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Literatura Regional O Regionalismo na Literatura brasileira Tereza Ramos de Carvalho 1 O regionalismo pode ser compreendido de várias maneiras quanto ao assunto quanto à linguagem ou quanto o arranjo narrativo Pode aparecer numa obra relacionado ao mundo rural ora como algo ultrapassado mas também como literatura popular como representação da violência ou até mesmo como uma espécie de nacionalismo A verdade é que o termo regional ou regionalismo suscita muitas discussões no meio acadêmico por parecer um assunto voltado ao que Bosi chama literatura menor O crítico Antonio Candido classifica a narrativa regionalista em três fases o regionalismo pitoresco o regionalismo crítico e o superregionalismo2 Conforme Candido num primeiro momento no final do século XIX e início do século XX o regionalismo pitoresco parece funcionar como elemento de segregação entre o campo e a cidade e as personagens são absorvidas pela paisagem e os costumes É um regionalismo caracterizado pelo tratamento anedótico que é dado à personagem cuja função parece ser servir de espetáculo para o homem da cidade Essa corrente com o passar do tempo transformase gerando a literatura sertaneja que se estendeu às melhores tendências literárias após 1930 A partir do decênio de 1930 esse regionalismo pitoresco cede lugar ao chamado romance nordestino com traços de denúncia e aspereza crítica ou seja o regionalismo crítico mencionado anteriormente Nesse romance o que antes personagem e espaço era apresentado com objetivo de servir de espetáculo para o homem da cidade agora aparece com uma complexidade até então inexistente na narrativa regionalista Os autores de narrativas críticas pressupõem leitores também críticos conscientes dos problemas sociais O regionalismo prendese pelo menos durante o Romantismo às tendências nacionalistas que tomaram grande força entre nós a partir dos movimentos pela independência política e cultural Apesar de o indianismo ser considerado o fruto mais característico desse nacionalismo romântico o mesmo impulso nacionalista que promove o culto ao índio numa tentativa de definir a etnia brasileira em uma etapa ulterior mitifica o sertanejo O sertanismo pode ser considerado ainda que com certas restrições a primeira forma de regionalismo na ficção brasileira E os mais notáveis exemplos tanto do indianismo como do sertanismo romântico sãonos fornecidos por José de Alencar Visconde de Taunay e Franklin Távora O Realismo com sua preocupação objetivista e documental propiciou o surgimento de grande número de romances regionalistas E ao longo de quatro décadas de 1880 até o advento do Modernismo foi a tendência dominante na ficção muito embora tenha assimilado elementos de outras correntes coetâneas como o Parnasianismo o Simbolismo e o Impressionismo Contribuiu para que houvesse sobre um denominador comum realista certa diversidade de aspectos3 Vale abrir um parêntese para falar sobre Simões Lopes Neto como precursor do regionalismo e portador de um regionalismo não só pitoresco mas carregado de verdade social e psicológica Simões Lopes Neto é o exemplo mais feliz da prosa regionalista no Brasil antes do Modernismo É considerado por Alfredo Bosi o patriarca das letras gaúchas4 Ao publicar sua obra a partir de 1910 o regionalismo na literatura já havia passado por duas gerações no cenário nacional Precedendo a Simões Lopes Neto o escritor romântico José de Alencar aparece na literatura brasileira do século XIX como o consolidador do romance um ficcionista que cai no gosto popular Sua obra evidencia as contradições de suas posições políticas e sociais grande proprietário rural político conservador monarquista nacionalista exagerado escravocrata Todas essas posições sobretudo o nacionalismo transparecem em seus livros de início espontaneamente e por fim de modo premeditado O romancista tentou traçar em sua obra um grande painel do Brasil cobrindoo por inteiro o Norte e o Sul o litoral e o sertão o presente e o passado o urbano e o rural na tentativa de estabelecer