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Texto de pré-visualização

1 ALÓS Anselmo Peres Texto literário texto cultural intertextualidade Revista Virtual de Estudos da Linguagem ReVEL V 4 n 6 março de 2006 ISSN 16788931 wwwrevelinfbr TEXTO LITERARIO TEXTO CULTURAL INTERTEXTUALIDADE Anselmo Peres Alós1 hokaloskourosyahoocombr 1 MIKHAIL BAKHTIN A CITAÇÃO COMO O DISCURSO DO OUTRO A literatura comparada desde seu nascimento no final do século XIX vem mostrando que a literatura não se produz enquanto objeto de estudo estanque imanente e cristalizado mas sim como constante diálogo entre textos e culturas constituindose a literatura a partir de permanentes processos de retomadas empréstimos e trocas Apercebendose disso Mikhail Bakhtin ao estudar o romance do século XIX estabelece a noção de dialogismo diálogo ao mesmo tempo interno e externo à obra que estabelece relações com as diferentes vozes internas e com os diferentes textos sociais Importantes também são os estudos que Bakhtin realiza sobre as obras de Dostoiévski A Poética de Dostoiévski2 e de François Rabelais A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento O Contexto de François Rabelais3 Relacionando o texto literário à sociedade e à história que se presentificam no texto literário de forma palimpséstica Bakhtin também os considera enquanto textos que se cruzam no processo dialógico Quando se pensa em intertextualidade em comparatismo e no trabalho de Kristeva de reformular categorias pensadas por Bakhtin dificilmente se faz menção às primeiras reflexões deste a respeito do discurso de outrem A retomada deste texto de 1 Doutorando no Programa de PósGraduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS 2 BAKHTIN M Problemas da Poética de Dostoiévski Trad Paulo Bezerra Rio de Janeiro Forense Universitária 1981 3 BAKHTIN M A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento O Contexto de François Rabelais Trad Yara Frateschi Vieira São PauloBrasília HucitecUnB 1993 2 19291930 fazse pertinente e elucidativa na medida em que mesmo sem que ele faça referências às categorias de dialogismo ou polifonia traz suas primeiras formulações sobre o discurso citado e o discurso do outro É importante ressaltar estas reflexões porque desde este momento o lingüista russo já identificava o discurso do mesmo ou a enunciação com o narrador enquanto o discurso do outro estava relacionado com os enunciados proferidos pelos personagens os outros do narrador Obviamente tais relações não estão explicitadas nominalmente por Bakhtin mas se tornam claramente visíveis ao se realizar um cotejo entre as reflexões de Marxismo e Filosofia da Linguagem4 com as reflexões de A Poética de Dostoiévski5 e as posteriores reformulações conceituais de Kristeva Mikhail Bakhtin sob o pseudônimo de Volochinov publica entre 19291930 Marxismo e Filosofia da Linguagem6 em Leningrado Trabalhando sobre questões como a interface linguagemideologia criticando o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato Bakhtin concebe a língua como um fenômeno que não pode de maneira alguma ser desvinculado de seu caráter social e dialógico No capítulo 9 intitulado O Discurso de Outrem ele articula as primeiras reflexões que darão origem à noção de intertextualidade a partir de seu estudo sobre o discurso citado Faz se necessário pois observar como Bakhtin trabalha tal questão O lingüista russo abre o referido capítulo com as seguintes palavras o discurso citado é o discurso no discurso a enunciação na enunciação mas é ao mesmo tempo um discurso sobre o discurso uma enunciação sobre a enunciação Bakhtin 1997144 grifos do autor Fica evidente pois que o trabalho em torno do discurso de outrem e das estratégias de citação não se configura apenas como um tópico do estudo da enunciação mas sim como estudo metaenunciativo visto que a citação não dá conta apenas de um processo de colagem discursiva mas da própria estruturação do discurso de outrem o discurso citado é visto pelo falante como a enunciação de uma outra pessoa completamente independente na origem dotada de uma construção completa e situada fora do contexto narrativo Bakhtin 1997144 grifo do autor É necessário para que possa compreender o funcionamento da citação manter em mente a formulação do discurso que cita e do discurso citado simultaneamente Ao mesmo 4 BAKHTIN Mikhail Marxismo e Filosofia da Linguagem 8 ed Trad Michel Lahud e Yara F Vieira São Paulo Hucitec 1997 5 BAKHTIN op cit 1981 6 BAKHTIN op cit 1997 3 tempo em que cita um fragmento produzido em um outro lugar a citação pode ou não resignificar o elemento citado sem com isso apagar sua origem é graças à observação dessa dinâmica que se pauta a noção de dialogismo fundamental na obra de Bakhtin7 O discurso de outrem constitui mais do que o tema do discurso ele pode entrar no discurso e na sua construção sintática por assim dizer em pessoa como uma unidade integral de construção Assim o discurso citado conserva sua autonomia estrutural e semântica sem nem por isso alterar a trama lingüística do contexto que o integrou Bakhtin 1997144 A palavra do mesmo e a palavra do outro não se miscigenam homogeneamente no processo de enunciação narrativa perdendo suas características próprias e formando um terceiro elemento ao contrário ambas mantêm determinadas particularidades e é a partir dessas diferentes particularidades discursivas em confronto organizadas em uma mesma enunciação narrativa que se estabelece uma relação ativa Por mais que se tente apagar a origem do discurso de outrem ele reaparece ainda que sob a forma de estranhamento ou de ruído na harmonia do texto Logo é útil dispensar algum tempo para refletir sobre a natureza do processo de citação da palavra de outrem dada a mencionada permanência de conteúdos semânticos e de estruturas de enunciação de acordo com as palavras de Bakhtin A partir disso podese supor que a heterogeneidade de conteúdos semânticos ou de estruturas de enunciação ou tendo em vista o texto narrativo estruturas de narração se configura enquanto referência textual a um ou a vários outros discursos Se lembrarmos que para Bakhtin a língua não é o reflexo das hesitações subjetivopsicológicas mas das relações sociais estáveis dos falantes 1997147 fica evidente que a incorporação do discurso de outrem vai ao mesmo tempo formular o posicionamento social do mesmo e apresentar outras possibilidades de posicionamento por ocasião da enunciação Tendo em vista esta última tornase perceptível que a utilização do discurso de outrem na construção da narrativa é de extrema importância pois a partir dela o narrador pode traçar um panorama de diferentes perspectivas para os eventos narrados A partir dessa diferenciação na enunciação narrativa Bakhtin caracteriza a produção romanesca em dois grandes grupos os romances monológicos nos quais há a manipulação da enunciação pelo narrador que coloca sua perspectiva em 7 Ainda que tal noção não esteja presente em Marxismo e Filosofia da Linguagem o capítulo 9 traz já os germes desta noção que será mais explorada por Bakhtin em outras obras 4 um lugar hierarquicamente superior ao daquele ocupado pelos sujeitos de outros discursos e os romances dialógicos nos quais os discursos de outrem não apenas se mostram presentes mas sem nenhuma hierarquização das vozes constitutivas do mesmo Uma outra questão para a qual Bakhtin chama a atenção é o fato de que o narrador pensado enquanto instância que organiza enunciados citados o faz levando em conta uma terceira pessoa que não o próprio enunciador do discurso citado nem o enunciador que cita é o receptor do enunciado no qual foi incluso o fragmento citado Naturalmente há diferenças essenciais entre a recepção ativa da enunciação de outrem e sua transmissão no interior de um contexto discursivo Além disso a transmissão leva em conta uma terceira pessoa a pessoa a quem estão sendo transmitidas as enunciações citadas Essa orientação para uma terceira pessoa é de primordial importância ela reforça a influência das forças sociais organizadas sobre o modo de apreensão do discurso 197746 Com isso Bakhtin nomeia o princípio básico de funcionamento do discurso citado Nesta modalidade que é a mais próxima do que se entende por citação a demarcação das fronteiras entre o discurso do mesmo e o discurso de outrem estão assinaladas por marcas lingüísticas Em português podem ser assinalados como os procedimentos mais comuns para desenhar tais fronteiras a a utilização de aspas que marcam que o enunciado posto em circulação teve sua origem formulação em outro lugar que não a instância de enunciação b o uso do travessão particularmente no discurso romanesco para marcar os limites entre o que é próprio do narrador e o que é próprio dos personagens ou ainda c a operacionalização de recursos gráficos como itálico ou negrito para salientar através do estranhamento materialmente expresso pela escritura a origem diferenciada do enunciado O narrador assim é responsável pelas relações estabelecidas entre o discurso citado e o universo narrativo de sua própria enunciação Bakhtin descreve então três tendências básicas a partir das quais se organizam as relações entre o discurso do mesmo e o discurso de outrem em uma narrativa o dogmatismo narrativo estilo linear o individualismo realista e crítico estilo pictórico e o individualismo relativista no qual a ênfase recai não no contexto narrativodiscurso do mesmo mas sim no discurso de outrem 5 O estilo linear enquanto modalidade de apreensão do discurso de outrem tem como finalidade a manutenção da integridade e da autenticidade do discurso do mesmo em relação ao discurso citado Enquanto em um texto científico por exemplo tal modalidade se constitui enquanto reflexo de honestidade intelectual do qual a referência às fontes é o exemplo mais significativo no plano do texto literário tal procedimento traz embutido o autoritarismo do narrador que valida sua perspectiva como uma verdade transcendental e quando cita o discurso de outrem o faz tratandoo como mero objeto sem levar em consideração a perspectiva do outro Por isso a preocupação em delimitar fronteiras entre o discurso do mesmo e o discurso de outrem fonte citacional A língua pode esforçarse por delimitar o discurso citado com fronteiras nítidas e estáveis Nesse caso os esquemas lingüísticos e suas variantes têm a função de isolar mais clara e mais estritamente o discurso citado de protegê lo da infiltração pelas entoações próprias ao autor de simplificar e consolidar suas características lingüísticas individuais Bakhtin 19971489 Bakhtin ressalta que dentro do estilo linear de apreensão do discurso de outrem é de suma importância discernir quais são os graus de firmeza ideológica de autoritarismo e de dogmatismo que estão acompanhando o movimento do narrador no ato de citaçãoapreensão discursiva Tal gradação é importante para verificar a mobilidade que é dada aos sentidos incorporados no contexto narrativo pelo narrador quanto mais dogmática for a palavra menos a apreensão apreciativa admitirá a passagem do verdadeiro ao falso do bem ao mal e mais impessoais serão as formas de transmissão do discurso de outrem Bakhtin 1997149 Enfim o estilo linear constitui se a partir de um posicionamento dogmático e autoritário fortemente marcado por uma perspectiva ideológica que não admite confronto Destarte o processo de incorporação do discurso do outro realizado pelo narrador não permite um real embate entre vozes distintas pois A tendência principal do estilo linear é criar contornos exteriores nítidos à volta do discurso citado correspondendo a uma fraqueza do fator individual interno Nos casos em que existe completa homogeneidade estilística de todo o texto o autor e suas personagens falam a mesma língua o discurso construído como sendo o de outrem atinge uma sobriedade e uma plasticidade máximas Bakhtin 1997150 Em outras palavras o discurso do outro enquanto alteridade não existe no estilo linear O outro só é pensado enquanto ou repetição do mesmo ou enquanto discurso a 6 ser negado o que não ameaça a autoridade discursiva do narrador no lugar da alteridade há o despotismo discursivo no qual o outro só é reconhecido nos raros momentos em que há coincidência nas formas de se perceber o mundo ou seja quando há alguma afinidade ideológica entre o discurso do narrador e o discurso alheio A integridade do mesmo é mantida através da negação do outro Um tipo de narrativa exemplar para esta modalidade de apreensão do discurso de outrem é aquele presente nas fábulas de Esopo Nestas fábulas há sempre a presença de personagens em um determinado evento do qual o narrador pretende extrair uma máxima a título de moral O discurso dos personagens está pouquíssimo ou nada individualizado sua presença serve de mera figuração e não há contato de espécie alguma entre o discurso do narrador contexto narrativo e o discurso citado as falas dos personagens O estilo pictórico ao contrário do estilo linear caracterizase por uma certa rarefação dos limites entre a matriz da enunciação e o discurso citado No lugar das demarcações explícitas de onde começa e de onde termina o discurso citado necessárias para a autopreservação da identidade do narrador a língua elabora meios mais sutis e mais versáteis para permitir ao autor infiltrar suas réplicas e seus comentários no discurso de outrem Bakhtin 1997150 O contexto narrativo rompe com a rigidez do discurso citado dogmático pois o narrador procura agora incorporar a fala do outro em sua própria fala delegando ao outro legitimidade para falar diferente e disseminando fronteiras subjetivas o narrador pode deliberadamente apagar as fronteiras do discurso citado a fim de colorilo com as suas entoações o seu humor a sua ironia com o seu encantamento ou o seu desprezo Bakhtin 1997150 Permitindo ao outro falar incorporando o discurso do outro ao seu próprio discurso o narrador também mantém sua identidade a partir da modulação do discurso sem no entanto realizar o assassinato ontológico realizado pelo narrador dogmático podese dizer enfim que o estilo pictórico permite ao narrador reconhecer o outro como constitutivo de si mesmo sem no entanto realizar uma grande e profunda desestabilização na identidade e no centramento de sua subjetividade Aqui não é mais apenas o conjunto de sentidos objetivos veiculados pelo discurso do narrador que o caracteriza mas principalmente as particularidades lingüísticodiscursivas de realização do mesmo Como estratégia para tanto o narrador utiliza particularmente o discurso direto Entretanto diferentemente da modalidade linear que utiliza uma demarcação bem definida entre o discurso do narrador e o discurso de outrem através da utilização 7 de aspas marcação de diálogos com travessões itálicos etc o narrador pictórico vai se utilizar muito mais de inflexões não sintáticas No individualismo relativista finalmente a dominante não está mais relacionada com o narrador ou com o outro que enuncia o discurso citado mas com o próprio discurso citado Aqui ao contrário do que acontece nas duas outras modalidades descritas o discurso citado tornase o elemento mais forte e mais ativo no embate entre o discurso do narrador e o discurso de outrem Da instância narrativa que dele se apropria dessa maneira o discurso citado é que começa a dissolver por assim dizer o contexto narrativo Bakhtin 1997151 Bakhtin fala em contexto narrativo