condenada Artigo 25 Responsabilidade criminal individual 1 De acordo com o presente Estatuto o Tribunal será competente para julgar as pessoas físicas 2 Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente Estatuto 3 Nos termos do presente Estatuto será considerado criminalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência do Tribunal quem a Cometer esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outrem quer essa pessoa seja ou não criminalmente responsável b Ordenar solicitar ou instigar à prática desse crime sob forma consumada ou sob a forma de tentativa c Com o propósito de facilitar a prática desse crime for cúmplice ou encobridor ou colaborar de algum modo na prática ou na tentativa de prática do crime nomeadamente pelo fornecimento dos meios para a sua prática d Contribuir de alguma outra forma para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de pessoas que tenha um objetivo comum Esta contribuição deverá ser intencional e ocorrer conforme o caso I Com o propósito de levar a cabo a atividade ou o objetivo criminal do grupo quando um ou outro implique a prática de um crime da competência do Tribunal ou II Com o conhecimento da intenção do grupo de cometer o crime e No caso de crime de genocídio incitar direta e publicamente à sua prática f Tentar cometer o crime mediante atos que contribuam substancialmente para a sua execução ainda que não se venha a consumar devido a circunstâncias alheias à sua vontade Porém quem desistir da prática do crime ou impedir de outra forma que este se consuma não poderá ser punido em conformidade com o presente Estatuto pela tentativa se renunciar total e voluntariamente ao propósito delituoso 4 O disposto no presente Estatuto sobre a responsabilidade criminal das pessoas físicas em nada afetará a responsabilidade do Estado de acordo com o direito internacional Artigo 26 Exclusão da jurisdição relativamente a menores de 18 anos O Tribunal não terá jurisdição sobre pessoas que à data da alegada prática do crime não tenham ainda completado 18 anos de idade Artigo 27 Irrelevância da qualidade oficial 1 O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as Pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial Em particular a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo de membro de Governo ou do Parlamento de representante eleito ou de funcionário Público em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto nem constituirá de persi motivo de redução da pena 2 As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa nos termos do direito interno ou do direito internacional não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa Artigo 28 Responsabilidade dos chefes militares e outros superiores hierárquicos Além de outras fontes de responsabilidade criminal previstas no presente Estatuto por crimes da competência do Tribunal a O chefe militar ou a pessoa que atue efetivamente como chefe militar será criminalmente responsável por crimes da competência do Tribunal que tenham sido cometidos por forças sob o seu comando e controle efetivos ou sob a sua autoridade e controle efetivos conforme o caso pelo fato de não exercer um controle apropriado sobre essas forças quando I Esse chefe militar ou essa pessoa tinha conhecimento ou em virtude das circunstâncias do momento deveria ter tido conhecimento de que essas forças estavam a cometer ou preparavamse para cometer esses crimes e II Esse chefe militar ou essa pessoa não tenha adotado todas as medidas necessárias e adequadas ao seu alcance para prevenir ou reprimir a sua prática ou para levar o assunto ao conhecimento das autoridades competentes para efeitos de inquérito e procedimento criminal b Nas relações entre superiores hierárquicos e subordinados não referidos na alínea a o superior hierárquico será criminalmente responsável pelos crimes da competência do Tribunal que tiverem sido cometidos por subordinados sob a sua autoridade e controle efetivos pelo fato de não ter exercido um controle apropriado sobre esses subordinados quando I O superior hierárquico teve conhecimento ou deliberadamente não levou em consideração a informação que indicava claramente que os subordinados estavam a cometer ou se preparavam para cometer esses crimes II Esses crimes estavam relacionados com atividades sob a sua responsabilidade e controle efetivos e III O superior hierárquico não adotou todas as medidas necessárias e adequadas ao seu alcance para prevenir ou reprimir a sua prática OU para levar o assunto ao conhecimento das autoridades competentes para efeitos de inquérito e procedimento criminal Artigo 29 Imprescritibilidade Os crimes da competência do Tribunal não prescrevem Artigo 30 Elementos psicológicos 1 Salvo disposição em contrário nenhuma pessoa poderá ser criminalmente responsável e punida por um crime da competência do Tribunal a menos que atue com vontade de o cometer e conhecimento dos seus elementos materiais 2 Para os efeitos do presente artigo entendese que atua intencionalmente quem a Relativamente a uma conduta se propuser adotála b Relativamente a um efeito do crime 1 se propuser causálo ou estiver ciente de que ele terá lugar em uma ordem normal dos acontecimentos 3 Nos termos do presente artigo entendese por conhecimento a consciência de que existe uma circunstância ou de que um efeito irá ter lugar em uma ordem normal dos acontecimentos As expressões ter conhecimento e com conhecimento deverão ser entendidas em conformidade Artigo 31 Causas de exclusão da responsabilidade criminal 1 Sem prejuízo de outros fundamentos para a exclusão de responSabilidade criminal previstos no presente Estatuto não será considerada Criminalmente responsável a pessoa que no momento da prática de determinada conduta a Sofrer de enfermidade ou deficiência mental que a prive da capacidade para avaliar a ilicitude ou a natureza da sua conduta ou da capacidade para controlar essa conduta a fim de não violar a lei b Estiver em estado de intoxicação que a prive da capacidade para avaliar a ilicitude ou a natureza da sua conduta ou da capacidade para controlar essa conduta a fim de não transgredir a lei a menos que se tenha intoxicado voluntariamente em circunstâncias que lhe permitiam ter Conhecimento de que em conseqüência da intoxicação poderia incorrer numa conduta tipificada como crime da competência do Tribunal ou de que haveria o risco de tal suceder c Agir em defesa própria ou de terceiro com razoabilidade ou em Caso de crimes de guerra em defesa de um bem que seja essencial para a sua sobrevivência ou de terceiro ou de um bem que seja essencial à realização de uma missão militar contra o uso iminente e ilegal da força de forma proporcional ao grau de perigo para si para terceiro ou para os bens protegidos O fato de participar em uma força que realize uma operação de defesa não será causa bastante de exclusão de responsabilidade criminal nos termos desta alínea d Tiver incorrido numa conduta que presumivelmente constitui crime da competência do Tribunal em conseqüência de coação decorrente de uma ameaça iminente de morte ou ofensas corporais graves para si ou para outrem e em que se veja compelida a atuar de forma necessária e razoável para evitar essa ameaça desde que não tenha a intenção de causar um dano maior que aquele que se propunha evitar Essa ameaça tanto poderá I Ter sido feita por outras pessoas ou II Ser constituída por outras circunstâncias alheias à sua vontade 2 O Tribunal determinará se os fundamentos de exclusão da responsabilidade criminal previstos no presente Estatuto serão aplicáveis no caso em apreço 3 No julgamento o Tribunal poderá levar em consideração outros fundamentos de exclusão da responsabilidade criminal distintos dos referidos no parágrafo 1º sempre que esses fundamentos resultem do direito aplicável em conformidade com o artigo 21 O processo de exame de um fundamento de exclusão deste tipo será definido no Regulamento Processual Artigo 32 Erro de fato ou erro de direito 1 O erro de fato só excluirá a responsabilidade criminal se eliminar o dolo requerido pelo crime 2 O erro de direito sobre se determinado tipo de conduta constitui crime da competência do Tribunal não será considerado fundamento de exclusão de responsabilidade criminal No entanto o erro de direito poderá ser considerado fundamento de exclusão de responsabilidade criminal se eliminar o dolo requerido pelo crime ou se decorrer do artigo 33 do presente Estatuto Artigo 33 Decisão hierárquica e disposições legais 1 Quem tiver cometido um crime da competência do Tribunal em cumprimento de uma decisão emanada de um Governo ou de um superior hierárquico quer seja militar ou civil não será isento de responsabilidade criminal a menos que a Estivesse obrigado por lei a obedecer a decisões emanadas do Governo ou superior hierárquico em questão b Não tivesse conhecimento de que a decisão era ilegal e c A decisão não fosse manifestamente ilegal 2 Para os efeitos do presente artigo qualquer decisão de cometer genocídio ou crimes contra a humanidade será considerada como manifestamente ilegal CAPÍTULO IV COMPOSIÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DO TRIBUNAL Artigo 34 Órgãos do Tribunal O Tribunal será composto pelos seguintes órgãos a A Presidência b Uma Seção de Recursos uma Seção de Julgamento em Primeira Instância e uma Seção de Instrução c O Gabinete do Procurador d A Secretaria Artigo 35 Exercício das funções de juiz 1 Os juizes serão eleitos membros do Tribunal para exercer funções em regime de exclusividade e deverão estar disponíveis para desempenhar o respectivo cargo desde o início do seu mandato 2 Os juizes que comporão a Presidência desempenharão as suas funções em regime de exclusividade desde a sua eleição 3 A Presidência poderá em função do volume de trabalho do Tribunal e após consulta dos seus membros decidir periodicamente em que medida é que será necessário que os restantes juízes desempenhem as suas funções em regime de exclusividade Estas decisões não prejudicarão o disposto no artigo 40 4 Os ajustes de ordem financeira relativos aos juizes que não tenham de exercer os respectivos cargos em regime de exclusividade serão adotados em conformidade com o disposto no artigo 49 Artigo 36 Qualificações Candidatura e eleição dos juízes 1 Sob reserva do disposto no parágrafo 2º o Tribunal será composto por 18 juÍzes 2 a A Presidência agindo em nome do Tribunal poderá propor o aumento do número de juizes referido no parágrafo 1º fundamentando as razões pelas quais considera necessáría e apropriada tal medida O Secretário comunicará imediatamente a proposta a todos os Estados Partes b A proposta será seguidamente apreciada em sessão da Assembléia dos Estados Partes convocada nos termos do artigo 112 e deverá ser considerada adotada se for aprovada na sessão por maioria de dois terços dos membros da Assembléia dos Estados Partes a proposta entrará em vigor na data fixada pela Assembléia dos Estados Partes c I Logo que seja aprovada a proposta de aumento do número de juízes de acordo com o disposto na alínea b a eleição dos juízes adicionais terá lugar no período seguinte de sessões da Assembléia dos Estados Partes nos termos dos parágrafos 3º a 8º do presente artigo e do parágrafo 2º do artigo 37 II Após a aprovação e a entrada em vigor de uma proposta de aumento do número de juizes de acordo com o disposto nas alíneas b e c I a Presidência poderá a qualquer momento se o volume de trabalho do Tribunal assim o justificar propor que o número de juizes seja reduzido mas nunca para um número inferior ao fixado no parágrafo 1º A proposta será apreciada de acordo com o procedimento definido nas alíneas a e b Caso a proposta seja aprovada o número de juizes será progressivamente reduzido à medida que expirem os mandatos e até que se alcance o número previsto 3 a Os juizes serão eleitos dentre pessoas de elevada idoneidade moral imparcialidade e integridade que reúnam os requisitos para o exercício das mais altas funções judiciais nos seus respectivos países b Os candidatos a juizes deverão possuir I Reconhecida competência em direito penal e direito processual penal e a necessária experiência em processos penais na qualidade de juiz procurador advogado ou outra função semelhante ou II Reconhecida competência em matérias relevantes de direito internacional tais como o direito internacional humanitário e os direitos humanos assim como vasta experiência em profissões jurídicas com relevância para a função judicial do Tribunal c Os candidatos a juizes deverão possuir um excelente conhecimento e serem fluentes em pelo menos uma das línguas de trabalho do Tribunal 4 a Qualquer Estado Parte no presente Estatuto poderá propor candidatos às eleições para juiz do Tribunal mediante I O procedimento previsto para propor candidatos aos mais altos cargos judiciais do país ou II O procedimento previsto no Estatuto da Corte Internacional de Justiça para propor candidatos a esse Tribunal As propostas de candidatura deverão ser acompanhadas de uma exposição detalhada comprovativa de que o candidato possui os requisitos enunciados no parágrafo 3º b Qualquer Estado Parte poderá apresentar uma candidatura de uma pessoa que não tenha necessariamente a sua nacionalidade mas que seja nacional de um Estado Parte c A Assembléia dos Estados Partes poderá decidir constituir se apropriado uma Comissão consultiva para o exame das candidaturas Neste caso a Assembléia dos Estados Partes determinará a composição e o mandato da Comissão 5 Para efeitos da eleição serão estabelecidas duas listas de candidatos A lista A com os nomes dos candidatos que reúnam os requisitos enunciados na alínea b I do parágrafo 3º e A lista B com os nomes dos candidatos que reúnam os requisitos enunciados na alínea b II do parágrafo 3º O candidato que reúna os requisitos constantes de ambas as listas poderá escolher em qual delas deseja figurar Na primeira eleição de membros do Tribunal pelo menos nove juizes serão eleitos entre os candidatos da lista A e pelo menos cinco entre os candidatos da lista B As eleições subseqüentes serão organizadas por forma a que se mantenha no Tribunal uma proporção equivalente de juizes de ambas as listas 6 a Os juizes serão eleitos por escrutínio secreto em sessão da Assembléia dos Estados Partes convocada para esse efeito nos termos do artigo 112 Sob reserva do disposto no parágrafo 7 serão eleitos os 18 candidatos que obtenham o maior número de votos e uma maioria de dois terços dos Estados Partes presentes e votantes b No caso em que da primeira votação não resulte eleito um número suficiente de juizes procederseá a nova votação de acordo com os procedimentos estabelecidos na alínea a até provimento dos lugares restantes 7 O Tribunal não poderá ter mais de um juiz nacional do mesmo Estado Para este efeito a pessoa que for considerada nacional de mais de um Estado será considerada nacional do Estado onde exerce habitualmente os seus direitos civis e políticos 8 a Na seleção dos juizes os Estados Partes ponderarão sobre a necessidade de assegurar que a composição do Tribunal inclua I A representação dos principais sistemas jurídicos do mundo II Uma representação geográfica eqüitativa e III Uma representação justa de juizes do sexo feminino e do sexo masculino b Os Estados Partes levarão igualmente em consideração a necessidade de assegurar a presença de juizes especializados em determinadas matérias incluindo entre outras a violência contra mulheres ou crianças 9 a Salvo o disposto na alínea b os juizes serão eleitos por um mandato de nove anos e não poderão ser reeleitos salvo o disposto na alínea c e no parágrafo 2º do artigo 37 b Na primeira eleição um terço dos juizes eleitos será selecionado por sorteio para exercer um mandato de três anos outro terço será selecionado também por sorteio para exercer um mandato de seis anos e os restantes exercerão um mandato de nove anos c Um juiz selecionado para exercer um mandato de três anos em conformidade com a alínea b poderá ser reeleito para um mandato completo 10 Não obstante o disposto no parágrafo 9 um juiz afeto a um Juízo de Julgamento em Primeira Instância ou de Recurso em conformidade com o artigo 39 permanecerá em funções até à conclusão do julgamento ou do recurso dos casos que tiver a seu cargo Artigo 37 Vagas 1 Caso ocorra uma vaga realizarseá uma eleição para o seu provimento de acordo com o artigo 36 2 O juiz eleito para prover uma vaga concluirá o mandato do seu antecessor e se esse período for igual ou inferior a três anos poderá ser reeleito para um mandato completo nos termos do artigo 36 Artigo 40 Independência dos juízes 1 Os juizes serão independentes no desempenho das suas funções 