uma linguagem brasileira Seus romances O Til e O Tronco do Ipê são obras que focalizam o meio rural A primeira retrata as fazendas de café no interior de São Paulo e a segunda uma fazenda banhada pelo rio Paraíba no norte do Rio de Janeiro O Sertanejo e O Gaúcho são as duas obras regionalistas de Alencar elas mostram o relacionamento do homem com o meio físico Ao descrever o nordestino o sertanejo o autor consegue montar um quadro mais próximo da realidade conhecedor que era da região e do homem Ao tentar retratar o gaúcho e sua região incorre em falhas provocadas pelo desconhecimento da região Através dessas obras Alencar é indiretamente incentivador do regionalismo crítico na literatura brasileira pois ao levar a efeito seu plano de enunciar o país logo se levantaram vozes de desacordo Franklin Távora criticou a visão de seu conterrâneo sobre o sertanejo e os vários sul riograndenses 5 não concordando com a leitura de O gaúcho que consideravamna uma obra artificial numa reação positiva para o regionalismo propuseramse a reinterpretar a realidade apresentando a especificidade local Dentre esses sul riograndenses destacase Simões Lopes Neto que ao dar o poder da palavra a personagens iletrados objeto sem voz da literatura descobre que não bastava falar apenas sobre o gaúcho era preciso darlhe voz Notase uma estreita semelhança entre Simões Lopes Neto e Guimarães Rosa quanto ao tratamento que ambos dão a seus personagens Simões Lopes Neto em Contos gauchescos delineia sua estratégia narrativa alguém pede atenção do leitor para o personagem Blau Nunes um velho homem do campo O personagem imediatamente assume a primeira pessoa do discurso Esse personagem narrador passa a ser o detentor do poder da linguagem No transcorrer das narrativas do livro podemos perceber a presença de um interlocutor não nomeado mas referido como patrãozinho mais jovem que o narrador Blau Nunes Esse interlocutor não conhece a vida no campo mas apresenta algum interesse tanto pela vida do narrador como por sua história Se considerarmos a estrutura narrativa de Grande sertão Veredas de Guimarães Rosa editada pela primeira vez em 1956 percebemos algumas semelhanças entre o personagem Riobaldo e o personagem Blau Nunes de Simões Lopes Neto Riobaldo fala sobre sua vida questiona a existência de Deus e do Diabo fala sobre os mistérios da própria existência a um interlocutor que não pertence àquele ambiente parece ser da cidade A dessemelhança entre Blau Nunes e Riobaldo é que Blau e seu ouvinte se movem pela geografia ficcional enquanto que Riobaldo e o doutor seu interlocutor permanecem no mesmo plano espacial enquanto a narrativa vai se construindo Fora essa diferença o procedimento narrativo entre os autores é similar6 Não podemos afirmar se o mineiro recebeu ou não influência do gaúcho O certo é que cronologicamente foi Simões Lopes Neto quem lançou a matéria local ao nível da literatura regional e pela primeira vez apresentou sem exotismo o narrador iletrado No ciclo do regionalismo nordestino são abordados os inúmeros problemas de um Nordeste decadente desde que o p o lo político do Brasil se transferira para o sul A miséria as relações do homem simples com o poder e com os poderosos a hostilidade do meio estéril o descaso dos políticos com esse estado de coisas enfim tudo que pertence àquele universo passa a ser abordado num tom crítico em nossa literatura O Movimento modernista que em sentido amplo iniciouse com a Semana de Arte Moderna 1922 e vem até a atualidade trouxe à literatura brasileira o conceito de modernidade artística a idéia de que a liberdade formal que defendia deveria veicular uma concepção crítica da realidade do país Período histórico amplo de grande produtividade literária didaticamente classificado em três fases fase heróica fase ideológica e a nova reflexão da linguagem É interessante observar que mesmo com o aparecimento de novas tendências estas mantêm pontos de contato mais ou menos estreitos com as tendências anteriores Dessa maneira podemos dizer que uma determinada obra sempre se