porque dada a inserção do discurso de outrem o discurso do mesmo o narrador passa a figurar como contexto se pensado em relação ao fragmento citado Assim a decomposição do contexto narrativo melhor dizendo a decomposição da estabilidade do narrador como o foco central de perspectiva narrativa implica na relativização da autoridade outorgada ao próprio narrador Se antes ele era o centro de consciência dos textos agora sua perspectiva está tão relativizada que chega a ponto de ser colocada em pé de igualdade com a perspectiva dos personagens a decomposição do contexto narrativo testemunha uma posição de individualismo relativista na apreensão do discurso Neste último à enunciação citada subjetiva opõese um contexto narrativo que comenta e replica e que se reconhece como igualmente subjetivo Bakhtin 1997152 A estratégia estilística típica do individualismo relativista é a utilização do discurso indireto livre que é a forma última de enfraquecimento das fronteiras do discurso citado Bakhtin 1997152 O caráter analítico do discurso indireto livre está intimamente associado com a necessidade de exprimir sensações subjetivas responsáveis por diferenciar o discurso do mesmo e o discurso do outro Em muitos momentos o discurso indireto livre é levado a um extremo no qual simplesmente não é mais possível distinguir narrador autor e personagens tal a profusão de impressões subjetivas e o desaparecimento das fronteiras entre o discurso do mesmo e o discurso de outrem Temse então uma das formas narrativas consagradas pelo modernismo o fluxo de consciência estratégia utilizada por escritores como James Joyce e Clarice Lispector Ainda que este panorama por Marxismo e Filosofia da Linguagem não esteja diretamente ligado ao conceito de intertextualidade fazse importante na medida em que é nele que encontramos o embrião das reflexões tecidas por Bakhtin em A Poética de 8 Dostoiévski8 obra que Kristeva efetivamente toma como ponto de partida para formular a categoria Observese pois o caminho trilhado pelo lingüista russo nesta obra É importante se que mantenha em mente o papel do discurso de outrem nestas reflexões Em outras palavras em Marxismo e Filosofia da Linguagem o que Bakhtin compreende como o discurso do mesmo é a própria instância narrativa é o discurso do narrador como discurso de outrem ele compreende os fragmentos discursivos oriundos de outras subjetividades que não a do próprio narrador as falas e os pensamentos das personagens por exemplo Isso tem um papel importante na formulação da intertextualidade pois como afirma Nitrini Para que as relações de significação e de lógica objeto da lingüística sejam dialógicas elas devem tornarse discurso e obter um autor do enunciado Segundo Bakhtin que tinha saído de uma Rússia revolucionária preocupada com problemas sociais o diálogo não só é linguagem assumida pelo sujeito é também uma escritura na qual se lê o outro Nesse momento Kristeva ressalta que não se trata de nenhuma alusão à psicanálise Disso decorre que o dialogismo de Bakhtin concebe a escritura como subjetividade e comunicabilidade ou para melhor dizer com Kristeva como intertextualidade 2000160 É em A Poética de Dostoiévski que Bakhtin desenvolve as noções de dialogismo e polifonia Para isso ele parte da obra do escritor russo levantando que para alguns pesquisadores a voz de Dostoiévski se confunde com a voz desses e daqueles heróis para outros é uma síntese peculiar de todas essas vozes ideológicas para terceiros aquela é simplesmente abafada por estas Bakhtin 19811 Para Bakhtin o erro destas três concepções está em não se considerar o herói de Dostoiévski como o autor de seu próprio discurso assim o que ele propõe é que se considere o herói de Dostoiévski não como objeto do discurso do escritorautor a partir do qual este encrava seus valores no texto literário mas sim como autor de suas próprias palavras na mesma dimensão em que o narrador o é Diz Bakhtin que o narrador de Dostoievski polemiza com os heróis aprende com os heróis tenta desenvolver suas concepções até fazêlas chegar a um sistema acabado é como se o herói não fosse objeto da palavra do autor mas veículo de sua própria palavra dotado de valor e poder plenos Bakhtin 19811 8 BAKHTIN op cit 1981 9 A partir desse confronto de consciências entre autor e personagens que não se apresentam como objetos mas como consciências independentes e com valores próprios é que o autor aponta o caráter dialógico do romance polifônico Daí a importância de mencionar a preocupação de Bakhtin com o discurso de outrem ele parte do princípio que o dialogismo é um fenômeno que intersecciona praticamente todo o exercício de linguagem implicando a necessidade de um outro para que o processo comunicativo se efetive9 O romance polifônico é inteiramente dialógico Há relações dialógicas entre todos os elementos da estrutura romanesca ou seja eles estão contrapontisticamente em oposição As relações dialógicas são um fenômeno quase universal que penetra toda a linguagem humana e todas as relações e manifestações da vida humana em suma tudo o que tem sentido e importância Bakhtin 198134 Isso aponta para o fato de que para Bakhtin a noção de dialogismo supõe subterraneamente uma constante preocupação com o outro Ora quando Bakhtin fala no outro no discurso do outro ele não está se referindo como destaca Kristeva a um outro oculto que determina as atitudes do eu consciente O outro de Bakhtin não é o outro da psicanálise identificado com o inconsciente O outro de Bakhtin é um outro textual na medida em se faz perceptível a partir do discursoescritura mas é também um outro empírico na medida que em se revela como o lugar ocupado por um indivíduo na estrutura social E em se tratando do texto literário estas outras consciências opostas ao narrador visto como o lugar da primazia do mesmo são as vozes dos personagens que se constituem no confronto com o narrador A consciência do herói é dada como a outra a consciência do outro mas ao mesmo tempo não se objetifica não se fecha não se torna mero objeto da consciência do autor leiase narrador Bakhtin 19812 Para Bakhtin o que marca o romance polifônico como um tipo particular de narrativa é a profusão de vozes e consciências10 plenivalentes isto é plenas de valor que mantém com as outras vozes do discurso uma relação de absoluta igualdade como participantes do grande diálogo e eqüipolentes ou seja participam do diálogo com as 9 Lembrando que Bakhtin foi contemporâneo da escola formalista ainda que com ela não se identifique plenamente é possível observar aqui o peso da teoria da comunicação estabelecida por Roman Jakobson na qual o processo comunicativo se efetiva a partir de um emissor e de um receptor sendo que o primeiro envia uma mensagem ao segundo formulada a partir de um código comum ao emissor e ao receptor 10 Entendidas enquanto subjetividades diferenciadas e singulares vinculadas ao seu contexto social 10 outras vozes em pé de absoluta igualdade não se objetificam isto é não perdem a sua identidade enquanto vozes e consciências autônomas Isso permite definir a polifonia enquanto um concerto de vozes sociais que se cruzam no discurso literário sem que haja hierarquização entre estas A voz do herói possui independência excepcional na estrutura da obra é como se soasse ao lado da palavra do autor coadunandose de modo especial com ela e com as vozes plenivalentes de outros heróis Bakhtin 19813 Assim o romance polifônico dá conta da diversidade de perspectivas organizandoas em torno de uma narrativa e de uma consciência a do narrador ou nas palavras de Bakhtin a do autor11 que não se sobrepõe sobre elas como lugar privilegiado A essência da polifonia consiste justamente no fato de que as vozes aqui permanecem independentes e como tais combinamse numa unidade de ordem superior à da homofonia E se falarmos de vontade individual então é precisamente na polifonia que ocorre a combinação de várias vontades individuais realizase a saída de princípio para além dos limites de uma vontade Poderseia dizer assim a vontade artística da polifonia é a vontade de combinação de muitas vontades a vontade do acontecimento Bakhtin 198116 Desta forma a representação de diferentes subjetividades não está subordinada no romance polifônico ao filtro da perspectiva do narrador como no romance monológico o dominante da representação artística do herói é o complexo de idéias forças que o dominam Bakhtin 198118 Da mesma forma a realidade que circunda esse herói tem sua representação construída a partir do ponto de vista que tem ele da realidade diegética exterior a cada herói o mundo se apresenta num aspecto particular segundo o qual constróise a sua representação Bakhtin 198118 2 INTERTEXTUALIDADE IDELOGIA E CULTURA A SEMIOTICA DO TEXTO POETICO Se o lingüista russo defende que a constituição de todo o enunciado lingüístico se dá a partir de relações dialógicas entre o enunciador narrador e o discurso de outrem a polifonia pressupõe uma multiplicidade de vozes plenivalentes nos limites de 11 Importante ressaltar que Bakhtin não diferencia claramente autor o indivíduo empírico que escreve uma obra de narrador instância ficcional que articula os eventos e as consciências do romance polifônico diferenciação aqui realizada e de suma importância na medida em que evita o ranço do biografismo no trabalho de crítica literária 11 uma obra pois somente sob essa condição são possíveis os princípios polifônicos de construção do todo Bakhtin 198128 Kristeva por sua vez avança a partir destas reflexões operacionalizando esse raciocínio a partir de uma visada semiótica A própria subjetividade somente é construída a partir do momento da leitura vista enquanto processo semiótico O próprio sujeito aqui não é senão efeito de sentido do processo de trabalho semiótico Nada é original tudo já foi dito e em última instância o discurso do mesmo é uma bricolagem de fragmentos do discurso do outro tal como Bakhtin já havia identificado a criação literária tem necessariamente de lidar com o discurso citado remetendo inevitavelmente a um outro lugar no qual nasce o discurso do qual o mesmo se apropria Assim do dialogismo e da polifonia a noção cunhada por Kristeva realiza um avanço teórico que desnuda o caráter intertextual de toda e qualquer linguagem poética tout texte se constituit comme mosaïque des citations tout texte est absortion et transformation dun autre texte À la place de la notion dintersubjectivité sintalle celle dintertextualité et le language poétique se lit ao moins comme double12 1969146 Subjacentes à noção de intertextualidade duas outras categorias forjadas por Kristeva e também muitas vezes esquecidas por alguns comparatistas se fazem pertinentes para se pensar o intertexto como noção pertinente aos estudos culturais a produtividade13 do texto e o ideologema14 Essas duas categorias ao mesmo tempo em que explicitam o funcionamento da intertextualidade enquanto mecanismo textual mostram que ao contrário do que vulgarmente possa se pensar a noção de 12 todo texto constituise como mosaico de citações todo texto é absorção e transformação de outro texto No lugar da noção de intersubjetividade instalase a de intertextualidade e a linguagem poética se lê ao menos como um duplo tradução minha 13 O texto pois é uma produtividade o que quer dizer 1 a sua relação à língua em que se situa é redistributiva destrutivoconstrutiva conseqüentemente é abordável mais através das categorias lógicas que puramente lingüísticas 2 é uma permutação de textos uma intertextualidade no espaço de um texto vários enunciados tirados de outros textos se cruzam e se neutralizam Kristeva 197837 14 O recorte de uma dada organização textual de uma prática semiótica com os enunciados seqüências que assimila no seu espaço ou a que reenvia no espaço dos textos práticas semióticas exteriores será chamado um ideologema O idelogema é essa função intertextual que pode lerse materializada nos diferentes níveis da estrutura de cada texto e que se estende ao longo de seu trajeto dandolhe as suas coordenadas históricas e sociais O ideologema de um texto é o lugar próprio no qual a racionalidade conhecedora dá conta da transformação dos enunciados a que o texto é irredutível num todo o texto do mesmo modo que as inserções dessa totalidade no texto histórico e social Kristeva 197838 Assim fica configurado o ideologema como a função que dá conta das diferentes significações de um dado texto ou mesmo de um único significante dentro do eixo histórico pois lendose a partir de diferentes lugares sociais logo assumindo diferentes concepções e valores diferentes sentidos são acionados pelo sujeito leitor 12 intertextualidade não faz do texto uma mera colagem de retalhos subjacente à categoria estão pressupostos marxistas e freudianos que explicitam a interação do texto com o contexto visto como texto social e com o inconsciente O signo para Kristeva não é meramente signo mas ideologema na medida em que é transpassado por diferentes valores sociais O ideologema em Kristeva corresponde à palavra ambivalente de Bakhtin na medida em que nele se cruzam valores semióticos arbitrariedade do significantesignificado e sociais a historicidade necessária para a materialização do sentido Assim o sentido da palavra semiótica no trabalho de Kristeva não se prende em nenhum momento a uma concepção imanentista do estudo do signo ou dos sistemas significantes Jogando sobre a novidade da não novidade sobre essa diferença de sentido de um termo em diferentes contextos teóricos a semiótica lança luz sobre o modo como a ciência nasce numa ideologia Kristeva 197827 A semiótica tal como os estudos culturais ao deslocar conceitos mostra que o trabalho exercido pela re significação conceitual mais do que uma impostura intelectual é o índice da ideologia subjacente a todo o projeto teórico Cabe lembrar que tal como Eagleton afirma em Teoria da Literatura toda a teoria é marcada ideologicamente Até mesmo pretenderse neutro denuncia complacência com a ideologia só que com a da leite dominante nunca vista como ideologia mas como o evidente dado estar de acordo com as premissas falogocêntricas Este entendimento do texto como modo de produção filiase directamente nas teses marxistas e vai reunir limandolhes as aparentes oposições a chamada crítica imanente ou interna aos dados excrescentes incomodamente integrados até aqui em disciplinas marginais como a sociologia da literatura a crítica de fontes a história da literatura e da cultura Seixo 197811 Logo a inclusão do pensamento de Kristeva neste trabalho vem dar conta de uma demanda do próprio objeto em questão um quadro teórico que leve em consideração ao mesmo tempo aspectos formais do texto literário e aspectos culturais pensandose aqui em cultura enquanto um conjunto de práticas discursivas e nãodiscursivas que gerencia regimes de verdade e põe em circulação um capital cultural esses regimes de verdade são responsáveis pela legitimação ou não das representações culturais que vêm constituir esse capital simbólico capital que determina os lugares que os indivíduos ocupam na sociedade e a dinâmica das interrelações entre 13 esses indivíduos O pensamento de Kristeva angaria um papel chave para a construção de um novo tipo de conhecimento que se opõe ao discurso científico burguês e propõe uma articulação revolucionária na produção de conhecimento Para Marx