2 Os juizes não desenvolverão qualquer atividade que possa ser incompatível com o exercício das suas funções judiciais ou prejudicar a confiança na sua independência 3 Os juizes que devam desempenhar os seus cargos em regime de exclusividade na sede do Tribunal não poderão ter qualquer outra ocupação de natureza profissional 4 As questões relativas à aplicação dos parágrafos 2º e 3º serão decididas por maioria absoluta dos juizes Nenhum juiz participará na deCiSãO de uma questão que lhe diga respeito Artigo 41 Impedimento e desqualificação de juízes 1 A Presidência poderá a pedido de um juiz declarar seu impedimento para o exercício de alguma das funções que lhe confere o presente Estatuto em conformidade com o Regulamento Processual 2 a Nenhum juiz pode participar num caso em que por qualquer motivo seja posta em dúvida a sua imparcialidade Será desqualificado em conformidade com o disposto neste número entre outras razões se tiver intervindo anteriormente a qualquer titulo em um caso submetido ao Tribunal ou em um procedimento criminal conexo em nível nacional que envolva a pessoa objeto de inquérito ou procedimento criminal Pode ser igualmente desqualificado por qualquer outro dos motivos definidos no Regulamento Processual b O Procurador ou a pessoa objeto de inquérito ou procedimento criminal poderá solicitar a desqualificação de um juiz em virtude do disposto no presente número c As questões relativas à desqualificação de juizes serão decididas por maioria absoluta dos juizes O juiz cuja desqualificação for solicitada poderá pronunciarse sobre a questão mas não poderá tomar parte na decisão Artigo 42 O Gabinete do Procurador 1 O Gabinete do Procurador atuará de forma independente enquanto órgào autônomo do Tribunal Competirlheá recolher comunicações e qualquer outro tipo de informação devidamente fundamentada sobre crimes da competência do Tribunal a fim de os examinar e investigar e de exercer a ação penal junto ao Tribunal Os membros do Gabinete do Procurador não solicitarão nem cumprirão ordens de fontes externas ao Tribunal 2 O Gabinete do Procurador será presidido pelo Procurador que terá plena autoridade para dirigir e administrar o Gabinete do Procurador Incluindo o pessoal as instalações e outros recursos O Procurador será Coadjuvado por um ou mais ProcuradoresAdjuntos que poderão desemPenhar qualquer uma das funções que incumbam àquele em conformidade Com o disposto no presente Estatuto O Procurador e os ProcuradoresAdjuntos terão nacionalidades diferentes e desempenharão o respectivo cargo em regime de exclusividade 3 O Procurador e os ProcuradoresAdjuntos deverão ter elevada idoneidade moral elevado nível de competência e vasta experiência prática em matéria de processo penal Deverão possuir um excelente conhecimento e serem fluentes em pelo menos uma das línguas de trabalho do Tribunal 4 O Procurador será eleito por escrutínio secreto e por maioria absoluta de votos dos membros da Assembléia dos Estados Partes Os ProcuradoresAdjuntos serão eleitos da mesma forma de entre uma lista de candidatos apresentada pelo Procurador O Procurador proporá três candidatos para cada cargo de ProcuradorAdjunto a prover A menos que ao tempo da eleição seja fixado um período mais curto o Procurador e os ProcuradoresAdjuntos exercerão os respectivos cargos por um período de nove anos e não poderão ser reeleitos 5 O Procurador e os ProcuradoresAdjuntos não deverão desenvolver qualquer atividade que possa interferir com o exercício das suas funções ou afetar a confiança na sua independência e não poderão desempenhar qualquer outra função de caráter profissional 6 A Presidência poderá a pedido do Procurador ou de um ProcuradorAdjunto escusálo de intervir num determinado caso 7 O Procurador e os ProcuradoresAdjuntos não poderão participar em qualquer processo em que por qualquer motivo a sua imparcialidade possa ser posta em causa Serão recusados em conformidade com o disposto no presente número entre outras razões se tiverem intervindo anteriormente a qualquer título num caso submetido ao Tribunal ou num procedimentocrime conexo em nível nacional que envolva a pessoa objeto de inquérito ou procedimento criminal 8 As questões relativas à recusa do Procurador ou de um ProcuradorAdjunto serão decididas pelo Juízo de Recursos a A pessoa objeto de inquérito ou procedimento criminal poderá solicitar a todo o momento a recusa do Procurador ou de um ProcuradorAdjunto pelos motivos previstos no presente artigo b O Procurador ou o ProcuradorAdjunto segundo o caso poderão pronunciarse sobre a questão 9 O Procurador nomeará assessores jurídicos especializados em determinadas áreas incluindo entre outras as da violência sexual ou violência por motivos relacionados com a pertença a um determinado gênero e da violência contra as crianças Artigo 45 Compromisso solene Antes de assumir as funções previstas no presente Estatuto os juizes o procurador os ProcuradoresAdjuntos o Secretário e o SecretárioAdjunto declararão solenemente em sessão pública que exercerão as suas funções imparcial e conscienciosamente Artigo 46 Cessação de funções 1 Um Juiz o Procurador um ProcuradorAdjunto o Secretário ou o SecretárioAdjunto cessará as respectivas funções por decisão adotada de acordo com o disposto no parágrafo 2º nos casos em que a Se conclua que a pessoa em causa incorreu em falta grave ou incumprimentO grave das funções conferidas pelo presente Estatuto de acordo com o previsto no Regulamento Processual ou b A pessoa em causa se encontre impossibilitada de desempenhar as funções definidas no presente Estatuto 2 A decisão relativa à cessação de funções de um juiz do Procurador ou de um ProcuradorAdjunto de acordo com o parágrafo 1º será adotada pela Assembléia dos Estados Partes em escrutínio secreto a No caso de um juiz por maioria de dois terços dos Estados Partes com base em recomendação adotada por maioria de dois terços dos restantes juizes b No caso do Procurador por maioria absoluta dos Estados Partes c No caso de um ProcuradorAdjunto por maioria absoluta dos Estados Partes com base na recomendação do Procurador 3 A decisão relativa à cessação de funções do Secretário ou do SecretárioAdjunto será adotada por maioria absoluta de votos dos juizes 4 Os juizes o Procurador os ProcuradoresAdjuntos o Secretário ou o SecretárioAdjunto cuja conduta ou idoneidade para o exercício das funções inerentes ao cargo em conformidade com o presente Estatuto tiver sido contestada ao abrigo do presente artigo terão plena possibilidade de apresentar e obter meios de prova e produzir alegações de acordo com o Regulamento Processual não poderão no entanto participar de qualquer outra forma na apreciação do caso Artigo 47 Medidas disciplinares Os Juizes o Procurador os ProcuradoresAdjuntos o Secretário ou O SecretáríoAdjunto que tiverem cometido uma falta menos grave que a prevista no parágrafo 1º do artigo 46 incorrerão em responsabilidade disciplinar nos termos do Regulamento Processual Artigo 48 Privilégios e Imunidades 1 O Tribunal gozará no território dos Estados Partes dos privilégios e imunidades que se mostrem necessários ao cumprimento das suas funções 2 Os juizes o Procurador os ProcuradoresAdjuntos e o Secretário gozarão no exercício das suas funções ou em relação a estas dos mesmos privilégios e imunidades reconhecidos aos chefes das missões diplomáticas continuando a usufruir de absoluta imunidade judicial relativamente às suas declarações orais ou escritas e aos atos que pratiquem no desempenho de funções oficiais após o termo do respectivo mandato 3 O SecretárioAdjunto o pessoal do Gabinete do Procurador e o pessoal da Secretaria gozarão dos mesmos privilégios e imunidades e das facilidades necessárias ao cumprimento das respectivas funções nos termos do acordo sobre os privilégios e imunidades do Tribunal 4 Os advogados peritos testemunhas e outras pessoas cuja presença seja requerida na sede do Tribunal beneficiarseão do tratamento que se mostre necessário ao funcionamento adequado deste nos termos do acordo sobre os privilégios e imunidades do Tribunal 5 Os privilégios e imunidades poderão ser levantados a No caso de um juiz ou do Procurador por decisão adotada por maioria absoluta dos juizes b No caso do Secretário pela Presidência c No caso dos ProcuradoresAdjuntos e do pessoal do Gabinete do Procurador pelo Procurador d No caso do SecretárioAdjunto e do pessoal da Secretaria pelo Secretário Artigo 49 Vencimentos subsídios e despesas Os juizes o Procurador os ProcuradoresAdjuntos o Secretário e o Secretárioadjunto auferirão os vencimentos e terão direito aos subsídios e ao reembolso de despesas que forem estabelecidos em Assembléia dos Estados Partes Estes vencimentos e subsídios não serão reduzidos no decurso do mandato Artigo 50 Línguas oficiais e línguas de trabalho 1 As línguas árabe chinesa espanhola francesa inglesa e russa serão as línguas oficiais do Tribunal As sentenças proferidas pelo Tribunal bem como outras decisões sobre questões fundamentais submetidas ao Tribunal serão publicadas nas línguas oficiais A Presidência de acordo com os critérios definidos no Regulamento Processual determinará quais as decisões que poderão ser consideradas como decisões sobre questões fundamentais para os efeitos do presente parágrafo 2 As línguas francesa e inglesa serão as línguas de trabalho do Tribunal O Regulamento Processual definirá os casos em que outras línguas oficiais poderão ser usadas como línguas de trabalho 3 A pedido de qualquer Parte ou qualquer Estado que tenha sido admitido intervir num processo o Tribunal autorizará o uso de uma língua que não seja francesa ou a inglesa sempre que considere que tal autorização se justifica Artigo 51 Regulamento Processual 1O Regulamento Processual entrará em vigor mediante a sua aprovação por uma maioria de dois terços dos votos dos membros da Assembléia dos Estados Partes 2 Poderão propor alterações ao Regulamento Processual a Qualquer Estado Parte b Os juizes por maioria absoluta ou c O Procurador Estas alterações entrarão em vigor mediante a aprovação por uma maioria de dois terços dos votos dos membros da Assembléia dos Estados partes 3 Após a aprovação do Regulamento Processual em casos urgentes em que a situação concreta suscitada em Tribunal não se encontre prevista no Regulamento Processual os juizes poderão por maioria de dois terços estabelecer normas provisórias a serem aplicadas até que a Assembléia dos Estados Partes as aprove altere ou rejeite na sessão ordinária ou extraordinária seguinte 4 O Regulamento Processual e respectivas alterações bem como quaisquer normas provisórias deverão estar em consonância com o preSente Estatuto As alterações ao Regulamento Processual assim como as normas provisórias aprovadas em conformidade com o parágrafo 3º não serão aplicadas com caráter retroativo em detrimento de qualquer pessoa que seja objeto de inquérito ou de procedimento criminal ou que tenha sido condenada 5 Em caso de conflito entre as disposições do Estatuto e as do Regulamento Processual o Estatuto prevalecerá CAPÍTULO V INQUÉRITO E PROCEDIMENTO CRIMINAL Artigo 55 Direitos das pessoas no decurso do inquérito 1 No decurso de um inquérito aberto nos termos do presente Estatuto a Nenhuma pessoa poderá ser obrigada a depor contra si própria ou a declararse culpada b Nenhuma pessoa poderá ser submetida a qualquer forma de coação intimidação ou ameaça tortura ou outras formas de penas ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes e c Qualquer pessoa que for interrogada numa língua que não compreenda ou não fale fluentemente será assistida gratuitamente por um intérprete competente e disporá das traduções que são necessárias às exigências de eqüidade d Nenhuma pessoa poderá ser presa ou detida arbitrariamente nem ser privada da sua liberdade salvo pelos motivos previstos no presente Estatuto e em conformidade com os procedimentos nele estabelecidos 2 Sempre que existam motivos para crer que uma pessoa cometeu um crime da competência do Tribunal e que deve ser interrogada pelo Procurador ou pelas autoridades nacionais em virtude de um pedido feito em conformidade com o disposto na Parte IX do presente Estatuto essa pessoa será informada antes do interrogatório de que goza ainda dos seguintes direitos a A ser informada antes de ser interrogada de que existem indícios de que cometeu um crime da competência do Tribunal b A guardar silêncio sem que tal seja tido em consideração para efeitos de determinação da sua culpa ou inocência c A ser assistida por um advogado da sua escolha ou se não o tiver a solicitar que lhe seja designado um defensor dativo em todas as situações em que o interesse da justiça assim o exija e sem qualquer encargo se não possuir meios suficientes para lhe pagar e d A ser interrogada na presença do seu advogado a menos que tenha renunciado voluntariamente ao direito de ser assistida por um advogado CAPÍTULO VI O JULGAMENTO Artigo 58 Mandado de detenção e notificação para comparecimento do Juízo de Instrução 1 A todo o momento após a abertura do inquérito o Juízo de Instrução poderá a pedido do Procurador emitir um mandado de detenção contra uma pessoa se após examinar o pedido e as provas ou outras informações submetidas pelo Procurador considerar que a Existem motivos suficientes para crer que essa pessoa cometeu um crime da competência do Tribunal e b A detenção dessa pessoa se mostra necessária para I Garantir o seu comparecimento em tribunal II Garantir que não obstruirá nem porá em perigo o inquérito ou a ação do Tribunal ou III Se for o caso impedir que a pessoa continue a cometer esse crime ou um crime conexo que seja da competência do Tribunal e tenha a sua origem nas mesmas circunstâncias 2 Do requerimento do Procurador deverão constar os seguintes elementos a O nome da pessoa em causa e qualquer outro elemento útil de identificação b A referência precisa do crime da competência do Tribunal que a pessoa tenha presumivelmente cometido c Uma descrição sucinta dos fatos que alegadamente constituem o crime d Um resumo das provas e de qualquer outra informação que constitua motivo suficiente para crer que a pessoa cometeu o crime e e Os motivos pelos quais o Procurador considere necessário proceder à detenção daquela pessoa 3 Do mandado de detenção deverão constar os seguintes elementos a O nome da pessoa em causa e qualquer outro elemento útil de identificação b A referência precisa do crime da competência do Tribunal que justifique o pedido de detenção e c Uma descrição sucinta dos fatos que alegadamente constituem o crime 4 O mandado de detenção manterseá válido até decisão em contrário do Tribunal 5 Com base no mandado de detenção o Tribunal poderá solicitar a prisão preventiva ou a detenção e entrega da pessoa em conformidade com o disposto na Parte IX do presente Estatuto 6 O Procurador poderá solicitar ao Juízo de Instrução que altere o mandado de detenção no sentido de requalificar os crimes aí indicados ou de adicionar outros O Juízo de Instrução alterará o mandado de detenção se considerar que existem motivos suficientes para crer que a pessoa cometeu quer os crimes na forma que se indica nessa requalificação quer os novos crimes 7 O Procurador poderá solicitar ao Juízo de Instrução que em vez de um mandado de detenção emita uma notificação para comparecimento Se o Juízo considerar que existem motivos suficientes para crer que a pessoa cometeu o crime que lhe é imputado e que uma notificação para comparecimento será suficiente para garantir a sua presença efetiva em tribunal emitirá uma notificação para que a pessoa compareça com ou sem a imposição de medidas restritivas de liberdade distintas da detenção se previstas no direito interno Da notificação para comparecimento deverão constar os seguintes elementos a O nome da pessoa em causa e qualquer outro elemento útil de identificação b A data de comparecimento c A referência precisa ao crime da competência do Tribunal que a pessoa alegadamente tenha cometido e d Uma descrição sucinta dos fatos que alegadamente constituem o crime Esta notificação será diretamente feita à pessoa em causa Artigo 59 Procedimento de detenção no Estado da detenção 1 O Estado Parte que receber um pedido de prisão preventiva ou de detenção e entrega adotará imediatamente as medidas necessárias para proceder à detenção em conformidade com o respectivo direito interno e com o disposto na Parte IX 2 O detido será imediatamente levado à presença da autoridade judiciária competente do Estado da detenção que determinará se de acordo com a legislação desse Estado a O mandado de detenção é aplicável à pessoa em causa b A detenção foi executada de acordo