insere numa linha de continuidade artística É o caso da literatura regionalista conforme podemos atestar desde o Romantismo O Modernismo mudou o conceito das escolas literárias tradicionais e ao trazer para a Literatura Brasileira o conceito de modernidade artística deu liberdade ao escritor para associar em sua obra conteúdo e forma O trabalho do escritor deveria propiciar uma nova visão do país Assim o Modernismo desencadeou um processo de ruptura criativa em relação ao passado literário e passou a ser visto de maneira crítica Muitos autores seguindo a linha experimentalista romperam com a forma tradicional de contar histórias e abriram caminho para uma nova forma de ler e narrar o cotidiano Os romancistas de 1930 embora não pretendessem se manter na linha do experimentalismo estético das correntes de vanguarda consideravam irreversíveis muitas das conquistas dos primeiros modernistas tais como o interesse por temas nacionais a busca de uma linguagem mais brasileira e o interesse pela vida cotidiana Entretanto viramse diante de uma questão de outra natureza como dar resposta artística ao momento de fermentação política e ideológica que estavam vivendo E no tocante ao papel do escritor de que forma o artista com sua obra poderia concretamente participar das transformações que estavam ocorrendo na sociedade O resultado desses questionamentos foi o surgimento de um romance mais amadurecido com um enfoque mais direto dos fatos fortemente marcado pelo RealismoNaturalismo do século XIX na maioria das vezes de caráter documental O romance trilhou diferentes caminhos sendo o regionalismo especialmente o nordestino o mais importante entre todos Notase pois que com a publicação de A bagaceira de José Américo de Almeida e em seguida O Quinze de Rachel de Queirós o romance entrou numa fase nova de denúncia das agruras da seca e da migração dos problemas do trabalhador rural da miséria da ignorância Alfredo Bosi faz um inventário dos autores de diversas partes do país que concorreram para engrossar esse gênero que ele mesmo define como regionalismo menor de valor apenas documental 7 José Américo de Almeida cronologicamente iniciou o regionalismo no Nordeste com a obra A bagaceira 1928 livro que focaliza o drama coletivo da degradação humana através do excluído social de forma rica e eficiente A bagaceira abre um novo ciclo na literatura buscando demolir padrões e preconceitos e abre caminhos para novas gerações Assim José Américo redescobre o Brasil revelando o que os outros não v e em a degradação como fato consumado O autor protesta contra o sacrifício inútil de um povo condenado a viver a pena absurda de não ter o que comer na terra de Canaã Em A bagaceira a seca não é propriamente a temática da obra Como analisa Rachel de Queirós é um romance de retirantes naufragados ou refugiados na bagaceira na terra fresca e úmida estranha e quase adversa para eles que é o brejo assim o grande personagem do livro não é o velho sertão da seca é o elemento para nós novo e singular do brejo e da bagaceira8 Considerando a data de publicação de O Quinze 1930 romance de Rachel de Queirós podemos situála como uma das autoras pioneiras do moderno romance regionalista brasileiro O texto revela com intensidade a problemática social do Nordeste a miséria a bruta realidade da seca da fome e da migração a desigualdade e a indiferença dos poderosos diante de tão grave situação Esse romance é um dos romances mais celebrados de Rachel de Queirós e tem como tema central a seca de 1915 e o drama vivido pelo sertanejo ali representado por Chico Bento e sua família Jorge Amado fecundo contador de histórias soube captar as contradições e os problemas de seu estado Bahia Forte nos temas e na extraordinária arte de escrever transportou para os livros a grandeza de sua terra iniciando o Ciclo do Cacau Conforme Alfredo Bosi Jorge Amado como Cronista de tensão mínima soube esboçar largos painéis coloridos e facilmente comunicáveis que lhe franquearam um grande êxito junto ao público Na maior parte de suas obras principalmente as