o valor de troca de uma mercadoria aquilo que há de comum em todas elas e define seu valor é a quantidade de trabalho social nela embutida O único elemento que torna possível reduzir diferentes mercadorias a um denominador comum de forma que possam ser permutadas umas por outras é a quantidade de trabalho social dispensada em sua produção Entendese pois que produção gera valor e que isso se dá no seio das relações sociais15 Kristeva ao apropriarse da noção marxista de trabalho percebe que ela não dá conta do funcionamento significante visto que a medida deste está erigida a partir do valor e da representação recua então até o nascedouro dos sentidos onde tais critérios valor como medida do trabalho social ainda não afloraram Remontando então para um lugar présocial Kristeva recupera Freud e a noção de trabalho do sonho mostrando que a questão não é apenas a de gerar valor a partir de uma troca a do referente pelo significante ou desse por um outro mas a de avaliar uma pura transformação16 visto que o inconsciente ainda não articula valor a esse trabalho pois o valor é uma categoria social O alcance dessa mudança de cena na consideração do trabalho como prática semiótica ou viceversa ou melhor desta aliança das duas cenas a radicação social e os mecanismos do inconsciente revelase enorme pela extensão possível da sua cobertura a todo o discurso das ideologias Seixo 197812 Assim quando penso na obra de Caio Fernando Abreu pensoa como um expoente desse tipo de texto que se constrói como irredutível à representação que reflete sobre si mesmo como produtividade Kristeva ou ainda como escrita Derrida Se o trabalho sobre o texto se a produtividade do texto é o traço distintivo do texto 15 As mercadorias recordemos só encarnam valor na medida em que são expressões de uma mesma substância social o trabalho humano seu valor é portanto uma realidade apenas social só podendo manifestarse evidentemente na relação social em que uma mercadoria se troca por outra Marx 198255 16 Segundo Freud o sonho é o resultado de um trabalho do inconsciente sobre vestígios de lembranças advindas da vigília e tal processo psíquico visa a realização disfarçada de um desejo suprimido ou recalcado Freud 1987172 Entretanto para efetivar tal realização o inconsciente tem de burlar os mecanismos de censura da mente consciente produzindo deformações e deslocamentos embora a imaginação onírica lance mão das lembranças recentes da vigília como o material de que é construída ela as exige como estruturas que não guardam a mais remota semelhança com as da vida de vigília revelase 14 literário frente a outros textos fazse necessário compreender a instância ideológica na qual a produtividade se instala pois é ela responsável pelo deslocamento e pela produção de sentidos realizada na escrita produtividade do texto literário Elaborados sobre e a partir desses textos modernos os modelos semióticos assim produzidos voltamse para o texto social para as práticas sociais de que a literatura não é mais que variante não valorizada para as pensar como outras tantas transformaçõesproduções em curso Kristeva 197835 Logo a intertextualidade fica sendo definida de acordo com as reflexões de Kristeva como o processo de interação e intercâmbio semiótico de um texto primeiro com outro texto ou outros textos particularmente com o texto cultural o texto histórico e o texto social na medida em que os três se interseccionam sem no entanto serem redutíveis um aos outros Intertexto por sua vez é o texto específico ou o corpus de textos específicos com que um determinado texto mantém o intercâmbio semiótico que caracteriza a intertextualidade É importante lembrar que em Kristeva a noção de texto é muito vasta pode referirse a obras literárias linguagens orais ou sistemas simbólicos de natureza social ou inconsciente A semioticista búlgara desloca o foco das relações dialógicas que em Bakhtin estavam centradas na consciência plenivalente o herói visto como representação de um conjunto de valores próprios17 distinto daqueles do autor eou narrador ampliando o alcance das noções de dialogismopolifonia para uma perspectiva textual e discursiva na qual não apenas consciências ou subjetividades representadas estão em questão mas o próprio intercâmbio semiótico típico do funcionamento do texto literário o texto está pois duplamente orientado para o sistema significante no qual se produz e para o processo social do qual participa enquanto discurso Kristeva 197412 Entretanto o próprio Bakhtin já havia deixado uma brecha permitindo que fosse explorado esse caráter textualdiscursivo do dialogismo O autor reserva efetivamente ao seu herói a última palavra Ele não constrói a personagem com palavras estranhas a ela com definições neutras nos sonhos como possuindo não só poderes reprodutivos ms também poderes produtivos Freud 1987108 17 Para o autor o herói não é um ele nem um eu mas um tu plenivalente isto é o plenivalente eu de um outro um tu és O herói é o sujeito de um tratamento dialógico profundamente sério presente não retoricamente simulado ou literariamente convencional E esse diálogo o grande diálogo do romance na sua totalidade realizase não no passado mas neste momento ou seja no presente do processo artístico Bakhtin 198153 15 ele não constrói um caráter um tipo um temperamento nem em geral uma imagem objetiva do herói constrói precisamente a palavra do herói sobre si mesmo e sobre o seu mundo Bakhtin 198145 O pensador russo salienta que o papel do autor na elaboração desta consciência não é o de conceber tal consciência propriamente dita mas sim de construir a palavra desta consciência Kristeva rastreando a obra de Bakhtin sistematiza o estatuto da palavra retomando considerações dispersas deste O primeiro dos estatutos por Kristeva definido é o da palavra direta A palavra direta remetendo a seu objeto exprime a última instância significativa do sujeito do discurso nos quadros de um contexto é a palavra do autor a palavra que anuncia que expressa a palavra denotativa que deve fornecer a compreensão objetiva direta Kristeva 197471 A palavra direta referese à enunciação típica do narrador autoritário É o que Bakhtin chama de estilo linear de citação do discurso de outrem em Marxismo e Filosofia da Linguagem O segundo estatuto de acordo com Kristeva é o da palavra objetal A palavra objetal é o discurso direto das personagens Tem uma significação objetiva direta mas não se situa ao mesmo nível do discurso do autor encontrandose distanciada dele É ao mesmo tempo orientada para seu objeto e ela mesma objeto de orientação do autor Mas a orientação do autor para a palavra objetal não penetra nela tomaa como um todo sem alterar seu sentido nem sua tonalidade ela o subordina a suas próprias tarefas sem se introduzir uma outra significação Dessa maneira a palavra objetal convertida em objeto de uma outra palavra denotativa não é consciente dela A palavra objetal é portanto unívoca como a palavra denotativa 1974712 A palavra objetal pode ser vista como a fala das personagens utilizada apenas como elemento decorativo em uma narrativa Bakhtin chama em Marxismo e Filosofia da Linguagem tal estilo de pictórico pois o sujeito da enunciação manipula a palavra do outro com vistas a dar um certo colorido em seu próprio discurso Tal palavra é ainda unívoca pois o responsável pela enunciação narrativa não injetou nela ainda outras significações estranhas às significações primeiras Configurandose como objeto do discurso ela não apresenta ainda a ambivalência que caracterizará a palavra poética duplamente inscrita no texto históricosocial e no código lingüístico Finalmente Kristeva ocupase da palavra ambivalente 16 o autor pode se servir da palavra de outrem para nela inserir um sentido novo conservando sempre o sentido que a palavra já possui Resulta daí que a palavra adquire duas significações que ela se torna ambivalente Esta palavra ambivalente é pois o resultado da junção de dois sistemas de signos 197472 É a partir desse duplo pertencimento da palavra poética do qual Bakhtin já havia se apercebido que Kristeva elabora o estatuto da palavra poética como um duplo Assim a palavra poética se lê duplamente pois ela está inserida ao mesmo tempo a em um eixo horizontal sintagmático cujos pólos são o emissor e o receptor do texto transformados em significantes e incorporados à escritura e b em um eixo vertical paradigmático ao longo do qual se organiza uma espécie de memória de todos os outros textos anteriores ou contemporâneos do texto em questão Transformando a matéria da língua para aí transportando a relação das forças sociais da cena histórica o texto se liga se lê duplamente em relação ao real à língua alterada e transformada e à sociedade com cuja transformação ele se harmoniza Kristeva 197412 grifo da autora 3 DO INTERTEXTO AO TRANSTEXTO A SISTEMATIZAÇÃO GENETTIANA DE PALIMPSESTES Gérard Genette em seu Palimpsetes 1982 diferentemente das formulações de Bakhtin e Kristeva centra seu trabalha basicamente nas interações semióticas entre textos literários propriamente ditos O palimpsesto ao qual se refere diz respeito a um outro texto anterior ao texto que o incorpora logo o outro que Genette lê no texto é um outro texto no sentido de um texto escrito antes do texto em questão que a ele faz menção e não o texto histórico ou o texto social como propõe Kristeva Realizando um trabalho estritamente formal sobre as estratégias de intercâmbio semiótico entre textos o trabalho de Genette mostrase interessante na medida em que sistematiza uma nomenclatura para que se possa trabalhar com as diferentes relações de interação semiótica A primeira categoria que Genette propõe é a de transtextualidade no lugar da intertextualidade formulada por Kristeva Segundo Genette a intertextualidade é apenas um tipo de relação transtextual a presença de um texto em outro texto que pode 17 se materializar a partir da citação do plágio ou ainda da alusão Concebida de maneira vasta o princípio da interação semiótica é batizado de transtextualidade e a categoria intertextualidade fica restrita a um tipo específico de relação transtextual Je le définis a intertextualidade pour ma part dune manière sans doute restrictive par une relation de coprésence entre deux ou plusieurs textes cest à dire eidétiquement et le plus souvent par la présence effective dun texte dans un autre Sous sa forme la plus explicite et la plus littéraire cest la pratique traditionelle da la citation avec guillemets aves ou sans réference précise sous une forme moins explicite et moins canonique celle du plagiat chez Lautréamont par exemple qui est un emprunt non déclaré mais encore littéral sous une forme encore moins explicite et moins littérale celle de lallusion cest à dire dun énoncé dont la pleine intelligence suppose la perception dun rapport entre lui et un autre auquel renvoie nécessairement telle ou telle de ses inflexions Genette 19828 grifos do autor18 O segundo tipo de relação transtextual é a paratextualidade Neste tipo de relação o que se vê é um intercâmbio do texto literário propriamente dito com partes acessórias Le second type est constitué par la relation géneralement moins explicite et plus distante que dans lensamble formé par une oeuvre littéraire le texte proprement dit entretient avec ce que lon ne peut guère nommer que son paratexte titre soustitre intertitres préfaces postfaces avertissements avantpropos etc notes marginales infrapages terminales épigraphes ilustrations qui procurent au texte un entourage variable et parfois un commentaire officiel ou officieux dont le lecteur le plus puriste et le moins porté à lerudition externe ne peut pas toujours disposer aussi facilement Genette 1982 1019 A terceira modalidade de relação textual enunciada por Genette é a metatextualidade 18 De minha parte eu a defini a intertextualidade de uma maneira sem dúvida restritiva como uma relação de copresença entre dois ou mais textos ou seja geral e eideticamente pela presença efetiva de um texto em um outro Sob sua forma mais explícita e mais literária apresentase como a prática tradicional da citação com aspas com ou sem referência precisa sob uma forma menos explícita a do plágio em Lautréamont por exemplo que é um empréstimo não declarado mas ainda literal sob uma forma ainda menos explícita e menos literária a da alusão ou seja a de um enunciado cuja plena inteligibilidade supõe a percepção de uma relaçãocomparação entre ele o texto em questão e um outro texto o qual reporta necessariamente a uma ou outra de suas inflexões tradução minha 19 O segundo tipo constituise pela relação geralmente menos explícita e mais distante que no conjunto formado por uma obra literária o texto propriamente dito mantém com o que não se pode nomear senão como o seu paratexto prefácios posfácios advertências introduções etc notas marginais de rodapés ou finais epígrafes ilustrações que fornecem ao texto um entorno variável e por vezes um comentário oficial ou oficioso cujo leitor mais purista e menos dado à erudição externa não dispõe tão facilmente tradução minha 18 Le troisième type de transcendence textuelle que je nomme métatextualité est la relation on dit plus courament de commentaire qui unit un texte à un autre texte dont il parle sans nécessairement le citer le convoquer cest par excellence la relation critique 19821120 Assim a crítica literária o comentário e a exegese configuramse como tipos metatextuais de intercâmbio com outros textos Ainda que Genette não se ocupe muito extensamente desta categoria ela é particularmente útil para pensarmos a relação do texto autoconsciente e da escrita metareferencial Em Ovelhas Negras por exemplo os contos são acompanhados de pequenos prefácios e ainda que tais prefácios se configurem como paratextos muitas vezes fazem menção à dimensão metatextual referindose por exemplo à censura eou críticas recebidas Em um destes paratextos Abreu afirma que teve alguns contos de O Ovo Apunhalado censurados pelo regime militar fazendo assim com que o paratexto ao suscitar a interação metatextual insira o texto na história o contexto da ditadura militar O quarto tipo de relação transtextual é o tipo sob o qual Genette irá se deter ao longo de Palimpsestes tratase da hipertextualidade Para se compreender a diferença entre intertextualidade e hipertextulidade é importante retomar a questão do estatuto da palavra presente em Bakhtin e reelaborado por Kristeva Os conceitos de hipertextualidade Genette e palavra ambivalente Bakhtin e Kristeva descrevem quase que simetricamente um mesmo fenômeno O mesmo ocorre entre os conceitos de intertextualidade Genette e palavra objetal Bakhtin e Kristeva Assim Bakhtin Kristeva Genette estilo pictórico eou discurso indireto livre palavra ambivalente hipertextualidade estilo linear palavra objetal intertextualidade Gennete escreve a propósito da hipertextualidade o seguinte Jentends par là toute relation unissant un texte B que jappellerai hypertexte à un texte antérieur A que jappellerai bien sûr hypotexte sur lequel il se greffe dune manière qui nest pas celle du commentaire Comme on le voit à la métaphore se greffe et à la détermination négative cette définitions est toute provisoire Pour le prend autrement posons une notion générale de texte au second degré je renonce à chercher por une usage aussi transitoire um 20 O terceiro tipo de transcendência