com a lei c Os direitos do detido foram respeitados 3 O detido terá direito a solicitar à autoridade COmpetente do Estado da detenção autorização para aguardar a sua entrega em liberdade 4 Ao decidir sobre o pedido a autoridade competente do Estado da detenção determinará se em face da gravidade dos crimes imputados se verificam circunstâncias urgentes e excepcionais que justifiquem a liberdade provisória e se existem as garantias necessárias para que o Estado de detenção possa cumprir a sua obrigação de entregar a pessoa ao Tribunal Essa autoridade não terá competência para examinar se o mandado de detenção foi reguíarmente emitido nos termos das alíneas a e b do parágrafo 1º do artigo 58 5 O pedido de liberdade provisória será notificado ao Juízo de Instrução o qual fará recomendações à autoridade competente do Estado da detenção Antes de tomar uma decisão a autoridade competente do Estado da detenção terá em conta essas recomendações incluindo as relativas a medidas adequadas para impedir a fuga da pessoa 6 Se a liberdade provisória for concedida o Juízo de Instrução poderá solicitar informações periódicas sobre a situação de liberdade provisória 7 Uma vez que o Estado da detenção tenha ordenado a entrega o detido será colocado o mais rapidamente possível à disposição do Tribunal Artigo 65 Procedimento em caso de confissão 1 Se o acusado confessar nos termos do parágrafo 8 alínea a do artigo 64 o Juízo de Julgamento em Primeira Instância apurará a Se o acusado compreende a natureza e as conseqüências da sua Confissão b Se essa confissão foi feita livremente após devida consulta ao seu advogado de defesa e c Se a confissão é corroborada pelos fatos que resultam I Da acusação deduzida pelo Procurador e aceita pelo acusado II De quaisquer meios de prova que confirmam os fatos constantes da acusação deduzida pelo Procurador e aceita pelo acusado e III De quaisquer outros meios de prova tais como depoimentos de testemunhas apresentados pelo Procurador ou pelo acusado 2 Se o Juízo de Julgamento em Primeira Instância estimar que estão reunidas as condições referidas no parágrafo 1º considerará que a confissão juntamente com quaisquer provas adicionais produzidas constitui um reconhecimento de todos os elementos essenciais constitutivos do crime pelo qual o acusado se declarou culpado e poderá condenálo por esse crime 3 Se o Juízo de Julgamento em Primeira Instância estimar que não estão reunidas as condições referidas no parágrafo 1 º considerará a confissão como não tendo tido lugar e nesse caso ordenará que o julgamento prossiga de acordo com o procedimento comum estipulado no presente Estatuto podendo transmitir o processo a outro Juízo de Julgamento em Primeira Instância 4 Se o Juízo de Julgamento em Primeira Instância considerar necessária no interesse da justiça e em particular no interesse das vítimas uma explanação mais detalhada dos fatos integrantes do caso poderá a Solicitar ao Procurador que apresente provas adicionais incluindo depoimentos de testemunhas ou b Ordenar que o processo prossiga de acordo com o procedimento comum estipulado no presente Estatuto caso em que considerará a confissão como não tendo tido lugar e poderá transmitir o processo a outro Juízo de Julgamento em Primeira Instância 5 Quaisquer consultas entre o Procurador e a defesa no que diz respeito à alteração dos fatos constantes da acusação à confissão ou à pena a ser imposta não vincularão o Tribunal Artigo 66 Presunção de inocência 1 Toda a pessoa se presume inocente até prova da sua culpa perante o Tribunal de acordo com o direito aplicável 2 Incumbe ao Procurador o ônus da prova da culpa do acusado 3 Para proferir sentença condenatória o Tribunal deve estar convencido de que o acusado é culpado além de qualquer dúvida razoável Artigo 67 Direitos do acusado 1 Durante a apreciação de quaisquer fatos constantes da acusação o acusado tem direito a ser ouvido em audiência pública levando em conta o disposto no presente Estatuto a uma audiência conduzida de forma eqüitativa e imparcial e às seguintes garantias mínimas em situação de plena igualdade a A ser informado sem demora e de forma detalhada numa língua que compreenda e fale fluentemente da natureza motivo e conteúdo dos fatos que lhe são imputados b A dispor de tempo e de meios adequados para a preparação da sua defesa e a comunicarse livre e confidencialmente com um defensor da sua escolha c A ser julgado sem atrasos indevidos d Salvo o disposto no parágrafo 2º do artigo 63 o acusado terá direito a estar presente na audiência de julgamento e a defenderse a si próprio ou a ser assistido por um defensor da sua escolha se não o tiver a ser informado do direito de o tribunal lhe nomear um defensor sempre que o interesse da justiça o exija sendo tal assistência gratuita se o acusado carecer de meios suficientes para remunerar o defensor assim nomeado e A inquirir ou a fazer inquirir as testemunhas de acusação e a obter o comparecimento das testemunhas de defesa e a inquirição destas nas mesmas condições que as testemunhas de acusação O acusado terá também direito a apresentar defesa e a oferecer qualquer outra prova admissível de acordo com o presente Estatuto f A ser assistido gratuitamente por um intérprete competente e a seremlhe facultadas as traduções necessárias que a eqüidade exija se não compreender perfeitamente ou não falar a língua utilizada em qualquer ato processual ou documento produzido em tribunal g A não ser obrigado a depor contra si próprio nem a declararse culpado e a guardar silêncio sem que este seja levado em conta na determinação da sua culpa ou inocência h A prestar declarações não ajuramentadas oralmente ou por esCrito em sua defesa e I A que não lhe seja imposta quer a inversão do ônus da prova quer a Impugnação 2 Além de qualquer outra revelação de informação prevista no presente Estatuto o Procurador comunicara à defesa logo que possível as provas que tenha em seu poder ou sob o seu controle e que no seu entender revelem ou tendam a revelar a inocência do acusado ou a atenuar a SUa culpa ou que possam afetar a credibilidade das provas de acusação Em caso de dúvida relativamente à aplicação do presente número cabe ao Tribunal decidir Artigo 68 Proteção das vítimas e das testemunhas e sua participação no processo 1 O Tribunal adotará as medidas adequadas para garantir a segurança o bemestar físico e psicológico a dignidade e a vida privada das vítimas e testemunhas Para tal o Tribunal levará em conta todos os fatores pertinentes incluindo a idade o gênero tal como definido no parágrafo 3º do artígo 7º e o estado de saúde assim como a natureza do crime em particular mas não apenas quando este envolva elementos de agressão sexual de violência relacionada com a pertença a um determinado gênero ou de violência contra crianças O Procurador adotará estas medidas nomeadamente durante o inquérito e o procedimento criminal Tais medidas não poderão prejudicar nem ser incompatíveis com os direitos do acusado ou com a realização de um julgamento eqüitativo e imparcial 2 Enquanto exceção ao princípio do caráter público das audiências estabelecido no artigo 67 qualquer um dos Juízos que compõem o Tribunal poderá a fim de proteger as vítimas e as testemunhas ou o acusado decretar que um ato processual se realize no todo ou em parte à porta fechada ou permitir a produção de prova por meios eletrônicos ou outros meios especiais Estas medidas aplicarseão nomeadamente no caso de uma vitima de violência sexual ou de um menor que seja vítima ou testemunha salvo decisão em contrário adotada pelo Tribunal ponderadas todas as circunstâncias particularmente a opinião da vítima ou da testemunha 3 Se os interesses pessoais das vítimas forem afetados o Tribunal permitirlhesá que expressem as suas opiniões e preocupações em fase processual que entenda apropriada e por forma a não prejudicar os direitos do acusado nem a ser incompatível com estes ou com a realização de um julgamento eqüitativo e imparcial Os representantes legais das vítimas poderão apresentar as referidas opiniões e preocupações quando o Tribunal o considerar oportuno e em conformidade com o Regulamento Processual 4 A Unidade de Apoio às Vítimas e Testemunhas poderá aconselhar o Procurador e o Tribunal relativamente a medidas adequadas de proteção mecanismos de segurança assessoría e assistência a que se faz referência no parágrafo 6 do artigo 43 5 Quando a divulgação de provas ou de informação de acordo com o presente Estatuto representar um grave perigo para a segurança de uma testemunha ou da sua família o Procurador poderá para efeitos de qualquer diligência anterior ao julgamento não apresentar as referidas provas ou informação mas antes um resumo das mesmas As medidas desta natureza deverão ser postas em prática de uma forma que não seja prejudicial aos direitos do acusado ou incompatível com estes e com a realiZação de um julgamento eqüitativo e imparcial 6 Qualquer Estado poderá solicitar que sejam tomadas as medidas necessárias para assegurar a proteção dos seus funcionários ou agentes bem como a proteção de toda a informação de caráter confidencial ou restrito Artigo 69 Prova 1 Em conformidade com o Regulamento Processual e antes de depor qualquer testemunha se comprometerá a fazer o seu depoimento com verdade 2 A prova testemunhal deverá ser prestada pela própria pessoa no decurso do julgamento salvo quando se apliquem as medidas estabelecidas no artigo 68 ou no Regulamento Processual De igual modo o Tribunal poderá permitir que uma testemunha preste declarações oralmente ou por meio de gravação em video ou áudio de que sejam apresentados documentos ou transcrições escritas nos termos do presente Estatuto e de acordo com o Regulamento Processual Estas medidas não poderão prejudicar os direitos do acusado nem ser incompatíveis com eles 3 As partes poderão apresentar provas que interessem ao caso nos termos do artigo 64 O Tribunal será competente para solicitar de ofício a produção de todas as provas que entender necessárias para determinar a veracidade dos fatos 4O Tribunal poderá decidir sobre a relevância ou admissibilidade de qualquer prova tendo em conta entre outras coisas o seu valor probatório e qualquer prejuízo que possa acarretar para a realização de um julgamento eqüitativo ou para a avaliação eqüitativa dos depoimentos de uma testemunha em conformidade com o Regulamento Processual 5 O Tribunal respeitará e atenderá aos privilégios de confidencialidade estabelecidos no Regulamento Processual 6 O Tribunal não exigirá prova dos fatos do domínio público mas poderá fazêlos constar dos autos 7 Não serão admissíveis as provas obtidas com violação do presente estatuto ou das normas de direitos humanos internacionalmente reconhecidas quando a Essa violação suscite sérias dúvidas sobre a fiabilidade das proVas ou b A sua admissão atente contra a integridade do processo ou resulte em grave prejuízo deste 8 O Tribunal ao decidir sobre a relevância ou admissibilidade das provas apresentadas por um Estado não poderá pronunciarse sobre a aplicação do direito interno desse Estado Artigo 72 Proteção de informação relativa à segurança nacional 1 O presente artigo aplicarseá a todos os casos em que a divulgação de informação ou de documentos de um Estado possa no entender deste afetar os interesses da sua segurança nacional Tais casos incluem os abrangidos pelas disposições constantes dos parágrafos 2º e 3º do artigo 56 parágrafo 3º do artigo 61 parágrafo 3º do artigo 64 parágrafo 2º do artigo 67 parágrafo 6º do artigo 68 parágrafo 6º do artigo 87 e do artigo 93 assim como os que se apresentem em qualquer outra fase do processo em que uma tal divulgação possa estar em causa 2 O presente artigo aplicarseá igualmente aos casos em que uma pessoa a quem tenha sido solicitada a prestação de informação ou provas se tenha recusado a apresentálas ou tenha entregue a questão ao Estado invocando que tal divulgação afetaria os interesses da segurança nacional do Estado e o Estado em causa confirme que no seu entender essa divulgação afetaria os interesses da sua segurança nacional 3 Nada no presente artigo afetará os requisitos de confidencialídade a que se referem as alíneas e e f do parágrafo 3º do artigo 54 nem a aplicação do artigo 73 4 Se um Estado tiver conhecimento de que informações ou documentos do Estado estão a ser ou poderão vir a ser divulgados em qualquer fase do processo e considerar que essa divulgação afetaria os seus interesses de segurança nacional tal Estado terá o direito de intervir com vista a ver alcançada a resolução desta questão em conformidade com o presente artigo 5 O Estado que considere que a divulgação de determinada informação poderá afetar os seus interesses de segurança nacional adotará em conjunto com o Procurador a defesa o Juízo de Instrução ou o Juízo de Julgamento em Primeira Instância conforme o caso todas as medidas razoavelmente possíveis para encontrar uma solução através da concertação Estas medidas poderão incluir a A alteração ou o esclarecimento dos motivos do pedido b Uma decisão do Tribunal relativa à relevância das informações ou dos elementos de prova solicitados ou uma decisão sobre se as provas ainda que relevantes não poderiam ser ou ter sido obtidas junto de fonte distinta do Estado requerido c A obtenção da informação ou de provas de fonte distinta ou em uma forma diferente ou d Um acordo sobre as condições em que a assistência poderá ser prestada incluindo entre outras a disponibilização de resumos ou exposições restrições à divulgação recurso ao procedimento à porta fechada ou à revelia de uma das partes ou aplicação de outras medidas de proteção permitidas pelo Estatuto ou pelo Regulamento Processual 6 Realizadas todas as diligências razoavelmente possíveis com vista a resolver a questão por meio de concertação e se o Estado considerar não haver meios nem condições para que as informações ou os documentos possam ser fornecidos ou revelados sem prejuízo dos seus interesses de segurança nacional notificará O Procurador ou o Tribunal nesse sentido indicando as razões precisas que fundamentaram a sua decisão a menos que a descrição especifica dessas razões prejudique necessariamente os interesses de segurança nacional do Estado 7 Posteriormente se decidir que a prova é relevante e necessária para a determinação da culpa ou inocência do acusado o Tribunal poderá adotar as seguintes medidas a Quando a divulgação da informação ou do documento for solicitada no âmbito de um pedido de cooperação nos termos da Parte IX do presente Estatuto ou nas circunstâncias a que se refere o parágrafo 2º do presente artigo e o Estado invocar o motivo de recusa estatuído no parágrafo 4º do artigo 93 I O Tribunal poderá antes de chegar a qualquer uma das conclusões a que se refere o ponto II da alínea a do parágrafo 7º solicitar consultas suplementares com o fim de ouvir o Estado incluindo se for caso disso a sua realização à porta fechada ou à revelia de uma das partes II Se o Tribunal concluir que ao invocar o motivo de recusa estatuído no parágrafo 4º do artigo 93 dadas as circunstâncias do caso o Estado requerido não está a atuar de harmonia com as obrigações impostas pelo presente Estatuto poderá remeter a questão nos termos do parágrafo 7 do artigo 87 especificando as razões da sua conclusão e III O Tribunal poderá tirar as conclusões que entender apropriadas em razão das circunstâncias ao julgar o acusado quanto à existência ou inexistência de um fato ou b Em todas as restantes circunstâncias I Ordenar a revelação ou II Se não ordenar a revelação inferir no julgamento do acusado quanto à existência ou inexistência de um fato conforme se mostrar apropriado Artigo 75 Reparação em favor das vítimas 1 O Tribunal estabelecerá princípios aplicáveis às formas de reparação tais como a restituição a indenização ou a reabilitação que hajam de ser atribuidas às vítimas ou aos titulares desse direito Nesta base o Tribunal poderá de ofício ou por requerimento em circunstâncias excepcionais determinar a extensão e o nível dos danos da perda ou do prejuízo causados às vítimas ou aos titulares do direito à reparação com a indicação dos princípios nos quais fundamentou a sua decisão 2 O Tribunal poderá lavrar despacho contra a pessoa condenada no qual determinará a reparação adequada a ser atribuida às vítimas ou aos titulares de tal direito Esta reparação poderá nomeadamente assumir a forma de restituição indenização ou reabilitação Se for caso disso o Tribunal poderá ordenar que a indenização atribuida a título de reparação seja paga por intermédio do Fundo previsto no artigo 79 3 Antes de lavrar qualquer despacho ao abrigo do presente