primeiras que publicou apresenta preocupação políticosocial denunciando num tom direto lírico e participante a miséria e a opressão do trabalhador rural e das classes populares Cacau Suor Nas obras subseq u entes sua força poética voltouse cada vez mais para os pobres para a infância abandonada e delinq u ente para a miséria do negro para o cais de sua terra natal para a seca o cangaço a exploração do trabalhador urbano e rural e para a denúncia do coronelismo latifundiário O paraibano José Lins do Rego levou para as páginas de suas narrativas o telurismo emoldurado pela nostalgia de seu tempo de menino e de adolescente A região canavieira da Paraíba e Pernambuco em período de transição para a usina encontrou no ciclo da canadeaçúcar de José Lins a sua mais alta expressão literária José Lins sempre se declarou um escritor espontâneo e instintivo chegando a apontar como referência para sua escritura os cegos cantadores de feira amados e ouvidos pelo povo porque tinham o que contar Graciliano Ramos representa em termos de romance moderno brasileiro o ponto mais alto de tensão entre o eu do escritor e a sociedade que o formou O panorama social de suas obras é retratado de maneira rara pela força com que ele o apresenta9 Autor de linguagem direta e correta moldada num estilo seco conciso com poucos adjetivos soube equilibrar a investigação profunda dos problemas sociais nordestinos com a análise psicológica de seus personagens unindo regionalismo e intimismo Ele via em cada personagem de suas obras a face angulosa da opressão e da dor10 A realidade nacional foinos apresentada através de uma grande variedade de obras literárias e o romance regionalista tomou diversos rumos focalizando diversas regiões enquanto José Lins do Rego ao lado de Graciliano Ramos focalizaram de perto as transformações econômicas do Nordeste Jorge Amado encarnava o romance da Bahia ocupandose do negro e do mestiço o Rio Grande do Sul manteve sua tradição cultural através de Érico Veríssimo que encerrava sua tarefa com a obra O tempo e o vento seguido de Dionélio Machado Viana Moog Ciro Martins dentre outros Valores novos foram surgindo enriquecendo com o conto e o romance nossa literatura de ficção Otto Lara Resende Fernando Sabino etc Do drama humano incumbiuse a geração de 45 Nesse espaço de tempo isto é entre 40 e 45 houve como que uma cristalização de temas Depois novos escritores adquiriram firmeza técnica e maneira segura de expressão Iniciado o superregionalismo a partir de 45 a ficção brasileira passou por grandes experiências com o aparecimento de Guimarães Rosa autor que alcança êxito universal ao recriar a linguagem regional de forma extremamente elaborada dandonos mostra palpável de como a palavra é flexível e a língua conseq u entemente maleável Com Guimarães Rosa no decênio de 1950 nasce a terceira vertente do regionalismo classificada por Antonio Candido de superregionalismo Uma narrativa de cunho regional que no entanto apresenta o que o homem tem de mais universal O superregionalismo é uma espécie de superação do nacionalismo pitoresco mediante o tema regional crítico como veículo de uma expressão de cunho universalista Ou seja no superregionalismo a região deixa de ser particular para ser universal é o universalismo do discurso moderno11 1 Doutoranda em Literatura brasileira pela universidade de Brasília UnB 2 Antonio Candido Literatura espelho da América 1995 p 18 19 3 Tratase do regionalismo pósromântico de Simões Lopes Neto Valdomiro Silveira Afonso Arinos Coelho Neto M Lobato H de Carvalho Ramos com tendência a ressaltar o aspecto pitoresco que se estende à fala e ao gesto tratando o homem como parte da paisagem envolvendo ambos no mesmo tom de exotismo BOSI 1994 pp 207 214 4Idem ibidem 1994 p 212 5 Ver nota introdutória de Contos gauchescos por Luís Augusto Fisher 1998 pp 5 27 6 Idem ibidem pp 5 27 7 Alfredo Bosi História concisa da Literatura brasileira 1994 cap VIII 8 Ângela M Bde Castro Releitura de A bagaceira 1987 p 32 9 Alfredo Bosi op cit pp 332 405 10Idem ibidem 11 Antonio Candido op Cit p18