textual que eu chamo de metatextualidade é a relação que se conhece mais correntemente como comentário que une um texto a um outro texto que o comenta sem necessariamente citálo convocálo tradução minha 19 préfixe qui subsumerais à la fois lhyper et le méta ou texte dérivé dun autre préexistant Elle peut être dune ordre tel que B ne parle nullement de A dont il résulte au terme dune opération que je qualifiquerai provisoirement encore de transformation et quen conséquence il évoque plus ou moins manifestement sans nécessairement parler de lui et le citer 198213 grifos do autor21 Finalmente a quinta categoria transtextual definina por Genette é a arquitextualidade22 Esta se configura enquanto a relação de um texto stricto senso com uma abstração de natureza textual ou como afirma Genette ao gosto dos formalistas russos a arquitextualidade apresentase como a literariedade da literatura Podese pensar por exemplo em uma carta em um conto em um romance em um panfleto ou em um soneto como exemplos de arquitextos a arquitextualidade é o tipo de relação que se estabelece por exemplo entre Onde andará Dulce Veiga El beso de la mujer araña e a forma abstrata romance o arquitexto comum a ambas as obras Larchitexte ou si lon préfère larchitextualité du texte comme on dit et cest um peu la même chose la littéralité de la littérature cestàdire lensemble des catégories générales ou transcendentes types du discours modes dénonciation genres littéraires etc dont relève chaque texte singulier 1982723 Concebida como o tipo mais abstrato de interação textual o arquitexto está próximo daquilo que vulgarmente se compreende por gênero literário É importante salientar que até porque Genette não se ocupa suficientemente deste ponto tal como os 21 Entendo por intertextualidade toda a relação que une um texto B que chamarei hipertexto a um texto A que chamarei hipotexto sobre o qual ele se enxerta de uma maneira que não é aquela do comentário Como a metáfora do enxerto carrega uma determinação negativa estas definições são apenas provisórias Vendo de uma outra forma coloquemos uma noção geral de texto ao segundo grau negome a buscar para uso tão transitório um prefixo que sintetize ao mesmo tempo hiper e meta ou texto derivado de um outro preexistente Tal relação resulta de uma ordem tal que B não fale de modo algum de A o que resulta ao fim de uma operação que qualificarei provisoriamente ainda de transformação e que conseqüentemente o evoca mais ou menos de maneira manifesta sem necessariamente dele texto A falar ou citar tradução minha 22 Importante ressaltar que não há uma estreita familiaridade entre as noções de arquitexto e arquiescritura esta última cunhada por Jacques Derrida em De la Grammatologie Derrida pensa no funcionamento da escrita como representação da fala e para mostrar que essa dissociação é arbitrária e acaba levando a um desprestígio da escrita frente à fala desprestígio esse cultivado pela tradição filosófica ocidental que vê na fala o lugar do logos da verdade e do conhecimento cunha o termo arquiescritura para mostrar que há uma espécie de escritura da fala Reestabelece assim o prestígio da escrita frente à desconstrução do binômio falaescrita que como todos os binarismos da cultura ocidental desprestigiam e subordinam o segundo termo em relação ao primeiro homemmulher razãoemoção civilizaçãobarbárie Conferir DERRIDA Jacques De la Grammatologie Paris Minuit 1967 23 O arquitexto ou se preferirmos a arquitextualidade do texto como disse e é um pouco a mesma coisa a literariedade da literatura definese como o conjunto de categorias gerais ou transcendentes tipos 20 gêneros literários o arquitexto é uma estrutura abstrata mais ou menos estável e historicamente situada e em certa medida passível de corrupçãotransformação O arquitexto romanesco por exemplo tem seu nascimento no século XVII e seu grande ápice está vinculado à ascensão da burguesia que adotou tal estrutura para construir e legitimar suas próprias narrativas culturais Se de um lado se têm os conceitos genettianos de intertextualidade e hipertextualidade do outro se tem analogamente os conceitos bakhtinianos de estilo linear e individualismo relativista de apropriação do discurso de outrem ou ainda de acordo com a sistematização proposta por Kristeva sobre o estatuto da palavra a palavra objetal e a palavra ambivalente Porém como já explorado as noções não são intercambiáveis entre si É necessário pois explicitar a evolução dos conceitos e o que cada teórico entende por cada categoria não por uma questão de purismo teórico mas porque há tamanha profusão de termos falsamente transparentes e de palavras extremamente aparentadas que caso não se proceda à explicitação do que cada um entende por cada categoria correrseia o risco de comprometimento do rigor teórico e mesmo da validade do trabalho intelectual desenvolvido Em se colocando tais reflexões em um quadroresumo chegase ao seguinte resultado BAKHTIN KRISTEVA GENETTE dialogismo intertextualidade transtextualidade24 autornarrador sujeito da enunciação voz narrativa estilo linear palavra direta intertextualidade citação estilo pictórico palavra objetal intertextualidade alusão individualismo relativista palavra ambivalente hipertextualidade de discurso modos de enunciação gêneros literários etc que sustenta cada texto singular tradução minha 24 A idéia de transtextualidade é utilizada para denominar o grande grupo de relações possíveis entre diferentes textos intertextualidade hipertextualidade paratextualidade arquitextualidade assim o termo intertextualidade tal como definida por Kristeva é permutável por transtextualidade tal como definida por Genette Obviamente isto é apenas uma aproximação Como já foi dito anteriormente os 21 conceitos não são intercambiáveis entre si O papel de outras categorias será determinante de diferenças irredutíveis entre as formulações da cada um desses pensadores Bakhtin tinha em mente um translingüística que abarcasse o texto literário em sua interação com o contexto social Kristeva por sua vez tentando desenvolver uma semiótica da linguagem poética não apenas constata que esta é o limite infinito das possibilidades de significância do código lingüístico mas também que a linguagem poética ao carnavalizarse tornase o lugar por excelência da revolução da contestação e da ruptura com o status quo definindo o texto como produtividade e a escritura como prática social Genette finalmente ao hierarquizar os diferentes tipos de interação semiótica entre textos desenvolve uma nomenclatura consistente ao mesmo tempo em que esteriliza o trabalho com a intertextualidade excluindo o texto históricosocial entendendo aqui história no sentido marxista mantido por Bakhtin e Kristeva em suas reflexões Assim adotarseá aqui a nomenclatura sugerida por Genette salvo os termos transtextualidade e intertextualidade Em lugar do primeiro adotase aqui o termo cunhado por Kristeva intertextualidade para dar conta de todas as relações intersemióticas possíveis em lugar do segundo adotase o termo genérico citação Ora em se partindo do pressuposto que a relação hipertextual demanda por sua própria natureza um trabalho de recorte e deslocamento de um fragmento originário de um texto A e a subseqüente adaptação desse recorte a um texto B e aqui não importa se tal trabalho de transplante textual é feito consciente ou inconscientemente se feito pelo autor ou pelo leitor se tem um caráter estrutural ou não no cerne do texto em questão independente de qual seja a instância na qual ele esteja localizado é necessária uma instância subjetiva que realize este trabalho Entendase aqui essa necessidade de uma instância subjetiva não no sentido de um sujeito empírico mas no sentido de uma posição ou lugar ou ainda no sentido de uma função25 Logo os processos de subjetivação tomam uma importante dimensão na compreensão da intertextualidade seja ela pensada na instância da recepçãoleitor ou da produçãoautor pois é sob e 25 A categoria função deve ser entendida tal como Foucault a pensa por exemplo quando este se preocupa em pensar o autor enquanto função discursiva um lugar ou papel que se assume necessariamente com o fim de organizar enunciados fragmentos discursivos de forma coerente Cf FOUCAULT M A Arqueologia do Saber 6 ed Rio de Janeiro ForenseUniversitária 2000 22 apenas sob o signo da subjetividade que a produção de sentidos por ocasião do estabelecimento de relações hipertextuais pode ser compreendida A intertextualidade mostrase enfim como um fenômeno de interação entre diferentes modalidades textuais que mobiliza ao mesmo tempo a natureza semiótica ideológica e subjetiva estabelecendose como uma das mais frutíferas categorias para a crítica literária O texto dialoga sim com outros textos mas também com o contexto social a realidade transfigurada em texto tal como fica claro na gênese do conceito em Bakhtin e Kristeva O que este trabalho pretende pois não é apenas estabelecer relações intertextuais entre diferentes romances mas também analisar suas relações com o mundo social espaço no qual o capital simbólico circula Não basta contrastar representações romanescas do homoerotismo na literatura é necessário também estabelecer relações entre estes artefatos culturais e o mundo das relações sociais no qual foram produzidos e geram significados Conjuga também uma dimensão política na medida em que as ideologias que organizam e legitimam os regimes de representação que virão a constituir o capital simbólico de uma comunidade discursiva se fazem perceptíveis através do trabalho de deslocamento e produção de sentidos que a interação semiótica que caracteriza a intertextualidade demanda A noção de intertextualidade é operacionalizada na medida em que se estuda o texto escritura em relação ao texto históricosocial e aos arquitextos no sentido genettiano que o precedem A sistematização realizada por Genette auxilia pois na medida em que caracteriza tipos específicos de relações intertextuais no sentido forte ou como ele chama relações transtextuais Entretanto fica óbvio em Genette uma certa despolitização da intertextualidade na medida em que seu conceito de transtextualidade abarca apenas operações de reiteração e transformação de um texto por outros textos Oblitera pois a dimensão histórica ao apagar os reflexos do arranjo conjuntural nas condições de produçãotransformação de um texto tanto quanto a dimensão ideológica vista por Kristeva como o lugar no qual o texto poético cruzase com o texto históricocultural Assim operase aqui uma análise que parte do arcabouço conceitual burilado por Genette sem no entanto apagar as dimensões de inserção do histórico do ideológico e por metonímia do político inerentes à interação semiótica transtextual Cabe aqui relembrar Kristeva 23 Assim por um duplo jogo na matéria da língua e na história social o texto se instala no real que o engendra ele faz parte do vasto processo do movimento material e histórico e não se limita enquanto significado a seu autodescrever ou a se abismar numa fantasmática subjetivista Kristeva 197411 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Sintetizando a reflexão realizada trabalho fica evidente que não há consenso no que diz respeito à definição desta noção tão fundamental para a literatura comparada a intertextualidade Para Julia Kristeva quando se fala em intertextualidade a noção se aplica à intersecção da história e da cultura no texto literário Por transtextualidade noção genettiana entendese um tipo específico de intertextualidade aquela que dá conta do diálogo da obra literária com outros textos literários direta ou indiretamente aquele tipo específico de relação intersemiótica que Kristeva identifica com a dimensão paradigmática e vertical da intersecção de textos Assim se a intertextualidade dá conta das relações entre o texto literário e os outros textos culturais a história o folclore a dita baixa cultura e os discursos institucionais a transtextualidade contempla as relações de caráter exclusivamente interliterário entre textos literários distintos Outros autores como Riffaterre Reis Nitrini e Seixo continuam a trabalhar sobre a noção Alguns tentam caracterizar a intertextualidade como um tipo de relação semiótica na qual exista algum tipo de analogia estrutural o que impediria de se caracterizar como intertextualidade relações estabelecidas entre literatura e pintura por exemplo Outros ainda asseveram que a intertextualidade só se caracteriza como tal a partir da leitura da obra baseandose na premissa de que é apenas no momento da recepção que a intertextualidade efetivamente se concretiza O importante a ser ressaltado aqui é que o uso indiscriminado da noção implicou de certa forma em uma despolitização da mesma A idéia primeira de intertextualidade presente em Bakhtin e em Kristeva na qual tanto a relação entre diferentes textos literários quanto a relação entre o texto e o mundo social lido também como um texto foi aos poucos perdendo força na medida em que um preocupação mais imanentista concentrava sua atenção em aspectos estruturas do texto e esquecia sua dureza de artefato cultural de capital 24 simbólico em circulação gerando valores e significados É este um dos aspectos da intertextualidade que urge ser resgatado antes que se perca completamente REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 1 ALTHUSSER Louis Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado São Paulo Martins Fontes sd 2 AUSTIN How To Do Things With Words Cambridge Harvard University Press 1975 3 BAKHTIN M Problemas da Poética de Dostoiévski Rio de Janeiro Forense Universitária 1981 4 BAKHTIN M A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento o contexto de François Rabelais São PauloBrasília HucitecUnB 1993 5 BAKHTIN Mikhail Marxismo e Filosofia da Linguagem São Paulo Hucitec 1997 6 BAL Mieke Narratology 2nd edition TorontoBuffaloLondon Toronto 1997 7 BOOTH W The Rethoric of Fiction Chicago The University of Chicago Press 1975 8 CARVALHAL Tânia Franco Literatura Comparada São Paulo Ática 1986 9 EAGLETON Terry Teoria da Literatura São Paulo Martins Fontes sd 10 FOUCAULT M História da Sexualidade I Rio de Janeiro Graal 1994 11 História da Sexualidade II Rio de Janeiro Graal 1994 12 História da Sexualidade III Rio de Janeiro Graal 1994 13 A Arqueologia do Saber Rio de Janeiro ForenseUniversitária 2000 14 FREUD Sigmund Sexualidade Feminina In O Futuro de uma Ilusão São Paulo Imago 1972 p 23351 15 A Diferenciação Entre Homens e Mulheres In Fragmento de um Caso de Histeria São Paulo Imago 1972 p 225 228 16 GENETTE Gérard Palimpsestes Paris Seuil 1982 17 KRISTEVA Julia Sèméiotikè recherches pour une sémanalyse Paris Seuil 1969 25 18 Introdução à Semanálise Trad Lúcia Helena França Ferraz São Paulo Perspectiva 1974 19 Semiótica do Romance 2 ed Trad Fernando Cabral Martins Lisboa Arcádia 1978 20 LANDA ONEGA Narratology an introduction London Routledge 1995 21 MARX Karl O Capital livro I 7 ed Trad Reginaldo SantAnna São Paulo DIFEL 1982 22 NITRINI Sandra Literatura Comparada São Paulo EdUSP 2000 23 RIFFATERRE M Semiotics of Poetry Bloomington London Indiana University Press 1978 24 La Production du Texte Paris Seuil 1979 25 SEIXO Maria Alzira Do Romance Significativamente In KRISTEVA Julia Semiótica do Romance 2 ed Trad Fernando Cabral Martins Lisboa Arcádia 1978 p 717