artigo o Tribunal poderá solicitar e levar em consideração as pretensões formuladas pela pessoa condenada pelas vítimas por outras pessoas interessadas ou por outros Estados interessados bem como as observações formuladas em nome dessas pessoas ou desses Estados 4 Ao exercer os poderes conferidos pelo presente artigo o Tribunal poderá após a condenação por crime que seja da sua competência determinar se para fins de aplicação dos despachos que lavrar ao abrigo do presente artigo será necessário tomar quaisquer medidas em conformidade com o parágrafo 1º do artigo 93 5 Os Estados Partes observarão as decisões proteridas nos termos deste artigo como se as disposições do artigo 109 se aplicassem ao presente artigo 6 Nada no presente artigo será interpretado como prejudicando os direitos reconhecidos às vítimas pelo direito interno ou internacional Artigo 76 Aplicação da pena 1 Em caso de condenação o Juízo de Julgamento em Primeira Instância determinará a pena a aplicar tendo em conta os elementos de prova e as exposições relevantes produzidos no decurso do julgamento 2 Salvo nos casos em que seja aplicado o artigo 65 e antes de concluído o julgamento o Juízo de Julgamento em Primeira Instância poderá oficiosamente e deverá a requerimento do Procurador ou do acusado convocar uma audiência suplementar a fim de conhecer de quaisquer novos elementos de prova ou exposições relevantes para a determinação da pena de harmonia com o Regulamento Processual 3 Sempre que o parágrafo 2º for aplicável as pretensões previstas no artigo 75 serão ouvidas pelo Juízo de Julgamento em Primeira Instância no decorrer da audiência suplementar referida no parágrafo 2º e se necessário no decorrer de qualquer nova audiência 4 A sentença será proferida em audiência pública e sempre que possível na presença do acusado CAPITULO VII AS PENAS Artigo 77 Penas aplicáveis 1 Sem prejuízo do disposto no artigo 110 o Tribunal pode impor à pessoa condenada por um dos crimes previstos no artigo 5º do presente Estatuto uma das seguintes penas a Pena de prisão por um número determinado de anos até ao limite máximo de 30 anos ou b Pena de prisão perpétua se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem 2 Além da pena de prisão o Tribunal poderá aplicar a Uma multa de acordo com os critérios previstos no Regulamento Processual b A perda de produtos bens e haveres provenientes direta ou indiretamente do crime sem prejuízo dos direitos de terceiros que tenham agido de boa fé Artigo 78 Determinação da pena 1 Na determinação da pena o Tribunal atenderá em harmonia com o Regulamento Processual a fatores tais como a gravidade do crime e as condições pessoais do condenado 2 O Tribunal descontará na pena de prisão que vier a aplicar o Período durante o qual o acusado esteve sob detenção por ordem daquele O Tribunal poderá ainda descontar qualquer outro período de detenção que tenha sido cumprido em razão de uma conduta constitutiva do crime 3 Se uma pessoa for condenada pela prática de vários crimes o Tribunal aplicará penas de prisão parcelares relativamente a cada um dos crimes e uma pena única na qual será especificada a duração total da pena de prisão Esta duração não poderá ser inferior à da pena parcelar mais elevada e não poderá ser superior a 30 anos de prisão ou ir além da pena de prisão perpétua prevista no artigo 77 parágrafo 1º alínea b Artigo 79 Fundo em favor das vítimas 1 Por decisão da Assembléia dos Estados Partes será criado um Fundo a favor das vítimas de crimes da competência do Tribunal bem como das respectivas famílias 2 O Tribunal poderá ordenar que o produto das multas e quaisquer outros bens declarados perdidos revertam para o Fundo 3 O Fundo será gerido em harmonia com os critérios a serem adotados pela Assembléia dos Estados Partes Artigo 80 Não interferência no regime de aplicação de penas nacionais e nos direitos internos Nada no presente capitulo prejudicará a aplicação pelos Estados das penas previstas nos respectivos direitos internos ou a aplicação da legislação de Estados que não preveja as penas referidas neste capítulo CAPÍTULO VIII RECURSO E REVISÃO Artigo 81 Recurso da sentença condenató ria ou absolutória ou da pena 1 A sentença proferida nos termos do artigo 74 é recorrível em conformidade com o disposto no Regulamento Processual nos seguintes termos a O Procurador poderá interpor recurso com base num dos seguintes fundamentos I Vicio processual II Erro de fato ou III Erro de direito b O condenado ou o Procurador no interesse daquele poderá interpor recurso com base num dos seguintes fundamentos I Vício processual II Erro de fato III Erro de direito ou iv qualquer outro motivo suscetível de afetar a eqüidade ou a regularidade do processo ou da sentença 2 a O ProcuradOr ou o condenado poderá em conformidade com o Regulamento processual interpor recurso da pena decretada invocando desproporção entre esta e o crime b Se ao conhecer de recurso interposto da pena decretada o Tribunal considerar que há fundamentos suscetíveis de justificar a anulação no todo ou em parte da sentença condenatória poderá convidar o Procurador e o condenado a motivarem a sua posição nos termos da alínea a ou b do parágrafo 1º do artigo 81 após o que poderá pronunciarse sobre a sentença condenatória nos termos do artigo 83 c O mesmo procedimento será aplicado sempre que o Tribunal ao conhecer de recurso interposto unicamente da sentença condenatória considerar haver fundamentos comprovativos de uma redução da pena nos termos da alínea a do parágrafo 20 3 a Salvo decisão em contrário do Juízo de Julgamento em Primeira InstânCia o condenado permanecerá sob prisão preventiva durante a tramitaçãO do recurso b Se o período de prisão preventiva ultrapassar a duração da pena decretada o condenado será posto em liberdade todavia se o Procurador também interpuser recurso a libertação ficará sujeita às condições enunciadas na alínea c infra c Em caso de absolvição o acusado será imediatamente posto em liberdade sem prejuízo das seguintes condições I Em circunstâncias excepcionais e tendo em conta nomeadamente o risco de fuga a gravidade da infração e as probabilidades de o recurso ser julgado procedente o Juízo de Julgamento em Primeira Instância poderá a requerimento do procurador ordenar que o acusado seja mantido em regime de prisão preventiva durante a tramitaçãO do recurso II A decisão proferida pelo juízo de julgamentO em primeira instância nos termos da subalínea 1 será recorrível em harmonia com o Regulamento Processual 4 Sem prejuízo do disposto nas alíneas a e b do parágrafo 3º a execução da sentença condenatória ou da pena ficará suspensa pelo período fixado para a interposição do recurso bem como durante a fase de tramitação do recurso Artigo 84 Revisão da sentença condenató ria ou da pena 1 O condenado ou se este tiver falecido o cônjuge sobrevivo os filhos os pais ou qualquer pessoa que em vida do condenado dele tenha recebido incumbência expressa por escrito nesse sentido ou o Procurador no seu interesse poderá submeter ao Juízo de Recursos um requerimento solicitando a revisão da sentença condenatória ou da pena pelos seguintes motivos a A descoberta de novos elementos de prova I De que não dispunha ao tempo do julgamento sem que essa circunstância pudesse ser imputada no todo ou em parte ao requerente e II De tal forma importantes que se tivessem ficado provados no julgamento teriam provavelmente conduzido a um veredicto diferente b A descoberta de que elementos de prova apreciados no julgamento e decisivos para a determinação da culpa eram falsos ou tinham sido objeto de contrafação ou falsificação c Um ou vários dos juizes que intervieram na sentença condenatória ou confirmaram a acusação hajam praticado atos de conduta reprovável ou de incumprimento dos respectivos deveres de tal forma graves que justifiquem a sua cessação de funções nos termos do artigo 46 2 O Juízo de Recursos rejeitará o pedido se o considerar manifestamente infundado Caso contrário poderá o Juízo se julgar oportuno a Convocar de novo o Juízo de Julgamento em Primeira Instância que proferíu a sentença inicial b Constituir um novo Juízo de Julgamento em Primeira Instância ou c Manter a sua competência para conhecer da causa a fim de determinar se após a audição das partes nos termos do Regulamento Processual haverá lugar à revisão da sentença Artigo 85 Indenização do detido ou condenado 1 Quem tiver sido objeto de detenção ou prisão ilegal terá direito a reparação 2 Sempre que uma decisão final seja posteriormente anulada em razão de fatos novos ou recentemente descobertos que apontem inequivocamente para um erro judiciário a pessoa que tiver cumprido pena em resultado de tal sentença condenatóría será indenizada em conformidade com a lei a menos que fique provado que a não revelação em tempo útil do fato desconhecido lhe seja imputável no todo ou em parte 3 Em circunstâncias excepcionais e em face de fatos que conclusivamente demonstrem a existência de erro judiciário grave e manifesto o Tribunal poderá no uso do seu poder discricionário atribuir uma indenização de acordo com os critérios enunciados no Regulamento Processual à pessoa que em virtude de sentença absolutória ou de extinção da Instância por tal motivo haja sido posta em liberdade CAPÍTULO IX COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E AUXÍLIO JUDICIÁRIO Artigo 86 Obrigação geral de cooperar Os Estados Partes deverão em conformidade com o disposto no presente Estatuto cooperar plenamente com o Tribunal no inquérito e no procedimento contra crimes da competência deste Artigo 89 Entrega de pessoas ao Tribunal 1 O Tribunal poderá dirigir um pedido de detenção e entrega de uma pessoa instruído com os documentos comprovativos referidos no artigo 91 a qualquer Estado em cujo território essa pessoa se possa encontrar e solicitar a cooperação desse Estado na detenção e entrega da pessoa em causa Os Estados Partes darão satisfação aos pedidos de detenção e de entrega em conformidade com o presente Capitulo e com os procedimentos previstos nos respectivos direitos internos 2 Sempre que a pessoa cuja entrega é solicitada impugnar a sua entrega perante um tribunal nacional com base no princípio ne bis in idem previsto no artigo 20 o Estado requerido consultará de imediato o Tribunal para determinar se houve uma decisão relevante sobre a admissibilidade Se o caso for considerado admissível o Estado requerido dará Seguimento ao pedido Se estiver pendente decisão sobre a admissibilidade o Estado requerido poderá diferir a execução do pedido até que o Tribunal se pronuncie a Os Estados Partes autorizarão de acordo com os procedimentos Previstos na respectiva legislação nacional o trânsito pelo seu território de uma pessoa entregue ao Tribunal por um outro Estado salvo quando o trânsito por esse Estado impedir ou retardar a entrega b Um pedido de trânsito formulado pelo Tribunal será transmitido em conformidade com o artigo 87 Do pedido de trânsito constarão I A identificação da pessoa transportada II Um resumo dos fatos e da respectiva qualificação jurídica III O mandado de detenção e entrega c A pessoa transportada será mantida sob custódia no decurso do trânsito d Nenhuma autorização será necessária se a pessoa for transportada por via aérea e não esteja prevista qualquer aterrissagem no território do Estado de trânsito e Se ocorrer uma aterrissagem imprevista no território do Estado de trânsito poderá este exigir ao Tribunal a apresentação de um pedido de trânsito nos termos previstos na alínea b O Estado de trânsito manterá a pessoa sob detenção até a recepção do pedido de trânsito e a efetívação do trânsito Todavia a detenção ao abrigo da presente alínea não poderá prolongarse para além das 96 horas subseqüentes à aterrissagem imprevista se o pedido não for recebido dentro desse prazo 3 Se a pessoa reclamada for objeto de procedimento criminal ou estiver cumprindo uma pena no Estado requerido por crime diverso do que motivou o pedido de entrega ao Tribunal este Estado consultará o Tribunal após ter decidido anuir ao pedido Artigo 92 Prisão preventiva 1 Em caso de urgência o Tribunal poderá solicitar a prisão preventiva da pessoa procurada até a apresentação do pedido de entrega e os documentos de apoio referidos no artigo 91 2 O pedido de prisão preventiva será transmitido por qualquer meio de que fique registro escrito e conterá a Uma descrição da pessoa procurada contendo informação suficiente que permita a sua identificação bem como informação sobre a sua provável localização b Uma exposição sucinta dos crimes pelos quais a pessoa é procurada bem como dos fatos alegadamente constitutivos de tais crimes incluindo se possível a data e o local da sua prática c Uma declaração que certifique a existência de um mandado de detenção ou de uma decisão condenatória contra a pessoa procurada e d Uma declaração de que o pedido de entrega relativo à pessoa procurada será enviado posteríormente 3 Qualquer pessoa mantida sob prisão preventiva poderá ser posta em liberdade se o Estado requerido não tiver recebido em conformidade com o artigo 91 o pedido de entrega e os respectivos documentos no prazo fixado pelo Regulamento Processual Todavia essa pessoa poderá consentir na sua entrega antes do termo do período se a legislação do Estado requerido o permitir Nesse caso o Estado requerido procede à entrega da pessoa reclamada ao Tribunal o mais rapidamente possível 4 O fato de a pessoa reclamada ter sido posta em liberdade em conformidade com o parágrafo V não obstará a que seja de novo detida e entregue se o pedido de entrega e os documentos em apoio vierem a ser apresentados posteriormente Artigo 101 Regra da especialidade 1 Nenhuma pessoa entregue ao Tribunal nos termos do presente Estatuto poderá ser perseguida condenada ou detida por condutas anteriores à sua entrega salvo quando estas constituam crimes que tenham fundamentado a sua entrega 2 O Tribunal poderá solicitar uma derrogação dos requisites estabelecidos no parágrafo 1º ao Estado que lhe tenha entregue uma pessoa e se necessário facultarlheá em conformidade com o artigo 91 informações complementares Os Estados Partes estarão habilitados a conceder uma derrogação ao Tribunal e deverão envidar esforços nesse sentido Artigo 102 Termos usados Para os fins do presente Estatuto a Por entrega entendese a entrega de uma pessoa por um Estado ao Tribunal nos termos do presente Estatuto b Por extradição entendese a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado conforme previsto em um tratado em uma convenção ou no direito interno CAPÍTULO X EXECUÇÃO DA PENA Artigo 103 Função dos Estados na execução das penas privativas de liberdade 1 a As penas privativas de liberdade serão cumpridas num Estado indicado pelo Tribunal a partir de uma lista de Estados que lhe tenham manifestado a sua disponibilidade para receber pessoas condenadas b Ao declarar a sua disponibilidade para receber pessoas condenadas um Estado poderá formular condições acordadas com o Tribunal e em conformidade com o presente Capitulo c O Estado indicado no âmbito de um determinado caso dará prontamente a conhecer se aceita ou não a indicação do Tribunal 2 a O Estado da execução informará o Tribunal de qualquer circunstância incluindo o cumprimento de quaisquer condições acordadas nos termos do parágrafo 1º que possam afetar materialmente as condições ou a duração da detenção O Tribunal será informado com pelo menos 45 dias de antecedência sobre qualquer circunstância dessa natureza conhecida ou previsível Durante este período o Estado da execução não tomará qualquer medida que possa ser contrária às suas obrigações ao abrigo do artigo 110 b Se o Tribunal não puder aceitar as circunstâncias referidas na alínea a deverá informar o Estado da execução e proceder em harmonia com o parágrafo 1º do artigo 104 3 Sempre que exercer o seu poder de indicação em conformidade com o parágrafo 1º o Tribunal levará em consideração a O princípio segundo o qual os Estados Partes devem partilhar da responsabilidade na execução das penas privativas de liberdade em conformidade com os princípios de distribuição eqüitativa estabelecidos no Regulamento Processual b A aplicação de normas convencionais do direito internacional amplamente aceitas que regulam o tratamento dos reclusos c A opinião da pessoa condenada d A nacionalidade da pessoa condenada e e Outros fatores relativos às circunstâncias do crime às condições pessoais da pessoa condenada ou à execução efetiva da pena adequadas à indicação do Estado da execução 4 Se nenhum Estado for designado nos termos do parágrafo 1º a pena privativa de liberdade será cumprida num estabelecimento