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Literatura Regional O Regionalismo na Literatura brasileira Tereza Ramos de Carvalho 1 O regionalismo pode ser compreendido de várias maneiras quanto ao assunto quanto à linguagem ou quanto o arranjo narrativo Pode aparecer numa obra relacionado ao mundo rural ora como algo ultrapassado mas também como literatura popular como representação da violência ou até mesmo como uma espécie de nacionalismo A verdade é que o termo regional ou regionalismo suscita muitas discussões no meio acadêmico por parecer um assunto voltado ao que Bosi chama literatura menor O crítico Antonio Candido classifica a narrativa regionalista em três fases o regionalismo pitoresco o regionalismo crítico e o superregionalismo2 Conforme Candido num primeiro momento no final do século XIX e início do século XX o regionalismo pitoresco parece funcionar como elemento de segregação entre o campo e a cidade e as personagens são absorvidas pela paisagem e os costumes É um regionalismo caracterizado pelo tratamento anedótico que é dado à personagem cuja função parece ser servir de espetáculo para o homem da cidade Essa corrente com o passar do tempo transformase gerando a literatura sertaneja que se estendeu às melhores tendências literárias após 1930 A partir do decênio de 1930 esse regionalismo pitoresco cede lugar ao chamado romance nordestino com traços de denúncia e aspereza crítica ou seja o regionalismo crítico mencionado anteriormente Nesse romance o que antes personagem e espaço era apresentado com objetivo de servir de espetáculo para o homem da cidade agora aparece com uma complexidade até então inexistente na narrativa regionalista Os autores de narrativas críticas pressupõem leitores também críticos conscientes dos problemas sociais O regionalismo prendese pelo menos durante o Romantismo às tendências nacionalistas que tomaram grande força entre nós a partir dos movimentos pela independência política e cultural Apesar de o indianismo ser considerado o fruto mais característico desse nacionalismo romântico o mesmo impulso nacionalista que promove o culto ao índio numa tentativa de definir a etnia brasileira em uma etapa ulterior mitifica o sertanejo O sertanismo pode ser considerado ainda que com certas restrições a primeira forma de regionalismo na ficção brasileira E os mais notáveis exemplos tanto do indianismo como do sertanismo romântico sãonos fornecidos por José de Alencar Visconde de Taunay e Franklin Távora O Realismo com sua preocupação objetivista e documental propiciou o surgimento de grande número de romances regionalistas E ao longo de quatro décadas de 1880 até o advento do Modernismo foi a tendência dominante na ficção muito embora tenha assimilado elementos de outras correntes coetâneas como o Parnasianismo o Simbolismo e o Impressionismo Contribuiu para que houvesse sobre um denominador comum realista certa diversidade de aspectos3 Vale abrir um parêntese para falar sobre Simões Lopes Neto como precursor do regionalismo e portador de um regionalismo não só pitoresco mas carregado de verdade social e psicológica Simões Lopes Neto é o exemplo mais feliz da prosa regionalista no Brasil antes do Modernismo É considerado por Alfredo Bosi o patriarca das letras gaúchas4 Ao publicar sua obra a partir de 1910 o regionalismo na literatura já havia passado por duas gerações no cenário nacional Precedendo a Simões Lopes Neto o escritor romântico José de Alencar aparece na literatura brasileira do século XIX como o consolidador do romance um ficcionista que cai no gosto popular Sua obra evidencia as contradições de suas posições políticas e sociais grande proprietário rural político conservador monarquista nacionalista exagerado escravocrata Todas essas posições sobretudo o nacionalismo transparecem em seus livros de início espontaneamente e por fim de modo premeditado O romancista tentou traçar em sua obra um grande painel do Brasil cobrindoo por inteiro o Norte e o Sul o litoral e o sertão o presente e o passado o urbano e o rural na tentativa de