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Texto de pré-visualização

1 ALÓS Anselmo Peres Texto literário texto cultural intertextualidade Revista Virtual de Estudos da Linguagem ReVEL V 4 n 6 março de 2006 ISSN 16788931 wwwrevelinfbr TEXTO LITERARIO TEXTO CULTURAL INTERTEXTUALIDADE Anselmo Peres Alós1 hokaloskourosyahoocombr 1 MIKHAIL BAKHTIN A CITAÇÃO COMO O DISCURSO DO OUTRO A literatura comparada desde seu nascimento no final do século XIX vem mostrando que a literatura não se produz enquanto objeto de estudo estanque imanente e cristalizado mas sim como constante diálogo entre textos e culturas constituindose a literatura a partir de permanentes processos de retomadas empréstimos e trocas Apercebendose disso Mikhail Bakhtin ao estudar o romance do século XIX estabelece a noção de dialogismo diálogo ao mesmo tempo interno e externo à obra que estabelece relações com as diferentes vozes internas e com os diferentes textos sociais Importantes também são os estudos que Bakhtin realiza sobre as obras de Dostoiévski A Poética de Dostoiévski2 e de François Rabelais A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento O Contexto de François Rabelais3 Relacionando o texto literário à sociedade e à história que se presentificam no texto literário de forma palimpséstica Bakhtin também os considera enquanto textos que se cruzam no processo dialógico Quando se pensa em intertextualidade em comparatismo e no trabalho de Kristeva de reformular categorias pensadas por Bakhtin dificilmente se faz menção às primeiras reflexões deste a respeito do discurso de outrem A retomada deste texto de 1 Doutorando no Programa de PósGraduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS 2 BAKHTIN M Problemas da Poética de Dostoiévski Trad Paulo Bezerra Rio de Janeiro Forense Universitária 1981 3 BAKHTIN M A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento O Contexto de François Rabelais Trad Yara Frateschi Vieira São PauloBrasília HucitecUnB 1993 2 19291930 fazse pertinente e elucidativa na medida em que mesmo sem que ele faça referências às categorias de dialogismo ou polifonia traz suas primeiras formulações sobre o discurso citado e o discurso do outro É importante ressaltar estas reflexões porque desde este momento o lingüista russo já identificava o discurso do mesmo ou a enunciação com o narrador enquanto o discurso do outro estava relacionado com os enunciados proferidos pelos personagens os outros do narrador Obviamente tais relações não estão explicitadas nominalmente por Bakhtin mas se tornam claramente visíveis ao se realizar um cotejo entre as reflexões de Marxismo e Filosofia da Linguagem4 com as reflexões de A Poética de Dostoiévski5 e as posteriores reformulações conceituais de Kristeva Mikhail Bakhtin sob o pseudônimo de Volochinov publica entre 19291930 Marxismo e Filosofia da Linguagem6 em Leningrado Trabalhando sobre questões como a interface linguagemideologia criticando o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato Bakhtin concebe a língua como um fenômeno que não pode de maneira alguma ser desvinculado de seu caráter social e dialógico No capítulo 9 intitulado O Discurso de Outrem ele articula as primeiras reflexões que darão origem à noção de intertextualidade a partir de seu estudo sobre o discurso citado Faz se necessário pois observar como Bakhtin trabalha tal questão O lingüista russo abre o referido capítulo com as seguintes palavras o discurso citado é o discurso no discurso a enunciação na enunciação mas é ao mesmo tempo um discurso sobre o discurso uma enunciação sobre a enunciação Bakhtin 1997144 grifos do autor Fica evidente pois que o trabalho em torno do discurso de outrem e das estratégias de citação não se configura apenas como um tópico do estudo da enunciação mas sim como estudo metaenunciativo visto que a citação não dá conta apenas de um processo de colagem discursiva mas da própria estruturação do discurso de outrem o discurso citado é visto pelo falante como a enunciação de uma outra pessoa completamente independente na origem dotada de uma construção completa e situada fora do contexto narrativo Bakhtin 1997144 grifo do autor É necessário para que possa compreender o funcionamento da citação manter em mente a formulação do discurso que cita e do discurso citado simultaneamente Ao mesmo 4 BAKHTIN Mikhail Marxismo e Filosofia da Linguagem 8 ed Trad Michel Lahud e Yara F Vieira São Paulo Hucitec 1997 5 BAKHTIN op cit 1981 6 BAKHTIN op cit 1997 3 tempo em que cita um fragmento produzido em um outro lugar a citação pode ou não resignificar o elemento citado sem com isso apagar sua origem é graças à observação dessa dinâmica que se pauta a noção de dialogismo fundamental na obra de Bakhtin7 O discurso de outrem constitui mais do que o tema do discurso ele pode entrar no discurso e na sua construção sintática por assim dizer em pessoa como uma unidade integral de construção Assim o discurso citado conserva sua autonomia estrutural e semântica sem nem por isso alterar a trama lingüística do contexto que o integrou Bakhtin 1997144 A palavra do mesmo e a palavra do outro não se miscigenam homogeneamente no processo de enunciação narrativa perdendo suas características próprias e formando um terceiro elemento ao contrário ambas mantêm determinadas particularidades e é a partir dessas diferentes particularidades discursivas em confronto organizadas em uma mesma enunciação narrativa que se estabelece uma relação ativa Por mais que se tente apagar a origem do discurso de outrem ele reaparece ainda que sob a forma de estranhamento ou de ruído na harmonia do texto Logo é útil dispensar algum tempo para refletir sobre a natureza do processo de citação da palavra de outrem dada a mencionada permanência de conteúdos semânticos e de estruturas de enunciação de acordo com as palavras de Bakhtin A partir disso podese supor que a heterogeneidade de conteúdos semânticos ou de estruturas de enunciação ou tendo em vista o texto narrativo estruturas de narração se configura enquanto referência textual a um ou a vários outros discursos Se lembrarmos que para Bakhtin a língua não é o reflexo das hesitações subjetivopsicológicas mas das relações sociais estáveis dos falantes 1997147 fica evidente que a incorporação do discurso de outrem vai ao mesmo tempo formular o posicionamento social do mesmo e apresentar outras possibilidades de posicionamento por ocasião da enunciação Tendo em vista esta última tornase perceptível que a utilização do discurso de outrem na construção da narrativa é de extrema importância pois a partir dela o narrador pode traçar um panorama de diferentes perspectivas para os eventos narrados A partir dessa diferenciação na enunciação narrativa Bakhtin caracteriza a produção romanesca em dois grandes grupos os romances monológicos nos quais há a manipulação da enunciação pelo narrador que coloca sua perspectiva em 7 Ainda que tal noção não esteja presente em Marxismo e Filosofia da Linguagem o capítulo 9 traz já os germes desta noção que será mais explorada por Bakhtin em outras obras 4 um lugar hierarquicamente superior ao daquele ocupado pelos sujeitos de outros discursos e os romances dialógicos nos quais os discursos de outrem não apenas se mostram presentes mas sem nenhuma hierarquização das vozes constitutivas do mesmo Uma outra questão para a qual Bakhtin chama a atenção é o fato de que o narrador pensado enquanto instância que organiza enunciados citados o faz levando em conta uma terceira pessoa que não o próprio enunciador do discurso citado nem o enunciador que cita é o receptor do enunciado no qual foi incluso o fragmento citado Naturalmente há diferenças essenciais entre a recepção ativa da enunciação de outrem e sua transmissão no interior de um contexto discursivo Além disso a transmissão leva em conta uma terceira pessoa a pessoa a quem estão sendo transmitidas as enunciações citadas Essa orientação para uma terceira pessoa é de primordial importância ela reforça a influência das forças sociais organizadas sobre o modo de apreensão do discurso 197746 Com isso Bakhtin nomeia o princípio básico de funcionamento do discurso citado Nesta modalidade que é a mais próxima do que se entende por citação a demarcação das fronteiras entre o discurso do mesmo e o discurso de outrem estão assinaladas por marcas lingüísticas Em português podem ser assinalados como os procedimentos mais comuns para desenhar tais fronteiras a a utilização de aspas que marcam que o enunciado posto em circulação teve sua origem formulação em outro lugar que não a instância de enunciação b o uso do travessão particularmente no discurso romanesco para marcar os limites entre o que é próprio do narrador e o que é próprio dos personagens ou ainda c a operacionalização de recursos gráficos como itálico ou negrito para salientar através do estranhamento materialmente expresso pela escritura a origem diferenciada do enunciado O narrador assim é responsável pelas relações estabelecidas entre o discurso citado e o universo narrativo de sua própria enunciação Bakhtin descreve então três tendências básicas a partir das quais se organizam as relações entre o discurso do mesmo e o discurso de outrem em uma narrativa o dogmatismo narrativo estilo linear o individualismo realista e crítico estilo pictórico e o individualismo relativista no qual a ênfase recai não no contexto narrativodiscurso do mesmo mas sim no discurso de outrem 5 O estilo linear enquanto modalidade de apreensão do discurso de outrem tem como finalidade a manutenção da integridade e da autenticidade do discurso do mesmo em relação ao discurso citado Enquanto em um texto científico por exemplo tal modalidade se constitui enquanto reflexo de honestidade intelectual do qual a referência às fontes é o exemplo mais significativo no plano do texto literário tal procedimento traz embutido o autoritarismo do narrador que valida sua perspectiva como uma verdade transcendental e quando cita o discurso de outrem o faz tratandoo como mero objeto sem levar em consideração a perspectiva do outro Por isso a preocupação em delimitar fronteiras entre o discurso do mesmo e o discurso de outrem fonte citacional A língua pode esforçarse por delimitar o discurso citado com fronteiras nítidas e estáveis Nesse caso os esquemas lingüísticos e suas variantes têm a função de isolar mais clara e mais estritamente o discurso citado de protegê lo da infiltração pelas entoações próprias ao autor de simplificar e consolidar suas características lingüísticas individuais Bakhtin 19971489 Bakhtin ressalta que dentro do estilo linear de apreensão do discurso de outrem é de suma importância discernir quais são os graus de firmeza ideológica de autoritarismo e de dogmatismo que estão acompanhando o movimento do narrador no ato de citaçãoapreensão discursiva Tal gradação é importante para verificar a mobilidade que é dada aos sentidos incorporados no contexto narrativo pelo narrador quanto mais dogmática for a palavra menos a apreensão apreciativa admitirá a passagem do verdadeiro ao falso do bem ao mal e mais impessoais serão as formas de transmissão do discurso de outrem Bakhtin 1997149 Enfim o estilo linear constitui se a partir de um posicionamento dogmático e autoritário fortemente marcado por uma perspectiva ideológica que não admite confronto Destarte o processo de incorporação do discurso do outro realizado pelo narrador não permite um real embate entre vozes distintas pois A tendência principal do estilo linear é criar contornos exteriores nítidos à volta do discurso citado correspondendo a uma fraqueza do fator individual interno Nos casos em que existe completa homogeneidade estilística de todo o texto o autor e suas personagens falam a mesma língua o discurso construído como sendo o de outrem atinge uma sobriedade e uma plasticidade máximas Bakhtin 1997150 Em outras palavras o discurso do outro enquanto alteridade não existe no estilo linear O outro só é pensado enquanto ou repetição do mesmo ou enquanto discurso a 6 ser negado o que não ameaça a autoridade discursiva do narrador no lugar da alteridade há o despotismo discursivo no qual o outro só é reconhecido nos raros momentos em que há coincidência nas formas de se perceber o mundo ou seja quando há alguma afinidade ideológica entre o discurso do narrador e o discurso alheio A integridade do mesmo é mantida através da negação do outro Um tipo de narrativa exemplar para esta modalidade de apreensão do discurso de outrem é aquele presente nas fábulas de Esopo Nestas fábulas há sempre a presença de personagens em um determinado evento do qual o narrador pretende extrair uma máxima a título de moral O discurso dos personagens está pouquíssimo ou nada individualizado sua presença serve de mera figuração e não há contato de espécie alguma entre o discurso do narrador contexto narrativo e o discurso citado as falas dos personagens O estilo pictórico ao contrário do estilo linear caracterizase por uma certa rarefação dos limites entre a matriz da enunciação e o discurso citado No lugar das demarcações explícitas de onde começa e de onde termina o discurso citado necessárias para a autopreservação da identidade do narrador a língua elabora meios mais sutis e mais versáteis para permitir ao autor infiltrar suas réplicas e seus comentários no discurso de outrem Bakhtin 1997150 O contexto narrativo rompe com a rigidez do discurso citado dogmático pois o narrador procura agora incorporar a fala do outro em sua própria fala delegando ao outro legitimidade para falar diferente e disseminando fronteiras subjetivas o narrador pode deliberadamente apagar as fronteiras do discurso citado a fim de colorilo com as suas entoações o seu humor a sua ironia com o seu encantamento ou o seu desprezo Bakhtin 1997150 Permitindo ao outro falar incorporando o discurso do outro ao seu próprio discurso o narrador também mantém sua identidade a partir da modulação do discurso sem no entanto realizar o assassinato ontológico realizado pelo narrador dogmático podese dizer enfim que o estilo pictórico permite ao narrador reconhecer o outro como constitutivo de si mesmo sem no entanto realizar uma grande e profunda desestabilização na identidade e no centramento de sua subjetividade Aqui não é mais apenas o conjunto de sentidos objetivos veiculados pelo discurso do narrador que o caracteriza mas principalmente as particularidades lingüísticodiscursivas de realização do mesmo Como estratégia para tanto o narrador utiliza particularmente o discurso direto Entretanto diferentemente da modalidade linear que utiliza uma demarcação bem definida entre o discurso do narrador e o discurso de outrem através da utilização 7 de aspas marcação de diálogos com travessões itálicos etc o narrador pictórico vai se utilizar muito mais de inflexões não sintáticas No individualismo relativista finalmente a dominante não está mais relacionada com o narrador ou com o outro que enuncia o discurso citado mas com o próprio discurso citado Aqui ao contrário do que acontece nas duas outras modalidades descritas o discurso citado tornase o elemento mais forte e mais ativo no embate entre o discurso do narrador e o discurso de outrem Da instância narrativa que dele se apropria dessa maneira o discurso citado é que começa a dissolver por assim dizer o contexto narrativo Bakhtin 1997151 Bakhtin fala em contexto narrativo porque dada a inserção