prisional designado pelo Estado anfitrião em conformidade com as condições estipuladas no acordo que determinou o local da sede previsto no parágrafo 2º do artigo 39 Neste caso as despesas relacionadas com a execução da pena ficarão a cargo do Tribunal Artigo 104 Alteração da indicação do Estado da execução 1 O Tribunal poderá a qualquer momento decidir transferir um condenado para uma prisão de um outro Estado 2 A pessoa condenada pelo Tribunal poderá a qualquer momento solicitarlhe que a transfira do Estado encarregado da execução Artigo 105 Execução da pena 1 Sem prejuízo das condições que um Estado haja estabelecido nos termos do artigo 103 parágrafo 1º alínea b a pena privativa de liberdade é vinculativa para os Estados Partes não podendo estes modificála em caso algum 2 Será da exclusiva competência do Tribunal pronunciarse sobre qualquer pedido de revisão ou recurso O Estado da execução não obstará a que o condenado apresente um tal pedido Artigo 106 Controle da execução da pena e das condições de detenção 1 A execução de uma pena privativa de liberdade será submetida ao controle do Tribunal e observará as regras convencionais internacionais amplamente aceitas em matéria de tratamento dos reclusos 2 As condições de detenção serão reguladas pela legislação do Estado da execução e observarão as regras convencionais internacionais amplamente aceitas em matéria de tratamento dos reclusos Em caso algum devem ser menos ou mais favoráveis do que as aplicáveis aos reclusos condenados no Estado da execução por infrações análogas 3 As comunicações entre o condenado e o Tribunal serão livres e terão caráter confidencial Artigo 109 Execução das penas de multa e das medidas de perda 1 Os Estados Partes aplicarão as penas de multa bem como as medidas de perda ordenadas pelo Tribunal ao abrigo do capítulo VII sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa fé e em conformidade com os Procedimentos previstos no respectivo direito interno 2 Sempre que um Estado Parte não possa tornar efetiva a declaração de perda deverá tomar medidas para recuperar o valor do produto dos bens ou dos haveres cuja perda tenha sido declarada pelo Tribunal Sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa fé 3 Os bens ou o produto da venda de bens imóveis ou se for caso disso da venda de outros bens obtidos por um Estado Parte por força da execução de uma decisão do Tribunal serão transferidos para o Tribunal Artigo 110 Reexame pelo Tribunal da questão de redução de pena 1 O Estado da execução não poderá libertar o recluso antes de cumprida a totalidade da pena proferida pelo Tribunal 2 Somente o Tribunal terá a faculdade de decidir sobre qualquer redução da pena e ouvido o condenado pronunciarseá a tal respeito 3 Quando a pessoa já tiver cumprido dois terços da pena ou 25 anos de prisão em caso de pena de prisão perpétua o Tribunal reexaminará a pena para determinar se haverá lugar a sua redução Tal reexame só será efetuado transcorrido o período acima referido 4 No reexame a que se refere o parágrafo 39 o Tribunal poderá reduzir a pena se constatar que se verificam uma ou várias das condições seguintes a A pessoa tiver manifestado desde o inicio e de forma contínua a sua vontade em cooperar com o Tribunal no inquérito e no procedimento b A pessoa tiver voluntariamente facilitado a execução das decisões e despachos do Tribunal em outros casos nomeadamente ajudandoo a localizar bens sobre os quais recaiam decisões de perda de multa ou de reparação que poderão ser usados em beneficio das vítimas ou c Outros fatores que conduzam a uma clara e significativa alteração das circunstâncias suficiente para justificar a redução da pena conforme previsto no Regulamento Processual 5 Se no reexame inicial a que se refere o parágrafo 39 o Tribunal considerar não haver motivo para redução da pena ele reexaminará subseqüentemente a questão da redução da pena com a periodicidade e nos termos previstos no Regulamento Processual Artigo 111 Evasão Se um condenado se evadir do seu local de detenção e fugir do território do Estado da execução este poderá depois de ter consultado o Tribunal pedir ao Estado no qual se encontra localizado o condenado que o entregue em conformidade com os acordos bilaterais ou multilaterais em vigor ou requerer ao Tribunal que solicite a entrega dessa pessoa ao abrigo do Capítulo IX O Tribunal poderá ao solicitar a entrega da pessoa determinar que esta seja entregue ao Estado no qual se encontrava a cumprir a sua pena ou a outro Estado por ele indicado CAPÍTULO XI ASSEMBLÉIA DOS ESTADOS PARTES Artigo 112 Assembléia dos EstadosPartes 1 É constituída pelo presente instrumento uma Assembléia dos EstadosPartes Cada um dos EstadosPartes nela disporá de um representante que poderá ser coadjuvado por substitutos e assessores Outros Estados signatários do Estatuto ou da Ata Final poderão participar nos trabalhos da Assembléia na qualidade de preservadores 2 A Assembléia a Examinará e adotará se adequado as recomendações da Comissão Preparatória b Promoverá junto à Presidência ao Procurador e ao Secretário as linhas orientadoras gerais no que toca à administração do Tribunal c Examinará os relatórios e as atividades da Mesa estabelecidos nos termos do parágrafo 39 e tomará as medidas apropriadas d Examinará e aprovará o orçamento do Tribunal e Decidirá se for caso disso alterar o número de juizes nos termos do artigo 36 f Examinará em harmonia com os parágrafos 5 e 7 do artigo 87 qualquer questão relativa à não cooperação dos Estados g Desempenhará qualquer outra função compatível com as disposições do presente Estatuto ou do Regulamento Processual 3 a A Assembléia será dotada de uma Mesa composta por um presidente dois vicepresidentes e 18 membros por ela eleitos por períodos de três anos b A Mesa terá um caráter representativo atendendo nomeadamente ao princípio da distribuição geográfica eqüitativa e à necessidade de assegurar uma representação adequada dos principais sistemas jurídicos do mundo c A Mesa reunirseá às vezes que forem necessárias mas pelo menos uma vez por ano assistirá a Assembléia no desempenho das suas funções 4 A Assembléia poderá criar outros órgãos subsidiários que julgue necessários nomeadamente um mecanismo de controle independente que proceda a inspeções avaliações e inquéritos em ordem a melhorar a efiCiência e economia da administração do Tribunal 5 O Presidente do Tribunal o Procurador e o Secretário ou os respectivos representantes poderão participar sempre que julguem oportuno nas reuniões da Assembléia e da Mesa 6 A Assembléia reunirseá na sede do Tribunal ou na sede da Organização das Nações Unidas uma vez por ano e sempre que as circunstâncias o exigirem reunirseá em sessão extraordinária A menos que o presente Estatuto estabeleça em contrário as sessões extraordinárias são convocadas pela Mesa de ofício ou a pedido de um terço dos EstadosPartes 7 Cada um dos EstadosPartes disporá de um voto Todos os esforços deverão ser envidados para que as decisões da Assembléia e da Mesa sejam adotadas por consenso Se tal não for possível e a menos que o Estatuto estabeleça em contrário a As decisões sobre as questões de fundo serão tomadas por maioria de dois terços dos membros presentes e votantes sob a condição que a maioria absoluta dos EstadosPartes constitua quorum para o escrutínio b As decisões sobre as questões de procedimento serão tomadas por maioria simples dos EstadosPartes presentes e votantes 8 O EstadoParte em atraso no pagamento da sua contribuição financeira para as despesas do Tribunal não poderá votar nem na Assembléia nem na Mesa se o total das suas contribuições em atraso igualar ou exceder a soma das contribuições correspondentes aos dois anos anteriores completos por ele devidos A Assembléia Geral poderá no entanto autorizar o Estado em causa a votar na Assembléia ou na Mesa se ficar provado que a falta de pagamento é devida a circunstâncias alheias ao controle do EstadoParte 9 A Assembléia adotará o seu próprio Regimento 10 As línguas oficiais e de trabalho da Assembléia dos EstadosPartes serão as línguas oficiais e de trabalho da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas CAPÍTULO XII FINANCIAMENTO Artigo 113 Regulamento financeiro Salvo disposição expressa em contrário todas as questões financeiras atinentes ao Tribunal e às reuniões da Assembléia dos EstadosPartes incluindo a sua Mesa e os seus órgãos subsidiários serão reguladas pelo presente Estatuto pelo Regulamento Financeiro e pelas normas de gestão financeira adotados pela Assembléia dos EstadosPartes CAPÍTULO XIII CLÁUSULAS FINAIS Artigo 119 Resolução de diferendos12 1 Qualquer diferendo relativo às funções judiciais do Tribunal será resolvido por decisão do Tribunal 2 Quaisquer diferendos entre dois ou mais EstadosPartes relativos à interpretação ou à aplicação do presente Estatuto que não forem resolvidos pela via negocial num período de três meses após o seu início serão submetidos à Assembléia dos EstadosPartes A Assembléia poderá procurar resolver o diferendo ou fazer recomendações relativas a outros métodos de resolução incluindo a submissão do diferendo à Corte Internacional de Justiça em conformidade com o Estatuto dessa Corte Artigo 120 Reservas Não são admitidas reservas a este Estatuto Artigo 121 Alterações 1 Expirado o período de sete anos após a entrada em vigor do presente Estatuto qualquer EstadoParte poderá propor alterações ao Estatuto O texto das propostas de alterações será submetido ao SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas que o comunicará sem demora a todos os EstadosPartes 2 Decorridos pelo menos três meses após a data desta notificação a Assembléia dos EstadosPartes decidirá na reunião seguinte por maioria dos seus membros presentes e votantes se deverá examinar a proposta A Assembléia poderá tratar desta proposta ou convocar uma Conferência de Revisão se a questão suscitada o justificar 3 A adoção de uma alteração numa reunião da Assembléia dos EstadosPartes ou numa Conferência de Revisão exigirá a maioria de dois terços dos EstadosPartes quando não for possível chegar a um Consenso 4 Sem prejuízo do disposto no parágrafo 59 qualquer alteração entrará em vigor para todos os EstadosPartes um ano depois que sete 12 A tradução oficial brasileira emprega este neologismo de péssimo gosto em lugar de usar os vocábulos litígio ou lide já consagrados na terminologia jurídica oitavos de entre eles tenham depositado os respectivos instrumentos de ratificação ou de aceitação junto do SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas 5 Qualquer alteração ao artigo 5º 6º 7º e 8º do presente Estatuto entrará em vigor para todos os Estados Partes que a tenham aceitado um ano após o depósito dos seus instrumentos de ratificação ou de aceitação O Tribunal não exercerá a sua competência relativamente a um crime abrangido pela alteração sempre que este tiver sido cometido por nacionais de um EstadoParte que não tenha aceitado a alteração ou no território desse EstadoParte 6 Se uma alteração tiver sido aceita por sete oitavos dos EstadosPartes nos termos do parágrafo 4 qualquer Estado Parte que não a tenha aceito poderá retirarse do Estatuto com efeito imediato não obstante o disposto no parágrafo 1 do artigo 127 mas sem prejuízo do disposto no parágrafo 2º do artigo 127 mediante notificação da sua retirada o mais tardar um ano após a entrada em vigor desta alteração 7 O SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas comunicará a todos os Estados Partes quaisquer alterações que tenham sido adotadas em reunião da Assembléia dos Estados Partes ou numa Conferência de Revisão Artigo 122 Alteração de disposições de caráter institucional 1 Não obstante o artigo 121 parágrafo 1º qualquer Estado Parte poderá em qualquer momento propor alterações às disposições do Estatuto de caráter exclusivamente institucional a saber artigos 35 36 parágrafos 8 e 9 artigos 37 38 39 parágrafos 1º as primeiras duas frases 2º e 4º artigo 42 parágrafos 4 a 9 artigo 43 parágrafos 2º e 3º e artigos 44 46 47 e 49 O texto de qualquer proposta será submetido ao SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas ou a qualquer outra pessoa designada pela Assembléia dos EstadosPartes que o comunicará sem demora a todos os EstadosPartes e aos outros participantes na Assembléia 2 As alterações apresentadas nos termos deste artigo sobre as quais não seja possível chegar a um consenso serão adotadas pela Assembléia dos EstadosPartes ou por uma Conferência de Revisão por uma maioria de dois terços dos EstadosPartes Tais alterações entrarão em vigor para todos os EstadosPartes seis meses após a sua adoção pela Assembléia ou conforme o caso pela Conferência de Revisão Artigo 123 Revisão do Estatuto 1 Sete anos após a entrada em vigor do presente Estatuto o SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas convocará uma Conferência de Revisão para examinar qualquer alteração ao presente Estatuto A revisão poderá incidir nomeadamente mas não exclusivamente sobre a lista de crimes que figura no artigo 50 A Conferência estará aberta aos participantes na Assembléia dos EstadosPartes nas mesmas condições 2 A todo o momento ulterior a requerimento de um EstadoParte e para os fins enunciados no parágrafo 1º o SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas mediante aprovação da maioria dos EstadosPartes convocará uma Conferência de Revisão 3 A adoção e a entrada em vigor de qualquer alteração ao Estatuto examinada numa Conferência de Revisão serão reguladas pelas disposições do artigo 121 parágrafos 3º a 7º Artigo 124 Disposição transitória Não obstante o disposto nos parágrafos 1º e 2º do artigo 12 um Estado que se torne Parte no presente Estatuto poderá declarar que durante um período de sete anos a contar da data da entrada em vigor do Estatuto no seu território não aceitará a competência do Tribunal relativamente à categoria de crimes referidos no artigo 8º quando haja indícios de que um crime tenha sido praticado por nacionais seus ou no seu território A declaração formulada ao abrigo deste artigo poderá ser retirada a qualquer momento O disposto neste artigo será reexaminado na Conferência de Revisão a convocar em conformidade com o parágrafo 1º do artigo 123 Artigo 125 Assinatura ratificação aceitação aprovação ou adesão 1 O presente Estatuto estará aberto à assinatura de todos os Estados na sede da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura em Roma a 17 de Julho de 1998 continuando aberto à assinatura no Ministério dos Negócios Estrangeiros da Itália em Roma até 17 de Outubro de 1998 Após esta data o Estatuto continuará aberto na sede da Organização das Nações Unidas em Nova Iorque até 31 de Dezembro de 2000 2 O presente Estatuto ficará sujeito a ratificação aceitação ou aprovação dos Estados signatários Os instrumentos de ratificação aceitação ou aprovação serão depositados junto do SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas 3 O presente Estatuto ficará aberto à adesão de qualquer Estado Os instrumentos de adesão serão depositados junto do SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas Artigo 126 Entrada em vigor 1 O presente Estatuto entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de 60 dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de ratificação de aceitação de aprovação ou de adesão junto do SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas 2 Em relação ao Estado que ratifique aceite ou aprove o Estatuto ou a ele adira após o depósito do sexagésimo instrumento de ratificação de aceitação de aprovação ou de adesão o Estatuto entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de 60 dias após a data do depósito do respectivo instrumento de ratificação de aceitação de aprovação ou de adesão Artigo 127 Retirada 1 Qualquer Estado Parte poderá mediante notificação escrita e dirigida ao SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas retirarse do presente Estatuto A retirada produzirá efeitos um ano após a data de recepção da notificação salvo se esta indicar uma data ulterior 2 A retirada não isentará o Estado das obrigações que lhe incumbem em virtude do presente Estatuto enquanto Parte do mesmo incluindo as obrigações financeiras que tiver assumido não afetando também a cooperação com o Tribunal no âmbito de inquéritos e de procedimentos criminais relativamente aos quais o Estado tinha o dever de cooperar e que se iniciaram antes da data em que a retirada começou a produzir efeitos a retirada em nada afetará a prossecução da apreciação das causas que o Tribunal já tivesse começado a apreciar antes da data em que a retirada começou a produzir efeitos EPÍLOGO