estabelecer uma linguagem brasileira Seus romances O Til e O Tronco do Ipê são obras que focalizam o meio rural A primeira retrata as fazendas de café no interior de São Paulo e a segunda uma fazenda banhada pelo rio Paraíba no norte do Rio de Janeiro O Sertanejo e O Gaúcho são as duas obras regionalistas de Alencar elas mostram o relacionamento do homem com o meio físico Ao descrever o nordestino o sertanejo o autor consegue montar um quadro mais próximo da realidade conhecedor que era da região e do homem Ao tentar retratar o gaúcho e sua região incorre em falhas provocadas pelo desconhecimento da região Através dessas obras Alencar é indiretamente incentivador do regionalismo crítico na literatura brasileira pois ao levar a efeito seu plano de enunciar o país logo se levantaram vozes de desacordo Franklin Távora criticou a visão de seu conterrâneo sobre o sertanejo e os vários sul riograndenses 5 não concordando com a leitura de O gaúcho que consideravamna uma obra artificial numa reação positiva para o regionalismo propuseramse a reinterpretar a realidade apresentando a especificidade local Dentre esses sul riograndenses destacase Simões Lopes Neto que ao dar o poder da palavra a personagens iletrados objeto sem voz da literatura descobre que não bastava falar apenas sobre o gaúcho era preciso darlhe voz Notase uma estreita semelhança entre Simões Lopes Neto e Guimarães Rosa quanto ao tratamento que ambos dão a seus personagens Simões Lopes Neto em Contos gauchescos delineia sua estratégia narrativa alguém pede atenção do leitor para o personagem Blau Nunes um velho homem do campo O personagem imediatamente assume a primeira pessoa do discurso Esse personagem narrador passa a ser o detentor do poder da linguagem No transcorrer das narrativas do livro podemos perceber a presença de um interlocutor não nomeado mas referido como patrãozinho mais jovem que o narrador Blau Nunes Esse interlocutor não conhece a vida no campo mas apresenta algum interesse tanto pela vida do narrador como por sua história Se considerarmos a estrutura narrativa de Grande sertão Veredas de Guimarães Rosa editada pela primeira vez em 1956 percebemos algumas semelhanças entre o personagem Riobaldo e o personagem Blau Nunes de Simões Lopes Neto Riobaldo fala sobre sua vida questiona a existência de Deus e do Diabo fala sobre os mistérios da própria existência a um interlocutor que não pertence àquele ambiente parece ser da cidade A dessemelhança entre Blau Nunes e Riobaldo é que Blau e seu ouvinte se movem pela geografia ficcional enquanto que Riobaldo e o doutor seu interlocutor permanecem no mesmo plano espacial enquanto a narrativa vai se construindo Fora essa diferença o procedimento narrativo entre os autores é similar6 Não podemos afirmar se o mineiro recebeu ou não influência do gaúcho O certo é que cronologicamente foi Simões Lopes Neto quem lançou a matéria local ao nível da literatura regional e pela primeira vez apresentou sem exotismo o narrador iletrado No ciclo do regionalismo nordestino são abordados os inúmeros problemas de um Nordeste decadente desde que o p o lo político do Brasil se transferira para o sul A miséria as relações do homem simples com o poder e com os poderosos a hostilidade do meio estéril o descaso dos políticos com esse estado de coisas enfim tudo que pertence àquele universo passa a ser abordado num tom crítico em nossa literatura O Movimento modernista que em sentido amplo iniciouse com a Semana de Arte Moderna 1922 e vem até a atualidade trouxe à literatura brasileira o conceito de modernidade artística a idéia de que a liberdade formal que defendia deveria veicular uma concepção crítica da realidade do país Período histórico amplo de grande produtividade literária didaticamente classificado em três fases fase heróica fase ideológica e a nova reflexão da linguagem É interessante observar que mesmo com o aparecimento de novas tendências estas mantêm pontos de contato mais ou menos estreitos com as tendências anteriores Dessa maneira podemos dizer que uma determinada obra sempre se