do discurso de outrem o discurso do mesmo o narrador passa a figurar como contexto se pensado em relação ao fragmento citado Assim a decomposição do contexto narrativo melhor dizendo a decomposição da estabilidade do narrador como o foco central de perspectiva narrativa implica na relativização da autoridade outorgada ao próprio narrador Se antes ele era o centro de consciência dos textos agora sua perspectiva está tão relativizada que chega a ponto de ser colocada em pé de igualdade com a perspectiva dos personagens a decomposição do contexto narrativo testemunha uma posição de individualismo relativista na apreensão do discurso Neste último à enunciação citada subjetiva opõese um contexto narrativo que comenta e replica e que se reconhece como igualmente subjetivo Bakhtin 1997152 A estratégia estilística típica do individualismo relativista é a utilização do discurso indireto livre que é a forma última de enfraquecimento das fronteiras do discurso citado Bakhtin 1997152 O caráter analítico do discurso indireto livre está intimamente associado com a necessidade de exprimir sensações subjetivas responsáveis por diferenciar o discurso do mesmo e o discurso do outro Em muitos momentos o discurso indireto livre é levado a um extremo no qual simplesmente não é mais possível distinguir narrador autor e personagens tal a profusão de impressões subjetivas e o desaparecimento das fronteiras entre o discurso do mesmo e o discurso de outrem Temse então uma das formas narrativas consagradas pelo modernismo o fluxo de consciência estratégia utilizada por escritores como James Joyce e Clarice Lispector Ainda que este panorama por Marxismo e Filosofia da Linguagem não esteja diretamente ligado ao conceito de intertextualidade fazse importante na medida em que é nele que encontramos o embrião das reflexões tecidas por Bakhtin em A Poética de 8 Dostoiévski8 obra que Kristeva efetivamente toma como ponto de partida para formular a categoria Observese pois o caminho trilhado pelo lingüista russo nesta obra É importante se que mantenha em mente o papel do discurso de outrem nestas reflexões Em outras palavras em Marxismo e Filosofia da Linguagem o que Bakhtin compreende como o discurso do mesmo é a própria instância narrativa é o discurso do narrador como discurso de outrem ele compreende os fragmentos discursivos oriundos de outras subjetividades que não a do próprio narrador as falas e os pensamentos das personagens por exemplo Isso tem um papel importante na formulação da intertextualidade pois como afirma Nitrini Para que as relações de significação e de lógica objeto da lingüística sejam dialógicas elas devem tornarse discurso e obter um autor do enunciado Segundo Bakhtin que tinha saído de uma Rússia revolucionária preocupada com problemas sociais o diálogo não só é linguagem assumida pelo sujeito é também uma escritura na qual se lê o outro Nesse momento Kristeva ressalta que não se trata de nenhuma alusão à psicanálise Disso decorre que o dialogismo de Bakhtin concebe a escritura como subjetividade e comunicabilidade ou para melhor dizer com Kristeva como intertextualidade 2000160 É em A Poética de Dostoiévski que Bakhtin desenvolve as noções de dialogismo e polifonia Para isso ele parte da obra do escritor russo levantando que para alguns pesquisadores a voz de Dostoiévski se confunde com a voz desses e daqueles heróis para outros é uma síntese peculiar de todas essas vozes ideológicas para terceiros aquela é simplesmente abafada por estas Bakhtin 19811 Para Bakhtin o erro destas três concepções está em não se considerar o herói de Dostoiévski como o autor de seu próprio discurso assim o que ele propõe é que se considere o herói de Dostoiévski não como objeto do discurso do escritorautor a partir do qual este encrava seus valores no texto literário mas sim como autor de suas próprias palavras na mesma dimensão em que o narrador o é Diz Bakhtin que o narrador de Dostoievski polemiza com os heróis aprende com os heróis tenta desenvolver suas concepções até fazêlas chegar a um sistema acabado é como se o herói não fosse objeto da palavra do autor mas veículo de sua própria palavra dotado de valor e poder plenos Bakhtin 19811 8 BAKHTIN op cit 1981 9 A partir desse confronto de consciências entre autor e personagens que não se apresentam como objetos mas como consciências independentes e com valores próprios é que o autor aponta o caráter dialógico do romance polifônico Daí a importância de mencionar a preocupação de Bakhtin com o discurso de outrem ele parte do princípio que o dialogismo é um fenômeno que intersecciona praticamente todo o exercício de linguagem implicando a necessidade de um outro para que o processo comunicativo se efetive9 O romance polifônico é inteiramente dialógico Há relações dialógicas entre todos os elementos da estrutura romanesca ou seja eles estão contrapontisticamente em oposição As relações dialógicas são um fenômeno quase universal que penetra toda a linguagem humana e todas as relações e manifestações da vida humana em suma tudo o que tem sentido e importância Bakhtin 198134 Isso aponta para o fato de que para Bakhtin a noção de dialogismo supõe subterraneamente uma constante preocupação com o outro Ora quando Bakhtin fala no outro no discurso do outro ele não está se referindo como destaca Kristeva a um outro oculto que determina as atitudes do eu consciente O outro de Bakhtin não é o outro da psicanálise identificado com o inconsciente O outro de Bakhtin é um outro textual na medida em se faz perceptível a partir do discursoescritura mas é também um outro empírico na medida que em se revela como o lugar ocupado por um indivíduo na estrutura social E em se tratando do texto literário estas outras consciências opostas ao narrador visto como o lugar da primazia do mesmo são as vozes dos personagens que se constituem no confronto com o narrador A consciência do herói é dada como a outra a consciência do outro mas ao mesmo tempo não se objetifica não se fecha não se torna mero objeto da consciência do autor leiase narrador Bakhtin 19812 Para Bakhtin o que marca o romance polifônico como um tipo particular de narrativa é a profusão de vozes e consciências10 plenivalentes isto é plenas de valor que mantém com as outras vozes do discurso uma relação de absoluta igualdade como participantes do grande diálogo e eqüipolentes ou seja participam do diálogo com as 9 Lembrando que Bakhtin foi contemporâneo da escola formalista ainda que com ela não se identifique plenamente é possível observar aqui o peso da teoria da comunicação estabelecida por Roman Jakobson na qual o processo comunicativo se efetiva a partir de um emissor e de um receptor sendo que o primeiro envia uma mensagem ao segundo formulada a partir de um código comum ao emissor e ao receptor 10 Entendidas enquanto subjetividades diferenciadas e singulares vinculadas ao seu contexto social 10 outras vozes em pé de absoluta igualdade não se objetificam isto é não perdem a sua identidade enquanto vozes e consciências autônomas Isso permite definir a polifonia enquanto um concerto de vozes sociais que se cruzam no discurso literário sem que haja hierarquização entre estas A voz do herói possui independência excepcional na estrutura da obra é como se soasse ao lado da palavra do autor coadunandose de modo especial com ela e com as vozes plenivalentes de outros heróis Bakhtin 19813 Assim o romance polifônico dá conta da diversidade de perspectivas organizandoas em torno de uma narrativa e de uma consciência a do narrador ou nas palavras de Bakhtin a do autor11 que não se sobrepõe sobre elas como lugar privilegiado A essência da polifonia consiste justamente no fato de que as vozes aqui permanecem independentes e como tais combinamse numa unidade de ordem superior à da homofonia E se falarmos de vontade individual então é precisamente na polifonia que ocorre a combinação de várias vontades individuais realizase a saída de princípio para além dos limites de uma vontade Poderseia dizer assim a vontade artística da polifonia é a vontade de combinação de muitas vontades a vontade do acontecimento Bakhtin 198116 Desta forma a representação de diferentes subjetividades não está subordinada no romance polifônico ao filtro da perspectiva do narrador como no romance monológico o dominante da representação artística do herói é o complexo de idéias forças que o dominam Bakhtin 198118 Da mesma forma a realidade que circunda esse herói tem sua representação construída a partir do ponto de vista que tem ele da realidade diegética exterior a cada herói o mundo se apresenta num aspecto particular segundo o qual constróise a sua representação Bakhtin 198118 2 INTERTEXTUALIDADE IDELOGIA E CULTURA A SEMIOTICA DO TEXTO POETICO Se o lingüista russo defende que a constituição de todo o enunciado lingüístico se dá a partir de relações dialógicas entre o enunciador narrador e o discurso de outrem a polifonia pressupõe uma multiplicidade de vozes plenivalentes nos limites de 11 Importante ressaltar que Bakhtin não diferencia claramente autor o indivíduo empírico que escreve uma obra de narrador instância ficcional que articula os eventos e as consciências do romance polifônico diferenciação aqui realizada e de suma importância na medida em que evita o ranço do biografismo no trabalho de crítica literária 11 uma obra pois somente sob essa condição são possíveis os princípios polifônicos de construção do todo Bakhtin 198128 Kristeva por sua vez avança a partir destas reflexões operacionalizando esse raciocínio a partir de uma visada semiótica A própria subjetividade somente é construída a partir do momento da leitura vista enquanto processo semiótico O próprio sujeito aqui não é senão efeito de sentido do processo de trabalho semiótico Nada é original tudo já foi dito e em última instância o discurso do mesmo é uma bricolagem de fragmentos do discurso do outro tal como Bakhtin já havia identificado a criação literária tem necessariamente de lidar com o discurso citado remetendo inevitavelmente a um outro lugar no qual nasce o discurso do qual o mesmo se apropria Assim do dialogismo e da polifonia a noção cunhada por Kristeva realiza um avanço teórico que desnuda o caráter intertextual de toda e qualquer linguagem poética tout texte se constituit comme mosaïque des citations tout texte est absortion et transformation dun autre texte À la place de la notion dintersubjectivité sintalle celle dintertextualité et le language poétique se lit ao moins comme double12 1969146 Subjacentes à noção de intertextualidade duas outras categorias forjadas por Kristeva e também muitas vezes esquecidas por alguns comparatistas se fazem pertinentes para se pensar o intertexto como noção pertinente aos estudos culturais a produtividade13 do texto e o ideologema14 Essas duas categorias ao mesmo tempo em que explicitam o funcionamento da intertextualidade enquanto mecanismo textual mostram que ao contrário do que vulgarmente possa se pensar a noção de 12 todo texto constituise como mosaico de citações todo texto é absorção e transformação de outro texto No lugar da noção de intersubjetividade instalase a de intertextualidade e a linguagem poética se lê ao menos como um duplo tradução minha 13 O texto pois é uma produtividade o que quer dizer 1 a sua relação à língua em que se situa é redistributiva destrutivoconstrutiva conseqüentemente é abordável mais através das categorias lógicas que puramente lingüísticas 2 é uma permutação de textos uma intertextualidade no espaço de um texto vários enunciados tirados de outros textos se cruzam e se neutralizam Kristeva 197837 14 O recorte de uma dada organização textual de uma prática semiótica com os enunciados seqüências que assimila no seu espaço ou a que reenvia no espaço dos textos práticas semióticas exteriores será chamado um ideologema O idelogema é essa função intertextual que pode lerse materializada nos diferentes níveis da estrutura de cada texto e que se estende ao longo de seu trajeto dandolhe as suas coordenadas históricas e sociais O ideologema de um texto é o lugar próprio no qual a racionalidade conhecedora dá conta da transformação dos enunciados a que o texto é irredutível num todo o texto do mesmo modo que as inserções dessa totalidade no texto histórico e social Kristeva 197838 Assim fica configurado o ideologema como a função que dá conta das diferentes significações de um dado texto ou mesmo de um único significante dentro do eixo histórico pois lendose a partir de diferentes lugares sociais logo assumindo diferentes concepções e valores diferentes sentidos são acionados pelo sujeito leitor 12 intertextualidade não faz do texto uma mera colagem de retalhos subjacente à categoria estão pressupostos marxistas e freudianos que explicitam a interação do texto com o contexto visto como texto social e com o inconsciente O signo para Kristeva não é meramente signo mas ideologema na medida em que é transpassado por diferentes valores sociais O ideologema em Kristeva corresponde à palavra ambivalente de Bakhtin na medida em que nele se cruzam valores semióticos arbitrariedade do significantesignificado e sociais a historicidade necessária para a materialização do sentido Assim o sentido da palavra semiótica no trabalho de Kristeva não se prende em nenhum momento a uma concepção imanentista do estudo do signo ou dos sistemas significantes Jogando sobre a novidade da não novidade sobre essa diferença de sentido de um termo em diferentes contextos teóricos a semiótica lança luz sobre o modo como a ciência nasce numa ideologia Kristeva 197827 A semiótica tal como os estudos culturais ao deslocar conceitos mostra que o trabalho exercido pela re significação conceitual mais do que uma impostura intelectual é o índice da ideologia subjacente a todo o projeto teórico Cabe lembrar que tal como Eagleton afirma em Teoria da Literatura toda a teoria é marcada ideologicamente Até mesmo pretenderse neutro denuncia complacência com a ideologia só que com a da leite dominante nunca vista como ideologia mas como o evidente dado estar de acordo com as premissas falogocêntricas Este entendimento do texto como modo de produção filiase directamente nas teses marxistas e vai reunir limandolhes as aparentes oposições a chamada crítica imanente ou interna aos dados excrescentes incomodamente integrados até aqui em disciplinas marginais como a sociologia da literatura a crítica de fontes a história da literatura e da cultura Seixo 197811 Logo a inclusão do pensamento de Kristeva neste trabalho vem dar conta de uma demanda do próprio objeto em questão um quadro teórico que leve em consideração ao mesmo tempo aspectos formais do texto literário e aspectos culturais pensandose aqui em cultura enquanto um conjunto de práticas discursivas e nãodiscursivas que gerencia regimes de verdade e põe em circulação um capital cultural esses regimes de verdade são responsáveis pela legitimação ou não das representações culturais que vêm constituir esse capital simbólico capital que determina os lugares que os indivíduos ocupam na sociedade e a dinâmica das interrelações entre 13 esses indivíduos O pensamento de Kristeva angaria um papel chave para a construção de um novo tipo de conhecimento que se opõe ao discurso científico burguês e propõe uma articulação revolucionária na produção de conhecimento Para Marx o valor de troca de uma