A HUMANIDADE NO SÉCULO XXI A GRANDE OPÇÃO A contradição original do ser humano na sabedoria mitológica O mito da criação do homem contado por Protágoras no diálogo de Platão do mesmo nome1 é a mais preciosa lição que herdamos da sabedoria grega sobre as relações contraditórias entre a técnica e a ética Segundo o relato mitológico chegado o tempo da criação dos animais decidiram os deuses no Olimpo confiar a dois de seus pares os irmãos Epimeteu e Prometeu a incumbência de determinar as qualidades a serem atribuídas a cada espécie Epimeteu2 propôs então a seu irmão que o deixasse fazer sozinho essa distribuição de qualidades entre as diferentes criaturas ficando Prometeu encarregado de verificar em seguida que tudo havia sido bemfeito Obtido o acordo de seu irmão Epimeteu pôs mãos à obra e passou a distribuir as qualidades de modo a assegurar a todos os animais terrestres apesar de suas diferenças uma igual possibilidade de sobrevivência Assim para evitar que eles se destruíssem mutuamente atribuiu a certas espécies a força sem a velocidade dando a outras ao contrário a velocidade sem a força 1 320 c e s 2 Os nomes dos dois irmãos parecem ser um trocadiiho composto pelo radical do verbo manthanô aprender estudar compreender e os prefixos epi após e pro antes Assim Epimeteu é o imprevidente isto é o que pensa depois e Prometeu o que pensa antes Da mesma sorte a fim de protegêlos contra as intempéries Epimeteu revestiu os animais de peles ou carapaças adequadas Quanto às fontes de alimentação no intuito de preservar o equilíbrio ecológico decidiu que cada espécie teria o seu alimento próprio no reino vegetal e que quando certos animais servissem de pasto a outros estes seriam menos fecundos que aqueles de modo a garantir a sobrevivência de todo o reino animal Estava assim Epimeteu pronto a declarar terminada a tarefa quando se deu conta subitamente de sua imprevidência ele havia distribuído todas as faculdades disponíveis entre os animais irracionais mas nada sobrara para compor o ser humano que iria nascer nu e inerme Foi nessa situação embaraçosa que Prometeu o encontrou ao vir examinar se tudo havia sido bemfeito Que fazer Esgotadas as qualidades destinadas aos seres mortais só restavam disponíveis os atributos próprios dos deuses Numa decisão ousada Prometeu sobe então ao Olimpo e logra subtrair de Hefaísto e de Atenas o conjunto das técnicas ou seja a capacidade inventiva dos meios próprios de subsistência a fim de entregar essa qualidade divina aos homens E assim se fez Sucedeu porém que os homens embora munidos da habilidade técnica para produzir os meios de subsistência peri ton bion sophian revelaramse desde logo incapazes de conviver harmonicamente uns com os outros pois ignoravam a arte política politika sophia Ora esta era um atributo próprio de Zeus e Prometeu já não tinha como voltar a escalar a acrópole e ludibriar a forte guarda pessoal do deus supremo para dele subtrair como fizera com a técnica material a nobre arte de governo Felizmente para a espécie humana Zeus lançou os olhos à Terra e compadecendose da situação aflitiva em que se encontravam os homens ocupados em se destruírem uns aos outros em dissensões e guerras contínuas temeu pela sua sobrevivência Decidiu então enviar Hermes como seu mensageiro pessoal recomendandolhe que atribuísse aos seres humanos os sentimentos de justiça dikê e de dignidade pessoal aidôs sem os quais não há sociedade que subsista Antes de partir para a Terra no entanto Hermes indagou de Zeus se deveria repartir entre os homens o dom da arte política da mesma maneira que o fizera com a habilidade técnica Esta com efeito em suas diferentes modalidades não fora dada a todos indistintamente mas na proporção de um especialista para cada grupo mais ou menos numeroso de não especialistas Assim por exemplo nem todos os homens precisavam entender de medicina bastando que existissem alguns médicos para cuidar adequadamente da saúde geral da coletividade A resposta de Zeus foi categórica todos os homens indistintamente haviam de possuir a arte política pois caso contrário se apenas alguns fossem nela instruídos não haveria harmonia social e a espécie humana acabaria por desaparecer da face da Terra O pai dos deuses chegou a recomendar a seu mensageiro que instituísse a pena de morte para todo aquele que se revelasse incapaz de praticar a arte de governo pois ele seria como que o inoculador de uma doença letal no corpo da sociedade O divórcio recorrente entre técnica e ética no curso histórico A História demonstrou que os temores de Zeus eram sobejamente justificados O desenvolvimento da habilidade técnica em mãos de alguns poucos não contrabalançado pela extensão da sabedoria política a todos engendrou um permanente déficit ético consubstanciado na organização oligárquica tanto no interior das sociedades locais quanto nas relações internacionais Essa carência moral ao longo da História tem provocado regularmente grandes catástrofes sob a forma de massacres coletivos fomes epidemias explorações aviltantes o todo resultante da divulsão operada entre a minoria poderosa e a maioria indigente A última grande concentração cronológica de ultrajes na História ocorreu entre 1930 e o término da 2ª Guerra Mundial com a instituição do Estado totalitário muito diferente das tiranias tradicionais e a avalanche de massacres bélicos em pelo menos três continentes2 Cessadas as hostilidades as consciências abriramse afinal para o fato de que a sobrevivência da humanidade exigia a reorganização da vida em sociedade em escala planetária com base no respeito absoluto à pessoa humana No preâmbulo da Carta das Nações Unidas os seus integrantes declararamse resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem na dignidade e no valor do ser humano na igualdade de direitos dos homens e das mulheres assim como das nações grandes e pequenas e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla Além de criar um órgão novo inexistente ao tempo da Sociedade das Nações o Conselho Econômico e Social a ONU incluiu em seus quadros a preexistente Organização Internacional do Trabalho bem como novas agências especializadas para cuidar no âmbito mundial das questões de agricultura e alimentação a FAO de saúde a OMS de educação ciência e cultura a UNESCO Ao mesmo tempo a conferência de Bretton Woods ao instituir o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial organizações desde logo associadas às Nações Unidas procurou enfrentar os graves problemas de instabilidade financeira reconstrução e desenvolvimento deixados pela guerra Seguiramse os trinta anos gloriosos em que a humanidade conheceu uma taxa média de crescimento econômico e uma queda nos índices de desemprego sem precedentes no curso da História Mais de 70 países livraramse do estatuto colonial 3 Vejase o capítulo 12º desta obra e tornaramse nações independentes experimentando quase todos nos anos 60 um ritmo de crescimento econômico que nunca mais puderam retomar ao depois Ora a partir dos anos 70 como assinala o Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento Humano de 1999 das Nações Unidas a humanidade em seu conjunto vem sendo submetida a um processo fortemente contraditório de unificação técnica e desagregação social Os homens nunca se viram tal como hoje aproximados uns dos outros pelos instrumentos de informação e comunicação Em 1960 um cabo transatlântico permitia a realização de 138 comunicações telefônicas concomitantes Em 1995 um cabo de fibra ótica já era capaz de transmitir um milhão e meio de conversas telefônicas simultâneas Em 1998 140 milhões de pessoas utilizavamse da rede Internet Em 2001 o total dos usuários desse meio de comunicação em todo mundo ultrapassou 700 milhões Essas cifras globais no entanto mascaram uma formidável desigualdade entre os que podem e os que não podem utilizarse dessas maravilhas do engenho humano Na verdade a dissociação da humanidade entre a minoria abastada e maioria carente acelerouse consideravelmente após os 30 anos gloriosos Em 1960 a quinta parte mais rica da população mundial dispunha de uma renda média 30 vezes superior à dos 20 mais pobres Em 1997 essa proporção havia mais do que dobrado 74 a 1 Entre 1990 e 1998 50 países conheceram uma redução no índice do produto interno bruto per capita4 Enquanto isso em apenas cinco anos de 1994 a 1999 a soma do patrimônio individual das duzentas pessoas mais 4 Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento Humano 2000 publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD versão francesa p 82 opulentas do mundo mais do que duplicou ao passar de 440 bilhões de dólares a 1135 bilhões Para melhor se apreciar o escândalo dessa acumulação de riqueza registrese que a renda total dos 582 milhões de habitantes dos países mais pobres do planeta equivale a 10 dessa cifra Os técnicos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento calculam que bastaria um imposto anual de 1 sobre o patrimônio daqueles duzentos nababos para custear a educação primária de todas as crianças em idade escolar do mundo inteiro Ao apresentar o Relatório sobre Comércio e Desenvolvimento de 2002 da UNCTAD Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento o seu SecretárioGeral o eminente Embaixador Rubens Ricupero assinalou que mantida a atual tendência declinante da economia mundial o número de pessoas vivendo com menos de US 1 por dia nos 49 países mais pobres do mundo deve aumentar em 30 até 2015 atingindo a impressionante cifra de cerca de 420 milhões de seres humanos Devese notar aliás que a vaga de neoliberalismo que avassalou o mundo a partir do final dos anos 70 levou a desigualdade para dentro dos próprios países ricos Durante as duas últimas décadas do século XX o coeficiente Gini que mede o grau de desigualdade socioeconômica de uma população acusou um agravamento de 16 nos Estados Unidos na Suécia e no Reino Unido5 A dissociação da humanidade já não é agora um fenômeno puramente geográfico uma espécie de deriva social dos continentes Ela produz também um corte vertical no interior de cada nação do globo ao universalizar aquele desequilíbrio estrutural que os cientistas sociais sempre reconheceram como a essência do subdesenvolvimento 5 Idem p 6 É sobre esse pano de fundo que se projeta um perfil de profunda insegurança em todos os quadrantes da Terra Insegurança no campo do trabalho assalariado com a explosão dos índices de desemprego e subemprego em várias regiões do mundo A capacidade laboral de cada um considerada por Adam Smith a mais sagrada e inviolável das propriedades6 tornase assim aos olhos da nova ciência econômica um bem secundário e dispensável no processo de produção Insegurança sanitária tragicamente simbolizada pelo avanço da síndrome de imunodeficiência adquirida em 1998 dos 33 milhões de pessoas soropositivaS então existentes no mundo 95 viviam em países pobres7 Insegurança previdenciária com a programada destruição das instituições estatais de previdência e assistência social a serem substituídas pelos mecanismos do mercado suscetíveis de marginalizar a multidão dos carentes de todo o gênero Insegurança ecológica a afetar todos os povos e a ameaçar a subsistência a curto prazo de pelo menos meio bilhão de pessoas nas regiões tropicais Insegurança política enfim com a multiplicação das guerras civis que vitimaram cerca de 5 milhões de pessoas durante o último quartel do século XX8 Assistimos pois neste início do terceiro milênio da era cristã à ruína dos grandes ideais sobre os quais os países que lutaram contra a barbárie nazista erigiram a Organização das Nações Unidas9 No discurso sobre o estado da União pronunciado em 6 de janeiro de 1941 o Presidente Franklin D Roosevelt advertiu que a segurança futura da humanidade dependia fundamentalmente de quatro grandes reivindicações libertárias entre as quais se destacavam a libertação da penúria 6 A Riqueza das Nações Livro 1 capitulo X 7 Relatório Mundial do Desenvolvimento Humano 1999 publicado pelo PNUD versão francesa p 42 8 Relatório Mundial do Desenvolvimento Humano 2000 cit p 60 9 Cf capítulo 12º desta obra freedom from want e a libertação do medo freedom from fear Ora raramente a humanidade em seu conjunto viuse tão assolada por esses flagelos quanto no presente O que predomina hoje em lugar da solidariedade internacional contra a guerra e a miséria convocada por aquele presidente norteamericano é a subordinação da humanidade aos interesses exclusivos das grandes potências Ou seja vivemos um perigoso momento histórico em que se tenta sistematicamente eliminar as instituições de limitação de poder político e econômico em âmbito mundial Ora como foi assinalado na introdução desta obra o estabelecimehto de controles institucionais ao exercício do poder de mando foi uma condição histórica indispensável ao surgimento dos direitos humanos10 O acesso dos Estados Unidos à condição de potência hegemônica mundial após o esfacelamento da União Soviética constitui séria ameaça à reorganização das relações internacionais num sentido comunitário O último tratado internacional de direitos humanos integralmente ratificado pelos Estados Unidos foi o Pacto aprovado pelas Nações Unidas em 1966 sobre direitos civis e políticos O Pacto gêmeo sobre direitos econômicos sociais e culturais teve sua ratificação rejeitada pelo Congresso norteamericano11 A partir de então os Estados Unidos vêmse recusando sistematicamente a se submeter às normas internacionais de proteção aos direitos humanos por considerarem que isto implica uma limitação de sua soberania Assim foi com os Protocolos de 1977 às Convenções de Genebra de 1949 12 com a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres de 1979 com a Convenção sobre o Direito do Mar de 1982 13 com o 10 Cf p 40 11 Cf capítulo 17º 12 Cf capítulo 15º 13 Cf capítulo 21º protocolo Adicional de 1988 à Convenção Americana sobre direitos humanos em matéria de direitos econômicos sociais e culturais14 com o Segundo Protocolo de 1989 ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos15 com a Convenção sobre os direitos da criança de 1989 com a Convenção sobre a Diversidade Biológica de 1992 16 com a Convenção de Ottawa de 1997 sobre a proibição de uso armazenagem produção e transferência de minas antipessoais 17 com a Convenção de Roma que instituiu o Tribunal Penal Internacional em 17 de julho de 1998 18 Os Estados Unidos vãose tornando assim definitivamente um Estado fora da lei no plano internacional A opção necessária Que concluir disto tudo Teremos perdido definitivamente a grande batalha para a preservação da dignidade humana Após haverse elevado penosamente da afirmação dos primeiros direitos e liberdades individuais aos direitos da própria humanidade passando pelo reconhecimento dos direitos econômicos sociais e culturais bem como dos direitos dos povos estará agora o gênero humano condenado a desbaratarse miseravelmente pela conjugação sinistra de acrasia ética e dominação tecnológica A divindade ainda saberá compadecerse das criaturas humanas para enviar seu mensageiro salvador uma segunda vez ao orbe terrestre 14 Cf capitulo 18º 15 Cf capítulo 17º 16 Cf capítulo 22º 17 A convenção entrou em vigor no dia 1º de março de 1999 Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano 1998 das Nações Unidas mais 110 milhões de minas ativas estão espalhadas por 68 países e uma quantidade equivalente achase armazenada em todo o mundo Todos os meses mais de 2000 pessoas são mortas ou mutiladas por explosões de minas 18 Cf capítulo 23º A nenhum observador atento e a nenhuma pessoa dotada de um mínimo de sensibilidade ética pode escapar o fato de que o mundo encontrase hoje em plena crise Muito se abusou contudo deste termo na linguagem corrente para que se possa empregálo aqui mais uma vez sem explicar o sentido que lhe é atribuído O radical do étimo grego krei ou kri o qual corresponde em latim a cerno é o mesmo do verbo krinô que possui duas séries de significados 1 separar discernir selecionar e escolher 2 decidir solucionar julgar Krisis significa assim 1 ação ou faculdade de distinguir ou discernir 2 ação de escolher eleição 3 ação de separar e figurativamente dissentir ou contestar 4 decisão ou julgamento O vocábulo assumiu desde Hipócrates na língua grega a conotação de mudança súbita desequilíbrio ou ruptura No tratado Dos Ares das Águas e dos Lugares o Pai da Medicina denominou krisis o momento preciso em que é possível discernir a doença e desvendar a sorte do doente É o momento em que o olhar experiente do médico observa uma mudança súbita no estado do paciente para o bem ou para o mal o instante em que se declaram nitidamente os sintomas da moléstia permitindo