insere numa linha de continuidade artística É o caso da literatura regionalista conforme podemos atestar desde o Romantismo O Modernismo mudou o conceito das escolas literárias tradicionais e ao trazer para a Literatura Brasileira o conceito de modernidade artística deu liberdade ao escritor para associar em sua obra conteúdo e forma O trabalho do escritor deveria propiciar uma nova visão do país Assim o Modernismo desencadeou um processo de ruptura criativa em relação ao passado literário e passou a ser visto de maneira crítica Muitos autores seguindo a linha experimentalista romperam com a forma tradicional de contar histórias e abriram caminho para uma nova forma de ler e narrar o cotidiano Os romancistas de 1930 embora não pretendessem se manter na linha do experimentalismo estético das correntes de vanguarda consideravam irreversíveis muitas das conquistas dos primeiros modernistas tais como o interesse por temas nacionais a busca de uma linguagem mais brasileira e o interesse pela vida cotidiana Entretanto viramse diante de uma questão de outra natureza como dar resposta artística ao momento de fermentação política e ideológica que estavam vivendo E no tocante ao papel do escritor de que forma o artista com sua obra poderia concretamente participar das transformações que estavam ocorrendo na sociedade O resultado desses questionamentos foi o surgimento de um romance mais amadurecido com um enfoque mais direto dos fatos fortemente marcado pelo RealismoNaturalismo do século XIX na maioria das vezes de caráter documental O romance trilhou diferentes caminhos sendo o regionalismo especialmente o nordestino o mais importante entre todos Notase pois que com a publicação de A bagaceira de José Américo de Almeida e em seguida O Quinze de Rachel de Queirós o romance entrou numa fase nova de denúncia das agruras da seca e da migração dos problemas do trabalhador rural da miséria da ignorância Alfredo Bosi faz um inventário dos autores de diversas partes do país que concorreram para engrossar esse gênero que ele mesmo define como regionalismo menor de valor apenas documental 7 José Américo de Almeida cronologicamente iniciou o regionalismo no Nordeste com a obra A bagaceira 1928 livro que focaliza o drama coletivo da degradação humana através do excluído social de forma rica e eficiente A bagaceira abre um novo ciclo na literatura buscando demolir padrões e preconceitos e abre caminhos para novas gerações Assim José Américo redescobre o Brasil revelando o que os outros não v e em a degradação como fato consumado O autor protesta contra o sacrifício inútil de um povo condenado a viver a pena absurda de não ter o que comer na terra de Canaã Em A bagaceira a seca não é propriamente a temática da obra Como analisa Rachel de Queirós é um romance de retirantes naufragados ou refugiados na bagaceira na terra fresca e úmida estranha e quase adversa para eles que é o brejo assim o grande personagem do livro não é o velho sertão da seca é o elemento para nós novo e singular do brejo e da bagaceira8 Considerando a data de publicação de O Quinze 1930 romance de Rachel de Queirós podemos situála como uma das autoras pioneiras do moderno romance regionalista brasileiro O texto revela com intensidade a problemática social do Nordeste a miséria a bruta realidade da seca da fome e da migração a desigualdade e a indiferença dos poderosos diante de tão grave situação Esse romance é um dos romances mais celebrados de Rachel de Queirós e tem como tema central a seca de 1915 e o drama vivido pelo sertanejo ali representado por Chico Bento e sua família Jorge Amado fecundo contador de histórias soube captar as contradições e os problemas de seu estado Bahia Forte nos temas e na extraordinária arte de escrever transportou para os livros a grandeza de sua terra iniciando o Ciclo do Cacau Conforme Alfredo Bosi Jorge Amado como Cronista de tensão mínima soube esboçar largos painéis coloridos e facilmente comunicáveis que lhe franquearam um grande êxito junto ao público Na maior parte de suas obras principalmente as