mercadoria aquilo que há de comum em todas elas e define seu valor é a quantidade de trabalho social nela embutida O único elemento que torna possível reduzir diferentes mercadorias a um denominador comum de forma que possam ser permutadas umas por outras é a quantidade de trabalho social dispensada em sua produção Entendese pois que produção gera valor e que isso se dá no seio das relações sociais15 Kristeva ao apropriarse da noção marxista de trabalho percebe que ela não dá conta do funcionamento significante visto que a medida deste está erigida a partir do valor e da representação recua então até o nascedouro dos sentidos onde tais critérios valor como medida do trabalho social ainda não afloraram Remontando então para um lugar présocial Kristeva recupera Freud e a noção de trabalho do sonho mostrando que a questão não é apenas a de gerar valor a partir de uma troca a do referente pelo significante ou desse por um outro mas a de avaliar uma pura transformação16 visto que o inconsciente ainda não articula valor a esse trabalho pois o valor é uma categoria social O alcance dessa mudança de cena na consideração do trabalho como prática semiótica ou viceversa ou melhor desta aliança das duas cenas a radicação social e os mecanismos do inconsciente revelase enorme pela extensão possível da sua cobertura a todo o discurso das ideologias Seixo 197812 Assim quando penso na obra de Caio Fernando Abreu pensoa como um expoente desse tipo de texto que se constrói como irredutível à representação que reflete sobre si mesmo como produtividade Kristeva ou ainda como escrita Derrida Se o trabalho sobre o texto se a produtividade do texto é o traço distintivo do texto 15 As mercadorias recordemos só encarnam valor na medida em que são expressões de uma mesma substância social o trabalho humano seu valor é portanto uma realidade apenas social só podendo manifestarse evidentemente na relação social em que uma mercadoria se troca por outra Marx 198255 16 Segundo Freud o sonho é o resultado de um trabalho do inconsciente sobre vestígios de lembranças advindas da vigília e tal processo psíquico visa a realização disfarçada de um desejo suprimido ou recalcado Freud 1987172 Entretanto para efetivar tal realização o inconsciente tem de burlar os mecanismos de censura da mente consciente produzindo deformações e deslocamentos embora a imaginação onírica lance mão das lembranças recentes da vigília como o material de que é construída ela as exige como estruturas que não guardam a mais remota semelhança com as da vida de vigília revelase 14 literário frente a outros textos fazse necessário compreender a instância ideológica na qual a produtividade se instala pois é ela responsável pelo deslocamento e pela produção de sentidos realizada na escrita produtividade do texto literário Elaborados sobre e a partir desses textos modernos os modelos semióticos assim produzidos voltamse para o texto social para as práticas sociais de que a literatura não é mais que variante não valorizada para as pensar como outras tantas transformaçõesproduções em curso Kristeva 197835 Logo a intertextualidade fica sendo definida de acordo com as reflexões de Kristeva como o processo de interação e intercâmbio semiótico de um texto primeiro com outro texto ou outros textos particularmente com o texto cultural o texto histórico e o texto social na medida em que os três se interseccionam sem no entanto serem redutíveis um aos outros Intertexto por sua vez é o texto específico ou o corpus de textos específicos com que um determinado texto mantém o intercâmbio semiótico que caracteriza a intertextualidade É importante lembrar que em Kristeva a noção de texto é muito vasta pode referirse a obras literárias linguagens orais ou sistemas simbólicos de natureza social ou inconsciente A semioticista búlgara desloca o foco das relações dialógicas que em Bakhtin estavam centradas na consciência plenivalente o herói visto como representação de um conjunto de valores próprios17 distinto daqueles do autor eou narrador ampliando o alcance das noções de dialogismopolifonia para uma perspectiva textual e discursiva na qual não apenas consciências ou subjetividades representadas estão em questão mas o próprio intercâmbio semiótico típico do funcionamento do texto literário o texto está pois duplamente orientado para o sistema significante no qual se produz e para o processo social do qual participa enquanto discurso Kristeva 197412 Entretanto o próprio Bakhtin já havia deixado uma brecha permitindo que fosse explorado esse caráter textualdiscursivo do dialogismo O autor reserva efetivamente ao seu herói a última palavra Ele não constrói a personagem com palavras estranhas a ela com definições neutras nos sonhos como possuindo não só poderes reprodutivos ms também poderes produtivos Freud 1987108 17 Para o autor o herói não é um ele nem um eu mas um tu plenivalente isto é o plenivalente eu de um outro um tu és O herói é o sujeito de um tratamento dialógico profundamente sério presente não retoricamente simulado ou literariamente convencional E esse diálogo o grande diálogo do romance na sua totalidade realizase não no passado mas neste momento ou seja no presente do processo artístico Bakhtin 198153 15 ele não constrói um caráter um tipo um temperamento nem em geral uma imagem objetiva do herói constrói precisamente a palavra do herói sobre si mesmo e sobre o seu mundo Bakhtin 198145 O pensador russo salienta que o papel do autor na elaboração desta consciência não é o de conceber tal consciência propriamente dita mas sim de construir a palavra desta consciência Kristeva rastreando a obra de Bakhtin sistematiza o estatuto da palavra retomando considerações dispersas deste O primeiro dos estatutos por Kristeva definido é o da palavra direta A palavra direta remetendo a seu objeto exprime a última instância significativa do sujeito do discurso nos quadros de um contexto é a palavra do autor a palavra que anuncia que expressa a palavra denotativa que deve fornecer a compreensão objetiva direta Kristeva 197471 A palavra direta referese à enunciação típica do narrador autoritário É o que Bakhtin chama de estilo linear de citação do discurso de outrem em Marxismo e Filosofia da Linguagem O segundo estatuto de acordo com Kristeva é o da palavra objetal A palavra objetal é o discurso direto das personagens Tem uma significação objetiva direta mas não se situa ao mesmo nível do discurso do autor encontrandose distanciada dele É ao mesmo tempo orientada para seu objeto e ela mesma objeto de orientação do autor Mas a orientação do autor para a palavra objetal não penetra nela tomaa como um todo sem alterar seu sentido nem sua tonalidade ela o subordina a suas próprias tarefas sem se introduzir uma outra significação Dessa maneira a palavra objetal convertida em objeto de uma outra palavra denotativa não é consciente dela A palavra objetal é portanto unívoca como a palavra denotativa 1974712 A palavra objetal pode ser vista como a fala das personagens utilizada apenas como elemento decorativo em uma narrativa Bakhtin chama em Marxismo e Filosofia da Linguagem tal estilo de pictórico pois o sujeito da enunciação manipula a palavra do outro com vistas a dar um certo colorido em seu próprio discurso Tal palavra é ainda unívoca pois o responsável pela enunciação narrativa não injetou nela ainda outras significações estranhas às significações primeiras Configurandose como objeto do discurso ela não apresenta ainda a ambivalência que caracterizará a palavra poética duplamente inscrita no texto históricosocial e no código lingüístico Finalmente Kristeva ocupase da palavra ambivalente 16 o autor pode se servir da palavra de outrem para nela inserir um sentido novo conservando sempre o sentido que a palavra já possui Resulta daí que a palavra adquire duas significações que ela se torna ambivalente Esta palavra ambivalente é pois o resultado da junção de dois sistemas de signos 197472 É a partir desse duplo pertencimento da palavra poética do qual Bakhtin já havia se apercebido que Kristeva elabora o estatuto da palavra poética como um duplo Assim a palavra poética se lê duplamente pois ela está inserida ao mesmo tempo a em um eixo horizontal sintagmático cujos pólos são o emissor e o receptor do texto transformados em significantes e incorporados à escritura e b em um eixo vertical paradigmático ao longo do qual se organiza uma espécie de memória de todos os outros textos anteriores ou contemporâneos do texto em questão Transformando a matéria da língua para aí transportando a relação das forças sociais da cena histórica o texto se liga se lê duplamente em relação ao real à língua alterada e transformada e à sociedade com cuja transformação ele se harmoniza Kristeva 197412 grifo da autora 3 DO INTERTEXTO AO TRANSTEXTO A SISTEMATIZAÇÃO GENETTIANA DE PALIMPSESTES Gérard Genette em seu Palimpsetes 1982 diferentemente das formulações de Bakhtin e Kristeva centra seu trabalha basicamente nas interações semióticas entre textos literários propriamente ditos O palimpsesto ao qual se refere diz respeito a um outro texto anterior ao texto que o incorpora logo o outro que Genette lê no texto é um outro texto no sentido de um texto escrito antes do texto em questão que a ele faz menção e não o texto histórico ou o texto social como propõe Kristeva Realizando um trabalho estritamente formal sobre as estratégias de intercâmbio semiótico entre textos o trabalho de Genette mostrase interessante na medida em que sistematiza uma nomenclatura para que se possa trabalhar com as diferentes relações de interação semiótica A primeira categoria que Genette propõe é a de transtextualidade no lugar da intertextualidade formulada por Kristeva Segundo Genette a intertextualidade é apenas um tipo de relação transtextual a presença de um texto em outro texto que pode 17 se materializar a partir da citação do plágio ou ainda da alusão Concebida de maneira vasta o princípio da interação semiótica é batizado de transtextualidade e a categoria intertextualidade fica restrita a um tipo específico de relação transtextual Je le définis a intertextualidade pour ma part dune manière sans doute restrictive par une relation de coprésence entre deux ou plusieurs textes cest à dire eidétiquement et le plus souvent par la présence effective dun texte dans un autre Sous sa forme la plus explicite et la plus littéraire cest la pratique traditionelle da la citation avec guillemets aves ou sans réference précise sous une forme moins explicite et moins canonique celle du plagiat chez Lautréamont par exemple qui est un emprunt non déclaré mais encore littéral sous une forme encore moins explicite et moins littérale celle de lallusion cest à dire dun énoncé dont la pleine intelligence suppose la perception dun rapport entre lui et un autre auquel renvoie nécessairement telle ou telle de ses inflexions Genette 19828 grifos do autor18 O segundo tipo de relação transtextual é a paratextualidade Neste tipo de relação o que se vê é um intercâmbio do texto literário propriamente dito com partes acessórias Le second type est constitué par la relation géneralement moins explicite et plus distante que dans lensamble formé par une oeuvre littéraire le texte proprement dit entretient avec ce que lon ne peut guère nommer que son paratexte titre soustitre intertitres préfaces postfaces avertissements avantpropos etc notes marginales infrapages terminales épigraphes ilustrations qui procurent au texte un entourage variable et parfois un commentaire officiel ou officieux dont le lecteur le plus puriste et le moins porté à lerudition externe ne peut pas toujours disposer aussi facilement Genette 1982 1019 A terceira modalidade de relação textual enunciada por Genette é a metatextualidade 18 De minha parte eu a defini a intertextualidade de uma maneira sem dúvida restritiva como uma relação de copresença entre dois ou mais textos ou seja geral e eideticamente pela presença efetiva de um texto em um outro Sob sua forma mais explícita e mais literária apresentase como a prática tradicional da citação com aspas com ou sem referência precisa sob uma forma menos explícita a do plágio em Lautréamont por exemplo que é um empréstimo não declarado mas ainda literal sob uma forma ainda menos explícita e menos literária a da alusão ou seja a de um enunciado cuja plena inteligibilidade supõe a percepção de uma relaçãocomparação entre ele o texto em questão e um outro texto o qual reporta necessariamente a uma ou outra de suas inflexões tradução minha 19 O segundo tipo constituise pela relação geralmente menos explícita e mais distante que no conjunto formado por uma obra literária o texto propriamente dito mantém com o que não se pode nomear senão como o seu paratexto prefácios posfácios advertências introduções etc notas marginais de rodapés ou finais epígrafes ilustrações que fornecem ao texto um entorno variável e por vezes um comentário oficial ou oficioso cujo leitor mais purista e menos dado à erudição externa não dispõe tão facilmente tradução minha 18 Le troisième type de transcendence textuelle que je nomme métatextualité est la relation on dit plus courament de commentaire qui unit un texte à un autre texte dont il parle sans nécessairement le citer le convoquer cest par excellence la relation critique 19821120 Assim a crítica literária o comentário e a exegese configuramse como tipos metatextuais de intercâmbio com outros textos Ainda que Genette não se ocupe muito extensamente desta categoria ela é particularmente útil para pensarmos a relação do texto autoconsciente e da escrita metareferencial Em Ovelhas Negras por exemplo os contos são acompanhados de pequenos prefácios e ainda que tais prefácios se configurem como paratextos muitas vezes fazem menção à dimensão metatextual referindose por exemplo à censura eou críticas recebidas Em um destes paratextos Abreu afirma que teve alguns contos de O Ovo Apunhalado censurados pelo regime militar fazendo assim com que o paratexto ao suscitar a interação metatextual insira o texto na história o contexto da ditadura militar O quarto tipo de relação transtextual é o tipo sob o qual Genette irá se deter ao longo de Palimpsestes tratase da hipertextualidade Para se compreender a diferença entre intertextualidade e hipertextulidade é importante retomar a questão do estatuto da palavra presente em Bakhtin e reelaborado por Kristeva Os conceitos de hipertextualidade Genette e palavra ambivalente Bakhtin e Kristeva descrevem quase que simetricamente um mesmo fenômeno O mesmo ocorre entre os conceitos de intertextualidade Genette e palavra objetal Bakhtin e Kristeva Assim Bakhtin Kristeva Genette estilo pictórico eou discurso indireto livre palavra ambivalente hipertextualidade estilo linear palavra objetal intertextualidade Gennete escreve a propósito da hipertextualidade o seguinte Jentends par là toute relation unissant un texte B que jappellerai hypertexte à un texte antérieur A que jappellerai bien sûr hypotexte sur lequel il se greffe dune manière qui nest pas celle du commentaire Comme on le voit à la métaphore se greffe et à la détermination négative cette définitions est toute provisoire Pour le prend autrement posons une notion générale de texte au second degré je renonce à chercher por une usage aussi transitoire um 20 O terceiro tipo de transcendência textual que eu chamo de