o diagnóstico e o prognóstico Na vida das civilizações é também possível discernir certos sintomas de ruptura ou desequilíbrio no sistema de instituições costumes e valores Como no caso dos organismos vivos a solução encontrase num dos dois extremos ou a mutação biológica a passagem da infância à adolescência por exemplo ou a morte Na primeira hipótese a fase crítica é marcada pela ação de dois movimentos sincrônicos e de sentido inverso desestruturação e reestruturação ou biologicamente falando desorganização e reorganização Na segunda hipótese o movimento desestruturador acaba suplantando o impulso de equilíbrio ou reorganização Ambos esses movimentos de sentido contrário podem ser percebidos ou medidos na vida social tanto na dimensão quantitativa quanto na qualitativa Os dados econômicos e demográficos por exemplo podem indicar uma súbita inflexão em relação à tendência até então ocorrente revelando a crise Por outro lado o sistema de valores e crenças perde sua vigência dando lugar simultaneamente aos sentimentos contraditórios de desconfiança e pessimismo podendo chegar ao desespero e ao pânico de um lado e de esperança e otimismo podendo desencadear manifestações de exaltação ou euforia de outro lado Na sucessão de uma civilização por outra ambos esses sentimentos se cruzam no tempo e no espaço assistese ao nascimento de um mundo novo para ocupar o lugar do antigo que jaz moribundo E esse nascimento é sempre envolto na agonia isto é a luta entre o velho e o novo Em que direção se encaminha a humanidade Em ensaio publicado em 1931 no qual procuro interpretar o espírito da época19 Karl Jaspers distinguiu com acuidade dois tipos de previsão histórica a simplesmente especulativa dachtende Prognose e a instigante erweckende Prognose A primeira representa um puro exercício intelectual O observador imaginase fora do mundo como mero espectador do teatro da História Nessa perspectiva cerebrina o futuro da humanidade é abandonado ao puro acaso ou às forças cegas da natureza Em suma nada se prevê porque de fora nada se pode ver e sem visão do futuro não se pode agir pois toda ação humana supõe um objetivo escolhido e intencionalmente procurado A realidade existencial do mundo só aparece como salientou o filósofo alemão aos olhos daqueles que empenham a sua própria pessoa na trama histórica A verdadeira prognose 19 Die geistige Situation der Zeit fazse não apenas com o intelecto mas também com a vontade a sensibilidade valorativa e o juízo ético Nesse sentido ela é instigante da ação pois supõe em cada um de nós a consciência de que somos respeitadas certas condições senhores de nosso próprio destino Mas que condições são essas definidoras da ação e modeladoras do futuro É a diagnose ou discernimento da realidade presente e a escolha da via adequada para a construção do futuro Ambas supõem aquela virtude pragmática que os gregos denominaram phrônesis e que os romanos traduziram por prudentia Aristóteles definiua como a capacidade deliberativa no concernente às ações humanas guiada pelo juízo ético o que é bom ou mau para o ser humano20 Dirigida pois às ações humanas e não ao fazer humano ou produção de coisas poiésis a prudência distinguese nitidamente da técnica21 Os romanos nela enxergaram a essência do saber jurídico ao passo que Aristóteles identificoua com a arte política22 afirmando ser ela a virtude própria do governante ê phrônesis arkontos ídios aretê mone23 Ora justamente o diagnóstico da crise atual aponta para uma espécie de entropia ou desordem universal causada por carência governativa tanto no interior das nações quanto na esfera internacional A ressurreição da ideologia liberal reapresentada agora em nova embalagem propagandística levou a um enfraquecimento generalizado do poder de governação com o desbridamento das forças do mercado e das velhas rivalidades étnicas e culturais Os perdedores como sempre são fracos os pobres os humildes Chegamos nesta passagem de milênio ao apogeu do capitalismo no preciso sentido etimológico do termo isto é à 20 Ética a Nicômaco 1140b 5 21 Idem 1140b 2224 22 Ética a Nicômaco 1141a 20 23 Política 1277b 25 fase histórica em que ele se coloca na posição de maior distanciamento da Terra e da Vida É este portanto o momento crítico segundo a velha tradição hipocrática em que se pode precisar a diagnose da moléstia e traçarlhe a prognose evolutiva Com o abandono previsível e inevitável da experiência comunista em todo o mundo a alternativa que se descortina lentamente diante de nossos olhos é bem vincada ou a humanidade se deixa conduzir à dilaceração definitiva na direta linha do apogeu capitalista ou tomará afinal o rumo da justiça e da dignidade seguindo o luminoso caminho traçado pela sabedoria clássica Não há terceira via A simples proposta dessa bifurcação histórica já é em si mesma uma instigação à escolha e à decisão de cada um de nós Mas para que possamos tomar lucidamente o partido da dignidade humana é preciso discernir com clareza as características essenciais do lado oposto O capitalismo não é mero sistema econômico mas uma forma global de vida em sociedade ou se se quiser dando ao termo um sentido neutro uma civilização Como tal definese ele por um espírito no sentido em que Montesquieu empregou o termo um conjunto de instituições sociopolíticas e uma prática O espírito do capitalismo é o egoísmo competitivo excludente e dominador Daí por que toda espécie de colaboração entre empresários é naturalmente tida por suspeita assim como suspeita e nociva à boa economia sempre pareceu desde as origens aos olhos dos empresários a sindicalização dos trabalhadores e a organização reivindicativa dos despossuídos Nesse tipo de civilização toda a vida social e não apenas as relações econômicas fundamse na supremacia absoluta da razão de mercado No campo econômico operase com isto uma completa inversão ontológica como foi salientado na Introdução desta obra24 Enquanto o capital desumanizado é elevado à posição de pessoa artificial o homem é reduzido à condição de simples instrumento de produção ou ao papel de mero consumidor a serviço do capital Ora a razão de mercado é necessariamente expansionista Mais de um século antes da atual globalização Marx já havia anunciado que a tendência a criar um mercado mundial inserese no próprio conceito de capital25 Mas não é só no campo econômico que impera a razão de mercado fundada no individualismo competitivo Não por acaso Adam Smith foi o primeiro a recomendar vivamente o estabelecimento de um sistema de rivalidades e emulações em todas as profissões mesmo as tradicionalmente não econômicas como a advocacia ou os ofícios religiosos26 Na verdade para a mentalidade capitalista somente aquilo que tem preço no mercado possui valor na vida social Quanto ao arcabouço institucional do capitalismo a sua peçamestra é o confinamento da atividade estatal à proteção da ordem do contrato e da propriedade privada como garantias do exercício da liberdade empresarial O conjunto das liberdades civis e políticas passa assim a exercer um papel secundário nesse quadro institucional elas podem ser preteridas diante da liberdade de empresa como se tem visto amiúde na Ásia na África e na América Latina A prática capitalista representa o desenvolvimento sistemático do espírito individualista que a anima É a lógica da 24 Cf p 24 25 Princípios de uma Crítica da Economia Política Parte Ii O capital 26 A Riqueza das Nações Livro V no capítulo justamente consagrado às despesas do Soberano ou da Comunidade Of the expenses of the Sovereign or Commonwealth No Livro 1 capítulo X ele afirma que embora seja sem dúvida indecente comparar quer um vigário de paróquia quer um capelão com um trabalhador diarista a journeyman o estipêndio de um vigário ou de um capelão pode no entanto ser propriamente considerado como da mesma natureza que os salários de um diarista exclusiva possibilidade técnica tudo o que pode ser produzido empresarialmente possui um valor absoluto e não deve ser impedido por exigências éticas É a porfia pela concentração ilimitada de capital isto é de poder econômico com base na exploração de trabalhadores e consumidores na apropriação dos bens comuns da humanidade naturais ou culturais e na exaustão esta também global do meio ambiente Notase mesmo no atual estágio da evolução econômica que a preocupação com os lucros e a acumulação de capital desprendese de qualquer interesse pela produção para o mercado O ideal do capitalismo financeiro contemporâneo é a realização de lucros sem produção de bens ou prestação de serviços à comunidade Mais de um trilhão e meio de dólares circulam todos os dias no mercado mundial de divisas sendo que menos de 10 desse fabuloso montante mantêm ainda uma ligação com operações de comércio ou investimento O processo de concentração capitalista aliás já não tem por objeto bens materiais apenas mas fundase crescentemente no monopólio de conhecimentos tecnológicos Ao final do século XX os países industrializados detinham 97 do total das patentes registradas no mundo inteiro Mais de 80 das patentes concedidas em países subdesenvolvidos têm como titulares empresas sediadas em países desenvolvidos27 Daí o extraordinário impulso dado hoje ao sistema de propriedade intelectual O Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual concernentes ao comércio TRIPS concluído sob o patrocínio da Organização Mundial do Comércio em 1994 representou poderoso estímulo ao investimento capitalista em pesquisa e desenvolvimento de noVos produtos com fins lucrativos ao mesmo tempo em que a Preocupação com o equilíbrio das finanças públicas desestimu 27 Relatório Mundial do Desenvolvimento Humano 1999 cit p 68 lava em todos os paíSes os investimentos públicos nessa área O resultado dessa conjugação de políticas tem sido altamente prejudicial à população pobre e desprotegida do mundo inteiro Assim é que por força do mencionado acordo os paísesmembros da OMC são compelidos a estender o sistema de patentes aos medicamentos o que provoca o duplo efeito de uma concentração das pesquisas em remédios vendáveis unicamente nos mercados ricos e um aumento generalizado dos preços ao consumidor Para se ter uma idéia do que isso significa em termos de exclusão social é preciso saber que somente 02 das atividades mundiais de pesquisa e desenvolvimento no setor de saúde dizem respeito à pneumonia à tuberculose e à diarréia quando se sabe que tais afecções representam 18 do total das doenças no mundo inteiro28 Entre 1975 e 1997 das 1233 fórmulas medicamentosas patenteadas no mundo apenas 13 isto é pouco mais de 1 destinavamse à cura de doenças tropicais que ceifam anualmente 6 milhões de vidas no mundo Com a geral admissibilidade do patenteamento de genes inclusive do homem para exploração na indústria farmacêutica e utilização em tratamentos médicos chegamos ao ponto culminante da insânia capitalista instituiuse a propriedade sobre as matrizes da vida Um roteiro de humanização do mundo Para conjurarmos o risco de consolidação da barbárie precisamos construir urgentemente um mundo novo uma civilização que assegure a todos os seres humanos sem embargo das múltiplas diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si o direito elementar à busca da felicidade Constitui efetivamente um opróbrio verificar que no momento histórico 28 Idem p 69 em que parecemos nos tornar enfim senhores e possuidores definitivos da natureza como anunciara Descartes29 as condições de vida de três quartos da humanidade representem a negação objetiva desse direito proclamado na abertura da Declaração de Independência dos Estados Unidos como inerente à condição humana Uma civilização que garanta a toda a humanidade o direito de buscar uma vida mais feliz há de contraporse radicalmente ao capitalismo tanto pelo seu espírito quanto pelo sistema institucional ou a prática de vida Em oposição ao individualismo excludente o espírito da nova civilização há de ser a irradiação da fraternidade universal a organização de uma humanidade solidária onde se editem enfim na paz leis iguais constantes que aos grandes não dêem o dos pequenos como sonhou Camões30 Se todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos segundo proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos a vida social há de organizarse comunitariamente à luz do princípio daquela justiça proporcional ou distributiva análogon dikáion sobre a qual tão bem discorreu Aristóteles31 Pelo seu caráter eminentemente político ela se contrapõe àjustiça comutativa ou de troca que regula as relações contratuais 29 No Discurso do Método que constitui uma espécie de manifesto da civilização tecnológica Descartes afirmou que les notions générales touchant la physique mont fait voir quil est possible de parvenir à des connaissances qui soient fort utiles à la vie et quau líeu de cette philosophie spéculative quon enseigne dans les écoles on en peut trouver une pratique par laquelle connaissant la force ei les actions du feu de leau de lair des astres des cieux ei de tous les autres corps qui naus environnent aussi distinctement que naus connaissons les divers métiers de nos artisans naus les pourrions emplover en même façon à tons les usages auxquels ils sont propres et ainsi naus rendre comme maîtres et POssesseurs de la nature Sexta Parte 30 Os Lusíadas IX 745746 31 Política 1131a 10 s entre particulares synalagmata Enquanto a justiça sinalagmática diz respeito à igualdade de prestações isto é à equivalência das coisas e serviços que se trocam por um preço a justiça proporcional concerne à igualdade essencial dos homens que não se troca nem se vende porque não tem preço e por isso representa um valor incomensuravelmente mais elevado do que o econômico Quando o capitalismo avassala o Estado ele introduz em seu funcionamento a lógica mercantil do intercâmbio de prestações e dele retira o poderdever de submeter os interesses particulares à supremacia da coisa pública ou bem comum do povo Sendo objetivo da justiça proporcional ou distributiva instaurar a igualdade substancial de condições de vida é óbyio que ela só pode realizarse por meio de políticas públicas ou programas de ação governamental Um Estado fraco permanentemente submetido às injunções do capital privado no plano nacional ou internacional é incapaz de atender à exigência do estabelecimento de condições sociais de uma vida digna para todos Nunca como hoje percebeuse tão nitidamente o caráter anticapitalista dos direitos humanos de natureza econômica social e cultural Tudo isso quanto ao espírito ou os valores da nova civilização No tocante ao sistema institucional a ser criado para a concretização desses valores ele terá como pressuposto lógico a superação da dicotomia entre Estado e sociedade civil sobre a qual fundouse a aliança histórica do capitalismo com o Estado Liberal Nessa concepção dicotômica o povo é reduzido a uma massa de indivíduos cada qual dividido em si mesmo na dupla posição de homem isto é componente da sociedade civil e de cidadão isto é membro da sociedade política Ambas essas funções são puramente passivas o indivíduo é tão impotente diante do poder econômico na sociedade civil quanto o é o cidadão para exercer a parcela individual da soberania popular que teoricamente lhe cabe As objurgatórias de Rousseau contra O sistema representativo de governo32 nunca foram tão justificadas como atualmente A verdade é que a bipartição do indivíduo em integrante da sociedade civil e cidadão do Estado veio atender excelentemente ao grande desígnio do sistema capitalista em matéria constitucional separar a economia da política ou melhor pôr esta a serviço daquela de modo a manter a atividade empresária ao abrigo de qualquer interferência governamental Em contraste com essa segmentação artificial da sociedade o direito público da civilização comunitária há de fundarse de um lado na prerrogativa inalienável e indelegável do povo para deliberar e decidir diretamente sobre as questões fundamentais de política interna ou internacional por meio de referendos plebiscitos iniciativas populares ou pela elaboração de orçamentos públicos Fundarseá também de outro lado no poder de supervisão e sanção direta pelo povo dos agentes políticos de qualquer natureza sejam eles governantes altos funcionários parlamentares magistrados ou membros do Ministério Público No direito público da civilização comunitária além do mais exatamente porque ele é público isto é do povo res publica res populi diziam os romanos a soberania popular não pode confinarse à esfera estatal mas há de exercerse no âmbito da sociedade como um todo A vida econômica antes de tudo já não será submetida ao interesse supremo de acumulação