primeiras que publicou apresenta preocupação políticosocial denunciando num tom direto lírico e participante a miséria e a opressão do trabalhador rural e das classes populares Cacau Suor Nas obras subseq u entes sua força poética voltouse cada vez mais para os pobres para a infância abandonada e delinq u ente para a miséria do negro para o cais de sua terra natal para a seca o cangaço a exploração do trabalhador urbano e rural e para a denúncia do coronelismo latifundiário O paraibano José Lins do Rego levou para as páginas de suas narrativas o telurismo emoldurado pela nostalgia de seu tempo de menino e de adolescente A região canavieira da Paraíba e Pernambuco em período de transição para a usina encontrou no ciclo da canadeaçúcar de José Lins a sua mais alta expressão literária José Lins sempre se declarou um escritor espontâneo e instintivo chegando a apontar como referência para sua escritura os cegos cantadores de feira amados e ouvidos pelo povo porque tinham o que contar Graciliano Ramos representa em termos de romance moderno brasileiro o ponto mais alto de tensão entre o eu do escritor e a sociedade que o formou O panorama social de suas obras é retratado de maneira rara pela força com que ele o apresenta9 Autor de linguagem direta e correta moldada num estilo seco conciso com poucos adjetivos soube equilibrar a investigação profunda dos problemas sociais nordestinos com a análise psicológica de seus personagens unindo regionalismo e intimismo Ele via em cada personagem de suas obras a face angulosa da opressão e da dor10 A realidade nacional foinos apresentada através de uma grande variedade de obras literárias e o romance regionalista tomou diversos rumos focalizando diversas regiões enquanto José Lins do Rego ao lado de Graciliano Ramos focalizaram de perto as transformações econômicas do Nordeste Jorge Amado encarnava o romance da Bahia ocupandose do negro e do mestiço o Rio Grande do Sul manteve sua tradição cultural através de Érico Veríssimo que encerrava sua tarefa com a obra O tempo e o vento seguido de Dionélio Machado Viana Moog Ciro Martins dentre outros Valores novos foram surgindo enriquecendo com o conto e o romance nossa literatura de ficção Otto Lara Resende Fernando Sabino etc Do drama humano incumbiuse a geração de 45 Nesse espaço de tempo isto é entre 40 e 45 houve como que uma cristalização de temas Depois novos escritores adquiriram firmeza técnica e maneira segura de expressão Iniciado o superregionalismo a partir de 45 a ficção brasileira passou por grandes experiências com o aparecimento de Guimarães Rosa autor que alcança êxito universal ao recriar a linguagem regional de forma extremamente elaborada dandonos mostra palpável de como a palavra é flexível e a língua conseq u entemente maleável Com Guimarães Rosa no decênio de 1950 nasce a terceira vertente do regionalismo classificada por Antonio Candido de superregionalismo Uma narrativa de cunho regional que no entanto apresenta o que o homem tem de mais universal O superregionalismo é uma espécie de superação do nacionalismo pitoresco mediante o tema regional crítico como veículo de uma expressão de cunho universalista Ou seja no superregionalismo a região deixa de ser particular para ser universal é o universalismo do discurso moderno11 1 Doutoranda em Literatura brasileira pela universidade de Brasília UnB 2 Antonio Candido Literatura espelho da América 1995 p 18 19 3 Tratase do regionalismo pósromântico de Simões Lopes Neto Valdomiro Silveira Afonso Arinos Coelho Neto M Lobato H de Carvalho Ramos com tendência a ressaltar o aspecto pitoresco que se estende à fala e ao gesto tratando o homem como parte da paisagem envolvendo ambos no mesmo tom de exotismo BOSI 1994 pp 207 214 4Idem ibidem 1994 p 212 5 Ver nota introdutória de Contos gauchescos por Luís Augusto Fisher 1998 pp 5 27 6 Idem ibidem pp 5 27 7 Alfredo Bosi História concisa da Literatura brasileira 1994 cap VIII 8 Ângela M Bde Castro Releitura de A bagaceira 1987 p 32 9 Alfredo Bosi op cit pp 332 405 10Idem ibidem 11 Antonio Candido op Cit p18