metatextualidade é a relação que se conhece mais correntemente como comentário que une um texto a um outro texto que o comenta sem necessariamente citálo convocálo tradução minha 19 préfixe qui subsumerais à la fois lhyper et le méta ou texte dérivé dun autre préexistant Elle peut être dune ordre tel que B ne parle nullement de A dont il résulte au terme dune opération que je qualifiquerai provisoirement encore de transformation et quen conséquence il évoque plus ou moins manifestement sans nécessairement parler de lui et le citer 198213 grifos do autor21 Finalmente a quinta categoria transtextual definina por Genette é a arquitextualidade22 Esta se configura enquanto a relação de um texto stricto senso com uma abstração de natureza textual ou como afirma Genette ao gosto dos formalistas russos a arquitextualidade apresentase como a literariedade da literatura Podese pensar por exemplo em uma carta em um conto em um romance em um panfleto ou em um soneto como exemplos de arquitextos a arquitextualidade é o tipo de relação que se estabelece por exemplo entre Onde andará Dulce Veiga El beso de la mujer araña e a forma abstrata romance o arquitexto comum a ambas as obras Larchitexte ou si lon préfère larchitextualité du texte comme on dit et cest um peu la même chose la littéralité de la littérature cestàdire lensemble des catégories générales ou transcendentes types du discours modes dénonciation genres littéraires etc dont relève chaque texte singulier 1982723 Concebida como o tipo mais abstrato de interação textual o arquitexto está próximo daquilo que vulgarmente se compreende por gênero literário É importante salientar que até porque Genette não se ocupa suficientemente deste ponto tal como os 21 Entendo por intertextualidade toda a relação que une um texto B que chamarei hipertexto a um texto A que chamarei hipotexto sobre o qual ele se enxerta de uma maneira que não é aquela do comentário Como a metáfora do enxerto carrega uma determinação negativa estas definições são apenas provisórias Vendo de uma outra forma coloquemos uma noção geral de texto ao segundo grau negome a buscar para uso tão transitório um prefixo que sintetize ao mesmo tempo hiper e meta ou texto derivado de um outro preexistente Tal relação resulta de uma ordem tal que B não fale de modo algum de A o que resulta ao fim de uma operação que qualificarei provisoriamente ainda de transformação e que conseqüentemente o evoca mais ou menos de maneira manifesta sem necessariamente dele texto A falar ou citar tradução minha 22 Importante ressaltar que não há uma estreita familiaridade entre as noções de arquitexto e arquiescritura esta última cunhada por Jacques Derrida em De la Grammatologie Derrida pensa no funcionamento da escrita como representação da fala e para mostrar que essa dissociação é arbitrária e acaba levando a um desprestígio da escrita frente à fala desprestígio esse cultivado pela tradição filosófica ocidental que vê na fala o lugar do logos da verdade e do conhecimento cunha o termo arquiescritura para mostrar que há uma espécie de escritura da fala Reestabelece assim o prestígio da escrita frente à desconstrução do binômio falaescrita que como todos os binarismos da cultura ocidental desprestigiam e subordinam o segundo termo em relação ao primeiro homemmulher razãoemoção civilizaçãobarbárie Conferir DERRIDA Jacques De la Grammatologie Paris Minuit 1967 23 O arquitexto ou se preferirmos a arquitextualidade do texto como disse e é um pouco a mesma coisa a literariedade da literatura definese como o conjunto de categorias gerais ou transcendentes tipos 20 gêneros literários o arquitexto é uma estrutura abstrata mais ou menos estável e historicamente situada e em certa medida passível de corrupçãotransformação O arquitexto romanesco por exemplo tem seu nascimento no século XVII e seu grande ápice está vinculado à ascensão da burguesia que adotou tal estrutura para construir e legitimar suas próprias narrativas culturais Se de um lado se têm os conceitos genettianos de intertextualidade e hipertextualidade do outro se tem analogamente os conceitos bakhtinianos de estilo linear e individualismo relativista de apropriação do discurso de outrem ou ainda de acordo com a sistematização proposta por Kristeva sobre o estatuto da palavra a palavra objetal e a palavra ambivalente Porém como já explorado as noções não são intercambiáveis entre si É necessário pois explicitar a evolução dos conceitos e o que cada teórico entende por cada categoria não por uma questão de purismo teórico mas porque há tamanha profusão de termos falsamente transparentes e de palavras extremamente aparentadas que caso não se proceda à explicitação do que cada um entende por cada categoria correrseia o risco de comprometimento do rigor teórico e mesmo da validade do trabalho intelectual desenvolvido Em se colocando tais reflexões em um quadroresumo chegase ao seguinte resultado BAKHTIN KRISTEVA GENETTE dialogismo intertextualidade transtextualidade24 autornarrador sujeito da enunciação voz narrativa estilo linear palavra direta intertextualidade citação estilo pictórico palavra objetal intertextualidade alusão individualismo relativista palavra ambivalente hipertextualidade de discurso modos de enunciação gêneros literários etc que sustenta cada texto singular tradução minha 24 A idéia de transtextualidade é utilizada para denominar o grande grupo de relações possíveis entre diferentes textos intertextualidade hipertextualidade paratextualidade arquitextualidade assim o termo intertextualidade tal como definida por Kristeva é permutável por transtextualidade tal como definida por Genette Obviamente isto é apenas uma aproximação Como já foi dito anteriormente os 21 conceitos não são intercambiáveis entre si O papel de outras categorias será determinante de diferenças irredutíveis entre as formulações da cada um desses pensadores Bakhtin tinha em mente um translingüística que abarcasse o texto literário em sua interação com o contexto social Kristeva por sua vez tentando desenvolver uma semiótica da linguagem poética não apenas constata que esta é o limite infinito das possibilidades de significância do código lingüístico mas também que a linguagem poética ao carnavalizarse tornase o lugar por excelência da revolução da contestação e da ruptura com o status quo definindo o texto como produtividade e a escritura como prática social Genette finalmente ao hierarquizar os diferentes tipos de interação semiótica entre textos desenvolve uma nomenclatura consistente ao mesmo tempo em que esteriliza o trabalho com a intertextualidade excluindo o texto históricosocial entendendo aqui história no sentido marxista mantido por Bakhtin e Kristeva em suas reflexões Assim adotarseá aqui a nomenclatura sugerida por Genette salvo os termos transtextualidade e intertextualidade Em lugar do primeiro adotase aqui o termo cunhado por Kristeva intertextualidade para dar conta de todas as relações intersemióticas possíveis em lugar do segundo adotase o termo genérico citação Ora em se partindo do pressuposto que a relação hipertextual demanda por sua própria natureza um trabalho de recorte e deslocamento de um fragmento originário de um texto A e a subseqüente adaptação desse recorte a um texto B e aqui não importa se tal trabalho de transplante textual é feito consciente ou inconscientemente se feito pelo autor ou pelo leitor se tem um caráter estrutural ou não no cerne do texto em questão independente de qual seja a instância na qual ele esteja localizado é necessária uma instância subjetiva que realize este trabalho Entendase aqui essa necessidade de uma instância subjetiva não no sentido de um sujeito empírico mas no sentido de uma posição ou lugar ou ainda no sentido de uma função25 Logo os processos de subjetivação tomam uma importante dimensão na compreensão da intertextualidade seja ela pensada na instância da recepçãoleitor ou da produçãoautor pois é sob e 25 A categoria função deve ser entendida tal como Foucault a pensa por exemplo quando este se preocupa em pensar o autor enquanto função discursiva um lugar ou papel que se assume necessariamente com o fim de organizar enunciados fragmentos discursivos de forma coerente Cf FOUCAULT M A Arqueologia do Saber 6 ed Rio de Janeiro ForenseUniversitária 2000 22 apenas sob o signo da subjetividade que a produção de sentidos por ocasião do estabelecimento de relações hipertextuais pode ser compreendida A intertextualidade mostrase enfim como um fenômeno de interação entre diferentes modalidades textuais que mobiliza ao mesmo tempo a natureza semiótica ideológica e subjetiva estabelecendose como uma das mais frutíferas categorias para a crítica literária O texto dialoga sim com outros textos mas também com o contexto social a realidade transfigurada em texto tal como fica claro na gênese do conceito em Bakhtin e Kristeva O que este trabalho pretende pois não é apenas estabelecer relações intertextuais entre diferentes romances mas também analisar suas relações com o mundo social espaço no qual o capital simbólico circula Não basta contrastar representações romanescas do homoerotismo na literatura é necessário também estabelecer relações entre estes artefatos culturais e o mundo das relações sociais no qual foram produzidos e geram significados Conjuga também uma dimensão política na medida em que as ideologias que organizam e legitimam os regimes de representação que virão a constituir o capital simbólico de uma comunidade discursiva se fazem perceptíveis através do trabalho de deslocamento e produção de sentidos que a interação semiótica que caracteriza a intertextualidade demanda A noção de intertextualidade é operacionalizada na medida em que se estuda o texto escritura em relação ao texto históricosocial e aos arquitextos no sentido genettiano que o precedem A sistematização realizada por Genette auxilia pois na medida em que caracteriza tipos específicos de relações intertextuais no sentido forte ou como ele chama relações transtextuais Entretanto fica óbvio em Genette uma certa despolitização da intertextualidade na medida em que seu conceito de transtextualidade abarca apenas operações de reiteração e transformação de um texto por outros textos Oblitera pois a dimensão histórica ao apagar os reflexos do arranjo conjuntural nas condições de produçãotransformação de um texto tanto quanto a dimensão ideológica vista por Kristeva como o lugar no qual o texto poético cruzase com o texto históricocultural Assim operase aqui uma análise que parte do arcabouço conceitual burilado por Genette sem no entanto apagar as dimensões de inserção do histórico do ideológico e por metonímia do político inerentes à interação semiótica transtextual Cabe aqui relembrar Kristeva 23 Assim por um duplo jogo na matéria da língua e na história social o texto se instala no real que o engendra ele faz parte do vasto processo do movimento material e histórico e não se limita enquanto significado a seu autodescrever ou a se abismar numa fantasmática subjetivista Kristeva 197411 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Sintetizando a reflexão realizada trabalho fica evidente que não há consenso no que diz respeito à definição desta noção tão fundamental para a literatura comparada a intertextualidade Para Julia Kristeva quando se fala em intertextualidade a noção se aplica à intersecção da história e da cultura no texto literário Por transtextualidade noção genettiana entendese um tipo específico de intertextualidade aquela que dá conta do diálogo da obra literária com outros textos literários direta ou indiretamente aquele tipo específico de relação intersemiótica que Kristeva identifica com a dimensão paradigmática e vertical da intersecção de textos Assim se a intertextualidade dá conta das relações entre o texto literário e os outros textos culturais a história o folclore a dita baixa cultura e os discursos institucionais a transtextualidade contempla as relações de caráter exclusivamente interliterário entre textos literários distintos Outros autores como Riffaterre Reis Nitrini e Seixo continuam a trabalhar sobre a noção Alguns tentam caracterizar a intertextualidade como um tipo de relação semiótica na qual exista algum tipo de analogia estrutural o que impediria de se caracterizar como intertextualidade relações estabelecidas entre literatura e pintura por exemplo Outros ainda asseveram que a intertextualidade só se caracteriza como tal a partir da leitura da obra baseandose na premissa de que é apenas no momento da recepção que a intertextualidade efetivamente se concretiza O importante a ser ressaltado aqui é que o uso indiscriminado da noção implicou de certa forma em uma despolitização da mesma A idéia primeira de intertextualidade presente em Bakhtin e em Kristeva na qual tanto a relação entre diferentes textos literários quanto a relação entre o texto e o mundo social lido também como um texto foi aos poucos perdendo força na medida em que um preocupação mais imanentista concentrava sua atenção em aspectos estruturas do texto e esquecia sua dureza de artefato cultural de capital 24 simbólico em circulação gerando valores e significados É este um dos aspectos da intertextualidade que urge ser resgatado antes que se perca completamente REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 1 ALTHUSSER Louis Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado São Paulo Martins Fontes sd 2 AUSTIN How To Do Things With Words Cambridge Harvard University Press 1975 3 BAKHTIN M Problemas da Poética de Dostoiévski Rio de Janeiro Forense Universitária 1981 4 BAKHTIN M A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento o contexto de François Rabelais São PauloBrasília HucitecUnB 1993 5 BAKHTIN Mikhail Marxismo e Filosofia da Linguagem São Paulo Hucitec 1997 6 BAL Mieke Narratology 2nd edition TorontoBuffaloLondon Toronto 1997 7 BOOTH W The Rethoric of Fiction Chicago The University of Chicago Press 1975 8 CARVALHAL Tânia Franco Literatura Comparada São Paulo Ática 1986 9 EAGLETON Terry Teoria da Literatura São Paulo Martins Fontes sd 10 FOUCAULT M História da Sexualidade I Rio de Janeiro Graal 1994 11 História da Sexualidade II Rio de Janeiro Graal 1994 12 História da Sexualidade III Rio de Janeiro Graal 1994 13 A Arqueologia do Saber Rio de Janeiro ForenseUniversitária 2000 14 FREUD Sigmund Sexualidade Feminina In O Futuro de uma Ilusão São Paulo Imago 1972 p 23351 15 A Diferenciação Entre Homens e Mulheres In Fragmento de um Caso de Histeria São Paulo Imago 1972 p 225 228 16 GENETTE Gérard Palimpsestes Paris Seuil 1982 17 KRISTEVA Julia Sèméiotikè recherches pour une sémanalyse Paris Seuil 1969 25 18 Introdução à Semanálise Trad Lúcia Helena França Ferraz São Paulo Perspectiva 1974 19 Semiótica do Romance 2 ed Trad Fernando Cabral Martins Lisboa Arcádia 1978 20 LANDA ONEGA Narratology an introduction London Routledge 1995 21 MARX Karl O Capital livro I 7 ed Trad Reginaldo SantAnna São Paulo DIFEL 1982 22 NITRINI Sandra Literatura Comparada São Paulo EdUSP 2000 23 RIFFATERRE M Semiotics of Poetry Bloomington London Indiana University Press 1978 24 La Production du Texte Paris Seuil 1979 25 SEIXO Maria Alzira Do Romance Significativamente In KRISTEVA Julia Semiótica do Romance 2 ed Trad Fernando Cabral Martins Lisboa Arcádia 1978 p 717

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