ilimitada do capital privado mas organizarseá no sentido do serviço à coletividade e do atendimento prioritário das necessidades e utilidades públicas Em particular as células do organismo econômico 32 Do Contrato Social livro terceiro capítulo XV as empresas devem ser estruturadas de forma a afastar a soberania do capital sobre os demais agentes de produção A atividade empresarial há de ser direcionada por meio de estímulos e sanções adequadas à produção de bens e serviços de interesse coletivo conforme as diretrizes programáticcas estabelecidas pelas autoridades governamentais com a devida aprovação popular Neste último sentido o tradicional sistema de propriedade intelectual sobre invenções técnicas constitui um sério obstáculo à justa difusão das novas tecnologias a todos os povos e a todas as camadas sociais Quando criado pelo Monopolies Act de 1624 na Inglaterra esse sistema visava a combinar o estímulo à invenção privada pelo direito do inventor ao recebimento de royalties na utilização industrial do invento com a divulgação dos novos conhecimentos técnicos a toda a coletividade por meio da obrigatória publicação da fórmula ou receita do produto ou processo de produção Esta a razão pela qual o prazo de duração das patentes foi fixado pela lei inglesa num múltiplo do tempo de formação dos aprendizes numa corporação de ofícios sete anos O inventor era considerado o mestre de ofícios da comunidade nacional Hoje em lugar de bons resultados para toda a comunidade o sistema de propriedade industrial engendra concentração de poder econômico com nula ou quase nula difusão de tecnologia De um lado grande parte dos avanços tecnológicos é mantida em segredo sob regime de knowhow De outro lado a pesquisa tecnológica demanda investimentos cada vez mais elevados os quais somente os Poderes Públicos e os grandes grupos empresariais podem realizar Mas como esses investimentos obedecem à lógica da lucratividade e não do serviço coletivo eles se fazem cada vez mais por iniciativa e no interesse exclusivo das empresas com vistas à concorrência Mesmo quando efetuados pelo Estado tais investimentos acabam por beneficiar quase que exclusivamente as grandes empresas como salientam os técnicos das Nações Unidas33 Numa sociedade autenticamente democrática especial cuidado deve também merecer a organização dos meios de comunicação social Ainda aí a civilização ateniense pode servirnos de modelo O debate público sobre questões de interesse coletivo nela ocupava um lugar central e a isegoria ou igualdade de palavra era escrupulosamente observada qualquer que fosse a condição social do cidadão Sucede que em nossos dias o espaço público de comunicação já não é a ágora ateniense nem mesmo o Parlamento como imaginou o constitucionalismo clássico mas sim a imprensa o rádio a televisão a Internet Ora salvo esta última os demais grandes veículos de comunicação quando não monopolizados pelo Estado autocrático acabaram sendo apropriados pela classe empresarial para o serviço de seus interesses de classe A democratização dos meios de comunicação de massa representa pois a condição sine qua non do efetivo exercício da soberania popular nos dias que correm Um governo popular sem informação popular disse James Madison em seu tempo é um prólogo à farsa à tragédia ou a ambas as coisas A farsa democrática nós já a conhecemos desde há muito Resta saber se ainda há tempo de se evitar a tragédia Se voltarmos agora os olhos para as relações internacionais não poderemos deixar de comprovar o desvanescimento das grandes esperanças suscitadas em 1945 de que o mundo do pósguerra seria reorganizado no sentido da preservação da paz e dos direitos humanos 33 Entre 1981 e 1991 menos de 5 dos novos medicamentos lançados no mercado pelos 25 maiores grupos farmacêuticos foram produzidos sem o concurso de recursos públicos No mesmo período no setor da biotecnologia a parte das patentes detidas pelos Poderes Públicos cuja licença de utilização foi concedida a empresas particulares passou de 6 a mais de 40 Relatório Mundial do Desenvolvimento Humano 1999 cit p 67 e 69 Tal como no plano constitucional dos Estados só a democracia assegura a organização da vida internacional com base no respeito integral à dignidade humana Como não perceber que o reconhecimento dos direitos fundamentais dos povos e dos direitos da própria humanidade exige para sua efetividade a instituição conseqüente de um governo democrático mundial Na construção de uma democracia de âmbito planetário devemos aproveitar os elementos institucionais já existentes reunidos na Organização das Nações Unidas cuja criação representou inegavelmente notável progresso no sentido da proteção mundial da dignidade humana Sucede porém que após os atentados tenoristas de Nova York e Washington de 11 de setembro de 2001 a estrutura originalmente oligárquica da ONU centrada em torno do Conselho de Segurança tende doravante a contrairse em direção ao estabelecimento de um poder geral de controle sobre toda a Organização em mãos de uma única potência os Estados Unidos Para opugnar essa tendência claramente monocrática é indispensável atribuir o poder supremo das Nações Unidas aos povos nela representados e ampliar as funções de natureza legislativa executiva e judiciária da Organização Para a instituição de uma efetiva soberania dos povos e não formalmente dos Estados no seio da ONU é mister reformar o sistema de votos na Assembléia Geral não só sob o aspecto qualitativo como também no sentido quantitativo Com efeito se a meta é democratizar a instituição não se pode deixar de exigir que os EstadosMembros tenham um mínimo de representatividade e consentimento popular no funcionamento de seus órgãos de governo e que estes atuem sempre dentro dos parâmetros definidos pela Constituição e as leis vale dizer que todos os membros da ONU sejam Estados de Direito Tal exigência uma vez posto o princípio democrático como fundamento da Organização não configuraria de modo algum uma indevida interferência em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado Carta das Nações Unidas art 2 7 Por outro lado é bem de ver que o princípio da efetiva representatividade dos povos não se coaduna com a regra da igualdade de votos de cada Estado nas reuniões da Assembléia Geral Carta art 18 1 O peso demográfico não pode deixar de ser levado em consideração na regulação do sufrágio No tocante à organização das diferentes funções internas da ONU uma medida importante para a ampliação da função legislativa poderia ser adotada em matéria de convenções sobre direitos humanos votadas pela Assembléia Geral A aplicação a tais convenções do sistema comum de ratificação individual pelos EstadosMembros representa um anacronismo Em sua obra fundadora do direito internacional34 Grócio salientou que as convençoes entre Estados analogamente aos contratos do direito privado podem classificarse em duas grandes espécies as bilaterais e as multilaterais As primeiras disse ele dirimunt partes isto é separam os interesses próprios das partes contratantes ao passo que as segundas communionem adferunt vale dizer criam relações de comunhão Ora esse objetivo comunitário é mais acentuado no caso de convenções multilaterais votadas no seio de uma organização internacional cujas decisões tal como no âmbito das sociedades ou associações do direito privado são normalmente tomadas por votação majoritária e não por unanimidade O argumento de que a assinatura de um tratado internacional ou a adesão a ele é ato do Estado e não simplesmente do governo não colhe no caso pois o ingresso do Estado na organização internacional já foi objeto de ratificação pelo seu Parlamento e esta implicou obyiamente a aceitação de suas regras constitutivas É de inteira justiça portanto que a aprovação de convenções sobre direitos humanos seja incluída na categoria de 34 De Jure Belli ac Pacis livro II capítulo XII III e IV assuntos a serem decididos por uma maioria de dois terços referidos no artigo 18 terceira alínea da Carta das Nações Unidas34 dispensandose no caso a ratificação individual dos EstadosMembros para sua entrada em vigor Uma grave carência de capacidade governativa é observada quanto ao que se poderia caracterizar como o exercício do poder executivo nas Nações Unidas As duas principais atribuições da ONU por determinação da Carta de 1945 são de um lado a manutenção da paz e da segurança internacionais e de outro a cooperação de todos os povos em matéria econômica e social Para o exercício da primeira função criouse o Conselho de Segurança para o desempenho da segunda o Conselho Econômico e Social Entre esses dois órgãos porém o desequilíbrio de poderes é gritante Enquanto o Conselho de Segurança foi dotado de competência decisória para exercer uma ação pronta e eficaz como se diz no artigo 24 da Carta ao Conselho Econômico e Social somente incumbe a atribuição de fazer recomendações à Assembléia Geral aos membros das Nações Unidas e às entidades especializadas interessadas art 62 Mesmo essa ação pronta e eficaz do Conselho de Segurança tem sido como se sabe freqüentemente paralisada pelo poder de veto atribuído aos seus membros permanentes art 27 3 Ademais uma de suas principais atribuições qual seja a de formular os planos a serem submetidos aos membros das Nações Unidas para o estabelecimento de um sistema de regulamentação dos armamentos art 26 jamais foi cumprida pois ela se choca com os interesses nacionais das grandes potências que são membros permanentes do órgão O caminho para a instituição de um governo mundial democrático no seio das Nações Unidas desenhase com nitidez a 35 Cf supra p 218 partir desse diagnóstico É mister abolir o caráter oligárquico do Conselho de Segurança suprimindose os cargos permanentes com poder de veto É indispensável dotar o Conselho Econômico e Social de competência decisória atribuindoselhe ainda um poder de supervisão e direcionamento não só das atividades das agências especializadas das Nações Unidas em matéria econômica e social bem como do Fundo Monetário Internacional do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio Esta última entidade aliás ao contrário das duas primeiras nem é filiada às Nações Unidas Ninguém ignora que as instituições criadas em Bretton Woods paralelamente à ONU o FMI e o Banco Mundial têm sido juntamente com a OMC poderosos instrumentos utilizados pelas grandes potências sobretudo os Estados Unidos na política de globalização capitalista36 Para a construção de um mundo justo e solidário importa transformar essas instituições em órgãos econômicos e financeiros a serviço dos povos Nesse sentido é indispensável transferir integralmente o seu patrimônio para as Nações Unidas passando essas entidades a ser dirigidas por administradores escolhidos pelo Conselho Econômico e Social da ONU No tocante à OMC é preciso entender que o comércio internacional somente é útil e deve ser expandido quando serve à finalidade maior do desenvolvimento harmônico dos povos no respeito integral dos direitos humanos Daí decorre a necessidade de se transformar a OMC que é atualmente uma entidade autônoma num órgão integrante das Nações Unidas e que atue sob a supervisão direta do Conselho Econômico e Social 36 O Fundo Monetário Internacional tem a estrutura jurídica de uma sociedade de capitais na qual os Estados Unidos detêm uma participaçaO de 176 Como todas as decisões mais importantes dos membros do Fundo são tomadas por maioria qualificada de 85 seguese que o FMI é controlado de jure e de facto pelos Estados Unidos Por último a tarefa de democratização da ONU não se completaria escusa lembrálo sem a organização de um Poder Judiciário forte e autônomo Nesse sentido a primeira medida a ser tomada é a abolição da cláusula de reconhecimento facultativo da jurisdição da Corte Internacional de Justiça Assim foi feito no seio da União Européia com o Protocolo n 11 à Convenção Européia de Direitos Humanos no tocante ao Tribunal de Estrasburgo37 A nenhum membro das Nações Unidas seria então lícito subtrairse à jurisdição da Corte de modo a sobrepor o seu interesse próprio à realização da justiça no plano internacional Ainda quanto às funções judiciárias no seio das Nações Unidas seria preciso completar a obra iniciada com a Declaração Universal de Direitos Humanos em 1948 e com os dois Pactos Internacionais de 1966 Na sessão de 16 de fevereiro de 1946 do Conselho Econômico e Social ficou assentado que esses documentos normativos constituiriam etapas preparatórias à montagem de um aparelhamento institucional adequado para assegurar o respeito universal aos direitos humanos e tratar os casos de sua violação A implementação dessa terceira etapa tem sido postergada primeiro em razão da guerra fria e em seguida pela oposição decisiva dos Estados Unidos É indispensável reforçar os poderes investigatórios da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas bem como criar ao mesmo tempo um tribunal internacional com ampla competência para conhecer e julgar os casos de violação desses direitos pelos EstadosMembros nos moldes do Estatuto de Roma de 1998 que instituiu o Tribunal Penal Internacional38 37 Cf capítulo 16º 38 Cf capítulo 23º supra Rumo à salvação da humanidade Depois de exaltar o ser humano ao qual nenhuma das maravilhas do mundo se iguala o coro naAntígona de Sófocles 332333 passa a enumerar os diferentes aspectos da admirável destrêza humana capaz de dominar as forças da natureza na terra no mar e nos ares O coro não se deixa porém ofuscar pela contemplação desse dom excepcional que segundo o ensinamento do mito de Prometeu é de natureza divina Ele conclui sua declamação sobre esse assunto para lembrar que se o homem é dotado de um engenho técnico que ultrapassa todas as expectativas sóphon ti to mechanoen technas yper elpid echoon ele é sempre livre de utilizálo para o bem ou para o mal de optar pela vida ou pela morte não só individualmente mas em escala planetária O século XX da era cristã é a melhor ilustração histórica dessa grande verdade O homem tornouse definitivamente senhor e possuidor da natureza inclusive de sua própria ao adquirir o poder de manipular o patrimônio genético Mas ao mesmo tempo pela espantosa acumulação de poder tecnológico jamais como nessa centúria o engenho humano foi capaz de provocar uma tal concentração de hecatombes e aviltamentos nunca como hoje a humanidade dividiuse tão fundamente entre a minoria opulenta e a maioria indigente O rumo do curso histórico como no enredo da tragédia clássica parece pois apontar inexoravelmente para a ruína e a desolação O desastre lembra o coro emAgamenon de Ésquilo 375379 é filho das ousadias temerárias dos que se comprazem no orgulho desmedido quando suas casas transbordam de opulência A advertência moral da tradição grega desde Sólon é sempre a mesma a acumulação de riqueza não Partilhada engendra a arrogância hybris e esta conduz fatalmente ao precipício Mas ainda é tempo de mudar de rota e navegar rumo à salvação Na fímbria do horizonte já luzem os primeiros sinais da aurora É a esperança de uma nova vida que renasce A chama da liberdade da igualdade e da solidariedade haverá de iluminar e inflamar a Terra inteira TAREFA Em 10 de dezembro de 1982 foi assinada a Convenção sobre o Direito do Mar relacionada aos direitos fundamentais especificamente ao mar e aos oceanos Tal texto possui 319 artigos e 8 anexos ao longo de seus pronunciamentos a Convenção intitula que o mar vai além da jurisdição nacional e é direito de todos Ainda tornou o tornou o usufruto para de todos tanto relacionado ao lazer como formato econômico o que devem seguir as normativas estatais Embora sua utilização seja para qual fim for esteja listado na Convenção nem todos os países assinaram devido desacordo com alguns parágrafos como é o caso dos Estados Unidos Para os países que assinaram caso haja desacordo em alguma finalidade a ser praticada as decisões serão abonadas e a situação se manterá conforme inicial Toda prática econômica e comercial nesse setor deverá seguir equidade de consumo Ainda postula que a utilização de águas e minérios dos mares e oceanos deve ser feita de acordo com os materiais constados na Convenção e caso não seja possível será contratado material ou empresa específica para auxiliar no processo conforme o que está escrito na Convenção o que sugere justiça e equidade de respeito pelos povos do mundo consumidores bem como para com a natureza Dessa forma todos os países e povos devem conter estruturação e preservação de águas e oceanos como autoridades responsáveis atividades específicas na área respaldadas pela legislação e limitação de área pertinente a cada região além de conservação das mesmas